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Caminhos Separados Onan sie tes cero ACCU 103 Quando, No ano 311 d.C., 0 Imperador Constantino instituiu o cristianismo como religiio oficial do Fstado, a Ipreja defrontou-se com enormes dificuldades. Durante os periodos, de perseguigio nio era necessirio — na verdade nem possivel — construir locais ptiblicos de culto. As igrejas € lugares dispontveis para reunides de fiéis eram pequenos € discretos. Uma vez que a Igreja se tornou a maior poténcia do império, porém, toda a sua relagio com a arte tinha de ser reconsiderada. Os locais de culto nio podiam basear-se nos templos antigos, pois sua funcio era inteiramente distinta. O interior do templo costumava ser apenas um pequeno sacrario para a esttua do deus. Procissdes e sacrificios aconteciam ao ar livre. A igreja, por outro lado, precisava reservar espaco para toda a congregacao que se reunia para assistir ao servico religioso enquanto o padre celebrava a missa no altar-mor ou proferia o sermio, Por isso, em vez de tomar como base os templos pagios, as igrejas seguiram os vastos salées de reuniio conhecidos na época classica com 0 nome de “basilicas”, cujo significado aproximado seria “salio real”. Usados como mercados cobertos e tribunais ptiblicos, esses edificios consistiam basicamente em amplos salées oblongos dotados de compartimentos mais estreitos e baixos ao longo do comprimento, separados do recinto central por colunatas. Na extremidade oposta a entrada costumava haver espaco para um tablado semicircular (ou abside), onde o presidente da assembleia ou juiz tomava assento. A mae do Imperador Constantino mandou construir uma basilica dessas para servir de igreja, e assim se adotou esse termo para designa-las. O nicho semicircular ou abside seria usado como altar-mor, para © qual os olhares dos fiéis se dirigiam; essa parte do edificio, onde se localizava o altar, ficaria conhecida como coro. O corpo principal, onde se reunia a congregacio, seria mais tarde designado nave, que significa “navio”, ao passo que os compartimentos laterais se chamariam alas, sindnimo de asas. 104 —Caminhos Separados Na maioria das basilicas, a nave recebia um teto simples de madeira, com as vigas expostas. As alas quase sempre Snham ‘um teto plano. As colunas que separavam a nave das alas Ty vezes ostentavai uma decoragao suntuosa. Nenhuma das primeiras basilicas permaneceu inalterada, mas, a despeitg das modificagdes e reformas realizadas ao longo dos 1.500 anos transcorridos desde entao, ainda se pode fazer uma ideia dg aspecto geral dessas construgées, figura 86. A questio de como decoré-las foi muito mais dificil e grave, pois aqui ressurgiu o velho problema da imagem e seu uso religioso, suscitando controvérsias violentas. Em um ponto quase todos os primeiros cristaos concordavam: nao podia haver estatuas na Casa do Senhor. Estatuas pareciam-se demais com as imagens esculpidas ¢ {dolos pagios condenados na Biblia. Colocar a figura de Deus ou um de Seus santos sobre o altar parecia completamente fora de questao. Afinal, como os pobres pagdos recém-convertidos 4 nova fé compreenderiam a diferenca entre suas velhas crencas e a nova mensagem se ainda encontrassem estatuas nas igrejas? Poderiam facilmente pensar que tal imagem “representava” Deus de fato, do mesmo modo como se acreditava que uma estatua de Fidias representava Zeus —o que dificultaria ainda mais o entendimento da mensagem de um Deus uno, Todo-poderoso e Invisfvel, a cuja semelhanga fomos feitos. Entretanto, embora todos os cristios devotos fizessem objecdes a grandes estatuas realistas, tinham uma opiniao bem diferente acerca das pinturas. Alguns as consideravam titeis por ajudar a congregac¢io a recordar 0 ensinamentos recebidos e manter viva a lembranga dos episddios sagrados. Esse foi o ponto de vista adotado sobretudo na parte latina, ocidental, do Império Romano. Um exemplo tas foi o Papa Gregério Magno, que viveu no final do século Vid e lembrava aqueles que eram contra toda e qualquer pintura que muitos membros da Igreja néo sabiam ler nem esctevel © que, para fins didaticos, as imagens eram tio uteis quanto 4 oma € # 105 figuras de un x pelo ie ‘oi de im rande auto! alavras Ser jmagens nas entao admit sugestéo de tinha de ser possiveis, e objetivo ce: artistas Con desenvolvic concentran 87 mostra com o ma: Ravena — ¢ maritimo | ilustra a p mil pesso: helenistic multidao optou por pintura e: mosaico, vidro que confererr aspecto d sugere ac acontece vidro, ni imével e Cristo bi compric obre o no os riam a e ainda pensar modo va Zeus agem. lhanga rs a 0S tudo plo v1. d.c. ra ere as somo ¢ Bizéncio, séculos Va XIIL 108 figur’® de um aes ilustrado para criangas, “As Pinturas Fake pelo aatfabeto 