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2010

Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO I – A Cena do Mahaparinirvana

Tradução original para o Inglês de Kosho Yamamoto.


Editado e revisado por Dr. Tony Page
Tradução para português do Brasil por
Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo


Cristal Perfeito
08/10/2010
Copyright © 2009 por Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO I – A Cena do Mahaparinirvana

Tradução original para o Inglês de Kosho Yamamoto.


Editado e revisado por Dr. Tony Page
Tradução para português do Brasil por
Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 2


Capítulo Um: Introdução
Assim eu ouvi.

Naquele momento, o Buda encontrava-se em Kushinagar (Kushinaga-


ra), na terra dos Mallas, próxima ao rio Ajitavati, onde ficava uma dupla
de árvores sala. Naquela ocasião, Grandes Monges, tão numerosos
quanto 80 centenas de milhares de bilhões deles, estavam com o Hon-
rado pelo Mundo. Eles circundavam-no completamente. No décimo
quinto dia do segundo mês (15 de Fevereiro), como o Buda estava
prestes a entrar no Nirvana, ele, com o seu poder transcendental, emi-
tiu uma poderosa voz que preencheu o mundo e alcançou o mais ele-
vado dos céus. E disse a todos os seres de tal forma que todos pudes-
sem compreender: “Hoje, o Tathagata, Merecedor de Ofertas e Su-
premamente Iluminado, sente piedade, protege e, com um pensamen-
to único, vê a todos os seres como seu próprio filho Rahula. Assim, ele
é o refúgio e o abrigo do mundo. O Supremamente Iluminado Honrado
pelo Mundo está prestes a entrar no Nirvana. Todos aqueles que tive-
rem dúvidas podem agora indagar sobre elas.”

Naquela ocasião, ao alvorecer, o Honrado pelo Mundo emitiu da sua


boca raios de luz de variadas cores, a saber: azul, amarelo, vermelho,
branco, cristal e ágata. Os raios de luz resplandeceram sobre os três mil
grandes sistemas de mil mundos Búdicos. Também, as dez direções
foram igualmente iluminadas. Todas as ofensas e aflições dos seres dos
seis domínios, em razão de terem sido iluminados, foram expiadas. As
pessoas viram e ouviram isto, ficando profundamente aflitas e preocu-
padas. Todos choraram e lamentaram tristemente: “Oh, Pai amado!
Oh, que dia! Oh, que tristeza!”. Eles levantaram suas mãos, entre suas
cabeças e peitos, e choraram copiosamente. Alguns tremiam, chora-
vam e soluçavam. Naquela ocasião, a terra, suas montanhas e grandes
mares tremeram. Então, todos disseram uns aos outros: “Vamos por
agora esconder nossos sentimentos, não vamos enlouquecer de triste-
za! Vamos rapidamente para Kushinagar, na chamada terra dos Mallas,

Capítulo 1: Introdução Página 3


tocar os pés do Tathagata, prestar-lhe homenagem e implorar: “Oh
Tathagata! Por favor não entre no Parinirvana, mas fique aqui por mais
um kalpa ou menos que isso.” Eles juntaram as palmas das suas mãos e
disseram novamente: “O mundo está vazio! A fortuna nos abandonou;
a maldade aumentará no mundo. Hei você! Apresse-se, vamos rapida-
mente! Em breve, o Tathagata certamente entrará no Nirvana.” Eles
também diziam: “O mundo está vazio, vazio! Se nos apartarmos do
Honrado pelo Mundo, e surgirem dúvidas, a quem iremos indagar?”.

Naquela ocasião, lá estavam muitos dos discípulos do Buda, tais como


o Venerável Mahakatyayana, Vakkula, e Upananda. Todos esses gran-
des Monges, quando viram a luz, ficaram muito agitados, a ponto de
não conseguirem conter-se. Seus pensamentos tornaram-se confusos,
e o caos reinou. Choravam em voz alta e demonstravam um variado
grau de tristeza. Estavam presentes, naquela ocasião, oito milhões de
Monges. Todos eram Arhats. Eles eram inabaláveis em seus pensamen-
tos e, possuindo o autocontrole, poderiam agir como desejassem. Eles
haviam se apartado de todas as ilusões e todos os seus órgãos sensori-
ais estavam subjugados. Como Grandes Reis Dragões (naga = é uma
palavra do Sanskrito e do Pāli que designa uma deidade ou classe de
entidades ou seres, que assumem a forma de uma enorme serpente,
mas muitas vezes com os troncos e cabeças humanas, encontrada tan-
to no Budismo como no Hinduísmo), eles eram perfeitos nas grandes
virtudes. Eles eram versados na sabedoria do vazio e perfeitos em sua
autorealização. Eles eram como uma floresta de sândalo cercada por
sândalos, ou como o rei leão cercado por leões. Eles eram completos
em tais virtudes. Eram os verdadeiros filhos do Buda. Ao alvorecer, tão
logo o sol nasceu, eles levantaram-se de suas camas no local onde vivi-
am e estavam para escovar seus dentes quando viram a luz que ema-
nava da pessoa do Buda. Então, disseram uns aos outros:

“Apressem-se com o banho, a higiene bucal, e limpem-se.” Tão logo


eles disseram, seus pelos arrepiaram por todo o corpo e seu sangue
corria tal que pareciam flores da palasa (também chamada Kanaka -
Butea Frondosa - árvore que dá flores vermelhas que teriam muitas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 4
propriedades ocultas). Lágrimas encheram seus olhos, os quais expres-
savam grande dor. Para trazer benefícios e paz aos seres viventes, para
estabelecer a Verdade Transcendente do Vazio do Mahayana, para
revelar o que o Tathagata havia ensinado latentemente por conveniên-
cia, tal que todos os seus sermões nunca se perdessem, e para subjugar
os pensamentos de todos os seres, eles correram para onde o Buda
estava. Eles caíram aos pés do Buda, tocaram-lhe com as suas cabeças,
circundaram-no uma centena de milhares de vezes, juntaram as pal-
mas das suas mãos, prestaram-lhe homenagem, recuaram e postaram-
se a um lado.

Naquela ocasião, lá estavam presentes mulheres tais como Kuddara e


Monjas como Subhadra, Upananda, Sagaramati, e seis milhões de
Monjas. Eram todas grandes Arhats. Todas já sem falhas, elas eram
imperturbáveis em seus pensamentos e podiam agir como lhes aprou-
vesse. Elas eram livres de todas as ilusões e todos os seus sentidos
orgânicos (órgãos sensoriais) estavam subjugados. Como Grandes Reis
Dragões, elas eram perfeitas nas virtudes. Elas haviam alcançado a
Sabedoria do vazio. Também, ao alvorecer, tão logo o sol havia nasci-
do, seus pelos arrepiaram por todo o corpo e seu sangue corria em
suas veias tal que pareciam flores palasa. Lágrimas encheram seus
olhos, os quais aparentavam grande tristeza. Elas desejavam beneficiar
os seres, trazer a paz e a felicidade, e estabelecer a Verdade Transcen-
dente do Vazio do Mahayana. Elas pretendiam manifestar o que o Ta-
thagata havia ensinado latentemente por conveniência, tal que todos
os seus sermões não desaparecessem. No sentido de subjugar os pen-
samentos de todos os seres, elas correram para onde o Buda estava,
tocaram seus pés, circundaram-no uma centena de milhares de vezes,
juntaram as palmas das suas mãos, prestaram-lhe homenagem, recua-
ram e postaram-se a um lado.

Dentre as Monjas, havia aquelas que eram nagas de Bodhisattvas e


humanos. Elas haviam atingido os dez estágios (do desenvolvimento do
Bodhisattva), e a condição de não retroação. Elas nasceram como fê-
meas, de modo a ensinarem os seres. Elas sempre praticaram as qua-
Capítulo 1: Introdução Página 5
tro virtudes ilimitadas (da benevolência, compaixão, da intenção amá-
vel (alegria simpática), e equanimidade), atingindo dessa forma um
ilimitado poder para a realização do trabalho do Buda.

Naquela ocasião lá estavam também Bodhisattvas Mahasattvas tão


numerosos quanto às areias do rio Ganges, e que eram todos nagas de
humanos, que haviam atingido os dez estágios (do desenvolvimento do
Bodhisattva), e a condição de não retroação. Como um meio hábil, eles
haviam adquirido a vida como humanos e eram chamados Bodhisatt-
vas Sagaraguna e Aksayamati. Tais Bodhisattvas Mahasattvas eram em
número como dito acima. Todos eles prezavam o Mahayana, residiam
nele, compreendiam-no profundamente, amavam-no e protegiam-no,
e respondiam bem às questões mundanas. Eles fizeram seus votos e
cada um disse: “Aqueles que ainda não atingiram a Via, eu conduzirei à
outra margem. Através dos inumeráveis kalpas passados, tenho manti-
do os puros preceitos, e agido em sua observância. Farei com que a-
queles não libertos ainda ganhem a Via, tal que eles possam transpor-
tar a semente dos Três Tesouros. E nos dias que virão, girarei a Roda da
Lei, e adornando-me grandiosamente, completarei todas as inumerá-
veis virtudes, e verei os seres como meus próprios filhos”. Eles, do
mesmo modo, no alvorecer, encontraram a luz do Buda. Todos os seus
pelos arrepiaram por todo o corpo e seu sangue corria tal que pareci-
am flores da palasa. Lágrimas encheram seus olhos, os quais expressa-
vam grande dor. Também, para trazer benefícios e paz aos seres viven-
tes, para manifestar o que o Tathagata havia ensinado latentemente
por conveniência, para evitar que os seus sermões se perdessem, e
para subjugar todos os seres, eles correram para onde o Buda estava,
circundaram-no uma centena de milhares de vezes, juntaram as pal-
mas das suas mãos, prestaram-lhe homenagem, recuaram e postaram-
se a um lado.

Naquela ocasião, lá estavam presentes leigos (seguidores da lei do


Buda) tão numerosos quanto às areias de dois Rios Ganges. Eles man-
tinham em observância os cinco preceitos e a sua conduta era perfeita.
Lá estavam leigos tais como Rei da Virtude Imaculada, Supremamente
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Virtuoso e outros, em número como dito acima. Eles cultivavam pro-
fundamente o pensamento de combater os opostos tais como: tristeza
versus alegria, eterno versus não-eterno, puro versus impuro, eu ver-
sus não-eu, real versus irreal, refugiar-se versus não-refugiar-se, seres
versus não-seres, sempre versus nunca, paz versus não-paz, criado
versus não-criado, rompimento versus não-rompimento, Nirvana ver-
sus não-Nirvana, argumentação versus não-argumentação; e, assim,
sempre pensando em combater tais opostos dos elementos do Dhar-
ma como estabelecido acima.

Eles também sempre louvavam a audição do insuperável Mahayana,


agiam em concordância com o que ouviam e prezavam ensinar os ou-
tros. Eles mantinham em observância os preceitos da moral imaculada
e prezavam o Mahayana. Uma vez que eram auto-realizados, eles fazi-
am com que outros que prezavam o Mahayana assim se sentissem.
Eles absorveram a Sabedoria Insuperável muito bem, amavam e prote-
giam o Mahayana. Eles conheciam bem os caminhos do mundo, con-
duziam aqueles que ainda não haviam alcançado a Via para a outra
margem da vida, emancipavam aqueles ainda não emancipados, e
protegiam a semente dos Três Tesouros de tal forma que ela não mor-
resse, e tal que, nos dias futuros, eles pudessem girar a Roda da Lei,
adornar-se grandiosamente, apreciar profundamente os puros precei-
tos morais, obter a realização de todas essas virtudes, tendo um senti-
mento de grande compaixão para com todos os seres, sendo imparciais
e não-dúbios, e vendo todos os seres como seus próprios filhos.

Capítulo 1: Introdução Página 7


A Cena do Parinirvana do Buda

Também, logo cedo quando o sol acabara de nascer, no sentido de


prover a cremação do corpo do Tathagata, as pessoas carregaram em
suas mãos dezenas de milhares de fardos de madeiras fragrantes tais
como sândalo, aloés, sândalo do goirsa e madeiras celestiais que, com
seus cernes e anéis anuais, fulgurassem nos maravilhosos matizes dos
sete tesouros. Na queima, os vários matizes pareciam cores pintadas,
verdadeiras maravilhas emanadas do poder do Buda, e que eram azul,
amarelo, vermelho e branco. Eram agradáveis aos olhos de todos os
seres. Toda a madeira foi cuidadosamente impregnada com vários
tipos de incenso como açafrão, aloés, sarjarasa, e outros. Flores tais
como utpala (lótus azul), kumuda (noturna, que floresce ao luar), pad-
ma (lótus vermelho) e pundarika (lótus branco) foram espalhadas co-
mo adornos. Acima de todas as madeiras fragrantes estavam pendura-
dos estandartes das cinco cores. Eles eram leves e delicados, como
véus celestiais tecidos em kauseya, ksuma e seda.

As madeiras fragrantes eram carregadas em carruagens decoradas, as


quais fulguravam em cores tais como azul, amarelo, vermelho e bran-
co. Seus varais e raios eram todos incrustados com os sete tesouros.
Cada uma dessas carruagens era puxada por uma junta quádrupla de
cavalos que corriam como o vento. Na frente de cada carruagem esta-
vam 57 estandartes de plantas ornamentais, sobre os quais estavam
espalhados finos véus de ouro verdadeiro. Cada carruagem tinha 50
maravilhosos dosséis finamente decorados com grinaldas de utpala,
kumuda, padma e pundarika. As pétalas dessas flores eram de puro
ouro, e seus cálices feitos de diamante. Havia nas flores muitas abelhas
negras, que se juntavam ali, brincavam e se divertiam, emitindo uma
música maravilhosa. Aquela música falava da impermanência, da tris-
teza, da vacuidade e do não-Eu. Aquela música também falava sobre o
que o Bodhisattva originalmente faz (o trânsito do Buda neste mundo).
Danças, cânticos, e dança de máscaras se sucediam, tocadas por ins-
trumentos musicais tais como o “cheng”, flauta, harpa, “hsiao” e o

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“shã”. Da música, emergia uma voz que dizia: “Oh, que dia aflito, dia de
aflição! O mundo está vazio”! Na frente de cada carruagem estavam
Monges segurando bandejas decoradas com várias flores tais como
utpala, kumuda, padma, pundarika, vários tipos de incensos como o de
kunkuma e outros, e incensos fumegantes, todos maravilhosos. Eles
carregavam vários utensílios para preparar alimentos para o Buda e a
Sangha.

O cozimento dos alimentos em água das oito virtudes teve como com-
bustível as madeiras de sândalo e aloés. Os pratos eram delicados,
belos e em seis sabores: amargo, azedo, doce, picante, salgado e ads-
tringente. Suas virtudes eram três: 1) leves e suaves, 2) puros, e 3) a
verdadeira culinária. Equipados com tais utensílios, eles correram para
a terra dos Mallas (região no norte da Índia), ruma à floresta de árvores
Sala (Sal, Shorea robusta, uma espécie de árvore da Ásia). Lá, eles for-
raram todo o chão com areia e cobriram-no com tecidos de kalinga,
kambala e seda. Essa cobertura estendia-se por um espaço de 12 yoja-
nas [1 yojana = 15-20 km]. Para o Buda e a Sangha, eles eregiram Tro-
nos de Leão (Simhasana) incrustados com os sete tesouros. Os tronos
eram tão altos e largos quanto o monte Sumeru. Acima desses tronos
estavam içados pálios finamente decorados. Grinaldas de todos os
tipos pendiam-lhes, e de todas as árvores Sala também pendiam mara-
vilhosos estandartes e dosséis. Maravilhosas essências foram arpergi-
das entre as árvores e várias flores maravilhosas colocadas ali. Todos os
Monges então disseram uns aos outros: “Oh, todos os seres! Se senti-
rem necessidade, comidas, roupas, cabeças, olhos, membros e todas as
coisas vos esperam; tudo será vosso”. Enquanto faziam os oferecimen-
tos, a avareza, a ira, a corrupção e os venenos abandonaram as suas
mentes; nenhum outro desejo, nenhum pensamento de alguma graça
ou prazer lhes distraia. Seus pensamentos estavam voltados unicamen-
te para a insuperável e pura Mente Iluminada (Bodhi). Todos esses
Monges eram bem estabelecidos no estado de Bodhisattva. Eles tam-
bém disseram para eles mesmos: “O Tathagata agora aceitará nossas
comidas e entrará no Nirvana”.

Capítulo 1: Introdução Página 9


Conforme eles disseram isto, todos os pelos através dos seus corpos
arrepiaram e o seu sangue corria tanto que seus corpos pareciam a flor
palasa. Lágrimas encheram os seus olhos, expressando uma grande
dor. Cuidadosamente, cada um carregou os utensílios das comidas nas
carruagens decoradas: incenso de madeira, estandartes, pálios decora-
dos, comidas; e foram todos correndo para onde o Buda se encontrava.
Eles tocaram os pés do Buda, fizeram-lhe oferecimentos, circundando-
o 100 mil vezes. Eles choraram copiosamente. A terra e o céu agitaram-
se em concordância. Eles bateram em seus peitos e choraram. Suas
lágrimas corriam como chuva. Disseram uns aos outros: “Oh que dia
aflito! O mundo está vazio, está vazio!”. Eles se atiraram ao chão diante
do Tathagata e disseram-lhe: “Oh Tathagata! Por favor, tenha piedade
e aceite nossos oferecimentos”!

O Honrado pelo Mundo, ciente da ocasião, permaneceu em silêncio, e


não recebeu (os oferecimentos). Por três vezes eles rogaram, mas suas
súplicas não foram ouvidas. Frustrados em seu objetivo, os Monges
entristecidos sentaram-se em silêncio. Isto foi como no caso do pai
compassivo, mas que tinha apenas um filho. Este filho, de repente,
torna-se doente e morre. Ao cabo da cremação, o pai retorna para casa
mergulhado em grande aflição. O mesmo era o caso de todos os Mon-
ges, que choraram e ficaram profundamente aflitos. Com todos os seus
utensílios colocados num local seguro, os Monges recuaram e senta-
ram silenciosamente a um lado.

Naquela ocasião, lá estavam Monjas, numerosas como as areias de três


Rios Ganges, que eram perfeitas na observância dos cinco preceitos e
na conduta. Dentre elas estavam Monjas tais como Ayusguna, Guna-
malya e Visakha que lideravam 84.000 Monjas e que, assim, poderiam
proteger propriamente o Verdadeiro Dharma. No sentido de prover a
travessia de inumeráveis centenas de milhares de seres para a outra
margem, elas haviam nascido como mulheres. Elas depuraram seve-
ramente seu autocontrole sob a luz das leis monáticas e meditavam
sobre suas próprias pessoas. Como as quatro víboras [os quatro princi-
pais elementos que são a terra, o ar, o fogo e a água], este corpo carnal
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é constantemente atacado e devorado por inumeráveis vermes. Cheira
mal e é corrompido. Esconde a ganância. Este corpo é detestável, como
a carcaça de um cão. Este corpo é impuro, e dele nove furos evacuam
impurezas. É como se fosse um castelo, com o sangue, tecidos, tronco,
ossos e pele formando suas paredes externas, braços e pernas servindo
como baluartes, os olhos como bocas de canhões e a cabeça como
torre principal. O Rei Pensamento está sentado lá dentro. Esse castelo
carnal é aquele que todos os Budas Honrados pelo Mundo abandonam
e que os mortais comuns e ignorantes sempre amam e apegam-se a
ele. Semelhantemente aos rakshasas (demônios devoradores de car-
ne), a avareza, a ira e a estupidez nele se estabelecem. Este corpo é
frágil como uma cana, como a eranda (planta mal-cheirosa), a espuma
e a bananeira. Este corpo é não-eterno e não permanece estável se-
quer por um segundo. Ele é como um relâmpago, água corrente ou
uma miragem. Ou ainda, é como pintar um quadro na água, que desa-
parece tão logo é feito. Este corpo cai tão facilmente quanto uma
grande árvore pendurada na barranca de um rio. Ele não durará muito.
Ele será mordiscado e devorado por raposas, lobos, corujas, águias,
corvos, abutres e cães famintos. Quem em sã consciência se alegraria
em devorar-se. Ainda que pudéssemos preencher a pegada de uma
vaca com água, não teríamos a completa explicação do não-eterno, o
não-puro, o mau-cheiro e a corrupção deste corpo; ainda que pusés-
semos triturar a grande terra e reduzi-la a grãos do tamanho de uma
semente de mostarda ou do tamanho de uma partícula de pó, nunca
poderíamos explicar completamente as falhas e males deste corpo.
Sendo assim, deveríamos descartá-lo como lágrimas ou saliva. Em ra-
zão disto, todas as Monjas exercitavam suas mentes em leis como o
vazio, sem forma e sem desejo. Assim, elas desejavam muito mais in-
dagar e aguardar por um ensinamento dos sutras Mahayana e, tendo
ouvido-o, explicá-lo para outros. Elas guardavam e mantinham os seus
votos e depreciavam a forma feminina. A forma tem mais a ser repug-
nada e é, por natureza, não indestrutível. Assim, os seus pensamentos
sempre viam corretamente as coisas e subjugavam a interminável roda
do nascimento e da morte. Elas mantinham o Mahayana em observân-
cia e, elas próprias, eram bem nutridas por ele. Elas alimentavam os
Capítulo 1: Introdução Página 11
pensamentos daquilo que o comprazia. Prezavam-no enormemente,
defendiam-no e protegiam-no. Embora mulheres na forma, elas eram,
de fato, não mais que Bodhisattvas. Em plena concordância com os
caminhos do mundo, elas os conheciam bem, ajudavam aqueles que
ainda não haviam conquistado a outra margem e emancipavam aque-
les ainda não emancipados. Elas protegiam a herança dos Três Tesou-
ros, tal que eles nunca viessem a desaparecer, e tal que elas pudessem
girar a Roda da Lei nos dias vindouros. Elas adornavam grandiosamente
suas próprias pessoas, mantendo verdadeiramente em observância os
preceitos proibitivos e, assim, acumulando tais virtudes. Seus corações
compassivos abarcavam todos os seres. Eram imparciais e não-dúbias,
como se consideraria um único filho. Elas também, logo cedo quando o
sol acabara de nascer, disseram umas às outras: “Apressemo-nos hoje
à floresta das árvores gêmeas”! Os utensílios das Monjas eram duas
vezes mais. Elas levaram-nos para onde o Buda se encontrava, tocaram
seus pés, circundaram-no cem mil vezes e disseram: “Oh Honrado pelo
Mundo! Trazemos conosco alimentos para o Buda e a Sangha. Oh Ta-
thagata! Por favor tenha piedade e aceite nossos oferecimentos”! O
Tathagata manteve-se em silêncio e não os aceitou. Como sua súplica
não foi atendida, todas as Monjas ficaram tristes. Elas recuaram e sen-
taram silenciosamente a um lado.

Naquela ocasião, os Licchavis (um famoso clã da época) do Castelo de


Vaisali estavam presentes e havia outros tão numerosos quanto às
areias de quatro Rios Ganges, que eram homens, mulheres, grandes e
pequenos, esposas e filhos, parentes e servos dos reis do Jambudvipa.
Seguindo o Caminho, eles mantinham verdadeiramente em observân-
cia os preceitos proibitivos e eram perfeitos em sua conduta. Eles sub-
jugaram as pessoas que seguiam outros ensinamentos e que agiam
contra o Dharma Maravilhoso. Eles sempre diziam uns aos outros: “Nós
teremos depósitos de ouro e prata para defender o doce e infinitamen-
te profundo Dharma Maravilhoso, de tal forma que ele florescerá. Fa-
çamos votos de sempre aprender o Dharma. Arrancaremos a língua
daqueles que difamem o Dharma Maravilhoso do Buda”. Eles também
oraram: “Se houver um monge que transgrida as proibições, nós o
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 12
mandaremos de volta para a vida secular e o tornaremos escravo; se
alguém vier a perseverar no Dharma Maravilhoso, nós o estimaremos e
o serviremos como o faríamos para nossos parentes. Se sacerdotes
praticarem bem o Dharma Maravilhoso, compartilharemos da sua
alegria e o apoiaremos, tal que ele cresça”. Eles sentiam-se sempre
alegres ao emprestar um ouvido para o sutra Mahayana. Tendo ouvi-
do, eles expunham amplamente para outros aquilo que tinham ouvido.
Todos eram versados em tais virtudes. Estavam ali incluídos Licchavis
como: Repositório-Puro-e-Imaculado, Puro-e-Não-Indulgente, Água-
do-Ganges-da-Pura-e-Imaculada-Virtude.

Todos eles disseram a si próprios: “Apressemo-nos para onde o Buda


se encontra”! Muitos eram seus utensílios para oferecimentos. Cada
Licchavi tinha 84.000 elefantes inteiramente decorados, juntamente
com 84.000 carruagens de tesouros puxadas por juntas quádruplas de
cavalos, e 84.000 gemas brilhantes como a lua. Havia também feixes de
madeira combustível como a madeira celestial, sândalo e aloés, todos
em número de 84.000. À frente de cada elefante pendiam emblemas
suspensos finamente decorados, estandartes e dosséis. Mesmo os
menores dosséis mediam cerca de um yojana tanto na largura como no
comprimento. Mesmo os mais curtos estandartes mediam 32 yojanas.
E os mais baixos emblemas suspensos atingiam a altura de 100 yojanas.
Com esses objetos para oferecimento, eles foram para onde o Buda se
encontrava, tocaram seus pés, circundaram-no 100 mil vezes e disse-
ram-lhe: “Oh Honrado pelo Mundo! Aqui estamos com oferecimentos
para vós, o Buda, e para a Sangha. Por favor, tenha piedade e aceite-
os”! O Tathagata permaneceu em silêncio e não os aceitou. Não conse-
guindo o que almejavam, todos os Licchavis ficaram tristes. Através do
poder do Buda, eles elevaram-se no céu à altura de sete talas, onde
permaneceram em silêncio.

Além disso, naquela ocasião, lá estavam ministros e leigos ricos tão


numerosos quanto às areias de cinco Rios Ganges. Eles prezavam o
Mahayana. Se houvesse quaisquer seguidores de outros ensinamentos
que caluniassem o Dharma Maravilhoso, eles os subjugariam assim
Capítulo 1: Introdução Página 13
como o granizo e a chuva o fazem com a grama e as plantas. Eles eram
Luz Solar, Protetor-do-Mundo e Protetor-do-Dharma. Estes lideravam
seus séquitos. Seus utensílios eram cinco vezes mais do que aqueles
que lhes precederam. Eles os carregaram para a floresta das árvores
sala gêmeas, tocaram os pés do Buda, circundaram o Buda por 100 mil
vezes, e disseram: “Oh Honrado pelo Mundo! Trouxemos para vós e a
Sangha utensílios para oferecimentos. Por favor, tenha piedade e acei-
te-os”! O Tathagata permaneceu em silêncio e não os aceitou. Como
seu desejo não foi atendido, os longevos ricos ficaram tristes. Através
do divino poder do Buda, eles foram elevados à altura de sete talas do
chão ao céu, onde permaneceram em silêncio.

Naquela ocasião, lá estavam presentes o Rei de Vaisali e sua consorte,


as pessoas do seu harem, e todos os reis do Jambudvipa, exceto Ajata-
satru e aqueles da torre do castelo e vilas do seu reinado. Estavam ali
Reis tais como Imaculado-como-a-Lua e outros. Eles levaram com eles
as quatro forças militares [elefantes, cavalos, infantaria e carruagens] e
desejavam ir para onde o Buda se encontrava. Cada rei tinha pessoas e
parentes tão numerosos quanto 180 milhões de bilhões. As carruagens
e soldados eram puxados por elefantes e cavalos. Os elefantes eram de
seis presas e os cavalos corriam como o vento. Seus adornos e utensí-
lios eram seis vezes mais do que aqueles que lhes precederam. Dentre
todos os dosséis ornamentados, o menor deles cobria um diâmetro de
8 yojanas. O menor dos estandartes media 16 yojanas. Todos aqueles
reis perseveravam pacificamente no Dharma Maravilhoso e detesta-
vam leis distorcidas. Eles estimavam o Mahayana e sentiam profunda
alegria nele. Eles amavam todos os seres como se ama um filho único.
A fragrância dos alimentos e bebidas que eles levavam preenchia o ar
ao redor de quatro yojanas. Eles também, logo cedo quando o sol aca-
bara de nascer, carregaram esses deliciosos pratos e foram para a flo-
resta das árvores sala gêmeas onde o Tathagata se encontrava e disse-
ram: “Oh Honrado pelo Mundo! Desejamos oferecer isto para o Buda e
a Sangha. Por favor, tenha piedade, Oh Tathagata! E aceite nossos úl-
timos oferecimentos!” O Tathagata, ciente da ocasião, não os aceitou.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 14


Com seus desejos não atendidos, todos aqueles reis ficaram tristes.
Eles recuaram e tomaram assento a um lado.

Naquela ocasião, lá estavam as consortes dos reis, tão numerosas


quanto às areias de sete Rios Ganges, exceto a consorte do Rei Ajatasa-
tru. De modo a salvar os seres viventes, elas manifestaram-se como
mulheres. Elas estavam sempre conscientes das suas ações corporais e
perfumavam seus pensamentos com as leis do vazio, sem forma e sem
desejo. Dentre elas estavam as senhoras Maravilhoso-Mundo-Tríplice e
Virtude-Amorosa. Todas essas consortes perseveravam pacificamente
no Dharma Maravilhoso, mantinham em observância as proibições e
eram perfeitas em sua conduta. Elas se comportavam para com todos
os seres como se fossem um filho único. Todas elas disseram: “Vamos
todas rapidamente para onde o Buda se encontra.” Os oferecimentos
daquelas consortes reais eram sete vezes mais do que aqueles que lhes
precederam, e constavam de: incenso, flores, emblemas pingentes,
tecidos de seda, estandartes, dosséis, e as melhores comidas e bebidas.
Mesmo o menor dos dosséis finamente decorados media 16 yojanas. O
mais baixo dos emblemas pingentes media 68 yojanas. A fragrância de
suas comidas e bebidas espalhava-se por uma área de oito yojanas ao
redor. Carregando todos aqueles oferecimentos, elas foram para onde
o Buda se encontrava. Elas tocaram os seus pés, circundaram-no por
100 mil vezes, e disseram ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Viemos
com os nossos oferecimentos para o Buda e a Sangha. Por favor, tenha
piedade e aceite nossos últimos oferecimentos!” O Tathagata, ciente
da ocasião, permaneceu em silêncio e não os aceitou. Com suas súpli-
cas não atendidas, todas as consortes ficaram tristes. Elas puxaram
seus cabelos, bateram em seus seios e choramingaram como a mãe
compassiva que acabara de perder seu único filho. Elas recuaram e
tomaram assento silenciosamente a um lado.”

Naquela ocasião, lá estavam também deusas tão numerosas quanto às


areias de oito Rios Ganges. Virupakasa liderava seu séquito e disse: “Oh
Irmãs! Vejam bem, vejam bem! Os melhores oferecimentos de todos
aqueles seres são para o Tathagata e para os Monges. Deveríamos agir
Capítulo 1: Introdução Página 15
seriamente e fazer oferecimentos ao Tathagata com utensílios tão
maravilhosos quanto aqueles. Ele compartilhará (participará) dos nos-
sos oferecimentos e entrará no Nirvana. Oh Irmãs! É difícil encontrar
um Buda, o Tathagata, neste mundo. É também difícil fazer os últimos
oferecimentos. Uma vez que o Buda entre no Nirvana, o mundo tornar-
se-á vazio.” Todas aquelas mulheres celestiais amavam o Mahayana e
desejavam ouvi-lo. Tendo ouvido-o, elas o exporiam amplamente para
outras pessoas. Prezando muito o Mahayana, elas também satisfaziam
aqueles que estavam morrendo por ele. Elas protegiam o Mahayana
muito bem. Se houvesse qualquer outro ensinamento que se opusesse
ou invejasse o Mahayana, elas subjugavam-nos severamente, assim
como o granizo faz com a grama. Elas mantinham em observância os
preceitos proibitivos e sua conduta era perfeita. Elas conheciam bem
os caminhos do mundo, atravessavam aqueles que ainda não haviam
alcançado a outra margem, e giravam a Roda do Dharma. Elas protegi-
am a herança dos Três Tesouros, tal que eles nunca viessem a desapa-
recer. Elas estudaram o Mahayana e, assim, adornaram-se grandiosa-
mente. Perfeitas em todas aquelas virtudes, elas amavam todos os
seres igualmente, assim como se ama um filho único. Elas também,
logo cedo quando o sol acabara de nascer, pegaram incenso de madei-
ras celestiais em quantidade duas vezes maior que aquela existente no
mundo humano. A fragrância de todo aquele incenso limpou todos os
maus odores humanos. Suas carruagens tinham as coberturas brancas
e eram puxadas por juntas quádruplas de cavalos. Cada carruagem era
acortinada, e em cada um dos quatro cantos estavam pendurados
sinos de ouro. De diversos tipos eram o incenso, as flores, os emblemas
pingentes, estandartes, dosséis, maravilhosas comidas e danças de
máscara. Lá estavam simhasanas [tronos de leão], cujos quatro pés
eram de pura água-marinha (berílio azul). Atrás dos simhasanas esta-
vam divãs incrustrados com os sete tesouros. Na frente de cada divã
havia um encosto para o braço feito de ouro. As luminárias eram feitas
dos sete tesouros, e várias gemas serviam-lhe de lâmpadas. Flores
maravilhosas espalhavam-se pelo chão. Tendo feito seus oferecimen-
tos, todas essas deusas ficaram tristes em seu coração. As lágrimas
verteram-lhes e grande foi a sua tristeza. No sentido de beneficiar os
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 16
seres e torná-los felizes, elas haviam completado a insuperável prática
do Todo-Vazio do Mahayana e propuseram revelar os secretos ensi-
namentos dos meios expedientes do Tathagata. Para evitar que os
vários sermões viessem a se perder, elas foram para onde o Buda se
encontrava, tocaram seus pés, circundaram-no por 100 mil vezes, e
disseram ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, aceite nossos
últimos oferecimentos.” O Tathagata, ciente da ocasião, permaneceu
em silêncio e não os aceitou. Todas aquelas deusas, com seus desejos
não atendidos, ficaram tristes. Elas recuaram, tomaram assento a um
lado, e permaneceram em silêncio.

Naquela ocasião, lá viviam vários Reis Dragões nos quatro quadrantes,


tão numerosos quanto às areias de nove Rios Ganges. Eles eram Vasu-
ki, Nanda e Upananda, que liderava seu séquito. Também, todos aque-
les Reis Dragões, logo cedo quando o sol acabara de nascer, pegaram
seus utensílios de oferecimentos, tão numerosos quanto aqueles dos
humanos e seres celestiais. Carregando-os para onde o Buda se encon-
trava, eles tocaram seus pés, circundaram-no por 100 mil vezes e disse-
ram-lhe: “Oh Tathagata! Por favor, aceite nossos últimos oferecimen-
tos.” O Tathagata, ciente da ocasião, permaneceu em silêncio e não os
aceitou.Todos os Reis Dragões, com seus desejos não atendidos, fica-
ram tristes. Eles recuaram e sentaram-se a um lado.

Naquela ocasião, lá estavam Reis Demônio tão numerosos quanto às


areias de dez Rios Ganges. Vaishravana liderava seu séquito. Eles disse-
ram uns aos outros: “Apressemo-nos para onde o Buda está!” Trazen-
do com eles várias coisas como oferecimentos, duas vezes mais do que
aquelas dos Reis Dragões, eles foram para onde o Buda se encontrava,
tocaram seus pés, circundaram-no por 100 mil vezes, e disseram-lhe:
“Oh Tathagata! Por favor, tenha piedade e aceite os nossos últimos
ofereceimentos!” O Tathagata, ciente da ocasião, permaneceu em
silêncio e não os aceitou. Com seus desejos insatisfeitos, eles sentiram
tristeza, recuaram e sentaram-se a um lado.

Capítulo 1: Introdução Página 17


Naquela ocasião, lá estavam também Reis Garudas [Pássaros Mitológi-
cos], tão numerosos quanto às areias de 20 Rios Ganges. O Rei-Vitória-
Sobre-Ressentimentos liderava seu séquito.

Também, lá estavam Reis Gandharva [músicos semi-deuses], que eram


tão numerosos quanto às areias de 30 Rios Ganges. O Rei Narada lide-
rava seu séquito.

Também, lá estavam Reis Kimnara [cantores e dançarinos celestias],


tão numerosos quanto às areias de 40 Rios Ganges. O Rei Sudarsana
liderava seu séquito.

Também, lá estavam Reis Mahoragas [seres com cabeça de serpente],


tão númerosos quanto às areias de 50 Rios Ganges. O Rei Mahasudar-
sana liderava seu séquito.

Também, lá estavam Reis Asura [demônios titânicos e contenciosos],


tão numerosos quanto às areias de 60 Rios Ganges. O rei Campalu
liderava seu séquito.

Também, lá estavam Reis Davanat [abundantes em doações], tão nu-


merosos quanto às areias de 70 Rios Ganges. O Rei Água-Do-Rio-
Imaculado e Bhadradatta lideravam seu séquito.

Também, lá estavam Rakshasa [demônios carnívoros], tão numerosos


quanto às areias de 80 Rios Ganges. O Rei Temível liderava seu séquito.
Abandonando o mal, ele não devorava humanos; mesmo em meio ao
ressentimento, ele mostrava-se compassivo. Sua forma era horrível de
ver, ainda que parecesse correto e austero devido ao poder do Buda.

Também, lá estavam Reis da Floresta, tão numerosos quanto às areias


de 90 Rios Ganges. O Rei Música-e-Odor liderava seu séquito.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 18


Também, lá estavam Reis Possuidores-dos-Dharanis [encantamentos],
tão numerosos quanto às areias de 1.000 Rios Ganges. O Rei-Grande-
Visão-da-Proteção-dos-Dharanis liderava seu séquito.

Também, lá estavam Obcecações Sensuais [espíritos], tão numerosos


quanto às areias de 100 mil Rios Ganges. O Rei Sudarsana liderava seu
séquito.

Também, lá estavam as Deusas Sensuais, tão numerosas quanto às


areias de 10 milhões de Rios Ganges. Secreção–Azul-Celeste, Secreção-
da-Tristeza-pelo-Cadáver, Secreção-da-Via-Imperial e Visakha lidera-
vam seu séquito.

Também, lá estavam os Reis da Obcecação da Terra, tão numerosos


quanto às areias de um bilhão de Rios Ganges. O Rei Secreção-
Esbranquiçada liderava seu séquito.

Também, lá estavam Príncipes, Guardiões Celestiais, e os quatro Anjos


Guardiões da Terra, tão numerosos quanto às areias de 10 trilhões de
Rios Ganges.

Também, lá estavam os ventos dos quatro quadrantes, tão numerosos


quanto às areias de 10 trilhões de Rios Ganges. Eles trouxeram as flores
sazonais e extemporâneas de todas as árvores e espalharam-nas entre
as árvores sala gêmeas.

Também, lá estavam os principais deuses das nuvens e das chuvas, tão


numerosos quanto às areias de 10 trilhões de Rios Ganges, os quais
disseram a si mesmos: “Quando o Tathagata entrar no Nirvana, fare-
mos chover na ocasião da sua cremação e extinguiremos o fogo. Se lá
houver alguém que sinta calor e murmure, tornaremos o ar frio.”

Também, lá estavam Elefantes Reais Grandiosamente Fragrantes, tão


numerosos quanto às areias de 20 Rios Ganges. Dentre eles estavam
Rahuhastin, Suvarnavarnahastin, Amrtahastin, Elefante-de-Olhos-Azuis
Capítulo 1: Introdução Página 19
e o Elefante Fragrância do Desejo, que liderava seu séquito. Eles respei-
tavam e amavam o Mahayana. Como o Buda estava prestes a entrar no
Nirvana, cada um pegou uma inumerável, incomensurável quantidade
de belíssimas flores de lótus e levaram-nas para onde o Buda se encon-
trava, tocaram seus pés com suas cabeças, recuaram e postaram-se a
um lado.

Também, lá estavam Reis Leões, tão numerosos quanto às areias de 20


Rios Ganges. O Rei Rugido do Leão liderava seu séquito. Eles conferi-
ram o destemor para todos os seres. Ostentando várias flores e frutos,
eles vieram para onde o Buda se encontrava, tocaram seus pés com
suas cabeças, recuaram e postaram-se a um lado.

Também, lá estavam os reis dos pássaros, tão numerosos quanto às


areias de 20 Rios Ganges. Dentre eles estavam plovers, gansos selva-
gens, patos mandarin, pavões, gandharvas,
karandas, mynahs, parrots, kokilas, wagtails, kalavinkas, jivamjivakas e
todos os tipos de pássaros; todos carregando flores e frutos, vieram
para onde o Buda se encontrava, tocaram seus pés com suas cabeças,
recuaram e postaram-se a um lado.

Também, lá estavam búfalas, vacas e ovelhas, tão numerosas quanto


às areias de 20 Rios Ganges, que vieram ao Buda e ofereceram-lhe um
leite maravilhosamente fragrante. Todo aquele leite preencheu as
valas e poços do Castelo de Kushinagar. Sua cor, fragrância e sabor
eram perfeitos. Isto feito, elas recuaram e postaram-se a um lado.

Também, lá estavam sábios dos quatro continentes, tão numerosos


quanto às areias de 20 Rios Ganges. Ksantirsi liderava o seu séquito.
Carregando flores, incenso e frutas, eles vieram para onde o Buda esta-
va, tocaram seus pés com suas cabeças, circundaram-no por três vezes
e disseram-lhe: “Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, tenha piedade e
aceite nossos últimos oferecimentos!” O Tathagata, ciente da ocasião,
permaneceu em silêncio e não os aceitou. Diante disto, com seus dese-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 20


jos não atendidos, todos os sábios ficaram tristes. Eles recuaram e pos-
taram-se a um lado.

Lá estavam presentes todas as abelhas rainhas do Jambudvipa. Som


Maravilhoso, a Rainha das abelhas, liderava seu séquito. Trazendo mui-
tas flores, elas vieram para onde o Buda se encontrava, tocaram seus
pés com suas cabeças, circundaram-no uma vez, recuaram e postaram-
se a um lado.

Naquela ocasião, os Monges e Monjas do Jambudvipa estavam todos


concentrados juntos, exceto os dois veneráveis, Mahakashyapa e A-
nanda.

Também, lá estavam os espaços entre os mundos, tão numerosos


quanto às areias de inumeráveis asamkhyas de Rios Ganges, bem como
todas as montanhas do Jambudvipa, dentre as quais o Rei Monte Su-
meru que liderava seu séquito. Grandiosos eram os adornos das mon-
tanhas. Velhas e exuberantes eram as matas e florestas, os ramos e
folhas encontravam-se em seu clímax, de tal maneira que ocultavam o
sol. Diversas eram as flores maravilhosas que desabrocharam em toda
a volta. As nascentes e córregos eram puros, fragrantes e transparen-
tes. Devas, nagas, gandharvas, asuras, garudas, kimnaras, mahoragas,
sábios, mágicos, atores, dançarinos e músicos lotavam o lugar. Todos
estes seres celestiais das montanhas e outros vieram para onde o Buda
se encontrava, tocaram seus pés com suas cabeças, recuaram e posta-
ram-se a um lado.

Além disso, lá estavam presentes os deuses dos quatro grandes ocea-


nos e dos rios, tão numerosos quanto às areias de asamkhyas de Rios
Ganges, os quais possuíam grandes virtudes e feições celestiais. Seus
oferecimentos eram duas vezes maiores que aqueles que lhes precede-
ram. As luzes que emanavam dos corpos daqueles deuses e daqueles
dançarinos de máscara eclipsaram tanto a luz do sol e da lua, que eles
ficaram ocultos e não mais podiam ser vistos. Flores de Champaka
foram espalhadas sobre as águas do Rio Hiranyavati. Eles vieram para
Capítulo 1: Introdução Página 21
onde o Buda se encontrava, tocaram seus pés com suas cabeças, recu-
aram e postaram-se a um lado.

Naquela ocasião, as árvores sala da floresta de Kushinagar mudaram de


cor e pareciam grus (pássaro da família gruidae) brancos. No céu, um
salão de sete tesouros apareceu espontaneamente. Neles, podia-se ver
uma fina decoração. Havia balaustres em todo seu redor, com gemas
preciosas incrustadas neles. Em meio aos edifícios viam-se córregos e
lagos para banho, onde flores de lótus maravilhosas flutuavam. Era
como se estivéssemos no Uttarakuru, nos jardins do Céu Trayastrimsa.
Isto é como as coisas estavam na floresta de árvores sala, com adornos
esplêndidos e maravilhosos. Os devas (espíritos intimamente ligados e
integrados à natureza, ou seja, aos cinco elementos), asuras e todos os
outros testemunharam a cena da entrada do Tathagata no Nirvana,
ficando todos profundamente entristecidos e inconsoláveis.”

“Então, os quatro Anjos Guardiões da Terra e Sakrodevendra disseram


uns aos outros: “Veja! Todos os devas, seres humanos e asuras estão
em preparativos com a intenção de fazer seus últimos oferecimentos
ao Tathagata. Nós, também, faremos o mesmo. Se fizermos nossos
oferecimentos finais, não será difícil tornarmo-nos perfeitos no dana-
paramita.” Naquela ocasião, os oferecimentos dos quatro anjos guar-
diões da terra eram duas vezes maiores que aqueles que lhes precede-
ram. Carregaram em suas mãos todos os tipos de flores como manda-
rava, mahamandarava, kakiruka, mahakakiruka, manjushaka, maha-
manjushaka, santanika, mahasantanika, amorosa, muito amorosa,
samantabhadra, mahasamantabhadra, tempo, grande tempo, castelo
fragrante, castelo muito fragrante, alegria, grande alegria, convite ao
desejo, grande convite ao desejo, fragrância intoxicante, grande fra-
grância intoxicante, toda fragrante, muito grande fragrante, folhas
douradas celestiais, nagapuspa, paricitra, kovidara, e também carre-
gando maravilhosas comidas, eles vieram para onde o Buda se encon-
trava e tocaram seus pés com suas cabeças. A luz de todos aqueles
devas sobrepujou a luz do sol e da lua, tal que eles não podiam ser
vistos. Com esses utensílios, eles intencionavam fazer oferecimentos
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 22
ao Buda. O Tathagata, ciente da ocasião, permaneceu em silêncio e
não os aceitou. Com seus desejos não atendidos, os devas ficaram
tristes e preocupados, recuaram e postaram-se a um lado.

Naquela ocasião, Sakrodevendra e os seres do Céu Trayastrimsa carre-


garam os vasos de seus oferecimentos, os quais eram duas vezes maio-
res do que aqueles que lhes precederam. As flores que eles carregaram
eram igualmente muito numerosas. A fragrância era maravilhosa, mui-
to agradável de sentir. Eles carregaram o salão (hall) da vitória, o Vaija-
yanta [palacio de Sakrodevendra] e muitos outros salões menores e
vieram para onde o Buda se encontrava, tocaram seus pés com suas
cabeças, e disseram-lhe: “Oh Honrado pelo Mundo! Nós amamos pro-
fundamente e protegemos o Mahayana. Oh Tathagata! Por favor, acei-
te nossas comidas (oferecimentos).” O Tathagata, ciente da ocasião,
permaneceu em silêncio e não as aceitou. Shakra [Indra, líder dos deu-
ses] e todos os devas, com seus desejos não atendidos, ficaram tristes.
Eles recuaram e postaram-se a um lado.

Os oferecimentos daqueles até o sexto céu aumentavam em tamanho


um após o outro. Lá estavam emblemas finamente decorados, estan-
dartes e dosséis. Mesmo os menores dos dosséis cobriam os quatro
continentes; os menores estandartes cobriam os quatro mares; mesmo
os menores emblemas alcançavam o céu Mahesvara. Uma brisa suave
soprava e uma doce música surgiu. Carregando as mais deliciosas co-
midas, eles vieram para onde o Buda se encontrava, tocaram seus pés
com suas cabeças, e disseram-lhe: “Oh Honrado pelo Mundo! Roga-
mos, Oh Tathagata! Tenha piedade e aceite nossos últimos ofereci-
mentos!” O Tathagata, ciente da ocasião, permaneceu em silêncio e
não os aceitou. Com seus desejos não atendidos, todos os devas fica-
ram tristes. Eles recuaram e postaram-se a um lado.

“Todos os devas até o mais elevado dos céus estavam reunidos lá. Na-
quela ocasião, o Grande Deus Brahma e outros devas emitiram uma luz
que resplandeceu sobre os quatro continentes. Para os humanos e
devas do mundo dos desejos, as luzes do sol e da lua ficaram obscure-
Capítulo 1: Introdução Página 23
cidas. Eles tinham emblemas finamente decorados, estandartes e dos-
séis de seda colorida. Mesmo o menor estandarte que pendia do palá-
cio do Brahma vinha até onde estavam as árvores sala. Eles vieram
para onde o Buda se encontrava, tocaram seus pés com suas cabeças, e
disseram-lhe: “Oh Honrado pelo Mundo! Rogamos, Oh Tathagata!
Tenha piedade e aceite nossos últimos oferecimentos.” O Tathagata,
ciente da ocasião, permaneceu em silêncio e não os aceitou. Diante
disto, os devas, com seus desejos não atendidos, ficaram tristes. Eles
recuaram e postaram-se a um lado.

Naquela ocasião, Vemacitra, o rei dos asuras, estava presente com


inumeráveis grandes aparentados. A luz que resplandeceu (ali) era
mais brilhante que aquela do Brahma. Ele tinha emblemas finamente
decorados, estandartes e dosséis. Mesmo o menor estandarte cobria
mil mundos. Carregando deliciosas comidas, eles vieram para onde o
Buda se encontrava, tocaram seus pés com suas cabeças e disseram-
lhe: “Rogamos, Oh Tathagata! Tenha piedade e aceite nossos últimos
oferecimentos!” O Tathagata, ciente da ocasião, permaneceu em silên-
cio e não os aceitou. Como seus desejos não foram atendidos, todos os
asuras ficaram tristes. Eles recuaram e postaram-se a um lado.

Naquela ocasião, Marapapiyas (Mara, o Demônio) do mundo dos dese-


jos com todos os seus demônios aparentados e suas fêmeas domesti-
cadas, com seus inumeráveis acompanhantes, abriram os portões do
inferno, aspergiram água pura, e disseram: “Agora vocês nada têm a
fazer. Somente pensem que o Tathagata, o Merecedor de Ofertas e
Todo-Iluminado, participa com alegria, e ofereçam seus últimos ofere-
cimentos. Vocês agora terão uma longa noite de paz.” Então, Marapa-
pivas eliminou todas as grandes e pequenas espadas, venenos e dores
do inferno. Ele fez a chuva cair e extinguir o fogo ardente. Através do
poder do Buda, ele obteve esse estado de espírito. Ele fez todos os seus
demônios aparentados abandonarem suas grandes e pequenas espa-
das, arcos, bestas, armaduras, armas, alabarda (uma combinação de
machado e lança), escudos, ganchos, martelos de metal, machados,
carros de guerra e laços. Os oferecimentos que eles tinham eram duas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 24
vezes maiores do que aqueles dos humanos e seres celestiais. Mesmo
o menor dos dosséis cobria meio milhar de mundos. Eles vieram para
onde o Buda se encontrava, tocaram seus pés com suas cabeças, e
disseram-lhe: “Nós agora amamos e protegemos o Mahayana. Oh Hon-
rado pelo Mundo! Os homens e mulheres no mundo podem, com a
finalidade de fazer oferecimentos, sem medo, seja por motivos de infi-
delidade, por lucro e outros motivos; aceitar este Mahayana, sejam
eles (os motivos) verdadeiros ou não. Então, no sentido de erradicar o
medo de tais pessoas, enunciaremos o seguinte dharani: “Taki, tatara-
taki, rokarei, makarokarei, ara, shara, tara, shaka". Nós cantamos esse
dharani para o benefício daqueles que perderam sua coragem, que
possam estar sentindo medo, que pregam para outros, que oram para
que o Dharma não se extingua, que desejam sobrepujar os tirthikas
[seres deludidos, não-Budistas], para a proteção de si próprios, para a
proteção do Dharma Maravilhoso, e para a proteção do Mahayana.
Armados com esse dharani, não temeremos elefantes enfurecidos, ou
quando atravessarmos regiões selvagens, terras pantanosas, ou quais-
quer lugares íngremes; não haverá medo da água, fogo, leões, tigres,
lobos, ladrões ou reis. Oh Honrado pelo Mundo! Armados com este
dharani, ninguém terá medo. Nós protegeremos a pessoa que tenha
este dharani, e ele ou ela será como a tartaruga que guarda seus seis
membros dentro de sua carapaça. Oh Honrado pelo Mundo! Não dis-
semos isto apenas para agradar. Na realidade, nós faremos coisas tais
que aqueles que estiverem armados com este dharani aumentarão o
seu poder. Nós apenas rogamos, Oh Tathagata! Tenha piedade e aceite
nossos últimos oferecimentos.” Então, o Buda disse à Marapapiyas: “Eu
não aceito o vosso oferecimento; eu já possuo o vosso dharani. Isto é
para fazer com que todos os seres e as quatro classes de pessoas da
Sangha descansem em paz.” Assim dizendo, o Buda caiu em silêncio e
não aceitou os oferecimentos de Marapapiyas. Por três vezes Mahapa-
piyas indagou o Buda para aceitá-los, mas o Buda não o fez. Diante
disto, com suas súplicas não atendidas, Mahapapiyas ficou triste, recu-
ou e postou-se a um lado.

Capítulo 1: Introdução Página 25


Naquela ocasião, lá estava presente Mahesvara Raja com seus inume-
ráveis aparentados e outros devas. Eles carregaram seus vasos de ofe-
reciementos, os quais eram, de longe, maiores que os de Brahma e
Indra, do que aqueles dos anjos guardiões da terra, humanos e devas,
os oito seres e não humanos. Os preparativos que Sakrodevendra fize-
ra pareciam preto contra branco, se tomarmos como comparação o
branco do casco do cavalo, e toda a sua glória (dos preparativos anteri-
ores) desapareceu. Mesmo os menores dos dosséis finamente decora-
dos cobriam 3.000 grandes sistemas de mil mundos. Carregando seus
vasos de oferecimentos, eles vieram para onde o Buda se encontrava,
tocaram seus pés com suas cabeças, circundaram-no incontáveis vezes,
e disseram-lhe: “Oh Honrado pelo Mundo! As coisas desprezíveis que
temos conosco são comparáveis aos oferecimentos nos feitos por
mosquitos e moscas; ou como um homem atirando uma concha de
água no grande oceano; ou como tentar somar uma pequena luz à luz
de 100 mil sóis; ou como tentar, na primavera e verão, quando há mui-
tas flores, adicionar uma única flor à glória de todas as flores; ou tentar
adicionar o esplendor do Monte Sumeru com uma única semente rou-
bada. Como poderia haver qualquer aumento do grande oceano, do
brilho dos sóis, de todas as flores ou do Monte Sumeru? Oh Honrado
pelo Mundo! O pouco que carregamos aqui (para lhe oferecer), bem
pode ser comparado a isto. Realmente, poderíamos oferecer-lhe in-
censo, flores, danças de máscaras, estandartes e dosséis de 3.000
grandes sistemas de mil mundos, mas isto ainda não seria digno de
menção. Por que não? Porque você sempre sofreu as dores nos infeli-
zes domínios do inferno, da fome, da ira e da animalidade. Em razão
disto, Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, tenha piedade e, desse mo-
do, aceite nossos oferecimentos.”

Agora, no leste, havia uma terra Búdica, distante tantas terras quanto
às areias de incontáveis, inumeráveis asamkhyas de Rios Ganges, cha-
mada Tranqüila-em-Pensamento-e-Linda-no-Som, e cujo Buda é cha-
mado Igual ao Vazio, Tathagata, Merecedor de Ofertas, de Conheci-
mento Correto e Universal, de Lucidez e Conduta Perfeitas, um Bem-
Aventurado que Compreende o Mundo, um Mestre Insuperável, um
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 26
Herói Justo e Destemido, um Buda, um Honrado pelo Mundo. Naquela
ocasião o Buda falou aos seus principais grandes discípulos: “Vá agora
ao mundo no oeste, chamado Saha. Há um Buda naquele mundo cha-
mado Tathagata Shakyamuni, que é Merecedor de Ofertas, de Conhe-
cimento Correto e Universal, de Lucidez e Conduta Perfeitas, um Bem-
Aventurado que Compreende o Mundo, um Mestre Insuperável, um
Herói Justo e Destemido, um Buda, um Honrado pelo Mundo. Logo ele
entrará no Parinirvana. Bons homens! Levem consigo as comidas fra-
grantes deste mundo, as mais fragrantes e belas, que trazem a paz.
Ofereçam-nas a ele. Tendo feito isto, ele entrará no Parinirvana. Bons
homens! Além disso, curvem-se diante do Buda, façam-lhe perguntas,
e dirimam quaisquer dúvidas que vocês tenham.”

Então, o Bodhisattva Mahasattva do Corpo Incomensurável, dessa


forma, levantou-se do seu lugar, tocou os pés do Buda com sua cabeça,
circundou-o por três vezes, acompanhado de inumeráveis asamkhyas
de Bodhisattvas, deixou aquela terra e veio a este mundo Saha. Nisto,
os três mil grandes sistemas de mil mundos agitaram-se de seis formas,
os cabelos daqueles em assembléia – Brahma, Indra, os quatro anjos
guardiões da terra, Marapapiyas e Mahesvara – arrepiaram diante da
grande agitação da terra, e suas gargantas e lábios ficaram secos de
medo. Eles ficaram tão assustados que tremeram e queriam fugir em
todas as direções. Conforme eles olharam para os seus próprios cor-
pos, a sua luz havia se perdido, e a sua aparência divina desaparecera.
Então, o Dharmarajaputra Manjushri levantou-se e falou àqueles em
assembléia: “Boa gente! Não tenham medo, não fiquem receosos! Por
quê? Ao leste, tão distante quanto às areias de incontáveis, inumerá-
veis asamkhyas de Rios Ganges, há uma terra chamada Tranqüila-em-
Pensamento-e-Linda-no-Som. O nome do Buda naquela terra é Igual ao
Vazio, Merecedor de Ofertas, Samyaksambuddha. Ele possui os dez
atributos do Buda. Existe um Bodhisattva lá, de corpo incomensurável.
Acompanhado de inumeráveis Bodhisattvas, ele deseja vir aqui e fazer
oferecimentos ao Tathagata. Através do poder daquele Buda, seus
corpos agora não brilham mais. Assim, alegrem-se; não temam!” En-
tão, aqueles em assembléia viram um grande número de pessoas da-
Capítulo 1: Introdução Página 27
quele Buda, a quem eles viam como se fossem seus próprios corpos
refletidos num espelho. Então Manjushri disse àqueles em assembléia:
“Agora vocês vêem as pessoas daquele Buda como se vissem o próprio
Buda. Através do poder do Buda, vocês podem ver claramente todos
os inumeráveis Budas das outras nove terras Búdicas.” Diante daquilo,
as pessoas em assembléia disseram umas às outras: “Oh, que dia aflito,
que dia aflito! O mundo está vazio. O Tathagata logo entrará no Pari-
nirvana”.

“Agora, todas as pessoas viram o Bodhisattva do Corpo Incomensurá-


vel e seu séquito. E eles viram que de cada poro da pele daquele Bo-
dhisattva desabrochava uma grande flor de lótus, cada uma delas con-
tendo 78 cidades-castelo. Nos sentidos transversal e longitudinal, cada
castelo correspondia ao Castelo do Vaisali. As paredes e fossos dos
castelos eram forrados com os sete tesouros. Lá havia avenidas orna-
mentadas com sete fileiras de árvores tala. As pessoas eram ativas,
pacíficas, ricas, e era muito confortável viver naquela terra. Cada caste-
lo era de ouro de Jambunada (Jambunadasuvarna). Cada um continha
árvores dos sete tesouros. A vegetação era exuberante, e ricas eram as
flores e frutos. Uma brisa suave soprava, emitindo um suave som, co-
mo de uma música celestial. As pessoas do castelo, ouvindo aqueles
sons, sentiam enorme prazer. Os poços eram cheios de uma água ma-
ravilhosa. Ela era pura, fragrante e parecia água-marinha (berílio azul).
Na água, barcos dos sete tesouros podiam ser vistos. As pessoas esta-
vam navegando neles. Eles banhavam-se e divertiam-se. Assim, desfru-
tavam de um prazer sem fim. Além disso, havia flores de lótus de várias
cores tais como a utpala (azul), kumuda (noturna, que floresce ao lu-
ar), padma (vermelho), pundarika (branco). Elas eram como grandes
rodas vistas no sentido transversal e longitudinal. Acima dos fossos
havia muitos jardins. Em cada um deles havia cinco lagos, nos quais se
via novamente as tais flores de utpala, kumuda, padma e pundarika,
semelhantes a grandes rodas vistas no sentido transversal e longitudi-
nal. Elas eram fragrantes e agradáveis. A água era pura e suave ao to-
que. Nela podiam ser vistos plovers, gansos selvagens e patos manda-
rim nadando. Havia lá caramanchões de pedras preciosas, cada um dos
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 28
quais perfeitamente quadrados, cobrindo uma área de sete yojanas
quadradas. Todas as paredes eram feitas de quatro tesouros: ouro,
prata, água-marinha e cristal. Em toda a volta havia janelas, treliças e
corrimãos de ouro puro. O chão era coberto de kumshuka (rubi - pala-
vra do Sanscrito que significa flores de jóias vermelhas - anãs do tur-
quistão) em meio a ouro em pó. No palácio havia muitos córregos,
nascentes e lagos para banho feitos dos sete tesouros. Cada muralha
lateral tinha 18 degraus de escada de ouro. As plantas (plantain, espé-
cie de bananeira) eram de ouro de Jambunada (Jambunadasuvarna) e
semelhantes aos jardins suspensos do Céu Trayastrimsa. Cada um da-
queles castelos acomodava 80 mil reis e cada rei tinha consigo inume-
ráveis consortes e governantas. Todos estavam divertindo-se, e eram
satisfeitos e felizes. O mesmo aplicava-se às outras pessoas que esta-
vam divertindo-se onde eles viviam. As pessoas não ouviam outro en-
sinamento que não fosse o Insuperável Mahayana. Sobre cada flor
estava um Trono de Leão (simhasana), com cada um dos pés feito de
água-marinha (berílio). Em cada assento estava estendido um tecido
branco de seda leve. O tecido era maravilhoso, insuperável em todos
os três mundos. Em cada assento encontrava-se um rei pregando o
Mahayana para as pessoas. Alguns estavam segurando livros em suas
mãos, recitando, e praticando a Via. Dessa forma, os sutras Mahayana
tornaram-se popularizados. O Bodhisattva do Corpo Incomensurável
permitiu que inumeráveis pessoas caminhassem por lá, se satisfizes-
sem e abandonassem os prazeres mundanos. Todos disseram: “Que
dia aflito, que dia aflito! O mundo está vazio. O Tathagata logo entrará
no Nirvana.”

Então, o Bodhisattva de Corpo Incomensurável, seguido por inumerá-


veis Bodhisattvas e com o seu poder divino e maravilhoso, carregou
inúmeros e diferentes recipientes de oferecimentos, abarrotados com
finas e maravilhosamente fragrantes delícias. Ao sentir a fragrância
daquelas comidas, todas as manchas da ilusão se desfizeram. Em razão
do poder divino do Bodhisattva, as pessoas viram todas aquelas trans-
formações. O tamanho desse Bodhisattva de Corpo Incomensurável
era ilimitado, era como o espaço em si. Com exceção do Buda, nin-
Capítulo 1: Introdução Página 29
guém realmente podia ver o tamanho corporal desse Bodhisattva. Os
oferecimentos desse Bodhisattva de Corpo Incomensurável eram o
dobro daqueles que lhes precederam e, assim, eles vieram para onde o
Buda se encontrava. Eles tocaram os pés do Buda, juntaram suas mãos,
prestaram-lhe homenagem e disseram: Oh Honrado pelo Mundo! Por
favor, tenha piedade e aceite nossos oferecimentos.” O Tathagata,
ciente da ocasião, permaneceu em silêncio e não os aceitou. Por três
vezes eles indagaram, mas ele não os aceitou. Dessa forma, o Bodhi-
sattva de Corpo Incomensurável e seu séquito recuaram e postaram-se
a um lado. O mesmo foi o caso do Bodhisattva de Corpo Incomensurá-
vel de todas as Terras Búdicas ao sul, oeste e norte. Eles carregaram
oferecimentos duas vezes maiores que aqueles que lhes precederam.
Vieram para onde o Buda se encontrava, recuaram e postaram-se a um
lado. Todos procederam dessa maneira.

Então, já não restava qualquer espaço na auspiciosa terra da felicidade


entre as árvores sala, dentro de uma área de 32 yojanas quadradas, e
que não estivesse repleto de pessoas. Naquela ocasião, todo o espaço
ao redor do Bodhisattva de Corpo Incomensurável e seu séquito, que
vieram juntos dele dos quatro quadrantes, parecia estar preenchido
com pontos do tamanho de um grão de poeira, ou do furo de uma
agulha. Todos os grandes Bodhisattvas de todas as inumeráveis Terras
Búdicas das dez direções estavam reunidos lá. Além disso, todas as
pessoas do Jambudvipa estavam reunidas lá, com exceção da dupla
Mahakashyapa e Ananda, e também de Ajatasatru e seu séquito, ser-
pentes venenosas que atacam pessoas, besouros de excrementos,
víboras, escorpiões e as dezesseis espécies de depravados do mal. Os
danavats e asuras tinham todos abandonado suas intenções malignas e
tinham tornado-se de pensamentos compassivos. Assim como pais,
mães, velhos e jovens; todas as pessoas dos três mil grandes sistemas
de mil mundos juntaram-se e falaram umas às outras com o mesmo
sentimento compassivo, exceto os icchantikas.

Então, através do poder do Buda, os três mil mundos tornaram-se sua-


ves ao toque. Lá não havia mais montanhas, areia, cascalho, pragas ou
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 30
plantas venenosas; mas tudo estava adornado com vários tesouros
como no caso do Paraíso Ocidental de paz e felicidade do Buda Amita-
yus. Naquela ocasião, todos os que haviam congregado-se lá viram o
incontável número de Terras Búdicas como se vissem suas formas re-
fletidas num espelho. O mesmo foi o caso de quando eles viram as
terras de todos os Budas.

A luz que foi emitida da face do Tathagata era composta de cinco co-
res, e resplandeceu sobre toda a grande congregação, tal que obliterou
a luz que vinha do corpo (da assembléia). Tendo feito isto, ela retornou
para o Buda, penetrando-lhe através da sua boca. Então, os seres ce-
lestiais e todos aqueles na assembléia, asuras e outros, ficaram muito
receosos quando viram a luz do Buda penetrar-lhe através da sua boca.
Seus cabelos arrepiaram. Disseram: “A luz do Tathagata surgiu, voltou e
entrou nele. Isto não é sem razão. Isto indica que o Buda fez o que ele
pretendia fazer nas dez direções e, agora, entrará no Nirvana como
seu último ato. Este deve ser o que ele tenta sinalizar para nós. O mun-
do está aflito, o mundo está aflito! Por que é que o Honrado pelo
Mundo abandonou as quatro intenções ilimitadas e não aceitou os
ofereciementos tanto de humanos como de seres celestiais? Agora a
luz da Sabedoria está indo embora para sempre. Agora, o insuperável
navio do Dharma está naufragando. Ah, que dor! O mundo está aflito!”
Eles levantaram suas mãos, bateram em seus peitos, e tristemente
choraram e gritaram. Seus membros tremiam, e eles não sabiam como
se suportarem. O sangue jorrava de seus corpos e corria sobre o chão.”

Capítulo 1: Introdução Página 31


Capítulo Dois: Sobre Cunda

A Parábola da Terra Fértil

“Naquela ocasião, encontrava-se presente na assembléia um monge


que era filho de um artesão das fortificações da cidade de Kushinagar.
Cunda era o seu nome. Ele estava lá com seus companheiros, quinze ao
todo. No sentido de que o mundo gerasse bons frutos, ele abandonou
todos os adornos do corpo, levantou-se, descobriu o seu ombro direito,
colocou o seu joelho direito no chão, juntou as palmas das mãos e
olhou fixamente para o Buda. Triste e chorosamente, ele tocou os pés
do Buda com sua cabeça e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Por favor,
tenha piedade, aceite nossos últimos oferecimentos e acuda inumerá-
veis seres. Oh Honrado pelo Mundo! De agora em diante, não temos
mais um mestre, nem pais, nem salvação, nem proteção, nenhum lugar
para tomar refúgio, e nem um lugar para onde ir; nos tornaremos po-
bres e famintos. Seguindo o Tathagata, desejamos obter comida para
os dias que virão. Por favor, tenha piedade e aceite nossos humildes
oferecimentos e, então, entre no Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! É
como no caso de um Kshatriya, Brahmin, Vaishya ou Sudra que, sendo
pobre, viaja para um país distante. Ele trabalha no campo e ganha uma
vaca amestrada. A terra é boa, plana e extensa. Não há pobreza, nem
solo arenoso, nem ervas daninhas, nem aridez e nenhuma degradação.
É necessário apenas esperar a chuva dos céus. Dizemos ‘vaca amestra-
da’. Isto pode ser compreendido como as sete ações do corpo e da
boca; e a terra boa, plana e extensa pode ser compreendida como
Sabedoria. Acabar com o solo pobre, ervas daninhas, aridez e degrada-
ção refere-se à Ilusão, a qual devemos acabar com ela. Oh Honrado
pelo Mundo! Agora, temos conosco a vaca amestrada e o bom solo,
temos cultivado a terra e acabado com as ervas daninhas. Agora, estou
esperando apenas que a doce chuva do Dharma do Tathagata me visi-
te. As quatro castas da pobreza nada mais são que o corpo carnal que
possuo. Sou pobre, pois não possuo o soberbo tesouro do Dharma.
Rogo que tenha piedade e elimine a nossa pobreza, miséria, e livre-nos,

Capítulo 2: Sobre Cunda Página 33


bem como a inumeráveis seres, das nossas tristezas e preocupações.
Os oferecimentos que faço são insignificantes. Mas, penso que eles
satisfarão ao Tathagata e à Sangha. Agora, não tenho mais mestre,
nem pais, e nem refúgio. Por favor, tenha piedade de nós, assim como
teve de Rahula’.”

Oferecimentos de Alimentos

Então, o Honrado pelo Mundo, o todo Iluminado, o Mestre Insuperá-


vel, disse a Cunda: “Isto é bom, bom de fato! Eu agora arrancarei as
raízes da sua pobreza e farei cair sobre o seu campo da vida carnal a
insuperável chuva do Dharma, e evocarei o broto do Dharma. Seu de-
sejo agora é obter de mim a vida, o corpo, o poder, a paz, e a fala sem
impedimentos (eloqüência). E eu darei a você a imortalidade, o corpo,
o poder, a paz, e a fala sem impedimentos. Por quê? Oh Cunda! Nos
oferecimentos de alimentos há dois frutos que sabemos não ter distin-
ção. Quais são os dois? Primeiramente, atinge-se o ‘anuttarasamyak-
sambodhi’ quando se os recebe; em segundo lugar, entra-se no Nirva-
na após recebê-los. Eu agora receberei vossos últimos oferecimentos e
vos permitirei completar o danaparamita.”

Nisto, Cunda disse ao Buda: “Você diz que não há diferença entre os
frutos daqueles oferecimentos. Mas, isto não é assim. Por que não?
Porque na primeira instância de recebimento de dana [a doação por
caridade], ainda não se acabou com a ilusão e ele ainda não atingiu o
pleno conhecimento. E ele ainda não pode fazer com que os seres des-
frutem do danaparamita. Quanto a esta segunda e última instância do
recebimento, a ilusão já se acabou e ele atingiu o pleno conhecimento,
podendo levar todos os seres a serem abençoados igualmente com o
danaparamita. Aquele que recebe os oferecimentos em primeira ins-
tância ainda é um ser comum, mas o último (em segunda instância) é
um ser celestial. Alguém que receba dana em primeira instância é a-
quele com: 1) um corpo alimentado por vários tipos de comida, 2) um

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 34


corpo de ilusão, 3) um corpo onde ainda há remanescências (como
resultado) da ilusão, e 4) um corpo não-eterno. Uma pessoa que rece-
ba dana em segunda instância possui: 1) o corpo da desilusão, 2) o
Corpo Adamantino (incorruptível), 3) o Corpo do Dharma, 4) o corpo
eterno, e 5) o corpo incomensurável. Como pode alguém dizer que os
resultados (os frutos) do dana recebido nas duas instâncias são unos e
não diferentes? A pessoa que recebe dana em primeira instância é
alguém ainda não realizado desde o danaparamita até o prajnaparami-
ta. Ele possui apenas os olhos físicos (com os quais nasceu), mas não o
olho Búdico, e nem o olho da Sabedoria. O caso da pessoa que recebe
dana na segunda instância é aquele de alguém realizado desde o dana-
paramita até o prajnaparamita, e também desde o olho físico até o
olho da Sabedoria. Como podemos dizer que os resultados dos dois
danas são os mesmos e que não há diferença? Oh Honrado pelo Mun-
do! No caso da primeira instância, aquele que recebe dana toma refei-
ções que vão para o seu abdômen e lá são digeridas, ele ganha a vida, o
corpo carnal, poder, desenvoltura e a fala sem impedimentos. No se-
gundo caso, a pessoa não come, nem digere, e não resulta nas cinco
coisas (citadas acima). Como podemos dizer que os resultados dos dois
danas são o mesmo e não diferentes?

O Buda disse: “Oh bom homem! O Tathagata, desde inumeráveis, in-


comensuráveis asamkhyas de kalpas atrás, já não tinha o corpo alimen-
tado por comida e ilusão, e nem tinha o corpo onde houvesse rema-
nescência (como resultado) da ilusão. Ele é o Eterno, o Corpo do
Dharma, e o Corpo Adamantino. Oh Bom homem! Aquele que ainda
não viu a ‘Budeidade’ é chamado corpo-de-ilusão, o corpo alimentado
por vários tipos de comida, e o corpo onde ainda há remanescências
como resultado da ilusão. O Bodhisattva, como ele participa da comida
[que lhe é oferecida antes da Iluminação], adentra o Samadhi Adaman-
tino. Quando aquela comida é digerida, ele vê a ‘Budeidade’ e atinge o
insuperável Bodhi (Iluminação). Este é o porque digo que os resultados
dos dois danas são iguais e que eles não são diferentes. O Bodhisattva,

Capítulo 2: Sobre Cunda Página 35


naquele momento, subjuga os quatro Maras [ilusão, skandhas1, morte
e o demônio celestial]. Então, ao entrar no Nirvana, ele subjuga os
quatro Maras. Este é o porquê digo que os resultados dos dois danas
são iguais e que eles não são diferentes. O Bodhisattva, naquela ocasi-
ão, ainda não discorre fluentemente acerca dos 12 tipos de sutras Bu-
distas, mas ele já é versado neles. Agora, após sua entrada no Nirvana,
ele fala expansivamente deles para benefício de todos os seres. Este é
o porquê digo que os resultados dos dois danas são iguais e que eles
não são diferentes. Oh bom homem! O corpo do Tathagata já não par-
ticipa de comida e bebida há inumeráveis asamkhyas de kalpas. Mas,
para o benefício de todos os Sravakas [Ouvintes dos ensinamentos do
Buda], digo que tomei o mingau de leite cozido oferecido por Nanda e
Nandabala, as duas mulheres-pastoras, e que, em seguida, atingi o
insuperável Bodhi. Mas, na realidade, eu não o tomei. Agora, para o
benefício das pessoas congregadas aqui, eu aceitarei os vossos ofere-
cimentos. Mas, na realidade, não compartilharei deles.”

Então, ouvindo que o Buda, Honrado pelo Mundo, para o benefício das
pessoas congregadas lá, aceitaria os últimos oferecimentos de Cunda,
eles sentiram-se radiantes e cheios de satisfação, e disseram em lou-
vor: “Quão maravilhoso, quão maravilhoso! Isto é raro, oh Cunda! Você
agora tem um nome; seu nome não servia para nada. Cunda significa
‘compreensão dos maravilhosos significados’! Agora você estabeleceu
tão grande significado. Você revelou que é verdadeiro, você está em
concordância com o significado, e ganhou seu nome. Este é o porquê
de você ser Cunda. Você, agora, nesta vida, ganhará um grande nome,
benefícios, virtudes e votos. É raro, oh Cunda, nascer como um huma-
no e alcançar o insuperável benefício que é o mais difícil de encontrar.

1 Os Cinco Agregados que compõem um ser ou indivíduo são os seguintes: 1. A matéria


(corporalidade); 2. As sensações; 3. As percepções; 4. As formações mentais; 5. A
consciência. Estes cinco agregados abrangem dois grupos (nama-rupa) que são: o
agregado da matéria, o corpo físico (rupa), que é objetivo, e os agregados mentais
(nama), que são subjetivos e se compõem das sensações, percepções, formações e
consciência.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 36


Isto é bom, oh Cunda! Você é a Udumbara, sobre a qual se diz florescer
somente em muito raras ocasiões. É muito raro o aparecimento do
Buda no Mundo. É também muito difícil encontrar-se com o Buda,
obter a fé, e ouvir sermões. É mais difícil ainda conseguir fazer os ofe-
recimentos finais a ele por ocasião da sua entrada no Nirvana e ser
bem sucedido nisto. Muito bem, muito bem, oh Cunda! Agora você
completou o danaparamita. Isto é como no décimo-quinto mês do
outono, quando a lua está limpa e cheia, quando não há vestígio de
nuvens no céu, e todos os seres olham para cima em louvor. O mesmo
é o caso com você, para quem olhamos e louvamos. O Buda agora
recebe seus últimos oferecimentos e o faz completar o danaparamita.
Oh, muito bem, oh Cunda! Dizemos que você é como a lua cheia, para
a qual todas as pessoas olham. Muito bem, oh Cunda! Embora huma-
no, a sua mente é do Buda. Oh Cunda! Você é verdadeiramente como
o filho do Buda, Rahula. Não há diferença.”

Então, aqueles que lá estavam congregados disseram em versos:

“Embora nascido como humano, você agora reside acima do sexto céu.
Eu e todos os outros, portanto, o louvamos e oramos.
O mais sagrado dos humanos agora entra no Nirvana. Perdoe-nos e,
rapidamente,
implore ao Buda para permanecer em vida ainda um longo tempo,
para beneficiar inumeráveis seres,
para transmitir-lhes o insuperável maná do Dharma que louva a Sabe-
doria.
Se você não implorar ao Buda, nossa vida não será perfeita.
Em razão disto, curvamo-nos ao chão,
em homenagem ao Mestre Insuperável.”

Em razão disto, Cunda ficou cheio de alegria! Ele ficou como no caso de
um humano cujos pais haviam falecido de repente, e que subitamente
retornam. Assim é como Cunda se sentia. Ele levantou-se novamente,
curvou-se diante do Buda, e disse em versos:

Capítulo 2: Sobre Cunda Página 37


“Sou grato por ter conquistado minha Via;
é bom que eu tenha nascido como humano.
Acabei com a ganância e a ira;
estou apartado para sempre dos três maus caminhos.
Sou grato por ter ganhado benefícios
e me encontrado com a bola de ouro do tesouro,
que eu agora me encontre com o Mestre
e que não tenho medo, mesmo que venha a ganhar a vida no reino
animal.
O Buda é uma Udumbara, por assim dizer, difícil de encontrar,
e difícil de ter fé.
Uma vez que o tenhamos encontrado e praticado a Via,
acabamos com as tristezas dos espíritos (pretas) famintos.
Além disso, ele subjuga completamente os asuras e outros.
É mais fácil balançarmos uma semente de mostarda na ponta de uma
agulha
do que encontrar a aparição de um Buda neste mundo.
O Buda não é manchado pelos caminhos mundanos.
Ele é como um lótus (nenúfar, lírio d’água, ninféia) na água.
Estou completamente livre das raízes do mundo secular
e atravessei as águas do nascimento e da morte.

A Erva Daninha

É difícil nascer como humano;


mais difícil ainda é encontrar o Buda quando ele aparece no mundo.
É como no caso de uma tartaruga cega que,
em meio ao oceano, consiga acertar o furo de um tronco de madeira
flutuante.
Eu agora ofereço comida e rogo que alcançarei a insuperável recom-
pensa,
que destruirei as amarras da ilusão,
e que ela (a ilusão) não será mais forte.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 38


Não procuro aqui obter um corpo celestial.
Mesmo que o tivesse ganhado, minha mente não estaria satisfeita.
O Tathagata aceita este meu oferecimento.
Nada poderia me satisfazer mais.
É como no caso de uma erva daninha mal-cheirosa,
mas que exala uma fragrância de madeira de sândalo.
Eu sou aquela erva daninha.

O Tathagata aceita meus oferecimentos.


Isto é como a fragrância que exala de uma madeira de sândalo.
Este é o porquê de estar jubiloso.
Agora, nesta vida, estou agraciado com a mais elevada recompensa.
Shakra, Brahma e todos os outros venham e façam oferecimentos para
mim.

Todos os mundos estão profundamente preocupados,


uma vez que agora sabem que o Buda entrará no Nirvana.
Eles clamam ruidosamente:
“Agora não há mais um Mestre no mundo;
não despreze todos os seres;
veja-os como se visse a um filho único!”

O Sol Búdico e as Nuvens de Samsara

O Tathagata, em meio aos Monges, fala do soberbo Dharma.


Isto pode ser bem comparado ao Monte Sumeru,
que permanece não molestado em meio ao grande oceano.
A Sabedoria do Buda desfaz completamente o desalento dos humanos.

É como quando o sol se levanta, todas as nuvens dispersam,


e a sua luz resplandece sobre tudo.
O Tathagata acaba completamente com todas as ilusões.

Capítulo 2: Sobre Cunda Página 39


Isto (a vida mundana) é como o frescor que reina
quando as nuvens aparecem no céu.
Todos os seres amam e choram.
Todos se debatem nas águas amargas do nascimento e da morte.

Por esta razão, rogo, Oh Honrado pelo Mundo!


Permaneça vivo por mais tempo e aumente a fé de todos os seres,
libertando-os do sofrimento da nascimento e da morte!”

O Buda disse a Cunda: “É assim, é assim! É tudo como você diz. É raro
que o Buda apareça no mundo. É como no caso da Udumbara. É tam-
bém difícil encontrar-se com o Buda e adquirir fé. Estar presente no
momento da entrada do Buda no Nirvana, para oferecer-lhe comida e,
assim, realizar o danaparamita é ainda mais difícil. Oh Cunda! Não fi-
que triste agora. Seja grato por ter feito os oferecimentos finais ao
Tathagata agora, e por ter realizado bem o danaparamita. Não indague
o Buda sobre permanecer mais tempo em vida. Você agora deve medi-
tar sobre o mundo de todos os Budas. Tudo é não-eterno (imperma-
nente). O mesmo ocorre com todas as coisas criadas, suas naturezas e
características.”

Para o benefício de Cunda, ele disse em versos:

“Em todos os mundos,


aquilo que nasce deve morrer.
A vida parece longa, mas, por natureza,
tem de haver um fim.
Tudo o que floresce sempre desvanece;
encontra, deve partir.
O explendor (clímax) do ser humano não é longo;
a exuberância encontra-se com a doença.
A vida é devorada pela morte;
nada existe eternamente.
Todos os Reis são soberanos;
ninguém pode competir (com eles).
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 40
Ainda assim, todos devem perecer;
e assim é com a vida.
O sofrimento não encontra um fim;
e sem um fim a roda gira e gira.
Nenhum dos três mundos
[da matéria, do espírito e do desejo] é eterno;
E tudo o que existe não é feliz.
O que existe possui uma natureza e características.

Tudo é vazio.
Aquilo que é destrutível vem e vai;
Apreensões e doenças se sucedem
(uma segue os passos da outra).
O temor de todos os erros e más ações,
velhice, doença, morte e o declínio causam preocupações.
Todas as coisas não existem para sempre,
e elas facilmente acabam.
Os ressentimentos as atacam;
todos (os ressentimentos) estão cheios de ilusão,
como no caso do bicho-da-seda e do casulo.

Ninguém que tenha sabedoria


encontra prazer num lugar como este.
Este corpo carnal é onde o sofrimento se instala.
Tudo é impuro, como tumores,
carbúnculos, furúnculos e semelhantes.
Nenhuma razão está por baixo.
E o mesmo se aplica àqueles (seres) celestiais sentados acima.
Todos os desejos não terminam.

Assim, eu não me apego.


Descartados os desejos, medite bem,
atinge-se o Dharma Maravilhoso,
e aquele que, definitivamente, eliminou o ‘ser’ (existência samsarica),
pode hoje ganhar o Nirvana.
Capítulo 2: Sobre Cunda Página 41
Eu transpassei para a outra margem do ‘ser’,
e permaneço acima de todas as tristezas.
Assim, eu colho este soberbo Êxtase”.

Então, Cunda disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! É assim, é as-
sim. É tudo como você, o Sagrado, diz. A sabedoria que possuo é des-
prezível e de baixo grau. Sou como um mosquito ou mosca. Como pos-
so contemplar as profundezas do Nirvana do Tathagata? Oh Honrado
pelo Mundo! Agora sou como qualquer naga ou elefante de um Bodhi-
sattva Mahasattva que cortou os vínculos da ilusão. Sou como o Dhar-
marajaputra Manjushri. Oh Honrado pelo Mundo! É como alguém que
entra para a Ordem (dos Monges) ainda muito jovem. Embora mante-
nha os preceitos, aquela pessoa ainda é apenas da classe ordinária de
Monges. Eu, também, sou como aquela pessoa. Devido ao poder do
Buda e dos Bodhisattvas, sou agora um dos numerosos séquitos de tais
grandes Bodhisattvas. Este é o porquê de ter implorado ao Tathagata
para permanecer por mais longo tempo em vida e não entrar no Nirva-
na. Isto é semelhante a um homem faminto e ferido que nada mais
tem para expelir. Eu somente rogo que esse será o caso com o Honra-
do pelo Mundo, e que ele permanecerá por mais longo tempo em vida
e não entrará no Nirvana.

Então, Dharmarajaputra Manjushri disse a Cunda: “Oh Cunda! Agora,


não fale dessa forma implorando ao Tathagata para permanecer por
mais tempo em vida e não entrar no Parinirvana, como no caso do
faminto que nada mais tem a expelir. Isto não pode ser. Agora você
deveria ver a natureza e características de todas as coisas. Vendo as
coisas assim, você ganhará o Samadhi do Todo-Vazio. Se você deseja
atingir o Dharma Maravilhoso, aja assim!”

Cunda indagou: “Oh Manjushri! O Tathagata é o Mais Sagrado e o mais


elevado de todos os céus e terra. O Tathagata como tal, poderia ser
alguém que é criado? Se ele é alguém criado, ele não poderia ser dife-
rente da existência samsarica. Espuma, por exemplo, forma-se rapida-
mente e se desfaz rapidamente; as idas e vindas [de todas as coisas]
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 42
são como o giro de uma roda. Tudo o que é criado é assim. Eu ouço
que os devas têm a vida mais longa. O Honrado pelo Mundo é o céu
dos céus. Como ele poderia ter uma vida tão curta a ponto de não atin-
gir os 100 anos? O chefe da aldeia é soberano no poder, e através disso
ele pode atender ao povo. Mas, quando as virtudes o abandonam, ele
torna-se pobre e medíocre. Então, ele será visto de cima para baixo,
será chicoteado e o farão trabalhar para os outros. Por quê? Porque
seu poder acabou. O mesmo é o caso com o Honrado pelo Mundo. Ele
é como todas as coisas compostas. Se ele é igual a todas as coisas com-
postas, ele não pode ser o céu dos céus. Por que não? Porque todas as
coisas são existências que devem sofrer pelo nascimento e pela morte.
Portanto, oh Manjushri! Não coloque o Tathagata no mesmo nível de
todas aquelas coisas que são compostas. E mais, oh Manjushri! Você
pensa isto [de fato] e fala assim? Ou é algo que você conhece, e diz que
o Tathagata está no mesmo nível de todas aquelas coisas compostas.
Se o Tathagata está no mesmo nível de todas as coisas compostas, não
podemos chamá-lo de céu dos céus ou de Soberano Rei do Dharma dos
três mundos. Por exemplo, um rei pode ser um homem de grande
força. Seu poder é igual ao daquele de mil pessoas e ninguém pode
vencê-lo. Assim, esta pessoa é chamada como aquele que possui o
poder de um milhar de pessoas. Por tais qualidades ele é adorado.
Assim, lhe é conferida uma distinção lisonjeira, juntamente com um
feudo. Feudos e recompensas fluem para ele abundantemente. Esta
pessoa é chamada como aquele cujo poder é igual ao de um milhar de
pessoas. Ele não é exatamente igual a mil pessoas. Mas, o que ele faz
vale muito. Por essa razão dizemos que ele é igual a um milhar de pes-
soas. O mesmo é o caso do Tathagata. Ele subjuga as ilusões de Mara, o
Mara dos cinco agregados, o Mara do (sexto) Céu, e o Mara da Morte.
Este é o porquê lhe chamamos de o mais honrado dos três mundos.
Isto é como no caso de um homem cujo poder se iguala ao de mil pes-
soas. Dessa forma, ele é dotado de várias, incontáveis virtudes verda-
deiras. Este é o porquê de lhe chamarmos Tathagata, Merecedor de
Ofertas e Todo Iluminado. Oh Manujushri! Você não deve presumir,
imaginar e falar acerca daquilo que pertence ao mundo do Tathagata
como sendo igual àquilo que é composto. Por exemplo, um homem
Capítulo 2: Sobre Cunda Página 43
muito rico gera um filho; e um áugure (adivinho) vaticina que essa cri-
ança não irá sobreviver. Os pais ouvem isto e sabem que a criança não
será capaz de herdar o patrimônio da família, e olham sobre aquela
criança como se fosse sobre a relva. Ora, uma pessoa que viveu bre-
vemente não é muito respeitada por Sramanas, Brahmins, homens,
mulheres e pessoas em geral, grandes ou pequenas. Se o Tathagata é
colocado no mesmo nível daqueles que são compostos, ele não pode
ser respeitado por todo o mundo, seres humanos ou celestiais. O que o
Tathagata fala acerca disso é que não muda e não é diferente. Isto é o
verdadeiro Dharma. Não há ninguém que (o) receba. Por isso, oh Man-
jushri! Não diga que o Tathagata é o mesmo que qualquer coisa com-
posta.

E mais, oh Manjushri! É como no caso de uma mulher pobre que não


tem uma casa para morar e ninguém para cuidar dela. Além disso, ela
está muito doente e faminta. Então, ela vagueia, implora por comida,
fica na casa dos outros, e dá à luz uma criança. O dono da casa a põe
para fora. Segurando a sua criança, ela decide ir para o estrangeiro. No
caminho, ela depara com uma grande tempestade; e o frio lhe acome-
te. Mosquitos, moscas, abelhas e insetos venenosos atacam-lhe ruido-
samente. Ela carrega sua criança e deseja atravessar o Ganges. A cor-
renteza é forte, mas ela segura a criança e não a deixa escapar do do-
mínio dela. Ambos, a mãe e a criança morrem. Esta mulher, em razão
da sua ação compassiva, após a sua morte, nasce no céu Brahma. Oh
Manjushri! Qualquer bom homem que deseje guardar o Dharma Ma-
ravilhoso não deve dizer: ‘O Tahtagatha é como todas as coisas’ ou ‘ele
não é assim’. Essa pessoa deveria somente reprovar o seu próprio ego
e pensar: ‘Sou um ignorante; não possuo os olhos da Sabedoria.’ O
Dharma Maravilhoso do Tathagata não pode ser concebido por todos.
Em razão disto, não é adequado para nós dizer que o Tathagata é de
fato uma coisa definitivamente composta, ou uma coisa que não é
composta. O que é correto dizer é: ‘O Tathagata é definitivamente Não
Composto [aquilo que não é criado]. Porque para nós, os seres, o bem
emana e flui a partir de uma mente compassiva. Isto é como no caso da
pobre mulher que, por amor à sua criança, sacrificou a si própria. Oh
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 44
bom homem! Com o Bodhisattva que guarda o Dharma é assim. Po-
demos sacrificar a nós próprios, mas não podemos dizer que o Tatha-
gata é igual ao composto. Podemos dizer que o Tathagata é um Não
Composto. Dizendo que o Tathagata é um Não Composto, ganhamos a
Iluminação insuperável. Isto é como no caso da mulher nascida no Céu
Brahma. Por quê? Através da proteção ao Dharma. O que queremos
dizer com proteção ao Dharma? Ora, dizer que o Tathagata é um Não
Composto. Oh bom homem! Emancipação não é algo que se procure,
contudo ela vem de si mesmo. É como no caso da pobre mulher que
não procurou nascer no céu Brahma, todavia Brahma responde. É as-
sim. Oh Manjushri! Uma pessoa pode estar empreendendo uma longa
viagem. No caminho, ela fica muito cansada e se hospeda na casa de
uma outra pessoa. Enquanto ela está dormindo, um grande incêndio se
irrompe. Rapidamente ela se levanta e pensa: “Agora, certamente
morrerei.” Como ela se arrepende, ela veste-se rapidamente. Ela morre
e vem a renascer no Céu Trayastrimsa. Então, após 80 renascimentos,
ela torna-se um Grande Brahma. Após 100 mil renascimentos, ela volta
a renascer como um humano e torna-se um Chakravartin [um grande
monarca do mundo]. Esta pessoa não ganha a vida nos três maus do-
mínios da existência. A vida se repete, e ela nasce em lugares onde a
paz sempre reina. Esta é a forma como as coisas acontecem. Em razão
disto, alguém que sinta arrependimento deveria, oh Manjushri, medi-
tar sobre o Buda, mas nunca pensar a seu respeito como sendo o
mesmo que aquilo que é composto. Oh Manjushri! Os tirthikas [seres
deludidos, não-Budistas] e aqueles de mentes distorcidas podem dizer
que o Tathagata é o mesmo que os seres compostos. O Monge que
observa os preceitos não deveria pensar que o Tathagata é uma exis-
tência criada. Caso diga que o Tathagata é algo criado, isto nada mais é
que uma falsa declaração. Após a morte, tal pessoa cairia no inferno,
tão seguramente quanto alguém que está em sua própria casa. Oh
Manjushri! O Tathagata, de fato, é uma Não Criação. Não devemos
dizer que ele é um ser criado. Você deveria, doravante, nesta vida de
nascimento e morte, abandonar a ignorância e dar lugar à correta Sa-
bedoria. Saber bem que o Tathagata é um Não Criado. Aquele que

Capítulo 2: Sobre Cunda Página 45


medita muito sobre o Tathagata estará realizado nos 32 sinais de per-
feição e atingirá Iluminação Insuperável.”

Então, Dharmarajaputra Manjushri elogiou Cunda e disse: “Falaste


bem, falaste bem, Oh bom homem! Você já fez aquilo que lhe propor-
cionará uma vida eterna. Você sabe bem que o Tathagata é Eterno e
Imutável, e é Não Composto (Não Criado). Você agora protegeu bem a
existência de forma-criada do Tathagata. Alguém que se encontre num
incêncio cobre seu corpo com roupas em razão do arrependimento.
Este bom pensamento o faz ganhar o nascimento no Céu Trayastrimsa.
Ele torna-se um Brahma e um Chakravartin, e não renasce nos maus
domínios da existência e, assim, sempre desfrutará de paz. Essa é a
forma como as coisas virão acontecer com você. Como você protegeu
bem a forma-criada do Tathagata, nos dias que virão você obterá os 32
sinais de perfeição (marcas distintivas), as 80 marcas menores de exce-
lência, e as 18 características peculiares somente ao Buda. Sua vida
tornar-se-á eterna, sem mais amarras com o Samsara. Haverá sempre
um eterno fluxo de paz e felicidade, e não tardará o dia em que você
despertará na luz do Merecimento de Ofertas e da Perfeita Iluminação.
Oh Cunda! O Tathagata em si falará mais expansivamente sobre isso
mais tarde. E você e eu protegeremos o corpo-criado do Tathagata.
Deixemos de lado, por ora, questões sobre criado e não-criado.

Você deveria, como você próprio vê, rapidamente oferecer alimentos.


Oferecer assim é o melhor de todos os oferecimentos. Os Monges,
Monjas, Leigos e Leigas podem ter empreendido uma longa viagem;
eles podem estar extremamente cansados. Dê-lhes as coisas mais pu-
ras como exigido. A doação expressa é uma coisa fundamental para se
completar o danaparamita. Oh Cunda! Dê os oferecimentos finais ao
Buda e à Sangha, mais ou menos, cheios ou não, mas rapidamente
como a ocasião requer. O Tathagata logo entrará no Parinirvana”.

Cunda disse: “Oh Manjushri! Porque é que você cuida tão avidamente
da comida e me faz dar mais ou menos, cheio ou não cheio, em respos-
ta às exigências da ocasião? Oh Manjushri! No passado, o Tathagata
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 46
praticou penitências por seis anos e se sustentou. Por que ele não o
faria agora quando se trata apenas de questão de um momento. Oh
Manjushri! Você disse que o Tathagata, o Perfeitamente Iluminado,
verdadeiramente pretende aceitar essa refeição? Mas eu definitiva-
mente sei que o Tathagata é o Corpo de Dharma e que ele não é o
corpo carnal que participa da comida.”

Então o Buda disse a Manjushri: “Assim é, assim é, é como Cunda diz.


Falaste bem, oh Cunda! Você já atingiu o delicado ponto da grande
Sabedoria e você agora domina os sutras Mahayana.”

Manjushri disse a Cunda: “Você diz que o Tathagata é um Não Criado


(Não Composto); e o corpo do Tathagata é de longa vida. Se isto está
dito, o Tathagata ficará satisfeito (em participar da refeição).”

Cunda respondeu: “O Tathagata não ficará satisfeito comigo apenas;


ele também ficará satisfeito com todos os seres.”

Manjushri disse: “O Tathagata está satisfeito com você e com todos


nós seres?”

Cunda respondeu: “Eu não disse que o Tathagata está satisfeito. Agora,
obter satisfação é um pensamento invertido. Um pensamento inverti-
do representa nascimento e morte. Nascimento e morte são de uma
existência criada. Assim, oh Manjushri! Não diga que o Tathagata é
uma existência criada. Se você diz que o Tathagata é uma existência
criada, eu e você cometemos uma inversão [da verdade]. Oh Manjus-
hri! O Tathagata não tem qualquer pensamento de amor [apêgo]. Ago-
ra, o amor é como o caso de uma vaca leiteira que, amando sua própria
cria, sente fome e sede, vai e busca grama e água, e quer esteja satis-
feita ou não, de repente retorna. O Buda, Honrado pelo Mundo, não
tem tal pensamento. Ele vê a todos como sendo iguais, assim como vê
a Rahula. Um pensar assim é que condiz com o mundo da Sabedoria do
Todo Iluminado. Oh Manujshri! Por exemplo, uma carruagem puxada
por um burro não resistiria a uma comparação com uma puxada por
Capítulo 2: Sobre Cunda Página 47
uma junta de quatro cavalos treinados de um rei. O caso comigo e você
é também como este. É impossível penetrar as profundezas daquilo
que está oculto com o Tathagata, mesmo que tentássemos.”

Os Olhos dos Mortais Comuns

“Oh Manjushri! O garuda voa incontáveis yojanas no céu. Ele olha para
baixo no grande oceano e vê coisas da água tais como peixes, tartaru-
gas marinhas, tartarugas migrantes, crocodilos, tartarugas comuns,
nagas2, e também sua própria sombra refletida na água. Ele vê todas
essas coisas da mesma forma como se vê todas as formas visíveis num
espelho. A mesquinha sabedoria dos mortais comuns não pode sequer
ponderar bem o que chega aos seus olhos. O mesmo é o caso comigo e
você também. Não podemos ponderar a Sabedoria do Tathagata.”

Manjushri disse a Cunda: “É assim, é assim, é assim como você diz. Não
é que eu não veja isto. Eu apenas quis testar suas relações no que diz
respeito ao mundo de um Bodhisattva.”

Então, o Honrado pelo Mundo emitiu da sua boca uma luz de várias
cores. A luz resplandeceu brilhantemente sobre o corpo de Manjushri.
Iluminado por esta luz, Manjushri interpenetrou-a. Então, ele disse a
Cunda: “O Tathagata mostra agora esta cena maravilhosa. Ele logo
entrará no Nirvana. Os últimos oferecimentos que você carregou há
algum tempo atrás serão primeiro oferecidos ao Buda e, então, dados
a todos aqueles que estão congregados aqui. Oh Cunda! Sabe que não
é sem razão que o Tathagata emitiu esta luz de várias cores.”

Ouvindo isto, Cunda ficou em silêncio e triste.

2 naga é uma palavra do Sanskrito e do Pāli que designa uma deidade ou classe de
entidades ou seres que assumem a forma de uma enorme serpente, mas muitas vezes
com os troncos e cabeças humanas, encontrada tanto no Budismo como no Hinduísmo.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 48


O Buda disse a Cunda: “É chegada a hora de você dar os oferecimentos
ao Buda e à congregação. O Tathagata logo entrará no Parinirvana.”
Ele, então, disse isto uma segunda e uma terceira vez.

Então, ante àquelas palavras do Buda, Cunda chorou e lamuriou, solu-


çou tristemente e disse: “Que dia aflito, que dia aflito! O mundo está
vazio.”

Ele também disse para a grande assembléia: “Levemos nossos corpos


ao chão em súplica e imploremos para que o Buda não entre no Pari-
nirvana.”

Então, o Buda disse a Cunda: “Não chore e não abale a sua mente.
Pense que este corpo é como uma planta, uma miragem no deserto,
uma espuma aquosa, um fantasma, um corpo transformado, o castelo
de um gandharva, um tijolo cru, um lampejo, uma pintura desenhada
sobre a água, um prisioneiro diante da morte, uma fruta madura, um
pedaço de carne, uma malha num tear que está prestes a terminar, e a
ascensão e queda de um morteiro. Você deveria pensar que todas as
coisas criadas são como comida venenosa e que qualquer coisa com-
posta é inerentemente dotada de todas as aflições.”

A isto, Cunda disse novamente ao Buda: “O Tathagata não deseja per-


manecer longo tempo em vida. Como podemos não chorar? O mundo
está aflito, o mundo está aflito! O mundo está vazio. Eu apenas rogo
que o Tathagata tenha piedade de todos nós seres. Por favor, perma-
neça por mais longo tempo e não entre no Nirvana.”

O Buda disse a Cunda: “Não diga coisas tais como ‘ame-nos e perma-
neça por mais longo tempo em vida’. Por piedade a todos vocês e to-
dos os seres, hoje entrarei no Nirvana. Por quê? Porque esta é a verda-
de de todos os Budas. Isto é assim com tudo aquilo que é criado. Este é
o porquê de todos os Budas dizerem em versos:

“A lei daquilo que é criado


Capítulo 2: Sobre Cunda Página 49
é por natureza não-eterna.
A vida acabou, deixamos o mundo;
extinção é felicidade.”

Oh Cunda! Medite agora sobre tudo que é feito, que é composto. Pen-
se que todas as coisas são não-Eu e não-eternas, e que nada perdura.
Este corpo carnal possui inumeráveis erros. Tudo é como espuma a-
quosa. Sendo assim, não chore.”

Então, Cunda novamente disse ao Buda: “É assim, é assim! Tudo é co-


mo você amavelmente me ensinou. O Tathagata entra no Nirvana por
uma questão de expediente. Mas, eu não posso ajudar os seres estan-
do triste. Seja como for, devo refletir e sentir-me satisfeito.”

O Magnífico Campo de Prosperidade

O Buda elogiou Cunda e disse: “Falaste bem, falaste bem! Você bem
sabe que o Tathagata, seguindo a via de todos os seres, entra no Nirva-
na por uma questão de expediente. Ouça-me bem! É como no caso no
qual todos os pássaros sarasa [uma espécie de ganso de tamanho mé-
dio encontrado no norte da Europa e Ásia] se reúnem no Lago Anava-
tapta [Manasarwar] nos meses da primavera. O mesmo é o caso com
todos os Budas. Todos se reúnem aqui. Oh Cunda! Pense, nem muito e
nem pouco, a respeito da vida de todos os Budas. Todas as coisas são
como fantasmas. O Tathagata vive em meio a elas. O que ele tem é
expediente; ele não se apega. Por que não? Isto é assim com o Dharma
de todos os Budas. Oh Cunda! Eu agora receberei o que você oferece.
Isto é para permitir-lhe atravessar o rio do nascimento e da morte.
(Seres) humanos ou celestiais que façam oferecimentos [ao Buda] pela
última vez, todos ganham uma inabalável recompensa e serão abenço-
ados com felicidade. Por quê? Porque eu sou o melhor campo de pros-
peridade para todos os seres. Se você deseja tornar-se um campo de

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 50


prosperidade para todos os seres, aceite qualquer (coisa) que lhe seja
dada. Não tardará muito.”

Então Cunda, em prol da emancipação de todos os seres, levantou sua


cabeça, suprimiu (enxugou) suas lágrimas, e disse ao Buda: “Muito
bem, oh Honrado pelo Mundo! Quando eu for digno de tornar-me um
campo de prosperidade, serei capaz de sondar o Nirvana ou não-
Nirvana do Tathagata. Neste momento, nós e todos os Sravakas e Prat-
yekabudas somos como mosquitos ou moscas, e não podemos ponde-
rar corretamente sobre o Nirvana ou não-Nirvana do Tathagata”.

Então Cunda e todos os seus parentes (acompanhantes) choraram


tristemente e circundaram o corpo do Tathagata, queimaram incenso,
espalharam flores, e muito sinceramente prestaram homenagem ao
Buda; e então, se levantaram juntamente com Manjushri, e entrega-
ram os utensílios dos oferecimentos.

Capítulo 2: Sobre Cunda Página 51


Capítulo Três: Sobre a Aflição
“Tão logo após Cunda ter deixado aquele lugar, a grande terra tremeu
de seis formas diferentes. Assim se passaram as coisas também no céu
Brahma. Há dois tipos de agitação: uma é uma pequena agitação e a
outra uma grande agitação. A primeira agitação é um tremor e aquela
que agita mais fortemente é um grande abalo. Aquela que gera um
pequeno som é uma agitação, e aquela que gera um estrondo (grande
som) é um grande abalo. A agitação onde somente a terra se agita é
um tremor; e aquela quando montanhas, florestas, rios, mares e todas
as demais coisas se agitam é um grande abalo. Aquela que agita em
uma direção é um tremor e aquela que agita à toda volta é um grande
abalo. O tipo que movimenta (as coisas) é um tremor, e o tipo onde as
mentes dos seres se agita é um grande abalo. A agitação que ocorre
quando o Bodhisattva chega do Céu Tushita ao Jambudvipa é um gran-
de abalo. Os tremores de quando os Bodhisattvas nascem nesta terra,
quando eles deixam o lar, atingem a insuperável Iluminação, giram a
Roda da Lei, e entram no Parinirvana são grandes abalos. Hoje o Tatha-
gata estava prestes a entrar no Nirvana. Este é o porque da terra se
agitar fortemente.

Então, todos os seres celestiais, nagas, gandharvas, asuras, garudas,


kinnaras, mahoragas, humanos e não humanos ouviram isto e seus
cabelos arrepiaram (ficaram de pé) e, em uníssono, eles choraram e
lamentaram. Eles disseram em versos:

“Oh Mestre dos humanos!


Curvamo-nos agora e suplicamos-lhe!
Estamos nos despedindo do Rishi (Grande Sábio) dos humanos.
Não temos esperança de sermos salvos.
Vemos agora você, o Buda, entrar no Nirvana
e estamos no mar do sofrimento.
Estamos tristes e aflitos,
como um bezerro que se despede de sua mãe vaca.

Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 53


Indigentes e sem ninguém para nos salvar estamos.
Sentimo-nos como alguém arrasado pela doença que, sem um médico,
tem que socorrer a si próprio e alimentar-se de comida não apropriada
para a doença.

Os seres estão presos nas ilusões.


Estão sempre obliterados (impedidos) pelas visões da vida.
Estão separados da cura do Rei do Dharma
e tomam drogas que são venenosas.
Em razão disto, o Honrado pelo Mundo abandonou-nos.
É como quando, sem um rei,
o povo na terra é atacado pela fome.
O mesmo é o caso conosco.
Não temos a sombra de nenhuma árvore,
e nem o sabor do Dahrma.
Agora, ouvindo que o Buda entrará no Nirvana,
nossa mente compreende,
da mesma maneira como um grande abalo destrói todos os lugares.
O Grande Sábio (Rishi) entra no Nirvana
e o sol do Buda afunda-se no chão.
As águas do Dharma estão todas secas.
É certo que morreremos.

Os seres estão extremamente aflitos


porque agora o Tathagata entra no Parinirvana.
Isto é como o filho de um homem rico que acaba de perder seus pais.
O Tathagata entra no Nirvana, e se ele nunca mais retornar,
nós e todos os seres não teremos quem nos proteja.
Como o Tathagata entrará no Nirvana,
os animais e todos os outros (seres) estão tristes e temerosos;
Seus pensamentos ardem em preocupações.
Como não nos preocuparíamos hoje?
O Tathagata abandonou-nos da mesma forma
como derramamos nossas lágrimas e saliva.
Por exemplo, quando o sol acaba de nascer,
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 54
sua luz resplandece brilhantemente.
Por si mesmo ele transita e brilha,
removendo toda a escuridão.
A luz divina do Tathagata afasta para longe nossas preocupações.
Ele está no meio de nós seres como um Monte Sumeru.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, um rei cria muitos filhos. Eles
parecem corretos e justos, ele os ama e os têm sempre em seu cora-
ção. Primeiro ele ensina-lhes arte, os quais se tornam mestres. Então,
ele os coloca nas mãos de candalas (Candala é uma classe de pessoas
na Índia geralmente consideradas como sem castas). O mesmo é o
caso aqui, oh Honrado pelo Mundo! Hoje nos tornamos os filhos do Rei
do Dharma. Fomos ensinados e perseveraremos na visão correta. Im-
ploramos que não nos abandone. Se nos abandonar, seremos como os
filhos do rei. Por favor, permaneça por mais longo tempo e não entre
no Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, o mesmo é o caso
com alguém versado em todas as fases do aprendizado. No caso do
Tathagata, ainda que ele seja versado em todas as fases do Dharma, o
medo ainda surge em todos os fenômenos (que são como seus filhos).
Se o Tathagata permanece longo tempo no mundo, concedendo-nos o
maná do Dharma e satisfazendo-nos, não teremos medo de cair no
inferno.

Oh Honrado pelo Mundo! Pode haver um homem que aprenda o seu


primeiro trabalho. Ele é pego pelos oficiais do governo e é preso. As
pessoas vêm e perguntam-lhe: ‘Como você está sendo tratado?’ (Ao
que ele responde): ‘Agora me encontro em profunda tristeza e preocu-
pação. Se eu fosse solto da prisão, sentir-me-ia tranqüilo e ficaria em
paz’. Assim é com o Honrado pelo Mundo! Para o nosso benefício, você
sofreu penitência. E ainda (assim) nós não estamos livres do nascimen-
to, da morte e da aflição. Como o Tathagata alcançaria a paz?

Oh Honrado pelo Mundo! É como um grande doutor que é versado na


prescrição (de remédios) e na medicina. Ele ensina a seu filho os segre-
dos da arte medicinal, mas não os ensina para outros estudantes. É
Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 55
assim com o Tathagata. Você compartilha todos esses segredos somen-
te com Manjushri e exclue-nos, sem olhar para trás. Por favor, oh Ta-
thagata! Não seja mesquinho; não nos exclua dos segredos do Dharma,
como no caso do grande doutor que compartilha [seu conhecimento]
somente com o seu filho e exclui os outros estudantes. A razão pela
qual o doutor regateia compartilhar seu conhecimento com os outros
estudantes reside na diferença em seu amor. O coração do Tathagata é
sempre imparcial. Por que é que você não nos ensina? Por favor, per-
maneça por mais longo tempo e não entre no Parinirvana.

Oh Honrado pelo Mundo! É como alguém que é velho ou jovem, doen-


te ou com dor, e não está numa estrada plana, mas num caminho ín-
greme e pode sofrer privações. Uma pessoa vê isto, sente piedade e
aponta o caminho que é plano e bom. O mesmo nos ocorre, Honrado
pelo Mundo! ‘Jovem’ é uma alusão àqueles de estatura ainda não ele-
vada em relação ao Corpo-de-Dahrma. ‘Velho’ é uma alusão àqueles
altamente sobrecarregados com a ilusão. ‘Doença e dor’ referem-se
àqueles ainda não libertos do ciclo do nascimento e da morte. ‘Íngre-
me’ é uma alusão às 25 existências [os tipos de existência nas quais
podemos transmigrar]. Oh Tathagata! Mostre-nos o caminho suave e
plano. Por favor, permaneça por mais longo tempo e não entre no
Nirvana.”

Então, o Honrado pelo Mundo disse a todos os Monges: “Oh Todos


vocês Monges! Não fiquem tristes como todos os mortais e devas; não
chorem! Façam um esforço, fiquem atentos, e perseverem no pensa-
mento correto.”

Então, todos os devas e asuras, tendo ouvido o que o Buda disse, para-
ram de chorar como alguém que perdeu um filho e, após o serviço
funeral, suprimiram seu pesar e não mais choraram.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 56


O Maná do Dharma e o Castelo de Tesouros

Então, o Honrado pelo Mundo falou em versos para toda a congrega-


ção:

“Todos vocês! Abram sua mente, não se aflijam profundamente.


Os ensinamentos de todos os Budas são assim.
Portanto, façam silêncio. Procurem não ser indolentes,
protejam sua mente, perseverem no pensamento correto,
apartem-se dos atos ilícitos;
consolem-se e sejam felizes.

Além disso, oh Monges! Se vocês têm qualquer dúvida, indaguem ago-


ra. Se vocês têm dúvidas acerca do vazio versus não-vazio, eterno ver-
sus não-eterno, sofrimento versus não-sofrimento, dependente versus
não-dependente, passado (ido/partido) versus não-passado, refúgio
versus não-refúgio, sempre versus não-sempre, impermanência versus
o eterno, seres versus não-seres, ‘é’ versus ‘não-é’, o real versus não-
real, a verdadeiro versus a não-verdadeiro, extinção versus não-
extinção, esotérico versus não-esotérico, e o dual versus não-dual;
falarei a vocês neste sentido. Para o vosso benefício, também, primeiro
falarei do maná e então entrarei no Nirvana.

Oh Monges! É difícil presenciar o aparecimento de um Buda no Mun-


do. É difícil nascer como humano. É difícil, também, encontrar o Buda e
ganhar a fé. É também difícil ouvir o inaudível. É difícil também manter
em observância e perseverar nas injunções proibitivas e atingir o A-
rhatship. Isto é como tentar encontrar ouro na areia. É como no caso
da udumbara. Oh Monges! É difícil nascer como um humano a partir
do auto-isolamento das oito situações inoportunas [vícios que barram
o caminho para encontrar o Buda e ouvir seus ensinamentos].

Oh vocês! Tendo me encontrado agora, não partam de mãos vazias. Eu


sofri privações no passado, e agora obtive todos aqueles expedientes

Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 57


insuperáveis. Para o vosso benefício, inumeráveis kalpas atrás, oferecí
meu corpo, mãos, pés, cabeça, olhos, tutano, e cérebro. Em vista disso,
não se sujeitem à indolência. Oh Monges! Como podemos adornar o
Castelo de Tesouros do Dharma Maravilhoso? Adornando a nós mes-
mos com várias virtudes e jóias raras, e sendo protegidos pelos baluar-
tes e fossos dos preceitos [shila], meditação [dhyana] e Sabedoria
[prajna]. Agora, vocês se encontraram com este castelo dos ensina-
mentos Budistas. Não o tomem por falso. Por exemplo, um mercador
pode deparar com um castelo de tesouros verdadeiros e, mesmo as-
sim, recolher entulhos como telhas e cascalhos, e voltar para casa. O
mesmo se dá com vocês. Depararam-se com um castelo de tesouros, e
ainda o tomam como sendo falso. Oh todos vocês Monges! Não se
satisfaçam com idéias subalternas. Vocês são ordenados agora, mas
não amam o Mahayana que é superior. Oh vocês Monges! Vocês ves-
tem em seus corpos a kasaya (robes de Monges Budistas) e robes tin-
gidos de um sacerdote, mas vosso pensamento ainda não está tingido
pelo puro Dharma do Mahayana. Oh vocês Monges! Vocês vão a mui-
tos lugares e imploram por oferecimentos, mas não procuram pelos
alimentos do Dharma do Mahayana. Oh Monges! Vocês cortam seus
cabelos, mas não cortam as amarras da ilusão. Oh vocês Monges! Eu
agora ensino-lhes verdadeiramente. Agora eu vejo que tudo está em
harmonia e a natureza do Dharma do Tathagata é verdadeira e inaba-
lável. Assim, esforcem-se, todos vocês! Levantem-se, sejam bravos e
desatem todos os laços da ilusão! Se o sol da Sabedoria dos dez pode-
res se por, a escuridão reinará sobre vocês. Oh vocês Monges! É como
quando a grande terra, todas as montanhas e ervas medicinais tornam-
se úteis para os seres. O mesmo é o caso com o Dharma do qual eu
falo. Ele proclama maravilhosamente o alimento bom e doce do Dhar-
ma e provê a melhor cura para as doenças da ilusão dos seres. Agora,
farei todos os seres meus discípulos e as quatro classes da Sangha Bu-
dista residirem nos secretos ensinamentos do Dharma. Eu, também,
resido nisto e entrarei no Nirvana.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 58


O Repositório Secreto

“O que é o Repositório Secreto? É como os três pontos [no sânscrito]


da letra ‘i’. Se eles se encontram numa linha transversal, eles não for-
mam o ‘i’. Colocados verticalmente, eles também não têm finalidade.
Mas quando se colocam os três pontos sobre o supercílio do Mahesva-
ra (O Grande Lorde), isto é ‘i’. Se os três pontos são escritos separada-
mente, isto novamente não tem finalidade. Assim, também, é comigo.
O Dharma da emancipação é também [por si mesmo] não-Nirvana. O
corpo do Tathagata é também não-Nirvana. A Grande Sabedoria é
também não-Nirvana. As três coisas podem existir separadamente,
mas isto não constitui Nirvana. Agora, eu resido pacificamente nos três
e digo que, para o benefício de todos os seres, entro no Nirvana. Isto é
como no caso da letra ‘i’.”

Então, todos os Monges, ouvindo que o Buda, o Honrado pelo Mundo,


entraria no Nirvana defenitivamente, ficaram tristes. Seus cabelos ar-
repiaram e suas lágrimas rolaram. Eles prostraram-se no chão, tocaram
os pés do Buda, circundaram seu corpo inumeráveis vezes, e disseram
ao Buda:

“Oh Honrado pelo Mundo! Você nos explicou muito bem o Eterno, o
Sofrimento, o Vazio, e o não-Eu. Assim como todos os seres deixam
pegadas e as melhores de todas as pegadas são aquelas do elefante,
assim é com este pensamento do não-Eterno: ele abrange todos os
pensamentos. Alguém que empreenda esforços e boas práticas, erradi-
ca o apego e a cobiça dos mundos rupadhatu (mundo da forma) e aru-
padhatu (mundo do espírito), a ignorância, a arrogância, e o pensa-
mento sobre o não-Eterno do kamadhatu (mundo dos desejos). Oh
Honrado pelo Mundo! Se o Tathagata estivesse livre do pensamento
sobre o não-Eterno, ele não entraria no Nirvana agora. Se não, como se
pode dizer: ‘Se praticamos a meditação sobre o não-Eterno, erradica-
mos de nós mesmos o amor (desejo), a ignorância, a arrogância, e a
impermanência do mundo tríplice?’ Oh Honrado pelo Mundo! Assim

Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 59


como o agricultor, no outono, ara profundamente a terra e assim re-
move todas as ervas daninhas, assim é com esse pensamento do não-
Eterno. Ele rigorosamente nos liberta do apego e da cobiça, do amor às
coisas do mundo da forma, do mundo do espírito, da ignorância, da
arrogância, e dos pensamentos sobre a impermanência (não-Eterno)
do mundo dos desejos. Oh Honrado pelo Mundo! De todos as lavras
dos campos, aquela que é feita no outono é a melhor. De todas as pe-
gadas, aquelas dos elefantes são as melhores. E de todos os pensamen-
tos, aquele sobre o não-Eterno é o melhor. Oh Honrado pelo Mundo!
Analogamente, quando um imperador está para falecer, a anistia é
concedida a todos os prisioneiros. Então, ele falece. O mesmo se dá
agora com o Tathagata. Por favor, liberte todos os seres das amarras
das ilusões, da ignorância e da obscuridade; dê-lhes a emancipação e,
então, entre no Nirvana. Não estamos emancipados ainda. Sendo as-
sim, o Tathagata nos abandonaria e entraria no Nirvana? Oh Honrado
pelo Mundo! Poderíamos ser capturados por um demônio. Mas, como
viemos através de um bom encantador, por força do encantamento,
podemos ganhar a nossa libertação. O mesmo é o caso com o Tathaga-
ta. Para o benefício de todos os Sravakas, ele expulsa o demônio da
ignorância, e permite-lhes residir pacificamente, como no caso da letra
‘i’, em Leis como a Grande Sabedoria, a emancipação e outras Leis. Oh
Honrado pelo Mundo! Por exemplo, as pessoas podem laçar um gan-
dhahastin (elefante almiscarado, perfumado com almíscar), mas mes-
mo um bom treinador não pode mantê-lo sob controle. De repente, ele
se desprende da corda e da rede, e foge como bem entender. O mes-
mo é o caso aqui. Ainda não estamos livres das 57 ilusões. Por que o
Honrado pelo Mundo deseja abandonar-nos e entrar no Nirvana? Oh
Honrado pelo Mundo! Uma pessoa sofrendo de malária obtém uma
cura para sua enfermidade ao encontrar um bom médico. Conosco é
assim. Há muitas enfermidades e tristezas, os caminhos doentios da
vida, febres, etc. Encontramos com o Tathagata, mas as doenças não se
foram, e dessa forma não obtivemos a paz e bem-aventurança celesti-
ais. Como o Tathagata pode desejar abandonar-nos e entrar no Nirva-
na? Uma pessoa intoxicada não sabe quem está próximo ou não, se
sua mãe ou irmã, se perde na rudeza e na luxúria, perde a faculdade da
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 60
fala e dorme em lugares degradados. Pode acontecer de ela encontrar
um bom médico, que lhe dê um remédio. Após tomá-lo, ela vomita e
recupera a sua saúde; recobra a consciência e o arrependimento se
abate sobre ela. Ela se autocensura muito mais e passa a reputar a
bebida como a raiz de todos os atos vis. Se ela pudesse livrar-se da
bebida, seus maus atos cessariam. O mesmo se passa aqui. Oh Honra-
do pelo Mundo! Há longo tempo estamos reciclando entre o nascimen-
to e a morte. Estamos perdidos nos prazeres sensuais e vorazmente
atados aos cinco desejos. Aquela que não é mãe tomamos como mãe,
aquela que não é irmã tomamos como irmã, a que não é fêmea toma-
mos como fêmea, e os não-seres como sendo seres. Em razão disto, a
transmigração continua e sofremos a partir do nascimento e da morte.
É como no caso do intoxicado deitado na sarjeta. Oh Tathagata! Por
favor, dê-nos o remédio do Dharma, e faça-nos vomitar a bebida vil das
ilusões. Nós ainda não despertamos. Por que, oh Tathagata, você pre-
tende abandonar-nos e entrar no Nirvana?

“Oh Honrado pelo Mundo! Pode haver um homem, por exemplo, que
elogie a árvore e diga que ela é constituída de madeira dura. Mas isto
não é bem assim. O mesmo se dá com os seres. Oh Honrado pelo
Mundo! Podemos elogiar e dizer que as pessoas, os seres, a vida, a
caridade, o intelecto, o executor e o receptor são todos verdadeiros.
Mas isto não pode ser. Dessa forma, praticamos o não-eu. Oh Honrado
pelo Mundo! É como no caso da água na qual o arroz foi lavado ou o
caso dos excrementos, os quais não servem para mais nada. O mesmo
ocorre com o corpo também. Ele não tem o Eu ou o Mestre. Por exem-
plo, oh Honrado pelo Mundo! A saptaparna [alstonia scholaris, planta
de “sete folhas”] não possui fragrância. É assim com este corpo carnal.
Ele não tem o Eu ou o Mestre. Dessa forma, meditamos sobre o altru-
ísmo. Você, o Buda, diz: ‘Todas as coisas são destituídas do Eu e nada
pertence a si. Oh vocês Monges! Aprendam e pratiquem [isto]!’ Uma
vez que isto seja praticado, a vaidade desaparece. (Quando) a vaidade
se vai, entra-se no Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Não existem
caminhos dos pássaros no céu. Tal coisa nunca poderia haver. Ao prati-

Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 61


car a meditação sobre o altruísmo não podemos ter várias visões da
vida. Isto não é possível.”

Então, o Honrado pelo Mundo elogiou todos os Monges e disse: “É


bom, é bom, que vocês pratiquem a meditação sobre o altruísmo.”

As Quatro Inversões do Dharma

Então, todos os Monges disseram ao Buda: “Não somente praticamos a


meditação sobre o altruísmo, mas ainda outras meditações, a saber:
todas aquelas relativas ao Sofrimento, à Impermanência, e ao Altruís-
mo. Oh Honrado pelo Mundo! Uma pessoa quando embriagada, a
mente gira, e todas as montanhas, rios, castelos, palácios, o sol, a lua e
as estrelas parecem girar também. Oh Honrado pelo Mundo! Qualquer
pessoa que não pratique a meditação sobre a Impermanência e o Al-
truísmo não pode ser chamada de sábia. Devido à indolência, recicla-
mos entre o nascimento e a morte. Oh Honrado pelo Mundo! Em razão
disto, praticamos tais meditações.”

Então o Buda disse a todos os Monges: “Ouçam-me bem, ouçam-me


bem! Agora vocês mencionam o caso de uma pessoa embriagada. Isto
se refere ao conhecimento, mas não à significação. O que eu entendo
por significação? A pessoa embriagada vê o sol e lua, que não se mo-
vem, mas ela pensa que sim. O mesmo é o caso com os seres. Como o
peso de todas as ilusões e da ignorância recai sobre [a mente], a mente
vira de cabeça para baixo e passa a entender o Eu como não-Eu, o E-
terno como Impermanente, a Pureza como Impureza, e a Felicidade
como Sofrimento. (Com a mente) sobrecarregada pelas ilusões, esses
pensamentos surgem. Embora esses pensamentos surjam, o significa-
do não é compreendido. Isto é como no caso da pessoa embriagada
que vê o que não se move como se estivesse se movendo. O ‘Eu’ signi-
fica o Buda; ‘Eterno’ significa o Dharmakaya; ‘Felicidade’ significa Nir-
vana, e ‘Puro’ significa Dharma. Monges, por é que se diz que aquele

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 62


que tem a idéia de um Eu é um arrogante e orgulhoso girando no Sam-
sara? Monges, embora vocês digam ‘nós também meditamos (cultiva-
mos) sobre a impermanência, o sofrimento, e o não-eu’, esses três
tipos de cultivo não possuem um valor ou significado real. Agora eu
explicarei as três formas excelentes de cultivar o Dharma. Pensar no
sofrimento como felicidade e pensar na felicidade como sofrimento é
uma perversão do Dharma; pensar o impermanente como eterno e
pensar o eterno como impermanente é uma perversão do Dharma;
pensar o não-eu [anatman] como eu [atman] e pensar o Eu como não-
eu é uma perversão do Dharma; pensar o impuro como puro e pensar
o puro como impuro é uma perversão do Dharma. Aqueles que têm
esses quatros tipos de perversões são pessoas que não conhecem o
correto cultivar dos dharmas. Monges, vocês dão lugar à idéia de Feli-
cidade referenciada aos fenômenos associados com o sofrimento; à
idéia de Eternidade referenciada aos fenômenos associados com a
impermanência; à idéia do Eu referenciada aos fenômenos destituídos
do Eu; e à idéia da Pureza referenciada aos fenômenos que são impu-
ros. Ambos, o mundano e também o supramundano, têm o Eterno, a
Felicidade, o Eu, e a Pureza. Ensinamentos mundanos [dharmas] têm
letras e são sem significado; os ensinamentos Supramundanos têm
letras e significado. Por quê? Porque as pessoas mundanas têm essas
quatro perversões, elas são inaptas para compreender o verdadeiro
significado. Por quê? Tendo essas idéias perversas, seus pensamentos e
visões são distorcidos. Através dessas quatro perversões, as pessoas
mundanas vêem sofrimento na Felicidade, impermanência no Eterno,
não-Eu no Eu, e impureza na Pureza. Elas são chamadas perver-
sões/inversões. Em razão dessas perversões/inversões, as pessoas
mundanas conhecem as letras, mas não o significado. O que é o signifi-
cado/referente? Não-Eu é Samsara, o Eu é o Tathagata; impermanên-
cia são os Sravakas e Pratyekabudas, o Eterno é o Dharmakaya do Ta-
thagata; sofrimento são todos os tirthikas [seres deludidos, não-
Budistas], Felicidade é Nirvana; o impuro são todos os dharmas com-
postos [samskrta], o Puro é o Dharma Verdadeiro que o Buda e os Bo-
dhisattvas têm. Isto é chamado não-perversão/não-inversão. Não sen-
do invertido, se saberá ambos, a letra e o significado. Se desejamos nos
Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 63
livrar das quatro perversões/inversões, deveremos conhecer o Eterno,
a Felicidade, o Eu, e a Pureza dessa maneira (acima descrita).”

Então, todos os Monges disseram ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Como você disse, se nos apartarmos das quatro inversões, conhecere-
mos o Eterno, a Felicidade, o Eu e a Pureza. Como você eliminou as
quatro inversões eternamente, você conhece bem o Eterno, a Felicida-
de, o Eu e a Pureza. Se você conhece bem o Eterno, a Felicidade, o Eu e
a Pureza; por que não permanece aqui por mais um kalpa, ou meio
kalpa, e nos ensina e nos resgata das inversões? E você ainda nos a-
bandona e deseja entrar no Nirvana. Se você voltar atrás e ensinar-nos,
certamente o ouviremos e praticaremos a Via com toda a atenção. Se o
Tathagata deve a todo custo entrar no Nirvana, como poderíamos
permanecer com este corpo envenenado e levar ao cabo as ações da
Via? Nós também seguiríamos o Honrado pelo Mundo e entraríamos
no Nirvana.”

Então o Buda disse a todos os Monges: “Não digam isto. Eu agora dei-
xarei todo o insuperável Dharma nas mãos de Mahakashyapa. Este
Kashyapa doravante será alguém em quem vocês poderão confiar. Isto
é como no caso onde o Tathagata torna-se alguém a quem todos os
seres podem circundar. O mesmo é o caso com Mahakashyapa. Ele
agora se tornará vosso refúgio. Isto é como no caso de um rei que tem
muitos territórios e que empreende uma viagem de inspeção, deixan-
do todos os assuntos do estado nas mãos do seu ministro. O mesmo se
passa com o Tathagata. Todos os ensinamentos corretos estão sendo
deixados nas mãos de Mahakashyapa.

A Parábola da Água-Marinha

Sei que tudo aquilo que vocês aprenderam até agora sobre não-eterno
e sofrimento não é verdadeiro. Na primavera, por exemplo, as pessoas
vão banhar-se num grande lago. Elas estão se divertindo, velejando

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 64


num barco, quando deixam cair uma gema de água-marinha nas pro-
fundezas da água, após o que ela não pode mais ser vista. Então todos
eles pularam na água à procura desta gema. Eles, competitivamente,
encontraram todo tipo de entulho como telhas, pedras, pedaços de
madeira, cascalhos, e pensaram que tinham a água-marinha. Eles fica-
ram felizes e, levando todas essas coisas para fora (da água), viram que
aquilo que eles detinham em suas mãos não era verdadeiro. A gema
ainda estava na água. Através do poder da gema em si, a água tornou-
se clara e transparente. Como resultado, as pessoas viram que a gema
ainda estava na água, tão claramente como quando se olha para cima e
se vê a forma da lua no céu. Naquela ocasião, lá estava um homem
sábio que, exercitando um poder, mansamente entrou na água e obte-
ve a gema. Oh vocês Monges! Não permaneçam pensando sobre o
não-Eterno, o Sofrimento, o não-Eu, e o não-Puro; ficando na situação
daquelas pessoas que pegaram pedras, pedaços de madeira e casca-
lhos como se fosse a verdadeira gema. Vocês devem estudar profun-
damente a Via, o modo de agir, onde quer que vá, e ‘meditar sobre o
Eu, o Eterno, a Felicidade, e a Pureza’. Sei que os aspectos dos quatro
itens que vocês aprenderam até agora são inversões e que qualquer
pessoa que deseje praticar a Via deve agir como o homem sábio que
espertamente obteve a gema. Isto se refere aos chamados pensamen-
tos do Eu, do Eterno, da Felicidade, e da Pureza.”

Então, todos os Monges disseram ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Buda, disse antes que todas as coisas eram desprovidas do Eu,
que nós praticássemos isto e que, quando praticássemos, o pensamen-
to do Eu nos deixaria, e que uma vez que o pensamento do Eu fosse
abandonado, eliminaríamos a arrogância e que, uma vez abandonada a
arrogância, ganharíamos o Nirvana. Assim você disse. Como, agora,
poderíamos compreender isto?”.

O Buda disse a todos os Monges: “Bem falado, bem falado! Vocês in-
dagam sobre esta questão com a intenção de dissipar suas dúvidas.
Imaginem: existe um rei que é estúpido, que tem pouca sabedoria, e
existe um médico que é obstinado. Mas, o Rei não sabe disso e paga-
Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 65
lhe um salário. O médico usa os produtos do leite para curar todas as
enfermidades. Também, ele não sabe qual é a origem das doenças. Ele
pode ser versado na medicina do leite, mas para ele não existe diferen-
ça entre um frio e uma febre. Ele prescreve leite para todas as doenças.
Este Rei não tinha conhecimento de que este médico era um ignorante
do que fosse agradável e desagradável, os bons e os maus aspectos do
leite. Mas, havia um Doutor que conhecia oito diferentes tratamentos
para as enfermidades e que era apto a curar todas as doenças. Este
Doutor era versado na prescrição de medicamentos e tinha vindo de
um lugar distante. O médico do Rei não sabia como indagar e apren-
der. Ele era imprudente e arrogante. Assim, o ilustre Doutor convidou
cordialmente o médico do Rei e [como um expediente] tratou-lhe co-
mo seu mestre e perguntou-lhe sobre o segredo do seu tratamento.
Ele disse ao médico do Rei: ‘Neste momento, convido-lhe para que seja
meu professor. Por favor, seja benevolente o bastante para ensinar-
me’. O médico do Rei disse: ‘Se você servir-me por quarenta e oito
anos, lhe ensinarei a arte da medicina’. Então, diante daquelas pala-
vras, o ilustre Doutor disse: ‘Farei como você me diz. Usarei o melhor
das minhas habilidades’. Então o médico do Rei, tendo o ilustre Doutor
em sua companhia, veio visitar o Rei. Nisto, o Doutor visitante explicou
ao Rei as várias formas de tratamento bem como outras coisas. Ele
disse: ‘Por favor, oh grande Rei, saiba! Saiba bem! Este Dharma é como
isto (as várias formas de tratamento) e você curará bem as enfermida-
des’. Ouvindo isto, o Rei reconheceu a ignorância e a ausência de co-
nhecimento do seu próprio médico. Ele imediatamente o expulsou do
país e passou a respeitar o novo Doutor acima de tudo. Então o novo
Doutor disse para si mesmo: ‘Agora é o momento para ensinar o Rei’.
Ele disse para o Rei: ‘Oh grande Rei! Se você realmente me ama, por
favor, faça-me uma promessa’! O Rei respondeu: ‘Dar-te-ei tudo que
desejar, ainda que seja minha mão direita ou qualquer parte do meu
corpo’. O novo Doutor disse: ‘Você pode dar-me todo o status, mas eu
não tenho muito a desejar. O que desejo que você faça para mim é
proclamar às pessoas de todos os cantos da sua terra que, doravante,
não devem mais usar o remédio do leite que o médico anterior disse-
lhes para usar. Por que não? Porque muitos males e intoxicações sur-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 66
gem dele. Qualquer pessoa que ainda use essa medicina deve ser de-
capitada. Se a medicina do leite não for utilizada, não haverá mais mor-
tes; e ficaremos em paz. Esta é a razão de pedir-lhe isto’. Então o Rei
disse: ‘O que você me solicita fazer é algo irrelevante. Imediatamente
emitirei uma ordem para que qualquer um que esteja doente não to-
me leite como remédio. E qualquer pessoa que não o faça será decapi-
tada’. Diante disto, o ilustre Doutor preparou vários tipos de remédios,
os quais possuíam sabores cáustico, amanteigado, salgado, doce, e
azedo. Com estes, os tratamentos eram administrados, e não houve
mais casos nos quais a doença não tenha sido curada.

Após aquilo, o próprio Rei caiu doente, e o Doutor foi chamado. O Rei
disse: ‘Estou doente agora. O que faço para ser curado’? O Doutor pen-
sou acerca da doença do Rei e viu que naquele caso o remédio do leite
seria bom. Então ele disse ao Rei: ‘A doença da qual você está sofrendo
agora pode muito bem ser curada com leite. O que eu disse antes so-
bre a medicina do leite não era verdade. Se você tomá-lo agora, você
estará curado. Neste momento, você está sofrendo de uma febre. Por-
tanto, é correto que você tome leite’. Então, o Rei disse ao Doutor:
‘Você está louco? Isso é uma febre? E você diz que se eu tomar leite ele
me curará? Antes, você disse que (o leite) era um veneno. Agora você
diz-me para tomá-lo. Como pode ser isto? Quer me enganar? Aquilo
que o médico anterior disse estava correto, e você o desprezou e disse
que era veneno, e fez-me expulsá-lo. Agora você diz que (aquele remé-
dio) cura bem as doenças. Pelo que você me diz, o antigo médico deve-
ria exceder-lhe’.

Então o ilustre Doutor disse ao Rei: ‘Oh Rei! Não diga isto, por favor.
Um verme corrói a madeira e o resultado [tem a forma de] é uma ins-
crição. Este verme nada sabe sobre escritas. Uma pessoa sábia vê isto.
Mas, não diz que este verme conhece escritas. E, assim, não é tomado
de surpresa. O grande Rei! Saiba, por favor: Assim foi também com o
médico anterior. Para todas as doenças ele dava um remédio feito de
leite. Isto é como no caso do verme que corrói a madeira e, como re-
sultado, emerge algo na forma de uma inscrição. O médico anterior
Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 67
não sabia como distinguir entre os aspectos do agradável e do desa-
gradável, o bom e o mau’.

Então o Rei esperou para dizer: ‘O que quer dizer com ele não sabia?’

O ilustre Doutor respondeu ao Rei: “Este medicamento do leite é noci-


vo, mas também é um maná.”

‘Como pode você dizer que este leite é um maná?’

‘Se você ao ordenhar vacas não pegar os resíduos, os refugos da grama


e do trigo; e se o bezerro alimentou-se bem; e se a vaca não estava
pastando em terras muito altas ou num lugar baixo e encharcado; se
foi dado à vaca água pura e ela não estava a correr e a viver entre os
touros; e se a alimentação é feita regularmente; e se o lugar que ela
vive é apropriado; o leite de tal vaca elimina todas as doenças. Isto
pode ser chamado de maná da medicina. Qualquer outro leite é vene-
no’.

Ouvindo isto, o Rei elogiou o grande Doutor: ‘Falou bem, falou bem, oh
grande Doutor! Hoje, pela primeira vez na vida, eu conheci o que é
agradável e não agradável, o que é bom e o que não é bom na medici-
na do leite. Compreendendo isto, agora estou bem. Proclamarei nova-
mente às pessoas que eles podem tomar o remédio do leite.’ Ao ouvir
isto, as pessoas do país, iradas e ressentidas, dirão: ‘O grande Rei está
agora tomado por um demônio. Ele está louco? Ele nos engana e nos
faz tomar leite.’ Todas as pessoas, iradas e ressentidas, virão ao Rei. O
Rei dirá a elas: ‘Não fiquem irados e não tenham ressentimentos. To-
mar leite ou não tomá-lo, isto tudo vem do conhecimento da medicina.
Eu não tenho culpa’. Nisto, o grande Rei e todas as pessoas dançaram
de alegria. Passaram a ter mais respeito, honraram o Doutor, e fizeram-
lhe oferecimentos. Isto foi como todas as pessoas tomaram o remédio
do leite e recuperaram sua saúde.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 68


“Saibam, oh vocês Monges! O mesmo é o caso com o Tathagata, o
Merecedor de Ofertas, Todo-Iluminado, o Grande Mestre Insuperável,
o Mestre dos Céus e da Terra, o Buda, Honrado pelo Mundo. Ele vem
como um grande Doutor (Médico) e subjuga todos os tirthikas [seres
deludidos, não-Budistas] e maus médicos. Na presença do Rei e todas
as pessoas, ele diz: ‘Eu me tornarei o Rei dos doutores e subjugarei os
tirthikas’. Assim dizemos: ‘Não há eu, nem humano, nem seres, nem
vida, nem criação, nem sabedoria, nem aquele que dá, e nem aquele
que recebe’. Oh Monges! Sei que aquilo que os tirthikas dizem é como
o caso de um verme que corrói a madeira, a partir do que, por acaso, a
madeira se parece com uma inscrição. Em razão disto, o Tathagata
ensina e diz não-eu. Isto é para ajustar os seres e porque ele (o Tatha-
gata) está ciente da ocasião. Conforme a ocasião, não-eu é citado, e
diz-se também que existe o Eu. Isto é como no caso do ilustre Doutor,
que conhece bem as qualidades medicinais e não medicinais do leite.
Ele (o Tathagata) não é como os mortais comuns, que podem medir o
tamanho do seu próprio eu. Os mortais comuns e os ignorantes podem
medir o tamanho do seu próprio eu e dizer: ‘É do tamanho de um po-
legar, é do tamanho de uma semente de mostarda, ou é do tamanho
de um grão de poeira’. Quando o Tathagata fala do Eu, em nenhum
caso se trata de coisas assim. Este é o porquê ele diz: ‘Todas as coisas
são destituídas do Eu’. Mesmo que ele tenha dito que todos os fenô-
menos são desprovidos do Eu, não se trata dos fenômenos serem
completamente / verdadeiramente desprovidos do Eu.

O Eu Búdico

Que Eu é este? Qualquer fenômeno [dharma] que é verdadeiro [satya],


real [tattva], eterno [nitya], soberano / autônomo / autogovernado
[aisvarya], e cuja base / fundamentação é imutável [asraya-
aviparinama], é denominado ‘Eu’ [atman]. Isto é como no caso do
grande Doutor que compreendia bem a medicina do leite. O mesmo é
o caso com o Tathagata. Para o benefício de todos os seres ele diz ‘exis-

Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 69


te o Eu em todas as coisas’. Oh vocês das quatro classes (Monges,
Monjas, Leigos e Leigas)! Aprendam o Dharma assim!”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 70


Capítulo Quatro: Sobre Longa Vida
“O Buda disse a todos os Monges: ‘Se têm qualquer dúvida sobre pre-
ceitos morais, sintam-se livres para formular questões. Eu agora expla-
narei e os satisfarei completamente. Eu já pratiquei a Via e atingi cla-
ramente a verdadeira natureza do Todo-Vazio de todas as coisas. Oh
Monges! Somente o Tathagata praticou a verdadeira natureza do Vazio
de todas as coisas.’ Ele também disse aos Monges: ‘Se têm quaisquer
dúvidas, indaguem-me, todos vocês’!”.

Então, os Monges disseram ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Com a


sabedoria que temos, não podemos formular questões para o Tathaga-
ta, o Merecedor de Ofertas e Todo-Iluminado. Por que não? O mundo
do Tathagata não pode ser compreendido por nós. Todos os Samadhis
não podem sequer serem imaginados. O que quer que seja dito, não
estará ao alcance da nossa compreensão. Oh Honrado pelo Mundo!
Existe um homem, por exemplo, que tem 120 anos de idade. Sofrendo
de uma longa enfermidade, ele está acamado e não pode levantar-se.
Sua vitalidade acabou, tal que ele não pode mais viver. Lá existe um
homem rico que está a caminho de lugares distantes em viagem de
negócios. Ele dá a este (velho) homem cem libras de ouro e diz: ‘Pre-
tendo empreender uma viagem e confio este tesouro a você. Dentro
de 10 ou 20 anos, eu retornarei, quando meus negócios estiverem
concluídos. Quando eu estiver de volta, devolva-o para mim.’ O velho
homem doente recebe-o, e não tem ninguém para sucedê-lo. Após um
certo tempo, a doença agrava-se, ele morre, e o que lhe foi confiado
não pode ser encontrado. A pessoa que lhe confiou o tesouro retorna
de sua viagem, olha ao redor, mas não pode encontrar o homem. O
mesmo ocorre conosco, sendo ignorantes, não podemos pensar e
ponderar sobre o bem e mal de confiar uma coisa às mãos de uma
outra pessoa. Assim, quando voltamos, não sabemos onde procurar.
Dessa forma o tesouro se perde. Oh Honrado pelo Mundo! O mesmo
se passa conosco, os Sravakas. Ouvimos todo o tipo de exortação do
Tathagata, mas não podemos mantê-la por muito tempo. É como no

Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 71


caso do velho homem a quem foi confiado o tesouro. Somos ignoran-
tes agora e não sabemos o que indagar acerca dos preceitos.”

O Buda disse aos Monges: “Se me perguntarem agora, beneficiarei


todos os seres. Este é o porquê de dizer que vocês devem indagar acer-
ca de quaisquer dúvidas que possam ter.”

Então, todos os Monges disseram ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Imagine, por exemplo: Existe um homem aqui de 25 anos, cheio de
vitalidade, correto e apropriado. Ele tem muitos tesouros, tais como
ouro, prata, gemas, etc. Ele tem seus pais, esposa, filhos, parentes, e
toda sua família. Então um homem chega e entrega um tesouro para
ele, dizendo: ‘Tenho coisas a fazer e estou prestes a empreender uma
longa viagem. Assim que conclua meus negócios, eu voltarei. Quando
eu retornar, devolva-me isto.’ Após aquilo, o jovem homem guarda
muito bem o tesouro, agindo como se fosse seu. O jovem homem ado-
ece e diz a alguém que é sábio e sabe como agir e ponderar as coisas:
‘Todo este ouro foi confiado aos meus cuidados. Quando o homem
voltar, entregue-lhe isto.’ Com os seus negócios concluídos, o homem
retorna, e aquilo que ele havia confiado [a um outro] encontra-se em
segurança, sem nada perder. O mesmo se passa com o Honrado pelo
Mundo. Se o tesouro for confiado a Ananda e aos Monges, ele não
perdurará muito tempo. Por que não? Porque todos os Sravakas e
Mahakashyapa devem morrer e a situação será inevitavelmente como
aquela do velho homem que recebe em confiança os bens de uma
outra pessoa. Em razão disto, todos os insuperáveis ensinamentos
Budistas devem ser confiados às mãos de todos os Bodhisattvas. Eles
discorrem bem (sobre os ensinamentos) e o tesouro viverá longamen-
te, florescerá por infinitos milhares de eras e beneficiará todos os seres
enormemente. Isto é como no caso do homem nos primórdios da vida
que recebe em confiança os bens de uma outra pessoa. Em razão disto,
todos os Bodhisattvas podem melhor colocar as questões. A riqueza
que temos pode ser comparada à de um mosquito ou outro inseto.
Como podemos questionar o Tathagata sobre as profundezas dos ensi-
namentos?” Posto isto, todos os Sravakas caíram em silêncio.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 72
Então, o Buda, elogiou todos os Monges e disse: “Muito bom, muito
bom que todos vocês tenham atingido a incorruptível mente do Arhat.
Eu também pensava isto sobre mim. Em razão daquelas duas circns-
tâncias [isto é, que Sravakas não podem colocar questões e que Bodhi-
sattvas podem], eu confiarei o Mahayana a todos os Bodhisattvas e
permitirei que este Dharma Maravilhoso tenha longa vida”.

Então o Buda disse a todos na congregação: “Oh bons homens e boas


mulheres! Vocês não podem calcular a duração da minha vida. Nem a
fala sem obstruções de um Bodhisattva pode expressá-la plenamente.
Vocês podem, se desejarem, indagar-me sobre os preceitos ou como
tomar refúgio. Vocês podem fazê-lo por uma segunda ou terceira vez.”

Naquela ocasião, em meio aos congregados, havia um Bodhisattva


Mahasattva do estágio do noviciado [isto é, do nono entre os dez níveis
do Bodhisattva]. Ele havia nascido numa família Brâhmane numa vila
chamada Tara. Seu nome de família era Mahakashyapa. Através do
poder transcendental do Buda, ele levantou-se do seu assento, desco-
briu seu ombro direito, circundou o Buda cem mil vezes, colocou seu
joelho direito no chão e, juntando as palmas das suas mãos, disse ao
Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu gostaria de indagar algo ao Buda
agora. Se me permitir, eu desejo falar.”

O Buda disse a Kashyapa: “O Tathagata, o Merecedor de Ofertas e


Todo-Iluminado permiti-lhe dizer o que desejar. Exporei para você,
claramente e sem dúvidas, e o alegrarei.”

Então o Bodhisattva Kashyapa novamente disse ao Buda: “Oh Honrado


pelo Mundo! O Tathagata, por piedade a mim, me dá permissão. Ago-
ra indagarei, mas a sabedoria que possuo é mesquinha, como aquela
de um mosquito ou outro inseto. Você, o Tathagata Honrado pelo
Mundo, é exaltado pelas virtudes pessoais e está rodeado por um sé-
quito tão fragrante quanto a madeira de sândalo, tão difícil de subju-
gar, e tão invencível quanto um leão. A pessoa do Tathagata é como
Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 73
um verdadeiro diamante. Você brilha como o berilo. Tudo [sobre você]
é verdadeiro e difícil de contestar, e está rodeado por um grande ocea-
no de Sabedoria. Todos os Bodhisattvas Mahasattvas congregados aqui
são perfeitos na infinita e ilimitadas profundezas das virtudes. Eles são
como gandhahastins. Como posso formular questões diante de tal
congregação? Somente agora, protegido pelo poder divino do Buda e
por força da grande dignidade das virtudes morais das pessoas aqui
congregadas, formularei questões para você.”

Ele falou em versos:

“Como obteremos a longa vida,


o corpo adamantino e invencível?
Como ganharemos grande força?
Através deste sutra,
como atingiremos finalmente a outra margem?
Suplicamos-lhe que abra a porta do desconhecido (secreto) e,
para o benefício de todos os seres,
ensine-nos amplamente.

Como podemos nós, para o benefício das multidões,


tornarmo-nos um refúgio expansivo e,
embora não sendo Arhats,
tornarmo-nos iguais a Arhats?
Como podemos nós, em benefício de todos os seres,
antever os distúrbios de Papiyas [isto é, Mara, o demônio]?

Como podemos distinguir claramente


entre o que diz o Tathagata e o que diz Papiyas?
Como faremos para nos tornar um Grande Mestre Insuperável
satisfeito em seu coração
e falar acerca do ‘Paramartha-satya’ [A Verdade da Realidade Trans-
cendente],
tornarmo-nos plenos na boa justiça,
e falarmos acerca das quatro inversões?
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 74
Como você faz o bem?
Oh Grande Rishi! Por favor, diga-nos agora.
Como é que Bodhisattvas sondam a natureza insondável?

Como eles compreendem os significados


da palavra completa e da meia palavra [isto é, a palavra composta, feita
da junção do alfabeto do Sanskrito e possuindo significado, e as letras
do alfabeto e símbolos fonéticos no caso do Sanskrito]?
Como poderemos praticar simultâneamente duas ações divinas
tal como sarasa e karanda que andam juntas?

Como poderemos ser como o sol e a lua,


como as estrelas da noite e Júpiter?
Como poderemos, ainda que não aspirando,
ser chamados de Bodhisattvas?
Como todos os seres poderão obter o destemor (audácia),
como o ouro de Jambunada,
no qual nenhuma falha pode jamais ser encontrada?
Como poderemos, embora vivendo num mundo corrompido,
não ser corrompidos como a flor de lótus?

Como vivermos em meio às ilusões e


não sermos manchados e nem atacados pelos desejos,
como no caso de um médico que, curando todas as doenças,
não se contagia pela doença?
Como poderemos ser um capitão-do-mar,
se ainda náufragos em meio ao mar do nascimento e da morte?

Como poderemos abandonar o nascimento e a morte,


como a serpente o faz com sua pele velha?
Como meditarmos acerca dos Três Tesouros
e sermos como a árvore nos céus que responde bem aos nossos dese-
jos?
Como falaremos acerca dos Três Veículos e do Sobrenatural?
Como poderemos falar da Felicidade,
Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 75
sendo ainda não agraciados com a Felicidade?
Como todos os Bodhisattvas podem ser indestrutíveis?

Como poderemos ser os olhos e um guia para uma pessoa nascida


cega?
Como poderemos ganhar uma mente multifacetada [mente rica em
conhecimento]?
Suplicamos-lhe, oh Grande Rishi!
Por favor, explique-nos!
Como você é capaz de girar a Roda da Lei
expandindo-a como a lua no início do mês?
Como você se manifesta novamente e atinge o Nirvana no final?
Como pode você, o corajoso,
avançar e mostrar a Via para seres humanos, celestiais e para Mara?

Como conhecermos o ‘Dharmata’ [essência da Realidade]


e tornarmo-nos abençoados com o Dharma?
Como todos os Bodhisattvas eliminam todas as enfermidades?
Como eles expõem para todos os seres os ensinamentos secretos?
Como eles expõem o que é final e o que não é final (ultimado)

Se podemos erradicar as dúvidas,


por que não explicar definitivamente?
Como atingiremos a Suprema Via Insuperável?
Suplico ao Tathagata, para o benefício dos Bodhisattvas,
expor os mais profundos e mais maravilhosos ensinamentos.
Todas as coisas possuem a natureza da paz e da felicidade.

Exponha em detalhes para nós, por favor,


oh Grande Rishi Honrado pelo Mundo!
Oh Grande Refúgio! Oh Honrado Duplamente Realizado,
o mais Maravilhoso de Todos os Remédios!
Agora desejo saber tudo sobre as coisas,
mas não tenho Sabedoria;
e mesmo todos os Bodhisattvas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 76
que fazem um supremo esforço podem não conhecer
tais profundezas do mundo de todos os Budas.”

Então, elogiando o Bodhisattva Kashyapa, o Buda disse: “Bem falado,


bem falado, oh bom homem! Você ainda não alcançou o Pleno-
Conhecimento, mas eu sou alguém que o atingiu. Você agora me inda-
ga acerca das mais recônditas profundezas da doutrina secreta. Veja,
oh bom homem! Eu, sentando sob a Árvore Bodhi, atingi pela primeira
vez a correta iluminação. Naquela ocasião, em todas as terras Búdicas,
tão numerosas quanto às areias de incontáveis asamkhyas de Rios
Ganges, havia Bodhisattvas. Eles também me indagaram sobre o signi-
ficado desta mais profunda doutrina. E a virtude do que eles disseram
era assim, a mesma, não diferente. Indagando-me assim, grandes be-
nefícios advirão para todos os seres.”

Então o Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-


do! O poder da minha sabedoria não é longínquo a ponto de colocar
questões de tais profundezas ao Tathagata. Oh Honrado pelo Mundo!
Isto é como um mosquito ou uma mosca que não pode voar sobre o
grande oceano ou voar em torno dos mais altos céus. O mesmo se
passa comigo. Não tenho poder para indagar o Tathagata acerca deste
grande oceano de Sabedoria ou sobre o significado das grandes pro-
fundezas e amplidão do ‘Dharmata’. Oh Honrado pelo Mundo! Isto é
como no caso de um rei que concede ao oficial encarregado dos tesou-
ros uma gema brilhante que estava alojada no nó do seu cabelo, e o
oficial, ao recebê-la, reforça a guarda. O mesmo é o caso comigo. Ten-
do recebido os profundos ensinamentos do Mahayana do Tathagata,
os guardarei a todos o mais cuidadosamente. Por quê? Isto é apenas
para me fazer atingir as grandes profundezas da Sabedoria.”

Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 77


O Segredo da Longa Vida

Então o Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Ouça claramente,


ouça claramente! Eu agora lhe direi a causa da longevidade da vida do
Tathagata. O Bodhisattva, através desta ação, ganha longa vida. Por
esta razão, ouça-a com a sua melhor atenção. Tendo ouvido-a, fale a
respeito dela para outros. Oh bom homem! Praticando assim, eu atingi
o insuperável Bodhi. Eu, para o benefício de todos os seres, agora falo a
respeito disto. Oh bom homem! Como um exemplo: um príncipe
transgride as leis do estado e está encarcerado na prisão. O rei sente
piedade dele e, subindo num palanquim, condena-se à prisão porque
ama o príncipe. O mesmo ocorre com o Bodhisattva. Se ele deseja ter
uma longa vida, ele deveria guardar e proteger os seres, considerá-los
como se fossem seu filho único, e perseverar no grande amor, grande
compaixão, grande alegria, e grande equanimidade. Também, ele de-
veria propagar-lhes o preceito de não-ferir e ensinar-lhes a praticar
todas as boas coisas. Também, ele deveria deixar todos os seres perse-
verarem pacificamente nos cinco preceitos morais e nas dez boas a-
ções. Além disso, ele deveria entrar nos reinos do inferno, fome, ani-
malidade, e ira; e libertar todos os seres de onde quer que estejam
sofrendo, emancipar aqueles ainda não emancipados, atravessar aque-
les que ainda não alcançaram a outra margem, dar o Nirvana àqueles
que ainda não o atingiram, e consolar a todos aqueles que vivem com
medo. Agindo assim, o Bodhisattva ganha a longevidade da vida e uma
imperturbável liberdade no conhecimento. E quando o fim chegar, ele
ganhará vida nos elevados céus.”

Então o Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-


do! Você diz que o Bodhisattva-Mahasattva considera todos os seres
como se fossem filhos únicos. Este pensamento é muito profundo e eu
não posso compreendê-lo. Oh Honrado pelo Mundo! Você diz que o
Bodhisattva olha todos os seres com equidade e os olha como olharia
seu único filho. Mas, as coisas não são assim. Por que não? Em meio
aos Budistas, há aqueles que violam os preceitos morais, aqueles que

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 78


cometem pecados mortais, e aqueles que transgridem o Dharma Ma-
ravilhoso. Como é possível que ele [o Buda] tenha o mesmo pensamen-
to tanto em consideração a eles como em consideração ao seu único
filho?”

O Buda disse a Kashyapa: “Isso mesmo, isso mesmo! Eu vejo todos os


seres como vejo o meu próprio Rahula.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Certa vez, no décimo-quinto dia do mês, no dia de posadha (um encon-
tro realizado a cada quinze dias por Shakyamuni e seus seguidores, no
qual eles recitavam os preceitos e seus seguidores confessavam e se
arrependiam de quaisquer faltas), em meio aos congregados que eram
fiéis e puros nos preceitos morais, havia um menino que não observava
seriamente as três ações do corpo, da boca e da mente. Ele escondia-
se num lugar escuro e ouvia secretamente o que era dito. Guhyapada,
recebendo o poder divino do Buda, triturou este menino com um vajra
(cetro). Oh Honrado pelo Mundo! Guhyapara agiu tão maldosamente
que a vida do menino foi tirada. Como você poderia olhar todos os
seres como se fossem o seu próprio Rahula?”

O Buda disse a Kashyapa: “Não fale assim! Este menino era nada mais
que uma transformação, não uma verdade. Ele era assim apenas para
reprimir a quebra dos preceitos e a transgressão do Buda-Dharma, e
para aperfeiçoar os seres. Mesmo o vajra e também Guhyapada eram
existências transformadas (tranformações). Oh Kashyapa! Há no mun-
do aqueles que caluniam o Dharma Maravilhoso, icchantikas (pessoas
de descrença incorrigível), aqueles que fazem mal aos outros, que per-
sistem em visões distorcidas, que agem propositadamente contrários
aos preceitos morais. Eu tenho piedade de todos e um sentimento de
compaixão, assim como em consideração a um filho único, como é no
caso de Rahula. Oh bom homem! Para ilustrar: quando os oficiais da
corte real violam as leis do estado, o rei os pune de acordo com as
regras relacionadas aos crimes cometidos e não os deixa sem punição.
O Tathagata não age assim. Ele faz com que aqueles que violam os
Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 79
preceitos sejam submetidos a situações de serem banidos, repreendi-
dos, colocados sob vigilância, acusados ou banidos pela não-confissão
dos pecados cometidos, pelo não-arrependimento, e pelo não-
abandono das visões distorcidas. A razão pela qual, oh bom homem, o
Tathagata impõe preceitos morais proibitivos àqueles que caluniam o
Dharma vem do fato de que ele deseja mostrar aos trangressores que
conseqüências cármicas advirão daquilo que eles fizeram. Oh bom
homem! Saiba que o Tathagata deseja ensinar aos seres maus que eles
não necessitam ter medo. Ele emite um, dois, ou cinco sinais, tal que
aqueles que encontram esta luz se libertarão de todas as más ações.
Agora, o Tathagata possui incontáveis meios para exercer tal poder. Oh
bom homem! Se você deseja ver o Dharma que não pode ser visto, Eu
agora explicarei a você tudo acerca daquilo que você pode ver.

O Verdadeiro Discípulo

Quando eu tiver entrado no Nirvana, um Monge que é perfeito na


conduta de um Monge, e que mantém em observância o Dharma Ma-
ravilhoso, pode deparar com um que o transgride. Se este Monge se
afasta, repreende, censura, ou corrige tal mal-feitor, ele será abençoa-
do com uma riqueza que não podemos medir ou conceber. Oh bom
homem! Para ilustrar: existe um rei tirano que perpetra más ações, e
acontece de ele vir a sofrer muito seriamente de uma enfermidade. O
rei de um país vizinho, ouvindo isto, mobiliza o exército para conquistar
o seu país. Neste momento, o rei, não tendo poder para resistir ao
ataque, arrepende-se, tenta fazer o bem e, dessa forma, a fortuna do
rei daquele país vizinho torna-se incalculável. O mesmo se passa com o
Monge observador dos preceitos. Se ele se afasta ou repreende aque-
les que agem contra o Dharma, e faz com que eles façam o bem, uma
riqueza incalculável tornar-se-á sua. Oh bom homem! Como uma ilus-
tração: nos campos e ao redor da casa onde mora um homem rico,
crescem muitas plantas daninhas e venenosas. Vendo isto, ele as ceifa,
não deixando qualquer uma delas. Ou quando cabelos brancos apare-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 80


cem na cabeça de uma pessoa jovem, ela sente vergonha deles, corta-
os e não permite que seus cabelos cresçam muito. O mesmo é o caso
com o Monge observador dos preceitos. Se ele vê quaisquer pessoas
que violam os preceitos e que transgridem o Dharma Maravilhoso, ele
se afastará, repreenderá ou censurará tais pessoas. Se um bom Monge,
vendo aqueles que transgridem o Dharma, não se afastar, repreender
ou censurar tais pessoas, saiba que este Monge é um inimigo dos ensi-
namentos Budistas. Se ele se afasta, repreende ou censura tais pesso-
as, ele é meu discípulo, um Verdadeiro Discípulo.”

O Bodhisattva Kashyapa disse novamente ao Buda: “Oh Honrado pelo


Mundo! Você pode dizer que considera todos os seres igualmente e
trata-os como trataria seu filho único, Rahula. Isto não é assim. Oh
Honrado pelo Mundo! Uma pessoa pode tentar ferí-lo com uma espa-
da, ou pode haver alguém que tente pintar o corpo do Buda com pasta
de madeira de sândalo. Se for este o caso em que você vê essas duas
pessoas com os mesmos olhos, como poderia remir ofensas morais? Se
for este o caso em que remis ofensas morais, isto não faz sentido.”

A Parábola do Pai Rigoroso

O Buda disse a Kashyapa: “Uma ilustração, oh bom homem! O rei, o


ministro e o primeiro-ministro podem desejar promover seus filhos
que são bem aparentados e refinados no intelecto. Um daqueles pais
pega um, dois, três, quatro filhos e encaminha-os para um rigoroso
professor e diz-lhe: ‘Por favor, ensine aos meus filhos conduta, bom
comportamento, artes, escrita e cálculo. Estes meus quatro filhos estu-
darão sob seus cuidados. Mesmo que três desses meus filhos morram
sob o rigor dos ensinamentos, ensine o último através de quaisquer
meios que você pense ser adequado. Eu posso perder os três, mas não
me envergonharei.’ Oh Kashyapa! O pai e o professor são responsáveis
pelas mortes?”

Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 81


“Não, Honrado pelo Mundo! Por que não? Por que um sentimento de
amor era a base [das suas ações]. O que existe é um desejo de realiza-
ção, mas não um mau pensamento. Tais ensinamentos serão bem
ministrados, e sua extensão será ilimitada.”

“Oh bom homem! O mesmo é o caso com o Tathagata. Ele olha aque-
les que transgridem o Dharma como olha seu filho único. Agora, o Ta-
thagata confia o insuperável Dharma Maravilhoso às mãos de reis,
ministros, altos-ministros, Monges, Monjas, leigos e leigas. Todos esses
reis, ministros, e as quatro classes da Sangha Budista encorajarão aque-
les que praticam os ensinamentos Budistas e permitir-lhes-ão gradati-
vamente manter em observância os preceitos morais, as práticas medi-
tativas e a sabedoria. Se houver alguém que fracasse nesses três aspec-
tos (dos ensinamentos) do Dharma e se houver aqueles que são indo-
lentes e que violem os preceitos morais; os reis, ministros, e as quatro
classes da Sangha Budista trabalharão duro e recuperarão tais pessoas.
Oh bom homem! Poderiam todos esses reis, ministros, e as quatro
classes da Sangha Budista serem culpados ou não?”

“Realmente, não, Honrado pelo Mundo!”

“Oh bom homem! Esses reis, ministros e as quatro classes da Sangha


Budista não podem ser culpados. Como poderia ser culpado o Tathaga-
ta? Oh bom homem! O Tathagata observa a tudo com tal imparcialida-
de, considerando todas as pessoas como se fossem seu filho único.
Chama-se praticante da Via aquele que pratica o pensamento igualitá-
rio de um Bodhisattva e aquele que possui o sentimento de quem ama
seu filho único. Oh bom homem! O Bodhisattva, praticando assim,
obtém uma longa vida e estará apto a ver o que aconteceu no passa-
do.”

O Bodhisattva Kashyapa disse novamente ao Buda: “Oh Honrado pelo


Mundo! Você diz que um Bodhisattva, praticando a imparcialidade,
pode ver a todos os seres exatamente como veria seu filho único, e que
tal pessoa obteria uma longa vida. Mas, você não poderia dizer isto.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 82
Por que não? Alguém que realmente conheça o Dharma, fala bem das
obrigações filiais. Mas, retornando para casa, ele agride seus pais com
telhas e pedras, [a despeito] do fato de os pais serem o melhor campo
de prosperidade, de onde advém muita felicidade, tal como a mais
difícil (felicidade) dentre as mais difíceis de encontrar. Onde a pessoa
deveria fazer oferecimentos, ela pratica a maldade. Existe uma distin-
ção entre o que esta pessoa sabe e o que ela faz. Aquilo que o Tathaga-
ta diz é semelhante a isto. O Bodhisattva pratica a imparcialidade e vê
todos os seres como se visse seu filho único, ele obtém a longa vida,
pode olhar através do passado, viver eternamente, e não pode haver
qualquer alteração (desta situação). Agora, por que é que o Honrado
pelo Mundo é como qualquer pessoa com vida mais curta no mundo?
Não estaria o Tathagata alimentando o ódio entre todos os seres? Oh
Honrado pelo Mundo! Que más ações você praticou no passado?
Quantas más ações você cometeu, tal que obtivesse uma vida mais
curta, que nem mesmo vai além dos 100 anos?”

O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Sob que circunstâncias


você despeja através dos seus lábios tantas palavras grosseiras contra o
Tathagata? A vida do Tathagata é a mais longa e mais elevada das vidas
eternas. O seu Dharma eterno é insuperável dentre todas as coisas
eternas.”

Paramartha-satya

O Bodhisattva Kashyapa disse novamente ao Buda: “Oh Honrado pelo


Mundo! Como você, o Tathagata, obteve a vida eterna?”

O Buda disse ao Bodhisattva Kashyapa: “Oh bom homem! Existem oito


grandes rios, quais sejam: 1) Ganges, 2) Yamuna, 3) Sarabhu, 4) Ajitava-
ti, 5) Mahi, 6) Indus, 7) Pasu, e 8) Sita. Todos estes oito grandes rios e
outros rios menores correm para o grande oceano. Oh Kashyapa! To-
dos os grandes rios da vida de todas as pessoas, dos seres celestiais, da

Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 83


terra e dos céus correm para o oceano da vida do Tathagata. Sendo
assim, a longevidade da vida do Tathagata é incalculável. Além disso,
ainda ocorre o seguinte, oh Kashyapa! Como uma ilustração: é como o
caso do Lago Anavatapta, que abarca (as águas de) quatro rios. O
mesmo se passa com o Tathagata. Ele abarca todas as vidas. Oh Kash-
yapa! Como um exemplo: dentre todas as coisas eternas, a (eternida-
de) do espaço é suprema. O mesmo é o caso com o Tathagata. Ele é
supremo dentre todas as coisas eternas. Oh Kashyapa! Isto é como no
caso do sarpirmanda [o mais delicioso e eficaz remédio], o primeiro
dentre todos os remédios. O mesmo é o caso com o Tathagata. Ele é
dotado da mais longa vida.”

O Bodhisattva Kashyapa disse novamente ao Buda: “Se a vida do Ta-


thagata é assim, você deveria viver por mais um kalpa, ou menos que
um kalpa, e proferir sermões da forma como a grande chuva cai.”

“Oh Kashyapa! Não distorça a idéia da extinção com respeito ao Tatha-


gata. Oh Kashyapa! Pode haver em meio aos Monges, Monjas, leigos e
leigas; ou mesmo em meio aos tirthikas [seres deludidos, não-
Budistas], uma pessoa que possua os cinco poderes divinos ou o poder
ilimitado de um Rishi (Grande Sábio). Essa pessoa pode viver um kalpa
ou menos que um kalpa; ela pode ser capaz de voar através do ar, e ser
imperturbável se estiver reclinada ou sentada. Ela pode soltar fogo do
lado esquerdo do seu corpo e água do seu lado direito. Seu corpo pode
soltar fumaça e labaredas como uma bola de fogo. Se ela desejar viver
longamente, ela poderá fazê-lo como desejar. Ela pode prolongar ou
encurtar a sua vida livremente. Com tais poderes divinos, ela possui
liberdade de poder. Como isso não seria possível com o Tathagata, que
possui ilimitado poder sobre todas as coisas? Como não seria possível
que ele pudesse viver a metade de um kalpa, um kalpa, 100 kalpas, 100
mil kalpas, ou inumeráveis kalpas? Em razão disto, saiba que ‘o Tatha-
gata é uma existência eterna e imutável’. O corpo do Tathagata é um
corpo transformado (não nascido) e não é nutrido pelos vários tipos de
alimentos. No sentido de conduzir os seres à outra margem, ele mani-
festa-se em meio às árvores venenosas. Dessa forma, ele manifesta-se
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 84
descartando seu corpo carnal e entrando no Nirvana. Saiba, oh Kash-
yapa, que o Buda é uma existência eterna e imutável. Oh todos vocês!
Pratiquem a Via neste Paramartha-satya [Verdade da Realidade Trans-
cendente], façam esforço, e pratiquem a Via com pensamento único;
tendo praticado a Via, exponha-a amplamente aos outros.”

Então, o Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-


do! Que diferença há entre o Dharma supramundano e o mundano?
Você disse que o Buda é uma existência eterna e imutável. Se assim é,
na vida mundana, também, temos Brahma que é eterno, e também
Isvara que é eterno, e não há mudança. A eterna natureza do Eu tam-
bém é eterna; mesmo uma minúscula partícula também é dita ser e-
terna. Se o Tathagata é uma existência eterna, por que o Tathagata não
se mostra sempre dessa forma? Se é que você não existe assim, que
diferença poderíamos ver? Por quê? Porque Brahma, a existência de
uma partícula, e prakriti [matéria primordial] também não se manifes-
tam assim.”

O Buda disse a Kashyapa: “Um homem rico possui muitas cabeças de


gado, cujas cores variam; não obstante, elas são todas de um grupo.
Elas são confiadas às mãos de um vaqueiro, que as conduz para terras
abundantes em água e grama. Somente o sarpirmanda [o mais delicio-
so e eficaz remédio] é desejado, não o leite fresco ou a nata. O pecua-
rista, tendo ordenhado as vacas, obtém o leite em si. Quando o ho-
mem rico morre, as vacas são furtadas por ladrões. Eles pegam as va-
cas, mas não havendo mulheres, eles mesmos ordenham as vacas. Os
ladrões dizem uns aos outros: ‘O homem rico alimentou essas vacas
para produzir sarpirmanda, não para leite fresco ou nata. O que fare-
mos? O sarpirmanda possui o melhor de todos os sabores do mundo.
Não possuímos utensílios e nem um lugar para guardá-lo em seguran-
ça.’ Eles também dizem uns aos outros: ‘Nós temos um capuz. Pode-
mos guardá-lo nele. Embora tenhamos algo para guardar o leite, não
sabemos como batê-lo. É difícil conseguir algo que pudéssemos beber.
Como poderíamos obter a manteiga fresca?’ Nisto, os ladrões, em vir-
tude de que o sarpirmanda era o que eles obteriam após, adicionaram
Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 85
água ao leite. Mas, em razão de terem adicionado muita água, o leite
fresco, a nata e o sarpirmanda foram perdidos. O mesmo se dá com os
mortais comuns. Existem bons ensinamentos. Mas, todos são os resí-
duos do Dharma Maravilhoso do Tathagata. Como? O Tathagata entra
no Nirvana. Mais tarde, nós roubamos o que foi deixado para trás; isto
é, os preceitos, o samadhi, e a Sabedoria. Isto é como os ladrões rou-
bando as vacas. Todos os mortais comuns obtêm preceitos, samadhi, e
Sabedoria; mas, eles não possuem meios para trabalhá-los [aperfeiço-
ando-os, implementando-os]. Dessa forma, eles nunca obtêm os pre-
ceitos eternos, o samadhi eterno, a Sabedoria eterna, e a emancipação.
Isto é como no caso dos ladrões que não possuindo meios para produ-
zir [levando adiante o que eles queriam], perderam, assim, o sarpir-
manda; ou é como os ladrões adicionando água quando eles pretendi-
am obter o sarpirmanda. O mesmo se passa com os mortais comuns.
Referindo-se à emancipação, os seres dizem que o Eu, o ser, a vida,
humano, Brahma, Isvara, prakriti (matéria primordial), os preceitos,
samadhi, Sabedoria, emancipação, ou Estado de nem percepção nem
não- percepção [naivasamjnanasamjnayatana], ou Nirvana é Nirvana.
Isto, todavia, não leva à emancipação ou Nirvana. Isto é como os la-
drões falhando em obter o sarpirmanda. Os mortais comuns fazem
boas e puras ações em pequena escala, e fazem oferecimentos aos
seus pais. Então, eles obtêm o renascimento no céu e atingem uma
felicidade de pequena escala. Isto é como o leite ao qual os ladrões
adicionaram água. E os mortais comuns, em si, não conhecem o fato de
que se nasce no céu em razão de ações puras de pequena escala e por
fazer oferecimentos aos seus pais. Também, eles não conhecem os
preceitos morais, o samadhi, a Sabedoria e buscam refúgio nos Três
Tesouros. Não conhecendo [tudo isto], eles falam sobre Eternidade,
Felicidade, Eu e Pureza. Embora falem, eles não sabem o que é isto.
Dessa forma, após nascer nesta vida, o Tathagata fala acerca da Eterni-
dade, Felicidade, Eu e Pureza. Um Chakravartin [supremo monarca do
mundo] aparece no mundo. Em razão do poder das suas virtudes, to-
dos os ladrões se afastam, e não há perda de nenhuma vaca. Esta pes-
soa utiliza bem os meios e obtém sarpirmanda. Devido ao sarpirmanda,
não há doenças ou dores para os seres. Assim é. Quando o Chakravar-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 86
tin da roda do Dharma aparece no mundo, todos os seres abandonam
isto (isto é, falar acerca da Eternidade, Felicidade, Eu e Pureza), porque
eles não podem falar acerca dos preceitos, samadhi e Sabedoria. Isto é
como a fuga dos ladrões. Então, o Tathagata realmente fala das coisas
seculares e supramundanas. Para o benefício dos seres, ele permite
que o Bodhisattva fale conforme surja a ocasião. O Bodhisattva-
Mahasattva, obtendo o sarpirmanda, permite a todos os inumeráveis
seres obterem o insuperável Maná do Dharma. A Eternidade, a Felici-
dade, o Eu e a Pureza do Tathagata, assim, são alcançadas. O Tathagata
é aquele que é eterno e imutável. Isto não é da maneira como os mor-
tais comuns e os ignorantes do mundo dizem que Brahma é eterno.
Esta eternidade está sempre com o Tathagata e não com qualquer
outro. Oh Kashyapa! Todos os bons homens e boas mulheres deveriam
sempre praticar cuidadosamente a Via do Buda Bi-Silábico, que é eter-
no [isto é, em Chinês ‘Nyo-rai’ – consistindo de duas sílabas ou caracte-
res – significa ‘Tathagata’, ‘Aquele que vem da Realidade Transcenden-
te’]. O Kashyapa! Qualquer bom homem ou boa mulher que pratique a
Via do (Buda) Bí-Silábico estará em concordância com o que eu faço e
nascerá onde eu for. Se qualquer pessoa prática as duas sílabas e as vê
como extinção, saiba que o Tathagata entra no Parinirvana para ela. Oh
bom homem! Nirvana é o ‘Dharmata’ [A Verdadeira Essência] de todos
os Budas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “O que pode significar o


‘Dharmata’ do Tathagata? Oh Honrado pelo Mundo! Eu, agora, desejo
saber sobre o ‘Dharmata’. Tenha piedade e exponha isto para mim
extensivamente. Ora, ‘Dharmata’ significa ‘abandono do corpo’. Aban-
donar significa ‘não possuir’. Se não é possuído, como pode existir o
corpo? Se o corpo existe, como podemos dizer que há ‘Dharmata’ no
corpo? Se o corpo possui ‘Dharmata’, como pode o corpo existir? Co-
mo posso compreender isto?”

O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Não fale assim – que ex-
tinção é ‘Dharmata’. Ora, o ‘Dharmata’ compreende a não extinção. Oh
bom homem! Isto é como com o céu do Não-Pensamento [o quarto
Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 87
céu dhyana do rupadhatu – Reino da Forma], onde não há pensamento
de matéria, embora a matéria esteja perfeitamente dotada. Pode-se
perguntar: ‘Como, então, os devas (espíritos intimamente ligados e
integrados à natureza, ou seja, aos cinco elementos) podem viver lá,
satisfazer-se e divertir-se, ter paz, e como eles pensam, vêem e inda-
gam?’ Oh bom homem! O mundo do Tathagata não é aquele que Sra-
vakas e Pratyekabudas podem compreender. Não explique assim (co-
mo o fez) e diga que o corpo do Tathagata é extinção. Oh bom homem!
O Tathagata e extinção são assuntos para o mundo dos Budas. Não
está ao alcance do conhecimento de Sravakas e Pratyekabudas. Oh
bom homem! Não envide tais pensamentos como sobre onde o Tatha-
gata vive, onde ele trabalha, onde ele está para ser visto, onde ele se
diverte. Oh bom homem! Essas, também, são coisas que não se ajus-
tam ao alcance do vosso conhecimento. Todas as coisas relativas ao
Corpo-do-Dharma de todos os Budas, e todas as coisas relativas aos
vários (meios) expedientes estão além do alcance do conhecimento
mundano”.

O Todo-Maravilhoso dos Três Tesouros

“Também, além disso, oh bom homem! Pratique os ensinamentos do


Buda, do Dharma e da vida da Sangha (que são os Três Tesouros), e
persevere no pensamento sobre o Eterno. Essas três coisas não se con-
tradizem. Não existe forma do não-eterno, nem mudança. Qualquer
pessoa praticando essas três (coisas) como coisas que diferem (entre
si), falha nos Três Refúgios que são puros. Isto nós deveríamos saber.
Isto quer dizer que tal pessoa carece de um lugar para se abrigar. (Se) o
preceito não for completamente compreendido; nenhum fruto poderá
advir de Sravakas ou Pratyekabudas. Qualquer um que persevere no
pensamento do Eterno neste Todo-Maravilhoso tem um lugar para se
refugiar. Oh bom homem! É como a sombra acompanhando uma árvo-
re. O mesmo é o caso com o Tathagata. Como existe o Eterno, existe
um refúgio que pode ser buscado. Não é não-eterno. Uma vez que se

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 88


diga que o Tathagata é não-eterno (impermanente), ele não poderá ser
um refúgio para todos os seres celestiais e pessoas do mundo.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


exemplo, é como o caso de uma árvore na escuridão, onde não há
sombra.”

“Oh Kashyapa! Não diga que existe uma árvore e que ela não tem
sombra. Isto é meramente porque os olhos carnais não podem vê-la. O
mesmo ocorre com o Tathagata. Sua natureza é eterna, é imutável.
Não podemos vê-la sem os olhos da Sabedoria. Isto é como no caso
onde nenhuma sombra da árvore aparece na escuridão. Os mortais
comuns, após a morte do Buda, poderão dizer: ‘O Tathagata é não-
eterno’. É o mesmo caso. Se dizemos que o Tathagata difere do Dhar-
ma e da Sangha, não poderá haver os Três Refúgios. Isto é como no
caso em que, seus pais como são diferentes um do outro, existe o não-
eterno.”

O Bodhisattva Kashyapa disse novamente ao Buda: “Oh Honrado pelo


Mundo! Daqui por diante, eu, pela primeira vez, com a Eternidade do
Buda, do Dharma e da Sangha, iluminarei os pais por eras, até a sétima
geração. É realmente maravilhoso! Oh Honrado pelo Mundo! Eu agora
aprenderei o Todo-Maravilhoso do Tathagata, do Dharma e da Sangha.
Tendo me satisfeito, exporei isto amplamente para todos os outros. Se
eles não tiverem fé no ensinamento, saberei que eles têm praticado
extensivamente o não-Eterno. Para pessoas assim, serei como a geada
e o granizo.”

Então o Buda elogiou o Bodhisattva Kashyapa e disse: “Disse bem, disse


bem! Você agora realmente protege e ostenta o Dharma Maravilhoso.
Esta proteção do Dharma não está fraudando as pessoas. Pela boa
ação de não fraudar os outros, obtemos uma longa vida e nos torna-
mos aptos a ler as nossas vidas passadas.”

Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 89


Capítulo Cinco: Sobre o Corpo Adamantino
“Então o Honrado pelo Mundo disse a Kashyapa: “Oh bom homem! O
corpo do Tathagata é aquele que é eterno, é aquele que é indestrutí-
vel, é aquele que é adamantino, e aquele que não é nutrido pelos vá-
rios tipos de alimentos. É o Corpo-do-Dharma.”

Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Nós não vemos tal
corpo da forma como você fala. O que vemos é aquele que é não-
eterno, destrutível, de pó, e que é sustentado pelos vários tipos de
alimentos. Como? Em que você, o Tathagata, está agora prestes a en-
trar no Nirvana.”

O Buda disse a Kashyapa: “Não diga que o corpo do Tathagata não é


forte, que pode ser facilmente quebrado, e que é o mesmo que aquele
dos mortais comuns. Oh bom homem! Saiba que o corpo do Tathagata
é tão indestrutível quanto algo que dure por incontáveis bilhões de
kalpas. Ele não é um corpo humano e nem celestial, não é aquele que
teme, e nem é nutrido pelos vários tipos de alimentos. O corpo do
Tathagata é aquele que não é um corpo e ainda o é. É aquele não nas-
cido e aquele que não morre. É aquele que não aprende ou pratica. É
incomensurável, ilimitado, e não deixa qualquer rastro atrás de si. Não
se conhece e não há qualquer forma de representá-lo. É puro em últi-
ma instância. Não se agita. Não recebe, nem age. Não reside, não faz. É
insípido e não misturado. Ele é um ‘é’ e mesmo assim não é algo cria-
do. Não é ação e nem fruição [isto é, é além do Karma]. Não é aquele
que é feito, e nem aquele que morre. Não é pensamento; não é men-
surável; é o Todo-Maravilhoso, é o Eterno, e o não presumível. Não é
consciência e está para além da mente. E, no entanto, ele não se sepa-
ra da mente. É um pensamento que é um-todo-igual. Não é um ‘é’; no
entanto, ele é o que ‘é’ é. Não existe indo nem vindo; no entanto, vai e
vem. Não quebra. É indestrutível. Não se apega e não cessa. Ele não
surge, nem se extingue. Não é mestre e, no entanto, um mestre. Não é
algo que existe; nem não existe. Não acorda, nem vê. Não é letra, e não

Capítulo 5 – Sobre o Corpo Adamantino Página 91


é não-letra. Não é Dhyana e não é não-Dhyana. Não pode ser visto e
pode ser bem visto. Não é um lugar e, no entanto, é um lugar. Não é
uma morada e, no entanto, é uma morada. Não é escuro e nem brilha.
Não há quietude e, no entanto, há quietude. É não-posse, não-
recebimento, e não-doação. É puro e imaculado. Não é desavença e
jamais luta. É o que está vivo e não é o que está vivo. Não é conquista e
nem queda. Não é coisa e não é não-coisa. Não é campo de prosperi-
dade e não é um não-campo de prosperidade. É sem fim e não termi-
na. É distinção e é um todo. É vazio e é distinto do Vazio. Embora não
eterno, não é o caso em que ele morre momento após momento. Não
há corrupção e imundície. Não há letra e é distinto das letras. Não é voz
e nem fala. Não é prática e aprendizado. Não é elogio e nem opressão.
Não é uno e nem distinto. Não tem forma ou características. Tudo é
um grandioso adorno. Não é corajoso e nem medroso. Não é quietude
e não é quieto. É caloroso e não é quente. Não pode ser visto; não há
forma para representá-lo. O Tathagata socorre todos os seres. Embora
não emancipáveis, ele, de fato, ainda emancipa os seres. Não havendo
emancipação, o que existe é o despertar dos seres. Não havendo ilu-
minação, ele realmente oferece sermões. Não havendo dualidade, ele
é imensurável e é incomparavelmente igual. Sendo tão plano quanto o
espaço, não há forma para representá-lo. Sendo igual à natureza de
todos os seres, ele não é o ‘não-é’, nem é o ‘é’. Ele sempre pratica o
Veículo Único. Ele vê a árvore dos seres e não retrocede, não muda, e
erradica todas as raízes da ilusão. Ele não luta ou toca. Ele é não-
natureza e, no entanto, reside na natureza. Ele não mistura e não dis-
persa. Ele não é longo e nem curto. Ele não é redondo e nem quadra-
do. Ele não é um skandha (agregado), esfera ou mundo e, no entanto,
ele é o skandha, a esfera e o mundo. Ele é não-crescente e não é min-
guante. Ele é não vitorioso e, no entanto, não é vencido. O corpo do
Tathagata é perfeito em tais inumeráveis virtudes. Não há nada que ele
saiba, e nem não saiba. Não há nada que ele veja e nada que ele não
veja. Não é aquilo que há em qualquer criação e nem há na não cria-
ção. É não-mundano e não é não-mundano. Ele não é feito e não é
não-feito. Ele é não-dependente e não é não-dependente. Ele não é os
quatro grandes elementos, nem é não os quatro grandes elementos.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 92
Ele não é causa e não é não-causa. Ele não é ser e não é não-ser. Ele
não é Sramana, nem Brahman. Ele é o Leão, o Grande Leão. Ele é nin-
guém e não-ninguém. Não podemos expressar. A não ser a partir da
unicidade do Dharma, nenhuma avaliação é possível. Por ocasião do
Parinirvana, ele não entrou no Parinirvana. O Corpo-do-Dharma do
Tathagata é perfeito em todas essas inumeráveis e maravilhosas virtu-
des. Oh Kashyapa! Somente o Tathagata conhece todas essas fases da
existência. Tudo está além do que Sravakas e Pratyekabudas podem
compreender. Oh Kashyapa! O corpo do Tathagata é composto de
todas essas virtudes. Ele não é um corpo mantido ou nutrido pelos
vários gêneros alimentícios. Oh Kashyapa! Tais são as virtudes do ver-
dadeiro corpo do Tathagata. Como ele poderia sofrer de doenças, as
dores das enfermidades, e da insegurança? Como ele poderia ser tão
frágil quanto uma peça de louça não queimada? Oh Kashyapa! A razão
pela qual o Tathagata manifesta a doença e a dor vem do seu desejo de
subjugar os seres. Oh bom homem! Saiba agora que o corpo do Tatha-
gata é aquele que é adamantino. De agora em diante, pense exclusi-
vamente sobre este significado. Nunca pense de um corpo sustentado
por alimentos. Também, diga a todos os seres que o corpo do Tathaga-
ta é o Corpo-do-Dharma.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Tathagata é perfeito em tais virtudes. Como poderia tal corpo sofrer de
doença e dor, impermanência e destruição? Doravante eu considerarei
o corpo do Tathagata como o do eterno Corpo-do-Dharma e o corpo
da paz. Também, falarei dele como tal para todos os outros. Sim, real-
mente, o Corpo-do-Dharma do Tathagata é adamantino e indestrutível.
Embora eu não saiba ainda como ele poderia vir a ser assim.”

O Buda disse a Kashyapa: “Pelo fato de manter (em observância) corre-


tamente o Dharma Maravilhoso, obtém-se este corpo adamantino. Oh
Kashyapa! Como no passado eu preservei bem o Dharma, sou agora
abençoado com a consecução deste corpo adamantino, que é eterno e
indestrutível. Oh bom homem! Aquele que mantém o Dharma Maravi-
lhoso não recebe os cinco preceitos e práticas de conduta, mas prote-
Capítulo 5 – Sobre o Corpo Adamantino Página 93
ge-o com a espada, o arco, a flecha e alabarda daqueles Monges que
mantém os preceitos e que são puros.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


um Monge está desprotegido, vivendo sozinho em campo aberto, em
um cemitério, ou sob uma árvore, eu diria que esse é um verdadeiro
Monge. Qualquer Monge cujos olhos se voltem para a sua proteção,
podemos dizer, é um falso Monge.”

O Buda disse a Kashyapa: “Não diga ‘falso’. Pode haver um Monge que
vá onde ele queira, satisfaça as suas necessidades pessoais, recite su-
tras, sente e medite. Caso alguém venha e indague sobre a Via, ele
proferirá sermões, observando preceitos, ações virtuosas, e dirá àquela
pessoa que caso deseje pouco, será satisfeita. Mas, ele não está apto a
emitir o rugido do leão da doutrina, não está cercado por leões, e não
está apto a subjugar aqueles que praticam o mal. Tal Monge não pode
realizar seu próprio benefício, nem está apto a ajudar os outros. Saiba
que esta pessoa é indolente e preguiçosa. Embora ele possa manter
em observância os preceitos e perpetrar ações puras, tal pessoa, você
deve saber, nada pode fazer.

De outra forma, pode haver um Monge cujos utensílios podem ser


completos e ele mantém em observância os preceitos proibitivos,
sempre emite o rugido do leão, concede sermões maravilhosos como
sutras, geya, vyakarana, gatha, udana, itivrttaka, jatakas, vaipulya, e
adbutadharma. Assim, ele expõe estes nove tipos de sutras Budistas.
Ele confere benefícios e paz para os outros. Assim, ele diz: ‘Proibições
são dadas para Monges no Sutra do Nirvana dizendo que eles não de-
vem possuir empregados, vacas, carneiros ou quaisquer coisas contrá-
rias às proibições. Caso Monges possuam tais coisas degradantes, eles
devem ser instruídos a não tê-las. O Tathagata estabeleceu nos sutras
de várias escolas que qualquer Monge que possua tais coisas deve ser
corrigido, assim como reis corrigem más ações, e devem ser conduzi-
dos de volta à vida secular.’ Quando um Monge emite o rugido do leão,
qualquer um que quebre os preceitos, ouvindo isto (o rugido do leão),
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 94
se encherá de ira e atacará esse Monge. Se esta pessoa morrer como
conseqüência disto, ela deve ser chamada aquela que mantém os pre-
ceitos e que beneficia tanto a si própria como aos outros. Por esta ra-
zão, reis, ministros, altos-ministros e leigos protegem aquele que pro-
fere sermões. Qualquer pessoa que proteja o Dharma Maravilhoso
deve aprender as coisas assim.

Um Rei Chamado Virtuoso

Oh Kashyapa! Qualquer pessoa que quebre os preceitos e que não


proteja o Dharma Maravilhoso deve ser chamada de falso Sacerdote.
Alguém que mantenha estritamente em observância as regras (monás-
ticas), não ganha tal designação (falso). Oh bom homem! No passado,
há inumeráveis, ilimitados asamkhyas de kalpas atrás, apareceu nesta
cidade de Kushinagar um Buda que era Merecedor de Ofertas, Todo-
Iluminado, Plenamente Realizado, Bem Aventurado que Conhece o
Mundo, Grande Mestre Insuperável, Mestre dos Céus e da Terra, Buda,
Honrado pelo Mundo, e cujo nome era ‘Tathagata do Aumento da
Alegria e Benefícios’. Naquela ocasião, o mundo era amplo e gloriosa-
mente puro, rico e pacífico. As pessoas estavam no auge da prosperi-
dade e nenhuma fome era sentida. Elas pareciam Bodhisattvas da Ter-
ra da Paz e da Felicidade. Aquele Buda, Honrado pelo Mundo, perma-
neceu no mundo por uma inumerável extensão de tempo. Tendo ins-
truído as pessoas, ele entrou no Parinirvana entre duas árvores sala.

Após o Buda ter entrado no Nirvana, seu ensinamento permaneceu no


mundo por incontáveis bilhões de anos e na última parte dos últimos
quarenta anos os ensinamentos Budistas ainda não haviam desapare-
cido. Naquela ocasião, havia um Monge chamado ‘Virtuoso Iluminado’,
que mantinha bem os preceitos e era cercado por muitos dos seus
parentes. Ele emitiu o rugido do leão e pregou todos os nove tipos de
sutras. Ele ensinou dizendo: ‘Não possuam empregados, sejam homens
ou mulheres, vacas, carneiros ou o que quer que possa ir contra os

Capítulo 5 – Sobre o Corpo Adamantino Página 95


preceitos’. Naquela ocasião havia muitos Monges que estavam agindo
contrariamente aos preceitos. Ouvindo isto, eles conspiraram e vieram
para cima desse Monge brandindo espadas e bastões. Naquela ocasi-
ão, havia um Rei chamado ‘Virtuoso’. Ele ouviu sobre isto. Para prote-
ger o Dharma, ele veio para onde o Monge estava proferindo o seu
sermão e lutou contra os malfeitores de tal forma que o Monge não
sofresse. O rei, todavia, foi ferido em todo o seu corpo. Então o Monge
Virtuoso Iluminado elogiou o rei, dizendo: ‘Bem feito, bem feito, oh
Rei! Você é uma pessoa que protege o Dharma Maravilhoso. Nos dias
que virão, você se tornará um insuperável utensílio do Dharma’. O rei
ouviu seu sermão e regozijou-se. Então, ele morreu e nasceu na terra
do Buda Akshobhya e tornou-se seu principal discípulo. Os subalternos
deste rei, seus parentes e soldados ficaram todos felizes e não retroa-
giam no seu Bodhichitta. Quando veio o dia de sua partida do mundo,
eles nasceram na terra do Buda Akshobhya. Na ocasião em que o
Dharma Maravilhoso estava prestes a se extinguir, eles puderam agir e
proteger um Dharma como este. Oh Kashyapa! O rei naquele tempo
era Eu; o monge que proferia o sermão era o Buda Kashyapa. Oh Kash-
yapa! Aquele que protege o Dharma Maravilhoso é recompensado
com tal incalculável fruição. Esse é o porquê de hoje eu adornar meu
corpo de várias formas e de ter alcançado perfeitamente o indestrutí-
vel Corpo-do-Dharma.”

O Bodhisattva Kashyapa ainda disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-


do! O corpo eterno do Tathagata é aquele esculpido em pedra, tal co-
mo ele era.”

O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Por esta razão, Monges,
Monjas, Leigos e Leigas devem todos se esforçar mais e proteger o
Dharma Maravilhoso. A recompensa pela proteção do Dharma Maravi-
lhoso é extremamente grande e inestimável. Oh bom homem! Em
razão disto, os leigos que protegem o Dharma deveriam pegar espadas
e bastões e proteger um Monge que guarda o Dharma. Muito embora
uma pessoa mantenha em observância os preceitos, não podemos
chamar aquela pessoa de alguém que protege o Mahayana. Muito
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 96
embora uma pessoa ainda não tenha recebido os cinco preceitos, se
ela protege o Dharma Maravilhoso, tal pessoa pode perfeitamente ser
chamada de alguém do (que protege o) Mahayana. Uma pessoa que
protege o Dharma Maravilhoso deveria pegar espadas e bastões e
defender os Monges.”

Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se todos os Mon-


ges fossem acompanhados por leigos com espadas e bastões, poderí-
amos dizer que eles são dignos ou indignos desse nome? Estariam
mantendo em observância os preceitos ou não?

O Buda disse a Kashyapa: “Não diga que tais pessoas são aquelas que
transgridem os preceitos. Oh bom homem! Após a minha entrada no
Nirvana, o mundo será dominado pelo mal e a terra será devastada,
um pilhando ao outro, e as pessoas serão dominadas pela fome. Em tal
época, em razão da fome, as pessoas poderão optar por abandonar o
lar e entrar para a Sangha. Tais pessoas são falsos reverendos. Estes,
vendo aquelas pessoas que são rigorosas na observância dos preceitos,
que são corretas em sua conduta, e que são puras em suas ações, pro-
tegendo o Dharma Maravilhoso; se afastarão ou tentarão matá-las ou
prejudicá-las.”

O Bodhisattva Kashyapa disse novamente ao Buda: “Oh Honrado pelo


Mundo! Como todas essas pessoas poderão observar os preceitos e,
guardando e protegendo o Dharma Maravilhoso, entrar nas vilas, cida-
des e castelos; e ensinar?”

“Oh bom homem! Isto ocorre porque eu permito que aqueles que
observam os preceitos sejam acompanhados pelas pessoas vestidas-
de-branco [pessoas leigas, não-Monges] com espadas e bastões. Em-
bora todos os reis, ministros, homens leigos ricos e leigos em geral
possam possuir espadas e bastões para proteção do Dharma, eu cha-
mo isto de observação dos preceitos. Você pode possuir a espada e o
bastão, ‘mas não rouba a vida’. Se as coisas são assim, nós chamamos
isto em primeira mão de observação dos preceitos.”
Capítulo 5 – Sobre o Corpo Adamantino Página 97
Kashyapa disse: “Qualquer um que proteja o Dharma persevera numa
visão correta e expõe amplamente os sutras Mahayana. Ele não carre-
ga os parasóis cravejados de jóias das pessoas nobres, vasos de óleo,
arroz integral, ou frutas e sementes. Ele não se aproxima de reis, minis-
tros ou dos ricos visando benefícios. Ele não bajula os danapatis [doa-
dores de ofertas], é perfeito na boa conduta, e subjuga aqueles que
transgridem os preceitos e que perpetram o mal. Tal pessoa é chamada
um mestre que ostenta e proteje o Dharma. Ele é um verdadeiro bom
mestre da Via. Seu pensamento é tão expansivo quanto o mar.”

“Oh Kashyapa! Se houver um Monge que fale sobre o Dharma com


fins lucrativos, as pessoas e os seus parentes também seguirão seu
exemplo e avidamente buscarão lucros. Assim, esta pessoa corrompe o
povo. Oh Kashyapa! Há três tipos de reverendos: 1) os violadores dos
preceitos, 2) os ignorantes, 3) os puros. Um reverendo impuro violador
dos preceitos pode facilmente ser subjugado, enquanto um reverendo
observador dos preceitos não pode ser subjugado apenas pelo lucro.
Como é um reverendo impuro violador dos preceitos? Um reverendo
pode estar observando os preceitos, mas por ganhos ele senta, perma-
nece, vai e vem na companhia de pessoas violadoras dos preceitos,
relaciona-se amigavelmente com elas e faz coisas junto com elas. Este
é um violador de preceitos e, portanto, ‘impuro’.

Por que chamamos um reverendo de ignorante? Um Monge pode


estar vivendo num lugar quieto, mas todos os seus órgãos sensoriais
não estão de acordo [sob controle], sua mente é obscura e lenta no
trabalho. Ele deseja pouco e implora por esmolas. No dia da admoesta-
ção e libertação [pravarana], ele não ensina a confissão pura para todas
as pessoas; vendo muitas pessoas quebrando os preceitos, ele não lhes
ensina a confissão pura. Ele ainda senta com outros, fala a respeito dos
preceitos e procura ser livre. Tal pessoa é um reverendo ignorante.

O que é um reverendo puro? Existe um Monge, um reverendo a quem


100 mil bilhões de Maras não podem corromper. Este Bodhisattva é
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 98
puro na sua natureza e pode treinar os dois tipos de reverendos referi-
dos acima e fazê-los viver em meio àqueles que são puros. Ele é um
grande e insuperável mestre, que proteje bem o Dharma, que mantém
em observância os preceitos. Ele conhece bem o que é leve ou grave na
manutenção dos preceitos, corrige e beneficia as pessoas. Ele não sabe
nada que não seja a observância dos preceitos; o que ele sabe é aquilo
que concerne aos preceitos. O que ele faz para corrigir os seres? Por
exemplo, no sentido de corrigir as pessoas, o Bodhisattva sempre entra
num vilarejo a qualquer momento e visita os lugares onde vivem viúvas
e prostitutas. Ele vive lá por muitos anos. Isto é o que Sravakas não
podem fazer. Isto é o que se chama corrigir e beneficiar os seres.

Como ele sabe o que é grave? Se virmos que o Tathagata admoesta e


proíbe algo, não poderíamos fazê-lo posteriormente. Coisas tais como
as quatro ofensas graves [matar, roubar, fornicar e mentir] são aquilo
que um reverendo não deve fazer. Se, contrariamente a isto, ele pro-
positadamente as faz, isto indica que essa pessoa já não é um Monge,
nem filho do Shakya [Buda]. Isto é o que se considera ‘grave’. O que é
‘leve’? Uma pessoa comete maus atos e é severamente admoestada.
Então, ela não os comete novamente. Isto é ‘leve’. Dizemos ‘não-vinaya
referente àquilo que não está provado’. Uma pessoa preza as coisas
impuras, diz que pode recebê-las e desfrutá-las, e diz que está de acor-
do com a palavra, e não para de fazê-las. Dizemos ser ‘vinaya correto
aquele que é corretamente respondido (observado)’. Isto está ensi-
nando corretamente o vinaya [regras de disciplina monástica], não
tergiversando o que é contrário ao vinaya, e compartilhando prazer
espiritualmente. Assim asseguramos que o vinaya seja observado. As-
sim compreendemos bem o que nos obrigamos fazer como Budistas e
o descrevemos bem. Isto é o que o vinaya se refere como bom enten-
dimento de uma escrita. O mesmo se aplica à proteção dos sutras. Oh
bom homem! O Dharma do Buda é incalculável e difícil de compreen-
der. O mesmo é o caso com o Tathagata. Ele está além do conhecimen-
to.”

Capítulo 5 – Sobre o Corpo Adamantino Página 99


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! É
assim, é assim. É como você, o Santo, diz. Inconcebível e incompreensí-
vel é o Dharma do Buda. Assim, também, é o Tathagata. (O Dharma do
Buda) Está além da compreensão; bem como o Tathagata. Assim, eu
sei agora que o Tathagata é eterno e indestrutível, e que não há mu-
dança com ele. Eu agora estudarei bem e o exporei amplamente para
as pessoas.”

Então o Buda elogiou o Bodhisattva Kashyapa e disse: “Bem falado,


bem falado! O corpo do Tathagata é adamantino e indestrutível. Você,
Bodhisattva, agora tem a visão correta e a compreensão correta. Se
você vê claramente assim, você verá o corpo adamantino e indestrutí-
vel do Tathagata da forma como você vê as coisas refletidas num espe-
lho.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 100


Capítulo Seis: Sobre a Virtude do Nome
Então o Tathagata novamente falou a Kashyapa: “Oh bom homem!
Agora você deve proteger todas as palavras, capítulos, cláusulas e to-
das as virtudes deste sutra. Qualquer bom homem ou boa mulher que
ouça o nome deste sutra nunca mais nascerá nos quatro reinos [do
inferno, fome, animalidade e ira]. Por que não? Exporei agora para
você todas as virtudes deste sutra e tudo o que é praticado pelos inu-
meráveis, ilimitados Budas.”

A Virtude do Nome

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Como este sutra deverá ser chamado? Como deveriam os Bodhisattvas
Mahasattvas proteger e ostentar este sutra?”

O Buda disse a Kashyapa: “O nome deste sutra deverá ser ‘Mahapari-


nirvana’. A palavra precedente (maha) significa ‘bom’, a palavra do
meio (pari) também (significa) ‘bom’, e a palavra final (nirvana) ‘bom’
também. O significado [deste sutra] é extremamente profundo, e o que
está escrito [nele] é bom. A pureza da sua organização é perfeita, sua
ação é pura, e é plenamente satisfatório como hospedeiro do Tesouro
Adamantino. Ouça bem, ouça bem! Falarei agora. Oh bom homem! A
palavra ‘maha’ prenuncia ‘eterno’. Isto é como todos os grandes rios
drenando para o grande oceano. O mesmo ocorre com este sutra. Ele
desfaz todos os elos das ilusões, todos os poderes de Mara e, então,
corpo e vida correm para o ‘Mahaparinirvana’. Por isso dizemos ‘Ma-
haparinirvana’. Oh bom homem! Isto é como o caso de um médico que
tem um tratamento secreto abarcando todos os tratamentos médicos
para doenças. Oh bom homem! O mesmo ocorre com o Tathagata.
Todas as várias doutrinas maravilhosas ensinadas e todos os seus pro-
fundos significados secretos encontram seu caminho neste ‘Mahapari-
nirvana’. Este é o porquê de dizermos Mahaparinirvana. Oh bom ho-
mem! É como um agricultor que planta as sementes na primavera. Ele

Capítulo 6 – Sobre a Virtude do Nome Página 101


acalenta um raro desejo. Quando ele terminar a colheita, toda a sua
ansiedade terá um fim. Oh bom homem! O mesmo é o caso com todos
os seres. Se estudamos outros sutras, sempre esperamos por belas
apreciações. Quando ouvimos este Mahaparinirvana, [todavia], cessa o
desejo de apreciar os belos sabores mencionados em outros sutras.
Este Grande Nirvana possibilita a todos os seres atravessarem o mar de
todas as existências. Oh bom homem! Dentre todas as pegadas, aquela
do elefante é a melhor. O mesmo ocorre com este sutra. De todos os
samadhis dos sutras, o (samadhi) deste sutra é o melhor. Oh bom ho-
mem! Dentre todos os preparos da terra, aquele feito no outono é
melhor. O mesmo ocorre com este sutra. Ele é o melhor de todos os
sutras. Ele é como o sarpirmanda, que é o melhor de todos os remé-
dios. Ele cura completamente as preocupações febris e os pensamen-
tos frenéticos dos seres. Este Grande Nirvana é o maior de todos. Oh
bom homem! Ele é como a doce manteiga que contém os oito sabores.
O mesmo também se aplica a este sutra. Ele contém os oito sabores.
Quais são os oito? São: 1) é eterno, 2) sempre é, 3) é pacífico, 4) é puro
e sereno, 5) não se torna velho, 6) não morre, 7) é imaculado, e 8) é
agradável e feliz. Esses são os oito sabores. Ele possui esses oito sabo-
res. Este é o porquê de dizermos ‘Mahaparinirvana’. Agora, todos os
Bodhisattvas Mahasattvas pacificamente residem nisto e manifestam
Nirvana em todos os lugares. Este é o porquê de dizermos ‘Mahapari-
nirvana’. Oh Kashyapa! Todos os bons homens e boas mulheres que
desejarem entrar no Nirvana através deste ‘Mahaparinirvana’ devem
estudar bem o fato de que o Tathagata é eterno e que o Dharma e a
Sangha são eternos.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Tudo é maravilhoso, oh Hon-


rado pelo Mundo! Não podemos conceber as profundezas das virtudes
do Tathagata. O mesmo é o caso com as virtudes do Dharma e da San-
gha. Este Mahaparinirvana também é inconcebível. Aquele que estuda
este sutra obterá a visão correta do Dharma e tornar-se-á um grande
Doutor. Qualquer um que não tenha estudado este sutra, devemos
saber, é uma pessoa cega, não possuidora dos olhos da sabedoria e
está obscurecida pela ignorância.”
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 102
Capítulo Sete: Sobre os Quatro Aspectos
“O Buda novamente falou à Kashyapa: “Oh bom homem! Há quatro
aspectos sobre os quais um Bodhisattva Mahasattva discrimina e ex-
põe o Mahaparinirvana. Quais são esses quatro? Existe: 1) retidão em
si, 2) corrigir outros, 3) boa concordância [com os ensinamentos] e
discussão, e 4) bom entendimento das relações causais.

Oh Kashyapa! O que é retidão em si? Isto é como quando o Buda, o


Tathagata, expõe o Dharma observando bem as relações causais. Isto é
como um Monge vendo um grande fogo. Ele diz: ‘Eu preferiria me ati-
rar dentro desta bola de fogo ardente do que dizer que todos os doze
tipos de sutras e os ensinamentos secretos são de Mara [o demônio].
Se dissermos que o Tathagata, o Dharma e a Sangha são não-eternos,
isto estará enganando a nós próprios e também aos outros. Eu preferi-
ria cortar minha língua com uma espada afiada do que dizer que o
Tathagata, o Dharma e a Sangha são não-eternos. Eu, de fato, posso
ouvir outros dizendo isto, mas eu nunca acreditaria. Eu sentiria piedade
de uma pessoa que dissesse algo assim. O Tathagata, o Dharma e a
Sangha são inconcebíveis’. Deveríamos proteger a nós mesmos assim.
Olharmos para nós mesmos como se víssemos uma bola de fogo. Esta
é a forma como deveríamos compreender retidão em si.

Oh Kashyapa! Como corrigimos os outros? Certa vez, quando eu estava


falando acerca do Dharma, havia uma mulher alimentando uma crian-
ça com leite. Ela veio para onde o Buda se encontrava. Ela tocou meus
pés com sua cabeça e prestou homenagem a mim. Como ela estava
aflita, ela estava absorta e tomou assento a um lado. Penetrando seu
pensamento, eu disse especialmente a ela: ‘Por amor pela sua criança,
você tem dado-lhe muita nata. Você não pondera entre digestão e
indigestão’. Nisto, a mulher disse-me: ‘Quão maravilhoso que o Honra-
do pelo Mundo leia meu pensamento assim. Por favor, Oh Honrado
pelo Mundo! Ensine-me como fazer. Oh Honrado pelo Mundo! Eu dei
[à minha criança] nata em demasia esta manhã. Possivelmente ele não

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 103


possa digeri-la bem. Isto não tomará a vida da criança? Oh Tathagata!
Por favor exponha as coisas para mim.’ Eu disse: ‘O que você deu será
digerido pouco a pouco e, então, aumentará a vida.’ A mulher, ouvindo
isto, ficou muito contente. Ela falou novamente, dizendo: ‘Aquilo que o
Tathagata fala é [sempre] verdadeiro. Dessa forma, estou satisfeita. O
Honrado pelo Mundo, no sentido de ensinar todos os seres, faz distin-
ções e expõe sobre digestão e indigestão, sobre o não-Eu e o não-
eterno de todas as existências. Se o Honrado pelo Mundo fosse falar
primeiro sobre o Eterno, uma pessoa ouvindo isto poderia dizer que o
que ele disse é o mesmo que dizem os tirthikas, descartariam o que ele
dissera e iriam embora’. Eu então disse à mulher: ‘Quando as crianças
crescem e se tornam grandes, e quando elas podem ir e vir por si
mesmas, o que for ingerido será digerido, mesmo quando indigesto. A
nata que foi tomada antes não será suficiente para sustentar [aquela
pessoa]. O mesmo é o caso com todos os meus discípulos Sravaka. É
como no caso da sua criança. Eles não podem digerir este Dharma e-
terno. Este é o porquê de eu falar sobre sofrimento e impermanência.
Quando todos os meus Sravakas já estiverem perfeitos nas virtudes e
puderem permanecer ensinando os sutras Mahayana, eu então, neste
sutra, falarei sobre os seis sabores.

Os Seis Sabores

O que são os seis sabores? O sofrimento é o sabor do vinagre; o não-


Eterno é o salgado; o não-Eu é o amargo; a Alegria tem o sabor da do-
çura; o Eu é de sabor pungente; e o Eterno é leve (suave) no sabor. Na
vida secular há três sabores, quais sejam: 1) o não-Eterno, 2) o não-Eu,
e 3) o Sofrimento. A ilusão é o combustível, e a Sabedoria é o fogo.
Através desses meios, obtemos o repasto do Nirvana. Isto é, o Eterno, a
Alegria, e o Eu. Todos os meus discípulos provam-nos como doces.’

Eu também disse para a mulher: ‘Se acontecer de você ir a outros luga-


res, afaste os maus meninos de casa e dê tesouros aos bons meninos.’

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 104


A mulher disse-me: ‘De fato, conforme me instruiu, os raros tesouros
que possuo serão mostrados para os bons filhos, e não para os maus.’
‘Oh irmã! O mesmo é o caso comigo. Por ocasião da entrada no Pari-
nirvana, o secreto e insuperável repositório do Dharma do Tathagata
não será dado aos discípulos Sravakas [Ouvintes dos ensinamentos do
Buda]. Assim como você não revela seus tesouros para maus filhos, ele
[meu repositório do Dharma] será por todos os meios confiado aos
Bodhisattvas. Isto é como a sua revelação dos seus tesouros para os
bons filhos. Por que é assim? Porque discípulos Sravakas (Ouvintes)
persistem em pensamentos de mudança e dizem que o Tathagata ver-
dadeiramente morre. Mas, de fato, não morro. Isto é como você ir a
lugares distantes e, não tendo ainda retornado para a casa, seus maus
filhos dizerem que você morreu, embora não tenha morrido. Todos os
Bodhisattvas dizem que o Tathagata nunca muda. Isto é semelhante
aos seus bons filhos, que não dizem que você está morta. De fato, eu
confio o insuperável tesouro secreto a todos os Bodhisattvas’. Oh bom
homem! Se alguma pessoa diz que o Buda é Eterno e imutável, saiba
que o Buda está presente naquela casa. Isto é corrigir os outros.

“Oh Kashyapa! O que é ‘boa concordância e discussão’? Por exemplo,


uma pessoa chega e coloca uma questão ao Buda, o Honrado pelo
Mundo: ‘Como eu posso ser um grande danapati [doador de ofertas],
não jogando o meu dinheiro fora’? O Buda diz: Caso haja qualquer
Shramana, Brahman, ou qualquer pessoa que procure possuir pouco,
esteja plenamente satisfeita e que assim não aceitará ou acumulará
quaisquer coisas impuras, dê para tal pessoa um empregado ou um
servente. Para aquele que pratica ações puras, dê-lhe a luxúria de uma
mulher, e para aquele que não bebe ou come, dê-lhe bebida e comida;
para aquele que não faz refeições após o meio-dia, dê-lhe uma refeição
após o meio-dia; para aquele que não usa flores e incenso, dê-lhe flores
e incenso. Tais doações darão origem a rumores e a fama preencherá o
mundo. Nenhum centavo é gasto. Isto é ‘boa concordância e discus-
são.’

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 105


Então o Bodisattva Kashyapa disse ao Buda: “Honrado pelo Mundo!
Para aquele que come carne, não devemos dar carne. Por que não? Eu
vejo a emanação de uma grande virtude da abstenção do consumo de
carne.”

O Buda elogiou Kashyapa e disse: “Bem falado, bem falado! Agora você
entendeu bem o meu pensamento. Um Bodhisattva que protege o
Dharma deve ser assim. Oh bom homem! De agora em diante, não
permitirei aos meus discípulos Sravaka (ouvintes) comerem carne.
Quando receberem de um danapati uma doação (de carne) de pura fé,
pensem que (vocês) estão comendo a carne do seu próprio filho.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ainda ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-


do! Por que é que o Tathagata não nos permite comer carne?”

“Oh bom homem! Aquele que come carne mata a semente da grande
compaixão.”

Kashyapa disse novamente: “Por que você primeiro permitiu aos Mon-
ges comer três tipos de carne pura?”

“Oh Kashyapa! Esses três tipos de carne pura foram instituídos de


acordo com as necessidades da ocasião.”
O Bodhisattva Kashyapa disse novamente ao Buda: “Oh Honrado pelo
Mundo! Em quais circunstâncias você não permite as dez impurezas ou
os nove tipos daquilo que é puro?”

O Buda disse a Kashyapa: “Isto também é permitido em passos gradu-


ais de acordo com as necessidades da ocasião. Isto é o que se aplica na
presente proibição de comer carne.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ainda ao Buda: “Por que é que a carne


do peixe é elogiada e chamada de bela?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 106


“Oh bom homem! Eu não digo que a carne de peixe é uma bela comi-
da. Eu digo que a cana-de-açúcar, o arroz solto, balas, caramelos, todos
os tipos de trigo, mel, leite, natas e óleo são belas comidas. Diversos
tipos de peças de vestuário podem ser guardadas (estocadas), mas não
aquelas cuja cor pode desbotar (deteriorar). Como poderíamos desejar
avidamente a carne de peixe?”

Kashyapa disse novamente ao Buda: “Se o Tathagata intenta proibir a


ingestão de carne, coisas dos cinco tipos de sabores como leite, nata,
manteiga fresca, manteiga refinada e sarpirmanda, todos os tipos de
roupas, tecido de seda, calçado de casco de cavalo, couro e peles, taças
de ouro e prata não deveriam ser recebidos.”

“Oh bom homem! Não confundamos as coisas com o que os Nirgran-


thas [Jainistas] dizem. Cada uma das proibições que o Tathagata esta-
belece tem um significado diferente. Por essa razão, três carnes puras
são permitidas com base em três diferentes motivos e os dez tipos de
carne são proibidos por diferentes pontos de vista. Pelos diferentes
pontos de vista, todas são proibidas, até o momento da morte de al-
guém. Oh Kashyapa! Eu, de agora em diante, direi aos meus discípulos
para refrearem o desejo de consumir qualquer tipo de carne. Oh Kash-
yapa! Quando alguém come carne, isto faz exalar o cheiro da carne
enquanto andando, parando, sentando ou reclinando. As pessoas sen-
tem isto e tornam-se receosas. Isto é como quando alguém se aproxi-
ma de um leão. Ele vê, cheira o leão, e surge o medo. Oh bom homem!
Quando alguém come alho, o mau-cheiro é insuportável. As outras
pessoas o notam. Eles sentem o mau-cheiro. Eles se afastam daquela
pessoa e vão embora. Mesmo de longe, as pessoas odeiam ver tal pes-
soa. Eles não se aproximarão dela. O mesmo ocorre com alguém que
come carne. É uma situação semelhante com todas as pessoas que,
sentindo o cheiro da carne, tornam-se temerosas e acalentam um pen-
samento de morte. Todos os seres viventes na água, na terra e no céu
se afastam dessa pessoa e caem fora. Eles dizem que essa pessoa é sua
inimiga. Por essa razão o Bodhisattva não come carne. No sentido de
salvar os seres, ele mostra-se como alguém que come carne. Embora
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 107
ele [pareça] comer carne, de fato ele não o faz. Oh bom homem! Tal
Bodhisattva não come sequer as comidas puras. Como ele poderia
comer carne?

Cem anos após a minha morte, todos os santos sábios das quatro frui-
ções [os quatro estágios que conduzem ao ‘Arhatship’] entrarão no
Nirvana. A era do Dharma Maravilhoso se encerrará, e surgirá a era do
Dharma Adulterado, quando o Monge manterá os preceitos [apenas]
como uma questão de formalidade, recitará [somente] um pouco os
sutras, tomará avidamente comida e bebida, e [excessivamente] nutri-
rá seu corpo. O que ele vestirá em seu corpo será feio e grosseiro. Ele
parecerá fatigado e não mostrará dignidade. Ele alimentará vacas e
ovelhas, e carregará lenha (combustível) e capim. Sua barba, unhas e
cabelos serão longos. Ele não adotará a kasaya [o robe sacerdotal],
mas, antes, parecerá um caçador. Ele aguçará seus olhos, caminhará
lentamente e parecerá um gato que está atrás de um rato. Ele irá sem-
pre murmurar: ‘Eu atingi o arhatship’. Ele sofrerá de todos os tipos de
doenças, deitará e dormirá sobre dejetos. Exteriormente ele parecerá
sábio, mas interiormente ele será ganancioso e invejoso. Ele pratica o
silêncio (mute) como um Brâmane. Para dizer a verdade, ele não é
Shramana [Monge], mas somente tenta se passar por tal. Ele está
queimando com as visões pervertidas, sempre caluniando o Dharma
Maravilhoso. Tal pessoa transgride os preceitos, a ação correta e a
conduta instituída pelo Tathagata. Ele fala acerca do fruto da emanci-
pação, mas suas ações apartam-se daquilo que é puro e, assim, ele
viola o Dharma, que é profundo e recôndito. Tal pessoa, seguindo a sua
própria interpretação, falará contrariamente ao que os sutras e o vina-
ya [regras de disciplina monástica] estabelecem, dizendo: ‘O Tathagata
permite a carne a todos nós’. Eles falarão assim e dirão que o Buda o
disse. Eles disputarão e dirão que são Shramanas e sucessores dos
ensinamentos do Buda. Oh bom homem! Naquela ocasião, haverá
Shramanas que estocarão cereais, receberão peixe e carne, prepararão
as próprias comidas, e manterão vasilhas de óleo. Eles viverão ao redor
de dosséis cravejados de jóias, objetos de couro, calçados, reis, minis-
tros e pessoas ricas. Eles serão condescendentes com as práticas astro-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 108
lógicas e tratamentos médicos; terão serviçais, ouro, prata, berílio (ge-
mas preciosas), madrepérola (musaragalva – coral branco), ágata, cris-
tal, corais, âmbar, jade, casco de cavalo, e muitos tipos de melões [se-
mentes]. Aprenderão todas as artes, pintura, artes plásticas, confecção
de livros, e todos os tipos de ciências, todos os tipos de cultura por
semeadura ou plantação de raízes, colocação de pragas (maldições),
encantamentos, preparação de remédios, arte teatral, música, ador-
nando seu corpo com fragrâncias e flores, jogatina, jogo de “GO”, e
vários tipos de trabalhos manuais. Se um Monge qualquer rejeita tais
maldades, podemos dizer que ele é verdadeiramente meu discípulo.”

Então Kashyapa ainda disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Os


Monges, Monjas, Leigos e Leigas podem ter que viver dependendo das
pessoas. Por ocasião do ciclo de doações, pode ser oferecida comida
contendo carne. Como eles poderão aceitá-la e ainda permanecerem
puros?”

O Buda disse: “Use água, lave-a, livrando-a da carne, e então coma-a [o


resto da comida]. O utensílio poderá ser contaminado pela carne. Mas,
se nenhum sabor da carne permanece, ele poderá ser usado. Assim,
não haverá qualquer dano a ser causado. Se vemos que há um bocado
de carne, não deveríamos aceitar tal comida. Nunca devemos comer a
carne em si. Quem a come infringe a regra. Eu agora estabeleço esta
regra de abstenção da ingestão de carne. Se formos entrar em deta-
lhes, não haverá um fim para as explicações. Agora é o tempo em que
entrarei no Nirvana. Sendo assim, devo dispensar maiores explicações.
Isto já está ‘respondendo bem o que foi indagado acima’”.

“Oh Kashyapa! O que significa ‘bom entendimento das relações cau-


sais’? As quatro classes da Sangha podem vir a mim e dizer: ‘Esta é a
primeira vez, oh Tathagata, que nos disse tais coisas. Por que isto?
Você não falou ao Rei Prasenajit (nome em sâncrito do Rei Pasenadi)
acerca da parte mais profunda dos ensinamentos, e disse, às vezes, que
ele (o ensinamento) era ‘profundo’ e, outras vezes, ‘superficial’; às
vezes, disse que se infringia e, outras vezes, que não se infringia. Por
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 109
que dizemos ‘parajayika’ [parajika significa grave, extremamente sério],
preceitos e ‘pratimoksha’ [regras da vida monástica que ‘libertam’]?”

O Buda disse: “Pratimoksha significa sentimento de satisfação. Existe


então perfeição do comportamento; não há recebimento e contenção
(armazenamento). Isto também é chamado ‘vida pura’.

‘Parajayika’ significa ‘os quarto reinos do sofrimento’. Também significa


cair no inferno, até o Inferno Avichi [o mais terrível dos oito infernos];
quanto à lentidão ou rapidez, é mais rápido do que uma chuva torren-
cial. Aquele que ouve [isto], teme, observa rigorosamente os preceitos
e nunca age contrariamente à boa conduta. Treinado na auto-
satisfação, ele nunca receberá aquilo que não é puro. Também, o para-
jayika aumenta [os reinos do] inferno, da animalidade e dos espíritos
famintos. Por essas razões, dizemos ‘parajayika’.

‘Pratimoksha’ erradica a maldade e as ações pervertidas do corpo, da


boca e da mente.

‘Preceitos’ referem-se à conduta moral, o profundo significado dos


sutras, significando o bem, o abster-se de aceitar coisas impuras e to-
das as relações causais com coisas impuras. Também, os preceitos
impedem coisas como as quatro graves ofensas, treze ofensas de sam-
ghavasesas (são violações de regras de conduta que podem causar a
dissolução da Sangha), duas ofensas de aniyatans, trinta ofensas de
naihsargika-prayascittikas, noventa e uma ofensas de payatikas, quatro
ofensas de desaniyas, siksakaraniya, sete maneiras de envidar disputas
(adhikaranasamatha), etc. Ou pode haver uma pessoa que transgrida
todos os preceitos. Quais são todos eles? Isto se refere desde as quatro
graves ofensas até as sete maneiras de envidar disputas (adhikarana-
samatha). Ou pode haver pessoas que caluniem o profundo significado
dos sutras Budistas do Dharma Maravilhoso ou que são como icchanti-
ka, que não têm qualquer possibilidade de encontrar os ensinamentos
Budistas por quaisquer meios. Tais pessoas dizem a respeito de si pró-
prias que elas são esclarecidas e sábias. Elas são iguais a todos os peca-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 110
dos. Elas ocultam todos os males feitos, os quais podem ser leves ou
graves na natureza, assim como uma tartaruga esconde seus seis
membros sob sua carapaça. Elas nunca se arrependem de quaisquer
desses pecados. Em razão deste não-arrependimento, seus pecados
aumentam dia e noite. Tais Monges não confessam todos os seus pe-
cados. E como eles ocultam-nos dentro de si, eles crescem gradual-
mente. O Tathagata, ciente de tudo isto, proíbe através de etapas gra-
duais e não de uma só vez.”

Então, bons homens e boas mulheres diriam ao Buda: “Oh Honrado


pelo mundo! O Tathagata sabia todas essas coisas. Por que você não as
erradicou previamente? Ou, Oh Honrado pelo Mundo! Isto não signifi-
ca que todos os seres estão caindo no Inferno Avichi? Por exemplo,
muitas pessoas, desejando ir a outros lugares, erram o caminho correto
e pegam o errado. Essas pessoas, desconhecendo o que está errado,
dizem que estão pegando o caminho certo. Isto é como no caso de
alguém que não indaga acerca do certo e do errado. Da mesma manei-
ra, as pessoas tomam o caminho errado no que respeita aos ensina-
mentos Budistas. O Tathagata deveria primeiro mostrar o caminho
certo e levar todos os Monges a saber como se viola as injunções e o
que está correto. Assim, você deveria mostrar as proibições. Por quê?
Porque nós dizemos que o Tathagata, o Perfeitamente-Iluminado, é
aquele que é verdadeiro. Ele vê o caminho correto e ele, o Tathagata, é
o deus dos deuses, e ele realmente fala acerca das virtudes supremas
das dez boas ações e o seu significado. Dessa forma, respeitosamente,
rogamos-lhe que primeiro institua os preceitos.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se você diz que o Tathagata, para o
benefício dos seres, fala acerca das virtudes supremas das dez boas
ações, isto indica que ele vê a todos os seres como vê a seu filho Rahu-
la. Como você pode censurá-lo e indagar se ele não está deixando os
seres caírem no inferno? Se eu visse uma pessoa caindo no Inferno
Avichi, para o benefício daquela pessoa, eu permaneceria no mundo
por um kalpa ou menos que um kalpa. Eu tenho grande compaixão
para com todos os seres. Como eu poderia enganar alguém que consi-
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 111
dero como meu filho e dexá-lo cair no inferno? Oh bom homem! É
como uma pessoa na terra de um rei que veste a kasaya. Existe um
furo nela, ele vê e mais tarde o repara. O mesmo se passa com o Ta-
thagata. Vendo uma pessoa caindo no inferno, ele faz os reparos e
confere os preceitos para as boas ações. Oh bom homem! Isto é como
um Chakravartin [um supremo monarca do mundo] que, para o bene-
fício dos seres, primeiro fala sobre as dez boas ações. Depois, vem o
tempo quando ele ocasionalmente vê as pessoas fazendo maldades.
Então o rei cria uma lei e as erradica. Tendo erradicado todas as mal-
dades, o rei desempenha o papel de um Chakravartin. Oh bom ho-
mem! O mesmo se passa comigo. Eu tenho coisas a dizer, mas eu não
imponho as leis primeiro.

Sempre, primeiro, os Monges cometem erros; então, de acordo com o


erro, uma admoestação é dada. Assim, as pessoas que amam a Via têm
o prazer de praticar [em concordância]. Tais pessoas podem ver bem o
Corpo-do-Dharma do Tathagata. Isto é como o chakraratna [chakra
significa roda e ratna significa jóia preciosa], a qualidade toda-
maravilhosa de um Chakravartin, e que é difícil de conceber. O mesmo
é o caso com o Tathagata. Ele está além do conhecimento. Os dois
tesouros do Dharma e da Sangha também estão além do que se pode
conceber. Aquele que fala e aquele que ouve também estão além do
conhecimento. Isto é como compreender bem as relações causais.
Assim o Bodhisattva discrimina e expõe o significado dos quatro aspec-
tos. Estas são as relações causais referentes ao Grande Nirvana do
Mahayana.

‘Corrigindo-se’ (você) está a ganhar este Mahaparinirvana. ‘Corrigindo


outros’ é o que eu digo aos Monges, dizendo-lhes que o Tathagata é
Eterno e Imutável. ‘Respondendo às questões’, oh Kashyapa, através
da sua questão, eu agora explanarei essa doutrina toda-maravilhosa
para o benefício dos Bodhisattvas, Monges, Monjas, Leigos e Leigas.
Através das ‘relações causais’ eu abro os olhos dos Sravakas (Ouvintes)
e Pratyekabudas, em razão de eles não compreenderem o profundo
significado das coisas ditas acima, e em razão de não terem oportuni-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 112
dade de ouvir sobre o fato de que os três pontos do ‘i’ compreendem
emancipação, Nirvana, Mahaprajna, e também o repositório secreto.
Eu agora o farei no sentido claro, discriminarei e, para o benefício de
todos os Sravakas, abrirei os olhos da Sabedoria. As pessoas podem
dizer: ‘Como podem todas as quatro coisas (quatro aspectos) estar
fundidas em uma? Isto não é um disparate?’ Então podemos dizer:
‘Poderia haver alguma diferença entre os (quatro) aspectos do espaço,
não-possessão, imutabilidade e não-obstrução?’ Poderíamos dizer que
isto é um disparate?”

“Não, oh Honrado pelo Mundo! Todas as quatro expressões apontam


para a mesma coisa. Elas significam não mais que o Vazio. O mesmo é o
caso com ‘corrigir-se’, ‘corrigir outros’, ‘responder às questões (em boa
concordância [com os ensinamentos])’, e ‘compreender bem as rela-
ções causais’. Isto está a dizer que o que há aqui é a unidade do Grande
Nirvana e que nada é diferente [isto é, não há dualismo ou diferencia-
ção].”

Compreendendo a Eternidade do Tathagata

O Buda disse a Kashyapa: “Ou pode haver bons homens e boas mulhe-
res que podem dizer: ‘O Tathagata é não-Eterno. Como podemos saber
que ele é não-Eterno? O Buda diz que quando o fogo da ilusão é extin-
to, há Nirvana. Isto é como quando nada há para ser visto quando o
fogo é extinto. O mesmo é o caso quando todas as ilusões são aniquila-
das. Isto, ele diz, é Nirvana. Como o Tathagata pode alegar que ele é o
Dharma Eterno e Imutável? O Buda diz que quando abandonamos a
existência, há Nirvana. Neste Nirvana, nada pode haver que tenha exis-
tência. Como, então, o Tathagata pode ser Eterno e Imutável? Quando
uma peça da roupa se rasga, não mais a chamamos de roupa. O mes-
mo se passa com o Nirvana. Quando todas as ilusões são extintas, nada
mais pode haver. Como o Tathagata pode ser Eterno e Imutável? O
Buda diz que a separação dos desejos e a chegada da quietude são

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 113


Nirvana. Se a cabeça de uma pessoa é cortada, não há mais cabeça. O
mesmo se passa com a separação dos desejos e a chegada da quietu-
de. O que existe é Vacuidade. Não há mais nada ali. Portanto, Nirvana.
Como o Tathagata pode ser Eterno e Imutável’?

O Buda diz:

[Isto é como no caso do ferro aquecido.


Quando batido por um martelo, saem faíscas.
Elas reluzem e se esvanecem; nada permanece.
O mesmo se aplica à consecução da emancipação.
Uma vez que a confusão do desejo carnal foi superada,
ganha-se o estado de imobilidade.
Já não existe um lugar para ir].

Como o Tathagata pode ser eterno e imutável?

Oh Kashyapa! Alguém que me censure assim comete uma calúnia que


é grave. O Kashyapa! Você não deve acalentar tal noção e dizer que a
natureza do Tathagata perece. Oh Kashyapa! Nós não colocamos a
aniquilação da ilusão na categoria da matéria [rupa]. Por que não? Em
razão da ulterioridade da Eternidade. Por isso, dizemos Eterno. A quie-
tude [nirvânica] nada tem a sucedê-la. Todos os fenômenos existentes
são extirpados, nada permanecendo. Isto aponta para aquilo que é
inédito, limpo, eterno e irreversível. Este é o porquê de dizermos que o
Nirvana é eterno. O mesmo se passa com o Tathagata. Ele é Eterno,
Imutável. ‘Fazer a Limpeza’. Isto se refere à ilusão. Uma vez varridas (as
ilusões), tudo desaparece, não permanecendo um traço sequer da
existência. Isto indica que todos os Tathagatas são aqueles que bani-
ram as ilusões e não estão mais nos cinco reinos. Isto significa que o
Tathagata é aquele que é Eterno e Imutável. Ademais, oh Kashyapa!
Este é o Dharma que é o Mestre de todos os Budas. Portanto, o Tatha-
gata respeitosamente faz oferecimentos. Como o Dharma é Eterno,
assim também todos os Budas são Eternos.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 114


O Fogo da Sabedoria

O Bodhisattva Kashyapa disse novamente ao Buda: “Se a chama da


ilusão morre, o Tathagata também deve morrer. Isto indica que não
pode haver uma terra onde o Tathagata seja eterno. Isto é semelhante
à situação na qual a escória do ferro fundido não pode mais ser vista
quando a cor vermelha desaparece. O mesmo se passa com o Tathaga-
ta e a ilusão. Acabou, não há mais outro caminho a seguir. E é como no
caso do ferro. Quando o calor e a cor vermelha se vão, nada permane-
ce lá para ser visto. O mesmo se passa com o Tathagata. Uma vez extin-
to, o que permanece é o não-Eterno. Com o fim do fogo da ilusão, ele
entra no Nirvana. Isto nos diz que o Tathagata é não-Eterno.”

“Oh bom homem! O ferro sobre o qual você fala refere-se aos mortais
comuns. Quando a ilusão acaba, o mortal comum retorna novamente
(ao ciclo do nascimento e da morte). Este é o porquê de dizermos não-
Eterno. Este não é o caso com o Tathagata. Tendo ido, não há retorno.
Portanto, é eterno.”

Kashyapa ainda disse ao Buda: “Se colocarmos o ferro sem cor de volta
no fogo, a cor vermelha retornará. Se assim for com o Tathagata, a
ilusão novamente tomará forma. Se a ilusão tomar forma novamente,
isto nada mais é que o não-Eterno.”

O Buda disse: “Oh Kashyapa! Não diga que o Tathagata é não-Eterno.


Por que não? Porque o Tathagata é o Eterno. Oh bom homem! Quando
a madeira é queimada, vem a extinção e, como remanescentes, ficam
as cinzas. Quando se acaba com a ilusão, o que fica é Nirvana. Todas as
parábolas como as da roupa rasgada, da decapitação, e da louça que-
brada enunciam a mesma verdade. Todas essas coisas têm nomes
como estes: roupa rasgada, (cabeça) decapitada, e louça quebrada. Oh
Kashyapa! O ferro que tornou-se frio pode ser aquecido novamente.
Mas este não é o caso com o Tathagata. Uma vez que se acaba com a
ilusão, o que fica é a pureza e a serenidade em seu grau extremo. O

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 115


chama ardente nunca mais volta. Oh Kashyapa! Saiba que a situação de
inumeráveis seres é como aquela do ferro. Com o fogo flamejante da
Sabedoria livre de ‘asvaras’ [impurezas], eu agora queimo os laços da
ilusão de todos os seres.”

Kashyapa disse ainda: “Muito bom, muito bom que eu agora veja cla-
ramente o que significa quando o Tathagata diz que todos os Budas são
Eternos.”

O Buda disse: “Oh Kashyapa! Imagine, por exemplo, um Chakravartin


[um supremo monarca do mundo] nos fundos do seu palácio. Naquele
momento ele encontra-se nos jardins de trás. Embora este rei não
esteja em meio às suas acompanhantes, não podemos dizer que sua
vida está no fim. Oh bom homem! O mesmo é verdadeiro com o Ta-
thagata. Embora não esteja no Jambudvipa [este mundo], mas sim no
Nirvana, não podemos dizer que ele é não-Eterno. Ele encontra-se
agora fora do mundo das inumeráveis ilusões e está agora num mundo
todo-maravilhoso de paz e felicidade. Ele senta-se em meio às flores da
Iluminação, vê (a si) e recreia-se.”

O Universo Físico e o do Bodhisattva

Kashyapa novamente indagou o Buda: “O Buda diz que já atravessou o


grande oceano da ilusão. Se você está além do mar da ilusão, por que
se casou com Yashodara e teve Rahula? A respeito disto, podemos
pensar que o Tathagata ainda não se desatou dos laços da ilusão e
cruzou o mar. Por favor, oh Tathagata! Ilumine-me sobre este ponto.”

O Buda disse a Kashyapa: “Não diga que se o Tathagata já há muito


atravessou o grande mar da ilusão, não haveria razão para ele ter Ya-
shodara [como sua esposa], conceber Rahula e que, em conseqüência,
o Tathagata ainda não teria se desatado dos laços da ilusão e atraves-
sado o grande mar da ilusão. Oh, bom homem! Este Grande Nirvana

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 116


evoca uma coisa de grande significância. Ouça-me com a sua melhor
atenção. Falarei para todo o mundo. Não fique surpreso ou alimente
dúvidas. Se o Bodhisattva-Mahasattva alcança o Grande Nirvana, coisas
tão altas e amplas quanto o Monte Sumeru poderiam, de fato, ser co-
locadas dentro de uma semente de mostarda. Se [naquela ocasião] os
seres se encontram no Monte Sumeru, eles não se sentirão reduzidos e
nem oprimidos. Não haverá sensação de vir ou ir a qualquer lugar.
Tudo será exatamente como antes, sem qualquer diferença. Somente
alguém que tenha atravessado o oceano [da ilusão] estará apto a ver
que este Bodhisattva colocou os três mil grandes sistemas de mil mun-
dos dentro de uma semente de mostarda e está de volta à sua própria
residência (morada) novamente. Oh, bom homem! Igualmente, o Bo-
dhisattva-Mahasattva pode entrar no Grande Nirvana e colocar os três
mil grandes sistemas de mil mundos dentro de um poro da sua pele, e
ainda assim o lugar original permanecer como sempre foi [imutável,
inalterado]. Oh, bom homem! Também, o Bodhisattva-Mahasattva
pode entrar no Nirvana, separar as terras Búdicas dos três mil grandes
sistemas de mil mundos, coloca-las na ponta de uma agulha e empur-
rá-las através de outras terras Búdiscas como se as tivesse transpas-
sando através de uma folha de jujuba e, mesmo assim, os seres viven-
tes ali não teriam qualquer sensação de estar indo ou vindo. Somente
alguém emancipado poderia ver isto e também o lugar original. Tal é o
caso.

Oh, bom homem! Também, poderia haver um Bodhisattva-Mahasattva


que, morando no Grande Nirvana, separasse as terras Búdicas dos três
mil grandes sistemas de mil mundos, as colocasse na palma da sua mão
direita e, como no caso da roda do oleiro, as arremessasse para outros
mundos de partículas. E mesmo assim, nenhum simples ser acalentaria
uma idéia de estar indo ou vindo. Somente alguém emancipado estaria
apto a ver isto. E assim seria também com o lugar original. Oh, bom
homem! Também, um Bodhisattva-Mahasattva que tenha atingido o
Grande Nirvana pode separar inumeráveis terras Búdicas de todas as
dez direções e colocá-las dentro do seu próprio corpo. E as pessoas
vivendo ali não se sentiriam apertadas, oprimidas ou tendo qualquer
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 117
sensação de estarem sendo movidas de onde elas estavam. Somente
alguém que tenha sido salvo poderia ver isto. O mesmo se passa com o
lugar original. Oh, bom homem! Pode haver também um Bodhisattva-
Mahasattva que tenha entrado no Nirvana e que tenha colocado as
terras das dez direções numa partícula de pó. Os seres ali dentro tam-
bém não se sentiriam constritos, ou apertados ou teriam alguma sen-
sação de ir e vir. Somente alguém emancipado vê isto bem. O mesmo
se passa com o lugar de origem.

Oh bom homem! Quando este Bodhisattva reside no Grande Nirvana,


ele manifesta bem as várias inumeráveis transformações. Portanto, diz-
se Mahaparinirvana. Todos os divinos poderes milagrosos que este
Bodhisattva-Mahasattva demonstra nunca podem ser ponderados ou
conhecidos por qualquer dos seres [comuns]. Como poderia você saber
por que o Tathagata se comprometeu numa vida de amor e desejo e
procriou Rahula? Oh, bom homem! Agora, já se vai um longo tempo
desde que eu [primeiramente] experimentei este Grande Nirvana e
manifestei muitos divinos poderes milagrosos. É como aludido no ‘Su-
tra Surangama’, em que eu já me manifestei várias vezes em dez mi-
lhões de sóis e luas, e em dez milhões de Jambudvipas dos três mil
grandes sistemas de mil mundos. E mais, eu atingi o Nirvana nos três
mil grandes sistemas de mil mundos e no Jambudvipa. Eu realmente o
atingi. E mais, Eu encontro a minha Via dentro do útero da mãe e faço
com que os pais pensem que sou seu filho. Mas eu nunca sou aquele
que nasceu através de uma comunhão de amor e desejo; Eu me afastei
do amor [sensual] há inumeráveis kalpas.

Passos para a Paz e Felicidade dos Seres

Este meu corpo é o Corpo do Dharma. Seguindo os caminhos do mun-


do, eu me manifesto num útero materno. Oh, bom homem! Neste
Jambudvipa, nos jardins de Lumbini, eu manifestei como nascido do
útero da Mãe Maya. Após nascer, dei sete passos para o leste e pro-
clamei: ‘Eu sou o mais Honrado e Supremo dentre todos os humanos,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 118


devas e asuras.’ Meus pais, humanos e devas, testemunhando isto,
ficaram jubilosos para além das palavras e maraviralham-se. Todas
aquelas pessoas disseram que eu era uma criança. Mas, há inumerá-
veis kalpas passados, eu me apartei de quaisquer dessas coisas. Um
corpo tal como este é o Corpo-do-Dharma, e não aquele nascido da
carne, sangue, nervos, ossos e medula. Seguindo os caminhos do mun-
do, eu apareci como uma criança. Dei sete passos para o sul e procla-
mei que me tornaria o Supremo Campo de Prosperidade para o benefí-
cio de inumeráveis seres. Dando sete passos para o oeste, indiquei que
a vida agora estava encerrada (extinta), que eu partiria da velhice e da
morte, e que este era o último dos meus corpos. Dando sete passos
para o norte, eu manifestei que atravessaria todos os mares do nasci-
mento e da morte de todas as existências. Dando sete passos para o
leste, eu revelei que me tornaria o Guia para todos os seres. Dando
sete passos para os quatro cantos, eu revelei que erradicaria as raízes
das várias ilusões e as naturezas das quatro Maras (maldades), tornan-
do-me o Tathagata, Merecedor de Ofertas, o Todo-Iluminado. Dando
sete passos para o céu, eu proclamei que nunca seria manchado pelas
impurezas. Dando sete passos para baixo, eu proclamei que a chuva do
Dharma extinguiria o fogo do inferno, tal que os seres nascidos lá seri-
am abençoados com paz e felicidade.

Para uma pessoa que violou as proibições, eu me manifestei como


geada e granizo. Após sete dias de vida no Jambudvipa, eu me manifes-
tei raspando a minha cabeça. Todos disseram que eu era a primeira
criança a ter sua cabeça raspada. Todos os humanos e devas, o rei dos
Marapapiyas, Shramanas e Brahmanes jamais podem ver a usnisa [pro-
tuberância no topo das cabeças dos Budas] da minha cabeça. Como
possivelmente poderiam eles pegar uma lâmina e raspá-la? Jamais
haverá qualquer pessoa que possa pegar uma lâmina e alcançar a mi-
nha cabeça. Eu raspei a minha cabeça há inumeráveis kalpas no passa-
do. Mas, para seguir os caminhos do mundo secular, eu mostrei que a
raspei [como um jovem Príncipe]. Após o meu nascimento, meus pais
me levaram para o templo das divindades e mostraram-me para Ma-
hesvara que, vendo-me, juntou suas mãos e postou-se a um lado. Des-
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 119
de inumeráveis kalpas passados, eu já acabei com qualquer cerimônia
como, por exemplo, ao entrar no templo de um deva. Mas, apenas
para seguir os caminhos da vida secular, manifestei isto. Na vida do
Jambudvipa, deixei as pessoas fazerem um furo no lóbulo da minha
orelha. Ninguém no mundo pode fazer um furo no lóbulo da minha
orelha. Para seguir o caminho da vida secular, manifestei isto. Além
disso, eles fizeram brincos de todas as gemas e adornaram os lóbulos
da minha orelha. Mas, desde inumeráveis kalpas passados, eu já dis-
pensei os adornos. Apenas para seguir aquilo que se obtém na vida
secular, manifestei isto. Eu fui para a escola e mostrei que aprendera
leitura e escrita. Mas, eu já me formei em todas essas coisas há inume-
ráveis kalpas no passado. Como eu passei meus olhos através de todos
os seres dos três mundos, não vi nenhum que pudesse ser meu profes-
sor. Mas, para cumprir as formalidades da vida secular, eu dispus-me a
ir à escola. Este é o porquê de Eu ser chamado Tathagata, Merecedor
de Ofertas, e Todo-Iluminado. O mesmo se passou com a condução de
um elefante, a equitação num cavalo, quando lutando, e o aprendizado
de várias artes, também. No Jambudvipa, eu me manifestei como um
jovem Príncipe. Todos os seres viram-me como um Príncipe Real diver-
tindo-se e satisfazendo-se em meio aos cinco desejos da vida. Mas, há
inumeráveis kalpas passados, eu já descartei coisas tais como os cinco
desejos. Apenas para estar em concordância com aquilo que se obtém
na vida secular, eu manifestei isto. O vidente viu-me e disse que se eu
não abandonasse o lar e buscasse a Via, eu me tornaria um Chakravar-
tin e rei do Jambudvipa. Todos os seres compreenderam isto. Mas, eu
já descartara o trono de um Chakravartin e era o Rei-do-Dharma. No
Jambudvipa eu renunciei ao harém e aos cinco desejos, vi a velhice, a
doença, a morte, o Shramana, abandonei o lar e busquei a Via.

Todos os seres dizem que o Príncipe Sidharta, então pela primeira vez,
abandonou o lar e tornou-se um Shramana. Mas, já há inumeráveis
kalpas atrás, eu abandonei o lar, tornei-me um Shramana e pratiquei a
Via. Meramente para cumprir com o que obtive na vida secular, eu
manifestei isto. Eu já abandonei o lar no Jambudvipa e recebi a grande
ordenação [upasampada]. Envidei esforços, pratiquei e atingi as frui-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 120
ções da Via tais como Srotapanna [um monge que nascerá apenas
entre duas e sete vezes antes de ganhar a libertação], sakridagamin
[renasce apenas mais uma vez após a morte], anagamin [não mais
retorna a este mundo], e arhat [um santo]. Meramente para cumprir
com o que obtive na vida secular, eu manifestei isto. Todos diziam que
era fácil e não havia dificuldades para atingir o arhatship. Mas já, há
inumeráveis kalpas no passado, atingi o arhatship. No sentido de con-
duzir os seres para a outra margem da Iluminação, eu sentei sob a ár-
vore Bodhi no Bodhimanda [assento da Iluminação] de grama e derro-
tei todos os Maras [demônios]. Mas eu, já há longos e inumeráveis
kalpas no passado, derrotei os Maras. A fim de dominar os seres fortes,
eu manifestei esta cena. Eu também exibi dois tipos de resposta aos
apelos da natureza, inspirando e expirando. Todos os seres dizem que
eu respondi aos chamados da natureza e inspirei e expirei. Mas, com
este meu corpo, não tenho fruição do karma e preocupação. Eu mera-
mente ajo em concordância com a via da vida mundana. Este é o por-
quê de manifestar-me assim. Eu também mostro que recebo ofereci-
mentos feitos a mim através da prática da fé. Mas eu não sinto mais
fome ou sede neste meu corpo, e apenas cumpro com a via mundana
da vida. Eu me exibo assim. Eu também acompanho a via mundana da
vida de todos os outros e durmo. Mas eu atingi a profunda Sabedoria
há inumeráveis kalpas no passado e acabei com ações tais como ir e vir,
dores de cabeça, dos olhos, do estômago, das costas, do resto do meu
corpo, carbúnculos difíceis de curar; todas estas resultantes do karma
passado. Mas, manifestei-me lavando minhas mãos e pés numa bacia,
lavando meu rosto, gargarejando, usando escovas de dente e todas
essas coisas que se aplicam ao mundo. As pessoas dizem que eu faço
todas essas coisas. Mas, não as faço. Minhas mãos e pés são tão puros
quanto uma flor de lótus, minha boca é limpa e cheira à utpala [flor de
lótus]. Toda a gente diz que eu sou um humano. Mas agora sou não-
humano. Eu também me manifesto recebendo pamsukula [roupas
descartadas], lavando, costurando e remendando. Mas há longo tempo
que não uso tais indumentárias. Todos dizem que Rahula é meu filho,
que Suddhodana foi meu pai e Maya minha mãe, que tive uma carreira

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 121


secular na minha vida, que eu gostava de paz e felicidade [quando um
jovem príncipe], e que abandonei todas essas coisas e busquei a Via.

As pessoas ainda dizem: ‘O príncipe deste reino, do grande Clã de Gau-


tama, renunciou aos prazeres mundanos e buscou o supramundano’.
Mas já há longo tempo que me afastei do amor e do desejo mundanos.
Eu meramente exibi todas essas coisas. Todos dizem que sou homem.
Mas, para dizer a verdade, não sou. Oh bom homem! Eu me manifesto
no Jambudvipa e frequentemente entro no Nirvana. Mas, na verdade,
eu não entro no Nirvana a toda a hora. Todas as pessoas ainda dizem
que o Tathagata agora está morrendo. Mas, a natureza do Tathagata,
verdade seja dita, é eternamente imortal. Você deveria saber que eu
sou o Eterno e Imutável. Oh bom homem! O Grande Nirvana nada mais
é que o mundo do Dharma de todos os Budas-Tathagatas. Eu também
me manifesto neste Jambudvipa. As pessoas dizem que [como Sidhar-
ta] atingi o estado de Buda pela primeira vez. Mas, desde há inumerá-
veis kalpas passados, eu fiz o que era necessário ser feito e perfeita-
mente de acordo com o caminho (o hábito) do mundo. Esta é a razão
porque eu, neste Jambudvipa, manifesto a renúncia e a consecução do
Estado de Buda. Eu também [aparentemente] agi em desacordo com
as proibições e cometi as quatro graves ofensas. As pessoas viram-me e
disseram que eu transgredi. Mas, há inumeráveis kalpas passados,
tenho agido em concordância com as proibições, e nada (do que fiz) foi
incorreto. Também, no Jambudvipa, eu fui um icchantika (pessoa de
incorrigível descrença). Todas as pessoas me viram como um icchanti-
ka. Mas, dizendo a verdade, não fui icchantika. Se fui um icchantika,
como poderia ter atingido a Suprema Iluminação? Eu também me
mostrei no Jambudvipa como um perturbador da paz da Sangha Budis-
ta.

As pessoas dizem que eu era um sacerdote Budista que destruía a paz


da Sangha. E também me manifestei no Jambudvipa como protetor do
Dharma Maravilhoso. As pessoas vêem isto e dizem que isto é prote-
ção do Dharma. Todos eles estão surpresos. Todos os Budas fazem isto
e nada há de surpreendente a respeito. Neste Jambudvipa, eu também
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 122
me manifestei como Marapapiyas (Mara, o Demônio). As pessoas dis-
seram que este era Marapapiyas. As pessoas disseram que este era
‘papiyas’ [‘muito mau’]. Mas, eu me apartei da maldade há inumerá-
veis kalpas no passado; eu sou puro, não sou impuro e sou como o
lótus. Eu também me manifesto no Jambudvipa como um Buda femi-
nino. As pessoas vêem isto e dizem que é estranho que uma mulher
pudesse atingir a Suprema Iluminação. O Tathagata, afinal, nunca foi
uma mulher. Com o objetivo de subjugar as pessoas, eu me manifesto
como uma mulher. Como sinto piedade pelos seres, também me mani-
festo em várias imagens coloridas. Eu também me manifesto em meio
aos quatro reinos do sofrimento do Jambudvipa. Como eu poderia
nascer nos quatro reinos do sofrimento através de más ações? A fim de
conduzir os seres à outra margem, eu nasci assim. Eu também nasci
como Brahma no Jambudvipa e fiz aqueles que servem ao Brahma
residirem no Dharma Maravilhoso. Mas, na verdade, eu não sou um
Brahma. Mas todas as pessoas dizem que eu sou verdadeiramente um
Brahma. Eu também me manifesto como devas (espíritos intimamente
ligados e integrados à natureza, ou seja, aos cinco elementos) e preen-
cho todos os templos de devas. Mas, é o mesmo caso. Eu também me
manifesto como freqüentador de bordéis neste Jambudvipa. Mas a
minha mente não conhece a luxúria; eu sou puro e imaculado como
um lótus. Para ensinar aqueles inebriados no desejo e na luxúria, eu
fico nas encruzilhadas e falo acerca da Doutrina Maravilhosa. Mas, na
verdade, eu não tenho a luxúria ou pensamentos degradantes. As pes-
soas dizem que eu protejo mulheres. Eu também, no Jambudvipa, me
manifesto na casa de serventes e domésticas. Tudo isto é para levá-las
ao caminho do Dharma Maravilhoso. Mas, na verdade, eu nunca me
degradei, perpetrei más ações e me tornei [íntimo de] serventes e do-
mésticas. Ainda, no Jambudvipa, eu me manifestei como um professor
e conduzi crianças pelo Dharma Maravilhoso. No Jambudvipa, eu tam-
bém entrei em vários bares e cassinos. Tudo isto é para participar nos
jogos, nas discussões, e auxiliar os seres. Além do mais, eu não tenho
experiência com essas más relações. E ainda as pessoas dizem que eu
faço tais coisas. Eu também vivi muito tempo em meio às escarpas
como uma grande águia, assim como para auxiliar pássaros voando. E
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 123
ainda as pessoas disseram que fui uma águia de verdade. Mas há muito
que já me apartei de tais modos de vida. Tudo isto foi para auxiliar
pássaros e águias.

A Real e Profunda Intenção do Buda

“Shariputra, todos deveriam compreender que aquilo que o Buda diz


por suas palavras, não é de forma alguma em vão ou falso. Shariputra,
todos os Budas pregam a Lei de acordo com o que é apropriado, mas
sua intenção é difícil de compreender”. – Sutra de Lótus, Cap. 02: Meios
Hábeis.

“Eu também me manifestei no Jambudvipa como um grande homem


rico. Isto foi para fazer com que inumeráveis pessoas fossem abençoa-
das com a paz e residissem no Dharma Maravilhoso. Além disso, tor-
nei-me um rei, ministro, príncipe ou primeiro ministro. Em meio a tais
cargos, tornei-me o primeiro em todos os casos. No sentido de praticar
o Dharma Maravilhoso, tornei-me um rei. Também, houve um tempo
no Jambudvipa em que numerosas epidemias surgiram e muitas pes-
soas sofreram. Primeiro, dei-lhes a medicina (remédio) e mais tarde
falei-lhes acerca do Dharma Maravilhoso, e fiz-lhes atingir a Suprema
Iluminação. Então, todos disseram que aquele tempo foi uma era de
doenças. Também, houve um tempo no Jambudvipa em que a fome
eclodiu. Dei às pessoas a comida de que necessitavam, falei acerca do
Dharma-Todo-Maravilhoso e as conduzi à Suprema Iluminação. Tam-
bém, para pessoas com pensamentos inclinados ao ‘ser’, eu falei sobre
o não-eterno; para aqueles com pensamentos inclinados ao prazer, eu
falei sobre o sofrimento. Para aqueles que se apegam ao eu, o altruís-
mo é exposto. Para aqueles que se apegam à pureza, a impureza é
exposta. Para aqueles que se apegam aos três mundos, o Dharma é
exposto, para fazê-los renunciar ao mundo. Para passar os seres à ou-
tra margem, o maravilhoso remédio do Dharma é prescrito. A fim de
derrubar as árvores da ilusão, aquelas (árvores) da insuperável medici-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 124


na do Dharma são plantadas. Para salvar todos os tirthikas [seres delu-
didos, não-Budistas], o Dharma Maravilhoso é exposto. Embora eu aja
como um mestre para os seres, nenhum pensamento de (ser) um mes-
tre para todos os seres reside em mim. Uma vez que intento socorrer
todos aqueles das baixas camadas sociais, eu ganho vida em meio a
eles e falo acerca do Dharma. E nenhuma má ação ecoará (na forma-
ção de um mau carma) dentro de mim.”

O Tathagata-Todo-Iluminado está eternamente no Parinirvana. Portan-


to, eu digo ‘Eterno e Imutável’. Tal como no Jambudvipa (ao sul do
Monte Sumeru), assim também se passa no Purvavideha (ao leste do
Monte Sumeru), no Aparagodana (a oeste do Monte Sumeru) e no
Uttarakuru (ao norte do Monte Sumeru). Como nos quatro continen-
tes, assim também se passa nos três mil grandes sistemas de mil mun-
dos. Quanto às 25 existências, as coisas são como estabelecidas expan-
sivamente no ‘Sutra Surangama’. Portanto, ‘Parinirvana’. O Bodhisatt-
va-Mahasattva que reside no Parinirvana pode exibir bem tais poderes
(milagrosos) e transformações, e não tem receio. Oh, Kashyapa! Não
diga, portanto, que Rahula é o filho do Buda. Por que não? Porque há
inumeráveis kalpas atrás eu já erradiquei todos os desejos da existên-
cia. Este é o porquê de dizermos que o Tathagata é Eterno e Imutável.”

Kashyapa ainda disse: “Oh, Tathagata! Por que dizermos eterno? Você,
o Buda, disse que quando a luz de uma lâmpada se extingue, não há
direção ou lugar para ser nomeado [como para onde ir]. O mesmo é o
caso com o Tathagata. Uma vez morto, não pode haver direção ou
lugar que possa ser nomeado.”

O Buda disse: “Oh, Kashyapa! Você não deveria dizer: ‘Quando a luz de
uma lâmpada se extingue, não há direção ou lugar para ser nomeado.
O mesmo é o caso com o Tathagata. Quando há extinção, não pode
haver direção ou lugar para ser nomeado.’ Oh, bom homem! Quando
uma lâmpada é acesa por um homem ou por uma mulher, qualquer
lâmpada, grande ou pequena, [tem que ser] abastecida com óleo.
Quando há óleo, a lâmpada se acende. Quando o óleo é consumido, a
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 125
luz também desaparece, junto com ele. A luz que se vai pode ser com-
parada à extinção da ilusão. Embora a luz tenha se desvanecido, o u-
tensílio permanece. O mesmo é o caso com o Tathagata. Embora a
ilusão tenha partido, o Corpo-do-Dharma permanece para sempre. Oh,
bom homem! O que isto significa? Será que significa que ambos, a luz e
a lâmpada, desaparecem? É assim?”

Kashyapa respondeu: “Não, Honrado pelo Mundo! Ambos não desapa-


recem ao mesmo tempo. E o que fica ainda é não-eterno. Se o Corpo-
do-Dharma é comparado com a lâmpada, a lâmpada é não eterna e,
assim, o Corpo-do-Dharma também é não-eterno.”

(O Buda disse:) “Oh, bom homem! Você não deveria refutar dessa ma-
neira. Nós falamos de um ‘utensílio’ do mundo. O Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo é o Supremo Utensílio do Dharma. Um utensílio do mun-
do pode ser não-eterno, mas não aquele do Tathagata. Dentre todas as
coisas, o Nirvana é eterno. O Tathagata tem isto (o Nirvana). Assim, ele
é eterno. Ainda mais, bom homem! Você diz que a luz da lâmpada se
extingue. Isto é [como] o Nirvana alcançado por um Arhat. Em razão de
todas as ilusões da cobiça e do desejo se acabarem, podemos compa-
rar isto à extinção da luz da lâmpada. O Anagamin ainda tem a cobiça.
Como ainda há a cobiça, não podemos dizer que isto é o mesmo que a
extinção da luz da lâmpada. Este é o porquê eu disse no passado num
ensino secreto que ele (o Anagamin) era como uma lâmpada morrendo
(se apagando). Não é que o Nirvana deva ser equiparado com a lâmpa-
da se apagando. O Anagamin retorna uma outra vez. Ele não volta para
as 25 existências. Novamente, ele não ganha mais o corpo mal-
cheiroso, o corpo de vermes, o corpo que é alimentado, o corpo vene-
noso. Assim é um ‘Anagamin’ [aquele que não retorna para uma exis-
tência corpórea novamente]. Se um corpo surge novamente, isto é um
‘Agamin’ [aquele que retorna para uma existência corpórea]. Quando o
corpo não surge novamente, isto é um ‘Anagamin’. Aquele que é dota-
do do ir e vir é o ‘Agamin’. Aquele que não tem o ir e vir [não nasce e
morre] é ‘Anagamin’.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 126


Então, o Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh, Honrado pelo
Mundo! Você, o Buda, diz que todos os Budas-Honrados-pelo-Mundo
possuem um repositório secreto. Mas isto não é assim. Por que não?
Todos os Budas-Honrados-pelo-Mundo têm palavras faladas reserva-
damente (secretamente), mas não um repositório secreto [um ensino
não tornado conhecido]. Por exemplo, isto é análogo ao caso de um
mágico, seu dispositivo mecânico, e sua imagem de madeira. Pode-se
ver os movimentos de flexão, alongamento, para cima e para baixo;
mas, não sabemos que dentro há um homem que faz as coisas se pro-
cederem assim. Mas com os ensinamentos do Buda, não é daquela
maneira. Seus ensinamentos permitem a todos os seres conhecer e
ver. Como poderíamos dizer que todos os Budas-Honrados-pelo-
Mundo têm qualquer segredo?”

O Buda elogiou Kashyapa e disse: “Falaste bem, falaste bem, oh bom


homem! É como você diz. O Tathagata, para dizer a verdade, não man-
tém qualquer coisa oculta. Como assim? É como no caso de uma lua
cheia no outono, quando ela está aberta, desnuda, clara, pura e sem
nuvens, tal que todas as pessoas possam vê-la. Aquilo que o Tathagata
diz também é assim. É aberto, desnudo, claro, puro e sem nuvens. As
pessoas estúpidas (obtusas) não compreendem e falam de um segredo
em conexão com aquilo (que o Tathagata diz). O sábio, compreenden-
do o assunto, não diz que há alguma coisa secretamente guardada em
outro lugar. Oh, bom homem! Há um homem aqui que guarda ouro e
prata juntando ‘yis’ por ‘yis’ [uma unidade numérica Chinesa]. Sendo
um miserável, ele não dá aos pobres ou ajuda-os. Qualquer coisa guar-
dada dessa maneira pode ser chamada de ‘secretamente guardada’
[secretamente retida]. Não é assim com o Tathagta. Ao curso de inu-
meráveis longos kalpas, ele guarda leis maravilhosas [doutrinas, verda-
des] e tesouros raros. Ele não regateia; ele sempre os dá a todos os
seres. Como podemos dizer que ele guarda secretamente [verdades]?
Oh, bom homem! Há um homem aqui ao qual está faltando uma parte
do corpo, tal como um olho, mão ou perna. Ele se sente tímido e não
permite aos outros ve-lo. Como todas as pessoas não o vêem, diz-se
(que ele está) ‘oculto secretamente’. Não é assim com o Tathagata. Ele
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 127
é perfeito no Dharma Maravilhoso e não é mutilado, permitindo a to-
dos os outros ve-lo.

Como poderíamos dizer que o Tathagata guarda secretamente coisas?


Oh, bom homem! Um homem pobre, por exemplo, tem débitos. Ele
teme o homem a quem ele deve dinheiro. Ele se esconde e não quer se
mostrar. Neste caso podemos falar de ocultação. Não é o mesmo caso
com o Tathagata. Ele não está sujeito às leis mundanas de todos os
seres, mas às suas leis supramundanas. Mas, ele não as esconde. Por
que não? Porque ele sempre considera os seres como seus filhos úni-
cos e lhes expõe o Dharma Insuperável. Oh, bom homem! Por exem-
plo, existe um homem rico que possui muitas riquezas. Ele tem somen-
te um filho. Ele ama demais este filho e não pode esquecê-lo. Ele mos-
tra toda a sua riqueza para o seu filho. Assim é com o Tathagata. Ele vê
todos os seres como seus filhos únicos. Oh, bom homem! Isto é como
no caso das pessoas mundanas. Homens e mulheres ocultam a sua
genitália sob as roupas porque tais coisas não são agradáveis de ver.
Neste caso podemos falar de ‘ocultação’. Não é assim com o Tathagata.
Desde há muito que ele acabou com a genitália. Como ele não possui
tais coisas, não há razão para ocultação. Oh, bom homem! Os Brahma-
nes não gostam que suas palavras e o que eles dizem seja ouvido por
Kshatriyas, Vaishyas e Sudras. Por que não? Porque há muitas coisas
em suas palavras que são erradas e maldosas. Mas o Dharma Maravi-
lhoso do Tathagata é tal que ele é agradável em seu início, agradável
no seu meio e agradável na sua conslusão. Assim sendo, não podemos
falar aqui de algo oculto ou escondido.

A Colheita do Grande Nirvana (Mahaparinirvana)

Oh, bom homem! Por exemplo, aqui existe um homem rico que tem
um único filho. Ele sempre pensa a respeito e ama este menino. Ele
leva o menino para um professor para ser ensinado. Apreensivo de que
as coisas possam não progredir rapidamente (a contento), ele leva o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 128


menino de volta para casa. Como ele o ama, lhe ensina o alfabeto dia e
noite, muito pacientemente. Mas, ele ainda não lhe ensina o vyakarana
[um trabalho popular para estudo da linguagem, um tipo de gramáti-
ca]. Por que não? Porque a criança é pequena e não está apta a apren-
der tais lições. Oh, bom homem! Todavia, o homem rico terminou o
ensinamento do alfabeto. Estaria o menino pronto para ser ensinado o
vyakarana?”

“Não, oh Honrado pelo Mundo!”

“O Homem rico está ocultando algo da criança?”

“Não, oh Honrado pelo Mundo! Por que não? Porque a criança é muito
jovem. Dessa forma, ele não lhe ensina [as matérias mais avançadas].
Não é que o menino não seja ensinado porque o homem regateie [tais
lições]. Por que não? Porque se houvesse algum ciúme ou inveja, pode-
ríamos dizer que ele ocultou coisas. Com o Tathagata não é assim. Co-
mo poderíamos dizer que ele escondeu e ocultou?”

O Buda disse: “Falaste bem, falaste bem, oh bom homem! É como você
diz. Se houvesse qualquer raiva, ciúme ou inveja (má vontade), poderí-
amos dizer que ele está ocultando coisas. O Tathagata não tem raiva
ou ciúme. Como poderíamos dizer que ele esconde as coisas? Oh, bom
homem! O grande homem rico é o próprio Tathagata. Sua única crian-
ça são [todos] os seres. O Tathagata vê a todos os seres como vê seu
filho único. (O homem rico) Ensinando seu filho único diz respeito aos
discípulos Sravaka [Ouvintes dos ensinamentos do Buda]; o alfabeto diz
respeito aos nove tipos de sutras; o vyakarana diz respeito aos sutras
Vaipulya [extensivo] Mahayana. Uma vez que todos os discípulos Sra-
vaka não possuem o poder da Sabedoria, o Tathagata ensina-lhes o
alfabeto; isto é, os nove tipos de sutras. Mas, ele ainda não fala do
vyakarana; isto é, do Vaipulya Mahayana. Oh, bom homem! Quando o
filho do homem rico crescer e estiver apto a enfrentar as lições, se o
vyakarana não for ensinado, então poderemos dizer que houve ‘ocul-
tação’. Se todos os Sravakas estão crescidos e podem de fato enfrentar
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 129
as lições do Vaipulya Mahayana, mas o Tathagata regateia isto e não
lhes ensina, então poderíamos dizer que o Tathagata regateia, esconde
e oculta os ensinamentos. Mas, não é assim com o Tathagata. O Tatha-
gata não oculta [nada]. Isto é como no caso do homem rico que, tendo
ensinado o alfabeto, proximamente ensina o vyakarana. Eu também
faço o mesmo. A todos os meus discípulos eu tenho pregado acerca do
alfabeto e dos nove tipos de sutras. Tendo feito isto, eu agora falo a-
cerca do vyakarana. Isto nada mais é que a natureza eterna e imutável
do Tathagata. Além disso, oh bom homem! Isto é como nos meses de
verão, quando grandes nuvens provocam trovões, grandes chuvas e,
como resultado, todos os agricultores podem plantar as suas sementes
e colher coisas. Aquele que não planta, nada pode esperar colher. Não
é através dos trabalhos dos reis naga (naga = é uma palavra do
Sanskrito and do Pāli que designa uma deidade - ou classe de entidades
ou seres que assumem a forma de enormes serpentes, mas muitas
vezes com os troncos e cabeças humanas - encontrada tanto no Bu-
dismo como no Hinduísmo) que ele não pode colher. E estes reis naga
também não armazenam coisas. O mesmo se passa comigo. Eu deixo
cair a grande chuva do Sutra do Grande Nirvana. Aqueles seres que
plantaram boas sementes colhem os brotos (rebentos) e frutos da
Sabedoria. Aqueles que não plantaram, nada podem esperar. O Tatha-
gata não é culpado se eles nada ganharam. O Tathagata não esconde
nada.”

Kashyapa disse novamente: “Agora eu sei definitivamente que o Ta-


thagata-Honrado-pelo-Mundo nunca esconde e oculta [qualquer coi-
sa]. Você, o Buda, diz que o vyakarana refere-se à eterna e imutável
natureza do Buda-Tathagata. Mas, este não pode ser o significado. Por
que não? Porque o Buda disse antes em um gatha:

‘Todos os Budas, Pratyekabudas e Sravakas (Ouvintes) abandonam o


corpo não eterno.
Como poderia não ser assim com os mortais comuns?’

Agora você diz ‘eterno’ e ‘imutável’. O que isto significa?”


Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 130
O Buda disse: “Oh, bom homem! Como eu tenho ensinado o alfabeto
aos discípulos Sravakas, então falei assim no gatha. Oh, bom homem!
O Rei Prasenajit perdeu sua mulher. Ele chorou tristemente. Ele amava
sua mulher e não poderia conter a tristeza. Ele veio a mim. Eu indaguei:
‘Oh Rei! Por que você está tão aflito e triste’? O Rei disse: ‘A Rainha-
Mãe do reinado morreu, oh Honrado pelo Mundo! Se alguém puder
trazer minha (rainha) mãe de volta à vida, darei meu reinado, elefan-
tes, cavalos, os sete tesouros, ou mesmo minha vida; assim lhe retribui-
rei’. Eu disse ao Rei: ‘Oh, Grande Rei! Por favor, não se perca na mágoa
e na tristeza! Não chore! Quando a vida termina para uma pessoa, isto
é morte. Todos os Budas, Sravakas, Pratyekabudas e discípulos têm
que partir com este corpo. Como poderiam os mortais comuns não ter
de fazê-lo?’ Oh, bom homem! Para ensinar o alfabeto ao Rei, falei as-
sim neste gatha. Agora eu exponho para os meus discípulos Sravakas o
vyakarana e digo que o Tathagata é eterno e que ele é imutável. Se
qualquer pessoa disser que o Tathagata é não-eterno, como poderia a
língua dessa pessoa não ser cortada?”

Kashyapa ainda replicou: “Você disse: ‘Nada é amealhado, e eu estou


satisfeito com a refeição que tomei. É como no caso do pássaro que
voa no céu, cujos caminhos são difíceis de traçar’. O que pode isto sig-
nificar? Oh, Honrado pelo Mundo! Dentre todos aqueles aqui congre-
gados, quem poderia ser aquele que não amealha? Quem poderia ser
chamado de satisfeito com [sua] comida? Quem são aqueles que voam
através dos céus e cujos caminhos não podem ser traçados? E para
onde vamos quando deixarmos este lugar?”

O Buda disse: “Oh, bom homem! O amealhado nada mais é que rique-
za e tesouro. Oh, bom homem! Há dois tipos de amealhados: um da-
quilo que é criado e outro daquilo que é não-criado. O amealhado do
criado é aquele que os Sravakas fazem; o amealhado do não-criado é
aquele que o Tathagata faz. Oh, bom homem! Dentre os sacerdotes, há
dois tipos: um é do tipo criado, e o outro é do tipo não-criado. O sacer-
dote do tipo criado é o Sravaka. O sacerdote Sravaka não amealha.
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 131
Homens ou mulheres humildes estão fora-da-lei; assim, guardam arroz,
pasta de feijão, gergelim, pequenos e grandes feijões num armazém.
Se alguém disser que o Tathagata permite possuir serventes, homens
ou mulheres, e as demais outras coisas, sua língua será cortada. Eu digo
que todos os meus discípulos Sravakas são ‘não-armazenadores’. Ou
que eles são aqueles satisfeitos com a sua comida. Se uma pessoa pro-
cura avidamente por comida, tal pessoa não está satisfeita. Dizer que ‘é
difícil traçar os caminhos’ significa alguém que está próximo da Ilumi-
nação Insuperável. Eu disse: ‘A pessoa vai, mas não há lugar para ir’.”

Kashyapa disse ainda: “O sacerdote do tipo criado não amealha. Como


poderia o sacerdote do tipo não-criado assim proceder? O sacerdote
do tipo não-criado é o Tathagata. Como o Tathagata poderia amealhar
coisas? Amealhar significa ‘esconder e ocultar’. Como o Tathagata ex-
põe [verdades] e não oculta [nada]. Como poderíamos dizer que ele
amealha coisas? Dizer que os caminhos não podem ser traçados refere-
se ao Nirvana. No Nirvana não há traços remanescentes do sol, lua,
estrelas, constelações, frio, calor, vento, chuva, nascimento, velhice,
doença, morte, ou as 25 existências. O Nirvana está isolado da apreen-
são, da tristeza e da ilusão. Assim é a morada do Nirvana e do Tathaga-
ta, que é Eterno e Imutável. Sendo assim, o Tathagata vem para a flo-
resta de árvores sala e entra no Parinirvana através do Grande Nirva-
na.”

O Buda disse à Kashyapa: “ ‘Grande’ significa amplo e extensivo na


natureza. É como quando falamos de um ‘grande homem’, quando a
extensão da vida daquele homem é infinita. Quando este homem resi-
de no Dharma Maravilhoso, chamamos-lhe ‘superior a todos os ho-
mens’. É como no caso dos ‘oito pensamentos despertos de um grande
homem’ sobre os quais eu falo (este é o chamado Nobre Caminho Óc-
tuplo: entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta,
ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena
correta, concentração correta). Se uma pessoa se tornasse assim, mui-
tas pessoas também se tornariam assim. Se uma pessoa possui as oito
qualidades, ela é a melhor. O Nirvana sobre o qual falamos não tem
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 132
erupções (feridas) ou tumores. Oh, bom homem! Por exemplo, [Imagi-
ne] um homem aqui que tenha sido atingido por uma flecha envene-
nada e que se encontra em grande dor e sofrimento. Um doutor (mé-
dico) instruído vem, extrai a flecha envenenada e aplica-lhe um remé-
dio soberbo. Como resultado, o sofrimento se vai, e o homem obtém a
paz. Este doutor visita castelos, cidades e vilas. Ele vai para onde as
pessoas sofrem a dor de erupções e tumores, aplica a sua arte e remo-
ve a dor. Oh, bom homem! O mesmo é o caso com o Tathagata. Tendo
atingido a Suprema Iluminação, ele se tornou um grande doutor. Ven-
do todos os seres do Jambudvipa atingidos pelas flechas envenenadas
das ilusões da luxúria, da ira e da ignorância; sofrendo ao curso de i-
numeráveis kalpas, ele aplica o doce remédio dos sutras Mahayana. Ao
término do tratamento ele se desloca para outros lugares onde as pes-
soas estão sofrendo pelas flechas envenenadas das ilusões. Lá, ele
[também] manifesta sua consecução da Iluminação e concede o trata-
mento [aos aflitos]. Assim, falamos de ‘Mahaparinirvana’. Mahaparinir-
vana é o lugar onde todos alcançam a emancipação. Onde quer que
haja pessoas a serem subjugadas [isto é, com impurezas a serem re-
movidas] ele manifesta-se. Em razão deste verdadeiramente grande
significado, nós dizemos Grande Nirvana.”

O Bodhisattva Kashyapa ainda disse ao Buda: “Oh, Honrado pelo Mun-


do! Será que todos os chamados médicos curam completamente as
dores das erupções e tumores? Ou eles não curam?”

“Oh, bom homem! Há dois tipos de dores relativas a erupções e tumo-


res. Uma é curável e a outra é incurável. O médico cura a que é curável,
mas não a que é incurável.”

Kashyapa disse novamente: “De acordo com o que o Buda disse, o


Tathagata curou todos os seres do Jambudvipa. Ao término do trata-
mento, como poderia ainda haver lá seres que ainda não atingiram o
Nirvana? Se for o caso, que nem todos atingiram o Nirvana ainda, co-
mo pode o Tathagata dizer: ‘Ao término do tratamento, eu me desloco
para outros lugares’?”
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 133
“Oh, bom homem! Há dois tipos de seres no Jambudvipa. Há aqueles
que possuem a fé, e os outros que não a possuem. Aqueles com fé
podem ser curados. Por quê? Porque tais pessoas, as quais não têm
erupções ou tumores, podem atingir o Nirvana definitivamente.”

“Oh, Honrado pelo Mundo! O que pode ser o Nirvana?”

“Oh, bom homem! Nirvana é emancipação [‘vimukti’, liberação].”

Kashyapa disse novamente: “A emancipação é uma coisa (algo) ou não


é uma coisa?”

O Buda disse: “O que não é uma coisa é a emancipação dos Sravakas e


Pratyekabudas; o que é uma coisa é a emancipação de Todo-Buda-
Tathagata. Sendo este o caso, oh bom homem, emancipação é uma
coisa e não é uma coisa. O Tathagata fala a todos os Sravakas e apre-
senta-a como não-coisa.”

“Oh, Honrado pelo Mundo! Se não é uma coisa, como podem os Sra-
vakas e Pratyekabudas viver?”

“Oh, bom homem! Aquilo é tal como o Céu da ‘Irreflexão-não-


Irreflexão’ (Thoughtlessness é consciência sem obstruções, sem distin-
ções e sem apegos, que permeia todas as coisas) que, também, é e não
é uma coisa. O Eu, também, não é uma coisa. Podemos argüir, dizendo:
‘Se o Céu da ‘Irreflexão-não-Irreflexão’ não é uma coisa, como pode
uma pessoa viver, vir e ir, avançar e ainda permanecer’? Tais assuntos
relacionam-se ao mundo de todos os Budas; eles não são aquilo que
Sravakas e Pratyekabudas possam compreender corretamente. O
mesmo se passa com a Emancipação. Nós também falamos da matéria
[‘rupa’ = matéria, forma, corpo] e não-matéria [‘arupa’ = não-matéria,
não-forma, não-corpo], e isto é apresentado como não (sendo) uma
coisa. Também, falamos de pensamento e indolência, e isto é apresen-
tado como indolência. Todas essas coisas pertencem ao mundo de
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 134
todos os Budas e não são aquilo que Sravakas e Pratyekabudas possam
conhecer.”

A Verdadeira Emancipação e o Grande Nirvana

Então o Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh, Honrado pelo Mun-


do! Por favor, condescenda em explicar para mim o que concerne ao
Mahaparinirvana e o significado da emancipação.”

O Buda elogiou Kashyapa, dizendo: “Falaste bem, falaste bem, oh bom


homem! A verdadeira emancipação significa a libertação do nosso
próprio eu de todos os laços da ilusão. Se atingirmos verdadeiramente
a emancipação e apartarmos o nosso próprio eu dos laços da ilusão,
não há mais eu, ou nada para associar-se como no caso dos pais, de
cuja união resulta o nascimento de uma criança. A verdadeira emanci-
pação não é como este caso (dos pais). Este é o porquê da emancipa-
ção ser não-nascida, não-criada. Oh, Kashyapa! É como o sarpirmanda
[o mais delicioso e eficaz remédio], que é puro na sua natureza. O
mesmo é o caso com o Tathagata. Ele não é aquele que surge através
da união dos pais, da qual resulta o nascimento de uma criança. Sua
natureza é pura. A apresentação dos pais [do Tathagata] é [um meio
hábil] para atravessar os seres para a outra margem. A verdadeira e-
mancipação é o Tathagata. O Tathagata e a emancipação não são duas
coisas, não são diferentes. Quando plantamos as sementes na prima-
vera e no outono, por exemplo, é quente e úmido e, como resultado
disso, as sementes eclodem seus brotos. A verdadeira emancipação
não é assim.

Também, a emancipação é inexistência. Inexistência é emancipação.


Emancipação é o Tathagata e o Tathagata é inexistência. Não é algo
que surgiu do fazer [da ação]. O ‘fazer’ é como construir um castelo. A
verdadeira emancipação não surge dessa forma [isto é, ela não é com-

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 135


posta, uma coisa construída]. Por esta razão, a emancipação é simulta-
neamente o Tathagata.

Também, a emancipação é o não-criado. Um oleiro faz um vaso, o qual


se quebra em pedaços novamente. As coisas (criadas) não são como
aquelas na emancipação. A verdadeira emancipação é não-nascimento
e não-extinção. Isto é o porquê emancipação é o Tathagata. Ele é não-
nascimento, não-extinção, não-envelhecimento; e é eterno, inquebrá-
vel e indestrutível. Ele não é algo criado. Por essa razão dizemos que o
Tathagata entra no Grande Nirvana (Mahaparinirna).

O que entendemos por não-envelhecimento e não-extinção? Velhice


refere-se àquilo que se move e se transforma. Nossos cabelos tornam-
se brancos, e rugas aparecem em nossa face. Por morte entende-se a
decomposição [desintegração] do corpo, como resultado da vida que
se vai. Nenhuma coisa deste tipo surge na emancipação. Uma vez que
nada deste tipo surge, então dizemos emancipação. Com o Tathagata,
também, não surgem coisas da existência criada como o embranque-
cimento dos cabelos ou o aparecimento de rugas na face. Assim, ne-
nhum envelhecimento ocorre no caso do Tathagata. Como não há
envelhecimento, não há morte.

Também, emancipação significa não-adoecimento. Entende-se por


doença as 404 enfermidades, e todos os outros agentes que vêm de
fora e espoliam o corpo. Quando tais coisas não vêm a ocorrer, dize-
mos emancipação. Quando nenhuma doença surge, existe a verdadeira
emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata. O Tathagata
não tem doenças. Assim, não incidem doenças sobre o Corpo-do-
Dharma. Este estado de não-adoecimento é o Tathagata. A morte é a
decomposição do corpo e o final da vida. Não há morte aqui [na eman-
cipação]. O que há é a não-extinção [‘amrta’ – o estado de imortalida-
de], o qual é a verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o
Tathagata. O Tathagata é dotado de tais virtudes [bênçãos]. Como
poderíamos dizer que o Tathagata é não-eterno? Algo como o não-
eterno nunca pode existir lá (na emancipação). Ele é um Corpo Ada-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 136
mantino. Como ele poderia ser não-eterno? Como resultado, nunca
dizemos que haja qualquer fim da vida com o Tathagata. Com o Tatha-
gata, o que existe é pureza; não existe impureza. O corpo do Tathagata
não recebe impureza pelo ventre. Ele é como o pundarika-lotus [lótus
branco], cuja natureza é pura. O mesmo se passa com o Tathagata e a
emancipação. Assim, a emancipação é objetivamente o Tathagata. Este
é o porquê do Tathagata ser puro e imaculado. Com a emancipação,
coisas tais como ‘asvaras’ [impurezas, excrementos], erupções e tumo-
res, e todas as outras coisas, se acabam. O mesmo se passa com o Ta-
thagata. Ele não tem impurezas, erupções ou tumores.

Também, com a emancipação, não pode haver contenda ou refutação.


Por exemplo, os obcecados pela fome nutrem um sentimento de cobi-
ça e de arrebatamento quando vêem outros comendo. Com a emanci-
pação, não é este o caso.

Também, emancipação é paz e quietude. As pessoas comuns dizem


que paz e quietude são do Mahesvara (O Grande Lorde). Mas isso é
uma mentira. A verdadeira quietude significa a emancipação em seu
grau mais extremo. A emancipação em seu grau mais extremo é o Ta-
thagata.

Também, emancipação significa paz e segurança. O lugar onde os la-


drões estão presentes não há paz e segurança. O lugar onde reinam a
pureza e a paz é o lugar da paz e da quietude. Como não há temores
nesta emancipação, então dizemos paz e quietude. Portanto, paz e
quietude são a verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o
Tathagata. O Tathagata é Dharma.

Também, a emancipação é inigualável. Por igual, podemos entender o


caso de um rei que tem iguais nos reinados da vizinhança. O caso da
verdadeira emancipação não é assim. Não ter igual é como no caso do
Chakravartin [um grande monarca do mundo], o qual não tem igual. O
mesmo ocorre com a emancipação. Não há nada igual a ela. Não ter
igual é a verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o Ta-
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 137
thagatachakravartin. Assim, não há quem seja igual. Não se pode falar
de um igual.

Também, emancipação é não-apreensão. Aquele que tem apreensão


pode ser comparado a um rei que teme e calunia o estado vizinho mais
forte, e tem apreensão. Agora, com a emancipação não há nada (típi-
co) deste rei. Isto é como a aniquilação dos inimigos, como uma conse-
qüência de que já não há qualquer apreensão. O mesmo é o caso com
a emancipação. Nela não há apreensão ou medo. Não-apreensão é o
Tathagata.

Também, emancipação é não-apreensão ou não-alegria. Por exemplo,


uma mulher tem somente um filho. Em conseqüência da guerra, ele vai
para um lugar distante. Notícias chegam dizendo que o menino se en-
contra com uma doença afortunada, como uma conseqüência de que a
mãe está preocupada. Mais tarde, ela ouve sobre a sua segurança e em
razão disto está feliz. Agora, com a emancipação não ocorre nada deste
tipo. Quando não há apreensão ou alegria, existe a verdadeira emanci-
pação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, não há pó ou sujeira na emancipação como quando nos me-


ses da primavera, após o por do sol, o vento levanta uma nuvem de pó.
Agora, na emancipação, nada deste tipo advém. Onde não há nuvem
de pó, existe a verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o
Tathagata. Isto é como uma gema brilhante guardada no nó do turban-
te sobre a cabeça de um Chakravartin, onde não há mancha de sujeira.
A natureza da emancipação é assim: ela não tem impurezas. A ausência
de impureza pode ser relacionada à verdadeira emancipação. A verda-
deira emancipação é o Tathagata. O ouro verdadeiro não contém qual-
quer traço de areia ou pedra. Este é o verdadeiro tesouro. Quando
ganhamos isto, sentimos [ter ganhado] a verdadeira riqueza. A nature-
za da emancipação também é tal como a verdadeira emancipação. Este
tesouro verdadeiro pode ser relacionado à verdadeira emancipação. A
verdadeira emancipação é o Tathagata.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 138


Quando um vaso não vitrificado se quebra, um som [estrépito] caracte-
rístico é emitido. Com o vaso do tesouro adamantino, as coisas são de
outra forma. Agora, a emancipação não emite um som [estrépito] ca-
racterístico. O vaso do tesouro adamantino é como a verdadeira eman-
cipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata. Assim sendo, o cor-
po do Tathagata não pode ser destruído. Dizemos que ele (o vaso)
estrepita. Isto é como quando sementes de rícino são colocadas em um
fogo ardente, as chamas se elevam e um som estrepitante é produzido.
É como aquilo. Agora, não há nada deste tipo com a emancipação. O
vaso adamantino do verdadeiro tesouro não emite estrépitos ou som
de quebra. Mesmo que inumeráveis centenas de milhares de pessoas
disparassem flechas sobre ele, nenhuma poderia quebrar este vaso.
Aquela que não emite estrépitos ou som de quebra é a verdadeira
emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata. Um homem
pobre está em débito com outra pessoa. Por essa razão, ele fica preso e
acorrentado em grilhões, é castigado pelo chicote, e tem que sofrer
pelas preocupações e dores. Agora, com a emancipação, não ocorre
nada deste tipo. Não há divida a pagar. Isto é como no caso de uma
pessoa rica que possui inumeráveis ‘yis’ de tesouros, cujo poder é ilimi-
tado, e que nada deve à outra pessoa. O caso da emancipação é assim.
Ela possui um incontável estoque da riqueza do Dharma e raros tesou-
ros, tendo pleno poder e nada devendo aos outros. Nada devendo aos
outros pode ser relacionado com a verdadeira emancipação. A verda-
deira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é ‘não ser oprimido’. Isto pode ser contrastado


com a primavera, quando caminhamos no calor; com o verão, quando
saboreamos o que é doce; e com o inverno, quando encontramos o
frio. Na verdadeira emancipação nada há de qualquer natureza que
não corresponda ao nosso desejo. A ausência de qualquer coisa a nos
oprimir pode ser relacionada à verdadeira emancipação. A verdadeira
emancipação é o Tathagata. Como (exemplo de) não-opressão, pode-
mos tomar o caso de um homem que, tendo compartilhado avidamen-
te um peixe, toma leite novamente. Um homem como este não está
longe da morte. Na verdadeira emancipação, não ocorre nada assim.
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 139
Se ele obtém ambrosia [‘amrta’ – o estado de imortalidade] ou o bom
remédio, as preocupações o deixam. A verdadeira emancipação é co-
mo aquilo. Ambrosia e boa medicina podem ser relacionadas com a
emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata. Como pode-
mos falar de seres oprimidos ou não oprimidos? Por exemplo, um mor-
tal comum é arrogante e prepotente. Ele pensa: ‘Dentre todas as coi-
sas, nada pode me atingir’. Assim, ele segura em suas mãos uma ser-
pente, um tigre ou um inseto nocivo. Embora o tempo destinado à sua
morte não tenha chegado, esta pessoa encontra uma morte prematu-
ra. Na verdadeira emancipação, nenhuma coisa deste tipo vem a ocor-
rer. Dizemos ‘não ser oprimido’. Isto pode ser relacionado à gema divi-
na de um Chakravartin, que aniquila todos os insetos nocivos, tais co-
mo o besouro do esterco e os 96 insetos nocivos [isto é, o número total
de tirthikas que se pensava existir à época do Buda]. Conforme entra-
mos em contato com o brilho desta gema divina, todos os venenos se
dissipam. As coisas são assim com a verdadeira emancipação. Tudo
morre longe das 25 existências. A aniquilação do veneno é análoga à
verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, ‘não ser oprimido’ é como o espaço em si, por exemplo. Isto
é verdadeira emancipação. O espaço é comparável à verdadeira eman-
cipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata. Também, estar sen-
do oprimido é como segurar uma lâmpada junto ao capim seco. Quan-
do ela estiver muito perto, o capim pegará fogo. Este é o caso. Todavia,
não há nada dessa natureza na verdadeira emancipação. Também,
‘não-opressão’ é como o sol e a lua, que não se aproximam muito de
todos os seres. Tal é a situação com a emancipação. A verdadeira e-
mancipação é o Tathagata.

A Emancipação e o Dharma Imutável.

Também, emancipação é o Dharma imutável. Isto está em contraste


com inimizade e amizade, as quais não existem na verdadeira emanci-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 140


pação. Além disso, imutabilidade pode ser relacionada a um Chakravar-
tin [um grande monarca do mundo]. Ninguém há que possa ampará-lo.
Ninguém se torna seu amigo. O fato de o rei não ter amigos pode ser
relacionado à verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o
Tathagata. O Tathagata é Dharma. Também, o ‘imutável’ pode ser con-
trastado com roupa branca, que pode facilmente ser tingida. Não é
assim com a emancipação. Também, este ‘imutável’ pode ser relacio-
nado à varsiki [videira sempre-viva do leste da Índia, cultivada pela sua
profusão de flores brancas fragrantes]. Assim, torná-la mal cheirosa e
azul na cor é impossível. O mesmo se passa com a emancipação. O que
quer que façamos, não podemos torná-la mal cheirosa ou mudar a sua
cor. Por esta razão, emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é aquilo que é raro. Por exemplo, não há nada


de raro com relação ao crescimento do lírio d’água na água. Quando
ele cresce no fogo, isto é algo raro. As pessoas, ao verem isto, ficam
encantadas. Aquilo que é raro pode ser relacionado à verdadeira e-
mancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata. Este Tathagata
é o Corpo-do-Dharma. Também, o ‘raro’ poderia ser comparado a um
bebê. Ele não tem dentes, mas conforme cresce, eles aparecem. Toda-
via, não é assim com a emancipação. Não há nascimento e não-
nascimento.

Muito Além do Bem e do Mal

Além disso, emancipação é o que está ‘vazio e quieto’. Não pode haver
indeterminação. Por indeterminada entende-se a situação de dizer que
o icchantika (pessoa descrente) nunca muda e que aqueles que come-
teram graves ofensas nunca atingirão o estado de Buda. Nunca se po-
dem aplicar (fazer valer) tais coisas. Por que não? Quando aquela pes-
soa [icchantika] ganha a fé pura e genuína no Dharma Maravilhoso do
Buda, imediatamente a pessoa aniquila o icchantika [dentro de si]. Ao
tornar-se um upasaka (um seguidor leigo), o icchantika [naquela pes-
soa] morre para sempre; a pessoa que cometeu graves ofensas tam-

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 141


bém atinge o estado de Buda quando seus pecados são expiados. Sen-
do assim, nunca podemos dizer que não haja mudança para todos e
que o estado de Buda não pode ser atingido. Com a verdadeira eman-
cipação, todavia, não pode haver tais casos de aniquilação. Além disso,
‘vacuidade e quietude’ são coisas do mundo do Dharma. A natureza do
mundo do Dharma é a verdadeira emancipação. Verdadeira emancipa-
ção é o Tathagata. Também, uma vez que o icchantika tenha morrido,
não podemos mais falar de icchantika. O que é um icchantika? Um
icchantika corta [dentro de si] todas as raízes da benevolência (boas
ações) e o seu pensamento não evoca qualquer associação com o bem.
Nem mesmo uma ponta de um bom pensamento surge na sua mente.
Nada semelhante a isto ocorre na verdadeira emancipação. Como (na
emancipação) nada há desta natureza, dizemos verdadeira emancipa-
ção. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação é chamada ‘imensurável’. Por exemplo, po-


demos medir o volume do cereal. Mas a verdadeira emancipação não é
como isto. Ela é como o grande oceano, cujo volume não pode ser
medido. Emancipação é como aquilo (o grande oceano). Não podemos
medi-lo. A verdadeira emancipação é imensurável. A verdadeira eman-
cipação é o Tathagata.

Além disso, a verdadeira emancipação é chamada ‘inumerável’ [ilimi-


tada]. É como os muitos e variados resultados do karma que uma pes-
soa tem. O mesmo é o caso com a emancipação. Ela tem inumeráveis
retribuições. Inumeráveis retribuições significam emancipação. A ver-
dadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação é ampla e imensa como o grande oceano, ao


qual nada se iguala. O mesmo se passa com a emancipação. Nada pode
se igualar a ela. Aquilo que não tem igual é a verdadeira emancipação.
A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação é a mais elevada. É como o firmamento, que


é o mais elevado, ao qual nada se iguala. O mesmo é o caso com a e-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 142
mancipação. Aquilo que é o mais elevado e incomparável é a verdadei-
ra emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação é ‘intransponível’. É como o dente de um


leão, diante do qual nenhum animal ousa passar. O mesmo, também, é
o caso com a emancipação. Ninguém há que possa transpô-la. Aquilo
que é intransponível é a verdadeira emancipação. A emancipação é o
Tathagata.

Também, a emancipação é o ‘supremo’. Por exemplo, o norte é a mais


elevada de todas as direções. O mesmo, também, é o caso com a e-
mancipação. Nada a supera. Aquilo que é supremo é a verdadeira e-
mancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação é o topo do supremo. Por exemplo, compa-


rado com o leste, o norte é o supremo. O mesmo se passa com a e-
mancipação. Nada a supera. Aquilo que é supremo é a emancipação. A
verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação é a lei da constância. Por exemplo, quando o


corpo de um humano ou deva se decompõe, a vida parte. Isto é sem-
pre assim. [Esta lei] não é não-constante (como no caso dos corpos e
das vidas que partem). O mesmo é o caso com a emancipação. Ela não
é não-constante. O que não é não-constante é emancipação. A verda-
deira emancipação é Tathagata.

Também, emancipação é o fortemente estabelecido (duradouro). É


como no caso da khadira [acácia catechu, cujo extrato – ‘catechu’ – é
muito usado como um remédio, um adstringente e tônico], madeira de
sândalo e de aloés, cuja qualidade está na força e na fidelidade. O
mesmo se passa com a emancipação. A sua qualidade é a força e a
fidelidade. Aquilo que é forte e fiel é emancipação. A verdadeira eman-
cipação é o Tathagata.

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 143


Também, emancipação é o não-vazio. Por exemplo, os corpos do bam-
bu e da cana são ocos. Este não é o caso com a emancipação. Saiba que
emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é aquilo que não pode ser corrompido. Por


exemplo, existe uma parede. Enquanto a parte superior do revestimen-
to não estiver acabada, mosquitos e moscas vêm, pousam e brincam
sobre ela. Quando ela está pintada e acabada, e decorada com quadros
e esculturas, os insetos, sentindo o cheiro da tinta, não permanecem
nela. A emancipação pode ser relacionada com tal impermanência (dos
insetos). A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação é ilimitada. Todas as vilas e cidades possuem


limites. Este não é o caso com a emancipação. Ela é como o espaço,
que não tem limites. Este tipo de emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é o que não pode ser visto. Exatamente como


os caminhos dos pássaros que voam através dos céus não podem ser
traçados. Aquilo que é impossível ser visto pode ser bem relacionado à
verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, extremamente profundo é o que os Budas e Bodhisattvas


perscrutam. Um filho obediente serve aos seus pais, e a virtude disso é
extremamente profunda. É assim. Extremamente profunda refere-se à
emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é o que não podemos ver. Por exemplo, um


homem não pode ver o topo da sua própria cabeça. O mesmo é o caso
com a emancipação. Sravakas e Pratyekabudas não podem vê-la. Aqui-
lo que não pode ser visto é a verdadeira emancipação. A verdadeira
emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é o desabrigo. Isto é como no caso do Vazio,


que não tem uma casa. O mesmo se passa com a emancipação. A casa

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 144


refere-se às 25 existências. ‘Desabrigo’ é a verdadeira emancipação. A
verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é o que não pode ser segurado (mantido) em


nossas mãos. A amalaka (fruta indiana da groselha - a cúpula de um
templo) pode certamente ser segurada nas mãos de um humano. Com
a emancipação não é assim. Ela não pode ser segurada em nossas
mãos. Aquilo que não pode ser segurado em nossas mãos é emancipa-
ção. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é o que não podemos agarrar com nossas


mãos. Isto é como no caso de um fantasma, o qual não podemos agar-
rar com nossas mãos. O mesmo é o caso com a emancipação. Aquilo
que não é possível agarrar com as mãos é emancipação. A verdadeira
emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação não possui corpo carnal. Por exemplo, temos


um corpo, sobre o qual e dentro do qual podem entrar a varíola, lepra,
todos os tipos de carbúnculos, loucura e ressecamento. Na verdadeira
emancipação, nenhum tipo de doença e enfermidade acontece. Aquilo
que é imune a tais doenças e enfermidades é a verdadeira emancipa-
ção. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação é única no paladar. É como o leite, que é


único no seu paladar. O mesmo se passa com a emancipação, que é
única no seu paladar. Tal exclusividade no paladar é a verdadeira e-
mancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é pureza. Isto é como no caso da água que não


contém lodo, é clara, imóvel e pura. O mesmo se passa com a emanci-
pação. Ela é limpa, imóvel e pura. Aquilo que é limpo, imóvel e puro é a
verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação é única no sabor. Ela é como a chuva no céu,


que é única no sabor e pureza. Aquilo que é único no sabor e é puro
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 145
pode ser relacionado à verdadeira emancipação. A verdadeira emanci-
pação é o Tathagata.

Também, emancipação é exclusão. É como a lua cheia que não tem


qualquer parte encoberta (por nuvens). Assim se dá com a emancipa-
ção. Ela não tem partes encobertas. Aquilo que não tem partes enco-
bertas é a verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o
Tathagata.

Também, emancipação é quietude. Um homem tem uma febre. Quan-


do curada, ele se sente quieto. Emancipação é assim. Sentimo-nos
quietos. Quando nos sentimos quietos, existe a verdadeira emancipa-
ção. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a verdadeira emancipação é equanimidade [imparcialidade].


Por exemplo, no campo existem serpentes venenosas, ratos e lobos,
todos os quais representam a morte aos outros. Não é assim com a
emancipação. Não há pensamento de morte. Não havendo pensamen-
to de morte, isto é verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação
é o Tathagata. Também, equanimidade pode ser comparada ao pen-
samento dos pais, que vêem suas crianças todas iguais. Assim é a e-
mancipação. O pensamento é todo igual. Este pensamento todo igual é
verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é não ter qualquer outro lugar [para residir].


Por exemplo, existe um homem aqui que somente vive no melhor de
todos os lugares, não tendo outro lugar para viver. O mesmo se passa
com a emancipação. Ela não tem outro lugar para viver. Não ter outro
lugar diferente para viver é verdadeira emancipação. A verdadeira
emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é se sentir satisfeito. Considere o caso de um


homem faminto que, encontrando doces delícias, devora-as, e não há
um fim da comilança. O caso da emancipação não é assim. Se parti-
lhamos de mingau de leite cozido, já não sentimos mais a necessidade
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 146
de comer. Não sentir mais qualquer necessidade de comer pode ser
bem relacionado à emancipação. A verdadeira emancipação é o Tatha-
gata.

Também, emancipação é segregação. É como uma pessoa amarrada


que corta a corda e ganha a sua liberdade. O mesmo é o caso com a
emancipação. Cortamos todas as amarras da dúvida. O corte de todas
as amarras da dúvida é verdadeira emancipação. A verdadeira emanci-
pação é o Tathagata.

Também, emancipação é alcançar a outra margem. Um grande rio, por


exemplo, tem esta margem e a margem distante. Isto não é assim com
a emancipação. Embora ela não tenha este lado, existe o lado distante.
Aquilo que possui esta outra margem (distante) é verdadeira emanci-
pação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é silêncio. A superfície de um grande mar se


eleva, por exemplo, e surgem muitos sons. Com a emancipação as
coisas não são assim. Emancipação como esta (silenciosa) é o Tathaga-
ta.

Também, emancipação é o Todo-Maravilhoso. Se haritaki [um fruto


amargo purgativo] é adicionado a qualquer remédio, o remédio se
tornará de sabor amargo. Mas a emancipação não é como isto. Ela
torna-se doce. O sabor da doçura pode ser relacionado à verdadeira
emancipação.

Também, a emancipação acaba com as ilusões. Isto pode ser compara-


do ao caso de um médico instruído que mistura todas as drogas e cura
todas as doenças. O mesmo é o caso também com a emancipação. Ela
acaba completamente com a ilusão. Aquilo que acaba com a ilusão é a
verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação não tem constrição. Por exemplo, uma peque-


na casa não pode receber muitas pessoas. O caso da emancipação é o
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 147
contrário, a qual pode receber muitos. Aquilo que pode receber muitos
é a verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é análoga à aniquilação de todas as paixões


amorosas e não ter desejos carnais. Uma mulher tem muitas fases da
paixão. Isto não é assim com a emancipação. Emancipação como esta é
o Tathagata. O Tathagata não possui ilusões tais como avareza, ira,
ignorância, arrogância, etc.

Também, emancipação é não ausência de amor [não ausência de dese-


jo]. O amor é de dois tipos: um é o amor do desejo (da fome) e o outro
é o amor do Dharma. O verdadeiro amor não é possuído pelo amor do
desejo (fome). Como existe amor por todos os seres, existe o amor do
Dharma. Tal amor do Dharma é a verdadeira emancipação. A verdadei-
ra emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação não é dotada de atmatmiya [fixação no eu e


no que diz respeito ao eu]. Essa emancipação é o Tathagata. O Tatha-
gata é Dharma.

Também, emancipação é extinção. São removidos todos os tipos de


avareza (cobiça). Tal emancipação é o Tathagata. O Tathagata é Dhar-
ma.

Também, emancipação é assistência. Ela verdadeiramente socorre


todos aqueles que têm medo. Esta emancipação é o Tathagata. O Ta-
thagata é Dharma.

Também, emancipação é o lugar para o qual retornamos. Alguém que


compartilha de tal emancipação não busca qualquer outro lugar para
se refugiar. Por exemplo, um homem que depende do rei não procura
por outros reis para depender. Contudo, mesmo quando alguém de-
pende do rei, pode haver uma situação na qual mudanças acontecem.
Para alguém que depende da emancipação, não há qualquer mudança

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 148


mais. Onde não há mudança, há verdadeira emancipação. A verdadeira
emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é destemor. É como o leão, que não teme


qualquer animal. O mesmo é o caso com a emancipação. Ela não teme
quaisquer Maras. Destemor é verdadeira emancipação. A verdadeira
emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação não conhece estreiteza. Num caminho estrei-


to, duas pessoas não podem caminhar [lado a lado]. Não é assim com a
emancipação. Tal emancipação é o Tathagata. Também, há o caso da
não-estreiteza. Por exemplo, um homem cai num poço em razão do
seu medo de um tigre. A situação da emancipação não é como esta. Tal
emancipação é o Tathagata. Novamente, há outro caso de não-
estreiteza. Num grande mar, abandonamos um pequeno navio naufra-
gado. Navegando num navio forte, atravessamos o mar e chegamos ao
destino, e nosso pensamento é abençoado com a paz. O mesmo é o
caso com a emancipação. A sensação é de felicidade. O alcançar da
felicidade é a verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o
Tathagata.

Também, a emancipação fica acima de todas as causas e condições.


Por exemplo, do leite obtemos o creme, do creme, obtemos a mantei-
ga; e da manteiga, obtemos o sarpirmanda. A verdadeira emancipação
não tem qualquer dessas causas. A ausência de causas é a verdadeira
emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação subjuga a arrogância completamente. [Pense


em] um grande rei que menospreza um pequeno rei. Este não é o caso
com a emancipação. Tal emancipação é o Tathagata. O Tathagata é
Dharma.

Também, a emancipação subjuga todos os tipos de indolência. O indo-


lente é ambicioso. Com a verdadeira emancipação, nada semelhante a

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 149


isto acontece. Isto é verdadeira emancipação. A verdadeira emancipa-
ção é o Tathagata.

Também, a emancipação acaba com a escuridão. Isto é como com a


manteiga refinada. Quando a escumalha e a sujeira são removidas,
obtemos o sarpirmanda. O mesmo se passa com a emancipação. Como
resultado da exclusão da escumalha da ignorância, um brilho verdadei-
ro resplandece. Essa resplandecência é a verdadeira emancipação. A
verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é quietude, a pura (quietude), a não-dual. Isto


é como o elefante da savana, que não tem comparação. A mesma é a
situação com a emancipação. Ela é única, não-dual, a qual é a verdadei-
ra emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação é forte e cheia de verdade. As hastes das


plantas do bambu, da cana e do óleo de rícino são ocas, mas as semen-
tes são fortes e verdadeiras. Ao contrário do Buda-Tathagata, todos os
seres humanos e celestiais não são fortes e cheios de verdade. A ver-
dadeira emancipação está longe de todas as ilusões. Tal emancipação é
o Tathagata.

Também, a emancipação levanta-se e expande-se. A verdadeira eman-


cipação é como isto. Tal emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação abandona todas as existências. Por exemplo,


um homem, depois de participar da refeição, pode vomitar. A emanci-
pação é também como isto. Ela abandona todas as existências. O a-
bandono de todas as existências é a verdadeira emancipação. A verda-
deira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é uma decisão. Isto é como no caso da fragrân-


cia da varsiki, que não é encontrada na saptapama [alstonia scholaris –
árvore sempre-viva da Ásia oriental e Filipinas]. O mesmo é o caso com
a emancipação. Tal emancipação é o Tathagata.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 150
Também, emancipação é água. Por exemplo, a água cai sobre todos os
outros elementos da terra e umedece completamente todas as árvo-
res, gramas e sementes. O mesmo é o caso com a emancipação. Ela
umedece completamente todos os seres. Tal emancipação é o Tatha-
gata.

Também, emancipação é entrada. Se existe um portal, isto significa que


há uma entrada para um caminho. É como num lugar onde há ouro
que podemos pegar. Emancipação é assim. É como um portal. Aqueles
que praticam altruisticamente certamente podem entrar. Tal emanci-
pação é o Tathagata.

Também, emancipação é aquilo que é bom. Por exemplo, um discípulo


segue corretamente as injunções do seu mestre e chamamos isto de
bom. Assim, também, é com a emancipação. Tal emancipação é o Ta-
thagata.

Também, a emancipação é chamada de Lei Supramundana. Dentre


todas as coisas, esta é a única que supera todas as outras. É como no
caso da manteiga, que é o melhor dentre todos os sabores. Assim é
[também] com a emancipação. Tal emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é o imóvel. Por exemplo, o vento não pode


mover um portal. A verdadeira emancipação é como isto. Tal emanci-
pação é o Tathagata.

Também, emancipação é calmaria. O grande oceano tem ondas. Mas


este não é o caso com a emancipação. Tal emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é como um palácio real. Emancipação é como


aquilo. Saiba que emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é aquilo que é útil. O ouro de Jambunada tem


muitos usos. Ninguém fala mal dele. O mesmo se aplica à emancipa-
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 151
ção. Não há nada de mal com relação à ela. Aquilo que não tem nada
de mal é a verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é Ta-
thagata.

Também, emancipação é renunciar (abandonar) as ações dos nossos


dias de infância. O mesmo é o caso com a emancipação. Ela acaba com
os cinco skandas (cinco agregados). Abandonar os cinco skandas é a
verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é Tathagata.

Também, emancipação é o supremo. Uma pessoa encarcerada obtém


a liberdade e, após lavar-se e limpar-se, retorna para casa. O mesmo é
o caso com a emancipação. Ela é pura ao extremo. Esta pureza extrema
é a verdadeira emancipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é a felicidade que não é expelida. (Isto se dá)


Em razão do desejo, da malevolência e da ignorância terem sido expe-
lidas. Como um exemplo: um homem engole uma droga venenosa por
engano. Para expelir o veneno, ele toma um remédio. Uma vez que o
veneno é expelido, ele está curado, sente-se bem e ganha a paz. O
mesmo é o caso com a emancipação. Tendo se libertado de todas as
ilusões e venenos que nos aprisionam, o corpo ganha a paz. Por isso
falamos ‘paz não-expelida’. Paz não-expelida é a verdadeira emancipa-
ção. A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é a nossa libertação das quatro serpentes ve-


nenosas da ilusão [isto é, desejo, ódio, ignorância e arrogância]. A con-
quista da libertação da ilusão é a verdadeira emancipação. A verdadei-
ra emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é apartar-se de todas as existências, extirpando


todo o sofrimento, obtendo todos os aspectos da paz, erradicando
eternamente os desejos, maus-desejos e ignorância, e apartando-se
das raízes de todas as ilusões. Cortar as raízes da ilusão é emancipação.
A verdadeira emancipação é o Tathagata.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 152


O Verdadeiro Eu e a Emancipação

Além disso, denomina-se emancipação a tudo aquilo que se separa de


todos os fenômenos condicionados [samskrtadharmas], dá origem ao
todo imaculado [anasrava], às qualidades/fenômenos saudáveis e eli-
mina os vários caminhos/abordagens que se referem ao Eu, não-Eu e
não não-Eu. É meramente separar-se dos vínculos (da afeição pelo Eu)
e não separar-se do ponto de vista do Eu / o discernimento do Eu / a
visão do Eu [atma-drsti]. O ponto de vista do Eu é denominado ‘Buda-
Dhatu’ [Natureza-de-Buda ou Verdadeiro Eu]. O Buda-Dhatu é a verda-
deira emancipação, e a verdadeira emancipação é o Tathagata.

Também, emancipação é o ‘não-vazio-vazio’. ‘Vazio-vazio’ é não-


possessão. Não-possessão é a emancipação que os thirtikas e Nirgran-
tha Jnatiputras [Jainistas] presumem a respeito [deles próprios]. Mas,
na verdade, os Nirgranthas não possuem emancipação. Então se diz
‘vazio-vazio’. Não-vazio-vazio é a verdadeira emancipação. A verdadei-
ra emancipação é o Tathagata.

O Não-Vazio e a Emancipação.

Também, emancipação é o ‘não-vazio’. O vaso no qual colocamos a


água, bebida, leite, creme, manteiga, mel, etc.; pode ser chamado de
vaso de água ou algo assim, mesmo quando não há água, bebida, cre-
me, manteiga, mel ou qualquer coisa dentro dele. Além disso, não
podemos dizer que o vaso está vazio ou não-vazio. Se dizemos vazio,
não pode haver qualquer cor, cheiro, sabor ou tato. Se dizemos não-
vazio, o que vemos é que não há nada dentro dele tal como água, be-
bida ou qualquer outra coisa. Podemos dizer nem matéria [‘rupa’] nem
não-matéria [‘arupa’]; podemos dizer nem vazio e nem não-vazio. Se
dizemos vazio, não pode haver Eternidade, Felicidade, Eu e Pureza. Se
é não-vazio, quem é aquele abençoado com a Eternidade, a Felicidade,
o Eu e a Pureza? Assim, poderíamos dizer nem vazio e nem não-vazio.

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 153


Vazio intuirá [a noção de] que as 25 existências, todas as ilusões, sofri-
mento, as fases da vida, e todas as ações atuais não existem. Quando
não há creme no vaso, podemos dizer vazio. Não-vazio aponta para a
Verdade, para aquilo que é Bom, Eterno, Feliz, Eu (Auto), Puro, Imóvel
e Imutável. É como no caso do sabor e do tato com relação ao vaso.
Este é o porquê de dizermos não-vazio. Em conseqüência, podemos
dizer que a emancipação é como no caso do vaso. O vaso quebrará em
determinadas circunstâncias. Mas não é assim com a emancipação. Ela
não pode quebrar. Aquilo que é indestrutível é a emancipação. A ver-
dadeira emancipação é o Tathagata.

Também, a emancipação erradica toda a avareza (cobiça), todas as


aparências externas, todas as amarras, todas as ilusões, todos os nas-
cimentos e mortes, todas as causas e condições (relações), todos os
resultados do Karma. Tal emancipação é o Tathagata. O Tathagata é
Nirvana. Quando todos os seres [vierem a] temer o nascimento, a mor-
te e a ilusão, eles se refugiarão nos Três Tesouros. Isto é como um re-
banho de cervos que temem o caçador e fogem. Um salto pode ser
equiparado a um refúgio, e três saltos a três refúgios. De três saltos
vem a paz. O mesmo se passa com todos os seres. Quando tememos
os quatro Maras e o caçador mal-intencionado, buscamos os Três Re-
fúgios [no Buda, na Lei e na Sangha]. Como um resultado dos três Re-
fúgios, obtemos a paz. Obter a paz é verdadeira emancipação. A ver-
dadeira emancipação é o Tathagata. O Tathagata é Nirvana. Nirvana é
o infinito. O infinito é a Natureza-de-Buda. A Natureza-de-Buda é ilimi-
tável. Ilimitável é a Insuperável Iluminação.”

Por Que Fazemos Oferecimentos à Sangha?

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh, Honrado pelo Mundo! Se


é o caso que Nirvana, a Natureza-de-Buda, o Ilimitável, e o Tathagata
são unos e o mesmo, por que dizemos ‘Três Refúgios’?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 154


O Buda disse a Kashyapa: “Todos os seres temem o nascimento e a
morte. Sendo assim, eles buscam os Três Refúgios. Por Três Refúgios,
entendemos a Natureza-de-Buda, o Ilimitável, e o Nirvana. Oh, bom
homem! Há casos nos quais o nome, Dharma, é um (o mesmo), mas o
significado difere. Há casos nos quais os nomes do Dharma e os signifi-
cados são ambos diferentes. Dizemos que o nome é um (o mesmo),
mas os significados diferem. Isto se refere à situação onde dizemos que
o Buda é eterno, o Dharma é eterno, e o Monge é eterno. Também,
Nirvana e o espaço são eternos. Este é o caso onde o nome é um, mas
a significação é diferente. Dizemos que ambos, a palavra e a significa-
ção diferem. O Buda é chamado ‘Iluminação’, o Dharma é chamado
‘Não-Desperto’, a Sangha é ‘Harmonia’, e Nirvana ‘Emancipação’. O
Espaço é chamado ‘não-seguro’ e também ‘não-coberto’. Há casos nos
quais a palavra e a significação, ambas diferem. Oh, bom homem! O
caso dos Três Refúgios é também como isto. A palavra e a significação,
ambas diferem. Como podemos dizer um? Este é o porquê eu disse a
Mahaprajapati [a tia do Buda, que o criou]: ‘Oh, Gautami! Não faça
oferecimentos para mim; faça-os à Sangha! Se os oferecimentos são
feitos para a Sangha, isto equivale a fazer oferecimentos aos Três Refú-
gios’. Mahaprajapati respondeu, dizendo: ‘Em meio aos sacerdotes,
não há Buda e nem Dharma. Como podemos dizer que os oferecimen-
tos feitos à Sangha constituem oferecimentos feitos aos Três Refúgios’?
Eu disse: ‘Se você fizer como eu digo, isto significará que você fez ofe-
recimentos ao Buda. Para fins da emancipação, o oferecimento é feito
ao Dharma. Quando todos os sacerdotes recebem isto, é um ofereci-
mento feito à Sangha’. Oh, bom homem! Às vezes o Tathagata fala
sobre uma coisa e a faz referir-se a três; ele fala sobre três e as faz refe-
rirem-se a uma. Todas essas coisas são aquilo que tem a ver com o
mundo de todos os Budas. Elas não são aquilo que Sravakas e Pratye-
kabudas possam compreender.”

