Professional Documents
Culture Documents
Tabu e Preconceito Linguistico
Tabu e Preconceito Linguistico
Vivian Orsi1
vivian@ibilce.unesp.br
RESUMO: O léxico de uma língua permite que nele se entreveja o modo como a comunidade vê o mundo que a
circunda, em seus diferentes aspectos. Assim, por meio do seu estudo podemos ter uma ideia dos preconceitos
que permeiam a sociedade. O objetivo deste trabalho é apresentar reflexões e teorizações referentes aos itens
léxicos obscenos e aos tabus linguísticos a eles subjacentes e abordar o preconceito linguístico.
PALAVRAS-CHAVE: Lexicologia; Léxico obsceno; Tabu; Preconceito linguístico.
INTRODUÇÃO
Cada dia parece ser mais evidente a adoção de itens léxicos eróticos e obscenos por
pessoas de todas as faixas etárias em situações informais, conforme atesta Preti (1984).2
Podemos associar esse dado ao fato de que muitas dessas unidades consideradas proibidas
passaram a integrar músicas, roteiros de televisão e legendas de filmes, por exemplo.
Todavia, quando se usa esse léxico, provocam-se, ainda, duas reações diferentes na
sociedade: uma de crítica, porque seu uso é contrário aos padrões linguísticos estipulados; e,
por outra senda, desperta curiosidade, visto que qualquer reação às regras sociais em vigor
causa surpresa.
Neste artigo definir o que se entende, atualmente, como um item lexical obsceno e o
porquê de o considerarmos um “palavrão”, seu uso e implicações extralinguísticas, além de
justificar o motivo pelo qual lexias desse tipo se enquadram entre os tabus linguísticos.
Também procuraremos mostrar de que modo esses tabus disseminam preconceitos e insistem
em repressões sobre o que se refere à sexualidade e às unidades léxicas empregadas para se
referir a ela.
1
Professor Assistente Doutor do Departamento de Letras Modernas, IBILCE, Universidade Estadual Paulista -
UNESP, campus de São José do Rio Preto-SP.
2
Enfatizamos que dentro de nossa pesquisa encontramos itens que se reportam ora ao aspecto erógeno, porque
provocam ou estimulam a associação ao sexo; ora ao erótico, ou seja, ao sexo em si, e ora ao obsceno, que se
refere ao que é considerado indecente, imoral, grosseiro ou chulo.
3
“Possiamo allora definire come parolaccia un termine che non sia accettato dalle convenienze sociali, il cui
utilizzo in pubblico sia socialmente sanzionabile” (BONA, 2008: 21).
4
“nei discorsi sulle parole oscene che si fanno in questi giorni, mi pare che si dimentichi una cosa: la tradizione
di disprezzo per il sesso che le espressioni popolari si portano dietro, per cui le denominazioni degli organi
genitali sono usate come insulto (...)” (CALVINO, 2009: 366).
em todo grupo cultural, há partes do corpo que não se devem sequer nomear. É o
caso, entre nós, dos órgãos sexuais, que são designados, ou por jargão médico-
científico, ou por palavrões. É que os órgãos sexuais servem para lidar diretamente
com o outro, estabelecendo a ligação entre opostos e, por conseguinte, têm de ser
objeto de tabus, como tudo aquilo que fomenta um duplo domínio.
é vedado pronunciar uma palavra, se esta é tabu, então qual é o recurso ou processo
de que se lança mão para exteriorizar a idéia expressa por ela, uma vez que se faz
mister exprimi-la? O recurso empregado são meios indiretos e meios diretos
dissimulados, i.e., substitutos que velem de qualquer modo o ser sagrado-proibido.
(GUÉRIOS, 1956: 20)
Por este motivo recorre-se ao emprego dos itens léxicos chulos. Araripe (1999, p. 159)
coloca que, “a aura de aparente mistério que, para o vulgo, cerca a linguagem sexual culta, no
caso da língua portuguesa, consiste, na maioria das vezes, em buscar, no latim inacessível às
massas, raramente no grego, a terminologia a partir da qual foram denominados, no geral, os
órgãos e as ações humanas”.
Para Calvino (2009) os palavrões trazem ainda três valores classificados em relação a
seu emprego. Eles dispõem, primeiramente, de força expressiva, em função da carga
semântica que lhes é atribuída. Desse modo, usados na situação adequada, funcionam como
notas musicais para criar um determinado efeito na partitura, ou melhor, no discurso. Assim,
devem ser resguardados, para que num dada momento não corram o risco de perder a gama
expressiva que carregam consigo. Os palavrões englobam, em segundo lugar, o valor
denotativo direto, ou seja, o uso da unidade léxica mais simples para designar um órgão
associado às zonas erógenas ou um ato quando se pretende falar abertamente sobre aquele
mesmo órgão ou sobre aquele mesmo ato, fazendo uso tanto do eufemismo quanto das
metáforas. Ou ainda, por exemplo, ao contrário de usar em língua italiana o item cazzo (que
indica a genitália masculina, de modo informal, ou seja, “caralho”, que pode ser empregado
também com o sentido de “nada”, como em Non ho capito un cazzo (Não entendi nada) ou
expressando assombro ou espanto, como em Cazzo, che caldo! (Puxa vida, que calor!)
(ZAVAGLIA, 2010: 113), opta-se por cavolo, que tem condição de substituí-lo em todas as
situações acima descritas, porém, de forma mais polida e agradável a quem condena o
palavrão.
