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A máscara de Dória

Com recorde diário de mortes no Estado de São Paulo, completamos um ano do início de
medidas para conter a pandemia do coronavírus e a falência do Plano São Paulo.
No dia 13 de março de 2020, o governador Dória começa o dia declarando que “não há razão
para pânico” com relação ao avanço do coronavírus no Estado, e tampouco que há necessidade
de suspender as aulas e eventos. Poucas horas depois, o governador recua e baixa o primeiro
decreto, que incluía a suspensão de aulas e eventos e, na semana seguinte, reconhece por
decreto a situação de calamidade pública.
Esse foi só o começo de um dos anos mais difíceis das gerações vivas, que tiveram seu
cotidiano atravessado pelos números de contaminados e número de mortos tornando rosto de
conhecidos, vizinhos, parentes, colegas de trabalho e de estudo. No dia Pelo menos 16 de
março de 2021 foram ao menos 76 pessoas que morreram pela falta de leitos.

Desde que aceitou a pandemia como uma realidade dada, Dória organizou coletivas diárias
para mostrar o que estava sendo feito e construiu uma equipe que se manteve constante e
alinhada, algo que contrasta com as atrocidades proferidas por Bolsonaro e sua corja
negacionista, junto às trocas sucessivas de Ministro da Saúde.
Mas, a máscara que o Governador utiliza em São Paulo não é capaz de conter o coronavírus.
Apostando na retórica de líder sensato, desde o início se esforça em se credenciar como uma
autoridade responsável, alinhado com a ciência e em defesa da vida, um antagonista ao
presidente Bolsonaro. Entretanto, basta analisar cuidadosamente para ver como há muito mais
convergências do que divergências entre os dois.

O Plano São Paulo: Dória esconde a mão invisível do mercado nos bolsos de jalecos

Em maio de 2020, o Governo inicia o Plano São Paulo, um plano para “retomada consciente
dos setores da economia”, estabelecendo cinco níveis de abertura econômica. Também
anunciado como um plano para conter a pandemia “baseado na ciência e na saúde”, em que
as decisões são tomadas a partir das orientações de um “centro de contingência da saúde”,
uma equipe com médicos especialistas, secretários de saúde e chefes de unidades,
departamentos e instituições relacionadas à saúde.

Doria passou, assim, por meses, semana a semana, colorindo o Estado com cinco cores,
com escalas que vão da fase vermelha (contaminação, com liberação apenas dos serviços
essenciais), à fase azul (fase de controle, liberação para todas as atividades econômicas com
protocolos).

Os critérios para mudar as cores eram baseados, supostamente, na capacidade do sistema de


saúde (taxa de ocupação de leitos) e evolução da pandemia (número de casos, número de
internações, número de mortes). Apesar de anunciar com muita frequência de que são decisões
baseadas na ciência e na saúde, a “mão invisível do mercado” movimentou bastante ao
determinar o que são serviços essenciais e o que pode efetivamente abrir ou fechar em cada
fase, tendo seu ápice em março deste ano, em uma situação de pico de pandemia, com recordes
de mortes no Estado e no país, desidratando a fase vermelha, que foi diluída com abertura de
escolas e grande parte da economia aberta.

Para além das mudanças repentinas não só das fases, mas do que é permitido em cada uma das
fases (como ainda esse ano que Dória passa a definir atividades religiosas como serviço
essencial), há alguns malabarismos que só as ciências política e econômica explicam. Um
exemplo disso é o decreto, em janeiro deste ano, que manteve o Estado todo na fase laranja
(exceto sete regiões que ficariam definitivamente na fase vermelha), uma fase anterior à mais
restritiva, deixando durante à noite (20h às 06h) e aos fins de semana na fase vermelha.

Assim, a meta com o Plano São Paulo nunca foi zerar a doença, como foi realizado em outros
lugares do mundo com testes massivos e medidas de isolamento efetivos aplicando quarentenas
pra valer e lockdown. A opção foi construir um gerenciamento do caos, administrando a taxa de
ocupação de leitos abaixo de 80% e impactar o mínimo possível na economia, e com isso
aplicou uma série de medidas instáveis e ineficazes.

Dória demorou para reconhecer a segunda onda da pandemia, ajustando o Plano SP só depois
das eleições e de forma muito tímida, sem agir de forma contundente. Em meio a tudo isso
ainda realizou uma viagem para Miami que foi obrigado a recuar, voltar logo depois e pedir
desculpas por ter feito isso.

