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Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO I – A Cena do Mahaparinirvana
Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO I – A Cena do Mahaparinirvana
O cozimento dos alimentos em água das oito virtudes teve como com-
bustível as madeiras de sândalo e aloés. Os pratos eram delicados,
belos e em seis sabores: amargo, azedo, doce, picante, salgado e ads-
tringente. Suas virtudes eram três: 1) leves e suaves, 2) puros, e 3) a
verdadeira culinária. Equipados com tais utensílios, eles correram para
a terra dos Mallas (região no norte da Índia), ruma à floresta de árvores
Sala (Sal, Shorea robusta, uma espécie de árvore da Ásia). Lá, eles for-
raram todo o chão com areia e cobriram-no com tecidos de kalinga,
kambala e seda. Essa cobertura estendia-se por um espaço de 12 yoja-
nas [1 yojana = 15-20 km]. Para o Buda e a Sangha, eles eregiram Tro-
nos de Leão (Simhasana) incrustados com os sete tesouros. Os tronos
eram tão altos e largos quanto o monte Sumeru. Acima desses tronos
estavam içados pálios finamente decorados. Grinaldas de todos os
tipos pendiam-lhes, e de todas as árvores Sala também pendiam mara-
vilhosos estandartes e dosséis. Maravilhosas essências foram arpergi-
das entre as árvores e várias flores maravilhosas colocadas ali. Todos os
Monges então disseram uns aos outros: “Oh, todos os seres! Se senti-
rem necessidade, comidas, roupas, cabeças, olhos, membros e todas as
coisas vos esperam; tudo será vosso”. Enquanto faziam os oferecimen-
tos, a avareza, a ira, a corrupção e os venenos abandonaram as suas
mentes; nenhum outro desejo, nenhum pensamento de alguma graça
ou prazer lhes distraia. Seus pensamentos estavam voltados unicamen-
te para a insuperável e pura Mente Iluminada (Bodhi). Todos esses
Monges eram bem estabelecidos no estado de Bodhisattva. Eles tam-
bém disseram para eles mesmos: “O Tathagata agora aceitará nossas
comidas e entrará no Nirvana”.
“Todos os devas até o mais elevado dos céus estavam reunidos lá. Na-
quela ocasião, o Grande Deus Brahma e outros devas emitiram uma luz
que resplandeceu sobre os quatro continentes. Para os humanos e
devas do mundo dos desejos, as luzes do sol e da lua ficaram obscure-
Capítulo 1: Introdução Página 23
cidas. Eles tinham emblemas finamente decorados, estandartes e dos-
séis de seda colorida. Mesmo o menor estandarte que pendia do palá-
cio do Brahma vinha até onde estavam as árvores sala. Eles vieram
para onde o Buda se encontrava, tocaram seus pés com suas cabeças, e
disseram-lhe: “Oh Honrado pelo Mundo! Rogamos, Oh Tathagata!
Tenha piedade e aceite nossos últimos oferecimentos.” O Tathagata,
ciente da ocasião, permaneceu em silêncio e não os aceitou. Diante
disto, os devas, com seus desejos não atendidos, ficaram tristes. Eles
recuaram e postaram-se a um lado.
Agora, no leste, havia uma terra Búdica, distante tantas terras quanto
às areias de incontáveis, inumeráveis asamkhyas de Rios Ganges, cha-
mada Tranqüila-em-Pensamento-e-Linda-no-Som, e cujo Buda é cha-
mado Igual ao Vazio, Tathagata, Merecedor de Ofertas, de Conheci-
mento Correto e Universal, de Lucidez e Conduta Perfeitas, um Bem-
Aventurado que Compreende o Mundo, um Mestre Insuperável, um
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Herói Justo e Destemido, um Buda, um Honrado pelo Mundo. Naquela
ocasião o Buda falou aos seus principais grandes discípulos: “Vá agora
ao mundo no oeste, chamado Saha. Há um Buda naquele mundo cha-
mado Tathagata Shakyamuni, que é Merecedor de Ofertas, de Conhe-
cimento Correto e Universal, de Lucidez e Conduta Perfeitas, um Bem-
Aventurado que Compreende o Mundo, um Mestre Insuperável, um
Herói Justo e Destemido, um Buda, um Honrado pelo Mundo. Logo ele
entrará no Parinirvana. Bons homens! Levem consigo as comidas fra-
grantes deste mundo, as mais fragrantes e belas, que trazem a paz.
Ofereçam-nas a ele. Tendo feito isto, ele entrará no Parinirvana. Bons
homens! Além disso, curvem-se diante do Buda, façam-lhe perguntas,
e dirimam quaisquer dúvidas que vocês tenham.”
A luz que foi emitida da face do Tathagata era composta de cinco co-
res, e resplandeceu sobre toda a grande congregação, tal que obliterou
a luz que vinha do corpo (da assembléia). Tendo feito isto, ela retornou
para o Buda, penetrando-lhe através da sua boca. Então, os seres ce-
lestiais e todos aqueles na assembléia, asuras e outros, ficaram muito
receosos quando viram a luz do Buda penetrar-lhe através da sua boca.
Seus cabelos arrepiaram. Disseram: “A luz do Tathagata surgiu, voltou e
entrou nele. Isto não é sem razão. Isto indica que o Buda fez o que ele
pretendia fazer nas dez direções e, agora, entrará no Nirvana como
seu último ato. Este deve ser o que ele tenta sinalizar para nós. O mun-
do está aflito, o mundo está aflito! Por que é que o Honrado pelo
Mundo abandonou as quatro intenções ilimitadas e não aceitou os
ofereciementos tanto de humanos como de seres celestiais? Agora a
luz da Sabedoria está indo embora para sempre. Agora, o insuperável
navio do Dharma está naufragando. Ah, que dor! O mundo está aflito!”
Eles levantaram suas mãos, bateram em seus peitos, e tristemente
choraram e gritaram. Seus membros tremiam, e eles não sabiam como
se suportarem. O sangue jorrava de seus corpos e corria sobre o chão.”
Oferecimentos de Alimentos
Nisto, Cunda disse ao Buda: “Você diz que não há diferença entre os
frutos daqueles oferecimentos. Mas, isto não é assim. Por que não?
Porque na primeira instância de recebimento de dana [a doação por
caridade], ainda não se acabou com a ilusão e ele ainda não atingiu o
pleno conhecimento. E ele ainda não pode fazer com que os seres des-
frutem do danaparamita. Quanto a esta segunda e última instância do
recebimento, a ilusão já se acabou e ele atingiu o pleno conhecimento,
podendo levar todos os seres a serem abençoados igualmente com o
danaparamita. Aquele que recebe os oferecimentos em primeira ins-
tância ainda é um ser comum, mas o último (em segunda instância) é
um ser celestial. Alguém que receba dana em primeira instância é a-
quele com: 1) um corpo alimentado por vários tipos de comida, 2) um
Então, ouvindo que o Buda, Honrado pelo Mundo, para o benefício das
pessoas congregadas lá, aceitaria os últimos oferecimentos de Cunda,
eles sentiram-se radiantes e cheios de satisfação, e disseram em lou-
vor: “Quão maravilhoso, quão maravilhoso! Isto é raro, oh Cunda! Você
agora tem um nome; seu nome não servia para nada. Cunda significa
‘compreensão dos maravilhosos significados’! Agora você estabeleceu
tão grande significado. Você revelou que é verdadeiro, você está em
concordância com o significado, e ganhou seu nome. Este é o porquê
de você ser Cunda. Você, agora, nesta vida, ganhará um grande nome,
benefícios, virtudes e votos. É raro, oh Cunda, nascer como um huma-
no e alcançar o insuperável benefício que é o mais difícil de encontrar.
“Embora nascido como humano, você agora reside acima do sexto céu.
Eu e todos os outros, portanto, o louvamos e oramos.
O mais sagrado dos humanos agora entra no Nirvana. Perdoe-nos e,
rapidamente,
implore ao Buda para permanecer em vida ainda um longo tempo,
para beneficiar inumeráveis seres,
para transmitir-lhes o insuperável maná do Dharma que louva a Sabe-
doria.
Se você não implorar ao Buda, nossa vida não será perfeita.
Em razão disto, curvamo-nos ao chão,
em homenagem ao Mestre Insuperável.”
Em razão disto, Cunda ficou cheio de alegria! Ele ficou como no caso de
um humano cujos pais haviam falecido de repente, e que subitamente
retornam. Assim é como Cunda se sentia. Ele levantou-se novamente,
curvou-se diante do Buda, e disse em versos:
A Erva Daninha
O Buda disse a Cunda: “É assim, é assim! É tudo como você diz. É raro
que o Buda apareça no mundo. É como no caso da Udumbara. É tam-
bém difícil encontrar-se com o Buda e adquirir fé. Estar presente no
momento da entrada do Buda no Nirvana, para oferecer-lhe comida e,
assim, realizar o danaparamita é ainda mais difícil. Oh Cunda! Não fi-
que triste agora. Seja grato por ter feito os oferecimentos finais ao
Tathagata agora, e por ter realizado bem o danaparamita. Não indague
o Buda sobre permanecer mais tempo em vida. Você agora deve medi-
tar sobre o mundo de todos os Budas. Tudo é não-eterno (imperma-
nente). O mesmo ocorre com todas as coisas criadas, suas naturezas e
características.”
Tudo é vazio.
Aquilo que é destrutível vem e vai;
Apreensões e doenças se sucedem
(uma segue os passos da outra).
O temor de todos os erros e más ações,
velhice, doença, morte e o declínio causam preocupações.
Todas as coisas não existem para sempre,
e elas facilmente acabam.
Os ressentimentos as atacam;
todos (os ressentimentos) estão cheios de ilusão,
como no caso do bicho-da-seda e do casulo.
Então, Cunda disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! É assim, é as-
sim. É tudo como você, o Sagrado, diz. A sabedoria que possuo é des-
prezível e de baixo grau. Sou como um mosquito ou mosca. Como pos-
so contemplar as profundezas do Nirvana do Tathagata? Oh Honrado
pelo Mundo! Agora sou como qualquer naga ou elefante de um Bodhi-
sattva Mahasattva que cortou os vínculos da ilusão. Sou como o Dhar-
marajaputra Manjushri. Oh Honrado pelo Mundo! É como alguém que
entra para a Ordem (dos Monges) ainda muito jovem. Embora mante-
nha os preceitos, aquela pessoa ainda é apenas da classe ordinária de
Monges. Eu, também, sou como aquela pessoa. Devido ao poder do
Buda e dos Bodhisattvas, sou agora um dos numerosos séquitos de tais
grandes Bodhisattvas. Este é o porquê de ter implorado ao Tathagata
para permanecer por mais longo tempo em vida e não entrar no Nirva-
na. Isto é semelhante a um homem faminto e ferido que nada mais
tem para expelir. Eu somente rogo que esse será o caso com o Honra-
do pelo Mundo, e que ele permanecerá por mais longo tempo em vida
e não entrará no Nirvana.
Cunda disse: “Oh Manjushri! Porque é que você cuida tão avidamente
da comida e me faz dar mais ou menos, cheio ou não cheio, em respos-
ta às exigências da ocasião? Oh Manjushri! No passado, o Tathagata
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 46
praticou penitências por seis anos e se sustentou. Por que ele não o
faria agora quando se trata apenas de questão de um momento. Oh
Manjushri! Você disse que o Tathagata, o Perfeitamente Iluminado,
verdadeiramente pretende aceitar essa refeição? Mas eu definitiva-
mente sei que o Tathagata é o Corpo de Dharma e que ele não é o
corpo carnal que participa da comida.”
Cunda respondeu: “Eu não disse que o Tathagata está satisfeito. Agora,
obter satisfação é um pensamento invertido. Um pensamento inverti-
do representa nascimento e morte. Nascimento e morte são de uma
existência criada. Assim, oh Manjushri! Não diga que o Tathagata é
uma existência criada. Se você diz que o Tathagata é uma existência
criada, eu e você cometemos uma inversão [da verdade]. Oh Manjus-
hri! O Tathagata não tem qualquer pensamento de amor [apêgo]. Ago-
ra, o amor é como o caso de uma vaca leiteira que, amando sua própria
cria, sente fome e sede, vai e busca grama e água, e quer esteja satis-
feita ou não, de repente retorna. O Buda, Honrado pelo Mundo, não
tem tal pensamento. Ele vê a todos como sendo iguais, assim como vê
a Rahula. Um pensar assim é que condiz com o mundo da Sabedoria do
Todo Iluminado. Oh Manujshri! Por exemplo, uma carruagem puxada
por um burro não resistiria a uma comparação com uma puxada por
Capítulo 2: Sobre Cunda Página 47
uma junta de quatro cavalos treinados de um rei. O caso comigo e você
é também como este. É impossível penetrar as profundezas daquilo
que está oculto com o Tathagata, mesmo que tentássemos.”
“Oh Manjushri! O garuda voa incontáveis yojanas no céu. Ele olha para
baixo no grande oceano e vê coisas da água tais como peixes, tartaru-
gas marinhas, tartarugas migrantes, crocodilos, tartarugas comuns,
nagas2, e também sua própria sombra refletida na água. Ele vê todas
essas coisas da mesma forma como se vê todas as formas visíveis num
espelho. A mesquinha sabedoria dos mortais comuns não pode sequer
ponderar bem o que chega aos seus olhos. O mesmo é o caso comigo e
você também. Não podemos ponderar a Sabedoria do Tathagata.”
Manjushri disse a Cunda: “É assim, é assim, é assim como você diz. Não
é que eu não veja isto. Eu apenas quis testar suas relações no que diz
respeito ao mundo de um Bodhisattva.”
Então, o Honrado pelo Mundo emitiu da sua boca uma luz de várias
cores. A luz resplandeceu brilhantemente sobre o corpo de Manjushri.
Iluminado por esta luz, Manjushri interpenetrou-a. Então, ele disse a
Cunda: “O Tathagata mostra agora esta cena maravilhosa. Ele logo
entrará no Nirvana. Os últimos oferecimentos que você carregou há
algum tempo atrás serão primeiro oferecidos ao Buda e, então, dados
a todos aqueles que estão congregados aqui. Oh Cunda! Sabe que não
é sem razão que o Tathagata emitiu esta luz de várias cores.”
2 naga é uma palavra do Sanskrito e do Pāli que designa uma deidade ou classe de
entidades ou seres que assumem a forma de uma enorme serpente, mas muitas vezes
com os troncos e cabeças humanas, encontrada tanto no Budismo como no Hinduísmo.
Então, o Buda disse a Cunda: “Não chore e não abale a sua mente.
Pense que este corpo é como uma planta, uma miragem no deserto,
uma espuma aquosa, um fantasma, um corpo transformado, o castelo
de um gandharva, um tijolo cru, um lampejo, uma pintura desenhada
sobre a água, um prisioneiro diante da morte, uma fruta madura, um
pedaço de carne, uma malha num tear que está prestes a terminar, e a
ascensão e queda de um morteiro. Você deveria pensar que todas as
coisas criadas são como comida venenosa e que qualquer coisa com-
posta é inerentemente dotada de todas as aflições.”
O Buda disse a Cunda: “Não diga coisas tais como ‘ame-nos e perma-
neça por mais longo tempo em vida’. Por piedade a todos vocês e to-
dos os seres, hoje entrarei no Nirvana. Por quê? Porque esta é a verda-
de de todos os Budas. Isto é assim com tudo aquilo que é criado. Este é
o porquê de todos os Budas dizerem em versos:
Oh Cunda! Medite agora sobre tudo que é feito, que é composto. Pen-
se que todas as coisas são não-Eu e não-eternas, e que nada perdura.
Este corpo carnal possui inumeráveis erros. Tudo é como espuma a-
quosa. Sendo assim, não chore.”
O Buda elogiou Cunda e disse: “Falaste bem, falaste bem! Você bem
sabe que o Tathagata, seguindo a via de todos os seres, entra no Nirva-
na por uma questão de expediente. Ouça-me bem! É como no caso no
qual todos os pássaros sarasa [uma espécie de ganso de tamanho mé-
dio encontrado no norte da Europa e Ásia] se reúnem no Lago Anava-
tapta [Manasarwar] nos meses da primavera. O mesmo é o caso com
todos os Budas. Todos se reúnem aqui. Oh Cunda! Pense, nem muito e
nem pouco, a respeito da vida de todos os Budas. Todas as coisas são
como fantasmas. O Tathagata vive em meio a elas. O que ele tem é
expediente; ele não se apega. Por que não? Isto é assim com o Dharma
de todos os Budas. Oh Cunda! Eu agora receberei o que você oferece.
Isto é para permitir-lhe atravessar o rio do nascimento e da morte.
(Seres) humanos ou celestiais que façam oferecimentos [ao Buda] pela
última vez, todos ganham uma inabalável recompensa e serão abenço-
ados com felicidade. Por quê? Porque eu sou o melhor campo de pros-
peridade para todos os seres. Se você deseja tornar-se um campo de
“Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, um rei cria muitos filhos. Eles
parecem corretos e justos, ele os ama e os têm sempre em seu cora-
ção. Primeiro ele ensina-lhes arte, os quais se tornam mestres. Então,
ele os coloca nas mãos de candalas (Candala é uma classe de pessoas
na Índia geralmente consideradas como sem castas). O mesmo é o
caso aqui, oh Honrado pelo Mundo! Hoje nos tornamos os filhos do Rei
do Dharma. Fomos ensinados e perseveraremos na visão correta. Im-
ploramos que não nos abandone. Se nos abandonar, seremos como os
filhos do rei. Por favor, permaneça por mais longo tempo e não entre
no Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, o mesmo é o caso
com alguém versado em todas as fases do aprendizado. No caso do
Tathagata, ainda que ele seja versado em todas as fases do Dharma, o
medo ainda surge em todos os fenômenos (que são como seus filhos).
Se o Tathagata permanece longo tempo no mundo, concedendo-nos o
maná do Dharma e satisfazendo-nos, não teremos medo de cair no
inferno.
Então, todos os devas e asuras, tendo ouvido o que o Buda disse, para-
ram de chorar como alguém que perdeu um filho e, após o serviço
funeral, suprimiram seu pesar e não mais choraram.
“Oh Honrado pelo Mundo! Você nos explicou muito bem o Eterno, o
Sofrimento, o Vazio, e o não-Eu. Assim como todos os seres deixam
pegadas e as melhores de todas as pegadas são aquelas do elefante,
assim é com este pensamento do não-Eterno: ele abrange todos os
pensamentos. Alguém que empreenda esforços e boas práticas, erradi-
ca o apego e a cobiça dos mundos rupadhatu (mundo da forma) e aru-
padhatu (mundo do espírito), a ignorância, a arrogância, e o pensa-
mento sobre o não-Eterno do kamadhatu (mundo dos desejos). Oh
Honrado pelo Mundo! Se o Tathagata estivesse livre do pensamento
sobre o não-Eterno, ele não entraria no Nirvana agora. Se não, como se
pode dizer: ‘Se praticamos a meditação sobre o não-Eterno, erradica-
mos de nós mesmos o amor (desejo), a ignorância, a arrogância, e a
impermanência do mundo tríplice?’ Oh Honrado pelo Mundo! Assim
“Oh Honrado pelo Mundo! Pode haver um homem, por exemplo, que
elogie a árvore e diga que ela é constituída de madeira dura. Mas isto
não é bem assim. O mesmo se dá com os seres. Oh Honrado pelo
Mundo! Podemos elogiar e dizer que as pessoas, os seres, a vida, a
caridade, o intelecto, o executor e o receptor são todos verdadeiros.
Mas isto não pode ser. Dessa forma, praticamos o não-eu. Oh Honrado
pelo Mundo! É como no caso da água na qual o arroz foi lavado ou o
caso dos excrementos, os quais não servem para mais nada. O mesmo
ocorre com o corpo também. Ele não tem o Eu ou o Mestre. Por exem-
plo, oh Honrado pelo Mundo! A saptaparna [alstonia scholaris, planta
de “sete folhas”] não possui fragrância. É assim com este corpo carnal.
Ele não tem o Eu ou o Mestre. Dessa forma, meditamos sobre o altru-
ísmo. Você, o Buda, diz: ‘Todas as coisas são destituídas do Eu e nada
pertence a si. Oh vocês Monges! Aprendam e pratiquem [isto]!’ Uma
vez que isto seja praticado, a vaidade desaparece. (Quando) a vaidade
se vai, entra-se no Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Não existem
caminhos dos pássaros no céu. Tal coisa nunca poderia haver. Ao prati-
Então o Buda disse a todos os Monges: “Não digam isto. Eu agora dei-
xarei todo o insuperável Dharma nas mãos de Mahakashyapa. Este
Kashyapa doravante será alguém em quem vocês poderão confiar. Isto
é como no caso onde o Tathagata torna-se alguém a quem todos os
seres podem circundar. O mesmo é o caso com Mahakashyapa. Ele
agora se tornará vosso refúgio. Isto é como no caso de um rei que tem
muitos territórios e que empreende uma viagem de inspeção, deixan-
do todos os assuntos do estado nas mãos do seu ministro. O mesmo se
passa com o Tathagata. Todos os ensinamentos corretos estão sendo
deixados nas mãos de Mahakashyapa.
A Parábola da Água-Marinha
Sei que tudo aquilo que vocês aprenderam até agora sobre não-eterno
e sofrimento não é verdadeiro. Na primavera, por exemplo, as pessoas
vão banhar-se num grande lago. Elas estão se divertindo, velejando
O Buda disse a todos os Monges: “Bem falado, bem falado! Vocês in-
dagam sobre esta questão com a intenção de dissipar suas dúvidas.
Imaginem: existe um rei que é estúpido, que tem pouca sabedoria, e
existe um médico que é obstinado. Mas, o Rei não sabe disso e paga-
Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 65
lhe um salário. O médico usa os produtos do leite para curar todas as
enfermidades. Também, ele não sabe qual é a origem das doenças. Ele
pode ser versado na medicina do leite, mas para ele não existe diferen-
ça entre um frio e uma febre. Ele prescreve leite para todas as doenças.
