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Economia do patrimonio cultural Francoise Benhamou Tradugio Fernando Kolleritz Os territ6rios flutuantes 1 do patrimonio © patriménio ¢ uma construcio social’. Sua “produgao” depende dos agentes publicos e privados qug concorrem na definicde dos scus contornos. Uma grande parte dos bens sd se reweste de seu cariter patrimonial ex post, quando se expressa a vontade de obstar o esquecimento e a destruicgio do que aparece como suporte de identidade, arte e histéria, As origens da tentacao patrimonial A Revolucio Francesa vem acompanhada da sua sina de destruigdes destinadas a apagar os rastros do Antigo Regime: saques de igrejas e caste- los, dispersio ¢ destruicio de colecdes e de bibliotecas. Em 1794, o abade *“trés relatorios sobre o vandalismo ¢ sobre Grégoire apresenta a Convencio 9s meios de reprini-lo”. Exorta os revoluciondrios a cessar as destruigdes e depredacdes dos bens do cero ou da nobreza, ligando a vontade de preser- var ao imperative de instruir; denunciande o “vandalismo”, em referéncia raa fim de ao nome do povo que havia devastado a Gilia, ele inventa a pa “abolir o ato”. A Convengio decreta uma pena de dois anos de prisio para quem destruir ou deteriorar monumentos de ciéneia ¢ de arte por maldade. As obras do Museu Central das Artes, que abre as portas para o Louvre, provém em sua maior parte de quadros das colegdes rég s¢ de confiscos dos * Barrére e¢ af, 2005. +A Convengio foi o nome dado 4 Assembleia Constituinte que governou a Franga de 21 de sctembro de 1792 a 26 de outubro de 1795, periode em que a Repub nada, Henri Jean-Baptiste Gréyoire (1 atdlica, bispa constitucianal e homem politica, uma das prineipais fg miticas da Revolugia Francesa, [N.T.] ica foi procla- )-1831), conhecide como abade Grégoire. foi um sacerdot s emble— Economia do patriménio cultural bens de emigrados. A Convengio convida 0 ministro do Interior a comprar da mio de particulares quadros ¢ estétuas para guardi-los no “museu da Repablica A Comissio dos Monumentos Histéricos é criada em 1837 ¢€ da de realizar um tral encarre alho de inventirio, classificagio ¢ reparti¢io dos fundos reservados pelo Estado 4 salvaguarda dos monumentos avaliados como dignos de interesse. Mas faltam meios, as recomendagBes perma ro. O escritor Prosper Mérimée, primeiro inspetor dos monumentos histéricos, necem praticamente ignoradas pelos representantes eleitos e pelo cl apregoa a adogio de uma lei que s6 seri votada em 1887.A lei prevé a cria- G20 de um modelo de tombamento dos monumentos ¢ objetos de interesse nacional ¢ associa esse estatuto a um conjunto de direitos e deveres a serem observados pelos proprietirios, Porém, é a lei de 31 de dezembro de 1913 que instala um instrumente juridico moderno. Gragas a alguns ajustes per- manece em vigor até 0s nossos dias. Em 1930, 0 trimite de protegio é esten- dido aos sitios naturais. Em 1962, André Malraux cria os setores protegidos (centros das cidades antigas), Em 1983, as ZPPAUP (Zonas de Protegio do Patriménio Arquiteténico, Urbanistico ¢ Paisagistico) so instauradas, ¢ posteriormente substitufdas pelas areas de valorizagao da arquitetura € do patriménio, Submetidas & inieian 2 dos municipios, destinam-se a proteger as zonas de visibilidade ao redor dos locais inscritos ou tombados. Uma palavra-onibus? $6 podemos constatar a irresistivel ascensio da inquietude patrimonial, nbém 4 vontade de que remete a valores simbélicos, 4 ideia de magio e preservar um quadro de vida e obras transmitidas pela bistéria. Por um lado, © patriménio engloba obras ¢ construgdes cada vex mais recentes. Eo que poderiamos qualificar de extensio natural do patrimanio. Ao mesmo tempo, por outro lado, 0 campo abrangido continua progredindo para noves terri- torios materiais (cafés, jardins, comércios, .cinas, alojamentos sociais, ele- mentos do patriménio industrial ou maritimo) ¢ imateriais. Enraizada nos territéries, a nogio emancipa-se mediante um interesse coletive crescente pela preservacio do patriménio intangivel 16 Os territérios flutuantes do patriménio O Inventario Geral Protecio ¢ inventirio estio