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SEMINÁRIO ARQUIDIOCESANO DE BRASÍLIA

NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

CURSO DE TEOLOGIA

BRUNO SILAS SILVA GAUDENCIO

SÍNTESE DO TRATADO DE TRINDADE

MARÇO DE 2022
BRASÍLIA -DF
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade apresentar as principais ideias e


questões do tratado da Trindade. Este ramo da teologia de uma maneira muito
singular é extremamente vasto, as diversas situações históricas que compõe as
formulações teológicas trinitárias são intensas e complexas.

Soma-se a isso as dificuldades em torno de reflexões especulativas-


teológicas que são fundamentadas nas Sagradas Escrituras e no Magistério.
Mas, que não nos tiram do grande desafio de tentar compreender algo ou
alguns aspectos de uma verdade de fé revelada que sempre estará muito
acima das nossas capacidades humanas.

Importa ainda dizer que muitas são as referências e abordagens a


respeito desse tema, o escopo desse trabalho é o de sintetizar modestamente
os ensinamentos da teologia católica a respeito desse tema tão rico e, ao
mesmo tempo, desafiador.

O estudo trinitário é uma formulação autêntica do que entendemos por


teologia, uma vez que, o objeto formal é o próprio Deus em si. Partimos do
pressuposto de que o conhecimento a respeito da Trindade é uma novidade do
Novo Testamento, no qual encontramos a plenitude da revelação.

Não teremos a pretensão de analisar discussões ou tratados atuais


sobre o tema da trindade, em virtude dos limites acadêmicos dessa síntese, e
também pela simples razão de ainda serem questões meramente
especulativas.

Por fim, esta síntese está divida em três partes: a primeira trata do
mistério da Trindade no contexto no Antigo e Novo Testamento; a segunda,
coloca este tema sob o prisma da Tradição e do Magistério da Igreja e a última
uma apresentação objetiva das principais questões deste tratado.
I. O mistério de Deus nas sagradas Escrituras

1. O Deus Único e Transcendente no Antigo Testamento

A revelação é a autocomunicação divina na história humana, parte do


tesouro da fé, às Sagradas Escrituras apresentam esse evento contínuo e
progressivo, do qual a teologia se ocupa em todos os seus campos. Deus se
apresentou ao entendimento a maneira humana 1, em todo o conjunto bíblico,
Antigo e Novo Testamento, relatam o processo, no qual, Deus se revelou.
A noção trinitária é uma novidade do Novo Testamento, é possível ler o
Antigo Testamento, com a perspectiva neotestamentária, e assim, identificar
traços e sombras desse mistério revelados na Pessoa e nos atos de Jesus
Cristo, o Verbo encarnado.
Em Gl 4, encontramos que Deus Pai enviou o seu filho para que a
salvação fosse levada ao gênero humano:

4Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o


seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, 5para
remir os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a
adoção filial. 6E porque sois filhos, enviou Deus aos nossos
corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba, Pai! 7De
modo que já não és escravo, mas filho. E se és filho, és
também herdeiro, graças a Deus (JERUSALÉM, p. 2035).

Em virtude dessa intervenção divina, a encarnação do Verbo, obtemos


um entendimento da existência de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Além disso,
esse Pai, Deus Pai, é aquele Deus que elegeu um povo específico, e se
relacionou nessa terra, a terra de Israel. Este é o Deus de Abraão, Issac e
Jacó. O Senhor da Aliança, como apresenta o prólogo da epístola aos hebreus:
“1Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos
profetas; 2agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a
quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos”.
Deus se revelou a um povo específico, o povo eleito, mas encontramos
no prólogo de Hebreus e em Gálatas 4, 4+, que Deus enviou o seu Filho. Só

1
Cf. Dei Verbum n. 12
pode ter um filho quem é Pai. E essa também é uma novidade do Novo
Testamento. No Antigo Testamento, encontramos raríssimas passagens, nas
quais Deus se apresenta como Pai, e quando isso acontece é em referência a
paternidade exercida em Israel2. Ladaria defende que:

A revelação neotestamentária pressupõe a do Antigo


Testamento. Nele Deus deu-se a conhecer como o Deus da
aliança, que estabeleceu com o povo de Israel, seu eleito, um
pacto de amor profundo na predileção divina. [...] O povo de
Israel não contemplou com muita frequência a paternidade de
Deus em uma perspectiva universalista, mas antes a relaciona
com a predileção que Deus lhe mostrou e lhe segue
manifestando com a saída do Egito, a aliança, a concessão da
terra prometida etc. Assim Israel é o filho e o primogênito de
Deus (LADARIA, 2005, p. 57-59).

Portanto, a noção de paternidade e assistência divina do povo de Israel


é muito diferente do entendimento de Deus Pai, Criador que envia o seu Filho
unigênito para a redenção da humanidade.
É valido esclarecer também que embora toda as ações divinas sejam
de caráter trinitário, as Escrituras são claras em apresentar os papeis diversos
das pessoas divina. O papel do Pai é diferente do Filho, que se distingue do
Espírito Santo, embora todos estejam alinhados em perfeita unidade.
O Catecismo da Igreja Católica, §199-202.212-213, defende a
necessidade da compreensão em relação a singularidade da fé de Israel
paralelamente as outras religiões e culturas. No caso em questão, existe uma
aliança entre Deus e os homens, na qual a iniciativa é do próprio Deus. Ele se
revela aos patriarcas Abraão, Issac e Jacó, escolhe um povo particular, Israel,
e sustenta essa fé através da tradição judaica.
Deus atua de forma sinérgica e viva: atua, salva e liberta Israel. Ele
cumpre as suas promessas, forma a sua aliança e não abandona o seu povo.
Nesse contexto, surge o monoteísmo, como caminho coerente e seguro em
face as ameaças politeístas do Antigo Testamento. Assumir o monoteísmo foi
um grande desafio para Israel, que se prostituiu idolatrando Baal.
O nome divino foi revelado a Moisés, como uma tentativa de exprimir
na linguagem humana a infalibilidade divina, na cena da sarça ardente, no

