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TERAPIA FAMILIAR

COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL

Autores: Guilherme Ebert e


Maria Cristina Friedrichs Manfro

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INTRODUÇÃO

Família é um grupo social que exerce marcada influência sobre a vida


das pessoas. Ela é encarada como um grupo com uma organização
complexa, inserido em um contexto social mais amplo com o qual
mantém constante interação (Biasoli-Alves, 2001).

A unidade familiar possui um papel primordial no amadurecimento e


desenvolvimento biopsicossocial dos indivíduos. Ela apresenta algumas
funções centrais, as quais podem ser agrupadas em três categorias
intimamente relacionadas (Osório, 1996):

 funções biológicas (sobrevivência do indivíduo);


 funções psicológicas;
 funções sociais.

Cada uma delas influencia o desenvolvimento individual dos sujeitos e,


também, tem impacto na estrutura familiar. Nesta aula, serão
abordadas questões como:

 etapas do ciclo de vida familiar;


 famílias agregadoras versus famílias excludentes;
 novas configurações familiares;
 características das famílias disfuncionais;
 padrões distorcidos de pensamento em famílias disfuncionais;
 impacto das crenças nos conflitos familiares;
 crenças e emoções desenvolvidos por crianças em ambientes
disfuncionais;
 utilização da terapia cognitivo-comportamental (TCC) com
famílias.

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FAMÍLIAS DISFUNCIONAIS

Cada família é resultado de sua cultura, suas crenças, seus ideais, suas
emoções e seus comportamentos. Assim, cada grupo familiar tem suas
demandas específicas, suas problemáticas e suas relações bastante
singularizadas.

Das famílias disfuncionais resultam principalmente adultos


codependentes e que podem se ver afetados pelos vícios, como o abuso
de substâncias (álcool, drogas etc.). Outras origens são transtornos
mentais não tratados e pais que imitam seus próprios pais
disfuncionais.

Casais e famílias disfuncionais são mais vulneráveis a conflitos porque


são mais reativos diante de acontecimentos e assumem uma postura
crítica, que dá lugar a um diálogo agressivo e hostil. Isso aumenta o
mau entendimento e torna a comunicação cada vez mais pobre, o que
incrementa os conflitos. Esse tipo de relação pode impedir os cônjuges
e familiares de ouvir, já que estão propensos a atacar e contra-atacar.

Bonet e Castilla (2007) afirmam que os casais disfuncionais podem ter


uma baixa taxa de reciprocidade positiva e uma elevada taxa de
coerção. Usam a punição e o reforço negativo na convivência e na
resolução das situações de conflito. Além disso, têm a linguagem como
arma de ataque, que pode se tornar precursora e mantenedora dos
conflitos.

Em um grupo familiar disfuncional, os modos de interação entre seus


membros vão se cristalizando, seja na forma de distanciamento ou de
excessiva interferência na vida uns dos outros. Formam-se alianças
entre alguns membros, deixam-se outros periféricos, transformam-se
outros em bodes expiatórios (geralmente as crianças).

Sintomas como baixo rendimento na escola, agressividade e depressão


são encarados como próprios da pessoa sintomática, e esta é vista

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como um caso isolado. Nesse pano de fundo, as famílias enfermas
fracassam progressivamente no cumprimento de suas funções
familiares essenciais (Carneiro, 1983).

Casais e famílias disfuncionais costumam ter padrões


distorcidos do processamento de informação e tendem a
cometer erros cognitivos. Tais erros são apresentados no
Conteúdo Interativo desta aula.

Impacto das crenças nos


conflitos familiares
Na matemática da vida, todos estão felizes até que um drama ou
conflito aconteça; então, vem a necessidade do manejo adequado da
situação. De tempos em tempos, a família passa por conflitos, e o que
determina seu grau de satisfação e saúde é muito mais a forma de
resolução e manejo do que a presença do conflito em si (Nichols e
Schwartz, 2007).

Nos momentos de conflito, sempre há, de alguma forma, discordância.


Essa discordância pode ser em relação a aspectos como:

 objetivos;
 regras;
 papéis;
 cultura;
 padrões de comunicação.

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Os conflitos por si só não são nem bons nem ruins. Alguns são
esperados, como no caso de conflitos entre pais e filhos adolescentes.
Conflitos não são, portanto, nem positivos nem negativos. Em outras
palavras, os conflitos podem ser destrutivos ou construtivos conforme
cada indivíduo maneje suas emoções e seus comportamentos. Alguns
podem resultar em insatisfação, infelicidade e sensação de destruição;
outros podem levar ao estreitamento das relações entre os membros
da família.

