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Experimentacao Animal A Discussao Aprese
Experimentacao Animal A Discussao Aprese
Resumo: A utilização de animais em pesquisas vem sendo frequentemente debatida no âmbito acadêmico,
trazendo questões morais acerca da justificação de experimentos com animais, bem como sobre a
necessidade/utilidade destes experimentos em nível científico. Neste trabalho,objetiva-se, primeiramente,
apresentar a argumentação de Cora Diamond sobre a problemática da ética em experimentação animal e sobre
como a autora aborda a tensão entre defensores das pesquisas e defensores dos animais. Após isso,traçam-se os
argumentos básicos trazidos pela autora a fim de problematizar a questão. Em seguida, apresenta-se a abordagem
dos filósofos Peter Singer e Tom Regan acerca da consideração moral dos animais e da questão da
experimentação. Por último, busca-se definir o tratamento ideal a ser dado ao problema e inferir qual a melhor
abordagem para a questão da experimentação animal em uma filosofia moral.
Animal Experimentation: the discussion presented in scientific and ethical level from the
philosophical point of view of Cora Diamond, Peter Singer And Tom Regan
Abstract: The use of animals in researches has been often debated in the academic field, rising moral questions
concerning the animal experiments justification, as well the need/utility of these experiments in scientific level.
First, in this paper, itis aimed topresent Cora Diamond’s argumentation on the ethical issues related to animal
experimentation and about how she addresses the tension between supporters of research and animal advocates.
After that, it will approach the basic arguments brought by the author to problematize this question. In the
following, it will be presented the philosophical proposal of Peter Singer and Tom Regan concerning the moral
consideration of animals and the question of experimentation. Ultimately, this paperattempts to define the
optimal treatment to be regarding to the aftermentioned problem and to infer what is the best approach to the
issue of animal experimentation according to a moral philosophy.
*
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PPGF da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM-RS). Especialista em Direito Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail:
waleska.cardoso@gmail.com
**
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PPGF da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM-RS). Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS). Bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail:
garmendia_gabriel@hotmail.com
Introdução
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Todas as citações diretas desta obra são uma tradução livre dos autores.
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Revista Litterarius – Faculdade Palotina | Vol.11 | N. 03 | 2012 – ISSN 2237-6291
Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
dos posicionamentos filosóficos de Cora Diamond, Peter Singer e Tom Regan
Waleska Mendes Cardoso; Gabriel Garmendia da Trindade
Diamond inicia seu ensaio com a proposta de olhar para a disputa argumentativa entre
defensores e opositores da experimentação animal de forma diversa da que normalmente se
aborda. A autora refere que normalmente essa discussão é vista a partir da dicotomia entre os
“defensores da liberdade de investigação” e os “defensores dos animais”. Todavia, refere que
tal forma de ver a discussão é simplista e propõe analisa-la a partir de dois lados, cada um
com diversas perspectivas.
A autora classifica então os dois lados da seguinte maneira:
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Conforme pontua o filósofo norte-americano Tom Regan, existem três grandes áreas científicas nas quais os
animais são habitualmente utilizados, a saber: (i) educação biológica e médica, (ii), testes toxicológicos e (iii)
pesquisas aplicadas (REGAN: 2004, p. 363). Ademais, é importante frisar que o termo ‘vivissecção’ comumente
é usado para descrever a prática de dissecar um animal vivo, com vistas a certo tipo de estudo anato-fisiológico
ou alguma intervenção cirúrgica. Como é possível perceber, nem todos os três campos de atuação científica
supramencionados valem-se da prática da vivissecção. Todavia, por uma questão de comodidade, o termo aqui
será adotado como sinônimo de ‘experimentação animal’, ou, em um âmbito mais específico,
experimentos/pesquisas de cunho invasivo – i.e., aqueles que requerem infectar, cortar, inocular ou qualquer
outra forma de violação do corpo do animal.