li- gados. © conhecimento é 0 primeira tempo da preservagio © uma condi- io do acesso ao patrimSnio. Quando Guizot preconiza em 1830) a criacio do cargo de inspetor-geral dos mo- numentos histéricos, pretende confiar a0 cupante do cargo um trabalho de recenseamento ¢ de catalogagie dos edificios “que merecem uma aten- Gio especial por parte do govemo”, Mas a ideia de um Inventirio Geral s6 6 posta em execugio em 1964 por André Malraux ¢ André Chastel, com © objetivo de “recensear, estudar ¢ di- vulgar toda obra que, pelo seu cariter antistico, histérico ou arqueolégico, constitu um elem nto do patrimé- mio nacional”, Q Inventirie abrange, io da Culeura e da Comunicagio, “o conjunto dos bens criados pela mio do homem na totalidade do territétio nacional: arquiteturs © urbanisme, objetos e mbiliario, pablicos ow privados, por um periodo datando do século V até segundo © Minis trinta anos antes da data da pesquisa”. Pesquisadores de campo deserevem as obras i situ, e cada fragho do ter é submetida a uma exploracdo sistematica. A fim de adiantar esse traba- ritério nacional Iho gigantesco © quicd um pouco delirante {segundo André Chastel, 0 patriménio abrangeria “da colherzi- nha & catedral”), varias bases foram criadas: base Mérimée (patriménio monumental), base Palissy (pa ménio_ mobilidrio), base Archidoc (patriménio arquiteténico dos sé culos XIX € XX), base Memoria (fandos grificos ¢ fotogrificos) © repertério das obras anquiteturais c mobili iirias. Os servigos do Inventi- rio tém também por missio divulgar 9 patriménio, Publicam regularmen- te os resultados dos seus trabalhos, Em 2010, 35% do territério. esti Tecenseado. Hoje, as Regides ¢ a coletivi- dade territorial da Corsega ficam cncarregadas, no respectivo territé~ tio de competéncin do Inventirio Geral, pelo qual tém plena e in teira responsabilidade cientifica © técnica, da programagio até a valo~ 30. O papel do Estado limita-se de fine as normas que “dizem respeito aos métodos de oper ao controle cientifico ¢ téenic acionalizacio, a0 Téxico, aos esquemnas © formatos de dados” Fontes: Gaillard (202) © Tei n® 2004-809, de 13 de agasto de 200, relaciva as liberdautes © responsabilidatles locas, 7 Economia do patriménio cultural Uma nogao polissémica Em uma ocasiio em que se pedia ao lorde Charteris, primeiro presidente > do termo do National Heritage Memorial Fund c riado em 1980,a defini “patriménio” (eritage, em inglés), ele respondeu: “Tudo 0 que quiserem”. Lemos no primeiro relatério do Memorial Fund: “Nao podiamos definir 6 heritage nacional mais do que podiamos definir, por exemplo, a beleza ¢ aarte. [...| Deixamos o heritage definir-se a si mesmo. Aguardamos que nos pecam assisténcia os que consideram possuir uma parte do. heritage nacional digno de ser salvaguardado’*. Chastel, por sua vez, evoca uma nogie vaga ¢ invasiva, Como sublinhado por Vernigres 2011),0 patrimdnio € um “construto sac al” objeto de uma convengio ligada ao anseio de “marcar wma identi- dade”. © Instituto Nacional do Patrimdnie, que forma os conservadores patrimoniais, distingue seis especialidades que cobrem um campo muito vaste: mu xus, arguivos, arqueologia, inventirio, momumentos hist6ricas & patriménio cientifico, téenico e natural. Seria preciso juntar a essa lista as bibliotecas patrimoniais, cujo primeiro lugar é ecupade pela Biblioteca Na cional, que recebe © depésito legal" A convengio do patriménio mundial adetada pela Unesco em 1972 define © campo do patrimanio por seus dois componentes: 0 “patriménio cultural”, que inclui monumentos (obras arquitetonicas, de escultura ou de pintuca monumentais, elementos de carater arqueolégico, inscrig& . Brutas),, conjuntos (grupos de construgio) ¢ sities (abras do homem e/ou da atu~ reza);¢ o“patrimSnio natural”, que abrange sitios, “monumentos nacurais”, formagdes geolégicas, zonas constituindo 0 habitat de espécies ameaga > Apuad Hewton, 1987, © Instituide na Franga por Francisco |, édito de 28 de dezembro de 1537. ‘Ver capitulo 6. Os territérios flutuantes do patriménio Do patrimonio tangivel ao patriménio intan Em 2003, 2 Unesco estende o campo abrangido pela convencio