A maneira como os conflitos são resolvidos no cotidiano é que


vai mostrar sua funcionalidade ou não em relação ao casal e no
impacto nos filhos.

As crenças básicas que incitam muitos conflitos em famílias são


apresentadas a seguir.

 Atribuições — Nunca um relacionamento é igual ao outro. O fato


é que as pessoas são diferentes. O que cada um atribui e espera
do outro nem sempre tem resposta.
 Expectativas — Quando uma pessoa casa, ela não casa apenas
com o outro, mas com uma leva de expectativas que constrói,
independentemente do outro. As pessoas desejam ser satisfeitas,
e ai do parceiro que se negar de alguma forma a corresponder às
expectativas.
 Suposições — Constituem uma forma de esquema que cada
familiar possui sobre as características dos outros membros da
família e sobre seus relacionamentos.
 Padrões de funcionamento irrealistas — São crenças individuais
sobre que características os indivíduos e seus relacionamentos

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“deveriam” apresentar. Os padrões envolvidos na constituição de
uma família incluem:
o padrões para o inter-relacionamento entre os membros da
família;
o padrões para a divisão das tarefas;
o padrões para lidar com os conflitos;
o padrões para limites e privacidade;
o padrões para os indivíduos exteriores à unidade familiar.

A habilidade dos familiares para resolver conflitos e tensões em suas


vidas depende, em parte, de mudar as crenças enraizadas de seus
membros sobre o funcionamento individual e familiar. Os terapeutas
cognitivo-comportamentais se referem a essas crenças como
esquemas. Os esquemas, as emoções e os comportamentos são uma
parte significativa daquilo que constitui a fábrica do funcionamento da
família (Dattilio, 2011).

Mais informações sobre esquemas e sua relação com a terapia


familiar cognitivo-comportamental são apresentadas no
Conteúdo Interativo desta aula.

Consequências dos conflitos no


desenvolvimento de crianças
As crenças parentais certamente influenciam o modo como seus
descendentes interpretam os diversos eventos da vida e contribuem
fortemente para os conceitos que uma criança forma sobre o mundo.

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Equivalem aos mitos familiares, que os teóricos sistêmicos discutem
na terapia familiar (Nichols e Schwartz, 2007).

Cada vez mais se dá atenção às crenças de cada indivíduo na família,


bem como à interação entre estes. Quando há falha nesse processo
arquitetônico e os conflitos, a má conduta e, muitas vezes, o abuso por
parte dos membros individualmente ocorrem contínua e regularmente,
outros membros se acomodam com tais ações. Às vezes, crianças
crescem em tais famílias com o entendimento de que esse tipo de
convívio é normal, porém é esse funcionamento que leva ao que se
denomina “famílias disfuncionais”.

A exposição da criança à violência conjugal é geradora de


consequências como, por exemplo:

 agressão;
 uso de drogas;
 transtorno de atenção;
 baixo rendimento escolar;
 ansiedade;
 depressão;
 transtorno do estresse pós-traumático (TEPT);
 problemas somáticos.

Infelizmente, muito da raiva dos pais em conflitos com seus cônjuges é


dirigido às crianças. Diz-se que a raiva é “descontada” na criança, como
se isso amenizasse os conflitos, o que é uma inverdade. Ao contrário, a
raiva é somada e multiplicada quando exercida de maneira
inadequada. O Ministério da Saúde (Brasil, 2002) indica, também, que
famílias em situação de crise e com níveis de tensão permanente,
manifestados pela falta de diálogo adequado e pelo descontrole da
agressividade, são fatores de risco ao desenvolvimento infantil das
crianças.

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O Conteúdo Interativo desta aula apresenta crenças e emoções
que as crianças podem desenvolver em ambientes
disfuncionais.

Abordagem cognitivo-
comportamental no manejo de
conflitos familiares
A abordagem cognitivo-comportamental postula que cada membro de
uma família é influenciado pelos pensamentos, emoções e
comportamentos de cada um dos demais componentes (Dattilio,
2011). Isso significa que conhecer o sistema familiar completo é
conhecer as partes individuais e os meios pelos quais estas interagem,
assim como na teoria dos sistemas, o que esclarece muito a natureza
dos conflitos. Na grande maioria das vezes, o conflito se faz presente
muito mais pela forma como os membros da família interpretam as
situações do que pelas situações perturbadoras em si.