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Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
dos posicionamentos filosóficos de Cora Diamond, Peter Singer e Tom Regan
Waleska Mendes Cardoso; Gabriel Garmendia da Trindade
A autora utiliza dois diagramas circulares para explicitar o que chama de Primeira
Visão (FirstView) e Segunda Visão (SecondView). Dentro do círculo da Primeira Visão
(DIAMOND, 1995, p.335) estão abarcados todos os experimentos aceitáveis e usos
justificáveis de animais em experimentos. O que transpassa o limite circular pode ser
caracterizado como os usos e manejos injustificáveis com animais, como tratamentos sádicos,
usos com imperícia (por pessoas sem competência técnica adequada) e negligência (devido à
ignorância ou ao treinamento inadequado dos operadores). Ou seja, para os defensores da
Primeira Visão, o uso em si dos animais em pesquisa não é eticamente questionado. Em
outros termos, a experimentação animal, per se, não seria um problema moral, mas apenas os
casos que ultrapassarem o limite do círculo. Ainda, uma vez que em determinados casos a
experimentação animal é totalmente justificada, caberia apenas ao cientista decidir qual
modelo animal e quantos animais usar no seu experimento, não havendo qualquer necessidade
de reavaliar o uso e buscar métodos alternativos, tendo em vista que animais seriam apenas
instrumentos delicados e peças caras a serem manejados com cuidado.
Na Primeira Visão, após determinar certos padrões de tratamento dos animais (o que
está dentro do círculo), as únicas questões que surgem são as de cunho técnico, profissional –
de julgamento dos cientistas. Já na Segunda Visão, as questões impostas acerca do tratamento
com os animais não são limitadas aos julgamentos dos cientistas, mas trazem o animal para o
centro da discussão moral, semelhante ao que ocorre quando a discussão se dá acerca do uso
de seres humanos em pesquisa.
Diamond adverte que, em experimentos feitos em seres humanos, há uma série de
condições que devem ser sopesadas a fim de aprovação da pesquisa, como os riscos possíveis
para o sujeito/cobaia e os benefícios da pesquisa para o sujeito/cobaia e para os outros, além
do consentimento dentre outros critérios.
O segundo diagrama (DIAMOND, 1995, p. 338) apresenta tensões dentro do círculo,
tendendo ao centro, que significam o que seria justificável em termos de experimentação. O
que diferencia os dois diagramas (e consequentemente as duas visões) é que na Segunda
Visão, os animais não são considerados delicados instrumentos, mas criaturas com uma vida
própria;
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Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
dos posicionamentos filosóficos de Cora Diamond, Peter Singer e Tom Regan
Waleska Mendes Cardoso; Gabriel Garmendia da Trindade
[...] assim, nossa interferência sistemática na vida do animal para nossos fins e
também a criação de uma vida animal para satisfazer nossas finalidades é vista como
diferente de produzir e utilizar um microscópio ou qualquer outro equipamento para
nossos fins (DIAMOND, 1995, p. 338).
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Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
dos posicionamentos filosóficos de Cora Diamond, Peter Singer e Tom Regan
Waleska Mendes Cardoso; Gabriel Garmendia da Trindade
Quanto a essa posição, Diamond refere que não é possível recorrer a princípios gerais
de moralidade para determinar que seres com similaridades empíricas devem ser tratados de
forma semelhante, assim como seres diferentes devem ser tratados de forma diferente. Isso
porque, segundo a autora, a moralidade é bastante peculiar, já que não considera que o
homem possa ser considerado um agente moral, no sentido de: 1 – ser capaz de encontrar
fatos, 2 – entender e aceitar princípios gerais e 3 – aplicá-los em casos atuais. Sua ideia de
moralidade é que não podemos resolver questões morais ao aplicar princípios gerais. Dessa
forma, seria um critério apenas subjetivo decidir sobre o porquê seria errado maltratar um
gato. Em outras palavras, a moral, para a filósofa é relativa e subjetiva, portanto de moral não
se trataria.