em prol da salvaguarda de patriménio cultural imaterial, incluindo as “expres ses vivas, as tradicdes que intimeros grupes ¢ comunidades do mundo in- teiro tém recebido dos seus ancestrais ¢ transmitem a seus descendentes res, habili- ‘Ao gastrondémica dos franceses ou 0 que sobra dela na era do fast food — & catalogada patrimdnio cultural imaterial da humanidade: oralmente”. © patriménio imaterial inclui representagdes . saber dades, linguagens, normas. Em 2010, cujos participantes praticam, na oportunidade, te de ‘comer bem’ e de ‘beber bem [...]’, Entre os componentes importantes encontram-se: a escolha cuidadosa entre as iguarias constantes de um corpus de receitas sempre enriquecidos a compra de bons produtos, de preferéncia locais, cujas sabores com- binam; a combinagio entre iguarias ¢ vinhos;a decoragio da mesa; um gestual especifico durante a degustagio [...[" O patriménio imaterial distingue-se assim por duas dimensées: integra © patriménio intangivel por natureza (normas, saveir-Jaire, costumes, misicas, Enguas etc.) ¢ ¢ uma extensio do patriménio material, dando-Ihe sentido, Em indmeras culturas, 0 patriménio material s6 tem valor em razio de sua dimensio imaterial. No Laos, todo edificio é considerado um ati- vo fundiirio: em Luang Prabang, cidade catalogada na lista do patriménio mundial da Unesco em dezembro de 1995,0s monastérias sio regularmente repintados € renovados sem que o respeito por um hipotétice estado inicial seja considerado essencial; em contrapartida, a procissio que acontece toda manha, permitindo aos monges viver da mendicidade, em conformidade com suas regras religiosas, cria ¢ simboliza a relagio entre os locais, os habi- tantes ¢ suas crengas, incorrendo no risco de transformar esse ato espiritual * Disponivel em As politicas linguisticas variam consideravelmente de uma regio para outra:a Uniie Europeia reco- nhece 23 linguas oficiais, embora um bom némero de documentos 36 esteja_disponivel em trés_lin= guas. A escolha do multilinguismo- & custosa (em gastos de taducio notadamente), mas foi considerada indispensivel do ponto de vista do respeito pela diversidade cultural no seio da Uniio. A India adotou das [inguas oficiais (hindi ¢ inglés) dia das no pats. E possivel definir um “indi- cador de vitalidade” que permite inte das quatrocentas linguas fal medir 0 estado de uma lingua do ponto de vista de sua preservagio: © instrumento leva em conta o nd- mero de falantes ¢ sua proporgio na populagio, a presenga da Tingua nas midias ¢ na documentagio, com. portamentos ¢ escolhas politicas do 15 st, A Unesco insiste sobre a rela cdo entre preservagao de patrimé- nio cultural (no caso linguistic) © biodiversidade, De fato, as comuni- dades locais e indigenas referem-se a sistemas classificat6rios para o mun- do natural ¢ designam as espécies por nomes indigenas, no quadro Feonomia do patriménio cultural das tradigdes orais. Quando umace- entre a linguas_indo-europeias munidade comega a falar outra lin= elaborada por Dyen er al. (1992): 4 qua, as espécies cujos nomes desam ——distincia entre duas linguas ¢ igual de ser evocados sio ameagadas de 4 porcentagem de palavras das duas desaparceimento. Indicadores de diversidade Hinguistica foram claborades € uti- linguas que nio apresentam uma raz comum, © indicador de dis- tincia situa-se entre 0 ¢ T lizados como provies da diversidade cultural, De fato, as distincias Tin guisticas seriam suscctiveis de refletir 2 as distincias culturais'*. Constituem ¢ japonés), ¢ mais tende para 0, mais aproxima de 1 ¢ mais as duas esto afastadas (por exemple, inglés im fator explicativo das relagdes Ballé et af., 2010, 28 A Franga profbe a exportagio dos seus “tesouros nacionais”, salvo excesdes temporarias, siio de expos ‘omg por oca- Ses. Entende-se por essa designacio os abjetos classifica- dos como 1 onumentos histéricos, 5 arquivos tombadas, as obras de co- Iegdes piblicas assim como as obras das. colegdes proteyidas pelo rétulo “Museu de Franga” (a nagie $6 se aplica a obras datando de pelo menos cinquenta anos ¢ cujo autor jf esteja morto ha cinquenta anos). Os outros bens culturais estio submetidos