2
Cf. Ladaria, 2015, p.59.
deserto (Ex 3, 13-14). Deus se apresenta como “Aquele que é”, “Eu sou”. Deus
está acima de toda realidade existente. Porém, se faz próximo do homem.
Moisés pede a Yahweh para informar o seu nome afim de identificar a
sua pessoa divina na realidade daquele povo. Esse Deus tem nome, é
particular e se distingue de todos os outros deuses ou crenças.
Nesse sentido, Deus entra na realidade de Israel, se dá a conhecer
como alguém próximo, do qual é possível invocar e ser atendido. É importante
destacar que esse conhecimento do nome “Eu sou” não abarca a plenitude
própria de Deus, aliás seria impossível a realidade humana algo semelhante.
Todavia, Yahweh não é mais desconhecido ou mesmo inalcançável.
Além disso, encontraremos no Antigo Testamento outros nomes
atribuídos a Deus como Adonai (“Meu Senhor) e Elohim (Deus em geral),
sendo este o mais encontrado nos relatos do Antigo Testamento.
Embora nos períodos históricos de redação dos livros do Antigo
Testamento não encontraremos a definição do conceito de pessoa, tão
importante para a compreensão da dinâmica trinitária. Existem referências ao
significado ao qual se destina. Tanto que existe uma certa característica de
pessoalidade em relação a Iahweh nos escritos veterotestamentários que se
manifesta mediante diversos aspectos e figuras. Em virtude da maneira
humana pela qual a Revelação se desenvolveu.
Se por um lado Deus se comunica a razão humana e se utiliza de
elementos do mundo físico para transmitir a si mesmo. Por outro lado,
precisamos entender que a essência divina e seus atributos são infinitamente
superiores as possibilidades do intelecto humano. Por isso, qualquer linguagem
ou abordagem será imperfeita. Porém, é possível conhecer algo a respeito de
Deus, não se trata de esgotar o assunto, pois seria impossível, mas reconhecer
que no Antigo Testamento Deus se utiliza das imagens e do contexto histórico
daquela época.

1.1 Os atributos do Deus da Aliança

Registre-se ainda que no Catecismo da Igreja Católica (§214-217), o


Antigo Testamento é apresentado como base para a compreensão dos
atributos de Deus manifestos na história da salvação.
Os atributos divinos não são resultado de projeções ou invenções
humanas, muito menos de antropomorfismos. Mas, fazem referência direta a
maneira pedagógica de Deus ao seu autocomunicar.
Cabe-se, por oportuno, colocar em evidência o quadro esquemático de
Müller (MÜLLER, p.178):

Predicados Passagens bíblicas


A unidade e a simplicidade de Deus, Rm 3, 30; Jo 4, 24; 2 Cor 3, 17:
por exemplo, o ser. “Deus é espírito”; cf. 1 Jo 4, 8: “Deus
é amor”.
A perfeição de Deus, que não tem Is 40, 13; Eclo 43, 29; Sl 92, 9; At 17,
carência nem atua por necessidade, 24s; Rm 11, 34.
nem mantém suas criaturas numa
dependência escravizante, como os
deuses do mito, que utilizam os
seres humanos como escravos.
A eternidade de Deus, ou seja, sua Dt 12, 7; 33, 27; Is 26, 4; 33, 14; 40,
superioridade sobre o tempo e, por 28; Sl 9, 8; 2 Mc 1, 25; Sl 145, 3.
conseguinte, sua presença imediata
em todo momento.
Resulta daí, como implicação, sua
imensidão, ou sua infinidade atual,
sua ilimitação (esp. Em Gregório de
Nissa, Eun. 3; Tomás de Aquino, S.
Th. I, 1. 7).
Sua imutabilidade. Não significa 1 Sm 15, 29; Nm 23, 19; Sl 102, 27;
rigidez ou imobilidade, mas a Is 40, 10; 41, 4; 44, 6; Ml 3, 6; Hb 6,
identidade pessoal e a mesmidade 17; 13, 8; Rm 11, 29; Tg 1, 17.
do ser e a vontade de Deus, sua
fidelidade. Deus não é influenciado
pelo mundo, mas realiza
soberanamente seu plano salvífico.
Sua onipresença e sua onisciência. Ex 19, 11. 18.20; 1 Rs 8, 27; Is 40,
15ss; 48, 3; Br 3, 36; Sb 19, 1; Rm
11, 36; At 17, 24.
A onipotência e a onieficiência de Gn 17, 1; 28, 3; 48, 3; 49, 25; Ex 6, 3;
Deus, seu domínio universal, sua Rt
fortaleza (cf. o domínio e o Reino de 1, 20; Jt 16; Jó 22, 17; 2 Mc 1, 24s; 8,
Deus). 18; Pantocrator: 2 Mc 1, 14; Sl 33, 9;
Ap 19,
6s.

Existem passagens muito bonitas que nos falam dessa realidade, o


próprio profeta Oseias no capítulo 11 diz: “quando Israel era criança, eu o
amava, do Egito chamei meu filho” e a famosa citação de Mateus: “quanto mais
eu os amava, mais eles se afastavam, queimavam incenso aos seus ídolos,
sim fui eu quem ensinou Efraim a andar (olha que bonito essa imagem, um Pai
que ensina o Filho a andar) segurando-o pela mão, só que eles não percebiam
(Deus está lá nos ensinando a andar e a gente não percebe) que era eu quem
deles cuidava. (Veja a figura de Pai, ensina a andar e cuida).
Aqui é Deus que é Pai do Povo todo. “eu os lacei com laços de
amizade, os amarrei com cordas de amor, fazia com eles como quem pega
uma criança ao colo e a traz junto ao rosto.” Quando você pega uma criança
novinha no colo, quando você a aproxima do seu rosto, o rosto dela se ilumina
quando vê outro rosto. É de uma poesia extraordinária.
Isso para notarmos que no AT se fala de Deus como Pai, mas é Pai do
povo. Somente no período do final do AT, no período com mais influência
helenística, os livros sapienciais é que vão começar a falar de Deus como Pai
por causa da criação. Mas, isso é uma revelação tardia. Isso tem toda a lógica,
pois quando Deus chama Abraão, ele não era monoteísta, ele era henoteísta,
foi somente com o passar do tempo que o povo foi notando que os outros
deuses não eram deuses verdadeiros. Foi com a pregação dos profetas que
isso aconteceu.
É um período bem posterior, os deuses dos outros povos são falsos, e
quando percebem isso é que começa com esse pensamento de que Deus é o
Criador do Céu e da Terra. É algo bem arcaico, o relato do 2º capítulo de
gênesis, que fala da Criação, mas não é tão antigo quanto Abraão,
possivelmente quando Abraão foi chamado por Deus, ele não tinha a noção de
que Deus era o criador do Céu e da Terra.

