O simbolismo do fogo através do tempo, culturas e religiões
Como fora citado anteriormente, o domínio do fogo permitiu inúmeros avanços e a
origem da sociedade humana, da forma que a conhecemos hoje, ocorreu a partir do momento em que o homem passou a dominá-lo. No entanto, além da grande importância do fogo através de seus múltiplos usos na atividade prática do dia a dia de todas as pessoas, deve-se citar a relevância que ele exerce em seu valor simbólico para diferentes povos e culturas. Ele representa o calor, luz, espiritualidade, amor e sexualidade. Mas também simboliza a ira, aniquilação e a guerra. Essas são apenas algumas das representações do fogo. Bastante utilizado em rituais e cerimônias: é um elemento da natureza que está presente na maioria das culturas e religiões. É a transformação da natureza, a criação e destruição em conjunto. O fogo não fala aos animais, contudo, fala ao homem. Ante o fogo, o animal se espanta e foge, o homem espanta-se e aproxima-se. É que, entre ele e o fogo, há alguma coisa que os liga. Em todos os povos, o fogo é objeto de culto, e do culto mais profundo. O homem é o único ser que se apropria do fogo e o domina, mesmo que não em sua totalidade. Misto de bem e de mal, o homem se dirige ao fogo somente buscando o bem que ele oferece. Na mitologia grega, a criação do fogo é imortalizada na tragédia Prometeu Acorrentado de Ésquilo (525 a.C. – 456 a.C.), que relata o mito da domesticação do fogo. Prometeu e seu irmão Epimeteu eram responsáveis pela criação dos homens e dos animais. Epimeteu trabalhava e seu irmão supervisionava as obras prontas, dando características próprias a cada animal. Quando chegou a vez do homem, sobraram poucos recursos, como a coragem e a força, necessários para que este fosse superior aos outros animais. Com o objetivo de ajudar seu irmão, Prometeu roubou o fogo dos deuses e o entregou à humanidade, com o auxílio de Minerva, assegurando assim a superioridade da raça humana. Como castigo por seu crime, Zeus mandou que Hefesto acorrentasse Prometeu no alto de um monte, onde todos os dias um abutre se alimentaria de um pedaço de seu fígado, que se regeneraria por ser Prometeu um imortal. Antes de se completar os 30 mil anos do castigo, Prometeu foi libertado por Hércules e substituído pelo centauro Quíron, já que a substituição era uma exigência para sua libertação. É possível notar como a lenda de Prometeu expressa a significação que o fogo tem na formação de cada um de nós, indivíduos. Continuando nos gregos, há Apolo como o deus originário da luz e do fogo. Como deus do Sol, atribuía-se a ele a germinação da terra e a proteção das atividades agrícolas. Na Antiguidade, em algumas regiões da Grécia, as primeiras colheitas eram consagradas a ele. É também conhecido como deus pastoral, cuja tarefa é proteger os rebanhos. Os romanos cultuavam a deusa Vesta representada pelo fogo ardente. Por isso, eles a veneravam mantendo uma chama do fogo acesa guardada no templo por um grupo de sacerdotisas virgens chamadas Vestais. Entre os germânicos, a etimologia da palavra Loki está próxima da palavra do nórdico antigo para fogo. Como a maior parte dos mitos nórdicos foram compilados na Islândia entre o século XIII e XIV, período em que o Cristianismo lutava para se estabelecer na região, houve também uma tentativa de traçar paralelos ao Diabo. Muitos tentaram ler a criação de um Lúcifer pagão para se opor a Odin, que seria um líder divino positivo. Apesar dessas hipóteses não serem as mais aceitas pela comunidade acadêmica atualmente, essa relação entre Loki e Odin é de fato observada nos mitos. Não é tão simples quanto o maniqueísmo cristão, mas há uma dualidade um tanto quanto poética entre eles, uma espécie de inversão. Alguns estudiosos sugerem que Loki é uma hipóstase de Odin. É quase como se eles fossem feitos da mesma substância divina, entretanto se apresentassem de formas diferentes. Dois lados da mesma moeda. Em tribos peruanas, flechas incendiárias eram atiradas em direção ao Sol por ocasião de um eclipse, o que revela um desejo de domínio mágico do Sol. Existem tribos árabes que acendem as fogueiras e saltam, repetindo o salto sete vezes. Além de julgarem o fogo purificador, usam as cinzas das fogueiras como benéficas, e passam-nas pelo corpo e cabeça. No Zoroastrismo, o fogo é um símbolo da sabedoria e luz divina. Os templos religiosos do Zoroastrismo, onde se desenrolam as cerimônias e se celebram os festivais próprios da religião, são conhecidos como Templos de Fogo. Os Templos de Fogo mais importantes do Irã e da Índia mantêm uma chama de fogo sagrado a arder perpetuamente. A doutrina Hindu lhe confere enorme notoriedade. Agni, Indra e Surya são os fogos dos mundos terrestre, intermediário e celeste (ou seja, o fogo