Em síntese, a autora refere que a disputa principal entre as duas visões não reside na
discussão sobre uma questão moral (se é dado nenhum/menor/igual valor ao animal em
comparação com o humano), mas sim na discussão do que se enquadraria como questão
moral. Para a Primeira Visão, não há nada de moral na discussão do uso em si de animais em
pesquisa; em outras palavras, a utilização de animais em pesquisa não pode ser considerada
um problema moral. Ao contrário, para a Segunda Visão, os animais são considerados alvo
das preocupações morais, independente de serem os experimentos bem ou mal conduzidos;
assim, a justificação de um experimento animal consiste em um tema dos debates morais.
De fato, a autora consegue, em sua classificação, determinar o motivo pelo qual se faz
tão difícil o diálogo entre defensores das duas visões e porque, por exemplo, as disciplinas de
ética em pesquisa e bioética raramente tratam da questão da experimentação em animais de
forma aprofundada, perquirindo-se sobre a justificação do uso dos animais em pesquisa, ou
sobre a (i)moralidade de tais práticas.
Uma vez identificado o motivo da dissonância de posicionamentos, é possível iniciar
uma discussão sobre a ética na experimentação animal, partindo-se de uma moralidade
objetiva, diversamente do que propõe a autora, e questionando-se quais os seres devem ser
objeto de preocupação moral e por quê. A seguir, são apresentadas algumas considerações
referentes aopensamento do filósofo e bioeticista australiano Peter Singer quanto ao uso de
animais em pesquisa e aos questionamentos morais que advêm dessas práticas.
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Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
dos posicionamentos filosóficos de Cora Diamond, Peter Singer e Tom Regan
Waleska Mendes Cardoso; Gabriel Garmendia da Trindade
Tanto não é uma questão moral para os defensores da Primeira Visão que alguns
abertamente afirmam:
Como ressalta o bioeticista, os cientistas podem ser brilhantes, mas são completamente
ignorantes em termos filosóficos. “Não conheço um único filósofo escritor profissional, que
concorde hoje que não ‘faz sentido’ ou é ‘impossível’ incluir os animais em nosso sistema
ético ou que os experimentos em animais não levantem questões de ordem moral.” (SINGER:
2004, p. 84). Desse modo, Singer enquadra-se na Segunda Visão e para ele existe um
problema de justificação moral no uso de animais para experimentos científicos.
Singer é um utilitarista preferencial, para o qual uma ação moral é aquela em que se
maximizam as preferências individuais dos sujeitos considerados, atentando para o bem-estar,
sopesando-se de forma semelhante os interesses semelhantes dos seres atingidos pela ação.O
princípio da igual consideração de interesses semelhantes obriga o agente moral a considerar
interesses semelhantes, da mesma forma, independente de se tratar de um animal, ou de um
humano.
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Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
dos posicionamentos filosóficos de Cora Diamond, Peter Singer e Tom Regan
Waleska Mendes Cardoso; Gabriel Garmendia da Trindade
Inicialmente cabe ressaltar que Singer afirma não existir igualdade material (fática)
entre os humanos, assim, a exigência de igualdade de tratamento não se baseia em uma
igualdade fática. “A defesa da igualdade não depende da inteligência, da capacidade moral, da
força física ou de outros fatos similares. A igualdade é uma ideia moral, não é a afirmação de
um fato.” (SINGER, 2004, p. 6). Outrossim, acerca do tópico da igualdade e da consideração
de interesses, Singer vai mais além, de modo a argumentar que:
Dessa maneira, ao praticar uma ação, o agente moral deve sopesar os interesses dos
indivíduos afetados por sua ação, de modo a considerar de forma semelhante, os interesses
semelhantes em jogo. Se humanos e animais ambos sentem dor, essa dor deve ser considerada
igualmente no julgamento de uma ação moral.