2 O Deus trinitário no Novo Testamento

A Revelação encontrou a sua plenitude com a Encarnação do Verbo,


que comunicou a humanidade de modo suficiente a mensagem de salvação
mediante suas obras, ensinamentos e testemunho. Houve, de fato, um
desvelamento do mistério de Deus.
Deus se apresenta a partir de três pessoas divinas com papéis
específicos, é uma comunhão de amor. Esta é uma grande novidade frente ao
monoteísmo israelita (CIC §234).
Joaquim Jeremias (teólogo evangélico alemão) “A mensagem central
do Novo Testamento”, tem uma edição pela Paulus, mas atualmente esse livro
está sendo comercializado pela Editora Academia Cristã Limitada. Nós temos
esse famoso exegeta que fala da mensagem central do novo testamento, 1º
Capítulo se chama Abba, essa é a mensagem Central do NT.
Joaquim através de seus estudos coloca no primeiro capítulo Deus Pai
no AT, mostra as várias ocasiões em que Deus é mencionado como Pai, e ele
faz uma pesquisa também para colocar quando que Deus foi chamado de Pai
no judaísmo palestinense, ele investiga o Tamuld, quando que Deus é
chamado de Pai. E depois ele analisa o Abba na oração de Jesus no Horto das
Oliveiras que é relatado por São Marcos, mas que também está presente em
outras orações na forma traduzida: Pai.
Todavia, é possível entender que existem sinais velados da Trindade
no Antigo Testamento. Tanto que durante a história da Igreja, os santos padres
fizeram uma distinção importante entre Trindade econômica e Trindade
imanente
Todas as vezes que Jesus se dirige a Deus, ele sempre chama de Pai.
Isso nos autoriza a pensar que todas as vezes que Jesus falava ele dizia Abba.
A oração que Jesus faz na Cruz: “Meu Deus, Meu Deus, por que me
abandonaste? Não constitui uma exceção propriamente, porque sabemos que
é uma citação de um salmo e não uma oração espontânea de Jesus.
Se vê claramente todo o esforço do teólogo Joaquim Jeremias para
concluir que estamos diante de algo que seguramente do Jesus histórico. No
Catecismo da Igreja Católica, §236, encontramos que o termo Trindade
econômica faz referência aos vestígios e figuras do mistério trinitário no Antigo
Testamento. Ao passo que, a Trindade imanente é aquela encontrada pelo
princípio de identidade. Nesse sentido, a economia da salvação
pedagogicamente conduz o homem para a compreensão do mistério.
Em Lc 1, 26-37, encontramos que a Encarnação de Jesus Cristo
envolve as três pessoas divinas: O Pai envia o arcanjo, o Verbo se encarna e a
obra é realizada pelo Espírito Santo. No Batismo do Jordão (Mc 1, 9-11), o Pai
manifesta a sua voz, identificamos a filiação de Jesus e o Espírito Santo
aparece em forma de pomba. A Transfiguração de Jesus (Mt 28, 19-20), revela
a voz do Pai que testemunha, Jesus é testemunha e o Espírito Santo se
apresenta em forma de nuvem.
Deus é apresentado de modo pleno em sua paternidade no Novo
Testamento. Porém, nos escritos veterotestamentários o termo “Pai” carrega o
significa de criador de todas as coisas e da bondade benevolente de Deus para
com todos.
Por outro lado, no Novo Testamento Jesus chama Deus de “meu Pai”,
em referência a consciência de sua filiação divina. O Filho de Deus é eterno e
foi enviado pelo Espírito Santo. Jesus vive e age em comunhão perfeita com o
Pai (Cf. Catecismo da Igreja Católica, §241-242).
Além disso, a paternidade divina relatada por Cristo aponta para as
relações intrínsecas entre Pai e Filho. Encontramos em Jesus sua
personalidade divina igual a natureza do Pai.

A identidade do filho

Nos Evangelhos sinóticos, encontramos as expressões “Filho do


Homem” e “Filho de Deus” atribuídas a Jesus. Em João, desde o prólogo
encontramos referências ao “Verbo de Deus” e “Unigênito do Pai” que a
precedência divina do Verbo (preexistência) e a sua consubstancialidade com o
Pai.
Entretanto, no Antigo Testamento, as prefigurações de Cristo mais
comuns são a de Anjo do Senhor que aparecesse com uma missão de
salvação; Palavra de Deus mediante a qual tudo foi criado e a Sabedoria que
apresenta como o Universo foi organizado e projetado.

A revelação de Deus Espírito Santo

Nos escritos neotestamentários, o termo “Espírito” é amplamente


utilizado com muitos significados. Porém, a missão do Espírito Santo é explicita
e singular, bem como sua identidade. Ele procede do Pai (Jo 14, 26), é
portador da herança divina (Jo 16, 14), ouve, revela, é caminho seguro para a
verdade, dá testemunho e glorifica o Cristo.
Além disso, encontraremos as intervenções do Espírito Santo no
Batismo de Jesus no Jordão, nas suas pregações, na santificação de João
Batista, Zacarias, Simeão, Isabel e Maria, dos apóstolos e de toda a Igreja,
após a ressureição.
No Antigo Testamento, a principal prefiguração do Espírito Santo é o
“Espírito do Senhor”, que motiva os profetas e se revela como um dom para a
santificação dos homens.
II. O MISTÉRIO DE DEUS NA TRADIÇÃO E NO MAGISTÉRIO DA
IGREJA

1. A época pré-Niceia

Os primeiros lugares de manifestação da fé trinitária, pode se dizer,


estão relacionados as fórmulas batismais. Em ordem ao mandato de Jesus: “
Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19-20), encontramos em
documentos como a Didaché (cf. I Apologia, 61, 3-13), embora este escrito seja
complicado para formularmos uma teologia trinitária, devido a sua
heterogeneidade, redigida por vários autores. Também encontramos
referências para a teologia trinitária nos padres apostólicos e nos padres
apologistas, embora seja uma teologia muito arcaica.
Inclusive, veremos que a fé da Igreja na Trindade sempre existiu de
modo vivo e dinâmico, porém, em certos momentos históricos, as formulações
teológicas não correspondiam aquilo que a fé professava. O processo de
formação foi longo e gradativo.
Encontramos a doxologia trinitária em trechos do Novo Testamento, e
também nos santos padres. Na carta aos Coríntios de São Clemente, em um
contexto de ambiente romano, já encontramos as formulações trinitárias. Ele
apresenta o Pai juntamente com o Cristo e com a presença do Espírito Santo
(LADARIA, 2005, p.136). Já existe a tradição de compreender os três em
comunhão e harmonia. Entretanto, ele não apresenta formulações claras sobre
a divindade do Espírito Santo.
Segundo Fernandez3, nos padres da antiguidade, como Clemente
Romano e Policarpo, já encontraremos a estrutura doxológica trinitária,
presente na piedade cristã: “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como
era no princípio, agora e sempre e pelos séculos dos séculos, amém”.
Desde os primórdios da história eclesial, foi preciso se debruçar e
estabelecer uma doutrina segura a respeito da Trindade, para combater as
heresias que ameaçavam a fé cristã.