a controle em fan de dois critériox um limiar de valor efou um limiar de antiguidade. Os objetos arqueol}— gicos, os ch | histérico ou artistico, os manuscritos | © inctmabulos s3o sistematicamente submetides ao controle de expor maga, qualquer que seja sew valor. ates de monumento Os territérios flutuantes do patrimé Proibicao de saida dos “tesouros nacionais” Quadros de valor superior a 150 mil euros, mosaicos, desenhos, gravuras, estampas, litografias originais, fote~ grafias, mapas geogrificos de mais de duzentos anos com valor superior 215 mil cures, assim como estétuas, esculturas, bronzes a partir do origi- nal e livres com mais de cem anos, sio também submetides a controle Esses bens devem ser acompanhados de centificado atestando que podem circular livremente no interior da Uniio Europeia ¢ receber uma li- cenga para exportagio em caso de saida da Unido. A administracio pode decidir-se por um tombamen- to de trinta meses, para além dos quais pode escolher entre a autori= zagio de saida, a aquisigio (segundo procedimentos facilitades) e 0 tom= bamento a titulo de monumentos historicos, As caracteristicas econdmicas do patriménio Bens tinicos O patrimén ges encarregadas do patriménio tendem, entretanto, a protegidos bens que nao sio tinicos, mas raros e tipicos de eategoria™, Heinich, 2009 » é basicamente constituide de bens dinicos, As administra. gun época ou iIntegrar aos objetos Economia do patriménio cultural No caso de bens dinicos, a ndo preservagio constitui uma perda irre- versivel, pois s6 podem ser encontrados substitutos imperfeitos, no melhor dos casos, dos bens ameagados pelo tempo: “Cada geracio oferece uma interpretario diferente do passado e depreende dela ideias novas. Toda dimi nuigio desse capital leva a um empobrecimento cuja perda é tio sensivel que A irreversibilidade 6 uma ameaga que afeta toda decisio de transfarmagio ea no pode ser compensada, nem mesmo por criagSes de alta qualidad fortiori, de destruigio, Entretanto, sem divida porque os bens sio duraveis, é tentador adiar a decisio de restaurd-los. Grande nitmero de catastrofes que afetaram os bens patrimoni ais provém dessa negligéncia cuja preméncia re- dobra pela falta dos recursos mecessirios 3 preservacio; ha de se ter em conta que dispositivos juridicos c administratives nio bastam para assegurar a pro~ tegio ¢ a salvaguarda do patriménio. A historia é testemunha desse descaso & se nutre de panfictos ¢ dentincias que sO raramente obstario a propensio das sociedades, embora sempre prontas a deve ar um culto ao “seu patriménio”, para destruir © que a historia conseguiu Ihes legar. Desde a Restauragio”, Montalembert denunciava a pilhagem das obras na Revue des deux mondes [Revista dos dois mundos} (1883). Victor Hugo, ardoroso defensor do patri miénio, havia por sua vez intitulado um dos seus pantletos Halte aux démo- litions [Nios demolicdes]. Malgrado as intimeras vozes que se levantaram contra as degradagdes do. patriménio, con: ideradas todas como injiirias 4 identidade dos povos ¢ 4 arte, as destruigdes nunca cessaram, por vezes mo- tivadas pelos caprichos da moda ¢ pelas exigéncias da vida contemporinea, © muitas vezes lamentadas com o passar do tempo. Léon Réaut publica em 1958 uma Histoire du vandalisuie®® [Historia do vandalismo], que constitui uma acusa¢io implacivel contra a omissdes ¢ concessGes que conduziram a danos irreversiveis causados pelos partidérios de uma renovacio urbana tio apressada quanto ignorante. * Lemiaud, 1992, p. 5 ” Restauragio: periode histérico da Franca (1814-30) apés a queda do Império Nape lednico, durante o qual a monaryuia foi restaurada, [NT] > Atualizada por Fleury, Leproux ¢ Reaux, 1994 30 Os territérios futuantes do patriménia ‘A caracteristica da unicidade comporta uma segunda especificidade. implica um poder de monopélio pelo detentor da propriedade, mesmo pablica, de um bem patrimonial. E ele que define as modalidades de acesso, sem prejuizo das restrigdes ou das obrigagdes eventualmente impostas pelos regulamentos. Pode desenvolver uma politica de regulagio do acesso. sob duas modalidades diferentes. A primeira se refere