A TCC tem sido utilizada no trabalho com famílias com as mesmas


premissas de quando é usada individualmente. Isso porque seus
resultados clínicos são evidenciados através de muito estudos, seu
tempo de duração é menor que o de outras abordagens, seu foco está
na situação atual e ela auxilia na capacidade de resolução de
problemas. Em outras palavras, a crescente adoção de métodos
cognitivo-comportamentais por terapeutas de casais e de famílias
parece se dever a fatores como (Knapp, 2004):

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 evidências de pesquisa sobre sua eficácia;
 atratividade para os clientes, que valorizam a abordagem
proativa na resolução de problemas e na construção de
habilidades que a família pode utilizar para enfrentar futuras
dificuldades;
 ênfase na relação colaborativa entre terapeutas e clientes.

Dattilio (2011) coloca que a pessoa precisa estar atenta às mensagens


que transmite a si mesma, porque elas são muito fortes. Para as coisas
mudarem, é preciso começar a mudar o modo de pensar.

O monitoramento dos pensamentos causa um impacto


importante nas emoções (Datilio, 2011), e o controle desses
pensamentos facilita as mudanças.

A forma como cada cônjuge pensa e a emoção decorrente disso


influenciam diretamente o funcionamento e a saúde ou não do casal.
Desenvolver uma perspectiva mais equilibrada sobre o parceiro é, com
frequência, o foco da TCC (Dattilio, 2011).

A abordagem com casais tem sido muito rica como material da TCC.
Nesse contexto, identifica-se a crença que a pessoa tem sobre si e sobre
o relacionamento e discriminam-se os erros cognitivos e as diferenças
de cognição no casal, relacionados, às vezes, a uma mesma situação.
Isso significa que um mesmo fato pode causar interpretações
totalmente divergentes no mesmo casal, o que ocasiona muitas brigas,
ainda mais se o casal estiver encharcado de emoções, como a
ansiedade, que acaba tornando tudo e todos ameaçadores.

Feita a avaliação, é montado o plano terapêutico, junto com o casal, e


são utilizadas técnicas específicas, como psicoeducação e treino de

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comunicação. O casal aprende a identificar distorções de pensamento
pelo uso de evidências e, assim, encontrar melhores soluções para os
problemas e fazer uma reestruturação cognitiva. As mudanças nas
crenças podem levar a alterações no humor, nas emoções e no
comportamento.

Casais saudáveis não são aqueles que não têm dificuldades, mas
os que aprendem a resolver os problemas de formas adaptativas
e assumem uma atitude ativa na busca de uma relação
satisfatória.

CONCLUSÃO

O foco da TCC para casais está nos processos de pensamento, no


sistema de crenças e no comportamento dos parceiros na relação. É
importante observar o funcionamento, as crenças e as expectativas de
cada parceiro sobre o outro e sobre o futuro da relação, verificando se
seu comportamento é assertivo ou não para a qualidade da relação.
Cabe, ainda, observar todo o contexto familiar, já que as crenças e os
esquemas de pensamentos podem interferir diretamente na qualidade
de vida.

É extremamente importante identificar fatores como o ciclo de vida de


cada família e sua cultura para que o trabalho terapêutico seja efetuado
em sua completude. Reconhecer assertivamente os comportamentos
familiares auxilia não só no trabalho com as atitudes, mas também na

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reestruturação cognitiva da família. A partir do momento em que um
comportamento é trabalhado, ele gera uma mudança cognitiva, que
poderá se espalhar para os outros membros da família.

REFERÊNCIAS

Biasoli-Alves ZMM. Crianças e adolescentes: a questão da tolerância na


socialização das gerações mais novas. In: Biasoli-Alves ZMM,
Fischmann R, organizadores. Crianças e adolescentes: construindo
uma cultura da tolerância. São Paulo: EDUSP; 2001. p. 79–93.

Bonet JIC, Castilla CDS. Um protocolo cognitivo-comportamental para


terapia conjugal. In: Caballo V, organizador. Manual para o tratamento
cognitivocomportamental dos transtornos psicológicos da atualidade.
São Paulo: Santos; 2007. p. 563–83.

Brasil. Ministério da Saúde. Projeto de apoio à implementação e


consolidação do Programa Saúde da Família no Brasil. Brasília: MS;
2002.

Carneiro TF. Família: diagnóstico e terapia. Rio de Janeiro: Zahar;1983.

Dattilio FM. Manual de terapia cognitivo-comportamental paracasais e


famílias. Porto Alegre: Artmed; 2011.

Knapp P. Princípios fundamentais da terapia cognitiva. In: Knapp P,


organizador. Terapia cognitivo- comportamental na prática
psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed; 2004. p. 19-41.

Nichols MP, Schwartz RC. Terapia familiar: conceitos e métodos. Porto


Alegre: Artmed; 2007.

Osório LC. Família hoje. Porto Alegre: Artes Médicas;1996.

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REFERÊNCIA RECOMENDADA

Satir V. Terapia do grupo familiar. Rio de Janeiro: Francisco Alves;


1967.

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