3
cf. FERNANDEZ, pp. 364-365
Os padres apostólicos, no século II, tentavam defender a fé trinitária, em
base às sagradas escrituras, atendendo as demandas teológicas da época.
Não obstante, “encontramos nos padres apostólicos algumas fórmulas
triádicas, mas não podemos falar de uma teologia trinitária elaborada. Um
pouco mais desenvolvida encontra-se a teologia da relação Pai-Filho”
(LADARIA, 2005, p.140).
Assim sendo, o período dos padres apologetas, é o período histórico de
início da reflexão trinitária propriamente dita. Esses santos teólogos tinham por
objetivos defender a fé dos ataques pagãos e de outros, bem como esclarecer
entre os cristãos esse mistério grandioso. Nesse sentido, grande foi o esforço
especulativo para entender e distinguir as relações entre Pai-Filho, e
posteriormente, do Espírito Santo.
Era preciso evidenciar para os pagãos que o único Deus verdadeiro era
o Deus cristão; aos judeus explicar que o Deus de Israel é o Pai de Jesus
Cristo e aos hereges gnósticos convencer de que o mundo não está dividido
por uma dualidade e não é fruto de uma emanação, mas da criação divina.
Para tanto, foi preciso buscar referências nos conceitos filosóficos afins de
tornar claro a distinção das pessoas na unidade essencial própria de Deus. De
modo especial, podemos evidenciar São Justino com seu Diálogo com Trifão e
Teófilo Antioqueno, que estabeleceu o termo grego Θρίας que seria mais tarde
latinizado como trinitas.

1.1.1 A teologia trinitária do final do século II e do século III: em Santo


Irineu de Lyon, São Clemente de Alexandria e Orígenes

Santo Irineu, bispo de Lião, realizou em verdadeiro vínculo entre o


Ocidente e Oriente, sua maior preocupação foi a grande ameaça para fé cristã:
a gnose. Como apresenta Ladaria, “Diante das doutrinas complicadas da
gnose, compreensíveis só para os seletos, Irineu acentuará que a fé da Igreja é
acessível a todos” (LADARIA, 2005, p.151). Além disso, este santo bispo
defende a unidade da essência divina em detrimento da dualidade da
mentalidade gnóstica. Bem como, rejeita a ideia de que uma divindade menor,
demiurgo, fez todas as coisas através de uma matéria eterna. Essa seria a
causa do mal, para a gnose. No que diz respeito as pessoas divinas, defende
que sempre existiram e tem a mesma essência, tanto que o Filho e o Espírito
também atuaram na criação do Pai (LADARIA, 2005, p.152).
São Clemente de Alexandria (CIC §251-252) defende que é possível a
razão humana conhecer a Deus através da contemplação da criação. Porém, a
vida íntima divina pode ser conhecida somente mediante a revelação. Também
auxiliou no entrave contra as investidas gnósticas.
Orígenes elaborou uma teologia trinitária complexa com em todas as
suas reflexões sobre outros temas. Ele defende que o Filho é o “segundo
Deus”, de modo que somente ao Pai é possível ser “o Deus” (LADARIA, 2005,
p.167). Ele evidenciou os atributos divinos e a espiritualidade divina com base
na bondade de Deus que harmoniza essas dimensões. Defendeu a existência
das pessoas divina perante os modalistas. Por fim, sua doutrina sobre o Logos
como Deus por geração foi distorcida e utilizada pelos arianos para justificar
sua heresia. (Em Orígenes temos um subordinacionismo)

2. De Niceia I a Constantinopla I

4
Em virtude do que foi mencionado a respeito do mal entendido sobre a
doutrina de Orígenes. É possível nos situarmos sobre a figura de Ário, um
presbítero da Igreja de Alexandria, que negou a ideia de geração em Deus. Ele
teve uma história bem conturbada, na qual recebeu uma formação teológica
herética. Porém, era um grande pedagogo que utilizava de diversos recursos
como canções, poesias e escritos para propagar suas ideias.
Em 325, o Concílio de Niceia, foi convocado pelo Imperador
Constantino, tendo como pauta principal validar ou invalidar a doutrina de Ário.
Graças a contribuição de Santo Atanásio, ainda diácono da Igreja, que
acompanhou o bispo Alexandre foi o principal expoente na defesa obstinada da
ortodoxia diante da heresia. Sua insatisfação principal era com o tema da
salvação, se Ário nega a divindade de Jesus, a salvação é inválida para os
homens. Como apresenta Ladaria: “No fundo, a doutrina ariana significava
reinterpretar o cristianismo a luz dos esquemas helênicos imperante no tempo,
em concreto no platonismo médio com isso se desconhecia, ou se reduzia em
grande medida, a originalidade cristã” (LADARIA, 2005, p.186).
4
cf. SECO, p. 211-221
Se Ário nega divindade do Verbo (Filho), também nega divindade do
Espírito Santo realizando uma grande ruptura com a Tradição.
O Concílio condenou o Arianismo, o seu documento principal é o
Símbolo Niceno dividido em três partes, cada uma dedicada a uma pessoa
divina.
O Pai é apresentado como único Deus, não como uma única pessoa,
mas uma única substância divina, que se apresenta desde o Antigo
Testamento. O Filho é apresentado como uma “comunicação do Pai” mediante
a geração, não como criatura do Pai. Além disso, o Concílio inseriu o conceito
de homoousios, de origem filosófica, para descrever a igualdade essencial
entre o Pai e o Filho. Sobre a utilização de termos filosóficos gregos é
importante esclarecer que, ao contrário do que alguns protestantes acusam, o
Concílio de Niceia não helenizou o cristianismo, gerando uma religião
fragmentada. Mas, como defende Ladaria 5, É verdade que Niceia pegou um
termo helênico para tentar expressar o dogma católico. Niceia usou a palavra
homousious, isto é, consubstancial ao Pai. Mas, foi essa palavra que trouxe a
deshelenização. Isso porque o helenismo ou os helenistas só podiam conceber
um Deus uno, sem nuances, sem Trindade, ou seja, uma unidade monolítica e
não uma unidade dinâmica como nós cremos. Além disso, Niceia tenta resolver
o problema do Arianismo com a expressão da fé bíblica mediante a linguagem
do adversário que era helênico.
Por fim, coloca-se em evidência o termo homoousios, diz respeito não
só a afirmação de consubstancialidade, mas também torna clara a unidade
numérica da essência divina. Além disso, o Espírito Santo é citado durante o
Concílio, mas não houve uma explanação sistemática a respeito desse tema.
Em vista disso, as bases para a formulação teológica trinitária foram
lançadas. Porém, essas referências ainda não foram suficientes para resolver o
dilema da heresia ariana. As considerações foram mal interpretadas
novamente e haviam dúvidas sobre a consubstancialidade do Filho. Essa
controvérsia ainda teve três fases:
a) A primeira fase: envolve o Concílio de Niceia a morte de
Constantino, em 337. Nesse período, surge a oposição à fórmula empregada