Este Rei não tinha conhecimento de que este médico era um ignorante
do que fosse agradável e desagradável, os bons e os maus aspectos do
leite. Mas, havia um Doutor que conhecia oito diferentes tratamentos
para as enfermidades e que era apto a curar todas as doenças. Este
Doutor era versado na prescrição de medicamentos e tinha vindo de
um lugar distante. O médico do Rei não sabia como indagar e apren-
der. Ele era imprudente e arrogante. Assim, o ilustre Doutor convidou
cordialmente o médico do Rei e [como um expediente] tratou-lhe co-
mo seu mestre e perguntou-lhe sobre o segredo do seu tratamento.
Ele disse ao médico do Rei: ‘Neste momento, convido-lhe para que seja
meu professor. Por favor, seja benevolente o bastante para ensinar-
me’. O médico do Rei disse: ‘Se você servir-me por quarenta e oito
anos, lhe ensinarei a arte da medicina’. Então, diante daquelas pala-
vras, o ilustre Doutor disse: ‘Farei como você me diz. Usarei o melhor
das minhas habilidades’. Então o médico do Rei, tendo o ilustre Doutor
em sua companhia, veio visitar o Rei. Nisto, o Doutor visitante explicou
ao Rei as várias formas de tratamento bem como outras coisas. Ele
disse: ‘Por favor, oh grande Rei, saiba! Saiba bem! Este Dharma é como
isto (as várias formas de tratamento) e você curará bem as enfermida-
des’. Ouvindo isto, o Rei reconheceu a ignorância e a ausência de co-
nhecimento do seu próprio médico. Ele imediatamente o expulsou do
país e passou a respeitar o novo Doutor acima de tudo. Então o novo
Doutor disse para si mesmo: ‘Agora é o momento para ensinar o Rei’.
Ele disse para o Rei: ‘Oh grande Rei! Se você realmente me ama, por
favor, faça-me uma promessa’! O Rei respondeu: ‘Dar-te-ei tudo que
desejar, ainda que seja minha mão direita ou qualquer parte do meu
corpo’. O novo Doutor disse: ‘Você pode dar-me todo o status, mas eu
não tenho muito a desejar. O que desejo que você faça para mim é
proclamar às pessoas de todos os cantos da sua terra que, doravante,
não devem mais usar o remédio do leite que o médico anterior disse-
lhes para usar. Por que não? Porque muitos males e intoxicações sur-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 66
gem dele. Qualquer pessoa que ainda use essa medicina deve ser de-
capitada. Se a medicina do leite não for utilizada, não haverá mais mor-
tes; e ficaremos em paz. Esta é a razão de pedir-lhe isto’. Então o Rei
disse: ‘O que você me solicita fazer é algo irrelevante. Imediatamente
emitirei uma ordem para que qualquer um que esteja doente não to-
me leite como remédio. E qualquer pessoa que não o faça será decapi-
tada’. Diante disto, o ilustre Doutor preparou vários tipos de remédios,
os quais possuíam sabores cáustico, amanteigado, salgado, doce, e
azedo. Com estes, os tratamentos eram administrados, e não houve
mais casos nos quais a doença não tenha sido curada.
Após aquilo, o próprio Rei caiu doente, e o Doutor foi chamado. O Rei
disse: ‘Estou doente agora. O que faço para ser curado’? O Doutor pen-
sou acerca da doença do Rei e viu que naquele caso o remédio do leite
seria bom. Então ele disse ao Rei: ‘A doença da qual você está sofrendo
agora pode muito bem ser curada com leite. O que eu disse antes so-
bre a medicina do leite não era verdade. Se você tomá-lo agora, você
estará curado. Neste momento, você está sofrendo de uma febre. Por-
tanto, é correto que você tome leite’. Então, o Rei disse ao Doutor:
‘Você está louco? Isso é uma febre? E você diz que se eu tomar leite ele
me curará? Antes, você disse que (o leite) era um veneno. Agora você
diz-me para tomá-lo. Como pode ser isto? Quer me enganar? Aquilo
que o médico anterior disse estava correto, e você o desprezou e disse
que era veneno, e fez-me expulsá-lo. Agora você diz que (aquele remé-
dio) cura bem as doenças. Pelo que você me diz, o antigo médico deve-
ria exceder-lhe’.
Então o ilustre Doutor disse ao Rei: ‘Oh Rei! Não diga isto, por favor.
Um verme corrói a madeira e o resultado [tem a forma de] é uma ins-
crição. Este verme nada sabe sobre escritas. Uma pessoa sábia vê isto.
Mas, não diz que este verme conhece escritas. E, assim, não é tomado
de surpresa. O grande Rei! Saiba, por favor: Assim foi também com o
médico anterior. Para todas as doenças ele dava um remédio feito de
leite. Isto é como no caso do verme que corrói a madeira e, como re-
sultado, emerge algo na forma de uma inscrição. O médico anterior
Capítulo 3 – Sobre a Aflição Página 67
não sabia como distinguir entre os aspectos do agradável e do desa-
gradável, o bom e o mau’.
Então o Rei esperou para dizer: ‘O que quer dizer com ele não sabia?’
Ouvindo isto, o Rei elogiou o grande Doutor: ‘Falou bem, falou bem, oh
grande Doutor! Hoje, pela primeira vez na vida, eu conheci o que é
agradável e não agradável, o que é bom e o que não é bom na medici-
na do leite. Compreendendo isto, agora estou bem. Proclamarei nova-
mente às pessoas que eles podem tomar o remédio do leite.’ Ao ouvir
isto, as pessoas do país, iradas e ressentidas, dirão: ‘O grande Rei está
agora tomado por um demônio. Ele está louco? Ele nos engana e nos
faz tomar leite.’ Todas as pessoas, iradas e ressentidas, virão ao Rei. O
Rei dirá a elas: ‘Não fiquem irados e não tenham ressentimentos. To-
mar leite ou não tomá-lo, isto tudo vem do conhecimento da medicina.
Eu não tenho culpa’. Nisto, o grande Rei e todas as pessoas dançaram
de alegria. Passaram a ter mais respeito, honraram o Doutor, e fizeram-
lhe oferecimentos. Isto foi como todas as pessoas tomaram o remédio
do leite e recuperaram sua saúde.”
O Eu Búdico
O Buda disse a Kashyapa: “Não fale assim! Este menino era nada mais
que uma transformação, não uma verdade. Ele era assim apenas para
reprimir a quebra dos preceitos e a transgressão do Buda-Dharma, e
para aperfeiçoar os seres. Mesmo o vajra e também Guhyapada eram
existências transformadas (tranformações). Oh Kashyapa! Há no mun-
do aqueles que caluniam o Dharma Maravilhoso, icchantikas (pessoas
de descrença incorrigível), aqueles que fazem mal aos outros, que per-
sistem em visões distorcidas, que agem propositadamente contrários
aos preceitos morais. Eu tenho piedade de todos e um sentimento de
compaixão, assim como em consideração a um filho único, como é no
caso de Rahula. Oh bom homem! Para ilustrar: quando os oficiais da
corte real violam as leis do estado, o rei os pune de acordo com as
regras relacionadas aos crimes cometidos e não os deixa sem punição.
O Tathagata não age assim. Ele faz com que aqueles que violam os
Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 79
preceitos sejam submetidos a situações de serem banidos, repreendi-
dos, colocados sob vigilância, acusados ou banidos pela não-confissão
dos pecados cometidos, pelo não-arrependimento, e pelo não-
abandono das visões distorcidas. A razão pela qual, oh bom homem, o
Tathagata impõe preceitos morais proibitivos àqueles que caluniam o
Dharma vem do fato de que ele deseja mostrar aos trangressores que
conseqüências cármicas advirão daquilo que eles fizeram. Oh bom
homem! Saiba que o Tathagata deseja ensinar aos seres maus que eles
não necessitam ter medo. Ele emite um, dois, ou cinco sinais, tal que
aqueles que encontram esta luz se libertarão de todas as más ações.
Agora, o Tathagata possui incontáveis meios para exercer tal poder. Oh
bom homem! Se você deseja ver o Dharma que não pode ser visto, Eu
agora explicarei a você tudo acerca daquilo que você pode ver.
O Verdadeiro Discípulo
“Oh bom homem! O mesmo é o caso com o Tathagata. Ele olha aque-
les que transgridem o Dharma como olha seu filho único. Agora, o Ta-
thagata confia o insuperável Dharma Maravilhoso às mãos de reis,
ministros, altos-ministros, Monges, Monjas, leigos e leigas. Todos esses
reis, ministros, e as quatro classes da Sangha Budista encorajarão aque-
les que praticam os ensinamentos Budistas e permitir-lhes-ão gradati-
vamente manter em observância os preceitos morais, as práticas medi-
tativas e a sabedoria. Se houver alguém que fracasse nesses três aspec-
tos (dos ensinamentos) do Dharma e se houver aqueles que são indo-
lentes e que violem os preceitos morais; os reis, ministros, e as quatro
classes da Sangha Budista trabalharão duro e recuperarão tais pessoas.
Oh bom homem! Poderiam todos esses reis, ministros, e as quatro
classes da Sangha Budista serem culpados ou não?”
Paramartha-satya
O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Não fale assim – que ex-
tinção é ‘Dharmata’. Ora, o ‘Dharmata’ compreende a não extinção. Oh
bom homem! Isto é como com o céu do Não-Pensamento [o quarto
Capítulo 4 – Sobre Longa Vida Página 87
céu dhyana do rupadhatu – Reino da Forma], onde não há pensamento
de matéria, embora a matéria esteja perfeitamente dotada. Pode-se
perguntar: ‘Como, então, os devas (espíritos intimamente ligados e
integrados à natureza, ou seja, aos cinco elementos) podem viver lá,
satisfazer-se e divertir-se, ter paz, e como eles pensam, vêem e inda-
gam?’ Oh bom homem! O mundo do Tathagata não é aquele que Sra-
vakas e Pratyekabudas podem compreender. Não explique assim (co-
mo o fez) e diga que o corpo do Tathagata é extinção. Oh bom homem!
O Tathagata e extinção são assuntos para o mundo dos Budas. Não
está ao alcance do conhecimento de Sravakas e Pratyekabudas. Oh
bom homem! Não envide tais pensamentos como sobre onde o Tatha-
gata vive, onde ele trabalha, onde ele está para ser visto, onde ele se
diverte. Oh bom homem! Essas, também, são coisas que não se ajus-
tam ao alcance do vosso conhecimento. Todas as coisas relativas ao
Corpo-do-Dharma de todos os Budas, e todas as coisas relativas aos
vários (meios) expedientes estão além do alcance do conhecimento
mundano”.
“Oh Kashyapa! Não diga que existe uma árvore e que ela não tem
sombra. Isto é meramente porque os olhos carnais não podem vê-la. O
mesmo ocorre com o Tathagata. Sua natureza é eterna, é imutável.
Não podemos vê-la sem os olhos da Sabedoria. Isto é como no caso
onde nenhuma sombra da árvore aparece na escuridão. Os mortais
comuns, após a morte do Buda, poderão dizer: ‘O Tathagata é não-
eterno’. É o mesmo caso. Se dizemos que o Tathagata difere do Dhar-
ma e da Sangha, não poderá haver os Três Refúgios. Isto é como no
caso em que, seus pais como são diferentes um do outro, existe o não-
eterno.”
Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Nós não vemos tal
corpo da forma como você fala. O que vemos é aquele que é não-
eterno, destrutível, de pó, e que é sustentado pelos vários tipos de
alimentos. Como? Em que você, o Tathagata, está agora prestes a en-
trar no Nirvana.”
O Buda disse a Kashyapa: “Não diga ‘falso’. Pode haver um Monge que
vá onde ele queira, satisfaça as suas necessidades pessoais, recite su-
tras, sente e medite. Caso alguém venha e indague sobre a Via, ele
proferirá sermões, observando preceitos, ações virtuosas, e dirá àquela
pessoa que caso deseje pouco, será satisfeita. Mas, ele não está apto a
emitir o rugido do leão da doutrina, não está cercado por leões, e não
está apto a subjugar aqueles que praticam o mal. Tal Monge não pode
realizar seu próprio benefício, nem está apto a ajudar os outros. Saiba
que esta pessoa é indolente e preguiçosa. Embora ele possa manter
em observância os preceitos e perpetrar ações puras, tal pessoa, você
deve saber, nada pode fazer.
O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Por esta razão, Monges,
Monjas, Leigos e Leigas devem todos se esforçar mais e proteger o
Dharma Maravilhoso. A recompensa pela proteção do Dharma Maravi-
lhoso é extremamente grande e inestimável. Oh bom homem! Em
razão disto, os leigos que protegem o Dharma deveriam pegar espadas
e bastões e proteger um Monge que guarda o Dharma. Muito embora
uma pessoa mantenha em observância os preceitos, não podemos
chamar aquela pessoa de alguém que protege o Mahayana. Muito
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 96
embora uma pessoa ainda não tenha recebido os cinco preceitos, se
ela protege o Dharma Maravilhoso, tal pessoa pode perfeitamente ser
chamada de alguém do (que protege o) Mahayana. Uma pessoa que
protege o Dharma Maravilhoso deveria pegar espadas e bastões e
defender os Monges.”
O Buda disse a Kashyapa: “Não diga que tais pessoas são aquelas que
transgridem os preceitos. Oh bom homem! Após a minha entrada no
Nirvana, o mundo será dominado pelo mal e a terra será devastada,
um pilhando ao outro, e as pessoas serão dominadas pela fome. Em tal
época, em razão da fome, as pessoas poderão optar por abandonar o
lar e entrar para a Sangha. Tais pessoas são falsos reverendos. Estes,
vendo aquelas pessoas que são rigorosas na observância dos preceitos,
que são corretas em sua conduta, e que são puras em suas ações, pro-
tegendo o Dharma Maravilhoso; se afastarão ou tentarão matá-las ou
prejudicá-las.”
“Oh bom homem! Isto ocorre porque eu permito que aqueles que
observam os preceitos sejam acompanhados pelas pessoas vestidas-
de-branco [pessoas leigas, não-Monges] com espadas e bastões. Em-
bora todos os reis, ministros, homens leigos ricos e leigos em geral
possam possuir espadas e bastões para proteção do Dharma, eu cha-
mo isto de observação dos preceitos. Você pode possuir a espada e o
bastão, ‘mas não rouba a vida’. Se as coisas são assim, nós chamamos
isto em primeira mão de observação dos preceitos.”
Capítulo 5 – Sobre o Corpo Adamantino Página 97
Kashyapa disse: “Qualquer um que proteja o Dharma persevera numa
visão correta e expõe amplamente os sutras Mahayana. Ele não carre-
ga os parasóis cravejados de jóias das pessoas nobres, vasos de óleo,
arroz integral, ou frutas e sementes. Ele não se aproxima de reis, minis-
tros ou dos ricos visando benefícios. Ele não bajula os danapatis [doa-
dores de ofertas], é perfeito na boa conduta, e subjuga aqueles que
transgridem os preceitos e que perpetram o mal. Tal pessoa é chamada
um mestre que ostenta e proteje o Dharma. Ele é um verdadeiro bom
mestre da Via. Seu pensamento é tão expansivo quanto o mar.”
A Virtude do Nome
Os Seis Sabores
O Buda elogiou Kashyapa e disse: “Bem falado, bem falado! Agora você
entendeu bem o meu pensamento. Um Bodhisattva que protege o
Dharma deve ser assim. Oh bom homem! De agora em diante, não
permitirei aos meus discípulos Sravaka (ouvintes) comerem carne.
Quando receberem de um danapati uma doação (de carne) de pura fé,
pensem que (vocês) estão comendo a carne do seu próprio filho.”
“Oh bom homem! Aquele que come carne mata a semente da grande
compaixão.”
Kashyapa disse novamente: “Por que você primeiro permitiu aos Mon-
ges comer três tipos de carne pura?”
Cem anos após a minha morte, todos os santos sábios das quatro frui-
ções [os quatro estágios que conduzem ao ‘Arhatship’] entrarão no
Nirvana. A era do Dharma Maravilhoso se encerrará, e surgirá a era do
Dharma Adulterado, quando o Monge manterá os preceitos [apenas]
como uma questão de formalidade, recitará [somente] um pouco os
sutras, tomará avidamente comida e bebida, e [excessivamente] nutri-
rá seu corpo. O que ele vestirá em seu corpo será feio e grosseiro. Ele
parecerá fatigado e não mostrará dignidade. Ele alimentará vacas e
ovelhas, e carregará lenha (combustível) e capim. Sua barba, unhas e
cabelos serão longos. Ele não adotará a kasaya [o robe sacerdotal],
mas, antes, parecerá um caçador. Ele aguçará seus olhos, caminhará
lentamente e parecerá um gato que está atrás de um rato. Ele irá sem-
pre murmurar: ‘Eu atingi o arhatship’. Ele sofrerá de todos os tipos de
doenças, deitará e dormirá sobre dejetos. Exteriormente ele parecerá
sábio, mas interiormente ele será ganancioso e invejoso. Ele pratica o
silêncio (mute) como um Brâmane. Para dizer a verdade, ele não é
Shramana [Monge], mas somente tenta se passar por tal. Ele está
queimando com as visões pervertidas, sempre caluniando o Dharma
Maravilhoso. Tal pessoa transgride os preceitos, a ação correta e a
conduta instituída pelo Tathagata. Ele fala acerca do fruto da emanci-
pação, mas suas ações apartam-se daquilo que é puro e, assim, ele
viola o Dharma, que é profundo e recôndito. Tal pessoa, seguindo a sua
própria interpretação, falará contrariamente ao que os sutras e o vina-
ya [regras de disciplina monástica] estabelecem, dizendo: ‘O Tathagata
permite a carne a todos nós’. Eles falarão assim e dirão que o Buda o
disse. Eles disputarão e dirão que são Shramanas e sucessores dos
ensinamentos do Buda. Oh bom homem! Naquela ocasião, haverá
Shramanas que estocarão cereais, receberão peixe e carne, prepararão
as próprias comidas, e manterão vasilhas de óleo. Eles viverão ao redor
de dosséis cravejados de jóias, objetos de couro, calçados, reis, minis-
tros e pessoas ricas. Eles serão condescendentes com as práticas astro-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 108
lógicas e tratamentos médicos; terão serviçais, ouro, prata, berílio (ge-
mas preciosas), madrepérola (musaragalva – coral branco), ágata, cris-
tal, corais, âmbar, jade, casco de cavalo, e muitos tipos de melões [se-
mentes]. Aprenderão todas as artes, pintura, artes plásticas, confecção
de livros, e todos os tipos de ciências, todos os tipos de cultura por
semeadura ou plantação de raízes, colocação de pragas (maldições),
encantamentos, preparação de remédios, arte teatral, música, ador-
nando seu corpo com fragrâncias e flores, jogatina, jogo de “GO”, e
vários tipos de trabalhos manuais. Se um Monge qualquer rejeita tais
maldades, podemos dizer que ele é verdadeiramente meu discípulo.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Se você diz que o Tathagata, para o
benefício dos seres, fala acerca das virtudes supremas das dez boas
ações, isto indica que ele vê a todos os seres como vê a seu filho Rahu-
la. Como você pode censurá-lo e indagar se ele não está deixando os
seres caírem no inferno? Se eu visse uma pessoa caindo no Inferno
Avichi, para o benefício daquela pessoa, eu permaneceria no mundo
por um kalpa ou menos que um kalpa. Eu tenho grande compaixão
para com todos os seres. Como eu poderia enganar alguém que consi-
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 111
dero como meu filho e dexá-lo cair no inferno? Oh bom homem! É
como uma pessoa na terra de um rei que veste a kasaya. Existe um
furo nela, ele vê e mais tarde o repara. O mesmo se passa com o Ta-
thagata. Vendo uma pessoa caindo no inferno, ele faz os reparos e
confere os preceitos para as boas ações. Oh bom homem! Isto é como
um Chakravartin [um supremo monarca do mundo] que, para o bene-
fício dos seres, primeiro fala sobre as dez boas ações. Depois, vem o
tempo quando ele ocasionalmente vê as pessoas fazendo maldades.
Então o rei cria uma lei e as erradica. Tendo erradicado todas as mal-
dades, o rei desempenha o papel de um Chakravartin. Oh bom ho-
mem! O mesmo se passa comigo. Eu tenho coisas a dizer, mas eu não
imponho as leis primeiro.
O Buda disse a Kashyapa: “Ou pode haver bons homens e boas mulhe-
res que podem dizer: ‘O Tathagata é não-Eterno. Como podemos saber
que ele é não-Eterno? O Buda diz que quando o fogo da ilusão é extin-
to, há Nirvana. Isto é como quando nada há para ser visto quando o
fogo é extinto. O mesmo é o caso quando todas as ilusões são aniquila-
das. Isto, ele diz, é Nirvana. Como o Tathagata pode alegar que ele é o
Dharma Eterno e Imutável? O Buda diz que quando abandonamos a
existência, há Nirvana. Neste Nirvana, nada pode haver que tenha exis-
tência. Como, então, o Tathagata pode ser Eterno e Imutável? Quando
uma peça da roupa se rasga, não mais a chamamos de roupa. O mes-
mo se passa com o Nirvana. Quando todas as ilusões são extintas, nada
mais pode haver. Como o Tathagata pode ser Eterno e Imutável? O
Buda diz que a separação dos desejos e a chegada da quietude são
O Buda diz:
“Oh bom homem! O ferro sobre o qual você fala refere-se aos mortais
comuns. Quando a ilusão acaba, o mortal comum retorna novamente
(ao ciclo do nascimento e da morte). Este é o porquê de dizermos não-
Eterno. Este não é o caso com o Tathagata. Tendo ido, não há retorno.
Portanto, é eterno.”
Kashyapa ainda disse ao Buda: “Se colocarmos o ferro sem cor de volta
no fogo, a cor vermelha retornará. Se assim for com o Tathagata, a
ilusão novamente tomará forma. Se a ilusão tomar forma novamente,
isto nada mais é que o não-Eterno.”
Kashyapa disse ainda: “Muito bom, muito bom que eu agora veja cla-
ramente o que significa quando o Tathagata diz que todos os Budas são
Eternos.”