ao prego. Se a demanda se mostra indiferente ao prego, © proprietirio dispSe de grande liberdade na fixagio da tarifa de visita. A regulacio pode também afetar as quantidades: © proprietirio pode decidir limitar © niimero de visitantes, notadamente quando a lotago excessiva ameaga a conservacio de um manumente ou de um sitio. Embora a qualidade de ser Gnico implique uma fraca possibilidade de substituicdo entre os bens, essa nio ¢ inexistente. Em Paris, alguns museus ¢ monumentos histéricos estio abertos no dia de fechamento da maioria dos outros. © turista pode optar, por exemplo, pelo Museu de Orsay por nio poder visitar 0 Louvre, mostrando por seu comportamento que a visita a0 primeiro constitui um substituto 4 visita ao segundo. Bens publicos © economista distingue os bens privados, divisiveis ¢ exclusivas, e 0s bens coletivos ou ptiblicos, nilo divisiveis ¢ no explusivos (os quais podem ser detidos por pessoas fisicas, juridicas ou por associagdes). Enguante, no caso dos bens privados, dois agentes ndo podem se beneficiar simultanea- mente do uso do mesmo bem (os agentes, logo, si rivais), os bens publicos SGo nio rivais, isto é, sio consumidos igualitariamente por varios agentes a0 mesmo tempo. Além do mais, mio se pode utilizar o prego como meio de impedir um individuo de consumir um bem piblico. Em contrapartida, quando no ha rivalidade, mas a exclusiio pelos precos é possivel, sobrevém © caso dos bens coletivos compartilhados e pagos”, Esses Gltimos podem ser submetidos a afluéncia excessiva. ’ Samuekon, 1954 ” Buchanan, 1968, 31 nio cultural ans exemplos permitem ilustrar esses diferentes casos, Os cartées- -postais que representam a pirimide do Louvre ou os objetos de gesso reprodugées vendidos nas lojas constituem bens privados: para possui-los, & preciso compri-los ou que alguém os adquira para nés.As fichadas de um monumento histérico visiveis a partir de uma estrada rural constituem bens plblicos. Cada individuo pode fruir de sua visio sem pagar ¢ sem impedir © consumo de outro transeunte. Por outro lado, virios individuos podem se beneficiar a0 mesmo tempo da visita a um sitio ou monumento; é possivel qu de superlotacao que prejud dual depend a entrada seja cobrada, e podem surgir efeitos de congestionamento ou iquem a qualidade da visita. A satisfacho indivi fick: visita ao mesmo tempo. Encontramo-nos no caso de bens coletives com- ent m da mesma io do niimero de usuirios que se be partilhados ¢ pagos Bens geradores de externalidades Qs bens patrimoniais engendram externalidades positivas pablicas ou privadas, © que se entende por isso? Hi externalidade positiva quando um individeo (ow uma pessoa juridica) beneficia-se da agio ge outro sem que haja remuneragdo cabivel. Essa situagio expressa falhas do mercado: 0 bene- ficiitio no é necessariamente quem financiou a atividad A cultura ¢, em especial, 0 patriménio abundam de exemplos desse tipo:a proximidade de um monumento tombado cria valor para as outras habitagdes que © circundam. O tombamento traduz-se por uma melhoria do bem-estar coletivo. Os beneficios nio mercantis de tambamento con- sistem na satisfagao obtida por alguns gracas 4 melhoria do meio ambiente urbano ou da paisagem. Provém também da possibilidade de fruir da vista dos arredores ¢ do orgulho que os habitantes padem sentir diante de que consideram como “seu” patriménio, quem quer que seja o proprictario efetivo. Além disso, o patriménio reforga o prestigio nacional. E fator de en- riquecimento do capital humano*!, Outras formas de externalidade estio Mossetto, 1992. 