5
Cf. (LADARIA, 2005, p.187)
pelo Concílio, tendo no bispo Eusébio de Nicomedia seu principal opositor. Ário
morre em 336.
b) A segunda fase: compreende o império de Constâncio e Constante
(337-361). A contestação ariana é predominante, principalmente no Oriente
realizada por Constâncio, que leva Eusébio de Nicomedia bispo de
Constantinopla. O termo “substância” é rejeitado, sob a justificativa de trata-se
de um escândalo para expressar o mistério de Deus, uma vez que não existe
diretamente nas Sagradas Escrituras. Os defensores da ortodoxia, Papa
Libério, Santo Atanásio e Santo Hilário de Poitiers são exilados.
c) A terceira fase: De 361 até 380. Nesse período, ocorre uma cisão
dos arianos em anomeanos, homeusianos (semi arianos) e homeanos. Surgem
os macedonianos, que negavam a divindade do Espírito Santo. Nela, acontece
também o ressurgimento da confissão da fé Nicena pela volta dos defensores
da ortodoxia do exílio. A partir de 362, com a celebração do Concílio de
Alexandria, um intenso movimento liderado pelos Padres Capadócios, que
resultara na celebração do Concílio de Constantinopla I, em 381, no qual se
aprofundará a fé exposta em Niceia.
Ladaria ainda afirma que:

Atanásio no Oriente e Hilário no Ocidente foram os grandes


defensores do dogma de Niceia. Mostraram as incrongruências
da posição ariana, do ponto de vista tanto do verdadeiro
sentido da paternidade de Deus como da salvação que Deus
oferece ao homem, a participação na filiação divina de Cristo
(LADARIA, 2005, p.215).

Portanto, diante das ameaças arianas a compreensão de geração do


verbo no seio da Trindade, esses dois expoentes foram imprescindíveis para
que essa doutrina fosse salvaguardada.
Posteriormente, os termos ousia (natureza) e hipóstasis (característica
de um ser substancial) foram utilizados por São Basílio, São Gregório Nazianzo
e São Gregório de Nissa para explicar a realidade pessoal dentro da dinâmica
trinitária6. Nesse sentido, o termo ousía é equivalente a natureza, presente em
um grupo da mesma espécie e hipóstasis as características de um ser
substancial.

6
Cf. SECO, p. 222-231.234-237,
Os papéis da Trindade são unidos pela sua natureza divina, como
esclarece São Basílio, embora cada pessoa divina tenha hypostasis diferentes
se unem em uma comunhão de ousía e natureza. Além disso, Basílio defende
que o Pai é agénnetos, não gerado. O Filho génnetos, ser gerado. E é próprio
do Espírito Santo no Filho ser conhecido e dividir com Ele a mesma substância
do Pai. Portanto, na Trindade existem três hipóstasis diferentes: paternidade,
filiação e força santificadora.
Essas diferenças são explicadas por São Gregório de Nissa que
defende que todas essas diferenças estão unidas na essências divina. Ele
utiliza um jogo de palavras: Deus não é um ser alógico, logo tem um logos. Ele
defende que as pessoas divinas têm relações entre si, agem juntas, mas com
papeis específicos.
Por outro lado, São Gregório de Nazianzo explicita a divindade do
Espírito Santo e a sua consubstancialidade com o Pai. E coloca em evidência
que as diferenças entre as pessoas divinas residem nas suas relações. O Pai é
o ponto de unidade, fonte da qual, surge a divindade do Filho e do Espírito .
Além disso, ele esclarece a processão do Espírito Santo, que se distingue da
geração.

O Concílio de Constantinopla I

Os desdobramentos teológicos do Concílio de Niceia tiveram seu ponto


culminante no Concílio de Constantinopla (381), no qual houve a confirmação
da fides nicena, principalmente no reconhecimento da divindade do Espírito
Santo (mesmo que não diretamente), e de sua unidade com o Pai e o Filho.
A presença insistente do arianismo, no período pós-niceia, suas
ramificações e com o avanço do macedonianismo, que não aceitava a
divindade do Espírito Santo, fruto também do arianismo. Resultaram na
necessidade de convocar mais um Concílio, o de Constantinopla em 381, sob a
direção do Imperador Teodódio.
Em Constantinopla, a consubstancialidade do Espírito Santo junto ao
Pai e o filho é afirmada através das sentenças: “Creio no Espírito Santo,
Senhor que dá a vida e procede do Pai, e com o Pai e o Filho é adorado e
glorificado, Ele que falou pelos profetas”.
3. A teologia trinitária latina

Antes de tudo é preciso levar em consideração todo esse percurso


histórico marcado por situações de combate teológico em torno do tema
Trindade. Mais tarde, houveram sistematizações a respeito desse tema que se
debruçaram sobre as normativas dos concílios posteriores no objetivo de
esclarecer as relações e condições da Trindade.
Com o passar do tempo, surgiram tratados como o De Trinitate de
Santo Agostinho e os escritos de São Basílio, de Gregório de Nissa, entre
outros. São Gregório de Nazianzo é conhecido como o cantor da Trindade, sua
doutrina foi retomada no símbolo de Quicumque.

Santo Agostinho7

O bispo de hipona realizou um trabalho teológico e filosófico singular


no Ocidente, suas produções representam o ápice da patrística. No que diz
respeito a Sua doutrina trinitária, encontra-se na obra De Trinitate. As principais
ideias da doutrina trinitária agostiniana são: a unidade da natureza divina que
fundamenta a diversidade das Pessoas; as operações ad extra correspondem
a unidade trinitária; A estrutura metafísica do ser racional, imagem de Deus
paralelamente a analogia do mistério da Trindade, essa é a explicação
psicológic; a igualdade das Pessoas divinas, na qual se manifesta a unidade da
essência divina.
Nesse sentido, Agostinho também explica os termos Ousía e essentia
em referência aos conceitos de substância e essência, como nomes aplicáveis
ao que Deus é em sua própria natureza; Hypóstasis e prósopon aplicados ao
termo persona, uma vez que faz referência a consubstancialidade divina.
O prisma agostiniano a respeito das Pessoas divinas, tem por
fundamento dois conceitos: pessoa e relação. Nem tudo o que se diz em Deus