Todos os seres dizem que o Príncipe Sidharta, então pela primeira vez,
abandonou o lar e tornou-se um Shramana. Mas, já há inumeráveis
kalpas atrás, eu abandonei o lar, tornei-me um Shramana e pratiquei a
Via. Meramente para cumprir com o que obtive na vida secular, eu
manifestei isto. Eu já abandonei o lar no Jambudvipa e recebi a grande
ordenação [upasampada]. Envidei esforços, pratiquei e atingi as frui-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 120
ções da Via tais como Srotapanna [um monge que nascerá apenas
entre duas e sete vezes antes de ganhar a libertação], sakridagamin
[renasce apenas mais uma vez após a morte], anagamin [não mais
retorna a este mundo], e arhat [um santo]. Meramente para cumprir
com o que obtive na vida secular, eu manifestei isto. Todos diziam que
era fácil e não havia dificuldades para atingir o arhatship. Mas já, há
inumeráveis kalpas no passado, atingi o arhatship. No sentido de con-
duzir os seres para a outra margem da Iluminação, eu sentei sob a ár-
vore Bodhi no Bodhimanda [assento da Iluminação] de grama e derro-
tei todos os Maras [demônios]. Mas eu, já há longos e inumeráveis
kalpas no passado, derrotei os Maras. A fim de dominar os seres fortes,
eu manifestei esta cena. Eu também exibi dois tipos de resposta aos
apelos da natureza, inspirando e expirando. Todos os seres dizem que
eu respondi aos chamados da natureza e inspirei e expirei. Mas, com
este meu corpo, não tenho fruição do karma e preocupação. Eu mera-
mente ajo em concordância com a via da vida mundana. Este é o por-
quê de manifestar-me assim. Eu também mostro que recebo ofereci-
mentos feitos a mim através da prática da fé. Mas eu não sinto mais
fome ou sede neste meu corpo, e apenas cumpro com a via mundana
da vida. Eu me exibo assim. Eu também acompanho a via mundana da
vida de todos os outros e durmo. Mas eu atingi a profunda Sabedoria
há inumeráveis kalpas no passado e acabei com ações tais como ir e vir,
dores de cabeça, dos olhos, do estômago, das costas, do resto do meu
corpo, carbúnculos difíceis de curar; todas estas resultantes do karma
passado. Mas, manifestei-me lavando minhas mãos e pés numa bacia,
lavando meu rosto, gargarejando, usando escovas de dente e todas
essas coisas que se aplicam ao mundo. As pessoas dizem que eu faço
todas essas coisas. Mas, não as faço. Minhas mãos e pés são tão puros
quanto uma flor de lótus, minha boca é limpa e cheira à utpala [flor de
lótus]. Toda a gente diz que eu sou um humano. Mas agora sou não-
humano. Eu também me manifesto recebendo pamsukula [roupas
descartadas], lavando, costurando e remendando. Mas há longo tempo
que não uso tais indumentárias. Todos dizem que Rahula é meu filho,
que Suddhodana foi meu pai e Maya minha mãe, que tive uma carreira
Kashyapa ainda disse: “Oh, Tathagata! Por que dizermos eterno? Você,
o Buda, disse que quando a luz de uma lâmpada se extingue, não há
direção ou lugar para ser nomeado [como para onde ir]. O mesmo é o
caso com o Tathagata. Uma vez morto, não pode haver direção ou
lugar que possa ser nomeado.”
O Buda disse: “Oh, Kashyapa! Você não deveria dizer: ‘Quando a luz de
uma lâmpada se extingue, não há direção ou lugar para ser nomeado.
O mesmo é o caso com o Tathagata. Quando há extinção, não pode
haver direção ou lugar para ser nomeado.’ Oh, bom homem! Quando
uma lâmpada é acesa por um homem ou por uma mulher, qualquer
lâmpada, grande ou pequena, [tem que ser] abastecida com óleo.
Quando há óleo, a lâmpada se acende. Quando o óleo é consumido, a
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 125
luz também desaparece, junto com ele. A luz que se vai pode ser com-
parada à extinção da ilusão. Embora a luz tenha se desvanecido, o u-
tensílio permanece. O mesmo é o caso com o Tathagata. Embora a
ilusão tenha partido, o Corpo-do-Dharma permanece para sempre. Oh,
bom homem! O que isto significa? Será que significa que ambos, a luz e
a lâmpada, desaparecem? É assim?”
(O Buda disse:) “Oh, bom homem! Você não deveria refutar dessa ma-
neira. Nós falamos de um ‘utensílio’ do mundo. O Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo é o Supremo Utensílio do Dharma. Um utensílio do mun-
do pode ser não-eterno, mas não aquele do Tathagata. Dentre todas as
coisas, o Nirvana é eterno. O Tathagata tem isto (o Nirvana). Assim, ele
é eterno. Ainda mais, bom homem! Você diz que a luz da lâmpada se
extingue. Isto é [como] o Nirvana alcançado por um Arhat. Em razão de
todas as ilusões da cobiça e do desejo se acabarem, podemos compa-
rar isto à extinção da luz da lâmpada. O Anagamin ainda tem a cobiça.
Como ainda há a cobiça, não podemos dizer que isto é o mesmo que a
extinção da luz da lâmpada. Este é o porquê eu disse no passado num
ensino secreto que ele (o Anagamin) era como uma lâmpada morrendo
(se apagando). Não é que o Nirvana deva ser equiparado com a lâmpa-
da se apagando. O Anagamin retorna uma outra vez. Ele não volta para
as 25 existências. Novamente, ele não ganha mais o corpo mal-
cheiroso, o corpo de vermes, o corpo que é alimentado, o corpo vene-
noso. Assim é um ‘Anagamin’ [aquele que não retorna para uma exis-
tência corpórea novamente]. Se um corpo surge novamente, isto é um
‘Agamin’ [aquele que retorna para uma existência corpórea]. Quando o
corpo não surge novamente, isto é um ‘Anagamin’. Aquele que é dota-
do do ir e vir é o ‘Agamin’. Aquele que não tem o ir e vir [não nasce e
morre] é ‘Anagamin’.”
Oh, bom homem! Por exemplo, aqui existe um homem rico que tem
um único filho. Ele sempre pensa a respeito e ama este menino. Ele
leva o menino para um professor para ser ensinado. Apreensivo de que
as coisas possam não progredir rapidamente (a contento), ele leva o
“Não, oh Honrado pelo Mundo! Por que não? Porque a criança é muito
jovem. Dessa forma, ele não lhe ensina [as matérias mais avançadas].
Não é que o menino não seja ensinado porque o homem regateie [tais
lições]. Por que não? Porque se houvesse algum ciúme ou inveja, pode-
ríamos dizer que ele ocultou coisas. Com o Tathagata não é assim. Co-
mo poderíamos dizer que ele escondeu e ocultou?”
O Buda disse: “Falaste bem, falaste bem, oh bom homem! É como você
diz. Se houvesse qualquer raiva, ciúme ou inveja (má vontade), poderí-
amos dizer que ele está ocultando coisas. O Tathagata não tem raiva
ou ciúme. Como poderíamos dizer que ele esconde as coisas? Oh, bom
homem! O grande homem rico é o próprio Tathagata. Sua única crian-
ça são [todos] os seres. O Tathagata vê a todos os seres como vê seu
filho único. (O homem rico) Ensinando seu filho único diz respeito aos
discípulos Sravaka [Ouvintes dos ensinamentos do Buda]; o alfabeto diz
respeito aos nove tipos de sutras; o vyakarana diz respeito aos sutras
Vaipulya [extensivo] Mahayana. Uma vez que todos os discípulos Sra-
vaka não possuem o poder da Sabedoria, o Tathagata ensina-lhes o
alfabeto; isto é, os nove tipos de sutras. Mas, ele ainda não fala do
vyakarana; isto é, do Vaipulya Mahayana. Oh, bom homem! Quando o
filho do homem rico crescer e estiver apto a enfrentar as lições, se o
vyakarana não for ensinado, então poderemos dizer que houve ‘ocul-
tação’. Se todos os Sravakas estão crescidos e podem de fato enfrentar
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 129
as lições do Vaipulya Mahayana, mas o Tathagata regateia isto e não
lhes ensina, então poderíamos dizer que o Tathagata regateia, esconde
e oculta os ensinamentos. Mas, não é assim com o Tathagata. O Tatha-
gata não oculta [nada]. Isto é como no caso do homem rico que, tendo
ensinado o alfabeto, proximamente ensina o vyakarana. Eu também
faço o mesmo. A todos os meus discípulos eu tenho pregado acerca do
alfabeto e dos nove tipos de sutras. Tendo feito isto, eu agora falo a-
cerca do vyakarana. Isto nada mais é que a natureza eterna e imutável
do Tathagata. Além disso, oh bom homem! Isto é como nos meses de
verão, quando grandes nuvens provocam trovões, grandes chuvas e,
como resultado, todos os agricultores podem plantar as suas sementes
e colher coisas. Aquele que não planta, nada pode esperar colher. Não
é através dos trabalhos dos reis naga (naga = é uma palavra do
Sanskrito and do Pāli que designa uma deidade - ou classe de entidades
ou seres que assumem a forma de enormes serpentes, mas muitas
vezes com os troncos e cabeças humanas - encontrada tanto no Bu-
dismo como no Hinduísmo) que ele não pode colher. E estes reis naga
também não armazenam coisas. O mesmo se passa comigo. Eu deixo
cair a grande chuva do Sutra do Grande Nirvana. Aqueles seres que
plantaram boas sementes colhem os brotos (rebentos) e frutos da
Sabedoria. Aqueles que não plantaram, nada podem esperar. O Tatha-
gata não é culpado se eles nada ganharam. O Tathagata não esconde
nada.”
O Buda disse: “Oh, bom homem! O amealhado nada mais é que rique-
za e tesouro. Oh, bom homem! Há dois tipos de amealhados: um da-
quilo que é criado e outro daquilo que é não-criado. O amealhado do
criado é aquele que os Sravakas fazem; o amealhado do não-criado é
aquele que o Tathagata faz. Oh, bom homem! Dentre os sacerdotes, há
dois tipos: um é do tipo criado, e o outro é do tipo não-criado. O sacer-
dote do tipo criado é o Sravaka. O sacerdote Sravaka não amealha.
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 131
Homens ou mulheres humildes estão fora-da-lei; assim, guardam arroz,
pasta de feijão, gergelim, pequenos e grandes feijões num armazém.
Se alguém disser que o Tathagata permite possuir serventes, homens
ou mulheres, e as demais outras coisas, sua língua será cortada. Eu digo
que todos os meus discípulos Sravakas são ‘não-armazenadores’. Ou
que eles são aqueles satisfeitos com a sua comida. Se uma pessoa pro-
cura avidamente por comida, tal pessoa não está satisfeita. Dizer que ‘é
difícil traçar os caminhos’ significa alguém que está próximo da Ilumi-
nação Insuperável. Eu disse: ‘A pessoa vai, mas não há lugar para ir’.”
“Oh, Honrado pelo Mundo! Se não é uma coisa, como podem os Sra-
vakas e Pratyekabudas viver?”
Também, ‘não ser oprimido’ é como o espaço em si, por exemplo. Isto
é verdadeira emancipação. O espaço é comparável à verdadeira eman-
cipação. A verdadeira emancipação é o Tathagata. Também, estar sen-
do oprimido é como segurar uma lâmpada junto ao capim seco. Quan-
do ela estiver muito perto, o capim pegará fogo. Este é o caso. Todavia,
não há nada dessa natureza na verdadeira emancipação. Também,
‘não-opressão’ é como o sol e a lua, que não se aproximam muito de
todos os seres. Tal é a situação com a emancipação. A verdadeira e-
mancipação é o Tathagata.
Além disso, emancipação é o que está ‘vazio e quieto’. Não pode haver
indeterminação. Por indeterminada entende-se a situação de dizer que
o icchantika (pessoa descrente) nunca muda e que aqueles que come-
teram graves ofensas nunca atingirão o estado de Buda. Nunca se po-
dem aplicar (fazer valer) tais coisas. Por que não? Quando aquela pes-
soa [icchantika] ganha a fé pura e genuína no Dharma Maravilhoso do
Buda, imediatamente a pessoa aniquila o icchantika [dentro de si]. Ao
tornar-se um upasaka (um seguidor leigo), o icchantika [naquela pes-
soa] morre para sempre; a pessoa que cometeu graves ofensas tam-
O Não-Vazio e a Emancipação.
Kashyapa disse ainda: “Você, o Buda, diz que a paz insuperável é Nirva-
na. Como pode ser isto? Agora, Nirvana significa abandono do corpo e
do intelecto. Se abandonamos o corpo e o intelecto, quem é aquele
que será abençoado com a paz?”
Capítulo 7 – Sobre os Quatro Aspectos Página 155
O Buda disse: “Oh, bom homem! Como um exemplo: existe um ho-
mem aqui. Ele come alguma comida. Após participar dela, ele se sente
mal, deseja sair e vomitar. Depois de vomitar, ele volta. Uma pessoa
que estava com ele pergunta: ‘Você se livrou do problema que você
tinha? Você voltou aqui novamente.’ Tal pode ser o caso. O mesmo se
aplica ao Tathagata. Ele se apartou completamente das 25 existências e
ganhou o Nirvana eternamente, o qual é paz e felicidade. Não pode
haver mais inversões confusamente, nem fim e nem extinção. Todo o
sentimento é erradicado (com o Nirvana). Esta é a felicidade do não-
sentimento. Este não-sentimento é Felicidade eterna. Nunca podemos
dizer que o Tathagata sente Felicidade. Assim, a Felicidade Suprema é
nada mais que o Nirvana. Nirvana é verdadeira emancipação. A verda-
deira emancipação é o Tathagata.”
O Buda disse: “Oh, bom homem! Por exemplo, existe uma pessoa aqui
que segura uma espada em sua mão e com um pensamento irado in-
tenta ferir o Tathagata. Mas o Tathagata se apresenta (com a feição)
benevolente, e não tem o semblante irado. Pode este homem ferir e
Tathagata e cometer o pecado mortal?”
“Não, Oh Honrado pelo Mundo! Por que não? Porque o corpo do Ta-
thagata não pode ser destruído. Por que não? Porque ele não é algo
como o corpo carnal composto. O que existe é o ‘Dharmata’ [Natureza-
do-Dharma]. O princípio do ‘Dharmata’ é indestrutível. Como poderia
este homem esperar destruir o Corpo-do-Buda (que é intangível)? Em
razão do seu mau pensamento, esta pessoa cairia no Inferno Avichi.
Assim, podemos fazer uso de parábolas e vir a conhecer o Dharma
Maravilhoso (que é intangível pela razão humana).”
O Buda disse: “Falaste bem, falaste bem! Você agora protege o Dharma
Maravilhoso, de fato. Qualquer bom homem ou boa mulher que deseje
cortar as amarras da ilusão e todas as outras amarras deveria proteger
o Dharma Maravilhoso assim.”
O Mortal Comum
O Srotapanna e o Sakridagamin
O Anagamin
O Arhat
O Buda disse: “Oh, bom homem! Se você tem dúvida com relação ao
que eu digo, é para você não aceitá-lo. Ainda mais quando você tem de
lidar com essas pessoas. Sendo assim, pondere bem sobre uma coisa e
descubra se ela é boa ou não, se é para você fazê-la ou não. Agindo
assim, nos tornamos abençoados com a paz e a felicidade na longa
noite [Isto é, nossa vida no Samsara]. Oh, bom homem! Existe aqui um
cão com a sua mente fixada em roubar. À noite ele entra na casa das
pessoas. Quando os empregados vêm a saber disto, eles gritam furio-
samente: ‘Caia fora neste instante, ou o mataremos!’ O cão assaltante
ouve isto, foge da casa e nunca mais retorna. De agora em diante, aja
dessa maneira e expulse os Papiyas [(Mara) Papiyas - Pessoas Más,
Demônios], dizendo: ‘Oh, Papiyas! Não se apresentem de tal forma.
Caso se atrevam, os amarraremos com cinco cordas’. Ao ouvir isto,
Mara fugirá e se esconderá. Como o cão assaltante, ele nunca mais se
mostrará.”
Eles dizem: ‘De agora em diante, não devemos mais obstruir o Dharma
Maravilhoso’. Ainda mais, oh bom homem! Os Saravakas e Pratyeka-
budas alimentam medo com relação a todas as ilusões. Aqueles que
estudam o Mahayana não têm tal temor. Praticando-se o Mahayana,
ganha-se tal poder. Como resultado, tudo aquilo que foi dito acima é
para Sravakas e Pratyekabudas acabarem com Maras, e não para o
Mahayana em si. Este sutra Mahayana Todo-Maravilhoso não pode se
acabar facilmente. Tudo é extremamente maravilhoso. Alguém que o
ouve e sabe que o Tathagata é Eterno é muito raro. Tal pessoa é como
a Udumbara. Podem aparecer pessoas que, após a minha morte, ou-
çam os ensinamentos deste maravilhoso sutra Mahayana e ganhem a
fé. Saiba que tais pessoas nunca cairão nos maus domínios da existên-
cia nas futuras eras, através dos 100 mil bilhões de kalpas que virão.”
Oh, bom homem! Você, agora, deveria manter [este sutra] e pensar:
‘Se os seres são perfeitos nas inumeráveis virtudes, eles certamente
acreditarão neste sutra Mahayana e, tendo fé nele, o ostentarão. Tam-
bém pode haver outros seres além destes que possam sentir alegria no
Dharma, e se este sutra for amplamente exposto para tais pessoas,
elas, após ouvi-lo, erradicarão todos os pecados acumulados durante
os inumeráveis asamkhyas de kalpas passados. Aqueles que não crêem
neste sutra, nesta vida, serão atacados por inumeráveis doenças e
serão mal-falados por todas as pessoas. Após [a morte], eles serão
desacreditados pelos outros. [Na vida] eles terão má aparência e suas
finanças não irão bem. Ou talvez, eles possam ganhar um pouco, mas
aquilo será grosseiro e de má qualidade. Serão pobres e da baixa ca-
mada social, durante toda sua vida. Eles podem ganhar vida [renascen-
do] em famílias onde advenham calúnias e más relações.
Há tempos em que devemos partir desta vida, podendo ser uma época
de guerras ou quando as pessoas pegam em armas; ou quando impe-
radores e reis estejam praticando a tirania; ou quando inimizade e
vingança possam nos visitar incessantemente. Poderá existir um bom
amigo [um bom mestre Budista], mas eles [isto é, aqueles descrentes
neste sutra] não terão oportunidade de encontrá-lo. Será difícil para
eles ganharem a sua vida. Eles podem ganhar em uma certa medida,
mas a apreensão pela fome se abaterá sobre eles. Eles serão conheci-
dos apenas pelas pessoas da baixa classe, e reis e ministros não olharão
para trás [dando-lhes atenção]. Pode haver ocasiões em que falem com
razão, mas ninguém lhes dará crédito. Essas pessoas não vão para bons
lugares. São como um pássaro cujas asas estão quebradas. O mesmo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 172
ocorrerá com essas pessoas. Nas vidas que virão, elas não estarão ap-
tas a ganharem um lugar seja no mundo dos seres humanos ou dos
celestiais.
(Kashyapa ainda disse): “Oh, Honrado pelo Mundo! Como posso saber
quem são, e como posso fazer oferecimentos?”
Bom Homem! Por exemplo, um rei morre de uma doença e seu filho, o
príncipe da coroa, ainda é jovem e não apto a ascender ao trono. Existe
um candala [uma pessoa mestiça desprezada, nascida de um pai da
casta Sudra e uma mãe Brâmane] que é rico e cuja fortuna é inestimá-
vel. Ele tem muitos parentes. No final, usando a força, ele tira vanta-
gem da condição de fraqueza do estado e usurpa o trono. Muito antes,
o povo, Monges, Brâmanes e outros se revoltam e fogem para países
distantes. Há pessoas que não fogem, mas que não desejam ver o rei,
bem como os ricos e Brâmanes que não deixarão a sua terra nativa, tal
como as árvores que crescem onde se encontram e onde elas morrem.
O rei candala, vendo os subjugados deixando o país, envia homens
candala para bloquear todas as estradas. E também, após sete dias, ele
põe homens a bater tambores e proclama a todos os Brâmanes: ‘A
qualquer pessoa que celebre a cerimônia de abhiseka [uma cerimônia
de consagração, envolvendo aspersão de água sobre a cabeça], metade
da terra lhe será dada!’ Eles ouvem isto, mas nenhum Brâmane se a-
presenta. Todos dizem: ‘Como poderia um Brâmane fazer tal coisa?’
Então o rei deu ao menino a metade do seu reinado. Juntos, eles reina-
ram sobre todo o reino. Um longo tempo se passou. Então o menino
Brâmane disse ao rei: ‘Eu rejeitei a minha tradição familiar, vim a você
para tornar-me seu mestre e lhe ensinei, Rei, todos os intrincados as-
suntos do encantamento. Ainda assim você não me ajuda’. Então o rei
respondeu: ‘De que forma eu não te ajudo?’. O menino Brâmane disse:
‘Eu ainda não experimentei a amrta que o rei anterior deixou em suas
mãos’. O rei disse: ‘Falaste bem! Oh, meu grande mestre! Eu não sabia.
Se você deseja usá-la, por favor leve isto [amrta] para sua casa’. Então
o menino Brâmane, ouvindo as palavras do rei, levou a amrita para
casa e convidou todos os ministros, e compartilhou (a amrta) com eles.
Todos os ministros, tendo-a, disseram ao rei: ‘é maravilhoso que o
grande mestre tenha a amrta’. Ouvindo isto, o rei disse ao seu mestre:
‘Como é que, oh grande mestre, você experimenta a amrta com todos
os ministros e ainda assim não a mostra para mim?’ Então o menino
Brâmane deu ao rei uma poção venenosa. Tomando a poção, o rei
sentiu-se mal e caiu no chão. E lá ficou inconsciente, como um homem
morto. Então o menino Brâmane chamou de volta o rei anterior, resti-
tuiu-lhe o trono e disse: ‘O trono do leão não pode, por lei, ser ocupado
por um candala. Nunca ouvi desde o passado que um candala alguma
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 177
vez tenha sentado num trono real. Nunca poderia acontecer de um
candala reinar sobre o estado e governar o povo. Oh, grande rei! Agora
você deve suceder o rei anterior e governar o estado equânime e le-
galmente’. Tendo disposto as coisas assim, ele deu um antídoto para o
candala e deixou-lhe despertar. Após despertar, ele retirou-se do país.