No dia 3 de março anuncia a projeção da saúde entrar em colapso em duas semanas caso nada
seja feito e, o que propõe diante disso é uma “medida de restrição” (e fez questão de destacar
que não se tratava de um toque de recolher ou lockdown) entre 23h e 05h, ao mesmo tempo que
mantém a volta às aulas presenciais.
Dória repete tantas vezes que as vidas estão em primeiro lugar que parece querer convencer ele
mesmo disso. Mas, sua prática é outra. Além do comprometimento com o setor privado até o
pescoço, está mirando nas eleições em 2022, e com essas prioridades falta espaço para pensar
nas necessidades da população e na defesa da vida.

5 erros de Dória:

1 - Déficit de testagem em massa

O vírus do COVID-19 virou o mundo de cabeça pra baixo e impactou nossas vidas, mas a
estratégia mais eficaz e barata para conter é extremamente simples: rastrear, testas e isolar. A
testagem em massa, combinada com medidas de isolamento, foi o que permitiu diminuir
drasticamente em vários países do mundo e até zerar os casos, em alguns.

Mas, essa medida não foi adotada no Brasil, e Dória por mais que tente se diferenciar,
negligenciou também essa estratégia. Criou um sistema complexo, confuso e inconstante com
diferentes fases com critérios muito amplos. Apesar do sucateamento da saúde no último
período, o SUS é uma rede referência mundial, que teria condições, sobretudo se passasse por
um investimento pesado e recebesse novos concursados, de aplicar de forma sistemática as
testagens.

Com a testagem em massa e constante, era possível ter um maior monitoramento e termômetro
mais ágil da real situação, de onde é preciso ter uma restrição mais rígida e onde está mais
controlada. Sem isso, apoiando-se sobretudo na quantidade de leitos, a tática adotada tem sido
aceitar que haverá um fluxo constante de pessoas que demandam leitos, são internadas e
possivelmente irão morrer, e a questão é administrar para que não chegue a um ponto de
colapso.

2- Um preparo às avessas da saúde e pesquisa


Foi emocionante ver Monica Calazans, uma mulher trabalhadora, negra, enfermeira sendo a
primeira vacinada no Brasil. Esse acontecimento nos encheu de esperança de uma luz no fim do
túnel. Foi também um sentimento de justiça, pelo reconhecimento das mulheres trabalhadoras
negras que estão na linha de frente para enfrentar a pandemia e para “segurar as pontas” nas
casas – do centro às periferias – nas suas e às vezes nas dos outros que não abriram a mão de ter
seus lares e seus familiares sob cuidados de outras mulheres.
No entanto, essa alegria foi tomada pelo amargor de assistir ao Dória se promovendo em cima
disso. Tratando como heróis os profissionais da saúde e demais trabalhadores que estão na linha
de frente nessa pandemia, o governador se exima do fato de que os fechamentos de leitos e
hospitais, o avanço das privatizações nas diversas formas de equipamentos da saúde, a ausência
de concursos e o corte de verbas tornou esse trabalho heroico. Mesmo com a pandemia, o
governo não aproveitou momento para reequipar equipamentos de saúde, reabrir hospitais e
investir pesadamente em saúde.
Da mesma forma a produção de pesquisa e a produção de insumos para testes e vacinas nos
laboratórios. Em meio à pandemia, enquanto posava para fotos como defensor da ciência, Dória
ameaçou cortar verbas nesse setor pelo menos três vezes: com as PL 529/2020 e 627/2020, bem
como a ameaçada de corte de 30% da verba da FAPESP no fim de 2020, que foi revertido sob
pressão.
Além disso, um estado com a dimensão como é São Paulo, teria condições de desenvolver
pesquisa de vacina própria e poderia ter investido mais na fabricação de testes. Em abril de
2020, funcionários do Instituto Adolfo Lutz relataram jornadas extensas e falta de freezer para
armazenar testes, dentre outras denúncias como resultado de uma demanda reprimida. O super
trunfo que Dória exibe como mérito seu, o Instituto Butantã, vem sofrendo uma série de
ataques, sendo sucateado e alvo de privatização e sobrevive não por causa do projeto que vem
sendo aplicado no Estado de São Paulo, mas apesar dele.
3 – Um ano de escolas fechadas: governo economiza e a comunidade escolar adoece
mentalmente

O prejuízo de manter um ano sem aulas presenciais é irreparável, impactando a vida escolar
especialmente das crianças mais pobres. Famílias, especialmente mães, sobrecarregadas,
crianças com déficit no aprendizado e ausência do importante convívio social no ambiente
escolar, trabalhadoras e trabalhadores da educação se desdobrando para dar alguma assistência
aos alunos.