Kashyapa disse ainda: “Você, o Buda, diz que a paz insuperável é Nirva-
na. Como pode ser isto? Agora, Nirvana significa abandono do corpo e
do intelecto. Se abandonamos o corpo e o intelecto, quem é aquele
que será abençoado com a paz?”
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 155
O Buda disse: “Oh, bom homem! Como um exemplo: existe um ho-
mem aqui. Ele come alguma comida. Após participar dela, ele se sente
mal, deseja sair e vomitar. Depois de vomitar, ele volta. Uma pessoa
que estava com ele pergunta: ‘Você se livrou do problema que você
tinha? Você voltou aqui novamente.’ Tal pode ser o caso. O mesmo se
aplica ao Tathagata. Ele se apartou completamente das 25 existências e
ganhou o Nirvana eternamente, o qual é paz e felicidade. Não pode
haver mais inversões confusamente, nem fim e nem extinção. Todo o
sentimento é erradicado (com o Nirvana). Esta é a felicidade do não-
sentimento. Este não-sentimento é Felicidade eterna. Nunca podemos
dizer que o Tathagata sente Felicidade. Assim, a Felicidade Suprema é
nada mais que o Nirvana. Nirvana é verdadeira emancipação. A verda-
deira emancipação é o Tathagata.”

Kashyapa ainda disse: “O não-nascimento e o não-desejo são emanci-


pação?”

“É assim, é assim. Oh, bom homem! Não-nascimento e não-desejo são


emancipação. Tal emancipação é o Tathagata.”

Kashyapa ainda disse: “Você disse que não-nascimento e não-desejo


são emancipação. O espaço, também, por sua natureza, é não-
nascimento e não-desejo. Ele deve ser o Tathagata. A natureza do Ta-
thagata deve ser emancipação.”

O Buda disse a Kashyapa: “Oh, bom homem! Não é assim.”

“Por que, oh Honrado pelo Mundo, isto não é assim?”

“Oh, bom homem! A kalavinka e o jiva-jivaka têm cantos límpidos e


maravilhosos. Como podemos comparar suas vozes às do corvo e da
pega? O que você diz sobre isso?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 156


“Nós não podemos. Oh Honrado pelo Mundo! As vozes do corvo e da
pega não podem suportar comparação 100 mil ‘wan’ [unidade de nú-
mero chinesa] vezes.”

Kashyapa disse ainda: “As vozes da kalavinka e outros (pássaros) são


maravilhosas; e assim é o seu corpo. Oh Tathagata! Como podemos
compará-las àquelas do corvo e da pega. Isto é um pouco diferente da
comparação entre a semente de mostarda e o Monte Sumeru. O mes-
mo é o caso com o Buda e o espaço. A voz da kalavinka pode ser com-
parada àquela do Buda; mas, as vozes do corvo e da pega não podem
suportar comparação com aquela do Buda.

Então o Buda elogou Kashyapa e disse: “Falaste bem, falaste bem, oh


bom homem! Você agora alcançou o que é mais difícil de compreen-
der. O Tathagata, às vezes, de acordo com o que a situação requer,
pega o caso do espaço e o compara à emancipação. Tal emancipação é
o Tathagata. A verdadeira emancipação, [todavia], não pode suportar
comparação com (seres) humanos e celestias. E o espaço em si, para
dizer a verdade, não é preenchido por [tais] comparações. Para ensinar
os seres, uma comparação é buscada para aquilo que não pode, em
seu verdadeiro sentido, servir ao objetivo (de ensinar). Saiba que e-
mancipação é o Tathagata; a natureza do Tathagata é esta emancipa-
ção. Emancipação e Tathagata não são duas coisas, não são diferentes.
Oh, bom homem! Dizemos ‘não-comparável’. Não podemos tomar
[para fins de analogia] aquilo que não pode ser comparado. Quando
existe uma conexão, então podemos comparar [duas coisas]. É como
quando se diz nos sutras, por exemplo: ‘O rosto é tão perfeito quanto
aquele da lua cheia; o elefante branco é tão afável e límpido quanto a
neve do Himalaya’. Ora, a lua cheia não pode ser o mesmo que uma
face, e o Himalaia e o elefante branco não podem ser iguais. Oh, bom
homem! Não é possível expressar emancipação através de parábolas.
[Mas] no sentido de ensinar os seres, recorre-se às parábolas. Através
de parábolas, adquirimos a consciência da natureza de todas as coisas.
A matéria (o ensino) é colocada assim.”

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 157


Kashyapa ainda disse: “Por que é que o Tathagata recorre a dois tipos
de parábolas?”

O Buda disse: “Oh, bom homem! Por exemplo, existe uma pessoa aqui
que segura uma espada em sua mão e com um pensamento irado in-
tenta ferir o Tathagata. Mas o Tathagata se apresenta (com a feição)
benevolente, e não tem o semblante irado. Pode este homem ferir e
Tathagata e cometer o pecado mortal?”

“Não, Oh Honrado pelo Mundo! Por que não? Porque o corpo do Ta-
thagata não pode ser destruído. Por que não? Porque ele não é algo
como o corpo carnal composto. O que existe é o ‘Dharmata’ [Natureza-
do-Dharma]. O princípio do ‘Dharmata’ é indestrutível. Como poderia
este homem esperar destruir o Corpo-do-Buda (que é intangível)? Em
razão do seu mau pensamento, esta pessoa cairia no Inferno Avichi.
Assim, podemos fazer uso de parábolas e vir a conhecer o Dharma
Maravilhoso (que é intangível pela razão humana).”

Então o Buda elogiou o Bodhisattva Kashyapa: “Falaste bem, falaste


bem! Você já disse o que eu gostaria de dizer. Além disso, oh bom ho-
mem! Por exemplo, uma pessoa má intenta ferir a sua própria mãe. Ele
vive nos campos e esconde-se sob um palheiro. Sua mãe traz comida
para ele. Então o homem acalenta um mau pensamento, avança e
aponta sua espada. Sua mãe, vendo isto, escapa e esconde-se sob o
palheiro. O homem enfia a sua espada no palheiro por todos os lados.
Tendo feito isto, ele está satisfeito e pensa que matou a sua mãe. En-
tão, sua mãe sai do palheiro e retorna para casa. No que isto implica?
Este homem deve sofrer no Inferno Avichi ou não?”

“Oh, Honrado pelo Mundo! Definitivamente, não podemos dizer qual é


o caso. Por que não? Se dissermos que ele destinou-se ao Inferno Avi-
chi, [em tal caso] o corpo da sua mãe teria que estar ferido. Mas, se ele
não está ferido, como podemos dizer que o homem a feriu? Se ele é
inocente, como ele acalentou o pensamento de ter realmente matado
sua mãe e como poderia ter ficado tão satisfeito? Como podemos dizer
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 158
que ele é inocente? Embora ele não tenha realmente cometido este
pecado mortal, isto é nada mais que um pecado mortal. Disto (, em
conclusão), nós podemos conhecer somente através de parábolas a
verdadeira natureza das coisas.”

Elogiando Kashyapa, o Buda disse: “Falaste bem, falaste bem, oh bom


homem! Por esta razão, eu recorro a muitos expedientes e parábolas, e
explico a emancipação. Poderíamos empregar inumeráveis asamkhyas
de parábolas, e mesmo assim as parábolas não poderiam explicar tudo
completamente. Se a ocasião requer, podemos recorrer às parábolas,
ou a ocasião pode não permitir parábolas. Assim, a emancipação pos-
sui tais virtudes. Se explicamos o Nirvana, o Nirvana e o Tathagata pos-
suem inumeráveis virtudes. Falamos do ‘Grande Nirvana’.

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh, Honrado pelo Mundo!


Agora eu sei que não há um fim para as coisas que se referem à para
onde vai o Tathagata. Se o lugar é interminável (eterno), a vida tam-
bém deve ser eterna.”

O Buda disse: “Falaste bem, falaste bem! Você agora protege o Dharma
Maravilhoso, de fato. Qualquer bom homem ou boa mulher que deseje
cortar as amarras da ilusão e todas as outras amarras deveria proteger
o Dharma Maravilhoso assim.”

Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 159


Capítulo Oito: Sobre os Quatro Fidedignos
O Buda, além do mais, disse a Kashyapa: “Oh, bom homem! Neste
Todo-Maravilhoso ‘Sutra do Mahaparinirvana’, aparecem quatro tipos
de pessoas. Estas pessoas o protegem, o estabelecem (o tornam co-
nhecido, reconhecido e aceito) e pensam bem a respeito do Dharma
Maravilhoso. Eles beneficiam demais os outros e sentem piedade do
mundo. Eles se tornam os refúgios do mundo e concedem a paz e a
felicidade aos seres humanos e celestiais. Quem são os quatro? Uma
pessoa que aparece no mundo envolvida em ilusões. Esta é a primeira
categoria. Aquelas pessoas nos graus (estágios) de Srotapanna e Sakri-
dagamin são a segunda (categoria). Aquelas no grau (estágio) de Ana-
gamin são a terceira. Aquelas no estágio de Arhat são a quarta. Esses
quatro tipos de pessoas aparecem, beneficiam e sentem piedade do
mundo. Eles se tornam os refúgios do mundo e concedem a paz e a
felicidade aos seres humanos e celestiais.

O Mortal Comum

O que entendemos por ‘aqueles trajados em ilusões’? Tais pessoas


suportam as proibições, mantém em observância a (regra de) conduta,
e ostentam o Dharma Maravilhoso. Eles concordam com o que o Buda
diz, compreendem o que é dito e o expõem aos outros, e dizem: ‘Alme-
jar pouco é a Via; Desejar muito não é a Via’, e expõem os ‘oito pensa-
mentos despertos de um grande homem’ (este é o chamado Nobre
Caminho Óctuplo: entendimento correto, pensamento correto, lingua-
gem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, a-
tenção plena correta, concentração correta). Àquele que transgride, a
Via é mostrada, tal que ele confesse e se arrependa. Estas pessoas
erradicam os pecados e conhecem os expedientes e segredos dos ensi-
namentos dos Bodhisattvas. Tal pessoa [desta primeira categoria] é um
mortal comum, e não uma pessoa do oitavo estágio [alguém que tenha
chegado ao estágio de realização chamado ‘eighth-person stage’]. A

Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 161


pessoa do oitavo estágio não é um mortal comum. Ele é chamado ‘Bo-
dhisattva’, mas não Buda.

O Srotapanna e o Sakridagamin

As pessoas da segunda categoria são aquelas dos estágios de Srota-


panna e Sakridagamin. Tendo encontrado o Dharma Maravilhoso, elas
ostentam-no. Elas seguem e ouvem as palavras do Buda e agem de
acordo como as ouviram. Tendo ouvido, elas escrevem o que ouviram,
sustentam o que ouviram, recitam-no e expõem os ensinamentos aos
outros. Não pode ocorrer [com estas pessoas] delas não escreverem,
não receberem, ostentarem e exporem os ensinamentos aos outros.
Com elas nunca poderia ocorrer nada como dizer que o Buda lhes
permite ter serviçais (empregados) e aquilo que é impuro. Estas coisas
se referem às pessoas da segunda categoria. Elas ainda não atingiram o
segundo e o terceiro lugares de residência. São chamadas ‘Bodhisatt-
vas’. Elas já receberam a profecia do Buda de que [um dia] atingirão o
Estado de Buda.

O Anagamin

“As pessoas da terceira categoria são aquelas do estágio do Anagamim.


Com elas nunca pode acontecer coisas que caluniam o Dharma Maravi-
lhoso, possuindo empregados, homens ou mulheres, possuindo coisas
impuras, ou tendo em consideração os livros (escrituras) dos tirthikas
[seres deludidos, não-Budistas], sofrendo impedimentos por ilusões
forasteiras (outras crenças), ou estando atadas por antigas ilusões,
guardando para si a verdadeira shahira [relíquia] do Tathagata, sendo
atacadas pelas doenças eternas (seculares) ou pelas quatro grandes
serpentes venenosas [a ganância, o ódio, a ignorância e a arrogância], e
persistindo no eu. Elas falam sobre altruísmo, mas nunca falam a res-
peito ou se apegam às coisas mundanas. Elas falam a respeito e man-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 162


têm em observância o Mahayana, mas seus corpos nunca são infecta-
dos pelos 80.000 germes. Elas removem para sempre o apetite sensual
e, mesmo nos sonhos, elas nunca ejaculam coisas impuras. No último
momento das suas vidas, elas nunca sentem medo. O que significa
‘Anagamim’? Significa que essa pessoa nunca volta (a renascer) ou
retrocede. Como já foi dito, nenhuma falha ou doença jamais se apo-
derará dela. Ela vai, volta e circula. Ela é chamada Bodhisattva. Rece-
bendo a sua profecia, ela, não muito depois disso, atinge a Iluminação
Insuperável. Esta é a pessoa da terceira categoria”.

O Arhat

“A quarta (categoria) é o Arhat. Um Arhat é aquele que cortou as amar-


ras da ilusão, que acabou com o peso que recaía sobre os seus ombros
e que alcançou aquilo que ele queria ter. Uma vez que todas as coisas
tenham sido cumpridas, ele vive no décimo nível. Atingindo um estado
imperturbável de Sabedoria, ele realiza aquilo que os outros desejam
ter e manifesta-se em (através de) muitas imagens. Se ele deseja reali-
zar a Via do Buda, do jeito que ela deve ser realizada, ele pode fazê-lo.
Dessa forma, aquele que pode realizar inumeráveis virtudes é um A-
rhat”.

“Estes são os quarto tipos de pessoas que aparecem, beneficiam, e


sentem piedade do mundo. Assim, eles tornam-se refúgios do mundo e
levam a paz e a felicidade aos seres humanos e celestiais. Eles são os
mais honrados e mais soberbos dentre todos os humanos e deuses. É
como no caso do Tathagata, que é o mais soberbo dentre os humanos
e deuses, e é o Refúgio do mundo.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh, Honrado pelo Mundo! Eu


não busco refúgio nesses quatro seres. Por que não? É como dito ante-
riormente no ‘Sutra Goshila’, o qual o Buda endereça à Goshila (um rico
propiretário Kaushambi que construiu o monastério Ghoshilavana para

Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 163


convidar o Buda Shakyamuni a vir e ensinar a sua doutrina). Lá você
disse: ‘Devas, Maras e Brahma podem desejar a destruição, apresen-
tando-se na forma de Budas, adornando-se perfeitamente com as 32
marcas distintivas (do Buda) e as oitenta características menores de
excelência, a luz do halo (auréola sobre sua cabeça) medindo oito pés,
a face perfeitamente redonda como em fase de lua cheia, e o tufo de
cabelos brancos de entre suas sobrancelhas, mais branco que o casco
de um cavalo ou a neve. Caso eles apareçam adornados assim, olhe
cuidadosamente para ver se eles são genuínos. Estando seguro [de que
não são genuínos], subjugue-os’. Oh, Honrado pelo Mundo! Maras e
outros podem se apresentar como Budas. Por que eles não estariam
aptos a se apresentarem como os quatro sábios (fidedignos), come-
çando pelo Arhat, sentando ou dormindo no ar, soltando água pelo
lado esquerdo do seu corpo e fogo pelo lado direito, soltando chamas
flamejantes do seu corpo como uma bola de fogo? Por estas razões,
não posso ter fé nisto; atrevo-me a não aceitar isto, mesmo quando
ensinado. Não vou buscar refúgio neles.”

O Buda disse: “Oh, bom homem! Se você tem dúvida com relação ao
que eu digo, é para você não aceitá-lo. Ainda mais quando você tem de
lidar com essas pessoas. Sendo assim, pondere bem sobre uma coisa e
descubra se ela é boa ou não, se é para você fazê-la ou não. Agindo
assim, nos tornamos abençoados com a paz e a felicidade na longa
noite [Isto é, nossa vida no Samsara]. Oh, bom homem! Existe aqui um
cão com a sua mente fixada em roubar. À noite ele entra na casa das
pessoas. Quando os empregados vêm a saber disto, eles gritam furio-
samente: ‘Caia fora neste instante, ou o mataremos!’ O cão assaltante
ouve isto, foge da casa e nunca mais retorna. De agora em diante, aja
dessa maneira e expulse os Papiyas [(Mara) Papiyas - Pessoas Más,
Demônios], dizendo: ‘Oh, Papiyas! Não se apresentem de tal forma.
Caso se atrevam, os amarraremos com cinco cordas’. Ao ouvir isto,
Mara fugirá e se esconderá. Como o cão assaltante, ele nunca mais se
mostrará.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 164


Kashyapa disse ao Buda: “Oh, Honrado pelo Mundo! É como você, o
Buda, disse ao homem rico, Goshila. Alguém que possa conquistar
Mara dessa maneira, seguramente se aproximará do Parinirvana. Oh,
Tathagata! Como é que você fala particularmente desses quatro tipos
de pessoas e diz que devemos buscar refúgio neles? O que tais pessoas
dizem não pode ser confiável.”

O Buda disse a Kashyapa: “Oh, bom homem! Eu me dirigi aos Sravakas


que possuem somente os olhos carnais e disse que eu subjuguei Mara.
Eu não disse isto para aqueles do Mahayana. Aqueles pertencentes à
classe dos Sravakas caem na categoria dos olhos carnais, embora eles
possam adquirir os olhos celestiais. Aqueles que praticam o Mahayana
também podem possuir os olhos carnais, mas eles são aqueles que
possuem o Olho-Búdico. Como assim? Esses sutras Mahayana são
chamados Veículo do Buda. Esse Veículo do Buda é o mais soberbo.
Oh, bom homem! Por exemplo, existem pessoas bravas e corajosas,
mas também aqueles covardes e fracos, e que vêm e aguentam. O
forte sempre ensina o fraco e diz: ‘Pegue o arco com esta (mão), a fle-
cha com esta, e aprenda [como lidar com] a alabarda, o gancho longo e
o laço do policial’. O homem forte também dirá: ‘Agora, o destino da-
queles que lutam é como o caminhar sobre lâminas de espadas. Mas,
não devemos temer. Ao depararmos com humanos ou deuses, pense
que eles são mesquinhos e fracos. Devemos ser bravos no coração.
Pode haver também um homem que, embora não seja um bravo, a-
presente-se como um bravo e, armado com um arco, uma espada e
muitas outras coisas, vá para o campo de batalha. Então aquela pessoa
cairá em prantos. Não tema essas pessoas. Se eles virem que você não
tem medo, eles entenderão e logo se dispersarão como o cão assaltan-
te’. Oh, bom homem! O mesmo é o caso com o Tathagata. Para todos
os Sravakas, ele diz: ‘Não tenham receio de Marapapiyas. Se Marapapi-
yas, vestidos como um Buda virem a você, faça um esforço e firme seu
pensamento, tal que eles fujam e se afastem.”

“Oh, bom homem! É como no caso de um homem forte que não dá


ouvidos ao que outros dizem. O mesmo se passa com aquele que a-
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 165
prende o Mahayana. Ele ouve os ensinamentos dos vários sutras, faz
uma profunda reflexão, alegra-se e não sente medo. Por quê? Porque
alguém que reside no Mahayana fez no passado inumeráveis ofereci-
mentos a inumeráveis milhões de bilhões de Budas, adorou-os, e ele
não tem pensamentos de temor a Maras, que podem ser tão inumerá-
veis quanto bilhões de milhares, e que podem vir e atacar aquela pes-
soa. Ele não teme. Oh, bom homem! Por exemplo, um homem possui a
agasti [uma planta medicinal] e não teme qualquer serpente venenosa.
Através desse remédio, o veneno perde toda a sua potência. O mesmo
se passa com esse sutra Mahayana. Exatamente como no caso do re-
médio, nenhuma pessoa temerá quaisquer Maras ou venenos. Ele
subjuga completamente o inimigo, que nunca mais poderá se levantar
novamente. Também, oh bom homem! Por exemplo, existe uma naga
(naga = é uma palavra do Sanskrito e do Pāli que designa uma deidade
ou classe de entidades ou seres, que assumem a forma de uma enorme
serpente, mas muitas vezes com os troncos e cabeças humanas, en-
contrada tanto no Budismo como no Hinduísmo) que, por natureza, é
muito mal intencionada. Quando ela deseja atacar as pessoas, ele a-
borda hipnotizando com os olhos ou aturdindo com o bafo. Por isso, o
leão, o tigre, o leopardo, o chacal, o lobo e o cão, todos a temem.
Quando todos esses animais maus ouvem sua voz, vêem sua forma ou
tocam o seu corpo, nenhum há que não perca a sua vida. Mas existe
alguém que conhece uma boa mágica, que permite que tais criaturas
más e venenosas, como as nagas, garudas, elefantes, leões, leopardos
e lobos sejam domesticados, tal que possamos andar entre eles. Essas
criaturas, conforme encontram essa mágica maravilhosa, tornam-se
domesticadas. Assim ocorre com Sravakas e Pratyekabudas. Ao verem
Marapapiyas, todos ficam assustados. Dessa forma, os Marapapiyas
não sentem medo e fazem as maldades. O mesmo não é o caso com
aqueles que praticam o Mahayana. Eles vêem que todos os Sravakas
têm medo das más ações e não têm fé neste Mahayana. Em primeiro
lugar, eles recorrem aos meios (expedientes) para, como um resultado
do fato de todos os Maras serem conquistados, que eles tornem-se
domesticados e possam agora servir como veículos para carregar coi-
sas neles. Através disso, eles ensinam diversas doutrinas maravilhosas.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 166
Vendo que os Maras estão temerosos, os Sravakas e Pratyekabudas
ficam admirados, ganham a fé e divertem-se no Dharma Maravilhoso
do insuperável Mahayana.

Eles dizem: ‘De agora em diante, não devemos mais obstruir o Dharma
Maravilhoso’. Ainda mais, oh bom homem! Os Saravakas e Pratyeka-
budas alimentam medo com relação a todas as ilusões. Aqueles que
estudam o Mahayana não têm tal temor. Praticando-se o Mahayana,
ganha-se tal poder. Como resultado, tudo aquilo que foi dito acima é
para Sravakas e Pratyekabudas acabarem com Maras, e não para o
Mahayana em si. Este sutra Mahayana Todo-Maravilhoso não pode se
acabar facilmente. Tudo é extremamente maravilhoso. Alguém que o
ouve e sabe que o Tathagata é Eterno é muito raro. Tal pessoa é como
a Udumbara. Podem aparecer pessoas que, após a minha morte, ou-
çam os ensinamentos deste maravilhoso sutra Mahayana e ganhem a
fé. Saiba que tais pessoas nunca cairão nos maus domínios da existên-
cia nas futuras eras, através dos 100 mil bilhões de kalpas que virão.”

Então o Buda disse ao Bodhisattva Kashyapa: “Oh, bom homem! Após


a minha entrada no Nirvana, poderão existir 100 mil inumeráveis pes-
soas que caluniarão e não acreditarão neste Todo-Maravilhoso Sutra
do Grande Nirvana.”

As Raras Delícias do Rei d’Outras Terras

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh, Honrado pelo Mundo!


Mais cedo ou mais tarde, pessoas caluniarão este sutra. Oh, Honrado
pelo Mundo! Quais pessoas boas e puras virão e salvarão aqueles que
cometerem tais calúnias?”.

O Buda disse a Kashyapa: “Oh, bom homem! Durante os 40 anos após


o meu Nirvana, este sutra florescerá no Jambudvipa. Então, ele desa-
parecerá. Oh, bom homem! Por exemplo, na terra onde podemos ob-

Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 167


ter a cana de açúcar, arroz, caramelo, manteiga, nata (creme) e sarpir-
manda, as pessoas dirão: ‘Este é o melhor de todos os sabores’. Ou
pode haver pessoas que estejam vivendo em meio a uma roça de pain-
ço e capim, e que podem dizer que aquilo que elas comem é a melhor
de todas as comidas. Essas são pessoas de má sorte, devido à sua retri-
buição cármica. Os ouvidos dos afortunados nunca ouvirão falar de
painço ou de capim-arroz. O que eles ouvirão será farelo de arroz, cana
de açúcar, caramelo e sarpirmanda. O mesmo é o caso com esse mara-
vilhoso Sutra do Grande Nirvana. Aqueles nascidos ignorantes e desa-
fortunados não desejarão ouvi-lo, tal como aquelas pessoas, que são
estúpidas e de pouca sorte, odeiam farelo de arroz e caramelo. Isto é
assim com as pessoas dos dois veículos (Sravakas e Pratyekabudas),
que odiarão esse insuperável Sutra do Nirvana.

Mas, há pessoas que se sentem gratificadas ao ouvir este sutra e que,


tendo ouvido-o, sentirão prazer e não o caluniarão. Elas são como a-
quelas pessoas de boa sorte que comem farelo de arroz. Oh, bom ho-
mem! Por exemplo, existe um rei que vive nas profundezas das mon-
tanhas, num lugar localizado num precipício, de difícil acesso. Ele tem
cana de açúcar, farelo de arroz e caramelo, mas uma vez que essas
coisas são difíceis de obter, ele regateia e as esconde, e não as come.
Temendo que elas possam acabar, ele come somente painço e capim.
Então, o Rei de uma terra diferente, ouvindo sobre isto e sentindo pie-
dade, manda farelo de arroz e cana de açúcar para ele. O rei as recebe
e as divide entre as pessoas da sua terra, que as consomem. Após co-
mê-las, estão todos satisfeitos e dizem: ‘Por causa daquele Rei, agora
fomos abençoados com esta comida’. Oh, bom homem! O mesmo se
passa com os quatro tipos de pessoas. Eles tornam-se generais deste
grande ensinamento. Um dos quatro tipos de pessoas vê que incontá-
veis Bodhisattvas de outros países estudam, copiam, ou possuem ou-
tras cópias de sutras Mahayana deste tipo visando ganhos, fama, co-
nhecimento, proficiência ou para transação com outros sutras; mas
que eles não falam deles (dos sutras Mahayana) para os outros. Sendo
assim, ele (um dos quatro tipos de pessoas) pega este sutra Todo-
Maravilhoso e o dá para os Bodhisattvas, tal que eles possam aspirar
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 168
ao Bodhichitta Insuperável e descansar pacificamente na Iluminação.
Um Bodhisattva, ao obter esse sutra, fala dele aos outros que, através
dele, tornam-se abençoados com a amrta [‘amrta’ – Ambrosia - o esta-
do de imortalidade] do ensinamento Mahayana. Tudo isto é o que tem
sido levado adiante por este único Bodhisattva (um dos quatro tipos de
pessoas). Ele permite aos outros ouvirem o que eles não ouviram an-
tes. Isto é como a pessoa que, através do poder daquele Rei, degusta
raras delícias. O caso é similar.

Também, oh bom homem! Onde quer que esse Todo-Maravilhoso


Sutra do Grande Nirvana vá, aquele lugar – saiba você – é indestrutível.
As pessoas que vivem lá também são igualmente adamantinas. Qual-
quer pessoa que ouça este sutra atingirá a Iluminação insuperável e
nunca regredirá dela. Tais pessoas obterão o que quer que desejem
ter. Oh, vocês Monges! Guardem bem o que digo para vocês hoje.
Quaisquer pessoas que não ouçam este sutra são, vocês devem saber,
dignas de pena. Por que é assim? Porque tais pessoas não podem
guardar o profundo significado de um sutra Mahayana como este”.

Kashyapa disse ao Buda: “Oh, Honrado pelo Mundo! Este é o caso em


que após a morte do Tathagata este Sutra Mahayana do Grande Nirva-
na florescerá no Jambudvipa por um período de 40 anos e que após
aquilo ele desaparecerá. Quando e como ele ressurgirá novamente?”

O Buda disse: “Oh, bom homem! Por um período de 80 anos após o


final da era do Dharma Maravilhoso e durante os 40 anos precedentes
a ela, este sutra florescerá grandemente no Jambudvipa”.

Kashyapa ainda disse ao Buda: “Oh, Honrado pelo Mundo! Quando a


era do Dharma Maravilhoso se acabar e quando a correta observância
dos preceitos não mais prevalecer, quando os ensinamentos heréticos
prevalecerem, quando não mais houver qualquer pessoa que tome o
caminho correto – quem serão aqueles que darão bons ouvidos aos
ensinamentos, que mantenha-os e recite-os, e façam esse sutra circular
no mundo, de tal forma que as pessoas façam oferecimentos, respei-
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 169
tem, copiem e exponham esse sutra? Por favor, tenha piedade dos
seres, oh Tathagata, e analise e exponha isto amplamente, tal que to-
dos os Bodhisattvas possam ouvir o Dharma, mantê-lo, e nunca retroa-
girem do Bodhichitta insuperável.”

Então o Buda elogiou Kashyapa e disse: “Falaste bem, falaste bem, oh


bom homem! Você agora coloca essa questão. Oh, bom homem! Se os
seres, no rio Hiranyavati, no assento do Tathagata, aspirarem à Ilumi-
nação neste mundo de maldade, eles manterão um sutra como este e
não o caluniarão. Oh, bom homem! Pode haver seres nos assentos de
todos os Tathagatas, tão numerosos como as areias do Rio Ganges, que
aspirem à Iluminação e não caluniem o Dharma no mundo da maldade
e que, embora amem este sutra, [ainda] não estejam aptos a analisá-lo
e expô-lo para os outros. Oh, bom homem! Pode haver seres nos as-
sentos de todos os Budas, tão numerosos quanto às areias de dois Rios
Ganges, que aspirem à Iluminação, não caluniem o Dharma no mundo
da maldade, compreendam-no corretamente, tenham fé, estejam
satisfeitos, o mantenham e o recitem, [mas] não estejam aptos, para o
benefício do mundo, a expô-lo e falar sobre ele para outros. Ou pode
haver seres que, no assento de todos os Tathagatas, tão numerosos
quanto às areias de três Rios Ganges, aspirem à Iluminação, não calu-
niem o Dharma no mundo de maldade, mantenham, recitem e copiem
este sutra e o exponham aos outros, mas que [ainda] não estejam ap-
tos a alcançar as profundezas dos seus ensinamentos. Ou pode haver
seres que, no assento de todos os Tathagatas, tão numerosos quanto
às areias de quatro Rios Ganges, aspirem à Iluminação e, no mundo da
maldade, não caluniem e mantenham, recitem, e copiem este sutra e
exponham uma décima-sexta parte do seu significado, [embora] ainda
não de forma perfeita. Ou pode haver seres que, no assento de todos
os Tathagatas, tão numerosos quanto às areias de cinco Rios Ganges,
aspirem à Iluminação, não caluniem (o Dharma) no mundo da malda-
de, mas o mantenham, o recitem e copiem este sutra e falem sobre
oito décimas-sexta partes dele. Ou pode haver seres que, no assento
de todos os Tathagatas, tão numerosos quanto às areias de seis Rios
Ganges, aspirem à Iluminação e, no mundo da maldade, não caluniem
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 170
esse Dharma, mas o mantenham, recitem, e copiem este sutra e expo-
nham doze décimas-sexta partes dele aos outros. Ou pode haver seres
que, nos assentos de todos os Tathagatas, tão numerosos quanto às
areias de sete Rios Ganges, no mundo da maldade, não caluniem o
Dharma, mas o mantenham, recitem e copiem este sutra e falem acer-
ca de quatorze décimas-sexta partes dele. Ou pode haver seres que,
nos assentos de todos os Tathagatas, tão numerosos quanto às areias
de oito Rios Ganges, aspirem à Iluminação e, no mundo da maldade,
não caluniem, mantenham, recitem e copiem este sutra, e também
levem outros a copiá-lo, eles mesmos ouvindo bem o que é dito neste
sutra, bem como fazendo outros ouvirem-no também, recitando e
protegendo, ostentando-o vigorosamente e – sentindo piedade de
todos os seres – fazendo oferecimentos a este sutra, instando outros a
também fazerem oferecimentos para honrar, respeitar, recitar e adorá-
lo e, dessa forma, compreender perfeitamente e penetrar o seu signifi-
cado.

Isto significa dizer que o Tathagata é Eterno e Imutável, que ele é a


suprema paz em si, e que ‘todos os seres possuem a Natureza-de-
Buda’ [‘Buddhata’]. Eles compreendem (alcançam) bem todos os ensi-
namentos do Tathagata, fazem oferecimentos a todos os Budas e cons-
troem a casa do insuperável Dharma Maravilhoso, ostentam-no e pro-
tegem-no. Se uma pessoa, pela primeira vez, aspira à Iluminação insu-
perável, saiba que tal pessoa seguramente, nos dias que se sucederem,
construirá a casa do Dharma Maravilhoso, o ostentará e o protegerá.
Isto você deve saber a respeito das pessoas que se tornarão guardiãs
do Dharma. Por quê? Porque essas pessoas, nos dias que virão, segu-
ramente protegerão o Dharma Maravilhoso.”

“Oh, bom homem! Pode haver um Monge mal-intencionado que, ao


ouvir que eu agora estou entrando no Nirvana, possa não sentir qual-
quer apreensão ou tristeza, mas que ao invés disso diga: ‘Agora o Ta-
thagata está entrando no Parinirvana. Quão prazeiroso é que ele o
faça! Quando o Tathagata estava vivo, obstruía o caminho do nosso
lucro. Agora ele está entrando no Nirvana. Quem mais vai ficar no nos-
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 171
so caminho? Se ninguém impedir-me, voltarei a lucrar como nos tem-
pos antigos. Enquanto vivo, o Tathagata também foi rigoroso quanto às
proibições. Quando ele entrar no Nirvana, nós descartaremos todas
elas. A kasaya [Robe Budista] que me foi dada originalmente, o foi sim-
plesmente por uma questão de formalidade. Eu agora a descartarei, da
mesma forma que o faria com um turbante’. Essa pessoa calunia esse
sutra Mahayana e o transgride.

Oh, bom homem! Você, agora, deveria manter [este sutra] e pensar:
‘Se os seres são perfeitos nas inumeráveis virtudes, eles certamente
acreditarão neste sutra Mahayana e, tendo fé nele, o ostentarão. Tam-
bém pode haver outros seres além destes que possam sentir alegria no
Dharma, e se este sutra for amplamente exposto para tais pessoas,
elas, após ouvi-lo, erradicarão todos os pecados acumulados durante
os inumeráveis asamkhyas de kalpas passados. Aqueles que não crêem
neste sutra, nesta vida, serão atacados por inumeráveis doenças e
serão mal-falados por todas as pessoas. Após [a morte], eles serão
desacreditados pelos outros. [Na vida] eles terão má aparência e suas
finanças não irão bem. Ou talvez, eles possam ganhar um pouco, mas
aquilo será grosseiro e de má qualidade. Serão pobres e da baixa ca-
mada social, durante toda sua vida. Eles podem ganhar vida [renascen-
do] em famílias onde advenham calúnias e más relações.

Há tempos em que devemos partir desta vida, podendo ser uma época
de guerras ou quando as pessoas pegam em armas; ou quando impe-
radores e reis estejam praticando a tirania; ou quando inimizade e
vingança possam nos visitar incessantemente. Poderá existir um bom
amigo [um bom mestre Budista], mas eles [isto é, aqueles descrentes
neste sutra] não terão oportunidade de encontrá-lo. Será difícil para
eles ganharem a sua vida. Eles podem ganhar em uma certa medida,
mas a apreensão pela fome se abaterá sobre eles. Eles serão conheci-
dos apenas pelas pessoas da baixa classe, e reis e ministros não olharão
para trás [dando-lhes atenção]. Pode haver ocasiões em que falem com
razão, mas ninguém lhes dará crédito. Essas pessoas não vão para bons
lugares. São como um pássaro cujas asas estão quebradas. O mesmo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 172
ocorrerá com essas pessoas. Nas vidas que virão, elas não estarão ap-
tas a ganharem um lugar seja no mundo dos seres humanos ou dos
celestiais.

O Sol do Grande Nirvana

Se alguém acredita num sutra Mahayana como este, as formas rudes e


grosseiras que possa ter obtido no nascimento parecerão certas e cor-
retas, em virtude do poder deste sutra; a dignidade e o semblante me-
lhorarão dia a dia, tal que humanos e deuses sentirão prazer em vê-lo.
Eles o respeitarão e o amarão, e em nenhum momento perderão a
consideração por ele. Reis, ministros e familiares ouvirão, respeitarão e
acreditarão nele. Se quaisquer dos meus discípulos Sravaka (Ouvinte)
estiverem desejosos de realizar o primeiro ato raro, eles deveriam pre-
gar esse sutra Mahayana para todo o mundo.

Oh, bom homem! A geada e a névoa podem desejar fortemente per-


manecer como elas são, mas isto somente até a hora do sol nascer.
Uma vez que o sol tenha nascido, tudo se vai e nada permanece como
antes. Oh, bom homem! As más ações cometidas por essas pessoas
também se acumulam da mesma forma (como a neve). O poder [que
podemos ter] na presente vida somente continua ao vermos a ascen-
são do sol do Grande Nirvana. Quando o sol desse Grande Nirvana
surge, todas as maldades que têm sido feitas morrerão. Além disso, oh
bom homem! Por exemplo, podemos abandonar nossas casas, raspar
nossos cabelos, vestir a Kasaya, e ainda não recebermos os dez precei-
tos de um Shramanera. Uma pessoa rica pode vir a convidar todos os
sacerdotes [à sua casa], e aqueles que ainda não receberam os precei-
tos podem ser convidados, juntamente com os outros. Eles podem não
ter recebido os preceitos ainda e, no entanto, poderão ser contados
como sacerdotes.

Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 173


Oh, bom homem! É como acontece com uma pessoa que aspira à Ilu-
minação pela primeira vez, estuda este Sutra Mahayana do Grande
Nirvana, ostenta-o, copia-o e recita-o. Ela pode ainda não ter atingido o
nível dos dez estágios [de um Bodhisattva] e, no entanto, ela será con-
tada como sendo um daqueles dos dez estágios. Se uma pessoa, quer
seja um discípulo ou não, sem ganância ou medo, ou mesmo por lucro,
ouvir apenas um gatha deste sutra e, tendo ouvido-o, não o calunie –
saiba que essa pessoa já está próxima da Iluminação insuperável. Oh,
bom homem! Por esta razão, Eu digo que as quatro pessoas [fidedig-
nas] se tornarão os refúgios do mundo. Assim eu digo, oh bom homem,
que essas pessoas nunca dirão que o que o Buda disse não é o que Ele
disse. Nada deste tipo ocorrerá. Este é o porquê eu digo que esses
quatro tipos de pessoas tornam-se os refúgios do mundo. Oh, bom
homem! Faça oferecimentos a esses quatro tipos de pessoas.”

(Kashyapa ainda disse): “Oh, Honrado pelo Mundo! Como posso saber
quem são, e como posso fazer oferecimentos?”

O Buda disse a Kashyapa: “Quem ostenta e protege o Dharma Maravi-


lhoso deve ser convidado. Devemos abandonar nossas vidas e fazer
oferecimentos. Isto é como eu digo no meu sutra Mahayana:

À qualquer pessoa versada no Dharma,


não importa se jovem ou velha,
oferecimentos devem ser feitos;
devemos respeitá-la e reverenciá-la,
como o Brahmin reverencia o fogo.

A alguém versado no Dharma, jovem ou velho,


oferecimentos devem ser feitos.
Tal pessoa será respeitada e reverenciada,
assim como todos os devas servem ao Shakra.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “As coisas devem se proceder


como você, o Buda, diz, e nós devemos render respeito aos mestres e
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 174
mais velhos. Eu tenho uma dúvida que você [talvez] gentilmente dissi-
pará para mim. Se há uma pessoa idosa que tenha por muito tempo
mantido os preceitos e que indague uma pessoa jovem para dizer-lhe
aquilo que ela não ouviu antes – deve ser dado respeito a essa pessoa
jovem? Se assim for, isto não pode ser uma defesa dos preceitos? Ou,
pode haver uma pessoa jovem que tenha mantido os preceitos e que
possa indagar acerca daquilo que ela não ouviu de uma pessoa que
tenha quebrado os preceitos. Devemos respeito a tal pessoa (que que-
brou os preceitos)? Ou, uma pessoa que abandonou a vida secular
pode dar ouvidos ao que um leigo diz acerca de coisas que ele não
ouviu antes. Deveríamos dar respeito a tal pessoa? O entendimento
disto seria que a pessoa que abandonou a vida secular não deveria dar
respeito ao leigo, mas que o jovem e pequeno deveria dar respeito ao
idoso, porque essas pessoas idosas receberam o upasampada mais
cedo e sua (prática da) conduta está realizada. Portanto, deveríamos
dar-lhe respeito e fazer-lhe oferecimentos. De acordo com o Buda, a
violação dos preceitos não é permitida na casa do Buda. É como no
caso de um crescimento (avanço) do arrozal sobre o capim. Também,
de acordo com o que o Buda disse, existe aquele que reside no Dhar-
ma, a quem oferecimentos devem ser feitos, não importando se aquela
pessoa é velha ou jovem, da mesma forma como a pessoa serviria ao
Shakra. Como podem esses dois casos ser compreendidos? Ora, não
poderia ser que aquelas fossem falsas palavras do Tathagata que indi-
caram que mesmo pessoas observadoras dos preceitos podem trans-
gredi-los? Por que o Tathagata disse tal coisa? Também, o Honrado
pelo Mundo disse em outros sutras que a violação dos preceitos pode
certamente ser curada. Não é fácil compreender o significado de coisas
desse tipo.”

O Buda disse a Kashyapa: “Bom homem! Eu falo assim no gatha para o


benefício daqueles Bodhisattvas dos dias que virão e que estudarão o
Mahayana. Eu não o faço para o benefício de Sravakas. Como disse
acima, quando os dias do Dharma Maravilhoso terminarem, quando os
preceitos corretos forem violados, quando a violação dos preceitos
crescer em amplitude, quando as más ações proliferarem, quando [os
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 175
santos] estiverem escondidos e ninguém estiver junto a eles, quando
Monges aceitarem ou possuírem coisas impuras e empregados; apare-
cerá um desses quatro (tipos de pessoas fidedignas) que raspará a sua
cabeça e praticará a Via. Todos os Monges [daquela época] receberão e
possuirão coisas impuras e empregados, não sabendo a diferença entre
o puro e o impuro, o certo e o não certo. Essa pessoa, com a intenção
de ensinar esses Monges, suavizará (a doutrina) e não fará confusão
entre o bem e mal, e saberá o que é necessário ser feito e o que o Buda
faz. Ela verá os outros cometendo graves ofensas, ainda assim ela sen-
tará em silêncio e não tomará parte [de tais ofensas]. Por que não? Por
que eu apareço no mundo para estabelecer e proteger o ensinamento
correto. Este é o porquê eu sento silenciosamente e não reprovo [os
ofensores]. Oh, bom homem! Tal pessoa, embora violando [as regras],
não é classificada como alguém que viola as regras de uma disciplina,
em razão da sua proteção do ensinamento.

Bom Homem! Por exemplo, um rei morre de uma doença e seu filho, o
príncipe da coroa, ainda é jovem e não apto a ascender ao trono. Existe
um candala [uma pessoa mestiça desprezada, nascida de um pai da
casta Sudra e uma mãe Brâmane] que é rico e cuja fortuna é inestimá-
vel. Ele tem muitos parentes. No final, usando a força, ele tira vanta-
gem da condição de fraqueza do estado e usurpa o trono. Muito antes,
o povo, Monges, Brâmanes e outros se revoltam e fogem para países
distantes. Há pessoas que não fogem, mas que não desejam ver o rei,
bem como os ricos e Brâmanes que não deixarão a sua terra nativa, tal
como as árvores que crescem onde se encontram e onde elas morrem.
O rei candala, vendo os subjugados deixando o país, envia homens
candala para bloquear todas as estradas. E também, após sete dias, ele
põe homens a bater tambores e proclama a todos os Brâmanes: ‘A
qualquer pessoa que celebre a cerimônia de abhiseka [uma cerimônia
de consagração, envolvendo aspersão de água sobre a cabeça], metade
da terra lhe será dada!’ Eles ouvem isto, mas nenhum Brâmane se a-
presenta. Todos dizem: ‘Como poderia um Brâmane fazer tal coisa?’

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 176


O rei candala ainda diz: ‘Se nenhum Brâmane vir a ser meu mestre,
certamente farei os Brâmanes viverem, comerem, dormirem e traba-
lharem juntos com os candalas. Se algum Brâmane vir e aspergir água
sobre a minha cabeça, eu lhe darei metade da minha terra. Tal como é
dito, assim se fará. Também, a toda-maravilhosa amrta [ambrosia],
aquela coisa do Céu Trayastrimsa que opera todos os milagres dos
mortais, também será dada a essa pessoa’. Naquela ocasião, havia o
filho de um Brâmane, alguém muito jovem. Ele era perfeito nas ações
puras, usava cabelo longo, e era bem versado em encantamentos. Ele
veio ao rei e disse: ‘Oh, grande Rei! Tudo o que você, o Rei, diz será
feito por mim’. O rei ficou satisfeito e deixou esse menino celebrar a
abhiseka. Todos os Brâmanes ouviram sobre isso e ficaram vexados.
Eles reprovaram o menino, dizendo: ‘Você, o filho de um Brâmane!
Como você poderia celebrar a abhiseka num candala?’

Então o rei deu ao menino a metade do seu reinado. Juntos, eles reina-
ram sobre todo o reino. Um longo tempo se passou. Então o menino
Brâmane disse ao rei: ‘Eu rejeitei a minha tradição familiar, vim a você
para tornar-me seu mestre e lhe ensinei, Rei, todos os intrincados as-
suntos do encantamento. Ainda assim você não me ajuda’. Então o rei
respondeu: ‘De que forma eu não te ajudo?’. O menino Brâmane disse:
‘Eu ainda não experimentei a amrta que o rei anterior deixou em suas
mãos’. O rei disse: ‘Falaste bem! Oh, meu grande mestre! Eu não sabia.
Se você deseja usá-la, por favor leve isto [amrta] para sua casa’. Então
o menino Brâmane, ouvindo as palavras do rei, levou a amrita para
casa e convidou todos os ministros, e compartilhou (a amrta) com eles.
Todos os ministros, tendo-a, disseram ao rei: ‘é maravilhoso que o
grande mestre tenha a amrta’. Ouvindo isto, o rei disse ao seu mestre:
‘Como é que, oh grande mestre, você experimenta a amrta com todos
os ministros e ainda assim não a mostra para mim?’ Então o menino
Brâmane deu ao rei uma poção venenosa. Tomando a poção, o rei
sentiu-se mal e caiu no chão. E lá ficou inconsciente, como um homem
morto. Então o menino Brâmane chamou de volta o rei anterior, resti-
tuiu-lhe o trono e disse: ‘O trono do leão não pode, por lei, ser ocupado
por um candala. Nunca ouvi desde o passado que um candala alguma
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 177
vez tenha sentado num trono real. Nunca poderia acontecer de um
candala reinar sobre o estado e governar o povo. Oh, grande rei! Agora
você deve suceder o rei anterior e governar o estado equânime e le-
galmente’. Tendo disposto as coisas assim, ele deu um antídoto para o
candala e deixou-lhe despertar. Após despertar, ele retirou-se do país.
Agora, esse menino, agindo dessa forma, não perdeu o prestígio dos
Brâmanes. E os outros, ouvindo o que aconteceu, elogiaram o seu ato e
disseram que isto era uma coisa inédita. Eles disseram: ‘Bem feito, bem
feito! Você realmente se livrou do rei candala’.

O mesmo se passa comigo. Bom homem! Após a minha entrada no


Nirvana, os Bodhisattvas que protegem o Dharma Maravilhoso tam-
bém agirão assim. Usando meios hábeis, eles se comportarão como
aqueles sacerdotes que transgridem os preceitos, que são sacerdotes
somente no nome e que recebem e guardam coisas impuras. E quando
eles virem uma pessoa que, embora [aparentemente] viole os precei-
tos, no entanto corrige (cura) aqueles maus Monges que são transgres-
sores das proibições, eles irão a ele, o respeitarão, o reverenciarão e
farão de tudo oferecendo as quatro coisas [isto é, roupas, comidas e
bebidas, roupas de cama e remédios], bem como sutras e demais uten-
sílios. Se essas coisas não estiverem à mão, eles deverão buscar os
meios, ir a doadores, mendigar por elas e então dar [os seus ofereci-
mentos]. Para fazer isto, eles podem possuir as oito coisas impuras [isto
é, ouro, prata, empregados, empregadas, vacas, carneiros, cereais e
celeiros]. Por quê? Porque isto pode corrigir [o caminho dos] Monges
mal-feitores. Isto é como no caso do menino que conquistou o candala.
Então, os Bodhisattvas poderão novamente respeitar e reverenciar
essa pessoa. Embora a pessoa também possa receber e guardar as oito
coisas, isto pode ser aceito com impunidade. Por quê? Porque esse
Bodhisattva deseja refutar e curar todos os maus Monges e permitir
que os Monges de coração puro vivam em paz, e permitir que os sutras
Mahayana Vaipulya (Mahayana Extensivo) prevaleçam no mundo e
beneficiem o céu e a terra.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 178


Bom homem! É por isso que eu coloquei os dois gathas (versos) neste
sutra e (dizendo) que todos os Bodhisattvas louvem aquele que prote-
ge o Dharma. Isto é semelhante a todos os Monges e Brâmanes que
louvaram o menino, dizendo: ‘Bem feito, bem feito!’ O mesmo tam-
bém se aplicará aos Bodhisattvas protetores do Dharma. Caso alguém
veja uma pessoa protetora do Dharma trabalhando com pessoas que-
bradoras dos preceitos, e diga que aquela pessoa está cometendo um
pecado, saiba que a pessoa [que diz isso] está convidando o infortúnio
para si, e que a pessoa que protege o Dharma não tem conexões com o
pecado. Bom homem! Se qualquer Monge quebra os preceitos e, além
da arrogância, não se arrepende, essa é realmente uma violação das
proibições. Um Bodhisattva que, enquanto cometendo uma violação,
assim o faz para proteger o Dharma, não é chamado aquele que come-
te uma violação. Por que não? Porque ele não tem arrogância, confes-
sa e se arrepende. Este é o porquê eu repito no sutra e digo num verso:

‘Se há uma pessoa que conheça o Dharma,


seja aquela pessoa velha ou jovem,
tal pessoa deve ser honrada,
respeitada e reverenciada,
tal como no caso dos Brâmanes que fazem culto ao fogo
e servem o Shakra do segundo céu [i.e. Trayastrimsa].’

Devido a isto, não para aqueles que desejam aprender os ensinamen-


tos dos Sravakas (Ouvintes), mas para Bodhisattvas, eu falo assim em
versos”.

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


for o caso que o Bodhisattva-Mahasattva pode agir assim sem
restrições com relação aos preceitos, os shila [preceitos] recebidos
originalmente podem permanecer intactos e genuínos?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não fale assim. Por que não? Os
preceitos (shila) recebidos originalmente permanecem intactos e não
são perdidos. Se transgredimos, nos arrependemos. Tendo
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 179
arrependido, nos tornamos puros. Oh bom homem! Quando uma
barragem está velha e tem buracos nela, a água inevitavelmente
vazará. Por quê? Porque ninguém a reparou. Quando a reparamos, a
água não poderá vazar. O mesmo se passa com o Bodhisattva. Quando
os preceitos são violados, segue-se a confissão [posadha], recebendo
[novamente] os preceitos, e assim vêm as horas de liberdade. As
obrigações monásticas são cumpridas, mas as regras do vinaya não são
como o caso da barragem com furos através dos quais a água vaza. Por
que não? Se houver alguém que defenda o vinaya (conjunto de regras
monásticas), o tamanho da Sangha diminuirá e advirão a frouxidão
moral e a indolência, que somente crescerão. Se houver aqueles que
sejam puros em seus atos e que mantenham em observância os
preceitos, os preceitos (shila) originais permanecerão perfeitos e
válidos. Oh bom homem! Uma pessoa que é relaxada no Veículo [isto
é, com relação às orientações gerais do Buda-Dharma do Mahayana], é
[de fato] relaxada; e uma pessoa que é relaxada com respeito aos
preceitos, não é [de fato] relaxada. O Bodhisattva-Mahasattva não é
relaxado com relação aos ensinamentos disto [isto é, despertar para o
estado real da existência]. Isto é observância dos preceitos. Ele guarda
bem o Dharma-Maravilhoso e banha-se nas águas do Mahayana.
Assim, embora o Bodhisattva viole os preceitos, ele não é [realmente]
relaxado com relação aos preceitos.”

A Maldade e a Pureza (de um Cristal Perfeito)

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Há quatro tipos de pessoas na


Sangha. É como com a manga, que é difícil de saber quando está
madura. Como podemos saber a diferença entre violação e não-
violação dos preceitos?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Baseando-se no Todo-Maravilhoso


Sutra do Grande Nirvana, é fácil saber. Como alguém poderá saber
olhando o Sutra do Grande Nirvana? Por exemplo: um agricultor planta

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 180


arroz, e remove o joio no arrozal. Quando olhamos para o campo com
os olhos carnais dizemos que é um belo campo. Mas quando vem a
colheita, agora vemos que o joio e o arroz são diferentes. Assim, oito
coisas mancham de fato o sacerdote. Se as erradicarmos
completamente, veremos que ele é puro. Quando uma pessoa observa
os preceitos e não os viola, isto é difícil distinguir com os olhos carnais.
Se a maldade surge, isto é fácil ver. É como no caso do joio no arrozal,
que pode facilmente ser visto. O mesmo se passa com o Monge. Se ele
está apto a acabar com as oito impuras serpentes venenosas, o
chamamos de puro e um santo campo de prosperidade. A ele serão
feitos oferecimentos por humanos e deuses. Não é fácil ver claramente
a retribuição cármica das ações puras com os olhos carnais.

Além disso, oh bom homem! [Imagine que] houvesse uma floresta de


kalaka [bambusa vulgaris]. As árvores eram numerosas, em meio às
quais havia uma chamada tinduka [diospyros embryoteris]. Os frutos
da kalaka e da tinduka parecem iguais, e é difícil distingui-los. Quando
os frutos amadureceram, uma mulher os apanhou. Somente uma parte
era tinduka, sendo dez partes de kalaka. A mulher, não sabendo [a
diferença], mandou-os para o mercado, espalhou-os para venda e os
vendeu. Pessoas ignorantes e crianças, não conhecendo bem as coisas,
compraram a kalaka, comeram-na e morreram. Uma pessoa instruída
ouviu acerca disto e indagou a mulher: ‘Oh mulher! De onde você
obteve isto?’ Nisto, a mulher apontou para uma direção. Todo mundo
disse: ‘Naquela direção há inumeráveis árvores de kalaka; somente
uma é tinduka’. Todas as pessoas, aprendendo isto, riram, jogaram as
frutas fora e foram embora. O caso é assim.

Oh bom homem! O mesmo se passa com as oito coisas impuras quanto


aos seres. Em meio às pessoas, há muitas que possuem essas oito coi-
sas. Somente um é puro, aquele que observa os preceitos e não possui
as oito coisas impuras. Ele sabe bem que todas as pessoas recebem e
guardam coisas contrárias aos preceitos, e ainda age junto [com elas] e
não as deixa. Ele é como a tinduka em meio a todas as outras árvores
na floresta. Existe um Leigo que vê todos os Monges transgredindo (os
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 181
preceitos). Então, ele não presta respeito ou faz oferecimentos em
companhia [de outras pessoas]. Se essa pessoa deseja oferecer algo
[todavia], ela primeiro indaga: ‘Oh prezados! Está certo receber e guar-
dar essas oito coisas? Essas coisas são aquelas que o Buda permite ou
não?’ Se a resposta for que o Buda permitiu-lhes, ele indagará: ‘Vocês
podem participar da posadha (um encontro realizado a cada quinze
dias por Shakyamuni e seus seguidores, no qual eles recitavam os pre-
ceitos e seus seguidores confessavam e se arrependiam de quaisquer
faltas) e pravarana (libertação)?’ Assim esse Leigo pergunta. Nisto,
todos responderão: ‘O Tathagata é piedoso e permite-nos essas oito
coisas’. Então, o Leigo diz: ‘No Jetavana, havia muitos Monges que
diziam que o Buda havia permitido a posse de ouro e prata, ou que ele
não havia permitido. Se qualquer Monge dissesse que o Buda havia
permitido [tais coisas], as pessoas no campo do ‘não-permitido’ não
ficavam juntas [com aquelas que diziam que ouro, etc. era permitido],
não falavam [com elas] sobre os preceitos, ou confessavam [a elas], ou
tomavam água no mesmo rio e não compartilhavam com elas daquilo
que viesse do ganho (lucro). Como você pode dizer que o Buda deu
permissão? O Buda, o Senhor de todos os Deuses, pode recebê-las,
mas vocês, a Sangha, não podem’. Se há aqueles que recebem essas
coisas, não fale sobre os preceitos [com eles], ou confesse ou faça kar-
man [ações ritualísticas de um Monge quando recebe shila (preceitos)
ou faz confissão], mas aja como a Sangha deve agir. Se falamos [com
Monges ímprobos] sobre shila (preceitos), confessamos-lhes, ou faze-
mos karman, e assim participarmos dos trabalhos da Sangha, após a
morte, seguramente cairemos no inferno. Isto é como todos aqueles
que perderam suas vidas em razão de comerem kalaka.

Além do mais, oh bom homem! Por exemplo, existe na cidade um co-


merciante de drogas. Ele tem um remédio maravilhosamente doce que
vem do Himalaia. Ele também vende muitas outras drogas. Todas elas
de sabor doce e muito parecidas entre si. As pessoas desejam muito
comprar [as drogas], mas não podem distinguir [seus diferentes tipos].
Elas vão ao farmacêutico e indagam: ‘Você vende a droga do Himalai-
a?’ O farmacêutico diz: ‘Sim!’ Um homem pega a droga que não é a-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 182
quela do Himalaia. O mercador trapaceia o freguês e diz-lhe: ‘Esta é a
droga doce que eu tenho do Himalaia.’ Mas o comprador é incapaz de
dizer a diferença. Ele compra e a leva para casa, pensando: ‘Obtive a
droga do Himalaia.’ A situação é como aquela.

Oh Kashyapa! Em meio aos Sacerdotes Sravakas (Ouvintes), há aqueles


que são Sacerdotes somente no nome, há aqueles que são verdadei-
ros, ou aqueles que se juntam em harmonia; também, há aqueles que
observam os preceitos e aqueles que os violam. Todos farão ofereci-
mentos, serão respeitados e reverenciados. Mas esse Leigo não pode,
apenas por olhar, distinguir qual é qual. Isto é como a situação do ho-
mem que não poderia ver se a droga que ele tinha era do Himalaia.
Quem são aqueles que observam e aqueles que violam os preceitos?
Quem é um verdadeiro Sacerdote , e quem é um Sacerdote somente
no nome? Alguém com os olhos celestiais poderia ver isto bem. Oh,
Kashyapa! Se esse Leigo sabe que [tal e tal] pessoa é alguém que trans-
gride, ele não lhe dará nada, se curvará ou o reverenciará. Se ele sabe
que [tais e tais] pessoas recebem e guardam as oito coisas impuras, ele
não dará aquilo que ele tem, não fará reverência ou oferecimentos.
Qualquer [Monge] que viole os preceitos não deve ser respeitado ou
reverenciado apenas em razão da kasaya que ele veste.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda:”Falaste bem, falaste bem! O


que o Tathagata diz é verdadeiro, não falso. Aceitarei a [sua] palavra
com o maior respeito, por exemplo, como se eu tivesse recebido um
tesouro adamantino. Exatamente como o Buda diz, esses Monges
devem basear-se nas quatro coisas. O que são as quatro coisas? Eles
devem estar baseados no Dharma, não na pessoa; no significado, não
na letra; na Sabedoria, não na consciência; no receber e abraçar os
sutras, não no não receber e abraçar os sutras. Eles devem conhecer
bem essas quatro coisas, mas não essas quatro pessoas.”

O Dharma e a Pessoa

Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 183


O Buda disse: “Estar baseado no Dharma significa nada mais que
basear-se no Mahaparinirvana do Tathagata. Todos os ensinamentos
Budistas nada mais são que o ‘Dharmata’ [essência do Dharma,
essência da Realidade]. Esse ‘Dharmata’ é o Tathagata. Portanto, o
Tathagata é Eterno e Imutável. Qualquer pessoa que diga que o
Tathagata é não-Eterno não conhece o ‘Dharmata’. Essa pessoa não é
alguém em quem basear-se. Todos os quatro (tipos) de pessoas
mencionadas acima aparecem no mundo, protegem, agem e se
tornam um refúgio [para todos os seres]. Por quê? Porque eles
realmente compreendem os pontos mais profundos daquilo que o
Tathagata diz e sabem que o Tathagata é Eterno e Imutável. Não é bom
dizer que o Tathagata é não-Eterno e que ele muda.

Os quatro (tipos) de pessoas, quando (aparecem) como tais, são o


Tathagata. Por quê? Porque esses (tipos de pessoas) compreendem
bem e falam acerca das palavras secretas do Tathagata. Alguém que
compreenda bem o que está profundamente oculto e sabe que o
Tathagata é Eterno e Imutável nunca dirá, por lucro, que o Tathagata é
não-Eterno. Essa pessoa é alguém em quem basear-se – por que não
nos quatro (tipos) de pessoas?

Basear-se no Dharma significa basear-se no ‘Dharmata’; não basear-se


em humanos refere-se a Sravakas (mas não aos quatro tipos de
pessoas). ‘Dharmata’ é Tathagata, e o Sravaka é o criado. O Tathagata é
Eterno, mas o Sravaka é não-eterno.

Oh bom homem! Um homem pode violar os preceitos e, por ganhos,


dizer que o Tathagata é não-Eterno e que ele muda. Essa pessoa não é
alguém em quem se possa tomar refúgio. Oh bom homem! Isto é uma
regra definida.

O Significado e as Palavras

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 184


Dizemos que nos baseamos no significado, não nas palavras. O
significado conota seres plenamente iluminados. Plena Iluminação
significa sem-falhas. Sem-falhas significa (plena) satisfação. Satisfação
significa que o Tathagata é Eterno e Imutável. Que o Tathagata é
Eterno e Imutável significa que o Dharma é Eterno. Que o Dharma é
Eterno significa que a Sangha é Eterna. Isto é basear-se no significado.
Não se baseie em palavras. Quais são as palavras nas quais não
devemos nos basear? São as palavras discursivas e decorativas. Elas [as
pessoas que aderem às letras, antes que ao espírito] buscam, também,
ávida e insaciavelmente todos os inumeráveis sutras do Buda.
Maldosamente, habilmente e insinceramente, elas enganam e,
exibindo uma aparência de simpatia e benevolência, elas buscam os
lucros. Trajados de branco, eles galgam postos. Eles também
proclamam em altas vozes: ‘O Buda permite aos Monges receberem
todos os [tipos de] serviços (ajudas nas tarefas) e coisas impuras,
comerciar ouro, prata, gemas raras, estocar arroz, comerciar vacas,
carneiros, elefantes e cavalos; e assim buscar lucros. E também poderá
surgir uma fome, e por piedade das crianças, os Monges podem visar
lucros, armazenar coisas e guardá-las numa casa, preparar comidas
com as suas próprias mãos e para o seu próprio sustento, ao invés de
recebê-las [doações dos outros].’ Todas essas palavras não são para ser
seguidas.

Sabedoria e Consciência

Dizemos que nos baseamos na Sabedoria e não na consciência. A


Sabedoria é uma alusão ao Tathagata. Se qualquer Sravaka não
compreende bem as virtudes do Tathagata, a consciência (deste) não é
para ser seguida. Se ele sabe que o Tathagata é o Corpo-do-Dharma,
essa verdadeira Sabedoria pode realmente ser seguida. Se uma pessoa
vê o corpo expediente do Tathagata e diz que ele pertence aos cinco
skandhas, aos dezoito reinos [isto é, os seis órgãos dos sentidos (nariz,
ouvido, etc.), os seis campos do sentido (olfato, audição, etc.) e as seis

Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 185


consciências], e às doze esferas [os seis órgãos dos sentidos e os seis
campos dos sentidos], e que ele resulta da alimentação, isso não é para
ser seguido. Isto significa que mesmo a consciência não é para ser se-
guida. Se um sutra diz tal coisa, ele não pode ser seguido.

Receber e Abraçar Sutras

Dizemos que devemos nos basear no receber e abraçar os sutras


[aqueles que sondam as profundezas do verdadeiro espírito do Buda-
Dharma], e não no não receber e abraçar os sutras. O não receber e
abraçar os sutras são o veículo do Sravaka (Ouvinte). Mesmo ouvindo o
profundo e recôndito repositório do Buda-Tathagata, surgem dúvidas
em suas mentes com relação a todas as coisas e a pessoa não percebe
que esse repositório surge do mar da Grande Sabedoria, como no caso
de uma criança que não pode distinguir uma coisa da outra. Isto é a
não-apreensão do significado. A realização (o alcance) do significado
nada mais é que a Verdadeira Sabedoria do Bodhisattva. Ela flui a partir
do desimpedimento da Grande Sabedoria de sua mente, como com um
adulto, para quem não há nada que não seja conhecido. Isto é
realização do significado.

Também, o veículo do Sravaka é a não-apreensão do significado, e o


insuperável Mahayana é a apreensão do significado. Se uma pessoa diz
que o Tathagata é não-Eterno e que ele muda, isso indica que essa
pessoa ainda não chegou ao significado. Se uma pessoa diz que o
Tathagata é Eterno e Imutável, isso mostra que aquela pessoa chegou
ao significado. Se uma pessoa diz que o que o Sravaka diz pode ser
compreendido, isto indica não-apreensão do significado. Se uma
pessoa diz que o Tathagata é um produto da alimentação, isto é não-
apreensão do significado. Se uma pessoa diz que o Tathagata é Eterno
e Imutável, isto é plena apreensão do significado. Se uma pessoa diz
que o Tathagata entra no Nirvana como no caso do combustível que se
exauriu, isto é não-apreensão do significado. Se uma pessoa diz que o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 186


Tathagata adentra o mundo do ‘Dharmata’, isto é apreensão do
significado.

Não podemos seguir os ensinamentos do Sravaka. Por que não?


Porque o Tathagata, através da conveniência (meios hábeis), articula o
ensinamento do Sravaka apenas para salvar os seres. Isso é como no
caso do homem rico que ensina o alfabeto ao seu filho. Oh bom
homem! O veículo do Sravaka é análogo à situação onde uma pessoa
primeiro cultiva a sua terra, mas ainda não chegou o momento da
colheita. Isso é a não-apreensão do significado. Por esta razão, não
podemos nos submeter ao veículo do Sravaka. Devemos buscar refúgio
nos ensinamentos do Mahayana. Por quê? No sentido de salvar os
seres, através da conveniência (meios hábeis) o Tathagata expõe o
Mahayana. Portanto, não devemos segui-lo (na forma dos meios
expedientes). Isto é apreensão do significado. Devemos conhecer bem
essas quatro coisas às quais devemos seguir.

Também, além disso, dizemos que nos baseamos no significado.


Significado é mente (pensamento) honesta. ‘Mente Honesta’ significa
‘Luz’. Luz significa ‘Sem-Falha’. Sem-Falha é o Tathagata. Também, ‘Luz’
é Sabedoria. A mente honesta é Eterna. O Eterno é o Tathagata.
[Saber] que o Eterno é o Tathagata é seguir o Dharma. O Dharma é
eterno. Ele também significa o ilimitado. Ele é difícil de conhecer. Uma
pessoa não pode segurá-lo ou prendê-lo. E ainda podemos vê-lo bem.
Se uma pessoa diz que ela não pode vê-lo, (ela) não poderia seguí-lo
como tal. Este é o porquê dizermos que seguimos o Dharma e não a
pessoa.

Também, se uma pessoa diz que a palavra Toda-Maravilhosa é não-


eterna, então ela não deve ser seguida. Esse é o porquê nos baseamos
no significado e não nas palavras. Dizer que a ‘verdade’ subordina-se à
Sabedoria significa que a Sangha é eterna, não-criada e imutável, e que
eles (a Sangha) não guardam as oito coisas impuras. Por esta razão,
seguimos a Sabedoria e não a consciência. Se uma pessoa diz que a
consciência faz e a consciência recebe (coisas impuras), não há harmo-
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 187
nia na Sangha. Por que não? Ora, harmonia significa não-possessão. Se
ela (a consciência) é possessão, como poderíamos dizer ‘eterno’? Em
consideração a isto, a consciência não deve ser seguida.

A Apreensão do Significado

Dizemos ‘significado’. ‘Significado’ significa ‘estar satisfeito’. Isto quer


dizer nunca, até o fim, enganar (fraudar) procurando demonstrar pure-
za de comportamento e com arrogância mostrar-se como sendo de
uma alta posição, e assim buscar avidamente o lucro. Além disso, não
se deve mostrar apego àquilo que o Tathagata diz por razões de con-
veniência. Isto é alcançar o significado. Se uma pessoa reside nisto,
então podemos dizer que essa pessoa reside no ‘Paramartha-Satya’
[Realidade Última]. Esse é o porquê dizermos que nos baseamos no
significado dos sutras e não na não-apreensão do significado.

Não-apreensão do significado relaciona-se àquilo que está estabelecido


nos sutras dizendo que tudo pode ser extinto, tudo é não-eterno, tudo
é sofrimento, tudo é vazio, e tudo é destituído do eu. Isto é não-
apreensão do significado. Como assim? Porque essa pessoa não está
apta a apreender o significado intentado, mas somente a aparência
[literal] do significado. Isto leva todos os seres a cair no inferno Avichi.
Por quê? Em razão do apego, como um resultado de que a pessoa não
apreende o significado. Uma pessoa diz que tudo caminha para a extin-
ção implicando que a entrada do Tathagata no Nirvana constitui extin-
ção. Uma pessoa diz que tudo é não-eterno, significando que mesmo o
Nirvana é não-eterno, e o mesmo se passa com o sofrimento, o vazio, e
o não-eu também. É por isso que dizemos que isso é não-apreensão da
essência dos sutras. Não podemos seguir isso.

Oh bom homem! Pode haver uma pessoa que diga que o Tathagata,
por piedade a todos os seres, olha para aquilo que é mais apropriado
para a ocasião. Como ele (o Tathagata) sabe o que é certo para a ocasi-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 188


ão, ele fala do que é leve como sendo pesado e do que é pesado como
sendo leve. O Tathagata sabe que todos os seus discípulos são supridos
daquilo que necessitam pelo danapatis [doadores de ofertas]. Dessa
forma, o Buda não permite que tais pessoas recebam (serviços) ou
tenham serviçais, homem ou mulher, ouro, prata e gemas preciosas,
ou comercializem coisas impuras. Quando os discípulos não são supri-
dos pelos danapatis, como quando há fome e escassez de comida, ele
lhes permite, com a finalidade de se sustentarem e protegerem o
Dharma Maravilhoso, receber serviçais, homem ou mulher, ouro, pra-
ta, veículos, campos (terrenos), casas e arroz, e comercializar aquilo
que eles têm. Embora lhes seja permitido receber e ter tais coisas, elas
devem ser doadas pelos fiéis danapatis.

Então, todas essas quatro coisas são aquelas que podemos seguir. Se
os preceitos, o abhidharma e os sutras não diferem daquelas quatro
coisas, devemos segui-los. Se uma pessoa diz que há ocasiões e não-
ocasiões, que o Dharma deve ser protegido e que o Dharma não deve
ser protegido, e que o Tathagata permite a todos os Monges recebe-
rem e terem essas coisas impuras, essa (pessoa) não deve ser seguida.
Se os preceitos, o abhidharma e os sutras concordam com isso, essas
três coisas (os preceitos, o abhidharma e os sutras) não podem ser
seguidos. Eu falo sobre essas quatro coisas para o benefício de todos os
seres com olhos carnais, mas não para aqueles que possuem o olho da
Sabedoria. Esse é o porquê falo sobre essas quatro coisas e digo que
elas são aquilo que deve ser seguido. ‘Dharma’ é ‘Dharmata’; ‘significa-
do’ está dizendo que o Tathagata é Eterno e Imutável; ‘Sabedoria’ é
saber que todos os seres possuem a Natureza-de-Buda [‘Buddhata’];
‘apreensão do significado’ significa ser bem versado em todos os sutras
Mahayana.”

Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 189


Capítulo Nove: Sobre o Errado e o Certo
Então Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Devemos
seguir os quatro tipos de pessoas acima?”

O Buda disse: “É assim, é assim! Oh bom homem! O que eu disser pode


ser seguido. Por quê? Porque existem quatro Maras. Quais são os qua-
tro? Eles aparecem como pessoas que mantém os sutras e os preceitos
daquilo que Mara disse.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Buda, diz que existem quatro Maras. Como podemos distinguir
o que Mara diz daquilo que o Buda diz? Há pessoas que se conduzem
de acordo com o que Mara diz e aqueles que seguem o que o Buda diz.
Como poderemos saber?”

O Buda disse a Kashyapa: “Sete séculos após a minha entrada no Pari-


nirvana, esses Marapapiyas corromperão o meu Dharma Maravilhoso.
É como um caçador usando vestimenta sacerdotal. Os Marapapiyas
também agirão assim. Eles se apresentarão na forma de um Monge,
Monja, Leigo ou Leiga. Ou eles poderão mostrar-se como um Srota-
panna ou qualquer outro grau até o Arhat. Ou eles poderão mostrar-se
como um Buda vivo. O corpo criado de um rei Mara se apresentará
como um corpo não-criado, violando dessa forma o Dharma Maravi-
lhoso. Quando estiver violando o Dharma Maravilhoso, esse Marapapi-
yas dirá: ‘O Bodhisattva, certa vez, deixou o Céu Tushita e desceu à esta
terra, ao castelo de Kapilavastu, e viveu no palácio do (Rei) Suddhoda-
na. Através da união dos desejos carnais do pai e da mãe, ele ganhou o
nascimento e a espécie humana. Um homem, nascido em meio aos
humanos, nunca pode ser respeitado por todos os seres celestiais e
seres na terra.’ Ele também dirá: ‘No longínquo passado, ele foi subme-
tido à penitência, ofereceu sua cabeça, olhos, medula, estado, esposa e
filhos. Em razão disto, ele atingiu a Iluminação. Como resultado, ele
agora é respeitado por humanos e deuses, gandharvas, asuras, kimna-

Capítulo 9 – Sobre o Errado e o Certo Página 191


ras e mahoragas.’ Se quaisquer sutras ou vinayas disserem assim, saiba
que todos eles são nada mais do que aquilo que saiu da boca de Mara.
Oh bom homem! Os sutras e vinayas poderão dizer: ‘Já há um longo,
um longo tempo atrás desde que o Tathagata atingiu a Iluminação. Ele
agora atinge a Iluminação (recente), tudo para salvar os seres. Assim,
ele mostra-se como sendo nascido de uma união de desejos carnais do
pai e da mãe. Ele manifesta-se assim apenas para estar de acordo com
aquilo que se aplica ao mundo.’ Saiba que qualquer sutra ou vinaya
que fale assim é verdadeiramente do Tathagata. Qualquer pessoa que
siga o que Mara diz é o aparentado de Mara; uma pessoa que siga a
palavra do Buda é um Bodhisattva.

Qualquer pessoa que diga que é incompreensível que o Buda tenha


caminhado sete passos nas dez direções quando ele nasceu é alguém
que segue apenas o que Mara diz. Se uma pessoa diz que o Tathagata
caminhou sete passos nas dez direções quando ele nasceu, tudo isto
para manifestar-se expedientemente, essa pessoa repousa sobre [ba-
seia suas palavras] os sutras e vinayas que o Tathagata entregou. Qual-
quer pessoa que siga o que Mara diz é um aparentado de Mara. Qual-
quer um que siga o que o Buda disse é um Bodhisattva.

Ou uma pessoa poderia dizer que quando o Bodhisattva nasceu, seu


pai, o Rei, enviou homens aos santuários celestiais, ao que os deuses,
vendo-os, todos desceram e o adoraram. Por essa razão, ele é o Buda.
Então alguém cometerá calúnia e dirá: ‘Os deuses apareceram primeiro
e o Buda depois. Como poderiam os deuses adorar o Buda?’ Quaisquer
semelhantes coisas que sejam ditas, nada mais são do que palavras de
Marapapiyas. Se qualquer sutra diz que o Buda foi para onde os devas
estavam e que todos os deuses como Mahesvara, o Grande Brahma e
Sakrodevanamindra juntaram suas mãos e tocaram os pés do Buda
com suas cabeças e o reverenciaram; esse sutra ou vinaya é do Buda.
Qualquer pessoa que siga o que Mara diz é um aparentado de Mara.
Qualquer pessoa que siga o que o Buda disse é um Bodhisattva.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 192


Se qualquer sutra ou vinaya diz que o Bodhisattva, quando ainda um
príncipe da coroa, tinha esposas à sua volta em razão dos desejos car-
nais, viveu nas profundezas do palácio [isto é, no harém] e experimen-
tou plenamente os cinco desejos e divertiu-se, esse é um sutra ou vina-
ya de Marapapiyas. Qualquer sutra ou vinaya que diga: ‘O Bodhisattva
já há muito abandonou todos os desejos, esposa e filhos, e não recebe
[ou se apega a] os cinco desejos maravilhosos do Céu Trayastrimsa,
mas os abandonou como se fossem saliva e lágrimas. Como ele poderia
ter desejos humanos? Ele raspou a sua cabeça, tornou-se um sacerdo-
te, e praticou a Via.’ Esses são os sermões do Buda. Qualquer pessoa
que siga os sutras e vinayas de Mara é um aparentado de Mara; qual-
quer pessoa que siga os sutras e vinayas do Buda é um Bodhisattva.

Se uma pessoa diz que o Buda, em Sravasti, no Vihara (Monastério) de


Jetavana, permitiu a todos os Monges o que eles quisessem ter, como
serviçais homens ou mulheres, pajens, vacas, carneiros, elefantes, ca-
valos, asnos, mulas, galinhas, gatos, ouro, prata, berílio, pérolas, cris-
tais, musaragalva, ágata, coral, âmbar, casco de cavalo, jade, cobre, ou
chaleiras de ferro, bacias de cobre grandes ou pequenas; que a eles foi
permitido lavrar a terra, semear e plantar, vender ou permutar coisas;
que a eles foi permitido estocar arroz, que o Buda sentiu piedade dos
Monges e permitiu-lhes todas essas coisas em razão da sua compaixão
– todos esses sutras e vinayas são de Mara.

Ou alguém poderia dizer que o Buda permaneceu em Sravasti, no Mo-


nastério Jetavana, onde o demônio Nirdara viveu, e disse com relação a
um Brâmane chamado Kuteitoku e ao Rei Prasenajit: ‘Oh Monges!
Vocês não deveriam receber ouro, prata, berílio, cristais, pérolas, mu-
saragalva, ágata, coral, âmbar, cascos de cavalo, jade, empregados
homens ou mulheres, pajens, meninos, meninas, vacas, carneiros, ele-
fantes, cavalos, asnos, mulas, galinhas, porcos, gatos, cães, ou outros
animais; chaleiras de ferro ou cobre, bacias grandes ou pequenas, len-
çóis de várias cores, e camas; ou essas coisas necessárias para as ativi-
dades da vida [mundana] como: [construção de] casas, arar a terra,
semear, vender coisas no mercado local, fazer comidas com suas pró-
Capítulo 9 – Sobre o Errado e o Certo Página 193
prias mãos, polir ou forjar com suas próprias mãos, fazer encantamen-
tos para ganhar a vida, treinar falcões, observar as constelações, traba-
lhar com encantamento, adivinhar o crescente (a cheia) e o minguante
da lua, dizer a sorte de um homem ou mulher, dizer boas ou más coisas
sobre os sonhos das pessoas, adivinhar ou fazer premonição e dizer
que isto é um homem ou mulher, ou dizer que isto não é um macho ou
isto não é uma fêmea, falar sobre as 64 marcas de excelência [que se
diz existir nas casas dos tirthikas], ou dizer que existem 18 dharanis
através dos quais as pessoas podem ser desviadas; ou falar sobre qual-
quer das artes, quaisquer coisas mundanas, usar incenso em pó, curna
(pó de açafrão) [para espalhar sobre assentos, torres, etc.], incenso em
pasta [para dar cheiro agradável às mãos e ao corpo], incenso para
queimar, usar vários tipos de leis [jarros de bronze para vinho], [prati-
car] as artes de cabeleleiros, iludir trapaceando e lisonjeando, e dessa
forma visar avidamente o lucro, gostar de lugares estúpidos e baru-
lhentos, brincar e rir, [andar] e pregar. [Esses Monges] comem avida-
mente peixes, fazem poções venenosas, untam-se em óleos fragrantes.
Eles possuem sombrinhas de gemas e calçados de couro. Eles fazem
caixas, arcas, leques e vários tipos de pinturas e estátuas. Eles guardam
cereais e arroz, grandes e pequenas variedades de trigo e feijões, e
vários (tipos de) melões. Eles se aproximam [das consortes de] de reis,
príncipes, ministros e todos os tipos de mulheres, riem alto ou sentam-
se silenciosamente. Eles acalentam dúvidas com relação às coisas, fa-
lam muito e falam descuidadamente; gostam de vestir boas roupas,
que podem ser longas ou curtas, agradáveis ou não, boas ou más. Eles
próprios elogiam todas essas coisas na presença dos doadores. Eles
freqüentam e vagueiam por lugares sujos, lugares onde se encontram
tabernas, prostitutas e jogadores, e todos os lugares onde não permito
que Monges entrem. Eles devem abandonar a busca pela Via; devem
voltar para a vida mundana e serem postos para trabalhar.’ Por exem-
plo, isto é como o joio no arrozal, que tem que ser erradicado, de tal
forma que não seja mais encontrado. Saiba que aquilo que é proibido
nos sutras e vinayas constituem as injunções do Tathagata. Qualquer
pessoa que siga as palavras de Mara é um aparentado de Mara; qual-
quer um que siga as palavras do Buda é um Bodhisattva.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 194
Ou uma pessoa poderia dizer: ‘O Bodhisattva foi ao templo dos devas
para fazer oferecimentos a deidades como Brahma, Mahesvara, Skan-
da e Katyayana. Por quê? Ele entrou lá meramente para conquistar os
devas. As coisas nunca podem ser diferentes disto.’ Se for dito: ‘Mesmo
que o Bodhisattva argumente com os tirthikas, ele não pode saber dos
seus comportamentos, provérbios e artes, e ele não pode causar confli-
tos (divergências) entre empregados para chegar aos termos (dos seus
argumentos); ele não pode ser respeitado por machos ou fêmeas, reis
ou ministros; ele não sabe como preparar remédios; este é o porquê
de ser chamado ‘Tathagata’. Tudo o que ele sabe é o que é perverso;
também, o Tathagata não vê nem inimigo e nem amigo; no seu pen-
samento tudo é igual; podemos pegar uma espada e cortá-lo; ou pode-
ríamos espalhar incenso sobre seu corpo, e ele não teria qualquer sen-
timento de ganho ou perda. Ele senta-se no meio. Esse é o porquê de
ser chamado ‘Tathagata’’. Qualquer sutra que diga isso é de Mara.

Ou uma pessoa poderia dizer: ‘O Bodhisattva comporta-se assim: ele


entra nas casas dos outros ensinamentos, ensina-lhes a abandonar a
vida doméstica e a praticar a Via, para virem a saber sobre comporta-
mento e maneiras; ele ensina-lhes a saber do que está escrito e como
as artes são realizadas, e como fomentar argumentos e disputas. Ele é
o mais elevado de todas as pessoas, meninos e meninas, pessoas do
harém real, as consortes reais, pessoas comuns, pessoas ricas, Brâma-
nes, reis, ministros, ou os pobres. Além disso, ele é respeitado por eles
e também conhece todas essas coisas. Ele pode envolver-se (deparar-
se) com as várias situações da vida, e ainda assim não alimentar qual-
quer sentimento de apego. Isto é como o lótus, que não se torna sujo
pelas impurezas. No sentido de salvar os seres, ele utiliza-se de vários
meios hábeis e vive uma vida mundana.’ Quaisquer sutras e vinayas
que falem assim são os sermões do Tathagata. Alguém que siga o que
Mara diz é um aparentado de Mara; qualquer um que siga o que o
Buda diz é um grande Bodhisattva.

Capítulo 9 – Sobre o Errado e o Certo Página 195


Ou uma pessoa poderia dizer: ‘O Tathagata expôs os sutras e vinayas
para mim. De todos os grandes pecados, aqueles [classificados como]
leves, pesados e sthulatyaya (ofensa grave) são todos graves. No nosso
vinaya não os cometemos, até o fim. Há tempos eu apresentei essa Lei,
mas vocês não a compreenderam. Como eu poderia abandonar meu
próprio vinaya e vir para o vosso vinaya? O vosso vinaya é nada mais do
que aquilo que Mara diz. O nosso é o que o Buda diz. O Tahagata já deu
os nove tipos de formulações do Dharma [isto é, os ensinamentos Hi-
nayana]. Essas nove formulações constituem nossos sutras e vinaya. Eu
nunca ouvi falar de uma sentença ou palavra dos sutras Vaipulya [isto
é, os sutras extensivos do Mahayana]. Onde, em todos os inumeráveis
sutras e vinayas, deparamos com o nome de sutra Vaipulya? Em ne-
nhum deles (sutras) temos ouvido falar alguma vez de dez tipos de
sutras. Se existirem tais coisas, seguramente devem ser trabalho de
Devadatta. Devadatta é uma pessoa má. Com o intuito de destruir os
bons ensinamentos, ele fez o Vaipulya. Não acreditamos em quaisquer
sutras destes. Isto é o que os sutras dizem. Por quê? Porque eles dizem
isto e aquilo que diz respeito à doutrina Budista. Todas essas coisas
(ditas por vocês) estão estabelecidas [somente] nos vossos sutras; os
nossos não contém essas coisas [ensinamentos]. Nos nossos sutras e
vinayas, o Tathagata diz: ‘Após a minha entrada no Nirvana, na era da
maldade, poderão surgir sutras e vinayas distorcidos. Estes são os cha-
mados sutras Mahayana. Nas eras que virão, existirão esses Monges
maus.’ Eu, então, digo: ‘Há ainda os sutras Vaipulya além dos nove
tipos de sutras.’ Uma pessoa que aceita completamente a significação
diz que ela compreende bem os sutras e vinayas, aparta-se de tudo o
que é impuro e é tão delicada e pura que poderíamos compará-la à lua
cheia.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 196


O Profundo Significado de Salvar os Seres

Se uma pessoa diz: ‘O Tathagata concedeu explanações para cada sutra


e vinaya, tão numerosas quanto às areias do Rio Ganges, mas o nosso
vinaya não contém quaisquer delas. Não há nada sobre elas. Se exis-
tem [tais explanações], como é que o Tathagata não as expôs no meu
vinaya? Sendo assim, eu não posso acreditar nelas’. Se uma pessoa fala
assim, saiba que essa pessoa está cometendo um pecado. Uma pessoa
ainda pode dizer: ‘Esses sutras e vinayas [do Hynayana] eu defenderei
bem. Por quê? Porque eles são a razão da boa doutrina, do ser satisfei-
to, do pouco desejo, da eliminação das ilusões, e assim obtemos Sabe-
doria e Nirvana’. Qualquer pessoa que diga isso não é meu discípulo. Se
uma pessoa diz: ‘O Tathagata deu-nos os sutras (Mahayana) Vaipulya
com a finalidade de salvar os seres’, essa pessoa é meu verdadeiro
discípulo. Qualquer pessoa que não aceite os sutras Vaipulya não é
meu discípulo. Essa pessoa não é aquela que se tornou um sacerdote
em razão dos ensinamentos Budistas. Tal pessoa é mal-intencionada,
ímpia, e nada mais é que um discípulo de tirthikas. Esses sutras e vina-
yas (do Vaipulya), conforme mencionado acima, são aquilo que o Buda
concedeu. Se não fosse assim, eles nada mais seriam do que aquilo que
Mara diz. Qualquer pessoa que siga aquilo que Mara diz é um aparen-
tado de Mara; qualquer um que siga o que o Buda diz é um Bodhisatt-
va.

Além disso, oh bom homem! Se for dito: ‘Uma vez que o Tathagata não
é perfeito nas inumeráveis virtudes, ele é não eterno e deve mudar. Ele
reside no Todo-Vazio e expõe o não-Eu. Isto não é o caminho do mun-
do’; tal sutra ou vinaya é de Mara. Se um sutra diz: ‘A verdadeira Ilumi-
nação do Tathagata está para além do conhecimento e da compreen-
são. E também, ele é perfeito nos inumeráveis asamkhyas de virtudes.
Portanto, ele é Eterno e não pode haver mudança (é imutável)’, tal
sutra ou vinaya é o que o Buda disse. Qualquer pessoa que siga o que
Mara diz é um aparentado de Mara. Qualquer pessoa que siga o que o
Buda diz é um Bodhisattva.

Capítulo 9 – Sobre o Errado e o Certo Página 197


Ou uma pessoa poderá dizer: ‘Há um Monge no mundo que, não co-
metendo quaisquer das parajika [as mais graves ofensas], está preso ao
mundo por ter transgredido, como (por exemplo) cortar a árvore sala’.
Mas em verdade, esse Monge não transgrediu. Por que não? Eu sem-
pre digo: ‘O caso de alguém que cometa quaisquer das parajikas é se-
melhante a partir uma pedra em dois: ela nunca mais se tornará uma’.

Se uma pessoa diz que obteve aquilo que supera o poder dos homens
[Pali: ‘uttarimanussadhamma’, um estado do Dharma que é superior
ao estado humano, estado superhumano que transcende as limitações
humanas], ela comete parajika (ofensa grave). Por quê? Porque ela de
fato não atingiu nada, e ainda finge tê-lo feito [ou seja, está dizendo
mentiras]. Essa pessoa retrograda do mundo dos humanos e da Dou-
trina. Isso é uma parajika.

Há um Monge que deseja pouco, sente-se satisfeito, observa os precei-


tos, é puro e senta-se num lugar quieto. O rei ou ministro vê esse Mon-
ge e diz que ele atingiu o Arhatship, vai até ele, o louva, o respeita e o
reverencia. Também, ele diz: ‘Esse grande Mestre atingirá a suprema
Iluminação, tendo assim abandonado a vida’. O Monge ouve isto e diz
ao rei: ‘Para dizer a verdade, eu ainda não atingi a fruição de um Shra-
mana. Oh Rei! Por favor não me fale acerca do Dharma da não-
satisfação. Se aquiescermos quando dissermos que alcançamos a tão
distante quanto insuperável Iluminação, isto nada mais é do que o
desconhecimento da satisfação. Se eu aceitasse suas declarações e
concordasse, certamente eu compraria a repreensão de todos os Bu-
das. Sentir-se satisfeito é uma virtude louvada por todos os Budas. Este
é o porquê eu pretendo prazeirosamente praticar a Via até o final da
minha vida e atingir o estado no qual eu possa sentir-me satisfeito.
Também, sentir-me satisfeito é saber que atingi definitivamente a frui-
ção da Via. Você, Rei, diz que eu a atingi. Eu não aceito suas palavras.
Assim eu fico satisfeito’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 198


Então o rei disse: ‘Oh grande Mestre! Você verdadeiramente atingiu o
Arhatship e não difere do Buda.’ Então o rei tornou do conhecimento
de todos, dentro e fora, daquelas do harém real e das esposas reais,
que essa pessoa tinha alcançado o Arhatship. Como resultado, todos
que ouviram isto sentiram respeito, fizeram oferecimentos e honra-
ram-no. Essa pessoa (o Rei) é pura em sua intenção. Dessa forma, ela
faz todos os outros obterem grandes benefícios e, verdadeiramente,
esse Monge não comete qualquer parajika. Por que não? Porque ele (o
Rei) foi antes dos outros, acalentou alegria no seu próprio pensamento,
elogiou e fez oferecimentos. Como poderia esse Monge ter cometido
um pecado? Se for dito que essa pessoa pecou, saiba que tal sutra é de
Mara.

Também, há um Monge que fala sobre a imensa profundeza dos sutras


secretos do Buda, dizendo que todos os seres possuem a Natureza-de-
Buda, que através dessa natureza eles eliminam [todos] os inumeráveis
bilhões de ilusões e assim atingem a Iluminação insuperável, exceto os
icchantika. Então, o rei ou ministro ouvem isto e dizem: ‘Oh Monge!
Você atingiu o Estado de Buda ou não? Você possui a Natureza-de-
Buda ou não?’ O Monge responde: ‘Devo possuir a Natureza-de-Buda
dentro de mim. Todavia, não posso ser claro quanto à questão de se
atingirei [a Iluminação] ou não’. O rei diz: ‘Oh Grande homem! Se você
não tornar-se um icchantika, não há dúvida de que você atingirá o Es-
tado de Buda’. O Monge diz: ‘Sim, deve ser verdadeiramente como
você, o Rei, diz’. Essa pessoa diz que ela deve seguramente possuir a
Natureza-de-Buda. E ainda, ela não comete parajika [dizendo isto].

Também, há um Monge que, por ocasião da sua ordenação, pensa


para si: ‘Seguramente atingirei a Iluminação insuperável’. Esse homem
ainda não pode atingir a Iluminação insuperável. Mas, ele ganha uma
incalculável, ilimitada felicidade, sendo difícil avaliá-la. Se alguém diz
que essa pessoa cometeu parajika, então não pode haver qualquer
pessoa que não tenha cometido parajika. Por que não? Porque certa
vez, 80 milhões de kalpas atrás, Eu já me apartei de todas as impurezas.
Eu tenho pouco desejo, sinto-me satisfeito, realizei-me na conduta,
Capítulo 9 – Sobre o Errado e o Certo Página 199
pratiquei o Dharma insuperável do Tathagata, e eu próprio certamente
sabia que eu possuía a Natureza-de-Buda. Portanto, Eu atingi a Ilumi-
nação insuperável e Eu posso ser chamado de ‘Buda’. Eu tenho uma
grande compaixão. Tal sutra ou vinaya é um sermão do Buda. Qualquer
pessoa que não aja de acordo [com tal sutra ou vinaya] é um aparenta-
do de Mara; alguém que aja em concordância é um grande Bodhisatt-
va.

Ou uma pessoa poderia dizer: ‘Não pode haver nada como as quatro
graves ofensas, as treze samghavasesas (são violações de regras de
conduta que podem causar a dissolução da Sangha), as duas aniyatans,
as 30 naihsargika-prayascittikas (lapsos por caducidade), 91 payattikas,
quatro formas de arrependimento, diferentes formas de aprendizado,
sete formas de adhikarana-samatha, e também não pode haver sthu-
latyayas, cinco pecados capitais e icchantikas. Caso um Monge viole
todas essas shilas (regras de conduta de comportamento ético) e caia
no inferno, todos os tirthikas nasceriam no céu. Por quê? Porque eles
não têm quaisquer preceitos para transgredir. Isto mostra que o Tatha-
gata pretende assustar as pessoas. Este é o motivo de ele instituir esses
preceitos. O Buda tem dito que quando os Monges desejam satisfazer
os seus desejos carnais, eles devem largar os seus trajes sacerdotais,
vestir uma roupa mundana e fazê-lo.

Uma pessoa também pode pensar que os desejos carnais e da luxúria


não são pecados, e que mesmo nos dias do Tathagata houve um Mon-
ge que satisfez seus desejos sensuais e ainda atingiu a correta ilumina-
ção; ou que houve alguém que, após a morte, renasceu no céu; que
todas essas coisas têm um precedente e que não é apenas o que eu
estou fazendo sozinho. Podemos cometer as quatro graves ofensas, os
cinco pecados capitais e todos os atos impuros, e mesmo assim pode-
mos [ainda] atingir a verdadeira e correta emancipação. O Tathagata
pode dizer que se cometermos atos de duskrta [ofensas menores, pu-
níveis pela confissão], cairemos no inferno e ficaremos lá por 8 milhões
de anos, que é o número de anos do sol e da lua do Céu Trayastrimsa.
Mas isto é o que o Tathagata diz para assustar as pessoas. Eles dizem
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 200
que não existe diferença entre o grave e o leve [pecado], o parajika
[pecado sério] e o duskrta [pecado venial]. Todos esses mestres do
vinaya dizem falsamente que todas essas [regras] foram instituídas
pelo Buda. Saiba definitivamente que elas não foram instituídas pelo
Buda’. Todos esses sutras e vinayas que falam assim são de Mara.

Ou uma pessoa poderia dizer que se transgredirmos mesmo o menor


ou mínimo de todos os preceitos, maus frutos serão colhidos e que não
há limite para o número de conseqüências cármicas. Percebendo isso,
deveríamos nos guardar em nós mesmos como a tartaruga, que es-
conde os seus seis membros em sua carapaça. Se existe qualquer pes-
soa versada no vinaya que diga: ‘Transgride-se, mas nenhuma conse-
qüência cármica decorre (disto)’, nós não deveríamos nos aproximar de
tal pessoa, como já indicado pelo Buda:

‘Alguém extrapolou,
isto está dizendo mentiras [mrsavada].
Se não vemos após-a-vida,
não há pecado que não será cometido’.

Por esta razão, não deveríamos nos aproximar de tal pessoa. O que é
puro neste ensinamento Budista é assim. Poderia acontecer de alguém
que tivesse violado o sthulatyaya, o samghavasesa e o parajika; pudes-
se passar como não tendo pecado? Em razão disto, deveríamos nos
colocar em guarda e proteger esse Dharma. Se não o defendermos,
onde poderá haver qualquer proibição? Eu agora digo nos sutras: ‘Por
cometer qualquer uma das graves ofensas ou quaisquer das ofensas
menores (duskrtas), devemos sofrer dor para remediá-las’. Se não nos
resguardarmos quanto [a transgressão] às proibições, que possibilida-
de poderá haver de vermos a Natureza-de-Buda?

Todos os seres possuem a Natureza-de-Buda. Apenas por observar os


preceitos podemos vê-la. Quando vemos a Natureza-de-Buda, atingi-
mos a Iluminação Insuperável. Nos nove tipos de sutras, não existe o
Sutra Vaipulya (Mahayana extensivo). Isso é porque eles (os nove tipos
Capítulo 9 – Sobre o Errado e o Certo Página 201
de sutra) não falam acerca da Natureza-de-Buda. Embora esses sutras
não se refiram a ela, seguramente existe o Vaipulya neles. Aquele que
fala assim é meu verdadeiro discípulo”.

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Nós


não vemos nos nove tipos de sutras quaisquer referências aos seres
possuindo a Natureza-de-Buda, que você diz que eles possuem. Se
dizemos que eles a possuem, não poderia ser que fôssemos culpados
de infringir o parajika?”.

O Buda disse: “Oh bom homem! Eles [os que assim dizem] não violam
o parajika. Por exemplo, oh bom homem! Se qualquer pessoa diz que
no grande oceano existem apenas as sete gemas, não oito, aquela
pessoa não pecou. Se uma pessoa diz que não há menção da Natureza-
de-Buda nos nove tipos de sutras, não pode haver qualquer cometi-
mento de pecado. Por que não? Eu digo que no oceano do Mahayana
da grande Sabedoria existe a Natureza-de-Buda. Como os dois veículos
não sabem ou vêem [isto], não se pode falar que tenham cometido
qualquer pecado, mesmo que eles digam que ela não existe. Isso é uma
coisa que somente o Buda sabe, e que Sravakas e Pratyekabudas não
podem saber. Oh bom homem! Não tendo nunca ouvido sobre a gran-
de profundeza do Dharma secreto do Tathagata, como poderia uma
pessoa esperar saber da existência da Natureza-de-Buda? O que é o
repositório secreto? Nada mais que os sutras Vaipulya. Oh bom ho-
mem! Pode haver tirthikas que falam sobre o eu eterno ou o ‘não-ser’
do eu. Este não é o caso com o Tathagata. Ele diz que existe o Eu, ou –
em outras ocasiões – que não existe. Esse é o Caminho Médio.

Uma pessoa poderia dizer: ‘O Buda fala sobre o Caminho Médio. Todos
os seres possuem a Natureza-de-Buda. Como a ilusão os ofusca, eles
não sabem ou vêem. Assim, um (meio) expediente é aplicado para
cortar as raízes da ilusão’. Uma pessoa que fala assim não comete as
quatro graves ofensas. Isto nós deveríamos saber. Qualquer pessoa
que não fale assim infringe o parajika. Ou uma pessoa poderia dizer:
‘Eu já atingi a Iluminação Insuperável! Por quê? Porque eu possuo a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 202
Natureza-de-Buda. Qualquer pessoa que possua a Natureza-de-Buda
seguramente atingiu a Iluminação Insuperável. Consequentemente, eu
atingi a Iluminação’. Então, deveríamos saber que essa pessoa infringe
o parajika. Por que é assim? Com toda a certeza existe a Natureza-de-
Buda. Mas ainda não tendo praticado o melhor expediente da Via, a
pessoa ainda não a viu. Não a tendo visto, ela não pode ter atingido a
Iluminação Insuperável. Oh bom homem! Com relação a isto, o ensi-
namento do Buda é profundo em seu significado e difícil de entender”.

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Um


rei indaga: ‘Como um Monge adere ao Dharma Supramundano?”.

O Buda disse a Kashyapa: “Um Monge pode, por lucro ou comida, baju-
lar, estabelecer coisas erradamente ou enganar, e dizer coisas tais co-
mo: ‘Como todo o mundo poderá acreditar que eu sou verdadeiramen-
te um Monge real, de tal forma que eu possa obter um grande ganho e
fama?’ Esse Monge, em razão da escuridão da sua mente, sempre pen-
sa e reza: ‘Na verdade, eu ainda não cheguei às quatro metas de um
Sravaka. Como posso estar apto a fazer o mundo pensar que eu as
alcancei? Como posso estar apto a fazer com que Leigos e Leigas pen-
sem sobre mim como sendo um sábio que realizou completamente
todas as verdadeiras virtudes?’. Assim ele pensa. Tudo o que é feito
visa o lucro, e não a Via. Em suas idas e vindas, em suas saídas e chega-
das, avançando e descansando, ele parece pacífico. No seu modo de
vestir e de segurar a sua tigela, a conduta não é perdida. Sozinho, ele
senta num lugar solitário e parece um Arhat. Dessa forma as pessoas
pensam: ‘Esse é o maior dos Monges. Exercitando-se totalmente, ele
pratica a Via da extinção’. Ele pensa: ‘Como resultado disto, com certe-
za ganharei discípulos. As pessoas certamente me oferecerão roupas,
comida, bebida, roupas de cama e remédios. Todas as mulheres me
respeitarão e amarão’. Qualquer pessoa que aja dessa maneira age
contra o Uttarimanussa-Dhamma [estado superhumano que transcen-
de as limitações humanas].

Capítulo 9 – Sobre o Errado e o Certo Página 203


Também, há um Monge que senta num lugar solitário desejando edifi-
car o insuperável Dharma Maravilhoso. Embora não seja um Arhat, sua
intenção é de que outros o chamem de Arhat, um Monge amável, um
bom Monge, um Monge quieto. Ele assim, efetivamente, faz com que
inumeráveis pessoas venham à fé. Por isso, eu permito que todos os
inumeráveis Monges amparem-lhe como um parente. Através disso,
eu posso ensinar e fazer com que os Monges quebradores dos precei-
tos, Leigos e Leigas defendam os preceitos. Em conseqüência, o Dhar-
ma Maravilhoso será estabelecido, o insuperável significado do grande
princípio do Tathagata resplandecerá e o ensinamento do Mahayana
Vaipulya será reverenciado, emancipando todos os inumeráveis seres,
tal que eles venham conhecer os significados leves ou pesados dos
sutras e vinayas que o Tathagata concedeu.

Também, uma pessoa poderia dizer: ‘Agora eu possuo a Natureza-de-


Buda. Existe um sutra que é chamado o Repositório do Tathagata. Na-
quele sutra, certamente eu obterei o ensinamento Budista e cortarei
inumeráveis bilhões de amarras das ilusões. Eu falarei para inumeráveis
Leigos: ‘Todos vocês possuem a Natureza-de-Buda. Sentemos juntos,
eu e vocês, no Caminho do Tathagata e atingiremos a Iluminação Insu-
perável e acabaremos com todas as inumeráveis amarras das ilusões’.
Alguém assim não viola o uttarimanussa-dhamma; ele é um Bodhisatt-
va.

Alguém que cometa duskrta (ofensas menores) cairá no inferno por um


período de 8 milhões de anos dos dias do Céu Trayastrimsa, e terá de
submeter-se às punições pelos pecados que cometeu. Quanto pior será
quando ele transgride o sthulatyaya (ofensas graves)? Isto faz uma
pessoa dizer: ‘Caso haja qualquer Monge em meio àqueles do Maha-
yana reunidos aqui, que tenha violado o sthulatyaya, esse (Monge) não
deve ser amparado’.

O que são sthulatyaya (ofensas graves) dos sutras Mahayana? Por e-


xemplo, um homem rico erige um templo Budista e adorna-o com
várias grinaldas, e oferece isso ao Buda. Existe um Monge que, ao ver a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 204
corda que passa através da grinalda, toma-a sem pedir. Isso é sthulat-
yaya. Seja consciente ou não, ele viola dessa maneira. Se, com um pen-
samento cobiçoso, causamos danos a uma torre Budista, isto é sthulat-
yaya. Não se deve aproximar [ou associar-se] de uma pessoa que aja
dessa maneira. Ou um rei ou um ministro, vendo que a torre está velha
e danificada, e pretendendo repará-la, faz oferecimentos às relíquias e
encontra nelas uma gema rara, que ele deu a um Monge. Ao obter a
gema, o Monge usou-a como ele quis. Esse Monge é alguém que é
impuro e que muito provavelmente provocará discussões. Nenhum
bom Leigo deveria se aproximar desse Monge, lhe fazer oferecimentos
ou respeitar-lhe. Esse Monge é denominado ‘sem-definição’ (‘sem-
raízes’). Esse Monge é também denominado ‘duplamente-definido’
(‘duplamente enraizado’, ‘duas-faces’), ou alguém em quem a raiz é
indefinível. Por ‘indefinidamente-enraizado’ é denotado o caso de uma
pessoa cujo corpo torna-se o de uma fêmea quando surge o desejo de
ser uma fêmea; e torna-se o de um macho quando surge o desejo de
ser macho. Qualquer Monge assim é ‘mal-enraizado’. Ele não é nem
macho e nem fêmea, nem um Monge e nem um Leigo. Não devemos
nos aproximar desse Monge, nem fazer-lhe oferecimentos ou respei-
tar-lhe. Alguém que resida no ensinamento Budista e na lei de um
Monge deve ter um pensamento compassivo, benevolente, proteger e
cuidar dos seres. Mesmo à uma formiga, deve-se inspirar um pensa-
mento de destemor. Esta é uma lei do Shramana. Deve se afastar de
bebidas e fumo (incense). Esta é a lei do Shramana. Não deve dizer
mentiras, nem deve ter um pensamento mentiroso. Esta é a lei do
Shramana. Não deve permitir que surja um sentimento de cobiça [ou
desejo] em sua mente. O mesmo se aplica aos sonhos. Esta é a lei do
Shramana”.

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


um Monge se torna cativo da luxúria carnal num sonho, isto viola o
Dharma ou não?”

O Buda disse: “Não! Devemos evocar o pensamento de um mau cheiro


contra o desejo carnal. Se o pensamento não é puro, sempre levante
Capítulo 9 – Sobre o Errado e o Certo Página 205
sua cabeça, afaste o pensamento de preocupação e de amor por uma
mulher. Se nos tornamos cativos da luxúria carnal num sonho, deve-
mos nos arrepender pelo ato quando levantarmos. Deve-se residir no
pensamento de um Monge que, quando vai mendigar em sua ronda
por esmolas, recebe oferecimentos e [com a atitude de desgosto de
alguém que] come a carne do seu próprio filho nos dias de fome. Se o
desejo carnal o assedia, descarte rapidamente tal pensamento. Tudo
isso é o ensinamento dos sutras e vinaya do Buda. Alguém que siga o
que Mara diz é um aparentado de Mara; alguém que siga o que o Buda
diz é um Bodhisattva.

Ou uma pessoa poderia dizer: ‘Apoie-se em uma perna, permaneça em


silêncio, não diga nada e atire-se nas águas profundas ou no fogo, ou
salte de um alto precipício, não temendo a queda; tome veneno, jejue,
deite-se em cinzas, amarre suas pernas, mate os seres, e diga sortes
sobre os destinos e os caminhos que uma pessoa toma’. Ou uma pes-
soa poderia dizer: ‘O Tathagata permite candalas, pessoas sem-raízes,
hermafroditas, indefiníveis e decrépitos tornarem-se ordenados e rea-
lizar a Via’. Essas são as palavras de Mara.

Ou uma pessoa poderia dizer: ‘O Buda já nos permitiu consumir os


cinco sabores do leite de uma vaca, óleo e mel, exceto roupas de seda
e sapatos de couro, etc.’.

Ou uma pessoa poderia dizer: ‘O Buda já nos permitiu a aplicação do


maharanga (é um gênero de plantas medicinais e aromáticas perten-
cente à família Boraginaceae), e também o armazenamento de todos
os tipos de sementes. Mas todas as gramas e árvores têm uma vida. O
Buda, tendo falado assim, entra no Nirvana’. Caso qualquer sutra e
vinaya diga assim, saiba que isso é o que Mara diz. Eu também não
permito sustentar-se sobre uma perna [à maneira do faquir]. Para o
Dharma, todas as posturas como caminhando, parando, sentando e
reclinando são permitidas. Também, alguém poderia dizer: ‘Tome ve-
neno, jejue, queime o corpo com fogo, amarre suas mãos e pés, mate
pessoas, adivinhe destinos e caminhos, faça sapatos de couro decora-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 206
dos com cascos brancos de cavalos e marfim; o Buda permitiu o arma-
zenamento de sementes. Gramas e plantas possuem vida. Ele permitiu
a aplicação do maharanga’. Se uma pessoa diz que o Honrado pelo
Mundo disse isto, essa pessoa é um aparentado dos tirthikas. Qualquer
pessoa como esta não é meu discípulo. Tenho permitido apenas os
cinco sabores (do leite) da vaca, óleo, mel, e também roupas de seda.
Eu disse que os quatro grandes elementos [terra, ar, fogo e água] não
possuem vida. Caso qualquer sutra ou vinaya diga assim, isso é o que o
Buda disse. Qualquer pessoa que aja em concordância com a palavra
do Buda é, deveríamos saber, um grande Bodhisattva. Oh bom ho-
mem! Para o vosso benefício, Eu agora falei extensivamente sobre as
diferenças entre o que Mara diz e o que o Buda diz”.

Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu agora vim a


conhecer a diferença entre a palavra de Mara e aquela do Buda. Em
conseqüência, estarei apto para sondar as profundezas dos ensina-
mentos Budistas”.

Então o Buda elogiou Kashyapa e disse: “Falaste bem, falaste bem, oh


bom homem! Você agora obteve claramente o significado. Você é inte-
ligente e sábio”.

Capítulo 9 – Sobre o Errado e o Certo Página 207


Capítulo Dez: Sobre as Quatro Nobres Verdades

A Nobre Verdade do Sofrimento

O Buda também disse a Kashyapa: “Nobre Filho! Não é apropriado


designar o sofrimento como uma Nobre Verdade. Por que isso? Se
fôssemos designar sofrimento como ‘a Nobre Verdade do Sofrimento’,
então bovinos, ovelhas, asnos, cavalos e os habitantes do inferno tam-
bém teriam a Nobre Verdade [do Sofrimento]. Nobre Filho! Quem quer
que pense que o extremamente profundo [gambhira] domínio / esfera
/ reino [visaya] do Tathagata – o eterno, o imutável Dharmakaya [Cor-
po da Verdade] – é um corpo nutrido pela comida, essa pessoa não
conhece as virtudes e poderes que o Tathagata possui. Isto [ou seja, tal
ignorância da verdadeira natureza do Buda] é ‘sofrimento’. Por que é
assim? Devido à ignorância. Uma pessoa vê o Dharma como não-
Dharma, e o não-Dharma como Dharma. Saiba que essa pessoa cairá
nos reinos da infelicidade e reciclará entre nascimentos e mortes. Isso
aumentará os laços da ilusão e a preocupação crescerá. Se ele vem a
saber que o Tathagata é Eterno, aquele com o qual não ocorrem mu-
danças, ou se ele ouve a palavra ‘Eterno’, ele ganhará o nascimento no
céu. E alcançando a emancipação, ele verá no presente que o Tathaga-
ta é Eterno e Imutável. Quando isso for visto claramente, ele dirá: ‘Eu
ouvi sobre isso no passado. Agora que estou emancipado, eu sei isso.
Como eu era ignorante no que diz respeito ao Supremo (o Ultimado),
eu vinha reciclando entre nascimentos e mortes sem um fim. Hoje,
estou esclarecido no que diz respeito ao verdadeiro conhecimento’. Se
o conhecimento atinge esse estágio, essa pessoa é verdadeiramente
um praticante do sofrimento. A partir disto, há muito a lucrar. Deve-se
praticar bem isto, mas se desconhecermos que as coisas sejam assim,
nenhum ganho advirá. Isto é o que é chamado conhecimento do sofri-
mento. Esta é a Nobre Verdade do Sofrimento. Se não se pratica assim,
isso é sofrimento e não a Nobre Verdade do Sofrimento.

Capítulo 10 – Sobre as Quatro Nobres Verdades Página 209


A Nobre Verdade da Causa do Sofrimento

Dizemos ‘Verdade da Causa do Sofrimento’. Uma pessoa não conhece


verdadeiramente o Dharma Maravilhoso e recebe o que é impuro. Esse
é o caso dos humildes. Não-Dharma é chamado Dharma-Maravilhoso.
Uma pessoa anula o que está correto e não quer acatá-lo para viver.
Por conta disso, aquela pessoa não conhecerá o ‘Dharmata’ [a Essência
da Realidade]. Não conhecendo isto, ela recicla entre o nascimento e a
morte, e sofre grandemente. Ela não obtém o nascimento no céu ou
ganha a correta emancipação. Se uma pessoa tem uma profunda Sa-
bedoria e não transgride o Dharma Maravilhoso, em conseqüência, ela
nascerá no céu e atingirá a correta emancipação. Se uma pessoa não
sabe de onde surge o sofrimento e diz que não pode haver nenhum
Dharma Maravilhoso ou aquilo que é Eterno, e que todos retornamos
para o nada (ou para a inexistência), aquela pessoa, em conseqüência,
repetirá as transmigrações através dos inumeráveis kalpas que virão,
sofrendo todos os tipos de tristezas. Se uma pessoa diz que o Dharma é
Eterno e que não há mudança, isso é conhecimento da causa, e essa é
a Nobre Verdade da Causa do Sofrimento. Se não se pratica assim, isso
é a causa do sofrimento e não a Nobre Verdade da Causa.

A Nobre Verdade da Extinção do Sofrimento

Dizemos ‘Verdade da Extinção do Sofrimento’. Se uma pessoa pratica


muitos ensinamentos e o caminho da inexistência, isto não é bom. Por
que é assim? Porque isso anula todas as leis e destrói o verdadeiro
Repositório do Tathagata. Qualquer prática dessa categoria é a prática
da inexistência. Alguém que pratique (verdadeiramente) a extinção do
sofrimento age contra o que todos os tirthikas fazem. Se a prática da
inexistência é a verdade da extinção, existem tirthikas que também
praticam o ensinamento da inexistência; então, devemos dizer que eles
também possuem a verdade da extinção. Uma pessoa diz: ‘Existe o
Tathagatagarbha [Buda-Útero – o pensamento prístino sob o manto da

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 210


ilusão]. Não se pode ver isso. Mas se acabamos com todas as ilusões,
poderemos de fato entrar’. É assim. Através do surgimento desse pen-
samento [isto é, cultivando essa atitude de pensamento], ganharemos
liberdade em todas as coisas. Se uma pessoa pratica a Via do repositó-
rio secreto, altruísmo e vacuidade, essa pessoa reciclará entre nasci-
mento e morte através das inumeráveis eras que virão e sofrerá de
tristeza. Uma pessoa que não faz tais práticas poderá certamente, em-
bora ela possa ter ilusões, logo acabar com elas. Por que é assim? Por-
que ela conhece bem o Repositório Secreto do Tathagata. Essa é a
Nobre Verdade da Extinção do Sofrimento. Qualquer pessoa que prati-
que a extinção dessa maneira é meu discípulo. Uma pessoa que não
pratica a Via assim é alguém que pratica a vacuidade. Isso não é a No-
bre Verdade da Extinção.

A Nobre Verdade da Via

Dizemos ‘Nobre Verdade da Via’. Isso nada mais é que os tesouros do


Buda, do Dharma, da Sangha e a correta emancipação. Todas as pesso-
as dizem com um pensamento de cabeça-para-baixo: ‘Não existe Buda,
Dharma, Sangha, ou emancipação correta. Nascimento e morte são
como fantasmas’. Eles mantêm essas visões. Como resultado, eles reci-
clarão entre nascimento e morte através dos três mundos [do desejo,
da matéria e do espírito – Mundo Tríplice], sofrendo grandemente lá
por um longo tempo futuro. Se uma pessoa desperta e vem a enxergar
que o Tathagata é Eterno, que nenhuma mudança lhe acomete, e que
o mesmo se aplica ao Dharma, à Sangha e à emancipação; através des-
se pensamento a pessoa obterá liberdade irrestrita através das inume-
ráveis eras que virão e poderá divertir-se como quiser. Por quê? Por-
que certa vez no passado, devido às quatro inversões, eu tomei o não-
Dharma como Dharma e sofri pelas inumeráveis conseqüências cármi-
cas. Quando eu acabei com essas visões, atingi o verdadeiro despertar
para o Estado de Buda. Essa é a Nobre Verdade da Via. Qualquer pes-
soa que diga que os Três Tesouros são não-eternos e mantenha essa

Capítulo 10 – Sobre as Quatro Nobres Verdades Página 211


visão da vida, então isso é uma falsa via da prática e não é a Nobre
Verdade da Via. Se uma pessoa pratica a Via assim, tendo-a como Eter-
na, essa pessoa é meu discípulo. Ela reside na verdadeira visão da vida
e pratica o ensinamento das Quatro Nobres Verdades.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Agora, pela primeira vez, venho a conhecer e praticar as grandes pro-
fundezas das Quatro Nobres Verdades.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 212


Capítulo Onze: Sobre as Quatro Inversões
O Buda disse a Kashyapa: “Falamos das ‘quatro inversões’. Fala-se ‘In-
versão’ quando nutrimos a idéia de sofrimento onde não há sofrimen-
to. ‘Não-sofrimento’ é o Tathagata. A idéia do sofrimento surge quando
uma pessoa pensa que todos os Tathagatas são não-Eternos e que eles
mudam. Se uma pessoa diz que o Tathagata muda, isso é [o conceito
do] sofrimento e constitui um grande pecado. Se uma pessoa diz que o
Tathagata abandona seu corpo de sofrimento e entra no Nirvana, e
que isso é como um combustível sendo queimado completamente, em
conseqüência do que o fogo se extingüe, isto é ter a idéia de sofrimen-
to vis-à-vis não-sofrimento. Isso é uma inversão [da verdade]. Uma
pessoa poderia dizer: ‘Dizer que o Tathagata é Eterno é uma visão Au-
to-centrada. Dessa visão Auto-centrada surgem inumeráveis pecados.
Assim, deveríamos dizer que o Tathagata é não-Eterno, e por assim
dizer ganharemos a Felicidade’. O ser não-Eterno do Tathagata acarre-
taria sofrimento. Se [há] sofrimento, como poderíamos esperar [en-
contrar] Felicidade nisso? Quando a idéia de Felicidade ocorre [nesse
contexto], dizemos ‘inversão’. Isso é dito porque a idéia de sofrimento
surge na [naquilo que verdadeiramente é] Felicidade. Felicidade é o
Tathagata. Sofrimento é o não-Eterno do Tathagata. Se uma pessoa diz
que o Tathagata é não-Eterno, isso é um pensamento de sofrimento na
Felicidade. O Ser Eterno do Tathagata é Felicidade. Se eu digo que o
Tathagata é Eterno, como eu posso entrar no Nirvana? Se eu digo que
o Tathagata é não-sofrimento, como eu poderia abandonar meu corpo
e entrar no Nirvana? Quando uma pessoa tem o pensamento de sofri-
mento na Felicidade, dizemos que isto é uma inversão. Esta é a primei-
ra inversão.

A idéia do Eterno vis-à-vis o não-Eterno, e a idéia do não-Eterno vis-à-


vis o Eterno, são inversões. O não-Eterno é a não-prática da Vacuidade.
Quando não se pratica a Vacuidade, a vida é abreviada. Se dissermos:
‘Não praticando a Vacuidade e a quietude, atingimos a vida eterna’,
isso é uma inversão. Esta é a segunda inversão.

Capítulo 11 – Sobre as Quatro Inversões Página 213


O pensamento do Eu em relação ao não-Eu, e o pensamento do não-Eu
em relação ao Eu, são inversões. As pessoas do mundo dizem que exis-
te o Eu, e dentro do Budismo, também, dizemos que existe o Eu. As
pessoas do mundo dizem que existe o Eu, mas não existe a Natureza-
de-Buda. Isto é ter a idéia do Eu no [naquilo que é] não-Eu. Isso é uma
inversão. ‘O Eu do qual se fala no Budismo é a Natureza-de-Buda’. As
pessoas do mundo dizem que não há Eu no Budismo. Isto é uma idéia
do não-Eu no Eu. ‘Está definido que não existe o Eu no ensinamento
Budista. Este é o porquê o Tathagata diz aos seus discípulos para prati-
car o altruísmo’. Se tal coisa é dita, isso é uma inversão. Esta é a tercei-
ra inversão.

O não-Puro no Puro, e o Puro no não-Puro são inversões. O Puro diz


respeito ao Eterno do Tathagata. Não é um corpo nutrido pela comida,
e nem um corpo de ilusão. Não é um corpo carnal, e nem um corpo
composto por nervos e ossos. Se dissermos que o Tathagata é não-
Eterno, e que um corpo nutrido pela comida, ligado por nervos e ossos,
o Dharma, a Sangha e a emancipação morrem, isto é uma inversão.
Dizemos que a idéia do não-Puro no Puro é uma inversão. Uma pessoa
poderia dizer: ‘Não existe sequer um pouco daquilo que é não-Puro em
seu pensamento, e que como não há uma simples coisa que não seja
Pura, ela fica num lugar que é Puro; e que como a pessoa pratica a
meditação do não-Puro que o Tathagata falou anteriormente, o que foi
dito acima (sobre Puro no não-Puro) deve ser falso’. Se uma pessoa fala
assim, isso é uma inversão. Esta é a quarta inversão.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Obtive agora, pela primeira vez, a visão correta. Oh Honrado pelo
Mundo! Até agora, todos nós residíamos num pensamento errôneo.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 214


Capítulo Doze: Sobre a Natureza do Tathagata

O Baú de Ouro Verdadeiro em Nosso Próprio Âmago.

Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Existe o Eu nas 25


existências ou não?”

O Buda disse: “Oh bom homem! ‘Eu’ significa ‘Tathagatagarbha’ [Buda-


Útero, Buda-Embrião, Buda-Natureza]. Todos os seres possuem a Na-
tureza-de-Buda. Isso é o Eu. Esse Eu tem sido, desde os primórdios,
encoberto por inúmeras impurezas. Esse é o porquê os humanos não
podem vê-lo. Oh bom homem! [Imagine que] exista uma mulher pobre
aqui. Ela tem ouro verdadeiro escondido em sua casa. Mas nenhuma
das pessoas em sua casa, sejam elas grandes ou pequenas, sabem dele.
Mas existe um estranho que, através de (meio) expediente, diz à mu-
lher pobre: ‘Eu a empregarei. Você deve agora ir e capinar a terra (re-
mover as ervas daninhas)!’. A mulher responde: ‘Não posso fazer isso
agora. Se você deixar meu filho ver onde o ouro está escondido, possi-
velmente trabalharei para você’. O homem diz: ‘Eu sei o caminho. Eu o
indicarei para o seu filho’. A mulher ainda disse: ‘Ninguém da minha
casa, seja grande ou pequeno, sabe [disto]. Como você pode (saber)’?
O homem diz: ‘Eu agora o esclarecerei’. A mulher diz ainda: ‘Eu desejo
ver. Rogo que me permita’. O homem desenterra o ouro que estava
escondido numa cova. A mulher o vê, fica satisfeita e passa a respeitar
aquela pessoa. Oh bom homem! O caso é o mesmo com a Natureza-
de-Buda que os humanos possuem. Ninguém pode vê-la. Isto é análo-
go ao ouro que a mulher pobre possuía e ainda não podia ver. Oh Bom
homem! Eu agora permitirei às pessoas verem a Natureza-de-Buda que
elas possuem, e que está encoberta pelas impurezas. Isto é análogo à
mulher pobre que não podia ver o ouro, muito embora ela o possuísse.
O Tathagata revela agora a todos os seres o Repositório da Iluminação,
que é a assim chamada Natureza-de-Buda. Se todos os seres verem
isso, ficarão satisfeitos e buscarão refúgio no Tathagata. O bom (meio)

Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 215


expediente é o Tathagata, a mulher pobre são todos os inumeráveis
seres, e o Baú de Ouro Verdadeiro é a Natureza-de-Buda.

Também, oh bom homem! Como um exemplo: uma mulher tem uma


criança que, enquanto ainda muito jovem, é acometida pelas doenças.
Preocupada com isso, a mulher procura um bom médico. O bom médi-
co vem e compõe (manipula) três remédios, os quais são manteiga,
leite e caramelo. Ele os entrega a ela para serem tomados pela criança.
Então ele diz à mulher: ‘Quando a criança tiver tomado o remédio, não
dê mais leite a ela por algum tempo. Quando o remédio tiver feito o
seu efeito, você pode então dar-lhe leite’. Então a mulher aplica uma
substância amarga em seus mamilos e diz à criança: ‘Não os toque.
Meus mamilos são venenosos’. A criança está ansiosa pelo leite e quer
tê-lo. [Mas] ao ouvir sobre o veneno, ela se afasta. Após o remédio ter
feito o seu trabalho, a mãe lava seus mamilos, chama a sua criança e os
dá. Embora faminta, a criança, tendo ouvido sobre o veneno, não virá a
eles. A mãe então diz: ‘Eu somente coloquei veneno em meus mamilos
com a finalidade de lhe dar o remédio. Como você já tomou o remédio,
eu limpei o veneno. Venha! Pegue o meu mamilo. Ele não está mais
amargo’. Ouvindo isto, a criança lentamente retorna e os toma. Oh
bom homem! O caso é o mesmo com o Tathagata. No sentido de salvar
os seres, ele lhes dá o ensinamento do não-Eu. Tendo praticado a Via
assim, os seres acabam com o rol de pensamentos que os prendem ao
eu e obtém o Nirvana. Tudo isso é para acabar com os conceitos errô-
neos das pessoas, para mostrar-lhes a Via e elevar-lhes, para mostrar-
lhes que eles aderem ao eu, que aquilo que se obtêm no mundo é tudo
falso e não verdadeiro, e para fazer-lhes praticar o não-Eu e purifica-
rem-se. Isso é semelhante à aplicação de uma substância amarga pela
mulher em seu mamilo por amor à sua criança. O mesmo se passa com
o Tathagata. Para que pratiquem a Vacuidade, digo que todos não
possuem o Eu. Isso é como a mulher limpando os seus mamilos e cha-
mando a sua criança para tomar o seu leite. O caso é o mesmo comigo
também: Eu falo do Tathagatagarbha. Por essa razão, os Monges não
sentem medo. É análogo à criança que ouve a sua mãe, lentamente

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 216


retorna e toma o leite. A situação é a mesma com os Monges. Eles
devem saber bem que o Tathagata nada esconde.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Realmente, não pode haver qualquer caso no qual exista o Eu. Por que
não? Quando uma criança nasce, ela nada sabe. Se existisse um Eu, a
criança deveria ter conhecimento quando ela nasce no mundo. A partir
disto podemos saber que não existe Eu. Se existisse um Eu definitiva-
mente, não poderia haver qualquer perda de conhecimento. Se fosse
verdade que todos os seres possuíssem eternamente a Natureza-de-
Buda, não poderia haver separação (dessa natureza). Se não há destru-
ição, como pode haver diferenças entre Kshatriya, Brâhmanes, Vaishya,
Sudra, Candala e animais? Ora, os efeitos do carma são diversos, e
existem diferenças na vida. Se existe Eu definitivamente, não pode
haver qualquer vitória ou derrota com os seres. Disto, podemos saber
definitivamente que a Natureza-de-Buda é o Dharma Eterno. Se a Na-
tureza-de-Buda é definitivamente eterna, porque falamos de coisas
como matar, roubar, luxúria, língua bifurcada, mal falar, mentir, lisonja,
ganância, ódio e visões distorcidas? Se realmente existe eternamente a
natureza do Eu, por que é que uma pessoa se torna intoxicada ou lou-
ca? Se a natureza do Eu é eterna, o cego deveria ser capaz de ver, o
surdo de ouvir, o mudo de falar e o coxo de andar. Se o Eu é eterno, o
fogo, as enchentes, os venenos, as espadas, as pessoas más e os ani-
mais não deveriam ser evitados. Se o Eu é eterno, aquilo que foi muda-
do basicamente não poderia ser esquecido ou perdido. Se esquecido,
como pode uma pessoa dizer: ‘Eu vi essa pessoa em algum lugar [an-
tes]’? Se o Eu é eterno, não poderia haver velho ou jovem, nem para
cima ou para baixo, nem lembrança daquilo que já passou. Se o Eu é
eterno, onde ele reside ou vive? É o caso em que lágrimas, saliva, azul,
amarelo, vermelho e branco devem remanescer em todas as coisas? Se
o Eu é eterno, ele preencherá o corpo como no caso das sementes de
sésamo, nas quais não há espaço entre elas. Quando o corpo é picado
em pequenos pedaços, o Eu, também, deveria ser picado.”

Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 217


A Parábola do Lutador

O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Como uma analogia: exis-
te na prole de um rei um grande lutador. Ele tem uma pérola adaman-
tina na sua testa. Esse homem luta com outros lutadores. Quando [cer-
ta vez] a cabeça de outra pessoa tocou a sua testa, a pérola foi para
dentro da carne do lutador, e não se tinha conhecimento de onde ela
estava. Um furúnculo surgiu ali. Um bom médico foi chamado para
curá-lo. Naquela ocasião, existia um bom médico com uma mente bri-
lhante. Ele sabia muito bem como diagnosticar e prescrever remédios.
Ora, ele vê que esse furúnculo apareceu devido ao fato de a pérola ter
entrado no corpo do lutador. Ele compreende que essa pérola pene-
trou a carne e permanece lá. Então, o bom médico indaga o lutador:
‘Onde está aquela pérola que estava sobre suas sobrancelhas’? O luta-
dor fica surpreso e responde: ‘Oh grande mestre e doutor! A pérola na
minha testa não foi perdida? Onde a pérola poderia estar agora? Não é
um milagre [que você saiba sobre ela]’? Ele (o lutador) está preocupa-
do e chora. Então, o doutor pacifica o lutador: ‘Não fique sobrecarre-
gado. Quando você lutou, a gema entrou no seu corpo. Ela agora está
sob sua pele e pode ser vista saliente. Conforme você lutou, o veneno
da raiva queimou tanto que a gema penetrou no seu corpo e você não
a sentiu’. Mas o lutador não compreende as palavras do doutor. ‘Se ela
está sob minha pele, como é que ela não sai devido ao sangue impuro
e o pus? Se ela está em meus nervos, não podemos de forma alguma
vê-la. Por que você tenta enganar-me’? Então, o doutor pega um espe-
lho e o segura em frente ao rosto do lutador. A gema aparece clara-
mente no espelho. O lutador a vê, ficando surpreso e todo maravilha-
do. É como aquilo. Oh bom homem! O caso é o mesmo com todos os
seres. Eles não se aproximam de um bom mestre da Via. Assim, eles
não podem ver a Natureza-de-Buda que está dentro deles, muito em-
bora eles a possuam. E eles são regidos pela avareza, a luxúria, a ira e a
ignorância. Dessa forma, eles caem nos domínios do inferno, da anima-
lidade, dos espíritos famintos, Ashuras, Candalas e vêm a nascer em
diversas casas como as de Kshatriya, Brâhmanes, Vaishya e Sudra. O

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 218


carma gerado pelo pensamento leva uma pessoa, embora nascida
como humana, a viver como aleijado, coxo, surdo, cego ou mudo, e (a
leva) às 25 existências, onde a avareza, a luxúria, a ira e a ignorância
reinam sobre o pensamento, e a pessoa torna-se incapaz de saber da
presença da Natureza-de-Buda.

O lutador disse que a gema tinha desaparecido, muito embora ela esti-
vesse no seu corpo. O mesmo também se passa com os seres. Não
tendo entrado em contato com um bom mestre da Via, eles não sabem
do tesouro escondido do Tathagata e não estudam o altruísmo. Por
exemplo, quando uma pessoa é dita ser de má índole, não se pode
conhecer a verdadeira qualidade do Eu. O mesmo é verdadeiro com
relação aos meus discípulos. Como eles não se aproximam de um bom
mestre da Via, eles praticam o não-Eu e não sabem onde ele (o Eu)
está. Eles não conhecem a verdadeira natureza do altruísmo. Como,
então, poderiam saber a verdadeira natureza do Eu em si? Assim, oh
bom homem, o Tathagata diz que todos os seres possuem a Natureza-
de-Buda. Isto é como o bom médico fazendo o lutador ver onde a jóia
adamantina repousava. Todos os seres são regidos por inumeráveis
impurezas e, dessa forma, não sabem o paradeiro da sua Natureza-de-
Buda. Quando a ilusão é dissipada, surge a sabedoria e o brilho. Isto é
como o caso do lutador vendo a gema no espelho. Oh bom homem! É
assim o caso em que aquilo que repousa escondido [latente] no Tatha-
gata é imensurável e é difícil para os seres pensarem a respeito.

O Remédio de um Único Sabor

Também, oh bom homem! Como um exemplo, existe um remédio nos


Himalayas chamado ‘paladar agradável’. Seu sabor é muito doce. Ele
cresce escondido sob o denso crescimento de plantas, e não podemos
vê-lo facilmente. Mas a partir do seu aroma, podemos saber o paradei-
ro desse remédio. Em tempos passados houve um Chakravartin que,
colocando tubos de madeira aqui e ali nos Himalayas, colheu esse re-

Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 219


médio. Quando ele amadureceu, ele vazou e entrou nos tubos. Seu
sabor era perfeito. Quando o rei (o Chakravartin) morreu, esse remédio
tornou-se azedo, salgado, doce, amargo, picante, ou suave. Assim,
aquilo que é único (no sabor), apresenta diferentes paladares de acor-
do com os diferentes lugares. O verdadeiro sabor do remédio perma-
nece nas montanhas; é como a lua cheia. Qualquer mortal comum,
estéril em virtudes, pode trabalhar duro, cavar e tentar, mas não pode
obtê-lo. Somente um Chakravartin, elevado nas virtudes, ao aparecer
no mundo pode chegar ao verdadeiro valor desse remédio devido a
uma feliz concatenação circunstancial. O mesmo é o caso [aqui]. Oh
bom homem! O sabor do Repositório Secreto do Tathagata é também
como isto. Encobertos pelo vicejar das impurezas, vestidos na ignorân-
cia, os seres não podem esperar vê-lo (ou senti-lo). Falamos de um
‘Único Sabor’. Isso se aplica, por exemplo, à Natureza-de-Buda. Em
razão da presença de impurezas, vários sabores aparecem, tais como
os do inferno, da animalidade, dos espíritos famintos, dos devas, dos
seres humanos, homens, mulheres, não-homens, não-mulheres, Ksha-
triya, Brâmanes, Vaishya e Sudra.

A Natureza-de-Buda é forte e vigorosa. Ela é difícil de destruir. Portan-


to, não há nada que possa matá-la. Se houvesse algo que pudesse re-
almente matá-la, a Natureza-de-Buda morreria. [Mas] nada pode de
fato destruir essa Natureza-de-Buda. Nada dessa natureza jamais po-
derá ser cortado. ‘A natureza do Eu nada mais é que o Repositório Se-
creto do Tathagata’. Esse repositório nunca poderá ser esmagado,
atirado ao fogo ou extinto. Embora não seja possível destruir ou vê-lo,
podemos conhecê-lo quando atingimos a Iluminação Insuperável. As-
sim, nada existe de fato que possa matá-lo.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Se nada pode matá-lo, ne-


nhuma conseqüência carmica decorreria das más ações.”

O Buda disse a Kashyapa: “Verdadeiramente existe [algo como] morte.


Como? Oh bom homem! ‘A Natureza-de-Buda dos seres repousa den-
tro dos cinco skandhas’. Se os cinco skandhas são destruídos, isto é a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 220
morte [daqueles skandhas]. Se ferimos uma coisa viva, ganhamos o
domínio dos infortúnios. Através do trabalho do carma, transmigramos
através desses domínios como Kshatriya, Brâhmane, Vaishya, Sudra,
Candala, ou homen, mulher, não-homem, não-mulher e as 25 diversas
existências. Uma pessoa que não encontrou o estágio de santidade de
um sábio está obstinadamente presa pelo apego ao eu. Todas essas
fases da existência, sejam grandes ou pequenas, são como celeiros de
capim, arroz ou feijão, ou como o polegar. Assim é que eles [isto é, os
seres ignorantes] vagamente imaginam as coisas. Não pode haver for-
ma verdadeira nas fantasias selvagens. A forma do Eu que busca esca-
par do mundo é a Natureza-de-Buda. Essa é a melhor maneira de con-
ceber o Eu.

Além disso, oh bom homem! Como uma analogia: há um homem aqui


que conhece bem o que está oculto [sob o chão]. Ele pega um enxa-
dão, cava o chão e bate em coisas como pedras e cascalhos. Ele vai
atravessando tudo e nada o detém. Somente quando o diamante apa-
rece no seu caminho, o enxadão não pode atravessá-lo. Ora, nenhuma
espada ou machado pode destruir um diamante. Oh bom homem! A
Natureza-de-Buda dos seres é como isto. É algo que todas aquelas
pessoas que discutem as coisas, Marapapiyas, todos os humanos e
devas não podem destruir. O que caracteriza os cinco skandhas é (tra-
tar-se de) aquilo que ocorre e aquilo que é feito (ou seja, o aspecto
fenomenológico). Tudo aquilo que ocorre e que é feito pode certamen-
te ser destruído, como as pedras e a areia. ‘O verdadeiro Eu da Nature-
za-de-Buda é como o diamente, que não pode ser esmagado’. Dessa
forma, chamamos a destruição dos cinco skandhas de morte da vida.
Oh bom homem! Saiba que definitivamente o ensinamento Budista
não está dentro dos limites da compreensão.

Oh bom homem! Os Sutras Vaipulya são como amrta [ambrósia, néc-


tar] e veneno.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Por que, oh Tathagata, você


diz que os Sutras Vaipulya são [ambos] amrta e veneno?”
Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 221
O Buda disse: “Oh bom homem! Você deseja ser informado acerca do
Repositório Secreto do Tathagata?”

Kashyapa disse ao Buda: “Eu agora realmente tenho desejo de apren-


der o significado do Repositório Secreto do Tathagata.”

O Tathagata disse em versos:

“Existe uma pessoa que toma amrta, fere a vida e morre cedo,
ou uma outra que toma amrta e ganha longa vida,
ou alguém que toma veneno e ganha vida,
ou um outro que toma veneno e morre.
A Sabedoria sem obstruções, que é a amrta,
não é outra senão os sutras Mahayana.
e esses sutras Mahayana são os que também contêm veneno.

É como manteiga, sarpirmanda ou caramelo,


que quando tomados e digeridos, agem como remédios.
Se não digeridos, então nada mais são que venenos.
É o mesmo com os Sutras Vaipulya.
O sábio faz deles amrta,
e o ignorante,
não conhecendo o valor da Natureza-de-Buda,
faz deles veneno.
Sravakas e Pratyekabudas fazem do Mahayana amrta.
Isso é como o leite, que é superior em sabor.
Aqueles que trabalham assim e progridem
viajam no Mahayana, alcançam a margem do Nirvana
e se tornam elefantes reis entre os homens.
Seres como Kashyapa sabem da Natureza-de-Buda.
Este soberbo amrta é não-nascimento e não-extinção.

Oh Kashyapa!

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 222


Agora você vai analisar os Três Refúgios:
assim como é o intrínseco ser [svabhava] dos Três Refúgios,
tão certamente assim é o meu intrínseco ser [svabhava].
Se uma pessoa está verdadeiramente apta a discernir
que seu intrínseco ser possui a Buda-Dhatu [Natureza-de-Buda],
então você deveria saber que essa pessoa
entrará na Matriz Secreta [=Tathagatagarbha].

Aquela pessoa que conhece o Eu [atman]


e que faz parte do Eu [atmiya]
já transcendeu o mundo mundano.
A natureza das Três Jóias, o Buda, o Dharma [e a Sangha]
é suprema e mais digna de respeito;
como no verso que eu proferi,
o significado da sua natureza é assim.”

Então Kashyapa disse em versos:

“Não sei como tomar refúgio nos Três Tesouros,


como tomar refúgio no destemor insuperável.
Não conhecendo o lugar dos Três Tesouros,
como pode alguém ganhar destemor?
Como pode alguém que toma refúgio no Buda ganhar a paz,
como pode alguém tomar refúgio no Dharma?
Condescenda a falar-me sobre isto!
Como alguém ganha o desimpedimento e não-desimpedimento?
Como alguém toma refúgio na Sangha e, dessa forma,
atinge o benefício insuperável?

Como ganhar sermões verdadeiros,


como (atingir) o Estado de Buda nos dias que virão?
Se alguém não atingi-lo nos dias a vir,
Como alguém poderá tomar refúgio nos Três Tesouros?

Não tenho nada a prever;


Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 223
trabalharei meu caminho passo a passo.

Sem concepção, pode uma pessoa pensar em ter um filho?


Se ele está definitivamente no embrião,
podemos de fato dizer que temos um filho.
Se a criança está no útero, tão logo ela emergirá.
Este é o significado vis-à-vis de uma criança.
A mesma pertence ao carma do homem.

O ignorante não pode entender o que o Buda diz.


Por ignorância, a roda do nascimento e da morte gira.
Aquele que é um Monge somente no nome
não pode compreender o verdadeiro significado.
Condescenda a explicar para mim
e erradique a malha de dúvidas.
Oh, grande Sabedoria do Tathagata!
Tenha piedade e explique!
Eu rogo, abra a porta fechada
da casa do tesouro do Tathagata.”

“Oh Kashyapa!

Para o seu benefício,


abrirei agora a porta fechada do repositório e erradicarei sua dúvida.
Ouça o que eu digo com todo o seu coração!
Você, e todos vocês Bodhiattvas,
e o sétimo Buda [isto é, o Buda Kashyapa]
possuem o mesmo nome.
Alguém que se refugia no Buda
é um verdadeiro Monge.
Ele já não se refugia em todos os outros deuses.
Alguém que se refugia no Dharma
evita a si próprio de prejudicar os outros.
Alguém que se refugia na Sangha sagrada
não se refugia nos tirthikas.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 224
Ao se refugiar nos Três Tesouros,
atinge-se o destemor.”

Kashyapa disse ao Buda:

“Eu me refugio nos Três Tesouros.


Esse é o caminho correto, e isso é o mundo de todos os Budas.
O fato de que os dois Tesouros (o Buda e o Dharma) são iguais
possui sempre a natureza da grande Sabedoria.
A natureza do EU e a Natureza-de-Buda não diferem.
Esse é o caminho louvado pelo Buda;
esse (caminho) é por onde certamente o homem avançará
e por onde residirá na paz.
Isso é verdadeira Iluminação.
Isso é Estado de Buda.
Eu também sou um ‘Sugata’ [=Buda],
e estou no caminho para a Iluminação insuperável louvada por todos.
Esse é o melhor amrta.
Esse é (o lugar) onde não há existência de nome.”

O Sabor Único dos Três Tesouros

Então, o Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Não veja os Três
Tesouros como todos os Sravakas e os mortais comuns fazem. Neste
Mahayana, não existe distinção entre os Três Tesouros. Por que não? A
Natureza-de-Buda contém dentro dela o Dharma e a Sangha. Para
ensinar Sravakas e mortais comuns, recorre-se à discriminação e os três
diferentes aspectos são falados a respeito dos Três Tesouros. Seguindo
o caminho (a maneira) do mundo, é pregada a distinção com relação
aos Três Tesouros. Oh bom homem! O Bodhisattva pensará: ‘Este ‘Eu’
agora se refugia no Buda. Se este ‘Eu’ atinge a Iluminação e o Estado de
Buda, não respeitarei, reverenciarei ou farei oferecimentos a todos os
Budas. Por que não? Porque todos os Budas são iguais. Eles são toma-

Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 225


dos como refúgio por todos os seres. Se alguém deseja prestar respeito
ao Corpo-do-Dharma e às Shariras [relíquias], deveria também prestar
respeito às torres de todos os Budas. Por quê? Para conduzir todos os
seres. Isto também fará com que os seres concebam um pensamento
da torre em mim, para torná-los reverentes e fazerem oferecimentos.
Esses seres farão do meu Corpo-de-Dharma o lugar onde eles se refu-
giarão. Todos os seres estão enraizados naquilo que não é verdadeiro e
naquilo que é falso. Eu agora revelarei, passo a passo, o verdadeiro
Dharma. Se existem pessoas que se refugiam nos Monges que não são
do calibre certo, eu me tornarei o verdadeiro refúgio para elas. Se exis-
tem aqueles que vêem os Três Refúgios como distintos, eu me tornarei
um lugar único onde eles possam se refugiar. Sendo assim, não pode
haver qualquer distinção entre os Três Refúgios. Para alguém nascido
cego, eu serei os seus olhos, e para os Sravakas e Pratyekabudas eu me
tornarei o verdadeiro refúgio’. Oh bom homem! Tais Bodhisattvas
promulgam os trabalhos do Buda para o benefício de inumeráveis se-
res (agentes) do mal e (também) para todas as pessoas sábias. Oh bom
homem! Existe, como um exemplo, uma pessoa aqui que vai para o
campo de batalha e pensa: ‘Eu sou o primeiro de todos eles. Todos os
soldados dependem de mim’. Também, é como o príncipe que pensa:
‘Eu conquistarei todos os outros príncipes, executarei os trabalhos de
um grande imperador, obterei um poder ilimitado e farei todos os ou-
tros príncipes prestarem homenagem a mim. Portanto, não me permi-
to distrair com um único pensamento de auto-rendição’.

Tal como acontece com o príncipe do reino, assim também é com o


ministro. Oh bom homem! O caso é o mesmo com o Bodhisattva-
Mahasattva, e ele pensa: ‘Como os três se tornam um comigo’? Oh
bom homem! Eu faço [em meus ensinamentos] com que as três coisas
sejam Nirvana. O Tathagata é o insuperável. Por exemplo, a cabeça é a
parte mais elevada do corpo de um homem, não os outros membros
ou as mãos e pernas. O mesmo é o caso com o Buda. Ele é o mais res-
peitado, não o Dharma ou a Sangha. Com o propósito de ensinar o
mundo, ele manifesta-se diversamente. É como subir uma escada. Esse
sendo o caso, não considere os Três Refúgios como diferentes, como o
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 226
fazem os mortais comuns e os ignorantes. Resida no Mahayana tão
brava e decisivamente quanto uma espada afiada.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Eu indago acerca daquilo que


eu sei, e não daquilo que eu não sei. Eu indago acerca das ações puras
imaculadas para o benefício dos Bodhisattvas altamente corajosos, de
forma que o Tathagata proclame, para o benefício dos Bodhisattvas, o
que é maravilhoso, exponha-o e, assim, [os Bodhisattvas] elogiarão os
Sutras Mahayana Vaipulya. O Tathaghata, que é o Grande Compassivo,
agora fala. Eu também residirei nele pacificamente. As ações puras do
Bodhisattva estão bem proclamadas no Sutra do Grande Nirvana. Oh
Honrado pelo Mundo! Para o benefício de todos os seres, eu agora
disseminarei o Repositório Secreto do Tathagata. Também, eu agora
atesto, e conheço bem, os Três Refúgios. Se qualquer ser acreditar
fortemente no ensino do Sutra do Grande Nirvana, esse ser, natural e
claramente, atingirá os Três Refúgios. Por quê? Porque o Repositório
Secreto do Tathagata possui a Natureza-de-Buda. Qualquer pessoa que
dissemine esse sutra afirmará que possuímos a Natureza-de-Buda den-
tro do nosso próprio corpo. Tal pessoa não buscará refúgio fora, nos
Três [Tesouros]. Por que não? Porque em vida consumamos os Três
Tesouros. Em razão disto, Sravakas, Pratyekabudas e todos os outros
virão, reverenciarão e prestarão homenagem a mim.”

(O Buda disse: ) “Oh bom homem! Em razão disto, aprenda os Sutras


Mahayana.”

O Bodhisattva Kashyapa ainda disse: “Portanto, a Natureza-de-Buda


não pode ser conhecida. As 32 marcas distintivas da perfeição e as 80
marcas menores de excelência também são místicas.”

O Dilema da Dualidade e Caminho do Meio

Então o Buda elogiou o Bodhisattva Kashyapa: “Bem falado, bem fala-


do, oh bom homem! Você alcançou a mais profunda e aguda das Sa-

Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 227


bedorias. Agora falarei sobre como se entra no Tathagatagarbha. Se o
Eu vive, isso é o ensinamento do ‘ser’. Ele não se aparta do sofrimento.
Se o Eu não existe, não poderá haver benefício, mesmo se praticarmos
ações puras. Se dizemos que todas as coisas não possuem um Eu, isso
nada mais é que a teoria do ‘não-ser’ [‘ucchedika-drsti’, ou seja, a visão
do mundo de total negação de qualquer existência, que é a teoria do
todo-vazio]. Se dizemos que o Eu existe, isso é a teoria do ‘ser-eterno’
[‘sasvata-drsti’ – uma visão errônea da vida que considera a existência
como algo concreto e imutável]. Se dizemos que todas as coisas são
não-eternas, isso é a visão do ‘não-ser’. Se dizemos que todas as coisas
existem, isso é a visão do ‘ser-eterno’. Se dizemos que tudo é sofrimen-
to, isso é o ‘não-ser’. Se dizemos que todas as coisas são felicidade, isso
é o ‘ser eterno’. Se uma pessoa pratica a Via do ‘ser-eterno’ de todas as
coisas, essa pessoa cai na heresia do ‘não-ser’. Uma pessoa que pratica
a Via de acordo com a qual todas as coisas tornam-se extintas cai no
‘ser-eterno’. Isso é como a medida de um verme, que carrega suas
patas traseiras adiante por ação das suas patas dianteiras.

O mesmo se passa com a pessoa que pratica o ‘ser-eterno’ e o ‘não-


ser’. O ‘não-ser’ se apóia [depende do, está baseado] no ‘ser-eterno’.
Em razão disto, aqueles dos outros ensinamentos que praticam o so-
frimento (prática de austeridades) são chamados ‘não-bons’. Aqueles
dos outros ensinamentos que praticam a felicidade são chamados
‘bons’. Aqueles dos outros ensinamentos que praticam o ‘não-Eu’ são
aqueles da ilusão. Aqueles dos outros ensinamentos que praticam o
‘ser-eterno’ dizem que o Tathagata guarda (esconde) secretamente
[verdades]. O assim chamado Nirvana não tem qualquer gruta ou casa
para viver nela. Aqueles dos outros ensinamentos que praticam o ‘não-
ser’ referem-se à propriedade; aqueles dos outros ensinamentos que
praticam o ‘ser-eterno’ referem-se ao Buda, Dharma, Sangha e correta
emancipação (ou seja, fazem distinção). Saiba que o Caminho do Meio
do Buda nega os dois planos e fala do Dharma Verdadeiro. Mesmo os
mortais comuns e os desluzidos (ignorantes) residem nele e não têm
dúvidas. É como quando os fracos e os doentes tomam manteiga, e
como resultado disto eles sentem leveza no espírito.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 228
A Natureza dual do ‘ser’ e ‘não-ser’ é indefinida. Por exemplo, as natu-
rezas dos quatro elementos [terra, água, fogo e vento] não são as
mesmas. Uma difere da outra. Um bom médico vê bem que cada uma
se coloca em oposição à outra. Ele o vê mesmo através de uma fase
unilateral (parcial) daquilo que acontece. Oh bom homem! O mesmo
se passa com o Tathagata. Ele age como um bom médico em relação a
todos os seres. Ele conhece a diferença entre a natureza interna e ex-
terna da ilusão, erradica-a, revela o fato que o Repositório Secreto do
Tathagata é puro, que a Natureza-de-Buda é Eterna e imutável. Se uma
pessoa diz ‘é’, ela deve estar atenta para que a sua Sabedoria não fique
manchada; se uma pessoa diz ‘não-é’, isto não passa de uma falsidade.
Se dizemos ‘é’, não podemos cair em contradição. Também, não se
deve jogar com as palavras e disputar; somente buscar conhecer a
verdadeira natureza de todas as coisas. Os mortais comuns jogam com
as palavras e disputam, traindo a sua própria ignorância quanto ao
Repositório Secreto do Tathagata. Quando vem a questão do sofrimen-
to, o ignorante diz que o corpo é não-eterno e tudo é sofrimento. Além
disso, eles não sabem que existe também a natureza da Felicidade no
corpo. Se é feita alusão ao Eterno, os mortais comuns dizem que todos
os corpos são não-eternos, e são como tijolos crus. Aquele com Sabe-
doria discrimina as coisas e não diz que tudo é não-eterno. Por que
não? Porque os humanos possuem a semente da Natureza-de-Buda.
Quando o não-Eu é mencionado, os mortais comuns dizem que não
pode haver Eu no ensinamento Budista. Aquele que é sábio deve saber
que não-Eu é uma existência temporária (um aspecto da dualidade) e
não é verdade. Sabendo isso, não se deve ter qualquer dúvida. Quando
o oculto Tathagatagarbha é estabelecido como sendo vazio e aquieta-
do, os mortais comuns pensarão em cessação e extinção. Aquele que é
sábio sabe que o Tathagata é Eterno e Imutável.”

Se a emancipação é estabelecida como sendo algo como um fantasma,


os mortais comuns dizem que a pessoa que atinge a Emancipação é
alguém que se desgastou até a insignificância; uma pessoa com Sabe-

Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 229


doria pensa que ele é um homem-leão e que, embora ele venha e vá,
ele é Eterno e imutável.

Se é estabelecido que a ignorância reside em todas as coisas, os mor-


tais comuns ouvem isto e pensam em duas existências diferentes, a
‘brilhante’ e a ‘não-brilhante’. O homem sábio vê que a natureza é não-
dual e que a natureza do não-dual é a natureza real.

Se é estabelecido que as coisas estão na consciência, os mortais co-


muns dizem que são ‘duas’, quais sejam ‘samskara’ [volição, impulso
mental] e ‘vijnana’ [consciência]. Mas o sábio sabe que a sua natureza
é não-dual e que a natureza do não-dual é o ‘svabhavika’[‘natureza-
própria’, ‘auto-natureza’].

Se falamos das ‘dez boas ações’ e ‘dez más ações’, sobre o que pode
ser feito e o que não pode ser feito, dos bons reinos e dos maus reinos,
sobre o ensino branco [sukladharma = saddharma = Dharma Maravi-
lhoso] e o ensino negro [krsnadharma =Pali kanhadhamma], os mortais
comuns concebem duas coisas. Mas o sábio sabe que a natureza é não-
dual e que a natureza do não-dual é a natureza real.

Quando é estabelecido que todas as coisas terminam em sofrimento,


os mortais comuns dizem dois. Mas o sábio sabe que a natureza é não-
dual e que a natureza do não-dual é a natureza real. Se estabelecemos
que todas as coisas criadas são não-eternas e que o Repositório Secre-
to do Tathagata, também, é não-eterno, os mortais comuns dizem
dois. Mas o sábio sabe que a natureza é não-dual e que o não-dual é a
natureza real.

Se todas as coisas não possuem o Eu e o Repositório Secreto do Tatha-


gata não possui o Eu, os mortais comuns dizem que a natureza é dual.
Mas o sábio sabe que ela é não-dual e que o não-dual é a natureza real.
Não podem existir as duas coisas do Eu e do não-Eu. É a isto que o Re-
positório Secreto do Tathagata se refere. Isto é o que é elogiado por
incontáveis, inumeráveis, o ilimitado número de todos os Budas. Agora,
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 230
neste sutra todo-perfeito, explicarei tudo. Existe o não-dual na nature-
za e caractrísticas do Eu e do não-Eu. Você deveria entender as coisas
assim. Oh bom homem! Você deveria abraçar fortemente e pensar
sobre esses sutras. Eu já estabeleci no ‘Sutra Mahaprajnaparamita’ que
não existem as duas fases [aspectos, fenômeno] do Eu e não-Eu.

O caso é assim. Do leite fresco obtemos a nata, da nata fresca a man-


teiga, da manteiga fresca a manteiga refinada, e da manteiga refinada
o sarpirmanda. A natureza da nata vem do leite em si, ou vem de fora?
E o mesmo é o caso com o sarpirmanda. Se ele vem de fora, ele seria
algo criado por um outro e não algo que venha do leite em si. Se ele
não vem do leite, o leite nada tem a ver com a sua existência. Se ele
vem do leite em si (deriva-se do leite), ele não poderia vir de uma ma-
neira semelhante e continuamente (como no caso do leite). Se ele
viesse continuamente, ele não poderia vir junto (do leite). Se ele não
vem junto, não podemos ter os cinco sabores de uma só vez, (ao mes-
mo tempo). Embora não ao mesmo tempo, definitivamente ele não
poderia vir de outros lugares.

Saiba que no leite já existe a fase [elemento, aspecto] da nata. Como


ele possui muita doçura, ele não pode mudar. O mesmo se passa com
o sarpirmanda. Quando a vaca pasta nas gramas de lugares banhados
(aquosos), seu sangue se transforma e obtemos o leite. Se a vaca pasta
em gramas doces, o leite torna-se doce, e se o faz em gramas amargas,
o leite torna-se amargo. Nos Himalayas existe um tipo de grama cha-
mada pinodhni. Se a vaca pastar naquela grama, ela produzirá sarpir-
manda puro e não haverá essas cores como azul, amarelo, vermelho,
branco ou preto. As gramas e os cereais afetam a cor e o sabor do leite.
Dois aspectos emanam de todos os seres através das relações cármicas
de brilho e ignorância. Quando a obscuridade muda, o brilho surge. O
caso é o mesmo com o bom e o não-bom de todos os seres. Não pode
haver dois aspectos.”

Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 231


O Brilho e a Ignorância

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Buda, diz que a nata existe no leite. O que isto significa? Oh
Honrado pelo Mundo! Se definitivamente existe nata no leite e se é
verdade que ela não pode ser vista em razão do seu diminuto tamanho
(concentração), como podemos dizer que a nata vem através das rela-
ções causais do leite? Quando as coisas não possuem o elemento raiz
originalmente, podemos dizer que uma coisa seja nascida. Se ela já
existe, como podemos dizer que a vida surge (vem à luz)? Este é o caso
que se definitivamente existe nata no leite, deve haver leite em todas
as gramas. Da mesma maneira, deve haver grama no leite também. Se
a situação for que definitivamente não existe nata no leite, como pode-
ria a nata vir de fora do leite? Se não houver o elemento raiz, mas ele
aparecer mais tarde, como poderia acontecer de a grama não crescer
no leite?”

“Oh bom homem! Não diga que existe definitivamente nata no leite ou
que não existe nata no leite. Também, não diga que ela vem de fora
(do leite). Se definitivamente existe nata no leite, como ela pode ser
uma coisa diferente e ter um sabor diferente? Este é o porquê você
não deve dizer que definitivamente existe nata no leite. Se não existe
definitivamente nata no leite, por que é que algo diferente não surge
do leite? Se for colocado veneno no leite, a nata matará uma pessoa.
Este é o porquê você não deve dizer que não existe definitivamente
nata no leite. Além disso, se dissermos que a nata vem de fora, por que
é que a nata não surge da água? Em razão disto, não diga que a nata
vem de algum outro lugar. Oh bom homem! Como a vaca pasta na
grama, seu sangue transforma-se em branco. Grama e sangue morrem
e o poder das virtudes dos seres transforma-os e obtemos o leite. Esse
leite vem da grama e do sangue, mas não podemos dizer que existam
os dois (no leite). Tudo o que podemos dizer é que as condições (rela-
ções) o fazem acontecer. Isso nós podemos dizer. Da nata ao sarpir-
manda, as coisas se passam assim. O caso [aqui] é o mesmo. Em razão

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 232


disto, podemos dizer corretamente que existe o sabor da vaca. Esse
leite acaba e, em conseqüência, surge a nata. Qual é a condição? É
azedo ou morno. Em razão disto, podemos dizer que ela (a nata) vem
das condições. A situação é a mesma com os outros, até o sarpirman-
da. Em razão disto, não podemos dizer que definitivamente não exista
nata no leite. Se ela vem de outro lugar, ela deveria existir separada-
mente do leite. Isto não pode ser. Oh bom homem! O mesmo é o caso
com o brilho e a ignorância. [Sobre o que é] atado pelas ilusões, dize-
mos ignorância. Se estiver ligado a todas as boas coisas, poderá existir
brilho. Este é o porquê dizermos que não pode haver duas coisas. As-
sim, Eu disse: ‘Existe uma grama nos Himalayas chamada pinodhni, a
qual, se comida pela vaca, produz sarpirmanda’. O mesmo é o caso
com a Natureza-de-Buda.

Oh bom homem! Os seres são estéreis na sorte e não se encontram


com essa grama. O mesmo se aplica à Natureza-de-Buda. Como as
impurezas os envolvem, os seres não podem vê-la. Por exemplo, a
água de todo o grande oceano tem o mesmo sabor salgado, mas ela
contém em si a melhor das águas, como no caso do leite. Também, os
Himalayas são perfeitos em várias virtudes e produzem vários remé-
dios, mas também há ervas venenosas. O mesmo se passa com os cor-
pos de todos os seres. Existem as quatro serpentes venenosas, mas
está presente também o grande rei do remédio todo-maravilhoso. A
assim chamada Natureza-de-Buda não é algo que foi criado. Simples-
mente, ela está encoberta pelas impurezas. Somente uma pessoa que
as elimine completamente - seja ela um Kshatriya, Brâmane, Vaishya
ou Sudra - vê a Natureza-de-Buda e atinge a Iluminação Insuperável.
Por exemplo, se o trovão agita o céu, as nuvens dispersam e todas as
presas do elefante se cobrirão de pétalas de flores. Se não houver o
trovão, as flores não surgirão. Também, isso é como no caso onde não
exista nome denotativo (que encerra o significado). O mesmo é o caso
também com a Natureza-de-Buda de [todos] os seres. Ela está sempre
encoberta pelas várias impurezas e não é vista. Este é o porquê digo
que os seres não possuem o Eu. Se formos abençoados com a audição

Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 233


do Todo-Maravilhoso ‘Sutra do Mahaparinirvana’, veremos a Natureza-
de-Buda.

Isto é como no caso das flores nas presas do elefante. Podemos ouvir
tudo acerca dos samadhis dos sutras. Mas se não ouvirmos este sutra,
não poderemos obter a forma maravilhosa do Tathagata. É como
quando não há trovão, não podemos ver flores nas presas do elefante.
Ao ouvir este sutra, se vem a conhecer a secreta [latente] Natureza-de-
Buda, sobre a qual o Tathagata fala. Isso é como ver flores nas presas
do elefante. Ao ouvir este sutra, todos os inumeráveis seres vêm a
saber que isto é a Natureza-de-Buda. Em razão disto, Eu falo sobre o
Grande Nirvana e digo que Eu expando o Corpo-de-Dharma, o Reposi-
tório Secreto do Tathagata. Isto é como com o trovão, quando as flores
caem sobre as presas do elefante. Como isto detém e nutre o grande
significado, isto é chamado ‘Mahaparinirvana’. Se qualquer bom ho-
mem ou mulher aprender esse Todo-Maravilhoso Sutra do Grande
Nirvana, eles devem saber que estão fazendo um trabalho de ação de
graças e que são verdadeiros discípulos do Buda.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “É excepcionalmente maravi-


lhoso, oh Honrado pelo Mundo! A assim chamada Natureza-de-Buda é
profunda para conhecer; é difícil vê-la e atingi-la. Sravakas e Pratyeka-
budas não podem esperar compartilhar dela.”

O Buda disse: “Oh bom homem! É assim, é assim! É exatamente como


você a elogiou; não difere daquilo que eu digo.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Em


que medida a Natureza-de-Buda é profunda, e quão difícil é percebê-la
e penetrá-la?”

“Oh bom homem! [Como uma analogia]: 100 pessoas cegas consultam
um bom médico à busca de cura. Com isso, o doutor abre a membrana
dos olhos com uma lâmina de ouro e então, levantando um dedo, per-
gunta: ‘Você pode ver isto?’ A pessoa cega diz: ‘Eu não posso vê-lo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 234
ainda’. Então, o doutor levanta dois dedos, e três dedos. Então, a pes-
soa diz que ela pode ver em certa medida. Oh bom homem! Enquanto
este Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana ainda não tinha sido delibe-
rado pelo Tathagata, o caso era o mesmo. Embora inumeráveis Bodhi-
sattvas pudessem praticar perfeitamente os paramitas, eles podiam
alcançar apenas os dez estágios de residência (abodes, ‘bhumis’) e
ainda não podiam estar aptos a ver a Natureza-de-Buda. Se o Tathaga-
ta fala, eles podem ver em alguma medida. Quando esses Bodhisattvas
verem tudo, eles dirão: ‘Oh, maravilhoso, oh Honrado pelo Mundo!
Temos reciclado entre nascimentos e mortes, e estivemos preocupa-
dos com o altruísmo’. Oh bom homem! Esses Bodhisattvas podem
alcançar bem os dez estágios [‘bhumis’ – estágios de desenvolvimento
do Bodhisattva], e ainda não podem ver claramente a Natureza-de-
Buda. Como os Sravakas e Pratyekabudas poderiam vê-la?

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, vemos gansos


voando longe no céu e se pergunta se eles [realmente] são gansos ou o
céu. Olhamos cuidadosamente e vemos isso indistintamente. O caso
dos Bodhisattvas também pode ser como este; eles vêem não mais que
uma pequena parte da natureza do Tathagata. Como poderiam Srava-
kas e Pratyekabudas ver bem essa natureza?

Oh bom homem! O mesmo é o caso com um homem intoxicado que


tem um longo caminho a trilhar, mas pode ver somente o caminho
indistintamente (de uma forma turva). Este é o caso com os Bodhisatt-
vas nos dez estágios de residência, que podem ver somente uma pe-
quena parte da natureza do Tathagata.

Oh bom homem! Existe uma pessoa que tem sede e tem que viajar um
longo caminho através do deserto. A sede o deprime tanto que ele
procura por água em toda parte. Então, ele vê a folhagem de uma ár-
vore com um grou branco nela. Tendo perdido a sua capacidade de
julgar, a pessoa não pode dizer se aquilo é uma árvore ou água. Ele
esforça-se para ver. Então ele vê que é um grou branco e a folhagem
de uma árvore. Algo semelhante ocorre com os Bodhisattvas dos dez
Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 235
estágios de residência, que vêem não mais que uma pequena parte da
natureza do Tathagata.

A Natureza de Buda Dentro de Nós

Oh bom homem! Por exemplo, existe aqui um homem que está no


meio de um grande oceano. Muito longe, inumeráveis centenas de
milhares de yojanas de distância, ele vê um grande galeão, a torre do
leme e o convés. Ele olha e pensa para si: ‘Aquilo é uma torre do leme
ou é o céu?’ Ele olha por um longo tempo, seu pensamento torna-se
fixo e ele vem a concluir que aquilo é uma torre do leme. O mesmo é o
caso com o Bodhisattva dos dez estágios de residência, que vê dentro
de si a natureza do Tathagata.

Por exemplo, há um príncipe aqui que é fisicamente fraco, que passou


a noite jogando e agora está acordando. Ele tenta, mas não consegue
ver claramente. O caso é como este. O Bodhisattva dos dez estágios de
residência vê dessa maneira a natureza do Tathagata dentro de si. E,
semelhantemente, o que ele vê não é claro.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, um oficial do go-


verno, obrigado pela sua rotina típica de trabalho, chega em casa tarde
da noite. Ocorre um ‘flash’ momentâneo de luz e ele vê um grupo de
vacas. Então ele pensa: ‘Isso é um grupo de vacas, uma nuvem, ou um
cavalo?’ Ele olha por um bom tempo e chega à conclusão de que são
vacas. E ainda assim ele não pode se assegurar. O Bodhisattva dos dez
estágios de residência vê a natureza do Tathagata dentro de si e, no
entanto, não pode vê-la claramente. A situação é como esta.

Também, além disso, oh bom homem! Um Monge que observa os


preceitos procura alguma água na qual não existam vermes. E, no en-
tanto, ele vê um verme e pensa para si: ‘Essa coisa que se move na
água é um verme ou um grão de pó?’ Ele encara aquilo por um bom

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 236


tempo. Mesmo após ele ter compreendido que era um grão de pó, ele
não está seguro. É assim. O mesmo é o caso com o Bodhisattva dos dez
estágios de residência, que vê assim a natureza do Tathagata dentro de
si. Nada é muito claro.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, um homem vê


uma criança na escuridão, à distância. Ele pensa: ‘Isso é uma vaca, um
homem, ou um pássaro?’ Ele fica contemplando aquilo por um bom
tempo. Ele agora vê que aquilo é uma criança e, no entanto, ele não
pode vê-la claramente. É assim. O mesmo se aplica ao Bodhisattva que
está nos dez estágios de residência e que vê dentro de si a natureza do
Tathagata. Nada é completamente claro.

Também, além disso, oh bom homem! Existe uma pessoa que, na escu-
ridão da noite, vê a imagem de um Bodhisattva e pensa: ‘Isto pode ser
a imagem de um Bodhisattva, do Mahesvara, do Grande Brahma ou de
alguém num traje monástico?’ A pessoa contempla aquilo por um bom
tempo e conclui que é a forma de um Bodhisattva e, no entanto, ela
não o vê muito claramente. O mesmo é o caso com o Bodhisattva dos
dez estágios de residência que vê dentro de si a natureza do Tathagata.
Nada parece ser muito claro.

Oh bom homem! A Natureza-de-Buda que temos é a mais profunda e a


mais difícil de ver. Somente o Buda pode vê-la bem. Ela não está ao
alcance de Sravakas e Pratyekabudas. Oh bom homem! Assim o sábio
deve ver e compreender a natureza do Tathagata.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! A


Natureza-de-Buda é muito delicada (sutil) e difícil de conhecer. Como
podemos percebê-la bem com os olhos carnais?”

O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Mesmo o Céu da Indife-


rença-não-Indiferença também não está ao alcance dos dois veículos.
Quando concordamos com os sutras, podemos vê-la bem por força do
poder da fé. Oh bom homem! O mesmo é o caso com Sravakas e Prat-
Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 237
yekabudas que concordam com o Sutra do Nirvana e que vêem em si a
natureza do Tathagata. Oh bom homem! Em razão disto, devemos nos
esforçar e aprender o Sutra do Grande Nirvana. Oh bom homem! A
Natureza-de-Buda como tal, pode ser conhecida somente pelo Buda
sozinho e não está ao alcance de Sravakas e Pratyekabudas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Os


mortais comuns sem religião possuem a natureza dos mortais comuns
e [ainda] dizem que possuem o Eu.”

O Buda disse: “Como um exemplo disso: duas pessoas são amigas.


Uma é um príncipe e a outra um homem pobre. Eles se associam e
tornam-se amigos. Então o homem pobre, vendo que o Príncipe possui
uma espada muito brilhante, cobiça-a. O Príncipe, mais tarde, foge
para outros países, levando a espada com ele. O homem pobre, mais
tarde, entra na casa de uma outra pessoa e, em seu sono, ele lamenta
e chora: ‘A espada! A espada!’ Uma pessoa próxima ouve isto e vai ao
rei. O rei diz ao homem: ‘Você disse ‘espada’. Diga-me onde ela está’. A
pessoa fala dela em detalhes: ‘Oh Rei! Você pode cortar meu corpo,
decepar meus pés, e ainda assim não será capaz de obter a espada. Eu
estive uma vez junto com o Príncipe. Antes, quando nós estávamos
juntos, eu a vi. Mas não a toquei. E como poderia pegá-la?’ O Rei inda-
ga novamente: ‘Como era a espada que você disse ter visto?’ O homem
responde: ‘Oh grande Rei! Ela era como um chifre de ovelha’. O Rei,
ouvindo isto, sorriu alegre e disse: ‘Não se preocupe. Em todo o meu
arsenal, não temos uma espada assim. Como você poderia tê-la visto
com o Príncipe?’ Então o Rei indaga todos os seus ministros: ‘Alguma
vez vocês viram uma espada desse tipo?’ Assim falando, ele morre.
Então outro príncipe ascende ao trono. Ele também indaga os minis-
tros: ‘Alguma vez vocês viram no armazém governamental alguma
espada deste tipo?’ Todos os ministros dizem: ‘Certa vez a vimos’. (In-
daga o rei) ‘Com que se parecia a espada?’ Eles responderam: ‘Ela era
como um chifre de ovelha’. (Indaga o rei) ‘Como poderia haver esse
tipo de espada no meu arsenal?’ Quatro reis, um após o outro, indaga-
ram e confirmaram, mas eles não podiam obtê-la. Algum tempo de-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 238
pois, o Príncipe que tinha fugido do país retorna e torna-se Rei. Ascen-
dendo ao trono, ele indaga os ministros: ‘Alguma vez vocês viram a
espada?’ Eles responderam: ‘Oh grande Rei! Sua cor era pura e ela era
como uma lótus-utpala’. Eles também responderam: ‘Ela era como o
chifre de um carneiro’. Eles ainda responderam: ‘Ela era vermelha e
como uma bola de fogo’. Eles responderam também: ‘Ela era como
uma serpente negra’. Então o Rei riu: ‘Todos vocês não viram, na ver-
dade, a minha espada’.

Nobre Filho! Um Bodhisattva-Mahasattva também é como aquilo – ele


aparece no mundo e expõe a verdadeira natureza do Eu. Após tê-la
exposto, ele parte como, por exemplo, o príncipe que pegou a espada
maravilhosa e fugiu para um outro país. As tolas pessoas comuns dizem
‘Todos possuem o Eu! Todos possuem o Eu!’, como o pobre homem,
hospedando-se na casa de um outro, lamentou: ‘A espada! A espada!’.
Sravakas e Pratyekabudas indagam as pessoas: ‘Quais são os atributos
do Eu?’, ao que eles respondem: ‘Eu vi os atributos do Eu – ele é do
tamanho de um polegar’ ou eles dizem ‘É como [um grão de] arroz, ou
como [um grão de] milho’, ou existem alguns que dizem ‘o atributo do
Eu é para residir dentro do coração, queimando como o sol’. Dessa
maneira, as pessoas não conhecem a natureza do Eu, assim como, por
exemplo, os vários ministros não conheciam a natureza da espada.
Enquanto um Bodhisattva discorre acerca da qualidade do Eu, as pes-
soas comuns nada mais fazem que imputar vários conceitos falsos ao
Eu, exatamente como quando indagados sobre ao atributos da espada
os [ministros] responderam que ela era como o chifre de um carneiro.
Essas pessoas comuns geram falsas visões em sucessão de um para
outro. No sentido de eliminar essas falsas visões, o Tathagata revela e
discorre sobre a não-existência do eu, exatamente como quando o
príncipe diz aos seus vários ministros que não existia a tal espada em
seu tesouro. Nobre Filho, o Verdadeiro Eu que o Tathagata expõe hoje
é chamado Buda-Dhatu [Natureza-de-Buda]. Essa forma do Buda-
Dhatu é mostrada no Buda-Dharma com o exemplo da espada real.
Nobre Filho, caso haja alguma pessoa comum que seja apta a expor
bem isto, então ela [fala] em concordância com o insuperável Buda-
Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 239
Dharma. Caso haja alguém que seja apto a distinguir isso em concor-
dância com o que foi exposto a respeito, então você deve saber que ele
tem a natureza de um Bodhisattva.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 240


Capítulo Treze: Sobre as Letras
O Buda disse ao Bodhisattva Kashyapa: “Todas essas diferentes opini-
ões, premonições, linguagem e letras são aquilo que o Buda falou e não
o que foi dito pelos tirthikas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Como você, o Tathagata, descreve o conceito-raiz das letras?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Primeiro, a meia-letra [isto é, o alfabe-


to fonético do Sânscrito] é ensinada e é criado o conceito-raiz. Isso é
válido para todas as coisas escritas, premonições, sentenças, todos os
elementos e realidades. Os mortais comuns aprendem o fundamento
das letras. Mais tarde, eles vêm saber o que é correto e o que não é.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Qual é o significado de letra?”

“Oh bom homem! Ele (o significado) fica nas quatorze bases fonéticas
que constituem os significados. A assim chamada letra é Nirvana. Sen-
do Eterno, ele (o significado) não flui (não dissipa ou é perdido). Aquilo
que não é fluído (dissipado) não conhece um fim. Aquilo que não co-
nhece um fim é o Corpo Adamantino do Tathagata. Essas quatorze
(bases fonéticas) constituem o fundamento das letras.

‘a’ ( अ ) é assim chamado porque ele não pode ser destruído. Aquilo
que é indestrutível representa os Três Tesouros. Por exemplo, isto é
como o diamante. Ele também é assim chamado porque ele não flui
(dissipa). Aquilo que não flui (dissipa) é o Tathagata. Nos nove furos
[isto é as saídas do corpo: dois olhos, dois ouvidos, duas narinas, boca e
as duas saídas das excreções] do Tathagata, não há nada que flua (va-
ze) para fora. Assim, ele é estanque [‘anasrava’ – sem impurezas]. E há
nove furos. Todavia, é ‘estanque’ (‘sem fluxos’). Sem-Fluxos é o Eterno;
o Eterno é o Tathagata. O Tathagata não é aquele que foi criado. Por-

Capítulo 13 – Sobre as Letras Página 241


tanto, ele é Sem-Fluxos. Também, ‘a’ é virtude. Virtude representa os
Três Tesouros. Por essa razão dizemos ‘a’.

A seguir, ‘ā’ ( आ ) simboliza ‘ācārya’. O que ‘ācārya’ significa? Na vida


mundana, podemos chamá-lo de ‘pessoa santa’. Por que dizemos ‘pes-
soa santa’? ‘Santo’ significa ‘não-apegado’. Significa ‘de pouco desejo’ e
‘estar satisfeito’. Também, é chamado ‘puro’. Ele conduz completa-
mente os seres através do grande mar dos três mundos do nascimento
e da morte. Isto é o que chamamos ‘santo’.

Também, ‘ā’ significa ‘instituição’, a qual deve agir em concordância


com os preceitos de pureza e observar a conduta.

Além disso, ‘ā’ significa depender de uma pessoa santa. Trata-se de


aprender sobre suas idas e vindas e tudo o que ela (essa pessoa santa)
faz. Aos santos devem ser feitos oferecimentos, eles devem ser respei-
tados e reverenciados. Devemos fielmente servir nossos pais e estudar
o Mahayana. Bons homens e boas mulheres mantêm em observância
as proibições. Todos os Bodhisattvas são chamados ‘santos’. Além dis-
so, ‘ā’ também significa ‘ordem’. Ele diz: ‘Venha e faça isto; você não
deve fazê-lo desse jeito’. Então, faça as coisas como condiz. Aquele que
é atento e suprime a má conduta é um santo. Este é o porquê dizemos
‘ā’.

‘i’ ( इ ) é o ensinamento Budista. A ação pura é extensiva, pura e imacu-


lada. Por exemplo, é como a lua cheia. ‘Faça assim, não daquele jeito;
isso está correto, aquilo não está correto; isso é um sermão do Buda, e
isso é o que Mara diz’. Assim, dizemos ‘i’. O significado do ensinamento
Budista é maravilhoso e profundo. É como quando evocamos as ilimi-
tadas leis [dharmas] de Mahesvara e Brahma. Se bem acolhido, ele [o
ensinamento Budista] é a proteção do Dharma. Além disso, são cha-
madas imperturbáveis [ilimitadas, irrestritas] as quatro proteções do
mundo. Como essas quatro são imperturbáveis, alguém que as receba

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 242


protege o Sutra do Grande Nirvana e imperturbavelmente o expõe e o
dissemina.

Também, além disso, ‘ī’ ( ई ) simboliza a imperturbada [sem entraves]


disseminação do Dharma aos seres.

Também, ‘ī’ é o imperturbado [irrestrito]. Ele indaga e responde o que


está correto. Isso nada mais é que o aprendizado dos Sutras Vaipulya.

Além disso, a seguir, ‘ī’ simboliza a aniquilação do ciúme (inveja).


Quando o quintal de relva (ervas daninhas) tiver sido completamente
capinado (limpo), tudo se transforma naquilo que é auspicioso. Portan-
to, dizemos ‘ī’.

‘u’ ( उ ) simboliza Grande Nirvana, o Supremo, o mais soberbo, o piná-


culo dos pináculos de todos os sutras.

Também, a seguir, ‘ū’ ( ऊ ) simboliza a Natureza-do-Tathagata, sobre a


qual nem Sravakas ou Pratyekabudas ouviram. Isso é como Uttarakuru
que é o melhor de todos os lugares. Se qualquer Bodhisattva de fato
ouve este sutra, ele é o mais elevado e soberbo (Bodhisattva). Portan-
to, dizemos ‘ū’.

‘ṛ’ ( ऋ ) é como o leite da vaca, por exemplo, que é o melhor de todos


os sabores. A Natureza-do-Tathagata é também como isto. De todos os
sutras, este é o mais sagrado e melhor. Qualquer um que caluniá-lo é
nada mais que uma vaca.

Também, a seguir, ‘ṝ’ (ॠ) é chamado ‘não-sábio’. Uma pessoa calunia


completamente o delicado e secreto repositório do Tathagata. Saiba
que essa pessoa é mais digna de pena. A partir do Repositório Secreto
do Tathagata, ele fala do não-Eu. Portanto, dizemos ‘ṝ’.

Capítulo 13 – Sobre as Letras Página 243


‘e’ ( ए ) é o ‘Dharmata’ e Nirvana de todos os Budas. Assim, dizemos ‘e’.

‘ai’ ( ऐ ) significa ‘Tathagata’. Também, ‘ai’ refere-se às idas e vindas,


contrações e expansões, e as ações do Tathagata, através das quais,
em meio a todos os seres, nenhum deixa de ser beneficiado. Portanto,
‘ai’.

‘o’ ( ओ ) simboliza a ilusão; ilusão é ‘asrava’ [impureza]. O Tathagata é


eternamente livre de ilusões. Portanto, ‘o’.

‘au’ ( औ ) significa Mahayana. Ele simboliza o mais supremo de todos


os quatorze sons. O caso dos sutras Mahayana é também assim. Eles
são o extremo máximo de todos os sutras e shastras (escritos sagrados
do hinduísmo). Portanto, ‘au’.

‘aṁ’ ( अ ) acaba com todas as impurezas. Nos ensinamentos Budistas,


todo o ouro, prata e tesouros são abandonados. Portanto, ‘aṁ’.

‘aḥ’ ( अ ) significa ‘Veículo Soberbo’. Por quê? Esse sutra Mahayana,


este Sutra do Grande Nirvana, é o mais superlativo de todos os sutras.
Portanto, ‘aḥ’.

‘ka’ ( क ) evoca grande compaixão para com todos os seres. O senti-


mento de um filho surge, como com relação a Rahula. Ele significa ‘ma-
ravilhosamente bom’. Portanto, ‘ka’.

‘kha’ ( ख ) simboliza ‘não-bom amigo’. ‘Não-bom amigo’ significa mis-


turado e impuro. Ele não acredita no Repositório Secreto do Tathagata.
Portanto, ‘kha’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 244


‘ga’ ( ग ) significa ‘repositório’. ‘Repositório’ significa o Repositório
Secreto do Tathagata. Todos os seres possuem a Natureza-de-Buda.
Portanto, ‘ga’.

‘gha’ ( घ ) é o som eterno do Tathagata. O que é o som eterno do Ta-


thagata? O chamado ‘Tathagata é eterno e não sofre mudanças (Imu-
tável)’. Portanto, ‘gha’.

‘ṅa’ ( ङ ) representa as características destrutíveis [impermanência] de


todos os seres. Portanto, ‘ṅa’.

‘ca’ ( च ) significa ‘praticar’. Como ela subjuga todos os seres, dizemos


‘prática’.

‘cha’ ( छ ) significa ‘Tathagata’, que abriga [sombreia, protege] todos os


seres, como no caso de um grande parasol. Portanto, ‘cha’.

‘ja’ ( ज ) significa ‘emancipação correta [verdadeira]’. Nela surge o não-


envelhecimento. Portanto, ‘ja’.

‘jha’ ( झ ) simboliza a grande proliferação de impurezas, como no caso


de uma grande floresta. Portanto, ‘jha’.

‘ña’ ( ञ ) significa ‘Sabedoria’. Ela significa o verdadeiro ‘Dharmata’.


Portanto, ‘ña’.

‘ṭa’ ( ट ) significa fala proferida sobre dharmas no Jambudvipa, mos-


trando um meio-corpo (imperfeição), como no caso da meia-lua. Por-
tanto, ‘ṭa’.

Capítulo 13 – Sobre as Letras Página 245


‘ṭha’ ( ठ ) representa a perfeição do Corpo-do-Dharma, como no caso
da lua-cheia. Portanto, ‘ṭha’.

‘ḍa’ ( ड ) representa um Monge ignorante que não conhece o Eterno e


o não-Eterno, como no caso de uma criança. Portanto, ‘ḍa’.

‘ḍha’ ( ढ ) representa uma pessoa que se sente desobrigada com rela-


ção ao seu mestre, como no caso de um carneiro. Portanto, ‘ḍha’.

‘ṇa’ ( ण ) representa ausência de conhecimento do significado do que é


sagrado, como no caso de um tirthika. Portanto, ‘ṇa’.

‘ta’ ( त ) representa o Tathagata, que diz a todos os Monges: ‘Venham


sem susto ou medo. Eu agora proferirei sermões sobre o Dharma Ma-
ravilhoso’. Portanto, ‘ta’.

‘tha’ ( थ ) significa ‘ignorância’. Os seres reciclam entre nascimentos e


mortes e amarram-se (apegam-se), como no caso de um bicho-da-seda
ou um besouro-de-extrume. Portanto, ‘tha’.

‘da’ ( द ) significa ‘grande dádiva’. Esse é o chamado Mahayana. Por-


tanto, ‘da’.

‘dha’ ( ध ) enaltece a ‘virtude’. É como no caso dos Três Tesouros, que


são como o Monte Sumeru, elevado, grande, extensivo e, ainda assim,
não inclina para um lado. Portanto, ‘dha’.

‘na’ ( न ) faz alusão aos Três Tesouros, que permanecem pacificamente


enraizados, não inclinando para um lado ou movendo-se, como o limiar
de um Portal. Portanto, ‘na’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 246


‘pa’ ( प ) significa ‘invertido’. Se uma pessoa diz que os Três Tesouros
expiram, isto mostra que aquela pessoa acalenta dúvidas. Portanto,
‘pa’.

‘pha’ ( फ ) refere-se à má-sorte do mundo. Se uma pessoa diz que


quando a má-sorte surge no mundo, os Três Tesouros também desapa-
recem, isto indica que aquela pessoa é ignorante, que ela não tem
conhecimento, e que ela age contra a vontade sagrada. Portanto, ‘pha’.

‘ba’ ( ब ) refere-se aos dez poderes do Buda. Portanto, ‘ba’.

‘bha’ ( भ ) refere-se ao carregamento (nos ombros) daquilo que é pe-


sado. Ele pode permanecer suportanto o peso do Dharma Maravilhoso.
Saiba que essa pessoa é um grande Bodhisattva. Portanto, ‘bha’.

‘ma’ ( म ) refere-se a todos os Bodhisattvas que observam estritamen-


te todas as instituições [regras]. Isso é chamado Mahayana Mahapari-
nirvana. Portanto, ‘ma’.

‘ya’ ( य ) faz alusão a todos aqueles Bodhisattvas que, para o benefício


dos seres, pregam a doutrina do Mahayana em todos os lugares. Por-
tanto, ‘ya’.

‘ra’ ( र ) erradica a ganância, o ódio e a ignorância (a avareza, a ira e a


estupidez), e dissemina o Dharma Maravilhoso. Portanto, ‘ra’.

‘la’ ( ल ) relaciona-se ao veículo do Sravaka, que se move, transforma-


se e não tem um lugar para viver [isto é, uma residência permanente].
O Mahayana é seguro, firme e não há inclinação ou movimento. Aban-
donando o veículo do Sravaka, fazemos esforços e praticamos o insu-
perável Mahayana. Portanto, ‘la’.

Capítulo 13 – Sobre as Letras Página 247


‘va’ ( व ) significa que o Honrado pelo Mundo é quem faz cair sobre
todos os seres a grande chuva do Dharma. Ele é chamado, por assim
dizer, sutra da boa-sorte. Portanto, ‘va’.

‘śa’ ( श ) significa livrar-se das três flechas (farpas) [ganância, melovo-


lência e ignorância]. Portanto, ‘śa’.

‘ṣa’ ( ष ) significa ‘perfeição’. Se verdadeiramente ouvirmos este Sutra


do Grande Nirvana, então já ouvimos e protegemos tudo acerca dos
sutras Mahayana. Portanto, ‘ṣa’.

‘sa’ ( स ) significa que o Dharma Maravilhoso é exposto a todos os se-


res, tal que as pessoas se sintam abençoadas. Portanto, ‘sa’.

‘ha’ ( ह ) indica (traduz) o estado de alegria da mente. Quão maravilho-


so é que o Honrado pelo Mundo aparte-se de todas as ações; estranho
é que o Tathagata entre no Nirvana. Portanto, ‘há’.

‘ḷa’ ( ) significa ‘Mara’. Inumeráveis Maras são incapazes de destruir


o Repositório Secreto do Tathagata. Portanto, ‘lham’.

As quatro letras: ṛ, ṝ, ḷ, ḹ, têm quatro significados. Estes são: Buda,


Dharma, Sangha e Abhidharma. Abhidharma diz respeito ao que se
observa no mundo. Ele mostra que Devadatta destrói a Sangha. Ele
transmuta-se em várias formas, faces e formas concretas. O caso é
assim. Tudo isto é para estabelecer o vinaya. O sábio deve ver clara-
mente através disto e não ter qualquer receio. Isto é seguir o que se
observa no mundo. Portanto, ṛ, ṝ, ḷ, ḹ.

A inalação do ar é o som que vem quando a língua está em sintonia


com o nariz. Obtemos o significado através do (som) longo, curto, ou
algo que substitua o som. Tudo difere de acordo com as ações da lín-
gua e dos dentes.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 248
Todos esses significados das letras permitem aos seres purificar as suas
ações verbais. A Natureza-de-Buda dos seres não se torna pura quando
antes for amparada pelas letras. Por que não? Porque aquela natureza
é originalmente pura. Também, (essa natureza não se torna pura) en-
quanto co-existindo com os cinco skandas, os 18 reinos e as 12 esferas.
Em razão disto, todos os seres deveriam refugiar-se nos Bodhisattvas e
outros. Em razão da [existência da] Natureza-de-Buda [dentro deles],
os seres são vistos com os mesmos olhos [sem discriminações], e não
há diferença. Portanto, as meias-letras [alfabeto fonético do Sânscrito]
formam a base de todos os sutras, todos os materiais escritos e sen-
tenças.

Também, o significado das meias-letras diz respeito à raiz de todas as


impurezas (por isso o sentido dúbio de muitas delas?). Assim, elas são
chamadas meias-letras. As letras-cheias são a raiz de todos os bons
dharmas e preleções (discursos). Por exemplo, aqueles (seres) do
mundo que praticam o mal são chamados meias-letras, e aqueles que
praticam o bem são letras-cheias. Dessa forma, todos os sutras e os
Abhidharmas estão baseados em meias-letras. As pessoas podem dizer
que o Tathagata e a verdadeira emancipação caem na categoria das
meias-letras. Mas isto não é assim. Por que não? Porque estes (o Ta-
thagata e a emancipação) partem das letras (cheias). Em razão disto, o
Tathagata é imperturbável, inatacável e completamente emancipado
em todas as coisas. Como fazemos para chegar ao significado das le-
tras? Se viermos a pensar que o Tathagata aparece no mundo e acaba
com as meias-letras, isto é compreensão do significado das letras.
Qualquer pessoa que siga o significado das meias-letras é alguém que
não conhece a natureza do Tathagata. Qual é o significado de iletrado
(ignorante)? Aquele que se associa com quem pratica os ensinos do
mal pertence à (classe) dos iletrados. Também, embora uma pessoa
possa associar-se com aqueles que praticam o bem, se ela não sabe a
diferença entre o Eterno e o não-Eterno, entre a constância e a não-
constância do Tathagata e os dois Tesouros do Dharma e da Sangha (se
estes últimos têm permanência e são eternos, então o primeiro, o Ta-
Capítulo 13 – Sobre as Letras Página 249
thagata também é permanente e eterno, pois os Três Tesouros são
unos no Todo-Marvilhoso. Portanto, se o Dharma e a Sangha estão
presentes, o Tathagata também está), entre vinaya e não-vinaya, sutras
e não-sutras, as palavras de Mara e aquelas que são do Buda; essa
pessoa é alguém iletrado. Isto eu estabeleço com relação ao que é
iletrado. Oh bom homem! Por esta razão, você deve partir da meia-
letra e chegar ao significado das letras (-cheias)”.

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Agora aprenderei completamente o valor das letras. Eu encontrei o
Mestre Insuperável. Eu agora recebi gentilmente as injunções do Ta-
thagata”.

O Buda elogiou Kashyapa e disse: “Falaste bem, falaste bem! Uma pes-
soa que almeja o Dharma Maravilhoso deve aprender as coisas assim”.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 250


Capítulo Quatorze: Sobre a Parábola dos Pássaros
O Buda ainda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Há duas espécies de
pássaros: um é o kacalindikaka e o outro é o pato mandarin. Se brin-
cando ou repousando, eles sempre agem juntos; eles não se separam.
O mesmo é o caso com o sofrimento, o não-eterno, e o não-Eu. Eles
não se separam.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! De


quais maneiras são feitas as coisas que terminam no sofrimento, no
não-eterno e no não-Eu, como ocorre com o pato mandarin e o kaca-
lindikaka?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O que é contrário ao Dharma é sofri-


mento, e o que não é contrário ao Dharma é felicidade. O que não é
contrário ao Dharma é o Eterno, e o que é contrário ao Dharma é o
não-eterno. O que não é contrário ao Dharma é o Eu, e o que é contrá-
rio ao Dharma é não-Eu. Por exemplo, é como no caso em que o arroz
difere do cânhamo e do trigo, e o cânhamo e o trigo (diferem) do fei-
jão, do milho e da cana de açúcar. Com todos eles, o não-eterno são os
brotos, flores e folhas. Quando a fruta amadurece e quando os huma-
nos as consomem, dizemos eterno. Por quê? Porque a Natureza (de
Buda) é verdadeira.”

Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se estes são eter-
nos, eles são iguais ao Tathagata?”

“Oh bom homem! Não fale dessa maneira. Por que não? Se dissermos
que o Tathagata é como o Monte Sumeru, isto implica que ele quebra-
rá assim como o Monte Sumeru deverá quebrar quando chegar o tem-
po para a sua desintegração. Oh bom homem! Não veja as coisas as-
sim. Oh bom homem! ‘Dentre todas as coisas, com exceção do Nirva-
na, nenhuma é eterna’. Meramente para conformidade com as formas
da verdade secular, dizemos que a fruta é eterna”.

Capítulo 14 – Sobre a Parábola dos Pássaros Página 251


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Está
bem, está bem! É como o Buda diz.”

A Consciência de Possuir a Natureza de Buda

O Buda disse a Kashyapa: “É assim, é assim, oh bom homem! Uma


pessoa pode ser fiel e verdadeira com relação ao que os sutras dizem,
ou pode ter praticado todos os Samadhis, mas até que ela tenha a-
prendido o Mahaparinirvana, ela dirá que tudo é não-eterno. Uma vez
que uma pessoa tenha aprendido esse sutra, ela poderá ter ilusões,
mas estará, por assim dizer, sem ilusões. Ele beneficia aos humanos e
celestiais. Por quê? Porque vemos claramente que o nosso próprio
corpo possui a Natureza-de-Buda dentro dele.

Também, oh bom homem! É como no caso da mangueira. Quando


suas flores aparecem pela primeira vez, o que existe [naquele momen-
to] é a fase de transformação. Quando ela dá os frutos e quando con-
cede os maiores benefícios, falamos do eterno. Oh bom homem! Dessa
forma, uma pessoa poderá ser verdadeira e fiel a todos os sutras, ou
poderá ter praticado Samadhis, mas enquanto ela não der ouvido a
este Sutra do Grande Nirvana, tudo estará baseado no não-eterno.
Quando uma pessoa der ouvido a este sutra, embora [ainda] possuindo
ilusões, é como se ela não as tivesse. Este é o porquê digo que ele be-
neficia a ambos, humanos e celestiais. Como? Porque aquela pessoa
sabe claramente que possui a Natureza-de-Buda dentro dela. Isto é o
Eterno.

Também, além disso, oh bom homem! Enquanto um lingote de ouro


funde-se, essa é a fase do não-eterno. Uma vez fundido, ele torna-se
ouro. Quando algo beneficia grandemente uma pessoa, dizemos eter-
no. O caso é este. Assim, oh bom homem, uma pessoa pode ser verda-
deira e fiel a todos os sutras, ou pode ter praticado todos os Samadhis,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 252


mas se ela ainda não deu ouvidos a este Sutra do Grande Nirvana, tudo
é não-eterno. Quando uma pessoa der ouvidos a esse sutra, ela poderá
ter ilusões, mas é como se ela não as tivesse. Assim, ele beneficia todos
os humanos e deuses. Por quê? Porque a pessoa vem a saber clara-
mente que possui a Natureza-de-Buda dentro dela. Isto é o Eterno.

Também, além disso, oh bom homem! O gergelim (sésamo), por e-


xemplo, quando ainda não prensado, é não eterno. Uma vez que ele
tenha sido prensado e o óleo extraído, o gergelim concede grandes
benefícios. Isto é o Eterno. Oh bom homem! Uma pessoa pode ser
verdadeira e fiel a todos os sutras, ou pode ter praticado Samadhis,
mas se ainda não ouviu o Grande Nirvana, tudo é não-eterno [para
aquela pessoa]. Tendo ouvido este sutra, embora ainda atada pelas
ilusões, é como se a pessoa não possuísse ilusões. Benefícios advêm
para quaisquer humanos ou deuses. Por quê? Porque aquela pessoa
compreende que possui a Natureza-de-Buda dentro dela. Isto é o Eter-
no.

Também, além do mais, oh bom homem! É como no caso em que to-


dos os rios drenam para o oceano. Todos os sutras e Samadhis fluem
para o Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Como assim? Porque ele
expõe ultimadamente (conclusivamente, em última instância) a Natu-
reza-de-Buda. Este é o porquê digo: ‘Alguns dharmas são eternos; al-
guns dharmas não são eternos. Com o não-Eu, também, as coisas con-
tribuem para o mesmo (não-eterno)’. É assim que eu digo.”

O Bodhisattava Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Tathagata já está apartado das flechas envenenadas da apreensão e do
sofrimento. A apreensão e o sofrimento são divinos [divindades]; o
Tathagata não é uma divindade (celeste). Apreensão e sofrimento são
humanos; o Tathagata não é humano. Apreensão e sofrimento são as
25 existências. Portanto, não pode existir apreensão e sofrimento com
o Tathagata. Como poderíamos dizer que o Tathagata é apreensão e
sofrimento?”

Capítulo 14 – Sobre a Parábola dos Pássaros Página 253


“Oh bom homem! No Céu do Não-Pensamento [‘avrha-samadhi’ –
concentração sem pensamento], o que se alcança é a ausência de pen-
samento (indiferença). Se não há pensamento, não pode haver vida. Se
não há vida, como pode haver os cinco skandas, os 18 reinos e as 12
esferas? Portanto, não podemos dizer que a vida do Céu do Não-
Pensamento tenha algum lugar para existir. Oh bom homem! Por e-
xemplo, o deus de uma árvore vive na árvore. Definitivamente, não
podemos dizer que ele viva no ramo, no nó, no tronco ou na folha.
Embora não possamos dar nome ao lugar, não podemos dizer que ele
não existe. A vida do Céu do Não-Pensamento é também como aquilo.
Oh bom homem! O caso do Buda-Dharma é semelhante a isto. É muito
profundo e insondável. O Tathagata não tem apreensão, sofrimento ou
preocupação. E ainda assim, ele demonstra grande compaixão para
com todos os seres, tem apreensão e tristeza, e os vê como ele vê Ra-
hula.

Também, além disso, a vida do Céu do Não-Pensamento pode ser co-


nhecida somente pelo Buda. Ela está além da percepção dos outros.
Também, o mesmo se aplica ao Céu da Indiferença-não-Indiferença. Oh
Kashyapa! A natureza do Tathagata é pura e imaculada, e é como um
corpo transformado. Como pode haver qualquer apreensão, sofrimen-
to ou preocupação? Se o Tathagata não tem apreensão ou sofrimento,
como ele pode conceder benefícios a todos os seres e disseminar o
ensinamento Budista? Se não, como podemos dizer que ele vê a todos
os seres como vê a Rahula? Se ele não vê os seres como vê Rahula,
quaisquer dessas declarações somente podem ser falsas. Portanto, oh
bom homem, o Buda é inconcebível, o Dharma é inconcebível, a natu-
reza dos seres é inconcebível, e a vida do Céu do Não-Pensamento é
inconcebível. Quer o Tathagata tenha alguma apreensão ou não, isso é
para o mundo do Buda. Não é o que Sravakas ou Pratyekabudas pos-
sam sondar.

Oh bom homem! Por exemplo, uma casa não pode permanecer no ar


como ela é nem por um momento. Se alguém diz que uma casa pode
permanecer no ar, isto é algo que não pode ser dito. Por essa razão,
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 254
não devemos dizer: ‘Uma casa no ar pode ou não permanecer’. Um
mortal comum pode dizer que uma casa permanece no ar. Mas, não há
lugar no ar onde ela possa ficar. Por que não? Porque, por natureza, ela
não tem lugar para ficar (no ar). Oh bom homem! O mesmo é o caso
com o pensamento. Não diga que a sua morada está nos cinco skan-
das, nos 18 reinos ou 12 esferas. O mesmo se passa com a vida do Céu
do Não-Pensamento. Quanto a qualquer apreensão e tristeza do Ta-
thagata também é assim. Se ele não tem apreensão e tristeza, como
podemos dizer que ele vê [todos os seres] com um olhar equânime,
como se visse Rahula? Uma pessoa ainda pode dizer que ele tem [a-
preensão e sofrimento], [então] como podemos dizer que a sua natu-
reza é como o Vazio?

Oh bom homem! Como um exemplo: um mágico pode evocar diversas


coisas como um palácio, morte, longa vida, apego ou desapego, ouro,
prata, berílio, tesouros, florestas e árvores. Mas elas não têm um lugar
onde de fato existam. O mesmo se passa com o Tathagata. Seguindo o
caminho do mundo, ele demonstra apreensão e tristeza. Não pode
haver [de fato] essas formas [no Tahagata]. Oh bom homem! O Tatha-
gata já adentrou o Parinirvana. Como poderia haver qualquer apreen-
são, tristeza ou preocupação? Agora o Tathagata entra no Nirvana. Se
alguém disser que isso é o não-eterno, saiba que essa pessoa tem a-
preensão e tristeza. Ninguém pode verdadeiramente saber se o Tatha-
gata tem apreensão ou não.

Também, além disso, oh bom homem! Como um exemplo: uma pessoa


que vive na baixa esfera social pode certamente saber o que se obtém
na mais baixa esfera da vida. Mas ela não pode saber o que se obtém
nas esferas médias e superiores da vida. Uma pessoa da esfera média
sabe o que se obtém na média esfera, mas não na superior. Uma pes-
soa da esfera superior conhece a esfera superior, mas não a média e a
baixa esfera. O mesmo se passa com Sravakas e Pratyekabudas. Da
mesma forma, uma pessoa somente conhece o que é da sua própria
esfera. Não é assim com o Tathagata. Ele conhece a sua própria esfera,
bem como aquelas dos outros. Este é o porquê dizemos que o Tathaga-
Capítulo 14 – Sobre a Parábola dos Pássaros Página 255
ta é sem-impedimentos. Ele manifesta-se em espírito e segue os cami-
nhos do mundo. Os olhos carnais dos mortais comuns vêem isto. Eles
dizem que ele é verdadeiro. Eles podem desejar conhecer a Sabedoria
sem-impedimentos e insuperável do Tathagata, mas isso nunca acon-
tecerá. Somente o Buda sabe o que é apreensão e o que não é. Portan-
to, diferentes coisas possuem o Eu e diferentes coisas não possuem o
Eu. Isto é o que queremos dizer quando dizemos quais coisas obter,
como no caso do pato mandarin e o kacalindikaka (que andam sempre
juntos).

A Parábola do Pato Mandarin e do Kacalindikaka

Também, a seguir, oh bom homem! O ensinamento Budista é como o


pato mandarin [e o kacalindikaka] que andam sempre juntos (embora
sejam diferentes pássaros). O pato mandarin e o kacalindikaka procu-
ram os planaltos no solstício de verão, quando o nível das águas está
alto, e colocam os seus filhotes lá. Isto é para induzir-lhes o crescimen-
to. Mais tarde, eles agirão como originalmente deveriam fazê-lo. O
mesmo acontece com o aparecimento do Tathagata. Ele ensina os
inumeráveis seres e permite-lhes residir no Dharma Maravilhoso. Isto é
como o pato mandarin e o kacalindikaka buscando planaltos e colo-
cando seus filhotes seguramente lá. O mesmo se passa com o Tathaga-
ta. Ele permite aos seres agirem como eles deveriam agir e (mais tarde)
permite-lhes entrar no Mahaparinirvana. Oh bom homem! Isto signifi-
ca dizer que o sofrimento é um ensinamento [dharma] e a felicidade é
outro diferente (ensinamento). Todas as coisas criadas são tristeza;
Nirvana é Felicidade. Ele (o Nirvana) é o mais maravilhoso e destrói as
coisas criadas [isto é, eleva-nos para além da esfera da criação].”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Como os seres atingem o Nirvana e conquistam a preeminente Felici-
dade?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 256


O Buda disse: “Oh bom homem! Como já afirmado,

a fusão dos compostos é velhice-e-morte.


Se o nosso modo de vida é restrito e não indolente,
isso é amrta [imortalidade, ambrosia].
Ser indolente e não restrito
no nosso modo de vida é morte.
A não-indolência conquista o lugar da imortalidade;
a indolência sempre leva-nos à morte.”

A indolência é da criação, o maior dos sofrimentos. Não-indolência é


Nirvana, a suprema amrta e Êxtase. O criado é um lugar da morte, o
maior dos sofrimentos. Nirvana é Imortalidade, o mais maravilhoso
Êxtase. A indolência evoca [isto é, é causadora] o criado. Fala-se tam-
bém de eterno Êxtase, Imortalidade e Corpo Indestrutível. O que é
indolência e o que não é? O ímpio mortal comum [isto é, um tirthika] é
(feito de) indolência e morte eterna; o santo que escapa-do-mundo
[‘Shramana’] pertence à classe da não-indolência, na qual a velhice-e-
morte não têm lugar. Por que não? Ele alcança o supremo Êxtase e
Nirvana eterno. As pessoas santas do estágio supramundano não têm
indolência e [com elas] não existe velhice-e-morte. Por que não? Elas
entram no estágio superior do Nirvana eterno. Portanto, Sofrimento e
Êxtase são duas coisas diferentes; Eu e não-Eu são duas coisas diferen-
tes.

Um homem deita-se no chão e olha para o céu, onde ele não pode ver
os caminhos por onde os pássaros voaram. Aqui é o mesmo caso. Oh
bom homem! O mesmo é o caso com os seres. Eles não possuem os
olhos celestiais. Imersos na ilusão, eles não podem ver a natureza do
Tathagata que eles possuem. Por essa razão, eu agora exponho os
ensinos secretos do altruísmo. Por quê? Uma pessoa que é desprovida
dos olhos celestiais não conhece o Verdadeiro Eu. Porque ela imagina o
Eu de uma maneira errada. Todas as coisas criadas pela ilusão são não-
eternas. Este é o porquê digo que o Eterno e o não-Eterno são duas
coisas diferentes.
Capítulo 14 – Sobre a Parábola dos Pássaros Página 257
Se com esforço e coragem
alcançamos o cume de uma montanha,
vemos as planícies, a vastidão dos campos e todos os seres.
Como alcançamos o grande palácio da Sabedoria
e o assento que é o mais elevado e maravilhoso,
então já acabamos com a apreensão e o sofrimento
e vemos a apreensão dos seres.

O Tathagata cortou as inumeráveis (amarras das) ilusões, vive na mon-


tanha da sabedoria e vê todos os seres que vivem em meio às inume-
ráveis bilhões de ilusões.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! As


coisas não são como afirmadas no gatha (versos). Por que não? Alguém
que entre no Nirvana não tem apreensão ou alegria. Como pode essa
pessoa conquistar o palácio da Sabedoria? Além do mais, vivendo no
cume da montanha, como podemos ver os seres?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O palácio da Sabedoria é Nirvana. A


pessoa sem apreensões é o Tathagata; a pessoa que tem apreensões é
o mortal comum. O mortal comum tem apreensões e o Tathagata não
as tem. O cume do Monte Sumeru é a verdadeira emancipação. Al-
guém que faça esforços incessantemente é como o Monte Sumeru, o
qual não se agita. A terra é uma coisa criada. Todos os mortais comuns
vivem pacificamente na terra e fazem todas as coisas. Sabedoria é o
verdadeiro Despertar. Uma pessoa longe da existência é alguém eter-
no. Isto é o Tathagata. O Tathagata tem piedade dos inumeráveis seres
que estão expostos às flechas envenenadas de todas as existências.
Este é o porquê digo que o Tathagata tem apreensão.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se o


Tathagata tivesse apreensão e tristeza, ele não poderia ser o Todo-
Iluminado.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 258


O Buda disse a Kashyapa: “Tudo depende das circunstâncias. Quando
ele vê que a sua presença é evocada para salvar os seres, o Tathagata
manifesta-se. Embora se manifestando na vida, não há (neste caso)
verdadeiramente vida. Este é o porquê dizermos que o Tathagata é
aquele que é Eterno. O caso é como aquele do kacalindikaka e do pato
mandarin.”

Capítulo 14 – Sobre a Parábola dos Pássaros Página 259


Capítulo Quinze: Sobre a Parábola da Lua

A Parábola da Lua

O Buda disse a Kashyapa: “Como um exemplo: existe um homem aqui


que, como ele vê que a lua ainda não saiu, diz que a lua foi embora, e
nutre o pensamento de que a lua sucumbiu. Mas essa lua, pela sua
natureza, jamais sucumbe. Quando ela aparece no outro lado do mun-
do, as pessoas do outro lado dizem que a lua nasceu. Por quê? Uma
vez que o Monte Sumeru obstrui [a visão], a lua não pode revelar-se. A
lua está sempre lá. Ela, por natureza, não nasce ou sucumbe. O mesmo
é o caso com o Tathagata, o Merecedor de Ofertas, o Todo-Iluminado.
Ele manifesta-se nos três mil grandes sistemas de mil mundos, ou dá a
entender que possui pais no Jambudvipa (que nasce) ou que entra no
Nirvana no Jambudvipa (que morre). O Tathagata, por natureza, não
entra no Nirvana. Mas todos os seres dizem que ele verdadeiramente
entra no Parinirvana. O caso é análogo ao da sucumbência da lua. Oh
bom homem! O Tathagata, por natureza, não possui a natureza do
nascimento e da morte. Para socorrer os seres, ele manifesta-se nas-
cendo e morrendo.

A Eterna Lua-Cheia

Oh bom homem! Do outro lado dessa lua-cheia, temos a meia-lua; se


deste lado temos a meia-lua, do outro lado a lua-cheia é vista. As pes-
soas do Jambudvipa, quando vêem a lua-nova, dizem que é o primeiro
dia, e têm no pensamento a idéia de um novo mês. Vendo a lua-cheia,
eles dizem que é o décimo-quinto dia do mês e criam a noção de lua-
cheia. Mas essa lua não tem, para dizer a verdade, nem enchimento e
nem esvaziamento. Somente devido ao Monte Sumeru ela apresenta
um aspecto de crescente e minguante. Oh bom homem! O mesmo é o
caso com o Tathagata. No Jambudvipa, ele manifesta-se nascendo e
entrando no Nirvana. Seu primeiro aparecimento (nascimento) é o

Capítulo 15 – Sobre a Parábola da Lua Página 261


primeiro dia do mês. Todos dizem que esse menino é recém-nascido.
Ele caminha sete passos. Isso é como a lua no segundo dia. Ou ele mos-
tra-se estudando. Isto é como a lua no terceiro dia. Ele demonstra a
renúncia. Isto é como a lua do oitavo dia. Ele emite a luz toda-
maravilhosa da Sabedoria e subjuga um incontável número de seres e
os exércitos de Mara. Isto pode ser comparado com a lua-cheia do
décimo quinto dia. Ou ele manifesta os 32 sinais de perfeição e as 80
características menores de excelência. Assim ele adorna-se e manifes-
ta-se entrando no Nirvana. Ele (o Nirvana) é como o eclipse da lua.
Assim, o que cada um dos seres vê não é o mesmo. Alguns vêem a
meia-lua, outros a lua-cheia, e ainda outros um eclipse. Mas essa lua,
por sua natureza, não conhece crescimento (enchimento) ou eclipse.
Ela é sempre Lua-Cheia. O corpo do Tathagata é assim. Por essa razão,
dizemos eterno e imutável.

O Verdadeiro Aspecto do Carma Original

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, através da lua-


cheia, todas as coisas aparecem. Em todos os lugares como nas cida-
des, aldeias, montanhas, pântanos, sob as águas, lagos, poços e recipi-
entes de água, a lua manifesta-se. Os seres podem viajar uma centena
ou uma centena de milhar de yojanas, e a lua sempre os acompanha.
Os mortais comuns e os ignorantes pensam erroneamente e dizem: ‘Eu
vejo tudo isso no castelo da cidade, em casa, e aqui no pântano. É a
verdadeira lua ou não é a verdadeira?’ Cada pessoa pensa acerca do
tamanho da lua e diz: ‘É como a boca de uma chaleira’. Ou uma pessoa
diz: ‘É como uma roda’. Ou alguém pode dizer: ‘É algo em torno de 45
yojanas’. Todos vêem a luz da lua. Alguns a vêem tão redonda quanto
uma bacia de ouro. A natureza dessa lua é somente uma, mas diferen-
tes seres a vêem de formas diferentes. Oh bom homem! O mesmo é o
caso com relação ao Tathagata. Ele aparece no mundo. Humanos e
deuses podem pensar: ‘O Tathagata está agora diante de nós e vive’. O
surdo e o mudo vêem o Tathagata como alguém surdo e mudo. Diver-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 262


sas são as linguagens que os seres falam. Cada um pensa que o Tatha-
gata fala como ele ou ela, ou pensa: ‘Na minha casa, o Tathagata rece-
beu oferecimentos’. Ou uma pessoa pode ver o tamanho do Tathagata
como sendo muito grande e imensurável; ou alguém pode vê-lo como
muito pequeno; ou uma pessoa pode confundi-lo com um Sravaka ou
um Pratyekabuda; ou vários tirthikas podem pensar e dizer: ‘O Tatha-
gata está agora na minha linha de pensamento [seguindo minha linha
de pensamento] e está praticando a Via’. Ou uma pessoa pode pensar:
‘O Tathagata apareceu somente para mim’. A verdadeira natureza do
Tathagata é como aquela da lua. Isto significa dizer que ela é o Corpo-
de-Dharma, o Corpo do não-nascimento, ou aquele do expediente. Ele
responde ao chamado do mundo, sendo inumeráveis as suas manifes-
tações. O Carma Original manifesta-se de acordo com as diferentes
localidades. Isto é como no caso da lua. Por essa razão, o Tathagata é
Eterno e Imutável.

Também, além disso, oh bom homem! Rahu-asura-raja (um dos quatro


reis Asura) encobre a lua com as suas mãos. Todas as pessoas do mun-
do dizem que isto é um eclipse da lua. Mas Rahu-asura-raja não pode
causar qualquer eclipse à lua. Ele meramente obstrui a luz da lua. A lua
é redonda. Não há parte (nela) que sobressaia (quando a obstrução é
parcial). Somente como um resultado da obstrução a plenitude da sua
luz é encoberta. Uma vez que as mãos sejam retiradas, as pessoas do
mundo dizem que a lua recuperou o seu poder. Todos dizem que essa
lua sofre um bocado. Mas mesmo 100 mil reis asuras não poderiam
causar-lhe sofrimento. O caso é semelhante. O mesmo é o caso com o
Tathagata. Os seres concebem maus pensamentos sobre o Tathagata,
causam derramamento de sangue, cometem os cinco pecados mortais
e agem [como] icchantikas. As coisas são mostradas dessa maneira.
Para o benefício dos seres que virão, (as conseqüências cármicas de)
essas coisas são mostradas na forma de ações contra a Sangha, trans-
gressão do Dharma e surgimento de obstáculos. Maras tão inumerá-
veis quanto 100 trilhões não podem esperar causar (o menor) derra-
mamento de sangue do corpo do Buda. Por que não? Porque o corpo
do Tathagata não é constituído de carne, sangue, nervos, tutano ou
Capítulo 15 – Sobre a Parábola da Lua Página 263
ossos. O Tathagata realmente não tem nenhuma preocupação com a
desintegração. Os seres dizem: ‘O Dharma e a Sangha desintegraram e
o Tathagata está morto’. Mas o Tathagata, por natureza, é todo verda-
deiro e não há mudança ou dissolução. Seguindo o caminho do mundo,
ele manifesta-se assim.

Também, além disso, oh bom homem! Duas pessoas lutam com espa-
das e bastões, causando lesões corporais, derramamento de sangue e
morte. Mas se eles não tivessem intenção de matar, a conseqüência
cármica seria leve, e não pesada. O mesmo é o caso [aqui]. Mesmo em
relação ao Tathagata, se uma pessoa não tem intenção de matá-lo, o
mesmo se aplica à sua ação. Ela é leve e não pesada. O mesmo é o caso
com o Tathagata. Para guiar os seres nos dias que virão, ele mostra as
conseqüências cármicas (leves ou pesadas que os seres carregam).

A Parábola do Bom Filho

Também, além disso, oh bom homem! Isto é como o doutor que envi-
da esforços e compartilha conhecimentos médicos básicos com o seu
filho, dizendo que este é o remédio-raiz, este é para o sabor, aquele é
para a cor etc., assim permitindo que o seu filho se torne familiarizado
com as várias propriedades [dos remédios]. O filho presta atenção
àquilo que o seu pai diz, esforça-se, aprende e vem a compreender
todos os [diferentes] tipos de remédios. Chega o tempo em que seu pai
morre. O filho se enternece, chora e diz: ‘o pai ensinou-me dizendo que
este é o remédio-raiz, este é a haste, este é a flor e este é a cor’. O
mesmo se passa com o Tathagata. No sentido de guiar-nos, ele impõe
aos seres muitas restrições. Dessa forma, devemos tentar agir em con-
cordância [com essas restrições] e não contrariá-las. Para aquelas pes-
soas dos cinco pecados mortais, para aqueles caluniadores do Dharma
Maravilhoso, para os icchantikas e para aqueles que podem cometer
tais ações (caluniosas) nos dias que virão, ele manifesta-se de acordo.
Tudo isso é para os dias após a morte do Buda, para os Monges sabe-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 264


rem que estes são pontos importantes nos sutras, estes são os aspec-
tos pesados e leves dos preceitos, estas são as passagens do Abhi-
dharma que são importantes ou não importantes. Isto é para permitir-
lhes ser como o filho do doutor.

Também, além disso, oh bom homem! Os humanos vêem, uma vez a


cada seis meses, um eclipse lunar. Nos céus superiores, apenas por um
(curto) tempo, nós vemos o eclipse lunar. Por quê? Porque os dias são
mais longos lá nos céus e mais curtos no mundo humano. Oh bom
homem! O mesmo se passa com o Tathagata. Ambos, deuses e huma-
nos dizem: ‘A vida do Tathagata é curta’. Isto é como (ocorre) com os
seres dos céus que vêem o eclipse da lua frequentemente por um cur-
to tempo (ou seja, num dia celeste cabem muitos dias terrestres). O
Tathagata, de forma semelhante, num curto tempo manifesta 100
milhares de milhões de bilhões de Nirvanas, destruindo os Maras das
ilusões, dos skandas e da morte. Portanto, todos os 100 milhares de
milhões de bilhões de Maras celestiais sabem que o Tathagata entra no
Nirvana. Também, eles mostram 100 milhares de inumeráveis (milhões
de bilhões) carmas. Tudo isto advém do fato de que ele segue as várias
naturezas do mundo. Assim, ele segue com as suas manifestações. Elas
são inumeráveis, ilimitadas e inconcebíveis. Por esta razão, o Tahagata
é Eterno e Imutável.

O Brilho da Lua

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, os seres se delei-


tam ao olhar o brilho da lua. Este é o porquê chamamos a lua de ‘aque-
la que é agradável de ver’. Se os seres estiverem possuídos pela cobiça
(avareza), a malevolência e a ignorância, não haverá prazer em vê-la. O
mesmo se passa com o Tathagata. A natureza do Tathagata é pura,
boa, limpa e imaculada. Isto é o que há de mais prazeroso para con-
templar. Os seres que estão em harmonia com o Dharma não hesitarão
(e sentirão prazer) em ver; aqueles com maus pensamentos não senti-

Capítulo 15 – Sobre a Parábola da Lua Página 265


rão prazer em ver. Por essa razão dizemos que o Tathagata é como o
Brilho da Lua.

Também, além disso, oh bom homem! Com respeito ao nascer do sol,


há três diferenças de tempo, a saber: primavera (e outono – equinó-
cios), verão e inverno (solstícios). No inverno, os dias são mais curtos;
na primavera/outono eles são iguais, e no verão são mais longos. O
mesmo se passa com o Tathagata. Nos 3.000 grandes sistemas de mil
mundos, para todos aqueles (seres) de vida breve e Sravakas, ele mani-
festa uma vida curta. Vendo isto, dizem: ‘A vida do Tathagata é curta’.
Isso é comparável a um dia de inverno. Para Bodhisattvas ele manifesta
uma vida de média-duração. Ela pode durar um kalpa ou menos. Isso é
semelhante aos dias de primavera. Somente o Buda pode conhecer a
vida do Buda. Isto, por exemplo, é como os dias de verão. Oh bom
homem! O ensinamento sutil e secreto do Mahayana Vaipulya do Ta-
thagata é concedido ao mundo como um grande aguaceiro do Dharma.
Nos dias que virão, se qualquer pessoa ostentar, proteger, revelar,
compreender [tais ensinamentos] e beneficiar os seres, saiba que essa
pessoa é um verdadeiro Bodhisattva. Esta é a doce chuva dos céus que
cai no verão. Se Sravakas e Pratyekabudas ouvirem o ensinamento
secreto do Buda-Tathagata, isto é como o encontro com um grande
frio num dia de inverno. Se um Bodhisattva ouve o ensino secreto, –
isto é, que o Tathagata é Eterno e Imutável – isto é como o desabro-
char que vem com a primavera. A natureza do Tathagata não é longa e
nem curta; ele manifesta-se (assim) para o benefício do mundo. Esta é
a verdadeira natureza de todos os Budas.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, as estrelas não


são vistas durante o dia. Aí todos dizem: ‘As estrelas morrem durante o
dia’. Mas de fato elas não morrem. A razão de elas não serem vistas
vem do fato de que o sol está brilhando resplandecente. O mesmo
ocorre com o Tathagata. Os Sravakas e Pratyekabudas não podem vê-
lo. Isto é como no caso das estrelas que não podem ser vistas durante
o dia.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 266


Também, oh bom homem! Por exemplo, na escuridão da noite, sol e
lua não são vistos. O ignorante diz: ‘O sol e a lua morreram’. Mas, na
verdade, o sol e a lua não se perderam. O caso é assim. Na época em
que o Dharma Maravilhoso do Tathagata morre, os Três Tesouros tam-
bém não são vistos. Esta é uma situação análoga. Não é que eles (os
Três Tesouros) tenham partido eternamente. Assim sendo, deveríamos
saber que realmente o Tathagata é Eterno e que ele é Imutável. Por
quê? Porque a verdadeira natureza dos Três Tesouros não fica man-
chada por quaisquer ilusões.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, no crepúsculo do


dia, um cometa pode aparecer brilhando intensamente à noite como
uma chama. E logo ele morrerá. Os seres vêem isto e [dizem que ele]
pressagia má sorte. O caso é análogo a todos os Pratyekabudas, tam-
bém. Nascendo nos dias sem um Buda, os seres olham e dizem: ‘O
Tathagata realmente morreu’. E assim eles nutrem pensamentos de
apreensão e tristeza. Mas, para dizer a verdade, o Tathagata não mor-
reu. Ele é como o sol e a lua, que não conhecem extinção.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, quando o sol nas-
ce, todo o nevoeiro se dispersa. A situação é a mesma com relação ao
Sutra do Grande Nirvana. Se dermos ouvidos uma única vez a ele, toda
a maldade e o karma do Inferno Avichi morrerão. Ninguém pode pene-
trar o que se conquista neste Grande Nirvana (assim como não vemos
o sol na escuridão da noite), que expõe o repositório secreto da natu-
reza do Tathagata. Por esta razão, bons homens e boas mulheres nutri-
rão um pensamento de que o Tathagata é Eterno, é Imutável, que o
Dharma não cessa de ser, e que o Tesouro da Sangha não morre. As-
sim, deveríamos empregar todos os meios, empreendermos esforços e
aprender esse sutra. Essa pessoa, ao longo do tempo, atingirá a Insupe-
rável Iluminação. Este é o porquê esse sutra é dito conter inumeráveis
virtudes e é também chamado aquele que não conhece (ou concebe) o
fim da iluminação. Em razão desta infinitude, podemos dizer Mahapa-
rinirvana. A luz de Brilho Excelente como nos dias de sol. Como ele é
ilimitado, dizemos Grande Nirvana.”
Capítulo 15 – Sobre a Parábola da Lua Página 267
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 268
Capítulo Dezesseis: Sobre o Bodhisattva
“Também, além disso, oh bom homem! De todas as luzes, a luz do sol e
da lua é insuperável. Nenhuma outra luz se iguala a ela. O mesmo se
passa com a luz do Grande Nirvana, que é a mais maravilhosa de todas
as luzes dos sutras e Samadhis. É algo que não pode ser alcançado por
qualquer das luzes de qualquer dos sutras e Samadhis. Por que não?
Porque a luz do Grande Nirvana penetra completamente nos poros da
pele. Embora os seres possam não possuir o Bodhichitta (autodetermi-
nação de atingir a iluminação), ela ainda causa o Bodhi (é um termo
Pāli e Sânscrito para o estado ‘desperto’ ou ‘iluminado’). Esse é o por-
quê dizermos ‘Mahaparinirvana’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você diz que a luz do Grande Nirvana penetra os poros da pele de to-
dos os seres e que ela evoca a mente do Bodhi, se os seres não a têm.
Isto não é assim. Por que não? Se for assim, que diferença pode haver
entre aqueles que cometeram as quatro graves ofensas, aqueles que
cometeram os cinco pecados mortais, os icchantikas e aqueles que
mantêm em observância os puros preceitos e praticam todas as boas
ações; se for o caso em que a luz penetra os poros da pele e faz o Bodhi
acontecer? Se não existe diferença, como é que o Tathagata fala sobre
os significados das quatro coisas para estabelecê-la? Oh Honrado pelo
Mundo! Em contradição ao fato que, como você o Buda diz, se ouvir-
mos uma vez o Grande Nirvana, todas as impurezas serão aniquiladas,
você, o Tathagata, estabeleceu anteriormente que mesmo em meio às
pessoas que concebam o Bodhichitta [decidam alcançar a Iluminação]
no lugar de Budas tão numerosos quanto às areias do Ganges, [ainda]
haverá aqueles que não alcançarão o significado do Grande Nirvana.
Como poderia uma pessoa erradicar a raiz das impurezas sem antes
alcançar o significado?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Todas as pessoas, exceto os icchanti-


kas, ganham a causa da Iluminação tão logo elas ouçam este sutra. Se a

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 269


voz do Dharma e a luz [do Grande Nirvana] penetrarem os poros da sua
pele, elas infalivelmente atingirão a Iluminação Insuperável. Por que é
assim? Se alguém fizer verdadeiramente oferecimentos e prestar ho-
menagem a todos os Budas, essa pessoa seguramente encontrará oca-
sião para ouvir o Sutra do Grande Nirvana. Pessoas não dotadas de boa
sorte não serão abençoadas com a audição deste sutra. Por que não?
Uma pessoa de grande virtude estará realmente apta a dar ouvidos a
algo tão importante como este. Os mortais comuns e aqueles dos graus
inferiores (aos do mortal comum) não podem facilmente dar ouvidos a
ele (este sutra). O que é que é Grande? Nada mais que o Repositório
Secreto de todos os Budas, que é a Natureza do Tathagata. Isto é o
porquê dizemos importante.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Como pode uma pessoa que ainda não concebeu o Bodhichitta esperar
pela causa da Iluminação?”

O Buda disse a Kashyapa: “Se alguém que tenha ouvido este Sutra do
Grande Nirvana disser que ele nunca conceberá o Bodhichitta e [assim]
cometer calúnias, essa pessoa verá um Rakshasa num sonho e sentirá
medo. E o Rakshasa dirá: ‘Hey, bom homem! Se o Bodhichitta não sur-
gir em você, certamente tomarei a sua vida’. Sentindo medo e acor-
dando do seu sonho, a pessoa aspirará o Bodhi. Após a morte, aquela
pessoa nascerá nos três reinos do infortúnio, ou no mundo dos huma-
nos ou seres celestiais, e ela pensará sobre o Bodhichitta. Saiba que
essa pessoa é um grande Bodhisattava. Assim o grande poder divino
desse Sutra do Nirvana possibilita à pessoa que não aspirava a Ilumina-
ção atingir a causa da Iluminação. Oh bom homem! Isto é como um
Bodhisattva aspira o Bodhi. Não é que não haja causa. Assim, os mara-
vilhosos sutras Mahayana são o que o Buda falou.

Também, além disso, oh bom homem! Uma grande nuvem de chuva se


forma no céu, e a chuva cai sobre a terra. A água não permanece nas
árvores mortas, montanhas rochosas, planaltos e elevações. Mas como
ela flui para as pradarias abaixo, todos os lagos se tornam cheios, bene-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 270
ficiando inumeráveis pessoas. O caso é o mesmo com o Sutra do Gran-
de Nirvana. Ele drena a grande chuva do Dharma, beneficiando os se-
res. Somente os icchantikas não aspiram à Iluminação.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, uma semente


queimada não brotará, mesmo se a chuva cair sobre ela por um perío-
do de 100 bilhões de kalpas. Nunca haverá uma situação em que essa
semente brotará. O mesmo acontece com o icchantika. Nenhum broto
de Iluminação eclodirá, mesmo que o icchantika dê ouvido a este todo-
maravilhoso Sutra do Grande Nirvana. Tal coisa nunca poderá aconte-
cer. Por que não? Porque essa pessoa aniquilou totalmente as raízes da
benevolência. Como com a semente queimada, nenhuma raiz ou broto
do Bodhichitta nascerá.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, colocamos uma


gema brilhante numa água turva. Mas, pela virtude da gema, a água
por si só tornar-se-á clara. Porém, mesmo essa gema, se colocada na
lama, não poderá fazer a lama clarear. O mesmo se passa com esse
Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana. Se colocado na água im-
pura da pessoa culpada de cometer os cinco pecados mortais e daque-
les que cometeram as quatro graves ofensas também, ele poderá re-
almente ainda evocar o Bodhichitta. Mas na lama do icchantika, mes-
mo após 100 bilhões de anos, a lama não poderá tornar-se clara e ele
não poderá evocar o Bodhichitta. Por que não? Porque esse icchantika
aniquilou totalmente as raízes da benevolência e não tem mais valor. O
homem (o icchantika) pode ouvir esse Sutra do Grande Nirvana duran-
te 100 bilhões de anos e, ainda assim, não poderia acontecer de surgir
o Bodhichitta [dentro dele]. Por que não? Porque ele não tem bons
pensamentos.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, existe uma árvore
medicinal cujo nome é ‘rei dos remédios’. De todos os remédios, esse é
o melhor. Ele pode ser bem misturado com leite, mel, manteiga, água
ou suco; ou ele pode ser feito na forma de pó ou pílulas, ou podemos
aplicá-lo às feridas, ou cauterizar o corpo com ele, ou aplicá-lo aos o-
Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 271
lhos; ou podemos olhá-lo ou cheirá-lo. Ele cura todas as doenças e
enfermidades dos seres. Essa árvore medicinal não diz para si mesma:
‘Se os seres tomarem a raiz, eles não devem tomar as folhas; se eles
tomarem as folhas, eles não devem tomar a raiz; se eles tomarem a
madeira, eles não devem tomar a casca; se eles tomarem a casca, eles
não devem tomar a madeira’. Embora a árvore não pense dessa ma-
neira, no entanto ela pode curar todas as doenças e enfermidades. O
caso é similar. Oh bom homem! O mesmo também é o caso com esse
Sutra do Nirvana. Ele pode acabar totalmente com todas as más ações,
as quatro graves ofensas, os cinco pecados mortais e quaisquer más
ações internas ou externas [do pensamento, das palavras, ou das a-
ções]. Qualquer pessoa que ainda não tenha aspirado ao Bodhichitta
virá de fato a aspirá-lo. Como assim? Porque este todo-maravilhoso
sutra é o Rei de todos os sutras, assim como a árvore medicinal é o rei
de todos os remédios. Podem existir aqueles que tenham aprendido
esse Sutra do Grande Nirvana ou aqueles que não tenham aprendido.
Ou eles podem ter ouvido o nome deste sutra e, ao ouvi-lo, vieram a
respeitá-lo e compreendê-lo. Através disso, todas as grandes doenças
das impurezas serão aniquiladas. Somente o icchantika não pode espe-
rar atingir a Iluminação Insuperável, como no caso do remédio todo-
maravilhoso que, embora ele de fato cure todas as doenças e enfermi-
dades, não pode curar aquelas pessoas que estão à beira da morte.

Também, além disso, oh bom homem! Podemos ter uma ferida em


nossa mão. Se derramarmos veneno nela, esse veneno penetrará; se
não houver ferida, o veneno não penetrará. O mesmo ocorre com o
icchantika. Não existe (nele) causa para o Bodhichitta. Ele é como al-
guém que não tem ferida em sua mão. Assim, não pode haver pene-
tração. A assim chamada ferida é a causa da Iluminação Insuperável; o
veneno é o insuperável remédio maravilhoso. Aquele que não tem
ferida é um icchantika.

Também, além disso, oh bom homem! Um diamante é algo que nin-


guém de fato pode quebrar. Ele verdadeiramente corta todas as coisas,
exceto o casco da tartaruga e o chifre do bode. O mesmo acontece
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 272
com esse sutra. Ele realmente coloca todos os seres seguramente no
caminho da Iluminação. Ele somente não pode fazer a classe de pesso-
as dos icchantikas obter a causa da Iluminação.

Também, além disso, oh bom homem! Podemos cortar os ramos ou os


talos da urslane (beldroega - Erva da família das urticáceas também
conhecida como potulaca ou purslane), da sala ou da niskara, mas os
ramos vão crescer novamente, exatamente como antes; mas com a
árvore tala [palmeira de leque], quando um ramo é cortado, nenhum
outro pode crescer novamente [naquele lugar]. O caso é análogo. Se
ouvirmos esse Sutra do Grande Nirvana, mesmo aquelas pessoas das
quatro graves ofensas e dos cinco pecados mortais podem ainda real-
mente cultivar a causa do Bodhichitta. Com o icchantika, as coisas não
podem ser assim. Mesmo ouvindo esse belo sutra, ele não pode alcan-
çar a causa da Iluminação.

Também, além disso, oh bom homem! O mesmo é o caso com a khadi-


ra [acácia catechu] e a tinduka [diospiros embryoteris], as quais, uma
vez que seus ramos tenham sido cortados, nunca mais soltam brotos
novamente. O mesmo se passa com o icchantika. Ele pode ouvir este
Sutra do Grande Nirvana, mas nenhuma causa do Bodhichitta surgirá.

Também, além disso, oh bom homem! É como no caso da grande chu-


va que nunca permanece no céu. O mesmo acontece com esse todo-
maravilhoso Sutra do Grande Nirvana. Este sutra faz precipitar a chuva
do Dharma. Ele não paira sobre o icchantika. O corpo inteiro do icchan-
tika é tão minuciosamente feito que ele poderia ser bem comparado
ao diamante, o qual nunca permite que outras coisas o penetrem. O
mesmo é o caso [aqui].”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Exatamente como você diz


num verso:

‘Uma pessoa não vê ou faz o bem;


o que ela faz é a maldade.
Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 273
Isto deveria ser muito temido,
como no caso de uma estrada que é íngreme e difícil de passar.’

Oh Honrado pelo Mundo! Qual é o significado disto?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Dizemos que ‘não vemos’, o que signi-
fica que nós não vemos a Natureza-de-Buda. ‘Bem’ refere-se à Ilumina-
ção Insuperável. Dizemos que ‘não fazemos’, o que significa dizer que
nós não nos aproximamos de um bom amigo [bom mestre do Budis-
mo]. Nós ‘apenas vemos’ significa dizer que nós vemos as coisas como
não tendo relações causais. Por maldade entende-se a calúnia aos Su-
tras Mahayana Vaipulya. ‘Fazer’ corresponde à fala dos icchantikas
dizendo que não pode haver qualquer Vaipulya. Em razão disto, não
existe oportunidade para o icchantika voltar o seu pensamento para
aquilo que é puro e bom. O que é ‘Bom Dharma’? É Nirvana. Aquele
que caminha ao longo da via do Nirvana realmente pratica o que é
sábio e bom. Com o icchantika, não há nada que seja sábio e bom.
Como resultado, não pode haver retorno em direção ao Nirvana. O que
devemos ‘temer’ significa o temor de caluniar o Dharma Maravilhoso.
Quem tem medo? É o sábio. Por quê? Porque uma pessoa que calunia
não tem bons pensamentos e nem bons expedientes. A via (estrada)
que é difícil de passar faz alusão a todas as práticas.”

Kashyapa ainda disse: “Você, o Tathagata, diz:

‘Como vemos o que é feito?


Como obtemos o Bom Dharma (a Boa Lei),
e onde está o lugar do destemor?
É como com a plana estrada real.’

O que isto significa?”

O Buda disse: “Oh bom homem! ‘Ver o que é feito’ é simplesmente


desnudar todos os males feitos. Quando todos os males feitos desde o
início do nascimento e da morte tiverem sido postos a nu, chegamos a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 274
um lugar onde não há mais para onde ir. Como resultado, o que existe
aqui (neste lugar) é destemor. Por exemplo, é como no caso de uma
estrada real na qual todos os ladrões se escondem. Uma vez desnuda-
das, todas as maldades tornam-se aniquiladas, e nada fica para trás.

Também, além disso, ‘não ver o que fazemos’ significa que o icchantika
não vê tudo o que ele faz. Esse icchantika, com base na arrogância,
perpetra muitas más ações. Agindo assim, ele não tem medo. Como
resultado, ele não pode atingir o Nirvana. Por exemplo, isto é como no
caso de um macaco que tenta agarrar a lua refletida na superfície de
um lago. Oh bom homem! Mesmo que todos os inumeráveis seres
atingissem a Iluminação Insuperável em um momento, nenhum dos
Tathagatas veria o icchantika atingindo a Iluminação. Por essa razão,
dizemos que ‘o que é feito não é visto’. Além disso, qual ação que não
é vista? Aquela do Tathagata. O Buda, para o benefício dos seres, diz
que existe a Natureza-de-Buda. O icchantika, ainda que repetindo vi-
das, não pode conhecer ou ver [a Natureza-de-Buda]. Este é o porquê
dizemos que não vemos o que o Tathagata faz. Também, o icchantika
pensa que o Tathagata entra no Nirvana por razões óbvias, dizendo
que tudo é transitório, exatamente como quando a chama se apaga, é
porque o óleo acabou. Por quê? Porque as más ações dessa pessoa
nunca chegam a um fim. Se houver um Bodhisattva aqui que transfira
[os méritos de] todas as boas ações que ele tem feito com vistas à Ilu-
minação Insuperável àqueles da classe dos icchantikas, eles cometerão
a calúnia e não compreenderão. A despeito disto, todos os Bodhisatt-
vas perseveram como sempre na doação e no desejo de atingir a Ilu-
minação. Por quê? Isto é como as coisas se procedem com as leis
[dharmas] de todos os Budas.

‘A maldade é feita,
mas o resultado não aparece de uma só vez.
Ele aparece como a nata que vem do leite.
Isso é como quando a cinza é colocada sobre um fogo
e o ignorante descuidadamente pisa nele’.

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 275


O icchantika é o cego. Ele não vê o caminho do Arhatship, o caminho
ao longo do qual o Arhat não toma o íngrime e árduo rumo da vida-e-
da-morte. Sendo cego, ele calunia o Vaipulya e não deseja praticar a
Via, como o Arhat que procura aprender a compaixão. Dessa maneira,
o icchantika não pratica o Vaipulya. Pode haver uma pessoa que diga:
‘Eu não acredito nos sutras do Sravaka. Eu acredito no Mahayana, reci-
to os sutras e os exponho. Assim, agora sou um Bodhisattva. Todos os
seres possuem a Natureza-de-Buda. Em razão da Natureza-de-Buda, os
seres possuem dentro de si os 10 poderes, os 32 sinais de perfeição e
as 80 características menores de excelência. O que eu digo não difere
daquilo que o Buda diz. Você agora destrói, junto comigo, um incontá-
vel número de impurezas, agora posso ver a Iluminação Insuperável’. A
pessoa pode dizer isto. Embora ela fale dessa maneira, ela não acredita
que as pessoas têm dentro delas o Natureza-do-Tathagata. Apenas em
prol do lucro, essa pessoa fala dessa maneira, seguindo o que está
escrito. Aquele que assim fala é mau. Essa má pessoa não obterá resul-
tado, como o do leite tornando-se nata. Por exemplo, um emissário de
um rei fala bem e habilmente desenvolve os expedientes e as tarefas
nos países estrangeiros. Mesmo ao custo de sua vida, ele não deixa de
dizer, até o final, o que ele tem que dizer em nome do rei. O mesmo se
passa com um homem sábio, também. Ele não se importa muito com a
sua própria segurança, mas sempre fala a respeito da doutrina secreta
do Mahayana Vaipulya e diz que todos os seres possuem a Natureza-
de-Buda.

Oh bom homem! Existe um icchantika que personifica um Arhat e vive


num lugar quieto caluniando os sutras Mahayana Vaipulya. Todo mun-
do, vendo-o, diz que ele é um verdadeiro Arhat, um grande Bodhisatt-
va. Esse icchantika, um Monge mau, vive num lugar quieto e quebra a
lei de um lugar quieto. Vendo outros obterem benefícios, ele sente
ciúmes e diz: ‘Todos os sutras Mahayana Vaipulya são aquilo que os
Marapapiyas falam’. Ou ele pode dizer: ‘O Tathagata é não-eterno’. Ele
transgride contra o Dharma Maravilhoso e causa desavença na Sangha.
Palavras como estas (ditas por este mau Monge) são de Mara e não
uma doutrina que é boa e mansa. Isso é o que é mau. Essa pessoa faz o
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 276
mal, mas as conseqüências daquelas más ações não se manifestam
imediatamente, como a nata não surge [imediatamente] do leite; ou
como quando as cinzas são colocadas sobre o fogo, o ignorante desde-
nha delas e pisa nele. O icchantika é essa pessoa. Portanto, devemos
saber que os Todo-Maravilhosos Sutras Vaipulya do Mahayna são defi-
nitivamente puros. Isso é como no caso da mani [jóia, gema] que,
quando colocada numa água turva, torna a água clara e transparente.
O mesmo ocorre com os Sutras Mahayana também.

A Maravilhosa Causa da Iluminação

Além do mais, oh bom homem! Por exemplo, é como no caso do lótus


em botão, o qual, quando o sol o ilumina, ele nunca falha em abrir. O
mesmo é o caso com os seres. Uma vez encontrado o sol do Grande
Nirvana, alguém não familiarizado com a Iluminação irá aspirá-la e
plantará a semente da Iluminação. Este é o porquê eu digo: ‘Quando a
luz do Grande Nirvana penetra os poros da pele, isto provoca imedia-
tamente a Maravilhosa Causa da Iluminação’. O icchantika possui a
Natureza-de-Buda, mas encoberta por inumeráveis impurezas, ele não
pode esperar escapar, à semelhança do bicho-da-seda. Por esta razão,
ele não pode ganhar a Toda-Maravilhosa Causa da Iluminação, mas
recicla entre nascimentos e mortes interminavelmente.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, é como o que


acontece com a utpala, a padma, a kumuda ou o pundarika [diversos
tipos do lótus], os quais muito embora nascidos na lama, não são ma-
culados pela lama. Com qualquer pessoa que estude o Todo-
Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, acontece o mesmo. Embora a
pessoa tenha impurezas, mesmo assim ela não é manchada por elas.
Por que não? Em razão do poder (de alguém) que conhece a Natureza-
do-Tathagata. Por exemplo, oh bom homem! Existe uma terra onde há
uma grande corrente de vento frio. Se ele entra em contato com o
corpo e os poros da pele dos seres, ele acaba com toda a preocupação

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 277


(mal estar) da falta de umidade. O mesmo acontece com este Sutra
Mahayana do Grande Nirvana. Ele penetra os poros da pele dos seres e
engendra as delicadas relações [causais] da Iluminação. Todavia, a situ-
ação é diferente com o icchantika. Por quê? Porque ele não é um re-
ceptáculo do Dharma.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, um bom médico


conhece oito tipos de remédios e cura as doenças, exceto a asadhya
[doença incurável]. A mesma situação ocorre com os sutras, dhyanas e
samadhis. Eles curam todas as impurezas da cobiça, indolência e igno-
rância, e de fato extraem as flechas envenenadas, mas não podem
curar as quatro graves ofensas e os cinco pecados mortais.

Oh bom homem! Também, existe um bom médico que conhece para


além dos oito tratamentos, através dos quais ele efetivamente cura
todas as doenças dos seres. Somente a asadhya ele é incapaz de curar.
O mesmo é o caso com esse Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Ele
verdadeiramente cura as preocupações dos seres e lhes permite des-
cansar em paz na causa toda-maravilhosa do Tathagata [a causa que os
faz tornarem-se Tathagatas], e faz com que aqueles que ainda não
aspiraram à Iluminação venham a aspirá-la, exceto o icchantika, que
tem a certeza de morrer.

Também, além disso, oh bom homem! Um bom médico pode realmen-


te curar o cego com remédios maravilhosos, e o cego passará a ver
todas as formas do sol, da lua e das constelações. Somente aqueles
congenitamente cegos ele não pode curar. O caso é como este. Seme-
lhante ao que ocorre com o Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Ele
abre os olhos dos Sravakas e Pratyekabudas, concede-lhes os olhos da
Sabedoria e permite-lhes descansar em paz no inumerável grande nú-
mero de sutras Mahayana. Mesmo aqueles que não aspiravam à Ilumi-
nação, bem como aqueles que cometeram as quatro graves ofensas e
os cinco pecados mortais, podem também aspirar à Iluminação, exceto
os congenitamente cegos icchantikas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 278


Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, um bom médico
conhece oito tipos de tratamentos e cura todas as doenças e dores dos
seres. Vários tipos de tratamentos e remédios são prescritos de acordo
com a doença. No caso de vômitos e intestino solto, o remédio pode
ser espalhado sobre o corpo e aspergido no nariz, ou se usa a cauteri-
zação ou um remédio para assepsia, ou o remédio é administrado na
forma de pílulas ou pó. O remédio pode ser dado de todas essas ma-
neiras. Ainda assim, o pobre e ignorante não deseja tomá-lo. Sentindo
piedade deles, o bom médico os leva para a sua própria casa e obriga-
os a tomar o remédio. Devido ao poder do remédio, a doença desapa-
rece. Existe uma paciente mulher, cujo cordão umbilical não saiu. Após
o remédio ter sido tomado, o cordão sai imediatamente e faz com que
a criança se sinta tranqüila. O mesmo acontece com esse Sutra Maha-
yana do Grande Nirvana. Onde quer que ele vá, seja na casa de qual-
quer ser, todas as preocupações são erradicadas, tais como aquelas das
quatro graves ofensas e dos cinco pecados mortais, e aqueles que ain-
da não aspiram à Iluminação despertam para ela, exceto o icchantika.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! As


quatro graves ofensas e os cinco pecados mortais são, de fato, a mais
grave de todas as doenças. É como cortar o caule da árvore, que tem
como resultado o não aparecimento de novos ramos. Como pode uma
mente sem aspiração à Iluminação abrigar a causa da Iluminação?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, essas pessoas têm so-
nhos nos quais elas caem no inferno, sofrem dores lá e se arrependem
dizendo: ‘Oh, essa dor! Nós as provocamos e as atraímos para nós
mesmos. Se pudermos sair disto, certamente cuidaremos da Ilumina-
ção. O que temos (aqui) é o pior [dos sofrimentos]’. Despertando do
seu sonho, eles vêm a enxergar a grande recompensa do Dharma Ma-
ravilhoso aguardando-lhes. É como no caso da criança que gradual-
mente cresce e pensa: ‘Esse é o médico que melhor entende de pres-
crições e medicamentos. Quando eu ainda estava no útero, ele medi-
cou a minha mãe. Como conseqüência disso, ela ficou em paz e, em
razão desses fatores circunstanciais, fiquei fora de perigo. Oh, quão
Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 279
terrível que minha mãe tenha sofrido grandes dores. Por dez meses ela
protegeu-me e carregou-me. Após o meu nascimento, ela cuidou para
que eu não ficasse muito seco ou muito molhado, vendo através das
minhas excreções; ela deu-me leite e alimentou-me. Por tudo isto,
devo lhe retribuir o meu débito, ver os seus sentimentos, ser obediente
e servir-lhe’.

Uma pessoa pode ter cometido as quatro graves ofensas e os cinco


pecados capitais. Mas se no momento da sua passagem deste mundo
(na morte) ela pensa neste Sutra Mahayana do Grande Nirvana, isto irá
gerar a causa da iluminação, mesmo que a pessoa possa estar no infer-
no, ou nasça como um animal, espírito faminto, ou nasça nos céus ou
como um humano, exceto o icchantika.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, um bom médico e


o seu filho sabem muito e superam de longe os outros. Eles conhecem
encantos maravilhosos e antídotos para venenos. O caso pode ser a-
quele das serpentes de veneno mortal, a naga ou a víbora, mas o efeito
dos seus encantos medicinais salva. Esse bom remédio é espalhado
numa bota de couro e, se a bota tocar o veneno, este perderá a sua
virulência, exceto para aquele (veneno) da ‘mahanaga’. O mesmo a-
contece com o Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Aqueles seres que
cometeram as quatro graves ofensas ou os cinco pecados mortais,
todos são desintoxicados e atingem a Iluminação. Isto é análogo ao
couro desentoxicado da bota. Uma pessoa que não tem o Bodhichitta
adquire-o e desperta para a insuperável Iluminação. Tudo isto vem a
ocorrer através do efeito do remédio divino do Sutra Mahayana do
Grande Nirvana. Todos os seres são colocados em paz, exceto a maha-
naga e o icchantika.

Também, além disso, oh bom homem! Um homem pode ter inventado


uma nova poção e espalhado-a sobre um tambor que, quando é batido
em meio à multidão, faz com que o som os arrebate. Ninguém deseja
ouvi-lo. Mas qualquer um que não o ouça morre, exceto ele (o icchan-
tika) que é imune à morte. O mesmo é o caso com este Sutra Mahaya-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 280
na do Grande Nirvana. Qualquer pessoa, de qualquer lugar ou profis-
são, ao ouvir este som, acaba com todas as impurezas como a cobiça, a
indolência e a ignorância. Pode haver aqueles que não pensam a res-
peito dele, mas em razão do grande poder gerado pelo Sutra do Gran-
de Nirvana, as impurezas desaparecem e as amarras se rompem.
Mesmo aqueles das quatro graves ofensas e dos cinco pecados mor-
tais, quando ouvem este sutra, geram a causa da Iluminação Insuperá-
vel e, gradativamente, cortam as amarras das impurezas, exceto o ic-
chantika que é imune à morte.

O Alvorecer do Grande Nirvana

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, conforme o cre-


púsculo cai, todos param de trabalhar. Uma pessoa cujo trabalho não
terminou sempre espera pelo alvorecer. Aqueles que praticam o Ma-
hayana praticam todos os tipos de sutras e samadhis, mas eles sempre
esperam o alvorecer do Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Ouvindo
este ensinamento secreto do Tathagata, eles dão origem às ações para
a Iluminação, e então vêm a residir no Dharma Maravilhoso. Isso é
como no caso da chuva que cai do céu sobre todas as coisas, umedece-
as, beneficia e desenvolve-as, e uma rica colheita resultará de tal ma-
neira que acabe com a fome. O mesmo é o caso com a incrível abun-
dância da chuva secreta do Dharma do Tathagata. Ela realmente acaba
com as febres. O aparecimento deste sutra no mundo é como a fruta
que beneficia e torna todos felizes, permitindo aos seres ver a Nature-
za-do-Tathagata. De todas as flores do Dharma, 8.000 Sravakas foram
abençoados com a sua profecia [para o Estado de Buda] e alcançaram a
grande fruição. No outono é feita a colheita, no inverno o armazena-
mento, e nada mais há a fazer. O mesmo acontece com o icchantika.
Com todas as boas leis [dharmas], nada mais há a fazer.

Também, além disso, oh bom homem! Existe um médico que ouve que
o filho de certa pessoa está possuído por um demônio. Assim, ele envia

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 281


um mensageiro com um remédio maravilhoso, dizendo-lhe: ‘Pegue
este medicamento e dê à pessoa. Se a pessoa estiver com vários de-
mônios das más concepções (visões distorcidas), a virtude desse remé-
dio irá afastá-los. Se você se demorar a ir, irei eu mesmo. Não quero
que esse menino morra. Se a pessoa que está doente vir o mensageiro
e esta minha virtude, todas as preocupações desaparecerão e haverá
paz’. O mesmo é o caso com esse Sutra Mahayana do Grande Nirvana.
Se todos os Monges, Monjas, Leigos, Leigas, e mesmo os Tirthikas,
mantiverem esse sutra, lerem-no, compreenderem-no e o expuserem
para as outras pessoas, copiarem ou pedirem para outros copiarem-no,
todas essas ações se tornarão a causa para a Iluminação. Mesmo aque-
les que cometeram as quatro graves ofensas e os cinco pecados mor-
tais, ou aqueles que são capturados pelos ímpios demônios, ou vene-
nos, ou maldades, tão logo ouçam este sutra, acabarão com todas as
maldades. Isto é exatamente como no caso daquele médico, ao ver
todos aqueles demônios fugirem. Saiba que essa pessoa é um grande
Bodhisattva. Por quê? Porque ele está apto a ouvir o Sutra do Grande
Nirvana mesmo que por um instante; também, porque ele pensa sobre
a eternidade da Natureza-do-Tathagata. Qualquer um que o tenha [isto
é, este sutra], mesmo que por um instante, ganha esses benefícios.
Quanto mais não seria o caso quando copiamos, ostentamos, prote-
gemos e o lemos? Com exceção dos icchantikas, todos [acima] são
Bodhisattvas.

Também, além disso, oh bom homem! É como no caso de uma pessoa


surda, que não pode ouvir. O mesmo ocorre com o icchantika. Tam-
bém, mesmo que ele deseje ouvir o ensinamento deste sutra maravi-
lhoso, ele não pode. Por que não? Porque ele não plantou a semente
para ele (o ensinamento).

O Grande Médico Habilidoso

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 282


Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, um bom médico
conhece tudo sobre remédios e prescrições. Além do mais, ele possui
um extensivo conhecimento de inumeráveis encantamentos. Esse mé-
dico, recebido em audiência pelo rei, disse: ‘Oh Rei! Você tem uma
doença que levará a sua vida’. O rei respondeu: ‘Você não olhou dentro
de mim. Como você pode dizer que eu tenho uma doença que certa-
mente levará a minha vida?’ O médico ainda disse: ‘Se você não acredi-
ta em mim, por favor, tome esse purgativo. Uma vez que o tenha to-
mado, você, Rei, poderá olhar dentro de si mesmo’. O rei, deliberada-
mente, não tomou o purgativo. O bom médico, através de encanta-
mento, utilizou-se de meios [para mostrar] que, nas partes escondidas
do corpo do rei, erupções e abscessos surgiram, e também pus mistu-
rado com vermes e sangue. Vendo isto, o rei ficou muito assustado e
elogiou a habilidade do médico: ‘Bem feito, bem feito! Eu não aceitei o
que dissera antes. Agora sei que você faz grandes coisas para mim’. Ele
então passou a respeitar o médico como seu próprio pai. O mesmo
acontece com este Sutra Mahayana do Grande Nirvana. De todos os
seres, se ambiciosos ou não, este sutra extrai as impurezas. Todos es-
ses seres vêem este sutra mesmo nos seus sonhos, o respeitam e fa-
zem oferecimentos a ele. Isto é semelhante ao rei que respeita o médi-
co habilidoso. Esse grande médico habilidoso não diagnostica uma
pessoa que certamente está para morrer. O mesmo é o caso com este
Sutra Mahayana do Grande Nirvana. A exceção é o icchantika: ele não
tem meios de ser curado.

Também, além disso, oh bom homem! Um bom médico conhece oito


formas de tratamento e cura todas as doenças. Mas ele não pode curar
uma pessoa que esteja à beira da morte. O mesmo se passa com todos
os Budas e Bodhisattvas. Eles curam todas as pessoas pecadoras. So-
mente uma pessoa à beira da morte, isto é, o icchantika, não pode ser
curada.

O Mestre da Arte Suprema

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 283


Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, um bom médico é
versado em todos os sutras e artes. Seu conhecimento é tão extensivo
que ele vai além dos oito [tipos de métodos de tratamento]. Ele ensina
o que sabe para o seu filho. Ele faz o seu filho tornar-se familiarizado
com todas as ervas medicinais dos lugares alagados, terras, montanhas
e vales. Ele ensina-lhe por etapas, expõe-lhe os oito tipos; e então, ele
finalmente o torna familiarizado com a Arte Suprema. O mesmo é o
caso com o Tathagata, o Merecedor de Ofertas e Todo-Iluminado. Pri-
meiro, ele recorre a um expediente e faz com que seus filhos, isto é
seus Monges, aniquilem todas as impurezas e aprendam a residir num
pensamento da impureza do corpo e também num pensamento da
instabilidade (impermanência) [de todos os dharmas/leis]. Falamos de
‘lugares alagados’ e ‘vales da montanha’. Por ‘água’ deve-se entender
que o sofrimento do corpo é como espuma aquosa, e por ‘terra’ deve-
se entender a instabilidade do corpo, como aquela (instabilidade) da
bananeira. Por ‘vale da montanha’ deve-se entender a prática do altru-
ísmo, vivendo como alguém completamente vestido (encoberto) pelas
impurezas. Por essa razão, o corpo é chamado ‘destituído do eu’. Assim
o Tathagata, passo a passo, ensina aos seus discípulos os nove tipos de
sutras e os faz compreender-lhes completamente, e após isso ele ensi-
na o Dharma Secreto do Tathagata. Para o benefício dos seus filhos, ele
fala sobre a Eternidade do Tathagata. O Tathagata assim expõe o Sutra
Mahayana do Grande Nirvana. Para o benefício de ambos, aspirantes e
não-aspirantes, ele provoca-lhes a causa da Iluminação, exceto para o
icchantika. Dessa forma, oh bom homem, esse Sutra Mahayana do
Grande Nirvana é uma coisa indescritivelmente, ilimitadamente e toda-
maravilhosamente rara. Saiba que este (sutra) é o insuperável médico,
o mais honrado, o mais supremo Rei de todos os sutras.

Também, além disso, oh bom homem! Uma ilustração! É como o caso


de um grande navio que navega desta margem para a outra e da outra
margem para esta. A verdadeira Iluminação do Tathagata é também
assim. Viajando no navio-do-tesouro do Mahayana do Grande Nirvana,
ele (o Tathagata) navega vindo e indo, salvando todos os seres. Em
todos os lugares, se houver pessoas qualificadas para serem salvas, ele
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 284
permite-lhes ver o corpo do Tathagata. Assim, chamamos o Tathagata
de Insuperável Mestre Marinheiro. Por exemplo, um navio tem um
Mestre Marinheiro. Se existir um Mestre Marinheiro, haverá seres que
[poderão] atravessar o grande oceano. O Tathagata é Eterno, aquele
que salva os seres.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, existe um homem


que pode desejar viajar no grande mar em um grande navio, e atraves-
sar aquele mar. Se o vento for favorável, ele poderá navegar uma dis-
tância de imensuráveis yojanas num curto período de tempo. Se não,
ele terá que ficar e esperar por um longo tempo, não se movendo o
mínimo que seja do seu local de origem. Ou então, o navio pode que-
brar e uma pessoa pode afogar-se nas águas e morrer. Assim os seres
flutuam no grande oceano da vida e morrem de ignorância. Mas se o
navio daquilo que é criado encontra-se com o vento favorável do Ma-
haparinirvana, uma pessoa pode alcançar a outra margem da Insupe-
rável Iluminação. Se não, ela terá que repetir inumeráveis nascimentos
e mortes e, às vezes, o navio poderá quebrar e ela terá que cair em
reinos como os do inferno, animalidade e dos espíritos famintos.

O Rei do Vento

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, existe um homem


que, não encontrando o rei do vento, permanece por longo tempo no
mar. Ele pensa: ‘Encontrarei minha morte aqui’. Conforme ele pensa
isso, ele encontra um vento benevolente e, através dele, atravessa o
mar. Ou ele pode pensar: ‘Esse vento é bom. Ele é uma coisa rara. Ago-
ra podemos atravessar o mar seguramente, despreocupados com
quaisquer dificuldades’. Assim, todos os seres, por longo tempo, vivem
sobre o mar do nascimento, da morte e da ignorância; lutando contra a
pobreza e as privações, não encontrando ainda um grande vento do
Nirvana como este, e pensam: ‘Certamente cairemos nos reinos do
inferno, da animalidade e dos espíritos famintos’. Conforme esses seres

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 285


pensam isso, eles encontram o vento do Sutra Mahayana do Grande
Nirvana e, no transcorrer do tempo, alcançam a Iluminação Insuperável
e, encontrando a Verdade, concebem um pensamento raro e expres-
sam elogios: ‘Isso é felicidade! Desde há muito eu ainda não havia en-
contrado ou ouvido sobre esse Repositório Secreto do Tathagata’. Des-
sa forma, eles adquirem uma fé pura neste Sutra do Grande Nirvana.

A Pele da Serpente

Também, além disso, oh bom homem! Você acha que a morte vem ou
não para a serpente conforme ela troca a sua pele?”

“Não, oh Honrado pelo Mundo!”

“Oh bom homem! O mesmo é o caso com o Tathagata. Ele utiliza-se de


um expediente, manifesta-se e descarta o não-eterno, o corpo enve-
nenado. Você acha que o Tathagata é não-eterno e morre?”

“Não é a palavra, oh Honrado pelo Mundo! O Tathagata abandona seu


corpo neste Jambudvipa como um expediente. O caso é como o de
uma serpente que troca (e abandona) a sua pele velha. Este é o porquê
dizermos que o Tathagata é Eterno.”

Também, além disso, oh bom homem! Um ourives pega em suas mãos


um peça de ouro de boa qualidade e faz várias coisas conforme deseja.
O mesmo é o caso com o Tathagata. Ele manifesta-se nas 25 existên-
cias, em várias formas, e assim ensina os seres e os conduz através do
mar do nascimento e da morte. Esta é a razão de dizermos que o Ta-
thagata tem um corpo ilimitado. Assim, ele manifesta-se de várias for-
mas. Mas ele é eterno; ele é imutável.

Também, além disso, oh bom homem! As árvores da manga e do jam-


bo mudam três vezes num ano. Num tempo, as flores nascem e bri-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 286


lham gloriosamente; num outro tempo, as folhas nascem exuberante-
mente; e ainda num outro tempo, as folhas caem e tudo parece morto.
Oh bom homem! O que isto significa? Essa árvore morre?”

“Não, oh Honrado pelo Mundo.”

“O mesmo é o caso com o Tathagata. Ele manifesta-se nos três mun-


dos nos três tipos [estágios] de corpos. Num tempo, ele nasce; num
outro tempo, ele cresce; num outro tempo ainda, ele manifesta a mor-
te. Mesmo assim, o corpo do Tathagata é não não-eterno (ou seja,
eterno).”

O Bodhisattva Kashyapa elogiou [o Buda] e disse: “Bem falado! Tudo é


como você, o Sagrado, diz. O Tathagata é eterno; nenhuma mudança
advém.”

O Ministro Sábio

“Oh bom homem! Aquilo que o Tathagata diz em termos secretos é


profundo, não é fácil compreender. É como no caso de um grande rei
que ordena aos seus ministros trazerem-lhe ‘saindhava’. A palavra
‘saindhava’ possui quatro significados. Primeiro, ela significa ‘sal’; se-
gundo, ‘utensílio’; terceiro, ‘água’; e quarto, ‘cavalo’. Dessa maneira,
quatro coisas possuem o mesmo nome. Um ministro sábio conhece o
conteúdo dessa palavra. Quando o rei está banhando-se e pede ‘sain-
dhava’, ele lhe dá água. Quando o rei está comendo e pede ‘saindha-
va’, ele lhe dá sal. Quando ele acabou de comer e deseja tomar um
suco e pede ‘saindhava’, ele lhe dá um utensílio. Quando ele deseja sair
em recreação, ele lhe dá um cavalo. Assim, o ministro sábio compreen-
de bem o significado das palavras do grande rei.

A situação é a mesma com este Sutra Mahayana do Grande Nirvana.


Existem quatro não-eternos. O ministro sábio do Mahayana deve co-

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 287


nhecê-los bem. Se o Buda aparece no mundo e diz que ele está a entrar
no Nirvana, o ministro sábio deve saber que o Tathagata está falando
do não-eterno para aqueles que aderem ao ‘ser’ e deseja ensinar os
Monges a praticar o não-eterno. Ou ele pode dizer: ‘O Dharma Maravi-
lhoso está para expirar’. O ministro sábio deve saber que o Tathagata
está falando do sofrimento para aqueles cujo pensamento adere à (o
conceito de) ‘felicidade’, e faz com que os Monges residam num pen-
samento de sofrimento. Ou ele pode dizer: ‘Estou doente agora e com
dor; todos os Monges expiram’. O ministro sábio deve saber que o
Tathagata está se dirigindo àqueles apegados ao ‘eu’ sobre a questão
do altruísmo e deseja fazer com que os Monges pratiquem a idéia de
altruísmo. Ou ele pode dizer também: ‘O assim chamado Vazio é a
verdadeira emancipação’. O ministro sábio deve saber que o Tathagata
pretende ensinar que não existe verdadeira emancipação e as 25 exis-
tências (ao mesmo tempo). Isto é para os Monges praticarem a Vacui-
dade. Dessa forma, a correta emancipação é a Vacuidade e, portanto, é
imóvel. ‘Imóvel’ significa que na emancipação não existe sofrimento.
Portanto, imóvel. Essa verdadeira emancipação é chamada ‘sem-
forma’. Sem-forma significa que não há cor, voz, odor, sabor ou tato.
Assim, não há características. Portanto, a verdadeira emancipação é
eterna e imutável. Com essa emancipação, não há não-eterno, nada
quente, nem preocupações e nem mudanças. Por isso, essa emancipa-
ção é chamada eterna, imutável, pura e fria. Ou ele pode dizer: ‘Todos
os seres possuem a Natureza-de-Buda’. O ministro sábio deve saber
que o Tathagata está falando do Dharma Eterno e deseja que os Mon-
ges pratiquem o aspecto correto do Dharma Eterno. Saiba que qual-
quer Monge que pratique assim a Via é verdadeiramente meu discípu-
lo. Ele de fato penetra o Repositório Secreto do Tathagata, exatamente
como o ministro compreende bem o pensamento do rei. Oh bom ho-
mem! Assim, o grande rei também tem a sua lei secreta. Oh bom ho-
mem! Como poderia ser que o Tathagata não a possuísse? Por essa
razão, é difícil conhecer o ensinamento secreto (oculto) do Tathagata.
Somente um homem sábio pode alcançar as grandes profundezas da-
quilo que eu ensino. Isto é o que os mortais comuns podem bem acre-
ditar.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 288
Também, além disso, oh bom homem! Numa grande seca, as flores da
palasa [butea frondosa], da kanika [premna spinosa] e da asoka [saraca
índica] não dão frutos; também, todas as plantas dos alagados e da
terra morrem ou crescem fracas. Sem umidade, nada pode crescer.
Mesmo os remédios podem tornar-se inúteis. Oh bom homem! O
mesmo é o caso com Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Após a mi-
nha morte, as pessoas não mostrarão respeito (a ele) e não haverá
dignidade ou virtude. Por que não? Aquelas pessoas não conhecem o
Repositório Secreto do Tathagata. Por que não? Porque aquelas pesso-
as nasceram com pouca sorte.

Também, além disso, oh bom homem! Quando o Dharma Maravilhoso


do Tathagata está para desaparecer, pode haver muitos Monges que
façam o mal. Eles nada sabem do Repositório Secreto do Tathagata;
são indolentes, preguiçosos e não sabem como ler os sutras do Dharma
Maravilhoso, como disseminá-los e compreendê-los. Isso é como um
ladrão ignorante abandonando o tesouro verdadeiro e carregando
capim e mato sobre seus ombros. Isto vem do fato de que eles não
compreendem o Repositório Secreto do Tathagata. São preguiçosos e
não fazem esforços nos (na compreensão dos) sutras. Quão lamentável
é que exista esse grande perigo com o qual o mundo se defrontará.
Isso deve ser muito temido. Quão triste é que os seres não dêem ouvi-
dos a este Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Somente todos os Bo-
dhisattvas vêem o verdadeiro significado daquilo que este sutra esta-
belece (determina) e não ficam preocupados com as letras [palavras].
Eles seguem obedientemente e não transgridem. E falam para o bene-
fício dos seres.

O Grande Nirvana na Era da Maldade

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, uma ordenhadei-


ra, com a intenção de obter um lucro exorbitante, adiciona 20% de

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 289


água ao leite e o vende para outra mulher que, novamente, adiciona
20% de água e o vende para uma mulher que vive próximo à cidade-
castelo. Essa mulher adiciona mais 20% de água e o vende para uma
mulher que vive no castelo. Essa mulher compra o leite e leva-o para o
mercado e o vende. Naquela ocasião, havia uma pessoa que receberia
uma mulher para o bem do seu filho. Ele queria usar um bom leite para
servi-lo à sua hóspede. Ele foi ao mercado e queria comprar algum
(leite). A vendedora do leite pediu o preço normal. O homem disse:
‘Esse leite contém um bocado de água. Então, ele não vale o preço
normal. Hoje eu tenho que receber uma visita. Então vou comprá-lo’.
Chegando com esse leite em casa, ele cozinhou um mingau de cereais,
mas o mesmo não tinha o sabor do leite. Embora ele não tivesse qual-
quer sabor do leite, ele era de longe melhor que qualquer coisa amar-
ga; era mil vezes melhor. Por quê? Porque dentre todos os sabores, o
do leite é o melhor.

Oh bom homem! Quando eu morrer, durante os 80 anos quando o


Dharma Maravilhoso ainda não tiver expirado, este sutra será ampla-
mente propagado no Jambudvipa. Naquela ocasião, haverá muitos
Monges mal intencionados que dividirão esse sutra em partes e o sim-
plificarão de tal maneira que a cor, o sabor, a beleza e o paladar do
Dharma Maravilhoso serão perdidos. Todas essas más pessoas lerão
este sutra, espoliarão o profundo e essencial significado do Tathagata,
introduzirão palavras meramente pretensiosas, decorativas e sem sen-
tido que dizem respeito ao mundo. Eles arrancarão a parte da frente e
a adicionarão à parte de trás do sutra, ou pegarão a parte de trás e a
adicionarão à da frente, ou colocarão as partes da frente e de trás no
meio e o meio na frente e atrás. Saiba que tais Monges são amigos de
Mara. Eles receberão e guardarão todas as coisas impuras e dirão que
o Tathagata deu-lhes permissão para agirem assim. Isto é como a or-
denhadeira que adicionou água ao leite. Ocorrerá o mesmo com esses
Monges maldosos. Eles adicionarão palavras da vida mundana, espolia-
rão as palavras estabelecidas e corretas dos sutras, e obstruirão o aces-
so dos seres aos sermões corretos, às cópias corretas, à compreensão

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 290


correta, honrando, reverenciando, fazendo oferecimentos e respeitan-
do [os sutras].

Em razão da busca pelo ganho, esses Monges mal intencionados não


disseminarão esse sutra. O mundo em que os seus benefícios serão
obtidos será tão limitado que não merece ser mencionado. Isto é como
no caso da pobre ordenhadeira que adiciona água ao leite e o vende de
tal maneira que o mingau que será feito mais tarde não terá o sabor do
leite. O mesmo é o caso com esse Sutra Mahayana do Grande Nirvana.
O seu paladar será gradualmente diminuído e [eventualmente] ne-
nhum sabor restará. O espírito partirá; e ainda assim ele será 1.000
vezes melhor que os outros sutras. É como com o leite diluído, que
ainda é 1.000 vezes melhor do que qualquer coisa amarga. Por que é
assim? Porque esse Sutra Mahayana do Grande Nirvana é o melhor
dentre todos os sutras da classe dos Sravakas. É como com o leite, que
é o melhor de todos os sabores. Por essa razão, dizemos Grande Nirva-
na.

Também, além disso, oh bom homem! Todos os bons homens e boas


mulheres desejam nascer como um homem. Por que é assim? Porque
as fêmeas são os ninhos da maldade. Também, é como no caso da
água de mosquitos e moscas, a qual não pode umedecer essa grande
terra. Além disso, o apetite sensual das fêmeas nunca pode ser satisfei-
to. Isto é como se transformássemos a grande terra numa bola e então
a comprimíssemos num pequeno comprimido. Ainda que esse grande
número de pessoas pudessem se divertir sensualmente com uma fê-
mea, ela nunca ficaria saciada. Mesmo se pessoas tão numerosas
quanto às areias do Rio Ganges se divertissem com uma mulher, não
haveria satisfação [da parte da mulher]. Oh bom homem! Como um
exemplo, é como o que ocorre com o grande mar, para o qual fluem as
gotas da chuva dos céus e as águas dos rios, e ainda assim as águas do
mar nunca indicam que o mesmo está cheio. O mesmo é o caso com
uma mulher. Por exemplo, mesmo que todas as pessoas fossem trans-
formadas em machos e tivessem relações carnais com uma mulher,
ainda não haveria suficiência [da parte da mulher]. Também, além
Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 291
disso, oh bom homem! A asoka, a patala e a kanika dão suas flores na
primavera, quando as abelhas se juntam em torno das suas cores, chei-
ro e delicado sabor, e não há satisfação da parte delas. O mesmo se
passa com uma fêmea que deseja ter um macho. Oh bom homem! Por
esta razão, todos os homens e mulheres que ouvem os ensinamentos
desse Sutra Mahayana do Grande Nirvana devem sempre evitar a for-
ma feminina e buscar a masculina. Por que é assim? Este sutra Maha-
yana pode ser comparado a um macho. O ponto é que ele tem a Natu-
reza-de-Buda. Se não conhecemos a Natureza-de-Buda, não podemos
ser chamados de homens. Por que não? Porque não temos a consciên-
cia de que possuímos a Natureza-de-Buda dentro de nós. Qualquer
pessoa que não tenha a consciência de que ela possui a Natureza-de-
Buda é uma mulher. Se ela se conscientiza, ela é um homem. Se qual-
quer mulher sabe que ela possui a Natureza- de-Buda, ela é um ho-
mem. Oh bom homem! Este Sutra Mahayana do Grande Nirvana é
repleto de inumeráveis e ilimitadas virtudes maravilhosas. Como as-
sim? Porque ele revela o Repositório Secreto do Tathagata. Por esta
razão, oh bons homens e boas mulheres, se desejam conhecer rapida-
mente o Repositório Secreto do Tathagata, devem encontrar os meios
e estudar esse sutra.”

Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! É assim, é assim! É


como você, o Buda, disse. Eu agora tenho as características de um ho-
mem, porque agora adentrei o Repositório Secreto do Tathagata. O
Tathagata despertou-me. Em conseqüência, agora certamente entra-
rei.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! O que você
conhece do insuperável sabor do Dharma é profundo e difícil de pene-
trar. Mesmo assim, você conhece bem. Você age como a abelha. Tam-
bém, além disso, oh bom homem! É como no caso da água do pântano
na qual os mosquitos vivem e que não serve para molhar essa terra. O
mesmo será o caso no futuro com a propagação deste sutra no mundo.
É exatamente como o terreno pantanoso onde os mosquitos vivem.
Quando o Dharma Maravilhoso tornar-se extinto, este sutra tornar-se-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 292
á extinto nesta terra (Índia). Saiba que isto é o declínio da fortuna deste
sutra. Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, após o ve-
rão vem o outono, quando as chuvas outonais caem uma após a outra.
O mesmo é o caso com esse Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Para
o benefício dos Bodhisattvas do sul, a disseminação se procederá am-
plamente, e haverá a chuva do Dharma, a qual umedecerá completa-
mente a terra. Quando o Dharma Maravilhoso estiver para tornar-se
extinto (naquela terra – Índia), ele irá para a Kashemira e nada restará.
Ele entrará na terra e tornar-se-á extinto. Pode haver uma pessoa que
seja fiel ou uma pessoa que não seja. O doce sabor de todos esses su-
tras Mahayana Vaipulya então afundará no chão. Quando o sutra [Ma-
haparinirvana] morrer, todos os outros sutras Mahayana morrerão
também. Se este sutra é perfeito, ele é nada mais que o elefante rei
dos homens. Todos os Bodhisattvas devem saber que o insuperável
Dharma Maravilhoso do Tathagata está prestes a extinguir-se em bre-
ve.”

Então Manjushri disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora,


Cunda tem alguma dúvida. Por favor, oh Tathagata, explique uma vez
mais e acabe com [essa] dúvida.”

O Buda disse: “Oh bom homem! O que você quer dizer com ‘uma men-
te que duvida’? Fale! Eu explicarei [o assunto].”

Manjushri disse: “Cunda tem uma dúvida em seu pensamento com


relação à natureza eterna do Tathagata, devida ao poder de ser capaz
de ver a Natureza-de-Buda. Se é o caso que existe o eterno quando a
Natureza-de-Buda é vista, deve existir o não-eterno quando ela não é
vista. Se a base é o não-eterno, esse não-eterno persistirá. Por quê? A
lei do mundo é que uma coisa vem a existir sobre aquilo que não exis-
tia antes. O que existiu antes não é mais agora [não mais existe]. Todas
as coisas que se procedem assim são não-eternas. Portanto, não pode
haver diferença entre o Buda, o Bodhisattva, o Sravaka e o Pratyeka-
buda.”

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 293


Então o Buda disse em versos (gatha):

“O que originalmente foi, agora não é mais;


o que originalmente não foi, agora é;
Nada pode existir como ‘é’
sucedendo-se nos Três Tempos [do passado, do presente, e do futu-
ro].”

“Oh bom homem! Por esta razão, pode haver diferença entre o Buda,
o Bodhisattva, o Sravaka e o Pratyekabuda; e não pode haver diferen-
ça.”

Manjushri elogiou [o Buda] e disse: “Isso é bom, é exatamente como


você, o Sagrado, diz. Eu agora, pela primeira vez, venho saber que há
casos de diferença entre os Budas, Bodhisattvas, Sravakas e Pratyeka-
budas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Buda, diz que por natureza não existe diferença entre as natu-
rezas do Buda, Bodhisattva, Sravaka e Pratyekabuda. Por favor, oh
Tathagata! Condescenda a falar [disto] em detalhes, explique-o am-
plamente, e conceda benefícios e paz para todos os seres.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Ouça atentamente, ouça atentamen-


te! Eu agora o explanarei para você. Como um exemplo: existe aqui um
homem rico. Ele tem muitas vacas, que são de várias cores. Ele sempre
tem um homem cuidando e conduzindo-as. Este homem, certa vez por
ocasião de um serviço religioso, ordenhou todas as vacas e derramou o
leite num recipiente. O leite de todas essas vacas é branco. Ele vê isso e
fica surpreso. ‘A cor dessas vacas varia. Como é que a cor do leite é
branca, tudo igual’? O homem pensa e vem a compreender que em
razão do carma passado e das relações causais dos seres, a cor do leite
torna-se uma só. Oh bom homem! O mesmo se passa com todos os
Sravakas, Pratyekabudas e Bodhisattvas. O fato de todos eles possuí-
rem a mesma Natureza-de-Buda é como com o leite. Por que é assim?
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 294
A razão é que todas as ‘asravas’ [impurezas, manchas, ‘afluxo’ de pen-
samentos e emoções insalubres] são eliminadas. E, no entanto, existem
diferenças entre o Buda, Sravaka, Pratyekabuda e Bodhisattva. Mas
todos os Sravakas e mortais comuns duvidam e dizem: ‘Como poderia
ser de não haver diferença entre os três veículos’?

Todos os seres, após um longo tempo, vêm a compreender que todos


os três veículos possuem igualmente a Natureza-de-Buda. O caso é
semelhante àquele do leite, que aparece como ele é devido ao carma
passado. Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, quando
o ouro é tratado [fundido] num forno, a escória é descartada. Quando
fundido novamente, o ouro depura e o seu preço torna-se inestimável.
Oh bom homem! O mesmo se passa com Sravakas, Pratyekabudas e
Bodhisattvas. Todos podem chegar à mesma Natureza-de-Buda. Por
quê? Porque se acabou com as impurezas. É como acabar com a escó-
ria do lingote de ouro. Assim, todos os seres possuem a mesma Natu-
reza-de-Buda. Quando ouvimos pela primeira vez sobre o Repositório
Secreto do Tathagata, e quando mais tarde atingirmos o Estado de
Buda, nós, ao longo do tempo, viremos a conhecer este fato. Isto é
como no caso do leite do homem rico, no qual a unicidade da qualida-
de do leite torna-se aparente. Por quê? Porque se acabou com os inu-
meráveis bilhões de impurezas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


todos os seres possuem a Natureza-de-Buda, que diferença existe en-
tre o Buda e os [outros] seres? Se as coisas são explicadas dessa manei-
ra, dúvidas podem surgir. Se todos os seres possuem a Natureza-de-
Buda, então Shariputra (que era um Sravaka/Ouvinte) adentra o Pari-
nirvana com um Nirvana [apenas] de pequeno porte, o Pratyekabuda
com um Nirvana de médio porte, e o Bodhisattva adentra o grande
Nirvana? Se eles possuem a mesma Natureza-de-Buda, como poderia
ser que eles não adentrassem [o Nirvana] como no caso do Tathaga-
ta?”

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 295


“Oh bom homem! O Nirvana atingido por todos os Budas-Honrados-
pelo-Mundo não é aquele que Sravakas e Pratyekabudas atingem. Este
é o porquê dizermos que ‘Mahaparinirvana’ é a ‘boa existência’. Mes-
mo se não houver Buda no mundo, não é o caso em que os dois veícu-
los não ganham dois Nirvanas.”

Kashyapa ainda disse: “O que isto pode significar?”

O Buda disse: “Há inumeráveis, ilimitados asamkhyas de kalpas atrás,


existiu um Buda que apareceu no mundo e apresentou os três ensina-
mentos dos três veículos. Oh bom homem! Como não existe diferença
entre os Bodhisattvas e os dois veículos, acerca do que você indaga?
Devo dizer que já expliquei [isto] quando falei do Grande Nirvana do
Repositório Secreto do Tathagata. Todos os Arhats não têm elementos
de bondade. Por quê? Porque eles são aqueles que ganham o grande
Nirvana (residual). Por essa razão, existe a benção ulterior no Mahapa-
rinirvana. Este é o porquê dizemos ‘Mahaparinirvana’.”

Kashyapa disse: “Como você, o Buda, ensinou-me, agora eu, pela pri-
meira vez, compreendi os pontos de diferenaça e não-diferença. Co-
mo? Porque todos os Bodhisattvas, Sravakas e Pratyekabudas atingirão
o Mahaparinirvana no futuro. Isto é como acontece com todos os rios
correndo para o oceano. Este é o porquê dizemos que os Sravakas e
Pratyekabudas são eternos e não não-eternos. Em razão disto, há dife-
rença e não há diferença.”

Kashyapa disse: “Como é que existe uma diferença na natureza [do


Nirvana]?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O Sravaka é como o leite, o Pratyeka-


buda é como a nata, o Bodhisattva é como a manteiga, e o Buda-
Honrado-pelo-Mundo é como a sarpirmanda. Este é o porquê dizemos
que há quatro tipos de diferentes naturezas no Grande Nirvana.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 296


Kashyapa falou novamente: “Quais são as características da natureza
de todos os seres?”

O Buda disse: “Oh bom homem! É como no caso de uma vaca que é
recém-nascida e não há diferença entre leite e sangue. O mesmo é o
caso com a natureza dos seres, a qual contém todas as impurezas.”

Kashyapa ainda disse: “No Castelo de Kushinagar havia um candala


chamado ‘Joy’. Quando essa pessoa aspirou à Iluminação, o Buda pro-
fetizou que ele atingiria a Iluminação Insuperável durante a sua vida
neste aeon de 1.000 Budas. Por que é que o Buda não fez uma profecia
e disse de uma vez que o venerável Shariputra e Maudgalyayana atingi-
riam a Iluminação?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Sravakas, Pratyekabudas e Bodhisatt-


vas podem fazer votos: ‘Por toda a eternidade, defenderei o Dharma
Maravilhoso e atingirei o Estado de Buda’. Quando eles fizerem os seus
votos, Eu lhes darei a sua profecia instantaneamente. Também, além
disso, oh bom homem! Como um exemplo: um mercador possui um
tesouro inestimável. Ele o leva para o mercado e o vende. Os ignoran-
tes, não sabendo o que era, riam para ele. O proprietário do tesouro
diz: ‘Esse tesouro é inestimável’. Ouvindo isto, riram novamente. As
pessoas, não sabendo o valor desse tesouro, dizem que ele é mera-
mente uma peça de cristal. O mesmo se passa com Sravakas e Pratye-
kabudas. Se eles recebem uma profecia (da iluminação) imediata, eles
se tornarão indolentes, rirão e considerarão as coisas levianamente.
Isto é análogo à pessoa ignorante que não conhece o [valor do] verda-
deiro tesouro. Nos dias que virão, certamente haverá muitos Monges
que não farão esforços ou praticarão a Via. Serão pobres e viverão em
circunstâncias difíceis, e sofrerão de fome. Em conseqüência, eles re-
ceberão a ordenação e viverão. Seus pensamentos serão apressados e
eles serão impudentes; viverão da maneira errada, bajularão e dirão
mentiras. Quando eles ouvirem que o Tathagata concedeu profecias da
consecução da iluminação imediata aos Sravakas, eles vão rir com isso,
se comportarão arrogantemente, e até mesmo cometerão calúnia. Isso
Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 297
nada mais é do que uma transgressão dos preceitos. Eles dirão que
atingiram o que os outros não podem. Por essa razão, a Iluminação é
profetizada tão logo o voto é feito, para dizer que haverá a realização
instantânea da Iluminação. E para aqueles que protegem o Dharma
Maravilhoso, uma profecia é concedida para os dias que virão.”

O Bodhisattva Kashyapa ainda disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-


do! Como pode um Bodhisattva evitar romper as relações com os seus
parentes?”

O Buda disse a Kashyapa: “Todos os Bodhisattvas tentam fazer esforços


e proteger o Dharma Maravilhoso. Como resultado, não pode haver a
quebra de relações com aqueles que são seus parentes.”

O Bodhisattva Kashyapa ainda disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-


do! Em quais circunstâncias os seres terão a sua boca secada (calada)?”

O Buda disse a Kashyapa: “Se uma pessoa não sabe que os Três Tesou-
ros sempre existem, em conseqüência a sua boca será secada e quei-
mará. Em razão disto, a boca humana toma o caminho errado e aquela
pessoa torna-se inapta a distinguir os seis sabores que são o doce, a-
margo, pungente, ácido, salgado e suave. Todos os seres são ignoran-
tes, não possuem intelecto e não sabem que existem os Três Tesouros.
Portanto, dizemos: ‘Lábios e boca secaram e queimaram’. Também,
além disso, oh bom homem! Qualquer pessoa que não saiba que o
Tathagata é eterno, tal pessoa é congenitamente cega. Qualquer pes-
soa que saiba que o Tathagata é eterno, embora dotado com olhos
carnais, é alguém que possui os Olhos Celestiais. Também, além disso,
oh bom homem! Qualquer pessoa que saiba que o Tathagata é eterno,
de há muito estudou sutras deste tipo. Eu também digo que essa pes-
soa pertence à classe das pessoas possuidoras dos Olhos Celestiais. Se
uma pessoa não sabe que o Tathagata é eterno, essa pessoa cai na
classe daqueles que possuem meramente os olhos carnais. Esse tipo de
pessoa não conhece as suas próprias mãos e membros, e nem a forma

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 298


de permitir aos outros conhecer. Por esta razão, ele é (dotado apenas)
dos olhos carnais.

Também, além disso, oh bom homem! O Tathagata torna-se o pai para


todos os seres. Como? Todos os seres e várias coisas vivas possuem
dois pés, quatro pés, múltiplos pés ou são sem pés. O Buda fala sobre o
Dharma em uma voz, e todos eles compreendem, exprimem louvores e
dizem: ‘O Tahagata falou somente a mim (sobre) o Dharma’. Por essa
razão, dizemos pai.

Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa dá à luz uma crian-
ça. Após seis meses, ela fala, mas as palavras que ela fala não podem
ser compreendidas. Os pais ensinam-lhe as palavras, primeiro repetin-
do o mesmo som. Passo a passo, as coisas evoluem. É assim. É o caso
que as palavras dos pais possam ser incorretas?”

“Não, Honrado pelo Mundo!”

“O mesmo é o caso com o Buda-Tathagata. Ele ensina o Dharma de


acordo com os vários sons dos seres. No sentido de fazê-los descansar
pacificamente no Dharma Maravilhoso do Buda, ele manifesta-se em
várias formas. O Tathagata fala com a mesma língua. Poderia isso pos-
sivelmente se proceder de uma forma incorreta?”

“Não Honrado pelo Mundo! Por que não? Porque a fala do Tathagata
é como o rugido de um leão. Seguindo os sons do mundo, ele fala so-
bre o Dharma para o benefício dos seres.”

Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 299


Capítulo Dezessete: Sobre Questões Suscitadas pela
Multidão
Então, o Honrado pelo Mundo emitiu luzes de diversas cores como o
azul, vermelho, branco, escarlate e púrpura, as quais resplandeceram
sobre Cunda. Cunda, tendo sido banhado em luz, juntamente com os
seus parentes, pegou todas as delicadas delícias e as carregou para
onde o Buda estava e ofereceu-as ao Tathagata e aos Monges, dese-
jando fazer os últimos oferecimentos. Pegando-as em vários recipien-
tes abarrotados, eles as trouxeram para onde o Buda se encontrava.

Naquela ocasião, existia um deva de grande virtude que chegou lá,


obstruiu o caminho e, permanecendo no local, disse: “Oh Cunda! Espe-
re por um momento, não faça os oferecimentos [ainda]!”

Então o Tathagata novamente irradiou inumeráveis e ilimitadas luzes.


Todos os devas, vendo essas luzes, permitiram a Cunda seguir adiante,
oferecer as coisas ao Buda e, prostrando-se no chão, disse: “Oh Tatha-
gata! Permita a todos os Monges aceitarem os nossos oferecimentos.”

Os Monges, sabendo que aquele era o momento, pegaram seus robes


e tigelas e, segurando-as, mantiveram-se em pensamento único. Então
Cunda assentou vários tipos de tronos de leão cravejados de jóias para
o Buda e para os Monges, içou estandartes e parassóis de seda e, junto
com essas coisas, levou incenso, flores e grinaldas. Naquela ocasião, os
três mil grandes sistemas de mil mundos tornaram-se semelhantes ao
Paraíso [Búdico] Ocidental da paz e felicidade.

Então Cunda, que se encontrava diante do Buda, triste e preocupado,


disse novamente ao Buda: “Oh Tathagata! Por favor, tenha piedade,
permaneça e viva conosco por mais um kalpa ou mesmo menos que
isso.”

Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 301


O Buda disse a Cunda: “Se você deseja ter-me por longo tempo neste
mundo, faça os perfeitos oferecimentos finais.”

Então, todos os Bodhisattvas-Mahasattvas, devas e todos os outros


disseram em uníssono: “Oh, é maravilhoso Cunda, que você tenha
realizado a maior das virtudes. Você a fez tão bem que o Tathagata
aceitou [de você] os oferecimentos finais. Faltou-nos virtude, uma vez
que aquilo que nós fizemos no fim não satisfazia.”

Então o Honrado pelo Mundo, no sentido de satisfazer as pessoas,


expeliu de cada poro da sua pele um Buda. Cada Buda tinha um séqui-
to (acompanhamento) de inumeráveis Monges. Todos esses Budas e
Monges compartilharam de todos os oferecimentos que haviam sido
feitos. O Tathagata Shakya em si tomou aquilo que Cunda lhe presen-
teou. Naquela ocasião, todo o farelo de arroz, todas as comidas bem
cozidas, os oito koku [unidade de medida para cereais e líquidos] de
cereais que eram suficientes para satisfazer bem todo o povo do esta-
do de Magadha foram, devido ao poder divino do Buda, servidos a
todos aqueles que lá estavam congregados. Vendo isto, Cunda ficou
cheio de satisfação; sua alegria era inexprimível. Os corações de todos
aqueles lá congregados sentiram o mesmo.

Estou Sempre Aqui

Então todos aqueles congregados lá, de acordo com o desejo do Buda,


pensaram dessa maneira: “O Tathagata agora aceita os nossos ofere-
cimentos. Tão logo, ele entrará no Nirvana.”

Pensando assim, eles ficaram tanto alegres como tristes. Através do


poder divino do Buda, num espaço do tamanho da ponta de uma agu-
lha, estavam congregados inumeráveis Budas e seus séquitos, todos os
quais sentaram e comeram. O que eles comeram era tudo igual [a
mesma comida], sem diferença.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 302


Então os devas, asuras e todos os outros choraram e ficaram tristes.
Eles disseram: “O Tathagata recebeu os nossos oferecimentos finais.
Tendo recebido-os, ele entrará no Nirvana. A quem faremos ofereci-
mentos agora? Agora, com o insuperável Mestre (Treinador) tendo
partido de nós, somos todos como homens cegos.”

Então o Honrado pelo Mundo, com o propósito de consolar todos a-


queles lá congregados, falou em versos (gatha):

“Não chorem! O Dharma de todos os Budas é assim.


Já há inumeráveis kalpas desde que eu entrei no Nirvana.
Eu já alcancei o melhor dos Êxtases
e me repousei para sempre na paz.

Agora, ouçam com todo seu coração!


Falarei agora sobre o Nirvana.
Eu agora estou apartado do sentido da [degustação da] comida;
eu agora não sinto sede.
Eu agora, para o vosso benefício,
falarei sobre os votos passo a passo
e farei com que todos sejam abençoados com a paz.

Ouçam bem e pratiquem o Dharma eterno de todos os Budas.


Se corvos e corujas viverem numa árvore
e tornarem-se amigos um do outro como irmãos,
eu atingirei o Nirvana para a eternidade.
O Tathagata vê a todos os seres como ele vê Rahula.
Eu sempre serei o mais honrado para todos os seres.
Como eu poderia entrar no Nirvana para toda a eternidade?

Se cobras, ratos e lobos viverem num buraco


e tornarem-se amigos um do outro como irmãos,
eu entrarei no Nirvana para a eternidade.
O Tathagata vê a todos os seres como ele vê Rahula.
Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 303
Ele torna-se sempre o mais honrado pelos seres.
Como ele pode permanecer por longo tempo no Nirvana?

Se a saptaparna [uma planta amarga] se transmutasse em varsika [jas-


mim],
se karu [genciana] se transmutasse em tinduka [diospyros embryote-
ris],
então, eu poderia perfeitamente entrar no Nirvana.
O Tathagata vê a todos como ele vê Rahula.
Como ele poderia abandonar a compaixão
e entrar no Nirvana por um longo tempo?

Se um icchantika pudesse, em seu corpo presente,


atingir a Iluminação e o Êxtase em primeiro-grau,
então certamente eu entraria no Nirvana.
O Tathagata vê a todos como ele vê Rahula.
Como ele poderia abandonar a compaixão
e entrar no Nirvana por um longo tempo?

Se todas as pessoas atingissem a Iluminação ao mesmo tempo


e abandonassem todas as maldades,
eu certamente atingiria o Nirvana.
O Tathagata vê a todos como vê Rahula.
Como ele poderia abandonar a compaixão
e entrar no Nirvana por um longo tempo?

Se a água (impura) dos mosquitos e moscas


pudesse de fato molhar toda a terra
e encher os rios, vales e mares,
eu entraria no Nirvana.
Meu coração compassivo vê a todos como eu vejo Rahula.
Eu sempre sou o honrado de todos os seres,
como eu poderia permanecer longo tempo no Nirvana?

Por esta razão, procurem profundamente pelo Dharma Maravilhoso.


Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 304
Não sejam ansiosos (preocupados) em demasia, não lamentem, não
chorem.
Se você deseja agir corretamente,
pratique a eternidade do Tathagata;
guarde o pensamento de que esse Dharma vive longamente
e que não há mudança.

Também, esteja consciente do fato de que os Três Tesouros são todos


eternos.
Isto originará uma grande proteção.
É como no caso de uma árvore morta que,
como resultado de encantos mágicos, vem a frutificar.
Esses são os Três Tesouros.

Todos vocês, as quatro classes de pessoas! Ouçam bem!


Ao ouvir bem, a alegria nascerá e o Bodhichitta surgirá.
Se os Três Tesouros surgem como (sendo) eternos
e são como ‘Paramartha-satya’ [Realidade Última],
este é o mais supremo dos votos de todos os Budas.”

O Mais Elevado Voto do Tathagata

“Se qualquer Monge, Monja, Leigo ou Leiga aspirar ao mais elevado


voto do Tathagata, saiba que tal pessoa não terá ignorância e será dig-
na de receber oferecimentos. Por força do poder do voto, as virtudes e
frutos das ações daquela pessoa no mundo serão como aquelas de um
Arhat. Alguém que não possa meditar sobre a eternidade dos Três
Tesouros é um candala. Se uma pessoa puder de fato conceber a eter-
nidade dos Três Tesouros, essa pessoa deixará para trás o sofrimento
que surge da causalidade da existência, atingirá a paz, e não haverá
tentação, dificuldades ou problemas de preocupações, os quais ficarão
para trás.”

Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 305


Então, humanos, devas, a grande multidão e os asuras, tendo ouvido
este sermão, ficaram alegres, satisfeitos e inexprimivelmente jubilosos.
Suas mentes ficaram aliviadas com todos os obstáculos removidos, e
nenhum alto ou baixo (sobressalto) era sentido em suas mentes. Suas
grandes virtudes eram puras. Seus semblantes pareciam esplêndidos e
eles conheciam a natureza eterna do Buda. Em razão disto, os devas
fizeram oferecimentos celestiais e espalharam flores de vários tipos;
com incenso em pó, incenso em pasta e com músicas celestiais, eles
fizeram oferecimentos ao Buda.

Então o Buda disse ao Bodhisattva Kashyapa: “Você vê as raras coisas


feitas por essas pessoas?”

Kashyapa respondeu: “Já as vi, oh Honrado pelo Mundo! Eu vi que o


número de Tathagatas é inumerável, ilimitado e incontável; eu vi que
eles receberam os oferecimentos de todas as pessoas, humanos e de-
vas. Também, eles (a multidão) vêem os adornos dos grandes corpos
de todos os Budas, e vêem que, embora o lugar onde eles sentam seja
apenas do tamanho da ponta de uma agulha, um grande número de
pessoas permanecem ao redor e não empurram um ao outro, que
todas as pessoas que estão reunidas recebem votos, sermões proferi-
dos em treze versos (gathas), e que a grande multidão está orando em
suas mentes e estão dizendo: ‘O Tathagata agora aceita os meus ofere-
cimentos’. Mesmo se a comida oferecida por Cunda fosse transforma-
da em partículas de pó e uma partícula fosse oferecida para cada Buda,
ela não seria, de forma alguma, suficiente. Mas o poder divino do Buda
engendrou as coisas de tal modo a permitir que todas as pessoas reu-
nidas aqui recebessem sua parcela.”

Somente os Bodhisattvas Mahasattvas, o Príncipe do Dharma, Manjus-


hri, e outros sabiam que esta coisa rara era [devida a ação] do Tathaga-
ta. Eram expedientes do Tathagata que assim se manifestavam. A
grande multidão de Sravakas e Asuras agora também sabia que o Ta-
thagata era eterno.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 306


A Árvore Medicinal

Então o Honrado pelo Mundo disse a Cunda: “As coisas que você vê
não são raras?”

“Sim, realmente, oh Honrado pelo Mundo! Os inumeráveis Budas que


eu vi, todos possuíam as 32 marcas (sinais) da perfeição e as 80 carac-
terísticas menores de excelência. Eles eram assim adornados. Todos os
Bodhisattvas são grandes no tamanho, todos maravilhosos e seus
semblantes são incomparáveis. Assim eu vi. Somente o corpo do Buda
é como o de uma Árvore Medicinal, circundada por todos os Bodhisatt-
vas.”

O Buda disse a Cunda: “Todos os Budas que você viu diante de você
eram Budas da minha própria transformação [isto é, projeções]. Era
para beneficiar todos os seres e torná-los felizes. Todos esses Bodhi-
sattvas Mahasattvas aqui têm inumeráveis coisas a praticar (fazer).
Todos eles fazem o que os inumeráveis Budas fazem. Oh Cunda! Agora
você realizou (abarcou) o que os Bodhisattvas fazem e está completo
(perfeito) naquilo que o Bodhisattva dos dez ‘bhumis’ (estágios) faz.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Tudo é como você diz. Tudo é como o Buda diz. Os trabalhos de um
Bodhisattva que Cunda realizou alegram-me. Agora o Tathagata, para o
benefício dos inumeráveis seres do futuro, deseja empreender um
grande trabalho e proferiu esse sermão do Sutra Mahayana do Grande
Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Será que os sutras contém mais do
que aquilo que está estabelecido?”

“Oh bom homem! O que estabeleci tem e não tem mais (significado
ou conteúdo) do que estabeleci.”

Cunda disse ao Buda: “Como você, o Buda, diz:

Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 307


‘O que possuo eu dou a todos;
somente reverenciem, mas não espoliem (roubem).’

Oh Honrado pelo Mundo! O que isto significa? Que diferença existe


entre o observador (protetor) e o quebrador dos preceitos?”

O Buda disse: “Exceto para alguns, dê a todas as outras pessoas. Reve-


renciem a todos.”

Cunda indagou: “Quem é aquela pessoa que deve ser excetuada?”

“Por exemplo, a pessoa que quebra os preceitos estabelecidos neste


sutra.”

Cunda ainda disse: “Não compreendi completamente. Por favor, seja


bondoso o bastante para explicar.”

O Buda disse a Cunda: “Quebrar os preceitos refere-se ao icchantika.


Dar coisas a todos os outros deve ser altamente levado em considera-
ção. Isto resultará numa grande fruição.”

Cunda ainda indagou: “O que significa icchantika?”

O Buda disse a Cunda: “Caso algum Monge, Monja, Leigo ou Leiga fale
mal do Dharma Maravilhoso, e cometa graves ofensas, não se arre-
penda, e em sua mente não pense que ele foi mau, essa pessoa inevi-
tavelmente será alguém que estará trilhando o caminho de um icchan-
tika. Qualquer pessoa que tenha cometido pecados graves tais como as
quatro graves ofensas e os cinco pecados mortais, e que, sabendo que
ela transgrediu, nunca tema ou se arrependa e não confesse, que não
está intencionada em proteger, sentir amor e edificar o Dharma Mara-
vilhoso do Buda, mas fale mal dele, menospreze-o e aponte para coisas
[supostamente] erradas, é uma pessoa que está trilhando o caminho
de um icchantika. Também, uma pessoa que diz que não existem coisas
como os Três Tesouros é uma pessoa que está trilhando o caminho de
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 308
um icchantika. Exceto para esses, você deve realmente dar (doar). E
isso é louvável.”

Então Cunda ainda disse ao Buda: “O que é a transgressão dos precei-


tos?”

O Buda disse a Cunda: “Uma pessoa que comete as quatro graves o-


fensas, os cinco pecados mortais e que calunia o Dharma Maravilhoso,
é um transgressor dos preceitos.”

Cunda indagou ainda: “Pode essa pessoa, que transgrediu os preceitos,


ser salva absolutamente?”

O Buda disse a Cunda: “Se fatores circunstanciais se combinarem, essa


pessoa pode de fato ser salva. Se uma pessoa que assumindo o Robe
Budista, não o descarte e seu pensamento sempre se arrependa, tema
e não se afaste, ela vai censurar-se, dizendo: ‘Que bobo fui de cometer
esses graves pecados! Quão estranho que eu deva gerar esse carma!’
Ela se arrepende grandemente. Ela se torna intencionada a proteger o
Dharma Maravilhoso e edificá-lo. ‘Certamente farei oferecimentos a
quem quer que proteja o Dharma. Para qualquer um que recite os
sutras Mahayana, formularei questões, ostentarei e recitarei [aqueles
sutras]. Se compreendê-los bem, falarei deles amplamente para ou-
tros’. Eu digo que essa pessoa não é alguém que tenha quebrado os
preceitos. Por que não?

Oh bom homem! Por exemplo, quando o sol nasce, a escuridão desa-


parece. O mesmo se aplica ao aparecimento no mundo deste todo-
maravilhoso Sutra do Grande Nirvana. Isto aniquila todos os pecados
cometidos através dos inúmeros kalpas passados. Este é o porquê esse
sutra diz que se o Dharma Maravilhoso é obtido, segue-se a grande
fruição e isso salva a pessoa que quebrou os preceitos. Uma pessoa
pode transgredir, mas se ela se arrepende e retorna ao Dharma, ela
pensará: ‘Todas as maldades que perpetramos são como se fizéssemos
maldades a nós próprios’. O medo surge e ela se arrepende: ‘Não pode
Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 309
haver outra salvação senão este Dharma Maravilhoso. Por essa razão,
retornarei e me refugiarei no Dharma Maravilhoso’. Se as coisas se
procedem assim na tomada de refúgio, uma pessoa pode fazer ofere-
cimentos a outro alguém e não haverá fim da boa fruição que surgirá
disto. Também, poderemos dizer que essa pessoa é merecedora de
oferecimentos de todo o mundo. Pode haver uma pessoa que faça
maldade, como estabelecido acima, e após um mês ou quinze dias, não
busque refúgio ou confesse. Se alguém faz oferecimentos a essa pes-
soa, haverá muito pouco mérito decorrente deles. O mesmo acontece
com alguém que cometeu os cinco pecados mortais. Se ele se arrepen-
de, sente-se envergonhado no seu pensamento e diz para si mesmo
que aquilo que ele fez até agora eram todas más ações e causa de
grande sofrimento, e que doravante ele fará tudo o que for possível
para proteger o Dharma Maravilhoso, essa pessoa não cairá dentro da
categoria daqueles que cometeram os cinco pecados mortais. Caso
sejam feitos oferecimentos a essa pessoa, isso acarretará uma inexpri-
mível quantidade de bênçãos. Quando se faz oferecimentos a uma
pessoa que cometeu os pecados mortais e em cuja mente não surge
um único pensamento de proteção ao Dharma e de busca de refúgio,
as bênçãos que podem decorrer não merecem ser comentadas.

Também, oh bom homem! Qualquer pessoa que tenha cometido más


ações deve agora ouvir-me claramente. Agora exporei extensivamente.
Pense dessa maneira: ‘O Dharma Maravilhoso é o Repositório Secreto
do Tathagata. Portanto, o protegerei e o elevarei’. Qualquer um que
faça oferecimentos a essa pessoa será abençoado com suprema virtu-
de. Oh bom homem! Uma mulher concebe uma criança. Quando ela
está para dar à luz, surge uma turbulência na terra e ela foge para o
estrangeiro. Existe um relicário, onde ela dá à luz a sua criança. Mais
tarde, ela ouve sobre o retorno da paz ao seu país e de uma abundante
colheita. Ela pega a sua criança e deseja retornar à sua terra natal. Em
seu caminho está o Ganges, onde o nível da água está alto e há uma
forte correnteza. Tendo a criança [com ela], ela não pode atravessar o
rio. Ela roga em seu pensamento: ‘Não atravessarei o rio sozinha;
mesmo que eu morra, não me separarei da minha criança’. Dizendo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 310
isto, ela se atira na água. Ela morre e mais tarde nasce no céu, por con-
ta do seu coração compassivo em querer proteger a criança. Mesmo
assim, essa mulher foi má de coração. Mas em razão do seu amor ao
filho, ela nasceu no céu. O mesmo se passa com aqueles que comete-
ram as quatro graves ofensas e os cinco pecados mortais. Embora te-
nham feito maldades antes, em razão da proteção ao Dharma, a pes-
soa se torna o melhor campo de méritos para o mundo [isto é, o bem
feito a essa pessoa produzirá felizes resultados cármicos]. Uma pessoa
que protege o Dharma será contemplada com tal inexprimível recom-
pensa.”

Cunda ainda disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Um icchantika pode


arrepender-se, respeitar e fazer oferecimentos aos Três Tesouros. Se
fizermos oferecimentos a essa pessoa, aquilo irá gerar um grande re-
torno?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não indague tais coisas. Por exemplo,
existe um homem aqui que comeu uma manga. Mais tarde, ele pega o
caroço e pensa: ‘Pode haver algo de doce neste caroço’. Então ele o
pega, quebra-o e mastiga-o. O sabor é extremamente amargo e ele
lamenta [sua ação]. Pensando que ele pode perder a semente, ele
volta atrás e planta-o. Ele nutre-o cuidadosamente às vezes com man-
teiga, óleo e leite. O que isto significa? Você pensa que a planta nasce-
rá?”

“Não, oh Honrado pelo Mundo! Ainda que os céus precipitassem a


doce chuva, não haveria nenhuma chance de uma planta nascer.”

“O mesmo é o caso com esse icchantika. A raiz do bem foi queimada.


Como ele pode expiar seu pecado? Oh bom homem! Se um bom pen-
samento surge, não falamos de um ‘icchantika’. Oh bom homem! Por
essa razão, não é verdade que em tudo o que é dado (em oferecimen-
to) não há diferença em seu resultado. Por que não? A coisa dada a um
Sravaka é diferente; assim como o que é dado a um Pratyekabuda.
Somente o que é dado a um Tathagata causa a fruição insuperável.
Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 311
Esse é o porquê digo que não é verdade que não há diferença no resul-
tado dos oferecimentos feitos.”

Cunda ainda disse: “Por que é que o Tathagata pronunciou esses versos
(gatha)?”

O Buda disse a Cunda: “Quando existe razão para tal, eu pronuncio um


sermão. Em Rajagriha, havia certa vez um Monge que não tinha fé e
serviu a um Nirgrantha [Jainista]. E mesmo assim, ele veio a mim e
indagou sobre o significado dos oferecimentos. Esse é o porquê eu
pronunciei esse sermão. Também, para o benefício dos Bodhisattvas-
Mahasattvas, eu falo da doutrina secreta. Qual é o significado desses
versos (gatha)? Eu digo ‘todo’. Mas esse ‘todo’ refere-se a tudo que é
pequeno apenas no tamanho. Saiba que o Bodhisattva-Mahasattva é o
homem dos homens. Ele defende os preceitos e dá o que resulta disto.
Ele abandona a transgressão dos preceitos e erradica as ervas daninhas
[isto é, as impurezas]. Também, além disso, oh bom homem! Isto é
como com o gatha no qual eu disse em tempos passados:

‘Todos os rios têm curvas;


todas as florestas têm árvores;
todas as mulheres (são) lisonjeiras;
toda a liberdade evoca a paz’.”

Então o Bodhisattva Manjushri levantou-se do seu assento, descobriu o


seu ombro direito, ajoelhou-se com seu joelho direito, reclinou-se para
frente, tocou os pés do Buda e disse um gatha:

“Não é o caso que todos os rios têm curvas,


e que todas as madeiras são árvores,
todas as mulheres são lisonjeiras,
e toda a liberdade é paz.”

“O que o Buda diz neste gatha tem mais significado. Por favor, condes-
cenda em dizer-nos os detalhes. Por quê? Oh Honrado pelo Mundo!
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 312
Nos 3.000 grandes sistemas de mil mundos, existe um país chamado
Godaniya (um dos quatro continentes, a oeste, que se diz cercar o
Monte Sumeru). Naquela terra existe um rio que é reto. Esse rio é
chamado ‘Shabaya’. Ele é como uma linha reta e corre para o mar no
oeste. O Buda ainda não falou disto em outros sutras. Por favor, oh
Tathagata, condescenda em expor no âmbito dos agama-sutras Vaipul-
ya aquilo que foi deixado de lado nas explanações, para permitir aos
Bodhisattvas terem uma profunda fé e compreensão. Oh Honrado pelo
Mundo! Por exemplo, existe um homem aqui que pode saber primeiro
sobre um lingote de ouro, mas não do ouro. O mesmo ocorre com o
Tathagata. Ele conhece todas as leis (dharmas) e, todavia, ainda há
partes deixadas de lado em sua fala [isto é, ele não disse tudo que sa-
be]. O Tathagata nos concede esses sermões e, todavia, ainda pode-
mos não compreender bem qual o significado intencionado. Todas as
florestas seguramente têm árvores e há também outras coisas [nelas].
Por quê? Diversas coisas como ouro, prata e berílio estão lá; veios de
gemas são também chamados árvores. Dizemos que todas as mulheres
são lisonjeiras; no entanto, elas são mais do que isso. Por quê? Por que
existem mulheres que observam (e mantém) os preceitos e são perfei-
tas nas virtudes, tendo um grande e compassivo coração. Toda a liber-
dade é certamente paz (boa-aventurança), mas existe ainda algo mais.
Por quê? Alguém que tenha liberdade é um Chakravartin. O Dharmara-
ja [Rei-do-Dharma] Tathagata não pertence ao Yama [o governador dos
infernos]. Ele não pode morrer. Bhrama e Shakra são sem impedimen-
tos [sem restrições] e, mesmo assim, eles são não-eternos. O que é
eterno e imutável é chamado sem impedimentos. Isto é o Sutra Maha-
yana do Grande Nirvana.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você agora fala bem. Pare e ouça-me
por um momento. Oh Manjushri! Como um exemplo: um homem rico
adoece e sofre. Um bom médico vê [isso] e prepara algum remédio. O
homem doente é guloso e toma muito. O doutor diz: ‘Se o seu corpo
pode sustentar-se, você deve realmente tomar tanto quanto lhe a-
prouver. Mas o seu corpo está fraco agora. Não tome muito. Saiba bem
que isto é amrta [ambrósia, néctar], mas ao mesmo tempo um veneno.
Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 313
Se tomado em excesso e não digerido, torna-se venenoso’. Oh bom
homem! O mesmo é o caso com o Tathagata. Tudo foi feito para o rei,
a rainha, o príncipe herdeiro, o príncipe e o ministro. O príncipe e a
rainha do Rei Prasenajit eram arrogantes. Para ensiná-los, o medo era
apropriado. Especialmente para (pessoas como) o médico um gatha
(versos) como este é proferido:

‘Todos os rios têm curvas;


todas as florestas têm árvores;
todas as mulheres são lisonjeiras;
toda a liberdade certamente conquista a paz.’

Oh Manjushri! Saiba que naquilo que o Tathagata diz não há equívocos.


A terra pode virar de cabeça-para-baixo, mas aquilo que o Tathagata
diz não tem equívocos. Em razão disto, aquilo que o Tathagata diz tem
por trás de si o não-dito.”

Então o Buda elogiou Manjushri e disse: “Bem falado, bem falado, oh


bom homem! Você já possui um vasto conhecimento sobre todas essas
coisas. Por sentir piedade pelos seres e para permitir-lhes alcançar a
Sabedoria, você coloca amplamente tais questões para o Tathagata
referindo-se ao gatha.”

Então, o Dharmarajaputra Manjushri disse versos (gatha) diante do


Buda:

“Eu acompanho o que outros dizem


e não falo contra [eles].
E não olho para outros [para ver]
se eles fazem ou não fazem [de acordo com o Dharma];
eu somente examino o bem
ou o mal daquilo que faço.

Oh Honrado pelo Mundo! Eu falo sobre o remédio do Dharma assim.


Eu não digo que aquilo que eu digo está correto. Eu digo o que outros
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 314
dizem e não transgrido. Condescenda, oh Tathagata, a falar-me disto. O
Honrado pelo Mundo sempre diz: ‘Todos os tirthikas dos 95 tipos vão
para os reinos do infortúnio e todos os Sravakas perseveram no cami-
nho correto. Eles observam os preceitos, a conduta e guardam seus
sentidos orgânicos. Todas essas pessoas têm carinho pelo grande
Dharma e seguem o caminho que é bom’. Oh Tathagata! Por que é que
nos nove tipos de sutras você reprova quando há uma pessoa que in-
terrompe outras? Qual poderia ser o significado desse gatha?”

O Pecado do Rei Ajatasatru

O Buda disse a Manjushri: “Oh bom homem! Eu concedi esse gatha.


Não é para os seres [em geral]. Foi para ninguém mais senão o Rei
Ajatasatru. O Buda-Honrado-pelo-Mundo não contradiz o que foi dito
se não há razão para assim fazê-lo. Quando existe uma razão, ele então
fala. Oh bom homem! O Rei Ajatasatru, após ter assassinado o seu pai,
veio a mim e, para prevalecer sobre mim, colocou-me esta questão:
‘Oh Honrado pelo Mundo, você é Pleno-Conhecedor, ou você não é?
Devadatta através de inumeráveis eras passadas teve uma má intenção
e um pensamento de perseguir e prejudicar o Tathagata. Por que é que
você permitiu-lhe tornar-se ordenado?’ Oh bom homem! Em razão
disto, eu concedi esse gatha para aquele rei:

Eu acompanho o que outros dizem


e não falo contra [eles].
E não olho para outros [para ver]
se eles fazem ou não fazem [de acordo com o Dharma];
eu somente examino o bem
ou o mal daquilo que faço.

Eu, o Buda, disse ao grande rei: ‘Agora você matou o seu pai. O pecado
mortal já foi cometido. É o maior dos pecados, cuja consequência é a
vida no Inferno Avichi. Confesse e purifique-se. Por que você olha para

Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 315


a maldade dos outros (no caso de Devadatta)?’ Oh bom homem! Por
esta razão, eu concedi esse sermão em um gatha apenas para o seu
benefício. Também, além disso, oh bom homem! Eu também concedo
esse sermão para aqueles que observam estritamente os preceitos,
que não os transgridem, que são perfeitos na conduta e que vêem bem
quais más ações os outros cometem. Qualquer pessoa que seja [corre-
tamente] guiada por outros, que se afaste de todas as más ações, que
ensine outros e lhes faça afastar do mal, não é outro senão um discípu-
lo meu.”

Então, o Honrado pelo Mundo, para o benefício de Manjushri, falou


um gatha:

“Todos temem a espada e o bastão;


não há ninguém que não ame a vida.
Coloque-se dentro da parábola.
Não mate, não use o bastão.”

Então, Manjushri falou este gatha diante do Buda:

“Não é que todos temam o bastão;


Coloque-se dentro da parábola.
Tente o melhor para conceber os melhores expedientes.”

O Tathagata falou este gatha, o qual não está completo. Por que não?
O Arhat, o Chakravartin, mulheres bonitas, elefantes, cavalos, tesourei-
ros e ministros não podem ser feridos por devas e asuras com espadas
afiadas em suas mãos. Soldados valentes, mulheres corajosas, os reis
dos cavalos, os reis das bestas e Monges que observam os preceitos
não sentem medo, mesmo quando atacados. Por esta razão, podemos
dizer que o gatha do Tathagata também contém elementos não expli-
cados. Você pode dizer: ‘Coloque-se dentro da parábola’. Mas isto con-
tém mais do que está dito. Por quê? Se um Arhat é feito objeto da pa-
rábola, não pode haver pensamento do eu e vida. Se existe o pensa-
mento do eu e vida, necessitamos de proteção. Os mortais comuns
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 316
também pensarão que o Arhat é uma pessoa que pratica a Via. Essa é
uma visão pervertida. Se mantivermos uma visão pervertida, após a
nossa morte, cairemos no Inferno Avichi. E pensar que um Arhat tem
um pensamento de ferir um mortal comum não é possível. E nenhum
dos inumeráveis seres, qualquer que seja, pode ferir um Arhat.”

O Buda disse: “Oh bom homem! O pensamento do eu refere-se a um


pensamento que é muito compassivo com os seres e que nem mesmo
pensa em feri-los. Este é o pensamento todo-igual do Arhat. Não diga
irracionalmente algo que o contradiga. Em tempos passados, existiu
nesta (cidade de) Rajagriha um grande caçador. Ele matou um grande
número de veados e convidou-me para comer. Eu então aceitei o seu
convite. Mas eu tenho um sentimento compassivo para com todos os
seres, tal como tenho com relação ao meu próprio Rahula. Eu disse
num verso (gatha):

‘Permita-se ser abençoado com longa vida,


e viva longamente; defenda o não-ferir
e a vida será como aquela de todos os Budas.’