7
A exemplo de outros trabalhos de síntese passados. Essa parte foi disposta com a disposição
do autor Seco e também de recortes do seu livro contrastando com comentário do autor deste
trabalho.
se diz segundo a substância: há algo em Deus que não se diz segundo a
substância e tampouco segundo os acidentes, pois não há acidentes em Deus.
Há no seio misterioso da essência divina algo que se diz relação:
paternidade, filiação e espiração. Desta maneira, Agostinho vai além da mera
linguagem filosófica, descobrindo uma realidade ontológica que ela não podia
alcançar: a existência de um relativo não-acidental, o relativo que se dá na
substância e, por isso mesmo, é substancial.
Santo Agostinho contribuiu de forma decisiva, ainda, para a teologia
das processões, mostrando a diferença existente entre a forma com que
procedem o Filho e o Espírito Santo: fez isso baseado na analogia psicológica.
Segundo ele, a processão do Filho é igual à da inteligência a partir da mente ou
da memória, ao passo que a processão do Espírito é igual à da vontade, que
procede necessariamente da inteligência.
Segundo ele, os nomes próprios das Pessoas são relativos
(relacionais), e não essenciais: dizem das Pessoas aquilo que as caracteriza
enquanto relações, e não enquanto essência, que é comum às Três Pessoas:
a) Os nomes da Primeira Pessoa são: Pai, Princípio e Ingênito; b) Os nomes da
Segunda Pessoa são: Filho, Verbo, Imagem; c) Os nomes da Terceira Pessoa
são: Espírito Santo, Dom, Amor.
Por fim, é clássica na doutrina agostiniana a semelhança da alma
humana com a Trindade, pois é o seu reflexo. Por isso, Santo Agostinho
encontra na mente humana três imagens da Trindade, ou melhor, uma mesma
semelhança a três níveis: as duas primeiras estão tomadas da consideração
das
operações gerais da alma, a terceira está tomada da consideração das
operações da alma na contemplação de Deus.

4. O Fim da época patrística

Ao fim do período patrístico, muitas sistematizações sobre o tema da


Trindade surgiram em especial de grandes autores como Santo Agostinho e
Santo Tomás de Aquino, do qual falaremos mais adiante.
Surgiram também duas sínteses interessantes, a Fides Damasi e a
Quicumque. A primeira coloca em evidência os diferentes processões nas
relações divinas frente a heresia modalista. A segunda é um compilado da
doutrina trinitária de Santo Agostinho.
Posteriormente, o Concílio I de Toledo, em 447, condenou o
priscillainismo, defendendo a igualdade de essência e a distinção das pessoas
trinitárias. Reafirmou a processão do Espírito Santo também. Mais tarde, no
Concílio III de Toledo, em 589, condenou-se o arianismo local espanhol. Por
fim, o Concílio XI de Toledo, em 675, realizou uma clareza e precisão dos
conceitos.

5. O dogma trinitário no Magistério da Igreja desde o século XIII

O dogma trinitário, em seguida, continuou a ser objeto de estudo em


Concílios. O Concílio IV de Latrão, em 1215, condenou a heresia triteísta de
Joaquim de Fiore, defensor da ideia de que na Trindade não existe unidade
própria e verdadeira, mas uma coletividade dividida em um gênero especial,
uma espécie de unidade moral8. Essa heresia resulta em um politeísmo.
9
Em 1274, foi convocado o Concílio II de Lyon, na tentativa de realizar
a união com os orientais, com motivações de auxílio militar para o Ocidente. A
questão tratada foi a do termo filioque, que diz respeito processão do Pai e do
Filho, rejeitada pelos orientais, não em razão do seu significado, mas pela
forma como foi inserida pelo Ocidente no Símbolo Niceno-Constantinopolitano.
Existia uma irreverência dos orientais em relação a soberania do Papa. Além
disso, outro problema latente é o de Pai e Filho teremos o mesmo princípio de
espiração. Todavia, os Orientais aceitaram o acordo entre essas questões,
finalizando aparentemente o cisma. Infelizmente, este contentamento durou
pouco tempo, e o esforço foi em vão com o retorno do cisma.
Posteriormente¸ houve uma nova esperança de unificação com o
Concílio de Florença, que promulgou que as duas fórmulas Patre filioque e a
Patre per filium são iguais, sendo unicamente considerados formas diferentes
de dizer a mesma realidade. Porém, a situação de cisma voltou a se
estabelecer em pouco tempo.

8
cf. SECO, pp. 333-335
9
Idem.
III. APRESENTAÇÃO SISTEMÁTICA DO MISTÉRIO DE DEUS

É importante entender que revisitaremos o Tratado da Trindade tendo


como ponto de partida as manifestações e os atributos da Trindade para
entender o Deo uno.
Em primeiro lugar, é válido retomar o conceito de essência divina em
São Tomás De Aquino de Ser subsistente 10, Deus existe por si mesmo e é a
causa de todas as coisas existentes. Por essa razão, em Deus essência e
existem são coincidentes11.
Segundo Molinaro12, essa coincidência resulta na simplicidade do ser
divino: puro e único, no qual encerra em si todas as perfeiçoes 13. Uma das
grandes questões da Igreja primitiva era respeito da natureza Deus. Surgiram
muitas teologias, Santo Agostinho se destaca com a afirmação de que “em
Deus não há acidentes, porque nele nada existe de mutável ou de suscetível
de perda” (AGOSTINHO, 2008, p.195).

1. Os atributos do ser divino oriundos da essência divina

Da essência divina resultam as perfeições, as quais nomeamos de


atributos (DH 800). Em Deus, esses atributos se auto identificam dentro da
essência divina (DH 745). Não se trata de antropomorfismos humanos
aplicados a Trindade, mas dos elementos cognoscíveis do Ipsum Esse
Subsistem.

1.1 A simplicidade de Deus

10
cf. Suma Teológica I, q. 13, a. 11
11
4. MOLINARO, Aniceto, Metafísica. Curso Sistemático. São Paulo: Paulus, 2000.
p. 162.
12
Idem. P. 165
13
cf. Suma Teológica I, q. 4, a. 2 ad 3
Deus é perfeito, defende São Tomás 14, no sentido de que é aquele que
possui tudo que lhe é devido. Ele é a Perfeição, pois possui em si todas as
perfeições, ao passo que, é a causa de todas elas. Além disso, encontramos
referências da perfeição de Deus nas Sagradas Escrituras: Mt 5, 48, Jesus
convoca os discípulos a serem perfeitos como o Pai Celeste é perfeito. Em
base ao testemunho bíblico e a tradição, o Magistério mediante o Concílio
Vaticano I explicitou que Deus é infinito em sua perfeição 15 (DH 3001).