No caso específico de experimentos científicos e de acordo com o utilitarismo
preferencial de Singer, o experimento que pretende utilizar – e obviamente causar dor,
sofrimento e morte a –v.g. cem animais, deve considerar o sofrimento (resultado negativo)
infligido nesses cem indivíduos e garantir, pelo menos, o fim do sofrimento (resultado
positivo) de cento e um indivíduos beneficiados pelo experimento. E, obviamente, tal
experimento deve ser de tamanha relevância a ponto de justificar ser praticado igualmente em
seres humanos com lesões cerebrais. Assim, Singer expõe:
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Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
dos posicionamentos filosóficos de Cora Diamond, Peter Singer e Tom Regan
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que possam ser as provas em favor desses benefícios. O princípio ético da igual
consideração de interesses excluiria alguns meios de se obter conhecimento. Nada
há de sagrado acerca do direito de se buscar conhecimento. Já aceitamos muitas
restrições à iniciativa científica. Não acreditamos que os cientistas tenham direito
geral e irrestrito de realizar experimentos dolorosos ou letais em seres humanos sem
seu consentimento, embora haja muitos casos em que tais experimentos serviriam
para que o conhecimento avançasse muito mais rapidamente do que qualquer outro
método. Agora necessitamos ampliar o âmbito das restrições no tocante à pesquisa
científica (SINGER, 2004, p. 102).
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Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
dos posicionamentos filosóficos de Cora Diamond, Peter Singer e Tom Regan
Waleska Mendes Cardoso; Gabriel Garmendia da Trindade
A tortura de um ser humano é quase sempre errada, mas não é absolutamente errada.
Se a tortura fosse a única maneira de se descobrir a localização de uma bomba
nuclear escondida em algum porão da cidade de Nova York, programada para
explodir em uma hora, a tortura se justificaria. [...] Vimos que experimentadores
revelam um preconceito a favor de sua própria espécie sempre que realizam
experimentos em não-humanos com objetivos que não considerariam justificáveis
em humanos, mesmo em humanos com lesões cerebrais. Como preconceito
especista, a exemplo de um preconceito racista, é injustificável, nenhuma
experiência pode se justificar, a menos que seja tão importante que a utilização de
um ser humano com lesões cerebrais também possa se justificar. Não é um princípio
absoluto. Não acredito que jamais se possa justificar a realização de uma experiência
em um ser humano com lesões cerebrais. Se realmente fosse possível salvar várias
vidas mediante um experimento que tirasse apenas uma vida, e não houvesse outra
maneira de salvá-las seria correto realizar o experimento (SINGER, 2004, p. 94).
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Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
dos posicionamentos filosóficos de Cora Diamond, Peter Singer e Tom Regan
Waleska Mendes Cardoso; Gabriel Garmendia da Trindade
violação dos direitos animais: “Se os animais têm direitos não é uma pergunta que possa ser
respondida dizendo-se o quanto a vivissecção beneficia os seres humanos.” (REGAN, 2006,
p. 218); 2 – o argumento omite os inúmeros casos em que houve danos aos humanos em
decorrência da vivissecção (talidomina, relação do cigarro com câncer de pulmão etc.); 3 – o
argumento superestima os benefícios para os humanos e subestima os danos para os mesmos
humanos, não traçando uma metodologia adequada para comparar benefícios e danos intra-
espécie; assim, não se pode afirmar, com certeza científica, se os experimentos em animais
são benéficos ou maléficos para os humanos; 4 – por conseguinte, não traça também qualquer
metodologia para comparar benefícios e danos entre espécies – ou seja, “quanta dor animal é
igual a quanto alívio humano proporcionado por uma droga que tenha sido testada em
animais?” (REGAN, 2006, p. 220).
Para entender o posicionamento de Regan, cumpre ressaltar alguns pontos de sua
teoria moral. Para o filósofo, os interesses dos animais são considerados como moralmente
relevantes, sendo considerado por Diamond também como um defensor da Segunda
Visão.Regan trabalha com a ideia de valor inerente. O autor utiliza a noção de justiça formal,
a qual denomina igualdade dos indivíduos, que envolve considerar alguns indivíduos
portadores de valores em si (REGAN, 2004, p. 235-236).