Por esta razão, Eu disse neste verso:

‘Todos temem a espada e o bastão;


não há ninguém que não ame a vida.
Coloque-se dentro da parábola.
Não mate, não use o bastão’.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh Manjushri! Para o benefício


de todos os Bodhisattvas-Mahasattvas, você coloca essas questões
com relação ao ensinamento secreto do Tathagata.”

Então Manjushri falou num verso:

“Como respeitarmos pai e mãe,


como sermos obedientes, e como rendermos homenagem?
Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 317
Como praticararmos o Dharma
e (mesmo assim) ganhar o Inferno Avichi?

Então o Tathagata respondeu num verso:

“Caso alguém faça amor insaciável com a mãe de outrem,


(com) ignorância do pai de outrem,
e segui-los e respeitá-los,
ele ganha o Inferno Avichi.”

Então o Tathagata disse novamente a Manjushri num verso:

“Tudo o que pertence aos outros é sofrimento;


tudo o que estiver ao nosso próprio lado
é o que é tranqüilo e paz;
a força da arrogância é extremamente tormentosa e demoníaca;
alguém que seja sábio e bom é amado por todos.”

Então o Bodhisattva-Mahasattva Manjushri disse ao Buda: “Oh Honra-


do pelo Mundo! O que o Tathagata diz não é conclusivo. Condescenda,
oh Tathagata, em dizer-me a razão. Por quê? O filho de um homem
rico estuda, seguindo um professor. Ele pertence ao professor ou não?
Se ele pertence ao professor, o significado não se ajusta bem. Se não
(pertence), não se ajusta bem da mesma forma. Mesmo que alcance-
mos o desimpedimento (não-obstrução), ele (o significado) também
não se ajusta. Portanto, o que o Tathagata diz ainda tem mais a dizer.
Também, além disso, oh Honrado pelo Mundo! O príncipe não apren-
de; as coisas não ocorrem quando nada acontece. Isto é desimpedi-
mento, e ainda ele tem ignorância, escuridão e sofrimento sempre. Se
um príncipe é considerado como desimpedido (imperturbável), o signi-
ficado também não se ajusta bem. Se dizemos que pertencemos aos
outros, o significado falha novamente. Em razão disto, dizemos que o
que o Buda diz ainda tem mais a dizer. Por essa razão, mesmo quando
dependemos de outros, isso não resulta necessariamente em sofri-
mento. Nem todo o desimpedimento necessariamente termina em
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 318
felicidade. Dizemos que o poder da arrogância é demoníaco. Isto, no-
vamente, ainda tem mais a dizer. Oh Honrado pelo Mundo! Todas as
mulheres valentes, sem arrogância, tornam-se ordenadas e aprendem
coisas; elas observam os preceitos e são perfeitas na conduta. Todos os
seus sentidos orgânicos são bem guardados, e nenhuma falha pode ser
vista. Em conseqüência disto, dizemos que todas as impurezas da arro-
gância não são necessariamente demoníacas. Os sábios e os bons não
são amados por todos. Mesmo neste caso, ainda há mais a dizer. Uma
pessoa comete as quatro graves ofensas em seu pensamento, não joga
fora o robe sacerdotal e mantém a conduta rigidamente em observân-
cia. O caso é como este. Alguém que preza o Dharma vê e não gosta.
Essa pessoa, após a morte, infalivelmente cairá no inferno. Uma boa
pessoa comete as ofensas graves e aqueles que protegem o Dharma
vêem [isto], expulsam esse homem, excomungam-no e o devolvem
para a vida mundana. Em conseqüência disto, podemos bem dizer que
nem mesmo todos os sábios são necessariamente amados.”

Então o Buda disse a Manjushri: “Quando existe razão, o Tathagata diz


o que ainda tem mais a ser dito. E em certas circunstâncias, o Buda-
Tathagata fala sobre este Dharma. Certa vez, existiu em Rajagriha uma
mulher chamada Sobhadra. Ela retornou para a casa dos seus pais, veio
a mim e tomou refúgio em mim, no Dharma e na Sangha. Ela disse:
‘Todas as mulheres não têm espaço livre de poder; todos os homens
são não-molestados e sem-impedimentos’. Então, naquela ocasião, eu
penetrei o pensamento da mulher e disse esses versos. Oh Manjushri!
É bom, é bom! Você agora coloca tais questões ao Tathagata com rela-
ção às palavras secretas para o benefício de todos os seres.”

Então Manjushri disse num verso:

“Todos os seres vivem de alimentos;


todas as pessoas com poder não têm ciúme [inveja];
de todas as coisas comidas ganhamos a causa da doença;
das boas ações ganhamos a paz e a felicidade.

Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 319


Oh Honrado pelo Mundo! Você agora recebe a comida oferecida por
Cunda. Você, oh Tathagata, não sente receio em você ou não?”

Então o Honrado pelo Mundo disse num verso a Manjushri:

“Não é que todos os seres vivem de comida apenas;


não é que todos aqueles que têm poder não têm ciúmes [inveja] em
seus corações;
não é que toda a comida (ingerida) causa doença;
não é que todas as ações puras necessariamente dê-nos a paz e a feli-
cidade.

Oh Manjushri! Se você ficar doente, eu também ficarei doente. Por


quê? Todos os Arhats, Pratyekabudas, Bodhisattvas e Tathagata não
ingerem comida. No sentido de guiar as pessoas, eles aceitam e co-
mem. Inumeráveis pessoas trazem coisas. Eles [os santos] lhes permi-
tem realizar o danaparamita e evitar que vivam no inferno, no reino
animal e dos espíritos famintos. O Tathagata gastou seis anos em peni-
tência, e seu corpo tornou-se emaciado e arqueado, mas [atualmente]
nada do gênero acontece. O Buda-Honrado-pelo-Mundo é indepen-
dente de todas as coisas e não é o mesmo como um mortal comum.
Como poderia ser possível para [seu corpo] crescer fraco? O Buda-
Honrado-pelo-Mundo fez esforços, praticou a Via e atingiu a Mente
Adamantina. Ele não é o corpo fracamente constituído do mortal co-
mum. O mesmo acontece com meus discípulos. Tudo [isto do corpo do
mortal comum] não pode ser pensado deles. Eles não permanecem na
[dependência de] comida. Dizemos que aqueles que têm grande poder
não têm ciúmes [inveja]. Isto ainda tem mais a dizer. [Algumas] pessoas
do mundo não têm, ao longo de toda a sua vida, qualquer ciúme. Elas
parecem carecer de grande poder, também. Dizemos que todas as
doenças surgem da comida. Isto também necessita de qualificação.
Existem doenças que se originam de causas externas tais como dardos,
espadas e alabardas. Dizemos que todas as ações puras trazem a paz.
Isto, também, tem algo mais que necessita ser dito. Vemos no mundo
thirtikas praticando ações puras e sujeitos a dor e preocupações. Em
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 320
razão disto, tudo o que o Tathagata diz ainda tem mais a dizer. Por isso,
não é o caso que o Tathagata fala neste gatha (versos) sem razão. Ele
diz conforme haja razão para assim dizer. Em tempos passados, nesta
Ujjayini (cidade da Índia antiga que foi capital do reinado de Avanti),
existiu um Brâmane chamado Kuteitoku. Ele veio a mim e quis receber,
de imediato, os preceitos sobre as oito ações puras ["astangasamanva-
gatopavasa"]. Eu, naquela ocasião, falei esse gatha.”

Então o Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “O que poderia ser uma


coisa que não tem mais partes? O que ‘todo’ significa?”

“Oh bom homem! ‘Todo’ denota o Dharma Maravilhoso da Felicidade


eterna, exceto aquilo que auxilia a realização da Iluminação. Isto pode
ser chamado ‘todo’, ou aquilo que não tem mais partes remanescen-
tes. Pode ser que todas as outras coisas, também, tenham partes a
dizer ou não tenham mais partes a dizer. Isto é para permitir que todos
aqueles que se comprazem no Dharma saibam o significado daquilo
que ainda tem partes a serem ditas e aquilo que não tem mais partes a
dizer.”

O Bodhisattva Kashyapa sentiu-se extrema e inexprimivelmente satis-


feito. Ele avançou em direção ao Buda e disse: “Isto é Todo-
Maravilhoso. O Tathagata vê a todos como se estivesse vendo Rahula.”

Então o Buda elogiou Kashyapa e disse: “Bem falado, bem falado! O


que você vê é Todo-Maravilhoso.”

Últimas Palavras do Tathagata

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


favor, condescenda em expor para mim a virtude que este Sutra Ma-
hayana do Grande Nirvana possui.”

Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 321


O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Qualquer um que ouça o
nome deste sutra obtém virtude, a qual é tão grande que Sravakas e
Pratyekabudas não podem falar bem [sobre ela]. Somente o Buda a
conhece bem. Por quê? Porque o mundo do Buda é inconcebível. Quão
maior não será [essa virtude] se alguém possuí-lo, recitá-lo, compreen-
dê-lo e copiá-lo?”

Então todos os devas, pessoas do mundo e asuras disseram num verso:

“O mundo do Buda é inconcebível.


Assim também são aqueles (mundos) do Dharma e da Sangha.
Sendo este o caso, imploramos que fique um pouco mais.
O venerável Mahakashyapa e Ananda,
os dois da Sangha, logo estarão aqui.
Também, o grande rei Ajatasatru, rei de Magadha,
que respeita demais o Buda, o Honrado pelo Mundo, não está aqui.
Tenha um pouco de piedade e permaneça por algum tempo,
esteja conosco, a grande congregação, e elimine nossas dúvidas.”

Então, o Tathagata, para o benefício da grande multidão, falou em


versos:

“O mais velho dos meus filhos é Mahakashyapa.


Ananda esforçou-se bastante e pode bem eliminar vossas dúvidas.
Estejam satisfeitos com isto. Ananda é alguém que tem ouvido muito.
Ele compreenderá de uma forma natural
o eterno e o não-eterno.
Em razão disto, não fiquem mais magoados.”

Então a grande multidão ofereceu muitas coisas ao Buda. Feitos os


seus oferecimentos, todos eles aspiraram à Iluminação Insuperável.
Todos os Bodhisattvas, que eram tão numerosos quanto os grãos de
areia de inumeráveis Rios Ganges, atingiram o primeiro ‘bhumi’ [está-
gio do desenvolvimento do Bodhisattva].

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 322


Então o Honrado pelo Mundo concedeu profecias a Manjushri, ao Bo-
dhisattva Kashyapa e a Cunda. Feitas as profecias, ele disse: ‘Todos os
bons homens! Corrijam (endireitem) seus pensamentos. Sejam cuida-
dosos e não indolentes. Eu agora sinto dores em minhas costas e em
todo o meu corpo. Agora desejo deitar-me.”

[E assim] ele o fez como qualquer criança ou alguém que está doente.

“Oh Manjushri! Todos vocês! Disseminem o Grande Dharma em meio


às quatro classes de pessoas. Eu agora confio este sutra a vocês. Igual-
mente, quando Mahakashyapa e Ananda chegarem, confiem-lhes o
Dharma Maravilhoso também.”

Então, o Tathagata, tendo falado assim, deitou-se sobre seu lado direi-
to, como qualquer criança doente na cama, tudo para disseminar o
Dharma para todos os seres.

Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 323


Capítulo Dezoito: Sobre Doenças Reais
Então, Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O Tathaga-
ta há muito já removeu todas as doenças. Já erradicou as impurezas e a
dor, nenhum temor restou. Oh Honrado pelo Mundo! Todos os seres
têm quatro flechas envenenadas, que se tornam as causas da doença.
Quais são as quatro? Elas são a avareza, a má-vontade, a ignorância e a
arrogância. Quando a causa está dentro, doenças surgem como frio,
febre, tuberculose, tontura, vomito, paralisia do corpo, alucinações,
intestino solto, convulsões, incontinência urinária, dor nos olhos e ou-
vidos, inchaço do abdômen e das costas, loucura, ressecamento ou ser
atormentado por maus espíritos. Todas essas doenças corporais não
podem surgir num Buda-Honrado-pelo-Mundo. Por que é que o Tatha-
gata olha para trás e diz a Manjushri: ‘Sinto dores em minhas costas.
Todos vocês deveriam ensinar a grande congregação’? Doenças sur-
gem por duas razões. Quais são as duas? Primeira, é sentir piedade de
todos os seres; segunda, é dar remédio àqueles que estão doentes. O
Tathagata, já há inumeráveis milhões de bilhões de kalpas atrás, quan-
do estava praticando a Via do Bodhisattva, sempre teve palavras de
amor. Ele beneficiou os seres e extraiu as raízes das aflições. Ele deu
vários remédios a todos que estavam doentes. Por que é que hoje,
agora, ele deveria adoecer? Oh Honrado pelo Mundo! No que concer-
ne ao mundo, uma pessoa enferma senta-se ou reclina-se e não tem
tempo para descansar. Ela clama por comida, faz injunções para a sua
família, ou diz-lhes para trabalhar. Por que é que o Tathagata senta
silenciosamente? Por que é que você não ensina aos seus discípulos e
Sravakas as práticas corretas do shilaparamita e do dhyanaparamita?
Por que é que você não profere sutras Mahayana que tenham profun-
do significado? Por que é que, usando inumeráveis (meios) expedien-
tes, você não ensina Mahakashyapa, o grande elefante dentre os hu-
manos, e as grandes pessoas, tal que eles não retroajam da Iluminação
Insuperável? Por que é que você não ensina todos os Monges maldo-
sos que recebem e guardam coisas impuras?

Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 325


Os Três Grandes Obstáculos

Oh Honrado pelo Mundo! Você não tem doenças. Por que você se
reclina sobre o lado da sua mão direita? Todos os Bodhisattvas dão
remédios aos pacientes e quaisquer méritos que surjam da doação são
todos oferecidos a todos os seres e transferidos para a Grande Sabedo-
ria. Isto é para remover os obstáculos das impurezas, os obstáculos do
carma, e aqueles das retribuições cármicas. Os obstáculos das impure-
zas são a avareza, o ódio, a ignorância e a ira diante do que é desagra-
dável, a ilusão que obscurece o pensamento, dificultando dessa manei-
ra o bem de produzir seus brotos; [os obstáculos também são] a preo-
cupação ardente, inveja, mesquinhez, mentira, lisonja, não sentir ver-
gonha de si mesmo, não sentir vergonha dos outros, orgulho, orgulho-
desmedido, orgulho simulado (fingido), orgulho da auto-estima, orgu-
lho de si, orgulho distorcido, arrogância, indolência, presunção (auto-
importância), ressentimento mútuo, arguição (disputa, contenda), vida
errada, lisonjear, enganar usando diferentes aparências, perseguir o
lucro pelo lucro, buscar coisas através das vias erradas, buscar a fortu-
na, faltar com respeito, não observar as injunções, e associar-se com
maus amigos.

Não há um fim para a busca do lucro, para enlaçar e amarrar a si pró-


prio de tal forma que tudo se torna difícil de compreender. Uma pes-
soa se baseia em maus desejos e na ganância. Uma pessoa é avida-
mente intencionada com base em visões heréticas da vida com relação
à sua existência carnal, as visões do ‘ser’ e do ‘não-ser’ da vida; uma
pessoa solta um gemido ou está satisfeita de cochilar, boceja ou não
está satisfeita, ou come vorazmente; sua mente é fraca e ela pensa
sobre coisas estranhas, faz maldades com o corpo e se compraz em
falar muito; todos os seus sentidos orgânicos são obscuros; ela fala
excessivamente e é sempre ofuscada pelos sentidos como a avareza, a
ira e a maldade. Esses são os obstáculos das impurezas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 326


Os obstáculos [que surgem] das ações [carma] são os cinco pecados
mortais e as doenças graves.

Os obstáculos das retribuições cármicas resultam em uma vida nos


reinos do inferno, da animalidade e dos espíritos famintos, e também
na calúnia do Dharma Maravilhoso e no icchantika. Esses são os obstá-
culos da retribuição.

Esses três obstáculos (das impurezas, das ações (carma) e das retribui-
ções) são as maldades. Todavia, o Bodhisattva, quando praticando a
Via através de inumeráveis kalpas, dispôs remédios para todas as do-
enças e sempre fez votos de libertar os seres eternamente das doenças
graves dos três obstáculos.

Também, além disso, oh Honrado pelo Mundo! Quando o Bodhisattva-


Mahasattva praticou a Via, ele deu remédio a todos aqueles que esta-
vam doentes e sempre fez os votos: ‘Farei com que os seres se apar-
tem eternamente de todos os males e lhes permitirei atingir o Corpo
Adamantino do Tathagata. Também, farei com que todos os inumerá-
veis seres tornem-se remédios todo-maravilhosos e sejam aptos a er-
radicar as doenças más; permitirei a todos os seres obter o agada (me-
lhor antídoto para venenos e tóxicos) e, através do poder desse remé-
dio, acabar com todos os inumeráveis males dos venenos; não permiti-
rei que todos os seres retroajam da Iluminação Insuperável, mas lhes
permitirei rapidamente realizar a insuperável Medicina-do-Buda e ex-
trair (dos seres) todas as flechas envenenadas; permitirei a todos os
seres fazerem esforços, gerarem e realizarem a Mente Adamantina do
Tathagata, tornando-se este todo-maravilhoso remédio, curando todas
as doenças, tal que nenhuma idéia de disputa (contenda) possa surgir;
permitirei aos seres tornarem-se uma grande árvore medicinal e cura-
rem todas as doenças graves de todos os seres; lhes permitirei extrair
completamente as flechas envenenadas dos seres e realizar a insupe-
rável luz do Tathagata; permitirei aos seres entrarem no repositório
secreto do Dharma da Grande Medicina da Sabedoria do Tathagata e
no repositório hermeticamente guardado do Dharma’.
Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 327
Oh Honrado pelo Mundo! O Bodhisattava, já há inumeráveis centenas
de milhares de nayutas de kalpas atrás, fez esses votos e extraiu todos
os males de todos os seres. Por que é que o Tathagata hoje diz que ele
tem doença?

Também, além disso, oh Honrado pelo Mundo! Existe no mundo uma


pessoa que está doente na cama, que não pode se sentar, erguer-se,
levantar, caminhar ou ficar de pé, e não é capaz de engolir qualquer
alimento ou fazer passar um líquido através da sua garganta; ela não
pode ensinar e repreender seus filhos de tal maneira que eles possam
aprender as tarefas de casa. Seus pais, esposa, filhos, irmãos, parentes
e amigos estão ansiosos, e pensam que ela certamente morrerá. Oh
Honrado pelo Mundo! O mesmo é o caso com o Tathagata hoje. Você
reclina sobre o lado da sua mão direita e nada diz. Todos os ignorantes
deste Jambudvipa pensarão: ‘O Tathagata, o Todo-Iluminado está en-
trando no Nirvana’. Por quê? Eles podem pensar que você cessará de
existir. Mas a natureza do Tathagata, até o fim, não entra no Nirvana.
Por que não? O Tathagata é eterno e imutável. Por esta razão, ele não
pode dizer: ‘Eu tenho dores nas minhas costas’.

Também, além disso, oh Honrado pelo Mundo! Existe uma pessoa que
está doente na cama e cujo físico está alquebrado; ela fica com o seu
rosto para baixo ou de lado, ou sobre a cama. Então, as pessoas negati-
vamente pensam que a morte não está longe. O mesmo é o caso com
o Tathagata. Os 95 (tipos de) tirthikas observam e acalentam o pensa-
mento do não-eterno. Eles certamente dirão: ‘As coisas [no Budismo]
não são como com a nossa própria doutrina, na qual nos baseamos no
eu, natureza, homem, tranqüilidade, tempo, mote [‘prakrti’ – matéria
primordial], e pensamos que essas (coisas) são eternas e não sofrem
mudança. O Shramana Gautama está agora sujeito a mudança. Isto
meramente revela a lei da mudança’. Por esta razão, oh Honrado pelo
Mundo, você não deveria silenciar e reclinar sobre o lado da sua mão
direita.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 328


Também, além disso, oh Honrado pelo Mundo! Existe no mundo um
homem doente na cama. Os quatro grandes elementos aumentam ou
diminuem de tal forma que não funcionam ou combinam bem; seu
corpo está extremamente enfraquecido ou emaciado. Em razão disto,
ele não pode sentar ou erguer-se como deseja. Assim, ele permanece
na cama. Com o Tathagata, nenhum dos quatro elementos está fora de
harmonia. Você está perfeito na sua capacidade física; nada está fraco
ou debilitado. Oh Honrado pelo Mundo! A força de dez vacas pequenas
não se iguala àquela de uma vaca grande; a força de dez vacas grandes
não se iguala àquela de uma vaca azul; a força de dez vacas azuis não
se iguala àquela de um elefante comum; a força de dez elefantes co-
muns não se iguala àquela de um elefante selvagem; a força de dez
elefantes selvagens não se iguala àquela de um elefante de duas-
presas; a força de dez elefantes de duas-presas não se iguala àquela de
um elefante de quatro-presas; a força de dez elefantes de quatro-
presas não se iguala àquela de um elefante branco dos Himalayas; a
força de dez elefantes brancos (dos Himalayas) não se iguala àquela de
um elefante fragrante; a força de dez elefantes fragrantes não se iguala
àquela de um elefante azul; a força de dez elefantes azuis não se iguala
àquela de um elefante amarelo; a força de dez elefantes amarelos não
se iguala àquela de um elefante vermelho; a força de dez elefantes
vermelhos não se iguala àquela de um elefante branco; a força de dez
elefantes brancos não se iguala àquela de um elefante da montanha; a
força de dez elefantes da montanha não se iguala àquela de um elefan-
te utpala; a força de dez elefantes utpala não se iguala àquela de um
elefante kumuda; a força de dez elefantes kumuda não se iguala àquela
de um elefante pundarika; a força de dez elefantes pundarika não se
iguala àquela de um Malla [lutador de força descomunal]; a força de
dez Mallas não se iguala àquela de um Pakkhandin; a força de dez Pak-
khandins não se iguala àquela de um Narayana de oito-membros (Vi-
shnu); a força de dez Narayanas de oito-membros não se iguala àquela
de um membro de um Bodhisattva dos dez ‘bhumis’ (estágios). Com os
mortais comuns, as partes-médias (articulações) do corpo não se jun-
tam; com os Mallas, as partes-médias e a cabeça se juntam; com os
Pakkhandins, todas as juntas do corpo se juntam; com Narayanas, as
Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 329
juntas e a cabeça podem se entrelaçar bem; com os Bodhisattvas dos
dez ‘bhumis’, os ossos de todas as juntas se separam ou juntam-se
como no caso de uma naga [serpente] enrolada. Assim, a força de um
Bodhisattva é a maior. Quando o mundo veio a existir, o Vajrasana
[trono de diamante] surgiu do mundo Vajra [diamante] e então surgiu
o Bodhimanda [lugar da Iluminação], que apareceu sob a Árvore Bodhi.
Tendo sentado ali, a mente do Bodhisattva atingiu os dez poderes. Oh
Tathagata! Você não deveria ser como qualquer pequena criança. Ne-
nhuma pessoa infantil, criança, ignorante ou desajuizada pode expor
bem as coisas. Por esta razão, embora você deite com sua face para
baixo e de um lado, ninguém repreende você. Você, Tathagata, o Hon-
rado pelo Mundo, possui grande Sabedoria e brilha (resplandece) so-
bre tudo. Você é a naga entre os humanos; você possui grande virtude
e poderes divinos; você é o Rishi (Grande Sábio) insuperável; você
rompeu a malha de dúvidas e extraiu as flechas envenenadas. Em paz
você vai e vem, perfeito na conduta e armado com o destemor. Por
que você deveria reclinar sobre o lado da sua mão direita e fazer com
que todos os celestiais e humanos mergulhem na tristeza e preocupa-
ção?”

O Sol Nascente do Dharma Maravilhoso

Então Kashyapa disse num verso diante do Buda:

“Oh Grande Deus (Sagrado) do clã Gautama!


Erga-se, rogo-lhe, e fale-nos acerca do Dharma Todo-Maravilhoso!
Não recline sobre a cama como uma criança,
ou alguém que está doente.
O Treinador, o Mestre de deuses e humanos,
jaz entre as árvores sala.
Os humildes e os ignorantes
podem dizer que ele certamente entrará no Nirvana.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 330


Eles nada sabem sobre o Vaipulya,
ou o que o Buda faz.
Como cegos, eles não vêem
o Repositório Secreto do Tathagata.
Somente todos os Bodhisattvas e Manjushri
conhecem bem as suas profundezas,
como um bom arqueiro.

Todos os Budas das Três Existências [passado, presente e futuro]


basearam-se na Grande Compaixão.
Qual é o valor agora dessa Grande Compaixão?
Sem compaixão, não se chama Buda.
Se o Buda definitivamente entra no Nirvana,
isto não é o eterno, oh Insuperável!
Tenha piedade de nós, responda às nossas orações,
conceda benefícios a todos os seres,
e subjugue todos os tirthikas!”

Então, o Honrado pelo Mundo, sua mente de grande compaixão acen-


deu (fulgurou), realizou todas as coisas que cada ser queria, de acordo
[com os seus desejos], para responder às suas súplicas (orações) e con-
ceder-lhes benefícios; levantou-se do seu leito e sentou-se de pernas
cruzadas. Sua fisionomia era brilhante e suave como uma bola de ouro
fundido. Sua face serena e os olhos brilhavam como a lua cheia. Sua
forma era pura, sem qualquer imperfeição. Uma grande luz preencheu
o firmamento. A luz era tão brilhante quanto àquela de mais de 100 mil
sóis. Ela resplandeceu no leste, sul, oeste, norte, nas quatro direções
intermediárias, nos mundos acima e abaixo, e sobre todas as Terras
Búdicas. Ela deu aos seres a tocha da Sabedoria, iluminou a escuridão e
permitiu aos 100 mil bilhões de nayutas de seres viverem na irreversí-
vel mente do Bodhi [Iluminação].

Naquela ocasião, a mente do Buda tinha plena consciência (hipercons-


ciência), e ele parecia um rei leão. Ele estava adornado com as 32 mar-
cas distintivas de um grande homem e as 80 características menores de
Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 331
excelência. De cada poro da sua pele surgiu uma flor de lótus. As flores
eram maravilhosas, tendo cada uma mil pétalas. A cor era como a do
ouro puro. As hastes eram de berílio, os estames de diamante e o cáli-
ce de kumshuka (rubi - palavra do Sanscrito que significa flores de jóias
vermelhas - anãs do turquistão). Elas eram tão grandes e redondas que
pareciam grandes rodas. Todas aquelas flores de lótus emitiam luzes
de várias cores tais como azul, amarelo, vermelho, branco, púrpura
(vermelho-violeta) e cristal.

E essas luzes preencheram todos os infernos como o Avichi, Samjna,


Kalasutra, Sanghata, Raurava, Maharaurava, Tapana, e Mahatapana.
Naqueles oito infernos, todas as aflições como as de ser queimado,
cozido, assado, cortado e espetado, tendo a pele arrancada, se foram.
Quando uma pessoa é abrilhantada por esta luz, todas essas aflições
desaparecem. Quando há paz, existe a frieza e uma interminável (sen-
sação de) alegria. Nesta luz, o Repositório Secreto do Tathagata é pro-
clamado: ‘Todos os seres possuem a Natureza-de-Buda’. Os seres ou-
vem isto, suas vidas terminam lá (nos infernos) e eles nascem nos
mundos dos humanos e seres celestiais.

Além do mais, há oito tipos de infernos do frio, que são: Apapa, Atata,
Arbuda, Ababa, Utpala, Kumuda, e Pundarika. Os seres nascidos lá são
sempre oprimidos pelo frio. O que acontece lá é a contração e tração
(esticamento) do corpo, despedaçamento e quebra, ferimentos mú-
tuos, todos os quais, encontrando essa luz, acabam; surgindo então a
harmonia e o calor que confortam e satisfazem o corpo. Esta luz, tam-
bém, proclama o Repositório Secreto do Tathagata, dizendo: ‘Todos os
seres possuem a Natureza-de-Buda’. Os seres ouvem isto, sua vida
termina e eles nascem nos mundos dos humanos e seres celestiais.
Quando isto acontece, aqui no Jambudvipa e em todos os outros mun-
dos, os infernos tornam-se vazios e nenhum de nós verá (seres) sendo
punidos, exceto os icchantika.

Aqueles do reino dos espíritos famintos são oprimidos pela fome. O


que eles possuem para cobrir os seus corpos é cabelo, e por um perío-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 332
do de 100 mil anos eles nunca mais ouvem (falar) de líquido. Mas
quando eles encontram essa luz, sua fome desaparece imediatamente.
Essa luz proclama o Repositório Secreto do Tathagata e diz: ‘Todos os
seres possuem a Natureza-de-Buda’. Quando todos eles ouvem isto,
sua vida termina e eles nascem nos mundos dos humanos e seres ce-
lestiais. Todo o reino dos espíritos famintos torna-se vazio, exceto para
aqueles que caluniaram os Sutras Mahayana Vaipulya.

Os seres nascidos no reino dos animais ferem e devoram uns aos ou-
tros. Encontrando essa luz, todo o ódio se afasta. A luz também pro-
clama o Repositório Secreto do Tathagata e diz: ‘Todos os seres possu-
em a Natureza-de-Buda’. Os seres ouvem isto, suas vidas terminam e
eles nascem nos mundos dos humanos e seres celestiais. Então não há
mais (seres) no reino dos animais, exceto para aqueles que caluniam o
Dharma Maravilhoso.

Em cada flor, senta-se um Buda. Seu halo tem seis pés de diâmetro e
uma luz dourada brilha resplandecente. É maravilhoso e austero. É
insuperável e incomparável. As 32 marcas distintivas da perfeição e as
80 características menores de excelência adornam o corpo [de cada
Buda]. Entre aqueles Honrados pelo Mundo, alguns estão sentados,
alguns caminhando, alguns deitados, alguns de pé e alguns estão emi-
tindo o som do trovão; alguns estão fazendo precipitar uma chuva
torrencial, alguns estão lampejando relâmpagos, alguns soprando um
grande vento e outros estão expelindo fumaça e chamas. Seus corpos
parecem uma bola de fogo. Alguns mostram montanhas, lagoas, lagos,
rios, florestas e árvores, todas de gemas (preciosas). Também, eles
mostram terras, cidades (no entorno) de castelos, vilas, palácios e ca-
sas, todas de gemas (preciosas). Ou eles mostram elefantes, cavalos,
leões, tigres, lobos, pavões, fênix chinesas e todos esses pássaros. Ou a
todas as pessoas do Jambudvipa é permitido ver os reinos do inferno,
da animalidade e dos espíritos famintos. Ou os seis céus do mundo do
desejo são mostrados. Ou pode haver um Honrado pelo Mundo que
fale sobre todas as maldades e aflições de todas as coisas que perten-
cem aos cinco skandhas (agregados), aos 18 reinos e às 12 esferas. Ou
Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 333
o Dharma das Quatro Nobres Verdades é exposto, ou algum [Buda]
pode falar sobre relações causais. Algum outro pode falar sobre o Eu e
o não-Eu, ou algum pode estar falando sobre o par [de opostos], sofri-
mento e felicidade; ou algum pode estar falando sobre o Eterno e o
não-Eterno. Ou algum outro pode estar falando sobre o Puro e o não-
Puro. Ou poderá haver um Honrado pelo Mundo que fale para o bene-
fício dos Bodhisattvas sobre as virtudes que todos os Bodhisattvas ad-
quirem. Ou algum outro poderá estar falando sobre as virtudes dos
Sravakas. Ou outro poderá estar falando sobre o ensinamento do Veí-
culo Único [‘ekayana’ – o ensinamento no qual todos os seres igual-
mente atingem a mesma Iluminação]. Ou algum outro pode ser um
Honrado pelo Mundo que jorra água pelo lado da mão direita do seu
corpo e fogo pelo lado da sua mão esquerda. Ou um outro pode mos-
trar [seu] nascimento, renúncia, (seu) sentar no Bodhimanda [lugar da
Iluminação] sob a árvore Bodhi, seu maravilhoso Girar da Roda (da Lei)
[isto é, o ensino do Dharma do Buda], e sua entrada no Nirvana. Ou
pode haver um Honrado pelo Mundo que emita o rugido do leão, per-
mitindo a qualquer um que o ouça atingir os estágios desde o primeiro,
segundo, terceiro até o quarto [isto é, o ‘arya-marga’ (nobres cami-
nhos) do srotapanna (um monge que nascerá apenas entre duas e sete
vezes antes de ganhar a libertação), sakridagamin (renasce apenas
mais uma vez após a morte), anagamin (não mais retorna a este mun-
do), e arhat (um santo)]. Ou pode haver um outro que fale sobre as
inumeráveis relações causais [por meio] das quais podemos escapar do
ciclo do nascimento e da morte. Naquela ocasião, neste Jambudvipa,
todos os seres encontraram essa luz; o cego viu as cores, o surdo tor-
nou-se apto a ouvir, o mudo falou, o aleijado andou, o ganancioso ob-
teve a fortuna, o avarento deu, o irado sentiu compaixão e o descrente
acreditou.

Então, todos os devas, nagas, pishacas, gandharvas, ashuras, garudas,


kimnaras, mahoragas, rakshasas, skandas, umadas (umarakas), apas-
mara (apasmarakas), humanos e não-humanos disseram com suas
vozes em uníssono: “Bem dito, bem dito, oh Insuperável Honrado-
Celestial! Grande é o benefício que você concede.”
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 334
Dizendo isto, eles regozijaram e saltaram [de alegria]; alguns cantaram
e alguns dançaram, e outros se atiraram e rolaram no chão. Eles espa-
lharam todos os tipos de flores celestiais sobre o Buda e a Sangha, flo-
res como a utpala, kumuda, padma, pundarika, mandarava, maha-
mandarava, manjushaka, mahamanjushaka, santanika, mahasantanika,
rocana, maharocana, gandha, mahagandha, chakui, mahachakui, ka-
madrsti, mahakamadrsti, vira e prathamavira. Também, todas as espé-
cies de incenso foram espalhadas sobre eles, incensos como o agaru,
tagara, madeira de sândalo, açafrão, vários tipos de incensos mistos e
do litoral. Também, foram feitos oferecimentos ao Buda de estandar-
tes, bandeiras bordadas com gemas celestiais, dosséis, todos os tipos
de músicas (tocadas) pelos (seres) celestiais com cheng (dung-cheng:
instrumento musical como uma grande concha), flauta, órgão (de
bambú), she e harpa. E eles também disseram versos:

“Curvamo-nos para vós, Grande Esforço, Isuperável,


Corretamente-Iluminado, Honrado entre os bípedes!
Devas e humanos não sabem, mas Gautama conhece bem.
O Honrado pelo Mundo praticou penitências por nós
em tempos passados, inumeráveis kalpas atrás.
Como podeis abandonar o que certa vez jurastes
e agora desejar entrar no Nirvana?

Todos os seres não podem ver agora o repositório secreto


do Buda-Honrado-pelo-Mundo.
Em razão disto, será difícil escapar deste mundo,
reciclaremos entre nascimento e morte,
e cairemos nos maus domínios.

Como o Buda disse, todos os Arhats entram no Nirvana.


Mas como fazer com que os mortais comuns nascidos humildes
saibam bem o que o Buda faz com o seu mais profundo pensamento?
Ele faz chover a amrta [ambrosia] sobre todos os seres,
para erradicar todas as impurezas.
Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 335
Se esse amrta for compartilhado (tomado),
nunca mais repetiremos o nascimento, a velhice, a doença e a morte.

O Tathagata-Honrado-pelo-Mundo cura as enfermidades


dos 100 mil inumeráveis seres
e erradica as doenças graves
e assim garante que nenhuma mais permaneça.
Muito se passou desde que o Honrado-pelo-Mundo
deixou para trás todas as dores das doenças.
Este é o porquê de ele poder ser chamado o Sétimo Buda.
Rogamos que o Buda faça chover
a chuva do Dharma e dê-nos a umidade
para as nossas sementes de virtudes.
Toda a grande congregação,
humanos e deuses, senta silenciosamente, como vedes.”

Quando esses versos foram ditos, todo os Budas sentados nas flores de
lótus moveram-se desde o Jambudvipa até o Céu Suddhavasa [o mais
elevado dos céus do quarto céu dhyana do ‘rapadhatu’], e todos ouvi-
ram isto.

Então o Buda disse ao Bodhisattva Kashyapa: “Bem falado, bem falado!


Você agora possui a extremamente profunda e sutil Sabedoria. Você
não será destruído por nenhum dos Maras ou tirthikas. Oh bom ho-
mem! Você agora reside na paz e nunca mais será abalado por qual-
quer mal. Oh bom homem! Agora você aperfeiçoou a coragem da ora-
tória, e já fez oferecimentos a todos os inumeráveis Budas do passado,
tão incontáveis quanto as areias do Ganges. Em razão disto, agora você
coloca essa questão para o Tathagata, o Corretamente-Iluminado. Oh
bom homem! Certa vez, há inumeráveis, ilimitados nayutas de uma
centena de milhar de milhões de kalpas atrás, eu já erradiquei as raízes
das doenças e deixei de reclinar-me numa cama. Oh Kashyapa! Há
inumeráveis asamkhyas no passado, apareceu um Buda que era Taha-
gata-Supremo, Merecedor-de-Ofertas, Todo-Iluminado, Melhor Trei-
nador, Mestre dos Céus e da Terra, Buda, Honrado-pelo-Mundo. Para o
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 336
benefício de todos os Sravakas, ele proferiu sermões deste Sutra Ma-
hayana do Grande Nirvana, desdobrou a doutrina, discriminou e a ex-
pôs. Eu, então, agi como um Sravaka, protegi o Sutra Mahayana do
Grande Nirvana, recitei, compreendi e o copiei; e desdobrei, discriminei
e expliquei seus conteúdos. Eu transferi os méritos disto para a Ilumi-
nação Insuperável.

Oh bom homem! Desde então, nunca mais aconteceu de comprome-


ter-me com as más ações das impurezas e das más relações cármicas,
ou caluniar o Dharma Maravilhoso, tornar-me um icchantika, nascer
com órgãos genitais imperfeitos, ou sem órgãos genitais, ou com ór-
gãos genitais duplos, agir contra meus pais, matar um Arhat, destruir
uma Torre (Votiva) ou a lei da Sangha, causar o derramamento de san-
gue do corpo de um Buda, ou cometer as quatro graves ofensas. Desde
então, meu corpo e mente permanecem em paz, e não sinto sofrimen-
to ou preocupação. Oh Kashyapa! Eu agora, na verdade, não tenho
doenças de quaisquer espécies. Por que não? Porque o Buda-Honrado-
pelo-Mundo está longe das doenças.

Oh Kashyapa! O Tathagata é chamado ‘homem-leão’. E, no entanto, o


Tathagata não é realmente um leão. Tudo isso é o ensinamento secre-
to do Tathagata. Por exemplo, é como quando dizemos que o Tathaga-
ta é uma grande naga (naga = é uma palavra do Sanskrito e do Pāli que
designa uma deidade ou classe de entidades ou seres, que assumem a
forma de uma enorme serpente, mas muitas vezes com os troncos e
cabeças humanas, encontrada tanto no Budismo como no Hinduísmo)
entre os humanos. E, no entanto, já há incontáveis kalpas passados,
acabei com a ação [carma]. Oh Kashyapa! É como quando dizemos que
o Tathagata é tanto um humano quanto um deva. Não sou nem pisha-
ca, gandharva, ashura, garuda, kimnara e nem mahoraga. Sou não-eu,
não-vida, e nada que possa ser nutrido [com comida]; não sou alguém
que sinta, e nem que não sinta. Não sou Honrado-pelo-Mundo, nem
algum Sravaka. Não sou alguém que profere sermões, nem alguém que
não o faça. Todas essas expressões são as palavras secretas do Tatha-
gata. Oh Kashyapa! É como quando dizemos que o Tathagata é o Gran-
Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 337
de-Rei-do-Mar-do-Monte-Sumeru [‘mahasamudra-sumeru-parvata-
raja’]. E, no entanto, o Tathagata não está no mesmo nível que qual-
quer montanha de pedra salgada. Saiba que isto, também, é o ensina-
mento secreto do Tathagata. Oh Kashyapa! É como quando dizemos
que o Tathagata é como o pundarika [lótus branco]. E, no entanto, para
dizer a verdade, eu não sou um pundarika. Tudo isso é o ensinamento
secreto do Tathagata. Oh Kashyapa! É como quando dizemos que o
Tathagata é como um pai. E, no entanto, para dizer a verdade, o Tatha-
gata não é um pai. Tudo isso é também o ensinamento secreto do Ta-
thagata. Oh Kashyapa! É como quando dizemos que o Tathagata é
como um grande mestre marinheiro. E, no entanto, para dizer a verda-
de, o Tathagata não é um mestre marinheiro. E isto é também o ensi-
namento secreto do Tathagata. Oh Kashyapa! É como quando dizemos
que o Tathagata é como um grande mercador. E, no entanto, para
dizer a verdade, o Tathagata não é um mercador. Isso é também o
ensinamento secreto do Tathagata. Oh Kashyapa! É como quando di-
zemos que o Tathagata realmente subjuga Mara. E, no entanto, o Ta-
thagata não é, para dizer a verdade, alguém que subjugue outros com
um mau pensamento. Isso é também o ensinamento secreto do Tatha-
gata. Oh Kashyapa! É como quando dizemos que o Tathagata cura
completamente carbúnculos e erupções. Mas eu não sou alguém que
cura carbúnculos e erupções. Isso também é o ensinamento secreto do
Tathagata. Oh Kashyapa! É como dissemos até agora. Existem bons
homens e mulheres que protegem bem o seu corpo, boca e mente
(pensamento). Quando suas vidas chegarem ao fim, virão seus paren-
tes, pegarão o cadáver e o queimarão no fogo, ou podem jogá-lo no
mar, entre túmulos, e raposas, lobos e pássaros podem vir e devorá-lo
avidamente. Ainda assim, a mente (desse bom homem ou boa mulher)
encontrará nascimento num bom domínio (da existência). E a mente
não tem idas e vindas, e nem um lugar para onde ir. A frente e o verso
se assemelham e continuam, sem diferença na aparência exterior. Isso
é um ensinamento secreto do Tathagata.

Oh Kashyapa! Eu disse que estou doente. Mas o caso é diferente disto.


Isto também é o ensinamento secreto do Tathagata. Este é o porquê
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 338
eu disse a Manjushri: ‘Tenho dores em minhas costas. Você deve ensi-
nar bem as quatro classes de seres’. Oh Kashyapa! O Tathagata, o Cor-
retamente-Iluminado, não se deita doente numa cama sobre o seu
lado direito. E nem, ao fim, entra no Nirvana. Oh Kashyapa! Este Gran-
de Nirvana é o mais profundo dhyana [estado de meditação] de todos
os Budas. Esse dhyana não é aquele que Sravakas e Pratyekabudas
podem praticar. Oh Kashyapa! Você indagou por que o Tathagata deve
deitar numa cama e não sentar-se, por que ele não deve pedir comida,
ensinar e fazer injunções para os familiares ganharem a vida. Mas, oh
Kashyapa! O Vazio não faz tais coisas como sentar, pedir comida, fazer
injunções para os familiares ganharem a vida. Não há nada do tipo
como ir ou vir, nascimento ou morte, envelhecer ou ser de meia-idade,
aparecer ou desaparecer, ser ferido ou destruído, ser emancipado ou
ser atado. Também, não há uma fala em concordância conosco ou com
os outros. Também, não há compreensão em concordância conosco ou
com os outros; não há paz, nem doença. Oh bom homem! O mesmo é
o caso com o Buda-Honrado-pelo-Mundo. Este é como o Vazio. Como
poderia haver qualquer doença?

As Mais Graves Doenças Reais

Oh Kashyapa! Existem três tipos de pessoas doentes que são difíceis de


curar. São elas: 1) uma pessoa que calunia o Mahayana, 2) uma pessoa
que cometeu os cinco pecados mortais, e 3) o icchantika. Os três cita-
dos acima são os mais graves de todos os pecados no mundo. Não são
aqueles que Sravakas e Pratyekabudas possam curar facilmente. Oh
bom homem! Por exemplo, existe uma doença que infalivelmente
acaba em morte e é difícil de curar. Pode haver atendimento, uma
atitude em conformidade [com o tratamento médico], e remédio para
aplicar; ou pode não haver atendimento, nem atitude em conformida-
de, e nem remédio para aplicar. Essa doença significa morte certa e
não pode ser curada. Deve-se saber que essa pessoa certamente mor-
rerá. O mesmo é o caso com os três tipos de pessoas (doentes). Pode

Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 339


haver Sravakas, Pratyekabudas e Bodhisattvas que sejam capazes de
pregar a doutrina ou pode não haver. Não existe maneira de fazê-las
[aqueles três tipos de pessoas] aspirar à Iluminação Insuperável.

Oh Kashyapa! Existe uma pessoa que está doente (e que não é dos três
tipos acima). Se for feito o atendimento dela, se há uma atitude em
conformidade e remédios, a doença pode ser curada. Se não há essas
três coisas, não existe maneira de curar [a doença]. O mesmo é o caso
com Sravakas e Pratyekabudas. Eles ouvem o que o Buda e os Bodhi-
sattvas dizem, e eles realmente aspiram à Iluminação Insuperável. Não
é que eles não ouçam o ensinamento (ou seja, não sejam atendidos) e
aspiram à Iluminação. Oh Kashyapa! As pessoas doentes (comuns e
não dos três tipos) são aquelas com relação às quais pode haver aten-
dimento, uma atitude em conformidade e remédios – ou pode não
haver essas coisas. Todas são curadas. Esse é o caso de alguém do tipo
comum. Uma pessoa pode cruzar com um Sravaka ou não; uma pessoa
pode cruzar com um Pratyekabuda ou não; uma pessoa pode cruzar
com um Bodhisattva ou não; uma pessoa pode cruzar com um Tatha-
gata ou não; uma pessoa pode ter a oportunidade de ouvir o ensina-
mento ou não. Uma pessoa pode atingir naturalmente a Iluminação
Insuperável. Alguns, para o seu próprio benefício, ou para o benefício
dos outros, sem medo, ou por lucro, ou pela lisonja, ou para enganar os
outros, ostentarão ou recitarão, farão oferecimentos, respeitarão ou
concederão sermões aos outros sobre o Sutra do Grande Nirvana.

Cinco Caminhos para a Cura

Oh Kashyapa! Existem cinco (tipos) de pessoas neste Sutra Mahayana


do Grande Nirvana – exceto o Tathagata – que estão doentes, mas têm
lugares para onde ir. Quem são esses cinco?

Um é aquele que corta os três grilhões [‘trinisamyojanani’, isto é, o


‘srotapanna’], que acaba com os primeiros três dos dez grilhões men-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 340


tais e atinge o estágio de Srotapanna, não caindo desse modo nos três
domínios do infortúnio do inferno, da animalidade e dos espíritos fa-
mintos. Essa pessoa ganha mais sete (re)nascimentos e mortes nos
mundos dos humanos e celestiais, erradica eternamente todos os tipos
de sofrimento e entra no Nirvana. Oh Kashyapa! Este é o primeiro caso
de alguém que tem uma doença e ainda tem um lugar para chegar lá.
Essa pessoa, nos dias que virão, após 80.000 kalpas, atingirá a ilumina-
ção insuperável.

O Segundo tipo é aquele que corta os três grilhões, aliviando o peso da


cobiça, da ira e da ignorância, atingindo o nível de Sakridagamin e, após
um ciclo de ida e vinda [nascimento e morte], corta eternamente as
amarras de todos os sofrimentos e atinge o Nirvana. Oh Kashyapa! Este
é o segundo caso de alguém que tem doença e ainda tem um lugar
onde ele nascerá. Essa pessoa, nos dias que virão, após 60.000 kalpas,
atingirá a Iluminação Insuperável.

O terceiro tipo de pessoa é aquela que corta os cinco grilhões das ilu-
sões [‘pancavarabhagiyasamyojanani’] que a prendem ao kamadhatu
[mundo do desejo] e atinge a luz do Anagamin. Essa pessoa nunca mais
renascerá aqui neste mundo, cortará eternamente as amarras de todos
os sofrimentos e atingirá o Nirvana. Este é o terceiro caso daquele que,
tendo uma doença, ganha um lugar para nascer nele. Essa pessoa, após
40.000 kalpas, atingirá a Iluminação Insuperável.

Oh Kashyapa! A quarta pessoa é aquela que corta eternamente as im-


purezas da cobiça, da ira e da ignorância, alcança o Arhatship e, não
tendo mais nenhuma mácula das impurezas, entra no Nirvana. Tam-
bém, esta não é uma prática monopolizada pelo Pratyekabuda. Este é
o caso da quarta pessoa doente que ganha um lugar para nascer. Essa
pessoa, após 20.000 kalpas, atingirá a Iluminação Insuperável.

Oh Kashyapa! A quinta pessoa é aquela que corta eternamente as im-


purezas da cobiça, da ira e da ignorância e, tendo obtido a luz de um
Pratyekabuda, não tem mais ilusões a cortar e entra no Nirvana. Este é
Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 341
realmente o único caso de um kirin [nome de um animal fabuloso].
Este é o caso da quinta pessoa que, tendo uma doença, ganha um lugar
para nascer. Essa pessoa, após 10.000 kalpas, atingirá a Iluminação
Insuperável. Oh Kashyapa! Este é o caso quinta pessoa que, tendo do-
ença, ganha um lugar para nascer. Essa pessoa não é um Tathagata.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 342


Índice do Tomo I

CAPÍTULO UM: INTRODUÇÃO ........................................................................... 3


A CENA DO PARINIRVANA DO BUDA ............................................................................8
CAPÍTULO DOIS: SOBRE CUNDA ...................................................................... 33
A PARÁBOLA DA TERRA FÉRTIL................................................................................. 33
OFERECIMENTOS DE ALIMENTOS.............................................................................. 34
A ERVA DANINHA .................................................................................................. 38
O SOL BÚDICO E AS NUVENS DE SAMSARA ................................................................ 39
OS OLHOS DOS MORTAIS COMUNS.......................................................................... 48
O MAGNÍFICO CAMPO DE PROSPERIDADE................................................................. 50
CAPÍTULO TRÊS: SOBRE A AFLIÇÃO ................................................................. 53
O MANÁ DO DHARMA E O CASTELO DE TESOUROS .................................................... 57
O REPOSITÓRIO SECRETO ........................................................................................ 59
AS QUATRO INVERSÕES DO DHARMA ....................................................................... 62
A PARÁBOLA DA ÁGUA-MARINHA ........................................................................... 64
O EU BÚDICO ........................................................................................................ 69
CAPÍTULO QUATRO: SOBRE LONGA VIDA ...................................................... 71
O SEGREDO DA LONGA VIDA ................................................................................... 78
O VERDADEIRO DISCÍPULO ...................................................................................... 80
A PARÁBOLA DO PAI RIGOROSO............................................................................... 81
PARAMARTHA-SATYA ............................................................................................. 83
O TODO-MARAVILHOSO DOS TRÊS TESOUROS .......................................................... 88
CAPÍTULO CINCO: SOBRE O CORPO ADAMANTINO ....................................... 91
UM REI CHAMADO VIRTUOSO ................................................................................. 95
CAPÍTULO SEIS: SOBRE A VIRTUDE DO NOME .............................................. 101
A VIRTUDE DO NOME........................................................................................... 101
CAPÍTULO SETE: SOBRE OS QUATRO ASPECTOS .......................................... 103
OS SEIS SABORES ................................................................................................. 104
COMPREENDENDO A ETERNIDADE DO TATHAGATA ................................................... 113
O FOGO DA SABEDORIA ........................................................................................ 115

Índice Página 343


O UNIVERSO FÍSICO E O DO BODHISATTVA ............................................................... 116
PASSOS PARA A PAZ E FELICIDADE DOS SERES ........................................................... 118
A REAL E PROFUNDA INTENÇÃO DO BUDA ............................................................... 124
A COLHEITA DO GRANDE NIRVANA (MAHAPARINIRVANA) ......................................... 128
A VERDADEIRA EMANCIPAÇÃO E O GRANDE NIRVANA .............................................. 135
A EMANCIPAÇÃO E O DHARMA IMUTÁVEL. .............................................................. 140
MUITO ALÉM DO BEM E DO MAL ........................................................................... 141
O VERDADEIRO EU E A EMANCIPAÇÃO .................................................................... 153
O NÃO-VAZIO E A EMANCIPAÇÃO. ......................................................................... 153
POR QUE FAZEMOS OFERECIMENTOS À SANGHA?.................................................... 154
CAPÍTULO OITO: SOBRE OS QUATRO FIDEDIGNOS .......................................161
O MORTAL COMUM............................................................................................. 161
O SROTAPANNA E O SAKRIDAGAMIN ....................................................................... 162
O ANAGAMIN ...................................................................................................... 162
O ARHAT............................................................................................................. 163
AS RARAS DELÍCIAS DO REI D’OUTRAS TERRAS ......................................................... 167
O SOL DO GRANDE NIRVANA ................................................................................. 173
A MALDADE E A PUREZA (DE UM CRISTAL PERFEITO) ................................................ 180
O DHARMA E A PESSOA ........................................................................................ 183
O SIGNIFICADO E AS PALAVRAS .............................................................................. 184
SABEDORIA E CONSCIÊNCIA.................................................................................... 185
RECEBER E ABRAÇAR SUTRAS ................................................................................. 186
A APREENSÃO DO SIGNIFICADO .............................................................................. 188
CAPÍTULO NOVE: SOBRE O ERRADO E O CERTO ...........................................191
O PROFUNDO SIGNIFICADO DE SALVAR OS SERES ..................................................... 197
CAPÍTULO DEZ: SOBRE AS QUATRO NOBRES VERDADES .............................209
A NOBRE VERDADE DO SOFRIMENTO ...................................................................... 209
A NOBRE VERDADE DA CAUSA DO SOFRIMENTO ...................................................... 210
A NOBRE VERDADE DA EXTINÇÃO DO SOFRIMENTO .................................................. 210
A NOBRE VERDADE DA VIA .................................................................................... 211
CAPÍTULO ONZE: SOBRE AS QUATRO INVERSÕES ........................................213
CAPÍTULO DOZE: SOBRE A NATUREZA DO TATHAGATA ...............................215
O BAÚ DE OURO VERDADEIRO EM NOSSO PRÓPRIO ÂMAGO..................................... 215
A PARÁBOLA DO LUTADOR .................................................................................... 218

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 344


O REMÉDIO DE UM ÚNICO SABOR ......................................................................... 219
O SABOR ÚNICO DOS TRÊS TESOUROS .................................................................... 225
O DILEMA DA DUALIDADE E CAMINHO DO MEIO ..................................................... 227
O BRILHO E A IGNORÂNCIA .................................................................................... 232
A NATUREZA DE BUDA DENTRO DE NÓS ................................................................. 236
CAPÍTULO TREZE: SOBRE AS LETRAS ............................................................. 241
CAPÍTULO QUATORZE: SOBRE A PARÁBOLA DOS PÁSSAROS...................... 251
A CONSCIÊNCIA DE POSSUIR A NATUREZA DE BUDA.................................................. 252
A PARÁBOLA DO PATO MANDARIN E DO KACALINDIKAKA.......................................... 256
CAPÍTULO QUINZE: SOBRE A PARÁBOLA DA LUA ........................................ 261
A PARÁBOLA DA LUA ............................................................................................ 261
A ETERNA LUA-CHEIA........................................................................................... 261
O VERDADEIRO ASPECTO DO CARMA ORIGINAL ....................................................... 262
A PARÁBOLA DO BOM FILHO ................................................................................. 264
O BRILHO DA LUA ................................................................................................ 265
CAPÍTULO DEZESSEIS: SOBRE O BODHISATTVA ............................................ 269
A MARAVILHOSA CAUSA DA ILUMINAÇÃO ............................................................... 277
O ALVORECER DO GRANDE NIRVANA ..................................................................... 281
O GRANDE MÉDICO HABILIDOSO........................................................................... 282
O MESTRE DA ARTE SUPREMA .............................................................................. 283
O REI DO VENTO.................................................................................................. 285
A PELE DA SERPENTE ............................................................................................ 286
O MINISTRO SÁBIO .............................................................................................. 287
O GRANDE NIRVANA NA ERA DA MALDADE ............................................................ 289
CAPÍTULO DEZESSETE: SOBRE QUESTÕES SUSCITADAS PELA MULTIDÃO .. 301
ESTOU SEMPRE AQUI ........................................................................................... 302
O MAIS ELEVADO VOTO DO TATHAGATA ................................................................ 305
A ÁRVORE MEDICINAL.......................................................................................... 307
O PECADO DO REI AJATASATRU ............................................................................. 315
ÚLTIMAS PALAVRAS DO TATHAGATA ...................................................................... 321
CAPÍTULO DEZOITO: SOBRE DOENÇAS REAIS ............................................... 325
OS TRÊS GRANDES OBSTÁCULOS ........................................................................... 326
O SOL NASCENTE DO DHARMA MARAVILHOSO ....................................................... 330

Índice Página 345


AS MAIS GRAVES DOENÇAS REAIS.......................................................................... 339
CINCO CAMINHOS PARA A CURA ............................................................................ 340
ÍNDICE DO TOMO I..........................................................................................343

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 346


2010

Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO II – Ações Sagradas

Tradução original para o Inglês de Kosho Yamamoto.


Editado e revisado por Dr. Tony Page
Tradução para português do Brasil por
Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo


Cristal Perfeito
08/10/2010
Copyright © 2009 por Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO II – Ações Sagradas

Tradução original para o Inglês de Kosho Yamamoto.


Editado e revisado por Dr. Tony Page
Tradução para português do Brasil por
Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 2


Capítulo Dezenove: Sobre Ações Sagradas 1

Então, o Buda disse ao Bodhisattva Kashyapa: “Oh bom homem! O Bo-


dhisattva-Mahasattva deve, de acordo com este ‘Sutra do Mahaparinir-
vana’, meditar exclusivamente sobre os cinco tipos de ações. Quais são
os cinco? Eles são: 1) ações sagradas, 2) ações puras, 3) ações divinas
(celestiais), 4) ações da criança (inocentes), 5) ações de doenças. Oh
bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva deve praticar essas cinco a-
ções. Além disso, existe uma ação que é a ação do Tathagata, a assim
chamada Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Oh Kashyapa! Quais são
as ações sagradas que um Bodhisattva-Mahasattva pratica?

O Bodhisattva-Mahasattva, seguindo um Sravaka ou o Tathagata, ouve


o Sutra do Grande Nirvana. Tendo ouvido-o, ele ganha fé e, acreditan-
do, pensa: ‘O Buda-Honrado-pelo-Mundo tem a Via Insuperável, o
grande Dharma Maravilhoso, a ação correta para a grande congregação.
Além disso, existem os sutras Mahayana Vaipulya. Como agora eu amo
e buscarei zelosamente depois pelos sutras Mahayana, me separarei da
minha esposa e filhos que eu amo, dos meus parentes, do palácio onde
vivo, do ouro, prata e todas as jóias raras, dos colares maravilhosos,
incenso, flores, dança e música, empregados masculinos e femininos,
homens e mulheres, pajens grandes e pequenas, pessoas, elefantes,
cavalos, veículos, vacas, carneiros, galinhas, cães e porcos’. Além disso,
ele pensa: ‘Nossas moradias nos oprimem tanto que se assemelham a
prisões. Todas as preocupações surgem disto. Uma vez que o nosso lar
tenha sido abandonado, tudo é silêncio e aberto como o Vazio. Todo o
bem aumenta como um resultado disto. Em nosso lar, não podemos –
até o fim – praticar ações puras com um pensamento puro. Eu agora
rasparei minha cabeça, deixarei o lar e praticarei a Via da insuperável,
correta e verdadeira Iluminação’.

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 3


Contra Quem Luta o Bodhisattva

Quando o Bodhisattva deseja renunciar ao mundo, os Marapapiyas


tornam-se grandemente preocupados e dizem: ‘Agora esse Bodhisattva
terá uma grande batalha comigo’. Oh bom homem! Como esse Bodhi-
sattva lutaria com humanos? Então, o Bodhisattva vai de uma vez para
um monastério Budista e vê o Tathagata e seus discípulos lá, todos cor-
retos na sua conduta, serenos nos seus sentidos orgânicos, suaves e
calmos nos seus pensamentos. Assim, ele vai lá e procura ser ordenado.
Ele raspa a sua cabeça e veste os três tipos de robes monásticos. Após
ter sido ordenado, ele observa os preceitos proibitivos e não falha na
conduta. Seus movimentos são pacíficos e nada é violado. Mesmo um
pequeno pecado ele teme, e seu pensamento, para ser verdadeiro, é
firme e inquebrantável como um diamante.

Oh bom homem! Aqui está um homem que deseja atravessar o mar


numa bóia. Então, existe um rakshasa [demônio devorador de carne] no
mar. Ele segue o homem e implora pela bóia dele. Ouvindo isto, o ho-
mem pensa: ‘Se eu lhe der, certamente afundarei e morrerei’. Ele res-
ponde: ‘Oh rakshasa! Você pode matar-me, mas não terá a minha bóia’.
O rakshasa diz: ‘Se você não pode dar toda a bóia para mim, dê-me a
metade’. Mas o homem ainda não lhe dará. O rakshasa diz novamente:
‘Se você não pode me dar a metade, dê-me um terço’. O homem não
diz ‘sim’. O rakshasa continua: ‘Se você não pode, dê-me o pedaço onde
a sua mão descança, estou severamente oprimido pela fome e a aflição.
Por favor, dê-me apenas um pedaço’. O homem ainda diz: ‘O que você
procura ter não é muito, de fato. Mas devo atravessar o mar neste
mesmo dia. Não sei quão longe é. Se eu lhe der qualquer parte (da bói-
a), o ar gradualmente escapará. Como eu poderia esperar atravessar
esse mar difícil? Se o ar escapar, eu afundarei e morrerei no meio do
caminho’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 4


Oh bom homem! O mesmo é o caso com o Bodhisattva que observa os
preceitos. Ele é como o homem que deseja atravessar o mar e que é
muito solícito na proteção da bóia, e reluta em dá-la. Quando o Bodhi-
sattva assim age para proteger os preceitos, sempre aparecerá no seu
caminho rakshasas de todas as más ilusões, que dirão ao Bodhisattva:
‘Acredite-me, não estou tentando enganá-lo. Cometa apenas as quatro
graves ofensas e tome cuidado com os outros preceitos. Por isto, lhe
darei a paz e você acordará no Nirvana’.

O Bodhisattva dirá então: ‘Eu preferiria manter os preceitos e ganhar o


Inferno Avichi do que quebrá-los e nascer no Céu’. O rakshasa da ilusão
dirá: ‘Se você não pode cometer as quatro graves ofensas, cometa as
samghavasesa (são violações de regras de conduta que podem causar a
dissolução da Sangha). Por isto, farei você atingir o Nirvana facilmente’.
O Bodhisattva não obedecerá. O rakshasa dirá novamente: ‘Se você não
pode cometer as samghavasesa, cometa o sthulatyaya. Por isto, você
terá um Nirvana pacífico’. Novamente, o Bodhisattva não obedecerá. O
rakshasa dirá novamente: ‘Se você não pode cometer o sthulatyaya,
quebre as [regras do] naihsargika-prayascittika. Por isto, você terá um
Nirvana pacífico’. O Bodhisattva novamente se recusará a obedecer.
Então o rakshasa dirá novamente: ‘Se você não pode cometer o prayas-
cittika, por favor, cometa o duskrta. Por isto, você terá um Nirvana pací-
fico’. Então o Bodhisattva dirá a si mesmo: ‘Se eu cometer o duskrta
[ofensas menores, remissíveis pela confissão] e não confessar antes da
assembléia [de monges], posso não ser capaz de atravessar o mar do
nascimento e da morte e atingir o Nirvana’.

O Bodhisattva-Mahasattva é [assim] muito rigoroso para evitar essas


muito pequenas ofensas, e seu pensamento é como o diamante. O Bo-
dhisattva-Mahasattva, respeitosa e indiferentemente [calmamente],
observa os preceitos tanto contra as quatro graves ofensas quanto con-
tra duskrta.

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 5


Se o Bodhisattva mantém os preceitos assim, ele é conhecido por ter
observado os cinco tipos de shilas [obrigações, preceitos morais], que
são: 1) o preceito de pureza das ações básicas do Bodhisattva, 2) o pre-
ceito de pureza das ações da cabeça-aos-pés e outras, 3) o preceito do
despertar para a pureza e não despertar para coisas de más categorias,
4) o preceito de proteção [manutenção] da atenção correta e da oração
pela pureza, e 5) o preceito para a transferência [do mérito] para o in-
superável Bodhi.

Oh Kashyapa! Agora, existem dois tipos de preceitos para o Bodhisattva.


Um relaciona-se ao ensinamento secular, e o outro é para a realização
do Dharma Maravilhoso. Se um Bodhisattva obtém os preceitos para o
Dharma Maravilhoso, ele não faz o mal até o final. Os preceitos secula-
res podem ser obtidos após os procedimentos do jnapticaturtha [uma
das maneiras de chegar a uma decisão na Sangha Budista].

Também, além disso, oh bom homem! Existem dois tipos de preceitos.


Um é o preceito contra ofensas originalmente graves, e o outro é [aque-
le] para cessar a maledicência e o ódio que vem da vida secular. Os pre-
ceitos contra ofensas originalmente graves são aqueles relativos às qua-
tro (graves) ofensas. Dizemos ‘preceitos para cessar a maledicência e o
ódio que vem da vida secular’. Isto é: não enganar os outros durante os
negócios transacionando com pesos e medidas menores ou obter rique-
za tirando proveito das circunstâncias do outro, comprometer outros
com má-intenção, destruir o sucesso dos outros, dormir com a luz liga-
da, ter a casa própria e plantar sementes, e não faltar aos deveres do lar
em uma loja (local de negócios).

Não possuir (ou manter) um elefante, cavalo, veículo, vaca, cordeiro,


camelo, asno, galinha, cão, macaco, pavão, papagaio, jiva-jivaka, kokila,
chacal, lobo, gato, racoon, javali selvagem, porco, ou outra besta malé-
vola, menino, menina, criados homens ou mulheres, serventes homens
ou mulheres, meninos serventes, ouro, prata, berílio, cristal, pérolas,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 6


lápis-lazúli, ágata, coral, jade, casco de cavalo, ou outras gemas; uma
bacia de liga de cobre, estanho, latão; o ‘kusu’ [almofada quadrada so-
bre a qual o imperador senta para orar ou idolatrar] e o ‘toto’ [tapete
de lã], ou roupas de lã muito justas ao corpo [que modelem o corpo].
Ele nunca armazena cereais, trigo e feijão de qualquer tamanho, milho,
milho italiano, arroz, cânhamo e utensílios para comida, seja crua ou
cozida. Ele recebe [comida] uma vez ao dia, e nunca come duas vezes
num dia. Sua refeição é aquela que é obtida do saco-de-esmola ou a-
quela que é doada à Sangha. Ele sempre sabe exatamente quanto desa-
celerar os seus passos, mas nunca aceita um convite especial [só para
si]. ‘Ele não consome alimentos ou bebidas intoxicantes’, ‘nem vegetais
dos cinco tipos de cheiro adstringente’ [incluindo alho, alho-porro e
cebola]. Assim, nenhum cheiro desagradável exalará. Ele é sempre res-
peitado e presenteado com oferecimentos, honrado e elogiado por
(seres) celestiais e humanos. Ele recebe apenas aquilo que satisfará o
seu apetite e não fica muito [esperando pela comida a ser oferecida]. As
roupas que ele recebe são apenas para cobrir o seu corpo. Nas idas e
vindas, o que ele possui são as três Kasayas [robes] e sua tigela de do-
nativos. Ele nunca se separa destes (da kasaya e da tigela), assim como
os pássaros nunca se separam das suas asas. Ele nunca armazena qual-
quer produto das categorias de raízes, talos, junções, nós ou sementes
[tais como rabanetes e brotos de bambu]. Ele não possui despensa para
comida, nem acessórios para temperos, nunca senta ou deita em camas
altas ou grandes, sobre uma cama dourada de marfim, ou possui qual-
quer tipo de vestuário de tecidos de cores variadas, nem colchões deli-
cados e suaves ao toque; ele nunca senta sobre a pele de um elefante
ou cavalo, nem se deita sobre uma cama coberta com roupas (de cama)
delicadamente feitas, suaves e belas, ou coloca dois travesseiros na
cama ou usa um travesseiro vermelho; nem dorme num travesseiro
amarelo; nem se diverte olhando para as lutas de elefantes, cavalos,
veículos, soldados, homens, mulheres, vacas, carneiros, galos, faisões,
papagaios, etc.; nem vai ou olha especialmente para campos militares;
nem ouve o trompete, o tambor, o chifre, o ‘ch’in’, o ‘shã’, o ‘chãng’, a

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 7


flauta, a harpa, cantos e coros, músicas de danças de mulheres, exceto
nas ocasiões quando são feitos oferecimentos ao Buda. Ele não assiste a
jogos tais como o ‘chobo’ [um tipo de aposta], ‘go’ [semelhante ao xa-
drez], ‘prasaka’ [jogo de apostas], nem lutas de leões e elefantes, o
‘danki’ [tipo de jogo], ‘rikuhaku’ [tipo de aposta], jogo de bola, jogo de
pedras e vasos, corridas, o ‘hachidogyojo’, nem qualquer tipo de diver-
são. Ao longo de toda a sua vida, ele não pratica a arte da adivinhação
olhando as mãos, pés, face ou olhos das pessoas; nem usa coisas como
o ‘sokyä’ [usado na adivinhação], bastões divinos, escolha de dentes,
tigelas ou carcaças; nem olha para o céu e para as constelações, distra-
indo a sonolência. Ele não se tornará mensageiro de uma casa real ou
dirá aquilo para esta pessoa ou isto para aquela. Ele não bajula ou vive
por maus caminhos. Também, não fala sobre reis, ministros, ladrões,
brigas, comidas, terras, fome, medo, boas colheitas, prazeres ou como-
didades. Oh bom homem! Todos esses são preceitos para a verificação
da origem dos rumores mundanos sobre um Bodhisattva-Mahasattva. O
Bodhisattva-Mahasattva observa rigorosamente os preceitos proibiti-
vos. E isto não parte das ofensas originalmente graves.

Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva observa todas


essas proibições, ele faz votos como este: ‘Eu poderia muito bem colo-
car o meu corpo no fogo ardente da mais profunda das profundezas do
inferno, mas não violaria as proibições de todos os Budas do passado,
do presente e do futuro, e não perpetraria ações impuras com mulhe-
res, Kshatriyas, Brahmanes e Monges’.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva jura:


‘Eu preferiria me prender com uma peça de ferro quente do que rece-
ber roupas de um fiel que quebrem os preceitos’.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva jura:


‘Eu preferiria engolir uma bola de ferro quente do que comer uma re-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 8


feição oferecida por um fiel, se minha boca estiver quebrando os pre-
ceitos’.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva jura:


‘Eu preferiria deitar numa cama de ferro em brasa do que receber das
mãos do fiel coisas como cama e roupas de cama, que me façam que-
brar os preceitos’.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva jura:


‘Eu preferiria ter este meu corpo traspassado por 300 lanças do que
receber das mãos do fiel remédios que me façam quebrar os preceitos’.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva jura:


‘Eu preferiria lançar um tridente sobre mim mesmo do que receber de
um fiel um barracão ou casa que me faça quebrar os preceitos’.

Também, ele jura: ‘Eu preferiria ter minha cabeça e pernas trituradas
com um martelo de ferro do que ser respeitado e adorado por Kshatri-
yas, Brâmanes e Monges que me façam quebrar os preceitos’.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva jura:


‘Eu preferiria ter a minha face cortada ou ambos os olhos arrancados do
que olhar a beleza de outras pessoas com uma mente impura’.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva jura:


‘Eu preferiria ter meus ouvidos traspassados de todos os lados com
estiletes do que dar ouvidos a belos sons com uma mente impura’.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva jura:


‘Eu preferiria ter o meu nariz cortado com uma espada afiada do que
apreciar qualquer bela fragrância com uma mente impura’.

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 9


Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva jura:
‘Eu preferiria ter a minha lingua rasgada em retalhos com uma espada
afiada do que degustar avidamente belas delícias com uma mente im-
pura’.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva jura:


‘Eu preferiria ter o meu corpo cortado em pedaços com um machado
afiado do que cobiçar ardentemente tudo o que é tangível com uma
mente impura’.

Por quê? Porque tudo isto carrega aqueles que praticam a Via para os
domínios do inferno, da animalidade e dos espíritos famintos.

Oh Kashyapa! Esse é o resguardo das proibições do Bodhisattva-


Mahasattva. Quando o Bodhisattva-Mahasattva age em concordância
com as proibições mencionadas acima, ele transfere todos os méritos
disto para todos os seres. Ele roga, através disto, que eles sejam capa-
zes de realizar os preceitos para a pureza, para a benevolência, para
não cair e para não quebrar os preceitos do Mahayana, os preceitos
para a não-retroação, para a obediência, para a ultimação, para a per-
feição e realização dos paramitas.

Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica dessa for-


ma os preceitos para a pureza, primeiro ele atinge um estado do qual
ele nunca mais se afasta. Por que o chamamos como aquele que é imó-
vel? Quando um Bodhisattva vive neste estado, ele é imóvel, não-
retroativo e não-dispersivo. Por exemplo, é como o Monte Sumeru, que
nem mesmo o mais cortante vento [‘vairambhaka’] pode mover adian-
te, diminuir ou mover para trás. O mesmo é o caso com o Bodhisattva-
Mahasattva quando ele vive neste ‘bhumi’ (estágio). Ele não é abalado
pela cor, voz, cheiro ou sabor; ele não cai em domínios como os do in-
ferno, da animalidade ou dos espíritos famintos; ele não retroage para
os estados de Sravaka ou Pratyekabuda; ele não é abalado por diferen-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 10


tes visões e maus ventos, e ele não vive uma vida errada. Também,
além disso, oh bom homem! ‘Imóvel’ também significa não ser abalado
pela cobiça e pela ira; ‘não cair’ significa não cair nas quatro graves o-
fensas. ‘Não retroativo’ significa aquele que não retrocede e retorna
para casa [para a vida mundana]. ‘Não dispersivo’ significa não ser aba-
lado ou destruído por aqueles que agem contra o Mahayana. Também,
além disso, o Bodhisattva-Mahasattva não é derrotado por Mara da
ilusão, não é abalado por Mara dos cinco skandhas. Muito embora o rei
Mara esteja lá sob a sombra da árvore Bodhi, ele não pode fazer com
que o Bodhisattva recue da realização da Iluminação Insuperável. Tam-
bém, o Bodhisattva não será derrotado por Mara da morte. Oh bom
homem! Isto é como o Bodhisattva pratica a Via Sagrada.

Oh bom homem! Por que dizemos ‘ações sagradas’? Isto é assim cha-
mado porque o que se faz é o que o Buda e Bodhisattvas fazem. Por que
chamamos o Buda e o Bodhisattva de ‘pessoas sagradas’? Eles são as-
sim chamados porque sempre meditam sobre o ‘Dharmata’ [essência
da Realidade], sobre a quietude do Vazio. Por esta razão, dizemos que
eles são pessoas sagradas. Como eles mantêm em observância os pre-
ceitos sagrados, eles são pessoas sagradas. Como eles possuem o Dhya-
na e a Sabedoria Sagrada, eles são pessoas sagradas. Eles possuem as
sete propriedades sagradas, as quais são: fé, preceitos, arrependimen-
to, audição-privilegiada, Sabedoria, equanimidade e discernimento.
Este é o porquê eles são chamados pessoas sagradas. Como eles possu-
em os sete despertares sagrados, eles são pessoas sagradas. Por esta
razão, também, dizemos ‘pessoas sagradas’.

Meditando Sobre Cores

Também, além disso, oh bom homem! As ações sagradas dos Bodhi-


sattvas-Mahasattvas são o que eles fazem observando o corpo da cabe-
ça aos pés, a saber: cabelos, unhas, dentes, impurezas, sujeiras, pele,

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 11


carne, nervos, ossos, baço, rins, coração, pulmões, fígado, intestino e
estômago, isto é, estômago e intestino delgado, fezes, urina, saliva,
lágrimas, gordura, membrana, medula, pus, sangue, crânio, e todas as
veias. Quando o Bodhisattva assim observa as coisas, quem pode ser o
Eu, ou a quem pode o Eu dizer respeito? Onde ele vive e quem pode
dizer respeito ao Eu? Também, ele pensa: ‘O osso é o Eu? Ou o Eu é
tudo exceto o osso?’ O Bodhisattva então medita, e exclui a pele e a
carne. O que ele vê é osso branco. Ele também pensa: ‘A cor do osso é
variada: azul, amarelo, branco, cinza’. Assim, o que o osso mostra não é
o ‘Eu’ (por não ser uno). Por que não? Porque o Eu não é azul, amarelo,
branco ou cinza. Como o Bodhisattva medita assim, com a mente plena,
ele está distante de todos os desejos por aquilo que é físico. Também,
ele pensa: ‘Esse osso vem das relações causais. O osso dos pés suporta
o osso do tornozelo, o osso do tornozelo suporta o osso da panturrilha,
o osso da panturrilha suporta o osso do joelho, o osso do joelho suporta
o osso da coxa, o osso da coxa suporta o osso da anca, o osso da anca
suporta o osso do quadril, o osso do quadril suporta a coluna vertebral,
o osso da coluna vertebral suporta os ossos das costelas. Também, a
coluna vertebral suporta o osso da nuca; o osso da nuca suporta o osso
da mandíbula; o osso da mandíbula suporta o canino e outros dentes. E
acima daquilo existe o crânio. Também, o osso da nuca suporta a omo-
plata; o osso da omoplata suporta o osso do braço; o osso do braço
suporta o osso do antebraço; o osso do antebraço suporta o osso do
punho; o osso do punho suporta os ossos dos dedos’. Quando um Bo-
dhisattva-Mahasattva medita assim, todos os ossos do corpo se sepa-
ram. Tendo meditado assim, o Bodhisattva erradica os três desejos:
pela forma facial, pela forma corporal, e pelos pequenos toques.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva medita assim sobre ossos azuis, ele


vê a terra parecer toda azul ao leste, oeste, sul, norte, acima e abaixo, e
nas quatro direções intermediárias. Assim como com a cor azul, o mes-
mo se passa com as meditações sobre as cores do amarelo, branco e
cinza. Quando o Bodhisattva-Mahasattva medita assim, a sua testa emi-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 12


te a radiância (freqüência) das cores azul, amarelo, branco e cinza. O
Bodhisattva vê em cada uma das luzes a forma do Buda. Tendo visto o
Buda, ele indaga: ‘Algo assim como o meu corpo surge de uma combi-
nação de impurezas. Como poderíamos sentar e ficar de pé, andar e
parar, deitar e levantar, ver e piscar, ofegar e respirar, afligir-se e cho-
rar, ser feliz e rir? Não há nada que governe o corpo. O que faz as coisas
serem assim?’ Conforme ele pensa assim, todas as figuras do Buda de-
saparecem das luzes. Ele pensa também: ‘Ou a consciência pode ser
meu Eu. É por isso que os Budas não falarão para mim’. Novamente,
como ele medita sobre a consciência, ele vê aquelas coisas gradualmen-
te desaparecerem, como no caso de uma água corrente. Assim, isso não
é o Eu de alguém. Também, ele pensa: ‘Agora, essa respiração entran-
do-e-saindo de mim nada mais é do que a natureza do vento. A nature-
za do vento nada mais é do que um dos quatro grandes elementos.
Qual dos quatro grandes elementos pode ser meu Eu? As naturezas da
água, fogo, terra e vento, também, não são o meu Eu’. Também, ele
pensa: ‘Neste meu corpo, não há nada que pudesse ser chamado Eu.
Somente as relações causais do sopro do pensamento colocam as coisas
juntas e existem várias funções e coisas. Por exemplo, isto é como no
caso de encantos e truques (de magia), ou o som da harpa que vem
seguindo o sopro do pensamento de alguém que a toca. Assim é este
meu corpo impuro. Várias relações causais unem as coisas e assim vai.
Pelo que poderíamos ter ganância? Se alguém tolera (atura) a maledi-
cência, como poderia surgir ira? Parece que as 36 coisas [isto é, as 36
impurezas que um corpo humano possui] do meu corpo nada mais são
que impureza e corrupção. Onde pode haver alguém que tenha que
suportar maledicência? Quando se está a falar mal (de outros), pode-se
pensar: de quem é a voz que fala mal de mim? Essa voz não deve ser a
única que fala mal de mim. Se uma pessoa não fala mal, o mesmo se
aplica a muitas vozes. Por essa razão, não se deve ficar irado’. Quando
outros vêm e nos batem, devemos pensar: ‘De onde vem esse espan-
camento?’ Também podemos pensar: ‘Quando as mãos, a espada ou o
bastão entram em contato com o nosso corpo, dizemos que somos es-

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 13


pancados. Como poderíamos enfurecer tanto os outros? Isto mostra
que eu mesmo tenho provocado a ofensa por minha própria vontade.
Isto vem do fato de que eu possuo este corpo dos cinco skandas (agre-
gados). Isto é como no caso de um alvo que uma flecha pode atingir, e
lá vem pancada. O mesmo é o caso com esse meu corpo. Como eu pos-
suo um corpo, existe [a possibilidade de] um espancamento. Se eu não
suportar, minha mente desintegrará. Se minha mente tornar-se disper-
sa, perderei meu pensamento correto. Se eu perder meu pensamento
correto, posso não ser capaz de ver o que é bom e o que não é. Se eu
não puder distinguir o bem e o mal numa coisa, farei maldade. A mal-
dade feita levará aos reinos do inferno, da animalidade e dos espíritos
famintos’.

Uma vez que o Bodhisattva-Mahasattva tenha feito essa meditação, ele


atinge as quatro recordações. Como ele ganha as quatro recordações,
ele agora pode viver no plano (patamar) da longanimidade (paciência)
[‘bhumi’]. Como o Bodhisattva-Mahasattva atinge esse estado, ele so-
brepuja a cobiça, a ira e a ignorância; também, ele é capaz de resistir ao
frio, calor, fome, sede, mosquitos, moscas, pulgas, piolhos, tempesta-
des, comidas impuras, doenças, pragas, maledicências, abusos, espan-
camentos e ferimentos com espinhos. Ele sobrepujará todas as dores e
aflições do corpo. Este é o porquê dizemos que ele vive no plano da
longanimidade (paciência).”

O Grande Rei Senyo

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Quando o Bodhisattva ainda não reside no plano imóvel (da loganimi-
dade), mas mantém a pureza, ele poderia, caso surja a ocasião, quebrar
os preceitos ou não?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 14


(O Buda disse:) “Oh bom homem! Quando o Bodhisattva ainda não a-
tingiu o estado do plano imóvel, ele bem pode quebrar os preceitos
quando surgir a ocasião.”

Kashyapa disse: “Assim é, de fato! Oh Honrado pelo Mundo! Quem


pode ser essa pessoa?”

O Buda disse a Kashyapa: “O Bodhisattva pode ter a oportunidade de


transgredir os preceitos se ele sabe que pode realmente fazer outros
possuírem os sutras Mahayana, gostarem deles, compreenderem, copi-
arem e exporem-nos amplamente aos outros, e fazê-los atingirem a
Iluminação Insuperável e não retroagirem dela. Em tal ocasião, ele pode
transgredir os preceitos. Naquela ocasião, o Bodhisattva pensará:
‘Mesmo embora eu possa cair no Inferno Avichi por um kalpa ou me-
nos, e possa ter que expiar os meus pecados lá, certamente eu farei
essa pessoa atingir a Iluminação Insuperável e não retroagir dela’. Oh
Kashyapa! Em tais circunstâncias, o Bodhisattva-Mahasattva pode
transgredir os preceitos de pureza.”

Então o Bodhisattva Manjushri disse ao Buda: “Qualquer Bodhisattva


que encontre essas pessoas, lhes proteja, lhes faça aspirar à Iluminação,
lhes faça não retroagir dela e que, para essa finalidade, transgrida os
preceitos, não pode cair no Inferno Avichi.”

Nisto, o Buda elogiou Manjushri, dizendo: “Bem falado, bem falado! Eu


recordo que em tempos passados eu nasci no Jambudvipa como um
grande rei chamado Senyo. Ele amava os sutras Mahayana e os respei-
tava. Ele era puro e bom, e não havia grosseria nele; nem a inveja, nem
a mesquinhez poderiam encontrar qualquer lugar dentro dele. O que
provinha dele eram palavras amáveis, palavras que falavam de bonda-
de. Ele sempre protegeu os pobres e os solitários; com ele não havia fim
para as doações e para o empreendimento de esforços. Naquela ocasi-
ão, não havia um Buda, nem Sravakas e nem Pratyekabudas. Eu, naque-

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 15


la ocasião, amava os sutras Mahayana Vaipulya. Por 12 anos eu servi os
Brâhmanes, cuidando de atender plenamente as suas necessidades.
Após aquilo, quando a caridade e a paz tinham sido obtidas, eu disse:
‘Oh vocês mestres! Agora vocês deveriam aspirar à Iluminação Insupe-
rável’. Os Brâhmanes disseram: ‘Oh grande Rei! Não existem coisas
como a natureza da Iluminação; o mesmo é o caso com os sutras Maha-
yana. Oh grande Rei! Como é que você deseja nos tornar iguais ao Vazi-
o’? Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, respeitava grandemente o
Mahayana. Eu ouvi os Brâhmanes caluniando o Vaipulya. Tendo ouvido
isto, eu acabei com a minha vida. Oh bom homem! Eu nunca mais caí no
inferno em razão disto [isto é, a despeito disto]. Oh bom homem!
Quando aceitamos e protegemos os sutras Mahayana, temos inumerá-
veis virtudes.

Também, além disso, oh Kashyapa! Existem também [outras] ações


sagradas. Elas são as Quatro Nobres Verdades, que são: o Sofrimento, a
Causa [do Sofrimento], a Extinção [do Sofrimento], e a Via [para a Extin-
ção do Sofrimento]. Oh Kashyapa! O Sofrimento é uma situação opres-
siva. A Causa do Sofrimento contém as fases de crescimento e expan-
são. A Extinção é a fase da quietude e aniquilação, a Via é o Mahayana.
Também, além disso, oh bom homem! Sofrimento é o que realmente se
estabelece previamente; a Causa é uma fase de mudança; Extinção é
exclusão; a Via é o que nós podemos excluir. Também, além disso, oh
bom homem! O Sofrimento tem três fases, que são: 1) o sofrimento do
sofrimento, 2) o sofrimento daquilo que é criado, e 3) o sofrimento do
rompimento [isto é, desintegração, separação daquilo que gostamos]. A
Causa do sofrimento relaciona-se às 25 existências. A Via relaciona-se
aos preceitos, meditação e Sabedoria. Também, além disso, oh bom
homem! Existem dois tipos de ‘asravas’ [‘impurezas’], a saber: causa e
efeito. As ‘anasrava’ [‘não-impurezas’] são de dois tipos, a saber: causa
e efeito. O efeito da ‘asrava’ é sofrimento; a causa da ‘asrava’ é ‘samu-
daya’ [=causa do sofrimento, que é = ‘trishna’, desejo]. O efeito da ‘a-
nasrava’ é extinção [do sofrimento] e a causa da ‘anasrava’ é a Via.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 16


Os Oito Modos de Sofrimento

Também, além disso, oh bom homem! Existem oito modos de sofrimen-


to, que são: 1) o sofrimento do nascimento, 2) o sofrimento do enve-
lhecimento, 3) o sofrimento da doença, 4) o sofrimento da morte, 5) o
sofrimento da separação daquilo que se ama, 6) o sofrimento do encon-
tro com aquilo que se odeia, 7) o sofrimento de não ser capaz de obter
o que se deseja, e 8) o sofrimento do desejo ardente dos cinco skan-
dhas. A causa desses oito modos de sofrimento é [chamada] ‘samuda-
ya’. Onde esses oito sofrimentos não existem, aquilo é extinção. Os dez
poderes, os quatro destemores, os três estados mentais e a Grande
Compaixão são a Via.

Nascimento e Envelhecimento

Oh bom homem! Nascimento é emergência, da qual existem cinco ti-


pos: 1) concepção inicial, 2) final da concepção, 3) crescimento, 4) e-
mergência do útero, e 5) nascimento real com características.

O que é envelhecimento? Isto tem dois aspectos: 1) envelhecimento


cronológico e 2) envelhecimento físico. Novamente, existem dois tipos:
1) o progresso do envelhecimento e 2) a extinção e interrupção do en-
velhecimento. Assim se passam as coisas com o envelhecimento.

As Doenças

O que são doenças? Por doenças entende-se a não-conformidade [de-


sarmonia] das serpentes venenosas dos quatro grandes elementos, as

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 17


quais são de dois tipos: 1) doença do corpo e 2) doenças mentais. Na
doença do corpo existem cinco tipos de causa, que são: 1) água, 2) ar, 3)
calor, 4) diversas enfermidades, e 5) doenças de causas externas. Doen-
ças de causas externas compreendem: 1) trabalho incessante, 2) negli-
gência (desatenção), delitos e degeneração, 3) espada, bastão, telhas,
pedras e 4) demônios e espíritos. As doenças mentais também são de
quatro tipos, que são: 1) loucura (alegria desenfreada), 2) medo, 3)
ansiedade, e 4) ignorância. Também, além disso, oh bom homem! Das
doenças do corpo e da mente, existem três tipos: Quais são os três?
Eles são: 1) retribuição cármica, 2) incapacidade para apartar-se daquilo
que é mau, e 3) mudanças resultantes do decorrer do tempo. Todas as
relações causais, a natureza categórica e as alterações de sensibilidade
causam doenças. Relações causais referem-se às doenças como do ar,
água, calor, etc.; a natureza categórica refere-se a inchaço [como resul-
tado] de preocupações, tosses, vertigem e intestino solto devido a sus-
tos (surpresas mentais); alterações de sensibilidade referem-se a dores
de cabeça, dores nos olhos, mãos, pés, etc. Essas são as doenças.

A Morte

O que é a morte? Por morte entende-se o abandono do corpo carnal


que nos foi dado. Há dois tipos de abandono do corpo que recebemos,
que são: 1) morte através da expiração da vida [isto é, da nossa vida
naturalmente chegar a um fim] e 2) morte por causas externas. Na mor-
te através da expiração da vida, existem três tipos, que são: 1) fim da
vida que, todavia, não é o fim da fortuna; 2) fim da fortuna que, todavi-
a, não é o fim da vida; 3) fim de ambos, fortuna e vida. Há três tipos de
morte por causas externas, que são: 1) suicídio desnatural, 2) morte
causada por outros, e 3) morte de ambas as causas. Também, existem
outros três tipos de morte, que são: 1) morte pela indolência, 2) morte
pela violação dos preceitos, e 3) morte pela erradicação das raízes da
vida. O que é morte pela indolência? Se caluniamos o Mahayana-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 18


Vaipulya-Prajnaparamita, isto é morte pela indolência. O que é morte
pela violação dos preceitos? Quando infringimos as proibições declara-
das pelos Budas do passado, do presente e do futuro, isto é (morte pe-
la) violação dos preceitos. O que é morte pela erradicação das raízes da
vida? O abandono do corpo dos cinco skandhas (agregados) é morte
pela erradicação das raízes da vida. Este é o porquê dizemos que a mor-
te é um grande sofrimento.

A Separação Daquilo que se Ama

O que é o sofrimento da separação daquilo que se ama? Aquilo que


amamos quebra-se (dissolve-se, desintegra-se) e torna-se disperso.
Existem dois tipos de separação daquilo que amamos, que são: 1) desin-
tegração dos cinco skandhas (forma, sensações/sentimentos, percep-
ções, formações mentais/volição/compulsão, e consciência) de um hu-
mano e 2) desintegração do mundo celestial. Se fôssemos contar os
tipos de cinco skandhas das coisas dos céus e da terra, eles seriam inu-
meráveis. Este é o sofrimento da separação daquilo que se ama.

O Encontro Com Aquilo Que se Odeia

O que é o sofrimento do encontro com aquilo que se odeia? Existe uma


diversidade de coisas que não amamos, as quais vêm juntas. Dessa
massificação de coisas que não amamos, existem três tipos, que são os
domínios do inferno, dos espíritos famintos e dos animais. (As diversi-
dades dentro) desses três são inumeráveis, ainda que pudéssemos ten-
tar enumerá-las. Esse é o sofrimento do encontro com aquilo que se
odeia encontrar.

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 19


Não Ser Capaz de Obter o Que se Deseja

O que é sofrimento de não ser capaz de obter o que se deseja? Existem


dois tipos desse sofrimento de não ser capaz de obter o que se deseja
ter, que são: 1) desejo de algo, mas não ser capaz de consegui-lo, e 2) o
resultado que não vem (das nossas ações), mesmo após muitos esfor-
ços. Esses são os casos do sofrimento de não ser capaz de obter o que
se deseja ter.

O Desejo Ardente dos Cinco Skandhas

O que é o sofrimento do desejo ardente dos cinco skandhas? O sofri-


mento do desejo ardente dos cinco skandhas se refere ao sofrimento
do nascimento, ao sofrimento do envelhecimento, ao sofrimento da
doença, ao sofrimento da morte, ao sofrimento de separação daquilo
que se ama, ao sofrimento do encontro com aquilo que se odeia a ao
sofrimento de não ser capaz de obter o que se deseja ter. Este é o por-
quê falamos do sofrimento do desejo ardente dos cinco skandhas.

Oh Kashyapa! A raiz da vida tem esses sete tipos de sofrimentos. Isso


abrange do sofrimento do envelhecimento ao sofrimento de urgir com
a queima dos cinco skandhas. Oh Kashyapa! Isso não significa que o
envelhecimento vem para todos. Definitivamente, ele não vem para o
Buda e os deuses. Com os humanos ele é indefinido: ele pode existir ou
não. Oh Kashyapa! Aqueles que existem nos três mundos têm vida. O
envelhecimento não é sempre definido. Este é o porquê a raiz reside na
vida. Oh Kashyapa! Os humanos do mundo estão de cabeça-para-baixo,
fato que obscurece suas mentes. Eles apegam-se ao que obtêm na vida
e odeiam o envelhecimento e a morte. Com o Bodhisattva é o contrário.
Quando ele olha para um nascimento, ele já vê doença.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 20


A Parábola das Irmãs Inseparáveis

Oh Kashyapa! Certa vez existiu uma mulher que veio à casa de uma
pessoa. Ela se enfeitou esplendidamente. Parecia linda e seu corpo es-
tava adornado com colares de pedras variadas. O chefe da casa a viu e
indagou: ‘Qual é o seu nome? A quem você representa (pertence)?’ A
mulher respondeu: ‘Eu sou Gunamahadevi’. O homem da casa indagou:
‘O que você faz onde quer que vá’? A devi (Devi é sinônimo de Shakti, o
aspecto feminino do divino) respondeu: ‘Onde quer que eu vá, dou às
pessoas várias coisas, tais como ouro, prata, berílio (água marinha),
cristal, pérolas, coral, lápis-lazúli, ágata, elefantes, cavalos, veículos,
empregados homens ou mulheres e meninos mensageiros’. Ouvindo
isto, o homem da casa sentiu-se extremamente satisfeito: ‘Agora a for-
tuna está do meu lado. Este é o porquê você está em minha casa’. Ele
queimou incenso, espalhou flores, fez oferecimentos e a reverenciou.
Também, do lado de fora do portão, ele encontrou uma mulher feia e
maltratada, cujas roupas estavam esfarrapadas, rasgadas, e com a apa-
rência corrompida pela gordura e a sujeira. Sua pele estava ressecada e
ela parecia pálida e branca. Vendo-a, ele indagou: ‘Qual é o seu nome?
A quem você representa (pertence)?’ A mulher respondeu: ‘Meu nome
é ‘Escuridão’.’ Ele ainda indagou: ‘Por que ‘Escuridão’?’ A mulher res-
pondeu: ‘Onde quer que eu vá, a fortuna daquela casa desaparece’.
Ouvindo isto, o homem brandiu uma espada afiada e disse: ‘Vá embora!
Se você não for, eu a matarei’. A mulher disse: ‘Você é um tolo e caren-
te de sabedoria’. O homem indagou: ‘Por que sou tolo e carente de
sabedoria?’ A mulher respondeu: ‘A mulher em sua casa é minha irmã
mais velha. Eu sempre a acompanho. Se você me expulsar, ela o deixa-
rá’. O dono da casa entrou e indagou a Gunadevi: ‘Do lado de fora da
casa há uma mulher que diz ser sua irmã. Isso é verdade?’ Gunadevi
disse: ‘De fato ela é minha irmã. Eu sou sempre acompanhada por ela,
nas idas e vindas; nunca nos separamos. Onde quer que eu vá, eu sem-
pre faço o bem e ela sempre faz o mal. Eu concedo benefícios e ela os
retira. Se você me ama, a ama também. Se você me respeita, a respeita

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 21


também’. O homem disse de uma só vez: ‘Se tem que haver ambos, o
bem e o mal, não quero ter nada (nenhum deles). Sigam seu caminho,
ambas!’ Então as duas mulheres foram para onde estavam antes.
Quando elas deixaram o lugar onde estavam antes, o homem (daquela)
casa se tornou feliz e muito alegre (e não as queria mais). Então as duas
mulheres foram para uma cabana de um homem pobre. Vendo-as, o
homem convidou-as para entrar e disse: ‘Doravante, fiquem em minha
casa’. Gunadevi disse: ‘Nós fomos expulsas. Por que você nos convida a
entrar?’ O homem pobre disse: ‘Você agora cuida de mim. Eu respeito a
sua irmã por sua causa. Assim, permito a ambas entrar’. A situação é
como esta. Oh Kashyapa! O mesmo se passa com o Bodhisattva-
Mahasattva. Ele não deseja nascer no céu. Nascer significa que lá (no
céu), também, existem envelhecimento, doença e morte. Assim, ele
abandona ambas; ele não tem a intenção de recebê-las. Os mortais
comuns e os ignorantes não se apercebem dos males do envelhecimen-
to, doença e morte. Assim, eles buscam avidamente o nascimento e a
morte.

Também, além disso, oh Kashyapa! A criança de um Brâmane, oprimida


pela fome, apanhou uma manga que estava jogada sobre o excremento.
Um homem que sabia quem ela era viu isto e repreendeu a criança:
‘Você que vem de uma família Brâmane e cujo sangue é puro! Por que
você apanhou aquela fruta imunda que estava jogada sobre o excre-
mento?’ A criança enrubesce após ter sido repreendida. Então ela res-
ponde: ‘Eu não quero comer isto, para dizer a verdade. Eu apenas que-
ria lavá-la e atirá-la longe.’ O homem sábio disse: ‘O que você diz não
faz qualquer sentido. Se você queria atirá-la longe, qual foi o bem de
apanhá-la no lugar onde estava?’ A situação é como esta. Oh bom ho-
mem! O mesmo se passa com o Bodhisattva-Mahasattva. Não há recep-
ção e nem abandono [com ele] desde os primórdios. Isto é como no
caso do homem sábio que repreende a criança Brâmane. O caso do
mortal comum que roga pela vida e odeia a morte é similar ao daquela
criança que apanha a fruta e mais tarde a abandona.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 22


O Vendedor de Comida

Também, além disso, oh Kashyapa! Por exemplo, existe um homem que


espalha utensílios cheios de alimentos numa encruzilhada; a cor, o a-
roma e o sabor (dos alimentos) são perfeitos. Ele deseja vendê-los. Um
homem chega de um lugar distante e está faminto e debilitado. Ele sen-
te-se arrebatado pela perfeita cor, aroma e sabor. Ele aponta a comida
e indaga: ‘Que comida é esta?’ O vendedor da comida diz: ‘Essa é a me-
lhor das comidas; ela possui cor e aroma. Se alguém a come, sua com-
pleição física e força aumentarão. Ela realmente acaba com a fome, e
alguém [que a come] certamente verá o céu. Mas há um problema.
Para isto, tem-se que morrer!’ Ouvindo isto, o homem diz para si mes-
mo: ‘Não necessito de qualquer força física para ver o céu, e também
não gosto da morte’. Então ele diz: ‘Se comer essa comida eu morrerei.
Como você pode vender essa comida aqui para todos?’ O vendedor de
comida diz: ‘Aquele que é sábio não a compra absolutamente. Somente
os ignorantes não sabem isto. Eles me dão um bocado (de dinheiro) e
comem avidamente essa comida’. Então, ele pode vender. O mesmo é o
caso com o Bodhisattva-Mahasattva. Ele não deseja nascer no céu. Ele
não deseja ter uma grande compleição física, força, e ver todos os de-
vas. Por que não? Porque ele sabe que eles (os devas) não estão livres
de todas as aflições lá (no céu). Os mortais comuns e os ignorantes,
onde quer que haja vida para ser vivida, a devoram avidamente uma
vez que não vêem o envelhecimento, a doença e a morte.

Também, além disso, oh Kashyapa! Por exemplo, existe uma árvore


venenosa, cuja raiz certamente mata um homem. Assim, também, são
os galhos, tronco, nós, casca, folhas, flores e frutos. Oh bom homem!
Assim também, qualquer parte que se obtenha das 25 existências, ela
contém os cinco skandhas. A morte sempre os segue (os skandhas).

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 23


Também, além disso, oh Kashyapa! É como a impureza do excremento,
que exala um cheiro horrível, não importa quão pequena seja a quanti-
dade. Oh bom homem! O mesmo se passa com a vida. Quer obtenha-
mos uma vida de 8.000 anos ou uma vida tão curta quanto 10 anos, o
sofrimento a acompanha da mesma forma.

Também, além disso, oh Kashyapa! Como um exemplo: um precipício


está completamente encoberto pela grama. E, à beira do precipício,
existe um bocado de amrta [ambrosia]. Se alguém a come, viverá por
1.000 anos. Isto acabará com as doenças para sempre, e tudo ficará em
paz. Os mortais comuns e os ignorantes cobiçam ardentemente o sabor
[da amrta] e esquecem do grande abismo que os espera abaixo. Eles
seguem adiante, mas desafortunadamente pisam em falso, caem no
abismo e morrem. Mas os sábios, conhecendo como são as coisas, não
se aproximam. Do contrário, eles se afastam. Oh bom homem! O mes-
mo se passa com o Bodhisattva-Mahasattva. Ele não se seduz pelas
maravilhosas delícias do céu. Ele poderia seduzir-se por aquelas (do
mundo) dos humanos? Os mortais comuns engolem uma bola de ferro
no inferno. Como ele poderia desejar receber as delícias maravilhosas
do mundo dos humanos ou dos céus? Oh Kashyapa! Você certamente
será capaz de saber a partir disto, e de todas as outras inumeráveis
parábolas, que esta vida é realmente nada mais que um lugar de grande
sofrimento. Oh Kashyapa! Isto é como um Bodhisattva vê o sofrimento
da vida, residindo naquilo que é dito no Sutra Mahayana do Grande
Nirvana.

O Sofrimento do Envelhecimento

Oh Kashyapa! Como o Bodhisattva, residindo neste Sutra Mahayana do


Grande Nirvana, vê o sofrimento do envelhecimento? A idade realmen-
te traz tosses e vertigens. Ela diminui a coragem, a memória, o otimis-
mo, a virilidade, a alegria, o orgulho, a altivez, a paz e a autonomia. A

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 24


idade realmente traz com ela inchaços, esquecimento, lassidão e é vista
com desprezo pelos outros. Oh Kashyapa! Uma lagoa está repleta de
flores de lótus, com suas grandes flores abertas e seu frescor preen-
chendo toda a sua volta. Tudo é belo. Mas se chover granizo, tudo será
destruído. É como aquilo. Oh bom homem! O envelhecimento é assim.
Ele destrói a virilidade e a beleza. Também, além disso, oh Kashyapa!
Um rei tem um ministro sábio que é bem versado em táticas militares.
Um rei inimigo avança contra ele. O rei envia esse ministro para con-
quistar o rei inimigo. Esse rei é feito prisioneiro e o ministro retorna
para casa e vê o rei. O caso é assim. O mesmo se passa com o envelhe-
cimento. Ele faz a nossa virilidade e brilho prisioneiros e lança-os para o
rei da morte. Também, além disso, oh Kashyapa! É como no caso de um
homem rico que possui vários tesouros como ouro, prata, lápis-lazúli,
cristal, ágata, pérola vermelha e carnelian. Mas quando o ladrão vem e
lhes rouba, nada mais resta. Oh bom homem! O mesmo se passa com a
virilidade e o brilho. O ladrão da velhice sempre vem e pilha [todas as
coisas]. Também, além disso, oh Kashyapa! Por exemplo, um homem
pobre cobiça ardentemente belas delícias e roupas finas. Ele procura
possuí-las, mas não pode. Oh bom homem! O caso é o mesmo também
com o envelhecimento. Uma mente ávida cobiça a riqueza e a satisfa-
ção dos cinco desejos, mas ele não pode [encontrar satisfação]. Tam-
bém, além disso, oh Kashyapa! É como a tartaruga numa terra seca que
sempre pensa sobre a água. Oh bom homem! O mesmo é o caso com os
seres humanos. Ressecados, emaciados e velhos, a mente sempre se
recorda dos prazeres dos cinco desejos que apreciaram nos seus primei-
ros anos de vida. Também, além disso, oh Kashyapa! É como no caso da
lua (cheia) de outono que, embora admirada por todas as flores de ló-
tus, é vista com desprezo quando desvanece em seu amarelo. Oh bom
homem! O mesmo é o caso com os primórdios da vida e as cores jovens
(recentes). Embora amada por todos, todos a olharão com desprezo
quando a velhice vier. Também, além disso, oh Kashyapa! O mesmo é o
caso com a cana-de-açúcar. Quando ela é moída, o que fica para trás (o
bagaço) não tem sabor. O mesmo diz respeito aos primórdios da vida e

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 25


as cores jovens. Quando a velhice as espreme, nada fica dos três sabo-
res, que são: 1) o sabor da renúncia, 2) o sabor da recitação, e 3) o sa-
bor do dhyana [meditação].

Também, além disso, oh Kashyapa! Isto é como no caso de uma noite


com lua-cheia, quando há abundância de luz, mas durante o dia não há
nada. Oh bom homem! O mesmo se passa com os seres humanos. Nos
primórdios da vida, parecem esplendidamente austeros; sua forma e
seu aspecto são raros e grandes, mas, conforme envelhecem, se tornam
fracos e as boas linhas da forma evaporam.

Também, além disso, oh Kashyapa! Como um exemplo: existe um rei


que governa o país com leis justas e reina sobre seus súditos. Ele é ínte-
gro e honesto; nada de errado acontece com ele. Ele sente compaixão e
ama a caridade. Então, o inimigo vem e invade o país. O rei escapa e
foge para outro país. As pessoas do outro país vêem isto, sentem pie-
dade e dizem: ‘Oh grande Rei! Em tempos passados, você reinou sobre
um reinado baseando-se em leis justas e sem ser desonesto com al-
guém. Como é que você teve de deixar seu país e vir para cá?’ É como
isto. Oh bom homem! O mesmo se passa com os seres humanos. Quan-
do a idade vem e nos alquebramos, somente podemos elogiar o que
obtivemos quando vivíamos nos primórdios das nossas vidas.

Também, além disso, oh Kashyapa! Por exemplo, é como o pavio de


uma lâmpada, que depende unicamente de cera e óleo. Quando a cera
e o óleo terminam, a potência da lâmpada não dura muito. O mesmo se
passa com os seres humanos. Eles dependem do óleo da virilidade.
Quando o óleo da virilidade é gasto, por quanto tempo poderá o pavio
da fraqueza da velhice dar a luz?

Também, além disso, oh Kashyapa! Por exemplo, um rio seco não pode
beneficiar humanos, não-humanos, pássaros voando ou bestas corren-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 26


do. O mesmo se passa com os seres humanos. Ressecados pela velhice,
o homem não pode ser útil para qualquer [tipo de] trabalho.

Também, além disso, oh Kashyapa! Por excemplo, é como com uma


árvore pendurada à beira de um precipício. Se vier a tempestade, ela
certamente cairá. Oh bom homem! O mesmo se passa com os seres
humanos. Se a tempestade da velhice vem, nenhuma força pode evitar
a queda no precipício.

Também, além disso, oh Kashyapa! É como o que se passa com o pé


quebrado, pelo qual nenhum fardo pesado pode ser suportado. Oh bom
homem! O mesmo se passa com a velhice. Nenhuma coisa boa poderá
servir-lhe de qualquer benefício. Também, além do mais, é como com
uma criança que é desprezada. Oh bom homem! Idade, também, é as-
sim. Todas as pessoas desprezam e negligenciam alguém que esteja
velho. Oh Kashyapa! Saiba disto, e de todas as outras inumeráveis e
ilimitadas parábolas, que a velhice é verdadeiramente um grande so-
frimento. Oh Kashyapa! Este é o porquê o Bodhisattva estuda o Sutra
Mahayana do Grande Nirvana e medita sobre o sofrimento da velhice.

O Sofrimento da Doença

Oh Kashyapa! Como um Bodhisattva-Mahasattva estuda o Sutra Maha-


yana do Grande Nirvana e medita sobre o sofrimento da doença? As
assim chamadas doenças destroem toda a paz e alegria. Por exemplo, é
como se passa com a chuva de granizo que destrói os brotos tenros do
cereal. Também, é como no caso de uma pessoa contra a qual alguém
sente inveja: o pensamento daquela pessoa está sempre apreensivo e
temeroso. Oh bom homem! O mesmo se passa com todos os seres hu-
manos. Eles sempre temem o sofrimento da doença e tornam-se apre-
ensivos.

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 27


Também, além disso, oh Kashyapa! Existe um homem que parece glori-
oso e austero. A consorte do rei, devido ao seu desejo sensual, preten-
de tê-lo. Ele recebe cartas, é pressionado por ela e tem um relaciona-
mento [com ela]. O rei o captura, e arranca-lhe cada olho, orelha, mãos
e pés. A aparência dessa pessoa muda. As pessoas desfazem e despre-
zam-lhe. Oh bom homem! O mesmo se aplica aos seres humanos. Uma
pessoa pode ter um bom conjunto de orelhas e olhos. Mas capturado e
oprimido pela doença, as pessoas irão desprezar-lhe.

Também, além disso, oh Kashyapa! Por exemplo, a bananeira, o bambu,


a cana e a mula têm que morrer quando têm filhos. Oh bom homem! O
mesmo se passa com os seres humanos. De doença, eles têm que mor-
rer.

Também, além disso, oh Kashyapa! O corpo principal de soldados e


ministros de um Chakravartin sempre vai à frente e indica o caminho, e
o Chakravartin os segue. Da mesma forma, os reis dos peixes, formigas,
ostras, vacas e líderes dos mercadores vão à frente e todos os outros os
seguem e nunca se separam [deles]. Também, além disso, oh bom ho-
mem! O mesmo se passa com o Chakravartin da morte. Ele sempre
segue os seus súditos, doenças, e nunca se separa [deles]. Assim como
nos casos dos reis dos peixes, formigas, ostras, vacas e líderes dos mer-
cadores; as doenças sempre são seguidas pelos súditos da morte. Oh
Kashyapa! As relações causais das doenças são aflição, apreensão, so-
frimento e inquietude no corpo e na mente. Pode-se ser atacado por
alguém mal-intencionado, a bóia pode ser dilacerada, ou a ponte pode
ser solapada, de tal forma que as fundações da vida sejam ameaçadas.
Ou o auge da vida e do esplendor físico, a vitalidade, a paz e o arrepen-
dimento podem ser destruídos ou podem desaparecer, ou o corpo e a
mente podem queimar. Pode-se ver a partir dessa parábola e das inu-
meráveis, ilimitadas outras parábolas como é a grande dor das doenças.
Tudo isto é para mostrar como o Bodhisattva-Mahasattva estuda esse

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 28


Sutra Mahayana do Grande Nirvana e medita sobre o sofrimento da
doença.

O Sofrimento da Morte

Oh Kashyapa! Como o Bodhisattva estuda o Sutra Mahayana do Grande


Nirvana e medita sobre o sofrimento da morte? Dizemos ‘morte’ por-
que ela queima completamente e aniquila as coisas. Oh Kashyapa! É
como quando um fogo queima tudo, exceto que ele não pode excluir o
segundo Dhyana. Oh bom homem! O mesmo é o caso com o fogo da
morte. Ele queima tudo, exceto o Bodhisattva que reside no Mahayana
Mahaparinirvana. Em razão da força [do Bodhisattva] chega-se a este
estágio. Também, além disso, oh Kashyapa! Se vem uma inundação,
tudo sucumbe sob as águas, exceto o terceiro Dhyana, que não pode
ser destruído. Oh bom homem! O mesmo é o caso com as águas da
morte, na qual tudo submerge, exceto o Bodhisattva que reside no Ma-
hayana Mahaparinirvana.

Também, além disso, oh Kashyapa! Uma tempestade sopra, dispersa e


destrói tudo, exceto o quarto Dhyana, que seu poder não pode alcan-
çar. Oh bom homem! O mesmo é o caso com os ventos da morte. Ele
destrói tudo o que encontra, exceto o Bodhisattva que reside no Maha-
yana Mahaparinirvana.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


que é que o vento não pode soprar, a inundação não pode afogar e o
fogo não pode queimar o quarto Dhyana?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Isto vem do fato de que no quarto
Dhyana não fica uma mancha de pecado, dentro ou fora dele. O primei-
ro Dhyana tem pecado e doença nele. Dentro, ele tem a meditação
iluminada, mas fora, há fogo. O segundo Dhyana tem pecado e doença

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 29


nele. Dentro, existe alegria; mas fora, ele tem o sofrimento da inunda-
ção. O terceiro Dhyana tem doença e pecado nele. Dentro, ele tem ina-
lação e exalação; e fora, os sofrimentos do vento. Oh bom homem! O
quarto Dhyana não possui em todo ele doença ou pecado, dentro e
fora. Em razão disto, nenhuma calamidade pode alcançá-lo. Oh bom
homem! A mesma é a situação com o Bodhisattva-Mahasattva. Ele resi-
de pacificamente no Mahayana Mahaparinirvana e todos os pecados e
doenças chegam a um fim. Em razão disto, o rei da morte não pode
alcançá-lo.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, o garuda realmen-


te devora todos os nagas, peixes e todos os tesouros tais como o ouro e
a prata, exceto o diamante. O mesmo acontece com o garuda da morte.
Ele realmente devora e acaba com todos os seres, exceto o Bodhisattva-
Mahasattva que reside no Mahayana Mahaparinirvana, com o qual ele
não pode acabar.

Também, além disso, por exemplo, todas as gramas e árvores são varri-
das para o fundo do grande mar se o volume das águas aumenta provo-
cando assolamento, exceto o salgueiro amargo e o salgueiro comum,
uma vez que são leves e maleáveis. Oh bom homem! O mesmo é o caso
com todos os seres. Todos seguem e sucumbem no mar da morte, exce-
to o Bodhisattva que reside no Mahayana Mahaparinirvana, com o qual
não se pode acabar.

Também, além disso, oh Kashyapa! A Narayana bate todos os lutadores,


exceto o grande vento. Por quê? Em razão do desimpedimento (não-
obstrução). Oh bom homem! O mesmo é o caso com a Narayana da
morte. Ela realmente conquista todos os seres, exceto o Bodhisattva
que reside no Mahayana Mahaparinirvana. Por quê? Em razão do de-
simpedimento.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 30


Também, além disso, oh Kashyapa! Existe uma pessoa que engana e
finge amizade, embora nutra inimizade. Ela sempre segue os outros,
como uma sombra segue o corpo, e espera pela chance de matá-los.
Mas a pessoa a quem a inimizade é dirigida é cuidadosa e inflexível, de
tal maneira que a oportunidade para ser morta é evitada. Oh bom ho-
mem! O mesmo é o caso com o inimigo da morte. Ele sempre espera
por uma chance para matar os seres, exceto o Bodhisattva-Mahasattva
que reside no Mahayana Mahaparinirvan. Por quê? Porque esse Bodhi-
sattva não é indolente.

Também, além disso, oh Kashyapa! Por exemplo, subitamente surge


uma grande tempestade, trazendo ventos e chuvas com uma força a-
damantina, pelas quais todas as plantas medicinais, todas as árvores,
florestas, areias, telhas, pedras, ouro, prata e berílio são destruídos,
exceto o verdadeiro tesouro do diamante. Oh bom homem! O mesmo é
o caso com a chuva adamantina da morte. Ela destrói completamente
os seres, exceto o Bodhisattva de mente adamantina que reside no
Mahayana Mahaparinirvana.

Também, além disso, oh Kashyapa! É como o garuda que devora todos


os nagas, exceto aqueles que se refugiam nos Três Tesouros. Oh bom
homem! O mesmo é o caso com o garuda da morte que verdadeira-
mente devora todos os inumeráveis seres, exceto o Bodhisattva que
reside nos três Dhyanas. Quais são os três Dhyanas? Eles são os do Va-
zio, da não-forma (sem-forma) e do não-desejo (sem-desejo).

Também, além disso, oh Kashyapa! Se alguém é picado pela Víbora-


Mara, nenhum bom encanto ou remédio de qualquer qualidade superi-
or tem algum poder de curar, exceto o encanto do Agasti, o qual cura
de fato. O mesmo se passa com uma pessoa capturada pelo veneno da
morte. Nenhum tratamento médico é eficaz, exceto no caso do encanto
do Bodhisattva do Mahayana Mahaparinirvana.

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 31


Também, além disso, existe um homem que despertou a ira de um rei.
Mas caso ele apresente tesouros ao rei com palavras gentis, ele pode
obter o perdão do rei. O caso é assim. Oh bom homem! O caso do rei da
morte não é como aquilo. Pode-se oferecer dinheiro ou riqueza de uma
maneira gentilmente falada, mas nenhuma libertação advirá.

Oh bom homem! Assim, a morte é um precipício onde não há garantia


de vida. O caminho para ela (a morte) é distante. Podemos caminhar dia
e noite e não há fim dessa caminhada. Nesse caminho, a escuridão paira
sobre nós e não existe luz. Não há um portão através do qual possamos
entrar, embora lá seja um lugar que existe. Não existe um lugar para a
dor, mas não há meios de cura. Não há nada que barre o caminho. Uma
vez nele, não há qualquer saída. Não há nada para divisar, mas o que os
nossos olhos encontram é nada senão aquilo que é triste e venenoso.
Não tem má cor (aparência), mas as pessoas têm medo. Senta-se junto
uns dos outros. Mas não podemos saber ou sentir onde estamos. Oh
Kashyapa! Você deve saber disto, e das inumeráveis e ilimitadas outras
parábolas, que a vida e a morte são grandes sofrimentos para uma pes-
soa. Oh Kashyapa! Isto é como um Bodhisattva pratica a Via através do
Sutra Mahayana do Grande Nirvana e como ele medita sobre a morte.”

O Sofrimento da Separação Daquilo Que se Ama

“Oh Kashyapa! Como um Bodhisattva reside no ensinamento do Sutra


Mahayana do Grande Nirvana e medita sobre o sofrimento de separa-
ção daquilo que se ama? O sofrimento da separação daquilo que se
ama é a raiz de todos os sofrimentos, sobre o qual é dito:

‘Da ganância se obtém a apreensão;


da ganância se obtém o medo.
Se acaba-se com a mente gananciosa,
por que sentir ainda qualquer apreensão ou medo?’

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 32


Através das relações causais da ganância vem o sofrimento da apreen-
são. A partir do sofrimento da apreensão, os seres tornam-se fracos e
velhos. O sofrimento da separação daquilo que se ama acompanha-nos
até o fim de nossas vidas. Oh bom homem! Como resultado da separa-
ção, surgem vários sofrimentos menores. Explicarei isso claramente
para o vosso bem.

Oh bom homem! Nas eras passadas, os humanos tinham uma imensu-


rável longa vida. Naquele tempo, existiu um rei chamado ‘Boa-
Perseverança’. Este rei, naquela ocasião, era uma criança. Como um
príncipe, ele cuidou dos negócios do estado. Então ele tornou-se rei.
Naquela ocasião, a vida de um ser humano durava 84.000 anos. Então,
no topo de sua cabeça apareceu uma espinha. Parecia feita de algodão.
Esta foi se tornando maior a cada dia. Mas ele não se preocupava com
aquilo. Após dez meses, essa bolha estourou e uma criança nasceu. Sua
forma era bem proporcionada e nada era tão maravilhoso quanto ela.
Sua cor e forma eram límpidas, e a criança era suprema entre os huma-
nos. Seu pai, o rei, ficou jubiloso e chamou-a ‘Nascido-Chefe’. Então, o
rei Boa-Perseverança entregou o governo do estado para este Nascido-
Chefe e, abandonando o palácio real, sua esposa, filhos e parentes;
adentrou a floresta e estudou a Via vivendo 84.000 anos.

Então, para Nascido-Chefe, quinze dias após o seu nascimento, foi reali-
zado o rito da abhiseka [unção] numa edificação elevada, e ao leste
estava o tesouro da roda de ouro [um dos sete tesouros que se diz um
Chakravartin possuir]. A roda tinha 1.000 raios e era perfeita no seu
centro. Não era algo feito por um artesão, mas algo que havia surgido
naturalmente. O grande rei, Nascido-Chefe, pensou: ‘Nas eras passadas,
ouvi o que foi dito por um Rishi que era pleno nos poderes divinos: Se
um rei Kshatriya for banhado [batizado], receber o rito da purificação
no topo de uma edificação elevada; se o número de raios da roda dou-
rada não for pequeno, se seu centro estiver perfeitamente colocado, e

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 33


se não for algo feito por um artesão, mas algo surgido naturalmente,
deve-se saber que isso indica um rei que se tornará um Chakravartin’.

Ele também disse para si: ‘Vou testá-lo agora. Segurarei a roda em mi-
nha mão esquerda, em minha mão direita segurarei o incensório, colo-
carei meu joelho direito no chão e farei meus votos: [Se essa roda é
genuína e não falsa, eu rogo para que as coisas sejam como nos antigos
tempos com relação àquilo que faz surgir um Chakravartin]’. Quando
ele fez esse voto, esse tesouro da roda de ouro voou, foi em todas as
dez direções, e voltou para a mão esquerda de Nascido-Chefe. Então ele
rejubilou interminavelmente. Também, ele disse: ‘Agora certamente me
tornarei um Chakravartin’.

Então, não muito tempo depois, veio a ele um elefante-tesouro, que


parecia grande e solene como um lótus branco, e cujos sete membros
sustentavam-se firmemente sobre o solo. Vendo isto, Nascido-Chefe
pensou para si: ‘Em tempos passados, eu ouvi um Rishi que possuía os
cinco poderes dizer que se um Chakravartin recebesse o rito do abhise-
ka no topo de uma edificação elevada no décimo-quinto dia após o seu
nascimento, e se houvesse um elefante cujos sete membros estivessem
[firmemente] sobre o solo, isto indicaria – dever-se-ia saber – um rei
sagrado’. Também, ele pensou: ‘Vou testá-lo agora’. Ele segurou o in-
censório na sua mão esquerda, colocou o seu joelho direito no chão e
fez o voto: ‘Se este elefante-tesouro não é falso, permita-se que tudo se
proceda como nos antigos tempos’. Quando esse voto foi feito, esse
elefante-tesouro branco viajou da manhã até à tarde nas oito direções,
alcançou a orla do grande oceano, voltou e sentou como era esperado
sentar. Então o Rei Nascido-Chefe ficou inexprimivelmente satisfeito.
Também, ele disse: ‘Agora sou definitivamente um Chakravartin’.

Então, não muito tempo depois, um cavalo-tesouro chegou, cuja cor era
de um azul brilhante, e que tinha uma longa cauda da cor dourada. Nas-
cido-Chefe, vendo aquilo, pensou para si: ‘Em tempos passados, eu ouvi

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 34


um Rishi que tinha os cinco poderes dizer que quando um Chakravartin,
quinze dias após [o seu nascimento], senta-se no topo de uma edifica-
ção elevada e recebe o rito do abhiseka, se chegar um cavalo-tesouro
cuja cor seja azul brilhante e cuja cauda seja da cor dourada, devemos
saber que este é um rei sagrado’. Também, ele pensou para si: ‘Vou
testá-lo agora’. Ele pegou o incensório, colocou o seu joelho direito no
chão e fez o voto: ‘Se este cavalo é genuíno e não falso, permita-se que
tudo aconteça como é apropriado com relação a um Chakravartin’. A-
pós ter proferido assim a sua oração, o cavalo azul viajou da manhã até
à tarde nas oito direções, e tendo alcançado a orla do grande oceano,
voltou e ficou onde era suposto que ele ficasse. Então Nascido-Chefe
ficou grandemente satisfeito e regozijou inexprimivelmente. Também,
ele disse: ‘Agora sou definitivamente um Chakravartin’.

Então, não muito tempo depois, apareceu lá uma mulher-tesouro cujas


formas eram todas perfeitas e bonitas demais. Ela não era alta, nem
baixa, nem branca e nem negra. De todos os poros da sua pele exalava
a doce e pura fragrância do sândalo, e ela parecia um lótus azul. Seus
olhos podiam ver tão longe quanto uma yojana. O mesmo acontecia
com a habilidade de audição dos seus ouvidos e com o poder olfativo
do seu nariz. Sua língua era tão grande que, quando ela a esticava, co-
bria completamente a sua face. Sua forma e cor eram delicadas como
folhas de cobre. Sua mente e consciência eram transparentes, e ela
possuía grande sabedoria. As palavras que ela dizia para todos os seres
eram sempre gentis. Quando a mão dessa mulher tocava o robe do rei,
podia-se ver o desenvolvimento da doença [se a doença estava presen-
te] e o que o rei estava pensando. Então Nascido-Chefe novamente
pensou: ‘Se esta mulher pode ler a mente do rei, isto é uma mulher-
tesouro?’

Então, não muito tempo depois, apareceu lá uma mani [jóia, gema pre-
ciosa] que era de pura água-marinha. Era semelhante ao cubo (centro)
de uma roda e na escuridão a sua radiância estendia-se a uma yojana de

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 35


distância. Se acontecesse de chover cães e gatos, o poder daquela jóia
era tão grande que ela poderia servir como um guarda-chuva, cobriria
um espaço de uma yojana de extensão, e nenhuma gota daquela pesa-
da chuva passaria através dele. Então Nascido-Chefe pensou para si: ‘Se
o Chakravartin obtém essa jóia, isto é o sinal de um imperador sagrado’.

Então, não muito tempo depois, lá apareceu espontaneamente um


ministro-tesouro, cuja riqueza era tão grande que não poderia ser con-
tada. Seus armazéns estavam abarrotados e não havia carência de na-
da. O poder dos seus olhos, que era um fruto da sua virtude pessoal, era
capaz de penetrar todas as riquezas escondidas sob a terra. O que quer
que o rei desejasse, o ministro poderia atender à sua necessidade. Nas-
cido-Chefe novamente resolveu testar as coisas. Ele lançou-se num bote
ao mar e disse ao ministro-tesouro: ‘Eu agora desejo ter algo raro’. O
ministro agitou as águas com ambas as mãos. As dez pontas dos seus
dedos trouxeram toda a sorte de tesouros. Presenteando-os ao rei, ele
disse: ‘Por favor, utilize-os como desejar e jogue fora aquilo que sobrar’.
Nascido-Chefe ficou satisfeito e inexprimivelmente alegre. E pensou
para si: ‘Agora certamente sou um Chakravartin’.

E não muito tempo depois daquilo, lá apareceu espontaneamente um


general de exército. Ele era bravo e forte, proeminente nas táticas, bom
conhecedor das quatro armas [as quatro forças militares que eram 1)
elefantes, 2) cavalos, 3) carruagens e 4) infantaria]. Caso houvesse al-
guém que se levantasse para a batalha, essas (armas) eram apresenta-
das para o rei sagrado; alguém não digno (da batalha) era feito recuar e
não mais voltar; os ainda não conquistados eram conquistados; qual-
quer um já conquistado estava bem protegido. Então Nascido-Chefe
pensou para si: ‘Se esse general possui o tesouro da coragem militar, eu
devo certamente ser um Chakravartin’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 36


Então o Chakravartin, Nascido-Chefe, falou aos seus ministros: ‘Vocês
devem saber que este Jambudvipa é pacífico e próspero. Eu agora te-
nho os sete tesouros e 1.000 filhos. O que mais deveria eu fazer?’

Todos os ministros responderam: ‘Sim, de fato, oh grande Rei! Purvavi-


deha [isto é, um dos quatro continentes do cosmo Sumeru, aquele que
está situado ao leste] ainda não está em paz. Você deveria ir [lá] agora’.

Então o rei voou através do ar para Purvavideha com todo o seu séquito
de sete tesouros. As pessoas daquele continente ficaram felizes e torna-
ram-se seus súditos.

E ele disse aos seus ministros: ‘Jambudvipa e Purvavideha estão em paz,


prósperos e vigorosos. Todos foram subjugados. Os sete tesouros estão
perfeitos e os mil filhos estão completos. O que mais necessito fazer?’

Todos os ministros responderam: ‘Sim, de fato, oh grande Rei! Apara-


godaniya [isto é, o continente ao oeste do Monte Sumeru] ainda não
está sob vossa bandeira’.

Então o rei sagrado voou através do ar para a Aparagodaniya com todos


os sete tesouros. Quando ele chegou lá, todas as pessoas daquele con-
tinente vieram para sob sua bandeira.

E ele disse aos seus ministros: ‘Meus Jambudvipa, Purvavideha e Apara-


godaniya estão em paz. As pessoas são ricas e vigorosas. Todos estão
subjugados. Os sete tesouros estão todos perfeitos e os mil filhos estão
completos. O que mais necessito fazer?’

Todos os ministros disseram: ‘Sim, de fato, oh grande Rei! Uttarakuru


[isto é, o continente ao norte do Monte Sumeru] ainda não está sob
vossa bandeira’.

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 37


Então o rei sagrado voou através do ar para Uttarakuru, levando todos
os seus sete tesouros com ele. Quando o rei chegou lá, as pessoas da-
quele continente rejubilaram e vieram para sob a sua bandeira.

E ele disse aos seus ministros: ‘Meus quatro continentes estão em paz
agora. As pessoas são vigorosas. Todos vieram para sob a minha ban-
deira; os sete tesouros foram obtidos e os mil filhos estão completos. O
que mais necessito fazer?’

Todos os ministros disseram: ‘Sim, de fato, Oh Rei sagrado! As pessoas


do céu Trayastrimsa desfrutam de uma longa vida. Eles estão em paz. A
forma daqueles devas é esplêndida e incomparável. O palácio onde eles
vivem e seus púlpitos, cadeiras e camas são de jóias. Eles sentam-se
nelas e desfrutam de uma felicidade celestial. Eles ainda não têm como
vir prestar homenagem. Agora você deveria ir e conduzi-los sob sua
bandeira.’

Então o rei voou através do ar, levando todo o séquito dos seus sete
tesouros com ele, e chegou ao topo do Céu Trayastrimsa. Lá ele viu uma
árvore, cuja cor era azul e verde. O rei sagrado, tendo visto aquilo, in-
dagou seu ministro: ‘O que é esta coisa desta cor?’

O ministro respondeu: ‘Isto é uma árvore chamada ‘paricitra’. Todos os


devas do Céu Trayastrimsa, nos três meses de verão, sempre se recrei-
am sob esta árvore’.

Também, ele viu uma coisa branca como uma nuvem. Novamente ele
indagou seu ministro: ‘O que é isto, desta cor?’

‘Isto é chamado ‘Hall da Boa Lei’. Todos os devas do Céu Trayastrimsa


sempre se congregam aqui e discutem o que eles obtém (conseguem)
nos mundos dos humanos e dos deuses’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 38


Então, Shakradevanamindra, o chefe dos deuses, viu que o Rei Nascido-
Chefe estava do lado de fora do hall. Ele saiu e saudou-lhe (deu-lhe
boas vindas). Tendo recebido-o, ele pegou nas mãos do rei, adentrou o
Hall da Boa Lei e compartilhou seu assento. Então, os dois pareciam o
mesmo na forma e no semblante, sem nenhuma diferença. Somente
através de piscadelas alguém poderia falar-lhes separadamente. Então
o rei sagrado pensou para si: ‘Não seria adequado para eu agora abdicar
o trono, vir (para cá) e tornar-me Rei deste céu?’

Oh bom homem! Naquela ocasião, o Shakra estava segurando os sutras


Mahayana em sua mão, recitando e expondo-os para outros. Somente
ele era tão proficiente nos seus profundos significados. Mas em razão
dessa recitação, proteção, exposição e promulgação dos sutras para
outros, decorre uma grande virtude. Oh bom homem! Esse Nascido-
Chefe acalentou maus pensamentos contra o Shakra. Em razão dessa
depravação, ele teve que retornar para este Jambudvipa e separar-se
dos humanos e devas que ele tinha amado, e teve sua mente muito
agitada. Aquele Shakra naquela ocasião era o Buda Kashyapa, e o Cha-
kravartin era Eu. Oh bom homem! Saiba que o sofrimento da separação
daquilo que se ama é um grande sofrimento. Oh bom homem! O Bodhi-
sattva-Mahasattva relembra todos esses casos de sofrimento devido à
separação daquilo que se ama. Como poderia ser diferente quando o
Bodhisattva, residindo no ensinamento do Sutra Mahayana do Grande
Nirvana, medita sobre o sofrimento real de separação daquilo que se
ama?”

O Sofrimento do Encontro com Aquilo Que se Odeia

“Oh bom homem! Como um Bodhisattva pratica a Via do Sutra Maha-


yana do Grande Nirvana e medita sobre o sofrimento do encontro com
aquilo que se odeia ver? Oh bom homem! Esse Bodhisattva-Mahasattva
vê que esse sofrimento do encontro com aquilo que se odeia existe nos

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 39


reinos do inferno, da animalidade, dos espíritos famintos, dos humanos
e dos seres celestiais. É como uma pessoa que está em uma prisão sen-
tindo grande tristeza quando vê seus grilhões, correntes e algemas. O
mesmo se passa com o Bodhisattva-Mahasattva. Ele vê todos os seres
viventes dos cinco reinos como vítimas de grande sofrimento concomi-
tante com o encontro com o que é odioso. Também, além disso, oh
bom homem! É como uma pessoa que, temendo os grilhões, correntes
e algemas de alguém que tem sentimentos de inimizade para com ele,
abandona seus pais, esposa, filhos, parentes, jóias raras e sua própria
profissão e foge para lugares distantes. Oh bom homem! O mesmo é o
caso com o Bodhisattva-Mahasattva. Ele teme o nascimento e a morte,
pratica inteiramente os seis paramitas e entra no Nirvana. Oh Kashya-
pa! Isto é como um Bodhisattva pratica a Via do Mahayana Mahapari-
nirvana e medita sobre o sofrimento do encontro com aquilo que se
odeia.”

O Sofrimento de Não Ser Capaz de Obter o Que se Deseja

“Oh bom homem! Como um Bodhisattva pratica o ensinamento do


Mahayana Mahaparinirvana e medita sobre o sofrimento de não (ser
capaz de) obter o que se deseja ter? ‘Buscar ter’ é ter tudo o que existe.
Há dois tipos de busca pela posse. Um é a busca pela posse daquilo que
é bom ter, e o outro é a busca pela posse daquilo que não é bom. Existe
o sofrimento se o que é bom não é obtido, e existe o sofrimento se o
que não é bom não é removido. Estabelecido de uma forma simples,
isto é o sofrimento de urgir com a queima dos cinco skandhas. O Kash-
yapa! Esta é a Verdade do Sofrimento.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 40


O Sofrimento é Real, a Felicidade Não

Então o Bodhisattva-Mahasattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado


pelo Mundo! O sofrimento de urgir com a queima dos cinco skandhas
não significa isso. Por que não? Em tempos passados, o Buda disse a
Kolita [um dos cinco Monges]: ‘Se ‘rupa’ [forma, matéria] é sofrimento,
não procure ‘rupa’; se ‘rupa’ é algo a ser procurado, não é sofrimento’.
O Buda disse a todos os Monges que existem três sentimentos [‘veda-
na’], que são: 1) o sentimento de sofrimento, 2) o sentimento de felici-
dade, e 3) o sentimento de não-sofrimento e não-felicidade. O Buda
disse a todos os Monges antes que se praticamos o Dharma Maravilho-
so, encontramos a felicidade. Também, o Buda disse que nos bons rei-
nos (da existência) obtemos as seis felicidades sensoriais. Os olhos vê-
em coisas belas. Isto é felicidade. O mesmo ocorrendo com os ouvidos,
nariz, língua, corpo e mente que sentem prazer. O Buda disse num ga-
tha:

‘Concordar com os preceitos é felicidade.


Nosso corpo não sofre de tristeza.
O sono dá-nos a paz.
Acorda-se, a mente está satisfeita.

Quando recebemos roupa e comida,


recitamos, caminhamos e vivemos sós
nas montanhas e florestas,
essa é a maior felicidade.

Para (com) os seres, dia e noite,


sermos compassivos,
isto nos dá uma felicidade interminável.
Porque isto não causa sofrimento aos outros.

É felicidade buscar pouco e estar satisfeito;

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 41


É felicidade ouvir muito [do Dharma] e disseminá-lo;
o estado de arhat sem apego em nossa mente
também é experiência de felicidade.

O Bodhisattva-Mahasattva finalmente
alcança a outra margem.
O que quer que seja criado ganha um fim.
Esta é a maior das felicidades.’

Oh Honrado pelo Mundo! O significado de felicidade conforme estabe-


lecido em todos os sutras é assim. Como pode aquilo que o Buda diz
agora estar de acordo com isto?”

O Buda disse a Kashyapa: “Bem falado, bem falado, oh bom homem!


Você indaga bem o Tathagata sobre esta questão. Oh bom homem!
Todos os seres, mesmo quando no mais profundo sofrimento, volunta-
riamente acalentam a idéia de felicidade. Em razão disto, não há dife-
rença da idéia de sofrimento sobre a qual falo agora.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Você diz que sentimos felicida-


de mesmo em meio ao mais profundo dos sofrimentos. Se assim é, isto
deve significar que se pode dizer que no ponto mais baixo no nascimen-
to, no ponto mais baixo na velhice, no ponto mais baixo na doença, no
ponto mais baixo na morte, no ponto mais baixo no sofrimento da se-
paração daquilo que se ama, no ponto mais baixo no sofrimento de não
ser capaz de obter o que se deseja, no ponto mais baixo no sofrimento
do encontro com aquilo que se odeia, e no ponto mais baixo no sofri-
mento de urgir a queima dos cinco skandhas existe felicidade.

Oh Honrado pelo Mundo! O grau mais baixo do nascimento é nada mais


que os três maus domínios; o grau médio do nascimento significa vida
humana, e o grau mais elevado do nascimento é aquele do céu. Se exis-
te um homem que indague: ‘É verdade que temos o sentimento de

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 42


sofrimento no mais baixo estado de felicidade, o sentimento de não-
felicidade e não-sofrimento no estado mediano de felicidade, e no mais
elevado estado de felicidade o sentimento de felicidade?’. Como deve-
ríamos responder isto? Oh Honrado pelo Mundo! Podemos bem dizer
que obtemos o sentimento de felicidade quando no mais baixo estado
de sofrimento. Mas vemos que alguém que tenha que receber 1.000
punições no primeiro estágio do mais baixo sofrimento, ainda não ob-
tém o sentimento de felicidade. Se não obtém, como podemos dizer
que obtemos o sentimento de felicidade no mais baixo estágio do so-
frimento.”

O Buda disse a Kashyapa: “É assim, é assim! É exatamente como você


diz. Em razão disto, não pode haver uma ocasião na qual acontece o
sentimento de felicidade. Por que não? Se um homem que está para
receber 1.000 punições é capaz de escapar dessas punições após rece-
ber apenas uma das menores delas, aquela pessoa, naquele instante,
obterá o sentimento de felicidade. Portanto, devemos saber que o sen-
timento de felicidade surge em circunstâncias nas quais não existe fun-
damento para ele.”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Aquela pessoa não obtém o
sentimento de felicidade no mais baixo [estado de sofrimento]. É da
emancipação que ela obtém o sentimento de felicidade.”

“Oh Kashyapa! Por essa razão, há tempos atrás, falei sobre a felicidade
dos cinco skandhas para Kolita. Era verdadeiro, e não falso. Oh Kashya-
pa! Existem três sentimentos: 1) o sentimento de felicidade, 2) o senti-
mento de sofrimento, e 3) o sentimento de não-sofrimento e não-
felicidade. Os três sofrimentos são: 1) sofrimento-do-sofrimento [dores
corporais], 2) sofrimento daquilo que é criado [sofrimento que surge do
fenômeno de transformação ou mudança], e 3) sofrimento da desinte-
gração [dor mental causada pela destruição]. Oh bom homem! O sen-
timento de sofrimento está baseado nesses três (tipos) de sofrimento,

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 43


que são o sofrimento-do-sofrimento, o sofrimento daquilo que é criado
e o sofrimento da desintegração. Oh bom homem! Em razão disto, exis-
te realmente no nascimento e na morte um sentimento de felicidade. O
Bodhisattva-Mahasattva diz que tudo é sofrimento, porque a natureza
intrínseca e as expressões exteriores do sofrimento e da felicidade não
se separam. Para dizer a verdade, não existe felicidade no nascimento e
na morte. É somente no sentido de concordar com os caminhos do
mundo que todos os Budas e Bodhisattvas dizem que existe felicidade.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! To-


dos os Budas e Bodhisattvas falam [assim] no sentido de concordar com
os caminhos do mundo. Isto não é falso?”

O Buda disse:

“Aquele que faz boas colheitas deleita-se;


aquele que defende os preceitos e reside na paz
não colhe sofrimento.
Todos os outros são semelhantes.
Esta é a maior das felicidades.”

(O Bodhisattva Kashyapa disse: ) “Os sentimentos de felicidade que os


sutras falam são todos falsos ou eles não são? Se falsos, como explica-
mos o fato de que o Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo, já há longo tem-
po, inumeráveis centenas de milhares de milhões de bilhões de nayutas
de asamkhyas de kalpas no passado, praticou a Via da Iluminação e
acabou com o discurso falso, e que agora ele diz isto? Por quê?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O gatha (versos) citado acima se refere
ao sentimento de felicidade que constitui o conceito-raiz da Iluminação.
Também, ele nutre bem (o conceito-raiz da) Iluminação Insuperável ao
longo do caminho. Este é o porquê se falou das fases da felicidade nos
sutras.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 44


Oh bom homem! Por exemplo, tudo o que suporta as formas de vida
causa felicidade. Assim, dizemos felicidade. São coisas como a beleza
feminina, o abandono de bebidas intoxicantes, belas comidas e doces,
beber água quando com sede, e ter fogo quando com frio; roupas, cola-
res, elefantes, cavalos, veículos, empregados, pajens, ouro, prata, água-
marinha, coral, pérolas, armazéns e arroz. Todas essas coisas que per-
tencem ao mundo formam a causa da felicidade. Isto é felicidade. Oh
bom homem! [Mas,] mesmo essas coisas podem causar o sofrimento,
também. De uma mulher, vem o sofrimento de um homem. Apreensão,
tristeza, choro, perda da vida, bebidas intoxicantes, doces e armazéns
também causam sofrimento. Em razão disto, tudo é sofrimento; não
pode haver fase de felicidade. Oh bom homem! O Bodhisattva-
Mahasattva assume (considera) que os oito sofrimentos não possuem
sofrimento. Oh bom homem! Todos os Sravakas e Pratyekabudas não
conhecem a causa da felicidade. Para essas pessoas, ele [o Tathagata]
diz que o mais baixo dos sofrimentos também contém a fase de felici-
dade. Somente o Bodhisattva, residindo no Mahayana Mahaparinirva-
na, é capaz de saber as causas do sofrimento e felicidade.”

Capítulo 19 – Sobre Ações Sagradas 1 Página 45


Capítulo Vinte: Sobre Ações Sagradas 2

“Oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva, residindo no ensi-


namento do Mahayana Mahaparinirvana, medita sobre a causa do so-
frimento? Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva compreende
que a causa do sofrimento está fundamentada nas relações causais dos
skandhas (os cinco agregados que compõem um ser ou indivíduo são os
seguintes: 1. matéria (corporalidade); 2. sensações; 3. percepções; 4.
formações mentais; 5. consciência). Falamos da ‘causa do sofrimento’.
Isto corresponde ao ‘amor daquilo que existe’. Existem dois amores. Um
é amor por nós mesmos; o outro é o amor pelo que é possuído. Existem
mais dois tipos. Uma pessoa busca, da cabeça aos pés, obter os objetos
dos cinco desejos [objetos dos cinco sentidos orgânicos e riqueza, luxú-
ria, alimentos, fama e o sono] que ela não possui. Uma vez que os tenha
obtido, ela obstinadamente apega-se a eles. Também, existem três ti-
pos: 1) o amor do desejo, 2) o amor da forma, e 3) o amor da não-forma
[isto é, os domínios do 1) kamadhatu, do 2) rupadhatu, e do 3) arupa-
dhatu]. Adicionalmente, existem outros três tipos que são: 1) amor das
relações causais do carma, 2) amor das relações causais das impurezas,
e 3) amor das relações causais do sofrimento. Os Monges têm quatro
tipos de amor. Quais são os quatro? Eles são: 1) roupas, 2) comida, 3)
roupas de cama, e 4) cozimento (decocção). Também, existem outros
cinco tipos. Uma pessoa apega-se avidamente aos cinco skandhas e a
tudo que ela usa. Existem inumeráveis e ilimitadas variedades de dis-
criminações e presunções. Oh bom homem! Há dois tipos de amor, que
são: 1) amor do que é bom, e 2) amor do que não-é-bom. O amor do
que não-é-bom é o amor dos mortais comuns e ignorantes; o amor do
Dharma Maravilhoso é o que o Bodhisattva busca. O amor do Dharma
Maravilhoso é de dois tipos: 1) não-bom e 2) bom. Aqueles que seguem
os dois veículos (do Ouvinte e do Pratyekabuda) são do não-bom; aque-
les perseveram no Mahayana são do bom. Oh bom homem! O amor dos
mortais comuns é a ‘causa do sofrimento’ [‘samudaya’] e não é ‘verda-
de’ [‘satya’]. O amor do Bodhisattva é chamado ‘a Verdade da Causa do

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 47


Sofrimento’, mas não a ‘causa do sofrimento’. Por quê? Porque ele ga-
nha o nascimento no sentido de salvar os seres. Ele não ganha o nasci-
mento pelo objetivo do amor.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Buda-Honrado-pelo-Mundo fala em outros sutras a respeito do carma e
diz que o carma constitui-se de relações causais. Por exemplo, você fala
sobre a arrogância, ou os seis toques (sentidos), ou a ignorância, e diz
que estes têm origem na instigação da queima dos cinco skandhas. Ago-
ra, você fala das Quatro Nobres Verdades. Mas por que é que somente
o amor [desejo egoísta] é a causa dos cinco skandhas?”

O Buda elogiou Kashyapa, dizendo: “Bem falado, bem falado, oh bom


homem! O que você diz (o amor) não pode ser classificado como ‘não-
causa’. Os cinco skandhas estão sempre baseados no amor [desejo]. Oh
bom homem! Isto é como a situação de um grande rei. Quando ele par-
te para uma viagem de inspeção, todos os seus ministros e aparentados
o seguem. O caso do amor é o mesmo. Aonde o desejo vai, todos os
laços da corrupção também seguem no seu comboio. Por exemplo, é
como uma roupa oleosa que pega pó, e o que quer que entre em conta-
to com ela permanece ali. O mesmo se passa com o desejo. Como o
desejo aumenta, lá surgem os laços cármicos [‘bandhana’ – os laços das
impurezas]. Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, é co-
mo no caso da terra molhada, onde um broto pode facilmente eclodir.
O mesmo se passa com o desejo. Ele facilmente evoca os rebentos da
impureza do carma.

Oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva, residindo no ensi-


namento deste Mahayana Mahaparinirvana, medita profundamente
sobre este desejo, [ele vê que] há nove tipos, que são: 1) desejo como
um débito a pagar, 2) como uma mulher rakshasa [demônio devorador
de carne], 3) como uma bela flor na qual se esconde uma víbora, 4) gula
odiosa (compulsão, obcecação), que é prejudicial e que nós, pela força,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 48


pretendemos ter, 5) como uma mulher sensual, 6) como a semente da
‘maruka’ [‘mallika’ – glicínia], 7) como a carne esponjosa de um furún-
culo, 8) como uma tempestade, e 9) como um cometa.

O Desejo como um Débito a Pagar

Por que dizemos que o desejo é como um débito a pagar? Oh bom ho-
mem! Por exemplo, é como no caso de uma mulher pobre que empres-
tou dinheiro dos outros e tem que saldar o débito contraído. Ela deseja
pagar, mas não pode. Ela é enviada para a prisão e não pode ficar livre.
O mesmo é o caso com Sravakas e Pratyekabudas. Como existe uma
mancha remanescente de desejo, eles não podem atingir a Iluminação
Insuperável. Oh bom homem! Este é o porquê dizemos que é ‘como um
débito a pagar’.

O Desejo como uma Mulher Rakshasa

Por que dizemos que o desejo é como uma mulher rakshasa? Oh bom
homem! Como um exemplo, existe um homem que ganha uma mulher
rakshasa como sua esposa. A mulher rakshasa dá à luz uma criança.
Mas, após o seu nascimento, ela a devora. Tendo devorado-a, ela tam-
bém devora o seu próprio marido. Oh bom homem! A mulher rakshasa
do desejo também é assim. Todos os seres ganham boas crianças. Mas,
conforme nascem, são devoradas. Quando a boa criança é devorada, o
desejo devora os (próprios) seres e lhes dá vida nos reinos do inferno,
da animalidade e dos espíritos famintos. Somente o Bodhisattva é uma
exceção. Isto é o porquê dizemos ‘como no caso de uma mulher raksha-
sa’.

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 49


O Desejo como uma Bela Flor

Oh bom homem! Por que dizemos que uma víbora vive numa bela flor?
Por exemplo, um homem, por natureza, ama belas flores. Ele não ob-
serva uma víbora preocupante em qualquer lugar. Ele avança, captura a
flor, é picado pela víbora e morre. O mesmo é o caso com todos os mor-
tais comuns. Eles devoram as flores dos cinco desejos. Não percebendo
a víbora dentro dos desejos, eles são capturados. Picados pela víbora
dos desejos, eles morrem e renascem nos reinos do infortúnio. Com o
Bodhisattva é diferente. Isto é o porquê dizemos que é como no caso de
‘uma bela flor na qual se esconde uma víbora’.

O Desejo Como Gula Odiosa

Oh bom homem! Por que dizemos que, forçosamente, compartilhamos


daquilo que não (nos) é útil? Por exemplo, existe um homem aqui que
compartilha daquilo que é inútil. Tendo compartilhado, ele sente uma
dor no seu estômago, sofre de diarréia, e morre. O mesmo acontece
com a comida do desejo. Todos os seres dos cinco reinos apegam-se à
glutonaria. Como resultado, eles renascem nos três maus domínios,
exceto o Bodhisattva. Este é o porquê dizemos ‘comer o que é inútil’.

O Desejo como uma Mulher Sensual

Oh bom homem! Como as coisas se dão como com uma mulher sensu-
al? Por exemplo, uma pessoa ignorante favorece uma mulher sensual, a
qual habilmente finge, lisonjeia, demonstra intimidade, e toma todo o
dinheiro e riqueza daquela pessoa. Quando tudo se acaba, a mulher o
abandona. Assim se dão as coisas com a mulher sensual do desejo. Os
desluzidos e aqueles sem sabedoria inclinam-se por ela. Essa mulher do

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 50


desejo priva-os de todas as coisas boas. Quando os bens chegam ao fim,
o desejo os conduz para os três maus domínios, exceto o Bodhisattva.
Este é o porquê dizemos que as coisas se dão como com uma mulher
sensual.

O Desejo como uma Semente de Maruka (Glicínia)

Oh bom homem! Por que o desejo é como uma semente de maruka


[glicínia]? Por exemplo, um pássaro pode bicá-la e ela pode cair no
chão, em meio aos dejetos, ou ela pode ser carregada pelo vento para
debaixo de uma árvore, onde ela cresce e envolve um fícus (niagrodha),
de tal maneira que a árvore não pode mais crescer e finalmente morre.
O mesmo se passa com a semente de maruka do desejo. Ela enlaça-se
em torno do bem feito pelos mortais comuns e finalmente mata-o. [O
bem] tendo morrido, ele [o mortal comum] termina nos três reinos do
infortúnio, exceto o Bodhisattva. Este é o porquê dizemos que as coisas
que se obtém são como no caso da maruka.

O Desejo como uma Carne Esponjosa

Oh bom homem! Quando o desejo é como a carne esponjosa de um


furúnculo? Quando um furúnculo existe há longo tempo, surge uma
carne esponjosa. A pessoa pacientemente tenta curá-lo e o pensamento
sobre ele nunca deixa a sua mente. Se a pessoa lhe permite deixar seu
pensamento (o esquece), a carne esponjosa aumenta e vermes podem
surgir. Como resultado, a pessoa morre. O mesmo ocorre com os furún-
culos dos mortais comuns e dos ignorantes. O desejo cresce na forma
de uma carne esponjosa. Tem-se que fazer esforços e curar essa carne
esponjosa do desejo. Se não o fizermos, quando nossas vidas termina-
rem, os três reinos do infortúnio nos esperam. Mas o Bodhisattva não

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 51


está entre esses. Este é o porquê dizemos que (o desejo) é como a car-
ne esponjosa de um furúnculo.

O Desejo como uma Tempestade

Oh bom homem! Como o desejo é como uma tempestade? Por exem-


plo, é como quando uma tempestade destrói uma montanha, erode
picos e arranca árvores profundamente enraizadas. O mesmo acontece
com a tempestade do desejo. Podemos alimentar um mau pensamento
contra nossos pais e extirpar a raiz da Iluminação (tão profunda) quanto
a do altamente instruído Shariputra, que é insuperável e firme. Somen-
te o Bodhisattva não é desse grupo. Este é o porquê dizemos que ele (o
desejo) é como uma tempestade.

O Desejo como um Cometa

Oh bom homem! Por que o desejo é como um cometa? Por exemplo,


quando um cometa aparece, a fome a as doenças aumentam, as pesso-
as tornam-se débeis através das doenças e sofrem pelas aflições. O
mesmo se passa com o cometa do desejo. Ele acaba com todas as se-
mentes da benevolência e faz os mortais comuns sofrerem de solidão,
de fome e de doenças das impurezas, fazendo-lhes reciclar entre nasci-
mentos e mortes, e sofrerem por várias tristezas. Somente o Bodhisatt-
va não está em meio a esses. Este é o porquê dizemos que as coisas se
procedem como no caso de um cometa.

Oh bom homem! Há esses nove tipos de meditação sobre os laços do


desejo a serem feitas por um Bodhisattva-Mahasattva que reside no
ensinamento do Mahayana Mahaparinirvana.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 52


Oh bom homem! Assim, os mortais comuns têm sofrimento e falta ver-
dade. Sravakas e Pratyekabudas têm sofrimento, a verdade do sofri-
mento, mas carência de verdade. Todos os Bodhisattvas vêem que so-
frimento não tem sofrimento. Portanto, não existe sofrimento [para
eles]; o que existe é ‘Paramarthasatya’ [A Verdade Última]. Todos os
mortais comuns têm a causa do sofrimento e não a verdade. Sravakas e
Pratyekabudas têm a causa do sofrimento e a verdade da causa do so-
frimento. Todos os Bodhisattvas vêem que a causa do sofrimento não
tem a causa do sofrimento; e assim, existe ‘Paramartha-satya’. Sravakas
e Pratyekabudas têm extinção, a qual não é verdade. O Bodhisattva-
Mahasattva tem extinção e ‘Paramartha-satya’. Sravakas e Pratyekabu-
das têm a Via, mas não a verdade. O Bodhisattva-Mahasattva tem a Via
e ‘Paramartha-satya’.

Oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva reside no Mahayana


Mahaparinirvana e vê a extinção e a verdade da extinção? Ele extirpa as
impurezas [‘asvaras’]. Se a impureza é erradicada, isto é chamado Eter-
no. Quando a chama das impurezas é extinta, o que existe é quietude e
extinção. Quando a impureza é anulada, surge a felicidade. Todos os
Budas e Bodhisattvas buscam as relações causais. Assim dizemos ‘puro’.
E novamente, aí surgem as 25 existências. Portanto, dizemos ‘supra-
mundano’. Sendo supramundano, dizemos ‘Eu’. Nada mais existe das
expressões externas de cor, voz, cheiro, sabor, tato, etc.; ou macho,
fêmea, nascimento, vida, morte, sofrimento, felicidade, não-sofrimento
ou não-felicidade. Portanto, a extinção derradeira (ultimada) é ‘Para-
martha-satya’. Oh bom homem! Assim o Bodhisattva reside no Maha-
parinirvana do Mahayana, e medita sobre a Nobre Verdade da Extinção.

Oh bom homem! Como um Bodhisattva-Mahasattva reside no Mahapa-


rinirvana do Mahayana e medita sobre a Sagrada Verdade da Via? Oh
bom homem! É como quando, com luz, nós podemos ver pequenas
coisas na escuridão. O mesmo é o caso com o Bodhisattva-Mahasattva.
Residindo no Mahaparinirvana do Mahayana e [seguindo] o Nobre Ca-

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 53


minho Óctuplo, ele vê todas as coisas. Isto é, ver o Eterno versus o não-
Eterno, o criado versus o não-criado, os seres criados versus os seres
não-criados, coisa versus não-coisa, Sofrimento versus Felicidade, Eu
versus não-Eu, Puro versus não-Puro, impureza versus não-impureza,
carma versus não-carma, verdade versus não-verdade, veículo versus
não-veículo, saber versus não-saber, dravya (substância) versus não-
dravya, guna versus não-guna, drsti [visões] versus adrsti, rupa [forma]
versus arupa [não-forma], Via versus não-Via, e compreensão versus
não-compreensão. O bom homem! Assim o Boshisattva, residindo no
Mahaparinirvana do Mahayana, medita sobre a Nobre Verdade da Via.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


alguém diz que o Nobre Caminho Óctuplo é a Nobre Verdade da Via,
isto não faz sentido. Por que não? O Tathagata tem falado sobre fé, e a
chamou de Caminho. Assim, se deveria acabar com todas as ‘asvaras’
(impurezas). Há tempos, você disse que não-indolência era o caminho e
que através disto o Buda-Honrado-pelo-Mundo atingiu a Iluminação
Insuperável, e que isto era o ensinamento da via auxiliar de um Bodhi-
sattva. Em certa ocasião você disse a Ananda: ‘Se fazemos esforços,
atingimos a Iluminação Insuperável’. Numa outra vez, você disse: ‘Medi-
te sobre a impureza do corpo [‘kayasmrtyupasthana’]. Se concentramos
nossa mente e praticamos essa meditação sobre o corpo, atingiremos a
Iluminação Insuperável’. Outra vez você disse: ‘Dhyana (concentração)
correta é a Via. É como foi dito a Mahakashyapa. Dhyana correta é re-
almente a Via. Dhyana não-correta não é a Via. Quando entramos em
dhyana, meditamos sobre o nascimento e a morte dos cinco skandhas.
Sem entrar em dhyana, não podemos meditar’. Ou você falou sobre um
simples Dharma e disse que se praticamos integralmente a Via, isso nos
purificará, acabará com a apreensão e a preocupação, e assim atingire-
mos o Dharma Maravilhoso; este é o Samadhi da Meditação do Buda.
Ou você disse: ‘Meditação sobre a impermanência é a Via. Isto é como
eu disse aos Monges. Alguém que medite sobre a impermanência atin-
girá a Iluminação Insuperável’. Ou você disse: ‘Se sentarmos sozinhos

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 54


num lugar desabitado e quieto de uma floresta e meditarmos, realmen-
te atinge-se a Iluminação Insuperável’. Ou, numa outra ocasião, você
disse: ‘Falar aos outros sobre a Via é a Via. Uma vez ouvido o Dharma,
as dúvidas desaparecem. Se as dúvidas desaparecem, atinge-se a Ilumi-
nação Insuperável’. Ou, em outra ocasião, você disse: ‘A observância
dos preceitos é a Via. Isto é como foi dito a Ananda. Se mantivermos
fielmente os preceitos, atravessaremos o mar do grande sofrimento do
nascimento e da morte’. Ou, em outra ocasião, você disse: ‘Aproximar-
se de um bom amigo [um conhecedor e fiel seguidor da Via] é a Via. Isto
é como eu, o Buda, disse a Ananda. Uma pessoa que se associa a um
bom amigo da Via se realizará nos puros preceitos. Qualquer um que se
aproxime de mim atingirá a Iluminação Insuperável’. Outra vez, você
disse: ‘Prática é a Via. Praticando a compaixão, extirpamos as impurezas
e atingimos o estado de imobilidade’. Em outra vez, você disse: ‘Sabe-
doria é a Via. Isto é o que em tempos passados foi dito por mim, o Bu-
da, à Monja Prajapati. Como no caso das freiras e Sravakas, a espada da
Sabedoria extirpa todas as impurezas [‘asvaras’]’. Outra vez, o Tathaga-
ta disse: ‘Dana [doação] é a Via’. Isto é como o Buda disse nos dias pas-
sados a Prasenajit: ‘Oh grande Rei! Nos tempos passados eu pratiquei
dana. Em razão disto, eu agora atingi a Iluminação Insuperável’. Oh
Honrado pelo Mundo! Se o Nobre Caminho Óctuplo é a Via, então aqui-
lo que todos esses sutras dizem deve estar errado. Não é assim? Se
todos esses sutras não estão errados, porque eles não estabelecem que
o Nobre Caminho Óctuplo é a Nobre Verdade da Via? Se for o caso que
você não disse isso, por que essas desconfianças (dúvidas) surgem? Mas
eu definitivamente sei que o Buda-Tathagata já de há muito removeu
todas as dúvidas.”

Então o Buda elogiou o Bodhisattva Kashyapa e disse: “Bem falado, bem


falado, oh bom homem! Agora você deseja penetrar o segredo dos su-
tras todo-maravilhosos do Mahayana que são do Bodhisattva (que são
para instruir Bodhisattvas). Este é o porquê de você colocar essa ques-
tão. Oh bom homem! Tudo aquilo que foi dito naqueles sutras constitui

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 55


a verdade da Via. Oh bom homem! Como eu já estabeleci, se cremos na
Via, essa Via da fé é a raiz da fé. Esta é a base da Via da Iluminação.
Portanto, não pode haver qualquer equívoco. Oh bom homem! O Ta-
thagata é versado em todos os tipos de expedientes, e deseja salvar os
seres. Este é o porquê de ele falar assim variadamente.

Oh bom homem! Por exemplo, um bom médico conhece todas as cau-


sas das enfermidades de todos os seres, e de acordo com a natureza da
doença ele manipula seus remédios. Mas a água é o único (componen-
te) que não é proibido. Ele pode usar água de gengibre, água de alcaçuz,
água com algo pungente, água de caramelo negro, água de amalaka,
água de nepala [Himalaia], água de pathola, água fria, água quente,
suco de uva ou suco de romã. Oh bom homem! Um bom médico que
sabe sobre as doenças dos seus pacientes prescreve diversos remédios.
Há muitas coisas que são proibidas. Mas a água não é uma delas. O
mesmo é o caso com o Tathagata. Ele conhece bem [vários] expedien-
tes (meios). Embora o Dharma seja único, ele, de acordo com os dife-
rentes seres, disseca-o, amplia e apresenta-o às várias categorias (de
seres). Os vários (tipos de) seres aprendem o Dharma que lhes é apre-
sentado. Tendo praticado como mostrado, eles extirpam as impurezas.
É como com os pacientes que, seguindo as palavras do médico, acabam
com as suas doenças.

Também, além disso, oh bom homem! Existe um homem que compre-


ende muitos idiomas. Ele está numa multidão. As pessoas, oprimidas
pelo calor e pela sede, todas clamam: ‘Dê-me água, dê-me água’! Ime-
diatamente o homem pega água fria e, de acordo com o gosto de cada
pessoa, lhes dá a água, dizendo: ‘Aqui está água’! ‘Aqui está paniya’!
‘Aqui está ujji’! ‘Aqui está shariran’! ‘Aqui está vari’! ‘Aqui está paya’!
[nomes da água em vários idiomas]. ‘Aqui está amrta’! ou ‘Aqui está o
leite da vaca’! Usando esses inumeráveis nomes para a água, ele atende
as pessoas. A situação é assim, oh bom homem! O mesmo se passa com
o Tathagata. Ele expõe o Nobre Caminho Único de várias maneiras para

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 56


Sravakas. Ele [o Caminho] começa com a raiz da fé e vai até o Nobre
Caminho Óctuplo.

Também, além disso, oh bom homem! Um ourives, por exemplo, faz


com o ouro vários tipos de jóias conforme queira, tais como: colares,
braceletes, prendedores de cabelo, coroas celestiais e cotoveleiras.
Embora existam diferenças e elas não sejam as mesmas (jóias), nada
mais são que ouro. Oh bom homem! O mesmo é o caso com o Tathaga-
ta. O simples ensinamento Budista é pregado de várias maneiras de
acordo com as circunstâncias dos seres. Às vezes, um tipo [de Dharma]
é apresentado, e dizemos que as Vias do Buda são uma, e não duas.
Também, falamos de dois tipos (de Via), que são ‘dhyana’ [meditação] e
‘Sabedoria’. Ela (a Via) é também apresentada como três, a saber: Per-
cepção, Sabedoria [‘prajna’] e Conhecimento [‘jnana’]. Também, é apre-
sentada como quatro, a saber: 1) ‘darshana-marga’ [A Via (Maneira) de
Ver, usando a razão e a introspecção para sair da mera fé nas Quatro
Nobres Verdades e chegar à plena compreensão delas], 2) ‘bhavana-
marga’ [a Via da Meditação], 3) ‘asaiksa-marga’ [a Via mediante a qual
nada mais resta a ser aprendido], e 4) ‘Buda-marga’ [a Via do Buda].
Também, cinco tipos são apresentados, a saber: 1) a Via da prática da
Fé, 2) a Via da prática do Dharma, 3) a Via da Fé-Emancipação, 4) a Via
da Realização Intelectual, e 5) a Via da Realização Corporal. Também
seis tipos são apresentados, a saber: 1) ‘srotapatti-margapannaka’ [via
do renascer entre duas e sete vezes], 2) ‘sakrdagami-margapannaka’
[via do renascer uma vez no Samsara], 3) ‘anagami-margapannaka’ [via
do não mais renascer no Samsara], 4) ‘arhat-marga’ [via do Digno –
aquele livre de impurezas, santo], 5) ‘pratyekabuddha-margapannaka’
[via do Solitário-Desperto], e 6) ‘Buddha-marga’ [Caminho do Buda].
Também, sete tipos são apresentados, os quais são a consecução da
Iluminação através de: 1) atenção plena, 2) escolha da Lei, 3) esforço, 4)
alegria, 5) exclusão, 6) meditação, 7) equanimidade. Também, oito tipos
são apresentados, que são: 1) Entendimento Correto, 2) Pensamento
Correto, 3) Linguagem Correta, 4) Ação Correta, 5) Modo de Vida Corre-

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 57


to, 6) Esforço Correto, 7) Atenção Plena Correta, e 8) Meditação Corre-
ta. Também, nove tipos são apresentados, a saber: os oito caminhos (o
Nobre Caminho Óctuplo) e fé. Também, dez tipos são apresentados, os
quais se relacionam aos dez poderes. Também, onze tipos são apresen-
tados, a saber: os dez poderes e grande compaixão. Também, doze ti-
pos são apresentados, os quais são: os dez poderes, grande benevolên-
cia e grande compaixão. Também, treze tipos são apresentados, a sa-
ber: os dez poderes, grande benevolência, grande compaixão, e o Sa-
madhi da Meditação do Buda. Também, existem dezesseis tipos, a sa-
ber: os dez poderes mais a grande benevolência, grande compaixão, o
Samadhi da Meditação do Buda e a três atenções plenas alcançadas
pelo Buda. Também, vinte maneiras são indicadas, a saber: os dez po-
deres, os quatro destemores, grande benevolência, grande compaixão,
o Samadhi da Meditação do Buda e a três atenções plenas. Oh bom
homem! Essa Via é Una. O Tathagata, em tempos passados, expôs o
Dharma de várias maneiras para o benefício dos seres.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, é exatamente co-


mo vários nomes são dados a um simples fogo, dependendo da nature-
za das coisas queimadas, tais como: fogo de madeira, fogo de capim,
fogo de casca de arroz, fogo de palha de trigo, fogo de estrume de vaca
ou de cavalo. O mesmo se passa com o ensinamento do Buda. Ele é um,
não dois. Para o benefício dos seres, falamos de diversas maneiras.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, uma cognição é


dita de seis formas distintas. [Quando algo é] visto pelos olhos, dizemos
‘consciência dos olhos’. Isto se aplica [a todos os sentidos] até a ‘consci-
ência da mente’. Oh bom homem! O mesmo é o caso com a Via tam-
bém. Para ensinar os seres, o Tathagata discrimina e fala variadamente.

Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, uma coisa vista
pelos olhos é chamada ‘cor’; aquilo que é escutado pelos ouvidos é
chamado ‘som’; o que é cheirado pelo nariz é chamado ‘odor’; o que a

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 58


língua degusta é chamado ‘sabor’; e o que o corpo sente é chamado
‘tato’. Oh bom homem! O mesmo é o caso com o que se aplica à Via. Ela
é uma, não duas. O Tathagata, no sentido de guiar os seres, apresenta
as coisas de várias maneiras. Isto é o porquê o Nobre Caminho Óctuplo
é chamado de Nobre Verdade da Via. Oh bom homem! As Quatro No-
bres Verdades são apresentadas por todos os Budas-Honrados-pelo-
Mundo em passos. Como resultado, inumeráveis seres atravessam o
mar do nascimento e da morte.”

Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Certa vez o Buda foi
às margens do Ganges, na floresta de Simsapavana. Naquela ocasião, o
Tathagata arrancou um pequeno ramo de árvore com algumas folhas e
disse aos Monges: ‘São muitas as folhas que eu seguro em minhas
mãos, ou são muitas todas as folhas das gramas e árvores de todos os
solos e florestas’? Todos os Monges disseram: ‘Oh Honrado pelo Mun-
do! As folhas das gramas e árvores de todos os solos são muitas e não
podem ser contadas. Aquelas que o Tathagata segura em suas mãos são
poucas em número e não merecem menção’. (Então o Tathagata disse):
‘Oh todos vocês Monges! As coisas que eu vim a conhecer são como as
folhas das gramas e árvores da grande terra; aquilo que eu compartilho
com todos os seres é como as folhas em minhas mãos’.”

O Honrado pelo Mundo então disse: “As inumeráveis coisas que são
conhecidas pelo Tathagata estão contidas em mim somente se elas
couberem dentro das Quatro Nobres Verdades. Se não, deveria haver
cinco Verdades.”

O Buda elogiou Kashyapa: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! O


que você indagou agora beneficiará enormemente inumeráveis seres e
(lhes) dará paz. Oh bom homem! Todas as coisas estão [contidas] nas
Quatro Nobres Verdades.”

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 59


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Se todas as coisas estão nas
Quatro Nobres Verdades, por que você diz que elas (as coisas) ainda
não tinham sido faladas?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Embora elas estejam dentro [das Qua-
tro Nobres Verdades], não dizemos que elas tenham sido faladas. Por
que não? Oh bom homem! Existem dois tipos de sabedorias relaciona-
das ao conhecimento das Nobres Verdades. Um é de grau médio; e o
outro é de grau superior. A sabedoria de grau médio é aquela de Srava-
kas e Pratyekabudas; a de grau superior é aquela dos Budas e Bodhi-
sattvas.

Oh bom homem! Uma pessoa vê que todos os skandhas são sofrimento.


Saber isto é sabedoria de grau médio. Existem inumeráveis formas de
conhecimento de todos os skandhas. Todas são sofrimento. Isto não é
algo que possa ser conhecido por Sravakas e Pratyekabudas. Isto é co-
nhecimento superior. Oh bom homem! Todas essas coisas não estão
estabelecidas nos sutras.

Oh bom homem! Cognição através das 12 esferas [‘dvadasayatanani’ –


os doze campos dos sentidos] é o portal. Isto, também, é sofrimento.
Isto nós sabemos. Isto é sabedoria de grau médio. Existem inumeráveis
maneiras de fazer cognição através das esferas. Todas são sofrimentos.
Isto não é algo que possa ser conhecido por Sravakas e Pratyekabudas.
Isto é Sabedoria em seu grau superior. Eu nada estabeleci sobre isto nos
sutras.

Oh bom homem! Todos os domínios são partes (compartimentos). Eles


são também natureza e sofrimento. Isto nós sabemos. Isto é sabedoria
de grau médio. Esses (domínios) têm inumeráveis aspectos quando
dissecados [analisados]. Todos (os aspectos) são sofrimentos. Isto não
pode ser conhecido por Sravakas e Pratyekabudas. Isto é Sabedoria de
grau superior. Nada disso está estabelecido nos sutras.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 60


Os cinco agregados (skandhas)
de acordo com os cânones em Pali.

Fatores mentais (cetasika)

forma (rūpa) sensação


4 elementos (vedana)
(mahābhūta)


contato → percepção
(phassa) ← (samjna)
↓ ↑

consciência
(vijnana) ← volição
(samskara)

Fonte: Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Vedanā)

Oh bom homem! Ver o aspecto destrutível da matéria [‘rupa’] é sabe-


doria de grau médio. Existem inumeráveis aspectos da destrutibilidade
quando olhamos dentro [da forma] de qualquer matéria. Todos eles são
sofrimentos. Isto não é o que é conhecido por Sravakas e Pratyekabu-
das. Isto é Sabedoria de grau superior. Oh bom homem! Todas essas
coisas não foram estabelecidas nos sutras.

Oh bom homem! ‘Sensação’ [‘vedana’] é um aspecto do despertar. Isto


é sabedoria de grau médio. Existem inumeráveis aspectos do despertar

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 61


quando dissecamos a sensação. Isto não é algo que possa ser conhecido
por Sravakas e Pratyekabudas. Isto é Sabedoria de grau superior. Oh
bom homem! Eu não falei sobre tudo isso nos sutras.

Oh bom homem! ‘Percepção’ [‘samjna’] é um aspecto da recepção.


Assim a compreendemos. Isto é sabedoria de grau médio. Existem inu-
meráveis aspectos da recepção na percepção. Isto não é conhecido por
Sravakas e Pratyekabudas. Isto é Sabedoria de grau superior. Nada disso
está estabelecido nos sutras.

Oh bom homem! ‘Volição’ [‘samskara’] é um aspecto da ação. Isto é


sabedoria de grau médio. Existem inumeráveis aspectos da volição. Isto
não é algo que possa ser conhecido por Sravakas e Pratyekabudas. Isto
é Sabedoria de grau superior. Oh bom homem! Nada disso está estabe-
lecido nos sutras.

Oh bom homem! ‘Consciência’ [‘vijnana’] é um aspecto discriminativo.


Isto é sabedoria de grau médio. Quando olhamos dentro dessa consci-
ência, vemos que existem inumeráveis aspectos do conhecimento. Isto
não é algo que possa ser conhecido por Sravakas e Pratyekabudas. Isto
é sabedoria de grau superior. Oh bom homem! Nada disso está estabe-
lecido nos sutras.

Oh bom homem! Sabemos que as relações causais do desejo [‘trishna’]


de fato evocam os cinco skandhas. Isto é sabedoria de grau médio.
Quão inumeráveis e ilimitados são os desejos que surgem numa simples
pessoa é algo que não pode ser conhecido por Sravakas e Pratyekabu-
das. Aquela que conhece completamente todos os aspectos do desejo
de todos os seres é a Sabedoria de grau superior. Não falei sobre tudo
isso nos sutras.

Saber que se devem extirpar as impurezas é sabedoria de grau médio.


Não podemos discriminar completamente e contar o número de impu-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 62


rezas. O mesmo se passa com a extinção. Não podemos contá-la. Isto
não está ao alcance de Sravakas e Pratyekabudas. Isto é Sabedoria de
grau superior. Nada disso está estabelecido nos sutras.

Oh bom homem! Esse aspecto da Via nos liberta completamente das


impurezas. Isso nós devemos saber. Isto é sabedoria de grau médio. Ao
discriminar os aspectos da Via, eles tornam-se incalculáveis e ilimitados.
E as impurezas a serem eliminadas são incontáveis e ilimitadas. Isto está
para além do alcance do conhecimento de Sravakas e Pratyekabudas.
Isto é Sabedoria de grau superior. Não falei disso nos sutras.

Oh bom homem! Aquele que conhece a verdade da vida secular é al-


guém de sabedoria de grau médio. Ao discriminar [discernir] as verda-
des sobre a vida secular, elas se tornam incontáveis e ilimitadas. Isto
está para além do alcance do conhecimento de Sravakas e Pratyekabu-
das. Isto é Sabedoria de grau superior. Não falei acerca disso nos sutras.

Oh bom homem! Todas as coisas são impermanentes; todas as coisas


compostas são destituídas do Eu. Nirvana é silêncio. Isto é ‘Paramartha-
satya’. Assim devemos compreender. Isto é sabedoria de grau médio.
Deveríamos saber que ‘Paramartha-satya’ é infinito, ilimitado e incon-
tável. Isto está para além do alcance do conhecimento de Sravakas e
Pratyekabudas. Isto é Sabedoria de grau superior. Não falei acerca disso
nos sutras.”

Então, o Bodhisattva Manjushri disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-


do! Como podemos compreender o ‘Paramartha-satya’ a partir da cha-
mada verdade relativa [‘samvrti-satya’]? Oh Honrado pelo Mundo! Exis-
te alguma verdade secular no ‘Paramartha-satya’ ou não? Se existe,
qual é essa verdade. Se não existe, isto não significaria que o Tathagata
fez uma falsa afirmação?”

“Oh bom homem! Verdade relativa é ‘Paramartha-satya’.”

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 63


“Oh Honrado pelo Mundo! Se é assim, não pode haver duas verdades.”

O Buda disse: “Oh bom homem! O que existe é o melhor expediente


(oportunidade). De acordo com o modo de vida dos seres, dizemos que
existem duas verdades. Oh bom homem! Se seguimos o caminho das
declarações (do Buda), existem dois tipos. Um é a lei (dharma) secular,
e o outro é a Lei (Dharma) supramundana. Oh bom homem! Aquilo que
é conhecido por aqueles que abandonaram o mundo é ‘Paramartha-
satya’; aquilo que as pessoas mundanas conhecem é a lei secular. Oh
bom homem! A condição combinada dos cinco skandhas constitui uma
certa pessoa. O que é dito pelos mortais comuns e pelo mundo é a lei
secular (porque é dito pela combinação dos skandhas). Nos skandhas
não existe pessoa ou nome a ser designado; mas sem os skandhas não
pode haver pessoa individual. A pessoa que abandona o mundo [‘shra-
mana’] sabe a natureza e as características [das coisas] exatamente
como elas são. Isto é ‘Paramartha-satya’.

Também, além disso, oh bom homem! Às vezes uma coisa tem um no-
me e uma forma verdadeira; ou, outras vezes, uma coisa tem um nome,
mas não uma forma verdadeira. Oh bom homem! Qualquer coisa que
tenha um nome, mas não [é dotada de] forma verdadeira é verdade
[relativa] secular. Possuindo ambos, nome e forma verdadeira é ‘Para-
martha-satya’. Oh bom homem! Eu chamo as seguintes coisas como
verdade secular: a vida de um ser, conhecimento, crescimento, virilida-
de, o executor [das ações], o receptáculo [das retribuições cármicas], a
miragem no verão, um castelo do gandharva, os cabelos de uma tarta-
ruga [isto é, algo que não existe], os chifres de uma lebre [que também
não existe], um circulo de fogo, todas essas coisas como os cinco skan-
dhas, os dezoito domínios, e as doze esferas. E sofrimento, a causa do
sofrimento, a extinção [do sofrimento], e a Via para a extinção (que são
as Quatro Nobres Verdades) são ‘Paramartha-satya’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 64


Os Cinco Dharmas Seculares

Oh bom homem! Existem cinco tipos de dharmas seculares, que são: 1)


o mundo dos nomes, 2) o mundo das sentenças, 3) o mundo das obri-
gações, 4) o mundo da lei, 5) o mundo do apego. Oh bom homem! O
que é o mundo dos nomes? [Coisas] tais como homem, mulher, vaso,
roupa, veículo (carruagem) e casa são todas pertencentes ao mundo
dos nomes. Uma coisa como um gatha (verso) de quatro linhas perten-
ce ao mundo das sentenças. Quais são as coisas do mundo das obriga-
ções? São coisas como juntar (as palmas das mãos), pegar, apertar e
dobrar as mãos (em reverência) são (coisas) do mundo das obrigações.
O que é o mundo da lei? Chamar os Monges através dos sinos, advertir
soldados através de tambores e anunciar o tempo ressoando um chifre
são (coisas) do mundo das leis. O que pertence ao mundo do apego? Ao
ver de longe uma pessoa que veste uma roupa colorida, imaginar que
aquilo é um Shramana e não um Brâhmane; ao ver uma pessoa com
tecidos, pensar que é um Brâhmane e não um Shramana. Isto é o que
pertence ao mundo do apego (os paradigmas). Oh bom homem! Assim
se estabelecem os cinco tipos de coisas no mundo. Oh bom homem! Se
a mente dos seres, [quando confrontada com esses] cinco fenômenos
mundanos, não virar de cabeça para baixo, mas reconhecer as coisas
exatamente como elas são, isto é a verdade do ‘Paramartha-satya’ (‘Re-
alidade Última’).

Também, além disso, oh bom homem! Coisas como queima, divisão,


morte e destruição dizem respeito à verdade secular. Aquilo que não
conhece a queima, a divisão, a morte ou a destruição é a verdade do
‘Paramartha-satya’. Também, além disso, oh bom homem! Aquilo que
possui os oito aspectos do sofrimento é chamado verdade secular. On-
de não existe nascimento, velhice, doença, morte, a tristeza da separa-
ção daquilo que se ama, a tristeza do encontro com aquilo que se odeia,
não ser capaz de possuir o que se deseja, ou o urgir a queima dos cinco
skandhas, lá é onde repousa a verdade do ‘Paramartha-satya’. Oh bom

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 65


homem! Por exemplo, uma pessoa faz muitas coisas. Quando correndo,
ela é [chamada] corredor; quando colhendo, ela é aquele que colhe;
quando cozinhando uma comida, ela é um cozinheiro; quando traba-
lhando com madeira, ela é um carpinteiro; quando trabalhando com
ouro e prata, ela é um ourives. Assim, uma pessoa tem muitos nomes.
O mesmo é o caso com o Dharma. ‘A verdade é uma, mas os nomes são
muitos’. Quando [uma pessoa] é dita ter vindo através da união dos
seus pais, isto exprime a verdade do mundo secular. Quando [ela é] dita
ter vindo através da verdade dos doze elos da causação, isto exprime a
verdade do ‘Paramartha-satya’.”

A Verdade Real

O Bodhisattva Manjushri disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


que a verdade real significa?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Por ‘verdade real’ se entende o Dhar-
ma Maravilhoso. Oh bom homem! Se uma coisa não é verdadeira, não
dizemos ‘verdade real’. Oh bom homem! Não há nada invertido na ver-
dade real. Quando não há nada invertido, dizemos verdade real. Oh
bom homem! Não há falsidade na verdade real. Se a falsidade reside
[lá], não falamos verdade real. Oh bom homem! A verdade real é o Ma-
hayana. Se não for o Mahayana, não dizemos ‘verdade real’. A verdade
real é o que o Buda diz e não o que Mara diz. Se é de Mara e não do
Buda, não dizemos ‘verdade real’. Oh bom homem! A verdade real é um
caminho puro e singelo (único), e não dois caminhos. Oh bom homem!
Aquilo que é Eterno, Êxtase (Felicidade), Auto (Eu) e Puro é a verdade
real.”

Manjushri disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se o que é verda-


deiro é a verdade real, o Dharma Maravilhoso é (ao mesmo tempo) o
Tathagata, o Vazio e a Natureza de Buda. Isto significa que não pode

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 66


haver qualquer diferença entre o Tathagata, o Vazio e a Natureza de
Buda.”

O Buda disse a Manjushri: “Existe sofrimento, o verdadeiro e o real;


existe a causa do sofrimento, a verdadeira e a real; existe a Via, a ver-
dadeira e a real. Oh bom homem! O Tathagata é não sofrimento, não
verdadeiro, mas real. Oh Manjushri! O sofrimento é um aspecto do não-
eterno. Ele é um aspecto da segregação [aquilo que está sujeito à de-
composição]. Esta é a verdade real. A natureza do Tathagata é não-
sofrimento, não o não-eterno (impermanente), nem qualquer aspecto
de segregação. Este é o porquê dizemos real. O mesmo é o caso com o
Vazio e a Natureza de Buda. Também, além disso, oh bom homem! A
assim chamada causação (doze elos) surge da união dos cinco skandhas.
Também, a chamamos sofrimento ou o não-eterno. Este é um caso
(daquilo) que pode ser segregado. Isto é a verdade real. Oh bom ho-
mem! O Tathagata é não causa do sofrimento, não causa dos skandhas,
nem um aspecto que possa ser segregado. Assim, isto é real. Assim
também se dá com o Vazio e com a Natureza de Buda. Oh bom homem!
A assim chamada extinção é a extinção das impurezas. Também, ela é o
eterno e o não-eterno. Aquilo que os dois veículos alcançam é o não-
eterno. Aquilo que todos os Budas atingem é o Eterno. Isto também (o
que os Budas atingem) é a consecução (realização) do Dharma. Isto é a
verdade real. Oh bom homem! A natureza do Tathagata é não-extinção,
a qual extirpa completamente as impurezas. É eterna e não não-eterna.
É não consecução do Dharma; é aquilo que é eterno e imutável. Por
esta razão, é o Real. Com o Vazio e a Natureza de Buda também se pas-
sa o mesmo. Oh bom homem! A Via erradica completamente as impu-
rezas. Ela, também, é o eterno, o não-eterno, e a lei que pode ser prati-
cada. Isto é a verdade real. Não é o caso (de dizer) que o Tathagata é a
Via e ele erradica as impurezas; que ele não é eterno e não não-eterno;
que ele não é uma lei que possa ser praticada. Ele é eterno e imutável.
Portanto, ele é o Real. O mesmo se passa com o Vazio e a Natureza de
Buda. Oh bom homem! ‘A Verdade é o Tathagata. O Tathagata é a Ver-

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 67


dade; a Verdade é o Vazio; o Vazio é a Verdade; a Verdade é a Natureza
de Buda; a Natureza de Buda é a Verdade’. Oh Manjushri! Existe o so-
frimento, a causa do sofrimento, a extinção do sofrimento e o oposto
do sofrimento. O Tathagata não é sofrimento e nem o oposto. Este é o
porquê ele é Real e não Verdade. O mesmo acontece com o Vazio e
com a Natureza de Buda. Sofrimento é aquilo que é criado, que esvai
[isto é, que é caracterizado pelas ‘asvaras’], e que não tem felicidade. ‘O
Tathagata não é aquilo que é criado ou que esvai; ele é pleno e pacífi-
co’. Isto é o Real e não a Verdade.”

Manjushri disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz:
‘O que não está de cabeça para baixo (invertido) é a verdade real’. Se
isto é assim, deveria haver as quatro inversões nas quatro verdades? Se
assim for, como você pode dizer que aquilo que não é dotado de qual-
quer coisa invertida é a verdade real e aquilo (dotado) com qualquer
coisa invertida não é a verdade real?”

O Buda disse a Manjushri: “Qualquer coisa que está invertida é a verda-


de do sofrimento. Todos os seres têm inversões [distorções da verdade]
em suas mentes. Sendo assim, eles estão de cabeça para baixo. O caso é
assim. Oh bom homem! Por exemplo, imagine um homem que não
recebe injunções dos seus pais ou de seus superiores. Mesmo receben-
do (os ensinamentos), ele não pode seguir e praticar a Via. Essa pessoa
é chamada de cabeça para baixo (invertida). Não é o caso (de se dizer)
que essa inversão não seja sofrimento; ela é sofrimento em si.”

Manjushri disse: “Você, o Buda, diz que aquilo que não é falso é a ver-
dade real. Se assim for, o que é falso não é a verdade real.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Todas as falsidades caem na categoria


da verdade do sofrimento. Qualquer ser que engane os outros cai nos
domínios do inferno, da animalidade e dos espíritos famintos. É assim.
Esses dharmas (leis mundanas) são aquilo que é falso. Essa falsidade é

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 68


nada mais que sofrimento. É sofrimento. Sravakas, Pratyekabudas e os
Budas-Honrados-pelo-Mundo afastam-se delas (as falsidades) e não as
cometem. Como essa falsidade é aquilo que todos os Budas e os dois
veículos erradicam, isto é verdade real.”

Manjushri disse: “Você, o Buda, diz que o Mahayana é a verdade real.


Disto podemos saber que aquilo que Sravakas e Pratyekabudas dizem
deve ser não-real.”

O Buda disse: “Aqueles dois (veículos) são o real e o não-real. Se Srava-


kas e Pratyekabudas erradicam todas as impurezas, eles são o real. Coi-
sas que são não-eternas e não-permanentes são coisas da mudança.
Assim, eles são o não-real.”

Manjushri disse: “Se o que o Buda diz é, como ele diz, o real, podemos
saber que aquilo que Mara diz deve ser o não-real. Oh Honrado pelo
Mundo! Devemos aceitar o que Mara diz como (parte das) Nobres Ver-
dades?”

O Buda disse: “O que Mara diz pode estar incluso em duas Verdades, as
quais são o sofrimento e a causa do sofrimento. Elas [as palavras de
Mara] são todas não-Dharma e não-preceitos, e não podem beneficiar
os seres. [Se Mara] falasse o dia inteiro, não poderia haver libertação do
sofrimento e da causa do sofrimento, nem realização da extinção (do
sofrimento) ou a prática da Via. Elas [as palavras de Mara] são falsas.
Aquilo que é falso é o que Mara diz.”

Manjushri disse: “O Buda diz que o caminho único é aquele que é puro
(singelo) e que não pode haver dois (caminhos). Todos os tirthikas tam-
bém dizem que eles têm um caminho único e que não há dois. Se o
caminho único é a verdade real, que diferença há aqui daquilo que os
tirthikas dizem? Se não há diferença, não pode haver um caminho único
que seja puro?”

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 69


O Buda disse: “Oh bom homem! Todos os tirthikas têm as duas verda-
des do sofrimento e da causa do sofrimento. Eles não têm as verdades
da extinção e da Via. Eles pensam a respeito de extinção onde não há
extinção; eles pensam a respeito da Via onde não há Via; eles pensam
sobre resultado (efeito, retribuição) onde não há resultado; eles pen-
sam sobre causa onde não há causa. Assim, eles não têm um caminho
único que seja puro.”

Manjushri disse: “Você, o Buda, diz que existem o Eterno, o Êxtase (Feli-
cidade), Auto (Eu) e o Puro; e que eles são o Real. Se assim for, todos os
tirthikas, também, devem ter verdades reais. Isto não pode ser no ensi-
namento Budista. Por que é assim? Todos os tirthikas dizem também
que todas as coisas são eternas. Como elas são eternas? Porque todos
os resultados do pensamento e do não-pensamento permanecem.
‘Pensamento’ refere-se aos dez resultados do bom carma, e ‘não-
pensamento’ (refere-se) aos dez resultados do mau carma. Se dizemos
que todas as coisas são não-eternas, como é possível que, se o executor
(das ações) morre aqui, possa haver uma pessoa que obtenha resulta-
dos cármicos do outro lado? Por esta razão, podemos bem dizer que
todas as coisas criadas são eternas.

Os fatores circunstanciais de matar são sempre eternos. Oh Honrado


pelo Mundo! Se dissermos que todas as coisas são não-eternas, o assas-
sino e aquele que pode ser assassinado devem ser ambos não-eternos.
Se eles são não-eternos, quem recebe a retribuição no inferno? Se ga-
rantidamente existe a retribuição no inferno, então todas as coisas não
podem ser não-eternas. Oh Honrado pelo Mundo! Estar atento e pensar
exclusivamente também são (coisas) eternas. Pensamos durante 10
anos ou até 100 anos, e mesmo assim não esquecemos. Portanto, (o
pensamento é) eterno. Se é não-eterno, quem relembra ou pensa sobre
aquilo que vimos? Em razão disto, todas as coisas são não não-eternas.
Oh Honrado pelo Mundo! Todas as relembranças, também, são eternas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 70


Vemos as mãos, os pés, a face e a nuca de uma pessoa pela primeira
vez. Mais tarde, vemos novamente a pessoa e a reconhecemos. Se é
não-eterna, a forma original haveria de morrer. Oh Honrado pelo Mun-
do! Estudamos algo por um longo tempo, do primeiro ao terceiro ano,
ou até o quinto ano, e chegamos a ver bem as coisas. Assim, temos que
dizer que as coisas são eternas.

Oh Honrado pelo Mundo! Na aritmética, contamos de um a dois, de


dois a três, e até 100, ou até 1000. Se é não-eterno, o 1 (um) que uma
pessoa aprendeu primeiro deveria ser o primeiro a morrer. Uma vez
que isso venha ocorrer, como poderia uma pessoa contar até 2(dois)?
Se assim for, um é sempre um; não pode haver o dois. Como o um não
morre, ele pode tornar-se 2, 100 ou 1000. Portanto, ele é eterno. Oh
Honrado pelo Mundo! Na recitação, recitamos um agama [escritura], e
avançamos para dois agamas, três e quatro agamas. Se é não-eterno, a
recitação não poderia se proceder até quatro agamas. Em razão do
incremento que se aplica à recitação, podemos dizer (que ela é) eterna.
Oh Honrado pelo Mundo! Um vaso, roupas e um veículo (carruagem)
são como dívida. Aquilo que a grande terra apresenta – montanhas,
rios, florestas, árvores, plantas, folhas e a cura dos seres – é tudo eter-
no. O mesmo é o caso aqui. Oh Honrado pelo Mundo! Todos os tirthikas
dizem o mesmo. Todas as coisas são eternas. Se (são) eternas, elas de-
vem ser verdades reais.

Oh Honrado pelo Mundo! Todos os tirthikas dizem: ‘Existe felicidade.


Como assim? Aquele que a recebeu obteve um retorno para o seu pen-
samento’. Oh Honrado pelo Mundo! Alguém que receba a felicidade
infalivelmente obtém isto, tais como os chamados Grande Brahma,
Mahesvara, Sakrodevanamindra, Vishnu, e todos os humanos e devas.
Em razão disto, com certeza deve existir felicidade. Oh Honrado pelo
Mundo! Todos os tirthikas dizem: ‘Existe felicidade. Os seres verdadei-
ramente evocam o desejo de tê-la. Semelhantemente, uma pessoa que
está com fome procura por comida; uma pessoa que está com sede

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 71


procura algo para beber; uma pessoa que sente frio procura calor; uma
pessoa que sente calor procura frescor; uma pessoa que está cansada
procura descanso; uma pessoa que está doente procura a cura; uma
pessoa que é sensual procura a luxúria. Se não houvesse felicidade,
quem a procuraria? Em razão de ser buscada, vemos que existe felici-
dade’.

Oh Honrado pelo Mundo! Existem tirthikas que dizem: ‘Dana [doação


generosa] traz felicidade. As pessoas gostam de dar aos Shramanas,
Brâmanes, pobres e infortunados, coisas como: roupas, bebidas, roupas
de cama, remédios, elefantes, cavalos, veículos, incenso em pó ou em
pasta, todos os tipos de flores, casas, abrigo e lâmpadas. Assim, doam
várias coisas. Isto é feito para obter recompensa em espécie daquilo
que a pessoa deseja ter no futuro. Por esta razão, ali surge com certeza
a felicidade. Isto nós devemos saber’.

Oh Honrado pelo Mundo! Muitos tirthikas também dizem: ‘Através das


relações causais, certamente existe felicidade. Isto nós deveríamos sa-
ber. Como existem relações causais com uma pessoa que sente felicida-
de, dizemos ‘toque de felicidade’. Se nenhuma felicidade é sentida,
como pode isso acontecer (o toque de felicidade). A lebre não tem chi-
fres, portanto não pode haver quaisquer relações causais [que gerem
chifre]. Existe felicidade porque existe uma causa para ela surgir’. Oh
Honrado pelo Mundo! Muitos tirthikas dizem: ‘Saiba que existem os
graus superior, médio e inferior, através dos quais tornamo-nos aben-
çoados (felizes). Alguém que obtenha a benção em seu grau mais baixo
é Sakrodevanamindra; alguém que obtenha a benção em seu grau mé-
dio é Grande Brahma; alguém que obtenha benção em seu grau superi-
or é Mahesvara. A existência dos graus superior, médio e baixo diz-nos
que existe felicidade (benção)’.

Oh Honrado pelo Mundo! Muitos tirthikas dizem: ‘Existe pureza. Por


que isso? Se não existisse pureza, nenhum desejo por ela deveria surgir.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 72


Se o desejo surge, isto indica que a pureza existe’. Eles também dizem:
‘Ouro, prata, gemas preciosas, lápis-lazúli, cristal, ágata, pérola verme-
lha, carnelian, jade, casco de cavalo, córregos, nascentes, lagos para
banho, comida, roupas, flores, incenso em pó ou em pasta, e o brilho da
luz são coisas que são puras. Também, para além disso, existem coisas
puras. Os cinco skandhas são os recipientes da pureza. Eles retêm o que
é puro, como os humanos, devas, rishis, arhats, pratyekabudas, Bodhi-
sattvas e todos os Budas. Em razão disto, dizemos que eles são puros’.

Oh Honrado pelo Mundo! Os tirthikas também dizem: ‘Existe o Eu, o


qual pode bem ser visto, porque ele certamente faz coisas. Por exem-
plo, alguém entra na casa de um oleiro. Ele não vê o oleiro. Mas, quan-
do vê a roda e a corda, sabe que ele está na casa de um oleiro. O caso é
o mesmo com o Eu, também. Quando alguém vê cor através dos olhos,
sabe que seguramente existe um Eu. Se não existe o Eu, como pode
uma pessoa ver cor? O mesmo vale para a audição de um som e o to-
que àquilo que é tangível. Também, para além disso, existe o Eu. Por
quê? A partir das expressões externas. O que são essas expressões ex-
ternas? Elas são ofegar, piscar, vida, preocupação, todos os tipos de
tristezas e alegrias, ganância e ira; todas as quais nada mais são que
expressões do Eu. Disto, podemos saber que certamente existe o Eu.
Também, além disso, vemos que existe o Eu porque experimentamos o
sabor. Quando comemos uma fruta, registramos o sabor. Por esta ra-
zão, deveríamos saber que certamente existe o Eu. Também, além dis-
so, dizemos que existe o Eu porque os humanos fazem coisas. Uma
pessoa segura uma foice e ceifa; outra pega uma machadinha e corta;
uma outra pega um vaso e coloca água nele; uma pessoa pega um veí-
culo e o dirige. Todas essas coisas são feitas repetidamente. Isto indica
que certamente o Eu existe. Também, para além disso, existe o Eu. Co-
mo sabemos? Quando alguém nasce, ele deseja leite, devido a um lon-
go hábito. Assim, devemos saber que o Eu existe com certeza. Também,
para além disso, existe o eu. Como sabemos? Porque nos misturamos
com os outros, buscamos nos harmonizar, e obter benefícios. Por e-

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 73


xemplo, se vaso, roupa, veículo, terra, casa, montanha, floresta, árvore,
elefante, cavalo, vaca, carneiro, e outros estão harmonizados, com cer-
teza há lucro. O mesmo é o caso com os cinco skandhas deles. Quando
existe a harmonia dos olhos, etc., existe a beleza. Portanto, deveríamos
saber que o Eu existe com certeza. Por que existe obstrução? Como
existe uma coisa a obstruir, pode haver obstrução. Se nada existe, não
pode haver qualquer obstrução. Da obstrução, vemos que certamente
existe o Eu. Em razão disto, vemos com certeza que o Eu existe. Tam-
bém, para além disso, vemos que existe o Eu. Como sabemos? Através
da afinidade e não-afinidade. Familiaridade e não-familiaridade não são
afins. O Dharma Maravilhoso e o dharma incorreto não caminham jun-
tos. Sabedoria e não-sabedoria não andam juntas. Shramanas e não-
shramanas, Brâmanes e não-Brâmanes, filhos e não-filhos, fim e não-
fim, noite e não-noite, Eu e não-Eu, e outros são (respectivamente)
afins e não-afins. Isto nos diz que certamente existe o Eu.

Oh Honrado pelo Mundo! Todos os tirthikas falam variadamente sobre


o Eterno, Felicidade (Benção), Eu e Pureza. Oh Honrado pelo Mundo!
Em razão disto, todos os tirthikas também dizem que existe a verdade
do Eu’.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se há Shramanas e Brâmanes que di-


zem que existe o Eterno, a Felicidade, o Eu e o Puro; eles não são Shra-
manas e Brâmanes. Por que não? Porque eles estão perdidos no nasci-
mento e na morte e estão muito longe do Grande Guia. Porque esses
Shramanas e Brâmanes estão afundados em todos os desejos e espoli-
am o Dharma Maravilhoso. Todos esses tirthikas estão encarcerados
nas prisões da cobiça, da ira e da ignorância, e assiduamente se com-
prazem nisto. Todos esses tirthikas sabem que as retribuições cármicas
são de sua própria autoria e que eles têm que colhê-las, e que eles
também não podem separar-se delas (das retribuições). Aquilo que
todos esses tirthikas praticam não é o Dharma Maravilhoso, não é o
modo de vida correto, e não é auto-sustentável. Por que não? Se não

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 74


através do fogo da sabedoria, não se pode eliminar as coisas [extinguir
aquilo que é mau]. Todos esses tirthikas desejam estar imersos no me-
lhor dos cinco desejos, e ainda são incapazes de almejar e praticar o
Dharma Maravilhoso. Embora todos esses tirthikas desejem atingir a
verdadeira emancipação, eles não podem, uma vez que eles são falhos
na observância dos preceitos. Todos esses tirthikas desejam atingir a
felicidade, mas eles são incapazes de fazê-lo, uma vez que falham na
acumulação das causas para a felicidade. Todos esses tirthikas odeiam o
sofrimento, mas eles não se afastam das concatenações causais do so-
frimento. Todos esses tirthikas são procurados pelas quatro grandes
víboras, e ainda são indolentes e não sabem como ser conscientes da-
quilo que fazem. Todos esses tirthikas são serviçais da ignorância, estão
distantes dos bons amigos, e estão perdidos em prazeres em meio ao
grande fogo do não-eterno, e ainda não podem cair fora dele. Todos
esses tirthikas sofrem de graves doenças que são difíceis de curar. E
mesmo assim não buscam a grande Sabedoria ou um bom médico. To-
dos esses tirthikas terão que pegar as estradas que são difíceis de pas-
sar nos dias que virão. E ainda assim não sabem como adornar seus
corpos com boas leis. Todos esses tirthikas estão envenenados pela
luxúria e pelo sofrimento, e ainda defendem o veneno gelado dos cinco
desejos. Todos esses tirthikas nascem com a ira, e ainda se associam
com maus amigos. Todos esses tirthikas são vestidos pela ignorância e
ainda seguem más leis. Todos esses tirthikas são atraídos pelas impure-
zas, e ainda acalentam pensamentos familiares. Todos esses tirthikas
plantam sementes amargas, e ainda buscam colher doces frutos. Todos
esses tirthikas já se trancaram no quarto escuro das impurezas e priva-
ram-se da luz da Grande Sabedoria. Todos esses tirthikas sofrem da
sede das impurezas, e ainda bebem insistentemente a água insalubre
de todos os desejos. Todos esses tirthikas estão se debatendo nas pro-
fundas águas do grande oceano do nascimento e da morte, e ainda
estão muito afastados do melhor mestre-marinheiro. Todos esses tirthi-
kas estão sofrendo pelas inversões, e dizem que todas as coisas são
eternas. Não se pode dizer que todas as coisas são eternas.

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 75


Oh bom homem! Eu vejo todas as coisas como não-eternas. Como eu
sei? Em razão das suas relações causais. Se qualquer coisa surge da
causalidade, vejo-a como não-eterna. Conforme todos os tirthikas, uma
coisa é sempre algo que vem de alguma outra coisa. Oh bom homem! A
Natureza-de-Buda é não-nascimento e não-extinção; não é ir, e nem vir.
Não é passado, nem futuro, e nem presente. Não é algo que surja de
uma causa; não é o efeito de alguma causa. Não é algo criado; não é
criadora. Não é qualquer forma exterior, nem é alguma forma; não é
algo com um nome, nem é algo sem nome; é não-nome e não-matéria.
Não é longa, nem curta. Não é algo que tenha surgido nos cinco skan-
dhas, dezoito domínios e doze esferas. Portanto, dizemos eterna. Oh
bom homem! ‘A Natureza-de-Buda é o Tathagata; o Tathagata é Dhar-
ma, e Dharma é o Eterno’. Oh bom homem! O Eterno é o Tathagata, o
Tathagata é a Sangha, e a Sangha é Eterna. Com os tirthikas, não há
nada que não surja de uma causa. Oh bom homem! Todos esses tirthi-
kas não vêem a Natureza-de-Buda, o Tathagata e o Dharma. Assim sen-
do, aquilo que os tirthikas dizem é tudo falso; não há verdade [naqui-
lo]’.

Todos os mortais comuns primeiro vêem essas coisas como vasos, rou-
pas, veículos, casas, castelos, rios, florestas, homens, mulheres, elefan-
tes, cavalos, vacas e carneiros; vêem que eles se assemelham e dizem
que são eternos. Saiba que eles não são algo eterno. Oh bom homem!
Tudo o que é criado é não-eterno. O Vazio não é alguma coisa criada.
Portanto, ele é eterno. A Natureza-de-Buda não é aquilo que é criado.
Assim, ela é eterna. ‘O Vazio é a Natureza-de-Buda; a Natureza-de-Buda
é o Tathagata; o Tathagata não é aquilo que foi criado. O que não foi
criado é Eterno. O Dharma é Eterno; o Dharma é a Sangha; a Sangha
não é algo que foi criado; o que não foi criado é Eterno’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 76


Oh bom homem! Há dois tipos de coisas criadas, os quais são: 1) física e
2) não-física. A não-física é a mente [‘chitta’] e as faculdades mentais
[‘caitta’]. Os elementos físicos são terra, água, fogo e vento.

A Transitoriedade da Mente

Oh bom homem! A mente é não-eterna. Por que é assim? Porque a sua


natureza é sempre estimulada pelas coisas externas [a ela] para res-
ponder e discriminar as coisas. Oh bom homem! A natureza daquilo que
o olho vê é diversa, e isto se aplica a todos os sentidos até a forma co-
mo a mente pensa, a qual é diversa. Portanto, (ela é) não-eterna. Oh
bom homem! O campo de cognição da matéria [‘rupa’] é diverso, e isto
se aplica a onde o campo de cognição das leis (dharmas) for diferente.
Portanto, não-eterno. Oh bom homem! Os elementos concomitantes da
consciência visual são diversos, e isto se aplica até (passando por todos
os sentidos) aos elementos concomitantes da consciência mental, os
quais são diferentes. Portanto, não-eternos. Oh bom homem! Se a men-
te fosse eterna, a consciência visual sozinha seria capaz de evocar todos
os elementos. Oh bom homem! Se a consciência visual é diversa e se
isto se aplica (a todos os sentidos) até a consciência mental que (tam-
bém) é diversa, vemos que (a mente) é não-eterna. Os aspectos dos
elementos parecem iguais, e estes surgem e morrem momento após
momento. Assim, os mortais comuns olham e concluem que eles são
eternos. Como todas as relações causais operam contra e quebram a
imutabilidade (das coisas), dizemos não-eterno. Obtemos a consciência
visual através dos olhos, matéria, luz e pensamento. Quando surge a
consciência gustativa, lugar e causa diferem. Esta não é a relação causal
da consciência visual. As coisas são assim para todos os sentidos, até a
consciência do pensamento, nos quais as coisas diferem. Também, além
disso, oh bom homem! Em virtude das relações causais de todas as
coisas se dissolverem, dizemos que a mente é não-eterna. O modo de
praticar o não-eterno difere. Se a mente fosse eterna, ter-se-ia que

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 77


praticar o não-eterno sempre. E não se meditaria sobre o sofrimento, o
Vazio e o altruísmo (não-eu). Como se poderia meditar sobre o Eterno,
a Felicidade (Êxtase), o Eu e o Puro? Por esta razão, os ensinamentos
dos tirthikas são incapazes de abarcar o Eterno, a Felicidade (Êxtase), o
Eu e o Puro. Oh bom homem! Você deveria saber que a mente é defini-
tivamente não-eterna. Também, além disso, oh bom homem! Como a
natureza da mente é diversa, dizemos não-eterna. Isto é como no caso
da chamada natureza da mente dos Sravakas, a qual é diversa; como no
caso do Pratyekabuda, a qual é diversa; e a mente de todos os Budas, a
qual é diversa. Existem três tipos de mente [atitude, postura mental]
em meio aos tirthikas, nomeadamente: 1) mente de renúncia, 2) mente
da vida no lar, e 3) mente que trabalha contra e abandona a vida no lar.
Existem diferenças dos pensamentos concomitantes, tais como felicida-
de, tristeza, não-tristeza e não-felicidade, cobiça, ira, e ignorância.
Também, existem diferentes aspectos mentais com os tirthikas, que são
aqueles dos pensamentos concomitantes da ignorância, dúvida, visões
dúbias, pensamento de conduta com relação a andar e parar. Oh bom
homem! Se [o estado da] mente fosse eterno, não se poderia discrimi-
nar todas as cores como o azul, o amarelo, o vermelho, o branco e o
lilás. Oh bom homem! Se a mente fosse eterna, não poderia haver es-
quecimento de qualquer coisa depositada na memória. Oh bom ho-
mem! Se a mente fosse eterna, não poderia haver incremento na leitura
e recitação. Também, além disso, oh bom homem! Se a mente fosse
eterna, não poderíamos dizer que se fez, o que se está fazendo, ou o
que se fará. Se existe o que foi feito, o que está sendo feito, ou o que
será feito, saiba que este [modo de] pensamento é definitivamente
não-eterno. Oh bom homem! Se a mente fosse eterna, não poderia
haver inimizade, amizade, ou não-inimizade e não-amizade [isto é, por-
que o estado da mente nunca mudaria]. Se a mente fosse eterna, não
poderia haver pensamento, nem o-que-diz-respeito-aos-outros, nem
morte ou nascimento. Se a mente fosse eterna, as ações não poderiam
acumular-se (carma). Oh bom homem! Por essas razões, saiba que a

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 78


natureza da mente é diversa (diferente) em cada caso. Esta diferença
nos diz que o que temos aqui é não-eterno.

A Transitoriedade da Existência Física

Oh bom homem! Eu expus a transitoriedade daquilo que é não-físico, e


o significado agora está estabelecido. Também, para o vosso benefício,
explanarei a transitoriedade da existência física. Esse físico não possui
qualquer qualidade eterna; basicamente, ele não tem vida. (Uma vez)
nascido, ele deve morrer. Quando o corpo de uma pessoa ainda está no
útero, no estágio de kalala (fetal), não há nada da entidade da vida [lá].
Porque ele muda quando nasce. Essas coisas do mundo objetivo como
brotos, hastes e troncos também não possuem qualquer entidade (a
priori), desde quando nascem, cada uma (dessas coisas) muda. Com
base nisto, sabemos que todas as coisas físicas são transitórias. Oh bom
homem! Todas as faculdades sensitivas dos humanos mudam ao longo
do tempo; suas faculdades sensitivas [‘adhyatman-rupa’] são diferentes
no estágio de kalala [estágio fetal, sete dias após a concepção], na fase
de arbuda [segunda semana], ghana [quarto estágio], pesi [terceira
semana], na gestação, no momento do nascimento, na infância, na ju-
ventude, e até a velhice. Assim se passa com as ‘coisas do mundo obje-
tivo’.

Diferenças são notadas [tornam-se manifestas] em coisas como: brotos,


hastes, galhos, folhas, flores e frutos. Também, além disso, oh bom
homem! A percepção mental também difere. Mudanças ocorrem desde
o tempo do kalala (estágio fetal) até os dias da velhice. A percepção das
coisas objetivas (físicas) também difere. A percepção difere nos estágios
de broto, haste, folha, flor e fruto. A força difere desde o tempo do
kalala até a velhice; forma e aparência diferem desde o tempo do kalala
até a velhice; os resultados (retribuições) do carma diferem desde o
tempo do kalala até os tempos da velhice; o nome difere desde o tem-

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 79


po do kalala até a velhice. As chamadas faculdades sensitivas dos hu-
manos se decompõem, retornam e associam-se [no seu estado anteri-
or]. Sabemos que isto é impermanente. Essas coisas do mundo objetivo
como árvores, quebram e se juntam. Assim, as vemos como imperma-
nentes. Uma coisa surge gradualmente. Então, sabemos que ela não
deve ser eterna. Assim como ela (a vida) emerge gradualmente desde o
tempo do kalala até o tempo da velhice; assim os brotos, frutos e se-
mentes surgem. Então vemos que uma coisa física morre. Dessa forma,
o que vemos é não-eterno.

Diferenças são notadas desde o tempo da morte do kalala até o tempo


da morte do velho, e desde o tempo da morte do broto até o tempo da
morte do fruto. Assim, vemos que o que existe é impermanência. Os
mortais comuns não sabem isto. Como as coisas continuam iguais, eles
concluem e dizem que aquilo que existe é eterno. Por esta razão, Eu
digo não-eterno. Se existe o não-eterno, o que existe é sofrimento. Se
existe sofrimento, isto nada mais é do que o impuro. Oh bom homem!
Quando Kashyapa novamente indagou-me sobre isto, eu já havia res-
pondido [sua questão] naquela ocasião.

Também, além disso, oh bom homem! Todas as coisas são destituídas


do Eu. Oh bom homem! Todas as coisas são físicas e não-físicas. O físico
é não-Eu. Por quê? Porque ele pode ser separado em partes e destruí-
do, espancado e dividido. Porque existe o nascimento, crescimento e
maturidade. O Eu não pode ter separação das partes, destruição, es-
pancamento ou divisão; ele não pode crescer e tornar-se grande. Em
razão disto, sabemos que o que é físico é também não-Eu. Por quê? Em
razão do fato de que ele (o físico) é algo que tem origem nas causas e
condições. Oh bom homem! Os tirthikas podem dizer que deve haver
um Eu porque existe exclusividade do pensamento. Mas a exclusivida-
de, para dizer a verdade, não é da natureza do Eu. Podemos bem pen-
sar que exista o Eu porque podemos pensar exclusivamente. Mas nós

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 80


[somos propensos] a esquecer o que aconteceu no passado. Esse es-
quecimento nos diz que seguramente não há Eu [aqui].

Oh Bom homem! Os tirthikas podem dizer que existe o Eu porque os


humanos lembram. Mas o fato de que humanos não lembram nos diz
que seguramente não existe Eu. Vendo um humano com seis dedos,
indaga-se: ‘Onde eu teria visto algo assim antes?’ Se houvesse um Eu,
como poderíamos indagar isto? Esta indagação indica seguramente que
não existe Eu. Oh bom homem! Os tirthikas podem dizer que existe Eu
em razão do obstáculo [obstrução, limite]. Oh bom homem! Segura-
mente não existe Eu precisamente em razão do obstáculo. Isto é como
dizer que, como Devadatta, até o fim, não pede desculpa, ele não é
Devadatta (o é exatamente porque não pede desculpa). O mesmo se
passa com o Eu. Se existisse definitivamente o Eu, não haveria obstácu-
lo para o Eu. Como o eu é obstruído, podemos saber com segurança
que não existe Eu. Se fosse o caso em que soubéssemos definitivamen-
te da existência do Eu devido ao obstáculo, isto nos levaria à conclusão
de que não poderia haver Eu, pois você agora não tem obstáculo. Oh
bom homem! Se os tirthikas dizem que eles sabem que existe o Eu pela
afinidade e não-afinidade, isto indica que não existe o Eu porque não
existe afinidade. Há casos em que há afinidade na lei [Dharma], como os
casos do Tathagata, do Vazio e da Natureza-de-Buda. O mesmo aconte-
ce com o Eu. Para dizer a verdade, não há nada que seja afim. Portanto,
podemos saber que definitivamente não existe Eu. Também, além dis-
so, oh bom homem! Se os tirthikas dizem que eles sabem da existência
do Eu em razão do nome, deveríamos saber que mesmo no ‘altruísta’
existe o nome [a palavra], como no caso de um homem pobre que pode
ter um nome que significa ‘rico’. Falamos do ‘eu morto’. Se o Eu está
morto, isto equivale a dizer que o Eu mata o Eu. Mas, realmente, o Eu
não pode ser morto. Por enquanto, dizemos ‘eu morto’. Isto é como um
homem baixo sendo chamado de homem alto (o é somente em nome).
Disto, podemos saber que definitivamente não existe Eu.

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 81


Também, além disso, oh bom homem! Todos os tirthikas podem dizer
que como alguém, após o nascimento, busca o leite, existe o Eu. Oh
bom homem! Se existisse o Eu, nenhuma criança pegaria em estrume,
fogo, serpentes ou venenos [isto é, elas saberiam se tratar de coisas
desagradáveis ou perigosas]. Disto, podemos saber que definitivamente
não existe Eu. Também, além disso, oh bom homem! Todos os seres,
nas três fases, têm iguais quotas de conhecimento sobre luxúria, comi-
da, bebida e medo. Assim, não há Eu. Também, além disso, oh bom
homem! Os tirthikas dizem que a partir da fisionomia podemos dizer
que existe o Eu. Mas, por esta razão dizemos que o Eu não existe. Dize-
mos que não existe o Eu porque não existe fisionomia. Quando ador-
mecidos, não podemos andar, parar, deitar com a nossa face para baixo
ou para cima, ver ou piscar, e não podemos saber de sofrimento ou
felicidade. Assim sendo, não pode haver Eu. Se sabemos da existência
do Eu em razão de andar e parar, virar a face para baixo ou para cima,
ou dormir ou piscar; então qualquer máquina (engenho) ou homem de
madeira deveria possuir o Eu.

Oh bom homem! O mesmo é o caso com o Tathagata. Ele não anda,


para, olha para cima ou para baixo, vê ou pisca. Ele não tem sofrimento
ou felicidade, nem cobiça ou ira, nem ignorância e nem ação. O Tatha-
gata assim possui o Eu. Também, além disso, os tirthikas podem dizer
que quando alguém olha uma pessoa comendo alguma fruta, a boca
dessa pessoa saliva e que, portanto, ela possui um Eu. Mas através da
lembrança, também, se saliva. Mas a saliva não é o Eu. Não é alegria,
nem tristeza, nem choro, nem riso, nem cair ou levantar-se, nem estar
com fome, nem estar satisfeito. Disto, alguém pode saber que definiti-
vamente não possui o Eu.

Oh bom homem! Os tirthikas são ignorantes e são como crianças. Eles


não têm os expedientes da Sabedoria. Eles não podem realmente ver o
que se entende por eterno, não-eterno, sofrimento, felicidade, puro,
não-puro, Eu, não-Eu, vida, não-vida, ser, não-ser, real, não-real, o que

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 82


é ou o que não é. Eles compartilham apenas de um pequeno ensina-
mento Budista. Falsamente eles dizem que existe o Eterno, a Felicidade,
o Eu, e a Pureza. Uma pessoa congenitamente cega não sabe com o que
se assemelha a cor do leite. Ela indaga: ‘Com que se parece a cor do
leite’? Outro diz: ‘É tão branco quanto à cor de um casco’. O homem
cego ainda pergunta: ‘A cor do leite é como som de um chifre’? ‘Não’ é
a resposta. ‘A cor do casco é como qual cor’? A resposta vem: ‘É como a
cor do pó de arroz’. O homem cego indaga: ‘A cor do leite é tão suave
quanto o pó de arroz? E com que a cor do pó de arroz se parece’? A
resposta vem: ‘É como neve’. O homem cego diz: ‘O pó de arroz é tão
frio quanto à neve? E como ele é?’ A resposta vem: ‘É como um grou’.
Muito embora esse homem congenitamente cego receba quatro simila-
res na resposta, ele não pode chegar à verdadeira cor do leite. O mes-
mo se passa com os tirthikas. Ao final, eles não podem chegar ao que se
entende por Eterno, Felicidade, Eu, e Pureza. O mesmo é o caso [aqui].
Oh bom homem! Por esta razão, a verdade real repousa no ensinamen-
to Budista. As coisas não se estabelecem assim com os tirthikas.”

Manjushri disse ao Buda: “Oh Raro Honrado pelo Mundo! O Tathagata,


agora em face do Parinirvana, novamente gira a insuperável Roda da
Lei. E, assim, apresenta claramente a ‘Paramartha-satya’.”

O Buda disse a Manjushri: “Por que você particularmente alcança o


pensamento do Nirvana? Oh bom homem! Você pode presumir e pen-
sar que eu sou o Buda e que encontrei a Iluminação Insuperável; que eu
sou o Dharma e que o Dharma é aquilo que eu possuo; que eu sou a Via
e a Via é aquilo que eu possuo; que eu sou o Honrado pelo Mundo e o
Honrado pelo Mundo é o que eu sou; que eu sou o Sravaka e o Sravaka
é o que eu sou; que eu de fato ensino os outros e faço com que os ou-
tros dêem ouvidos a mim; que eu verdadeiramente giro a Roda da Lei e
os outros não podem. O Tathagata não reside em tais presunções. Por-
tanto, o Tathagata não gira a Roda da Lei. Oh bom homem! Pode haver
casos em que as pessoas façam suposições errôneas e digam: ‘O Eu é o

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 83


olho, e o olho é o que o Eu possui. O mesmo acontecendo com o ouvi-
do, nariz, língua, corpo e mente. O Eu é matéria, e matéria é o que o Eu
possui. E isto pode se estender até o dharma. O Eu é a terra, e a terra é
o que o Eu possui. O mesmo se aplicando à água, fogo e vento’.

Oh bom homem! As pessoas podem especular e dizer: ‘O Eu é fé e fé é


o que o Eu possui. O Eu é múltiplo conhecimento e múltiplo conheci-
mento é o que o eu possui. O Eu é danaparamita [doação perfeita] e
danaparamita é o que o Eu possui. O Eu é shilaparamita [preceitos mo-
rais perfeitos] e shilaparamita é o que o Eu possui. O Eu é ksantiparami-
ta [paciência perfeita] e ksantiparamita é o que o Eu possui. O Eu é vir-
yaparamita [esforço perfeito] e viryaparamita é o que o Eu possui. O Eu
é dhyanaparamita [meditação perfeita] e dhyanaparamita é o que o Eu
possui. O Eu é prajnaparamita [Sabedoria perfeita] e prajnaparamita é o
que o Eu possui. O Eu é catvarismrtyupasthana [concentração, atenção]
e catvarismrtyupasthana é o que o Eu possui. O mesmo se passando
com os quatro esforços corretos, as quatro determinações, os cinco
sentidos orgânicos, os cinco poderes, os sete elementos da Iluminação,
e o Nobre Caminho Óctuplo’. Oh bom homem! O Tathagata, até o fim,
não faz tais suposições. Portanto, o Tathagata não gira a Roda da Lei.
Oh bom homem! Se dizemos que ele é eterno e imutável, como poderí-
amos dizer que a Natureza-de-Buda gira a Roda da Lei? Portanto, não
deveríamos dizer: ‘O Tathagata agora gira a Roda da Lei’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 84


O Impresumível Giro da Roda da Lei

Oh bom homem! Por exemplo, existe uma situação onde obtemos a


consciência visual através da combinação harmoniosa dos olhos, cores,
luz e pensamento. Oh bom homem! O olho não pensa: ‘Eu farei a cons-
ciência surgir’. Desde a cor, até o pensamento, nunca dizem: ‘Eu farei a
consciência visual surgir’. Nem a consciência diz: ‘Eu surgirei por mim
mesma’. Oh bom homem! Essa harmonização das relações causais das
leis [isto é, dos dharmas] é drsti [visão]. Oh bom homem! O mesmo é o
caso com o Tathagata. Através da combinação harmoniosa das relações
causais dos seis paramitas, obtemos drsti [visão]. Oh bom homem! É o
mesmo com o Tathagata. Ele perscruta as profundezas de todas as coi-
sas por meio dos seis paramitas e os 37 elementos concernentes à Ilu-
minação. Também, a isto chamamos de giro da Roda-da-Lei, na medida
em que ele (o Tathagata), usando a garganta, a língua, os dentes, os
lábios e a boca, e através da fala e da voz, falasse do Dharma para
Kaundinya e os outros. Este é o porquê não se diz que o Tathagata gira
a Roda-da-Lei. Oh bom homem! Aquilo que não é girado é Dharma,
Dharma é o Tathagata. Oh bom homem! Através do uso do sílex (pe-
derneira), por meio do atrito, por meio do uso das mãos, usando o ca-
pim seco do outono, obtemos o fogo. Mas o sílex não diz: ‘Eu fiz o fogo
surgir’. O atrito, as mãos e o capim seco também não pensam: ‘Eu fiz o
fogo surgir’. Nem o fogo diz: ‘Eu surgirei por mim mesmo’. O mesmo se
passa com o Tathagata. Desde os seis paramitas, até a fala para Kaun-
dinya, ai ocorre o giro da Roda-da-Lei. Mas o Tathagata, também, não
pensa e diz: ‘Eu giro a Roda-da-Lei’. Oh bom homem! Falamos do ‘não-
advento’ [não-surgimento, não-ação]. Este é o correto giro da Roda-da-
Lei. Este giro da Roda-da-Lei é o Tathagata.

Oh bom homem! Um exemplo: a partir da nata, da água, da batedeira,


de um pote e das mãos de uma pessoa a bater, obtemos a manteiga. A
nata não pensa para si: ‘Eu virarei manteiga’. Nem mesmo a mão da
pessoa pensa para si: ‘Eu farei manteiga’. E a manteiga, também, não

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 85


pensa para si: ‘Surgirei por mim mesma’. Por meio da ocorrência con-
junta de várias relações causais, a manteiga vem a ser. O mesmo se
passa com o Tathagata. Ele não pensa e diz: ‘Girarei a Roda-da-Lei’. Oh
bom homem! Esse não-advento [não-deliberação das nossas ações;
espontaneidade] é senão o giro da Roda-da-Lei. Esse giro da Roda-da-
Lei é em si (e ao mesmo tempo) o Tathagata.

Oh bom homem! Através da combinação de coisas tais como corpo


(semente), terra, água, fogo, vento, a fertilidade do solo e a estação, um
broto (rebento) surge. Oh bom homem! A semente também não diz:
‘Eu evocarei o broto’. Nem o trabalho (o agricultor) em si pensa e diz:
‘Eu evocarei o broto’. Nem o broto diz: ‘Eu surgirei’. O mesmo é o caso
com o Tathagata. Até o fim, ele não pensa e diz: ‘Eu faço girar a Roda-
da-Lei’. Esse giro da Roda-da-Lei [‘Dharmacakra-pravartana’] é o Tatha-
gata.

Oh bom homem! Como um exemplo: através da conjunção de um tam-


bor, do vazio, do couro e de uma baqueta, obtemos o som de um tam-
bor. O tambor não pensa e diz: ‘Eu evocarei o som’. O mesmo acontece
com a baqueta. Nem o som diz: ‘Surgirei’. Oh bom homem! O mesmo se
passa com o Tathagata. Até o fim, ele não pensa e diz: ‘Eu giro a Roda-
da-Lei’. Oh bom homem! Giro da Roda-da-Lei significa ‘não-feito’. Não-
feito é o giro da Roda-da-Lei. O giro da Roda-da-Lei é o Tathagata.

Oh bom homem! Giro da Roda-da-Lei é o que acontece no mundo de


todos os Budas-Honrados-pelo-Mundo. Não é algo que possa ser com-
preendido por Sravakas e Pratyekabudas. Oh bom homem! O espaço
não é ser-nascido, nem surgido, nem-feito, nem construído, e nem o
que é criado. O mesmo se passa com o Tathagata. Ele não é ser-nascido,
nem surgido, nem construído, e nem o que é criado. Assim como para a
natureza do Tathagata, é a Natureza-de-Buda. Ela não é um ser-nascido,
nem surgido, nem feito, nem construído, e nem o que é criado.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 86


Oh bom homem! Naquilo que o Buda-Honrado-pelo-Mundo diz existem
dois tipos [de categorias]. Uma é do mundo mundano, e a outra do
mundo supramundano. Oh bom homem! Para o benefício de Sravakas e
Pratyekabudas, o Tathagata fala sobre o que é mundano. Para o benefí-
cio dos Bodhisattvas, ele fala sobre o que é supramundano. Oh bom
homem! Nesta grande congregação, existem dois tipos [de pessoas].
Um é a pessoa que busca o veículo menor, e o outro é aquela [pessoa]
busca o grande veículo. Em tempos passados, em Varanasi, eu girei a
Roda da Lei para todos os Sravakas, e aqui, em Kushinagar, eu girei a
grande [Roda da Lei] para Bodhisattvas. Também, além disso, oh bom
homem! Existem ainda dois tipos de pessoas, os quais são: 1) de grau
médio e 2) de grau superior. Para aqueles de grau médio, eu girei a
Roda da Lei em Varanasi. E para aqueles de grau superior, para o ele-
fante-rei, para o Bodhisattva Kashyapa e outros, eu agora, aqui, em
Kushinagar, giro a Roda do Grande Veículo da Lei (Dharma). Para aque-
les de grau inferior, o Tathagata, até o fim, não gira a Roda da Lei. O de
grau inferior é o icchantika. Também, além disso, oh bom homem! Exis-
tem dois tipos de pessoas que buscam os ensinamentos Budistas. Um é
aquele que empreende esforços medianos, e o outro é a pessoa que
empreende esforços superiores. Em Varanasi, eu girei a Roda da Lei
para o benefício daqueles de grau médio (nos esforços), e aqui neste
castelo eu giro a Grande Roda da Lei para aqueles de grau superior (nos
esforços). Também, além disso, oh bom homem! Em tempos passados,
em Varanasi, quando primeiramente girei a Roda da Lei, 8.000 devas
atingiram o nível do Srotapanna; e aqui neste castelo, 800.000 atingirão
a Iluminação Insuperável e não retroagirão. Também, além disso, oh
bom homem! Em Varanasni, o Grande Brahma caiu de joelhos e implo-
rou-me que girasse a Roda da Lei. Agora, aqui neste castelo, o Bodhi-
sattva Kashyapa cai de joelhos, implorando-me que gire a Roda da Lei.
Também, além disso, oh bom homem! ‘Quando em tempos passados
eu girei a Roda da Lei, eu falei do não-eterno, do sofrimento, do Vazio, e
do altruísmo. Agora, aqui neste castelo, eu giro a Roda da Lei e falo do
Eterno, da Felicidade, do Eu e da Pureza tão verdadeiramente quanto

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 87


possa ser’. Também, além disso, oh bom homem! Quando eu girei a
Roda da Lei no passado em Varanasi, minha voz alcançou (os céus)
Brahma. Agora, quando o Tathagata gira a Roda da Lei aqui em Kushi-
nagar, minha voz alcança e preenche todas as terras Búdicas ao leste,
cujo número é tão grande quanto às areias de 20 Rios Ganges. O mes-
mo se aplicando às terras ao sul, oeste e norte.

Também, além disso, oh bom homem! O Buda-Honrado-pelo-Mundo


fala do Dharma. Em todos os casos, dizemos que ele gira a Roda da Lei.
Oh bom homem! É exatamente como a chakratana [Roda do Tesouro]
do Chakravartin subjuga completamente aqueles que ainda não estão
sob sua bandeira e leva a paz àqueles já subjugados. Oh bom homem!
Assim se dá com a deliberação de sermões por todos os Budas-
Honrados-pelo-Mundo. As incontáveis impurezas (daqueles) ainda não
subjugados serão conquistadas, e a raiz da benevolência brotará em
meio àqueles já conquistados. Por exemplo, oh bom homem! É exata-
mente como a chakratana do Chakravartin verdadeiramente acaba com
todos os ladrões inimigos. O mesmo acontece com os sermões do Ta-
thagata. Eles subjugam completamente todas as impurezas hostis, e a
paz reina. Também, além disso, oh bom homem! É semelhante à cha-
kratana do Chakravartin, que gira para cima e para baixo. O mesmo se
passa com os sermões do Tathagata. Eles de fato fazem com que as
pessoas dos mundos inferiores se elevem e ganhem o renascimento nos
mundos dos humanos, dos seres celestiais, ou ascendam ao mundo do
Buda. Oh bom homem! Este é o porquê você não deveria expressar
elogios, dizendo: ‘O Tathagata agora, aqui, gira novamente a Roda da
Lei’.”

Então Manjushri disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Não é que
eu não saiba isto. Foi meramente para o benefício dos seres que eu
coloquei essa questão. Oh Honrado pelo Mundo! Eu tenho vasto conhe-
cimento disto. O giro da Roda da Lei é verdadeiramente o que se obtém

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 88


no mundo de todos os Budas-Tathagatas, e isto é algo que não pode ser
atingido por Sravakas e Pratyekabudas.”

Então o Honrado pelo Mundo disse ao Bodhisattva Kashyapa: “Oh bom


homem! Este é o porquê dizemos que um Bodhisattva reside nos ensi-
namentos do Sutra Mahayana do Grande Nirvana e realiza ações sagra-
das.”

Ações Sagradas

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


que dizemos ‘ação sagrada’?”

(O Buda disse): “Oh bom homem! ‘Sagrado’ refere-se ao Buda-


Tathagata. Portanto, dizemos ‘ação sagrada’.”

(Kashyapa disse): “Oh Honrado pelo Mundo! Se isto se refere aos tra-
balhos de todos os Budas, então não está ao alcance da prática dos
Sravakas, Pratyekabudas e Bodhisattvas.”

(O Buda disse): “Oh bom homem! O Buda-Honrado-pelo-Mundo reside


no Mahaparinirvana e assim descerra, discrimina e explana o significa-
do. Por esta razão, dizemos ‘ação sagrada’. Os Sravakas, Pratyekabudas
e Bodhisattvas, tão logo ouçam [as palavras do Buda], praticarão em
conformidade. Portanto, (praticarão) ‘ações sagradas’. Oh bom homem!
Tão logo esse Bodhisattva-Mahasattva tenha feito esse trabalho (ação),
ele atinge o estágio de destemor. Oh bom homem! Se um Bodhisattva
atinge o estágio de destemor, ele então não teme (mais) a cobiça, a ira,
a ignorância, o nascimento, a velhice, a doença e a morte. Também, ele
não teme os domínios do infortúnio do inferno, dos espíritos famintos e
dos animais.

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 89


Oh bom homem! Existem dois tipos de maldades. Um é do asura, e o
outro é do humano. Dos humanos, há três tipos que são: 1) do icchanti-
ka, 2) da calúnia aos sutras Vaipulya, e 3) das quatro graves ofensas
[para um Monge: matar, roubar, conduta sexual imprópria, e mentir].
Oh bom homem! Todos os Bodhisattvas desse estágio não têm medo de
cair no inferno. Eles também não temem Shramanas, Brâmanes, tirthi-
kas, os mal-intencionados e os Marapapyias; também, não temem os
seres nascidos nas 25 existências. Este é o porquê esse estágio é cha-
mado de destemor.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva reside no solo do deste-


mor. Ele obtém 25 Samadhis e quebra [destrói, liberta-se das, acaba
com] as 25 existências. Oh bom homem! Quando ele atinge o Samadhi
da Não-Impureza, ele acaba com a existência no inferno. Ganhando o
Samadhi da Não-Retroatividade, ele acaba com a existência como um
animal. Ganhando o Samadhi da Mente-Deleitada (abençoada), ele
acaba com a existência como um espírito faminto. Ganhando o Samadhi
da Alegria-Plena, ele subjuga a existência como um asura. Ganhando o
Samadhi da Luz do Sol, ele destrói a existência no Aparagodaniya. Ga-
nhando o Samadhi da Chama-Ardente, ele acaba com a existência no
Uttarakuru. Ganhando o Samadhi Fantasma, ele acaba com a existência
no Jambudvipa. Ganhando o Samadhi da Imobilidade de Todas as Coi-
sas, ele acaba com a existência nos quatro céus. Ganhando o Samadhi
do Invencível, ele acaba com a existência no Céu Trayastrimsa. Ganhan-
do o Samadhi da Boa-Vontade, ele subjuga a existência no Céu Yama.
Ganhando o Samadhi da Cor-Azul, ele acaba com a existência no Céu
Tushita. Ganhando o Samadhi da Cor-Amarela, ele destrói a existência
no Céu Nirmanarati, Ganhando o Samadhi da Cor-Vermelha, ele subjuga
a existência no Céu Paranirmitavasavartin. Ganhando o Samadhi da Cor-
Branca, ele acaba com a existência no Céu do Primeiro-Dhyana. Ga-
nhando o Samadhi Variado, ele acaba com a existência como um Gran-
de Brahma. Ganhando o Samadhi Gêmeo, ele destrói a existência no
Segundo-Dhyana. Ganhando o Samadhi do Som-do-Trovão, ele destrói

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 90


o Terceiro-Dhyana. Ganhando o Samadhi da Chuva, ele acaba com o
Quarto-Dhyana. Ganhando o Samadhi da Vacuidade (akasha), ele acaba
com a existência no Céu Avrha (primeiro dos sete céus Rupadhatu per-
tencentes ao chamado Brahmaloka). Ganhando o Samadhi do Espelho-
Brilhante, ele acaba com as existências no Céu Suddhavasa e do Ana-
gamim. Ganhando o Samadhi do Desimpedimento / Desobstrução (Não-
Impedimento / Não-Obstrução), ele destrói a existência no Céu Akasha-
nantayatana (primeiro dos céus Arupadhatu). Ganhando o Samadhi da
Eternidade, ele acaba com a existência no Céu Vijnananantayatana.
Ganhando o Samadhi da Bênção (Felicidade), ele subjuga (a existência
no Céu) Akincanyayatana. Ganhando o Samadhi do Eu, ele acaba com (a
existência no Céu) Naivasamjnanasamjnayatana. Oh bom homem! Isto
é como nós dizemos que um Bodhisattva, ganhando os 25 Samadhis,
destrói as 25 existências. Oh bom homem! Esses 25 Samadhis são cha-
mados Reis de Todos os Samadhis.

Oh bom homem! Se o Bodhisattva-Mahasattva ganha os Reis de Todos


os Samadhis e deseja demolir ou esmagar o Monte Sumeru, ele pode
fazê-lo como desejar. Se ele deseja saber o que as mentes dos seres dos
três mil grandes sistemas de mil mundos estão pensando, ele pode fa-
zê-lo como desejar. Se ele deseja colocar os seres dos três mil grandes
sistemas de mil mundos nos poros de sua pele, ele pode de fato fazê-lo
como desejar. E ele pode fazê-lo sem que os seres tenham qualquer
sensação de constrição. Se ele deseja transformar inumeráveis seres e
preencher os três mil grandes sistemas de mil mundos, ele pode fazê-lo
como desejar. Ele pode facilmente transformar um corpo em muitos, e
muitos (corpos) em um. Embora ele possa fazer isto, ele não se apega
àquilo. Isto é como o caso da Flor de Lótus.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, tendo assim penetrado o


Samadhi [Rei], pode ir a qualquer lugar. O Bodhisattva, residindo neste
estado ilimitado, ganha poder ilimitado e pode estar onde quer que
deseje estar. Oh bom homem! Por exemplo, isto é como um Chakravar-

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 91


tin que, tendo conquistado os quatro continentes, nada encontra que o
obstrua e pode agir como bem entender. Se um Bodhisattva-
Mahasattva vê algum ser no inferno que possa ser ensinado e converti-
do a fazer o bem, ele pode imediatamente ir para lá. O Bodhisattva não
é nascido originalmente como um resultado do carma, mas ganha o
solo ilimitado através das relações causais dos seres assim nascidos. Oh
bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, mesmo embora no inferno,
não sofre as dores de ser queimado ou cortado. Oh bom homem! É
difícil explicar completamente todas as virtudes que o Bodhisattva-
Mahasattva cultivou dentro de si, que são tão inumeráveis e ilimitadas
quanto centenas de milhares de milhões de bilhões. E como podería-
mos explicar as virtudes de todos os Budas?”

As Virtudes do Grande Nirvana

Então, em meio àqueles lá congregados, havia um Bodhisattva cujo


nome era ‘Rei-Que-Reside-No-Repositório-Imaculado’. Ele havia alcan-
çado grande virtude e possuía poder divino, grandes Dharanis, e era
pleno no Samadhi e no destemor. Ele levantou-se, descobriu seu ombro
direito, colocou seu joelho direito no chão, prostrou-se e disse ao Buda:
“Oh Honrado pelo Mundo! Como você, o Buda, diz, as virtudes e Sabe-
doria alcançadas por todos os Budas e Bodhisattvas são tão inumeráveis
quanto centenas de milhares de milhões de bilhões. É impossível expli-
cá-las. Penso para mim que nada possa superar este Sutra Mahayana.
Por que não? Porque através do poder desse Sutra Mahayana Vaipulya,
aparece o Buda-Honrado-pelo-Mundo e a Iluminação Insuperável.”

Então o Buda o elogiou e disse: “Bem falado, bem falado! Oh bom ho-
mem! É assim, é assim! É como você diz. Todos os inumeráveis Sutras
Mahayana Vaipulya abrangem inumeráveis virtudes. Mas comparados
com este, a semelhança desaparece. Ela [a virtude deste sutra] excede
[a virtude dos outros sutras em] mais que 100 vezes, mais que 1.000

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 92


vezes, mais que 100.000, milhões de vezes, e nenhum número pode
expressá-la. Oh bom homem! Por exemplo, uma vaca produz leite, o
leite produz a nata, a nata produz manteiga fresca, a manteiga fresca
produz manteiga refinada, e a manteiga refinada produz sarpirmanda.
Sarpirmanda é o melhor. Quando ele é tomado, todas as doenças su-
cumbem. Todos os remédios estão contidos neste (sarpirmanda). Oh
bom homem! O mesmo se passa com o Buda. Do Buda vêm os 12 tipos
de escrituras. Dos 12 tipos de escrituras vêm os sutras. Dos sutras vêm
os Sutras Vaipulya. Dos Sutras Vaipulya surge o Prajnaparamita [sutras
da Sabedoria Perfeita], e do Prajnaparamita vem o Grande Nirvana. O
caso é como aquele do sarpirmanda. Assim, o sarpirmanda pode ser
bem comparado à Natureza-de-Buda. A Natureza-de-Buda é o Tathaga-
ta. Oh bom homem! Por esta razão, eu digo que as virtudes do Tathaga-
ta são imensuráveis. Elas estão para além dos números.”

O Voto de Kashyapa

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Vo-


cê, o Buda, diz: ‘O Sutra do Grande Nirvana é como sarpirmanda e é o
melhor. Quando o recebemos, ele cura todas as doenças. Todos os re-
médios estão contidos nele’. Ouvindo isto, penso para mim mesmo: ‘Se
alguma pessoa não puder ouvir este sutra, tal pessoa será o maior dos
ignorantes e não terá bons pensamentos’. Oh Honrado pelo Mundo!
Agora arrancarei minha pele e a transformarei em papel; tirarei o meu
sangue e o transformarei em tinta; tirarei água da minha medula; que-
brarei um osso para tê-lo como uma pena; e com todas essas coisas
copiarei o Sutra do Grande Nirvana. Tendo copiado, o lerei e o recitarei,
compreendendo-o bem, e então, mais tarde, pacientemente o exporei
para os outros. Oh Honrado pelo Mundo! Se os seres estiverem mor-
rendo em busca da riqueza, apresentá-lo-ei, e posteriormente lhes re-
comendarei possuir esse Sutra do Nirvana e lê-lo. Com nobreza, usarei
palavras amáveis, os seguirei e, mais tarde, gradativamente, lhes reco-

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 93


mendarei esse Sutra Mahayana do Grande Nirvana, e lhes darei para lê-
lo. Com o tolo, usarei da força para que o leia; com o arrogante, me
tornarei seu servente, cumprirei a sua vontade, alegrá-lo-ei, e então o
guiarei rumo ao Sutra do Grande Nirvana. Se houver alguém que calu-
nie o Mahayana Vaipulya, emagá-lo-ei e, após tê-lo subjugado, lhe re-
comendarei possuir este Sutra do Grande Nirvana e lê-lo. A quaisquer
pessoas que amem os Sutras Mahayana, prestarei homenagens, lhes
farei oferecimentos, as respeitarei e as elogiarei.”

Então o Buda elogiou o Bodhisattva Kashyapa: “Bem dito, bem dito!


Você ama demais [este] Sutra Mahayana. Você o almeja, você ama o
Sutra Mahayana, você o compreende, acredita nele e o respeita, e faz-
lhe oferecimentos. Oh bom homem! Através das relações causais dos
bons pensamentos (em relação a este sutra), você se colocará acima de
Bodhisattvas cujo número é tão incontável e tão ilimitado quanto às
areias do Rio Ganges, e atingirá a Iluminação Insuperável. Em breve,
você também, como eu, para o benefício dos seres, exporá o Grande
Nirvana, o Tathagata, a Natureza-de-Buda, e todos os ensinamentos
secretos de todos os Budas. Oh bom homem! Em tempos passados,
quando o sol do Buda ainda não havia surgido, eu nasci como um Brâ-
mane e pratiquei a Via do Bodhisattva. Eu era versado em todos os su-
tras e nas escrituras dos tirthikas, e pratiquei a Via da extinção tranqui-
la. E eu era correto na minha conduta. Minha mente era pura. Mesmo
que outros viessem e instigassem-me, eu não era atacado. Tendo re-
nunciado ao fogo da ira, eu protegi a lei do Eterno, do Êxtase (Felicida-
de, Bênção), do Eu e da Pureza. Eu procurei e olhei para os sutras Ma-
hayana, mas ainda não havia ouvido o nome do Vaipulya. Naquela oca-
sião, eu vivia nos Himalayas. As montanhas eram puras; havia a plenitu-
de dos rios correntes, lagos, florestas, e árvores medicinais ao redor.
Aqui e acolá, entre as rochas, corriam límpidos riachos; belas flores
adornavam toda parte. Havia inumeráveis pássaros e animais. Doces
eram as frutas e incontáveis as suas variedades. Também, havia raízes
do lótus, raízes doces, árvores azuis, e raízes fragrantes. Naquela ocasi-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 94


ão, eu vivia apenas de frutas. Após alimentar-me de frutas, eu concen-
trava a minha mente e sentava em meditação. Passou um imensurável
longo tempo, mas eu nunca ouvi sobre o aparecimento do Tathagata ou
dos Sutras Mahayana. Oh bom homem! Pratiquei a Via assim superando
todas as dificuldades, e o Shakradevanam (Shakra Devanan Indra) e
todos os devas indagaram sobre a minha prática da Via. Todos eles con-
gregaram-se e falaram uns aos outros, dizendo num gatha (verso):

‘Cada um de nós aponta e diz


que nesta parte pura dos Himalayas
lá vive um mestre, solitário e apartado de toda a cobiça,
rei de todas as virtudes.

Ele já está removido


da ganância, da ira e da arrogância;
de há muito ele acabou
com a lisonja e a ignorância.

Sua boca não fala


o que é grosseiro ou mal.’

Naquela ocasião, havia um deva em meio aos presentes, cujo nome era
‘Alegria’, e que também disse um gatha (verso):

‘Alguém como este, que está apartado da ganância,


é puro e faz esforços.
Não é essa pessoa alguém que olha para o Shakra [líder dos deuses] ou
para os devas?
Se essa pessoa é alguém que busca a Via,
esse alguém sofrerá penitência.
Essa pessoa desejará ganhar
o lugar onde o Shakra senta.’

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 95


A Admoestação do Shakra Devanam Indra

Naquela ocasião, havia um Rishi que falou ao Shakra em um gatha:

‘Oh Kausika [isto é, Shakra], mestre do céu!


Não concebo as coisas dessa maneira.
Os tirthikas sofrem penitência.
Por que eles necessariamente
precisam buscar o lugar onde o Shakra vive?

Falando assim, ele também disse: ‘Oh Kausika! Existe uma grande pes-
soa aqui que, para o benefício dos seres, não concebe coisas para o seu
próprio bem. Para beneficiar os seres, ele pratica penitência de inume-
ráveis maneiras. Essa pessoa vê no mundo do nascimento e da morte
todos os tipos de erros, de tal maneira que ela não almeja qualquer
tesouro, mesmo que esse tesouro preencha toda a terra, todas as mon-
tanhas e grandes mares. Ele vê todas essas coisas como sendo iguais a
lágrimas e saliva. Essa grande pessoa dá seus tesouros, sua esposa e
filhos, a quem ele ama, sua cabeça, olhos, tutano, mãos, pés, a casa
onde vive, seus elefantes e cavalos, seu veículo, seus serventes e pajens
homens ou mulheres; e não deseja nascer no céu. O que ele deseja é
unicamente ganhar plena felicidade. O que é evidente para mim é que
essa grande pessoa é pura, não tem impurezas; ele acabou com todos
os laços das ‘asravas’ [impurezas, manchas, ‘afluxo’ de pensamentos e
emoções insalubres]. Possivelmente ele esteja em direção ao insuperá-
vel Bodhi’.

Shakradevanamindra disse: ‘O que você diz parece se referir a alguém


que deseja salvar todos os seres do mundo. Oh grande sábio! Se (ele)
houver de ser uma árvore Bodhi neste mundo, ele erradicará todas as
serpentes das ilusões do Brahma, de todos os seres do mundo, e de
todos os asuras. Se os seres viverem sob a sombra fresca dessa árvore
Bodhi, todos os venenos se afastarão. Oh grande Rishi! Se essa pessoa,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 96


nos dias a vir, tornar-se um Sugata [Buda], todos nós seremos capazes
de extinguir os inumeráveis fogos ardentes das ilusões. Tal coisa é difícil
de compreender. Por quê? Inumeráveis seres ganham o insuperável
Bodhichitta [decisão pela Iluminação], mas como as suas relações cau-
sais [para isto] são escassas, o Bodhichitta é destruído. Isto é como a lua
refletida na água, a qual se move se a água move, ou é tão difícil quanto
tentar desenhar uma pintura na água, a qual facilmente se desvanecerá.
O mesmo se passa com o Bodhichitta. É difícil atingi-lo e ele facilmente
se despedaça. Oh grande Rishi! Existem muitas pessoas vestidas em
armaduras e com armas, que avançam para vencer o inimigo. Mas se a
mente sentir medo enquanto no campo de batalha, aquela pessoa é
forçada a voltar atrás. É o que se passa com todos os seres. Uma pessoa
pode estar fortemente armada com o Bodhichitta, e pode estar ador-
nada com ele. Mas ao ver as obras do nascimento e da morte, a mente
sente medo, no que a pessoa tem que recuar. Oh grande Rishi! Tenho
visto as mentes de inumeráveis seres sendo desmanchadas e abaladas
após ganharem o Bodhichitta [inicial]. Por esta razão, embora eu veja
agora a intenção dessa pessoa mediante a penitência, embora ele não
tenha preocupações ou ansiedade, e embora num caminho precipitoso
sua busca seja pura, eu ainda não acredito nele. Eu agora irei e verei por
mim mesmo se decididamente ele é digno de carregar o pesado fardo
da Iluminação Insuperável. Oh Rishi! É como uma carroça que, se tem
duas rodas, pode suportar bem o peso; ou como um pássaro que, se
possui duas asas, pode de fato voar. Será o mesmo com essa pessoa
que está praticando penitência. Agora, ele pretende manter os precei-
tos proibitivos, mas não sei se essa pessoa possui profunda Sabedoria.
Se ele a possui, realmente estará apto a carregar o grande peso da Ilu-
minação Insuperável. Oh grande Rishi! Por exemplo, um peixe pode ter
muitos ovos, mas somente alguns poucos peixes emergirão deles. A
mangueira tem muitas flores, mas os frutos são em pequeno número.
Muitas são as pessoas que aspiram à Iluminação, mas são tão poucos os
que atingem aquele objetivo que nem vale a pena mencionar. Oh gran-
de Rishi! Irei junto com você e verei eu mesmo como fica a questão. Por

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 97


exemplo, oh grande Rishi! Pode-se distinguir o ouro verdadeiro median-
te três tipos de teste, que são: a queima, a forja e o polimento. Essa
deve ser a maneira de testar a penitência’.

A Doutrina do Todo-Vazio

Então Shakradevanamindra se transformou num rakshasa [demônio


devorador de carne] que era muito temeroso de ver. Ele desceu aos
Himalayas. E ficou ali, não muito longe. Naquela ocasião, o rakshasa não
tinha medo em sua mente; ele parecia corajoso, nada comparável a ele.
Sua oratória estava em ordem, com sua voz clara. Ele falou metade de
um gatha dos Budas pretéritos:

‘Todas as coisas mudam.


Esta é a lei do nascimento e da morte’.

Assim falando, ele postou-se diante da pessoa. Ele a olhou muito assus-
tadoramente, e olhou tudo ao redor dela. A pessoa que estava prati-
cando penitência ouviu essas [palavras] e ficou feliz. Foi como um mer-
cador que, enquanto viajando num caminho difícil através da escuridão
da noite e perdendo de vista seus companheiros, ficasse cheio de me-
do, mas quando se encontrou com seus camaradas novamente, sentiu
uma alegria sem fim; ou foi como uma pessoa que há muito tivesse uma
doença, sem encontrar um bom médico, um bom tratamento ou bom
remédio, e que mais tarde encontrou tudo isso; ou foi como uma pes-
soa que caindo nas águas no mar, subitamente encontrasse um bote;
ou como uma pessoa sedenta que encontrasse água; ou como uma
pessoa que está sendo perseguida por um inimigo, e que subitamente
escapa; ou como uma pessoa que há longo tempo encontra-se encarce-
rada numa prisão, e que subitamente obtém a liberdade; ou foi como
um agricultor que encontra a chuva durante os dias de seca; ou como
um viajante que retorna ao lar novamente, e aquelas pessoas em casa

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 98


ficam radiantes. Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, ouvi essa meta-
de de um gatha (verso) e fiquei igualmente alegre. Eu imediatamente
saltei do meu assento, levantei meus cabelos com minhas mãos, olhei
ao meu redor e disse: ‘De quem foi aquele gatha que eu ouvi precisa-
mente agora?’

Naquela ocasião, conforme olhei ao redor, não vi ninguém exceto um


rakshasa. Eu disse: ‘Quem é que assim abre o portal da emancipação e
assim troveja a voz de todos os Budas? Quem é que, em meio ao sono
do nascimento e da morte, desperta sozinho e expressa essas palavras?
Quem é que mostra aos seres - enfrentando o nascimento, a morte e o
flagelo da fome – essa Via insuperável? Inumeráveis seres debatem-se
no mar do nascimento e da morte. E quem é que se tornará um grande
mestre marinheiro? Todos esses seres estão sempre fortemente aco-
metidos pelas doenças dos ‘asvaras’. Quem é que é capaz de tornar-se o
melhor dos médicos? Essa metade de um gatha me ensina, abre e des-
perta a minha mente. É como quando a meia-lua faz com que o lótus
abra as suas pétalas’. Então, oh bom homem, eu via nada mais que um
rakshasa. Também, pensei assim: ‘O rakshasa falou este gatha?’ Nova-
mente eu duvidei: ‘Talvez ele não o tenha dito. Por que não? A aparên-
cia desse homem é verdadeiramente assustadora. Qualquer um que
ouvisse esse gatha acabaria com todos os temores e com a fealdade.
Como poderia um homem como este, que parece tão feio, proferir um
gatha como este? Um lótus não pode surgir do fogo; não pode haver
água fria onde a luz do sol incide’.

Oh bom homem! Então eu disse para mim mesmo: ‘Agora sou um igno-
rante. Esse rakshasa pode ter visto todos os Budas no passado. Vendo-
os, ele pode ter tido uma chance de ouvir essa metade de um gatha. Eu
o indagarei’. Dirigindo-me para onde ele se encontrava, eu disse: ‘Bem
oh grande! Onde você obteve essa metade de um gatha do Destemido
(Buda) do passado? Oh grande! Onde você obteve essa metade de um
cintamani [jóia da satisfação dos desejos] de um gatha? Oh grande! Essa

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 99


metade de um gatha é o caminho correto de todos os Budas-Honrados-
pelo-Mundo do passado, do presente, e do futuro. Os inumeráveis seres
do mundo estão sempre obscurecidos por todas as ações errôneas, e ao
longo de toda a vida eles permanecem em meio aos ensinamentos dos
tirthikas e não têm a chance de ouvir as palavras supramundanas ditas
pelo Herói do Mundo [Buda], que é possuidor dos dez poderes’.

Oh bom homem! Quando eu assim indaguei, a resposta veio: ‘Oh gran-


de Brâmane! Não pergunte a mim o significado disto. Por que não? Eu
não como nada há dias. Eu já olhei tudo ao redor, mas não posso en-
contrar algo para comer. Devido à sede, à fome e à preocupação, minha
mente está confusa e minhas palavras não vêm na ordem. Minha mente
em si não sabe [o que é o que]. Voei através dos céus. Fui para o Utta-
rakuru, para o céu, e para todos os outros lugares, mas não obtive co-
mida em nenhum lugar. Portanto, falo assim’.

Oh bom homem! Eu então disse ao rakshasa: ‘Oh grande! Se você me


falar sobre esse gatha, serei seu discípulo até o fim da minha vida. Oh
grande! O (gatha) que você falou não estava inteiro e, portanto, o signi-
ficado não estava completo. Por que você não quer falar? Ora, existe
um fim para toda a riqueza, mas não existe um fim para o dana [doa-
ção] do Dharma. A doação do Dharma não conhece um fim. O benefício
auferido é grande. Agora que eu ouvi essa metade do gatha, minha
mente está surpresa, e eu também tenho dúvida. Ora, facilite meu pen-
samento! Se você completar esse gatha, serei seu discípulo até o fim
dos meus dias’.

O rakshasa respondeu: ‘Eu penetrei profundamente a Sabedoria. Você


se preocupa apenas consigo mesmo e não alcança o significado. Eu ago-
ra me encontro oprimido pela fome. Não posso continuar a falar’.

Eu indaguei: ‘O que você come?’

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 100


O rakshasa respondeu: ‘Não pergunte. Se eu disser, as pessoas ficarão
assustadas’.

Eu ainda disse: ‘Eu vivo só, não há ninguém mais aqui. Agora, não estou
com medo de você. Por que você não dirá?’

O rakshasa disse: ‘O que eu como é carne humana fresca; o que eu be-


bo é sangue quente dos humanos. É um infeliz destino o meu, que te-
nho que sustentar a minha vida dessa maneira. Olho em toda a volta,
mas não posso obter nenhuma dessas coisas. Existem muitos homens
no mundo. Mas todos possuem virtudes; todos são protegidos pelos
céus. Ademais, não tenho força e não posso matar’.

Oh bom homem! Eu ainda disse: ‘Diga-me o significado completo do


gatha. Após ouvi-lo, lhe oferecerei meu corpo. Oh grande! Eu posso
morrer, mas esse meu corpo não é de utilidade para mim. Ele poderia
ser devorado por um tigre, lobo, coruja ou águia, sem que meu ser fos-
se abençoado com uma quantidade de cabelo ao meu lado. Eu agora
estou na intenção da Iluminação Insuperável. Descartarei um corpo que
não é duro o suficiente, e pretendo trocá-lo por um (corpo) indestrutí-
vel’.

O rakshasa respondeu: ‘Quem acreditaria no que você diz? Abandonar o


corpo amado para o benefício das oito palavras [isto é, as 11 palavras
finais do poema em português]?’

Oh bom homem! Eu respondi: ‘Você realmente é ignorante. Coloque-se


no meu lugar. Seria como dar um vaso de cerâmica em troca de um
vaso contendo as sete jóias. O mesmo se passa comigo. Descartarei o
meu corpo que não é forte o bastante, no sentido de obter um Corpo
Adamantino. Você diz: ‘Como posso acreditar em você’? Eu tenho tes-
temunhas tais como o Grande Brahma, o Shakrodevanamindra, e os
quatro guardiões da terra, que testemunharão tudo para mim. Tam-

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 101


bém, todos os Bodhisattvas que desejam beneficiar incontáveis seres,
que estudam o Mahayana e que são realizados nos seis paramitas ates-
tarão. E ainda existem todos os Budas-Honrados-pelo-Mundo das dez
direções que desejam beneficiar todos os seres. Eles, também, teste-
munharão que eu de fato deixarei de lado o meu corpo para o benefício
daquelas oito palavras’.

O rakshasa ainda disse: ‘Se você deseja jogar fora o seu corpo assim,
então ouça bem, ouça bem! Agora recitarei a metade remanescente do
gatha para o seu benefício’.

Oh bom homem! Então, ouvindo suas palavras, tirei a roupa de pele de


cervo que eu vestia e joguei-a no chão para o rakshasa pregar (o verso
faltante), e disse: ‘Oh Honrado! Por favor, sente-se nisto. Juntarei mi-
nhas mãos e me prostrarei no chão antes que o diga’.

O rakshasa disse:

‘Quando se acaba com o nascimento e morte,


quietude é felicidade’.

Tendo dito isto, o rakshasa ainda disse: ‘Oh Bodhisattva-Mahasattva!


Você agora obteve a significado completo do gatha e deve estar satisfei-
to. Se você deseja beneficiar todos os seres, dê-me seu corpo agora!’

Oh bom homem! Naquela ocasião, eu ponderei muito sobre o significa-


do [do gatha]. Então, escrevi este gatha sobre pedras, paredes, árvores,
e ao longo do caminho. Então, vesti minha roupa. Pelo fato de que,
possivelmente, após a minha morte meu corpo poderia ser exposto [a
alguém]. Escalei uma árvore alta.

Então o deus árvore disse: ‘Oh você! O que você intenciona fazer?’

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 102


Oh bom homem! Eu respondi: ‘Eu agora descartarei o meu corpo, a fim
de pagar o valor que obtive do gatha’.

O deus árvore indagou: ‘Que benefício o gatha confere?’

Eu respondi: ‘Esse gatha é aquele que os Budas do passado, do presente


e do futuro tiveram para a abertura da Doutrina do Todo-Vazio. Dei
meu corpo por isto. Não é por lucro, fama ou fortuna; nem para a felici-
dade do Chakravartin, dos quatro guardiões da terra, do Grande Brah-
ma, ou de humanos e seres celestiais. Eu o descartei para o benefício de
todos os seres’.

Oh bom homem! Eu também jurei para mim mesmo: ‘Que todas as


pessoas miseráveis venham e vejam como eu abandono esse corpo. Se
existe uma pessoa que dê pouco e espere por muito, que essa pessoa
veja como eu, meramente por este gatha, jogo fora meu corpo, da
mesma forma como se uma pessoa jogasse fora capim ou madeira’.

Conforme eu disse isso, arremessei meu corpo da árvore ao solo. Ainda


não havia chegado ao chão quando várias vozes ressoaram no ar. As
vozes chegaram tão longe quanto o Céu Akanistha. Então o rakshasa
apresentou a sua forma original como Shakra, segurou-me no meio do
ar, e colocou-me sobre o chão. Então, Shakrodevanamindra, todos os
devas e o Grande Brahma caíram ao chão. Eles tocaram os meus pés,
levantaram-me, e disseram: ‘Bem feito, bem feito! Muito bem, muito
bem! Este é realmente um Bodhisattva que beneficia inumeráveis seres
e que, na escuridão das trevas, deseja acender uma grande tocha. Co-
mo eu amo o Grande Dharma do Tathagata, belamente pondero e zelo.
Por favor, dê ouvidos a como me arrependo dos meus pecados. Segu-
ramente, nos dias a vir, você alcançará a Iluminação Insuperável. Por
favor, condescenda em socorrer-me’.

Capítulo 20 – Sobre Ações Sagradas 2 Página 103


Então, Shakrodevanamindra e os devas tocaram meus pés. E, então,
desapareceram e não mais foram vistos. Oh bom homem! Desde que
descartei meu corpo em tempos passados pelo benefício de um gatha,
em conseqüência fiquei apto a esperar atingir a Iluminação Insuperável
após doze kalpas, antes de Maitreya. Oh bom homem! Eu alcancei tais
inumeráveis virtudes. Tudo surge a partir dos oferecimentos feitos ao
Dharma Maravilhoso do Tathagata.

Oh bom homem! É o mesmo com você. Se você aspira ao insuperável


Bodhichitta [Mente/Intenção da Iluminação], isto colocará você acima
de Bodhisattvas tão inumeráveis quanto às areias de inumeráveis, ilimi-
tados Rios Ganges. Isto é o que denotamos quando dizemos que um
Bodhisattva reside nos ensinamentos do Mahayana Mahaparinirvana e
pratica a Via Sagrada.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 104


Capítulo Vinte e Um: Sobre Ações Puras 1

“Oh bom homem! O que são as ações puras de um Bodhisattva-


Mahasattva? Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, residindo no
Mahayana Mahaparinirvana, pode ser pleno nas ações puras em sete
categorias. Quais são essas sete? Elas são: 1) conhecimento do Dharma,
2) conhecimento do significado, 3) conhecimento do tempo, 4) estar
satisfeito, 5) conhecimento de si próprio, 6) conhecimento das massas
(povos), 7) conhecimento da diferença entre o respeitável e o desprezí-
vel.

Os Doze Tipos de Escrituras do Dharma

Oh bom homem! Como um Bodhisattva-Mahasattva conhece o Dhar-


ma? Oh bom homem! Esse Bodhisattva-Mahasattva conhece os doze
tipos de escrituras, que são: 1) sutra, 2) geya, 3) vyakarana, 4) gatha, 5)
udana, 6) nidana, 7) avadana, 8) itivrttaka, 9) jataka, 10) vaipulya, 11)
adbhutadharma, e 12) upadesa.

Oh bom homem! O que se entende por ‘sutra’? Um sutra começa com:


‘Assim eu ouvi’ e termina com: ‘praticar com alegria’.

Todos esses são ‘sutras’.

O que é ‘geya’? É algo como isto: ‘O Buda disse a todos os Monges: Em


tempos passados, eu, assim como você, era ignorante, não tinha Sabe-
doria, e não podia ver as Quatro (Nobres) Verdades. Por aquela razão,
por longo tempo transmigrei e reciclei entre nascimentos e mortes, e
me debati no grande mar do sofrimento. Quais são as Quatro (Verda-
des)? Elas são: 1) o Sofrimento, 2) a Causa do Sofrimento, 3) a Extinção
(do Sofrimento), e 4) a Via para a Extinção do Sofrimento’. Em tempos

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 105


passados, o Buda falou dos sutras. Naquela ocasião, existiu uma pessoa
de percepção-aguçada que veio ao Buda para ser instruído no Dharma.
Ele indagou aos outros: ‘O que o Tathagata disse antes?’ O Tathagata,
vendo isto, disse num gatha, baseando-se nos sutras:

‘Eu, assim como você, não via as Quatro Verdades


e como resultado eu me debati por longo tempo no mar
do sofrimento do nascimento e morte.
Vendo as Quatro Verdades,
pode-se acabar com nascimento e morte.
Acabando-se com nascimento e morte,
não se ganha mais qualquer existência.’

Isto é ‘geya’.

O que é ‘vyakarana’? Existem sutras e vinayas [regras monásticas] nos


quais, quando o Tathagata fala, ele faz profecias para todos os celestiais
(aqui denotando pessoas dos dois veículos), tais como: ‘Oh você, Ajita!
Nos dias a vir, existirá um rei chamado ‘Sankha’. No seu reinado, você
praticará a Via, atingirá o estado de Buda, e será chamado Maitreya’.

Isto é ‘vyakarana’.

O que é ‘gatha’? Em associação com sutras e vinayas, há casos em que


um poema de quatro-linhas aparece, tal como:

‘Não faça qualquer maldade;


faça tudo o que é bom.
Purifique sua mente.
Este é o ensinamento de todos os Budas.’

Isto é ‘gatha’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 106


O que é ‘udana’? O Buda, por volta das quatro da tarde, entra em dhya-
na [meditação]. Ele fala sobre o Dharma para os devas [divindades].
Naquele momento, os Monges pensam: ‘O que o Tathagata está fazen-
do?’ O Tathagata desperta do dhyana na manhã seguinte e, sem que
seja indagado por ninguém, ele, com o poder do conhecimento que
pode ler as mentes dos outros, fala sem ser perguntado: ‘Oh Monges!
Saibam que a vida de todos os devas é extremamente longa. Oh todos
vocês Monges! É bom que vocês todos ajam em prol dos outros e não
busquem o seu próprio ganho (benefício). É bom que busquem, mas
pouco; é bom que se sintam satisfeitos; é bom que sejam quietos [pací-
ficos]!’ É algo como isto. Em todas essas escrituras, o Buda fala sem ser
perguntado.

Isto é ‘udana’.

O que é ‘nidana’? Os gathas de todos os sutras falam para outros sobre


as raízes básicas de todas as causas. Em Sravasti houve um homem que
capturou um pássaro numa rede. Tendo capturado, ele o colocou numa
gaiola, deu-lhe água e cereais, e então o deixou ir. O Honrado pelo
Mundo conhece todas as histórias do princípio ao fim e fala sobre isso
num gatha, tal como:

‘Não subestime pequenas más ações,


e não diga que não há mal que provenha (delas).
Pequena é uma gota de água,
mas [por acumulação] ela enche um grande vaso’.

Isto é ‘nidana’.

O que é ‘avadana’? É como no caso das parábolas que ocorrem no vina-


ya.

Isto é ‘avadana’.

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 107


O que é ‘itivrttaka’? Isto é quando o Buda diz: ‘Oh Monges! Saibam que
aquilo que eu falo quando estou no mundo é o sutra. Nos dias do Buda
Krakucchanda, ele é chamado ‘amrtadrum’ [tambor da imortalidade]; o
que aparece nos dias de Kanakamuni é chamado ‘Dharmamirror’ [espe-
lho do Dharma]; o que aparece nos dias do Buda Kashyapa é chamado
‘Vazio-Penetrante’.

Isto é ‘itivrttaka’.

O que é ‘jataka’? Isto é quando o Honrado pelo Mundo [fala de como


ele], em tempos passados, tornou-se um Bodhisattva e praticou a Via,
por exemplo: ‘Oh Monges! Saibam que, em tempos passados, eu ganhei
a vida como um cervo, um urso pardo, uma rena, uma lebre, o rei de
um pequeno estado, um chakravartin, uma naga, e um garuda. Tais são
todos os corpos que se recebe quando se pratica a Via de um Bodhi-
sattva’.

Isto é um ‘jataka’.

O que é ‘sutra vaipulya’? Nenhum outro senão os Sutras Mahayana


Vaipulya [extensivo]. Aquilo que ele estabelece é em grande escala. É
como o espaço em si.

Isto é ‘vaipulya’.

O que é ‘adbhutadharma’? Logo após o Bodhisattva ter nascido, ele dá


sete passos sem qualquer ajuda dos outros, emitindo grandes luzes, que
resplandecem em todas as dez direções; ou um macaco segura em suas
mãos um pote de mel e oferece-o ao Tathagata; ou um cão de cabeça-
branca senta ao lado do Buda e ouve os seus sermões; Marapapiyas se
transformam em uma vaca azul e caminham entre telhas e tigelas, to-
cando-as, mas não lhes causando danos; ou, quando da primeira entra-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 108


da do Buda no templo dos devas, eles prostram-se e prestam-lhe ho-
menagem.

Qualquer sutra tal como esses é chamado ‘adbhutadharma’.

O que entendemos por ‘upadesa’? É uma [escritura] que discute os


sutras que contém os sermões do Buda, analisa e expõe amplamente as
características.

Qualquer (escritura) assim é um ‘upadesa’.

Se qualquer Bodhisattva é bem versado nos doze tipos de escrituras,


isso é ‘conhecimento do Dharma’.

Como um Bodhisattva-Mahasattva compreende o significado? Um Bo-


dhisattava conhece o significado de todas as palavras e linguagens. Isso
é ‘conhecimento do significado’.

O Conhecimento do Tempo

Como um Bodhisattva-Mahasattva conhece o tempo [correto]? Oh bom


homem! O Bodhisattva, numa dada ocasião, praticará a quietude. Numa
outra ocasião, ele envidará esforços. Numa outra ocasião, ele praticará
equanimidade e dhyana. Numa outra, ele fará oferecimentos ao seu
mestre. Em outra ocasião, ele praticará dana [doação], observando os
preceitos morais, a paciência, os esforços e (a meditação) dhyana, com-
pletando assim o Prajnaparamita [Sabedoria transcendente]. Isto é ‘co-
nhecimento do tempo’.

De que maneira um Bodhisattva-Mahasattva sente-se satisfeito? Oh


bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva sente-se satisfeito com sua

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 109


comida, roupas, remédios, no ir, vir, sentar, deitar, dormir, caminhar,
falar e calar. Isto é ‘conhecer satisfação’.

Oh bom homem! Como um Bodhisattva-Mahasattva sabe as coisas por


si mesmo? O Bodhisattva conhece tudo sobre fé, preceitos, boa audi-
ção, equanimidade, Sabedoria, ir e vir, lembrança correta, boas ações,
questões e respostas. Isto é ‘conhecimento de si próprio’.

Como um Bodhisattva-Mahasattva conhece as massas? Tal Bodhisattva


sabe: ‘Este é um Kshatriya, este um Brâmane, este um Monge, este um
Shramana (Noviço). Tal pessoa vai assim, vem assim, senta assim, para
assim, profere sermões assim, e faz indagações e responde assim’. Isso
é ‘conhecimento das massas’.

O Respeitável e o Desprezível (As Sete Boas Leis)

Oh bom homem! De que maneira um Bodhisattva-Mahasattva sabe a


diferença entre ‘respeitável’ e ‘desprezível’? Oh bom homem! Existem
dois tipos de pessoas: um é aquele que tem fé, e o outro, aquele que
não tem. Oh Bodhisattva! Saiba que aquele que tem fé é bom, e aquele
que não tem fé não é bom. Também, além disso, existem dois tipos de
pessoas fiéis (crentes). Um sempre faz visitas aos viharas (monastérios),
e o outro não. Oh Bodhisattva! Saiba que aquele que vai (ao vihara) é
bom, e o outro que não vai não deveria ser chamado de bom. Existem
dois tipos de pessoas que vão aos viharas. Um é aquele que adora, e o
outro é aquele que não (adora). Oh Bodhisattva! Saiba que aquele que
adora é bom, e o outro que não (adora) não deve ser chamado de bom.
Existem dois tipos de adoradores. Um é aquele que ouve os sermões, e
o outro é aquele que não ouve os sermões. Oh Bodhisattva! Saiba que
aquele que ouve os sermões é alguém que é bom, e o outro é alguém
que não pode ser chamado de bom. Novamente, existem dois tipos de
pessoas que ouvem os sermões. Um é aquele que ouve com uma mente

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 110


verdadeira, e o outro é aquele que não possui uma mente verdadeira.
Oh Bodhisattva! Saiba que aquele que ouve com uma mente verdadeira
é alguém que é bom, e aquele com a mente não verdadeira não deve
ser chamado de bom. Dos ouvintes com mente verdadeira, existem dois
tipos. Um pensa sobre o significado, e o outro não pensa sobre o signifi-
cado. Oh Bodhisattva! Saiba que aquele que pensa sobre o significado é
bom, e aquele que não pensa sobre o significado não é bom. E existem
dois tipos em meio àqueles que pensam sobre o significado. Um é aque-
le que pratica a Via como ensinado, e o outro é aquele que não pratica
a Via como ensinado. Aquele que pratica a Via como ensinado é alguém
que é bom, e aquele que não pratica a Via como ensinado é alguém que
não é bom. Existem, ainda, dois tipos de pessoas que praticam a Via
como ensinado. O primeiro é aquele que segue a Via do Sravaka, que é
incapaz de libertar todos os seres de todas as aflições e dar-lhes paz e
benefícios; o segundo é aquele que segue o Mahayna insuperável e
confere benefícios e paz para muitos. Oh Bodhisattva! Saiba que aquele
que concede benefícios e paz para muitos é insuperável e é o melhor.

Oh bom homem! De todas as jóias, a cintamani [a gema da satisfação


dos desejos] é a mais soberba; de todos os sabores, o da amrta [ambro-
sia] é o melhor. Esse Bodhisattva é o mais soberbo e o melhor dentre
todos os humanos e devas. Nenhuma comparação pode expressá-lo. Oh
bom homem! Isto é o que se entende quando dizemos que o Bodhisatt-
va-Mahasattva reside no Sutra Mahayana do Grande Nirvana e vive nas
sete boas leis. O Bodhisattva, residindo nessas sete boas leis, pode se
tornar realizado nas ações puras.

Também, além disso, oh bom homem! Existem as ações puras, que são:
amor-benevolente [‘maitri’], compaixão [‘karuna’], intenção amável
(acolhedora) [‘mudita’], e equanimidade [‘upeksha’].”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Uma pessoa que pratica a be-


nevolência aparta-se da ira; uma pessoa que pratica a compaixão apar-

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 111


ta-se da ira. E ainda falamos das ‘mentes ilimitadas’. A partir do conteú-
do do significado, deve haver três (fatores). Oh Honrado pelo Mundo!
Existem três fatores circunstanciais no amor-benevolente. Um relacio-
na-se aos seres, o segundo (relaciona-se) às leis (dharmas), e o terceiro
ao que é independente (não-relacionado). O mesmo se passa com a
compaixão, a intenção amável (acolhedora), e equanimidade. Seguindo
essa lógica, só pode haver um (tipo de ação pura), e não quatro. O que
se relaciona aos seres diz respeito aos cinco skandhas, e roga-se para
dar felicidade a eles. Isto é o que se relaciona aos seres. Pelo que se
relaciona às coisas [dharmas] entende-se dar o que os seres desejam
possuir. Isto é o que se relaciona às coisas. Por ‘independente’ se en-
tende o Tathagata. Este é o ‘independente’. A compaixão é dirigida aos
pobres e àqueles em circunstâncias difíceis. O Tathagata, o grande mes-
tre, há muito se afastou da pobreza e das circunstâncias difíceis, e é
abençoado com a mais elevada felicidade. Se tivesse qualquer relação
com os seres, eles a obteriam (a felicidade), assim, com o Buda. O
mesmo é o caso com as coisas. Este é o porquê dizemos que qualquer
atitude que se tenha diante do Tathagata é o ‘independente’ (não-
relacionado). Oh Honrado pelo Mundo! O campo no qual a compaixão
se torna relacionada a todos os seres considera a conduta diante dos
pais, esposa, filhos e parentes. Portanto, dizemos ‘relacionado a todos
os seres’. Dizemos ‘relacionado aos dharmas’. Aqui, não vemos pais,
esposa, filhos ou parentes. Vemos aqui que todas as coisas surgem de
fatores circunstanciais. Portanto, ‘relacionadas aos dharmas’. O ‘não-
relacionado’ não está baseado nos dharmas ou nos seres. Portanto,
‘não-relacionado’. É o mesmo com a compaixão, a intenção amável e a
equanimidade. Dessa forma, deve haver três coisas e não quatro. Oh
Honrado pelo Mundo! Existem dois tipos de pessoas. Um é a pessoa
que pratica a Via usando o seu próprio intelecto, e o outro é uma pes-
soa que pratica a Via através da fé e do amor. A pessoa que pratica a
Via através do canal intelectual geralmente pratica o amor-
benevolente, e a pessoa que pratica a Via através da fé e do amor prati-
ca a intenção-amável e a equanimidade. Portanto, deve haver dois, e

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 112


não quatro. Oh Honrado pelo Mundo! ‘Imensurável’ significa ‘ilimitado’.
O limite é inatingível. Portanto, ‘ilimitado’. Se [algo é] ‘imensurável’,
poderá haver apenas um, e não quatro. Se houvesse quatro, como po-
deriam ser imensuráveis? Portanto, deve haver um, e não quatro.”

O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! A essência daquilo que o


Buda-Tathagata diz é secreta. Por essa razão, é difícil saber. Há casos
em que ele fala sobre um conjunto de causas e condições. O que existe
[aqui] é apenas uma. É como quando se diz que todas as coisas são coi-
sas criadas. Ou pode haver um caso onde é dito que existem dois tipos.
Estes (tipos) são as causas diretas e indiretas, e o resultado. Ou pode ser
dito como sendo três. Estes são a ilusão, a ação e o sofrimento. Ou pode
ser dito como sendo quatro. Estes são a ignorância, a existência criada,
o nascimento, e velhice-e-morte. Ou pode ser dito como sendo cinco, a
saber: sentimento, desejo, apego, existência e nascimento. Ou pode ser
dito como sendo seis, os quais são as causas e resultados das Três Exis-
tências [passado, presente e futuro]. Ou as coisas podem ser ditas em
termos de sete, as quais são consciência, mente-e-corpo, as seis esfe-
ras, tato, sentimento, desejo e apego. Ou pode-se falar de oito coisas,
que são aquelas [dos doze elos do surgimento interdependente], menos
os quatro elementos da ignorância, ação, nascimento, e velhice-e-
morte; perfazendo oito. Ou pode-se falar de nove, como estabelecido
no ‘Sutra Nagara’. Este (sutra) se refere a nove, excetuando os três ele-
mentos da ignorância, ação e consciência. Ou pode se falar de onze,
como no Satyakanirgranthaputra. Estas são onze, excetuando unica-
mente a categoria do ‘nascimento’. Às vezes o Buda fala completamen-
te dos doze elos do surgimento interdependente. Isto é como quando
ele falou em Rajagriha para Kashyapa e outros sobre a ignorância con-
duzindo aos caminhos do nascimento, velhice, doença e morte. Oh bom
homem! Uma simples relação causal é, para o benefício dos seres, ex-
posta de várias maneiras. O mesmo acontece com as inumeráveis fases
[aspectos] da mente. Oh bom homem! Por esta razão, não alimente

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 113


dúvidas com relação às ações profundamente-ocultas do Buda-
Tathagata.

Oh bom homem! O Tathagata-Honrado-pelo-Mundo promulga grandes


expedientes. Ele fala da impermanência como Eterna, e do Eterno como
impermanente. Ele fala da Felicidade (Êxtase) como sofrimento e do
sofrimento como Felicidade; do impuro como Puro e do Puro como
impuro. Ele fala do Eu como destituído do eu e do destituído do eu co-
mo Eu; do não-ser como um ser e do ser real como um não-ser. Uma
não-substância é falada como uma substância e uma substância como
não-substância. O não-real é falado como real e o real como não-real; o
não-campo de cognição como campo de cognição e o campo de cogni-
ção como não-campo de cognição; o não-nascimento como nascimento
e o nascimento como não-nascimento; a ignorância como brilho e o
brilho como ignorância; rupa [forma] como não-forma e não-forma
como rupa [forma]; a não-Via como Via e a Via como não-Via. Oh bom
homem! O Tathagata, usando todos esses expedientes, corrige os seres.
Como poderíamos dizer que algo está errado com ele?

A Sabedoria da Mente Ilimitada

Oh bom homem! Pode haver uma pessoa que almeje riqueza. Eu então,
para o benefício daquela pessoa, me transformo num Chakravartin e
por inumeráveis eras dou coisas a ela de várias maneiras. Depois, ensi-
no-a e permito-lhe residir na Iluminação Insuperável. Se existe uma
pessoa que se apegue aos cinco desejos, eu atendo ao apego daquela
pessoa por inumeráveis eras com coisas maravilhosas de acordo com o
que ela deseja ter, e depois a ensino e faço-lhe atingir a Iluminação
Insuperável. Se existe uma pessoa rica, forte e orgulhosa, eu lhe sirvo
por inumeráveis centenas de milhares de anos, mandando mensagens e
esperando-lhe, e após ter conquistado a mente daquela pessoa, faço-
lhe atingir a Iluminação Insuperável. Se existe uma pessoa que transgri-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 114


de, é auto-afirmativa, pensa que ela está no caminho correto e discute
com os outros, eu a aconselharei por inumeráveis eras, protestarei com
ela, a persuadirei e, então, lhe farei atingir a Iluminação Insuperável. Oh
bom homem! O Tathagata, por inumeráveis eras, promulga vários mei-
os (expedientes), assim fazendo com que os seres encontrem a Ilumina-
ção Insuperável. Como poderia haver algo errado aqui? O Buda-
Tathagata pode viver em meio a todas as maldades, mas, como o lótus,
ele não é manchado [por elas]. Oh bom homem! Você deveria compre-
ender as quatro imensuráveis (ações puras) assim.

Oh bom homem! Existem quatro qualidades nesta Mente Ilimitada.


Uma vez realizada a prática, obtêm-se o nascimento no mundo do
Grande Brahma. Oh bom homem! Dessa forma existem quatro tipos
dentro da Mente Ilimitada. Este é o porquê falamos de quatro. Através
da prática do amor-benevolente [‘maitri’], uma pessoa extirpa comple-
tamente a cobiça. Através da prática da compaixão [‘karuna’], uma pes-
soa extirpa a ira. Através da prática da intenção amável (alegria simpáti-
ca), uma pessoa extirpa a não-felicidade. Através da prática da equani-
midade, uma pessoa afasta profundamente os seres da cobiça e da ira.
Oh bom homem! Por esta razão, dizemos quatro. Não é uma, nem duas,
e nem três.

Amor-Benevolente e Compaixão

Oh bom homem! Como você diz, ‘o amor-benevolente realmente acaba


com a ira. Se as coisas são assim com a compaixão, podemos dizer (que
são) três’. Não faça tal contestação. Por que não? Oh bom homem!
Existem dois tipos de ira. Um toma (rouba) a vida; o outro encoraja uma
pessoa. Oh bom homem! Em razão disto, como não seriam quatro (a-
ções puras: amor-benevolente, compaixão, intenção amável (alegria
simpática) e equanimidade)?

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 115


Também, além disso, existem ainda (outros) dois tipos de ira. Um é
estar irado com os seres, e o outro com os não-seres. Através da prática
do amor-benevolente, afasta-se completamente a ira contra os seres;
através da pratica da compaixão, afasta-se completamente a ira contra
os não-seres.

Também, além disso, existem (outros) dois tipos de ira. Um está basea-
do nas relações causais e o outro não está. Através da prática do amor-
benevolente, acaba-se com aquela que está baseada nas relações cau-
sais; através da prática da compaixão, acaba-se com aquela que não
está baseada nas relações causais.

Também, além disso, existem ainda dois tipos de ira. Um é a ira que foi
acumulada desde o remoto passado, e o outro é aquela recém adquiri-
da. Através da prática do amor-benevolente, acaba-se com a ira do pas-
sado, e através da prática da compaixão, acaba-se com a ira do presen-
te.

Também, além disso, existem ainda dois tipos de ira. Um é a ira das
pessoas sagradas, e o outro (é a ira) dos mortais comuns. Através da
prática do amor-benevolente, acaba-se com a ira das pessoas sagradas;
através da prática da compaixão, acaba-se com a ira dos mortais co-
muns.

Também, além disso, existem ainda dois tipos de ira. Um é de alto-grau,


e outro é de grau-médio. O praticante do amor-benevolente afasta a ira
de alto-grau, enquanto o praticante da compaixão afasta a ira de grau-
médio. Oh bom homem! Por esta razão, Eu digo quatro. Como você
pode me reprovar e falar de três e não de quatro? Assim, oh Kashyapa,
nesta mente ilimitada, a antítese está em oposição à outra (antítese), e
em resumo, temos quatro.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 116


Também, é quatro em razão do repositório. Se existe amor-
benevolente, não pode haver compaixão, alegria, e equanimidade. Por
esta razão, é quatro e não menos.

Oh bom homem! Nós discriminamos de acordo com a ação. Por isso,


quatro. Quando o amor-benevolente está superposto (exerce influên-
cia), não pode haver compaixão, intenção amável e equanimidade (o
amor-benevolente contém tais ações). Por isso, quatro. Oh bom ho-
mem! Em razão da infinitude, dizemos quatro. Agora, existem quatro
tipos de (mentes) ilimitadas. Há o caso onde o que existe é a relação de
mente ilimitada, mas não desimpedimento. Ou existe o caso onde a
mente ilimitada é desimpedida e não se baseia (depende das) nas rela-
ções; há o caso onde as coisas se baseiam nas relações da mente ilimi-
tada e também no desimpedimento; há o caso onde as coisas não se
baseiam nas relações e nem no desimpedimento.

O que é a (mente) ilimitada que possui relações, mas não é desimpedi-


da? Este é o caso onde as relações causais são tidas com inumeráveis e
ilimitados seres, mas ainda não há nada como o estado desimpedido do
Samadhi. Mesmo se alcançado (esse estado), ele não permanece. Ou
ganha-se e perde-se.

O que é (mente) ilimitada que é desimpedida e não possui relações


causais? É como desejar ter relações causais com os pais, irmãos e ir-
mãs, e dar-lhes paz e felicidade. Não pode haver relações causais ilimi-
tadas [aqui].

O que é a (mente) ilimitada que possui relações causais e é desimpedi-


da? Isto se refere a todos os Budas e Bodhisattvas.

O que é (mente) ilimitada sem relações causais e não desimpedida? Os


Sravakas e Pratyekabudas não podem ter relações ilimitadas com os

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 117


seres. Também, eles não são desimpedidos [isto é, eles são constrangi-
dos pelas limitações].

Oh bom homem! Em razão disto, falamos de ‘quatro infinitudes’. Isto


não é algo que qualquer Sravaka ou Pratyekabuda possa conhecer. Isto
é o que se aplica ao mundo de todos os Budas-Tathagatas. Oh bom ho-
mem! Os Sravakas e Pratyekabudas podem recorrer a essas quatro coi-
sas que são ilimitadas. Mas, o que é dito [por eles] é mesquinho; não
merece ser comentado. Todos os Budas e Bodhisattvas deveriam ser
chamados ‘ilimitados sem limites’.”

O Grande Amor-Benevolente

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! É


assim, é assim! É exatamente como você, o Sagrado, diz. O que se ob-
tém no mundo de Todos os Budas-Tathagatas não está ao alcance de
Sravakas e Pratyekabudas. Oh Honrado pelo Mundo! Um Bodhisattva
reside no Mahayana Mahaparinirvana e obtém um coração de amor-
benevolente. Isto é um grande coração de amor-benevolente e compai-
xão ou não?”

O Buda disse: “É! Oh bom homem! O Bodhisattva vê três coisas na me-


dida em que vive com todos os seres, quais sejam: 1) pessoas de rela-
ções íntimas [com ele], 2) pessoas de relações indesejáveis, e 3) pessoas
que estão entre esses extremos. Com aqueles das relações íntimas,
existem três classificações, que são: 1) alta, 2) média, e 3) baixa. O
mesmo acontecendo com aqueles envolvendo relações indesejáveis.
Esse Bodhisattva-Mahasattva dá a mais elevada consideração àqueles
com os quais ele mantém as mais íntimas relações. Ele igualmente dá a
mais alta consideração àqueles de médio e baixo grau (de intimidade).
Ele dá algum grau de consideração àqueles que ele mais odeia, e para
uma pessoa cujo ódio é de grau médio ele dá uma consideração de mé-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 118


dio grau, e a quem cujo ódio é de baixo grau, ele dá a mais alta conside-
ração. O Bodhisattva praticando assim, evolui de um grau para outro e
(passa a dar) a alguém que ele mais odeia um médio-grau de considera-
ção; e àqueles a quem ele odeia num nível tolerável e num nível menor,
ele dá a mais alta consideração. Ele (segue) praticando e (passa) a dar a
mais alta consideração igualmente àqueles de alto, médio e baixo grau.
Quando a mais alta consideração é dada a alguém a quem ele mais o-
deia, dizemos que o coração de amor-benevolente foi realizado. O Bo-
dhisattva, então, seja na presença dos seus pais ou daqueles a quem ele
mais odeia, tem uma mesma mente, e não existe um estado mental de
discriminação. Oh bom homem! Obtêm-se o amor-benevolente, mas
isto não é chamado grande amor-benevolente.”

(O Bodhisattva Kashyapa disse: ) “Oh Honrado pelo Mundo! Por que é


que o Bodhisattva encontra esse amor-benevolente e ainda não pode-
mos chamá-lo de grande amor-benevolente?”

(O Buda disse: ) “Oh bom homem! Não chamamos amor-benevolente


de grande amor-benevolente por que este [o grande amor benevolen-
te] é difícil de obter. Por que á assim? Durante um longo tempo passa-
do, através de inumeráveis kalpas, acumularam-se as ‘asvaras’ [impure-
zas, ilusões] e não se praticou o bem. Por essa razão, uma pessoa é in-
capaz de dominar a mente num dia. Oh bom homem! Quando uma
ervilha está seca, pode-se tentar transpassá-la com um estilete, mas
não se consegue. É como isto. As ‘asvaras’ são tão duras quanto aquilo
(a ervilha seca). Mesmo que se tente obstinadamente ao longo de um
dia e de uma noite inteira, não se pode dominá-las (subjugá-las). Tam-
bém, o cão de uma casa não teme as pessoas, e o cervo da floresta te-
me o homem e foge. É difícil acabar com a ira, assim como com o cão
que guarda uma casa. Portanto, é difícil subjugar essa mente. Este é o
porquê não dizemos ‘grande amor-benevolente’.

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 119


Também, além disso, oh bom homem! Quando desenhamos uma figura
numa pedra, ela sempre permanecerá ali. Mas se a desenharmos na
água, ela desaparecerá imediatamente e o seu vigor não permanecerá
lá. É tão difícil acabar com a ira, quanto com um desenho que foi feito
na pedra. Uma boa ação facilmente desaparece, como uma figura dese-
nhada na água. Este é o porquê não é fácil dominar essa mente. Uma
grande bola de fogo provê luz por um longo tempo; o brilho do flash de
um relâmpago não pode durar muito. O mesmo é o caso aqui. A ira é
uma bola de fogo; o amor-benevolente é como um relâmpago. Este é o
porquê essa mente é difícil de ser dominada. Por essa razão, não dize-
mos ‘grande amor-benevolente’.

Oh bom homem! Quando um Bodhisattva-Mahasattva atinge o primei-


ro patamar [‘bhumi’ – nível superior do Bodhisattva], isto é chamado
‘grande amor-benevolente’. Por quê? Oh bom homem! A última das
pessoas más é o icchantika. Quando um Bodhisattva do primeiro ‘bhu-
mi’ pratica grande amor-benevolente, nenhuma discriminação existe na
sua mente – nem mesmo com relação ao icchantika. Como nada que é
errado é visto, a ira não surge. Por esta razão, chamamos isso verdadei-
ramente de ‘grande amor-benevolente’. Oh bom homem! Ele despoja
todos os seres daquilo que não os beneficia. Isto é grande amor-
benevolente. Ele deseja dar uma imensurável quantidade de benefícios
e felicidade a todos os seres. Isto é grande compaixão. Ele implanta a
alegria na mente de todos os seres. Isto é grande intenção-amável (ale-
gria-simpática). Não há guarda ou proteção. Isto é grande equanimida-
de [‘upeksha’]. Meu Dharma não vê a existência própria ou o eu de
quem quer que seja; nele, todos os seres são vistos igualmente e sem
mente dividida. Isto é grande equanimidade. Abandona-se a própria
felicidade e se a dá para outros. Isto é grande equanimidade [ou grande
renúncia].

Oh bom homem! A única coisa que existe aqui é que essas quatro men-
tes ilimitadas podem permitir ao Bodhisattva crescer e realizar os seis

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 120


paramitas. As coisas não são necessariamente assim com relação às
ações dos outros. Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva primeiro
ganha as quatro mentes ilimitadas que pertencem ao mundo. Mais tar-
de, ele aspira ao insuperável Bodhichitta [decisão pela Iluminação]. E
por degraus ele ganha aquilo que concerne ao mundo supramundano.
Oh bom homem! A partir da finitude do mundo secular, obtêm-se infi-
nitude do mundo supramundano. Portanto, dizemos ‘grande infinitu-
de’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Di-


zemos que se acaba com a má sorte e que o benefício e a felicidade são
concedidos. Para dizer a verdade, nada acontece. Um pensamento as-
sim é garantidamente falso. Nenhuma fruição real acontece. Oh Honra-
do pelo Mundo! Isto é como quando um Monge medita sobre impureza
e considera aquilo que ele está vestindo como sendo couro, o que de
fato não está (vestindo). Ele pensa que o que ele come são vermes.
Mas, aqui também, não são realmente vermes. Ele considera uma bela
sopa como um líquido impuro, mas ela não é realmente algo impuro.
Ele considera a nata que ele come como medula do cérebro, mas de
fato não é um cérebro. Ele medita sobre o pó dos ossos triturados e
considera-o como farinha de cevada ressequida. E isto, ainda, não é
farinha de cevada ressequida. O mesmo acontece com o caso das qua-
tro mentes ilimitadas. Não existe realmente algum benefício para os
seres, e nem qualquer concessão de felicidade a eles. A boca fala sobre
felicidade sendo concedida. Mas tal coisa não acontece. É essa medita-
ção não-falsa? Oh Honrado pelo Mundo! Se é o caso que não existe
falsidade aqui e que, pelo contrário, a felicidade é [realmente] concedi-
da, por que é que todos os seres não obtém a felicidade através dos
poderes miraculosos de todos os Budas e Bodhisattvas? Se nenhuma
felicidade resulta em qualquer sentido verdadeiro, deve ser como o
Buda diz: ‘Relembro que em tempos passados eu pratiquei amor-
benevolente e através de sete estágios sucessivos de dissolução e res-
surgimento do mundo neste kalpa, não ganhei nascimento aqui. Quan-

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 121


do o mundo nasceu, eu vi meu nascimento no céu do Brahma, e quando
o mundo sofreu a dissolução, eu nasci no céu do Abhasvara. (Quando)
se nasce no céu do Brahma, tem-se um poder ilimitado [irrestrito] que
nunca pode ser subjugado. Dentre os mil Brahmas, o mais soberbo é o
Grande Brahma. Todos os seres consideravam-me como o mais sober-
bo. Trinta e seis vezes eu me tornei um Sakrodevanamindra (Shakra
Devanam Indra), o Rei do Céu Trayastrimsa, e inumeráveis centenas de
milhares de vezes (me tornei) um Chakravartin. Somente praticando a
Via do coração de amor-benevolente, eu obtive os frutos dos humanos
e celestiais’. Se não é verdade, como as coisas poderiam estar de acor-
do com esse significado?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você é de fato
bravo e nada teme.”

A Prática do Amor-Benevolente

E para o benefício de Kashyapa, ele disse num gatha:

“Se não se sente a ira,


mesmo contra um simples ser,
e roga-se para dar felicidade a esses seres,
isto é amor-benevolente.
Se sente-se compaixão
por todos os seres,
isto é a semente sagrada.
Interminável é a recompensa.
Mesmo que os Rishis (Grandes Sábios) dos cinco-poderes preenches-
sem essa terra
e dessem a Mahesvara (Grande Lorde) elefantes, cavalos
e suas várias posses,
a recompensa ganha não seria igual

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 122


a uma décima-sexta parte de um [impulso de] amor-benevolente
que seja praticado.”

“Oh bom homem! A prática do amor-benevolente é verdadeira e não


provém de um pensamento falso. É claramente a verdade. O amor-
benevolente dos Sravakas e Pratyekabudas é aquele que é falso. Com
todos os Budas e Bodhisattvas, o que existe é o verdadeiro, e não o que
é falso. Como sabemos isso? Oh bom homem! Como o Bodhisattva-
Mahasattva pratica a Via do Grande Nirvana, ele medita sobre a terra e
[mentalmente] a transforma em ouro, e medita sobre o ouro e o trans-
forma em terra, terra em água, água em fogo, fogo em água, terra em
vento (ar), e vento em terra. Tudo aparece como desejado e nada é
falso. Ele medita sobre seres reais e transforma-os em não-seres, e
transforma não-seres em seres reais. Tudo aparece como desejado e
nada é falso. Oh bom homem! Saiba que as quatro mentes ilimitadas de
um Bodhisattva vêm de um pensamento verdadeiro e não são o que é
falso.

Também, além disso, oh bom homem! Por que é chamado pensamento


verdadeiro? Porque ele acaba completamente com todas as impurezas.
Oh bom homem! Ora, uma pessoa que pratique amor-benevolente
erradica toda a cobiça; alguém que pratique a compaixão erradica a ira;
alguém que pratique a intenção-amável (alegria-simpática) erradica a
infelicidade; alguém que pratique equanimidade erradica a cobiça, a ira
e todos os aspectos das coisas que os seres têm. Por essa razão, cha-
mamos isto de pensamento verdadeiro.

Também, além disso, oh bom homem! As quatro mentes ilimitadas de


um Bodhisattva-Mahasattva constituem a raiz de todas as boas ações.
Oh bom homem! Se um Bodhisattva-Mahasattva não vê um ser oprimi-
do pela pobreza, não poderá haver qualquer surgimento da compaixão.
Se a mente compassiva não surge, não surgirá qualquer pensamento de
doação. Através das relações causais da doação, ele concede aos seres

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 123


paz e felicidade. Trata-se de bebida, comida, veículos, roupas, flores,
incenso, camas, casas e lâmpadas.

Quando a doação é feita dessa maneira, não existe apego na mente e


nenhuma cobiça surge. Ele definitivamente transfere o mérito disto
para a Iluminação Insuperável. A mente não para no tempo. Acaba-se
com o pensamento falso para sempre; aquilo que é feito não é por me-
do, por fama ou por lucro. Não visa o mundo dos humanos ou dos deu-
ses; qualquer prazer que seja ganho não suscita a arrogância; não visa
recompensas; a doação não é feita para enganar os outros; não busca a
riqueza ou o respeito. Quando a doação é realizada, nenhuma discrimi-
nação [distinção] é feita quanto a saber se o destinatário tem observa-
do os preceitos morais ou os têm transgredido, se ele é um verdadeiro
campo de prosperidade ou um mau campo de prosperidade, se é instru-
ído ou iletrado.

Quando a doação é realizada, nenhuma discriminação é feita entre o


certo e o errado do repositório; nenhuma diferença é vista entre o
tempo ou o lugar certo ou errado. Não se pensa sobre se existe fome ou
fartura das coisas e felicidade. Nenhuma discriminação é feita quanto à
causa ou o resultado (efeito) disto, ou preocupação quanto àquilo que é
certo [meritório] ou não com relação ao destinatário (repositório), ou se
ele é rico ou não. Também, o Bodhisattva não se dá o trabalho de olhar
qualquer diferença como se o destinatário é uma pessoa que dá ou
alguém que recebe, o que é dado ou cedido, ou a recompensa por aqui-
lo que é dado. A única coisa que se faz é que a doação seja realizada
sem cessação.

Oh bom homem! Se o Bodhisattva olhasse para a observância ou infra-


ção dos preceitos, ou os seus resultados, não poderia haver qualquer
doação até o fim. Se não há doação, não pode haver realização do da-
naparamita [doação transcendente]. Se não há danaparamita, não pode
haver qualquer chegada à Iluminação Insuperável.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 124


Oh bom homem! Como uma ilustração: existe um homem que foi ferido
por uma flecha envenenada. Seus parentes chamam um médico para
livrá-lo do veneno e tentar extrair a flecha. O homem diz: ‘Não me to-
que por enquanto! Pensarei: [De onde veio essa flecha? Quem a atirou?
Foi um Kshatriya, um Brâmane, um Vaishya ou um Sudra]’. Ele também
pensa: ‘Que tipo de madeira é essa? Bambú ou salgueiro? Por quem foi
feito o dardo de ferro? Ele é pesado ou leve? De qual pássaro vieram as
penas da flecha? De um corvo, uma coruja ou uma águia? Do que é
feito o veneno? É um veneno manipulado pelo homem ou natural? É
um veneno humano ou de uma serpente venenosa?’ Uma pessoa igno-
rante como essa nunca encontrará um fim para as tentativas de saber
sobre todas essas coisas. Então, sua vida irá embora. Oh bom homem!
O mesmo se passa com o Bodhisattva. Ao fazer doações, se ele procurar
saber se o destinatário observou ou violou os preceitos, qual poderá ser
o efeito da doação, etc. – ele não seria capaz de dar, até o fim. Se não
há doação, então o danaparamita não será realizado. Se o danaparami-
ta não for realizado, não poderá haver consecução da Iluminação Insu-
perável.

O Coração do Bodhisattva

Também, além disso, oh bom homem! Quando o Bodhisattva-


Mahasattva pratica a doação, o seu coração gentil vê todos os seres
igualmente, como se fossem seus filhos únicos. Ainda quando em doa-
ção, seu coração compassivo se agita, como quando um pai e uma mãe
olham seu próprio filho que está doente. Quando em doação, seu cora-
ção sente alegria, como quando o pai e a mãe veem a doença da sua
criança ser curada. Quando a doação é feita, a sua mente está desape-
gada daquilo que é dado, como quando um pai e uma mãe veem seu
filho já crescido e vivendo por si próprio.

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 125


O Voto do Bodhisattva em Doação de Comidas

Esse Bodhisattva-Mahasattva sempre faz um voto quando ele, benevo-


lentemente, oferece comida: ‘Eu agora ofereço isto, o compartilho com
todos os seres e pretendo que, através das relações causais dessa ação,
todos os seres atinjam a comida da Grande Sabedoria e, com esforços,
transfiram o mérito disto para o insuperável Mahayana. Rogo para que
todos os seres ganhem a comida da Boa Sabedoria e que eles não pro-
curem a comida dos Sravakas e Pratyekabudas. Rogo para que todos os
seres obtenham a comida da Alegria do Dharma e não busquem a co-
mida do desejo. Rogo para que todos os seres obtenham a comida do
Prajnaparamita [Sabedoria Transcendente] em abundância e que eles
tenham a melhor raiz da bondade desobstruída, a qual crescerá enor-
memente. Rogo para que todos os seres compreendam e atinjam a fase
do Vazio, realizem o corpo sem impedimentos e tornem-se como o es-
paço. Rogo para que todos os seres sempre sejam extremamente pie-
dosos para o benefício daqueles que recebem, e se tornem um campo
de bênçãos’. Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, quando pra-
ticando o coração do amor-benevolente, deve firmemente orar assim
com relação a qualquer comida que ele ofereça.

O Voto do Bodhisattva em Doação de Bebidas

Também, além disso, oh bom homem! Quando o Bodhisattva-


Mahasattva, com o coração de amor-benevolente, oferece bebida, ele
deveria sempre fazer um voto: ‘Compartilho o que ofereço agora com
todos os seres. Em razão deste ato, eles caminharão em direção ao rio
do Mahayana e compartilharão da água dos oito sabores, tomarão o
caminho da Iluminação Insuperável, se apartarão da sede dos Sravakas
e Pratyekabudas, e ansiarão pelo insuperável Veículo do Buda. [Eu rogo]
para que eles se apartem da sede das impurezas, e anseiem pela comi-
da do Dharma, que eles deixem o amor do nascimento e da morte, aca-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 126


lentem pensamentos afetuosos para com o Mahayana Mahaparinirva-
na, tornem-se perfeitos no Corpo-do-Dharma, obtenham todos os sa-
madhis e adentrem o grande mar da Sabedoria. Eu rogo para que todos
os seres compartilhem do sabor da renúncia, abandonem a cobiça, e
alcancem o silêncio e a quietude. Eu rogo para que todos os seres se
tornem perfeitos nos incontáveis centenas de milhares de sabores do
Dharma. Uma vez realizados no sabor do Dharma, eles verão a Nature-
za-de-Buda e, tendo visto o Natureza-de-Buda, farão cair a chuva do
Dharma, e tendo feito cair a chuva do Dharma, a Natureza-de-Buda
cobrirá tudo como o próprio espaço. Também, [eu rogo para que] todos
os outros incontáveis seres atinjam o caráter único do sabor do Dharma
do Mahayana. Esse não é o sabor de todos os Sravakas e Pratyekabu-
das. Eu rogo para que todos os seres obtenham a singularidade do doce
sabor e que não haja qualquer diferença discriminativa dos seis tipos
(amargo, azedo, doce, picante, salgado e adstringente). Rogo para que
todos desejem unicamente buscar o sabor do Dharma, o sabor sem
obstruções das ações Budistas e que não busquem outros sabores’. Oh
bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva, com um coração de
amor-benevolente, oferecer bebida, ele deveria fazer esse voto.

O Voto do Bodhisattva em Doação de Veículos

Também, além disso, oh bom homem! Quando o Bodhisattva-


Mahasattva, com o seu coração de amor-benevolente, oferece veículos,
ele deveria sempre orar: ‘Compartilharei o que ofereço agora com to-
dos os seres e, em razão disto, farei com que todos os seres se tornem
perfeitos no Mahayana e residam nele. E eles não retroagirão deste
veículo que será inabalável e adamantino. O que será buscado não será
o veículo do Sravaka ou do Pratyekabuda, mas o Veículo do Buda, um
veículo imbatível [indestrutível], um veículo que não é fraco e não está
ausente em parte alguma, que não cai ou naufraga, o veículo insuperá-
vel, o veículo dos dez-poderes, o veículo da grande-virtude, o veículo

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 127


incomparável, o veículo mais raro, o veículo difícil de encontrar, o veícu-
lo ilimitado, e o veículo onisciente’. Oh bom homem! Quando o Bodhi-
sattva-Mahasattva, com seu coração de amor-benevolente, oferece um
veículo, ele deveria sempre fazer esse voto.

O Voto do Bodhisattva em Doação de Roupas

Também, além disso, oh bom homem! Quando o Bodhisattva-


Mahasattva, com seu coração de amor-benevolente, oferece roupas,
ele deveria sempre orar: ‘Compartilharei sempre com todos os seres
aquilo que ofereço agora, e através disto permitirei a todos os seres
ganharem a roupa do arrependimento, deixarem o Dharma-
Maravilhoso cobrir seus corpos e despojarem as roupas de todas as
visões distorcidas. Um robe será colocado sobre as partes do corpo
(até) um pé e seis polegadas. O corpo que brilha é ouro; seu toque é
suave e sem obstruções; sua cor é brilhante; sua pele é suave e delica-
da. A Luz Eterna é perene e incolor. Rogo para que todos os seres ga-
nhem o corpo incolor, deixem todas as cores, e atinjam o Grande Nirva-
na’. Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva oferece rou-
pas, definitivamente, ele deveria fazer esse voto.

O Voto do Bodhisattva em Doação de Flores e Incensos

Também, além disso, oh bom homem! Quando o Bodhisattva-


Mahasattva, praticando o amor-benevolente, oferece flores, incenso,
incenso em pasta, incenso em pó ou vários tipos de incenso, ele deveria
sempre fazer esse voto: ‘Compartilharei com todos os seres o que ofe-
reço agora, e rogo para que, através disto, todos os seres atinjam o
samadhi do Buda-Flor, e que lhes permita colocar sobre suas cabeças o
ornato maravilhoso dos sete elementos do Bodhi. Rogo para que todos
os seres pareçam como a lua cheia e que a sua compleição seja maravi-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 128


lhosa e melhor. Rogo para que todos os seres pareçam um (sem distin-
ções) e sejam adornados com uma centena de bênçãos. Rogo para que
todos os seres ganhem qualquer cor que desejem ter. Rogo para que
todos os seres encontrem um bom amigo da Via e ganhem o incenso do
desimpedimento e acabem com todos os maus odores e impurezas.
Rogo para que todos os seres estejam enraizados no bem e possuam
gemas raras. Rogo para que, quando verem, sintam felicidade e não
tenham apreensões ou tristezas; que sejam todos trajados nas boas
ações, e que não tenham ansiedades. Rogo para que todos os seres
sejam completamente realizados (perfeitos) no incenso dos preceitos e
que a fragrância desse incenso preencha todas as dez direções. Rogo
para que todos os seres sejam perfeitos nos preceitos que são inflexí-
veis, os preceitos da tenacidade, e os preceitos de todas as Sabedorias;
que eles se apartem de todas as ações de violação-dos-preceitos, que
ganhem um estado totalmente isento dos preceitos, os preceitos que
são sem precedentes, os preceitos que não necessitam de mestre, os
preceitos da não-ação, os preceitos imaculados, os preceitos da última-
meta, do absoluto e do todo-igual. Haverá o imaculado shila [preceitos],
não favorecimento, não vingança, nem bom, nem mau, tudo será igual,
sem ódio e sem amor. Rogo para que todos os seres ganhem o mais
supremo, o Mahayana, e não os preceitos do Hinayana. Rogo para que
todos os seres sejam perfeitos no shilaparamita [moralidade transcen-
dente] e também se igualem nos preceitos atingidos por todos os Bu-
das. Rogo para que todos os seres possam ser cobertos com o incenso
da doação, com os preceitos da proteção (defesa), paciência, esforço,
meditação, e Sabedoria. Rogo para que todos os seres sejam realizados
no lótus todo-maravilhoso do Grande Nirvana, e que a fragrância deste
preencha as dez direções. Rogo para que todos os seres compartilhem
das delicias insuperáveis do Grande Nirvana do Mahayana e que ajam
como a abelha faz ao chamado de uma flor, levando com ela apenas a
sua fragrância. Rogo para que todos os seres alcancem um corpo cober-
to com o incenso de inumeráveis virtudes’. Oh bom homem! O Bodhi-
sattva-Mahasattva, definitivamente, sempre faz o voto da maneira aci-

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 129


ma descrita quando ele reside no coração de amor-benevolente e ofe-
rece flores e incenso.

O Voto do Bodhisattva em Doação de Roupas de Cama

Também, além disso, oh bom homem! Quando o Bodhisatta-


Mahasattva, com um coração de amor-benevolente, oferece roupas de
cama, ele deveria sempre fazer esse voto: ‘Compartilharei com todos os
seres e, através disto, todos os seres obterão a cama que se vê na Terra
Búdica, atingirão a grande Sabedoria e residirão nos quatro dhyanas
[profundo estado meditativo]; [Rogo para] que eles durmam na cama
que os Bodhisattvas usam, não durmam naquelas (camas) dos Sravakas
e Pratyekabudas. Rogo para que todos os seres durmam em camas pací-
ficas, abandonando a cama do nascimento e da morte, e durmam na
cama do Leão do Grande Nirvana. Rogo para que todos os seres ga-
nhem essa cama, e depois, para o benefício de inumeráveis outros se-
res, se movam de um lugar para outro e manifestem a conduta do leão
de todos os poderes divinos. Rogo para que todos os seres vivam no
grande palácio do Mahayana e preguem a Natureza-de-Buda para o
benefício de todos os seres. Rogo para que todos os seres durmam na
cama insuperável, e não subordinados aos dharmas mundanos. Rogo
para que todos os seres ganhem a cama da paciência, afastando-se
dessa forma do nascimento e da morte, da fome, do frio, e do desejo.
Rogo para que todos os seres atinjam a cama do destemor e afastem-se
de todas as preocupações com a retaliação das impurezas. Rogo para
que todos os seres ganhem a cama imaculada e olhem para a insuperá-
vel Via correta. Rogo para que todos os seres ganhem a cama do Dhar-
ma Maravilhoso e sempre estejam sob a proteção de bons amigos
(mestres) do ensino. Rogo para que todos os seres sejam capazes de
dormir sobre o seu lado direito e residam no Dharma de todos os Bu-
das’. Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva, com o cora-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 130


ção de amor-benevolente, oferece roupas de cama, ele deveria rogar
assim.

O Voto do Bodhisattva em Doação de Casas

Também, além disso, oh bom homem! Quando o Bodhisattva-


Mahasattva, residindo no seu coração de amor-benevolente, oferece
uma casa para alguém viver nela, ele deveria fazer o voto: ‘Comparti-
lharei o que agora ofereço com todos os seres e, através disto, preten-
do que todos os seres residam na casa do Mahayana e pratiquem a Via
como praticada pelos bons amigos da Via, tal que sejam capazes de
praticá-la com grande compaixão, os seis paramitas, a grande (busca)
pela verdadeira Iluminação, os caminhos e práticas que todos os Bodhi-
sattvas seguem, os ilimitados e vastos caminhos que são como o espaço
em si. Rogo para que todos os seres atinjam o [estado de] pensamento
correto e afastem-se de todos os maus pensamentos. Rogo para que
todos os seres residam pacificamente naquilo que é Eterno, Êxtase, Eu,
e Pureza; afastando-se das quatro inversões [da Verdade]. Rogo para
que todos os seres aprendam o que está escrito sobre o supramundano.
Rogo para que todos os seres infalivelmente se tornem receptáculos da
Sabedoria Insuperável. Rogo para que todos os seres entrem na casa da
amrta [imortalidade]. Rogo para que todos os seres entrem na casa do
Nirvana do Mahayana em seu primeiro pensamento, segundo pensa-
mento e último pensamento. Rogo para que todos os seres, nos dias a
vir, residam no lugar onde os Bodhisattvas vivem’. Oh bom homem!
Quando o Bodhisattva-Mahasattva, com seu coração de amor-
benevolente, oferece casas, ele deveria definitivamente fazer esses
votos.

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 131


O Voto do Bodhisattva em Doação de Lâmpadas (Velas)

Também, além disso, oh bom homem! Quando o Bodhisattva-


Mahasattva, do seu coração de amor-benevolente, oferece uma lâmpa-
da, ele deveria sempre rogar: ‘Compartilharei o que ofereço agora com
todos os seres e, através disto, permitirei aos seres serem abençoados
com luz ilimitada e residirem nos ensinamentos Budistas. Rogo para que
todos os seres ganhem a luz da lâmpada. Rogo para que todos os seres
sejam abençoados com a luz toda-maravilhosa e suprema. Rogo para
que todos os seres sejam abençoados com olhos que sejam claros, bri-
lhantes e límpidos. Rogo para que todos os seres ganhem a grande Luz
da Sabedoria e compreendam o fato de que eles não possuem um eu, e
nem representam a fase de um ser humano ou da vida. Rogo para que
todos os seres vejam a Natureza-de-Buda inata, que é como a do espa-
ço. Rogo para que todos os seres sejam abençoados com olhos carnais
puros, tal que sejam capazes de ver as profundezas dos mundos das dez
direções, que são tão numerosos quanto às areias do Ganges. Rogo
para que todos os seres sejam abençoados com a luz do Buda e res-
plandeçam sobre todas as dez direções. Rogo para que todos os seres
sejam abençoados com a introspecção (discernimento) sem obstruções,
tal que sejam capazes de ver a Natureza-de-Buda inata. Rogo para que
todos os seres sejam abençoados com a luz da grande Sabedoria e des-
truam toda a escuridão e o [estado mental do] icchantika. Rogo para
que a ilimitada luz de todos os seres resplandeça sobre todas as inume-
ráveis Terras Búdicas. Rogo para que todos os seres acendam a lâmpada
do Mahayana e sejam libertos da prisão dos dois veículos. Rogo para
que a luz com a qual todos os seres serão abençoados destrua a escuri-
dão da ignorância por mais de mil dias. Rogo para que todos os seres
sejam abençoados com a luz de uma bola-de-fogo e acabem com as
trevas dos três mil grandes sistemas de mil mundos. Rogo para que
todos os seres alcancem as Cinco Visões [isto é, o olho físico, o celestial,
o da Sabedoria, o do Dharma, e o Olho do Buda] e despertem para o
Verdadeiro Aspecto de Todos os Fenômenos, e atinjam a luz do mestre.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 132


Rogo para que todos os seres não tenham visão apegada (distorcida) ou
ignorância. Rogo para que todos os seres sejam abençoados com a luz
maravilhosa do Grande Nirvana do Mahayana e mostrem a todos os
seres a (sua) Natureza-de-Buda’. Oh bom homem! Quando o Bodhisatt-
va-Mahasattva, do seu coração de amor-benevolente, oferece uma
lâmpada (vela), ele deveria fazer votos assim.

Oh bom homem! ‘Todas as raízes do bem de todos os Sravakas e Prat-


yekabudas, Bodhisattvas e todos os Tathagatas têm como seu funda-
mento o amor-benevolente’. Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-
Mahasattva pratica o coração de amor-benevolente, ele ganha todas
essas inumeráveis raízes do bem como: [atenção para] a impureza [‘a-
subha-smrti’ – despertar para a impureza do corpo carnal], [meditação
sobre] expiração e inspiração do ar [‘anapana-smrti’], [despertar para] a
impermanência, nascimento-e-morte, as quatro atenções [‘catursmrt-
yupasthana’ – atenção para a impureza do corpo, atenção para os sen-
timentos como sofrimento, atenção para a mente como algo imperma-
nente, e atenção para as leis (dharmas) como sendo eventuais, sem
uma separação, ou de uma natureza exclusiva delas próprias], os sete
expedientes, as três visões da existência, os doze elos do surgimento
interdependente, meditação sobre impermanência, etc., (despertar
para) ‘usmagata, ksanti’ [paciência], ‘laukikagradharma’ [condição pri-
mordial, ou primeira-raiz-do-bem-do-mundo], ‘darshana-marga’ [o ca-
minho da visão], ‘bhavana-marga’ [caminho da meditação], esforço-
correto-e-determinação, todas as raízes e poderes, os sete fatores da
Iluminação [atenção, investigação discriminativa do Dharma, vigor na
prática, arrebatamento supersensitivo, pacificação do corpo e da men-
te, concentração, e equanimidade], os oito caminhos [Nobre Caminho
Óctuplo], os quatro dhyanas, as quatro mentes ilimitadas, as oito eman-
cipações, os oito estágios superiores, os dez-estágios, a capacidade para
ler pensamento [‘para-cetan-paryaya-jnana’], e outros poderes divinos,
conhecimento da Grande Penetração, conhecimento do Sravaka, co-
nhecimento do Pratyekabuda, conhecimento do Bodhisattva, e conhe-

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 133


cimento do Buda. Oh bom homem! Tudo isso tem como seu fundamen-
to o amor-benevolente. Oh bom homem! Por esta razão, o amor-
benevolente é verdadeiro, e não aquilo que é falso. Se qualquer pessoa
indaga sobre a raiz de qualquer aspecto da bondade, diga que é o amor-
benevolente. Assim, isto é verdadeiro e não falso.