Agora, esse menino, agindo dessa forma, não perdeu o prestígio dos
Brâmanes. E os outros, ouvindo o que aconteceu, elogiaram o seu ato e
disseram que isto era uma coisa inédita. Eles disseram: ‘Bem feito, bem
feito! Você realmente se livrou do rei candala’.
O Buda disse: “Oh bom homem! Não fale assim. Por que não? Os
preceitos (shila) recebidos originalmente permanecem intactos e não
são perdidos. Se transgredimos, nos arrependemos. Tendo
Capítulo 8 – Sobre os Quatro Fidedignos Página 179
arrependido, nos tornamos puros. Oh bom homem! Quando uma
barragem está velha e tem buracos nela, a água inevitavelmente
vazará. Por quê? Porque ninguém a reparou. Quando a reparamos, a
água não poderá vazar. O mesmo se passa com o Bodhisattva. Quando
os preceitos são violados, segue-se a confissão [posadha], recebendo
[novamente] os preceitos, e assim vêm as horas de liberdade. As
obrigações monásticas são cumpridas, mas as regras do vinaya não são
como o caso da barragem com furos através dos quais a água vaza. Por
que não? Se houver alguém que defenda o vinaya (conjunto de regras
monásticas), o tamanho da Sangha diminuirá e advirão a frouxidão
moral e a indolência, que somente crescerão. Se houver aqueles que
sejam puros em seus atos e que mantenham em observância os
preceitos, os preceitos (shila) originais permanecerão perfeitos e
válidos. Oh bom homem! Uma pessoa que é relaxada no Veículo [isto
é, com relação às orientações gerais do Buda-Dharma do Mahayana], é
[de fato] relaxada; e uma pessoa que é relaxada com respeito aos
preceitos, não é [de fato] relaxada. O Bodhisattva-Mahasattva não é
relaxado com relação aos ensinamentos disto [isto é, despertar para o
estado real da existência]. Isto é observância dos preceitos. Ele guarda
bem o Dharma-Maravilhoso e banha-se nas águas do Mahayana.
Assim, embora o Bodhisattva viole os preceitos, ele não é [realmente]
relaxado com relação aos preceitos.”
O Dharma e a Pessoa
O Significado e as Palavras
Sabedoria e Consciência
A Apreensão do Significado
Oh bom homem! Pode haver uma pessoa que diga que o Tathagata,
por piedade a todos os seres, olha para aquilo que é mais apropriado
para a ocasião. Como ele (o Tathagata) sabe o que é certo para a ocasi-
Então, todas essas quatro coisas são aquelas que podemos seguir. Se
os preceitos, o abhidharma e os sutras não diferem daquelas quatro
coisas, devemos segui-los. Se uma pessoa diz que há ocasiões e não-
ocasiões, que o Dharma deve ser protegido e que o Dharma não deve
ser protegido, e que o Tathagata permite a todos os Monges recebe-
rem e terem essas coisas impuras, essa (pessoa) não deve ser seguida.
Se os preceitos, o abhidharma e os sutras concordam com isso, essas
três coisas (os preceitos, o abhidharma e os sutras) não podem ser
seguidos. Eu falo sobre essas quatro coisas para o benefício de todos os
seres com olhos carnais, mas não para aqueles que possuem o olho da
Sabedoria. Esse é o porquê falo sobre essas quatro coisas e digo que
elas são aquilo que deve ser seguido. ‘Dharma’ é ‘Dharmata’; ‘significa-
do’ está dizendo que o Tathagata é Eterno e Imutável; ‘Sabedoria’ é
saber que todos os seres possuem a Natureza-de-Buda [‘Buddhata’];
‘apreensão do significado’ significa ser bem versado em todos os sutras
Mahayana.”
Além disso, oh bom homem! Se for dito: ‘Uma vez que o Tathagata não
é perfeito nas inumeráveis virtudes, ele é não eterno e deve mudar. Ele
reside no Todo-Vazio e expõe o não-Eu. Isto não é o caminho do mun-
do’; tal sutra ou vinaya é de Mara. Se um sutra diz: ‘A verdadeira Ilumi-
nação do Tathagata está para além do conhecimento e da compreen-
são. E também, ele é perfeito nos inumeráveis asamkhyas de virtudes.
Portanto, ele é Eterno e não pode haver mudança (é imutável)’, tal
sutra ou vinaya é o que o Buda disse. Qualquer pessoa que siga o que
Mara diz é um aparentado de Mara. Qualquer pessoa que siga o que o
Buda diz é um Bodhisattva.
Se uma pessoa diz que obteve aquilo que supera o poder dos homens
[Pali: ‘uttarimanussadhamma’, um estado do Dharma que é superior
ao estado humano, estado superhumano que transcende as limitações
humanas], ela comete parajika (ofensa grave). Por quê? Porque ela de
fato não atingiu nada, e ainda finge tê-lo feito [ou seja, está dizendo
mentiras]. Essa pessoa retrograda do mundo dos humanos e da Dou-
trina. Isso é uma parajika.
Ou uma pessoa poderia dizer: ‘Não pode haver nada como as quatro
graves ofensas, as treze samghavasesas (são violações de regras de
conduta que podem causar a dissolução da Sangha), as duas aniyatans,
as 30 naihsargika-prayascittikas (lapsos por caducidade), 91 payattikas,
quatro formas de arrependimento, diferentes formas de aprendizado,
sete formas de adhikarana-samatha, e também não pode haver sthu-
latyayas, cinco pecados capitais e icchantikas. Caso um Monge viole
todas essas shilas (regras de conduta de comportamento ético) e caia
no inferno, todos os tirthikas nasceriam no céu. Por quê? Porque eles
não têm quaisquer preceitos para transgredir. Isto mostra que o Tatha-
gata pretende assustar as pessoas. Este é o motivo de ele instituir esses
preceitos. O Buda tem dito que quando os Monges desejam satisfazer
os seus desejos carnais, eles devem largar os seus trajes sacerdotais,
vestir uma roupa mundana e fazê-lo.
‘Alguém extrapolou,
isto está dizendo mentiras [mrsavada].
Se não vemos após-a-vida,
não há pecado que não será cometido’.
Por esta razão, não deveríamos nos aproximar de tal pessoa. O que é
puro neste ensinamento Budista é assim. Poderia acontecer de alguém
que tivesse violado o sthulatyaya, o samghavasesa e o parajika; pudes-
se passar como não tendo pecado? Em razão disto, deveríamos nos
colocar em guarda e proteger esse Dharma. Se não o defendermos,
onde poderá haver qualquer proibição? Eu agora digo nos sutras: ‘Por
cometer qualquer uma das graves ofensas ou quaisquer das ofensas
menores (duskrtas), devemos sofrer dor para remediá-las’. Se não nos
resguardarmos quanto [a transgressão] às proibições, que possibilida-
de poderá haver de vermos a Natureza-de-Buda?
O Buda disse: “Oh bom homem! Eles [os que assim dizem] não violam
o parajika. Por exemplo, oh bom homem! Se qualquer pessoa diz que
no grande oceano existem apenas as sete gemas, não oito, aquela
pessoa não pecou. Se uma pessoa diz que não há menção da Natureza-
de-Buda nos nove tipos de sutras, não pode haver qualquer cometi-
mento de pecado. Por que não? Eu digo que no oceano do Mahayana
da grande Sabedoria existe a Natureza-de-Buda. Como os dois veículos
não sabem ou vêem [isto], não se pode falar que tenham cometido
qualquer pecado, mesmo que eles digam que ela não existe. Isso é uma
coisa que somente o Buda sabe, e que Sravakas e Pratyekabudas não
podem saber. Oh bom homem! Não tendo nunca ouvido sobre a gran-
de profundeza do Dharma secreto do Tathagata, como poderia uma
pessoa esperar saber da existência da Natureza-de-Buda? O que é o
repositório secreto? Nada mais que os sutras Vaipulya. Oh bom ho-
mem! Pode haver tirthikas que falam sobre o eu eterno ou o ‘não-ser’
do eu. Este não é o caso com o Tathagata. Ele diz que existe o Eu, ou –
em outras ocasiões – que não existe. Esse é o Caminho Médio.
Uma pessoa poderia dizer: ‘O Buda fala sobre o Caminho Médio. Todos
os seres possuem a Natureza-de-Buda. Como a ilusão os ofusca, eles
não sabem ou vêem. Assim, um (meio) expediente é aplicado para
cortar as raízes da ilusão’. Uma pessoa que fala assim não comete as
quatro graves ofensas. Isto nós deveríamos saber. Qualquer pessoa
que não fale assim infringe o parajika. Ou uma pessoa poderia dizer:
‘Eu já atingi a Iluminação Insuperável! Por quê? Porque eu possuo a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 202
Natureza-de-Buda. Qualquer pessoa que possua a Natureza-de-Buda
seguramente atingiu a Iluminação Insuperável. Consequentemente, eu
atingi a Iluminação’. Então, deveríamos saber que essa pessoa infringe
o parajika. Por que é assim? Com toda a certeza existe a Natureza-de-
Buda. Mas ainda não tendo praticado o melhor expediente da Via, a
pessoa ainda não a viu. Não a tendo visto, ela não pode ter atingido a
Iluminação Insuperável. Oh bom homem! Com relação a isto, o ensi-
namento do Buda é profundo em seu significado e difícil de entender”.
O Buda disse a Kashyapa: “Um Monge pode, por lucro ou comida, baju-
lar, estabelecer coisas erradamente ou enganar, e dizer coisas tais co-
mo: ‘Como todo o mundo poderá acreditar que eu sou verdadeiramen-
te um Monge real, de tal forma que eu possa obter um grande ganho e
fama?’ Esse Monge, em razão da escuridão da sua mente, sempre pen-
sa e reza: ‘Na verdade, eu ainda não cheguei às quatro metas de um
Sravaka. Como posso estar apto a fazer o mundo pensar que eu as
alcancei? Como posso estar apto a fazer com que Leigos e Leigas pen-
sem sobre mim como sendo um sábio que realizou completamente
todas as verdadeiras virtudes?’. Assim ele pensa. Tudo o que é feito
visa o lucro, e não a Via. Em suas idas e vindas, em suas saídas e chega-
das, avançando e descansando, ele parece pacífico. No seu modo de
vestir e de segurar a sua tigela, a conduta não é perdida. Sozinho, ele
senta num lugar solitário e parece um Arhat. Dessa forma as pessoas
pensam: ‘Esse é o maior dos Monges. Exercitando-se totalmente, ele
pratica a Via da extinção’. Ele pensa: ‘Como resultado disto, com certe-
za ganharei discípulos. As pessoas certamente me oferecerão roupas,
comida, bebida, roupas de cama e remédios. Todas as mulheres me
respeitarão e amarão’. Qualquer pessoa que aja dessa maneira age
contra o Uttarimanussa-Dhamma [estado superhumano que transcen-
de as limitações humanas].
O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Como uma analogia: exis-
te na prole de um rei um grande lutador. Ele tem uma pérola adaman-
tina na sua testa. Esse homem luta com outros lutadores. Quando [cer-
ta vez] a cabeça de outra pessoa tocou a sua testa, a pérola foi para
dentro da carne do lutador, e não se tinha conhecimento de onde ela
estava. Um furúnculo surgiu ali. Um bom médico foi chamado para
curá-lo. Naquela ocasião, existia um bom médico com uma mente bri-
lhante. Ele sabia muito bem como diagnosticar e prescrever remédios.
Ora, ele vê que esse furúnculo apareceu devido ao fato de a pérola ter
entrado no corpo do lutador. Ele compreende que essa pérola pene-
trou a carne e permanece lá. Então, o bom médico indaga o lutador:
‘Onde está aquela pérola que estava sobre suas sobrancelhas’? O luta-
dor fica surpreso e responde: ‘Oh grande mestre e doutor! A pérola na
minha testa não foi perdida? Onde a pérola poderia estar agora? Não é
um milagre [que você saiba sobre ela]’? Ele (o lutador) está preocupa-
do e chora. Então, o doutor pacifica o lutador: ‘Não fique sobrecarre-
gado. Quando você lutou, a gema entrou no seu corpo. Ela agora está
sob sua pele e pode ser vista saliente. Conforme você lutou, o veneno
da raiva queimou tanto que a gema penetrou no seu corpo e você não
a sentiu’. Mas o lutador não compreende as palavras do doutor. ‘Se ela
está sob minha pele, como é que ela não sai devido ao sangue impuro
e o pus? Se ela está em meus nervos, não podemos de forma alguma
vê-la. Por que você tenta enganar-me’? Então, o doutor pega um espe-
lho e o segura em frente ao rosto do lutador. A gema aparece clara-
mente no espelho. O lutador a vê, ficando surpreso e todo maravilha-
do. É como aquilo. Oh bom homem! O caso é o mesmo com todos os
seres. Eles não se aproximam de um bom mestre da Via. Assim, eles
não podem ver a Natureza-de-Buda que está dentro deles, muito em-
bora eles a possuam. E eles são regidos pela avareza, a luxúria, a ira e a
ignorância. Dessa forma, eles caem nos domínios do inferno, da anima-
lidade, dos espíritos famintos, Ashuras, Candalas e vêm a nascer em
diversas casas como as de Kshatriya, Brâhmanes, Vaishya e Sudra. O
O lutador disse que a gema tinha desaparecido, muito embora ela esti-
vesse no seu corpo. O mesmo também se passa com os seres. Não
tendo entrado em contato com um bom mestre da Via, eles não sabem
do tesouro escondido do Tathagata e não estudam o altruísmo. Por
exemplo, quando uma pessoa é dita ser de má índole, não se pode
conhecer a verdadeira qualidade do Eu. O mesmo é verdadeiro com
relação aos meus discípulos. Como eles não se aproximam de um bom
mestre da Via, eles praticam o não-Eu e não sabem onde ele (o Eu)
está. Eles não conhecem a verdadeira natureza do altruísmo. Como,
então, poderiam saber a verdadeira natureza do Eu em si? Assim, oh
bom homem, o Tathagata diz que todos os seres possuem a Natureza-
de-Buda. Isto é como o bom médico fazendo o lutador ver onde a jóia
adamantina repousava. Todos os seres são regidos por inumeráveis
impurezas e, dessa forma, não sabem o paradeiro da sua Natureza-de-
Buda. Quando a ilusão é dissipada, surge a sabedoria e o brilho. Isto é
como o caso do lutador vendo a gema no espelho. Oh bom homem! É
assim o caso em que aquilo que repousa escondido [latente] no Tatha-
gata é imensurável e é difícil para os seres pensarem a respeito.
“Existe uma pessoa que toma amrta, fere a vida e morre cedo,
ou uma outra que toma amrta e ganha longa vida,
ou alguém que toma veneno e ganha vida,
ou um outro que toma veneno e morre.
A Sabedoria sem obstruções, que é a amrta,
não é outra senão os sutras Mahayana.
e esses sutras Mahayana são os que também contêm veneno.
Oh Kashyapa!
“Oh Kashyapa!
Então, o Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Não veja os Três
Tesouros como todos os Sravakas e os mortais comuns fazem. Neste
Mahayana, não existe distinção entre os Três Tesouros. Por que não? A
Natureza-de-Buda contém dentro dela o Dharma e a Sangha. Para
ensinar Sravakas e mortais comuns, recorre-se à discriminação e os três
diferentes aspectos são falados a respeito dos Três Tesouros. Seguindo
o caminho (a maneira) do mundo, é pregada a distinção com relação
aos Três Tesouros. Oh bom homem! O Bodhisattva pensará: ‘Este ‘Eu’
agora se refugia no Buda. Se este ‘Eu’ atinge a Iluminação e o Estado de
Buda, não respeitarei, reverenciarei ou farei oferecimentos a todos os
Budas. Por que não? Porque todos os Budas são iguais. Eles são toma-
Se falamos das ‘dez boas ações’ e ‘dez más ações’, sobre o que pode
ser feito e o que não pode ser feito, dos bons reinos e dos maus reinos,
sobre o ensino branco [sukladharma = saddharma = Dharma Maravi-
lhoso] e o ensino negro [krsnadharma =Pali kanhadhamma], os mortais
comuns concebem duas coisas. Mas o sábio sabe que a natureza é não-
dual e que a natureza do não-dual é a natureza real.
“Oh bom homem! Não diga que existe definitivamente nata no leite ou
que não existe nata no leite. Também, não diga que ela vem de fora
(do leite). Se definitivamente existe nata no leite, como ela pode ser
uma coisa diferente e ter um sabor diferente? Este é o porquê você
não deve dizer que definitivamente existe nata no leite. Se não existe
definitivamente nata no leite, por que é que algo diferente não surge
do leite? Se for colocado veneno no leite, a nata matará uma pessoa.
Este é o porquê você não deve dizer que não existe definitivamente
nata no leite. Além disso, se dissermos que a nata vem de fora, por que
é que a nata não surge da água? Em razão disto, não diga que a nata
vem de algum outro lugar. Oh bom homem! Como a vaca pasta na
grama, seu sangue transforma-se em branco. Grama e sangue morrem
e o poder das virtudes dos seres transforma-os e obtemos o leite. Esse
leite vem da grama e do sangue, mas não podemos dizer que existam
os dois (no leite). Tudo o que podemos dizer é que as condições (rela-
ções) o fazem acontecer. Isso nós podemos dizer. Da nata ao sarpir-
manda, as coisas se passam assim. O caso [aqui] é o mesmo. Em razão
Isto é como no caso das flores nas presas do elefante. Podemos ouvir
tudo acerca dos samadhis dos sutras. Mas se não ouvirmos este sutra,
não poderemos obter a forma maravilhosa do Tathagata. É como
quando não há trovão, não podemos ver flores nas presas do elefante.
Ao ouvir este sutra, se vem a conhecer a secreta [latente] Natureza-de-
Buda, sobre a qual o Tathagata fala. Isso é como ver flores nas presas
do elefante. Ao ouvir este sutra, todos os inumeráveis seres vêm a
saber que isto é a Natureza-de-Buda. Em razão disto, Eu falo sobre o
Grande Nirvana e digo que Eu expando o Corpo-de-Dharma, o Reposi-
tório Secreto do Tathagata. Isto é como com o trovão, quando as flores
caem sobre as presas do elefante. Como isto detém e nutre o grande
significado, isto é chamado ‘Mahaparinirvana’. Se qualquer bom ho-
mem ou mulher aprender esse Todo-Maravilhoso Sutra do Grande
Nirvana, eles devem saber que estão fazendo um trabalho de ação de
graças e que são verdadeiros discípulos do Buda.”
“Oh bom homem! [Como uma analogia]: 100 pessoas cegas consultam
um bom médico à busca de cura. Com isso, o doutor abre a membrana
dos olhos com uma lâmina de ouro e então, levantando um dedo, per-
gunta: ‘Você pode ver isto?’ A pessoa cega diz: ‘Eu não posso vê-lo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 234
ainda’. Então, o doutor levanta dois dedos, e três dedos. Então, a pes-
soa diz que ela pode ver em certa medida. Oh bom homem! Enquanto
este Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana ainda não tinha sido delibe-
rado pelo Tathagata, o caso era o mesmo. Embora inumeráveis Bodhi-
sattvas pudessem praticar perfeitamente os paramitas, eles podiam
alcançar apenas os dez estágios de residência (abodes, ‘bhumis’) e
ainda não podiam estar aptos a ver a Natureza-de-Buda. Se o Tathaga-
ta fala, eles podem ver em alguma medida. Quando esses Bodhisattvas
verem tudo, eles dirão: ‘Oh, maravilhoso, oh Honrado pelo Mundo!
Temos reciclado entre nascimentos e mortes, e estivemos preocupa-
dos com o altruísmo’. Oh bom homem! Esses Bodhisattvas podem
alcançar bem os dez estágios [‘bhumis’ – estágios de desenvolvimento
do Bodhisattva], e ainda não podem ver claramente a Natureza-de-
Buda. Como os Sravakas e Pratyekabudas poderiam vê-la?
Oh bom homem! Existe uma pessoa que tem sede e tem que viajar um
longo caminho através do deserto. A sede o deprime tanto que ele
procura por água em toda parte. Então, ele vê a folhagem de uma ár-
vore com um grou branco nela. Tendo perdido a sua capacidade de
julgar, a pessoa não pode dizer se aquilo é uma árvore ou água. Ele
esforça-se para ver. Então ele vê que é um grou branco e a folhagem
de uma árvore. Algo semelhante ocorre com os Bodhisattvas dos dez
Capítulo 12 – Sobre a Natureza do Tathagata Página 235
estágios de residência, que vêem não mais que uma pequena parte da
natureza do Tathagata.
Também, além disso, oh bom homem! Existe uma pessoa que, na escu-
ridão da noite, vê a imagem de um Bodhisattva e pensa: ‘Isto pode ser
a imagem de um Bodhisattva, do Mahesvara, do Grande Brahma ou de
alguém num traje monástico?’ A pessoa contempla aquilo por um bom
tempo e conclui que é a forma de um Bodhisattva e, no entanto, ela
não o vê muito claramente. O mesmo é o caso com o Bodhisattva dos
dez estágios de residência que vê dentro de si a natureza do Tathagata.
Nada parece ser muito claro.
“Oh bom homem! Ele (o significado) fica nas quatorze bases fonéticas
que constituem os significados. A assim chamada letra é Nirvana. Sen-
do Eterno, ele (o significado) não flui (não dissipa ou é perdido). Aquilo
que não é fluído (dissipado) não conhece um fim. Aquilo que não co-
nhece um fim é o Corpo Adamantino do Tathagata. Essas quatorze
(bases fonéticas) constituem o fundamento das letras.