Nas palavras de Regan, “considerar agentes morais como portadores de valor inerente
é vê-los como diferentes de, e algo mais do que, meros receptáculos do que tem valor
intrínseco.” (REGAN, 2004, p. 236). Conforme o filósofo, todos os agentes morais possuem
igual valor inerente. Não havendo diversos graus de valor inerente, não há necessidade de se
estabelecer um critério para afirmar qual indivíduo tem mais valor inerente, já que todos que o
possuem, o possuem igualmente. Essa concepção implica não tratarmos com justiça um
agente moral se o tratarmos meramente como instrumento. Assim, não há justificativa moral
para matar, aprisionar ou ferir qualquer agente moral, mesmo que para produzir qualquer
bem. Regan vai além e afirma que além dos agentes morais, os pacientes morais também
possuem valor inerente (REGAN, 2004, p. 240), a partir da noção de interesses, também
utilizada por Singer.
Nesse sentido, seres com interesses semelhantes devem ter tratamento semelhante
quanto ao respeito/desrespeito desses interesses. Se um agente moral e um paciente moral
possuem o interesse em não sofrer, não há qualquer critério,se não o próprio fato de sentir dor,
que justifique dar tratamento diferente para interesses semelhantes. Dessa forma, o mesmo
dever direto que temos de evitar a dor de um agente moral, o temos para com o paciente
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Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
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moral. O fato de que interesses devam ser respeitados pressupõe o fato de o interessado ter
direito a ter esse interesse respeitado. Assim, Regan trabalha com a noção de direito ao
respeito, como um direito moral básico, anterior a qualquer outro direito moral que o sujeito
venha a ter. E ter direito ao respeito significa que se pode exigir, e não apenas pedir, respeito
ao interesse básico tutelado. Por conseguinte, seres que possuem direito ao respeito são
aqueles cujos interesses não podem ser desprezados em qualquer sentido significativo, ou
seja, não podem ser utilizados meramente como um meio para o fim de outrem.
Regan considera que todo o sujeito-de-uma-vida tem valor inerente, diverso e
independente do valor instrumental que outros estabelecem,interesses a serem respeitadose,
portanto, direitos morais. Sujeito-de-um-vida é todo aquele que possui:
crenças e desejos; memória, e uma percepção do futuro que inclui o seu próprio;
uma vida emocional, bem como sensações de prazer e dor; preferências–bem-estar–
interesses; a habilidade de dar início a uma dada ação em busca de seus desejos e
objetivos; uma identidade psicológica para além do tempo; e um bem-estar
individual no sentido de que sua vida experiencial ocorra bem ou mal para este ser,
logicamente independente de sua utilidade para outros indivíduos, ou de ser alvo dos
interesses de outrem (REGAN, 2004, p. 243).
Assim, todos aqueles humanos e animais que possuem tais características devem ter
seus interesses considerados pelo agente moral, ao decidir por determinada ação.Nesse
contexto insere-se o problema da experimentação animal. O animal cobaia tem o interesse em
não sofrer e em permanecer vivo, assim como qualquer outro sujeito-de-uma-vida.Desse
modo, qualquer experimento que propuser a utilização de um animal, deve passar pelos
mesmos questionamentos e critérios estabelecidos para avaliar um experimento feito com
humanos, tendo em vista que ambos (humanos e animal) são sujeitos-de-uma-vida e possuem
interesses moralmente relevantes, não se podendo tratar o interesse de um diversamente do de
outro. Para Regan, então, casos de utilização de animais para experimentos, são casos de
violação de direitos morais, devendo ser coibidos, da mesma forma como é proibido utilizar
um humano para experimentos, sem o seu consentimento.
Para finalizar, Regan aborda um ponto que é realmente a chave para tratar da
justificação moral em experimentos com animais: a questão do melhor modelo científico,
mesmo que para beneficiar a humanidade, é diversa e independente da questão moral que se
levanta acerca do uso dos seres em experimentos. Para a ciência, o melhor modelo científico
para vivissecção, quando o objetivo é o conhecimento do organismo, descoberta de curas,
tratamentos para humanos, é o próprio humano.