Oh bom homem! ‘Uma pessoa que realiza o bem é [alguém] de pensa-


mento verdadeiro’. Pensamento verdadeiro é amor-benevolente. Amor-
benevolente é o Tathagata. Amor-benevolente é Mahayana. Mahayana
é amor-benevolente. Amor-benevolente é o Tathagata. O Tathagata é
amor-benevolente. Oh bom homem! Amor-benevolente é Grande
Brahma. Grande Brahma é amor-benevolente. Amor-benevolente é o
Tathagata. Oh bom homem! Amor-benevolente age como o pai para
todos os seres. O pai é amor-benevolente. Amor-benevolente é o Ta-
thagata. Oh bom homem! Amor-benevolente é o que existe no incon-
cebível mundo de todos os Budas. O que existe no inconcebível mundo
de todos os Budas é nada mais que amor-benevolente. Saiba que amor-
benevolente é o Tathagata. Oh bom homem! Amor-benevolente é a
Natureza-de-Buda de todos os seres. Essa Natureza-de-Buda há muito
tem sido obscurecida pelas impurezas. Este é o porquê de todos os se-
res serem incapazes de vê-la. A Natureza-de-Buda é amor-benevolente.
Amor-benevolente é o Tathagata. Oh bom homem! Amor-benevolente
é o grande firmamento. O grande firmamento é amor-benevolente.
Amor-benevolente é o Tathagata. Oh bom homem! Amor-benevolente
é o espaço. O espaço é amor-benevolente. Amor-benevolente é o Ta-
thagata. Oh bom homem! Amor-benevolente é o Eterno. O Eterno é
Dharma. Dharma é a Sangha. A Sangha é amor-benevolente. Amor-
benevolente é o Tathagata. Oh bom homem! Amor-benevolente é Êxta-
se. Êxtase é Dharma. Dharma é a Sangha. A Sangha é amor-
benevolente. Amor-benevolente é o Tathagata. Oh bom homem! Amor-
benevolente é o Puro. O Puro é Dharma. Dharma é a Sangha. A Sangha
é amor-benevolente. Amor-benevolente é o Tathagata. Oh bom ho-
mem! Amor-benevolente é o Eu. O Eu é Dharma. Dharma é a Sangha. A

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 134


Sangha é amor-benevolente. Amor-benevolente é o Tathagata. Oh bom
homem! Amor-benevolente é amrta [imortalidade]. Amrta é amor-
benevolente. Amor-benevolente é a Natureza-de-Buda. A Natureza-de-
Buda é Dharma. Dharma é a Sangha. A Sangha é amor-benevolente.
Amor-benevolente é o Tathagata. Oh bom homem! Amor-benevolente
é a suprema Via de todos os Bodhisattvas. A Via é amor-benevolente.
Amor-benevolente é o Tathagata. Oh bom homem! Amor-benevolente
é o ilimitado mundo de Todos-os-Budas-Honrados-pelo-Mundo. O
mundo ilimitado é amor-benevolente. Saiba que amor-benevolente é o
Tathagata.

Oh bom homem! Se o amor-benevolente é o não-eterno, o não-eterno


é amor-benevolente. Saiba que este amor-benevolente é aquele do
Sravaka [isto é, inferior, não o Supremo]. Se amor-benevolente é sofri-
mento, sofrimento é amor-benevolente. Saiba que este amor-
benevolente é aquele do Sravaka. Oh bom homem! Se o amor-
benevolente é impuro, o impuro é amor-benevolente. Saiba que este
amor-benevolente é aquele do Sravaka. Oh bom homem! Se o amor-
benevolente é não-Eu, não-Eu é amor-benevolente. Saiba que este a-
mor-benevolente é aquele do Sravaka. Oh bom homem! Se o amor-
benevolente é mente de impurezas, a mente de impurezas é amor-
benevolente. Saiba que este amor-benevolente é aquele do Sravaka. Oh
bom homem! Se o amor-benevolente não pode ser chamado danapa-
ramita, este é o amor-benevolente do não-dana. Saiba que este amor-
benevolente é aquele do Sravaka. O mesmo se passa com o prajnapa-
ramita. Oh bom homem! Se o amor-benevolente não pode beneficiar
todos os seres, tal amor-benevolente é nada mais do que aquele do
Sravaka. Oh bom homem! Se o amor-benevolente não se enquadra na
forma única da Via, saiba que este amor-benevolente é aquele do Sra-
vaka. Oh bom homem! Se o amor-benevolente [não] desperta para
todas as leis (dharmas), saiba que este amor-benevolente é aquele do
Sravaka. Oh bom homem! Se o amor-benevolente não pode ver a Natu-
reza-do-Tathagata, saiba que este amor-benevolente é aquele do Sra-

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 135


vaka. Oh bom homem! Se o amor-benevolente é de ‘asvaras’ [impure-
zas espirituais], esse amor-benevolente de ‘asvaras’ é aquele do Srava-
ka. Oh bom homem! Se o amor-benevolente é o criado, o amor-
benevolente do criado é aquele do Sravaka. Oh bom homem! Se o a-
mor-benevolente não pode alcançar o primeiro ‘bhumi’ [primeiro está-
gio de um Bodhisattva superior], saiba que um amor-benevolente que
não é do primeiro ‘bhumi’ é aquele do Sravaka. Oh bom homem! Se o
amor-benevolente não adquire os dez poderes e os quatro destemores
do Buda, saiba que este amor-benevolente é aquele do Sravaka. Oh
bom homem! Se o amor-benevolente [meramente] obtém as quatro
fruições da prática do Hinayana, saiba que este amor-benevolente é
aquele do Sravaka.

Oh bom homem! Se o amor-benevolente é um ‘é ou não-é’, ‘nem é ou


nem não-é’, tal amor-benevolente não é algo que possa ser conhecido
por Sravakas e Pratyekabudas. Oh bom homem! Se o amor-benevolente
é inconcebível, Dharma é inconcebível. A Natureza-de-Buda é inconce-
bível. O Tathagata também é inconcebível. Oh bom homem! Se o Bo-
dhisattva-Mahasattva reside no Mahaparinirvana do Mahayana e prati-
ca amor-benevolente, ele não está dormindo mesmo quando no repou-
so do sono, porque ele é todo-esforço. Embora acordado, ele não está
acordado, porque não existe (a fase) dormindo com ele. Embora os
deuses o protejam, não há nada que o proteja, uma vez que não há
nada que lhe faça maldade. Embora dormindo, não existe sonho com
maldade, porque ele não tem maldade e está longe de estar dormindo.
Após a morte, ele nasce no céu do Brahma, mas não existe nascimento
porque ele é sem-impedimentos. Oh bom homem! Uma pessoa que
pratica amor-benevolente atinge de fato essas infinitas e ilimitadas
virtudes. Oh bom homem! Este Todo-Maravilhoso Sutra do Mahapari-
nirvana, também, realiza essas infinitas e ilimitadas virtudes. Oh bom
homem! O Buda-Tathagata, também, é realizado nessas infinitas e ilimi-
tadas virtudes.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 136


O Medo e a Felicidade

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Todos os pensamentos do Bo-


dhisattva são verdadeiros e dos Sravakas e Pratyekabudas não são ver-
dadeiros. Por que todos os seres não são abençoados com alegria e
felicidade através dos poderes divinos dos Bodhisattvas? Se todos os
seres não alcançam a felicidade, podemos pensar que o amor-
benevolente praticado pelo Bodhisattva é infrutífero.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não é o caso que o amor-benevolente


do Bodhisattva não produza benefícios. Oh bom homem! Os seres po-
dem ser aqueles que infalivelmente sofrerão ou (aqueles) que não (so-
frerão). Para aqueles seres que, sem falha, tenham que sofrer, o amor-
benevolente do Bodhisattva não tem qualquer benefício para outorgar.
Isto refere-se ao icchantika. Para aqueles a quem o sofrimento não é
infalivelmente o seu destino, o amor-benevolente do Bodhisattva gera
benefícios e todos os seres desfrutam da felicidade. Oh bom homem!
Por exemplo, é como no caso de uma pessoa que vê à distância um
leão, tigre, leopardo, chacal, lobo, rakshasa [demônio devorador de
carne] ou outra criatura, e o medo surge dela mesma; ou uma pessoa
que caminhando à noite vê um marco fincado no chão, e o medo surge.
Oh bom homem! Todas essas pessoas sentem medo espontaneamente.
Quando os seres vêem uma pessoa praticando amor-benevolente, a
felicidade surge espontaneamente. Por essa razão, podemos dizer que a
prática do amor-benevolente do Bodhisattva é pensamento verdadeiro
e não é sem benefícios.

Elefantes Enfurecidos

Oh bom homem! Existem inumeráveis portais para o amor-benevolente


sobre o qual eu falei. Esses são os poderes divinos. É como no caso de
Devadatta, que instigou (o Rei) Ajatasatru [a matar o seu próprio pai] e

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 137


que tentou ferir o Tathagata. Naquela ocasião, eu estava em Rajagriha,
mendigando esmolas de casa em casa. O Rei Ajatasatru soltou um ele-
fante demente e enlouquecido que ele usava para proteger as suas
possessões e patrimônio familiar, e tentou ferir a mim e aos meus discí-
pulos. Naquela ocasião, o elefante pisoteou e matou uma boa centena
de milhares de pessoas. Conforme as pessoas foram sendo mortas, o
sangue fluiu. O elefante o cheirou e a sua fúria aumentou. Eu, ao ver a
cor vermelha na roupa dos seguidores, disse: ‘Sangue!’ E vi meus discí-
pulos correrem. Aqueles que ainda não haviam eliminado a idéia de
desejo correram em todas as direções, exceto Ananda. Então as pessoas
de Rajagriha choravam e soluçavam ruidosamente e diziam: ‘É muito
provável que a vida do Tathagata tenha chegado a um fim hoje. Como
pode o Verdadeiramente Iluminado morrer em apenas um dia?’ Então
Devadatta regozijou: ‘É muito bom que o Shramana Gautama esteja
morrendo. De agora em diante, realmente, não haverá mais aquilo que
ocorria antes. Quão bom é que as coisas fiquem assim! Alcancei o meu
objetivo!’ Oh bom homem! Com a intenção de subjugar o elefante do-
méstico, eu entrei no Samadhi do amor-benevolente. Fechei minha mão
e abri, soltando cinco leões dos meus cinco dedos. O elefante, ao ver
isto, soltou a sua urina e excrementos, prostrou seu corpo ao chão e
reverenciou-me. Oh bom homem! Não tenho [de fato] quaisquer leões
em meus dedos. Devido ao poder do bem da prática do amor-
benevolente, o elefante foi assim subjugado.

Também, além disso, oh bom homem! Para entrar no Nirvana, eu dei


meus primeiros passos em direção à Kushinagar. Havia 500 lutadores
(trabalhadores de força avantajada) que estavam construindo a parte
do meio da estrada plana. Havia uma pedra lá. Todos estavam bravos
com ela, tentando deslocá-la, mas eles não conseguiam. Senti piedade,
e o amor-benevolente surgiu. Eu então, com o dedão do meu pé, levan-
tei essa grande pedra e chutei-a para o ar. Ela então caiu de volta sobre
a palma da minha mão. Eu soprei e a transformei em pó. Ela novamente
aglutinou-se e tornou-se uma pedra. Isto foi feito para matar o pensa-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 138


mento arrogante dos lutadores. Assim, aplicando um expediente (meio
hábil), falei-lhes da Via e lhes fiz aspirar à Suprema Iluminação. Oh bom
homem! O Tathagata, naquela ocasião, chutou a grande pedra com o
seu dedão, atirou-a no ar e a fez voltar novamente para sobre a palma
da sua mão direita. Soprei e a transformei em pó, e a fiz juntar-se no-
vamente. Oh bom homem! Saiba que o poder da bondade do amor-
benevolente permitiu a todos os lutadores verem esse espetáculo.

A Espera do Shramana Gautama

Também, além disso, oh bom homem! Aqui no Sul da India, existe um


grande castelo chamado Surparaka. Nesse castelo viveu um homem rico
cujo nome era Ruci. Ele conduziu o povo. Ele já havia feito muitas boas
ações no passado no lugar (função) de inumeráveis Budas. Oh bom ho-
mem! Todos os habitantes daquele castelo estavam professando cren-
ças errôneas, servindo a Nirgranthas. Como eu desejava ensinar esse
homem rico, viajei para essa cidade do castelo. A distância era de 65
yojanas [yojana = 15-20 kilometros]. O Buda cobriu essa distância a pé,
seguido pelo seu séquito. Isto foi para ensinar o povo. Os Nirgranthas,
ao ouvirem que eu estava chegando à cidade-castelo, pensaram: ‘Se o
Shramana Gautama chegar aqui, todos nos abandonarão e não mais
farão quaisquer oferecimentos para nós. Seremos duramente pressio-
nados. Como sustentaremos nossas vidas?’ Todos os Nirgranthas foram
aqui e ali, e disseram às pessoas da cidade-castelo: ‘O Shramana Gau-
tama está para chegar aqui. Mas todos os Shramanas são pessoas que
abandonaram seus pais e se foram para o leste e oeste. Onde quer que
vão, faltam cereais, o povo sofre de fome e muitos têm morrido. As
doenças prevalecem e não há meios de salvar as pessoas. Gautama é
um vagabundo e é seguido por rakshasas e demais demônios. Todos são
solitários, sem pai ou mãe. Eles vêm, reverenciam-no e seguem-no. Ele
ensina a vacuidade. Onde quer que ele vá, não há paz’. As pessoas, ou-
vindo isto, ficavam assustadas e tocavam os pés do Nirgrantha, dizendo:

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 139


‘Oh grande! O que fazemos?’ O Nirgrantha respondia: ‘O Shramana
Gautama, por natureza, ama florestas, rios, lagos, e água pura. Se existi-
rem tais coisas, destruam-nas. Saiam todos da cidade juntos, derrubem
as árvores, não deixem uma sequer. Encham os rios, lagos e nascentes
com coisas sujas (lixo). Fechem os portões do castelo. Tragam soldados,
bastões para os baluartes e mantenham uma vigilância implacável! Ele
pode vir, mas não lhe permitam entrar. Se ele não vir, vocês estarão
seguros. Nós, também, pensaremos em alguns meios e o faremos vol-
tar’. Todas as pessoas ouviram isto e, respeitosamente, fizeram como
lhes foi dito. Eles derrubaram todas as árvores, sujaram todas as águas,
e armaram-se fortemente para proteção. Oh bom homem! Quando eu
cheguei lá, não podia ver qualquer árvore ou floresta; tudo o que eu
podia ver eram pessoas empunhando armas espalhadas pelas muralhas
do castelo em guarda. Vendo isto, a compaixão emergiu de dentro de
mim, e com o coração cheio de amor-benevolente eu dei um passo à
frente. Então todas as árvores voltaram e pareciam exatamente como
eram antes. E todas as árvores, cujo número estava para além do côm-
puto, cresceram novamente. As águas dos rios, lagos, nascentes e fon-
tes eram todas puras e abundantes, como a vaidurya azul. Todos os
tipos de flores espalharam-se em profusão. Os baluartes pareciam vai-
durya azul-escuro. Todas as pessoas podiam ver-me facilmente e ao
meu séquito. Os portões abriram-se sozinhos, nada lhes detendo. Todas
as armas transformaram-se em várias flores. Guiadas por Ruci, todas as
pessoas vieram ver-me. Então falei sobre muitas coisas relativas ao
Dharma e fiz a todos aspirarem à Iluminação Insuperável. Oh bom ho-
mem! Eu, naquela ocasião, evoquei todas aquelas árvores artificialmen-
te e enchi os córregos, rios e lagos com água pura. Fiz o castelo principal
transformar-se e se tornar parecido com a vaidurya azul-escuro. Permiti
a todas as pessoas verem através de mim. Fiz os portões se abrirem e
com que as armas se transformassem em flores. Oh bom homem! Saiba
que o poder da bondade do amor-benevolente permitiu àquelas pesso-
as verem tais coisas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 140


A Criança de Vasistha

Também, além disso, oh bom homem! Havia no castelo de Sravasti uma


mulher chamada Vasistha. Ela tinha um filho a quem amava demais. Seu
filho morreu de uma doença. Então, a tristeza envenenou seu [coração]
e ela tornou-se má. Ela despojou-se de todas as suas roupas e não sen-
tia vergonha. Ela vagueava pelos caminhos, soluçava e chorava: ‘Oh
minha criança, minha criança! Para onde foi?’ Ela andava [incansavel-
mente] ao redor do castelo-cidade e não havia parada para ela. Mas
antes, essa mulher já havia acumulado virtudes no lugar (função) do
Buda. Oh bom homem! Eu não podia ajudar, mas simpatizei com ela.
Ela me viu e pensou sobre o seu filho [isto é, pensou que eu fosse seu
filho] e voltou a si. Ela veio a mim e abraçou-me como se eu fosse o seu
próprio filho. Eu então disse para o meu seguidor, Ananda: ‘Vá, consiga
alguma roupa e dê a ela’. Após ter-lhe dado alguma roupa, eu disse-lhe
várias coisas sobre a Via. Tendo ouvido sobre a Via, a mulher ficou enle-
vada e aspirou à Iluminação Insuperável. Oh bom homem! Eu, naquela
ocasião, não era seu filho; ela não era minha mãe. Também, não houve
abraço. Oh bom homem! Saiba que isso foi nada mais que o poder da
boa ação do amor-benevolente, através do qual aquela mulher viu tais
coisas.

Namo Buddhaya! Benefícios Equânimes

Também, além disso, oh bom homem! No castelo de Varanasi, existia


uma Monja chamada Mahasenadatta, que já havia feito antes várias
boas ações no lugar (função) de inumeráveis Budas. Essa Monja convi-
dou a Sangha [para serem seus hóspedes] por 90 dias no verão, e ofere-
ceu remédios à Sangha. Naquela ocasião, havia um Monge que estava
seriamente adoecido. Um bom médico o viu e prescreveu carne huma-
na. Se a carne fosse dada, a doença seria imediatamente afastada. Se
não o fosse, sua vida estaria em jogo. Ouvindo as palavras do doutor, a

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 141


Monja pegou uma quantidade de ouro e foi cidade afora, dizendo:
‘Quem pode me vender carne humana? Eu quero comprar alguma (car-
ne humana). Darei em ouro a quantidade de carne’. Ela foi cidade afora,
mas ninguém lhe deu qualquer atenção. Então a Monja cortou uma
parte da sua própria coxa. Ela preparou um cozido, temperou-o, e deu-
lhe ao Monge. Após ele tê-lo comido, a sua doença foi curada. [Mas,] a
dor que a Monja sentia da sua ferida era tão grande que ela não a su-
portava e gritava: ‘Namo Buddhaya, namo buddhaya!’ Eu estava em
Sravasti naquela ocasião e ouvi sua voz. Uma grande piedade tomou
conta de mim por essa Monja. A mulher, recebendo de mim um bom
remédio, aplicou-o em sua ferida. Procedeu-se a cura, e tudo voltou a
ser como antes. Disse-lhe coisas maravilhosas sobre a Via. Ouvindo-as,
ela ficou enlevada e aspirou ao supremo Bodhi. Oh bom homem! Eu,
naquela ocasião, não fui ao Castelo de Varanasi, ou levei o remédio
comigo e o passei sobre o corpo da Monja. Oh bom homem! Saiba que
tudo isto veio do poder inerente às boas ações de amor-benevolente,
que permitiu à Monja experimentar essas coisas.

Também, além disso, oh bom homem! Devadatta, o malvado, era ga-


nancioso para além das medidas. Ele comeu uma quantidade de man-
teiga, teve uma dor de cabeça, um inchaço da barriga e a dor era tão
grande que ele não podia suportá-la. Ele dizia: ‘Namo Buddhaya, namo
buddhaya!’ Naquela ocasião, eu estava vivendo na cidade-castelo de
Ujjaini. Ouvindo a sua voz, a piedade tomou conta de mim. Então Deva-
datta viu-me chegar até ele, esfregar a sua cabeça e barriga, lhe dar
salmoura quente e fazer-lhe tomá-la. Tendo tomado-a, ele recuperou a
sua saúde. Oh bom homem! Eu não fui para onde Devadatta estava,
esfreguei a sua cabeça e barriga, ou dei-lhe salmoura quente. Oh bom
homem! Tudo isto surgiu do poder da virtude inerente às boas ações de
amor-benevolente, de tal forma que Devadatta foi capaz de ver tudo
isto.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 142


Também, além disso, oh bom homem! No estado de Kosala, lá estavam
500 ladrões. Esse bando de ladrões saqueava e causava muitos estra-
gos. Preocupado com os seus malefícios, o Rei Prasenajit enviou alguns
soldados que, escondidos sob camuflagem, capturaram o bando. Tendo
capturado-os, seus olhos foram arrancados e eles foram levados para
uma floresta escura e abandonados lá. Esses ladrões, no passado, ti-
nham plantado virtudes sob o (Dharma) do Buda. Tendo perdido os
seus olhos e sofrendo grande dor, eles gritavam: ‘Namo Buddhaya, na-
mo Buddhaya! Agora não temos ninguém para socorrer-nos’. Eles solu-
çavam e choravam ruidosamente. Eu me encontrava em Jetavana na-
quela ocasião. Ouvindo o seu pranto, o amor-benevolente invadiu-me.
Então, um vento frio surgiu, o qual soprou e preencheu as cavidades
dos seus olhos com um remédio fragrante. Então, os seus olhos se re-
generaram, não diferentes do que eram antes. Os ladrões abriram os
seus olhos e viram que o Buda estava diante deles, pregando o Dharma.
Tendo ouvido o sermão, os ladrões aspiraram à Iluminação Insuperável.
Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, não fiz surgir o vento frio e o
sopro de remédio fragrante; nem fiquei diante deles. Oh bom homem!
Saiba que tudo isto foi o resultado do poder da bondade do amor-
benevolente que fez com que as coisas assim acontecessem.

Também, além disso, oh bom homem! O Príncipe Vidudabha, devido à


ignorância, acabou com o seu pai e ascendeu ao trono. Também, recor-
dando um ódio antigo, ele matou muitos do Clã dos Shakyas [o Clã do
próprio Buda]. Doze mil mulheres Shakyas foram aprisionadas. Como
punição, suas orelhas e narizes foram cortados. Suas mãos e pernas
foram cortadas, e elas foram jogadas em buracos e valas. Então as mu-
lheres, oprimidas pela dor, diziam: ‘Namo Buddhaya, namo Buddhaya!
Estamos indefesas’. Elas também soluçavam e choravam. Todas aquelas
mulheres, antes já haviam acumulado virtudes nos [tempos dos] Budas.
Naquela ocasião eu estava no Bosque dos Bambús. Ouvindo o seu la-
mento, o amor-benevolente invadiu-me. Naquela ocasião, todas as
mulheres viram que eu fui a Kapilavastu e que eu lavei as suas feridas

Capítulo 21 – Sobre Ações Puras 1 Página 143


com água e lhes apliquei remédios. Sua dor gradualmente foi aliviada, e
suas orelhas, narizes, mãos e pernas lhes foram restauradas, da forma
como eram antes. Eu então, de uma maneira simples, falei sobre a es-
sência do Dharma e todas elas aspiraram à Iluminação Insuperável. Elas
foram ordenadas onde estava Mahaprajapati [isto é, a tia do Buda e sua
mãe adotiva] e receberam o upasampada (ritual de ordenação). Oh
bom homem! Não foi o caso que o Tathagata, naquela ocasião, tenha
ido a Kapilavastu e lavado suas feridas com água, aplicado remédios e
cessado a dor. Oh bom homem! Saiba que isto aconteceu como um
resultado do poder do bem inerente ao amor-benevolente, o qual per-
mitiu às mulheres experimentarem essas coisas.

O mesmo ocorre também com a compaixão e a intenção-amável (ale-


gria simpática). Oh bom homem! Por esta razão, o pensamento [estado
mental] do amor-benevolente praticado pelo Bodhisattva-Mahasattva é
verdadeiro e não falso. Oh bom homem! ‘Ilimitado’ significa ‘inconcebí-
vel’. Aquilo que o Bodhisattva faz é inconcebível. Aquilo que o Buda faz,
também é inconcebível. O mesmo se aplica a esse Sutra Mahayana do
Grande Nirvana, também, que é igualmente inconcebível.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 144


Capítulo Vinte e Dois: Sobre Ações Puras 2

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, ten-


do praticado o amor-benevolente, a compaixão e a alegria simpática
(intenção amável) atinge o estágio do mais-querido (amado) único filho.
Oh bom homem! Por que chamamos esse estágio de ‘mais-querido’ e
também ‘único filho’? Um pai e uma mãe, por exemplo, regozijam e-
normemente quando vêem seu filho em paz. O mesmo se passa com o
Bodhisattva-Mahasattva que reside neste patamar [‘bhumi’]. Ele vê
todos os seres exatamente como se fossem seu único filho. Ao ver uma
pessoa praticando a bondade, ele regozija enormemente. Por isso cha-
mamos esse estágio de ‘mais-querido’.

Oh bom homem! Como um exemplo: um pai e uma mãe ficam preocu-


pados em seus corações quando eles vêem seu filho doente. A comise-
ração [angústia] envenena os seus corações; seus pensamentos não
podem esquecer a doença. É assim, também, com o Bodhisattva-
Mahasattva que reside neste estágio. Quando ele vê os seres atados
pelas doenças das impurezas, seu coração dói. Ele fica preocupado co-
mo se tratasse do seu próprio filho. O sangue surge de todos os poros
da sua pele. Este é o porquê chamamos esse estágio de ‘único filho’.

Oh bom homem! Uma pessoa, na sua infância, pegará terra, coisas su-
jas, cacos, pedras, restos de ossos, pedaços de madeira e os colocará
em sua boca, até que seu pai e sua mãe, temendo os danos que possam
advir, segurem a criança com sua mão esquerda e joguem essas coisas
fora coma a sua (mão) direita. O mesmo acontece com o Bodhisattva
desse estágio. Ele vê que todos os seres não avançam para o estágio do
Corpo-de-Dharma e que aquilo que se faz com o corpo, a boca e a men-
te não é bom. O Bodhisattva vê isso e arranca [as coisas nocivas] com as
mãos da Sabedoria. Ele não quer que qualquer pessoa repita nascimen-
tos e mortes, recebendo desta sorte sofrimento e aflições. Portanto,
esse estágio é também chamado de ‘bhumi’ do ‘único filho’.

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 145


Oh bom homem! Por exemplo, quando um filho morre e o pai e a mãe
têm que se separar do filho que amam, seus corações doem tanto que
eles sentem que eles próprios morrerão também. É o mesmo com o
Bodhisattva. Quando ele vê um icchantika [pessoa deludida, com visões
distorcidas da vida] caindo no inferno, ele mesmo deseja nascer lá tam-
bém. Por que é assim? Porque esse icchantika, como ele sente a dor,
poderá ter um momento de arrependimento quando eu lhe falar do
Dharma de várias maneiras e permitir-lhe ganhar um pensamento do
bem. Assim, esse estágio é chamado aquele de um ‘único filho’.

Oh bom homem! Como um exemplo, todo o pai e mãe têm seu único
filho. Quer estejam dormindo ou acordados, enquanto caminham, pa-
ram, sentam ou reclinam, seu pensamento está sempre no seu filho. Se
algum pecado acontece, eles gentilmente aconselham, e o menino,
dessa forma, não é orientado a fazer o mal novamente. O mesmo se
passa com o Bodhisattva-Mahasattva, também. Quando ele vê os seres
caindo nos reinos do inferno, dos espíritos famintos e dos animais, seu
pensamento está sempre neles e não distante deles. Ele pode vê-los
fazendo todos os tipos de maldades, e mesmo assim não se torna irado
ou os pune com coisas más. Dessa forma, esse estágio é chamado
‘bhumi’ de um ‘único filho’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


que o Buda fala são palavras estritamente guardadas. Eu sou superficial
na Sabedoria. Como posso alcançar o significado? Se é o caso que todos
os Bodhisattvas residem no estágio do ‘único filho’ e podem fazer todas
essas coisas, por que foi que o Tathagata, quando nascido como um rei,
praticando a Via do Bodhisattva, tirou a vida de um Brâmane de um
[certo] lugar? Se esse estágio foi alcançado, deveria haver alguma pro-
teção. Se não foi atingido, por que ele não caiu no inferno? Se todos os
seres são vistos como ‘únicos filhos’, como Rahula, por que você disse
para Devadatta: ‘Você engole as lágrimas e a saliva de um ignorante e

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 146


sem-vergonha!’? Por que ele teve de ouvir isso e alimentar a ira, inimi-
zade e maus pensamentos, tanto como causar o sangramento do corpo
do Buda? Quando Devadatta cometeu a sua maldade, o Tathagata pro-
feriu uma profecia, dizendo: ‘Devadatta cairá no inferno, onde sua pu-
nição persistirá por um kalpa’. Oh Honrado pelo Mundo! Subhuti atingiu
o ‘bhumi’ do espaço. Toda vez que ele entra num castelo e implora por
comida, ele sempre olha para a pessoa. Se ele notar qualquer sentimen-
to de desprezo ou ciúme, ele para de mendigar. Mesmo que ele esteja
excessivamente faminto, ele não irá esmolar. Por que não? Esse Subhuti
pensa: ‘Lembro que em tempos passados eu tive um mau pensamento
em um lugar que era um campo de mérito, e como resultado eu cai no
grande inferno, onde sofri diversas dores. Agora posso não obter nada
para comer o dia todo, mas mesmo assim, não terei nenhuma má von-
tade surgida contra mim, de modo que eu tivesse que cair no inferno e
sofrer por várias aflições mentais’. Ele também pensa dessa maneira:
‘Se as pessoas odeiam me ver de pé, devo sentar ao longo de todo o dia
e não me levantar; se as pessoas não gostam de me ver sentado, devo
ficar de pé o dia todo e não me mover. O mesmo com relação a andar e
reclinar’. Esse Subhuti pensa assim de forma a proteger as pessoas.
Como as coisas com o Bodhisattva poderiam ser de outra forma? Como
poderia um Bodhisattva que atingiu o ‘bhumi’ do ‘único filho’, o Tatha-
gata, falar tão rudemente e levar uma pessoa a [acalentar] uma má-
vontade extremamente pesada?”

O Buda disse a Kashyapa: “Ora, você não deveria usar essas palavras
duras e dizer que o Buda-Tahagata faz com que algum tipo de preocu-
pação impura [qualquer aflição mental devido às ‘asvaras’] surja com os
seres. Oh bom homem! A tromba de um mosquito alcançaria o fundo
do mar antes que o Tathagata causasse qualquer preocupação impura
para qualquer ser. Oh bom homem! A grande terra tornar-se-ia imateri-
al, ou a água se tornaria sólida, o fogo frio, o vento estático, os Três
Tesouros, a Natureza-de-Buda e o espaço impermanentes; antes que o
Tathagata se tornasse uma causa de preocupações para qualquer ser.

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 147


Oh bom homem! Mesmo aqueles que têm cometido as quatro trans-
gressões graves, ou um icchantika, ou aqueles que caluniam o Dharma
Maravilhoso, poderiam atingir na presente vida os dez poderes, os qua-
tro destemores, as trinta e duas marcas de perfeição, e as oitenta carac-
terísticas menores de excelência; antes que o Tathagata ocasionasse
preocupações impuras para qualquer ser. Oh bom homem! Mesmo
Sravakas e Pratyekabudas poderiam existir eternamente antes que o
Tathagata ocasionasse preocupações impuras para qualquer ser. Oh
bom homem! Todos os Bodhisattvas dos dez estágios cometeriam as
quatro graves ofensas, tornar-se-iam icchantikas e caluniariam o Dhar-
ma Maravilhoso antes que o Tathagata alguma vez ocasionasse preocu-
pações impuras para qualquer ser. Oh bom homem! Todos os seres
perderiam a Natureza-de-Buda e o Tathagata entraria no último dos
Nirvanas antes que o Tathagata alguma vez, mesmo uma única vez,
ocasionasse preocupações impuras para qualquer ser. Oh bom homem!
Alguém poderia laçar o vento com uma corda, ou triturar o ferro com
seus dentes, ou destruir o Monte Sumeru com a unha, antes que o Ta-
thagata alguma vez ocasionasse preocupações impuras para qualquer
ser. Alguém poderia viver com víboras, ou colocar ambas as mãos na
boca de um leão faminto, ou lavar o seu corpo com o carvão da khadira,
antes que dizer que o Tathagata causa preocupações impuras para
qualquer ser. Oh bom homem! O Tathagata verdadeiramente extirpa as
amarras das aflições de todos os seres e não causa preocupações impu-
ras para qualquer um deles.

Oh bom homem! Você diz que o Tathagata, em tempos passados, ma-


tou um Brâmane. Oh bom homem! ‘O Bodhisattva-Mahasattva não
poderia propositadamente matar uma formiga’. Como ele poderia ma-
tar um Brâmane?

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 148


A Prática dos Paramitas

‘O Bodhisattva sempre, através de vários meios, concede vida intermi-


nável aos seres’. Oh bom homem! Ora, uma pessoa que dá comida con-
cede a vida. Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica o danaparamita
[doação perfeita], ele sempre dá aos seres vida ilimitada. Oh bom ho-
mem! Através da observância do preceito de não ferir (não fazer mal),
ganha-se uma longa vida.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica o shilaparamita [preceito


perfeito], ele dá a todos os seres vida ilimitada. Oh bom homem! Se a
pessoa está consciente da sua fala e não faz nada errado, ela ganha
uma longa vida.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica o ksantiparamita [paciência


perfeita] ele sempre ensina aos seres não ensejar qualquer pensamento
de inimizade, fazer o que é correto, abster-se daquilo que é distorcido,
e assim olhar para seu próprio eu e não disputar com os outros. E atra-
vés disso uma pessoa é abençoada com longa vida. Por essa razão,
quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica o ksantiparamita, ele sempre
concede aos seres longa vida. Oh bom homem! Se alguém empreende
esforços e pratica o bem, ele será abençoado com longa vida.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica o viryaparamita [perfeito


vigor, esforço], ele sempre insta aos seres fazer o bem. Uma vez que
ajam conforme ensinado, aqueles seres serão abençoados com uma
longa vida. Assim, quando o Bodhisattva pratica o viryaparamita, ele já
concede aos seres uma imensurável longa vida.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica o dhyanaparamita [medita-


ção perfeita], ele insta aos seres desenvolver a mente equalitária (tudo-
igual). Tendo praticado isto, os seres serão abençoados com longa vida.
Portanto, quando o Bodhisattva pratica o dhyanaparamita, ele já con-

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 149


cede aos seres uma imensurável longa vida. Oh bom homem! Uma pes-
soa que não é indolente com respeito ao Dharma ganha uma longa
vida.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica o prajnaparamita [sabedoria


perfeita], ele insta a todos os seres praticar todos os tipos de boas leis
[dharmas] e não ser indolentes. Tendo praticado assim, em conseqüên-
cia, os seres ganharão longa vida. Por essa razão, quando o Bodhisattva
pratica o prajnaparamita, ele já concede aos seres uma vida ilimitada.
Oh bom homem! Por essa razão, o Bodhisattva-Mahasattva não leva as
vidas de quaisquer seres a um fim.

Oh bom homem! Você indagou se alguém poderia galgar esse ‘bhumi’


(estágio) ou não quando matou um Brâmane. Oh bom homem! Eu já o
conquistei. Por amor, eu tomei a sua vida. Não foi feito com um mau
pensamento. Oh bom homem! Por exemplo, um pai e uma mãe têm um
único filho. Eles o amam imensamente e agem contra a lei. Naquela
ocasião, o pai e a mãe, por medo, banem ou matam alguém. Embora
tenham banido ou matado, eles não tinham um mau pensamento. Exa-
tamente da mesma maneira, o Bodhisattva-Mahasattva age semelhan-
temente por razões de proteção do Dharma Maravilhoso. Caso os seres
caluniem o Mahayana, ele gentilmente aplica-lhes a chibata no sentido
de curá-los. Ou ele pode tomar-lhes a vida no sentido de que aquilo que
foi cometido no passado possa ser reparado, portanto, cuidando para
que a lei [Dharma] esteja em concordância. O Bodhisattva sempre pen-
sa: ‘Como posso melhor fazer com que os seres aspirem à fé? Eu sem-
pre agirei da forma que melhor se adequar à ocasião’. O Brâmane caiu
no Inferno Avichi após a sua morte. Ele ganhou três pensamentos. O
primeiro pensamento foi: ‘De onde vim para nascer aqui dessa manei-
ra?’ E a tomada de consciência foi de que ele vinha lá do mundo dos
homens. Seu segundo pensamento foi: ‘Que lugar é esse onde agora
nasci?’ A tomada de consciência foi de que aquilo era o Inferno Avichi.
O terceiro pensamento surgiu: ‘Através de quais concatenações de cau-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 150


sas eu nasci aqui?’ Ele então veio a se conscientizar que as coisas toma-
ram esse rumo em razão das suas ofensas aos Sutras Mahayana Vaipul-
ya, pela sua não crença, e por ele ter sido morto pelo rei – assim ele
nasceu lá. Pensando dessa maneira, surgiu o respeito com relação aos
Sutras Mahayana Vaipulya. Então, após sua morte, ele nasceu no mun-
do do Amrta-Drum do Tathagata. Lá ele viveu por 10 kalpas. Oh bom
homem! Eu assim, em tempos passados, dei a essa pessoa uma vida de
10 kalpas. Como se poderia dizer que o matei? Oh bom homem! Existe
um homem que escava a terra, corta a grama, derruba árvores, esquar-
teja cadáveres, calunia e bate [nas pessoas]. Será que isto o faria nascer
no inferno?”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Pelo


que pude depreender daquilo que você disse, isto seria uma causa para
o inferno. Por quê? É como o Buda disse certa vez aos Sravakas: ‘Todos
vocês Monges! Não nutram qualquer má vontade contra gramas ou
árvores. Por que não? Porque devido a um mau pensamento, todos os
seres caem no inferno’.”

Então o Buda elogiou Kashyapa: “Bem falado, bem falado! É como você
diz. Agarre-se firme aos preceitos. Oh bom homem! Se uma pessoa cai
no inferno em consequência de um mau pensamento, isto nos diz que o
Bodhisattva não tem qualquer mau pensamento. Por que não? Porque
o Bodhisattva-Mahasattva é sempre piedoso e deseja beneficiar todos
os seres, até insetos e formigas. Por quê? Porque ele é versado em
todas as relações causais e (meios) expedientes. Através do poder dos
(meios) expedientes, ele deseja fazer com que todos os seres plantem
as sementes de todas as variadas virtudes. Oh bom homem! Por essa
razão, Eu, naquela ocasião, tomei uma vida como o melhor expediente.
Mais ainda, eu não acalentei nenhuma maldade em meu pensamento.
Oh bom homem! De acordo com a doutrina dos Brâmanes, não há
retribuição cármica mesmo se alguém mata dezenas de vagões de
formigas. Todos esses insetos e animais que prejudicam o homem, tais

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 151


como mosquito, pernilongo, pulga, piolho, gato, leão, tigre, lobo e urso
podem ser mortos em quantidades tão grandes quanto dezenas de
vagões. Seres como demônios, rakshasas, kumbhandas, kataputanas e
todos aqueles que fazem ou representam maldades que prejudicam os
seres humanos podem ser mortos, sem que qualquer mau resultado
advenha do ato de matar. Mas se alguém mata uma pessoa má,
consequências cármicas advêm. Se uma pessoa mata e não existe
arrependimento a posteriori, ela ganha vida no inferno dos espíritos
famintos. Se ela arrepende-se e jejua por três dias, o pecado é expiado
e nada fica para trás. Se qualquer dano é causado (por uma pessoa) a
um upadhyaya [mestre dos Vedas, gramática, etc.], ao seu pai, à sua
mãe, a uma mulher ou a uma vaca, a pessoa irá para o inferno por
inumeráveis milhares de anos [tudo isso de acordo com a doutrina dos
Brâmanes].

Oh bom homem! O Buda e o Bodhisattva vêem três categorias de


matança, cujos graus são: 1) baixo, 2) médio, e 3) alto. O grau baixo
aplica-se às classes dos insetos e todos os tipos de animais, exceto ao
corpo transformado do Bodhisattva que pode apresentar-se como tal
(um animal). Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, através dos
seus votos e em certas circunstâncias, pode nascer como um animal.
Isto é matança de seres da mais baixa classe. Em razão de prejudicar a
vida do mais baixo grau, ganha-se a vida nos reinos do inferno, da
animalidade ou dos espíritos famintos; e sofre-se [dores, mentais ou
físicas]. Por que é assim? Porque esses animais fizeram algo de bom.
Portanto, alguém que os fere recebe totalmente as retribuições
cármicas condizentes por suas ações. Isto é matança do grau mais
baixo. O grau médio de matança concerne aos seres da categoria dos
humanos até à classe dos Anagamins. Isto é médio grau de matança.
Como resultado, se nasce nos reinos do inferno, da animalidade e dos
espíritos famintos, e recebe-se totalmente as consequências cármicas
condizentes com o grau médio de sofrimento. Isto é matança no grau
médio. A matança em grau superior corresponde ao assassinato do pai,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 152


da mãe, de um Arhat, Pratyekabuda ou um Bodhisattva do último
estágio. Isto é matança em grau superior. Em consequência disto, cai-se
no Grande Inferno Avichi [o mais terrível de todos os infernos] e sofre-
se as consequências cármicas condizentes com o mais alto grau de
sofrimento. Isto é matança em alto grau. Oh bom homem! Uma pessoa
que mata um icchantika não sofre pelas retribuições cármicas devidas
aos três tipos de matança mencionadas acima. Oh bom homem! Todos
aqueles Brâmanes são da classe dos icchantikas. Por exemplo, essas
ações como escavar o chão, cortar a grama, derrubar árvores,
esquartejar cadáveres, falar mal, e açoitar não trazem retribuições
cármicas. Matar um icchantika cai dentro da mesma categoria.
Nenhuma retribuição cármica advém. Por que não? Porque sendo
Brâmanes, as cinco leis, começando com a fé (vigor, atenção,
concentração, e Sabedoria), não estão envolvidas aqui [Talvez: nenhum
Brâmane está preocupado com as ‘cinco raízes’ da fé, vigor, atenção,
concentração, e Sabedoria] Por essa razão, matança [deste tipo] não
conduz ao inferno.

Oh bom homem! Você indagou por que o Tathagata falou mal de Deva-
datta no sentido de que ele era uma pessoa ignorante que engolia a
saliva. Você não deveria falar mal disto, também. Por que não? Não é
possível conceber [isto é, compreender completamente] aquilo que o
Buda diz. Oh bom homem! As palavras verdadeiras são queridas no
mundo; ou há casos onde aquilo que é contrário ao tempo [ocasião] e à
lei [ensinamentos Budistas] não beneficiam uma pessoa. Eu nunca falo
assim. Oh bom homem! Há situações nas quais palavras ásperas, falsas,
inoportunas e ilegais não são agradáveis a quem as ouve, e não trazem
benefícios. Eu também não falo tais palavras. Oh bom homem! E há
ocasiões quando, embora a linguagem seja áspera, ela é verdadeira e
não falsa. Em tais ocasiões, se aquele ensino concede benefícios a todos
os seres, eu sempre falo, mesmo que o ouvinte não goste [de ouvir
minhas palavras]. Por quê? Porque o Buda, o Arhat-e-

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 153


Samyaksambuddha [o Plenamente Desperto] conhece o melhor expedi-
ente [seja qual for a situação].

Oh bom homem! Certa vez, eu passei horas nos campos, em aldeias e


florestas. Na floresta, havia um demônio chamado ‘Selvagem’. Ele co-
mia somente carne e sangue humanos, e muitos seres foram mortos. E
uma pessoa da aldeia era comida todos os dias. Oh bom homem! Eu,
naquela ocasião, estava falando expansivamente sobre a essência do
Dharma. Mas ele [o demônio] era rude, mau, ignorante, não possuía
Sabedoria, e não dava ouvidos àquilo que eu estava dizendo com res-
peito ao Dharma. Eu então me transformei num demônio muito pode-
roso, sacudi seu palácio tão fortemente que não havia paz. Então o de-
mônio saiu do seu palácio com seus aparentados para me desafiar.
Vendo-me, ele perdeu a coragem. Amedrontado, ele caiu no chão, con-
torceu-se e gemeu, e parecia como se estivesse morto. Sentindo pieda-
de dele, esfreguei o seu corpo com minhas mãos. Ele recobrou-se, sen-
tou-se e disse: ‘estou alegre por ter recuperado meu corpo e minha
vida. Esse grande deus possui grande virtude. Sendo compassivo, ele
perdoou meus atos odiosos’. Ele ganhou um bom pensamento [estado
mental] e fé diante de mim. Eu então reassumi meu corpo como Tatha-
gata e falei a ele sobre vários Dharmas essenciais. E fiz com que o de-
mônio recebesse de mim o preceito de não fazer o mal (ferir, prejudi-
car).

Naquele dia havia um homem rico na aldeia daqueles confins, que esta-
va para morrer. Os aldeões trouxeram-no ao demônio. O demônio, após
recebê-lo, entregou-o a mim. Eu o recebi e chamei esse homem rico de
‘Homem-da-Mão-Rica’. Então o demônio disse-me: ‘Oh Honrado pelo
Mundo! Meu povo e eu nos alimentávamos de carne e sangue humanos
e [assim] sustentávamos [nossas] vidas. Agora eu recebi esse shila [re-
gra de conduta moral]. Como viverei?’ Eu respondi: ‘De agora em dian-
te, eu darei ordens aos Sravakas. Siga-os e vá para onde eles praticam a
Via, e faça com que eles lhe dêem coisas para comer’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 154


Oh bom homem! Por essa razão, eu instituí esse shila para os Monges:
‘Doravante, vocês deveriam oferecer comida ao demônio do campo
(selvagem). Se houver aqueles que, vivendo por si mesmos, não possam
dar (fazer oferecimentos), esses – vocês devem saber – não são meus
discípulos, mas sim parentes do Mara celestial [demônio residente no
céu]’. Oh bom homem! O Tathagata emprega esses muitos expedientes,
bem como ensina e subjuga os seres. Não é para causar medo particu-
larmente. Oh bom homem! Eu também bato no demônio protetor-da-
lei com um bastão de madeira. Certa vez eu estava no topo de uma
montanha e empurrei um demônio com chifres de carneiro montanha
abaixo. Também, quando no topo de uma árvore, eu bati num demônio
protetor-de-macacos, e [numa outra vez] fiz com que o elefante guardi-
ão-do-tesouro visse cinco leões, e fiz Vajra-deva temer Satyakanirgran-
tha. E [numa outra vez] eu enfiei uma agulha num demônio (ponta de
lança). Embora eu tenha feito todas essas coisas, não houve demônios
que foram feridos ou mortos. Foi apenas para dar-lhes o descanso na
paz do Dharma Maravilhoso. Assim eu utilizei todos esses expedientes.

Oh bom homem! Naquela ocasião eu não falei mal de Devadatta e lhe


fiz sentir vergonha. Ele, também, não era tão ignorante quanto engolir a
saliva de outra pessoa. Nem ele caiu lá no Inferno Avichi para sofrer
punição por um kalpa. Nem ele rompeu a paz da Sangha ou fez o corpo
do Buda sangrar. Nem ele cometeu as quatro graves ofensas, nem calu-
niou o Dharma Maravilhoso dos Sutras Mahayana. Ele não é icchantika,
nem Sravaka, e nem Pratyekabuda. Oh bom homem! Devadatta não
pertence à classe mundana dos Sravakas e Pratyekabudas. Tudo isto são
coisas que somente todos os Budas podem saber. Oh bom homem! Por
essa razão, não me reprove e diga: ‘Por que o Tathagata acusaria Deva-
datta, falaria mal dele e o faria sentir-se envergonhado?’ Não duvide de
coisas que concernem ao mundo de todos os Budas.”

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 155


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Co-
mo um exemplo: quando cozinhamos a cana-de-açúcar muitas vezes,
obtemos vários graus de sabor. O caso é assim comigo. Seguindo tão
assiduamente as palavras do Buda, obtemos os vários tipos de dharmas.
Estes são os [dharmas] do abandono do mundo, do abandono do dese-
jo, da quietude, e da Iluminação. Oh Honrado pelo Mundo! Um outro
exemplo: se queimamos, batemos, fundimos e temperamos o ouro, ele
torna-se mais brilhante e puro, mais homogêneo, leve, maravilhoso na
cor, e mais precioso. E depois os seres celestiais e humanos valorizam-
no altamente como um tesouro. Oh Honrado pelo Mundo! O mesmo é
o caso com o Tathagata, também. Se cuidadosa e respeitosamente in-
dagamos questões, chegamos às profundezas do significado. Praticando
a Via profundamente, podemos mantê-la, inumeráveis seres aspirarão à
Insuperável Iluminação e seremos contemplados e respeitados por se-
res humanos e celestiais.”

Então o Buda falou em louvor do Bodhisattva Kashyapa: “Bem falado,


bem falado! Oh Bodhisattva-Mahasattva! Para beneficiar todos os se-
res, você coloca questões de profundo significado ao Tathagata. Oh
bom homem! Por essa razão, eu sigo a sua liderança e prego acerca da
mais profunda das profundezas do Mahayana Vaipulya. Esse é o estágio
de um único filho do mais querido amor.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


todos os Bodhisattvas praticassem as Vias do amor-benevolente, da
compaixão e da alegria simpática, e atingissem o estágio de um único
filho, qual é o estágio que atingiriam quando praticassem a mente de
equanimidade?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Você sabe bem quando pergun-
tar. Você vê que eu desejo falar (sobre algo) e pergunta. Quando o Bo-
dhisattva-Mahasattva pratica a mente de equanimidade, ele atinge o
estágio do Todo-Vazio Todo-Igual, e torna-se como Subhuti. Oh bom

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 156


homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva reside no ‘bhumi’ do Todo-
Vazio Todo-Igual, ele não mais vê pais, irmãos, irmãs, filhos, parentes,
bons amigos da Via, inimigos, aqueles que são hostis ou amigáveis, a-
queles que nem são amigáveis e nem antagônicos, até os cinco skan-
dhas, os dezoito reinos, as doze esferas, seres, e vida. Oh bom homem!
Como uma ilustração, é como o espaço, no qual não vemos pais, ir-
mãos, esposa e filhos, até seres e vida. O mesmo é o caso com relação a
todas as coisas. Não pode haver pais e vida. Assim o Bodhisattva-
Mahasattva vê todas as coisas. Sua mente é toda-igual (equânime) co-
mo o espaço. Por quê? Porque ele pratica completamente o Dharma do
Vazio [‘shunyata’].”

Meditando Sobre o Vazio

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


que você entende por Vazio?”

(O Buda disse: ) “Oh bom homem! Sobre Vazio, existem tipos como o
interno, o externo, o interno-externo, o Vazio da existência criada, o
Vazio do não-criado, o Vazio do sem-início, o Vazio da natureza, o Vazio
da não-posse, o Vazio do ‘Paramartha-satya’, o Vazio-Vazio, e o Grande
Vazio.

Como o Bodhisattva-Mahasattva experimenta o Vazio interno? Esse


Bodhisattva-Mahasattva medita sobre o Vazio dos elementos internos
[‘adhyatma-shunyata’]. Isto quer dizer que os elementos internos [os
seis sentidos orgânicos] são vazios. Isto significa dizer que não há pais,
nem pessoas com má-vontade ou com relações amigáveis, nem que
sejam indiferentes, nem seres, vida, Eterno, Êxtase, Eu, Pureza, Tatha-
gata, Dharma, Sangha, e tudo o que é bom. Nesses elementos internos,
existe a Natureza-de-Buda. Ainda, essa Natureza-de-Buda existe nem
dentro e nem fora. Por que não? Porque a Natureza-de-Buda é eterna e

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 157


imutável. Isto é o que se entende quando dizemos que o Bodhisattva-
Mahasattva medita sobre elementos internos. O mesmo se aplica no
caso do Vazio externo [‘bahirdha-shunyata’: os seis campos dos senti-
dos]. Nenhum elemento externo existe. O mesmo se passa com o Vazio
interno-externo [‘adhyatma-bahirdha-shunyata’]. Oh bom homem!
Existem somente o Tathagata, o Dharma, a Sangha, e a Natureza-de-
Buda. Isto não possui dois aspectos do Vazio (interno e externo). Por
que não? Porque para os quatro (o Tathagata, o Dharma, a Sangha, e a
Natureza-de-Buda) (os aspectos) são Eterno, Êxtase, Eu, e Pureza. Este é
o porquê não dizemos que esses quatro são vazios. Chamamos isto de
Todo-Vazio de ambos, interno e externo.

Oh bom homem! Dizemos ‘o Vazio da existência criada [‘samskrta-


shunyata’ – a vacuidade dos fenômenos formados, condiconados e
montados]. O que quer que seja criado é todo vazio. Assim, pode haver
o Vazio interno, o Vazio externo, o Vazio interno-externo, o Vazio do
Eterno, Êxtase, Eu e Pureza, o Vazio da vida, dos seres, do Tathagata,
Dharma e Sangha, e do ‘Paramartha-satya’. Destes, a Natureza-de-Buda
não é nada criado. Portanto, a Natureza-de-Buda não pertence à cate-
goria do Vazio das existências criadas.

Oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva medita sobre o Vazio


do não-criado [‘asamskrta-shunyata’]? As coisas pertencentes à catego-
ria do não-criado são todas vazias. Elas são chamadas impermanência,
sofrimento, a impureza, o não-Eu, os cinco skandhas, os dezoito reinos,
as doze esferas, vida, seres, as características, o criado, o falho [‘asva-
ras’], os elementos internos, e os elementos externos. Do não criado, os
quatro que se originam no Buda (o Tathagata, o Dharma, a Sangha, e a
Natureza-de-Buda) não são o não-criado. Como a natureza é boa em si,
ela não é o não-criado; como ela é eterna, ela não é o criado. Isto é
como o Bodhisattva medita sobre o Vazio do não-criado.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 158


Como o Bodhisattva-Mahasattva medita sobre o Vazio do sem-início
[‘anavaragra-shunyata’]? Esse Bodhisattva-Mahasattva vê que o nasci-
mento e a morte são sem-início. Portanto, ele vê que tudo é vazio e
quieto. Nós dizemos Vazio. Isto quer dizer que o Eterno, o Êxtase, o Eu,
e o Puro são todos vazios e quietos, não há nada que mude. Assim são a
vida, os seres, os Três Tesouros, e o não-criado, em todos os quais o
Bodhisattva vê o Vazio sem-início.

Como o Bodhisattva-Mahasattva medita sobre o Vazio da natureza


[‘prakrti-shunyata’ – Vacuidade da matéria primordial]? Esse Bodhisatt-
va-Mahasattva vê que a natureza original de todos os elementos é o
Todo-Vazio. Esses são os cinco skandas, os 18 reinos, as doze esferas, o
Eterno, o não-Eterno, o sofrimento, o Êxtase, a Pureza, a impureza, o
Eu, e o não-Eu. Em todas essas coisas, ele vê a não natureza delas mes-
mas (ou seja, não possuem natureza própria). Isto é como o Bodhisatt-
va-Mahasattva medita sobre o Vazio da natureza.

Como o Bodhisattva-Mahasattva medita sobre o Vazio da não-posse?


Isto é como falar de uma casa vazia quando não há crianças nela. Ele (o
Bodhisattva) vê aqui um vazio extremo. Não há (seres) amigáveis, nem
amor. O ignorante diz que em todas as direções o que existe é paz; um
homem pobre diz que tudo é vazio. Todas essas presunções são ou va-
zio ou não-vazio. Quando o Bodhisattva medita, é como com o homem
pobre que diz que tudo é vazio. Isto é como o Bodhisattva-Mahasattva
medita sobre o Vazio da não-posse.

Como o Bodhisattva-Mahasattva medita sobre ‘Paramartha-shunyata’


[Vazio da Realidade Última]? Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-
Mahasattva medita sobre ‘Paramartha’, ele vê que quando essa visão
(olho) surge, fá-lo de lugar nenhum; quando ela se vai, vai para lugar
nenhum. O que originalmente não era, agora é; o que foi, volta para
lugar nenhum. Quando olhamos dentro da natureza real, vemos que o
que existe é sem-visão e sem-guia. Todas as outras coisas são como no

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 159


caso da visão. O que é o Vazio da ‘Paramartha’? É a visão de que existe
ação e o resultado da mesma, mas não um autor (da ação). Essa doutri-
na da vacuidade é o Vazio da ‘Paramartha’. Isto é como o Bodhisattva-
Mahasattva medita sobre o Vazio da ‘Paramartha’.

Como o Bodhisattva-Mahasattva medita sobre o Vazio-Vazio? Esse Va-


zio-Vazio é onde os Sravakas e Pratyekabudas se perdem. Oh bom ho-
mem! Isto é ‘é’ e isto é ‘não-é’. Isso é o Vazio-Vazio. Isto-é-isto; e isto
não é ‘isto-é-isto’. Isso é o Vazio-Vazio. Oh bom homem! O Bodhisattva
dos dez ‘bhumis’ [estágios] está apto a saber apenas um pouco disto,
que pode ser bem comparado ao tamanho de uma partícula-de-pó.
Quão menos deve ser com os outros! Oh bom homem! Assim, o Vazio-
Vazio não é igual ao samadhi do Vazio-Vazio dos Sravakas. Esse é o Va-
zio-Vazio sobre o qual medita o Bodhisattva.

Oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva medita sobre o


Grande Vazio? Oh bom homem! O Grande Vazio é o prajnaparamita
[Sabedoria Perfeita]. Este é o Grande Vazio. Oh bom homem! Atingindo
esse portal do Vazio, o Bodhisattva-Mahasattva reside num ‘bhumi’
(estágio) igual ao espaço.

Oh bom homem! Como eu agora, aqui em meio aos congregados, falo


sobre todos esses tipos de Vazio, Bodhisattvas-Mahasattvas tão nume-
rosos quanto às areias de dez Rios Ganges estarão aptos a ganhar o
‘bhumi’ igual ao espaço. Residindo nesse ‘bhumi’, nada obstaculiza o
Bodhisattva-Mahasattva em nada; nenhum apego o prende e nenhuma
angústia toma conta da sua mente. Portanto, chamamo-lo ‘bhumi’ igual
ao espaço. Oh bom homem! Como uma ilustração, isto é como com o
espaço, que não se apega avidamente a qualquer cor agradável e não se
torna irado com uma cor que seja desagradável. O mesmo acontece
com o Bodhisattva-Mahasattva que reside nesse ‘bhumi’. Nenhum pen-
samento de desejo ou ira surge com relação às boas ou más cores. Oh
bom homem! Isto é como o espaço, que é vasto e grande, nada se igua-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 160


lando a ele, abrangendo todas as coisas. É o mesmo com o Bodhisattva-
Mahasattva residindo nesse ‘bhumi’. Ele é vasto e grande, tal que nada
pode suportar uma comparação com ele, e ele pode de fato abranger
todas as coisas. Por essa razão, podemos verdadeiramente chamá-lo de
‘bhumi’ igual ao espaço. Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-
Mahasattva reside neste ‘bhumi’, ele pode ver e conhecer todos os
seres. Sejam ações, fatores circunstanciais, a natureza e características
[das coisas], causas, por causas (razões), os pensamentos dos seres, as
raízes-dos-sentidos, dhyana, veículo, bons amigos da Via, observância
dos preceitos, ou o que é dado (ofertado) – tudo é visto ou conhecido.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva resi-


dente neste ‘bhumi’ conhece e ainda assim não vê. Como ele conhece?
De acordo com (aqueles que seguem) a doutrina da auto-abstinência
[auto-abnegação], pode-se lançar o próprio corpo em águas profundas,
no fogo, de um alto precipício, manter-se sempre sobre uma perna,
despir o próprio corpo e expô-lo ao calor, sempre dormir sobre cinzas,
espinhos, estrados, ervas daninhas, esterco de vaca, roupas de cânha-
mo grosseiro, tecidos de lã contaminados com esterco (fezes) abando-
nados num cemitério, tecido de kambala, pele de rena ou cervo, vestu-
ário de forragens; [como faquir] alimentar-se de vegetais, frutas, raízes
do lótus, borras de óleo, esterco de vaca, outras raízes e frutos. Quando
vão mendigar por comida, é somente em uma casa. Se o morador diz
que não tem nada para dar-lhes, eles desistem. Mesmo se a pessoa
depois chamá-los de volta, eles não olham para trás. Eles não comem
carne salgada ou as cinco variedades de produtos da vaca [isto é, leite
fresco, nata, manteiga fresca, manteiga refinada e sarpirmanda]. O que
eles consomem é suco (de borra) e água quente. Eles defendem shilas
[preceitos morais] vis-à-vis vacas, galinhas, cães, e faisões. Eles espa-
lham cinzas sobre seus corpos, usam cabelo longo, cultuam o céu pelo
sacrifício e matança de ovelhas , primeiro dizendo um encantamento.
Por quatro meses eles adoram o fogo e por sete dias eles compartilham
do vento, oferecem centenas de milhares de bilhões de flores para os

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 161


devas, e tudo o que eles desejam é ter as suas vontades satisfeitas. Ele
[o Bodhisattva] sabe que todas essas coisas nunca poderão ser a causa
da suprema emancipação. Isto é sabido. O que ele não vê? O Bodhisatt-
va-Mahasattva não vê que nenhuma pessoa atinge a verdadeira eman-
cipação através de tais atos. Isto não é visto.

O Que o Bodhisattva Vê e Sabe

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva vê e


sabe. O que ele vê? Ele vê que os seres realizam práticas distorcidas e
infalivelmente caem no inferno. Isto é visto. O que ele sabe? Ele sabe
que todos os seres emergem do inferno e ganham vida como um ser
humano, praticam o danaparamita e se tornam perfeitos nos outros
paramitas. Ele sabe que essas pessoas infalivelmente atingirão a Ilumi-
nação Correta. Isso é sabido.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva vê e


sabe ainda mais. O que ele vê? Ele vê o Eterno e o não-Eterno, o sofri-
mento, o Êxtase, o Puro e o não-Puro, o Eu e o não-Eu. Isto é visto. O
que ele sabe? Ele sabe que todos os Tathagatas definitivamente não
entram no Nirvana [isto é, não morrem de fato e abandonam o mundo].
O corpo do Tathagata é adamantino e indestrutível. Não é aquele (feito)
de impurezas. Não é também um corpo que exala maus odores e dete-
rioração. Assim ele sabe. Também, ele sabe que todos os seres possuem
a Natureza-de-Buda. Isto é sabido.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva tam-


bém sabe que a mente dos seres encontra a fé. Esses seres buscam o
Mahayana. Ele sabe que eles oscilam para baixo, ou para trás, ou resi-
dem corretamente (no Mahayana). Ele sabe que os seres não alcançam
a outra margem. Oscilar para baixo refere-se aos mortais comuns; osci-
lar para trás refere-se desde o Srotapanna até o Pratyekabuda; residir

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 162


corretamente refere-se a todos os Bodhisattvas, e atingir a outra mar-
gem refere-se ao Tathagata, o Arhat, o Samyaksambuddha. Isto é sabi-
do. O que o Bodhisattva vê? Ele reside nos ensinamentos do Sutra Ma-
hayana do Grande Nirvana, pratica ações puras e, com o puro olho ce-
lestial, vê que todos os seres cometem maldades através do corpo, da
boca e da mente, e caem nos reinos do inferno, animalidade, e dos es-
píritos famintos. Ele vê que os seres que fazem o bem morrem e renas-
cem nos mundos dos seres celestiais e humanos. Existem seres que se
movem da escuridão para a escuridão, da escuridão para a luz, da luz
para a escuridão, e então da luz para a luz. Isto é visto.

Retribuições Cármicas na Vida Presente

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva tam-


bém sabe e vê. Ele vê que todos os seres (devem) exercitar a conduta
do corpo, observar shila [preceitos de moralidade], exercitar a conduta
do pensamento e da Sabedoria. Ele vê que uma pessoa que comete
ações repletas de maldades na presente vida, ou ações baseadas na
cobiça, má-vontade e ignorância, colhem as retribuições cármicas no
inferno. Ele vê uma pessoa exercitando bem o corpo, observando shila,
cultivando a mente, exercitando o caminho da Sabedoria, e sendo re-
compensada até certo ponto nesta vida e não caindo no inferno. Como,
(através de) essa ação, pode-se obter recompensa na presente vida?
Isto surge quando uma pessoa confessa todas as maldades que ela tem
feito, se arrepende, e não as comete mais; quando ela se arrepende
completamente, faz oferecimentos aos Três Tesouros, e sempre se re-
prova. Essa pessoa, devido às suas boas ações, não cairá no inferno;
mas receberá nesta vida retribuições cármicas tais como dores de cabe-
ça, dor nos olhos, no estômago e nas costas, uma morte prematura, a
crítica, a calúnia, chibatadas, prisão ou grilhões, a fome e a pobreza. Ele
(o Bodhisattva) sabe que retribuições cármicas leves são recebidas por
uma pessoa na presente vida. Isto é sabido. O que ele vê? O Bodhisatt-

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 163


va-Mahasattva vê que certa pessoa não pratica a Via seja através do
corpo, shila, da mente, e da Sabedoria; e que aquela pessoa perpetra
mesquinhas más ações. E todas essas ações provocam retribuições na
presente vida. Essa pessoa não confessa suas mesquinhas más ações,
não se reprova, não se arrepende, e não sente medo. Essas ações au-
mentam e ela receberá as suas retribuições cármicas no inferno. Isto é
visto.

Também, há o caso onde se sabe, mas não se vê. Como alguém sabe e
não vê? Todos os seres sabem que eles possuem a Natureza-de-Buda,
mas, encoberta pelas impurezas, eles não podem vê-la. Isto é sabido,
mas não visto. Também, há uma situação onde se sabe e se vê um pou-
co. Os Bodhisattvas-Mahasattvas dos dez ‘bhumis’ sabem que todos os
seres possuem a Natureza-de-Buda, mas eles não podem vê-la clara-
mente. Isto é como uma noite escura, onde não se pode enxergar cla-
ramente. Também, existem ambos, visão e saber. Esta é a situação do
Buda-Tathagata, onde ele tanto vê como sabe.

Também, há casos nos quais uma pessoa vê e sabe, e não vendo, não
sabe. Ver e saber refere-se àquilo que pertence ao mundo das letras,
linguagem, homens e mulheres, veículos, vasos, bandejas, casas, caste-
los, roupas, comida, bebida, montanhas, rios, jardins, florestas, seres, e
vida. Isto é ver e saber. O que é não ver e não saber? Trata-se de todas
as minuciosas palavras dos sábios a si mesmos, e que não existem para
homens e mulheres, jardins e florestas.

Também, há uma situação na qual se sabe, mas não se vê. Uma pessoa
sabe a quem dar, a quem dedicar [oferecimentos], quem recebe, e o
fato de que os resultados das coisas que foram feitas se acumulam. Isto
é sabido. Como não se vê? Há casos onde alguém não vê o que é dado,
o lugar aonde a dedicação é feita, a quem é dado, e o resultado da cau-
salidade. Isto não é visto. O Bodhisattva-Mahasattva conhece oito tipos

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 164


de conhecimentos. Isto é o que é conhecido pelos cinco olhos do Tatha-
gata.”

A Quádrupla Sabedoria Sem-Obstruções

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Que


proveito o Bodhisattva-Mahasattva obtém desses tipos de conhecimen-
to?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva obtém as


quatro não-obstruções [‘catasrah-pratisamvidah’ – conhecimento analí-
tico, discriminações] desses conhecimentos, que são: 1) Dharma
[‘dharma-pratisamvit’], 2) o significado [‘artha-pratisamvit’], 3) a lingua-
gem [‘nirukti-pratisamvit’], e 4) eloqüência [‘pratibana-pratisamvit’].

Através da sabedoria sem-obstruções dos dharmas, se conhece todas as


coisas e seus nomes.

Através da sabedoria sem-obstruções do significado, se conhece tudo


sobre o significado das coisas [do Dharma], chegando-se ao significado
através dos nomes estabelecidos para elas.

Através da sabedoria sem-obstruções da linguagem, se conhece os as-


pectos morfológico, fonológico, prosódico e oratório das palavras.

Através da sabedoria sem-obstruções da eloqüência, o Bodhisattva-


Mahasattva não tem impedimentos na oratória, e é firme. Ele não tem
medo, e é difícil derrotá-lo. Oh bom homem! Se o Bodhisattva assim vê
e conhece, pode-se dizer que ele está armado com a quádrupla sabedo-
ria sem obstruções.

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 165


Também, além disso, oh bom homem! Através da sabedoria sem-
obstruções do Dharma, o Bodhisattva-Mahasattva conhece os dharmas
(leis) dos Sravakas, Pratyekabudas, Bodhisattvas e de todos os Budas.

Através da sabedoria sem-obstruções do significado, ele sabe que, em-


bora existam três veículos, estes se interpenetram e ele não vê qual-
quer distinção.

Através da sabedoria sem-obstruções da linguagem, o Bodhisattva-


Mahasattva atribui vários nomes para as coisas. Mesmo ao longo de
inumeráveis kalpas, não se poderia nomear completamente todas elas.
Os Sravakas e Pratyekabudas não se igualam a isto.

Através da sabedoria sem-obstruções da eloqüência, o Bodhisattva-


Mahasattva, ao longo de inumeráveis kalpas, fala sobre todos os dhar-
mas para todos os seres, e o seu discurso é infindável com relação aos
nomes e significados, e também acerca de todas as idéias.

Também, além disso, oh bom homem! Por sabedoria sem-obstruções


dos dharmas entende-se que, embora o Bodhisattva-Mahasattva seja
versado em todos os dharmas (leis), ele não se apega a elas.

Por sabedoria sem-obstruções do significado entende-se que, embora o


Bodhisattva-Mahasattva seja versado em todos os significados, ele não
se apega a eles.

Por sabedoria sem-obstruções da linguagem entende-se que, embora o


Bodhisattva-Mahasattva conheça o significado [a linguagem relevante],
ele não se apega a isso.

Por sabedoria sem-obstruções da eloqüência entende-se que, embora o


Bodhisattva-Mahasattva saiba que essa é a melhor eloqüência, ele não

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 166


se apega a ela. Por quê? Se alguém se apega, ele não é chamado Bodhi-
sattva.”

O Cativeiro do Apego

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


não nos apegamos, não podemos vir a conhecer o Dharma. Se temos
conhecimento do Dharma, isso nada mais é do que apego. Se não nos
apegamos, não pode haver conhecimento. Como o Tathagata diz que
alguém conhece o Dharma e, ainda assim, não se apega?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Apego não é desobstrução [sabedoria


sem-obstruções]. Onde não existe apego, existe desobstrução. Oh bom
homem! Portanto, qualquer Bodhisattva que tenha qualquer apego não
é sem-obstruções. Se ele não é sem-obstruções, ele não é Bodhisattva.
Saiba que essa pessoa é um mortal comum.

Por que dizemos que o apego é (próprio) do mortal comum? Todos os


mortais comuns se apegam desde a matéria [‘rupa’ – corpo, forma] até
a consciência [‘vijnana’ – os cinco skandhas estão subentendidos aqui].
Quando alguém se apega à matéria, seu apego evoca um pensamento
de cobiça; e, em razão da cobiça, ele fica atado desde a matéria até a
consciência. Em conseqüência desse cativeiro, não se pode escapar dos
grandes sofrimentos do nascimento, velhice, doença, morte, apreensão
e tristeza; nem de todos os [vários] tipos de impurezas. Portanto, devi-
do ao seu apego, chamamos aquela pessoa de mortal comum. Por esta
razão, nenhum mortal comum possui a quádrupla sabedoria sem-
obstruções.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, ao longo de inumeráveis


asamkhyas de kalpas passados, já viu as características de todas as coi-
sas; através (desse) conhecimento, ele sabe o significado. Como ele

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 167


conhece as características de todas as coisas e os seus significados, ele
não se apega à matéria. O mesmo se passando com a consciência tam-
bém. Sem apego, o Bodhisattva não tem qualquer ambição pela maté-
ria. Nem tem ambição pela consciência. Não tendo qualquer ambição,
ele não é aprisionado pela matéria. Nem é aprisionado pela consciência.
Em razão de ele não estar preso, ele pode de fato tornar-se emancipado
do nascimento, velhice, doença, morte, os grandes sofrimentos da a-
preensão e tristeza, e de todas as impurezas. Por esta razão, todos os
Bodhisattvas possuem a quádrupla sabedoria sem-obstruções. Oh bom
homem! Sendo assim, para o benefício dos meus discípulos, tenho fala-
do nos doze tipos de escrituras sobre o apego, e tenho falado dele co-
mo sendo administrado por Mara. Sem o apego, podemos nos tornar
emancipados das mãos de Mara. Por exemplo, na vida mundana, al-
guém que tenha cometido um pecado [crime] é aprisionado pelo rei.
Uma pessoa sem pecados não pode ser aprisionada pelo rei. O mesmo
se passa com o Bodhisattva-Mahasattva. Uma pessoa tomada pelo ape-
go é aprisionada por Mara. Alguém que não tenha apego não é aprisio-
nado por Mara. Assim, o Bodhisattva-Mahasattva não tem apego.

Também, além disso, oh bom homem! Dizemos ‘sabedoria sem-


obstruções do Dharma’. O Bodhisattva-Mahasattva defende (protege)
bem as palavras [do Dharma] e não as esquece. Essa proteção é como
[as ações da] a terra, as montanhas, os olhos, as nuvens, homens e
mães. É o mesmo caso com todas as coisas.

Dizemos ‘sabedoria sem-obstruções do significado’. Ora, o Bodhisattva


pode saber os nomes de todas as coisas e ainda não conhecer o
significado. Quando alguém é sábio no significado, ele vem a conhecer a
significação.

Como alguém vem a conhecer a significação? Dizemos ‘proteção como


a terra’. Isto é análogo à maneira com a qual a terra suporta (acolhe)

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 168


todos os seres e não-seres. Portanto, ‘terra’ está referindo-se a
‘suporte’ numa linguagem simbólica.

Oh bom homem! Dizemos ‘suporte das montanhas’. O Bodhisattva-


Mahasattva pensa assim: ‘Por que dizemos que as montanhas
suportam? As montanhas suportam bem a terra e não há agitação’.
Portanto, ‘suportam’.

Por que dizemos que os olhos suportam? Os olhos suportam bem a luz.
Portanto, ‘suportam’.

Por que dizemos que as nuvens suportam? As nuvens são chamadas de


‘ar dos nagas’. O ar dos nagas suporta a água. Portanto, ‘suportam’.

Por que dizemos que os homens suportam? Os homens suportam bem


o Dharma e o não-Dharma. Portanto, ‘suportam’.

Por que dizemos que mães suportam? Mães suportam bem suas
crianças. Portanto, ‘suportam’.

O Bodhisattva-Mahasattva conhece bem os nomes e significados de


todas as coisas. É assim.

Dizemos ‘sabedoria sem-obstruções da linguagem’. O Bodhisattva-


Mahasattva pode usar vários idiomas para falar sobre um simples
significado. Mas não há significação. É como no caso dos nomes de
homem, mulher, casa, veículo, seres, etc. Por que não há significação?
Oh bom homem! Dizemos ‘significação’. Mas, isto é do mundo dos
Bodhisattvas e todos os Budas. Idiomas pertencem ao mundo dos
mortais comuns. Conhecendo o significado, obtêm-se a não-obstrução
na linguagem.

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 169


Dizemos ‘sabedoria sem-obstruções da eloquência’. O Bodhisattva-
Mahasattva conhece a linguagem e o significado conforme ele vai
falando por um período de inumeráveis asamkhyas de kalpas. Isto é
não-obstrução na eloquência.

Oh bom homem! O Bodhisattva, através de inumeráveis, ilimitados


asamkhyas de kalpas, pratica os dharmas (leis) seculares. Através da
prática, ele ganha a não-obstrução nos dharmas.

Também, por inumeráveis, ilimitados asamkhyas de kalpas, ele pratica o


‘Paramartha’. Assim, ele ganha a não-obstrução no significado.

Também, por inumeráveis, ilimitados asamkhyas de kalpas, ele pratica


as vyakaranas. Assim, ele ganha a não-obstrução na linguagem.

Também, por inumeráveis, ilimitados asamkhyas de kalpas, ele pratica a


eloquência secular, e ganha a não-obstrução na eloquência.

Oh bom homem! Ninguém pode dizer que os Sravakas e Pratyekabudas


ganham essa quádrupla sabedoria sem-obstruções. Oh bom homem!
Nos nove tipos de escrituras, eu digo que Sravakas e Pratyekabudas
possuem a quádrupla sabedoria sem-obstruções. Mas, para dizer a
verdade, nem Sravakas ou Pratyekabudas podem ter quaisquer desses
conhecimentos. Por que não? Exclusivamente o Bodhisattva-
Mahasattva pratica essa quádrupla sabedoria sem-obstruções no
sentido de salvar os seres.

As Obstruções dos Dois Veículos

O Pratyekabuda pratica a Via da extinção e busca um lugar solitário.


Com ele, não há salvação dos seres, e nem a busca de milagres; ao
invés, ele é silencioso, sem fala, o dia todo. Como ele pode ter a

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 170


Sabedoria Sem-Obstruções? Por que ele senta silenciosamente e não
ensina? Ele não fala a respeito do Dharma para permitir aos seres
alcançarem os estados de usmagata, murdana, laukikagradharma,
srotapanna, sakridagamin, arhat, pratyekabuddha, ou Bodhisattva-
Mahasattva. Ele não faz com que outros alcancem o insuperável
Bodhichitta. Por que não? Oh bom homem! Quando o Pratyekabuda
aparece no mundo, não há os nove tipos de escrituras. Portanto, não
pode haver desobstrução na linguagem e na eloquência com o
Pratyekabuda. Oh bom homem! O Pratyekabuda sabe tudo sobre
Dharmas, mas ele não é desimpedido no Dharma. Por que não?
Desobstrução no Dharma é ‘conhecimento das palavras’. O
Pratyekabuda conhece as palavras, mas ele não é abençoado com a
desobstrução nas palavras. Por que não? Porque ele não conhece as
duas palavras: ‘eterno’ e ‘permanente’. Este é o porquê o Pratyekabuda
não pode ganhar a desobstrução no Dharma. Ele conhece o significado,
mas ele não é abençoado com a desobstrução [da compreensão] no
significado. Se ele verdadeiramente compreendesse o significado, ele
deveria saber que todos os seres possuem a Natureza-de-Buda. O
significado da Natureza-de-Buda não é nenhum outro senão a
Iluminação Insuperável. Assim, o Pratyekabuda não possui a sabedoria
sem-obstruções do significado. Consequentemente, para ele não pode
haver Sabedoria Sem-Obstruções em todas as coisas das quatro
categorias.

Por que o Sravaka não possui a quádrupla sabedoria sem-obstruções?


Ele não tem os três melhores tipos de expedientes. Quais são os três?
Primeiro, o uso de palavras gentis (ternas), seguido pela aceitação do
Dharma; segundo, o uso de palavras duras, seguido pelo acolhimento
no ensino; terceiro, (o uso de palavras) nem gentis e nem duras,
seguido pelo ensinamento. Como o Sravaka não tem esses três
(expedientes), ele não pode ter a quádrupla sabedoria sem-obstruções.
Também, além disso, o Sravaka e o Pratyekabuda, além de tudo, não
conhecem a linguagem e o significado. Com eles, não há conhecimento

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 171


do mundo da Sabedoria sem impedimentos; eles não possuem os dez
poderes e os quatro destemores. Eles, além de tudo, não podem
atravessar o grande mar dos doze elos do surgimento interdependente.
Eles não conhecem bem as diferenças entre os seres, quanto a saber se
são de inteligência aguçada ou nascidos estúpidos. Eles ainda não
podem erradicar o pensamento dúbio com relação às duas fases da
verdade [a verdade relativa, mundana; e a Verdade Absoluta,
Supramundana]. Eles não conhecem os vários aspectos das atividades
mentais dos seres. Eles não podem falar bem sobre o Todo-Vazio do
‘Paramartha-satya’ [Realidade Última, Supramundana]. Por essa razão,
esses dois veículos [do Pratyekabuda e do Sravaka] não possuem a
quádrupla sabedoria sem obstruções.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


Sravakas e Pratyekabudas não possuem a quádrupla sabedoria sem-
obstruções, por que, oh Honrado pelo Mundo, dizemos que Shariputra
é o maior em Sabedoria, Mahamaudgalyayana o maior em poderes
divinos e Mahakaushthila o maior na quádrupla sabedoria sem-
obstruções? Se não é este o caso, por que você fala assim?”

Então o Honrado pelo Mundo elogiou Kashyapa e disse: “Bem falado,


bem falado! Oh bom homem! O Ganges, por exemplo, contém um i-
mensurável volume de água. O grande volume de água do Indus não
pode ser conhecido. A água do Oxus, também, não pode ser conhecida;
o volume de água do Lago Anavatapta também é imensurável. A água
do grande oceano é imensurável. O volume de todas essas águas [jun-
tas] é imensurável. Mas na verdade, podendo ser maiores ou menores,
seus volumes não são todos iguais. É o mesmo com a quádrupla sabe-
doria sem-obstruções dos Sravakas, Pratyekabudas e Bodhisattvas. Oh
bom homem! Nunca podemos dizer que elas são as mesmas. Oh bom
homem! Para o benefício dos mortais comuns, eu digo que Mahakaus-
thila é o maior na quádrupla sabedoria sem-obstruções. Aquilo que
você pergunta se coloca assim. Oh bom homem! Em meio aos Sravakas,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 172


pode haver alguém que tenha um dos quatro tipos de sabedoria sem-
obstruções, ou alguém que tenha dois. Mas não há um caso onde um
Sravaka possua os quatro.”

Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Você falou anteri-
ormente, neste capítulo sobre ações puras, sobre a quádrupla sabedo-
ria sem-obstruções e sobre a visão. Você diz que na sabedoria e visão
do Bodhisattva não há nada que (não) seja alcançado, e sua mente não
tem nada que não seja alcançado. Oh Honrado pelo Mundo! Ora, esse
Bodhisattva-Mahasattva, para dizer a verdade, nada tem a ganhar. Se
ainda há algo a ser alcançado em sua mente, ele não é um Bodhisattva;
ele é um mortal comum. Como pode o Tathagata dizer que o Bodhisatt-
va ainda tem algo a ganhar?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Você novamente indaga a res-
peito daquilo que eu desejo falar. Oh bom homem! O Bodhisattva-
Mahasattva nada tem a ganhar. Nada tendo a ganhar significa quádru-
pla sabedoria sem-obstruções. Oh bom homem! Por que nada ter a
ganhar é desobstrução? Se ainda existe algo a ser alcançado, isto é um
obstáculo. Uma pessoa que tem um obstáculo é alguém que tem as
quatro inversões [visões distorcidas]. Oh bom homem! Como o Bodhi-
sattva-Mahasattva não tem as quatro inversões, ele tem desobstrução.
Portanto, dizemos que o Bodhisattva é uma pessoa que nada mais tem
a ganhar.

Também, além disso, oh bom homem! Esse nada-a-alcançar (ungained-


ness - nada-a-ganhar) é Sabedoria. Como o Bodhisattva-Mahasattva
atinge essa Sabedoria, dizemos que ele tem nada-a-alcançar. Ter ainda
algo a alcançar significa ignorância. Quando o Bodhisattva dissipou e-
ternamente a escuridão da ignorância, ele nada mais tem a ganhar.
Portanto, dizemos que o Bodhisattva é uma pessoa que nada mais tem
a ganhar.

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 173


Também, além disso, oh bom homem! Nada mais ter a ganhar é Grande
Nirvana. Residindo em paz neste Grande Nirvana, o Bodhisattva-
Mahasattva não vê natureza, e nem características em qualquer coisa.
Portanto, dizemos que o Bodhisattva nada mais tem a ganhar.

Ter [a necessidade] de possuir representa as 25 existências. O Bodhi-


sattva de há muito se apartou das 25 existências e atingiu o Grande
Nirvana. Assim, dizemos que o Bodhisattva nada mais tem a ganhar.

Também, além disso, oh bom homem! Nada ter a possuir significa Ma-
hayana. O Bodhisattva-Mahasattva não reside em qualquer dharma
(lei). Portanto, ele alcança o Mahayana. Assim, dizemos que o Bodhi-
sattva nada mais tem a ganhar.

A necessidade de possuir é o caminho do Sravaka e do Pratyekabuda. O


Bodhisattva se apartou dos caminhos dos dois veículos. Por essa razão,
ele ganha a Via do Buda. Assim, dizemos que o Bodhisattva nada mais
tem a ganhar.

Também, além disso, oh bom homem! Não ter necessidade de possuir


nada representa o Sutra Vaipulya. Quando o Bodhisattva recita esse
sutra, ele alcança o Grande Nirvana. Portanto, dizemos que o Bodhi-
sattva nada mais tem a ganhar. A necessidade de possuir representa os
onze tipos de escrituras. O Bodhisattva não os pratica; ele exclusiva-
mente expõe os Sutras Mahayana Vaipulya. Assim, dizemos que o Bo-
dhisattva não necessita ganhar nada.

Também, além disso, oh bom homem! Não ter nada a ganhar é Vacui-
dade [‘shunyata’]. No mundo, onde nada há, dizemos vazio. O Bodhi-
sattva atinge esse Samadhi da Vacuidade [estado meditativo]. Porque
não há nada para ver. Portanto, dizemos que o Bodhisattva nada tem a
ganhar.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 174


A necessidade de possuir é a roda do nascimento e da morte. Como
todos os mortais comuns reciclam entre nascimentos e mortes, eles
têm coisas a ver. O Bodhisattva há muito se apartou de todos os nasci-
mentos e mortes. Portanto, dizemos que o Bodhisattva nada mais tem a
ganhar.

Também, além disso, oh bom homem! Não possuir é o Eterno, o Êxtase,


o Eu, e o Puro. Quando o Bodhisattva-Mahasattva vê a Natureza-de-
Buda, ele ganha o Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro. Portanto, dizemos
que o Bodhisattva nada tem a ganhar.

Ter algo a ganhar é o não-Eterno, o não-Êxtase, o não-Eu, e o não-Puro.


Portanto, dizemos que o Bodhisattva é uma pessoa que nada tem a
ganhar.

Também, além disso, oh bom homem! O que não há nada a ganhar é o


Todo-Vazio do ‘Paramartha-satya’ [a Realidade Última]. Quando o Bo-
dhisattva-Mahasattva medita sobre o Todo-Vazio do ‘Paramartha-
satya’, ele nada vê. Portanto, dizemos que o Bodhisattva é uma pessoa
que nada tem a ganhar.

Aquilo que ainda tem algo a ganhar equipara-se com as cinco visões
distorcidas [‘panca-drstayah’]. Como (o Bodhisattva) se apartou eter-
namente das cinco visões distorcidas, ele alcança o Todo-Vazio do ‘Pa-
ramartha-satya’. Portanto, dizemos que o Bodhisattva nada mais tem a
ganhar.

Também, além disso, oh bom homem! O que não há nada mais a ser
alcançado, isto é o insuperável Bodhi [Iluminação]. Quando o Bodhi-
sattva-Mahasattva alcança o insuperável Bodhi, nada mais há para ver.
Portanto, dizemos que o Bodhisattva nada mais tem a ganhar.

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 175


Aquilo que ainda tem mais a ganhar é a Iluminação do Sravaka e do
Pratyekabuda. O Bodhisattva está eternamente distante da Iluminação
dos dois veículos. Portanto, dizemos que o Bodhisattva nada mais tem a
ganhar.

Oh bom homem! O que você indagar sobre nada mais ter a ganhar, o
que eu disser, também nada mais tem a ganhar. Qualquer pessoa que
disser aquilo que ainda tem algo a ser alcançado é um aparentado de
Mara e não meu discípulo.”

Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Como você me


expõe o nada-a-ganhar da Iluminação [isto é, aquilo que não é uma
coisa separada que pode ser agarrada], um incontável número de seres
se libertam do pensamento que tem uma imagem (distorcida) da exis-
tência. Assim, eu particularmente vos indago a me explicar o que nada
mais tem a ser alcançado, e assim permitir aos inumeráveis seres afas-
tarem-se do clã de Mara e tornarem-se discípulos do Buda.

Oh Honrado pelo Mundo! Você disse anteriormente num gatha, para o


benefício de Cunda:

‘O que originalmente foi, agora não é mais;


o que originalmente não foi, agora é;
Nada pode existir como ‘é’
sucedendo-se nos Três Tempos [do passado, do presente, e do futuro].’

Oh Honrado pelo Mundo! O que pode isso significar?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Como eu desejo ensinar todos os seres,
eu digo isto. Eu também digo isto para o benefício de Sravakas e Prat-
yekabudas. Também, Eu digo isto para o Príncipe do Dharma, Manjus-
hri. Não é o caso que eu disse isso apenas para Cunda. Naquela ocasião,
Manjushri desejava colocar uma questão para mim. Sondando [lendo] o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 176


seu pensamento, eu falei assim. Quando eu falei assim, Majushri com-
preendeu.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quantas pes-


soas poderiam ser da classe de Manjushri, quem alcançaria esse ponto?
Por favor, oh Tathagata, para o benefício de todos os seres, exponha
expansivamente outra vez.”

(O Buda disse: ) “Oh bom homem! Ouça atenciosamente, ouça atencio-


samente! Eu agora o explanarei novamente em detalhes especialmente
para você. Eu disse: ‘originalmente não foi’. Não havia originalmente
Prajnaparamita. Como não havia prajnaparamita, agora há muitos laços
de impurezas. Se um Shramana, Brâhmane, deva, Mara, Brahma, ou
humano dissesse: ‘O Tathagata tem impurezas no passado, tem impure-
zas no presente ou terá impurezas no futuro’; isto não é assim.

Também, além disso, oh bom homem! Eu disse: ‘originalmente foi’. Em


tempos passados eu possuía um corpo obtido através da união de um
pai e uma mãe. E em conseqüência, eu não tenho agora um Corpo-de-
Dharma Adamantino. Eu disse: ‘originalmente não foi’. Eu não tinha as
32 marcas distintivas da perfeição e as 80 características menores de
excelência. Como eu não tinha as 32 marcas da perfeição e as 80 carac-
terísticas menores de excelência, eu agora tenho as 404 enfermidades.
Se um Shramana, Brâhmane, deva, Brahma, ou humano dissesse: ‘O
Tathagata teve, através do passado, do presente e do futuro, o sofri-
mento das doenças’, isto não é assim.

Também, além disso, oh bom homem! Eu disse: ‘originalmente foi’. Eu


tive outrora o não-Eterno, o não-Êxtase, o não-Eu, e o não-Puro. Como
eu tive o não-Eterno, o não-Êxtase, o não-Eu, e o não-Puro; agora não
há a Iluminação Insuperável.

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 177


Eu disse: ‘originalmente não foi’. Eu não vi a Natureza-de-Buda. Não a
vendo, existem o não-Eterno, o não-Êxtase, o não-Eu, e o não-Puro. Se
um Shramana, Brâmane, deva, Mara, Brahma, ou humano dissesse: ‘O
Tathagata, através de todo o passado, presente e futuro, não possui o
Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro’, tal coisa nunca poderia ser [isto é, é
uma afirmação absolutamente falsa].

Também, além disso, oh bom homem! Eu disse: ‘originalmente foi’. Os


mortais comuns podem ter a idéia de praticar penitência e dizer que
alguém, assim, chega à Iluminação Insuperável. Por esta razão, não se
pode agora esmagar os quatro Maras.

Eu disse: ‘originalmente não foi’. Isto quer dizer que originalmente não
havia os seis paramitas. Não havendo os seis paramitas, o mortal co-
mum tem o pensamento de praticar penitência e diz que ele pode atin-
gir a Iluminação Insuperável. Um Shramana, Brâhmane, deva, Mara,
Brahma, ou humano poderia dizer: ‘O Tathagata, através de todo o pas-
sado, presente e futuro; fez (praticou) penitências’. Mas tal coisa nunca
poderia ser.

Também, além disso, oh bom homem! Eu disse: ‘originalmente foi’. Eu


tive no passado um corpo sustentado por vários tipos de comida. Como
eu tive um corpo nutrido por vários tipos de comida, não posso ter um
corpo ilimitado agora. ‘Originalmente não foi’ quer dizer que não existi-
am os 37 fatores concernentes à Iluminação. Como não existiam os 37
fatores concernentes à Iluminação, existe agora o corpo sustentado por
vários tipos de alimentos. Algum Shramana, Brâhmane, deva, Mara,
Brahma, ou humano pode dizer: ‘O Tathagata, através do passado, do
presente e do futuro, tem um corpo nutrido por alimentos’. Mas isto
nunca poderia ser.

Também, além disso, oh bom homem! Eu disse: ‘originalmente foi’,


significando que eu originalmente tinha uma mente que abarcava todos

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 178


os seres. Assim, não pode haver agora qualquer Samadhi do Vazio Últi-
mo.

Eu disse: ‘originalmente não foi’, significando que eu não possuia origi-


nalmente o verdadeiro significado do Caminho Médio. Como eu não
possuía o verdadeiro significado do Caminho Médio, agora eu tenho
apego a todas as coisas. Se algum Shramana, Brâmane, deva, Mara,
Brahma, ou humano disser: ‘O Tathagata, através do passado, do pre-
sente e do futuro, tem um corpo que existiu [samsaricamente]’. Isto
não é assim.

Também, além disso, oh bom homem! Eu disse: ‘originalmente foi’.


Quando pela primeira vez atingi essa Insuperável Iluminação, existiam
discípulos Sravakas ignorantes. Como eu tinha discípulos Sravakas igno-
rantes, eu não podia falar sobre a verdade do Veículo Único.

Eu disse: ‘originalmente não foi’. Não existia um elefante-rei (de inteli-


gência) aguçada como o Bodhisattva Kashyapa. Como não existia ne-
nhuma (inteligência) aguçada como a de Kashyapa, eu recorri ao expe-
diente dos três veículos, os quais eu ampliei. Se algum Shramana, Brâ-
mane, deva, Mara, Brahma, ou humano disser: ‘O Tathagata, através do
passado, do presente e do futuro, tem pregado o Dharma dos três veí-
culos’. Isto não é assim.

Também, além disso, oh bom homem! Eu disse: ‘originalmente foi’. Eu


disse anteriormente: ‘No prazo de três meses, eu entrarei no Parinirva-
na entre as ávores sala’. Este é o porquê eu posso pregar agora a dou-
trina do Grande Sutra Vaipulya, ‘Mahaparinirvana’.

Eu disse: ‘originalmente não foi’, significando que não existiam grandes


Bodhisattvas como Manjushri e outros. Como eles não existiam, agora
dizemos: ‘O Tathagata é não-Eterno’. Se qualquer Shramana, Brâmane,

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 179


deva, Mara, Brahma, ou humano disser: ‘O Tathagata, através do pas-
sado, do presente e do futuro, é não-Eterno’. Isto não é assim.

Oh bom homem! Embora o Tathagata saiba todas as coisas, ele diz que
não sabe, em razão de todos os seres. Ele vê todas as coisas. Mas ele diz
que não vê isso. Falando sobre o que possui forma, ele diz sem-forma;
falando sobre coisas que não possuem forma, ele diz que possuem for-
ma. Falando sobre o que tem forma, ele diz ‘sem-forma’. O mesmo se
aplica ao Eu, Êxtase, e ao Puro. Falando sobre os três veículos, ele diz
veículo único, falando sobre o veículo único, ele diz, conforme o caso
[de acordo com a situação], três veículos. Ele diz que uma forma abrevi-
ada é aquela que é extensiva, e a extensiva (ele diz que é) uma abrevia-
da. Ele diz que as quatro graves ofensas são as sthulatyayas, e que as
sthulatyatyas são as quatro graves ofensas. Ele diz que transgressão é
não-violação, e que não-violação é uma violação. Ele diz que um pecado
venial é grave, e um pecado grave é venial. Por que é assim? Porque o
Tathagata enxerga a raiz das habilidades dos seres. Oh bom homem! O
Tathagata fala assim, mas, no fundo, nada está errado. Por que não?
Tudo o que é falso constitui pecado. O Tathagata é totalmente segrega-
do do pecado. Como ele poderia dizer alguma coisa falsa? Oh bom ho-
mem! Embora o Tathagata não recorra a falsidades, ele assim o fará
como um expediente nas ocasiões em que ele perceber que todos os
seres obterão os benefícios do Dharma. Oh bom homem! Para o Tatha-
gata, todas as verdades mundanas são ‘Paramartha-satya’ [Realidade
Última]. E ele permite aos seres atingir a ‘Paramartha-satya’. Se todos
os seres não atingissem a ‘Paramartha-satya’, todos os Budas, até o fim,
não falariam da verdade mundana. Oh bom homem! Quando o Tatha-
gata às vezes fala da verdade mundana, os seres dizem que o Tathagata
está falando da ‘Paramartha-satya’. Quando às vezes ele fala sobre ‘Pa-
ramartha-satya’, os seres dizem que o Buda está falando sobre a verda-
de mundana. Tudo isto vem das recônditas profundezas do mundo de
todos os Budas. Isso não é algo que possa ser compreendido por Srava-
kas e Pratyekabudas. Oh bom homem! Por essa razão, não conteste

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 180


apressadamente e diga que o Bodhisattva-Mahsattva nada possui. O
Bodhisattva sempre reside no ‘Paramartha-satya’. Como alguém pode-
ria criticá-lo e dizer que ele não tem nada?”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você diz que ‘Paramartha-
satya’ é a Via, a Iluminação e o Nirvana. Se dissermos que o Bodhisattva
possui a Via, a Iluminação e o Nirvana, isso nada mais é que o não-
Eterno. Por quê? Se o Dharma é eterno, alguém não pode alcançá-lo. É
como o espaço. Quem pode alcançá-lo? Oh Honrado pelo Mundo! Na
vida mundana, o que originalmente não foi, mas agora é, é chamado
não-Eterno. O mesmo se passa com a Via. Se a Via pode ser alcançada,
isto nada mais é que o não-Eterno. Se o Dharma é Eterno, não pode
haver consecução de nada, nem emergência, como no caso da Nature-
za-de-Buda, que não se alcança e nem emerge. Oh Honrado pelo Mun-
do! Ora, a Via nem é não-material, e nem não não-material, nem longa,
nem curta, nem alta, nem baixa, nem emergente, nem extinção, nem
vermelha, nem branca, nem azul, nem amarela, nem ‘é’, nem ‘não-é’.
Como o Tathagata pode falar dela como ‘o que pode ser alcançado’? O
mesmo se aplica à Iluminação e ao Nirvana.”

O Buda disse: “É assim, é assim. Oh bom homem! Existem dois tipos de


Via. Um é eterno, e o outro não-eterno. Iluminação, também, é dos dois
tipos. Um é eterno, e o outro não-eterno. O mesmo se aplica ao Nirva-
na, também. Aquilo que os tirthikas dizem com respeito à Via relaciona-
se com o não-eterno; aquilo que é dito dentro do Budismo relaciona-se
com o Eterno. A Iluminação do Sravaka e do Pratyekabuda relaciona-se
ao não-eterno. A Iluminação de todos os Budas e Bodhisattvas é o Eter-
no. A emancipação dos tirthikas é o não-eterno, e aquela dos Budistas é
eterna. Oh bom homem! A Via, a Iluminação e o Nirvana são todos e-
ternos. Todos os seres estão sempre encobertos pelas inumeráveis im-
purezas, e como eles carecem dos olhos da Sabedoria, eles não podem
ver. Mas no sentido de ver, todos os seres praticam shila [moralidade],
samadhi [absorção meditativa], e Sabedoria. Assim praticando, eles

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 181


vêem a Via, a Iluminação e o Nirvana. A natureza e características da Via
não sofrem de nascimento e morte. Portanto, ela é difícil de agarrar.

O Porquê Proteger a Mente

Oh bom homem! Com a Via, não há cor ou forma para serem vistas,
nem qualquer peso a ser conhecido. Ainda assim existe a sua função.
Oh bom homem! A mente de um ser não é longa, nem curta, nem es-
pessa, nem diminuta, nem atada ou desatada, nem é algo visível, mas
ela ainda aparece como se fosse visível. Por isso, eu disse a Sudatta: ‘Oh
homem rico! Faça da mente o rei do castelo. Se a mente não for prote-
gida, o corpo e a boca não serão protegidos. Se a mente é protegida, o
corpo e a boca, também, estarão protegidos. Quando o corpo e a boca
não estão bem protegidos, todos os seres caem nos três domínios do
infortúnio. Se os seres protegem bem o seu corpo e a sua boca, eles
podem atingir o Nirvana dos humanos e dos seres celestiais. ‘Atingir’
fala da verdade. ‘Não atingir’ fala da não-verdade’. Oh bom homem! É o
mesmo com a Via, a Iluminação e o Nirvana. Pode haver o ‘é’ e o Eter-
no. Se houvesse [somente] o ‘não-é’, como poderia haver a erradicação
do todas as impurezas? Em virtude do ‘é’ que todos os Bodhisattvas
estão aptos a ver e conhecer (a Via).

Os Dois Tipos de Visão

Oh bom homem! Há dois tipos de visão. Um deles é a visão através de


sinais exteriores, e o outro é através de penetrações. O que é visão por
sinais exteriores? É como ver (saber do) o fogo à distância, quando al-
guém vê fumaça. Na verdade, esse alguém não vê o fogo. Embora não o
veja, nada é falso. Vemos uma nuvem no céu e dizemos que vemos
água. Embora não vejamos água, isto (afirmar que vemos) não é falso.
Vemos a flor e a folha e dizemos que vemos a raiz. Embora não vejamos

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 182


a raiz, isto não é falso. Vemos os chifres de uma vaca de muito longe
através da cerca e dizemos que podemos ver uma vaca. Embora não
vejamos uma vaca, isto não é, no entanto, falso. Vemos uma mulher
grávida e dizemos que vemos desejo carnal. Na verdade, não vemos
desejo carnal, mas isto não é falso. Também, vemos os brotos novos de
uma árvore e dizemos que vemos água. Embora, na verdade, não a
vejamos, isto não é falso. Vemos uma nuvem e dizemos que vemos
chuva. Embora a chuva [em si] não seja vista, isto não é falso. Vendo as
ações do corpo e da boca, dizemos que vemos um pensamento. O pen-
samento não é visto, mas isto não é falso. Isto é visão através de sinais
exteriores.

O que é visão através de penetrações? É como ver a cor dos olhos. Oh


bom homem! O olho de um humano é puro e não pode ser violado [en-
ganado pelo olhar]. É como ver uma manga segura na palma da própria
mão. O mesmo é o caso onde o Bodhisattva vê claramente a Via, a Ilu-
minação e o Nirvana. Embora ele veja assim, não há características a
serem vistas. Por essa razão, em tempos passados eu disse a Shariputra:
‘Oh Shariputra! Somente o Tathagata conhece, vê e compreende o que
todos no mundo, como Shramanas, Brâhmanes, devas, Maras, Brahmas
ou humanos não vêem e compreendem. É o mesmo com os Bodhisatt-
vas. Oh Shariputra! O que todo o mundo conhece, vê e compreende; eu
e os Bodhisattvas também conhecemos, vemos e compreendemos. O
que o mundo e os seres não conhecem, vêem e compreendem; eu tam-
bém conheço, vejo e compreendo. Assim deve ser. O mundo e os seres
conhecem, vêem e compreendem; e dizem o que eles conhecem, vêem
e compreendem. Oh Shariputra! O Tathagata conhece, vê e compreen-
de tudo; e mesmo assim ele não diz o que ele conhece, vê e compreen-
de. Assim se passam as coisas também com o Bodhisattva. Por quê? Se
o Tathagata mostra o que ele conhece, vê e compreende, ele não é
Buda-Honrado-pelo-Mundo. Ele é um mortal comum. O mesmo aconte-
ce com o Bodhisattva também.”

Capítulo 22 – Sobre Ações Puras 2 Página 183


Capítulo Vinte e Três: Sobre Ações Puras 3

O Bodhisattva Kashyapa disse: “O Buda-Honrado-pelo-Mundo certa vez


disse a Shariputra: ‘O que o mundo conhece, eu também conheço; o
que o mundo não conhece, eu também conheço tudo’. O que isto
significa?”

(O Buda disse: ) “Oh bom homem! O mundo não conhece, vê ou


compreende a Natureza-de-Buda. Se há uma pessoa que conheça, veja
e compreenda a Natureza-de-Buda, não a chamamos de alguém do
mundo. Dizemos ‘Bodhisattva’. O mundo também não conhece, vê ou
compreende os doze tipos de escrituras, os doze elos do surgimento
interdependente, as quatro inversões, as Quatro (Nobres) Verdades, os
37 fatores concernentes à Iluminação, a Iluminação Insuperável, e o
Grande Nirvana. Se conhece, vê e compreende, não dizemos ‘do
mundo’; dizemos ‘Bodhisattva’. Oh bom homem! Isto é o que se quer
dizer quando se fala que o mundo não conhece, vê ou compreende. O
que é que o mundo conhece, vê e compreende? Os que se chamam
Brahma, Mahesvara, Narayana, natureza, tempo, partícula, lei, não-
dharma são os criadores. Eles falam acerca de um fim e um início, sobre
o ‘não-é’ e o ‘é’ do mundo, e dizem que ‘Nirvana tem seu início a partir
do primeiro dhyana e termina na não-indiferença’ (não-qualidade de
não ser atencioso com os outros).

Oh bom homem! Isto é o que o mundo conhece, vê e compreende. O


Bodhisattva conhece, vê e compreende essas coisas. O Bodhisattva já as
conheceu, viu e compreendeu. Se dissermos que ele não conhece, vê ou
compreende, isto é nada mais que uma falsidade. Aquilo que é falso
constitui pecado. Por causa desse pecado, alguém (que o cometa) cai
no inferno. Oh bom homem! Se qualquer homem, mulher, Shramana,
ou Brâhmane diz que não existem coisas como a Via, a Iluminação ou o
Nirvana, saiba que tal pessoa é um icchantika [a pessoa mais deludida
espiritualmente]. Essa pessoa é um aparentado de Mara. Isto é caluniar

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 185


o Dharma. Essa calúnia é uma calúnia a todos os Budas. Essa pessoa não
é do mundo, e nem ‘não-do-mundo’.”

Então Kashyapa, ouvindo isto, elogiou o Buda num gatha, dizendo:

“O Grande Compassivo sente piedade dos seres


e os faz tomar refúgio nele.
Ele extrai completamente todas as flechas venenosas.
Assim, o chamo de grande doutor.
Um doutor mundano realiza uma cura.
Ele cura de fato, mas a doença retorna.
O Tathagata cura, mas a doença não retorna.
O Honrado-pelo-Mundo dá
a todos os seres a amrta [ a ambrósia da imortalidade].
Quando os seres compartilham disto,
eles não morrem, e nem renascem.
O Tathagata expõe-me o Grande Nirvana.
Quando os seres ouvem a doutrina hermeticamente guardada,
eles obtêm o brilho e a imortalidade.”

Tendo cantado assim, o Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh


Honrado pelo Mundo! O Buda diz: ‘O Bodhisattva conhece, vê e
compreende aquilo que o mundo conhece, vê e compreende’. Se for o
caso em que o Bodhisattva se encontra aqui no mundo, não podemos
dizer: ‘O mundo não conhece, vê ou compreende; mas esse Bodhisattva
conhece bem, vê e compreende’. Se ele não é do mundo, quais
características diferentes ele possui?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 186


O Samadhi Imutável

O Buda disse: “Oh bom homem! O Bodhisattva é do mundo e não é do


mundo. Aquele que não conhece, vê e compreende é do mundo; aquele
que conhece, vê e compreende não é do mundo. Você indaga: ‘Que
diferença há’? Eu agora explicarei. Oh bom homem! Se qualquer
homem ou mulher ouve esse Sutra do Nirvana, sente respeito e aspira à
Iluminação Insuperável; essa pessoa é um Bodhisattva do mundo. Todo
o mundo não conhece, vê ou compreende. Esse Bodhisattva, também,
não conhece, vê ou compreende, como no caso do (resto do) mundo.
Quando o Bodhisattva ouve esse Sutra do Nirvana, ele vem a saber
aquilo que o mundo não conhece, vê ou compreende; e que isto (o
Grande Nirvana) é o que o Bodhisattva deve vir a conhecer, ver e
compreender. Isto conhecido, ele pensa para si: ‘De que expediente
(meio) vou me utilizar para aprender e vir a conhecer, ver e
compreender’? Ele ainda pensa: ‘Protegerei os puros preceitos de
moralidade [shila] com o mais profundo pensamento’. Oh bom homem!
Por conta disto, o Bodhisattva, no mundo futuro, será puro em todos os
lugares onde ele venha a nascer. Oh bom homem! Como o Bodhisattva-
Mahasattva é puro nos shila [preceitos], onde quer que ele esteja, ele
não tem arrogância, nem visões distorcidas, nem dúvidas, e nunca, até
o fim, diz que o Tathagata entra para sempre no Nirvana. Isto é como o
Bodhisattva observa os puros preceitos (shila). Os preceitos já são puros
[com ele]. Ele, então, em seguida pratica a meditação. Através da
prática da meditação, onde quer que ele possa estar, ele persiste na
lembrança correta e não esquece. Isto equivale a dizer que todos os
seres possuem a Natureza-de-Buda; que existem os doze tipos de
escrituras, e que o Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo é o Eterno, o
Êxtase, o Eu, e o Puro. Todos os Bodhisattvas residem no Sutra Vaipulya
do Grande Nirvana e vêem a Natureza-de-Buda. Eles lembram
corretamente tudo isso e não esquecem. Através da prática das
dhyanas [meditações], eles alcançam onze shunyatas [vazios]. Esta é a
prática da meditação pura do Bodhisattva. Atingindo os preceitos (shila)

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 187


e a meditação, em seguida eles praticam a Sabedoria pura. Através da
prática da Sabedoria, eles primeiro vêem o Eu no corpo e o corpo no Eu.
Não há apegos como: este corpo, este Eu, não-corpo e não-Eu. Esta é a
prática da Sabedoria pura do Bodhisattva. Através da prática da
Sabedoria, os shila (preceitos) que ele observa são firmes e não se
movem. Oh bom homem! É como o Sumeru, que não se agita, a
despeito dos ventos das quatro direções. O mesmo é o caso com o
Bodhisattva-Mahasattva. Ele não se agita, a despeito das quatro
inversões. Oh bom homem! Os shila (preceitos) que o Bodhisattva
conhece, vê e compreende não são do mundo.

Oh bom homem! O Bodhisattva não tem nenhum arrependimento em


sua mente quando ele vê que os preceitos (shila) que ele observa são
inabaláveis. Como não há pesar, existe alegria em sua mente. Como ele
tem alegria, sua mente é feliz. Como ele é feliz, sua mente está em paz.
Como a sua mente está em paz, lá surge um Samadhi Imutável. Como o
Samadhi é Imutável, existe verdadeiro conhecimento e visão. Devido ao
verdadeiro conhecimento e visão, existe separação do nascimento e da
morte. Apartando-se do nascimento e da morte, ele encontra emanci-
pação [‘vimukti’]. Como uma conseqüência da emancipação, ele vê cla-
ramente a Natureza-de-Buda. Isto é o que se quer dizer quando se fala
que aquilo que o Bodhisattva conhece, vê e compreende não é algo que
se obtém no mundo. Oh bom homem! Isto é o que o mundo não co-
nhece, vê ou compreende.”

Kashyapa ainda disse: “De que maneira o Bodhisattva não se arrepende


conforme ele observa os puros preceitos (shila), e como ele vê clara-
mente a Natureza-de-Buda?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Os shila (preceitos) que se obtém no


mundo não são puros. Por que não? Porque os preceitos que se obtém
no mundo estão baseados no ‘é’, e porque a sua natureza não é imutá-
vel e não é ultimada. Eles (os preceitos) não se estabelecem amplamen-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 188


te para todos os seres. Por essa razão, dizemos ‘não-puros’. Não sendo
puros, existe pesar. Em razão do pesar, a mente não experimenta a
alegria. Como não há alegria na mente, não há felicidade. Como não há
felicidade, não há paz. Como não há paz, não há Samadhi Imutável.
Como não há Samadhi Imutável, não há verdadeiro conhecimento e
visão. Como não há verdadeiro conhecimento e visão, não há abandono
do mundo. Como não há abandono do mundo, não há emancipação.
Como não há emancipação, não há visão da Natureza-de-Buda. Como
não há visão da Natureza-de-Buda, não há consecução do Grande Nir-
vana. Isto é o que chamamos de preceitos impuros que se obtém no
mundo.

O Espelho dos Preceitos de Pureza

Oh bom homem! Falamos dos puros preceitos do Bodhisattva-


Mahasattva porque os (puros) preceitos não são para a existência, mas
são ultimados no Samadhi, e são para o benefício dos seres. Estes são
os puros preceitos (shila) do Bodhisattva. Embora o Bodhisattva-
Mahasattva não busque alcançar qualquer mente não-pesarosa através
dos puros preceitos, a mente não-pesarosa surge espontaneamente. Oh
bom homem! Se, por exemplo, um homem segura um espelho polido
em sua mão, sua face aparecerá nele, mesmo que ele não queira apare-
cer lá. Também, é como no caso de um agricultor que planta boas se-
mentes numa boa terra, após o que os brotos emergem espontanea-
mente lá, ainda que isso não fosse desejado. Também, é como a luz de
uma lâmpada, quando a escuridão automaticamente desaparece, muito
embora isso possa não ser desejado. Como o Bodhisattva-Mahasattva
observa estritamente (firmemente) os preceitos de pureza, uma mente
não-pesarosa surgirá automaticamente. O caso é assim. Através da pu-
reza dos preceitos, a mente ganha alegria. Oh bom homem! É como a
conduta de um homem de retidão no pensamento, que é agradável de

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 189


ver. O mesmo é o caso com uma pessoa que observa os preceitos de
pureza.

Oh bom homem! A mente de uma pessoa não sente prazer quando vê a


impureza dos preceitos de alguém que os viola. Isso é como ver a ex-
pressão doentia de uma pessoa cruel, momento em que não sentimos
qualquer alegria. A situação é a mesma com uma pessoa que viola os
preceitos. Oh bom homem! Como um exemplo: existem duas pastoras.
Uma segura em sua mão um pote de nata, e a outra um pote de leite.
Ambas vão para a cidade-castelo, desejando vender [seu produto] lá.
No caminho, elas tomam um tombo e os potes quebram. Uma mulher
está feliz, e a outra triste e preocupada. O mesmo se passa com a ob-
servância e a não-observância dos preceitos. A pessoa que observa os
preceitos de pureza tem uma mente alegre. Satisfeita no coração, aque-
la pessoa pensa: ‘O Buda-Tathagata diz no seu Sutra do Nirvana que
uma pessoa que observa os preceitos de pureza alcançará o Nirvana.
Uma vez que agora observo os preceitos de pureza, seguramente o
atingirei. Em razão disto, meu coração está satisfeito.”

Alegria e Felicidade

Kashyapa ainda disse: “Que diferença existe entre ‘alegria’ e ‘felicida-


de’?”

(O Buda disse: ) “Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva


não comete qualquer maldade, existe alegria com ele. Quando a mente
é pura, e quando ele observa os preceitos, existe felicidade. Oh bom
homem! Quando o Bodhisattva vê nascimento e morte, isto é alegria.
Quando ele vê o Grande Nirvana, existe felicidade. O que é de baixo
grau é alegria, e o que é de alto grau é felicidade. Quando alguém se
afasta da propriedade adquirida em comum com os outros, há alegria.
Quando alguém atinge uma propriedade obtida individualmente, existe

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 190


felicidade. Quando os preceitos são puros, o corpo é leve e suave, e a
fala é terna. Então, o Bodhisattva pode ver, ouvir, cheirar, degustar,
tocar e conhecer; e nada há de maldade [nessas sensações]. Sem mal-
dade, a mente está em paz. Em razão da paz, ele ganha a quietude do
Samadhi. Como ele ganha a quietude do Samadhi, ele verdadeiramente
conhece e vê. Quando ele verdadeiramente conhece e vê, ele escapa do
nascimento e da morte. Quando ele escapa do nascimento e da morte,
ele ganha a emancipação. Quando ele ganha a emancipação, ele vê a
Natureza-de-Buda. Quando ele vê a Natureza-de-Buda, ele ganha o
Grande Nirvana. Isto é pura observância dos preceitos pelo Bodhisattva.

Isto não é o que se aplica na observância dos preceitos na vida secular.


Por que não? Oh bom homem! Os puros preceitos (shila) que o Bodhi-
sattva-Mahasattva observa estão suportados pelas cinco coisas: Quais
são essas cinco? Elas são: 1) Fé, 2) Sentir vergonha de si mesmo pelos
pecados que tem cometido, 3) Sentir vergonha dos outros pelos peca-
dos que eles têm cometido, 4) Um bom amigo da Via, e 5) Respeito
crescente pelos preceitos. Porque nos apartamos dos cinco ofuscamen-
tos (obscurecimentos) [‘panca-avaranani’]. Porque o que se vê é puro,
em conseqüência de estarmos apartados das cinco visões distorcidas
[‘panca-drstayah’]. Não há elementos de dúvida, uma vez que se está
longe das cinco dúvidas, que são duvidar do: 1) Buda, 2) Dharma, 3)
Sangha, 4) Preceitos (shila), e 5) Não-indolência. O Bodhisattva, então,
ganha as cinco raízes, que são: 1) Fé, 2) Lembrança, 3) Esforço, 4) Medi-
tação, e 5) Sabedoria. Através das cinco raízes, ele ganha os cinco tipos
de Nirvana, que são a emancipação desde: 1) rupa [corpo, matéria] até
5) consciência [isto é, emancipação dos cinco skandhas]. Esta é a pura
observância dos preceitos do Bodhisattva. Isto não é do mundo secular.
Oh bom homem! Isto é o que o mundo secular não conhece, vê ou
compreende. Isto é o que o Bodhisattva conhece, vê e compreende.

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 191


Os Inimigos da Via

Oh bom homem! Se qualquer dos meus discípulos proteger, recitar,


copiar e falar a respeito do Sutra do Grande Nirvana e violar os precei-
tos morais, as pessoas o reprovarão, o olharão de cima abaixo, e dirão:
‘Se o Mahaparinirvana que o Buda guarda hermeticamente é suposto
ter poder, como ele faz você violar assim os preceitos morais que você
recebeu? Se for o caso que qualquer pessoa que observe esse Sutra do
Nirvana quebra as regras proibitivas, saiba que este sutra não tem po-
der. Se ele não tem poder, não pode haver qualquer mérito [advindo
dele], mesmo se o recitarmos’. Ao menosprezar e transgredir este Sutra
do Nirvana, todas as inumeráveis e incontáveis pessoas (que assim fala-
rem) têm que cair no inferno. Qualquer um que ostente este sutra e
quebre as regras morais é um péssimo mestre da Via. Não é um discípu-
lo meu, mas um aparentado de Mara. Eu não permito a essa pessoa
ostentar este sutra. É melhor não permitir essa pessoa receber, possuir
e praticar; do que permitir-lhe transgredir, observar e praticar os pre-
ceitos (shila).

Oh bom homem! Qualquer discípulo meu, quando ostentando, recitan-


do, copiando ou falando sobre o Sutra do Nirvana; deve ser sério na
conduta do seu corpo e mente, e deve ser cuidadoso para não brincar e
comportar-se levianamente. O que se refere ao corpo é ‘brincar’; o que
se refere à mente é ‘comportamento leviano’. A mente que procura o
‘é’ é aquela de ‘comportamento leviano’; o corpo que faz muitas coisas
é aquele que ‘brinca’. Qualquer um dos meus discípulos que busque o
‘é’ e aja (‘brincando’ – fazendo muitas coisas) não pode receber e os-
tentar este Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Caso esse alguém este-
ja ostentando este sutra, as pessoas o menosprezarão e o reprovarão,
dizendo: ‘Se o Sutra do Nirvana guardado hermeticamente pelo Buda
possui algum poder, como pode ser que ele lhe permita buscar o ‘é’ e
agir (‘brincando’ – fazendo muitas coisas)? Se alguém que ostenta este
sutra busca o ‘é’ e age (levianamente), saiba que este sutra não possui

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 192


poder. Se ele não pode gerar algum grande poder, é inútil possuir este
sutra’. Quando uma pessoa menospreza assim este sutra, ilimitados e
inumeráveis seres terão que cair no inferno. Caso uma pessoa possua
este sutra, busque o ‘é’ e aja (‘brincando’ – fazendo muitas coisas), essa
pessoa nada mais é que o pior amigo da Via. Essa pessoa não é um dos
meus discípulos, mas um aparentado de Mara.

Além disso, oh bom homem! Qualquer discípulo meu que receba, reci-
te, copie, e fale sobre este Sutra do Nirvana, não deve falar sobre ele
num momento inoportuno, numa terra onde não se deve pregar, nem
quando não é solicitado pregar, nem com um pensamento leviano, nem
em todos os lugares, nem falar sobre ele elogiando-o por si próprio,
nem falar sobre ele enquanto desprezando os outros, nem para matar
os (outros) ensinamentos Budistas, e nem para queimar as leis secula-
res. Oh bom homem! Se algum dos meus discípulos recebe e ostenta
este sutra e fala sobre ele desde um momento inoportuno ou abaixo,
até para queimar as leis seculares, as pessoas o desprezarão e dirão: ‘Se
há algum grande poder no Grande Nirvana hermeticamente guardado
pelo Buda, como ele pode permitir-lhe falar sobre ele num momento
inoportuno ou para queimar (destruir) as leis seculares? Se uma pessoa
que possui este sutra age dessa maneira, então saiba que esse sutra
não tem poder. Se ele não tem poder, não há benefício [a ser obtido
dele], mesmo se você ostentá-lo’. Através da depreciação deste Sutra
do Nirvana, inumeráveis seres serão levados a cair no inferno. Se al-
guém recebe e ostenta este sutra e fala dele desde uma ocasião inopor-
tuna até para a queima das leis seculares, essa pessoa é o pior amigo de
todos os seres. Esse alguém não é meu discípulo, mas é um aparentado
de Mara.

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 193


O Verdadeiro Bom Mestre da Via

Oh bom homem! O que se requer em primeiro lugar de alguém que


deseja abraçar este sutra, o qual fala do Grande Nirvana, que fala da
Natureza-de-Buda, que fala do Dharma secreto do Tathagata, que fala
do Mahayana, que fala dos Sutras Vaipulya, que fala do veículo do Sra-
vaka, que fala do veículo do Pratyekabuda, que vê a Natureza-de-Buda;
é purificar o corpo (tornar o corpo puro). Quando o corpo é puro, não
existe base para reprovação. Quando não há nada a reprovar, isto per-
mitirá aos seres obterem um pensamento puro sobre este Grande Nir-
vana. Quando a fé surge, respeita-se esse sutra, ouve-se um gatha (ver-
so), uma linha, ou uma palavra, ou fala-se do Dharma, [e] aspira-se à
Iluminação Insuperável. Saiba que essa pessoa é um verdadeiro bom
Mestre da Via para todos os seres. Essa pessoa não é um mau Mestre
da Via. Esse é um discípulo meu e não do clã de Mara. Isto é o que se
quer dizer quando falamos que o Bodhisattva não é do mundo. Oh bom
homem! Isto é o que o mundo não conhece, vê ou compreende. Isto é o
que o Bodhisattva conhece, vê e compreende.

Também, além disso, oh bom homem! O que é que todo o mundo não
conhece, vê ou compreende; e que o Bodhisattva conhece, vê e com-
preende? Estes são os seis pensamentos. Quais seis? São estes: 1) pen-
samento do Buda, 2) pensamento do Dharma, 3) pensamento da San-
gha, 4) pensamento dos preceitos (morais - shila), 5) pensamento do
dana [doações caridosas], e 6) pensamento dos devas (divindades).

O Mestre do Dharma

Oh bom homem! O que é pensamento do Buda? Isto está dizendo que o


Buda, que é o Tathagata, Merecedor de Ofertas, Todo Iluminado (de
lucidez e conduta perfeitas), Todo Realizado, Bem Aventurado, de Co-
nhecimento e Compreensão do Mundo, Melhor Treinador (Herói que

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 194


subjuga e doma), um Mestre de Seres Celestiais e de Pessoas, Buda,
Honrado pelo Mundo é eterno e imutável, dotado dos dez poderes, dos
quatro destemores, do proferir o rugido do leão, e é um grande Shra-
mana e um grande Brahmin. Sua grande pureza finalmente conduz uma
pessoa à outra margem. Ninguém o supera, e ninguém pode ver o topo
da sua cabeça. Não há medo, nem temor, e nem movimento [com ele].
Único e só, ninguém para acompanhá-lo, e ninguém para ensiná-lo, ele
é perfeitamente desperto em todos os tesouros do conhecimento como
o conhecimento da ação-rápida, o grande conhecimento, o conheci-
mento brilhante, o conhecimento profundo, o conhecimento da eman-
cipação, o conhecimento não-compartilhado, o conhecimento ampla-
mente disseminado, e o conhecimento final. Ele é, dos humanos, o ele-
fante rei, a vaca rei, a naga rei, o macho mais forte, o lótus branco, e o
melhor domador. Ele é o grande doador, o grande Mestre do Dharma.
Como ele conhece o Dharma, é chamado ‘Mestre do Dharma’. Ele é
chamado de Mestre do Dharma porque ele conhece o significado, por-
que ele conhece o tempo, porque ele sabe como estar satisfeito, por-
que ele sabe por si mesmo, porque ele conhece as massas [dos seres],
porque ele conhece as várias naturezas dos seres, porque ele conhece
todas as naturezas, a aguçada, a deficiente e a mediana, e porque ele
fala do Caminho Médio.

Tathagata

Por que dizemos ‘Tathagata’? Porque ele não muda, como já ensinado
por todos os Budas no passado. Por que ele não muda? Todos os Budas
no passado, a fim de socorrer os seres, proferiram os doze tipos de es-
crituras. É o mesmo com o Tathagata. Assim, dizemos ‘Tathagata’. O
Buda-Tathagata vem dos seis paramitas, dos 37 fatores concernentes à
Iluminação, dos 11 shunyatas, e adentra o Grande Nirvana. O mesmo é
o caso com o Tathagata, também. Este é o porquê ele é chamado de
Buda e de Tathagata. O Buda-Tathagata decreta expedientes conforme

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 195


sua vontade para o benefício dos seres, e abre (expõe) os três veículos.
Sua vida é infinita e ilimitada. O mesmo é o caso com o Tathagata, tam-
bém. Este é o porquê o Buda é chamado Tathagata.

Merecedor das Ofertas

Por que ele é chamado ‘Merecedor das Ofertas feitas a Ele’? Tudo o que
é do mundo é o inimigo. Como o Buda acabou com isso (com o que é do
mundo), ele é chamado ‘aquele que responde’ [isto é, aquele que res-
ponde aos desafios de Mara]. Ora, os quatro Maras são os inimigos do
Bodhisattva. O Buda-Tathagata, quando ainda um Bodhisattva, derro-
tou completamente os quatro Maras através da Sabedoria. Assim, é
‘aquele que responde’. Também, além disso, ‘dar resposta’ significa
‘apartar-se’. Enquanto um Bodhisattva, ele apartou-se das inumeráveis
impurezas. Assim, (ele) ‘dá resposta’. Também, além disso, ‘dar respos-
ta’ significa ‘felicidade’. Todos os Budas no passado, como Bodhisattvas
e durante inumeráveis asamkhyas de kalpas, submeteram-se a todos os
tipos de sofrimentos, e mesmo assim não houve (sentimento de) ‘não-
felicidade’ até o fim, mas sempre ‘felicidade’. O mesmo é o caso com o
Tathagata. Assim, (ele) ‘dá resposta’. E também, todos os humanos e
devas oferecem-lhe vários tipos de incenso, flores, grinaldas, estandar-
tes, dosséis e música. Assim, (ele) ‘dá resposta’.

Samyaksambuda

Por que dizemos ‘sho-henji’ [‘samyaksambuda’]? ‘Sho’ significa ‘não de


cabeça-para-baixo (não invertido)’; ‘henji’ significa que não há nada nas
quatro inversões que ele não conheça. E também, ‘sho’ significa ‘peni-
tência’. Dizemos ‘henji’. Em virtude da penitência, sabe-se que definiti-
vamente os frutos tristes surgem dali (das quatro inversões). E também,
‘sho’ é o caminho médio na vida secular. ‘Henji’ significa que conforme

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 196


se pratica definitivamente o Caminho Médio, atinge-se a Iluminação
Insuperável. E, também, ‘sho’ conota que é possível contar, ponderar e
dizer [descrever, proclamar]; ‘henji’ significa que não é possível contar,
ponderar e dizer. Este é o porquê o Buda é ‘Todo-Iluminado’. Oh bom
homem! Com os Sravakas e Pratyekabudas, há casos onde eles possuem
‘henji’ ou onde não o possuem. Por que é assim? ‘Hen’ significa ‘cinco
skandhas’, ‘doze esferas’, e ‘dezoito reinos’. Assim, os Sravakas e Prat-
yekabudas também podem obter ‘henji’. E assim, ‘conhecer todas-as-
interpenetrações (permeações)’. O que é o ‘não conhecimento de to-
das-as- interpenetrações’? Oh bom homem! Os dois veículos não po-
dem conhecer (permear) toda a rupa [forma, corpo], mesmo que medi-
tassem sobre ela durante inumeráveis kalpas. Assim, não pode haver
um caso onde os Sravakas e Pratyekabudas possam conhecer todo o
caminho.

Myo-Gyo-Soku ou Vidyacarana-Sampanna

O que é ‘myo-gyo-soku’ [‘vidyacarana-sampanna’ – conduta e sabedoria


perfeita]? ‘Myo’ significa obter inumeráveis bons frutos, e ‘gyo’ significa
perna. Bom fruto significa Iluminação Insuperável, e perna significa shila
(preceitos) e Sabedoria. Caminhando sobre as pernas dos preceitos e da
Sabedoria, alcança-se a Iluminação Insuperável. Portanto, ‘myo-gyo-
soku’. E também, ‘myo’ significa encantar, ‘gyo’ significa bom, e ‘soku’
significa fruto. Oh bom homem! Isto é o que o mundo pensa que signifi-
ca. Encantar significa emancipação; bom significa Iluminação Insuperá-
vel; o fruto refere-se ao Mahaparinirvana. Portanto, ‘myogyosoku’. E
também, ‘myo’ significa luz, ‘gyo’ ação, e ‘soku’ fruição. Oh bom ho-
mem! Este é o significado que o mundo aceita para esses termos. Luz
relaciona-se a não-indolência, ação aos seis paramitas, e fruição à Ilu-
minação Insuperável. E também, ‘myo’ significa três brilhos, que são: 1)
brilho do Bodhisattva, 2) brilho do Buda, e 3) brilho destruidor da igno-
rância. O brilho do Bodhisattva são os paramitas; o brilho do Buda é o

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 197


Olho-do-Buda; o brilho destruidor da ignorância é o Vazio Final. Por
ação [‘gyo’] entende-se alguém que pratica todos os tipos de boas a-
ções durante inumeráveis kalpas para todos os seres. Pé [‘soku’] pre-
nuncia ‘ver claramente a Natureza-de-Buda’. Assim, dizemos ‘myogyo-
soku’.

Bem-Aventurado

O que significa ‘zen-zei’ [‘sugata’ – ‘bem-aventurado’]? ‘Zen’ significa


elevado, e ‘zei’ significa não-elevado. Oh bom homem! Isso é o que o
mundo entende significar. Elevado relaciona-se à Iluminação Insuperá-
vel, e não-elevado à ‘mente do Tathagata’. Oh bom homem! Qualquer
pessoa cuja mente é elevada não é chamada ‘Tathagata’. Este é o por-
quê o Tathagata é chamado ‘zenzei’. E também, bom [‘zen’] conota
‘Bom Mestre da Via’. ‘Zei’ é a fruição do Bom Mestre da Via. Oh bom
homem! Isto é o que o mundo entende significar. Bom Mestre da Via
significa a primeira germinação do Bodhichitta [Mente da Iluminação].
Fruição nada mais é que o Grande Nirvana. O Tathagata, não abando-
nando a primeira germinação da mente, chega ao Grande Nirvana. Por
esta razão, o Tathagata é o ‘Bem-Aventurado’. E também, ‘zen’ indica
gostar, e ‘zei’ indica ‘é’. Oh bom homem! Isto é o que o mundo entende
significar. ‘Gostar’ refere-se a ver a Natureza-de-Buda, e ‘é’ significa
Grande Nirvana. Oh bom homem! A natureza do Nirvana não é real-
mente ‘é’. O Buda diz ‘é’ quando ele está se dirigindo ao mundo em
geral. Oh bom homem! Por exemplo, uma pessoa não tem um filho,
mas as pessoas dizem que ela tem. Embora, na verdade, eles não te-
nham a ‘Via’, dizem que têm. O mesmo é o caso com o Nirvana. Em
razão de estarmos baseados no mundo em geral, dizemos ‘é’. O Buda-
Honrado-pelo-Mundo atinge o Grande Nirvana. Portanto, ‘Bem-
Aventurado’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 198


Pleno Conhecimento e Compreensão do Mundo

O que se entende por ‘seken-ge’ [‘lokavid’ – conhecimento e compreen-


são do mundo]? ‘Seken’ denota os cinco skandas (agregados da forma,
sensações, percepções, formações mentais e consciência), e ‘ge’ signifi-
ca ‘conhecer’. O Buda-Honrado-pelo-Mundo conhece completamente
os cinco skandhas. Portanto, ‘compreende bem o mundo’. Também,
‘mundo’ significa os ‘cinco desejos’ (riqueza, luxúria, alimentos, fama e
o sono), e ‘ge’ significa ‘não-apego’. Quando alguém não se apega aos
cinco desejos, este é ‘alguém que compreende bem o mundo’. Dizemos
‘mundo’. Todos os Sravakas e Pratyekabudas não vêem ou conhecem
numerosos asamkhyas de países ao leste. Mas todos os Budas os co-
nhecem a todos, vêem a todos e os compreendem a todos. Assim é com
os países ao sul, oeste, norte, os quatro cantos (direções intermediárias
do nordeste, sudeste, sudoeste e noroeste), e as terras acima (zenith) e
abaixo (nadir). Assim, o Buda é alguém que conhece o mundo. Também,
‘mundo’ refere-se a todos ‘os seres’; ‘conhecer’ relaciona-se às boas e
más causas e efeitos de todos os seres. Não é algo que possa ser conhe-
cido por Sravakas e Pratyekabudas. Somente o Buda conhece. Este é o
porquê dizemos que o Buda é ‘Pleno-Conhecedor’. Também, o mundo é
‘lótus’, e ‘conhecer’ significa ‘não ser contaminado’. Oh bom homem!
Isto é o que o mundo entende como são as coisas. ‘Lótus’ é o Tathagata;
‘não ser contaminado’ significa que o Tathagata não é contaminado
pelas oito coisas do mundo [possivelmente os oito ventos da: prosperi-
dade, declínio, honra, desgraça, elogio, calúnia, felicidade e sofrimen-
to]. Portanto, chamamos o Buda de ‘Pleno-Conhecedor’. Também, to-
dos os Budas e Bodhisattvas são chamados ‘Plenos-Conhecedores’. Por
quê? Em razão do fato de todos os Budas e Bodhisattvas verem o mun-
do. Portanto, ‘Plenos-Conhecedores’. Oh bom homem! Isto é como
quando se obtém vida de alimentos, o que nos faz chamar alimento de
‘vida’. O mesmo é o caso com todos os Budas e Bodhisattvas. Como eles
conhecem o mundo, eles são chamados ‘Plenos-Conhecedores’.

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 199


Insuperável

Por que dizemos ‘mu-joshi’ [‘anuttara’ – ‘o insuperável’]? ‘Joshi’ signifi-


ca ‘cortar’. Alguém que não necessita cortar nada é o insuperável. As-
sim, o Buda é o insuperável. Também, ‘joshi’ significa ‘contenda’. O
insuperável não tem contendas. O Tathagata não tem contendas. As-
sim, o Buda é o insuperável. E ‘joshi’ significa que as palavras podem ser
destruídas. A palavra, ‘mujoshi’, não é algo que possa ser destruído. Os
seres não podem destruir o que o Tathagata diz. Assim, o Buda é o in-
superável. Também, ‘joshi’ significa ‘assento superior’ [‘sthavira’ – um
título honorífico significando ‘idoso’, ‘velho’, ‘venerável’]. ‘Mujoshi’
significa que não há assento que seja superior. Ninguém supera os Bu-
das das Três Existências (presente, passado e futuro). Assim, chamamos
o Buda de ‘insuperável’. ‘Jo’ é ‘novo’, e ‘shi’ é velho. O Buda-Honrado-
pelo-Mundo reside no Grande Nirvana, e lá não se fala de novo ou ve-
lho. Assim, chamamos o Buda de ‘Insuperável’.

Melhor Treinador

Por que dizemos ‘jägo-jäbu’ [‘purusadamyasarathi’ – ‘treinador de pes-


soas’]? Sendo um humano, ele treina os humanos. Oh bom homem! O
Tathagata não é um humano, e nem não-humano. Como ele aperfeiçoa
o humano, o Tathagata é chamado humano. Se qualquer homem ou
mulher é perfeito nas quatro coisas, esse alguém é um humano. Quais
quatro coisas? Elas são: 1) [ser] um bom mestre da Via, 2) (ter) boa au-
dição, 3) (ter) bom pensamento, e 4) praticar bem a Via como ensinado.
Oh bom homem! Se qualquer homem ou mulher falha nessas quatro
coisas, ele ou ela não é um humano. Por que não? Porque, embora o
corpo seja de um humano, a ação é de um animal. O Tathagata treina e
doma homens e mulheres. Por essa razão, o Buda é chamado de ‘Me-
lhor Treinador’. Também, além disso, oh bom homem! Existem quatro
maneiras de domar um cavalo. São os toques: 1) no seu pelo, 2) na sua

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 200


pele, 3) na sua carne, e 4) nos seus ossos. Através do toque, a vontade
do treinador é realizada. O mesmo se passa com o Tathagata. Os seres
são domados de quatro maneiras. Primeiro, ele fala do nascimento e os
seres aceitam as palavras do Buda. Isto é como o treinador tocando o
pelo, através do que seu desejo é atendido. Segundo, ele fala do nasci-
mento e da morte, e os seres aceitam as palavras do Buda. Isto é como
quando o pelo e a pele são tocados, através do que a vontade de trei-
nador é atendida. Terceiro, ele fala do nascimento, velhice e doença, e
os seres aceitam as palavras do Buda. Isto é como tocar o pelo, a pele e
a carne, através do que a vontade do treinador é atendida. Quarto, ele
fala do nascimento, velhice, doença e morte, e as palavras do Buda
encontram aceitação. Isto é como quando a vontade do treinador é
atendida conforme suas mãos tocam o pelo, a pele, a carne e os ossos.
Oh bom homem! Não há nada definitivo quando um treinador doma
um cavalo. Quando o Tathagata-Honrado-pelo-Mundo subjuga os seres,
isso é definitivo e não há falhas. Portanto, dizemos que o Buda é o me-
lhor treinador.

Mestre de Seres Celestiais e Humanos

Por que ele é o ‘tenninshi’ [‘sastadevamanusyanam’ – mestre de celes-


tiais e humanos]? Existem dois tipos de mestres. Um ensina o que é
bom, e o outro ensina o que é mau. Todos os Budas e Bodhisattvas en-
sinam a todos os seres o que é bom. O que é bom? É aquilo que é bom
do corpo, da boca e da mente. Todos os Budas e Bodhisattvas ensinam
os seres e dizem: ‘Oh bom homem! Você deve se afastar das más ações
do corpo. Por quê? Porque uma pessoa deve se afastar das más ações e
atingir a emancipação. Por essa razão, eu lhe ensino esse Dharma. Se
fosse o caso em que você não devesse se afastar das más ações e atin-
gisse a emancipação, eu não ensinaria, até o fim, que você se afastasse.
Nunca poderia acontecer que qualquer ser que tenha se afastado das
más ações venha a cair nos três reinos do infortúnio. Através do afas-

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 201


tamento (das más ações), ele encontra a Iluminação Insuperável e atin-
ge o Grande Nirvana. Assim, todos os Budas e Bodhisattvas sempre
ensinam aos seres esse Dharma. É o mesmo com a situação da boca e
da mente. Portanto, o Buda é o Mestre Insuperável. Também, antes, eu
não era Iluminado, mas agora sou. Com o que obtive, ensino os seres.
Eu não pratiquei ações puras desde o início, mas agora as pratico. Com
o que tenho praticado, eu conduzo os seres. Tendo acabado com a ig-
norância, eu também acabei com a ignorância dos [outros] seres. Eu
próprio obtive o olho puro e permito aos seres dissipar as trevas, e dou-
lhes o olho puro. Eu sei de duas verdades e também falo aos seres so-
bre as duas verdades. Obtendo a emancipação, eu lhes falo sobre esse
Dharma da emancipação. Atravessando o ilimitado grande oceano do
nascimento e da morte, igualmente permito aos seres atravessá-lo.
Tendo eu próprio adquirido o destemor, eu lhes ensino e lhes faço des-
temer. Tendo eu próprio obtido o Nirvana, falo aos seres do Grande
Nirvana. Este é o porquê eu sou o Buda e o Mestre Insuperável. O céu é
dia. Lá em cima no céu, o dia é longo e as noites são curtas. Por isso, é
céu. E, também, no céu não há apreensão. Portanto, o que há é prazer.
Assim, dizemos céu. E também, o céu é uma lâmpada. Ela dissipa com-
pletamente a escuridão e torna as coisas muito brilhantes. Portanto, é
céu. Também, ela destrói completamente as trevas das más ações, en-
vidando boas ações, através das quais se nasce no céu. Portanto, é céu.
E também, o céu é felicidade. Em razão da felicidade, também dizemos
céu. Também, céu é dia. O dia tem luz. Por isso chamamos o céu de dia.
Portanto, é céu. Os humanos sentem muitas obrigações. E também, os
humanos têm suavidade [gentileza] no corpo e na fala. Também, o hu-
mano é arrogante. Também, o humano destrói completamente a arro-
gância. Oh bom homem! Conquanto o Buda seja o Grande Mestre Insu-
perável, nos sutras ele também é denominado Mestre de Celestiais e
Humanos. Por quê? Oh bom homem! Dentre todos os seres, somente
devas (celestiais) e humanos podem aspirar à Iluminação Insuperável,
praticar as dez boas ações, atingir os frutos do Srotapanna, Sakrdaga-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 202


min, Anagamin, e do Arhat, e assim atingir a Iluminação Insuperável.
Portanto, o Buda é o Mestre do Céu e da Terra.

Buda

Por que dizemos Buda? Ele é desperto. Desperto por si. Ele também
desperta completamente os outros. Oh bom homem! Por exemplo, se
alguém está ciente de que há um ladrão presente, o ladrão nada pode
fazer. O mesmo se passa aqui. O Bodhisattva-Mahasattva é desperto
com relação a todas as inumeráveis impurezas. Estando desperto para
todas as impurezas, ele torna todas as impurezas incapazes de fazer
algo. Portanto, é Buda. Por conta desse despertar, ele é não-nascido,
sem idade, imune a doenças e imortal. Portanto, é Buda.

Lord

Dizemos ‘bagaba’ [‘bhagavat’ – ‘Lord’]. ‘Baga’ significa ‘destruir’; ‘ba’


significa ‘impureza’. Como ele erradica as impurezas, ele á chamado
‘bagaba’. Ele também é assim chamado porque realiza bem o Dharma
Maravilhoso; porque compreende bem todos os ensinamentos [dhar-
mas]; porque possui grande virtude e eleva-se acima de todos os ou-
tros; porque tem grande fama, sendo conhecido em todas as dez dire-
ções; porque faz diversos grandes oferecimentos; porque, há inumerá-
veis asamkhyas de kalpas, ele acabou com a dualidade de gênero. Oh
bom homem! Qualquer pessoa, homem ou mulher, que assim pense
sobre o Buda, sempre vê o Buda-Honrado-pelo-Mundo enquanto cami-
nhando, parando, sentando, deitando na cama, dia ou noite, no brilho
ou na escuridão.

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 203


Como o Bodhisattva-Mahasattva Pensa Sobre o Buda

Por que dizemos Tathagata, Merecedor-de-Ofertas, Todo-Iluminado e


assim por diante, até ‘Bagaba’; e atribuímos-lhe tantos epítetos (títulos
honoríficos) de inumeráveis virtudes? Oh bom homem! O Bodhisattva,
ao longo de inumeráveis kalpas passados, respeitou seus pais, os hon-
rados [‘upadhyaya’ – mestres Budistas responsáveis pelos ritos, regras e
disciplina numa comunidade monástica], todos os mestres, idosos e
anciãos; e sempre praticou dana, por inumeráveis kalpas, para o benefí-
cio dos seres; observou os preceitos morais, praticou a paciência, envi-
dou esforços, praticou meditação, atingiu a Sabedoria, tem sido repleto
de grande amor-benevolente e compaixão, e é perfeito na alegria-
simpática (intenção amável) e na equanimidade. Em razão disto, o Bo-
dhisattva agora possui as 32 marcas da perfeição e as 80 características
menores de excelência. E também, o Bodhisattva, ao longo de inumerá-
veis asamkhyas de kalpas, praticou esforços, fé, concentração (pensa-
mento único), meditação, Sabedoria [‘panca-indriya’ – os cinco sentidos
orgânicos ou raízes], respeitou e fez oferecimentos aos mestres e anci-
ãos; sempre cuidadoso com os alimentos para o bem do Dharma. O
Bodhisattva ostenta, lê e recita os doze tipos de escrituras e, para o
benefício de todos os seres, trabalha pela emancipação, pela paz e feli-
cidade, não se importando nem um pouco consigo próprio. Por quê?
Porque o Bodhisattva sempre cultiva a idéia [atitude mental, estado
mental] de escapar do mundo, renunciar à vida doméstica, (cultiva) as
idéias do não-criado, não-disputa, não-impureza, não-vínculo, não-
apego, não-proteção, não-indefinível, não-nascimento-e-morte, não-
cobiça, não-ira, não-ignorância, não-arrogância, não-ilusão, não-
sofrimento, pensamento ilimitado, pensamento amplo, pensamento do
Todo-Vazio, a mente vazia, a mente não-vazia, a mente não-treinada, a
mente não-protegida, a mente descoberta, a mente não-secular, a
mente que está eternamente em meditação, a mente sempre-
praticante, a mente sempre-emancipada, a mente que busca não-
recompensa, a mente sem desejos, a mente que deseja fazer o bem, a

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 204


mente não-falante, a mente aliviada, a mente não-permanente, a men-
te desimpedida [livre, sem restrições], a mente da impermanência
[mente desperta para a impermanência dos fenômenos], a mente ho-
nesta, a mente não-lisonjeira, a mente do puro bem e que não anseia
por mais ou menos [isto é, a mente satisfeita], a mente não-difícil, a
mente que não é do mortal comum, que não é dos Sravakas, que não é
do Pratyekabuda, que é boa conhecedora, a mente do conhecimento-
limitado [que sabe que uma existência tem seu próprio limite], a mente
que conhece o mundo do nascimento e da morte, a mente que conhece
o mundo eterno, a mente do mundo sem impedimentos. Em razão dis-
to, ele (o Bodhisattva) agora possui os dez poderes, os quatro destemo-
res, a grande compaixão, os três estados mentais, e o Eterno, o Êxtase,
o Eu, e o Puro. Este é o porquê o chamamos de ‘Tahagata’ até ‘Bagaba’.
Essa é a maneira do Bodhisattva-Mahasattva pensar sobre o Buda.

Como o Bodhisattva Pensa Sobre o Dharma

Como o Bodhisattva-Mahasattva pensa sobre o Dharma? Oh bom ho-


mem! O Bodhisattva-Mahasattva pensa: ‘O Dharma pregado por todos
os Budas é Todo-Maravilhoso e Supremo’. Baseando-se nesse Dharma,
os seres chegam à fruição da vida presente. Somente esse Dharma Ma-
ravilhoso não conhece o tempo. Aquilo que o Olho-do-Dharma vê não é
o que os olhos carnais vêem. E nenhuma analogia pode equiparar-se
[expressá-lo]. O Dharma não é algo nascido, e não morre; não perma-
nece, nem se extingue. Não há começo e nem fim. Não é criado e não é
mensurável [não pode ser contado ou calculado]. Para os sem-teto,
torna-se sua casa; para os sem-refúgio e sem-teto, ele é um refúgio.
Para alguém sem luz, ele é luz. Para alguém que ainda não chegou à
outra margem, ele permite-lhe alcançar a outra margem; para alguém
que não possui fragrância, ele torna-se exalante fragrância. Não pode
ser visto. Não se move; não muda. Apartando-se eternamente de todos

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 205


os prazeres, o que existe é paz e felicidade. É o Inexcedível e Todo-
Maravilhoso.

Não é matéria [‘rupa’] e está separado da matéria. E ainda é matéria. O


mesmo se aplica aos demais [‘cinco skandhas’] até a consciência. Não é
consciência e está separado da consciência. E [ainda] é consciência. Não
é ação e está separado da ação. Não é ligação, nem ruptura das liga-
ções. Não é substância e está separado da substância, e ainda é subs-
tância. Não é o mundo e está separado do mundo, e ainda é o mundo.
Não é ‘é’ e está separado do ‘é’, e ainda é o ‘é’. Não é ‘entrada’ e está
separado da ‘entrada’, e ainda é ‘entrada’. Não é causa e está separado
da causa, e ainda é causa. Não é efeito e está separado do efeito. Não é
falso e nem verdadeiro, e está separado de tudo que é verdadeiro, e
ainda é verdadeiro. Não é algo nascido, não morre, e está muito distan-
te do nascimento e extinção, e ainda é extinção. Não possui forma que
possa ser vista e não é não-forma, e está separado de tudo que pode
ser visto, e ainda é forma. Não é um ensino e nem um não ensinamen-
to, e ainda é o professor. Não é medo e nem paz, e está separado de
todos os temores, e ainda é paz. Não é paciência [‘ksanti’] e não é não-
paciência, e está muito distante da paciência, e ainda é paciência. Não é
tranqüilidade [‘samatha’], e não é não-tranquilidade, está distante de
toda a tranqüilidade, e ainda é tranqüilidade. É o topo [‘murdhana’] de
todas as leis (dharmas), e separa-se de todas as impurezas. É puro, não
tem forma para descrevê-lo, e está distante de todas as formas. É o
último estágio de todos os inumeráveis seres. Está distante das chamas
ardentes de todos os nascimentos e mortes. Isto é onde os Budas se
comprazem. É o Eterno, e não há mudança. Este é o pensamento do
Bodhisattva sobre o Dharma.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 206


Como o Bodhisattva Pensa Sobre a Sangha

De que maneira o Bodhisattva pensa sobre a Sangha? Todos os Budas e


todos os Sacerdotes Sagrados (a Sangha) vivem em concordância com o
Dharma e obedientemente praticam o Dharma que é Correto. Não se
pode vê-la, agarrá-la, destruí-la, ou causar-lhe danos. Ela (a Sangha) não
pode ser concebida e é um bom campo de prosperidade [‘punya-ksetra’
– um campo de mérito e bênçãos] para todos os seres. Embora seja um
campo de prosperidade, não há de se tê-la na mão [agarrá-la]. Tudo é
puro e imaculado; é não-‘asvara’ (impureza) e não-criada; é vasta e
ilimitada. A mente é domada e leve, é toda-igual, e é una. Não há exal-
tação. Tudo é eterno e imutável. Isto é como pensar sobre a Sangha.

Como o Bodhisattva Pensa Sobre os Preceitos

Como o Bodhisattva pensa sobre os preceitos [shila – preceitos mo-


rais]? O Bodhisattva pensa: ‘Existem os preceitos. Não devem ser trans-
gredidos. São não-‘asvara’, não podem ser destruídos, e nem confundi-
dos. Embora não possuam forma ou cor, podem ser protegidos. Embora
nada exista [neles] que possa ser tocado ou sentido, certamente pode-
se encontrar um meio de sermos perfeitos neles. Nada é falho. São a-
quilo que todos os Budas e Bodhisattvas elogiam. São a causa do Vai-
pulya e do Grande Nirvana’. Oh bom homem! Como um exemplo, todas
essas coisas como a grande terra, navios, grinaldas (coroas), grandes
clãs familiares, o grande oceano, águas fluviais, casas, espadas, pontes,
bons médicos, remédios maravilhosos, agada (antídotos para venenos),
cintamani [jóia de satisfação dos desejos], pernas, olhos, atitude gentil
dos pais: todas essas coisas não podem ser saqueadas ou danificadas. O
fogo não pode queimá-las nem a água arrastá-las. São uma escadaria
que leva às altas montanhas ou um grande estandarte de todos os Bu-
das e Bodhisattvas. (Ele pensa: ) ‘Residindo neste ‘shila’ (preceitos),
atinge-se o [nível de] Srotapanna. Eu sei que posso, mas não o faço. Por

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 207


que não? Porque se eu atingir o Srotapanna, não poderei salvar todos
os seres. Agora, se eu residir neste ‘shila’ e atingir a Suprema Ilumina-
ção, também poderei fazê-lo (salvar todos os seres). Isto é o que desejo
ter. Por quê? Se eu ganhar a Suprema Iluminação, estarei apto a, de
fato, falar sobre o Dharma-Todo-Maravilhoso e socorrer os seres’. Esta
é a maneira de o Bodhisattva-Mahasattva pensar sobre os preceitos.

Como Pensamos Sobre Dana

Como pensamos sobre o dana [doações caridosas]? O Bodhisattva-


Mahasattva medita profundamente sobre esse dana que é causa da
Iluminação Insuperável. [Ele pensa]: ‘Todos os Budas e Bodhisattvas
realizam o dana. Eu, também, ajudarei e o praticarei’. Se não for reali-
zado, não se podem adornar as quatro classes de pessoas da Sangha.
Embora as doações não erradiquem completamente as impurezas, cer-
tamente elas extirpam aquelas (impurezas) do presente. Em razão da
doação, todos os seres das dez direções, tão numerosos quanto às arei-
as de inumeráveis, ilimitados Rios Ganges, sempre tecem elogios.
Quando o Bodhisattva-Mahasattva doa comida aos seres, ele doa vida.
Como uma recompensa por esse dana, ele sempre é (abençoado) e não
muda quando atinge o Estado de Buda. Como ele dá felicidade, a paz o
visita quando ele atinge o Estado de Buda. Quando o Bodhisattva faz
doações, ele busca as coisas da maneira correta; ele nunca espolia ou-
tros através das suas doações. Em razão disto, quando ele atinge o Es-
tado de Buda, ele é abençoado com a pureza do Nirvana. Quando o
Bodhisattva faz doações, ele imagina coisas que os seres (necessitam e)
não pedem e que, mesmo assim, lhes são dadas. Como resultado disto,
no alvorecer do Estado de Buda, ele atinge a Auto-Soberania [‘aisvarya-
atman’ – isto é, o Eu autonomo, livre e sem impedimentos]. Através da
doação, ele dá força aos outros. Em razão disto, quando chega o Estado
de Buda, ele ganha os dez poderes. Através da doação, ele permite aos
outros obterem as palavras [as palavras das escrituras]. Por meio disto,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 208


quando o Estado de Buda vem, ele obtém as Quatro Sabedorias sem
Obstruções. Todos os Budas e Bodhisattvas praticam essas doações e
ganham a causa do Nirvana. (Ele pensa: ) ‘Eu, também, praticarei doa-
ções e engendrarei a causa do Nirvana’. Isto é como foi dito no ‘Zäke’
Vaipulya [isto é, possivelmente o ‘Sutra Gandavyuha’].

O Que Pensamos Sobre o Céu

Qual é o pensamento sobre o Céu? Existem lugares tais como o céu dos
quatro guardiões e o céu da indiferença-não-indiferença. Se alguém
possui a fé, ganha o céu dos quatro guardiões da terra. Eu, também,
posso nascer lá. Se (alguém possui os) preceitos, erudição, doação e
Sabedoria, alcança o céu dos quatro guardiões e o céu da indiferença-
não-indiferença. Eu, também, posso nascer lá. Mas, eu não desejo nas-
cer. Por que não? A impermanência reina lá no céu dos quatro guardi-
ões e [também] no céu da indiferença-não-indiferença. Devido à im-
permanência, lá existe nascimento, envelhecimento, doença e morte.
Por essa razão, eu não desejo nascer lá. Isto é como possivelmente um
fantasma enganará o ignorante, mas não o sábio. O céu dos quatro
guardiões e o céu da indiferença-não-indiferença são análogos a um
fantasma. O ignorante é o mortal comum, mas eu não sou um mortal
comum. Certa vez ouvi sobre o céu ‘Paramartha’. Isto se refere ao fato
de que os Budas e Bodhisattvas são eternos e não mudam. Por ser Eter-
no, não há nascimento, envelhecimento, doença ou morte. Envidarei
esforços e buscarei – para o benefício dos seres – o Céu ‘Paramartha’.
Por quê? Porque o Céu ‘Paramartha’ pode decididamente permitir aos
seres erradicar as ‘asvaras’ (impurezas), como no caso da árvore do
pensamento, a qual certamente podemos dobrar conforme nossa von-
tade. Se possuo desde a fé até a Sabedoria, eu posso certamente alcan-
çar esse Céu ‘Paramartha’, e para o benefício dos seres, deve-se pensar
e falar bem desse Céu ‘Paramartha’. Esse é o pensamento do Bodhisatt-
va-Mahasattva sobre o Céu. Oh bom homem! Isto é como dizemos que

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 209


o Bodhisattva não é do mundo. O mundo não conhece, vê e compreen-
de. Mas o Bodhisattva conhece, vê e compreende.

Oh bom homem! Meus discípulos podem dizer que não há diferença


entre ostentar, recitar, copiar e falar sobre os 12 tipos de escrituras; e
ostentar, recitar, copiar, discorrer sobre e expor o Sutra do Grande Nir-
vana. Mas isto não é assim. Por que não? Oh bom homem! O Grande
Nirvana é algo rigorosamente guardado pelo Buda-Honrado-pelo-
Mundo. Como ele é o mais profundo e mais rigorosamente guardado de
todos os sutras de todos os Budas, o chamamos superior. Oh bom ho-
mem! Por essa razão, esse é um sutra muito raro e especial, e algo difí-
cil de conceber.”

O Inconcebível Bodhisattva

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu


também sei que esse Sutra do Grande Nirvana é o mais raro, mais
especial e inconcebível; que o Buda, o Dharma e a Sangha são
inconcebíveis; e que o Bodhisattva, a Iluminação e o Grande Nirvana
são também inconcebíveis. Oh Honrado pelo Mundo! Por que é que
dizemos que o Bodhisattva também é inconcebível?”

(O Buda disse: ) “Oh bom homem! Embora ninguém ensine, o


Bodhisattva-Mahasattva aspira à Iluminação. Tendo aspirado, ele
pratica e envida esforços. Mesmo que um grande fogo queimasse seu
corpo e sua cabeça, ele não abandonaria a sua intenção de buscar a
emancipação e o pensamento do Dharma. Por que não? Porque o
Bodhisattva-Mahasattva sempre pensa para si: ‘Durante inumeráveis
asamkhyas de kalpas, eu vivi nos domínios do inferno, dos espíritos
famintos e dos animais, em meio aos humanos e seres celestiais, fui
queimado pelos fogos das impurezas e, até agora, não fui capaz de
obter um Dharma Imutável. Dharma Imutável nada mais é que a

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 210


Iluminação Insuperável. Eu não me importo com o meu corpo e mente,
se for pela Iluminação Insuperável. Eu posso perfeitamente triturar o
meu corpo e minha mente, transformando-os em partículas, se for pela
Iluminação Insuperável, mas não cessaria a prática da Via e o
empreendimento de esforços. Por que não? Porque o espírito de
praticar a Via e de empreender esforços nada mais é que a causa da
Iluminação Insuperável’. Oh bom homem! O Bodhisattva ainda não viu
a Iluminação Insuperável e não se importa em sacrificar seu corpo e
vida por ela assim; como poderia ser de outra forma se ele a tivesse
visto? Este é o porquê o Bodhisattva é inconcebível.

Também, dizemos inconcebível. Falamos assim porque o Bodhisattva-


Mahasattva vê o incontável número de doenças associadas com o
nascimento e a morte, e isso não é algo que Sravakas e Pratyekabudas
possam fazer. Embora ciente das incontáveis doenças do nascimento e
da morte, ele não acalenta o mínimo desejo de fugir das dores que ele
sofre – e o faz para o benefício dos seres. Sendo assim, dizemos
inconcebível. Apenas para o benefício dos seres, o Bodhisattva-
Mahasattva pode sofrer todas as dores do inferno e, mesmo assim, para
ele isso nada mais é que sentir a felicidade do terceiro dhyana
[‘tritiyadhyana’ – uma absorção meditativa caracterizada pela
equanimidade, estado de alerta, consciência, e um sentimento de bem-
estar]. Por essa razão, também, dizemos inconcebível. Oh bom homem!
Como uma ilustração, um fogo se inicia na casa de um homem rico. Ele
vê isso e sai da casa. Suas crianças são deixadas para trás e não estão
livres do fogo. O homem rico pensa sobre o perigo do fogo. Ele volta e
tenta salvar as suas crianças, esquecendo-se completamente do perigo
para si próprio. O mesmo se passa com o Bodhisattva-Mahasattva. Ele
sabe tudo sobre as doenças do nascimento e da morte. Mas ele as
enfrenta e não pensa sobre os perigos para si, apenas para o benefício
dos [outros] seres. Portanto, dizemos inconcebível.

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 211


Oh bom homem! Inumeráveis mentes aspiram ao Bodhichita [decisão
pela Iluminação]. Mas ao ver todas as maldades do nascimento e da
morte, a mente recua. Alguns tornam-se Sravakas e outros
Pratyekabudas. Mas o Bodhisattva, quando ele ouve esse sutra, nunca
perde o seu Bodhichitta e nunca se torna um Sravaka ou Pratyekabuda.
Assim, embora o Bodhisattva ainda não tenha ascendido ao estágio de
imobilidade do primeiro ‘bhumi’ [estágio de desenvolvimento do
Bodhisattva], sua mente está firmemente estabelecida e não concebe a
retroação. Portanto, dizemos inconcebível.

Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer: ‘Eu flutuarei no grande mar
[do sofrimento] e salvarei [os seres]’. Podemos acreditar nessa
afirmação?”

- “Oh Honrado pelo Mundo! Essa afirmação pode ser acreditada,


ou não. Como assim? Se isso significa dizer que um ser humano
está fazendo a travessia, isto é impensável. Se significa dizer
que um asura está fazendo a travessia, isso pode até ser
considerado.”

- “Oh bom homem! Eu não falo de um asura. Eu somente falo de


seres humanos.”

- “Oh Honrado pelo Mundo! Mesmo em meio aos humanos, há


aqueles que podem ser considerados e aqueles que não podem.
Oh Honrado pelo Mundo! Há dois tipos de humanos. Um é o
sábio, e o outro é o mortal comum. O mortal comum não pode
ser considerado; o sábio pode ser.”

- “Oh bom homem! Eu estou falando apenas do mortal comum, e


não do sábio.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 212


- “Oh Honrado pelo Mundo! Alguém como o mortal comum não
pode ser considerado [nesta conexão].”

- “Oh bom homem! Um mortal comum não pode atravessar o


grande mar. Mas esse Bodhisattva pode de fato atravessar o
grande mar do nascimento e da morte. Por essa razão, dizemos
inconcebível. Oh bom homem! É possível imaginar cobrir o
Monte Sumeru com as fibras de uma raiz de lótus?”

- “A resposta é não, oh Honrado pelo Mundo!”

- “Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva pode, numa


fração de segundo, contar todos os nascimentos e mortes de
todos os seres. Portanto, dizemos inconcebível.”

“Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, ao longo de inumeráveis


kalpas passados, já meditou sobre nascimento e morte, impermanência,
altruísmo, não-felicidade e o impuro; e ainda, para o benefício dos
seres, discrimina e fala sobre o Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro. Embora
ele fale assim, isto não se deve a uma visão distorcida. Portanto,
inconcebível. Oh bom homem! Imagine entrar na água, e a água não
poder afogá-lo; imagine caminhar num grande fogo, e o fogo não poder
queimá-lo. Não podemos jamais conceber tais coisas. É o mesmo com o
Bodhisattva-Mahasattva. Embora ele esteja no (ciclo do) nascimento e
da morte, nenhuma preocupação ou dano pode ser causado a ele. Por-
tanto, inconcebível.

Oh bom homem! Existem três tipos de humanos, nomeadamente: 1)


superior, 2) mediano, e 3) inferior. Aquele de nível inferior pensa quan-
do ele entra no útero: ‘Agora estou vivendo na latrina, um lugar onde as
coisas sujas aparecem, entre cadáveres, em meio a espinhos e arbustos,
e numa grande escuridão’. E também, quando ele emerge [do útero],
ele pensa: ‘Eu agora estou saindo da latrina, para fora de toda essa su-

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 213


jeira e maus lugares, e para fora da grande escuridão’. O humano do
tipo mediano pensa [conforme entra no útero]: ‘Agora estou entrando
numa floresta onde há árvores frutíferas, rios de águas límpidas, salões
e casas’. Quando ele emerge [do útero], ele também diz o mesmo. O
humano de nível superior pensa (quando entra no útero): ‘Eu agora
subirei ao topo de uma edificação e (entrarei) numa floresta florida.
Estou cavalgando em cavalos e elefantes e subindo as altas montanhas’.
O mesmo acontece quando ele emerge [do útero]. O Bodhisattva-
Mahasattva, quando entra, compreende que ele agora está entrando
no útero; enquanto no útero, ele sabe que agora está no útero; quando
emergindo, ele sabe que está emergindo. Ele não possui uma mente de
desejo ou ódio e, ainda, ele não alcançou o estágio do primeiro ‘bhumi’.
Portanto, ele é inconcebível.

Oh bom homem! A Suprema Iluminação não pode ser expressa em pa-


lavras [comparações ou analogias]. Oh bom homem! Nem pode a men-
te ser explicada através de analogias e parábolas. Mesmo assim, tudo
tem que ser explicado. O Bodhisattva-Mahasattva não tem professor
para indagar e nem um lugar para aprender, e mesmo assim ele atinge
a Suprema Iluminação. Após atingi-la, ele não pensa de uma maneira
mesquinha, mas sempre fala sobre o Dharma para o benefício dos se-
res. Portanto, inconcebível

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva é segregado do corpo e


não é da boca; ou é (segregado) da boca, e não é do corpo. Ele nem é
corpo nem boca, e ainda há segregação. Dizemos que ele é segregado
do corpo. Isto significa que ele está muito longe de matar, roubar e da
luxúria. Este é o porquê dizemos que ele é segregado do corpo e não é a
boca. Dizemos que há segregação da boca. [Isto significa que] ele está
afastado da mentira, fala dúbia, maledicência e palavras sem sentido.
Este é o porquê dizemos que ele é segregado da boca, mas não é do
corpo. Dizemos que ele está distante do corpo e da boca. Isto significa
dizer que ele está muito longe da cobiça, da inveja, da ira e das visões

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 214


distorcidas. Oh bom homem! Este é o porquê dizemos que ele é segre-
gado de ambos, corpo e boca. Oh bom homem! O Bodhisattva-
Mahasattva é nada mais que o corpo e a ação do Dharma único, e está
longe de ser um mestre, e mesmo assim não está longe de sê-lo. Por-
tanto, inconcebível. O mesmo acontece com a boca (quando ele é a
boca e a voz do Dharma único), também. Oh bom homem! Seu corpo
separa-se do corpo, e sua boca (separa-se) da boca; e a Sabedoria sepa-
ra-se do não-corpo e não-boca? Oh bom homem! Não há caso onde o
Dharma único destrua e crie. A natureza de uma coisa criada surge di-
versamente e se extingue diversamente. Logo, a Sabedoria não pode
ser segregada. Oh bom homem! A Sabedoria não pode destruí-la [isto é,
a natureza de uma coisa criada], o fogo não pode queimá-la, a água não
pode arrastá-la, o vento não pode movê-la, a terra não pode detê-la, o
nascimento não pode conceder-lhe nascimento, a idade, não pode tor-
ná-la velha, a permanência não pode fazê-la ficar, a desintegração não
pode desintegrá-la, a cobiça não pode desejá-la, a raiva não pode zan-
gar-se com ela, e a ignorância não pode enganá-la. Essa é a razão do
fato que a natureza das coisas criadas evoca diferentes nascimentos e
mortes (pois, não pode ser destruída). Até o fim, o Bodhisattva-
Mahasattva não acalenta uma idéia de que a Sabedoria erradica as im-
purezas. E mesmo assim ele diz: ‘Eu erradico as impurezas’. Embora ele
fale assim, isto não é falso. Portanto, inconcebível.”

A Duração dos Ensinamentos Budistas

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Ago-


ra, pela primeira vez, venho a entender a inconcebibilidade do Bodhi-
sattva-Mahasattva, a inconcebibilidade do Buda, do Dharma e da San-
gha, do Sutra do Grande Nirvana, da pessoa que o ostenta, da Ilumina-
ção e do Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! O tempo de vida do insupe-
rável ensinamento Budista deve ser longo e curto. Quando ele termi-
na?”

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 215


(O Buda disse: ) “Oh bom homem! Ora, o Sutra do Grande Nirvana tem
cinco ações, que são: 1) ações sagradas, 2) ações puras, 3) ações divi-
nas, 4) ações das doenças, e 5) ações das crianças. Se meus discípulos
protegerem (defenderem, ostentarem), recitarem, copiarem e falarem
a respeito dele; os seres o respeitarão, o considerarão, o elogiarão, e
farão vários oferecimentos. Saiba que os ensinamentos Budistas [nestas
circunstâncias] não se extinguirão. Oh bom homem! Se quando o Sutra
do Grande Nirvana estiver circulando entre as pessoas, muitos dos
meus discípulos violarem shila (os preceitos), fazerem todo o tipo de
maldades e não acreditarem neste sutra, em razão da sua incredulidade
eles não defenderão, recitarão, copiarão ou explanarão o significado, e
[assim,] eles não serão capazes de ser admirados pelas pessoas, e os
oferecimentos não lhes serão feitos. Eles olharão aqueles que defen-
dem os preceitos e os olharão de cima abaixo, dizendo: ‘Vocês são do
grupo dos seis mestres [seis mestres contemporâneos dos dias do Bu-
da] e não são discípulos do Buda’. Saiba que [nessas circunstâncias] não
estará longe de os ensinamentos do Buda se extinguirem.”

O Bodhisattva Kashyapa ainda disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-


do! Certa vez eu fui pessoalmente ensinado por você: ‘O ensinamento
do Buda Kashyapa durou apenas sete dias e depois desapareceu’. Oh
Honrado pelo Mundo! O Tathagata Kashyapa deixou algum tipo de su-
tra? Se nada foi deixado, como podemos dizer que ele (o ensinamento)
desapareceu? Se não, como podemos dizer que o Sutra do Grande Nir-
vana é hermeticamente guardado por todos os Budas?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Eu disse acima que somente Manjushri
poderia compreender. Agora repetirei novamente. Ouça atentamente,
ouça atentamente! Oh bom homem! Existem duas leis [dharmas] do
Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo, a saber: 1) a secular, e 2) ‘Paramar-
tha-satya’ [Realidade última]. A lei secular desaparece, mas não a ‘Pa-
ramartha-satya’. Também, existem dois tipos. Um é do não-Eterno, não-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 216


Eu, não-Êxtase, e não-Puro; o outro é do Eterno, Êxtase, Eu, e o Puro. O
do não-Eterno, não-Eu, não-Êxtase, e não-Puro desaparece, mas o Eter-
no, Êxtase, Eu, e o Puro não (desaparece). Além desses, existem dois
tipos. Um é dos dois veículos, e o outro é aquele que o Bodhisattva pos-
sui. Aquele que os dois veículos possuem desintegra-se e desaparece,
mas aquele que o Bodhisattva possui não. Também, há outros dois ti-
pos. Um é externo, e o outro é interno. O externo desintegra-se e desa-
parece, mas o interno não. Também, há outros dois tipos. Um é criado e
o outro é não-criado. O criado está sujeito a dissolução e desaparece,
mas o não-criado não. Também, há outros dois tipos. Um é aquele que
se pode ter nas mãos, e o outro é aquele que não se pode. Aquele que
se pode ter nas mãos está sujeito a dissolução e desaparece, mas aque-
le que não se pode ter nas mãos não decai ou desaparece. Além disso,
há outros dois tipos. Um é aquele que vai junto com outros, e o outro é
aquele que não vai junto com outros. O que vai junto com outros [uma
coisa composta] decai e desaparece, enquanto aquele que não vai junto
com outros não decai ou desaparece. Também, há outros dois tipos.
Um é o que se obtém em meio aos humanos, e o outro é o que se ob-
tém no céu. O que se obtém em meio aos humanos desintegra-se e
desaparece, e o que se obtém no céu não se desintegra ou desaparece.
Também, há outros dois tipos. Um são os onze tipos de escrituras, e o
outro são os Sutras Vaipulya. Os onze tipos de escrituras desintegram-
se e desaparecem, mas o Vaipulya não se desintegra ou desaparece. Oh
bom homem Se meus discípulos possuem, recitam, copiam, expõem,
respeitam, fazem oferecimentos, consideram e louvam altamente os
Sutras Vaipulya, saiba então que o ensinamento Budista não desapare-
cerá.

Oh bom homem! Você pergunta: ‘O Tahagata Kashyapa possui este


sutra ou não?’ Oh bom homem! O Sutra do Grande Nirvana é o mais
hermeticamente guardado de todos os Budas. Por quê? Todos os Budas
possuem os onze tipos de escrituras, mas essas (escrituras) não falam
sobre a Natureza-de-Buda. Elas não dizem: ‘O Tathagata é o Eterno, o

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 217


Êxtase, o Eu, e o Puro; ele (o Tathagata) não entra definitivamente no
Nirvana’. Por essa razão, chamamos esse sutra de Repositório Hermeti-
camente Guardado. Como os onze tipos de sutras não dizem isto, fala-
mos ‘repositório’. É como quando os humanos não carregam (consigo)
os sete tesouros, (colocando-os em lugar seguro), falamos ‘guardar’. Oh
bom homem! A razão pela qual essa pessoa guarda e mantém [as coi-
sas] é para os dias a vir. O que é algo para os dias a vir? O cereal é pre-
cioso. Ladrões vêm e assaltam o país, ou uma pessoa pode ter de viver
sob o governo de um mau rei, ou pode ter que usar esse cereal para
recuperar a sua vida. Se as estradas estiverem ruins e os bens difíceis de
obter, ela pegará isto (que está guardado) e usará. Oh bom homem! É o
mesmo com o Repositório Hermeticamente Guardado de Todo-Buda-
Tathagata.

Quando o Grande Nirvana é Pregado

Todos os Monges maldosos dos dias que virão guardarão coisas impuras
e dirão para as quatro classes da Sangha que o Tathagata, depois de
tudo, entra no Nirvana. Eles lerão aquilo que circula (literatura) no
mundo secular e não respeitarão os sutras Budistas. Quando essas mal-
dades aparecem no mundo, o Tathagata deseja acabar com todas as
maldades, vida errada, a procura por lucro, e então transmite esse su-
tra. Saiba que quando o Repositório Hermeticamente Guardado deste
sutra desaparecer, o ensinamento Budista, também, desaparecerá. Oh
bom homem! O Sutra do Grande Nirvana é eterno e não muda. Como
você poderia falar mal dele e indagar: ‘Esse sutra existiu na época do
Buda Kashyapa?’ Oh bom homem! Na época do Buda Kashyapa, todas
as pessoas eram menos ambiciosas e possuíam mais sabedoria. Era
muito fácil ensinar os Bodhisattvas, pois eles eram brandos e maleáveis.
Eles possuíam grande virtude; todos eram seguros e firmes. Eles eram
como grandes elefantes-rei. O mundo era limpo; os seres sabiam que o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 218


Tathagata não entraria definitivamente no Nirvana e que ele era Eterno
e Imutável. Embora esse sutra existisse, não era necessário pregá-lo.

Oh bom homem! Os seres desta era têm uma grande quantidade de


impurezas. Eles são ignorantes, esquecidos, e não possuem Sabedoria.
Eles duvidam demais, não podem ganhar fé, e o mundo é impuro. Todas
as pessoas dizem que o Tathagata é impermanente, que ele muda, e
que ao final ele entra no Nirvana. Por essa razão, o Tathagata transmite
esse sutra. Oh bom homem! O ensinamento do Buda Kashyapa também
não acaba de fato. Por que não? Porque ele é Eterno e Imutável. Quan-
do existem seres que vêem o Eu como não-Eu, o não-Eu como Eu, o
Eterno como não-Eterno, o não-Eterno como Eterno, Êxtase como não-
Êxtase, não-Êxtase como Êxtase, o Puro como não-Puro, o não-Puro
como Puro, o que não-acaba como o que acaba, o que acaba como o
que não-acaba, pecado como não-pecado, pecado venial como pecado
grave, pecado grave como pecado venial, veículo como não-veículo, o
não-veículo como um veículo, a Via como não-Via, não-Via como Via, o
que é realmente Iluminação como não-Iluminação, o que é realmente
não-Iluminação como Iluminação, Sofrimento como não-Sofrimento, a
Causa do Sofrimento como não sendo a Causa do Sofrimento, Extinção
como não-Extinção, a Verdade como não-Verdade, o que de fato é se-
cular como ‘Paramartha-satya’, ‘Paramartha-satya’ como secular, o
refúgio como não-refúgio, a genuína Palavra-do-Buda como palavras de
Mara, o que são realmente palavras de Mara como Palavra-do-Buda;
nessa ocasião todos os Budas transmitem esse sermão do Sutra do
Grande Nirvana.

Oh bom homem! Poderíamos dizer que a tromba de um mosquito al-


cançaria o fundo do grande oceano antes que o ensinamento do Tatha-
gata se tornasse extinto. Diríamos que alguém poderia amarrar o gran-
de vento com uma corda antes que o ensinamento do Tathagata se
tornasse extinto. Diríamos que alguém poderia soprar o Monte Sumeru
com seu fôlego e desfazê-lo em pedaços antes que o ensinamento do

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 219


Tathagata se tornasse extinto. Diríamos que o lótus floresceria em meio
ao fogo da khadira [acácia catechu] antes que o ensinamento do Tatha-
gata se tornasse extinto. Diríamos que a agada (antídoto) é veneno
antes que o ensinamento do Tathagata se tornasse extinto. Diríamos
que a lua poderia ser aquecida e o sol esfriado, antes que o ensinamen-
to do Tathagata se tornasse extinto. Diríamos que os quatro grandes
elementos perderiam as suas qualidades, antes que o ensinamento do
Tathagata se tornasse extinto.

Oh bom homem! Se o Buda primeiro aparece no mundo, atinge a Ilumi-


nação Insuperável, mas seus discípulos não alcançam as profundezas do
significado, e se o Buda-Honrado-pelo-Mundo está para entrar no Nir-
vana, saiba que esse ensinamento não viverá por muito tempo no mun-
do. Todavia, oh bom homem! Se o Buda primeiro aparece, atinge a Ilu-
minação Insuperável, e todos os seus discípulos alcançam as profunde-
zas do significado, saiba que esse ensinamento viverá longinquamente,
mesmo que o Buda entre no Nirvana.

Também, além disso, oh bom homem! Se o Buda primeiro aparece no


mundo, atinge a Iluminação Insuperável, e seus discípulos podem alcan-
çar as profundezas do significado; mas não há leigos (fiéis) danapatis
[doadores de oferecimentos] que respeitem o ensinamento do Buda, e
se o Buda entra no Nirvana, saiba que esse ensinamento não sobrevive-
rá muito. Todavia, oh bom homem! Se o Buda primeiro aparece no
mundo e atinge a Iluminação Insuperável, e todos os seus discípulos
alcançam as profundezas do significado, e se existem muitos leigos fiéis
danapatis (doadores de oferecimentos) que respeitam o ensinamento
do Buda, e o Buda entra no Nirvana, então, o ensinamento do Buda
sobreviverá longamente.

Também, além disso, se o Buda primeiro aparece no mundo e atinge a


Iluminação Insuperável, e todo os discípulos alcançam as profundezas
do significado; e também, se existem leigos fiéis danapatis que olham

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 220


para o ensinamento do Buda e muitos discípulos do Buda que falam
sobre seus ensinamentos; mas se eles o fazem por lucro (ganhos) e não
pelo Nirvana, saiba que o ensinamento não sobreviverá muito quando o
Buda morrer (entrar no Nirvana)

Também, além disso, oh bom homem! Quando o Buda primeiro apare-


ce no mundo e atinge a Iluminação Insuperável, e existem muitos discí-
pulos que alcançam as profundezas do significado; e também, existem
leigos fiéis danapatis que respeitam o ensinamento do Buda, e todos os
discípulos pregam a doutrina não por ganhos, mas pelo Nirvana, e o
Buda entra no Nirvana – saiba que esse ensinamento sobreviverá lon-
gamente.

Também, além disso, oh bom homem! Se o Buda primeiro aparece no


mundo e atinge a Iluminação Insuperável, e todos os discípulos alcan-
çam as profundezas do significado; e se existem leigos fiéis danapatis
que olham para o ensinamento do Buda, mas todos os discípulos dispu-
tam, dizendo isto e aquilo, e o Buda entra no Nirvana – saiba que esse
ensinamento não sobreviverá muito.

Também, além disso, oh bom homem! Se o Buda primeiro aparece no


mundo e atinge a Iluminação Insuperável, e existem discípulos que al-
cançam as profundezas do significado; e também, existem leigos fiéis
danapatis que respeitam o ensinamento do Buda, e todos os discípulos
praticam o ensinamento da paz e harmonia, e não disputam [uns com
os outros], mas respeitam um ao outro; e se o Buda entra no Nirvana –
saiba que esse ensinamento sobreviverá longamente e não desaparece-
rá.

Também, além disso, oh bom homem! Se o Buda primeiro aparece no


mundo, atinge a Iluminação Insuperável, e existem discípulos que al-
cançam as profundezas do significado; e também, se existem leigos fiéis
danapatis que respeitam o ensinamento do Buda, e todos os discípulos

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 221


pregam o ensinamento do Grande Nirvana; se eles respeitam uns aos
outros e não brigam, mas ainda guardam coisas impuras, se auto-
elogiam, dizendo: ‘Agora eu atingi desde o [nível de] srotapanna até o
arhatship’ – saiba, também, que se o Buda morrer, esse ensinamento
não sobreviverá muito no mundo.

Também, além disso, oh bom homem! Se o Buda primeiro aparece no


mundo e atinge a Iluminação Insuperável, e se todos os discípulos al-
cançam as profundezas do significado, e existem também leigos fiéis
danapatis que respeitam o ensinamento do Buda; e se todos os discípu-
los pregam a doutrina do Grande Nirvana, vivendo em harmonia e res-
peitando uns aos outros, não guardando coisas impuras e nem dizendo
que eles atingiram [os níveis] de srotapanna até o arhatship, e se o Bu-
da-Honrado-pelo-Mundo morrer – saiba que esse ensinamento sobrevi-
verá longamente.

Também, além disso, oh bom homem! Se o Buda primeiro aparece no


mundo e atinge a Iluminação Insuperável, e todos os discípulos não
guardam coisas impuras e não dizem que eles atingiram [o nível] de
srotapanna até o arhatship; mas se ainda eles se apegam às suas pró-
prias visões e dizem insistentemente: ‘Oh Grandes Senhores (anciãos)!
Desde as quatro graves ofensas, até as sete maneiras de adhikaranasa-
matha [sete maneiras de acabar com disputas], que todos os Budas
instituíram, são consentidas ou liberadas. O mesmo se passa com os
doze tipos de sutras. Por quê? Porque o Buda sabe que o tempo e o
lugar diferem e que há diferenças nas qualidades dos seres. Por essa
razão, o Tathagata proíbe ou permite, e há diferenças entre o (pecado)
leve [venial] e o pesado [grave]. Oh Grandes Senhores! Isto é como no
caso de um bom médico que, quando alguém está doente, ele permite
ou não o leite, e diz ‘sim’ para a febre e ‘não’ para o frio. É a mesma
situação com o Tathagata. Ele vê as raízes das enfermidades das impu-
rezas de todos os seres, e ou diz ‘sim’ ou proíbe. Oh Grandes Senhores!
Eu ouvi o Buda pregar diretamente; [somente eu conheço o significado

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 222


e não você; somente eu conheço os preceitos e não você; somente eu
conheço os sutras e não você]’. (Nesse caso) se o Buda morre, saiba que
esse ensinamento não sobreviverá muito tempo.

Oh bom homem! Se o Buda primeiro aparece no mundo e atinge a Ilu-


minação Insuperável, e se há muitos discípulos que não dizem: ‘Eu atin-
gi desde o [nível do] srotapanna até o arhatship’, e nem dizem: ‘Todos
os Budas, para o benefício dos seres, ou proíbem ou permitem. Oh
Grandes Senhores! Eu próprio tenho ouvido diretamente do Buda sobre
o significado, o Dharma, e os preceitos. Oh Grandes Senhores! Deve-se
tomar uma posição com relação aos doze tipos de sutras do Tathagata.
Se eles são corretos, eu os defendo; se não, eu os afasto’. (Nesse caso)
se o Buda-Honrado-pelo-Mundo entra no Nirvana, saiba que esse ensi-
namento sobreviverá longamente.

Quando o Ensinamento se torna Extinto

Oh bom homem! Quando o meu ensinamento se tornar extinto, pode-


rão existir discípulos Sravakas que dirão que existe uma Auto-
Consciência ou que não existe; ou que existe uma existência intermedi-
ária ou não [entre a morte e o renascimento]; ou que existem ou não os
Três Tesouros; que existem ou não os Três Veículos; que tudo é ‘é’ ou
não é ‘é’; que existem começos e finais para os seres; que os doze elos
do surgimento interdependente são coisas criadas ou que a causalidade
é não-criada; que o Tathagata tem doenças e dores ou não tem qual-
quer uma dessas coisas; ou que o Tathagata não permite aos Monges os
dez tipos de carne. Quais são esses dez? Eles são: humana, serpente,
elefante, cavalo, mula, cão, leão, javali, raposa e macaco. Dirão que o
Tathagata permite todos os outros tipos ou não permite. Ou que os
Monges não possuem cinco coisas. Quais são as cinco? Elas são: 1) ani-
mais domésticos, 2) espadas, 3) licores, 4) pó de queijo, e 5) óleo de
gergelim. Dirão que essas (coisas) não são vendidas, mas que todas as

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 223


outras coisas são permitidas. Ou que não é permitido a um Monge en-
trar nos cinco tipos de casas. Quais são as cinco? Elas são as casas de: 1)
açougueiros, 2) prostitutas, 3) bares, 4) palácios reais, e de 5) candalas.
Ou dirão que é permitido entrar em todos os outros tipos de casas. Eles
dirão que roupa de seda [‘kauseya’] não é permitida, sendo permitidos
todos os outros (tipos de roupa). Ou dirão que o Tathagata permite a
todos os Monges possuírem roupas, comidas e camas avaliadas em
centenas de milhares em ouro, ou que ele não permite. Ou dirão que o
Nirvana é o Eterno, Êxtase, Eu, e o Puro; ou que Nirvana é o fim das
impurezas que, dito de outra forma, é Nirvana. Por exemplo, roupa de
tecido é vestimenta; com relação à roupa esfarrapada, dizemos não-
vestimenta, que não é um nome para uma coisa diferente de roupa,
mas dizemos ‘não-vestimenta’. Dirão que o corpo do Nirvana não é
assim, ou é. Oh bom homem! Naquela ocasião, existirão poucos que
falarão corretamente, e muitos que apresentarão falsas visões. Poucos
serão aqueles que defenderão as visões corretas e muitos serão os que
se basearão em falsas visões. Poucos serão aqueles que defenderão as
Palavras-do-Buda, e muitos os que se basearão nas leis de Mara.

Oh bom homem! Naquela ocasião, havia dois discípulos no estado de


Kausambi. Um era um Arhat, e o outro violava os preceitos. Havia 500
deles que violavam os preceitos, e 100 Arhats. Aqueles que violavam os
preceitos diziam: ‘O Tathagata com certeza entra no Nirvana. Ouvimos
diretamente dele como que [proibições sobre] as quatro graves ofensas
instituídas pelo Buda podem ser consentidas ou transgredidas, e não se
cometerá qualquer pecado. Nós agora atingimos o Arhatship e temos a
Quádrupla Sabedoria sem Obstruções. E mesmo o Arhat também come-
te as quatro (graves) ofensas. Se a lei das quatro (graves) ofensas fosse
verdadeira e levasse ao pecado, o Arhat não as teria cometido. Enquan-
to o Buda ainda estava em vida, havia estrita observação, mas com sua
entrada no Nirvana, tudo está abandonado’. Assim eles diziam. O Arhat
dizia: ‘Oh Grandes Senhores! Não digam que o Tathagata entra definiti-
vamente no Nirvana. O que eu sei é que o Tathagata é Eterno e Imutá-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 224


vel. Se cometemos as quatro graves ofensas, não há diferença no peca-
do dependendo de se transgredimos durante a duração da vida do Buda
ou após a sua entrada no Nirvana. Isto não é assim. Por quê? Como
poderiam aqueles do estágio de Srotapanna infringir os preceitos? Vo-
cês dizem que são Arhats. Com um Arhat, nenhum pensamento de que
ele alcançou o estágio de Arhat vem em sua mente. O Arhat fala sobre o
Bom Dharma, mas não daquilo que é mau. Oh Grandes Senhores. O que
vocês dizem está tudo errado. Se olharem para os doze tipos de sutras,
verão claramente que vocês não são Arhats’. Oh bom homem! Então,
naquela ocasião, todos os Monges que haviam violado os preceitos
acabaram com a vida do Arhat. Oh bom homem! Naquela ocasião, o Rei
Mara, enfurecido pela mente irada dos dois grupos de Monges, matou
todos os 600. Então todos os mortais comuns disseram: ‘Que dia aflito!
O Dharma do Buda chegou ao fim!’ E ainda, o meu Dharma não havia
terminado lá. Naquela ocasião, havia 12 centenas de milhares de gran-
des Bodhisattvas que cumpriam e protegiam estritamente o meu
Dharma. Como se poderia dizer que meu Dharma havia terminado?
Naquela ocasião, no Jambudvipa, nem um único Monge era meu discí-
pulo. Naquela ocasião, o Papiyas [Marapapiyas, o demônio] queimou
todos os sutras num grande fogo. Então, restaram alguns fragmentos
que não queimaram, os quais todos os Brâmanes roubaram e, coletan-
do-os aqui e ali, adicionaram-lhes aos seus próprios textos. Por essa
razão, Bodhisattvas medíocres, quando ainda não havia Buda, geral-
mente acreditavam nas palavras dos Brâmanes.

Esses Brâmanes podem dizer que eles têm shila (os preceitos). Mas, na
verdade, não os possuem. Todos os tirthikas podem dizer que eles têm
a Felicidade e a Pureza, mas para dizer a verdade, eles não compreen-
dem o significado do Eu, do Êxtase e do Puro. Eles apenas pegam uma
ou duas palavras, ou uma sentença ou duas, e dizem que existem tais e
tais coisas estabelecidas nos seus sutras.”

Capítulo 23 – Sobre Ações Puras 3 Página 225


Então, na cidade-castelo de Kushinagar, entre as duas árvores sala, os
inumeráveis, ilimitados asamkhyas de Monges, ouvindo isto, todos dis-
seram: “O mundo está vazio, o mundo está vazio!”

O Bodhisattva Kashyapa disse a todos os Monges: “Oh vocês! Não fi-


quem apreensivos e tristes, não chorem por enquanto. O mundo não
está vazio. O Tathagata é Eterno; ele não muda. Assim, também, são o
Dharma e a Sangha.”

Então, na grande congregação, ouvindo essas palavras, cessaram de


chorar e todos aspiraram ao Despertar Insuperável.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 226


Capítulo Vinte e Quatro: Sobre Ações Puras 4

O Sofrimento do Rei Ajatasatru

Naquela ocasião, havia no grande castelo de Rajagriha um grande rei


chamado Ajatasatru [filho de Bimbisara e sua consorte real, Vaidehi],
que era muito mal-intencionado, que tinha prazer em tirar vidas e que
era plenamente realizado nas quatro más ações da boca [isto é, mentir,
lisonjear, falar maliciosamente, e falar dubiamente]. A cobiça, a má-
vontade e a ignorância norteavam a sua mente. Ele somente via o pre-
sente e não os dias a vir. Todas as pessoas más eram da sua companhia.
Ele abandonou-se a mercê dos cinco desejos [fortuna, luxúria, comida e
bebida, fama, e sono] e dos prazeres da vida. Como resultado, ele pre-
judicou o seu próprio pai inocente. Após ter prejudicado o seu pai, o
arrependimento provocou-lhe um pensamento febril. Nenhum adorno,
colares ou música podiam ajudá-lo. Com sua mente febril de arrepen-
dimento, surgiram erupções em todo o seu corpo. Essas exalavam po-
dridão, mau-cheiro, e ninguém podia se aproximar dele. Então ele disse
para si próprio: “Agora estou recebendo essa retribuição cármica nesta
presente vida. Não passará muito tempo antes que as punições do in-
ferno se abatam sobre mim”. Então a sua mãe, a Rainha Vaidehi, apli-
cou-lhe vários remédios. Mas as feridas somente aumentavam em nú-
mero e não havia sinais de cura. O rei disse à sua mãe: “Essas feridas
vieram da mente, e não dos quatro elementos. As pessoas podem arro-
gar-se de [serem capazes de] me curar, mas isso não pode ser”.

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 227


Bajulação e Maus Conselhos de Candrayasas

Naquela ocasião, havia um ministro chamado Candrayasas. Ele foi ao


rei, postou-se ao lado e disse: “Oh grande rei! Por que você está tão
cabisbaixo e triste? Você sente alguma dor no seu corpo? Ou ela é na
mente?”

O rei disse ao ministro: “Como eu não sentiria dores no meu corpo e na


mente? Meu pai nada fez de errado, e eu cometi pecados mortais con-
tra ele. Eu já indaguei um homem sábio sobre isto. Há cinco (tipos de)
pessoas no mundo que têm que nascer no inferno. São aquelas que
cometeram os cinco pecados mortais. Ora, eu tenho inumeráveis, ilimi-
tados asamkhyas de pecados. Como eu não teria dores no corpo e na
mente? E não pode haver um bom médico que possa efetuar uma cura
para o meu corpo e mente.”

O ministro disse: “Oh grande rei! Não fique tão pesaroso”. E disse num
gatha:

“Se alguém sempre se preocupa,


a aflição sempre aumenta e cresce.
Se alguém está satisfeito e dorme,
seu sono sempre aumenta e cresce.
Assim se passa com a cobiça, a luxúria, e as bebidas.”

“Você, Rei, diz que há cinco (tipos de) pessoas que não podem escapar
do inferno. Quem é que esteve lá, viu isto, voltou e disse assim para
você, o Rei? O inferno é assim chamado pela mente intelectual. Você,
Rei, diz que não existe um médico que possa curar seu corpo e sua
mente. Existe um grande médico chamado Purana (um dos seis mes-
tres). Ele conhece todas as coisas e reside no dhyana inabalável. Ele
praticou ações puras e sempre fala para os inumeráveis seres sobre o
Nirvana insuperável. A todos os discípulos, ele diz: ‘Não pode haver

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 228


ações malignas (negras) e nenhuma retribuição maligna (negra) dessas
ações malignas; não pode haver ações benignas (brancas) e nenhuma
retribuição benigna (branca) dessas ações benignas. Não há ações ma-
lignas e benignas com retribuições malignas e benignas (respectivamen-
te). Não há ações superiores e nem ações inferiores’. Esse mestre está
agora em Rajagriha. Oh grande Rei! Por favor, condescenda em ir vê-lo,
e deixe esse mestre curá-lo.”

Então, o Rei respondeu dizendo: “Se ele pode curar-me definitivamen-


te, me refugiarei nele.”

Bajulação e Maus Conselhos de Repositório-de-Virtudes

Havia outro ministro chamado Repositório-de-Virtudes, que também foi


ao Rei e disse: “Oh grande Rei! Por que é que você se encontra emacia-
do assim, com seus lábios e boca tão secos, a voz tão baixa que parece
um covarde em face a um grande inimigo, e por que parece tão muda-
do? Com o que você está preocupado? A origem da sua dor está no seu
corpo, ou na sua mente?”

O Rei respondeu e disse: “Como poderia ser que eu não tivesse agora
dores no corpo e na mente? Sou um ignorante, cego e não possuo os
olhos da Sabedoria. Associei-me com todos os maus amigos e os favo-
reci. Capturado pelas palavras do maldoso Devadatta, deliberadamente
cometi ações mortais contra o Rei legítimo. Certa vez ouvi um homem
sábio dizer um gatha:

‘Qualquer má vontade e ação


contra os pais, o Buda, ou seus discípulos
adquire-nos uma vida
no Inferno Avichi’.

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 229


Por conta disto eu receio e tenho grandes preocupações. Nenhum bom
médico jamais poderá curar-me.”

O ministro disse: “Oh grande Rei! Não tema por enquanto. Existem dois
tipos de lei. Uma delas é a do abandono do mundo, e a outra é a lei do
rei. Na lei do rei, se alguém fere seu pai, isto é um pecado mortal. Mas,
para dizer a verdade, não constitui um pecado. É como no caso do inse-
to kalala, que obtém o nascimento rompendo o ventre da sua mãe-
inseto. Como esta é a forma (lei) do seu nascimento, com o ferimento
de sua mãe, na verdade, não se adquire qualquer pecado. O mesmo se
passa com a concepção de uma mula. Assim se procede com a lei do
estado, que é concernente ao governante. Embora alguém possa matar
o próprio pai, não pode haver pecado. Com a lei do abandono do mun-
do, o matador de um simples mosquito ou formiga adquire um pecado.
Oh grande Rei! Por favor, expanda a sua mente e não tenha preocupa-
ções! Por quê? Porque:

‘Se alguém sempre se preocupa,


a aflição sempre aumenta e cresce.
Se alguém está satisfeito e dorme,
seu sono sempre aumenta e cresce.
Assim se passa com a cobiça, a luxúria, e as bebidas.’

Você, Rei, diz que não existe um bom médico que possa curar seu corpo
e sua mente. Ora, existe um grande mestre chamado Maskarigosalipu-
tra (um dos seis mestres). Ele conhece tudo e sente piedade dos seres
como se fossem seus próprios filhos. Ele próprio já se afastou da ilusão,
e extrai completamente as flechas afiadas dos três venenos. Todos os
seres não podem ver, conhecer e compreender todas as coisas. Somen-
te essa pessoa vê, conhece e compreende. Assim, o grande mestre
sempre fala para seus discípulos. Todos os seres têm sete coisas em
seus corpos. Quais são as sete? Elas são: 1) terra, 2) água, 3) fogo, 4) ar,
5) tristeza, 6) felicidade, e 7) vida. Essas sete (coisas) não são fantasmas,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 230


nem coisas criadas, e não podem ser destruídas. Elas são como junco
isika [espécie de junco duro e forte, do qual são feitas flechas]; elas são
tão estáticas e imóveis quanto o Monte Sumeru. Elas não se abando-
nam e, como o leite e a nata, não entram em conflito. Alguém pode
atacar com uma espada a tristeza, a felicidade, o bem ou o mal, mas
eles não podem ser feridos. Por que não? Isto é como as sete categorias
de Vazio, onde nada há que obstrua. Assim, a vida também nunca pode
ser destruída. Por que não? Para que não haja pessoas que causem
danos (ferimentos) e nem que morram. Nada é feito e nada há que
sofra ao ser feito; nada é dito e nada é ouvido; não há nada pensado e
ninguém que ensine. Ele sempre ensina assim, o que permite aos seres
acabar completamente com os inumeráveis pecados graves. Esse mes-
tre encontra-se agora no grande castelo de Rajagriha. Oh grande Rei!
Por favor, condescenda em ir a ele. Se você vê-lo, todos os seus peca-
dos se extinguirão.”

Então o Rei respondeu: “Se ele pode acabar com todos os meus peca-
dos definitivamente, certamente me refugiarei nele.”

Bajulação e Maus Conselhos de Ganho (Privilégio)-Real

Também, havia um ministro chamado Ganho(Privilégio)-Real, que foi ao


Rei e disse num gatha:

“Oh grande Rei!


Por que é que você não tem jóias no seu corpo,
e que seu cabelo está desgrenhado?
Por que você se apresenta assim?
Por que você se agita assim e parece assustado
como quando um forte vento sacode uma árvore repleta de flores?”

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 231


“Oh Rei! Por que você parece tão entristecido? Você se parece com um
agricultor todo entristecido quando a chuva não cai após sua semente
ter sido plantada. Você sente dores no seu corpo ou na sua mente?”

O Rei respondeu: “Como poderia meu corpo e minha mente não senti-
rem dor? Meu falecido pai e rei era compassivo, amável e particular-
mente sentia piedade por mim. Realmente, nada havia de errado. Ele
foi e consultou um vidente que disse: ‘Após nascer, essa criança certa-
mente matará seu pai’. A despeito do que lhe foi dito, ele elevou-me.
Certa vez um homem sábio disse: ‘Se uma pessoa tem relações carnais
com sua mãe, viola uma Monja, rouba aquilo que pertence à Sangha,
fere (causa dano a) alguém que aspira à Iluminação ou mata seu próprio
pai; essa pessoa certamente cairá no inferno Avichi’. Como eu poderia
não ter dores no meu corpo e mente?”

O Ministro ainda disse: “Oh grande Rei! Não fique triste por enquanto.
Se o seu pai matasse uma pessoa que estivesse em busca da emancipa-
ção, não haveria pecado. Se alguém mata seguindo as leis do estado,
não pode haver pecado. Oh grande Rei! Aquilo que não está de acordo
com a lei é contra-lei. Contra-lei é contra-lei. Se alguém não tem filho,
dizemos sem-filhos. Também, um mau filho é chamado não-filho. Em-
bora digamos ‘não-filho’, isto não significa que a pessoa não tem um
filho. Se a comida não contém sal, dizemos sem-sal. Mesmo quando
não há muito sal, dizemos sem-sal. Quando não há água no rio, dizemos
sem-água. Mesmo quando a quantidade de água é pequena, dizemos
sem-água. Quando uma coisa morre momento após momento, dizemos
impermanente. Mesmo que uma coisa exista por um kalpa, dizemos
impermanente. Quando uma pessoa tem tristeza, dizemos infeliz.
Mesmo quando a felicidade que ele sente é pouca, dizemos infeliz. O
estado de impedimento [isto é, sem-liberdade] é chamado altruísta.
Mesmo quando existe uma pequena liberdade, dizemos altruísta. A
noite escura é chamada sem-sol; mesmo quando há nuvens e neblina,
dizemos sem-sol. Oh grande Rei! Uma pequena lei pode ser chamada

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 232


sem-lei. Ainda assim não é o caso que não haja lei. Oh grande Rei! Ouça
atentamente o que eu digo. Todos os seres têm carma remanescente.
Porque em razão do carma, uma pessoa sempre repete o nascimento e
a morte. Se o falecido rei tinha carma remanescente e você matou seu
pai, como você poderia ter cometido um crime? Oh grande Rei! Expan-
da o seu pensamento e não fique triste. Por quê? Porque:

‘Se alguém sempre se preocupa,


a aflição sempre aumenta e cresce.
Se alguém está satisfeito e dorme,
seu sono sempre aumenta e cresce.
Assim se passa com a cobiça, a luxúria, e as bebidas.’

Você, Rei, diz que não existe um bom médico no mundo que possa cu-
rar seu corpo e mente. Ora, existe um grande mestre chamado Sanjaya-
vairatiputra (um dos seis mestres). Ele conhece e vê tudo. Sua sabedoria
é ampla e profunda, é como o grande oceano. Ele possui grande virtude
e poderes divinos. Ele também permite às pessoas acabarem com todas
as dúvidas. Todos os seres não conhecem, vêem e compreendem. So-
mente essa pessoa conhece, vê e compreende. Ele agora vive nas pro-
ximidades de Rajagriha e fala da seguinte forma aos seus discípulos: ‘De
todos os seres, em se tratando de um rei, ele comete o bem e o mal
sem impedimentos. Qualquer mal que ele cometa não constitui pecado.
É como com o fogo que queima as coisas, não importando se puras ou
impuras. O mesmo se passa com o rei. Ele é como o fogo. Por exemplo,
a grande terra comporta coisas tanto limpas como sujas. Agindo assim,
ela não está nem irada e nem alegre. O mesmo acontece com o rei. Ele
compartilha da mesma natureza da terra. Por exemplo, a natureza da
água é lavar coisas puras ou impuras. Agindo assim, ela não tem nem
preocupação e nem prazer. O mesmo ocorre com o rei. Ele compartilha
da mesma natureza da água. Por exemplo, a natureza do vento é soprar
as coisas para longe, sejam elas puras ou impuras. Agindo assim, ele
não tem nem preocupação e nem prazer. O mesmo ocorre com o rei.

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 233


Também, um toco de poda do outono evoca brotos na primavera. Mas
também, um toco de poda pode ser cortado e não há pecado nisto. O
mesmo acontece com todos os seres. Eles morrem aqui nesta vida e
ganham vida aqui novamente. Que pecado há em recomeçar a vida
novamente? Todos os frutos do sofrimento e da felicidade de todos os
seres surgem daquilo que foi feito nesta vida. Das causas do passado,
colhe-se o resultado nesta vida; se não houver causa na presente vida,
não poderá haver resultado na vida que virá. Em razão dos resultados
que surgem nesta vida, os seres mantém em observância os shila [pre-
ceitos de moralidade]. Praticando severamente a Via e com esforços,
uma pessoa evita o surgimento de maus frutos na presente vida. Obser-
vando os shila, colhe-se não-‘asvaras’ [não-impurezas]. Quando se atin-
ge a não-impureza, coloca-se um fim no carma de impurezas. Quando o
carma acaba, toda a tristeza acaba. Quando toda a tristeza acaba, atin-
ge-se a emancipação. Oh grande Rei! Por favor, apresse-se e vá lá, e
acabe com o sofrimento do seu corpo e mente. Se você vê-lo, todos os
seus pecados se extinguirão.”

O Rei respondeu: “Se esse mestre pode acabar com o pecado, certa-
mente me refugiarei nele.”

Bajulação e Maus Conselhos de Sapiente

Além disso, havia um ministro chamado Sapiente, que também foi ao


rei e disse: “Oh Rei! Por que você parece tão austero? Você se parece
com alguém que perdeu o seu reinado, ou uma fonte que secou, ou um
lago sem lótus, ou uma árvore sem folhas, ou um Monge que violou os
preceitos (shila) e perdeu a dignidade. Essa dor vem do seu corpo ou da
sua mente?”

O Rei respondeu: “Como eu poderia não ter dores em meu corpo e


mente? Meu pai, o rei falecido, era compassivo e bondoso. Mas eu fui

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 234


ingrato e esqueci tudo o que eu lhe devia. A única felicidade com a qual
ele se importava era tão somente a minha própria felicidade. Mas eu
agi contra ele e acabei com a sua felicidade. Embora ele não tivesse
falhas, deliberadamente cometi um pecado mortal contra ele. Eu, tam-
bém, certa vez ouvi um homem sábio dizer: ‘se alguém mata o próprio
pai, sofrerá grandes dores ao longo de inumeráveis asamkhyas de kal-
pas’. Logo, não tardará, cairei no inferno. E nenhum bom médico pode
curar-me do meu pecado.”

O ministro disse: “Oh grande Rei! Por favor, livre-se das suas preocupa-
ções e dores. Oh Rei! Você não ouviu falar de um rei chamado Rama?
Ele matou seu pai e subiu ao trono. (No passado) todos os reis como
Bhadrika, Virucin, Nahusa, Karttika, Visakha, Brilho-da-Lua, Brilho-do-
Sol, Amor, e Muitas-Posses acabaram com seus pais e subiram ao trono.
No presente, todos os reis como Vidudabha, Udayana, Má-Índole, Rato
e Flor-de-Lótus mataram seus pais. Nenhum deles teve sofrimento ou
preocupações. De fato, podemos olhar nos reinos do inferno, dos espíri-
tos famintos e da animalidade, e não há nenhum deles. Oh grande Rei!
Há duas existências. Uma é a dos humanos, e a outra é a dos animais.
Embora existam duas, elas não nasceram da causa e efeito, nem morre-
rão pela causa e efeito. Se não vem da causa e efeito, como poderia
haver qualquer coisa boa ou não-boa? Por favor, oh grande Rei, não
acalente preocupação e tristeza. Por que não?

‘Se alguém sempre se preocupa,


a aflição sempre aumenta e cresce.
Se alguém está satisfeito e dorme,
seu sono sempre aumenta e cresce.
Assim se passa com a cobiça, a luxúria, e as bebidas.’

Você, Rei, disse: ‘Não há qualquer bom médico que possa curar meu
corpo e minha mente’. Existe agora um grande mestre chamado Ajita-
kesakambara (um dos seis mestres), que conhece e vê todas as coisas.

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 235


Ele olha o ouro e a sujeira com os mesmos olhos; seus olhos não são
duplos. Ele corta o seu lado direito com uma espada, e espalha sândalo
(óleo) no seu lado esquerdo. Entre duas pessoas, ele não vê diferença.
Ele olha o inimigo e o amigo com os mesmos olhos, e sua mente não vê
diferença. Esse mestre é verdadeiramente o ‘bom médico deste mun-
do’. Seja andando, parando, sentando ou reclinando, sua mente nunca
se encontra em desordem. Ele fala aos seus muitos discípulos assim:
‘Seja através das minhas próprias mãos ou instigando outros, se eu ma-
to ou levo outros a matar, se exponho [algo] ao calor ou levo outros a
fazê-lo, se cometo ações imorais ou há outros que as cometem, se falo
mentiras ou levo outros a mentir, se bebo licor ou faço com que outros
bebam, se mato o povo de uma vila, de uma cidade-castelo ou de um
estado, se mato todos os seres com um carro-de-combate, ou se faço
oferecimentos a todos que vivem ao sul do Ganges ou mato aqueles ao
norte do Ganges – em nada disso pode haver qualquer conversa de
crime ou prosperidade, doação, preceito (shila) ou meditação’. Ele tam-
bém vive nas proximidades de Rajagriha. Oh Rei! Por favor, vá de uma
vez. Se você vê-lo, seu pecado se dispersará.”

O Rei disse ao ministro: “Se ele curar-me dos meus pecados, certamen-
te me refugiarei nele.”

Bajulação e Maus Conselhos de Virtude-Auspiciosa

Também, havia um ministro chamado Virtude-Auspiciosa, que veio ao


rei e disse: “Oh Rei! Por que não há brilho em seu semblante? Você
parece uma lâmpada ao meio-dia, ou a lua durante o dia, ou um rei que
perdeu o seu reinado, ou uma terra em ruínas. Oh grande Rei! Os qua-
tro cantos do estado estão puros e em paz, não há inimigos. Por que
você parece tão preocupado e pesaroso agora? A dor é no seu corpo ou
mente? Há príncipes que sempre acalentam um pensamento: ‘Quando
serei capaz de obter um estado imperturbável?’ Oh grande Rei, agora

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 236


você atingiu o seu desejo e reina imperturbável sobre Magadha, e pos-
sui o legado do rei falecido, abarrotado de tesouros. Alegre-se e satisfa-
ça-se como lhe aprouver! Como você pode ficar tão preocupado e pesa-
roso?”

O rei respondeu: “Como eu poderia não estar preocupado. É como com


o ignorante que só se prende ao sabor e não vê a espada afiada, ou
toma veneno e não vê o mal que acarreta. O mesmo se passa comigo. É
como o caso de um gamo que somente vê o capim, mas não a armadi-
lha; ou o rato que é levado a devorar (a isca) sem ver o cão e a raposa.
Eu sou como eles. Eu vi [somente] o prazer que se colocava diante de
mim, e não a maldade que adviria nos dias vindouros. Certa vez ouvi um
homem sábio dizer: ‘Mesmo que alguém fosse espancado num dia por
300 alabardas, não deveria ter um mau pensamento sobre seus pró-
prios pais’. Eu agora estou perto do fogo do inferno. Como poderia não
estar preocupado?”

O ministro ainda disse: “Quem veio, enganou o rei e disse que existe
inferno? Quem faz a ponta aguda da lança perfurar? Quem faz as cores
raras dos pássaros que voam? Quem faz os pântanos aquosos, a dureza
da pedra, o poder do movimento do vento, o calor do fogo; quem faz
todas as coisas morrerem e nascerem por si próprias? Quem faz tudo
isto? O inferno é nada mais que uma ficção de intelectuais. Explicarei
isso agora. ‘Ji’ significa terra; ‘goku’ significa destruir. A terra destrói a
terra. Não pode haver retribuição para crimes. Este é o significado de
‘jigoku’ [‘naraka’ – inferno]. Também, ‘ji’ significa ‘humano’; ‘goku’ sig-
nifica ‘céu’. Ao matar o próprio pai, ganha-se nascimento no céu. Esse é
o porquê o Rishi Vasu diz que ao matar uma ovelha, se é abençoado
com a benção dos humanos e celestiais. Isto é inferno. Também, ‘ji’
significa vida; ‘goku’ significa ‘longa’. Ao matar, obtém-se longa vida.
Portanto, isso é inferno. Oh grande Rei! Por essa razão, saiba que, na
realidade, inferno é uma coisa que não existe. Oh grande Rei! Nós se-
meamos cevada e obtemos cevada; nós plantamos arroz e obtemos

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 237


arroz. Quem mata o inferno obtém o inferno como retribuição. Ao ma-
tar um humano, obtém-se o humano como retribuição. Oh grande Rei!
Ouça o que eu, seu vassalo, diz. Para dizer a verdade, não existem coi-
sas tais como matança ou harmonia. Se existe um Eu, então na verdade
não existe tal coisa como ferimento (prejuízo). Se não existe o Eu, então
novamente não pode haver qualquer ferimento (prejuízo). Por que
não? Se existe um Eu, o que existe é o eterno e imutável. Em razão do
eterno, não pode haver qualquer matança. O que existe é não-
interrupção, não-destruição, não-subordinação, não-obrigação, não-ira,
não-alegria. É como o Vazio. Como pode haver qualquer pecado na
matança? Se não existe um Eu, então todas as coisas são não-eternas.
Em razão da impermanência, a extinção (dos fenômenos) se procede
momento após momento. Através da extinção que ocorre momento
após momento, aquele que mata e aquele que morre, [ambos], morrem
momento após momento. Se existe extinção a cada momento, quem
será punido pelo pecado? Oh grande Rei! O fogo queima a madeira,
mas não comete crime. Um machado corta a árvore, mas nenhum pe-
cado se atribui ao machado. Uma foice corta a grama, mas a foice não
tem qualquer pecado. Uma espada mata um homem, mas a espada,
para dizer a verdade, não é um homem e não tem pecado. Como pode
o homem pecar? O veneno mata um homem. O veneno, para dizer a
verdade, não é um homem. O veneno não tem pecado. Com todas as
coisas é assim. Para dizer a verdade, não existe o pecado de matar. Co-
mo poderia haver qualquer pecado? Por favor, oh grande Rei, não te-
nha preocupações. Por quê?

‘Se alguém sempre se preocupa,


a aflição sempre aumenta e cresce.
Se alguém está satisfeito e dorme,
seu sono sempre aumenta e cresce.
Assim se passa com a cobiça, a luxúria, e as bebidas.’

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 238


Você, Rei, disse: ‘Não existe um bom médico que possa curar esse car-
ma vil’. Ora, existe um grande médico, chamado Kakudakatyayana (um
dos seis mestres), que conhece e vê todas as coisas. Numa fração de
momento, ele vê claramente as Três Existências [passado, presente e
futuro] e os inumeráveis, ilimitados mundos. O mesmo ocorre com a
sua audição. Ele permite aos seres apartarem-se completamente das
ações erradas e vis. Isto é como o Ganges que lava e limpa completa-
mente todos os pecados, por dentro e por fora. É o mesmo com esse
bom mestre. Ele acaba completamente com todos os maus pecados,
por dentro e por fora. Ele fala para todos os seus discípulos assim: ‘Al-
guém que mata todos os seres, se não há arrependimento em sua men-
te, esse alguém nunca cai nos maus reinos (será porque já se encontra
lá?). Isto é como o espaço, que não sofre com a sujeira e a água. Se
alguém sente arrependimento, cai no inferno. Isto é como um grande
volume de água molhando a grande terra. Todos os seres são criados
por Ishvara [Deus]. Se Ishvara está satisfeito, os seres terão paz e felici-
dade; se ele torna-se irado, todos os seres sofrerão dores e preocupa-
ções. Qualquer pecado ou fortuna (sorte) de qualquer ser retorna para
Ishvara, que os criou. Como pode um humano dizer que um humano
possui pecado ou fortuna? É como um aparelho mecânico ou um ho-
mem de madeira que pode andar, parar, sentar ou deitar numa cama
conforme seja feito pelo artesão; mas ainda, ele não pode falar. O
mesmo se passa com os seres. Por exemplo, Ishvara é como um arte-
são; o homem de madeira pode ser comparado aos seres. Como pode
haver qualquer pecado com essa criação?’ Esse grande mestre agora
vive em Rajagriha. Por favor, apresse-se! Apenas o seu vislumbrar o
limpará de todos os seus pecados.”

O Rei respondeu: “Se eu estiver certo de que essa pessoa pode de fato
acabar com meus pecados, certamente me refugiarei nele.”

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 239


Bajulação e Maus Conselhos de Destemido

Também, havia um ministro chamado Destemido, que veio ao rei e


disse: “Oh grande Rei! Há pessoas ignorantes no mundo que, no perío-
do de um dia, ficam felizes e tristes 100 vezes, dormem e acordam 100
vezes, e tornam-se sobressaltadas e choram 100 vezes. Com o sábio,
nada disso ocorre. Oh grande Rei! Como é que você fica preocupado e
triste? Você parece um homem que perdeu seu companheiro, ou um
homem que perdeu seus pés no lamaçal, sem esperança de ser salvo,
ou parece um homem sedento que não pode esperar uma bebida, ou
alguém que perdeu o seu caminho e não encontra um guia, ou um ho-
mem com uma doença incurável, ou parece um navio naufragado, sem
mais ninguém sobre o mar para prestar socorro. Oh grande Rei! É o seu
corpo ou sua mente que lhe provoca dores?”

O rei respondeu: “Como poderiam meu corpo e minha mente não pro-
vocarem dores? Associei-me com um mau amigo e conheci a maledi-
cência. Nada havia no rei falecido que alguém pudesse reprovar, e
mesmo assim eu deliberadamente cometi um pecado mortal [contra
ele]. Estou certo de que cairei no inferno. E não há um bom médico que
possa curar-me.”

O ministro disse: “Oh grande Rei! Não permita que o veneno do sofri-
mento suba à sua cabeça. Ora, o Kshatriya pertence à casta real. Não
pode haver qualquer conversa (acusação) de pecado se ele mata para o
benefício do estado, para o benefício de Shramanas ou Brâmanes, ou
para o benefício de trazer paz ao povo. Embora o rei falecido respeitas-
se os Shramanas, ele não servia aos Brâmanes. Não havia justiça em sua
mente. Sendo injusto, ele não era um Kshatriya. Agora, você, grande
Rei, deseja servir a todos os Brâmanes, e matou o rei posto. Que pecado
você cometeu? Oh grande Rei! Realmente não há nenhuma matança.
Ora, matança significa tomar a vida. A vida possui a natureza do vento.
A natureza do vento não pode ser morta. Como, então, alguém poderia

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 240


matar a vida? Poderia haver qualquer pecado? Por favor, o grande Rei!
Não fique preocupado e triste. Por que não?

‘Se alguém sempre se preocupa,


a aflição sempre aumenta e cresce.
Se alguém está satisfeito e dorme,
seu sono sempre aumenta e cresce.
Assim se passa com a cobiça, a luxúria, e as bebidas.’

Você disse, Rei, que não há um bom médico que possa curar seu corpo
e sua mente. Ora, existe um grande mestre chamado Nirgrantha-
Jnatiputra [o mais conhecido dos ‘seis mestres’], que conhece, vê e é
piedoso para com todos os seres. Ele sabe tudo sobre a natureza agu-
çada (perspicaz) ou deficiente de todos os seres e domina completa-
mente todos os tipos de meios expedientes que se ajustam à ocasião.
As oito coisas do mundo [os oito ventos: prosperidade, declínio, honra,
desgraça, elogio, calúnia, felicidade e sofrimento] não podem corrom-
pê-lo. Silenciosamente, ele pratica ações puras. Para os seus discípulos,
ele diz: ‘Não pode haver coisas como dana [doação caridosa], bem, pai,
mãe, vida presente, pós-vida, arhat, praticante ou a Via. Todos os seres,
após oitenta mil kalpas, se libertarão espontaneamente do ciclo do nas-
cimento e da morte. O mesmo se passa com o pecado e não-pecado. É
como os quatro grandes rios, a saber: Indus, Ganges, Vaksu e Sita. To-
dos eles correm para o mar, e então não há mais diferença entre eles. É
o mesmo com todos os seres. Não há diferença uma vez que alguém
seja libertado’. Esse mestre agora está vivendo em Rajagriha. Oh grande
Rei! Por favor, corra para ele. Se você vê-lo, todos os seus pecados de-
saparecerão.”

O rei respondeu: “Se esse mestre pode acabar com meus pecados, cer-
tamente me refugiarei nele.”

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 241


Resposta ao Doutor Jivaka

Naquela ocasião, havia um grande médico chamado Jivaka, que foi ao


rei e disse: “Oh grande Rei! Você dorme bem ou não?”

O Rei respondeu num gatha:

“Se todas as impurezas são erradicadas eternamente


e alguém não tem ambição nos três reinos impuros,
pode haver sono profundo.
Se alguém atingiu o Grande Nirvana
e fala do seu profundo significado,
essa pessoa é um verdadeiro Brâhmane.
Essa pessoa pode ganhar um sono profundo.

Se o corpo de alguém não conhece as más ações que foram cometidas,


e se a sua boca está distante dos quatro erros,
e se seu pensamento não tem dúvidas,
pode-se obter um sono profundo.

Se o corpo e a mente não têm febre,


e se vive num lugar pacífico,
e é abençoado com felicidade insuperável,
pode-se ter um sono profundo.

Se a mente não tem apego,


e se está distante de todos os inimigos,
e se a mente encontra-se em harmonia
e não tem desavenças,
pode-se ter um sono profundo.

Se o corpo não faz qualquer maldade,


e se a mente sempre se arrepende,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 242


e compreende que a maldade tem seu fruto cármico,
pode-se ter um sono profundo.

Se respeita e serve aos próprios pais,


e não espolia a vida, ao longo do caminho,
e não rouba os pertences de outrem,
pode-se ter um sono profundo.

Reprime todos os sentidos orgânicos


e aproxima-se de um bom mestre da Via
e subjuga os quatro Maras
[aflição da ilusão do corpo e da mente; os cinco skandas; a morte; Mara
em si, que não descansa ao ver outros fazerem o bem],
pode-se ter um sono profundo.

Se não se importa com boa ou má sorte,


ou se não sente tristeza ou alegria,
e para o benefício de todos os seres
monta sobre a roda do nascimento e da morte,
e se as coisas se procedem assim,
pode-se ter um sono profundo

Quem tem sono profundo?


Todos os Budas,
que repousam profundamente no Samadhi do Todo-Vazio
e cujo corpo e mente estão em paz
e são inabaláveis.

Quem é que dorme em paz?


É a pessoa que é toda-compassiva.
Sempre praticando a não-indolência,
ela vê os seres como vê seus próprios filhos.

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 243


Os seres se encontram na escuridão da ignorância
e não vêem os frutos cármicos das impurezas.
Eles sempre cometem todos os tipos de más ações
e não podem ter um sono profundo.

Se alguém comete as dez más ações,


contra si ou para outros,
nenhum sono profundo acontecerá.

Se alguém, por um desejo de conforto e prazer,


comete ações mortais contra seu próprio pai
e diz que não fez nada errado,
e aproxima-se de maus mestres,
não pode ter um sono profundo.

Se alguém age para além do que é apropriado


e bebe muita água fria,
acabará doente
e nenhum sono profundo acontecerá.

Se o rei tem um mau pensamento


e cobiça as mulheres dos outros,
e atravessa um deserto,
nenhum sono profundo virá.

A observância dos shila [preceitos de moralidade]


ainda não é perfeita com a fruição
e o príncipe herdeiro ainda não está no trono,
os ladrões ainda não ganharam a fortuna,
e não pode haver sono profundo.”

“Oh Jivaka! Encontro-me seriamente doente. Cometi um pecado mortal


contra o meu rei legítimo. Nenhum bom médico, nem o mais maravi-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 244


lhoso dos remédios, nem encantos ou o melhor dos cuidados pode cu-
rar-me. Por que não? Meu pai, o rei legítimo, governava o estado le-
galmente. Nada havia nele que alguém pudesse se queixar; e eu o matei
sem razão. Sou como um peixe na terra. Que prazer posso ter? Sou
como um gamo capturado numa armadilha e nada me satisfaz. Sou
como um homem que sabe que sua vida está chegando a um fim em
não mais que um dia; sou como um rei que se refugiou numa terra es-
trangeira; sou como um homem desenganado que está sofrendo de
uma doença incurável; sou como um homem que quebrou as regras da
moralidade e está agora condenado à sua punição. Certa vez, no passa-
do, ouvi um homem sábio dizer: ‘Saiba que uma pessoa cuja ação não é
pura no corpo, na boca e na mente; certamente cairá no inferno’. Estou
assim agora. Como posso dormir pacificamente? Não há ninguém que
possa me dar agora o remédio insuperável do Dharma e libertar-me da
minha doença.”

Zan-Gi

Jivaka respondeu: “Bem falado, bem falado! Você pecou, mas você se
arrepende e sente-se envergonhado. Oh grande Rei! O Buda-Honrado-
pelo-Mundo diz: ‘Existem dois dharmas brancos que salvam os seres.
Um é ‘Zan’ [sentir-se envergonhado], e o outro é ‘Gi’ [sentir-se enver-
gonhado]. ‘Zan’ é não cometer pecado, e ‘Gi’ é não cometer pecado
perante outros. ‘Zan’ é sentir-se envergonhado de si próprio, e ‘Gi’ é
confessar para outros. ‘Zan’ é sentir-se envergonhado [culpado] peran-
te os humanos, e ‘Gi’ é sentir-se envergonhado perante os céus. Isto é
‘Zan-Gi’ [arrependimento, remorso]. Alguém sem arrependimento não
é humano. É um animal. Quando se tem arrependimento, respeita-se
pai e mãe, mestres e anciãos. Quando se tem arrependimento, existem
pai, mãe, irmão mais velho, irmão mais novo, filho mais velho e irmã
mais nova’. Bem falado, oh grande Rei! Ouça por um momento! Eu ouvi
o Buda dizer: ‘Dentre os sábios, existem dois tipos. Um é a pessoa que

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 245


não faz maldades, e o outro é a pessoa que se arrepende após ter co-
metido a maldade. Dentre os ignorantes, existem novamente dois tipos.
Um é aquele que faz maldades, e o outro é aquele que as esconde. Pri-
meiro, alguém faz a maldade, mas depois a confessa e se arrepende
completamente, e não volta a repeti-la. Isto é como no caso da água
turva a qual, se a jóia [mani] do ‘Brilho-da-Lua’ for colocada lá, tornar-
se-á límpida, devido ao poder maravilhoso da gema (preciosa). Ou é
como quando as nuvens se dispersam e a lua se revela em todo seu
esplendor. O mesmo se passa com o arrependimento de más ações que
alguém tenha cometido’.

Os Dois Tipos de Riqueza

Oh Rei! Se você se arrepende e sente remorso, o pecado irá embora e


você será puro como antes. Oh grande Rei! Existem dois tipos de rique-
za. Um é possuir vários animais como elefantes, cavalos, etc., e o outro
é possuir vários tesouros como ouro, prata, etc. Alguém pode possuir
muitos elefantes e cavalos, mas isso não pode se igualar a uma gema.
Oh grande Rei! O mesmo acontece com os seres. Um possui a riqueza
vil, e o outro a boa riqueza. Muitas más ações perpetradas não podem
ser comparadas com uma boa ação. Eu ouvi o Buda dizer: ‘Se alguém
ganha um simples bom pensamento [estado mental, volição], isso des-
trói 100 más ações’. Oh grande Rei! Isso é comparável a um pequeno
pedaço de um diamante, que pode esmagar o Monte Sumeru, ou como
um pequeno fogo que pode reduzir tudo a cinzas, ou como uma peque-
na quantidade de veneno que pode causar danos aos seres. É o mesmo
também com uma pequena quantidade de bondade. Ela pode esmagar
grandes maldades. Dizemos uma pequena quantidade de bondade.
Mas, de fato, é grande. Por quê? Porque ela esmaga grandes maldades.
Oh grande Rei! Como o Buda disse, esconder [um pecado] é que incorre
em falha [isto é, é uma ‘asvara’ – impureza]; não esconder é nada mais
incorrer. Põe-se à mostra a maldade e se arrepende dela. Assim, não se

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 246


incorre em falha. Uma pessoa faz muitas coisas más, mas se ela não as
esconde e as guarda (para si), o pecado será pequeno, em razão dessa
não-dissimulação.

O Conselho do Doutor Jivaka

Se há arrependimento pela maldade que foi cometida, e se nos senti-


mos envergonhados, o pecado se extingue. Oh grande Rei! Mesmo pe-
quenas gotas de água enchem um grande vaso. É o mesmo com o bom
pensamento. Cada bom pensamento [boa volição] esmaga completa-
mente uma grande maldade. Se escondemos a maldade, ela aumenta e
cresce. Se a desnudamos e nos arrependemos, o pecado se extinguirá.
Por isso que todos os Budas dizem que o sábio não esconde seus peca-
dos. Bem feito, bem feito, oh grande Rei! Você crê na lei da causalidade,
no carma, e na retribuição que acontece. Por favor, oh grande Rei, não
tenha preocupação ou medo! Existem seres que, perpetrando todas as
más ações, não se arrependem, não sentem vergonha e não vêem a lei
da causalidade e a retribuição que se seguirá. Eles não indagam outros
para se orientarem, e não se aproximam de um Bom Mestre da Via.
Essa pessoa não pode ser curada por um bom médico ou pela enferma-
gem. É como a lepra, para a qual a medicina secular não concebe uma
cura. Uma pessoa que esconde seu pecado é como aquilo. Por que di-
zemos que o icchantika é pecaminoso? O icchantika não acredita na
causalidade, não se arrepende, não acredita no carma, não vê o presen-
te e o futuro, não se aproxima de um Bom Mestre da Via, e não age em
concordância com as injunções de todos os Budas. Essa pessoa é um
icchantika. Essa pessoa é alguém que o Buda-Todo-Honrado-pelo-
Mundo não pode curar. Por que não? Mesmo médicos não podem curar
um corpo que está morto. O mesmo se passa com o icchantika. Essa
pessoa é alguém que o Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo não pode
curar. Oh grande Rei! Você não é um icchantika. Como poderia não ser
curado?

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 247


Você, Rei, diz: ‘Não há meios de cura’. Saiba, oh grande Rei! Em Kapila-
vastu, havia um príncipe, o filho de Suddhodana. O nome da sua família
é Gautama, e o seu nome é Siddhartha. Sem que ninguém o ensinasse,
ele despertou para a Verdade e espontaneamente atingiu o insuperável
Bodhi, adornando seu corpo desse modo com as trinta e duas marcas
da perfeição e as 80 características menores de excelência, obtendo os
10 poderes e os quatro destemores. Ele conhece e vê tudo. Altamente
compassivo, ele é piedoso com todos os seres assim como é com o seu
próprio filho, Rahula. Ele realmente segue o modo de vida dos seres,
assim como um bezerro segue sua mãe. Ele sabe quando falar e quando
não. Suas palavras são verdadeiras, puras, maravilhosas e legítimas, e
uma simples palavra dele corta os laços das impurezas de todos os se-
res. Ele conhece completamente a natureza dos sentidos orgânicos e da
mente de todos os seres. Ele age de maneira a ajustar-se à ocasião e
promulga expedientes, e nada há que não seja conhecido por ele. Sua
sabedoria é imensa, como o Sumeru. É profunda e vasta como o grande
oceano. Esse Buda-Honrado-pelo-Mundo possui a Sabedoria Adamanti-
na, que acaba completamente com todas as maldades dos seres. Nada
há que não seja possível para ele. Agora, a 12 yojanas daqui, na cidade-
castelo de Kushinagar, entre as árvores sala gêmeas, ele está prelecio-
nando para inumeráveis asamkhyas de Bodhisattvas tudo sobre coisas
como: ‘é’ ou ‘não-é’, o criado ou o não-criado, a falha [‘asvara’], a retri-
buição-cármica da impureza ou a retribuição-carmica da Boa Lei, maté-
ria ou não-matéria, ou não-matéria.não.não-matéria. Eu ou não-Eu, ou
não-Eu.não.não-Eu, o eterno, ou o não-eterno, ou o não-
eterno.não.não-eterno, Êxtase, ou não-Êxtase, ou não-Êxtase.não.não-
Êxtase, características ou não-características, ou não-
características.não.não-características, segregação ou não-segregação,
ou não-segregação.não.não-segregação, o secular ou o não secular, ou
o não-secular.não.não-secular, veículo ou não-veículo, ou não-
veículo.não.não-veículo, auto-doação e auto-recepção, ou recepção dos
outros, e não-doação e não-recepção.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 248


Oh grande Rei! Você deveria ouvir no local onde se encontra o Buda,
tudo sobre cometer (fazer) e não-receber. Todos os pecados graves
serão expiados. Oh Rei! Ouça-me por um momento! Quando Sakrode-
vendra (Shakra Devanan Indra) estava prestes a ver o fim da sua vida,
cinco coisas foram vistas, a saber: 1) roupas exalando um mau-cheiro de
óleo, 2) desvanecimento da flor na sua cabeça, 3) seu corpo exalava um
mau-cheiro, 4) suor (perspiração) nas axilas, 5) não encontrava prazer
onde ele estava sentado. Então, o Shakra, como ele sentou-se num lu-
gar calmo, viu um Shramana ou Brâmane e pensou que fosse o Buda.
Então o Shramana ou Brâmane, vendo o Shakra chegar, ficou feliz e
disse: ‘Oh Shakra! Eu agora tomo refúgio em você’. Ouvindo isto, o Sha-
kra viu que essa pessoa não era o Buda. Ele também pensou para si: ‘Se
essa pessoa não é o Buda, não posso mudar os cinco sinais da extinção’.

Naquele momento, o cocheiro Pancashiki disse ao Shakra: ‘Oh Kausika!


Existe um gandharva cujo nome é ‘Mirage’. Ele tem uma filha chamada
Subhadra. Se você me der essa mulher, lhe direi como acabar com os
sinais de declínio’.

O Shakra respondeu: ‘Vemacitra, o rei dos asuras, tem uma filha cha-
mada ‘Saci’, a quem eu respeito. Se você puder dizer-me quem pode
acabar com esses sinais do meu declínio, a darei para você, quanto mais
então Subhadra!’

(O cocheiro disse): ‘Oh Kausika! Existe um Buda-Honrado-pelo-Mundo


chamado Shakyamuni. Ele se encontra agora em Rajagriha. Se você for
lá e indagá-lo sobre os sinais de declínio, certamente eles desaparece-
rão’.

(O Shakra disse): ‘Oh bom homem! Se o Buda Honrado-pelo-Mundo


pode de fato acabar com eles (os sinais), conduza-me até lá’.

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 249


Naquela ocasião, o cocheiro, com essas palavras, conduziu o Shakra à
Rajagriha, até Gridhrakuta. Chegando ao lugar onde o Buda se encon-
trava, o Shakra prostrou-se e, tocando os pés do Buda, assim prestou
homenagem ao Buda. Afastando-se, ele tomou assento a um lado.

Sakra-Devanam-Indra disse ao Buda: ‘Dentre todos os devas, quem é


que nos aprisiona?’

A resposta veio: ‘Oh Kausika! A mente avarenta, cobiçosa e invejosa!’

Ele (o Shakra) ainda indagou: ‘De onde vem a mente avarenta, cobiçosa
e invejosa?’

A resposta veio: ‘Vem da ignorância’.

Novamente ele indagou: ‘De onde vem a ignorância?’

A resposta foi: ‘Da indolência’.

Questionou novamente: ‘De onde vem a indolência?’

A resposta foi: ‘De uma inversão [da verdade]’

E uma nova questão: ‘De onde vem a inversão?’

A resposta indicou: ‘De uma mente dúbia’.

(O Shakra disse): ‘Oh Honrado pelo Mundo! Você diz que a inversão
surge de uma mente dúbia. É como o ensinamento Budista. Por quê? Eu
tinha uma mente dúbia dentro de mim. Com tal dúvida, eu tinha uma
inversão. Eu confundi com você alguém que não era o Honrado-pelo-
Mundo. Agora eu vejo o Honrado-pelo-Mundo e todas as minhas dúvi-
das se dissiparam. Como minhas dúvidas deixaram-me, a inversão tam-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 250


bém se foi. Através do fim da mente invertida, a mente avarenta, cobi-
çosa e invejosa também se foi’.

O Buda disse: ‘Agora você diz que não tem uma mente avarenta e inve-
josa. Você é um Anagamin? Um Anagamin não tem uma mente cobiço-
sa. Se você não tem uma mente cobiçosa, por que é que veio até mim, à
busca de vida? Um verdadeiro Anagamin não busca a vida’.

(O Shakra disse): ‘Oh Honrado pelo Mundo! Se existe uma inversão,


existe uma busca pela vida. Se não há inversão, não há busca pela vida.
O que eu busco é o Corpo-do-Buda e a Sabedoria-do-Buda’.

(O Buda disse): ‘Oh Kausika! Se você busca o Corpo-do-Buda e a Sabe-


doria-do-Buda, certamente você obterá isso na vida que virá’.

Então, como Sakrodevendra ouviu o sermão do Buda, os cinco sinais de


declínio desapareceram de repente. E ele levantou-se, prestou home-
nagem, circundou a pessoa do Buda por três vezes, juntou respeitosa-
mente as palmas das suas mãos e disse: ‘Oh Honrado-pelo-Mundo!
Agora estou morto e sou nascido; perdi minha vida e a ganhei. Agora
digo que, como tomei a Via do Buda, alcançarei o insuperável Bodhi.
Isto é um renascimento. Isto é ganhar a vida novamente. Oh Honrado
pelo Mundo! Por que os humanos e seres celestiais aumentam em nú-
mero? E por que eles declinam em número?’

‘Oh Kausika! Em razão das contendas e disputas, o número de humanos


e seres celestiais decresce; ao viverem harmoniosamente, seu número
cresce’.

‘Oh Honrado pelo Mundo! Uma vez que através das contendas decres-
cemos em número, de agora em diante não lutarei mais com asuras’.

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 251


O Buda disse: ‘Bem falado, bem falado, oh Kausika! O Buda-Todo-
Honrado-pelo-Mundo diz que indulgência é a causa da Iluminação Insu-
perável’.

Então Sakrodevendra caminhou à frente, prestou homenagem ao Buda,


recuou e seguiu seu caminho.”

“Oh grande Rei! Como o Tathagata acaba completamente com as más


características, dizemos que o Buda é inconcebível. Os graves pecados
que você acumulou nos dias passados, infalivelmente, se extinguirão.

Oh grande Rei! Ouça-me por um momento! Um Brâmane tinha um filho


chamado ‘Não-Prejudicar’. Em razão de ele ter matado muitas pessoas,
ele foi chamado ‘Angulimalya’. Ele também pensou em matar a sua
própria mãe. Quando ele adquiriu um mau estado mental, seu corpo
também se agitou. A agitação do corpo e da mente é um sinal dos cinco
pecados mortais. Em conseqüência dos cinco pecados mortais, infali-
velmente se cai no inferno. Mais tarde, vendo o Buda, seu corpo e men-
te se agitaram. Ele também pensou em ferir o Buda. A agitação do cor-
po e da mente prenuncia os cinco pecados mortais. Devido aos cinco
pecados mortais, infalivelmente se cai no inferno. Essa pessoa, ao en-
contrar o grande mestre Tathagata, foi capaz de acabar com a causa do
inferno e aspirar à Iluminação Insuperável. Por essa razão, dizemos que
o Buda é o médico Insuperável; ele não é do tipo dos seis mestres.

Oh grande Rei! Havia um príncipe chamado ‘Suvira’. Seu pai, com raiva,
cortou as mãos e pés desse príncipe e atirou-o num poço profundo. Sua
mãe, sentindo tristeza e piedade por ele, pediu a alguém para tirá-lo e o
levou ao Buda. Vendo o Buda, suas mãos e pés se restauraram, e ele
ganhou o insuperável Bodhichitta. Oh grande Rei! De ver o Buda, já
houve uma recompensa real na presente vida. Portanto, dizemos que o
Buda é o médico Insuperável; ele não é do tipo dos seis mestres.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 252


Oh grande Rei! Havia muitos espíritos famintos às margens do Ganges,
cerca de 500. Durante um incontável número de anos, eles ficaram im-
pedidos de ver a água. Mesmo quando na água, o que eles viam eram
labaredas de fogo. Oprimidos pela sede, eles gritavam e choravam. Na-
quela ocasião, o Tathagata estava numa floresta de Udumbara, e estava
meditando sob uma árvore.

Então os espíritos famintos vieram ao Buda e disseram: ‘Oh Honrado-


pelo-Mundo! Estamos oprimidos pela fome, pela sede, e logo morrere-
mos’.

O Buda respondeu: ‘Por que vocês não tomam a água do Ganges?’

Os espíritos responderam: ‘O Tathagata vê água, mas nós vemos fogo’.

O Buda disse: ‘A água do Ganges não é fogo. Através do carma das más
ações perpetradas, sua mente está invertida e transforma isto em fogo.
Eu os libertarei dessa inversão e os deixarei ver a água’.

Então o Buda, para o benefício dos espíritos, pregou-lhes extensivamen-


te sobre os males da mente avarenta e gananciosa.

Então os espíritos disseram: ‘Agora estamos sedentos. Ouvimos você


falar do Dharma, mas nossa mente está longe [dele]’.

O Buda disse: ‘Se estão sedentos, entrem no rio e bebam seu conteú-
do’.

Todos os espíritos, devido ao poder do Buda, tornaram-se capazes de


beber a água. Após beberem a água, o Tathagata, para seu benefício,
falou extensivamente sobre o Dharma. Ouvindo aquilo, eles aspiraram à
Iluminação Insuperável. Descartando suas formas corporais de espíritos
(famintos), eles ganharam as formas celestiais. Oh grande Rei! Em razão

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 253


disto, dizemos que o Buda é o médico Insuperável; ele não é do tipo dos
seis mestres.

Oh grande Rei! No estado de Sravasti, havia um bando de ladrões, cujo


número era de 500 ao todo. O rei Prasenajit arrancou seus olhos. Como
não havia ninguém para guiá-los, eles eram incapazes de ir ao Buda.
Sentindo piedade, o Buda veio até eles. Ele lhes consolou e disse: ‘Oh
boa gente! Protejam bem o seu corpo e mente, e não façam maldades!’
Os ladrões ouviram a voz maravilhosa do Tathagata e recuperaram seus
olhos. Eles vieram ao Buda, juntaram as palmas das suas mãos, adora-
ram-lhe e disseram: ‘Oh Honrado-pelo-Mundo! Agora vemos que vosso
coração Todo-Compassivo abarca todos os seres, não apenas os mun-
dos dos seres celestiais e humanos’. Então o Tathagata falou sobre o
Dharma. Quando esse sermão terminou, todos aspiraram à Iluminação.
Por essa razão, o Tathagata é verdadeiramente o médico Insuperável.
Ele não é do tipo dos seis mestres.

Oh grande Rei! No estado de Sravasti, havia um candala chamado ‘Ar-


Falso’. Ele matou um incontável número de pessoas. Tendo se encon-
trado com o grande Maudgalyayana, ele interrompeu as causas do in-
ferno de uma só vez e nasceu no Céu Trayastrimsa. Como ele (o Buda)
tem um discípulo divino (Maudgalyayana), o chamamos de médico In-
superável. Ele não é do tipo dos seis mestres.

Oh grande Rei! Havia em Varanasi o filho de um homem rico que era


chamado Ajita. Ele tinha relações ilegítimas (ilícitas) com sua mãe e
matou o seu pai. Além disso, sua mãe mantinha relações ilícitas com
outras pessoas. Assim, ele a matou também. Existia um Arhat que era
seu bom mestre da Via. Como ele se envergonhou diante dele, ele ma-
tou esse Arhat. Tendo assassinado esse Arhat, ele foi à Jetavana para
ser ordenado. Mas, uma vez que todos os Monges sabiam que ele havia
cometido três pecados mortais, nenhum deles queria atender ao seu
desejo. Quando seu desejo não foi concedido, ele tornou-se ainda mais

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 254


irado, ateou fogo no Vihara (mosteiro), e muitas pessoas inocentes fo-
ram mortas. Então ele foi à Rajagriha, ao Tathagata, e buscou a ordena-
ção. O Tathagata permitiu-lhe tornar-se ordenado e proferiu alguns
sermões para ele. Gradualmente, seus graves pecados tornaram-se
mais leves e ele veio a aspirar ao Insuperável Bodhi. Por essa razão,
dizemos que o Buda é o bom médico. Ele não é do tipo dos seis mes-
tres.

Oh grande Rei! Sendo, por natureza, muito mau em seu coração, você
acreditou nas palavras de uma pessoa má e permitiu a Devadatta soltar
um grande elefante enfurecido (intoxicado) sobre o Buda, de modo a
atropelá-lo. Ao ver o Buda, o elefante tornou-se são. Assim, o Buda
estendeu-lhe a mão, afagou-lhe a cabeça, falou do Dharma, em conse-
qüência do que ele aspirou à Iluminação Insuperável. Oh grande Rei!
Um animal vê o Buda e isso destrói as retribuições cármicas do animal.
Como poderia não ser assim com um ser humano? Oh grande Rei! Saiba
que qualquer pessoa que veja o Buda pode de fato acabar com os peca-
dos graves.

Oh grande Rei! Quando o Honrado-pelo-Mundo ainda não havia atingi-


do o Insuperável Bodhi, Mara veio ao Buda acompanhado por um in-
contável, um ilimitado número de seguidores. Naquela ocasião, o Bo-
dhisattva, com o poder da paciência, sobrepujou a má intenção de Mara
e fez-lhe aspirar à Iluminação Insuperável e aceitar o Dharma. O Buda
possui tal grande virtude.

Oh grande Rei! Alguns atavakas [isto é, demônios campestres] estavam


causando danos às pessoas. O Tathagata, naquela ocasião, foi à aldeia
deserta e proferiu um sermão para o benefício de Subhadra, um ho-
mem rico. Então, os atavakas, ouvindo o sermão, sentiram-se grande-
mente regozijados e entregaram o homem rico ao Tathagata. Mais tar-
de, eles aspiraram à Iluminação Insuperável.

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 255


Oh grande Rei! No estado de Varanasi, havia um açougueiro chamado
‘Testa-Larga’, que todos os dias matava um incontável número de ove-
lhas. Ao encontrar Shariputra, ele recebeu os oito preceitos e, então, se
passou um dia e uma noite. Em razão disto, após a sua morte, ele nas-
ceu como o filho de Vaishravana, o rei do céu do norte. Mesmo um
discípulo do Tathagata possui tal grande virtude. Como as coisas pode-
riam ser de outra forma com o Buda?

Oh grande Rei! No Norte da Índia, havia um castelo chamado ‘Pequena-


Pedra’. Havia um rei naquele castelo chamado ‘Marca-do-Naga’. Ele
usurpou o estado. Desesperado pela coroa, ele matou seu próprio pai.
Tendo assassinado seu pai, o remorso tomou conta do seu peito. Ele
abandonou o estado, veio ao Buda e pleiteou ser ordenado como um
Monge. O Buda o acolheu bem e o fez Monge. Seus pecados se extin-
guiram e ele aspirou à Iluminação Insuperável. Saiba, oh grande Rei,
que o Buda possui tais inumeráveis grandes virtudes.

Oh grande Rei! Devadatta era discípulo do Tathagata. Ele feriu demais


um Monge, causou o sangramento do corpo do Buda e matou Utpala-
varna, cometendo assim os três pecados mortais. O Tathagata falou de
diversas maneiras sobre o Dharma e fez com que seus graves pecados
se tornassem leves gradativamente. Por isso, dizemos que o Tathagata
é um grande médico. Ele não é do tipo dos seis mestres.

Oh grande Rei! Se você acredita em minhas palavras, por favor, corra ao


Tathagata. Se você acredita em minhas palavras, pondere bem o que
digo. Oh grande Rei! O Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo abarca todos
com grande compaixão. Ele não ama apenas uma pessoa. O Dharma
Maravilhoso reina amplamente. Não há ninguém que não seja acolhido
[por ele]. Sua mente é Toda-Equalitária tanto para os hostis como para
os amigáveis. Sua mente não odeia e não ama. Não é o caso que so-
mente algumas pessoas obtêm a Via e outras não. O Tathagata não é
apenas meramente o mestre das quatro classes da Sangha; ele é o mes-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 256


tre de todos os (seres) celestiais, humanos, nagas, demônios, habitan-
tes-do-inferno, animais e espíritos famintos. E todos os seres deveriam
olhar para o Buda como olham para seu pai e mãe.

Oh grande Rei! Saiba que não é o caso que o Tathagata somente fala do
Dharma para o nobre Rei Bhadrika; ele igualmente orienta o humilde
Upali. Ele não aceita oferecimentos somente de Sudatta-
Anathapindada, mas também aceita comida de Sudatta, um homem
pobre. Ele não fala do Dharma somente para o sagaz Shariputra, mas
também para o obtuso Suddhipanthaka. Ele não permite apenas pesso-
as sem ambição como Mahakashyapa entrarem para a Ordem, mas
também pessoas tão ambiciosas quanto Nanda. Ele não permite apenas
pessoas sem ilusões como Uruvilva-Kashyapa buscarem a Via, mas tam-
bém aqueles cheios de ilusões que cometeram graves pecados mortais,
como Sudaya, o irmão mais jovem do Rei Prasenajit. Não é o caso que
ele erradica as raízes da ira porque alguém lhe oferece o galingale (ou
galangal – planta de raiz aromática da família da gengibre), mas aban-
dona uma pessoa que pretende fazer o mal. Ele não fala do Dharma
somente para machos intelectuais, mas também para os mais rebaixa-
dos na vida, para casais e mulheres. Ele não capacita apenas Shramanas
a atingir as quatro fruições da Via, mas também capacita pessoas leigas
a ganhar as três fruições da Via. Ele não apresenta o Dharma somente
para uma pessoa que abandonou as funções casuais da vida, como Put-
tala e outros que procuram meditar em lugares quietos, mas também
para aqueles como o Rei Bimbisara, que tem que reinar sobre um esta-
do. Não é o caso que o Dharma é falado somente para abstêmios, mas é
pregado também para aqueles perdidos em bebidas fortes, como o rico
homem Ugravati, e os intoxicados. Não é o caso que o Dharma é falado
somente para aqueles que sentam em dhyana [meditação] como Reva-
ta, mas também para mulheres Brâmanes como Vasistha, que agora
está louca após a perda da sua criança. Não é o caso que os seus ser-
mões são pregados somente para os seus próprios discípulos, mas tam-
bém para tirthikas, Nirgranthas e outros. Não é o caso que o Dharma é

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 257


pregado somente para aqueles de plena virilidade aos 25 anos, mas
também para idosos de 80 anos, que já são impotentes fisicamente. Ele
não prega somente para aqueles que estão estreitamente relacionados
com o Buda-Dharma, mas também para aqueles que não estão muito
bem na pratica da Via. Ele não prega somente para Malika, mas tam-
bém para uma prostituta como Utpala. Ele não recebe oferecimentos
somente das melhores coisas doces e deliciosas do Rei Prasenajit; ele
também recebe aquelas do homem rico Srigupta, as quais contêm ve-
neno. Oh grande Rei! Srigupta, em tempos passados, plantou as semen-
tes dos pecados mortais. Mas após ter encontrado o Buda e ouvido os
seus sermões, aspirou à Iluminação Insuperável.

Oh grande Rei! Mesmo que alguém fizesse oferecimentos durante um


mês para todos os seres, o seu mérito não poderia ser comparado a
uma décima-sexta parte daquele auferido pela meditação em pensa-
mento único sobre o Buda. Oh grande Rei! Embora alguém fizesse um
homem de ouro, e o dotasse de veículos, cavalos e tesouros em número
de 100; isto não se compararia a uma pessoa que aspira à Iluminação e
dá um passo em direção ao Buda. Oh grande Rei! Mesmo que alguém
pudesse colocar em 100 carruagens puxadas por elefantes, vários te-
souros raros das terras Romanas e mulheres com artigos de joalheria,
isto não se compararia à aspiração ao Bodhi e a dar um passo em dire-
ção ao Buda. Ou mesmo que alguém desse isso e as quatro coisas [isto
é, comida, roupas, decocção e aposentos] para todos os seres dos três
mil grandes sistemas de mil mundos, isto não se compararia à aspiração
à Iluminação e a dar um passo em direção ao Buda. Além disso, mesmo
que fizéssemos doações a seres tão inumeráveis quanto às areias do
Ganges, isso nunca seria melhor que a ida do grande Rei para onde se
encontram as árvores sala gêmeas, para onde o Tathagata está, e ouvir
com sinceridade de coração o que ele diz.”

Então o grande rei respondeu: “O Tathagata-Honrado-pelo-Mundo é


por natureza gentil e terno. Em razão disto, ele tem como seu séquito

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 258


todos aqueles que são de natureza gentil e terna. Exatamente como
uma floresta de sândalo é cercada por árvores de sândalo, assim o Ta-
thagata é puro e cristalino (imaculado), e está cercado por pessoas que
também são puras e cristalinas. Isto é como uma grande naga [serpen-
te] que tem nagas como seguidoras; o Tathagata é silencioso e aquieta-
do, e seu povo, também, é silencioso e aquietado. O Tathagata não
cobiça, nem assim o faz qualquer um do seu povo. O Buda não tem
ilusões, nem as têm qualquer um dos seus. Eu sou o mais perverso dos
homens. Dotado com mau carma, meu corpo exala um mau cheiro e
está destinado ao inferno. Como eu poderia alguma vez ousar esperar ir
para onde o Tathagata se encontra? Eu bem poderia ir, mas as (suas)
palavras podem não fazer sentido. Você quer que eu vá ao Buda. Mas,
estou agora sem condições básicas, desespero de mim mesmo e não
tenho idéia de ir.”

Então uma voz veio de cima: “O insuperável ensinamento Budista está


fraco e agora está prestes a se extinguir. O grande rio de abundantes
águas está para secar. Não resta muito antes que o brilho da lâmpada
do Dharma se desvaneça. A montanha do Dharma está para ruir, e o
navio do Dharma está para naufragar. A ponte do Dharma está para
quebrar, e o palácio do Dharma está para desmoronar. O estandarte do
Dharma está para cair, e a árvore do Dharma está prestes a rachar e
quebrar. Os bons amigos estão para nos abandonar, e um grande temor
está prestes a levantar a sua cabeça. Não tardará muito e os seres inevi-
tavelmente sentirão a falta do Dharma. As epidemias das ilusões estão
prestes a correr solto. O tempo da grande melancolia está chegando, e
as pessoas sentir-se-ão sedentas pelo Dharma. O Rei Mara sentir-se-á
feliz e desvestirá toda a sua armadura. O sol do Buda-Dharma está para
sucumbir por detrás da montanha do Grande Nirvana. Oh grande Rei!
Se o Buda se for, nunca haverá alguém que possa desfazer seus graves
pecados. Oh grande Rei! Você cometeu pecados mortais que os levarão
ao Inferno Avichi. Não há dúvida de que esse carma fará o seu trabalho.
Oh grande Rei! ‘A’ significa ‘nada’; ‘bi’ significa ‘interstício’. Como não

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 259


há momento de prazer no interstício, dizemos ‘abi’. Oh grande Rei! Se
apenas uma única pessoa cai nesse inferno, a altura do seu corpo medi-
rá 80.000 yojanas. Ele preencherá [o lugar], e não haverá espaço inters-
ticial lá. O corpo fica todo cercado e sujeito a várias dores. Se há muitas
pessoas (caindo lá), os corpos se comprimem, não há espaço intersticial
e nada os separa. Oh grande Rei! Quando alguém está no inferno frio, o
ar quente virá por um momento e isto será um motivo de prazer; no
inferno quente, um sopro momentâneo de ar frio torna-se também um
motivo de prazer. A vida de alguém chega ao fim no inferno, mas se
esse alguém ouve uma voz viva, (sua vida) é restaurada. No Inferno
Avichi, isso nunca ocorre. Oh grande Rei! Há quatro portões no Inferno
Avichi. Do lado de fora de cada portão há um grande fogo ardente. Ele
irrompe através de tudo, ao leste, oeste, sul e norte. Muralhas de ferro
se estendem por 8.000 yojanas. Acima está uma grade de ferro; o fun-
do, também, é feito de ferro. O fogo passa de cima abaixo, e vai do fun-
do para o topo. Oh grande Rei! Isto é como um peixe numa frigideira
cheia de óleo ardente. O mesmo se passa com o criminoso, também. Oh
grande Rei! Alguém que cometeu um pecado mortal tem que sofrer
assim por um único pecado. Alguém que cometeu dois pecados mortais
tem que responder pelos dois. Se (cometeu) cinco, o pecado recebe
cinco vezes mais [dores]. Oh grande Rei! Eu sei que você definitivamen-
te terá que colher suas retribuições cármicas. Por favor, corra para onde
o Buda está. Fora o Buda-Honrado-pelo-Mundo, não há ninguém que
possa salvá-lo. Sinto muito. Portanto, exorto-vos assim.”

Então, ouvindo isto, o medo tomou conta do rei; um arrepio percorreu


todo o seu corpo; seus cinco membros tremiam como um bambu.

Olhando para cima, ele indagou: “Oh deus! Quem é você? Você não
mostra sua forma; somente sua voz se faz ouvir.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 260


“Oh grande Rei! Eu sou seu pai Bimbisara. Você deveria agora fazer
como Jivaka lhe diz. Não dê ouvidos às visões distorcidas dos seus mi-
nistros.”

Ouvindo isto, o rei caiu ao chão. A dor de suas feridas aumentou, e o


mau cheiro tornou-se duas vezes maior do que antes. Um remédio frio
foi aplicado e espalhado sobre o seu corpo. Mas as feridas queimavam;
o veneno aumentou o seu calor. E não havia um bocado de alívio para o
que sentia.

Capítulo 24 – Sobre Ações Puras 4 Página 261


Capítulo Vinte e Cinco: Sobre Ações Puras 5

Então, o Honrado-pelo-Mundo viu, de onde ele se encontrava entre as


árvores sala gêmeas, Ajatasatru desfalecer e cair no chão, e disse aos
presentes: “Para o benefício de Ajatasatru, viverei e não entrarei no
Nirvana por inumeráveis kalpas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado-pelo-Mundo! O


Tathagata não entrará no Nirvana para o benefício de inumeráveis pes-
soas. Por que é que você especialmente não entrará para o benefício de
Ajatasatru?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não há uma pessoa entre os que aqui
estão que dirá: ‘Entrarei definitivamente no Nirvana’. Ajatasatru dirá
que ele certamente sofrerá morte eterna. Assim, ele desfaleceu e ati-
rou-se no chão. Oh bom homem! Eu digo que não entrarei no Nirvana
para o benefício de Ajatasatru. Esse ensinamento secreto será difícil
para você compreender. Por quê? Eu digo ‘para o benefício de’. Isto se
refere a todos os seres. ‘Ajatasatru’ se refere a todos aqueles que co-
meteram os cinco pecados mortais. Também, ‘para o benefício de’ se
refere a todos aqueles seres da existência criada. Eu não existo no
mundo para o não-criado. Por quê? Ora, ‘não-criado’ não é ser. Ajatasa-
tru é alguém com impureza inerente. Também, ‘para o benefício de’ se
refere aos seres que vêem a Natureza-de-Buda. Se a Natureza-de-Buda
é vista, não ficarei longo tempo no mundo. Por que não? Alguém que
veja a Natureza-de-Buda não é ser (é não-criado). ‘Ajatasatru’ se refere
a todos aqueles que ainda não aspiraram à Iluminação Insuperável.
Também, ‘para o benefício de’ se refere a ambos, Ananda e Kashyapa;
‘Ajatasatru’ se refere à consorte real de Ajatasatru e também todas as
mulheres do castelo de Rajagriha. Também, ‘para o benefício de’ nada
mais é que a Natureza-de-Buda. ‘Aja’ significa ‘não-nascido’; ‘se’ signifi-
ca ‘vingança’ [‘Ajatasatru’ é traduzido como ‘Ajase’ no Chinês]. Quando

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 263


a Natureza-de-Buda é nascida, sobrevêm a vingança das impurezas.
Quando existe a vingança das impurezas, a pessoa não vê a Natureza-
de-Buda. Quando nenhuma impureza nasce, pode-se ver a Natureza-de-
Buda. Quando se vê a Natureza-de-Buda, pode-se residir pacificamente
no Grande Nirvana. Isto é ‘não-nascido’. Este é o porquê dizemos ‘para
o benefício de Ajatasatru’. Oh bom homem! ‘Aja’ significa ‘não-nascido’;
‘não-nascido’ se refere a Nirvana. ‘Se’ se refere ao ‘dharma mundano’;
‘para’ se refere a ‘não-espoliado’. Não (sendo) espoliado pelas oito coi-
sas do mundo (oito ventos), eu não entro no Nirvana por inumeráveis,
ilimitados asamkhyas de kalpas. Assim, eu digo que não entro no Nirva-
na para o benefício de Ajatasatru. Oh bom homem! A palavra secreta
do Tathagata é inconcebível. Também, o Buda-Dharma e a Sangha não
podem ser concebidos. A Natureza-de-Buda, também, é inconcebível, e
o Sutra do Grande Nirvana é inconcebível.”

O Samadhi do Luar

Então, o Honrado-pelo-Mundo, o Guia Todo-Compassivo, entrou no


Samadhi do Luar para o benefício de Ajatasatru. Ao entrar neste Sama-
dhi, uma grande luz emanou. A luz era pura e fria, e foi para onde esta-
va o rei e resplandeceu sobre o seu corpo. As feridas do seu corpo sara-
ram, e as dores dilacerantes desapareceram. Liberto das dores das feri-
das e sentindo pureza e frescor no corpo, o rei disse a Jivaka: “Certa
vez, ouvi pessoas dizerem que quando o kalpa chega ao fim, três luas
aparecem simultaneamente. Naquela ocasião, os sofrimentos dos seres
são todos extintos. Esse tempo (do final do kalpa) ainda não chegou.
Então, de onde vem essa luz? Ela resplandece sobre mim e toca-me;
cura todas as minhas feridas e meu corpo se sente em paz.”

Jivaka respondeu: “Não é que o kalpa esteja acabando e três luas este-
jam aparecendo e brilhando. Isto também não é a luz de Marte, o Sol,
ou as constelações, ou uma erva medicinal, uma jóia, ou a luz dos céus.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 264


O rei ainda disse: “Se isto não é a luz das três luas, ou de uma jóia, en-
tão que luz é esta?

“Oh grande Rei! Essa é a luz do Deus dos deuses. Essa luz não tem fon-
te; ela é ilimitada. Não é quente, nem fria, nem eterna; não morre; não
é matéria, nem não-matéria; não tem expressão exterior; nem é não-
fenomenal; não é azul, nem amarela, nem vermelha e nem branca. É
vista somente onde há um desejo de salvar. Ela tem suas características
e (não) pode ser explicada. Ela tem uma fonte, limite, calor, frio, azul,
amarelo, vermelho e branco. Oh grande Rei! Embora essa luz possua
tais aspectos de um fenômeno, não é possível explicá-la. Ela não pode
ser vista; e nem há nela o azul, o amarelo, o vermelho ou o branco.”

O rei disse: “Oh Jivaka! Por que o Deus dos deuses emite essa luz?”

Jivaka respondeu: “Ora, esses sinais auspiciosos são para você, grande
Rei. Oh Rei! Há pouco você disse que não havia um bom médico no
mundo que pudesse curar seu corpo e mente. Por essa razão, essa luz
foi enviada previamente. Ele (o bom médico) primeiro cura seu corpo, e
então sua mente.”

O rei disse: “Oh Jivaka! Será que o Tathagata-Honrado-pelo-Mundo


pensa em nós?”

Jivaka respondeu: “Como um exemplo: uma pessoa tem sete filhos. Um


dos sete está doente. Não é que o pensamento do pai e da mãe não
seja equânime, mas sua mente se inclina para aquele que está doente.
Oh grande Rei! O mesmo se passa com o Tathagata. Ele é imparcial, mas
ainda assim o seu pensamento está concentrado naquele que é peca-
dor. A compaixão se volta para aquele que é indolente, e sua mente é
liberada daquele que é não-indolente. Quem é não-indolente? Isto se
refere aos Bodhisattvas do sexto estágio. Oh grande Rei! O Buda-Todo-

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 265


Honrado-pelo-Mundo não vê qualquer diferença de casta, se é jovem,
velho ou de meia-idade; se é rico ou pobre; o tempo, sol, lua, constela-
ções; se humilde, pajem, empregada, ou a habilidade para o trabalho;
mas vê, em meio aos seres, aquele que tem uma boa mente. Se alguém
tem um bom pensamento, sua compaixão age. Oh grande Rei! Por fa-
vor, saiba que esses sinais auspiciosos indicam o fato que o Tathagata
agora está no Samadhi do Luar. Por isso, essa luz.”

O rei indagou: “Samadhi do Luar?”

Jivaka respondeu: “Isto é como a luz do luar, que faz com que todos os
botões da utpala (lótus) abram esplendorosamente suas pétalas. Assim
também age o Samadhi do Luar. Ele abre completamente as pétalas do
bom pensamento dos seres. Assim, o chamamos ‘Samadhi do Luar’. Por
exemplo, a luz do luar realmente alegra o coração de todos que viajam.
Assim faz o Samadhi do Luar. Ele realmente desperta a alegria nas men-
tes daqueles que viajam sob a proteção do Nirvana. Portanto, dizemos
‘Samadhi do Luar’. Oh grande Rei! A luz da lua aumenta diariamente na
sua forma e brilho, do primeiro dia do mês (lunar) até o décimo-quinto
dia. O mesmo se passa com o ‘Samadhi do Luar’. A raiz do primeiro re-
bento de todas as boas ações cresce gradativamente, e termina na rea-
lização do Grande Nirvana. É também por essa razão que dizemos ‘Sa-
madhi do Luar’. Oh grande Rei! Por exemplo, a forma e o brilho do luar,
do décimo-sexto ao trigésimo dia, diminuem gradualmente em tama-
nho. É o mesmo com o Samadhi do Luar. Onde quer que ele resplande-
ça, ele reduz, gradualmente, todas as impurezas. Assim dizemos ‘Sama-
dhi do Luar’. Oh grande Rei! Em tempos de grande calor, todos os seres
sempre pensam no (frescor do) luar. Conforme o luar aparece, o calor
sufocante se vai. É o mesmo com o Samadhi do Luar. Ele dissipa com-
pletamente a febre da ganância e das preocupações. Oh grande Rei! Por
exemplo, a lua-cheia é a rainha de todas as estrelas e é chamada ‘amr-
ta’ [ambrosia da imortalidade]. Todos os seres a amam. É o mesmo com

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 266


o Samadhi do Luar. Ele é o rei de todas as boas ações, é o amrta, e é
amado por todos. Por essa razão, dizemos ‘Samadhi do Luar’.”

O rei disse a Jivaka: “Ouvi que o Tathagata não habitará, sentará, per-
manecerá, falará ou debaterá com pessoas más, assim como o grande
oceano não guarda cadáveres dentro de si. Ele é como um pato manda-
rin, que não vive numa latrina; é como Sakrodevendra, que não vive
com demônios; e é como o kokila, que não vive numa árvore morta. O
mesmo é o caso com o Tathagata. Como eu poderia ir e vê-lo? Se eu
estivesse pronto para vê-lo, eu poderia mergulhar no chão. O que eu
vejo é que o Tathagata pode muito bem aproximar-se de um elefante
intoxicado, de um leão, de um tigre, de um lobo, de um grande fogo, ou
de uma chama ardente, mas não de uma má pessoa. É por essa razão
que eu penso assim. Com que pensamento eu poderia ir e vê-lo?”

Jivaka respondeu: “Oh grande Rei! Aquele que está sedento corre para
uma fonte; aquele que está faminto busca comida; aquele que está com
medo clama por ajuda; uma pessoa doente clama por um médico; al-
guém que sente calor procura o frescor; alguém que sente frio procura
por roupas. Oh grande Rei! É o mesmo com você agora buscando o
Buda. Oh grande Rei! O Tathagata sempre profere sermões para os
icchantikas e outros. E você, oh grande Rei, não é um icchantika. Assim,
como você poderia não esperar a ajuda do Todo-Compassivo?”

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 267


A Parábola do Bom Médico e o Icchantika

O rei disse: “Oh Jivaka! Certa vez ouvi que o icchantika é uma pessoa
que não acredita, ouve, vê ou compreende o significado. Como o Tatha-
gata poderia falar do Dharma para uma pessoa como aquela?”

Jivaka respondeu: “Oh grande Rei! Como uma ilustração: existe um


homem que contrai uma doença grave. À noite, a pessoa vai a um pa-
gode, compartilha da manteiga, a esfrega no seu corpo, deita em cinzas,
come cinzas, sobe em uma árvore morta, brinca com macacos, senta e
reclina com eles, e mergulha na água ou lama. Ele salta de uma edifica-
ção alta, de uma montanha alta, de árvores, elefantes, cavalos, vacas e
carneiros. Ele veste roupas coloridas de azul, amarelo, vermelho ou
cores escuras; ri, canta e dança. Ele contempla corvos, águias, raposas e
guaxinins. Seus dentes e cabelos caem; ele está nu, dorme com cães
como seu travesseiro em meio aos excrementos e imundícies. Além
disso, ele caminha, vive e fica em meio aos mortos, de mãos dadas com
eles, e ali ele come. Nos sonhos, ele vê que serpentes venenosas co-
brem o caminho por onde ele deve passar. Ou ele abraça uma fêmea
coberta de pelos, e veste roupas feitas de folhas de tala (espécie de
palmeira). Ele sonha que está viajando num carro quebrado puxado por
um burro ou está brincando na frente dele. Tendo sonhado assim, sua
mente está aflita. Devido a essa aflição, sua doença agrava. Como a
doença agrava, todas as pessoas e seus parentes enviam para lá um
médico. O menino de recados despachado para (levar) o médico é de
pequena estatura e mutilado. Sua cabeça está suja, ele veste roupas
esfarrapadas, e pretende carregar o médico numa carroça quebrada.
Ele diz para o médico: ‘Rápido! Entre no carro!’

Então, o bom médico pensou para si: ‘Ora, esse mensageiro parece
doente e desagradável. Eu sei que a pessoa doente é difícil de curar’.
Ele também pensa: ‘O mensageiro não me parece muito auspicioso.
Consultarei agora a sorte do dia (horóscopo) e verei se posso curar [o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 268


paciente] ou não. O quarto, sexto, oitavo, décimo-segundo e décimo-
quarto dias são maus, quando as doenças não se curam’. Além disso,
ele pensa: ‘Este é um mau dia. Consultarei as estrelas e verei se posso
curá-lo ou não. Se for tempo de estrelas como Marte, Revati, Krttika,
Apabharani, Shissho e Mansho, as doenças são difíceis de curar’. Ele
também pensa: ‘Como as estrelas não estão numa constelação auspi-
ciosa, olharei agora o tempo. Se for outono, inverno, anoitecer, meia-
noite, (noite) sem lua, então as doenças são difíceis de curar’. Ele tam-
bém pensa: ‘Muito embora todos esses aspectos indiquem maus pres-
ságios, as coisas podem ser definidas ou indefinidas. Agora verei a pes-
soa doente, eu mesmo. Se a sorte for favorável, haverá uma cura; se
não, nada ajudará’.

Pensando assim, ele segue adiante com o mensageiro. No caminho, ele


pensa novamente: ‘Se a pessoa doente estiver destinada a viver longa-
mente, sua doença será curada. Se não, não poderá haver cura’. E na
frente do carro, ele vê duas crianças brigando e lutando, pegando cada
um a cabeça do outro, puxando seus cabelos, atirando cacos e pedras,
brandindo e batendo com espadas e bastões. Ele vê pessoas rumo ao
fogo, que desaparecem espontaneamente, ou pessoas derrubando ár-
vores, ou pegando na pele e levando, puxando, ou coisas abandonadas
no caminho, ou pessoas segurando coisas vazias, ou um Shramana ca-
minhando sozinho, sem uma companhia, ou um tigre, lobo, corvo, águia
ou raposa. Vendo isto, ele pensa: ‘Eu vejo o mensageiro que foi envia-
do, tudo o que está acontecendo na estrada, e vejo que todos esses
sinais indicam maus presságios. Sei que essa doença será difícil de cu-
rar’. Ele também pensa: ‘Embora os presságios sejam maus, que as coi-
sas sejam como devem ser. Eu irei e verei essa doença’. Assim pensan-
do, ele ouve isto no caminho: ‘Coisas como o esquecimento, morte,
colapso, quebra, esfolamento, queda, queimadura e mal súbito não
podem ser curadas’. Também, ao sul ele ouve os gritos de pássaros e
bestas como corvos, águias, sarika, cães, ratos, raposas, porcos e lebres.

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 269


Ouvindo todas essas coisas, ele pensa: ‘Sei que será difícil curar essa
pessoa doente’.

Então ele chegou ao lugar e viu o homem doente. Frio e calor acometi-
am-no vez ou outra; suas juntas estavam doloridas, seus olhos verme-
lhos, e o zumbido em seu ouvido podia ser escutado de fora. Sua gar-
ganta estava tomada por convulsões e dores, e a superfície da sua lín-
gua estava rachada. A pessoa estava com uma cor verdadeiramente
escura, e sua cabeça em desalinho. Seu corpo estava ressecado; ne-
nhuma transpiração ocorria. Todos os sinais vitais estavam comprome-
tidos; seu corpo estava extraordinariamente inchado e nas cores escar-
late e vermelho, muito diferente daquelas que se tem em condições
normais. Não havia equilíbrio em sua voz, que era às vezes forte e às
vezes fraca. Manchas podiam ser vistas em todo o seu corpo, estra-
nhamente azuis e amarelas na cor. Sua barriga estava inchada e sua fala
não era clara.

O médico, vendo isto, indagou o atendente do paciente: ‘Como o paci-


ente se sente?’

A resposta veio: ‘Oh grande Doutor! Esse homem previamente respei-


tava os Três Tesouros e todos os devas. Agora, essa pessoa mudou e
não mais os respeita. Antigamente, ele doava de bom grado, mas agora
se tornou avarento. No passado, ele comia com moderação, mas agora
ele come demais. Antes, ele harmonizava com o bem, mas agora ele é
mau. Outrora, ele tinha amor filial e respeitava seu pai e sua mãe, mas
agora ele não tem em mente respeitá-los’.

O doutor, ao ouvir tudo isto, caminhou adiante e o cheirou. O que ele (o


paciente) cheirava era à utpala, uma mistura de cheiros da agaru, prik-
ka, tagaraka, tamala-pattra, kunkumam, sândalo, cheiro de carne assa-
da, cheiro de vinho, cheiro de vértebras e ossos queimados, cheiro de
peixe, e cheiro de excremento. Tendo sentido esses bons e maus odo-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 270


res, ele caminhou adiante e tocou o corpo [do paciente] que era tão
delicado e suave como a seda, o algodão ou a flor do algodoeiro. Ou era
tão duro quanto uma pedra, ou frio como gelo, ou quente como o fogo,
tão áspero quanto a areia. Vendo tudo isto, o bom médico sente que o
homem certamente morrerá. Disto ele não tem dúvida. Mas ele não diz
que a pessoa certamente morrerá. Ele diz para o atendente do homem
doente: ‘Estou ocupado agora. Voltarei amanhã. Deixe o homem comer
o que quer que deseje, não diga não’. E retorna para casa. No dia se-
guinte o mensageiro vem, a quem o médico novamente diz: ‘Meu negó-
cio ainda não está concluído; além disso, o remédio ainda não foi inven-
tado’. O sábio deve saber que essa pessoa doente certamente morrerá.

Oh grande Rei! É o mesmo também com o Honrado pelo Mundo. Ele


conhece bem o que o icchantika é, e ainda assim ele lhe fala sobre o
Dharma. Por quê? Se ele não falasse do Dharma, os mortais comuns
diriam: ‘O Tathagata não tem compaixão. Se tiver, diremos ‘onisciente’;
se não tiver, como poderíamos dizer que ele é onisciente?’ Assim eles
diriam. Por essa razão, o Tathagata profere sermões para os icchantikas.
Oh grande Rei! O Tathagata vê todas as pessoas doentes e sempre dis-
tribui o remédio do Dharma. O Tathagata não é culpado se o doente
não toma o remédio. Oh grande Rei! Existem dois tipos de icchantikas.
Um obtém a raiz saudável [‘kusala mula’] no presente, e o outro (obte-
rá) a raiz saudável na vida que virá. O Tathagata sabe bem quais dos
icchantikas ganharão a raiz saudável nesta vida. Assim, ele fala do
Dharma. Mesmo para aqueles cuja raiz saudável se efetivará na próxima
vida, ele fala do Dharma. O resultado pode não surgir agora, mas ele
cria uma causa para a vida que virá. Por essa razão, o Tathagata fala do
Dharma para o icchantika. Existem ainda outros dois tipos de icchantika.
Um é aguçado, e o outro é de grau médio. O que é de inteligência agu-
çada ganha a raiz saudável nesta vida; o que é de inteligência mediana
ganhará na próxima vida. O Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo não fala
em vão. Oh grande Rei! Por exemplo, uma pessoa que está limpa cai na
latrina; um bom mestre da Via vê, sente piedade, vai lá, agarra-o pelos

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 271


cabelos e puxa-o para fora. Assim se procedem as coisas com o Buda-
Tathagata. Ele vê todos os seres caindo na fossa dos três reinos do in-
fortúnio. Ele recorre a expedientes e lhes salva. É por essa razão que o
Tathagata realmente fala do Dharma mesmo para icchantikas.”

O Bom Amigo da Via

O rei disse a Jivaka: “Se as coisas se procedem assim com o Tathagata,


amanhã consultarei a sorte do dia e as estrelas para ver se são favorá-
veis, e então irei.”

Jivaka disse ao rei: “Não há que descobrir os melhores dias e estrelas


nos ensinamentos do Tathagata. É como com uma pessoa sofrendo de
uma doença grave: ela não escolhe o bom ou mau dia e ocasião, mas
procura um médico. Ora, a sua doença, Rei, é grave e você está à procu-
ra de um médico, que é o Buda. Por favor, não fale sobre se é um bom
ou mau dia. Oh grande Rei! Isto é como no caso do fogo do sândalo e da
eranda, os quais queimam da mesma maneira, sem qualquer diferença.
É o mesmo com os melhores dias e aqueles de mau-agouro. No lugar
(onde se encontra) o Buda, ganha-se a mesma expiação dos pecados.
Por favor, oh grande Rei, corra para lá hoje!”

Então o grande rei deu ordens a um ministro chamado ‘Auspicioso’,


dizendo: “Oh você ministro! Hoje eu resolvi ir ao Buda-Honrado-pelo-
Mundo. Apressa-te e apronte as coisas para os oferecimentos!”

O ministro disse: “Oh grande Rei! Bem falado, bem falado! Temos já
todas as coisas prontas para os oferecimentos.”

O Rei Ajatasatru tinha com ele a sua consorte real. Os palanquins nos
quais eles montaram eram em número de 12.000; seus grandes e po-
tentes elefantes eram 50.000. Sobre cada elefante estavam três aten-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 272


dentes, que seguravam estandartes e parassóis em suas mãos. Não
faltavam flores, incenso ou instrumentos musicais. Tudo estava comple-
to. Havia 180.000 cavalos à frente e na retaguarda. As pessoas de Ma-
gadha que seguiam o rei eram em número de 580.000. Naquela ocasi-
ão, o povo de Kushinagar ocupava uma área de 12 yojanas no tamanho.
Todos viram o Rei Ajatasatru e seus seguidores vindo de longe, pergun-
tando o caminho.

Então, o Buda falou à congregação: “Todos vocês! O mais estreitamente


relacionado ao Insuperável Bodhi é o Bom Amigo da Via. Por quê? Se
Ajatasatru não tivesse seguido as palavras de Jivaka, ele morreria no
sétimo dia do próximo mês e cairia no inferno. Por essa razão, não há
ninguém melhor que o mais estreitamente relacionado e Bom Amigo da
Via.”

Uma voz surgiu na frente do Rei Ajatasatru, a qual disse: “O Rei Viduda-
bha de Sravasti entrou num navio, foi para o mar, deparou-se com um
incêndio e morreu. O monge Kokalika foi engolido vivo pela terra e caiu
no Inferno Avichi. Sunaksatra, após cometer inúmeras más ações, veio
ao Buda e todos os seus pecados foram expurgados.”

Ao ouvir isto, ele disse a Jivaka: “Ouvi essas duas coisas ditas. Mas não
estou muito seguro. Oh Jivaka! Venha comigo! Pretendo viajar junto
com você num elefante. Se eu tiver de cair no Inferno Avichi, agarre-me
de tal maneira que eu não caia lá embaixo. Por quê? Certa vez ouvi que
a pessoa que obteve a Verdade não cairá no inferno.”

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 273


A Mente Imutável do Buda

Então o Buda disse para o povo ao seu redor: “O Rei Ajatasatru ainda
tem dúvidas. Agora vou fixar a minha mente.”

Naquela ocasião, havia lá um Bodhisattva chamado ‘Todo-


Perseverança’. Ele disse ao Buda: “Oh Honrado-pelo-Mundo! Como
você, o Buda, estabeleceu anteriormente: todas as coisas não têm um
estado fixo (imutável). A matéria não tem uma forma imutável, e Nirva-
na também não tem uma forma imutável. Como é que você, o Tathaga-
ta, diz que para o benefício de Ajatasatru você atingirá uma mente imu-
tável?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Agora atinjo
uma mente imutável para o benefício de Ajatasatru. Por quê? Se as
dúvidas do rei forem aniquiladas, isto significa que não pode haver for-
mas imutáveis para todas as coisas. Em razão disto, para o benefício de
Ajatasatru, atingirei uma mente imutável (fixa). Saiba que essa mente
(do rei) não é algo imutável. Oh bom homem! Se a mente do rei fosse
imutável, como se poderiam destruir os pecados mortais do rei? Como
não existe um estado imutável, podemos de fato esmagar o pecado.
Portanto, para o benefício de Ajatasatru, atingirei uma mente imutável
(estado da Mente Búdica).”

Então o grande rei foi para a floresta das árvores sala, foi para onde o
Buda se encontrava, olhou e viu as 32 marcas distintivas da perfeição e
as 80 características menores de excelência, todas as quais se manifes-
tavam como uma toda-maravilhosa montanha dourada.

Então o Buda emitiu os oito tipos de vozes e disse: “Oh grande Rei!”

Então Ajatasatru olhou para a direita, para a esquerda, e disse: “Quem é


o grande rei em meio a todos aqueles que estão aqui? Eu sou um peca-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 274


dor e não possuo virtudes que mereçam ser mencionadas. Dessa forma,
o Tathagata não pode estar se dirigindo a mim.”

Então o Tathagata novamente o chamou: “Oh grande Rei Ajatasatru!”

Ao ouvir isto, o rei ficou enormemente satisfeito e disse: “O Tathagata


usa palavras amáveis para mim. Agora sei que o Tathagata verdadeira-
mente tem grande piedade para com todos nós seres; ele não faz dis-
tinções (não julga, portanto, Mente Imutável).” E ainda disse ao Buda:
“Oh Honrado-pelo-Mundo! Agora acabei eternamente com as dúvidas.
Definitivamente, sei agora que o Tathagata é realmente o Grande Mes-
tre Insuperável.”

Então, o Bodhisattva Kashyapa disse a Todo-Perseverança: “O Tathagata


atingiu uma Mente Imutável para o benefício de Ajatasatru.”

O Rei Ajatasatru ainda disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Mes-
mo que agora eu sentasse, permanecesse e tomasse refeições com o
Brahma e Sakrodevendra, não sentiria felicidade. Você, Tathagata, bor-
rifa-me apenas uma palavra e me governa, e regozijo enormemente.”

E trouxe os estandartes, parassóis, flores, incenso e instrumentos musi-


cais para o Buda e ofereceu-os a ele. Então ele caminhou adiante, tocou
os pés do Buda e circundou-o por três vezes. Adorando-o dessa manei-
ra, ele recuou e tomou seu assento a um lado.

O Âmago do Dharma Maravilhoso

Então o Buda disse a Ajatasatru: “Oh grande Rei! Agora lhe falarei sobre
o âmago do Dharma Maravilhoso. Ouça-me atentamente com todo seu
pensamento! Os mortais comuns devem sempre meditar sobre 20 coi-
sas: 1) este corpo é vazio e não há nada lá que seja imaculado, 2) não há

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 275


raiz saudável nele, 3) não há nenhum ajuste no nascimento e na morte,
4) cai-se num poço profundo e não há lugar onde não se possa ter me-
do, 5) através de quais meios pode-se ver a Natureza-de-Buda?, 6) co-
mo se pode praticar meditação e ver a Natureza-de-Buda?, 7) nasci-
mento e morte são sempre causa de sofrimento e lá não há o Eterno, o
Êxtase, o Eu, e o Puro, 8) não é possível separar-se das oito situações
inoportunas, 9) sempre se é perseguido por inimigos, 10) não há um
dharma que possa livrar-se de todas as coisas que existem, 11) não há
alguém emancipado dos três reinos do infortúnio, 12) várias visões dis-
torcidas acompanham (uma pessoa), 13) nenhum barco está à mão
para passar alguém através das águas dos cinco pecados mortais, 14)
nascimento e morte se sucedem indefinidamente e nenhum limite para
isso é alcançado, 15) quando nenhum karma é criado, não há retribui-
ção a seguir, 16) nenhuma fruição surge para outros por aquilo que
alguém tenha feito para si mesmo, 17) sem a causa da felicidade, não
pode haver o resultado (efeito) da felicidade, 18) uma vez que a semen-
te do karma seja plantada, o resultado não será perdido, 19) a ignorân-
cia evoca a vida e por ela se morre, 20) o que se tem ao longo dos três
tempos do passado, do presente e do futuro é indolência.

Oh grande Rei! Os mortais comuns devem sempre meditar sobre essas


vinte coisas. Tendo meditado assim, a pessoa não virá mais a desejar
nascimento e morte. Se nenhum desejo existe de nascimento e morte,
ganhar-se-á o samatha-vipasyana [tranqüilidade e introspecção]. Então,
de uma maneira ordenada, a pessoa meditará sobre o que se obtém em
relação ao nascimento, vida e extinção. Assim, ela segue com o dhyana,
sabedoria, esforços e preceitos (shila). Tendo meditado sobre o nasci-
mento, vida e extinção; se vem a saber o que se obtém com a mente
sujeita aos preceitos morais. Abstendo-se do mal até o fim, não pode
haver medo da morte ou dos três reinos do infortúnio. Qualquer pessoa
cuja mente não está atenta para essas 20 coisas possui uma mente in-
dolente, e não haverá fim do mal que ainda não está feito.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 276


Ajatasatru disse: “Até aqui eu não apreendi os significados dessas 20
coisas que o Buda me expôs. Por isso, cometi muitas más ações. Como
cometi muitas más ações, tenho receio da morte e dos três reinos do
infortúnio. Oh Honrado pelo Mundo! Só posso culpar a mim mesmo; eu
mesmo provoquei esse sofrimento e sou responsável por todos esses
graves pecados. Embora meu pai, o Rei, fosse totalmente inocente,
cometi atos mortais contra ele. Quer eu medite ou não sobre todas
essas coisas, estou certo de que o Inferno Avichi me aguarda.”

O Buda disse ao grande Rei: “Todas as coisas que existem, e suas carac-
terísticas, não são eternas; não há nada que seja imutável. Oh Rei! Co-
mo você pode dizer que irá definitivamente para o Inferno Avichi?”

O Rei Ajatasatru disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se todas as


coisas não têm um estado imutável, então os pecados que eu cometi
não podem ser imutáveis também. Por outro lado, se matar é definitivo,
não pode haver qualquer declaração de que todas as coisas não são
imutáveis.

O Buda disse: “Oh grande Rei! Bem falado, bem falado! O Buda-Todo-
Honrado-pelo-Mundo diz: ‘Todas as coisas não possuem um aspecto
definitivo’. Você, Rei, sabe bem que matar também não é definitivo. Por
essa razão, saiba que na ação de matar, também, não há nada que seja
definitivo. Você diz que seu pai era inocente e você o matou. Quem é
seu pai? Apenas um homem (ser) provisório composto dos cinco skan-
dhas, para o qual você descuidadamente acalentou a noção de ‘pai’. Em
qual das 12 esferas e 18 reinos se encontra seu pai? Se a matéria [‘ru-
pa’] é pai, os outros quatro skandhas devem ser falsos. Não pode haver
nada tal como matéria ou não-matéria que possa combinar-se e resul-
tar um pai. Por que não? Porque não pode haver nada, por natureza,
que possa ser chamado matéria ou não-matéria.

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 277


Oh grande Rei! Os mortais comuns e todos os seres descuidadamente
acalentam a noção de pai no skandha-matéria. Esse skandha-matéria
não pode ser ferido (prejudicado). Por que não? Há dez tipos de matéria
(rupa). Dessas dez, somente uma é vista, pega, valorada, pesada, carre-
gada e confinada. Embora possamos ver e confinar, não há natureza
que sustente [essa matéria]. [Como é] não-permanente, não podemos
ver, segurar, valorar, pesar, carregar ou confinar (os outros nove tipos).
Isto é o que a matéria (rupa) é. Como podemos matá-la? Se esta maté-
ria (ordinária) é seu pai e está sujeita a ser ferida, e se estamos (por
isso) a colher os frutos cármicos, os outros nove (tipos de matéria) de-
vem ser falsos. Se os nove tipos remanescentes são falsos, não se pode
falar de pecado. Oh grande Rei! Existem três tipos de rupa. Esses são do
passado, do presente e do futuro. Não podemos prejudicar (ferir) aque-
les do passado e do presente. Por que não? O passado já passou; quan-
to ao presente, todas as coisas morrem momento após momento.
Quanto ao que surgirá no tempo futuro, as coisas podem ser controla-
das, de modo a não surgirem. Isto é matar. Dessa forma, a matéria or-
dinária pode ser ou não ser morta. Como existem dois casos de ser ou
não ser morta, podemos dizer que nada é determinado. Se a matéria
não é imutável (ou seja, é indeterminada), matar também é indetermi-
nado. Uma vez que matar não é determinado, a conseqüência cármica
também não é determinada. Como você pode dizer que cairá no infer-
no?

Oh grande Rei! Há dois tipos de retribuições cármicas para aquilo que


os seres fazem. Um é leve e o outro é grave. O que diz respeito ao pen-
samento e à boca é leve; o que é feito pelo corpo, boca e pensamento é
grave. O que é concebido em pensamento e falado pela boca, mas que
não é feito, é leve no carma. Oh grande Rei! Você, em tempos passados,
não disse ‘Mate!’; você somente disse ‘Corte as pernas!’ Se você tivesse
dito aos seus assistentes para decapitar o seu pai enquanto ele estava
de pé, e se ele fosse decapitado enquanto sentado, você não teria con-
traído pecado. Contrariamente a isto, você não mandou assim. Como

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 278


você pode ter pecado? Se é o caso que você pecou, então Todos-os-
Budas-Honrados-pelo-Mundo, também, devem ter pecado. Por que é
assim? Seu pai, o Rei Bimbisara, plantou previamente todas as semen-
tes do bem. Como resultado, ele tornou-se apto a ascender ao trono.
Não tivessem os Budas-Honrados-pelo-Mundo aceitado os oferecimen-
tos feitos, ele não poderia ter se tornado rei. Se ele não tivesse se tor-
nado rei, você não poderia ter conspirado contra o estado e lhe causado
danos. Se é o caso que você matou seu pai e cometeu um crime, todos
nós Budas devemos ter pecados para responder. Se Todos-os-Budas-
Honrados-pelo-Mundo não têm pecado, como poderia ser que você
sozinho devesse ter pecado?

A Sina de Bimbisara

Oh grande Rei! Bimbisara (o pai do Rei Ajatasatru) certa vez caiu num
mau estado mental e saiu para caçar na Montanha Vipula. Ele vagou
por toda a selva, mas não encontrou caça. Ele viu um Rishi que era do-
tado com os cinco poderes divinos. Vendo-o, a ira e os pensamentos
distorcidos surgiram em sua mente; ele pensou que a razão de não con-
seguir caça vinha do fato de que o Rishi poderia ter causado a fuga dos
animais de caça. Ele disse aos seus assistentes para matar o Rishi. O
Rishi, quando estava para dar o seu último suspiro, caiu num mau esta-
do mental. Ele perdeu os seus poderes divinos e fez um juramento: ‘Eu
sou realmente inocente. Mas você, através da sua boca, impiedosamen-
te levou a cabo o ato de matar. Na vida que virá – como você fez – cau-
sar-lhe-ei a morte através da minha boca’. Então o rei, ouvindo isso,
arrependeu-se. Ele cremou o corpo morto com oferecimentos. Assim se
deu com o ex-rei. A conseqüência cármica foi leve, e ele não caiu no
inferno. Em contraste com isso, você nada fez desse gênero, assim,
como você poderia sofrer no inferno? O ex-rei fez a coisa em si e teve
que pagar por ela. Como poderia você dizer, Rei, que você fez a matan-
ça e que você tem que sofrer? Você diz que seu pai era inocente. Como

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 279


poderia você dizer que ele era inocente? Ora, uma pessoa que pecou
tem que sofrer por aquilo que ela fez. Uma pessoa que não pecou não
tem que sofrer pelas retribuições cármicas. Se o seu falecido pai, o rei,
não tivesse cometido pecado, como poderia haver qualquer retribuição
cármica? Bimbisara adquiriu boas e más retribuições cármicas em sua
vida. Em razão disto, nada era determinado com o rei falecido. Sendo
indeterminado, o assassínio também era indeterminado. O assassínio
sendo indeterminado, como pode você dizer que terá que cair no infer-
no?

Oh grande Rei! Quanto à mácula da demência nos seres, existem quatro


tipos. Eles são: 1) a demência da cobiça, 2) a demência das drogas, 3) a
demência por encantamento, e 4) a demência do carma original. Oh
grande Rei! Há esses quatro tipos de demência em meio aos meus dis-
cípulos. Eles fazem muitas coisas más, e ainda assim eu não as chamo
de violação dos shila [preceitos morais]. Aquilo que é feito por essas
pessoas (nesses estados mentais) não conduz aos três reinos do infor-
túnio. Mesmo quando recobram um estado mental sano, não falamos
de terem violado [os preceitos]. Você, Rei, encontrava-se num estado
mental ganancioso e cometeu essa ofensa. Isto é o que a demência da
cobiça fez. Como podemos chamar isto de pecado? Oh grande Rei! Uma
pessoa toma uma bebida, torna-se intoxicada e mata a sua própria mãe.
Uma vez que a intoxicação tenha passado, ela se arrepende. Saiba que
essa ação também não evoca retribuições cármicas. Oh Rei! A intoxica-
ção da cobiça não é a ação de uma mente sã. Se não é de uma mente
sã, como se pode contrair o pecado? Ora, um ilusionista numa encruzi-
lhada apresenta várias formas de homens, mulheres, elefantes, cavalos,
guirlandas, roupas, etc. O ignorante acha que isso é real, enquanto o
sábio sabe que tudo aquilo não é verdadeiro. O mesmo se passa com a
matança. O mortal comum acha que ela é verdadeira, mas o Buda-
Todo-Honrado-pelo-Mundo sabe que ela não é verdadeira. Oh Rei! O
ignorante acha que um eco é verdadeiro, mas o sábio sabe que não é.
Oh grande Rei! Um pensamento de vingança surge, mas apresenta-se

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 280


com a aparência de cordialidade. O ignorante acha isso verdadeiro, mas
o sábio vê através dele e reconhece que ele é falso. É o mesmo com a
matança. O mortal comum diz que ela é verdadeira, enquanto o Buda-
Todo-Honrado-pelo-Mundo sabe que ela não é verdadeira. Oh grande
Rei! Alguém pega um espelho e olha nele. O ignorante diz que aquilo
[no espelho] é uma face verdadeira, mas o sábio vê através dele e diz
que isto não é algo verdadeiro. É o mesmo com a matança. O mortal
comum diz que ela é verdadeira, enquanto o Buda-Todo-Honrado-pelo-
Mundo sabe que ela não é verdadeira. O ignorante vê uma miragem no
deserto e a chama de água, mas o sábio vê através dela e sabe que ela
não é água. O mesmo é o caso com a matança. O mortal comum a cha-
ma de verdadeira, enquanto o Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo sabe
que ela não é verdadeira. Oh grande Rei! O mortal comum chama um
castelo de gandharvas de verdadeiro, enquanto o sábio vê através dele
e sabe que não é verdadeiro. É o mesmo com a matança. O mortal co-
mum a chama de verdadeira, mas o Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo
sabe que ela não é verdadeira. Oh grande Rei! Nos sonhos, desfruta-se
da bem-aventurança dos cinco desejos. O ignorante chama-os de ver-
dadeiros, mas o sábio vê através deles (sonhos) e reconhece-os, e sabe
que eles não são verdadeiros. O caso é o mesmo com a matança. O
mortal diz que ela é verdadeira, mas o Buda-Todo-Honrado-pelo-
Mundo sabe que ela não é verdadeira. Oh grande Rei! Sei tudo sobre a
matança, o ato de matar, o assassino, as retribuições cármicas da ma-
tança, e emancipação. Isso quer dizer que não há pecado (em seu caso).
Oh Rei! Você pode saber da matança, mas como pode haver algum pe-
cado? Oh grande Rei! Por exemplo, pode-se saber como servir vinho,
mas se não tomá-lo, não ficará intoxicado. Também, o conhecimento do
fogo não queima. É o mesmo com você, Rei. O conhecimento da matan-
ça não representa qualquer pecado. Oh grande Rei! Os seres, ao nascer
do sol, cometem vários pecados, e ao nascer da lua cometem roubos,
mas eles não cometem quaisquer atos pecaminosos quando não há sol
ou lua. O sol e a lua permitem-lhes cometer crimes. Mas o sol e a lua de

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 281


fato não cometem quaisquer ações pecaminosas. É o mesmo com a
matança. Você, Rei, era o veículo, mas não tem pecado.

Oh grande Rei! Você sempre dá ordens no seu palácio real para matar
carneiros. E você não tem nenhum temor em seu pensamento. Como é
que você alimentou um temor somente quando você (ordenou) matar
seu pai? Dizemos ‘respeitável’ ou ‘desprezível’, respectivamente, entre
um humano ou um animal. Mas ambos igualmente amam a vida e te-
mem a morte. Nisto não há diferença. Por que é que seu pensamento
era leve quando matava carneiros e tornou-se grandemente pesaroso
quando você matou seu pai? Oh grande Rei! O humano é um serviçal do
desejo, e não é livre. Guiada pelo desejo, uma pessoa comete o ato de
matar. Não pode haver retribuição cármica. Mas o ‘desejo’ [‘ansiedade’
- ‘trishna’] deve responder [é responsável]. Você, Rei, sente-se oprimi-
do. Mas, de quem é a culpa?

Oh grande Rei! Por exemplo, Nirvana não é ‘é’ e não é um ‘não-é’. No


entanto, é um ‘é’. O mesmo se aplica à matança. Embora não seja um
‘é’ e nem um ‘não-é’, no entanto, é um ‘é’. É um ‘não-é’ com a pessoa
que se arrepende; é um ‘não-não-é’ com a pessoa que não sente arre-
pendimento. Aquele que colhe conseqüências cármicas chama isto de
‘é’; aquele que vê o ‘vazio’ a considera como ‘não-é’. Para aquele que se
apega à visão-mundana do ‘é’, ela é ‘não-não-é’; e para aquele que se
baseia na teoria do ‘é-é’, ela é ‘é’. Por quê? Porque uma pessoa desta
visão de mundo colhe resultados cármicos. Uma pessoa que acolhe a
visão de mundo que não existe ‘é’, não colhe resultados cármicos. Para
uma pessoa que se apega à visão de mundo da unicidade eterna da
existência do ‘é’, ela é ‘não-é’. Para uma pessoa que se apega à ‘teoria-
da-unicidade-não-eterna’, ela é ‘não-não-é’. Para uma pessoa da ‘teori-
a-do-eterno-eterno’, ela não pode ser ‘não-é’. Por que não? Porque
uma pessoa dessa ‘teoria-do-eterno-eterno’ colhe um mau carma. Por-
tanto, para uma pessoa dessa ‘teoria-do-eterno-eterno’, ela não pode
ser ‘não-é’. Por essa razão, ‘não-é’ e ‘não-não-é’ são ‘é’. Oh grande Rei!

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 282


Ora, os seres falam de um ‘exalar-inalar ar’. Quando acabamos com a
exalação e inalação do ar, ocorre a morte. Todos os Budas seguem o
modo de vida dos leigos e dizem que existe ‘matança’.

Oh grande Rei! A matéria [‘rupa’] é não-eterna; as relações causais da


matéria também são não-eternas. Como poderia a matéria, que surge
de uma causa impermanente, ser eterna? Isto se aplica até a consciên-
cia (passando pelos cinco skandhas – matéria/forma, sensações, per-
cepções, formações mentais e consciência), que é não-eterna, e cujas
relações causais também são não-eternas. Como poderia a consciência,
que surge de uma causação impermanente, ser eterna? ‘Devido à im-
permanência, surge o sofrimento; devido ao sofrimento, o que existe é
vazio; devido ao vazio, o que existe é não-Eu. Se existem impermanên-
cia, sofrimento, vazio e não-Eu, o que se mata? Se a impermanência é
morta, o que existe é Nirvana Eterno. Se o sofrimento é morto, ganha-
se o Êxtase; se o Vazio é morto, ganha-se o Real. Se o não-Eu é morto,
ganha-se o Verdadeiro Eu. Oh grande Rei! Se a Impermanência, o So-
frimento, o Vazio, e o não-Eu são mortos, você deve ser igual a mim’.
Eu, também, matei a Impermanenência, o Sofrimento, o Vazio, e o não-
Eu, e não estou no inferno. Como poderia você cair no Inferno?”

Então, o Rei Ajatasatru meditou, conforme dito pelo Buda, desde a ma-
téria até a consciência. Tendo assim meditado, ele disse ao Buda: “Oh
Honrado pelo Mundo! Pela primeira vez venho a conhecer o fato de que
desde a matéria até a consciência (os skandhas) são não-eternos. Se eu
meditasse assim, não poderia ter pecado. Em tempos passados, ouvi
uma pessoa dizer que o Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo sempre se
torna o pai de todos os seres. Embora tenha ouvido assim, eu não pode-
ria ter certeza. Agora, definitivamente, eu sei. Oh Honrado pelo Mundo!
Eu também ouvi que o rei das montanhas, o Monte Sumeru, é feito dos
quatro tesouros: ouro, prata, vaidurya (talvez lápis-lazúli ou berílio) e
sphatika (cristal de quartzo); e também que todos os pássaros mudam a
sua cor, de acordo com a cor do lugar onde vão. Embora tenha ouvido

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 283


assim, eu não poderia ter certeza. Como agora eu vim ao Monte Sume-
ru, estou da mesma cor (do Monte Sumeru). Dizer que estou da mesma
cor significa dizer que todas as coisas são não-eternas: sofrimento, vazio
e não-Eu. Oh Honrado pelo Mundo! Observo que, no mundo, a eranda
[recinus communis] vem da semente da eranda, mas que o sândalo não
vem da eranda. Pela primeira vez agora vejo que o sândalo vem da se-
mente de eranda. A semente de eranda é nada mais do que eu mesmo.
O sândalo é a fé que não tem raízes na minha mente. Eu digo ‘sem raí-
zes’. Isto quer dizer que eu primeiro não sabia como respeitar o Tatha-
gata, que eu não acreditava no Dharma e na Sangha. Isto é o que eu
chamo de ‘sem raízes’. Oh Honrado pelo Mundo! Se eu não me encon-
trasse com você, o Tathagata-Honrado-pelo-Mundo, eu teria que viver
por inumeráveis asamkhyas de kalpas num grande inferno, sofrendo lá
infinitas dores. Sou um afortunado por ter encontrado com você, o Ta-
thagata. Através da virtude de ter visto o Buda, agora posso extirpar
todas as impurezas e os maus estados mentais.”

O Buda disse: “Oh grande Rei! Bem falado, bem falado! Agora sei que
você certamente destruirá o mau estado da mente dos seres.”

(O rei disse): “Oh Honrado pelo Mundo! Se eu pudesse destruir o mau


estado da mente dos seres, eu bem que poderia cair no Inferno Avichi e
sofrer grandes dores lá por inumeráveis kalpas, e não as sentiria como
dores.”

E as inumeráveis pessoas do estado de Magadha aspiraram ao Insupe-


rável Bodhi. E quando todas aquelas pessoas aspiraram ao Ideal Supre-
mo, todos os graves pecados do Rei Ajatasatru tornaram-se leves. E o
rei, a consorte real, as damas do harém, e as damas da corte aspiraram
ao Insuperável Bodhi.

Então, o Rei Ajatasatru falou para Jivaka: “Oh Jivaka! Eu ainda não estou
morto, e ainda tenho um corpo celestial. Descartando uma vida breve,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 284


ganhei uma longa vida, e fiz com que todos os seres aspirassem ao In-
superável Bodhi. Isso quer dizer que este é o corpo celestial, de longa
vida, o corpo eterno, e um discípulo de todos os Budas.”

Assim dizendo, ele ofereceu ao Buda vários estandartes cravejados de


gemas preciosas, bandeiras e parassóis, incenso, flores, guirlandas, mú-
sicas maravilhosas, e falou em louvor ao Buda num gatha:

“As verdadeiras palavras são delicadamente colocadas


em sentenças todas habilmente tecidas.
O repositório secreto do profundo significado
é aberto para o benefício de todos os seres.
As implicações são grandes e extensivas,
mas ditas de maneira simples, para o benefício dos seres.

Perfeito em todas essas palavras


ele cura completamente os seres.
Qualquer ser abençoado com a audição dessas palavras
certamente virá a saber,
quer acredite ou não,
que tudo isto é o sermão do Buda.

Todos os Budas, sempre com palavras ternas


Para o benefício dos seres expõem o que é vulgar (inferior).
As palavras ditas terna ou rispidamente,
todas se transformam em ‘Paramartha-satya’ [Realidade Última].
Este é o porquê agora tomo refúgio no Honrado pelo Mundo.
Assim como a água do grande oceano,
é aquilo que o Tathagata utiliza.
Este é o significado mais importante.

Em razão disso,
não há palavras que sejam sem significado.

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 285


As várias e inumeráveis coisas
sobre as quais o Tathagata fala,
agora são ouvidas pelos seres,
homens e mulheres, grandes e pequenos,
todos os quais igualmente chegam à ‘Paramartha-satya’.
Não-causalidade, não-efetividade, não-nascimento e não-extinção
são todas chamadas Grande Nirvana.
E aqueles que ouvem destroem todas as retribuições cármicas.

O Tathagata torna-se o pai e mãe compassivo para todos os seres.


Saiba que todos os seres são filhos do Tathagata.
O Honrado pelo Mundo, sendo compassivo,
praticou penitência para o benefício dos seres.
O humano parece sempre capturado por demônios ou perdido na lou-
cura.
Eu agora vejo o Buda e estou abençoado
com o bem das três ações [isto é, do corpo, da boca e da mente].
Rogo para que transfira esse mérito ao longo da Via Insuperável.

Eu agora faço oferecimentos ao Buda, ao Dharma e à Sangha,


e rogo para que os Três Tesouros existam sempre no mundo.
Os méritos que obterei esmagarão completamente os quatro Maras de
todos os seres.
Fiz amizade com os maus,
e não havia um fim para os pecados que aconteceram nos Três Tempos.
Agora me arrependo diante do Buda,
e rogo para que eu não cometa mais pecados nos dias que virão.
Rogo para que todos os seres aspirem ao Bodhi,
e sempre pensem em todos os Budas das dez direções.
Rogo para que todos os seres
destruam eternamente as impurezas e que,
como Manjushri,
vejam claramente a Natureza-de-Buda.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 286


Então o Honrado pelo Mundo elogiou o Rei Ajatasatru: “Bem falado,
bem falado! Se alguém aspira ao Bodhi, saiba que isto adorna todos os
Budas e as massas. Oh grande Rei! Você, certa vez no passado, no lugar
do Buda Vipasyin, aspirou ao Bodhi e sempre, desde então, até a ocasi-
ão em que eu apareci no mundo, você nunca sofreu as dores do infer-
no. Oh grande Rei! Saiba que o Bodhichitta [decisão de alcançar a Ilu-
minação] gera inumeráveis efeitos cármicos. Oh grande Rei! De agora
em diante, sempre cultive o Bodhichitta. Por quê? Através disto, você
pode acabar completamente com um incontável número de pecados.”

Então o Rei Ajatasatru e todo o povo do estado de Magadha levanta-


ram-se dos seus assentos, circundaram o Buda por três vezes, recuaram
e retornaram para o palácio.

Nota: (Agora, o que diz respeito ao Capítulo sobre Ações Celestiais é


como estabelecido no Sutra Gandavyuha).

Capítulo 25 – Sobre Ações Puras 5 Página 287


Capítulo Vinte e Seis: Sobre a Ação da Criança

As Cinco Ações da Criança

“Oh bom homem! Por que falamos da ‘ação de uma criança’. Oh bom
homem! Uma criança não pode se colocar de pé, permanecer, ir e vir,
ou falar. Essa é a condição de uma criança. É o mesmo com o Tathagata.
Dizemos ‘incapaz de se colocar de pé’. O Tathagata não suscita qualquer
aspecto de uma coisa. Dizemos ‘incapaz de permanecer’. O Tathagata
não adere a qualquer coisa. Dizemos ‘incapaz de vir’. Na ação do corpo
do Tathagata não há nenhuma agitação. Dizemos ‘incapaz de ir’. O Ta-
thagata já entrou no Grande Nirvana. Dizemos ‘incapaz de falar’. Ele
conversa, mas não fala. Por que não? Se falasse, isso seria algo da cate-
goria dos (seres) criados. O Tathagata é um Não-Criado. Portanto, ele
não fala. Também, dizemos ‘sem palavras’. Aquilo que uma criança diz
não pode ser bem compreendido. Embora existam palavras, elas (as
crianças) são quase sem palavras. O caso é o mesmo com o Tathagata.
A palavra que não é clara é a palavra secreta de todos os Budas. Embora
pronunciada, os seres não as compreendem. Isto é o que chamamos
‘sem palavras’.

E também, com uma criança, o nome e a coisa não são unos. Embora a
criança não conheça a palavra correta, não é o caso que ela não possa
conhecer as coisas. É o mesmo com o Tathagata. Todos os seres diferem
uns dos outros. O que eles dizem é o mesmo. O Tathagata promulga
(meios) expedientes e fala. E através disto, ele faz com que as pessoas
compreendam. Também, uma criança fala de uma grande letra. O
mesmo é o caso com o Tathagata. Ele fala de uma grande palavra. Isto é
‘vaba’. ‘Va’ [isto é, a quadragésima-segunda letra do alfabeto sânscrito]
corresponde ao ‘criado’, e ‘ba’ [isto é, a trigésima-sexta letra do alfabe-
to sânscrito] ao ‘não-criado’. Isto é a criança. ‘Va’ é ‘não-eterno’, e ‘ba’

Capítulo 26 – Sobre Ação da Criança Página 289


é ‘eterno’. Os seres ouvem isto e o tomam como eterno. Isto é a ação
da criança.

Também, a criança não conhece sofrimento ou felicidade, dia ou noite,


pai ou mãe. É o mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva. Para o benefí-
cio dos seres, ele não vê sofrimento ou felicidade. Não há diferença
entre dia e noite. Seu pensamento é igual com relação a todos os seres.
Assim, não há distinção de pai ou mãe, amigável ou não amigável.

Também, uma criança não pode criar grandes ou pequenas coisas. É o


mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva. Também, ele não cria o nasci-
mento ou a morte. Isto é não-criação. ‘Grandes coisas’ referem-se aos
cinco pecados mortais. ‘Pequenas coisas’ referem-se ao pensamento
(mentalidade) dos dois veículos. O Bodhisattva, até o fim, não recua do
Bodhichitta e cria os veículos do Sravaka e do Pratyekabuda.

Também, dizemos ‘ação da criança’. Quando uma criança soluça e cho-


ra, os pais pegam uma folha amarela do salgueiro amargo e dizem para
a criança: ‘Não chore, não chore! Agora lhe darei um pouco de ouro!’ A
criança vê isto, pensa que é ouro verdadeiro, e para de chorar. Mas essa
folha amarela na verdade não é ouro. A criança vê vacas, cavalos, ho-
mens e mulheres de madeira, e pensa que são homens, mulheres, etc.,
e para de chorar. Mas, para dizer a verdade, não são homens ou mulhe-
res. Como ela pensa assim sobre homens e mulheres, dizemos ‘criança’.
É o mesmo com o Tathagata. Se os seres estão prestes a cometer más
ações, o Tathagata fala sobre o Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro, retidão,
e do gozo da liberdade no Céu Trayastrimsa, os prazeres dos cinco dese-
jos que se tem lá em belos palácios, sobre tudo o que se obtém lá, e
que nada mais são do que prazeres dos seis sentidos orgânicos. Os se-
res, ouvindo sobre todos os prazeres que se obtém lá, param de fazer as
maldades de uma mente gananciosa, para desfrutar da felicidade e
fazer o bem que lhes valerá o Céu Trayastrimsa. Mas na verdade, lá [no
Céu Trayastrimsa] existe nascimento e morte, impermanência, não-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 290


felicidade, não-Eu e não-pureza. Para conduzir os seres, ele coloca em
prática um expediente e fala de ‘Eterno, Êxtase, Eu, e o Puro’.

Também, dizemos ‘criança’. Se os seres abominam o nascimento e a


morte, o Tathagata fala dos dois veículos. Mas, na verdade, não há dois
veículos. Através dos ‘dois veículos’, vê-se as maldades do nascimento e
da morte, e se vem a ver a felicidade do Nirvana. Vendo isto, não há
segregação e não-segregação, o verdadeiro e não-verdadeiro, prática e
não-prática, e ganho e não-ganho.

Oh bom homem! Assim como uma criança pensa ser ouro com relação
ao que não é ouro, assim se estabelecem as coisas com o Tathagata. Em
relação ao impuro, ele fala do puro. Como o Tathagata é ‘Paramartha-
satya’ (Realidade última) em si, não há nada falso aqui como no caso da
criança que pensa que aquilo que não é uma vaca ou cavalo é uma vaca
ou cavalo. Se os seres concebem a verdadeira Via naquilo que não é a
Via, o Tathagata também falará sobre essa não-Via e a transformará na
‘Via’. Para falar a verdade, na não-Via não existe Via. Somente porque
existe um mínimo de relações causais, ele fala da não-via e diz que ela é
a Via. Isso é como com a criança que pensa que homens e mulheres de
madeira são homens e mulheres de verdade. É o mesmo com o Tatha-
gata. Sabendo que não é um ser, ele fala de um ser. Mas para dizer a
verdade, não pode haver idéia de um ser. Se o Buda-Tathagata diz que
não há nenhum ser, todos os seres podem adquirir uma visão errônea.
Por essa razão, o Tathagata diz que seres existem. A pessoa que alimen-
ta a idéia de um ser em um ser não pode destruir a idéia de um ser.
Qualquer ser que destrua a idéia de um ser ganha o Grande Nirvana.
Quando alguém obtém assim o Nirvana, para de chorar. Isso é a ação de
uma criança. Oh bom homem! Se qualquer homem ou mulher mantém
em observância essas cinco ações, lê, escreve, copia e as expõem, essa
pessoa infalivelmente ganhará as cinco ações.”