2. PRECONCEITO LINGUÍSTICO
As variações dentro de uma mesma língua ocorrem com frequência e são para a
Sociolinguística fatos normais, mas os preconceitos, como se atesta, infundem-se de forma tão
intensa na mentalidade das pessoas, que as atitudes preconceituosas se transformam em
complemento do próprio modo de ser e de ver no mundo. Alguns falantes têm a ilusão de que
a língua praticada é estável. É algo natural a todas as línguas os fenômenos de variação e de
mudança, isto pois as línguas variam e mudam assim conforme a vida dos ser humano na
Não queremos dizer que qualquer manifestação deva ser aceita incondicionalmente.
Pensamos como Bagno (2007: 129-130, grifos do autor): “Então vale tudo? Não é bem assim.
Na verdade, em termos de língua, tudo vale alguma coisa, mas esse valor vai depender de uma
série de fatores. Falar gíria vale? Claro que vale: no lugar certo, no contexto adequado, com as
pessoas certas. E usar palavrão? A mesma coisa”.
Usar bem a língua, seja na modalidade oral ou na escrita, é encontrar o ponto de
equilíbrio entre a adequabilidade e a aceitabilidade, como é dito a seguir:
É totalmente inadequado, por exemplo, fazer uma palestra num congresso científico
usando gíria, expressões marcadamente regionais, palavrões etc. A plateia
dificilmente aceitará isso. É claro que se o objetivo do palestrante for precisamente
chocar seus ouvintes, aquela linguagem será muito adequada... Não é adequado que
um agrônomo se dirija a um lavrador analfabeto usando uma terminologia altamente
técnica e especializada, a menos que queira não se fazer entender. Como sempre,
tudo vai depender de quem diz o quê, a quem, como, quando, onde, por quê e
visando que efeito... (BAGNO, 2007: 130-131)
(...) cada um dos dicionários escolhidos atribui uma rubrica na sua acepção ou
entrada de uma forma diferente: uns com chulo, outros com popular ou regionalismo
entre outros, fato esse que demonstra não haver um consenso entre os lexicógrafos
na forma como estremar esse tipo de léxico especial em seus dicionários. Dentre os
cinco dicionários analisados, somente um deles não registra em sua nomenclatura
nenhuma das entradas em pauta, ao passo que perseguida não está presente em
somente um dos outros quatro e banana em dois deles. (ZAVAGLIA; ORSI, 2008:
s/p)
Acreditamos que a decisão de incluir esse tipo de unidade lexical num dicionário ou
excluí-lo depende dos objetivos a que a obra se propõe. Se o dicionário é concebido como
uma obra descritiva, cremos que devam ser registradas todas as palavras que tenham uso
frequente e generalizado, ainda que existam pudor e juízos sociais contrários ao seu emprego.
Há algum tempo um fato despertou alguns debates sobre a presença dessas lexias
tabuizadas em livros didáticos.
Segundo notícia publicada no Jornal Folha de São Paulo (TAKAHASHI, 2009: s/p),
em maio de 2009, vários livros didáticos dirigidos a alunos da terceira série do ensino
fundamental (faixa etária de nove anos) foram distribuídos pela Secretaria Estadual da
Educação de São Paulo contendo expressões como "chupava ela todinha", "chupa rola" e
"cu".
O então governador do estado de São Paulo, José Serra (PSDB), manifestou que seria
muito menos sério o erro de impressão ocorrido meses antes (em que o livro didático de
geografia trazia o Estado do Paraguai duas vezes em um mapa da América do Sul e não
apresentava o Equador) do que um livro com expressões consideradas palavrões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
1. ARANGO, Ariel. Os palavrões. (Trad. de Jasper Lopes Bastos). São Paulo: Brasiliense,
1991.
2. ARARIPE, Max. Linguagem sobre sexo no Brasil. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
3. AUGRAS, Monique. O que é tabu. São Paulo: Brasiliense, 1989.
4. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2007.
5. BERRUTO, Gaetano. Fondamenti di sociolinguistica. Bari: Laterza, 2005.
6. BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Dicionário Didático de Português. São Paulo:
Ática, 1998.
7. BONA, Alessio. Il turpiloquio nel serial: approccio alla traduzione. Milano: 2008, 54f.
Tesi di laurea. (Laurea in Mediazione Linguistica e Culturale) – Università degli Studi di
Milano. Disponível em: http://www.focus.it/Community/cs/blogs/vito_dixit/default.aspx.
Acesso em: 09 fev. 2009.
8. BORBA, Francisco da Silva. Dicionário Unesp do Português Contemporâneo. São Paulo:
Unesp, 2004.
9. ______. Dicionário de Usos do Português Contemporâneo. São Paulo: Editora Ática,
2002.
10. ______. Organização de dicionários: uma introdução à lexicografia. São Paulo: Editora
Unesp, 2003.
11. CALVINO, Italo. Una pietra sopra. Milano: Mondadori, 2009.
12. CHAUI, Marilena de Souza. Repressão sexual, essa nossa (des)conhecida. 2ª. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1984.
13. COSERIU, Eugenio. El hombre y su lenguaje. Estudios de teoría y metodología
lingüística. Madrid: Editorial Gredos, 1977.
14. CROCHÍK, José Leon. Preconceito, indivíduo e cultura. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2006.
ABSTRACT: The lexicon of a language shows the way the community views the world, in its different aspects.
Hence, through the study of the lexicon we can get a clearer idea of the different forms of prejudice present in a
society. The aim of this study is to present reflections and theories concerning obscene lexical items and
linguistics taboos associated to them, and to discuss the linguistic prejudice that this kind of lexicon may suffer.
KEY-WORDS: Lexicology; Obscene lexicon; Taboo; Linguistic prejudice.