0 qUE a eserta faz pelos letore ae faze s elevanci + dizi Foi de imensa relevancia para a historia da arte " grande autoridade se tenha colocado a favor da Sane 5 valavras seria. citadas 4 exaustio sempre que 0 uso das smagens nas igrejas fosse atacado. De todo modo, o tipo de arte enta0 admitido era de um tipo muito restrito. Para quea gugestio de Gregério fosse plenamente atendida, a historia tinha de ser contada com a maior clareza e simplicidade possiveis, e tudo o que fosse capaz de distrair a atencio desse objetivo central e sagrado devia ser omitido. A principio, os artistas continuaram langando mio dos métodos narrativos desenvolvidos pela arte romana, mas pouco a pouco foram se concentrando cada vez mais no estritamente essencial. A figura 87 mostra uma obra em que tais principios foram aplicados com o maximo de consisténcia. Oriunda de uma basilica em Ravena — que era, por volta de 500 d.C., um grande porto maritimo e principal cidade da costa adridtica italiana -, ela ilustra a passagem do Evangelho em que Cristo alimenta cinco mil pessoas com cinco pies e dois peixes. Um artista helenistico aproveitaria a oportunidade para mostrar uma multidio numa cena vistosa e dramitica; esse mestre, porém, optou por uma estratégia muito diversa. Sua obra ndo éuma trata-se de um. s de pedra ou indo e néis, um pintura executada com pinceladas habeis; mosaico, montado laboriosamente com cubinho: vidro que proporcionam um colorido vivo e prof conferem ao interior da igreja, coberto com esses pail aspecto de solene esplendor. O modo como a historia é contada Sugere ao espectador que ha algo de miraculoso e sagrado acontecendo, No fundo déurado, composto de fragmentos de Vidro, nio se passa nenhuma cena natural ou realista.A figura imével e tranquila de Cristo ocupa 0 centto do quadro — nao 0 Cristo barbudo que nos é familiar, mas o joven de cabelos compridos que vivia na imaginacao dos primeiros cristaos. : 16 Caminhos Separados averga um manto purpura e, am gesto de BENGTO, estengy 2 ; 6 ados, onde dois apdstolos oferecem Une 6 2 ados, io Dragos para os | So do milagre. Hles apresentam os peixes para a real " alimento de mios cobertas, COME stiditos: que (razem a ofeyg aos seus senhores, conforme o costume da época. Com efe cena parece na cerimonia solene. Nota-se que 0 artista atribuia um profundo significado & cena que representou, Pary ele, o que se passara algumas centenas de anos antes na Palestina fora nio apenas um estranho milagre, mas o simbolo e testemunho do poder permanente de Cristo, tal como personificado pela Igreja. Isso explica, ou ajuda a explicar, o olhar inabalivel que Cristo dirige ao espectador: € a ele que ito, Cristo vai alimentar. A primeira vista, o quadro parece rigido e frio, sem nenhum traco do primor de movimento e expressdo que era 0 orgulho da arte grega e que persistiu até o periodo romano. O modo como as figuras sio fixadas em rigorosa vista frontal pode até lembrar-nos certos desenhos infantis. Ainda Assim, o artista devia ter pleno conhecimento da arte grega. Sabia exatamente como drapear um manto ao redor do corpo de modo que as principais articulagdes permanecessem visiveis por baixo das pregas. Sabia como mesclar pedras de diferentes tons em seu mosaico a fim de simular as cores da carne ou da rocha. Assinalou as sombras no chio, e nao teve nunhuma dificuldade oa a perspectiva. Se 0 quadro nos parece um pouco Aconcengia ot a ° srs Pretender manté-1o simples Perea odes aEn la importancia da clareza na jetos voltaram com toda a forca, em virtude da énfase se dada pela Igrej a ad : jaa essa questao. Todawia, a formas utilizadas pelos ar das /seu uldade imples. na Ea, via, a5 ram intura uriosO or yma ¢ Bizdncio, séculos Va XIII . yon & yolta de 500 a.C., voltou a adormecer em torno de 500 4.C. Os artistas deixaram de comparar suas fSrmulas com a realidade haio mais se propunham a descobrir novos modos de . representar 0 Corpo ou criar a ilusio de profundidade, Nio obstante, as descobertas anteriores jamais se perderam. A arte greco-romana forneceu um imenso repert rio de figuras de pé, sentadas, curvadas, caindo. Todos esses tipos teriam sua utilidade narrativa, e, por isso, eram continuamente copiados e adaptados a novos contextos. Os fins aos quais agora atendiam, porém, eram tao radicalmente diversos que nao devemos ficar surpresos se, aparentemente, essas pinturas revelarem tio pouco de sua origem clissica. A discussao sobre o propésito da arte nas igrejas provou ser da maior importincia para toda a histéria da Europa, na medida em que seria um dos motivos pelos quais as regides orientais do Império Romano, de idioma grego e cuja capital era Bizancio ou Constantinopla, se recusaram a aceitar a lideranga do papa