Capítulo 26 – Sobre Ação da Criança Página 291


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Ago-
ra vejo o que o Buda diz. Isto significa que infalivelmente ganharei as
cinco ações.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não é que você sozinho ganhará as
cinco ações. Todos aqueles congregados aqui, que são 930.000 em nú-
mero, igualmente também ganharão as cinco ações.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 292


Índice do Tomo II

CAPÍTULO DEZENOVE: SOBRE AÇÕES SAGRADAS 1 ......................................... 3

CONTRA QUEM LUTA O BODHISATTVA ..................................................................... 4


MEDITANDO SOBRE CORES .................................................................................. 11
O GRANDE REI SENYO ......................................................................................... 14
OS OITO MODOS DE SOFRIMENTO ........................................................................ 17
NASCIMENTO E ENVELHECIMENTO ......................................................................... 17
AS DOENÇAS ..................................................................................................... 17
A MORTE ......................................................................................................... 18
A SEPARAÇÃO DAQUILO QUE SE AMA..................................................................... 19
O ENCONTRO COM AQUILO QUE SE ODEIA ............................................................. 19
NÃO SER CAPAZ DE OBTER O QUE SE DESEJA........................................................... 20
O DESEJO ARDENTE DOS CINCO SKANDHAS ............................................................. 20
A PARÁBOLA DAS IRMÃS INSEPARÁVEIS .................................................................. 21
O VENDEDOR DE COMIDA .................................................................................... 23
O SOFRIMENTO DO ENVELHECIMENTO ................................................................... 24
O SOFRIMENTO DA DOENÇA................................................................................. 27
O SOFRIMENTO DA MORTE .................................................................................. 29
O SOFRIMENTO DA SEPARAÇÃO DAQUILO QUE SE AMA............................................. 32
O SOFRIMENTO DO ENCONTRO COM AQUILO QUE SE ODEIA ...................................... 39
O SOFRIMENTO DE NÃO SER CAPAZ DE OBTER O QUE SE DESEJA ................................ 40
O SOFRIMENTO É REAL, A FELICIDADE NÃO ............................................................. 41

CAPÍTULO VINTE: SOBRE AÇÕES SAGRADAS 2 .............................................. 47

O DESEJO COMO UM DÉBITO A PAGAR ................................................................... 49


O DESEJO COMO UMA MULHER RAKSHASA ............................................................. 49
O DESEJO COMO UMA BELA FLOR ......................................................................... 50
O DESEJO COMO GULA ODIOSA............................................................................ 50
O DESEJO COMO UMA MULHER SENSUAL ............................................................... 50

Índice Página 293


O DESEJO COMO UMA SEMENTE DE MARUKA (GLICÍNIA) .......................................... 51
O DESEJO COMO UMA CARNE ESPONJOSA .............................................................. 51
O DESEJO COMO UMA TEMPESTADE...................................................................... 52
O DESEJO COMO UM COMETA ............................................................................. 52
OS CINCO DHARMAS SECULARES .......................................................................... 65
A VERDADE REAL ............................................................................................... 66
A TRANSITORIEDADE DA MENTE ........................................................................... 77
A TRANSITORIEDADE DA EXISTÊNCIA FÍSICA ............................................................. 79
O IMPRESUMÍVEL GIRO DA RODA DA LEI ................................................................ 85
AÇÕES SAGRADAS .............................................................................................. 89
AS VIRTUDES DO GRANDE NIRVANA ...................................................................... 92
O VOTO DE KASHYAPA ........................................................................................ 93
A ADMOESTAÇÃO DO SHAKRA DEVANAM INDRA...................................................... 96
A DOUTRINA DO TODO-VAZIO ............................................................................. 98

CAPÍTULO VINTE E UM: SOBRE AÇÕES PURAS 1 .......................................... 105

OS DOZE TIPOS DE ESCRITURAS DO DHARMA ........................................................ 105


O CONHECIMENTO DO TEMPO ........................................................................... 109
O RESPEITÁVEL E O DESPREZÍVEL (AS SETE BOAS LEIS) ............................................ 110
A SABEDORIA DA MENTE ILIMITADA .................................................................... 114
AMOR-BENEVOLENTE E COMPAIXÃO ................................................................... 115
O GRANDE AMOR-BENEVOLENTE ....................................................................... 118
A PRÁTICA DO AMOR-BENEVOLENTE ................................................................... 122
O CORAÇÃO DO BODHISATTVA ........................................................................... 125
O VOTO DO BODHISATTVA EM DOAÇÃO DE COMIDAS ............................................. 126
O VOTO DO BODHISATTVA EM DOAÇÃO DE BEBIDAS .............................................. 126
O VOTO DO BODHISATTVA EM DOAÇÃO DE VEÍCULOS ............................................ 127
O VOTO DO BODHISATTVA EM DOAÇÃO DE ROUPAS .............................................. 128
O VOTO DO BODHISATTVA EM DOAÇÃO DE FLORES E INCENSOS ............................... 128
O VOTO DO BODHISATTVA EM DOAÇÃO DE ROUPAS DE CAMA ................................. 130
O VOTO DO BODHISATTVA EM DOAÇÃO DE CASAS ................................................. 131
O VOTO DO BODHISATTVA EM DOAÇÃO DE LÂMPADAS (VELAS) ............................... 132

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 294


O MEDO E A FELICIDADE.................................................................................... 137
ELEFANTES ENFURECIDOS................................................................................... 137
A ESPERA DO SHRAMANA GAUTAMA ................................................................... 139
A CRIANÇA DE VASISTHA.................................................................................... 141
NAMO BUDDHAYA! BENEFÍCIOS EQUÂNIMES......................................................... 141

CAPÍTULO VINTE E DOIS: SOBRE AÇÕES PURAS 2........................................ 145

A PRÁTICA DOS PARAMITAS................................................................................ 149


MEDITANDO SOBRE O VAZIO .............................................................................. 157
O QUE O BODHISATTVA VÊ E SABE ...................................................................... 162
RETRIBUIÇÕES CÁRMICAS NA VIDA PRESENTE ........................................................ 163
A QUÁDRUPLA SABEDORIA SEM-OBSTRUÇÕES ....................................................... 165
O CATIVEIRO DO APEGO .................................................................................... 167
AS OBSTRUÇÕES DOS DOIS VEÍCULOS ................................................................... 170
O PORQUÊ PROTEGER A MENTE ......................................................................... 182
OS DOIS TIPOS DE VISÃO ................................................................................... 182

CAPÍTULO VINTE E TRÊS: SOBRE AÇÕES PURAS 3 ........................................ 185

O SAMADHI IMUTÁVEL ...................................................................................... 187


O ESPELHO DOS PRECEITOS DE PUREZA ................................................................ 189
ALEGRIA E FELICIDADE ....................................................................................... 190
OS INIMIGOS DA VIA ......................................................................................... 192
O VERDADEIRO BOM MESTRE DA VIA .................................................................. 194
O MESTRE DO DHARMA .................................................................................... 194
TATHAGATA .................................................................................................... 195
MERECEDOR DAS OFERTAS................................................................................. 196
SAMYAKSAMBUDA ............................................................................................ 196
MYO-GYO-SOKU OU VIDYACARANA-SAMPANNA.................................................... 197
BEM-AVENTURADO .......................................................................................... 198
PLENO CONHECIMENTO E COMPREENSÃO DO MUNDO ............................................ 199
INSUPERÁVEL ................................................................................................... 200
MELHOR TREINADOR ........................................................................................ 200

Índice Página 295


MESTRE DE SERES CELESTIAIS E HUMANOS ........................................................... 201
BUDA ............................................................................................................ 203
LORD ............................................................................................................. 203
COMO O BODHISATTVA-MAHASATTVA PENSA SOBRE O BUDA.................................. 204
COMO O BODHISATTVA PENSA SOBRE O DHARMA ................................................. 205
COMO O BODHISATTVA PENSA SOBRE A SANGHA................................................... 207
COMO O BODHISATTVA PENSA SOBRE OS PRECEITOS .............................................. 207
COMO PENSAMOS SOBRE DANA ......................................................................... 208
O QUE PENSAMOS SOBRE O CÉU ........................................................................ 209
O INCONCEBÍVEL BODHISATTVA .......................................................................... 210
A DURAÇÃO DOS ENSINAMENTOS BUDISTAS ......................................................... 215
QUANDO O GRANDE NIRVANA É PREGADO ........................................................... 218
QUANDO O ENSINAMENTO SE TORNA EXTINTO ...................................................... 223

CAPÍTULO VINTE E QUATRO: SOBRE AÇÕES PURAS 4 .................................. 227

O SOFRIMENTO DO REI AJATASATRU ................................................................... 227


BAJULAÇÃO E MAUS CONSELHOS DE CANDRAYASAS ............................................... 228
BAJULAÇÃO E MAUS CONSELHOS DE REPOSITÓRIO-DE-VIRTUDES.............................. 229
BAJULAÇÃO E MAUS CONSELHOS DE GANHO (PRIVILÉGIO)-REAL .............................. 231
BAJULAÇÃO E MAUS CONSELHOS DE SAPIENTE ...................................................... 234
BAJULAÇÃO E MAUS CONSELHOS DE VIRTUDE-AUSPICIOSA...................................... 236
BAJULAÇÃO E MAUS CONSELHOS DE DESTEMIDO ................................................... 240
RESPOSTA AO DOUTOR JIVAKA ........................................................................... 242
ZAN-GI .......................................................................................................... 245
OS DOIS TIPOS DE RIQUEZA ............................................................................... 246
O CONSELHO DO DOUTOR JIVAKA ....................................................................... 247

CAPÍTULO VINTE E CINCO: SOBRE AÇÕES PURAS 5...................................... 263

O SAMADHI DO LUAR ....................................................................................... 264


A PARÁBOLA DO BOM MÉDICO E O ICCHANTIKA .................................................... 268
O BOM AMIGO DA VIA ..................................................................................... 272
A MENTE IMUTÁVEL DO BUDA ........................................................................... 274

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 296


O ÂMAGO DO DHARMA MARAVILHOSO ............................................................... 275
A SINA DE BIMBISARA ....................................................................................... 279

CAPÍTULO VINTE E SEIS: SOBRE A AÇÃO DA CRIANÇA ................................. 289

AS CINCO AÇÕES DA CRIANÇA ............................................................................ 289

ÍNDICE DO TOMO II..................................................................................... 293

Índice Página 297


2010

Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO III – As Virtudes Sagradas

Tradução original para o Inglês de Kosho Yamamoto.


Editado e revisado por Dr. Tony Page
Tradução para português do Brasil por
Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo


Cristal Perfeito
08/10/2010
Copyright © 2009 por Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO III – As Virtudes Sagradas

Tradução original para o Inglês de Kosho Yamamoto.


Editado e revisado por Dr. Tony Page
Tradução para português do Brasil por
Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 2


Capítulo Vinte e Sete: Sobre o Bodhisattva
Rei Altamente-Virtuoso 1

Então o Buda disse ao Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Al-


tamente-Virtuoso: “Oh bom homem! Qualquer Bodhisattva-Mahasattva
que pratique esse Sutra do Grande Nirvana ganhará dez virtudes. Ele
não está no mesmo nível dos Sravakas e Pratyekabudas. Isto está para
além do conhecimento. Qualquer pessoa que ouça isto ficará surpresa.
Não está nem dentro e nem fora, nem é difícil nem fácil. Não é nem
expressão exterior nem não-expressão. Não é nem secular e nem existe
qualquer forma para representá-lo. Não é aquilo com o que se depara
no mundo.

Quais são as dez? O primeiro (grupo) contém cinco. Quais são as cinco?
1) Quem não tenha ouvido isto pode ouvi-lo bem, 2) tendo ouvido-o, há
o benefício, 3) erradica-se completamente a dúvida, 4) a mente da sa-
bedoria é reta e não tem curvas, 5) conhece-se o repositório hermeti-
camente-guardado do Tathagata. Essas são as cinco.

Ouvir o Inaudito

Como é que vamos ouvir o que não ouvimos? Isto se refere às profun-
dezas da doutrina hermeticamente-guardada. Todos os seres possuem
a Natureza-de-Buda. Não há nenhuma discriminação entre Buda,
Dharma e Sangha. A natureza e características dos Três Tesouros são o
Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro. Todos os Budas, até o final, não entram
no Nirvana, e são Eternos e Imutáveis. O Nirvana do Tathagata é: não ‘é’
e não ‘não-é’, não é algo que é criado e nem o que não é criado, nem
algo falho [impuro, corrompido] e nem algo sem-falhas [imaculado],
não é matéria e nem não-matéria, não é nome e nem não-nome, não é
fenômeno e nem não-fenômeno, não ‘é’ e nem ‘não-é’, não é substân-

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 3


cia e nem não-substância, não é causa e nem efeito, não é oposto e
nem não-oposto, não é brilho e nem escuridão, não é surgimento e
nem não-surgimento, não é eterno e nem não-eterno, não é ruptura e
nem não-ruptura, não é começo e nem não-começo, nem passado, nem
futuro, e nem presente, nem skandha e nem não-skandha, nem esfera
[dos sentidos] e nem não-esfera, nem reino [dos sentidos] e nem não-
reino, nem doze elos do surgimento interdependente e nem não-doze
elos do surgimento interdependente. Todos esses itens categóricos são
de uma natureza profunda e bela na implicação. Pode-se ouvir o que
não foi ouvido antes. Também, há ainda coisas que não encontram ou-
vidos, que são os sutras dos tirthikas; isto é, os quatro Vedas, os vyaka-
ranas, os sutras dos Vaisesikas e Kapilas, os trabalhos referentes aos
encantamentos, artes médicas, trabalhos das mãos (leitura), dos eclip-
ses do sol e da lua, mudanças nos ciclos das constelações (zodíaco),
livros e profecias. Em nenhum destes ouvimos nada do que é secreto.
Agora, chegamos a ver isto neste sutra. Também, existem os onze tipos
de sutras dos quais o Vaipulya é excluído. E não vemos coisas profundas
e secretas estabelecidas lá. Mas chegamos a conhecê-las a partir deste
sutra. Oh bom homem! Este é o porquê dizemos que ouvimos aquilo
que não ouvimos antes.

A Tocha da Sabedoria do Grande Nirvana

Dizemos que ganhamos benefícios quando o ouvimos. Se ouvirmos esse


Sutra do Grande Nirvana, passamos a conhecer tudo sobre as profunde-
zas daquilo que é dito em todos os Sutras Mahayana Vaipulya. Por e-
xemplo, isso é como um espelho no qual um homem ou uma mulher
pode ver claramente a cor e a forma. É o mesmo com o Sutra do Grande
Nirvana. O Bodhisattva o apanha e vê claramente através de todas as
profundezas das coisas estabelecidas nos Sutras Mahayana. Também, é
como alguém com uma grande tocha, que é capaz de ver tudo numa
sala escura. É o mesmo com a tocha do Sutra do Nirvana. O Bodhisattva

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 4


o apanha e alcança as profundezas daquilo que é dito nos Sutras Maha-
yana. Também, é como o sol. Quando ele aparece, milhares de raios de
luz resplandecem sobre montanhas e lugares sombrios, e os homens
podem ver claramente o que está muito longe e distante. É o mesmo
com a luz pura da Sabedoria desse Grande Nirvana. Ela resplandece
sobre todas as profundezas do Mahayana, possibilitando àqueles dos
dois veículos verem os ensinamentos Budistas. Como? Porque ouvem a
Doutrina Toda-Maravilhosa deste Sutra do Grande Nirvana.

O Dharma e o Seu Significado

Oh bom homem! Se o Bodhisattva-Mahasattva ouve esse Sutra do


Grande Nirvana, ele virá saber tudo sobre os nomes e letras de todas as
coisas. Se ele escreve, copia, recita e o expõe extensivamente aos ou-
tros, e pensa sobre o significado, ele conhecerá todos os significados de
todas as coisas. Oh bom homem! Alguém que ouve conhece apenas o
nome, mas não o que significa. Se alguém realmente escreve, copia,
defende, recita e explana-o amplamente para os outros, e pensa a res-
peito do significado, então esse alguém pode conhecer bem esse signi-
ficado. Também, além disso, oh bom homem! Alguém que escuta esse
sutra ouve que existe a Natureza-de-Buda, mas ele não pode vê-la fa-
cilmente. Mas se alguém de fato escreve, copia, recita e o expõe am-
plamente para os outros, e pensa cuidadosamente sobre o significado,
esse alguém pode vê-la bem (a Natureza-de-Buda). Uma pessoa que
escuta esse sutra ouve sobre dana, mas ainda não vê o danaparamita.
Se alguém de fato escreve, copia, recita, explana-o amplamente para os
outros e pensa sobre o significado, essa pessoa verá bem o danaparami-
ta. O mesmo se aplica ao prajnaparamita. Oh bom homem! Se o Bodhi-
sattva ouve bem esse Sutra do Grande Nirvana, ele virá conhecer o
Dharma e o seu significado; ele se tornará perfeito em duas desobstru-
ções (Sabedorias sem obstruções) e não terá medo de quaisquer Shra-
manas, Brahmanes, devas, Maras, Brahma, ou qualquer (ser) do mundo.

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 5


Ele exporá os 12 tipos de sutras. Não haverá nada que difira. Não se-
guindo e ouvindo os outros, ele realmente conhecerá e se aproximará
da Iluminação Insuperável.

A Erradicação das Dúvidas

Dizemos que a pessoa erradica as dúvidas. Das dúvidas, existem dois


tipos. Um é duvidar do nome e o outro é duvidar do significado. Uma
pessoa que ouve este sutra acaba com o pensamento que duvida do
nome; uma pessoa que reflete sobre o significado erradica o pensamen-
to que duvida do significado. Também, além disso, oh bom homem! Das
dúvidas, existem cinco tipos. Um é duvidar e questionar se o Buda re-
almente entra ou não no Nirvana. O segundo é duvidar se o Buda é
Eterno ou não. O terceiro é duvidar e questionar se o Buda é verdadeiro
Êxtase ou não. O quarto é duvidar se o Buda é verdadeiramente Puro
ou não. O quinto é duvidar e questionar se o Buda é o Verdadeiro Eu ou
não. Quando alguém ouve esse sutra, aparta-se eternamente dessas
cinco dúvidas. Também, além disso, existem três tipos de dúvidas. Pri-
meiro, duvida-se se existe o Sravaka ou não. Segundo, duvida-se se
existe o Pratyekabuda ou não. Terceiro, duvida-se se existe o Veículo do
Buda ou não. Qualquer pessoa que ouça esse sutra extirpa eternamente
essas três dúvidas, e nenhuma dúvida permanece. Se alguém escreve,
copia, recita e explana-o amplamente para os outros, e reflete sobre o
significado, vem a perceber que todos os seres possuem a Natureza-de-
Buda.

Também, além disso, oh bom homem! Qualquer pessoa que não ouça
esse Sutra do Grande Nirvana terá muitas dúvidas com relação a: eter-
no ou não-eterno, êxtase ou não-êxtase, puro ou não-puro, Eu ou não-
Eu, vida ou não-vida, ser ou não-ser, ultimado ou não-ultimado, o outro
mundo ou o mundo passado, é ou não-é, sofrimento ou não-
sofrimento, causa do sofrimento ou não-causa do sofrimento, Via ou

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 6


não-Via, extinção ou não-extinção, Dharma ou não-Dharma, bom ou
não-bom, Vazio ou não-Vazio. Qualquer pessoa que ouça esse sutra
acabará eternamente com essas dúvidas.

Também, além disso, oh bom homem! Qualquer pessoa que não ouça
esse sutra terá várias dúvidas, tais como se: A matéria é o Eu? Senti-
mento, percepção, volição ou consciência são o Eu? Os olhos realmente
vêem? O eu realmente vê, assim por diante..., até: A consciência real-
mente sabe? O Eu realmente sabe? A matéria realmente sofre pelas
retribuições cármicas, assim por diante..., até: A consciência sofre pelas
retribuições cármicas? O Eu sofre pelas retribuições cármicas? A maté-
ria vai para o outro mundo? O Eu vai para o outro mundo, assim por
diante..., até: A consciência vai para o outro mundo? E coisas como: A
lei do nascimento e da morte tem início e fim? Ela não tem início e fim?
Qualquer pessoa que ouça esse sutra acabará eternamente com esses
tipos de dúvidas. Ou pode haver uma pessoa que alimente dúvidas co-
mo se o icchantika, aqueles que cometeram as quatro graves ofensas,
aqueles que ordenaram os cinco pecados mortais, e aqueles que caluni-
aram o Dharma possuem a Natureza-de-Buda ou não? Qualquer pessoa
que ouça esse sutra acaba eternamente com todas essas dúvidas. Ou
uma pessoa pode duvidar e questionar se existe um limite para o mun-
do ou não? Ou se existem as dez direções ou não? Qualquer pessoa que
ouça esse sutra acabará eternamente com quaisquer dessas dúvidas.
Este é o porquê dizemos que a pessoa realmente acaba eternamente
com a mente duvidosa.

A Visão Correta de um Bodhisattva-Mahasattva

Dizemos que a mente da Sabedoria é reta e sem curvas. Se a mente


duvida, o que é visto não pode ser correto. Se todos os seres não ou-
vem esse Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, o que é visto
torna-se distorcido. Isto se aplica desde baixo até aos Sravakas e Prat-

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 7


yekabudas, cujas visões também devem ser distorcidas. Por que dize-
mos que aquilo que todos os seres vêem é distorcido? Eles vêem o E-
terno, o Êxtase, o Eu e o Puro naquilo que é falho [impuro, corrompido];
e (vêem) impermanência, sofrimento, impureza e não-Eu no Tathagata;
e pensam que os seres possuem uma vida, conhecimento e visão. Eles
interpretam o Nirvana como irreflexão-não-irreflexão, e interpretam
Isvara (Deidade) como tendo o Nobre Caminho Óctuplo. O que existe é
o ‘é’ e o ‘não-é’, e todas essas visões distorcidas. Se o Bodhisattva ouve
esse Sutra do Grande Nirvana e pratica o Nobre Caminho, ele pode aca-
bar com todas essas visões distorcidas.

Quais são as visões distorcidas de Sravakas e Pratyekabudas? Pensam


que o Bodhisattva desce do Céu Tushita, que ele monta num elefante
branco, que se encontra no útero de uma mãe, que o nome do pai era
Suddhodana, e o da mãe era Maya, que por dez meses (lunares) com-
pletos ele esteve em Kapilavastu e nasceu, que quando nasceu e ainda
não havia tocado a terra Sakrodevendra o pegou, e os reis nagas Nanda
e Upananda jorraram água e banharam-no, que o grande rei demônio
Manibadra segura um pára-sol de jóias e fica atrás dele, que o deus da
terra segura flores nas quais a criança coloca os seus pés, que ele deu
sete passos nas quatro direções, que é satisfeito, que quando ele vai ao
templo dos devas, os devas saem e recebem-no, que Asita o pegou e
profetizou, que tendo visto os sinais ele ficou todo entristecido e disse:
‘Pena que eu não serei abençoado com o testemunho da ascensão do
ensinamento Budista’, que ele vai ao professor onde aprende escrita,
cálculo, tiro com arco, leitura de presságios e das mãos, que vivendo no
harém real ele brinca com as 60.000 criadas e diverte-se, que ele sai do
castelo e se encontra no jardim de Kapila, que no caminho ele vê um
homem velho e também um Shramana caminhando pela beira da es-
trada trajando um robe sacerdotal, que ele retorna ao palácio real onde
ele vê os corpos das mulheres do palácio parecendo ossos brancos, que
todas as edificações palacianas agora não passavam de túmulos para
ele, que ele as despreza e renuncia ao lar, que à noite ele foge do caste-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 8


lo, que ele vê grandes Rishis como Udrakaramaputra e Aradakalama e
ouve deles sobre consciência-ilimitada e irreflexão-não-irreflexão. Ten-
do (o Bodhisattva) ouvido e meditado sobre tudo isso, ele vê que todas
as coisas são não-eternas, sofrimento, não-puras, e não-Eu. Ele aban-
dona isso, pratica penitência sob uma árvore e, após seis anos, vê que a
penitência não lhe traz a Iluminação Insuperável. Então ele banha-se
nas águas do Rio Hiranyavati [Nairanjana] e toma um pouco de mingau
de leite cozido das mãos de uma pastora. Após tomá-lo, ele vai à Árvore
Bodhi, onde, derrotando Marapapiyas, ele atinge a Iluminação Insupe-
rável; [então,] em Varanasi ele gira a Roda-da-Lei e vê que, aqui em
Kushinagar, ele entra no Nirvana. Todas essas coisas são visões distorci-
das de Sravakas e Pratyekabudas.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, quando ele ouve e com-


preende o Sutra do Grande Nirvana, erradica imediatamente todas es-
sas visões. E como ele escreve, copia, recita, compreende e o explica
aos outros, e reflete sobre o seu significado, ele se torna corretamente-
orientado e acaba com as visões distorcidas. Oh bom homem! Como o
Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via desse Sutra do Grande Nirvana,
ele vem a compreender claramente que o Bodhisattva, por inumeráveis
kalpas, jamais desceu do Céu Tushita para um útero materno e entrou
no Nirvana em Kushinagar. Essa é a visão correta de um Bodhisattva-
Mahasattva.

Parinirvana: O Mais Profundo dos Significados

Dizemos que obtemos o profundo significado (o repositório hermetica-


mente-guardado) do Tathagata. Isto nada mais é que Parinirvana. Todos
os seres possuem a Natureza-de-Buda. Eles se arrependem das quatro
graves ofensas, acabam com os pensamentos que caluniam o Dharma,
colocam um fim aos cinco pecados mortais, e acabam com o icchantika
[dentro de si próprios]. Então podem atingir a Iluminação Insuperável.

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 9


Isto é o que se entende por um pensamento extremamente profundo e
hermeticamente-guardado. Também, além disso, oh bom homem! O
que se entende por significado extremamente profundo? Os seres sa-
bem que não existem coisas como o ‘eu’. Mesmo assim, eles não po-
dem acabar com o fogo do carma dos dias que virão. Embora eles sai-
bam que os cinco skandhas (forma, sensações, percepções, formações
mentais e consciência) morrem aqui, o carma do bem e do mal não
morre aqui. Embora existam todas as ações do carma, não há agora um
executor (das ações – um sujeito). Embora existam lugares para ir, não
há quem vá. Embora exista vínculo (ligação), não há ninguém que esteja
vinculado. Embora exista Nirvana, não há ninguém que tenha que mor-
rer. Isto é o que se entende pelo mais profundo dos significados.”

Então o Todo-Brilhante Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso disse ao


Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! É difícil para eu alcançar o significado
daquilo que o Buda diz concernente a ‘audição’ e ‘não-audição’. Por
quê? Porque se o Dharma é ‘é’, o que deve haver (lá) deve ser ‘é’; se ele
(o Dharma) é ‘não-é’, o que deve haver (lá) é ‘não-é’. Nada pode surgir
do nada; o que ‘é’ não pode morrer. O que é ouvido deve ser o que é
ouvido. Se não é ouvido, o que existe é o que não se ouviu. Como se
pode dizer que aquilo que se ouviu é o que não se ouviu? Oh Honrado
pelo Mundo! O que não se pode ouvir é aquilo que não se ouviu. Se o
ouvimos, não há mais nada a ouvir. Por que não? Porque já se ouviu.
Como pode alguém dizer que o que se ouviu é aquilo que não se ouviu?
Por exemplo, isto é semelhante ao caso de uma pessoa que foi e voltou,
ela não foi; se ela foi, não voltou. Se alguém nasce, não há mais que
nascer; se não nasce, não há que nascer. Quando algo foi ganho, já não
há qualquer ganho [daquilo]. Se não foi ganho, nada há a ganhar. Se foi
ouvido, nada mais há a ouvir; se não ouvido, não há nada a ouvir. O
caso é assim.

Oh Honrado pelo Mundo! Uma pessoa pode dizer que ouviu o que ela
não ouviu. Como todos os seres ainda não alcançaram a Iluminação,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 10


isso bem pode acontecer. Quando o Nirvana ainda não foi alcançado,
alguém pode alcançá-lo. Quando a Natureza-de-Buda ainda não foi vis-
ta, alguém pode vê-la. Como alguém pode dizer que o Bodhisattva do
décimo estágio (‘bhumi’) vê a Natureza-de-Buda, mas ainda não muito
claramente? Oh Honrado pelo Mundo! Alguém pode muito bem dizer
que não-audição é audição. Oh Tathagata! De quem você ouviu certa
vez no passado? Se é dito que você ouviu, como você poderia dizer no
Agamas (Sutra) que você não teve mestre? Se não ter ouvido é não-
audição, e se o Tathagata atingiu a Iluminação Insuperável, a não-
audição dos seres deve significar a consecução da Iluminação Insuperá-
vel. Oh Tathagata! Se alguém pode ver a Natureza-de-Buda mesmo sem
ter ouvido esse Sutra do Grande Nirvana, todos os seres também de-
vem estar aptos a vê-la, muito embora eles não o tenham ouvido.

Oh Honrado pelo Mundo! A cor é ambos, visível e não visível. O mesmo


acontece com o som. Ou é audível ou inaudível. Esse Grande Nirvana
nem é cor e nem som. Como se pode dizer que alguém possa vê-lo ou
ouvi-lo bem? Oh Honrado pelo Mundo! Se o passado é aquilo que já
ocorreu, ele não é audível. Como o futuro ainda não chegou, ninguém
pode ouvi-lo. Pode-se dizer que alguém ouve agora, mas não se pode
dizer que alguém ouviu. Quando ouvido, a voz desvanece e não se pode
retê-la por muito tempo. Esse Grande Nirvana não é do passado, futuro
ou presente. Se não é dos Três Tempos, não pode haver explicação. Se
inexplicável, não pode haver audição. Como podemos dizer que o Bo-
dhisattva pratica os ensinamentos deste Sutra do Grande Nirvana e diz
que ele ouviu o que ele não ouviu?”

Então o Buda, elogiando o Todo-Brilhante Bodhisattva Rei Altamente-


Virtuoso, disse: “Bem falado, bem falado! Você agora sabe bem que
todas as coisas são como fantasma, chamas, um castelo gandharva,
uma pintura na superfície da água, e também como espuma e bananei-
ras, as quais são vazias e nada contêm em si. Todas as coisas não possu-
em vida, nem Eu, nem sofrimento, e nem felicidade. Isto é semelhante

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 11


ao caso do Bodhisattva do décimo estágio ‘bhumi’, que conhece e vê as
coisas.”

Então, de súbito, resplandeceu sobre a congregação uma grande luz. Ela


não era azul e, no entanto, era azul; nem amarela e, no entanto, era
amarela; nem vermelha e, no entanto, era vermelha; nem branca e, no
entanto, era branca; nem uma cor e, no entanto, era uma cor; nem
brilho e, no entanto, era brilho; nem visível e, no entanto, era visível.
Então, a grande congregação, ao se deparar com essa luz, sentiu em
seus corpos e mentes total alegria e felicidade. Foi como com um Mon-
ge que agora reside no ‘Dhyana do Rei-Leão’.

Então o Bodhisattva Manjushri disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-


do! Quem emitiu essa luz agora?”

Então o Tathagata permaneceu em silêncio e nada disse.

O Bodhisattva Kashyapa também indagou Manjushri: “Por que essa luz


resplandece sobre nós?”

Manjushri permaneceu em silêncio e não respondeu.

Então o Bodhisattva Corpo-Ilimitado também indagou Kashyapa: “De


quem é esta luz?”

O Bodhisattva Kashyapa permaneceu em silêncio e nada disse.

O Bodhisattva Príncipe do Repositório-Puro indagou o Bodhisattva Cor-


po-Ilimitado: “Por que essa grande luz aparece para todos nesta grande
congregação?”

O Bodhisattva Corpo-Ilimitado permaneceu em silêncio e nada disse.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 12


Assim foi com os 500 Bodhisattvas. Embora indagados, não havia nin-
guém lá que respondesse.

Então o Honrado pelo Mundo indagou Manjushri: “Por que resplandece


essa luz sobre essa grande massa de pessoas?”

Manjushri disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Chamamo-la luz da Sabedo-


ria. Sabedoria é o que é eternamente. O Dharma Eterno não tem rela-
ções causais. Por que você, o Buda, indaga-me sobre essa luz? Essa luz é
o Tathagata. O Tathagata é Eterno. O Dharma Eterno não é fundamen-
tado em relações causais. O Tathagata indaga-me sobre a razão pela
qual ela surge, então? Essa luz é Grande Amor-Benevolente e Grande
Compaixão. O Grande Amor-Benevolente e a Grande Compaixão são
Eternos. O Dharma Eterno não é fundamentado em relações causais.
Por que o Tathagata indaga-me sobre relações causais? Essa luz é a
meditação sobre o Buda. A meditação sobre o Buda é o Dharma Eterno.
O Dharma Eterno não é erigido sobre o caminho das relações causais.
Por que o Tathagata me indagaria sobre relações causais? Essa luz é a
Via que não é alcançada por quaisquer Sravakas ou Pratyekabudas. A
Via que não é alcançada por quaisquer Sravakas ou Pratyekabudas é
Eterna. O Dharma Eterno não é construído sobre o caminho das rela-
ções causais. Por que o Tathagata indaga-me sobre relações causais?
Acabando-se com a ignorância, se ganha a chama ardente da Ilumina-
ção Insuperável.”

O Buda disse: “Oh Manjushri! Não entre nas profundezas do Todo-


Maravilhoso ‘Paramartha-satya’ de todas as leis. Explique as coisas por
meio da verdade secular.”

Manjushri disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Ao leste, para além de


mundos tão numerosos quanto às areias de 20 Rios Ganges, encontra-
se um mundo chamado ‘Acala’. O lugar onde o Buda daquela terra resi-
de é vasto, todo-igual e tão extenso quanto 12.000 yojanas de compri-

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 13


mento e largura. O chão é feito de jóias e não contém terra ou pedras. É
todo liso e plano, e não há valas ou poços. Todas as árvores são feitas
das quatro gemas, nomeadamente, ouro, prata, berílio (água-marinha)
e cristal. Flores e frutos existem em abundância, e não há época em que
não estejam presentes. Conforme as pessoas entram em contato com
as flores e sua fragrância, seus corpos e mentes sentem paz e felicidade,
comparável à de um Monge assentado no terceiro dhyana. E existem
3.000 grandes rios que circundam a terra. A água é límpida e maravilho-
sa, sendo perfeita nos oito sabores. As pessoas que se banham nela
sentem alegria e felicidade comparável ao estado de um Monge no
segundo dhyana. Os rios contêm várias flores, tais como a utpala, pad-
ma, kumuda, pundarika, a fragrante, a altamente fragrante, a maravi-
lhosamente fragrante, a nitya, e flores que protegem todos os seres
sem obstruções. Também, em ambas as margens, existem numerosas
flores, tais como a atimuktaka, champaka, pataliputra, varsika, mallika,
mahamallika, simmallika, sumana, yukthika, dhanika, nitya, e flores que
protegem todos os seres sem obstruções. O leito do rio é de areia de
ouro, e há escadarias (quedas d’água) nos quatro lados, feitas de ouro,
prata, berílio e cristais de cores diversas. Numerosos pássaros voam
sobre elas. Também, lá vivem muitos tigres, lobos, leões e todos os
tipos de pássaros e bestas malignas. Todos eles, porém, estimam uns
aos outros como se fossem bebês. Naquela terra não há ninguém que
cometa as graves ofensas, nem aqueles que caluniam o Dharma, nem
quaisquer icchantikas, nem aqueles que tenham cometido os cinco pe-
cados mortais. A terra é boa e justa, tal que lá não há frio ou calor, nem
sofrimento pela fome ou sede; a cobiça, a ira, a indolência ou a inveja
não reinam lá; não há conversa sobre o sol e a lua, nem dia e noite, e
não há estações; tudo se obtém como no Céu Trayastrimsa. As pessoas
daquela terra brilham e não há arrogância em suas mentes. Todos são
Bodhisattvas-Mahasattvas; todos possuem poderes divinos e grandes
virtudes, e suas mentes são voltadas para o Dharma Maravilhoso. Eles
cavalgam no Mahayana, amam o Mahayana, morrem por ele e o prote-
gem. Eles são realizados na grande Sabedoria, são perfeitos no Maha-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 14


yana, e são sempre piedosos para com todos os seres. O Buda daquela
terra é o Tathagata-Lua-Cheia, Merecedor de Ofertas, Todo-Iluminado,
Todo-Realizado, um Bem-Aventurado, de Conhecimento Correto e Uni-
versal, um (Cavaleiro) Insuperável, Melhor Treinador, Mestre de seres
Celestiais e Humanos, um Buda, Honrado pelo Mundo. Ele profere ser-
mões onde ele reside. E não há um único lugar (terra) que não possa, de
fato, ouvi-los. Ele profere (neste momento?) um sermão sobre o Sutra
do Grande Nirvana para o Bodhisattva Vaiduryaprabha: ‘Oh bom ho-
mem! Se um Bodhisattva-Mahasattva pratica completamente a Via do
Sutra do Grande Nirvana, aqueles que não podem realmente ouvir o
ouvirão também’. Esse Bodhisattva-Mahasattva Vaiduryaprabha ques-
tiona o Buda Lua-Cheia da mesma forma que o Todo-Brilhante Bodhi-
sattva Rei Altamente-Virtuoso. Tudo é o mesmo, e não há diferença.

O Buda Lua-Cheia disse ao Bodhisattva Vaiduryaprabha: ‘Oh bom ho-


mem! Muito longe ao oeste, para além de terras tão numerosas quanto
às areias de 20 Rios Ganges, existe uma terra chamada ‘Saha’. Nela a-
bundam montanhas, serras, dunas de areia, cascalhos, espinhos e espi-
nhos venenosos. Lá há sempre o sofrimento da fome, sede, frio e calor.
As pessoas daquela terra não respeitam Shramanas, Brâmanes, pais,
mestres e anciãos. Eles se agarram avidamente aos atos ilícitos, prati-
cam más ações e não crêem no Dharma Maravilhoso. Sua vida é curta.
Aqueles que habilmente enganam os outros são punidos pelo rei. O rei
possui territórios, mas não está satisfeito. Ele cobiça o que os outros
possuem. Ele evoca guerras e lutas, e muitos encontram uma morte
prematura. Como o rei age assim, os quatro guardiões da terra e as
divindades não podem ter uma boa vontade. Então, surgem calamida-
des e fome, e os cinco cereais não produzem bem. As pessoas sofrem
de doenças e os sofrimentos são incessantes. Lá vive um Buda chamado
Tathagata Shakyamuni, Merecedor de Ofertas, Todo-Iluminado, Todo-
Realizado, um Bem-Aventurado, de Conhecimento Correto e Universal,
um (Cavaleiro) Insuperável, Melhor Treinador, Mestre de seres Celesti-
ais e Humanos, um Buda, Honrado pelo Mundo. Todo-Compassivo e

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 15


benevolente para com todos os seres, ele está proferindo sermões so-
bre o Sutra do Grande Nirvana para todos os seres, em Kushinagar,
entre as árvores sala. Existe um Bodhisattva lá chamado Todo-Brilhante
Rei Altamente-Virtuoso. Ele já indaga sobre isto e nada difere daquilo
que você indaga. O Buda está respondendo agora. Apressa-te e vá lá!
Você ouvirá por si mesmo’. Oh Honrado pelo Mundo! Aquele Bodhi-
sattva Vaiduryaprabha, ouvindo isto, está vindo (para cá) com 84.000
Bodhisattvas-Mahasattvas. Por isso, esse presságio. Em razão disto,
temos essa luz. Este é o porquê. E, no entanto, não é o porquê.”

Então o Bodhisattva Vaiduryaprabha chegou, acompanhado pelos


84.000 Bodhisattvas portando vários estandartes e dosséis, incenso,
flores, guirlandas e vários tipos de música, o dobro do que tinha ido
antes. Todos chegaram à Kushinagar, entre as árvores sala. Oferecendo
o que tinham trazido ao Buda, eles tocaram seus pés com suas cabeças,
juntaram as palmas das suas mãos, prestaram homenagem e circunda-
ram o Buda por três vezes. Tendo prestado homenagem, sentaram-se a
um lado.

Então o Honrado pelo Mundo indagou aquele Bodhisattva: “Oh bom


homem! Você chegou ou não?”

O Bodhisattva Vaiduryaprabha disse: “Oh Honrado pelo Mundo! ‘Che-


gado’ é não ‘vir’, e ‘não chegado’ é também não ‘vir’. Como eu penso
isso, não há vinda para tudo. Oh Honrado pelo Mundo! Mesmo se todas
as coisas fossem eternas, também seria não ‘vir’; mesmo que fossem
‘não-eternas’, não há vinda. Se pensamos que os humanos possuem
uma natureza, então há vinda e não vinda. Eu agora não vejo qualquer
natureza eternamente permanente nos seres. Como posso dizer ‘ter
vindo’ ou ‘não ter vindo’? Com uma pessoa arrogante, pode haver idas
e vindas; com alguém sem arrogância, não pode haver idas e vindas.
Com alguém que está partindo, pode haver conversa de ir e vir; com
alguém sem o pensamento de partida, não há conversa de ir e vir. Se

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 16


alguém pensa que o Tathagata entra definitivamente no Nirvana agora,
então existe ir e vir; se alguém não pensa que o Tathagata entra defini-
tivamente no Nirvana, não pode haver ir e vir. Se alguém não ouve so-
bre a Natureza-de-Buda, pode haver ir e vir; com alguém que ouve so-
bre a Natureza-de-Buda, não pode haver ir e vir. Com alguém que pensa
que existe Nirvana com os Sravakas e Pratyekabudas, existe ir e vir; com
alguém que não vê qualquer entrada no Nirvana com Sravakas e Prat-
yekabudas, não pode haver ir e vir. Se alguém vê o Eterno, o Êxtase, o
Eu e o Puro com os Sravakas e Pratyekabudas, existe ir e vir; se não, não
há ir e vir. Se alguém vê o Tathagata como não o Eterno, o Êxtase, o Eu
e o Puro, existe ir e vir; se alguém vê o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro
com o Tathagata, não pode haver qualquer ida ou vinda. Oh Honrado
pelo Mundo! Deixe esse assunto como está por enquanto. Desejo inda-
gar mais. Por favor, condescenda em dar-me ouvidos!”

A Admoestação ao Bodhisattva Vaiduryaprabha

O Buda disse: “Oh bom homem! Indague como desejar. Agora é a hora.
Tornarei claras as coisas e as explicarei para você. Por quê? Porque é
difícil encontrar um Buda, tão difícil quanto a floração da Udumbara. O
mesmo se passa com o Dharma. É difícil ouvi-lo. Dentre os 12 tipos de
sutras, o mais difícil de ouvir é o Vaipulya. Por essa razão, ouça com
atenção plena.”

Então o Bodhisattva-Mahasattva Vaiduryaprabha obteve a permissão e


também a admoestação. Assim, disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mun-
do! Como pode um Bodhisattva-Mahasattva praticar o Sutra do Grande
Nirvana? Desejo ouvir o que não ouvi antes.”

Então o Tathagata elogiou-o, dizendo: “Bem falado, bem falado, oh bom


homem! Você agora deseja atravessar o mar do Grande Nirvana do
Mahayana. E, acertadamente, você encontra o meu sermão. Transfor-

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 17


mar-me-ei agora num grande doutor e extrairei completamente as fle-
chas envenenadas das diversas dúvidas. Você ainda não está esclareci-
do quanto à Natureza-de-Buda. Eu possuo a tocha da Sabedoria e o
esclarecerei bem. Você agora deseja atravessar o grande rio do nasci-
mento e da morte. Transformar-me-ei agora num grande marinheiro
para você. Você vê em mim o pai, e eu vejo em você a pequena criança.
Sua mente agora está morrendo pelos tesouros do Dharma Maravilho-
so. Tenho muito e posso dar. Ouça-me claramente, ouça-me claramen-
te! Atente bem! Agora tornarei as coisas claras e as explicarei para vo-
cê.

Oh bom homem! Agora é o momento para você ouvir o Dharma. Tendo


ouvido-o, acredite e ganhe um pensamento reverente. Ouça com toda a
sua atenção; venere o que você ouviu. Não procure identificar algo de
errado no Dharma Maravilhoso! Não pense em ganância, ira ou igno-
rância. Não pense em bem e mal, ou na casta dos clérigos. Tendo ouvi-
do o Dharma, não seja arrogante. Não faça coisas pela honra, fama ou
lucros. Empreenda esforços para salvar o mundo, e em prol do doce
Dharma. Também, não fique preocupado em pensamento. Ouça o
Dharma, salve-se, e então salve os outros. Primeiro, compreenda você
mesmo, e permita aos outros compreenderem. Primeiro, conforte a si
mesmo, e então conforte aos outros. Primeiro, alcance o Nirvana você
mesmo, e então permita aos outros alcançá-lo. Veja com uma mente
igualitária o Buda, o Dharma e a Sangha. Veja o nascimento e a morte
como um grande sofrimento. Veja no Grande Nirvana o Eterno, o Êxta-
se, o Eu e o Puro. Primeiro aja para os outros, e então para si próprio.
Aja (atue) pelo Mahayana e não pelos dois veículos. Não se apegue a
nada. Não se apegue às características de quaisquer coisas. Não seja
ganancioso com relação a nada. Sempre tente compreender e ver o
Dharma. Oh bom homem! Se você der ouvidos ao Dharma com tal ati-
tude, isto é como alguém ouvir o que nunca ouviu antes.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 18


Oh bom homem! Existe uma audição quando alguém não ouviu; existe
uma não-audição quando alguém ouviu; existe uma audição quando
alguém ouviu. Oh bom homem! Há um nascimento, sem ser nascido;
não há ser nascido, sem ser nascido; não há ser nascido, tendo nascido;
há um ser nascido, tendo nascido. Similarmente, há uma chegada, não
tendo chegado; não há chegada, não tendo chegado; não há chegada,
tendo chegado; há uma chegada, tendo chegado.”

- “Oh Honrado pelo Mundo! O que é ser nascido, não tendo nas-
cido?”

- “Oh bom homem! Residindo pacificamente na verdade secular,


alguém primeiro sai do útero. Isto é ser nascido, não tendo nas-
cido ainda.”

- “O que é não ser nascido, não tendo nascido?”

- “Oh bom homem! Este Grande Nirvana não possui aspecto de


ser nascido. Isto é não ser nascido, não tendo nascido.”

- “O que é não ser nascido, tendo nascido?”

- “Oh bom homem! A morte vem na verdade secular. Isto é não


ser nascido, tendo nascido uma vez (certa vez).”

- “O que é ser nascido, tendo nascido?”

- “Oh bom homem! Todos os mortais comuns são aqueles nasci-


dos por terem nascido. Por quê. Porque não há uma ruptura no
ser nascido com o ser nascido, e porque todas as falhas [impu-
rezas] seguem momento após momento. Isto é ser nascido,
tendo nascido. O Bodhisattva dos quatro estágios [‘bhumis’]
não é ser nascido, tendo nascido. Por quê? Porque ele é imper-

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 19


turbável no ser nascido. Isto é um não-ser-nascido, tendo nas-
cido. Oh bom homem! Isto é o que se obtém dentro dos ensi-
namentos Budistas.”

- “O que são: ser nascido, não tendo nascido ainda; ainda não
nascido, não tendo nascido ainda; não ser nascido, tendo nasci-
do; e ser nascido, tendo nascido, conforme pregado nos outros
ensinamentos?”

- “Oh bom homem! Tomemos, por exemplo, uma semente.


Quando ela ainda é não nascida, da grande combinação dos e-
lementos, e da ação humana, ela germina um broto. Isto é ser
nascido, não tendo nascido ainda.”

- “O que é não ser nascido, não tendo nascido ainda?”

- “Por exemplo, o caso de uma semente morta e o seu não en-


contro com as condições (para germinar) é não nascido, não
tendo nascido.”

- “O que é não nascido, tendo nascido?”

- “Isto é como quando a semente já soltou o seu broto, mas não


há crescimento. Este é o caso do não nascido, tendo nascido.”

- “O que é ser nascido, tendo nascido?”

- “Isto é como com o crescimento do broto. Se aquilo que é nas-


cido não cresce, não há aumento. Todos esses aspectos das fa-
lhas [isto é, das impurezas] são casos de ser nascido, tendo nas-
cido, conforme estabelecido nas categorias dos outros ensina-
mentos.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 20


O Bodhisattva-Mahasattva Vaiduryaprabha disse ao Buda: “Oh Honrado
pelo Mundo! Se é o caso que qualquer ser é nascido daquilo que é falho
(impuro), ele é eterno ou não-eterno? Se o que nasce é eterno, então
não pode haver qualquer ser nascido do que é falho. Se o ser nascido é
não-eterno, o que é falho deve ser o eterno. Oh Honrado pelo Mundo!
Se o que nasce pode nascer por si, não pode haver qualquer natureza
de si mesmo. Se ele pode evocar uma outra vida, porque ele não pode
evocar o não-falho [isto é, o que é puro]? Oh Honrado pelo Mundo! Se
existe vida quando ainda não nascido, como podemos falar de ser nas-
cido? Quando não existe vida quando ainda não nascido, por que não
chamamos espaço de vida?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! ‘Nascido, não
tendo nascido’ é inexprimível; ‘nascido, tendo nascido’ é inexprimível;
‘não nascido, tendo nascido’ é inexprimível; ‘não nascido, não tendo
nascido’ também é inexprimível; ser nascido também é inexprimível;
não ser nascido também é inexprimível. Como existem relações causais,
podemos então explicar [as coisas].”

- “Como é que ser nascido, não tendo nascido é inexprimível?”

- “Não nascido é nascido. Como podemos explicar? Por quê? Em


razão do fato de que existe o ser nascido.”

- “Como é que ser nascido, tendo nascido é inexprimível?”

- “Pois há o ser nascido porque o que é nascido é nascido; pois


não há o ser nascido porque ser nascido é nascido. Portanto, é
inexprimível.”

- “Por que é que não nascido, tendo nascido é inexprimível?”

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 21


- “O que é nascido é chamado nascido; o ser nascido não vem
por si mesmo. Portanto, inexprimível.”

- “Por que é que não nascido, não tendo nascido é inexprimível?”

- “Não ser nascido é Nirvana. Como Nirvana é não ser nascido,


ele é inexprimível. Por quê? Porque alguém o alcança pratican-
do a Via.”

- “Por que ser nascido é inexprimível?”

- “Porque o ser nascido é vazio em si.”

- “Por que não ser nascido é inexprimível?

- “Porque existe a possibilidade de alcançá-lo.”

- “Por que é exprimível através de relações causais?”

- “Porque as dez relações causais podem constituir a causa do ser


nascido. Portanto, é possível explicar.”

“Oh bom homem! Não entre nas grandes profundezas do dhyana Todo-
Vazio. Por que não? Porque a grande massa de pessoas é estúpida.

Oh bom homem! Naquilo que é criado, o nascimento é eterno. Como se


vive no não-eterno, o nascimento também é não-eterno.

Permanência, também, é eterna. Em razão do ser nascido ser nascido,


permanência também é não-eterna.

Diferença [isto é, mudança], também, é eterna. Como a lei [dharma


mundano] é não eterna, a diferença (mudança) também é não-eterna.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 22


Desintegração também é eterna. Em razão de ela ser originalmente
vazia, mas agora existir, a desintegração também é não-eterna.

Oh bom homem! Ser nascido, permanência, mudança (diferença) e


desintegração são todas eternas. Como existe extinção momento após
momento, não se deve dizer eterna. Como este Grande Nirvana é inter-
rompido e desaparece, dizemos não-eterno. Oh bom homem! Tudo o
que é impuro já possui a natureza do ser nascido, quando ainda não
nasceu. Por esta razão, o ser nascido surge. O que é puro (imaculado)
não possui desde o inicio a natureza do ser nascido. Portanto, o ser
nascido não pode surgir (do imaculado).

A qualidade original do fogo evoca o fogo quando as condições surgem.

Os olhos possuem a natureza de ver, e veem através da cor, da luz, e da


mente. O mesmo se aplica ao nascer dos seres. Como existe a natureza
original, ele pode surgir encontrando-se as relações causais do karma e
através da aproximação dos pais, o que significa vida.”

Então o Bodhisattva Vaiduryaprabha e os 84.000 Bodhisattvas-


Mahasattvas, ao ouvir este sermão, saltaram de alegria e permanece-
ram suspensos no céu a sete talas de altura. Respeitosamente e juntan-
do as palmas das suas mãos, eles disseram ao Buda: “Oh Honrado pelo
Mundo! Iluminados pelo Tathagata de variadas formas, agora compre-
endemos o que se ouve e o que se não ouve do Grande Nirvana. Tam-
bém, os 84.000 Bodhisattvas alcançaram as profundezas do nascer e
não nascer de todas as coisas. Oh Honrado pelo Mundo! Agora compre-
endemos tudo e acabamos com todas as dúvidas. Mas, em meio aos
Bodhisattvas aqui congregados, há alguém chamado ‘Destemido’. Ele,
respeitosamente, deseja formular uma questão. Por favor, digne-se a
responder.”

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 23


Então o Honrado pelo Mundo disse ao Bodhisattva Destemido: “Oh
bom homem! Indague o que desejar. Agora estabelecerei claramente as
coisas para você.”

Então o Bodhisattva Destemido juntamente com seus 64.000 Bodhisatt-


vas, levantaram-se dos seus assentos, ajeitaram os seus robes, prosta-
ram-se no chão e disseram ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Como
podem agir as pessoas deste mundo e obter o nascimento no mundo
imutável? Através de qual Sabedoria pode o Bodhisattva da terra se
tornar o elefante rei de todos os humanos? Como ele pode possuir
grandes virtudes e praticar a Via, e como, com aguçada Sabedoria, ele
pode compreender o que ouve?”

O Nascimento no Mundo Imutável

Então o Honrado pelo Mundo disse num gatha:

“Alguém que não injurie a vida dos seres


e fortemente defenda as proibições,
e que aprenda o ensinamento todo-maravilhoso do Buda,
ganha o nascimento no mundo imutável.

Não roubando a riqueza dos outros,


e sempre dando a todos os outros,
e erigindo a catur-desa
[uma residência onde Monges visitantes de outros lugares possam ficar
e viver],
ganha-se o nascimento no mundo imutável.

Não violentando outras mulheres,


não agindo indevidamente para com a própria esposa,
e oferecendo aposentos àqueles que defendem os shila (preceitos),

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 24


ganha-se o nascimento no mundo imutável.

Não buscando lucros para si próprio,


ou para o benefício de outros,
não tendo medo, e vigiando a própria boca,
não dizendo mentiras,
assim se nascerá no mundo imutável.

Não ferindo um bom mestre da Via,


mantendo maus aparentados a certa distância,
e usando palavras gentis,
ganha-se nascimento no mundo imutável.

Como todos os Bodhisattvas,


alguém que se aparte da maledicência,
as pessoas desejam ouvir o que diz.
Essa pessoa ganhará nascimento
no mundo imutável.

Mesmo em tom de brincadeira


nenhuma palavra inoportuna é usada,
e fala-se sempre no momento adequado.
Essa pessoa ganhará nascimento
no mundo imutável.

Alguém que esteja sempre satisfeito


quando vê outros ganhando benefícios
e não tem um pensamento invejoso.
Essa pessoa ganhará nascimento
no mundo imutável.

Alguém que não cause preocupações aos outros,


que seja sempre compassivo,

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 25


e nunca ordene o mal como um meio.
Essa pessoa ganhará nascimento
no mundo imutável.

Se sem maldade na mente,


não dizendo que não pode haver dana,
nem presente, nem passado, e nem futuro,
e se não se apega a essa visão da vida,
ganha-se nascimento no mundo imutável.

À margem do caminho de uma ampla e extensa área da terra,


alguém que cultive, plante árvores frutíferas,
faça jardins e sempre ofereça alimento àqueles que pedem.
Essa pessoa ganha nascimento no mundo imutável.

Se alguém oferece uma vela fragrante ou uma flor


ao Buda, ao Dharma, e à Sangha,
ganha-se nascimento no mundo imutável.

Se por medo, ou por lucro, ou por bênçãos,


uma pessoa escreve mesmo que um único verso desse sutra,
esse alguém ganhará nascimento
no mundo imutável.

Se, mesmo por lucro,


uma pessoa num dia recita esse sutra,
aquela pessoa ganhará nascimento
no mundo imutável

Se alguém, em prol da Via Insuperável,


por um dia ou noite
envida as oito ações puras,
esse alguém ganhará nascimento

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 26


no mundo imutável.

Se alguém não senta junto com aqueles


que cometem as ofensas graves
e reprova aqueles que caluniam o Vaipulya,
esse alguém ganhará nascimento
no mundo imutável.

Se alguém dá mesmo que um pedaço de fruta


para alguém que está sofrendo por doença
e lança sobre essa pessoa um olhar feliz e terno,
esse alguém ganhará nascimento
no mundo imutável.

Se alguém não espolia o manto sacerdotal,


e protege bem as coisas pertinentes,
ou que são oferecidas ao Buda,
e varre o chão onde o Buda e a Sangha vivem,
essa pessoa ganhará nascimento
no mundo imutável.

Se alguém contrói grandes estatuas


e erige grandes torres Budistas
e encontra-se feliz em seu coração,
essa pessoa ganhará nascimento
no mundo imutável.

Se alguém, por este sutra,


Dá de si ou riqueza para aqueles que pregam,
essa pessoa ganhará nascimento
no mundo imutável.

Se alguém dá ouvido a,

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 27


e copia o repositório secreto de todos os Budas,
protege-o e recita-o,
essa pessoa ganhará nascimento
no mundo imutável.”

Então o Bodhisattva-Mahasattva Destemido disse ao Buda: “Oh Honra-


do pelo Mundo! Agora vejo que pelo o que eu faço ganharei nascimen-
to naquele mundo. Se o Tathagata condescendesse em explicar o que o
Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso indaga
para o benefício de todos os seres, isto beneficiaria e daria paz a todos
os humanos, seres celestiais, asuras, gandharvas, garudas, kimnaras,
mahoragas e outros.”

Então o Honrado pelo Mundo disse ao Todo-Brilhante Bodhisattva-


Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso: “Bem falado, bem falado! Oh bom
homem! Ouça bem com toda a sua atenção. Explicarei agora em deta-
lhes para você. Através das relações causais, pode haver alguém que
ainda não chegou, por não chegar; através das relações causais, há al-
guém que chegou, não tendo chegado; através das relações causais,
pode haver alguém que ainda não chegou, já tendo chegado; através
das relações causais, pode haver alguém que chegou, já tendo chegado.

Como há alguém que ainda não chegou, por não chegar? Oh bom ho-
mem! Ora, ‘não-chegar’ é Nirvana. Os mortais comuns são ainda não
chegados, em razão da cobiça, ira e ignorância, em razão de as suas
ações corporais e orais serem impuras; porque uma pessoa recebe tudo
o que é impuro, porque ela comete as quatro graves ofensas, porque
ela calunia o Vaipulya, em razão de ser um icchantika, em razão de or-
denar os cinco pecados mortais. Por todas essas razões, uma pessoa é
alguém que ainda não chegou por ‘não-chegar’.

Oh bom homem! Como é alguém que chegou, não tendo chegado ain-
da? Não-chegado é Grande Nirvana. Por que alguém chegou? Porque

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 28


alguém extirpa eternamente a cobiça, a ira e a ignorância, e todas as
más ações do corpo e da boca; porque não recebe coisas impuras; por-
que não comete as quatro graves ofensas; porque não calunia os sutras
Vaipulya; porque não se torna um icchantika, e porque não comete os
cinco pecados mortais. Por essas razões, dizemos que alguém chega,
não tendo chegado ainda. Ora, o Srotapanna chega após 80.000 kalpas,
o Sakrdagamin chega após 60.000 kalpas, o Anagamin após 40.000 kal-
pas, o Arhat após 20.000 kalpas, e o Pratyekabuda após 10.000 kalpas.
Por essa razão, dizemos que alguém chegou, mesmo não tendo chega-
do ainda.

Oh bom homem! Como é uma pessoa que não chegou, já tendo chega-
do? ‘Chegar’ corresponde às 25 existências. Todos os seres sempre são
ofuscados por inumeráveis impurezas e amarras (limitações), as quais
vêm e vão, nunca se apartam (dos seres), como com uma roda girante.
Isto é chegar. Sravakas, Pratyekabudas e todos os Bodhisattvas estão
eternamente apartados disto. Portanto, ‘não-chegados’. Para socorrer
os seres, a sua manifestação é decretada em meio a eles. Portanto,
‘tendo chegado’.

Oh bom homem! Por que dizemos ter chegado por ter chegado? ‘Che-
gar’ refere-se às 25 existências. Essas (existências) são os mundos das
impurezas de todos os mortais comuns, e dos Srotapannas até o Ana-
gamim. Assim, dizemos ter chegado, tendo chegado.

Oh bom homem! O mesmo se aplica àquilo que alguém ouviu e àquilo


que não ouviu. Essas são as instâncias da ‘audição, não tendo ouvido’,
‘não audição, não tendo ouvido’, ‘não audição, tendo ouvido’, e ‘audi-
ção, tendo ouvido’.

O que é ‘audição, não tendo ouvido’? Oh bom homem! ‘Não audição’ é


Grande Nirvana. Por que ‘não audição’? Devido a não ser criado, porque
não é um som, porque não pode ser explicado. Porque ‘audição’? Por-

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 29


que alguém pode ouvir os nomes, que são o Eterno, o Êxtase, o Eu e o
Puro. Portanto, ‘audição, não tendo ouvido’.”

Então o Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso


disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que o
Grande Nirvana não pode ser ouvido. Como é que o Eterno, o Êxtase, o
Eu e o Puro não podem ser ouvidos? Por que não? Oh Honrado pelo
Mundo! Você diz que uma pessoa que acabou com as impurezas é al-
guém que atingiu o Nirvana. Alguém que ainda não se libertou das im-
purezas é alguém que ainda não o atingiu. Assim, a natureza do Nirvana
é ‘o que originalmente era, agora não é’. Se o que se aplica no mundo é
‘o que originalmente era, agora não é’, isto é o não-Eterno. É como com
um vaso, o qual é o que originalmente era, mas agora não é, que certa
vez foi e que agora volta a não-ser, e que é não não-Eterno. Se Nirvana
é assim, como poderíamos falar do Eterno, Êxtase, Eu e o Puro? Tam-
bém, além disso, oh Honrado pelo Mundo! O que pode surgir como
adorno é não-Eterno. Se Nirvana é isso, ele deve ser não-Eterno. O que
são relações causais? Os 37 elementos concernentes (de apoio) à Ilumi-
nação, os seis paramitas, as quatro sabedorias ilimitadas, o prognóstico
fisionômico, o anapana (forma de meditação baseada na inspiração e
expiração do ar), os seis pensamentos subjugando todos os seis grandes
elementos. Todas esses itens constituem causa e condição para evocar
o Nirvana. Portanto, não-eterno.

Também, além disso, oh Honrado pelo Mundo! Tudo o que é ‘é’ é não-
Eterno. Se Nirvana é ‘é’, então Nirvana deve ser não-Eterno. Isto é o
que se obtém nos agamas (sutras anteriores), nos quais você diz que o
Sravaka, o Pratyekabuda e o Buda Todo-Honrado-pelo-Mundo, todos
têm Nirvana. Portanto, não-Eterno. Também, além disso, oh Honrado
pelo Mundo! Tudo o que é visível é não-Eterno. Isto é como quando o
Buda disse antes que alguém que possa ver o Nirvana pode acabar
completamente com as impurezas. Também, além disso, oh Honrado
pelo Mundo! Por exemplo, isto é como o espaço, o qual não obstaculiza

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 30


quaisquer seres. Assim, dizemos Eterno. Se Nirvana é Eterno, por que
há aqueles que o alcançam e aqueles que não alcançam? Se o Nirvana é
assim e é parcial com os seres, como podemos chamá-lo de Eterno? Oh
Honrado pelo Mundo! Por exemplo, 100 pessoas têm um inimigo. Se
acaba-se com esse inimigo, todos têm paz. Se o Nirvana é imparcial, isto
deve significar que se alguém o alcança, muitos devem alcançá-lo. Se
uma pessoa desfaz os laços de servidão, muitas pessoas devem estar
aptas a desfazer os laços de servidão. Se as coisas não são assim, como
pode haver o Eterno? Por exemplo, uma pessoa respeita, faz ofereci-
mentos, honra e enaltece o rei, o príncipe, seus pais, mestres e anciãos,
e há benefícios. Isto é não-Eterno. O mesmo é o caso. Por quê? Você, o
Buda, disse num agama para Ananda: ‘Se alguém verdadeiramente res-
peita o Nirvana, desfaz os laços de servidão e recebe imensuráveis bên-
çãos’. Assim, não dizemos Eterno. Oh Honrado pelo Mundo! Se existem
coisas como o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro, não podemos chamar
Nirvana de Eterno. Se essas coisas não existem, como podemos explicar
esse assunto?”

Então o Honrado pelo Mundo falou ao Todo-Brilhante Bodhisattva-


Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso: “A verdadeira qualidade do Nirva-
na não é aquela de algo que originalmente não foi, mas agora é. Se Nir-
vana fosse o que originalmente não foi, mas agora é, ele não poderia
ser algo imaculado (sem falhas) e Eterno. A natureza e características do
Buda fenomenal e do Buda não-fenomenal são Eternas e perfeitamen-
te-dotadas. As impurezas espalham-se sobre os seres, tal que eles não
podem ver o Nirvana. E, assim, dizem que ele não existe. Como o Bodhi-
sattva empreende esforços e cultiva a sua mente com os shila (precei-
tos), meditação, Sabedoria, e extirpa as impurezas, ele o vê. Saiba que
Nirvana é aquilo que é Eterno. Não é o que originalmente não foi, mas
agora é. Por isso, dizemos Eterno.

Oh Bom homem! Existe uma sala escura, na qual existe um poço onde
há sete diferentes tesouros. Embora saibamos que eles estão lá, uma

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 31


vez na escuridão, não podemos vê-los. Aquele que é sábio conhece os
meios. Ele acende uma grande lâmpada, carrega-a para dentro da sala,
ilumina o lugar, e vê tudo. Ora, essa pessoa não pensa que originalmen-
te não havia água e os sete tesouros, mas ela pensa que eles estavam
lá. É o mesmo com o Nirvana. Não é que ele originalmente não era, mas
acontece de surgir agora. Devido à escuridão das impurezas, os seres
não o vêem. A Grande Sabedoria, o Tathagata, utiliza-se dos melhores
expedientes, acende a lâmpada da Sabedoria e permite a todos os Bo-
dhisattvas verem o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro do Nirvana. Assim, o
sábio não deve dizer que Nirvana é o que originalmente não foi, mas
agora é.

Oh bom homem! Você diz que Nirvana é feito de adornos e que ele
deve ser não-eterno. Mas isto não é assim. Por que não? Oh bom ho-
mem! O corpo do Nirvana não é aquele que é nascido, que se vai, que é
real ou que é falso. Não se trata de algo elaborado [corporificado]. Não
é corrompido (impuro), e nem aquilo que é criado. Não é audição (audí-
vel), nem algo visível, nem algo caído: não é morte. Não é uma diferen-
te fase de um fenômeno, nem é da mesma forma. Não é ida e nem vol-
ta. Não é passado, nem futuro, e nem presente. Não é um, nem muitos,
nem longo, nem curto, nem redondo, nem quadrado, nem pontiagudo,
nem curvo. Não é fenômeno, nem imagem mental, nem nome, nem
matéria, nem causa, nem efeito, nem eu, e nem algo que se possui. Por
essa razão, Nirvana é Eterno e duradouro, e é imutável. Em razão disto,
pratica-se o bem por inumeráveis asamkhyas de kalpas, adornamo-nos,
e então podemos vê-lo.

Oh bom homem! Como um exemplo: existe uma água do subsolo de


oito sabores, que ninguém ainda pode obtê-la. Aquele que é sábio in-
venta um meio, cava e a obtém. O caso é o mesmo com o Nirvana. Por
exemplo, uma pessoa cega não pode ver o sol ou a lua. Mas quando um
bom médico a cura, ela então pode ver. Não é que o sol e a lua tenham

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 32


surgido agora. É o mesmo com o Nirvana. Ele já existe por si mesmo, e
não é algo que aconteça de vir a existir agora.

Oh bom homem! Um homem comete um crime e é trancado numa


prisão. Após um longo tempo, ele é solto. Voltando para casa, ele agora
vê seus pais, irmãos, esposa, filhos e parentes. O caso é o mesmo com o
Nirvana.

Oh bom homem! Você diz que Nirvana é não-Eterno devido às relações


causais. Mas isto não é assim. Por que não?

Oh bom homem! Existem cinco tipos de causas. Quais são as cinco? Elas
são: 1) causa do nascimento, 2) causa da harmonização, 3) causa de ser
como é, 4) causa do crescimento, e 5) causa externa distante [indireta].

O que é a causa do nascimento? Ela está baseada no karma, impurezas,


etc., e todas as sementes da categoria externa como plantas e grama.
Essas são as causas do nascimento.

O que é a causa da harmonização? Nada mais que a harmonização en-


tre o bem e o bom pensamento, o mal e o mau pensamento, o inconce-
bível [‘avyakrta’ – ‘não manifesto’] e o pensamento inconcebível. Esta é
a causa que pode ser falada como harmonização.

O que é a causa de ser como é? Devido aos pilares, o telhado não cai. As
montanhas, rios e árvores repousam sobre a grande terra. E eles devem
ser como são e assim permanecer. O homem possui, dentro dele, os
quatro grandes elementos, um inumerável e infinito número de impu-
rezas. E (, mesmo assim,) os seres continuam a existir. Isto é causa de
ser como é.

O que é causa do crescimento? Roupas, comida e bebidas permitem aos


seres crescer. A semente da categoria externa não é queimada (torrada)

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 33


ou comida pelos pássaros. Portanto, crescimento. Os Shramanas e Brâ-
manes crescem dependendo dos honrados [‘upadhyaya’], os bons mes-
tres da Via, etc. Ou é como uma criança que cresce dependendo dos
seus pais. Isto é a causa do crescimento.

O que é causa externa distante? Por exemplo, através de encantos,


nenhum demônio ou veneno pode causar danos a alguém. Dependendo
e confiando em reis, não pode haver ladrões. Rebentos (brotos) repou-
sam sobre a terra, água, fogo (calor) e vento (ar). Isto é como quando
batendo (a nata) uma pessoa se torna a causa externa distante da man-
teiga, ou a cor brilhante (se torna) a causa externa distante da consci-
ência, ou os corpos mortos dos pais (se tornam) a causa externa distan-
te dos seres.

Oh bom homem! O corpo do Nirvana não é algo que venha dessas cinco
causas. Como alguém pode dizer que ele surge de uma causa do não-
Eterno?

Também, além disso, oh bom homem! Existem duas causas. Uma é a


causa do criado e a outra a causa da iluminação. É como com a corda da
roda do oleiro. Esta é a causa do criado. Uma lâmpada ilumina as coisas
na escuridão. Esta é a causa da iluminação. Oh bom homem! O Grande
Nirvana não surge da causa do criado. Ele segue apenas a causa da Ilu-
minação. Por causa da iluminação se depreende os 37 elementos da Via
concernentes à Iluminação e os seis paramitas. Isto constitui a causa da
iluminação.

Oh bom homem! Dana [doação generosa] é a causa do Nirvana, mas


não a causa do Grande Nirvana. Danaparamita [doação transcendente]
é a causa do Grande Nirvana. Os 37 elementos podem ser a causa do
Nirvana, mas não do Grande Nirvana. Os inumeráveis asamkhyas de
elementos concernentes (à iluminação) podem ser a causa do Grande
Nirvana.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 34


Então, o Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-
Virtuoso disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! De que forma dana
pode não ser danaparamita, e de que forma dana pode ser danaparami-
ta? E também, de que forma prajna [Sabedoria] pode não ser prajnapa-
ramita, e de que forma prajna pode ser chamada prajnaparamita? Em
qual sentido você fala de Nirvana e Grande Nirvana?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva


pratica o Vaipulya-Mahaparinirvana, ele não ouve ou vê dana; nem
ouve ou vê danaparamita. Nem ouve ou vê prajna; nem ouve ou vê
prajnaparamita. Nem ouve ou vê Nirvana. Nem ouve ou vê Grande Nir-
vana. Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica o Grande Nirvana, ele
conhece e observa o universo e compreende que o estado real (de to-
das as coisas) é todo-vazio e que não há nada que alguém possua, e que
não há nada que tenha qualquer modo de harmonização ou percepção.
E o que ele ganha é um estágio [estado de compreensão] como que
sem falhas [isto é, imaculado], não-criado, fantasmático (ilusório, fan-
tástico, imaginário), a chama ardente de verão, e o estágio todo-vazio
de um castelo de gandharvas. Então o Bodhisattva percebe esse estágio
e não tem cobiça (ganância), malevolência e ignorância. Ele não ouve
ou vê. Isto é o que se entende quando dizemos que o Bodhisattva-
Mahasattva sabe em si que isto é dana, isto é danaparamita, isto é praj-
na, isto é prajnaparamita, isto é Nirvana, isto é Grande Nirvana.

O Que é Danaparamita

Oh bom homem! O que é dana, e o que não é danaparamita? Vê-se que


alguém mendiga, e alguém doa. Isto é doação, mas não paramita.
Quando não há ninguém que mendigue, mas abre-se o coração e se doa
da própria vontade, isto é danaparamita. Alguém doa de acordo com a
ocasião. Isto é doação, mas não paramita. Alguém que pratique a doa-

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 35


ção eterna, isto é danaparamita. Dá-se aos outros e depois se lastima.
Isto é doação, mas não paramita. Alguém dá e não lastima. Isto é dana-
paramita.

O Bodhisattva-Mahasattva ganha quatro destemores nas coisas. Ao rei,


ao ladrão, à água e ao fogo, ele tem o prazer de dar. Isto é danaparami-
ta. Se alguém dá esperando um retorno, isto é doação, mas não dana-
paramita. Se alguém dá, mas não espera por qualquer recompensa, isto
é danaparamita. Alguém dá quando sente medo; dá-se pela fama e pelo
lucro, para um legado da família, para satisfação dos cinco desejos no
céu, pela vaidade, pelo orgulho de ser superior aos outros, pelo conhe-
cimento, pela recompensa na vida que virá. Todas essas modalidades
(de doação) são como fazer negócios.

Oh bom homem! Isto é como uma pessoa que planta árvores para obter
sombra fresca e flores, frutos e madeira. Se pratica-se dessa maneira,
isso é doação, mas não qualquer paramita.

O Bodhisattva-Mahasattva que pratica o Grande Nirvana não vê doador,


beneficiário, ou o que é dado, nem em que ocasião é dado, nem qual-
quer fonte para bênçãos, nem uma não-fonte para bênçãos, nem qual-
quer causa, relação, efeito, feitor, receptor, nem muito e nem pouco
em números, nem pureza e nem impureza. Ele não desmerece o benefi-
ciário, a si próprio, ou o que é dado. Ele não se importa com o que vê ou
com o que não vê. Ele não faz distinções entre ele próprio e os outros.
Ele somente pratica dana para o benefício do Dharma Eterno do Vaipul-
ya Mahaparinirvana. Ele dá para o benefício de todos os seres. Ele dá
para erradicar as impurezas de todos os seres. Ele pratica dana sem
olhar o doador, o beneficiário, ou que é dado.

Oh bom homem! Como um exemplo: um homem cai no grande oceano,


mas como ele se agarra a um corpo morto, ele de fato é capaz de ser

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 36


salvo. Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via do Grande Nir-
vana e realiza dana, as coisas são como no caso do corpo morto.

Oh bom homem! Há um homem, por exemplo, que está trancado na


prisão. O portão é fortemente guardado, mas existe um buraco na latri-
na. Através deste, ele obtém um lugar desimpedido [isto é, a sua liber-
dade]. Assim acontece com o Bodhisattva-Mahasattva conforme ele
pratica o Grande Nirvana e realiza dana.

Oh bom homem! Por exemplo, isto é como uma pessoa nobre que tem
medo, se sente insegura, não tem ninguém em quem confiar, e que
pede ajuda da mão de um candala. Assim se dão as coisas com o Bodhi-
sattva-Mahasattva quando ele pratica o Grande Nirvana e realiza dana.

Oh bom homem! Isto é como a situação de uma pessoa doente que, no


sentido de eliminar as dores da enfermidade, alimenta-se daquilo que é
imundo. Assim se dão as coisas com o Bodhisattva quando ele pratica o
Grande Nirvana e realiza dana.

Oh bom homem! Se os Brâmanes se depararem com um aumento no


preço dos cereais, eles se alimentarão de carne de cachorro, para o
benefício de sua vida. É o mesmo com o Bodhisattva quando ele pratica
o Grande Nirvana e realiza doações. Oh bom homem! Nada do que se
relaciona ao Grande Nirvana foi ouvido por inumeráveis kalpas passa-
dos, e ainda (assim) o ouvimos. Quanto à shila, shilaparamita, prajna e
prajnaparamita, as coisas são conforme estabelecidas no Sutra Avatam-
saka.

O Que Nunca Foi Ouvido Antes

Oh bom homem! Como um Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via do


Grande Nirvana e ouve aquilo que não foi ouvido? O que os 12 tipos de

Capítulo 27: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 1 Página 37


sutras estabelecem é profundo no significado, inaudito desde o remoto
passado. Agora, somente neste sutra, ouvimos completamente bem.
Ouvimos sobre isto antes. Mas o que foi ouvido era somente o nome.
Somente neste Sutra do Grande Nirvana ouvimos sobre o significado.
Sravakas e Pratyekabudas somente ouvem os nomes dos 12 tipos de
sutras, mas não sobre o significado. Agora, neste sutra, ouvimos com-
pletamente. Este é o porquê falamos da audição daquilo que não foi
ouvido [antes].

Oh bom homem! ‘Nos sutras dos Sravakas e Pratyekabudas, não ouvi-


mos que o Buda era o Eterno, Êxtase, o Eu e o Puro, e que não há extin-
ção; que não há diferença entre os Três Tesouros e a Natureza-de-Buda,
e que a Natureza-de-Buda está mesmo naqueles que têm perpetrado as
quatro graves ofensas, os caluniadores do Vaipulya, e aqueles que têm
cometido os cinco pecados mortais. Mas agora, neste sutra, ouvimos
isto’. Isto é o que chamamos de audição daquilo que nunca foi ouvido
antes.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 38


Capítulo Vinte e Oito: Sobre o Bodhisattva
Rei Altamente-Virtuoso 2

O Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso disse


ao Buda: “Se aqueles que têm cometido as graves ofensas, aqueles que
têm caluniado os Sutras Vaipulya, aqueles que têm cometido os cinco
pecados mortais, e o icchantika, [todos] têm a Natureza-de-Buda, por
que então eles caem no inferno? Oh Honrado pelo Mundo! Se eles pos-
suem a Natureza-de-Buda, por que dizemos que não há o Eterno, o
Êxtase, o Eu e o Puro [com eles]? Oh Honrado pelo Mundo! Se alguém
que erradicou as raízes da benevolência é um icchantika, por que é que,
quando arrancadas as raízes do bem, a raiz da Natureza-de-Buda não é
arrancada? Se a Natureza-de-Buda é arrancada, como podemos falar do
Eterno, Êxtase, Eu, e o Puro? Se não existe essa erradicação, por que
falamos do ‘icchantika’? Oh Honrado pelo Mundo! Aqueles que têm
cometido as quatro graves ofensas são chamados pessoas não perma-
nentes. Aqueles caluniadores dos Sutras Vaipulya, aqueles que têm
cometido os cinco pecados mortais, e o icchantika, são denominados
como não permanentes. Se (pessoas) tais como estes estão a se tornar
permanentes, como podem eles atingir a Iluminação Insuperável?
Mesmo aqueles que atingiram os estágios desde o Srotapanna até o
Pratyekabuda são igualmente chamados de pessoas não permanentes.
Mesmo se esses que estão nos estágios desde o Srotapanna até o Prat-
yekabuda pudessem de fato se tornar permanentes, eles nunca poderi-
am atingir a Iluminação Insuperável. Oh Honrado pelo Mundo! Se aque-
las pessoas que têm cometido as quatro graves ofensas são não perma-
nentes, aqueles dos estágios desde o Srotapanna até o Pratyekabuda
são também não permanentes. Se eles devem ser chamados não per-
manentes, o Buda-Tathagata também deve ser não permanente. Se o
Buda é alguém não permanente, o corpo e a natureza do Nirvana, tam-
bém, devem ser chamados não permanentes. Mesmo todas as leis
[dharmas], também, devem ser chamadas não permanentes. Por que

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 39


não permanente? Quando o icchantika acaba com o icchantika [que há
dentro dele], ele pode atingir o Bodhi [Iluminação]. O mesmo deve ser o
caso com todos os Budas. Mesmo embora entrem no Nirvana, eles po-
dem voltar e não entrar no Nirvana. Se as coisas se procedem assim,
podemos dizer que a natureza do Nirvana é não permanente. Não sen-
do permanente, nunca pode haver o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro.
Como podemos dizer que o icchantika e os outros podem alcançar o
Nirvana?”

Então o Honrado pelo Mundo disse ao Todo-Brilhante Bodhisattva-


Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso: “Bem falado, bem falado! Para
beneficiar e levar a paz aos inumeráveis seres, para apiedar-se de todo
o mundo, para ampliar a prática da Via de todos os Bodhisattvas que
aspiram ao Bodhi, você coloca essas questões. Oh bom homem! No
passado, você já se aproximou de um incontável número de Budas e
cultivou, no lugar (função) de todos os Budas, todas as boas ações. De
há muito você realizou a virtude do Bodhi, subjugou e expulsou todos
os Maras. Você já ensinou inumeráveis seres e permitiu-lhes atingir o
Insuperável Bodhi. Por longo tempo você perscrutou o mais profundo e
hermeticamente guardado repositório do Dharma do Buda-Tathagata, e
colocou tais questões para todos os Budas-Tathagatas do passado, tão
numerosos quanto às areias de inumeráveis, ilimitados Ganges. Até
agora, nunca encontrei um humano, celestial, Shramana, Brâmane,
Mara ou Brahma que tenha colocado essas questões ao Tathagata. Ago-
ra, ouça cuidadosamente, ouça cuidadosamente. Agora explicarei cla-
ramente.

Oh bom homem! O icchantika é não permanente. Se permanente, ele


não poderia alcançar a Iluminação Insuperável. Como ele não é perma-
nente ainda, ele pode alcançá-la.

Você diz que a menos que ele corte a Natureza-de-Buda, como poderia
um icchantika erradicar todas as raízes do bem?

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 40


Oh bom homem! Existem dois tipos de raízes do bem. Uma é interna, e
a outra externa. A Natureza-de-Buda é nem interna e nem externa. Em
razão disto, não há erradicação da Natureza-de-Buda. Também, há ou-
tros dois tipos. Uma é impura, e a outra é pura. A Natureza-de-Buda é
nem impura e nem pura. Em razão disto, não há erradicação. Também,
há outros dois tipos. Uma é eterna, e a outra é não-eterna. A Natureza-
de-Buda é nem eterna e nem não-eterna. Em razão disto, não há erradi-
cação. Se erradicada, ela voltará novamente e será adquirida novamen-
te. Se ela volta e pode ser adquirida, isto é não erradicação. Se o que é
adquirido é erradicado, isto é um icchantika. Uma pessoa que comete
as quatro graves ofensas também é alguém não permanente. Se per-
manente, alguém que tenha cometido as quatro graves ofensas não
poderia alcançar o Insuperável Bodhi. Alguém que caluniou o Vaipulya
também é não permanente. Se permanente, o caluniador não poderia
atingir o Insuperável Bodhi. Alguém que tenha cometido os cinco peca-
dos mortais também é não permanente. Se permanente, esse alguém
não seria capaz de atingir o insuperável Bodhi. A matéria e as caracterís-
ticas (propriedades) da matéria, também, são ambas não permanentes.
As características do olfato, paladar, tato, aquelas (características) do
nascimento, até aquelas da ignorância, aquelas dos cinco skandas, das
12 esferas e dezoito reinos [da experiência sensorial], aquelas das 25
existências, as quatro vidas, e mesmo para todas as existências, são
igualmente não permanentes. Oh bom homem! Por exemplo, um ilusi-
onista pode se apresentar aos olhos das pessoas das quatro forças mili-
tares da infantaria, carruagens, elefantes e cavalos; ele evoca todos os
tipos de grinaldas, adornos para o corpo, cidades-castelo, vilas, monta-
nhas, florestas, árvores, nascentes, lagos, rios e poços. Dos espectado-
res, a pequena criança que não possui muito intelecto pensará que to-
das aquelas coisas são reais, mas aqueles de inteligência saberão que
tudo é puramente uma falsa sedução ilusória, que engana os olhos das
pessoas. Oh bom homem! O mesmo se passa com todos os mortais
comuns até Sravakas e Pratyekabudas, que pensam que existem esta-

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 41


dos permanentes em todas as coisas. Todos os Budas e Bodhisattvas
não vêem qualquer estado permanente em quaisquer coisas. Oh bom
homem! Por exemplo, é como com a criança que, em meados da esta-
ção de verão, vê uma miragem e diz que é água, enquanto alguém com
discernimento nunca associará essa miragem com qualquer idéia de
água, sabendo que isto é nada mais que uma miragem que engana os
olhos dos humanos e que não é água. O mesmo é o caso com todos os
seres, Sravakas e Pratyekabudas, que vêem todas as coisas e dizem que
elas são todas reais. Todos os Budas e Bodhisattvas não vêem qualquer
estado permanente em quaisquer coisas. Oh bom homem! Por exem-
plo, nos vales das montanhas, a voz de um humano gera um eco. Uma
criança ouve isto e diz que é uma voz de verdade, enquanto alguém
com inteligência dirá que nada há de real ali; o que existe lá é mera-
mente a característica (ondulatória) de uma voz que engana a consciên-
cia auditiva. Oh bom homem! É o mesmo com todos os seres, Sravakas
e Pratyekabudas, que vêem características permanentes em todas as
coisas, enquanto todos os Bodhisattvas e Budas sabem que todas as
coisas não possuem estados permanentes e que tudo é não-eterno,
vazio, tudo-igual e não tem nascimento ou morte. Portanto, o Bodhi-
sattva vê que todas as coisas são não-eternas.

Oh bom homem! Há também estados permanentes. Como permanen-


tes? Eles são o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro. Onde estão eles? Lá on-
de há Nirvana.

Oh bom homem! O fruto da consecução do Srotapanna, também, não é


algo permanente. Sendo não permanente, somente após 80.000 kalpas
ele pode atingir o Insuperável Bodhi. O estado do Sakrdagamin é igual-
mente não permanente. Não sendo permanente, essa pessoa atinge o
Insuperável Bodhi após 60.000 kalpas. Aquele do Anagamin também é
não permanente. Não sendo permanente, esse alguém atinge o Insupe-
rável Bodhi após 40.000 kalpas. Aquele do Arhat, também, é o mesmo.
Não sendo permanente, ele atinge a mente do Insuperável Bodhi após

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 42


20.000 kalpas. É o mesmo com a fruição do Pratyekabuda. Não sendo
permanente, ele atinge a mente do Insuperável Bodhi somente após
10.000 kalpas.

Oh bom homem! O Tathagata agora reclina em Kushinagar entre as


árvores sala gêmeas, na postura de um leão, e mostra-se como se esti-
vesse entrando no Nirvana. Todos aqueles seus discípulos que ainda
não atingiram o Arhatship e todos os Mallas estão abatidos com grande
apreensão e tristeza. Também, devas, humanos, asuras, gandharvas,
garudas, kimnaras, mahoragas e outros fazem grandes oferecimentos.
Todas as pessoas agora estão prontas para queimá-lo com 1.000 (man-
tas) indumentárias finamente tecidas de lã, nas quais se envolverá seu
corpo para colocá-lo num ataúde de sete gemas preciosas, embalsama-
do com óleo fragrante e coberto com todos os tipos de madeiras aro-
máticas. Somente duas mantas não podem ser queimadas. Uma é aque-
la que está junto ao seu corpo, e a outra é aquela mais externa. Entre
todas as pessoas, seus restos mortais devem ser divididos em oito par-
tes. Todos os Sravakas ali presentes dizem que o Tathagata agora entra
no Nirvana.

Saiba que o Tathagata definitivamente não entra no Nirvana. Por que


não? Porque o Tathagata é Eterno, e não ocorre Nenhuma Mudança
[com Ele]. Portanto, o Nirvana do Tathagata também é não permanen-
te. Oh bom homem! Saiba que o Tathagata, também, é não permanen-
te. O Tathagata não é deva. Por que não? Há quatro céus, nomeada-
mente: 1) céu mundano, 2) céu do senciente, 3) céu da pureza, e 4) céu
do significado. O Céu Mundano é como no caso de um rei. O Céu do
Senciente é como aquele dos quatro guardiões da terra até o Céu da
Irreflexão-não-Irreflexão (‘Thoughtlessness-non-Thoughtlessness’ -
Thoughtlessness é consciência sem obstruções, sem distinções e sem
apegos, que permeia todas as coisas). O Céu da Pureza é para aqueles
(dos estágios) do Srotapanna até o Pratyekabuda. O Céu do Significado
é para os Bodhisattvas-Mahasattvas dos dez estágios [‘bhumis’]. Por

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 43


que chamamos o Bodhisattva dos dez estágios de Céu do Significado?
Porque ele pode apreender bem o significado de todas as coisas. O que
se entende por significado? Significado aqui denota a visão de que to-
das as coisas são vazias.

Oh bom homem! O Tathagata não é rei, nem da classe dos quatro guar-
diões da terra, nem daqueles do Céu da Irreflexão-não-Irreflexão, nem
da classe do Srotapanna, do Pratyekabuda, ou o Bodhisattva dos dez
estágios. Assim, o Tathagata não é deva. Mas todos os seres chamam o
Tathagata de deva dos devas. Portanto, o Tathagata não é deva, nem
não-deva, nem humano, nem não-humano, nem demônio, nem não-
demônio, nem habitante do inferno, da animalidade, dos espíritos fa-
mintos; nem é não-habitante do inferno, da animalidade ou dos espíri-
tos famintos. Ele não é ser; não é dharma (lei), e não é não-dharma. Ele
não é matéria [‘rupa’] e nem não-matéria. Ele não é alto, nem não-alto,
nem baixo, nem não-baixo. Ele é não-fenomenal, nem não-fenomenal,
nem mente, nem não-mente. Ele não é algo impuro, nem é não-impuro.
Ele é não criado, e não é não-criado. Ele não é Eterno, nem não-Eterno,
nem fantasma, nem não-fantasma. Ele não é nome e não é não-nome;
não permanente, e nem não-permanente. Ele não é ‘é’, nem ‘não-é’,
nem um sermão, nem um não-sermão. Ele não é Tathagata, e nem não-
Tathagata. Portanto, o Tathagata não é alguém permanente.

Oh bom homem! Por que não chamamos o Tathagata de ‘deva munda-


no’? O deva mundano é o rei. O Tathagata já há inumeráveis kalpas
abandonou o reinado do estado. Assim, ele não é rei. Dizemos que ele
não é um não-rei. Ele nasceu na residência real de Kapilavastu. Assim,
ele não é um não-rei. Ele não é um deva do Céu Senciente. Porque ele
há longo tempo renunciou qualquer forma de existência. Assim, ele não
é deva do Céu Senciente. Ele não é não-deva do Céu Senciente Por que
não? Ele ascendeu ao Céu Tushita e desceu para o Jambudvipa. Assim, o
Tathagata não é não-deva do Céu Senciente. Ele não é deva (do Céu) da
Pureza. Por que não? Porque o Tathagata não é (da classe) do Srota-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 44


panna até o Pratyekabuda. O Tathagata não é não-deva (do Céu) da
Pureza. Por que não? Porque ele não é alguém maculado pelas oito
coisas do mundo [isto é, os oito ventos da: prosperidade, declínio, hon-
ra, desgraça, elogio, calúnia, felicidade e sofrimento] e é como o lótus,
que não é manchado pela água lamacenta. Portanto, o Tathagata não é
não-deva (do Céu) da Pureza. Também, ele não é deva (do Céu) do Sig-
nificado. Por que não? Porque o Tathagata não é Bodhisattva do grau
dos dez estágios. Por esta razão, o Tathagata não é deva (do Céu) do
Significado. Nem ele é não-deva (do Céu) do Significado. Por que não?
Porque o Tathagata sempre pratica os significados dos 18 shunyatas
[vazios]. Portanto, o Tathagata não é não-deva (do Céu) do Significado.
O Tathagata não é um humano. Por que não? Porque que ele se apar-
tou da existência como um humano há inumeráveis kalpas. Portanto,
ele não é humano. Ele não é não-humano. Por que não? Porque ele
nasceu em Kapilavastu. O Tathagata não é demônio. Por que não? Por-
que ele não causa quaisquer danos a quaisquer seres. Em razão disto,
ele não é demônio. Também, ele não é não-demônio. Por que não?
Porque ele ensina os seres transformando-se num demônio. O Tathata-
ga também não é um habitante do (reino do) inferno, da animalidade
ou dos espíritos famintos. Por que não? Porque de há muito o Tathaga-
ta se apartou de todas as más ações. Portanto, ele não é habitante do
inferno, da animalidade ou dos espíritos famintos. Também, ele não é
não-habitante dos reinos do inferno, da animalidade ou dos espíritos
famintos. Por que não? Porque o Tathagata também se transforma nos
três reinos do infortúnio e salva os seres. Portanto, ele não é não-
habitante dos reinos do inferno, da animalidade e dos espíritos famin-
tos. Também, ele não é (do mundo) dos seres, Por que não? Porque
muito (tempo) se passou desde que ele abandonou a natureza dos se-
res. Assim, ele não é (do mundo) dos seres. Nem ele é um não-ser. Por
que não? Porque, às vezes, ele fala das [isto é, assume as] característi-
cas de um ser. Portanto, o Tathagata não é um não-ser. O Tathagata
não é nenhuma lei (dharma). Por que não? Porque todas as existências
têm diferentes características. Não é assim com o Tathagata. Ele possui

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 45


uma (e somente uma) característica. Portanto, ele não é dharma e nem
não-dharma. Por que não? Porque o Tathagata é o Mundo-do-Dharma.
Portanto, ele não é nenhum não-Dharma. O Tathagata não é um corpo.
Por que não? Mesmo as dez categorias de corpos [isto é, os cinco senti-
dos orgânicos e os cinco campos do sentido] não podem abarcá-lo. Este
é o porquê ele não é um corpo. E ele não é um não-corpo. Por que não?
Porque ele tem sobre o seu corpo as 32 marcas da perfeição e as 80
características menores de excelência. Portanto, ele não é um não-
corpo. O Tathagata não é alto. Por que não? Porque ele se estabelece
(repousa) sobre todos os tipos de forma. Portanto, ele não é algo que é
alto. Nem ele é não-alto. Por que não? Porque o mundo não pode ver
essa característica assim como o nó do cabelo sobre sua cabeça. Por
essa razão, ele não é não-alto. O Tathagata não é aquilo que é baixo
(rebaixado). Por que não? De há muito ele se apartou das amarras da
arrogância. Portanto, ele não é aquilo que é baixo. Também, ele não é
não-baixo. Por que não? Porque ele manifestou diante do homem rico,
Kokila, um corpo de três pés [isto é, o corpo de uma criança dita ter sido
projetada de forma a ensinar Kokila]. Portanto, ele não é não-baixo. O
Tahagata não é do (mundo) fenomenal. Porque há muito ele se apartou
de qualquer aspecto fenomenológico. Portanto, não fenomenal. Tam-
bém, ele não é não-fenomenal. Por que não? Porque ele conhece com-
pletamente todos os fenômenos. Portanto, ele não é não-fenomenal.
Por que não? Porque ele é como o espaço. Portanto, não é mente.
Também, ele não é não-mente. Por que não? Porque ele possui os dez
poderes mentais [‘dashabala’]. E também porque ele pode penetrar
(sondar) completamente o que está na mente de quaisquer seres. Por-
tanto, ele não é não-mente. O Tathagata não é algo criado. Por que
não? Em razão do Eterno, do Êxtase, do Eu e do Puro. Por essa razão,
ele não é algo que foi criado. Também, ele não é algo não-criado. Por
que não? Porque ele manifesta-se vindo, indo, sentando, deitando e
entrando no Nirvana. Portanto, ele não é não-criado. O Tathagata não é
Eterno. Por que não? Porque ele tem partes no corpo [as partes de um
corpo físico]. Portanto, não-Eterno. Por que ele é não-Eterno? Porque

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 46


ele tem intelecto. O que é Eterno não possui intelecto, como no caso do
espaço. O Tathagata possui intelecto. Assim, ele não é eterno. Como ele
não é eterno? Porque ele tem linguagem e fala. O que é Eterno não tem
linguagem; é como o espaço. O Tathagata tem linguagem. Portanto,
não-eterno. Ele tem um nome de família. Assim, ele é não eterno. O
que não possui nome de família é o Eterno. O espaço é Eterno, assim
ele não tem nome de família. O Tathagata tem o nome da família Gau-
tama. Portanto, ele é não eterno. Como ele tem pais, ele é não eterno.
O que é sem pais é o Eterno. O espaço é Eterno, assim ele não tem pais.
O Buda tem pais. Portanto, não-eterno. Ele tem quatro posturas [isto é,
deitar, sentar, ficar de pé, caminhar]. Portanto, não-eterno. O que não
tem quatro posturas é Eterno. O espaço é Eterno, assim ele não tem
quatro posturas. O Buda tem quatro posturas. Portanto, não-eterno. O
que é Eterno não tem direção ou lugar para habitar. O espaço é Eterno,
assim ele não tem direção ou lugar de onde falar. O Tathagata apareceu
no Leste da Índia, e viveu em Sravasti e Rajagriha. Portanto, ele é não-
eterno. Por essa razão, o Tathagata não é eterno. Também, ele não é
não-eterno. Por que não? Porque ele erradicou a vida eternamente. O
que tem vida é não-eterno; o que não tem vida é Eterno. O Tathagata
não tem vida. Portanto, Eterno. O que é Eterno não tem nome de famí-
lia; o que tem um nome de família é não-eterno. O Tathagata não tem
vida e nem nome de família. Sem vida e sem nome de família, ele é
Eterno. ‘O que é Eterno abarca todos os lugares como no caso do espa-
ço, o qual não há lugar onde ele não exista. O mesmo é o caso com o
Tathagata. Ele existe em todos os lugares. Portanto, Ele é Eterno’. O que
é não-eterno se diz ‘é’, e o outro ‘não-é’. O caso do Tathagata não é
assim. Não podemos falar aqui de ‘é’ e lá de ‘não-é’. Portanto, Eterno.
Com o não-eterno, as coisas às vezes se colocam como ‘é’ e às vezes
como ‘não-é’. Com o que se aplica ao Tathagata, não há como dizer, às
vezes, ‘não-é’. Portanto, Eterno. O que é Eterno não tem nome e nem
forma. Uma vez que o espaço é Eterno, ele não possui nome ou forma.
O Tathagata, também, é sem nome e sem forma. Portanto, Eterno. O
que é Eterno não tem causa e nem efeito. Como o espaço é Eterno, ele

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 47


não tem causa e nem efeito. O Tathagata, também, não tem causa e
nem efeito. Portanto, Eterno. O que é Eterno não está relacionado às
Três Existências (presente, passado e futuro). É o mesmo com o Tatha-
gata. Ele não tem nada a fazer com as Três Existências. Portanto, Eter-
no. O Tathagata não é fantasma. Por que não? Ele está apartado eter-
namente de qualquer idéia de enganar. Portanto, ele não é fantasma.
Também, ele não é um não-fantasma. Às vezes ele divide um corpo em
inumeráveis corpos e funde inumeráveis corpos em um. Ele passa atra-
vés das montanhas e nada pode obstruí-lo. Ele caminha sobre a água
como se fosse no chão. Ele mergulha no chão como se fosse na água, e
move-se através do ar como se sobre o chão. Seu corpo emite chamas
como uma grande bola de fogo. Agita nuvens e trovões, e o som é as-
sustador. Às vezes, ele torna-se como uma cidade-castelo, uma vila,
uma casa, uma montanha, um rio ou uma árvore. Outras vezes ele ma-
nifesta-se num grande corpo, ou às vezes como alguém pequeno. Ele
torna-se um macho, uma fêmea, uma criança macho ou fêmea. Portan-
to, o Tathagata também não é um não-fantasma. O Tathagata não é
alguém permanente. Por que não? Porque ele manifesta-se aqui em
Kushinagar entre as duas árvores sala gêmeas no momento em que
entra no Nirvana. Portanto, ele não é permanente. Também, ele não é
não-permanente. Por que não? Porque ele é o Eterno, o Êxtase, o Eu e o
Puro. Por essa razão, o Tathagata também não é não-permanente. O
Tathagata não é alguém que expele impurezas. Por que não? Porque ele
está apartado das três impurezas. As três impurezas são: 1) impurezas
do kamadhatu [Reino do Desejo], com exceção da ignorância, que são
as impurezas do desejo, 2) impurezas do rupadhatu e arupadhatu [Rei-
no da Forma (Substância), e Reino da Não-Forma (Não-Substância)],
com exceção da ignorância, as quais são chamadas impurezas-do-‘ser’,
3) ignorância dos três mundos, que é a impureza da ignorância. O Ta-
thagata está eternamente apartado disso. Portanto, ele não expele
impurezas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 48


Também, além disso, todos os seres não vêem a impureza do ‘ser’. Por
que todos os seres não vêem a impureza do ‘ser’? Todos os seres têm
dúvidas com relação às coisas que advirão no futuro, nomeadamente:
Eles terão um corpo ou não no futuro? Existiu um corpo ou não no pas-
sado? Eles possuem um corpo ou não na presente vida? Se existe o Eu,
ele é uma forma (matéria) ou não-forma (espírito)? Ele é forma-não-
forma? É forma e não-forma? É percepção ou não-percepção, ou per-
cepção e não-percepção? É não-percepção e não-não-percepção? Este
corpo pertence a alguma outra pessoa ou não? É o que pertence aos
outros ou o que não pertence aos outros, ou é alguém que não perten-
ce aos outros? É alguém com vida, mas não um corpo carnal? É alguém
que é um corpo carnal, mas sem vida? É alguém que tem um corpo
carnal e vida? É alguém que não tem corpo e nem vida? É um corpo
carnal, vida, e alguém que é eterno? Ou é alguém que é não-eterno? É
não-eterno, ou eterno e não-eterno? É alguém que é não-eterno e não
não-eterno? O corpo e a vida são produto de Isvara (ou Ishvara, é um
conceito filosófico significando o ‘Supremo Controlador’; isto é, Deus –
Fonte: Wikipedia)? Ou são produto do tempo? São produto sem causa?
São produto de ‘prakriti’ [matéria primordial]? São o produto de partí-
culas? São eles o produto de leis ou não-leis? São eles produto dos hu-
manos? São eles produto da ilusão? São eles o produto de um pai e
uma mãe? Esse (eu) vive em nossa própria mente? Ou ele reside nos
olhos? Ou ele preenche o corpo todo? De onde ele vem e para onde
vai? Quem de fato nasce e morre? No passado era um Brâmane, um
Kshatriya, um Vaishya ou um Sudra? A qual casta pertencerá no futuro?
No passado meu corpo foi de um macho, fêmea ou um animal? Cometi
algum pecado se tirei uma vida, ou não é nada disso? Se beber álcool é
um pecado, ou não é nada disso? Ele [o carma] é da nossa própria auto-
ria, ou é algo da autoria dos outros? Eu recebo retribuições cármicas, ou
eu as contraio pelo meu próprio corpo? Essas dúvidas e inumeráveis
outras ilusões espalham-se sobre as mentes dos seres. Dessas visões
distorcidas emergem os seis pensamentos, os quais são: 1) O Eu existe
definitivamente, 2) O Eu definitivamente não existe, 3) o Eu temporário

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 49


é o verdadeiro Eu, 4) Nenhum Eu existe para além do Eu temporário, 5)
o verdadeiro Eu existe para além do Eu temporário, 6) o Eu que vem
dos Skandhas faz, recebe e conhece. Todas essas são visões distorcidas
da vida. Muito se passou desde que o Tathagata erradicou as inumerá-
veis raízes das visões (distorcidas) e impurezas. Assim, ele não expele
impurezas. Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva que pratica as
ações sagradas do Grande Nirvana é capaz de acabar eternamente com
todas essas impurezas. O Buda-Tathagata sempre pratica ações sagra-
das. Portanto, nenhuma impureza existe [com ele].

Os Descaminhos dos Sentidos

Oh bom homem! Os mortais não podem subjugar facilmente os cinco


sentidos orgânicos. Assim, há três impurezas através das quais eles se
inclinam para a maldade e vão para lugares indevidos. Oh bom homem!
Um mau cavalo, por exemplo, mestiço em sua natureza, leva uma pes-
soa em sua montaria para lugares inseguros. O mesmo se passa com um
humano que não tem um bom controle dos seus cinco sentidos orgâni-
cos e que se afasta da boa Via para o Nirvana, e ganha nascimento em
todos os tipos de reinos do infortúnio. Por exemplo, um elefante de má
índole e ainda não adestrado, não levará o seu condutor para onde ele
deseja ir, deixará a cidade-castelo e buscará a selva. O mesmo se passa
com uma pessoa que não tem um bom controle sobre os cinco sentidos
orgânicos. Isto a conduz para longe da cidade-castelo do Nirvana, em
direção à vastidão das terras estéreis do nascimento e da morte. Oh
bom homem! Isto é como no caso de um ministro de idéias distorcidas
que faz com que o rei cometa o mal. O mesmo acontece com o ministro
das idéias distorcidas dos cinco sentidos orgânicos. Ele sempre ensina as
pessoas a cometerem inumeráveis coisas más. Oh bom homem! Isto é
semelhante a um mau filho que, se não ensinado por professores, ido-
sos e pais, sempre cometerá más ações. Assim se dão as coisas com
alguém que não tem controle sobre os cinco sentidos orgânicos. Essa

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 50


pessoa não dá ouvido às boas injunções dos mestres e idosos, e não há
fim para as maldades que ela cometerá. Oh bom homem! Os mortais
comuns não têm controle sobre seus cinco sentidos orgânicos e sempre
sofrem com os ladrões do inferno, da animalidade e dos espíritos famin-
tos. Também, os tentáculos dos ladrões malignos se estendem mesmo
até as pessoas boas. Oh bom homem! Como os mortais comuns não
têm controle sobre os cinco sentidos orgânicos, as tempestades das
cinco poeiras [isto é, dos cinco campos dos sentidos] os abatem. Por
exemplo, se as vacas do pasto não forem bem guardadas, elas devasta-
rão as mudas e plantas que foram cultivadas. Os mortais comuns não
têm controle sobre seus cinco desejos e sofrem de várias maneiras.

A Sabedoria da Mente Desperta

Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica o Grande


Nirvana e as ações sagradas, ele sempre protege bem os seus cinco
sentidos orgânicos. Ele teme a ganância, a ira, a ignorância e o ciúme,
porque ele tem que chegar a todas as boas leis (dharmas). Oh bom ho-
mem! Alguém que proteja bem os cinco sentidos orgânicos protege
bem a mente. Alguém que proteja bem a mente protege bem os cinco
sentidos orgânicos. Por exemplo, quando os homens protegem o rei, o
país está bem protegido. Alguém que proteja o país protege bem o seu
rei. O mesmo se passa com o Bodhisattva-Mahasattva. Ao ouvir este
Sutra do Grande Nirvana, obtém-se a Sabedoria. Através da Sabedoria,
obtém-se a mente exclusiva. Se os cinco sentidos orgânicos são aban-
donados, a mente deixa de agir. Por quê? Em virtude da Sabedoria da
Mente Desperta. Oh bom homem! Isto é como no caso do pastor que
impede suas vacas de vagarem de leste para oeste prejudicando as cul-
turas. É o mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva. Agindo segundo a
Sabedoria da Mente Desperta, ele protege os cinco sentidos orgânicos
de tal forma que eles não saiam do controle. A sua Sabedoria da Mente
Desperta não vê forma do Eu, o que sai (vem) do Eu, os seres ou o que

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 51


eles gostam (ou a que se apegam). Ele vê todas as coisas assim como
quando ele vê a ‘Dharmata’ [Essência da Realidade], e aquilo que ele vê
é tudo como a terra, pedras, telhas e cascalhos. Por exemplo, uma casa
vem a existir através de várias combinações de elementos e não através
de qualquer natureza permanente dela própria. Ele vê que todos os
seres não são mais que combinações dos quatro grandes elementos e
dos cinco skandhas, e que eles não possuem uma natureza permanente.
Como não existe uma natureza permanente, o Bodhisattva não se ape-
ga avidamente. Todos os mortais comuns pensam que eles existem. Em
conseqüência, eles têm a aflição das impurezas. Quando o Bodhisattva-
Mahasattva pratica o Grande Nirvana e tem a Sabedoria da Mente Des-
perta, ele não se apega a quaisquer seres. Também, além disso, o Bo-
dhisattva-Mahasattva, praticando o Sutra do Grande Nirvana, não se
apega a quaisquer seres ou às diversas formas externas das coisas. Oh
bom homem! Por exemplo, um pintor usa várias cores e pinta quadros
de homens, mulheres, vacas, cavalos, etc. Os mortais comuns, devido à
inteligência, vêem aquilo e os percebem como sendo homens, mulhe-
res, etc. Mas, o pintor sabe que eles não são homens e mulheres. É o
mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva. Nos vários aspectos das coisas,
ele enxerga somente o aspecto, mas nunca as muitas formas dos seres,
sempre, até o fim. Porque ele tem a Sabedoria da Mente Desperta. O
Bodhisattva-Mahasattva, como ele pratica o Grande Nirvana, pode ver
uma linda mulher. Mas, até o fim, ele não concebe um pensamento de
apego. Por que não? Por que ele olha meticulosamente para aquilo que
preenche seus olhos. Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva sabe
que não há nenhum prazer nos cinco desejos e que neles o regozijo não
perdura. Isto é como um cão que morde um osso morto; como um ho-
mem segurando uma tocha contra o vento; um barril de serpentes ve-
nenosas obtido num sonho; árvores frutíferas à beira da estrada que
facilmente são atacadas por muitas pessoas; um pedaço de comida pelo
qual muitos pássaros competem; espuma sobre a água; a urdidura de
um pedaço de tecido da roupa que agora chega a um fim; um prisionei-
ro tendo que ir para uma cela da prisão – ou o que quer que seja tem-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 52


porário e não possa perdurar muito. Assim, medita-se sobre os desejos
e percebe-se que muita coisa está errada.

Os Incessantes Sofrimentos da Vida e da Morte

Também, além disso, o Bodhisattva medita sobre todos os seres. Afei-


çoados com cor, cheiro, paladar e tato, são sempre atormentados ao
longo de inumeráveis kalpas. O tamanho dos corpos e ossos que cada
ser acumula durante um kalpa é tão imenso quanto o Monte Vipula em
Rajagriha; o leite tomado (por cada ser) é tão volumoso quanto às á-
guas dos quatro oceanos. E o sangue derramado é muito mais do que
isto. As lágrimas derramadas pelos pais, irmãos, esposa, filhos e paren-
tes no momento da morte é mais que as águas dos quatro oceanos.
Poderíamos cortar todas as árvores da terra, fazer palitos de uma pole-
gada e contar os pais (de cada ser), e ainda assim não seríamos capazes
de chegar ao fim da contagem. Não é possível contar completamente os
sofrimentos passados nos reinos do inferno, da animalidade e dos espí-
ritos famintos. Poderíamos cortar a grande terra em pedaços tão pe-
quemos quanto tâmaras. Ainda assim, os nascimentos e mortes prosse-
guiriam infinitamente e não poderiam ser contados. O Bodhisattva-
Mahasattva medita profundamente sobre os incessantes sofrimentos
pelos quais todos os seres passam na vida em razão dos desejos. O Bo-
dhisattva-Mahasattva não perde sua Sabedoria da Mente Desperta em
razão dos sofrimentos do nascimento e da morte.

A Parábola do Pote de Óleo

Oh bom homem! Como um exemplo: o povo enche uma área de 25 ‘lis’


[1.894 pés] quadrados. O rei ordena a um ministro: ‘Carregue um pote
cheio de óleo, leve-o através da multidão, mas não deixe cair uma única
gota no chão. Se uma gota cair, você perderá sua vida’. Além disso, um

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 53


homem o seguiu com uma espada desembainhada para amedrontá-lo.
O ministro, observando estritamente as injunções reais, passou através
da grande multidão de pessoas. Quando ele via os objetos dos cinco
desejos, ele sempre dizia para si mesmo: ‘Se eu for indolente e me in-
clinar para os desejos errados, certamente derramarei o que estou se-
gurando em minhas mãos e perderei minha vida’. Devido a esse temor,
o homem não derramou mesmo uma simples gota de óleo. O mesmo se
passa com o Bodhisattva-Mahasattva. Em meio ao nascimento e a mor-
te, ele não perde a sua Sabedoria da Mente Desperta. Não perdendo
isto, sua mente não adere avidamente aos cinco desejos, mesmo quan-
do ele os vê. Ele vê uma cor pura, mas nenhuma cor aparece lá (em sua
mente); o que ele vê é uma cena de sofrimento. Isso se estende (dos
olhos) até a consciência. Ele não vê nascimento, extinção ou causa. O
que ele vê são fases do processo de conjunção de elementos. Os cinco
sentidos orgânicos do Bodhisattva são puros. Como seus sentidos orgâ-
nicos são puros, aqueles sentidos orgânicos são totalmente protegidos.
Os sentidos orgânicos dos mortais comuns são impuros. Assim, a obser-
vância [dos princípios de moralidade] não pode se proceder bem. Por-
tanto, dizemos que a raiz encobre impurezas. Com o Bodhisattva, essas
secreções (de impurezas) são eternamente findadas. Portanto, falamos
‘não-secreção’. Com o Tathagata, essa [secreção de impurezas] foi ex-
tirpada eternamente. Portanto, não-secreção.

Também, além disso, oh bom homem! Existe uma segregação (separa-


ção) da secreção. O Bodhisattva deseja fundamentar o Reino de Buda
da insuperável amrta [imortalidade] e abandona as más secreções. Co-
mo ele as separa? Ele pratica extensivamente o Sutra do Grande Nirva-
na, escreve, copia, ostenta (defende), recita e o expõe, e medita sobre o
seu significado. Isto é segregação. Por quê? Oh bom homem! Não en-
contrei um caso entre os 12 tipos de sutras que seja comparável a este
Sutra Vaipulya do Grande Nirvana, no qual alguém se aparte tão com-
pletamente das más secreções. Oh bom homem! Como uma ilustração:
um mestre instruído ensina seus discípulos. Alguém em meio a eles

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 54


aprende bem o que é ensinado e não é mal intencionado. É o mesmo
com o Bodhisattva que pratica o Todo-Maravilhoso Sutra do Grande
Nirvana e que não tem maldade em seu pensamento.

O Encanto Maravilhoso do Grande Nirvana

Oh bom homem! Por exemplo, existe um encanto maravilhoso. Uma


vez empregado, ele torna alguém imune aos venenos por vinte anos, e
uma serpente não pode picá-lo. Se alguém recita o encanto, não acon-
tecerá de sofrer por eles [isto é, por quaisquer venenos] ao longo da
duração de sua própria vida. O mesmo se passa com este Sutra do
Grande Nirvana. Se alguém dá ouvido a ele, durante os sete kalpas vin-
douros esse alguém não cairá nos reinos do infortúnio. Se alguém copia,
recita, o expõe e medita sobre o seu significado, essa pessoa infalivel-
mente atingirá a Iluminação Insuperável. Isto é como o caso de um Cha-
kravartin que alcança o amrta [imortalidade] quando ele vê o estado de
pureza da Natureza-de-Buda.

Meu Verdadeiro Discípulo

Oh bom homem! Há essas inumeráveis virtudes neste Grande Nirvana.


Oh bom homem! Qualquer um que copie, recite, exponha e explique-o
para outros, e medite sobre o seu significado é, você deve saber, meu
verdadeiro discípulo. E ele segue bem a minha Via. Isto é o que vejo e
pelo que rogo. Essa pessoa sabe claramente que eu não entro no Nirva-
na. Assim, em todos os lugares onde essa pessoa viva, seja numa cida-
de-castelo, vila, montanha, floresta, campo, casa, fazenda ou palácio,
eu sempre me encontrarei (lá) e não me afastarei. Eu sempre recebo
oferecimentos dessa pessoa. Eu me transformarei num Monge, Monja,
Leigo, Leiga, Brâhmane, Brahmacarin ou num pobre pedinte. Como
posso conseguir que essa pessoa entenda (saiba) que o Tathagata rece-

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 55


be oferecimentos dela? Oh bom homem! Essa pessoa pode ver à noite a
estátua de um Buda num sonho, ou as formas de todos os devas, Shra-
manas, Reis, um Chakravartin, um Rei-Leão, uma Flor de Lótus ou de
Udumbara; ou ela pode ver uma grande montanha, uma grande exten-
são de água do mar, o sol ou a lua, um elefante branco, um cavalo bran-
co, ou os pais. Essa pessoa ganha flores ou frutos, ou essas coisas pre-
ciosas como ouro, prata, berílio (água marinha), cristal ou os cinco tipos
de produtos da vaca (leite, queijo, nata, manteiga e sarpirmanda). Saiba
que o Tathagata naquela ocasião recebe o que lhe é oferecido. Essa
pessoa acorda, sente-se feliz e recebe o que necessita. Ela não pensa
em maldade e pratica o bem.

A Conduta de um Sábio

Oh bom homem! Esse Grande Nirvana abarca completamente esses


inumeráveis asamkhyas de virtudes todas-maravilhosas. Oh bom ho-
mem! Creia no que digo agora. Todos os bons homens e boas mulheres
desejam ver-me, respeitar-me, ver-me no ‘Dharmata’ [a Essência da
Realidade], ganhar o Samadhi do Vazio, ver a Natureza Real, praticar o
‘Samadhi-Surangama’, o ‘Samadhi-Simharaja’, e destruir os oito Maras.
Por oito Maras entende-se os chamados quatro Maras e o não-Eterno, o
não-Êxtase, o não-Eu e o não-Puro. Qualquer pessoa que deseje ser
abençoada com a benção dos céus deveria ir, tornar-se amiga e associ-
ar-se com aqueles que possuem, copiam, recitam, explicam para outros,
e meditam sobre o significado do Sutra do Grande Nirvana, indagar,
fazer oferecimentos, respeitar, enaltecer (louvar), lavar as mãos e pés,
arrumar o assento, ter as quatro coisas (comida e bebida, roupas, rou-
pas de cama, etc.) bem supridas, tal que nada falte. Se essa pessoa vier
de lugares muito distantes, (dever-se-ia) andar 10 yojanas e recebê-la.
Em razão deste sutra, dar tudo o que é precioso e boas-vindas a qual-
quer dessas pessoas. Se alguém não possui essas coisas para oferecer,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 56


venda-se. Por quê? Porque é difícil encontrar esse sutra, muito mais
difícil que encontrar a Udumbara.

O Eterno Buda Shakyamuni

Oh bom homem! Relembro-me: Inumeráveis, ilimitados nayutas de


kalpas passados, quando existiu um mundo chamado ‘Saha’, havia um
Buda-Honrado-pelo-Mundo chamado Tathagata Shakyamuni, Merece-
dor de Ofertas, Todo-Iluminado, Plenamente Realizado, um Bem Aven-
turado que Compreende o Mundo, de Conhecimento Correto e Univer-
sal, um Mestre Insuperável, Mestre de Seres Celestiais e Humanos, Bu-
da, Honrado pelo Mundo. Para o benefício de todas as pessoas, ele
proferiu o sermão do Sutra do Grande Nirvana. Eu, naquela ocasião,
ouvi de um bom amigo que o Buda, para o benefício de todas as pesso-
as, proferiria o sermão do Sutra do Grande Nirvana. Ouvindo isto, a
alegria brotou dentro de mim. Desejei fazer oferecimentos, mas eu era
tão pobre que não poderia oferecer nada. Então, sai pelos arredores
com a intenção de vender-me. Mas eu era tão mal dotado de sorte que
não consegui me vender. Segui o caminho para casa quando encontrei
um homem.

Eu disse: ‘Pretendo vender-me. Você não me compraria?’

O homem disse: ‘Não tenho ninguém em casa que possa suportar o


trabalho. Se você puder, certamente o comprarei’.

Eu indaguei: ‘Que trabalho é esse que ninguém pode suportar?’

O homem respondeu: ‘Tenho uma doença ruim. Um bom médico disse-


me que tenho que comer três liangs [uma unidade de peso Chinesa] de
carne humana por dia. Se você puder suprir-me com três liangs de car-
ne humana todos os dias, lhe darei cinco moedas de ouro’.

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 57


Ao ouvir isto, alegrei-me enormemente e disse: ‘Dê-me o dinheiro e um
prazo de sete dias. Tendo realizado o que desejo fazer, voltarei e farei o
que devo’.

O homem disse: ‘Não sete, mas apenas um dia, para ser claro’.

Oh bom homem! Então, peguei o dinheiro, voltei, fui ao Buda, prostrei-


me no chão, ofereci o que tinha e, depois, com todo o meu coração,
ouvi este sutra. Naquela ocasião eu era estúpido. Embora tivesse ouvi-
do (todo) este sutra, eu conseguia guardar [isto é, manter em observân-
cia, lembrar e praticar] somente um verso:

‘O Tathagata entra no Nirvana


e extirpa eternamente o nascimento e a morte.
Se alguém ouve com todo seu coração,
obterá infindáveis bênçãos.’

Tendo obtido este verso, fui para a casa da pessoa doente. Oh bom
homem! Então, dei-lhe diariamente três ‘liangs’ de carne. Em razão da
virtude da meditação sobre o gatha (verso), não sentia dores. Nem um
dia falhei [em dar a minha carne], e um mês se passou. Oh bom ho-
mem! Como resultado disto, a doença foi curada. Recuperei o estado
anterior do meu corpo e não tive ferimentos. Com o meu corpo com-
pletamente em ordem, aspirei ao insuperável Bodhi. Tal é o poder de
um simples gatha. Quão maior não seria se eu tivesse guardado e reci-
tado (todo) este sutra? Vendo essa virtude neste sutra, minha aspiração
dobrou [e eu orei]: ‘Rogo para que no futuro eu atinja o Bodhi e seja
chamado Shakyamuni’. Oh bom homem! Devido a esse simples gatha,
estou agora com essa congregação, inteiramente dirigida para (seres)
celestiais e humanos. Oh bom homem! Assim é este Sutra do Grande
Nirvana tão absolutamente maravilhoso. É perfeito nas incontáveis
virtudes. É nenhum outro senão o Todo-Maravilhoso, o Repositório

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 58


mais hermeticamente guardado de todos os Budas. Por essa razão,
qualquer um que o guarde bem elimina as odiosas impurezas. O que
quero dizer com ‘impurezas odiosas’? Nada mais que o elefante mau, o
cavalo mau, a vaca má, o cão mau, e a terra onde vivem víboras vene-
nosas, a terra dos espinhos, precipícios, beiras de precipícios, águas
tormentosas, redemoinhos, más pessoas, terras más, maus castelos,
casas más, maus amigos e outros. Se todas essas coisas se tornam a
causa de secreções de impurezas, o Bodhisattva as abandona. Se não,
ele não as abandona. Se as secreções aumentam, ele as abandona; se
não, ele não o faz. Se maus dharmas (leis) surgem, ele os abandona. Se
quaisquer bons dharmas surgem, ele não os abandona. O que quero
dizer com ‘abandonar’? Isto significa não possuir a espada ou o bastão,
mas com a correta Sabedoria sempre abandonar essas coisas. Isto é
possuir a Sabedoria correta e abandonar. Para atingir o Bom Dharma,
abandona-se o que é mau.

O Ego do Bodhisattva

O Bodhisattva-Mahasattva medita sobre o seu próprio eu [ego] e pensa


que ele é como uma doença, a varíola, um carbúnculo, um inimigo, a
flecha que atinge um homem e penetra seu corpo, que este (corpo) é
uma grande morada do sofrimento, e que tudo nele são as raízes de
todo bem e mal. Embora este corpo seja tão impuro, o Bodhisattva-
Mahasattva trata-o cuidadosamente e alimenta-o. Por quê? Não é para
cobiçar o próprio corpo, mas para cuidar do Bom Dharma. Isto é para o
benefício do Nirvana, não para o nascimento e a morte. É para o benefí-
cio do Eterno, do Êxtase, do Eu e do Puro. Não é para o não-Eterno,
não-Êxtase, não-Eu e o não-Puro. É para o benefício da Iluminação, mas
não para a existência do ‘é’. É para o Veículo Único [‘ekayana’], não
para os três veículos [‘triyana’]. É para obter o corpo das 32 marcas
distintivas da perfeição e as 80 características menores de excelência,
não para o corpo da irreflexão-não-irreflexão (‘Thoughtlessness-non-

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 59


Thoughtlessness’ - Thoughtlessness é consciência sem obstruções, sem
distinções e sem apegos, que permeia todas as coisas). É para o benefí-
cio do Rei da Roda-da-Lei, não para o corpo de um Chakravartin.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva deveria sempre guardar-se


(proteger-se). Por quê? Se não, a vida não estará segura. Se a vida não é
plena, ele não pode copiar, ostentar, guardar, recitar, explicar ampla-
mente aos outros, e meditar sobre os significados deste sutra. Por esta
razão, o Bodhisattva deve proteger-se bem. Este é o porquê o Bodhi-
sattva deve de fato apartar-se de todas as más secreções. Oh bom ho-
mem! Alguém que pretenda cruzar as águas cuida do barco ou jangada.
Alguém que esteja viajando escolhe bons cavalos. O agricultor que cui-
da de suas mudas trata-as com esterco e adubo. Para proteger-se do
veneno de escorpiões, cuida-se de serpentes venenosas. Para a segu-
rança de pessoas e da riqueza, contrata-se candalas. Para subjugar la-
drões, emprega-se fortes soldados. A pessoa protege-se do fogo quan-
do o frio recai sobre ela, e um paciente leproso procura remédios tóxi-
cos. O mesmo se passa com o Bodhisattva. Ele sabe que esse corpo é
repleto de impurezas. Mas, para proteger o Sutra do Grande Nirvana,
ele ajuda e protege completamente [seu corpo], e não permite que suas
forças diminuam.

Elefantes e Amigos

O Bodhisattva-Mahasattva vê ambos, o mau elefante e o mau amigo,


como sendo um e não dois. Por que é assim? Porque ambos o destro-
em. O Bodhisattva nunca teme o mau elefante, mas teme o mau amigo.
Por quê? O mau elefante somente fere o corpo, não a mente. O mau
amigo destrói ambos. O mau elefante destrói somente um único corpo,
mas o mau amigo destrói inumeráveis bons corpos e inumeráveis boas
mentes. O mau elefante somente destrói o impuro e mal-cheiroso cor-
po, mas o mau amigo destrói o corpo de pureza e a mente pura. O mau

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 60


elefante somente destrói esse corpo carnal, mas o mau amigo destrói o
Corpo de Dharma. Mesmo quando alguém é morto por um mau elefan-
te, não cai nos três reinos do infortúnio. Mas quando alguém é morto
por um mau amigo, cai nos três reinos do infortúnio. O mau elefante é
somente o inimigo do corpo carnal, mas o mau amigo é o inimigo do
Dharma Maravilhoso. Por essa razão, o Bodhisattva deve sempre apar-
tar-se de maus amigos. Os mortais comuns não se apartam dessas se-
creções. Dessa forma, essas secreções aparecem. Como o Bodhisattva
acaba com elas, não há secreção [de impurezas] com ele. Agindo assim,
não há secreção com o Bodhisattva. Como poderia haver com o Tatha-
gata? Por essa razão, ele não esconde impurezas.

Como nos aproximamos das secreções? Todos os mortais comuns rece-


bem roupas, comida, roupas de cama e remédios. Eles recebem todas
essas coisas para o conforto (e adorno) do corpo e da mente. Eles co-
metem várias más ações, não sabem o que está errado, e avançam em
direção aos três reinos do infortúnio. Portanto, dizemos que existe se-
creção. O Bodhisattva, uma vez que ele vê, afasta-se dessas coisas.
Quando um robe é oferecido, ele aceita-o. Ele não faz isso pelo corpo,
mas pelo Dharma. Ele não tem arrogância. Sua mente está sempre de
bom humor. Não é pelo adorno, mas por um sentimento de pudor. O
robe protege do frio e do calor, dos maus ventos, das más chuvas, de
vermes, mosquitos, varejeiras, moscas, pulgas e escorpiões. Ele recebe
comida e bebida, mas não há ganância ali. Ele não faz isto por si, mas
pelo bem do Dharma; não para o corpo carnal, mas pelo bem de todos
os seres; não por orgulho, mas pelo vigor físico; não pela malignidade
ou para prejudicar outros, mas pela fome e pela varíola. Ele ganha boa
comida, mas não tem um pensamento ganancioso (gula). Ele pode re-
ceber uma casa. Mas o caso é o mesmo. Nenhuma impureza da cobiça
jamais reside em sua mente. Pelo benefício da casa da Iluminação, ele
rejeita o ladrão das impurezas. No sentido de proteger-se dos maus
ventos e da chuva, ele recebe uma casa. Aquele que recebe não tem um
pensamento ganancioso. Isto é apenas pelo Dharma Maravilhoso. Não é

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 61


pela vida (mundana), mas pela Vida Eterna. Oh bom homem! Uma pes-
soa que está sofrendo de varíola espalha manteiga e farinha de cevada
torrada sobre ela. Por essa razão, ela cobre-se com seu robe. Como o
pus e o sangue vazam, ela aplica manteiga e farinha de cevada torrada.
Para curar a varíola, emprega-se remédios. Para proteger-se contra os
maus ventos, vive-se no interior de uma casa. O mesmo se passa com o
Bodhisattva-Mahasattva. Ele vê o corpo com varíola. Assim, ele cobre-
se com roupas. Como as coisas vazam pelos nove furos (do corpo hu-
mano), ele toma a comida e a bebida. Por conta dos maus ventos e da
chuva, ele recebe uma casa. Quando os quatro venenos aparecem, pro-
cura-se um remédio do médico. O Bodhisattva-Mahasattva recebe os
quatro tipos de oferecimentos. Isto é para o benefício da Iluminação,
não pela vida. Por quê? O Bodhisattva-Mahasattva pensa: ‘Se eu não
receber essas quatro coisas, meu corpo irá debilitar-se e não serei forte.
Se não for forte o suficiente, não poderei suportar o sofrimento, e nem
poderei praticar o Dharma Maravilhoso’. Se alguém pode suportar
completamente o sofrimento, pode facilmente praticar inumeráveis
boas coisas. Se alguém não puder suportar o sofrimento, a ira surgirá na
sua cabeça como um processo depressivo, e mesmo encontrando a
felicidade, um sentimento de ganância surgirá. Olha-se para a felicida-
de. Se ela não vem, a ignorância surge na sua cabeça. Em razão disto, os
mortais comuns geram um pensamento de secreção em face dos qua-
tro oferecimentos. O Bodhisattva-Mahasattva medita bem e não en-
gendra qualquer secreção. Assim, dizemos que o Bodhisattva não es-
conde [impurezas]. Como poderia alguém dizer que o Tathagata é al-
guém que as esconde? Por essa razão, não chamamos o Tathagata de
alguém que esconde.

Também, além disso, oh bom homem! Todos os mortais comuns prote-


gem seu corpo e mente. No entanto, eles têm os três maus sentidos.
Assim, embora possam livrar-se das impurezas e alcançar o lugar da
Irreflexão-não-Irreflexão, eles recaem e ganham os três reinos do infor-
túnio.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 62


Oh bom homem! Por exemplo, existiu um homem que desejou atraves-
sar o grande mar, que quase alcançou a outra margem, quando se afo-
gou e morreu. Assim se passam as coisas com o mortal comum. Ele
pretende atravessar os três mundos (mundo tríplice da matéria, do
espírito e do desejo), mas recai nos três reinos do infortúnio. Por quê?
Porque não há bons sentidos [com ele].

As Três Más Percepções

O que é ‘boa percepção’? Nada mais que os seis pensamentos. O bom


pensamento do mortal comum é rebaixado; a maldade queima [dentro
dele]. Quando o bom pensamento enfraquece, a mente da Sabedoria
enfraquece. Quando o bom pensamento se encontra num estado de
fraqueza, as secreções aumentam. O sentido orgânico dos olhos do
Bodhisattva-Mahasattva é puro, e ele vê as maldades das três percep-
ções. Ele sabe que essas três percepções levam às diversas aflições e
que sempre se tornam as inimigas dos três veículos para os seres. As
ações das três percepções impedem um incontável número de mortais
comuns e demais seres de encontrar a Natureza-de-Buda. Através de
inumeráveis kalpas, eles residem num estado mental de cabeça para
baixo e dizem que o Buda-Honrado-pelo-Mundo não tem nada do Eter-
no, do Êxtase e do Eu, mas somente a Pureza; e que o Tathagata entra
no Nirvana para o bem (esta é a primeira má percepção). Todos os se-
res não têm o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro. Mas, com uma mente de
cabeça para baixo, dizem que eles são o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro.
Para dizer a verdade, eles não possuem os três veículos, mas com suas
mentes de cabeça para baixo dizem que existem os três veículos (esta é
a segunda má percepção). O Caminho da Verdade Única é verdadeiro e
não falso. Persistindo num estado mental de cabeça para baixo, eles
dizem que não existe unicidade da Verdade (esta é a terceira má per-
cepção). Essas três más percepções são sempre reprovadas por todos

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 63


os Budas e Bodhisattvas. Essas três más percepções sempre prejudicam
a si e também aos outros. Em torno de todas essas percepções sempre
se reúnem todas as maldades em sucessão, as quais se tornam os três
grilhões que aprisionarão os seres no (ciclo do) nascimento e da morte.
O Bodhisattva-Mahasattva sempre vê as três percepções assim.

Na ocasião (em que) o Bodhisattva tem a percepção do desejo, ele si-


lencia e não responde. Por exemplo, é como uma pessoa de pensamen-
to correto e puro que recusa tudo o que é ilícito e impuro. É como uma
bola de ferro quente que ninguém pode agarrá-la. É como o Brâmane
que não comerá carne; como uma pessoa que está bem alimentada e
não pegará comida ruim; ou um Chakravartin que não compartilhará o
seu assento com um candala.

A Percepção do Bodhisattva

Assim, o Bodhisattva-Mahasattva despreza as três (más) percepções e


não toma (recebe) o que é impuro. O caso é assim. Por quê? O Bodhi-
sattva pensa: ‘Todos os seres me conhecem como um bom campo de
prosperidade. Como posso receber essas coisas más? Se eu ganhar (algo
em função de) uma má percepção, não poderei ser um campo de pros-
peridade para os seres. Eu mesmo não digo que sou um bom campo de
prosperidade. Mas os seres me vêem e dizem que sou assim (um bom
campo de prosperidade). Se me expuser às más percepções, isto enga-
nará os seres. Em tempos passados reciclei entre nascimentos e mortes
durante inumeráveis kalpas nos três reinos do infortúnio em razão da
tapeação. Se eu receber os oferecimentos dos fiéis com um mau pen-
samento, todos os devas e rishis com os cinco poderes divinos saberão
e me reprovarão. Se eu receber os oferecimentos dos fiéis quando eu
mesmo tiver más percepções, isto diminuirá ou mesmo anulará a retri-
buição daquele que dá. Se eu receber os oferecimentos de um danapati
(doador), estarei comprando arrependimento. Como uma criança amá-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 64


vel, todos os danapatis sempre olham para mim. Como posso enganá-
los e comprar arrependimento? Por quê? Porque isto anula ou torna
pequena a retribuição (de quem dá). Alguém pode sempre dizer que
renunciou ao lar. Ora, o Shramana não deve cometer o mal. Se a mal-
dade for feita, não pode haver sacerdócio. Sem unicidade (no pensa-
mento), eles não são Shramanas. Abandonei meus pais, irmãos, irmãs,
esposa e filhos, parentes e mestres, e pratiquei o Bodhi. Quando al-
guém pratica todas as (boas) percepções, não pode haver ocasião para
praticar as percepções não-boas. Por exemplo, uma pessoa adentra o
oceano para obter gemas (preciosas). Isto é como capturar cristal ao
invés de pérola, ou jogar fora uma música toda-maravilhosa e divertir-
se com esterco, ou abandonar mulheres celestiais e amar serviçais, ou
abandonar um vaso de ouro para pegar uma tigela de barro, ou aban-
donar a ambrósia [‘amrta’] e compartilhar de veneno, ou abandonar o
antigo, sábio e bom médico familiar, e aceitar alguém que atende com
má vontade, ou automedicar-se e tentar curar-se com as próprias mãos.
O caso é o mesmo comigo. Abandonando o sabor da ambrosia do
Dharma do Grande Mestre, Tathagata-Honrado-pelo-Mundo, comparti-
lho das várias más percepções de Mara.

A Tartaruga Cega e o Tronco Flutuante

É difícil nascer como humano. Isto pode ser comparado ao desabrochar


da flor de Udumbara. Mas agora o alcancei [isto é, o estado de um ser
humano]. É difícil encontrar o Tathagata, mas agora o encontrei. É difícil
ver e ouvir o tesouro prístino do Dharma, mas agora o ouvi. Isto é como
acontecer de uma tartaruga cega encontrar um buraco num pedaço de
madeira flutuante. A vida é muito mais breve e fugaz do que a água
corrente de um córrego da montanha. Vive-se hoje, mas não se pode
ter a certeza do amanhã. Como alguém pode abandonar o seu pensa-
mento por aquilo que está errado? O auge da vida se esvai tão rapida-
mente quanto um cavalo galopante. Como pode alguém depender [do

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 65


que é transitório] e ser arrogante? É como a situação onde um demônio
senta-se à espera da realização das ações erradas por um humano. É o
mesmo com os demônios dos quatro grandes elementos. Eles sempre
vêm e procuram por alguma falha de alguém. Como pode alguém ofe-
recer oportunidade para as más sensações? Por exemplo, isto é como
no caso de uma casa em ruínas que está em vias de desmoronar. Com a
vida, também, é o mesmo. Como pode alguém cometer o mal? Eu sou
um Shramana. O que um Shramana faz é despertar o bem. Se eu des-
pertar aquilo que não é do bem, como posso ser chamado de Shrama-
na? Sou alguém que renunciou ao mundo. O Shramana retirante do
mundo é alguém que segue o caminho do bem. Caso eu cometa malda-
de agora, como poderia ser chamado de Shramana retirante do mundo?
Agora eu sou um verdadeiro Brahmin. Um Brahmin é alguém que prati-
ca ações puras. Se cometer ações impuras agora e (der lugar às) más
sensações, como poderei ser chamado de Brahmin? Pertenço ao grande
clã dos Kshatriyas. Os Kshatriyas derrotam o inimigo. Se eu falhar em
derrotar os inimigos do mal, como posso ser digno do nome de Kshatri-
ya? Agora sou um Monge. Um Monge é uma pessoa que destrói as im-
purezas. Se eu não posso destruir as más sensações das impurezas ago-
ra, como posso ser digno do nome de um Monge? Existem seis coisas
que são difíceis de encontrar. Agora as conquistei. Como posso permitir
que as más sensações entrem na minha mente? Quais são as seis coi-
sas? A primeira é que é difícil nascer no mundo onde o Buda está pre-
sente. A segunda é que é difícil ouvir o Dharma Maravilhoso. A terceira
é que é difícil evocar um sentimento de temor. A quarta é que não se
pode facilmente ganhar nascimento no País Médio [‘madhyadesa’ –
região do Jambudvipa ao sul de Uttarapatha]. A quinta é que é difícil
nascer como humano. A sexta é que é difícil ter os sentidos orgânicos
perfeitos e completos. Essas seis coisas são muito difíceis de ganhar. E
agora eu as possuo. Por essa razão, não devo dar oportunidade para
que as más sensações surjam’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 66


O Bodhisattva, então, praticando o Sutra do Grande Nirvana, sempre
medita sobre todos esses maus pensamentos [isto é, maus estados
mentais]. Todos os seres falham em ver as calamidades desses maus
pensamentos. Eles, assim, ganham as três percepções e assim engen-
dram as secreções. O Bodhisattva vê essas coisas, não se apega a elas,
abandona-as, e não as protege ou as guarda. Ele permite ao Nobre Ca-
minho Óctuplo afastá-las, matá-las e erradicá-las. Portanto, o Bodhi-
sattva não tem ocasião para sujeitar-se às secreções. Como poderia
alguém dizer que o Tathagata possui alguma delas? Por essa razão, o
Tathagata-Honrado-pelo-Mundo não pertence à classe daqueles que
têm secreções de impurezas.

Capítulo 28: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 2 Página 67


Capítulo Vinte e Nove: Sobre o Bodhisattva
Rei Altamente-Virtuoso 3

“Também, além disso, oh bom homem! Os mortais comuns cometem


várias más ações quando se deparam com aflições físicas e mentais. A
pessoa torna-se doente do corpo e da mente, e comete várias coisas
más com seu corpo, boca e mente. Por cometer o mal, ganha-se a vida
nos três reinos do infortúnio, sofrendo lá de várias formas. Por quê?
Porque os mortais comuns não possuem a Sabedoria Desperta. Assim,
eles contraem várias impurezas. Isto é impureza mental. O Bodhisattva-
Mahasattva sempre pensa: ‘Através de inumeráveis kalpas passados,
cometi várias más ações por conta do meu corpo e mente. Por essa
razão, reciclei entre nascimentos e mortes e estive completamente
sujeito às várias aflições nos três reinos do infortúnio. Isto me manteve
afastado do caminho correto e dos três veículos. Por essas razões cau-
sais, o Bodhisattva teme profundamente o seu corpo e a sua mente,
abandona as más coisas, e toma o bom caminho.

Oh bom homem! Como uma ilustração: existe um rei que mantém qua-
tro víboras num caixão e tem um homem para alimentá-las, tomar nota
do despertar e adormecer das serpentes, esfregar e lavar os seus cor-
pos. É dado a conhecer que se qualquer uma das serpentes tornar-se
irada, o homem encarregado, por lei, terá de ser executado na cidade.
Ao ouvir as estritas ordens do rei, o homem sente-se temeroso. Ele
abandona o caixão e foge. O rei, então, manda cinco candalas atrás
dele. Os candalas, brandindo as suas espadas, pretendem forçar o ho-
mem a seguir as ordens do rei. Olhando para trás, o homem vê os cinco
candalas e apressa-se. Então os cinco candalas recorrem a um mau ex-
pediente. Eles escondem as suas espadas. Um deles vai até o homem e,
fingindo uma atitude amigável, diz: ‘Vamos voltar!’. O homem não con-
fia nele. A caminho de uma aldeia, ele pretende se esconder. Mas, che-
gando lá, ele vê que as casas estão todas vazias, sem ninguém dentro

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 69


delas. As vasilhas estão todas vazias, nada havendo dentro delas. Não
há ninguém para ver e nada para ser obtido. Então, o homem senta-se
no chão. Uma voz surge do nada: ‘Oh homem! Esta vila está vazia; nin-
guém vive nela. À noite, seis ladrões virão. Ao encontrá-los, você não
estará seguro da sua vida. Como você espera sair dessa situação?’ O
medo do homem aumenta e ele abandona o lugar. No seu caminho, há
um rio. A água corre rio abaixo, mas não há um bote ou jangada para
atravessá-lo. Com medo, ele recolhe madeira e palha, e constrói uma
jangada. Novamente, ele pensa para si: ‘Se permanecer aqui serei ata-
cado por víboras, pelos cinco candalas, pelo homem que enganosamen-
te tentou ser meu amigo, pelos seis grandes ladrões, e por todos aque-
les que desejam me prejudicar. Se essa jangada não for confiável, pode-
rei afogar e morrer. Oh, prefiro morrer na água antes que ser ferido por
serpentes venenosas!’. Ele arrasta a jangada pela grama até as águas e
embarca nela, remando com suas mãos e pés, e assim atravessa o rio.
Quando ele alcança a outra margem, a paz o espera lá, e não há preo-
cupações. Ele está imperturbável em sua mente, e o seu medo se vai.
Este é o caso. O Bodhisattva-Mahasattva ouve o Sutra do Grande Nirva-
na, preserva-o, medita sobre o seu corpo e o vê como sendo um caixão,
e que a terra, a água, o fogo e o ar são as quatro serpentes venenosas, e
que todos os seres encontram os quatro venenos da visão, do toque, da
respiração e do ardor (da picada). Consequentemente, eles se afastam
de todas as boas ações.

As Serpentes Venenosas dos Quatro Elementos

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva medi-


ta sobre as quatro serpentes venenosas. Existem as quatro castas, no-
meadamente: Kshatriya, Brâmane, Vaishya e Sudra. É o mesmo com as
serpentes dos quatro grandes elementos. Esses possuem as quatro na-
turezas da dureza, umidade, calor e movimento. Por essa razão, o Bo-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 70


dhisattva-Mahasattva entende que os quatro grandes elementos per-
tencem ao mesmo clã, à semelhança das serpentes venenosas.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva vê


esses quatro grandes elementos como sendo quatro serpentes veneno-
sas. Como ele relaciona as coisas? As quatro serpentes venenosas sem-
pre observam os movimentos de um homem: quando o olham, quando
o tocam, quando ofegam sobre ele, e quando o picam. É o mesmo com
as quatro serpentes venenosas dos quatro grandes elementos. Elas
sempre observam os seres e esperam sua chance, procurando aprovei-
tar-se das suas deficiências. Uma pessoa que perde sua vida em razão
das quatro serpentes não cai nos três reinos do infortúnio. Mas, alguém
que perca sua vida em razão dos quatro grandes elementos cai infali-
velmente nos três reinos do infortúnio. Essas quatro serpentes veneno-
sas matarão um homem mesmo que recebam alimentos e cuidados. É o
mesmo com os quatro grandes elementos. Embora as coisas sempre
sejam fornecidas, estes sempre levam um homem a (cometer) todos os
tipos de más ações. Uma vez que qualquer uma dessas quatro serpen-
tes se torne irada, ela matará o homem. O mesmo é o caso com a natu-
reza dos quatro grandes elementos. Se um elemento se desarmoniza,
ele facilmente prejudica um homem. Essas quatro serpentes venenosas
podem viver no mesmo lugar, mas seus pensamentos diferem uns dos
outros. É o mesmo com os quatro grandes elementos. Embora vivam no
mesmo lugar, sua natureza é diferente. Embora se respeite essas quatro
serpentes venenosas, não se pode aproximar delas. É o mesmo com os
quatro grandes elementos. Embora mereçam respeito, não se deve
aproximar deles. Quando essas quatro serpentes venenosas causam
dano a um humano, temos Shramanas e Brâmanes (para socorrer). Com
encantos e remédios, podemos de fato obter a cura. Quando os quatro
grandes elementos matam um humano, [todavia], os encantos e remé-
dios dos Shramanas e Brâmanes não podem curá-lo completamente.
Uma pessoa que está satisfeita e entra em contato com os quatro odo-
res desagradáveis, afastar-se-á [deles]. Assim agem todos os Budas e

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 71


Bodhisattvas. Ao encontrar os odores dos quatro grandes elementos,
eles se afastam deles. Então o Bodhisattva, como ele reflete sobre as
quatro serpentes venenosas dos quatro grandes elementos, sente um
grande temor. Ele apressa-se a praticar o Nobre Caminho Óctuplo.

Os Candalas Como Cinco Skandhas

Os cinco candalas são nada mais que os cinco skandhas. De que maneira
o Bodhisattva vê os cinco skandhas como candalas? Um candala afasta
um homem das suas obrigações e do amor, e gera um ódio crescente. É
o mesmo com os cinco skandhas. Eles fazem um homem cobiçar aquilo
que o conduz à maldade e o afasta de tudo o que é bom. Também, além
disso, oh bom homem! Um candala cobre-se com várias armas e fere as
pessoas com sua espada, escudo, arco, flecha, armadura e alabarda. É o
mesmo com os cinco skandhas. Eles se armam com todos os tipos de
impurezas e ferem os ignorantes, fazendo-os reciclar entre nascimentos
e mortes.

Oh bom homem! Um candala recebe a notícia de alguém com falhas e


causa-lhe danos. Assim, também, fazem os cinco skandhas. Portanto, o
Bodhisattva enxerga profundamente e compreende que os cinco skan-
dhas são como candalas.

Também, além disso, o Bodhisattva considera os cinco agregados


(skandhas) como candalas porque o candala carece de sentimento de
simpatia e causa danos idependentemente de se o homem odeia ou
ama. É o mesmo com os cinco skandhas. Eles não têm piedade e cau-
sam danos tanto àqueles que são bons quanto àqueles que são maus. O
candala causa preocupações a todas as pessoas; assim fazem os cinco
skandhas. Através de várias impurezas, eles causam aflições a todas as
pessoas que estão sujeitas ao nascimento e a morte. Este é o porquê o
Bodhisattva considera os cinco skandhas como candalas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 72


Também, além disso, o Bodhisattva ainda considera os cinco skandhas
como candalas porque um candala está sempre intencionado a causar
danos. É o mesmo com os cinco skandhas. Todos os agregados estão
sempre intencionados a causar preocupações. Se alguém não possui
uma perna, uma espada, um bastão ou um acompanhante, saiba que
essa pessoa infalivelmente será morta por candalas. O mesmo se passa
com os seres. Se alguém não possui uma perna, uma espada e um a-
companhante, será morto pelos cinco skandhas. A perna são os precei-
tos morais, a espada é a Sabedoria, e o acompanhante é nenhum outro
senão todos os Mestres da Via. Não possuindo essas três coisas, a pes-
soa será prejudicada pelos cinco skandhas. Este é o porquê o Bodhisatt-
va considera os cinco skandhas como candalas.

Os Candalas e os Cinco Skandhas

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva con-


sidera os cinco skandhas como piores que candalas. Por quê? Os seres
podem ser mortos por candalas. Mas quando mortos por eles, os seres
não caem no inferno. Mas quando mortos pelos cinco skandhas, eles
ganham o inferno. Este é o porquê o Bodhisattva considera os cinco
skandhas como piores que candalas. Tendo meditado assim, ele ora:
‘Quando a vida terminar, eu preferiria nascer perto de um candala a ter
amizade com os cinco skandhas mesmo que por um momento’. O can-
dala prejudica o ignorante do mundo dos desejos. Mas esses ladrões
dos cinco skandhas causam danos aos mortais comuns e aos seres dos
três mundos.

Na verdade, o candala mata criminosos, mas os ladrões dos cinco skan-


dhas não fazem distinção entre criminosos e não-criminosos. Eles ma-
tam qualquer um. O candala não faz mal aos fracos e aos velhos, mulhe-
res e crianças. Mas os ladrões dos cinco skandhas não fazem distinção

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 73


entre velhos, jovens e mulheres: eles causam mal a qualquer um. Por
essa razão, o Bodhisattva considera os cinco skandhas como piores que
candalas. Assim, ele ora: ‘Posso nascer perto de um candala quando a
vida terminar, mas não me tornarei amigo dos cinco skandhas’.

Também, além disso, oh bom homem! Um candala somente causa da-


nos às outras pessoas, mas não a si mesmo. Os cinco skandhas causam
danos a eles próprios e também aos outros. Podemos perfeitamente
escapar das garras do candala através de palavras agradáveis, dinheiro
e jóias; mas não dos cinco skandhas. Uma pessoa não pode escapar dos
cinco skandhas através da lisonja, do dinheiro ou jóias. O candala não
mata todos infalivelmente ao longo das quatro estações. Mas com os
cinco skandhas é diferente. Eles matam momento após momento. O
candala permanece num lugar; há formas de escapar (dele). Não é as-
sim com os cinco skandhas. Eles preenchem todos os lugares e não há
escapatória. O candala causa danos, mas após causá-los, ele não perse-
gue a pessoa. Não é assim com os cinco skandhas. Após matar os seres,
eles os perseguem e não os deixam. Portanto, nem por um momento o
Bodhisattva se aproximará dos cinco skandhas, embora ele possa ao
longo de toda a sua vida aproximar-se de candalas. Alguém dotado de
Sabedoria e empregando os melhores meios expedientes pode evitar os
cinco skandhas. Esses melhores meios expedientes são nada mais que o
Nobre Caminho Óctuplo, os seis paramitas e as Quatro Sabedorias sem
Obstruções (as Quatro Mentes Ilimitadas). Através disto ele alcança a
Emancipação, e seu corpo e a sua mente não são espoliados pelos cinco
skandhas. Por que não? Porque seu corpo agora é Adamantino e sua
mente é como o Vazio. Dessa forma, é difícil destruir o seu corpo e a
sua mente. Por essa razão, o Bodhisattva vê que os skandhas abrangem
completamente todas as coisas más, teme-os grandemente, e pratica o
Nobre Caminho Óctuplo. Isto é como o homem que teme as quatro
serpentes venenosas e os cinco candalas, que se mantém no caminho e
nunca olha para trás.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 74


Simpatia Fingida

Por ‘simpatia fingida’ entende-se desejo voraz. O Bodhisattva-


Mahasattva medita profundamente sobre os laços do desejo e vê que
ele nada mais é que um inimigo que vem, mostra-se amigo e nos enga-
na. Com uma pessoa que conhece a Verdade, ele nada pode fazer. A
pessoa que nada sabe, infalivelmente será prejudicada. O mesmo é o
caso com o desejo. Uma vez conhecida a sua natureza, ele nada pode
fazer para que os seres reciclem as dores do nascimento e da morte.
Aqueles que nada sabem transmigram através dos seis maus reinos (da
existência) e devem sofrer incessantemente por diversas dores. Por
quê? Porque eles são capturados pelas doenças do desejo, as quais
nunca podem ser erradicadas. Isto é como o inimigo que engana al-
guém com uma ‘simpatia fingida’, e de quem é difícil apartar-se.

Inimigo que Seduz e Finge Amizade

Por ‘inimigo que seduz e finge amizade’ entende-se que uma pessoa
sempre procura por novidades, afasta-se daquilo que ama e encontra
aquilo que ela odeia. O mesmo se passa com o desejo. Ele nos faz afas-
tar de todas as coisas boas e nos associarmos às coisas más. Por essa
razão, o Bodhisattva-Mahasattva sempre medita profundamente sobre
a sedução do desejo. Como não se pode vê-la, faz-se o possível, mas de
fato não se pode. Os mortais comuns tentam ver a sedução do nasci-
mento e da morte. Eles podem ter a sabedoria. Mas, em razão da escu-
ridão da ignorância, ao final não podem ver bem. Assim se dão as coisas
com os Sravakas e Pratyekabudas. Eles podem tentar ver, mas não con-
seguem. Por que não? Em razão dos seus pensamentos de desejo. Por
quê? A visão dos males do nascimento e da morte não conduz alguém à
Iluminação Insuperável. Em razão disto, o Bodhisattva-Mahasattva con-
sidera esses laços do desejo como um inimigo que sedutoramente finge
amizade.

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 75


Qual é a característica desta amizade fingida e sedutora do inimigo? O
inimigo não é genuíno (é falso), seduz e mostra coisas, e embora não
seja alguém que queira ser amigável, mostra-se simpático e, no entan-
to, representa aquilo que não é bom. Mas, ele seduz e demonstra bon-
dade; sem amor, ele demonstra amor. Por quê? Porque ele espiona os
movimentos de uma pessoa com a intenção de causar-lhe danos. É o
mesmo com o desejo. Dissimulando o não-verdadeiro, apresenta-se
como verdadeiro; (dissimulando) a inimizade, mostra-se como amigá-
vel; o que não é bom aparece como bom; o que não é amor apresenta-
se como amor. E, assim, todos os seres são enganados e viajam sobre a
roda do nascimento e da morte. Este é o porquê o Bodhisattva conside-
ra o desejo como um inimigo que finge amizade.

Dizemos que o inimigo finge amizade. Isto se torna possível (para o


inimigo) porque vemos o corpo e não a mente. Assim, o engano vem a
acontecer. É o mesmo com o desejo. O que existe é falsidade; aquilo
que é verdadeiro não pode ser obtido lá. Dessa maneira, todos os seres
perdem o seu caminho. Podemos falar de ‘sedução amigável’. Se existe
um inicio e um fim, é fácil separar. Com o desejo, entretanto, o caso é
diferente. Não há inicio e nem fim. É difícil apartar-se [do desejo]. Di-
zemos ‘sedução amigável’. Se as coisas estão distantes, é difícil saber
[delas]; se estão próximas, é fácil ver. O desejo não é como isto. Mesmo
quando próximo, é difícil saber. E como alguém poderia saber dele
quando está distante? Por essa razão, o Bodhisattva considera o desejo
como algo que ultrapassa a sedução amigável. ‘Devido aos laços do
desejo, todos os seres afastam-se do Sutra do Grande Nirvana e se a-
chegam ao nascimento e à morte. Eles se afastam do Eterno, do Êxtase,
do Eu e do Puro; e associam-se com o Não-Eterno, não-Êxtase, não-Eu e
não-Puro’.

Por isso, refiro-me aqui e ali nos sutras às três impurezas. Por causa da
ignorância com relação ao que uma pessoa vê agora, alguém pode não

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 76


ver e abandonar o que está errado. A sedução amigável, até o fim, não
prejudica uma pessoa de Sabedoria. Por essa razão, o Bodhisattva me-
dita profundamente sobre o desejo. Temendo-o seriamente, ele pratica
o Nobre Caminho Óctuplo. Isto é como o homem que teme as quatro
serpentes venenosas, os cinco candalas, o homem que é dissimulada-
mente amigável e, assim, segue seu caminho e não se desvia.

A Aldeia Vazia

Falamos de uma ‘aldeia vazia’. Isto nada mais é que os seis sentidos
orgânicos. O Bodhisattva-Mahasattva medita sobre essas seis esferas e
vê que tudo é vazio, como com uma aldeia vazia. O homem que tem
medo entra na aldeia e vê que não há um único ser vivente ali. Essa
pessoa pega um vaso de barro, mas nada pode encontrar dentro dele. O
caso é análogo. É o mesmo com o Bodhisattva. Ele olha dentro das seis
esferas e vê claramente que não há nada nelas. Portanto, o Bodhisattva
vê que o que existe nas seis esferas é vacuidade e que nada há para
possuir, como no caso da aldeia vazia.

Oh bom homem! O bando de ladrões vê essa vila vazia de muito longe


e, até o fim, não imagina que ela está vazia. O mesmo se passa com os
mortais comuns. Eles não concebem a idéia de vacuidade na aldeia dos
seis sentidos orgânicos. Não concebendo qualquer idéia de vacuidade,
eles reciclam nascimentos e mortes, sofrendo dessa forma um incontá-
vel número de tristezas.

Oh bom homem! Ao chegar, os ladrões ganham o pensamento do todo-


vazio. É o mesmo com o Bodhisattva. Ao olhar dentro das seis esferas,
ele sempre chega (alcança) à idéia do Todo-Vazio. Ganhando esse pen-
samento do Todo-Vazio, ele não recicla nascimento e morte, e dessa
maneira não sofre. O Bodhisattva-Mahasattva nunca tem qualquer [i-
déia] de cabeça para baixo com relação a essas seis esferas. Não tendo

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 77


qualquer [idéia] de cabeça para baixo, não há mais repetição de nasci-
mento e morte.

Também, além disso, oh bom homem! Os ladrões, quando entram nes-


ta aldeia, procuram a paz e a felicidade. É o mesmo com os ladrões das
impurezas. Ao entrar nesta aldeia vazia, eles têm paz e felicidade nas
seis esferas. Os ladrões das impurezas, vivendo numa aldeia vazia, não
têm medo em suas seis esferas. Assim se procedem as coisas com o
bando de ladrões das impurezas. Esta aldeia vazia é onde várias bestas
malignas vivem, tais como leões, tigres, lobos e outros. É o mesmo com
as seis esferas. Elas são as moradas de todas as maldades e bestas ma-
lignas das impurezas. Por essa razão, o Bodhisattva considera profun-
damente essas seis esferas como vazias por dentro, nada existindo ne-
las para ser possuído, e que elas nada mais são que os lugares onde
tudo o que não é bom reside.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva considera esses


seis sentidos orgânicos como vazios por dentro, sem nada para ser pos-
suído, e como uma aldeia vazia. Por quê? Em razão da falsidade e inver-
dade. Embora vazia e nada tendo para possuir, as pessoas pensam que
existem tais coisas. Embora sem felicidade, as pessoas pensam que
existe felicidade. Embora ninguém viva lá, as pessoas pensam que ela
contém pessoas. É o mesmo com os seis sentidos orgânicos. Embora
realmente vazios e sem nada para ser possuído, as pessoas pensam que
há coisas dentro (deles). Embora sem felicidade, as pessoas pensam que
há felicidade lá. Embora realmente não haja pessoas dentro, as pessoas
pensam que há pessoas lá. Somente alguém que é verdadeiramente
sábio conhece isto e chega a uma Verdade.

Também, além disso, oh bom homem! Às vezes as pessoas vivem em


uma aldeia vazia, e às vezes ninguém vive lá. Isto não é assim com os
seis sentidos orgânicos. Ninguém jamais vive lá. Por que não? Porque
eles são, por natureza, sempre vazios. Somente um sábio conhece isto;

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 78


nenhum olho pode vê-lo. Portanto, o Bodhisattva vê que os seis senti-
dos orgânicos são completamente povoados de inimigos. Dessa forma,
ele pratica incessantemente o Nobre Caminho Óctuplo. Isto é como o
homem que teme as quatro serpentes venenosas, os cinco candalas, o
homem que seduz e finge amizade, e os seis grandes ladrões; e, assim,
segue o caminho correto.

Os Seis Grandes Ladrões

Dizemos ‘seis grandes ladrões’. Estes são nada mais que os seis campos
dos sentidos. O Bodhisattva-Mahasattva considera esses seis campos
dos sentidos como seis grandes ladrões. Por quê? Porque eles de fato
despojam uma pessoa de todas as coisas boas. Exatamente como os
seis grandes ladrões pilham todos os tesouros de todas as pessoas, as-
sim o fazem os seis campos dos sentidos. Eles despojam todas as pesso-
as de todos os bons tesouros. Quando os seis grandes ladrões entram
na casa de uma pessoa, eles não fazem distinção entre o bom e o mau,
mas pegam rapidamente o que existe na casa, e mesmo pessoas muito
ricas subitamente se tornam pobres. Assim se procedem as coisas com
os seis campos dos sentidos. Todas as pessoas boas morrem se eles (os
campos dos sentidos) dominarem os seus sentidos orgânicos. Quando o
bem tiver sido totalmente furtado, a pessoa se tornará um icchantika
pobre e solitário. Por essa razão, o Bodhisattva vê claramente os seis
campos dos sentidos como seis grandes ladrões.

Também, além disso, oh bom homem! Quando na intenção de roubar


uma pessoa, os seis grandes ladrões atacam infalivelmente alguém que
está adentro. Se não há ninguém adentro, eles darão meia-volta e re-
tornarão. O mesmo acontece com os seis campos dos sentidos. Quando
eles pretendem pilhar o que é bom, isto sempre acontece quando exis-
tem dentro as fases de conhecimento ou visão do Eterno, do Êxtase, do
Eu e do Puro, o não-Vazio, etc. [nos seis sentidos]. Se não existem tais

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 79


coisas lá dentro (dos seis sentidos), os maus ladrões dos seis campos
dos sentidos não podem pilhar nada que seja bom. Aquele que é sábio
não tem essas coisas dentro, enquanto os mortais comuns as têm. Em
razão disto, os seis campos dos sentidos sempre vêm e roubam o que é
bom de uma pessoa. Não estando bem protegido, a pilhagem acontece.
‘Estar bem protegido’ significa Sabedoria. Alguém que seja sábio guarda
bem as coisas. Assim, nada é levado. Dessa forma, o Bodhisattva consi-
dera os seis campos dos sentidos como iguais, e de nenhuma forma
diferentes, aos seis grandes ladrões.

Também, além disso, oh bom homem! Exatamente como os seis gran-


des ladrões causam preocupações ao corpo e à mente de todos os se-
res, da mesma forma se passam as coisas com os seis campos dos sen-
tidos. Eles sempre causam preocupações ao corpo e à mente de todos
os seres. Em contraste com os seis grandes ladrões, que somente rou-
bam a riqueza possuída por uma pessoa, esses ladrões dos seis campos
dos sentidos sempre pilham o que há de bom nos seres das Três Exis-
tências (presente, passado e futuro). À noite os seis grandes ladrões
mergulham nos prazeres. Assim são os ladrões dos seis campos dos
sentidos. Encobertos pela escuridão da ignorância, os prazeres reinam.
Esses seis grandes ladrões são governados por reis que podem impor
uma restrição [às suas atividades]. É a mesma situação com os seis
maus ladrões dos campos dos sentidos. Somente o Buda e os Bodhi-
sattvas podem de fato reprimi-los. Quando em ação, os seis grandes
ladrões não fazem distinção quanto à retidão, casta, intelectualidade,
instrução, erudição, nobreza ou pobreza. É o mesmo com os maus la-
drões dos seis campos dos sentidos. Quando desejam despojar uma
pessoa daquilo que é bom, eles não fazem distinção quanto a desde a
retidão até a pobreza. Reis podem decepar as mãos e pés dos seis gran-
des ladrões e, mesmo assim, eles não podem ter a expectativa de refre-
ar as (suas) mentes que continuam a trabalhar. É o mesmo com os seis
maus ladrões dos campos dos sentidos. Mesmo o Srotapanna, o Sakr-
dagamin e o Anagamin podem decepar as suas mãos e pés. Mesmo

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 80


então, não é possível evitar que os bons dharmas [qualidades] sejam
roubados. Exatamente como o bravo e forte pode derrotar esses seis
grandes ladrões, assim também todos os Budas e Bodhisattvas podem
subjugar os maus ladrões dos campos dos sentidos. Por exemplo, há
pessoas que pertencem a muitas castas. Se há o espírito de facção (uni-
ão), elas não podem ser roubadas por esses seis ladrões. O mesmo é o
caso com os seres. Se há um bom mestre da Via, os maus ladrões desses
seis campos dos sentidos não podem fazer nenhuma pilhagem. Se a-
queles seis grandes ladrões vêem humanos, eles roubam-lhes (a rique-
za). Não é assim com os seis campos dos sentidos. Eles despojam um
humano de toda a visão, conhecimento, olfato, tato, audição (e pala-
dar). O que os seis grandes ladrões fazem é meramente despojar uma
pessoa da sua riqueza, mas não qualquer coisa do mundo da matéria
(corpo?) e não-matéria (espírito?). O caso é diferente com os maus la-
drões dos campos dos sentidos. Eles pilham completamente tudo o que
há de bom nos três mundos (da matéria, do espírito e do desejo). Em
razão disto, o Bodhisattva vê que os seis campos dos sentidos superam
os seis ladrões. Meditando assim, ele pratica o Nobre Caminho Óctuplo,
segue em linha reta e nunca retrocede. Isto é como aquele que teme as
quatro serpentes venenosas, os cinco candalas, o homem que seduz e
finge amizade, os seis grandes ladrões e, como o homem que abandona
a aldeia vazia, apressa-se ao longo da estrada.

A Travessia do Grande Rio

Dizemos que os humanos atravessam um rio em seu caminho. Isto nada


mais é que as impurezas. De que maneira o Bodhisattva considera as
impurezas como um grande rio? Exatamente como a correnteza de um
rio faz com que um Gandhahastin (Elefante Almiscarado - o Bodhisattva
que nunca-descansa, nunca-retroage) perca o seu passo, assim se pro-
cedem as coisas com as impurezas. De fato, elas aprisionam os pés do
Pratyekabuda. Este é o porquê o Bodhisattva considera rigorosamente

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 81


as impurezas como a correnteza de um rio. São profundas, e é difícil
alcançar as suas profundezas. Assim, estas são semelhantes a um rio. É
difícil alcançar as suas margens. Portanto, são ‘vastas’. Diversos peixes
malignos habitam suas águas. O mesmo é o caso com o rio das impure-
zas. Somente os Budas e Bodhisattvas podem, de fato, alcançar as suas
profundezas. Dessa forma, dizemos ‘extremamente profundas’. Somen-
te os Budas e Bodhisattvas alcançam as margens, e assim dizemos ‘mui-
to vastas’. Vários tipos de danos sempre são causados a todos os seres
ignorantes, e assim falamos de ‘peixes malignos’. Dessa forma, o Bodhi-
sattva considera essas impurezas como um grande rio. Verdadeiramen-
te, um grande rio alimenta todas as plantas e florestas. Isto é o que se
obtém do grande rio das impurezas, onde vicejam as 25 existências de
todos os seres. Assim, o Bodhisattva considera as impurezas como sen-
do um grande rio. Por exemplo, um homem cai nas águas de um grande
rio e não se arrepende. Assim se dão as coisas com os seres. Caindo nas
águas das impurezas, eles não se arrependem. Uma pessoa que cai na
água morrerá antes de encontrar o fundo. Assim é com alguém que caia
no rio das impurezas. Ele não alcançará o fundo, mas cavalgará na roda
das 25 existências. O assim chamado ‘fundo’ é nada mais que a fase do
Vazio. Alguém que não pratica esse Vazio não pode escapar das 25 exis-
tências. Os seres não praticam o Vazio e a amorfia (sem forma), e sem-
pre se debatem nas águas tormentosas das impurezas.

Este grande rio pode destruir apenas o corpo, não afoga todos os bons
dharmas. É diferente com o rio das impurezas. Ele destrói completa-
mente o bem do corpo e da mente. Aquele turbilhão do grande rio afo-
ga apenas o homem do mundo dos desejos. O grande rio das impurezas
afoga os devas e as pessoas dos três mundos. O grande rio do mundo
pode ser atravessado, e uma pessoa pode encontrar a outra margem
remando com suas mãos e pés. Ao contrário disto, o grande rio das
impurezas somente pode ser atravessado por um Bodhisattva, na me-
dida em que ele pratique os seis paramitas. É difícil atravessar um gran-
de rio. O mesmo se aplica ao grande rio das impurezas. É difícil atraves-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 82


sá-lo. Por que é difícil atravessá-lo? Mesmo o Bodhisattva acima dos dez
estágios (abodes) ainda não pode atravessá-lo. Somente todos os Budas
podem fazê-lo definitivamente. Este é o porquê dizemos ‘difícil atraves-
sar para a outra margem’. Por exemplo, há um homem que se debate
num rio, não podendo praticar (avançar) o Caminho, nem mesmo um
pouco. Assim se procedem as coisas com os seres. Como eles se deba-
tem no rio das impurezas, são incapazes de praticar o bem. Quando
uma pessoa cai num rio e se debate, outra pessoa pode de fato agarrá-
la e salvá-la. Se, por ventura, uma pessoa cai no rio das impurezas e se
torna um icchantika, mesmo Sravakas, Pratyekabudas e todos os Budas
não podem salvá-la. O grande rio do mundo seca quando o kalpa termi-
na, com apenas sete dias de sol; mas, as coisas não acontecem assim
com o grande rio das impurezas. Muito embora os sete elementos do
Bodhi [‘saptaodhyanga’] possam ser praticados, os Sravakas e Pratyeka-
budas não podem secar [o rio das impurezas]. Este é o porquê o Bodhi-
sattva medita e considera que todas as impurezas são como as águas
turbulentas de um rio. Por exemplo, isto é como uma pessoa que teme
as quatro serpentes venenosas, os cinco candalas, o homem que seduz
e finge amizade, os seis grandes ladrões, e que abandona a aldeia vazia,
põe-se a caminhar, encontra o rio, pega palha e constrói uma jangada.
Assim age o Bodhisattva. Temendo as serpentes dos quatro grandes
elementos, os candalas dos cinco skandhas, a amizade fingida dos dese-
jos, a aldeia vazia das seis esferas (dos sentidos orgânicos), e o maus
ladrões dos seis campos dos sentidos; ele chega ao rio das impurezas e
pratica os caminhos dos shila (preceitos), do Samadhi, da Sabedoria, da
Emancipação, do conhecimento da Emancipação, dos seis paramitas,
dos 37 elementos do Bodhi, e transforma-os num bote ou jangada, em-
barca neles e atravessa o rio das impurezas.

Quando a outra margem é alcançada, existe Nirvana, que é Eterno e


Êxtase. Conforme o Bodhisattva pratica o Grande Nirvana, ele pensa:
‘Se eu não posso suportar os sofrimentos do corpo e da mente, não
posso capacitar todos os seres a atravessar o rio das impurezas’. Pen-

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 83


sando assim, ele não diz uma palavra e suporta as aflições e sofrimentos
do corpo e da mente. Devido a essa resistência, nenhuma impureza
surge. Como poderia o Buda-Tathagata possuí-las? Assim, não chama-
mos de Budas quaisquer uns que possuam impurezas.

A Verdade da Forma

Como é que o Tathagata não é secretor de impurezas? Porque ele sem-


pre age em meio a todas as secreções de impurezas. O que segreda
(encobre) impurezas são as 25 existências. Por essa razão, os mortais
comuns e os Sravakas dizem que o Buda tem secreções de impurezas.
Mas, na verdade, o Buda-Todo-Tathagata não tem secreção de impure-
zas.

Oh bom homem! Em conseqüência, o Buda-Todo-Tathagata não possui


forma definida de existência (mas age em meio às muitas formas que
são secreções de impurezas). Oh bom homem! Assim, todos aqueles
que têm cometido as quatro graves ofensas, os caluniadores dos Sutras
Vaipulya e os icchantikas não estão em qualquer estado definido.”

O Grande Nirvana

Então o Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso


disse: “É assim, é assim! É exatamente como você, o Sagrado, diz. Todas
as existências não possuem um estado definido. Como elas não são
definidas, sabemos que o Tathagata também não entra definitivamente
no Nirvana. Isto é como já estabelecido pelo Buda. O Bodhisattva-
Mahasattva, quando pratica o Sutra do Grande Nirvana, ouve aquilo
que não ouviu antes e é dito que existe um Nirvana e um Grande Nirva-
na. O que é Nirvana e o que é Grande Nirvana?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 84


Então o Buda, elogiando o Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei
Altamente-Virtuoso, disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem!
Se o Bodhisattva adquire apego mental, as coisas se procedem como
você diz. Oh bom homem! Na vida mundana, nós dizemos: mar, grande
mar; rio, grande rio; montanha, grande montanha; terra, grande terra;
castelo, grande castelo; ser, grande ser; rei, grande rei; homem, grande
homem; deus, deus dos deuses; Via, grande Via. É o mesmo com o Nir-
vana. Existe Nirvana e existe Grande Nirvana.

O que é Nirvana? Isto é como quando alguém que está com fome tem
paz e felicidade após ter ingerido um pouco de comida. Essa tranqüili-
dade e felicidade também são chamadas Nirvana. É como quando uma
doença é curada, e a pessoa ganha paz e felicidade. Essa paz e felicida-
de também são Nirvana. Isto é como quando uma pessoa com medo
ganha a paz e a felicidade ao encontrar um refúgio. Essa paz e felicidade
também são Nirvana. Quando uma pessoa pobre obtém os sete tesou-
ros, ela ganha paz e felicidade. Essa paz e felicidade também são Nirva-
na. Uma pessoa vê um osso e não sente ganância. E assim, também, é
Nirvana.

Esse Nirvana não pode ser denominado ‘Grande Nirvana’. Por que não?
Em virtude da ganância (avidez, cobiça) que surge na sua mente através
da fome, doença, medo ou pobreza. Este é o porquê dizemos que Nir-
vana não é Grande Nirvana.

Oh bom homem! Quando um mortal comum e um Sravaka, respectiva-


mente em termos seculares e sagrados, cortam as amarras do mundo
dos desejos, eles ganham paz e felicidade. Essa paz e felicidade podem
bem ser chamadas de Nirvana, mas não de Grande Nirvana. Quando
uma pessoa corta os grilhões das impurezas do primeiro dhyana ou do
Céu da Indiferença-não-Indeferença, ela ganha paz e felicidade. Essa
paz e felicidade podem bem ser chamadas de Nirvana, mas não de

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 85


Grande Nirvana. Por que não? Porque existe o retorno das impurezas e
a presença de manchas residuais.

O que são manchas residuais de impurezas? Sravakas e Pratyekabudas


possuem as manchas residuais das impurezas, tais como dizer: ‘meu
corpo, minha roupa, Eu vou, Eu vim, Eu falo, Eu ouço’. O Buda-Todo-
Tathagata entra no Nirvana. A natureza do Nirvana (do Buda) não pos-
sui um Eu, e nem Felicidade; o que existe é aquilo que é Eterno e Ver-
dadeiro. Assim, falamos de manchas residuais de impurezas. Na doutri-
na Budista e na Sangha Budista existem fases de discriminações; o Ta-
thagata (lá) entra definitivamente no Nirvana. O Nirvana dos Sravakas,
Pratyekabudas e do Buda-Tathagata é tudo igual, sem qualquer diferen-
ça. Por essa razão, o que os dois veículos ganham não é Grande Nirva-
na. Por que não? Porque lá não existe o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro.
Quando existe o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro, podemos dizer ‘Grande
Nirvana’.

Oh bom homem! Aquele lugar que recebe facilmente todos os rios,


dizemos ‘grande mar’. O caso é como isto. Como existe um lugar onde
Sravakas, Pratyekabudas, Bodhisattvas e todos os Budas-Tathagatas
entram, dizemos Grande Nirvana.

Como os quatro dhyanas, os três samadhis, as oito emancipações, os


oito lugares (estágios) superiores e todos os dez lugares (estágios, bhu-
mis) em seu conjunto conduzem a inumeráveis coisas boas, elas são
chamadas Grande Nirvana.

Oh bom homem! Por exemplo, existe um rio e, uma vez que mesmo o
melhor Gandhahastin não pode alcançar o seu fundo, então dizemos
‘grande’. Se Sravakas, Pratyekabudas e os Bodhisattvas do décimo está-
gio não vêem a Natureza-de-Buda, dizemos ‘Nirvana’. Não é ‘Grande
Nirvana’. Se eles vêem claramente a Natureza-de-Buda, existe ‘Grande

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 86


Nirvana’. Essa profundeza pode ser atingida pelo Rei dos Grandes Ele-
fantes. O Rei dos Grandes Elefantes se refere a todos os Budas.

Oh bom homem! Se existe um lugar onde a mahanaga (a grande ser-


pente), o grande lutador, Praskandi e outros não podem subir e chegar
ao seu cume depois de muito tempo, esse lugar é digno do nome ‘gran-
de montanha’. O lugar que os mahanagas e grandes lutadores dentre
Sravakas, Pratyekabudas e Bodhisattvas não podem alcançar é aquele
que é digno do nome de ‘Grande Nirvana’.

Também, além disso, oh bom homem! O lugar onde vive um rei menor
é chamado ‘pequeno castelo’. O lugar onde um Chakravartin vive é
chamado ‘grande castelo’. Todos aqueles lugares onde vivem 80.000,
60.000, 40.000, 20.000 e 10.000 Sravakas e Pratyekabudas caem sob a
rubrica de ‘Nirvana’. À morada do Insuperável Lorde do Dharma, do Rei
Sagrado, por conseguinte é dado o nome de ‘Grande Nirvana’. Por essa
razão, dizemos ‘Grande Nirvana’.

Oh bom homem! Por exemplo, existe um homem que não se sente


amedrontado ao ver as quatro forças militares. Saiba que ele é um
grande ser. Se um ser não teme as más ações das impurezas dos três
reinos do infortúnio e ainda dentro daqueles [reinos] salva os seres,
saiba que essa pessoa alcançará o Grande Nirvana. Se uma pessoa faz
oferecimentos aos seus pais, presta homenagens aos Shramanas e
Brâmanes, pratica o bem, é verdadeira em suas palavras, se não existe
falsidade [com ela], se ela resiste bem a todas as maldades e faz doa-
ções aos pobres, essa pessoa é um grande homem. É o mesmo com o
Bodhisattva. Pela grande compaixão, ele sente piedade de todos os
seres e é como um pai para todas as pessoas. Conduzindo cuidadosa-
mente todos os seres através do grande rio do nascimento e da morte,
ele mostra-lhes o caminho único da Verdade. Isto é Mahaparinirvana
[isto é, Grande Nirvana].

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 87


Oh bom homem! ‘Grande’ significa ‘todo-maravilhoso’. Todo-
Maravilhoso é aquilo que todos os seres não podem conceber. Isto é
‘Mahaparinirvana’. Visto somente pelo Buda e Bodhisattvas, ele é cha-
mado ‘Grande Nirvana’. Por que dizemos ‘Grande Nirvana’? Porque se
pode atingi-lo somente através de inumeráveis relações causais. Assim,
dizemos ‘Grande’.

As Oito Soberanias do Grande Eu

Oh bom homem! Exatamente como as pessoas dizem ‘grande’ quando


as coisas são conseguidas através do trabalho em combinação com mui-
tas relações causais, assim se estabelecem as coisas com o Nirvana.
Como ele pode ser alcançado pela combinação do trabalho e de muitas
relações causais, dizemos ‘Grande’. E por que dizemos ‘Grande Nirva-
na’? Como existe o Grande Eu, dizemos ‘Grande Nirvana’. Como o Nir-
vana é destituído do eu (abnegação) e Grande Soberano [isto é, livre de
todas as restrições, autonomia ilimitada, habilidade de fazer como se
deseja], o chamamos de ‘o Grande Eu’. O que se entende por ‘Grande
Soberania’? Se existem as oito soberanias, falamos de ‘o Eu’.

Quais são as oito?

Primeiramente, um único corpo pode ser manifestado como muitos. O


número de corpos é como o número de partículas de pó. Eles preen-
chem os inumeráveis mundos em todas as direções. O corpo do Tatha-
gata não é uma partícula. [Mas], devido a esta soberania, ele pode pro-
jetar-se como uma partícula-corpo. Essa soberania é o ‘Grande Eu’.

Segundo, vemos que uma partícula-corpo preenche os 3.000 grandes


sistemas de mil mundos. Na verdade, o corpo do Tathagata não preen-
che os 3.000 grandes sistemas de mil mundos. Por que não? Em razão
da desobstrução (desimpedimento). Devido à soberania, ele preenche

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 88


os 3.000 grandes sistemas de mil mundos. Essa soberania é chamada de
o ‘Grande Eu’.

Terceiro, com o seu corpo que preenche completamente os 3.000 gran-


des sistemas de mil mundos, ele voa levemente pelo ar, atravessando
Terras-Búdicas tão inumeráveis quanto o número de grãos de areia de
vinte Rios Ganges, nada havendo que o obstrua. Para dizer a verdade, o
corpo do Tathagata não pode ser designado como possuidor de um
peso, leve ou pesado. A [sua] soberania decide a leveza ou peso. Essa
soberania é o ‘Grande Eu’.

Quarto, em razão da soberania, adquire-se soberania. O que é sobera-


nia? O Tathagata permanece [calmamente] com a unidirecionalidade da
mente, sem hesitação. [E ainda assim] ele é capaz de manifestar incon-
táveis tipos de formas e dotar cada uma delas com uma mente. Em
algumas ocasiões, o Tathagata pode criar um simples fenômeno e suprir
as necessidades de cada ser. Embora o corpo do Tathagata permaneça
(resida) numa única terra, ele faz com que todos aqueles em outras
terras o contemplem. Essa forma de soberania é chamada o ‘Grande
Eu’.

Quinto, ele é soberano sobre os seus sentidos orgânicos. Como ele é


soberano sobre os seus sentidos orgânicos? Um sentido orgânico do
Tathagata pode de fato ver cores, ouvir sons, sentir odores, conhecer
sabores, sentir o toque e conhecer leis (dharmas). Em razão desta sobe-
rania, ele é soberano sobre os seus sentidos orgânicos. Essa soberania é
chamada o ‘Grande Eu’.

Sexto, devido a esta [sua] soberania, [ele] conquista todas as leis


(dharmas) e mesmo assim não há conceito de consecução na mente do
Tathagata. Por que isto? Por que não há nada a ser atingido (conquista-
do ou adquirido). Se houvesse algo [a ser adquirido], então poderíamos
chamá-lo de ‘aquisição’. Mas, em razão de nada haver de fato para ser

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 89


adquirido, como poderia ser chamado de ‘uma aquisição’? Se fôssemos
supor que o Tathagata tem a noção de aquisição, então os Budas não
adquiririam o Nirvana. Uma vez que não há [noção de] aquisição, pode-
se dizer que eles adquirem o Nirvana. Devido à (essa) soberania, eles
adquirem todas as leis. Em virtude de atingir todas as leis (dharmas), ele
é chamado de o ‘Grande Eu’.

Sétimo, falamos de soberania. O Tathagata expõe todos os significados.


E através dos inumeráveis kalpas, os significados não se perdem, e estes
significados são: os preceitos morais, samadhi, doação e Sabedoria.
Nessas ocasiões, o Tathagata não tem sentido ou pensamento tais co-
mo: ‘Eu digo’, ‘eles ouvem’. Também, não há um simples pensamento
de um simples gatha [verso]. As pessoas do mundo falam de um gatha
(verso) composto de quatro linhas. Isto é meramente para concordar
com a maneira (de ser) do mundo, e assim falamos de um ‘gatha’. As
naturezas de todas as coisas nada possuem também daquilo que se
pode falar. Devido à soberania, o Tathagata expõe [o Dharma]. Por esta
razão, dizemos o ‘Grande Eu’.

Oitavo, o Tathagata permeia todos os lugares, exatamente como o es-


paço. A natureza do espaço não pode ser vista; similarmente, o Tatha-
gata realmente não pode ser visto, e mesmo assim ele faz com que to-
dos o vejam através da sua soberania. Essa soberania é denominada o
‘Grande Eu’. O ‘Grande Eu’ é denominado ‘Grande Nirvana’. Neste sen-
tido ele é denominado ‘Grande Nirvana’.

Além disso, Nobre Filho, um tesouro, por exemplo, contém muitos dife-
rentes tipos de coisas raras e assim é chamado grande tesouro. O ex-
tremamente profundo tesouro do Buda-Tathagata é como aquilo: uma
vez que ele contém maravilhas, sem qualquer deficiência, ele é deno-
minado ‘Grande Nirvana’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 90


Além disso, Nobre Filho, uma coisa que é ilimitada é chamada ‘Grande’.
Uma vez que o Nirvana é também ilimitado, ele é denominado ‘Gran-
de’.

As Quatro Felicidades no Grande Nirvana

Também, além disso, oh bom homem! Como há Grande Êxtase, dize-


mos Grande Nirvana. Nirvana não tem felicidade (êxtase). Em razão das
Quatro Felicidades, dizemos ‘Grande Nirvana’.

Quais são as quatro?

Primeiro, ele é apartado de todas as (sensações de) felicidades. Se feli-


cidade é cortar (os laços das impurezas), temos o sofrimento. Se existe
sofrimento, não dizemos ‘Grande Êxtase’. Quando a felicidade é corta-
da, lá não há sofrimento. O que não tem sofrimento e nem felicidade é
Grande Êxtase. A natureza do Nirvana é não-sofrimento e não-
felicidade. Assim, dizemos que Nirvana é Grande Êxtase. Por esta razão,
dizemos Grande Nirvana.

Também, além disso, oh bom homem! Existem dois tipos de felicidade.


Um é aquele do mortal comum, e o outro é aquele dos Budas. A felici-
dade do mortal comum é não-eterna – ela colapsa. Consequentemente,
(recai em) não-felicidade. Com todos os Budas, a felicidade é eterna.
Não há mudança. Assim, o chamamos de Grande Êxtase.

Também, além disso, oh bom homem! Existem três sentimentos. Um é


aquele do sofrimento; o segundo é aquele da felicidade; e o terceiro é o
do não-sofrimento e não-felicidade.

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 91


O que se obtém no Nirvana é o mesmo que não-sofrimento e não-
felicidade. Ainda assim o chamamos de Grande Êxtase. Em razão deste
Grande Êxtase, dizemos Grande Nirvana.

Segundo, dizemos Grande Êxtase em razão do Grande Silêncio. A natu-


reza do Nirvana é o Grande Silêncio. Por quê? Porque ele é removido de
tudo o que é ruidoso. O Grande Silêncio é chamado Grande Nirvana.

Terceiro, dizemos Grande Êxtase em razão do Pleno-Conhecimento. Se


não há Pleno-Conhecimento, não dizemos Grande Êxtase. Como o Bu-
da-Todo-Tathagata é Pleno-Conhecimento, dizemos Grande Êxtase. Por
conta [deste] Grande Êxtase, dizemos Grande Nirvana.

Quarto, dizemos Grande Êxtase em razão do corpo inquebrantável. Se o


corpo se quebra, não dizemos ‘felicidade’. O corpo do Tathagata é A-
damantino e Indestrutível. Ele não é um corpo de impurezas, e nem do
não-eterno. Por conseqüência, Grande Êxtase. Em razão deste Grande
Êxtase, dizemos Grande Nirvana.

Oh bom homem! Os nomes são usados no mundo quer tenham ou não


quaisquer relações circunstanciais ligadas a eles. O caso no qual uma
relação circunstancial existe é como aquele de Shariputra, onde o nome
de sua mãe, ‘Shari’, vem para ele, e então dizemos ‘Shariputra’ [isto é,
‘filho de Shari’]. O andarilho Mayura é assim chamado porque ele esta-
va numa terra chamada ‘Mayura’. Sendo baseado no nome da terra,
seu nome é como no (caso de) Maudgalyayana. Maudgalyayana é o
nome de família. Do nome da família, temos agora Maudgalyayana. Eu,
agora, nasci no Clã Gautama. Assim, eu sou Gautama, com base no no-
me do Clã. Isto é como no caso do andarilho Visaka. Visaka é o nome de
uma estrela. Do nome de uma estrela, aqui temos o nome de uma pes-
soa, Visaka. Se uma pessoa tem seis dedos, chamamo-la ‘seis dedos’.
Dizemos ‘Butsunu’ [isto é, ‘Servo-do-Buda’] e ‘Tennu’ [isto é, ‘Servo-do-
Céu’]. Quando uma coisa vem de uma mistura, dizemos ‘Shissho’ [isto é,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 92


mestiço]. Baseado na voz, dizemos ‘Kakala’ [isto é, voz de um pássaro],
‘Kukuta’ [isto é, voz de uma ave doméstica], e ‘Tatara’ [isto é, voz de um
faisão]. Todos esses nomes vêm de relações causais que lá existem.
Aqueles que não estão baseados em relações causais são: lótus, terra,
água, fogo, vento e espaço. ‘Mandapa’ [isto é, escória potável de arroz
cozido] refere-se a duas coisas. Primeiro, significa ‘palácio’, e em se-
gundo lugar, ‘suco para beber’. Embora uma edificação (palácio) não
beba suco, dizemos assim. ‘Sappashata’ significa ‘guarda-sol da serpen-
te’. Mas de nenhuma forma ele é um guarda-sol da serpente. Um nome
meramente é inventado a partir de algo com o qual ele tem conexão.
‘Teirabai’ significa ‘óleo comestível’. Mas, de fato, óleo não é comido.
Um termo é meramente inventado, e ele diz ‘óleo comestível’.

Oh bom homem! É o mesmo com este Grande Nirvana. Sem conexão


direta, o nome é inventado.

Oh bom homem! Por exemplo, o espaço é chamado ‘grande’, mas ele


não é assim chamado com base no ‘espaço pequeno’. O caso é o mes-
mo com o Nirvana. Não dizemos ‘Grande Nirvana’ com base naquilo
que é pequeno em tamanho.

Oh bom homem! O Dharma não pode ser apreciado ou pensado a seu


respeito. Portanto, dizemos ‘Grande’. É o mesmo com o Nirvana. Em
razão de ele não poder ser apreciado ou pensado a seu respeito, dize-
mos ‘Mahaparinirvana’.

Capítulo 29: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 3 Página 93


Capítulo Trinta: Sobre o Bodhisattva
Rei Altamente-Virtuoso 4

A Primeira Grande Virtude

Os Quatro Tipos de Pureza do Grande Nirvana

Em razão de ser puro, dizemos ‘Grande Nirvana’. Como ele é puro? Há


quatro tipos de pureza. Quais são os quatro?

Primeiro, chamamos as 25 existências de não-puras. Quando se acaba


eternamente com estas, falamos do ‘Puro’. O que é Puro no Nirvana?
Esse Nirvana pode perfeitamente ser chamado de ‘é’. Mas, para dizer a
verdade, este Nirvana não é qualquer existência do ‘é’. O Buda-Todo-
Tathagata segue o caminho do mundo e diz que Nirvana é ‘é’. Por e-
xemplo, as pessoas do mundo chamam alguém que não é pai de pai,
que não é mãe de mãe, e que não são pais de pais. É o mesmo com o
Nirvana. Seguindo o caminho do mundo, dizemos que todos os Budas
têm Grande Nirvana.

Segundo, a ação é pura. Com todos os mortais comuns a ação não é


pura. Assim, não pode haver Nirvana. Como a ação do Buda-Todo-
Tathagata é pura, dizemos Grande Pureza. Em razão da Grande Pureza,
dizemos Grande Nirvana.

Terceiro, o corpo é puro. Se o corpo é não-eterno, ele não é puro. O


corpo do Tathagata é Eterno. Por consequência, Grande Pureza. Em
razão desta Grande Pureza, dizemos Grande Nirvana.

Quarto, a mente é pura. Se a mente é corrompida, dizemos não-pura. A


mente do Buda é não-corrompida. Portanto, Grande Nirvana.

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 95


Oh bom homem! Isto é como bons homens e boas mulheres praticam a
Via do Sutra do Grande Nirvana e completam a primeira virtude.”

A Segunda Grande Virtude

Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva


pratica a Via do Grande Nirvana e completa a segunda virtude? Oh bom
homem! O Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via do Grande Nirvana e
agora obtém o que ele não poderia obter no passado, agora vê o que
ele não poderia ver no passado, agora ouve o que ele não poderia ouvir
no passado, atinge o que ele não poderia atingir no passado, e conhece
o que ele não era capaz de conhecer no passado.

Como alguém agora obtém o que era incapaz de obter no passado? Isto
nada mais é que o grande poder miraculoso que alguém não poderia
obter no passado, mas que agora obtém. Existem dois tipos de poder.
Um é interior, o outro é exterior. Dizemos ‘exterior. Isto se refere aos
tirthikas. Do (poder) interior, novamente há dois tipos. Um é o dos dois
veículos, e o outro é o do Bodhisattva. Este é o poder divino que o Bo-
dhisattva obtém ao praticar o Sutra do Grande Nirvana. Não é o mesmo
que aquele que se obtém com Sravakas e Pratyekabudas. O poder divi-
no alcançado pelos dois veículos é aquele obtido por uma mente, não
muitas. Isto não é assim com o Bodhisattva. Em uma mente, ele obtém
cinco tipos de corpos. Por quê? Porque ele ganha o poder divino do
Sutra do Grande Nirvana. Isto é o que alguém obtém agora e que não
obtinha no passado.

O Corpo e a Mente do Bodhisattva

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 96


Também, além disso, como alguém obtém agora o que não obtinha no
passado? Isto se refere ao desimpedimento de alguém no corpo e na
mente. Por quê? O corpo e a mente que os mortais comuns possuem
não são desimpedidos. Em algumas ocasiões, a mente segue o corpo, e
em outras, o corpo segue a mente.

De que maneira a mente segue o corpo? Por exemplo, isto é como com
uma pessoa intoxicada. Quando há tóxico no corpo, a mente também
muda. Também, é como quando o corpo sente preguiça e a mente
também sente. Isto são instâncias da mente seguindo o corpo. Tam-
bém, é como com uma criança. Como o corpo é pequeno, a mente
também é ainda pequena. Com o crescimento, conforme o corpo se
torna grande, a mente também se torna grande. Ou pode haver um
homem cujo corpo é rude e pesado, e que pensa em esfregar-se no óleo
tal que seu corpo se torne leve e flexível. O caso é como isto. Isto é um
exemplo da mente seguindo o corpo.

Como o corpo segue a mente? Isto é quando alguém determina ir e vir,


sentar e deitar, doar, manter os preceitos, praticar a paciência e (em-
preender) esforços. Uma pessoa possuída pela preocupação (aflição)
tem um corpo que é fraco e emaciado, enquanto alguém que é feliz tem
um corpo forte e cheio de alegria. Uma pessoa que está assustada tre-
me; se com uma mente única alguém dá ouvido ao Dharma, o corpo
dessa pessoa brilha com alegria. Uma pessoa com tristeza verte lágri-
mas com abundância. Isto é o que se entende quando dizemos que o
corpo segue a mente.

O caso do corpo do Bodhisattva não é assim. Ele tem desimpedimento


no corpo e na mente. Isto é o que chamamos possuir aquilo que não
possuía no passado.

Também, além disso, oh bom! A aparência corpórea do Bodhisattva-


Mahasattva é como uma partícula de pó, um grão. Com este corpo do

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 97


tamanho de uma partícula, ele facilmente viaja sem obstruções para os
mundos de todos os Budas, tão numerosos e ilimitados quanto às areias
de inumeráveis Rios Ganges, e sua mente nunca se move. Isto é o que
se entende quando dizemos que a mente não segue o corpo. Este é o
porquê dizermos que uma pessoa agora alcança o que não encontrou
no passado.

Ao que dizemos que alguém não havia chegado e agora chegou? Àquilo
que todos os Sravakas e Pratyekabudas eram incapazes de chegar e
agora é alcançado pelo Bodhisattva. Este é o porquê dizemos que ao
que alguém não havia chegado agora chegou. Sravakas e Pratyekabudas
podem transformar seus corpos no tamanho de uma partícula, e mes-
mo assim não são capazes de viajar para os mundos de todos os Budas,
cujo número é tão incontável quanto às areias do Ganges. Com os Sra-
vakas e Pratyekabudas, suas mentes também se movem quando seus
corpos se movem. Não é assim com o Bodhisattva. Sua mente não se
move, mas não há caso onde seu corpo não se mova. Este é o sentido
no qual falamos que a mente do Bodhisattva não segue seu corpo.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva transforma seu


corpo e torna-o tão grande no tamanho quanto os 3.000 grandes siste-
mas de mil mundos, e o seu corpo de grande tamanho pode voltar ao
tamanho de uma partícula. A mente do Bodhisattva não cresce ou tor-
na-se pequena em tais ocasiões. Sravakas e Pratyekabudas podem se
transformar em algo tão grande quanto 3.000 grandes sistemas de mil
mundos. Mas eles não podem trazer de volta os seus corpos para o
tamanho de uma partícula. Aqui, eles falham. E como poderiam suas
mentes (dos Sravakas e Pratyekabudas) não se abalarem conforme seus
corpos se movem? Este é o sentido no qual falamos que a mente do
Bodhisattva não segue seu corpo.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva faz a


sua simples voz ser ouvida pelos seres dos 3.000 grandes sistemas de

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 98


mil mundos. No entanto, ele não roga para que sua voz possa preen-
cher todos os mundos. Ele possibilita aos seres ouvir agora o que eles
não haviam ouvido no passado. No entanto, ele não diz que engendrou
coisas tais que os seres pudessem ouvir agora o que eles não haviam
ouvido no passado. Se um Bodhisattva diz que ele possibilitou às pesso-
as ouvir agora seus sermões que eles estiveram impossibilitados de
ouvir no passado, essa pessoa não poderia atingir o Insuperável Bodhi.
Por que não? A mente que pensa coisas como ‘os seres não ouviram o
que eu falo agora’ nada mais é que a mente do mundo do nascimento e
da morte. Todos os Bodhisattvas acabaram com tais pensamentos. As-
sim, o corpo ou a mente do Bodhisattva não seguem um ao outro nesta
Via.

Oh bom homem! Com o corpo e a mente de todos os seres, acontece


que cada um segue o outro. É diferente com o Bodhisattva. No sentido
de salvar os seres, ele pode transformar seu corpo e mente, mas sua
mente não é pequena. Por que não? A mente de todos os Bodhisattvas
é por natureza sempre grande. Portanto, muito embora ele se manifes-
te num grande corpo, sua mente não aumenta em tamanho. Quão
grande é seu corpo? Seu corpo é (grande) como os 3.000 grandes sis-
temas de mil mundos. Quão pequena é sua mente? Ele determina o que
uma pequena criança faz. Assim, sua mente não é arrastada pelo seu
corpo. O Bodhisattva, há inumeráveis asamkhyas de kalpas, afastou-se
do álcool. No entanto, sua mente não se move. Embora sua mente não
tenha sofrimentos e dores, seu corpo ainda emite lágrimas; embora sua
mente não tenha medo, seu corpo treme. Por essa razão, saiba que o
Bodhisattva obtém o desimpedimento no corpo e na mente, e um não
segue o outro. O Bodhisattva-Mahasattva já se manifesta num corpo
único e, no entanto, todos os seres vêem-no distintamente.

O Ouvido Prístino do Bodhisattva

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 99


Oh bom homem! Como um Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via do
Sutra do Grande Nirvana e agora ouve o que ele não ouviu no passado?
O Bodhisattva-Mahasattva primeiro capta o som de coisas como elefan-
tes, cavalos, veículos, homens, conchas, tambores, hsiao, flautas, cantos
e lamentos, e ele aprende essas coisas. Ao praticar, ele realmente ouve
todos os sons dos infernos dos inumeráveis 3.000 grandes sistemas de
mundos. Também, ao mudar o seu ângulo (orientação), ele pratica e
ganha um diferente sentido orgânico do ouvido [isto é, diferente poder
sensitivo do ouvido]. E isto difere dos sentidos orgânicos celestiais dos
Sravakas e Pratyekabudas. Como? Estes nada mais são que puros pode-
res divinos dos dois veículos. Se alguém se dedica ao caso dos quatro
grandes elementos do primeiro dhyana, ouve-se somente (sons) do
primeiro dhyana, não do segundo. Assim se procede até o quarto dhya-
na. Mesmo quem ouve bem os sons de todos os 3.000 grandes sistemas
de mundos, não pode, no entanto, ouvir os sons de mundos tão nume-
rosos quanto às areias de inumeráveis e ilimitados Rios Ganges. Por
essa razão, dizemos que aquilo que é obtido pelo Bodhisattva é diferen-
te dos áureos sentidos orgânicos de Sravakas e Pratyekabudas. Devido a
essa diferença, ouve-se agora o que não se ouviu no passado. Embora
se ouça o som, não há detecção (captação, percepção) do ‘é’, do Eter-
no, do Êxtase, do Eu, do Puro, mestre, discípulo, esforço, causa, sama-
dhi e resultado. Isto é como todos os Bodhisattvas agora ouvem o que
eles não ouviram no passado.”

Então, o Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-


Virtuoso disse: “Você, o Buda, diz que não há sentido (percepção) do
samadhi e resultado. Isto não pode ser. Por que não? O Tathagata disse
anteriormente: ‘Se alguém ouve uma linha ou letra deste Sutra do
Grande Nirvana, atinge infalivelmente o Insuperável Bodhi’. Em contras-
te, o Tathagata agora diz que o que existe é não-samadhi e não-
resultado. Se alguém alcança o Insuperável Bodhi, isto nada mais é que
uma forma definida de samadhi e resultado. Como você pode dizer que
o que existe é nada mais que não-samadhi e não-resultado? Quando se

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 100


ouve uma voz má, ganha-se um pensamento mau. Ganhando-se um
mau pensamento, cai-se nos três reinos do infortúnio. Se alguém cai
nos três reinos do infortúnio, isto é nada mais que um resultado defini-
do. Como você pode dizer que não há samadhi e nem resultado?”

Então o Tathagata expressou seu elogio e disse: “Bem falado, bem fala-
do, oh bom homem! Você faz muito bem de colocar esta questão. Se
houver alguma forma de constância (permanência) no efeito (resultado)
de sua voz, isto não pode ser o que resulta (da voz) do Buda-Todo-
Honrado-pelo-Mundo. Tudo isto é o que se obtém com o rei dos Maras,
a forma do nascimento e da morte, e afasta-se do Nirvana. Por quê?
Aquilo que todos os Budas falam a respeito não possui forma definida
de resultado.

Oh bom homem! Por exemplo, uma espada reflete a face humana. O


vertical mostra o comprimento e o horizontal a largura. Se houvesse
alguma forma definida, como alguém poderia ver o comprimento na
vertical e a largura na horizontal? Por esta razão, não pode haver qual-
quer constância naquilo que o Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo diz.

Oh bom homem! Nirvana não é fruição da voz [isto é, da fala]. Se Nirva-


na fosse fruição da voz, saiba que tal Nirvana não seria algo Eterno.

Oh bom homem! Por exemplo, o que se obtém no mundo é que um


efeito (resultado) vem de uma causa, e que se não há causa, não há
efeito. Como a causa é não-eterna, o efeito também é não-eterno. Por
quê? Porque a causa pode se tornar efeito, e efeito também pode tor-
nar-se causa. Assim, não há nada que seja definido em todas as coisas.
Se Nirvana resultasse de uma causa, isto implicaria que, como a causa é
não-eterna, o efeito também seria não-eterno. Mas este Nirvana não
pode ser algo que tenha surgido de uma causa; o corpo do Nirvana não
pode, portanto, ser um efeito. Oh bom homem! Pelas razões acima, o
corpo do Nirvana não teria permanência e nem resultado.

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 101


Oh bom homem! Nirvana é definido e é o resultado. Assim poderíamos
dizer. Como ele é definido? ‘O Nirvana de todos os Budas é o Eterno,
Êxtase, Eu e o Puro. Por essa razão, dizemos definido. Não há nascimen-
to, velhice ou desintegração’. Portanto, é definido. Quando acabamos
com a mente original do icchantika, com as quatro graves ofensas, com
a calúnia ao Vaipulya e com os cinco pecados mortais, infalivelmente
encontramos o Nirvana. Portanto, é definido.

Oh bom homem! Você diz que se alguém ouve uma linha ou uma letra
do meu [Sutra do] Grande Nirvana, atinge o Insuperável Bodhi. Mas isto
indica que você não compreende completamente o significado. Ouça
atenciosamente! Agora tornarei claro para você. Se qualquer bom ho-
mem ou boa mulher, ao ouvir uma letra ou linha do [Sutra do] Grande
Nirvana, não alimentar a noção de uma letra ou linha, de tê-lo ouvido,
do olhar do Buda, de um elemento do seu sermão; isso é uma forma da
não-forma. Devido à não-forma, atinge-se o Insuperável Bodhi.

Oh bom homem! Você diz que ao se ouvir uma má voz se ganha a vida
nos três reinos do infortúnio. Isto não é assim. Não se ganha os três
reinos do infortúnio a partir de uma má voz. Saiba que isto resulta de
um mau pensamento. Por quê? Oh bons homens e boas mulheres! Po-
de haver casos onde se ouve uma má voz e, no entanto, não se ganha
um mau pensamento. Em razão disto, saiba que alguém não ganha (em
razão disto) vida nos três reinos do infortúnio. E ainda mais, como todos
os seres têm laços de impurezas e muita maldade em sua mente, eles
não ganham vida nos três reinos do infortúnio. Isto não é de uma voz
que é má. Se a voz tivesse um estado definido, todos que a ouvissem
teriam que ganhar um mau pensamento. Há situações onde aqueles
(maus pensamentos) vêm e onde eles não vêm. Assim, saiba que não há
estado definido com relação à voz. Como não há estado definido, é
possível que nenhum mau pensamento surja embora alguém possa
ouvi-la.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 102


(O Bodhisattva disse: ) “Oh Honrado pelo Mundo! Se não há estado
definido com a voz, como um Bodhisattva pode ouvir o que ele não
ouviu antes?”

Oh bom homem! A voz não tem estado definido. Ela certamente possi-
bilita a alguém ouvir aquilo que não ouviu no passado. Portanto, digo
que alguém ouve o que não ouviu no passado.

O Olho Prístino do Bodhisattva-Mahasattva

Oh bom homem! Como pode alguém ver o que não viu no passado? O
Bodhisattva-Mahasattva pratica o Todo-Maravilhoso Sutra do Grande
Nirvana e, primeiro, ganha o brilho. Essa luz é como aquela do sol, da
lua, das constelações, da fogueira, da lâmpada, a luz de uma gema (pre-
ciosa), ou a luz de uma erva medicinal. Através da pratica, ele ganha
sentidos diferenciados. Esses (sentidos) diferem daqueles dos Sravakas
e Pratyekabudas. Como é diferente? É diferente do Olho Celestial puro
dos dois veículos. Com base nos sentidos orgânicos dos quatro grandes
elementos do mundo dos desejos, pode-se ver o primeiro dhyana. Se
alguém está fundamentado no primeiro dhyana, não pode ver o que se
obtém nos estágios acima. Ou alguém pode ver os próprios olhos. Ou
pode desejar ver mais, mas o limite está nos 3.000 grandes sistemas de
mil mundos.

O Bodhisattva-Mahasattva, não tendo praticado o Olho Celestial, vê, do


corpo todo-maravilhoso, somente o osso. Ele pode ver bem o que se
obtém nas formas exteriores às coisas dos 3.000 grandes sistemas de
mil mundos, de outras esferas de mundos tão numerosas quanto às
areias do Ganges, e mesmo assim ele não ganha o sentido (a sensação)
de ter visto qualquer forma concreta, nem sentido de eternidade, nem
forma do ‘é’, da matéria, nome, letra, nem pensamento de causa e efei-

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 103


to, nem sentido (sensação) de jamais ter visto. Este olho não diz que o
que existe lá é todo-maravilhoso e puro; o que ele vê é o causal e o não-
causal. O que é o causal? Cor é o resultado do por-causa [isto é, condi-
ção] do olho. Se a relação causal da cor não estiver presente, nenhum
mortal comum pode ganhar o sentido da cor. Portanto, dizemos que a
cor se constitui de relações causais. Dizemos relação não-causal. O Bo-
dhisattva-Mahasattva pode ver cor. Mas, ele não ganha qualquer senti-
do (sensação) de cor. Portanto, ele não cria (ou concebe) o por-causa.
Assim, dizemos que o Olho Celestial Prístino (primitivo, imaculado, pu-
ro) difere daquele que os Sravakas e Pratyekabudas possuem. Devido a
essa diferença na qualidade, ele vê ao mesmo tempo todos os Budas
das dez direções. Este é o porquê dizemos que ele vê agora o que não
viu no passado.

Devido a esta diferença, ele pode ver bem uma partícula, a qual Srava-
kas e Pratyekabudas não podem ver. Devido a esta diferença, ele pode
ver bem seus próprios olhos, e ainda assim ele não tem a sensação de
tê-los visto pela primeira vez, e nem a sensação do não-eterno. Ele vê as
36 coisas impuras que os mortais comuns possuem, exatamente como
ele veria uma amalaka [fruta indiana da groselha] na palma de suas
mãos. Por essa razão, dizemos que ele agora vê o que não havia visto
no passado. Se ele vê a cor dos seres, ele pode dizer se são Mahayana
ou Hinayana; uma vez que toque suas roupas, ele vê o bom ou o mau, e
as diferenças de todos os (seus) sentidos orgânicos. Por essa razão,
dizemos que a pessoa agora sabe (conhece) o que ele não conheceu no
passado. Devido a esse poder de conhecimento, ele agora vê o que não
viu no passado.

O Que o Bodhisattva Agora Sabe

Oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva conhece agora o que


ele não conhecia no passado? O Bodhisattva-Mahasattva conhece os

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 104


pensamentos da cobiça, da ira, da ignorância dos mortais comuns e, no
entanto, ele não vê a mente e os processos mentais. Ele não tem qual-
quer forma dos seres ou coisas. Ele pratica a ‘Paramartha-satya’ [Reali-
dade Última] e a Vacuidade Última. Por quê? Porque todos os Bodhi-
sattvas sempre praticam completamente as naturezas e características
do Vazio. Praticando o Vazio, ele pode conhecer agora o que ele não
conhecia no passado. O que ele conhece? Ele sabe que não existe um
eu e que alguém o possua. Todos os seres têm a Natureza-de-Buda. Ele
sabe que em razão da Natureza-de-Buda, mesmo o icchantika, quando
abandona a mente que ele possui, pode de fato atingir a Iluminação
Insuperável. Isto não é o que Sravakas e Pratyekabudas possam saber.
O Bodhisattva sabe isto bem. Portanto, sabe o que não sabia no passa-
do.

Também, além disso, oh bom homem! Como alguém pode saber agora
o que não sabia no passado? Tendo praticado o Todo-Maravilhoso Sutra
do Grande Nirvana, o Bodhisattva-Mahasattva pensa sobre as origens
do nascimento, casta, pais, irmãos, irmãs, esposa, filhos, parentes, ami-
gos e inimigos. No lampejo de um momento ele adquire um conheci-
mento diversificado, o qual difere daquele dos Sravakas e Pratyekabu-
das. Como ele difere? A sabedoria dos Sravakas e Pratyekabudas pensa
sobre a casta, pais e inimigos de todos os seres do passado. O que é
visto é nada mais que inimigos e amigos. Não é assim com o Bodhisatt-
va. Ele pode pensar sobre a casta, pais e inimigos do passado. Mas ele
não concebe formas para a casta, pais e inimigos. O que ele vê é a lei
[dharma] que se depreende (disto) e o Vazio. Este é o porquê dizemos
que o Bodhisattva agora sabe o que ele não sabia no passado.

Também, além disso, oh bom homem! Como alguém sabe o que não
sabia no passado? O Bodhisattva-Mahasattva pratica o Todo-
Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e alcança algo que é diferente
daquilo que foi alcançado pelos Sravakas e Pratyekabudas que podem
ler a mente de outras pessoas. Como é diferente? Os Sravakas e Pratye-

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 105


kabudas podem ler, no lampejo de um momento, as mentes das outras
pessoas. Mas eles não podem ler as mentes daqueles que se encontram
nos reinos do inferno, da animalidade, dos espíritos famintos, e dos
céus. Mas isto não é assim com o Bodhisattva. No lampejo de um mo-
mento, ele pode ler as mentes dos seres dos seis reinos. Este é o porquê
dizemos que o Bodhisattva agora sabe o que não sabia no passado.

Também, além disso, oh bom homem! Existe um tipo diferente de co-


nhecimento. O Bodhisattva-Mahasattva, no lampejo de um momento,
vê todos os degraus do pensamento do Sakrdagamin que vão desde o
primeiro estágio até o décimo-sexto. Dessa forma, agora ele sabe o que
não sabia no passado. Este é o porquê dizemos que ele pratica a Via do
Grande Nirvana e assim completa a segunda virtude.

A Terceira Grande Virtude

O Amor Benevolente do Bodhisattva

Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva


pratica a Via do Grande Nirvana e completa a terceira virtude? Oh bom
homem! O Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via do Grande Nirvana. Ele
abandona o amor-benevolente [‘maitri’] e atinge-o (conquista-o). Ao
atingir o amor-benevolente, as coisas não seguem mais o curso das
relações causais. Como ele abandona o amor-benevolente e atinge-o?
Oh bom homem! Amor-benevolente diz respeito ao dharma secular. O
Bodhisattva-Mahasattva abandona o amor-benevolente do dharma
secular e alcança aquele do ‘Paramartha-satya’. O amor-benevolente do
‘Paramartha-satya’ não atua segundo o dharma do por causa (da rela-
ção causal).

Também, além disso, como ele abandona o amor-benevolente e atinge-


o? Se o amor-benevolente pode ser abandonado, os mortais comuns o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 106


chamam de amor-benevolente. Se ele é alcançado, o Bodhisattva cha-
ma isto de amor-benevolente sem relações causais. Ele abandona o
amor benevolente do icchantika, daqueles que são culpados das cinco
graves ofensas, daqueles que têm caluniado o Vaipulya, e daqueles que
têm cometido os cinco pecados mortais. Ele alcança o amor-
benevolente da piedade, o amor-benevolente do Tathagata, aquele do
Honrado-pelo-Mundo, aquele da relação não causal.

Por que dizemos que ele abandona o amor-benevolente e atinge-o? Ele


abandona o amor-benevolente daqueles dos órgãos genitais imperfei-
tos, daqueles sem órgãos genitais, daqueles com órgãos genitais duplos,
das mulheres, açougueiros, caçadores, daqueles criadores de aves e
porcos, e outros tais como estes. Ele também abandona o amor-
benevolente dos Sravakas e Pratyekabudas, e alcança o amor-
benevolente sem relações causais de todos os Bodhisattvas. Ele não vê
o seu próprio amor-benevolente, o dos outros, ou a observância dos
preceitos (shila), ou a quebra destes. Ele vê a sua própria compaixão
[‘karuna’], mas não os seres. Ele vê sofrimento, mas não a pessoa que
se debate em sofrimento. Por que não? Porque ele pratica a verdade do
‘Paramartha-satya’. Este é o porquê dizemos que o Bodhisattva pratica
a Via do Grande Nirvana e completa a terceira virtude.

A Quarta Grande Virtude

Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva pratica a Via


do Grande Nirvana e completa a quarta virtude?

Oh bom homem! Existem dez coisas quando o Bodhisattva-Mahasattva


pratica a Via do Grande Nirvana e completa a quarta virtude. Quais são
as dez?

Primeiro, ela é profundamente-enraizada e difícil extirpar.

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 107


Segundo, lá surge o pensamento de autodeterminação.

Terceiro, ele não tem qualquer sensação de um campo de prosperidade


ou não-prosperidade.

Quarto, ele pratica a Via da Pura Terra-Búdica (purificação das Terras-


Búdicas).

Quinto, ele corta o que ainda resta para ser cortado.

Sexto, ele corta as relações cármicas.

Sétimo, ele pratica a via do corpo puro.

Oitavo, ele capta (compreende) todas as relações causais.

Nono, ele aparta-se de todos os inimigos.

Décimo, ele separa-se das duas fases da existência.

Raízes da Iluminação Insuperável

Por que é profundamente-enraizada e difícil de extirpar? A ‘raiz’ se refe-


re à não-indolência. A que a raiz diz respeito? Nenhuma outra senão a
raiz da Iluminação Insuperável.

Oh bom homem! A raiz de Todos os Budas e de todas as boas ações


está fundamentada na não-indolência. Devido à não indolência, todas
as outras boas raízes crescem gradativamente. Como todas as boas
(raízes) crescem, esta é a mais soberba de todas as boas ações.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 108


Oh bom homem! De todas as pegadas, aquela do elefante é a melhor.
Assim é o dharma da não-indolência.

Oh bom homem! De todas as luzes, aquela do sol é a maior. Assim é o


dharma da não-indolência. De todos os dharmas, este é o mais superior.

Oh bom homem! De todos os reis, o Chakravartin é o maior. Assim é a


não-indolência. De todos os bons dharmas, ele é o principal.

Oh bom homem! De todos os rios, os quatro são os maiores. Assim é o


dharma da não-indolência. Ele é o mais elevado de todos os bons
dharmas.

Oh bom homem! De todas as flores-aquáticas, a utpala (Lótus Azul -


Nymphaea caerulea) é a melhor. Assim é o dharma da não-indolência.
Ele é o melhor de todos os bons dharmas.

Oh bom homem! De todas as flores que florescem na terra, a varsika é a


melhor. Assim é o dharma da não-indolência. De todos os bons dhar-
mas, ele é o melhor.

Oh bom homem! De todos os animais, o leão é o melhor. Assim é o


dharma da não-indolência. De todos os bons dharmas, ele é o melhor.

Oh bom homem! De todos os pássaros voando, a garuda é o melhor.


Assim é o dharma da não-indolência. Ele é o melhor de todos os dhar-
mas.

Oh bom homem! De todos os grandes corpos, o Rei Rahulasura é o me-


lhor. Assim é melhor o dharma da não-indolência.

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 109


Oh bom homem! Dentre todos os seres, os bípedes, os quadrúpedes, os
de muitas pernas e aqueles sem pernas, o Tathagata é o melhor. Assim
é o dharma da não-indolência. Ele é o melhor de todos os dharmas.

Oh bom homem! De todos os seres, o Monge Budista é o melhor. Assim


é o dharma da não-indolência. De todos os bons dharmas, ele é o me-
lhor.

Oh bom homem! De todos os ensinamentos do Buda, o do Sutra do


Grande Nirvana é o melhor. Assim é o dharma da não-indolência. Ele é
o mais elevado de todos os bons dharmas.

Oh bom homem! Assim, a raiz da não-indolência é profunda e difícil de


ser extirpada.

Por que a não-indolência cresce? Existem as raízes da fé, dos preceitos,


da Sabedoria, da cognição, da audição, do esforço, da lembrança, do
samadhi e do Bom Mestre da Via; todas as quais crescem através da
não-indolência. Devido a [este] crescimento, ela é profundamente-
enraizada e difícil de extirpar. Por essa razão dizemos que o Bodhisatt-
va-Mahasattva pratica a Via do Grande Nirvana e que ele está profun-
damente-enraizado e difícil de extirpar.

O Sentido da Autodeterminação

Em qual sentido dizemos que ele ganha uma idéia de decisão (autode-
terminação) e pensa: ‘Com este corpo, infalivelmente atingirei, nos dias
a vir, um estado no qual despertarei para a Iluminação Insuperável’. Sua
mente pensa assim. Ele não se torna limitado (estreito) em pensamen-
to, muda, ganha o pensamento de um Sravaka ou Pratyekabuda, o pen-
samento de Mara, o pensamento de auto-prazer, ou daquele que está
satisfeito com o nascimento e a morte. Ele sempre procura ser compas-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 110


sivo para com todos os seres. Este é sentido no qual dizemos que o Bo-
dhisattva obtém em si a idéia de decisão (autodeterminação) para, as-
sim, atingir na vida que virá o Insuperável Bodhi. Portanto, o Bodhisatt-
va-Mahasattva pratica a Via do Grande Nirvana e obtém em si a mente
decidida.

O Campo de Prosperidade Segundo o Bodhisattva

De que maneira o Bodhisattva não vê qualquer campo de prosperidade


e não-prosperidade?

O que é um campo de prosperidade? Toda a observância dos preceitos


(shila), desde aquela dos tirthikas até àquela de todos os Budas, cai sob
a categoria de um campo de prosperidade. Se tudo isso é o campo de
prosperidade, saiba que essa mentalidade é rebaixada e deteriorada. O
Bodhisattva-Mahasattva vê todos os inumeráveis seres como nada mais
que um campo de prosperidade. Por quê? Porque ele pratica de fato
uma esfera mental diferente. Com alguém que pratica essa esfera men-
tal diferente, não pode surgir (o conceito de) observância ou não-
observância dos preceitos na medida em que ele olha para os seres; o
que ele vê é aquilo que é dito pelo Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo.

Há quatro tipos de doações. E todos eles evocam recompensas puras.


Quais são os quatro?

Primeiro, o doador é puro, e o receptor não é puro.

Segundo, o doador não é puro, mas o receptor é puro.

Terceiro, ambos, doador e receptor, são puros.

Quarto, ambos não são puros.

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 111


De que maneira o doador é puro e o receptor é não puro? O doador é
perfeito nos preceitos (shila), na audição e Sabedoria, e sabe que há
doação e recompensa. O receptor viola os preceitos e vive em meio a
visões distorcidas. Ele não doa, e não existe recompensa. Este é o por-
quê dizemos que o doador é puro e o receptor é impuro.

Por que dizemos que o receptor é puro, mas o doador impuro? O doa-
dor transgride os preceitos, tem visões distorcidas e diz que não pode
haver nada como doação e recompensa. O receptor mantém os precei-
tos, ouviu muito, tem Sabedoria, sabe [que é importante] doar, e co-
nhece a recompensa disto. Este é o porquê dizemos que o doador é
impuro, mas o receptor é puro.

Em que sentido dizemos que ambos, doador e receptor, são puros?


Ambos, doador e receptor, observam os preceitos, ouvem muito, têm
Sabedoria, conhecem a doação, e sabem que há recompensa pela doa-
ção. Isto é como dizemos que ambos, doador e receptor, são puros.

Como podemos dizer que ambos são impuros? Ambos, doador e recep-
tor, baseiam-se em visões distorcidas e dizem que não pode haver
qualquer doação e recompensa. Se a situação é assim, como podemos
dizer que a recompensa é pura? Quando não há [sentido ou intenção
de] doação e nem [sentido de] recompensa, dizemos (que a recompen-
sa é) pura.

Oh bom homem! Se existe uma pessoa que não vê doação e sua re-
compensa, saiba que não dizemos que tal pessoa violou os preceitos ou
apega-se exclusivamente às visões distorcidas. Se, atendendo as pala-
vras de um Sravaka, uma pessoa não vê doação e sua recompensa, aí
chamamos isto de uma violação dos preceitos e persistência em visões
distorcidas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 112


Se uma pessoa, fundamentando-se no Sutra do Grande Nirvana, não vê
doação e a recompensa disto, isto é observância dos preceitos e persis-
tência nas visões corretas. O Bodhisattva-Mahasattva reside numa esfe-
ra mental diferente e, através da prática, não vê seres observando ou
violando os preceitos, doador, receptor ou recompensa. Portanto, isso é
observância dos preceitos e persistência nas visões corretas. Assim, o
Bodhisattva-Mahasattva não medita sobre o campo de prosperidade ou
de não-prosperidade.

A Purificação das Terras-Búdicas

O que se entende por ‘Pura Terra-Búdica’? O Bodhisattva-Mahasattva


pratica a Via do Sutra do Grande Nirvana e salva os seres de modo a
atingir a Iluminação Insuperável, e se aparta de qualquer pensamento
de matar ou ferir os outros. Ele roga que, através desta boa ação, ele e
todos os seres obterão longa vida e grande poder divino. Devido a esta
oração, todos os seres da Terra onde ele atingirá o Estado de Buda na
vida futura serão abençoados com longa vida e grande poder divino.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva prati-


ca a Via do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e salva os seres
de modo a atingir o Insuperável Bodhi, e se aparta de todos os pensa-
mentos de roubar. Ele roga para compartilhar a virtude desta boa ação
com todos os seres, e que todas as Terras-Búdicas sejam adornadas
com os sete tesouros, que os seres sejam ricos, e que sejam impertur-
báveis [isto é, sem impedimentos] em tudo que queiram possuir. Por
conta deste poder da oração, a Terra onde ele renascerá e atingirá o
Estado de Buda no futuro será abençoada com riqueza e grande liber-
dade [isto é, desimpedimento] com relação ao que os seres desejarem
possuir.

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 113


Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva se
aparta dos pensamentos sensuais conforme ele pratica a Via do Todo-
Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, e salva os seres de modo a atin-
gir a Iluminação Insuperável. Ele roga para compartilhar o mérito desta
boa ação com todos os seres, que todos os seres de todas as Terras-
Búdicas não tenham pensamentos de ganância (cobiça), ira e ignorân-
cia, e que não haja a dor da fome (desejo ardente). Devido ao poder
dessa oração, todos os seres da Terra onde ele atingirá o Estado de
Buda no futuro serão afastados da cobiça, luxúria, ira e ignorância, e de
todas as dores da fome.

Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva


pratica a Via do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e salva os
seres de modo a atingir a Iluminação Insuperável, ele se afasta das pa-
lavras desenraizadas. Ele roga para poder compartilhar com todos os
seres a virtude daquilo que é bom, para que as Terras de todos os Bu-
das tenham flores, frutos, florestas de árvores exuberantes e árvores
fragrantes, e que todos os seres ganhem vozes todo-maravilhosas. De-
vido ao poder da oração, todas as Terras, quando ele atingir o Estado de
Buda no futuro, terão flores e frutos, árvores fragrantes e todas as pes-
soas daquelas terras terão vozes puras e todo-maravilhosas.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva prati-


ca o Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, aparta-se da língua
dúbia, e salva os seres de modo a atingir a Iluminação Insuperável. Ele
roga para poder compartilhar a virtude dessa boa ação com todos os
seres, e para que os seres de todas as Terras-Búdicas estejam sempre
unidos em paz e preguem o Dharma Maravilhoso. Devido a este poder
de oração, todos os seres de todas as Terras-Búdicas, quando ele atingir
o Estado de Buda, unir-se-ão em paz e pregarão a essência do Dharma.

Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva


pratica o Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, ele se aparta da

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 114


maledicência, e salva os seres de modo a atingir o Insuperável Bodhi.
Ele roga para compartilhar o mérito dessa boa ação com todos os seres,
para que todas as Terras-Búdicas sejam tão planas quanto à palma da
mão, para que lá não haja areia, pedras, plantas espinhosas ou espinhos
venenosos, e que as mentes de todos os seres sejam todas iguais. Devi-
do ao poder dessa oração, quando ele atingir o Estado de Buda no futu-
ro, todas as Terras-Búdicas serão planas como a palma da mão, não
haverá areia, pedras, plantas espinhosas ou espinhos venenosos, e as
mentes de todos os seres serão todas iguais.

Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva


pratica a Via do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e salva os
seres de modo a atingir o Insuperável Bodhi, ele se apartará das pala-
vras sem significado e rogará para que possa compartilhar com todos os
seres a virtude dessa boa ação, e para que os seres de todas as Terras-
Búdicas não tenham sofrimento. Devido ao poder dessa oração, todos
os seres das Terras-Búdicas não terão quaisquer sofrimentos quando
ele atingir o Estado de Buda no futuro.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva prati-


ca a Via do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e salva todos os
seres de modo a atingir o Estado de Buda no futuro, e se aparta da co-
biça e da inveja. Ele roga para que possa compartilhar a virtude dessa
boa ação com todos os seres e para que os seres de todas as Terras-
Búdicas não tenham cobiça, inveja, preocupações ou visões distorcidas.
Devido a essa oração, quando ele atingir o Estado de Buda no futuro,
todos os seres das Terras-Búdicas não terão cobiça, inveja, preocupa-
ções ou visões distorcidas da vida.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva prati-


ca a Via do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, salva todos os
seres e se aparta das preocupações de modo a atingir a Iluminação In-
superável. Ele roga para compartilhar o mérito dessa boa ação com

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 115


todos os seres, e para que nas Terras de todos os Budas os seres prati-
quem o Grande Amor-Benevolente e a Grande Compaixão, e assim atin-
jam o estado (sentimento) do filho único [isto é, vejam todos os seres
como se fossem seus próprios e únicos filhos]. Devido ao poder dessa
oração, todos os seres de todos os Mundos Búdicos, quando ele atingir
o Estado de Buda no futuro, praticarão o Grande Amor-Benevolente e a
Grande Compaixão, e alcançarão o estado do filho único.

Também, além do mais, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva


pratica a Via do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, salva os
seres e se aparta das visões distorcidas de modo a atingir o Insuperável
Bodhi. Ele roga para compartilhar a virtude dessa boa ação com todos
os seres, e para que os seres de todas as Terras-Búdicas alcancem Ma-
haprajna [isto é, Grande Sabedoria]. Devido a essa oração, quando ele
atingir o Estado de Buda no futuro, todos os seres obterão Mahaprajna.

Este é o porquê dizemos que o Bodhisattva pratica a Via da Pura Terra-


Búdica.

Cortar o Que Ainda Resta Para Ser Cortado

Como o Bodhisattva-Mahasattva corta o que ainda resta para ser corta-


do? Aqui há três tipos de coisas com as quais se deve acabar, nomea-
damente: 1) as conseqüências cármicas remanescentes das impurezas,
2) o carma remanescente, e 3) o que fica para trás (existência remanes-
cente).

Consequencias Cármicas Remanescentes

Oh bom homem! O que são conseqüências cármicas remanescentes das


impurezas? Se um ser aprende e se achega da cobiça, quando chegar o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 116


tempo da conseqüência cármica ser ativada, ele cairá no inferno. Quan-
do ele sair do inferno, ganhará vida como um animal, tal como um
pombo, pardal, pato mandarim, papagaio, jiva-jivaka, sarika, pardal
azul, peixe, tartaruga, macaco, rena ou veado. Se acontecer de vir como
um humano, ele ganhará formas como ter os órgãos genitais imperfei-
tos, a forma feminina, a forma com órgãos genitais duplos, alguém sem
órgãos genitais, ou a forma de uma mulher sensual. Mesmo se nascer
como um sacerdote (clérigo), ele cometerá as cinco graves ofensas. Este
é o caso das conseqüências cármicas remanescentes.

Também, além disso, oh bom homem! Se uma pessoa procura odiosa-


mente aprender e se achegar da ira, ela cairá no inferno quando chegar
o tempo do seu carma produzir efeito. E saindo do inferno, ela ganhará
o corpo de um animal que será perfeito nos quatro tipos de envenena-
mento que caracterizam uma víbora. Estes são: envenenamento do seu
olhar, envenenamento pelo seu toque, envenenamento pela picada,
envenenamento pelo hálito. E os animais são: leão, tigre, lobo, urso,
urso marrom, gato, guaxinim, falcão e gavião. Mesmo se nascido como
humano, ele terá 12 tipos de maus costumes; mesmo se nascido como
um sacerdote, cometerá a segunda ofensa grave. Isto é conseqüência
cármica remanescente.

Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa que pratica a igno-
rância cai no inferno quando chega o tempo do efeito cármico ser pro-
duzido. E quando a sua vida no inferno termina, ela sai dele e ganha
vida como um animal, tais como: elefante, porco, vaca, carneiro, pulga,
piolho, mosquito, mosca ou formiga. Se acontecer de ganhar a vida
como um humano, imperfeições da forma corpórea e dos sentidos or-
gânicos surgirão como: surdez, cegueira, mudez, retenção da urina, ser
corcunda, e será impedido de se aproximar do Dharma. Mesmo que
venha a tornar-se ordenado, todas as funções dos seus órgãos carnais
serão deficientes, e ele terá prazer em cometer a [terceira] grave ofen-

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 117


sa. Furtará mesmo cinco tostões. Este é o caso das conseqüências cár-
micas remanescentes.

Também, além disso, oh bom homem! Se há uma pessoa que pratica a


arrogância, quando o seu carma produzir seu efeito, tal pessoa cairá no
inferno. E novamente, ao sair do inferno, ganhará vida como um animal,
tais como: verme de esterco, camelo, burro, cão ou cavalo. Se ganhar a
vida como um humano, será um serviçal, será oprimido pela pobreza, e
poderá ter de pedir esmolas. Mesmo que se torne ordenado, será sem-
pre visto de baixo para cima e cometerá as quatro graves ofensas. Essas
são as conseqüências cármicas remanescentes. Todas as quais são con-
seqüências remanescentes das impurezas. O Bodhisattva-Mahasattva
acaba com todas essas coisas porque ele pratica a Via do Grande Nirva-
na.

Carma Remanescente

O que é carma remanescente? Esse é o carma de todos os mortais co-


muns e de todos os Sravakas, o carma através do qual se recebe as sete
existências daqueles do estágio do Srotapanna, o carma através do qual
se recebe as duas existências daqueles do estágio do Sakrdagamin, o
carma através do qual se recebe a rupa [isto é, matéria, existência físi-
co-corporal] daqueles do estágio do Anagamin. Isto constitui carma
remanescente. O Bodhisattva-Mahasattva, conforme pratica a Via do
Grande Nirvana, extirpa completamente esse carma remanescente.

Existência Remanescente

Por que dizemos ‘existência remanescente’? O Arhat ganha a fruição do


Estado de Arhat e o Pratyekabuda ganha a fruição do Estado de Pratye-
kabuda. Não há carma e não há laços (amarras), e ainda assim eles atin-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 118


gem as duas fruições. Este é o sentido no qual dizemos ‘existência re-
manescente’.

Há três tipos de existência remanescente. O Bodhisattva-Mahasattva,


conforme ele pratica a Via do Sutra Mahayana do Grande Nirvana, os
aniquila. Este é o porquê dizemos que ele extirpa a existência remanes-
cente.

A Via do Corpo Puro

Como o Bodhisattva pratica a Via do Corpo Puro?

O Bodhisattva-Mahasattva pratica o preceito de não-matar. Disto, há


cinco tipos, nomeadamente: baixo, médio, alto, médio-superior e supe-
rior. O mesmo ocorre com a visão correta. Esses cinco tipos de 10 (dez)
pensamentos (pois são cinco tipos de preceito e visão correta) são cha-
mados de primeiro estágio de aspiração. Quando alguém é perfeito e
determinado em pensamento, e quando completa os cinco tipos de dez
pensamentos, isto é satisfação. Esses 10 (dez) pensamentos (no origi-
nal, esse número está denotado como 100.) são 10 (dez) virtudes. Com
as dez virtudes realizadas, uma fase está completa. Assim as coisas se
procedem uma após a outra, e as 32 marcas da perfeição são atingidas.
Quando tudo isto é completado, dizemos ‘corpo puro’.

Também, o Bodhisattva pratica a Via das 80 Características Menores de


Excelência. Isto vem do fato de que os seres do mundo adoram esses 80
tipos de devas. Quais são os 80? Eles são: Doze Devas, Doze Grandes
Devas, Cinco Grandes Estrelas, Grande Urso (Ursa Maior?), Deva Cavalo,
Deva Circundante, Bhadradvaja, Gunadeva, Vinte e Oito Constelações,
Deva Terra, Deva Vento, Deva Água, Deva Fogo, Brahma, Rudra, Indra,
Kumara, Deva Oito Cantos, Mahesvara, Panjara, Hariti, Quatro Guardi-
ões da Terra, Deva Livro, e Vasu. Estes são os 80. Para o benefício de

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 119


todos os seres, ele (o Bodhisattva) pratica a Via das 80 Características e
adorna o seu próprio corpo. Este é o corpo puro do Bodhisattva. Por
que é assim? Porque todos esses 80 deuses são aqueles nos quais todos
os seres crêem muito. Este é o porquê o Bodhisattva pratica a Via das
80 Características, e seu corpo não sofre mudanças. Assim, ele engen-
dra assuntos que todos os seres entendem, cada um de acordo com
aquilo que os seres acreditam. Tendo assim compreendido, eles adqui-
rem respeito e cada um aspira à Iluminação Insuperável. Por essa razão,
o Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via do Corpo Puro. Oh bom ho-
mem! Por exemplo, existe um homem que deseja convidar um grande
Rei à sua casa. Indubitavelmente, ele adornará a sua morada, a tornará
extremamente limpa, terá 100 variedades de belas delícias preparadas,
e então o Rei aceitará o convite. É o mesmo com o Bodhisattva-
Mahasattva. Quando ele deseja convidar o Dharma-Raja da Iluminação
Insuperável, ele primeiro pratica a Via, limpa e purifica o seu corpo. E
então o Insuperável Dharma-Raja tomará o seu assento. Assim, o Bo-
dhisattva-Mahasattva deve primeiramente tornar o seu próprio corpo
limpo e puro.

Oh bom homem! Por exemplo, se alguém deseja compartilhar da amrta


[ambrosia], essa pessoa limpará o seu corpo. É o mesmo com o Bodhi-
sattva-Mahasattva. Quando ele deseja compartilhar da prajna, o insu-
perável sabor da amrta do Dharma, ele necessita limpar o seu corpo
com as 80 características menores de excelência.

Oh bom homem! Por exemplo, se alguém coloca água num vaso precio-
so de ouro ou prata, tudo parecerá puro e limpo, dentro e fora. É o
mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva cujo corpo é puro. Por dentro e
por fora, ele será limpo porque a água da Iluminação Insuperável foi
derramada dentro dele.

Oh bom homem! É exatamente como a roupa branca de varanabusa


(fibra natural) é fácil de tingir. Por que á assim? Porque ela é, por natu-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 120


reza, branca e limpa. É o mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva. Quan-
do o seu corpo estiver puro e limpo, ele ganhará a Iluminação Insuperá-
vel. Por esta razão, o Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via e limpa o
seu corpo.

Compreendendo as Relações Causais

Como o Bodhisattva-Mahasattva conhece todos os fatores das relações


causais? O Bodhisattva-Mahasaatva não vê a aparência externa de uma
coisa, a relação causal de uma coisa, a coisa em si, como ela vem a ser,
como ela morre, como ela é única, como ela é diferente, quem a vê, o
que parece, ou quem a recebe. Por que não? Porque ele conhece tudo
sobre relações causais. O mesmo se aplica a todas as coisas. Este é o
porquê dizemos que o Bodhisattva percebe (capta) tudo sobre relações
causais.

Apartando-se dos Inimigos

Como o Bodhisattva se aparta dos inimigos? Todas as impurezas são


inimigos para o Bodhisattva. O Bodhisattva-Mahasattva sempre se afas-
ta delas. Este é o sentido no qual dizemos que o Bodhisattva esmaga
todos os seus inimigos

O Bodhisattva do quinto estágio não considera todas as impurezas co-


mo inimigos. Por que não? Porque ele reside nas impurezas [baseia-se
nas impurezas]. Ele vem a ser em razão das impurezas. (Uma vez) nasci-
do, ele se desloca (transfere) de um (ser) para o outro, e ilumina os
seres. Por essa razão, não falamos de um inimigo.

O que é um inimigo? Nada mais que alguém que calunia os Sutras Vai-
pulya. O Bodhisattva não tem medo de seguir os outros e nascer nos

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 121


reinos do inferno, da animalidade ou dos espíritos famintos. Ele somen-
te teme a pessoa que calunia o Vaipulya [isto é, os Sutras do Mahayana
Extensivo].

Há oito tipos de Maras para todos os Bodhisattvas. Estes são os inimi-


gos. Quando apartado desses oito Maras, dizemos que aquela pessoa
está afastada dos seus inimigos. Este é o sentido no qual falamos de o
Bodhisattva afastar-se dos seus inimigos.

Apartando-se dos Dois Aspectos da Existência

Como o Bodhisattva se aparta dos dois aspectos da existência [isto é, a


visão unilateral do ‘é’ e ‘não-é’ com relação à existência]? Os dois as-
pectos são as 25 existências e a impureza do desejo. Este é o sentido no
qual falamos sobre o Bodhisattva apartar-se dos dois aspectos.

Isto é o significado quando dizemos que o Bodhisattva-Mahasattva pra-


tica a Via do Grande Nirvana e é perfeito e plenamente realizado na
Quarta Virtude.”

A Terra Pura de Todos os Budas

Então o Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso


disse: “Exatamente como o Buda diz, quando o Bodhisattva pratica a
Via do Grande Nirvana, todas essas dez virtudes surgem. Por que o Ta-
thagata pratica somente nove e não a Via da Terra Pura?”

O Buda disse: “Oh bom homem! No passado, eu sempre pratiquei as


dez coisas (virtudes) completamente. Não há Bodhisattvas e Tathagatas
que não pratiquem essas dez Vias. Não pode haver qualquer coisa que
diga que quando o mundo está repleto de impurezas o Buda-Todo-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 122


Honrado-pelo-Mundo aparece lá. Oh bom homem! Não diga que o Bu-
da aparece num mundo de impurezas. Saiba que um pensamento como
este [isto é, esta forma de pensamento] não é bom e é de baixo nível.
Saiba que eu não apareço no Jambudvipa, para dizer a verdade. Por
exemplo, um humano pode dizer: ‘Somente este mundo possui um sol e
uma lua. Não há sol e lua em outros mundos’. Tal falácia não tem senti-
do. Se o Bodhisattva diz que este mundo é corrompido e impuro, mas
que outras Terras-Búdicas são puras e adornadas, isto equivale à mes-
ma coisa [isto é, está errado].

Oh bom homem! No distante oeste deste mundo Saha, para além de


Terras-Búdicas tão numerosas quanto às areias de 32 Rios Ganges, exis-
te um mundo chamado ‘Insuperável’. Porque dizemos ‘Insuperável’? Lá,
todas as coisas são iguais, sem nenhuma diferença nos adornos. É como
com o ‘Mundo da Paz e Felicidade no Oeste’. Também, é como com a
‘Terra da Lua-Cheia no Leste’. Lá, naquele mundo, [certa vez] eu nasci.
No sentido de guiar os seres em direção ao Caminho, eu girei a Roda da
Lei neste mundo do Jambudvipa. Não somente eu giro a Roda da Lei.
Todos os Budas giram a Roda da Lei aqui. Por essa razão, não é o caso
que todos os Budas não pratiquem essas dez coisas. Oh bom homem! O
Bodhisattva Maitreya, por força dos votos que ele fez, no futuro ador-
nará e tornará este mundo (Saha) todo puro. Assim, não é o caso que
exista uma terra de todos os Budas que não seja estritamente pura.

A Quinta Grande Virtude

Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva pratica a Via


do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e realiza e completa a
Quinta Virtude? Oh bom homem! Há cinco coisas (requisitos) para o
Bodhisattva-Mahasattva praticar a Via do Grande Nirvana e realizar e
completar a Quinta Virtude. Quais são as cinco? Elas são: 1) todos os

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 123


seus sentidos orgânicos são perfeitos; 2) ele não ganha nascimento em
terras-limítrofes (periféricas); 3) todos os devas oram carinhosamente
por ele; 4) ele é respeitado por Marapapiyas, Shramanas, Kshatriyas,
Brâmanes e outros; 5) ele pode ler [isto é, relembrar ou ver] suas vidas
passadas. Devido às relações causais deste Sutra do Grande Nirvana, ele
realiza essas cinco virtudes.”

O Todo-Brilhante Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso disse: “De acordo


com o Buda, um bom homem e uma boa mulher podem realizar as vir-
tudes de cinco coisas ao praticar doação. Como você pode dizer que
eles atingem as cinco coisas através do Grande Nirvana?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! O significado


varia naquilo que é dito. Eu agora, para o vosso benefício, analisarei e
explicarei

Cinco (características das) coisas são alcançadas através da doação, a


saber: ser não-permanente, não-eterno, não-puro, não-superior, não-
diferente, e não não-secretor de impurezas. Nenhuma delas pode bene-
ficiar, dar paz ou a piedade a todos os seres. Essas cinco (características
das) coisas que uma pessoa alcança através do Sutra do Grande Nirvana
são: ser permanente, eterno, puro, superior, diferente e não-secretor
de impurezas. Isto confere benefício, paz e piedade a todos os seres.

Oh bom homem! Ora, através da doação, pode-se afastar da fome. O


Sutra do Grande Nirvana verdadeiramente permite a todos os seres
apartarem-se das impurezas dos desejos ardentes das 25 existências.

A doação faz com que o nascimento e a morte continuem a sua existên-


cia, ao passo que o Sutra do Grande Nirvana destrói a cadeia do nasci-
mento e da morte, tal que não continuam a existir mais.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 124


Através da doação, o mortal comum recebe o Dharma; através do Sutra
do Grande Nirvana, torna-se um Bodhisattva.

A doação, de fato, erradica a pobreza e a preocupação; através do Sutra


do Grande Nirvana, não pode mais haver aqueles que sejam pobres
com relação ao Dharma Maravilhoso.

A doação tem o seu próprio papel a desempenhar e sua fruição; através


do Sutra do Grande Nirvana, chega-se à Iluminação Insuperável, e não
há mais qualquer papel a desempenhar, e nenhuma fruição disto.

Este é o sentido no qual falamos sobre o Bodhisattva praticar a Via do


Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e estar realizado e comple-
to na Quinta Virtude.

A Sexta Grande Virtude

O Samadhi Diamante

Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva pratica o


Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e torna-se realizado e com-
pleto na Sexta Virtude? O Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via do
Grande Nirvana e ganha o Samadhi Diamante. Residindo neste (Sama-
dhi), ele esmaga e dispersa todas as leis (dharmas). Todos esses dhar-
mas são impermanentes e móveis [isto é, num estado de fluxo]. São as
relações causais do medo, as dores das doenças, as pilhagens dos la-
drões que nos visitam momento após momento, e não há Verdade.
Tudo [isto] é o mundo dos Maras; o que existe é o que não pode ser
visto. O Bodhisattva-Mahasattva reside nesse Samadhi e realiza doação
a todos os seres; todavia não há um único ser que verdadeiramente
exista. O mesmo é o caso quando ele empreende esforços e pratica
shilaparamita ou prajnaparamita. Caso o Bodhisattva veja (distingua)

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 125


mesmo que um único ser, ele não pode ser perfeito no danaparamita e
no prajnaparamita.

A Gema Mais Soberba

Oh bom homem! Não há instância na qual um diamante falhe em es-


magar o que quer que se oponha a ele. E, no entanto, ele não colapsa
ou se reduz em tamanho. Assim se procedem as coisas com o Samadhi
Diamante. Ele esmaga completamente o que quer que encontre. No
entanto, o Samadhi em si não é esmagado ou destruído.

Oh bom homem! De todas as gemas, o diamante é o mais soberbo. É o


mesmo com o Samadhi Diamante. Ele é o soberano de todos os Sama-
dhis. Por quê? Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica esse Samadhi,
todos os Samadhis vêm a ele. É exatamente como todos os reis meno-
res se reúnem sob a bandeira de um Chakravartin [isto é, um regente
mundial]. Assim é o caso com todos os [outros] Samadhis. Todos vêm e
tornam-se unos com o Samadhi Diamante.

Oh bom homem! Por exemplo, existe um homem que é um inimigo do


estado. Ele é odiado pelo povo. Se qualquer pessoa matá-lo, todo o
povo falará muito bem da pessoa que matou esse homem. É o mesmo
com esse Samadhi. O Bodhisattva pratica esse Samadhi e destrói todos
os inimigos de todos os seres. Por essa razão, ele é respeitado por todos
os Samadhis.

Oh bom homem! Por exemplo, existe um homem cuja força física é tão
grande que não há quem possa enfrentá-lo. Então, surge um homem
que lhe derrota. As pessoas enaltecem o homem. É o mesmo com o
Samadhi Diamante. Ele subjuga completamente o que quer que seja
difícil de subjugar. Devido a isto, todos os Samadhis se reúnem sob a
sua bandeira.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 126


Oh bom homem! Sobre o Monte Gandhamadana existe uma fonte
chamada Anavatapta. A água dessa fonte possui oito sabores. Se al-
guém bebe essa água, todas as dores das impurezas se desvanecem. É o
mesmo com esse Samadhi Diamante. Ele é perfeito no Nobre Caminho
Óctuplo. O Bodhisattva pratica a Via, e cura todas as graves doenças das
impurezas, a varíola (ulcerações) e verrugas.

Oh bom homem! Se alguém faz oferecimentos a Mahesvara, saiba que


isso equivale a fazer oferecimentos a todos os devas. É o mesmo com o
Samadhi Diamante. Se alguém o pratica, saiba que isto equivale a ter
praticado todos os outros Samadhis.

Oh bom homem! Se qualquer Bodhisattva reside neste Samadhi, ele vê


tudo, sem qualquer obstrução. Isto é como ver a amalaka (fruta indiana
da groselha) que está na palma da sua própria mão. O Bodhisattva des-
fruta de tal visão. Mas ele não tem qualquer sensação de já ter experi-
mentado tal coisa.

Oh bom homem! Por exemplo, existe um homem que se senta numa


estrada e vê todas as chegadas e partidas, (aqueles) sentados ou deita-
dos. É o mesmo com o Samadhi Diamante. Vê-se todas as chegadas e
partidas de todas as coisas.

Oh bom homem! Existe uma montanha alta, e um homem a escala e


contempla tudo ao redor, e vê tudo tão claramente quanto qualquer
coisa. É o mesmo com o Samadhi Diamante. O Bodhisattva ascende a
esse [Samadhi] e vê todas as coisas, e não há nada que não seja clara-
mente visto.

Como a Chuva da Primavera

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 127


Oh bom homem! Por exemplo, no mês da primavera, os céus deixam
cair uma doce chuva. As gotas são pequenas e diminutas, preenchem
tudo ao redor, não deixando espaço a ser preenchido. Olhos puros po-
dem ver isto bem. É o mesmo com o Bodhisattva. Com os olhos puros
do Samadhi Diamante, ele olha dentro dos distantes mundos ao leste e
vê tudo o que é saudável ou quebrantado naquelas terras, e vê tudo
claramente, sem obstruções. O mesmo se aplica a todas as terras das
dez direções.

Oh bom homem! Se Yugamdha [isto é, um dos sete picos do Monte


Sumeru] aparecer de repente em sete dias, todas as árvores e gramas
da montanha pegarão fogo e queimarão. É o mesmo quando o Bodhi-
sattva pratica o Samadhi Diamante. Todas as árvores da floresta das
impurezas queimam.

O Poder da Transformação

Oh bom homem! Por exemplo, o diamante, de fato, corta todas as coi-


sas. No entanto, ele não pensa para si que ele corta as coisas. É o mes-
mo com o Samadhi Diamante. O Bodhisattva, uma vez o pratique, des-
trói as impurezas. No entanto, ele não pensa para si que ele cortou as
amarras das impurezas.

Oh bom homem! Por exemplo, a grande terra suporta (ampara) bem


todas as coisas e, no entanto, ela não pensa para si que ela realmente
suporta as coisas. Nem o fogo, tampouco, pensa: ‘Eu queimo’. Nem a
água pensa: ‘Eu mantenho todas as coisas molhadas’. Nem o vento pen-
sa: ‘Eu sopro [as coisas]’. Nem o espaço pensa: ‘Eu abranjo (contenho)
todas as coisas’. Nem o Nirvana pensa: ‘Eu realmente provejo os seres
da extinção [das impurezas]’. É o mesmo com o Samadhi Diamante. Ele
realmente aniquila todas as impurezas. No entanto ele não pensa: ‘Eu
realmente aniquilo’. Se o Bodhisattva reside neste Samadhi Diamante,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 128


no espaço de um momento, ele pode tranformar-se como no caso do
Buda, e pode estar em tantos lugares quanto às areias das dez direções
e preencher todas as Terras-Búdicas. O Bodhisattva realiza essa trans-
formação. No entanto, não há nem um pouco de arrogância em seu
pensamento. Por que não? O Bodhisattva sempre pensa: ‘Quem leva a
cabo [isto é, faz acontecer] este Samadhi, e quem realiza essa transfor-
mação?’ Somente o Bodhisattva reside no Samadhi Diamante e dessa
forma pode efetuar essa transformação.

O Bodhisattva-Mahasattva reside pacificamente neste Samadhi Dia-


mante e pode viajar para todas as Terras-Búdicas, tão numerosas quan-
to às areias do Ganges nas dez direções, fazendo-o no piscar de um
instante, e retornar ao seu lugar original. Mesmo com esse poder, ele
não pensa: ‘Eu posso fazer isso’. Por que não? Em razão do poder das
relações causais deste Samadhi.

O Bodhisattva-Mahasattva reside pacificamente no Samadhi Diamante


e, no piscar de um instante, aniquila todas as impurezas dos seres de
todos os mundos, tão numerosos quanto às areias do Ganges nas dez
direções. E, no entanto, ele nunca pensa que ele já acabou com as pre-
ocupações dos seres. Por que não? Em razão do poder das relações
causais deste Samadhi.

A Voz, a Cor e o Caminho

O Bodhisattva reside pacificamente neste Samadhi Diamante e profere


sermões em uma Única Voz, e todos os seres compreendem de acordo
com o grau de compreensão de cada um.

Uma Única Cor é apresentada, e todos os seres a vêem variadamente,


cada um vendo de acordo com sua escolha.

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 129


Residindo num único lugar, com seu corpo imóvel, ele permite aos seres
verem que um Caminho Único é mostrado, de acordo com o lugar onde
cada pessoa se encontre.

Se as coisas se relacionam a assuntos dos 18 reinos ou doze esferas,


todos os seres compreendem o que é dito da forma que deveria ser
ouvido. O Bodhisattva reside em tal Samadhi, vê os seres, e não há um
pensamento de já (alguma vez) ter visto os seres. Ele pode ver um ma-
cho ou fêmea e, no entanto, não há a sensação de já ter visto um ma-
cho ou fêmea. Ele pode ver qualquer forma concreta, e não tem a sen-
sação de já ter visto qualquer coisa concreta. Isto ele alcança (desde a
visão) até a consciência e, no entanto, não há consciência de qualquer
coisa. Dias e noites podem passar e, no entanto, não há sensação de
qualquer dia ou noite. Ele pode ver algo e, no entanto, não há forma de
qualquer coisa. Ele pode ver os laços de todas as impurezas e, no entan-
to, não há nenhum traço remanescente de já ter visto quaisquer das
impurezas. Ele pode ver o Nobre Caminho Óctuplo, mas não há sensa-
ção de já ter visto quaisquer dos Nobres Caminhos. Ele pode ver a Ilu-
minação e, no entanto, não há sensação de ter atingido a Iluminação.
Ele pode ver o Nirvana e, no entanto, não há pensamento de já ter visto
o Nirvana. Por que não? Oh bom homem! Porque todas as coisas pri-
mordialmente não possuem forma representacional. Através do poder
desse Samadhi, o Bodhisattva vê todas as coisas como não possuidoras
de forma representacional.

Por que Dizemos Samadhi Diamante

Por que dizemos ‘Samadhi Diamante’?

Oh bom homem! Exatamente como na luz do dia o diamante não tem


uma forma definida da luz para representá-lo, assim se passa com o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 130


Samadhi Diamante. Mesmo com uma grande massa, não há nenhuma
cor que seja definida. Por essa razão, dizemos ‘Samadhi Diamante’.

Oh bom homem! Por exemplo, exatamente como todas as pessoas do


mundo não podem apreçar um diamante, assim se estabelecem as coi-
sas com o Samadhi Diamante. Todas as suas virtudes não podem ser
avaliadas pelos humanos ou deuses. Portanto, dizemos ‘Samadhi Dia-
mante’. Oh bom homem! Por exemplo, exatamente como quando um
homem pobre obtém o tesouro de um diamante e pode acabar com as
penas da pobreza e do veneno odioso, assim se estabelecem as coisas
com o Bodhisattva-Mahasattva. Se ele obtém esse Samadhi, ele acaba
com todas as tristezas das impurezas e com o veneno odioso de Mara.
Por isso, Samadhi Diamante.

Assim, dizemos que o Bodhisattva pratica a Via do Grande Nirvana e


completa a Sexta Virtude.”

Capítulo 30: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 4 Página 131


Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 132
Capítulo Trinta e Um: Sobre o Bodhisattva
Rei Altamente-Virtuoso 5

A Sétima Grande Virtude

A Causa Imediata do Grande Nirvana

Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva-Mahasattva


pratica a Via do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e completa
a sétima virtude? O Bodhisattva-Mahasattva, tendo praticado a Via do
Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, pensa: ‘Qual é a causa i-
mediata do Grande Nirvana? O Bodhisattva sabe que quatro coisas são
a causa imediata do Grande Nirvana’. Uma pessoa pode dizer que a
prática de todos os tipos de penitências constitui a causa imediata. Mas,
isto não é assim. Por que não? Não há outras senão quatro coisas atra-
vés das quais se pode chegar ao Nirvana. Quais são as quatro?

Primeira, associa-se com um bom mestre da Via; segunda, ouve-se o


Dharma exclusivamente; terceira, pensa-se exclusivamente [sobre o
Dharma]; quarta, pratica-se a Via em concordância com o Dharma.

Oh bom homem! Como um exemplo, existe um homem que tem várias


enfermidades – febre, frio, fadiga, intestino solto, malária, e vários tipos
de intoxicações – e ele vai a um bom médico. O bom médico fala do
remédio com relação à natureza das enfermidades. O homem segue
fielmente as instruções do médico, manipula o remédio de acordo com
as orientações e toma-o conforme instruído. Assim fazendo, suas doen-
ças se afastam e ele obtém saúde e paz.

Esse homem doente é análogo ao Bodhisattva; o grande médico é com-


parável ao Bom Mestre da Via; as instruções podem ser comparadas

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 133


aos Sutras Vaipulya; a fiel observância das instruções (pode ser compa-
rada) à meditação sobre os Sutras Vaipulya; a preparação do remédio
como orientado pode ser comparada à prática da Via em concordância
com as diretivas constituídas nos 37 Bodhyangas [fatores concernentes
à Iluminação]; a cura das doenças pode ser comparada com a extinção
das impurezas; e a obtenção da paz e da felicidade pode ser comparada
à consecução do Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro do Nirvana.

Oh bom homem! Como um exemplo: existe um rei que deseja governar


seu estado de forma legítima e permitir ao povo desfrutar de paz. Ele
indaga os seus sábios ministros sobre como fazer isto. Todos os minis-
tros falam das leis estabelecidas até então. O rei ouve, põe fé naquilo
que eles falaram, age fielmente, governa de acordo com a lei, e não há
ninguém que alimente qualquer animosidade [contra ele]. Assim, o
povo desfruta de paz e não tem preocupações.

Oh bom homem! O rei é comparável ao Bodhisattva; todos os seus sá-


bios ministros (são comparáveis) aos Bons Mestres da Via; aquilo que os
sábios ministros admoestam o rei com relação às leis governamentais
do seu estado (é comparável) aos 12 tipos de Sutras; a audição e ação
fiéis do rei são comparáveis à meditação do Bodhisattva sobre os pro-
fundos ensinamentos dos 12 tipos de sutras; a administração legítima
do estado é comparável à prática da Lei de todos os Bodhisattvas, os
assim chamados seis paramitas; dizer que já não há inimigos remanes-
centes é comparável ao afastamento do Bodhisattva dos laços dos maus
ladrões de todas as impurezas; e atingir a paz é comparável à consecu-
ção pelo Bodhisattva do Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro do Grande Nir-
vana.

Oh bom homem! Como um exemplo: existe aqui um homem que con-


trai a lepra maligna. Um Bom Mestre da Via diz para ele: ‘Vá ao Monte
Sumeru e você verá a sua doença curada. Por quê? Porque lá existe a
boa e doce amrta [ambrosia] medicinal. Uma vez tomada, não há se-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 134


quer um caso onde a cura não aconteça’. O homem segue fielmente
suas palavras, vai à montanha, toma o remédio, obtém a cura para a
sua enfermidade, e há paz. O caso é assim.

Essa lepra maligna é comparável ao mortal comum; o Bom Mestre da


Via (é comparável) a todos os Bodhisattvas; seguir fielmente (as instru-
ções se compara) às quatro Sabedorias sem Obstruções (Mentes Ilimi-
tadas – isto é, amor, compaixão, alegria simpática e equanimidade);
Monte Sumeru (se compara) ao Nobre Caminho Óctuplo; a amrta à
Natureza-de-Buda; a cura da lepra à extinção das impurezas; e o alcance
da paz à consecução do Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro do Nirvana.

Oh bom homem! Como (outro) exemplo: há um homem que tem mui-


tos discípulos e que é extremamente erudito. Ele ensina dia e noite,
incansavelmente. É o mesmo com todos os Bodhisattvas. Quer todos os
seres acreditem-lhes ou não, eles seguem ensinando incansavelmente.

O Bom Mestre da Via

Oh bom homem! Dizemos ‘Mestre da Via’. Este é nada mais que o Bu-
da, o Bodhisattva, o Pratyekabuda, o Sravaka e aqueles que crêem no
Vaipulya. Por que dizemos ‘Bom Mestre da Via’? O Bom Mestre da Via
ensina bem os seres e permite-lhes acabar com as dez más ações e pra-
ticar as dez boas ações. Este é o porquê dizemos ‘Bom Mestre da Via’.

Também, além disso, o Bom Mestre da Via fala da Via exatamente co-
mo ela deve ser ensinada e age como ele deve agir.

Por que dizemos que falamos como devemos falar e agimos como de-
vemos agir? Abstemo-nos de matar e ensinamos outros a não matar.
Temos a visão correta e ensinamos a visão correta aos outros. Se as
coisas se estabelecem assim, dizemos que essa pessoa é um verdadeiro

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 135


Bom Mestre da Via. Uma pessoa pratica a Via da Iluminação e também
ensina aos outros a Via da Iluminação. Assim, nós dizemos ‘Bom Mestre
da Via’. Praticamos fé, moralidade, doação, escuta e Sabedoria para o
nosso próprio benefício, e também ensinamos aos outros a fé, morali-
dade, doação, escuta e Sabedoria. Dessa forma, também, dizemos ‘Bom
Mestre da Via’.

Dizemos ‘Bom Mestre da Via’ porque existe o Dharma Maravilhoso. O


que é o Dharma Maravilhoso? Não se busca a felicidade para o próprio
benefício; sempre se busca a paz e a felicidade para o benefício dos
outros. Ao ver uma falha nos outros, não se lhes reprova devido às suas
deficiências, mas sempre se lhes ensina o que é puramente bom. Assim,
dizemos ‘Bom Mestre da Via’.

Encontro com o Bom Mestre da Via

Oh bom homem! A lua que paira nos céus brilha do primeiro ao décimo-
quinto dia do mês (lua-cheia no calendário lunar). Assim se dão as coi-
sas com o Bom Mestre da Via. Ele faz com que todos os seres que estu-
dam a Via se apartem do mal e cresçam em boas ações.

Oh bom homem! Se uma pessoa que se aproxima de um Bom Mestre


da Via não tem: 1) observância dos preceitos [de moralidade], 2) Sama-
dhi [profunda meditação], 3) Sabedoria, 4) libertação e 5) conhecimen-
to da libertação [isto é, ‘asamasama-panca-skandha’: o conceito do
corpo-quíntuplo do Buda, que se refere à Iluminação em si], essas coi-
sas virão a acontecer. Se elas ainda não forem perfeitas, elas crescerão.
Por quê? Em razão da associação com um Bom Mestre da Via. Através
dessa associação, uma pessoa chega ao profundo significado dos 12
tipos de sutras. Quando uma pessoa chega ao profundo significado dos
12 tipos de sutras, dizemos que ela ouviu o Dharma. Ouvir o Dharma
significa nada mais que ouvir os Sutras Mahayana Vaipulya. Ouvir o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 136


Vaipulya é ouvir o Dharma. Verdadeira audição é nada mais que ouvir
os ensinamentos do Sutra do Grande Nirvana. No Grande Nirvana ve-
mos a Natureza-de-Buda e ouvimos que o Tathgata não entra definiti-
vamente no Parinirvana. Dessa forma, dizemos que ouvimos exclusiva-
mente o Dharma. Ouvir exclusivamente o Dharma é nada mais que o
Nobre Caminho Óctuplo. Através do Nobre Caminho Óctuplo, acabamos
completamente com a cobiça, o ódio e a delusão. Portanto, ouve-se o
Dharma.

Audição e Prática

Agora, audição do Dharma relaciona-se aos 11 shunyatas. Devido a es-


ses vazios, não vemos forma em nada. Agora, a audição do Dharma
começa com a primeira aspiração e prossegue até a Mente do Insupe-
rável Bodhi final. Conquistando a primeira aspiração, alcança-se o
Grande Nirvana. Através da audição não se alcança o Grande Nirvana;
mas, através da pratica, alcança-se o Grande Nirvana.

Oh bom homem! Como uma ilustração: uma pessoa que sofre de doen-
ças pode ouvir um ensinamento medicinal ou o nome de um remédio,
mas não pode conseguir a cura para suas doenças. Compartilhando [do
remédio], ela pode acabar com elas. Uma pessoa pode ouvir bem os
profundos significados dos doze elos do surgimento interdependente,
mas não acaba com todas as impurezas. A segregação pode resultar
somente quando, com uma mente atenta, ela medita a respeito. Esta é
a terceira meditação atenta.

E novamente, por que dizemos ‘meditação atenta’? Isto é nada mais


que os três Samadhis do Vazio, não-pensamento e não-desejo. Dizemos
‘Vazio’. Isto é ver nada que seja real nas 25 existências. Não-desejo sig-
nifica que não se tem desejo de possuir as 25 existências. Não-
pensamento significa que não se vê forma nas dez características, a

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 137


saber: cor, som, odor, sabor, toque, nascimento, permanência, morte,
macho e fêmea. A prática dos três Samadhis é a Meditação Atenta do
Bodhisattva.

O que é a prática da Via através do Dharma? Praticar através do Dhar-


ma é praticar desde o danaparamita até o prajnaparamita. Isto é conhe-
cer o verdadeiro estado dos cinco skandhas, dos 18 reinos (sensoriais) e
das 12 esferas, e (saber) que Sravakas e Pratyekabudas caminham numa
única Via, e que isto conduz ao Nirvana.

Por que Bons Mestres da Via

O Dharma é o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro; não-nascimento, não-


envelhecimento, não-doenças, não-morte, não-fome, não-sede, não-
sofrimento, não-preocupação, não-retroação e não-afogamento (na
travessia para a outra margem).

Oh bom homem! Alguém que conheça o significado do Grande Nirvana


percebe o fato de que todos os Budas não entram definitivamente no
Nirvana.

Oh bom homem! Os mais supremos e verdadeiros Mestres da Via são


os assim chamados Bodhisattva e todos os Budas-Honrados-pelo-
Mundo. Por quê? Porque eles são sempre bem treinados nas três coi-
sas. Quais são as três? A primeira é (o uso de) palavras extremamente
gentis; a segunda é exprobrar extremamente; e a terceira é (o uso de)
palavras gentis e exprobração. Devido a isto, os Bodhisattvas e os Budas
são os melhores Bons Mestres da Via.

Por Que Bons Médicos

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 138


Também, além disso, o Bodhisattva e todos os Budas são bons médicos.
Por quê? Eles conhecem doenças, remédios e prescrevem remédios de
acordo com as doenças. Por exemplo, um bom médico é bem versado
nas oito coisas. Primeiro, ele vê a natureza das doenças, a qual (nature-
za) é tríplice. Quais são as três? Elas são: ar, calor e água. Para alguém
que sofra do ar (doenças respiratórias, de pele, etc.) ele dá a manteiga;
para alguém que sofra de febre ele dá açúcar; para alguém que sofra da
água (doenças circulatórias) ele dá uma decocção (infusão) de gengibre.
Ele conhece a causa das doenças, dá remédios, e segue-se a cura. Assim
dizemos ‘bom médico’. É o mesmo com o Buda e os Bodhisattvas. Eles
sabem que todos os seres possuem os três tipos de doenças, as quais
são: cobiça, ira e ignorância. Para alguém que sofra da doença da cobiça
é ensinado meditar sobre ossos brancos; àqueles que sofrem da doença
da ira é ensinado o amor-benevolente; àqueles que sofrem de ignorân-
cia é ensinado meditar sobre os 12 elos do surgimento interdependen-
te. Dessa forma, chamamos todos os Budas e Bodhisattvas de Bons
Mestres da Via. Oh bom homem! Por exemplo, uma vez que um mestre
marinheiro conduza as pessoas na travessia até a outra margem, o
chamamos de Grande Mestre Marinheiro. É o mesmo com todos os
Budas e Bodhisattvas. Eles conduzem todos os seres na travessia do
grande oceano do nascimento e da morte. Assim, eles são Bons Mestres
da Via.

Também, além disso, oh bom homem! É em razão de os seres serem


levados a praticar a causa do bem pelos Budas e Bodhisattvas. Oh bom
homem! Por exemplo, exatamente como os Himalayas são o lugar bási-
co onde todos os tipos de remédios maravilhosos podem ser encontra-
dos, o mesmo se dá com os Budas e Bodhisattvas. Eles são a fonte (nas-
cente) de toda a benevolência (bondade). Assim, dizemos Bons Mestres
da Via. Oh bom homem! Nos Himalayas temos um remédio muito fra-
grante chamado ‘saha’. Se alguém o vê, pode ser abençoado com a
imortalidade, e quando alguém o vê, não haverá dores de doenças.
Mesmo os quatro venenos não podem prejudicá-lo. Se alguém o toca, a

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 139


vida dessa pessoa se estenderá até os 120 (anos). Ao meditar sobre ele,
uma pessoa pode ler o seu próprio passado. Por quê? Em razão do seu
poder medicinal. É o mesmo com todos os Budas e Bodhisattvas. Se
alguém os vê, pode-se acabar com todas as aflições das impurezas. Os
quatro Maras não podem promover os seus estragos. [Se este remédio
é] tocado, não se pode morrer definitivamente. É não-nascimento, i-
mortalidade, não-retroação e não-afogamento. Tocar significa estar
com o Buda e ouvir os seus sermões. Uma vez que se medite a respeito,
pode-se atingir a Iluminação Insuperável. Portanto, chamamos Budas e
Bodhisattvas de Bons Mestres da Via.

Oh bom homem! Em Gandhamadana existe um lago chamado Anava-


tapta. Deste lago emergem quatro rios, a saber: Ganges, Indus, Sita e
Vaksu. As pessoas mundanas sempre dizem: ‘qualquer pessoa pecadora
obterá a remissão (dos seus pecados) se ela banhar-se nesses rios’. Sai-
ba que tudo isto é falso e não verdadeiro. Exceto isto, o que pode ser
verdadeiro? Todos os Budas e Bodhisattvas tornam isto verdadeiro [isto
é, banhar-se na companhia de Budas e Bodhisattvas promove a remis-
são]. Por quê? Ao acolhê-los, pode-se acabar com todos os pecados.
Assim, dizemos ‘Bons Mestres da Via’.

Doce Chuva do Dharma

Também, além disso, oh bom homem! Como uma ilustração: todas as


árvores medicinais, todas as florestas, cereais, cana-de-açúcar, flores e
frutos da grande terra estão prestes a morrer ao deparar com uma lon-
ga estiagem, até que os reis naga, Nanda e Upananda, sentindo piedade
das pessoas, saiam do grande mar e concedam a doce chuva. E todas as
florestas e matas, centenas de cereais, gramas e árvores recebem a
umidade e voltam a viver. Com todos os seres é a mesma situação.
Quando as raízes da bondade estão prestes a desaparecer, todos os
Budas e Bodhisattvas promulgam o amor-benevolente e fazem com que

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 140


a chuva do amrta [ambrosia – imortalidade] caia do oceano da Sabedo-
ria e permita que todos os seres se aperfeiçoem nas dez boas ações. Por
essa razão, chamamos todos os Budas e Bodhisattvas de Bons Mestres
da Via.

Bom Amigo da Via

Oh bom homem! Um bom médico é bem versado nas oito artes medici-
nais. Quando ele vê um paciente, ele não vê a sua casta, retidão da ati-
tude ou feiúra, riqueza ou tesouros. Ele cura a todos. Assim dizemos
‘Grande Médico’. O mesmo é o caso com todos os Budas e Bodhisatt-
vas. Eles vêem as doenças das impurezas de todos os seres, mas não
sua casta, se bem trajados ou não, riqueza ou tesouros. Com uma men-
te de amor-benevolente, eles falam do Dharma. Ao ouvir isto, os seres
acabam com as doenças das impurezas. Por essa razão, todos os Budas
e Bodhisattvas são chamados Bons Mestres da Via. Ao acolher um Bom
Amigo da Via, aproxima-se do Mahaparinirvana.

Dar Ouvido ao Dharma

Como o Bodhisattva se aproxima do Mahaparinirvana apenas por dar


ouvido ao Dharma? Todos os seres, quando ouvem o Dharma, ganham
as raízes da fé. Quando se ganha a raiz da fé, a mente se preocupa com
a doação, moralidade, paciência, esforços, meditação e Sabedoria, atra-
vés das quais se alcança os estágios desde o Srotapanna até o Estado de
Buda. Deve-se saber que é devido a dar ouvido ao Dharma que alguém
chega ao Dharma Maravilhoso.

Oh bom homem! Como um exemplo: um homem rico tem somente um


filho. Ele manda esse filho para o exterior e vende o que ele tem. Ele
aponta-lhe onde a estrada está fechada ou aberta, e adverte-lhe para

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 141


que tenha cuidado. Ele diz: ‘Se você encontrar uma mulher sensual,
cuidado para não se prender a ela. Se você estabelecer relações íntimas
com ela, perderá a sua vida e a sua riqueza. Também, tome cuidado
para não associar-se com quaisquer pessoas más’. O filho segue as pa-
lavras do seu pai. Ele é seguro e obtém muitas riquezas. O mesmo é o
caso aqui. Assim se estabelecem as coisas com o Bodhisattva-
Mahasattva que expõe o Dharma para o benefício dos seres. Ele aponta
para todos os seres e para as quatro classes da Sangha onde a estrada é
transitável e onde ela é obstruída. Todas aquelas pessoas que dão ouvi-
do aos ensinamentos tornam-se aptas a acabar com todas as maldades
e se realizarem no Dharma Maravilhoso. Por essa razão, pode-se apro-
ximar do Mahaparinirvana ao dar ouvido aos ensinamentos.

Oh bom homem! Por exemplo, exatamente como um espelho límpido


reflete perfeitamente os aspectos de alguém, assim acontece ao dar
ouvido aos ensinamentos. Se alguém olha para estes (ensinamentos),
vê claramente o que é bom e mau, e nada é ocultado. Por esta razão,
dar ouvido ao Dharma traz uma pessoa para perto do Mahaparinirvana.

Oh bom homem! Por exemplo, existe um mercador que deseja encon-


trar uma praia de tesouros, mas não sabe o caminho. Um homem apon-
ta-lhe o caminho. Seguindo suas palavras fielmente, ele encontra a
praia de tesouros e obtém inumeráveis e diversas coisas boas. É o
mesmo com todos os seres. Eles desejam chegar a um bom lugar e en-
contrar tesouros, mas não sabem onde o caminho está bloqueado ou
aberto. O Bodhisattva mostra-lhes isto. Os seres seguem o caminho
indicado, encontram o bom lugar e chegam ao insuperável Nirvana.
Assim, dar ouvido ao Dharma possibilita a alguém aproximar-se do Ma-
haparinirvana.

Oh bom homem! Por exemplo, há um elefante intoxicado que está lou-


co e comporta-se maldosamente, e que pretende ferir as pessoas. Mas
quando o condutor aguilhoa a sua cabeça com um grande gancho de

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 142


ferro, ele imediatamente se torna obediente, e sua má intenção de ferir
se vai totalmente. É o mesmo com todos os seres. Devido à intoxicação
da cobiça, da ira e da ignorância, eles pretendem cometer o mal. Mas
todos os Bodhisattvas suprimem-lhes isto com o gancho da audição ao
Dharma, e eles não podem mais conceber um pensamento com relação
a qualquer maldade. Por essa razão, dizemos que dar ouvido ao Dharma
possibilita a alguém aproximar-se do Mahaparinirva. Isto é o que Eu
digo aqui e lá nos sutras que, como meus discípulos praticam os 12 ti-
pos de sutras exclusivamente, eles acabam com as cinco obscuridades
[‘pancavaranani’; talvez as cinco ‘nivaranas’ (‘obstruções’, ‘impedimen-
tos’, ‘ocultação’) estejam representadas aqui, isto é: desejo; ira; sono-
lência e torpor; excitabilidade e remorso; e dúvida] e praticam os sete
fatores (concernentes) da Iluminação [isto é: atenção (concentração);
investigação discriminativa do Dharma; vigor; alegria; tranquilidade no
corpo e na mente; samadhi; e equanimidade]. Ao ouvir o Dharma, uma
pessoa do estágio do Srotapanna aparta-se do medo. Como assim? Su-
datta, o homem rico, por estar seriamente doente, temia muito. Ele
ouviu o que Shariputra dizia que um Srotapanna possuía quatro virtu-
des e dez consolos. Quando ele ouviu isto, o medo abandonou-lhe. As-
sim, dar ouvido ao Dharma possibilita a alguém aproximar-se do Maha-
parinirvana. Como? Porque ganha-se o Olho-do-Dharma.

Há três tipos de pessoas no mundo. O primeiro não tem olhos; o segun-


do tem um olho; e o terceiro tem dois olhos. A pessoa sem olhos nem
sempre ouve o Dharma. A pessoa com um olho ouve o Dharma por um
tempo, mas sua mente não é determinada. A pessoa com dois olhos
ouve com uma mente exclusiva e age exatamente como ouviu. Sobre a
audição, sabe-se que há esses três tipos. Por essa razão, dar ouvido ao
Dharma aproxima a pessoa do Mahaparinirvana.

Oh bom homem! Certa vez estive em Kushinagar, quando Shariputra


adoeceu e estava sofrendo de uma enfermidade. Naquela ocasião, eu
havia visitado Ananda e tinha lhe falado extensivamente sobre o Dhar-

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 143


ma. Então Shariputra, ouvindo isto, disse aos seus quatro discípulos:
‘Coloquem minha cama em seus ombros e levem-me ao Buda. Eu dese-
jo ouvir o Dharma’. Então os quatro discípulos carregaram-no ao Buda,
o que lhe possibilitou ouvir o sermão. Através do poder da audição [ao
sermão], as dores o deixaram e ele alcançou a paz. Tal é o caso. Por
essa razão, dar ouvido ao Dharma faz uma pessoa aproximar-se do Ma-
haparinirvana.

Pensar Sobre o Dharma

Como o Bodhisattva pode aproximar-se do Mahaparinirvana através do


pensamento? Porque ele ganha a emancipação da mente através desse
pensamento. Como? Todos os seres sempre estão presos aos cinco
desejos. Através do pensamento, ele atinge a emancipação. Por essa
razão, dizemos que uma pessoa se aproxima do Mahaparinirvana atra-
vés do pensamento.

Também, além disso, oh bom homem! Todos os seres possuem visões


de cabeça-para-baixo com relação ao Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro.
Através do pensamento, eles podem ver que todas as leis são não-
Eternas, não-Êxtase, não-Eu e não-Puras. Pensando assim, eles apar-
tam-se das quatro inversões. Por essa razão, dizemos que através do
pensamento pode-se aproximar do Mahaparinirvana

Também, além disso, oh bom homem! Há quatro fases para todas as


coisas. Quais são as quatro? A primeira é fase do nascimento; a segunda
é fase do envelhecimento; a terceira é a fase das doenças; e a quarta é
a fase da extinção. Essas quatro (fases) causam grandes aflições a todos,
desde os mortais comuns até o Srotapanna. Aqueles que pensam bem a
respeito [desses assuntos] não têm aflições, mesmo quando experimen-
tam essas quatro fases. Por essa razão, dizemos que através do pensa-
mento uma pessoa pode se aproximar do Mahaparinirvana.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 144


Também, além disso, oh bom homem! Não há boas leis que sejam obti-
das a não ser pela via do pensamento. Por que não? Muito embora
alguém possa dar ouvido com uma mente única (não dividida) ao
Dharma, ao longo de inumeráveis, ilimitados asamkhyas de kalpas, não
pode haver qualquer consecução da Iluminação Insuperável a menos
que se pense. Assim, através do pensamento pode-se aproximar do
Mahaparinirvana.

Também, além disso, oh bom homem! Se todos os seres acreditam no


fato que não há mudanças no Buda, no Dharma e na Sangha, e adqui-
rem um pensamento respeitoso, saiba que tudo isto surge em razão de
um pensamento atento, e que assim eles (os seres) acabam com todas
as impurezas. Portanto, o pensamento faz alguém aproximar-se do Ma-
haparinirvana.

Praticar a Via de acordo com o Dharma

Como o Bodhisattva pratica a Via conforme orientado? Oh bom ho-


mem! Ele aparta-se do mal e pratica o bem. Isto é praticar a Via de a-
cordo com o Dharma.

Também, além disso, como se pratica a Via de acordo com o Dharma?


Vê-se que todas as leis (dharmas) são vazias, que nada há para possuir,
e que todas as leis são não-eternas, não-êxtase, não-Eu e não-puras. Ao
ver as coisas assim, não se transgride, mesmo que isso signifique sacrifi-
car o próprio corpo e vida. Isto é como o Bodhisattva pratica a Via de
acordo com o Dharma.

Também, além disso, como se pratica a Via de acordo com o Dharma?


Existem dois tipos de prática. Uma é verdadeira e a outra não-
verdadeira. Naquela que é não-verdadeira, não se conhece as fases [isto

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 145


é, elementos] do Nirvana, a Natureza-de-Buda, o Tathagata, Dharma, o
Sacerdote, o Estado Real e o Vazio. Esta é a que é não-verdadeira.

A que é verdadeira? Conhece-se bem as fases do Nirvana, a Natureza-


de-Buda, o Tahagata, Dharma, o Sacerdote, o Estado Real e o Vazio.
Esta é a que é Verdadeira.

A Fase do Nirvana

Qual é a fase [isto é, a natureza] do Nirvana? Na fase do Nirvana exis-


tem todos os oito aspectos. Quais são os oito? Eles são: 1) Final (ultima-
ção), 2) Boa Natureza, 3) o Real, 4) o Verdadeiro, 5) o Eterno, 6) Êxtase,
7) o Eu, e 8) o Puro. Esses (aspectos) são Nirvana.

Também, há oito coisas. Quais são as oito? Elas são: 1) libertação, 2)


boa natureza, 3) o não-real, 4) o não-verdadeiro, 5) o não-eterno, 6)
não-êxtase, 7) o não-Eu, e 8) não-pureza (e que não são Nirvana).

Também, há seis aspectos, a saber: 1) libertação, 2) boa natureza, 3) o


não-real, 4) o não-verdadeiro, 5) paz, e 6) pureza (e que não são Nirva-
na). Pode haver seres que se apartam das impurezas por meio daquilo
que se obtém no mundo. Deve haver oito coisas no Nirvana. Então a
libertação não é real. Por que não? Em razão do não-eterno. Quando
não há o Eterno, não pode haver o Real. Quando não há o Real, não há
o Verdadeiro. Alguém pode acabar com as impurezas, mas elas surgirão
novamente. E assim, (surgirão) o não-eterno, não-êxtase, não-Eu e o
não-Puro. Aquelas (primeiras acima) são os oito aspectos da libertação
do Nirvana.

O que são os seis aspectos? Sravakas e Pratyekabudas falam da liberta-


ção quando eles erradicam as impurezas. No entanto, eles não atingem
a Iluminação Insuperável. Assim, dizemos não-Real. Sendo não-Real,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 146


não é o Verdadeiro. Eles alcançarão a Iluminação Insuperável nos dias a
vir. Portanto, não-eterno.

Alcançando o imaculado Nobre Caminho Óctuplo, falamos do Êxtase


puro. Oh bom homem! Quando isso é conhecido, existe Nirvana. Não
chamamos isto de Natureza-de-Buda, o Tathagata, Dharma, o Sacerdo-
te, o Estado Real, ou o Vazio.

A Fase da Natureza de Buda

Como o Bodhisattva conhece a Natureza-de-Buda? Há seis aspectos


concernentes à Natureza-de-Buda. Quais são os seis? Eles são: 1) o E-
terno, 2) o Puro, 3) o Real, 4) o Bom, 5) o Visível, e 6) o Verdadeiro.

Também, há sete coisas, a saber: o que é atestável (certificável), mais os


outros seis estabelecidos acima. Isto corresponde a como o Bodhisattva
vem a conhecer a Natureza-de-Buda.

A Fase do Tathagata

Como o Bodhisattva conhece a forma do Tathagata? ‘O Tathagata é


uma forma do Despertar e do Bem. Ele é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o
Puro’; e é ‘Libertação e o Verdadeiro. Ele é o indicador da Via e é Visí-
vel’. Isto se refere ao que o Bodhisattva conhece sobre a forma de o
Tathagata ser.

A Fase do Dharma

De que maneira o Bodhisattva sabe sobre o Dharma? Por Dharma en-


tende-se o Bom ou não-Bom, o Eterno ou não-Eterno, Êxtase ou não-

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 147


Êxtase, Eu ou não-Eu, Puro ou não-Puro, Conhecimento ou não-
Conhecimento, Compreensão ou não-Compreensão, o Verdadeiro ou o
não-Verdadeiro, Prática ou não-Prática, Mestre ou não-Mestre, o Real
ou o não-Real. Isto é como o Bodhisattva conhece a fase do Dharma.

A Fase do Sacerdote

Como o Bodhisattva conhece a fase do Sacerdote? O Sacerdote é Eter-


no, Êxtase, Eu, e o Puro. Esta é a fase de um discípulo. É uma forma
visível. É o Bom e Verdadeiro, e não é real. Por quê? Porque todos os
Sravakas obtêm os ensinamentos Budistas (no entanto, não revelam
essa natureza). Por que dizemos Verdadeiro? Porque a pessoa está des-
perta para o ‘Dharmata’ [‘Essência do Dharma’]. Isto é o que significa
quando dizemos que o Bodhisattva conhece a forma do Sacerdote.

A Fase do Estado Real

Como o Bodhisattva conhece o Estado Real? Estes são: o Eterno ou não-


Eterno, Êxtase ou não-Êxtase, Eu ou não-Eu, Puro ou não-Puro, Bom ou
não-Bom, ‘é’ ou ‘não-é’, Nirvana ou não-Nirvana, Libertação ou não-
Libertação, Conhecimento ou não-Conhecimento, serem cortadas [as
impurezas] ou não serem cortadas, atestar (certificar) ou não atestar,
praticar ou não praticar, ver ou não ver. Esses (aspectos) são o Estado
Real. Isto não é Nirvana, a Natureza-de-Buda, o Tathagata, Dharma, o
Sacerdote ou o Vazio. Este é o sentido no qual falamos do conhecimen-
to do Bodhisattva, como ele pratica esse Grande Nirvana, as diferentes
fases do Nirvana, a Natureza-de-Buda, o Tathagata, Dharma, o Sacerdo-
te, o Estado Real, e o Vazio.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 148


A Fase do Vazio

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via do Todo-


Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, mas ele não vê o Vazio. Por que
não? O Buda e os Bodhisattvas possuem os cinco olhos. Estes não são
aquilo que pode ser visto. Somente com o Olho da Sabedoria alguém
pode realmente ver. Isto (o Vazio) é o que o Olho da Sabedoria pode
ver. Não há coisas a serem vistas. Assim dizemos ‘ver’. Se designarmos
tudo o que não é como Vazio, esse Vazio é o real. Como ele é real, há o
eterno ‘não-é’. Sendo ‘não-é’, não há Êxtase, Eu ou Pureza.

Oh bom homem! O Vazio é chamado ‘não objeto’. ‘Não objeto’ é o Va-


zio. Por exemplo, no mundo, quando não há nada, dizemos ‘vazio’. O
mesmo é o caso com a natureza do ‘espaço’ [‘akasha’ – isto é, espaço
onde uma coisa pode existir e onde não há nada que obstrua a existên-
cia]. Como não há nada a possuir [aqui], dizemos ‘vazio’.

Oh bom homem! Ambas, a natureza de todos os seres e aquela do es-


paço, não possuem uma natureza real. Por que não? Isto é como quan-
do dizemos ‘vazio’ no momento em que acabamos com o que existe. O
caso é semelhante. Por outro lado, para dizer a verdade, este espaço
não é para fazer nada com ele. Por quê? Porque nada há para existir
(nele). Como ele não é ‘é’, deve-se saber que não pode haver fala sobre
o ‘não-é’. Se a natureza do espaço fosse algo feito (construído), ele teria
de ser não-eterno. Se ele fosse não-eterno, não o chamaríamos espaço.

Oh bom homem! As pessoas do mundo dizem: ‘O espaço não tem cor,


nada que obstrua e nenhuma mudança’. O caso é assim. Este é o por-
quê dizemos que a natureza do espaço é o quinto grande elemento. Oh
bom homem! Esse espaço não possui natureza para nomearmos. Sendo
um éter, é chamado espaço. E não existe espaço. É como com a verdade
secular, a qual realmente não possui uma natureza própria para nome-
armos e que assim é dita existir apenas para o benefício dos seres.

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 149


Oh bom homem! O mesmo é o caso com o corpo do Nirvana. Não existe
um lugar onde ele esteja. Quando todos os Budas acabam com as impu-
rezas, chamamos isto de Nirvana. Nirvana é ao mesmo tempo o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro. Dizemos que Nirvana é Êxtase. Mas ele não é
sensação de Êxtase. Isto é o todo-maravilhoso e insuperável silêncio e
extinção. O Buda-Todo-Tathagata tem dois tipos de Êxtase. Um é aquele
do silêncio e extinção; o segundo é o ‘Êxtase que é sentido pelos senti-
dos orgânicos’.

Há três Êxtases no corpo do Estado Real, os quais são: 1) o sentimento


de Felicidade, 2) o Êxtase do silêncio e extinção, e 3) o Êxtase dos senti-
dos. A Natureza-de-Buda é um único Êxtase, como ela deve ser vista.
Quando se alcança o Insuperável Bodhi, chamamos isto de Êxtase do
Bodhi.”

Então o Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso disse ao Buda:


“Oh Honrado-pelo-Mundo! Você diz que quando se acaba com as impu-
rezas, existe Nirvana. Mas isto não é assim. Por que não? O Tathagata
em tempos passados, quando atingiu o Bodhi, foi ao Rio Nairanjana.
Então o Rei Mara, com seu séquito, foi para onde o Buda se encontrava
e disse: ‘Oh Honrado-pelo-Mundo! Agora é o momento de você entrar
no Nirvana. Por que você não o adentra’? O Buda disse ao Rei Mara:
‘Não entrarei. Porque agora não vejo muitos discípulos instruídos sobre
a minha defesa da moralidade, e sábios o bastante para ensinar bem os
seres’. Se quando se acaba com as impurezas existe Nirvana, todos os
Bodhisattvas teriam acabado com todas as impurezas há inumeráveis
kalpas atrás. Como poderia ser que eles não tivessem atingido o Nirva-
na? Existe tal segregação (das impurezas)? Por que ela se referiria so-
mente a todos os Budas e não aos Bodhisattvas? Se a segregação das
impurezas não é Nirvana, por que o Tathagata, em tempos passados,
falou ao Brâmane ‘Nome-de-Nascimento’, e disse: ‘Esse meu presente
corpo é o Nirvana em si’? Também, o Tathagata foi certa vez ao estado

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 150


de Vaisali. Mara novamente suplicou-lhe e disse: ‘Em tempos passados,
o Tathagata não entrou no Nirvana porque os discípulos não poderiam
ensinar bem os seres, não possuindo muita audição (do Dharma), ob-
servância dos preceitos, Sabedoria, ou mente aguçada. Agora eles estão
realizados em tudo isto. Por que você não entra no Nirvana’? O Tatha-
gata então disse a Mara: ‘Você não deve temer que eu me demore ago-
ra. Daqui a três meses, eu entrarei no Nirvana’. Se extinção não é Nir-
vana, porque você mesmo estabeleceu que entraria no Nirvana após
três meses? Oh Honrado-pelo-Mundo! Se a segregação das impurezas é
Nirvana, houve Nirvana no passado quando você apartou-se das impu-
rezas sob a Árvore-Bodhi. Por que você diria que entrará no Parinirvana
daqui a três meses? Oh Honrado-pelo-Mundo! Se for o caso que o Nir-
vana daquela ocasião não era Nirvana, como você poderia dizer aos
Mallas em Kushinagar que entraria no Parinirvana no final do dia [isto é,
4 horas da manhã ou o início da madrugada]? Como você, que é Verda-
deiro em si, poderia dizer tal coisa?”

Então o Honrado-pelo-Mundo disse ao Todo-Brilhante Bodhisattva Rei


Altamente-Virtuoso: “Oh bom homem! Se você pretende dizer que o
Tathagata fala demais, saiba que ele já acabou com o dizer falsidades há
inumeráveis kalpas passados. Nem Budas e nem Bodhisattvas falam
qualquer falsidade, mas somente a verdade. Oh bom homem! O Papiyas
[isto é, Mara, o Demônio] ao qual você se refere é nenhum outro senão
aquele que certa vez suplicou-me para entrar no Nirvana. Oh bom ho-
mem! Esse Mara não sabe o que o Nirvana realmente é. Por que não? O
Papiyas pensa que quando Eu estou silencioso e não ensino, isto é Nir-
vana. Oh bom homem! As pessoas do mundo pensam que quando al-
guém não fala e não faz nada, é como se estivesse morto. O mesmo é o
caso com o Rei Marapapiyas. O que ele diz refere-se ao fato de que o
Tathagata senta e não fala sobre o Dharma para as pessoas. E, então,
ele diz que o Tathagata entrou no Parinirvana.

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 151


Oh bom homem! O Tathagata não diz que não há diferença entre o
Buda, o Dharma e o Sacerdote. O que ele diz é somente que não há
diferença entre o Eterno e o Puro. Oh bom homem! O Buda não diz,
tampouco, que as características do Buda, a Natureza-de-Buda, e Nirva-
na não são diferentes. O que ele diz é que tudo é Eterno e Imutável,
sem nenhuma diferença. O Buda não diz, tampouco, que as característi-
cas do Nirvana e do Estado Real não são diferentes. O que ele diz é que
o Eterno, o ‘é’, o Real, e o Imutável não são diferentes.

O Tathagata Não Entra no Nirvana

Oh bom homem! Então todos os meus discípulos suscitaram disputas. A


situação estava como com os Monges de Kausambi. Agindo contraria-
mente ao que Eu ensinei, eles violam as proibições; eles aceitam coisas
impuras como esmolas e buscam avidamente o lucro, e para todas as
pessoas trajadas de branco [isto é, os leigos] eles se auto-elogiam e
dizem: ‘Eu agora alcancei o estado imaculado, a fruição do Srotapanna
ou o Arhatship, e assim por diante’. Eles falam mal das outras pessoas,
não respeitam o Buda, o Dharma, a Sangha, os professores do Vinaya
[regras de disciplina monástica], e dizem abertamente diante de mim:
‘O Buda permitiu-nos possuir tais coisas, e tais e tais coisas o Buda não
nos permite possuir’. E, contrariando-me, eles dizem: ‘O Buda permite
todas essas coisas’. Essas pessoas más não acreditam em minhas pala-
vras. Por essa razão, Eu disse a Marapapiyas: ‘Não tenha receio de que
me demore. Eu entrarei no Nirvana daqui a três meses’. Oh bom ho-
mem! Baseando-se nesses maus Monges, todos os discípulos Sravakas
(Ouvintes) que ainda estão em vias de aprender não me vêem e não
ouvem as minhas palavras, e dizem que o Tathagata ora entra no Nirva-
na. Somente todos os Bodisattvas me vêem bem e dão ouvido ao que
Eu falo sobre o Dharma. Assim, (para estes) Eu não digo que entro no
Nirvana. Discípulos Sravakas podem dizer que o Tathagata ora entra no
Nirvana, mas, para dizer a verdade, Eu não entro no Nirvana. Oh bom

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 152


homem! Se todos os discípulos Sravakas dizem que o Tathagata entra
no Nirvana, saiba que tais discípulos não são meus. Eles pertencem ao
clã de Mara, das pessoas que persistem em visões distorcidas e que não
mantêm a visão correta da vida. Se eles dizem que o Tathagata não
entra no Nirvana, eles são meus discípulos. Estes não são camaradas de
Mara, mas pessoas de visões corretas e não más. Oh bom homem! Não
é o caso que Eu tenha sempre dito que o Tathagata não ensina, mas
senta-se silenciosamente, e que isto é Parinirvana. Oh bom homem! Por
exemplo, existe um homem rico que tem muitos filhos. Ele os deixa e
parte para outros países e, não tendo voltado para casa ainda, seus
filhos podem dizer que seu pai está morto há muito tempo. Mas esse
homem rico ainda não está morto. Todos os seus filhos estão [com a
visão] de cabeça-para-baixo e pensam sobre a morte. É o mesmo com
os meus discípulos Sravakas. Não me vendo, eles pensam: ‘O Tathagata,
em Kushinagar, entre as árvores sala gêmeas, entrou no Parinirvana’.
Mas, para dizer a verdade, Eu não entro no Nirvana. Os discípulos Sra-
vakas pensam em termos do Nirvana.

Oh bom homem! Por exemplo, existe uma lâmpada brilhante. Uma


pessoa a encobre. Outras pessoas pensarão que a lâmpada já se aca-
bou. Sem saber, eles pensam que a lâmpada se extinguiu. É o mesmo
com os meus discípulos Sravakas. Eles possuem os olhos da Sabedoria,
mas ainda encobertos pelas impurezas; suas mentes estão de cabeça-
para-baixo e não podem ver o Corpo Verdadeiro. E perdidamente ali-
mentam a idéia de que Eu me fui. No entanto, ainda não fui definitiva-
mente. Oh bom homem! Uma pessoa nascida cega não pode ver o sol e
a lua. Incapaz de ver, ela não sabe que existem noite e dia. Desconhe-
cendo isto, ela diz que verdadeiramente não existem sol e lua. Na reali-
dade existem o sol e a lua. Mas as pessoas cegas não podem vê-los. Não
os vendo, elas adquirem uma mente de cabeça-para-baixo e dizem que
não existe sol e nem lua. É o mesmo com os meus discípulos Sravakas.
Como com o homem nascido cego, não vendo o Tathagata, dizem que o
Tathagata entrou no Nirvana. O Tathagata, na realidade, não entrou no

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 153


Nirvana. Devido às suas mentes de cabeça-para-baixo, eles adquirem tal
pensamento.

Oh bom homem! Por exemplo, quando nuvens e névoas surgem no


caminho, o ignorante diz que não existem sol e lua. Na realidade, exis-
tem sol e lua. Em razão de estarem obstruídos, os seres não podem vê-
los. É o mesmo com os discípulos Sravakas, também. Com todas as im-
purezas encobrindo os Olhos da Sabedoria, eles não podem ver o Ta-
thagata, e dizem que o Tathagata entrou no Nirvana. Oh bom homem!
Isto apenas deriva do fato de que o Tathagata meramente ‘age como
uma criança’. Ele não está entrando em extinção. Oh bom homem!
Quando o sol se põe no oeste do Jambudvipa, os seres não podem vê-
lo. Porque a Montanha Negra obstrui sua visão. Mas a natureza do sol
nada tem de oculto dentro dela. Como os seres não podem ver, eles
pensam que não há sol. É o mesmo com os meus discípulos Sravakas.
Obstruídos por todas as montanhas das impurezas, eles não podem ver-
me. Não me vendo, eles pensam que o Tathagatha realmente entrou no
Nirvana. ‘Mas realmente, comigo não há extinção eternamente’. Este é
o porquê em Vaisali Eu disse a Papiyas: ‘Em três meses, Eu entrarei no
Nirvana’.

Oh bom homem! Eu, muito antes, previ que as virtudes do bem acumu-
ladas por Kashyapa amadureceriam e frutificariam no prazo de três
meses e que, após o término da reunião de Varsika, Subhadra de Gan-
dhamadana [isto é, um Brâmane instruído que foi a última pessoa a
entrar para a Sangha Budista] viria para o meu lugar. Este é o porquê Eu
disse a Marapapiyas: ‘No prazo de três meses entrarei no Nirvana’. Oh
bom homem! Existem 500 lutadores. No prazo de três meses eles irão
aspirar ao Insuperável Bodhi. Este é o porquê Eu disse a Papiyas: ‘No
prazo de três meses entrarei no Parinirvana’. Oh bom homem! Como as
virtudes acumuladas por Cunda, os 500 Licchavis e Amrapali estavam
para amadurecer, e eles estavam a aspirar ao Insuperável Bodhi, Eu
disse a Papiyas: ‘No prazo de três meses entrarei no Nirvana’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 154


Oh bom homem! Sunaksatra associou-se aos tirthikas e Nirgranthapu-
tra. Eu falei do Dharma durante 12 longos anos. Mas a mente do ho-
mem estava distorcida, e ele não acreditou ou aceitou o que eu disse.
Eu previ que a raiz da visão distorcida desse homem infalivelmente seria
erradicada. Assim, Eu disse a Papiyas: ‘No prazo de três meses entrarei
no Parinirvana’.

Oh bom homem! Por que Eu certa vez, no passado, às margens do Rio


Nairanjana, disse a Marapapiyas: ‘Ainda não possuo qualquer discípulo
erudito. Assim, não posso entrar no Nirvana’? Eu disse isto porque que-
ria girar a Roda da Lei para os cinco Monges em Varanasi [isto é, os cin-
co Monges enviados pelo pai do Buda para cuidar do seu filho]. Além
disso, também, isto foi para o benefício de outros cinco Monges, a sa-
ber: Yasas, Purna-Maitreyaniputra, Vimala, Gavampati e Subahu.

Também, isto foi para Ugra, o homem rico, e seus 50 parentes. Tam-
bém, foi para o benefício de Bimbisara, Rei de Magadha, e inumeráveis
outros, e também aqueles dos céus. Também, foi para o benefício de
Uruvilva-Kashyapa e seus 500 discípulos Monges. Também, foi para o
benefício de dois irmãos, Nadi-Kashyapa e Gaya-Kashyapa, e seus 500
discípulos Monges. Também, foi para o benefício de Shariputra e
Maudgalyayana e seus 250 Monges. Este foi o porquê Eu disse a Papi-
yas, o Rei dos Maras, que Eu não entraria no Parinirvana.

Oh bom homem! Falamos de ‘Nirvana’. Mas isto não é ‘Grande Nirva-


na’. Por que é ‘Nirvana’, mas não ‘Grande Nirvana’? Isto é assim quando
se corta as impurezas sem ver a Natureza-de-Buda. Este é o porquê
dizemos Nirvana, mas não Grande Nirvana. Quando não se vê a Nature-
za-de-Buda, o que existe é o não-Eterno e o não-Eu. Tudo o que existe é
nada mais que Êxtase e Pureza. Em razão disto, não podemos ter Ma-
haparinirvana, embora se tenha acabado com as impurezas. Quando se
vê bem a Natureza-de-Buda e se corta as impurezas, então temos Ma-

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 155


haparinirvana. Ao ver a Natureza-de-Buda, temos o Eterno, Êxtase, o Eu
e o Puro. Em razão disto, podemos ter Mahaparinirvana, conforme cor-
tamos as impurezas.

Oh bom homem! ‘Nir’ significa ‘não’; ‘va’ significa ‘extinguir’. Nirvana


significa ‘não-extinção’. Também, ‘va’ significa ‘cobrir - circunscrever’.
Nirvana também significa ‘não-circunscrito’. ‘Não-circunscrito’ é Nirva-
na. ‘Va’ signifca ‘ir e vir’. ‘Não ir e vir’ é Nirvana. ‘Va’ significa ‘tomar-
segurar-pegar’. ‘Não tomar-segurar-pegar’ é Nirvana. ‘Va’ significa ‘não
permanente’. Quando existe não impermanência, existe Nirvana. ‘Va’
significa ‘novo e velho’. O que é não ‘novo e velho’ é Nirvana.

Oh bom homem! Os discípulos de Uluka [isto é, o fundador da Escola de


Filosofia de Vaisesika] e Kapila [fundador da Escola de Filosofia de Sam-
khya] dizem: ‘‘Va’ significa característica’. ‘Não-Caracterizado’ é Nirva-
na.

Oh bom homem! ‘Va’ significa ‘é’. O que não é ‘é’ é Nirvana. ‘Va’ signifi-
ca harmonia. O que nada tem a ser harmonizado é Nirvana. ‘Va’ signifi-
ca sofrimento. O que não tem sofrimento é Nirvana.

Oh bom homem! O que acaba com as impurezas não é Nirvana. O que


não evoca impurezas é Nirvana. Oh bom homem! O Buda-Tathagata
não evoca impurezas. Isto é Nirvana.

A Sabedoria que existe não está confinada no Dharma. Isto é assim com
o Tathagata. O Tathagata não é mortal comum, nem Sravaka, nem Prat-
yekabuda, e nem Bodhisattva. Isto é a Natureza de Buda.

A Sabedoria do Corpo e da Mente do Tathagata preenche inumeráveis,


ilimitados asamkhyas de mundos, sem nada para obstruí-la. Isto é espa-
ço. O Tathagata é Eterno e Imutável. Este é o Estado Real. Em razão
disto, o Tathagata não entra definitivamente no Nirvana. Isto é o que

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 156


chamamos de prática da Via do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande
Nirvana pelo Bodhisattva, e consecução da Sétima Virtude.

A Oitava Grande Virtude

Oh bom homem! Como o Bodhisattva pratica a Via do Todo-


Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e completa a Oitava Virtude?

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva pratica o Grande Nirvana e


extirpa cinco coisas, aparta-se de cinco coisas, realiza seis coisas, pratica
cinco coisas, protege uma coisa, aproxima-se das quatro coisas, é fiel a
um pensamento único, sua mente se emancipa e (ele) liberta comple-
tamente a própria Sabedoria.

O Bodhisattva Extirpa Cinco Coisas (os skandhas)

Oh bom homem! Como o Bodhisattva extirpa cinco coisas? Essas cinco


coisas são: 1) matéria [‘rupa’], 2) sentimento [‘vedana’], 3) percepção
[‘samjna’], 4) volição [‘samskara’], e 5) consciência [‘vijnana’] – ou seja,
os cinco skandhas. Por que dizemos skandha? Ele (o skandha) leva os
seres a repetir nascimentos e mortes, de forma que eles não podem
cortar o pesado fardo. Há dispersão e rejuntamento em conexão com
os Três Tempos (presente, passado e futuro). Por mais que se tente,
não se pode alcançar o verdadeiro significado. Em razão de tudo isto,
dizemos skandha.

O Bodhisattva-Mahasattva vê o ‘skandha-matéria’, mas ele não vê a sua


forma. Por que não? Embora possamos buscar obter a matéria em suas
dez formas, não podemos chegar à sua natureza. Temos a intenção de
explicar isso para o bem do mundo e dizemos ‘skandha’.

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 157


Existem 108 tipos de sentimentos. Olhamos dentro do ‘skandha-
sentimento’. Mas, não há nenhuma forma de sentir. Por que não? Em-
bora (sejam) 108, não há forma permanente, real. Portanto, o Bodhi-
sattva não vê o skandha do sentimento. O mesmo se aplica aos skan-
dhas da percepção, volição e consciência.

O Bodhisattva-Mahasattva vê profundamente nos cinco skandhas a


fonte de todos os males das impurezas. Assim, ele coloca em ação os
meios para erradicá-los.

O Bodhisattva Aparta-se de Cinco Coisas (as visões distorcidas)

Como o Bodhisattva aparta-se das cinco coisas? Elas são as cinco visões
distorcidas [‘panca-drstayah’: as cinco visões heréticas]. Quais são as
cinco? Elas são: 1) a visão distorcida com relação à existência carnal
(corpórea) dos humanos [‘satkaya-drsti’: a visão herética de que existe
uma entidade imutável no ‘eu carnal’ que pode ser chamada de um ‘eu
eterno’ e considerada como própria de alguém], 2) a visão unilateral do
‘é’ ou ‘não-é’ [‘antagraha-drsti’: a visão unilateral ou herética do ‘é’ ou
‘não-é’ com relação à existência fenomenal, ou a visão do ‘é’ ou ‘não-é’
com relação à noção erroneamente aceita do Eu], 3) a visão maléfica
que nega a causalidade [‘mithya-drsti’: a visão maléfica que nega a lei
da causalidade em relação ao que existe], 4) a visão distorcida do apego
às opiniões pessoais unilaterais [‘silavrata-paramarsa’: a visão herética
da vida que nega os preceitos morais e as proibições, e que considera o
que está errado como verdadeiro e correto], 5) adesão às visões distor-
cidas e consideração disto como correto [‘drsti-paramarsa’: a visão he-
rética do mundo através da qual alguém se apega à ‘satkaya-drsti’, à
‘antagraha-drsti’, e à ‘mithya-drsti’, e considera isso como verdadeiro].
Dessas cinco visões distorcidas surgem as 62 visões maléficas da vida.
Devido a isto, não há cessação do nascimento e da morte. Portanto, o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 158


Bodhisattva se protege de tal forma que essas (visões) não se aproxi-
mem [dele].

O Bodhisattva Realiza Seis Coisas (pensamentos)

Como o Bodhisattva realiza seis coisas? Essas seis coisas se referem a


seis pensamentos. Quais são os seis? Eles são: 1) o pensamento do Bu-
da, 2) o pensamento do Dharma, 3) o pensamento da Sangha, 4) o pen-
samento do céu, 5) o pensamento da doação, e 6) o pensamento dos
preceitos morais. Essas são as seis coisas que o Bodhisattva realiza.

O Bodhisattva Pratica Cinco Coisas (samadhis)

Como o Bodhisattva pratica as cinco coisas? Essas são os cinco Sama-


dhis, a saber: 1) o Samadhi do conhecimento, 2) o Samadhi do silêncio,
3) o Samadhi da amenidade do corpo e da mente, 4) o Samadhi da não-
felicidade, e 5) o Samadhi Surangama (da Iluminação Insuperável). Se
alguém pratica esses cinco Samadhis, aproxima-se do Mahaparinirvana.
Por isso, o Bodhisattva pratica-os com uma mente plena.

O Bodhisattva Protege Uma Coisa (Bodhichita)

Em que sentido o Bodhisattva protege uma coisa? Isto é o Bodhichitta


[isto é, a mente da Iluminação – a decisão de alcançar o Bodhi]. O Bo-
dhisattva-Mahasattva sempre protege esse Bodhichitta exatamente
como as pessoas do mundo fazem com os seus filhos únicos. Também,
é como com um homem de um olho só que protege o seu único olho. É
como quando as pessoas protegem o homem que os está guiando atra-
vés do deserto. É o mesmo com o Bodhisattva que protege seu Bodhi-
chitta. Assim protegendo o Bodhichitta, ele encontra a Iluminação Insu-

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 159


perável. Quando a Iluminação Insuperável for alcançada, realizam-se o
Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro. Este é o Insuperável Mahaparinirvana.
Assim o Bodhisattva protege o Dharma Único.

O Bodhisattva Aproxima-se das Quatro Coisas (as quatro mentes ilimi-


tadas)

Como o Bodhisattva aproxima-se das quatro coisas? Existem as quatro


mentes ilimitadas [‘catvari-apramanani’]. Quais são as quatro? Elas são:
1) Grande Amor-Benevolente, 2) Grande Compaixão, 3) Grande Alegria
Simpática, e 4) Grande Equanimidade. Através desses quatro pensa-
mentos, ele evoca o Bodhichitta nas mentes de um inumerável, ilimita-
do número de seres. Por essa razão, o Bodhisattva, com a mente plena,
tenta aproximar-se disto.

O Bodhisattva é Fiel a Um Pensamento Único (o Caminho Único)

Como o Bodhisattva é fiel a um pensamento único? O Bodhisattva sabe


que todos os seres retornam ao Caminho Único. O Caminho Único é o
Mahayana. Todos os Budas e Bodhisattvas, para o benefício dos seres, o
desdobram em três. Por essa razão, o Bodhisattva segue obediente e
não transgride.

O Bodhisattva Emancipa Completamente a Sua Mente

Como o Bodhisattva emancipa completamente a sua mente? Ele acaba


eternamente com os estados mentais da cobiça, da ira e da ignorância.
Isto é como o Bodhisattva emancipa a sua mente. Como o Bodhisattva
se emancipa completamente no seu conhecimento? O Bodhisattva-
Mahasattva conhece todas as coisas e é sem obstruções. Isto é como o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 160


Bodhisattva se emancipa no conhecimento. Através da emancipação no
conhecimento, ele agora sabe o que outrora não sabia.”

Então o Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso


disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O que você, o Buda, diz com relação à
emancipação da mente não é válido. Por que não? Originalmente, a
mente não tem nada que possa ser vinculado. Por que não? Original-
mente, a mente não está vinculada a quaisquer das impurezas como a
cobiça, a ira e a ignorância. Se nada existe originalmente que a vincule,
como podemos dizer que a mente agora ganha a emancipação? Oh
Honrado pelo Mundo! Se originalmente a mente nada tem que possa
ser vinculado à cobiça, como pode haver qualquer vínculo? Uma pessoa
bem que pode tentar tomar leite dos chifres de uma vaca, mas nenhum
leite sairá, por mais que tente, uma vez que ali não há natureza para o
leite surgir. Nenhum leite pode surgir, embora alguém possa tentar
tomá-lo. Alguém que ordenha não faz assim. Com um pequeno esforço,
ele obtém um bocado de leite. É o mesmo com a mente. Se original-
mente não havia a cobiça, como pode surgir qualquer cobiça? Se origi-
nalmente não havia cobiça e mais tarde vem a existir um pouco de co-
biça, podemos inferir que todos os Budas e Bodhisattvas que não possu-
íam cobiça originalmente, agora podem tê-la.

Oh Honrado pelo Mundo! Uma mulher estéril, por exemplo, não possui
capacidade para a concepção de uma criança. Com qualquer astúcia e
esforços, ela não pode conceber uma criança. É o mesmo com a mente.
Originalmente, ela não possui a natureza da cobiça. Em qualquer que
seja a circunstância, a cobiça não pode surgir.

Oh Honrado pelo Mundo! Por mais que friccionemos madeira molhada,


nunca obteremos fogo. O mesmo é o caso com a mente. Por mais que
tentemos, não obteremos qualquer cobiça. Como pode o vínculo da
cobiça aprisionar a mente?

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 161


Oh Honrado pelo Mundo! Por mais que possamos espremer a areia, não
poderemos obter algum óleo. É o mesmo com a mente. Podemos es-
premê-la muito, mas nenhuma cobiça surgirá. Saiba que a cobiça e a
mente são de substâncias diferentes. Embora exista a cobiça, como ela
pode corromper a mente? Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, uma
pessoa pode tentar suspender um prego no ar. Ele nunca pode perma-
necer lá. É o mesmo que tentar ter a cobiça pacificamente presa à men-
te. Nem por meio de numerosos esforços astutos se pode, possivelmen-
te, ter a cobiça presa à mente.

Oh Honrado pelo Mundo! Como alguém pode emancipar a mente


quando não há cobiça nela? Por que todos os Budas e Bodhisattvas não
extraem um espinho do céu?

Oh Honrado pelo Mundo! Não chamamos a mente do passado de ‘e-


mancipada’. Não há emancipação da mente do futuro. E a mente do
presente, também, não caminha junto com a forma. Qual mente de
qual mundo nós podemos chamar de ‘emancipada’? Oh Honrado pelo
Mundo! Isto é exatamente como a luz do passado não pode acabar com
a escuridão. Igualmente, a luz do futuro não pode acabar com a escuri-
dão. A luz do presente também não pode acabar com a escuridão. Por
que não? Porque a luz e a escuridão não podem seguir em paralelo. É o
mesmo com a mente. Como podemos dizer que a mente alcança a e-
mancipação?

Oh Honrado pelo Mundo! É o mesmo com a cobiça [isto é, a luxúria e o


desejo]. Se alguém não possui a cobiça, não pode sentir a cobiça quan-
do vê uma mulher. Se ela surge em razão da forma da mulher, saiba-se
que essa cobiça é verdadeiramente um ‘é’. Devido à cobiça, se cai nos
três reinos do infortúnio.

Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, alguém vê uma mulher numa


pintura e tem o sentimento de desejo. Por sentir o desejo, vários peca-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 162


dos resultam. Se originalmente não havia o desejo, como alguém pode
sentir desejo ao ver a pintura de uma mulher? Se não há cobiça na
mente, como você, o Tathagata, pode dizer que o Bodhisattva obtém a
emancipação da mente? Se existe desejo na mente, como se explica
que ele surge após ter visto [a pintura], e que uma pessoa que não viu
não o sente? Agora eu realmente vejo. Uma maldade volta a acontecer.
Isto mostra que eu tenho desejo. É o mesmo com a ira e a ignorância.

Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, os seres possuem um corpo e


não o ‘eu’. E, no entanto, os mortais comuns adquirem injustificada-
mente a idéia de um ‘eu’. Alguém pode ter a idéia de um ‘eu’ e, no en-
tanto, não cair nos três reinos do infortúnio. Como pode ser que uma
pessoa com cobiça [isto é, desejo] não veja uma forma feminina e ga-
nhe o pensamento de uma mulher, e caia nos três reinos do infortúnio?
Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, alguém fricciona madeira e
obtém fogo. E a natureza desse fogo não se encontra em qualquer coi-
sa. Como ele surge? Oh Honrado pelo Mundo! É o mesmo com a cobiça.
Na ‘matéria’ não há cobiça; no cheiro, no sabor, no toque e na lei
(dharma), também, não temos qualquer cobiça. E, no entanto, como se
explica que uma pessoa obtenha a cobiça no cheiro, no sabor, no toque
e na lei? Se for o caso que não existe elemento da cobiça em parte al-
guma, por que somente os seres adquirem a cobiça e os Budas e Bodhi-
sattvas não? Oh Honrado pelo Mundo! A mente, também, não é per-
manente. Se a mente fosse permanente, não poderia haver cobiça, ira e
ignorância. Se ela não é permanente, como a mente pode obter a e-
mancipação? A cobiça, também, não é permanente. Se não é, como
pode alguém, através dela, cair nos três reinos do infortúnio? As duas
coisas, a pessoa com cobiça e o mundo no qual ela vive, são ambas im-
permanentes. Por que não? Cada uma delas evoca uma coisa e adquire
cobiça, ira e ignorância. Isto nos diz que a pessoa que tem cobiça e o
mundo onde ela se encontra são ambos impermanentes. Se ambos são
impermanentes, por que o Tathagata diz: ‘O Bodhisattva pratica a Via
do Grande Nirvana e obtém a emancipação da mente’?”

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 163


Então, o Buda disse ao Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Al-
tamente-Virtuoso: “Bem falado, bem falado! A mente não fica atada
pelas impurezas da cobiça, e também, não é o caso que ela não fique
atada. Isto é não emancipação, e não é que não haja emancipação. Não
é ‘é’, e não é ‘não-é’. Não é o presente, nem o passado, e nem o futuro.
Por que não? Porque todas as coisas não possuem o ‘eu’ de si próprias.

Oh bom homem! Todos os tirthikas dizem: ‘Quando as concatenações


causais se harmonizam, há casos nos quais resultam frutos. Quando as
coisas não possuem a natureza de si próprias, e quando elas surgem
desprovidas de qualquer natureza desta maneira de surgir, teria que
haver um resultado decorrente mesmo do não-surgimento do espaço.
Porque a natureza do não-surgimento é a não-causa. Isto nos diz que
em todas as coisas existe a natureza original da fruição [isto é, o intento
dos resultados]. Assim, as coisas se reúnem e o resultado surge. Por
quê? Quando Devadatta deseja construir um baluarte, ele pega barro, e
não tinta. Quando ele deseja pintar, ele coleta tintas e não gramas ou
plantas. Quando se faz roupas, usa-se tecidos, e não barro ou madeira.
Isto é como quando se constrói uma casa e usa-se barro, não tecidos.
De acordo com o que uma pessoa pega, o resultado surgirá. Como o
resultado surge, podemos saber que na causa existe infalivelmente a
natureza. Se não há qualquer natureza a ser considerada, uma coisa
poderia evocar todas as (outras) coisas. Se alguém pode pegar, fazer e
extinguir [algo], saiba que deve haver o resultado antes do surgimento.
Se não houvesse resultado, uma pessoa não pegaria, faria, ou extingui-
ria [qualquer coisa]. A única coisa onde não existe o pegar e fazer é o
espaço. Em razão disto, todas as coisas podem surgir. Como existe a
causa, a semente da nyagrodha pode viver na árvore nyagrodha. Assim,
o leite (causa) possui sarpirmanda (resultado), o tecido a roupa, e o
barro um pote’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 164


Oh bom homem! Todos os mortais comuns são cegos pela ignorância.
Eles dizem: ‘Na pintura, definitivamente, está a qualidade do bastão, e
na mente a natureza da cobiça’. Também se diz: ‘A mente do mortal
comum tem a natureza da cobiça, a qual é a natureza a ser emancipada.
Se alguém encontra as relações causais da cobiça, a mente adquire a
cobiça. Quando encontra a emancipação, a mente obtém a emancipa-
ção’. Embora isto seja dito, não é assim. Há muitas pessoas que dizem:
‘Cada causa não pode conter um resultado’. Há dois tipos de causa.
Uma é diminuta e a outra grosseira. A que é diminuta é eterna, e a que
é grosseira é não-eterna. A diminuta provoca mudanças naquela que é
grosseira, e da grosseira, mais tarde, surge o resultado. Como o que é
grosseiro é não-eterno, o resultado, também, é não-eterno.

Oh bom homem! Há seres que dizem: ‘A mente não tem causa; a cobiça
também não tem causa. A mente gananciosa surge por ocasião’. Todas
essas pessoas não sabem que tudo se baseia na mente, e transmigram
através dos seis reinos, repetindo nascimentos e mortes.

O Círculo Vicioso da Existência Mundana

Oh bom homem! Por exemplo, colocamos uma coleira num cão, o


prendemos a um pilar, e ele ronda o pilar o dia inteiro e não pode esca-
par. É o mesmo com todos os seres. Eles vestem o grilhão da ignorância,
estão presos ao pilar do nascimento e da morte, repetem vidas através
das 25 existências, e não podem escapar.

Oh bom homem! Por exemplo, há um homem que cai no banheiro,


levanta-se, e cai novamente. Uma pessoa é curada de uma doença e
então contrai a causa da doença novamente. Um viajante, em seu ca-
minho, atravessa um deserto. Após tê-lo atravessado, ele retorna para
o deserto novamente. Uma pessoa lava o seu corpo e então o enlameia
novamente. Isto é como as coisas acontecem com todos os seres. Uma

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 165


pessoa já ultrapassou o estágio (‘bhumi’) da não-posse [isto é, o oitavo
dos nove estágios de treinamento mental, no qual alguém não tem mais
o sentido de posse], e ainda não ultrapassou completamente o estágio
(‘bhumi’) da irreflexão-não-irreflexão [isto é, o estágio final da prática
mental]. E ela volta para os três reinos do infortúnio. Por quê? Todos os
seres pensam somente sobre os resultados e não sobre a causação. É
como com um cão que vai atrás de uma peça de barro (estátua), e não
atrás do homem em si. É o mesmo com o mortal comum. Ele pensa
somente sobre os resultados e não sobre as relações causais. Não pen-
sando sobre isto, ele retorna do estágio (‘bhumi’) da irreflexão-não-
irreflexão e cai nos três reinos do infortúnio.

As Profundezas do Caminho Médio

Oh bom homem! Todos os Budas e Bodhisattvas não dizem definitiva-


mente que a causa abarca o resultado, que nenhum resultado repousa
na causa, ou que ‘é’ não tem resultado, ou que ‘não-é’ é sem resultado.
Se dissermos que existe um resultado na causa, ou que definitivamente
não há resultado na causa, ou que definitivamente não há resultado no
‘é’, ou que ‘não-é’ é definitivamente sem resultado, saiba que perten-
cemos ao clã dos Maras. Pertencemos à classe dos Maras. Então, somos
aqueles que pertencem ao ‘desejo’ [‘trsna’]. Essa pessoa do desejo não
pode acabar eternamente com os laços do nascimento e da morte. Essa
pessoa não sabe o que se obtém com relação à mente e à cobiça.

Oh bom homem! Todos os Budas e Bodhisattvas mostram-nos o Cami-


nho Médio. Por quê? As coisas podem ser ‘não-é’ ou ‘não-não-é’. Mas
nada pode ser sempre definido. Por que não? Porque a consciência
surge através dos olhos, da cor, do brilho, da mente e do pensamento.
Ora, essa consciência nunca está definitivamente nos olhos, na cor, no
brilho, na mente, ou no pensamento. Também, não está entre (no in-
termédio); não está no ‘é’, nem está no ‘não-é’. Como ela surge através

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 166


das relações causais, dizemos ‘é’. Como ela não possui a natureza de si
própria, dizemos ‘não-é’. Este é o porquê o Tathagata expõe e diz: ‘To-
das as coisas não são ‘é’ (por não possuírem natureza própria) e nem
‘não-é’ (em virtude das relações causais).