1.1.2 A unicidade de Deus

A constituição dogmática Dei Filius, com base no IV Concílio de Latrão


e no Concílio Vaticano I, apresenta que Deus é uno. O ser divino apresenta a
realidade negativa que é a da sua indivisibilidade. Isso implica oposição
contraditória do ser ao não-ser, isto é, como o ser é indivisível, não há o outro
do ser que seria o não-ser. Somente pode haver o ser. Nesse sentido, esse
atributo divino pode ser conhecido pela razão natural.
Entretanto, encontramos provas desse atributos nas Sagradas
Escrituras, como já apresentado no início deste trabalho, (Dt 6, 4) o próprio
modo como Deus se relaciona com Israel, configurando o monoteísmo frente
ao paganismo, já aponta a unicidade de Deus.

1.1.3 A verdade de Deus

Dado que a verdade é a adequação do ser ao entendimento, Deus é a


Verdade em três sentidos (DH 3001, 3008 e 3017): Ele é a verdade criadora de
todas as coisas; Ele possui uma inteligência infinita, conhece totalmente a
realidade de modo perfeito; e Nele não pode haver mentira ou engano.

1.1.4 A imutabilidade de Deus

O Magistério apresenta que Deus é imutável (DH 800), em Deus não


existem movimento local dos corpos ou mesmo mudança, é puro e simples.

14
cf. Suma Teológica I, q. 4, a. 1
15
Além disso, não existem perdas de perfeição ou qualidade em Deus. Santo
Tomás fundamenta a imutabilidade de Deus com base no fato Ele é ato puro 16.

1.1.5 A eternidade, imensidade e onipresença

Deus é eterno, no Sl 89, 2 encontramos que “Desde sempre e para


sempre vós sois Deus”. Em Deus não existem sucessões de cenas ou de
seres17. Além disso Deus é imenso, pois sua extensão não se enquadra em
nenhuma compreensão racional, uma vez que é simples e sem composição
(DH 3001).
Deus também é onipresente, consequência de sua imensidade (DH
3001), causa suprema da realidade está presente integralmente nela mediante
a sua essência e poder, uma ver que todas as coisas lhe são sujeitas.

2. Atributos oriundos da vida divina

2.1 A ciência divina

Deus é inteligência infinita, conhece todas as coisas por um único ato


simples, não precisa realizar um processo limitado de abstração (DH 3001).
Além disso, não é somente uma operação, mas é o próprio ser divino, o
conhecimento é o seu ser. Deus conhece todas as coisas dentro da própria
essência. O objeto primário da ciência divina é a sua própria essência e o
secundário, são as coisas que não são a sua própria essência, mas que são
conhecidas mediante a sua essência.

2.2 Da vontade divina

A vontade divina é infinita, isto reside no fato de que Deus quer todos
as coisas por um único ato perfeito, esta vontade corresponde ao próprio ser
divino. O objeto primário da vontade divina é sua própria essência e o

16
cf. Suma Teológica I, q. 9, a. 1
17
cf. Suma Teológica I, q. 10, aa. 1-2
secundário são as coisas que não são a sua própria essência, mas que são
objeto do seu amor (DH 3001).
Deus ama (DH 3025) a si mesmo de forma necessária em razão da
perfeição do seu ser e do conhecimento da própria bondade. Todas as coisas
são amadas entre si de forma livre.

3. As processões divinas

Santo Tomás ao tratar do tema da Trindade, em primeiro lugar, aponta


para as processões, meios pelos quais conhecemos as missões das pessoas
divinas. O termo processus em latim proveniente do verbo procedere que tem
por significado avançar, sair, aponta para o êxito, saída. Dentro do contexto da
Trindade, o termo processão faz referência aos movimentos que acontecem
dentro do seio da Trindade.
Os símbolos afirmaram as processões durante a história (DH 150) a
geração do Verbo e espiração do Espírito Santo. Essas relações formam a
Trindade dentro da unidade substancial divina.

3.1 A geração do Verbo

A teologia católica apresente que o Filho procedeu do Pai de uma


forma singular, a qual nomeamos de “geração”, que tem por finalidade excluir o
equívoco de pensarmos que a segunda pessoa da Santíssima Trindade é
inferior a primeira ou mesmo menos divina (DH 75).
18
Na suma Teológica, encontramos a explicação de que o Pai, ser
eterno, perfeito e inteligente, se conhece eternamente e exprime um “conceito”
a respeito de si mesmo, que é suficiente para expressar a sua essência, este
movimento constitui uma Palavra divina com a mesma natureza e substância
do Pai. Esta inteligência é chamada Verbo, consubstancial a Ele e difere do Pai
somente pela sua relação. Esta processão do Verbo ocorre mediante um
caminho intelectual.

18
cf. Suma Teológica I, q. 27, a. 1; Suma contra os gentios IV, c. 11
3.2 A espiração do Espírito Santo

Em relação ao Espírito Santo, em base aos Concílios (DH 850-1330) e


as Sagradas Escrituras (cf. Mt 10, 20; Jo 14, 16.26; 15, 26;), constata-se que a
sua processão ocorreu por um processo de “espiração” mediante um caminho
da vontade (amor).
Santo Tomás19 ensina que como existe uma relação intrínseca entre o
amor e o conhecimento, em Deus não é diferente. O Pai se conhecesse de
modo perfeito desde sempre (Verbo). O Pai e o Filho sendo bons e amáveis
realizam entre si um movimento de amor, o qual chama-se espiração que
constitui o Espírito Santo, consubstancial ao Pai e ao Filho.
Todavia, não podemos afirmar, em consonância com os ensinamentos
de São Tomás, que em Deus existem mais de duas processões imanentes. Da
mesma forma, que nos homens não existem operações espirituais além da
inteligência e vontade.

4 A teologia das relações divinas 20

Em primeiro lugar, é preciso entender que, Deus, o termo “relação”


pode ser utilizado somente de modo análogo, pois Nele não há acidente, é ato
puríssimo, uma vez, que essa palavra faz referência a substância do termo ao
qual se destina.
Nesse sentido, relação e substância em Deus dizem respeito a mesma
realidade. Deus é o Ipsum Esse Subsistem e as relações divinas são as
referências realizadas a particularidade de cada pessoa divina.
As pessoas divinas podem ser apresentadas como relações
subsistentes, em outros palavras, em Deus não existem relação, Ele é relação.
As duas processões se subdividem em dois pares de relação. No total, quatro
relações em Deus: O Pai que se dirige ao Filho (paternidade), o Filho em
direção ao Pai (filiação), Pai e filhos se dirigem ao Espírito Santo (espiração
ativa) e a do Espírito Santo que se dirige ao Pai e ao Filho (espiração passiva).

19
cf. Suma Teológica I, q. 27, a. 3; q. 37, aa. 1-2
20
cf. Suma Teológica I, q. 28, a. 2
Esta doutrina pode ser encontrada indiretamente nas Letras Sagradas,
em passagens do Novo Testamento que utilizam: Pai, filho e Espírito Santo.