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Dessa maneira, Regan chega a um ponto bastante crucial da discussão sobre o uso de
animais para pesquisas que, em tese, beneficiariam humanos. Se a ciência realmente estivesse
interessada em encontrar as curas e os melhores resultados de pesquisas para a saúde humana,
de forma imoral, utilizar-se-ia de cobaias humanas, tendo em vista que o melhor modelo
científico para o humano é o próprio humano. Entretanto, nenhum benefício imaginável ao
humano pode justificar a inflição de dor e sofrimento em qualquer indivíduo que seja capaz de
sentir dor e sofrimento. Do mesmo modo, não há qualquer justificativa moral para utilizarem-
se animais em experimentos, mesmo com a promessa de cura para a pior doença que assola a
humanidade. E essa ausência de justificativa se dá também no âmbito científico, tendo em
vista que os testes feitos em animais não correspondem ao melhor modelo científico a ser
utilizado e têm grandes problemas na transposição dos resultados para espécie humana,
quando, por não raras vezes, são inconclusivos.
moralidade algo mais do que apenas perseguir preferências egoístas em detrimento dos
interesses alheios deve ser problematizado de maneira distinta.
Para Diamond, considerar os interesses dos animais para fins de objetar seu uso em
pesquisas seria apenas uma demonstração de piedade humana e nunca poderia ser considerada
uma obrigação moral. O que traz uma inquietante questão sobre como ela poderia, através
dessa ideia de moralidade, objetar qualquer experimento em qualquer humano, tendo em vista
que não existe um princípio geral de moralidade a servir de possível solução para problemas
morais, seja entre humanos, seja entre humanos e animais. Por fim, embora a classificação
trazida por Diamond para distinguir as posições entre cientistas e defensores dos animais
apresente a discussão da experimentação animal sob um prisma wittgensteniano, ela falha ao
não tratar adequadamente da verdadeira questão central em voga: obrigação de legar igual
consideração aos interesses dos animais.
Cumpre referir que segundo a abordagem de Diamond, a celeuma consiste no fato de
definir o que seria ou não objeto de discussão moral. A tensão entre as duas Visões definidas
pela autora não seria sobre uma determinada questão moral (moralidade do uso de animais em
pesquisas; consideração de interesses dos animais), mas uma questão sobre o que é objeto da
moralidade.
Todavia, uma das objeções feitas por cientistas e defensores da Primeira Visão é a de
que a decisão sobre a utilização de animais em pesquisa caberia somente aos experts e
cientistas e nenhuma outra área deveria intrometer-se na discussão. Seguindo seu próprio
argumento de que não há qualquer questão moral no uso de animais em pesquisas porque só
caberia aos cientistas decidir sobre o assunto, pode-se objetar na mesma linha, afirmando que
não cabe aos cientistas decidir o que é objeto das preocupações morais e que o debate sobre a
moralidade do uso de animais em pesquisas não pode ser resolvida apenas por cientistas, mas
sim por filósofos morais. Ou seja, se somente cientistas são capazes de discutir sobre temas
envolvendo ciência, somente a um filósofo moral caberia a discussão acerca de que assuntos
devem ser considerados moralmente; somente ao filósofo moral compete decidir o que é ou
não objeto da moralidade.
A consequência primeira dessa posição é que as comissões de ética em
experimentação devem ser compostas exclusivamente por membros que se detenham em
examinar questões morais, o que não ocorre atualmente. Vê-se que as comissões acabam
exarando pareceres técnicos, sem adentrar em questões morais, o que deveria ser o objeto de
deliberação, tendo em vista serem denominadas comissões de ética e não de técnica.
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Experimentação animal: a discussão apresentada em nível ético e científico a partir
dos posicionamentos filosóficos de Cora Diamond, Peter Singer e Tom Regan
Waleska Mendes Cardoso; Gabriel Garmendia da Trindade
Referências bibliográficas
DIAMOND, C.; BLOCK, N.; PUTNAM, H.The realistic spirit: Wittgenstein, Philosophy
and the Mind. Cambridge: A Bradford Book, 1995.
REGAN, T. Jaulas vazias: Encarando o desafio dos direitos dos animais. Porto Alegre:
Lugano, 2006.
REGAN, T. The case for animal rights. Los Angeles: University of California Press, 2004.
REGAN, T; COHEN, C. The animal rights debate. Lanham: Rowman & Littlefield
Publishers, 2001.
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