Oh bom homem! Todos os Budas e Bodhisattvas não dizem definitiva-


mente que existe a natureza da pureza ou a natureza da impureza na
mente. Porque não há um lugar definido onde a mente que é pura ou a
mente que é impura existam. Através das relações causais surge a cobi-
ça. Assim, dizemos ‘não-não-é’. Como originalmente não existe a natu-
reza da cobiça, dizemos ‘não-é’.

Oh bom homem! Através das relações causais, a mente adquire a cobi-


ça; através das relações causais, a mente pode libertar-se.”

Capítulo 31: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 5 Página 167


Capítulo Trinta e Dois: Sobre o Bodhisattva
Rei Altamente-Virtuoso 6

“Oh bom homem! Quando existe a relação causal [da cobiça], a mente
da cobiça [isto é, o estado mental da cobiça/desejo] surge; é assim que
ela (a mente da cobiça) existe e morre com a cobiça. Há o caso onde a
mente surge com a cobiça; é assim que ela (a mente) existe e não morre
com a cobiça. Há o caso onde ela (a mente) não surge com a cobiça; ela
existe com a cobiça, e assim ela morre. Há o caso onde ela não surge
com a cobiça, ela não existe com a cobiça, e assim ela morre.

Como a mente surge junto com a cobiça, existe com a cobiça, e assim
morre (com a cobiça)? Oh bom homem! Se o mortal comum não corta a
mente da cobiça e a pratica, essa pessoa é alguém cuja mente surge
junto com a cobiça. Todos os seres não cortam a mente da cobiça. Ela (a
mente) surge com a cobiça, e morre com a cobiça. Para todos os seres
do mundo do desejo existe uma tabela de progressão do primeiro está-
gio do dhyana (onde o praticante pode finalmente libertar-se da visão
de ser um corpo físico). Praticado ou não praticado, tudo está pronto
para a consumação. Somente através das relações causais isso se revela
para alguém. A relação causal é nada mais que o fogo. Assim se dão as
coisas com todos os mortais comuns. Se praticado ou não praticado, a
mente surge junto com a cobiça, e ela morre junto com a cobiça. Por
quê? Porque a raiz da cobiça não foi extirpada.

Como a mente surge junto com a cobiça e não morre junto com a cobi-
ça? O discípulo Sravaka adquire a cobiça através das relações causais.
Como ele é receoso, ele medita sobre ossos brancos. Este é o porquê
dizemos que a mente surge junto com a cobiça e que ela não morre
junto com a cobiça. Também, há uma situação onde a mente surge jun-
to com a cobiça e não morre junto com a cobiça. Existe um Sravaka que

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 169


ainda não está realizado nas quatro fruições [da prática Hinayana]. A-
través das relações causais, ele adquire uma mente de cobiça, mas al-
cançando as quatro fruições, a mente da cobiça morre. Assim se dão as
coisas. Isto é onde dizemos que a mente surge junto com a cobiça e não
morre junto com a cobiça.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva alcança o estágio impassível [isto é,


o oitavo dos 10 estágios de desenvolvimento do Bodhisattva], a mente
surge junto com a cobiça e não morre junto com a cobiça.

De que maneira dizemos que a mente não surge com a cobiça e que ela
morre junto com a cobiça? Quando o Bodhisattva-Mahasattva extirpa a
mente da cobiça, mas demonstra, para o benefício dos seres, que ele
ainda tem cobiça. Como isso é demonstrado para benefícios, um incon-
tável, ilimitado número de seres obtém, aprimoram e realizam boas
coisas. Isto é onde dizemos que a mente não surge junto com a cobiça,
mas morre junto com a cobiça.

Como dizemos que a mente não surge junto com a cobiça e que ela não
morre junto com a cobiça? Isto se refere aos Bodhisattvas, exceto o
Arhat, o Pratyekabuda, todos os Budas, e aqueles do estágio de impas-
sividade. Isto é onde dizemos que a mente não surge junto com a cobi-
ça e que ela não morre junto com a cobiça. Por essa razão, não dizemos
que todos os Budas e Bodhisattvas são, por natureza, puros na mente, e
não dizemos que eles são, por natureza, impuros. Oh bom homem! Essa
mente não se funde com aquela da cobiça; também ela não se funde
com aquelas da ira e da ignorância.

Oh bom homem! Por exemplo, o sol e a lua tornam-se obscurecidos


para a visão pela fumaça, poeira, nuvens, neblina, e o Asura [isto é, um
Titã que, quando em luta com o sol e a lua, obstrui sua luz encobrindo-
os com as suas mãos]. Em virtude dessas coisas, nenhum ser pode vê-
los. Embora não os vejam, a natureza do sol e da lua, mesmo assim, não

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 170


se funde com os cinco (tipos de) ofuscamentos [‘panca-avaranani’]. É o
mesmo com a mente. Através das relações causais, o laço da cobiça
surge. Os seres dizem que a mente se funde com a cobiça, mas a natu-
reza da mente realmente não se funde com algo. Se a mente da cobiça
fosse a natureza da cobiça, e se a não-cobiça fosse a natureza da não-
cobiça, não poderíamos tornar a mente da (não) cobiça em cobiça, e a
mente da cobiça não poderia se tornar aquela da não-cobiça. Oh bom
homem! Por essa razão, os laços da cobiça não podem corromper a
mente. Todos os Budas acabaram eternamente com a mente da cobiça.
Por conta disso, dizemos que uma pessoa obtém a libertação da mente.
Isto é dito porque todos os seres adquirem os laços da cobiça através
das relações causais, e através das relações causais eles atingem a liber-
tação.

Os Precipícios dos Himalayas

Oh bom homem! Por exemplo, isto é como um precipício nos Himala-


yas. Um humano não pode acompanhar um macaco. Há lugares onde o
macaco pode ir por conta própria, mas não o homem. Ou pode haver
lugares onde ambos podem ir. Oh bom homem! Onde ambos podem ir,
um caçador coloca um tabuleiro, no qual ele deposita visgo e captura o
macaco. Como o macaco é carente de intelecto, ele toca o visgo com as
suas mãos. Ao tocá-lo, suas mãos ficam presas. Para libertar as mãos,
ele toca o visgo com seus pés. E seus pés ficam presos. Para libertar os
seus pés, ele morde [o visgo] com a sua boca. Sua boca também fica
presa. Assim, as cinco partes [do macaco] tornam-se incapazes de se
livrar. Então, o caçador passa um bastão através do macaco [mata-o] e
volta para casa.

O precipício íngreme nos Himalayas é o Caminho Correto, ao longo do


qual o Buda e os Bodhisattvas caminham; o macaco é comparável a
todos os mortais comuns; o caçador é Marapapiyas; o visgo é o laço da

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 171


cobiça. Humanos e macacos sendo capazes de caminhar juntos é análo-
go a todos os mortais comuns sendo capazes de caminhar juntos com
Marapapiyas. Dizemos que o macaco pode ir e que humanos não po-
dem: isto é comparável ao fato de que mesmo os tirthikas que possuem
inteligência e todos os demônios não podem atrair alguém para a isca
mesmo com os cinco desejos. Dizemos que humanos e macacos podem
caminhar juntos: isto significa que todos os mortais comuns e Marapa-
piyas estão sempre perdidos no (ciclo do) nascimento e da morte, e não
podem praticar a Via adequadamente. Os mortais comuns encontram-
se atados pelos cinco desejos, então Marapapiyas podem capturá-los
facilmente e carregá-los. Isto é como o caçador que captura o macaco
com o visgo e o carrega de volta para casa.

Oh bom homem! Se o rei permanece no seu próprio país, seu corpo e


sua mente terão sossego; se no estrangeiro, ele terá que sofrer de mui-
tas coisas. Assim se estabelecem as coisas com todos os seres. Se al-
guém vive nos seus próprios domínios, está em paz. Mas fora dos seus
próprios domínios, encontra-se com demônios e tem que sofrer de to-
dos os tipos de aflições. Alguém em seu próprio domínio refere-se aos
quatro pensamentos (quatro mentes ilimitadas [‘catvari-apramanani’]:
1-Grande Amor-Benevolente, 2-Grande Compaixão, 3-Grande Alegria
Simpática, e 4-Grande Equanimidade), e lugar dos outros (estrangeiro)
refere-se aos cinco desejos.

Como dizemos que alguém pertence à Mara? Todos os seres vêem o


não-Eterno como Eterno, o Eterno como não-Eterno, Sofrimento como
não-Sofrimento, Êxtase como Sofrimento, o Impuro como Puro, o Puro
como Impuro, o não-Eu como Eu, o Eu como não-Eu, o que não é ver-
dadeira Emancipação descuidadamente como Emancipação, verdadeira
Emancipação como não-Emancipação, não-Veículo como Veículo, e
Veículo como não-Veículo. Essas pessoas pertencem à classe dos Maras.
Alguém que pertença a Mara não possui uma mente pura.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 172


Também, além disso, oh bom homem! Se uma pessoa realmente vê
todas as coisas como ‘é’ e as formas gerais e individuais como perma-
nentes, saiba que essa pessoa – quando vê qualquer coisa concreta –
verá como se olhasse para uma coisa concreta. Isto se aplicará (através
de todos os sentidos) até a consciência. Quando ela encontrar a consci-
ência, ela alimentará a idéia de que possui uma consciência [de algo].
Ao ver um homem, ela verá a forma de um homem; ao ver uma mulher,
verá a forma de uma mulher; ao ver o sol, verá a forma do sol; ao ver a
lua, verá a forma da lua; ao ver a velhice, verá forma da velhice; ao ver
um skandha, verá a forma de um skandha; ao ver a esfera dos sentidos,
verá a forma de uma esfera de sentidos; ao ver o reino dos sentidos,
verá a forma de um reino dos sentidos. Tais pessoas são aparentadas de
Mara. Aqueles que são aparentados de Mara não possuem uma mente
pura.

Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa pode vir a pensar
que o Eu é matéria [‘rupa’], que o Eu existe na matéria; que existe ma-
téria no Eu, que a matéria pertence ao Eu. Ou ela pode ver o Eu como
consciência, ou pensar que o Eu existe na consciência, que a consciência
existe no Eu, que a consciência pertence ao Eu. Quaisquer pessoas que
vejam as coisas assim pertencem a Mara; quaisquer pessoas que vejam
as coisas assim não são meus discípulos.

Oh bom homem! Meus discípulos Sravakas se afastam dos 12 tipos de


sutras do Tathagata e aprendem e praticam os vários tipos de escrituras
dos tirthikas. Ao não estudar as obras (esforços) de renúncia e de extin-
ção tranquila de um sacerdote, eles exclusivamente fazem o que as
pessoas da vida secular fazem. Quais são os esforços do mundo secular?
Quais são as impurezas? Eles recebem e mantêm todas as coisas tais
como serviçais masculinos e femininos, quintais e casas, elefantes, cava-
los, veículos, burros, mulas, aves, cães, porcos, carneiros, e todos os
tipos de cereais, da cevada ao trigo. Eles se afastam dos seus mestres e
sacerdotes, e se associam com leigos. Agindo contrariamente aos ensi-

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 173


nos sagrados, eles se dirigem às pessoas vestidas-de-branco [isto é,
leigos] e dizem: ‘O Buda permite aos Monges receber e manter várias
coisas impuras’. Isto é onde falamos das pessoas que aprendem coisas
do mundo secular.

Há vários discípulos que, não agindo para o Nirvana, aproximam-se e


dão ouvido aos 12 tipos de sutras, colocam as vestes sacerdotais ou
avidamente comem aquelas coisas destinadas aos sacerdotes que vie-
ram de longe, como se fossem suas próprias coisas. Eles sentem inveja e
ressentimento quando ouvem sobre o louvor e a fama das outras famí-
lias. Eles se associam com o rei e todos os príncipes, são interessados na
boa e na má sorte [isto é, dedicam-se à adivinhação], adivinham o cres-
cente e o minguante da lua. Eles amam e se achegam ao xadrez, jogos
de azar, chobo [isto é, um tipo de jogo de azar], atiram flechas num
vaso, monjas, meninas, e mantêm dois Sramaneras (noviços). Eles sem-
pre visitam casas de açougueiros, caçadores, bares, e lugares onde vi-
vem candalas. Eles vendem e compram, fazem suas próprias comidas,
recebem mensageiros de países vizinhos e dão notícias. Saiba que essas
pessoas são aparentadas de Mara e não são meus discípulos. Assim, a
mente surge com a cobiça e assim morre com a cobiça. Isto se aplica até
a mente da ignorância (passando pela ira), que emerge junto [com a
ignorância] e morre junto [com a ignorância]. Oh bom homem! Por essa
razão, não é o caso que a natureza da mente seja pura ou impura. Por-
tanto, digo que uma pessoa alcança a libertação da mente.

Se uma pessoa não recebe e guarda [coisas impuras], mas – para o be-
nefício do Grande Nirvana – protege, recita, copia e expõe para os ou-
tros os 12 tipos de sutras, saiba que essa pessoa é verdadeiramente
meu discípulo. Essa pessoa não faz aquilo que pertence ao mundo dos
Marapapiyas; essa pessoa aprende e pratica os 37 elementos (concer-
nentes) da Iluminação. Ao aprender e praticar a Via, essa pessoa não
surge junto com a cobiça e não morre junto com a cobiça. Isto é o que

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 174


significa quando dizemos que o Bodhisattva pratica o Todo-Maravilhoso
Sutra do Grande Nirvana, realiza e completa a oitava virtude.”

A Nona Grande Virtude

“Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva-


Mahasattva pratica o Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e
realiza e completa a nona virtude? Oh bom homem! O Bodhisattva-
Mahasattva pratica a Via do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana
e, antes de tudo, evoca cinco coisas e as realiza. Quais são as cinco? Elas
são: 1) fé, 2) uma mente correta, 3) os preceitos morais, 4) associação
com um bom amigo, e 5) erudição.

O Que é Fé

O que é fé? O Bodhisattva-Mahasattva acredita que existe recompensa


nos Três Tesouros e na doação. As duas realidades [isto é, a relativa e a
ultimada] e a Via do Veículo Único [‘ekayana’] não são diferentes. Ele
acredita que todos os Budas e Bodhisattvas desdobram as coisas em
três, de tal maneira que todos os seres alcancem rapidamente a Eman-
cipação. Ele acredita na ‘Paramartha-satya’ [‘a verdade da Realidade
Última’] e nos bons meios hábeis. Isto é fé.

Uma pessoa que assim acredita não pode ser derrotada por quaisquer
Shramanas, Brâmanes, Marapapiyas, Brahma, ou quem quer que seja.
Quando uma pessoa baseia-se nessa fé, ela ganha a natureza de um
sábio sagrado. Ela pratica a doação – quer seja grande ou pequena – e
tudo isto leva ao Mahaparinirvana, e dessa forma essa pessoa não cai
no (ciclo do) nascimento e morte. O mesmo se passa com a observância
dos preceitos morais, com a audição da Via, e com a Sabedoria, tam-

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 175


bém. Isto é fé. Embora alguém possa ter essa fé, esse alguém ainda não
vê. Isto é como o Bodhisattva pratica a Via do Grande Nirvana e realiza
a primeira coisa.

O Que é Mente Correta

O que é mente correta? O Bodhisattva-Mahasattva mantém uma mente


correta com relação a todos os seres. Todos os seres bajulam, conforme
surja a ocasião. Não é assim com o Bodhisattva. Por que não? Porque
ele sabe bem que todas as coisas boas surgem através das relações
causais. O Bodhisattva-Mahasattva vê todas as maldades e erros come-
tidos pelos seres. Mas ele não fala sobre essas coisas. Por que não?
Possivelmente surgirão preocupações (aflições). Se impurezas sobem às
suas cabeças, isto os levará aos maus reinos (da existência). Se ele vê os
seres praticando algumas boas ações, ele os elogia. O que é uma boa
ação? É a assim chamada Natureza de Buda. Quando a Natureza de
Buda (manifesta em uma pessoa) é elogiada, todos os seres aspiram à
Iluminação Insuperável.”

Então, o Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-


Virtuoso disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Você diz que o Bo-
dhisattva-Mahasattva exprime elogios e leva inumeráveis seres a aspi-
rarem ao Insuperável Bodhi. Mas isto não é assim. Por que não? O Ta-
thagata, na parte inicial do Sutra do Nirvana, diz que existem três condi-
ções:

Primeiro, você diz que se um paciente obtém um bom médico, um bom


remédio e um bom atendimento, a doença será facilmente curada, e
que se as coisas se derem de outra forma, a doença não será curada.

Segundo, você diz que a doença pode não ser curada, independente-
mente de se obter tais coisas ou não.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 176


Terceiro, você diz que quer se obtenha ou não essas coisas, todas (as
doenças) serão curadas. O mesmo é o caso com todos os seres.

Se alguém encontra um bom amigo, encontra todos os Budas e Bodhi-


sattvas, e dá ouvido aos sermões, esse alguém aspira à Iluminação In-
superável. Se não, não pode haver qualquer aspiração. Assim acontece
com o Srotapanna, o Sakrdagamin, o Anagamin, o Arhat, e o Pratyeka-
buda.

Segundo, uma pessoa pode encontrar um bom amigo, todos os Budas e


Bodhisattvas, e dar ouvido aos sermões, mas ser incapaz de aspirar; e
mesmo se ela não encontrar essas coisas, não haverá aspiração. Isto se
refere ao icchantika.

Terceiro, há uma situação onde todas as pessoas aspiram à Iluminação


Insuperável, quer encontrem ou não (essas coisas). Isto se refere ao
caso do Bodhisattva

Se é o caso que uma pessoa aspira à Iluminação Insuperável, como você


pode explicar e dizer: ‘Ao elogiar a Natureza-de-Buda, todos os seres
aspiram à Iluminação Insuperável’? Oh Honrado pelo Mundo! Se for o
caso em que tanto uma pessoa que encontre um bom amigo, todos os
Budas e Bodhisattvas, e ouve seus sermões; quanto alguém incapaz (de
encontrá-los) não podem igualmente aspirar à Iluminação Insuperável;
saiba-se que isto não é assim. Por que não? Porque tal pessoa atinge a
Iluminação Insuperável. Porque através da Natureza-de-Buda, mesmo o
icchantika tem que atingir a Iluminação Insuperável, quer ele dê ouvido
aos sermões ou não.

Oh Honrado pelo Mundo! Você diz ‘icchantika’. Mas, o que é o icchanti-


ka? Você diz que ele é desprovido da raiz saudável. Isto também não é
assim. Por que não? Porque essa pessoa não é desprovida da Natureza-

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 177


de-Buda. Assim, logicamente, a Natureza-de-Buda não pode estar au-
sente [em nada]. Como você pode dizer que a raiz do bem tenha sido
inteiramente cortada?

Você previamente falou de 12 tipos de sutras e disse que havia dois


tipos de alimento, a saber: 1) o eterno, e 2) o não-eterno. O eterno se
refere ao não-cortado, e o não-eterno ao cortado. O não-eterno pode
ser cortado. Assim, uma pessoa cai no inferno. O eterno não pode ser
cortado. Por que não? Se a Natureza-de-Buda (que é eterna) não for
cortada, não existirá o icchantika. Por que você, o Tathagata, fala isto e
apresenta essa visão do icchantika? Oh Honrado pelo Mundo! A Natu-
reza-de-Buda conduz alguém à Iluminação Insuperável. Como é que
você, o Tathagata, assim profere expansivamente os sermões dos 12
tipos de sutras? Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, os quatro rios
brotam do [Lago] Anavatapta. Os devas e todos os Budas podem dizer
que os rios não correm para o grande oceano, mas retornam à sua fon-
te. Mas isto não faz sentido. É o mesmo com a mente da Iluminação.
Qualquer um com a Natureza-de-Buda deve atingir a Iluminação Insu-
perável, quer tenha ouvido ou não os sermões, quer tenha defendido
ou não os preceitos morais, quer tenha praticado doações ou não, quer
tenha praticado a Via ou não, quer tenha Sabedoria ou não. Oh Honra-
do pelo Mundo! Por detrás do Monte Udayana emerge o sol, e ele se
move à direita para o oeste. O sol pode rogar: ‘Não irei para o oeste;
retornarei para o leste’. Mas nada como isto acontece. É o mesmo com
a Natureza-de-Buda. Alguém pode dizer que a não-audição, a não-
observância dos preceitos, a não-doação, a não-prática da Via e a não-
Sabedoria não resultam na Iluminação Insuperável. Mas tal situação
nunca se verifica. Oh Honrado pelo Mundo! O Buda-Tathagata diz que a
natureza da causalidade é ‘não-é’ e ‘não-não-é’. Isto não é assim. Por
que não? Se não existe a natureza da nata no leite, não pode haver
qualquer nata. Se lá na semente da nyagrodha (espécie de árvore) não
houvesse a natureza de chegar aos 50 pés de altura, ela não poderia
ganhar essa qualidade de (ter) 50 pés. Se não houvesse a árvore da

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 178


Iluminação Insuperável na Natureza-de-Buda, como alguém poderia
esperar possuir uma árvore da Iluminação Insuperável? Se a causalida-
de é nem ‘não-é’ e nem ‘não-não-é’, como é que isto estaria de acordo
com a razão?”

A Qualidade Daquele Que Indaga

Então o Buda teceu elogios e disse: “Bem falado, bem falado, oh bom
homem! Há dois tipos de pessoas no mundo que são tão raros quanto a
udumbara. Um é a pessoa que não comete más ações; o segundo é a
pessoa que confessa completamente quando ela pecou. Essas pessoas
são extremamente raras. Há ainda dois tipos de pessoas. Um beneficia
os outros; o outro relembra bem os benefícios que recebeu. Para além
disso, há dois tipos de pessoas. Um aceita novas normas (de conduta), e
o outro olha para o que se passou e não esquece. Também, ainda há
dois tipos de pessoas. Um faz o que é novo, e o outro pratica o que é
antigo. Também, há outros dois tipos de pessoas. Um sente prazer em
dar ouvido ao Dharma, e o outro sente prazer em falar do Dharma.
Também, ainda há dois tipos de pessoas. Um indaga sobre o que é difí-
cil, e o outro responde bem. Você é o tipo de pessoa que indaga bem
sobre o que é difícil; o Tathagata é aquele que responde bem. Oh bom
homem! Através dessas questões bem colocadas, pode ocorrer o Giro
da Roda-da-Lei, a morte da grande árvore dos 12 elos da causação, a
passagem das pessoas através do imenso oceano do nascimento e da
morte, o bom combate contra o Rei Marapapiyas, e a derrubada do
estandarte vitorioso dos Papiyas.

Os Nove Fatores das Relações Causais nas Doenças

Oh bom homem! Eu falei assim dos três (tipos de) pacientes e disse que
se houver encontro ou não-encontro de um bom médico, bom atendi-

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 179


mento e bons remédios, a cura aconteceria. O que isto significa? Dize-
mos que uma pessoa ‘obtém’ ou ‘não obtém’ (a cura). Isto se refere ao
tempo destinado de vida. Por quê? Ora, ao longo de inumeráveis eras,
essa pessoa praticou as três boas ações: a máxima, a média, e a baixa.
Ao praticar essas três boas ações, ela obtém o seu tempo destinado de
vida. Isto é como no caso de uma pessoa do Uttarakuru (continente ao
norte do Jambudvipa), onde o tempo de vida é de 1.000 anos. Ora, al-
guém pode adquirir uma doença. Mas não importa se (essa pessoa)
consegue um bom médico, um bom remédio, ou um bom atendimento:
tudo termina numa cura. Por quê? Porque esse alguém tem um tempo
destinado de vida. Oh bom homem! Eu digo: ‘Se alguém consegue um
bom médico, bom remédio e bom atendimento, pode afastar a doença;
se não, a doença não se afastará’. Ora, o que isto significa? Oh bom
homem! O tempo destinado de vida dessa pessoa não é definido. Muito
embora o fim [esperado] da sua vida ainda não tenha chegado, através
dos nove fatores das relações causais, ela perde a sua vida. Quais são os
nove?

Primeiro, ela sabe bem da não-confiabilidade da comida e ainda, em


contradição a isto, compartilha dela.

Segundo, ela come demais.

Terceiro, ela come mesmo quando a comida anterior ainda não foi dige-
rida.

Quarto, ela não é regular em suas relações com a natureza.

Quinto, muito embora esteja doente, ela não cumpre com as palavras
do médico.

Sexto, ela não segue as recomendações dos atendentes médicos.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 180


Sétimo, ela retém fortemente as coisas dentro e não as coloca para fora
[isto é, sofre de retenção].

Oitavo, ela sai à noite. Como ela sai à noite, os demônios vêm e atacam-
lhe.

Nono, seus aposentos não são muito bons.

Por essa razão, Eu digo que se o paciente toma o remédio, a sua doença
será curada, e se ele não o faz, ela não será curada. Oh bom homem! Eu
disse (também) acima que a doença não será curada, quer [o remédio
seja] tomado ou não. Por quê? Porque (neste caso) o tempo de vida
está acabado. Assim sendo, eu disse que a pessoa doente não obterá a
cura, quer o remédio seja tomado ou não. Assim as coisas se procedem
com os seres. Qualquer um que obtenha o Bodhichitta, quer tenha se
encontrado com um bom amigo ou não, com todos os Budas e Bodhi-
sattvas ou não, ele Despertará e ganhará as profundezas do Dharma.
Por quê? Porque ele aspira à Iluminação. Isto é como as pessoas do
Uttarakuru, que são abençoadas com um tempo de vida definido. Con-
forme eu disse, aquelas pessoas dos estágios desde o Srotapanna até o
Pratyekabuda, quando ouvem as palavras de profundo significado de
um bom amigo (da Via), de todos os Budas e Bodhisattvas, obterão a
mente da Iluminação Insuperável.

Eu disse que se uma pessoa não encontra o Buda e os Bodhisattvas, e


não ouve as palavras de profundo significado, ela não pode aspirar à
mente da Iluminação Insuperável. Isto é como com uma pessoa que
tem uma morte não natural devida aos nove tipos de relações causais
que são indefinidas. Sua doença será curada quando ela encontrar tra-
tamento médico e remédio. Se não, ela não será curada. Este é o por-
quê eu disse que se uma pessoa ouve as palavras de profundo significa-
do do Buda e Bodhisattvas, ela aspira ao Bodhichitta, e se não, ela não
pode (aspirá-lo).

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 181


Eu disse acima que uma pessoa pode encontrar um bom amigo, o Buda
e os Bodhisattvas, e ouvir as palavras de profundo significado, ou talvez
não. Em ambos os casos, ela não aspira ao Bodhichitta. O que isso signi-
fica? Oh bom homem! O icchantika é incapaz de acabar com a mente de
icchantika, não importando se ele encontra um bom amigo, o Buda ou
os Bodhisattvas, e ouve as palavras de profundo significado ou não. Por
quê? Porque ele está apartado do Dharma Maravilhoso. Mas, o icchan-
tika, também, poderá alcançar a Iluminação Insuperável. Por quê? Se
ele aspirar à Iluminação, tal pessoa não será mais um icchantika.

Oh bom homem! Por que dizemos que mesmo o icchantika, também,


alcança a Iluminação Insuperável? O icchantika realmente não atinge a
Iluminação Insuperável. É como com a pessoa que depara com o fim da
sua vida e que não pode ser curada por um médico, um bom remédio,
ou um bom atendimento médico. Por que não? Porque a vida chegou a
um ponto onde ele não pode viver mais.

Issendai e a Natureza de Buda

Oh bom homem! ‘Issen’ significa ‘fé’; ‘dai’ significa ‘não dotado’. Quan-
do uma pessoa não possui fé, dizemos ‘issendai’. A Natureza-de-Buda
não é ‘fé’. O ‘ser’ não a ‘possui’. Não possuindo, como a pessoa pode
pensar em cortar? ‘Issen’ significa ‘bons meios hábeis’, e ‘dai’ ‘não pos-
suir’. Quando os bons meios hábeis não são praticados, falamos do ‘ic-
chantika’. Dizemos ‘Natureza-de-Buda’. Não é praticar os bons meios
hábeis. Os seres não possuem isto. Não a possuindo, como ela pode ser
cortada?

‘Issen’ significa ‘ir adiante’, e ‘dai’ ‘não dotado’. Quando a pessoa não
possui algo que a possibilitará ir adiante, falamos do icchantika. A Natu-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 182


reza-de-Buda não é ‘ir adiante’ e os seres são ‘não dotados’. Quando
não há dotação, como pode haver algum corte?

‘Issen’ significa ‘lembrar’, e ‘dai’ ‘não possuir’. Quando uma pessoa não
possui lembrança, dizemos icchantika. A Natureza-de-Buda não é lem-
brança, e os seres são ‘não dotados’. Assim, como pode uma pessoa
pensar em cortar?

‘Issen’ significa ‘samadhi’, e ‘dai’ ‘não dotado’. Quando o samadhi não é


possuído, falamos do icchantika. A Natureza-de-Buda não é samadhi e
os seres ‘não dotados’. Quando não há tal dotação, como alguém pode
pensar eventualmente em cortar?

‘Issen’ significa ‘Sabedoria’, e ‘dai’ ‘não dotado’. Quando uma pessoa


não possui Sabedoria, falamos do icchantika. A Natureza-de-Buda não é
Sabedoria e os seres ‘não dotados’. Quando uma pessoa não possui
Sabedoria, como pode haver corte?

‘Issen’ significa ‘bem não-eterno’, e ‘dai’ ‘não dotado’. Quando uma


pessoa não possui o bem não-eterno, dizemos icchantika. A Natureza-
de-Buda é Eterna. Nem é bem, e nem é mal.

Por quê? O Dharma Maravilhoso infalivelmente emerge dos meios há-


beis, mas essa Natureza-de-Buda não é algo que surja dos meios hábeis.
Assim, é não-bom. E por que não é nada bom? Porque um bom resulta-
do realmente surge. Esse bom resultado é nenhum outro senão a Ilumi-
nação Insuperável.

Também, porque o Dharma Maravilhoso é aquilo que obtemos após o


nascimento. E essa Natureza-de-Buda não é algo que obtenhamos após
o nascimento. Portanto, não é algo que possa ser chamado de bom (e
nem de mau). Quando uma pessoa está apartada do Dharma Maravi-
lhoso que se obtém após o nascimento, dizemos icchantika.

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 183


A Harpa e o Rei

Oh bom homem! Por exemplo, existe um rei que ouve uma harpa, cujo
som é sereno e maravilhoso. Em sua mente encantada, surgem a alegria
e a felicidade, intercaladas com pensamentos de amor, e é difícil [para
ele] afastar o sentimento de soberba. Ele diz ao seu ministro: ‘De onde
surge essa espécie de som maravilhoso’? O ministro responde: ‘Esse
som maravilhoso vem da harpa, majestade’. O Rei ainda diz: ‘Traga-me
aquele som’! Então o ministro coloca a harpa diante do trono do rei e
diz: ‘Oh grande Rei! Este é o som’! O Rei diz à harpa: ‘Faça o som, faça o
som’! Mas a harpa não produz qualquer som. Então o Rei corta-lhe as
cordas, e ainda não há som. Ele arranca-lhe a casca, quebra a madeira e
a despedaça, pretendendo forçar a saída do som, mas nenhum som
[surge]. Então o Rei se enfurece com o ministro e diz: ‘Como ousa men-
tir para mim’? O ministro disse ao Rei: ‘Ora, esta não é a maneira de se
obter um bom som. Todas as relações causais e bons meios habilidosos
podem de fato evocar o som’.

É o mesmo com a Natureza-de-Buda. Não existe um lugar onde ela re-


pouse. Somente através dos melhores meios hábeis ela é capaz de apa-
recer. Quando ela pode ser vista, ganha-se a Iluminação Insuperável. O
icchantika não pode ver a Natureza-de-Buda. [Assim,] como ele pode
acabar com os pecados dos três (maus) domínios (da existência)?

Oh bom homem! Se o icchantika acredita no fato de que existe a Natu-


reza-de-Buda, saiba que ele não cai nos três reinos (do infortúnio).
Também, essa pessoa não é propriamente chamada de icchantika. Não
acreditar no fato de que a Natureza-de-Buda existe, isto o leva para os
três reinos. Quando uma pessoa cai nos três reinos, ela é um icchantika.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 184


A Natureza da Nata

Oh bom homem! Você diz que se não existe a natureza da nata no leite,
ele não pode produzir a nata; se a semente da árvore nyagrodha não
possuir a natureza de ter 50 pés de altura, não poderá ocorrer de esta
alcançar os 50 pés. Uma pessoa ignorante bem pode dizer isto, mas não
um sábio. Por quê? Porque não há natureza (própria em quaisquer fe-
nômenos). Oh bom homem! Se existisse a natureza da nata, não have-
ria necessidade de evocar o poder das relações causais. Oh bom ho-
mem! Misture água ao leite, deixe-os assim por um mês, e nunca obte-
remos a nata. Se uma gota de essência de ‘phalgu’ [fícus oppositifolia:
um pó vermelho usualmente feito de raiz de gengibre silvestre] é adi-
cionada, obteremos a nata. Se [já] existisse o fenômeno da nata, por
que necessitaríamos esperar pela combinação das relações causais? O
mesmo é o caso com a Natureza de Buda de todos os seres. Amparados
pelas várias relações causais, podemos vê-la; baseados nas várias rela-
ções causais, podemos alcançar a Iluminação Insuperável. Se as coisas
surgem com base nas relações causais, isto nos diz que não existe natu-
reza que possa ser chamada de si própria (própria dos fenômenos).
Como não há natureza que possa ser nomeada, pode-se perfeitamente
atingir a Iluminação Insuperável. Oh bom homem! Por essa razão, o
Bodhisattva-Mahasattva sempre elogia o (que é) bom de uma pessoa e
não fala mal daquilo que é deficiente. Isto é mente correta.

Também, além disso, oh bom homem! O que é mente correta do Bodhi-


sattva? O Bodhisattva-Mahasattva nunca comete maldades. Se a mal-
dade é cometida, o Bodhisattva se arrepende imediatamente. Ele nunca
esconde [sua maldade] do seu professor ou colegas de classe. O seu
arrependimento repreende a si próprio, e nenhuma maldade mais é
cometida. Mesmo um pequeno pecado ele sente como grave. Quando
indagado, ele responde: ‘Eu fiz isto’. Quando indagado: ‘Isto é certo ou
errado, bom ou ruim?’, ele responde: ‘Ruim!’. Quando indagado: ‘O
pecado evocará algum resultado que é bom ou mau?’, ele responde: ‘O

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 185


resultado será algo mau’. ‘Quem é responsável por esse pecado? Não
são todos os Budas, o Dharma e a Sangha responsáveis?’, ele responde:
‘(A responsabilidade) não é do Buda, do Dharma ou da Sangha. Isto é
algo que eu mesmo cometi.’ Isto é o que as impurezas criam. Através da
mente correta, ele acredita na existência da Natureza-de-Buda. Quando
uma pessoa acredita na Natureza-de-Buda, ela não pode ser um icchan-
tika. Em razão dessa mente correta, falamos do discípulo do Buda. A ele
podem ser doados milhares de itens como roupas, bebida, comida, rou-
pas de cama, atendimento médico e remédios. Tudo isso não pode ser
chamado de muito. Esta é a mente correta do Bodhisattva.

O Que São os Preceitos Morais

Como o Bodhisattva pratica shila [os preceitos morais]? O Bodhisattva-


Mahasattva defende os preceitos, mas não visando o nascimento nos
céus, nem por medo; nem recebe preceitos contra cães, galinhas, vacas
ou faisões. Ele não viola preceitos, nem falha neles, ou erra-os; nem
pratica qualquer preceito híbrido (misturado, impuro); nem qualquer
preceito de Sravaka. Ele defende os preceitos do Bodhisattva-
Mahasattva, o shilaparamita [moralidade perfeita]. Ele é perfeito na
upasampada (grande ordenação), e não é arrogante. Este é o sentido no
qual dizemos que o Bodhisattva pratica a Via do Grande Nirvana e é
perfeito no terceiro preceito.

O Que é Associação com um Bom Amigo

Como o Bodhisattva associa-se com um bom amigo? O Bodhisattva-


Mahasattva sempre pratica muito e expõe aos seres a Via, não qualquer
coisa má, dizendo (sempre) que a maldade nunca traz um bom resulta-
do. Oh bom homem! Eu sou o Bom Mestre de todos os seres. Dessa
forma, eu destruí completamente as visões distorcidas dos Brâmanes.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 186


Oh bom homem! Se quaisquer seres se associam a mim, eles obtêm o
nascimento nos céus, mesmo embora haja razão para eles caírem no
inferno. Isto é como com Sunaksatra e outros que, vendo-me, nasceram
no Céu Rapadhatu, extirpando as relações causais de nascerem no in-
ferno. Há pessoas como Shariputra e Maudgalyayana, que de fato não
foram bons mestres da Via para os seres. Por quê? Devido a terem ad-
quirido a mente do icchantika.

Oh bom homem! Certa vez vivi em Varanasi. Naquela ocasião, Sharipu-


tra ensinou dois discípulos. Para um ele ensinou meditar sobre ossos
brancos, e para outro a contar o número de respirações. Mesmo após
muitos anos, eles não poderiam chegar à meditação. Como resultado
disto, eles adquiriram visões distorcidas e diziam: ‘Não existe o dharma
imaculado do Nirvana. Se existisse, eu o teria alcançado. Por quê? Eu
observo bem todos os preceitos que tenho que observar’. Então, ao ver
que esses Monges haviam adquirido visões distorcidas, comuniquei-me
com Shariputra e o repreendi: ‘Você não ensina bem. Por que você en-
sina essas pessoas de uma maneira invertida? Seus discípulos diferem
em suas tendências. Um deles é um lavador, e o outro é (o filho de) um
ourives. Ao filho de um ourives pode ser ensinada a contagem do nú-
mero de respirações, e ao lavador meditar sobre ossos brancos. Como
você ensinou da maneira errada, essas duas pessoas adquiriram visões
distorcidas’. Eu então ensinei essas duas pessoas como deveriam ter
sido ensinadas, e as duas, após ensinadas, atingiram o Arhatship. Por-
tanto, Eu sou o Bom Mestre da Via para todos os seres, e não Sharipu-
tra ou Maudgalyayana. Se qualquer ser que possa ter os piores grilhões
das impurezas vier a me encontrar, Eu posso, usando os melhores mei-
os hábeis, cortar as raízes (das impurezas) completamente.

Meu irmão mais jovem, Nanda, possuía a maior das cobiças, e eu acabei
com ela ao colocar em prática diversos meios hábeis.

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 187


Angulimalya possuía a maior das malevolências. Mas, ao ver-me, ele
acabou com ela.

O rei Ajatasatru era extremamente ignorante. Mas, ao ver-me, ele aca-


bou com isto.

O homem rico, Bakiga, tinha acumulado, ao longo de inumeráveis perí-


odos de tempo, a mais pesada das impurezas. Mas, ao ver-me, todas as
suas impurezas se foram.

Qualquer pessoa má ou humilde pode ganhar o respeito e o amor de


todos os humanos e devas associando-se a mim e tornando-se meu
discípulo.

Srigupta era extremamente mal-intencionado. Mas, ao ver-me, todas as


suas visões pervertidas da vida se acabaram. Ao ver-me, ele acabou
com a causa do inferno e obteve a condição para nascimento nos céus.

Kikosendara esteve perto de perder a sua vida. Mas, ao ver-me, ele


ganhou sua vida.

Kausika esteve perto de perder a sua cabeça quando, ao ver-me, ele


obteve a mente verdadeira.

O açougueiro, filho de Kisagotami, sempre cometeu maldades. Mas, ao


ver-me, ele acabou com ela.

Ao ver-me, Sendaibiku tornou-se inabalável na observância dos precei-


tos, tal que ele abandonaria mesmo a sua vida a ter que violar os pre-
ceitos, como no caso de Sokebiku [isto é, ‘o Monge amarrado ao capim’.
Era assim chamado devido ao fato de que certa vez esse Monge foi pri-
vado de todas as suas roupas por ladrões e então foi amarrado ao ca-
pim e assim deixado ao sol. Mas, o Monge não tentou desprender-se do

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 188


capim, conforme pensou que isto mataria o capim. O rei viu isto e liber-
tou-o. O rei ficou profundamente impressionado por essa ação divina e
mais tarde juntou-se à Sangha]. Por essa razão, diz-se que Ananda afir-
mou que uma ação semi-pura é um bom mestre da Via. Mas o caso
comigo não é assim. Eu disse que uma ação completamente pura é um
bom mestre da Via. Isto é como o Bodhisattva pratica a Via do Grande
Nirvana e realiza a quarta ação de associação com um Bom Mestre da
Via.

O Que é Erudição

Como o Bodhisattva-Mahasattva aperfeiçoa-se na erudição? O Bodhi-


sattva, pela causa do Grande Nirvana, copia, recita, compreende e ex-
põe os 12 tipos de sutras. Dizemos que isto é como o Bodhisattva aper-
feiçoa-se na erudição.

Excluindo os 11 tipos de sutras, o Bodhisattva ostenta, recita, copia e


expõe o Vaipulya. Dizemos que isto é como o Bodhisattva aperfeiçoa-se
na erudição.

Excluindo os 12 tipos de sutras, o Bodhisattva ostenta, copia, estuda e


expõe o Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana. Isto também é o
aperfeiçoamento da erudição pelo Bodhisattva.

Mesmo que alguém retenha (guarde para si) a totalidade deste sutra,
mas encoraje (propague) um verso de quatro linhas, ou mesmo exclua
(omita) esse verso, mas acredite no fato que o Tathagata é Eterno e
Imutável – mesmo isto pode ser aperfeiçoamento da erudição do Bo-
dhisattva.

Também, uma pessoa pode até mesmo afastar-se deste (sutra), mas
somente saber que o Tathagata nem sempre profere sermões. E mesmo

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 189


isto é aperfeiçoamento da erudição pelo Bodhisattva. Por quê? Porque
não há uma coisa que possa ser chamada de natureza do Dharma em si.
O Tathagata fala do Dharma. Mas, não existe nada como o que pode ser
falado. Isto, nós dizemos, é como o Bodhisattva pratica a Via do Grande
Nirvana e aperfeiçoa-se na quinta (ação da) erudição.

Ação, Tolerância e Doação do Bodhisattva

Oh bom homem! Pode haver um bom homem ou uma boa mulher que,
pela causa do Grande Nirvana, realize e complete as cinco coisas (elas
são: 1- fé, 2- uma mente correta, 3- os preceitos morais, 4- associação
com um bom amigo, e 5- erudição), faça o que é difícil de fazer, suporte
o que não pode ser suportado, e doe o que não pode ser doado.

Como o Bodhisattva faz bem aquilo que é difícil de fazer? Quando ele
ouve que um homem pega apenas uma semente de sésamo (gergelim)
como alimento e atinge a Iluminação Insuperável, ele acredita nisto, e
por um período de inumeráveis asamkhyas de kalpas, ele compartilha
de uma única semente de sésamo. Se ouvir que ele atinge a Iluminação
Insuperável entrando no fogo, ele entrará nos fogos ardentes do Infer-
no Avichi por um período de inumeráveis kalpas. Isto é onde dizemos
que o Bodhisattva faz o que é difícil de fazer.

Como o Bodhisattva suporta o que é difícil de suportar? Se ele ouve que


alguém pode atingir o Grande Nirvana suportando as agruras de ter sua
mão golpeada por um bastão, ou uma espada, ou uma pedra; ele, por
um período de inumeráveis asamkhyas de kalpas, sujeitará seu corpo [a
tais agruras] e não fará disto uma dor [isto é, não considerará isto como
uma penitência]. Isto é onde dizemos que o Bodhisattva suporta bem o
que é difícil de suportar.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 190


Como o Bodhisattva doa o que é difícil doar? Se ele ouve que através da
doação aos outros do próprio castelo, da esposa e filhos, da cabeça,
olhos ou medula, pode-se alcançar a Iluminação Insuperável; ele, por
um período de inumeráveis asamkhyas de kalpas, doará seu castelo, sua
esposa e filhos, sua cabeça, olhos e medula para outros. Isto é como
nós falamos da doação do Bodhisattva que é difícil de doar.

O Bodhisattva faz o que é difícil de fazer, mas ele não diz de forma al-
guma: ‘Isto é o que eu fiz’. Isto se aplica àquilo que é difícil de suportar
e o que é difícil de doar.

Pais e Filhos

Oh bom homem! Por exemplo, existem pais que têm uma criança. Eles
amam demais essa criança. Eles dão a esse filho roupas finas e as me-
lhores delícias conforme a ocasião exija, e a criança não tem sentimento
de qualquer carência. Se o seu filho torna-se arrogante e diz palavras
desagradáveis, eles refreiam a ira pelo seu amor; eles sequer pensam
para si mesmos que eles têm dado a esse filho as suas próprias roupas e
comida. É o mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva, também. Ele vê a
todos os seres como se fossem seu filho único. Se o filho sofre de doen-
ça, os pais também sofrem. Eles buscam um médico, remédios e aten-
dimento médico. Quando a doença se vai, eles não pensam que cura-
ram seu filho da sua doença, e acabaram com ela. É o mesmo com o
Bodhisattva. Vendo que todos os seres sofrem das doenças das impure-
zas, a compaixão desperta em sua mente. E, então, ele fala do Dharma.
Quando uma pessoa ouve seus sermões, todas as impurezas fogem.
Quando as impurezas se vão, ele não pensa ou diz que ele acabou com
o sofrimento das impurezas. Caso tal pensamento lhe ocorresse, ele
não seria capaz de atingir a Iluminação Insuperável. Ele apenas pensa
que alguma vez falou da Via para um ser e que assim cortou os grilhões
das impurezas. O Bodhisattva-Mahasattva não sente ira ou alegria para

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 191


com os seres. Por que não? Porque ele pratica o Samadhi do Todo-
Vazio. Ao praticar o Samadhi do Todo-Vazio, a quem o Bodhisattva po-
deria evidenciar qualquer ira ou alegria? Oh bom homem! Por exemplo,
uma floresta torna-se consumida por um grande incêndio e queima-se
toda, ou é derrubada pelo homem, ou é inundada pela água. Não obs-
tante, as árvores da floresta crescem iradas ou tornam-se satisfeitas? É
o mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva. Ele não possui ira ou alegria
para com os seres. Por que não? Porque ele pratica o Samadhi do Todo-
Vazio.”

A Natureza Original de Todas as Coisas

Então o Todo-Brilhante Bodhisattva-Mahasattva Rei Altamente-Virtuoso


disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! A natureza de todas as coisas
é vazia? Ou é vazia quando praticamos o Vazio? Se a natureza é Toda-
Vazia, não pode haver qualquer consecução do Todo-Vazio através da
prática do Todo-Vazio. Como o Tathagata pode dizer que se alcança o
Todo-Vazio através da prática do Todo-Vazio? Se a natureza não é Toda-
Vazia, não pode haver qualquer consecução do Todo-Vazio através da
prática do Todo-Vazio.”

Oh bom homem! A natureza de todas as coisas é originalmente Toda-


Vazia. Por quê? Porque não podemos segurar em nossas mãos a natu-
reza de todas as coisas. Oh bom homem! A natureza da matéria não
pode ser segura em nossas mãos. Qual é a natureza da matéria? Maté-
ria não é terra, água, fogo, ou ar. E, no entanto, ela não se separa da
natureza da terra, da água, do fogo, e do ar. Não é azul, amarela, ver-
melha ou branca. E, no entanto, ela não se separa do (aspecto da cor)
azul, amarelo, vermelho ou branco. Não é ‘é’; não é ‘não-é’. Como po-
demos dizer que a matéria tem a sua própria natureza.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 192


Como a sua natureza é impossível de capturar, dizemos ‘toda-vazia’. É o
mesmo com todas as coisas. Como existe similaridade e continuidade,
os mortais comuns observam e dizem que a natureza de todas as coisas
não é ‘toda-vazia’. O Bodhisattva-Mahasattva realiza as cinco coisas.
Assim, ele vê que a natureza original de todas as coisas é ‘toda-silêncio’.
Oh bom homem! Se há algum Shramana ou Brâmane que vê que a na-
tureza de todas as coisas não é ‘toda-vazia’, saiba que tal pessoa não é
Shramana e nem Brâmane. Tal pessoa não pode praticar o Prajnapara-
mita e atingir o Grande Nirvana. Ela não pode ver todos os Budas e Bo-
dhisattvas face a face; ela é aparentada de Mara. Oh bom homem! A
natureza de todas as coisas é originalmente Toda-Vazia. E quando o
Bodhisattva pratica o Todo-Vazio, ele vê o Todo-Vazio de todas as coi-
sas.

Oh bom homem! A natureza de todas as coisas é impermanente. Assim,


a extinção também extingue a extinção. Se as coisas não fossem im-
permanentes, a extinção não poderia extingui-las. Qualquer coisa criada
tem a fase do nascimento. Assim, um nascimento pode evocar um nas-
cimento. Como existe a fase da extinção, essa fase da extinção também
evoca a extinção.

Todas as coisas têm a característica do sofrimento; por conta disto,


sofrimento evoca sofrimento. Oh bom homem! A natureza do sal é sal-
gada. Assim, ele de fato torna salgado o paladar das outras coisas. A
pedra de açúcar é doce por natureza. Assim, ela de fato torna doce o
paladar das outras coisas. O vinagre é azedo por natureza. Assim, ele
torna azedo o paladar das outras coisas. O gengibre é pungente por
natureza. Assim, ele torna pungente o sabor das outras coisas. O harita-
ki tem gosto amargo. Assim, ele torna amargo o paladar das outras coi-
sas. A manga [‘amra’] tem o sabor suave. Assim, ela torna suave o pala-
dar das outras coisas. O veneno realmente causa danos aos outros. A
natureza da amrta [isto é, ambrosia] torna uma pessoa imortal. Tam-
bém, misturada com coisas estranhas, ela possibilita à pessoa não mor-

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 193


rer. O caso é o mesmo com o Bodhisattva que pratica o Todo-Vazio.
Quando ele pratica o Todo-Vazio, ele vê a natureza de todas as coisas se
tornar toda-vazia e silenciosa.”

O Que Está de Cabeça-Para-Baixo

O Bodhisattva-Mahasattva Rei Todo-Brilhante Altamente-Virtuoso ainda


disse: “Se o sal pode tornar o que não é salgado, salgado, e se, assim
praticando o samadhi do Todo-Vazio, as coisas se estabelecem assim
(Todo-Vazias), devemos saber que isto definitivamente não é o que é
bom, nem o que é maravilhoso, mas que a natureza está de cabeça-
para-baixo. O samadhi do Todo-Vazio vê somente Tudo-Vazio. O Vazio
não é uma coisa. Que coisa existe lá para ser visto?”

Oh bom homem! O Samadhi do Todo-Vazio torna o que não é vazio,


vazio e silencioso. Não é nada que esteja de cabeça-para-baixo. Isto é
como quando o que não está salgado torna-se salgado. O caso é o
mesmo com esse Samadhi do Todo-Vazio. Ele torna o que não é vazio,
vazio. Oh bom homem! A cobiça é por natureza um ‘é’, e nada tem da
natureza do vazio. Se a cobiça fosse por natureza toda-vazia, os seres,
através das relações causais, não poderiam cair no inferno. Se eles ca-
em no inferno, como pode ser que a natureza da cobiça seja toda-vazia?
Oh bom homem! A natureza da matéria é do ‘é’. Qual é a sua natureza?
É o que está de cabeça-para-baixo [isto é, uma inversão da verdade].
Estando de cabeça-para-baixo, os seres adquirem desejo. Se esse desejo
não estivesse de cabeça-para-baixo, como poderiam os seres adquirir
desejo? Como o desejo surge, saiba que a natureza da matéria não é
aquela do ‘não-é’. Por essa razão, a prática do Samadhi do Todo-Vazio
não está de cabeça-para-baixo.

Oh bom homem! Quando algum mortal comum vê uma mulher, surge


(na mente) a forma de uma mulher. Não é assim com o Bodhisattva.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 194


Mesmo vendo uma mulher, ele não percebe a forma de uma mulher.
Não percebendo a forma de uma mulher, não surge o desejo. Como
nenhum desejo surge, isto não é nada que esteja de cabeça-para-baixo.
Quando as pessoas mundanas vêem uma mulher, o Bodhisattva em
conformidade diz: ‘Isto é uma mulher’. Se um homem é visto e o Bodhi-
sattva diz: ‘Isto é uma mulher’, isto é uma inversão. Por essa razão eu
disse a Jyoti: ‘Você, Brâmane! Se você chama o dia de noite, isto é uma
inversão; se você chama noite de dia, isto novamente é uma inversão. O
que é dia é o aspecto do dia, e o que é noite é o aspecto da noite. Como
isto pode ser uma inversão’? Oh bom homem! Se um Bodhisattva reside
no nono estágio (‘bhumi’), ele vê que uma coisa tem uma natureza. Em
razão dessa visão do mundo, ele não vê a Natureza-de-Buda. Se a Natu-
reza-de-Buda for vista, não haverá visão de uma natureza em qualquer
coisa. Quando ele pratica esse Samadhi do Todo-Vazio, ele não vê qual-
quer natureza em todas as coisas. Como ele não vê isto, ele vê a Natu-
reza-de-Buda.

Todos os Budas e Bodhisattvas falam de dois aspectos. Um é a natureza


do ‘é’, e o outro é aquela do ‘não-é’. Para o benefício dos seres, eles
dizem que existe uma natureza numa coisa. Para o benefício dos seres
celestiais (santos), eles dizem que não há natureza nas coisas. No senti-
do de levar uma pessoa do não-Vazio a ver o Vazio, faz-se com que a-
quela pessoa pratique o Samadhi do Todo-Vazio. Com aquelas pessoas
que não vêem natureza em todas as coisas, o que existe é o Todo-Vazio,
porque elas praticam o Vazio. Por essa razão, uma pessoa vê o Vazio
através da pratica do Vazio. Oh bom homem! Você diz que se alguém vê
o Vazio, isto significa que o Vazio é igual a coisa nenhuma, e pergunta
que coisa é que alguém deve ver.

Oh bom homem! É assim, é assim. O Bodhisasttva-Mahasattva nada vê.


Dizer que alguém nada vê significa que esse alguém nada possui. Dizer
que não há nada (a ser) possuído iguala todas as coisas (não há mais
distinção). Se o Bodhisattva-Mahasattva pratica a Via do Grande Nirva-

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 195


na, ele nada vê em todas as coisas. Se algo é visto, isto nos diz que esse
alguém não vê a Natureza-de-Buda. Esse alguém [em tais circunstân-
cias] não pode praticar o Prajnaparamita e alcançar o Mahaparinirvana.
Por essa razão, o Bodhisattva vê que todas as coisas são caracterizadas
por nada que possa ser possuído.

Oh bom homem! Não é somente o caso que o Bodhisattva, vendo atra-


vés desse samadhi, vê o Vazio. Ele vê que o prajnaparamita é Vazio,
dhyanaparamita é Vazio, viriyaparamita é Vazio, ksantiparamita é Vazio,
shilaparamita é Vazio, danaparamita é Vazio, matéria é Vazio, o olho é
Vazio, a consciência, também, é Vazio, o Tathagata é Vazio, e Mahapa-
rinirvana é Vazio. Assim, o Bodhisattva vê as coisas como Vazio.

Este é o porquê eu disse a Ananda em Kapilavastu: ‘Não fique triste,


não chore e lamente’. Ananda disse: ‘Oh Tathagata-Honrado-pelo-
Mundo! Agora, todos os meus parentes estão mortos. Como posso não
lamentar? O Tathagata nasceu nesta cidade-castelo junto comigo, e
somos todos pertencentes ao clã dos Shakyas. Como é que somente o
Tathagata não está triste, nem aflito, mas apresenta um semblante
brilhante?’

Oh bom homem! Eu então disse: ‘Oh Ananda! Você pensa que Kapila-
vastu realmente existe, ao passo que eu vejo que tudo é vazio, silencio-
so e que nada há que exista. Você vê todos os Shakyas como seus pa-
rentes. Mas não vejo absolutamente nada neles, porque eu pratico o
Todo-Vazio. Esse é o porquê você sente tristeza e dor, e eu pareço ainda
mais brilhante. Como todos os Budas e Bodhisattvas praticam o Sama-
dhi do Todo-Vazio, eles não demonstram qualquer tristeza ou aflição’.
Isto é como o Bodhisattva pratica a Via do Todo-Maravilhoso Sutra do
Grande Nirvana e realiza e completa a nona virtude.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 196


A Décima Grande Virtude

Também, além disso, oh bom homem! Como o Bodhisattva pratica os


ensinamentos do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e realiza a
última e décima virtude?

Oh bom homem! O Bodhisattva pratica os 37 fatores concernentes à


Iluminação, obtém o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro, e então, para o
benefício dos seres, classifica e expõe o Sutra do Grande Nirvana e reve-
la a Natureza-de-Buda. Alguém dos estágios do Srotapanna, Sakrdaga-
mim, Anagamim, Arhat, Pratyekabuda ou Bodhisattva que acredite nes-
ta palavra atingirá o Mahaparinirvana. Qualquer pessoa que não acredi-
te repetirá os ciclos do nascimento e a morte.”

Os Que não Respeitam os Sutras

Então o Bodhisattva-Mahasattva Rei Todo-Brilhante Altamente Virtuoso


disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Quem são os seres que não
respeitam os sutras?”

Oh bom homem! Após a minha entrada no Nirvana, haverá discípulos


Sravakas que serão ignorantes, violarão os preceitos e se comprazerão
na disputa. Eles descartarão os 12 tipos de sutras, recitarão e copiarão
as escrituras das várias escolas dos tirthikas, possuirão coisas impuras, e
dirão que são coisas que foram permitidas pelo Buda. Essas pessoas
trocarão madeira de sândalo por madeira comum, ouro por latão, prata
por chumbo, seda por lã, e amrta [ambrosia] por veneno maléfico.

O que quero dizer quando digo que a madeira de sândalo é trocada por
madeira comum? Meus discípulos, em prol de oferecimentos, pregarão
o Dharma para todos aqueles vestidos de branco [isto é, (políticos) lei-

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 197


gos]. As pessoas perderão o interesse e não darão ouvidos. Eles ocupa-
rão o assento acima e os Monges abaixo. Ademais, eles oferecerão vá-
rios tipos de comida e bebida. Mas, eles não ouvirão. Isto é o que que-
remos dizer por troca de madeira de sândalo por madeira comum.

O que queremos dizer por trocar ouro por latão. O latão pode ser com-
parado à cor, som, odor, sabor e tato; e o ouro aos preceitos morais.
Todos os meus discípulos violarão os preceitos que receberam em razão
das coisas (da esfera dos sentidos). Assim, dizemos que trocarão ouro
por latão.

Por que dizemos trocar prata por chumbo? Comparamos a prata às dez
boas ações e o chumbo às dez más ações. Todos os meus discípulos
abandonarão as dez boas ações, perpetrando as dez más ações. Assim,
dizemos que eles trocarão prata por chumbo.

Como uma pessoa troca seda por lã? A lã é comparada ao não-


arrependimento e vergonha, e a seda a ter um sentimento de vergonha.
Todos os meus discípulos abandonarão o arrependimento e não se sen-
tirão envergonhados. Este é o porquê dizemos que eles largarão a seda
por lã.

Como alguém troca amrta por veneno? O veneno pode ser comparado
às várias esmolas oferecidas, e a amrta ao Dharma imaculado. Todos os
meus discípulos enaltecerão a si próprios pelos ganhos na presença dos
leigos e clamarão terem atingido aquilo (Dharma) que é imaculado. Isto
é o que se quer dizer quando falamos que trocarão amrta por veneno.

Devido a esses Monges mal-intencionados, mesmo quando este Todo-


Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana floresce no Jambudvipa, e quan-
do todos os discípulos recitam, copiam e pregam-no, e o fazem flores-
cer, estes serão mortos por tais Monges maldosos. Então, todos os
Monges de más intenções se juntarão e jurarão: ‘Se qualquer pessoa

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 198


defender, copiar, recitar, ou estudar o Sutra do Grande Nirvana, não
sentaremos juntos com ela, nem falaremos ou trocaremos palavras com
ela. Por que não? Porque o Sutra do Grande Nirvana não é um sutra do
Buda. Por que não? É um trabalho de visões pervertidas. Essas visões
pervertidas nada mais são que os seis mestres. O que os seis mestres
dizem não é sutra do Buda. Por que não? Todos os Budas dizem que
todas as coisas são impermanentes, não-Eu, não-êxtase e não-puras.
Quando é dito que todas as coisas são o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro,
como isto poderia ser um sutra do Buda? Todos os Budas e Bodhisatt-
vas permitem aos Monges guardar várias coisas. Os seis mestres não
permitem aos seus discípulos guardar quaisquer coisas. Como tudo isso
poderia ser aquilo que o Buda diz? Todos os Budas e Bodhisattvas não
dizem aos seus discípulos para absterem-se dos cinco sabores [isto é, as
cinco variedades de produtos lácteos] e de comer carne. Os seis mes-
tres não permitem os cinco tipos de sabores, os cinco sabores da vaca,
gorduras e sangue. Como as proibições dessas coisas poderiam ser o
ensinamento correto do sutra do Buda? Todos os Budas e Bodhisattvas
pregam os três veículos. Mas este sutra fala do Veículo Único. Ele fala
do Grande Nirvana. Como tais coisas poderiam ser o ensinamento cor-
reto do Buda? Todos os Budas finalmente entram no Nirvana. Este sutra
diz que o Buda é o Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro, e que ele não entra
no Nirvana. Este sutra não tem qualquer lugar entre os 12 tipos de su-
tras. Isto é o que Mara diz. Isto não é sermão do Buda’.

Oh bom homem! Qualquer pessoa pode ser meu discípulo, mas ser
incapaz de acreditar nesse sutra. Oh bom homem! Se, em tal conjuntu-
ra, houver qualquer pessoa que acredite neste sutra, ou mesmo em
metade de uma linha [dele], saiba que essa pessoa é verdadeiramente
meu discípulo. Com tal fé, essa pessoa verá a Natureza-de-Buda e en-
trará no Nirvana.”

Então, o Todo-Brilhante Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso disse ao


Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! É muito bom, é muito bom que o Ta-

Capítulo 32: Sobre o Bodhisattva Rei Altamente-Virtuoso 6 Página 199


thagata hoje abra completamente o Sutra do Grande Nirvana. Oh Hon-
rado pelo Mundo! Agora, através disto, venho saber de uma ou metade
de uma linha deste Sutra do Grande Nirvana. Como venho a compreen-
der uma ou metade de uma linha, agora vejo um pouco da Natureza-de-
Buda, sobre a qual você, o Buda, fala a respeito. Também serei capaz de
atingir o Nirvana. Isto é como falamos da prática do Bodhisattva da Via
do Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, e do seu aperfeiçoa-
mento e realização da décima virtude.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 200


Índice do Tomo III

CAPÍTULO VINTE E SETE: SOBRE O BODHISATTVA........................................... 3

REI ALTAMENTE-VIRTUOSO 1 ......................................................................... 3

OUVIR O INAUDITO ............................................................................................... 3


A TOCHA DA SABEDORIA DO GRANDE NIRVANA ......................................................... 4
O DHARMA E O SEU SIGNIFICADO............................................................................ 5
A ERRADICAÇÃO DAS DÚVIDAS................................................................................ 6
A VISÃO CORRETA DE UM BODHISATTVA-MAHASATTVA .............................................. 7
PARINIRVANA: O MAIS PROFUNDO DOS SIGNIFICADOS ................................................ 9
A ADMOESTAÇÃO AO BODHISATTVA VAIDURYAPRABHA ............................................. 17
O NASCIMENTO NO MUNDO IMUTÁVEL ................................................................. 24
O QUE É DANAPARAMITA .................................................................................... 35
O QUE NUNCA FOI OUVIDO ANTES ....................................................................... 37

CAPÍTULO VINTE E OITO: SOBRE O BODHISATTVA ........................................ 39

REI ALTAMENTE-VIRTUOSO 2 ....................................................................... 39

OS DESCAMINHOS DOS SENTIDOS.......................................................................... 50


A SABEDORIA DA MENTE DESPERTA....................................................................... 51
OS INCESSANTES SOFRIMENTOS DA VIDA E DA MORTE .............................................. 53
A PARÁBOLA DO POTE DE ÓLEO ............................................................................ 53
O ENCANTO MARAVILHOSO DO GRANDE NIRVANA................................................... 55
MEU VERDADEIRO DISCÍPULO............................................................................... 55
A CONDUTA DE UM SÁBIO ................................................................................... 56
O ETERNO BUDA SHAKYAMUNI ............................................................................. 57
O EGO DO BODHISATTVA ..................................................................................... 59
ELEFANTES E AMIGOS .......................................................................................... 60
AS TRÊS MÁS PERCEPÇÕES .................................................................................. 63
A PERCEPÇÃO DO BODHISATTVA ........................................................................... 64

Índice Página 201


A TARTARUGA CEGA E O TRONCO FLUTUANTE......................................................... 65

CAPÍTULO VINTE E NOVE: SOBRE O BODHISATTVA ....................................... 69

REI ALTAMENTE-VIRTUOSO 3........................................................................ 69

AS SERPENTES VENENOSAS DOS QUATRO ELEMENTOS .............................................. 70


OS CANDALAS COMO CINCO SKANDHAS ................................................................ 72
OS CANDALAS E OS CINCO SKANDHAS .................................................................... 73
SIMPATIA FINGIDA ............................................................................................. 75
INIMIGO QUE SEDUZ E FINGE AMIZADE .................................................................. 75
A ALDEIA VAZIA................................................................................................. 77
OS SEIS GRANDES LADRÕES ................................................................................. 79
A TRAVESSIA DO GRANDE RIO .............................................................................. 81
A VERDADE DA FORMA ....................................................................................... 84
O GRANDE NIRVANA .......................................................................................... 84
AS OITO SOBERANIAS DO GRANDE EU ................................................................... 88
AS QUATRO FELICIDADES NO GRANDE NIRVANA ...................................................... 91

CAPÍTULO TRINTA: SOBRE O BODHISATTVA.................................................. 95

REI ALTAMENTE-VIRTUOSO 4........................................................................ 95

A PRIMEIRA GRANDE VIRTUDE ............................................................................. 95


Os Quatro Tipos de Pureza do Grande Nirvana ........................................ 95
A SEGUNDA GRANDE VIRTUDE ............................................................................. 96
O Corpo e a Mente do Bodhisattva........................................................... 96
O Ouvido Prístino do Bodhisattva ............................................................. 99
O Olho Prístino do Bodhisattva-Mahasattva .......................................... 103
O Que o Bodhisattva Agora Sabe ........................................................... 104
A TERCEIRA GRANDE VIRTUDE ........................................................................... 106
O Amor Benevolente do Bodhisattva ...................................................... 106
A QUARTA GRANDE VIRTUDE............................................................................. 107
Raízes da Iluminação Insuperável ........................................................... 108
O Sentido da Autodeterminação ............................................................ 110

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 202


O Campo de Prosperidade Segundo o Bodhisattva ................................. 111
A Purificação das Terras-Búdicas ............................................................ 113
Cortar o Que Ainda Resta Para Ser Cortado ............................................ 116
Consequencias Cármicas Remanescentes ............................................... 116
Carma Remanescente ............................................................................. 118
Existência Remanescente ........................................................................ 118
A Via do Corpo Puro ................................................................................ 119
Compreendendo as Relações Causais ..................................................... 121
Apartando-se dos Inimigos...................................................................... 121
Apartando-se dos Dois Aspectos da Existência ....................................... 122
A Terra Pura de Todos os Budas .............................................................. 122
A QUINTA GRANDE VIRTUDE .............................................................................. 123
A SEXTA GRANDE VIRTUDE ................................................................................ 125
O Samadhi Diamante .............................................................................. 125
A Gema Mais Soberba ............................................................................. 126
Como a Chuva da Primavera ................................................................... 127
O Poder da Transformação ..................................................................... 128
A Voz, a Cor e o Caminho ........................................................................ 129
Por que Dizemos Samadhi Diamante ...................................................... 130

CAPÍTULO TRINTA E UM: SOBRE O BODHISATTVA ...................................... 133

REI ALTAMENTE-VIRTUOSO 5 ..................................................................... 133

A SÉTIMA GRANDE VIRTUDE............................................................................... 133


A Causa Imediata do Grande Nirvana ..................................................... 133
O Bom Mestre da Via .............................................................................. 135
Encontro com o Bom Mestre da Via ........................................................ 136
Audição e Prática .................................................................................... 137
Por que Bons Mestres da Via .................................................................. 138
Por Que Bons Médicos ............................................................................ 138
Doce Chuva do Dharma........................................................................... 140
Bom Amigo da Via ................................................................................... 141
Dar Ouvido ao Dharma ........................................................................... 141

Índice Página 203


Pensar Sobre o Dharma .......................................................................... 144
Praticar a Via de acordo com o Dharma ................................................. 145
A Fase do Nirvana ................................................................................... 146
A Fase da Natureza de Buda ................................................................... 147
A Fase do Tathagata ............................................................................... 147
A Fase do Dharma .................................................................................. 147
A Fase do Sacerdote ............................................................................... 148
A Fase do Estado Real ............................................................................. 148
A Fase do Vazio ....................................................................................... 149
O Tathagata Não Entra no Nirvana ........................................................ 152
A OITAVA GRANDE VIRTUDE .............................................................................. 157
O Bodhisattva Extirpa Cinco Coisas (os skandhas) ................................. 157
O Bodhisattva Aparta-se de Cinco Coisas (as visões distorcidas) ........... 158
O Bodhisattva Realiza Seis Coisas (pensamentos) .................................. 159
O Bodhisattva Pratica Cinco Coisas (samadhis) ...................................... 159
O Bodhisattva Protege Uma Coisa (Bodhichita) ..................................... 159
O Bodhisattva Aproxima-se das Quatro Coisas (as quatro mentes
ilimitadas) ............................................................................................... 160
O Bodhisattva é Fiel a Um Pensamento Único (o Caminho Único) ......... 160
O Bodhisattva Emancipa Completamente a Sua Mente ......................... 160
O Círculo Vicioso da Existência Mundana ............................................... 165
As Profundezas do Caminho Médio ........................................................ 166

CAPÍTULO TRINTA E DOIS: SOBRE O BODHISATTVA .................................... 169

REI ALTAMENTE-VIRTUOSO 6...................................................................... 169

Os Precipícios dos Himalayas .................................................................. 171


A NONA GRANDE VIRTUDE ................................................................................ 175
O Que é Fé .............................................................................................. 175
O Que é Mente Correta ........................................................................... 176
A Qualidade Daquele Que Indaga .......................................................... 179
Os Nove Fatores das Relações Causais nas Doenças .............................. 179
Issendai e a Natureza de Buda ............................................................... 182

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 204


A Harpa e o Rei ........................................................................................ 184
A Natureza da Nata................................................................................. 185
O Que São os Preceitos Morais ............................................................... 186
O Que é Associação com um Bom Amigo................................................ 186
O Que é Erudição ..................................................................................... 189
Ação, Tolerância e Doação do Bodhisattva ............................................. 190
Pais e Filhos ............................................................................................. 191
A Natureza Original de Todas as Coisas .................................................. 192
O Que Está de Cabeça-Para-Baixo .......................................................... 194
A DÉCIMA GRANDE VIRTUDE .............................................................................. 197
Os Que não Respeitam os Sutras ............................................................ 197

ÍNDICE DO TOMO III ................................................................................... 201

Índice Página 205


2010

Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO IV – O Rugido do Leão

Tradução original para o Inglês de Kosho Yamamoto.


Editado e revisado por Dr. Tony Page
Tradução para português do Brasil por
Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo


Cristal Perfeito
08/10/2010
Copyright © 2009 por Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO IV – O Rugido do Leão

Tradução original para o Inglês de Kosho Yamamoto.


Editado e revisado por Dr. Tony Page
Tradução para português do Brasil por
Marcos Ubirajara de Carvalho e Camargo

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 2


Capítulo Trinta e Três: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 1
Então o Buda disse a todos aqueles lá congregados: “Todos vocês bons
homens! Caso tenham alguma dúvida quanto a saber se o Buda existe
ou não, se o Dharma existe ou não, se a Sangha existe ou não, se o
sofrimento existe ou não, se a causa do sofrimento existe ou não, se a
extinção (do sofrimento) existe ou não, se a Via (para extinção do so-
frimento) existe ou não, se a Realidade Última (Paramartha-satya) exis-
te ou não, se o Eu existe ou não, se o Êxtase existe ou não, se a Pureza
existe ou não, se a Eternidade existe ou não, se um Veículo existe ou
não, se a Natureza (de Buda) existe ou não, se o ser existe ou não, se o
‘é’ existe ou não, se a Verdade existe ou não, se a causação existe ou
não, se o resultado existe ou não, se a ação existe ou não, se o carma
existe ou não, se o resultado cármico existe ou não; agora lhes permiti-
rei indagar livremente. Agora explicarei em detalhes para vocês. Oh
bons homens! Todos os devas, humanos, Maras, Brahmas, Shramanas
e Brâhmanes têm indagado, e eu nunca fui incapaz de responder.”

O Rugido do Leão

Então, havia em meio aos congregados um Bodhisattva chamado ‘Ru-


gido do Leão’. Ele levantou-se, arrumou seu robe, tocou os pés do Bu-
da, prostrou-se, juntou suas mãos, e disse ao Buda: “Oh Honrado pelo
Mundo! Eu desejo indagar. Por favor, permita-me indagar, oh Grande
Compassivo!”

Então, o Buda disse a toda a congregação: “Oh bons homens! Agora


vocês deveriam honrar muito, respeitar e elogiar este Bodhisattva.
Façam oferecimentos de incenso e flores, de música, de colares, estan-
dartes, dosséis, roupas, comidas, bebidas, roupas de cama, remédios,
casas e palácios, e acompanhem as suas idas e vindas. Por quê? Porque
no passado esse Bodhisattva realizou com nobreza todas as boas ações

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 3


nos lugares (nas funções) dos Budas, e ele está repleto de virtudes. Em
razão disto, ele agora deseja emitir um rugido do leão diante de mim.
Oh bons homens! Ele é como um Rei-Leão. Ele conhece seu próprio
poder, possui dentes afiados, e suas quatro patas firmam-se sobre o
chão. Ele vive em uma gruta rochosa; ele abana sua cauda e dá um
rugido. Quando ele se apresenta assim, ele sabe que de fato emite um
rugido de leão. O verdadeiro Rei-Leão emerge da sua caverna logo ao
amanhecer. Ele alonga o seu corpo e boceja. Olha ao redor, rosna e
ruge para onze coisas. Quais são aquelas onze?

Primeira, ele deseja esmagar uma pessoa que, não sendo [verdadeira-
mente] um leão, tem a pretensão de apresentar-se como um leão.

Segunda, ele agora deseja testar a sua própria força física.

Terceira, ele deseja purificar o lugar onde ele vive.

Quarta, ele deseja conhecer os lugares onde todos os outros estão


vivendo.

Quinta, ele não teme qualquer outro.

Sexta, ele deseja despertar aqueles que estão dormindo.

Sétima, ele deseja tornar todos os animais indolentes em não-


indolentes.

Oitava, ele deseja que todos os animais venham e rendam-se [para


ele].

Nona, ele deseja subjugar o grande gandhahastin (elefante almiscara-


do).

Décima, ele deseja testar todos os filhos.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 4


Décima primeira, ele deseja adornar todos aqueles com os quais ele
está relacionado.

Todos os pássaros e animais ouvem o rugido do leão. Aqueles da água


escondem-se nas profundezas, aqueles sobre a terra em grutas e ca-
vernas, aqueles que voam caem ao chão, e todos aqueles grandes gan-
dhahastins tornam-se assustados e expelem impurezas (se purificam).
Oh todos vocês bons homens! Uma raposa pode seguir um leão por
cem anos, no entanto, ela não pode rugir. A situação é como aquela. O
filho de um leão, na idade de três anos completos, pode verdadeira-
mente rugir, como um Rei-Leão.

Os Passos do Leão

Oh bons homens! O Tathagata, com as presas e garras da Sabedoria da


Correta Iluminação, com as patas das quatro desobstruções (sabedori-
as sem obstruções / mentes ilimitadas), com o corpo repleto dos seis
paramitas, com a briosa coragem dos dez poderes, com a cauda do
Grande Amor-Benevolente, e vivendo nas grutas puras dos quatro
dhyanas, emite o rugido do leão e esmaga os exércitos de Mara, reve-
lando a todos os seres os dez poderes e abrindo o lugar para onde vai o
Buda. Ele se torna um refúgio para todos aqueles que abandonam as
visões distorcidas, ele consola os seres que temem o nascimento e a
morte, ele desperta os seres que dormem na ignorância, ele proclama
para aqueles de visões distorcidas que o que os seis mestres [isto é,
mestres de seis escolas de crenças não-Budistas] dizem não é o rugido
do leão, ele esmaga as mentes arrogantes de Puranakashyapa [isto é,
um dos seis mestres] e outros, ele faz com que os dois veículos (srava-
ka e pratyekabuda) se tornem arrependidos, ele ensina todos os Bodhi-
sattvas do quinto estágio (abode, bhumi) e possibilita-lhes adquirir uma
mente de grande poder, ele faz com que as quatro classes da Sangha
que perseveram em visões corretas não temam as quatro classes da
Sangha que persistem em visões distorcidas. Ele emerge das grutas das

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 5


ações sagradas, ações puras e ações divinas de modo a esmagar a arro-
gância de todos os seres. Ele boceja de modo a evocar o Dharma Ma-
ravilhoso. Ele olha nas quatro direções de modo a fazer com que os
seres obtenham as quatro (sabedorias) sem obstruções. Suas quatro
patas firmam-se no chão, tal que os seres possam residir (se estabele-
cer) pacificamente no shilaparamita. Assim, ele emite o rugido do leão.
Emitir um rugido de leão significa fazer saber que todos os seres pos-
suem a Natureza-de-Buda e que o Tathagata é Eterno e Imutável.

Oh bons homens! Os Sravakas e Pratyekabudas seguem o Tathagata-


Honrado-pelo-Mundo por um período de inumeráveis centenas de
milhares de asamkhyas de kalpas e, no entanto, são incapazes de emi-
tir o rugido do leão. Se os Bodhisattvas dos dez estágios (bhumis) pude-
rem praticar essas três ações (ações sagradas, ações puras e ações
divinas), saibam que eles estarão aptos a emitir o rugido do leão. Oh
todos vocês bons homens! Agora, esse Bodhisattva Rugido do Leão
deseja emitir o grande rugido do leão. Assim sendo, façam oferecimen-
tos a ele com o mais profundo pensamento, respeito, honra e louvem-
no.”

Então, o Honrado pelo Mundo falou ao Bodhisattva-Mahasattva Rugi-


do do Leão: “Oh bom homem! Se você deseja indagar qualquer coisa,
coloque agora as suas questões.”

O Bodhisattvva-Mahasattva Rugido do Leão disse ao Buda: “Oh Honra-


do pelo Mundo! O que é a Natureza-de-Buda? Por que falamos da
Natureza-de-Buda? Por que dizemos Eterno, Êxtase, Eu, e Puro? Se
todos os seres possuem a Natureza-de-Buda, por que é que eles não
vêem a sua própria Natureza-de-Buda? Em qual dos estágios dos dez
‘bhumis’ os Bodhisattvas vivem, e por que eles não podem vê-la clara-
mente [isto é, a Natureza-de-Buda]? Residindo em qual dharma o Buda
pode vê-la claramente? Com quais olhos os Bodhisattvas dos estágios
dos dez ‘bhumis’ não podem vê-la claramente? Com quais olhos o Bu-
da pode vê-la claramente?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 6


O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Se qualquer
pessoa presta homenagem ao Dharma, ela receberá dois adornos. Um
é a Sabedoria, o outro é o bem-estar. Se qualquer Bodhisattva é perfei-
to nesses dois adornos, ele será capaz de conhecer a Natureza-de-Buda
e saberá por que falamos ‘Natureza-de-Buda’. Também, ele poderá ver
com quais olhos os Bodhisattvas dos dez ‘bhumis’ vêem e com quais
olhos os Budas vêem.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O que


é o adorno da Sabedoria?”

“Oh bom homem! O adorno da Sabedoria refere-se ao que pertence


desde o primeiro ‘bhumi’ até o décimo. O adorno do bem-estar refere-
se desde danaparamita [doação transcendente] até prajna [Sabedoria].
Isto não é prajnaparamita [Sabedoria transcendente].

Também, além disso, oh bom homem! O adorno da sabedoria é ne-


nhum outro senão todos os Budas e Bodhisattvas. O adorno do bem-
estar refere-se aos Sravakas, Pratyekabudas, e os Bodhisattvas dos
nove ‘bhumis’.

Também, além disso, oh bom homem! O adorno do bem-estar é a lei


[dharma] dos mortais comuns, sendo o criado, o ‘asvárico’ [impuro], o
existente, aquele que engendra resultados cármicos, aquele que tem
obstruções, e é não-eterno.

Oh bom homem! Agora você possui esses dois adornos. Esse é o por-
quê você coloca essas questões profundamente enraizadas. Eu, tam-
bém, possuo esses adornos e responderei suas questões.”

O Bodhisattva-Mahasattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo


Mundo! Se o Bodhisattva possui esses dois adornos, não pode haver
indagação de uma ou duas questões. Por que você, o Honrado pelo
Mundo, diz que responderá a uma ou duas? Por quê? Todas as coisas

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 7


não possuem um ou dois tipos. Declarar um ou dois é responder às
necessidades dos mortais comuns.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se o Bodhisattva não tivesse um ou


dois adornos, não poderíamos saber que existem um ou dois adornos.
Se o Bodhisattva tem dois adornos, podemos também nos certificar de
um ou dois tipos. Você diz que todas as coisas não são de um ou dois
(tipos). Mas, você está errado. Por quê? Se não há um ou dois, como
podemos dizer que todas as coisas não possuem um ou dois? Oh bom
homem! Se você diz que falar de um ou dois se refere à fase do mortal
comum, isto se refere ao Bodhisattva da graduação dos dez ‘bhumis’.
Essa pessoa não é um mortal comum. Por que não? ‘Um’ se refere ao
Nirvana; ‘dois’ se refere ao nascimento e a morte.

Por que é que ‘um’ é nada mais que Nirvana? Porque ele é Eterno. Por
que é que ‘dois’ é nascimento e morte? Em razão do desejo [‘trisna’] e
da ignorância. O Nirvana Eterno não é uma fase do mortal comum; o
‘dois’ do nascimento e da morte também não é uma fase do mortal
comum. Em razão disto, tendo (o Bodhisattva) adquirido os dois ador-
nos, pergunta-se bem e responde-se bem.

Natureza de Buda

Oh bom homem! Se você deseja saber o que é a Natureza-de-Buda,


ouça atentamente, ouça atentamente. Agora analisarei e a explanarei
para você.

Oh bom homem! A Natureza-de-Buda é nenhuma outra senão o Todo-


Vazio do ‘Paramartha-satya’ [Realidade última]. O Todo-Vazio do ‘Pa-
ramartha-satya’ é Sabedoria. Dizemos ‘Todo-Vazio’. Isto não se refere a
nenhum Vazio [Vacuidade], e nem não-Vazio. A Sabedoria [‘jnana’] vê o
Vazio e o não-Vazio, o Eterno e o não-Eterno, Sofrimento e Êxtase, o Eu
e o não-Eu. O Vazio refere-se a todos os nascimentos e mortes. O Não-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 8


Vazio refere-se ao Grande Nirvana. E o não-Eu é nada mais que nasci-
mento e morte. O Eu refere-se ao Grande Nirvana.

Se alguém vê o Todo-Vazio, mas não vê o não-Vazio, não falamos disto


como Caminho Médio. Ou se alguém vê o não-Eu de todas as coisas,
mas não vê o Eu, não chamamos isto de Caminho Médio.

O Caminho Médio é a Natureza-de-Buda. Por essa razão, a Natureza-


de-Buda é Eterna e imutável. Como a ignorância a encobre, todos os
seres são incapazes de vê-la. O Sravaka e o Pratyekabuda vêem o Todo-
Vazio de todas as coisas. Mas eles não vêem o não-Vazio. Ou eles vêem
o não-Eu de todas as coisas, mas eles não vêem o Eu. Em razão disto,
eles são incapazes de alcançar o Todo-Vazio do ‘Paramartha-satya’.
Uma vez que eles falham em alcançar o Todo-Vazio do ‘Paramartha-
satya’, eles falham em promulgar o Caminho Médio. Desde que não
haja Caminho Médio, não há visão da Natureza-de-Buda.

Oh bom homem! Há três visões do Caminho Médio [isto é, constituin-


tes do Caminho Médio]. A primeira é a ação definitivamente feliz (ale-
gre); a segunda é a ação definitivamente triste; a terceira é a ação tris-
te-feliz.

Dizemos ‘ação definitivamente feliz’. Isto é como no caso do assim


chamado Bodhisattva-Mahasattva que, sentindo piedade de todos os
seres, vive no Inferno Avichi e, no entanto, sente as coisas com a felici-
dade do Céu do terceiro dhyana.

Dizemos ‘ação definitivamente triste’, referindo-se a todos os mortais


comuns.

Dizemos ‘ação definitivamente triste-feliz’. Isto faz alusão aos Sravakas


e Pratyekabudas. Os Sravakas e Pratyekabudas sentem tristeza e felici-
dade, e ganham a idéia de Caminho Médio. Por essa razão, embora
uma pessoa possua a Natureza-de-Buda, ela não pode vê-la bem.

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 9


Oh bom homem! Você diz que falamos da ‘Natureza-de-Buda’. Oh bom
homem! A Natureza-de-Buda é a semente do Caminho Médio da Ilu-
minação Insuperável de todos os Budas.

Os Três Caminhos

Também, além disso, oh bom homem! Há três tipos de caminhos, quais


sejam: o inferior, o superior, e o médio. O inferior refere-se ao não-
eterno do Brahma, no qual se interpreta erroneamente o não-eterno
como Eterno. O superior refere-se ao não-eterno do nascimento e da
morte, que as pessoas erroneamente concebem como Eterno. Os Três
Tesouros que são Eternos são erroneamente concebidos como não-
eternos. Por que o chamamos de superior? Porque através dele alcan-
ça-se a Iluminação Insuperável.

O Caminho Médio é o Todo-Vazio do ‘Paramartha-satya’. Este vê o não-


eterno como não-eterno e o Eterno como Eterno. O Todo-Vazio do
‘Paramartha-satya’ não é ‘inferior’. Por que não? Porque é o que todos
os mortais comuns não possuem (ou seja, interpretam o não-eterno
como Eterno). Não o chamamos de ‘superior’. Por que não? Porque
não é o que todos os mortais comuns possuem (ou seja, o não-eterno
do nascimento e da morte). O Caminho de todos os Budas e Bodhisatt-
vas nem é superior e nem inferior. O chamamos de Caminho Médio.

Também, além disso, oh bom homem! Há dois tipos de morada original


do nascimento e morte. Uma é a ignorância, e a outra é o apego àquilo
que existe. Entre [essas] duas estão os sofrimentos do nascimento,
velhice, doença e morte. Chamamos isto de Caminho Médio. Este Ca-
minho Médio destrói completamente o nascimento e a morte. Este é o
porquê dizemos ‘Médio’. Este é o porquê chamamos o ensinamento do
Caminho Médio de Natureza-de-Buda. Portanto, a Natureza-de-Buda é
o Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro. Todos os seres não vêem isto. Assim,
[para eles] não há Eternidade, nem Êxtase, nem Eu, e nem Pureza. A

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 10


Natureza-de-Buda não é não-Eterna, nem não-Êxtase, nem não-Eu, e
nem não-Pureza.

Oh bom homem! Existe um homem pobre, em cuja casa há um depósi-


to de tesouros. Mas o homem não pode vê-lo. Assim, não há Eternida-
de, nem Êxtase, nem Eu, e nem Pureza. Lá existe um Bom Mestre da
Via que diz para ele: ‘Você tem um tesouro em sua casa, no qual existe
ouro. Por que você é pobre, tem preocupações, e não tem a Eternida-
de, nem Êxtase, nem Eu, e nem Pureza?’ Utilizando meios, ele capacita
o homem a ver isto. Ao ver isto, a pessoa obtém o Eterno, o Êxtase, o
Eu, e o Puro. É assim. O caso é o mesmo com a Natureza-de-Buda. Os
seres não podem vê-la. Ao não vê-la, nenhuma Eternidade, nem Êxta-
se, nem Eu, e nem Pureza existe [para eles]. O Bom Mestre da Via,
todos os Budas e Bodhisattvas, promulgando os meios e contando-lhes
várias histórias esclarecedoras, capacita-os a ver. Através dessa visão,
esses seres encontram o Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro.

Também, além disso, oh bom homem! Há duas formas através das


quais os seres vêem. Uma é o ‘é’, e a outra é ‘não-é’. Essas duas não
são o Caminho Médio. Quando não há ‘é’ e nem ‘não-é’, temos o Ca-
minho Médio. O que vê como não ‘é’ e não ‘não-é’ é o Saber [‘jnana’]
que medita e percebe os 12 elos da interdependência. Esse tipo de
Saber que vê é a Natureza-de-Buda. Os dois veículos podem meditar
sobre relações causais, mas isso não pode ser chamado de Natureza-
de-Buda.

A Natureza-de-Buda é Eterna. Mas, todos os seres não podem vê-la em


razão do (seu) encobrimento pela ignorância. Eles ainda não podem
atravessar as águas dos 12 elos da interdependência – é como se fos-
sem como lebres e cavalos. Por quê? Porque não podem ver a Nature-
za-de-Buda.

Oh bom homem! A Sabedoria que pode meditar sobre os 12 elos da


interdependência é a semente que alcança a Iluminação Insuperável.

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 11


Por esta razão, chamamos os 12 elos da interdependência de Natureza-
de-Buda.

Oh bom homem! Por exemplo, chamamos o pepino de ‘febre’. Por


quê? Porque ele contém a febre. O mesmo é o caso com os 12 elos da
interdependência.

Oh bom homem! A Natureza-de-Buda tem uma causa e a causa da


causa; ela tem um resultado e um resultado do resultado. A ‘causa’ são
os 12 elos da interdependência. A causa da causa é a Sabedoria. O
‘resultado’ é a Iluminação Insuperável. O resultado do resultado é Ma-
haparinirvana.

Oh bom homem! Por exemplo, a ignorância é a causa, e todas as ações


o resultado. ‘Ação’ é a causa, e a consciência é o resultado. Em razão
disto, o corpo da ignorância é a causa (da ação) e também a causa da
causa (a consciência). Consciência é o resultado e, também, o resultado
do resultado. O mesmo é o caso com a Natureza-de-Buda.

Oh bom homem! Em razão disto, os 12 elos da interdependência são


nem extinguir e nem extinção, nem eternidade e nem rompimento,
nem um e nem dois, nem vir e nem ir, nem causa e nem resultado. Oh
bom homem! É a causa e não o resultado, como no caso da Natureza-
de-Buda. É o resultado e não a causa, como no caso do Grande Nirva-
na. É a causa e é o resultado, como no caso dos 12 elos da interdepen-
dência. Sem-causa e sem-resultado é a Natureza-de-Buda. Como ela
não surge da causalidade, é eterna e imutável. Este é o porquê dizemos
no sutra: ‘O significado dos 12 elos da interdependência é profunda-
mente enraizado e ninguém pode apreendê-lo, ver ou concebê-lo.
Todas [essas] coisas são do mundo de todos os Budas e Bodhisattvas.
Não está ao alcance de Sravakas e Pratyekabudas.

Por que é que essas coisas são profundamente enraizadas? O que to-
dos os seres fazem é não-eterno e não-rompente (não-disrupção). No
entanto, os resultados surgem das ações cometidas. Eles se desinte-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 12
gram momento após momento e, no entanto, não há nada que seja
perdido (enquanto resultado do que fazem). Ninguém pode viver (e-
ternamente) e, no entanto, resta o carma. Pode não haver ninguém
para receber e, no entanto, existe o resultado cármico. Aquele que
colhe pode ter partido, mas o resultado não morre. Embora não seja
pensado ou conhecido, existe harmonização [isto é, interconexão de
causa e resultado]. Todos os seres viajam juntos com os 12 elos da
interdependência, que eles não vêem ou conhecem. Não vendo ou
conhecendo, não há fim e nem começo. Os Bodhisattvas da graduação
dos dez bhumis vêem somente o fim, mas não vêem o começo. O Bu-
da-Todo-Honrado-pelo-Mundo vê o começo e o fim. Isto faz com que
todos os Budas vejam claramente a Natureza-de-Buda.

A Visão dos 12 Elos da Interdependência

Oh bom homem! Todos os seres são incapazes de ver os 12 elos da


interdependência. Portanto, eles montam sobre a roda da transmigra-
ção. Oh bom homem! Exatamente como o bicho-da-seda faz um casu-
lo, nasce e morre por si mesmo, assim se procedem as coisas com to-
dos os seres. Como eles não vêem a Natureza-de-Buda, eles geram um
carma de impurezas e repetem nascimentos e mortes, exatamente
como uma pessoa impele uma bola (com os pés). Oh bom homem!
Este é o porquê eu digo no sutra: ‘Alguém que veja os 12 elos da inter-
dependência vê o Dharma; alguém que veja o Dharma vê o Buda’. ‘O
Buda é nenhum outro senão a Natureza de Buda’. Por que é assim?
Porque todos os Budas fazem disto a sua própria natureza.

Oh bom homem! Há quatro níveis de Conhecimento que vêem os 12


elos da interdependência. Estes são: 1) baixo, 2) médio, 3) alto, e 4)
superior. Uma pessoa da baixa posição não vê a Natureza de Buda. Não
a alcançando, ela obtém a forma (via) de um Sravaka. Aqueles da posi-
ção mediana também não vêem a Natureza de Buda. Percebendo a
Natureza de Buda, eles ganham a forma de um Pratyekabuda. Aqueles

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 13


da posição alta vêem, mas não claramente. Não sendo claro, eles vi-
vem no plano dos 10 ‘bhumis’ (são Bodhisattvas). As pessoas da posi-
ção superior vêem claramente. Assim, eles atingem a Iluminação Insu-
perável. Em razão disto, chamamos os 12 elos da interdependência de
Natureza de Buda. A Natureza de Buda é o Todo-Vazio da ‘Paramartha-
satya’. O Todo-Vazio da ‘Paramartha-satya’ é o Caminho Médio. O
Caminho Médio é o Buda. O Buda é Nirvana.”

O Bodhisattva-Mahasattva Rugido do Leão disse ao Buda: “Oh Honrado


pelo Mundo! Se não existe diferença entre o Buda e a Natureza-de-
Buda, por que todos os seres deveriam praticar particularmente a Via?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Sua questão é mal colocada. ‘O Buda e
a Natureza de Buda não são diferentes’. Mas os seres ainda não estão
dotados (munidos) com isso.

Oh bom homem! Por exemplo, há um homem que persevera no mal e


mata a sua mãe. Ao matá-la, ele se arrepende. Ela é alguém das três
boas ações. Mas, esse alguém cai no inferno. Por quê? Porque essa
pessoa seguramente ganhará o inferno. Muito embora essa pessoa não
tenha nenhum dos cinco skandhas, os 18 reinos e as 12 esferas, ainda a
chamamos de uma pessoa do inferno.

Oh bom homem! Este é o porquê Eu digo em todos os sutras: ‘Qual-


quer pessoa que veja um outro fazendo o bem, isto equivale a ver um
deva [divindade]; qualquer um que veja uma pessoa fazendo o mal vê
o inferno. Por quê? Porque os resultados cármicos seguramente a-
guardam aquela pessoa’.

A Iluminação Insuperável Final de Todos os Seres

Oh bom homem! Como todos os seres finalmente ganharão a Ilumina-


ção Insuperável, Eu digo que todos os seres possuem a Natureza de

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 14


Buda. Os seres realmente não possuem os 32 sinais da perfeição e as
80 características menores de excelência. Assim, neste sutra, Eu digo
num gatha:

‘O que originalmente foi, agora não é mais;


o que originalmente não foi, agora é;
Nada pode existir como ‘é’
sucedendo-se nos Três Tempos’.

Oh bom homem! Há três tipos daquilo que existe. Um é o que virá nos
dias futuros, o segundo é o que existe atualmente, o terceiro é o que
existiu no passado. ‘Todos os seres alcançarão a Iluminação Insuperável
nos dias futuros’. [Isto é a Natureza de Buda]. Todos os seres agora
possuem todos os laços das impurezas. Assim, eles não possuem no
presente as 32 marcas da perfeição e as 80 características menores de
excelência. Desse modo, os seres que cortaram os laços das impurezas
no passado vêem, no presente, a Natureza de Buda. Assim, Eu sempre
digo que todos os seres possuem a Natureza de Buda. Eu digo que
mesmo o icchantika possui a Natureza de Buda. O icchantika não tem o
bom dharma. A Natureza de Buda também é um bom Dharma. Como
há dias a vir, existe a possibilidade de o icchantika possuir a Natureza
de Buda. Por quê? Porque todos os icchantikas podem finalmente atin-
gir a Iluminação Insuperável.

Oh bom homem! Como um exemplo: há um homem que tem certa


quantidade de nata. As pessoas indagam: ‘Você tem alguma mantei-
ga’? Ele responde: ‘Eu tenho’. Mas, para dizer a verdade, nata não é
manteiga. Habilidosamente trabalhada [isto é, usando meios habilido-
sos], ele está certo de obtê-la. Assim, ele diz que tem a manteiga. É o
mesmo com os seres. Eles possuem a mente. ‘Qualquer um com uma
mente asseguradamente encontrará a Iluminação Insuperável’. Este é
o porquê Eu sempre digo que todos os seres possuem a Natureza de
Buda.

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 15


O Absoluto

Oh bom homem! Sobre o absoluto, existem dois tipos. Um é o absoluto


no adorno, e o outro é o absoluto ultimado (final). Um é o absoluto no
sentido secular, e o outro é o absoluto no sentido supramundano. Por
absoluto no adorno se entende os seis paramitas; o absoluto ultimado
é o Veículo Único que os seres obtêm. O Veículo Único é a Natureza de
Buda. Este é o porquê eu digo que todos os seres possuem a Natureza
de Buda. Todos os seres possuem o Veículo Único. Como a ignorância
encobre-lhes, eles não podem ver. Oh bom homem! No Uttarakuru, a
fruição do Céu Trayastrimsa não pode ser vista pelos seres porque há o
encobrimento [da ignorância]. É o mesmo com relação à Natureza de
Buda. Os seres não podem vê-la em razão do encobrimento pelas im-
purezas.

O Samadhi Surangama

Também, além disso, oh bom homem! ‘A Natureza de Buda é o Sama-


dhi Surangama’ [o mais profundo estado de absorção meditativa]. A
sua natureza é como o sarpirmanda [o mais delicioso e eficaz de todos
os remédios derivados do leite]. É a mãe para todos os Budas. Através
da força do poder do Samadhi Surangama, todos os Budas alcançam o
Eterno, o Êxtase, o Eu e o Puro. Todos os seres possuem o Samadhi
Surangama. Ao não praticar, eles não podem vê-lo. Consequentemen-
te, não há a consecução da Iluminação Insuperável.

Oh bom homem! O Samadhi Surangama possui cinco nomes, os quais


são: 1) samadhi surangama, 2) prajnaparamita [Sabedoria Transcen-
dente], 3) Samadhi Diamante, 4) Samadhi do Rugido do Leão, e 5) Na-
tureza de Buda. Dependendo da abordagem, ele possui vários nomes.
Oh bom homem! Exatamente como um simples samadhi adquire vá-
rios nomes, no caso do dhyana dizemos ‘quatro dhyanas’ [‘catvari-
dhyanani’], no caso do elemento ‘samadhi do elemento’, no caso do

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 16


poder ‘samadhi do poder’, no caso da retidão ‘meditação correta’, e no
caso dos oito pensamentos despertos de um grande homem ‘medita-
ção correta’. Assim se dá com o Samadhi Surangama.

Oh bom homem! Todos os seres são perfeitos nos três samadhis, a


saber: o alto, o médio e o baixo. O alto se refere à Natureza de Buda.
Portanto, dizemos que todos os seres possuem a Natureza de Buda.
Por médio se entende que todos os seres possuem o primeiro dhyana.
Quando as relações causais favorecem, eles podem de fato praticar;
caso contrário, não podem. Existem dois tipos de relações causais. Um
é fogo (sofrimento?), e o outro é o laço que destrói as coisas do mundo
dos desejos. Assim, dizemos que todos os seres são perfeitos no sama-
dhi de grau-médio. O samadhi de baixo-grau nada mais é que o sama-
dhi caitta dos dez mahabhumikas. Embora possuam a Natureza de
Buda, todos os seres são incapazes de vê-la, uma vez encoberta pelas
impurezas. O Bodhisattva dos dez abodes (bhumis) vê o Veículo Único,
mas ele não sabe que o Tathagata é Eterno. Dessa forma, embora o
Bodhisattva dos dez abodes veja a Natureza de Buda, ele não pode vê-
la claramente.

Oh bom homem! ‘Shuryä’ significa ‘o ultimado de todas as coisas’;


‘gon’ significa ‘forte’. Como o ultimado de todas as coisas é forte, dize-
mos ‘surangama’. Assim, o Samadhi Surangama é feito para represen-
tar a Natureza de Buda.

A Natureza de Buda de Todos os Seres

Oh bom homem! Certa vez, vivi no Rio Nairanjana e disse a Ananda:


‘Agora pretendo banhar-me no rio. Dê-me meu robe e o sabão em pó’.
Então, entrei na água. Todos os pássaros no ar, e aqueles (seres) na
água e na terra vieram e assistiram. Então, havia também 500 Brahma-
carins que viviam próximos ao rio. Eles vieram a mim e disseram: ‘Co-
mo você espera obter o Corpo Adamantino? Se Gautama não falar a

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 17


respeito do ‘não-é’, o seguiremos e acataremos as regras (preceitos)
dos alimentos’.

Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, com a Sabedoria da leitura-de-


pensamentos, sondei a mente dos Brahmacarins e disse-lhes: ‘O que
significa dizerem que eu falo do ‘não-é’? Todos os Brahmacarins disse-
ram: ‘Você, Gautama, estabeleceu previamente, aqui e lá nos sutras,
que todos os seres não possuem o ‘Eu’. Agora você diz que não existe o
‘Eu’. Como você pode dizer que isto não é a teoria do ‘não-é’? Se não
[existe] o ‘Eu’, quem defende os preceitos e quem os viola’? Eu, o Bu-
da, disse: ‘Eu nunca disse que todos os seres não possuem o ‘Eu’; Eu
sempre tenho dito que todos os seres possuem a Natureza de Buda. A
Natureza de Buda não é o ‘Eu’? Assim, eu nunca falei do ‘não-é’. Todos
os seres não vêem a Natureza de Buda. Portanto, [para eles existem] o
não-Eterno, o não-Eu, o não-Êxtase e a não-Pureza. Essas são as visões
do ‘não-é’’. Então, todos os Brahmacarins, ao ouvir que a Natureza de
Buda é o ‘Eu’, aspiraram a Insuperável mente do Bodhi, e então, re-
nunciando ao mundo, praticaram a via do Bodhi. Todos os pássaros no
ar, e aqueles na água e na terra aspiraram ao Insuperável Bodhi e, ten-
do aspirado, abandonaram seus corpos.

Oh bom homem! Essa Natureza de Buda, para dizer a verdade, não é o


‘Eu’. Para o benefício dos seres, Eu digo ‘Eu’.

Eu

Oh bom homem! O Tathagata, quando há razão para [assim] falar, diz


que o não-Eu é o Eu. Mas, para dizer a verdade, não há um Eu [ali].
Embora eu fale assim, não há nada [aqui] que seja falso.

Oh bom homem! Por conta das relações causais, estabeleço o Eu como


(sendo) o não-Eu e, no entanto, para dizer a verdade, existe o Eu. Ele
constitui o mundo. Eu estabeleço [isto] como não-Eu. Mas, nada está

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 18


errado. A Natureza de Buda é não-Eu. O Tathagata diz ‘Eu’. Porque
existe a qualidade do Eterno. O Tathagata é o Eu. No entanto, ele esta-
belece [isto] como não-Eu. Porque ele tem desimpedimento [isto é,
completa e irrestrita liberdade].”

Cores à Luz do Dia

Então, o Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo!


Se é o caso que todos os seres possuem a Natureza de Buda como
qualquer vajra-guardsman [isto é, uma pessoa que segura em suas
mãos um vajra – diamante – e que assim protege o ensinamento Budis-
ta], por que é que todos os seres não podem vê-la?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, a ‘matéria’ [‘rupa’] tem
qualidades representacionais como (cor) azul, amarelo, vermelho e
branco, e (tamanho) longo ou curto, mas uma pessoa cega não pode
vê-las como tal. Embora não sejam vistas, não podemos dizer que não
existam tais qualidades como azul, amarelo, vermelho branco, longo
ou curto. Por que não? Muito embora a pessoa cega não possa vê-las,
alguém que tem olhos pode vê-las. É o mesmo com a Natureza de Bu-
da. Muito embora todos os seres não possam vê-la, o Bodhisattva dos
dez estágios (abodes) pode vê-la em parte; o Tathagata a vê comple-
tamente. A Natureza de Buda vista pelo Bodhisattva dos dez estágios é
como cores vistas à noite. O que o Tathagata vê é como cores vistas à
luz do dia.

Oh bom homem! Quando o olho está ofuscado, não se podem ver as


cores claramente. Um bom médico pode curar isto. Através da medici-
na, se vem a ver as coisas claramente. É o mesmo com o Bodhisattva
dos dez estágios. Ele pode de fato ver a Natureza de Buda, mas não
muito claramente. Através do poder do Samadhi Surangama, uma
pessoa pode vê-la claramente.

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 19


Oh bom homem! Se uma pessoa vê o não-Eterno, o não-Eu, o não-
Êxtase, e o não-Puro de ‘tudo’ [‘issai’em japonês, que aqui significa
tudo o que pode ser visto, tocado e sentido – mundo material], e vê
também o não-Eterno, não-Êxtase, não-Eu, e o não-Puro do ‘não-tudo’
[‘hiissai’em japonês, que aqui significa o oposto do concreto, isto é, o
abstrato], essa pessoa não vê a Natureza de Buda. ‘Tudo’ alude ao
nascimento e a morte; ‘não-tudo’ alude aos Três Tesouros. O Sravaka e
o Pratyekabuda vêem o não-Eterno, o não-Eu, o não-Êxtase, e o não-
Puro do ‘não-tudo’. Devido a isto, eles não podem ver a Natureza de
Buda. O Bodhisattva dos dez estágios vê o não-Eterno, o não-Eu, o não-
Êxtase, e o não-Puro de todas as coisas, e vê, parcialmente, o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro do ‘não-tudo’. Em razão disto, ele pode ver so-
mente um décimo. O Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo vê o não-
Eterno, o não-Eu, o não-Êxtase, e o não-Puro de todas as coisas e, tam-
bém, o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro do ‘não-tudo’. Em razão disto, ele
vê a Natureza de Buda exatamente como alguém vê uma manga que
está na palma de sua própria mão.

Oh bom homem! É como quando não se pode ver a primeira lua. No


entanto, não se pode dizer que não existe lua. O mesmo é o caso com a
Natureza de Buda. Todos os seres podem não [ser capazes de] vê-la, no
entanto, não podemos dizer que não existe a Natureza de Buda.

Oh bom homem! A Natureza de Buda é nada mais que os dez poderes,


os quatro destemores, a Grande Compaixão, e os três pensamentos.

Todos os seres têm as três destruições das impurezas, e mais tarde, por
meio disto, eles podem ver.

O icchantika primeiro aniquila o icchantika [dentro de si] e então ob-


tém os dez poderes, os quatro destemores, a Grande Compaixão, e os
três pensamentos. Este é o porquê eu sempre digo que todos os seres
possuem a Natureza de Buda.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 20


Os Doze Elos do Surgimento Interdependente

Oh bom homem! Todos os seres possuem, igualmente, os doze elos da


interdependência. Estes são os casos do interior e do exterior.

Quais são os doze?

1. A impureza do passado é chamada ignorância [‘avidya’].

2. O carma do passado é chamado formação mental [‘samskara’,


isto é, volições e impulsos mentais].

3. Nesta presente vida, primeiro se ganha vida no útero. Isto é


consciência [‘vijnana’].

4. Após entrar no útero, as cinco partes [isto é, os cinco membros


ou cinco partes de um corpo humano, compostos das duas
mãos (braços), dois pés (pernas) e uma cabeça (coluna)] e as
quatro raízes [isto é, os quatro sentidos orgânicos do olho, ou-
vido, nariz e boca] ainda não estão perfeitamente formados.
Esse estado é chamado corpo-e-mente [‘nama-rupa’].

5. Quando se tem as quatro raízes, e quando ainda não se está


no estágio do toque [‘sparsa’], esse estágio é chamado de seis
esferas [‘sadayatana’].

6. Quando nenhum sentimento de sofrimento ou alegria ainda


surgiu, esse estágio é chamado do ‘toque’.

7. Quando alguém se apega a um único amor, esse estágio é


chamado sentimento [‘vedana’].

8. Quando se aprende e se achega aos cinco desejos, isto é dese-


jo [‘trshna’].

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 21


9. Quando se olha dentro e fora, e se tem afeto, isto é apego [‘u-
padana’].

10. Quando se envida ações dentro e fora, nas três categorias do


corpo, da boca e da mente, isto é existência [‘bhava’].

11. A consciência que alguém possui nesta vida é o nascimento [de


alguém] nos dias futuros [isto é, a consciência mundana de al-
guém provê a base para o renascimento futuro de alguém], e

12. O corpo-e-mente, as seis esferas, o toque e o sentimento são a


velhice, a doença e a morte do futuro.

Estes são os doze elos da interdependência.

Oh bom homem! Embora existam esses doze elos do surgimento in-


terdependente, há casos onde as coisas não acontecem assim. Quando
alguém morre no estágio de kalala (fetal), não pode haver os doze.
Pode haver os doze quando alguém entra nos estágios iniciais (da vida)
com o nascimento e termina com a velhice e a morte.

Os seres do mundo da forma não possuem os três tipos de sentimento,


os três (tipos) de toque, os três (tipos) de desejo, e não há velhice e
nem doença. E podemos realmente dizer que existem os doze.

Os seres do mundo da não-forma não possuem qualquer ‘matéria’, e


não há envelhecimento e nem morte. E também podemos dizer que
existem os doze. Porque isto é alcançado através da meditação. E po-
demos realmente dizer que todos os seres possuem igualmente os
doze elos da interdependência.

Oh bom homem! O caso é o mesmo com a Natureza de Buda. Como


todos os seres podem definitivamente alcançar a Iluminação Insuperá-
vel, Eu ensino e digo que os seres têm a Natureza de Buda.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 22
A Grama dos Himalayas

Oh bom homem! Existe uma grama chamada ‘ninniku’ nos Himalayas.


Se uma vaca comê-la, aquela vaca produzirá sarpirmanda. Existe um
tipo diferente de grama que, quando comida, não produz sarpirmanda.
Embora nenhum sarpirmanda surja [em tais circunstâncias], não po-
demos dizer que não existe nenhuma ‘ninniku’ nos Himalayas. É o
mesmo com a Natureza de Buda.

Os Himalayas são o Tathagata, a ‘ninniku’ é o Grande Nirvana, a grama


forasteira é os 12 tipos de sutras. Se os seres dão ouvido à, respeitam e
enaltecem o Mahaparinirvana, eles verão a Natureza de Buda. Ainda
que não seja encontrada nos 12 tipos de sutras, não podemos dizer
que não exista Natureza de Buda.

Oh bom homem! A Natureza de Buda é matéria, não-matéria, não-


matéria-e-não-não-matéria.

Também, é uma fase da aparência, não-fase da aparência, não-fase-da-


aparência-e-não-não-fase-da-aparência.

Também, é um, não-um, não-um-e-não-não-um.

Também, é não-eterno e não-rompimento, não-não-eterno-e-não-não-


rompimento.

É ‘é’, ‘não-é’, ‘não é’-e-‘não-não-é’.

Também, é um fim, não-fim, não-fim-e-não-não-fim.

Também, é causa, é resultado, e é não-causa-e-não-resultado.

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 23


Também, é significação, não-significação, não-significação-e-não-não-
significação.

Também, é uma letra, não-letra, não-letra-e-não-não-letra.

Por que ela é matéria? Porque é o Corpo Adamantino.

Por que é não-matéria? Porque representa as 18 características inde-


pendentes do Buda e pertence à categoria da não-matéria.

Por que é não-matéria-e-não-não-matéria? Porque não tem nada a ver


com matéria, não-matéria, e porque não possui uma forma permanen-
te.

Por que é uma fase da aparência? Porque tem as 32 marcas da perfei-


ção.

Por que é que ela tem não-fase de aparência? Porque não apresenta
nenhuma fase de demonstração da aparência de todos os seres.

Por que é que ela tem não-fase-da-aparência-e-não-não-fase-da-


aparência? Porque não existe não-fase de aparência permanente ou
não-não-fase de aparência permanente.

Por que é um? Porque todos os seres montam no Veículo Único.

Por que não é um? Porque se fala de três veículos.

Por que é não-um-e-não-não-um? Porque não há maneira de contar.

Por que é não-eterna? Porque as coisas são vistas através das relações
causais.

Por que é não-rompimento? Porque é diversa da visão do mundo de


rompimento.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 24
Por que não-não-eterna-e-não-não-rompimento [o conceito do ‘rom-
pimento’ é usado aqui para o termo ‘dan’ do japonês, que representa a
noção de rompimento da continuidade. Ele se estabelece em oposição
aos termo ‘eterno’, que é a continuidade de uma existência ou mesmo
a infinitude de uma existência]. Porque não há fim e nem começo.

Por que dizemos ‘é’? Porque de fato existem todos os seres.

Por que é ‘não-é’? Porque alguém (somente) pode vê-la [isto é, a Natu-
reza de Buda] por força dos melhores expedientes.

Por que é ‘não-é’ e ‘não-não-é’? Isto é em razão da natureza do Todo-


Vazio.

Por que é [isto é, em qual sentido] um fim? Porque se obtém o Sama-


dhi Surangama.

Por que é não-fim? Por causa do Eterno.

Por que é não-fim-e-não-não-fim? Porque se acaba com todos os fins.

Por que é a causa? Porque a causa é conhecida.

Por que é o resultado? Porque o resultado é permanente.

Por que é não-causa-e-não-resultado? Porque é o Eterno.

Por que é significação? Porque tudo é obtido na desobstrução da signi-


ficação.

Por que é não-significação? Por que não é possível explicá-la.

Por que é não-significação-e-não-não-signifcação? Por que é o Todo-


Vazio Final (ultimado).
Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 25
Por que é uma letra? Porque há um nome para representá-la.

Por que é uma não-letra? Porque não há um nome que ela possa ter.

Por que é não-letra-e-não-não-letra? Porque é diversa da categoria das


letras.

Por que é não-Sofrimento-e-não-Felicidade? Porque está longe dos


sentimentos.

Por que é não-Eu? Porque não há chegada aos oito desimpedimentos


[‘hachidaijizaigi’ em Japonês: os oito aspectos do desimpedimento ou
não-restrição possuídos pelo Eu – um dos quatro atributos do Nirvana].

Por que é não-não-Eu? Em razão da qualidade do Eterno.

Por que é não-Eu-e-não-não-Eu? Em razão do não-fazer e não-receber.

Por que é Vacuidade? Em razão do ‘Paramartha-satya’.

Por que é não-Vacuidade? Em razão do Eterno.

Por que é não-Vacuidade-e-não-não-Vacuidade? Porque de fato ela


serve como semente do Dharma Maravilhoso.

Oh bom homem! Se qualquer pessoa puder meditar e compreender a


significação do Sutra do Grande Nirvana, saiba que essa pessoa vê a
Natureza de Buda.

A Natureza de Buda é inconcebível. É o mundo de todos os Budas-


Tathagatas. Não está ao alcance da concepção de Sravakas e Pratyeka-
budas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 26


Oh bom homem! A Natureza de Buda não está dentro da categoria dos
cinco skandhas, dos 18 reinos, ou das 12 esferas. Não é o que original-
mente não foi, mas é agora; nem é o que originalmente foi, mas agora
não é mais. É o que os seres podem ver somente através das relações
causais.

Por exemplo, é como o ferro que, quando no fogo, é vermelho, mas


quando não está no fogo e é resfriado, torna-se negro como antes. E
essa cor negra não existe dentro ou fora. Ele (o ferro) se torna assim
em virtude das relações causais. O mesmo é o caso com a Natureza de
Buda. Quando o fogo das impurezas se vai, todos os seres podem vê-la.

Oh bom homem! É como no caso de uma semente. O broto surge e a


semente morre. E a natureza do broto não existe dentro ou fora. É o
mesmo com a flor e com o fruto. Isto revela-se assim, uma vez que as
coisas estão baseadas em relações causais.

Oh bom homem! Este Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana é


perfeito em inumeráveis virtudes. É o mesmo com a Natureza de Buda.
Ela é completa e perfeita nas inumeráveis virtudes.

Então, o Bodhisattva Mahasattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado


pelo Mundo! Quantas leis [dharmas] o Bodhisattva necessita cumprir
para que ele possa ver a Natureza de Buda, embora ainda não muito
claramente? Quantas leis o Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo necessita
cumprir para que ele possa vê-la claramente?”

“Oh bom homem! Se o Bodhisattva cumpre dez coisas, ele será capaz
de ver a Natureza de Buda, ainda que em menor grau. Quais são as
dez? Elas são: 1) desejar pouco, 2) sentir-se satisfeito, 3) quietude, 4)
esforço, 5) pensamento correto, 6) samadhi correto (meditação corre-
ta), 7) Sabedoria correta, 8) emancipação, 9) enaltecer a emancipação,
e 10) socorrer os seres com o Grande Nirvana.”

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 27


Desejar Pouco e Sentir-se Satisfeito

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Que


diferença há entre desejar pouco e sentir-se satisfeito?”

“Oh bom homem! Desejar pouco é não buscar e não tomar (para si);
sentir-se satisfeito é não sentir pesar quando se ganha pouco. Desejar
pouco é ter pouco; sentir-se satisfeito significa que a mente não se
preocupa com coisas oferecidas.

Os Três Tipos de Desejo

Oh bom homem! Existem três tipos de desejo, a saber: 1) mau desejo,


2) grande desejo, e 3) desejo em prol do desejo. Dizemos ‘mau desejo’.
Um Monge pode adquirir cobiça em sua mente, tornar-se o líder de
uma grande massa [de pessoas], fazer com que todos os sacerdotes o
sigam, levar todas as quatro classes da Sangha Budista a fazerem ofe-
recimentos para ele, respeitarem-no, louvarem-no e promoverem-no;
pregar primeiro para todos os outros, antes que para as quatro classes
da Sangha; fazer com que todos creiam em suas palavras; fazer com
que reis, ministros e pessoas ricas prestem respeito a ele, tal que lhes
dêem em abundância roupas, comidas, bebidas, roupas de cama, re-
médios e os melhores tipos de acomodações. Esses são os desejos
relativos à vida temporal do nascimento e da morte. Esses são os ‘maus
desejos’.

O que é ‘grande desejo’? Por exemplo, existe um Monge que adquire


cobiça em sua mente, de modo que ele se faz conhecido entre as qua-
tro classes da Sangha Budista como alguém que atingiu os estágios
desde o primeiro até o décimo (abode), o Insuperável Bodhi, o Arhat-
ship, ou esses outros estágios como o Srotapanna, os quatro dhyanas,
ou a Quádrupla Sabedoria sem Obstruções – tudo isto meramente em
prol de ganhos (lucros). Isto é ‘grande desejo’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 28


Um Monge pode desejar nascer como Brahma, como Marapapiyas,
como um Isvara, um Chakravartin, um Kshatriya, ou um Brâmane, tal
que ele possa ter irrestringibilidade. Como isto é apenas pelo ganho
(lucros), isso pode ser bem chamado de ‘desejo em prol do desejo’.

Se uma pessoa não for espoliada por esses três (tipos de) maus dese-
jos, essa pessoa é alguém com pouco desejo de posse. Por desejo se
entende os 25 desejos. Se uma pessoa não tem esses 25 desejos, essa
pessoa é chamada alguém que tem pouco desejo de posse. Quando
uma pessoa não procura possuir o que ela bem pode esperar ter nos
dias a vir, chamamos isto de pequena busca pela posse. A pessoa ga-
nha, mas não se apega. Isto é sentir-se satisfeito. Não procurar ser
respeitado é pequena busca pela posse. Uma pessoa pode obter coi-
sas, mas se ela não procura acumulá-las, isto é sentir-se satisfeito.

Oh bom homem! Há uma situação onde alguém tem pequena busca


pela posse, mas que não pode ser chamado de um estado onde esse
alguém se encontra satisfeito; e também há uma situação onde alguém
está satisfeito e, no entanto, isto não é o que poderíamos chamar de
um estado onde alguém esteja satisfeito. Também, existe uma situação
onde alguém tem pequena busca pela posse e, no entanto, está satis-
feito; também, existe uma situação onde alguém não tem pequena
busca pela posse e não está satisfeito. Pequena busca pela posse se
refere ao Srotapanna, e o sentir-se satisfeito se refere ao Pratyekabu-
da. Pequena busca pela posse e não sentir-se satisfeito se refere ao
assim chamado Bodhisattva.

Oh bom homem! Existem duas formas de pequena busca pela posse e


de sentir-se satisfeito. Uma é boa, e a outra não-boa. Não-boa se refere
ao assim chamado mortal comum, e boa às pessoas sagradas e Bodhi-
sattvas. Todas as pessoas sagradas podem obter a fruição da forma
que eles praticaram, mas não louvarão o que obtiveram. Como eles
não louvam, suas mentes não têm quaisquer preocupações. Isto é
sentir-se satisfeito.
Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 29
Oh bom homem! O Bodhisattva Mahasattva estuda e pratica o Sutra
Mahayana do Grande Nirvana e vê a Natureza de Buda. Em razão disto,
ele pratica a via da pequena busca pela posse e de sentir-se satisfeito.

Quietude

O que é quietude? Existem dois tipos dela. Um é quietude da mente, e


o outro é quietude do corpo.

Por quietude do corpo se entende não praticar as três maldades com o


corpo; por quietude da mente entende-se não cometer as três malda-
des com a mente. Isto é ter quietude no corpo e na mente.

Quietude do corpo significa não se aproximar das quatro classes da


Sangha, e não tomar parte no trabalho feito pelas quatro classes da
Sangha. Por quietude da mente se entende não dar origem à cobiça, à
ira e à ignorância. Isto é quietude do corpo e da mente.

Pode haver um Monge cujo corpo pode encontrar a quietude, mas cuja
mente não a encontra. Ou a mente pode estar em quietude, mas o
corpo não. Ou há casos onde o corpo e a mente estão em quietude; ou
onde o corpo e a mente não estão em quietude.

Pode-se dizer que o corpo está em quietude, mas a mente não está.
Por exemplo, um Monge senta em dhyana [meditação], afastando-se
das quatro classes da Sangha. Mas a mente ainda pode sempre dar
origem à cobiça, à ira e à ignorância. Isto é o que chamamos de o corpo
estar em quietude, mas a mente não.

Pode-se dizer que a mente está em quietude, mas o corpo não. Isto
alude à situação onde um Monge pode aproximar-se das quatro classes
da Sangha, reis e ministros, e afastar-se da cobiça, ira e ignorância. Este

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 30


é o caso em que falamos de a mente estar em quietude, mas o corpo
não.

Diz-se que o corpo e a mente estão em quietude. Isto se refere ao Buda


e aos Bodhisattvas.

Diz-se que o corpo e a mente, ambos não estão em quietude. Isto se


refere aos mortais comuns.

Por quê? Porque os mortais comuns também podem desfrutar da quie-


tude no corpo e na mente. No entanto, eles não podem meditar pro-
fundamente sobre o não-Eterno, não-Êxtase, não-Eu e o não-Puro. Por
essa razão, os mortais comuns não podem ter quietude em suas ações
do corpo, da boca e da mente.

Essas classes de pessoas como o icchantika, aqueles que cometeram as


quatro ofensas graves, e aqueles dos cinco pecados mortais também
não podem ser chamados aqueles cujos corpos e mentes estão em
quietude.

O Esforço para o Mahaparinirvana

O que é esforço? Há um Monge que deseja purificar as ações do seu


corpo, boca e mente, e afastar-se de todas as más ações, acumulando
todas as boas ações. Isto é esforço. Tal pessoa foca a sua mente em
seis esferas, a saber: 1) Buda, 2) Dharma, 3) Sangha, 4) Shila [preceitos
morais], 5) oferecimentos (doações), e 6) céu. Isto é pensamento cor-
reto. O Samadhi resultante do pensamento correto é meditação corre-
ta. Alguém que resida na meditação correta vê todas as coisas como
Vazio. Isto é Sabedoria correta. Alguém perfeito na Sabedoria correta
afasta-se de todos os laços das impurezas. Isto é Emancipação.

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 31


A pessoa que obteve a Emancipação a enaltece para todos os seres e
diz que essa Emancipação é Eterna e Imutável. Este é o enaltecer corre-
to da Emancipação. Isto é o Insuperável Mahaparinirvana.

Nirvana é nada mais que a extinção do fogo de todos os laços das im-
purezas.

Também, Nirvana é chamado de casa. Por quê? Porque protege bem


alguém dos maus ventos e tempestades das impurezas.

Também, Nirvana é um refúgio. Por quê? Porque ele está muito além
de todos os temores do mundo.

Também, Nirvana é uma duna de areia. Por quê? Porque as quatro


inundações da água não podem lavá-lo. Quais são essas quatro? Elas
são: 1) a tormenta do desejo, 2) a tormenta da existência, 3) a tormen-
ta das visões [incorretas] da vida, e 4) a tormenta da ignorância. Por
essa razão, Nirvana é chamado de duna de areia.

Também, Nirvana é o refúgio final. Por quê? Porque se chega ao Êxtase


absoluto. Se um Bodhisattva Mahasattva cumpre e se aperfeiçoa nes-
sas dez coisas, ele verá a Natureza de Buda, mas não tão claramente.

Também, além disso, oh bom homem! Aqueles que fugiram da vida


mundana sofrem de quatro doenças. Por causa disto, eles são incapa-
zes de chegar às quatro fruições de um Monge. Quais são as quatro
doenças? Elas são os quatro maus desejos por: 1) roupas, 2) alimentos,
3) roupas de cama, e 4) existência. Esses são os quatro maus desejos.
Essas são as doenças daqueles que abandonaram a vida mundana.

Há quatro bons remédios que as curarão bem.

O ‘pamsukula’ [isto é, o robe Budista feitos de roupas abandonadas]


cura bem o mau desejo do Monge por roupas.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 32


Mendigar por esmolas cura bem o mau desejo pela comida.

A sombra sob uma árvore cura bem o mau desejo por aposentos (rou-
pas de cama).

A quietude do corpo e da mente cura bem o mau desejo do Monge


pela existência.

Através desses quatro bons remédios, uma pessoa pode acabar de fato
com as quatro doenças. Essas são as ações sagradas. Essas ações são
procurar possuir pouco e sentir-se satisfeito.

A quietude compreende quatro bênçãos. Quais são as quatro? Elas são:


1) a bênção de escapar da vida mundana, 2) a bênção da quietude, 3) a
bênção da extinção eterna [das impurezas], e 4) o Êxtase final. Essas
quatro são quietude. Essas evocam quatro esforços. Assim, dizemos
‘esforço’. Esses são acompanhados (coexistem com) por quatro pen-
samentos. Assim, falamos de ‘pensamento correto’. Como são acom-
panhados por quatro dhyanas, dizemos ‘meditação correta’. Vemos
quatro Verdades Sagradas. Assim, dizemos ‘Sabedoria correta’. Isso
acaba completamente com todos os laços das impurezas. Assim, fala-
mos de Emancipação. Oh bom homem! O Bodhisattva Mahasattva
reside pacificamente em todas essas dez coisas, e ele pode ver a Natu-
reza de Buda, mas não muito claramente.

Num Lugar Solitário e Quieto

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva Mahasattva ao


ouvir bem este sutra, achega-se a ele, pratica a Via, e afasta-se da vida
mundana. Isto é pequena busca pela posse. Ao renunciar o mundo, ele
não sente remorso. Isto é sentir-se satisfeito. Ao sentir-se satisfeito, ele
busca lugares solitários e afasta-se de todos os barulhos. Isto é quietu-
de toda-silenciosa. Aqueles que não se sentem satisfeitos não desejam

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 33


estar num lugar solitário e quieto; aqueles que estão satisfeitos procu-
ram um lugar solitário e quieto. Num lugar tranquilo, ele [isto é, o Bo-
dhisattva] sempre pensa: ‘Todas as pessoas dizem que eu atingi o final
da busca do Caminho do Shramana. Mas, eu ainda não o encontrei.
Como eu poderia enganar os outros agora?’ Pensando assim, ele envi-
da esforços, aprende e realiza o final da consecução do Caminho do
Shramana. Isto é esforço.

Alguém que se achega e pratica a Via do Grande Nirvana é alguém que


reside em pensamentos corretos. Ele segue o caminho do céu. Isto é
meditação correta. Ele reside neste samadhi e vê as coisas corretamen-
te. Isto é Sabedoria correta. Alguém que vê as coisas corretamente
corta completamente os laços das impurezas. Isto é Emancipação. O
Bodhisattva dos dez estágios enaltece verdadeiramente o Nirvana. Isto
é o enaltecer da Emancipação. Oh bom homem! O Bodhisattva Maha-
sattva reside nestes dez quesitos e vê a Natureza de Buda, ainda não
claramente.

Também, além disso, oh bom homem! Falamos da procura pela posse,


mas pouco. Um Monge senta-se num lugar solitário e quieto. Ele senta-
se rigidamente e não reclina. Ou ele vive sob uma árvore, ou em meio
aos túmulos, ou a céu aberto (ao relento), ou senta-se sobre a grama.
Ele vai mendigar por esmolas, mendiga por comida, e tendo comparti-
lhado dela, fica satisfeito. Ou pode ser uma refeição para uma reunião.
Ele só mantém três robes, que são aqueles feitos de trapos abandona-
dos ou tecidos de lã. Isto é procurar a posse, mas pouco. Vivendo as-
sim, ele não sente remorso. Isto é sentir-se satisfeito. Ele pratica o sa-
madhi do Vazio. Isto é quietude. Realizado nas quatro fruições, ele não
tem um momento de descanso na busca pelo Insuperável Bodhi. Isto é
esforço.

Em sua mente, ele medita sobre o fato que o Tathagata é Eterno e


Imutável. Isto é pensamento correto. Ele pratica as oito emancipações.
Isto é dhyana correto. Ele ganha os quatro desimpedimentos. Isto é
Sabedoria correta. Ele afasta-se das sete impurezas. Isto é Emancipa-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 34
ção. Ele enaltece o Nirvana e diz que o Nirvana não possui os dez as-
pectos da vida. Isto é enaltecer a Emancipação. Os dez aspectos da vida
são: nascimento, envelhecimento, doença, morte, cor, som, odor, sa-
bor, toque (tato) e impermanência. Quando alguém está afastado des-
ses dez, dizemos que se atingiu o Nirvana. Oh bom homem! Este é o
porquê dizemos que quando o Bodhisattva Mahasattva reside nos, e
realiza os dez quesitos, ele vê a Natureza de Buda, mas não claramen-
te.

Também, além disso, oh bom homem! Devido a muito desejo, uma


pessoa se associa a reis, ministros, pessoas ricas, Kshatriyas, Brâmanes,
Vaishyas, Sudras, e diz: ‘Eu atingi as fruições desde o Srotapanna até o
Arhatship’. Por ganhos, ela anda, para, senta, reclina e responde aos
chamados da natureza. Ao ver um danapati (doadores de oferecimen-
tos), ela demonstra respeito, aproxima-se e fala. Alguém que se liberta
dos maus desejos tem poucos desejos. Embora ele não tenha acabado
com as amarras e preocupações, ele de fato vai aonde o Tathagata vai.
Isto é sentir-se satisfeito.

Oh bom homem! Os dois acima (desejar pouco e sentir-se satisfeito)


são as relações causais mais próximas para o pensamento da medita-
ção. Professores e estudantes (do Budismo) sempre os enaltecem. Eu,
também, nos sutras, tenho enaltecido esses dois quesitos. Qualquer
pessoa que possa ser perfeita nesses dois quesitos aproxima-se dos
portais do Nirvana. Isto se estende às cinco bênçãos. Isto é quietude.
Alguém que observe rigidamente os shila [preceitos morais] é chamado
de alguém que empreende esforços. Alguém que se arrependa é al-
guém de pensamento correto. Alguém que não vê o aspecto da mente
é alguém em meditação correta. Alguém que não procura as caracte-
rísticas e as relações causais de todas as coisas é alguém de Sabedoria
correta. Como não existe aspecto exterior, as impurezas se vão. Isto é
Emancipação. Enaltecer assim o Sutra do Grande Nirvana é chamado
enaltecer da Emancipação. Oh bom homem! Isto é o que [significa
quando] dizemos que o Bodhisattva Mahasattva reside pacificamente

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 35


nos dez quesitos e vê a Natureza de Buda, embora não muito clara-
mente.

Visão e Audição Sobre a Natureza de Buda

Oh bom homem! Você indaga: ‘Com que olho o Bodhisattva dos dez
estágios vê a Natureza de Buda, mas não muito claramente, e com que
olho o Honrado pelo Mundo vê a Natureza de Buda claramente?’ Oh
bom homem! Com o Olho da Sabedoria alguém a vê não muito clara-
mente; com o Olho do Buda se a vê claramente. Quando alguém está
na prática do Bodhi, não há clareza; sem nada a praticar, vê-se tudo
claramente. Quando alguém nada mais tem a praticar, a vê claramen-
te. Quando alguém reside nos dez estágios, não vê muito claramente.
Quando alguém não necessita ficar ou mover-se, a clareza surge. Em
razão das relações causais da Sabedoria, o Bodhisattva Mahasattva não
pode ver claramente. O Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo está fora do
domínio das relações causais. É devido a isto que ele vê claramente. O
que é desperto para todas as coisas é a Natureza de Buda. O Bodhisatt-
va dos dez estágios não pode ser chamado desperto para todas as coi-
sas. Em razão disto, embora ele veja, não vê claramente.

Oh bom homem! Existem dois tipos de visão. Um é a visão com o olho;


o outro, é audição e visão. O Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo vê a
Natureza de Buda com o olho, da [mesma] forma que se vê uma man-
ga que está na própria mão. O Bodhisattva dos dez estágios vê a Natu-
reza de Buda através da audição (ou seja, através da fé). Portanto, não
muito claramente. O Bodhisattva dos dez estágios sabe bem que ele
definitivamente atingirá a Iluminação Insuperável. E, no entanto, ele
não sabe que todos os seres possuem a Natureza de Buda.

Oh bom homem! Mais ainda, existe a visão através do olho. O Buda-


Todo-Tathagata e o Bodhisattva do décimo estágio vêem a Natureza de
Buda com o olho. Também, existe audição e visão. Todos os seres e

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 36


aqueles até o nono estágio [‘bhumi’] (não) ouvem e vêem a Natureza
de Buda. O Bodhisattva pode ouvir que todos os seres possuem a Na-
tureza de Buda. Mas, se ele não acredita nisto, isto é não audição e
visão.”

Capítulo 33: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 1 Página 37


Capítulo Trinta e Quatro: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 2

A Visão do Tathagata

“Oh bom homem! Se qualquer bom homem ou mulher deseja ver o


Tathagata, ele ou ela devem estudar os 12 tipos de sutras, ostentar,
recitar, copiar e expô-los.”

O Bodhisattva Mahasattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo


Mundo! Todos os seres não conhecem o estado mental do Tathagata.
Como meditamos e vimos a conhecer [isto]?”

“Oh bom homem! Todos os seres, realmente, não conhecem o estado


mental do Tathagata. Se eles desejam meditar e conhecer, há duas
formas. Uma é ver com os olhos, e a outra através da audição. Se al-
guém vê as ações corporais do Tathagata, saiba que isto é o Tathagata.
Isto é ver com os olhos. Se alguém depara com as ações orais do Ta-
thagata, saiba que isto é o Tathagata. Isto é ouvi-lo e vê-lo.

Alguém pode deparar com um rosto (fisionomia) que está para além
daquela dos humanos – saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver com os
olhos.

Alguém pode ouvir uma voz que é tão maravilhosa e soberba, e que
não é da espécie humana – saiba que isto é o Tathagata. Isto é vê-lo
através da audição.

Pode acontecer de alguém ver o poder miraculoso do Tathagata mani-


festo diante dele. Como diferenciá-lo se é para o benefício dos seres ou
pelo lucro? Se for para o benefício dos seres e não pelo lucro, saiba que
isto é o Tathagata. Isto é ver com os olhos.

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 39


Alguém medita sobre o Tathagata, que vê os humanos com a sabedoria
da leitura de pensamentos. Ele fala do Dharma por lucro e não para o
benefício dos seres? Se for para o benefício dos seres e não pelo lucro,
saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver através da audição.

Como o Tathagata adquire o corpo carnal? Por que ele o adquire? Para
quem ele o adquire? Isto é ver com os olhos.

Como o Tahagata fala sobre o Dharma? Por que ele fala sobre o Dhar-
ma? Para quem ele fala sobre o Dharma? Assim devemos meditar. Isto
é vê-lo através da audição.

(Se) más ações corporais (agressões) [lhe] são dirigidas, e a ira não
surge. Saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver com os olhos.

(Se) más ações orais (ofensas) [lhe] são dirigidas, mas a ira não surge.
Saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver através da audição.

Quando o Bodhisattva é recém nascido no mundo, ele dá sete passos


nas dez direções, os generais-demônio, Manibhadra e Purnabhadra,
carregam bandeiras, momento em que inumeráveis e ilimitados mun-
dos se agitam e uma resplandecente luz dourada preenche o céu. Os
reis nagas, Nanda e Upananda, com seus poderes divinos, banham o
corpo do Bodhisattva. Todos os deuses mostram seus corpos. Eles vêm
e prestam homenagem. O Rishi Asita junta (as palmas das) suas mãos e
presta homenagem. No auge da maturidade, ele [o Bodhisattva] aban-
dona os desejos como se fossem lágrimas e saliva. Ele não é incomoda-
do pelos prazeres mundanos. Ele abandona o seu lar, pratica a Via, e
busca a quietude. No sentido de extirpar as visões distorcidas, ele se
sujeita às austeridades por seis anos. Ele vê todos os seres com olhos
igualitários, não com a mente dúbia. Sua mente está sempre em sama-
dhi e não há um momento sequer em que ela adormeça. Ele parece
sereno e esplêndido; assim seu corpo é adornado. Onde quer que vá, a
terra é plana. As peças da sua indumentária não passam de quatro
polegadas e não caem ao chão. Quando caminhando, ele olha para
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 40
frente, não olha à direita e nem à esquerda. O que faz é com (extrema)
aptidão e nada [do que é feito] vai além do que é necessário. Onde ele
senta e permanece, a grama não se move. Para ensinar os seres, ele se
move e baseia-se no Dharma. Não demonstra arrogância. Isto é ver
com os olhos. O Bodhisattva, conforme dá seus sete passos, diz: ‘O
corpo que agora possuo é o último de todos aqueles que terei’. Asita
junta as suas mãos e diz: ‘Saiba, oh Grande Rei! O Príncipe Siddharta
certamente alcançará a Iluminação Insuperável. Ele não permanecerá
no lar e não se tornará um Chakravartin. Por que não? Porque sua fisi-
onomia é clara e brilhante. O Chakravartin não parece claro e brilhante.
A forma corpórea do Príncipe Siddharta é brilhante e notável. Por essa
razão, infalivelmente ele atingirá a Iluminação Insuperável’. Ele conhe-
cerá a velhice, a doença, a morte, e dirá: ‘Sinto piedade ao ver todos os
seres vivendo assim. Nascimento, velhice, doença e morte seguem-se
um ao outro. E eles não podem ver; sempre sofrem. Eu agora cortarei
as amarras’. Sob (orientação do Rishi) Aradakalama, que é perfeito nos
cinco poderes divinos, ele pratica o samadhi da asamjna (‘irreflexão’ -
ausência de qualquer percepção). Ao atingi-lo, ele diz que esta não é a
Via para o Nirvana, mas aquela do nascimento e da morte. Por seis
anos ele pratica essa austeridade e nada obtém. (E diz) ‘Se for verda-
deiro, devo ser capaz de alcançá-lo. Se for falso, nada alcançarei. Esta é
uma maneira distorcida e não a correta’. Ao atingir a Iluminação,
Brahma vem e indaga. ‘Oh Tathagata! Por favor, abra os portais da
amrta [imortalidade] e ensine o Dharma insuperável’. O Buda diz: ‘Oh
Brahma! Todos os seres estão sempre na escuridão das impurezas. São
incapazes de dar ouvido ao meu Dharma Maravilhoso’. Brahma ainda
diz: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Há três tipos de seres, a saber: 1) de
inteligência aguçada, 2) de inteligência mediana, 3) de pouca inteligên-
cia. Os de inteligência aguçada serão receptivos. Por favor, condescen-
da em pregar’. O Buda diz: ‘Oh Brahma! Ouça atentamente, ouça aten-
tamente! Para o benefício dos seres, agora abrirei os portais da imorta-
lidade’. Então, em Varanasi, ele gira a Roda da Lei e proclama o Cami-
nho Médio. Todos os seres não destroem o laço das impurezas. Não é
que eles não possam destruí-lo. Não é que ele seja destruído, nem que
não seja destruído. Portanto, Caminho Médio. Ele não leva os seres à
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 41
outra margem, nem é que não possa levar os seres à outra margem.
Portanto, Caminho Médio. Em tudo o que é ensinado, não há como
dizer que um é mestre, nem que outro é discípulo. Portanto, Caminho
Médio. Tudo o que é ensinado não é pelo lucro, nem é que a fruição
surgisse lá. Isto é o Caminho Médio. Trata-se de linguagem correta,
palavras reais, palavras oportunas e verdadeiras. Nenhuma palavra é
dita de maneira falsa. É Todo-Maravilhoso e supremo. Ouvir tais pala-
vras é ver através da audição.

Oh bom homem! O estado da mente do Tathagata pode realmente ser


visto. Caso algum bom homem ou boa mulher desejem vê-lo, ele ou ela
dependerão desses dois tipos de relações causais.

Então o Bodhisattva Rugido do Leão disse ao Buda: ‘Oh Honrado pelo


Mundo! Você empregou apenas agora a analogia da fruta ‘amra’ e
comparou-a aos quatro (tipos de) seres, os quais são: 1) as ações são
mínimas (quietude do corpo), mas sua mente não é correta, 2) sua
mente é mínima (quietude da mente), mas sua ação não é correta, 3)
sua mente é mínima e sua ação também é mínima, 4) sua mente não é
mínima e sua ação também não é correta. Como podemos saber dos
dois primeiros? Você, o Buda, diz que você está baseado nestes dois.
Isto é difícil saber.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Eu comparo os dois tipos de


homens à amra (fruta). Isto é, de fato, difícil de compreender. Como é
difícil saber, eu digo no sutra: ‘Conviver. Caso uma pessoa não seja
capaz de vir a conhecer através da convivência, dê-lhe tempo e vida
longa. Se não alcançado através da vida longa, a Sabedoria resolverá.
Se a Sabedoria não pode abrir um caminho para o conhecimento, me-
dita-se profundamente. Através da meditação uma pessoa pode ver
bem o que é puro nos shila [preceitos de moralidade] e o que os viola’.

Oh bom homem! Através desses quatro itens: convivência, vida longa,


Sabedoria e meditação, uma pessoa pode vir saber dos shila verdadei-
ros e não-verdadeiros. Oh bom homem! Existem dois tipos de shila e
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 42
dois tipos de pessoas que defendem os shila. Um é absoluto e o outro
não-absoluto. Se uma pessoa somente defende os shila através das
relações causais, o sábio se perguntaria se a defesa dos shila dessa
pessoa é para o benefício, ou por lucro, ou é a absoluta defesa dos
shila. Oh bom homem! Os shila do Tathagata não têm nada a ver com
relações causais. Este é o porquê Eu digo ‘shila absoluto’. Por conta
disto, mesmo quando atacado por qualquer maldade, o Bodhisattva
não se sente molestado pela ira. Por essa razão, podemos dizer que o
shila imutável do Tathagata é shila absoluto.

Oh bom homem! Certa vez vivi em Magadha, no grande castelo de


Campa, junto com Shariputra e seus discípulos. Havia então um caça-
dor que estava atrás de uma pomba. Assustada, essa pomba veio a se
esconder sob o robe de Shariputra e tremia como uma bananeira. Em
seguida, ela veio para a sombra do meu corpo, seu corpo e mente en-
contraram a paz, e o medo se foi. Saiba, portanto, que o Tathagata é
alguém que defende os shila eternamente, tal que a sua sombra possui
esse poder.

Oh bom homem! Shila não-absoluto não pode levar alguém nem


mesmo ao estágio de um Sravaka ou Pratyekabuda. Como se poderia
esperar atingir a Iluminação Insuperável?

Novamente, há dois tipos. Um é pelo lucro e o outro pelo Dharma Ma-


ravilhoso. Alguém defende shila pelo lucro. Saiba que com esse shila
não se pode ver o Tathagata e a Natureza de Buda. Pode-se ouvir os
nomes da Natureza de Buda e do Tathagata, mas esta não pode ser
chamada visão através da audição. Se alguém defende shila pelo
Dharma Maravilhoso, saiba que esse alguém, através disto, verá a Na-
tureza de Buda e o Tathagata. Isto é ver com os olhos e também atra-
vés da audição.

Novamente, há dois tipos. Um é profundamente enraizado, que é difícil


arrancar; e o outro superficialmente enraizado, que é fácil arrancar. Se
alguém pratica os samadhis do não-nascimento, não-mortalidade e
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 43
não-desejo, é difícil arrancar. Uma pessoa pode praticar esses três sa-
madhis, mas se for em prol das 25 existências, isto é o que se diz super-
ficialmente enraizado e fácil arrancar.

Os Preceitos do Bodhisattva

Novamente, existem dois tipos. Uma pessoa observa [shila] para o seu
próprio benefício, e a outra para o benefício dos outros seres. Se ob-
servado pelos outros seres, essa pessoa verá a Natureza de Buda e o
Tathagata.

Há dois tipos (de pessoas) entre aqueles que defendem shila. Um é a


pessoa que, por natureza, defende completamente os shila, e o outro é
a pessoa que age sob injunções estabelecidas pelos outros. Quando
alguém recebe shila, através das inumeráveis eras, esse alguém não os
perde. Uma pessoa pode nascer num mau país, ou pode encontrar um
mau amigo, uma má época, ou um mau ensinamento, ou pode sentar-
se junto com aqueles que persistem em más visões da vida. Naquela
ocasião, pode não haver lei [dharma] de recebimento dos shila. No
entanto, a pessoa pratica a Via exatamente como outrora e não trans-
gride (os shila). Este é o caso de como alguém defende [os shila] com-
pletamente por natureza. No outro caso, os preceitos podem ser dados
a alguém por um mestre-sacerdote ou pelo jnati-caturtha [ritual de
recebimento dos preceitos]. Mesmo quando recebeu esse (tipo de)
shila, aquele alguém sempre decide consultar as palavras do mestre,
bons companheiros e amigos, ou outrem que seja perfeito na maneira
de ouvir e proferir sermões. Esse é o caso chamado de ação sob injun-
ções dos outros.

Oh bom homem! Alguém que, por natureza, defende completamente


os shila vê, com os seus próprios olhos, a Natureza de Buda e o Tatha-
gata. Também, isso é visão através da audição. Entretanto, há dois
tipos (de preceitos). Um é o shila dos Sravakas e o outro é aquele do

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 44


Bodhisattva. Esse último atinge desde a primeira aspiração até a Ilumi-
nação Insuperável. Esse é o shila do Bodhisattva. Se alguém medita
sobre ossos brancos, atinge-se o Arhatship. Este é o caso do shila do
Sravaka. Deve-se saber que alguém que defende o shila do Sravaka não
vê a Natureza de Buda e o Tathagata. Qualquer pessoa que defenda o
shila dos Bodhisattvas, saiba-se, atinge a Iluminação Insuperável e vê
bem a Natureza de Buda, o Tathagata e o Nirvana.”

Por Que Defender Preceitos

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


que defendemos os preceitos proibitivos?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se for assim a mente não se arrepen-
de. Por que não se arrepende? Porque se obtém bênçãos (felicidade).
Como se obtém bênçãos? Isto vem da segregação. Por que necessita-
mos buscar a segregação? Para obter a paz. Como obtemos a paz?
Através da meditação. Por que meditamos? Para obter o verdadeiro
conhecimento e visão. De que maneira temos verdadeiro conhecimen-
to e visão? Através da visão dos muitos males e aflições do nascimento
e da morte. Isto é para a nossa mente não se apegar avidamente. Por
que necessitamos ter a mente não apegada avidamente? Porque ob-
temos Emancipação. Como obtemos Emancipação? Ao obter o insupe-
rável Grande Nirvana. Como obtermos o insuperável Grande Nirvana?
Ao obter o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Por que dizemos que obte-
mos o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro? Em razão da consecução do não-
nascimento e não-mortalidade. Como obtemos o não-nascimento e
não-mortalidade? Ao ver a Natureza de Buda. Assim, o Bodhisattva,
por natureza, defende os shila [preceitos de moralidade] de absoluta
pureza.

Oh bom homem! O Monge que defende shila pode não fazer um voto
para obter a mente do não-arrependimento, mas a mente do não-

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 45


arrependimento surgirá por si. Por quê? Porque a natureza da lei [natu-
reza do Dharma] faz com que as coisas sejam assim, espontaneamente.
Embora particularmente ele possa não procurar chegar à segregação,
paz, samadhi, conhecimento e visão, visão dos males do nascimento e
da morte, à mente que não se apega avidamente [às coisas], à emanci-
pação, ao Nirvana, ao Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro, ao não-
nascimento e não-mortalidade, e à Natureza de Buda; no entanto,
todas essas coisas surgirão espontaneamente. Por quê? Em razão da
plena-naturalidade da natureza da lei.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


alguém obtém (espontaneamente) a fruição do não-arrependimento a
partir da observância dos preceitos e a fruição do Nirvana através da
Emancipação, não há causa relacionada aos preceitos e nenhuma frui-
ção relacionada ao Nirvana. Se os preceitos não têm causa relacionada,
isto é o Eterno; e se o Nirvana tem alguma causa relacionada (no caso,
a emancipação), ele deve ser não-eterno. Isto é como a luz de uma
lâmpada. Se o Nirvana fosse algo semelhante, como poderíamos dizer
que ele é o Eu, Êxtase, e o Puro?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você já plan-
tou boas sementes no passado no lugar (função) de inumeráveis Budas
e agora é capaz de colocar questões de profundo significado para o
Tathagata. Oh bom homem! Você não acabou com o pensamento
original que tinha, e pergunta assim. Relembro que em tempos passa-
dos, há inumeráveis kalpas atrás, surgiu um Buda em Varanasi chama-
do ‘Bem-Atingido’. Naquela ocasião, esse Buda proferiu um sermão
sobre o Sutra do Grande Nirvana ao longo de 3(três) bilhões de anos.
Eu, juntamente com você, juntamo-nos àqueles lá congregados. Eu,
então, indaguei o Buda sobre essa questão. Então, o Tathagata, para o
benefício dos seres, estava no samadhi correto e não respondeu. Oh
grande! Você retém bem essa velha história dos dias passados em sua
mente. Ouça atentamente, ouça atentamente! Agora direi a você.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 46


Esses preceitos também têm uma causa. Porque eles surgem da audi-
ção do Dharma Maravilhoso. O fato de alguém ouvir o Dharma Maravi-
lhoso é também uma causa. Isto surge ao fazer amizade com um bom
amigo. A associação de alguém com um bom amigo é a causa. Isto
surge da fé. Ter fé também é uma causa.

Há dois tipos de causa. Um é ouvir um sermão, e o outro é pensar so-


bre o seu significado.

Oh bom homem! A fé surge da audição do Dharma, e essa audição está


baseada na fé. Essas duas são causa e causa da causa. Também, elas
são resultado e resultado do resultado. Oh bom homem! Os Nirgran-
thas protestam e apresentam o caso de um vaso, e dizem que cada um
serve como causa e efeito, e um não pode se separar do outro. O caso
se estabelece assim.

‘Ignorância’ [‘avidya’] tem relações causais com [isto é, a ignorância


causa] ‘impulsos volitivos’ [‘samskara’], e os impulsos volitivos (tem
relações causais) com a ignorância. Ora, este caso da ignorância e dos
impulsos volitivos é causa, e causa da causa; e também efeito, e efeito
do efeito. O nascimento é a causalidade relacionada ao envelhecimen-
to-e-morte, e o envelhecimento-e-morte ao nascimento. E o nascimen-
to e envelhecimento-e-morte são causa e causa da causa; e são efeito e
efeito do efeito. O caso é assim.

Oh bom homem! O nascimento realmente evoca as coisas. Não pode


haver nascimento por si só. Ele não pode surgir por ele mesmo. O nas-
cimento surge dependente de outro nascimento. Nascimento-
nascimento não pode surgir assim por si. Ele é dependente de um nas-
cimento. Assim, os dois nascimentos também são causa, e causa da
causa; e são efeito e efeito do efeito.

Oh bom homem! O caso da fé e audição do Dharma é assim.

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 47


Oh bom homem! Isto (agora) é efeito e não é causa; é o Grande Nirva-
na.

Por que dizemos efeito? Porque este é o fruto supremo, a fruição de


um Shramana, de um Brâmane, porque erradica o nascimento-e-
morte. Porque a pessoa extirpa as impurezas. Em razão disto, dizemos
efeito. Chamamos as impurezas de errado do errado.

Oh bom homem! O Nirvana não tem causa. Ele é o resultado. Por que é
assim? Porque não há nascimento-e-morte. Porque não há ação reali-
zada e porque é não-criado. É um Não-Criado. É Eterno e Imutável. Não
há lugar onde ele exista [isto é, não está confinado num lugar particu-
lar, não pode ser fixado a um lugar específico]. Não há início e nem fim.

Oh bom homem! Se o Nirvana tem alguma causa que possa ser nome-
ada, isto não é Nirvana. ‘Van’ [‘Vana’ de ‘Nir-Vana’] significa causa; o
Nirvana das relações causais significa ‘não’. Como não há causa que
possa ser nomeada, dizemos Nirvana.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “O Buda diz que o Nirvana não


tem causa que possa ser nomeada. Mas isto não é assim. Se é dito que
não há nada, essa resposta [corresponde] a seis significados. Primeiro,
temos o ‘não-é definitivo’. Isto é como no caso no qual todas as coisas
não têm uma entidade chamada ‘eu’ definitiva e nenhuma coisa defini-
tiva pertencente a elas. Segundo, é não-existente quando pode existir.
Portanto, ‘nada’. Isto é como quando as pessoas dizem: ‘Não há água
no rio ou lago; ou não há sol e lua’. Terceiro, como a quantidade é pe-
quena, portanto, ‘nada’. As pessoas do mundo dizem quando há pouco
sal, ‘sem-sal’; quando a doçura é insignificante, dizemos ‘sem-açúcar’.
Quarto, quando alguém nada recebe, diz-se ‘nada’. O candala não po-
de defender os ensinamentos do Brâmane. Assim dizemos: ‘Não há
Brâmane’. Quinto, quando alguém aceita uma coisa má, dizemos ‘na-
da’. As pessoas dizem: ‘Uma pessoa que aceita uma coisa má não é
Shramana ou Brâmane, porque as pessoas não podem chamá-la de
Shramana ou Brâmane’. Sexto, porque ele não pode ser comparado.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 48
Por exemplo, se não existe branco, dizemos preto; quando não há es-
clarecimento, dizemos ignorante.

Oh Honrado pelo Mundo! O caso com o Nirvana é assim. Se disse que


não há causa quando há. É por isso que dizemos Nirvana.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Agora você fala dos seis significados.
Você não pega o caso do nada definitivo e o compara com o Nirvana.
Mas, você pega o caso do nada em relação à realidade.

Oh bom homem! O corpo do Nirvana não tem absolutamente uma


causa que possa ser nomeada. É como no caso onde não há ‘eu’ e nada
que pudesse ser nomeado como pertencente a alguém.

Oh bom homem! Aquilo que se obtém no mundo e o que se obtém no


Nirvana não pode ser comparado absolutamente. Assim, os seis itens
não servem como comparação.

Oh bom homem! Todas as coisas não possuem um ‘Eu’. Mas esse Nir-
vana realmente possui o ‘Eu’. Por essa razão, dizemos que o Nirvana
não tem causa e, no entanto, o corpo é o resultado. Isto é a causa, e
não o resultado. Chamamos isto de Natureza de Buda. Como não é
resultado que surge de uma causa, ele é a causa, mas não resultado.
Não é resultado de um Shramana. Assim, dizemos ‘não-resultado’.

Por que dizemos ‘causa’? Porque é a causa revelada.

Oh bom homem! Existem dois tipos de causa. Um é a causa do nasci-


mento e o segundo a causa revelada.

Também, existem as causas do nascimento, que são os seis paramitas e


a Iluminação Insuperável.

Também, existem as causas reveladas, que são os seis paramitas e a


Natureza de Buda.
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 49
Também, existem as causas do nascimento, que são o Samadhi Suran-
gama e a Iluminação Insuperável.

Também, existem as causas reveladas, que são o Nobre Caminho Óc-


tuplo e a Iluminação Insuperável.

Também, existem as causas do nascimento, que são a fé e os seis pa-


ramitas.”

Sobre Ver o Tathagata e a Natureza de Buda

(O Bodhisattva) Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O


que significa quando falamos que vemos o Tathagata e a Natureza de
Buda sobre a qual você, o Buda, fala? Oh Honrado pelo Mundo! O Ta-
thagata não tem fisionomia carnal. Ele não é alto, nem baixo, nem
branco, nem preto. Não há sentido em falar dele. Ele não está nos três
mundos. Ele não é uma existência criada. Ele não é alguém que possa
ser visto através dos olhos. Como podemos vê-lo? A situação é a mes-
ma com a Natureza de Buda.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Existem dois tipos de Corpo-Búdico.


Um é Eterno, e o outro é impermanente. Este último é manifestado
através de (meios) expedientes para salvar os seres. Isto é ver através
dos olhos. O Eterno refere-se ao corpo emancipado do Tathagata-
Honrado-pelo-Mundo! Considera-se algo visto pelos olhos. É também
algo visto pela audição. A Natureza de Buda, também, tem dois tipos, a
saber: 1) visível, e 2) invisível. A visível é o caso dos Bodhisattvas do
décimo estágio (‘bhumi’) e de todos os Budas-Honrados-pelo-Mundo; a
impossível de ser vista (invisível) refere-se ao caso dos seres. Visão com
os olhos refere-se à Natureza de Buda dos seres vista pelos Bodhisatt-
vas do décimo estágio e por todos os Budas-Tathagatas. Visão através

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 50


da audição refere-se a todos os seres que ouvem que o Bodhisattva do
nono estágio possui a Natureza de Buda.

O corpo do Tathagata também tem dois tipos. Um é o carnal e ou ou-


tro o não-carnal. O carnal é assim chamado quando o Tathagata torna-
se emancipado. O não-carnal concerne ao Tathagata que está apartado
eternamente de todos os tipos de existência carnal.

A Natureza de Buda também tem dois tipos. 1) rupa [forma], 2) não-


rupa. Rupa concerne à Iluminação Insuperável, e não-rupa se refere a
todos os seres e aos Bodhisattvas dos dez estágios. Os Bodhisattvas dos
dez estágios não podem ver a Natureza de Buda muito claramente. É
por essa razão que a classificamos como não-rupa.

Oh bom homem! A Natureza de Buda ainda tem mais dois tipos, os


quais são: 1) rupa, e 2) não-rupa. Rupa concerne ao Buda e aos Bodhi-
sattvas, e não-rupa a todos os seres. Rupa se refere à visão com os
olhos, e não-rupa a ver através da audição. A Natureza de Buda não
existe dentro e fora (inclusiva); nem dentro ou fora (exclusiva). E ainda
assim ela não é perdida ou destruída. Este é o porquê dizemos que
todos os seres possuem a Natureza de Buda.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Bu-


da diz que todos os seres possuem a Natureza de Buda. Existe mantei-
ga no leite. É como no caso do vajra-guardsman [um dos deuses que
segura um diamante em suas mãos e protege o ensinamento Budista].
A Natureza de Buda de todos os Budas é pura sarpirmanda [ghee, ou o
mais delicioso e eficaz remédio]. Por que o Tathagata diz que a Nature-
za de Buda existe nem dentro e nem fora?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Eu também não disse que a manteiga
existe no leite. O que eu disse é que a manteiga surge do leite. E assim
dizemos que existe a manteiga.”

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 51


“Oh Honrado pelo Mundo! Em todos os nascimentos, existe uma oca-
sião.”

“Oh bom homem! Na fase do leite, não existe manteiga. Assim, não há
manteiga fresca, nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. Todos os
seres também chamam isto de leite. Portanto, Eu digo que não há
manteiga no leite. Se houvesse, por que teríamos dois nomes e falarí-
amos, por exemplo, como o fazemos com os ‘dois artífices do ouro
(ourives) e do ferro (ferreiro)’? Na fase da manteiga, não há leite e nem
é manteiga fresca, nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. Os
seres também dizem que é manteiga e não leite, nem manteiga fresca,
nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. O mesmo (ocorre) com (a
fase de) sarpirmanda também.

Oh bom homem! Existem dois tipos de causas. Um é a causa direta, e o


outro a condição. Dizemos causa direta. Podemos comparar isto ao
leite que evoca a manteiga; e através da condição, podemos evocar a
qualidade da acidez e calor. Como ela vem do leite, dizemos que existe
a qualidade da manteiga no leite.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se não há natureza


da manteiga no leite, isto nos levará a dizer que ela não pode estar no
chifre. Por que é que ela não surge do chifre?”

Oh bom homem! O chifre também evoca a manteiga. Por quê? Eu


também disse que há dois tipos de condição. Um é ter o conteúdo de
‘ro’ [acidez, ou que pode levar à evocação de algo como a coalhada], e
o outro é ter ‘nan’ [calor]. Como a natureza do chifre é calor, Eu digo:
‘ele realmente evoca a manteiga’.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se o chifre pode de


fato evocar [a manteiga], por que é que alguém que busca a manteiga
pega o leite e não o chifre?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 52


O Buda disse: “Oh bom homem! Esse é o porquê eu falo de causa dire-
ta e condição.”

Rugido do Leão disse: “Se originalmente não existe natureza da man-


teiga no leite, e agora existe, e se não existe originalmente amra no
leite, por que é que ela (a amra) não eclode (brota)? Isto é porque am-
bos (leite e manteiga) não a contém desde o início.”

“Oh bom homem! Mesmo aqui, o leite evoca a amra. Se alguém borrifa
leite na amra, ela cresce cinco pés numa noite. Este é o porquê eu digo
que existem duas causas [isto é, a causa e ‘por causa’, ou condição]. Oh
bom homem! Se todas as coisas surgem de uma causa, como você
pode criticar e questionar por que a amra não surge no leite? Oh bom
homem! Os quatro grandes elementos e todas as coisas concretas
podem ser os elementos das relações causais. No entanto, cada coisa é
diferente da outra e não podem ser as mesmas. Por essa razão, a amra
não surge lá no leite.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que existem dois tipos de
causa, os quais são: 1) causa direta, e 2) condição. A que causa a Natu-
reza de Buda dos seres responde (serve)?”

“Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres também tem duas
causas. Uma é a causa direta e a outra a condição. A causa direta cor-
responde a todos os seres; a condição é os seis paramitas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu agora definitiva-


mente sei que o leite contém em si a natureza da manteiga. Por quê?
Eu vejo que as pessoas do mundo que buscam a manteiga pegam so-
mente o leite e nunca a água. A partir disto, sabemos que a natureza
da manteiga existe no leite.”

“Oh bom homem! O que você diz não está correto. Por que não? Todos
os seres que procuram ver sua face e feições pegam apenas a espada.”

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 53


Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por essa razão, existe
a natureza da manteiga no leite. Se não houvesse a face e nenhuma de
nossas feições na espada, por que pegaríamos uma espada [para o-
lhar]?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se a face e a forma corpórea definiti-


vamente existem, por que é que existe a [imagem] de cabeça-para-
baixo? Verticalmente se vê a altura, e transversalmente se vê a largura.
Se isto é a nossa própria face, como poderia ser tão longa? Se essa face
é de outra pessoa, como alguém pode dizer que esta é a sua própria
face? Se é o caso que alguém vê, através da sua própria face, a face de
outro alguém, por que não se vê a face e forma de um burro?”

“Oh Honrado pelo Mundo! A luz dos olhos abrange (a face), de tal ma-
neira que vemos que a face é alongada.”

“Oh bom homem! Entretanto, essa luz dos olhos não abrange (a face).
Por que não? Porque alguém vê o próximo e o distante ao mesmo
tempo. O que fica no intermédio não é visto. Oh bom homem! Se a luz
abrange (a face) e pode-se ver, por que é que todos os seres não se
queimam ao ver o fogo? Não se tem dúvida quando se vê uma coisa
branca distante e pergunta-se se é uma grua, uma bandeira, um ho-
mem, ou uma árvore? Como pode ser que se veja uma coisa num cris-
tal, e o peixe e as pedras em águas profundas somente se a luz entrar
(penetrar o meio)? Se alguém vê sem que a luz penetre, por que é que
se vê uma coisa num cristal e não se pode ver aquilo que está atrás da
parede? Em razão disto, não podemos dizer que a luz dos olhos abran-
ge o objeto e que podemos ver. Oh bom homem! Você diz que há
manteiga no leite. Mas, por que é que um vendedor cobra somente o
preço do leite e não o da manteiga? Por que é que quem vende um
cavalo do pasto o vende ao preço do cavalo do pasto, mas não ao pre-
ço do cavalo em si? Oh bom homem! Há um homem sem filhos. Assim,
ele recebe uma mulher. A mulher engravida. Não podemos dizer que
isto é uma mulher porque ela engravidou. Alguém pode dizer: ‘Pegue
essa mulher porque ela tem a qualidade de gerar uma criança’. Mas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 54
isto não funciona bem. Por que não? Se existe a qualidade de ter uma
criança, deve surgir um neto. Se houver de ser uma qualidade (da mu-
lher), isto significará que todos são irmãos. Por quê? Porque todos
seriam nascidos de uma mesma pessoa. Este é o porquê Eu digo que
uma mulher não tem qualquer qualidade de (ter por si) uma criança. Se
existe a qualidade da manteiga no leite, por que é que (ele) não possui
os cinco sabores? Se a semente de uma árvore tem a qualidade dos 50
pés de altura da nyagrodha, porque é que (ela) não tem de uma só vez
todas as diferentes formas e cores do broto, do tronco, dos galhos, da
folha, das flores e frutos? Oh bom homem! A cor do leite varia de acor-
do com o tempo. Assim é com o sabor e os produtos (dele derivados). É
o mesmo com a sarpirmanda. Como podemos dizer que o leite tem a
qualidade da manteiga nele? Oh bom homem! Por exemplo, um ho-
mem que deve obter a manteiga amanhã pode ter sentido o seu cheiro
hoje. O caso onde dizemos que o leite definitivamente possui a quali-
dade da manteiga também é a mesma coisa.

Oh bom homem! Por exemplo, é como quando concluímos uma carta,


o conjunto resultante de caneta, papel e tinta. No entanto, nesse papel
não havia nada que representasse a carta em si. Originalmente, nada
havia da carta [lá]. Através das relações causais, a carta surgiu. Se hou-
vesse alguma coisa de uma carta, por que dependeríamos de tantas
relações causais? Por exemplo, é como a cor verde, que é uma mistura
do azul com o amarelo. Sabe-se que essas duas não possuíam origi-
nalmente a qualidade do verde. Se houvesse originalmente aquela
qualidade, por que necessitaríamos misturar as duas e assim obter a
cor (verde)?

Oh bom homem! É exatamente como os seres obtém a vida da comi-


da. Mas, nessa comida, não há nada de vida, para dizer a verdade. Se
houvesse vida originalmente (lá), teria que haver uma coisa chamada
vida quando ainda não comida (ingerida).

Oh bom homem! Não existe o ‘eu’ próprio em todas as coisas. Por essa
razão, Eu falei assim num gatha:
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 55
‘O que originalmente foi, agora não é mais;
o que originalmente não foi, agora é;
Nada pode existir como ‘é’
sucedendo-se nos Três Tempos’.

Ver o Que Temos em Comum

Oh bom homem! Todas as existências surgem através das relações


causais e extinguem-se através das relações causais. Oh bom homem!
Se for verdade que todos os seres possuem a Natureza de Buda dentro
de si, será como no meu próprio caso, onde tenho o Corpo de Buda
agora. A Natureza de Buda de todos os seres é inquebrantável, indes-
trutível, não pode ser tirada, não pode ser agarrada, não pode ser pre-
sa ou atada. É como o espaço, que também está em todos os seres.
Todos os seres o possuem. Como nada há que o obstaculize, não ve-
mos esse vazio. Se os seres não tivessem esse vazio, não poderia haver
qualquer ir, vir, caminhar, parar, sentar ou reclinar; e não poderia ha-
ver nascer e crescer. Este é o porquê Eu digo neste Sutra que os seres
têm o vazio. O mundo do vazio corresponde à vacuidade. É o mesmo
com a Natureza de Buda dos seres, também. O Bodhisattva do décimo
estágio (abode) pode ver isto em parte. É como no caso do vajra-aksa.

Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres é o que todos os Budas


podem ver; não é o que Sravakas e Pratyekabudas possam conhecer.
Todos os seres não vêem a Natureza de Buda. Este é o porquê eles
estão todos atados pelas impurezas e reciclam nascimentos e mortes.
Quando alguém vê a Natureza de Buda, nenhum laço das impurezas
pode prendê-lo (mais). A Emancipação vem, e essa pessoa atinge o
Grande Nirvana.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Todos


os seres possuem a Natureza de Buda como no caso da natureza da

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 56


manteiga que está no leite. Se não, como o Buda poderia dizer que
existem duas causas, isto é: 1) a causa direta, e 2) a condição? A condi-
ção tem qualidades: 1) a acidez, e 2) o calor. O espaço não possui uma
natureza. Portanto, nem causa e nem condição.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se existe qualquer natureza da man-


teiga no leite, que condição e causa pode haver?”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Porque existe uma natureza. Em


razão disto, pode haver uma condição e causa. Por quê? Porque se
quer ver claramente. A condição ou causa (externa) nada mais são que
a causa (inerente) revelada. Oh Honrado pelo Mundo! Na escuridão já
existem muitas coisas. Quando se deseja ver, faz-se o uso de uma lâm-
pada. Se nada existia desde o princípio, o que a luz poderia iluminar?
No barro [isto é, na argila] existe o vaso. Em razão disto, uma pessoa
com uma roda d’água e uma espátula torna essa causa revelada. Ou a
semente da nyagrodha faz da terra, a água e o adubo a causa revelada.
É o mesmo com a acidez e o calor do leite. Eles podem tornar-se causa
revelada. Assim, pode haver uma qualidade que precede. Com a ajuda
da causa revelada, pode-se vê-la mais tarde. Em razão disto, sabe-se
definitivamente da manteiga que existe de antemão no leite.”

“Oh bom homem! Se o leite definitivamente contém a natureza da


manteiga, isto é uma causa revelada. Se isto é uma causa revelada, por
que se necessita ter uma coisa revelada? Oh bom homem! Se a nature-
za da causa é revelada, deve-se sempre ter [essa] revelação. Se não
houver revelação de si próprio, como se poderia esperar revelar ou-
tros? Existem dois tipos de causas reveladas, os quais são: 1) revelar
para si mesmo, e 2) revelar para outros. Se isto é o que está dito, não é
bem assim. Por que não? A causa revelada só pode ser uma. Como
pode haver duas? Se forem duas, deve-se saber que o leite também
deve ter duas. Se não pode haver duas (causas) no leite, como pode
haver duas causas reveladas?”

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 57


Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! As pessoas do mundo
podem dizer: ‘Eu estava junto com oito pessoas’. É o mesmo caso com
a causa revelada. Ela se revela e revela outros.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se a causa revelada deve ser esta (ou
seja, está determinada), não é uma causa revelada. Por que não? Al-
guém que conta seu próprio ‘eu’ também pode contar o ‘eu’ dos ou-
tros. Este é o porquê podemos dizer oito. E nesta natureza da matéria,
não há fase de revelação. Como não há fase de revelação, somente
com a ajuda da Sabedoria pode-se contar o próprio ‘eu’ e aquele dos
outros. Em razão disto, a causa revelada não pode revelar-se, e não
revela outros.

Oh bom homem! Se todos os seres possuem a Natureza de Buda, por


que se necessita praticar inumeráveis virtudes? Se alguém diz que pra-
ticar a Via é a causa revelada, isto nega a alegação de que é como no
caso da manteiga. Se alguém diz que na causa existe definitivamente o
fruto, não pode haver avanço nos preceitos, samadhi [absorção medi-
tativa] e Sabedoria. Eu vejo que as pessoas mundanas originalmente
não possuem shila, samadhi e Sabedoria. Estes aumentam (avançam)
conforme uma pessoa segue as palavras do mestre e os recebe, e gra-
dativamente eles aumentam. Diz-se que aquilo que o mestre ensina é a
causa revelada, mas ao mesmo tempo o mestre está aprendendo,
aquele que recebe ainda não possui shila, samadhi e Sabedoria. Se isso
fosse revelação, isto indica que não houve revelação. Como alguém
pode praticar shila, samadhi e Sabedoria e fazê-los crescer?”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Se não há causa revelada, como


alguém pode dizer que existe leite ou manteiga?”

“Oh bom homem! Há três maneiras de responder às críticas do mundo,


as quais são: 1) resposta reverberante, como no seguinte caso: ‘Por
que defendemos shila? Pelo fato de que não se arrepende ou se impor-
ta com o Grande Nirvana’; 2) resposta silenciosa é como quando um
Brahmacarin vem a mim e indaga: ‘O ‘eu’ é eterno?’, e eu mantenho
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 58
meu silêncio; 3) resposta duvidosa, como no caso: ‘Se existem duas
causas reveladas, por que não pode haver dois leites?

Oh bom homem! Eu agora recorro à resposta reverberante: ‘Porque as


pessoas do mundo dizem que existem leite e manteiga, e que alguém
decididamente os obtém. Em razão disto, podemos dizer que existem
leite e manteiga. É o mesmo com a Natureza de Buda, que alguém
pode realmente ver.”

Rugido do Leão disse: “O que o Buda diz não funciona bem. O passado
já foi e o futuro ainda está por vir. Como podemos dizer que eles exis-
tem? Se isto significa o que está para acontecer, não está de acordo
com a razão. Isto é como quando as pessoas do mundo dizem ‘sem
filhos’, quando vêem uma pessoa sem um filho. Como podemos dizer
que todos os seres possuem a Natureza de Buda quando não a possu-
em?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O passado é uma existência. Por e-


xemplo, plantamos uma laranja mandarim. Ela solta um broto e a se-
mente morre. O broto é doce; a fruta, também, é doce. Quando madu-
ra, ela torna-se azeda. Oh bom homem! Esse sabor de acidez não existe
na semente ou no broto; nem na fruta verde. Quando amadurece de
acordo com a qualidade que ela possui originalmente, surgem a forma,
a cor, a aparência externa e o sabor azedo. E essa acidez é o que origi-
nalmente não era, mas agora é. Muito embora não existisse, mas exis-
tindo agora, isto não quer dizer que essa qualidade não estava lá origi-
nalmente. Assim, embora a fruta origine-se do passado, não obstante,
podemos dizer que é o que existe. Em razão disto, dizemos que o pas-
sado é o que ‘é’.

Como podemos chamar o futuro de ‘é’? Por exemplo, uma pessoa


planta sésamo (gergelim). As pessoas perguntam: ‘Por que você está
plantando isto?’ A pessoa responde: ‘Nós [desejamos ter] óleo’. Embo-
ra o óleo não exista, o obtemos quando o sésamo amadurece, quando
colhemos as sementes, torramos ou as passamos através de um vapor,
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 59
e as esprememos para obter óleo. Saiba que não estamos falando ne-
nhuma mentira. Por essa razão, podemos dizer que existe um futuro
‘é’.

Como, novamente, podemos dizer que o passado tem um ‘é’? Oh bom


homem! Uma pessoa falou mal do Rei em tempos anteriores. Anos
mais tarde, o Rei vem a ouvir isto. Ao ouvir, ele indaga: ‘Por que você
falou mal de mim?’ ‘Oh grande Rei! Eu não falei mal de você. A pessoa
que falou mal de você agora está morta’. O Rei diz: ‘Ambos, a pessoa
que falou mal de mim e o meu próprio corpo existem. Como você pode
dizer que ele está morto?’ Por conta disto, o homem perdeu sua vida.

Oh bom homem! Esses dois (passado e futuro) realmente não existem


e, no entanto, o resultado cármico permanece e não está morto. Este é
o passado ‘é’. Como falamos sobre o futuro ‘é’? Por exemplo, uma
pessoa vai a um oleiro e pergunta: ‘Você tem um vaso?’. A resposta
vem: ‘Temos um vaso’. E ainda não existe um vaso. Como o oleiro tem
o barro, ele diz que o tem. O caso é análogo a este. Saiba que a pessoa
não está dizendo mentiras. Existe manteiga no leite. É o mesmo com a
Natureza de Buda dos seres. Se alguém deseja ver a Natureza de Buda,
deve-se pensar em tempo, forma e cor. Por essa razão, digo que todos
os seres possuem a Natureza de Buda. Não há nada nisto que seja fal-
so.”

Rugido do Leão disse: “Se os seres não possuíssem a Natureza de Buda,


como eles poderiam atingir a Iluminação Insuperável? Em razão da
causa direta (inerente). Através disto, os seres atingem a Iluminação
Insuperável. O que é causa direta. É nada mais que a Natureza de Buda,
oh Honrado pelo Mundo! Muito embora a semente da nyagrodha con-
tenha em si a árvore da nyagrodha, chamamo-la de semente de nya-
grodha. E por que é que não a chamamos de semente de khadira? Oh
Honrado pelo Mundo! O nome de família Gautama não pode ser re-
presentado por Atreya, e Atreya não pode ser representado por Gau-
tama. Assim se dão as coisas com a semente de nyagrodha. Ela não
pode ser representada por uma semente de khadira ou a khadira ser
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 60
representada pela semente da nyagrodha. E como você não pode aca-
bar com o nome da família Gautama, não se pode acabar com a Natu-
reza de Buda dos seres. Saiba-se que os seres, em razão disto, possuem
a Natureza de Buda.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se você diz que existe a (árvore) nya-
grodha na semente, tenho que dizer que isto não é assim. Se fosse, por
que não a vemos? Oh bom homem! É como com as coisas do mundo
que não podem ser vistas em razão das relações causais. O que são
[essas] relações causais? Elas são, por exemplo, como o caso onde a
distância é tão grande que não se pode ver. Ou como o traço do vôo de
um pássaro através do céu. Ou como quando a distância é tão curta
como num piscar de olhos. Ou como no caso de uma fragmentação,
em conseqüência da qual não se pode ver. Ou por causa do apodreci-
mento da raiz. Ou é como a dispersão do pensamento, como quando a
mente de alguém não está concentrada exclusivamente num foco. Ou
é como quando algo é tão minúsculo quanto uma partícula de pó. Ou é
como quando um obstáculo existe, como quando as nuvens obscure-
cem a visão das estrelas interpondo-se a elas. Ou quando há muitos, de
tal maneira que não se pode ver, como no caso do cânhamo em meio
às plantas de arroz. Ou em razão da similaridade, em conseqüência da
qual não se pode ver, como no caso de um (grão de) feijão em meio a
feijões. Mas, (o caso da) nyaghodha não é nada parecido com essas
oito relações causais. Se tal, por que é que não a podemos ver? Você
pode dizer que não vemos em razão dos pequenos obstáculos. Mas,
isto não é assim. Por que não? Porque as características externas (da
árvore da nyagrodha) são rudes e grosseiras. Se você diz que a nature-
za é diminuta, como ela pode realmente crescer? Se alguém diz que
não pode (ver) em razão de um obstáculo, nunca seríamos capazes de
ver. Se for dito que originalmente não havia essa rudeza, mas agora
alguém vê essa rudeza, saiba que essa rudeza não possui a natureza de
si própria. Originalmente, não havia natureza (da rudeza), e agora al-
guém a vê. Saiba que a natureza do que foi visto originalmente não
possui a natureza de si própria. É o mesmo com a semente. A árvore
em si não existia. Agora, nós a vemos. Que mal há?”
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 61
Rugido do Leão disse: “Há duas causas das quais o Buda fala. Uma é a
causa direta e a outra é a causa revelada. Em razão da semente de
nyagrodha estar baseada na causa revelada da terra, água e adubo, isto
permite ao que é diminuto ganhar a forma (grosseira).”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se existe o chão como ponto de parti-
da, por que necessitamos buscar a causa revelada? Se não existe natu-
reza sobre a qual falar, o que há para revelar? Se originalmente não
havia qualquer elemento de rudeza, e em razão da causa revelada
surgiu a rudeza, por que é que a khadira não surgiu? O fato é que am-
bos não existem originalmente. Oh bom homem! Se a minuciosidade
não pode ser vista, pode-se ver bem o que é grosseiro. Por exemplo,
alguém pode não ser capaz de ver uma simples partícula e, no entanto,
quando muitas partículas se juntam, pode-se ver. Dessas sementes,
pode-se ver o que é grosseiro. Por quê? Porque nesta já existe o broto,
o caule, a flor e o fruto. Em cada fruto já existem incontáveis sementes.
Cada semente contém em si inumeráveis árvores. Portanto, dizemos
grosseiro. Como existe essa rudeza, pode-se de fato vê-la. Oh bom
homem! Se essa semente de nyagrodha possui a natureza da nyagro-
dha e se ela evoca uma árvore, vemos que a semente está sendo
queimada no fogo. Assim, a natureza de ser queimada também será
um ‘é’. Se ela é um ‘é’, não pode haver qualquer surgimento de uma
árvore. Se todas as coisas são originalmente da natureza do nascimen-
to e da morte, por que é que o nascimento precede e a morte segue, e
todas as coisas não acontecem ao mesmo tempo? Por essa razão, saiba
que não existe natureza.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se a


semente da nyagrodha não possui originalmente a natureza da árvore,
e ainda assim evoca a árvore, por que é que essa semente não produz
óleo? Isto advém do fato de que nenhuma delas (semente ou árvore)
possui tal natureza.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 62


“Oh bom homem! Mesmo essa semente, de fato, produz óleo. Embora
não exista a natureza, é ‘é’ em razão das relações causais.”

Rugido do Leão disse: “Por que não a chamamos de óleo de gergelim?”

“Oh bom homem! Porque não é óleo de gergelim. Oh bom homem! A


relação causal do fogo evoca fogo; a da água evoca a água. Ambos
seguem as relações causais, mas existir ambos [a um único e mesmo
tempo] não é possível. É o mesmo com as sementes da nyagrodha e do
gergelim. Ambas seguem as relações causais, mas não existem ao
mesmo tempo. A natureza da semente da nyagrodha facilmente cura
um frio, e a do gergelim cura uma febre. Oh bom homem! Através da
diferença nas relações causais, a cana de açúcar evoca a rapadura e o
kokumitsu [certo produto do açúcar – possivelmente melaço]. Ambos
dependem das relações causais, mas sua cor e aparência externa dife-
rem. Rapadura cura febre e kokumitsu cura o frio.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se não


existe qualquer natureza da manteiga no leite, nem a natureza do óleo
no cânhamo, nem a natureza da árvore na (semente de) nyagrodha,
nem a natureza do pote no barro, nem a Natureza de Buda em todos
os seres, tudo isto contradiz o que o Buda disse acima que todos os
seres possuem a Natureza de Buda e, portanto, atingirão o Insuperável
Bodhi. Por quê? Porque não existe a natureza de um humano ou deva
(seres celestiais). Isto significa dizer que sem qualquer natureza, um
humano torna-se um deva e um deva torna-se um humano. É porque o
carma assim engendra que as coisas surgem, mas não através da natu-
reza. O Bodhisattva-Mahasattva atinge o Insuperável Bodhi somente
através das relações causais do carma. Se está dito que todos os seres
possuem a Natureza de Buda, por que o icchantika aparta-se da raiz da
benevolência e cai no inferno? Se a mente do Bodhi é a Natureza de
Buda, o icchantika não pode cortá-la. Se ela é cortada, como podemos
dizer que a Natureza de Buda é eterna? Se não é eterna, não podemos
chamá-la de Natureza de Buda. Se todos os seres possuem a Natureza
de Buda, por que falamos de coisas como a ‘primeira aspiração ao Bo-
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 63
dhi’? E por que falamos de ‘vaivarti’ [‘retroação’] e ‘avaivarti’ [‘não-
retroage’]. Se for um ‘vaivarti’, a pessoa não poderia ter a Natureza de
Buda. Oh Honrado pelo Mundo! O Bodhisattva-Mahasattva olha exclu-
sivamente (em pensamento único) para o Insuperável Bodhi, vê o
Grande Amor-Benevolente e a Grande Compaixão, e os males do nas-
cimento, da velhice, da morte e das impurezas, e o Grande Nirvana; e
ele medita sobre a não-existência do nascimento, velhice, morte e
impurezas, e acredita nos Três Tesouros, nos resultados do carma, e
defende os preceitos. Essa é a Natureza de Buda. Se houvesse qualquer
Natureza de Buda, como poderíamos usar essa lei e torná-la uma rela-
ção causal? Oh Honrado pelo Mundo! O leite pode seguramente se
tornar manteiga sem a ajuda das relações causais. Mas com a manteiga
fresca [‘navanita’] não pode ser assim. Ela depende das relações cau-
sais, tais como a habilidade humana, um pode de água e a agitação. A
situação é a mesma com os seres. Se eles têm a Natureza de Buda, eles
podem agir sem as relações causais e atingir o Insuperável Bodhi. Se é
definitivamente um ‘é’, por que aquele que busca a Via vê o sofrimento
dos três reinos do infortúnio, o nascimento, velhice, doença e morte, e
adquire uma mente retroativa [isto é, que retrocede, não faz progres-
sos]? Também, sem praticar os seis paramitas, pode-se atingir o Insu-
perável Bodhi. Isto é como quando alguém deseja obter manteiga sem
depender das relações causais do leite. Mas, não é o caso que alguém
atinja o Insuperável Bodhi sem depender dos seis paramitas. Por essa
razão, devemos saber que todos os seres não possuem a Natureza de
Buda. Isto é como acima, onde o Buda disse que o Tesouro da Sangha é
eterno. Se é eterno, isto significa que não é não-eterno. Se não é não-
eterno, como alguém pode atingir o Insuperável Bodhi? Se a Sangha é
eterna, como se pode dizer que todos os seres possuem a Natureza de
Buda? Oh Honrado pelo Mundo! Se todos os seres não possuem origi-
nalmente o Bodhichitta [Mente da Iluminação], não têm a aspiração ao
Insuperável Bodhi e mais tarde adquirem-na, então a Natureza de Buda
e os seres são o que originalmente não era, mas agora é. Em razão
disto, deve ser o caso que todos os seres não possuem a Natureza de
Buda.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 64


O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você de há
muito conhece o significado da Natureza de Buda. Para o benefício dos
seres, você coloca essas questões e diz: ‘Todos os seres verdadeira-
mente (não) possuem a Natureza de Buda’. Você diz que se todos os
seres possuíssem a Natureza de Buda, não poderia haver qualquer
primeira aspiração. Oh bom homem! A mente não é a Natureza de
Buda. Por que não? A mente é não-eterna, e a Natureza de Buda é
Eterna. Por que você diz que existe retroação? Para dizer a verdade,
não há retroação. Se houvesse qualquer retroação, não poderia haver
qualquer consecução do Bodhi Insuperável. Como ele vem mais tarde,
chamamos isso de retroativo. Essa Mente do Bodhi não é a Natureza
de Buda. Por que não? Porque o icchantika não possui a raiz do bem e
cai no inferno. Se a Mente do Bodhi fosse a Natureza de Buda, o ic-
chantika não poderia ser chamado de icchantika. Também, a Mente do
Bodhi não pode ser chamada eterna. Por essa razão, podemos saber
definitivamente que a Mente do Bodhi não é a Natureza de Buda.

A Causa e a Condição do Insuperável Bodhi

Oh bom homem! Você diz que se os seres possuíssem a Natureza de


Buda, não haveria necessidade das relações causais, uma vez que o
caso é análogo àquele do leite e a manteiga. Mas, isto não é assim. Por
que não? Isto é como dizer que cinco relações causais evocam a man-
teiga fresca. Saiba que o caso com a Natureza de Buda é o mesmo. Por
exemplo, em várias pedras encontramos ouro, prata, cobre e ferro.
Todas são (compostas) dos quatro grandes elementos. Cada uma tem
um nome e uma qualidade. E o lugar de onde elas vêm não é o mesmo.
O surgimento [isto é, o aparecimento desses metais] sempre depende
da soma total das várias relações causais e virtudes dos seres, (conhe-
cimento de) metalurgia, e das habilidades dos humanos. O assunto se
estabelece assim. Em razão disto, temos de saber que originalmente
não existe a natureza do ouro. A Natureza de Buda dos seres não é
Buda. Através do trabalho conjunto de todas as virtudes e relações

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 65


causais, alguém vê a Natureza de Buda e torna-se o Buda. Não é corre-
to dizer: ‘Se todos os seres possuem a Natureza de Buda, por que você
não a vê’? Por que não? Porque todas as relações causais ainda não
estão em conjunção. Oh bom homem! Por essa razão, Eu disse que das
duas causas, a causa direta e a condição, a causa direta é a Natureza de
Buda, e a condição é a mente que aspira ao Bodhi. Através dessas duas
causas, atinge-se o Insuperável Bodhi, como no caso de uma pedra da
qual surge o ouro.

Sangha é Harmonia

Oh bom homem! Vocês Sacerdotes sempre dizem que todos os seres


não possuem a Natureza de Buda. Oh bom homem! ‘Sangha’ significa
‘harmonia’. Existem dois tipos de harmonia. Uma é aquela do tipo
mundana e a outra é do tipo ‘Paramartha-satya’ [Realidade Última].
Harmonia mundana é a Sangha de Sravakas, e harmonia da ‘Paramar-
tha-satya’ é a Sangha de Bodhisattvas. A Sangha mundana é não-
eterna, mas a Natureza de Buda é Eterna. Como a Natureza de Buda é
Eterna, assim é a Sangha da ‘Paramartha-satya’.

Também, além disso, existe uma Sangha que é a harmonia da lei [har-
monia do Dharma]. A harmonia da lei se refere aos 12 tipos de sutras.
Os 12 tipos de sutras são Eternos. Esse é o porquê a Sangha é Eterna.

Oh bom homem! Sangha significa harmonia. A harmonia está nos 12


tipos de sutras. Nos 12 elos do surgimento interdependente, existe a
Natureza de Buda. Se os 12 elos do surgimento interdependente são
Eternos, a Natureza de Buda também é Eterna. Esse é o porquê Eu digo
que existe a Natureza de Buda na Sangha.

Também, além disso, a Sangha é a harmonia de todos os Budas. Esse é


o porquê Eu digo que existe a Natureza de Buda na Sangha.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 66


Treze Fatores Conducentes à Retroação do Bodhisattva

Oh bom homem! Você diz que se todos os seres possuíssem a Nature-


za de Buda, como poderia haver qualquer retroação e não-retroação?
Ouça atenciosamente, ouça atenciosamente! Agora explicarei para
você em minuciosos detalhes.

Oh bom homem! Se um Bodhisattva-Mahasattva tem 13 coisas, existe


retroação. Quais são essas 13? Elas são: 1) a mente não acredita, 2) a
mente não irá fazer, 3) a mente é duvidosa, 4) é mesquinho com as
ações corporais e com a riqueza, 5) entretém grande temor em relação
ao Nirvana, duvidando se alguém poderia partir eternamente da exis-
tência mundana, 6) não tem perseverança mental [paciência, resistên-
cia], 7) a mente não irá se ajustar e suavizar-se, 8) apreensão e preocu-
pação, 9) falta de felicidade, 10) indolência, 11) menosprezo de si pró-
prio, 12) considera que não há meios de extirpar as impurezas, e 13)
não deseja a Iluminação. Oh bom homem! Esses são os 13 fatores que
levam o Bodhisattva a retroagir da Iluminação.

Seis Fatores que Destroem a Mente do Bodhi

Ademais, há seis coisas que destroem a Mente do Bodhi. Quais são


elas? Elas são: 1) parcimônia (mesquinhez), 2) entreter um mau pen-
samento com relação a todos os seres, 3) fazer amizades com más
pessoas, 4) não-esforço, 5) arrogância, e 6) empreendimento de negó-
cios mundanos. Essas seis coisas destroem a Mente do Bodhi.

Oh bom homem! Uma pessoa ouve que o Buda-Todo-Honrado-pelo-


Mundo é o mestre de humanos e celestiais, que ele é o melhor, incom-
parável e superior aos Sravakas e Pratyekabudas, que seu Olho do
Dharma é límpido, que ele é sem impedimentos, que ele conduz todos
os seres na travessia do grande mar do sofrimento. Ao ouvir isto, a
pessoa faz um grande voto: ‘Se existe tal pessoa, também serei como

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 67


ele’. Através dessa relação causal, ela aspira à Iluminação Insuperável.
Ou ensinada por alguns outros, uma pessoa pode aspirar à Iluminação
Insuperável. Ou uma pessoa pode ouvir que o Bodhisattva submeteu-
se a rigorosas penitências durante asamkhyas de kalpas e mais tarde
atingiu a Iluminação Insuperável. Ao ouvir isto, ele pensa: ‘Não posso
suportar essa penitência, portanto, como serei capaz de atingi-la’?
Assim, ele retroage.

Oh bom homem! Há também cinco coisas que afastam alguém da


Mente do Bodhi. Quais são as cinco? Elas são: 1) desejo de tornar-se
ordenado pelos tirthikas [fé não-Budista], 2) não praticar a Mente do
Grande Amor-Benevolente, 3) procurar especialmente encontrar falhas
num sacerdote, 4) sempre buscar viver entre nascimentos e mortes, e
5) não manter um bom sentimento com relação à defesa, recitação,
cópia e exposição dos 12 tipos de sutras. Essas são as cinco coisas que
afastam alguém da Mente do Bodhi.

Também, há duas coisas que afastam alguém da Mente do Bodhi.


Quais são as duas? Elas são: 1) ser ávido pelos cinco desejos, 2) não
respeitar e honrar os Três Tesouros.

Todas essas várias relações causais afastam uma pessoa da Mente do


Bodhi [isto é, são causas de retroação].

A Mente Que Não Retroage

O que é mente que não retroage? Novamente, um homem ouve que o


Buda realmente conduz os seres através do oceano do nascimento,
velhice, doença e morte. Ele não indaga um mestre para ser ensinado e
obtém o Insuperável Bodhi praticando espontaneamente a Via. (E pen-
sa:) ‘Se o Bodhi é algo que podemos de fato alcançar, certamente pra-
ticarei a Via e infalivelmente o atingirei’. Pensando assim, ele aspira ao
Bodhi e transfere todos [os méritos] que acumulou, sejam grandes ou

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 68


pequenos, para o Bodhi Insuperável. Ele faz esse voto: ‘Rogo para que
me aproxime de todos os Budas e discípulos Budistas, ouça os sermões,
tal que os cinco sentidos orgânicos se aperfeiçoem, e essa intenção não
se perderá mesmo que eu encontre dificuldades. Também rogo, oh
todos os Budas e discípulos, que sempre tenha uma mente satisfeita e
seja perfeito nas cinco boas ações. Se todos os seres cortarem meu
corpo, mãos e pés, cabeça e olhos, e outras partes, adquirirei um sen-
timento de Grande Amor-Benevolente com relação a todos e me senti-
rei feliz. Todas essas pessoas contribuirão para o crescimento do meu
próprio Bodhi. Se não, como eu poderia alcançar o Insuperável Bodhi’?

Também, faço o seguinte voto: ‘Que eu não tenha um corpo sem os


órgãos genitais, que não tenha órgãos genitais duplos (duais), ou a
forma de uma fêmea; [Rogo para] que não seja preso pelas autorida-
des, que não encontre um mau rei (governante), que eu não seja su-
bordinado a um mau governante, e que não obtenha nascimento num
mau estado. Se eu obtiver um belo corpo, minha casta será perfeita.
Posso ser abençoado com riqueza, mas não terei uma mente arrogan-
te. Sempre ouvirei os 12 tipos de sutras, os protegerei, recitarei, copia-
rei e os exporei. Se for capaz de me dirigir aos seres, [rogo que] aqueles
que me ouçam respeitem-me e não alimentem dúvidas, que não nu-
tram qualquer má-vontade com relação a mim; que ouçam pouco, mas
ganhem mais compreensão; que não desejem ouvir muito, mas não
sejam esclarecidos quanto ao significado. Rogo para que me torne o
mestre da mente, mas não faça da mente o mestre, que todas as mi-
nhas ações corporais, orais e mentais não se inclinem para a maldade,
que eu seja capaz de conceder a paz e a felicidade a todos os seres, que
eu seja imóvel como uma montanha nos preceitos do corpo e na sabe-
doria da mente, que não seja parcimonioso (mesquinho) com o corpo,
com a vida ou com a riqueza, que não faça coisas impuras e as conside-
re como sendo meritórias, que leve uma vida correta, viva por mim
mesmo, que não cometa a maldade ou a lisonja em pensamento, que
quando receber um favor rogue em minha mente para retribuir de
diversas formas, mesmo quando favorecido apenas um pouco, que eu
seja bem versado em todas as ações e habilidades mundanas, que eu
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 69
seja capaz de conhecer a dialética de todos os idiomas, que eu recite e
copie os 12 tipos de sutras, que não seja indolente e preguiçoso em
meu pensamento, que se todos os seres não desejarem ouvir, que eu
encontre os meios (de falar), tal que eles sintam prazer em ouvir-me,
que minhas palavras sejam sempre ternas, que minha boca não pro-
nuncie maldades, que eu realmente faça com que aqueles que nutrem
maus pensamentos com relação aos outros se fundam em harmonia.

Se houver alguém que tenha medo, aquela pessoa se livrará dele;


quando houver fome, haverá colheita e satisfação; quando epidemias
surgirem, serei um grande médico e haverá remédio e recursos, tal que
aqueles que sofram das doenças obtenham alívio e saúde. Em tempos
de longas guerras, acabar-se-á com os sofrimentos dos fogos ardentes.
Erradicarei todos os temores como a morte, prisões, torturas, água e
fogo, (maus) governantes, ladrões, pobreza, violações dos preceitos
morais, más reputações e modos de vida.

Terei profundo respeito pelos pais e mães, mestres e anciões, e adqui-


rirei um sentimento de Grande Amor-Benevolente em meio às inimiza-
des. Sempre praticarei as seis coisas, os três Samadhis do Todo-Vazio,
da Irreflexão e do Não-Desejo, os 12 elos do surgimento interdepen-
dente, a meditação sobre o nascimento e a morte, a exalação e inala-
ção do ar, as ações celestiais e puras, as ações sagradas, o Samadhi-
Vajra, o Samadhi Surangama, e atingirei a mente da quietude [mesmo]
quando não houver os Três Tesouros. Quando eu tiver que sofrer de
grande tristeza, que eu não perca a mente do Insuperável Bodhi, que
não me sinta satisfeito com a mente do Sravaka ou do Pratyekabuda.
Renunciarei ao mundo em meio aos modos dos tirthikas e onde não
houver os Três Tesouros, tal que serei capaz de esmagar as visões dis-
torcidas da vida, e não me perderei em suas formas de vida.

Serei imperturbável em todas as coisas, serei livre em meu pensamen-


to, e serei capaz de ver claramente através de todos os males do mun-
do criado. Temerei os modos e fruições dos dois veículos como temeria
perder meu próprio corpo carnal e minha vida. Para o benefício dos
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 70
seres, sentirei tanto prazer em sentar-me em meio aos três reinos do
infortúnio quanto àqueles que adoram buscar viver no Céu Trayastrim-
sa. Para o benefício de cada pessoa, durante inumeráveis kalpas, sofre-
rei as dores do inferno, e não me arrependerei. Não queimarei de inve-
ja quando vir outros obtendo lucros (ganhos). Sempre estarei tão feliz
como quando eu mesmo obtenho bênçãos.

Em face aos Três Tesouros, oferecerei roupas, comida e bebida, roupas


de cama, acomodações, atendimento médico e cura, luzes (velas),
flores e incenso, música, estandartes e dosséis, e os sete tesouros. Se
receber injunções de um Buda, as guardarei zelosamente e nunca as
quebrarei ou as transgredirei. Se ouvir sobre as dificuldades da prática
do Bodhisattva, sentirei prazer e não me arrependerei. Serei capacita-
do a ler em minhas próprias vidas passadas, e não serei um serviçal da
cobiça, da ira e da ignorância. Em prol dos resultados que advirão, não
serei escravo das relações causais. Não serei dominado pela ganância
dos prazeres que se obtém’.

Oh bom homem! Se qualquer pessoa faz tais votos, isto é onde dize-
mos que o Bodhisattva definitivamente não retroagirá da Mente do
Bodhi. Ele é também chamado um ‘danapati’ [alguém que doa]. Ele
certamente verá o Tathagata, é alguém que é claro (límpido) como a
Natureza de Buda, e alguém que conduz bem os seres e possibilita-lhes
atravessar o mar do nascimento e da morte. Ele protege bem o Insupe-
rável Dharma Maravilhoso e é perfeito nos seis paramitas. Oh bom
homem! Por essa razão, a mente não-retroativa é chamada de Nature-
za de Buda.

Parábola da Fonte Límpida

Oh bom homem! Não diga que os seres não têm a Natureza de Buda
apenas em razão da mente retroativa. Por exemplo, duas pessoas ou-
vem: ‘Numa outra terra, existe uma montanha feita dos sete tesouros.

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 71


Na montanha, existe uma fonte límpida, cuja água é doce. Caso uma
pessoa encontre essa fonte, ela acabará com a pobreza, e qualquer um
que beba a sua água obterá longa vida. Mas, o caminho até lá é longo e
escarpado. Então, ambos desejam ir até lá. Uma das pessoas vai equi-
pada com vários utensílios de viagem, enquanto a outra vai desprepa-
rada, não portando sequer as rações de alimentos. Elas estão cami-
nhando juntas, quando ao longo do caminho encontram um homem
que tem abundância de tesouros, completos nas sete raridades. Os
dois vão a essa pessoa e indagam: ‘Existe alguma montanha dos sete
tesouros naquela terra’? O homem responde: ‘Realmente, existe essa
terra, isto não é falso. Eu já obtive os tesouros. Degustei a água. A única
coisa a preocupar é que o caminho é escarpado, e há muitos ladrões,
cascalhos e espinhos; plantas aquosas (suculentas) são raras. Milhares
de milhões (de pessoas) vão, mas poucos são os que chegam ao fim’.
Ao ouvir isto, um dos homens arrepende-se e diz: ‘O caminho é longo e
há mais que um problema. Incontáveis são aqueles que vão e poucos
chegam ao fim. Como posso esperar encontrar esse lugar? No presen-
te, tenho o que necessito ter. Se me apegar ao que tenho, não perderei
minha vida. Se a vida estiver em jogo, como poderei pensar em longe-
vidade’? O outro homem também diz: ‘As pessoas, de fato, vão; eu
também irei. Se eu realmente alcançar aquele lugar, terei as raridades
e o doce sabor da água. Se eu não puder, deixarei minha vida terminar
lá’. Ora, um se arrepende após ter começado e retorna, enquanto o
outro segue, alcança a montanha e as raridades, e saboreia a água que
ele deseja degustar. Carregando tudo o que ele obteve, ele volta para
onde ele vive, serve seus pais e seus ancestrais.

Então, aquele arrependido após ter começado a viagem, e que voltou,


vê isto e é acometido de uma febre. ‘Ele foi e agora voltou. Como posso
ficar aqui’? E, equipando-se, reinicia a viagem novamente.

Os sete tesouros podem ser comparados ao Grande Nirvana, a água


doce à Natureza de Buda, as duas pessoas a dois Bodhisattvas que
inicialmente aspiram ao Bodhi, o caminho escarpado ao nascimento e
à morte, o homem que eles encontraram no caminho ao Buda-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 72
Honrado-pelo-Mundo, os ladrões aos quatro Maras, os cascalhos e
espinhos às impurezas, a falta de plantas aquosas a não-prática da Via
do Bodhi, aquele que retorna ao Bodhisattva retroativo, e aquele que
segue sozinho a um Bodhisattva não-retroativo.

De Volta à Montanha dos Sete Tesouros

Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres é Eterna e Imutável. E


dizemos com referência ao caminho escarpado: ‘Quando a pessoa se
arrepende e volta, isto torna o caminho não-eterno’. Mas isto não po-
de ser dito assim. O mesmo é o caso com a Natureza de Buda. Oh bom
homem! No Caminho do Bodhi, não há alguém que retorne. Oh bom
homem! Aquele que se arrependeu após ter começado, agora vê os
que foram antes e que obtiveram tesouros, os vê voltarem impertur-
báveis, e fazerem oferecimentos aos seus pais, darem aos seus paren-
tes, desfrutando de muita paz. Ao ver isto, um fogo queima novamente
em sua mente, ele adorna o seu corpo, reinicia no caminho outra vez,
não mede esforços, enfrenta todos os tipos de dificuldades, e vai à
Montanha dos Sete Tesouros. Assim acontecem as coisas com o Bodhi-
sattva retroativo.

Oh bom homem! Todos os seres definitivamente atingirão o Insuperá-


vel Bodhi. Em razão disto, Eu digo no sutra: ‘Todos os seres, desde a-
queles que têm cometido os cinco pecados mortais, aqueles que têm
pecado ao cometer quatro graves ofensas, e os icchantikas, todos pos-
suem a Natureza de Buda’.”

O Avaivartika

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por que existem Bo-
dhisattvas retroativos e não-retroativos?”

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 73


Oh bom homem! Se qualquer Bodhisattva vem a conhecer as relações
causais das 32 Marcas da Perfeição do Tathagata, dizemos não-
retroativo. Ele é o Bodhisattva-Mahasattva, o não-de-cabeça-para-
baixo, e aquele que sente piedade de todos os seres. Ele é alguém su-
perior aos Sravakas e Pratyekabudas, e alguém chamado ‘Avaivartika’.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva é (1) imperturbável na sua


observância dos preceitos, em sua (2) idéia de doação, e é como o
Monte Sumeru na (3) persistência na verdadeira palavra. Em razão
disto, ele obtém a planta (dos pés) plana [uma das 80 características
menores de excelência].

O Bodhisattva-Mahasattva (4) oferece convenientemente coisas aos


seus pais, aos honrados, anciões e animais. Em razão disto, ele ganha
na sua planta dos pés a marca de excelência de mil raios [uma das 80
características menores de excelência].

O Bodhisattva-Mahasattva (5) alegra-se em não-prejudicar e não-


roubar, e (6) é grato com relação aos seus pais, aos honrados e profes-
sores. Em razão disto, ele é dotado com as três marcas corporais, quais
sejam: 1) dedos longos, 2) calcanhares longos, e 3) um corpo ereto e
anguloso. Todas essas três formas surgem do mesmo carma.

O Bodhisattva-Mahasattva (7) pratica as quatro formas de orientação


[isto é, guiar os seres] através da: 1) doação, 2) afabilidade (gentileza),
3) boas ações, e 4) transformando-se e co-existindo com eles, como os
próprios seres. Devido a isto, ele ganha a membrana-nos-dedos dos
pés [uma das oitenta características menores de excelência] como
aquela de um grande cisne real.

O Bodhisattva-Mahasattva, quando seus pais, mestres e anciões estão


doentes, (8) banha-se e limpa-se, segura e esfrega seus membros. Em
razão disto, suas mãos e pés são macios.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 74


O Bodhisattva-Mahasattva (9) defende os preceitos, (10) ouve os ser-
mões, e (11) não cessa a doação. Devido a isto, suas juntas e tornozelos
são carnudos e os cabelos sobre a sua pele fluem em uma direção.

O Bodhisattva-Mahasattva (12) com pensamento único dá ouvido ao


Dharma e (13) expõe os ensinamentos corretos. Em razão disto, ele
ganha os tornozelos de um gamo-rei.

O Bodhisattva-Mahasattva (14) não adquire um pensamento malevo-


lente, (15) é satisfeito com a sua comida e bebida, e com a doação; (16)
ele cuida das doenças e dispensa remédios. Em razão disto, seu corpo é
roliço e perfeito, sendo como a árvore nyagrodha. Quando suas mãos
estão estendidas para baixo, seus dedos alcançam os joelhos e sua
cabeça tem uma protuberância, característica em razão da qual o topo
da sua cabeça não pode ser visto.

O Bodhisattva-Mahasattva, (17) quando vê uma pessoa com medo,


acode [aquela pessoa], e (18) quando ele vê uma pessoa sem qualquer
indumentária, dá-lhe roupas. Devido a isto, ele ganha uma característi-
ca através da qual o seu órgão genital fica oculto.

O Bodhisattva-Mahasattva prontamente (19) aproxima-se de homens


sábios, apartatando-se dos ignorantes; (20) tem prazer em mudar pon-
tos de vista e limpa o caminho por onde ele passa. Por conta disto, sua
pele é delicada e macia, e seus cabelos do corpo inclinam para o lado
direito.

O Bodhisattva-Mahasattva (21) sempre dá aos homens roupas, comida


e bebida, remédios, incenso e flores, e velas. Em razão disto, seu corpo
brilha resplandecente numa cor dourada e suave.

O Bodhisattva-Mahasattva (22) doa, não amealha ou regateia o que é


raro, e facilmente compartilha as coisas; (23) não faz distinções entre o
que é um campo de prosperidade ou um não-campo de prosperidade
[isto é, o recipiente da doação – caridade – é semelhante a um campo,
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 75
cuja cultivação traz bênçãos e virtudes para uma pessoa]. Em razão
disto, ele é pleno e firme nos sete lugares do seu corpo.

O Bodhisattva-Mahasattva (24) busca a riqueza de forma lícita e sem-


pre dá isto [aos outros]. Em razão disto, as partes sem ossos [do seu
corpo] são maciças, a parte superior é como aquela de um leão, e seus
cotovelos são bem-balanceados e delicados.

O Bodhisattva-Mahasattva (25) aparta-se da língua-dúbia, da maledi-


cência e de uma mente irada. Por conta disto, seus 40 dentes são bran-
cos e puros, bem-balanceados e delicados.

O Bodhisattva-Mahasattva (26) pratica o Grande Amor-Benevolente


com relação aos seres. Devido a isto, ele ganha a face de duas-presas.

O Bodhisattva-Mahasattva faz um voto: (27) ‘A quaisquer pessoas que


venham e peçam, darei conforme queiram ter’. Em razão disto, ele
ganha o rosto do leão.

O Bodhisattva-Mahasattva (28) dá quaisquer tipos de comida que os


seres queiram ter. Em razão disto, ele obtém o paladar que é médio-
superior.

O Bodhisattva-Mahasattva (29) exercita-se nas dez boas ações e assim


ensina aos outros. Em razão disto, ele ganha uma vasta e longa língua
[isto é, uma expressão simbólica referindo-se ao seu grande poder de
oratória].

O Bodhisattva-Mahasattva (30) não fala mal dos defeitos dos outros e


não calunia o Dharma Maravilhoso. Em razão disto, ele adquire a Voz-
do-Buda.

O Bodhisattva-Mahasattva (31) vê todas as inimizades e adquire um


sentimento de felicidade. Em razão disto, ele ganha o tom azul dos seus
olhos.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 76
O Bodhisattva-Mahasattva (32) não oculta as virtudes dos outros, mas
elogia o que têm de bom. Devido a isto, ele ganha uma face com um
tufo de cabelos brancos sobre sua testa.

Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica esses 32


tipos de relações causais, ele obtém um pensamento que não retroagi-
rá da mente que busca o Bodhi.

Oh bom homem! Todos os seres estão para além do conhecimento;


também, os mundos dos Budas, o funcionamento do carma e a Natu-
reza de Buda são inconcebíveis. Por quê? Porque essas quatro coisas
são todas Eternas. Sendo Eternas, elas não podem ser concebidas. Com
todos os seres, as impurezas encobrem-lhes. E dizemos Eterno. As im-
purezas do rompimento e permanência se vão. Portanto, não-eterno.
Se for o caso que todos os seres são o Eterno, por que necessitamos
praticar o Nobre Caminho Óctuplo, bem como extirpar todas as triste-
zas? Quando o rompimento vem para todas as tristezas, dizemos não-
eterno. O que quer que tenhamos de felicidade, chamamos de Eterno.
Por essa razão, Eu digo: ‘Todos os seres são encobertos pelas impure-
zas e não podem ver a Natureza de Buda. Não vendo a Natureza de
Buda, nenhum Nirvana surge.”

Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 77


Capítulo Trinta e Cinco: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 3
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que
todas as coisas têm duas causas. Uma é a causa direta e a outra a con-
dição. Através disto, não pode haver qualquer ruptura da dependência.
Os cinco skandhas aparecem e morrem momento após momento. Se
eles aparecem e morrem, quem ata e desata? Oh Honrado pelo Mun-
do! Os cinco skandhas do presente evocam os cinco skandhas que os
seguirão. Esse skandha morre por si mesmo e não se transforma em
outro skandha. Embora não se transforme em outro skandha, (ele)
pode evocar o outro skandha. De uma semente, obtemos o broto. Mas
a semente não se transforma no broto. Embora ela não se transforme
no broto, ela realmente evoca o broto. É o mesmo caso com os seres.
Como podemos desfazer a dependência?”

“Oh bom homem! Ouça atenciosamente, ouça atenciosamente. Expli-


carei [o assunto] minuciosamente para você. Oh bom homem! Quando
uma pessoa está para morrer e se depara com a maior das tristezas, os
parentes reúnem-se ao seu redor, choram, e se perdem em tristeza. A
própria pessoa está temerosa e não sente nenhuma ajuda. Ela possui
seus cinco sentidos orgânicos, mas as funções dos sentidos não funcio-
nam. Seus membros tremem e ela não pode realmente sustentar o seu
próprio corpo. O corpo está vazio, frio, e o calor está prestes a partir.
Ela vê diante dos seus próprios olhos todas as retribuições cármicas
daquilo que fez.

A Estampa e o Barro

Oh bom homem! O sol está prestes a se por no horizonte, e as monta-


nhas, colinas e montes projetam sombras que se movem para o leste.
A razão nos diz que não pode haver qualquer movimento para o oeste.
É o mesmo com a fruição do carma humano. Quando esse skandha

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 79


morre, outro surge. Quando a luz aparece, a escuridão se acaba; quan-
do a luz desvanece, a escuridão aparece. Oh bom homem! Quando
uma estampa de cera é pressionada no barro, a estampa torna-se una
com o barro. A estampa se vai, e lá surgem as letras. No entanto, essa
estampa de cera não se transforma em barro, e aquelas letras surgem
do barro. Elas não surgem de qualquer outro lugar. Elas surgem em
virtude das relações causais da estampa. As coisas acontecem assim.

Quando os skandhas da presente vida morrem, numa existência inter-


mediária eles surgem. Não é que os skandhas da presente vida se
transformam nos cinco skandhas intermediários. E, também, os cinco
skandhas intermediários não surgem por si mesmos. Eles não surgem
de qualquer outro lugar. Através dos skandhas do presente surgem os
skandhas intermediários. A estampa imprime o barro. Ela (a estampa)
morre e as letras emergem. O nome não difere. Mas o tempo de cada
um difere. Tal é o caso. Esse é o porquê eu digo: ‘Os cinco skandhas
intermediários não podem ser vistos com os olhos carnais; eles são o
que pode ser visto com os olhos celestiais’. Os skandhas intermediários
alimentam-se de três tipos de comida: 1) a comida do pensamento, 2)
a comida do toque, e 3) a comida do desejo. Os skandhas intermediá-
rios são constituídos de duas coisas, as quais são: 1) a boa fruição cár-
mica, e 2) a má fruição cármica. Das boas ações surge a consciência do
bom carma, e das más ações a consciência do mal.

Quando os pais se juntam numa união sexual, as relações causais evo-


cam a direção na qual a vida deverá prosseguir. A mãe adquire o ‘dese-
jo’ [‘trishna’] e o pai a ‘ira’. Quando o sêmen do pai ejacula, ele diz: ‘Isto
é meu’. Nisto, a sua mente torna-se satisfeita. Esses três tipos de impu-
rezas imprimem as relações causais nos skandhas intermediários, e os
cinco skandhas subseqüentes surgem. Isto é comparável a como a
estampa comprime o barro e as letras emergem.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 80


A Extinção dos Cinco Skandhas

Ao surgirem, todos os sentidos orgânicos são perfeitos ou imperfeitos.


Alguém assim dotado vê a ‘matéria’ [isto é, a forma física] e adquire a
cobiça. A cobiça surge, a qual é desejo. Através da loucura, a cobiça
surge. Isso é ignorância. Através das relações causais do desejo ardente
e da ignorância, o mundo que é visto está todo de cabeça para baixo. O
não-eterno é visto como Eterno, o não-eu como o Eu, o não-êxtase
como Êxtase, e o não-puro como o Puro. Dessas quatro inversões, boas
e más ações são cometidas. As impurezas formam o carma, e o carma
ativa as impurezas. Isso é dependência (servidão, cativeiro). Por conta
disto, dizemos nascido dos cinco skandhas.

Por essa razão, quando alguém se aproxima do Buda, dos discípulos do


Buda, e dos Bons Mestres da Via, e quando ouve os 12 tipos de sutras,
em razão dessa audição do Dharma, surge um domínio do bem. Quan-
do ele vê o domínio do bem, ele adquire grande Sabedoria. Grande
Sabedoria é a visão correta. Quando ele ganha essa visão, se arrepende
da vida do nascimento e da morte. Em conseqüência desse arrependi-
mento, nenhuma alegria surge [com relação ao samsara, nascimento e
morte]. Quando ele não sente essa alegria, ele destrói verdadeiramen-
te a mente cobiçosa. Quando ele destrói a mente cobiçosa, ele pratica
bem o Nobre Caminho Óctuplo. Quando ele pratica o Nobre Caminho
Óctuplo, ele emerge do nascimento e da morte. Quando não há nasci-
mento e morte, ele ganha a Emancipação. Quando o fogo não se junta
com o combustível, isso é extinção. Quando não há mais nascimento e
morte, dizemos que atravessamos a extinção. Isto é a extinção dos
cinco skandhas.”

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 81


Os Pilares do Samsara

Rugido do Leão disse: “Não há espinhos no Vazio. Como podemos falar


de extraí-los? Nada prende os skandhas. Como pode haver qualquer
prisão?”

O Buda disse: “Oh bom homem! A cadeia das impurezas prende os


cinco skandhas. Longe dos cinco skandhas, não há impurezas; longe
das impurezas, não há cinco skandhas.

Oh bom homem! Os pilares suportam uma casa. Longe da casa não há


pilares, e sem quaisquer pilares, não há casa. É o mesmo com os cinco
skandhas dos seres. Quando existe impureza, falamos de dependência
(servidão). Quando não há impureza, falamos de Emancipação. Oh
bom homem! O punho contém a palma (da mão). Os três fatores da
dependência, junção e dispersão, nascimento e morte, não são coisas
diferentes. O mesmo é o caso com os cinco skandhas dos seres. Quan-
do existe impureza, temos dependência; quando não se tem impureza,
existe Emancipação.

Oh bom homem! Dizemos que corpo-e-mente [‘nam-rupa’] aprisionam


os seres. Mas se corpo-e-mente se vão, não há ser. Exceto pelo corpo-
e-mente, não há ser; exceto pelo ser, não haverá outro corpo-e-mente.
Também, dizemos que o corpo-e-mente aprisionam o ser, e o ser apri-
siona o corpo-e-mente.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O olho não vê por si
mesmo, o dedo não toca por si mesmo, a espada não corta por si
mesma, e o sentimento não sente por si mesmo. Mas, por que o Ta-
thagata diz: ‘O corpo-e-mente aprisionam corpo-e-mente’? Por quê? O
corpo-e-mente nada mais são que o ser; o ser é corpo-e-mente. Se
dizemos que corpo-e-mente aprisionam o ser, isto significa que corpo-
e-mente aprisionam corpo-e-mente.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 82


O Buda disse: “Oh bom homem! Quando as duas mãos se juntam, não
há nada que possa colocar-se entre elas. É o mesmo com corpo-e-
mente. Esse é o porquê eu digo: ‘Corpo-e-mente aprisionam o ser’. Se
alguém está longe do corpo-e-mente, o que existe é Emancipação. Este
é o porquê eu digo: ‘O ser atinge a Emancipação’.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se corpo-e-mente


aprisionam alguém, todos os Arhats não estão longe do corpo-e-
mente. Assim, eles devem estar presos.”

“Oh bom homem! Existem dois tipos de Emancipação, os quais são: 1)


corte das sementes, e 2) corte da fruição. O corte das sementes é o
corte das impurezas. Os Arhats já cortaram as impurezas e as raízes de
todas as amarras foram decepadas, tal que a dependência (servidão)
das sementes não os aprisionam. Quando as raízes da fruição ainda
não foram cortadas, dizemos que ainda existe a dependência da frui-
ção. Todos os Arhats não vêem a Natureza de Buda. Não vendo isto,
eles não podem alcançar a Iluminação Insuperável. Por essa razão,
pode-se dizer que existe a dependência da fruição. Assim, não pode-
mos dizer que existe uma dependência do corpo-e-mente. Oh bom
homem! Por exemplo, enquanto o óleo ainda não foi consumido, a luz
da lamparina não expira. Uma vez que o óleo seja consumido, a luz se
vai. Nisto, não há nada para duvidar. Oh bom homem! O assim chama-
do óleo são as impurezas, e a luz é o ser. Todos os seres não obtêm o
Nirvana devido ao óleo das impurezas. Se este (óleo) é removido, eles
obtêm o Nirvana.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! As naturezas da luz e


do óleo diferem. As impurezas e os seres não são assim. O ser é impu-
reza e a impureza é o ser. O ser é os cinco skandhas e os cinco skan-
dhas são o ser. Os cinco skandhas são impurezas e as impurezas são os
cinco skandhas. Por que você, o Tathagata, compara-os à luz?”

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 83


As Oito Analogias

O Buda disse: “Há oito tipos de analogias, a saber: 1) analogia progres-


siva, 2) analogia reversa, 3) analogia real, 4) não-analogia, 5) analogia
precedente (anterior), 6) retro analogia, 7) analogia retro-precedente,
e 8) analogia inter-penetrante.

A Analogia Progressiva

O que é analogia progressiva? É como quando eu digo nos sutras, por


exemplo, que os céus fazem cair uma grande chuva, e todos os diques
se tornam cheios. Como eles estão cheios, os pequenos poços se tor-
nam cheios. Como os pequenos poços se tornam cheios, os grandes
poços também se tornam cheios. Como os grandes poços se tornam
cheios, as pequenas nascentes se tornam cheias. Como as pequenas
nascentes se tornam cheias, as grandes nascentes se tornam cheias.
Como as grandes nascentes se tornam cheias, pequenos lagos se tor-
nam cheios. Como pequenos lagos se tornam cheios, grandes lagos se
tornam cheios. Quando os grandes lagos estão cheios, pequenos rios
se tornam cheios. Quando pequenos rios se tornam cheios, grandes
rios se tornam cheios. Quando grandes rios se tornam cheios, o grande
oceano se torna cheio. O mesmo é o caso com a chuva do Dharma do
Tathagata.

Os shila [preceitos morais] dos seres tornam-se cheios [isto é, perfei-


tos]. Como os shila estão cheios, a mente do não-arrependimento se
torna cheia. Como a mente do não-arrependimento se torna cheia,
surge alegria. Como a alegria surge, a segregação [do apego aos skan-
dhas] surge. Como a segregação torna-se cheia, surge a paz. Como a
paz torna-se cheia, o Samadhi torna-se cheio. Como o Samadhi torna-
se cheio, a visão-e-sabedoria correta torna-se cheia. Como a visão-e-
sabedoria correta torna-se cheia, a renúncia torna-se cheia. Como a
renúncia torna-se cheia, a reprovação [isto é, a aversão à vida munda-
na] torna-se cheia. Como a reprovação torna-se cheia, a Emancipação
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 84
torna-se cheia. Como a Emancipação torna-se cheia, o Nirvana torna-se
cheio. Isto é uma analogia progressiva.

A Analogia Reversa

O que é uma analogia reversa? Originalmente existiu um grande ocea-


no. Este (oceano) foi um grande rio. O grande rio foi originalmente um
pequeno rio. Houve um pequeno rio, que foi um grande lago. Houve
um grande lago originalmente, que foi um pequeno lago. Houve um
pequeno lago originalmente, que foi uma grande nascente. Houve uma
grande nascente originalmente, que foi uma pequena nascente. Houve
uma pequena nascente, que foi um grande poço. Houve um grande
poço originalmente, que foi um pequeno poço. Houve um pequeno
poço originalmente, que foi um dique. Houve um dique originalmente,
que foi uma grande chuva.

Houve Nirvana originalmente, que foi Emancipação. Houve original-


mente Emancipação, que foi reprovação (aversão ao mundo). Houve
reprovação originalmente, que foi renúncia (abandono da vida secular).
Houve renúncia originalmente, que foi visão-e-sabedoria correta. Hou-
ve visão-e-sabedoria correta originalmente, que foi Samadhi. Houve
Samadhi originalmente, que foi paz. Houve paz originalmente, que foi
segregação. Houve segregação originalmente, que foi o sentimento de
alegria. Houve alegria originalmente, que foi não-arrependimento.
Houve não-arrependimento originalmente, que foi observância dos
preceitos. Houve observância dos preceitos originalmente, que foi a
chuva do Dharma. Isto é uma analogia reversa.

A Analogia Real

O que é uma analogia real? É como quando Eu digo nos sutras que a
mente de um ser é como a de um macaco. A natureza de um macaco é
jogar [as coisas] longe e pegá-las. A natureza de um ser é a mesma. Ele

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 85


apega-se às cores, sons, odores, toques, sabores e regras (normas), e
não há um momento de quietude. Isto é uma analogia real.

A Não-Analogia

O que é uma não-analogia? É como quando Eu disse a Prasenajit: ‘Oh


grande Rei! Há amigos íntimos que vêm dos quatro cantos, que dizem:
‘Oh grande Rei! Existem quatro grandes montanhas que vêm dos qua-
tro cantos e pretendem causar danos aos humanos’. Caso você, o Rei,
ouça isto, o que você faria para lidar com a situação’? O Rei disse: ‘Oh
Honrado pelo Mundo! Elas podem vir e, no entanto, não há um lugar
no qual tomar refúgio. Tudo o que se pode fazer é exclusivamente
defender os preceitos e dar esmolas’. Eu o elogiei e disse: ‘Bem falado,
bem falado, oh grande Rei! Eu falo de quatro montanhas. Elas nada
mais são que o nascimento, a velhice, a doença e a morte dos seres.
Nascimento, velhice, doença e morte sempre vêm e oprimem uma
pessoa. Como alguém pode não praticar os preceitos e a doação (da-
na)’? O Rei disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O que se obtém dos pre-
ceitos e da doação (dana)’? Eu disse: ‘Obtém-se prazer na vida dos
humanos e celestiais’. O Rei disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Se a nya-
grodha praticasse os preceitos e a doação, ela poderia evocar a paz e a
felicidade [para si] no mundo dos humanos e celestiais’? Eu disse: ‘A
nyagrodha não pode observar preceitos e (praticar) a doação. Se ela
pudesse, nada que fosse diferente resultaria’. Isto é uma não-analogia.

A Analogia Precedente

O que é analogia precedente? Isto é como quando Eu digo num sutra,


por exemplo, que existe uma flor maravilhosa à qual uma pessoa se
apega [isto é, que a pessoa deseja]. Pretendendo pegá-la, a pessoa é
levada pela água [isto é, cai no rio]. O mesmo é o caso com os seres.
Eles se apegam aos cinco desejos e debatem-se no rio do nascimento,
velhice, doença e morte. Isto é uma analogia precedente.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 86


A retro Analogia

O que é uma retro analogia? É como consta no Dharmapada:

‘Não menospreze qualquer pequena maldade


e diga que nenhum mal advém.
Pequena é uma gota de água,
no entanto, ela enche um grande vaso’.

Isto é uma retro analogia (parábola).

A Analogia Retro-Precedente

O que uma analogia retro-precedente? Isto é como no caso de uma


bananeira, a qual, quando frutifica, morre. É o mesmo com o ignoran-
te, mas que recebe apoio. É como no caso de uma mula, a qual, quan-
do dá cria a um filhote, não pode viver mais.

A Analogia Inter-Penetrante

O que é uma analogia inter-penetrante? Isto é como quando estabele-


ço num sutra: No Céu Trayastrimsa existe uma árvore chamada parija-
ta, cujas raízes penetram na terra à profundidade de 5 yojanas, e cuja
altura é tão grande quanto 100 yojanas. Seus galhos e folhas espalham-
se tão longe quanto 50 yojanas. Quando as folhas amadurecem, elas
tornam-se amarelas, e todos os deuses, ao verem isto, alegram-se.
Essas folhas logo caem. Quando as folhas caem, vem a alegria. Os ra-
mos mudam de cor e a alegria surge. Esses ramos, não tarda, ganham
rebentos. Ao ver isto, a alegria surge novamente. Esses rebentos por
sua vez evocam botões (de flores). Ao ver isto, a alegria surge nova-
mente. Não muito depois os botões abrem, uma fragrância espraia-se

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 87


numa área de 50 yojanas, e uma luz resplandece a uma distância de 80
yojanas. Todos os devas [deuses], nos três meses de verão, descem, e
há alegria céu abaixo.

Oh bom homem! É o mesmo com todos os meus discípulos. Dizer que


as folhas tornam-se amarelas pode ser comparado aos meus discípulos
que desejam renunciar. Dizer que as folhas caem pode ser comparado
aos meus discípulos que raspam as suas cabeças. Dizer que a cor dos
ramos muda refere-se à ‘jnaticaturtha’ (ordenação) e ao recebimento
dos preceitos completos pelos meus discípulos. Dizer que primeiro um
rebento aparece refere-se às mentes dos discípulos que primeiro aspi-
ram ao Insuperável Bodhi, e os botões (referem-se) aos Bodhisattvas
dos dez estágios (abodes) que agora ganham a Natureza de Buda. Dizer
que ele (o botão) abre refere-se à consecução do Insuperável Bodhi
pelo Bodhisattva. ‘Fragrância’ refere-se aos inumeráveis seres das dez
direções mantendo em observância os preceitos. ‘Luz’ se compara à
propagação do nome do Buda nas dez direções sem impedimentos.
‘Três meses de verão’ são comparáveis aos três Samadhis. Dizer que no
Céu Trayastrimsa desfruta-se de felicidade se compara à consecução
do Nirvana, do Eterno, Êxtase, do Eu, e do Puro por todos os Budas.
Isto é uma analogia inter-penetrante.

As analogias descritas não abrangem necessariamente todos os aspec-


tos. Elas comparam as coisas em parte, ou na maior parte, ou no con-
junto. É como quando eu digo: ‘A face do Tathagata é como a lua-
cheia’. Isto se refere não mais que a uma pequena parte.

A Analogia da Luz

Oh bom homem! Há um homem, por exemplo, que ainda não viu o


leite. Ele pergunta aos outros o que é semelhante (ao leite): ‘Que tipo
de coisa é o leite’? Os outros respondem: ‘É como água, mel, e um
casco’. A água representa a umidade (líquido), o mel a doçura, e o cas-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 88


co a cor. Podemos empregar essas três analogias e, no entanto, pode-
mos não ser capazes de chegar [com precisão] ao que é o leite. Oh bom
homem! Eu posso usar a analogia da luz. Mas o caso será assim. Oh
bom homem! Não pode haver qualquer rio além das águas. O mesmo
é o caso com os seres. Para além dos cinco skandhas, não pode haver
qualquer outro ser. Oh bom homem! Para além do corpo, rodas, varais
e eixos, não pode haver qualquer carruagem. É o mesmo com os seres.

Oh bom homem! Se você deseja conectar isto com a analogia da luz,


ouça atenciosamente, ouça atenciosamente! Agora o explicarei. O
pavio pode ser comparado às 25 existências, o óleo é o desejo, e a luz a
Sabedoria. Quebrar (romper) significa extirpar a escuridão e a ignorân-
cia (a Sabedoria o faz). Suavidade (leveza da luz) é comparada ao Cami-
nho Sagrado. Quando o óleo se acaba, o brilho da luz se apaga. O
mesmo é o caso [aqui]. Quando o desejo dos seres termina, surge a
Natureza de Buda. Pode haver corpo-e-mente, mas isto não pode apri-
sionar [alguém]. Vivendo em meio às 25 existências, não há impureza
de qualquer existência.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Os cinco skandhas


dos seres são vazios e não há meios de possuí-los (pegá-los). Quem é
que recebe os ensinamentos e pratica a Via?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Todos os seres possuem a mente da


lembrança, a mente da sabedoria, a mente da aspiração, a mente da
realização de esforços, a mente que acredita, e a mente da meditação.
Todas essas, momento após momento, nascem e morrem. E, no entan-
to, a similaridade e continuidade seguem. Portanto, falamos de prática
da Via.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Todas elas morrem
momento após momento. Todas essas extinções que ocorrem momen-
to após momento também se assemelham [uma a outra] e continuam.
Como alguém é capaz de praticar a Via?”

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 89


O Buda disse: “Oh bom homem! A luz da vela morre momento após
momento. No entanto, existe a luz que dispersa a escuridão. É o mes-
mo com todas essas semelhanças. Oh bom homem! A comida que um
ser come morre momento após momento, mas a fome é satisfeita. O
caso é o mesmo. Um bom remédio morre momento após momento. E,
no entanto, ele cura a doença de fato. A luz do sol e da lua morre mo-
mento após momento e, no entanto, ela permite realmente que as
árvores e plantas da floresta cresçam.

A Prática da Via

Oh bom homem! Você diz: ‘Uma pessoa morre momento após mo-
mento. Como pode haver qualquer crescimento’? Mas, como a mente
não é cortada, existe crescimento. Oh bom homem! Um homem recita.
As letras [palavras] lidas não podem ocorrer ao mesmo tempo. A que
veio primeiro não pode se estender até o meio, e a que foi lida no meio
não pode ir até o fim. O homem, as letras e a imagem mental morrem
momento após momento, e praticando muito chegamos ao conheci-
mento.

Oh bom homem! Por exemplo, com um ourives, desde o dia que ele
começa a aprender sua arte até os dias da sua longevidade, um mo-
mento é seguido por outro, e o que é precedido é o que segue após.
Mas, através da prática repetida, o que surge é maravilhoso. Devido a
isto, a pessoa é elogiada e é chamada de grande ourives. É o mesmo
com a leitura dos sutras.

Oh bom homem! Por exemplo, tomemos o caso de uma semente. A


terra não a ensina e diz: ‘Brote’! Mas, pela lei da natureza, os brotos
surgem. E então a flor, também, não ensina e diz: ‘Agora, frutifique’!
Mas, os frutos surgem como deveriam através da lei da natureza. É o
mesmo com a prática da Via. Oh bom homem! Por exemplo, na conta-
gem, um não é dois, e dois não é três. Momento após momento, um

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 90


dá lugar ao outro. Todavia, isto chega a 1.000 e a 10.000. Assim ocorre
com a prática da Via pelos seres. Oh bom homem! A luz de uma vela
morre momento após momento. Quando a primeira luz se acaba, ela
não diz para a chama que segue: ‘Estou indo agora. Apareça e disperse
a escuridão’! O caso é assim. Oh bom homem! Quando o bezerro nas-
ce, ele busca leite. Ninguém o ensina essa sabedoria de buscar o leite.
Um momento é seguido por outro momento, mas a primeira fome
conduz à satisfação com a comida que segue. Portanto, saiba que uma
pessoa não pode ser igual às outras. Se fossem iguais, nenhuma dife-
rença surgiria. O mesmo se aplica à prática da Via por um ser. Através
de uma ação, uma pessoa pode não atingir o objetivo. Mas, através de
longa prática, pode-se acabar com todas as impurezas.”

Rugido do Leão disse: ‘Exatamente como o Buda diz que quando uma
pessoa do estágio do Srotapanna [isto é, uma pessoa que entrou para o
fluxo do Dharma e renascerá no máximo 7 vezes] ganha a fruição da
prática da Via, muito embora nasça em más terras, ela defende os pre-
ceitos, não mata, não rouba, não busca a luxúria, não pratica a língua-
dupla ou toma álcool; os skandhas (dessa pessoa) do Srotapanna mor-
rem aqui e não ganham os maus destinos – o mesmo se aplica à prática
da Via. Ela não conduz às más terras. Por que a pessoa não pode nascer
na Terra Pura, se for o mesmo caso? Se os skandhas da má terra não
são aqueles do Srotapanna, como pode ser que as más ações não a-
conteçam?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Uma pessoa do estágio do Srotapanna


pode nascer em más terras e, no entanto, ela não perderá a sua conse-
cução do Estado de Srotapanna. Os skandhas não são os mesmos. Este
é o porquê eu pego a analogia do bezerro. Uma pessoa do estágio do
Srotapanna, embora nascida numa má terra, em razão do poder da sua
prática da Via, não cometerá maldades. Oh bom homem! Por exemplo,
em Gandhamadana existiu um rei leão, e todos os pássaros e animais
deixaram a montanha. Nenhum deles se aproximava. Certa vez, esse
rei leão foi para os Himalayas, e lá, também, ele viu que ninguém vivia
ali. Isto é como as coisas se estabelecem com o Srotapanna. Embora
Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 91
não praticando a Via, em razão do poder da Via, ele não comete mal-
dades. Por exemplo, um homem toma amrta [ambrosia da imortalida-
de]. E a amrta acaba. Porém, a força do seu poder remanescente faz
com que a pessoa obtenha o não-nascimento e a imortalidade. Oh
bom homem! No Monte Sumeru, existe um remédio maravilhoso
chamado langali. Se alguém o toma, muito embora o efeito do remédio
acabe momento após momento, devido ao poder desse remédio, esse
alguém não sofrerá nenhum dano. Oh bom homem! Ninguém se apro-
xima de onde vive um Chakravartin, nem mesmo na sua ausência. Por
que não? Em razão do poder desse rei. É o mesmo com a pessoa do
estágio do Srotapanna. Ela pode nascer numa má terra e pode não ser
praticante da Via, mas em razão do poder da Via, ela não comete qual-
quer maldade. Os skandhas do Srotapanna podem estar mortos, e
diferentes skandhas podem estar presentes e, no entanto, nenhum
skandha do Srotapanna é perdido. Oh bom homem! Os seres, em razão
daquilo que vem do fruto, fazem muitas coisas boas para a semente:
eles provêm adubo e irrigação. Embora o fruto ainda não tenha sido
obtido e a semente agora esteja morta, não obstante podemos dizer
que obtivemos o fruto da semente. É o mesmo com os skandhas do
Srotapanna. Oh bom homem! Por exemplo, existe um homem que é
rico e possui grande fortuna. Ele teve somente um filho, o qual já mor-
reu. Seu filho teve um filho, que agora está no estrangeiro. Esse ho-
mem, subitamente, morre. O neto, ao ouvir isto, volta e assume a pro-
priedade. Ainda não se sabe onde a fortuna está. Mas, não há ninguém
que obstrua ou defenda a posse (da propriedade). Por que não? Por-
que a dívida é uma (das posses). O caso é o mesmo com os skandhas
do Srotapanna.”

Como Praticar Preceitos, Samadhi e Sabedoria

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você,


o Buda, disse num verso:

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 92


‘Se um Monge pratica a Via
dos preceitos morais, Samadhi e Sabedoria,
saiba que isto é aproximação
não-retroativa e Grande Nirvana’.

Oh Honrado pelo Mundo! Como faço para praticar os preceitos, Sama-


dhi e Sabedoria?”

Como Praticar Preceitos

O Buda disse: “Oh bom homem! Existe um homem que defende as


proibições e preceitos, mas [o faz] pela felicidade que ele pode obter
para si próprio, para humanos e deuses, e não para salvar todos os
seres, e nem para proteger o insuperável Dharma Maravilhoso, mas
pelos ganhos e por medo dos três reinos do infortúnio, pela vida, luxú-
ria, poder, segurança, oratória (eloqüência), por medo das leis do esta-
do, da má fama, por temer o nome sujo, e pelas obras mundanas. Essa
defesa e observância dos preceitos não podem ser chamadas de práti-
ca dos preceitos. Oh bom homem! O que é a verdadeira observância
dos preceitos (shila)? Quando alguém defende shila, o objetivo deve
ser atravessar os seres para a outra margem, proteger o Dharma Ma-
ravilhoso, salvar os ainda não salvos, iluminar os não iluminados, possi-
bilitar àqueles que ainda não tomaram refúgio tomarem-no, possibili-
tar àqueles que ainda não atingiram o Nirvana atingirem-no. Pratican-
do assim, uma pessoa não vê preceitos (shila), como eles são realmen-
te acatados, a pessoa que os observa, os resultados a serem atingidos,
se a pessoa tem pecado ou não. Oh bom homem! Se alguém age as-
sim, isso é observância dos preceitos (shila).

Como Praticar Samadhi

Como se pratica Samadhi? Se alguém, ao praticar Samadhi, o faz para


iluminar a si próprio, por ganhos, não para o benefício de todos os

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 93


seres, nem para a prática do Dharma, mas por cobiça, por comidas
impuras, por motivos sexuais, em razão das impurezas dos nove furos,
por disputas, para golpear e matar outros; qualquer pessoa que prati-
que Samadhi assim não é alguém que pratique Samadhi.

Oh bom homem! Qual é a verdadeira prática do Samadhi? Aquele que


o pratica para o benefício de todos os seres, para implantar na mente
dos seres a idéia do todo-igual, o Dharma não-retroativo, a mente sa-
grada, para permitir aos seres alcançar o Mahayana, para defender o
Dharma Insuperável, para os seres não retroagirem da Iluminação,
para eles obterem o (Samadhi) Surangama, o Samadhi-Vajra, Dharanis
[isto é, mantras longos ou encantamentos], para permitir aos seres
obterem as quatro (sabedorias) sem-obstruções, para permitir aos
seres verem a Natureza de Buda. E quando ao praticar assim, não se vê
Samadhi, nem forma do Samadhi, nem uma pessoa que pratica isso,
nem qualquer resultado a ser alcançado. Oh bom homem! Se as coisas
de fato ocorrem assim, dizemos que essa pessoa está praticando Sa-
madhi.

Como Praticar Sabedoria

Como se pratica Sabedoria? Alguém que pratique Sabedoria pensa: ‘Se


pratico essa Sabedoria, atingirei a Emancipação e salvarei aqueles nos
três reinos do infortúnio. Quem é que de fato beneficia todos os seres,
atravessando-lhes para a outra margem além do nascimento e da mor-
te? É difícil [estar presente quando] o Buda aparece no mundo. É um
evento tão raro quanto depararmos com a floração da Udumbara. Eu
agora cortarei completamente as amarras das impurezas. Ganharei a
fruição da Emancipação. Por conta disto, agora aprenderei praticar a
Sabedoria, romperei os laços das impurezas e atingirei a Emancipação’.
Qualquer pessoa que pratique a Via assim não é alguém que pratique a
Sabedoria.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 94


Como uma pessoa pratica verdadeiramente a Sabedoria? A pessoa
sábia medita sobre as tristezas do nascimento, velhice e morte. Todos
os seres são encobertos pela ignorância e não sabem como praticar o
insuperável Caminho Correto. Ela roga: ‘Rogo para que esse meu corpo
sofra grandes aflições em lugar de todos os seres. Que toda a pobreza,
degradação, pensamentos de transgressão dos preceitos, todas as
ações da cobiça, ira e ignorância de todos os seres recaiam sobre mim.
Rogo para que todos os seres não adquiram um pensamento de cobi-
ça, e que não estejam presos ao corpo-e-mente. Rogo para que todos
os seres em breve atravessem o mar do nascimento e da morte, de
modo que eu não necessite encará-los e sentir aflições. Rogo para que
todos atinjam a Iluminação Insuperável’. Quando uma pessoa pratica a
Via assim, ela não vê Sabedoria, nem forma da Sabedoria, nem quem
pratica a Sabedoria, e nem a fruição a ser alcançada. Isto é praticar
Sabedoria.

Oh bom homem! Alguém que assim pratique shila, Samadhi e Sabedo-


ria é um Bodhisattva; alguém que não possa praticar assim o shila,
Samadhi e Sabedoria é um Sravaka.

Shila, Os Preceitos de Moralidade

Oh bom homem! Como se pratica shila [moralidade]? Todos pecam


por cometer 16 más ações. Quais são as 16? Elas são: 1) criação, ali-
mentação e engorda de ovinos por lucro, e vendê-los, 2) compra e
abate de ovinos por lucro, 3) criação, engorda e venda de porcos por
lucro, 4) comprá-los e abatê-los por lucro, 5) criação e venda de bezer-
ros quando gordos por lucro, 6) comprá-los e abatê-los por lucro, 7)
criação de galinhas por lucro e, quando crescidas, vendê-las, 8) com-
prá-las por lucro e matá-las, 9) pesca, 10) caça, 11) pilhagem, 12) venda
de peixe, 13) captura de pássaros com redes (armadilhas), 14) língua-
dúbia, 15) carceragem, e 16) encantamento de cobras [‘nagas’]. Uma

Capítulo 35: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 3 Página 95


pessoa [deve] afastar-se completa e eternamente de tais más ações.
Isto é praticar shila [preceitos de moralidade].”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 96


Capítulo Trinta e Seis: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 4
[O Buda disse:] “Como se pratica Samadhi [isto é, absorção meditati-
va]? Acaba-se realmente com todos os Samadhis mundanos. Este é o
Samadhi incorpóreo. Os seres adquirem uma idéia de cabeça para
baixo e erroneamente chamam isso de Nirvana. Também, existem
Samadhis como o Samadhi da Mente-Ilimitada, o Samadhi do Grupo-
Puro, o Samadhi do Mutismo (wordlessness=sem-palavras: no original
está worldlessness, cujo significado não se encontra), o Samadhi da
Segregação do Mundo, o Samadhi da Natureza do Mundo, o Samadhi
do Skandha, o Samadhi da Irreflexão-não- Irreflexão que, de fato, fa-
zem com que os seres adquiram um pensamento de cabeça para baixo
e chamem isso de Nirvana. Se uma pessoa aparta-se realmente desses
Samadhis, isto é praticar Samadhi.

Como se pratica Sabedoria? Extirpa-se completamente as más visões


do mundo. Todos os seres possuem más visões. Qual seja pensar que
‘matéria’ [forma] é o Eu, e que isso (matéria) pertence ao Eu; que exis-
te Eu na matéria e matéria no Eu; e assim vai até a consciência (percor-
rendo os cinco skandhas); que matéria é o Eu; que matéria morre, mas
o Eu fica para trás; que matéria é o Eu, e que quando a matéria morre,
o Eu morre. E certa pessoa diz: ‘O executor é o Eu; o receptor é o Eu’.
Também, certa pessoa diz: ‘O executor (quem faz) é a matéria; o recep-
tor é o Eu’. Também, certa pessoa diz: ‘Não existe executor e nem re-
ceptor. Uma coisa surge por si mesma; morre por si mesma. Nada está
baseado nas relações causais’. Também, certa pessoa diz: ‘Não existe
executor e nem receptor. Tudo é obra de Isvara [isto é, Deus]’. Tam-
bém, certa pessoa diz: ‘Não pode haver qualquer executor ou qualquer
receptor. Tudo surge de acordo com a estação’. Também, certa pessoa
diz: ‘Existem executores e receptores. Os cinco elementos, a começar
pela terra, são o ser’. Oh bom homem! Se qualquer pessoa esmaga
essas más visões, isso é praticar Sabedoria.

Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 97


Por Que Praticamos

Oh bom homem! A prática do Shila [preceitos de moralidade] é para a


quietude do nosso próprio corpo. A prática do Samadhi é para a quie-
tude de nossa própria mente. A prática da Sabedoria é para a erradica-
ção das dúvidas. Erradicar dúvidas é praticar a Via. Praticar a Via é ver a
Natureza de Buda. Ver a Natureza de Buda é atingir a Iluminação Insu-
perável. Atingir a Iluminação Insuperável é chegar ao Insuperável
Grande Nirvana. Chegar ao Grande Nirvana é apartar todos os seres do
nascimento e da morte, de todas as impurezas, de todas as existências
[mundanas], de todos os reinos, de todas as verdades dos seres. Cortar
[esses] nascimentos e mortes, e satya [realidade, presumivelmente
‘realidade mundana’] é atingir o Eterno, Êxtase, o Eu e o Puro.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se, como o Buda diz,
não-nascimento e não-extinção são Nirvana, a vida também é não-
nascimento e não-extinção. Por que não podemos dizer que é Nirva-
na?”

“Oh bom homem! É assim, é assim. É como você diz. Embora essa vida
seja não-nascimento e não-extinção, há início e fim.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Também não existe início e nem fim nessa
lei do nascimento e da morte. Se não existe início e fim, isso é eterno.
O Eterno é Nirvana. Por que não chamamos nascimento e morte de
Nirvana?”

Oh bom homem! A lei desse nascimento-e-morte depende da causali-


dade. Como existem causas e efeitos, não podemos chamar isso de
Nirvana. Por que não? Porque o corpo do Nirvana não tem causa e
efeito.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Nirvana tem causa e
efeito, como você, o Buda, diz:

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 98


‘Através da causa se ganha o nascimento no céu;
através da causa se nasce nos reinos do infortúnio;
através da causa se atinge o Nirvana.
Assim, tudo tem uma causa.’

Você, o Buda, disse aos Monges: ‘Agora falarei aos Shramanas sobre a
fruição da Via. ‘Shramana’ significa nenhum outro senão o bom prati-
cante dos shila [preceitos de moralidade], Samadhi e Sabedoria. A Via é
o Nobre Caminho Óctuplo. A fruição da prática do Shramana é Nirva-
na’. Oh Honrado pelo Mundo! Nirvana é assim. Isso não é fruição [isto
é, resultado]? Como você pode dizer que Nirvana não tem causa e
fruição?”

“Oh bom homem! O que me refiro como causa do Nirvana é a assim


chamada Natureza de Buda. A natureza da Natureza de Buda não evo-
ca o Nirvana. Esse é o porquê Eu digo que não há causa no Nirvana.
Como ele realmente aniquila as impurezas, Eu digo ‘grande fruição’. Ele
não surge por causa da ‘Via’. Portanto, Eu digo que não há fruição. Por
essa razão, Nirvana não tem causa e nem fruição.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! A Natureza de Buda


dos seres é uma coisa de posse coletiva ou é algo possuído individual-
mente? Se for de posse coletiva, todos a obteriam quando uma pessoa
a obtivesse. Oh Honrado pelo Mundo! Vinte pessoas têm um inimigo.
Se um sai do grupo, pode significar que os 19 remanescentes não te-
nham mais inimigo. Se a Natureza de Buda é assim, as pessoas rema-
nescentes devem obtê-la se uma pessoa a obtiver. Se cada um possui a
Natureza de Buda (individualmente), isso é não-eterno. Por quê? A
natureza dos seres não é nem uma nem duas. Não podemos dizer que
todos os Budas são todos iguais. Também, não podemos dizer que o
Buda é como o vazio.”

O Buda disse: “Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres não é
uma e nem duas. A igualdade falada com respeito a todos os Budas é
Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 99
como o Vazio. Todos os seres o possuem. Alguém que realmente prati-
que o Nobre Caminho Óctuplo obtém – deve-se saber – uma visão
clara (brilhante). Oh bom homem! Nos Himalayas existe uma grama
chamada ninniku [‘ksanti’ em Sânscrito, que significa paciência]. De
uma vaca alimentada com ela se obterá sarpirmanda [o mais saboroso
e saudável dos produtos do leite]. É o mesmo com a Natureza de Buda
dos seres.”

Rugido do Leão disse: “A grama ninniku, sobre a qual o Buda fala, é


uma ou muitas? Se ela é uma, chegará a um fim quando a vaca pastar
nela. Se (forem) muitas, como você pode dizer que a Natureza de Buda
também é como ela? Você, o Buda, diz que se alguém pratica o Nobre
Caminho Óctuplo, verá a Natureza de Buda. Mas, isto não é assim. Por
que não? Se a Via é uma, deve chegar a um fim, como no caso da gra-
ma ninniku. Se ela chega a um fim, não há nenhuma parte mais (da Via)
para outros praticarem-na. Se as Vias são muitas, como podemos dizer
que a prática está completa? E como se pode falar do ‘sarvajnana’ [o-
nisciência]?”

A Árvore Bodhi

O Buda disse: “Oh bom homem! [Suponha que] exista uma estrada
plana. Os seres caminham [ao longo dela], e não há nada que obstacu-
lize o seu avanço. No meio da estrada existe uma árvore, cuja sombra é
fresca. Os viajantes fazem uma parada nesse lugar com o seu palan-
quim e descansam. Mas, existe sempre a sombra da árvore nesse lugar,
e não há diferença. A sombra não se acaba, e ninguém a leva embora.
A estrada é a Via Sagrada, e a sombra a Natureza de Buda.

Oh bom homem! Existe um grande castelo, que tem somente um por-


tão. Muitas pessoas vêm e vão, e passam através dele, sem obstáculos.
E ninguém o destrói e leva embora. Isto é como as coisas se estabele-
cem.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 100


Oh bom homem! É como com uma ponte, que não se importa com
quem passa sobre ela; não há ninguém lá para obstruir [o caminho] ou
destruir [a ponte] ou levá-la embora. Oh bom homem! Por exemplo, é
como com um bom médico, que se importa com tudo sobre doenças. E
não há ninguém que o reprima, quer para permitir-lhe curar [pessoas]
ou forçá-lo a abandonar isto. É o mesmo com a Via Sagrada e a Nature-
za de Buda.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você profere todas
[essas] parábolas, as quais, todavia, não se aplicam. Por que não? Se
existe alguma pessoa antes no caminho [ou seja, à frente, mais adian-
te], aquela pessoa deve estar obstruindo o caminho. Como alguém
pode dizer que não há obstrução? O mesmo se aplica às outras (pará-
bolas). Se a Via Sagrada e a Natureza de Buda são assim, quando se
pratica a Via, deveríamos causar obstáculos aos outros.”

O Buda disse: “Oh bom homem! O que você diz não faz sentido. O que
é explicado nas parábolas com relação à Via refere-se somente a uma
parte, e não ao todo. Oh bom homem! Os caminhos do mundo têm
obstáculos. Uns diferem dos outros; nunca são iguais. A Via Imaculada
não é assim. Ela é de tal maneira que permite aos seres não terem
nenhum obstáculo em seu caminho. Tudo é o mesmo e tudo é igual;
não há diferença quanto ao local, ou este e aquele. Assim, a Via Correta
apresenta-se como a causa revelada para a Natureza de Buda dos se-
res, e não se torna a causa do nascimento. Isto é como no caso de uma
lâmpada brilhante que realmente resplandece sobre tudo.

Oh bom homem! Todos os seres estão presos às ações ignorantes atra-


vés das relações causais. Não diga que se alguém estiver preso no ca-
minho da ignorância, não poderá haver outros mais. Todos os seres
estão presos às ações da ignorância. Esse é o porquê dizemos que os
12 elos do surgimento interdependente funcionam igualmente para
tudo [aplicam-se igualmente a tudo]. É o mesmo com a Via Imaculada e
Correta que todos os seres praticam. Tudo igualmente, ela acaba com
Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 101
as impurezas dos seres, daqueles das quatro vidas, e de todas as for-
mas de existência de todos os domínios [no Samsara]. Dessa forma,
dizemos ‘igual’. Quando alguém está Iluminado, não há conhecimento
e visão disto e daquilo (não há distinções, é tudo igual). Por essa razão,
podemos perfeitamente falar de ‘sarvajnana’ [pleno-conhecimento].”

Rugido do Leão disse: “Todos os seres não são de um único tipo de


corpo. Existem devas [deuses] e existem humanos. E existem muitos
outros como aqueles dos domínios dos animais, dos espíritos famintos,
e do inferno. Há muitos (tipos), não apenas um. Como podemos dizer
que a Natureza de Buda pode ser uma?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, há um homem que adi-
ciona veneno ao leite. Em razão disto, todos [os produtos do leite] até
o sarpirmanda conterão veneno. Não podemos chamar leite de man-
teiga, e nem manteiga de leite. O mesmo se aplica ao sarpirmanda. O
nome pode mudar, mas a natureza do veneno não é perdida. Ele per-
meará os cinco sabores do leite tudo-igualmente. Mesmo a sarpirman-
da, se tomada, matará uma pessoa. Exatamente como o veneno não é
colocado na sarpirmanda (mas, no leite), assim é o caso com a Nature-
za de Buda dos seres. Encontra-se a Natureza de Buda dos seres em
diferentes corpos dos cinco domínios. Mas, a Natureza de Buda é sem-
pre a mesma, e não há mudança.”

A História do Castelo de Kushinagar

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Há seis grandes cas-
telos nos dezesseis grandes estados [isto é, os estados do Ganges ou
cidades-castelo nos tempos do Buda], a saber: Sravasti, Saketa, Campa,
Vaisali, Varanasi e Rajagriha. Esses grandes castelos são os maiores no
mundo. Por que é que o Tathagata deixa esses lugares com a intenção
de entrar no Nirvana neste distante, ruim, muito feio e pequeno Caste-
lo de Kushinagar?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 102


“Oh bom homem! Não diga que Kushinagar é um castelo distante,
ruim, muito feio e pequeno. Esse castelo é adornado com maravilhas e
virtudes. Por quê? Porque esse é um lugar que todos os Budas e Bodhi-
sattvas têm visitado. Oh bom homem! Mesmo a casa de uma pessoa
humilde pode ser chamada de ‘grande e perfeita na virtude’, digna da
visita de um grande rei, caso aconteça de ele vir e passar por lá. Oh
bom homem! [Imagine] uma pessoa que está seriamente doente e que
toma um remédio sujo e ruim. Sua doença é curada, a alegria surge, e
esse remédio se torna o melhor e mais maravilhoso [dos remédios]. Ela
o elogia e diz que ele realmente curou a sua doença.

Oh bom homem! Um homem está num navio no grande oceano. Subi-


tamente, o navio se parte, e não há nada com que se possa contar. O
homem agarra-se a um cadáver e procura a outra margem. Alcançando
a outra margem, ele encontra-se feliz e elogia enormemente o cadá-
ver, dizendo que ele teve sorte de encontrá-lo e seguramente encon-
trou a paz. É o mesmo caso com o Castelo de Kushinagar, o qual todos
os Budas e Bodhisattvas têm visitado. Como alguém poderia dizer que
ele é um castelo distante, ruim, acanhado e pequeno?

Oh bom homem! Lembro-me que certa vez, em tempos remotos, há


muitos kalpas atrás tão inumeráveis quanto às areias do Rio Ganges,
houve uma era chamada de kalpa ‘Suprabuda’. Naquela ocasião, existiu
um rei sagrado chamado Kausika. Totalmente dotado dos Sete Tesou-
ros e 1.000 filhos, esse rei construiu então este castelo. Ele media 12
yojanas na largura e no comprimento. Era adornado com os Sete Te-
souros. O solo era bom. Havia rios aqui, cujas águas eram puras e lím-
pidas, e de doce sabor. Eles eram: Nairanjana, Airavati, Hiranyavati,
Usmodaka, e Vipasa. Havia cerca de 500 outros rios. Ambas as margens
eram preenchidas com árvores frondosas que davam flores e frutas,
todas frescas e puras. Naquela ocasião, a duração da vida de uma pes-
soa era imensurável. Então, passados 100 anos, o Chakravartin [pode-
roso imperador] disse: ‘Exatamente como o Buda diz, todas as coisas
são não-eternas. Alguém que pratique as dez boas ações acaba com
Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 103
todas as aflições do não-eterno’. As pessoas, ao ouvirem isto, todas
praticaram as dez boas ações. Eu, naquela ocasião, ao ouvir o nome do
Buda, pratiquei as dez boas ações, meditei e aspirei ao Insuperável
Bodhi [Iluminação]. Ao aspirar, também transferi esse Dharma aos
inumeráveis e ilimitados seres e disse que todas as coisas são não-
eternas e estão sujeitas às mudanças e dissolução. Em razão disto, Eu
agora continuo e digo que todas as coisas são não-eternas, são aquelas
que mudam e se dissolvem, e que somente o Corpo-do-Buda é Eterno.
Lembro-me do que fiz através das relações causais. Esse é o porquê
agora vim aqui, pretendo entrar no Nirvana e retribuir o que devo a
este lugar. Por essa razão, Eu digo no sutra: ‘Meus parentes sabem
como retribuir o que eles me devem’.”

Também, além disso, oh bom homem! Em dias passados, quando a


duração da vida de uma pessoa era imensurável, esse castelo chamou-
se Kusanagaravati [provavelmente o mesmo nome Kushinagar] e me-
diu 50 yojanas na largura e comprimento. Naquele tempo no Jambud-
vipa, as pessoas viviam ombro a ombro e as aves voavam por ai. Lá
vivia um Chakravartin chamado Zenken [Sudarsana]. Ele possuía os
Sete Tesouros e 1.000 filhos, e era o rei das quatro nações (continen-
tes). O primeiro dos seus filhos amava o Dharma Maravilhoso e tornou-
se um Pratyekabuda. Então, o Chakravartin viu que o seu Príncipe da
Coroa era um Pratyekabuda, que sua conduta foi ordenada, e que ele
era dotado com maravilhosos poderes miraculosos. Ao ver isto, ele
renunciou o seu estado como se fosse lágrimas e saliva. Ele tornou-se
um Monge e vivia aqui entre as árvores sala, e por 80.000 anos ele
praticou o Amor-Benevolente. E se aplicou igualmente na prática da
Compaixão, Alegria Simpática e Equanimidade por 80.000 anos cada.

Oh bom homem! Se você deseja saber quem foi aquele rei sagrado,
Zenken, então saiba que ele foi nenhum outro senão Eu. Esse é o por-
quê eu agora resido nas quatro leis, que são nada mais que Samadhis.
Por essa razão, ‘o Corpo do Tathagata é Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro’.
Oh bom homem! Em razão disto, agora estou em Kushinagar, nessa
floresta de árvores sala, e resido no Samadhi.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 104
A História do Castelo de Kapilavastu

Oh bom homem! Relembro, após inumeráveis anos, uma cidade-


castelo chamada Kapilavastu. Naquele castelo, viveu um rei chamado
Suddhodana. Sua consorte era chamada Maya. Eles tinham um Prínci-
pe que era chamado Siddhartha. O Príncipe, naquela ocasião, não teve
professores. Ele buscou a Via por si mesmo e atingiu o Insuperável
Bodhi. Ele tinha dois discípulos, Shariputra e Mahamaudgalyayana. O
discípulo que assistia o Príncipe era chamado Ananda. Naquela ocasião,
sob as árvores sala, ele proferiu o sermão do Sutra do Grande Nirvana.
Naquele tempo, eu era um dos congregados e fui capaz de testemu-
nhar aquele sermão. Lá, foi-me dito que todos os seres possuíam a
Natureza de Buda. Ao ouvir isto, eu fiquei irredutível (imóvel) no Bodhi.
Então, fiz um voto: ‘Se eu atingir o Estado de Buda nos dias que virão,
será como agora. Serei um mestre para meu pai, minha mãe e para a
nação; os nomes dos discípulos e assistentes também serão os mes-
mos, exatamente como as coisas se estabelecem com o presente Hon-
rado-pelo-Mundo. Nada será diferente’. Esse é o porquê agora estou
aqui e estou proferindo esse sermão do Sutra do Grande Nirvana.

Oh bom homem! Quando primeiramente abandonei a vida familiar,


mas ainda não havia atingido a Iluminação Insuperável, Bimbisara en-
viou um mensageiro a mim e disse: ‘Se você, Príncipe Siddhartha, tor-
nar-se um Chakravartin, tornar-me-ei seu subordinado. Mas, se você
deixar o lar e atingir a Iluminação Insuperável, por favor, venha a esta
Rajagriha, profira sermões, salve as pessoas e aceite meus oferecimen-
tos’. Então, aceitei seu convite em silêncio.

Oh bom homem! Ao atingir a Iluminação Insuperável, então decidi ir a


Kosala. Naquela ocasião, ao longo do rio Nairanjana vivia um Brâmane,
Kashyapa, que tinha 500 discípulos e que, através deste rio, buscou a
minha Via Insuperável. Eu especialmente dirigi meu caminho para lá

Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 105


para falar [a ele] do Dharma. Kashyapa disse: ‘Oh Gautama! Tenho 120
anos. Muitas pessoas em Magadha, ministros e Bimbisara, dizem que
atingi o Arhatship. Se eu der ouvido ao que você diz, possivelmente
todas as pessoas podem adquirir uma idéia invertida e dizer: [O virtuo-
so Kashyapa já não é um Arhat? Deixe Gautama correr para outros
lugares]. Se as pessoas vierem a saber que a virtude de Gautama supe-
ra a minha, possivelmente falharei em [receber] minhas próprias esmo-
las’. Eu então disse: ‘Se você não nutrir alguma inimizade pessoal con-
tra mim, por favor, dê-me um repouso à noite. Partirei amanhã bem
cedo’. Kashyapa disse: ‘Oh Gautama! Nada tenho contra você. Gosto e
respeito você. Apenas, no meu lugar vive uma víbora que é mal-
humorada. Ela possivelmente pode causar-lhe algum dano’. Então eu
disse: ‘Nenhum veneno é mais potente que os três venenos [da cobiça,
má-vontade e ignorância]. Eu agora acabei com eles. Não tenho medo
de venenos mundanos’. Kashyapa disse: ‘Se você não teme, por favor
fique’.

Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, demonstrei 18 milagres diante


de Kashyapa. Isto foi como estabelecido no sutra. Kashyapa e seus 500
discípulos viram isto e todos atingiram o Arhatship.

Naquela ocasião, Kashyapa tinha dois jovens irmãos. Um era [chama-


do] Gayakashyapa, e o outro Nadikashyapa. Lá havia também 500 mes-
tres e discípulos. Todos atingiram o Arhatship. As pessoas dos seis mes-
tres de Rajagriha, temendo isto, entretiveram um grande mau pensa-
mento contra mim. Então, fiel a minha palavra, fui à Rajagriha. No ca-
minho, o rei veio [juntamente com] o seu povo, inumeráveis centenas
e milhares [deles] em número, e recebeu-me. Eu proferi um sermão
para eles. Ao ouvi-lo, os devas do mundo dos desejos, 86.000 deles,
todos aspiraram ao Insuperável Bodhi. O séquito do Rei Bimbisara de
120.000 guardas atingiu o [nível do] Srotapanna; um incontável núme-
ro de pessoas alcançou o estágio do ksanti [paciência]. Chegando ao
castelo, ensinei a Shariputra e Mahamaudgalyayana, juntamente com
seus 250 discípulos. Todos eles abandonaram tudo o que tinham em
mente até então, e entraram no Caminho. Vivi lá e recebi os ofereci-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 106
mentos do rei. Os seis mestres dos Tirthikas juntaram-se (a mim) e
fomos juntos para Sravasti.

Naquela ocasião havia um homem rico chamado Sudatta. Ele desejava


ter uma esposa para seu filho, e com essa finalidade ele veio a Rajagri-
ha. Chegando ao castelo, ele hospedou-se na casa de Samdhana. En-
tão, esse homem rico [isto é, Samdhana] levantou-se a meia-noite e
disse às pessoas do seu agregado familiar: ‘Levantem-se todos, ador-
nem e limpem a casa rapidamente, e preparem uma refeição’. Sudatta
ouviu isto e pensou para si: ‘Ele vai convidar o rei de Magadha? Ou será
um casamento e uma reunião festiva’? Pensando assim, ele caminhou
adiante e indagou: ‘Você vai convidar Bimbisara, Rei de Magadha? Será
uma festa de casamento? Por que você está assim tão ocupado’? O
homem rico respondeu, dizendo: ‘Você ainda não ouviu sobre o filho
dos Shakyas de Kapilavastu chamado Siddhartha. Gautama é o seu
nome de família. Seu pai é chamado Suddhodana. Não muito depois do
seu nascimento, o áugure disse que o menino infalivelmente se torna-
ria um Chakravartin e que isto era tão claro como se alguém visse uma
amra na palma da sua mão. Ele não procurou prazeres e abandonou a
vida familiar. E sem que fosse ensinado por qualquer pessoa, ele atin-
giu o Insuperável Bodhi. Ele acabou com a cobiça, a má-vontade, e a
ignorância. Ele é Eterno e Imutável. Nada surge e nada se extingue; e
ele é destemido. Todos os seres são um para ele. Eles são como um
filho único é para seus pais, e seu corpo e mente são insuperáveis.
Embora supere a todos, ele não tem arrogância na sua mente. A Sabe-
doria está toda ao seu redor e nada o obstrui [nessa Sabedoria]. E ele é
perfeito nos dez poderes, nos quatro destemores, nas cinco sabedorias
[‘pancajnana’], Samadhi, Grande Amor-Benevolente, Grande Compai-
xão, e os três pensamentos. Esse é o porquê ele é o Buda. Amanhã, ele
receberá os meus oferecimentos. Esse é o porquê estou ocupado e não
tenho tempo suficiente para trocar cumprimentos’. Sudatta disse:
‘Bem falado, oh Grande! O Buda sobre o qual você fala é insuperável
na virtude. Onde ele está agora’? O homem rico disse: ‘Agora ele se
encontra nesta grande cidade-castelo de Rajagriha, hospedado com
Venuvana-kalandakanivapa’.
Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 107
Então, Sudatta meditou sobre os dez poderes, os quatro destemores,
as cinco sabedorias, Samadhi, Grande Amor-Benevolente, e os três
pensamentos que o Buda possui. Como ele assim meditou, lá surgiu
um brilho, em conseqüência do qual todas as coisas pareciam como se
estivessem à luz do dia. Desejando saber de onde a luz vinha, ele des-
ceu até o portão. Através do poder transcendental do Buda, o portão
abriu-se espontaneamente. Ao sair pelo portão, ele viu uma capela na
beira da estrada. Passando por ela, Sudatta adorou. Então, a escuridão
surgiu novamente. Com medo, ele decidiu voltar para onde estava.
Então um deva o acompanhou da capela até o portão do castelo. O
deva disse a Sudatta: ‘Vá para onde o Tathagata está e você obterá
muitos benefícios’. Sudatta disse: ‘Que benefícios’? O deva disse: ‘Oh
homem rico! Como uma ilustração: um homem tem 100 corcéis sober-
bos, adornados com laços cravejados de gemas (preciosas), 100 gan-
dhahastins (elefantes almiscarados), 100 carruagens de jóias, 100 está-
tuas humanas feitas de ouro, belas mulheres completamente adorna-
das com colares de jóias, belos palácios, salões e casas cravejadas de
jóias, com letras e figuras esculpidas nelas, milhetos de prata em ban-
dejas de ouro, e milhetos de ouro em bandejas de prata, em número
de 100, e todas essas coisas são oferecidas como dana [doação carido-
sa] a cada pessoa através de todo o Jambudvipa. Mas, a virtude [assim]
alcançada não pode superar um simples passo em prol da aspiração ao
Bodhi e ir ao Tathagata’. Sudatta disse: ‘Oh bom homem! Quem é vo-
cê’? O deva disse: ‘Oh homem rico! Eu sou o filho de um Brâmane reti-
líneo (correto na conduta). Sou um ex-professor da Via. Em dias passa-
dos, senti alegria quando vi Shariputra e Maudgalyayana, descartei
meu corpo e tornei-me o filho de Vaishravana, o anjo guardião do nor-
te. É meu dever especial guardar essa Rajagriha. Obtive essa forma
maravilhosa através da adoração e adquiri alegria assim. Quão maiores
devem ser as coisas se alguém se encontra com um Grande Mestre
como o Tathagata e lhe adora e faz-lhe oferecimentos’?

Sudatta, ao ouvir isto, virou os seus passos e veio para o lugar onde eu
estava. Ao chegar, ele prostrou-se no chão e tocou os meus pés. Eu
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 108
então, como era apropriado, falei do Dharma. Tendo ouvido o meu
sermão, o homem rico atingiu o [estágio do] Srotapanna. Ao obter essa
fruição, ele convidou-me, dizendo: ‘Oh Grande Mestre, Tathagata!
Rogo para que você condescenda em vir a Sravasti e aceitar os meus
insignificantes oferecimentos’. Eu então lhe respondi: ‘Você pode, na
sua Sravasti, acomodar a todos’? Sudatta disse: ‘Se o Buda é compassi-
vo e condescende em aceitar o meu pedido, farei o melhor’. Oh bom
homem! Eu então aceitei o seu convite. Esse homem rico, Sudatta, ao
ser respondida a sua suplica, me disse: ‘Até agora não tive experiência
de organizar [uma grande refeição]. Oh Tathagata! Por favor, envie
Shariputra para meu palácio, tal que ele possa assumir o comando e
tomar as medidas necessárias para atender aos requisitos’.

A História do Monastério de Jetavana

Então, Shariputra foi para Sravasti, cavalgando junto com Sudatta. A-


través do meu poder transcendental, eles chegaram ao seu destino em
um dia. Então, Sudatta disse a Shariputra: ‘Oh Altamente Virtuoso!
Afora deste portão, há um lugar bem adequado para a finalidade. Não
é próximo e nem distante, onde há muitas nascentes e lagos, muitas
florestas com flores e frutos; e o lugar é puro, quieto e amplo. Construi-
rei Viharas [monastérios - locais de residência] lá para o Buda e seus
Monges’. Shariputra disse: ‘A floresta do Príncipe Jeta não é próxima e
nem distante. É pura e quieta. Há muitas nascentes e córregos. Há
flores e frutos da estação. Esse é o melhor lugar. Construamos um Vi-
hara lá’.

Então, ao ouvir isto, Sudatta foi ao grande homem rico, Jeta, e lhe dis-
se: ‘Eu agora desejo construir um Vihara Budista e dedicá-lo a alguém
insuperável no Dharma, em um lugar que lhe pertence. Agora desejo
comprá-lo de você. Você o venderia para mim’? Jeta disse: ‘Não o ven-
derei, mesmo que você cubra o chão com ouro’. Sudatta disse: ‘Bem
falado! A floresta pertence a mim. Tome meu ouro’. Jeta disse: ‘Não

Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 109


estou vendendo a floresta para você. Como posso pegar o seu ouro’?
Sudatta disse: ‘Se você não estiver satisfeito, irei ao magistrado’. E am-
bos foram juntos ao magistrado. O magistrado disse: ‘A floresta per-
tence a Sudatta. Jeta deve pegar o ouro’. Sudatta imediatamente envi-
ou homens com cargas de ouro sobre carroças e cavalos. Quando che-
garam, ele cobriu o chão com ouro. Em um único dia viu-se uma área
de 500 ‘bu’ [unidade de medida de terra Chinesa, em torno de 6 ou 6.4
pés] coberta; e ainda não estava tudo coberto. Jeta disse: ‘Oh homem
rico! Se você tem algum arrependimento dentro de você, está comple-
tamente livre para cancelar o negócio’. Sudatta disse: ‘Não sinto qual-
quer arrependimento’. Ele pensou para si qual dos depósitos ele abriria
agora para obter ouro para a área ainda deixada sem cobertura. Jeta
pensou para si: ‘O Tathagata, Rei do Dharma, é realmente alguém in-
superável. As coisas maravilhosas que ele ensina são puras e imacula-
das. Esse é o porquê esse homem pensa assim tão despreocupada-
mente sobre este tesouro’. Ele então disse a Sudatta: ‘Não necessito
agora de qualquer ouro para o que permanece descoberto. Por favor,
pegue-o. Eu mesmo construirei um portão para o Tathagata, tal que ele
possa entrar e sair através dele’. Jeta construiu o portão e, em sete
dias, Sudatta construiu um grande Vihara numa área de 300 ‘ken’ [o
‘ken’ mede cerca de 6 pés] na largura e no comprimento. Havia quartos
para meditação silenciosa em número de 63. Os aposentos eram dife-
rentes para o inverno e para o verão. Havia cozinhas, banheiros, e um
lugar para lavar os pés. Havia dois tipos de lavatórios.

Concluídas as construções, ele (Sudatta) pegou um incensório e, apon-


tando na direção de Rajagriha, disse: ‘As obras estão completas agora.
Oh Tathagata! Por favor, tenha piedade e ocupe este lugar, e fique
(viva) aqui para o bem dos seres’. Tão logo li o pensamento desse ho-
mem rico à distância, parti de Rajagriha. No curto espaço de tempo que
leva um homem forte e jovem para dobrar e estender seu braço, viajei
para Sravasti, para Jetavana, e tomei posse do Monastério de Jetavana.
Quando cheguei ao local, Sudatta o dedicou-me. Eu então o recebi e o
habitei.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 110


Capítulo Trinta e Sete: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 5
Então os seis mestres ficaram com ciúmes e todos se reuniram no palá-
cio do Rei Prasenajit e disseram: “Oh grande Rei! Sua terra é toda limpa
e quieta, e realmente é o lugar onde as pessoas que renunciam podem
viver bem. Em razão disto, todos viemos aqui. Oh grande Rei! Com
correção, acabe com o que não é propício para o bem do povo. Ora, o
Shramana Gautama ainda é jovem e imaturo. Não tendo aprendido
muito, nada tem a dar. Ora, neste país vivem muitos anciões e pessoas
virtuosas que, gabando-se da casta dos Kshatriya, não sabem como
prestar homenagem. O rei deve governar a terra através da lei; aqueles
que abandonam o mundo devem procurar a virtude. Ouça bem, oh
grande Rei! O Shramana Gautama não é alguém verdadeiramente de
uma família Kshatriya. Se o Shramana Gautama tem pais, por que tem
que tirar os pais dos outros? Oh grande Rei! Está estabelecido nos nos-
sos sutras que em 1.000 anos aparecerá um fantasma ou aparição. O
assim chamado Shramana Gautama é isto. Por conta disto, saiba bem
que o Shramana é nenhum outro senão esse Gautama. Por essa razão,
saiba que o Shramana Gautama não tem pai e nem mãe. Se ele os tem,
como pode dizer: ‘Todas as coisas são não-eternas, sofrimento, vazio; e
tudo não possui um ‘eu’, nem ação, nem sentimento’? Através de po-
deres ocultos, ele leva os seres a se extraviarem. O ignorante acredita e
o sábio rejeita. Oh grande Rei! O rei é o pai para a nação. Ele é, por
assim dizer, como a terra, o ar, o fogo, o caminho, o rio, a ponte, a luz,
o sol, e a lua. Através da lei, ele distribui justiça. Não pode haver qual-
quer inimigo ou amigo. O Shramana Gautama não consente a vida.
Aonde vamos, ele nos segue, e não deixa-nos. Oh grande Rei! Permita-
nos competir em nossos poderes de consecução. Caso ele vença, nos
tornaremos seus discípulos. Se vencermos, ele se submeterá a nós’.

O rei disse: ‘Oh grandes! Cada um de vocês tem a própria maneira de


praticar, e vivem em lugares diferentes. Definitivamente, eu sei que o

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 111


Tathagata Honrado pelo Mundo não causa a vocês qualquer obstácu-
lo’.

Os seis mestres responderam: ‘Como ele não é um obstáculo para nós?


O Shramana Gautama faz milagres, levando todas as pessoas e Brâma-
nes a se extraviarem. Ele agora não tem mais a (quem) subjugar. Se
você, Rei, permitir-nos competir em (poderes) miraculosos, a boa repu-
tação do Rei se espalhará em todos os quadrantes. Se não, a má fama
circulará no exterior’.

O rei disse: ‘Oh grandes! Vocês não percebem quão superior é o poder
da Via do Tathagata. Assim, vocês procuram competir [com ele]. Estou
certo de que falharão’.

‘Oh grande Rei! Você já foi enfeitiçado pelo Gautama? Reze, oh Rei,
pense bem e não nos menospreze. De fato, a melhor coisa é colocar o
assunto a prova’.

O Rei disse: ‘Bem falado, bem falado’! Os seis mestres ficaram satisfei-
tos e seguiram seu caminho.

Então, o Rei Prasenajit veio a mim, tocou o chão, circundou-me três


vezes, recuou, sentou-se a um lado, e disse-me: ‘Oh Honrado pelo
Mundo! Os seis mestres vieram a mim para obter permissão para
competir com você no poder da Via. Eu, descuidadamente, dei permis-
são’.

Eu disse: ‘Está bem, está bem! Apenas, erija muitos Monastérios (Viha-
ra) no país. Por quê? Se eu competir com eles, haverá tantos deles que
terão que vir para o nosso lado, que não haverá lugar para acomodá-
los, já que esse lugar é muito pequeno e limitado para abrigar a todos’.

Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, exibi uma grande quantidade de


milagres para o bem dos seis mestres, desde o primeiro até o décimo-
quinto dia. Então, um incontável número de seres ganhou a fé nos Três
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 112
Tesouros e não tinham mais dúvidas. O número de seguidores dos seis
mestres que acabaram com as idéias distorcidas e tomaram refúgio no
Dharma Maravilhoso era incontável. Um incontável número de pessoas
alcançou a Mente do Bodhi não-retroativa. Um incontável número de
pessoas obteve Dharanis e Samadhi. Um incontável número de seres
atingiu a fruição do Arhatship, ascendendo ao [nível do] Srotapanna.

Então, os seis mestres se arrependeram e foram juntos a Saketa e fize-


ram as pessoas acreditarem em visões distorcidas da vida. Eles disse-
ram: ‘O Shramana Gautama ensina o que é vazio’. Oh bom homem! Eu,
naquela ocasião, estava no Céu Trayastrimsa e estava vivendo a vida de
Varsika sob a sombra da Árvore Parijata, proferindo um sermão para a
minha mãe. Então, os seis mestres ficaram grandemente satisfeitos e
disseram: ‘Oh que bom! Os milagres de Gautama cessaram’. Também,
ao ensinar um incontável número de seres, as visões errôneas sobre a
vida aumentaram e se espalharam. Então, Bimbisara, Prasenajit, e as
quatro classes da Sangha disseram a Maudgalyayana: ‘Oh Virtuoso! As
visões distorcidas preenchem esse Jambudvipa. As pessoas são (tão)
infelizes que estão trilhando seu caminho para as grandes trevas. Por
favor, Oh Virtuoso! Vá ao Céu, prostre-se no chão, preste homenagem
e transmita nossas palavras ao Honrado pelo Mundo: exatamente co-
mo um bezerro recém-nascido morrerá se o leite não for dado, assim
se passam as coisas com todos nós seres. Tenha piedade de nós seres,
oh Tathagata, e volte para nós’. Então, Maudgalyayana atendeu a sua
súplica e tão rapidamente quanto um homem forte pode dobrar e
estender seu braço, ele veio ao Céu e disse a mim, o Buda: ‘Todas as
quatro classes da Sangha Budista procuram pelo Tathagata e desejam
ouvir diretamente de você um sermão sobre o Dharma. Bimbisara,
Prasenajit, e as quatro classes da Sangha estão todos se prostrando ao
chão, prestando homenagem, e dizendo: ‘Os seres desse Jambudvipa
estão com as suas visões distorcidas, e isto está aumentando ainda
mais. Eles estão caminhando na grande escuridão. Isso é uma grande
pena. É semelhante a um bezerro recém-nascido que certamente mor-
rerá se nenhum leite lhe for dado. É o mesmo conosco. Para o benefí-
cio de todos nós seres, condescenda, oh Tathagata, em vir para o Jam-
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 113
budvipa e ficar’. Eu, o Buda, disse a Maudgalyayana: ‘Apressa-te para o
Jambudvipa e diga a todos os reis e às quatro classes de pessoas da
Sangha Budista que em sete dias voltarei. Para o bem dos seis mestres,
irei a Saketa’.

Sete dias depois, Eu, o Buda, circundado por Sakrodevendra, Brahma,


Mara, e um incontável número de seres celestiais e todos os seres ce-
lestiais que estavam reunidos no Céu Suddavasa, chegamos ao castelo
de Saketa e emitimos o rugido do leão, declarando: ‘Somente em mi-
nha Doutrina pode haver Shramanas e Brâmanes. Todas as coisas são
não-eternas e destituídas do eu. O Nirvana é quietude e é isento de
erros e preocupações. Em outros ensinamentos, as pessoas podem
dizer que eles têm Shramanas e Brâmanes, e que esses são o Eterno, o
Eu, e Nirvana. Mas, tal coisa nunca pode ser’. Então, incontável, ilimita-
do número de pessoas aspirou à Iluminação Insuperável.

Então, os seis mestres disseram um ao outro: ‘Se não há Shramanas e


Brâmanes em outros ensinamentos, como podemos esperar dana (do-
ações) do mundo em geral’? Então, os seis mestres reuniram-se e fo-
ram a Vaisali. Oh bom homem! Eu, naquela ocasião, estava hospedado
em um arvoredo de mangas. Então, Amrapali, ao ver que eu estava lá,
desejou vir e ver-me. Eu então falei a todos os Monges: ‘Meditem so-
bre o que é pensar ["smrtyupasthana", atenção plena] e cultivem a
Sabedoria. Na medida em que cultivarem isso, não se percam na indo-
lência’.

O que se entende por meditar sobre o que é pensar? Um Monge medi-


ta sobre o seu próprio corpo e não vê lá o Eu ou o que o Eu possui;
também, ele medita sobre os corpos dos outros e também o seu pró-
prio, e não vê o Eu ou o que o Eu possui; isto se estende ao que se ob-
tém com as funções mentais (passando pelos cinco skandhas – desde
forma até formações mentais). Isso é a aplicação da atenção plena, da
sensibilização.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 114


O que se entende por cultivar a Sabedoria? Um Monge realmente vê o
sofrimento, a causa do sofrimento, [sua] extinção, e a Via para [sua]
extinção. Isto é cultivar a Sabedoria.

O que é não ser indolente? Um Monge medita sobre o Buda, o Dhar-


ma, a Sangha, os preceitos morais, equanimidade, e o céu. Isto é o caso
em que dizemos que um Monge não é indolente em sua mente.

Amrapali veio a mim, prostrou-se no chão, circundou-me três vezes


pelo lado direito, prestou homenagem, recuou, e sentou-se a um lado.
Oh bom homem! Falei do Dharma para ela. Tendo ouvido [isto], ela
aspirou ao Bodhi Insuperável.

Naquela ocasião, havia naquele castelo 500 filhos de Licchavis. Eles


vieram a mim, prostraram-se no chão, e circundaram-me (três vezes)
pelo lado direito. Tendo prestado homenagem, eles recuaram e senta-
ram-se a um lado. Eu então, para o benefício dos Licchavis, falei sobre o
Dharma: ‘Oh todos vocês bons homens! Aqueles que são indolentes
contraem as cinco fruições cármicas. Quais são as cinco? 1) ser incapaz
de obter a riqueza livremente; 2) a má reputação se espalha rapida-
mente; 3) não se deseja dar às pessoas pobres-indigentes; 4) não se
deseja ver as quatro classes de pessoas da Sangha; e 5) não se pode
obter o corpo de um deva. Oh todos vocês bons homens! Através da
não-indolência surgem as leis mundanas e supramundanas. Alguém
que queira alcançar o Bodhi Insuperável deve praticar a não-indolência.
Agora, existem 13 coisas que surgem como resultado [da indolência].
Quais são as 13? Elas são: 1) tem-se prazer em fazer o que é mundano,
2) tem-se prazer em falar palavras inúteis, 3) tem-se prazer em dormir
muito, 4) tem-se prazer em falar sobre assuntos seculares, 5) sempre
se tem prazer em fazer amizade com más pessoas, 6) se é indolente e
preguiçoso, 7) se é sempre menosprezado pelos outros, 8) ouve-se,
mas logo esquece, 9) tem-se prazer em viver em lugares afastados
(provinciais), 10) se é incapaz de subjugar todos os seus sentidos orgâ-
nicos, 11) não se pode obter comida suficiente, 12) não se deseja a
quietude, 13) não se tem uma visão correta. Essas são as treze’.
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 115
O Menino Insuperável

Oh bom homem! Uma pessoa pode muito bem aproximar-se do Buda


e seus discípulos. Mas ainda haver uma grande distância. Todos os
Licchavis disseram: ‘Sabemos que somos indolentes. Por quê? Se não
fôssemos indolentes, o Tathagata, o Rei do Dharma, apareceria entre
nós’.

Então, em meio aos congregados, havia o filho de um Brâmane cha-


mado Insuperável, que disse a todos os Licchavis: ‘Bem falado, bem
falado! É tudo como vocês dizem. O Rei Bimbisara obteve uma grande
vitória. O Tathagata Honrado pelo Mundo apareceu em seu país. Isso é
como o caso de um grande lago no qual o lótus maravilhoso cresce.
Embora cresça na água (lodo), a água não pode maculá-lo. Oh vocês
Licchavis! É o mesmo com o Buda. Embora nascido na terra, ele não é
obstaculizado pelo que se obtém no mundo secular. Com o Buda Hon-
rado pelo Mundo, não há aparecimento e desaparecimento (ou nasci-
mento e extinção). Para o benefício de todos os seres, ele aparece no
mundo, e não é molestado pelo que se obtém no mundo. Vocês perde-
ram o seu caminho, perderam-se nos cinco desejos, associaram-se a
eles, mas não sabem como se associar ao Tathagata e vir para onde ele
está. Portanto, dizemos indolentes. Quando o Buda apareceu em Ma-
gadha, não havia indolência para se falar a respeito. Por que não? O
Tathagata Honrado pelo Mundo é como o sol e a lua. Ele não aparece
no mundo apenas para uma ou duas pessoas’. Quando os Licchavis
ouviram isso, eles aspiraram ao Insuperável Bodhi. Também, eles disse-
ram: ‘Bem falado, bem falado, oh jovem, menino Insuperável! Você
realmente diz algo maravilhoso’. Então, cada um dos Licchavis despo-
jou-se de suas vestes e deu-as a Insuperável. Ao receber isto, ele deu-
as a mim e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Tenho tudo isso dos Lic-
chavis. Rogo para que você, o Tathagata, tenha piedade de todos os
seres e aceite o que agora desejo oferecer-lhe’. Sentindo piedade, en-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 116


tão as aceitei. Todos os Licchavis juntaram as (palmas das) suas mãos e
disseram: ‘Por favor, mande o varsika aqui novamente e aceite o que
oferecemos’. Eu, então, aceitei o convite dos Licchavis.

Então os seis mestres, ao ouvirem isto, todos foram para Varanasi.


Então Eu, também, segui para Varanasi e fiquei às margens do rio Va-
rana. Naquela ocasião, havia um homem rico em Varanasi chamado
Exaltação-ao-Tesouro que tinha se abandonado aos cinco desejos e era
desconhecedor da impermanência. Como eu tinha ido lá, ele ganhou
espontaneamente a ‘meditação dos ossos-brancos’ e viu todas as coi-
sas como as construções palacianas, criados homens e mulheres, trans-
formarem-se em ossos brancos. Ele tremeu de medo. Isso foi tão pene-
trante quanto uma espada afiada, uma víbora, um ladrão, ou fogo. Ele
saiu de sua casa e veio a mim. Conforme ele chegou, disse: ‘Oh Shra-
mana Gautama! Sinto como se estivesse sendo perseguido por ladrões;
Estou muito assustado. Por favor, ajude-me’!

Eu disse: ‘Oh bom homem! Pacíficos são o Buda, o Dharma e a Sangha,


e não há nada a temer’. O filho do homem rico disse: ‘Se não há nada a
temer nos Três Tesouros, eu também ganharei destemor’. Permiti-lhe
renunciar a vida doméstica e tornar-se ordenado, de maneira que ele
pudesse atingir a Via. Naquela ocasião, o filho do homem rico tinha 50
amigos. Ao ouvirem que (o filho de) Exaltação-ao-Tesouro havia aban-
donado a vida doméstica e tornado-se ordenado, eles obedientemente
entraram juntos no Caminho.

O Filho do Fogo

Os seis mestres ouviram sobre isso e se mudaram para Campa. Naque-


la ocasião, as pessoas de Campa eram todas seguidoras dos seis mes-
tres e ainda não tinham ouvido (falar) do Buda, do Dharma, e da San-
gha. E havia muitos deles que cometiam maldades. Eu então, por sua
causa, fui a Campa. Naquela ocasião, um homem rico, que não tinha

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 117


filho para sucedê-lo, vivia no castelo. Seguindo os seis mestres, ele
pediu um filho. Não muito depois daquilo, sua esposa engravidou. O
homem rico, ao ser informado desse fato, foi aos seis mestres e falou
sobre o assunto, profundamente satisfeito: ‘Minha esposa vai ter um
filho. É um menino ou menina’? Os seis mestres responderam: ‘Com
certeza será uma menina’. Ao ouvir isto, o homem ficou triste. Então,
um homem sábio veio a ele e disse: ‘Por que você está preocupado’? O
homem rico disse: ‘Minha esposa terá um filho. Eu não sabia se a crian-
ça a ser parida seria um menino ou menina. Então, indaguei os seis
mestres, os quais disseram: se o que eu vejo é verdade, a criança será
uma menina. Ao ouvir isto, pensei para mim: sou um (homem) velho e
indizivelmente rico. Se a criança não é um menino, não terei a quem
legar a minha riqueza. Esse é o porquê estou preocupado’. O homem
sábio disse: ‘Você é obtuso. Você não sabe de quem os irmãos Uruvil-
vakashyapas são discípulos? Eles são discípulos do Buda ou dos seis
mestres? Se os seis mestres são oniscientes, por que os Kashyapas os
abandonariam e se tornariam discípulos do Buda? Também, Sharipu-
tra, Maudgalyayana, todos os reis, Bimbisara, todas as consortes reais,
Mallika, e todos os homens ricos de todos os estados como Sudatta,
não são discípulos do Buda? Todos os demônios das florestas, os ele-
fantes intoxicados, cuja função era proteger a propriedade de Ajatasa-
tru, e Angulimalya, o qual, acometido de um mau [estado] da mente,
tentou prejudicar a sua própria mãe; não foram todos subjugados pelo
Tathagata? Oh homem rico! O Tathagata Honrado pelo Mundo é de-
simpedido na Sabedoria. Esse é o porquê dizemos ‘Buda’. Não há lín-
gua-dúbia naquilo que ele diz. Por isso, Tathagata. Como ele está livre
de impurezas, é chamado ‘Arhat’. O Honrado pelo Mundo não fala de
duas maneiras. É o contrário com os seis mestres. Como podemos a-
creditar neles? O Tathagata está muito próximo daqui. Se você deseja
conhecê-lo, vá e veja o Buda’.

Então, o homem rico veio a mim com esse homem (sábio). Ele pros-
trou-se diante de mim, circundou-me três vezes pelo lado direito, jun-
tou suas mãos, e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Para todos os seres
você é igualitário e não é dois. Inimigos e amigos são um aos seus o-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 118
lhos. Estou aprisionado pelo desejo, e inimigo e amigo não podem ser
um para mim. Eu agora desejo indagar o Tathagata sobre um assunto
mundano. A vergonha toma conta de mim, e não consigo falar. Oh
Honrado pelo Mundo! Minha esposa terá uma criança. Os seis mestres
disseram: ‘A criança é uma mulher’. O que será’?

Eu, o Buda, disse: ‘Oh homem rico! Sua esposa terá uma criança. Será
um filho. Não há dúvida sobre isso. Quando ele nascer, será totalmente
abençoado com virtudes’. O homem rico, ao ouvir isto, ficou muito feliz
e retornou para casa. Então, os seis mestres, ao ouvirem a profecia de
que a criança seria homem e seria cheia de virtudes, ficaram com ciú-
mes. Eles fizeram um veneno misturado com manga e levaram ao ho-
mem rico, dizendo: ‘É muito bom que Gautama tenha visto as coisas
assim. Dê isto para sua esposa no mês do seu parto. Se ela tomar isto,
sua criança será perfeita e bem formada, e sua esposa não terá pro-
blemas’. O homem rico recebeu o remédio envenenado, ficou grato e
deu-o para sua esposa. Ao tomá-lo, sua esposa morreu.

Os seis mestres ficaram felizes e foram para os arredores do castelo,


dizendo em voz alta: ‘O Shramana Gautama disse que a mulher daria à
luz um menino e que a criança seria soberba em virtudes. A criança
ainda não nasceu, mas a mãe está morta’. Então, o homem rico veio a
mim e desconfiou de mim. Seguindo os costumes do povo, o homem
colocou o cadáver num caixão, carregou-o para fora do castelo e o
cobriu com combustível seco. Então, ateou-lhe fogo e o cremou. Eu vi
isto com os olhos da Via, olhei para trás para Ananda e disse: ‘Traga
meu robe! Irei lá e destruirei as visões distorcidas’. Então, o Deva Vais-
hravana disse ao general Manibhadra: ‘Agora, o Tathagata pretende ir
ao cemitério. Vá rapidamente, varra o local, posicione o trono de leão
[‘simhasana’], busque flores maravilhosas e adorne o lugar’. Então, os
seis mestres, vendo-me de longe, foram para o cemitério e disseram:
‘Gautama deseja devorar a carne’? Naquela ocasião, havia muitos upa-
sakas [Budistas leigos] que não possuíam o Olho do Dharma. Assusta-
dos, eles disseram-me: ‘A mulher já está morta. Por favor, não vá’!
Então, Ananda lhes disse: ‘Esperem um momento. Não tarda, o Tatha-
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 119
gata manifestará o mundo de todos os Budas’. Eu então fui e sentei-me
no trono de leão. O homem rico me censurou: ‘O que é dito não deve
ser dúbio. Essa pessoa é o Honrado pelo Mundo. A mãe já está morta.
Como pode haver alguma criança’? Eu disse: ‘Oh homem rico! Naquela
ocasião, você não fez questão do tempo de vida da sua esposa. Seu
interesse era se a criança a nascer seria homem ou mulher. O Buda
Todo Tathagata não tem língua-dúbia. Saiba, portanto, que você segu-
ramente terá sua criança’. Então, a barriga da mãe abriu-se pelo fogo e
uma criança emergiu, e sentou-se em meio ao fogo. Foi como quando
o mandarim senta-se sobre um lótus. Os seis mestres viram isto e dis-
seram: ‘Isto é miraculoso, oh Gautama! Você com certeza faz mágicas’.
O homem rico viu e ficou feliz. Ele censurou os seis mestres: ‘Se é má-
gica, por que não fazem vocês mesmos’? Eu então disse a Jivaka: ‘Entre
no fogo e retire a criança’! Jivaka queria ir, [mas] os seis mestres se
adiantaram e disseram a Jivaka: ‘Os milagres que o Shramana Gautama
faz nem sempre serão bem sucedidos. Haverá sucessos e fracassos.
Quando não tiver êxito, você terá que se danar. Como você pode acre-
ditar na sua palavra’? Jivaka respondeu: ‘O Tathagata me permite en-
trar no Inferno Avichi. O fogo não pode me queimar. Como poderia
[me queimar] quando se trata meramente do fogo do mundo’? Então,
Jivaka entrou fogo adentro. Foi como se ele estivesse entrando na água
fria de um grande rio. Segurando a criança, ele voltou e a entregou-me.
Eu então peguei a criança e disse ao homem rico: ‘O tempo de vida de
todos os seres não é determinado. É como espuma de água. Se os se-
res estão a colher fruições cármicas graves, o fogo não pode queimar
nem o veneno matá-los. É o carma dessa criança, não o meu’. Então o
homem rico disse: ‘Bem falado, oh Honrado pelo Mundo! Se essa cri-
ança pode viver, por favor, oh Tathagata, dê-lhe um nome’! O Buda
disse: ‘Essa criança do homem rico é nascida do fogo. Fogo é ‘judai’.
Assim, essa criança será chamada Judai’. Assim, aqueles que estavam
congregados lá viram esse milagre, e inumeráveis foram aqueles que
aspiraram ao Insuperável Bodhi.

Então, os seis mestres foram para os arredores das seis cidades-castelo


e mesmo assim não conquistaram as mentes das pessoas daqueles
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 120
lugares. Envergonhados e cabisbaixos, eles vieram à Kushinagar. Che-
gando aqui, eles disseram: ‘Saibam, oh todos do povo! O Shramana
Gautama é um grande mágico. Ele engana todo o mundo, indo aqui e
ali em todos os seis castelos. Por exemplo, ele é como um mágico que
evoca (encanta) as quatro unidades militares de carros de combate,
cavalaria, elefantes montados e infantaria. Também, ele evoca coisas
como vários colares, castelos, palácios, rios, lagos e árvores. Isto é co-
mo as coisas acontecem com o Shramana Gautama. Ele apresenta-se
como um rei. Para efeito dos sermões, ele torna-se um Shramana, um
Brâmane, um macho, uma fêmea, um corpo pequeno, um corpo gran-
de, ou animal, ou demônio. Ou, às vezes ele fala de impermanência, e
outras vezes de Permanência. Às vezes ele fala de sofrimento, e às
vezes de Felicidade. Às vezes ele fala do Eu, e outras vezes do altruís-
mo. Ou ele fala da Pureza, e em outras vezes da impureza. Às vezes ele
fala do ‘é’, e outras vezes do ‘não-é’. Como tudo o que é feito (por ele)
é falso, dizemos ‘fantasma’. Por exemplo, através do filho e seguindo o
filho, uma pessoa obtém a fruição. Assim se dão as coisas com o Shra-
mana Gautama. Ele veio de Maya (rainha Maya), que é um fantasma.
Ele não pode ser outro senão esse filho. Gautama não tem o verdadei-
ro conhecimento. Todos os Brâmanes praticam penitências e observam
os preceitos ano após ano. No entanto, eles dizem que não possuem o
verdadeiro conhecimento. Gautama é jovem, é inferior no aprendizado
e ainda não praticou penitências. Como pode ser que exista verdadeiro
conhecimento [ali]? Mesmo sete anos de penitências não são suficien-
tes para evocar muitos resultados. Que dirá quando for ainda menos
que seis anos. O ignorante sem sabedoria acredita no seu ensinamen-
to. Isto é como o caso de um grande mágico que engana enormemente
os ignorantes. É o mesmo com o Shramana Gautama’.

Oh bom homem! Assim os seis mestres espalharam muitas palavras


falsas em meio ao povo dessa cidade-castelo. Oh bom homem! Vendo
isto, senti piedade, e com muitos poderes transcendentais evoquei
todos os Bodhisattvas das dez direções para essa floresta, os quais
preencheram o lugar e circundaram-me numa área de 50 yojanas de
extensão, e aqui emiti o rugido do leão. Oh bom homem! Quando se
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 121
fala num lugar onde não há ninguém para ouvir, não dizemos ‘rugido
do leão’. Quando se fala numa congregação de instruídos, podemos
dizer realmente ‘rugido do leão’. Isto é dizer que todas as coisas são
não-eternas, sofrimento, não-Eu, e não-Puras, e que somente o Tatha-
gata é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Então, os seis mestres nova-
mente disseram: ‘Se Gautama possui o seu ‘Eu’, nós também o possu-
ímos. O Eu alude a nada mais que ‘visão’. Oh Gautama! Vê-se alguma
coisa que confronta alguém. O caso do ‘Eu’ é o mesmo. O que confron-
ta alguém é o olho e a visão é o Eu’.

O Buda disse aos seis mestres: ‘Se visão é o Eu, então vocês estão erra-
dos. Por quê? Vocês pegam a analogia de um objeto e dizem que ve-
mos através dele. Ora, os humanos usam juntos os seis sentidos orgâ-
nicos para um objeto. Se o Eu existe com certeza e nós vemos infali-
velmente através dos olhos, por que é que não reconhecemos (perce-
bemos) todos os objetos com aquele único sentido orgânico? Se al-
guém não se encontrar com os seis campos dos sentidos, saiba que não
há Eu sobre o qual falar. Se as coisas fossem assim com o sentido orgâ-
nico da visão, não haveria mudança mesmo se os anos passassem e os
sentidos orgânicos se tornassem amadurecidos. Como ‘homem’ e ‘ob-
jeto’ são diferentes, uma pessoa vê o seu próprio eu e os outros. Se
fosse assim com o sentido orgânico da visão, deveria haver a visão do
próprio eu e do outro ao mesmo tempo. Se não vê (o eu e o outro ao
mesmo tempo), como podemos dizer que existe o Eu?’

Os seis mestres disseram: ‘Oh Gautama! Se não existe o Eu, quem vê’?

O Buda disse: ‘Existem a coisa (objeto), o brilho (luz), a mente e os o-


lhos. Assim, as quatro se conjugam e nós vemos. Nestas, para dizer a
verdade, não há nada que vê e nada que sente. Os seres estão de ca-
beça-para-baixo e dizem que existe alguém que vê e sente. Assim, to-
dos os seres estão de cabeça-para-baixo em sua visão, e todos os Bu-
das e Bodhisattvas são verdadeiros na visão das coisas. Oh vocês seis
mestres! Vocês podem dizer que matéria é o Eu. Mas, isto não é assim.
Por que não? Matéria não é o Eu. Se matéria fosse o Eu, não haveria
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 122
qualquer forma feia ou fraca. Por que não? Por que é que existem dife-
renças das quatro castas? Por que é que há nada mais que um tipo de
Brâmane? Por que é que as pessoas pertencem às outras castas e não
têm desimpedimentos? Por que é que existem deficiências nos senti-
dos orgânicos e aquela vida não é perfeita? Por que é que nem todas as
pessoas adquirem o corpo de todos os devas, mas adquirem vida no
inferno, como um animal, como espírito faminto e todas as várias for-
mas de vida? Se alguém não pode fazer (as coisas) como deseja, saiba
que isso indica que garantidamente nenhum Eu (Auto) está ali. Como
não há Eu, dizemos não-eterno. Como é não-eterno, temos sofrimento.
Em razão do sofrimento, é vazio. Como é vazio, está de cabeça-para-
baixo. Estando de cabeça-para-baixo, todos os seres reciclam nasci-
mento e morte. O mesmo se aplica a sentimentos, sensações, volição e
consciência. Oh vocês seis mestres! O Tathagata Honrado pelo Mundo
está apartado da dependência (servidão) desde a matéria até a consci-
ência. Portanto, dizemos Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro.

Também, além disso. A matéria está baseada nas relações causais.


Aquilo que está baseado nas relações causais não possui um Eu. Não-
Eu é sofrimento e vazio. O corpo do Tathagata não está baseado nas
relações causais. Em razão de não haver relações causais, dizemos que
existe o Eu. O Eu é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro’.

Os seis mestres disseram: ‘Oh Gautama! Matéria é não-Eu. E até a


consciência, não existe o Eu. O Eu preenche todos os lugares. É como o
espaço’.

O Buda disse: ‘Se ele preenche todo o espaço, não podemos dizer que
não o vemos desde o princípio. Se não é visto desde o princípio, deve-
mos saber que essa visão é o que originalmente foi, mas agora não é.
Se for o que originalmente foi, mas agora não é, isto é o não-eterno. Se
for não-eterno, como podemos dizer que ele preenche todos os luga-
res? Se preenche [todos os lugares] e existe, deve haver um só corpo
nos cinco domínios. Se há um corpo que possa ser representado, deve
haver aquele que surge como um resultado. Se um resultado surge,
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 123
como podemos dizer que as pessoas obtêm vida como humanos ou
como seres celestiais?

Você diz que (o Eu) preenche [todos os lugares]. Ele é um ou muitos?


Se o Eu é um, não pode haver qualquer pai e filho, qualquer inimigo e
amigo, ou uma pessoa neutra. Se o Eu for muitos, todos os cinco senti-
dos orgânicos que os humanos possuem deveriam ser iguais. O mesmo
se aplica ao carma e à Sabedoria. Se as coisas forem assim, como po-
demos dizer que há aqueles cujos sentidos orgânicos são perfeitos ou
imperfeitos, que há ações que são boas e más, e que há diferença en-
tre estupidez e intelectualidade’?

‘Oh Gautama! O Eu de todos os seres não é delimitado. Dharma e não-


Dharma, cada um tem seu papel a desempenhar. Se os seres agem de
acordo com o Dharma, eles ganharão boas formas; se não, más formas
surgirão. Por essa razão, eles nada mais são que os vários resultados
cármicos’.

O Buda disse: ‘Oh vocês seis mestres! Se Dharma e não-Dharma se


estabelecem assim, não pode haver qualquer universalidade do Eu. Se
há universalidade do Eu, ela se estenderá a tudo. Se for assim, então
mesmo aqueles que praticam o bem deveriam também ter partes da-
queles que são maus, e aqueles que cometem o mal deveriam ter o
que é bom. Se não, como podemos falar de universalidade’?

‘Oh Gautama! Por exemplo, temos numa sala 100 mil lâmpadas, e cada
lâmpada está acesa, não obstruindo as outras. É o mesmo com todos
os seres. As práticas do bem e do mal não se misturam’.

‘Vocês dizem que o Eu é como uma lâmpada. Mas isto não é assim. Por
que não? O brilho de uma lâmpada surge das relações causais. Se a
lâmpada é grande, o brilho, também, torna-se grande. O eu dos seres
não é como isto. O brilho de uma lâmpada emerge da lâmpada e se
propaga em outros lugares. O eu dos seres emerge do corpo, mas não
se propaga em outros lugares. A luz da lâmpada convive com a escuri-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 124
dão. Por quê? Quando alguém coloca uma lâmpada (vela) numa sala
escura, o brilho não é considerável. Quando há muitas lâmpadas (ve-
las), temos a claridade. Se a primeira lâmpada dissipasse a escuridão,
não necessitaríamos das demais lâmpadas para dissipá-la. Assim, se
(muitas) lâmpadas são usadas para dissipar a escuridão, isto significa
que o brilho da primeira (lâmpada) convive com a escuridão’.

‘Oh Gautama! Se não existe o Eu, quem é que comete o bem e o mal’?

O Buda disse: ‘Se o Eu age, como podemos dizer [que ele é] Eterno? Se
for Eterno, como uma pessoa pode cometer o bem numa ocasião e o
mal em outra? Se uma pessoa faz o bem ou o mal em diferentes ocasi-
ões, como podemos dizer que o Eu é ilimitado? Se o Eu faz (o bem), por
que alguém praticaria maus atos? Se o Eu é o executor (das ações) e se
ele é sábio, como se pode duvidar do altruísmo do ser? Portanto, po-
demos dizer que definitivamente não pode haver Eu na doutrina dos
tirthikas. O Eu não é outro senão o Tathagata. Por quê? Porque seu
corpo é ilimitado e não existe dúvida. Por conta do não-cometimento e
não-recebimento [de conseqüências cármicas], dizemos Eterno. Por
conta do não-nascimento e não-extinção (imortalidade), dizemos Êxta-
se. Como não existe a impureza da ilusão, dizemos Puro. Como ele não
possui os dez aspectos da existência, dizemos Vazio. Portanto, o Tatha-
gata é nenhum outro senão o Eterno, Êxtase, o Eu, o Puro, e o Vazio, e
não há outro aspecto sobre o qual falar’.

Todos os tirthikas disseram: ‘Se o Tathagata é o Eterno, Êxtase, o Eu, o


Puro, e o Vazio, devido à amorfia, aquilo que Gautama diz não pode ser
vazio. Em razão disto, agora aceitamos [suas palavras]’.

Naquela ocasião, o número de tirthikas era incontável. Eles renuncia-


ram ao mundo e tiveram fé nos ensinamentos do Buda. Oh bom ho-
mem! Por essa razão, Eu agora, aqui nesta floresta das árvores sala
gêmeas, emito o rugido do leão. O rugido do leão é Grande Nirvana.
Oh bom homem! As árvores gêmeas do leste destroem o não-eterno, e
através disto ganha-se o Eterno. As árvores gêmeas do norte destroem
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 125
o impuro e concedem o Puro. Oh bom homem! Os seres que estão
aqui, em razão das árvores gêmeas, protegem as árvores sala e não
permitirão que as pessoas peguem e cortem os galhos e folhas, e que-
brem-nas. É o mesmo comigo. Em prol das quatro leis, faço com que as
pessoas protejam e defendam o Dharma-do-Buda. Quais são as quatro
(leis)? Estas são o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Essas quatro árvores
gêmeas são protegidas pelos quatro guardiões da terra. Como os qua-
tro guardiões protegem esse meu Dharma, entro aqui no Parinirvana.
Oh bom homem! As árvores sala gêmeas sempre frutificam e conce-
dem benefícios a incontáveis seres. É o mesmo comigo. Eu sempre
concedo benefícios a Sravakas e Pratyekabudas. A flor é comparável ao
Eu, e os frutos são comparáveis ao Êxtase. Em razão disto, aqui entro
no Grande Silêncio em meio às árvores sala gêmeas. O Grande Silêncio
é Grande Nirvana.”

Rugido do Leão disse: “Por que o Tathagata entra no Nirvana no se-


gundo mês?”

“Oh bom homem! O Segundo mês é primavera. No mês da primavera,


todas as coisas florescem. Plantamos sementes e raízes das plantas.
Flores e frutos crescem e prosperam. Os rios grandes e pequenos estão
cheios, e centenas de animais criam seus filhotes e dão-lhes leite. Nes-
sa ocasião, muitos seres entretêm a idéia do Eterno. Para destruir essa
idéia do Eterno [com relação ao que é samsárico], Eu digo que todas as
coisas são não-eternas e que o Tathagata é o Eterno e Imutável. Oh
bom homem! Das seis estações, o inverno rigoroso e a estiagem não
são amados pelas pessoas. O que se ama avidamente é a primavera
brilhante, quando é pacífica. Para destruir a [noção samsárica de] feli-
cidade das pessoas do mundo, Eu falo do Eterno e Êxtase [do Nirvana].
É o mesmo com o Eu e a Pureza. ‘Para aniquilar a noção mundana do
Eu e da Pureza, o Tathagata fala do Eu e da Pureza no verdadeiro senti-
do’. Com relação ao segundo mês, o Tathagata pretende compará-lo
aos dois tipos de Corpo do Dharma. Dizer que alguém não sente felici-
dade no inverno é comparado ao fato que o sábio não deseja ter o
Tathagata que seja não-eterno e entre no Nirvana. Dizer que uma pes-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 126
soa sente felicidade é comparado ao fato que os sábios estão satisfei-
tos com relação ao Eterno, Êxtase, o Eu, e a Pureza do Tathagata. A
plantação de sementes pode ser comparada ao fato dos seres darem
ouvido aos sermões sobre o Dharma, o seu sentimento de prazer (pode
ser comparado) a aspirar ao Insuperável Bodhi, e o que se planta, dessa
maneira, (pode ser comparado) às sementes do bem. Os rios podem
ser comparados à chegada de todos os grandes Bodhisattvas ao meu
lugar (Bodhimanda) e o recebimento (por eles) do Sutra do Grande
Nirvana. As centenas de animais dando leite se comparam a todos
aqueles entre meus discípulos que fazem boas ações. ‘Flor’ é seme-
lhante aos sete elementos do Bodhi; ‘fruto’ pode ser comparado às
quatro fruições. Por essa razão, Eu entro no Nirvana no segundo mês.”

Rugido do Leão disse: “O nascimento do Tathagata, sua renúncia à vida


familiar, sua consecução do Bodhi, e seu primeiro giro da [Roda do]
Dharma, tudo aconteceu no oitavo dia. Por que esse Nirvana ocorre no
décimo-quinto (dia)?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! O décimo-


quinto dia é o dia no qual a lua não é crescente ou minguante. É o
mesmo com o Buda-Todo-Tathagata. Ao entrar no Grande Nirvana,
não há mais crescente ou minguante. Esse é o porquê Eu entro no Nir-
vana no décimo-quinto dia.

As Onze Virtudes da Lua-Cheia

Oh bom homem! No décimo-quinto dia, quando a lua está cheia, há


onze coisas. Quais são as onze? Elas são: 1) ela dissipa realmente a
escuridão, 2) ela de fato permite aos seres ver o caminho e aquilo que
não é o caminho, 3) ela permite (distinguir) o caminho certo e o errado,
4) ela permite aos seres acabar com a depressão e os abençoa com
pureza e frescor, 5) ela de fato destrói a arrogância do vaga-lume, 6)
ela realmente dissipa o pensamento de quaisquer ladrões, 7) ela de

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 127


fato dissipa o temor dos seres das bestas malignas, 8) ela abre a flora-
ção da kumuda (espécie do lótus que floresce ao luar), 9) ela fecha
completamente as pétalas do lótus, 10) ela evoca no viajante o pensa-
mento de prosseguir ao longo do caminho, 11) ela permite aos seres
desfrutar da aceitação dos cinco prazeres e obter alegria de muitas
maneiras.

Oh bom homem! É o mesmo com a Lua-Cheia do Tathagata, a saber: 1)


ele realmente dissipa a escuridão da ignorância, 2) ele expõe o cami-
nho certo e o errado, 3) ele mostra claramente o caminho errôneo e
íngreme do nascimento e da morte, e o caminho reto e plano do Nir-
vana, 4) ele permite aos seres apartarem-se da cobiça, má vontade e
ignorância, 5) ele destrói a ignorância dos tirthikas [não-Budistas], 6)
ele destrói o cativeiro dos ladrões das impurezas, 7) ele mata a mente
que teme os cinco ofuscamentos (obscurecimentos) ["panca-
avaranani"], 8) ele permite às mentes dos seres revelarem a raiz do
bem de todos os seres, 9) ele de fato estanca a mente dos cinco dese-
jos, 10) ele promove a mente dos seres [que desejam] seguir adiante
rumo ao Grande Nirvana, 11) ele permite a todos os seres serem felizes
com a [idéia da] Emancipação. Por essas razões, Eu entro no Nirvana no
décimo-quinto dia. Mas, para dizer a verdade, Eu não entro no Nirvana.
Os ignorantes e maldosos entre os meus discípulos dizem que eu entro
definitivamente no Nirvana. Por exemplo, uma mãe tem muitos filhos.
Ela abandona-os e vai para o estrangeiro. Enquanto ela não volta, os
filhos dizem: ‘Mamãe está morta’. Mas a mãe não está morta. Isto é
como a questão se coloca.”

O Adorno das Árvores Sala Gêmeas

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Que


Monge pode realmente adornar essas árvores sala?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 128


“Oh bom homem! Há um Monge que defende e recita os 12 tipos de
Sutras, lê as palavras corretamente, adquire os profundos significados
e, para o benefício de todas as outras pessoas, os expõe em graus que
podem ser inicial, mediano e ultimado (superior). Para o benefício de
inumeráveis pessoas, ele fala sobre ações puras. Esse Monge realmen-
te adorna as árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se eu adivinho (com-


preendo) corretamente o que você, o Buda, quer dizer, esse Monge é
Ananda. Por quê? Ananda defende e recita os 12 tipos de Sutras, fala
corretamente aos outros e expõe o significado. Isto é como derramar
água e encher outros vasos. Assim se dão as coisas com Ananda. O que
ele ouve do Buda, ele fala conforme ouviu.”

“Oh bom homem! Há um Monge que obteve um insuperável olho ce-


lestial e vê todas as coisas das dez direções e os três mil grandes siste-
mas de mil mundos da mesma maneira como se vê uma manga que
está na palma da própria mão. Tal Monge pode de fato adornar as
árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Essa pessoa é Aniruddha. Por quê? Aniruddha


vê as coisas dos três mil grandes sistemas de mil mundos com seu olho
celestial. Mesmo as existências intermediárias são claramente vistas,
sem qualquer obstrução.”

“Oh bom homem! Um Monge que tem pouco desejo, e que se sente
satisfeito com o que tem, que zela pelo silêncio e quietude, e que em-
preende esforços, e cuja mente é determinada, e cuja Sabedoria vê;
adornará bem as árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa é o Mon-
ge Kashyapa. Por quê? Kashyapa tem pouco desejo de posse, sente-se
satisfeito com o que tem e pratica o Dharma.”

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 129


“Oh bom homem! Há um Monge que deseja beneficiar os seres, que
não age por lucro (ganhos), reside no Samadhi, não briga (disputa), e é
perfeito nas ações sagradas e na prática do Todo-Vazio. Esse Monge
adorna as árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Esse é o Monge Su-
bhuti. Por quê? Subbhuti não briga, é sagrado em suas ações, e pratica
a Via do Vazio.”

“Oh bom homem! Qualquer Monge que realmente pratique os pode-


res transcendentais e, numa fração de segundo, possa transformar-se e
concentrar-se em pensamento único, e em meditação atinja as duas
fruições, que são o fogo e a água, esse Monge realmente adorna as
árvores sala gêmeas.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Maudgalyayana é alguém que corresponde


a essa descrição. Como? Porque Maudgalyayana pode de fato realizar
inumeráveis transformações transcendentais.”