4 A teologia das pessoas divinas

É possível afirmar que durante a história da Igreja, houveram grandes


evoluções no entendimento do mistério trinitário. Esse processo, não
aconteceu sem grades dificuldade, ao contrário, muitos foram os desafios. A
filosofia grega e seus conceitos foram recursos interessantes e eficazes para
que a teologia trinitária fosse melhor elaborada. Um desses conceitos caros
para os teólogos do passado foi o termo persona.
A formação do termo e conceito de “pessoa” (πρόσωπον), passou por
várias etapas nos mundos grego e latino transitando do universo religioso não
cristão, jurídico e filosófico para o Cristianismo. É um conceito que nasceu e se
consolidou na área mediterrânea antiga-oriental. Diz respeito a uma substância
individual completa, subsistente em si. Na suma Teológica 21, Santo Tomás
realiza uma síntese entre a definição de Boécio e a teologia, de modo que este
termo foi aplicado de forma análoga a Deus. Ele é um ser completo e simples,
mas também constituído por três pessoas divinas.
Todavia, a melhor forma de aplicar o conceito de pessoa em Deus é
através das ideias de substancialidade e incomunicabilidade dessa mesma
substancialidade22. Por um lado, as pessoas divinas compartilham a mesma
substância e, por outro, ocorre uma incomunicabilidade das relações opostas
de paternidade, filiação e espiração passiva.
Por fim, na visão tomista23, a Pessoa divina é apresentada em uma
relação imanente marcada pela substancialidade e incomunicabiliadade.

5 A pericorese ou circumincessão 24

21
cf. Suma Teológica I, q. 29, a. 1
22
cf. Suma Teológica I, q. 28, a. 2
23
cf. Suma Teológica I, q. 29, a. 4
24
A circumicessão ou percicorese é a doutrina que defende a essência
divina absoluta como ponto de unidade entre as pessoas divinas, embora
tenham relações de oposição que não causam nenhuma divisão na substância
divina. Inicialmente foi utilizada na cristologia, para identificar a comunicação
idiomática em Cristo. Posteriormente, São João Damasceno utilizou esse termo
na perspectiva trinitária, em referência a imanência presente no movimento da
Trindade ou interpenetração das Três Pessoas Divinas, tendo como ponto de
convergência a essência divina e na dignidade compartilhada na Trindade.

6 A abordagem ad extra da operação divina

No §258. 291-292 do CIC, encontramos o ensinamento de que as Três


pessoas divinas sempre agem em comunhão na obra ad extra, em outras
palavras, na obra da Criação, da Redenção e da Santificação.

7 As apropriações (DH 800)

Nos escritos teológicos e na Tradição eclesial, identificamos atribuições


as pessoas da Santíssima Trindade que correspondem a essência dessas
pessoas. Existe uma apropriação em consonância com as relações e
atividades da Trindade. Eles contribuem para a compreensão teológicas e são
fundamentadas na Revelação. Por exemplo, o Pai é chamado de Deus, é o
criador; o Filho recebe o papel de mediador da Salvação; e ao Espírito Santo a
responsabilidade de santificar.

8 As missões divinas

As missões divinas são apresentadas como ação ad extra do Filho e do


Espírito Santo que são enviados pelo Pai. Existem muitas referências bíblicas a
respeito desses envios: do Pai (Jo 3, 17; 5, 23; 6, 58; 17, 18; Gl 4, 4) e do
Espírito Santo (Jo 14, 16. 26; Gl 4, 6). Em virtude disso, o ensinamento
teológico católico a respeito das missões divinas é extremamente relevante e
credível.
25
De um modo geral, nós podemos afirmar que a grande missão do
Filho é a encarnação e a do Espírito Santo a santificação, principalmente no
episódio de Pentecostes. Entretanto, essas missões estão unificadas no
mistério trinitário. Em Deus nada é plural, todas as situações são singulares.
Existem teólogos que defendem que o Espírito Santo se encarnou, este é um
grave erro. Quem se encarnou foi o Verbo como encontramos em Gl 4, 4-6.

9 A Trindade econômica e a Trindade imanente

No CIC §258-260, encontramos que o termo Trindade imanente diz


respeito às pessoas divinas em si mesmas. Enquanto, a expressão Trindade
econômica faz referência ao modo como as pessoas divinas, suas relações e
propriedades foram conhecidas mediante o seu agir na história da salvação.
Nesse sentido, a Trindade econômica é a Trindade imanente agindo na história
da salvação.

10 A inabitação da Trindade na alma do justo

No que diz respeito aos níveis de presença da Trindade na realidade,


consideramos acontece de um modo específico perante as coisas criadas, em
poder e essência. Mas, é ainda mais singular e profunda se a identificamos nos
batizados, a esta presença damos o nome de inabitação.
Em várias passagens bíblicas, identificamos referências a esta
presença (Jo 14, 23; I Jo 4, 16; I Cor 3, 16-17; 6, 19; II Cor 6, 16; II Tm 1, 14).
Não se trata da mesma presença hipostática, que é exclusivamente de Cristo.
Não é a mesma presença da Eucaristia. Também não se trata da mesma visão
dos anjos e santos na glória celeste.
Na verdade, é união de amizade entre homem e Deus mediante a
graça santificante e a caridade, existentes em estado de justiça. A alma é
configurada Cristo também de modo filial, Deus é criador e também Pai.

25
LADARIA, 2005, p. 55.
A inabitação divina na alma tem três finalidades: tornar partícipe da
vida divina, ser o princípio motos para os atos e oferecer a dádiva da presença
trinitária na alma.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______ Suma contra os gentios. São Paulo: Loyola, 2016. v. 4.

_______ Suma Teológica: Teologia – Deus - Trindade. 2. ed. São Paulo:


Loyola, 2016. v. 1.

DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de


fé e moral. 3. Ed São Paulo: Paulinas: Loyola, 2015.

FERNANDEZ, Aurelio. Teologia Dogmática. 1. ed. Madrid: BAC, 2012, tomo I.

LADARIA, Luis F. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. 4. ed. São


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LAGRANGE, Reginald-Garrigou. Deus, Sua existência e Sua natureza: solução


tomista da antinomias agnósticas. 1. ed. São Paulo: Molokai, 2020, tomos I e II.

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Descleé, 1946.

MARÍN, Royo. Dios y su obra. 1. ed. Madrid: BAC, 1963.

MÜLLER, Gerhard Ludwig. Dogmática Católica: teoria e prática da Teologia. 1.


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OTT, Ludwig. Manual de Teología Dogmática. 5. ed. Barcelona: Herder, 1966.

SECO, Luis Francisco Mateo. Dios Uno y Trino. 2. ed. Pamplona: EUNSA,
2005.
SESBOUË, Bernard; WOLINSKI, J.

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