‘a’ ( अ ) é assim chamado porque ele não pode ser destruído. Aquilo
que é indestrutível representa os Três Tesouros. Por exemplo, isto é
como o diamante. Ele também é assim chamado porque ele não flui
(dissipa). Aquilo que não flui (dissipa) é o Tathagata. Nos nove furos
[isto é as saídas do corpo: dois olhos, dois ouvidos, duas narinas, boca e
as duas saídas das excreções] do Tathagata, não há nada que flua (va-
ze) para fora. Assim, ele é estanque [‘anasrava’ – sem impurezas]. E há
nove furos. Todavia, é ‘estanque’ (‘sem fluxos’). Sem-Fluxos é o Eterno;
o Eterno é o Tathagata. O Tathagata não é aquele que foi criado. Por-
O Buda elogiou Kashyapa e disse: “Falaste bem, falaste bem! Uma pes-
soa que almeja o Dharma Maravilhoso deve aprender as coisas assim”.
Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Se estes são eter-
nos, eles são iguais ao Tathagata?”
“Oh bom homem! Não fale dessa maneira. Por que não? Se dissermos
que o Tathagata é como o Monte Sumeru, isto implica que ele quebra-
rá assim como o Monte Sumeru deverá quebrar quando chegar o tem-
po para a sua desintegração. Oh bom homem! Não veja as coisas as-
sim. Oh bom homem! ‘Dentre todas as coisas, com exceção do Nirva-
na, nenhuma é eterna’. Meramente para conformidade com as formas
da verdade secular, dizemos que a fruta é eterna”.
Um homem deita-se no chão e olha para o céu, onde ele não pode ver
os caminhos por onde os pássaros voaram. Aqui é o mesmo caso. Oh
bom homem! O mesmo é o caso com os seres. Eles não possuem os
olhos celestiais. Imersos na ilusão, eles não podem ver a natureza do
Tathagata que eles possuem. Por essa razão, eu agora exponho os
ensinos secretos do altruísmo. Por quê? Uma pessoa que é desprovida
dos olhos celestiais não conhece o Verdadeiro Eu. Porque ela imagina o
Eu de uma maneira errada. Todas as coisas criadas pela ilusão são não-
eternas. Este é o porquê digo que o Eterno e o não-Eterno são duas
coisas diferentes.
Capítulo 14 – Sobre a Parábola dos Pássaros Página 257
Se com esforço e coragem
alcançamos o cume de uma montanha,
vemos as planícies, a vastidão dos campos e todos os seres.
Como alcançamos o grande palácio da Sabedoria
e o assento que é o mais elevado e maravilhoso,
então já acabamos com a apreensão e o sofrimento
e vemos a apreensão dos seres.
A Parábola da Lua
A Eterna Lua-Cheia
Também, além disso, oh bom homem! Duas pessoas lutam com espa-
das e bastões, causando lesões corporais, derramamento de sangue e
morte. Mas se eles não tivessem intenção de matar, a conseqüência
cármica seria leve, e não pesada. O mesmo é o caso [aqui]. Mesmo em
relação ao Tathagata, se uma pessoa não tem intenção de matá-lo, o
mesmo se aplica à sua ação. Ela é leve e não pesada. O mesmo é o caso
com o Tathagata. Para guiar os seres nos dias que virão, ele mostra as
conseqüências cármicas (leves ou pesadas que os seres carregam).
Também, além disso, oh bom homem! Isto é como o doutor que envi-
da esforços e compartilha conhecimentos médicos básicos com o seu
filho, dizendo que este é o remédio-raiz, este é para o sabor, aquele é
para a cor etc., assim permitindo que o seu filho se torne familiarizado
com as várias propriedades [dos remédios]. O filho presta atenção
àquilo que o seu pai diz, esforça-se, aprende e vem a compreender
todos os [diferentes] tipos de remédios. Chega o tempo em que seu pai
morre. O filho se enternece, chora e diz: ‘o pai ensinou-me dizendo que
este é o remédio-raiz, este é a haste, este é a flor e este é a cor’. O
mesmo se passa com o Tathagata. No sentido de guiar-nos, ele impõe
aos seres muitas restrições. Dessa forma, devemos tentar agir em con-
cordância [com essas restrições] e não contrariá-las. Para aquelas pes-
soas dos cinco pecados mortais, para aqueles caluniadores do Dharma
Maravilhoso, para os icchantikas e para aqueles que podem cometer
tais ações (caluniosas) nos dias que virão, ele manifesta-se de acordo.
Tudo isso é para os dias após a morte do Buda, para os Monges sabe-
O Brilho da Lua
Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, quando o sol nas-
ce, todo o nevoeiro se dispersa. A situação é a mesma com relação ao
Sutra do Grande Nirvana. Se dermos ouvidos uma única vez a ele, toda
a maldade e o karma do Inferno Avichi morrerão. Ninguém pode pene-
trar o que se conquista neste Grande Nirvana (assim como não vemos
o sol na escuridão da noite), que expõe o repositório secreto da natu-
reza do Tathagata. Por esta razão, bons homens e boas mulheres nutri-
rão um pensamento de que o Tathagata é Eterno, é Imutável, que o
Dharma não cessa de ser, e que o Tesouro da Sangha não morre. As-
sim, deveríamos empregar todos os meios, empreendermos esforços e
aprender esse sutra. Essa pessoa, ao longo do tempo, atingirá a Insupe-
rável Iluminação. Este é o porquê esse sutra é dito conter inumeráveis
virtudes e é também chamado aquele que não conhece (ou concebe) o
fim da iluminação. Em razão desta infinitude, podemos dizer Mahapa-
rinirvana. A luz de Brilho Excelente como nos dias de sol. Como ele é
ilimitado, dizemos Grande Nirvana.”
Capítulo 15 – Sobre a Parábola da Lua Página 267
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 268
Capítulo Dezesseis: Sobre o Bodhisattva
“Também, além disso, oh bom homem! De todas as luzes, a luz do sol e
da lua é insuperável. Nenhuma outra luz se iguala a ela. O mesmo se
passa com a luz do Grande Nirvana, que é a mais maravilhosa de todas
as luzes dos sutras e Samadhis. É algo que não pode ser alcançado por
qualquer das luzes de qualquer dos sutras e Samadhis. Por que não?
Porque a luz do Grande Nirvana penetra completamente nos poros da
pele. Embora os seres possam não possuir o Bodhichitta (autodetermi-
nação de atingir a iluminação), ela ainda causa o Bodhi (é um termo
Pāli e Sânscrito para o estado ‘desperto’ ou ‘iluminado’). Esse é o por-
quê dizermos ‘Mahaparinirvana’.”
O Buda disse a Kashyapa: “Se alguém que tenha ouvido este Sutra do
Grande Nirvana disser que ele nunca conceberá o Bodhichitta e [assim]
cometer calúnias, essa pessoa verá um Rakshasa num sonho e sentirá
medo. E o Rakshasa dirá: ‘Hey, bom homem! Se o Bodhichitta não sur-
gir em você, certamente tomarei a sua vida’. Sentindo medo e acor-
dando do seu sonho, a pessoa aspirará o Bodhi. Após a morte, aquela
pessoa nascerá nos três reinos do infortúnio, ou no mundo dos huma-
nos ou seres celestiais, e ela pensará sobre o Bodhichitta. Saiba que
essa pessoa é um grande Bodhisattava. Assim o grande poder divino
desse Sutra do Nirvana possibilita à pessoa que não aspirava a Ilumina-
ção atingir a causa da Iluminação. Oh bom homem! Isto é como um
Bodhisattva aspira o Bodhi. Não é que não haja causa. Assim, os mara-
vilhosos sutras Mahayana são o que o Buda falou.
Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, existe uma árvore
medicinal cujo nome é ‘rei dos remédios’. De todos os remédios, esse é
o melhor. Ele pode ser bem misturado com leite, mel, manteiga, água
ou suco; ou ele pode ser feito na forma de pó ou pílulas, ou podemos
aplicá-lo às feridas, ou cauterizar o corpo com ele, ou aplicá-lo aos o-
Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 271
lhos; ou podemos olhá-lo ou cheirá-lo. Ele cura todas as doenças e
enfermidades dos seres. Essa árvore medicinal não diz para si mesma:
‘Se os seres tomarem a raiz, eles não devem tomar as folhas; se eles
tomarem as folhas, eles não devem tomar a raiz; se eles tomarem a
madeira, eles não devem tomar a casca; se eles tomarem a casca, eles
não devem tomar a madeira’. Embora a árvore não pense dessa ma-
neira, no entanto ela pode curar todas as doenças e enfermidades. O
caso é similar. Oh bom homem! O mesmo também é o caso com esse
Sutra do Nirvana. Ele pode acabar totalmente com todas as más ações,
as quatro graves ofensas, os cinco pecados mortais e quaisquer más
ações internas ou externas [do pensamento, das palavras, ou das a-
ções]. Qualquer pessoa que ainda não tenha aspirado ao Bodhichitta
virá de fato a aspirá-lo. Como assim? Porque este todo-maravilhoso
sutra é o Rei de todos os sutras, assim como a árvore medicinal é o rei
de todos os remédios. Podem existir aqueles que tenham aprendido
esse Sutra do Grande Nirvana ou aqueles que não tenham aprendido.
Ou eles podem ter ouvido o nome deste sutra e, ao ouvi-lo, vieram a
respeitá-lo e compreendê-lo. Através disso, todas as grandes doenças
das impurezas serão aniquiladas. Somente o icchantika não pode espe-
rar atingir a Iluminação Insuperável, como no caso do remédio todo-
maravilhoso que, embora ele de fato cure todas as doenças e enfermi-
dades, não pode curar aquelas pessoas que estão à beira da morte.
O Buda disse: “Oh bom homem! Dizemos que ‘não vemos’, o que signi-
fica que nós não vemos a Natureza-de-Buda. ‘Bem’ refere-se à Ilumina-
ção Insuperável. Dizemos que ‘não fazemos’, o que significa dizer que
nós não nos aproximamos de um bom amigo [bom mestre do Budis-
mo]. Nós ‘apenas vemos’ significa dizer que nós vemos as coisas como
não tendo relações causais. Por maldade entende-se a calúnia aos Su-
tras Mahayana Vaipulya. ‘Fazer’ corresponde à fala dos icchantikas
dizendo que não pode haver qualquer Vaipulya. Em razão disto, não
existe oportunidade para o icchantika voltar o seu pensamento para
aquilo que é puro e bom. O que é ‘Bom Dharma’? É Nirvana. Aquele
que caminha ao longo da via do Nirvana realmente pratica o que é
sábio e bom. Com o icchantika, não há nada que seja sábio e bom.
Como resultado, não pode haver retorno em direção ao Nirvana. O que
devemos ‘temer’ significa o temor de caluniar o Dharma Maravilhoso.
Quem tem medo? É o sábio. Por quê? Porque uma pessoa que calunia
não tem bons pensamentos e nem bons expedientes. A via (estrada)
que é difícil de passar faz alusão a todas as práticas.”
Também, além disso, ‘não ver o que fazemos’ significa que o icchantika
não vê tudo o que ele faz. Esse icchantika, com base na arrogância,
perpetra muitas más ações. Agindo assim, ele não tem medo. Como
resultado, ele não pode atingir o Nirvana. Por exemplo, isto é como no
caso de um macaco que tenta agarrar a lua refletida na superfície de
um lago. Oh bom homem! Mesmo que todos os inumeráveis seres
atingissem a Iluminação Insuperável em um momento, nenhum dos
Tathagatas veria o icchantika atingindo a Iluminação. Por essa razão,
dizemos que ‘o que é feito não é visto’. Além disso, qual ação que não
é vista? Aquela do Tathagata. O Buda, para o benefício dos seres, diz
que existe a Natureza-de-Buda. O icchantika, ainda que repetindo vi-
das, não pode conhecer ou ver [a Natureza-de-Buda]. Este é o porquê
dizemos que não vemos o que o Tathagata faz. Também, o icchantika
pensa que o Tathagata entra no Nirvana por razões óbvias, dizendo
que tudo é transitório, exatamente como quando a chama se apaga, é
porque o óleo acabou. Por quê? Porque as más ações dessa pessoa
nunca chegam a um fim. Se houver um Bodhisattva aqui que transfira
[os méritos de] todas as boas ações que ele tem feito com vistas à Ilu-
minação Insuperável àqueles da classe dos icchantikas, eles cometerão
a calúnia e não compreenderão. A despeito disto, todos os Bodhisatt-
vas perseveram como sempre na doação e no desejo de atingir a Ilu-
minação. Por quê? Isto é como as coisas se procedem com as leis
[dharmas] de todos os Budas.
‘A maldade é feita,
mas o resultado não aparece de uma só vez.
Ele aparece como a nata que vem do leite.
Isso é como quando a cinza é colocada sobre um fogo
e o ignorante descuidadamente pisa nele’.
O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, essas pessoas têm so-
nhos nos quais elas caem no inferno, sofrem dores lá e se arrependem
dizendo: ‘Oh, essa dor! Nós as provocamos e as atraímos para nós
mesmos. Se pudermos sair disto, certamente cuidaremos da Ilumina-
ção. O que temos (aqui) é o pior [dos sofrimentos]’. Despertando do
seu sonho, eles vêm a enxergar a grande recompensa do Dharma Ma-
ravilhoso aguardando-lhes. É como no caso da criança que gradual-
mente cresce e pensa: ‘Esse é o médico que melhor entende de pres-
crições e medicamentos. Quando eu ainda estava no útero, ele medi-
cou a minha mãe. Como conseqüência disso, ela ficou em paz e, em
razão desses fatores circunstanciais, fiquei fora de perigo. Oh, quão
Capítulo 16 – Sobre o Bodhisattva Página 279
terrível que minha mãe tenha sofrido grandes dores. Por dez meses ela
protegeu-me e carregou-me. Após o meu nascimento, ela cuidou para
que eu não ficasse muito seco ou muito molhado, vendo através das
minhas excreções; ela deu-me leite e alimentou-me. Por tudo isto,
devo lhe retribuir o meu débito, ver os seus sentimentos, ser obediente
e servir-lhe’.
Também, além disso, oh bom homem! Existe um médico que ouve que
o filho de certa pessoa está possuído por um demônio. Assim, ele envia
O Rei do Vento
A Pele da Serpente
Também, além disso, oh bom homem! Você acha que a morte vem ou
não para a serpente conforme ela troca a sua pele?”
O Ministro Sábio
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! O que você
conhece do insuperável sabor do Dharma é profundo e difícil de pene-
trar. Mesmo assim, você conhece bem. Você age como a abelha. Tam-
bém, além disso, oh bom homem! É como no caso da água do pântano
na qual os mosquitos vivem e que não serve para molhar essa terra. O
mesmo será o caso no futuro com a propagação deste sutra no mundo.
É exatamente como o terreno pantanoso onde os mosquitos vivem.
Quando o Dharma Maravilhoso tornar-se extinto, este sutra tornar-se-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 292
á extinto nesta terra (Índia). Saiba que isto é o declínio da fortuna deste
sutra. Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, após o ve-
rão vem o outono, quando as chuvas outonais caem uma após a outra.
O mesmo é o caso com esse Sutra Mahayana do Grande Nirvana. Para
o benefício dos Bodhisattvas do sul, a disseminação se procederá am-
plamente, e haverá a chuva do Dharma, a qual umedecerá completa-
mente a terra. Quando o Dharma Maravilhoso estiver para tornar-se
extinto (naquela terra – Índia), ele irá para a Kashemira e nada restará.
Ele entrará na terra e tornar-se-á extinto. Pode haver uma pessoa que
seja fiel ou uma pessoa que não seja. O doce sabor de todos esses su-
tras Mahayana Vaipulya então afundará no chão. Quando o sutra [Ma-
haparinirvana] morrer, todos os outros sutras Mahayana morrerão
também. Se este sutra é perfeito, ele é nada mais que o elefante rei
dos homens. Todos os Bodhisattvas devem saber que o insuperável
Dharma Maravilhoso do Tathagata está prestes a extinguir-se em bre-
ve.”
O Buda disse: “Oh bom homem! O que você quer dizer com ‘uma men-
te que duvida’? Fale! Eu explicarei [o assunto].”
“Oh bom homem! Por esta razão, pode haver diferença entre o Buda,
o Bodhisattva, o Sravaka e o Pratyekabuda; e não pode haver diferen-
ça.”
Kashyapa disse: “Como você, o Buda, ensinou-me, agora eu, pela pri-
meira vez, compreendi os pontos de diferenaça e não-diferença. Co-
mo? Porque todos os Bodhisattvas, Sravakas e Pratyekabudas atingirão
o Mahaparinirvana no futuro. Isto é como acontece com todos os rios
correndo para o oceano. Este é o porquê dizemos que os Sravakas e
Pratyekabudas são eternos e não não-eternos. Em razão disto, há dife-
rença e não há diferença.”
O Buda disse: “Oh bom homem! É como no caso de uma vaca que é
recém-nascida e não há diferença entre leite e sangue. O mesmo é o
caso com a natureza dos seres, a qual contém todas as impurezas.”
O Buda disse a Kashyapa: “Se uma pessoa não sabe que os Três Tesou-
ros sempre existem, em conseqüência a sua boca será secada e quei-
mará. Em razão disto, a boca humana toma o caminho errado e aquela
pessoa torna-se inapta a distinguir os seis sabores que são o doce, a-
margo, pungente, ácido, salgado e suave. Todos os seres são ignoran-
tes, não possuem intelecto e não sabem que existem os Três Tesouros.
Portanto, dizemos: ‘Lábios e boca secaram e queimaram’. Também,
além disso, oh bom homem! Qualquer pessoa que não saiba que o
Tathagata é eterno, tal pessoa é congenitamente cega. Qualquer pes-
soa que saiba que o Tathagata é eterno, embora dotado com olhos
carnais, é alguém que possui os Olhos Celestiais. Também, além disso,
oh bom homem! Qualquer pessoa que saiba que o Tathagata é eterno,
de há muito estudou sutras deste tipo. Eu também digo que essa pes-
soa pertence à classe das pessoas possuidoras dos Olhos Celestiais. Se
uma pessoa não sabe que o Tathagata é eterno, essa pessoa cai na
classe daqueles que possuem meramente os olhos carnais. Esse tipo de
pessoa não conhece as suas próprias mãos e membros, e nem a forma
Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa dá à luz uma crian-
ça. Após seis meses, ela fala, mas as palavras que ela fala não podem
ser compreendidas. Os pais ensinam-lhe as palavras, primeiro repetin-
do o mesmo som. Passo a passo, as coisas evoluem. É assim. É o caso
que as palavras dos pais possam ser incorretas?”
“Não Honrado pelo Mundo! Por que não? Porque a fala do Tathagata
é como o rugido de um leão. Seguindo os sons do mundo, ele fala so-
bre o Dharma para o benefício dos seres.”
Então o Honrado pelo Mundo disse a Cunda: “As coisas que você vê
não são raras?”
O Buda disse a Cunda: “Todos os Budas que você viu diante de você
eram Budas da minha própria transformação [isto é, projeções]. Era
para beneficiar todos os seres e torná-los felizes. Todos esses Bodhi-
sattvas Mahasattvas aqui têm inumeráveis coisas a praticar (fazer).
Todos eles fazem o que os inumeráveis Budas fazem. Oh Cunda! Agora
você realizou (abarcou) o que os Bodhisattvas fazem e está completo
(perfeito) naquilo que o Bodhisattva dos dez ‘bhumis’ (estágios) faz.”
“Oh bom homem! O que estabeleci tem e não tem mais (significado
ou conteúdo) do que estabeleci.”
O Buda disse a Cunda: “Caso algum Monge, Monja, Leigo ou Leiga fale
mal do Dharma Maravilhoso, e cometa graves ofensas, não se arre-
penda, e em sua mente não pense que ele foi mau, essa pessoa inevi-
tavelmente será alguém que estará trilhando o caminho de um icchan-
tika. Qualquer pessoa que tenha cometido pecados graves tais como as
quatro graves ofensas e os cinco pecados mortais, e que, sabendo que
ela transgrediu, nunca tema ou se arrependa e não confesse, que não
está intencionada em proteger, sentir amor e edificar o Dharma Mara-
vilhoso do Buda, mas fale mal dele, menospreze-o e aponte para coisas
[supostamente] erradas, é uma pessoa que está trilhando o caminho
de um icchantika. Também, uma pessoa que diz que não existem coisas
como os Três Tesouros é uma pessoa que está trilhando o caminho de
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 308
um icchantika. Exceto para esses, você deve realmente dar (doar). E
isso é louvável.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Não indague tais coisas. Por exemplo,
existe um homem aqui que comeu uma manga. Mais tarde, ele pega o
caroço e pensa: ‘Pode haver algo de doce neste caroço’. Então ele o
pega, quebra-o e mastiga-o. O sabor é extremamente amargo e ele
lamenta [sua ação]. Pensando que ele pode perder a semente, ele
volta atrás e planta-o. Ele nutre-o cuidadosamente às vezes com man-
teiga, óleo e leite. O que isto significa? Você pensa que a planta nasce-
rá?”
Cunda ainda disse: “Por que é que o Tathagata pronunciou esses versos
(gatha)?”
“O que o Buda diz neste gatha tem mais significado. Por favor, condes-
cenda em dizer-nos os detalhes. Por quê? Oh Honrado pelo Mundo!
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 312
Nos 3.000 grandes sistemas de mil mundos, existe um país chamado
Godaniya (um dos quatro continentes, a oeste, que se diz cercar o
Monte Sumeru). Naquela terra existe um rio que é reto. Esse rio é
chamado ‘Shabaya’. Ele é como uma linha reta e corre para o mar no
oeste. O Buda ainda não falou disto em outros sutras. Por favor, oh
Tathagata, condescenda em expor no âmbito dos agama-sutras Vaipul-
ya aquilo que foi deixado de lado nas explanações, para permitir aos
Bodhisattvas terem uma profunda fé e compreensão. Oh Honrado pelo
Mundo! Por exemplo, existe um homem aqui que pode saber primeiro
sobre um lingote de ouro, mas não do ouro. O mesmo ocorre com o
Tathagata. Ele conhece todas as leis (dharmas) e, todavia, ainda há
partes deixadas de lado em sua fala [isto é, ele não disse tudo que sa-
be]. O Tathagata nos concede esses sermões e, todavia, ainda pode-
mos não compreender bem qual o significado intencionado. Todas as
florestas seguramente têm árvores e há também outras coisas [nelas].