“Oh bom homem! Qualquer Monge que realmente pratique a Grande


Sabedoria, que tenha um claro conhecimento, conhecimento vivaz,
conhecimento da Emancipação, conhecimento extremamente profun-
do, conhecimento abrangente, conhecimento ilimitado, conhecimento
insuperável, conhecimento real, e que seja perfeito e realizado na raiz
da Sabedoria, que não tem um pingo de discriminação entre pessoas
inimigas, amigas ou neutras, que ouve que o Tathagata entrará no
Nirvana e não tem um pingo de apreensão, e não se sente alegre
mesmo quando ouve que o Tathagata é Eterno e não entra no Nirvana;
esse Monge é um bom adorno para as árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Shariputra é alguém


que corresponde a essa descrição. Por que é assim? Porque Shariputra
é realizado e perfeito nessa Sabedoria.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 130


“Oh bom homem! Qualquer Monge que realmente diga que os seres
possuem a Natureza de Buda, que os seres adquirem o corpo invencí-
vel, que é ilimitado e Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro, cujo corpo-e-mente
são desimpedidos e armados com oito imperturbabilidades; esse Mon-
ge adorna bem as árvores sala gêmeas.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa é o pró-
prio Tathagata. Por que é assim? O corpo do Tathagata é invencível,
ilimitado, Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro; seu corpo e mente são desim-
pedidos e possuem [de fato] as oito imperturbabilidades (desimpedi-
mentos). Oh Honrado pelo Mundo! Somente o Tathagata pode ador-
nar bem as árvores sala gêmeas. Alguém que não possua quaisquer
dessas coisas não possui o brilho sereno. Eu somente rogo que, pelo
grande Amor-Benevolente e em prol do adorno, permaneça aqui nessa
floresta de árvores sala.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Todas as coisas são por natureza im-
permanentes. Como você pode dizer que o Tathagata deve permane-
cer? Oh bom homem! Permanência cai na categoria da ‘matéria’. Rela-
ções causais evocam o nascimento. Portanto, permanecer [há vários
significados aqui: cessar, parar, fazer parar, permanecer, residir; várias
nuances do significado, envolvendo um sentido de permanência, con-
tinuidade, ou estabilidade – nota pelo Ver. Yamamoto]. Onde houver
relações causais, teremos ‘não-permanente permanente’. O Tathagata
já se apartou de todas as amarras da ‘matéria’. Como você pode dizer:
‘Rogo que fique, oh Tathagata!’? O mesmo se aplica ao sentimento,
percepção, volição, e consciência. Oh bom homem! Ficar (permanecer)
é arrogância. Em razão da arrogância, não poderá haver Emancipação.
Quando não há Emancipação, falamos de permanência. Quem é arro-
gante e de onde ele vem? Disto, ‘não-permanente permanente’. O
Tathagata está eternamente apartado de toda a arrogância. Como se
pode dizer: ‘Rogo que fique, oh Tathagata!’? ‘Ficar’ cai sob a categoria
do que é criado. O Tathagata já está apartado do mundo do que é cria-
do. Em razão disto, ele é não-permanente.

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 131


Permanecer é a lei [‘dharma’] do Vazio. O Tathagata já está apartado
da lei do Vazio. Disto, obtém-se o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Como
você pode dizer: ‘Rogo que fique, oh Tathagata!’? Ficar são as 25 exis-
tências. Como você pode dizer: ‘Rogo que fique, oh Tathagata!’?

Ficar é nada mais que todos os seres. Todos os sagrados são não-ir e
não-vir. O Tathagata já está apartado das fases do ir, vir, e ficar. Como
você pode dizer: ‘Fique!’?

Não-permanente é o Corpo Ilimitado. Em vista do fato de que o Corpo


não tem limites, como pode você dizer: ‘Eu rogo que o Tathagata fique
na floresta de árvores sala’? Se eu ficar nesta floresta, esse meu corpo
não será mais que um corpo aprisionado. Se um corpo estiver sujeito a
qualquer linha de contorno, ele é não-eterno. O Tathagata é o Eterno.
Como você pode dizer: ‘Fique!’?

Não-permanente é o Vazio. A natureza do Tathagata é igual ao Vazio.


Como alguém pode dizer: ‘Fique!’?

Não-permanente é o Samadhi Adamantino. O Samadhi Adamantino


destrói todas as permanências. O Samadhi Adamantino é o Tathagata.
Como podemos dizer: ‘Fique!’?

Também, não-permanente é um fantasma. O Tathagata é igual a um


fantasma. Como podemos dizer: ‘Fique!’?

Também, não-permanente é não-começo e não-fim. Como podemos


dizer ‘permanente’? E não-permanente é o ilimitado mundo da consci-
ência [‘muhenhokkai’ – Japonês: ‘muhen’ significa ‘sem-limites’, ‘hok-
kai’ significa ‘o que é o objeto da consciência’]. O mundo ilimitado da
consciência é o Tathagata. Como podemos dizer: ‘Fique!’?

E não-permanente é o Samadhi Surangama. O samadhi Surangama


conhece todas as coisas e, no entanto, não se apega. Em razão do de-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 132


sapego, dizemos Surangama. O Tathagata é perfeito no Samadhi Su-
rangama. Como podemos dizer: ‘Fique!’?

Não-permanente é chamado ‘poder do lugar e não-lugar’. O Tathagata


é realizado no poder do lugar e não-lugar. Como podemos dizer: ‘Fi-
que!’?

Também, não-permanente é chamado danaparamita [doação perfei-


ta]. Se houver permanência [apenas] no danaparamita, não poderá
haver chegada ao shilaparamita [moralidade perfeita] e ao prajnapa-
ramita [Sabedoria perfeita]. Por essa razão, dizemos que danaparamita
é não-permanente. O Tathagata não permanece, até o prajnaparamita.
Como alguém pode rogar para que o Tathagata gentilmente permane-
ça para sempre na floresta de árvores sala?

Também, não-permanente é a prática dos quatro pensamentos. Se o


Tathagata permanece nos quatro pensamentos [apenas], não pode-
mos dizer que o Tathagata adquire o Insuperável Bodhi e que há não-
permanente permanente.

Também, não-permanente é chamado o mundo ilimitado de todos os


seres e, no entanto, ele não permanece lá.

Também, não-permanente é chamado o ‘sem-casa’. Sem-casa significa


que não há nada que exista.

Não-é significa que nada surge.

Não-nascimento significa não-morte.

Não-morte significa amorfia.

Amorfia significa não-vínculo.

Não-vínculo significa não-apego.


Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 133
Não-apego significa não-impuro

Não-impuro é o bom.

O bom é o não-criado.

O não-criado é o Eterno do Grande Nirvana.

O Eterno do Grande Nirvana é o Eu.

O Eu é o Puro.

O Puro é Êxtase.

O Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro são o Tathagata.

Oh bom homem! Por exemplo, o espaço não é o leste, nem é o sul,


nem o oeste, nem é o norte, nem as quatro direções (intermediárias),
nem o zenith ou o nadir. É o mesmo com o Tathagata. Ele não existe no
leste, no sul, no oeste, ou no norte, nem nas quatro direções interme-
diárias, nem no zenith ou no nadir. Oh bom homem! As pessoas po-
dem dizer que ganham um corpo, uma boca e uma mente, e boas ou
más retribuições cármicas. Mas, isto não é assim. Não é verdade dizer
que ganham um corpo, boca ou mente, e boas ou más retribuições
cármicas. Se uma pessoa diz que o mortal comum vê a Natureza de
Buda e que o Bodhisattva dos dez estágios não a vê, isto (também) não
é assim. Uma pessoa pode dizer que o icchantika, aqueles dos cinco
pecados mortais, caluniadores do Vaipulya [ensinos extensivos], e a-
queles que cometem as quatro ofensas graves adquirem o Insuperável
Bodhi. Mas, isto não é assim. Dizer que o Bodhisattva dos seis estágios
ganha nascimento nos três reinos do infortúnio devido às relações
causais das impurezas, também não é assim. Não é verdade dizer que o
Bodhisattva-Mahasattva ganha o Insuperável Bodhi na forma feminina.
Não é verdade dizer que o icchantika é eterno e que os Três Tesouros
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 134
são não-eternos. Não é verdade dizer que o Tathagata fica em Kushi-
nagar.

A Caverna do Profundo Dhyana

“Oh bom homem! O Tathagata, aqui em Kushinagar, entra na caverna


do grande Samadhi do mais profundo Dhyana [meditação]. Os seres
não podem ver, e isto é chamado ‘Grande Nirvana’.”

Rugido do Leão disse: “Por que é que o Tathagata entra na caverna do


Dhyana?”

“Oh bom homem! Isto é para permitir aos seres atingir a Emancipação.
Isto é fazê-los plantar as sementes da benevolência, uma vez que ainda
não as plantaram; (isto é para) permitir que as sementes da benevo-
lência plantadas agora cresçam; permitir que as sementes da benevo-
lência que estão verdes amadureçam; permitir que as sementes madu-
ras alcancem o Insuperável Bodhi; permitir que aqueles que depreciam
o Dharma Maravilhoso alcancem a nobreza; permitir a todos os indo-
lentes abandonar a indolência; permitir às pessoas trocar palavras com
grandes Gandhahastins (elefantes fragrantes) como Manjushri; ensinar
àqueles que se comprazem na leitura e recitação desfrutarem profun-
damente do Dhyana; ensinar os seres através das ações sagradas, pu-
ras e celestiais; permitir às pessoas meditar sobre o incomparável re-
positório do profundo Dharma; reprovar os discípulos indolentes. O
Tathagata é quietude em si. Assim, ele zela pelo Dhyana. Como é que
você que ainda não acabou com as impurezas e aqueles que são indo-
lentes ganhariam terreno (avançariam)? Eu desejo reprovar todos os
Monges maldosos que guardam (armazenam) os oitos tipos de coisas
impuras, aqueles que não estão satisfeitos com pouco desejo, aqueles
que não estão satisfeitos com o que têm, e fazer com que os seres
respeitem o Dharma do Dhyana. Por causa dessas relações causais, Eu
agora entro na caverna do Dhyana.”

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 135


O Samadhi da Amorfia

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Samadhi da Amor-


fia é Grande Nirvana. Por essa razão, dizemos que Nirvana é amorfo
(sem forma). Por que dizemos amorfo?”

“Oh bom homem! Isto deriva do fato de que não há as dez fases repre-
sentacionais. Quais são elas? Elas são as fases de: 1) cor, 2) som, 3)
odor, 4) sabor, 5) toque, 6) nascer, 7) existir (samsaricamente), 8) de-
sintegrar, 9) nascer macho, e 10) nascer fêmea. O Nirvana não possui
as formas representacionais. Por isso, amorfo.

Oh bom homem! O que quer que represente uma forma está sujeito à
ignorância. A ignorância evoca o desejo; o desejo evoca a dependência
(servidão); da dependência surge o nascimento; do nascimento vem a
morte. Quando há morte, não há eternidade. Se não se vincula à for-
ma, não existe ignorância. Quando não há ignorância, não há desejo.
Quando não há desejo, não há dependência. Quando não há depen-
dência, não surge o nascimento. Quando não há nascimento, não há
morte. Quando não há morte, há o Eterno. Devido a isto, dizemos que
Nirvana é Eterno.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Que Monge realmen-
te liberta-se das dez fases?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Quando um Monge, continuadamen-


te, pratica bem os três tipos de formas (não-materiais), ele realmente
liberta-se das dez fases. Ele pratica, continuadamente, a forma imutá-
vel do Samadhi; continuadamente a forma da Sabedoria; e continua-
damente a forma da equanimidade. Essas são as três.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 136


Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O que são Samadhi,
Sabedoria, e Equanimidade? Se um estado imutável é Samadhi, todos
os seres têm Samadhi. Por que necessitamos praticar Samadhi particu-
larmente? Quando a mente se estabelece num único campo-do-
sentido, dizemos Samadhi; quando outras formações mentais se in-
trometem, isto não é Samadhi. Se não há imutabilidade num estado,
isto não é conhecimento-pleno. Se não é conhecimento-pleno, como
podemos falar do ser ‘imutável’? Se uma única ação é chamada Sama-
dhi, todas as outras ações não são Samadhi. Se não são Samadhi, isto
não é conhecimento-pleno. Se não é conhecimento-pleno, como po-
demos falar de Samadhi? O mesmo se aplica à Sabedoria e à Equani-
midade.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que se a mente reside num
único campo-do-sentido, isto é Samadhi, e que quaisquer outras rela-
ções causais não são Samadhi. Mas, isto não é assim. Por que não?
Porque todos os outros campos-do-sentido, também, são um único
campo-do-sentido. É o mesmo com a ação. Também, você diz que se
os seres já possuem Samadhi, não pode haver qualquer necessidade de
praticar mais. Isto, também, não é assim. Por que não? Samadhi é
chamado ‘Bom Samadhi’. Todos os seres, para dizer a verdade, não
existem. Como podemos dizer que não necessitamos praticar? Quando
alguém pratica Samadhi sobre todas as coisas residindo num Bom Sa-
madhi, existe a forma da Boa Sabedoria. Não se vê distinção entre Sa-
madhi e Sabedoria. Isto é Equanimidade. Também, além disso, oh bom
homem! Se alguém assume uma forma de matéria, não pode meditar
sobre o Eterno e o não-Eterno. Isto é Samadhi. Se alguém vê bem o
Eterno e o não-Eterno da matéria, isto é Sabedoria. Samadhi e Sabedo-
ria vêem igualmente todas as coisas. Isto é Equanimidade.

Oh bom homem! Um bom cocheiro pode dirigir uma carruagem com


uma junta quádrupla de cavalos, e conduzi-la rápida ou lentamente
conforme a ocasião exija. Como a rapidez ou lentidão combina bem
com a ocasião, dizemos equanimidade. É o mesmo com o Bodhisattva.
Alguém que tem muito Samadhi também pratica a Sabedoria; alguém
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 137
que tem muita Sabedoria pratica Samadhi. Como Samadhi e Sabedoria
são iguais, temos Equanimidade. Oh bom homem! O Bodhisattva dos
dez estágios tem muito poder de Sabedoria, mas pouco poder de Sa-
madhi. Por isso, ele não pode ver claramente a Natureza de Buda. Sra-
vakas e Pratyekabudas têm muito poder de Samadhi, mas pouca Sabe-
doria. Por essa razão, eles não podem ver a Natureza de Buda. O Buda-
Todo-Honrado-pelo-Mundo tem Samadhi e Sabedoria em partes iguais
e vê bem a Natureza de Buda. Tudo é claro e transparente, como
quando se vê uma manga que está na palma da própria mão. Alguém
que vê a Natureza de Buda é [da] forma de Equanimidade.

Samatha significa ‘completamente extinto’, porque acabou completa-


mente com a dependência (servidão) das impurezas.

Também, samatha é chamado ‘aquele que se ajusta bem’, porque se


ajusta bem ao mal e o que não é bom de todos os sentidos orgânicos.

Também, samatha é chamado ‘quietude’, porque realmente aquieta as


três ações [do corpo, boca e mente].

Também, samatha é chamado ‘segregação’, porque permite aos seres


apartarem-se bem dos cinco desejos.

Também, samatha é chamado ‘purificar bem’, porque purifica bem as


três contaminações da cobiça, má-vontade, e ignorância. Por essa ra-
zão, dizemos ‘imutabilidade’.

Vipasyana é chamado ‘visão correta’. Também, é chamado ver clara-


mente. Também, é chamado ver bem. Também, é chamada visão-
plena. Também, é chamada visão gradual. Também, é chamado ver
individualmente. Isto se chama Sabedoria.

Equanimidade é chamada ‘todo-igual’. Também, é chamada não-


disputa. Também, é chamada não-visão. Também, é chamada não-
ação. Isto é Equanimidade.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 138
Oh bom homem! Existem dois tipos de samatha. Um é mundano, e o
outro supramundano. E há ainda dois tipos. Um é o realizado, e o outro
é o não-realizado. [Aqueles do] tipo realizado são todos os assim cha-
mados Budas e Bodhisattvas. E os não-realizados são os assim chama-
dos Sravakas e Pratyekabudas.

Também, ainda há três tipos, a saber: baixo, médio, alto. O baixo diz
respeito aos mortais comuns; o médio aos Sravakas e Pratyekabudas; e
o alto a todos os Budas e Bodhisattvas. Também há quatro tipos, a
saber: 1) retroativo, 2) estável, 3) progressivo, e 4) altamente benéfico.
Também, há cinco tipos, que são os assim chamados Cinco Samadhis
do Conhecimento. Estes são: 1) Samadhi do não-alimentar, 2) Samadhi
irrepreensível (sem falhas), 3) Samadhi no qual o corpo e a mente são
puros e a mente é única, 4) Samadhi no qual se sente satisfeito com
ambos, causa e efeito, e 5) Samadhi no qual sempre se roga de cora-
ção.

Além disso, há seis tipos, os quais são: 1) Samadhi no qual se medita


sobre ossos brancos, 2) Samadhi da compaixão, 3) Samadhi sobre os
doze elos do surgimento interdependente, 4) Samadhi sobre anapana
[respiração], 5) Samadhi sobre a mente discriminatória dos seres, e 6)
Samadhi sobre nascimento e morte. Também, há sete tipos, os assim
chamados Sete Elementos do Bodhi, a saber: 1) atenção, 2) discerni-
mento do Dharma, 3) esforço, 4) alegria, 5) repouso (quietude), 6) con-
centração, e 7) equanimidade.

Também, há ainda sete tipos, os quais são: 1) Samadhi do Srotapanna,


2) Samadhi do Sakrdagamin, 3) Samadhi do Anagamin, 4) Samadhi do
Arhat, 5) Samadhi do Pratyekabuda, 6) Samadhi do Bodhisattva, e o 7)
Samadhi Todo-Desperto do Tathagata.

Também, há oito tipos, que nada mais são que os Oito Samadhis da
Emancipação. Estes são: 1) Samadhi no qual se torna Emancipado da
noção de matéria através da meditação sobre matéria, 2) Samadhi no
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 139
qual se busca a Emancipação ao meditar muito sobre a fase externa da
matéria, embora internamente já se tenha acabado com a noção de
matéria, 3) Samadhi no qual se busca a Emancipação e a sua realização
no próprio corpo através da meditação sobre pureza, 4) Samadhi da
Emancipação da Infinitude-do-Espaço, 5) Samadhi da Emancipação da
Infinitude-da-Consciência, 6) Samadhi da Emancipação da Inexistência,
7) Samadhi da Emancipação da irreflexão-não-irreflexão (‘Thoughtless-
ness-non-Thoughtlessness’ - Thoughtlessness é consciência sem obs-
truções, sem distinções e sem apegos, que permeia todas as coisas), e
8) Samadhi da Emancipação da Cessação.

Também, há nove tipos, os assim chamados Nove Samadhis Graduais.


Estes são os Quatro Dhyanas, os Quatro Vazios, e o Samadhi da Cessa-
ção.

Também, há dez tipos, os quais são os chamados Dez Samadhis de


Todos os Lugares. Quais são os dez? Eles são os Samadhis da: 1) terra,
2) água, 3) ar, 4) azul, 5) amarelo, 6) vermelho, 7) branco, 8) espaço, 9)
consciência, e 10) não-posse.

Também, há inumeráveis tipos, os quais são: todos os Budas e Bodhi-


sattvas.

Oh bom homem! Estas são as representações de Samadhis.

Oh bom homem! Há dois tipos de Sabedoria, que são: 1) mundana e 2)


supramundana.

Também, há três tipos: 1) prajna, 2) vipasyana, e 3) jnana. Prajna se


refere a todos os seres; vipasyana se refere a todos os sábios; e jnana
se refere a todos os Budas e Bodhisattvas.

Também, prajna é a fase individual da representação, e vipasyana é a


fase geral da representação.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 140


Jnana é a fase de desintegração [dissolução] da representação.

Também, há quatro tipos, os quais nada mais são que a meditação


sobre as Quatro (Nobres) Verdades.

Oh bom homem! Pratica-se samatha para três finalidades. Quais são as


três? Elas são: 1) não-indolência, 2) adorno para a Grande Sabedoria, e
3) desimpedimento [não restrição, liberdade].

Também, além disso, pratica-se vipasyana para três finalidades. Quais


são as três? Elas são: 1) meditar sobre as más consequências cármicas
do nascimento e morte, 2) aumentar as sementes do bem, e 3) erradi-
car todas as impurezas.

Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 141


Capítulo Trinta e Oito: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 6
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você disse no sutra
que Vipasyana [meditação introspectiva] erradica completamente as
impurezas. Por que então necessitamos praticar Samatha [meditação
serena]?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você pode dizer que Vipasyana erra-
dica completamente as impurezas. Mas, isto não é assim. Por que não?
Quando uma pessoa tem Sabedoria, não há impureza; quando uma
pessoa tem impureza, não há Sabedoria. Como podemos dizer que
Vipasyana erradica as impurezas? Oh bom homem! Por exemplo,
quando há luz, não há escuridão; quando há escuridão, não há luz. Não
se pode dizer que a luz destrói a escuridão. Oh bom homem! Como
podemos dizer que uma pessoa tem Sabedoria e impureza (ao mesmo
tempo), e que a Sabedoria destrói a ilusão? Se não há [qualquer impu-
reza], não pode haver destruição. Oh bom homem! Se é dito que a
Sabedoria destrói a impureza, essa destruição é devida a ter chegado
ou a não ter chegado à Sabedoria? Se essa destruição surge através da
chegada [à Sabedoria], no primeiro momento deve haver destruição.
Se não há destruição no primeiro momento, não pode haver destruição
a posteriori. Se a destruição acontece na primeira chegada, isto é nada
mais que não-chegada. Como alguém pode dizer que a Sabedoria des-
trói? Se alguém diz que ambos, chegada e não-chegada destroem, isto
não faz sentido.

Também, além disso, podemos bem dizer que Vipasyana destrói a


impureza. Essa destruição ocorre de maneira isolada ou acompanhada
por algumas outras? Se ela (prática do Vipasyana) destrói a si próprio,
por que deveria o Bodhisattva [se importar em] praticar o Nobre Cami-
nho Óctuplo? Se ela destrói em companhia de algumas outras, isto
implica que não pode haver qualquer destruição sozinha ou isolada-
mente. Se ela não pode destruir sozinha ou isoladamente, não pode

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 143


haver destruição mesmo quando acompanhada de algumas outras.
Alguém que seja cego não pode ver as coisas. Mesmo quando acom-
panhado por muitas pessoas cegas, não é possível ver. Este é o caso
com Vipasyana. Oh bom homem! É como com a natureza da dureza da
terra, a natureza do calor do fogo, a natureza da umidade da água, e a
natureza da mobilidade do vento. Desde a natureza da dureza da terra
até a mobilidade do vento, essas (naturezas) não surgem das relações
causais. Sua natureza inerente as faz assim. Exatamente como com as
naturezas dos quatro elementos, assim se passa com a impureza. Sua
natureza inerente age. Se cortada, como podemos dizer que a Sabedo-
ria cortou? Devido a isto, não podemos dizer que Vipasyana destrói
definitivamente todas as impurezas. Oh bom homem! A natureza do
sal é salgada. Ela faz salgar as outras coisas [também]. A natureza origi-
nal do mel é doce. Ele realmente faz adoçar as outras coisas. A nature-
za original da água é umidade. Ela realmente faz molhar as outras coi-
sas. Você pode dizer que a natureza da Sabedoria é a extinção, uma vez
que ela pode realmente extinguir as outras coisas. Mas, isto não é as-
sim. Por que não? Se não houver qualidade do dharma da morte, como
pode a Sabedoria forçá-lo morrer? Você pode dizer que exatamente
como o sabor salgado do sal torna as outras coisas salgadas, assim a
Sabedoria extingue as outras coisas. Mas, isto não é assim. Por que
não? Porque a natureza da Sabedoria morre momento após momento.
Se ela morre momento após momento, como podemos dizer que ela
realmente faz morrer as outras coisas? Por essa razão, a natureza da
Sabedoria não destrói as impurezas.

Oh bom homem! Há duas extinções em todas as coisas. Uma é a extin-


ção por natureza, e a outra é a extinção ultimada (definitiva). Se há
extinção na natureza [de uma coisa], como podemos dizer que a Sabe-
doria a extingue? Podemos dizer que a Sabedoria realmente extingue
as impurezas, como no caso do fogo que queima as coisas. Mas, isto
não é assim. Por que não? Porque na queima do fogo, ainda permane-
ce a latência do fogo (queima sem chama). Se for assim com a Sabedo-
ria, deve haver a latência do fogo da Sabedoria. Quando um machado
corta uma árvore, permanece o lugar onde o corte foi feito. Quando a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 144
Sabedoria corta, que lugar vemos onde o corte foi feito? Se a Sabedoria
realmente o faz [isto é, corta], o que há que possamos ver? Se a Sabe-
doria realmente aparta as impurezas, essa impureza deve aparecer em
outro lugar também, como no caso dos tirthikas que deixaram as seis
grandes cidades-castelo e apareceram em Kushinagar. Se a Sabedoria
não se apresenta em outros lugares, devemos saber que a Sabedoria
não poderia realmente acabar com ela (a impureza). Oh bom homem!
Se a natureza de todas as coisas é o Vazio, quem faz com que as coisas
nasçam ou morram? Não há nada que faça uma coisa diferente nascer
e não há nada que faça uma coisa diferente morrer.

Quando se Pratica Meditação

Oh bom homem! Quando se pratica meditação, chega-se a esse co-


nhecimento correto [‘jnana’] e visão correta da vida. Esse é o porquê
Eu digo nos sutras que qualquer Monge que pratique meditação pode
de fato ver como os cinco skandhas aparecem e desaparecem. Oh bom
homem! Se não se pratica meditação, não se pode ver claramente
como se obtém as coisas no mundo. E como se poderia saber das coi-
sas que concernem ao mundo supramundano? Se não se tem medita-
ção, pode-se cair até mesmo num lugar plano. O olho vê o que está
fora de ordem; a boca fala o que está fora de ordem; o ouvido ouve o
que é diferente [da realidade]; a mente compreende o que está fora de
ordem. Ao desejar articular (palavras com) as letras particulares, as
mãos escrevem sentenças estranhas; ao desejar pegar um caminho
particular, o corpo segue um caminho diferente. Alguém que pratique
Samadhi obtém muitos benefícios e atinge a Iluminação Insuperável.

Meditação e Conhecimento do Bodhisattva

O Bodhisattva-Mahasattva é perfeito em duas coisas e consegue gran-


des benefícios. Uma é a meditação, e a outra é o conhecimento. Oh

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 145


bom homem! Quando se corta uma cana, a ação rápida a corta bem. É
o mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva, conforme ele pratica essas
duas (coisas). Oh bom homem! Quando alguém [deseja] arrancar uma
árvore sólida, as coisas se farão mais facilmente se primeiro sacudi-la
com as mãos. É o mesmo com a meditação e conhecimento do Bodhi-
sattva. Primeiro, ele sacode através da meditação, e então ele arranca
com o conhecimento. Oh bom homem! Quando se lava roupas sujas,
primeiro lava-se com água de (sabão de) cinzas, e então com água lim-
pa. Se alguém faz isto, a roupa se torna limpa. Também é o mesmo
com a meditação e o conhecimento do Bodhisattva. Oh bom homem!
A pessoa primeiro lê e recita, e mais tarde o significado aparece. É o
mesmo com a meditação e o conhecimento do Bodhisattva. Oh bom
homem! É como com um homem valente que primeiro adorna seu
corpo com armadura e uma espada, e então vai de encontro ao inimi-
go. O caso é o mesmo, também, com a meditação e o conhecimento
do Bodhisattva. Oh bom homem! Por exemplo, ao usar um cadinho e
pinças, pode-se manipular o metal conforme queira torneando, forjan-
do e fundindo-o. É o mesmo, também, com a meditação e o conheci-
mento do Bodhisattva. Oh bom homem! Por exemplo, um espelho
claro reflete a face e a feição de alguém. É o mesmo, também, com a
meditação e o conhecimento do Bodhisattva. Oh bom homem! Isto é
como quando primeiro se nivela o chão e então se planta a semente,
ou quando primeiro se aprende de um mestre, e mais tarde se pensa
sobre o significado. É também o mesmo com a meditação e o conhe-
cimento do Bodhisattva. Em razão disto, como o Bodhisattva-
Mahasattva pratica essas duas coisas, ele aufere grandes benefícios.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahsattva pratica essas duas coisas


(meditação e conhecimento), ajusta os seus cinco sentidos orgânicos, e
suporta todos os sofrimentos como fome e sede, frio e calor, espanca-
mento, calúnia, ou ser mordido por animais nocivos, mosquitos e mos-
cas. Ele sempre governa a sua mente; não terá qualquer indolência e
não fará coisas ilegais, devido a beneficiar os outros. Ele não é macula-
do pelas ilusões e não fica iludido pelas várias visões errôneas da vida.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 146


Ele sempre se aparta de todas as más noções, e não muito tarde ele
alcançará o Insuperável Bodhi.

Oh bom homem! Quando o Bodhisattva-Mahasattva pratica essas duas


coisas, as tempestades das quatro inversões não podem abater-lhe.
Isto é como com o Monte Sumeru, que não se agita mesmo quando os
ventos sopram nas quatro direções. Isto se aplica ao caso onde não se
é desviado pelos mestres de mente deturpada, os tirthikas; é como
quando o estandarte de Devendra não pode ser facilmente movido.
Nenhum ardil distorcido e estranho pode seduzi-lo. Ele é sempre aben-
çoado com a toda-maravilhosa paz do primeiro-grau e felicidade, e
pode compreender bem as mais profundas e secretas doutrinas do
Tathagata. Mesmo quando experimenta a felicidade, ele não fica muito
feliz (eufórico) e nem preocupado mesmo quando encontra o sofri-
mento. Todos os devas e pessoas do mundo o respeitam e louvam-no.
‘Ele vê claramente o nascimento e a morte e o que não é nascimento e
morte; ele conhece bem o mundo do Dharma, a natureza do Dharma e
a Lei que rege o corpo que é Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Essa é a
felicidade do Grande Nirvana’. Oh bom homem! Sua meditação é o
Samadhi do Vazio; sua forma de Sabedoria é o Samadhi Livre de Desejo
(desirelessness); sua forma de equanimidade é o Samadhi da Amorfia
(livre de forma). Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva conhece
bem o tempo para meditação, o tempo para a Sabedoria, e o tempo
para a equanimidade; ele sabe bem o que não é oportuno. Isto é como
o Bodhisattva pratica bem a Via do Bodhi.”

Tempo Correto

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como o Bodhisattva


sabe quando é o tempo [correto] ou não?”

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 147


Para a Prática da Meditação

“Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva pode adquirir grande


arrogância quando ele se torna abençoado com a felicidade, arrogância
de proferir um sermão, ou arrogância dos esforços, ou arrogância na
discussão da compreensão de um significado [particular], ou arrogância
de associar-se a um mau amigo, ou arrogância de oferecer (em doação)
o que ele estima muito, ou arrogância de (possuir) boas coisas e virtu-
des de natureza mundana, ou arrogância de ser respeitado pela nobre-
za da vida mundana. Esse não é o tempo correto (justo) para o conhe-
cimento. Ele deve então praticar bem a meditação. Isto é como o Bo-
dhisattva sabe quando é tempo e quando não é.

Para a Prática da Sabedoria

Um Bodhisattva pode empreender muitos esforços e, no entanto, não


ser capaz de chegar à Felicidade (Êxtase) do Nirvana. Não obtendo isto,
ele sente pesar; ou em razão de uma natureza obtusa, ele pode não ser
capaz de subjugar todos os seus cinco sentidos orgânicos. Como todas
as impurezas e ilusões têm força plena, ele pode duvidar e pensar que
há um enfraquecimento (afrouxamento) na observância dos preceitos
morais. Saiba que esse tempo não é bom para a meditação. Deve-se
praticar conhecimento (sabedoria). Isto é como dizemos que o Bodhi-
sattva conhece bem quando é tempo e quando não é.

Para a Prática da Equanimidade

Oh bom homem! Quando as duas fases da meditação e conhecimento


não caminham juntas, saiba que este não é o tempo justo para praticar
equanimidade. Quando as duas (fases) se encontram em equilíbrio,
saiba que este é o tempo justo para praticar a equanimidade. Este é o
sentido no qual dizemos que o Bodhisattva conhece quando é tempo e
quando não é tempo. Oh bom homem! Quando o Bodhisattva sente o

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 148


crescimento das impurezas, e se ele pratica meditação e Sabedoria,
sabe que este não é o tempo para praticar a equanimidade. Ele deve
realmente ler e recitar, escrever e copiar, expor os doze tipos de sutras,
pensar no Buda, no Dharma e na Sangha, nos preceitos, nos céus, e na
equanimidade. Isto é onde dizemos que praticamos equanimidade. Oh
bom homem! Quando o Bodhisattva pratica essas três fases do Dhar-
ma, ele adquire disto o Nirvana da amorfia.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quando não há as


dez fases representacionais, chamamos Grande Nirvana Amorfo. Mas
por que o chamamos (também) de não-nascimento, não-emergente,
não-esforço, uma casa, uma duna de areia, o refúgio, paz, extinção,
Nirvana, quietude, não-sofrimento de todas as doenças, e não-posse?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Como não há relações causais, dize-
mos ‘não-nascimento’. Como não é nada criado, dizemos ‘não-
emergente’. Como não há qualquer ação do fazer [algo], dizemos ‘não-
esforço’. Como não se permite a entrada de nenhuma das cinco visões
distorcidas, dizemos ‘casa’. Como ele está apartado das quatro inunda-
ções frenéticas, dizemos ‘duna de areia’. Como ele harmoniza (abriga)
todos os seres, dizemos ‘refúgio’. Como ele aniquila o bando de ladrões
das impurezas, dizemos ‘paz’. Como ele queima os laços da servidão,
dizemos ‘extinção’. Como se torna apartado da atenção-plena (estado
todo-desperto) da percepção, dizemos ‘Nirvana’. Como se está distante
de lugares barulhentos (ruidosos), dizemos ‘quietude’. Como se está
distante da certeza de mortalidade, dizemos ‘livre de doenças’. Como
tudo é vazio, dizemos ‘não-posse’.

Oh bom homem! Quando o Bodhisattva tem essa percepção, ele vê


claramente a Natureza de Buda.”

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 149


As Dez Virtudes do Bodhisattva

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quantos tipos de


coisas o Bodhisattva-Mahasattva necessita realizar para chegar ao Nir-
vana Amorfo e a não-posse?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Quando o Bodhisattva Mahasattva


realiza as dez coisas, ele pode realmente chegar ao Nirvana Amorfo e a
não-posse. Quais são as dez?

Primeiro, ele é perfeito na fé. Como é a fé perfeita? Isto é acreditar


profundamente que o Buda, o Dharma e a Sangha são Eternos, que
todos os Budas das dez direções efetuam (utilizam-se de) expedientes,
e que todos os seres e icchantikas possuem a Natureza de Buda. É não
acreditar que o Tathagata está sujeito ao nascimento, velhice, doença e
morte, que ele sofreu penitências, que Devadatta realmente fez o cor-
po do Buda sangrar, que o Tathagata entra definitivamente no Nirvana,
e que o Dharma Maravilhoso expira (morre). Isto é quando dizemos
que o Bodhisattva é perfeito na fé.

Preceitos

Segundo, há perfeição da pureza na observância dos preceitos morais.

Oh bom homem! Há um Bodhisattva que diz que ele é puro na obser-


vância dos preceitos. Embora ele não se ligue (se una) a uma mulher
quando ele a vê, às vezes ele ainda debocha, confunde e brinca com
palavras. Esse Bodhisattva é perfeito no dharma do desejo, destrói a
pureza dos preceitos, contamina a pureza das ações puras, fazendo
com que os preceitos se tornem misturados nas impurezas. Dessa for-
ma, não podemos chamá-lo de perfeito na pureza dos preceitos.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 150


Também, há um Bodhisattva que diz que ele é puro nos preceitos. Ele
não se une sexualmente com uma mulher e não debocha ou brinca
com palavras. Mas, excitado, ele ouve o som dos colares, pulseiras e
vários outros sons femininos. Esse Bodhisattva está completamente
investido no dharma do desejo, viola a pureza dos preceitos, corrompe
a ação pura, e torna os preceitos contaminados e impuros, tal que não
podemos chamar essa pessoa de alguém perfeito na pureza dos precei-
tos.

Também, há um Bodhisattva que pode bem dizer que ele é puro na


observância dos preceitos. Igualmente, embora ele não se envolva com
mulheres, brinque com as palavras, ou ouça os sons próprios [das mu-
lheres], quando ele vê outros homens indo atrás de mulheres, ou mu-
lheres indo atrás de homens, ele adquire um apego ganancioso. Esse
Bodhisattva está completamente investido no dharma do desejo, viola
a pureza dos preceitos, corrompe a ação pura, e torna os preceitos
impuros e contaminados. Não podemos chamar tal pessoa de perfeita
na observância dos preceitos morais.

Também, pode haver um Bodhisattva que diga que ele é perfeito na


sua observância dos preceitos morais. Semelhantemente, embora ele
não se envolva com mulheres, deboche, brinque com palavras, ouça os
sons [femininos], ou veja homens e mulheres perseguindo uns aos
outros, ele faz coisas visando o nascimento nos céus e para ser aben-
çoado (lá) com os prazeres dos cinco desejos. Esse Bodhisattva está
completamente investido no desejo, viola a pureza dos preceitos, cor-
rompe a ação pura, contamina e corrompe os preceitos. Isto não pode
ser chamada perfeita observância dos puros preceitos.

Oh bom homem! Pode haver um Bodhisattva que seja puro na obser-


vância dos preceitos. E, no entanto, ele não age assim em prol do shila,
em prol do shilaparamita, nem pelos seres, nem por ganhos, nem pelo
Bodhi, nem pelo Nirvana, e nem para [tornar-se] um Sravaka ou Prat-
yekabuda. Ele somente observa os preceitos pela suprema ‘Paramar-
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tha-satya’ [Realidade Última]. Oh bom homem! Isto é o que chamamos
perfeição na pureza dos preceitos de um Bodhisattva.

Amizade com Bons Amigos da Via

Terceiro, o Bodhisattva faz amizade com muitos bons amigos da Via.


Por bom amigo da Via entende-se uma pessoa que fale bem sobre a fé
e preceitos, erudição (cultura), doação, Sabedoria, e que faça as pesso-
as praticarem a Via. Essa pessoa é chamada Bom Amigo da Via do Bo-
dhisattva.

Quietude

Quarto, ele busca a quietude. Por quietude entende-se quietude do


corpo e da mente, através da qual se medita sobre as profundezas de
todas as existências. Chamamos isto de quietude.

Esforço

Quinto, há esforço. Por esforço entende-se que alguém pensa concen-


tradamente sobre as Quatro Nobres Verdades. Mesmo se a cabeça
daquela pessoa estivesse no fogo, ela não abandonaria isto [a ponde-
ração sobre as Quatro Nobres Verdades]. Isto é esforço.

Memória

Sexto, ele é perfeito na memória. Por perfeição na memória entende-


se pensamento sobre o Buda, o Dharma, a Sangha, os preceitos, os
céus, e equanimidade. Chamamos isto de perfeição no pensamento.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 152


Gentileza

Sétimo, ele tem gentileza na fala. Por gentileza na fala se entende as


verdadeiras e maravilhosas palavras que se profere e consulta antes
que a mente aja. É a fala oportuna e palavras de verdade. Chamamos
isto de ‘palavras gentis’.

Proteção do Dharma

Oitavo, há proteção do Dharma. Por proteger o Dharma se entende


amar o Dharma Maravilhoso, estar sempre feliz ao falar sobre ele, ler e
recitar, escrever e copiá-lo, pensar sobre o seu significado e expô-lo
amplamente, e fazê-lo prevalecer. Se há uma pessoa que copie, expo-
nha, recite, louve [o Dharma] e pense sobre o significado, dever-se-ia
buscar coisas e oferecer-lhe como auxílio, coisas como roupas, comida
e bebida, roupas de cama e remédios. Pela proteção do Dharma, deve-
se estar pronto para sacrificar o próprio corpo e vida. Isto é proteção
do Dharma.

Doação

Nono, se o Bodhisattva vê algum dos seus irmãos, ou qualquer um que


esteja defendendo os mesmos preceitos com carência de coisas, ele vai
aos outros e implora (mendiga) por um incensório, robes sacerdotais,
pelo que se exige na prática da enfermagem (remédios), roupas, comi-
da e bebida, roupas de cama e acomodações.

Sabedoria

Décimo, sua Sabedoria é perfeita. Por Sabedoria se entende visão do


assim chamado Tathagata, o Eterno, Êxtase, o Eu, o Puro, e o fato que
todos os seres possuem a Natureza de Buda. Ele vê as duas fases das

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 153


coisas, que são: Vazio versus não-Vazio, Eterno versus não-Eterno,
Êxtase versus não-Êxtase, o Eu versus o não-Eu, o que é possível ou não
possível para aniquilar a proposição da dissimilaridade [‘vaidharmya-
drstanta’], o aparecimento ou visão da dissimilaridade que surge das
relações causais, e a fruição da dissimilaridade que surge das relações
(não) causais ou não-causalidade. Isto é o que chamamos de perfeição
da Sabedoria.

Oh bom homem! Isto é como dizemos que quando o Bodhisattva é


perfeito nessas dez coisas, ele pode ver bem a amorfia do Nirvana.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Buda disse previa-
mente a Cunda: ‘Você, Cunda, já vê a Natureza de Buda, alcança o Nir-
vana e o Insuperável Bodhi’. O que isto significa? Oh Honrado pelo
Mundo! Você declarou num sutra que doações para animais trazem
100 recompensas; que doações para um icchantika trazem 1.000 re-
compensas; que doações para uma pessoa que defende os preceitos
evocam 100.000 recompensas; que doações a um tirthika que tenha
cortado as impurezas evocam um incontável número de recompensas;
que doações àqueles dos estágios das quatro vias e das quatro fruições
até o Pratyekabuda resultam num incontável número de recompensas;
que doações aos Bodhisattvas do estágio de não-regressão, aos gran-
des Bodhisattvas do estágio final, a ao Tathagata-Honrado-elo-Mundo
evocam infinitos e ilimitados benefícios e recompensas, ultrapassando
o mais alto grau de concepção. Se Cunda obtém essa recompensa, o
resultado poderá ser infinito. Quando ele chegará ao Insuperável Bo-
dhi? Você também declarou no sutra: ‘Se alguém, com a mente séria,
faz o bem ou o mal, infalivelmente obterá os resultados nesta vida, ou
na vida que virá, ou nas vidas posteriores’. Cunda fez o bem com uma
mente séria. Assim, deve-se saber que ele infalivelmente obterá re-
compensa. Se ele infalivelmente obterá recompensa, como ele pode
esperar chegar ao Insuperável Bodhi e como ele pode ver a Natureza
de Buda?

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 154


Oh Honrado pelo Mundo! Você também disse no sutra: ‘Se alguém doa
coisas aos três tipos de pessoas, não haverá limite para a recompensa.
O primeiro é a pessoa doente; o segundo são os pais; o terceiro é o
Tathagata’. Oh Honrado pelo Mundo! Você também declarou no sutra:
‘O Buda disse a Ananda: Se os seres nada tiverem que envolva as ações
do desejo, atingirão o Insuperável Bodhi. É o mesmo com as coisas
concernentes às ações materiais ou não-materiais’. Oh Honrado pelo
Mundo! É como está estabelecido num gatha do ‘Dharmapada’:

‘Nem no céu, nem no mar,


nem galgando as montanhas e cavernas
pode haver qualquer dúvida na busca de refúgio;
Não há lugar na terra
onde não se sofra mais pelos efeitos cármicos’.

Também, Aniruddha disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Recordo-me que


por doar uma refeição, eu não caí nos três domínios do infortúnio por
80.000 kalpas [aeons]’. Oh Honrado pelo Mundo! Mesmo um simples
[ato de] doação evoca esse resultado. Diante disto, Cunda que, com
um pensamento de fé, fez oferecimentos ao Buda, completou e reali-
zou o danaparamita. Oh Honrado pelo Mundo! Se as retribuições do
bem são infinitas, como pode a ofensa de caluniar os sutras Vaipulya,
dos cinco pecados mortais, das quatro ofensas graves, e o pecado de
[ser] um icchantika impor um fim para as retribuições cármicas? Se elas
(as retribuições) não terminam, como uma pessoa pode realmente ver
a Natureza de Buda e atingir o Nirvana Insuperável.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Há somente


duas pessoas que podem chegar às inumeráveis, ilimitadas e incontá-
veis virtudes que estão para além das palavras. Estas realmente aca-
bam com o naufrágio nas águas tormentosas e inundações frenéticas.
Estas derrotam (superam) bem o inimigo, derrubam o estandarte vito-
rioso de Mara, e giram bem a Insuperável Roda do Dharma do Tathaga-
ta. Uma é o bom indagador e a outra é o bom respondente.

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Oh bom homem! Dentre os dez poderes do Buda, o poder do carma
tem peso maior. Oh bom homem! Todos os seres menosprezam as
relações causais do carma e não acreditam nele. No sentido de ensinar
essas mentes, isso é dito. Oh bom homem! Em todas as ações que
alguém perpetra, existe o que é leve e o que é grave. Essas duas ações
do leve e grave são de dois tipos cada uma. Uma é determinada, e a
outra indeterminada. Oh bom homem! Pode haver uma pessoa que
diga que não existe retribuição originária das más ações. Se for o caso
que as más ações infalivelmente acarretam conseqüências cármicas,
como Kekosendara tornou-se capaz de ganhar nascimento nos céus, ou
Angulimalya atingiu a fruição da Emancipação? Em vista disto, saiba
que há casos onde o que quer que seja feito infalivelmente acarreta
resultados cármicos (ação determinada), e que infalivelmente pode
haver casos onde nenhum resultado surge (ação indeterminada). No
sentido de acabar com tais visões dúbias, Eu disse nos sutras que qual-
quer ação infalivelmente acarreta resultados.

Oh bom homem! Há casos onde ações graves se tornam leves em seus


resultados, e leves se tornam graves. Não significa que isto diz respeito
a todas as pessoas; somente o ignorante é considerado aqui. Por essa
razão, saiba que isto não significa que todas as ações infalivelmente
acarretam um resultado. Embora o resultado não apareça infalivel-
mente (para o ser), isto não significa que o resultado não aconteça. Oh
bom homem! Entre todos os seres há dois tipos. Um é sábio, o outro
ignorante. O sábio, por força da sabedoria, realmente encontra (as
conseqüências do) carma mais grave dos domínios do infortúnio nesta
vida. A pessoa ignorante recebe severamente as conseqüências cármi-
cas desta vida no inferno.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se as coisas são as-
sim, não se deveria procurar a pureza das ações e Emancipação.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se for verdade que todas as ações
definitivamente acarretam resultados, não busque pureza na ação e
Emancipação. Como é indeterminado, praticamos ações puras e bus-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 156
camos a fruição na Emancipação. Oh bom homem! Se uma pessoa
puder afastar-se completamente das más ações, obterá bons resulta-
dos; se ela estiver afastada das boas ações, chegara à fruição do mal.
Se toda ação infalivelmente acarretasse fruição, não se procuraria pra-
ticar a Via Sagrada. Se não se pratica a Via, não pode haver Emancipa-
ção. A razão pela qual todas as pessoas sagradas praticam a Via é me-
ramente para extirpar o carma determinado e obter resultados leves.
Para o carma indeterminado não há resultados a se esperar. Se toda
ação acarretasse um resultado, não se procuraria praticar a Via Sagra-
da. Não é possível se deixar de praticar a Via Sagrada e, no entanto,
alcançar a Emancipação. Não pode haver algo como chegar ao Nirvana,
sem que se atinja a Emancipação.

Oh bom homem! Se fosse certo que todas as boas ações acarretam um


resultado, cada ação pura que uma pessoa fizesse traria paz eterna por
toda sua vida, e cada má ação do último grau que fizesse, também,
traria eterno sofrimento por toda sua vida. Se a ação das retribuições
cármicas fosse assim, não poderia haver prática da Via, Emancipação
ou Nirvana. Se o que for feito por um humano tiver que ser arcado por
um humano, isto significaria que o que fosse feito por um Brâmane
teria que ser arcado por um Brâmane. Se as coisas fossem assim, não
poderia haver baixa casta e nem existências inferiores. Um humano
seria sempre um humano; um Brâmane seria sempre um Brâmane.
Tudo o que fosse feito nos dias da infância teria que ser arcado nos dias
da infância. Não se encontraria os resultados nos dias de meia-idade ou
na velhice. O mal cometido na velhice frutificaria no inferno, e uma
pessoa não seria capaz de sofrer o que se estava a sofrer desde os pri-
meiros dias do inferno. Deve-se esperar até os dias da velhice para
sofrer. O não-prejudicar que alguém praticou na sua velhice não frutifi-
cará no auge da sua vida. Sem o auge da vida, como pode alguém tor-
nar-se velho? Porque os resultados cármicos não podem morrer. Se o
carma não pode morrer, como poderia haver a prática da Via e Nirva-
na?

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 157


Carma Determinado e Indeterminado

Oh bom homem! Existem dois tipos de carma, a saber: determinado e


indeterminado. De carma determinado, existem dois tipos. Um é o
determinado no resultado, e o outro o determinado no tempo. Pode
haver casos onde o resultado é determinado e o tempo indeterminado.
Quando as relações causais se conjugam, o resultado surge nos Três
Tempos (Existências) do presente, da próxima vida, ou vidas posterio-
res.

Oh bom homem! Quando se faz o bem ou o mal com uma mente de-
terminada, ganha-se uma mente de fé e alegria. E se faz um voto ou
oferecimentos aos Três Tesouros. Isto é uma ação determinada.

Alguém que seja sábio é persistente em boas ações e não pode ser
demovido. Em razão disto, as ações graves se tornam leves. Alguém
que seja ignorante é persistente no mal. Em razão disto, qualquer ação
leve se torna grave [nas conseqüências] e acarreta um retorno grave.
Este é o porquê nem todas as ações são chamadas determinadas.

A Retribuição Cármica do Bodhisattva

O Bodhisattva-Mahasattva não comete ações que o conduzirão ao


inferno. Para o benefício dos seres, ele faz um grande voto e ganha
vida no inferno. Oh bom homem! Em tempos passados, quando a du-
ração da vida dos seres era de 100 anos, incontáveis seres, tão nume-
rosos quanto às areias do Ganges, receberam resultados cármicos no
inferno. Eu vi isto, fiz um grande voto e ganhei vida no inferno. O Bo-
dhisattva, naquela ocasião, para dizer a verdade, não tinha pecado
desse tipo (que o conduzisse ao inferno). Para o benefício dos seres, ele
obteve vida no inferno. Eu, naquela ocasião, estava no inferno, vivendo
lá há inumeráveis eras e expondo os 12 tipos de sutras extensivamente
para todos os pecadores. Os pecadores, ao ouvir aquilo, aniquilaram

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 158


todos os seus resultados cármicos e evadiram-se do inferno, com exce-
ção dos icchantikas. Este é o porquê dizemos que o Bodhisattva-
Mahasattva recebe os resultados cármicos o mais tardar nesta vida.

Também, além disso, oh bom homem! Neste Bhadrakalpa, um incon-


tável número de seres ganhou vida no reino animal, sofrendo as más
retribuições cármicas lá. Vendo isto, Eu fiz um voto, e para salvá-los
ganhei vida de animais como rena, cervo, urso pardo, pomba, naga,
serpente, garuda, peixe, tartaruga, raposa, lebre, vaca, e cavalo. Oh
bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva não tem, para dizer a verda-
de, qualquer pecado para dar-lhe a vida como um animal. Para o bene-
fício dos seres, ele faz um grande voto e ganha tais vidas. Isto é onde
falamos que o Bodhisattva-Mahasattva recebe um mau resultado cár-
mico o mais tardar nesta vida. Também, além disso, oh bom homem!
Neste Bhadrakalpa, houve também inumeráveis seres que ganharam
vida como espíritos famintos. Eles devoravam vômito, gordura e carne,
pus e sangue, urina, lágrimas e saliva. A duração de suas vidas era de
inumeráveis centenas de milhares de anos. Jamais eles ouviram alguma
coisa sobre suco e água. E como eles poderiam ver alguém beber?
Mesmo que eles vissem água de longe, e mesmo se ganhassem o dese-
jo de ir lá, quando chegassem ao lugar onde isso existisse, tudo se
transformaria num grande fogo, ou pus, ou sangue. Talvez, isto pudes-
se não se transformar, mas muitas pessoas obstruiriam o caminho com
alabardas em suas mãos ou empurrariam os espíritos famintos para
trás, tal que não pudessem seguir adiante. Ou no verão, a chuva pode-
ria cair, mas não antes de seu corpo arder em chamas. Isto é obra das
retribuições cármicas do mal que eles cometeram. Oh bom homem! O
Bodhisattva-Mahasattva não tem, para dizer a verdade, tais pecados
pelos quais tenha que responder. Mas, para salvar os seres e permitir-
lhes atingir a Emancipação, ele faz um voto e coloca-se em tal vida.
Este é o porquê dizemos que o Bodhisattva-Mahasattva sofre as retri-
buições cármicas o mais tardar nesta vida.

Oh bom homem! Eu, na era do Bhadrakalpa, nasci num açougue, mas


não pendurei galinhas, porcos, vacas ou carneiros; nem cacei com ar-
Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 159
cos e redes, ou pesquei, ou vivi numa casa de candala; nem roubei ou
saqueei. O Bodhisattva nunca faz tais coisas. Para permitir aos seres
atingir a Emancipação, ele faz um grande voto e adquire tal corpo. Este
é o porquê dizemos que um Bodhisattva-Mahasattva sofre uma vida de
más retribuições cármicas o mais tardar nesta vida.

Oh bom homem! Neste Bhadrakalpa, Eu ganhei vida num lugar remo-


to, era cheio de cobiça, ira e ignorância, cometia atos ilegais, não acre-
ditava nos Três Tesouros e nas retribuições cármicas que se seguem
nas vidas posteriores, não respeitava meus pais, familiares, velhos e
idosos. Oh bom homem! O Bodhisattva, naquela ocasião, não tinha
esse carma para sofrer. Para permitir aos seres obterem a Emancipa-
ção, ele fez um grande voto e ganhou vida nesse lugar. Isto é onde
dizemos que o Bodhisattva-Mahasattva passa por uma má vida, não
nesta vida, não na próxima vida, e nem nas vidas posteriores.

Oh bom homem! Neste Bhadrakalpa, ele ganhou vidas como as de


uma mulher, de (uma pessoa) má, ambiciosa, irada, ignorante, invejo-
sa, parcimoniosa, de um fantasma, de louca, e de uma pessoa trajada
nas impurezas. Oh bom homem! Saiba que o Bodhisattva não faz nada
do tipo [que mereça] esse carma. Somente para permitir aos seres
atingir a Emancipação ele faz um grande voto e ganha essas formas de
vida. Isto é onde dizemos que o Bodhisattva-Mahasattva sofre más
conseqüências cármicas não nesta presente vida, nem na vida a seguir,
e nem nas vidas posteriores.

Oh bom homem! Neste Bhadrakalpa, Eu ganhei formas de vida como


as de alguém com órgãos genitais imperfeitos, alguém assexuado, bis-
sexuado, ou indefinido. Oh bom homem! Para dizer a verdade, o Bo-
dhisattva-Mahasattva não tem tais ações (carmas) pelas quais respon-
der. No sentido de permitir aos seres atingir a Emancipação, ele faz um
grande voto e se sujeita a tais vidas. Isto é onde dizemos que o Bodhi-
sattva-Mahasattva sofre um mau carma não nesta vida, nem na próxi-
ma vida, e nem nas vidas posteriores.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 160


Oh bom homem! Neste Bhadrakalpa, Eu pratiquei as vias dos tirthikas
e dos Nirgranthas, e acreditei em seus ensinamentos. Não havia doa-
ção, nem santuário, e nenhuma recompensa pela dedicação ao santuá-
rio. Não havia ações boas ou más, nem boas ou más retribuições. Não
havia vida presente, nem vida futura, nem isto e nem aquilo. Lá não
havia o sagrado, nem corpo transformado, nem Via, e nem Nirvana. Oh
bom homem! O Bodhisattva não tem esses maus carmas para arcar.
Somente para permitir aos seres atingir a Emancipação ele faz um
grande voto e experimenta essas coisas (visões) distorcidas. Este é o
porquê dizemos que o Bodhisattva-Mahasattva sofre más ações (maus
carmas) não nesta vida, não na vida futura, nem nas vidas posteriores.

Palavra Verdadeira

Oh bom homem! Relembro que certa vez no passado, fomos comerci-


antes, Devadatta e Eu. E cada um de nós tinha 500 mercadores. Em
busca dos ganhos, fomos ao grande mar à procura de coisas raras.
Através das más relações causais, deparamos com uma tempestade no
caminho e, náufragos, todos os nossos companheiros morreram. Na-
quela ocasião, Devadatta e Eu, em razão de não-prejudicarmos (outros)
e pelas relações causais para longa vida, fomos levados (soprados) para
terra firme. Então, Devadatta, lastimando que ele havia perdido o te-
souro, ficou muito aborrecido e chorou copiosamente. Eu então disse:
‘Oh Devadatta! Não chore’! Devadatta me disse: ‘Ouça-me atentamen-
te, ouça atentamente! Por exemplo, existe um homem oprimido pela
pobreza. Ele vai ao cemitério, agarra um cadáver e diz: ‘Oh você! Dê-
me a alegria da morte. Eu lhe darei pobreza e vida’. Então, o cadáver
fica de pé e diz ao homem pobre: ‘Oh bom homem! Fique com a po-
breza e a vida para si. Eu estou agora imerso na alegria da morte. Não
estou contente de vê-lo pobre e vivo’. A situação é como esta. Mas,
não tenho a felicidade da morte às mãos e, além disso, estou na misé-
ria. O que mais posso fazer além de soluçar e chorar’? Eu também o
apaziguei: ‘Não fique triste. Tenho duas pérolas que são preciosas.

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 161


Darei uma a você’. Dei-a [a ele] e disse: ‘Uma pessoa que tem vida ob-
tém essa gema. Se não tiver vida, como poderá esperar ter isto’? En-
tão, senti-me cansado e dormi à sombra de uma árvore. Devadatta,
febril pela cobiça, adquiriu um mau pensamento. Furando e cegando
meus olhos, ele pegou a outra pérola. Na dor, Eu chorei e solucei. En-
tão, havia uma mulher que veio a mim e indagou: ‘Por que você soluça
e chora’? Então, eu lhe disse tudo o que acontecera. Ao ouvir aquilo,
ela ainda indagou: ‘Qual é o seu nome’? Eu disse: ‘Eu me chamo Pala-
vra-Verdadeira’. (Ela disse:) ‘Como posso saber que você é verdadeiro’?
Então fiz um juramento: ‘Se eu tiver agora maus pensamentos contra
Devadatta, deixe-me ser um caolho; caso contrário, permita que meus
olhos ganhem a luz’. Ao dizer isto, meus olhos foram curados e ficaram
tão bons quanto antes. Oh bom homem! Isto é onde dizemos que o
Bodhisattva-Mahasattva fala sobre a recompensa que acontece nesta
vida.

Oh bom homem! Relembro-me que certa vez nasci no Sul da Índia, no


Castelo de Putana, na casa de um Brâmane. Naquela ocasião, havia um
rei chamado Garapu. Ele era rude, mau, arrogante e altivo. Estando no
auge da vida e belo, encontrava-se imerso na vida dos cinco desejos.
Eu, naquela ocasião, para salvar os seres, vivia na periferia da cidade-
castelo e sentava em meditação. Então, o rei saiu do castelo, acompa-
nhado por parentes, cortesãos e damas da corte, adentrando o mundo
das árvores e flores da primavera. Na floresta, ele divertiu-se nas brin-
cadeiras dos cinco desejos.

Todas as mulheres, deixando o rei, vieram a mim. Eu então – para aca-


bar com a ganância do rei – falei sobre o Dharma. Então, o rei veio a
mim e adquiriu um mau pensamento. Ele indagou-me: ‘Você já chegou
ao Arhatship’? Eu disse: ‘Ainda não’. Ele indagou novamente: ‘Você já
chegou ao estágio do Anagamim’? Eu disse: ‘Ainda não’. Ele ainda dis-
se: ‘Se ainda não chegou a essas duas fruições, você deve ser perfeito
na cobiça. Como ousa olhar para minhas mulheres’? Eu então respon-
di: ‘Oh grande Rei! Embora eu ainda não tenha cortado os laços da
cobiça, não tenho cobiça em minha mente’. O rei disse: ‘Oh tolo! Há no
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 162
mundo muitos rishis que se alimentam de ar e frutas. Mas, ao ver a
beleza, eles sentem cobiça [desejo]. Além disso, você ainda está no
auge da vida e ainda não está apartado da cobiça. Como pode estar
livre da beleza, quando realmente a vê’? Eu disse: ‘Oh grande Rei! Vê-
se cor, mas não se torna apegado a ela. É como alimentar-se de ar e
não de frutas. Ela (a beleza) vem da mente que repousa na imperma-
nência e na impureza’. O rei disse: ‘Desprezando e difamando outros,
como alguém pode praticar a pureza dos preceitos’? Eu disse: ‘Oh
grande Rei! Se alguém tem inveja, pode haver difamação. Eu não tenho
inveja. Como eu poderia difamar [alguém]’? O rei disse: ‘Oh altamente-
virtuoso! O que você entende por preceitos’? (Eu disse:) ‘Oh Rei! Tole-
rância [resistência paciente] é um preceito’. O rei disse: ‘Se tolerância é
um preceito, agora cortarei o lóbulo da sua orelha. Se você puder re-
almente suportar, saberei que é um preceito’. Então o rei cortou o
lóbulo da minha orelha, mas eu, com o lóbulo da minha orelha cortado,
não perdi a cor (empalideci). Todos os cortesãos, vendo isto, admoes-
taram o rei e disseram: ‘Por favor, não cause qualquer dano a essa
grande pessoa’! O rei disse a todos os seus ministros: ‘Como vocês
sabem se isto é uma grande pessoa’? Os ministros disseram: ‘A despei-
to de ter recebido essa dolorosa ferida, sua fisionomia não mudou’. O
rei disse novamente: ‘Tentarei mais e verei se ele muda [a fisionomia]
ou não’. E ele cortou meu nariz, minhas mãos e pés. Naquela ocasião, o
Bodhisattva tinha praticado ações de amor-benevolente em inumerá-
veis e ilimitados mundos, e sentia piedade dos seres que estavam a-
fundados na lama do sofrimento. Então os quatro guardiões da terra
tornaram-se irados, e fizeram chover areia, cascalho e pedras. O rei,
vendo isto, ficou assustado, veio a mim, e prostrando-se no chão, disse:
‘Por favor, tenha misericórdia e permita-me arrepender’. Eu disse: ‘Oh
grande Rei! Eu aparento não ter ira e nem cobiça em minha mente’? O
rei disse: ‘Oh altamente-virtuoso! Como você pode não ter ira e nem
hostilidade em sua mente’? Então eu fiz um juramento: ‘Deixe meu
corpo ser restaurado para como era antes, se eu não tiver qualquer ira
ou hostilidade em minha mente’. Tão logo eu disse isto, meu corpo foi
restaurado para como era antes. Isto é o que [se entende quando di-

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 163


zemos que] o Bodhisattva-Mahasattva fala sobre recompensa nesta
vida.

Oh bom homem! É o mesmo com as retribuições cármicas que estão


para advir na próxima vida e nas vidas posteriores, e também no que
concerne às más ações. Quando o Bodhisattva-Mahasattva atinge o
Insuperável Bodhi, todas as ações (carmas) ganham sua retribuição na
vida presente. Se as retribuições cármicas das ações não-boas e más
estão para visitar alguém nesta presente vida, as coisas se procederão
como quando os céus fizeram cair uma má chuva por conta das más
ações do rei. Também, isto é como quando as mãos apontam uma
pessoa que mostrou a um caçador onde o urso pardo e o cervo de bela
cor viviam. Estas são instâncias onde as más ações evocam retribuições
cármicas na presente vida. Quanto às retribuições que estão para visi-
tar uma pessoa na próxima vida, elas são aquelas do icchantika, e a-
queles que cometem as quatro graves ofensas e os cinco pecados mor-
tais. A retribuição que visita uma pessoa que defende os shila [precei-
tos morais] e que faz um voto como dizer: ‘Rogo para que eu possa, em
minha próxima vida, adquirir um corpo no qual eu possa ser puro nos
shila. E numa era quando a duração de vida dos humanos for de 100
anos, e quando puder ser abençoado com uma idade de 80 anos, serei
um Chakravartin [governante do mundo] e ensinarei os seres’. Oh bom
homem! Se a retribuição cármica está a visitar definitivamente alguém
nesta presente vida, não pode haver retribuição cármica a advir na
próxima vida ou nas vidas posteriores. O Bodhisattva Mahasattva pode
praticar as 32 marcas da perfeição de um grande (ser) humano, mas
ele não pode esperar a retribuição nesta presente vida. Se as ações de
alguém não acarretam os três tipos de retribuição, chamamos isto de
(carma) indeterminado.

Oh bom homem! Se todas as ações devessem definitivamente acarre-


tar retribuição cármica, não se poderia praticar ações puras, Emancipa-
ção, e Nirvana. Saiba que esses não são meus discípulos; eles são apa-
rentados de Mara.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 164


Todas as ações têm as fases do ‘determinado’ e ‘indeterminado’. Por
determinado se entende a retribuição cármica que alguém experimen-
ta nesta vida, na vida que virá, e nas vidas posteriores. Por indetermi-
nado se entende os casos onde a retribuição cármica surge quando as
relações causais se conjugam, e se não, estas não virão visitar a pessoa.
Em razão disto, se qualquer pessoa diz que há ações puras, Emancipa-
ção, e Nirvana, essa pessoa é, para dizer a verdade, meu próprio discí-
pulo e não um aparentado de Mara. Isto você deve saber. Oh bom
homem! Com os seres, as retribuições que são indeterminadas são
muitas, e poucas são as retribuições que são determinadas. Por isso,
pode haver a prática da Via. Quando alguém pratica a Via, a determi-
nada, a retribuição cármica grave pode ser sentida como leve; e não
pode haver experimentação da retribuição cármica indeterminada na
vida que virá.

Dois Tipos de Pessoas

Oh bom homem! Há dois tipos de pessoas. Um torna o indeterminado


determinado, faz com que as retribuições cármicas da vida presente
sejam aquelas da vida futura; o que é leve no que é grave, e o que está
para ser sofrido nesta vida humana seja sofrido no inferno. O ignorante
torna as coisas graves.

O Segundo (tipo de pessoa) torna o que é determinado indeterminado,


o que pertence à vida futura [acontecer] na vida presente, o que é
grave no que é leve, e o que é do inferno no que é leve nesta vida hu-
mana.

Dos dois tipos, o primeiro é ignorante, e o outro é sábio. A pessoa sábia


torna as coisas leves, e a pessoa ignorante as torna graves por nature-
za.

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 165


Oh bom homem! Por exemplo, há duas pessoas que pecaram contra o
rei. Uma, com muitos parentes, sofre pouco, enquanto a outra, com
poucos parentes, sofre muito, embora o pecado possa ser leve. É o
mesmo com o ignorante. A pessoa sábia sofre menos em razão da
grande quantidade de boas ações que ela acumulou, embora o pecado
seja grave. Com a pessoa ignorante, sendo poucas as suas boas ações,
ela tem que sofrer grandemente, embora seu pecado seja leve. A situ-
ação é como esta.

Oh bom homem! Por exemplo, há duas pessoas, uma é forte e está no


auge da vida, enquanto a outra tem a constituição fraca e menor força
física. As duas perdem seus pés na lama, no que aquela que é forte e
está no auge da vida sai facilmente, enquanto aquela que é fraca afun-
da. A situação é como esta.

Oh bom homem! Há duas pessoas que compartilham de um veneno.


Uma possui um encanto e o remédio (chamado) agada, enquanto a
outra não. O veneno não pode destruir aquela com encanto e remédio,
enquanto a outra que não os tem morrerá.

Oh bom homem! Há duas pessoas que tomam algum suco. Uma tem o
fogo da vida e a outra tem menos. Aquela com mais fogo digere-o bem,
enquanto com a pessoa cuja força da vida é fraca, ele provoca danos.

Oh bom homem! Há duas pessoas que foram aprisionadas pelo rei.


Uma é inteligente, enquanto a outra é obtusa. A pessoa inteligente
escapa, enquanto a outra, que é obtusa, não pode fugir.

Oh bom homem! Há duas pessoas que seguem juntas num caminho


íngreme. Uma tem visão, enquanto a outra é cega. Aquela com visão
segue sem qualquer dificuldade, enquanto a pessoa cega cai nas pro-
fundezas do abismo.

Oh bom homem! Por exemplo, duas pessoas bebem. Uma come mui-
to, enquanto a outra come menos. Com aquela que come muito, a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 166
bebida causa um dano menor, enquanto para aquela que come pouco,
a bebida causa-lhe problemas. O caso é semelhante a isto.

Oh bom homem! Por exemplo, duas pessoas vão à frente de batalha.


Uma está trajada em armadura e espada, enquanto a outra nada tem.
Aquela armada com uma espada liquida facilmente o inimigo, enquan-
to a outra não tem meios de afastar-se dos braços do inimigo.

Também, há duas pessoas que sujam o robe Budista. Uma, ao ver isto,
lava-o; enquanto a outra sabe, mas não o lava. O robe daquela que o
lavou imediatamente está limpo, enquanto a sujeira do robe de quem
não o lavou aumenta dia a dia.

Também, há duas pessoas que passeiam num carro. O carro com rodas
vai conforme a pessoa deseja, enquanto aquele sem [rodas] não se
move.

Também, há duas pessoas que estão viajando através de um deserto.


Uma tem comida, enquanto a outra não. A pessoa com comida se con-
duz através de caminhos difíceis, enquanto aquela que não a possui
não pode fazê-lo.

Também, duas pessoas são atacadas por ladrões. Uma tem um depósi-
to (seguro) de tesouros, enquanto a outra não. Aquela com o depósito
seguro não tem apreensão, enquanto aquela que não o possui tem
preocupações. É o mesmo com o ignorante. Aquele que acumulou
boas ações pode arcar com os pecados graves de maneira suave, en-
quanto o outro, não tendo acúmulo de boas ações, tem que sofrer
pesadamente.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Exa-


tamente como você, o Buda, diz, nem todas as ações acarretam resul-
tados determinados, e da mesma maneira, nem todos os seres têm
que sofrer definitivamente. Oh Honrado pelo Mundo! Por que os seres
sofrem pesadas penas no inferno pelo que se pode sofrer levemente
Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 167
na vida presente, e o que se sofre pesadamente no inferno que pode
ser leve na vida presente?”

O Buda disse: “Há dois tipos de seres. Um é sábio e o outro ignorante.


Aquele que observa bem os preceitos do corpo e pratica a sabedoria da
mente é o sábio; aquele que não observa os preceitos e (não) pratica a
sabedoria da mente é o ignorante.

Como alguém não pratica bem o corpo? Se alguém não controla os


cinco sentidos orgânicos, dizemos que essa pessoa é alguém que não
controla seu corpo. Quando uma pessoa não controla os sete tipos de
preceitos de pureza, dizemos que ela não observa os preceitos. Quan-
do uma pessoa não ajusta a sua mente, dizemos que não há prática da
mente. Quando uma pessoa não pratica ações sagradas, dizemos que
isto é não praticar a Sabedoria.

Também, além disso, por não-praticante do corpo se entende alguém


que não pode ser perfeito na pureza dos preceitos do corpo. Por não-
prática dos preceitos se entende o recebimento ou armazenamento
das oito coisas impuras. O não-praticante da mente é assim chamado
porque é alguém que não pratica os três tipos de formas. O não-
praticante da Sabedoria é assim chamado porque é alguém que não
pratica ações puras.

Também, além disso, dizemos que não se pratica o corpo porque não
se pode meditar sobre o corpo, a matéria, e as representações da ma-
téria. Além de não se meditar sobre as representações; não se sabe (a
respeito) dos elementos do corpo e o fato que este corpo move-se
(propaga-se) para aquele corpo. Vê-se corpo no não-corpo e matéria
na não-matéria. Por essa razão, apega-se avidamente ao corpo e aos
elementos do corpo. Isto é não-praticar o corpo.

Dizemos que há a não-pratica dos preceitos. O recebimento de precei-


tos de baixo-grau é a não-pratica dos preceitos. Preceitos unilaterais
são o que alguém faz em benefício próprio, para ajustar a si mesmo, e
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 168
não para conceder a paz a todos os seres. Não o faz para proteger o
Dharma Maravilhoso. O que a pessoa faz é pelo nascimento nos céus e
para lá ser abençoado com os cinco desejos, o que não é chamado
prática dos preceitos.

Por não-praticar a mente se entende o estado de mente dispersa no


qual a pessoa não protege o seu próprio domínio de existência. Por
domínio próprio de existência se entende as quatro lembranças; e por
outro domínio (alheio) se entende os cinco desejos. Quando uma pes-
soa não pratica as quatro lembranças, dizemos não-prática da mente.
Quando uma pessoa está mergulhada em más ações e não vigia bem a
sua própria mente, chamamos isto de não-prática da Sabedoria.

Também, além disso, por não prática do corpo se entende que a pes-
soa não vê que este corpo carnal é não-eterno, que ele não é lugar
para se viver, que ele colapsa, que ele morre momento após momento,
e que ele é o mundo de Mara.

Por não-prática dos preceitos se entende o não-acompanhamento do


shilaparamita [Moralidade Perfeita]. Pela não-prática da mente se en-
tende que a pessoa não é perfeita no dhyanaparamita [Meditação
Perfeita]. Por não-prática da Sabedoria se entende que a pessoa não é
perfeita no prajnaparamita [Sabedoria Perfeita].

Também, além disso, dizemos que há a não-prática do corpo quando


alguém se apega avidamente ao próprio corpo, pensa que este lhe
pertence, e pensa que seu corpo é eterno e não muda.

Falamos de não-prática dos preceitos. Isto é fazer para o próprio bene-


fício as dez más ações.

A não-prática da mente significa que a pessoa não controla o seu co-


metimento de más ações.

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 169


A não-prática da Sabedoria significa que a pessoa não pode ver através
do que é bom e ruim das coisas, em razão do não-controle da mente.

Também, além disso, a não-prática do corpo significa que a pessoa não


está afastada da noção da visão errônea do Eu [‘atmadrsti’ – conside-
rando o ego como algo com existência eterna e imutável]. A não-
prática dos preceitos significa que a pessoa não está afastada da visão
errônea no que diz respeito aos preceitos [‘shilavrataparamarsa’]. A
não-prática da mente significa que a pessoa cai no inferno [após] pro-
mulgar a ganância e a ira; e a não-prática da Sabedoria significa que a
pessoa falha em acabar com a mente ignorante.

Também, além disso, a não-prática do corpo falha em ver que o corpo


é sempre o inimigo, mesmo que ele não tenha nenhuma culpa.

O Corpo e o Fogo

Oh bom homem! Por exemplo, há um homem que tem um inimigo,


que sempre procura o seu paradeiro. Alguém que seja sábio vê isto,
fica atento e se protege dele. Se não se proteger, há o risco de ser ata-
cado. É o mesmo com todos os corpos dos seres. Seja frio ou calor,
sempre se o alimentamos com comida e bebida. Se não estiver assim
protegido, o corpo entrará em decomposição. Oh bom homem! O
Brâmane, em adoração ao deus do fogo, sempre oferece incenso e
flores, louva e adora-o, faz oferecimentos e serve-o, e pode assim obter
uma vida de 100 anos. Mas, se ele o toca, o fogo queimará a mão que o
tocou. Esse fogo, que foi tão valorizado e contemplado com ofereci-
mentos, nada sabe sobre retribuir o que deve a quem em pensamento
único o serviu. É o mesmo com os corpos de todos os seres. Ao longo
dos anos o corpo é servido com os melhores incensos e flores, colares,
roupas, comida e bebida, roupas de cama e remédios. Mas, quando ele
encontra as relações causais que o afligem por dentro e por fora, tudo
entra em colapso, e ele agora não pensa em retribuir nem um pouco

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 170


àqueles oferecimentos e roupas que lhes foram dadas nos tempos
passados.

Oh bom homem! Por exemplo, há um rei que possui quatro víboras, as


quais ele mantém numa caixa e ordena uma pessoa para alimentar e
cuidá-las. Qualquer uma dessas quatro atacará uma pessoa se estiver
faminta. O homem, temendo isto, sempre busca comida e alimenta-
lhes. É o mesmo com as quatro grandes serpentes de todos os seres.
Uma vez famintas, elas destruirão o corpo.

Oh bom homem! Um homem está consciente de uma doença crônica,


pela qual ele procura um médico e um meio de se curar. Caso ele falhe
persistentemente em curar-se, a morte infalivelmente o visitará. É o
mesmo com o corpo de todos os seres. Deve-se sempre cuidar e não
pode haver indolência. A indolência evocará a morte.

Oh bom homem! Por exemplo, é o mesmo com um vaso de barro, que


não pode suportar o vento e a chuva, pancadas e pressão. É o mesmo
com o corpo de todos os seres. Ele não pode suportar a fome, a sede,
frio e calor, vento e chuva, espancamento e maledicência.

Oh bom homem! Um tumor, quando ainda não se desenvolveu com-


pletamente, sempre se protege bem e evita os outros de tocá-lo. Se
acontecer de alguém tocá-lo, ele responde com uma grande dor. É o
mesmo com o corpo de todos os seres.

Oh bom homem! Quando uma mula gera uma cria, isto destrói o seu
próprio corpo. É o mesmo caso com o corpo de todos os seres. Se o
interior está frio, o corpo sofre.

Oh bom homem! Por exemplo, exatamente como a bananeira morre


quando frutifica, assim se dá com todas as outras coisas.

Oh bom homem! Exatamente como a fruta da bananeira nada tem de


sólido dentro dela, assim é com o corpo de todos os seres.
Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 171
Oh bom homem! Exatamente como a serpente, o rato e lobo odeiam
um ao outro, assim se dá com os quatro grandes elementos.

Oh bom homem! Exatamente como o cisne rei não procura estar em


um cemitério, assim se dá com o Bodhisattva. O corpo não busca avi-
damente o prazer num cemitério.

Oh bom homem! Exatamente como um candala não vai desistir da sua


ocupação por sete gerações sucessivas, porque as pessoas o olham de
cima abaixo (o desprezam), a mesma é a situação com as sementes
deste corpo. A semente (sêmen) e o sangue, afinal, são impuros. Sendo
impuros, todos os Budas e Bodhisattvas reprovam-lhes.

Oh bom homem! Este corpo não é como as montanhas dos Hymalayas


onde o sândalo cresce; ele não pode evocar a utpala, a pundarika, a
champaka, a mallika, ou a varsika. Os nove furos sempre expelem pus,
sangue e coisas impuras. (O lugar de) onde se nasce cheira mal, é im-
puro, feio de ver, e vermes sempre vivem lá.

A Prática do Corpo

Oh bom homem! Por exemplo, pode haver jardins todo-maravilhosos e


florestas no mundo. Mas se algum cadáver estiver por lá, aquele lugar
torna-se impuro, as pessoas o abandonam, e qualquer pessoa não
sentirá mais amor ou apego [àquele lugar]. É o mesmo com o que a-
contece no mundo da matéria. Embora maravilhoso de ver, na medida
em que há o corpo para representá-los, todos os Budas e Bodhisattvas
o abandonam.

Oh bom homem! Se uma pessoa não pode ver as coisas sob esta luz
(ótica), não chamamos isto (ou seja, o que ela faz) de prática do corpo.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 172


A Prática dos Preceitos

Dizemos que há a não-prática dos preceitos. Oh bom homem! Isto é


nada mais que não ser capaz de observar os shila [preceitos de morali-
dade] como uma espécie de escada para todos os bons dharmas. Shila
(preceito) é a raiz de todos os bons dharmas. Isto é como com a terra,
que é onde todas as árvores crescem. Este é o melhor guia para tudo
que há de bom. É como o dono de um navio que guia todos os merca-
dores. Shila é o estandarte da vitória. É como a insígnia de Devendra.
Shila extirpa eternamente todas as más ações e os três reinos do infor-
túnio. Ele cura completamente as doenças graves, como uma árvore
medicinal. Shila nada mais é que o alimento no caminho íngreme do
nascimento e da morte. É a armadura e a espada que aniquila os la-
drões das impurezas; e é o melhor encanto, o qual aniquila o veneno
das víboras das impurezas; ou é a ponte através da qual se pode ver-
dadeiramente atravessar o caminho das más ações. Qualquer pessoa
que não possa pensar dessa maneira é alguém que não pratica os pre-
ceitos.

A Prática da Mente

Dizemos que há a não-prática da mente. Isto nada mais é que ser inca-
paz de meditar sobre a mente. Ela [a mente] se conduz leviana e ruido-
samente, e é difícil se agarrar e destruir. Ela corre (vagueia) desimpedi-
da como um elefante entorpecido. Seus movimentos são rápidos a
cada momento, tão rápidos quanto um relâmpago. É tão ruidosa e
inquieta quanto um macaco. É como um fantasma ou uma chama. É a
raiz da maldade, e é difícil satisfazer os apelos dos cinco desejos. Isto é
como o fogo que se alimenta de combustível, ou o grande oceano que
traga as águas de todos os rios, ou como as gramas e plantas que cres-
cem tão exuberantemente no (Monte) Mandara. Se uma pessoa não
medita sobre a falsidade do nascimento e da morte, ela sempre será
seduzida, como com o peixe que engole o anzol. Sempre uma palavra

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 173


de ordem é dada, seguida por todos os atos. Isto é como mãe que con-
duz todos os pequenos.

Uma pessoa torna-se avidamente apegada aos cinco desejos e não se


importa com o Nirvana. Isto é como o camelo que come mel, esque-
cendo tudo sobre a forragem até que a morte o abata. As pessoas são
profundamente apegadas aos prazeres (mundanos) e esquecem tudo
sobre as aflições que lhes advirão. Isto é como a vaca que devora avi-
damente as mudas (das plantas), sem medo, esquecendo-se tudo so-
bre o castigo e as aflições que advirão. Ela [a mente] foge às 25 existên-
cias. Isto é como o furacão que sopra para longe o algodão. Ela procura
incessantemente por aquilo que não se pode buscar (alcançar), como
com uma pessoa ignorante que procura por fogo onde não há calor. As
pessoas estão sempre presas ao nascimento e à morte, e não desejam
buscar a Emancipação. Isto é como no caso do verme ‘nimba’, que
procura a árvore ‘neemb’ [azadirachta Índica]. As pessoas são iludidas
por, e aderem a, impureza mal-cheirosa do nascimento e da morte,
como um prisioneiro que anseia e implora ao carcereiro por uma mu-
lher, ou como um porco que está feliz deitado em um lugar impuro.
Qualquer um que não veja as coisas assim pode ser chamado de al-
guém não-praticante da mente.

A Prática da Sabedoria

Falamos da não-prática da Sabedoria. A Sabedoria possui grande po-


der, como o de um Garuda [um pássaro mítico]. Ela realmente destrói
as más ações e as trevas, como o faz a luz do sol. Ela erradica comple-
tamente a árvore dos skandhas, como a água, sobre a qual as coisas
podem facilmente flutuar. A Sabedoria queima completamente as más
visões da vida, como um grande fogo, é o manancial de todos os bons
dharmas, e a semente da qual surgem os Budas e Bodhisattvas. Se
alguém não vê as coisas assim, isto nada mais é que a não-prática da
Sabedoria.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 174


Oh bom homem! Se há alguém que vê no ‘Paramartha-satya’ [Realida-
de Última] o corpo e a representação do corpo, a causa e o efeito do
corpo, o skandha do corpo, um corpo ou dois corpos, este corpo ou
aquele corpo, a extinção e igualdade do corpo, a prática do corpo ou
alguém que pratique o corpo, isso é a não-prática do corpo.

Oh bom homem! Se há alguém que veja shila e qualquer representa-


ção do shila, a causa e o efeito do shila, o topo e o fundo do shila, o
skandha do shila, um ou dois shilas, este shila e aquele shila, a extinção
e a igualdade do shila, a prática do shila e alguém que pratica shila,
shilaparamita, isto é a não-prática do shila.

Se há qualquer pessoa que veja coisas como a mente e a representação


da mente, a causa e o efeito da mente, o skandha da mente, o que
pertence à mente, uma ou duas mentes, esta e aquela mente, a extin-
ção e igualdade da mente, a prática e alguém que pratica a mente, o
topo, o meio e o fundo da mente, a boa e má mente; isto é não-prática
da mente.

Oh bom homem! Se há qualquer um que veja a Sabedoria e a fase de


representação da Sabedoria, a causa e o efeito da Sabedoria, o skan-
dha da Sabedoria, uma ou duas Sabedorias, esta e aquela Sabedoria, a
extinção e igualdade da Sabedoria, o topo, o meio, e o fundo da Sabe-
doria, Sabedoria aguçada e dificultosa, a prática dela e alguém que
pratica Sabedoria; isto é nada mais que a não-prática da Sabedoria.

Oh bom homem! Se há qualquer pessoa que não pratique o corpo, o


shila, a Sabedoria e a mente, tal pessoa sofrerá uma grande conse-
qüência cármica por uma pequena má ação. E por medo, ela pensará:
‘Eu vou para o inferno; cometi as ações do inferno’. Mesmo quando o
sábio fala das penas do inferno, aquela pessoa sempre pensará: ‘É co-
mo se fosse o ferro batendo no ferro, a pedra na pedra, a madeira na
madeira, e o vagalume desfrutando do fogo. O corpo do inferno parece
com o inferno. Se ele se assemelha ao inferno, que dores mais poderia
Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 175
haver’? Por exemplo, é como a mosca azul que é capturada pela saliva
e não pode libertar-se. É o mesmo com o ser humano, também. Ele
não pode se eximir de uma pequena maldade. A mente nunca se arre-
pende depois e encobre a ferida fazendo o bem. No passado, havia
todas as boas ações, mas todas elas tornaram-se corrompidas por este
pecado. A pequena maldade que uma pessoa tem que sofrer nesta
vida se transforma nas mais pesadas retribuições cármicas no inferno.
Oh bom homem! Se adicionarmos um ‘sho’ [uma unidade de medida
para líquido ou cereal] de sal num pequeno vaso de água, ela se torna-
rá tão salgada que não poderíamos tomá-la. É o mesmo com a malda-
de dessa pessoa, também. Oh bom homem! Por exemplo, há um ho-
mem cujo único ‘sen’ [uma unidade de dinheiro] que ele deve a uma
pessoa, e que ele é incapaz de pagar, o conduz para a prisão, onde ele
tem que sofrer muitas dificuldades. É o mesmo com o pecado dessa
pessoa, também.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


que é que esse pecado leve da pessoa, pelo qual ela tem que sofrer
nesta presente vida, acaba conduzindo-a para o inferno?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se qualquer pessoa tem cinco coisas
pelas quais tem que responder, qualquer pecado leve que ela tenha
cometido terá que ser respondido no inferno. Quais são as cinco? Elas
são: 1) ignorância, 2) insignificância de bons feitos, 3) gravidade de
maus feitos, 4) não arrependimento, 5) nenhum bem jamais feito an-
tes. Também, há outras cinco coisas, as quais são: 1) prática de malda-
de, 2) não observância dos preceitos, 3) abstenção de fazer o bem, 4)
não praticar o corpo, o shila, a Sabedoria e a mente, e 5) associação
com más pessoas. Oh bom homem! Em razão dessas coisas, uma pe-
quena maldade na vida presente evoca graves retribuições no inferno.
Oh bom homem! Em razão dessas coisas, a retribuição cármica leve
que alguém [teria] que sofrer nesta vida torna-se pesada para sofrer no
inferno.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 176


Fuga do Inferno

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quem sofre pouco na
presente vida aquilo que teria que sofrer no inferno?”

Oh bom homem! Qualquer pessoa no mundo que pratique o corpo, o


shila, a Sabedoria, e a mente, como estabelecido acima, e que veja que
todas as coisas são vazias e tudo-igual, e que não veja Sabedoria, nem
quem é sábio, nem ignorância, nem quem é ignorante, nem prática e
nem quem pratica, essa pessoa é alguém que é sábio. Essa pessoa, de
fato, pratica o corpo, o shila, a mente, e a Sabedoria. Tal pessoa real-
mente faz [com que] as retribuições cármicas no inferno se tornem
pouco a ser sofrido nesta vida. Essa pessoa pode ter cometido o mais
grave dos pecados, mas ela pensa sobre [o assunto], vê, torna-o leve, e
diz: ‘O que fiz é de natureza grave. Mas, nada é melhor que boas ações.
Por exemplo, 100 libras de flores sobre flores não podem, afinal, ser
comparadas com um ‘ryo’ [unidade de peso ou dinheiro] de ouro ver-
dadeiro. Pode-se bem jogar um ‘sho’ de sal dentro do Ganges, mas
nenhum sabor salgado surgirá [disto] e ninguém que beba a sua água o
sentirá. Um homem rico pode possuir 1.000 milhões de jóias e, todavia,
ele não será preso e feito sofrer por conta disto. Ou um grande gan-
dhahastin (elefante almiscarado) pode quebrar uma jaula de ferro,
escapar e ser livre’. Assim é [também] com a pessoa que tem Sabedori-
a. Ela sempre pensa para si: ‘Eu tenho muito do poder do bem e pouco
das más ações. Confesso e me arrependo, e acabo com a maldade. Se
praticarmos a Sabedoria, o poder da Sabedoria crescerá, e o poder da
ignorância diminuirá’. Pensando assim, ele aproxima-se de um Bom
Mestre da Via e aprende a visão correta da vida. Se ele vê uma pessoa
que protege, recita, copia e expõe os 12 tipos de sutras, ele sentirá
respeito em seu pensamento e, além disso, lhe fará oferecimentos de
coisas como roupas, comida, acomodações, roupas de cama, remédios,
flores e incenso, e lhe louvará e respeitará. Onde quer que ele vá, ele
somente enaltece o que é bom e não fala daquilo que está faltando.
Ele faz oferecimentos aos Três Tesouros, respeita e acredita que o Su-

Capítulo 38: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 6 Página 177


tra Vaipulya do Grande Nirvana e o Thatagata são Eternos e Imutáveis,
e que os seres possuem a Natureza de Buda. Essa pessoa faz o que
seria penosamente sofrido no inferno, algo que seja [apenas] sofrimen-
to leve nesta vida. Oh bom homem! Por essa razão, não é o caso que
todas as ações sejam determinadas e que todos os seres definitiva-
mente tenham que sofrer retribuições cármicas.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 178


Capítulo Trinta e Nove: Sobre o Bodhisattva
Rugido do Leão 7
O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se
todas as ações, definitivamente, não acarretam retribuições cármicas,
e todos os seres possuem a Natureza de Buda e devem praticar o No-
bre Caminho Óctuplo, por que é que todos os seres não atingem esse
Mahaparinirvana? Oh Honrado pelo Mundo! Se todos os seres possu-
em a Natureza de Buda, eles devem atingir a Iluminação Insuperável
definitivamente. Por que é que eles ainda necessitam praticar o Nobre
Caminho Óctuplo? Oh Honrado pelo Mundo! Este sutra estabelece: ‘Há
uma pessoa doente que adquire o remédio, o atendente para a enfer-
midade, comida e bebida necessária para a doença; ou nada disso o-
corre. Mas, todos obterão cura. É o mesmo com todos os seres, tam-
bém. Eles podem encontrar Sravakas, Pratyekabudas, todos os Budas e
Bodhisattvas, e todos os Bons Mestres da Via, ouvir os sermões e prati-
car as ações sagradas. Ou eles podem não encontrar, ouvir e praticar
essas coisas, mas [infalivelmente] todos devem atingir a Iluminação
Insuperável. Por quê? Em razão da Natureza de Buda’. Assim está esta-
belecido. Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, não é possível que a
luz do sol e da lua seja obstruída em seu caminho, de modo que não
possa contornar as Montanhas Antarava [Anderab], ou que as águas
dos quatro grandes rios não encontrem o grande oceano, ou que o
icchantika não vá para o inferno. É o mesmo com todos os seres, tam-
bém. Não pode haver uma situação onde obstáculos surjam de tal
maneira a impedi-los de atingir a Iluminação Insuperável. Por que não?
Em razão da Natureza de Buda. Oh Honrado pelo Mundo! Em razão
disto, todos os seres não praticam a Via. Em razão do poder da Nature-
za de Buda, eles atingem a Iluminação Insuperável. Não existe razão
para que alguém dependa do poder da Via Sagrada. Oh Honrado pelo
Mundo! Se o icchantika, aqueles das quatro ofensas graves, e aqueles
dos cinco pecados mortais não podem atingir a Iluminação Insuperável,
certamente uma pessoa praticará a Via. Porque essa pessoa certamen-
te atingirá (a Iluminação Insuperável) através do poder da Natureza de

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 179


Buda. Não é que alguém a atinja através do aprendizado e prática. Oh
Honrado pelo Mundo! Por exemplo, um imã, embora distante, atrai o
ferro. É o mesmo com a Natureza de Buda dos seres. Por essa razão,
não se necessita praticar a Via.”

Sete Tipos de Pessoas às Margens do Ganges

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Ao longo do


Ganges vivem sete tipos de pessoas. Eles temem os ladrões porque
estão se banhando. Ou o caso pode ser como com aqueles que entram
no rio para apanhar flores. A primeira pessoa afogou-se conforme
entrou nas águas. A segunda pessoa afunda em meio às águas, mas
vem acima e afunda novamente nas águas. Por quê? Porque seu corpo
é poderoso e forte, e ela é capaz de subir. Mas, aquele que não tem
aprendizado para flutuar vem acima e então afunda novamente. O
terceiro (tipo) vem acima após afundar. Emergindo, ela não afunda
novamente. Por que não? Em razão do seu corpo ser pesado, então ela
afunda, mas como o seu poder é grande, ela vem acima. Tendo apren-
dido a flutuar, ela permanece acima. A quarta pessoa, ao mergulhar
nas águas, vem acima novamente. Ao emergir, ela olha ao redor. Por
quê? Como ela é pesada, ela afunda, mas como tem grande poder, ela
vem acima; como aprendeu a flutuar, ela permanece acima; não sa-
bendo por onde sair, ela olha ao redor. A quinta pessoa, ao entrar nas
águas, afunda e, ao afundar, emerge. Ao emergir, ela olha ao redor; ao
olhar ao redor, ela se vai. Por quê? Porque ela tem medo. A sexta pes-
soa entra nas águas, vem acima, e fica em águas rasas. Por quê? Por-
que ela vê os ladrões que estão próximos e [também] distantes. A sé-
tima pessoa já está de pé na outra margem e encontra-se sobre uma
grande montanha. Ela nada teme; fora do alcance dos ladrões, ela está
abençoada com grande felicidade.

Oh bom homem! É a mesma situação com o grande rio do nascimento


e da morte, também. Estes são os sete tipos de pessoas:

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 180


Primeiro Tipo de Pessoas

Como eles temem os ladrões das impurezas, eles compõem seus pen-
samentos e desejam atravessar o grande rio do nascimento e da mor-
te. Eles abandonam seus lares, raspam suas cabeças, e vestem robes
sacerdotais. Tendo renunciado seus lares, associam-se com maus ami-
gos, seguem seus ensinamentos, e dão ouvido às suas doutrinas, as
quais estabelecem: ‘O corpo humano constitui os cinco skandhas. Os
cinco skandhas nada mais são que os cinco grandes elementos. Quan-
do uma pessoa morre, ela acaba com os cinco grandes elementos.
Quando ela rompe com os cinco elementos, por que ela ainda necessi-
ta praticar o bem ou o mal? Em razão disto, deve-se saber que não
pode haver retribuição cármica do bem ou do mal’. Essa pessoa é um
icchantika. Ela está desenraizada do bem e do mal. Desenraizada do
bem, ela afunda nas águas do nascimento e da morte e é incapaz de
sair. Por quê? Em razão do grande peso das más ações, e por ela não
possuir o poder da fé. Ela é como a primeira daquelas pessoas às mar-
gens do Rio Ganges.

Oh bom homem! O icchantika tem seis relações causais. Ele cai nos três
reinos do infortúnio e não pode escapar deles. Quais são as seis? Elas
são: 1) sua mente maligna queima, 2) ele não vê o após-vida, 3) ele tem
prazer em buscar as impurezas, 4) ele se afasta do bem, 5) as más a-
ções obstaculizam o seu caminho, e 6) ele associa-se com um mau
mestre da Via.

E ainda há cinco coisas pelas quais a pessoa cai nos três reinos do infor-
túnio. Quais são as cinco? Elas são: 1) ela sempre diz que não pode
haver retribuições cármicas advindas das ações boas ou más, 2) ela
mata uma pessoa que aspira ao Bodhi, 3) ela sente prazer em falar
sobre os males cometidos pelos sacerdotes, 4) ela diz que aquilo que é
correto é incorreto e o que transgride o Dharma é legítimo, e 5) ela dá

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 181


ouvido ao Dharma apenas para pegar a contradição [isto é, encontrar
erros].

Também, há três coisas pelas quais a pessoa cai nos três reinos do in-
fortúnio. Quais são as três? Estas são dizer que: 1) o (tesouro do) Ta-
thagata é não-eterno, e se vai eternamente, 2) o (Tesouro do) Dharma
Maravilhoso é não-eterno e muda, e 3) o Tesouro da Sangha é destruí-
do. Por essa razão, ela sempre afunda nos três reinos do infortúnio.

Segundo Tipo de Pessoas

A segunda pessoa aspira atravessar o grande rio do nascimento e da


morte, mas, desprovida do bem acumulado, afunda e é incapaz de sair.
Falamos de ‘sair – vir à tona’. Isto diz respeito ao Bom Mestre da Via,
através do qual se ganha fé. Por fé entende-se acreditar que dana [do-
ação] evoca a fruição do dana, que qualquer ação que possa ser cha-
mada boa acarreta a fruição do bem, e a ação do mal (evoca) o que é
do mal; é acreditar no sofrimento do nascimento e da morte, e acredi-
tar na impermanência e desintegração. Isto é fé. Ao adquirir a fé, a
pessoa pratica os puros preceitos, protege, recita, copia e expõe [os
sutras]. Ela sempre faz doações e pratica bem a Sabedoria. Se for estú-
pida, a pessoa encontra um mau amigo. Ela é incapaz de aprender
como praticar os preceitos do corpo e a Sabedoria da mente. Ela dará
ouvido aos maus ensinamentos. Ou pode acontecer de ser visitada por
um mau período de tempo e nascer num mau lugar (país), e ser desen-
raizada das boas ações. Desenraizada da benevolência, ela sempre
afunda no nascimento e na morte. Seu caso é como aquele da segunda
pessoa às margens do Rio Ganges.

Terceiro Tipo de Pessoas

A Terceira pessoa pretende atravessar o grande rio do nascimento e da


morte. Desprovida do bem, ela afunda em meio às águas. A sua apro-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 182


ximação a um Bom Mestre da Via é sua salvação. O Tathagata é o Ple-
no-Conhecedor. Ele é Eterno e Imutável. Para o benefício dos seres, ele
fala sobre a Via Insuperável. Todos os seres possuem a Natureza de
Buda. O Tathagata não entra em extinção. É o mesmo com o Dharma e
a Sangha, também. Não há extinção. Não tendo acabado com a sua
qualidade inata, o icchantika não pode atingir a Iluminação Insuperável.
Ele necessita muito acabar com ela (sua qualidade inata), e então ele a
atingirá [a Iluminação]. Assim, ele acredita. Através da fé, ele pratica os
puros preceitos. Ao praticar os puros preceitos, ele protege, recita,
copia e expõe os 12 tipos de sutras e fala deles extensivamente para o
benefício dos seres. Ele se apraz na doação e pratica a Sabedoria. Nas-
cido com a mente aguçada, ele persiste firmemente na fé e na Sabedo-
ria, e não recua em sua determinação. Isto é como a situação da tercei-
ra pessoa às margens do Rio Ganges.

Quarto Tipo de Pessoas

A quarta pessoa deseja atravessar o grande rio do nascimento e da


morte. Desprovida do bem acumulado, ela afunda em meio às águas.
Aproximando-se de um Bom Mestre da Via, ela adquire fé. Isto é vir à
tona. Como ela adquire fé, ela protege, recita, copia e expõe, e para o
benefício dos seres ela propaga amplamente o Dharma. Ela sente pra-
zer em fazer doação e pratica a Sabedoria. Nascido com a mente agu-
çada, ela persevera firmemente na fé e na Sabedoria. Não há recuo em
sua determinação, e ela olha nas quatro direções ao redor. As quatro
direções significam as quatro fruições de um Shramana. Isto é como a
quarta pessoa às margens do Rio Ganges.

Quinto Tipo de Pessoas

A quinta pessoa é alguém que aspira atravessar o grande rio do nasci-


mento e da morte, mas sem bem acumulado, afunda em meio às á-
guas. Associando-se a um Bom Mestre da Via, ela adquire fé. Isto é vir à

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 183


tona. Com fé, ela protege, recita, copia, expõe os 12 tipos de sutras e
fala expansivamente para o benefício dos seres. Ela sente prazer na
doação, e pratica a Sabedoria. Nascida com a mente aguçada, ela per-
severa firmemente na fé e Sabedoria, e não há retroação em sua men-
te. Não retroagindo, ela avança. Avançar refere-se ao Pratyekabuda.
Embora bom no que concerne à salvação de si próprio, isto não se
estende aos outros. Isto é ir embora. Isto é como com a quinta pessoa
às margens do Rio Ganges.

Sexto Tipo de Pessoas

A sexta pessoa aspira atravessar o grande rio do nascimento e da mor-


te. Desprovida de bem acumulado, ela afunda em meio às águas. A-
proximando-se de um Bom Mestre da Via, ela adquire fé. Adquirir fé é
vir à tona. Devido à fé, ela protege, recita, copia e fala extensivamente
a respeito [do Dharma] para o benefício dos seres. Ela sente prazer na
doação e pratica a Sabedoria. Nascida com a mente aguçada, ela basei-
a-se firmemente na fé e na Sabedoria, e sua mente não retroage. Não
retroagindo, ela prossegue e finalmente alcança águas rasas. Chegando
às águas rasas, ela permanece lá e não se move. Dizemos que ela per-
manece. Isto significa que o Bodhisattva, com o objetivo de salvar to-
dos os seres, reside lá e medita sobre as impurezas. Ele é como a sexta
pessoa às margens do Rio Ganges.

Sétimo Tipo de Pessoas

A sétima pessoa aspira atravessar o grande rio do nascimento e da


morte. Mas, sem bem acumulado até aqui, ela afunda em meio às
águas. Encontrando-se com um Bom Mestre da Via, ela adquire fé. Este
ganho de fé é o que chamamos ‘vir à tona’. Devido à fé, ela protege,
recita, copia e expõe os 12 tipos de sutras, e para o benefício dos seres,
ela fala extensivamente deles. Ela sente prazer na doação e pratica a
Sabedoria. Nascida com a mente aguçada, ela persevera firmemente

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 184


na fé e na Sabedoria, e não retroage na mente. Como ela não retroage,
ela avança. Ao avançar, ela encontra a outra margem. Tendo conquis-
tado as alturas de uma grande montanha, ela agora está apartada do
medo e é abençoada com a mais pura paz. Oh bom homem! (Estar no
topo da) grande montanha na outra margem pode ser comparado ao
Tathagata, paz pode ser comparada à Eternidade do Buda, e a grande e
alta montanha é o Grande Nirvana.

Oh bom homem! Todas essas pessoas às margens do Rio Ganges pos-


suem mãos e pés, mas elas são difíceis de salvar. É o mesmo com todos
os seres, também. Os Três Tesouros do Buda, Dharma e Sangha real-
mente existem, e o Tathagata sempre expõe o essencial de todas as
leis [Dharma]. Há o Nobre Caminho Óctuplo e o Mahaparinirvana. To-
dos os seres podem obter tudo isso. Isto (Nirvana) não é o que surge de
mim, ou daqueles nobres caminhos, ou dos seres. Saiba que todas
essas coisas retornam às impurezas. Por essa razão, todos os seres não
podem alcançar o Nirvana.

Oh bom homem! Um bom médico conhece tudo sobre doenças e fala


sobre o remédio. Se a pessoa doente não o toma, o médico não é cul-
pado.

Oh bom homem! Um danapati [doador] doa coisas a todas as pessoas.


Poderá haver aqueles que não aceitarão. O doador não é culpado por
isto.

Oh bom homem! Quando o sol surge, todas as trevas se iluminam.


Mas, o cego não pode ver isto. O sol não é culpado por isto.

Oh bom homem! As águas do Rio Ganges realmente acabam com a


sede. Poderá haver aqueles que estão sedentos, mas que não a to-
mam. A água não é culpada.

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 185


Oh bom homem! A grande terra produz excelentes frutos para todos
igualmente. Mas poderá haver agricultores que não plantam. A terra
não é culpada por isto.

Oh bom homem! O Tathagata concede e expõe os 12 tipos de sutras


para todos os seres. Mas, o Tathagata não é culpado se os seres não os
aproveitam. Oh bom homem! Todos aqueles que praticam a Via atingi-
rão a Iluminação Insuperável. Oh bom homem! Você diz que todos os
seres possuem a Natureza de Buda e que é tão infalível quanto um
magneto (imã) que eles atinjam a Iluminação Insuperável. É bom, é
bom que em virtude das relações causais da Natureza de Buda as pes-
soas atinjam a Iluminação Insuperável. Mas, caso você diga que não há
necessidade de praticar o Caminho Sagrado, isto não é assim.

Oh bom homem! Como uma ilustração: um homem está viajando atra-


vés do deserto e sente sede, quando ele depara com um poço. Este é
muito profundo, de tal forma que ele não pode ver a água. Mas, po-
demos nos certificar de que existe água lá. Se a pessoa encontrar os
meios de capturar a água com uma corda e um balde, a água segura-
mente estará lá. É o mesmo, também, com a Natureza de Buda. Todos
os seres a possuem. Mas somente através da prática do imaculado
Nobre Caminho alguém poderá realmente vê-la.

Oh bom homem! Se há gergelim, podemos obter óleo. Se não tivermos


os meios, não poderemos obtê-lo. É o mesmo com a cana de açúcar.

Oh bom homem! Embora o Uttarakuru ao norte do Céu Trayastrimsa


exista, não se pode vê-lo a não ser através da acumulação de bom
carma, poderes transcendentais, e o poder da Via. As raízes das árvores
e gramas que estão sob a terra, e as águas subterrâneas, não podem
ser vistas por nós, uma vez que a terra as encobre. É a mesma situação
com a Natureza de Buda, também. Se alguém não pratica a Via Sagra-
da, não se pode esperar vê-la.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 186


Oh bom homem! Você diz que as doenças do mundo serão curadas
com ou sem cuidados de enfermagem, um bom médico, bons remé-
dios, comida e bebida necessárias para aquelas doenças. Oh bom ho-
mem! Eu falei assim para todos os Bodhisattvas do sexto estágio.

Oh bom homem! No espaço, todos os seres não têm lado de dentro,


nem lado de fora, e nem interior ou exterior. Assim, eles são desimpe-
didos em todas as direções. É o mesmo com a Natureza de Buda de
todos os seres, também.

Oh bom homem! Há um homem que possui riquezas em diferentes


lugares e não onde ele está. Quando indagado, ele poderá dizer que a
possui. Por quê? Porque decididamente ele a possui. É o mesmo com a
Natureza de Buda dos seres, também. Não é isto e nem aquilo. Como
se está certo de tê-la em mãos, dizemos que ela é tudo.

Oh bom homem! É como no caso em que todos os seres fazem todas


as coisas. Eles não são bons, nem maus, nem internos e nem externos.
Todas essas naturezas cármicas são não-existentes e não-não-
existentes. Também, não é o que outrora não foi, mas agora é. Não é o
que surgiu sem alguma causa. Não é o que eu fiz e eu recebo. Não é o
que eu fiz e ele recebe. Não é o que ele fez e eu recebo. Não é o que se
fez; não é o que se recebe. O tempo concorda e a fruição acontece. É o
mesmo com a Natureza de Buda de todos os seres, também. Nova-
mente, não é o que (outrora) não foi, mas agora é. Não é nem dentro e
nem fora. Nem é ‘é’ e nem ‘não-é’. Nem isto e nem aquilo. Nem é o
que surge sem (causa), nem é (ou surge) de nenhuma relação causal.
Não é aquilo que todos os seres não podem ver. Todos os Bodhisattvas
vêem como o tempo e as relações causais se conjugam. Dizemos tem-
po. O Bodhisattva-Mahasattva dos dez estágios pratica o Nobre Cami-
nho Óctuplo e adquire uma mente toda-equalitária, momento em que
ela [a Natureza de Buda] pode ser vista. Não é algo criado.

Oh bom homem! Você diz que é como um imã. Mas, isto não é assim.
Por que não? Uma pedra não atrai o ferro. Por que não? Porque não há
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 187
uma ação mental que opere. Oh bom homem! Existem coisas de natu-
rezas diferentes, e assim uma (outra) coisa de natureza diferente apa-
rece. E quando não há diferentes coisas, uma (outra) coisa diferente
desaparece [se dissolve]. Não há ninguém que faça e ninguém que
desfaça. Oh bom homem! É como no caso de um grande fogo que não
pode queimar o combustível. Quando o fogo surge, o combustível de-
saparece [é extinto, destruído]. A isso chamamos de combustível ar-
dente. Oh bom homem! Isto é como o girassol, que gira por si só, se-
guindo o sol. E esse girassol não tem espírito reverente, nem consciên-
cia, e nenhuma ação a perpetrar. É pela natureza de uma coisa diferen-
te que ele gira por si só.

Oh bom homem! É como com a bananeira que cresce com os trovões.


Essa planta não possui ouvido e nem consciência. Quando existe uma
coisa diferente, essa (outra) coisa diferente cresce; quando não há uma
coisa diferente, essa (outra) coisa diferente morre. Oh bom homem! É
como no caso da árvore ‘asoka’, que solta flores quando uma fêmea a
toca. Essa árvore não tem uma mente, nem sentido de tato. Quando
há uma coisa diferente, uma coisa diferente surge; quando não há uma
coisa diferente, uma coisa diferente morre.

Oh bom homem! Isto é como no caso do ‘citrus nobilis’, que não frutifi-
ca mais quando recebe um cadáver. No entanto, essa planta não tem
uma mente e nem sentido de tato. Através de uma coisa diferente,
surge uma coisa diferente; quando não há uma coisa diferente, a coisa
diferente morre. Oh bom homem! Por exemplo, a fruta da romã cresce
quando adubada com ossos-da-perna em decomposição. Mas, a árvore
da romã também não possui uma mente ou sentido de tato. Quando
há uma coisa diferente, uma coisa diferente surge, e quando não há
uma coisa diferente, uma coisa diferente desaparece.

Oh bom homem! O mesmo se aplica ao caso do imã ao atrair o ferro.


Quando existe uma coisa diferente, uma coisa diferente surge; quando
não há uma coisa diferente, a coisa diferente desaparece. É o mesmo

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 188


com a Natureza de Buda dos seres que não pode atrair a Iluminação
Insuperável.

Oh bom homem! A ignorância não pode atrair todas as ações. A voli-


ção, também, não pode atrair a consciência. E, no entanto, podemos
dizer que a ignorância tem um relacionamento causal com a volição, e
a volição com a consciência. Quer exista o Buda ou não, o mundo é
eterno.

Oh bom homem! Você pode dizer que a Natureza de Buda vive nos
seres. Oh bom homem! Você deveria saber que o que é Eterno não
tem morada [isto é, não está confinado num lugar limitado no espaço e
no tempo]. Se existisse um lugar onde ela (a Natureza de Buda) residis-
se, isto nos diria que o que há é algo impermanente. Oh bom homem!
Você deveria saber que os 12 elos do surgimento interdependente não
têm um lugar para ficar. Se tivessem, não diríamos que os 12 elos do
surgimento interdependente são eternos. É o mesmo com o Dharma-
kaya [Corpo do Dharma] do Tathagata. Ele não tem um lugar para mo-
rar. Tudo como os 18 reinos, as 12 esferas, os skandhas e o espaço não
têm qualquer lugar para ficar. É o mesmo com a Natureza de Buda,
também. Tudo isto não tem qualquer lugar para ficar.

Oh bom homem! Por exemplo, os quatro grandes elementos têm po-


deres que são todos iguais. Mas, existem qualidades como dureza,
calor, umidade, mobilidade, leveza, peso, vermelho, branco, amarelo e
preto. Esses quatro elementos não têm ação cármica. Sendo diferentes
no reino da existência, não há semelhança (entre eles). É o mesmo com
a Natureza de Buda, também. Diversa em natureza no reino da exis-
tência, ela surge na existência quando o tempo vem.

Oh bom homem! Todos os seres não estão afastados da [isto é, não


estão separados da] Natureza de Buda. Portanto, dizemos ‘é’. Em razão
da irreversibilidade do que poderá ser ‘é’ no futuro, (em razão) do que
está certo de ser adquirido, e do que definitivamente poderá ser visto.

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 189


Este é o porquê dizemos que todos os seres possuem a Natureza de
Buda.

A Parábola dos Cegos e o Elefante

Oh bom homem! Por exemplo, existe um rei que diz ao seu ministro:
‘Busque um elefante e mostre-o a alguma pessoa cega’. Então, seguin-
do a ordem real, o ministro chamou muitas pessoas cegas, às quais ele
mostrou o elefante. Todas as pessoas cegas tocaram o elefante com
suas mãos. O ministro disse ao rei: ‘Já tenho as pessoas cegas para
reconhecer o elefante’.

Então, o rei chamou as pessoas cegas e indagou a cada uma delas:


‘Você viu o elefante’?
‘Sim, senhor! Eu vi o elefante’.
O rei indagou: ‘Como você pensa que o elefante é’?
A pessoa que havia tocado suas presas disse: ‘O elefante é como a raiz
de uma goosefoot (planta daninha - espinafre selvagem do gênero
Chenopodium) ou de um cogumelo’.
O homem que havia tocado a sua orelha disse: ‘O elefante é como um
abano’.
Aquele que havia tocado sua tromba disse: ‘O elefante é como um
pilão’.
A pessoa que havia tocado suas patas disse: ‘O elefante é como um
moinho feito de madeira’.
Aquele que o havia tocado pelo dorso disse: ‘O elefante é como uma
cama’.
O homem que havia tocado a sua barriga disse: ‘O elefante é como
uma panela’.
O homem que o havia tocado pela cauda disse: ‘O elefante é como
uma corda’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 190


Oh bom homem! Todas essas pessoas cegas não foram capazes de
dizer bem a forma do elefante. E, no entanto, não é que eles não digam
nada sobre o elefante. Todos esses aspectos de representação são do
elefante. E, excluídos estes (aspectos), não pode haver qualquer ele-
fante.

Oh bom homem! O Rei é comparável ao Tathagata-Arhat-


Samyaksambuddha, o ministro (é comparável) ao Sutra Vaipulya do
Grande Nirvana, o elefante à Natureza de Buda, e as pessoas cegas a
todos os seres que são ignorantes.

Todas essas pessoas (ignorantes), ao ouvir o que o Buda diz, podem


dizer: ‘Forma [‘rupa’ – forma física, matéria, corpo] é a Natureza de
Buda. Por quê? Porque essa forma, embora morra, continua a existir.
Devido a isto, ele atinge as 32 marcas insuperáveis da perfeição do
Tathagata e a eternidade da forma do Tathagata. Porque a forma do
Tathagata não desintegra. Este é o porquê dizemos que a forma é a
Natureza de Buda. Por exemplo, a forma do ouro verdadeiro pode
mudar, mas a cor é sempre única e não diferente. Dele pode ser feito
um bracelete, uma serpente, uma bacia e, no entanto, a cor amarela
nunca muda. É o mesmo com a Natureza de Buda dos seres, também.
A forma pode não ser única, mas a cor é única. Assim, podemos dizer
que ‘rupa’ é eterna’. Assim eles dizem.

Ou algum outro pode dizer: ‘Sentimento [‘vedana’] é a Natureza de


Buda. Por que é assim? Porque através das relações causais do senti-
mento, obtêm-se a verdadeira felicidade do Tathagata. O sentimento
do Tathagata é o do absoluto e é do ‘Paramartha-satya’. A natureza do
sentimento dos seres é não-eterna, mas continua a existir sucessiva-
mente. É por essa razão que se ganha o sentimento eterno do Tathaga-
ta. Por exemplo, o nome do clã de um homem é Kausika. O homem em
si é não-eterno, mas o nome do seu clã segue como é e não muda,
mesmo ao curso de milhares ou milhões de anos. É o mesmo com a
Natureza de Buda dos seres, também. Por essa razão, o sentimento é a
Natureza de Buda’.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 191
E algum outro diz: ‘Percepção [‘samjna’] é a Natureza de Buda. Por
quê? Através das relações causais da percepção, atinge-se a percepção
do Tathagata. A percepção do Tathagata é aquela da não-percepção. A
percepção da não-percepção não é aquela do homem, nem é nada de
macho ou fêmea, da forma, sentimento, percepção, volição ou consci-
ência. É não-percepção, algo diverso da percepção. A percepção dos
seres é não-eterna. Mas, uma percepção é seguida por outra, uma
após a outra, tal que não há interrupção, e assim obtemos a sensação
de que a qualidade da percepção é eterna. Oh bom homem! Por e-
xemplo, tomemos o caso dos 12 elos do surgimento interdependente
dos seres. Embora os seres morram, as relações causais são eternas. É
o mesmo com a Natureza de Buda dos seres. Por essa razão, dizemos
que a percepção é a Natureza de Buda’. Assim as pessoas falam.

Além disso, eles dizem: ‘Volição [‘samskara’ – impulsos mentais, vonta-


de] é a Natureza de Buda. Por quê? Volição é vida. Em razão das rela-
ções causais dos seres, uma pessoa atinge a vida eterna do Tathagata.
A vida dos seres é não eterna, mas uma vida segue outra em sucessão,
uma após a outra, de tal forma que não há interrupção. Assim, obtêm-
se a vida eterna do Tathagata, a qual é verdadeira. Oh bom homem!
Por exemplo, aqueles que falam a respeito e dão ouvido aos 12 tipos
de sutras são eternos, porque esses sutras existem eternamente e não
mudam. Assim acontece com a Natureza de Buda dos seres. Portanto,
volição é a Natureza de Buda’. Assim eles dizem.

Também, eles dizem: ‘Consciência [‘vijnana’] é a Natureza de Buda. Em


razão das relações causais da consciência, obtêm-se a mente toda-
equalitária do Tathagata. Embora a consciência dos seres seja não-
eterna, uma consciência é seguida por outra sucessivamente, tal que
não há interrupção. Portanto, obtêm-se a mente eterna do Tathagata,
que é verdadeira. O fogo possui a propriedade do calor. Mas a proprie-
dade do calor é eterna. É o mesmo com a Natureza de Buda dos seres.
Portanto, consciência é a Natureza de Buda’. Assim eles dizem.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 192


Também, eles dizem: ‘Fora dos skandhas, existe o Eu. O ‘Eu’ é a Natu-
reza de Buda. Por quê? Em razão das relações causais do Eu, obtêm-se
a luz desimpedida do Tathagata’.

Há vários tirthikas que dizem: ‘Ir e vir, ver e ouvir, tristeza e alegria,
palavras e fala são o Eu. Todas essas noções do Eu são não-eternas.
Mas, o Eu do Tathagata é verdadeiramente Eterno’.

Oh bom homem! Os cinco skandhas, os 18 reinos e as 12 esferas são


também não-eternos. Mas, os chamamos eternos. O mesmo é o caso
com os seres.

Oh bom homem! Cada uma das pessoas cegas falou sobre o elefante e
o que eles disseram não está de acordo com a verdade. Entretanto,
não é que eles não falaram sobre o elefante. É mesmo com as pessoas
que falam sobre a Natureza de Buda, também. (A Natureza de Buda)
não é exatamente as seis coisas e, no entanto, não é o caso que ela
esteja longe delas. Oh bom homem! Este é o porquê Eu digo que a
Natureza de Buda é não-forma e, no entanto, ela não está apartada da
forma. Não é o Eu e, no entanto, não está apartada do Eu. Oh bom
homem! Muitos tirthikas dizem que existe o Eu. Mas, para dizer a ver-
dade, não há Eu. O Eu dos seres [em oposição ao do Buda] é os cinco
skandhas. Fora os skandhas, não existe Eu. Oh bom homem! Por e-
xemplo, o caule, a folha e o cálice se combinam e temos a floração do
lótus. Fora isto, não pode haver nenhuma flor. É o mesmo com o Eu
dos seres.

Oh bom homem! Por exemplo, as paredes, vidros e madeira se combi-


nam, e temos uma casa. Fora isto, não pode haver uma casa. A khadira,
a palasa, a nyagrodha e a udumbara se combinam, e temos uma flores-
ta. Fora isto, não há floresta. Por exemplo, coisas como carruagens,
soldados, elefantes, cavalos e infantaria se combinam, e temos um
exército. Fora isto, não pode haver exército. Uma boa combinação de
fios nas cinco cores produz uma ‘aya’ [do Japonês: um tipo de roupa de
seda multicolorida]. Fora isto, não pode haver qualquer ‘aya’. A combi-
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 193
nação harmoniosa das quatro castas é chamada de ‘grande população’.
Fora isto, não pode haver nenhuma ‘grande população’. É o mesmo
com o Eu dos seres, também. Não há Eu sem os cinco skandhas.

Oh bom homem! O Eterno do Tathagata é o Eu. O Dharmakaya [‘Corpo


do Dharma’] do Tathagata é ilimitado, sem obstruções, não-
nascimento, não-extinção (imortal), e os oito desimpedimentos. Isto é
o Eu. Os seres, para dizer a verdade, não possuem tal Eu e o que o Eu
possui. Somente diante do fato de uma pessoa atingir o Vazio Absoluto
do ‘Paramartha-satya’ é que podemos falar de Natureza de Buda.

Oh bom homem! Grande Amor-Benevolente e Grande-Compaixão são


a Natureza de Buda. Por quê? Porque o Grande Amor-Benevolente e a
Grande Compaixão sempre acompanham o Bodhisattva. É como a
sombra que segue a forma. Todos os seres, decididamente, atingirão o
Grande Amor-Benevolente e a Grande Compaixão. Assim, dizemos que
todos os seres possuem o Grande Amor-Benevolente e a Grande Com-
paixão. Grande Amor-Benevolente e Grande Compaixão são a Nature-
za de Buda. A Natureza de Buda é o Tathagata.

Grande Alegria-Simpática e Grande-Equanimidade são a Natureza de


Buda. Por quê? Se o Bodhisattva-Mahasattva não puder abandonar as
25 existências, ele não poderá atingir a Iluminação Insuperável. Como
todos os seres infalivelmente as alcançarão, dizemos que todos os se-
res possuem a Natureza de Buda. Grande Alegria-Simpática e Grande-
Equanimidade são a Natureza de Buda. A Natureza de Buda é ao mes-
mo tempo o Tathagata.

A Natureza de Buda é grande fé [Japonês: ‘daishinjin’]. Por quê? Em


razão da fé, o Bodhisattva-Mahasattva pode de fato aperfeiçoar-se
desde o danaparamita até o prajnaparamita. Como todos os seres infa-
livelmente adquirirão grande fé, dizemos: ‘Todos os seres possuem a
Natureza de Buda’. Grande fé é a Natureza de Buda. A Natureza de
Buda é o Tathagata.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 194


A Natureza de Buda é o solo do filho único. Por quê? Em razão das
relações causais do solo do filho único, o Bodhisattva tem uma mente
igualitária com relação a todos os seres. Como todos os seres finalmen-
te atingirão o solo do filho único, dizemos: ‘Todos os seres possuem a
Natureza de Buda’. O solo do filho único é a Natureza de Buda. A Natu-
reza de Buda é o Tathagata.

A Natureza de Buda é o quarto poder. Por quê? Através das relações


causais do quarto poder, o Bodhisattva ensina bem todos os seres.
Como todos os seres finalmente adquirirão o quarto poder, dizemos:
‘Todos os seres possuem a Natureza de Buda’. O quarto poder é a Na-
tureza de Buda. A Natureza de Buda é o Tathagata.

A Natureza de Buda são os 12 elos do surgimento interdependente.


Por quê? Em razão das relações causais, o Tathagata é Eterno. Todos os
seres finalmente possuirão os 12 elos do surgimento interdependente.
Este é o porquê dizemos: ‘Todos os seres possuem a Natureza de Bu-
da’. Os 12 elos do surgimento interdependente são a Natureza de Bu-
da. A Natureza de Buda é o Tathagata.

A Natureza de Buda é a quádrupla sabedoria sem obstruções. Em razão


das quatro desobstruções, dizemos que ele (o Bodhisattva) é desobs-
truído no entendimento das palavras. Desobstruído no entendimento
das palavras, ele realmente ensina os seres. As quatro desobstruções
são a Natureza de Buda. A Natureza de Buda é o Tathagata.

A Natureza de Buda é chamada ‘Samadhi-Vajropama’. Ao praticar Sa-


madhi, apreende-se verdadeiramente as doutrinas Budistas. Em razão
disto, dizemos: ‘O Samadhi-Vajropama é a Natureza de Buda’. O Bodhi-
sattva dos dez estágios pratica esse Samadhi e ainda não é perfeito. Ele
vê a Natureza de Buda, mas não claramente. Como todos os seres fi-
nalmente o obterão, dizemos: ‘Todos os seres possuem a Natureza de
Buda.

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 195


Oh bom homem! Como todas as doutrinas [dharmas] acima mencio-
nadas finalmente serão obtidas por todos os seres, dizemos: ‘Todos os
seres definitivamente possuem a Natureza de Buda’. Oh bom homem!
Se Eu digo que a forma material [‘rupa’] é a Natureza de Buda, os seres,
ao ouvirem isto, adquirirão uma visão invertida. Sendo invertida, quan-
do a vida terminar eles cairão no Inferno Avichi. Os sermões do Tatha-
gata são para livrar a pessoa do inferno. Assim, ele não diz que a forma
material é a Natureza de Buda. Também, o mesmo se aplica até a
consciência (consubstanciando os cinco skandhas).

Oh bom homem! Dizemos que quando todos os seres obtiverem a


Natureza de Buda, eles não necessitarão praticar a Via. Isto vem do
fato de que o Bodhisattva dos dez estágios, como ele pratica o Nobre
Caminho Óctuplo, pode ver a Natureza de Buda parcialmente. Como
poderia uma pessoa que não praticou a Via vê-la bem? Oh bom ho-
mem! Manjushri e todos os Bodhisattvas já praticaram a Via Sagrada
durante inumeráveis vidas, e eles conhecem a Natureza de Buda. Co-
mo poderiam os Sravakas e Pratiekabudas conhecer a Natureza de
Buda? Qualquer ser que deseje conhecer a Natureza de Buda deve,
com pensamento único, proteger, recitar, copiar e expor o Sutra do
Nirvana; e fazer oferecimentos, respeitá-lo e louvá-lo. Se alguém en-
contrar uma pessoa que proteja e enalteça o Sutra, dever-se-ia dar a
essa pessoa uma boa casa para viver, roupas, comida e bebida, roupas
de cama e remédios; e também, dever-se-ia louvar, adorar e indagá-la
sobre a Via. Oh bom homem! (Somente) Uma pessoa que tenha em
inumeráveis, ilimitadas vidas passadas se associado, e que tenha ofere-
cido coisas a inumeráveis Budas, e que tenha acumulado uma grande
quantidade de boas ações, pode esperar ouvir o nome deste Sutra.

Oh bom homem! É difícil conceber a Natureza de Buda. Não é possível


conceber os Três Tesouros do Buda, do Dharma e da Sangha. Todos os
seres possuem a Natureza de Buda, mas nem todos podem conhecê-la.
Isto, também, não pode ser concebido facilmente. A Lei [Dharma] do
Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro do Tathagata também é difícil conhecer.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 196


Que todos os seres creiam no Sutra do Grande Nirvana também é difí-
cil.”

O Bodhisattva Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você


diz: ‘Não é possível conceber que todos os seres acreditem realmente
no Sutra do Grande Nirvana’. Oh Honrado pelo Mundo! Em meio à
massa de pessoas aqui presentes, há 85.000 bilhões de pessoas que
não têm fé neste sutra. Seria surpreendente se houvesse alguém que
pudesse acreditar neste sutra.”

“Oh bom homem! Todas essas pessoas poderão, nas vidas futuras,
decididamente acreditar neste sutra. Elas verão a Natureza de Buda e
atingirão a Iluminação Insuperável.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como o Bodhisattva


do estágio de não-regressão poderá saber que ele tem a mente não-
retroativa?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva testa a sua


própria mente através da penitência. Ele pega (e come) uma simples
semente de gergelim um dia, e assim o faz por sete dias. Isto se proce-
de também com o arroz, feijão verde, semente de cânhamo, milho e
feijão branco; dos quais ele pega (e come) um a cada dia durante sete
dias. Ao comer a semente do cânhamo, ele tem que pensar: ‘Todas
essas penitências de nada contribuem. Estou fazendo o que não me
beneficia. Por que não faço o que me dá benefícios’? Naquilo que não
concede qualquer benefício à pessoa, a mente se estabelece bem, não
recua e não muda. Em razão disto, ele estará seguro de atingir a Ilumi-
nação Insuperável. Quando a penitência é praticada dessa maneira, a
carne e a pele ficam tão emaciadas e enrugadas que todas as coisas
parecem uma abóbora crua cortada e exposta ao sol. Os olhos se tor-
nam tão fundos que se parecem com estrelas flutuando em um poço; a
carne se torna tão ressecada e enrugada que se parece com uma
choupana feita de sapé. Os ossos da espinha saltam para fora, uns so-
bre os outros, mais parecendo a cobertura de uma coroa; (o lugar)
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 197
onde ele senta parace a marca estampada por uma ferradura. Dese-
jando sentar, ele cai de bruços; e desejando levantar-se, ele cai de bru-
ços. Assim ele sofre de dores inúteis. No entanto, esse Bodhisattva
[determinado na Iluminação] não recua.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva luta


contra as dores. E para dar paz aos outros, ele se despoja de toda a
riqueza que possui e abandona sua própria esposa como se fosse for-
ragem. Deixando de lado o seu corpo e sua mente, esse Bodhisattva
infalivelmente verá que ele possui uma mente não-retroativa e que ele
decididamente atingirá a Iluminação Insuperável.

Também, além disso, o Bodhisattva, pelo Dharma, corta seu próprio


corpo e o transforma numa lâmpada. Ele enrola sua pele e carne num
tecido de lã, embebe em óleo, queima-o e o transforma numa tocha. O
Bodhisattva sofre essa grande dor no momento e censura a sua própria
mente, dizendo: ‘Mesmo essas dores não correspondem a uma centé-
sima-milésima-milionésima parte. Por um período de inumeráveis cen-
tenas de milhares de kalpas, você tem que submeter-se a grandes do-
res sem nada ganhar. Se você não pode suportar essa ligeira dor, como
pode esperar salvar aqueles que estão sofrendo as penas do inferno’?
Quando o Bodhisattva-Mahasattva pensa assim, ele não sente mais
dores no seu corpo e sua mente não recua. Ela não se move ou muda.
O Bodhisattva então pensa profundamente: ‘Certamente atingirei a
Iluminação Insuperável’. Oh bom homem! O Bodhisattva, na ocasião,
está trajado em impureza. Ela ainda não foi erradicada. Em prol do
Dharma, ele de fato doa aos seres toda sua cabeça, olhos, tutano,
mãos e pés, sangue e carne. Ele crava pregos no seu corpo, atira-se
sobre pedras, e caminha no fogo. Naquela ocasião o Bodhisattva sofre
essas inumeráveis dores. Sua mente não recua, não se move, e não
muda. E o Bodhisattva sabe: ‘Agora eu tenho uma mente não-
retroativa, e atingirei a Iluminação Insuperável.

Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva, no sentido de extirpar o


sofrimento de todos os seres, faz um voto, adquire a rudeza e o grande
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 198
corpo de um animal e doa seu próprio corpo, sangue e carne aos seres.
Quando os seres compartilharem disto, terão um sentimento de pie-
dade. O Bodhisattva, então, suprime sua respiração, mostra uma face
morta, e não permite que a pessoa que o fere adquira um pensamento
de matança ou dúvida. O Bodhisattva, embora num corpo de animal
agora, até o fim, não comete qualquer ação de um animal. Por quê? Oh
bom homem! Quando um Bodhisattva adquire uma mente não-
retroativa, ele não comete qualquer ação dos três reinos do infortúnio.
Se houver qualquer traço de má retribuição cármica não suprimida
definitivamente na vida futura, o Bodhisattva-Mahasattva faz um voto
e sofre tudo isso em benefício dos seres. Por exemplo, uma pessoa
doente tem dentro do seu corpo um demônio sentado, escondido.
Através do poder de encantamentos, ele mostra a sua forma e conver-
sa, está feliz, irado, calunia, chora e ri. As coisas são assim. As ações nos
dias dos três reinos do infortúnio do Bodhisattva-Mahasattva também
se procedem da mesma maneira.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva adquire o corpo de um urso pardo,


ele fala do Dharma Maravilhoso aos seres. Ou ele pode adquirir o cor-
po de um kapinjala, e falar do Dharma aos seres. Ou ele pode adquirir
corpos como os do godha, veado, lebre, ovelha, macaco, pomba bran-
ca, garuda, naga ou serpente. Ao adquirir tais corpos, ele nunca pensa
em cometer as más ações de uma besta. Sempre, para o benefício de
todas as outras bestas e seres, ele fala do Dharma Maravilhoso, de tal
forma a permitir-lhes descartar rapidamente seus corpos de animais. O
Bodhisattva, embora possuindo o corpo de um animal, não comete
nenhuma das más ações de um animal. Assim, pode-se saber que ele
decididamente reside numa mente não-retroativa.

O Bodhisattva-Mahasattva, na hora da fome, vê os seres famintos e


adquire o corpo de uma tartaruga ou peixe, tão grande quanto inume-
ráveis yojanas. E novamente, ele jura para si mesmo: ‘Rogo para que
quando todos os seres compartilharem da minha carne, assim que o
fizerem, uma nova carne surgirá, tanto que eles serão capazes de apar-
tarem-se da fome e da sede, e que todos aspirem à Iluminação Insupe-
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 199
rável’. O Bodhisattva faz um voto: ‘Se eles acabarem com a fome e a
sede por minha causa, eles acabarão com as 25 existências no futuro’.
Quando o Bodhisattva submeter-se a essas dores, ele não retroagirá.
Saiba que ele infalivelmente atingirá a Iluminação Insuperável.

Também, além disso, o Bodhisattva, em tempos de epidemia, vê aque-


les que estão sofrendo e pensa: ‘Isto é como no caso de uma grande
árvore medicinal, e a pessoas doentes vêm e pegam as raízes, caule,
galhos, folhas, flores, frutos e casca, e acabam com as suas doenças. Eu
rogo para que meu corpo, também, sirva dessa maneira. Qualquer um
que sofra de doenças poderá ouvir [minha] voz, tocar [meu] corpo, ou
compartilhar de [meu] sangue e carne, ou do tutano dos [meus] ossos,
e suas doenças partirão. Rogo para que quando todos os seres compar-
tilharem da minha carne, eles não adquiram maus pensamentos e
sintam como se eles estivessem compartilhando da carne do seu pró-
prio filho. Após curar suas doenças, sempre falarei do Dharma. Rogo
para que eles acreditem, meditem e, então, ensinem outros.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva, embora trajado


em impurezas e sofrendo dores corporais, sua mente não retroage,
não se move ou muda. Saiba que ele infalivelmente ganhará a mente
não-retroativa e seguirá a Iluminação Insuperável.

Também, além disso, oh bom homem! Os seres podem estar sofrendo


de doenças por causa de um demônio. O Bodhisattva vê isto e diz:
‘Rogo para que eu adquira o corpo de um demônio, grande no tama-
nho e poderoso na psique, alguém que tenha muitos parentes, tal que
eles (os seres doentes) possam ver e dar ouvido ao que eu falo, e que a
doença se vá’.

O Bodhisattva, para o benefício dos seres, submete-se à penitência.


Embora trajado em impurezas, sua mente não se torna corrompida.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva pra-


tica os seis paramitas [perfeições]. Mas, ele não busca obter os frutos
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 200
dos seis paramitas. Ao praticar os seis paramitas, ele roga: ‘Agora ofe-
recerei todas essas minhas ações dos seis paramitas para o bem de
todos os seres, tal que qualquer pessoa que receba o que ofereço atin-
ja a Iluminação Insuperável. Como eu pratico os seis paramitas, tam-
bém me submeterei a todas as dores. Como eu sofro, rogo que não
retroceda na minha aspiração à Iluminação’. Oh bom homem! Quando
o Bodhisattva adquire essa mente [estado mental], chamamos isto de
(mente) não-retroativa.

Também, além disso, oh bom homem! É difícil conceber o Bodhisattva.


Por quê? O Bodhisattva-Mahasattva conhece muito bem todos os pe-
cados do nascimento e da morte, e vê a grande virtude do Grande
Nirvana. E, mesmo assim, para o benefício de todos os seres, ele vive
onde se obtém o nascimento e a morte, sofrendo lá numerosas dores.
No entanto, sua mente não recua. Este é o porquê dizemos que o Bo-
dhisattva é inconcebível.

Também, além disso, oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva sen-


te piedade onde não há nada para senti-la. Para dizer a verdade, ele
nada deve e, ainda assim, sempre concede favores [aos seres]. Ao con-
ceder favores, no entanto, ele não espera qualquer retorno. Por essa
razão, dizemos que ele é inconcebível.

Também, além disso, oh bom homem! Há seres que praticam várias


penitências para o seu próprio bem. O Bodhisattva-Mahasattva pratica
penitências de modo a beneficiar os outros. Isto é ‘beneficiar o próprio
eu’. Isto também é algo difícil de conceber.

Também, além disso, o Bodhisattva, trajado em impurezas, pratica a


mente toda-igualitária, de forma que ele possa extirpar todas as dores
que surgem da amizade e inimizade. Por causa disto, dizemos inconce-
bível.

Também, além disso, o Bodhisattva vê os seres que cometem malda-


des e fazem o que não é bom. Ele reprova-lhes, fala gentilmente, rejei-
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 201
ta e abandona. Para alguém que seja de má índole, ele usa palavras
gentis; para alguém que seja arrogante, ele torna-se altamente arro-
gante. E, no entanto, no fundo ele não é arrogante. Isto é o que cha-
mamos inconcebilidade dos expedientes do Bodhisattva.

Também, além disso, o Bodhisattva é trajado em impurezas. Quando


ele tem pouco, muitas pessoas vêm e indagam. E sua mente não se
torna tacanha (intolerante). Isto é o que é inconcebível no Bodhisattva.

Também, além disso, o Bodhisattva conhece a virtude do Buda, quan-


do o Buda aparece no mundo. Para o benefício dos seres ele ganha
nascimento mesmo em lugares remotos, onde o Buda não está. Ele é
como uma pessoa cega, surda, coxa ou aleijada. Este é o porquê dize-
mos que o Bodhisattva é inconcebível.

Também, além disso, o Bodhisattva conhece muito bem todos os pe-


cados dos seres, e em prol da Emancipação, ele sempre os acompanha.
Embora ele siga à maneira das suas mentes, ele não se torna contami-
nado pelo pecado e pelas impurezas. Por essa razão, dizemos inconce-
bível.

Também, além disso, o Bodhisattva adquire um corpo que ainda tem


impurezas, e vive no Céu Tushita. Isto, também, é inconcebível. Por
quê? O Céu Tushita é o mais soberbo dos céus no mundo do desejo.
Aqueles que vivem nos céus inferiores possuem mentes indolentes, e
todos os sentidos orgânicos daqueles nos altos céus são tediosos. Por
essa razão, dizemos soberbo. Ao praticar dana e shila, adquire-se um
corpo nos altos ou baixos (céus). Ao praticar dana, shila e samadhi,
adquire-se o corpo do Céu Tushita. Todos os Bodhisattvas descartam e
destroem todos os dharmas [coisas impermanentes]. Eles nunca reali-
zam as ações do céu e ganham o corpo daquele céu. Por que não?
Embora vivendo outras existências, o Bodhisattva realmente ensina e
ganha a extinção. Para dizer a verdade, ele não tem cobiça e, no entan-
to, nasce no mundo do desejo. Em razão disto, dizemos inconcebível.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 202


A Vida, a Cor e a Fama do Bodhisattva

O Bodhisattva-Mahasattva, quando nasce no Céu Tushita, tem três


coisas superiores, a saber: 1) vida, 2) cor, e 3) fama. O Bodhisattva-
Mahasattva não busca a vida, a cor ou a fama. Ao não buscar [isto], o
que ele recebe é superior. O Bodhisattva-Mahasattva busca muito o
Nirvana, e na causa do ‘é’, também, ele é superior. Por essa razão, di-
zemos inconcebível.

Embora o Bodhisattva-Mahasattva supere assim os deuses nestas três


coisas, eles não adquirem [sentimento de] ira, inveja, ou arrogância
contra o Bodhisattva. Eles são felizes. O Bodhisattva, também, não se
torna arrogante contra os deuses. Este é o porquê dizemos inconcebí-
vel.

Embora o Bodhisattva-Mahasattva não realize qualquer ação para


adquirir vida, ele ganha vida naquele Céu (Tushita) no final das contas.
Assim, dizemos que [sua] vida é superior. Embora ele não tenha feito
nada em prol da cor, a luz do seu corpo maravilhoso preenche tudo ao
redor. Assim, ele é superior aos outros na cor. Vivendo naquele mundo
celestial, o Bodhisattva-Mahasattva não busca os cinco desejos. O que
ele faz diz respeito ao Dharma. Por conta disto, seu nome ressoa nas
dez direções. Isto é como seu nome [reputação, fama] é superior. Isto é
como ele é inconcebível.

O Bodhisattva-Mahasattva desce do Céu Tushita, e a grande terra se


agita de seis formas. Assim dizemos inconcebível. Por quê? Quando o
Bodhisattva desce do céu, todos os deuses dos mundos do desejo e da
cor (forma) acompanham-no e vêem-no fora (do céu), e louvam alta-
mente o Bodhisattva. Do vento gerado por suas bocas, a terra se agita.

Também, o Bodhisattva torna-se o elefante-rei dos humanos, e esse


elefante-rei é chamado ‘rei-naga’. Quando a naga entra no útero, todos

Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 203


os reis-naga sob o chão ficam com medo e assustados. Assim, a grande
terra se agita de seis formas. Por causa disto, dizemos inconcebível.

Quando o Bodhisattva-Mahasattva entra no útero, ele sabe quanto


tempo ele tem que ficar lá, e quando ele sairá. Ele conhece o pai e a
mãe, e não é contaminado pela sujeira. Tudo isto acontece como no
caso do nó do cabelo e da gema de cor azulada de Devendra. Em razão
disto, dizemos inconcebível.

Oh bom homem! É o mesmo com o Sutra do Grande Nirvana, o qual é


inconcebível. Por exemplo, isto é como com as oito coisas que são in-
concebíveis. Quais são as oito? Elas são: 1) gradativamente a profundi-
dade aumenta; 2) é profundo e o fundo é difícil de alcançar; 3) obtêm-
se igualdade (é homogêneo) como no caso do sabor salgado [do ocea-
no, o qual é igualmente salgado em toda parte]; 4) a maré não ultra-
passa a linha fronteiriça; 5) há vários repositórios de tesouros; 6) um
ser de grande corpo vive ali; 7) cadáveres não são encontrados lá; 8)
todos os rios e grandes chuvas correm para lá, mas o volume de água
não aumenta ou diminui.

Oh bom homem! Dizemos que gradativamente a profundidade au-


menta. Aqui, há três coisas, a saber: 1) o poder da riqueza dos seres; 2)
o bom vento que carrega bem as coisas; e 3) a água do rio entra, e há
três tipos de não-acréscimo e não-decréscimo. É o mesmo com esse
Todo-Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana, também. Há oito inconce-
bilidades.

Primeiro, há o aprofundamento gradual como nos cinco preceitos, nos


dez preceitos, nos 250 preceitos, nos preceitos do Bodhisattva. E há as
fruições do Srotapanna, Sakrdagamin, Anagamin, Arhat, Pratyekabuda,
Bodhisattva, e do Insuperável Bodhi. Este Sutra do Nirvana fala desses
ensinamentos. Portanto, aprofundamento gradual. Isto é aprofunda-
mento gradual.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 204


Segundo, o muito difícil tem um fundo. O Tathagata-Honrado-pelo-
Mundo é não-nascimento e não-extinção. Não há consecução da Ilu-
minação Insuperável. Não há Giro da Roda da Lei. Ele não se alimenta,
não recebe, e não dá. Portanto, dizemos ‘o Eterno, o Êxtase, o Eu, e o
Puro’. Todos os seres possuem a Natureza de Buda. A Natureza de
Buda não é forma material e, no entanto, não está distante da forma
material. Não é sentimento, nem percepção, nem volição, e nem cons-
ciência. Nem está apartada da consciência. Isto é para ver sempre. A
causa da revelação (da Natureza de Buda) não é a causa do esforço (da
ação). Todos aqueles desde o Srotapanna até o Pratyekabuda alcança-
rão a Iluminação Insuperável. Também, (com o Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo) não há impureza que possa ser mencionada, nem lugar
para existir, e não há ilusão. Assim, dizemos ‘Eterno’. Portanto, ‘pro-
fundo’.

Também, há o ‘Eternamente Profundo’. Isto é o que encontramos nes-


te Sutra, o qual às vezes declara (algo) como o Eu e às vezes como o
não-Eu; ou às vezes designa como Eterno, ou como não-Eterno; ou às
vezes como Puro, ou às vezes como não-Puro; ou às vezes designa
como Êxtase, e às vezes como Sofrimento; ou às vezes como Vazio, ou
às vezes como não-Vazio; às vezes tudo é ‘é’, ou às vezes tudo é ‘não-
é’; ou às vezes tudo são os três veículos, ou às vezes o veículo único; ou
às vezes os cinco skandhas, a Natureza de Buda, o Samadhi-Vajra, e o
Caminho Médio; ou o Samadhi Surangama, os 12 elos do surgimento
interdependente, e Paramartha-satya. O Amor-Benevolente e a Com-
paixão surgem igualmente para todos os seres. É o mais elevado co-
nhecimento, fé, o poder que conhece todos os sentidos orgânicos. Ele
fala sobre a Sabedoria das coisas. Possuindo a Natureza de Buda, não
se fala de nenhuma permanência. Assim, é ‘profundo’.

Terceiro, temos igualdade na salinidade do sabor. Todos os seres pos-


suem a Natureza de Buda e passeiam no Veículo Único; o que há é
Emancipação Única. O que há é causa única e fruição única. O sabor é o
mesmo da amrta [ambrosia – imortalidade]. ‘Todos atingirão o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro’. Este é sentido no qual falamos do ‘sabor único’.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 205
Quarto, a maré não ultrapassa a linha fronteiriça. Nisto, as muitas proi-
bições reprimem os Monges. Há oito coisas impuras que eles não de-
vem manter. É como quando estabeleci que meus discípulos protejam
bem, recitem, copiem, exponham e desdobrem esse Todo-Maravilhoso
Sutra do Grande Nirvana, e que não o transgridam, mesmo que signifi-
que perder suas vidas. Esse é o porquê dizemos que a maré não ultra-
passa a linha fronteiriça.

Quinto, dizemos que há vários repositórios de tesouros. Este sutra é


algo que contém incontáveis tesouros. Esses são as quatro recorda-
ções, os quatro esforços (corretos), as quatro determinações, os cinco
sentidos orgânicos, os cinco poderes, os sete elementos do Bodhi (Ilu-
minação), e o Nobre Caminho Óctuplo. Também, são tesouros as Ações
da Criança, as Ações Sagradas, as Ações Puras, e as Ações Celestiais.
Esses (os tesouros) são todos os bons expedientes e a Natureza de
Buda de todos os seres. Ainda há coisas como as virtudes do Bodhisatt-
va, as virtudes do Tathagata, as virtudes do Sravaka, e as virtudes do
Pratyekabuda; há coisas como os seis paramitas, os incontáveis Sama-
dhis, e as inumeráveis Sabedorias. Assim, dizemos ‘Casa-do-Tesouro’.

Sexto, isto se refere a onde o Ser de Grande-Corpo vive. Dizemos ‘Ser


de Grande-Corpo’. Em razão do fato de que o Buda e o Bodhisattva
possuem grande Sabedoria, dizemos ‘Grande Ser’. Em razão da imensi-
dão do seu corpo, da imensidão da sua mente, do grande adorno, da
grande subjugação que ele impõe, dos seus grandes (meios) expedien-
tes, dos seus grandes sermões, do seu grande poder, da imensidão do
número de pessoas, da imensidão de seus poderes transcendentais, do
seu Grande Amor-Benevolente, do seu ser Eterno e Imutável, do fato
que todos os seres são desimpedidos, do fato que todos os seres são
abrangidos, dizemos ‘onde o Ser de Grande-Corpo reside’.

Sétimo, dizemos que cadáveres não são encontrados [lá]. Cadáver é


nada mais que o icchantika, as quatro graves ofensas, os cinco pecados
mortais, a calúnia ao Vaipulya, o proferimento de sermões de forma
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 206
errada ou ilegítima. A pessoa guarda as oito coisas impuras; ela usa
deliberadamente o que pertence ao Buda e à Sangha; ela faz coisas
ilegais [que contrariam o Dharma] na presença de Monges e Monjas.
Esses são os cadáveres. O Sutra do Grande Nirvana está distante de tais
coisas. Este é o porquê dizemos que cadáveres não permanecem lá.

Oitavo, temos o que não aumenta e o que não decresce. Dizemos isso
porque não há linha fronteiriça, nem começo ou fim, sendo não-forma,
não-ação, sendo Eterno, não sendo nascido, e imortal. Como os seres
são todos iguais, como todos os seres são da mesma natureza, dizemos
que não há aumento e nem decréscimo. Assim, como o grande ocea-
no, este Sutra possui oito inconcebilidades.”

Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Tathagata,


diz que não-nascimento e não-extinção são o que é profundo. Agora,
com relação a todos os seres, há quatro [tipos de] nascimentos, a sa-
ber: 1) nascido do ovo, 2) nascido do útero, 3) nascido da umidade, e 4)
nascido por transformação. O humano é totalmente dotado desses
quatro tipos de nascimento. Os casos dos Monges Campalu e Upacam-
palu são bons exemplos. A mãe do homem rico, Mekhala, aquela do
homem rico, Nyagrodha, e a mãe de Panjara são das 500 [variedades]
nascidas do ovo. Sabe-se que mesmo entre humanos, também, há
casos de [pessoas] nascidas do ovo. Quanto àqueles nascidos da umi-
dade, é como o Buda estabelece. Certa vez no passado, como um Bo-
dhisattva, nasci como um Rei Nascido-da-Cabeça e como um Rei Nasci-
do-das-Mãos. Isto foi como no caso das mulheres, Amra e Kapitha.
Sabe-se que há também o nascimento pela umidade. Por ocasião do
início do mundo, todos os seres apareceram através do nascimento por
transformação [isto é, espontaneamente]. O Tathagata-Honrado-pelo-
Mundo obteve os oito desimpedimentos. Por que ele não aparece
através de um nascimento por transformação?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Todos os seres aparecem através dos
quatro tipos de nascimentos. Quando o Dharma Sagrado é obtido, um
ser pode não mais nascer como antes, a partir do ovo ou da umidade.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 207
Oh bom homem! Todos os seres nos primórdios do mundo aparece-
ram em estados transformados. Naquela ocasião, o Buda não apareceu
no mundo. Oh bom homem! Quando alguém adoece e tem dores,
procura um médico e remédios. Os seres, por ocasião do início do
mundo, ganharam nascimento em estados transformados [isto é, es-
pontaneamente]. Embora possuíssem impurezas, [suas] doenças ainda
não eram manifestas. Por essa razão, o Tathagata não apareceu no
mundo. Por ocasião do inicio do mundo, os seres não tinham receptá-
culos como corpo e mente. Por conta disto, o Tathagata não apareceu
no mundo.

Oh bom homem! A casta do Tathagata, parentes e pais, é superior


àquela dos seres. Em razão dessa superioridade, as pessoas acreditam
em tudo o que é dito sobre o Dharma. Por essa razão, o Tathagata não
ganha nascimento através da umidade. Oh bom homem! Com todos os
seres, o pai faz o carma do seu filho, e seu filho (faz) aquele do seu pai.
Se o Tathagata ganhasse nascimento através da umidade, não haveria
pai e nem mãe. Sem pai e mãe, como as pessoas poderiam ser levadas
a fazer boas ações? Em razão disto, o Tathagata não ganha um corpo
através da transformação. Oh bom homem! No Dharma Maravilhoso
do Buda, há duas proteções. Uma é interna e a outra externa. A interna
é a observância dos preceitos, e a externa são os parentes e afins. Se o
Buda-Tathagata obtivesse um corpo transformado, não poderia haver
qualquer proteção a partir de fora. Por essa razão, o Tathagata não
obtém um corpo transformado.

Oh bom homem! Os humanos adquirem a arrogância da casta. Para


destruir esse tipo de arrogância, ele [o Buda] assume um nascimento
nobre, não adquirindo um corpo transformado. Oh bom homem! O
Tathagata-Honrado-pelo-Mundo tem um verdadeiro pai e mãe. O pai
era Suddhodana, e a mãe era Maya. Com respeito a isso, todos os seres
dizem que eles eram fantasmas. Como ele poderia ganhar um corpo
transformado? Se o seu corpo era (produto) da transformação, como
ele poderia ganhar um corpo transformado? Ao obter um corpo trans-
formado, como poderiam ocorrer coisas como a dissolução do seu
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 208
corpo e a presença de cinzas (sharira)? Para incrementar fortuna e
virtudes, ele fez seu corpo se dissolver e fez oferecimentos. Por essa
razão, o Tathagata não ganha um corpo transformado. Nenhum Buda
jamais se revela em nascimentos por transformação. Por que apenas
Eu ganharia um corpo transformado?”

Então, o Bodhisattva Rugido do Leão juntou as palmas das mãos e,


prostrando-se no chão com seu joelho direito, enalteceu o Buda:

“O Tathagata é uma esfera de inumeráveis virtudes!


Não posso explicar bem [isto] agora.
Eu agora, em prol dos seres,
falo não mais que uma parte.

Tenha piedade e ouça o que digo.


Os seres se movem nas trevas da ignorância,
e sofrem de uma centena de dores.
O Honrado pelo Mundo as erradica completamente.
Assim, o mundo diz que ele é Grande Amor-Benevolente.
Os seres vão e voltam,
como um cordão do nascimento e morte;
e com indolência e delusão
não há paz e nem felicidade.

O Tathagata verdadeiramente concede paz às pessoas


e assim corta eternamente
o cordão do nascimento e morte.
O Buda verdadeiramente concede paz e felicidade às pessoas
e não tem cobiça com respeito à felicidade que ele mesmo possa ter.
Para o beneficio dos seres, ele se sujeita à penitência.

Assim, as pessoas lhe fazem oferecimentos.


Ao ver outros sofrendo dores, seu corpo se agita.
Quando está no inferno, não sente dores.
Para o beneficio dos seres, sujeita-se a grandes penas.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 209
Por essa razão, ninguém pode superá-lo;
ninguém pode descrevê-lo.

O Tathagata, para o beneficio dos seres,


pratica penitências e as suporta,
e é perfeito nos seis paramitas.
E é superior a todos os grandes.
Os seres sempre clamam pela paz e felicidade,
mas não sabem como criar a causa para isso.

O Tathagata ensina os [seres] a praticar o bem,


até como um pai compassivo
que ama seu filho único.
O Buda vê a doença das impurezas dos seres
e sofre com isso,
assim como uma mãe que vê seu filho doente.

Ele sempre pensa como erradicar a doença.


Por essa razão, seu corpo pertence aos outros.
Todos os seres promulgam todas as causas do sofrimento.
Suas mentes estão de cabeça para baixo e tomam isso por felicidade.
O Tathagata fala-nos da alegria e tristeza que são verdadeiras.
Assim, dizemos ‘Grande Compaixão’.

Todos os mundos estão envoltos na casca da ignorância


e nenhum bico da Sabedoria pode facilmente quebrar esse invólucro.
O bico da Sabedoria do Tathagata pode bem fazer isto.
Assim, dizemos ‘Grande Pessoa’.

As Três Existências não o abrangem bem;


nenhum nome, mesmo temporário, existe.
E o Buda conhece o mais profundo significado do Nirvana.
Assim, chamamos-lhe ‘Grande Desperto’.

O rio do ‘é’ gira em remoinho


Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 210
e os seres se afogam.
Seus olhos são obliterados pela ignorância,
tal que não podem facilmente libertar o seu próprio Eu.
O Tathagata salva seu próprio Eu e também salva outros.
Assim, o Buda é chamado ‘Grande Mestre Marinheiro’.

Ele é bem versado na causa e efeito de todas as coisas


e na maneira para anulá-los.
Ele sempre concede remédios para as doenças dos seres.
Assim, chamamos-lhe ‘Grande Médico’.

Os tirthikas falam das visões distorcidas e da penitência


e dizem que isto traz felicidade insuperável.
O Tathagata fala da Verdadeira Via da felicidade
e permite aos seres alcançar o bem-estar e a felicidade.
O Tathagata-Honrado-pelo-Mundo destrói as visões distorcidas da vida
e mostra aos seres o caminho correto a tomar.
Qualquer um que siga esse caminho ganhará bem-estar e felicidade.
Assim, chamamos o Buda de ‘Guia’.

Não é o que se faz,


nem aquilo que outros fazem,
não é fazer juntos;
não é sem uma causa.
A dor sobre a qual o Tathagata fala
supera o que os tirthikas professam.
Ele á realizado e perfeito
nos preceitos (shila), Samadhi, e Sabedoria
e ensina aos seres esse Dharma.
Quando em doação, Ele não tem inveja ou mesquinhez.
Assim, chamamos o Buda de ‘Compassivo Insuperável’.

Quer seja sobre tudo quanto não é feito


e sobre tudo quanto não possua relações causais,
Ele obtém a recompensa da causalidade e efetividade.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 211
Por essa razão, todas as pessoas sábias
enaltecem o Tathagata pelo o que ele faz para não retornar.
Sempre viajando junto com a indolência do mundo em geral,
Ele em si não é corrompido pela indolência.
Este é o porquê dizemos inconcebível.

As oito coisas (oito ventos) do mundo não podem corrompê-lo.


O Tathagata-Honrado-pelo-Mundo
não vê inimigo ou amigo.
Assim sua mente é sempre imparcial.

Eu dou um Rugido de Leão,


e verdadeiramente faço bramir todos os Rugidos de Leão do mundo.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 212


Capítulo Quarenta: Sobre o Bodhisattva
Kashyapa 1
O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O
Tathagata realmente sente piedade de todos os seres. Você harmoniza
bem o que não está harmonizado, torna o impuro puro, concede refú-
gio à pessoa que não tem refúgio, e dá a Emancipação à pessoa que
ainda não está emancipada. Você tem oito desimpedimentos, você é o
Grande Médico, e você é o Rei da Medicina. O Monge Sunaksatra foi
um filho do Buda quando ainda um Bodhisattva. Após a renúncia, ele
protegeu, recitou, desdobrou e expôs os 12 tipos de sutras, destruiu os
laços do mundo dos desejos e alcançou os quatro dhyanas [meditações
profundas]. Por que é que você, o Tathagata, profetizaria que Sunaksa-
tra é alguém inferior a um icchantika, alguém que vive há muito tempo
no inferno, alguém irremediável? Por que, oh Tathagata, para o seu
benefício, você não lhe fala sobre o Dharma Maravilhoso e então, mais
tarde, fala para o benefício dos Bodhisattvas? Oh Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo! Se você não pode salvar o Monge Sunaksatra, como po-
demos dizer que você tem Grande Amor-Benevolente e Grandes (Mei-
os) Expedientes?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Como uma ilustração: um casal de pai
e mãe têm três filhos. Um é obediente, respeita seus pais, é arguto e
inteligente, e é bom conhecedor do mundo. O segundo filho não res-
peita seus pais, não tem um pensamento de fé, é arguto e inteligente,
e um bom conhecedor do mundo. O terceiro filho não respeita seus
pais, e não tem fé. Ele é obtuso e não tem inteligência. Quando os pais
desejam transmitir um ensinamento, quem deve ser o primeiro a ser
ensinado, quem deve ser amado, a quem os pais necessitam ensinar as
coisas do mundo?”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “O primeiro a ser ensinado deve ser


aquele que é obediente, que respeita seus pais, que é arguto e inteli-
gente, e que conhece o que se obtém no mundo. Depois, o segundo e,

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 213


então, o terceiro [filho]. Embora o segundo filho não seja obediente,
em prol do amor-benevolente, esse filho deve ser ensinado em segui-
da.”

“Oh bom homem! O mesmo se passa com o Tathagata. Dos três filhos,
o primeiro deve ser comparado ao Bodhisattva, o segundo ao Sravaka,
e o terceiro ao icchantika. Eu já falei aos Bodhisattvas tudo sobre os
detalhes dos 12 tipos de sutras, e do que é superficial e familiar para os
Sravakas, e do que se obtém no mundo para os icchantikas e àqueles
dos cinco pecados mortais. O que se obtém no presente não beneficia
a pessoa. Não obstante, Eu ensinaria em razão do amor-benevolente e
pelo que pode resultar nos dias futuros. Oh bom homem! É como os
três tipos de campos. Um é fácil de irrigar. Não há areia lá, nem sal,
nem cascalhos, nem pedras, e nem espinhos. Planta-se um, e colhe-se
100. O segundo também não tem areia, nem sal, nem cascalhos, nem
pedras, e nem espinhos. Mas, a irrigação é difícil, e a colheita é menos
que a metade. O terceiro oferece dificuldades para a irrigação, e é
cheio de areia, cascalhos, pedras, e espinhos. Planta-se um, e colhe-se
um, devido à palha e grama. Oh bom homem! Nos meses da primave-
ra, onde o agricultor plantará primeiro?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Primeiro, o primeiro campo; segundo, o


segundo campo; e terceiro, o terceiro campo.”

“O primeiro pode ser comparado ao Bodhisattva, o segundo ao Srava-


ka, e o terceiro ao icchantika.”

“Oh bom homem! É como com os três vasos. O primeiro é perfeito, o


segundo vaza, e o terceiro está quebrado. Quando alguém deseja colo-
car-lhes leite, nata ou manteiga, qual deles usaria primeiro?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Usaríamos aquele que é perfeito; em se-


guida, aquele que vaza; e então aquele quebrado.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 214


“O perfeito e puro é comparável ao Sacerdote-Bodhisattva; aquele que
vaza ao Sravaka; e aquele que está quebrado ao icchantika. Oh bom
homem! É como no caso das três pessoas doentes que vão ao médico.
A primeira é fácil de curar, a segunda é difícil de curar, e a terceira,
impossível de curar. Quem o médico curará se tiver que curar [qual-
quer uma delas]?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Primeiro ele curará aquela que é fácil de
curar; em seguida, a segunda pessoa, e então a terceira pessoa. Por
quê? Devido ao fato de que elas estão relacionadas.”

“A pessoa que é fácil de curar é análoga ao Bodhisattva; aquela difícil


de curar ao Sacerdote-Sravaka, e aquela impossível de curar ao icchan-
tika. Na presente vida, não sobrevirá qualquer boa fruição (para o ic-
chantika). Mas, em compensação, nas eras futuras todas as boas se-
mentes serão cultivadas. Oh bom homem! Por exemplo, um grande rei
possui três cavalos. Um é treinado, está no auge da vida e possui gran-
de força; o segundo não tem treinamento, nem bons dentes, não está
no auge da vida, e não possui grande força; o terceiro não tem treina-
mento, é fraco, velho, e não possui força. Se o rei deseja sair em via-
gem, qual deles ele usará?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Primeiro aquele treinado, que está com
saúde perfeita e que possui grande força; e então, o segundo e o ter-
ceiro.”

“Oh bom homem! Aquele treinado, que está no auge da vida e possui
grande força, pode ser comparado ao Sacerdote-Bodhisattva, o segun-
do ao Sacerdote-Sravaka, e o terceiro ao icchantika. Embora nenhum
bem surja [para o icchantika] na presente vida, ele está ensinado quan-
to ao amor-benevolente e também a plantar a semente para os dias a
vir. Oh bom homem! É como quando uma grande dana [doação] é
realizada quando três pessoas vêm. Uma delas é de origem nobre, tem
boas intenções e defende os preceitos. A segunda é da casta interme-
diária, é obtusa, mas defende os preceitos. A terceira é da baixa casta,
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 215
é obtusa, e viola os preceitos. Oh bom homem! A quem esse grande
danapati [doador] dará primeiro?”

“Oh Honrado pelo Mundo! À pessoa de origem nobre, que é de inteli-


gência aguçada e que defende os preceitos; em seguida, à segunda
pessoa e, então, à terceira.”

“A primeira pessoa é comparável ao Sacerdote-Bodhisattva, a segunda


ao Sacerdote-Sravaka, e a terceira ao icchantika. Oh bom homem!
Quando um grande leão mata um gandhahastin (elefante amiscarado),
ele usa toda sua força. Mesmo quando ao matar uma lebre, ele não
tem um pensamento leviano (displicente). Também, é o mesmo com o
Buda-Tathagata. Quando na abordagem de todos os Bodhisattvas e
icchantikas, ele não conduz as coisas de duas formas. Oh bom homem!
Certa vez vivi em Rajagriha, quando o Monge Sunaksatra serviu-me
como um assistente. Ao entardecer, Eu falei a Devendra sobre a essên-
cia do Dharma. É a maneira de um discípulo ir para a cama mais tarde.
Então, Sunaksatra, como eu me sentei por um longo tempo, teve um
mau pensamento. Naqueles dias em Rajagriha, quando pequenos me-
ninos e meninas choravam sem parar, os pais diziam: ‘Se você não
parar de chorar, lhe entregarei ao demônio Vakkula’. Então, Sunaksa-
tra, tendo um pensamento desleal, disse-me: ‘Por favor, apresse-se no
Samadhi. Lá vem Vakkula!’ Eu disse: ‘Você é estúpido! Não sabe que o
Tathagata-Honrado-pelo-Mundo nunca tem qualquer temor?’ Então,
Devendra disse-me: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Como pode tal alguém
também entrar no grupo do Buda?’ Eu disse: ‘Oh Kausika! Tais pessoas
podem obter os ensinamentos Budistas; elas também possuem a Natu-
reza de Buda. Elas atingirão a Iluminação Insuperável’. Falei para esse
Sunaksatra sobre o Dharma. Mas, ele não teve fé em mim e não acatou
nada do que eu disse.

Oh bom homem! Certa vez vivi no estado de Kasi, em Sivapura [Vara-


nasi]. O Monge Sunaksatra serviu-me como assistente. Fui então caste-
lo adentro com o objetivo de pedir esmolas. Inumeráveis pessoas va-
gamente [sem qualquer propósito definido] seguiram-me onde fui. O
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 216
Monge Sunaksatra, ao seguir-me, queria afastá-los, mas foi incapaz de
fazê-lo. Em vez disso, as pessoas adquiriram um mau pensamento.
Entrando no castelo, eu vi um Nirgrantha em uma casa de vinhos, cor-
covado no chão e compartilhando (bebendo) restos de licor. O Monge
Sunaksatra, ao ver isto, disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Se alguma vez
houve um Arhat (Santo), esse é o maior. Por quê? Porque ele (o Nir-
grantha) diz que não há causa e nem efeito para as ações cometidas’.
Eu disse: ‘Oh estúpido! Você nunca ouviu dizer que um Arhat não bebe,
não causa qualquer dano aos outros, não engana, não rouba, e não
tem quaisquer relações sexuais? Pessoas como essa matam seus pais e
compartilham de restos de licor. Como se pode chamar esse homem
de Arhat? Este homem certamente cairá no Inferno Avichi. Um Arhat
está eternamente apartado dos três reinos do infortúnio. Como você
pode chamar esse homem de Arhat?’ Sunaksatra disse: ‘Podemos até
ser capazes de mudar as naturezas dos quatro grandes elementos, mas
é impossível fazer essa pessoa cair no Inferno Avichi’. Eu disse: ‘Oh
estúpido! Você nunca ouviu que o Buda-Tathagata verdadeiramente
jamais usa duas palavras [isto é, fala falsamente]?’ Falei assim, mas ele
não acreditou em minhas palavras.

Oh bom homem! Certa vez vivi em Rajagriha com Sunaksatra. Naquela


ocasião, havia um Nirgrantha na cidade-castelo que era chamado ‘Do-
minado-pela-Tristeza’. Ele sempre dizia: ‘A impureza de um ser não
tem causa direta ou indireta. A emancipação de nós seres também não
tem causa direta ou indireta’. O Monge Sunaksatra disse: ‘Oh Honrado
pelo Mundo! Se alguém é um Arhat, esse ‘Dominado-pela-Tristeza’ é o
maior’. Eu disse: ‘Você é estúpido! O Nirgrantha ‘Dominado-pela-
Tristeza’ não é Arhat. Ele não pode compreender a conduta de um
Arhat’. Sunaksatra ainda disse: ‘Por que um Arhat se torna invejoso de
outro?’ Eu disse: ‘Oh você, estúpido! Eu não tenho inveja de qualquer
pessoa. É apenas você que tem noções distorcidas. Se você disser que
Dominado-pela-Tristeza é um Arhat, ele sofrerá de indigestão, terá
dores de estômago, morrerá e, após a morte, nascerá em meio aos
espíritos famintos, e seus companheiros carregarão o seu cadáver e o
colocarão no Sitavana (monastério)’. Então, Sunaksatra foi ao Nirgran-
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 217
tha e disse: ‘Oh Erudito! Você sabe ou não que o Shramana Gautama
profetiza que você sofrerá de indigestão, terá dores de estômago e
morrerá, e que após a sua morte, você nascerá em meio aos espíritos
famintos, e que seus companheiros e mestres carregarão o seu cadáver
e o colocarão no Sitavana? Oh Erudito! Pense bem e use expedientes
para fazer Gautama ver que ele está dizendo mentiras’. Então, Domi-
nado-pela-Tristeza, ao ouvir isto, jejuou. Isto continuou do primeiro ao
sexto dia. No sétimo dia, ele encerrou o seu jejum e tomou algum me-
lado (de cana). Após comer isto, ele bebeu alguma água fria, sentiu
uma dor, e morreu. Após a morte, seus companheiros carregaram o
seu cadáver para o Sitavana. Ele adquiriu o corpo de um espírito famin-
to e sentou junto com os cadáveres. Sunaksatra, ao ouvir sobre isto, foi
ao Sitavana. Ele viu que Dominado-pela-Tristeza estava na forma de
um espírito faminto, vivendo ao lado de um cadáver e agachado no
chão. Sunaksatra disse: ‘Você está morto, oh grande?’ Dominado-pela-
Tristeza disse: ‘Estou morto’. ‘Como você morreu?’ ‘Morri de uma dor
no estômago’. ‘Quem carregou seu cadáver?’ Ele respondeu: ‘Meus
companheiros’. ‘Após carregá-lo, onde eles o colocaram?’ ‘Oh você,
estúpido! Você não sabe que estou no Sitavana? Agora nasci como um
espírito faminto. Ouça bem, oh Sunaksatra! O Tathagata fala coisas
boas, palavras verdadeiras, palavras oportunas, palavras significativas,
e as palavras do Dharma. Oh você, Sunaksatra! O Tathagata traz à boca
tais palavras verdadeiras. Por que você não acredita em suas palavras?
Qualquer um que não acredite em suas verdadeiras palavras adquirirá
o [tipo de] corpo que tenho agora’. Então, Sunaksatra voltou a mim e
disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O Nirgrantha, Dominado-pela-
Tristeza, morreu e nasceu no Céu Trayastrimsa’. Eu disse: ‘Oh você,
estúpido! Não há lugar onde um Arhat nasça. Como você pode dizer
que Dominado-pela-Tristeza nasceu agora no Céu Trayastrimsa?’ ‘Oh
Honrado pelo Mundo! Para dizer a verdade, o Nirgrantha, Dominado-
pela-Tristeza, não nasceu no Céu Trayastrimsa. Ele agora adquiriu o
corpo de um espírito faminto’. Eu disse: ‘Oh você, estúpido! O Buda-
Tathagata fala somente a verdade e não possui língua-dúbia. Nunca
diga que o Tathagata usa duas palavras’. Sunaksatra disse: ‘O Tathagata
falou assim naquela ocasião, mas não acreditei em você’. Oh bom ho-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 218
mem! Embora falasse o que era verdadeiro a Sunaksatra, ele jamais
teve um pensamento de me acreditar. Oh bom homem! Embora Su-
naksatra recite os 12 tipos de sutras e atinja os quatro dhyanas, ele não
conhece o significado de um gatha, de uma linha, ou de uma palavra.
Ao associar-se com um mau amigo, ele perdeu os quatro dhyanas. Ao
perder os quatro dhyanas, ele adquiriu uma má noção e disse: ‘Não há
Buda, nem Dharma, e nem Nirvana. O Shramana Gautama vê o futuro
de alguém fenomenologicamente. Assim, ele lê bem a mente dos ou-
tros’. Eu então disse a Sunaksatra: ‘O que eu falo é extensivamente
bom, desde o princípio, passando pelo meio, até o fim. Quaisquer pala-
vras que eu use são habilmente escolhidas; o significado é verdadeiro.
Naquilo que eu disse, não há nada que seja misturado (impuro). Eu sou
perfeito nas Ações Puras’. Sunaksatra novamente disse: ‘Embora o
Tathagata tenha falado do Dharma para o meu benefício, eu disse que
não havia realmente relações causais’. Oh bom homem! Se você não
acredita em mim, vá a Sunaksatra, que agora está vivendo às margens
do Rio Nairanjana. Vá e pergunte-lhe.”

Então, o Tathagata e Kashyapa foram juntos para onde Sunaksatra


estava vivendo. O Monge Sunaksatra viu o Buda vindo de longe. Ao vê-
lo, ele adquiriu um mau pensamento. Devido a esse mau pensamento,
ele caiu em vida no Inferno Avichi.

“Oh bom homem! o Monge Sunaksatra encontrava-se outrora na casa


do tesouro dos ensinamentos Budistas. Tudo (aquilo) nada significou;
ele não ganhou nada; nem um simples benefício do Dharma ele obte-
ve. Isso advém da indolência e de um mau amigo. Por exemplo, uma
pessoa entra no mar e vê muitos tesouros, mas nada obtém. Isto vem
da indolência. O caso é assim. Certa vez aquela pessoa entrou no mar e
viu os tesouros, matou-se, ou foi morta por um demônio rakshasa
[demônio devorador de carne]. É o mesmo com Sunaksatra. Ele entrou
no ensinamento, mas foi morto por um grande rakshasa, um mau mes-
tre da Via. Oh bom homem! Por essa razão, o Tathagata, por compai-
xão, sempre disse a Sunaksatra que ele era indolente demais.

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 219


Oh bom homem! Se [uma pessoa] é pobre, posso sentir piedade, mas
um pouco. Se uma pessoa foi rica certa vez, mas agora perdeu sua
riqueza, sinto piedade daquela pessoa muito mais. É a mesma situação
com Sunaksatra. Ele protegeu, recitou [as escrituras] e atingiu os qua-
tro dhyanas, e então os perdeu. Isto é uma grande pena. Assim, eu
digo: ‘Sunaksatra tem uma grande quantidade de indolência’. Sendo
muito indolente, ele está afastado das boas ações. Sempre que meus
discípulos vêem ou ouvem falar dele, nenhum há que sinta piedade
dessa pessoa. É como com a pessoa que antes possuía um bocado de
riqueza e depois a perdeu. Durante muitos anos eu vivi com Sunaksa-
tra. No entanto, ele sempre teve um mau pensamento. E em razão
desse mau pensamento, ele foi incapaz de abandonar as visões distor-
cidas da vida. Oh bom homem! Desde antigamente eu já via em Sunak-
satra apenas um punhado de cabelo de bondade, mas ele o perdeu.
Mesmo assim, jamais profetizei que ele era um icchantika, o mais re-
baixado, e alguém que teria que viver por um kalpa no inferno. Por
(ele) dizer que nunca existe qualquer causa ou efeito da ação, ele há
muito cortou as raízes do bem. Esse é o icchantika, o mais rebaixado, e
alguém que tem que viver por um kalpa no inferno. Assim eu profeti-
zei.

Oh bom homem! Há um homem que se afoga na privada. Um Bom


Mestre da Via sente piedade e procura por ele com suas mãos. Agar-
rando um fio de cabelo [da sua cabeça], ele pretende puxá-lo para fora.
Ele procura-o por um longo tempo, mas sem sucesso. E desiste. É o
mesmo comigo. Ao procurar apenas um pouco de bondade em Sunak-
satra, eu pretendia salvá-lo. Durante todo o dia eu tentei, mas não
pude segurar sequer um punhado de cabelo de bondade nele. Esse foi
o porquê não pude puxá-lo para fora do inferno’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por que você
profetizou que ele iria para o Inferno Avichi?”

“Oh bom homem! O Monge Sunaksatra tinha muitos aparentados com


ele. Todos eles diziam que Sunaksatra era um Arhat e que ele havia
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 220
atingido a Via, de forma que ele poderia aniquilar as idéias distorcidas.
Eu profetizei que Sunaksatra iria para o inferno devido à indolência. Oh
bom homem! Saiba que aquilo que o Tathagata diz é verdadeiro e que
não é dúbio. Por quê? Porque nunca poderia haver qualquer caso em
que, quando o Buda profetizou que uma pessoa iria para o inferno, a
pessoa falhasse em ir para lá. Há dois tipos de profecias que Sravakas e
Pratyekabudas fazem: falsas ou verdadeiras. Maudgalyayana disse a
todos em Magadha: ‘Choverá em sete dias’. O tempo passou, e não
houve chuva. Depois ele profetizou: ‘Essa vaca parirá um bezerro bran-
co’. Mas o que veio foi um unicórnio. Isto é como dizer que um macho
surgirá quando uma fêmea surge. Oh bom homem! O Monge Sunaksa-
tra falou a inumeráveis seres, e sempre disse que nenhum efeito cár-
mico bom ou mau surgiria. Através disto, ele cortou todas as raízes do
bem eternamente, e não permaneceu sequer um fio de cabelo do bem
[nele].

Oh bom homem! Eu sabia desde há muito tempo que esse Monge


Sunaksatra cortaria eternamente as raízes do bem. Mas, por vinte lon-
gos anos vivemos juntos. Se eu tivesse me afastado e nunca me apro-
ximado dele, esse homem falaria assim para inumeráveis seres, ensi-
nando outros a cometerem maldades. Isto é o que chamamos de quin-
to poder de compreensão do Tathagata.”

(O Bodhisattva Kashyapa disse:) “Oh Honrado pelo Mundo! Por que é


que os icchantikas não possuem bondade?”

“Oh bom homem! Porque os icchantikas são erradicados das raízes do


bem. Todos os seres possuem as cinco raízes como a fé, etc. Mas as
pessoas da classe dos icchantikas são eternamente erradicadas delas.
Por essa razão, alguém pode matar uma simples formiga e cometer o
pecado de prejudicar, mas a matança de um icchantika não [constitui
pecado].”

“Oh Honrado pelo Mundo! O icchantika nada possui que seja bom. É
por essa razão que essas pessoas são chamadas ‘icchantika’?”
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 221
O Buda disse: “É assim, é assim!”

“Oh Honrado pelo Mundo! Todos os seres possuem três tipos de bon-
dade, nomeadamente as do: 1) passado, 2) futuro, e 3) presente.
Mesmo o icchantika não pode cortar a bondade do futuro. Como se
pode dizer que alguém que corta toda a bondade é um icchantika?”

“Oh bom homem! Há dois tipos de rompimento. Um é o rompimento


no presente, e o outro é aquele que obstaculiza o presente e o futuro.
O icchantika é perfeito nesses dois rompimentos. Este é o porquê eu
digo que o icchantika é erradicado de todas as raízes do bem. Oh bom
homem! Por exemplo, há um homem que se afoga na privada, e resta
somente um simples fio de cabelo que não afundou. E esse fio de cabe-
lo não pode ser maior que o corpo. É o mesmo com o icchantika, tam-
bém. Ele pode ter a possibilidade de acumular bondades no futuro,
mas isto não pode livrá-lo das penas do inferno. Ele pode ser salvo nos
dias futuros, mas não pode ser (salvo) agora. Este é o porquê dizemos
irrecuperável. As relações causais da Natureza de Buda o salvarão. A
Natureza de Buda não é do passado, do futuro, ou do presente. Assim,
não se pode acabar com essa Natureza de Buda. Uma semente podre
não pode evocar um broto. A mesma é a situação do icchantika, tam-
bém.”

“Oh Honrado pelo Mundo! O icchantika não está separado da Natureza


de Buda. A Natureza de Buda é o que é bom. Como podemos dizer que
todo o bem é cortado?”

“Oh bom homem! Se um ser possui agora a Natureza de Buda, essa


pessoa não é icchantika. É como no caso da natureza do Eu. A Natureza
de Buda é o que é Eterno. Ela (a Natureza de Buda) não cai dentro da
categoria dos Três Tempos (Três Existências do presente, passado e
futuro). Se ela estivesse na categoria dos Três Tempos, ela seria não-
eterna. A Natureza de Buda é o que será visto (revelado) nos dias futu-
ros. Assim, podemos dizer que os seres possuem a Natureza de Buda.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 222
Por conta disto, o Bodhisattva dos dez estágios pode ver parcialmente
devido ao fato de que ele é perfeitamente adornado.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! A Natureza


de Buda é Eterna; é como o espaço. Por que é que o Tathagata diz que
ela poderá ser vista no futuro? Você, o Tathagata, diz que o icchantika
não tem raízes do bem. Pode o icchantika não amar seus companhei-
ros, mestres, pais, parentes, esposa e filhos? Se assim for, não é o caso
que ele tenha uma ação do bem?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você faz bem
de colocar essa questão. A Natureza de Buda é como o espaço. Não é
passado, nem futuro, e nem presente. Os seres podem aperfeiçoar o
corpo de pureza nos dias futuros, realizar-se e alcançar (revelar) a Na-
tureza de Buda. Este é o porquê eu digo que a Natureza de Buda é uma
coisa dos dias futuros. Oh bom homem! Para o benefício dos seres, às
vezes, Eu falo da causa e digo que é o efeito; às vezes, Eu falo do efeito
e digo que é a causa. Por essa razão, Eu digo nos sutras que vida é ali-
mento e que a forma material [‘rupa’] é tato [‘sparsa’]. O corpo dos
dias futuros será puro. Consequentemente, Natureza de Buda.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Se as coisas são como o Buda diz, porque
você diz: ‘Todos os seres possuem a Natureza de Buda’?”

“Oh bom homem! Embora não exista o presente da Natureza de Buda


dos seres, não podemos dizer que ela não existe. Embora, por nature-
za, não exista o presente do espaço, não podemos dizer que não existe
[espaço]. O caso é assim. Embora todos os seres sejam não-eternos,
essa Natureza de Buda é Eterna e não pode sofrer mudanças. Este é o
porquê eu digo neste sutra: ‘A Natureza de Buda dos seres não está
dentro e nem fora; é como no caso do espaço, que não está dentro e
nem fora’. Se houvesse dentro e fora no espaço, não poderíamos dizer
que o espaço é uno e eterno; nem poderíamos dizer que ele existe em
toda a parte. Embora o espaço exista nem dentro e nem fora, todos os
seres o possuem. O mesmo é o caso com a Natureza de Buda dos se-
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 223
res, também. Você diz que o icchantika tem uma causa do bem. Isto
não é assim. Por que não? O que quer que ele faça com o corpo, boca e
mente; e o que quer que ele obtenha, busque, dê ou receba, é tudo
mau por natureza. Por quê? Porque estas (coisas) não repousam sobre
a lei da causa e efeito. Oh bom homem! O Tathagata é perfeito na sa-
bedoria e poder com relação a todos os dharmas (leis). Assim, ele co-
nhece bem as diferenças entre a alta, média e baixa qualidades de
todos os seres. Ele de fato sabe se uma pessoa transforma a baixa na
media, a média na alta, a alta na média, e a média na baixa. Por essa
razão, saiba que não pode haver qualquer fixação (permanência) nas
qualidades dos seres. Não sendo fixa, a boa (qualidade) é perdida; e
quando ela é perdida, a pessoa a adquire novamente. Se acaso a raiz
da qualidade de um ser fosse fixa, uma vez perdida, ela nunca mais
voltaria. Também, não devemos dizer que o icchantika cai no inferno e
que a vida no inferno tem a duração de um kalpa [aeon]. Oh bom ho-
mem! Este é o porquê o Tathagata diz que nenhum estado é fixo (per-
manente) na existência.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Tathagata, com o poder de ser capaz de saber todas as coisas,
vê que Sunaksatra certamente está para perder todas as raízes do bem.
Por que você permite-lhe estar na Sangha?”

O Buda disse: “Oh bom homem! No passado, quando deixei o lar, meu
irmão mais jovem, Nanda, meus primos Ananda e Devadatta, e meu
filho Rahula, todos seguiram meus passos e renunciaram ao mundo e à
vida [secular], e praticaram a Via. Se eu não tivesse permitido-lhe jun-
tar-se à Sangha, ele teria chegado ao trono. Conquistando poder irres-
trito, ele teria destruído os ensinamentos Budistas. Por essa razão, eu
lhe permiti entrar para a Sangha. Oh bom homem! Se ele não tivesse
entrado para a Sangha, ele teria se afastado das raízes do bem, e por
inumeráveis eras futuras ele destruiria os ensinamentos Budistas. Por
essa razão, ele está agora na Sangha. Embora nada possua de bom, ele
defende os preceitos e respeita os anciãos, os velhos e os virtuosos, faz
oferecimentos, e pode praticar os dhyanas do primeiro ao quarto. Estas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 224
são causas do bem. Tais boas causas evocarão o que é bom. Quando o
bem surgir, ele praticará bem a Via, e através disto, atingirá a Ilumina-
ção Insuperável. Por essa razão, eu permiti a Sunaksatra entrar para a
Sangha. Oh bom homem! Se eu não tivesse permitido a Sunaksatra ser
ordenado e receber os shila (preceitos), Eu não poderia ter dito possuir
os dez poderes do Tathagata.

Oh bom homem! O Buda vê que um ser possui ambas as coisas, o bem


e o mal. Embora um humano possua [essas] duas coisas, ele logo se
afastará das raízes do bem e possuirá o que não é bom. Por quê? Por-
que essa pessoa não se associa a um Bom Mestre da Via, não dá ouvi-
do ao Dharma Maravilhoso, não tem bons pensamentos, e não age
como deveria agir. Assim, essa pessoa afasta-se do bem e realiza o que
não é bom. Oh bom homem! O Tathagata sabe que essa pessoa, nesta
ou na próxima vida, quando criança, no auge da vida, ou na velhice,
aproximar-se-á de um bom amigo, dará ouvido ao Dharma Maravilho-
so, ao sofrimento, à causa do sofrimento, à extinção do sofrimento, e
ao Caminho que conduz à extinção do sofrimento, e então retornará
novamente e praticará o bem.

Oh bom homem! Por exemplo, há uma fonte que não está longe de um
vilarejo. A água é doce e bela, e possui oito virtudes. Há um homem lá
que está muito sedento e deseja ir até a fonte. Há uma pessoa sábia, a
qual pensa que o homem sedento infalivelmente acorrerá para a fonte,
porque ele vê que o caminho até lá não é difícil. O caso é assim. Dessa
maneira o Tathagata-Honrado-pelo-Mundo vê os seres. Por conta dis-
to, dizemos que o Tathagata é perfeito no poder de conhecimento de
todas as coisas relativas a todos os seres.”

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 225


A Terra Sobre a Unha do Dedo

Então, o Honrado pelo Mundo pegou uma pequena porção de terra e a


depositou sobre a unha do seu dedo, dizendo a Kashyapa: “Qual é
maior? Esta porção de terra, ou aquela das dez direções?”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! A


terra na unha do seu dedo não pode ser comparada à terra das dez
direções.”

“Oh bom homem! Abandona-se o corpo e se obtém um corpo nova-


mente; descarta-se o corpo dos três reinos do infortúnio [isto é, os
reinos do inferno, dos espíritos famintos e dos animais] e obtém-se
outro corpo. E quando todos os sentidos orgânicos são perfeitos, ga-
nha-se vida num País Central (Lugar Central – ‘Middle Country’), ganha-
se a fé correta, e pratica-se bem a Via. Ao praticar bem a Via, uma pes-
soa de fato pratica a Via Correta. Ao praticar a Via Correta, atinge-se a
Emancipação, e então entra-se verdadeiramente no Nirvana. Estes são
como a terra sobre a unha do meu dedo. Uma pessoa descarta o pró-
prio corpo, e obtém um (corpo) dos três reinos do infortúnio. Descarta
o corpo dos três reinos do infortúnio, e ganha (outro) corpo dos três
reinos do infortúnio. Alguém que não seja perfeito em todos os seus
sentidos orgânicos, ganha vida num lugar fora-do-caminho [lugar re-
moto], adquire uma visão de cabeça para baixo da vida, segue um ca-
minho tortuoso, e não atinge a Emancipação e o Nirvana. Estes podem
ser comparados à terra das dez direções.

Oh bom homem! Alguém que defenda os preceitos sempre faz esfor-


ços, não comete as quatro graves ofensas, não comete os cinco peca-
dos mortais, não usa as coisas que pertencem à Sangha, não se torna
um icchantika, e não se afasta das raízes do bem. Essas pessoas que
acreditam neste Sutra do Nirvana podem ser comparadas à terra sobre
a unha do meu dedo. Aqueles que violam os preceitos, aqueles que são
indolentes, aqueles que cometem as quatro graves ofensas, aqueles

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 226


que cometem os cinco pecados mortais, aqueles que usam as coisas da
Sangha, aqueles que se tornam icchantikas, aqueles que cortam todas
as raízes do bem, e aqueles que não acreditam neste sutra são tão
numerosos quanto a terra nas dez direções. Oh bom homem! O Tatha-
gata conhece bem as qualidades dos seres da alta, média e baixa [posi-
ções]. Devido a isso, dizemos que o Buda é perfeito no poder de ser
capaz de ver através da raiz de todas as coisas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Tathagata possui esse poder de ver através da raiz das coisas. Devido a
isto, ele verdadeiramente conhece a acuidade e a deficiência, as dife-
rentes qualidades dos seres da alta, média e baixa (posições), e tam-
bém conhece bem as qualidades das raízes dos seres do mundo do
presente e também aquelas dos seres do futuro. Esses seres, quando o
Buda desaparecer, dirão que o Tathagata entrou definitivamente no
Nirvana, ou que ele não entrou definitivamente no Nirvana. Ou eles
podem dizer que existe o Eu, ou que não há Eu. Ou eles podem dizer
que há uma existência intermediária, ou que isso não existe; ou que
existe retroação, ou que isso não existe; ou que o Tathagata possui um
corpo criado, ou o que ele possui é um corpo não criado; ou que os 12
elos do surgimento interdependente são do criado, ou que as relações
causais são do não-criado; ou que a mente é eterna, ou que é não-
eterna; ou que quando se compartilha da alegria dos cinco desejos, isto
obstaculiza o Caminho Sagrado ou não; ou que ‘laukikagradharma’
[‘raiz do bem primordial do mundo’, ou ‘condição primordial do mun-
do’ – o quarto e mais elevado ‘nirvedha-bhaga’, introspecção intelec-
tual, insight] pertence apenas ao mundo do desejo, ou que concerne
aos três reinos do infortúnio; ou que dana é uma coisa da mente, ou
que pertence ao reino cinco skandhas. Ou eles dirão que há três [coi-
sas] não criadas, ou que elas não existem. Ou eles dirão que existe
‘matéria’ criada, ou que tal coisa não existe; ou que existe uma ‘maté-
ria’ não criada, ou que nada disso existe. Ou eles dirão que existem
funções mentais, ou que nada disso existe. Ou eles dirão que há cinco
tipos de ‘é’, ou existem seis deles; ou que se alguém for perfeito nas
oito purificações [‘astangasamanvagatopavasa’] e nos preceitos do
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 227
Leigo, poderá obter muitos [benefícios], ou que alguém poderá obtê-
los mesmo que não seja perfeito nessas observâncias. Ou se dirá que
mesmo quando um Monge cometeu as quatro graves ofensas, ainda
há preceitos [de moralidade] para aquele Monge, ou que isso não exis-
te. Ou eles dirão que todos os Srotapannas, Sakrdagamins, Anagamins,
e Arhats chegam ao que o Budismo visa, ou que isto não é assim. Ou
eles dirão que a Natureza de Buda está com o ser desde o nascimento,
ou que ela existe separada do ser. Ou se dirá que a Natureza de Buda
deve existir mesmo com aqueles tipos de pessoas que tenham cometi-
do as quatro graves ofensas, com aqueles dos cinco pecados mortais e
com os icchantikas, ou que eles não a possuem. Ou eles dirão que exis-
tem Budas nas dez direções, ou que não há Budas nas dez direções. Se
o Tathagata é perfeito no poder de ver através das naturezas dos seres,
por que ele não estabelece definitivamente acerca desses assuntos.”

O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Tais coisas não são o que a
consciência dos olhos pode conhecer; nem são o que a consciência da
mente pode conhecer. São o que a Sabedoria pode conhecer. Para
uma pessoa que tenha Sabedoria, Eu não digo nada de uma forma
dúbia; e este é o porquê Eu digo que não falo de duas maneiras. Para
aqueles que são ignorantes, Eu falo de maneira indefinida, e eles dizem
que Eu falo de maneira indefinida. Oh bom homem! Qualquer que seja
a boa ação que o Tathagata realize, é tudo para ajustar e subjugar to-
dos os seres. Por exemplo, qualquer que seja o conhecimento médico
que um bom doutor possua, é tudo para curar as doenças dos seres. O
mesmo é o caso aqui. Oh bom homem! O Tathagata, por conta da terra
(lugar), por conta da estação, por conta das outras linguagens, por
conta dos seres, das qualidades das raízes dos seres, com relação a
uma coisa, fala de duas maneiras. No caso de um nome, ele usa inume-
ráveis nomes; para um significado, ele apresenta inumeráveis nomes;
com respeito a inumeráveis significados, ele fala de inumeráveis no-
mes.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 228


Inumeráveis Nomes para Uma Coisa

Como ele fala de inumeráveis nomes quando se refere a uma coisa?


Isto é como no caso do Nirvana, o qual é chamado Nirvana, não-
nascimento, não-aparecimento, não-ação, não-criado; também [é
chamado] refúgio, vihara [lugar de residência], Emancipação, luz, uma
lâmpada, a outra margem, destemor, não-retroação, a casa da paz,
quietude, amorfia; também, o não-dual, a ação única, frio, não-
escuridão, o desobstruído, não-contenda, o não-impuro, vasto e gran-
de; também, amrta [Imortalidade] e felicidade. As coisas são assim. Isto
é como dizemos que uma coisa possui inumeráveis nomes.

Um Significado para Inumeráveis Nomes

Como um se refere a inumeráveis nomes? Isto é como no caso de De-


vendra, que é chamado Devendra, Kausika, Vasava, Puramda, Magha-
vat, Indra, Mil-Olhos, Saci, Vajra, Báculo do Tesouro, e Estandarte do
Tesouro. O caso é assim. Isto é como dizemos que um significado pos-
sui inumeráveis nomes.

Inumeráveis Significados para Inumeráveis Nomes

Como usamos inumeráveis significados para inumeráveis nomes? Isto é


como no caso do Buda-Tathagata. Dizemos ‘Tathagata’, no qual o signi-
ficado é diferente e o nome é diferente. Também, dizemos ‘Arhat’, que
tem um significado diferente e o nome é diferente. Também, dizemos
‘Samyaksambuddha’ [Plenamente Iluminado], que tem um significado
diferente e um nome diferente. Também, dizemos ‘Mestre Marinhei-
ro’. Também, dizemos ‘Guia’ e ‘Corretamente Iluminado’. Também,
dizemos ‘Plenamente-Realizado’. Também, dizemos ‘Grande Rei-Leão’;
também, ‘Shramana’, ‘Brâmane’, ‘Quietude’, ‘Danapati’ [doador], ‘pa-
ramita’ [perfeição transcendente], ‘Grande Médico’, ‘Grande Elefante-

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 229


Rei’, Grande Naga-Rei’, ‘Doador de Olhos’, ‘Grande Lutador’, ‘Grande
Destemido’, ‘Mundo de Tesouros’, ‘Mercador’, ‘Emancipado’, ‘Grande
Homem’, ‘Mestre de Humanos e Celestiais’, ‘Pundarika’ [lótus branco],
‘Único, sem Igual’, ‘Grande Campo de Bênçãos’, ‘Grande Oceano de
Sabedoria’, ‘Amorfia’, e ‘Perfeito nos Oito Conhecimentos’. Assim te-
mos diferentes significados e diferentes nomes. Este é o porquê dize-
mos que inumeráveis significados possuem inumeráveis nomes.

Inumeráveis Nomes para Um Significado

Também, há outro caso onde o significado é um, mas os nomes são


muitos. O assim chamado ‘skandha’ é chamado: skandha, cabeça para
baixo, satya; é apresentado como: quatro recordações, quatro tipos de
comida, e quatro moradas da consciência. Também, é chamado de ‘é’,
caminho, momento, mundo, ‘Paramartha-satya’ [Realidade Última],
três práticas do corpo, preceitos e mente, causa e efeito, impurezas,
Emancipação, 12 elos do surgimento interdependente, Sravaka, Prat-
yekabuda, inferno, espíritos famintos, animalidade, humano e celestial.
Também, é chamado: passado, presente, e futuro. Este é o porquê
dizemos que inumeráveis são os nomes para um significado.

Oh bom homem! O Tahagata-Honrado-pelo-Mundo, para o benefício


dos seres, fala do simplificado na relação para detalhadas manifesta-
ções, e do detalhado na relação para o simplificado. Ele fala da Verdade
Última e a transforma em verdade mundana; e fala da verdade mun-
dana e a transforma em Verdade Última.

Como ele fala do detalhado, do médio, e do simplificado? Isto é como


quando se diz para os Monges: ‘Agora falarei a vocês dos 12 elos do
surgimento interdependente. O que são os 12 elos do surgimento in-
terdependente? Eles são nada mais que causa e efeito’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 230


Como ele fala do detalhado, do médio, e do simplificado? Isto é como
quando ele diz aos Monges: ‘Eu agora falarei do sofrimento, a causa do
sofrimento, a extinção (do sofrimento), e a Via para a extinção do so-
frimento. O sofrimento são as várias inumeráveis aflições. A causa do
sofrimento são as inumeráveis impurezas. A extinção do sofrimento
são as inumeráveis emancipações. A Via são os inumeráveis expedien-
tes’.

Como ele fala sobre a Verdade Última e a transforma em verdade


mundana? Isto é como quando é dito aos Monges: ‘Agora, este corpo
tem velhice, doença, e morte’.

Como ele fala da verdade mundana e a transforma em Verdade Últi-


ma? Isto é como quando Eu disse a Kaundinya: ‘Agora você, Kaundinya,
é assim chamado porque obteve o Dharma’. Assim, Eu estou em con-
cordância com a pessoa, vontade, e tempo. Por isso, dizemos que o
Tathagata tem o poder de ver através das qualidades das raízes de
todas as coisas. Oh bom homem! Se Eu falasse sobre as coisas em ter-
mos definidos, não seria o caso (de dizer) que o Tathagata fosse perfei-
to no poder de ver através das qualidades das raízes de todas as coisas.

Oh bom homem! Alguém com Sabedoria sabe que aquilo que um gan-
dhahastin (elefante almiscarado) carrega não pode ser suportado por
um burro. Todos os seres fazem inumeráveis coisas. Assim, o Tathagata
fala inumeráveis coisas diferentemente. Por quê? Porque os seres pos-
suem várias impurezas. Se o Tathagata falasse somente de uma ação,
não poderíamos dizer que o Tathagata fosse perfeito e realizado no
poder de ver através das qualidades das raízes de todas as coisas. As-
sim, Eu digo num sutra: ‘Não falo para os cinco tipos de pessoas os
cinco tipos de coisas. Para alguém que não tenha fé, (falo) alguém que
não professa a fé correta; para alguém que viole as proibições, (falo)
alguém que não enaltece a observância dos preceitos; para o mesqui-
nho, (falo) alguém que não enaltece dana [doação]; para o indolente,
(falo) do aprendizado; e para o ignorante, (falo) da Sabedoria’.

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 231


Por que não? Se uma pessoa sábia fala para esses cinco tipos de pesso-
as sobre essas cinco coisas, saiba que não se poderá dizer que aquele
pregador possui o poder de ver através das qualidades das raízes de
todas as coisas; não se poderá dizer que (ele) tenha piedade dos seres.
Por que não? Porque esses cinco tipos de pessoas, quando ouvirem
essas [coisas], adquirirão uma mente descrente, uma mente irada e,
em conseqüência disto, sofrerão dolorosos efeitos cármicos por inu-
meráveis eras. Por essa razão, em prol da piedade, não chamamos tal
pessoa de alguém possuidor do poder de ver através das qualidades
das raízes dos seres. Este é o porquê Eu digo num sutra a Shariputra:
‘Você deve ter cuidado para não falar ao bem-dotado (de inteligência)
extensivamente sobre o Dharma e para o mal-dotado numa linguagem
simplificada’. Shariputra disse: ‘Eu só falo por piedade, e não porque
possuo esse poder de ver através das qualidades das raízes dos seres’.

Oh bom homem! Os sermões do detalhado e do simplificado perten-


cem ao mundo do Buda. Não são o que Sravakas e Pratyekabudas pos-
sam saber.

Oh bom homem! Você diz: ‘Após a entrada do Buda no Nirvana, os


discípulos dirão várias coisas [divergentes]’. Essa pessoa não tem a
visão correta, em razão das relações causais do que está de cabeça
para baixo. Devido a isto, essa pessoa é incapaz de beneficiar a si pró-
pria, nem pode beneficiar outros. Todos os seres não são de uma
(mesma) natureza, uma raiz, uma ação, um tipo de terra (lugar), e de
um Bom Mestre da Via. Em razão disto, o Tathagata fala variadamente.
Devido a esta relação causal, todos os Budas-Tathagatas das dez dire-
ções e das Três Existências, proferem, para o benéfico dos seres, ser-
mões dos 12 tipos de sutras. Oh bom homem! O Tathagata profere
sermões dos 12 tipos de sutras. Isto não é para beneficiar seu próprio
Eu, mas para beneficiar outros. Em razão disto, o quinto poder do Ta-
thagata é chamado ‘poder da compreensão’. Em razão desses dois
poderes, o Tathagata sabe se a pessoa realmente cortará a raiz do bem
nesta vida, ou numa vida posterior; ou se ela ganhará a Emancipação

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 232


nesta vida ou numa vida posterior. Por isso, chamamos o Tathagata de
‘Lutador Insuperável’.

Oh bom homem! Alguém que diga que o Tathagata entra definitiva-


mente no Nirvana, ou que ele não entra, não compreende a mente do
Tathagata. Esta é a razão porque fala assim.

Oh bom homem! Neste Gandhamadana, há todos os tipos de rishis, em


número de 53.000, que acumularam todos os tipos de virtudes nos dias
do Buda Kashyapa. Entretanto, eles não alcançaram a Via Correta. Eles
[não] se aproximaram [mais provavelmente ‘não se aproximaram’ –
nota do editor] dos Budas e ouviram o Dharma Maravilhoso. Por causa
dessas pessoas, Eu, o Tathagata, disse a Ananda: ‘Entrarei no Nirvana
no final do terceiro mês’. Todos os devas ouviram isto, e suas vozes
chegaram ao Gandhamadana. Todos os rishis, ao ouvir isto, arrepende-
ram-se e disseram: ‘Ao nascer como humanos, por que não nos apro-
ximamos do Buda? O aparecimento do Buda-Tahagata neste mundo é
tão raro quanto a floração da Udumbara. Agora irei para onde o Hon-
rado pelo Mundo está e ouvirei o Dharma Maravilhoso’.

Oh bom homem! Então os rishis, em número de 53.000, vieram a mim.


Eu então, como exigido, falei do Dharma assim: ‘Todos vocês grandes!
A forma material é não-eterna. Por quê? Em razão do fato de que as
relações causais da forma material são não-eternas. Ela vem da causa
do não-eterno. Como a forma material poderia ser eterna? É o mesmo
caso até a consciência’. Todos os rishis, ao ouvir isto, atingiram o Arhat-
ship.

Oh bom homem! Na cidade-castelo de Kushinagar, havia lutadores, em


número de 300.000. Eles não pertenciam a ninguém. Tornando-se
arrogantes, uma vez que possuíam poder físico, vitalidade e riqueza,
eram bêbados e loucos. Oh bom homem! Para subjugar todos esses
lutadores, Eu disse a Maudgalyayana: ‘Dome esses lutadores!’ Então
ele, respeitosamente, de acordo com as minhas instruções, gastou
cinco anos ensinando-lhes. Mas, nenhum lutador alcançou o Dharma e
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 233
nenhum foi subjugado. Por conta disto, Eu, para o benefício dos luta-
dores, disse a Ananda: ‘No prazo de três meses, entrarei no Nirvana’.

Oh bom homem! Ao ouvir isto, todos os lutadores se reuniram e fize-


ram reparos na estrada. Três meses depois, Eu me desloquei de Vaisali
para o Castelo de Kushinagar, e no caminho vi muitos lutadores. Trans-
formando-me num Shramana, reuni os lutadores: ‘Todos vocês crian-
ças! O que estão fazendo?’ Os lutadores, ao ouvir isto, sentiram-se
vexados e disseram: ‘Oh você Shramana! O que você quer dizer cha-
mando-nos de crianças?’ Então eu disse: ‘Seu grande grupo de pessoas,
cujo número é de 300.000, nem mesmo é capaz de mover esse peque-
no pedaço de pedra. Como posso chamá-los a não ser de crianças?’
Todos os lutadores disseram: ‘Se você pode chamar-nos de crianças,
saiba-se que você deve ser um grande homem’. Eu então, naquela
ocasião, levantei a pedra com dois dedos. Ao testemunhar isto, todos
os lutadores pensaram que fossem dotados de uma força menor que a
minha, e disseram: ‘Oh você Shramana! Você pode mover essa pedra
para fora do caminho agora?’ Eu disse: ‘Por que estão tão seriamente
engajados nos reparos desta estrada’? ‘Oh Shramana! Você não sabe
que o Tathagata Shakyamuni está pegando essa estrada, virá para a
floresta das árvores sala e entrará no Nirvana? Por essa razão, estamos
fazendo os reparos e tornando-a plana’. Eu então os elogiei e disse:
‘Boas crianças! Vocês agora têm essa boa intenção. Afastarei essa pe-
dra agora’. Peguei a pedra e a atirei tão alto quanto o Céu Akanistha.
Então, todos os lutadores, ao ver que a pedra permaneceu suspensa no
céu, ficaram assustados e queriam fugir por todas as dez direções. Eu
então disse: ‘Oh lutadores! Não tenham receio e tentem voar em todas
as direções’. Todos os lutadores disseram: ‘Oh Shramana! Se você nos
salvar e proteger, permaneceremos em paz’. Então, coloquei minha
mão sobre a pedra e a coloquei na palma da minha mão direita. Ao ver
isto, os lutadores ficaram satisfeitos e disseram: ‘Oh Shramana! Essa
pedra é eterna ou não-eterna’? Eu então a soprei com minha boca, e a
pedra desintegrou em pedaços como partículas de pó. Ao ver isto, os
lutadores disseram: ‘Oh Shramana! Essa pedra é não-eterna’. Então,
sentindo vergonha, eles reprovaram-se e disseram: ‘Como é que sen-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 234
timos orgulho da nossa força física, vida e riqueza ilimitadas’? Eu, ven-
do através de suas mentes, abandonei meu corpo transformado, res-
tabeleci minha própria forma, e falei sobre o Dharma. Ao ver tudo isto,
os lutadores aspiraram à Iluminação.

Oh bom homem! Em Kushinagar, vive um artesão chamado Cunda.


Essa pessoa certa vez, no lugar do Buda Kashyapa, fez um grande voto:
‘Farei os últimos oferecimentos de comida para o Buda Shakyamuni
quando ele entrar no Nirvana’. Sendo este o caso, Eu, em Vaisali, olhei
para trás para Upamana e disse: ‘No prazo de três meses, entrarei no
Nirvana em Kushinagar, entre as árvores sala. Vá e faça com que Cunda
saiba disto’.

Oh bom homem! Em Rajagriha, há um rishi que é bem habilidoso nos


cinco poderes miraculosos e cujo nome é Subhadra. Ele tem 120 anos.
Ele se diz alguém versado em todas as coisas e é extremamente arro-
gante. No lugar de inumeráveis Budas, ele já acumulou todas as raízes
do bem. No sentido de ensiná-lo, Eu disse a Ananda: ‘Entrarei no Nir-
vana no prazo de três meses. Ao ouvir isto, Subhadra virá a mim e ga-
nhará um pensamento de fé. Falarei várias coisas a ele. Ao dar ouvido
ao que eu disser, ele acabará com as impurezas’.

Oh bom homem! Bimbisara, Rei de Rajagriha, tem um príncipe chama-


do Sudarsana. Esse príncipe, através de relações causais, adquiriu um
mau pensamento e intentou matar o seu próprio pai. Mas ele não sa-
bia como. Naquela ocasião, Devadatta, das relações causais do seu
passado, adquiriu um mau pensamento e desejou prejudicar a mim.
Ele praticou a Via para obter os cinco poderes miraculosos, e em pouco
tempo ele os obteve. Ele agora estabeleceu boas relações com Sudar-
sana, apresentando diversos milagres diante dele. Ele surgiu de onde
não havia porta, e entrou através de uma porta; ele saiu de uma porta,
e entrou num lugar onde não havia porta. Às vezes, ele invocava um
elefante ou um cavalo, uma vaca, uma ovelha, um homem ou uma
mulher. Ao ver isto, Sudarsana adquiriu um pensamento afetuoso, um
pensamento de prazer e de respeito. E em conseqüência, ele fez vários
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 235
preparativos e ofereceu-lhes em vários utensílios. E disse: ‘Oh grande!
Agora desejo ver a mandarava [a flor]’. Então, Devadatta foi ao Céu
Trayastrimsa e a solicitou das mãos de um deva [ser celestial]. Como
todo o bem que ele pudesse ter acumulado chegara a um fim, ninguém
a daria [para ele]. Incapaz de obter a flor, ele pensou: ‘A flor de manda-
rava não possui um Eu ou o que pertença ao Eu. Eu a pegarei agora, e
que pecado cometeria’? Conforme ele caminhou adiante, com a inten-
ção de pegá-la, ele perdeu o seu poder divino. Ele voltou a si e foi então
para Rajagriha. Sentindo vergonha de si mesmo, ele não podia olhar [a
face de] Sudarsana. E pensou para si: ‘Agora irei ao Buda e lhe pedirei
para confiar a massa [a comunidade de seguidores do Buda] a mim. Se
ele concordar, estarei apto a comandar livremente Shariputra e ou-
tros’. Então, Devadatta veio a mim e disse: ‘Oh Tathagata! Confie sua
grande massa sob minha orientação, tal que eu possa ensinar e conce-
der-lhes a Via’. Eu disse: ‘Oh tolo! Eu não confio a grande massa mes-
mo às mãos do altamente inteligente e sábio Shariputra, em quem o
mundo tem confiança. Por que Eu a confiaria a você, que apenas engo-
le sua própria saliva’? Então Devadatta adquiriu o mais odioso dos pen-
samentos contra mim e disse: ‘Você pode agora ter controle sobre seu
povo. Mas seu poder em breve desaparecerá’. Conforme ele disse isto,
a grande terra sacudiu seis vezes. Devadatta imediatamente caiu ao
chão. Seu corpo emitiu uma grande tormenta, que soprou toda a poei-
ra e fez-lhe parecer sujo. Devadatta, ao ver esse mau efeito, ainda dis-
se: ‘Se eu agora cair no Inferno Avichi, certamente retribuirei esse
grande ressentimento’. Então, levantando-se, ele foi a Sudarsana, que
perguntou: ‘Por que, oh Sagrado, você parece tão cabisbaixo e triste’?
Devadatta disse: ‘Eu agora estou em circunstâncias muito íntimas com
você. Outras pessoas o criticam e dizem que o que você faz vai contra a
razão. Eu ouvi isto. Como posso não me sentir preocupado’? O príncipe
Sudarsana ainda indagou: ‘De que forma o povo da terra me critica’?
Devadatta disse: ‘As pessoas da terra dizem que você é um desnatura-
do’. Sudarsana disse novamente: ‘Por que eu sou um desnaturado?
Quem diz isto?’ Devadatta disse: ‘Quando você ainda não era nascido,
o áugure disse: ‘Esse filho, quando crescer, matará seu próprio pai’.
Esse é o porquê todas as outras pessoas o chamam de desnaturado.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 236
Todas as pessoas da sua casa o chamam de ‘bonito’ apenas para prote-
ger a sua mente. A consorte real, Vaidehi, ao ouvir aquilo, deu nasci-
mento a você no topo de uma alta edificação, em conseqüência do que
você caiu ao chão e perdeu um dos seus dedos. Este é o porquê todas
as pessoas o chamam de ‘Balaruci’ [alguém sem um dedo]. Quando
ouvi isto, me senti arrependido. Mas não podia dizer isso a você’. As-
sim, Devadatta ensinou coisas más a Sudarsana e fez-lhe matar seu
próprio pai. ‘Se o seu pai morrer, eu também, certamente, matarei o
Shramana Gautama’.

Sudarsana tinha um ministro chamado Varsakara, a quem indagou:


‘Por que o grande Rei chamou-me Ajatasatru’? O ministro contou-lhe
toda a história, a qual não era outra senão a que Devadatta havia con-
tado. Ao ouvir isto, Sudarsana trancou o ministro e seu próprio pai num
lugar fora do castelo, e mantinha o lugar guardado pelos quatro tipos
de soldados. A Rainha Vaidehi, ao saber disto, foi para onde o Rei se
encontrava aprisionado. Os guardas não lhe permitiram entrar. Então a
Rainha ficou furiosa e reprovou (a atitude) dos guardas. Então, todos os
guardas disseram ao Príncipe: ‘Oh grande Rei! A Rainha deseja ver o
Rei. É difícil saber se a deixamos entrar ou não’. Sudarsana ficou vexa-
do, foi à sua mãe, pegou-a pelo cabelo, desembainhou a espada e pre-
tendia matá-la. Então Jivaka disse: ‘Oh grande Rei! Desde o início do
governo, por mais que tenha sido sombrio, nenhum pecado se esten-
deu ao sexo feminino. Como você pode agir assim com alguém que lhe
deu nascimento’? Ao ouvir isto, por causa de Jivaka, ele a soltou. E
privou seu pai de todas as coisas como roupas, roupas de cama, comi-
da, bebida e remédios. Sete dias depois, o Rei morreu. Sudarsana pro-
cedeu o funeral e então se arrependeu. Varsakara lhe falou de diferen-
tes maneiras sobre várias coisas más: ‘Oh grande Rei! Não há pecado
naquilo que você fez. Por que agora você se queixa tanto’? Jivaka disse:
‘Oh grande Rei! Saiba que tal ação é duplamente pecaminosa. Um
pecado é matar o próprio pai, e o outro é matar um Srotapanna. Nin-
guém pode erradicar esses pecados senão o Buda’. Sudarsana disse: ‘O
Tathagata é puro e nada tem que seja corrupção. Como posso eu, o
impuro, esperar vê-lo’?
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 237
Oh bom homem! Ao ver isto, Eu disse a Ananda: ‘No prazo de três me-
ses, eu entrarei no Nirvana’. Ouvindo isto, Sudarsana veio a mim. Eu,
então, falei do Dharma. Através disto, seu grave pecado foi amenizado
e ele adquiriu uma fé que não estava enraizada nele. Oh bom homem!
Todos os meus discípulos, ao ouvir isto, não podiam compreender o
que estava em minha mente. Assim, eles disseram: ‘O Tathagata está
entrando definitivamente no Nirvana’.

Oh bom homem! Há dois tipos de Bodhisattvas. Um é real, e o outro é


temporário. Os Bodhisattvas da classe temporária, ao ouvir que eu
entraria no Nirvana no prazo de três meses, todos adquiriram uma
mente retroativa e disseram: ‘Se o Tathagata é não-eterno e não vive-
rá, o que podemos fazer? Sofreremos grandes penas através de inume-
ráveis vidas futuras. O Tathagata-Honrado-pelo-Mundo é realizado e
perfeito em inumeráveis virtudes. Mesmo assim, ele nada pode fazer
para esmagar Mara [o demônio]. Como poderíamos nós esmagá-lo’?

Oh bom homem! Para o benefício desses Bodhisattvas, Eu disse: ‘O


Tathagata é Eterno e Imutável’. Oh bom homem! Ao ouvir isto, ne-
nhum dos meus discípulos pode compreender o que pretendo dizer, e
dizem: ‘Está definido (claro) que o Tathagata não entrará no Nirvana’.

Oh bom homem! Os seres adquirem essa visão de existência do mundo


e dizem: ‘Nenhum de nós seres recebe qualquer efeito cármico após a
morte’. Para esses, Eu digo: ‘Há pessoas que efetivamente recebem
retornos cármicos. Como sabemos que ele seja como ‘é’?’

Oh bom homem! Em tempos passados, houve um rei em Kushinagar


chamado Sudarsana. Para se tornar uma criança, ele levou 84.000 a-
nos; para se tornar um príncipe da coroa, outros 84.000 anos; e para se
tornar um rei, mais 84.000 anos. Sentando-se sozinho, ele pensou para
si: ‘Os seres possuem poucas virtudes. Assim, a vida é curta. Os quatro
inimigos [por exemplo, impurezas, os skandhas, a morte, e Mara; ou
aqui: nascimento, velhice, doença, e morte] sempre os perseguem e
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 238
dão em cima deles, mas eles não os sentem e são indolentes. Em razão
disto, deixarei o lar, praticarei a Via, e afastarei os quatro inimigos, ou
seja, o nascimento, a velhice, a doença e a morte’. Assim, ele ordenou
aos seus oficiais a construção de uma casa com os sete tesouros, fora
do castelo. Ao ser construído o salão, ele disse aos seus ministros, ofici-
ais, mulheres do harém, crianças e parentes: ‘Saibam que desejo re-
nunciar a meu lar. Vocês concordam’? Então, os ministros e parentes
disseram: ‘Bem falado, bem falado, oh Rei! Agora é realmente a ocasi-
ão’. Assim, Sudarsana, acompanhado por um homem, foi sozinho para
aquela casa. Por 84.000 anos ele praticou a compaixão. Em conseqüên-
cia disto, gradativamente, ele se tornou um Chakravartin. Após trinta
gerações, ele se tornou Sakrodevanam; e por inumeráveis anos ele foi
[muitos] reis menores. Quem poderia ter sido aquele Sudarsana? Não
pense assim. Eu mesmo fui aquela pessoa. Oh bom homem! Todos os
meus discípulos, ao ouvir isto, falharam em captar a minha intenção e
disseram: ‘O Tathagata disse que definitivamente existe um Eu e o que
pertence ao Eu’.

Eu também disse a todos os seres: ‘Eu é natureza. Isso quer dizer que
todas as relações causais, os 12 elos do surgimento interdependente,
os cinco skandhas dos seres, o mundo da mente, todas as ações virtuo-
sas, e o mundo de Isvara (Deus) caem dentro da categoria do ‘eu’.’
Ouvindo isto, todos os meus discípulos não compreenderam minha
intenção e disseram: ‘O Tathagata disse que definitivamente existe o
‘eu’.’

Oh bom homem! Certa vez, numa outra ocasião, um Monge veio a


mim e indagou: ‘Honrado pelo Mundo! O que se entende por ‘eu’?
Quem é o ‘eu’? Por que dizemos ‘eu’?’ Eu então disse a esse Monge:
‘Oh Monge! Não há nada que possa ser chamado ‘eu’ ou o que perten-
ça ao ‘eu’. O olho é o que originalmente não foi, mas agora é; o que
certa vez foi, mas agora não é. Quando no aparecimento, não há nada
que ele suceda; e quando no desaparecimento, não há lugar para [ele]
ir. Pode haver efeitos cármicos, mas ninguém que agiu. Não há alguém
que abandona os skandhas e nem alguém que os receba. Você indaga:
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 239
‘O que é ‘eu’? É uma ação. Como poderia ser um ‘eu’? É desejo. Oh
Monge! Bata [suas] duas mãos, e teremos um som. O caso do ‘eu’
também é assim. As relações causais dos seres, a ação e o desejo são o
‘eu’. Oh Monge! A forma física [‘rupa’] de todos os seres é ‘não-eu’.
Não há forma física no ‘eu’; não há ‘eu’ na forma física. Isto se aplica [a
todos os skandhas] até a consciência. Oh Monge! Todos os tirthikas
[não-Budistas] dizem que existe o ‘eu’. Mas ele não está afastado dos
skandhas. Não há outro ‘eu’ senão os skandhas. Ninguém pode falar
dessa maneira. Todas as ações dos seres são como fantasmas, sendo
como uma miragem que aparece em tempos de calor. Oh Monge! Os
cinco skandhas são todos não-eternos, não-êxtase, não-eu, e não-
puros.

Oh bom homem! Então, houve inumeráveis Monges que vendo, atra-


vés dos cinco skandhas, o fato de que não há ‘eu’, e que nada pertence
ao ‘eu’, atingiram o Arhatship. Oh bom homem! Todos os meus discí-
pulos, ao ouvir isto, falham em compreender a minha intenção e di-
zem: ‘O Tathagata diz que definitivamente não há ‘Eu’.’

Oh bom homem! Eu também disse num sutra: ‘Adquire-se esse corpo


quando três coisas se juntam harmoniosamente. Uma é o pai, a outra a
mãe, e a terceira é a existência intermediária [‘chuon’ em japonês: uma
existência que é suposta existir após a morte e antes do nascimento de
alguém]. Essas três se juntam, e temos esse corpo’. Eu às vezes digo: ‘O
Anagamin [que não retorna ao Samsara] entra no Parinirvana; ou ele
entra num estado intermediário’. Ou às vezes digo: ‘O corpo e os ór-
gãos são perfeitos e puros: tudo surge das ações passadas, como no
caso da sarpirmanda pura’. Oh bom homem! Eu, às vezes, digo: ‘A exis-
tência intermediária que uma má pessoa obtém é como o tecido gros-
seiro de lã que é encontrado no mundo, enquanto a existência inter-
mediária que um ser bom e puro obtém é como o pano finamente
tecido de lã branca produzido em Varanasi’. Todos os meus discípulos
ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathaga-
ta diz que existe uma existência intermediária’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 240


Oh bom homem! Eu também disse isto àqueles que realmente come-
teram os pecados mortais: ‘Aqueles que cometem os cinco pecados
mortais caem no Inferno Avichi’. Eu também disse: ‘Monge Dharmaru-
ci, quando ele morrer, cairá imediatamente no Inferno Avichi. Não há
lugar intermediário para ficar’. Eu também disse ao Brahmacarin, Vat-
siputriya: ‘Oh Brahmacarin! Se houvesse uma existência intermediária,
teria que haver seis existências’. Eu também disse: ‘Para um ser sem-
forma, não pode haver existência intermediária’. Oh bom homem!
Todos os meus discípulos ouvem isto, falham em compreender a mi-
nha intenção, e dizem: ‘O Buda diz que definitivamente não pode haver
qualquer existência intermediária’.

Um Monge Chamado Kutei

Oh bom homem! Eu também digo num sutra: ‘Também, há retroação.


Por quê? Porque inumeráveis Monges são indolentes e preguiçosos, e
não praticam a Via’. Há cinco tipos de retroação, os quais são: 1) gosta-
se de possuir muitas coisas, 2) ao gostar, fala-se de coisas mundanas, 3)
gosta-se de dormir, 4) gosta-se de associar-se com pessoas do mundo
secular, 5) ao gostar, compromete-se. Em razão de tudo isto, o Monge
retrocede.

Há dois tipos de relações causais da retroação, a saber: 1) interna, 2)


externa. Uma pessoa do estágio de Arhat certamente abandona a cau-
sa interna, mas não a externa. Devido às relações causais externas, as
impurezas sobem à sua cabeça. Devido às impurezas, a retroação acon-
tece. Havia um Monge chamado Kutei, que havia retrocedido seis ve-
zes. Ao retroceder, ele se arrependia e novamente praticava a Via, e
agora o fazia pela sétima vez. Ao alcançá-la, e tendo medo de perdê-la
novamente, ele matou-se.

Eu também, às vezes, digo que há Emancipação, ou falo sobre os seis


Arhats. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 241


minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que decididamente há re-
troação’.

Oh bom homem! Eu também digo num sutra: ‘Por exemplo, assim


como o carvão nunca se transforma em madeira, e como quando um
pote de barro é quebrado ele nunca servirá como pote novamente,
assim se dá com as impurezas. A erradicação [das impurezas] por um
Arhat nunca mais se reverte’. Também, Eu digo: ‘Há três causas para os
seres possuírem impurezas. Estas são: 1) não se acaba com as impure-
zas, 2) não se acaba com as relações causais (das impurezas), 3) a pes-
soa não tem bons pensamentos. O Arhat não tem as duas (primeiras)
relações causais. Acaba-se com as impurezas e não há pensamentos
sobre coisas más’. Oh bom homem! Todos os meus discípulos ouvem
isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz
que nunca há retroação’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra que o Tathagata tem dois tipos de
corpos. Um é o corpo carnal [‘shoshin’ em japonês: ‘sho’ significa ‘natu-
reza essencial’ e ‘shin’ significa mente, consciência. Portanto, essa tra-
dução de ‘corpo carnal’ não é muito clara aqui – Ed.], e o outro é o
‘Dharmakaya’ [‘hosshin’ em japonês: Corpo do Dharma, Mente do
Dharma]. O corpo carnal é nada mais que um expediente e acomoda-
ção. Assim, esse corpo se sujeita ao nascimento, velhice, doença e mor-
te. É longo, curto, preto e branco; isto é correto, aquilo [não] é correto;
isto é aprendizado ou não-aprendizado. Todos os meus discípulos ou-
vem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata
diz que o corpo do Buda é meramente o que é criado’. O Dharmakaya é
o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro; está eternamente apartado do nasci-
mento, velhice, doença e morte. Não é branco, nem preto, nem é lon-
go ou curto; não é aprendizado e nem não-aprendizado. O Buda é al-
guém que apareceu ou alguém que não apareceu. Ele é Eterno. Ele não
se move. Não há mudança. Oh bom homem! Todos os meus discípulos
ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathaga-
ta diz que o corpo do Buda é definitivamente um corpo não criado’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 242


Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘O que são os 12 elos da interde-
pendência? Da ignorância surge a ação, da ação a consciência, da cons-
ciência a mente-e-corpo, da mente-e-corpo as seis esferas [dos senti-
dos], das seis esferas o toque, do toque o sentimento, do sentimento o
desejo, do desejo o apego, do apego a existência, da existência o nas-
cimento, e do nascimento a velhice-e-morte, apreensão e tristeza’. Oh
bom homem! Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreen-
dem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que os 12 elos da
interdependência são decididamente o (ser) criado’.

Certa vez, Eu dei a um Monge uma injunção e disse: ‘Os 12 elos da


interdependência são o Buda, o não-Buda, características, e o Eterno’.

Oh bom homem! Há um caso onde os 12 elos da interdependência


surgem de relações causais. Também, há um caso onde eles surgem a
partir das relações causais e, no entanto, não são os 12 elos da inter-
dependência. Também, há um caso onde eles surgem das relações
causais e são os 12 elos da interdependência. Também, há um caso
onde eles não são aqueles que surgem das relações causais ou dos 12
elos da interdependência.

Dizemos que há um caso onde eles surgem das relações causais dos 12
elos da interdependência. Isto é dito com relação aos 12 elos da inter-
dependência do futuro.

Dizemos que há um caso onde eles surgem a partir das relações causais
e, no entanto, não são os 12 elos da interdependência. Isto se refere
aos cinco skandhas de um Arhat.

Dizemos que há um caso onde eles surgem das relações causais e são
os 12 elos da interdependência. Isto se refere aos 12 elos da interde-
pendência dos cinco skandhas do mortal comum.

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 243


Dizemos que há um caso onde eles não são aqueles que surgem das
relações causais ou dos 12 elos da interdependência. Isto se refere ao
espaço e ao Nirvana.

Oh bom homem! Todos os meus discípulos ouvem isto, não alcançam a


minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que os 12 elos da interde-
pendência são definitivamente o não-criado’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Todos os seres cometem boas e


más ações. Quando morrem, os quatro grandes elementos se desinte-
gram imediatamente. Com aqueles cujas ações são puras e boas, suas
mentes viajam para cima; aqueles cujas ações são apenas do mal via-
jam para baixo’. Oh bom homem! Todos os meus discípulos ouvem
isto, falham em compreender minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata
diz que definitivamente a mente é eterna’.

Oh bom homem! Eu, certa vez, disse a Bimbisara: ‘Saiba, oh grande Rei,
que a forma [‘rupa’] é não-eterna. Por quê? Porque ela surge de uma
causa do não-eterno. Se essa forma surge de uma causa do não-eterno,
como pode o sábio dizer que isto é eterno? Se a forma fosse eterna,
não haveria qualquer desintegração [dela] e nem o surgimento de to-
das as aflições. Ora, vemos que essa forma desintegra e torna-se dis-
persa. Portanto, deve-se saber que a forma é não-eterna. O mesmo se
aplica até a consciência, também’. Oh bom homem! Todos os meus
discípulos ouvem isto, não alcançam a minha intenção, e dizem: ‘O
Tathagata diz que a mente definitivamente pode ser cortada’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Todos os meus discípulos rece-


bem incenso e flores, ouro, prata, gemas, esposa, filhos, empregados e
empregadas, as oito coisas impuras, e mesmo assim eles alcançam o
Caminho Correto. Ao alcançá-lo, eles não o abandonam’. Eles ouvem
isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz
que se pode aceitar as coisas dos cinco desejos e que isto não obstrui a
Via Sagrada’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 244


E, certa vez, Eu disse: ‘Não pode haver um caso onde homens da vida
secular atinjam o Caminho Correto’. Oh bom homem! Todos os meus
discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem:
‘O Tathagata diz que compartilhar dos cinco desejos obstrui definitiva-
mente o Caminho Correto’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Ao acabar com as impurezas,


ainda não se atinge a Emancipação. Isto é como no caso onde se vive
no mundo do desejo e se pratica o laukikagradharma [introspecção
(insight) no mundo]’. Oh bom homem! Todos os meus discípulos ou-
vem isto, falham em compreender a minha intenção, e dizem: ‘O Ta-
thagata diz que o laukikagradharma nada mais é que uma coisa do
mundo dos desejos’.

E também Eu digo: ‘O usmagata, murdhana, ksanti, e o laukikagra-


dharma são nada mais que atingir os quatro dhyanas, do primeiro ao
quarto’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a
minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que o laukikagradharma é
nada mais que uma coisa do mundo da forma’.

E também Eu digo: ‘Todos os tirthikas já eram capazes de cortar as


impurezas que ficavam no caminho dos quatro dhyanas. Ao praticar o
usmagata, murdhana, ksanti, e o laukikagradharma, e meditar sobre as
Quatro Verdades, a pessoa obtém a fruição do Anagamin’. Todos os
meus discípulos ouvem isto, não percebem a minha intenção, e dizem:
‘O Tathagata diz que o laukikagradharma existe no mundo da não-
forma’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Dentre os quatro tipos de dana


[doação], há três que são puros. Os quatro são: 1) o doador acredita na
causa, efeito e dana, mas o receptor não, 2) o receptor acredita na
causa, efeito e dana, mas o doador não, 3) ambos, doador e receptor,
têm fé, e 4) ambos, doador e receptor, não têm fé. Destes quatro tipos
de dana, os primeiros três são puros’. Todos os meus discípulos ouvem

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 245


isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz
que dana é meramente a intenção (idéia)’.

Oh bom homem! Certa vez Eu disse: ‘Quando se faz doações, se dá


cinco coisas. Quais são as cinco? Estas são: 1) matéria, 2) poder, 3) paz,
4) vida, e 5) coragem na oratória. As relações causais dessas coisas
retornam para quem as deu’. Todos os meus discípulos ouvem isto,
não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Buda diz que dana é
nada mais que os cinco skandhas’.

Oh bom homem! Certa vez eu disse: ‘Nirvana é o que é cortado, e onde


as impurezas são eternamente aniquiladas, e onde nada fica para trás.
Isto é como no caso da luz de uma lâmpada. Quando extinta, não há
[re]aparecimento de uma coisa. É o mesmo com o Nirvana. Dizemos
‘Vazio’. Isto é onde não há lugar que possa ser nomeado. Por exemplo,
na vida mundana dizemos ‘como o Vazio’, quando nada há a ser possu-
ído. Isto é apratisamkhya-nirodha [isto é, quando as relações causais
para algo existir se acabam, nada pode surgir], onde nada há a ser pos-
suído. Se há algo que possa ser nomeado, deve haver relações causais.
Quando há relações causais, deve haver extinção. Quando não há, não
há extinção’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem
a minha intenção, e dizem: ‘O Buda diz que não há os três não-criados’.

Oh bom homem! Certa vez Eu disse a Maudgalyayana: ‘Oh Maudgalya-


yana! Nirvana é a sentença e a linha, o passo adiante, o derradeiro, o
destemor, o grande mestre, a grande fruição, o conhecimento extre-
mo, a grande ksanti [paciência], e o samadhi sem obstruções. Este é o
grande mundo do Dharma, o sabor da amrta [imortalidade] e é difícil
ver. Oh Maudgalyayana! Se for dito que não há Nirvana, como poderia
uma pessoa que calunia cair no inferno’? Oh bom homem! Todos os
meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e
dizem: ‘O Tathagata diz que existe Nirvana’.

Certa vez, Eu disse a Maudgalyayana: ‘Oh Maudgalyayana! O olho não


é inflexível. Assim se dá com o corpo carnal. Tudo é não inflexível. Sen-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 246
do não inflexível, dizemos Vazio. Onde a comida passa, e onde ela se
vira e é digerida, todos os sons são Vazio’. Todos os meus discípulos
ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathaga-
ta diz que o Vazio não-criado definitivamente existe’.

Também, certa vez Eu disse a Maudgalyayana: ‘Oh Maudgalyayana! Há


uma pessoa que ainda não atingiu a fruição do Srotapanna. Quando
residindo em ksanti, ela aparta-se dos efeitos cármicos dos três reinos
do infortúnio. Saiba que ela [a existência samsarica] não morre através
das relações causais do intelecto’. Todos os meus discípulos ouvem
isto, falham em compreender a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata
diz que definitivamente existe a apratisamkhya-nirodha’.

Oh bom homem! Eu, em certa ocasião, disse ao Monge Bhadrapala:


‘Você, Monge, deve meditar sobre a forma. Nada do passado, futuro,
presente, próximo, distante, grosseiro ou delicado é o Eu ou o que
pertence ao Eu. Meditando assim, o Monge realmente corta o desejo
pela forma’. Bhadrapala também disse: ‘O que é a forma’? Eu disse: ‘Os
quatro grandes elementos são a forma e os quatro skandhas são cha-
mados ‘nome’ [isto é, o que é mental]’. Todos os meus discípulos ou-
vem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata
diz que a forma é definitivamente os quatro grandes elementos’.

Oh bom homem! Por exemplo, através de um espelho, uma imagem


aparece. É o mesmo com a matéria também. Através dos quatro gran-
des elementos, as coisas surgem, tal como o grosseiro, o delicado, o
não-deslizante, o deslizante, o azul, amarelo, vermelho, branco, longo,
curto, quadrado, redondo, torto, anguloso, leve, pesado, frio, quente,
faminto, sedento, enfumaçado, nebuloso, empoeirado e sombrio. Este
é o porquê dizemos que a matéria surge como som (onda) ou forma
(partícula). Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a
minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que como há os quatro
grandes elementos, pode haver as obras da matéria’.

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 247


Oh bom homem! Em tempos passados, o Príncipe Bodhi disse: ‘Caso
um Monge que defenda os shila adquira um mau pensamento, saiba
que naquele momento ele perde os shila’.

Eu então disse: ‘Oh Príncipe! Há sete tipos de shila. Quando as coisas


surgem através do corpo e da boca, lá surge a forma não-exprimível
[isto é, a ‘rupa’ (matéria) secundária que vem dos preceitos recebidos].
Através das relações causais dessa forma não-exprimível, não dizemos
que perdemos os shila, embora a coisa em si recaia na categoria do
mal-não-definível. Ainda é a observância dos shila. Por que dizemos
‘forma não-exprimível’? Porque ela não constitui causa de qualquer
forma diferente; nem é a fruição de qualquer forma diferente’. Oh bom
homem! Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a
minha intenção, e dizem: ‘O Buda diz que existe uma forma não-
exprimível’.

Oh bom homem! Eu digo em outros sutras: ‘Os preceitos restringem as


coisas más. Se uma pessoa não comete o mal, isso é observância dos
preceitos’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a
minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que definitivamente não há
forma não-exprimível’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Os skandhas, desde a forma até a
consciência, de uma pessoa sagrada surgiram das relações causais da
ignorância. É o mesmo que se verifica com relação às coisas de todos
os mortais comuns, também. Da ignorância surge o desejo. Saiba que
esse desejo é ignorância. Do desejo surge o apego. Saiba que esse ape-
go é ignorância e desejo. Do apego surge a existência. Saiba que essa
existência é ignorância, desejo e apego. Da existência surge o senti-
mento. Saiba que esse sentimento é ação e existência. Das relações
causais do sentimento surgem coisas como mente-e-corpo, ignorância,
desejo, apego, existência, ação, sentimento, toque, consciência, e as
seis esferas [dos sentidos]. Por essa razão, o sentimento é nada mais
que os 12 elos do surgimento interdependente’. Oh bom homem! To-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 248


dos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha inten-
ção, e dizem: ‘O Tathagata diz que não existe caitta [fator mental]’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: Das quatro coisas, isto é, dos o-
lhos, forma, luz e maus desejos surge a cognição visual. O mau desejo é
ignorância. Como a natureza do desejo é buscar possuir, chamamos
isso de desejo. Das relações causais do desejo surge o apego, e esse
apego é chamado ação. Das relações causais da ação surge a consciên-
cia, e consciência está relacionada à mente-e-corpo. Mente-e-corpo
está relacionada às seis esferas; as seis esferas estão relacionadas ao
toque, o toque à concepção, a concepção ao sentimento, desejo, fé,
esforço, dhyana, e Sabedoria. Todas essas coisas surgem pelo toque e,
no entanto, elas não são o toque em si’. Oh bom homem! Todos os
meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e
dizem: ‘O Tathagata diz que o caitta existe’.

Oh bom homem! Eu, certa vez, disse: ‘Existe apenas uma existência.
Isso se estende a duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove e até
vinte e cinco’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem
a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que há cinco ou seis exis-
tências’.

Oh bom homem! Certa vez vivi em Kapilavastu, nos jardins de nyagro-


dha, quando Kolita veio a mim e disse: ‘O que é um upasaka’?

Eu então disse: ‘Qualquer macho ou fêmea que seja perfeito em todos


os sentidos orgânicos e que toma os três refúgios [no Buda, no Dharma
e na Sangha] é um upasaka [Budista leigo].

Kolita disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O que é um upasaka parcial’?

Eu disse: ‘Qualquer um que tenha se refugiado nos Três Tesouros [do


Buda, do Dharma e da Sangha] e que tenha recebido um preceito [mo-
ral] é um upasaka parcial’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não
compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que mesmo
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 249
uma pessoa que é imperfeita pode receber os preceitos do upasaka
(leigo)’.

Oh bom homem! Certa vez, Eu estava residindo nas barrancas do Gan-


ges, quando Katyayana veio a mim e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo!
Eu ensino as pessoas a adotar o ritual da purificação. Isso pode conti-
nuar por um dia, uma noite, um período de tempo, ou por momento
de pensamento. Essas pessoas podem realizar o ritual da purificação’?
Eu disse: ‘Oh Monge! Essa pessoa realiza o bem, mas não a purifica-
ção’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha
intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que uma pessoa obtém completa-
mente as oito purificações’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Qualquer pessoa que cometa as


quatro graves ofensas não é Monge. Esse Monge é alguém que trans-
gride os preceitos ou alguém que esqueceu os preceitos. Ele não pode
evocar o broto (rebento) do bem. Por exemplo, isto é como com a
semente queimada, da qual não se pode esperar qualquer fruto. Se a
copa da árvore tala é danificada, nenhum fruto poderá surgir. É o
mesmo com o Monge que comete as ofensas graves, também’. Todos
os meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e
dizem: ‘O Tathagata diz que qualquer Monge que tenha cometido as
graves ofensas perde os preceitos de um Monge’.

Oh bom homem! Para o benefício de Cunda, Eu falei num sutra sobre


os quatro tipos de Monges. Eles são: 1) Chegado ao final da Via, 2) ex-
positor da Via, 3) receptor da Via, e 4) da Via impura. Alguém que co-
meta as quatro ofensas graves pertence àqueles da Via impura. Todos
os meus discípulos ouvem isto, falham em apreender a minha inten-
ção, e dizem: ‘O Tathagata diz que o Monge que comete as quatro
graves ofensas não viola os preceitos’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra a todos os Monges: ‘Tudo o que


concerne ao Veículo Único, a Via Única, Ação Única, Condição Única,
desde o veículo único até a condição, confere aos seres grande quietu-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 250
de. Estes extirpam eternamente tudo quanto é laço de servidão, apre-
ensão, sofrimento, sofrimento do sofrimento, e levam todos os seres à
existência única’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreen-
dem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que todos, desde o
Srotapanna até o Arhat, atingem o objetivo Budista’.

Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘O Srotapanna repete idas e vin-


das entre o mundo dos humanos e aquele dos devas [deuses] sete
vezes, e então atinge o Parinirvana. O Sakrdagamin tem apenas uma
vida como humano ou deva, e então atinge o Parinirvana. O Anagamin
compreende cinco (ou dois) tipos. Um pode atingir, no intermédio, o
Parinirvana ou subir e atingi-lo no mais elevado céu. Com aqueles do
estágio do Arhat, há dois tipos, os quais vem a atingir [o Nirvana]: 1) na
presente vida, e 2) na próxima vida. Na presente vida, eles extirpam as
impurezas e os cinco skandhas; e na próxima vida, também, eles extir-
pam as impurezas e os cinco skandhas’. Todos os meus discípulos ou-
vem isto, falham em compreender a minha intenção, e dizem: ‘O Ta-
thagata diz que alguém pode subir do estágio do Srotapanna até o
estágio do Arhat, e ainda não ser perfeito na Via Budista’.

Oh bom homem! Eu digo neste sutra: ‘Em detalhes, há seis coisas na


Natureza de Buda, a saber: 1) o Eterno, 2) o Real, 3) o Verdadeiro, 4) o
Bom, 5) o Puro, e 6) o Visível’. Todos os meus discípulos ouvem isto,
não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Buda diz que a Natu-
reza de Buda dos seres existe fora de nós, seres’.

Oh bom homem! Eu também digo: ‘A Natureza de Buda dos seres é


como o Vazio. O Vazio não é passado, nem futuro, e nem presente.
Não é dentro, e nem fora; não está dentro dos limites da cor, som,
sabor e toque. É o mesmo com a Natureza de Buda’. Todos os meus
discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem:
‘O Buda diz que a Natureza de Buda dos seres existe fora dos seres’.

Oh bom homem! Certa vez Eu disse: ‘Pessoas como aquelas que têm
cometido as quatro graves ofensas, os icchantikas, caluniadores dos
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 251
Sutras Vaipulya, e aqueles que têm cometido os cinco pecados mortais,
todos possuem a Natureza de Buda. Essas pessoas não possuem boas
ações a depender. A Natureza de Buda é o Bom em si’. Todos os meus
discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem:
‘O Buda diz que a Natureza de Buda dos seres existe fora dos seres’.

Oh bom homem! Eu também disse certa vez: ‘O ser em si é a Natureza


de Buda. Por quê? A não ser pelo ser em si, não há consecução da Ilu-
minação Insuperável. Este é o porquê eu recorri à parábola do elefante
para Prasenajit. As pessoas cegas, quando ao falar do elefante, não nos
dão o elefante. No entanto, o que eles dizem não é totalmente distante
dele. É o mesmo com os seres que podem estar a falar desde a forma
até a consciência, e a dizer que isso é a Natureza de Buda. O caso é o
mesmo. Embora não corresponda à Natureza de Buda em si, no entan-
to, não está muito distante dela. Eu também concedi ao rei a parábola
de uma harpa. O mesmo é o caso com a Natureza de Buda, também’.
Oh bom homem! Todos os meus discípulos ouvem isto, não compre-
endem a minha intenção, e falam variadamente como o homem cego
que indaga sobre [a aparência do] leite. Assim se dão as coisas com a
Natureza de Buda.

Por essa razão, Eu às vezes digo: ‘Pessoas tais como aquelas que come-
tem as quatro graves ofensas, caluniadoras dos Sutras Vaipulya, aque-
las que cometem os cinco pecados mortais, e os icchantikas, possuem
a Natureza de Buda’. Ou digo: ‘Não’.

Oh bom homem! Eu digo em vários sutras: ‘Quando uma pessoa apa-


rece no mundo, muitos ganham benefícios. Nunca dois Chakravartins
aparecem em um país, e nem dois Budas em um mundo. Nem sob os
quatro céus os oito guardiões da terra aparecem, e nem dois Paranir-
mitavasavartins. Tais coisas nunca podem acontecer. E Eu digo que
viajo do Jambudvipa e Inferno Avichi até o Céu Akanistha’. Todos os
meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e
dizem: ‘O Buda diz que não há Buda nas dez direções’. E Eu também

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 252


digo em todos os Sutras Mahayana que há Budas em todas as dez dire-
ções.”

Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 253


Capítulo Quarenta e Um: Sobre o Bodhisattva
Kashyapa 2

A Virtude da Dúvida

“Oh bom homem! Esses assuntos de controvérsias são coisas que per-
tencem ao mundo do Buda. Eles não são aquilo que Sravakas e Pratye-
kabudas possam sondar. Se uma pessoa pode realmente adquirir um
pensamento dúbio, essa pessoa pode extirpar inumeráveis impurezas,
tão imensas quanto o Monte Sumeru. Quando um humano adquire um
pensamento fixo, isto é o que chamamos apego.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Como nos apegamos?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Essa pessoa pode muito bem seguir o
que os outros dizem, ou ela mesma olhar para os sutras. Ou pode par-
ticularmente ensinar aos outros, mas ser incapaz de abandonar o que a
sua mente adere. Isto é apego.”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Tal apego é uma ação do
bem ou algo que não é bom?”

“Oh bom homem! Esse apego não é uma ação que possa ser chamada
de boa. Por que não? Porque esse não pode quebrar todas as teias da
dúvida.”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa não tinha dú-
vida desde o início. Como podemos dizer que ela não pode quebrar as
teias da dúvida?”

“Oh bom homem! Alguém que não tenha dúvida é alguém que tem
dúvida.”

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 255


“Oh Honrado pelo Mundo! Há uma pessoa que diz que alguém no es-
tágio do Srotapanna não cai nos três reinos do infortúnio. A situação
dessa pessoa pode ser adequadamente chamada de apego ou dúvi-
da?”

“Oh bom homem! Isso pode muito bem ser chamado de idéia fixa; não
podemos chamá-lo de dúvida. Por que não? Oh bom homem! Por e-
xemplo, há um homem que primeiro vê um homem e uma árvore, e
mais tarde, enquanto passeando à noite, pode ver um toco [tronco de
árvore] e adquirir a dúvida, e se perguntar se isto é um homem ou uma
árvore. Oh bom homem! Uma pessoa primeiro vê um Monge e um
Brahmacarin, e então mais tarde pode ver, de longe, um Monge e ad-
quirir a dúvida, e se perguntar se isto é um Shramana ou um Brahma-
carin. Oh bom homem! Uma pessoa pode ver primeiro uma vaca e um
búfalo, e mais tarde pode ver, à distância, uma vaca e adquirir um pen-
samento dúbio, e se perguntar se isto é uma vaca ou um búfalo.

Oh bom homem! Todos os seres primeiro vêem duas coisas, e então


adquirem a dúvida. Por quê? Porque a mente não é clara. Eu nunca
digo que uma pessoa do (estágio do) Srotapanna cai nos três reinos do
infortúnio, ou que ela não cai nos três reinos do infortúnio. Como pode
uma pessoa adquirir um pensamento duvidoso?”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que al-
guém necessariamente vê uma coisa antes, e que então uma dúvida
surge. Há alguém que, não vendo duas coisas, adquire dúvida. O que é
isto? É Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, uma pessoa
corre em águas lamacentas ao longo do caminho. Não tendo visto nada
desse tipo antes, uma dúvida surge. O caso é assim. Essa água é pro-
funda ou rasa? Por que é que essa pessoa, não tendo visto nada antes,
adquire essa dúvida?”

“Oh bom homem! Nirvana é nada mais que a segregação do sofrimen-


to; não-Nirvana é sofrimento. Todos os seres vêem duas coisas, as
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 256
quais são: sofrimento e não-sofrimento. O sofrimento e o não-
sofrimento são: fome e sede, frio e calor, ira e alegria, doença e paz,
velhice e auge da vida, nascimento e morte, servidão e emancipação,
amor e separação, e encontro com pessoas odiosas. Os seres, tendo
deparado [com essas coisas], adquirem dúvida: ‘Haveria alguma forma
de acabar com todas essas coisas ou não’? Devido a isso, os seres ali-
mentam dúvida quanto ao Nirvana. Você diz que essa pessoa não viu
qualquer água antes, e indaga como é possível para ela adquirir dúvi-
da? As coisas não são assim. Por que não? Essa pessoa viu água em
outros lugares antes. Esse é o porquê ela adquiriu a dúvida onde não a
tinha visto antes.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa viu águas profundas e rasas
antes, e então ela não tinha dúvidas. Por que agora ela adquiriu a dúvi-
da?”

O Buda disse: “Como ela não a teve antes (provavelmente porque e-


ram águas claras), agora ela adquire uma dúvida. Esse é o porquê eu
digo: ‘Uma pessoa duvida quando há o que não é claro’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Buda diz que uma dúvida é apego e apego é uma dúvida. Quem faz
isso?”

“Oh bom homem! É o icchantika, que cortou as raízes do bem.”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quem é a pessoa que cor-
tou as raízes do bem?”

“Oh bom homem! Qualquer pessoa que seja inteligente, astuta, agu-
çada, e que compreenda bem, mas abandone um bom amigo. Todas as
pessoas tais como aquelas que não dão ouvido ao Dharma Maravilho-
so, que não tenham bons pensamentos, e que não vivam seguindo o
Dharma, são aquelas que cortaram as raízes do bem. A mente se afasta
das quatro coisas e a pessoa pensa para si: ‘Não pode haver dana. Por
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 257
que não? Dana é abandono da riqueza. Se há qualquer retorno para
dana (doação), o danapati [doador] será sempre pobre. Por quê? A
semente e o fruto são iguais. Esse é o porquê dizemos que não há cau-
sa e nem efeito’. Se uma pessoa fala assim e diz que não há causa e
efeito, isto é cortar as raízes do bem. Além disso, uma pessoa pensa:
‘Os três elementos do doador, receptor, e a coisa dada não permane-
cem eternamente. Se não há permanência, como pode alguém dizer
que este é o doador, este o receptor, e esta é a coisa dada? Se não há
ninguém que receba, como pode haver qualquer fruição [resultado]?
Por essa razão, dizemos que não há causa e nem efeito’. Caso uma
pessoa diga que não há causa e nem efeito, podemos saber que essa
pessoa cortou as raízes do bem.

Também, uma pessoa pensa: ‘Quando uma pessoa dá, há cinco coisas
nessa doação. Quando ela recebeu, como destinatária (ela) pode às
vezes fazer o bem ou mal. E o doador dessa doação também não aufe-
re qualquer resultado do bem ou mal. Isto é como as coisas caminham
no mundo, onde a semente evoca o fruto e o fruto a semente. A causa
é o doador e o resultado é o receptor. E o receptor não pode fazer o
bem ou o mal chegar às mãos do doador. Por isso, não há causa e nem
efeito’. Caso uma pessoa diga que não há causa e efeito, saiba que essa
pessoa realmente cortou as raízes do bem.

Também, uma pessoa pensa: ‘Não há nada que possa realmente ser
chamado de dana. Por que não? Dana é uma coisa indefinível. Se for
indefinível, como pode evocar qualquer bom resultado? Não há resul-
tado que seja bom ou mau. Isto é o que se chama indefinível. Se uma
coisa é indefinível, deve-se saber que não pode haver qualquer resul-
tado bom ou mau. Por essa razão, dizemos que não há dana, nem cau-
sa, e nem resultado’. Qualquer um que professe que não há causa e
nem resultado, essa pessoa corta as raizes do bem.

Também, uma pessoa pode pensar: ‘Dana é vontade. Se for vontade,


não pode haver visão e nem objeto visto. Isto é não material. Se for
não material, como uma pessoa pode dar? Por causa disso, eu digo que
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 258
não há dana, nem causa, e nem resultado’. Se uma pessoa fala dessa
maneira e diz que não há causa e nem resultado, saiba que essa pessoa
realmente corta as raizes do bem.

Também, uma pessoa pode pensar: ‘Se o doador doa para uma ima-
gem do Buda, para a imagem de um deva, ou para o bem dos seus pais
que já se foram, não pode haver ninguém que possa ser chamado de
receptor. Se ninguém recebe, não pode haver qualquer resultado a ser
considerado. Se não há resultado a ser considerado, isto significa que
não há causa. Se não há causa, isto significa que não há efeito’. Se uma
pessoa fala assim e diz que não há causa e efeito, essa pessoa corta as
raizes do bem.

Também, uma pessoa pensa: ‘Não há pai e nem mãe. Caso uma pessoa
diga que os pais são a causa de um ser, aqueles que dão origem a um
ser, a lógica o levará a dizer que o nascimento deve estar acontecendo
continuamente, e que não há interrupção. Por quê? Porque a causa
existe sempre. Mas o nascimento não ocorre o tempo todo. Por isso,
saiba que não há pais’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Não há pai e nem mãe. Por que não? Se
um ser surge através dos pais, o ser deve possuir os dois órgãos sexu-
ais, do macho e da fêmea. Mas, tal coisa não acontece. Saiba-se então
que um humano não surge dos pais’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Um ser não surge do pai e da mãe. Por
que não? Vê-se com os próprios olhos que uma pessoa não é como os
próprios pais em todos os aspectos como corpo e mente, comporta-
mento, e suas idas e vindas. Por essa razão, os pais não são a causa do
ser’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Há quatro nadas. Estes são: 1) o que não
apareceu, 2) o que não é, 3) os chifres de uma lebre, e 4) o cabelo de
uma tartaruga. É o mesmo com os pais de um ser. Esses quatro são
iguais ao que não é. Alguém pode dizer que os pais são a causa de um
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 259
ser. Mas quando os pais morrem, o filho não morre necessariamente.
Por essa razão, os pais não são a causa do ser’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Se dissermos que os pais são a causa do
ser, os seres deveriam sempre surgir dos pais. Mas, existem nascimen-
tos como o nascimento por transformação e o nascimento da umidade.
Disto podemos saber que o ser não surge dos pais’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Uma pessoa pode crescer, independente


dos seus pais. Por exemplo, o pavão adquire seu corpo (cresce) ao ou-
vir o som do trovão, e o pardal azul ganha seu corpo engolindo as lá-
grimas de um pardal macho; o jiva-jivaka ganha seu corpo olhando
para um homem valente que dança’. Quando a pessoa pensa assim e
não encontra um Mestre da Via, devemos saber que aquela pessoa
realmente corta as raízes do bem.

Também, uma pessoa pensa: ‘Em todo o mundo, não há efeitos cármi-
cos das boas ou más ações perpetradas. Por que não? Há seres que são
perfeitos nas dez boas ações e se comprazem em dar e acumular virtu-
des. Mesmo para essas pessoas também surgem doenças do corpo;
elas podem morrer na meia-idade, perder sua fortuna, e ter muitas
apreensões e sofrimentos. Há uma pessoa que comete as dez más
ações, é parcimoniosa, gananciosa, invejosa, preguiçosa e indolente.
Jamais acumulando o bem, no entanto está em paz, não tem doenças,
desfruta de longa vida, está cheia de riquezas, e não sofre de apreen-
são ou aflições. Disto podemos saber que não há qualquer conseqüên-
cia cármica das boas e más ações’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Eu também certa vez ouvi um homem
sagrado falar, o qual disse que há casos onde uma pessoa que acumu-
lou o bem cai nos três reinos do infortúnio quando sua vida acaba, e
casos onde o malfeitor ganha vida nos céus quando sua vida chega ao
fim. Disto podemos saber que não pode haver qualquer conversa de
resultados das boas ou más ações’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 260


Também, uma pessoa pensa: ‘Todas as pessoas sagradas dizem duas
coisas [contraditórias]. Um diz que sacrificando a vida se ganha um
bom resultado, e [outro diz] que matando se ganha um mal resultado.
Disto podemos saber que aquilo que uma pessoa sagrada diz não é
definido. Se não há nada definido naquilo que uma pessoa sagrada diz,
como alguém pode ser definitivamente corrigido? Por essa razão, sai-
ba-se que não há resultado do bem ou mal’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Não há pessoas sagradas no mundo. Por


que não? Qualquer pessoa sagrada terá a Via Correta. Todos os seres,
possuidores de impurezas, praticam a Via Correta. Saiba que isto signi-
fica que eles trilham a Via Correta e que as impurezas os acompanham.
Se as duas coisas existem ao mesmo tempo, isto significa que a Via
Correta é incapaz de destruir as impurezas. Se uma pessoa pratica a
Via, não possuindo impurezas, qual é o bem de praticar a Via Correta?
Isto indica que qualquer pessoa que não tenha impurezas não pode
acabar com a Via. Se uma pessoa não possui impurezas, não há neces-
sidade da Via. Disto, saiba que não pode haver ninguém no mundo que
possa ser chamado de pessoa sagrada’.

Também, uma pessoa pensa: ‘A ignorância está causalmente relacio-


nada com a ação, até ao nascimento, velhice e morte. Os seres estão
todos igualmente relacionados com os 12 elos da interdependência. É
o mesmo com a natureza do Nobre Caminho Óctuplo, o qual está tam-
bém relacionado assim (com todos os seres igualmente). Se uma pes-
soa pratica, todos os seres também ganharão; quando uma pessoa
pratica, todas as aflições [dos outros] cessarão. Por quê? Porque a im-
pureza tem a mesma natureza. No entanto, não obtemos isto. Isto
mostra que não há Via Correta’.

Também, uma pessoa pensa: ‘As pessoas sagradas dependem da lei


[isto é, das mesmas coisas] de qualquer mortal comum, como bebida e
comida, caminhar, parar, sentar, deitar, dormir, ser feliz, rir, sentir fo-
me e sede, frio e calor, apreensão e medo. Se estiverem no mesmo
nível, as pessoas sagradas não podem atingir a Via Sagrada. Ao atingir a
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 261
Via, deve se acabar com todas essas coisas. Se ainda não se acabou
com essas coisas, devemos saber que não pode haver algo como a Via’.

Também, uma pessoa pensa: ‘O corpo de uma pessoa sagrada está


imerso nos prazeres dos cinco desejos. Também, ela fala mal [das pes-
soas], bate-lhes, e é invejosa e arrogante. Ela sente tristeza e alegria, e
comete boas e más ações. Disto, podemos saber que não existe tal
coisa como uma pessoa sagrada. Se existe a Via, deve haver a erradica-
ção da Via. Se ela não é cortada, devemos saber que não existe tal
coisa como a Via’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Uma pessoa que sente muita piedade é
uma pessoa sagrada. Por que a chamamos de pessoa sagrada? Por
causa da Via. Se a Via é piedade, ela deve sentir piedade por todos os
seres. Não é algo que alguém adquira por ter praticado. Se não há pie-
dade (na Via), como pode uma pessoa adquiri-la ao ter realizado a Via?
Disto, podemos saber que não há tal coisa no mundo como a Via Sa-
grada’.

Também, uma pessoa pensa: ‘Todas as coisas não surgem tendo os


quatro grandes elementos como sua causa. Todos os seres possuem
igualmente os quatro grandes elementos. Os seres vêem que esta pes-
soa pode ganhar e a outra não pode. Se existe qualquer Via Sagrada, as
coisas deveriam ser assim. Mas, as coisas não são assim. Portanto,
deve-se saber que realmente não existe tal coisa como a Via Sagrada’.

Também, a pessoa pensa: ‘Se todas as pessoas sagradas têm somente


um Nirvana, podemos saber que não pode haver qualquer coisa como
uma pessoa sagrada. Por que não? Porque uma pessoa não pode al-
cançá-lo (o Nirvana). O Dharma eterno não pode ser alcançado, ou
alguém não pode alcançá-lo ou abandoná-lo. Se as pessoas sagradas
têm muitos Nirvanas, isto nos diz que o que existe é não-eterno. Por
quê? Porque essas coisas são aquilo que pode ser contado. Se o Nirva-
na é um, ele virá para todos quando uma pessoa alcançá-lo. Se os Nir-
vanas são muitos, eles devem possuir linhas limítrofes. Como podemos
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 262
chamá-lo de eterno? Se for dito que o Nirvana é único no corpo, e que
as emancipações são muitas, isto pode ser comparado ao caso onde
alguém tem muitos dentes e uma língua. Mas isto não é assim. Por que
não? Porque cada consecução (do Nirvana) não seria uma consecução
total. Como existe uma linha limítrofe, ele deve ser não-eterno. Se não-
eterno, como alguém pode falar de Nirvana? Se não há Nirvana, como
pode haver qualquer pessoa sagrada? Devido a isto, podemos saber
que não há alguém que possa ser chamado de pessoa sagrada’.

Também, uma pessoa pensa: ‘A Via que deve ser alcançada por qual-
quer pessoa sagrada não é aquela que pode ser alcançada através de
relações causais. Se ela não pode ser alcançada através de relações
causais, por que todos não nos tornamos pessoas sagradas? Se todas
as pessoas não são pessoas sagradas, podemos saber que não pode
haver qualquer pessoa ou Via sagrada’.

Também, uma pessoa pensa: ‘A pessoa sagrada diz que há duas rela-
ções causais concernentes à visão correta, a saber: 1) seguir os outros e
dar ouvido ao Dharma, e 2) pensar por si mesmo. Se essas duas (coisas)
surgem através de relações causais, o que resulta também deve surgir
de relações causais. Assim, deve suceder-se uma interminável série de
erros. Se essas duas (coisas) não surgem através de relações causais,
por que é que todos os seres não a obtêm (isto é, uma visão correta)?’
Pensando assim, a pessoa realmente corta as raizes do bem.

Oh bom homem! Se uma pessoa devesse ver assim tão profundamente


todas as coisas como causalidade e efetividade, aquela pessoa se corta-
ria das raízes das cinco coisas, começando pela fé. Oh bom homem! A
pessoa que carece das raízes do bem não é necessariamente alguém
(de inteligência) mediana ou obtusa; nem está no céu ou nos três rei-
nos do infortúnio. É o mesmo com o Monge que infringe a lei da San-
gha.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Quando essa pessoa retorna e adquire as raizes do bem?”
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 263
O Buda disse: “Oh bom homem! Essa pessoa adquire a raiz do bem em
duas etapas. Uma é quando ela primeiro entra no inferno, e a outra é
quando ela sai do inferno. Oh bom homem! Há três tipos de boas a-
ções, que são aquelas 1) do passado, 2) do presente, e 3) do futuro.
Com relação ao passado, a natureza morre por si mesma. A causa pode
eclodir, mas o efeito ainda não amadurece. Por essa razão, não dize-
mos que a pessoa corta os efeitos cármicos do passado. O que corta as
causas das Três Existências é aquele que dizemos que corta as raízes do
bem.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


dizemos que cortamos as raizes do bem quando cortamos as causas
das Três Existências, podemos inferir que o icchantika tem a Natureza
de Buda. Essa Natureza de Buda é aquela do passado, do presente, ou
do futuro? Ou ela se estende a todas as Três Existências? Se ela é do
passado, como podemos chamá-la eterna? A Natureza de Buda é eter-
na. Disto, podemos saber que ela não pertence ao passado. Se ela é do
futuro, como podemos chamá-la eterna? Por que o Buda diz que todos
os seres infalivelmente a obterão? Se uma pessoa infalivelmente a
obterá, como podemos dizer que ela corta (as raízes do bem)? Se é do
presente, como ela pode ser eterna? Por que é que a pessoa decidida-
mente a verá?

O Tathagata diz que há seis aspectos na Natureza de Buda, os quais


são: 1) o Eterno, 2) o Verdadeiro, 3) o Real, 4) o Bom, 5) o Puro, e 6) o
Visível. Se a Natureza de Buda existe mesmo após o corte das raízes do
bem, não podemos dizer que cortamos as raízes do bem. Se não hou-
ver Natureza de Buda (após o corte), como podemos dizer que todos
os seres a possuem? Se a Natureza de Buda é ambos, ‘é’ e ‘não-é’, por
que o Tathagata diz que ela é eterna?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O Tathhagata-Honrado-pelo-Mundo


tem quatro (tipos de ) respostas para todos os seres, as quais são: 1)

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 264


uma resposta definida, 2) uma resposta discriminativa, 3) uma resposta
em não-conformidade, e 4) uma resposta por exclusão.

Oh bom homem! O que é uma resposta definida? Quando indagado se


uma má ação acarreta um resultado bom ou mau, dizemos que defini-
tivamente o que surgirá não é bom na sua natureza. A mesma é a situ-
ação com aquilo que é bom. Se indagado se o Tathagata é pleno-
conhecedor ou não, dizemos que definitivamente ele é pleno-
conhecedor. Quando indagado se o ensinamento Budista é puro ou
não, dizemos que definitivamente é puro. Quando indagado se os dis-
cípulos do Buda vivem de acordo com as regras, a resposta será que
definitivamente eles vivem de acordo com as regras estabelecidas para
eles viverem.

O que é uma resposta discriminativa? É como no caso das Quatro (No-


bres) Verdades que falei acima. Quais são as Quatro? Elas são: 1) So-
frimento, 2) Causa do Sofrimento, 3) Extinção (do Sofrimento), e 4) a
Via para a extinção do sofrimento. O que é a Verdade do Sofrimento? É
assim chamada porque há oito (tipos de) sofrimentos. O que é a Ver-
dade da Causa do Sofrimento? É assim chamada em razão da causa dos
cinco skandhas. O que é a Verdade da Extinção? É assim chamada por
causa da cobiça, má-vontade e ignorância, as quais tudo permeiam. O
que é a Verdade da Via? Os 37 elementos da Iluminação são chamados
Verdade da Via. Isto é uma resposta discriminativa.

O que é a resposta para o que é indagado? Isto é quando Eu digo que


todas as coisas são não-eternas. E uma pessoa pergunta: ‘Oh Tathagata
Honrado pelo Mundo! Por que você diz não-eterno?’ Se isto é indaga-
do, respondemos: ‘O Tathagata diz não-eterno em razão do fato de as
coisas serem criadas’. O mesmo é o caso com o não-Eu, também. Isto é
como quando Eu digo que todas as coisas queimarão.

Outra pessoa ainda indaga: ‘Por que o Tathagata Honrado pelo Mundo
diz que tudo queimará?’ A resposta para isto será: ‘O Tathagata diz que
tudo queima devido à cobiça, a má-vontade e a ignorância’.
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 265
Oh bom homem! ‘Os dez poderes do Tathagata, os quatro destemores,
o Grande Amor-Benevolente e a Grande Compaixão, as três recorda-
ções, todos os tipos de Samadhis tais como o Samadhi Suramgama,
etc., que chegam a um total de 8 milhões de bilhões, as 32 marcas da
perfeição, as 80 características menores de excelência, todos os Sama-
dhis tais como o mudra dos cinco-conhecimentos, etc., cujo número
chega a 4.200, e os Samadhis dos expedientes, que são inumeráveis,
são a Natureza de Buda deste Buda. Nesta Natureza de Buda, há sete
coisas, a saber: 1) o Eterno, 2) o Eu, 3) Êxtase, 4) o Puro, 5) o Verdadei-
ro, 6) o Real, e 7) o Bom’. Essas são respostas discriminativas.

Oh bom homem! Na Natureza de Buda do Bodhisattva transformado


que representa uma outra pessoa [‘goshin’ em Japonês], há seis coisas,
as quais são: 1) o Eterno, 2) o Puro, 3) o Verdadeiro, 4) o Real, 5) o
Bom, e 6) a Pouca Visão. Essas são respostas discriminativas.

Você perguntou antes: ‘Há alguma Natureza de Buda na pessoa cuja


raiz do bem foi cortada?’ Também, há a Natureza de Buda do Tathaga-
ta; também, há a Natureza de Buda do corpo transformado que repre-
senta uma outra pessoa. Como essas duas obstruem o futuro de al-
guém, podemos bem chamá-las de ‘nada’. Como alguém decididamen-
te as alcançará, podemos bem chamá-las de ‘é’. Isto é uma resposta
discriminativa.

A Natureza de Buda do Tathagata não é do passado, presente ou futu-


ro. A Natureza de Buda do corpo transformado para representar uma
pessoa diferente tem presente e futuro. Quando a vemos em certa
medida, chamamo-la de presente. Quando não se a vê completamen-
te, interpretamo-la como pertencente ao futuro.

Nos tempos em que o Tathagata ainda não havia atingido a Iluminação


Insuperável, o que havia era a Natureza de Buda do passado, presente
e futuro, devido ao fato de que a Natureza de Buda permanecia como
causa. Mas o resultado não se estabelece assim. Há uma situação onde
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 266
as coisas concernem às Três Existências, ou uma situação onde as Três
Existências não estão envolvidas.

Com o corpo do Bodhisattva que o adquire para uma pessoa diferente,


a Natureza de Buda está no estado de causa. Assim, ela tem passado,
presente e futuro. É o mesmo com o resultado, também. Isto é uma
resposta discriminativa.

Há seis tipos [de elementos] na Natureza de Buda do Bodhisattva no


nível do nono estágio, os quais são: 1) o Eterno, 2) o Bom, 3) o Verda-
deiro, 4) o Real, 5) o Puro, e 6) o Visível. Quando a Natureza de Buda é
a causa, ela tem as três fases do passado, presente e futuro. O mesmo
se aplica ao resultado, também. Isto é uma resposta discriminativa.

Há cinco coisas relativas à Natureza de Buda dos Bodhisattvas nos ní-


veis do oitavo ao sexto estágios, a saber: 1) o Verdadeiro, 2) o Real, 3) o
Puro, 4) o Bom, e 5) o Visível. Quando a Natureza de Buda é a causa,
ela tem passado, presente e futuro. Assim se passa com o resultado,
também. Isto é uma resposta discriminativa.

Na Natureza de Buda dos Bodhisattvas nos níveis do quinto ao primeiro


estágios, há cinco coisas, as quais são: 1) o Verdadeiro, 2) o Real, 3) o
Puro, 4) o Visível, e 5) o Bom e o não-Bom.

Oh bom homem! A Natureza de Buda das categorias cinco, seis e sete é


a que seguramente será obtida por aqueles que cortaram as raizes do
bem. Portanto, ‘é’. Isto é uma resposta discriminativa.

Pode haver aqueles que dirão: ‘Aqueles que cortaram as raizes do bem
decididamente possuem a Natureza de Buda ou decididamente eles
não possuem a Natureza de Buda’. Isto é uma resposta por exclusão’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu ouvi que


uma resposta onde nenhuma resposta é dada é chamada resposta por

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 267


exclusão. Oh Tathagata! Por que você chama essa resposta de resposta
por exclusão?”

“Oh bom homem! Eu não digo que exclusão e não responder é uma
resposta por exclusão. Oh bom homem! Há dois tipos de resposta por
exclusão, a saber: 1) uma que impede e restringe, e 2) não-aderente.
Por conta disto, dizemos resposta por exclusão.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


que você, o Buda, diz que a causa é passado, presente e futuro; e o
resultado passado, presente e futuro; e também que não é passado
presente e futuro?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Há dois tipos de cinco skandhas, a


saber: 1) causa e 2) resultado. Os cinco skandhas da causa têm passa-
do, presente e futuro, mas há também o fato de que eles não são pas-
sado, presente e futuro. Oh bom homem! Todos os grilhões da igno-
rância e das impurezas são a Natureza de Buda. Por quê? Porque eles
são a causa da Natureza de Buda. Da ignorância, da ação e de todas as
impurezas surgem os cinco skandhas do bem. Isto é a Natureza de
Buda. Adquire-se os cinco skandhas do bem até a Iluminação Insuperá-
vel. Este é o porquê Eu disse antes num sutra: ‘A Natureza de Buda de
um ser é como o leite que contém sangue’. O sangue refere-se a todas
as impurezas da ignorância e da ação, etc., e o leite refere-se aos cinco
skandhas do bem. Este é o porquê Eu digo: ‘A partir de todas as impu-
rezas e de todos os cinco skandhas do bem, chega-se à Iluminação
Insuperável’. Exatamente como o corpo dos seres é feito de puro san-
gue, assim se dá com a Natureza de Buda, também. A Natureza de
Buda das classes do Srotapanna e do Sakrdagamin que extirparam as
impurezas em certa medida, é como o leite [‘ksira’]; a Natureza de
Buda do Anagamin é como a manteiga [‘dadhi’]; aquela do Arhat é
como a manteiga fresca [‘navanita’]; a Natureza de Buda daqueles dos
níveis do Pratyekabuda até os Bodhisattvas dos dez estágios, é como
manteiga refinada [‘ghrta’]; e a Natureza de Buda do Buda é como o
desnatar da manteiga derretida [‘sarpirmanda’]. Oh bom homem! A
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 268
impureza do presente obstrui, tal que os seres não podem ver. No
Gandhamadana, deparamos com a ‘ninnikuso’ (um tipo de grama). Isso
não significa que todas as vacas possam pastar nelas. É o mesmo com a
Natureza de Buda. Isto é uma resposta discriminativa.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Todas as pessoas fizeram coisas no


passado (ações do passado), cujos resultados cármicos elas estão vi-
vendo agora através desta vida. Pode haver as ações do futuro.

Com respeito a isso, o Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Hon-


rado pelo Mundo! Se o Buda ainda não surgiu, não há resultado sobre
o qual falar. As pessoas têm impurezas agora. Se não, todos os seres
seriam capazes de ver claramente a Natureza de Buda. Por conta disto,
alguém que tenha cortado as raizes do bem devido à relação causal das
impurezas do mundo presente, de fato corta as raizes do bem, mas
através da relação causal do poder da Natureza de Buda do futuro,
pode ganhar as raizes do bem (novamente).”

Kashyapa ainda disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como alguém pode
ganhar as raizes do bem no futuro?”

“Oh bom homem! Isto é análogo à luz do dia que pode realmente dis-
persar a escuridão, muito embora o sol ainda não tenha nascido. Isto é
exatamente como o futuro pode de fato evocar os seres. É o mesmo
com a Natureza de Buda do futuro. Isto é o que chamamos de resposta
discriminativa.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se


os cinco skandhas são a Natureza de Buda, por que dizemos que a Na-
tureza de Buda dos seres não existe nem dentro e nem fora?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Como você pode perder o significado?
Eu não disse antes que a Natureza de Buda dos seres é nenhuma outra
senão o Caminho Médio?”

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 269


Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu não perdi o significado.
Como os seres não apreendem o significado desse Caminho Médio,
então eu falo assim.”

“Oh bom homem! Os seres não compreendem o Caminho Médio. Às


vezes eles o compreendem, e outras vezes não. Oh bom homem! A fim
de que os seres possam saber, Eu digo que a Natureza de Buda nem
está dentro e nem fora. Por quê? Os seres comuns dizem que a Natu-
reza de Buda são os cinco skandhas, como se contida num vaso. Ou
eles dizem que ela existe fora dos skandhas, como num vazio. Este é o
porquê o Tathagata diz Caminho Médio. A Natureza de Buda que os
seres possuem não é nem os seis sentidos orgânicos, e nem os seis
campos dos sentidos. Dentro e fora se juntam. Assim, dizemos Cami-
nho Médio. Este é o porquê o Tathagata diz que a Natureza de Buda é
nenhuma outra senão o Caminho Médio. Como ela não está nem den-
tro e nem fora, é o Caminho Médio. Isto é uma resposta discriminativa.

Também, além disso, oh bom homem! Por que dizemos nem dentro e
nem fora? Oh bom homem! Alguns dizem que a Natureza de Buda é
ninguém menos que o tirthika. Por quê? No curso de inumeráveis kal-
pas, o Bodhisattva-Mahasattva, vivendo em meio aos tirthikas, cortou
todas as impurezas, treinou a sua mente, ensinou as pessoas, e então
alcançou a Iluminação Insuperável. Por conta disto, a Natureza de Buda
é ninguém menos que o tirthika.

Ou uma pessoa pode dizer: ‘A Natureza de Buda é nenhuma outra


senão o âmago da Via’. Por que é assim? O Bodhisattva pode ter prati-
cado o caminho dos tirthikas ao longo de incontáveis kalpas. Mas, ex-
ceto através da Via, ele não seria capaz de atingir a Iluminação Insupe-
rável. Este é o porquê a Natureza de Buda é o que o Buda ensinou. Por
essa razão, o Tathagata assinala os dois planos e diz: ‘A Natureza de
Buda não está nem dentro e nem fora. É um dentro-e-fora. Isto é o
Caminho Médio’. Isto é uma resposta discriminativa.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 270


Também, além disso, oh bom homem! Alguns dizem: ‘A Natureza de
Buda é nenhuma outra senão o Corpo Adamantino do Tathagata, as 32
marcas da perfeição e as 80 características menores de excelência. Por
quê? Não é nada que é falso’.

Ou uma pessoa pode dizer: ‘A Natureza de Buda é nenhuma outra


senão os dez poderes, os quatro destemores, o Grande Amor-
Benevolente e a Grande Compaixão, as três recordações, todos os tipos
de Samadhis, tais como o Samadhi Suramgama, etc. Por quê? Porque
através do Samadhi, adquire-se o Corpo Adamantino, as 32 marcas da
perfeição, e as 80 características menores de excelência’. Por causa
disto, o Tathagata assinala os dois planos e diz que a Natureza de Buda
não está nem dentro e nem fora; está em ambos, dentro e fora. Isto é
o Caminho Médio.

Também, além disso, oh bom homem! Alguns dizem: ‘A Natureza de


Buda é o bom pensamento do âmago da Via. Por quê? Distante do
bom pensamento, não se pode atingir o Insuperável Bodhi. Assim, a
Natureza de Buda é o bom pensamento do âmago da Via’.

Ou alguns dizem: ‘A Natureza de Buda ouve o Dharma, seguindo ou-


tros. Por quê? Ouvir o Dharma confere a alguém o bom pensamento
da Via. Se alguém não dá ouvido ao Dharma, isto não é (bom) pensa-
mento. Assim, a Natureza de Buda é ouvir o Dharma, seguindo outros’.
Por conta disto, o Tathagata assinala os dois planos e diz que a Nature-
za de Buda não está nem dentro e nem fora; e também está em am-
bos, dentro e fora. Isto é o Caminho Médio.

Também, além disso, oh bom homem! Alguns dizem: ‘A Natureza de


Buda é o que está fora. Isto se refere ao danaparamita. Através do
danaparamita, atinge-se o Insuperável Bodhi. Por essa razão, dizemos
que danaparamita é a Natureza de Buda’. Ou uma pessoa diz: ‘A Natu-
reza de Buda é o âmago da Via. Isto se refere aos cinco paramitas. Afo-
ra essas cinco coisas, não pode haver – devemos saber – qualquer cau-
sa ou resultado da Natureza de Buda’. Por conta disto, o Tathagata
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 271
assinala os dois planos e diz: ‘A Natureza de Buda não está nem dentro
e nem fora. Está em ambos, dentro e fora. Isto é o Caminho Médio.

Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa diz: ‘A Natureza de


Buda é o âmago da Via. Por exemplo, é como a mani [jóia] na testa do
lutador. Por quê? Porque o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro são como
manis (jóias). Por essa razão, dizemos que a Natureza de Buda está
dentro’. Ou alguns dizem: ‘A Natureza de Buda está fora. É como o
tesouro do homem pobre. Por quê? Porque se pode vê-lo através de
expedientes. É o mesmo com a Natureza de Buda, também. Ela existe
fora dos seres. Utilizando-se de um expediente, se pode vê-la’. Por
causa disto, o Tathagata assinala os dois planos e diz que a Natureza de
Buda não existe nem dentro e nem fora; e também está em ambos,
dentro e fora. Isto é o Caminho Médio.

Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres não é ‘é’ e nem ‘não-
é’. Por que é assim? A Natureza de Buda é ‘é’, mas não é como no caso
da vacuidade. Porque mesmo quando se utilizando de inumeráveis
expedientes, a vacuidade sobre a qual falamos no mundo não pode ser
vista. Mas, a Natureza de Buda pode ser vista. Por essa razão, embora
ela seja um ‘é’, não é como a vacuidade. A Natureza de Buda é ‘não-é’,
mas não é como os chifres de uma lebre [isto é, algo que não existe].
Por quê? Mesmo através de inumeráveis expedientes, o pêlo de uma
tartaruga e os chifres de uma lebre não podem surgir. A Natureza de
Buda pode surgir. Assim, embora ‘não-é’, não é como os chifres de
uma lebre. Assim, a Natureza de Buda não é nem ‘é’ e nem ‘não-é’; é
‘é’ e ‘não-é’.

Por que dizemos ‘é’? Tudo é ‘é’. Os seres não a cortam e não a extin-
guem. Isto é como a chama de uma vela, até que se atinja o Insuperá-
vel Bodhi. Assim, dizemos ‘é’.

Por que dizemos que ‘não-é’? No presente, todos os seres não são o
Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro, e não possuem o ensinamento Budista.
Portanto, ‘não-é’. Como ‘é’ e ‘não-é’ tornam-se unos, dizemos Cami-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 272
nho Médio. Este é o porquê o Buda diz que a Natureza de Buda dos
seres não é ‘é’ e nem ‘não-é’.

O Aspecto Temporal dos Seres

Oh bom homem! Se uma pessoa indaga: ‘Existe o fruto na semente ou


não?’ Responda definitivamente: ‘está’ ou ‘não-está’. Por quê? Sem a
semente, não podemos obter o fruto. Portanto, dizemos ‘está’. A se-
mente ainda não germinou. Portanto, ‘não-está’. Por essa razão dize-
mos ‘está’ ou ‘não-está’.

Por quê? Embora exista a diferença do tempo, o corpo é um. O mesmo


é o caso com a Natureza de Buda dos seres. ‘Se alguém diz que no ser
existe uma Natureza de Buda separada, isto não é assim. Por quê?
Porque o ser é a Natureza de Buda, e a Natureza de Buda é o ser.
Através da diferença no tempo, temos a diferença do Puro e o não-
Puro’ [ênfase adicionado pelo tradutor].

Oh bom homem! Se uma pessoa indaga: ‘Essa semente pode definiti-


vamente evocar o fruto, ou pode esse fruto realmente evocar a semen-
te?’ Responda definitivamente: ‘Pode evocar ou não’.

Oh bom homem! As pessoas mundanas dizem que existe creme no


leite. O que isto pode implicar? Oh bom homem! Se uma pessoa diz
que existe creme no leite, isto é nada mais que apego (idéia fixa); se
uma pessoa diz: ‘não há creme’, isto é aquilo que é falso. Alguém se
afasta desses dois planos e diz definitivamente: ‘existe’ ou ‘não-existe’.

Por que ‘existe’? Porque obtemos creme do leite. A causa é o leite e o


resultado é o creme. Por essa razão, dizemos ‘existe’.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 273


Por que dizemos ‘não-existe’? A coisa e o sabor diferem e o uso não é o
mesmo. Para febre, usamos leite, e para intestino solto, usamos creme.
O leite evoca um frio, enquanto o creme um calor.

Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer que existe no leite a natureza
do creme. Se assim for, leite é creme e creme é leite. A natureza é úni-
ca.

Por que é que o leite surge primeiro e não o creme? Se há uma relação
causal sobre a qual falar, por que é que todos os seres não falam a
respeito disso? Se não há relação causal, por que é que o creme não
surge primeiro? Se o creme não surge primeiro, quem é que estabele-
ceu a ordem do: leite, creme, manteiga fresca, manteiga refinada, e o
desnatar da manteiga derretida? Disto, sabemos que o creme não era
antes, mas agora é. Se ele não era antes, mas agora é, isto é algo não
eterno.

Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer que como existe a natureza
do creme no leite, o creme realmente surge; como existe a natureza do
creme (no leite), o creme não surge da água. Mas, o caso não é assim.
Por que não? Mesmo a grama aquosa, também, tem a natureza do
leite e do creme. Como assim? Da grama aquosa obtemos leite e cre-
me. Se uma pessoa diz que decididamente existe no leite a natureza do
creme, e que esta não existe na grama aquosa, isto é algo que é falso.
Por quê? Porque a idéia é desigual [a pessoa está sendo parcial]. Por-
tanto, falso.

Oh bom homem! Se dissermos que decididamente existe creme no


leite, certamente deverá haver a natureza do leite no creme. Por quê?
Do leite surge o creme, e o creme não evoca o leite. Se não há relação
causal, deveríamos saber que este creme é o que originalmente não
foi, mas agora é. Por essa razão, o sábio dirá que não é que exista a
natureza do creme no leite, e não é que não exista a natureza do cre-
me no leite.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 274


Oh bom homem! Por essa razão, o Tathagata diz neste sutra: ‘Se al-
guém diz que todos os seres decididamente possuem a Natureza de
Buda, isto é apego (idéia fixa); se alguém diz que eles não a possuem,
isto é falso’. O sábio dirá: ‘A Natureza de Buda do ser ‘é’ ou ‘não-é’
(‘existe’ ou ‘não-existe’).

Oh bom homem! Quando quatro coisas se harmonizam, a consciência


visual surge. Quais são as quatro? Elas são: os olhos, o objeto, a lumi-
nosidade, e o desejo. A natureza dessa consciência visual não existe
nos olhos, nem no objeto, nem na luminosidade, nem no desejo. Atra-
vés da sua conjunção, ela surge. Assim, a consciência visual é o que
originalmente não foi, mas agora é; e o que certa vez foi, agora não é
mais. Portanto, devemos saber que não há natureza permanente. É o
mesmo com a natureza do creme no leite, também.

Se uma pessoa dissesse: ‘A água não evoca o leite, uma vez que ela não
possui a natureza do creme. Portanto, decididamente existe a natureza
do creme no leite’. Isto não é assim. Por que não? Todas as coisas pos-
suem diferentes causas e diferentes resultados. Também, não é que
uma simples causa evoca todos os resultados; não é que todos os re-
sultados surgem de uma simples causa.

Oh bom homem! Não diga que essas quatro coisas evocam a consciên-
cia visual e dessas quatro coisas surge a consciência auditiva.

Oh bom homem! A partir dos meios expedientes [necessários], pode-


se obter o creme do leite, ou a manteiga fresca do creme. O que é de-
finitivamente necessário são os meios expedientes.

Oh bom homem! A pessoa sábia vê que o creme vem do leite, mas não
dirá que a manteiga fresca também surgirá assim, a não ser através de
meios expedientes. Oh bom homem! Este é o porquê eu digo neste
sutra: ‘Quando a causa surge, uma coisa surge; quando a causa está
ausente, não existe a coisa’.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 275


Oh bom homem! A natureza do sal é salgada. Ela realmente torna o
que não é salgado, salgado. Se já houvesse uma natureza salgada no
que não é salgado, por que as pessoas continuariam a procurar ter o
sal? Se não havia salinidade antes, então seria [um caso de] o que não
foi, tornou-se assim agora. Com a ajuda da condição [correta], obtemos
a salinidade. Todas as coisas possuem a natureza da salinidade, mas
não sentimos isto por causa da pequena concentração. Essa pequenez
na natureza torna as coisas salgadas. Se não houvesse essa natureza
salgada, mesmo o sal não poderia evocar a [qualidade da] salinidade.

A semente, por exemplo, possui em si a qualidade dos quatro grandes


elementos. Dos quatro grandes elementos que não estão em si, o bro-
to, o caule, os ramos e as folhas podem crescer. É o mesmo com a na-
tureza da salinidade. Assim dizem. Mas, isto não é assim. Por que não?
Se fosse o caso que aquilo que não é salgado possui a natureza salgada,
isto equivale a dizer que o sal, também, deve possuir a natureza da
não-salinidade, mesmo que em pequeno grau. Se esse sal possui as
duas naturezas, por que é que ele não pode ser usado separadamente,
no caso em que não é salgado? Portanto, sabemos que o sal não possui
originalmente duas naturezas. Como com o sal, assim é com todas as
outras coisas que não são salgadas. Uma pessoa pode dizer que o po-
der germinante dos quatro grandes elementos que existem fora (da
semente) realmente incrementa o (poder germinante dos quatro ele-
mentos) de dentro. Isto não é assim. Por que não? Como as coisas são
estabelecidas de uma maneira ordenada, isto não segue os meios ex-
pedientes. Do leite, obtemos o creme. Mas as coisas não se procedem
assim com a manteiga fresca e todas as outras coisas. Não há passa-
gem pelos meios expedientes. É o mesmo com os quatro grandes ele-
mentos. Alguém pode dizer que os quatro grandes elementos de den-
tro são incrementados por aqueles de fora. Mas não vemos os quatro
grandes elementos do mundo exterior sendo incrementados pelos
quatro grandes elementos do mundo interior. A fruta, sirsa, não tem
forma definida de antemão. Quando ela vê a krttika (aglomerado este-
lar das Plêiades e também conhecida como estrela do fogo), a fruta
surge, alcançando o tamanho de cinco polegadas. Essa fruta não adqui-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 276
re o seu tamanho daquilo que obtém dos quatro grandes elementos de
fora da fruta em si.

As Três Formas de Pregação

Oh bom homem! Eu tenho proferido sermões dos 12 tipos de sutras


por minha própria vontade, ou seguindo a vontade dos outros, ou se-
guindo a minha própria vontade e também aquela dos outros.

Quando Falo da Minha Própria e Livre Vontade

O que significa dizer que Eu falo da minha própria e livre vontade? 500
Monges colocaram uma questão a Shariputra: ‘Oh grande! O Buda fala
sobre a causa do corpo. O que isto pode ser’?

Shariputra disse: ‘Oh grandes! Quando vocês mesmos alcançarem a


Emancipação Correta, vocês próprios saberão. Por que vocês colocam
essa questão’? Um Monge respondeu: ‘Oh grande! No tempo em que
eu ainda não havia atingido a Emancipação Correta, eu pensava que a
ignorância era a causa do corpo. Como eu assim pensava para mim
mesmo, alcancei o Arhatship’. Uma pessoa disse: ‘Oh grande! Quando
eu ainda não havia atingido a Emancipação Correta, eu pensava para
mim mesmo que a ignorância e o desejo eram a causa do corpo. Como
eu assim pensava para mim mesmo, atingi a fruição do Arhatship’. E
alguém disse: ‘Coisas como a ação, consciência, corpo-e-mente, as seis
esferas, toque, sentimento, desejo, apego, existência, nascimento,
comida e bebida, e os cinco desejos são a causa do corpo’. Então, todos
os 500 Monges, cada um dizendo o que compreendeu, foram ao Buda,
tocaram os seus pés, circundaram-no três vezes, prestaram-lhe home-
nagem, recuaram para um lado, e cada um reportou o que tinha em
sua mente para o Buda.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 277


Shariputra disse ao Buda: Oh Honrado pelo Mundo! De todas essas
pessoas, quem é aquele que fala da maneira correta? E quem não está
certo?’

O Buda disse a Shariputra: ‘Bem falado, bem falado! Cada Monge diz
nada mais do que é correto’.

Shariputra disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O que está em vosso pen-
samento’?

O Buda disse: ‘Oh Shariputra! Eu disse para o benefício dos seres que
os pais são a causa do corpo’.

O caso é assim. Todos esses sutras são o que Eu falei da minha própria
vontade.

Quando Falo Seguindo a Vontade de Outros

O que são aqueles (sutras) que Eu falei seguindo a vontade dos outros?
O homem rico, Patala, veio a mim e disse: ‘Oh Gautama! Você conhece
um fantasma ou não? Alguém que conheça fantasmas é um grande
fantasma. Se não, essa pessoa não é Pleno-Conhecedor’.

Eu disse: ‘Oh homem rico! Como você pode chamar alguém que co-
nheça um fantasma de fantasma’?

O homem rico disse: ‘Bem falado, bem falado! Alguém que conheça
um fantasma é um fantasma’.

O Buda disse: ‘Oh homem rico! Havia um candala no estado do Rei


Prasenajit, em Sravasti, cujo nome era Baspacandala. Você ouviu falar
dele ou não’?

O homem rico disse: ‘Eu já o conheço há muito tempo’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 278


O Buda disse: ‘Se você o conhece há longo tempo, poderia ser que você
[mesmo] fosse um candala’?

O homem rico disse: ‘Eu já o conheço há longo tempo, mas este meu
corpo não pode ser aquele de um candala’.

‘Oh homem rico! Você agora sabe que embora você conheça um can-
dala, você não é um candala. Como pode ser que Eu seja um fantasma
porque conheço um fantasma? Oh homem rico! Eu realmente conheço
um fantasma, alguém que age como um fantasma, as retribuições de
um fantasma, e as habilidades de um fantasma. Eu conheço a matança,
o matador, as retribuições cármicas da matança, e a emancipação da
matança. Eu também conheço as visões distorcidas da vida, as pessoas
de visões distorcidas, as retribuições cármicas das visões distorcidas, e
a emancipação das visões distorcidas. Oh homem rico! Caso você cha-
me alguém que não é um fantasma de fantasma, e alguém que não
mantenha visões distorcidas da vida de alguém que é dotado das vi-
sões distorcidas da vida, você ganhará inumeráveis pecados’.

O homem rico disse: ‘Oh Gautama! Se as coisas são como você diz,
ganharei um grande pecado. Agora doarei a você tudo o que possuo.
Por favor, seja bom o bastante para que o Rei Prasenajit não seja in-
formado disto’.

O Buda disse: ‘Pode não ser que as relações causais desse pecado ne-
cessariamente impeçam você de perder a sua riqueza. Todavia, em
conseqüência disto, você cairá nos três reinos do infortúnio’.

Ao ouvir a menção dos reinos do infortúnio, o homem rico ficou ame-


drontado e disse ao Buda: ‘Oh Sagrado! Agora perdi a minha cabeça e
cometi um grande pecado. Você, Sagrado, é o Pleno-Conhecedor! Você
deve saber como tornar-se emancipado. Como faço para escapar dos
mundos do inferno, dos espíritos famintos, e dos animais’?

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 279


Eu então falei a ele sobre as Quatro Verdades. O homem rico, ao ouvir
isto, atingiu a fruição do Srotapanna. O arrependimento brotou, e ele
implorou o perdão do Buda: ‘Fui um ignorante. Disse que o Buda era
um fantasma, a despeito do fato de que você não o é. Deste dia em
diante, tomarei refúgio nos Três Tesouros’.

O Buda disse: ‘Bem falado, bem falado, oh homem rico!’

O caso é assim. Isto é falar em resposta à vontade dos outros.

Quando Falo Seguindo Minha Própria Vontade e a de Outros

Como Eu falo seguindo minha própria vontade e aquela dos outros?


Quando todo mundo diz que o sábio diz ‘é’, Eu também digo ‘é’. Quan-
do eles dizem que o sábio diz ‘não-é’, Eu também digo ‘não-é’. Quando
o sábio do mundo diz que divertir-se nos cinco desejos acaba no não-
eterno, no sofrimento, não-Eu, e desintegração; Eu também o digo.
Quando o sábio do mundo diz que divertir-se nos cinco desejos não
acaba no Eterno, no Eu, e no Puro; Eu também o digo. As coisas se
estabelecem assim. Isto é o que é chamado falar seguindo a própria
vontade e também aquela dos outros.

Oh bom homem! Eu disse: ‘Os Bodhisattvas dos dez estágios vêem a


Natureza de Buda em parte’. Isto é falar seguindo a vontade de outros.
Por que dizemos que alguém vê em parte? O Bodhisattva dos dez está-
gios obtém o Surangama e outros Samadhis, e os 3.000 ensinamentos
[isto é, os ensinamentos do universo]. Por essa razão, ele vê claramen-
te que todos atingem o Insuperável Bodhi. Todos os seres, definitiva-
mente, alcançarão o Insuperável Bodhi. Este é o porquê Eu digo: ‘O
Bodhisattva dos dez estágios vê a Natureza de Buda em parte’.

Oh bom homem! Eu sempre digo: ‘Todos os seres possuem a Natureza


de Buda’. Isto é o que Eu falo seguindo a minha própria vontade. Todos
os seres não estão apartados (da Natureza de Buda), (ela) não perece,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 280


e alcançam o Insuperável Bodhi. Isto é o que Eu digo seguindo a minha
própria vontade.

Todos os seres possuem a Natureza de Buda. Quando as impurezas os


encobrem, eles não podem vê-la. Isto é o que eu digo que é o que você
diz. Isto é o que eu disse seguindo minha própria vontade e a vontade
dos outros.

Oh bom homem! O Tathagata, às vezes, fala de inumeráveis ensina-


mentos como uma coisa só. Eu digo nos sutras que todas as ações pu-
ras surgem do Bom Mestre da Via. Isto é como se diz. As causas de
todas as ações puras são inumeráveis. Mas, se dizemos ‘Bons Mestres
da Via’, isso abarca todas as coisas. Isto é como quando Eu digo que
todas as (más) ações surgem das visões distorcidas da vida. As causas
de todas as más ações são inumeráveis. Mas, quando dizemos ‘visões
distorcidas da vida’, isto já envolve todas as coisas. Ou dizemos que a
Iluminação Insuperável tem a fé como sua causa. As causas da Ilumina-
ção são inumeráveis, mas se for estabelecida como fé, isto abarca to-
das as coisas. Oh bom homem! O Tathagata promulga inumeráveis
ensinamentos, mas estes não se afastam dos cinco skandhas, dos 18
reinos, e das 12 esferas.

Oh bom homem! As palavras do Tathagata são – para o benefício dos


seres – compostas de sete tipos, ou seja, aquelas baseadas nas palavras
de: 1) causa, 2) resultado, 3) causa e resultado, 4) metáforas, 5) pala-
vras em não-conformidade, 6) seguindo o que geralmente se aplica no
mundo, e 7) segundo sua própria e livre vontade. Por que causa? Isto
fala do resultado que está para surgir no futuro da causa que existe
agora. Isto é o que Eu digo.

Oh bom homem! Você vê qualquer um que sinta prazer em matar ou


fazer coisas más? Saiba que essa pessoa está destinada ao inferno.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 281


Oh bom homem! Se há qualquer pessoa que não sinta prazer em ma-
tar ou cometer o mal, saiba que essa pessoa é um ser celestial. Isto é o
que eu digo baseado na causa.

O que são palavras baseadas no ‘resultado’? Isto recorda a causa do


resultado que está à mão. Isto é como está estabelecido num sutra:
‘Oh bom homem! Os seres indigentes que você se depara com expres-
sões feias em suas faces, como se não tivessem liberdade, saiba que
aquelas pessoas devem ter infringido os preceitos, tiveram inveja, ira
ou mente perturbada. Quando vemos pessoas que possuem muitas
coisas e riqueza, cujos sentidos orgânicos são perfeitos, e cuja conduta
possui autoridade e desimpedimento, podemos saber que essas pes-
soas, definitivamente, devem ter observado os preceitos morais, dado
[aos outros], feito esforços, possuído um sentimento de arrependimen-
to, não tiveram inveja, nem qualquer sentimento de ira’. Isto é o que
chamamos de ‘palavras baseadas nos resultados’.

O que são palavras de causa e resultado? Isto é como quando está


estabelecido num sutra: ‘Oh bom homem! Os seis sentidos orgânicos
que os seres possuem agora surgem da causa do toque e são os resul-
tados do passado. O Tathagata também fala disso e o chama de carma.
As relações causais desse carma acarretam os resultados que se tem
que colher nos dias a vir’. Estas são ‘palavras baseadas na causa e efei-
to’.

O que é uma metáfora? Por exemplo, ‘rei-leão’ refere-se a mim. Ter-


mos como ‘grande elefante-rei’, ‘grande naga-rei’, ‘parijata’, ‘esfera dos
sete tesouros’, ‘grande-oceano’, ‘Monte Sumeru’, ‘grande terra’, ‘gran-
de chuva’, ‘mestre marinheiro’, ‘guia’, ‘melhor treinador’, ‘lutador’,
‘vaca-rei’, ‘Brâmane’, ‘Shramana’, ‘grande castelo’, e ‘árvore tala’ são
termos metafóricos.

O que são palavras em não-conformidade? Eu digo num sutra: ‘Céu e


terra se interpenetram (se tornam unos); o rio não deságua no oceano;
para o benefício do Rei Prasenajit, montanhas surgem em todo o re-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 282
dor’. Isto é como quando falei a Mrgaramata, coisas como: ‘Mesmo as
árvores sala ganhariam a bênção dos humanos e deuses se eles rece-
bessem os oito preceitos’. O caso é assim. Posso até dizer que os Bo-
dhisattvas dos dez estágios possuem uma mente retroativa, mas nunca
direi que o Tathagata emprega dois tipos de palavras. Posso até dizer
que o Srotapanna pode cair nos três reinos do infortúnio, mas nunca
direi que o Bodhisattva dos dez estágios possui uma mente retroativa.
Estas são palavras em não-conformidade.

O que são as palavras que se aplicam no mundo? São palavras que o


Buda usa, tais como: homem e mulher, grande e pequeno, ir e vir, sen-
tar e deitar, veículo e casa, vaso, roupa, seres, o eterno, êxtase, o eu, e
o puro, exército, floresta, cidade-castelo, fantasma, existência trans-
formada, e tornar-se uno e desintegrar-se. Estas são as palavras que se
coadunam com o mundo.

O que são palavras que vêm segundo a própria vontade? Isto é como
quando Eu reprovo aqueles que violam as proibições e faço-lhes prote-
ger contra isso. Eu elogio aqueles do Srotapanna e permito aos mortais
comuns adquirirem um bom pensamento. Eu elogio Bodhisattvas e
permito aos mortais comuns aspirarem à Iluminação. Eu falo dos so-
frimentos dos três reinos do infortúnio e faço com que as pessoas fa-
çam o bem. Eu digo que todos queimarão, referindo-me àqueles que
são viciados na noção de que todas as coisas são coisas criadas. Assim
se passa com o não-Eu. Dizemos que todos os seres possuem a Nature-
za de Buda. Tudo isto é para fazer com que todos os seres não sejam
indolentes. Essas são as palavras que vêm segundo a própria e livre
vontade.

Oh bom homem! O Tathagata também possui palavras que vêm da sua


própria e livre vontade. Há dois tipos [de aspectos] na Natureza de
Buda do Tathagata, a saber: 1) ‘é’, e 2) ‘não-é’. O ‘é’ refere-se a: as 32
marcas da perfeição, as 80 características menores de excelência, os
dez poderes, os quatro destemores, as três recordações, o Grande
Amor-Benevolente e Grande Compaixão, esses inumeráveis Samadhis
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 283
como o Surangama, etc., esses inumeráveis Samadhis como o Vajra,
etc., esses inumeráveis Samadhis como o dos expedientes, etc., e esses
inumeráveis Samadhis como o dos cinco conhecimentos. Esses todos
são ‘é’. ‘Não-é’ refere-se a todas as boas ações do passado do Tathaga-
ta, as não-boas, as indefiníveis [nem boas e nem más], causas cármicas,
efeitos cármicos, impurezas, os cinco skandhas, os 12 elos do surgi-
mento interdependente, etc. Esses são o ‘não-é’.

Oh bom homem! Há o ‘é’ e o ‘não-é’, bom e não-bom, impuro e não-


impuro, mundo mundano e supramundano, sagrado e não-sagrado, o
criado e o não-criado, o real e o não-real, quietude e não-quietude,
disputa e não-disputa, mundo e não-mundo, ilusão e não-ilusão, apego
e não-apego, profecia e não-profecia, existência e não-existência, as
Três Existências e não-as Três Existências, tempo e não-tempo, Eterno
e não-Eterno, o Eu e o não-Eu, Êxtase e não-Êxtase, o Puro e o não-
Puro, forma-sentimento-percepção-volição-consciência, e não-forma-
não-sentimento-não-percepção-não-volição-não-consciência, os seis
sentidos orgânicos e não-seis sentidos orgânicos, os seis campos dos
sentidos e não-seis campos dos sentidos, os 12 elos do surgimento
interdependente e não-12 elos do surgimento interdependente. Esses
são o ‘é’ e ‘não-é’ da Natureza de Buda do Tathagata. E o mesmo se
aplica à Natureza de Buda do icchantika.

Oh bom homem! Eu digo: ‘Todos os seres possuem a Natureza de Bu-


da’. Mas, os seres não compreendem as palavras do Buda que concor-
dam com sua própria vontade. Uma vez que tais palavras não podem
ser compreendidas mesmo pelo Bodhisattva personificando outra pes-
soa, como poderiam os dois veículos e todos os outros Bodhisattvas
compreendê-las?

Oh bom homem! Em certa ocasião em Grdhrakuta, Eu discuti verdades


mundanas com Maitreya. Nenhum dos 500 discípulos, incluindo Shari-
putra, sabia dessas (verdades mundanas), e ainda menos do supra-
mundano ‘Paramartha-satya’ [Realidade Última]. Oh bom homem! Há
casos onde a Natureza de Buda está com um icchantika e não com uma
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 284
pessoa de virtude, ou onde ela está com uma pessoa de virtude, mas
não com um icchantika. Ou ela pode estar com ambos, ou com nin-
guém. Oh bom homem! Aqueles entre meus discípulos que sabem
desses quatro casos não deveriam polemizar e dizer: ‘Definitivamente,
a Natureza de Buda está com um icchantika ou não?’ Uma vez que está
estabelecido: ‘Todos os seres possuem a Natureza de Buda’, isto é para
ser chamado ‘palavras da própria vontade do Tathagata’. Como pode-
riam os seres compreender isso tudo?

Oh bom homem! Isto é comparável à situação na qual há sete seres no


Rio Ganges. Estes são aqueles que: 1) sempre afundam, 2) flutuam por
um tempo e então afundam novamente, 3) flutuam e permanecem lá,
4) flutuam e olham ao redor, 5) olham ao redor e se movem, 6) saem e
permanecem lá, e 7) movem-se tanto para terra como para água.

Falamos de alguém que sempre afunda. Isto significa que a pessoa


sofre a grande retribuição cármica de um grande peixe, tal que seu
corpo é pesado e o lugar é profundo. Assim, ela sempre afunda.

Falamos de alguém que, por um tempo flutua, mas afunda novamente.


Isto significa que a pessoa sofre do mau carma de um grande peixe, tal
que seu corpo é pesado e o lugar é raso, tal que, por um tempo, ela vê
a luz. Através da luz, ela flutua por um tempo, mas seu corpo sendo
pesado, ela afunda novamente.

Falamos de alguém que, ao flutuar, permanece lá. Isto se refere ao


peixe chamado ‘timi’ [um tipo de tubarão]. Ele vive em águas rasas e
aprecia a luz. Assim, dizemos que ele flutua e permanece [lá].

Falamos de alguém que flutua e olha ao redor dele. Este é o caso de


um tubarão que olha tudo ao redor e procura comida. Por conta disto,
ele olha ao redor.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 285


Falamos de alguém que, ao olhar, sai. Isto significa que o peixe, ao ver
alguma outra coisa distante, logo sai atrás dela para devorá-la. Assim,
ao olhar, ele sai.

Falamos de alguém que, ao sair, permanece. Isto significa que o peixe


sai, e ao comer o que ele queria, fica lá. Este é o porquê dizemos que
ele sai e então fica lá.

Falamos de alguém que transita em ambos, terra e água. Isto se refere


à tartaruga.

Os Sete Tipos de Seres

Oh bom homem! Neste Todo-Maravilhoso Rio do Grande Nirvana,


vivem sete tipos de seres. Há desde o primeiro – que sempre afunda –
até o sétimo. Dentre esses, alguns afundam e alguns flutuam.

Aquele que Sempre Afunda

Falamos de alguém que sempre afunda. Isto se refere a alguém que


ouve isto ser dito: ‘Este Sutra do Grande Nirvana estabelece que o Ta-
thagata é Eterno, Imutável, e é Êxtase, o Eu, e o Puro; que ele não entra
definitivamente no Nirvana; que todos os seres possuem a Natureza de
Buda; que o icchantika, os caluniadores dos Sutras Vaipulya, aqueles
que cometeram os cinco pecados mortais, aqueles culpados das quatro
ofensas graves, todos realizarão a Via da Iluminação; que o Srotapanna,
o Sakrdagamin, o Anagamin, o Arhat, e o Pratyekabuda infalivelmente
alcançarão a Iluminação Insuperável’. Ao ouvir isto, essa pessoa não
acredita, mas pensa para si: ‘Esse Sutra do Nirvana é algo que pertence
aos tirthikas e não é um Sutra Budista’. Essa pessoa, então, se afasta da
Via, e não dá ouvido ao Dharma Maravilhoso. Às vezes, pode acontecer
de ouvir [o Dharma], mas ela não pode ter um bom pensamento. Ela
pode pensar, mas não um bom pensamento. Como não tem um bom
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 286
pensamento, persiste no mal. Persistir no mal tem seis formas, as quais
são: 1) o mau, 2) o não-bom, 3) o dharma impuro, 4) a valorização do
‘é’, 5) preocupar-se de forma acalorada [isto é, tornar-se infernalmente
quente com a preocupação], 6) receber más retribuições. Isto é afun-
dar.

Por que é afundar? Quando uma pessoa não tem uma boa mente,
quando ela sempre comete o mal, quando ela não pratica a Via, cha-
mamos isso de ‘afundamento’.

Seis Formas de Persistir no Mal

Dizemos ‘mau’ porque uma pessoa sagrada reprova-lhe, a mente sente


medo, pessoas boas o odeiam, e porque não há benefício dos seres.
Por isso, ‘mau’.

Dizemos ‘não-bom’ porque inumeráveis males surgem, porque a igno-


rância sempre prende a pessoa, porque ele está sempre associado com
más pessoas, porque ele não pratica todos os tipos de bondade, por-
que sua mente está sempre invertida e sempre errada. Por isso, ‘não-
bom’.

Dizemos ‘dharma impuro’ porque ele sempre corrompe o corpo e a


boca, porque ele corrompe os seres puros, porque ele aumenta as
ações não-boas, porque ele afasta a pessoa das boas coisas. Por isso,
‘dharma impuro’.

Falamos da valorização do ‘é’ porque o que é feito pelas três pessoas


mencionadas acima realmente aumenta as causas para o inferno, os
espíritos famintos, e animais. Essa pessoa não pratica o Dharma para
Emancipação. Ela não despreza as ações do corpo, boca e mente, e
todas as outras. Isto é valorizar o ‘é’.

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 287


Falamos da ‘preocupação acalorada’ porque essa pessoa frequente-
mente comete essas quatro coisas (acima) e faz com que o corpo e a
mente se sintam preocupados sobre as duas coisas, e não há tempo
para a quietude. Isto é ‘calor’. Isto termina em conseqüências cármicas
do inferno. Por isso, calor. Isso queima todos os seres. Por isso, calor.
Isso queima todas as coisas boas. Por isso, calor. Oh bom homem! Essa
pessoa não possui fé e calma. Por isso, ‘calor’.

Falamos do sofrimento das más retribuições. Essa pessoa faz comple-


tamente todas as cinco coisas ditas acima e, após a morte, cai nos rei-
nos do inferno, dos espíritos famintos, e dos animais.

Três Tipos de Coisas Más

Oh bom homem! Há três tipos de coisas más através das quais se sofre
as más retribuições, a saber: 1) o mal das impurezas, 2) o mal do car-
ma, 3) o mal das retribuições cármicas. Oh bom homem! Como essa
pessoa possui as seis coisas mencionadas acima, ela se corta das raízes
do bem, comete os cinco pecados mortais, comete as quatro ofensas
graves, calunia os Três Tesouros, usa as coisas que pertencem à San-
gha, e faz todos os tipos de (coisas) não-boas. Em virtude dessa relação
causal, a pessoa afunda no Inferno Avichi, e recebe um corpo tão gran-
de quanto 84.000 yojanas. Os pecados de suas ações do corpo, boca e
mente sendo graves, a pessoa não consegue livrar-se do sofrimento.
Por que não? Porque sua mente não consegue suscitar qualquer coisa
boa. Inumeráveis Budas podem vir ao mundo, mas essa pessoa não
dará ouvido a eles ou os verá. Por isso, dizemos que ela afunda para
sempre. Isto é como com o grande peixe no Rio Ganges.

Aquele que Afunda e Flutua Novamente

Oh bom homem! Eu digo: ‘O icchantika é alguém que afunda eterna-


mente, mas há icchantikas que não caem na classe daqueles que afun-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 288


dam eternamente’. Quem são esses? Isto é como no caso onde, em
prol do ‘é’, a pessoa pratica doação, shila [preceitos de moralidade], e o
bem. Esse é alguém que não está eternamente afundado.

Oh bom homem! Há instâncias onde quatro boas coisas evocam maus


resultados. Quais são as quatro? Elas são: 1) ler e recitar os sutras de
modo a estar acima dos outros, 2) observância das proibições e precei-
tos em prol do lucro, 3) doar porque (aquilo) pertence a outros, 4) ins-
tigar a própria mente, e meditar em prol de alcançar o estado mental
de Irreflexão-não-Irreflexão. Essas quatro (coisas) evocam maus resul-
tados. Este é o porquê falamos de alguém que pratica e acumula essas
(coisas), que ele afunda e flutua novamente. Por que dizemos que ele
afunda? Porque ele aprecia as três existências [isto é, kamadhatu, ru-
padhatu, e arupadhatu – que são os mundos do desejo, da forma, e do
espírito (não-forma)]. Por que dizemos que ele flutua? Porque ele vê a
luz. A luz corresponde à sua audição [do Dharma], observância dos
preceitos, doação, e sentar em meditação.

Por que dizemos que a pessoa afunda? Porque ela cresce em más vi-
sões e adquire arrogância.

Por isso, Eu digo no sutra:

‘Se os seres buscam todas as existências (dos três mundos)


e cometem ações boas e más pela existência,
essas pessoas perderão o caminho para o Nirvana.
Este é o porquê dizemos que
a pessoa temporariamente flutua mas afunda novamente.

Ela veleja no oceano escuro do nascimento e da morte,


pode ganhar Emancipação
e acabar com as impurezas.
Mas a pessoa sofre novamente pelas más retribuições.
Isto é flutuar temporariamente
somente para afundar novamente’.
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 289
Oh bom homem! Isto é como no caso do grande peixe que flutua sobre
a água por um tempo, quando ele vê a luz, mas como seu corpo é pe-
sado, afunda-se novamente. Isto é como as coisas se procedem com a
segunda pessoa mencionada acima.

Oh bom homem! E há uma pessoa que se apega, e sente prazer, nas


três existências. Isto é afundar. Ela ouve o Sutra do Grande Nirvana e
adquire fé. Isto é flutuar. Por que dizemos flutuar? Quando a pessoa
ouve esse Sutra, ela acaba com a maldade e pratica o bem. Isto é flutu-
ar. A pessoa acredita, mas não é perfeita. Por que ela não é perfeita? A
pessoa acredita no Mahaparinirvana e no Eterno, Êxtase, no Eu, e no
Puro, mas diz que o corpo do Tathagata é não-Eterno, não-Êxtase, não-
Eu, e não-Puro.

O Imperfeito na Fé, Preceito, Audição, Doação, Sabedoria

O Tathagata tem dois Nirvanas. Um é o criado, e o outro o não-criado.


Com o Nirvana criado, não há Eterno, Êxtase, Eu, e Pureza. Uma pessoa
pode acreditar que os seres possuem a Natureza de Buda, mas que
nem todos a têm. Assim, dizemos ‘não perfeito na fé’.

Oh bom homem! Há dois tipos de fé: um é crença, e o outro é procura.


Essa pessoa possui fé, mas não persevera e busca. Portanto, é não
perfeita na fé.

Há também duas fases da fé. Uma surge da audição, e a outra do pen-


samento. A fé dessa pessoa surge da audição, e não do pensamento.
Portanto, não é perfeita na fé.

Também, há outros dois tipos. Um acredita no fato de que existe a


Iluminação, e o outro acredita em [que há] pessoas que a alcançaram.
Por isso, não é perfeita na fé.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 290


Novamente, há outros dois tipos. Um acredita no que é correto, e o
outro no que é mau. Uma pessoa diz que há causa e efeito, o Buda, o
Dharma, e a Sangha. Isto é acreditar no que é correto. Uma pessoa diz
que não pode haver quaisquer dessas coisas como causa e efeito, e
que os Três Tesouros são distintos na natureza. A pessoa acredita em
más palavras e nos Puranas. Isto é acreditar no mal. A pessoa acredita
no Buda, no Dharma, e na Sangha, mas não acredita que os Três Tesou-
ros são unos na natureza e características. Ela credita na causa e efeito,
mas não acredita que haja qualquer um que tenha atingido [a Ilumina-
ção]. Assim, não é perfeita na fé. Essa pessoa não é perfeita na fé, não
observa as proibições e os preceitos. Por que dizemos não perfeita?
Sendo não perfeita, os shila [preceitos morais] que ela recebeu são não
perfeitos. E por que se diz não perfeitos?

Há dois tipos de shila, a saber: 1) shila focado na conduta, e 2) shila em


prol do shila [isto é, o preceito observado não como um assunto da
forma]. A pessoa observa os preceitos da conduta, mas não o preceito
em prol dos preceitos. Assim, não é perfeita nos shila.

Também, há outros dois tipos, que são: 1) um que é assumido, e 2)


outro que é não assumido. A pessoa pode estar de acordo com os shila,
mas não os assume. Assim, é não perfeita nos shila.

Também, há outros dois tipos, que são: 1) a pessoa leva uma vida cor-
reta no corpo e na mente, e 2) a pessoa não leva uma vida correta no
corpo e na mente. Essa pessoa não tem uma vida correta no corpo e na
mente. Assim, não é perfeita nos shila.

Também, há outros dois tipos, a saber: 1) busca pelos shila, e 2) aban-


dono dos shila. Essa pessoa observa os shila que estão focados no ‘é’,
mas não pode atingir o abandono dos shila. Assim, é não perfeita nos
shila.

Também, há dois tipos, que são: 1) de acordo com o ‘é’, e 2) de acordo


com a Iluminação. A pessoa observa os shila que estão de acordo com
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 291
o ‘é’, mas não aqueles que estão de acordo com a Iluminação. Assim,
não é perfeita nos shila.

Também, há dois tipos, a saber: 1) o bom preceito, e 2) o mau preceito.


Quando o corpo, boca e mente são bons, isto é um bom preceito. E
preceitos como os de vacas e cães são maus preceitos. A pessoa acredi-
ta que esses dois (últimos) preceitos evocam bons resultados. Assim, é
não perfeita nos shila.

Como a pessoa não possui essas duas (coisas), fé e preceito, ela não é
perfeita no seu aprendizado.

De que maneira dizemos sobre não ser perfeito na audição? A pessoa


acredita somente em seis dos 12 tipos de sutras que o Tathagata profe-
riu e não acredita nos outros seis. Assim, é não perfeita na audição. Ou
ela defende os seis sutras, mas não pode recitar e expô-los para outros,
e nenhum benefício é concedido. Assim, é não perfeita na audição [do
Dharma].

E também, ao receber os seis sutras, ela recita-os e fala sobre eles para
discutir, para suplantar os outros, por lucro, para todas as existências.
Assim, a pessoa é não perfeita na audição.

Oh bom homem! Eu falo nos meus sutras sobre audição perfeita. Como
uma pessoa é perfeita? Há um Monge que é bom no corpo, na boca e
na mente. Antes de tudo, ele faz oferecimentos para todos os mestres,
para si próprio ou de outra forma, e também para os virtuosos. Estes
adquirem um pensamento amável para com esse Monge, e através
dessa relação causal, ele ensina-lhes o que está estabelecido nos su-
tras. A pessoa, com um sentimento sincero, observa o que lhe é ensi-
nado e recita-os. Ao manter em observância e recitá-los, aquela pessoa
adquire Sabedoria. Ao adquirir Sabedoria, ela pensa bem e vive de
acordo com o Dharma. Ao pensar bem, ela alcança o significado corre-
to. Ao alcançar o significado correto, seu corpo e mente ganham a
quietude. Ao obter a quietude no corpo e na mente, a alegria surge. Da
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 292
mente satisfeita surge o dhyana [meditação]. Do dhyana vem o conhe-
cimento correto. Por causa do conhecimento correto, ela abomina a
existência. Essa abominação da existência evoca a Emancipação. Uma
pessoa não tem nada deste tipo. Assim, é não perfeita na audição.
Como essa pessoa é não perfeita nessas três coisas (fé, preceito e audi-
ção), ela não doa.

Há dois tipos de doações, a saber: 1) doação de riqueza, e 2) doação do


Dharma. Essa pessoa pratica a doação de riqueza, mas busca o ‘é’ (ou
seja, a existência). Embora ela pratique a doação do Dharma, esta tam-
bém não é perfeita. Por que não? Ela esconde as coisas e não explica
tudo. Porque ela teme que os outros a suplantem (em conhecimento).
Por isso, não é perfeita na doação.

Há dois tipos de doações de riqueza e Dharma, a saber: 1) a sagrada, e


2) a não-sagrada. Por sagrada entende-se a doação que não busca
qualquer retorno quando feita; por não-sagrada entende-se a doação
que espera um retorno quando feita. O que a pessoa sagrada dá é in-
cremento do Dharma. O que a não-sagrada dá é incremento das coisas
materiais. Essa pessoa doa riqueza para aumentar a riqueza, e doa o
Dharma para aumentar a riqueza. Por isso, não é perfeita na doação.