32 Os territérios futuantes do patrimonio ligadas ao patriménio. Passam para geragSes fururas: 0 patriménio consti- tui um legado destinado a outras geragdes, Essa caracteristica reveste « dimensdes: a primeira é que cada geracio tem por encargo a transmission do patriménio que herdou. © que corresponde 4 logica de geragdes entrela~ gadas ¢ solidirias. A segunda é que cada gerago cria um novo patriménio para as geragdes vindouras. O patrimanio nao se encontra nesse caso nem predefinido nem fechado. Seu perimetro nao para de evoluir. Direitos partilhados de propriedade Do ponte de vista do seu estatuto juridico, os bens patrimoniais podem ser ptiblicas ou privados. Na Franga, em 2010, 3,7% dos monumentos tom- bados e inseritos pertencem ao Estado, 1,9% ao departamento ou 4 regiio, 43,5% a0 municipio, 1.3% a um estabelecimento. pitblica, ¢ 49,6% a um particular (no que diz respeite.apenas aos edificios tombadas, a parte dos monumentos piblicos é mais elevada, ¢ a dos monumentos privados passa para 34,9%). Quem quer que seja o proprictirio, privade ou piiblico, o exercicio do dizeito de propriedade ¢ enquadrado pelas normas e regras que presidem 4 preservacio dos monumentos protegidos. E o que deféndia John Ruskin em The Seven Lamps of Architecture |As sete lampadas da arquitetura] “A preservagio dos monumentos nao é uma questia de conveniéncia ou de sentimento. Nao temos © direito de toca-los. Nio nos pertencem, Per- tencem em parte aos seus construtores ¢ em parte 4s geragdes seguintes”™, O econon! a Barzel (1997) propde um quadro de anilise da natureza da propriedade privada que contribui para interpretar 0 caso especifico dos bens patrimoniais. Esses bens nio sio entidades homogéneas ¢ podem ser decompostos em um conjunto de atributos. Por exemplo, um imével tom- bado é caracterizado pelo valor de uso, tamanho dos apartamentos, estado de limpera, a de exposicio ao sol etc. Esses atributos privados sia “consumi- dos” pelo proprictario ou por seus locatdrios; mas os atributos histéricos do * Segundo o Deps. * Ruskin, 1849. 33 Feonomia do patriménio cutturat ‘icio do direito imével siéo partilhados com a coletividade. Escapam ao exe de propriedade A partir do momento em que consideramos que os direites de pro- priedade nio se referem ao bem em sua totalidade, mas a seus atributos, um bem pode ter um dinico proprictirio, do ponto de vista do dircito, ¢ varios, do ponto de vista econdmico, caso tais atributos se relacionem 4 propriedade privada ou 4 coletividade. Essa dupla dimensio é resumida por Victor Hugo: “Ha duas coisas num edificio: seu uso ¢ sua beleza. Seu uso pertence ao proprictirio, sua beleza a todos; destrui-lo é poi ,exceder um direito”, As mesmas dimensdes sio reencontradas na literatura econémica; Kling ¢ Sable (2001) distinguem: dais tragas nos bens patcimoniais: a utilida- de para o individuo ou para o agregado familiar, ¢ a eapacidade dos bens em ofere er “uma experiéncia partilhada com a coletividade”. A sua mancira, © “fachadismo”, © pecurso bastante usual de mera preservagio da fachada contrastando com a renovago completa dos interiores na plena indiferen¢a quanto ao seu estado inicial, diz respeito a essa dicotomia. A natureza cultural dos bens leva a limitar o campo de aplicagio do direito de propriedade, até.em paises como os Estados Unidos, tio atentos 4 protegiio da propriedade privada: © National Histor Preservation Act de 1966 deixa claro que os planos de preservacio do patriménio devem respeito integral ao seu exereicio. Mas a autorizagio de demolir um imé- vel de fraco interesse arquiteténico situado num distrito histérico pode ser recusada sem que o proprietirio receba qualquer indenizagdo™®. Da mesma maneira, a ampliagio da estaco ferroviaria Penn Central foi proibida em 1978 pela ci ratificou a recusa lembrando que uma cidade deve saber impor restrigdes jade de Nova York; 0 juiz a quem os proprietirios protestaram ao desenvolvim nto a fim de preservar um bairro histérico, mesmo que causando um tipo de prejuizo. Nao foi atribuida qualquer sorte de compen- sacio pela desvalorizagio sofrida pelo estabelecimento™. Hugo, 1834 * Ver caso Figarsky com Historic District Commission, 1976. " Benhamou, 2003b. u 08 territérios flutuantes do patriménio As administragdes encarregadas do patriménio assini como os juizes so levados a arbitrar entre 0 respeito ao pleno exereicio do direito de pro- priedade © a preserva¢io do patriménio. No primeira caso, assume-se 0 nisco de abandonar ao proprictirio a responsabilidad do devir patrimonial, <,no outre caso, o de impedir o crescimento, a modernizacio e 0 desenvol- vimento do tecido urbano ou rural. 35

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