Por quê? Diversas coisas como ouro, prata e berílio estão lá; veios de
gemas são também chamados árvores. Dizemos que todas as mulheres
são lisonjeiras; no entanto, elas são mais do que isso. Por quê? Por que
existem mulheres que observam (e mantém) os preceitos e são perfei-
tas nas virtudes, tendo um grande e compassivo coração. Toda a liber-
dade é certamente paz (boa-aventurança), mas existe ainda algo mais.
Por quê? Alguém que tenha liberdade é um Chakravartin. O Dharmara-
ja [Rei-do-Dharma] Tathagata não pertence ao Yama [o governador dos
infernos]. Ele não pode morrer. Bhrama e Shakra são sem impedimen-
tos [sem restrições] e, mesmo assim, eles são não-eternos. O que é
eterno e imutável é chamado sem impedimentos. Isto é o Sutra Maha-
yana do Grande Nirvana.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Você agora fala bem. Pare e ouça-me
por um momento. Oh Manjushri! Como um exemplo: um homem rico
adoece e sofre. Um bom médico vê [isso] e prepara algum remédio. O
homem doente é guloso e toma muito. O doutor diz: ‘Se o seu corpo
pode sustentar-se, você deve realmente tomar tanto quanto lhe a-
prouver. Mas o seu corpo está fraco agora. Não tome muito. Saiba bem
que isto é amrta [ambrósia, néctar], mas ao mesmo tempo um veneno.
Capítulo 17 – Sobre Questões Suscitadas pela Multidão Página 313
Se tomado em excesso e não digerido, torna-se venenoso’. Oh bom
homem! O mesmo é o caso com o Tathagata. Tudo foi feito para o rei,
a rainha, o príncipe herdeiro, o príncipe e o ministro. O príncipe e a
rainha do Rei Prasenajit eram arrogantes. Para ensiná-los, o medo era
apropriado. Especialmente para (pessoas como) o médico um gatha
(versos) como este é proferido:
Eu, o Buda, disse ao grande rei: ‘Agora você matou o seu pai. O pecado
mortal já foi cometido. É o maior dos pecados, cuja consequência é a
vida no Inferno Avichi. Confesse e purifique-se. Por que você olha para
O Tathagata falou este gatha, o qual não está completo. Por que não?
O Arhat, o Chakravartin, mulheres bonitas, elefantes, cavalos, tesourei-
ros e ministros não podem ser feridos por devas e asuras com espadas
afiadas em suas mãos. Soldados valentes, mulheres corajosas, os reis
dos cavalos, os reis das bestas e Monges que observam os preceitos
não sentem medo, mesmo quando atacados. Por esta razão, podemos
dizer que o gatha do Tathagata também contém elementos não expli-
cados. Você pode dizer: ‘Coloque-se dentro da parábola’. Mas isto con-
tém mais do que está dito. Por quê? Se um Arhat é feito objeto da pa-
rábola, não pode haver pensamento do eu e vida. Se existe o pensa-
mento do eu e vida, necessitamos de proteção. Os mortais comuns
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 316
também pensarão que o Arhat é uma pessoa que pratica a Via. Essa é
uma visão pervertida. Se mantivermos uma visão pervertida, após a
nossa morte, cairemos no Inferno Avichi. E pensar que um Arhat tem
um pensamento de ferir um mortal comum não é possível. E nenhum
dos inumeráveis seres, qualquer que seja, pode ferir um Arhat.”
[E assim] ele o fez como qualquer criança ou alguém que está doente.
Então, o Tathagata, tendo falado assim, deitou-se sobre seu lado direi-
to, como qualquer criança doente na cama, tudo para disseminar o
Dharma para todos os seres.
Oh Honrado pelo Mundo! Você não tem doenças. Por que você se
reclina sobre o lado da sua mão direita? Todos os Bodhisattvas dão
remédios aos pacientes e quaisquer méritos que surjam da doação são
todos oferecidos a todos os seres e transferidos para a Grande Sabedo-
ria. Isto é para remover os obstáculos das impurezas, os obstáculos do
carma, e aqueles das retribuições cármicas. Os obstáculos das impure-
zas são a avareza, o ódio, a ignorância e a ira diante do que é desagra-
dável, a ilusão que obscurece o pensamento, dificultando dessa manei-
ra o bem de produzir seus brotos; [os obstáculos também são] a preo-
cupação ardente, inveja, mesquinhez, mentira, lisonja, não sentir ver-
gonha de si mesmo, não sentir vergonha dos outros, orgulho, orgulho-
desmedido, orgulho simulado (fingido), orgulho da auto-estima, orgu-
lho de si, orgulho distorcido, arrogância, indolência, presunção (auto-
importância), ressentimento mútuo, arguição (disputa, contenda), vida
errada, lisonjear, enganar usando diferentes aparências, perseguir o
lucro pelo lucro, buscar coisas através das vias erradas, buscar a fortu-
na, faltar com respeito, não observar as injunções, e associar-se com
maus amigos.
Esses três obstáculos (das impurezas, das ações (carma) e das retribui-
ções) são as maldades. Todavia, o Bodhisattva, quando praticando a
Via através de inumeráveis kalpas, dispôs remédios para todas as do-
enças e sempre fez votos de libertar os seres eternamente das doenças
graves dos três obstáculos.
Também, além disso, oh Honrado pelo Mundo! Existe uma pessoa que
está doente na cama e cujo físico está alquebrado; ela fica com o seu
rosto para baixo ou de lado, ou sobre a cama. Então, as pessoas negati-
vamente pensam que a morte não está longe. O mesmo é o caso com
o Tathagata. Os 95 (tipos de) tirthikas observam e acalentam o pensa-
mento do não-eterno. Eles certamente dirão: ‘As coisas [no Budismo]
não são como com a nossa própria doutrina, na qual nos baseamos no
eu, natureza, homem, tranqüilidade, tempo, mote [‘prakrti’ – matéria
primordial], e pensamos que essas (coisas) são eternas e não sofrem
mudança. O Shramana Gautama está agora sujeito a mudança. Isto
meramente revela a lei da mudança’. Por esta razão, oh Honrado pelo
Mundo, você não deveria silenciar e reclinar sobre o lado da sua mão
direita.
Além do mais, há oito tipos de infernos do frio, que são: Apapa, Atata,
Arbuda, Ababa, Utpala, Kumuda, e Pundarika. Os seres nascidos lá são
sempre oprimidos pelo frio. O que acontece lá é a contração e tração
(esticamento) do corpo, despedaçamento e quebra, ferimentos mú-
tuos, todos os quais, encontrando essa luz, acabam; surgindo então a
harmonia e o calor que confortam e satisfazem o corpo. Esta luz, tam-
bém, proclama o Repositório Secreto do Tathagata, dizendo: ‘Todos os
seres possuem a Natureza-de-Buda’. Os seres ouvem isto, sua vida
termina e eles nascem nos mundos dos humanos e seres celestiais.
Quando isto acontece, aqui no Jambudvipa e em todos os outros mun-
dos, os infernos tornam-se vazios e nenhum de nós verá (seres) sendo
punidos, exceto os icchantika.
Os seres nascidos no reino dos animais ferem e devoram uns aos ou-
tros. Encontrando essa luz, todo o ódio se afasta. A luz também pro-
clama o Repositório Secreto do Tathagata e diz: ‘Todos os seres possu-
em a Natureza-de-Buda’. Os seres ouvem isto, suas vidas terminam e
eles nascem nos mundos dos humanos e seres celestiais. Então não há
mais (seres) no reino dos animais, exceto para aqueles que caluniam o
Dharma Maravilhoso.
Em cada flor, senta-se um Buda. Seu halo tem seis pés de diâmetro e
uma luz dourada brilha resplandecente. É maravilhoso e austero. É
insuperável e incomparável. As 32 marcas distintivas da perfeição e as
80 características menores de excelência adornam o corpo [de cada
Buda]. Entre aqueles Honrados pelo Mundo, alguns estão sentados,
alguns caminhando, alguns deitados, alguns de pé e alguns estão emi-
tindo o som do trovão; alguns estão fazendo precipitar uma chuva
torrencial, alguns estão lampejando relâmpagos, alguns soprando um
grande vento e outros estão expelindo fumaça e chamas. Seus corpos
parecem uma bola de fogo. Alguns mostram montanhas, lagoas, lagos,
rios, florestas e árvores, todas de gemas (preciosas). Também, eles
mostram terras, cidades (no entorno) de castelos, vilas, palácios e ca-
sas, todas de gemas (preciosas). Ou eles mostram elefantes, cavalos,
leões, tigres, lobos, pavões, fênix chinesas e todos esses pássaros. Ou a
todas as pessoas do Jambudvipa é permitido ver os reinos do inferno,
da animalidade e dos espíritos famintos. Ou os seis céus do mundo do
desejo são mostrados. Ou pode haver um Honrado pelo Mundo que
fale sobre todas as maldades e aflições de todas as coisas que perten-
cem aos cinco skandhas (agregados), aos 18 reinos e às 12 esferas. Ou
Capítulo 18 – Sobre Doenças Reais Página 333
o Dharma das Quatro Nobres Verdades é exposto, ou algum [Buda]
pode falar sobre relações causais. Algum outro pode falar sobre o Eu e
o não-Eu, ou algum pode estar falando sobre o par [de opostos], sofri-
mento e felicidade; ou algum pode estar falando sobre o Eterno e o
não-Eterno. Ou algum outro pode estar falando sobre o Puro e o não-
Puro. Ou poderá haver um Honrado pelo Mundo que fale para o bene-
fício dos Bodhisattvas sobre as virtudes que todos os Bodhisattvas ad-
quirem. Ou algum outro poderá estar falando sobre as virtudes dos
Sravakas. Ou outro poderá estar falando sobre o ensinamento do Veí-
culo Único [‘ekayana’ – o ensinamento no qual todos os seres igual-
mente atingem a mesma Iluminação]. Ou algum outro pode ser um
Honrado pelo Mundo que jorra água pelo lado da mão direita do seu
corpo e fogo pelo lado da sua mão esquerda. Ou um outro pode mos-
trar [seu] nascimento, renúncia, (seu) sentar no Bodhimanda [lugar da
Iluminação] sob a árvore Bodhi, seu maravilhoso Girar da Roda (da Lei)
[isto é, o ensino do Dharma do Buda], e sua entrada no Nirvana. Ou
pode haver um Honrado pelo Mundo que emita o rugido do leão, per-
mitindo a qualquer um que o ouça atingir os estágios desde o primeiro,
segundo, terceiro até o quarto [isto é, o ‘arya-marga’ (nobres cami-
nhos) do srotapanna (um monge que nascerá apenas entre duas e sete
vezes antes de ganhar a libertação), sakridagamin (renasce apenas
mais uma vez após a morte), anagamin (não mais retorna a este mun-
do), e arhat (um santo)]. Ou pode haver um outro que fale sobre as
inumeráveis relações causais [por meio] das quais podemos escapar do
ciclo do nascimento e da morte. Naquela ocasião, neste Jambudvipa,
todos os seres encontraram essa luz; o cego viu as cores, o surdo tor-
nou-se apto a ouvir, o mudo falou, o aleijado andou, o ganancioso ob-
teve a fortuna, o avarento deu, o irado sentiu compaixão e o descrente
acreditou.
Quando esses versos foram ditos, todo os Budas sentados nas flores de
lótus moveram-se desde o Jambudvipa até o Céu Suddhavasa [o mais
elevado dos céus do quarto céu dhyana do ‘rapadhatu’], e todos ouvi-
ram isto.
Oh Kashyapa! Existe uma pessoa que está doente (e que não é dos três
tipos acima). Se for feito o atendimento dela, se há uma atitude em
conformidade e remédios, a doença pode ser curada. Se não há essas
três coisas, não existe maneira de curar [a doença]. O mesmo é o caso
com Sravakas e Pratyekabudas. Eles ouvem o que o Buda e os Bodhi-
sattvas dizem, e eles realmente aspiram à Iluminação Insuperável. Não
é que eles não ouçam o ensinamento (ou seja, não sejam atendidos) e
aspiram à Iluminação. Oh Kashyapa! As pessoas doentes (comuns e
não dos três tipos) são aquelas com relação às quais pode haver aten-
dimento, uma atitude em conformidade e remédios – ou pode não
haver essas coisas. Todas são curadas. Esse é o caso de alguém do tipo
comum. Uma pessoa pode cruzar com um Sravaka ou não; uma pessoa
pode cruzar com um Pratyekabuda ou não; uma pessoa pode cruzar
com um Bodhisattva ou não; uma pessoa pode cruzar com um Tatha-
gata ou não; uma pessoa pode ter a oportunidade de ouvir o ensina-
mento ou não. Uma pessoa pode atingir naturalmente a Iluminação
Insuperável. Alguns, para o seu próprio benefício, ou para o benefício
dos outros, sem medo, ou por lucro, ou pela lisonja, ou para enganar os
outros, ostentarão ou recitarão, farão oferecimentos, respeitarão ou
concederão sermões aos outros sobre o Sutra do Grande Nirvana.
O terceiro tipo de pessoa é aquela que corta os cinco grilhões das ilu-
sões [‘pancavarabhagiyasamyojanani’] que a prendem ao kamadhatu
[mundo do desejo] e atinge a luz do Anagamin. Essa pessoa nunca mais
renascerá aqui neste mundo, cortará eternamente as amarras de todos
os sofrimentos e atingirá o Nirvana. Este é o terceiro caso daquele que,
tendo uma doença, ganha um lugar para nascer nele. Essa pessoa, após
40.000 kalpas, atingirá a Iluminação Insuperável.
Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO II – Ações Sagradas
Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO II – Ações Sagradas
Também, ele jura: ‘Eu preferiria ter minha cabeça e pernas trituradas
com um martelo de ferro do que ser respeitado e adorado por Kshatri-
yas, Brâmanes e Monges que me façam quebrar os preceitos’.
Por quê? Porque tudo isto carrega aqueles que praticam a Via para os
domínios do inferno, da animalidade e dos espíritos famintos.
Oh bom homem! Por que dizemos ‘ações sagradas’? Isto é assim cha-
mado porque o que se faz é o que o Buda e Bodhisattvas fazem. Por que
chamamos o Buda e o Bodhisattva de ‘pessoas sagradas’? Eles são as-
sim chamados porque sempre meditam sobre o ‘Dharmata’ [essência
da Realidade], sobre a quietude do Vazio. Por esta razão, dizemos que
eles são pessoas sagradas. Como eles mantêm em observância os pre-
ceitos sagrados, eles são pessoas sagradas. Como eles possuem o Dhya-
na e a Sabedoria Sagrada, eles são pessoas sagradas. Eles possuem as
sete propriedades sagradas, as quais são: fé, preceitos, arrependimen-
to, audição-privilegiada, Sabedoria, equanimidade e discernimento.
Este é o porquê eles são chamados pessoas sagradas. Como eles possu-
em os sete despertares sagrados, eles são pessoas sagradas. Por esta
razão, também, dizemos ‘pessoas sagradas’.
Nascimento e Envelhecimento
As Doenças
A Morte
Oh Kashyapa! Certa vez existiu uma mulher que veio à casa de uma
pessoa. Ela se enfeitou esplendidamente. Parecia linda e seu corpo es-
tava adornado com colares de pedras variadas. O chefe da casa a viu e
indagou: ‘Qual é o seu nome? A quem você representa (pertence)?’ A
mulher respondeu: ‘Eu sou Gunamahadevi’. O homem da casa indagou:
‘O que você faz onde quer que vá’? A devi (Devi é sinônimo de Shakti, o
aspecto feminino do divino) respondeu: ‘Onde quer que eu vá, dou às
pessoas várias coisas, tais como ouro, prata, berílio (água marinha),
cristal, pérolas, coral, lápis-lazúli, ágata, elefantes, cavalos, veículos,
empregados homens ou mulheres e meninos mensageiros’. Ouvindo
isto, o homem da casa sentiu-se extremamente satisfeito: ‘Agora a for-
tuna está do meu lado. Este é o porquê você está em minha casa’. Ele
queimou incenso, espalhou flores, fez oferecimentos e a reverenciou.
Também, do lado de fora do portão, ele encontrou uma mulher feia e
maltratada, cujas roupas estavam esfarrapadas, rasgadas, e com a apa-
rência corrompida pela gordura e a sujeira. Sua pele estava ressecada e
ela parecia pálida e branca. Vendo-a, ele indagou: ‘Qual é o seu nome?
A quem você representa (pertence)?’ A mulher respondeu: ‘Meu nome
é ‘Escuridão’.’ Ele ainda indagou: ‘Por que ‘Escuridão’?’ A mulher res-
pondeu: ‘Onde quer que eu vá, a fortuna daquela casa desaparece’.
Ouvindo isto, o homem brandiu uma espada afiada e disse: ‘Vá embora!
Se você não for, eu a matarei’. A mulher disse: ‘Você é um tolo e caren-
te de sabedoria’. O homem indagou: ‘Por que sou tolo e carente de
sabedoria?’ A mulher respondeu: ‘A mulher em sua casa é minha irmã
mais velha. Eu sempre a acompanho. Se você me expulsar, ela o deixa-
rá’. O dono da casa entrou e indagou a Gunadevi: ‘Do lado de fora da
casa há uma mulher que diz ser sua irmã. Isso é verdade?’ Gunadevi
disse: ‘De fato ela é minha irmã. Eu sou sempre acompanhada por ela,
nas idas e vindas; nunca nos separamos. Onde quer que eu vá, eu sem-
pre faço o bem e ela sempre faz o mal. Eu concedo benefícios e ela os
retira. Se você me ama, a ama também. Se você me respeita, a respeita
O Sofrimento do Envelhecimento
Também, além disso, oh Kashyapa! Por exemplo, um rio seco não pode
beneficiar humanos, não-humanos, pássaros voando ou bestas corren-
O Sofrimento da Doença
O Sofrimento da Morte
O Buda disse: “Oh bom homem! Isto vem do fato de que no quarto
Dhyana não fica uma mancha de pecado, dentro ou fora dele. O primei-
ro Dhyana tem pecado e doença nele. Dentro, ele tem a meditação
iluminada, mas fora, há fogo. O segundo Dhyana tem pecado e doença
Também, além disso, por exemplo, todas as gramas e árvores são varri-
das para o fundo do grande mar se o volume das águas aumenta provo-
cando assolamento, exceto o salgueiro amargo e o salgueiro comum,
uma vez que são leves e maleáveis. Oh bom homem! O mesmo é o caso
com todos os seres. Todos seguem e sucumbem no mar da morte, exce-
to o Bodhisattva que reside no Mahayana Mahaparinirvana, com o qual
não se pode acabar.
Então, para Nascido-Chefe, quinze dias após o seu nascimento, foi reali-
zado o rito da abhiseka [unção] numa edificação elevada, e ao leste
estava o tesouro da roda de ouro [um dos sete tesouros que se diz um
Chakravartin possuir]. A roda tinha 1.000 raios e era perfeita no seu
centro. Não era algo feito por um artesão, mas algo que havia surgido
naturalmente. O grande rei, Nascido-Chefe, pensou: ‘Nas eras passadas,
ouvi o que foi dito por um Rishi que era pleno nos poderes divinos: Se
um rei Kshatriya for banhado [batizado], receber o rito da purificação
no topo de uma edificação elevada; se o número de raios da roda dou-
rada não for pequeno, se seu centro estiver perfeitamente colocado, e
Ele também disse para si: ‘Vou testá-lo agora. Segurarei a roda em mi-
nha mão esquerda, em minha mão direita segurarei o incensório, colo-
carei meu joelho direito no chão e farei meus votos: [Se essa roda é
genuína e não falsa, eu rogo para que as coisas sejam como nos antigos
tempos com relação àquilo que faz surgir um Chakravartin]’. Quando
ele fez esse voto, esse tesouro da roda de ouro voou, foi em todas as
dez direções, e voltou para a mão esquerda de Nascido-Chefe. Então ele
rejubilou interminavelmente. Também, ele disse: ‘Agora certamente me
tornarei um Chakravartin’.
Então, não muito tempo depois, um cavalo-tesouro chegou, cuja cor era
de um azul brilhante, e que tinha uma longa cauda da cor dourada. Nas-
cido-Chefe, vendo aquilo, pensou para si: ‘Em tempos passados, eu ouvi
Então, não muito tempo depois, apareceu lá uma mani [jóia, gema pre-
ciosa] que era de pura água-marinha. Era semelhante ao cubo (centro)
de uma roda e na escuridão a sua radiância estendia-se a uma yojana de
Então o rei voou através do ar para Purvavideha com todo o seu séquito
de sete tesouros. As pessoas daquele continente ficaram felizes e torna-
ram-se seus súditos.
E ele disse aos seus ministros: ‘Meus quatro continentes estão em paz
agora. As pessoas são vigorosas. Todos vieram para sob a minha ban-
deira; os sete tesouros foram obtidos e os mil filhos estão completos. O
que mais necessito fazer?’
Então o rei voou através do ar, levando todo o séquito dos seus sete
tesouros com ele, e chegou ao topo do Céu Trayastrimsa. Lá ele viu uma
árvore, cuja cor era azul e verde. O rei sagrado, tendo visto aquilo, in-
dagou seu ministro: ‘O que é esta coisa desta cor?’
Também, ele viu uma coisa branca como uma nuvem. Novamente ele
indagou seu ministro: ‘O que é isto, desta cor?’
O Bodhisattva-Mahasattva finalmente
alcança a outra margem.
O que quer que seja criado ganha um fim.
Esta é a maior das felicidades.’
Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Aquela pessoa não obtém o
sentimento de felicidade no mais baixo [estado de sofrimento]. É da
emancipação que ela obtém o sentimento de felicidade.”
“Oh Kashyapa! Por essa razão, há tempos atrás, falei sobre a felicidade
dos cinco skandhas para Kolita. Era verdadeiro, e não falso. Oh Kashya-
pa! Existem três sentimentos: 1) o sentimento de felicidade, 2) o senti-
mento de sofrimento, e 3) o sentimento de não-sofrimento e não-
felicidade. Os três sofrimentos são: 1) sofrimento-do-sofrimento [dores
corporais], 2) sofrimento daquilo que é criado [sofrimento que surge do
fenômeno de transformação ou mudança], e 3) sofrimento da desinte-
gração [dor mental causada pela destruição]. Oh bom homem! O sen-
timento de sofrimento está baseado nesses três (tipos) de sofrimento,
O Buda disse:
O Buda disse: “Oh bom homem! O gatha (versos) citado acima se refere
ao sentimento de felicidade que constitui o conceito-raiz da Iluminação.