Também, além disso, essa pessoa recebe os seis tipos de sutras. Ela dá
às pessoas que recebem o Dharma, mas não para aqueles que não o
recebem. Assim, não é perfeita na doação.

Como essa pessoa não possui as quatro coisas estabelecidas acima (fé,
preceito, audição e doação), qualquer que seja a Sabedoria que ela
pratique, esta é imperfeita. A Sabedoria discrimina bem a natureza.
Essa pessoa não pode ver o Eterno e o não-Eterno do Tathagata. Quan-
to ao Tathagata, esse Sutra do Nirvana diz: ‘O Tathagata é Emancipa-
ção, e Emancipação é o Tathagata. O Tathagata é Nirvana, e Nirvana é
Emancipação’. Ela não pode discernir entre aquilo que é dito. Ação
Pura é o Tathagata. O Tathagata é Amor-Benevolente, Compaixão,
Alegria Simpática, e Equanimidade. Amor-Benevolente, Compaixão,
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 293
Alegria Simpática, e Equanimidade são Emancipação. Emancipação é
Nirvana, e Nirvana é Amor-Benevolente, Compaixão, Alegria Simpática,
e Equanimidade. Ela não pode obter qualquer discernimento naquilo
que é dito. Assim, é não perfeita na Sabedoria.

Também, além disso, ela não é esclarecida quanto ao fato de que a


Natureza de Buda é o Tathagata. O Tathagata é algo que não existe em
todas as outras coisas. O que não existe em todas as outras coisas é
Emancipação. Emancipação é Nirvana, e Nirvana é algo que não existe
em todas as outras coisas. Ela não pode adquirir qualquer discernimen-
to naquilo que é dito [isto é, não pode discriminar o significado daquilo
que é dito]. Por isso, é não perfeita na Sabedoria.

Também, além disso, ela não pode obter qualquer discernimento entre
as Quatro Verdades do Sofrimento, Causa do Sofrimento, Extinção (do
Sofrimento), e a Via para Extinção (do Sofrimento). Como ela não co-
nhece as Quatro Verdades, ela é incapaz de conhecer a Ação Sagrada.
Como ela não conhece a Ação Sagrada, ela não pode conhecer o Ta-
thagata. Como ela não conhece o Tathagata, ela não pode conhecer a
Emancipação. Como ela não conhece a Emancipação, ela não pode
conhecer o Nirvana. Assim, é não perfeita na Sabedoria.

Dessa forma, essa pessoa é não perfeita nas cinco coisas (fé, preceito,
audição, doação e Sabedoria). Dessas (cinco coisas), há dois tipos, os
quais são: 1) que aumenta o bem, e 2) que aumenta o mal. Como ela
aumenta o mal? Essa pessoa não vê o que é mal em si mesma. Ela diz
que é perfeita e adquire uma idéia de apego. Para os caminhantes que
são seus companheiros, ele diz que é o vencedor. Assim, ele associa-se
com más pessoas, que tomam o seu lado. Aproximando-se dessas pes-
soas, ele ainda ouve sobre o que é imperfeito. Ao ouvir [isto], sente-se
feliz, adquire apego, arrogância, e indolência. Sendo indolente, ele se
associa com os leigos.

Também, ele sente prazer em ouvir sobre o mundo secular e mantém à


distância o ensinamento da renúncia. Como resultado disto, o mal
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 294
aumenta. Como ele cresce em maldade, ele adquire as más ações do
corpo, da boca, e da mente. Essas três ações não sendo puras, os três
domínios do inferno, dos espíritos famintos e dos animais aumentam.
Isto é flutuar temporariamente e afundar novamente. Quem dos meus
seguidores corresponde a esse flutuar temporariamente e então afun-
dar novamente? Esses são Devadatta, o Monge Kokalika, o Monge
Braço-Esculpido (Carved-Arm), o Monge Sunaksatra, o Monge Tisya, o
Monge Casa-Cheia (Full-Abode), o Monge Solo-Compassivo (Compas-
sionate-Soil), o Monge Deserto, o Monge Esquadria, o Monge Arrogân-
cia, o homem rico Pureza, o Monge Busca-do-é (Is-Seeking), Sharoku-
shakushu, o homem rico Elefante, a Monja Fama, a Monja Luz, a Monja
Nanda, a Monja Exército, e a Monja Sino. Essas pessoas são aquelas
que temporariamente flutuam e afundam novamente. Por exemplo,
isto é como no caso do grande peixe que, quando vê a luz flutua, mas,
como o seu corpo é pesado, afunda novamente.

Aquele que Flutua e Permanece

O segundo tipo de pessoa compreende profundamente que ela não é


perfeita na ação. Sendo não perfeita, ela se associa com um Bom Mes-
tre da Via. Associando-se com um Bom Amigo, ela sente prazer em
procurar aprender o que ela ainda não ouviu. Ao ouvi-lo, ela sente
prazer em agir da maneira ensinada. Tendo recebido [essas instruções],
ela sente prazer em meditar. Ao pensar bem a respeito, ela passa a
viver de acordo com o Dharma. Como ela persiste no Dharma, o bem
aumenta. Como o bem aumenta, ela não afunda mais. Isto é ‘perma-
nência’.

Quem da Sangha são aqueles que correspondem a essa descrição? Eles


são esses cinco Monges como Shariputra, Mahamaudgalyayana, Ajna-
takaundinya e outros, os cinco Monges do grupo dos Yasas, e esses
outros como Aniruddha, Kumarakashyapa, Mahakashyapa, Dasabala-
kashyapa, a Monja Kisagotami, a Monja Utpala, a Monja Superior, a
Monja Verdadeiro-Significado, a Monja Manas, a Monja Bhadra, a

Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 295


Monja Pureza, a Monja Não-Retroação, o Rei Bimbisara, o homem rico
Ugra, o homem rico Sudatta, Mahanama, o homem pobre Sudatta, o
filho do homem rico Upali, o homem rico Jo, a Monja Destemida, a
Monja Supratistha, a Monja Amante-do-Dharma, a Monja Valorosa, a
Monja Céu-Conquistado, a Monja Sujata, a Monja Corpo-Perfeito, a
Monja Vaca-Conquistada, a Monja Deserto, a Monja Mahasena. Todos
esses Monges, Monjas, Leigos e Leigas podem bem ser chamados de
‘residentes’ [isto é, aqueles que permanecem].

Por que dizemos ‘permanece’? Porque essa pessoa sempre vê real-


mente a boa luz. Assim, quer o Buda tenha aparecido ou não no mun-
do, essa pessoa nunca faz maldades. Esse é o porquê dizemos ‘perma-
nece’. Isto é como no caso no qual o peixe ‘timi’ busca a luz, não afun-
da e se esconde. Com todos esses seres, as coisas se procedem assim.
Esse é o porquê Eu digo nos sutras:

‘Se uma pessoa realmente discerne os significados,


e com um pensamento intensivo busca
a fruição de um Shramana,
e se uma pessoa realmente exprobra todas as existências,
essa pessoa é alguém que vive
em concordância com o Dharma.

Se uma pessoa faz oferecimentos a inumeráveis Budas


e pratica a Via por inumeráveis kalpas,
e se abençoada com prazeres mundanos,
essa pessoa é alguém que reside no Dharma.

Se uma pessoa faz amizade com um Bom Mestre da Via,


ouve o Dharma Maravilhoso,
e se tem um bom pensamento em sua mente,
vive de acordo com a Via,
e busca a luz e pratica a Via,
aquela pessoa atinge a Emancipação
e vive em paz’.”
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 296
Capítulo Quarenta e Dois: Sobre o Bodhisattva
Kashyapa 3

A Imperfeição no Conhecimento

“Oh bom homem! Com relação à imperfeição do conhecimento, há


cinco coisas a considerar. A pessoa vem a conhecer e procura aproxi-
mar-se de um Bom Amigo, o qual agora verá entre ganância, ira, igno-
rância e percepção, qual é predominante. Para uma pessoa com muita
ganância, a meditação sobre impureza será ensinada. Para uma pessoa
que é inclinada à ira, o amor-benevolente é ensinado. Para uma pessoa
que pensa muito, a contagem da respiração será ensinada. Para uma
pessoa que tem muito apego ao eu, a dissecação dos 18 reinos é dada.
Por meio disto, a pessoa, com o melhor dos pensamentos, suporta e
pratica a Via como demonstrado. Ao agir como foi ensinada, gradati-
vamente, ela alcança a meditação das quatro recordações, isto é, a
meditação sobre os quatro itens do corpo, sentimento, mente, e
dharma. Ao completar essa meditação, segue-se gradualmente aquela
dos 12 elos do surgimento interdependente. Isto feito, a seguir, a pes-
soa fundamenta (substancia) o mundo do aquecimento [‘usmagata’ –
um aquecimento mental que se experimenta antes de se alcançar a
Sabedoria do ‘darsana-marga’ – o caminho da visão, do entendimento
interno].”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Todas as coisas têm aquecimento. Por que é assim? Exatamente como
você, o Buda, disse, três coisas se combinam e temos os seres. Estas
são: 1) vida, 2) aquecimento, e 3) consciência. Se isto está dito, implica
que todos os seres já devem possuir o aquecimento. Por que o Tatha-
gata diz: ‘O aquecimento surge ao entrar em contato com um Mestre
da Via’?”

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 297


O Buda disse: “Oh bom homem! O tipo de aquecimento sobre o qual
você fala está com todos os seres, até o icchantika. O aquecimento
sobre o qual Eu falo agora, necessariamente, surge somente através de
um expediente, o qual é o que originalmente não foi, mas agora é.
Portanto, não é o que está com alguém desde o principio. Assim, você
não deve objetar e dizer que todos os seres têm o aquecimento através
do nascimento. Oh bom homem! O aquecimento falado é o que per-
tence ao mundo da forma, não ao mundo do desejo. Caso você diga
que todos os seres devem possuí-lo, isto implicaria dizer que mesmo os
seres do mundo do desejo também deveriam possuí-lo. Como ele não
existe no mundo do desejo, não podemos dizer que todos o possuem.

Oh bom homem! Ele pode estar no mundo da forma, mas não é o caso
que todos o possuam. Por que não? Meus discípulos o têm, mas não os
tirthikas. Portanto, não é o caso que todos os seres devam possuí-lo.
Oh bom homem! Todos os tirthikas meditam sobre as seis ações [isto
é, as seis meditações dos dois grupos, constituídas de: 1) negativo, isto
é, de horror, e 2) positivo, isto é, de procura. Um dos sistemas da práti-
ca da Via], e todos os meus discípulos são perfeitos nas 16 ações [isto é,
as 16 categorias observadas na meditação sobre as Quatro Verdades].
E todas essas 16 não são possuídas por todos os seres.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Por


que dizemos ‘aquecimento’? É um aquecimento por si próprio, ou ele
surge causado por outros?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Esse aquecimento surge da nossa


própria natureza. Não surge causado por outros.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você disse


previamente que Asvaka e Purnavasu não possuíam o aquecimento.
Por que não? Quando uma pessoa não tem fé nos Três Tesouros, ela
não o possui. Portanto, deve-se saber que fé é nada mais que um a-
quecimento.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 298


“Oh bom homem! Fé não é um aquecimento. Por que não? Porque se
adquire o aquecimento através da fé. Oh bom homem! O aquecimento
é ao mesmo tempo Sabedoria. Por quê? Porque ele medita sobre as
Quatro Nobres Verdades. Por isso, chamamos isto de ‘16 ações’. Esta
ação é Sabedoria. Oh bom homem! Você pergunta por que dizemos
‘aquecer’. Oh bom homem! Agora, aquecimento é a fase do fogo do
Nobre Caminho Óctuplo. Esse é o porquê dizemos ‘aquecer’. Oh bom
homem! Por exemplo, quando fazemos fogo, há a causa do fogo de
antemão, e então o obtemos, e a fumaça surge. É o mesmo com essa
via imaculada. Aquecer é nada mais que as 16 ações. O fogo é a fruição
do Srotapanna, e a fumaça é a prática da Via e a segregação das impu-
rezas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Mesmo uma coisa como o aquecimento é da classe do ‘é’. É algo cria-
do. Essa coisa adquire, no retorno, os cinco skandhas do mundo da
forma. Portanto ‘é’, e também é algo ‘criado’. Se é uma coisa criada,
como ela poderia representar a Via Imaculada?”

O Buda disse: “Oh bom homem! É assim, é assim! É como você diz. Oh
bom homem! Embora esse aquecimento pertença à categoria do ‘é’,
ele realmente quebra [destrói] o criado e o ‘é’. Portanto, ele representa
a Via Imaculada.

Aquele que Flutua e Olha Tudo ao Redor

Oh bom homem! Um homem monta um cavalo, e ele tanto o ama


quanto o açoita. É assim. É também o mesmo com a mente que es-
quenta. Devido ao desejo, a vida é obtida, e devido ao abandono [a
renúncia], medita-se. Por essa razão, é uma coisa do ‘é’. Embora seja
uma coisa criada, ela representa o Caminho Correto. Aqueles que ad-
quirem o aquecimento são de 73 tipos, e os 10 do mundo do desejo.
Essas pessoas são todas trajadas em impurezas. Vão de um décimo até
nove décimos. Como no caso do mundo do desejo, as coisas vão do

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 299


primeiro dhyana até o céu da irreflexão-não-irreflexão. Dizemos que há
73 tipos. Essa pessoa, ao adquirir o aquecimento, nunca corta as raízes
do bem, comete os cinco pecados mortais, ou as quatro graves ofen-
sas.

Há dois tipos dessas pessoas. Um se associa com um Bom Amigo, e o


outro com um mau amigo. Aquele que se associa com um mau amigo
flutua por um tempo, mas afunda novamente. Aquele que se associa
com um Bom Amigo olha tudo ao redor. Olhar ao redor se refere à
‘altura-superior’ [‘murdhana’ – esse dharma superior é uma fruição da
prática semelhante ao pico superior de uma montanha, que ao mesmo
tempo é o ponto mais alto, mas também é crucial para a queda ou
retroação. É um estágio da prática na categoria Hinayana – por Kosho
Yamamoto]. A natureza desse estágio ainda é da classe dos cinco skan-
dhas, e ainda está relacionada às Quatro Verdades. Portanto, pode-se
ver tudo ao redor. Após o estágio da ‘altura-superior’, a pessoa atinge o
da ‘cognição’ [isto é, um estágio da prática no qual se obtém cognição
da natureza das Quatro Verdades, e a partir do qual alguém não retro-
age mais. Há vários graus nesse estágio – por Kosho Yamamoto]. Este é
o caso com o estágio da cognição, também. A natureza é dos cinco
skandhas, mas está relacionado com as Quatro Verdades. Essa pessoa,
a seguir, alcança o laukikagradharma [‘primeira raiz do bem do mun-
do’], que é da natureza dos cinco skandhas e tem relações causais com
as Quatro Verdades. A pessoa, gradativamente, ganha a ‘cognição do
sofrimento’. A natureza da Sabedoria efetiva (põe em prática) a relação
causal da Primeira Verdade. Ao colocar em prática a relação causal da
Verdade da Cognição, a pessoa corta as impurezas e atinge o [nível do]
Srotapanna. Este é o quarto estágio da visão de tudo ao redor nas qua-
tro direções. As quatro direções são nada mais que as Quatro Verda-
des.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você disse antes: ‘O Srotapanna corta as impurezas tanto quanto 40 ris
de água nos sentidos transversal e longitudinal. O que permanece é
como a água da largura de um cabelo na extensão’. Por isso, você de-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 300
nota o corte dos três grilhões [‘trini-samyojanani’] e chama isso de
Srotapanna. Estes são: 1) a visão errônea do Eu, 2) ver não-causa como
causa, e 3) a dúvida. Oh Honrado pelo Mundo! Por que você diz que a
pessoa do estágio do Srotapanna vê realmente em [todas as] quatro
direções, por que essa pessoa é chamada Srotapanna, e por que você
recorre à parábola do peixe ‘timi’?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O Srotapanna realmente corta inume-


ráveis impurezas. Porém, esses três (grilhões) são de uma natureza
grave. E, também, estes incluem todas as impurezas que o Srotapanna
cortou. Oh bom homem! Um grande rei sai do seu palácio e deseja
fazer uma inspeção. Mesmo quando as quatro forças militares estão
com ele, as pessoas do mundo dizem que apenas o rei vem e vai. Por
quê? Porque isto vem do fato de que o mundo faz muito mais questão
do Rei. É o mesmo com as três impurezas, também. Por que graves?
Porque as pessoas estão todas sujeitas a estas. Como elas são diminu-
tas no tamanho e não reconhecíveis, dizemos graves. Como essas três
(impurezas) são difíceis de remover, elas tornam-se a causa de todas as
impurezas. Como essas três são os inimigos a serem subjugados, dize-
mos: 1) preceitos, 2) meditação, e 3) Sabedoria.

Oh bom homem! Quando todos os seres ouvem que o Srotapanna


corta de fato incontáveis impurezas, eles adquirem um pensamento
retroativo e dizem: ‘Como os seres podem possivelmente cortar incon-
táveis impurezas’? Por essa razão, como um expediente, o Tathagata
fala das três. Você indaga por que Eu pego o caso do Srotapanna e o
comparo à visão nas quatro direções. Oh bom homem! O Srotapanna
medita sobre as Quatro Verdades e ganha quatro coisas, as quais são:
1) adesão incondicional à Via, 2) boa meditação, 3) boa visão das coisas
da maneira correta, e 4) aniquila realmente um grande inimigo.

Dizemos que aderimos incondicionalmente à Via porque nada pode


mover os sentidos orgânicos da pessoa que atingiu o estágio do Srota-
panna. Devido a isto, dizemos que aderimos incondicionalmente à Via.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 301


Falamos de ver bem tudo ao redor. Isto significa que a pessoa de fato
reprova (exprobra) as impurezas dentro e fora

Dizemos que vemos no sentido verdadeiro. Isto é o conhecimento da


cognição.

Dizemos que aniquilamos realmente um grande inimigo. Isto se refere


às quatro inversões.

Você indaga: ‘Por que dizemos Srotapanna’? Oh bom homem! ‘Shu’


[no Japonês ‘Shudaon’ = Srotapanna, que literalmente significa: srotas
= corrente + apanna = adentrado] significa ‘imaculado’; ‘daon’ significa
‘aprender e praticar’. Pratica-se o imaculado. Por isso, ‘Srotapanna’. Oh
bom homem! ‘Shu’ significa ‘corrente’. Há dois tipos de ‘corrente’. Um
é o tipo comum, e o outro é aquele que flui na direção contrária.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se isto é


assim, por que Srotapannas, Sakrdagamins e Arhats não são todos
chamados de Srotapannas?”

Oh bom homem! Aqueles desde o estágio do Srotapanna até todos os


Budas, bem poderiam ser chamados de Srotapannas. Se não fosse o
caso daqueles desde o estágio do Sakrdagamin até o (estado) de Buda
possuírem a natureza do Srotapanna, como poderiam existir esses tais
desde o Sakrdagamin até o Buda? Todos os seres têm dois tipos de
nome, os quais são: 1) antigo, e 2) objetivo. Como um mortal comum,
tem-se o nome do mundo secular. Quando se adentra a Via, se é cha-
mado ‘Srotapanna’. Quando esse (nome) é recém adquirido, se é cha-
mado Srotapanna; mais tarde, se é chamado Sakrdagamin. Essa pessoa
é chamada Srotapanna e Sakrdagamin. O mesmo é o caso com o Buda,
também.

Oh bom homem! Há dois tipos de correntezas, dos quais um é a Eman-


cipação e o outro Nirvana. Todos os tipos de pessoas sagradas os pos-
suem, também, e elas podem ser Srotapannas e Sakrdagamins. O
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 302
mesmo também se aplica ao Buda. Oh bom homem! O Srotapanna
também pode ser chamado de Bodhisattva. Por quê? O Bodhisattva
nada mais é que uma pessoa que é perfeita no ‘conhecimento da ex-
tinção’ [isto é, o conhecimento no qual a impureza está completamen-
te extinta] e no ‘conhecimento do não-nascimento’ [isto é, o conheci-
mento em que alguém está desperto para a existência não-nascida]. O
Sakrdagamin, também, busca esses dois conhecimentos. Por isso, de-
ve-se saber que uma pessoa do estágio do Srotapanna também pode
ser chamada de Bodhisattva. O Sakrdagamin, também, pode ser cha-
mado de alguém que é ‘iluminado’. Por quê? Porque ele é iluminado
com relação ao darsanamarga [isto é, o estágio da prática no qual se
adentra o grande oceano da Verdade] e corta as impurezas, porque ele
é corretamente iluminado quanto à lei das relações causais, porque ele
é iluminado quanto às maneiras (vias) que são ‘comuns a todos’ e a-
quelas que são ‘não comuns a todos’. O mesmo se aplica desde o Sakr-
dagamin até o Arhatship.

Oh bom homem! Há dois tipos desse Srotapanna. Um é aguçado e o


outro obtuso. Aqueles da categoria dos obtusos repetem vidas nos
mundos dos humanos e deuses sete vezes. E nessa classe dos obtusos,
ainda há cinco tipos. Há aqueles que renascem mais seis vezes, mais
cinco vezes, mais quatro vezes, mais três vezes, e mais duas vezes.
Aqueles que nascem aguçados ganham na vida presente a fruição dos
estágios do Srotapanna até o Arhatship.

Oh bom homem! Você indaga por que o Srotapanna deve ser compa-
rado ao peixe ‘timi’. Oh bom homem! Há quatro coisas que caracteri-
zam o (peixe) ‘timi’, as quais são: 1) como seus ossos são pequenos, ele
é leve, 2) como ele possui nadadeiras, ele é leve, 3) ele procura buscar
a luz, 4) ele morde e agarra firmemente. Com o Srotapanna, há quatro
coisas. Dizer que os ossos são pequenos é comparável à pequenez da
quantidade de impurezas. Possuir nadadeiras pode ser comparado ao
samatha e o vipasyana. Dizer que ele procura e aprecia a luz é compa-
rável ao darsanamarga. Dizer que ele morde e agarra firmemente pode
ser comparado ao fato de que a pessoa ouve o que o Tathagata diz
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 303
com respeito ao não-eterno, ao sofrimento, ao não-Eu, e ao não-puro;
e que ela agarra firmemente àquilo que ouviu, momento em que Mara
se transforma e se disfarça como um Buda, ou quando o homem rico
Sura vê e fica maravilhado, e Mara, vendo o homem rico comovido em
seu coração, diz: ‘O que eu disse antes sobre as Quatro Verdades não é
verdadeiro. Agora, para o vosso benefício, falarei sobre as cinco verda-
des, os seis skandhas, as 13 esferas, e 19 reinos’. Ao ouvir isto, o ho-
mem rico examina o que foi falado e vê que não há nada naquilo que
seja verdadeiro. Por isso, uma analogia é buscada aqui para explicar a
imobilidade da mente.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Esse Srotapanna é assim cha-


mado porque a pessoa adentrou a Via, ou é porque ela obteve a frui-
ção? Se alguém é um Srotapanna porque adentrou a Via, porque não
foi assim chamado quando adquiriu a cognição do sofrimento, ao invés
de ser chamado ‘apatti’? Se (ao ganhar) a primeira fruição se é chama-
do Srotapanna, por que não chamamos o tirthika de um Srotapanna
que extirpa o obstáculo das impurezas e alcança o estado mental da
não-existencialidade, e que tendo praticado a Via do imaculado, atinge
o estágio do Anagamin?”

“Oh bom homem! Quando a primeira fruição é obtida, dizemos Srota-


panna. Você indaga por que é que o tirthika primeiro corta os laços das
impurezas e ganha o estado mental de não-existencialidade, e prati-
cando a Via imaculada ganha a fruição do Anagamin, e não do Srota-
panna. Oh bom homem! Devido ao fato de que a pessoa ganha a pri-
meira fruição, dizemos Srotapanna. A pessoa, naquela ocasião, ganha
os oito conhecimentos e as 16 ações.”

Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! É o mesmo com alguém


que atinge a fruição do Anagamin, também. Ele também ganha os oito
conhecimentos e as 16 ações. Por que não chamamos de fato essa
pessoa de um Srotapanna?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 304


“Oh bom homem! Há dois tipos de 16 ações imaculadas (no original em
inglês está ‘impuras’). Um é o que é comum a todos, e o outro o que
não é. Há também dois tipos de 16 ações imaculadas. Um é o que é
voltado para a fruição, e o outro é aquele que uma pessoa ganhou. Há
também dois tipos de oito conhecimentos. Um é o que é voltado para
a fruição, e o outro é aquele que uma pessoa ganhou. Uma pessoa do
estágio do Srotapanna abandona as 16 ações que são comuns a todos
e ganha as 16 que não são comuns a todos, e ao abandonar os oito
conhecimentos que são voltados para a fruição, ganha os oito conhe-
cimentos que são a fruição. Com uma pessoa do estágio do Anagamin,
as coisas não são assim. Esse é o porquê a primeira fruição é chamada
Srotapanna. Oh bom homem! O Srotapanna está preocupado com as
Quatro Verdades, enquanto que o Anagamin tem relações com apenas
uma Verdade. Esse é o porquê a primeira fruição é chamada Srotapan-
na. Por isso, o peixe ‘timi’ é empregado como uma analogia.

Aquele que Olha Tudo ao Redor e Então se Vai

Dizemos que a pessoa olha tudo ao redor e então se vai. Esse é o Sakr-
dagamin. Sua mente é totalmente orientada para a Via, ele pratica a
Via, e no sentido de cortar a cobiça, a ira, a ignorância e a arrogância,
ele, como o peixe ‘timi’, olha ao redor, e então se vai à busca de comi-
da.

Aquele que Sai e Então Permanece Lá

Dizemos que uma pessoa se vai e então permanece lá. Isto pode ser
comparado ao Anagamin que, tendo compartilhado da comida, per-
manece lá. Há dois tipos desse Anagamin. Um é aquele que agora atin-
giu a fruição do Arhatship e, praticando ainda mais a Via, ganha mais a
fruição do [estagio do] Arhat. O outro é aquele que adere avidamente
ao Samadhi do Silêncio do mundo da forma e não-forma. Essa pessoa é
chamada Anagamin. Ela não ganha um corpo do mundo do desejo. Há

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 305


cinco tipos de Anagamin, a saber: 1) Parinirvana de grau-médio, 2)
Parinirvana (do corpo) carnal, 3) Parinirvana da ação, 4) Parinirvana da
não-ação, e 5) Parinirvana Rio Acima. Ainda há seis tipos. Destes, cinco
são como acima, e o sexto é o gozo efetivo da fruição do Parinirvana.
Há também sete tipos, dos quais seis são como acima, e o sétimo é o
Parinirvana do mundo da não-forma.

O Parinirvana da Ação possui dois tipos, os quais podem ter dois corpos
carnais ou quatro corpos carnais. Se alguém possui dois corpos, cha-
mamos esse ser de alguém nascido-aguçado; se possui quatro corpos,
chamamos isto de nascido-obtuso. Novamente, há dois tipos. Uma
pessoa empreende esforços, e não tem o Samadhi desimpedido, en-
quanto a segunda é indolente e tem desimpedimento. Novamente, há
dois tipos. Uma pessoa persevera no Samadhi do Esforço, enquanto a
segunda não.

Oh bom homem! Há dois tipos na [categoria] daquilo que é feito pelos


seres do mundo dos desejos. Um é o que a pessoa faz, e o outro é a
ação adquirida no nascimento.

Uma pessoa do Nirvana de Grau-Médio tem obras [ações] a fazer, mas


não ações adquiridas pelo nascimento. Por essa razão, essa pessoa
entra no Parinirvana aqui (neste lugar). Ela abandona o corpo carnal do
mundo do desejo, mas ainda não atinge o mundo da forma. A pessoa
nascida-aguçada entra no Nirvana aqui. Com a pessoa do Nirvana de
Grau-Médio, há quatro estados mentais, a saber: 1) não-aprendizado e
não não-aprendizado, 2) aprendizado, 3) não-aprendizado, e 4) a pes-
soa entra no Nirvana do não-aprendizado e não não-aprendizado. Por
que Nirvana de Grau-Médio? Oh bom homem! Ora, dos quatro estados
mentais desse Anagamin, dois são Nirvana e dois não são. Por isso,
dizemos Nirvana de Grau-Médio.

Há dois tipos de Nirvana do Corpo-Carnal. Um é o que alguém faz, en-


quanto o outro é a ação (adquirida) pelo nascimento. Essa pessoa a-
bandona o corpo do mundo do desejo e adquire o corpo do mundo da
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 306
forma. Com esforços, ela pratica a Via, vive seu devido tempo de vida,
e entra no Nirvana.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se dizemos


que a pessoa entra no Nirvana quando a sua vida termina, como po-
demos chamá-lo de Nirvana da vida carnal?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Quando a pessoa nasce como um


humano, ela corta as impurezas dos três mundos. Por isso, Parinirvana
da vida carnal.

Dizemos Parinirvana pela ação. A pessoa sempre pratica a Via e através


do poder do Samadhi praticado por este corpo criado, a pessoa corta
as impurezas e entra no Nirvana. Por isso, Parinirvana pela ação.

Dizemos Nirvana pela não-ação. A pessoa sabe que ela definitivamente


alcançará o Nirvana. Por isso, a indolência cresce. Também, através do
poder do Samadhi do corpo criado, ela atinge o Nirvana quando a sua
vida termina. Isto é Parinirvana pela não-ação.

Dizemos Parinirvana rio-acima. Ao alcançar o quarto dhyana, a pessoa


adquire uma mente (pensamento) de desejo. Por essa razão, ocorre a
retroação e ela ganha uma vida do primeiro dhyana. Nisto, há duas
correntezas. Uma é a correnteza das impurezas, e a outra é a corrente-
za da Via. Por causa (do poder) da correnteza da Via, a pessoa adquire
o desejo do segundo dhyana quando a sua vida termina. Em razão da
relação causal desse desejo, ela ganha nascimento no segundo dhyana.
É a mesma coisa até o quarto dhyana.

No quarto dhyana, há dois tipos. No primeiro a pessoa entra no mundo


da não-forma, e no segundo (a pessoa entra) no Céu Suddhavasa. Des-
sas duas pessoas, uma busca o Samadhi e a outra a Sabedoria. Aquela
que busca a Sabedoria ganha o Céu Suddhavasa, e aquela que busca o
Samadhi ganha o mundo da não-forma. Dessas duas (pessoas), há dois
tipos. Com aquela que pratica o quarto dhyana, há cinco diferentes
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 307
estágios da prática. A segunda pessoa não pratica a Via. Quais são os
cinco? Eles são: baixo, médio, alto, médio-superior e superior.

A pessoa que pratica a Via do estágio superior ganha nascimento no


Céu Akanistha. Aquela que pratica a Via do médio-superior ganha nas-
cimento no Céu Sudarsana. Aquela que pratica a Via do alto-grau ga-
nha nascimento no céu onde ela pode ver bem. Aquela que pratica o
grau-médio ganha nascimento no céu onde não há calor [opressivo]. A
pessoa que pratica a Via do baixo-grau ganha nascimento no céu de
pequeno tamanho. Desses dois tipos de pessoas, um importa-se com a
discussão, e o outro com a quietude. Aquela que gosta da quietude
ganha nascimento no mundo da não-forma, e aquela que gosta da
discussão ganha nascimento no Céu Suddavasa.

E ainda há dois tipos. Uma pessoa pratica o dhyana fragrante, e a outra


não. Aquela que pratica o dhyana fragrante entra no Céu Suddhavasa,
e aquela que não pratica o dhyana fragrante ganha nascimento no
mundo da não-forma, onde, quando a sua vida termina, ela ganha o
Parinirvana. Qualquer pessoa que queira entrar no mundo da não-
forma não pode cumprir (executar) os cinco diferentes modos de práti-
ca do quarto dhyana. Qualquer pessoa que tenha praticado os cinco
diferentes modos do (quarto) dhyana será crítica do dhyana do mundo
da não-forma.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! A


pessoa que pratica o Nirvana de grau-médio é alguém nascido-
aguçado. Se nascido-aguçado, por que ele não entra no Nirvana na vida
presente? Por que o Nirvana de grau-médio existe no mundo do dese-
jo, mas não existe no mundo da não-forma?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Os quatro grandes elementos dessa


pessoa são fracos e emaciados, tal que ela não pode praticar a Via.
Mesmo que os quatro grandes elementos sejam saudáveis e tenazes,
há a carência de uma casa para viver nela, comida e bebida, roupas,
roupas de cama, atendimento médico e remédios, e todas as relações
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 308
causais não vêm para ela. Devido a isto, ela não pode alcançar o Nirva-
na na vida presente.

Oh bom homem! Certa vez Eu estava residindo no Vihara [Residência


Monástica Budista] de Anathapindada no estado de Sravasti. E havia
um Monge que veio para onde eu estava e disse: ‘Oh Honrado pelo
Mundo! Embora eu sempre pratique a Via, não posso ascender da
fruição do Srotapanna para aquela do Arhat’. Então Eu disse a Ananda:
‘Veja agora o que esse Monge necessita ter’. Então Ananda levou esse
Monge a Jetavana e deu-lhe uma boa casa. Então o Monge disse a
Ananda: ‘Oh grande virtuoso! Por favor, decore a casa para mim, torne-
a reparada, pura e limpa. Deve haver as sete jóias. Também, pendure
estandartes de seda!’ Ananda disse: ‘Um Shramana é chamado de
pobre do mundo. Como posso fornecer o que você quer ter?’ O Monge
disse: ‘Oh grande virtuoso! Se você fizer [como peço], fará o bem. Se
não fizer, voltarei ao Honrado pelo Mundo’. Então Ananda veio ao
Buda e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O Monge em questão deseja
ter o lugar ricamente adornado com gemas e estandartes. Isto é estra-
nho. O que devo fazer?’ Então eu disse a Ananda: ‘Volte ao Monge,
atenda seus desejos, e decore o lugar como ele gostaria de tê-lo deco-
rado’. Então Ananda voltou para a casa e aprontou as coisas para o
Monge. Tendo obtido o que queria, ele aplicou-se na prática da Via.
Não muito depois, ele alcançou a fruição do Srotapanna e atingiu o
Arhatship.

Oh bom homem! Inumeráveis seres, embora devam [isto é, estejam


compelidos a] ganhar o Nirvana, perdem sua cabeça devido à carência
das coisas. Por isso, eles falham em alcançá-lo. Oh bom homem! Tam-
bém, há seres que têm muito desejo. Suas mentes são extremamente
ocupadas e eles não podem meditar bem. Por essa razão, não podem
ganhar o Nirvana nesta vida.

Oh bom homem! Você indaga por que existe Nirvana de grau-médio no


mundo do desejo servindo para abandonar o corpo, e por que este não
existe no mundo da forma.
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 309
Oh bom homem! Essa pessoa vê duas relações causais do mundo do
desejo. Uma é interna e a outra externa. No mundo da forma, não há a
relação causal da categoria externa. E no mundo do desejo, há nova-
mente dois tipos de pensamento de desejo. Um é o desejo do desejo, e
o outro é o desejo de comer. Ao meditar sobre esses desejos, a pessoa
reprova-se profundamente. Ao reprovar o próprio pensamento, ela
entra no Nirvana.

Nesse mundo do desejo, a pessoa pode reprovar as impurezas grossei-


ras, as quais são: mesquinhez, cobiça, ira, inveja, não-arrependimento,
e não sentir vergonha. Devido a essa relação causal, a pessoa realmen-
te ganha o Nirvana. E também, a natureza do caminho do mundo do
desejo é valorosa. Por quê? Porque a pessoa ganha a entrada e a frui-
ção. Por isso, temos o Nirvana de grau-médio no mundo do desejo, que
não se encontra no mundo da forma. Oh bom homem! O Nirvana de
grau-médio é de três tipos, a saber: alto, médio e baixo. O de alto-grau
ganha o Nirvana, não abandonando o corpo carnal e o mundo do dese-
jo. O de grau-médio atinge o Nirvana primeiro abandonando o mundo
do desejo, mas ainda não chegando ao mundo da forma. O de baixo-
grau ganha o Nirvana quando a pessoa deixa o mundo do desejo e
aproxima-se da linha limítrofe do mundo da forma. Por exemplo, esse
é o caso com o peixe ‘timi’, o qual, ao comer, permanece. O mesmo se
passa com essa pessoa.

Por que dizemos ‘permanece’? Isto é dito porque a pessoa ganha vida
no mundo da forma e da não-forma, e lá ela ganha um corpo. Por isso,
dizemos ‘permanência’. Humanos e devas do mundo do desejo não
ganham vida nos reinos do inferno, da animalidade, e dos espíritos
famintos. Assim, dizemos ‘permanência’. Tendo já cortado inumeráveis
amarras das impurezas, há pouco que resta. Por isso, ‘permanência’. E
também, dizemos ‘permanece’ porque aquela pessoa nunca mais faz
as coisas do mundo dos mortais comuns. Por isso, ‘permanece’. Ela não
tem medo e não faz com que outros tenham medo. Por isso, ‘perma-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 310


nece’. Ela está distante dos três desejos da mesquinhez, da cobiça e da
ira. Por isso, ‘permanece’.

Aquele que Alcança a Outra Margem

Oh bom homem! Alcançar a outra margem pode ser comparado ao


Arhat, o Pratyekabuda, o Bodhisattva, e o Buda. Isto é como a tartaru-
ga devota, que pode movimentar-se tanto na água quanto na terra. Por
que empregamos o exemplo da tartaruga? Porque ela realmente reco-
lhe as cinco coisas [isto é, membros e cabeça]. É o mesmo com o Arhat
até o Buda, que realmente recolhem os cinco sentidos orgânicos. Por
isso se faz a comparação com a tartaruga.

Dizemos água e terra. Água pode ser comparada ao mundo, e terra a


abandonar o mundo secular. É o mesmo com essas pessoas sagradas,
também. Elas de fato alcançam a outra margem, na medida em que
meditam profundamente sobre as más impurezas. Por isso, a compa-
ração é feita com o movimentar-se tanto na água como na terra.

Oh bom homem! Os sete tipos de seres no Rio Ganges possuem o no-


me da tartaruga. Mas eles não se separam da água. Assim, no caso
desse Todo-Maravilhoso (Sutra do) Grande Nirvana, lá surgem sete
diferentes nomes, desde o icchantika até todos os Budas. Mas esses
não se separam da água da Natureza de Buda. Oh bom homem! Com
esses sete seres, seja no que concerne ao Dharma Maravilhoso, ao
não-Dharma Maravilhoso, aos meios, à Via da Emancipação, à Via Gra-
dual, à causação ou resultado, todos são a Natureza de Buda. Eles são
as palavras do Tathagata que vêm da sua própria e livre vontade.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se existe


uma causa, lá surge o resultado. Se não há causa, não pode haver re-
sultado. Nirvana é o resultado. Como ele é algo que é eterno, não pode
haver qualquer causa a considerar. Se não há causa, como podemos
chamá-lo de resultado? Esse Nirvana também é chamado ‘Shramana’ e

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 311


fruição do Shramana. O que é um Shramana? E o que é a fruição de um
Shramana?”

Os Sete Tipos de Fruições

“Oh bom homem! Em todos os mundos, há sete tipos de fruições, os


quais são: 1) através dos meios, 2) obrigações de retribuições (débitos
de gratidão), 3) amizade, 4) daquele que permanece, 5) equanimidade,
6) carma (ou recompensa), e 7) segregação.

Fruição Através dos Meios

Dizemos ‘fruição através dos meios’. No outono, as pessoas do (mun-


do) secular colhem cereais e dizem uns aos outros que eles estão ga-
nhando a fruição dos meios que eles colocaram em ação. A fruição dos
meios é chamada fruição das ações cármicas. Essa fruição tem duas
causas, a saber: 1) causa próxima [direta], e 2) causa distante [indireta].
A causa próxima é a assim chamada ‘semente’; a causa distante é água,
adubo, o ser humano, e os esforços. Essa é a fruição [que surge] da
colocação dos meios em ação.

Fruição dos Débitos de Gratidão

Dizemos ‘fruição das obrigações de retribuições’. As pessoas no (mun-


do) secular fazem oferecimentos aos seus pais. Todos os pais dizem:
‘Estamos agora colhendo os frutos daquilo que fizemos quando nutri-
mos [nossas crianças]’. Quando a criança retribui-lhes, chamamos isto
de fruição. O caso é assim. Essa fruição tem duas causas, a saber: 1) a
causa próxima, e 2) a causa distante. A (causa) próxima são as ações
puras que os pais fizeram no passado; a distante se refere à criança (de
amor) filial que se desenvolveu. Isto é fruição das obrigações de retri-
buição (débitos de gratidão).

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 312


Fruição da Amizade

Dizemos ‘fruição da amizade’. Por exemplo, há um homem que faz


amizade com uma boa pessoa [isto é, com um Bom Mestre do Budis-
mo], e como resultado ele ganha os frutos desde o Srotapanna até o
Arhatship. A pessoa diz: ‘Eu agora ganho a fruição da amizade’. O caso
é assim. Essa fruição tem duas causas, a saber: 1) a causa próxima, e 2)
a causa distante. A (causa) próxima é a fé; a (causa) distante é o bom
amigo. Esta é a fruição da amizade.

Fruição Daquele Que Perdura

Dizemos ‘fruição daquele que perdura’. Por não matar, uma pessoa
prolonga em um terço o tempo de vida do corpo. Isto é o que se ob-
tém. Esta é a fruição daquele que perdura. Essa fruição tem duas cau-
sas. Uma é próxima, e a outra distante. Por próxima se entende a pure-
za do corpo, boca e mente; por distante se entende a extensão do
tempo de vida e o desfrutar da (alegria na) velhice. Esta é a fruição
daquele que perdura.

Fruição Equânime

Por ‘fruição equânime’ entende-se aquilo que é comum no mundo em


geral. Novamente, essa fruição tem duas causas: 1) a próxima, e 2) a
distante. Por causa próxima se entende as dez boas ações que os seres
praticam; por (causa) distante se entende as assim chamadas três ca-
lamidades [isto é, água, fogo, e guerra]. Esta é chamada fruição equâ-
nime.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 313


Fruição da Recompensa

Falamos da ‘fruição da recompensa’. Uma pessoa ganha um corpo


carnal puro e pratica o que é puro no corpo, na boca, e na mente. Essa
pessoa diz: ‘Estou a colher a fruição da recompensa’. Essa fruição tem
duas causas, as quais são: 1) a próxima, e 2) a distante. Por causa pró-
xima se entende o que é feito com o corpo, boca e mente; por causa
distante se entende a pureza do corpo, da boca, e da mente no passa-
do. Isso é o que chamamos de fruição da recompensa.

Fruição da Segregação

Dizemos ‘fruição da segregação’, que é o Nirvana. Uma pessoa segrega-


se de todas as impurezas. Todas as boas ações são a causa do Nirvana.
Também, há dois tipos, a saber: 1) a causa próxima, e 2) a causa distan-
te. Por causa próxima se entende o portal das três emancipações [isto
é, os Samadhis da vacuidade, da amorfia, e do não-desejo]; por causa
distante se entende as boas ações que a pessoa tem praticado nos
inumeráveis mundos.

Oh bom homem! O mundo fala de: 1) causa pelo nascimento, e 2) cau-


sa pela revelação. O caso é assim. É o mesmo com o abandono do
mundo, também. E às vezes falamos de causa pelo nascimento, e tam-
bém de causa pela revelação.

Oh bom homem! O portal das três emancipações tem 37 capítulos.


Estes acabam por ser – com relação a todas as impurezas – a causa do
não-surgimento da vida e a causa para a revelação do Nirvana. Oh bom
homem! Quando se afasta das impurezas, pode-se ver claramente o
Nirvana. Por isso, o que há é a causa pela revelação e não a causa pelo
nascimento.

Oh bom homem! Você indaga o que é um Shramana, e o que é a frui-


ção do Shramana. Oh bom homem! O Shramana é o Nobre Caminho

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 314


Óctuplo. A fruição do Shramana é que seguimos a Via e acabamos e-
ternamente com a cobiça, a má-vontade, a ignorância, etc. Isto é o
Shramana e a fruição do Shramana.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Por que chamamos o Nobre Caminho


Óctuplo de Shramana?”

“Oh bom homem! ‘Shrama’, diz o mundo, significa ‘faltar/carecer’, e


‘na’ significa ‘via’. Essa ‘via’ corta tudo o que está faltando. Esse é o
porquê chamamos o Nobre Caminho Óctuplo de ‘Shramana’. Uma vez
que, como resultado disto, ganha-se a fruição, dizemos ‘fruição do
Shramana’.

Oh bom homem! E também é como no caso onde existe no mundo


uma pessoa que ama a quietude, ocasião em que dizemos que tal pes-
soa é um Shramana. Assim é também com a Via. Ela faz com que qual-
quer um que a pratique acabe com o mau caminho da vida do corpo,
da boca, e da mente; e ganhe a quietude. Esse é o porquê dizemos
Shramana.

Oh bom homem! A pessoa do baixo-grau do mundo torna-se do alto-


grau. Isto é um Shramana. Com a Via, também, as coisas são assim.
Como ela realmente transforma uma pessoa do baixo-grau em alguém
do alto-grau, dizemos Shramana.

Oh bom homem! Se um Arhat pratica essa Via, ele ganha a fruição do


Shramana. E assim ele alcança a outra margem. A fruição de um Arhat
nada mais é que as cinco partes do Corpo do Dharma do nada-mais-
aprender, as quais compreendem os Preceitos Morais, Samadhi, Sabe-
doria, Emancipação, e a Introspecção Intelectual produto da Emancipa-
ção. Através desses cinco [fatores], a pessoa alcança a outra margem.
Por isso, a chegada à outra margem. Quando ela ganha a outra mar-
gem, diz para si: ‘Minha vida agora está completa, as ações puras [já
foram] praticadas, o que deveria ter sido feito já foi feito, e agora não
ganho mais qualquer existência [samsarica]’.
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 315
Oh bom homem! Como esse Arhat agora cortou eternamente as rela-
ções causais do nascimento nas Três Existências, ele diz: ‘Agora minha
vida está completa’.

Também, como ele realmente acabou com o corpo dos cinco skandhas
dos três mundos, ele diz: ‘Minha vida já está completa’.

E como ele agora deixa o estágio de aprendizado, ele diz que agora está
de pé. E como ele agora ganhou o que outrora desejou alcançar, ele diz
que atingiu tudo. Tendo praticado a Via e obtido a fruição, ele diz: ‘Já
me realizei’. Como ele ganhou o conhecimento da plena-extinção e o
conhecimento do não-nascimento, ele diz que acabou com todas as
amarras. Assim dizemos que o Arhat agora atinge a outra margem. É o
mesmo com o Pratyekabuda, também. Como os Bodhisattvas e o Buda
são perfeitos e realizados nos seis paramitas, eles são chamados aque-
les que ‘chegaram à outra margem’. Quando o Buda e os Bodhisattvas
atingem a Iluminação Insuperável, dizemos que eles são perfeitos nos
seis paramitas. Por quê? Porque eles agora estão colhendo o fruto dos
seis paramitas. Como há chegada à fruição, dizemos ‘perfeitos’.

Oh bom homem! Esses sete seres não ajustam (harmonizam) o seu


corpo, não observam os preceitos, não cultivam a sua mente e a Sabe-
doria. Como eles não defendem bem essas quatro coisas, eles come-
tem os cinco pecados mortais, cortam as raízes do bem, cometem as
cinco ofensas graves, e falam mal do Buda, do Dharma, e da Sangha.
Por essa razão, dizemos que eles naufragam profundamente.

Oh bom homem! Se qualquer dos sete (tipos de) seres associa-se com
um Bom Mestre da Via, e com uma mente sincera dá ouvido ao Dhar-
ma Maravilhoso do Tathagata, cai bem dentro de si, vive de acordo
com o Dharma e, com seu melhor esforço, pratica o corpo, os precei-
tos, a mente, e a Sabedoria; essa pessoa pode realmente atravessar o
rio do nascimento e da morte, e alcançar a outra margem.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 316


Se uma pessoa diz: ‘Mesmo o icchantika atinge o Insuperável Bodhi’,
isto é apego impuro (idéia fixa); se ela diz que ‘não’, isto é o que é falso.

Oh bom homem! Desses sete seres, pode haver um que possua as sete
qualidades em sua própria pessoa, ou cada um dos sete pode possuir
uma (qualidade) cada.

Oh bom homem! Se uma pessoa pensa e fala diferentemente em pen-


samento e boca, e diz: ‘O icchantika alcança o Insuperável Bodhi’, saiba
que essa pessoa calunia o Buda, o Dharma, e a Sangha. Se uma pessoa
pensa e fala diferentemente, e diz: ‘O icchantika não alcança o Insupe-
rável Bodhi’, essa pessoa também calunia o Buda, o Dharma, e a San-
gha.

Oh bom homem! Se uma pessoa diz: ‘O Nobre Caminho Óctuplo é o


que os mortais comuns ganham’, essa pessoa, também, calunia o Bu-
da, o Dharma, e a Sangha. Se uma pessoa diz: ‘O Nobre Caminho Óctu-
plo não é obtido por qualquer mortal comum’, esse alguém, também,
calunia o Buda, o Dharma e a Sangha. Oh bom homem! Se uma pessoa
diz: ‘Todas as pessoas definitivamente possuem ou definitivamente
não possuem a Natureza de Buda’, essa pessoa também calunia o Bu-
da, o Dharma e a Sangha.

Oh bom homem! Esse é o porquê Eu digo num sutra: ‘Há dois tipos de
pessoas que caluniam o Buda, o Dharma e a Sangha’. Estas são: 1) a-
quela que não acredita e fala com uma mente irada, e 2) aquela que,
embora acredite, não alcança o significado.

Oh bom homem! Se uma pessoa não possui fé e Sabedoria, essa pes-


soa aumenta a sua ignorância. Se uma pessoa possui Sabedoria, mas
não a fé, essa pessoa aumenta as visões distorcidas.

Oh bom homem! Uma pessoa que não tem fé diz, com uma mente
irada: ‘Não pode haver qualquer Buda, Dharma e Sangha’.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 317


Se uma pessoa acreditasse, mas não tivesse Sabedoria, essa pessoa
compreenderia as coisas de uma forma invertida e faria com que aque-
les que dessem ouvido aos sermões caluniassem o Buda, o Dharma, e a
Sangha. Oh bom homem! Por essa razão, Eu digo que alguém que não
tem fé e que tem uma mente irada, e alguém que tem fé mas não Sa-
bedoria, calunia o Budha, o Dharma e a Sangha. Assim Eu digo.

Oh bom homem! Se uma pessoa diz: ‘O icchantika, não tendo chegado


ao Dharma Maravilhoso, atinge o Insuperável Bodhi’, essa pessoa calu-
nia muito o Buda, o Dharma e a Sangha. Se uma pessoa diz: ‘O icchan-
tika abandona o estado de icchantika e atinge o Insuperável Bodhi num
corpo diferente’, essa pessoa, também, pode-se dizer que calunia o
Buda, o Dharma e a Sangha. Também, uma pessoa pode dizer: ‘O ic-
chantika pode adquirir as raízes do bem, continuar a possuí-las, e pode
atingir o Insuperável Bodhi. Assim, o icchantika atinge o Insuperável
Bodhi’. Saiba que essa pessoa não calunia os Três Tesouros.

Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer que definitivamente todos


possuem a Natureza de Buda, que o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro não
são o que foi criado ou nascido, e que somente devido às impurezas as
pessoas não podem vê-los. Saiba que essa pessoa calunia o Buda, o
Dharma e a Sangha. Se uma pessoa diz que todos os seres não possu-
em a Natureza de Buda, como no caso dos chifres de uma lebre, que
tudo surge através de expedientes, e que eles são o que não foi mas
agora é, ou o que outrora foi mas agora não é, saiba que essa pessoa
calunia o Buda, o Dharma e a Sangha. Se uma pessoa diz: ‘A Natureza
de Buda dos seres não existe como o Vazio, nem é algo que ‘não-é’
[isto é, algo que não existe], como os chifres de uma lebre. Por que é
assim? Porque o Vazio é eterno, e não existe tal coisa no mundo como
os chifres de uma lebre. Assim, podemos dizer ou ‘é’ ou ‘não-é’. Como
ela é um ‘é’, ela quebra os chifres da lebre [isto é, não pode ser compa-
rada aos chifres de uma lebre que não existem], e como ela é vaga (não
substancial), ela realmente quebra o Vazio’. Qualquer pessoa que fale
assim não calunia os Três Tesouros.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 318


Oh bom homem! A Natureza de Buda não é uma coisa, nem 10 coisas,
nem 100 coisas, nem 1.000 coisas, e nem 10.000 coisas. Quando o
Insuperável Bodhi ainda não foi atingido, tudo de bom e mau, e tudo o
que é neutro (nem bom e nem mau), pode cair dentro da categoria da
Natureza de Buda. O Tathagata às vezes fala da fruição no estado de
causa, ou às vezes da causa no estado de fruição. Isto é o que chama-
mos de palavras que o Tathagata fala seguindo a sua própria vontade.
Em razão das coisas faladas pela própria e livre vontade do Tathagata,
o chamamos ‘Tathagata’. Devido ao fato de que [suas palavras são]
faladas da sua livre vontade, dizemos ‘Arhat’. Devido ao fato de que
[suas palavras são] faladas da sua própria e livre vontade, dizemos
‘Samyaksambuddha’ [isto é, Plenamente Desperto].”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Buda, diz: ‘A Natureza de Buda dos seres é como o Vazio’. Por
que você diz Vazio?”

“Oh bom homem! A natureza do Vazio não é passado, futuro ou pre-


sente. É o mesmo com a Natureza de Buda, também. Oh bom homem!
O Vazio não é o passado. Por que não? Porque ele é meramente o que
é agora. Se algo existe no presente, podemos perfeitamente falar do
passado. Como não há presente sobre o qual falar, não pode haver
qualquer passado sobre o qual falar. E também, não há presente sobre
o qual falar. Por que não? Por que não há nada como futuro. Se houver
algo como futuro, podemos perfeitamente falar do presente. Como
não há futuro, não há presente. E também, não há futuro. Por que
não? Por não haver nada como presente ou passado. Se houver o pre-
sente e o passado, pode haver o futuro. Como não há passado e pre-
sente, não há futuro. Por causa disto, a natureza do Vazio não cai na
categoria dos Três Tempos.

Oh bom homem! Não há Vazio. Por conta disto, não há os Três Tem-
pos. Não é que como há os Três Tempos, não há Três Tempos. Para a
flor o Vazio não existe. Isto é como no caso em que não há Três Tem-

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 319


pos. O caso é assim. O mesmo é o caso com o Vazio, também. Como
este não é um ‘é’, não pode haver Três Tempos.

Oh bom homem! Se nada existe, isso é o Vazio. O mesmo é o caso com


a Natureza de Buda, também. Oh bom homem! Como o vazio é nulo
(vago), ele não cai na categoria dos Três Tempos. Como a Natureza de
Buda é Eterna, ela não está dentro da categoria dos Três Tempos.

Oh bom homem! Como o Tathagata alcançou o Insuperável Bodhi, a


Natureza de Buda que ele possui e todos os ensinamentos Budistas
vêm a ser, não havendo mudança. Por isso, não há Três Tempos. Isto é
como no caso do Vazio.

Oh bom homem! Como o Vazio não é nada que possa ser representa-
do, não está nem ‘dentro’ e nem ‘fora’. Como a Natureza de Buda é
Eterna, não há ‘dentro’ ou ‘fora’. Este é o porquê Eu digo que a Nature-
za de Buda é como o Vazio.

Oh bom homem! No mundo, quando não há obstrução, falamos de


vacuidade. Como o Tathagata atingiu a Insuperável Iluminação, ele
nada vê que obstrua dentro do Buda-Dharma. Este é o porquê Eu digo
que a Natureza de Buda é como o Vazio. Por essa razão é que Eu digo:
‘A Natureza de Buda é como o Vazio’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você diz que o Tathagata, a Natureza de Buda, e o Nirvana não caem
na categoria dos Três Tempos. E você declara que é ‘é’ [isto é, o Tatha-
gata, a Natureza de Buda e o Nirvana]. O Vazio também não cai na
categoria dos Três Tempos. Por que não podemos chamá-lo de ‘é’?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Devido ao não-Nirvana, falamos de


Nirvana. Devido ao não-Tathagata, falamos do Tathagata. Devido à
não-Natureza de Buda, falamos da Natureza de Buda.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 320


Por que dizemos ‘não-Nirvana’? Todas as impurezas estão fundamen-
tadas naquilo que é criado. Para aniquilar essas impurezas das coisas
criadas, dizemos Nirvana. ‘Não-Tathagata’ se refere a desde o icchanti-
ka até o Pratyekabuda. No sentido de aniquilar aqueles desde o icchan-
tika até o Pratyekabuda, dizemos Tathagata. Dizemos ‘não-Natureza de
Buda’. Isto se refere a todos os baluartes, cascalhos, pedras e coisas
não-sencientes. Afasta-se de todas essas coisas não-sencientes. E isto é
a Natureza de Buda.

Oh bom homem! Em todo o mundo, não há nada que compita com o


Vazio que é não-Vazio.”

O Vazio Como ‘Não-É’

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! No


mundo, não temos os negativos apropriados [opostos, antônimos] dos
quatro grandes elementos. No entanto, dizemos que existem os quatro
grandes elementos. Por que não podemos chamar algo que existe de
impertinência do Vazio?”

O Vazio Como ‘Não-É’ - Nirvana

O Buda disse: “Oh bom homem! Você pode dizer que Nirvana não cai
na categoria dos Três Tempos e desse modo é Vazio. Mas isto não é
assim. Por que não? ‘Nirvana é uma existência, algo visível, aquilo que
é verdadeiro, matéria, a pegada (impressão do pé), a sentença e a pa-
lavra, aquilo que é, características, o por causa, o refúgio que se toma,
quietude, luz, paz, e a outra margem’. Esse é o porquê podemos dizer
que ele não cai dentro da categoria dos Três Tempos. Com a natureza
do Vazio, não há nada assim. Esse é o porquê dizemos ‘não-é’. Caso
houvesse qualquer outra coisa senão isto (um ‘não-é’), poderíamos
perfeitamente dizer que ele cai na categoria dos Três Tempos. Se a
Vacuidade fosse uma coisa do ‘é’, ela não poderia ser outra coisa senão
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 321
algo da categoria dos Três Tempos. Oh bom homem! As pessoas do
mundo falam da vacuidade como não-matéria, como algo que não tem
oposto, e é invisível. O caso é assim. Se ela não é matéria, algo sem
oposto, e invisível, ela deve ser caitasika [ou cetasika = fatores mentais:
São os fatores mentais que estão associados e que surgem em conco-
mitância com a consciência (citta=viññana) e que são condicionados
pela presença desta. Enquanto que nos sutras todos os fenômenos da
existência são agrupados em 5 agregados: forma (rupa), sensa-
ção (vedana), percepção (sañña), formações mentais(sankhara), cons-
ciência (viññana), o Abhidhamma, como regra, trata os fenômenos sob
um aspecto mais filosófico em três aspectos: consciência (citta), fatores
mentais (cetasika) e forma (rupa). Dessa forma, os fatores mentais
compreendem a sensação, percepção e 50 outros fatores, o que no
todo resulta em 52 fatores mentais. Ver em
http://www.acessoaoinsight.net/glossario.php#C]. Se a Vacuidade é da
categoria dos caitasika, ela não pode ser diversa da categoria dos caita-
sika. Se for da categoria dos Três Tempos, não pode ser diversa dos
quatro agregados [skandhas]. Portanto, com exceção dos quatro agre-
gados, não pode haver Vacuidade.

O Vazio Como ‘Não-É’ - Luz

Também, além disso, oh bom homem! Todos os tirthikas dizem que o


Vazio é luz. Se for luz, é matéria. Se o Vazio é matéria, ele é não-eterno.
Se não-eterno, ele cai na categoria dos Três Tempos. Como os tirthikas
podem dizer que ele não é dos Três Tempos? Se for dos Três Tempos,
não é o Vazio. E como alguém pode dizer que o Vazio é não-Eterno?

O Vazio Como ‘Não-É’ - Lugar

Oh bom homem! E alguém diz que o Vazio é um lugar onde se vive. Se


for um lugar onde se vive, é matéria. E todos os lugares são não-
sencientes e caem na categoria dos Três Tempos. Como poderia o Va-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 322


zio não ser Eterno e não cair na categoria dos Três Tempos? Se há al-
gum lugar sobre o qual falar, dever-se-ia saber que não pode existir o
Vazio [lá].

O Vazio Como ‘Não-É’ – Gradual

Também, algumas pessoas dizem que o Vazio é gradual. Se for gradual,


pode ser um caitasika (fator mental). Se for contável (mensurável), ele
cai na categoria dos Três Tempos. Se ele pertence aos Três Tempos,
como ele pode ser Eterno?

O Vazio Como ‘Não-É’ – Três Coisas

Oh bom homem! Também, algumas pessoas dizem: ‘Ora, o Vazio nada


mais é que essas três coisas: 1) Vazio, 2) Real, e 3) Vazio-Real’. Se dis-
sermos que isto é o Vazio, dever-se-ia saber que o Vazio é não-eterno.
Por quê? Porque ele não tem um lugar efetivo para existir. Se for dito
que ele realmente é isto, devemos saber que o Vazio é não-eterno. Por
quê? Porque não é nulo (vago). Se dissermos ‘Vazio-Real’, podemos
saber que o Vazio é não-eterno. Por quê? Porque nada pode existir em
dois lugares. Por isso, o Vazio é nulo.

O Vazio Como ‘Não-É’ – Desimpedimento

Oh bom homem! As pessoas do mundo podem dizer: ‘Qualquer lugar


do mundo onde não haja impedimento [obstáculo] é o Vazio’. Um lu-
gar onde não há nada para obstruir é um completo ‘é’. Como pode
qualquer existência ser parcial? Se for um completo ‘é’, pode-se saber
que não há Vazio em outros lugares. Se for parcial, isso é uma coisa
contável. Se contável, é não-eterna.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 323


O Vazio Como ‘Não-É’ – Co-Existência

Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer: ‘O Vazio co-existe com o ‘é’
desobstruído’. Ou alguém pode dizer: ‘O Vazio existe dentro de uma
coisa. É como o fruto dentro de um recipiente’. Nenhum deles é o caso.
Há três tipos de co-existência, a saber: 1) coisas feitas diferentemente
tornam-se unas, como no caso dos pássaros voando que se juntam
numa árvore; 2) duas coisas comuns entre si tornam-se unas, como no
caso de duas ovelhas que entram em contato; 3) co-existência de pares
daqueles que se reúnem para existir no mesmo lugar. Dizemos ‘dife-
rentes coisas se juntam’. Há dois tipos de diferenças. Um é uma ‘coisa’
(objeto), e o outro é o Vazio (como no caso do par lacuna-intersticial).
Se a Vacuidade se junta com a coisa, essa Vacuidade deve ser não-
eterna. Se uma coisa se junta com o Vazio, a coisa deixa de ser unilate-
ral (individual, desigual, assimétrica). Se já não há nada que seja unila-
teral, novamente é não-eterno.

O Vazio Como ‘Não-É’ – Eterno

Uma pessoa pode dizer: ‘O Vazio é eterno; e a sua natureza é imóvel.


Esta (natureza) se junta com o que se move’. Mas, isto não é assim. Por
que não? Se o Vazio é eterno, a matéria, também, deveria ser eterna.
Se a matéria é não-eterna, o Vazio, também, deve ser não-eterno.

O Vazio Como ‘Não-É’ – Dual

Uma pessoa pode dizer: ‘O Vazio é, também, tanto o eterno como o


não-eterno’. Isto está em desacordo com a razão. Uma pessoa pode
dizer que coisas com partes comuns se juntam. O caso não é assim. Por
que não? O Vazio é onipenetrante. Se ele junta-se com o que é criado,
o que é criado também deveria tornar-se onipenetrante. Se ele pene-
tra, tudo deve ser penetrante. Se tudo for onipenetrante, tudo pode
ser juntado em um. Não podemos dizer que ambos possam existir,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 324


junção e não-junção. Uma pessoa pode dizer: ‘Aquilo que esteve junto,
junta-se novamente, como no caso de dois dedos que se unem’. Mas,
isto não é assim. Por que não? A união não pode preceder (anteceder).
A união surge depois. Se o que não existia antes vem a existir, isto é
nada mais que o não-eterno. Por isso, não podemos dizer: ‘O Vazio é
aquilo que já esteve junto e [que agora] se junta’. O que se obtém no
mundo é aquilo que não existia antes, mas que depois surge. Isto é
como com uma coisa que não tem eternidade. Se o Vazio se situa nu-
ma coisa como o fruto dentro de um recipiente, se for assim, ele tam-
bém deve ser não-eterno. Uma pessoa pode dizer que se o Vazio se
situa numa coisa, ele é como o fruto num recipiente. Mas, isto não é
assim. Por que não? Onde o Vazio em questão poderia existir, não
tendo o recipiente às mãos? Se há qualquer lugar [para ele] existir, o
Vazio teria que ser muitos. Se muitos, como diríamos eterno, uno, e
onipenetrante? Se o Vazio existe em lugares fora do Vazio, então uma
coisa poderia perfeitamente subsistir sem o Vazio. Assim, saiba-se que
não pode haver tal coisa (dual) como (sendo) o Vazio.

O Vazio Como ‘Não-É’ – Direção

Oh bom homem! Se uma pessoa diz: ‘O lugar que se pode apontar é


Vazio’, saiba que o Vazio é algo não-eterno. Por quê? Temos quatro
direções para apontar. Se há os quatro quadrantes, saiba que o Vazio,
também, deveria possuir as quatro direções. Tudo o que é eterno não
tem direção para apontar. Ter direções significa que o Vazio, por con-
seguinte, é não-eterno. Se não-eterno, não está distante dos cinco
skandhas. Se alguém dissesse que certamente há separação dos cinco
skandhas, não haveria lugar para (ele) existir. Oh bom homem! Se exis-
te alguma coisa através de relações causais, podemos saber que tal
coisa é não-eterna. Oh bom homem! Por exemplo, todos os seres e
árvores se apóiam no chão. Como o chão é não-eterno, o que se apoia
no chão é, por conseguinte, não-eterno.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 325


O Vazio Como ‘Não-É’ – Elemento

Oh bom homem! A terra está sobre a água. Como a água é não-eterna,


a terra, também, é não-eterna. A água paira sobre o vento, e como o
vento é não-eterno, a água, também, é não-eterna. O vento repousa
sobre o espaço, e como o espaço é não-eterno, o vento, também, é
não eterno. Se é não-eterno, como podemos dizer: ‘O Vazio é eterno e
preenche o espaço’? Como o Vazio é nulo, ele não tem passado, futuro
ou presente. Como os chifres de uma lebre não são uma coisa, eles não
têm passado, futuro ou presente. As coisas são assim. Portanto, Eu
digo: ‘Como a Natureza de Buda é eterna, ela não cai dentro da catego-
ria dos Três Tempos. Como o Vazio é Vazio, ele não cai dentro da cate-
goria dos Três Tempos’.

Oh bom homem! Eu nunca brigo com o mundo. Por que não? Se o


conhecimento mundano diz ‘é’, Eu digo ‘é’; se o conhecimento mun-
dano diz ‘não-é’, Eu, também, digo ‘não-é’.”

Como a Utpala – O Lótus Azul

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quantas


coisas se requerem de um Bodhisattva-Mahasattva para que seja per-
feito, de modo que ele não brigue com o mundo, e não se torne im-
pregnado e contaminado pelo o que se obtém no mundo?”

O Buda disse: “O Bodhisattva-Mahasattva é perfeito em dez coisas, não


briga com o mundo e não se torna impregnado e contaminado pelo o
que se obtém no mundo. Quais são as dez? Elas são: 1) fé, 2) observân-
cia dos preceitos, 3) aproximação de um bom amigo, 4) refletir (medi-
tar) bem dentro de si próprio, 5) esforços, 6) lembrança correta, 7)
Sabedoria, 8) palavras corretas, 9) zêlo pelo Dharma Maravilhoso, e 10)
piedade para com todos os seres. Oh bom homem! Como o Bodhisatt-
va-Mahasattva é perfeito nessas dez coisas, ele não briga com o mundo

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 326


e não se torna impregnado e maculado pelo o que se obtém no mun-
do, como no caso da Utpala.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Buda, diz que se diz ‘é’ se o conhecimento mundano disser ‘é’,
e se o conhecimento mundano disser ‘não-é’, diz-se ‘não-é’. Mas, o que
vem a ser ‘é’ e ‘não-é’ do conhecimento mundano?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Isso é como quando o mundo diz: ‘A
matéria é não-eterna, sofrimento, vazio, e não-Eu’, e as coisas se pas-
sam assim até a consciência. Oh bom homem! Isto é o que o conheci-
mento mundano diz que é um ‘é’, e Eu, também, digo que é um ‘é’. Oh
bom homem! O conhecimento mundano diz que a matéria nada tem
do Eterno, Êxtase, do Eu e do Puro. Assim se diz do sentimento, per-
cepção, volição, e consciência. Oh bom homem! Isto é onde o conhe-
cimento mundano diz ‘não-é’. Eu, também, digo ‘não-é’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Aqueles que são sábios são todos Bodhisattvas e pessoas sagradas. Por
que é que quando o conhecimento mundano diz que a matéria é não-
eterna, sofrimento, vazio, e não-Eu, o Tathagata diz que o corpo carnal
do Buda é Eterno e Imutável? O que o sábio do mundo diz não tem lei
[nada do Dharma]. Por que o Tathagata diz ‘é’? E como você pode dizer
que você não briga com o mundo e que você não se torna impregnado
e maculado pelas coisas mundanas? O Tathagata já está distante dos
três tipos de inversões, quais sejam as inversões da imagem mental, da
mente, e das visões mundanas. Enquanto o Buda deveria estar dizendo
que a matéria é realmente não-eterna, você agora diz que ela é eterna.
Como você pode dizer que se afasta das inversões e que você não briga
com o mundo?”

O Buda disse: “Oh bom homem! A matéria [isto é, a forma física, ‘ru-
pa’] dos mortais comuns surge das impurezas. Por isso, Eu digo que no
conhecimento mundano a matéria é não-eterna, sofrimento, vazio, e

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 327


não-Eu. A matéria do Tathagata segrega-se das impurezas. Assim, Eu
digo Eterna e Imutável.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como a ma-


téria surge das impurezas?”

“Oh bom homem! Há três tipos de impurezas, as quais são as secre-


ções [‘asvaras’, fluxo negativo] de: 1) desejo, 2) o ‘é’, e 3) ignorância.
Aquele que é sábio deve meditar sobre os três pecados que surgem
dessas três secreções. Por quê? Quando se percebe o pecado, afasta-se
dele. Por exemplo, isto é como com um médico que primeiro olha,
sente o pulso, vê onde a doença reside, e então receita o remédio. Oh
bom homem! Um homem leva uma pessoa cega para dentro de um
arbusto espinhoso, lhe abandona lá e volta para casa. Então, a pessoa
cega encontra dificuldades para sair. Mesmo que ela saia, seu corpo
estará cheio de feridas. É o mesmo com os mortais comuns do mundo.
Se for incapaz de ver os males das três impurezas, a pessoa se adapta a
eles e age. [Uma vez] vistos os males, afasta-se deles. Através da visão
das retribuições cármicas, pode-se ter que sofrer os efeitos dos peca-
dos, mas sofre-se pouco.

Oh bom homem! Há quatro tipos de pessoas. Um é a pessoa que tra-


balha duro quando age, mas surgem retornos leves quando ela tem
que sofrê-los. Outro é alguém cujo trabalho é leve quando age, mas o
retorno é pesado. O terceiro (tipo) é a pessoa que trabalha duro por
ocasião da ação e também quando o retorno surge. O quarto é a pes-
soa cujo trabalho é leve durante a ação e também quando o retorno
surge. Oh bom homem! Se alguém vê [isto é, percebe] através dos
males das impurezas, o trabalho é leve tanto por ocasião da ação quan-
to por ocasião do recebimento da retribuição cármica.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 328


Meditar Sobre Impurezas

Oh bom homem! Alguém que tenha Sabedoria pensa: ‘Devo afastar-


me dessas impurezas e não devo fazer coisas rebaixadas e vis. Por que
não? Porque [de outra forma] não posso livrar-me das retribuições
cármicas do inferno, dos espíritos famintos, dos animais, humanos e
celestiais. Ao praticar a Via, através desse poder, acabarei com todos
esses sofrimentos’. Pensando assim, o que a pessoa comete é leve com
relação à cobiça, má-vontade, e ignorância. Sendo leves a cobiça, a má-
vontade e a ignorância, a pessoa é feliz. Ela ainda pensa: ‘Agora sim,
através do poder da prática da Via, afasto-me das coisas más e posso
aproximar-me do Dharma Maravilhoso. Assim eu conquisto a Via Cor-
reta. Agora farei esforços e crescerei’. Ora, essa pessoa acaba com
todas as inumeráveis más impurezas, e está livre das retribuições do
inferno, espíritos famintos, animais, e aquelas dos humanos e celesti-
ais. Por isso, Eu digo nos meus Sutras: ‘Deve-se meditar sobre todas as
impurezas e sobre as causas das impurezas’. Por quê? Caso alguma
pessoa sábia medite sobre as impurezas, mas não sobre as causas das
impurezas, ela não será capaz de acabar com as impurezas. Por quê?
Porque qualquer pessoa sábia pode ver o que surgirá da causa das
impurezas. Eu agora estou apartado da causa, e as impurezas não sur-
gem.

Oh bom homem! Isto é como no caso de um médico. Uma vez que ele
remova a causa, a doença não mais levantará a sua cabeça. É o mesmo
com a pessoa sábia que extirpa a causa das impurezas. Alguém que
seja sábio deve primeiro meditar sobre a causa e, depois, sobre o efei-
to. Ele vê que bons resultados surgem de uma boa causa, e os maus
(resultados) vêm do que é mau. Ao meditar sobre o resultado que sur-
ge, ele acaba com a causa. Tendo meditado sobre o resultado que sur-
girá, ele deve ainda meditar sobre a leveza e o peso das impurezas.
Tendo meditado sobre leveza e o peso, primeiro ele acaba com o que é
pesado. Quando se acabou com o que é pesado, o que é leve irá embo-
ra por si.

Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 329


Oh bom homem! Se a pessoa sábia percebe as impurezas, a causa das
impurezas, o resultado das impurezas, e a leveza e o peso das impure-
zas; aquela pessoa empreenderá esforços na Via, não cessará, e não
sentirá remorso. Essa pessoa se associará com um Bom Amigo e dará
ouvido ao Dharma com a mente mais sincera. Isto é tudo para acabar
com as impurezas.

Os Skandhas do Sábio

Oh bom homem! Quando uma pessoa adoecida sabe que sua doença é
leve e que poderá ser facilmente curada, ela não se sentirá infeliz
quando um remédio amargo lhe for prescrito, e o tomará. É o mesmo
caso com a pessoa sábia, também. Ela faz esforços, pratica a Via Sagra-
da, é feliz, não cessa (os esforços), e não sente pesar.

Oh bom homem! Se uma pessoa vem a conhecer as impurezas, a causa


das impurezas, o resultado das impurezas, a leveza e o peso das impu-
rezas; ela fará esforços, eliminará as impurezas e praticará a Via. Com
essa pessoa, a ‘matéria’ [forma física] não surge, nem provoca senti-
mento, percepção, volição, e consciência. Se uma pessoa não vê as
impurezas, a causa das impurezas, o resultado das impurezas, a leveza
e o peso das impurezas, e não empreende esforços na prática da Via;
para essa pessoa a matéria, sentimento, percepção, volição, e consci-
ência surgirão.

Oh bom homem! ‘Aquele’ que vê as impurezas, a causa das impurezas,


o resultado das impurezas, a leveza e o peso das impurezas, e que pra-
tica a Via é o Tathagata. Por essa razão, o corpo [‘rupa’] do Tathagata é
Eterno. Assim é com [‘seu’] sentimento, percepção, volição, e consci-
ência, os quais são todos Eternos.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 330


Capítulo Quarenta e Três: Sobre o Bodhisattva
Kashyapa 4
[O Buda disse:] “Oh bom homem! Uma pessoa que não conhece as
impurezas, a causa das impurezas, o resultado das impurezas, a leveza
e o peso das impurezas, e que não pratica a Via é um mortal comum.
Assim, a forma material dos mortais comuns é não-eterna, e tudo isso
como [seu] sentimento, percepção, volição, e consciência são não-
eternos.

Oh bom homem! O sábio do mundo, todas as pessoas sagradas, os


Bodhisattvas, e todos os Budas falam desses dois significados. Eu, tam-
bém, falo assim. Esse é o porquê Eu digo: ‘Eu não brigo com o sábio do
mundo. Eu não sou impregnado e maculado pelo o que se obtém no
mundo’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Buda fala sobre as impurezas das três existências. Quais são as impure-
zas do desejo, da existência, e da ignorância?”

A Impureza do Desejo (o Preconceito)

O Buda disse: “Oh bom homem! Falemos da impureza do desejo, a


qual se deve à má sensação interna que sobe à cabeça, provocada por
relações causais externas. Esse é o porquê, em tempos passados, em
Rajagriha, Eu disse a Ananda: ‘Aceite agora o gatha [verso] que a mu-
lher declama. Esse gatha é o que os Budas do passado falaram’. Por
essa razão, Eu digo que a má sensação interna e as relações causais
que operam a partir de fora são desejo. Isto é a impureza do desejo.

Capítulo 43: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 4 Página 331


As Impurezas da Ignorância

As impurezas (da ignorância) são todas aquelas más sensações mentais


nos mundos da forma e da não-forma, e as relações causais que ope-
ram a partir de fora, com exceção de todas as relações causais que
operam a partir de fora e as sensações mentais do mundo do desejo (já
descritas acima - as três existências são os mundos da forma, não-
forma, e desejo). Chamamos isso de impurezas. Falemos da impureza
da ilusão. Quando alguém não conhece a si próprio e o que lhe perten-
ce, e quando falha em ver a diferença entre as coisas dentro e fora,
dizemos que há impurezas da ignorância.

Oh bom homem! A ignorância é a raiz de todas as impurezas. Por quê?


Todos os seres, devido às relações causais da ignorância, evocam todas
as imaginações e formas nos campos dos cinco skandhas, das 12 esfe-
ras, e dos 18 reinos [dos sentidos]. Estas são noções invertidas quanto
à imagem, mente, e visão de mundo. Disto, todas as impurezas sur-
gem. Portanto, Eu estabeleço nos 12 tipos de sutras: ‘A ignorância é a
causa da cobiça, a causa da má-vontade (indolência), e a causa da
(própria) ignorância’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Tathagata


certa vez disse nos 12 tipos de sutras: ‘As relações causais do pensa-
mento sobre coisas más evocam a cobiça, a má-vontade, e a ignorân-
cia’. Por que você agora diz (atribui isso à) ignorância?”

“Oh bom homem! Essas coisas tornam-se a causa e o efeito uma da


outra, e crescem. O mau pensamento evoca a ignorância, e a relação
causal da ignorância evoca o mau pensamento. Oh bom homem! Tudo
o que aumenta as ilusões é a relação causal das ilusões. Qualquer ação
que favoreça a relação causal da ilusão é chamada de mau pensamen-
to da ignorância. Uma semente evoca um broto. Essa semente é a cau-
sa próxima; os quatro grandes elementos são a causa distante. O mes-
mo é o caso com a ilusão.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 332


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Você, o Buda, diz que a igno-
rância é uma impureza. Como você pode dizer que a ignorância evoca
todas as impurezas?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Eu falo das impurezas da ignorância.


Isto se refere à ignorância interna. Se todas as impurezas vêm da igno-
rância, isto é nada mais que a causa do ‘interno’ e ‘externo’. Se a igno-
rância é uma impureza, isto é uma inversão interna, que diz respeito à
ignorância do não-eterno, sofrimento, vacuidade, e não-Eu. Se a igno-
rância é estabelecida como sendo a relação causal de todas as ilusões,
isto significará que não se conhece o eu e o que pertence ao eu, no que
concerne às relações exteriores. Se é feita referência às impurezas da
ignorância, isto nada mais é que não-princípio (não-surgimento) e não-
fim (eternidade). Da ignorância surgem os cinco skandhas, os 18 reinos,
e as 12 esferas.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você, o Buda, diz: ‘A pessoa que possui Sabedoria conhece a causa das
impurezas’. Como você pode dizer que essa pessoa conhece a causa da
ilusão?”

“Oh bom homem! Alguém que seja sábio meditará e tentará saber por
que essa ilusão surge, quando essa ilusão surge, quando se vive com
ela, em que lugar se adquire isto, vendo o que, na casa de quem, ao
receber que roupas de cama, comida e bebida, roupas, e remédios.
Através de que relações causais o baixo vem a ser o médio, o médio
vem a ser o alto, as ações rebaixadas vêm a ser as médias, e as médias
vêm a ser aquelas elevadas? Quando o Bodhisattva-Mahasattva pensa
dessa maneira, ele corta as ilusões que tinha desde o nascimento. Co-
mo ele pensa dessa maneira , isto bloqueia as ilusões que ainda não
surgiram impedindo-lhes de surgir, e as ilusões que já surgiram são
aniquiladas. Esse é o porquê Eu digo no meu sutra: ‘Uma pessoa que
tem Sabedoria deve meditar sobre a causa da ilusão’.”

Capítulo 43: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 4 Página 333


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!
Quais os diversos tipos de ilusões um simples corpo de um ser evoca?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Um único recipiente guarda dentro de


si várias sementes. Quando a água e a chuva vêm, cada uma delas bro-
ta. É o mesmo com os seres. Devido às relações causais do desejo, sur-
gem vários tipos de ilusões.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como uma


pessoa sábia medita sobre a fruição do carma?”

“Oh bom homem! Uma pessoa que é sábia deveria pensar: ‘As relações
causais de todas as impurezas realmente evocam [renascimento nos
reinos do] inferno, espíritos famintos, e animais. As relações causais
dessas impurezas concedem a uma pessoa o corpo de um humano ou
de um ser celestial. Estes são não-eternos, sofrimento, Vazio, e não-Eu.
Nesse receptáculo do corpo carnal, adquirimos três sofrimentos e três
não-eternos. As relações causais dessas impurezas realmente levam os
seres a cometerem os cinco pecados mortais [isto é, matar o pai, matar
a mãe, matar um Arhat, causar dissensão na Sangha, e ferir (fazer fluir
sangue do corpo de) um Buda], em conseqüência de que os humanos
recebem más retribuições, e em conseqüência de que os humanos
eliminam as sementes do bem, cometem as quatro graves ofensas [isto
é, matar, roubar, a luxúria ilegal, e a mentira], e caluniam os Três Te-
souros’. Uma pessoa sábia deveria meditar e pensar: ‘Não devo adqui-
rir esse corpo e evocar essas impurezas, e sofrer essas más conseqüên-
cias’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Você diz que há resultados puros, e o


sábio aparta-se dos resultados cármicos. A fruição pura repousa naqui-
lo que cortamos ou não. Todos aqueles que alcançam a Via ganham as
fruições puras. Se o sábio busca a fruição pura, por que o Buda diz que
todos os sábios devem apartar-se das fruições? Se cortadas, como
poderia haver todas essas pessoas sagradas?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 334


“Oh bom homem! O Tathagata, às vezes, fala do resultado na causa.
Isto é como quando as pessoas do mundo dizem que o barro é um vaso
ou um fio é roupa. Isto é falar do resultado enquanto ainda no estágio
de causa. Dizemos que a causa está estabelecida no estágio de resulta-
do. Isto é como quando uma vaca surge do capim aquoso e um huma-
no surge da comida. Eu, também, falo do resultado na causa. Eu já
estabeleci nos sutras: ‘Através da minha mente, Eu adquiro o corpo do
Brahma’. Isto é falar do resultado na causa. Eu falo da causa no estágio
de resultado. Isto é como em: ‘As seis esferas surgem do carma passa-
do’. Isto é onde Eu falo da causa no estágio de resultado.

Oh bom homem! Todas as pessoas sagradas, para dizer a verdade, não


têm [sic!] resultados puros. Todos os resultados da prática da Via das
pessoas sagradas não evocam quaisquer impurezas. Assim, falamos de
‘resultados puros’.

Oh bom homem! Uma pessoa que tem Sabedoria vê as coisas assim, e


finalmente acaba com os resultados das impurezas. Oh bom homem!
Uma pessoa sábia vê as coisas assim e pratica a Via Sagrada, de modo a
cortar os resultados das impurezas. A Via Sagrada é nenhuma outra
senão o Vazio, amorfia (não-forma), e não-desejo. Ao praticar essa Via,
a pessoa de fato corta os resultados das impurezas.”

Capítulo 43: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 4 Página 335


Capítulo Quarenta e Quatro: Sobre o Bodhisattva
Kashyapa 5

O Remédio Todo-Maravilhoso dos Himalayas

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Todos os seres colhem o fruto


cármico das impurezas. Impureza é maldade. A impureza que surge das
más impurezas é [também] má. Caso afirmativo, há dois tipos. Um é a
‘causa’, e o outro o ‘efeito’. Como a causa é má, o efeito é mau. Como
a fruição é má, a semente é má. Isso é como a fruta ‘nimba’. Como a
semente é amarga, a flor, a fruta, a haste e as folhas são todas amar-
gas. Isso é como a semente de uma árvore venenosa, onde como a
semente é venenosa, a fruta também é venenosa. A causa é o ser e o
efeito é o ser. A causa é impura, e o efeito também é impuro. A causa e
o efeito das impurezas são os seres, e os seres são a causa e o efeito
das impurezas. Se esta é, de fato, a inferência, por que o Tathagata
emprega a parábola da grama nos Himalayas que é venenosa, mas
[também] um remédio todo-maravilhoso? Se dissermos que impureza
é o ser e o ser é impureza, como podemos dizer que há um remédio
maravilhoso no corpo de um ser?”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Inumeráveis


seres têm a mesma dúvida. Você agora faz bem de indagar por uma
resposta. Tornarei esse ponto claro também. Ouça bem, ouça bem!
Pense bem a respeito disto. Estabelecerei isto claramente agora e ex-
plicarei para você.

Oh bom homem! Eu falo dos Himalayas na minha parábola, em alusão


aos seres ali. A grama venenosa refere-se às impurezas, e o remédio
todo-maravilhoso refere-se às ações puras. Oh bom homem! Quando
os seres praticam essas ações puras, dizemos que eles possuem um
remédio todo-maravilhoso dentro deles.”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 337


O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!
Como um ser possui ações puras?”

“Oh bom homem! No mundo, vemos que uma semente evoca o fruto.
Agora, há casos onde essa semente, às vezes, torna-se a causa do fruto.
Ou há casos onde não se torna. Ela somente pode ser chamada ‘se-
mente’ e ‘fruto’ quando as coisas se procedem assim (isto é, ela é a
causa do fruto). Quando as coisas não se procedem assim, dizemos
somente ‘fruto’, e não ‘semente’. É o mesmo com os seres. Todos têm
dois tipos [de ações]. Com um, é o efeito (fruto) da impureza, e tam-
bém a causa (semente) da impureza. Com o outro, é o fruto da impure-
za, mas não a causa (semente) da impureza. Quando é o fruto da impu-
reza, mas não a causa da impureza, chamamos isto de ‘ação pura’. Oh
bom homem! Os seres meditam sobre o sentimento e vêm à saber que
este é a causa próxima de todas as impurezas. Em razão do sentimen-
to, uma pessoa não pode cortar todas as impurezas que estão dentro e
fora. Todas as impurezas, também, são incapazes de sair da prisão dos
três mundos. Os seres, devido aos sentimentos, aderem ao ‘eu’ e ao
que pertence ao ‘eu’, e adquirem inversões do pensamento, imagem e
visões da vida. Por isso, os seres devem primeiro meditar sobre o sen-
timento. Esse sentimento se torna a causa próxima de todas as fases
do desejo. Por essa razão, os sábios, quando desejam extirpar o desejo,
devem primeiro meditar sobre o sentimento.

Oh bom homem! Todo o bem e mal dos seres que emergem dos 12
elos da interdependência têm sua origem no sentimento. Esse é o por-
quê eu disse a Ananda: ‘Todas as boas e más ações de todos os seres se
originam por ocasião do sentimento’. Esse é o porquê uma pessoa que
possua Sabedoria deve meditar primeiro sobre sentimento. Quando
essa meditação é feita, a pessoa então pensa: ‘Através de quais rela-
ções causais esse sentimento surge? Se (surge) das relações causais, do
que surgem essas relações causais? Se (surge) por uma não-causa, por
que é que essa não-causa não evoca um não-sentimento’. Ela também
pensa: ‘Esse sentimento não surge por obra de Mahesvara, nem atra-
vés dos humanos, nem pelas partículas, nem pela estação, imagem,
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 338
natureza, nem pelo ‘eu’ ou pelo poder externo; nem surge através das
ações combinadas do próprio ‘eu’ e dos outros; nem é através de não-
causa. Esse sentimento surge através de relações causais combinadas.
As relações causais são ao mesmo tempo o desejo. Não é que exista
desejo nessa combinação, nem é que não exista desejo. Não é que não
exista sentimento. Por essa razão, eu realmente corto essa harmoniza-
ção [combinação de relações causais]. Ao cortar essa harmonização,
nenhum sentimento surge’.

Oh bom homem! [Uma vez] pensada a causa, a pessoa sábia agora


medita sobre a fruição do carma: ‘Os seres, através do sentimento,
sofrem desde as inumeráveis aflições do inferno, dos espíritos famintos
e dos animais, até os três reinos. Devido às relações causais do senti-
mento, não há o Eterno e Êxtase. Assim, a pessoa extirpa a raiz do sen-
timento e através disto, a pessoa ganha a emancipação’. Quando se
medita assim, não existe a causa do sentimento.

(O Bodhisattva Kashyapa disse): “Como podemos dizer que ele não


evoca a causa do sentimento? Isso é a discriminação do sentimento.
Que sentimento torna-se a causa do desejo e que desejo é a causa do
sofrimento?”

“Oh bom homem! Como os seres meditam completamente sobre a


causa do desejo, eles realmente apartam-se do ‘eu’ e daquilo que per-
tence ao ‘eu’. Oh bom homem! Ao meditar-se completamente assim,
uma pessoa de fato virá a conhecer onde o desejo e o sentimento ter-
minam. Isto quer dizer que uma pessoa vê o desejo e o sentimento
saírem um pouco. (Ela) sabe que finalmente haverá um fim. Então, se
vem a ter fé na Emancipação. Como se ganha fé, vê-se de onde a E-
mancipação surge. Vê-se que isso surge do Nobre Caminho Óctuplo, e
aprende-se a praticar.

O que é o Nobre Caminho Óctuplo? Nisto estão os três sentimentos: 1)


sofrimento, 2) alegria, e 3) não-sofrimento e não-alegria. Esses três
aumentam o corpo e a mente de alguém. Por que há aumento? Isso
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 339
vem do contato (toque) [‘sparsa’]. O contato tem três fases, as quais
são: 1) contato da ignorância, 2) contato do brilho (vivacidade, inteli-
gência), e 3) contato do não-brilho e não-ignorância. O contato do bri-
lho é o Nobre Caminho Óctuplo. Os outros dois contatos aumentam o
corpo, a mente e os três sentimentos. Esse é o porquê Eu digo que se
deve extirpar os dois contatos. Quando se extirpa o contato das rela-
ções causais, não se ganha mais os três sentimentos.

Oh bom homem! Esse sentimento é a causa e também o efeito. Al-


guém que seja sábio deve meditar sobre a causa-efeito. O que é a cau-
sa? Do sentimento adquire-se o desejo. Isto é a causa. O que é o efei-
to? Ele surge do contato. Portanto, é resultado. Assim, esse sentimento
é causa-efeito. A pessoa sábia medita assim sobre sentimento e desejo.
Quando se colhe os resultados cármicos, chamamos isto de desejo.
Uma pessoa sábia medita sobre o desejo de duas maneiras, a saber: 1)
alimento impuro e 2) não-alimento.

O desejo pelo alimento impuro causa o nascimento, a velhice, a doen-


ça, a morte, e todas as outras existências. O desejo pelo não-alimento
corta o nascimento, a velhice, a doença, a morte, todas as outras exis-
tências, e devora não obstante a Via Imaculada. Uma pessoa sábia
pensará: ‘Caso eu adquira desejo por alimento impuro, não serei capaz
de acabar com o nascimento, a velhice, a doença e a morte. Embora eu
agora devore a Via Imaculada, se eu não acabar com a causa do senti-
mento, não serei capaz de ganhar a fruição da Via Imaculada. Assim,
devo acabar com esse contato. Uma vez cortado o contato, o senti-
mento morrerá por si. Uma vez acabado o sentimento, o desejo tam-
bém morrerá por si. Isto é o Nobre Caminho Óctuplo’.

Oh bom homem! Se uma pessoa medita assim, poderá existir o remé-


dio todo-maravilhoso no corpo envenenado, exatamente como nos
Himalayas existe a erva medicinal toda-maravilhosa, embora também
haja grama venenosa. Oh bom homem! Alguém assim recebe um re-
sultado cármico através da impureza. Mas esse resultado cármico não
mais se torna uma causa da impureza. Isso é ação pura.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 340
Meditar Sobre Imagem

Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa sábia medita e


reflete por que o casal, sentimento e contato surgem, e vê que eles
surgem através da imagem. Como? Os seres vêem formas materiais e
não adquirem desejo. E também, por ocasião do sentimento, nenhum
desejo surge. Se alguém adquire uma imagem invertida com relação à
forma material e diz que a forma material é o Eterno, o Êxtase, o Eu, e
o Puro, e que não pode haver mudança; esse alguém, através dessa
inversão, adquirirá cobiça, má-vontade, e ignorância. Assim o sábio
deve meditar sobre imagem.

Como se medita sobre imagem? Deve-se pensar que todos os seres


ainda não alcançaram a Via Correta, e que todos eles têm imagens
invertidas. O que é uma imagem invertida? Ao estar no que não é Eter-
no (o corpo carnal), uma pessoa tem uma imagem do [isto é, vê isto
como] Eterno; estando no não-Êxtase, a pessoa tem uma imagem do
Êxtase; estando no que é não Puro, ela tem uma imagem do que é
Puro; estando no que é vazio, ela tem uma imagem do Eu; estando no
que não é homem ou mulher, grande ou pequeno, dia ou noite, mês
ou ano, roupas, casa, ou cama, ela tem imagens desde homem e mu-
lher, até cama.

Dessa imagem, há três tipos, a saber: 1) pequena, 2) grande, e 3) ilimi-


tada (infinita). Através de uma pequena relação causal, adquire-se uma
imagem pequena; através de uma grande relação causal, adquire-se
uma imagem grande; através de uma relação causal sem limites, adqui-
re-se uma imagem ilimitada. Também, há uma pequena imagem, que
se refere a alguém que ainda não adquiriu Samadhi. Também, há uma
grande imagem, que se refere a alguém que já adquiriu Samadhi. Tam-
bém, há uma imagem ilimitada, que se refere às dez penetrações-
plenas recíprocas (reciprocal all-enterings) [‘dasa-krtsnayatana’]. Tam-

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 341


bém, há uma pequena imagem, que se refere a todas as imagens do
mundo do desejo. Também, há uma grande imagem, que corresponde
a todas as imagens do mundo da forma. Também, há um ilimitado
número de imagens, que se referem a todas as imagens do mundo da
amorfia. Quando as três fases da imagem se extinguem, o sentimento
morre por si. Quando a imagem e o sentimento se vão, dizemos ‘E-
mancipação’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quando


todas as fases das coisas se extinguem, adquirimos Emancipação. Por
que você, Tathagata, diz que a extinção da imagem e sentimento é
Emancipação?”

O Buda disse: “Oh bom homem! O Tathagata, às vezes, fala do ser, em


que aquele que ouve compreende a coisa; ou, às vezes, ele estabelece
a coisa sobre o ser, e aquele que ouve compreende o que é dito sobre
o ser.

O que quero dizer ao falar que quando Eu falo do ser a pessoa que
ouve compreende que se refere a uma coisa? Isto é como quando cer-
ta vez eu disse a Mahakashyapa: ‘Oh Kashyapa! Quando o ser morre, o
Dharma Maravilhoso morre também’. Isto é o que quero dizer ao falar
que quando Eu falo sobre o ser, o ouvinte compreende que se refere a
uma coisa. O que quero dizer ao falar que quando Eu falo baseado no
dharma sobre o ser, o ouvinte compreende ter sido dito sobre o ser?
Isto é como certa vez Eu disse a Ananda: ‘Eu não digo que me achego a
todas as coisas ou que não me achego. Se Eu me achegar à lei [dharma
mundano, todas as coisas], a Boa Lei [Dharma Maravilhoso] enfraque-
cerá e o que é não-bom tornar-se-á exuberante. Não se deve achegar
de tal lei. Caso achegue-se à Lei (Dharma Maravilhoso), o não-bom
enfraquecerá e a Boa Lei aumentará. Deve-se achegar de tal Lei’. Isto é
o que eu digo com base numa coisa sobre o ser, e aquele que ouve
compreende como minha fala sobre o ser.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 342


Oh bom homem! O Tathagata fala sobre as duas extinções da imagem
e do sentimento. Mas, Ele já falou sobre tudo que poderia ser extirpa-
do. Quando uma pessoa sábia tem meditado sobre tal imagem, ela
deve em seguida meditar sobre a causa da imagem.

Meditar Sobre a Causa da Imagem

Como todas as inumeráveis imagens surgem? Sabe-se que elas surgem


do contato. E esse contato é de dois tipos, a saber: 1) contato pelas
impurezas, e 2) contato pela Emancipação. Se a imagem surge da igno-
rância, chamamos isto de ‘contato pela impureza’. O que surge do
‘brilho’ é chamado ‘contato pela Emancipação’. O contato da ignorân-
cia evoca uma imagem invertida, e aquele da Emancipação evoca uma
imagem não-invertida. Quando alguém tem meditado sobre a causa da
imagem, em seguida medita sobre o resultado cármico.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “A imagem invertida surge da


imagem da impureza. Todas as pessoas sagradas, para dizer a verdade,
possuem imagens invertidas e, no entanto, não possuem impurezas.
Como faço para compreender isto?”

O Buda disse: “Oh bom homem! De que maneira uma pessoa sagrada
possui uma imagem invertida?”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Todos os


sagrados, ao verem uma vaca, adquirem a imagem de uma vaca e di-
zem que isto é uma vaca. Ao ver um cavalo, adquirem a imagem de um
cavalo e dizem que isto é um cavalo. O mesmo se aplica ao homem,
mulher, grande e pequeno, casa, veículo, ir e vir. Isto é uma inversão.”

“Oh bom homem! Todos os seres possuem dois tipos de imagens, a


saber: 1) a imagem circulante (conceitual) no mundo, e 2) a imagem do
apego. Todas as pessoas sagradas têm apenas a imagem circulante no

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 343


mundo, mas não qualquer imagem do apego. Todos os seres adquirem
a imagem do apego por causa da meditação através de maus sentidos.
Todas as pessoas sagradas não adquirem a imagem do apego, em ra-
zão do [seu] despertar para o bem. Portanto, todos os mortais comuns
são classificados como de (imagens) invertidas, enquanto as pessoas
sagradas não são classificadas assim, embora as conheçam.

Tendo meditado sobre a causa da imagem, uma pessoa que seja sábia
medita em seguida sobre os resultados cármicos. Sofre-se esses resul-
tados cármicos das más imagens nos reinos do inferno, dos espíritos
famintos, dos animais, e dos humanos e celestiais. Como Eu acabei
com a imagem do despertar do mal, Eu cortei a ignorância e o contato.
Assim a imagem se foi. Quando se acaba com a imagem, a pessoa tam-
bém remove as conseqüências cármicas. Para cortar a causa da ima-
gem, a pessoa sábia pratica o Nobre Caminho Óctuplo. Oh bom ho-
mem! Qualquer pessoa que medita assim é chamada de alguém que
pratica ações puras.

Oh bom homem! Assim Eu digo: ‘No corpo envenenado do ser há um


remédio todo-maravilhoso. Embora nos Himalayas exista [um tipo de]
grama venenosa, há [também] um remédio todo-maravilhoso’.

Meditar sobre o Desejo

Também, além disso, oh bom homem! Alguém que seja sábio medita
sobre o desejo. Desejo é cor, som, fragrância, sabor e toque. Oh bom
homem! Assim o Tathagata fala do resultado (efeito) no estágio de
causa. A partir dessas cinco coisas, o desejo sobe à cabeça. E (essas
coisas) não são desejo, (são a sua causa).

Oh bom homem! Uma pessoa que é ignorante procura avidamente


compartilhar delas. Nessas formas materiais, a pessoa adquire uma
imagem invertida. E essa aquisição de uma imagem invertida se esten-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 344


de até o ‘toque’. E da relação causal da inversão, surge o sentimento.
Esse é o porquê Eu digo que dessa imagem invertida o mundo adquire
as dez imagens.

Da relação causal do desejo, se colhe más conseqüências cármicas no


mundo. A maldade é dirigida aos pais, Shramanas, e Brâmanes. Faz-se
o que não se deveria fazer, e se faz isso deliberadamente, da cabeça
aos pés. Assim, uma pessoa que seja sábia percebe o fato de que essa
relação causal do mal evoca uma mente ambiciosa. Tendo percebido a
causa do mal, a pessoa sábia medita primeiro sobre a causa da cobiça e
então pensa sobre os resultados cármicos. Quando há muito desejo, lá
surgirão muitos maus resultados, tais como [os reinos do] inferno, espí-
ritos famintos, animais, humanos e celestiais. Isto é o que chamamos
de percepção dos maus resultados.

Se alguém for capaz de acabar com a má imagem, nenhum pensamen-


to de cobiça surgirá. Quando não há uma mente ambiciosa, não surge
qualquer mau sentimento. Sem um mau sentimento, não pode haver
qualquer mau resultado. Esse é o porquê Eu acabo primeiro com a má
imagem. Uma vez que se acaba com a imagem do mal, coisas como
essas morrem naturalmente. Por isso, a pessoa sábia pratica o Nobre
Caminho Óctuplo, no sentido de acabar com a má imagem. Isto é o que
chamamos de ‘ação pura’. Este é o porquê dizemos que no corpo en-
venenado de um ser, há um remédio todo-maravilhoso, como no caso
dos Himalayas, onde embora haja gramas venenosas, há um remédio
todo-maravilhoso, também.

Meditar Sobre o Carma

Também, além disso, oh bom homem! Tendo meditado completamen-


te dessa maneira sobre o desejo, a pessoa sábia em seguida medita
sobre o Carma. Por quê? A pessoa sábia pensa: ‘Sentimento, imagem,
toque e desejo são impurezas. As impurezas realmente geram o carma

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 345


vivido, mas não o carma colhido. Essa impureza acompanha o carma e
é composta de dois tipos: 1) carma vivido, e 2) carma colhido. Por isso,
a pessoa sábia deve meditar bem sobre o carma. Esse carma é de três
tipos: corpo, boca, e mente’. Oh bom homem! O par, corpo e boca, são
chamados carma, e também resultado cármico (carma colhido). A
mente é chamada meramente ‘carma’ (carma vivido), e não ‘resultado’
(carma colhido). Como ela é a causa do carma, dizemos ‘carma’. Oh
bom homem! Chamamos os carmas do corpo e da boca de carma ex-
terno (colhido), e o carma mental de interno (vivido). Esses três carmas
acompanham (caminham juntos com) as impurezas. Assim, temos dois
carmas, a saber: 1) carma vivido, e 2) carma sentido (colhido).

Oh bom homem! ‘Carma direto’ é o carma mental. Dizemos ‘carma


temporal’. Isto se refere aos carmas do corpo e da mente. Sendo o que
aparece primeiro, dizemos ‘carma mental’. Aquele que surge do (car-
ma) mental são os carmas corporal e oral. Assim, aquele que é mental
é chamado ‘direto’. Tendo meditado sobre o carma, uma pessoa sábia
deve meditar sobre a causa do carma.

Meditar Sobre a Causa do Carma

A causa do carma é o toque da ignorância. Devido ao toque da igno-


rância, os seres vêem ‘existência’. A relação causal da existência é ‘de-
sejo’. Devido à relação causal do desejo, uma pessoa perpetra as três
ações do corpo, da boca, e da mente.

Meditar Sobre o Resultado Cármico

Oh bom homem! Tendo meditado sobre a causa do carma, a pessoa


sábia medita sobre o resultado cármico. Há quatro tipos de resultado
cármico, a saber: 1) resultado cármico preto-preto, 2) resultado cármi-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 346


co branco-branco, 3) resultado cármico misto-misto, e 4) resultado
cármico não-preto-não-branco-não-preto-não-branco.

O resultado cármico preto-preto é aquele que é impuro no momento


da ação e o resultado cármico, também, é impuro. Dizemos resultado
cármico branco-branco, o qual é puro quando [a ação está] sendo
promulgada, e o resultado cármico também é puro. Falamos do resul-
tado cármico misto-misto, o qual é de natureza mista durante a pro-
mulgação [da ação], e o resultado cármico, também, é misto. Dizemos
resultado cármico não-preto-não-branco-não-preto-não-branco. Isto é
carma imaculado.”

O Carma Imaculado

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Você disse antes que o imaculado não tem resultado cármico. Por que
você fala agora sobre o não-preto-não-branco do resultado cármico.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Há dois significados para isto. Um é o


resultado e a recompensa juntos, e o segundo é a fruição, mas não a
recompensa. O resultado cármico preto-preto é o resultado, e também
a recompensa. Quando ele manifesta de uma causa impura (preto), ele
é um ‘resultado’; quando ele se torna uma causa, dizemos ‘recompen-
sa’. É o mesmo com o puro (branco) e o misto. O resultado imaculado
surge de uma causa impura. Por isso, ‘resultado’. Quando ele não se
torna a causa de qualquer outra coisa, não dizemos ‘recompensa’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Esse


carma imaculado não é aquele que é preto. Por que você não o chama
de branco?”

“Oh bom homem! Como não há recompensa, Eu não o chamo de


branco. Quando se causa uma cura para o preto, Eu digo branco. Eu

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 347


agora digo: ‘O que recebe o resultado cármico é chamado preto ou
branco. Como essa ação imaculada não colhe qualquer recompensa, Eu
não o chamo de branco. Eu digo ‘quietude’. Todas essas ações estão
definitivamente sujeitas à recompensa. As dez coisas más estão defini-
tivamente sujeitas aos reinos do inferno, dos espíritos famintos, e dos
animais. As dez coisas boas ganham definitivamente o mundo dos hu-
manos e celestiais. Nas dez coisas más, temos os graus de: superior,
médio, e inferior. Através das relações causais superiores, ganha-se o
inferno; através das relações causais medianas, ganha-se o reino dos
espíritos famintos; e através das relações causais inferiores, ganha-se
vida no reino dos animais. Também, das dez boas ações dos humanos
há quatro tipos, a saber: 1) inferior, 2) mediano, 3) alto, e 4) superior.
Através das relações causais inferiores, ganha-se vida no Uttarakuru;
através das medianas, no Purvavideha; através das relações causais
altas, no Godaniya; e através das relações causais superiores, vida no
Jambudvipa.

Quando essa meditação é praticada, a pessoa sábia pensa: ‘Como pos-


so me apartar desse resultado cármico?’ Ela também pensa: ‘Essa rela-
ção causal surge da ignorância e do contato. Se eu acabo com a igno-
rância e o contato, esse resultado cármico morrerá e não surgirá mais.
Por isso, uma pessoa que é sábia, no sentido de extirpar as relações
causais da ignorância e do contato, deve praticar o Nobre Caminho
Óctuplo. Isso é ação pura’. Oh bom homem! Este é o porquê Eu digo
que no corpo envenenado de um ser existe um remédio todo-
maravilhoso. Isto é como no caso dos Himalayas, onde, embora haja
ervas venenosas, há uma erva medicinal também.

Também, além disso, oh bom homem! Tendo meditado sobre carma e


impureza, uma pessoa sábia então medita sobre os dois resultados
cármicos que foram alcançados. Esses dois resultados cármicos são do
sofrimento. Quando esse sofrimento é conhecido, uma pessoa aparta-
se de todos os seres. A pessoa sábia também pensa: ‘A relação causal
das impurezas também evoca impurezas. Sendo a relação causal do
carma, ela novamente evoca impurezas. A relação causal das impure-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 348
zas novamente evoca o carma. A relação causal do carma evoca o so-
frimento, e da relação causal do sofrimento surgem impurezas. A rela-
ção causal das impurezas evoca a existência, e a relação causal da exis-
tência evoca o sofrimento. A relação causal da existência evoca a exis-
tência. A relação causal da existência evoca o carma, e a relação causal
do carma evoca as impurezas. A relação causal das impurezas evoca o
sofrimento. A relação causal do sofrimento evoca o sofrimento.

Oh bom homem! Se qualquer pessoa sábia medita assim profunda-


mente, saiba-se que essa pessoa medita realmente sobre o sofrimento
do carma. Por quê? Tudo o que está estabelecido acima com relação à
meditação são as relações causais do nascimento e da morte dos 12
elos do surgimento interdependente. Se uma pessoa pensa assim pro-
fundamente sobre os 12 elos do surgimento interdependente, deve-se
saber que essa pessoa não mais criará quaisquer novos carmas, e ani-
quilará completamente antigos sofrimentos.

Oh bom homem! Uma pessoa que tem Sabedoria medita sobre o so-
frimento do inferno. De um inferno, (há) 136 lugares, e cada inferno
tem vários tipos de sofrimento. Tudo surge das relações causais do
carma das impurezas. Assim se deve meditar. Quando a meditação
sobre o inferno tiver sido completada, isto leva à meditação sobre o
sofrimento dos espíritos famintos e dos animais. Tendo feito essa me-
ditação, uma pessoa novamente pensa sobre todos os sofrimentos dos
humanos e celestiais. Todos esses sofrimentos surgem dos carmas das
impurezas.

Oh bom homem! Na vida dos céus, não temos quaisquer desses tipos
de grande sofrimento. O corpo é leve, delicado e suave. [Mas,] quando
alguém vê os cinco presságios do declínio, um grande sofrimento sobe
à sua cabeça. Isto é como o sofrimento do inferno, que se procede da
mesma maneira, tudo igualmente.

Oh bom homem! O sábio medita e pensa que todos os sofrimentos dos


três mundos emergem das relações causais das impurezas. Oh bom
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 349
homem! Por exemplo, uma telha que ainda não foi recozida no calor é
fácil de quebrar. É o mesmo com o corpo físico de um ser, também.
Adquirindo-se o corpo, este agora é um receptáculo do sofrimento. Por
exemplo, o esplendor das flores e frutos de uma grande árvore acaba
destruído pelos pássaros; e montes de capim seco podem facilmente
ser queimados por uma pequena faísca de fogo. É o mesmo com o
corpo carnal de um ser, que facilmente se desintegra.

Oh bom homem! Se uma pessoa sábia pode meditar bem sobre os oito
sofrimentos como nas ações sagradas, saiba que essa pessoa de fato se
aparta de todos os sofrimentos.

Meditar Sobre o Sofrimento

Oh bom homem! Uma pessoa sábia medita profundamente sobre os


oito sofrimentos, e em seguida sobre a causa do sofrimento. A causa
do sofrimento é a ignorância do desejo, que é constituído de duas coi-
sas: 1) busca do que é (prazer) corporal, e 2) busca da riqueza. A busca
do que é corporal e a busca da riqueza, ambos são fontes de sofrimen-
to. Assim, deve-se saber que a ignorância do desejo é a causa do sofri-
mento.

Oh bom homem! Há dois tipos dessa ignorância do desejo, a saber: 1)


interna, e 2) externa. Aquela que é interna realmente molda o carma,
enquanto aquela que é externa aumenta-o. Também, aquela que é
interna de fato molda o carma, e aquela que é externa molda o resul-
tado cármico. Ao acabar-se com o desejo interno, pode-se de fato aca-
bar com o carma. Se o desejo externo é cortado, o fruto cármico se vai.
O desejo interno molda o sofrimento do mundo que está por vir, en-
quanto o desejo externo evoca o sofrimento da vida presente. O sábio
medita sobre a causa do sofrimento, que é o desejo. Tendo meditado
sobre a causa, ele assim o faz sobre o resultado cármico. O resultado
cármico do sofrimento é ‘apego’ [‘upadana’ – apego à existência]. O

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 350


resultado do desejo é apego. O resultado cármico do desejo é apego. A
relação causal desse apego, que é desejo interno e externo, evoca o
sofrimento do desejo.

Oh bom homem! O sábio deve meditar e pensar que o desejo está


causalmente relacionado ao apego, e o apego está causalmente rela-
cionado ao desejo. Se uma pessoa extirpa realmente esse par, desejo e
apego, não haverá mais ação cármica; esse alguém não mais sofrerá de
qualquer tipo de aflição (preocupação). Portanto, o sábio deve praticar
bem o Nobre Caminho Óctuplo e acabar com todos os sofrimentos.

Oh bom homem! Se qualquer pessoa medita assim, isto é ação pura.


Isto é onde dizemos que os seres possuem um remédio todo-
maravilhoso em seus corpos carnais envenenados, e que nos Himala-
yas, em meio às gramas venenosas, há uma erva medicinal toda-
maravilhosa.”

A Casa do Tesouro

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O


que é ação pura?”

O Buda disse: “Todas as coisas são nada mais que ações puras.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Todas as


coisas não são determinadas no significado. Por quê? O Tathagata as
chama de boas ou não-boas. Às vezes, ele diz que essa é a meditação
das quatro recordações, ou às vezes, das 12 esferas, ou do Bom Mestre
da Via, ou dos 12 elos da interdependência, ou do ser, da visão correta,
da visão errônea, dos 12 tipos de sutra, ou das duas verdades; ou o
Tathagata agora diz que todas as coisas são ações puras. Tudo somado,
o que você quer dizer com ‘todas as coisas’?”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 351


O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! O Todo-
Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana é a Casa do Tesouro de todas as
leis (dharmas). É como o grande oceano, que guarda todos os tesouros.
É o mesmo com o Sutra do Nirvana. Este é o Repositório Secreto que
contém todos os significados de todas as palavras.

Oh bom homem! Assim como o Monte Sumeru é a fonte raiz de todos


os remédios, assim esse Sutra é a fonte raiz dos preceitos do Bodhi-
sattva.

Oh bom homem! É como com o Vazio, onde repousa tudo o que existe.
Assim é com esse Sutra, que é a morada do Bom Dharma.

Oh bom homem! É como o grande vento, que ninguém pode prender


ou encerrar. Assim é com todos os Bodhisattvas que praticam esse
Sutra. Nenhuma impureza ou mau ensinamento pode reprimi-los ou
prende-los.

Oh bom homem! É como o diamante, que ninguém pode destruir.


Assim é a situação com esse Sutra, que nem tirthikas ou humanos mal
intencionados podem destruir.

Oh bom homem! É como (os grãos de) as areias do Rio Ganges, que
ninguém pode contar. Assim é com os significados desse Sutra. Nin-
guém pode realmente contá-los completamente.

Oh bom homem! Esse Sutra é o estandarte do Dharma de todos os


Budas, assim como as coisas se dão com os pavilhões içados do Shakra.

Oh bom homem! Esse Sutra é o mercador que percorre as divisões do


nirvana, ou o grande guia que singra o grande oceano com todos os
mercadores.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 352


Oh bom homem! Esse Sutra é a luz do Dharma de todos os Bodhisatt-
vas, assim como a luz do sol e da lua realmente destrói a escuridão ao
redor.

Oh bom homem! Esse Sutra serve como o melhor [remédio] para todos
os seres que estão sofrendo de doenças. É como o Todo-Maravilhoso
Rei dos Remédios do (Monte) Gandhamadana, que cura completamen-
te todas as doenças.

Oh bom homem! Esse Sutra serve realmente como um bastão (benga-


la) para o icchantika, como no caso de uma pessoa fraca que [assim]
pode facilmente apoiar-se e ficar de pé.

Oh bom homem! Esse Sutra realmente serve como uma ponte para
todas as pessoas más, assim como uma ponte permite que mesmo
todas as pessoas más do mundo passem sobre ela.

Oh bom homem! Esse Sutra realmente serve como uma sombra fresca
para todos aqueles que carregam suas vidas nos cinco reinos, onde
sentem calor devido às impurezas, servindo-lhes como um pára-sol que
protege bem a pessoa do calor.

Oh bom homem! Esse Sutra é o Rei do Destemor, que aniquila comple-


tamente todos os demônios das impurezas, agindo como o Rei Leão,
que verdadeiramente subjuga todos os animais.

Oh bom homem! Esse Sutra é um grande encantador que pode aniqui-


lar completamente todos os demônios das impurezas, assim como um
encantador acaba com o gnomo da montanha.

Oh bom homem! Esse Sutra é como a insuperável neve e granizo, os


quais acabam com todos os resultados cármicos do nascimento e da
morte, assim como o granizo destrói as árvores frutíferas.

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 353


Oh bom homem! Esse Sutra é o maior dos remédios para uma pessoa
que viola os shila [preceitos morais], assim como a ajata pode realmen-
te curar dores dos olhos.

Oh bom homem! Esse Sutra guarda todas as boas leis, assim como a
terra, que serve como um suporte para todas as coisas.

Oh bom homem! Esse Sutra é um espelho brilhante para todos os seres


que violam os preceitos, assim como um espelho que reflete bem to-
das as cores e formas.

Oh bom homem! Esse Sutra serve como roupa para aqueles que não
sentem vergonha do que fizeram, assim como a roupa que pode cobrir
bem e esconder a forma carnal.

Oh bom homem! Esse Sutra serve como uma grande Casa do Tesouro
para aqueles que estão carentes de boas coisas, assim como Gunadevi
concede benefícios aos pobres.

Oh bom homem! Esse Sutra serve como a água da amrta [imortalida-


de] para aqueles que sentem sede pelo Dharma, assim como a água
dos oito sabores, que sacia completamente uma pessoa sedenta.

Oh bom homem! Esse Sutra serve como uma cama do Dharma para
aqueles que têm as preocupações das impurezas, assim como a cama
da paz que serve às pessoas do mundo.

Oh bom homem! Através desse Sutra, o Bodhisattva ascende do pri-


meiro estágio até o décimo. É o carro sobre o qual são carregadas jóias,
incenso em pasta, incenso em pó, incenso para queimar e flores; e o
carro no qual aqueles das castas puras podem montar. Ele realmente
supera os seis paramitas. Isto é uma terra maravilhosa de bem-
aventurança. É como a árvore parijata do Céu Trayastrimsa.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 354


Oh bom homem! Este sutra é uma machadinha adamantina e afiada
que pode de fato derrubar a grande árvore de todas as impurezas. Este
é a espada afiada que pode realmente acabar com a mácula do mau
cheiro. Este é o valente e forte que pode subjugar completamente a
adversidade de Mara. Este é o fogo da Sabedoria, que queima o com-
bustível das impurezas. Este é o repositório das relações causais que
dão nascimento ao Pratyekabuda. Este é o repositório da audição que
dá nascimento aos Sravakas. Este é o olho de todos os deuses que ser-
vem como Caminho Correto a todos os seres. Este é um refúgio para
todos os animais. Este é onde os espíritos famintos ganham a Emanci-
pação, o mais sagrado dos infernos, e o utensílio insuperável para to-
dos os seres das dez direções. Este é o pai de todos os Budas das dez
direções do passado, do futuro, e do presente. Oh bom homem! Assim,
este Sutra guarda dentro de si todas as leis.”

[O Buda disse:] “Como Eu já disse, este Sutra abarca todas as leis. Mas,
Eu declarei que as ações puras sobre as quais Eu falo nada mais são
que os 37 elementos concernentes ao Bodhi [Iluminação]. Oh bom
homem! Separado dos 37 elementos da Iluminação, não se pode atin-
gir a fruição da prática do Sravaka e a Iluminação Insuperável, não se
pode ver a Natureza de Buda, nem a fruição que surge da Natureza de
Buda. Assim sendo, ações puras são os 37 elementos do Bodhi [‘bodhi-
pakshikadharma’ – os 37 pré-requisitos para atingir a Iluminação. In-
cluem atenção plena, e o Nobre Caminho Óctuplo]. Como podemos
dizer isto? Porque os 37 elementos concernentes à Iluminação são
aqueles fatores que, por natureza, não estão invertidos e que realmen-
te suplantam as inversões. Eles são, por natureza, visões não errôneas,
e podem verdadeiramente aniquilar as visões errôneas. Eles são, por
natureza, destemidos, e debelam o medo. Eles são, por natureza, ações
puras, tal que os seres finalmente vêm a praticar ações puras.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo!


Mesmo o impuro pode também tornar-se a causa do puro. Por que é
que o Tathagata não diz que o impuro também é ação pura?”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 355


“Oh Bom homem! Todas as coisas impuras são nada mais que inver-
sões [da Verdade]. Esse é o porquê Eu não posso alegar que o impuro
seja ação pura.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “A primeira raiz do bem do


mundo [‘laukikagradharma’ – penetração intelectual e insight] é aquela
que é impura ou pura?”

O Buda disse: “É aquela que é impura.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Embora impura, sua natureza é não-


invertida. Por que você não a chama de ação pura?”

“Oh bom homem! A primeira raiz do bem do mundo é a causa da im-


pureza. Por isso, bem se lhe assemelha. Como ela faz face ao puro, não
a chamamos de qualquer inversão. Oh bom homem! A ação pura tem
sua origem a partir da aspiração de alguém [ao Estado de Buda]. Segue
assim e atinge o máximo. A primeira raiz do bem do mundo é nada
mais que um pensamento. Esse é o porquê não podemos chamá-la de
ação pura.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! As


cinco consciências do ser são impuras e, no entanto, não-inversões.
Nem são de um pensamento. Por que não dizemos ação pura?”

“Oh bom homem! As cinco consciências do ser não são de um pensa-


mento. Elas são impuras e inversões. Como as impurezas aumentam,
dizemos ‘impuras’. Os corpos não são de substância verdadeira. Devido
ao apego e à imagem, eles são inversões. Por que dizemos que os cor-
pos não são verdadeiros? Por causa do apego e da imagem. Onde não
há homem ou mulher, eles (os corpos) adquirem a imagem de homem
ou mulher. Assim se dá com casa, veículo, vaso, roupas, etc. Isto é uma
inversão.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 356


Da Raiz ao Ultimado

Oh bom homem! Com os 37 fatores da Iluminação, não há inversão.


Por isso, podemos falar de ‘ação pura’. Oh bom homem! Se qualquer
Bodhisattva vem a conhecer a raiz, a causa, o que abarca, o que acres-
centa, o mestre, o que leva (conduz), o que é superior, o que é verda-
deiro, e o que é ultimado; esse Bodhisattva é alguém de ação pura.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Em


qual sentido dizemos que alguém conhece desde a raiz até o ultima-
do?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Bem falado, bem falado! O que você
fala, Bodhisattva, concerne a duas coisas. Uma é para o seu próprio
bem, e a outra é para o conhecimento dos outros. Agora você sabe,
mas uma vez que inumeráveis outros seres ainda não compreendem,
então você indaga. Assim, Eu agora o elogio novamente. Muito bem,
muito bem! Oh bom homem! A raiz dos 37 elementos concernentes à
Iluminação é o desejo. A causa é o toque do brilho; o que abarca é
‘sentimento’; o que acrescenta é ‘pensamento’; o ‘mestre’ é ‘recorda-
ção’ (‘mentalização’); o que leva (conduz) é ‘dhyana’ [meditação]; o
que é superior é ‘Sabedoria’; o que é verdadeiro é ‘Emancipação’; e o
ultimado é Grande Nirvana.

Oh bom homem! (Também), todas as aflições do mundo têm sua ori-


gem no desejo. Todas as doenças repousam na comida cozida no dia
anterior. Toda a segregação surge de brigas e disputas. Todas as mal-
dades decorrem da falsidade. A situação é assim.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Tathagata


já estabeleceu neste Sutra que todas as boas coisas estão fundamenta-
das na não-indolência. Agora você diz (que) ‘desejo’ (é raiz dos 37 ele-
mentos concernentes à Iluminação). Como posso compreender isto?”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 357


O Buda disse: “Oh bom homem! Se a causa buscada visa o surgimento
de boas coisas, isto é um bom desejo. Se a causa reveladora [Japonês =
‘ryoin’: a causa que revela o que está oculto, como, por exemplo, a luz
de uma lâmpada que brilha e mostra o que permanece oculto enquan-
to está escuro – K. Yamamoto] é buscada, isto é não-indolência. Dize-
mos no mundo que o resultado depende da semente; dizemos que a
semente é a causa do surgimento, e o solo é a causa reveladora. O
mesmo é o caso aqui, também.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Tathagata


diz em outros Sutras que os 37 fatores da Iluminação constituem a
base. O que isto implica?”

“Oh bom homem! O Tathagata disse antes que os seres primeiro vêm a
saber dos 37 fatores da Iluminação. O Buda é a raiz. O despertar de-
pende do desejo.”

O Toque do Brilho

“Oh Honrado pelo Mundo! O que você quer dizer quando fala que ‘o
toque do brilho’ é a causa?”

“Oh bom homem! O Tathagata às vezes fala sobre brilho e diz que é
Sabedoria; e às vezes (ele quer dizer) ‘Fé’. Oh bom homem! Através das
relações causais da fé, uma pessoa se aproxima de um Bom Mestre da
Via. Isto é toque [contato]. A relação causal dessa aproximação leva a
pessoa a dar ouvido ao Dharma Maravilhoso. Isto é ‘toque’. Quando
alguém ouve o Dharma Maravilhoso, o corpo, a boca e a mente dessa
pessoa tornam-se puros. Isto é ‘toque’. Através da pureza das três a-
ções, ganha-se uma vida correta. Isto é ‘toque’. Através de uma vida
correta, ganha-se os shila (preceitos) que purificam os sentidos orgâni-
cos. Por conta dos preceitos que purificam os sentidos orgânicos, pro-
cura-se um lugar silencioso. Na quietude, pensa-se sobre o bem. Atra-

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 358


vés do bom pensamento, pensa-se sobre uma vida em concordância
com o Dharma. Através da vida correta (em concordância com o
Dharma), ganha-se os 37 elementos da Iluminação. Assim, uma pessoa
aniquila completamente as inumeráveis más impurezas.

Do Sentimento à Consecução

Oh bom homem! Sentimento é chamado ‘assimilação’. Os seres prati-


cam o bem ou o mal na fase do sentimento. Por isso, dizemos que sen-
timento é a assimilação. Oh bom homem! Através da relação causal do
sentimento, todos os tipos de impurezas surgem. Os 37 elementos do
Bodhi realmente as aniquilam. Em razão disto, chamamos sentimento
de assimilação. Bons pensamentos aniquilam totalmente as impurezas.
Por isso falamos de ‘aumento’. Por quê? Fazemos esforços e tentamos
aprender. E assim, chegamos àqueles 37 elementos da Iluminação. A
meditação realmente destrói as más impurezas. Isto sempre está fun-
damentado na atenção exclusiva. Assim, meditar é o mestre. No mun-
do, todas as quatro forças armadas movem-se conforme a vontade do
general-comandante. É o mesmo com os 37 elementos da Iluminação.
Todos seguem a vontade do mestre, que é a mente.

Quando alguém entra em dhyana [meditação], os 37 elementos da


Iluminação discriminam bem todas as fases do Dharma. Por isso, a
meditação é o que conduz alguém. Olhamos para dentro dos 37 ele-
mentos da Iluminação e vemos que a Sabedoria é o mais superior. Por
essa razão, a Sabedoria é o mais superior (dos 37 elementos). Este é o
porquê [se estabelece] a Sabedoria como sendo superior. Assim, a
Sabedoria vê as impurezas. Através do poder da Sabedoria, as impure-
zas morrem.

No mundo, as quatro forças armadas aniquilam os inimigos. Pode ha-


ver um ou dois que são valentes e fortes, e que o fazem bem. Assim é
com os 37 elementos concernentes à Iluminação. Através do poder da

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 359


Sabedoria, acaba-se com as impurezas. Por isso, a Sabedoria é aquele
(elemento) que é superior.

Oh bom homem! Ao se aprender e praticar os 37 elementos da Ilumi-


nação, ganha-se os quatro dhyanas, os poderes divinos miraculosos, e
a paz. Mas, isto não é chamado ‘real’. Quando se acaba com as impu-
rezas e a Emancipação é encontrada, dizemos ‘real’. Uma pessoa pode
aspirar aprender e praticar os 37 elementos da Iluminação, e ser aben-
çoada com a felicidade mundana, a felicidade supramundana, a fruição
da prática do Shramana, e a Emancipação. No entanto, não podemos
chamar isto de ‘Ultimado’. Quando se acaba com todas as práticas dos
37 elementos da Iluminação, isto é Nirvana. Este é o porquê Eu digo
que Ultimado é Grande Nirvana.

Também, além disso, oh bom homem! A mente de amor-benevolente


é desejo. Através da mente de amor-benevolente, uma pessoa associa-
se com um bom amigo. Portanto, ‘toque’. Isto é ‘causa’. Quando uma
pessoa se associa com um bom amigo, chamamos isto de amor. Isto é
uma assimilação. Aproximando-se de um Bom Mestre, aquela pessoa
tem bons pensamentos. Portanto, ‘aumento’. Através dos quatro
dharmas (leis) a Via é aumentada, a saber: 1) desejo, 2) recordação, 3)
meditação, e 4) Sabedoria. Isto é: 1) mestre, 2) condução (liderança), e
3) superior. Através desses três dharmas, a pessoa atinge as três Eman-
cipações. Ao cortar o desejo, ela atinge a Emancipação da mente. Ao
acabar com a ignorância, ela atinge a Emancipação da Sabedoria. Isto é
o Real. Todos esses dharmas resultam na fruição. Isto é Nirvana. Por
isso, o ‘Ultimado’.

Também, além disso, oh bom homem! ‘Desejo’ é aspiração e renúncia.


Toque são os quatro jnapti-caturthakarman [um dos rituais do Vinaya –
código da vida monástica dos Monges]. Isto é a causa. Assimilar signifi-
ca receber os dois tipos de preceitos, a saber: 1) pratimoksa (liberação
individual - disciplinar o comportamento físico e não prejudicar os ou-
tros), e 2) shila (preceitos morais) que purificam os sentidos orgânicos.
Isto é ‘sentimento’ e também ‘assimilação’. Aumentar significa apren-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 360
der e praticar os quatro dhyanas. O Mestre refere-se às fruições do
Srotapanna e Sakrdagamin. Conduzir refere-se à fruição do Anagamin;
e ‘superior’, àquela do Arhatship. O Real refere-se à fruição do Pratye-
kabuda; o ‘Ultimado’ é a Iluminação Insuperável.

Também, além disso, oh bom homem! ‘Desejo’ é consciência. Toque


são chamadas as seis esferas [dos sentidos]. Assimilação é sentimento.
Aumento é ignorância. O mestre é a mente-e-corpo. Condução é dese-
jo. O superior é apego. O real é existência. O ultimado é nascimento,
velhice, doença e morte.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Que diferen-


ça há entre os três itens da: 1) raiz, 2) causa, e 3) aumento?”

“Oh bom homem! A raiz se refere ao que está a ter lugar (surgir); a
causa é o que se assemelha; aumento é cortar a semelhança e, no en-
tanto, é evocar a semelhança. Também, além disso, oh bom homem! A
raiz é fazer, a causa é fruição (posse/usufruto), e aumento é o uso. Oh
bom homem! O mundo que está por vir (futuro) contempla os resulta-
dos cármicos. Mas, ainda não [os] recebe. Chamamos isto de ‘causa’.
Quando recebidos, aquilo é ‘aumento’. Também, além disso, oh bom
homem! A raiz é buscar; ganhar é a causa, e usar é aumento.

Oh bom homem! A raiz falada neste Sutra é darsanamarga [o caminho


da visão, que conduz a pessoa da mera confiança cega nas Quatro No-
bres Verdades à efetiva compreensão delas, transformando ele ou ela
num ‘entrante-no-fluxo’ (‘stream-enterer’)], a causa é bhavanamarga
[o caminho do auto-desenvolvimento através da meditação], e aumen-
to é asaiksamarga (não mais aprendizado). Também, além disso, oh
bom homem! A raiz é a causa direta, e causa é a causa expediente.
Dessa causa direta surge o resultado cármico que alguém colhe. Isto é
aumento.”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 361


O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se as coisas
são como o Buda estabelece, o Ultimado é nada menos que Nirvana.
Como se pode alcançar esse Nirvana?”

“Oh bom homem! Se o Bodhisattva, Monge, Monja, Leigo, ou Leiga


pratica bem as dez imagens, saiba que essa pessoa atingirá o Nirvana.
Quais são essas dez? Elas são as imagens do: 1) não-eterno, 2) sofri-
mento, 3) não-Eu, 4) aversão a alimentos, 5) o mundo como nada ten-
do para desfrutar, 6) morte, 7) alguém que tem muitos pecados, 8)
afastar-se do [mundano] e emancipar-se, 9) extinção [das impurezas],
10) não-desejo.

Oh bom homem! Se qualquer Bodhisattva Mahasattva, Monge, Monja,


Leigo, ou Leiga pratica essas dez imagens, essa pessoa definitivamente
atingirá o Nirvana. Essa pessoa não seguirá o que outras mentes pen-
sam, mas discriminará o que é bom e o que não é bom para si. Isto é o
que chamamos: ‘Verdadeira concordância com a Via de um Monge, ou
concordância com a Via de uma Monja’.”

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como aque-


les desde o Bodhisattva Mahasattva até as Leigas praticam a imagem
do não-eterno?”

“Oh bom homem! Há dois tipos de Bodhisattvas, a saber: 1) aquele que


recém aspirou ao Bodhi, e 2) aquele que concluiu a prática da Via. Há
dois tipos de imagens do não-eterno, a saber: 1) a grosseira, e 2) a refi-
nada.

A Meditação Grosseira

“O Bodhisattva que recém aspirou ao Bodhi, quando ele medita sobre


a imagem do não-eterno, pensa: ‘Há dois tipos de coisa que se obtém
no mundo: 1) interna, e 2) externa. O que é interno é não-eterno e

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 362


muda. Quando se nasce, vê-se que as coisas que se obtém são diferen-
tes conforme as fases da vida como ao nascer, quando se é pequeno,
grande, no auge da vida, na velhice, e quando se morre. Vejo que em
todas essas fases da vida, as coisas não são as mesmas. Por isso, tenho
que saber que o que está comigo é não-eterno’.

Também, esse pensamento lhe ocorre: ‘Quando olho para os seres, um


é bem nutrido e jovem, é perfeito na força física e nos movimentos do
ir e vir, no caminhar adiante ou parar; e todas as coisas se procedem de
forma desimpedida e sem obstáculos. Ou por causa da doença, a força
física de uma pessoa é fraca e seu semblante é caído e assustador,
nada de altivez e liberdade. Ou vejo que os armazéns de uma pessoa
estão abarrotados, ou que outra pessoa é pobre e indigente. Ou vejo
alguém que é pleno em virtudes, ou vejo alguém cheio de maldades.
Assim, definitivamente sei que o que está dentro de alguém é não-
eterno. Também, com respeito ao mundo externo, vejo que as coisas
são diferentes umas das outras como, por exemplo, nas fases de se-
mente, broto, haste, folha, flor, e fruto. Tudo o que se estabelece [lá]
no mundo externo, ou é perfeito ou imperfeito. E sei que todas as coi-
sas definitivamente são não-eternas’.

Ao assim perceber que todas as coisas são não-eternas, em seguida se


medita sobre o que se ouve nos sermões: ‘Ouvi que embora os devas
[deuses, seres celestiais] desfrutem dos melhores prazeres, e embora
sejam desimpedidos nos poderes divinos, eles estão sujeitos aos cinco
presságios de declínio [indicação do seu eventual declínio pessoal do
status de ser um deva]. Devido a isto, sabe-se que o que existe é não-
eterno’.

‘Também, ouvi que nos primórdios do kalpa [aeon, era], havia muitos
seres. Cada um era trajado nas melhores virtudes. A luz que emanava
dos seus corpos era tão intensa que não se dependia em nada das lu-
zes do sol e da lua. [Mas,] devido ao poder do não-eterno, a luz desva-
neceu e as virtudes diminuíram. Também, ouvi que viveu, em tempos
passados, um Chakravartin [imperador do mundo] que governou sobre
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 363
os quatro continentes. As sete gemas [que ele possuía] eram perfeitas,
e seu poder era altamente irrestrito. E ainda assim, ele não podia der-
rotar o não-eterno’.

Também, ele medita que sobre a grande terra, num tempo passado,
inumeráveis seres estavam totalmente estabilizados na vida e desfru-
tavam de paz, tal que nenhum sulco de roda se sobrepunha a outro.
Remédios maravilhosos estavam à mão, e as pessoas cresciam e pros-
peravam. Arbustos, árvores e frutos eram abundantes. Os seres foram
[gradualmente] menos abençoados e essa grande terra tinha pouca
força. Tudo o que crescia se desperdiçava. Por isso, deve-se saber que
todas as coisas são não-eternas.

Isto é o que chamamos (de imagem) ‘grosseira’ e não-eterna.”

A Meditação Minuciosa

Ao meditar-se sobre o grosseiro, medita-se em seguida sobre as partes


em detalhes. Como meditamos?

O Bodhisattva Mahasattva medita sobre todas as coisas, tanto dentro


como fora, até a existência das partículas. O que quer que possa surgir
no futuro será não-eterno. Por quê? Porque todas as coisas são perfei-
tas na forma de desintegração [isto é, completamente sujeitas à disso-
lução]. Se as coisas não fossem não-eternas no futuro, não poderíamos
dizer que há diferenças nos dez tipos (estágios) da forma física. Quais
são as dez? No momento, elas são: 1) membrana, 2) (tecido) esponjoso
(espumoso), 3) pústula (pox), 4) bola de carne, 5) membros, 6) criança
pequena, 7) criança, 8) jovem, 9) auge da vida, 10) velho decrépito. O
Bodhisattva medita: ‘Se a membrana não fosse não-eterna, ela não
poderia tornar-se (tecido) esponjoso. E se o auge da vida não fosse
não-eterno, a velhice nunca chegaria. Se o tempo não fosse fugaz,
momento após momento, ele nunca poderia durar muito. Tudo teria

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 364


que crescer ao mesmo tempo e ser pleno no tamanho. Por isso, deve-
se saber definitivamente que há existências de minúsculas partículas
não-eternas, as quais têm que seguir existindo continuamente [isto é,
mudando de momento a momento]. Também, vemos uma pessoa com
todos os seus sentidos orgânicos perfeitos, e de uma fisionomia bri-
lhante e resplandecente, [apenas para] tudo isto desaparecer (ser con-
sumido) num estado debilitado’.

Também, ele pensa: ‘Existe o não-eterno com essa pessoa [isto é, o


que é impermanente] sucedendo-se momento após momento’. Tam-
bém, ele medita sobre os quatro grandes elementos e as quatro con-
dutas. Também, ele medita sobre a causa do sofrimento, a fome, a
sede, o frio e o calor que existem dentro e fora. Também, ele medita:
‘Se essas quatro coisas não fossem não-eternas, (sucedendo-se) mo-
mento após momento, não poderíamos falar desses quatro sofrimen-
tos’.

Se o Bodhisattva medita bem assim, chamamos isto de meditação mi-


nuciosa (refinada) do Bodhisattva sobre o não-eterno.”

[O Buda disse:] “Como com todas as coisas que existem dentro e fora,
assim se dá com o que se obtém na mente. Por quê? Porque a ação (da
mente) se obtém nas seis esferas (dos sentidos). Quando se obtém isto
nas seis esferas, surgem a mente feliz, a mente irada, a mente do dese-
jo, ou a mente da cobiça. A vida continua de maneira diversa, uma
após a outra, e não pode ser una. Por essa razão, se tem que saber que
tudo o que é físico e não-físico é não-eterno.

Oh bom homem! Se o Bodhisattva pode, no lampejar de um momento,


ver o nascimento, a morte e a não-eternidade de todas as coisas, isto é
o que chamamos de perfeição na imagem do não-eterno do Bodhisatt-
va. Oh bom homem! A pessoa sábia aprende e pratica a imagem do
não-eterno, e acaba com a arrogância do eterno, com a inversão do
eterno, e com a inversão da imagem.

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 365


A seguir, ele pratica a imagem do sofrimento. Por que deve haver esse
sofrimento? Ele vê que esse sofrimento está fundamentado no não-
eterno, que em razão do não-eterno, há o sofrimento do nascimento,
da velhice, da doença, e da morte; que em razão do nascimento, enve-
lhecimento, doença e morte, há o não-eterno; que em razão do não-
eterno, há o sofrimento interno e externo, tais como os sofrimentos da
fome, da sede, do frio, do calor, do açoite, da pancada, do abuso, e da
tolerância. Ele vê que todos os sofrimentos estão baseados no não-
eterno.

Também, além disso, a pessoa sábia olha profundamente dentro desse


corpo carnal e vê que ele é um receptáculo do não-eterno, e que esse
receptáculo é sofrimento. E como o receptáculo é sofrimento, as coisas
que são colocadas dentro dele são sofrimento.

Oh bom homem! A pessoa sábia medita [assim]: ‘O sofrimento é não-


eterno. Se o sofrimento é não-eterno, como um sábio poderia dizer
que existe um Eu [lá]? O sofrimento não é o Eu. O mesmo é o caso com
o não-eterno [isto é, aquilo que é impermanente não é o Eu]. Assim, os
cinco skandhas também são o não-eterno do sofrimento. Como todos
os seres poderiam dizer que existe o Eu?’

Também, além disso, ele medita sobre todas as coisas [assim]: ‘Há uma
conjunção daquilo que é diferente. Todas as coisas não surgem de uma
única conjunção. Também, uma coisa não é o resultado da conjunção
de todas as coisas. A conjunção de todas as coisas não possui um Eu de
si própria. Também, não há uma natureza única e nem diferentes natu-
rezas. Também, não há natureza da forma material, e nem desimpe-
dimento [liberdade irrestrita, desobstrução]. Se todas as coisas possu-
em esse aspecto da existência, como pode um sábio dizer que existe o
Eu?’

Também, ele pensa: ‘De todas as coisas, não há uma sequer que seja
criada por si mesma. Se não houvesse uma coisa que a tivesse criado, a
conjunção de todas as coisas não poderia acontecer. Todas as coisas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 366
não podem surgir sozinhas (por si mesmas) e morrer sozinhas. Através
[do ato da] da conjunção, elas morrem, e através da conjunção, elas
surgem.

Quando as coisas surgem, os seres adquirem uma [visão] invertida e


dizem que isto é uma conjunção, e que isto surge através da conjun-
ção. Não há nada de verdadeiro na [visão] invertida dos seres. Como
poderia haver qualquer [visão assim] que fosse verdadeira?’ Por isso, o
sábio medita sobre o não-Eu.

E, também, a pessoa sábia pensa claramente: ‘Por que razão os seres


falam sobre o Eu? Por que é que os seres falam sobre o Eu? Se esse Eu
existe, ele deve ser um, ou muitos. Se ele é um, como pode haver (clas-
ses) como Kshatriyas, Brâmanes, Sudras, humanos e deuses, (seres)
infernais, espíritos famintos, animais, ou grandes e pequenos, ou ve-
lhos, ou auge da vida? Por essa razão, sei que o Eu não é um. Se o Eu
são muitos, como podemos dizer que o Eu do ser é um todo abrangen-
te, e não conhece limites? Seja um ou muitos, em qualquer caso, não
há Eu’.

Tendo meditado assim que não há um Eu, a pessoa sábia medita a


seguir sobre a imagem da aversão à comida, e pensa: ‘Se todas as coi-
sas são não-eternas, sofrimento, e não-Eu; como alguém poderia, em
prol da comida, cometer as três más ações do corpo, da boca e da
mente. Tudo o que esteve na mão [de uma pessoa] a acompanha e,
mais tarde, os resultados cármicos a visitam, e ninguém mais, de fato,
pode compartilhá-los’. Oh bom homem! A pessoa sábia ainda medita
[assim]: ‘Todos os seres, por conta de bebida e comida, sofrem as afli-
ções do corpo e da mente. Uma vez que se adquirem as muitas aflições
da comida, por que eu deveria sentir ganância ou apego? Por isso, eu
não cultivo uma mente voraz por comida’.

E, além disso, a pessoa sábia medita [assim]: ‘Através da comida e be-


bida, adquire-se o crescimento corpóreo [isto é, perpetua-se o proces-
so de incorporação física]. Eu agora pratico a renúncia, recebo os shila
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 367
(preceitos), e pratico a Via. Tudo isto é o abandono do corpo carnal. Eu
agora cobiço essa comida. Como [então] serei capaz de abandonar esse
meu corpo?’ Mesmo meditando assim, se a comida for aceita, isto é
como se estivesse compartilhando no deserto da carne do seu próprio
filho, em cuja situação sua mente está tão severamente pressionada
que não pode haver qualquer sentimento de desfrute ou prazer.
Quando se medita assim sobre a comida, vemos esses erros [isto é,
esses males].

A seguir, a pessoa medita sobre o contato (toque) da comida: ‘É como


se fosse uma vaca esfolada que é devorada por inumeráveis vermes’.

A seguir, a pessoa pensa sobre a comida como sendo comparável a


uma grande bola de fogo, e sobre a consciência da comida como sendo
igual a 300 alabardas. Quando a pessoa sábia medita sobre os quatro
alimentos, não pode haver qualquer sentimento de prazer na imagem
de cobiçar e gostar de comida. Se a pessoa tem alguma cobiça por
comida, ela deve meditar sobre as impurezas. Por quê? Isto é apartar-
se do amor da cobiça. Ela deve discriminar as imagens das impurezas
em todos os alimentos, e perceber que todas as impurezas se contra-
em assim. Quando ela medita assim, e quando a comida boa ou má é
disposta diante dos seus olhos, ela sente como se a pomada estivesse
sendo aplicada ao seu próprio carbúnculo, não adquirindo jamais um
pensamento de desejo.

Oh bom homem! Se qualquer pessoa sábia vem a meditar assim, isto é


a consecução da renúncia à imagem da comida.”

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! A


pessoa sábia medita sobre comida e adquire a imagem da impureza.
Isto pode ser uma meditação verdadeira ou é algo falso? Se é verdadei-
ra, o que se come não pode ser impuro. Se isto é uma falsa compreen-
são, como se pode chamar isto de raiz do bem?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 368


O Buda disse: “Tal imagem é tanto verdadeira como uma falsa com-
preensão. Se a ganância é totalmente aniquilada, essa imagem é ver-
dadeira. Quando o que não é um verme é visto como um verme, isto é
uma falsa compreensão. Oh bom homem! Todas as impurezas são
falsas e, no entanto, podem ser reais. Oh bom homem! A mente de um
Monge baseia-se na mendicância e pensa: ‘Eu agora mendigarei por
comida. Rogo para que obtenha o que seja bom e não o que seja vulgar
e ruim; que seja um bom bocado e não uma pequena quantidade.
Rogo para que a obtenha de uma só vez, e que não demore a chegar’.
Esse Monge não é chamado de alguém possuidor da imagem da re-
núncia. As coisas boas feitas (por ele) diminuirão dia e noite. Aquilo que
é mal aumentará gradativamente.

Oh bom homem! Se há algum Monge que mendiga por comida, ele


deve primeiro orar e dizer: ‘Satisfarei todos aqueles que mendigam por
comida. Essa doação de comida se converterá em imensuráveis bên-
çãos. Se eu obtiver comida, curarei o corpo envenenado, aprenderei e
praticarei o que é bom, e concederei benefícios à pessoa que doou’.
Após ter feito esses votos, o bem que ele pratica aumentará dia e noi-
te, e o que é mal se afastará. Oh bom homem! Se algum Monge pratica
a Via assim, esse alguém não compartilhará futilmente do que é dado.

Oh bom homem! Os sábios que são perfeitos nas quatro imagens pra-
ticarão uma imagem e pensarão que não há nada para agradá-los, e
pensarão para si: ‘Em todo o mundo, não há lugar onde o nascimento,
velhice, doença e morte não existam. E não há lugar onde eu não tenha
nascido. Se não há lugar onde não se encontre nascimento, velhice,
doença e morte; como posso me sentir feliz com o mundo? Em todo o
mundo, se segue em frente e não há lugar onde não se possa voltar.
Por isso, o mundo é definitivamente não-eterno. Se ele é não-eterno,
como uma pessoa sábia pode sentir felicidade? Cada ser dá a volta ao
mundo e, minuto a minuto, sofre e sente alegria. Pode-se ser abençoa-
do com o corpo do Brahma e atingir uma vida como a do céu da irrefle-
xão-não-irreflexão. Mas, quando a vida termina, ganha-se a vida no-
vamente nos três reinos do infortúnio. Uma pessoa pode adquirir o
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 369
corpo dos quatro guardiões da terra, ou aquele do Paranirmitavasavar-
tin, mas quando a sua vida termina, ela cai novamente nos três reinos
do infortúnio. Ou pode nascer como um leão, um tigre, um búfalo chi-
nês, um chacal, um lobo, um elefante, um cavalo, uma vaca, ou um
burro’.

A seguir, a pessoa medita [assim]: ‘O Chakravartin pode bem reinar


sobre os quatro continentes, e pode ser grandioso e ilimitado [em seu
poder]. Mas quando a sua fortuna se for, ele se tornará pobre e sentirá
carência de comida e roupas’. A pessoa sábia de fato medita profun-
damente assim e adquire uma imagem do mundo como não sendo um
lugar onde ela possa ser feliz.

A pessoa sábia também medita [assim]: ‘Todas as coisas do mundo, tais


como cavalos, roupas, comida e bebida, roupas de cama, remédios,
incenso e flores, jóias, os vários tipos de música, tesouros e gemas são
procuradas unicamente para apartar-se das preocupações. Todas essas
coisas estão baseadas nas preocupações. Como alguém pode esperar
livrar-se das preocupações através das preocupações’. Oh bom ho-
mem! Quando uma pessoa sábia medita assim, ela não fomenta mais o
pensamento sobre as coisas mundanas e de qualquer imagem de pra-
zer [delas]. Oh bom homem! Por exemplo, um homem que está so-
frendo de uma doença grave não terá um sentimento ávido por músi-
ca, belas mulheres, flores e incenso, e jóias. Assim medita a pessoa
sábia.

O Brilho da Sabedoria

Oh bom homem! A pessoa sábia pensa profundamente sobre o mun-


do. Ela vê: ‘Ele não é um lugar para se refugiar, para adquirir Emancipa-
ção, quietude, amor, não é a outra margem, e nada tem do Eterno,
Êxtase, do Eu, e do Puro. Se eu procurar o mundo avidamente, como
posso afastar-me dele? Isto é como com um homem que, abominando

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 370


a escuridão, busca a luz e, no entanto, volta novamente para a escuri-
dão. A escuridão é o mundo; a luz é o Supramundano. Se eu aderir ao
mundo, mergulharei na escuridão e me afastarei da luz. Escuridão é
ignorância, e luz é o Brilho da Sabedoria. A causa do Brilho da Sabedo-
ria é a imagem onde não se sente qualquer expectativa de deleitar-se
nas coisas mundanas. Toda a cobiça nada mais é que o laço da impure-
za. Agora buscarei avidamente a luz da Sabedoria, e não o mundo’. A
pessoa sábia medita assim. Essa é a imagem onde não se busca (nada)
para si.

Oh bom homem! A pessoa sábia já praticou a imagem da não procura


pelos prazeres mundanos. A seguir, ela pratica a imagem da morte. Ela
vê essa vida. Ela vê que ela está sempre ligada a inúmeros inimigos. A
cada momento vê um decréscimo, nada aumentando. É como uma
montanha, onde a água corrente não pode encontrar um lugar para
descansar, ou como a geada da manhã que não pode permanecer mui-
to. Ela sempre impele para a prisão, só conduzindo alguém para a mor-
te. É como conduzir uma vaca ou ovelha para onde a morte as espe-
ra’.”

Extinção Momentânea

O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como uma


pessoa sábia medita sobre a extinção momentânea?”

“Oh bom homem! Por exemplo, há quatro pessoas, todas exímias ati-
radoras. Elas se reúnem num lugar, e cada uma atira uma flecha numa
direção [particular]. Todas elas pensam: ‘Nós todos atiramos flechas
juntos, todas as quais cairão’. E uma pessoa pensa: ‘Antes que as qua-
tro flechas caiam ao chão, eu as capturarei com minhas mãos’. Assim
ele pensa. Oh bom homem! Essa pessoa age rapidamente ou não?”

Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 371


O Bodhisattva Kashyapa disse: “Ela faz isso de maneira muito rápida,
oh Honrado pelo Mundo!”

O Buda disse: “Oh bom homem! O demônio que vive sobre a terra
move-se mais rapidamente do que essa pessoa. Há um demônio voa-
dor que se move mais rápido que aquele sobre a terra. Os quatro guar-
diões da terra movem-se ainda mais rápido que o demônio voador. O
sol e a lua, e os seres celestiais movem-se mais rápido que os quatro
guardiões da terra. O garuda se move mais rápido que o sol e a lua. A
duração de vida de um humano se vai mais rapidamente que um garu-
da. Oh bom homem! Em uma respiração e num piscar de olhos, a vida
de um ser surge e morre 400 vezes. Se uma pessoa sábia medita sobre
a vida humana assim, isto é meditar sobre a extinção momentânea.

A pessoa sábia medita [assim] sobre a duração da vida: ‘Ela depende de


Yama [regente dos infernos, que envia velhice, doença e morte]. Se eu
puder ficar longe de Yama, me afastarei eternamente do não-eterno’.

Também, além disso, a pessoa sábia medita sobre a vida e a vê como


uma grande árvore de pé sobre um rochedo; ou ela a vê como alguém
que teria cometido um grande pecado mortal, de quem ninguém se
compadece enquanto está sendo punido. Ou as coisas se comparam a
um rei-leão que enfrenta uma grande fome, ou uma víbora que respira
um ar ardente, ou um cavalo montado sedento que escolta e cobiça a
água; ou a ira de um grande demônio a ponto de explodir. Assim se
dão as coisas com o rei da morte em relação aos seres. Oh bom ho-
mem! Se uma pessoa sábia medita assim, isto é aprender e praticar a
imagem da morte.

Oh bom homem! A pessoa sábia também medita [assim]: ‘Eu agora


renuncio. Mesmo que eu viva por apenas sete dias e noites, me esfor-
çarei neles. Serei fiel aos preceitos morais, proferirei sermões e conce-
derei benefícios aos seres’. Isto é como a pessoa sábia aprende e prati-
ca a imagem da morte.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 372


E ela torna os sete dias e noites mais que suficientes. ‘Ou se eu tiver
apenas seis, cinco, quatro, três, dois dias, ou um dia, ou uma hora, ou
um momento no qual eu respire, farei esforços e praticarei a Via, ob-
servarei e protegerei os preceitos, proferirei sermões, ensinarei a Via, e
concederei benefícios aos seres’. Isto é como a pessoa sábia medita
sobre a imagem da morte.

Quando a pessoa sábia está realizada nas seis imagens, isto se torna a
causa das sete imagens. Quais são as sete? Elas são: 1) sempre praticar
as imagens, 2) sentir alegria na prática das imagens, 3) a imagem da
não-ira, 4) a imagem de não ser invejoso, 5) a imagem de buscar o
bem, 6) a imagem de não ser orgulhoso, e 7) ser desimpedido no sa-
madhi.

Oh bom homem! Se um Monge é realizado nessas sete imagens, essa


pessoa é um Shramana ou um Brâmane. Isto é quietude, pureza, e
Emancipação. Isto é alguém que é sábio, e esta é a visão correta. Isto é
chegada à outra margem, um grande doutor, um grande mercador, e
isto é como ganhamos a alma secreta do Tathagata.

Também, isto é ser versado nos sete tipos de palavras de todos os Bu-
das, e também (isto é) cortar a malha de dúvidas com respeito ao que
existe lá nos sete tipos de palavras da visão correta.

Oh bom homem! Se uma pessoa é realizada nas seis imagens estabele-


cidas acima, aquela pessoa realmente reprova e renuncia, extingue, e
não ama os três mundos [do Desejo, Forma (matéria), e Amorfia (espí-
rito)]. Isto é como falamos de uma pessoa sábia que é realizada nas dez
imagens. Se um Monge é realizado nas dez imagens, isto significa que
ele de fato enaltece as características de um Shramana.”

Então, o Bodhisattva Kashyapa aplaudiu o Buda através de um gatha,


em sua presença:

“O Grande Médico que se compadece do mundo


Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 373
é sereno no corpo e Sabedoria.
No mundo do não-Eu, há o Verdadeiro Eu.
Por isso, eu presto homenagem ao Insuperável.

A mente que primeiro aspira [à Iluminação]


e a que ao final atinge, não estão separadas.
Dentre essas duas mentes, é difícil dizer qual surge primeiro.
O final ainda não foi atingido, (mas) salva-se os outros primeiro.
Esse é o porquê presto homenagem à aspiração inicial.

Desde o início, ele é o Mestre de humanos e deuses,


e está muito acima de Shramanas e Pratyekabudas.
Essa aspiração transcende os três mundos.
Esse é o porquê ele é o mais superior.

Ele procura salvar o mundo e atinge seu objetivo.


Sem ser solicitado, o Tathagata torna-se o refúgio.
O mundo segue o Buda como um bezerro
(no original está: ‘O Buda segue o mundo como um bezerro’),
Assim o chamamos de vaca grandemente compassiva.

A virtude do Tathagata emerge como uma torre,


acima de todo o mundo.
Os mortais comuns são baixos e ignorantes, e não podem apreciá-la.
Eu agora enalteço o coração (mente) compassivo,
que é para agradecer-lhe pelas duas ações do corpo e da boca.

O eterno e êxtase que se obtém do mundo


é somente para o próprio bem.
O Tathagata nunca faz isto.
Ele realmente erradica as retribuições cármicas de todos os seres.
Por isso, dou respeito às ações que ajudem (socorram) o próprio eu e
os outros.

O proveito do mundo segue o grau de amizade,


Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 374
evocando diferentes benefícios.
As boas obras do Tathagata sabem da não animosidade ou amizade.
O pensamento do Tathagata não procede como com as pessoas do
mundo.

Por isso, seu coração (mente) trabalha igualmente


e não há dois [isto é, não há divisão dentro dele].
O mundo fala diversamente, e suas ações diferem.
O Tathagata age como ele diz, e suas ações não diferem.
O que quer que seja praticado
erradica completamente todas [impurezas].

Por isso, o chamamos Tathagata.


Antes, ele está consciente dos males das impurezas.
Ele fala e age como ele fala, tudo para o benefício dos seres.
Há muito tempo desde que ele atingiu a Emancipação no mundo,
ele procura viver em meio ao nascimento e a morte,
tudo em prol da compaixão.

Ele manifesta-se nos mundos dos humanos e deuses,


mas sua compaixão segue-lhe como um bezerro.
O Tathagata é a mãe dos seres.
Seu coração (mente) compassivo é o pequeno bezerro.

Submetendo-se às dores, ele somente pensa nos seres.


Trabalhando na Compaixão, nenhum arrependimento há nele.
Transbordando está ele com a Compaixão,
e ele não conhece dificuldades.
Esse é o porquê curvo-me perante ele, aquele que extirpa a dor.

Inumeráveis são as obras do bem que o Tathagata realiza,


No entanto, ele é puro nas ações corpórea, oral, e mental.
Ele sempre age para o benefício dos seres,
mas não em seu próprio benefício.
Esse é o porquê curvo-me para suas ações puras.
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 375
O Tathagata sofre pelas dificuldades, mas ele não as sente.
Ele olha para as dores dos seres
como olhasse para as dores do seu próprio filho.
Ele vive no inferno para o benefício dos seres,
mas não tem um sentimento de dor ou arrependimento.

Todos os seres experimentam diferentes dores,


todas as quais são aquelas do seu Eu único.
Tendo atingido a luz, seu coração (mente) é firme.
Assim ele pratica bem a Via Insuperável.

O Buda tem um grande coração (mente) compassivo de único sabor,


e se compadece dos seres como se fossem seus filhos.
Os seres não sabem que realmente o Tathagata salva.
E caluniam o Tathagata, o Dharma, e a Sangha.

O mundo está repleto de impurezas, e há inumeráveis males.


Mas todos esses grilhões das impurezas, pecados e males
o Tathagata quebra desde seu primeiro estágio de aspiração.
Somente ele, o Buda, todos os Budas elogiam.

Exceto o Buda, nenhum há que seja elogiado.


Eu agora com o Dharma Único o elogio.
O chamado coração compassivo viaja através do mundo.
O Tathagata é um grande globo do Dharma,
e sua Compaixão também realmente salva os seres.
Isto é Verdadeira Emancipação;
Emancipação é Grande Nirvana.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 376


Capítulo Quarenta e Cinco: Sobre Kaundinya 1
Então o Honrado pelo Mundo falou a Kaundinya: “A forma material é
não-eterna. Ao acabar com essa forma, alcança-se a forma Eterna da
Emancipação. Assim se dá com o sentimento, percepção, volição, e
consciência, também. Ao acabar com a forma, alcança-se a forma Eter-
na da Emancipação e a Paz. Isto também diz respeito ao sentimento,
percepção, volição e consciência.

Oh, Kaudinya! A forma é Vazia. Ao acabar com a forma que é Toda-


Vazia, chega-se à forma Não-Vazia da Emancipação. Assim também se
dá com o sentimento, percepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! A forma material [‘rupa’] é não-Eu. Ao acabar com essa


forma, chega-se à forma do Verdadeiro Eu da Emancipação. Sentimen-
to é não-Eu. Ao acabar com esse sentimento, chega-se ao sentimento
do Verdadeiro Eu da Emancipação. Percepção é não-Eu. Ao acabar com
essa percepção, chega-se à percepção do Verdadeiro Eu da Emancipa-
ção. Volição é não-Eu. Ao acabar com essa volição, chega-se à volição
do Verdadeiro Eu da Emancipação. Consciência é não-Eu. Ao acabar
com essa consciência, chega-se à consciência do Verdadeiro Eu da E-
mancipação.

Oh, Kaudinya! A forma é não-Pura. Ao acabar com essa forma, chega-


se à forma Pura da Emancipação. Assim se dá com o sentimento, per-
cepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! A forma é o que representa nascimento, velhice, doen-


ça, e morte. Ao acabar com essa forma, chega-se à forma do não-
nascimento, não-velhice, não-doença, e não-morte da Emancipação.
Assim se dá com o sentimento, percepção, volição, e consciência.

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 377


Oh, Kaudinya! A forma é a causa da ignorância. Ao acabar com essa
forma, chega-se à forma da não-causa da ignorância da Emancipação.
Assim se dá com o sentimento, percepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! A forma é precisamente a causa do nascimento. Ao aca-


bar com essa forma, chega-se à forma da não-causa do nascimento da
Emancipação. Assim se dá com o sentimento, percepção, volição, e
consciência.

Oh, Kaudinya! A forma é a causa das quatro inversões. Ao acabar com a


forma invertida, chega-se à forma da não-causa das quatro inversões
da Emancipação. Assim se dá com o sentimento, percepção, volição, e
consciência.

Oh, Kaudinya! A forma física é a causa das inumeráveis coisas más. Ela
é o corpo carnal do macho, etc. É o alimento do amor da luxúria. É a
cobiça, a ira, e a inveja. É uma mente má e rancorosa. É o alimento
vulgar [isto é, o alimento que tem aroma, sabor e textura; e que pode
ser cortado e comido], o alimento da consciência [isto é, a consciência
servindo como alimento. Por exemplo, o poder mental que às vezes
suprime o sentido da fome de alguém], o alimento do pensamento
[isto é, o poder do pensamento, ou o poder da volição], e o alimento
do tato [isto é, o sentido emocional que às vezes serve para suprimir o
sentido da fome de alguém]. Há o nascimento-do-ovo, o nascimento-
do-embrião, e o nascimento-da-transformação. Há os cinco desejos e
os cinco obscurecimentos (ofuscamentos). Todas essas coisas estão
baseadas na forma material.

Ao acabar com a forma, chega-se à forma da Emancipação, que não


contém quaisquer dessas coisas más. É o mesmo com o sentimento,
percepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! Forma é servidão. Ao acabar com a forma da servidão,


chega-se à forma da Emancipação, que não é escravidão. É o mesmo
com o sentimento, percepção, volição, e consciência.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 378
Oh, Kaudinya! A forma é um fluxo. Ao acabar com a forma que é um
fluxo, chega-se à forma da Emancipação, que não é um fluxo. Assim
também se dá com o sentimento, percepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! Forma é não-tomada-de-refúgio. Ao acabar com a for-


ma, chega-se à forma da Emancipação, que é tomada de refúgio. O
mesmo também se aplica ao sentimento, percepção, volição, e consci-
ência.

Oh, Kaudinya! Forma é varíola e verrugas (erupções e tumores). Ao


acabar com a forma, chega-se à Emancipação, que não é varíola ou
verrugas. O mesmo se aplica ao sentimento, percepção, volição, e
consciência também.

Oh, Kaudinya! Forma é não-quietude. Ao acabar com essa forma, che-


ga-se à forma da quietude do Nirvana, que é quieto. Assim também se
dá com o sentimento, percepção, volição, e consciência.

Oh, Kaudinya! Se houver qualquer pessoa que possa conhecer as coisas


assim, essa pessoa é um Shramana ou um Brâmane, e esse alguém é
perfeito no Dharma do Shramana ou Brâmane. Oh, Kaudinya! Se al-
guém se afasta do Buda-Dharma, então esse alguém não é Shramana
ou Brâmane; e nem há qualquer Dharma do Shramana ou Brâmane.
Todos os tirthikas falam falsamente e enganam. E não há ação que seja
verdadeira [com eles]. Também, fingem ao dizer que existem esses
dois (Shramana e Brâmane). Mas, isto não é verdadeiro. Por que não?
Se não há o Dharma do Shramana ou Brâmane, como pode alguém
dizer que exista um Shramana ou Brâmane? Eu sempre emito o rugido
do leão em meio à congregação. Você, também, deve fazer o mesmo
em meio à congregação.”

Naquela ocasião, muitos tirthikas estavam presentes, os quais, ao ouvi-


rem isto, tornaram-se irados e disseram: “Gautama agora diz que não
há Shramanas ou Brâmanes em meio a nós, e que não existe Dharma
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 379
do Shramana ou Brâmane. O que significa que devemos aceitar am-
plamente, mas advertir Gautama, para dizer-lhe que nós também te-
mos Shramanas e o Dharma dos Shramanas, e Brâmanes e o Dharma
dos Brâmanes.”

Então, havia em meio à multidão um Brahmacarin que disse: “Oh, to-


dos vocês! O que Gautama diz é fruto da loucura. Não há diferença.
Que interesse há em pegar esse ponto e se preocupar com ele? Todas
as pessoas loucas cantam, dançam, choram, riem, reprovam, e louvam.
Elas não podem distinguir entre inimigos e amigos. É o mesmo com
Gautama, que diz que ele nasceu na casa de Suddhodana, ou que não
nasceu; ou que quando nasceu ele deu sete passos, ou não; ou que
desde a sua infância ele aprendeu as coisas do mundo, ou que ele é
Pleno-Conhecedor; ou que, naquela ocasião, ele teve uma vida palaci-
ana, desfrutou de todos os prazeres e teve um filho, ou que, numa
outra ocasião, ele desprezou, reprovou e repreendeu [os prazeres sen-
suais]; ou que ele, às vezes, praticou penitências por seis anos, ou que
ele condenou as penitências dos tirthikas; ou que ele seguiu Udraka-
ramaputra e Aradakalama, e foi ensinado sobre o que ele não sabia
antes, ou que não há nada que ele não saiba; ou que ele atingiu o Insu-
perável Bodhi [Iluminação] sob a sombra da Árvore Bodhi, ou que ele
não foi para a árvore, e que ele nada fez; ou que o Nirvana vem quando
o corpo carnal se vai. O que Gautama diz é o que um louco diz, não há
diferença. Assim, por que deveríamos nos preocupar com ele?”

Todos os Brâmanes responderam e disseram: “Oh Grande! Como po-


demos não estar incomodados? O Shramana Gautama renunciou o
mundo e disse que o que existia era nada mais que o não-eterno, so-
frimento, Vazio, não-Eu, e o Impuro; e nossos discípulos ouviram as
suas palavras e ficaram assustados. Como poderíamos ser seres não-
eternos, sofrimento, Vazio, não-Eu, e Impuros? Não lhe demos ouvido.
Agora, Gautama está aqui novamente, nesta floresta de árvores sala, e
diz às pessoas que existe o Dharma do Eterno, do Êxtase, do Eu, e do
Puro. Todos os nossos discípulos ouvem suas palavras, deixam-nos e

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 380


ouvem as palavras de Gautama. Por essa razão, estamos profunda-
mente preocupados.”

Então, havia um Brâmane que disse: “Todos vocês! Ouçam-me aten-


tamente, ouçam-me atentamente! Gautama professa a prática da
compaixão. Isto é uma mentira. Não é verdadeiro. Se ele tem compai-
xão, como pode tomar os meus discípulos e fazê-los seguir os seus
ensinamentos? A fruição da compaixão é seguir a vontade dos outros.
Ele está indo contra a minha vontade. Como podemos dizer que ele
tem compaixão? Se Gautama diz que ele não é maculado pelas oito
coisas do mundo, isto, novamente, é nada mais que uma falsidade. Se
for dito que Gautama tem pouco desejo e que ele está satisfeito com o
pouco que tem, como, novamente, ele pode privar-nos daquilo que é
nosso? Se ele diz que é nascido de uma alta casta, isto novamente é
inverídico. Por quê? Desde há muito, não temos visto ou ouvido falar
de um grande rei-leão que tenha causado danos a pequenos ratos. Se
Gautama vem da alta casta, como ele pode causar-nos preocupações?
Se as pessoas dizem que Gautama possui grande poder, isto é uma
mentira. Por quê? Desde há muito, nunca vimos um Garuda brigando
com uma vaca. Se ele possui grande poder, por que ele brigaria conos-
co? Se for dito que Gautama possui o poder de ler as mentes das pes-
soas, isto novamente é uma mentira. Por que é assim? Se ele é dotado
com esse conhecimento, como pode estar obscurecido na leitura de
nossas mentes? Todos vocês! Certa vez, eu estava com um velho e
sábio homem que dizia que no prazo de 100 anos, haveria uma apari-
ção. Essa (aparição) bem poderia ser Gautama. E essa aparição está
agora prestes a desaparecer nessa floresta de árvores sala, não demora
muito. Não nos preocupemos!”

Então, havia um Nirgrantha que disse: “Oh irmãos! Minha mente está
magoada. Isso não é devido aos oferecimentos dos meus discípulos. O
problema é que o mundo é ignorante e cego, e não conhece o que é
um campo de prosperidade (bênçãos) e o que não é. Por fazerem ofe-
recimentos a um jovem, abandonando os velhos e sábios Brâmanes.
Isto é o que me preocupa. O Shramana Gautama sabe muito de feitiça-
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 381
ria. Por este meio, ele apresenta um corpo em numerosas formas, e
numerosas formas em um corpo; ou ele apresenta-se como um ho-
mem, mulher, vaca, carneiro, elefante, ou cavalo. Eu destruirei essa
feitiçaria. Quando Shramana Gautama se for, vocês voltarão a desfru-
tar de muitos oferecimentos e serão abençoados com a paz.”

Então, havia um Brâmane que disse: “O Shramana Gautama é realizado


e perfeito em inúmeras virtudes. Assim, não deveríamos lutar contra
ele.”

A grande multidão disse: “Oh você, ignorante! Como você se atreve a


dizer que o Shramana Gautama é realizado na grande virtude. Sete dias
após o seu nascimento, sua mãe morreu. É isto que você chama de
uma família de grandes bênçãos?”

O Brâmane disse: “Quando repreendido, não se torna irado, e quando


espancado, não revida. Saibam que isso pode ser nada mais que a for-
ma do grande bem-estar. Seu corpo é perfeito nas 32 marcas da perfei-
ção e nas 80 características menores de excelência, e é dotado com
inumeráveis poderes miraculosos. Assim, saibam que todas essas coi-
sas são do bem-estar. Sua mente não conhece arrogância. Sua mente,
primeiro indaga e reflete. O que é dito é gentilmente falado. Não há
qualquer grosseria desde o início. A sua idade e vontade são rigorosas
e, no entanto, sua mente não é rude. Ele não cobiça qualquer reino ou
riqueza. Ele abandonou tudo aquilo, como se fossem lágrimas e saliva.
Esse é o porquê eu digo que o Shramana Gautama é realizado e perfei-
to nas inumeráveis virtudes.”

A grande multidão disse: “Bem falado! O Shramana Gautama, como


você diz, é realmente perfeito em inumeráveis poderes miraculosos.
Como não podemos lutar com ele contra isso? O Shramana Gautama é
gentil no sentimento e natureza. Sendo assim, ele não pode suportar
penitências. Nascido nas profundezas do palácio, ele é incapaz de go-
vernar as coisas. Tudo o que ele faz é falar em voz baixa. Ele não co-
nhece artes, nada de literatura e oratória. Vamos falar sobre os funda-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 382
mentos do Dharma Correto. Se ele derrotar-nos, o serviremos; se ven-
cermos, ele nos servirá.”

Naquela ocasião, havia muitos tirthikas [presentes]. Juntos, eles foram


à Magadha, ao (Rei) Ajatasatru. O rei os viu e indagou: “Todos vocês
estão no ensinamento sagrado. Vocês são aqueles que renunciaram o
mundo. Vocês abandonaram a riqueza e as coisas da vida secular. To-
das as pessoas do meu reinado fazem oferecimentos para vocês. Eles
os tratam com respeito e não agem contra vocês. Por que vocês se
juntaram e vieram aqui reunidos e querem me ver? Oh vocês! Todos
vocês pertencem a diferentes ensinamentos, têm diferentes preceitos,
e diferentes circunstâncias nas quais renunciaram seus lares. Cada um
de vocês pratica a Via seguindo preceitos. Por que é que todos vocês
estão unidos em pensamento, como se o vento houvesse levado todas
as folhas caídas juntas a um único lugar? O que vocês pretendem falar
por terem vindo aqui ‘em massa’? Eu sempre protejo as pessoas reti-
rantes-do-mundo [isto é, que buscam o espiritual, renunciantes do
mundo] e não fico atrás dos outros no uso do meu corpo e vida [para
ajudá-los].”

Então, todos os tirthikas disseram em uníssono: “Oh Grande Rei! Ouça-


nos atenciosamente. Você agora é a grande ponte do Dharma, o gran-
de chifre (arauto), a grande escala (medida, ponderação) do Dharma.
Você é o receptáculo de todas as leis. Você é a verdadeira natureza de
todas as virtudes. Você é a estrada do Dharma Correto. Você é o último
campo onde plantar sementes. Você é o manancial do estado. Você é o
espelho brilhante de todas as terras. Você é como todas as formas de
todos os céus. Você é como os pais para o povo de todas as terras. Oh
Grande Rei! Você é o tesouro de todas as virtudes do mundo. Isto é o
corpo do Rei. Por que dizemos que você é o repositório de virtudes? O
Rei conduz a administração do estado sem parcialidade ou hostilidade.
A mente do Rei é justa como a terra, água, fogo, e vento. Esse é o por-
quê dizemos que o Rei é o repositório de virtudes.

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 383


Oh Grande Rei! A duração da vida dos seres na presente era é despre-
zível. Mas a virtude do Rei é como aquela dos reis dos tempos passa-
dos, quando os humanos eram abençoados com longa vida e paz. A
situação é como aquela dos (reis) Nascido-Cabeça (Head-Born), Sudar-
sana, Paciência (Forbearance), Nahusa, Yajata, Sibi, e Iksvaku. Todos
esses reis eram perfeitos no Bom Dharma. Você também, Rei, é o
mesmo. Oh Grande Rei! Devido a você, a terra está em paz e as pesso-
as fazem o bem. Esse é o porquê todos os retitantes-do-mundo amam
o seu estado, observam os preceitos, fazem esforços, e praticam o
caminho correto. Oh Grande Rei! Estabelecemos nos sutras que se o
retirante-do-mundo observa os preceitos e faz esforços como estabe-
lecido no estado, o Rei também compartilha do bem que é praticado.
Oh Grande Rei! Você já acabou com todos os ladrões, e não há nada
que os retirantes-do-mundo temam. Só que, lá vive apenas uma má
pessoa: o Shramana Gautama. Você, Rei, ainda não o testou. Estamos
todos temerosos. Essa pessoa se vangloria [orgulha-se] do seu nasci-
mento e casta, da sua compleição física, e que por força das doações
que ele realizou no passado, ele é recompensado com muitos ofereci-
mentos. Em todas essas circunstâncias, ele é arrogante, e em razão da
sua feitiçaria, ele é altivo. Por essa razão, não podemos cumprir nossas
penitências. Ele recebe roupas leves e roupas de cama. Assim, ele é o
pior de todos no mundo. Pelos ganhos, as pessoas vão a ele, e por se
tornarem membros da sua família, são incapazes de praticar penitên-
cias. Através da feitiçaria, ele venceu Kashyapa, Shariputra, Maudgal-
yayana, e outros. E agora ele veio para o nosso lugar, à floresta das
árvores sala e, declarando que seu corpo é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o
Puro, ele seduz nossos discípulos. Oh Grande Rei! Previamente Gauta-
ma disse: não-eterno, não-êxtase, não-eu, e não-puro. Nós o tolera-
mos. Agora ele diz: Eterno, Êxtase, Eu, e Puro. Não podemos tolerá-lo.
Por favor, oh Grande Rei! Permita-nos argüir o ponto com Gautama.”

O Rei disse: “Oh todos vocês, grandes! O que os incita, a tal ponto de
tornarem-se exasperados e inquietos como grandes ondas de água, ou
como círculos de fogo, ou como macacos que se lançam por entre as
árvores? Isto é uma vergonha. Se os sábios ouvirem sobre isto, sentirão
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 384
piedade de vocês. Se os ignorantes ouvirem sobre isto, rirão de vocês.
O que vocês dizem não é apropriado para qualquer pessoa retirante-
do-mundo. Se vocês estão sofrendo da doença do ar (respiratória) ou
da varíola da água amarela, eu tenho o remédio para tudo isto. Eu os
curarei. Se trata-se de alguma doença de um demônio, meu médico da
família, Jivaka [um famoso médico da residência real de Ajatasatru],
acabará completamente com ela. Todos vocês pretendem agora arran-
car o Monte Sumeru com suas mãos e unhas, ou tentar mastigar e roer
um diamante.

Oh todos vocês, grandes! Isto é como uma pessoa ignorante desejando


despertar um rei-leão adormecido na ocasião em que o leão está sen-
tindo fome; ou como tentar tocar a boca de uma víbora com o próprio
dedo; ou como brincar com as brasas que se escondem sob as cinzas.
Esta é a situação com vocês agora. Isto é como uma raposa selvagem
querendo imitar um rugido de leão, ou um mosquito querendo compe-
tir em velocidade com um Garuda [pássaro mítico veloz]. É como uma
lebre desejando atravessar o oceano e sondar as suas profundezas.
Vocês também são como isto. Se vocês estão sonhando com uma vitó-
ria sobre Gautama, tal sonho é próprio de um fanático. Não vale a pena
acreditar nele. Oh vocês, grandes! Vocês agora pensam assim. Isto é
como uma borboleta voando que se lança numa bola de fogo. Ouçam a
minha palavra! Não digam nada mais! Vocês dizem que sou justo e que
sou como uma escala (do Dharma). Mas não deixem que nada como
isto chegue aos ouvidos das outras pessoas.”

Então os tirthikas disseram: “Oh Grande Rei! O feitiço de Gautama será


tal que, quando ele (o feitiço) aparecer diante de você, ele fará com
que a mente do Grande Rei não duvide das palavras desses santos. Oh
Grande Rei! Por favor, não despreze os grandes. Oh Grande Rei! Quem
deu a sabedoria do crescente e do minguante da lua, da salinidade da
água do grande oceano, e do Monte (Hy)Malaya? Tudo isto não é obra
dos Brâmanes? Oh Grande Rei! Você não ouviu que o Rishi Gautama
realizou um milagre, tal que por 12 longos anos ele transformou-se no
corpo carnal do Shakya, e fez o corpo do Shakya como aquele de um
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 385
carneiro, e fez 1.000 valvas para permanecer no corpo do Shakya? Oh
Grande Rei! Você não ouviu que o Rishi Jatukarna bebeu em um dia as
águas dos quatro mares, tal que toda a terra ressecou? Oh Grande Rei!
Você não ouviu que o Rishi Vasu tornou-se um Mahesvara e tinha três
olhos? Oh Grande Rei! Você não ouviu que o Rishi Aradakalama trans-
formou o Castelo Garapu em terra? Oh Grande Rei! Os Brâmanes têm
homens de grande poder. Você pode facilmente confirmar os fatos. Oh
Grande Rei! Por que você os subestima?”

O rei disse: “Todos vocês! Se vocês não acreditam no que lhes digo, o
Tathagata, o Corretamente-Iluminado, está agora na floresta das árvo-
res sala. Vocês podem ir e questionar ou reprovar-lhe como queiram. O
Tathagata também verá vocês e para o seu benefício explicará as coisas
em detalhes e responderá suas questões.”

Então o Rei Ajatasatru foi ao Buda, juntamente com os tirthikas e com


o seu próprio séquito. Ele prostrou-se ao chão, e circundou o Buda por
três vezes. Tendo prestado homenagem, ele recuou e tomou assento a
um lado, e disse ao Buda: “Esses tirthikas desejam colocar questões a
você à sua própria maneira. Você será benevolente quanto a respondê-
las?”

O Buda disse: “Oh Grande Rei! Espere! Sei quando devo.”

Então, em meio àqueles que estavam presentes, havia um Brâmane


chamado Jataishuna. Ele disse: “Oh Gautama! Você estabelece que
Nirvana é aquilo que é eterno?”

“É assim, é assim, oh grande Brâmane!”

O Brâmane disse: “Você diz que Nirvana é eterno. Mas este não é o
caso. Por que não? O que se obtém no mundo é que de uma semente
surge o fruto. Isso continua, e não há interrupção. Isto é como com um
vaso, que vem do barro e do tecido. Você, Gautama, sempre diz:
‘Quando se pratica a imagem do não-eterno, chega-se ao Nirvana’.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 386
Você, Gautama, também diz: ‘Quando se acaba com o desejo e a cobi-
ça, isto é Nirvana. Quando se acaba com a cobiça do corpo [‘rupa’] e do
não-corpo, isto é Nirvana. Quando se acaba com as impurezas da igno-
rância, isto é Nirvana’. Tudo, desde o desejo até a impureza da igno-
rância, é não-eterno. Se a causa é não-eterna, o Nirvana que surge
[dela] também deve ser não-eterno. Você, Gautama, também diz: ‘A-
través da causa vem o nascimento no céu; através da causa ganha-se o
inferno; e através da causa (vem) a emancipação. Assim, todas as coi-
sas surgem das causas’. Se a Emancipação resulta de uma causa, como
se pode chamá-la de eterna?

Você, Gautama, também diz: ‘A forma [‘rupa’] vem das relações cau-
sais. Por isso, é não-eterna. Assim também é com o sentimento, per-
cepção, volição, e consciência’. Se Emancipação é forma, saiba que o
que há [aqui] é não-eterno. Assim também se estabelece com o senti-
mento, percepção, volição, e consciência. Se existe qualquer Emanci-
pação fora dos cinco skandhas, tal Emancipação é Vazio. Se é Vazio,
não podemos dizer que as coisas vêm das relações causais. Por que
não? Porque a eternidade é única e permeia todos os lugares. Você,
Gautama, também diz que o que surge da causação é sofrimento. Se é
sofrimento, como podemos dizer que Emancipação é Êxtase?

Oh Gautama! E você diz que o não-eterno é sofrimento e que sofri-


mento é não-Eu. Se é não-eterno, e não-Eu, o que existe é não-puro. O
que não surge da causa deve ser não-eterno, sofrimento, não-Eu, e
não-puro. Como podemos dizer que Nirvana é o Eterno, Êxtase, o Eu, e
o Puro? Oh Gautama! Se se estabelece: eterno e não-eterno, sofrimen-
to e êxtase, o Eu e o não-Eu, o puro e o não-puro – esses não são dois
termos? Certa vez ouvi de um velho sábio que: ‘Se algum Buda aparece
no mundo, ele não fala palavras dúbias’. Você, Gautama, agora fala de
forma dúbia e diz: ‘E o Buda é meu próprio eu carnal’. O que você quer
dizer com isto?”

O Buda disse: “Oh Brâmane! Agora lhe indagarei sobre o que você diz.
Responda exatamente como você pensa!”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 387
O Brâmane disse: “Bem falado, Gautama!”

O Buda disse: “Sua natureza é eterna ou não-eterna?”

O Brâmane disse: “Minha natureza é eterna.”

“Oh Brâmane! Essa natureza se torna a causa das coisas dentro e fo-
ra?”

“É assim, Gautama.”

O Buda disse: “Oh Brâmane! Como é que se torna a causa?”

“Oh Gautama! Da natureza vem o ‘grande’ (‘eminência’); da eminência,


vem a arrogância; da arrogância, as 16 coisas, as quais são: 1) terra,
água, fogo, vento, e espaço; 2) os cinco sentidos orgânicos, os quais
são: olhos, ouvidos, nariz, língua, e tato; 3) as cinco ações orgânicas, as
quais são: mãos, pés, voz, os dois órgãos sexuais do macho e da fêmea;
4) os sentidos orgânicos iguais da mente. Essas 16 coisas surgem de
cinco coisas, as quais são: cor, som, cheiro, sabor, e toque. Essas 21
coisas têm três qualidades-raiz, as quais são: 1) impureza, 2) rudeza
(grosseria), e 3) escuridão. A impureza é desejo; a rudeza é ira; e a es-
curidão é ignorância. Oh Gautama! Essas 25 coisas surgem da nature-
za.”

“Oh Brâmane! Essas coisas desde ‘grande’, etc. (até a ignorância), são
eternas ou não-eternas?”

“Oh Gautama! A natureza do dharma sobre a qual eu falo é eterna.


Todas as coisas, começando com ‘grande’, são não-eternas.”

“Oh Brâmane! Com base no que você diz, parece que de acordo com
você a causa é eterna e o fruto é não-eterno. Ora, que erro poderia

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 388


haver quando eu digo que a causa é não-eterna, mas o resultado é
eterno? Oh Brâmane! Há duas causas naquilo que você fala?

A resposta veio: “Sim! Há.”

O Buda disse: “Quais são as duas?”

O Brâmane disse: “Uma é a causa pelo nascimento (original) e a outra é


a causa reveladora.”

O Buda disse: “O que é causa pelo nascimento e o que é causa revela-


dora?”

O Brâmane disse: “A causa pelo nascimento pode ser comparada ao


barro do qual vem o vaso; a causa reveladora é como uma lâmpada
que ilumina um objeto.”

O Buda disse: “Desses dois tipos de causa, a natureza da causa é única?


Se é única, a causa pelo nascimento bem pode tornar-se a causa reve-
ladora, e a causa reveladora pode tornar-se a causa pelo nascimento.
Não é assim?”

“Não, Oh Gautama!”

O Buda disse: “Eu digo que Nirvana é atingido a partir do não-eterno,


mas é não não-eterno. Oh Brâmane! Quando o alcançamos através da
causa reveladora, alcançamos o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Quando
o vemos do ponto de vista da causa pelo nascimento, alcançamos o
não-Eterno, não-Êxtase (no original está não-nascimento), não-Eu, e
não-Puro. Esse é o porquê o Tathagata fala de duas maneiras. Não
pode haver dubiedade de palavras. Esse é o porquê dizemos que o
Tathagata não tem palavras dúbias. Você diz que certa vez ouviu de
uma pessoa sábia que já se foi que: ‘O Buda aparece no mundo e não
fala palavras dúbias (de duplo sentido)’. Isso tudo é muito bom. O que
é dito por todos os Budas das dez direções e dos Três Tempos não dife-
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 389
re. Esse é o porquê dizemos que o Buda não tem qualquer dubiedade
nas palavras.

Como eles (os Budas) não diferem (em suas palavras)? O que é ‘é’ é
declarado como ‘é’; e tudo que é ‘não-é’ é estabelecido como sendo
‘não-é’. Por isso, significado único. Oh Brâmane! O Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo diz duas coisas. Isto é apenas para revelar uma palavra.
Como duas palavras podem revelar uma? É como no caso das duas
palavras do ‘olho’ e ‘forma’, as quais evocam uma palavra: ‘consciência
viva’. Assim se obtém com a mente um dharma.”

O Brâmane disse: “Oh Gautama! Você compreende bem os significados


dessas palavras. Eu ainda não cheguei ao significado de que duas pala-
vras são uma.”

Então o Honrado pelo Mundo falou das Quatro (Nobres) Verdades. “Oh
Brâmane! Falemos da ‘Verdade do Sofrimento’, a qual é duas e tam-
bém uma. Isto se aplica por extensão até a ‘Verdade da Via’, que no-
vamente é duas e também uma.

O Brâmane disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora vejo.”

O Buda disse: “De que maneira você vê?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Dizemos ‘Verdade do Sofrimento’. Todos os


mortais comuns vêem duas coisas. Mas, com as pessoas sagradas, o
que existe é uma (coisa). Assim é com a ‘Verdade da Via’, também.”

O Buda disse: “Bem falado! Você vê bem.”

O Brâmane disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Eu agora ouvi o Dharma e


adquiri a visão correta. Eu agora tomarei refúgio no Buda, Dharma, e
Sangha. Rogo para que me admita em sua Ordem.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 390


Então o Honrado pelo Mundo disse a Kaundinya: “Você agora barbeie
esse Jadaishuna e admita-o na Ordem.”

Então Kaundinya, por ordem do Buda, barbeou [Jadaishuna]. Quando


isto foi feito, houve duas quedas: Uma do cabelo, e a outra das impure-
zas. E naquele instante, ele atingiu o Arhatship. Também, havia um
Brahmacarin chamado Vasistha, que disse: “Oh Gautama! O Nirvana de
que você fala é do eterno?”

“É assim, Oh Brahmacarin!”

Vasistha disse: “Oh Gautama! Quando não há impurezas, você chama


isto de Nirvana?”

“É assim, Oh Brahmacarin!”

Vasistha disse: “Há quatro instâncias onde eu digo ‘não-é’. Estas são: 1)
uma coisa que ainda não surgiu. Isto é um ‘não-é’. Isto é como no caso
de um vaso quando ele ainda não surgiu do barro. E dizemos que não
existe o vaso; 2) o que se foi é chamado ‘não-é’. Isto é como no caso de
um vaso quebrado. Naquela ocasião, dizemos que não existe o vaso; 3)
o que não existe nas coisas que são diferentes na natureza, onde dize-
mos ‘não-é’, como no caso de uma vaca, em que não há nada de um
cavalo, e no caso do cavalo, em que não existe uma vaca; 4) quando
nada existe em qualquer que seja a circunstância, como no caso do
cabelo de uma tartaruga ou dos chifres de uma lebre. Oh bom homem!
Se Nirvana é aquilo que ‘é’ quando as impurezas se acabam, Nirvana é
um ‘não-é’. Se for assim, como podemos dizer que há o Eterno, Êxtase,
o Eu, e o Puro?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Nirvana não é como um vaso que não
existia quando ainda no barro. Também, não é como o ‘não-é’ da ex-
tinção, ou o ‘não-é’ de um vaso que quebrou. Também, não é o ‘não-é’
do absoluto ‘não-é’, como no caso do cabelo de uma tartaruga ou dos

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 391


chifres de uma lebre; e nem é o ‘não-é’ daquilo que é diferente por
natureza.

Oh bom homem! Você pode dizer que não existe cavalo em uma vaca.
Mas, você não pode dizer: ‘Não existe cavalo’. Não existe vaca em um
cavalo, mas você não pode dizer: ‘Não existe vaca’. Assim acontece
também com o Nirvana. Não há Nirvana na impureza, e nem impureza
no Nirvana. Assim, dizemos que diferentes coisas não se possuem mu-
tuamente.”

Vasistha disse: “Oh Gautama! Se você disser que Nirvana é o que não
existe em outra coisa, isto implicará em dizer que o Eterno, Êxtase, o
Eu, e o Puro não existem na singularidade (indivisível = 相無相 = One-
ness ou none-ness; unidade ultimada, ou a unidade do absoluto, não
há diversidade) de uma coisa diferente. Oh Gautama! Como você pode
dizer que existe o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro?”

O Buda disse: “Há três singularidades naquilo que você diz. O caso da
vaca e do cavalo é o que não foi antes, mas agora é. Isto é o que não foi
antes. O que foi, mas agora não é [mais], é o que vem quando uma
coisa quebra. O ‘não-é’ pela via da diferença (na natureza) é como você
diz. Oh bom homem! Não encontramos esses três tipos de ‘não-é’ no
Nirvana. Portanto, Nirvana é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro.

Três Tipos de Doenças dos Seres

Isto é como com quem está doente, [onde ou há]: 1) febre, 2) doença
do ar (respiratória), ou 3) frio. Essas podem ser bem curadas pelos três
tipos de remédio. Uma pessoa sofrendo de febre pode ser bem curada
pela manteiga; alguém sofrendo do ar pode ser curado pelo óleo; e
uma pessoa que está sofrendo de frio pode ser curada de fato pelo
mel. Esses três tipos de remédio podem realmente curar os três tipos
de enfermidades. Oh bom homem! No ar, não há óleo, e no óleo não

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 392


há ar; ou no mel, não há frio, e no frio não há mel. Portanto, a cura
acontece de fato. É o mesmo com todos os seres também. Todos os
seres possuem três enfermidades, as quais são: 1) a cobiça, 2) a má-
vontade, e 3) a ignorância. Três tipos de remédio curarão essas três
doenças. A meditação sobre as impurezas agirá como um remédio
contra o desejo; (a meditação) sobre o amor-benevolente agirá como
um remédio contra a má-vontade; (a meditação) sobre o conhecimen-
to das relações causais agirá contra a ignorância.

Oh bom homem! No sentido de acabar com o desejo, medita-se sobre


o não-desejo; para acabar com a má-vontade, a meditação sobre a
não-má-vontade é feita; para acabar com a ignorância, medita-se sobre
não-ignorância. Nas três doenças não temos os três tipos de remédio, e
nos três tipos de remédio não temos os três tipos de doença. Oh Bom
homem! Como não há os três tipos de remédio nos três tipos de doen-
ça (ou seja, não há pureza nas doenças), isto é não-eterno, não-êxtase,
não-eu, e não-puro. Nos três tipos de remédio não há os três tipos de
doença (ou seja, não há impurezas nos remédios). Por isso, o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro.”

Vasistha disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Tathagata, explique-


me sobre o eterno e o não-eterno. O que é o eterno, e o que é o não-
eterno?”

O Buda disse: “Oh bom homem! A forma é não-eterna, e a Emancipa-


ção da forma é o Eterno. A consciência é não-eterna, e a Emancipação
da consciência é o Eterno. Oh bom homem! Se houver algum bom
homem ou boa mulher que possa ver bem que desde a forma até a
consciência são não-eternas, saiba que essa pessoa bem pode atingir o
que é Eterno.”

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 393


A Conversão de Vasistha

Vasistha disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora venho realmente


conhecer o Eterno e o não-eterno.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Como você conhece o Eterno e o não-
eterno?”

Vasistha disse: “Eu agora sei que o eu e a forma são não-eternos e que
a Emancipação é Eterna. Assim é com [os cinco skandhas], até a cons-
ciência.”

“Oh bom homem! Agora você retribua bem a esse corpo carnal aquilo
que você deve.”

Para Kaundinya, ele disse: “Esse Vasistha agora atingiu a fruição do


Arhatship. Dê-lhe as três vestimentas [robes] e uma bacia (para donati-
vos).”

Então Kaundinya deu as vestimentas conforme instruído pelo Buda.


Então, ao receber os robes e a bacia, Vasistha disse: “Oh Kaundinya,
grandemente virtuoso! Agora obtive sobre esse meu corpo carnal uma
grande recompensa cármica. Por favor, oh grandemente virtuoso, con-
descenda em ir ao Buda e informar em detalhes o que aconteceu co-
migo. Esse meu corpo miserável tocou e maculou o Tathagata, e agora
adota o seu nome da família Gautama. Por favor, informe-o em meu
nome e diga que agora me arrependo dos meus maus atos. Também,
não posso ter esse meu corpo por muito mais tempo na vida. Agora
entrarei no Nirvana.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 394


As Virtudes de Vasistha

Então Kaundinya foi ao Buda e disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O


Monge Vasistha se arrepende e diz: ‘Fui um tolo obstinado, toquei o
corpo do Tathagata e agora sou um do seu grupo [de seguidores]. Não
posso ter esse meu corpo perverso por muito tempo no mundo’. Ele
agora deseja acabar com esse corpo, veio a mim e se arrepende.”

O Buda disse: “Oh Kaundinya! Vasistha de há muito acumulou virtudes


nos lugares de inumeráveis Budas. Tendo sido ensinado agora por
mim, ele está residindo corretamente na Via. Residindo corretamente
na Via, ele chegou à fruição correta. Você deve fazer oferecimentos
para o seu corpo carnal.”

Kaundinya, assim instruído pelo Buda, foi para onde a pessoa vivia e fez
oferecimentos. Então, Vasistha, por ocasião da sua cremação, realizou
muitos milagres divinos. Todos os tirthikas viram isto e clamaram alto:
“Esse Vasistha adquiriu feitiçaria no lugar do Shramana Gautama.”

Então, naquela ocasião, havia em meio ao grupo um Brahmacarin


chamado Senika, que disse: “Oh Gautama! Existe o eu?” O Tathagata
permaneceu em silêncio. Ele indagou pela segunda, e por uma terceira
vez. O Buda permaneceu em silêncio. Senika disse: “Oh Gautama! To-
dos os seres possuem o eu, que permeia todos os lugares, e o criador é
único. Oh Gautama! Por que você senta silenciosamente e não respon-
de?”

O Buda disse: “Oh Senika! Você diz que esse eu permeia todos os luga-
res?”

Senika respondeu e disse: “Não apenas eu digo assim, mas todos os


sábios também demonstram isso.”

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 395


O Buda disse: “Oh bom homem! Se o eu permeia todos os lugares,
todos os seres dos cinco reinos deveriam receber a retribuição das
ações praticadas ao mesmo tempo. Se todas as pessoas dos cinco rei-
nos têm as mesmas retribuições cármicas, por que você evita todas as
más ações, de modo a escapar do inferno, e pratica todas as boas a-
ções, de modo a ganhar vida nos céus?”

Senika disse: “Oh Gautama! Há dois tipos de eu sobre o qual eu falo, a


saber: 1) o eu carnal, e 2) o eu eterno. Para o benefício do eu carnal,
praticamos a Via e evitamos o mal, de modo a não ir para o inferno, e
praticamos todas as boas ações, de modo a ganhar vida nos céus.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que o eu permeia todos os
lugares. Se ele está no eu criado, saiba que tal eu é não-eterno. Se não
está no criado, como você pode dizer que ele permeia todos os luga-
res?”

“Oh Gautama! O eu sobre o qual eu falo existe no que é criado e, no


entanto, é o que é eterno. Oh Gautama! Se acontece de uma pessoa
causar um incêndio na casa, o dono da casa sai. Assim, não podemos
dizer: ‘Quando a casa está reduzida a cinzas, o dono da casa também
está reduzido a cinzas’. É o mesmo com o que eu digo. Esse corpo cria-
do é não eterno. Mas quando o não-eterno está em vias de partir [isto
é, quando o corpo está para morrer], o eu se vai. Assim, o eu sobre o
qual falo é onipresente e eterno.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz: ‘O eu sobre o qual falo é
onipresente e eterno’. Mas, isto não é assim. Por que não? Há dois
tipos daquilo que interpenetra. Eles são: 1) eterno, e 2) não-eterno.
Novamente, há dois tipos, a saber: 1) forma, e 2) não-forma. Por isso,
quando se diz que tudo existe, isto significa que é eterno e não-eterno;
é forma e não-forma. Você pode dizer que o dono da casa está fora de
casa, e que não há não-eterno a surgir. Mas, isto não é assim. Por quê?
A casa não é o dono e o dono não é a casa. Aquilo que é diferente (dis-
tinto) é queimado, e o que é diferente está fora. Assim segue a lógica.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 396
O eu não é nada assim. Por que não? O eu é forma, e a forma é o eu.
Não-forma é o eu, e o eu é não-forma. Como você pode dizer que
quando a forma sofre mudança, o eu está fora dela?

Oh bom homem! Você pode dizer que todos os seres possuem o mes-
mo eu. Mas isto é contrário ao que se constata no mundo secular ou
no mundo supramundano. Por quê? O que se obtém no mundo secular
fala de pai e mãe, menino e menina. Se dissermos: ‘O eu é único; o pai
é o filho, e o filho é o pai; a mãe é a filha, e a filha é a mãe; o inimigo é o
amigo, e o amigo é o inimigo; isto é aquilo, e aquilo é isto. Consequen-
temente, todos os seres possuem o mesmo eu’ – isto é contrário ao
que se constata no mundo secular ou no mundo supramundano.”

Senika disse: “Eu, também, não digo que todos os seres possuem um
eu. Eu digo que cada pessoa possui um eu.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se for dito que cada pessoa possui um
eu, isto significa nada mais que há muitos ‘eus’. Isto não é assim. Por
que não? Você disse antes que o eu interpenetra (todas as coisas e
lugares). Se o eu vai a todos os lugares, a raiz cármica de todos os seres
deve ser a mesma. Quando o céu vê, o Buda vê; quando o céu age, o
Buda age, quando o céu ouve, o Buda ouve. Todas as coisas deveriam
ser assim. Se o céu pode ver e o Buda não pode, não podemos dizer
que o eu se estenda a todos os lugares. Se ele é não-interpenetrante,
isto é nada mais que o não-eterno.”

Senika disse: Oh Gautama! O eu de todos os seres permeia todos os


lugares, ao passo que lei e não-lei não o fazem (isto é, não permeiam
todos os lugares). Por essa razão, o Buda pode agir diferentemente (do
céu) e o céu também pode agir assim (diferentemente). Por isso, você,
Gautama, não deve dizer: ‘Quando o Buda vê, o céu pode ver, e quan-
do o Buda pode ouvir, o céu pode ouvir’.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não é o caso que lei e não-lei são o
que se faz?”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 397
Senika disse: “Essas são as obras das próprias ações.”

O Buda disse: “Se lei [dharma, aquilo que existe] e não-lei são o que se
faz, isto significa a mesma coisa. Como elas poderiam ser diferentes?
Por quê? Quando o Buda adquire a ação na mão, o céu adquire o eu;
quando o céu adquire a ação na mão, o Buda adquire o eu. Por isso,
quando o Buda pode fazer (isto é, adquire a ação), o céu pode fazer.
Deve-se obter lei e não-lei assim. Oh bom homem! Portanto, se a lei e
não-lei dos seres é assim, não pode haver qualquer outro resultado
cármico diferente.

Oh bom homem! Da semente surge o fruto. Essa semente nunca pen-


sa: ‘Tornar-me-ei o fruto de um Brâmane, nem de um Kshatriya, Vaish-
ya, ou Sudra’. Por quê? A semente continha o fruto. Ela (a semente)
não pertence à casta ou algo assim. É o mesmo com lei e não-lei, tam-
bém. Não podemos discriminadamente pensar: ‘Atingirei somente a
fruição do Estado de Buda, e não a do céu; atingirei somente a fruição
do céu, mas não a do Estado de Buda’. Por que não? Porque o carma
trabalha equitativamente.”

Senika disse: “Oh Gautama! Por exemplo, há centenas de milhares de


lâmpadas em uma sala. As mechas podem ser distintas, mas a luz não
difere. O fato de que as mechas das lâmpadas são distintas pode ser
comparado à lei e não-lei, e o fato de que não há diferença na luz pode
ser comparado ao eu dos seres.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você pega o caso da luz de uma lâm-
pada e pretende explicar o eu. Isto não se aplica bem. Por que não? A
sala é diferente e a lâmpada é diferente. A luz da lâmpada envolve a
mecha e também permeia a sala. Se o eu sobre o qual você fala é as-
sim, esse eu deve situar-se em torno da lei e da não-lei. Deve haver lei
e não-lei no eu. Se lei e não-lei não existem no eu, não se pode dizer:
‘ele permeia todos os lugares’. Se (lei, não-lei, e eu) vão juntos, como
podemos empregar a analogia da luz da mecha? Oh bom homem! Se
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 398
você realmente pretende dizer que a mecha e a luz são diferentes, por
que é que quando o número de mechas aumenta, a luz torna-se mais
brilhante, e quando a mecha é gasta, a luz também desvanece? Por
isso, podemos comparar lei e não-lei à mecha e a luz, e a não-diferença
da luz ao eu. Por quê? Porque os três – lei, não-lei, e eu – são unos.”

Senika disse: “Oh Gautama! Você pega a analogia da lâmpada. Essa é


infeliz. Por quê? Se a analogia da lâmpada é boa, eu já a empreguei
antes. Se é infeliz, que necessidade há de referir-se a ela novamente?”

“Oh bom homem! Eu emprego analogias. Mas essas nada têm a ver
com o que é feliz ou infeliz. Eu concordo com a sua vontade, e na ana-
logia Eu digo que há luz longe da mecha e que há luz junto à mecha.
Sua mente não é equânime. Você deliberadamente pega o caso da
mecha e da lâmpada, compara estes com lei e não-lei, e compara a luz
ao eu. Este é o porquê pretendo reprová-lo [neste ponto]. A mecha é a
luz. Há alguma luz distante (apartada) da mecha? Dharma é ao mesmo
tempo o eu; o eu é ao mesmo tempo Dharma. Não-Dharma é ao mes-
mo tempo o eu, e o eu é ao mesmo tempo não-Dhama. Agora, você
diz: ‘Porque se pega um aspecto e não o outro?’ Mas tal analogia é
infeliz para você. Esse é o porquê o subjugo. Oh bom homem! Essa
analogia não funciona bem como uma analogia. Devido ao fato de que
ela não constitui uma analogia, ela funciona favoravelmente ao meu
lado, e não do seu. Oh bom homem! Você pode pensar: ‘Se é infeliz
para mim, também não é assim para você?’ Mas isto não é assim. Por
que não? No mundo vemos uma pessoa que se mata com sua própria
espada; o que é feito pelas próprias mãos é feito uso por outros. A
analogia que você emprega funciona do mesmo jeito. A sorte está do
meu lado e a má sorte do seu.”

Senika disse: “Oh Gautama! Você reprovou-me antes pela iniqüidade


da minha mente. Agora, o que você diz também não é justo. Por que
não? Oh Gautama! Você agora atribui a sorte a si e a má sorte a mim.
Disto, eu concluo e vejo essa iniqüidade.”

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 399


O Buda disse: “O que não é justo do meu lado realmente quebra o que
não é justo do seu lado. Por essa razão, o que é justo com você e que
não está do meu lado, evidencia sorte. O que não é justo do meu lado
quebra o que não é (justo) do seu lado, e você colhe o que é justo. Isto
é a equidade do meu lado. Por quê? Porque isso evoca o que é justo
em todas as pessoas sagradas.”

Senika disse: “Oh Gautama! O Eu é sempre justo. Como você pode


dizer que você subjuga o injusto? Todos os seres possuem igualmente
o eu. Como você pode dizer que o eu não é todo-igual?”

“Oh bom homem! Você também diz que se ganha nascimento no in-
ferno, ganha-se nascimento no reino dos espíritos famintos, ganha-se
nascimento no reino animal, e ganha-se nascimento nos mundos dos
humanos e seres celestiais. Se o eu já permeia os cinco reinos, pode-se
dizer que se ganha vida nos vários reinos? Você diz que através da
harmonia dos pais, uma criança surge. Se existe uma criança de ante-
mão, como se pode dizer que através da harmonização uma criança
surge? Por essa razão (da harmonização dos pais), se possui o corpo
dos cinco reinos. Se for o caso que esses cinco reinos já precedam a
existência do corpo carnal, como se pode dizer que promulga-se o
carma? Por isso, (esse eu) é desigual.

Oh bom homem! Você pode pretender dizer que o eu é aquele que faz.
Mas isto não é assim. Por que não? Se o eu é aquele que faz [isto é,
perpetra as ações], porque se faria o que é doloroso para si? Mas nós
realmente vemos seres que sofrem de dor. Disto, pode-se saber que o
eu não é aquele que faz. Se estamos a dizer que essa dor não é o que é
feito pelo eu, e que ela não surge de uma causa, isto deve significar que
todas as coisas, também, não surgem de uma causa. Baseado em que
você diz que é obra do eu?

Oh bom homem! Todos os sofrimentos e felicidades dos seres surgem


de causas e condições. Assim, sofrimento e felicidade evocam apreen-
são e alegria. Quando se tem apreensão, não há alegria; quando há
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 400
alegria, não há apreensão. Ou é alegria, ou apreensão. Como pode
qualquer pessoa sábia chamar isto de eterno?

Oh bom homem! Você declara que o eu é eterno. Se é eterno, como


você pode dizer que há diferenças nas dez fases [isto é, dez estágios de
crescimento de um ser humano, do embrião à velhice]? Com o Eterno,
nunca pode haver quaisquer fases desde o kalala [embrião], até os dias
da velhice. A existência permanente do Vazio não pode ter uma única
‘fase/tempo’. Como poderia haver as dez fases?

Oh bom homem! O Eu não é a fase do kalala ou os dias da velhice.


Como você pode dizer que há diferenças nas dez fases? Oh bom ho-
mem! Se o eu é algo que faz, deve haver com esse eu o tempo do auge
(plenitude) da vida e os dias da velhice. Os seres, também, têm esse
auge da vida e os dias de velhice. Se o eu é algo desse tipo, como ele
poderia ser eterno? Oh bom homem! Se o eu é aquele que faz, como
poderia haver as diferenças da agudeza e deficiência para alguém [isto
é, como poderia haver agudeza mental e deficiência entre as pessoas]?
Oh bom homem! Se o eu é algo que age, esse eu certamente pode
praticar ações corporais, orais e mentais. Se isto é obra do eu, como se
pode dizer que não há um eu na boca? Como pode alguém duvidar e
perguntar se ele é um ‘é’ ou ‘não-é’?

Oh bom homem! Você pode dizer que há visão independente dos o-


lhos. Mas isto não é assim. Por que não? Se há qualquer visão inde-
pendente dos olhos, que desígnio (por exemplo: cor, beleza, tamanho,
etc.) há no uso dos olhos? O mesmo se aplica aos sentidos orgânicos
corporais, também. Você pode dizer que o eu sempre vê com os olhos.
Mas o caso não é assim. Por que não? Isto é como dizer: ‘A floração da
Sumana reduz uma grande aldeia a cinzas’. Como ela (a flor) vai quei-
mar? Queima-se com fogo. O mesmo é o caso quando você diz que o
eu vê.”

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 401


Senika disse: “Oh Gautama! É como o caso da foice, com a qual se pode
cortar a grama. O mesmo é o caso com o eu, o qual de fato pode ver,
ouvir e tocar através dos cinco sentidos orgânicos.”

“Oh bom homem! A foice e o homem são coisas diferentes. Por essa
razão, uma pessoa pode de fato pegar uma foice e fazer coisas. À parte
dos sentidos orgânicos, não pode haver eu. Como se pode dizer: ‘O eu
pode [agir] com todos os sentidos orgânicos?’ Oh bom homem! Se
você pretende dizer que uma pessoa pode de fato ceifar quando ela
pega uma foice, e o mesmo é o caso com o eu – esse eu possui uma
mão ou não? Se ele (o eu) é que faz, por que não pega (a foice) [isto é,
por que o eu não pega diretamente a foice, sem o uso das mãos]? Se o
eu não tem mãos, como podemos dizer que o eu é alguém que faz? Oh
bom homem! O que corta a grama é a foice. Não é o eu, nem é o ho-
mem. Se o eu e o homem pudessem de fato cortar, por que depende-
riam de alguma foice?

Oh bom homem! O homem executa duas ações, a saber: 1) pega a


grama, e 2) usa a foice. A foice pode realmente cortar. O mesmo é o
caso com os seres. O olho realmente vê formas. Isso surge da harmoni-
zação [conjunção de causas e condições]. Se algo é visto através da
harmonização das relações causais, como pode um sábio dizer que
existe o eu? Isto não é assim. Por que não? No mundo, não vemos que
o céu executa ações e que o Buda recebe o fruto. Se você pretende
dizer que ‘não é que o corpo faz, mas o eu recebe sem ter promulgado
a causa’, por que você deveria esperar atingir a Emancipação através
das relações causais? Se o seu corpo estivesse para nascer sem causa,
após atingir a Emancipação, você deveria ganhar seu corpo sem qual-
quer causa. Exatamente como com o corpo, todas as impurezas, tam-
bém, deveriam surgir assim (sem causa).”

Senika disse: “Oh Gautama! Há dois ‘eus’. Um sabe e o outro não sabe.
O eu que não sabe realmente ganha o corpo físico, e o eu que sabe
abandona seu próprio eu. Isso é como com um vaso de barro que,
quando tratado num forno, muda sua cor e nada mais há que possa
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 402
advir. É assim também com as impurezas de uma pessoa sábia. Não há
mais o surgimento [delas].”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você fala de ‘sabedoria’. É o intelecto


que sabe ou o eu que sabe? Se o intelecto pode saber, por que dizemos
que o eu sabe? Se o eu sabe, por que buscamos individualmente os
meios para o conhecimento? Se você pretende dizer que o eu sabe
através do intelecto, isto é como no caso da analogia da flor, que que-
bra e cai. Oh bom homem! Isto é como no caso de uma árvore que tem
espinhos, que picam por natureza. Não podemos dizer que a árvore
pega os espinhos e pica. É o mesmo com o intelecto também. O inte-
lecto sabe por si. Como podemos dizer que o eu pega o intelecto e
sabe? Oh bom homem! Você diz em seus ensinamentos que o eu che-
ga à emancipação. É o eu não-intelectual ou o eu intelectual que alcan-
ça [isto, a emancipação]? Se for o eu não-intelectual que alcança [isto],
podemos saber que ele deve possuir impurezas ainda. Se for o caso
que o intelecto alcança [a Emancipação], podemos saber que já exis-
tem os cinco (campos dos) sentidos e órgãos dos sentidos. Por quê?
Não pode haver qualquer outro intelecto que não seja os (órgãos) da
raiz (dos sentidos). Se todos os órgãos da raiz são perfeitos, como po-
demos dizer que a pessoa chega à Emancipação? Se a natureza do eu é
pura e está separada dos cinco (órgãos) raízes, como ele pode perme-
ar, e existir nos cinco reinos? Por que uma pessoa pratica todas as boas
ações para chegar à Emancipação?

Oh bom homem! Por exemplo, é como extrair espinhos do Vazio. As


coisas se passam assim com você. Se o eu é puro, como podemos dizer
que a pessoa erradica todas as impurezas? Se você pretende dizer que
a pessoa chega à Emancipação sem estar baseada nas relações causais,
por que é que todos os animais não chegam lá?”

Senika disse: “Oh Gautama! Se for altruísta, quem pode lembrar bem?”

O Buda disse a Senika: “Se existe o eu, por que esquecemos? Oh bom
homem! Se lembrança é o eu, por que lembramos coisas infelizes,
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 403
lembramos o que não desejamos lembrar, e não lembramos o que
pretendemos lembrar?”

Eu Fantasma

Senika disse: “Oh Gautama! Se não existe o eu, quem vê e quem ou-
ve?”

O Buda disse: “Tem-se as seis esferas (dos sentidos) dentro, e as seis


poeiras [isto é, os seis campos dos sentidos] fora. O interno e o externo
se associam, e se ganha os seis tipos de consciência. Ora, essas seis
consciências adquirem seu nome através das relações causais.

Por exemplo, um fogo surge de uma árvore, e falamos de ‘fogo da ár-


vore’. A grama pega fogo, e falamos de ‘fogo da grama’. O farelo pega
fogo, e falamos de ‘fogo do farelo’. O estrume de vaca pega fogo, e
falamos de ‘fogo do estrume de vaca’. É a mesma coisa com a consci-
ência dos seres, também. ‘Adquirimos consciência por meio dos olhos,
cor, luz e desejo (que são as relações causais da visão); e dizemos
‘consciência dos olhos’.

Oh bom homem! Essa consciência dos olhos não existe no olho, nem
no desejo, etc. As quatro coisas se associam e adquirimos essa consci-
ência. É o mesmo com a consciência da mente. Se as coisas vêm a ser
assim, não podemos dizer que conhecimento e visão são o eu, e que o
tato é o eu.

Oh bom homem! Esse é o porquê dizemos que o eu é (o que abrange)


desde a consciência do olho até a consciência da mente (passando
pelos seis órgãos sensoriais), e que todas as coisas são fantasmas. Co-
mo elas são como fantasmas? Em vista do fato de que ‘o que original-
mente não era, é o que é agora; e o que certa vez foi, agora não é
mais’. Oh bom homem! Por exemplo, a mistura de manteiga, cevada,

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 404


farinha, mel, gengibre, pimenta, pippali [tipo de pimenta comprida],
uva, nozes, romã, e suishi [um tipo de ameixa] é chamada ‘kangigan’
[possivelmente o nome de uma droga]. A não ser a partir dessa mistu-
ra, não pode haver ‘kangigan’. As seis esferas do interior e exterior (dos
sentidos) são o que chamamos de ser, eu, humano, macho, ou fêmea.
A não ser a partir das seis esferas de dentro e de fora, não pode haver
o ser, ou o humano.

Senika disse: “Oh Gautama! Se altruísta, por que dizemos ‘eu vejo’, ‘eu
tenho tristeza’, ‘eu sinto felicidade’, ‘eu tenho apreensão’, ou ‘eu sou
feliz’?

O Buda disse: “Oh bom homem! Se dizemos ‘eu vejo’, ‘eu ouço’, etc.,
isto implica que existe um eu. Por que o mundo diz: ‘Os pecados das
nossas ações não são o que eu vejo e ouço a respeito?’ Oh bom ho-
mem! A conjunção das quatro armas [isto é, as quatro forças constitu-
intes de um exército] é designada como um ‘exército’. Essas quatro
(armas) não são uma, mas nós dizemos: ‘Nosso exército é valente,
nosso exército é superior ao seu’. É o mesmo com o que surge através
da conjunção das esferas interna e externa (dos sentidos), também.
Embora elas não sejam uma, dizemos: ‘eu faço’, ‘eu sinto’, ‘eu vejo’, ‘eu
ouço’, ‘eu tenho tristeza’, ‘eu sinto felicidade’.

Senika disse: “Oh Gautama! Você fala da ‘conjunção do interno e do


externo’. Quem é que diz: ‘eu faço’, ‘eu sinto’?”

O Buda disse: “Oh Senika! Das relações causais da ignorância do desejo


surge a ação, dela (surge) a existência, dela (surgem) as inumeráveis
variedades de ações mentais, e a vigília mental na percepção. Essa
vigília mental na percepção faz com que a respiração aumente, e a
respiração, ao acompanhar a mente, toca a garganta, a língua, os den-
tes, e os lábios. A voz invertida da imagem do ser surge e diz: ‘eu faço,
eu sinto, eu vejo, e eu ouço’. Oh bom homem! O sino no topo de um
estandarte toca devido às relações causais. Se o vento é forte, o som é
forte; se o vento é fraco, o som é fraco. No entanto, ninguém o faz. Isto
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 405
é como as coisas se estabelecem. Quando um ferro aquecido é intro-
duzido na água, isso produz vários sons. No entanto, realmente não há
ninguém que o faça. O caso é assim. Oh bom homem! O mortal co-
mum é incapaz de pensar ou discriminar essas coisas e diz: ‘Existe o eu,
e o que pertence ao eu; eu faço, eu sinto, etc.’.”

Senika disse: Oh Gautama! Você diz que não há eu, e nada que perten-
ça ao eu. Então, por que você fala do Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro?”

O Buda disse: “Nobre filho, eu nunca disse que as seis esferas internas
e externas dos sentidos (ayatanas) e as seis consciências são o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro. Mas, eu declaro que a cessação das seis (esferas)
internas e externas, e das seis consciências que surgem delas, é deno-
minado o Eterno. Por ser Eterno, é o Eu. Porque há Eternidade e o Eu, é
denominado Êxtase. Porque é o Eterno, o Eu, e Êxtase, é denominado
Puro. Nobre filho, as pessoas comuns abominam o sofrimento e, atra-
vés da eliminação da causa do sofrimento, elas podem livremente dis-
tanciar-se dele. Isto é denominado Eu. Portanto, Eu tenho falado do
Eterno, do Eu, do Êxtase, e do Puro.”

[Há uma tradução alternativa em Inglês dessa importante passagem,


feita por Samuel Beal, que pode ser encontrada em ‘Uma Catena das
Escrituras Budistas da China’ – 1871 – pp. 179-180. Catena se traduz
como uma série de excertos intimamente ligados das escrituras. Segue
o trecho em itálico:

Senika indagou: “De acordo com a opinião de Gautama que não existe
o ‘eu’, então permita-me indagar sobre qual pode ser o significado
daquela descrição que ele deu do Nirvana, que é permanente, repleto
de alegria, individual, e puro?”

O Buda disse: “Oh jovem ilustre, Eu não digo que os seis órgãos (senso-
riais) internos e externos, ou as várias espécies de conhecimento, são
permanentes, etc. Mas, o que Eu digo é sobre ‘o que’ é permanente,
repleto de alegria, individual, e puro, que resta após os seis órgãos e os
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 406
seis objetos dos sentidos, e os vários tipos de conhecimento, terem sido
todos destruídos. Jovem ilustre, quando o mundo, cansado de tristeza,
afasta-se e separa-se da causa de toda essa tristeza, então, através
dessa rejeição voluntária dela, lá resta aquilo que eu chamo de Verda-
deiro Eu; e é deste (Eu) que Eu declaro claramente a fórmula, que é
permanente, repleto de alegria, individual, e puro.” ].

Orgulho

Senika disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Grande Compassivo! Explique-


me, eu rogo, como faço para atingir o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro,
sobre o qual você fala.”

O Buda disse: “Nobre filho, o mundo inteiro possui um grande orgulho


[mana] desde os primórdios, o qual aumenta o (próprio) orgulho e
também funciona como a causa de [mais] orgulho e ações orgulhosas.
Portanto, os seres agora experimentam os resultados (retribuições) do
orgulho e não são capazes de eliminar todas as klesas [impurezas men-
tais/morais] e atingir o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Se os seres dese-
jam acabar com todas as impurezas, o que eles necessitam fazer, antes
de tudo, é acabar com o orgulho.” [Nota: a palavra do Sânscrito para
orgulho, mana, tem um alcance semântico diferente do Inglês ‘orgu-
lho/arrogância’. Ela é derivada da raiz verbal ‘man’ (pensar, acreditar,
medir, conceituar, julgar, valorar, considerar como) e também significa
‘medida’, ‘cômputo’, ‘meios de prova’. O sentido de ‘orgulho’ aqui
implica os processos de geração ou projeção que são construtos men-
tais implicitamente falsos. Ele se refere ao processo descrito no capítu-
lo anterior do sutra sobre as quatro inversões (visões distorcidas). –
Stephen Hodge].

Senika disse: “Oh Honrado pelo Mundo! É assim, é assim! Tudo é como
o vosso ensino sagrado diz. Eu tenho, desde o início, arrogância; estou
baseado nas relações causais dessa arrogância. Esse é o porquê dirijo-

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 407


me a você pelo nome da família Gautama. Agora estou livre dessa
grande arrogância. Esse é o porquê, com o sentimento mais sincero, eu
busco o Dharma. Como faço para chegar ao Eterno, Êxtase, o Eu, e o
Puro?”

O Buda disse: “Ouça cuidadosamente! Explicarei agora esse assunto


para você em detalhes. Oh bom homem! Acaba-se com todos os pen-
samentos do seu próprio eu, dos outros e de todos os seres, e você se
apartará disso.”

Senika disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora compreendi e adquiri o


Olho do Dharma correto.”

O Buda disse: “De que maneira você conheceu, entendeu, e adquiriu o


Olho do Dharma Correto?”

“Oh Honrado pelo Mundo! A forma física [‘rupa’] da qual falamos não é
nossa própria, nem a dos outros, e nem aquela dos seres. Assim se
passa com todos [os skandhas] até a consciência. Ao ver as coisas as-
sim, cheguei ao Olho do Dharma Correto. Oh Honrado pelo Mundo!
Agora estou muito ansioso para renunciar ao mundo e ser admitido na
Ordem. Seja bondoso o bastante para admitir-me na Ordem!”

O Buda disse: “Bem vindo, oh Monge!”

De imediato, ele se realizou nas ações puras, e atingiu o Arhatship.

Em meio aos tirthikas, havia um Brahmacarin chamado Kashyapa. Ele


também disse: “Oh Gautama! O corpo é a vida? Ou o corpo e a vida são
coisas diferentes?”

O Tathagata nada disse. Assim, ele indagou uma segunda e uma tercei-
ra vez.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 408


O Brahmacarin disse novamente: “Oh Gautama! Um humano morre e
ainda não adquiriu o seu próximo corpo. Nesse estágio intermediário,
não dizemos que o corpo é distinto e a vida também? Se são distintos,
por que você senta silenciosamente e não responde?”

“Oh bom homem! Ambos, corpo e vida, surgem das relações causais.
Eu digo que nada surge sem as relações causais. Como com o corpo e a
vida, assim se procede com todas as coisas.”

O Brahmacarin ainda disse: “Oh Gautama! Eu vejo coisas no mundo


que não procedem de acordo com relações causais.”

O Buda disse: “Oh Brahmacarin! De que maneira você vê coisas que


não procedem de acordo com relações causais?”

O Brahmacarin disse: “Vejo árvores sendo queimadas. O vento sopra as


centelhas do fogo, que caem em diferentes lugares. Isto não é o que
nada tem a ver com relações causais?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Eu digo que esse fogo, também, surge
das relações causais. Não é o caso que ele não esteja de acordo com
qualquer causa.”

O Brahmacarin disse: “Oh Gautama! Quando o fogo solta centelhas,


isso não depende do combustível ou do material em combustão. As-
sim, como podemos dizer que essas (centelhas) são dependentes das
relações causais?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Embora não haja combustível nas
centelhas, o vento as carrega. Através do fator causal do vento, o fogo
não se extingue.”

“Oh Gautama! Uma pessoa morre, mas ainda não adquire seu próximo
corpo. Como podemos chamar a vida que existe no intermédio de pro-
duto de relações causais?”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 409
O Buda disse: “Oh Brahmacarin! A ignorância e o desejo são as relações
causais. Através das relações causais da ignorância e do desejo, a vida é
capaz de ser sustentada. Oh bom homem! Através das relações cau-
sais, o corpo pode ser vida, e a vida o corpo. Através das relações cau-
sais, o corpo é distinto, e a vida distinta. Uma pessoa sábia não diria
que o corpo e a vida são completamente distintos.”

O Brahmacarin disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, condescen-


da em analisar e explicar-me claramente, tal que eu seja capaz de
compreender realmente as relações causais.”

O Buda disse: “Oh Brahmacarin! A causa é os cinco skandhas e o resul-


tado também é os cinco skandhas. (Se) o fogo não começou, não pode
haver qualquer fumaça.”

O Brahmacarin disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora sei e agora


compreendi.”

“Oh bom homem! De que maneira você veio a saber e de que maneira
você compreendeu?”

“Oh Honrado pelo Mundo! O fogo é a impureza, que realmente quei-


ma nos reinos do inferno, espíritos famintos, animais, humanos, e dos
celestiais. A fumaça são as retribuições cármicas que uma pessoa co-
lhe, as quais são não-eternas, não-puras, exalam mau cheiro, são impu-
ras e devem ser desprezadas. Por isso, ‘fumaça’. Se os seres não reali-
zam (levam adiante) quaisquer impurezas, não pode haver quaisquer
retribuições cármicas das impurezas. Esse é o porquê o Tathagata diz
que onde não há fogo, não há fumaça. Oh Honrado pelo Mundo! Agora
vejo corretamente. O que eu desejo agora é que você permita-me
renunciar ao mundo.”

Então, o Honrado pelo Mundo disse a Kaundinya: “Admita esse Brah-


macarin e permita-lhe receber os preceitos.”
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 410
Por ordem do Buda, ele reportou o assunto a todos os membros da
Sangha e o conduziu ao upasampada (ritual de ordenação através do
qual um noviço torna-se Monge). Após cinco dias, o homem atingiu o
Arhatship.

Em meio aos tirthikas, havia um Brahmacarin chamado Purana. Ele


disse: “Oh Gautama! Você viu o fato de que o mundo é eterno e você
diz que é (não-) eterno? O que é dito é verdadeiro ou não-verdadeiro?
É eterno, não-eterno, ou eterno e não-eterno, ou não-eterno e não
não-eterno? É algo que tem uma linha limítrofe, é sem uma linha limí-
trofe, é [ambos] com e sem uma linha limítrofe, ou é algo que tem ou
não uma linha limítrofe? O corpo e a vida são unos, ou o corpo e vida
são distintos? Ou, após a morte do Tathagata, você é alguém que se
foi, ou alguém que se foi e não se foi, ou alguém que não é alguém que
se foi e não é alguém que não se foi?”

O Buda disse: “Oh Purana! Eu nunca digo que o mundo onde vivemos é
eterno, falsamente constituído, ou real; que ele é não-eterno, eterno e
não-eterno, ou não-eterno e não não-eterno; que ele tem ou não tem
uma linha limítrofe, que é algo que tem uma linha limítrofe e algo que
não tem uma linha limítrofe; que isto é o corpo, isto é vida, que o corpo
e a vida são distintos, que após a morte do Tathagata, ele é alguém que
se foi, alguém que não se foi, alguém que se foi e não se foi, ou que ele
não é alguém que se foi, nem alguém que não se foi.”

Purana ainda questionou: “Oh Gautama! Que erro você vê nisto, que
você não diz?”

O Buda disse: “Oh Purana! Se qualquer pessoa dissesse que o mundo é


eterno, e este (mundo) é real, e que todos os outros são falsos, isto é o
que é erroneamente visto [‘drsti’: isto é, uma visão distorcida das coi-
sas]. O que essa visão errônea vê é a ação da visão errônea, e isto é o
carma da visão errônea, e isto é o laço da visão errônea, e isto é o cati-
veiro da visão errônea, e isto é o sofrimento da visão errônea, e isto é o
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 411
apego da visão errônea, e isto é o medo da visão errônea, e isto é o
calor (fogo) da visão errônea, e isto é a prisão da visão errônea. Oh
Purana! Os mortais comuns apegam-se àquilo que é erroneamente
visto, e não podem acabar com o nascimento, velhice, doença, e mor-
te. Repetindo vidas nos seis reinos, eles sofrem de inumeráveis afli-
ções. E o mesmo se aplica ao que se obtém com relação ao que con-
cerne a não-ir ou não não-ir, também. Oh Purana! Eu vejo nessa visão
errônea esse lapso (engano, erro). Assim, Eu não me apego, e não falo
sobre ele para outras pessoas.”

“Oh Gautama! Se você vê esse lapso, não se apega a ele e não fala
sobre ele, oh Gautama, o que você vê agora, a que se apega, e sobre o
que fala?”

O Buda disse: “Oh Bom homem! Ora, o apego da visão errônea é o


dharma (lei) da vida e da morte. Uma vez que o Tathagata acabou com
a vida e a morte, ele não se apega. Oh bom homem! O Tathagata é
alguém que vê bem e que fala bem. Mas ele não é alguém que se ape-
ga.”

“Oh Gautama! De que maneira você vê bem e fala bem?”

“Oh bom homem! Eu vejo bem o sofrimento, a causa do sofrimento, a


extinção [do sofrimento], e a Via para a extinção do sofrimento, e dis-
crimino e falo sobre essas Quatro (Nobres) Verdades. Eu vejo assim.
Portanto, Eu me aparto de todas as visões errôneas, todos os desejos,
todos os fluxos (secreções) e arrogâncias. Esse é o porquê Eu sou traja-
do em ações puras, quietude insuperável, e o Corpo Eterno. E esse
Corpo também não tem leste, nem oeste, nem sul, e nem norte.”

Purana disse: “Oh Gautama! Por que o Corpo Eterno não tem leste,
nem oeste, nem sul, e nem norte?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Agora colocarei uma questão para
você. Responda como desejar. Por quê? É como fazer um grande fogo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 412
diante de você. Quando ele queima, você sabe se está queimando ou
não?”

“Isso é correto. Oh Gautama!”

“Quando o fogo se extingue, você o sabe ou não?”

“É assim, é assim, oh Gautama!”

“Oh Purana! Quando as pessoas indagarem: ‘De onde vem a queima e


para onde ela vai’?, como você responderia?”

“Oh Gautama! Se houvesse alguém que indagasse isso, eu responderia:


‘Esse fogo se origina das várias relações causais. Quando a relação cau-
sal original se acaba, e a nova relação causal ainda não surgiu, o fogo se
extingue.”

“Se novamente houvesse uma pessoa que indagasse: ‘Quando extinto


(o fogo), para onde ele vai’?, como você responderia?”

“Oh Gautama! Eu responderia: ‘Quando a relação causal acaba, ele


morre. Ele não tem qualquer direção para voltar-se.”

“Oh bom homem! É o mesmo com o Tathagata, também. Se há desde


qualquer forma não-eterna até consciência não-eterna, há queima,
porque está baseada no desejo. ‘Queima’ significa receber as 25 exis-
tências. Assim, quando queima, pode-se bem dizer que este fogo tem
uma direção oriental, ocidental, meridional ou setentrional. Agora, se o
desejo morre, o fogo das retribuições cármicas das 25 existências tam-
bém cessa de queimar. Quando ele não queima (mais), não podemos
dizer que existam as direções do leste, oeste, sul , ou norte. Oh bom
homem! O Tathagata já extinguiu a causa desde a forma não-eterna
até a consciência não-eterna. Por isso, seu Corpo é Eterno. Seu Corpo
sendo Eterno, não podemos falar de leste, oeste, sul, ou norte.”

Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 413


Purana disse: “Desejo fazer uma analogia. Por favor, condescenda em
dar ouvido a ela.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Fale como quiser!”

“Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, fora de uma grande aldeia, há
uma floresta de árvores sala. Há uma árvore nela. Antes que a floresta
viesse a existir, essa (árvore) nasceu, e 100 anos se passaram. O dono
da floresta deu-lhe água e gastou muito tempo em cuidados com ela. A
árvore está velha e podre, e a casca, galhos e folhas todas caem. O que
existe é quietude e verdade. É o mesmo com o Tathagata. Tudo o que é
velho se vai; o que existe é o que é verdadeiro. Oh Honrado pelo Mun-
do! Agora desejo muito mais renunciar ao mundo e praticar a Via.”

O Buda disse: “Bem vindo, oh Monge!”

Quando o Buda disse isto, Purana imediatamente entrou no Caminho


e, acabadas as impurezas, atingiu o Arhatship.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 414


Capítulo Quarenta e Seis: Sobre Kaundinya 2
Também, havia um Brahmacarin chamado ‘Puro’, que disse: “Oh Gau-
tama! O que todos os seres não sabem, em consequência de que eles
não vêem o eterno e o não-eterno do mundo, e também o eterno-não-
eterno, não-eterno e não não-eterno, até não-ir e não não-ir?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Em consequência do não conheci-


mento desde a forma material (‘rupa’) até o não conhecimento da
consciência [isto é, os cinco skandhas], uma pessoa não vê desde o
eterno até o não-ir e não não-ir do mundo.”

O Brahmacarin disse: “Oh Gautama! O que os seres sabem, tal que eles
não vêem desde o eterno até o não-ir e não não-ir do mundo?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Eles conhecem desde a forma materi-
al até a consciência, tal que não vêem desde o eterno até o não-ir e
não não-ir.”

O Brahmacarin disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, condescen-


da em me expor o eterno e o não-eterno do mundo.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Se descarta-se o velho, e não se cria


um novo carma, se conhece realmente o eterno e o não-eterno.”

O Brahmacarin disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Agora eu sei.”

O Buda disse: “Oh bom homem! De que maneira você vê e sabe?”

“Oh Honrado pelo Mundo! O que é velho é ignorância e desejo, e o


novo é apego e existência [fenomenal, samsarica]. Se alguém se aparta
do eterno e não-eterno, e não tem mais apego e existência, conhecerá
a verdadeira natureza do eterno e não-eterno. Agora adquiri o Olho

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 415


Puro do Dharma Maravilhoso, e tomo refúgio nos Três Tesouros. Oh
Tathagata! Admita-me na ordem!”

O Buda disse a Kaundinya: “Admita esse Brahmacarin na Ordem e


permita-lhe receber os preceitos.”

Ao ouvir essas palavras do Buda, Kaundinya pegou o homem, foi para a


reunião dos Monges, e através do procedimento ritualístico do ‘kar-
man’, o homem foi admitido na Ordem. Após 15 dias, todas as suas
impurezas haviam sido eternamente extirpadas, e o homem atingiu o
Arhatship.

Também, o Brahmacarin Vatsiputriya disse: “Oh Gautama! Desejo ago-


ra colocar algumas questões para você. Você realmente me permitirá
fazê-lo?”

O Tathagata permaneceu sentado em silêncio. Numa segunda e tercei-


ra vez, ele nada disse.

Vatsiputriya disse novamente: “Oh Gautama! Desde há muito tenho


me dirigido em termos amigáveis com você. Não devemos ser dúbios
[isto é, divergentes] em nossa acepção de qualquer forma. Eu desejo
indagar. Por que você permanece em silêncio?”

O Honrado pelo Mundo pensou: “É assim, oh Brahmacarin! Sua natu-


reza é gentil e elegante, pura, boa, e inocente. Você sempre procura
saber. Isto não é para causar preocupações aos outros. Responderei,
para concordar com sua vontade.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh Vatsiputriya! Responderei o


que você deseja saber.”

Vatsiputriya disse: “Oh Gautama! Há no mundo algo que possa ser


chamado de ‘bom’?”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 416


“É assim, oh Vatsiputriya!”

“Há o ‘não-bom’?”

“Sim, isto é assim.”

“Oh Gautama! Por favor, exponha o ‘bom’ e o ‘não-bom’ para mim.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Falarei extensivamente acerca disso.


Agora analisarei e explicarei [o assunto] para você de uma forma conci-
sa. Desejo é ‘não-bom’; tornar-se emancipado é o que é ‘bom’. Assim
são a ira e a ignorância [‘não-bom’]. Matança é o que é ‘não-bom’; não-
matança é aquilo que é ‘bom’. Assim se procede até as visões distorci-
das da vida. Oh bom homem! Eu agora, para o vosso benefício, expo-
nho-lhe os três tipos daquilo que é ‘bom’ e ‘não-bom’; e também os
dez tipos daquilo que é ‘bom’ e ‘não-bom’. Se qualquer dos meus dis-
cípulos puder ver a diferença desde os três tipos daquilo que é ‘bom’ e
‘não-bom’, até os dez tipos daquilo que é ‘bom’ e ‘não-bom’, essa pes-
soa realmente acabará com todas essas impurezas tais como o desejo,
ira, e ignorância, e erradicará o que é ‘é’ [isto é, samsaricamente orien-
tado, imperfeito, sempre em mutação, existência fenomenal].”

O Brahmacarin disse: “Oh Gautama! Há um único Monge em meio


àqueles da Sangha Budista que tenha acabado com todas essas impu-
rezas como desejo, ira, e ignorância?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não há somente um, dois, três, ou
quinhentos, mas inumeráveis Monges que acabaram com todas essas
impurezas e coisas do ‘é’, tais como desejo, ira, ignorância e todas es-
sas impurezas.”

“Oh Gautama! Se excluirmos os Monges, há alguma Monja em meio


àquelas da Sangha Budista que tenha acabado com todas essas impu-
rezas e coisas do ‘é’, tais como desejo, ira, e ignorância?”

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 417


O Buda disse: “Há não somente uma, duas, três, ou quinhentas dessas
Monjas, mas há inumeráveis Monjas que acabaram com todas essas
impurezas e coisas do ‘é’, tais como cobiça, ira, e ignorância.”

Vatsiputriya disse: “Oh Gautama! Deixemos de lado os casos de Mon-


ges e Monjas individuais. Há em meio àqueles da Sangha Budista algum
Leigo que tenha sido fiel aos preceitos e empreendeu esforços, que
tenha sido puro em suas ações, que tenha atravessado as águas da
dúvida, e que ao cortar a malha de dúvidas, tenha atingido a outra
margem?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Não há apenas um, dois, três, ou qui-
nhentos, mas incontáveis Leigos que foram fiéis aos preceitos, empre-
enderam esforços, cujas ações foram puras, e que, tendo despedaçado
a malha de dúvidas, destruíram os cinco laços das impurezas [isto é, a
cobiça (ou desejo), má vontade, ignorância, inveja, e mesquinhez, que
levam alguém ao renascimento nos três reinos do infortúnio do infer-
no, espíritos famintos, e animais], atingindo assim a fruição do Anaga-
min, e que ao alcançarem a outra margem para além das dúvidas, aca-
baram com o malha de dúvidas.”

Vatsiputriya disse: “Deixemos de lado os casos de Monges, Monjas e


Leigos. Há alguma Leiga em meio àquelas da Sangha Budista que tenha
sido fiel aos preceitos, que tenha feito esforços, que tenha sido pura
em suas ações, e que tenha alcançado a outra margem da dúvida, ten-
do acabado com a malha de dúvidas?”

O Buda disse: “Dessas, não há somente uma, duas, três, ou quinhentas,


mas há incontáveis Leigas que têm sido fiéis aos preceitos, que empre-
enderam esforços, que destruíram os cinco grilhões das impurezas, que
atingiram a fruição do Anagamin, e que estão agora na margem para
além das dúvidas, tendo rompido a malha de dúvidas.”

Vatsiputriya disse: “Oh Gautama! Deixemos agora de lado os casos de


Monges ou Monjas que tenham eliminado todas as impurezas, e os
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 418
casos de Leigos e Leigas que tenham observado os preceitos, feito es-
forços, e cujas ações têm sido puras, e que romperam a malha de dúvi-
das. Há algum Leigo em meio àqueles da Sangha Budista que desfrute
dos prazeres dos cinco desejos [sensuais] e que não tenha dúvida em
sua mente?”

“Oh bom homem! Desses, não há somente um, dois, três, ou quinhen-
tos. Há incontáveis pessoas que destruíram os três grilhões, atingindo
assim a fruição do Srotapanna e, crescendo menos no desejo, má-
vontade e ignorância, alcançaram assim a fruição do Sakrdagamin. É o
mesmo com Leigos e Leigas.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Gostaria agora de tecer uma analogia.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Fale o que você deseja falar.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Os reis naga, Nanda e Upananda, ambos


provêem-nos com grandes chuvas. Assim se passa com a chuva do
Dharma do Tathagata. Igualitariamente, você permite a chuva cair
sobre Leigos e Leigas. Oh Honrado pelo Mundo! Se alguns tirthikas
viessem [aqui] e desejassem [treinar com vocês], eu me pergunto
quantos meses vocês os submeteriam à provação?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Testaríamos por quatro meses. (A


pessoa) não tem que ser necessariamente de um tipo [ou seja, isto se
aplica a qualquer que seja o tipo de pessoa].”

“Oh Honrado pelo Mundo! Se não é de um único tipo, por favor, admi-
ta-me na Ordem.”

Então, o Honrado pelo Mundo disse a Kaundinya: “Cuide para que esse
Vatsiputriya seja admitido na Ordem e que receba os preceitos.”

Ao ouvir essas palavras do Buda, Kaundinya levantou-se em meio à


congregação e o conduziu para o ritual de ‘karman’. Quinze dias de-
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 419
pois, o homem atingiu a fruição do Srotapanna. Ao atingir essa fruição,
ele pensou para si: ‘Se estou a praticar a Via com Sabedoria, agora já a
conquistei, e realmente serei capaz de ver o Buda’.

Então, ele foi para onde o Buda se encontrava, prostrou-se no chão, e


tendo prestado sua homenagem, recuou e sentou-se a um lado. E disse
ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! O que quer que seja atingido atra-
vés do conhecimento, eu agora atingi. Por favor, condescenda nova-
mente em expor [as coisas] para mim, tal que eu possa alcançar sabe-
doria do ‘nada mais a aprender’.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Faça esforços e pratique duas coisas, a
saber: 1) samatha [meditação calma], e 2) vipasyana [meditação de
insight]. Oh bom homem! Se qualquer Monge deseja atingir a fruição
do Srotapanna, essa pessoa deve praticar essas duas coisas. Se alguém
deseja atingir as fruições do Sakrdagamin, Anagamin, e Arhatship, essa
pessoa também deve praticar o mesmo.

Oh bom homem! Qualquer Monge que queira atingir os quatro dhya-


nas, as quatro mentes ilimitadas, os seis poderes divinos, as oito eman-
cipações, os oito lugares superiores, a sabedoria da não-disputa, a sa-
bedoria suprema, a sabedoria ultimada, as quatro sabedorias sem obs-
truções, o Samadhi Adamantino, a sabedoria da plena-extinção, e a
sabedoria do não-nascimento, todos devem praticar essas duas vias.

Oh bom homem! Se há alguém que queira atingir o patamar do décimo


abode (‘bhumi’), a cognição do não-nascimento, a cognição toda-
maravilhosa, as ações sagradas, ações puras, ações celestiais, a prática
do Bodhisattva, o Samadhi do Todo-Vazio, o Samadhi Jnana-Mudra, o
Samadhi do Todo-Vazio, amorfia e não-ação, o Samadhi-Bhumi, o Sa-
madhi da Não-Retroação, o Samadhi Surangama, o Samadhi Adaman-
tino, e a ação Budista do Insuperável Bodhi; essa pessoa deve praticar
essas duas vias.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 420


Vatsiputriya, ao ouvir isto, prestou homenagem e saiu. Ele praticou
essas duas vias na floresta das árvores sala, e em pouco tempo ele
havia atingido a fruição do Arhatship.

Naquela ocasião, havia inumeráveis Monges a caminho de onde o Bu-


da se encontrava.

Vatsiputriya, ao vê-los, indagou: “Oh grandes! Para onde vocês preten-


dem ir?”

Todos os Monges disseram: “Pretendemos ir ao Buda.”

“Oh grandes! Se forem ao Buda, por favor, digam-lhe: ‘O Brahmacarin


Vatsiputriya, tendo praticado as duas vias, atingiu agora a sabedoria do
‘nada mais a aprender’. Agora, ao sentir gratidão ao Buda, ele entra no
Nirvana’.”

Então todos os Monges, indo ao Buda, disseram: “Oh Honrado pelo


Mundo! O Monge Vatsiputriya, solicitou-nos reportar a você que, ten-
do praticado as duas vias, ele atingiu a sabedoria do ‘nada mais a a-
prender’ e que, sentindo gratidão, entrará agora no Nirvana.”

O Buda disse: “O Brahmacarin Vatsiputriya agora atingiu a fruição do


Arhatship. Vá agora e faça oferecimentos às suas relíquias.”

Então os Monges, ao ouvirem essas palavras do Buda, foram para onde


o cadáver se encontrava e fizeram grandes oferecimentos.

O Brahmacarin Kasaya, então disse: “Oh Gautama! Você, Gautama, diz


que uma pessoa faz o que é bom e o não-bom inumeráveis vezes, e no
futuro adquire corpos novamente que são bons ou não-bons. Isto não
é assim porque, exatamente como você Gautama diz, uma pessoa
adquire um corpo através das impurezas. Se uma pessoa ganha seu
corpo, o que vem primeiro, o corpo ou a impureza? Se a impureza vem
primeiro, quem a cria e onde ela fica? Se o corpo vem primeiro, como
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 421
podemos dizer que a pessoa o adquire através das impurezas? Em
razão disto, se for dito que a impureza vem primeiro, isto não se ajusta
bem. Também, não é bom dizer que o corpo vem primeiro. Se for dito
que ambos surgem ao mesmo tempo, isto também não será correto.
Qualquer argumentação como do ‘antes’ e ‘depois’, ou de ‘ao mesmo
tempo’, não é aceitável. Assim, eu digo: ‘Todas as coisas têm a sua
própria natureza, não dependendo das relações causais’.

Também, além disso, oh Gautama! Dureza é a natureza da terra; umi-


dade é a natureza da água; calor é a natureza do fogo; movimento é a
natureza do vento; e não ser obstruído é a natureza do espaço. Essas
cinco naturezas são existências que não dependem de relações causais.
Se há no mundo não apenas uma coisa que não depende das relações
causais, deve ser assim com todas as outras coisas, também. Aquelas
(cinco naturezas) são existências que não estão baseadas nas relações
causais. Se for dito que tudo depende de uma única lei das relações
causais, por que é que as naturezas dos cinco elementos não depen-
dem da lei das relações causais?

Oh Gautama! Os seres ganham a emancipação desse corpo do bom e


não-bom com base em sua própria natureza, e não nas relações cau-
sais. Assim, eu digo: ‘Todas as coisas existem baseadas em sua própria
natureza e não em relações causais’.

Também, além disso, oh Gautama! As coisas do mundo têm seus pró-


prios lugares de uso. Por exemplo, se diz: ‘Tais e tais tipos de madeira
são para a fabricação de rodas, e tais e tais tipos são para a fabricação
de portas e bancos’.

Também, é como com o ourives, que chama o que é usado sobre a


testa de adorno para o cabelo, o que se coloca em torno do pescoço de
alguém de colar, o que é usado no braço de bracelete, e o que é usado
no dedo de anel. Como o lugar de uso é determinado, dizemos que a
natureza é determinada. Assim se dão as coisas com os seres, também.
Existem as naturezas dos cinco reinos. Portanto, temos o inferno, os
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 422
espíritos famintos, animais, humanos, e celestiais. Se as coisas são as-
sim, como podemos dizer que elas dependem de relações causais?

Também, além disso, oh Gautama! Cada ser tem uma natureza dife-
rente daquela dos outros. Esse é o porquê dizermos que todas as coi-
sas têm as suas próprias naturezas. A tartaruga é nascida sobre a terra,
mas facilmente vai para dentro da água; o bezerro, tão logo após o
nascimento, facilmente bebe o leite; o peixe vê a isca no anzol e espon-
tânea e avidamente a morde; a víbora, tão logo nasce, apoia-se (raste-
ja) sobre a terra. Quem ensina tais coisas? Quando um espinho apare-
ce, sua ponta é sempre aguda; as cores dos pássaros voando diferem
de uns para outros. Assim é com os seres do mundo. Há aqueles de
inteligência aguçada e aqueles que são deficientes, aqueles que são
ricos e aqueles que são pobres; há aqueles que são bem-afeiçoados e
aqueles que são feios; há aqueles que atingem a emancipação e aque-
les que ganham nascimento nos baixos estados. Disto, podemos saber
que há uma natureza para cada existência.

Também, além disso, oh Gautama! Se você diz que desejo, má-


vontade, e ignorância surgem das relações causais, e que esses três
venenos estão baseados nas relações causais e nos cinco campos dos
sentidos, a situação não é assim. Por que não? Quando alguém dorme,
está distante dos cinco campos dos sentidos. No entanto, lá surgem
desejo, má-vontade, e ignorância. Mesmo no útero, o caso é o mesmo.
Quando se emerge dele, não se pode sentir o bom e o não-bom dos
cinco campos dos sentidos. No entanto, lá surgem desejo, má-vontade,
e ignorância. Todos os Rishis e sábios vivem em lugares quietos e silen-
ciosos, e lá não existem os cinco campos dos sentidos. Mas, ainda há
desejo, má-vontade, e ignorância.

Também, uma pessoa, através dos cinco campos dos sentidos, adquire
não-desejo, não-ira, e não-ignorância. Por isso, todas as coisas não
necessariamente surgem devido às relações causais, mas devido à
natureza de cada coisa.

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 423


Também, além disso, oh Gautama! Vemos pessoas no mundo que
possuem grande riqueza e muita liberdade, mesmo sendo imperfeitas
nos cinco sentidos orgânicos; e aqueles que são pobres, inferiores, não
livres, servis a outras pessoas, tendo eles mesmos os cinco sentidos
orgânicos perfeitos. Se as coisas surgem das relações causais, como as
coisas acontecem assim? Por isso, dizemos que todas as coisas possu-
em as naturezas de si próprias, e não estão baseadas nas relações cau-
sais.

Também, além disso, oh Gautama! Crianças também não são esclare-


cidas quanto aos cinco sentidos orgânicos, mas elas riem e choram.
Quando sorrindo, elas sentem alegria, e quando chorando, sentem
tristeza. Em razão disto, podemos saber que todas as coisas têm a sua
própria natureza.

Também, além disso, oh Gautama! Há dois tipos de coisas no mundo,


as quais são: 1) o ‘é’, e 2) o ‘não-é’. O ‘é’ é o Vazio, e o ‘não-é’ é o cabe-
lo de uma tartaruga. Desses, o primeiro não depende das relações
causais por causa do ‘é’, e o outro não depende das relações causais
por causa do ‘não-é’. Assim, todas as coisas dependem da sua própria
natureza e não das relações causais.”

O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que é com todas as coisas
conforme é com as naturezas dos cinco grandes elementos. Mas isto
não é assim. Por que não? Você diz que os cinco grandes elementos
são eternos. Por quê? Todas as coisas são não-eternas. Se o que existe
no mundo é não-eterno, como podem esses cinco grandes elementos
não ser não-eternos? Se os cinco grandes elementos são eternos, tudo
o que existe no mundo também deve ser eterno. Portanto, quando
você diz que os cinco grandes elementos têm as suas próprias nature-
zas, que eles não dependem das relações causais, e que o caso de to-
das as coisas é como aquele dos cinco grandes elementos, isto não tem
base [verdadeira] para se sustentar. Oh bom homem! Você diz que
como há lugares onde (cada uma das) coisas se aplicam, (então) as
coisas devem ter naturezas de si próprias. Mas isto não é assim. Por
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 424
que não? Porque elas (as coisas) adquirem suas denominações através
das relações causais. Se um nome vem de uma causa, o significado
deve vir de uma causa. Por que dizemos que o nome vem através da
causa? O que é usado sobre a testa é chamado ornamento para a ca-
beça, o que é usado no pescoço é um colar, o quer é usado no braço é
um bracelete, e o que é usado numa carroça são rodas. Se o fogo
queima grama e plantas, falamos de fogo de grama e plantas. Oh bom
homem! Uma árvore, quando nasce, não possui a natureza da flecha
ou alabarda. Através das relações causais, o artesão a pega e faz fle-
chas; através das relações causais ele faz uma alabarda dela. Assim,
não podemos dizer que as coisas possuem naturezas de si próprias.

Oh bom homem! Você diz que a tartaruga nasce sobre a terra e que
por sua própria natureza ela vai para dentro da água; que o bezerro,
quando nasce, bebe o leite por sua própria natureza, e que as coisas se
procedem assim. Mas isto não é assim. Por que não? Se não for através
das relações causais que ela (a tartaruga) vai para dentro da água, não
há nada no mundo que seja baseado nas relações causais. Sendo as-
sim, por que é que ela não vai para dentro do fogo? O bezerro bebe
leite tão logo nasce. Se isto não for através das relações causais, não
pode haver nenhuma relação causal para falar a respeito. Por que ele
não mama no chifre?

Oh bom homem! Você diz que todas as coisas têm a sua própria natu-
reza-inata, que não há necessidade de aprender, e que não há desen-
volvimento. Mas isto não é assim. Por que não? Ora, há ensinamento e,
através desse ensinamento, há crescimento [desenvolvimento]. Por
isso, saiba que não existe natureza de si mesmo.

Oh bom homem! Se todas as coisas possuíssem a sua própria natureza


original, nenhum Brâmane necessitaria matar carneiro para rogar e
chegar a um corpo puro. Se uma pessoa roga em prol do seu próprio
eu, isto nos diz que ela não tem a natureza original de si própria.

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 425


Oh bom homem! Há três maneiras de falar, as quais são: 1) o desejo de
fazer algo, 2) o momento de fazê-lo, e 3) o feito completo. Se for o caso
que exista uma natureza de si próprio, como pode haver no mundo
essas três maneiras de falar? O fato de que existem essas três maneiras
de falar nos diz que não há natureza de si própria numa coisa.

Oh bom homem! Se você diz que todas as coisas têm a sua própria
natureza, saiba que todas as coisas devem ter uma natureza determi-
nada. Se há uma natureza determinada, como é que uma simples coi-
sa, a cana de açúcar, pode tornar-se suco, melaço, caramelo, licor, e
vinagre? Se há uma natureza única, como poderiam surgir essas coi-
sas? Se essas coisas surgem de uma única coisa, saiba que isto indica
que todas as coisas não podem ser determinadamente uma, e de natu-
reza única.

Oh bom homem! Se todas as coisas têm uma natureza determinada,


por que os sagrados não tomam o suco de cana de açúcar, o caramelo
e o melaço na ocasião de pegar o licor, e depois tomá-lo quando ele se
transformou em vinagre? Por essa razão, podemos saber que não há
natureza determinada. Se não há natureza determinada, como poderia
ser exceto através das relações causais?

Oh bom homem! Se todas as coisas têm uma natureza determinada,


como poderia haver qualquer base para analogias? Se há analogias,
isto nos diz: saiba que não existe natureza determinada em qualquer
coisa. Se houvesse uma natureza determinada, dever-se-ia saber que
não haveria analogias. Todas as pessoas sábias do mundo empregam
analogias. Saiba, então, que não pode haver natureza de uma coisa, e
não há natureza única.

Oh bom homem! Você indaga: ‘O quê vem primeiro, o corpo ou a im-


pureza’? Isto não se pode obter. Por que não? Se Eu digo que o corpo
vem primeiro, você também me reprovará e dirá que com você, bem
como comigo, o corpo não pode preceder. Por que você reprova as-
sim?
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 426
Oh bom homem! Não pode haver antes e depois no corpo dos seres.
As coisas acontecem ao mesmo tempo. Embora mantenham as mes-
mas relações temporais, o corpo vem devido às impurezas; não é que
haja impureza devido à existência do corpo. O que você faz é que uma
pessoa ganhe dois olhos ao mesmo tempo, e um não é a causa do ou-
tro, que o olho do lado esquerdo não depende do olho do lado direito,
e que o do lado direito não depende daquele do lado esquerdo. Caso
você diga que a situação é a mesma com a impureza e o corpo, Eu teria
que dizer que isto não é assim. Por que não? O que se obtém no mun-
do é que o olho vê que a mecha e a luz existem nas mesmas relações
temporais. A luz sempre depende da mecha, mas a mecha não depen-
de da luz.

Oh bom homem! Você pode dizer que o corpo existe antes; e que,
portanto, não existe causa sobre a qual falar. Mas isto não é assim. Por
que não? Se você pretende dizer que não há causa sobre a qual falar
em razão do fato de que o corpo surge primeiro e não há relações cau-
sais, então você não pode dizer que todas as coisas dependem da cau-
salidade. Você pode dizer que como você não vê, não há causa sobre a
qual falar. Mas agora vemos um vaso que surgiu das relações causais.
Por que não podemos dizer que o corpo surge como no caso do vaso
de barro?

Oh bom homem! Quer vejamos ou não, todas as coisas dependem das


relações causais, e não pode haver qualquer conversa sobre algo que
tenha sua natureza própria.

Oh bom homem! Se você diz que todas as coisas têm a sua própria
natureza, e que não há relações causais, como você pode explicar os
cinco grandes elementos? Esses cinco grandes elementos são nada
mais que o resultado (produto) de relações causais.

Oh bom homem! As cinco grandes relações causais também são assim.


Mas, não se pode dizer que todas as coisas são como as cinco grandes
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 427
relações causais. Podemos dizer que todas as pessoas retirantes-do-
mundo fazem esforços e defendem preceitos. Mas candalas também
fazem esforços e defendem preceitos.

Oh bom homem! Você diz que os cinco grandes elementos definitiva-


mente possuem uma natureza concreta. Mas, essa natureza muda.
Assim, Eu vejo que ela não é estática.

Oh bom homem! Manteiga, cera e cola devem ser terra (elemento


terra) de acordo com a sua maneira de pensar. O solo (terra) é indefi-
nido. É como água, ou igual ao solo? Assim, não podemos chamá-las de
algo concreto.

Oh bom homem! estanho, chumbo, zinco, cobre, ferro, ouro, e prata


teriam que ser fogo, de acordo com a sua maneira de pensar. O fogo
tem quatro qualidades. Quando ele flui, ele tem a natureza da água;
quando se move, tem a natureza do vento; quando aquece, tem a na-
tureza do fogo; e quando é sólido (brasa), tem a natureza da terra.
Como se pode estabelecer que ele possui definitivamente a natureza
do fogo [unicamente]?

Oh bom homem! A natureza da água é de fluidez. Mesmo quando a


água fica congelada, não a chamamos de terra. Se ainda é chamada
água (quando congelada), por que não a chamamos de vento quando
está se movendo? Se uma coisa, quando em movimento, não é cha-
mada vento, podemos chamar água de não-água quando está no esta-
do congelado? Se esses dois casos estão baseados nas relações causais,
como você pode dizer que todas as coisas não estão baseadas nas rela-
ções causais.

Oh bom homem! Os cinco sentidos orgânicos por natureza vêem, ou-


vem, sentem, sabem, e tocam. Podemos dizer que todos esses depen-
dem da sua natureza e não das relações causais. Mas isto não é assim.
Por que não? Oh bom homem! O que algo possui por natureza não
pode ser mudado. Se dissermos que o sentido orgânico dos olhos pode
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 428
realmente ver, ele deve sempre ser capaz de ver. Não poderá haver
qualquer caso onde ele veja e onde ele não veja. Por essa razão, po-
demos saber que ele realmente vê através de relações causais e que
isto não é através de não-relações causais.

Oh bom homem! Você diz que você adquire a cobiça das cinco poeiras
[isto é, os cinco campos sensoriais] e que uma pessoa não se torna
emancipada. Isto não é assim. Por que não? Oh bom homem! Uma
pessoa adquire desejo e se torna emancipada. Embora isto possa não
surgir das relações causais das cinco poeiras, a pessoa adquire desejo
devido aos maus sentidos do mundo, e ela ganha a emancipação atra-
vés dos bons sentidos do mundo. Oh bom homem! Através das rela-
ções causais internas, a pessoa adquire desejo e emancipação; através
das relações causais externas vem o crescimento. Assim, contraria a
razão dizer que as coisas têm as naturezas de si próprias, que uma
pessoa não adquire desejo dos das cinco poeiras, e que a pessoa alcan-
ça a emancipação.

Oh bom homem! Você diz que embora perfeita em todos os sentidos


orgânicos, uma pessoa tem pouca riqueza e não é livre; e que embora
carente em todos os sentidos orgânicos, outra pessoa tem riqueza
abundante e grande liberdade. Isto indica que dizer que uma coisa tem
sua própria natureza, e que não há relações causais sobre as quais
falar, não é correto. Por que não? Oh bom homem! Uma pessoa colhe
resultados através do carma. Há três tipos de resultados cármicos, a
saber: 1) fruição que surge nesta vida, 2) fruição que se colhe na pró-
xima vida, e 3) fruição que se colhe nas vidas posteriores. Pobreza,
grande riqueza, sentidos orgânicos perfeitos e imperfeição dos senti-
dos orgânicos surgem de carmas diferentes. Se houvesse alguma natu-
reza única de si próprio, aqueles perfeitos nos sentidos orgânicos teri-
am que ser ricos, e alguém que fosse rico teria que ser perfeito em
todos os seus sentidos orgânicos. Mas, as coisas não se procedem as-
sim. Por isso, podemos definitivamente saber que nunca pode haver
qualquer natureza determinada de si próprio, e que tudo tem origem
nas relações causais.
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 429
Oh bom homem! Você diz que uma criança não pode discriminar as
relações causais das cinco poeiras e, no entanto, ela chora e ri, e que
isto indica - você diz - que todas as coisas possuem a sua própria natu-
reza. Mas isto não é assim. Por que não? Se rir acontecesse por nature-
za [isto é, se o sorriso existisse baseado em uma natureza determina-
da], certo alguém sempre teria que estar sorrindo; se o choro estivesse
baseado em uma natureza, outrem sempre teria que estar chorando.
Não poderia haver sorriso em uma ocasião e choro em outra. Se al-
guém ri em certa ocasião, e chora em outra, isto nos diz – podemos
saber – que tudo está baseado nas relações causais. Por isso, você não
deveria dizer que todas as coisas possuem suas próprias naturezas, e
que relações causais nada têm a ver com isso.”

O Brahmacarin disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se todas as coisas


existem devido às relações causais, como pode esse corpo vir a ser?”

O Buda disse: “As relações causais desse corpo carnal estão baseadas
nas impurezas e no carma.”

Os Dois Lados e o Intermédio

O Brahmacarin (chamado Kasaya) disse: “Se esse corpo carnal está


baseado nas impurezas e no carma, podemos extirpar as impurezas e o
carma?”

O Buda disse: “É assim, é assim!”

O Brahmacarin ainda disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, seja
gentil o bastante para analisar e expor a mim, tal que eu possa real-
mente ouvir e imediatamente cortar as amarras.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 430


O Buda disse: “Oh bom homem! Se uma pessoa vem a saber que os
dois lados e o intermédio são desimpedidos [desobstruídos], essa pes-
soa de fato aparta-se das impurezas e do carma.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Agora sei e adquiri o Olho-do-Dharma cor-


reto.”

O Buda disse: “De que maneira você sabe?”

“Oh Honrado pelo Mundo! Os dois lados são ‘forma material’ e ‘eman-
cipação da forma material’, e o intermédio é o ‘Nobre Caminho Óctu-
plo’. Assim também se dá com o sentimento, percepção, volição, e
consciência.”

O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Agora você
veio a saber dos dois lados e cortar as impurezas e o carma.”

“Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, admita-me na ordem e permita-


me receber os preceitos!”

O Buda disse: “Bem vindo, oh Monge!”

Imediatamente ele extirpou as impurezas dos três mundos e alcançou


a fruição do Arhatship.

Então, havia um Brâmane chamado ‘Vasto-Vasto’, que disse: “Oh Gau-


tama! Você sabe o que tenho em minha mente?”

O Buda disse: “Oh bom homem! Nirvana é Eterno e o que é criado é


não-eterno. O que é distorcido são visões distorcidas, e o que é correto
é o Nobre Caminho (Óctuplo).”

O Brâmane disse: “Oh Gautama! Por que você fala assim?”

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 431


“Oh bom homem! O que você pensa é que pedir esmolas é eterno, e
ser-convidado-individualmente é não-eterno. O que é distorcido é fe-
char-se em si mesmo, e o que é correto é o estandarte imperial. Esse é
o porquê Eu digo: ‘Nirvana é Eterno; o que é distorcido são visões dis-
torcidas, e o que é correto é o Nobre Caminho Óctuplo’. Não é como
você pensa?”

O Portal do Grande Castelo

O Brâmane disse: “Oh Gautama! Você vê bem o que está em minha


mente. Esse Nobre Caminho Óctuplo possibilita aos seres atingir a ex-
tinção ou não?”

Então, o Honrado pelo Mundo permaneceu em silêncio e não respon-


deu.

O Brâmane disse: “Oh Gautama! Você vê bem a minha mente. Por que
você permanece em silêncio e não me responde?”

Então, Kaundinya disse: “Oh grande Brâmane! Se alguma pessoa inda-


ga sobre a finitude ou não-finitude do mundo, o Tathagata fica em
silêncio e não responde. O Nobre Caminho Óctuplo é o que é correto, e
Nirvana é o que é Eterno. Quando o Nobre Caminho Óctuplo é pratica-
do, atinge-se a extinção; se não, tal coisa não resulta.

Oh grande Brâmane! Por exemplo, um grande castelo tem quatro pa-


redes, onde não há aberturas, exceto por um portão. O guardião do
portão é sábio. Ele sabe a quem deixar passar e a quem impedir. Ele
pode não saber o número daqueles que vêm e vão, mas ele sabe que
quem entra tem que passar pelo portão. A situação é assim. Oh bom
homem! É o mesmo com o Tathagata. O castelo é Nirvana, o portão é o
Nobre Caminho Óctuplo, e o guardião do portão é o Tathagata. Oh
bom homem! Embora o Tathagata não responda [às questões dos

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 432


seres do mundo] sobre finito ou infinito, o que é não-eterno necessita
praticar o Nobre Caminho Óctuplo.”

O Brâmane disse: “Bem falado, bem falado, oh grandemente virtuoso


Kaundinya! O Tathagata realmente expõe o Dharma Todo-
Maravilhoso. Agora eu conheço o Castelo, e o Caminho para ele, e
desejo ser o Guardião-do-Portal.”

Kaundinya disse: “Bem falado, bem falado! Você agora aspira à Grande
Mente (do Bodhi).”

O Buda disse: “Não diga assim, não diga assim, oh Kaundinya! Não é o
caso que esse Brâmane agora aspira pela primeira vez à esta (Grande)
Mente. Há um longo, longo tempo atrás, no distante passado de incon-
táveis Budas, havia um Buda chamado ‘Tathagata Todo-Brilhante’,
Merecedor de Ofertas, Plenamente-Iluminado, Todo-Realizado, Bem-
Aventurado, Pleno-Conhecedor (de Conhecimento Correto e Univer-
sal), de Sabedoria Insuperável, Melhor Treinador, Mestre de Seres
Celestiais e Humanos, Buda, Honrado pelo Mundo. Essa pessoa [isto é,
esse Brâmane] já aspirou ao Insuperável Bodhichitta no lugar daquele
Buda. Ele agora atingirá o Estado de Buda nesse Bhadrakalpa. De há
muito, ele é versado no Dharma. Para o benefício dos seres, ele vive
como um tirthika, e apresenta-se como alguém não versado no Dhar-
ma. Por essa razão, Kaundinya, você não deve dizer: ‘Bem falado, bem
falado! Você agora aspira à Grande Mente’.”

Então, vendo tudo, o Honrado pelo Mundo disse a Kaundinya: “Ananda


está presente?”

Kaundinya disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Ananda está longe da


floresta das árvores sala, está distante 12 yojanas dessa congregação, e
está circundado por 64.000 bilhões de Maras. Todos esses Maras estão
se transformando no Tathagata. Eles dizem que todas as coisas surgem
das relações causais, ou que todas as coisas não surgem das relações
causais; ou dizem que todas as relações causais são eternas, ou que
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 433
tudo que surge das relações causais é não-eterno. Ou dizem que os
cinco skandhas são reais, ou que eles são falsos. Bem como os 18 rei-
nos e as 12 esferas. Ou eles dizem que há os 12 elos da interdependên-
cia, ou que há exatamente quatro relações causais, ou que todas as
coisas são como fantasmas ou visões, ou como miragens no verão; ou
eles dizem que o Dharma vem a alguém através da audição, ou que
alguém o adquire através do pensamento; ou falam sobre o usmagata,
murdhana, laukikagradharma, os estágios do aprendizado e ‘nada mais
a aprender’, ou sobre os dez estágios do Bodhisattva, do primeiro até o
décimo; ou eles falam sobre o Todo-Vazio, amorfia e não-ação; ou eles
falam sobre sutra, geya, vyakarana, gatha, udana, nidana, avadana,
itivrttaka, jataka, vaipulya, adbhutadharma, e upadesa; ou há aqueles
que falam sobre as quatro recordações, os quatro esforços corretos, os
quatro bem-estares, as cinco raízes, cinco poderes, sete elementos do
Bodhi, Nobre Caminho Óctuplo; ou eles podem falar sobre o Vazio
interno, o Vazio externo, o Vazio interno-externo, o Vazio do criado, o
Vazio do não-criado, o Vazio sem começo, o Vazio da natureza, o Vazio
da segregação, o Vazio da dispersão, o Vazio das características do eu,
o Vazio da amorfia, o Vazio dos skandhas, o Vazio das [12] esferas, o
Vazio dos [18] reinos, o Vazio do bom, o Vazio do não-bom, o Vazio do
indefinível, o Vazio do Bodhi, o Vazio do Caminho, o Vazio do Nirvana,
o Vazio da ação, o Vazio do que se obteve, o Vazio da Realidade Última,
o Vazio-Vazio, e o Grande Vazio. Ou eles podem mostrar milagres e
transformações. Seus corpos emitirem água e fogo; ou a água jorra da
parte superior do corpo e o fogo sai da parte inferior; ou de baixo jorra
água e de cima do corpo sai fogo. Ou a axila esquerda está quieta e a
axila direita jorra água; ou a axila direita está quieta e a axila esquerda
jorra água. Ou de uma axila trovões ecoam e agitam, e da outra axila a
chuva cai. Ou pode haver alguém que mostre os mundos de todos os
Budas; ou a cena do Bodhisattva quando ele aparece pela primeira vez
no Mundo e dá sete passos, vive nas profundezas do palácio, onde ele
desfruta uma vida dos cinco desejos, ou a cena na qual ele deixa o pa-
lácio e pratica austeridades, ou na qual ele avança em direção à Árvore
Bodhi, sentando-se sob ela em Samadhi, ou a cena na qual ele derrota
os exércitos de Maras, ou a cena na qual ele profere sermões, ou a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 434
cena na qual ele executa grandes milagres, ou onde ele entra no Nirva-
na.

Oh Honrado pelo Mundo! Ananda, vendo isto, pensa para si: ‘Não te-
nho visto tais milagres. Quem está fazendo tudo isto? Ou todos estes
(milagres) são do Buda Shakyamuni’? Ele deseja levantar-se, falar, mas
a ação não obedece a sua vontade. Isto é devido ao fato de que Anan-
da foi capturado nas armadilhas de Mara. Ele também pensa: ‘Tudo o
que esses Budas dizem não é o mesmo. A quais palavras eu deveria dar
ouvido agora’? Oh Honrado pelo Mundo! Ananda está sofrendo gran-
demente neste momento. Embora ele pense no Tathagata, ninguém
vem salvá-lo. Esse é o porquê ele não está aqui em meio aos congrega-
dos.”

Então, o Bodhisattva Mahasattva Manjushri disse ao Buda: “Oh Honra-


do pelo Mundo! Em meio a essa grande massa de pessoas congregadas
aqui, há muitos Bodhisattvas que aspiraram à Iluminação Insuperável
em uma vida, ou que têm aspirado ao Bodhichitta ao curso de inume-
ráveis vidas. Eles realmente fazem oferecimentos a inumeráveis Budas.
Sua mente é segura e firme (firmemente estabelecida), e eles praticam
desde o danaparamita até o prajnaparamita. De há muito, eles vêm (ao
lugar de) inumeráveis Budas, praticaram ações puras, e são não-
retroativos em seu Bodhichitta. Eles atingiram o estado de não-
retroação da cognição e chegaram ao avinivartaniya, são perfeitos na
cognição correta e estão no Samadhi Surangama. Essas pessoas ouvem
os Sutras Mahayana e não duvidam [deles]. Eles compreendem bem e
falam da unicidade dos Três Tesouros, e que sua natureza e caracterís-
ticas são Eternas e Imutáveis. Eles ouvem sobre coisas miraculosas,
mas suas mentes não se surpreendem e não se agitam. Eles ouvem
sobre muitos tipos de Vacuidade, e suas mentes não se tornam teme-
rosas. Eles compreendem claramente todos os tipos de Natureza do
Dharma. Eles defendem bem todos os 12 tipos de sutras e compreen-
dem os seus significados extensivamente. Também, eles ostentam os
12 tipos de sutras de todos os inumeráveis Budas. Como alguém pode-
ria estar apreensivo quanto a não ser capaz de ostentar e defender o
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 435
Sutra do Grande Nirvana? Por que é que você perguntou a Kaundinya
onde estava Ananda?”

Então, o Honrado pelo Mundo disse a Manjushri: “Ouça atentamente,


ouça atentamente! Oh bom homem! Desde quando atingi o Estado de
Buda, tenho vivido por mais de 30 anos em Rajagriha. Naquela ocasião,
Eu disse a todos os Monges: ‘Quem dentre todos aqueles que estão
congregados aqui pode ostentar e defender os 12 tipos de sutras do
Tathagata e atender ao que [o Buda] possa necessitar ter, e ainda as-
sim não perder seu próprio ganho (lucro)?

Naquela ocasião, Kaundinya era um daqueles na congregação, veio a


mim e disse: ‘Eu posso ostentar bem os 12 tipos de sutras, atender (o
Buda) em tudo que houver de ser, e ainda não perder o que posso
ganhar’.

Eu disse: ‘Oh Kaundinya! Você já está bastante avançado na idade.


Você deve usar alguém mais. Como você poderia esperar me servir’?

Então, Shariputra disse: ‘Certamente, eu posso ostentar todas as pala-


vras que o Buda fala, atender ao que ele necessita ter, e não perderei
qualquer lucro que possa auferir’.

Eu então disse: ‘Oh Shariputra! Você já está bastante velho. Use al-
guém mais. Como você pode desejar me servir’?

As coisas se procederam assim com os 500 Arhats. Eu não aceitei [de


nenhum deles]. Então, Maudgalyayana, estando em meio ao seu séqui-
to, pensou: ‘O Tathagata não aceita a assistência dos 500 Arhats. Quem
poderia ser que o Buda deseja ter’? Pensando assim, ele entrou em
dhyana e viu que a mente do Tathagata estava apontando para Anan-
da, exatamente como quando o sol surge e resplandece no horizonte
ocidental. Ao ver isto, ele se levantou do seu assento do dhyana [da
sua postura de meditação] e disse a Kaundinya: ‘Oh grandemente vir-
tuoso! Agora vi que o Tathagata deseja ter Ananda para assisti-lo’.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 436
Então Kaundinya, juntamente com os 500 Arhats, foi a Ananda e disse:
‘Oh Ananda! Você deve ir e servir o Tathagata. Aceite isto!’

Ananda disse: ‘Oh todos vocês virtuosos! Não posso servir bem o Ta-
thagata. Por que não? O Tathagata é austero, como o Rei dos Leões;
ele é como o dragão e o fogo. Eu sou ainda impuro e fraco. Como pos-
so realmente servi-lo’?

Todos os Monges disseram: ‘Você deve ouvir a nossa palavra e servir o


Tathagata. Você será abençoado com grande benefício’. Isto foi por
uma segunda e terceira vez.

Ananda disse: ‘Todos vocês grandemente virtuosos! Eu também não


busco qualquer grande benefício. Para dizer a verdade, não sou capaz
de servi-lo’.

Então Maudgalyayana disse novamente: ‘Oh Ananda! Você ainda não


sabe’?

Ananda disse: ‘Oh grande! Por favor, diga-me de quê’.

Maudgalyayana disse: ‘O Tathagata desejava ter um dentre nós, sacer-


dotes. Todos os 500 Arhats queriam conhecer o seu desejo. Mas o
Tathagata não o revelava. Então, eu sentei em dhyana e vi que o Ta-
thagata deseja que você seja esse alguém. Por que você não quer acei-
tar o posto’?

Ao ouvir isto, Ananda juntou suas mãos, prostrou-se no chão e disse:


‘Oh grandemente virtuosos! Se isto realmente ocorreu, agirei como
vocês desejam e o servirei, desde que o Tathagata me permita três
coisas’.

Maudgalyayana disse: ‘Quais são as três coisas’?

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 437


Ananda disse: ‘Primeiro, que o Tathagata me permitirá não aceitar –
caso ele queira dá-la a mim – qualquer roupa usada; segundo, que o
Tathagata me permitirá não acompanhá-lo quando ele receber convi-
tes privativos; e terceiro, que o Tathagata me permitirá liberdade de
movimento. Se o Tathagata permitir-me essas três coisas, estou pronto
para conceder com as palavras de todos vocês Sacerdotes’.

Então, Kaundinya e os 500 Monges voltaram a mim e disseram: ‘Persu-


adimos Ananda a aceitar, mas em conexão com isto, ele deseja que
três coisas lhe sejam permitidas. Se você permitir-lhe, ele seguirá as
palavras dos Sacerdotes [isto é, fará como eles lhe pediram]’.

Oh Manjushri! Eu então aplaudi Ananda e disse: ‘Bem falado, bem


falado, oh Monge Ananda! Você tem Sabedoria e procura se resguar-
dar [isto é, se proteger contra futuras contingências]’. Por que é assim?
Porque as pessoas podem dizer que ele serve o Tathagata por conta da
roupa e da comida que possa ganhar. Esse é o porquê ele não quer
receber roupas usadas, e porque ele não quer me acompanhar nas
ocasiões de quaisquer convites privativos que eu possa ter aceitado.

Oh Kaundinya! Ananda tem Sabedoria. Se ele fosse restringido no tem-


po, ele não teria tempo para conceder benefícios às quatro classes da
Sangha Budista. Esse é o porquê ele deseja que não haja um tempo
determinado para o seu serviço.

Oh Kaundinya! Eu aderi a esses três pedidos para o benefício de Anan-


da’.

Então Maudgalyayana voltou a Ananda e disse: ‘Eu implorei ao Buda


pelas três coisas que você desejava ter, e o Tathagata, pela sua grande
piedade, as consentiu’.

Ananda disse: ‘Oh grandemente virtuoso! Se o Buda concordou, irei e o


servirei’.

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 438


As Oito Maravilhas de Ananda

Oh Manjushri! Ananda serviu-me por mais de 20 anos e possui oito


maravilhas. Quais são as oito? Elas são: 1) por 20 anos, desde que ele
começou a me servir, ele nunca comeu uma refeição [na ocasião] de
qualquer convite privativo; 2) ele nunca mais aceitou roupas usadas; 3)
desde que ele começou a me servir, ele nunca veio a mim na hora er-
rada; 4) desde o tempo em que ele começou a me servir, ele teve opor-
tunidade de se associar com todos os [tipos de] reis, Kshatriyas, nobres,
e homens de grandes clãs, e se reunir com todos [os tipos] de fêmeas e
nagas fêmeas, e embora ele tenha impurezas, ele nunca mais se entre-
gou a pensamentos luxuriosos; 5) desde que ele começou a me servir,
ele tem ostentado os 12 tipos de sutras, e após ter ouvido algo certa
vez, ele nunca indagou-me a respeito [isto é, para repeti-lo] uma se-
gunda vez [isto é, ele relembra os ensinamentos que o Buda profere]. É
como entornar a água de [vários] recipientes em um único vaso, exceto
por uma única questão. Oh bom homem! O Príncipe Vidudabha matou
o povo do clã dos Shakyas [isto é, o clã do próprio Buda] e demoliu o
Castelo de Kapilavastu. Ananda, naquela ocasião, entristeceu e chorou.
Vindo a mim, ele disse: ‘Eu nasci junto com você nesse castelo, e sou da
tribo dos Shakyas. Como é que o Tathagata parece radiante como num
dia comum, e eu me sinto tão esgotado’? Eu então respondi: ‘Oh A-
nanda! Eu pratico o Samadhi do Vazio. Assim, não estou como você’.
Três anos se passaram, e ele veio a mim e indagou: ‘Oh Honrado pelo
Mundo! Em tempos passados, eu ouvi no Castelo de Kapilavastu que o
Tathagata praticava o Samadhi do Vazio. Isto é verdade ou não’? Eu
disse: ‘Oh Ananda! É assim, é assim! É exatamente como você diz’; 6)
desde o dia em que ele começou a me servir, ele ainda não adquiriu a
habilidade para ler a mente dos outros, mas ele sempre sabia em qual
dhyana eu estava; 7) desde o dia em que ele começou a me servir, ele
ainda não adquiriu o conhecimento [que o possibilitaria] de saber o
que ele deseja saber, [no entanto] ele sabia muito bem e dizia: ‘Tais e
tais pessoas vieram ao Tathagata, e tais e tais pessoas obtiveram agora
as quatro fruições do Shramana, e tais e tais pessoas as obterão depois,

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 439


tais e tais ganharam vida humana, e tais e tais ganharam o corpo celes-
tial’; 8) desde o seu [primeiro] dia servindo-me, ele compreendeu todas
as palavras não ditas (secretas) do Tathagata.

Oh bom homem! O Monge Ananda possui essas oito maravilhas. Esse é


o porquê Eu chamo Ananda de repositório da audição preciosa.

Oh bom homem! O Monge Ananda é perfeito nas oito coisas e assim


defende com perfeição os 12 tipos de sutras.

Quais são as oito? Elas são: 1) sua fé é forte, 2) sua mente é correta, 3)
seu corpo é sem doença ou dor, 4) ele faz esforços irremitentes, 5) [ele
é] perfeito na mente em oração, 6) sua mente não tem arrogância, 7)
[ele é] perfeito na mente determinada, e 8) através da audição [do
Dharma] o conhecimento surge.

Oh Manjushri! O discípulo e assistente do Buda Vipasyin era chamado


Asoka. Ele também era perfeito nessas oito coisas. O discípulo e assis-
tente do Tathagata Sikhin era chamado Samakara, o discípulo e assis-
tente do Buda Visvabuk era chamado Upasanta, o discípulo e assisten-
te do grande Buda Krakucchanda era chamado Bhadrika, o discípulo e
assistente do Buda Kanakamuni era chamado Sotei, e o discípulo e
assistente do Buda Kashyapa era chamado Yobamitta. Todos eles pos-
suíam essas virtudes. Esse é o porquê Eu digo que Ananda é o repositó-
rio da audição preciosa.

Oh bom homem! Exatamente como você diz, há em meio àqueles aqui


congregados inumeráveis Bodhisattvas. Mas, como esses Bodhisattvas
têm pesadas tarefas a cumprir, tais como as obras de Grande Amor-
Benevolente e Grande Compaixão, inevitavelmente eles têm ocupado
as suas horas para trabalhar, treinar os séquitos, e adornar os seus
próprios corpos. Assim, após a minha entrada no Nirvana, eles não
serão capazes de expor os 12 tipos de sutras. Ou pode haver Bodhisatt-
vas que possam propô-los, mas as pessoas não acreditarão no que eles
disserem.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 440
Oh Manjushri! O Monge Ananda é meu irmão mais jovem [Ananda, de
fato, é primo do Buda, mas é aqui chamado de seu irmão para transmi-
tir um sentido de familiaridade – K. Yamamoto]. Desde o dia em que
ele começou a me servir, 20 anos se passaram. Mas ele lembra o que
ouviu, como a água guardada num vaso. Por essa razão, Eu procuro por
Ananda e quero saber onde ele pode estar. E eu desejo confiar esse
Sutra do Nirvana a ele.

Oh bom homem! Quando Eu me for, o que Ananda não ouviu será


exposto pelo ‘Bodhisattva Vasto-Vasto’; o que Ananda ouvir será pro-
mulgado pelo próprio Ananda.

Oh Manjushri! Ananda está agora distante 12 yojanas dessa congrega-


ção e está circundado pelos 64.000 bilhões de Maras. Apresse-se, vá
agora, e diga alto: ‘Oh todos vocês Maras! Ouçam atentamente, ouçam
atentamente! O Tathagata agora pronuncia um grande Dharani [en-
cantamento]. Todos os devas, nagas, gandharvas, asuras, garudas,
kimnaras, mahoragas, humanos, não-humanos, deuses-das-
montanhas, deuses-das-árvores, deuses-dos-rios, deuses-dos-mares, e
deuses-das-casas! Ouçam esse Dharani! Não há quem não respeite e
defenda (mantenha em observância) isto. Esse Dharani é o que todos
os Budas, tão inumeráveis quanto às areias de dez Rios Ganges, ex-
põem. Isso realmente mudará a forma feminina e permitirá a alguém
ler a sua própria sorte (destino). Se qualquer pessoa recebe [isto é,
pratica] bem as cinco coisas, a saber: 1) ações puras, e abstenção de: 2)
carne, 3) álcool, 4) condimentos, e 5) residir em quietude com felicida-
de; e após tornar-se perfeita nessas cinco coisas, acreditar nesse Dha-
rani, recitá-lo, e escrevê-lo, saiba que essa pessoa pode realmente
descartar os 77 bilhões de corpos mal-agourados’.

Então, o Honrado pelo Mundo falou assim: ‘Amarei bimarei nemarei


bakyarei keimaranyakappi sanmanabaddai shabatashadanni baramata-
shadanni manashi asettai hiragi anraraitei baranmi baranmasharei
fumi funamanuraitei’.”
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 441
Então, Manujushri, tendo sido incumbido com esse Dharani, foi para
onde Ananda se encontrava e, em meio aos Maras, disse: “Oh vocês
Maras e seguidores! Ouçam bem o Dharani que recebi do Buda e que
pronunciarei agora”. O Rei Mara, ao ouvir isto, aspirou à Iluminação
Insuperável e, abandonando as más ações, libertou Ananda. Manjushri,
acompanhado por Ananda, retornou ao Buda. Ananda, ao ver o Buda,
prestou-lhe as mais sinceras homenagens, recuou e tomou assento a
um lado.

O Buda disse a Ananda: “Nesta floresta de árvores sala, há um Brahma-


carin chamado Subhadra, que está com 120 anos de idade. Ele possui
os cinco poderes miraculosos. Mas, ele ainda não deixou a arrogância
[isto é, ainda não a superou]. Ele atingiu o estágio do dhyana da Irrefle-
xão-não-Irreflexão (‘Thoughtlessness’ é consciência sem obstruções,
sem distinções e sem apegos, que permeia todas as coisas). Ele chegou
ao Pleno-Conhecimento e tem uma imagem mental do Nirvana. Vá até
ele e diga: ‘O aparecimento do Buda no mundo é como aquele (da
floração) da Udumbara. À meia-noite, ele atingirá o Parinirvana. Se
você deseja agir, aja imediatamente. Não tenha remorso nos dias futu-
ros’! Oh Ananda! Ele acreditará no que você diz. Por quê? Porque, no
decorrer de 500 anos, você foi certa vez filho de Subhadra. A mácula da
mente amorosa ainda não o deixou. Por essa razão, ele acreditará no
que você diz.”

Então, ao ouvir essas palavras do Buda, Ananda foi até Subhadra e


disse: “Saiba que o Tathagata aparece no mundo tão raramente quan-
to à [floração da] Udumbara. Esta noite ele entrará no Nirvana. Se você
deseja agir, faça-o de acordo com a ocasião. Não tenha qualquer re-
morso nos dias futuros.”

Subhadra disse: “Bem falado, oh Ananda! Irei agora para o lugar do


Tathagata.”

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 442


Então Ananda voltou para o lugar do Buda, acompanhado por Subha-
dra.

Então, ao chegar, Subhadra falou assim: “Oh Gautama! Agora desejo


colocar uma questão. Responda-me conforme eu perguntar.”

O Buda disse: “Oh Subhadra! Agora é a hora. Irei responder-lhe. Em-


pregarei os meios e lhe responderei.”

“Oh Gautama! Todos os Shramanas e Brâmanes dizem: ‘Todos se de-


param com retribuições cármicas; elas são tristes ou felizes; e tudo vem
daquilo que se fez antes. Por isso, se alguém defende os preceitos mo-
rais, faz esforços, e sofre dores física e mentalmente, isso aniquilará o
carma original. Quando o carma original acaba, todo o sofrimento aca-
ba. Ao fim do sofrimento, o resultado é Nirvana’. O que você pensa
disto?”

“Oh bom homem! Se houver quaisquer Shramanas ou Brâmanes, sen-


tirei piedade e irei a eles. Ao chegar, eu indagarei: ‘Vocês falam assim’?
Se eles disserem: ‘Não falamos isto. Por quê? Oh Gautama! Vemos
todas as pessoas que cometem todos os tipos de maldades e que [no
entanto] são ricas, e agem como bem entendem. E pessoas que são
muito pobres, embora façam o bem. Ou pessoas que não buscam, mas
que de alguma forma [no entanto] ganham coisas. Ou há pessoas que
têm compaixão e não matam, e ainda assim morrem num momento
inoportuno. Ou pessoas que se divertem matando, e que ganham lon-
ga vida. Ou há aqueles que praticam ações puras, que fazem esforços e
observam os preceitos, e que ganham ou não Emancipação. Esse é o
porquê nós dizemos que todas as pessoas sofrem de tristezas ou são
abençoadas com felicidade devido ao carma original que elas geraram
no passado’.

Oh Subhadra! Agora indagarei: ‘Você vê ou não o carma do passado?


Se existe esse carma, é muito ou pouco? A penitência que se sofre não
aniquila o sofrimento de alguma forma? Nós sabemos ou não se esse
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 443
carma morreu ou não? Tudo acaba quando esse carma acaba’? A pes-
soa deve dizer: ‘Eu realmente não sei’. Farei uso de uma parábola. ‘Su-
ponha, por exemplo, que um homem é atingido por uma flecha enve-
nenada. As pessoas da casa chamam um médico, de forma que a flecha
seja extraída. Uma vez que a flecha tenha sido removida, o corpo [do
homem] fica em paz. Dez anos depois, a pessoa ainda lembra o acon-
tecido muito claramente: ‘Esse médico extraiu a flecha envenenada
para mim, tratou-me com remédios, e agora desfruto de paz’. Você
não sabe o carma passado. Como pode saber se a penitência à qual se
submeteu acabou com o carma feito no passado? Ou a pessoa pode
bem dizer: ‘Oh Gautama! Ora, você próprio tem retribuições cármicas
do passado. Por que você me reprovaria por conta do meu carma pas-
sado? Nos próprios sutras de Gautama, se fala a respeito dessas coisas.
Você diz: ‘Se alguém vê uma pessoa rica e nobre, e uma pessoa que
desfruta de liberdade, saiba-se que realmente aquela pessoa fez gran-
des oferecimentos nas vidas passadas’. Você não diz que elas (as pes-
soas) são os carmas do passado’? Eu responderei: ‘Todo esse conheci-
mento é comparativo e não é algo que seja verdadeiro. No ensinamen-
to Budista da minha casa, há o caso do conhecimento do resultado da
causa, ou a causa do resultado. No nosso ensinamento Budista, fala-
mos do carma de uma vida passada e desta presente vida. Com vocês
(Brahmacarins) não é assim. O que existe é o carma passado, mas não
o carma do presente. Sua [doutrina] não manipula o carma por conve-
niência. Conosco não é assim. Vemos o carma através dos olhos dos
meios expedientes. Com vocês, se chegam ao fim do carma, o sofri-
mento chega a um fim. Mas conosco, isto não é assim. Quando as im-
purezas se vão, o sofrimento do carma termina. Esse é o porquê Eu
critico o carma do passado sobre o qual você fala’. Se a pessoa diz: ‘Oh
Gautama! Para dizer a verdade, não tenho conhecimento sobre isto –
recorrerei ao meu mestre. Meu mestre diz assim: Eu não estou para ser
censurado’. Então eu direi: ‘Quem é seu mestre’? Se a pessoa diz: ‘Ele é
Purana’, Eu então direi: ‘Por que você não pergunta a cada um dos seus
mestres se eles conhecem o carma do passado? Se o seu mestre disser
que ele não conhece, por que você deveria recorrer à sua palavra [isto
é, acreditar no que ele ensina sobre o carma]? Se ele disser que conhe-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 444
ce, você deveria perguntar se as relações causais do sofrimento do
grau mais baixo evocam as relações causais do sofrimento do grau
superior, ou se as relações causais do sofrimento do grau médio evo-
cam ou não aquelas do sofrimento do grau mais baixo ou do sofrimen-
to do grau superior. Ou indague se as relações causais do grau superior
levam ao sofrimento dos graus médio e baixo. Se não, você bem pode
indagar: ‘Como você, mestre, pode dizer que o resultado da felicidade
ou sofrimento reside apenas no passado e não no presente? Também,
você poderia indagar se o sofrimento do presente existe ou não no
passado? Se estiver no passado, deve ser o caso que o carma do passa-
do está acabado agora. Se estiver acabado, como é possível para uma
pessoa colhê-lo na presente vida? Se for o caso que não há passado,
mas o que existe é meramente o presente, como pode alguém dizer
que o sofrimento e a felicidade dos seres vêm do carma passado? Se
você sabe que a penitência na vida presente pode realmente aniquilar
o carma da vida passada, como se pode aniquilar a penitência [sofri-
mento] da vida presente? Se não for aniquilado, o sofrimento deve ser
eterno. Se o sofrimento for eterno, como se pode dizer que se atinge a
Emancipação do sofrimento? Se o que se faz aniquila o sofrimento,
então o passado já se foi. Como pode haver qualquer sofrimento?

Oh você! A penitência faz o carma da felicidade colher o fruto do so-


frimento? Também, o carma do sofrimento pode fazer alguém colher o
fruto da felicidade? O carma do não-sofrimento e da não-felicidade
torna-se a fruição do não-recebimento? É possível que qualquer resul-
tado que se tenha para colher agora, torne-se algo a ser colhido na vida
futura ou não? É possível ou não que o que se está para colher na pró-
xima vida possa ser colhido nesta vida? É possível ou não fazer com
que esses dois resultados cármicos sejam de não-retorno? É possível
ou não? É possível ou não tornar um retorno cármico que seja definido
em um que seja indefinido? É possível tornar um retorno indefinido em
um que seja definido?’ Se ele diz: ‘Oh Gautama! Não é possível’, Eu
direi novamente: ‘Oh você! Se não é possível, por que você deve sofrer
penitência? Você deve saber bem que há casos onde o carma passado
constitui a relação causal do presente. Esse é o porquê Eu digo que o
Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 445
carma surge das impurezas e que através do carma uma pessoa encon-
tra a recompensa. Oh você! Saiba que todos os seres têm carma do
passado e a causa do presente. Embora os seres tenham o carma da
vida passada, eles têm que depender das relações causais do alimento
na presente vida. Oh você! Pode-se dizer que os seres sofrem as afli-
ções e são abençoados com felicidade, e que tudo está definitivamente
baseado nas causas cármicas originais da vida passada. Mas a situação
não é assim. Por que não? Oh você! Por exemplo, é como quando uma
pessoa acaba com o inimigo do Rei, em conseqüência do que ela ganha
um tesouro e é abençoada com felicidade na vida presente. Essa pes-
soa gera a causa da felicidade nesta presente vida e colhe a recompen-
sa da felicidade nesta presente vida. Por exemplo, isto é análogo a um
homem que mata o filho do Rei e através disto perde sua vida. Essa
pessoa engendra a causa do sofrimento agora, e colhe a retribuição
cármica nesta presente vida. Oh você! Todos os seres, agora nesta
presente vida, encontram o sofrimento e a felicidade dos quatro gran-
des elementos, as estações, a terra, e o povo. Esse é o porquê Eu digo
que todos os seres não colhem necessariamente o sofrimento e a feli-
cidade principalmente do seu carma passado. Oh você! Se uma pessoa
pode chegar à Emancipação através das relações causais de cortar o
carma, poderíamos dizer que todos os sábios não podem alcançá-la.
Por que não? Porque o carma original dos seres não tem início e nem
fim. Esse é o porquê Eu digo que quando se pratica a Via Sagrada, essa
Via realmente acaba com o carma que não tem cabeça nem cauda.

Por que Dominar a Mente

Oh você! Se alguém alcançasse o Caminho através da penitência [práti-


ca de austeridades], todos os animais deveriam atingi-lo. Esse é o por-
quê alguém primeiro subjuga a mente e não o corpo. Por isso, Eu digo
no meu sutra que se deve derrubar a floresta, mas não a árvore. Por
quê? Da floresta, adquire-se medo, mas não da árvore. Se uma pessoa

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 446


deseja ajustar o seu corpo, ela deve primeiro ajustar a mente. A mente
é a floresta, e o corpo é a árvore. Assim devemos comparar as coisas.”

O Bhagavat [O Abençoado, o Buda] disse: “Nobre filho, como você


treinou/disciplinou sua mente previamente?”

Subhadra respondeu: “Bhagavat, eu refleti intensamente sobre o fato


de que o [Reino do] Desejo é impermanente, desagradável, e total-
mente impuro; e percebi que o [Reino da] Forma é permanente, agra-
dável, e totalmente puro. Tendo assim compreendido, eu cortei os
kleshas (obstáculos, aflições) do Reino do Desejo e atingi a esfera da
forma [ayatana]. Dessa maneira, eu treinei / disciplinei previamente a
minha mente.

Então, quando eu investiguei o [Reino da] Forma, eu percebi que a


forma é impermanente e é como uma ferida, uma úlcera, veneno, ou
um espinho. Eu vi que o [Reino da] Amorfia é permanente, puro e pací-
fico. Ao compreender isto, eu cortei os kleshas do Reino da Forma e
atingi a esfera da Amorfia. Dessa maneira, eu trenei / disciplinei previ-
amente a minha mente.

Então, quando eu investiguei a ideação [samjna = formação da idéia,


concepção], eu compreendi que ela é impermanente e é como uma
ferida, uma úlcera, veneno, ou um espinho; e atingi o Samadhi da esfe-
ra da nem-ideação-nem-não-ideação [naivasa-njaanasa-njaa]. [Eu
compreendi que] a esfera da nem-ideação-nem-não-ideação é plena-
sabedoria onisciente [sarvajna-jnana], pacífica, pura, irreversível e
imutável. Dessa maneira, eu treinei / disciplinei previamente a minha
mente.”

O Bhagavat disse: “Nobre filho, como você treinou / disciplinou a sua


mente? O que você atingiu é o Samadhi da esfera nem-ideação-nem-
não-ideação, mas aquilo ainda é ideação. Se Nirvana é desprovido de
ideação, por que você chama isto de ‘Nirvana’? Nobre filho, se você

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 447


previamente desdenhou a ideação grosseira, por que você está preso à
ideação sutil, não sabendo que ela é inferior?

Mesmo que a esfera da nem-ideação-nem-não-ideação pudesse ser


chamada ‘ideação’. Ela também é como uma ferida, uma úlcera, vene-
no, ou um espinho. Nobre filho, embora o seu mestre, Udraka-
Ramaputra, tenha faculdades aguçadas e seja prudente, ele adora a
esfera da nem-ideação-nem-não-ideação. Se ele ainda está incorpora-
do num corpo de baixo-grau, que necessidade há de dizer algo mais!”

Subhadra indagou: “Como se corta toda a existência [do Samsara]?”

O Bhagavat respondeu: “Nobre filho, se qualquer indivíduo se empe-


nha na verdadeira / real ideação, toda a existência [do Samsara] será
cortada.”

Subhadra indagou: “Bhagavat, como se deve conhecer a verdadeira /


real ideação?”

“Nobre filho, a ideação da não-ideação deve ser conhecida como a


verdadeira / real ideação.”

“Bhagavat, como deve ser conhecida a ideação da não-ideação?”

“Nobre filho, todos os fenômenos [dharmas] são destituídos dos pró-


prios atributos /características que os definem [lakshanas], são destitu-
ídos dos atributos que definem o que é o outro, e são destituídos de
ambos, dos seus próprios atributos de definição e os dos outros. Eles
são destituídos dos atributos de definição do ser sem causa, destituídos
dos atributos de definição do resultado, destituídos dos atributos de
definição de ser um experimentador, destituídos dos atributos de defi-
nição de ser uma entidade / coisa [dharma], e destituídos dos atributos
de definição de não-ser uma entidade / coisa. Eles são destituídos dos
atributos de definição de macho e fêmea, destituídos dos atributos de
definição de um ser humano, são destituídos dos atributos de definição
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 448
de um átomo, destituídos dos atributos de definição de um tempo e
estação. Eles são destituídos dos atributos de definição de ter sido feito
por si mesmo, destituídos dos atributos de definição de ser feito por
outro, destituídos dos atributos de definição de ser feito por ambos,
por si mesmos e por outros. Eles são destituídos dos atributos de defi-
nição da existência, e são destituídos dos atributos de definição de não-
existência; eles são destituídos dos atributos de definição de ser um
produtor, e são destituídos dos atributos de definição de ser um produ-
to. Eles são destituídos dos atributos de definição da causa, e são desti-
tuídos dos atributos de definição de ser uma causa secundária; eles são
destituídos dos atributos de definição do resultado, e são destituídos
dos atributos de definição de um resultado secundário. Eles são desti-
tuídos dos atributos de definição do dia e da noite, são destituídos dos
atributos de definição da luz e da escuridão. Eles são destituídos dos
atributos de definição do que é visto, e são destituídos dos atributos de
definição de ser um vidente; eles são destituídos dos atributos de defi-
nição do que é ouvido, e são destituídos dos atributos de definição de
ser um ouvinte; eles são destituídos dos atributos de definição do que
é sentido e conhecido, e são desprovidos dos atributos de definição de
ser um sensor (que sente) e um conhecedor. Eles são destituídos dos
atributos de definição do desperto [bodhi] e são destituídos dos atribu-
tos de definição de ser alguém que atinge o despertar. Eles são destitu-
ídos dos atributos de definição do carma, e destituídos dos atributos de
definição de ser alguém responsável pelo carma; eles são destituídos
dos atributos de definição do klesha [obstáculo: atitude mental ou
comportamental negativa], e destituídos dos atributos de definição de
ser alguém que é responsável pelos kleshas. Nobre filho, onde os lak-
shanas [atributos de definição] são extintos é denominado lakshana
verdadeiro / real.

Nobre filho, todos os dharmas (fenômenos) são não verídicos. Onde


eles são extintos é denominado o Verdadeiro / Real, a verdadeira idea-
ção, o Dharmadhatu [o reino Todo-Abrangente da Realidade Última], a
Culminância do Conhecimento [nistha-jnana], Realidade Última [para-

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 449


martha-satya], Vacuidade Última [paramartha-sunyata = Abertura
completa e Não-Obstrução por quaisquer limitações ou limites].

Nobre filho, se alguém se empenha na lakshana [ou ‘ideação’?], no


Dharmadhatu, na Culminância do Conhecimento [nistha-jnana], na
Realidade Última, na Vacuidade Última com um insight inferior [praj-
na], esse alguém atingirá o despertar dos Sravakas; com um insight de
médio grau, [atingirá o despertar do] Pratyekabuda, e se com o Insight
do Grau-Superior, atingirá o Despertar Insuperável.

Quando esse Dharma foi proferido, 10.000 Bodhisattvas atingiram a


imagem mental real de uma vida, um milhão e quinhentos (mil) Bodhi-
sattvas atingiram o Dharmadhatu de duas-vidas, dois milhões e qui-
nhentos (mil) Bodhisattvas atingiram o Conhecimento Ultimado, e
3.500 Bodhisattvas despertaram para a Realidade Última. Essa Realida-
de Última é também Paramartha-Sunyata, e também o Samadhi Su-
rangama. Quarenta e cinco mil Bodhisattvas atingiram o Samadhi do
Todo-Vazio. Esse Samadhi do Todo-Vazio é também chamado de Sa-
madhi Vasto e Grande, e Samadhi do Conhecimento-Impressão. Cin-
quenta e cinco mil Bodhisattvas atingiram a cognição da não-retroação.
Esse Samadhi da não-retroação é a cognição do Dharma-Desperto, e
também o mundo do Dharma-Desperto. Sessenta e cinco mil Bodhi-
sattvas atingiram o Dharani. Esse Dharani é também a Mente da Gran-
de-Oração, e é também o Conhecimento Desobstruído. E setenta e
cinco mil Bodhisattvas atingiram o Samadhi do Rugido do Leão. Esse
Rugido do Leão é também chamado Samadhi Adamantino, e também
Samadhi dos Cinco-Conhecimentos-Impressão. Oitenta e cinco mil
Bodhisattvas atingiram o Samadhi Todo-Igual. Esse Samadhi Todo-Igual
é também chamado de Grande Amor-Benevolente e Grande Compai-
xão. Seres tão numerosos quanto os grãos de areia de incontáveis (Ri-
os) Ganges aspiraram ao Insuperável Bodhichitta [Mente Desperta];
seres tão numerosos quanto os grãos de areia de incontáveis Ganges
aspiraram à mente do Pratyekabuda, e seres tão numerosos quanto os
grãos de areia de inumeráveis Ganges aspiraram à mente do Sravaka.
Dois milhões de bilhões de mulheres dos mundos dos humanos e ce-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 450
lestiais descartaram a sua forma feminina e tornaram-se machos. Su-
bhadra atingiu o Arhatship.

Para praticar com alegria.

Capítulo 46: Sobre Kaundinya 2 Página 451


Índice do Tomo IV

CAPÍTULO TRINTA E TRÊS: SOBRE O BODHISATTVA......................................... 3


RUGIDO DO LEÃO 1............................................................................................ 3
O RUGIDO DO LEÃO ..................................................................................................3
OS PASSOS DO LEÃO .................................................................................................5
NATUREZA DE BUDA..................................................................................................8
OS TRÊS CAMINHOS ............................................................................................... 10
A VISÃO DOS 12 ELOS DA INTERDEPENDÊNCIA ........................................................... 13
A ILUMINAÇÃO INSUPERÁVEL FINAL DE TODOS OS SERES............................................. 14
O ABSOLUTO......................................................................................................... 16
O SAMADHI SURANGAMA....................................................................................... 16
A NATUREZA DE BUDA DE TODOS OS SERES............................................................... 17
EU ....................................................................................................................... 18
CORES À LUZ DO DIA .............................................................................................. 19
OS DOZE ELOS DO SURGIMENTO INTERDEPENDENTE .................................................. 21
A GRAMA DOS HIMALAYAS ..................................................................................... 23
DESEJAR POUCO E SENTIR-SE SATISFEITO .................................................................. 28
OS TRÊS TIPOS DE DESEJO ....................................................................................... 28
QUIETUDE............................................................................................................. 30
O ESFORÇO PARA O MAHAPARINIRVANA .................................................................. 31
NUM LUGAR SOLITÁRIO E QUIETO ........................................................................... 33
VISÃO E AUDIÇÃO SOBRE A NATUREZA DE BUDA ........................................................ 36
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO: SOBRE O BODHISATTVA ................................ 39
RUGIDO DO LEÃO 2.......................................................................................... 39
A VISÃO DO TATHAGATA......................................................................................... 39
OS PRECEITOS DO BODHISATTVA.............................................................................. 44
POR QUE DEFENDER PRECEITOS .............................................................................. 45
SOBRE VER O TATHAGATA E A NATUREZA DE BUDA .................................................... 50
VER O QUE TEMOS EM COMUM .............................................................................. 56
A CAUSA E A CONDIÇÃO DO INSUPERÁVEL BODHI....................................................... 65
SANGHA É HARMONIA ............................................................................................ 66
TREZE FATORES CONDUCENTES À RETROAÇÃO DO BODHISATTVA ................................. 67
SEIS FATORES QUE DESTROEM A MENTE DO BODHI.................................................... 67
A MENTE QUE NÃO RETROAGE ............................................................................... 68

Índice Página 453


PARÁBOLA DA FONTE LÍMPIDA ................................................................................. 71
DE VOLTA À MONTANHA DOS SETE TESOUROS .......................................................... 73
O AVAIVARTIKA...................................................................................................... 73
CAPÍTULO TRINTA E CINCO: SOBRE O BODHISATTVA .....................................79
RUGIDO DO LEÃO 3 ..........................................................................................79
A ESTAMPA E O BARRO ........................................................................................... 79
A EXTINÇÃO DOS CINCO SKANDHAS .......................................................................... 81
OS PILARES DO SAMSARA ........................................................................................ 82
AS OITO ANALOGIAS............................................................................................... 84
A Analogia Progressiva ................................................................................ 84
A Analogia Reversa ...................................................................................... 85
A Analogia Real ............................................................................................ 85
A Não-Analogia ............................................................................................ 86
A Analogia Precedente ................................................................................. 86
A retro Analogia ........................................................................................... 87
A Analogia Retro-Precedente ...................................................................... 87
A Analogia Inter-Penetrante........................................................................ 87
A ANALOGIA DA LUZ ............................................................................................... 88
A PRÁTICA DA VIA .................................................................................................. 90
COMO PRATICAR PRECEITOS, SAMADHI E SABEDORIA ................................................. 92
Como Praticar Preceitos............................................................................... 93
Como Praticar Samadhi ............................................................................... 93
Como Praticar Sabedoria ............................................................................. 94
SHILA, OS PRECEITOS DE MORALIDADE ..................................................................... 95
CAPÍTULO TRINTA E SEIS: SOBRE O BODHISATTVA.........................................97
RUGIDO DO LEÃO 4 ..........................................................................................97
POR QUE PRATICAMOS ........................................................................................... 98
A ÁRVORE BODHI ................................................................................................. 100
A HISTÓRIA DO CASTELO DE KUSHINAGAR ............................................................... 102
A HISTÓRIA DO CASTELO DE KAPILAVASTU ............................................................... 105
A HISTÓRIA DO MONASTÉRIO DE JETAVANA............................................................. 109
CAPÍTULO TRINTA E SETE: SOBRE O BODHISATTVA......................................111
RUGIDO DO LEÃO 5 ........................................................................................111
O MENINO INSUPERÁVEL ...................................................................................... 116

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 454


O FILHO DO FOGO ............................................................................................... 117
AS ONZE VIRTUDES DA LUA-CHEIA ......................................................................... 127
O ADORNO DAS ÁRVORES SALA GÊMEAS ................................................................ 128
A CAVERNA DO PROFUNDO DHYANA...................................................................... 135
O SAMADHI DA AMORFIA ..................................................................................... 136
CAPÍTULO TRINTA E OITO: SOBRE O BODHISATTVA .................................... 143
RUGIDO DO LEÃO 6........................................................................................ 143
QUANDO SE PRATICA MEDITAÇÃO ......................................................................... 145
MEDITAÇÃO E CONHECIMENTO DO BODHISATTVA.................................................... 145
TEMPO CORRETO ................................................................................................. 147
Para a Prática da Meditação .................................................................... 148
Para a Prática da Sabedoria ...................................................................... 148
Para a Prática da Equanimidade .............................................................. 148
AS DEZ VIRTUDES DO BODHISATTVA....................................................................... 150
Fé ................................................................................................................. 150
Preceitos ..................................................................................................... 150
Amizade com Bons Amigos da Via ........................................................... 152
Quietude ..................................................................................................... 152
Esforço ........................................................................................................ 152
Memória ..................................................................................................... 152
Gentileza ..................................................................................................... 153
Proteção do Dharma.................................................................................. 153
Doação ........................................................................................................ 153
Sabedoria .................................................................................................... 153
CARMA DETERMINADO E INDETERMINADO ............................................................. 158
A RETRIBUIÇÃO CÁRMICA DO BODHISATTVA............................................................ 158
PALAVRA VERDADEIRA.......................................................................................... 161
DOIS TIPOS DE PESSOAS........................................................................................ 165
O CORPO E O FOGO ............................................................................................. 170
A PRÁTICA DO CORPO .......................................................................................... 172
A PRÁTICA DOS PRECEITOS .................................................................................... 173
A PRÁTICA DA MENTE .......................................................................................... 173
A PRÁTICA DA SABEDORIA ..................................................................................... 174
FUGA DO INFERNO ............................................................................................... 177
CAPÍTULO TRINTA E NOVE: SOBRE O BODHISATTVA ................................... 179
RUGIDO DO LEÃO 7........................................................................................ 179
Índice Página 455
SETE TIPOS DE PESSOAS ÀS MARGENS DO GANGES ................................................... 180
Primeiro Tipo de Pessoas ........................................................................... 181
Segundo Tipo de Pessoas ........................................................................... 182
Terceiro Tipo de Pessoas ............................................................................ 182
Quarto Tipo de Pessoas.............................................................................. 183
Quinto Tipo de Pessoas .............................................................................. 183
Sexto Tipo de Pessoas ................................................................................ 184
Sétimo Tipo de Pessoas .............................................................................. 184
A PARÁBOLA DOS CEGOS E O ELEFANTE................................................................... 190
A VIDA, A COR E A FAMA DO BODHISATTVA............................................................. 203
CAPÍTULO QUARENTA: SOBRE O BODHISATTVA ..........................................213
KASHYAPA 1 ....................................................................................................213
A TERRA SOBRE A UNHA DO DEDO ......................................................................... 226
INUMERÁVEIS NOMES PARA UMA COISA ................................................................. 229
UM SIGNIFICADO PARA INUMERÁVEIS NOMES ......................................................... 229
INUMERÁVEIS SIGNIFICADOS PARA INUMERÁVEIS NOMES .......................................... 229
INUMERÁVEIS NOMES PARA UM SIGNIFICADO ......................................................... 230
UM MONGE CHAMADO KUTEI............................................................................... 241
CAPÍTULO QUARENTA E UM: SOBRE O BODHISATTVA ................................255
KASHYAPA 2 ....................................................................................................255
A VIRTUDE DA DÚVIDA ......................................................................................... 255
O ASPECTO TEMPORAL DOS SERES ......................................................................... 273
AS TRÊS FORMAS DE PREGAÇÃO ............................................................................ 277
Quando Falo da Minha Própria e Livre Vontade ...................................... 277
Quando Falo Seguindo a Vontade de Outros ........................................... 278
Quando Falo Seguindo Minha Própria Vontade e a de Outros ............... 280
OS SETE TIPOS DE SERES ....................................................................................... 286
Aquele que Sempre Afunda ....................................................................... 286
Seis Formas de Persistir no Mal ................................................................. 287
Três Tipos de Coisas Más ........................................................................... 288
Aquele que Afunda e Flutua Novamente.................................................. 288
O Imperfeito na Fé, Preceito, Audição, Doação, Sabedoria .................... 290
Aquele que Flutua e Permanece ................................................................ 295
CAPÍTULO QUARENTA E DOIS: SOBRE O BODHISATTVA ..............................297

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 456


KASHYAPA 3 ................................................................................................... 297
A Imperfeição no Conhecimento............................................................... 297
Aquele que Flutua e Olha Tudo ao Redor ................................................. 299
Aquele que Olha Tudo ao Redor e Então se Vai....................................... 305
Aquele que Sai e Então Permanece Lá ..................................................... 305
Aquele que Alcança a Outra Margem ...................................................... 311
OS SETE TIPOS DE FRUIÇÕES.................................................................................. 312
Fruição Através dos Meios ........................................................................ 312
Fruição dos Débitos de Gratidão............................................................... 312
Fruição da Amizade ................................................................................... 313
Fruição Daquele Que Perdura ................................................................... 313
Fruição Equânime ...................................................................................... 313
Fruição da Recompensa ............................................................................ 314
Fruição da Segregação .............................................................................. 314
O VAZIO COMO ‘NÃO-É’ ...................................................................................... 321
O Vazio Como ‘Não-É’ - Nirvana ............................................................... 321
O Vazio Como ‘Não-É’ - Luz ....................................................................... 322
O Vazio Como ‘Não-É’ - Lugar ................................................................... 322
O Vazio Como ‘Não-É’ – Gradual .............................................................. 323
O Vazio Como ‘Não-É’ – Três Coisas ......................................................... 323
O Vazio Como ‘Não-É’ – Desimpedimento ............................................... 323
O Vazio Como ‘Não-É’ – Co-Existência ..................................................... 324
O Vazio Como ‘Não-É’ – Eterno................................................................. 324
O Vazio Como ‘Não-É’ – Dual .................................................................... 324
O Vazio Como ‘Não-É’ – Direção ............................................................... 325
O Vazio Como ‘Não-É’ – Elemento ............................................................ 326
COMO A UTPALA – O LÓTUS AZUL......................................................................... 326
MEDITAR SOBRE IMPUREZAS ................................................................................. 329
OS SKANDHAS DO SÁBIO....................................................................................... 330
CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS: SOBRE O BODHISATTVA .............................. 331
KASHYAPA 4 ................................................................................................... 331
A IMPUREZA DO DESEJO (O PRECONCEITO) ............................................................. 331
AS IMPUREZAS DA IGNORÂNCIA ............................................................................. 332
CAPÍTULO QUARENTA E QUATRO: SOBRE O BODHISATTVA ....................... 337
KASHYAPA 5 ................................................................................................... 337

Índice Página 457


O REMÉDIO TODO-MARAVILHOSO DOS HIMALAYAS ................................................. 337
MEDITAR SOBRE IMAGEM ..................................................................................... 341
MEDITAR SOBRE A CAUSA DA IMAGEM ................................................................... 343
MEDITAR SOBRE O DESEJO .................................................................................... 344
MEDITAR SOBRE O CARMA .................................................................................... 345
MEDITAR SOBRE A CAUSA DO CARMA..................................................................... 346
MEDITAR SOBRE O RESULTADO CÁRMICO ............................................................... 346
O CARMA IMACULADO ......................................................................................... 347
MEDITAR SOBRE O SOFRIMENTO ............................................................................ 350
A CASA DO TESOURO ............................................................................................ 351
DA RAIZ AO ULTIMADO ......................................................................................... 357
O TOQUE DO BRILHO ............................................................................................ 358
DO SENTIMENTO À CONSECUÇÃO........................................................................... 359
A MEDITAÇÃO GROSSEIRA .................................................................................... 362
A MEDITAÇÃO MINUCIOSA ................................................................................... 364
O BRILHO DA SABEDORIA ...................................................................................... 370
EXTINÇÃO MOMENTÂNEA ..................................................................................... 371
CAPÍTULO QUARENTA E CINCO: SOBRE KAUNDINYA 1 ................................377
TRÊS TIPOS DE DOENÇAS DOS SERES ....................................................................... 392
A CONVERSÃO DE VASISTHA .................................................................................. 394
AS VIRTUDES DE VASISTHA .................................................................................... 395
EU FANTASMA ..................................................................................................... 404
ORGULHO ........................................................................................................... 407
CAPÍTULO QUARENTA E SEIS: SOBRE KAUNDINYA 2 ....................................415
OS DOIS LADOS E O INTERMÉDIO............................................................................ 430
O PORTAL DO GRANDE CASTELO ............................................................................ 432
AS OITO MARAVILHAS DE ANANDA ........................................................................ 439
POR QUE DOMINAR A MENTE ................................................................................ 446
ÍNDICE DO TOMO IV .......................................................................................453

Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 458

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