comum, o raio e o Sol). Ainda são contabilizados dois fogos: o da penetração ou absorção (Vaishvanara), e o da destruição (outro aspecto de Agni). Na cultura tradicional chinesa, o fogo é um dos cinco elementos que fazem parte da origem da criação. Os outros são madeira, terra, metal e água. Os taoístas entram no fogo para liberar-se do condicionamento humano. O Candomblé apresenta dentre as suas inúmeras divindades (Orixás), uma forte relação com os elementos da natureza: ar, terra, água e fogo. Xangô (mais popular entidade do Candomblé) é miticamente um rei, alguém que cuida da administração, do poder e, principalmente, da justiça. Ele tem o fogo como seu principal elemento natural. Os adeptos do Candomblé realizam inúmeras festividades ao longo do ano, muitas das quais, em presença de fogueiras e chamas. Para os cristãos, Jesus é a própria luz que aquece a quem tem frio e ilumina aos que estão na escuridão. A luz solar ilumina a Terra e o fogo também ilumina, embora em grau menor. O fogo é, assim, o símbolo do Sol, que é o símbolo do Ser Supremo. A figura do fogo é citada em várias passagens da Bíblia, como, por exemplo, quando Deus entrega as tábuas dos dez mandamentos a Moisés. Os cristãos veem na chama um intermediário entre o sagrado e o profano, é a queima dos pecados e o rito de purificação. Dentro das igrejas católicas e protestantes, ainda há a visão terrena do fogo e o seu poder destruidor fez com que ele recebesse conotações negativas. A imagem do Inferno é a representação disso: labaredas por todos os lados e a impossibilidade da regeneração após ser consumido por suas chamas. O fogo sempre foi um objeto de fascínio e reflexão. Os budistas usam o fogo como representação das transformações e ciclos que o ser humano passa, a fim de poder alcançar a iluminação. As tradições celtas tinham um profundo respeito pelo fogo e, por tal razão, em seus rituais e cultos às forças da natureza, eles se reuniam em volta de uma grande fogueira. Assim como o Sol, pelos seus raios, o fogo simboliza por suas chamas a ação fecunda e iluminadora. Por outro lado, também comporta um aspecto negativo: obscurece e sufoca, por causa da fumaça, queima, devora e destrói. O fogo também é muito usado em rituais de passagem como símbolo de purificação em culturas agrárias, representa os incêndios dos campos que se adornam depois com um manto verde de natureza viva. O fogo é o motor da regeneração periódica. Nos rituais iniciáticos de morte e renascimento, o fogo é associado ao seu princípio antagônico, que é a água. A purificação pelo fogo é complementar à purificação pela água, que também é regeneradora. Mas o fogo distingue-se dela por simbolizar a purificação através da compreensão até a sua forma mais espiritual, pela luz e pela verdade. Algumas cremações rituais têm a sua origem na acepção do fogo como um veículo, um mensageiro entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Para os alquimistas, o fogo era considerado o elemento essencial dotado do poder de produzir transformações químicas e também espirituais. Os alquimistas investigaram a união do material e o imaterial, por meio do fogo. Dessa forma, o conhecimento dos alquimistas transcendia a questão física. Pois, na concepção deles, cada ser humano porta o fogo espiritual que pode operar uma transmutação através de uma alquimia interna. Nos esportes, o fogo é o elo entre os Jogos da Antiguidade e os Jogos da Era Moderna. Tradicionalmente, alguns meses antes dos Jogos Olímpicos, a chama é acesa em Olímpia, na Grécia, onde se inicia o revezamento da tocha, que atravessa várias cidades do mundo em direção à cidade sede. O fogo sagrado, tido como elemento purificador, ao chegar no Estádio Olímpico, anuncia o começo dos Jogos e convoca o mundo a celebrá-los em paz. A tocha é transportada por atletas e cidadãos comuns até o local da cerimônia de abertura, ficando acesa durante todo o período, apenas extinguida na cerimônia de encerramento. A cada edição, a cidade-sede cria a sua própria tocha, que ganha novos desenhos e formas. O acendimento do fogo simbólico costuma ser extremamente tocante nas aberturas esportivas. uma das maiores emoções ocorreu na abertura dos Jogos de 1964, em Tóquio, no Japão. Em momento de expectativa, Yoshinori Sakai adentra o estádio olímpico com a tocha em punho. O estádio olímpico de Tóquio treme com a explosão comovida do público. O jovem Sakai havia nascido em Hiroshima no dia em que a cidade foi destruída pela bomba atômica. Este é um exemplo explícito do simbolismo que existe no acendimento do fogo: a perpetuação da espécie humana. Ou ainda, a afirmação do Barão Pierre de Coubertin: "Que a Tocha Olímpica siga o seu curso através dos tempos para o bem da humanidade cada vez mais ardente, corajosa e pura".