Também, ele nutre bem (o conceito-raiz da) Iluminação Insuperável ao
longo do caminho. Este é o porquê se falou das fases da felicidade nos
sutras.
Por que dizemos que o desejo é como um débito a pagar? Oh bom ho-
mem! Por exemplo, é como no caso de uma mulher pobre que empres-
tou dinheiro dos outros e tem que saldar o débito contraído. Ela deseja
pagar, mas não pode. Ela é enviada para a prisão e não pode ficar livre.
O mesmo é o caso com Sravakas e Pratyekabudas. Como existe uma
mancha remanescente de desejo, eles não podem atingir a Iluminação
Insuperável. Oh bom homem! Este é o porquê dizemos que é ‘como um
débito a pagar’.
Por que dizemos que o desejo é como uma mulher rakshasa? Oh bom
homem! Como um exemplo, existe um homem que ganha uma mulher
rakshasa como sua esposa. A mulher rakshasa dá à luz uma criança.
Mas, após o seu nascimento, ela a devora. Tendo devorado-a, ela tam-
bém devora o seu próprio marido. Oh bom homem! A mulher rakshasa
do desejo também é assim. Todos os seres ganham boas crianças. Mas,
conforme nascem, são devoradas. Quando a boa criança é devorada, o
desejo devora os (próprios) seres e lhes dá vida nos reinos do inferno,
da animalidade e dos espíritos famintos. Somente o Bodhisattva é uma
exceção. Isto é o porquê dizemos ‘como no caso de uma mulher raksha-
sa’.
Oh bom homem! Por que dizemos que uma víbora vive numa bela flor?
Por exemplo, um homem, por natureza, ama belas flores. Ele não ob-
serva uma víbora preocupante em qualquer lugar. Ele avança, captura a
flor, é picado pela víbora e morre. O mesmo é o caso com todos os mor-
tais comuns. Eles devoram as flores dos cinco desejos. Não percebendo
a víbora dentro dos desejos, eles são capturados. Picados pela víbora
dos desejos, eles morrem e renascem nos reinos do infortúnio. Com o
Bodhisattva é diferente. Isto é o porquê dizemos que é como no caso de
‘uma bela flor na qual se esconde uma víbora’.
Oh bom homem! Como as coisas se dão como com uma mulher sensu-
al? Por exemplo, uma pessoa ignorante favorece uma mulher sensual, a
qual habilmente finge, lisonjeia, demonstra intimidade, e toma todo o
dinheiro e riqueza daquela pessoa. Quando tudo se acaba, a mulher o
abandona. Assim se dão as coisas com a mulher sensual do desejo. Os
desluzidos e aqueles sem sabedoria inclinam-se por ela. Essa mulher do
Também, além disso, oh bom homem! Por exemplo, uma coisa vista
pelos olhos é chamada ‘cor’; aquilo que é escutado pelos ouvidos é
chamado ‘som’; o que é cheirado pelo nariz é chamado ‘odor’; o que a
Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Certa vez o Buda foi
às margens do Ganges, na floresta de Simsapavana. Naquela ocasião, o
Tathagata arrancou um pequeno ramo de árvore com algumas folhas e
disse aos Monges: ‘São muitas as folhas que eu seguro em minhas
mãos, ou são muitas todas as folhas das gramas e árvores de todos os
solos e florestas’? Todos os Monges disseram: ‘Oh Honrado pelo Mun-
do! As folhas das gramas e árvores de todos os solos são muitas e não
podem ser contadas. Aquelas que o Tathagata segura em suas mãos são
poucas em número e não merecem menção’. (Então o Tathagata disse):
‘Oh todos vocês Monges! As coisas que eu vim a conhecer são como as
folhas das gramas e árvores da grande terra; aquilo que eu compartilho
com todos os seres é como as folhas em minhas mãos’.”
O Honrado pelo Mundo então disse: “As inumeráveis coisas que são
conhecidas pelo Tathagata estão contidas em mim somente se elas
couberem dentro das Quatro Nobres Verdades. Se não, deveria haver
cinco Verdades.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Embora elas estejam dentro [das Qua-
tro Nobres Verdades], não dizemos que elas tenham sido faladas. Por
que não? Oh bom homem! Existem dois tipos de sabedorias relaciona-
das ao conhecimento das Nobres Verdades. Um é de grau médio; e o
outro é de grau superior. A sabedoria de grau médio é aquela de Srava-
kas e Pratyekabudas; a de grau superior é aquela dos Budas e Bodhi-
sattvas.
↓
contato → percepção
(phassa) ← (samjna)
↓ ↑
consciência
(vijnana) ← volição
(samskara)
Também, além disso, oh bom homem! Às vezes uma coisa tem um no-
me e uma forma verdadeira; ou, outras vezes, uma coisa tem um nome,
mas não uma forma verdadeira. Oh bom homem! Qualquer coisa que
tenha um nome, mas não [é dotada de] forma verdadeira é verdade
[relativa] secular. Possuindo ambos, nome e forma verdadeira é ‘Para-
martha-satya’. Oh bom homem! Eu chamo as seguintes coisas como
verdade secular: a vida de um ser, conhecimento, crescimento, virilida-
de, o executor [das ações], o receptáculo [das retribuições cármicas], a
miragem no verão, um castelo do gandharva, os cabelos de uma tarta-
ruga [isto é, algo que não existe], os chifres de uma lebre [que também
não existe], um circulo de fogo, todas essas coisas como os cinco skan-
dhas, os dezoito domínios, e as doze esferas. E sofrimento, a causa do
sofrimento, a extinção [do sofrimento], e a Via para a extinção (que são
as Quatro Nobres Verdades) são ‘Paramartha-satya’.
A Verdade Real
O Buda disse: “Oh bom homem! Por ‘verdade real’ se entende o Dhar-
ma Maravilhoso. Oh bom homem! Se uma coisa não é verdadeira, não
dizemos ‘verdade real’. Oh bom homem! Não há nada invertido na ver-
dade real. Quando não há nada invertido, dizemos verdade real. Oh
bom homem! Não há falsidade na verdade real. Se a falsidade reside
[lá], não falamos verdade real. Oh bom homem! A verdade real é o Ma-
hayana. Se não for o Mahayana, não dizemos ‘verdade real’. A verdade
real é o que o Buda diz e não o que Mara diz. Se é de Mara e não do
Buda, não dizemos ‘verdade real’. Oh bom homem! A verdade real é um
caminho puro e singelo (único), e não dois caminhos. Oh bom homem!
Aquilo que é Eterno, Êxtase (Felicidade), Auto (Eu) e Puro é a verdade
real.”
Manjushri disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz:
‘O que não está de cabeça para baixo (invertido) é a verdade real’. Se
isto é assim, deveria haver as quatro inversões nas quatro verdades? Se
assim for, como você pode dizer que aquilo que não é dotado de qual-
quer coisa invertida é a verdade real e aquilo (dotado) com qualquer
coisa invertida não é a verdade real?”
Manjushri disse: “Você, o Buda, diz que aquilo que não é falso é a ver-
dade real. Se assim for, o que é falso não é a verdade real.”
Manjushri disse: “Se o que o Buda diz é, como ele diz, o real, podemos
saber que aquilo que Mara diz deve ser o não-real. Oh Honrado pelo
Mundo! Devemos aceitar o que Mara diz como (parte das) Nobres Ver-
dades?”
O Buda disse: “O que Mara diz pode estar incluso em duas Verdades, as
quais são o sofrimento e a causa do sofrimento. Elas [as palavras de
Mara] são todas não-Dharma e não-preceitos, e não podem beneficiar
os seres. [Se Mara] falasse o dia inteiro, não poderia haver libertação do
sofrimento e da causa do sofrimento, nem realização da extinção (do
sofrimento) ou a prática da Via. Elas [as palavras de Mara] são falsas.
Aquilo que é falso é o que Mara diz.”
Manjushri disse: “O Buda diz que o caminho único é aquele que é puro
(singelo) e que não pode haver dois (caminhos). Todos os tirthikas tam-
bém dizem que eles têm um caminho único e que não há dois. Se o
caminho único é a verdade real, que diferença há aqui daquilo que os
tirthikas dizem? Se não há diferença, não pode haver um caminho único
que seja puro?”
Manjushri disse: “Você, o Buda, diz que existem o Eterno, o Êxtase (Feli-
cidade), Auto (Eu) e o Puro; e que eles são o Real. Se assim for, todos os
tirthikas, também, devem ter verdades reais. Isto não pode ser no ensi-
namento Budista. Por que é assim? Todos os tirthikas dizem também
que todas as coisas são eternas. Como elas são eternas? Porque todos
os resultados do pensamento e do não-pensamento permanecem.
‘Pensamento’ refere-se aos dez resultados do bom carma, e ‘não-
pensamento’ (refere-se) aos dez resultados do mau carma. Se dizemos
que todas as coisas são não-eternas, como é possível que, se o executor
(das ações) morre aqui, possa haver uma pessoa que obtenha resulta-
dos cármicos do outro lado? Por esta razão, podemos bem dizer que
todas as coisas criadas são eternas.
Todos os mortais comuns primeiro vêem essas coisas como vasos, rou-
pas, veículos, casas, castelos, rios, florestas, homens, mulheres, elefan-
tes, cavalos, vacas e carneiros; vêem que eles se assemelham e dizem
que são eternos. Saiba que eles não são algo eterno. Oh bom homem!
Tudo o que é criado é não-eterno. O Vazio não é alguma coisa criada.
Portanto, ele é eterno. A Natureza-de-Buda não é aquilo que é criado.
Assim, ela é eterna. ‘O Vazio é a Natureza-de-Buda; a Natureza-de-Buda
é o Tathagata; o Tathagata não é aquilo que foi criado. O que não foi
criado é Eterno. O Dharma é Eterno; o Dharma é a Sangha; a Sangha
não é algo que foi criado; o que não foi criado é Eterno’.
A Transitoriedade da Mente
Então Manjushri disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Não é que
eu não saiba isto. Foi meramente para o benefício dos seres que eu
coloquei essa questão. Oh Honrado pelo Mundo! Eu tenho vasto conhe-
cimento disto. O giro da Roda da Lei é verdadeiramente o que se obtém
Ações Sagradas
(Kashyapa disse): “Oh Honrado pelo Mundo! Se isto se refere aos tra-
balhos de todos os Budas, então não está ao alcance da prática dos
Sravakas, Pratyekabudas e Bodhisattvas.”
Então o Buda o elogiou e disse: “Bem falado, bem falado! Oh bom ho-
mem! É assim, é assim! É como você diz. Todos os inumeráveis Sutras
Mahayana Vaipulya abrangem inumeráveis virtudes. Mas comparados
com este, a semelhança desaparece. Ela [a virtude deste sutra] excede
[a virtude dos outros sutras em] mais que 100 vezes, mais que 1.000
O Voto de Kashyapa
Naquela ocasião, havia um deva em meio aos presentes, cujo nome era
‘Alegria’, e que também disse um gatha (verso):
Falando assim, ele também disse: ‘Oh Kausika! Existe uma grande pes-
soa aqui que, para o benefício dos seres, não concebe coisas para o seu
próprio bem. Para beneficiar os seres, ele pratica penitência de inume-
ráveis maneiras. Essa pessoa vê no mundo do nascimento e da morte
todos os tipos de erros, de tal maneira que ela não almeja qualquer
tesouro, mesmo que esse tesouro preencha toda a terra, todas as mon-
tanhas e grandes mares. Ele vê todas essas coisas como sendo iguais a
lágrimas e saliva. Essa grande pessoa dá seus tesouros, sua esposa e
filhos, a quem ele ama, sua cabeça, olhos, tutano, mãos, pés, a casa
onde vive, seus elefantes e cavalos, seu veículo, seus serventes e pajens
homens ou mulheres; e não deseja nascer no céu. O que ele deseja é
unicamente ganhar plena felicidade. O que é evidente para mim é que
essa grande pessoa é pura, não tem impurezas; ele acabou com todos
os laços das ‘asravas’ [impurezas, manchas, ‘afluxo’ de pensamentos e
emoções insalubres]. Possivelmente ele esteja em direção ao insuperá-
vel Bodhi’.
A Doutrina do Todo-Vazio
Assim falando, ele postou-se diante da pessoa. Ele a olhou muito assus-
tadoramente, e olhou tudo ao redor dela. A pessoa que estava prati-
cando penitência ouviu essas [palavras] e ficou feliz. Foi como um mer-
cador que, enquanto viajando num caminho difícil através da escuridão
da noite e perdendo de vista seus companheiros, ficasse cheio de me-
do, mas quando se encontrou com seus camaradas novamente, sentiu
uma alegria sem fim; ou foi como uma pessoa que há muito tivesse uma
doença, sem encontrar um bom médico, um bom tratamento ou bom
remédio, e que mais tarde encontrou tudo isso; ou foi como uma pes-
soa que caindo nas águas no mar, subitamente encontrasse um bote;
ou como uma pessoa sedenta que encontrasse água; ou como uma
pessoa que está sendo perseguida por um inimigo, e que subitamente
escapa; ou como uma pessoa que há longo tempo encontra-se encarce-
rada numa prisão, e que subitamente obtém a liberdade; ou foi como
um agricultor que encontra a chuva durante os dias de seca; ou como
um viajante que retorna ao lar novamente, e aquelas pessoas em casa
Oh bom homem! Então eu disse para mim mesmo: ‘Agora sou um igno-
rante. Esse rakshasa pode ter visto todos os Budas no passado. Vendo-
os, ele pode ter tido uma chance de ouvir essa metade de um gatha. Eu
o indagarei’. Dirigindo-me para onde ele se encontrava, eu disse: ‘Bem
oh grande! Onde você obteve essa metade de um gatha do Destemido
(Buda) do passado? Oh grande! Onde você obteve essa metade de um
cintamani [jóia da satisfação dos desejos] de um gatha? Oh grande! Essa
Eu ainda disse: ‘Eu vivo só, não há ninguém mais aqui. Agora, não estou
com medo de você. Por que você não dirá?’
O rakshasa ainda disse: ‘Se você deseja jogar fora o seu corpo assim,
então ouça bem, ouça bem! Agora recitarei a metade remanescente do
gatha para o seu benefício’.
O rakshasa disse:
Então o deus árvore disse: ‘Oh você! O que você intenciona fazer?’
Isto é ‘geya’.
Isto é ‘vyakarana’.
Isto é ‘gatha’.
Isto é ‘udana’.
Isto é ‘nidana’.
Isto é ‘avadana’.
Isto é ‘itivrttaka’.
Isto é um ‘jataka’.
Isto é ‘vaipulya’.
O Conhecimento do Tempo
Também, além disso, oh bom homem! Existem as ações puras, que são:
amor-benevolente [‘maitri’], compaixão [‘karuna’], intenção amável
(acolhedora) [‘mudita’], e equanimidade [‘upeksha’].”
Oh bom homem! Pode haver uma pessoa que almeje riqueza. Eu então,
para o benefício daquela pessoa, me transformo num Chakravartin e
por inumeráveis eras dou coisas a ela de várias maneiras. Depois, ensi-
no-a e permito-lhe residir na Iluminação Insuperável. Se existe uma
pessoa que se apegue aos cinco desejos, eu atendo ao apego daquela
pessoa por inumeráveis eras com coisas maravilhosas de acordo com o
que ela deseja ter, e depois a ensino e faço-lhe atingir a Iluminação
Insuperável. Se existe uma pessoa rica, forte e orgulhosa, eu lhe sirvo
por inumeráveis centenas de milhares de anos, mandando mensagens e
esperando-lhe, e após ter conquistado a mente daquela pessoa, faço-
lhe atingir a Iluminação Insuperável. Se existe uma pessoa que transgri-
Amor-Benevolente e Compaixão
Também, além disso, existem (outros) dois tipos de ira. Um está basea-
do nas relações causais e o outro não está. Através da prática do amor-
benevolente, acaba-se com aquela que está baseada nas relações cau-
sais; através da prática da compaixão, acaba-se com aquela que não
está baseada nas relações causais.
Também, além disso, existem ainda dois tipos de ira. Um é a ira que foi
acumulada desde o remoto passado, e o outro é aquela recém adquiri-
da. Através da prática do amor-benevolente, acaba-se com a ira do pas-
sado, e através da prática da compaixão, acaba-se com a ira do presen-
te.
Também, além disso, existem ainda dois tipos de ira. Um é a ira das
pessoas sagradas, e o outro (é a ira) dos mortais comuns. Através da
prática do amor-benevolente, acaba-se com a ira das pessoas sagradas;
através da prática da compaixão, acaba-se com a ira dos mortais co-
muns.
O Grande Amor-Benevolente
Oh bom homem! A única coisa que existe aqui é que essas quatro men-
tes ilimitadas podem permitir ao Bodhisattva crescer e realizar os seis
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você é de fato
bravo e nada teme.”
A Prática do Amor-Benevolente
O Coração do Bodhisattva
Elefantes Enfurecidos
Oh bom homem! Uma pessoa, na sua infância, pegará terra, coisas su-
jas, cacos, pedras, restos de ossos, pedaços de madeira e os colocará
em sua boca, até que seu pai e sua mãe, temendo os danos que possam
advir, segurem a criança com sua mão esquerda e joguem essas coisas
fora coma a sua (mão) direita. O mesmo acontece com o Bodhisattva
desse estágio. Ele vê que todos os seres não avançam para o estágio do
Corpo-de-Dharma e que aquilo que se faz com o corpo, a boca e a men-
te não é bom. O Bodhisattva vê isso e arranca [as coisas nocivas] com as
mãos da Sabedoria. Ele não quer que qualquer pessoa repita nascimen-
tos e mortes, recebendo desta sorte sofrimento e aflições. Portanto,
esse estágio é também chamado de ‘bhumi’ do ‘único filho’.
Oh bom homem! Como um exemplo, todo o pai e mãe têm seu único
filho. Quer estejam dormindo ou acordados, enquanto caminham, pa-
ram, sentam ou reclinam, seu pensamento está sempre no seu filho. Se
algum pecado acontece, eles gentilmente aconselham, e o menino,
dessa forma, não é orientado a fazer o mal novamente. O mesmo se
passa com o Bodhisattva-Mahasattva, também. Quando ele vê os seres
caindo nos reinos do inferno, dos espíritos famintos e dos animais, seu
pensamento está sempre neles e não distante deles. Ele pode vê-los
fazendo todos os tipos de maldades, e mesmo assim não se torna irado
ou os pune com coisas más. Dessa forma, esse estágio é chamado
‘bhumi’ de um ‘único filho’.”
O Buda disse a Kashyapa: “Ora, você não deveria usar essas palavras
duras e dizer que o Buda-Tahagata faz com que algum tipo de preocu-
pação impura [qualquer aflição mental devido às ‘asvaras’] surja com os
seres. Oh bom homem! A tromba de um mosquito alcançaria o fundo
do mar antes que o Tathagata causasse qualquer preocupação impura
para qualquer ser. Oh bom homem! A grande terra tornar-se-ia imateri-
al, ou a água se tornaria sólida, o fogo frio, o vento estático, os Três
Tesouros, a Natureza-de-Buda e o espaço impermanentes; antes que o
Tathagata se tornasse uma causa de preocupações para qualquer ser.
Então o Buda elogiou Kashyapa: “Bem falado, bem falado! É como você
diz. Agarre-se firme aos preceitos. Oh bom homem! Se uma pessoa cai
no inferno em consequência de um mau pensamento, isto nos diz que o
Bodhisattva não tem qualquer mau pensamento. Por que não? Porque
o Bodhisattva-Mahasattva é sempre piedoso e deseja beneficiar todos
os seres, até insetos e formigas. Por quê? Porque ele é versado em
todas as relações causais e (meios) expedientes. Através do poder dos
(meios) expedientes, ele deseja fazer com que todos os seres plantem
as sementes de todas as variadas virtudes. Oh bom homem! Por essa
razão, Eu, naquela ocasião, tomei uma vida como o melhor expediente.
Mais ainda, eu não acalentei nenhuma maldade em meu pensamento.
Oh bom homem! De acordo com a doutrina dos Brâmanes, não há
retribuição cármica mesmo se alguém mata dezenas de vagões de
formigas. Todos esses insetos e animais que prejudicam o homem, tais
Oh bom homem! Você indagou por que o Tathagata falou mal de Deva-
datta no sentido de que ele era uma pessoa ignorante que engolia a
saliva. Você não deveria falar mal disto, também. Por que não? Não é
possível conceber [isto é, compreender completamente] aquilo que o
Buda diz. Oh bom homem! As palavras verdadeiras são queridas no
mundo; ou há casos onde aquilo que é contrário ao tempo [ocasião] e à
lei [ensinamentos Budistas] não beneficiam uma pessoa. Eu nunca falo
assim. Oh bom homem! Há situações nas quais palavras ásperas, falsas,
inoportunas e ilegais não são agradáveis a quem as ouve, e não trazem
benefícios. Eu também não falo tais palavras. Oh bom homem! E há
ocasiões quando, embora a linguagem seja áspera, ela é verdadeira e
não falsa. Em tais ocasiões, se aquele ensino concede benefícios a todos
os seres, eu sempre falo, mesmo que o ouvinte não goste [de ouvir
minhas palavras]. Por quê? Porque o Buda, o Arhat-e-
Naquele dia havia um homem rico na aldeia daqueles confins, que esta-
va para morrer. Os aldeões trouxeram-no ao demônio. O demônio, após
recebê-lo, entregou-o a mim. Eu o recebi e chamei esse homem rico de
‘Homem-da-Mão-Rica’. Então o demônio disse-me: ‘Oh Honrado pelo
Mundo! Meu povo e eu nos alimentávamos de carne e sangue humanos
e [assim] sustentávamos [nossas] vidas. Agora eu recebi esse shila [re-
gra de conduta moral]. Como viverei?’ Eu respondi: ‘De agora em dian-
te, eu darei ordens aos Sravakas. Siga-os e vá para onde eles praticam a
Via, e faça com que eles lhe dêem coisas para comer’.