O Governo de São Paulo passou todo esse período ameaçando a volta às aulas presenciais, o que
preocupou – com razão – a comunidade escolar. Nesse ano, as escolas permaneceram fechadas
e não houve uma iniciativa de reestruturar as escolas tanto da rede estadual como dos
municípios. Problemas históricos como banheiros quebrados, sem sabonete e sem água, bem
como as salas de aula superlotadas em um contexto de pandemia teria um efeito ainda mais
desastroso. Os governos economizaram com a educação de um orçamento que já era baixo e
insuficiente, quando deveriam ter preparado as escolas para essa nova realidade.

Foi um ano em torno dessa polêmica até que, em meio ao recorde de mortes diárias em São
Paulo, Dória decide reabrir as escolas e voltar às aulas presenciais e manteve a decisão em um
primeiro momento, mesmo quando colocou, recentemente, todo o Estado de São Paulo na fase
vermelha. O impacto disso foi sentido rapidamente com aumento do índice de contágio entre
crianças, jovens e entre trabalhadores da educação, com levantamento feito pelos próprios
trabalhadores junto aos sindicatos. No último levantamento da APEOESP, foi constatado 2286
casos, 1044 escolas e 43 óbitos.
Sem dúvidas, não é uma situação fácil resolver o dilema das crianças e jovens durante a
pandemia, mas qualquer resposta a ser construída precisa passar por investimento na educação –
e não economia de uma verba já curta – e que seja levada em consideração as demandas das
trabalhadoras e trabalhadores da educação, as demandas dos familiares e cuidadores bem como
das crianças e jovens.

4 – “Se puder, fique em casa”


Essa foi uma das frases mais proferidas pelo governador durante a pandemia. Ela revela uma
desobrigação do governo em dar subsídios para permitir que a quarentena fosse efetivada, bem
como revela uma abordagem que enfatiza o papel dos indivíduos, e não na fiscalização e
recomendação orientada às empresas, indústrias, exigindo aplicar medidas para garantir
segurança às trabalhadoras e trabalhadores.
A consciência sanitária se constrói não apenas falando o que deve ser feito, mas com uma
estratégia do Estado apoiado em medidas concretas e coerentes. As medidas vacilantes e
contraditórias – fecha escola, mas abre shopping; entra na fase vermelha, mas abre escolas –
falam mais alto do que qualquer discurso e campanha abstrata de conscientização repetindo o
mantra “se puder, fique em casa”.
É preciso ter um auxílio emergencial estadual, considerando o alto custo de vida e endurecer as
medidas e exigências em relação ao mercado, e não à população, que além dos seus “corres” à
despeito do momento pandêmico, agora tem que se virar pra “poder” ficar em casa.
4 – Marketing, eleições 2022 e o mercado

Com todos esses elementos, fica explícito como Dória usa uma máscara ineficaz, que levou à
derrota do Plano São Paulo e a um cenário pior do que o ano passado. Nas coletivas de
imprensa, Dória aposta em estratégias baratas de marketing – falar com firmeza e buscar
demonstrar que tudo está dentro das projeções realizadas pela equipe – mesmo que essas
projeções sejam centenas de mortes e um colapso da saúde.

Isso tudo para não enfrentar os interesses do mercado, dos banqueiros e empresários, tanto por
ser um representante desse setor como porque espera apoio deles na sua eleição em 2022. A
movimentação de inserir atividades religiosas como serviço essencial em meio ao pico da
segunda onda é mais um exemplo dessa pressão. Em meio ao povo que sofre com o
desemprego, com a fome e com o vírus, o governador está preocupado em se colocar como uma
suposta saída equilibrada entre dois extremos – Bolsonaro e Lula.

Mas, a experiência antes e durante a pandemia reafirmam o comprometimento de Dória com o


mercado, e não com as vidas, elemento fundamental dessa velha política que a população, classe
trabalhadora e juventude vem demonstrando cansaço e rejeição. A máscara que Dória e o PSDB
utilizam não serve para São Paulo, já se mostrou ineficaz para nossas demandas e anseios. A
pandemia reforçou que é a classe trabalhadora, a juventude e o povo quem têm condições de
construir saídas, na marra, para a dramática situação em que vivemos. É preciso ouvir as vozes
nas ruas de quem está no dia a dia na luta para vencer o vírus e a fome, de quem está na ponta
dos serviços de saúde, educação, transporte e assistência social, que trabalharam em condições
extremamente adversas nesse último período. Trabalhadoras e trabalhadores da alimentação, do
abastecimento, da limpeza. Ouvir as vozes das mães e demais responsáveis pelo cuidado das
crianças e idosos. O futuro, ainda que incerto e nebuloso, está nas mãos dessas pessoas, em
nossas mãos.

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