latino. Havia um grupo contra toda e qualquer imagem de natureza religiosa; chamados de iconoclastas (destruidores de imagens), em 754 d.C. levaram a melhor e conseguiram que toda a arte religiosa fosse proibida na Igreja Oriental. Seus adversarios, porém, estavam ainda menos de acordo com as ideias do Papa Gregério. Para eles, as imagens eram nao apenas tteis, mas sacras. Os argumentos mediante os quais procuravam justificar seu ponto de vista €ram tao sutis quanto os usados pelos seus opositores: “Se Deus, em Sua misericérdia, decidiu revelar-Se aos olhos mMortais na natureza humana de Cristo”, dlegavam, “por que nao Se disporia também a manifestar-Se em imagens visiveis? Nao adoramos as imagens em si, como faziam os pagaos. Cultuamos a Deus e aos Santos por meio ou através de suas imagens.” 0 que quer que achemos da l6gica dessa tese, ela foi de uma tremenda relevancia para a historia da arte — pois Quando esse grupo voltou ao poder, ao fim de um século de ros Caminbos Sewradts igrejas mio podiant mais ser as pinturas 1 cas ilustragos osos refle’ repressio. consideradas mer consideradas mistet! if rereia Oriental portato. HHO POC WAT IE a seguisse sua imaginaglo simmplesmente. Decerto neni toda hey le uma mulher com es para uso dos analfabetas, p “ray xos do mundo sobrenatural , dia mais permitir que seu filho seria aceitavel pintura di a geira imagem sacra OU : Jos por uma tradicio ancestral, “jcone” da Mie de Deus, mas 4 verda ee comente tipos consagrad esse modo, os bizantinos passaram a insist na observancia das tradigGes quase com © mesmo rigor dos egipcios. Havia, porém, dois lados nessa questio. Ao determinar que o autor de imagens sacras se ativesse estritamente aos modelos antigos, a Igreja Bizantina ajudou a preservar as ideias econquistas da arte grega nas formulas aplicadas a0 drapeado, rostos ou gestos. Uma pintura de altar como a Virgem Maria da figua 88 talvez no possa parecer mais distante das realizagdes da arte grega; todavia, o modo como 0 tecido é drapeado em volta do corpo e resplandece na area dos cotovelos e joelhos, o modo de modelar o rosto e as mos fazendo uso das sombras, e mesmo a ampla curvatura do trono da Virgem seriam impossiveis sem as realizacdes das pinturas grega e helenistica. Apesar de certa rigidez, portanto, a arte bizantina permaneceu mais préxima da natureza do que a do Ocidente nos periodos subsequentes. Por outro lado, a énfase na tradigao e a Se eee aon Maria dificultaram 0 (0 pessoal dos artistas bizantinos. Ainda assim, tal conservadori ' ‘orismo desenvi - naneira Sradual, e seria errado sui olveu-se de 1 er ieee e a stivesse! Privados de qualquer ma ‘tistas de entao esti’ TMar as ilustragGes simples da art lominam 9 ae de imagens amplas e sole cos realizados por eres Suzana. Observando 0s esses artistas, gregos noe Bilcds ena que d mosai roma € Birdmeto, 109) g durante & Tdac Aili ; 7 jo logrot! ressusci fat gna arte | seu poder A figura! set impressionante prada p oriental sicilia, dee’ A Sicilia em si pet explica 0 fato de « ye uma das prim cujo assassinato, toda a Europa. S: ativeram-se 4 SU. reunidos na cate Cristo, represen erguida no gest entronizada cor solene fileira di Imagens ass paredes dourac Verdade Sagra¢ desviar-se dele regidos pela I: dos russos ain artistas bizant las oma € Biainci, séculos Va XIII 109 yelia durante a Idade Média, nota-se que o império ori fro Fou ressuscitar algo da grandiosidad co oriental de “ antig? arte oriental, usando-a para a glorificagio jie a seu poder: A figura 89 da uma ideia do quanto weaaneny set impressionante, Mostra a abside da catedral de te oa sicilia, decorada por artesaos bizantinos pouco antes de ms a ASicilia em. si pertencia a Igreja Ocidental ou Latina ° “a explica 0 fato de que, entre os santos que ladeiam a =o se ye uma das primeiras representacdes de Sdo Tomés Becket — cujo assassinato, cerca de vinte anos antes, fora comentado em toda a Europa. Salvo pela escolha dos santos, porém, os artistas ativeram-se 4 sua tradi¢ao bizantina de origem. Os fiéis reunidos na catedral viam-se diante da figura majestosa de {sto, representado como Senhor do Universo, a mao direita da no gesto de béngdo. Abaixo esté a Virgem Maria, zada como imperatriz, flanqueada por dois arcanjos € a cn ergui entroni: solene fileira de santos. que nos olham do alto das refulgentes tas da Imagens assim, reciam representacdes tao perfei ario paredes douradas, pa Verdade Sagrada que aparentemente jamais seria necess desviar-se delas. Com efeito, regidos pela Igreja Oriental. As dos russos ainda hoje refletem essas artistas bizantinos- continuaram dominando os paises imagens sacras, OU “{cones”, grandes criagdes dos

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