O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Você sabe bem quando pergun-
tar. Você vê que eu desejo falar (sobre algo) e pergunta. Quando o Bo-
dhisattva-Mahasattva pratica a mente de equanimidade, ele atinge o
estágio do Todo-Vazio Todo-Igual, e torna-se como Subhuti. Oh bom
(O Buda disse: ) “Oh bom homem! Sobre Vazio, existem tipos como o
interno, o externo, o interno-externo, o Vazio da existência criada, o
Vazio do não-criado, o Vazio do sem-início, o Vazio da natureza, o Vazio
da não-posse, o Vazio do ‘Paramartha-satya’, o Vazio-Vazio, e o Grande
Vazio.
Também, há o caso onde se sabe, mas não se vê. Como alguém sabe e
não vê? Todos os seres sabem que eles possuem a Natureza-de-Buda,
mas, encoberta pelas impurezas, eles não podem vê-la. Isto é sabido,
mas não visto. Também, há uma situação onde se sabe e se vê um pou-
co. Os Bodhisattvas-Mahasattvas dos dez ‘bhumis’ sabem que todos os
seres possuem a Natureza-de-Buda, mas eles não podem vê-la clara-
mente. Isto é como uma noite escura, onde não se pode enxergar cla-
ramente. Também, existem ambos, visão e saber. Esta é a situação do
Buda-Tathagata, onde ele tanto vê como sabe.
Também, há casos nos quais uma pessoa vê e sabe, e não vendo, não
sabe. Ver e saber refere-se àquilo que pertence ao mundo das letras,
linguagem, homens e mulheres, veículos, vasos, bandejas, casas, caste-
los, roupas, comida, bebida, montanhas, rios, jardins, florestas, seres, e
vida. Isto é ver e saber. O que é não ver e não saber? Trata-se de todas
as minuciosas palavras dos sábios a si mesmos, e que não existem para
homens e mulheres, jardins e florestas.
Também, há uma situação na qual se sabe, mas não se vê. Uma pessoa
sabe a quem dar, a quem dedicar [oferecimentos], quem recebe, e o
fato de que os resultados das coisas que foram feitas se acumulam. Isto
é sabido. Como não se vê? Há casos onde alguém não vê o que é dado,
o lugar aonde a dedicação é feita, a quem é dado, e o resultado da cau-
salidade. Isto não é visto. O Bodhisattva-Mahasattva conhece oito tipos
O Cativeiro do Apego
Por que dizemos que os olhos suportam? Os olhos suportam bem a luz.
Portanto, ‘suportam’.
Por que dizemos que mães suportam? Mães suportam bem suas
crianças. Portanto, ‘suportam’.
Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Você falou anteri-
ormente, neste capítulo sobre ações puras, sobre a quádrupla sabedo-
ria sem-obstruções e sobre a visão. Você diz que na sabedoria e visão
do Bodhisattva não há nada que (não) seja alcançado, e sua mente não
tem nada que não seja alcançado. Oh Honrado pelo Mundo! Ora, esse
Bodhisattva-Mahasattva, para dizer a verdade, nada tem a ganhar. Se
ainda há algo a ser alcançado em sua mente, ele não é um Bodhisattva;
ele é um mortal comum. Como pode o Tathagata dizer que o Bodhisatt-
va ainda tem algo a ganhar?”
O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Você novamente indaga a res-
peito daquilo que eu desejo falar. Oh bom homem! O Bodhisattva-
Mahasattva nada tem a ganhar. Nada tendo a ganhar significa quádru-
pla sabedoria sem-obstruções. Oh bom homem! Por que nada ter a
ganhar é desobstrução? Se ainda existe algo a ser alcançado, isto é um
obstáculo. Uma pessoa que tem um obstáculo é alguém que tem as
quatro inversões [visões distorcidas]. Oh bom homem! Como o Bodhi-
sattva-Mahasattva não tem as quatro inversões, ele tem desobstrução.
Portanto, dizemos que o Bodhisattva é uma pessoa que nada mais tem
a ganhar.
Também, além disso, oh bom homem! Nada ter a possuir significa Ma-
hayana. O Bodhisattva-Mahasattva não reside em qualquer dharma
(lei). Portanto, ele alcança o Mahayana. Assim, dizemos que o Bodhi-
sattva nada mais tem a ganhar.
Também, além disso, oh bom homem! Não ter nada a ganhar é Vacui-
dade [‘shunyata’]. No mundo, onde nada há, dizemos vazio. O Bodhi-
sattva atinge esse Samadhi da Vacuidade [estado meditativo]. Porque
não há nada para ver. Portanto, dizemos que o Bodhisattva nada tem a
ganhar.
Aquilo que ainda tem algo a ganhar equipara-se com as cinco visões
distorcidas [‘panca-drstayah’]. Como (o Bodhisattva) se apartou eter-
namente das cinco visões distorcidas, ele alcança o Todo-Vazio do ‘Pa-
ramartha-satya’. Portanto, dizemos que o Bodhisattva nada mais tem a
ganhar.
Também, além disso, oh bom homem! O que não há nada mais a ser
alcançado, isto é o insuperável Bodhi [Iluminação]. Quando o Bodhi-
sattva-Mahasattva alcança o insuperável Bodhi, nada mais há para ver.
Portanto, dizemos que o Bodhisattva nada mais tem a ganhar.
Oh bom homem! O que você indagar sobre nada mais ter a ganhar, o
que eu disser, também nada mais tem a ganhar. Qualquer pessoa que
disser aquilo que ainda tem algo a ser alcançado é um aparentado de
Mara e não meu discípulo.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Como eu desejo ensinar todos os seres,
eu digo isto. Eu também digo isto para o benefício de Sravakas e Prat-
yekabudas. Também, Eu digo isto para o Príncipe do Dharma, Manjus-
hri. Não é o caso que eu disse isso apenas para Cunda. Naquela ocasião,
Manjushri desejava colocar uma questão para mim. Sondando [lendo] o
Eu disse: ‘originalmente não foi’. Isto quer dizer que originalmente não
havia os seis paramitas. Não havendo os seis paramitas, o mortal co-
mum tem o pensamento de praticar penitência e diz que ele pode atin-
gir a Iluminação Insuperável. Um Shramana, Brâhmane, deva, Mara,
Brahma, ou humano poderia dizer: ‘O Tathagata, através de todo o pas-
sado, presente e futuro; fez (praticou) penitências’. Mas tal coisa nunca
poderia ser.
Oh bom homem! Embora o Tathagata saiba todas as coisas, ele diz que
não sabe, em razão de todos os seres. Ele vê todas as coisas. Mas ele diz
que não vê isso. Falando sobre o que possui forma, ele diz sem-forma;
falando sobre coisas que não possuem forma, ele diz que possuem for-
ma. Falando sobre o que tem forma, ele diz ‘sem-forma’. O mesmo se
aplica ao Eu, Êxtase, e ao Puro. Falando sobre os três veículos, ele diz
veículo único, falando sobre o veículo único, ele diz, conforme o caso
[de acordo com a situação], três veículos. Ele diz que uma forma abrevi-
ada é aquela que é extensiva, e a extensiva (ele diz que é) uma abrevia-
da. Ele diz que as quatro graves ofensas são as sthulatyayas, e que as
sthulatyatyas são as quatro graves ofensas. Ele diz que transgressão é
não-violação, e que não-violação é uma violação. Ele diz que um pecado
venial é grave, e um pecado grave é venial. Por que é assim? Porque o
Tathagata enxerga a raiz das habilidades dos seres. Oh bom homem! O
Tathagata fala assim, mas, no fundo, nada está errado. Por que não?
Tudo o que é falso constitui pecado. O Tathagata é totalmente segrega-
do do pecado. Como ele poderia dizer alguma coisa falsa? Oh bom ho-
mem! Embora o Tathagata não recorra a falsidades, ele assim o fará
como um expediente nas ocasiões em que ele perceber que todos os
seres obterão os benefícios do Dharma. Oh bom homem! Para o Tatha-
gata, todas as verdades mundanas são ‘Paramartha-satya’ [Realidade
Última]. E ele permite aos seres atingir a ‘Paramartha-satya’. Se todos
os seres não atingissem a ‘Paramartha-satya’, todos os Budas, até o fim,
não falariam da verdade mundana. Oh bom homem! Quando o Tatha-
gata às vezes fala da verdade mundana, os seres dizem que o Tathagata
está falando da ‘Paramartha-satya’. Quando às vezes ele fala sobre ‘Pa-
ramartha-satya’, os seres dizem que o Buda está falando sobre a verda-
de mundana. Tudo isto vem das recônditas profundezas do mundo de
todos os Budas. Isso não é algo que possa ser compreendido por Srava-
kas e Pratyekabudas. Oh bom homem! Por essa razão, não conteste
Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você diz que ‘Paramartha-
satya’ é a Via, a Iluminação e o Nirvana. Se dissermos que o Bodhisattva
possui a Via, a Iluminação e o Nirvana, isso nada mais é que o não-
Eterno. Por quê? Se o Dharma é eterno, alguém não pode alcançá-lo. É
como o espaço. Quem pode alcançá-lo? Oh Honrado pelo Mundo! Na
vida mundana, o que originalmente não foi, mas agora é, é chamado
não-Eterno. O mesmo se passa com a Via. Se a Via pode ser alcançada,
isto nada mais é que o não-Eterno. Se o Dharma é Eterno, não pode
haver consecução de nada, nem emergência, como no caso da Nature-
za-de-Buda, que não se alcança e nem emerge. Oh Honrado pelo Mun-
do! Ora, a Via nem é não-material, e nem não não-material, nem longa,
nem curta, nem alta, nem baixa, nem emergente, nem extinção, nem
vermelha, nem branca, nem azul, nem amarela, nem ‘é’, nem ‘não-é’.
Como o Tathagata pode falar dela como ‘o que pode ser alcançado’? O
mesmo se aplica à Iluminação e ao Nirvana.”
Oh bom homem! Com a Via, não há cor ou forma para serem vistas,
nem qualquer peso a ser conhecido. Ainda assim existe a sua função.
Oh bom homem! A mente de um ser não é longa, nem curta, nem es-
pessa, nem diminuta, nem atada ou desatada, nem é algo visível, mas
ela ainda aparece como se fosse visível. Por isso, eu disse a Sudatta: ‘Oh
homem rico! Faça da mente o rei do castelo. Se a mente não for prote-
gida, o corpo e a boca não serão protegidos. Se a mente é protegida, o
corpo e a boca, também, estarão protegidos. Quando o corpo e a boca
não estão bem protegidos, todos os seres caem nos três domínios do
infortúnio. Se os seres protegem bem o seu corpo e a sua boca, eles
podem atingir o Nirvana dos humanos e dos seres celestiais. ‘Atingir’
fala da verdade. ‘Não atingir’ fala da não-verdade’. Oh bom homem! É o
mesmo com a Via, a Iluminação e o Nirvana. Pode haver o ‘é’ e o Eter-
no. Se houvesse [somente] o ‘não-é’, como poderia haver a erradicação
do todas as impurezas? Em virtude do ‘é’ que todos os Bodhisattvas
estão aptos a ver e conhecer (a Via).
Alegria e Felicidade
Além disso, oh bom homem! Qualquer discípulo meu que receba, reci-
te, copie, e fale sobre este Sutra do Nirvana, não deve falar sobre ele
num momento inoportuno, numa terra onde não se deve pregar, nem
quando não é solicitado pregar, nem com um pensamento leviano, nem
em todos os lugares, nem falar sobre ele elogiando-o por si próprio,
nem falar sobre ele enquanto desprezando os outros, nem para matar
os (outros) ensinamentos Budistas, e nem para queimar as leis secula-
res. Oh bom homem! Se algum dos meus discípulos recebe e ostenta
este sutra e fala sobre ele desde um momento inoportuno ou abaixo,
até para queimar as leis seculares, as pessoas o desprezarão e dirão: ‘Se
há algum grande poder no Grande Nirvana hermeticamente guardado
pelo Buda, como ele pode permitir-lhe falar sobre ele num momento
inoportuno ou para queimar (destruir) as leis seculares? Se uma pessoa
que possui este sutra age dessa maneira, então saiba que esse sutra
não tem poder. Se ele não tem poder, não há benefício [a ser obtido
dele], mesmo se você ostentá-lo’. Através da depreciação deste Sutra
do Nirvana, inumeráveis seres serão levados a cair no inferno. Se al-
guém recebe e ostenta este sutra e fala dele desde uma ocasião inopor-
tuna até para a queima das leis seculares, essa pessoa é o pior amigo de
todos os seres. Esse alguém não é meu discípulo, mas é um aparentado
de Mara.
Também, além disso, oh bom homem! O que é que todo o mundo não
conhece, vê ou compreende; e que o Bodhisattva conhece, vê e com-
preende? Estes são os seis pensamentos. Quais seis? São estes: 1) pen-
samento do Buda, 2) pensamento do Dharma, 3) pensamento da San-
gha, 4) pensamento dos preceitos (morais - shila), 5) pensamento do
dana [doações caridosas], e 6) pensamento dos devas (divindades).
O Mestre do Dharma
Tathagata
Por que dizemos ‘Tathagata’? Porque ele não muda, como já ensinado
por todos os Budas no passado. Por que ele não muda? Todos os Budas
no passado, a fim de socorrer os seres, proferiram os doze tipos de es-
crituras. É o mesmo com o Tathagata. Assim, dizemos ‘Tathagata’. O
Buda-Tathagata vem dos seis paramitas, dos 37 fatores concernentes à
Iluminação, dos 11 shunyatas, e adentra o Grande Nirvana. O mesmo é
o caso com o Tathagata, também. Este é o porquê ele é chamado de
Buda e de Tathagata. O Buda-Tathagata decreta expedientes conforme
Por que ele é chamado ‘Merecedor das Ofertas feitas a Ele’? Tudo o que
é do mundo é o inimigo. Como o Buda acabou com isso (com o que é do
mundo), ele é chamado ‘aquele que responde’ [isto é, aquele que res-
ponde aos desafios de Mara]. Ora, os quatro Maras são os inimigos do
Bodhisattva. O Buda-Tathagata, quando ainda um Bodhisattva, derro-
tou completamente os quatro Maras através da Sabedoria. Assim, é
‘aquele que responde’. Também, além disso, ‘dar resposta’ significa
‘apartar-se’. Enquanto um Bodhisattva, ele apartou-se das inumeráveis
impurezas. Assim, (ele) ‘dá resposta’. Também, além disso, ‘dar respos-
ta’ significa ‘felicidade’. Todos os Budas no passado, como Bodhisattvas
e durante inumeráveis asamkhyas de kalpas, submeteram-se a todos os
tipos de sofrimentos, e mesmo assim não houve (sentimento de) ‘não-
felicidade’ até o fim, mas sempre ‘felicidade’. O mesmo é o caso com o
Tathagata. Assim, (ele) ‘dá resposta’. E também, todos os humanos e
devas oferecem-lhe vários tipos de incenso, flores, grinaldas, estandar-
tes, dosséis e música. Assim, (ele) ‘dá resposta’.
Samyaksambuda
Myo-Gyo-Soku ou Vidyacarana-Sampanna
Bem-Aventurado
Melhor Treinador
Buda
Por que dizemos Buda? Ele é desperto. Desperto por si. Ele também
desperta completamente os outros. Oh bom homem! Por exemplo, se
alguém está ciente de que há um ladrão presente, o ladrão nada pode
fazer. O mesmo se passa aqui. O Bodhisattva-Mahasattva é desperto
com relação a todas as inumeráveis impurezas. Estando desperto para
todas as impurezas, ele torna todas as impurezas incapazes de fazer
algo. Portanto, é Buda. Por conta desse despertar, ele é não-nascido,
sem idade, imune a doenças e imortal. Portanto, é Buda.
Lord
Qual é o pensamento sobre o Céu? Existem lugares tais como o céu dos
quatro guardiões e o céu da indiferença-não-indiferença. Se alguém
possui a fé, ganha o céu dos quatro guardiões da terra. Eu, também,
posso nascer lá. Se (alguém possui os) preceitos, erudição, doação e
Sabedoria, alcança o céu dos quatro guardiões e o céu da indiferença-
não-indiferença. Eu, também, posso nascer lá. Mas, eu não desejo nas-
cer. Por que não? A impermanência reina lá no céu dos quatro guardi-
ões e [também] no céu da indiferença-não-indiferença. Devido à im-
permanência, lá existe nascimento, envelhecimento, doença e morte.
Por essa razão, eu não desejo nascer lá. Isto é como possivelmente um
fantasma enganará o ignorante, mas não o sábio. O céu dos quatro
guardiões e o céu da indiferença-não-indiferença são análogos a um
fantasma. O ignorante é o mortal comum, mas eu não sou um mortal
comum. Certa vez ouvi sobre o céu ‘Paramartha’. Isto se refere ao fato
de que os Budas e Bodhisattvas são eternos e não mudam. Por ser Eter-
no, não há nascimento, envelhecimento, doença ou morte. Envidarei
esforços e buscarei – para o benefício dos seres – o Céu ‘Paramartha’.
Por quê? Porque o Céu ‘Paramartha’ pode decididamente permitir aos
seres erradicar as ‘asvaras’ (impurezas), como no caso da árvore do
pensamento, a qual certamente podemos dobrar conforme nossa von-
tade. Se possuo desde a fé até a Sabedoria, eu posso certamente alcan-
çar esse Céu ‘Paramartha’, e para o benefício dos seres, deve-se pensar
e falar bem desse Céu ‘Paramartha’. Esse é o pensamento do Bodhisatt-
va-Mahasattva sobre o Céu. Oh bom homem! Isto é como dizemos que
O Inconcebível Bodhisattva
Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer: ‘Eu flutuarei no grande mar
[do sofrimento] e salvarei [os seres]’. Podemos acreditar nessa
afirmação?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Eu disse acima que somente Manjushri
poderia compreender. Agora repetirei novamente. Ouça atentamente,
ouça atentamente! Oh bom homem! Existem duas leis [dharmas] do
Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo, a saber: 1) a secular, e 2) ‘Paramar-
tha-satya’ [Realidade última]. A lei secular desaparece, mas não a ‘Pa-
ramartha-satya’. Também, existem dois tipos. Um é do não-Eterno, não-
Todos os Monges maldosos dos dias que virão guardarão coisas impuras
e dirão para as quatro classes da Sangha que o Tathagata, depois de
tudo, entra no Nirvana. Eles lerão aquilo que circula (literatura) no
mundo secular e não respeitarão os sutras Budistas. Quando essas mal-
dades aparecem no mundo, o Tathagata deseja acabar com todas as
maldades, vida errada, a procura por lucro, e então transmite esse su-
tra. Saiba que quando o Repositório Hermeticamente Guardado deste
sutra desaparecer, o ensinamento Budista, também, desaparecerá. Oh
bom homem! O Sutra do Grande Nirvana é eterno e não muda. Como
você poderia falar mal dele e indagar: ‘Esse sutra existiu na época do
Buda Kashyapa?’ Oh bom homem! Na época do Buda Kashyapa, todas
as pessoas eram menos ambiciosas e possuíam mais sabedoria. Era
muito fácil ensinar os Bodhisattvas, pois eles eram brandos e maleáveis.
Eles possuíam grande virtude; todos eram seguros e firmes. Eles eram
como grandes elefantes-rei. O mundo era limpo; os seres sabiam que o
Esses Brâmanes podem dizer que eles têm shila (os preceitos). Mas, na
verdade, não os possuem. Todos os tirthikas podem dizer que eles têm
a Felicidade e a Pureza, mas para dizer a verdade, eles não compreen-
dem o significado do Eu, do Êxtase e do Puro. Eles apenas pegam uma
ou duas palavras, ou uma sentença ou duas, e dizem que existem tais e
tais coisas estabelecidas nos seus sutras.”
O ministro disse: “Oh grande rei! Não fique tão pesaroso”. E disse num
gatha:
“Você, Rei, diz que há cinco (tipos de) pessoas que não podem escapar
do inferno. Quem é que esteve lá, viu isto, voltou e disse assim para
você, o Rei? O inferno é assim chamado pela mente intelectual. Você,
Rei, diz que não existe um médico que possa curar seu corpo e sua
mente. Existe um grande médico chamado Purana (um dos seis mes-
tres). Ele conhece todas as coisas e reside no dhyana inabalável. Ele
praticou ações puras e sempre fala para os inumeráveis seres sobre o
Nirvana insuperável. A todos os discípulos, ele diz: ‘Não pode haver
O Rei respondeu e disse: “Como poderia ser que eu não tivesse agora
dores no corpo e na mente? Sou um ignorante, cego e não possuo os
olhos da Sabedoria. Associei-me com todos os maus amigos e os favo-
reci. Capturado pelas palavras do maldoso Devadatta, deliberadamente
cometi ações mortais contra o Rei legítimo. Certa vez ouvi um homem
sábio dizer um gatha:
O ministro disse: “Oh grande Rei! Não tema por enquanto. Existem dois
tipos de lei. Uma delas é a do abandono do mundo, e a outra é a lei do
rei. Na lei do rei, se alguém fere seu pai, isto é um pecado mortal. Mas,
para dizer a verdade, não constitui um pecado. É como no caso do inse-
to kalala, que obtém o nascimento rompendo o ventre da sua mãe-
inseto. Como esta é a forma (lei) do seu nascimento, com o ferimento
de sua mãe, na verdade, não se adquire qualquer pecado. O mesmo se
passa com a concepção de uma mula. Assim se procede com a lei do
estado, que é concernente ao governante. Embora alguém possa matar
o próprio pai, não pode haver pecado. Com a lei do abandono do mun-
do, o matador de um simples mosquito ou formiga adquire um pecado.
Oh grande Rei! Por favor, expanda a sua mente e não tenha preocupa-
ções! Por quê? Porque:
Você, Rei, diz que não existe um bom médico que possa curar seu corpo
e sua mente. Ora, existe um grande mestre chamado Maskarigosalipu-
tra (um dos seis mestres). Ele conhece tudo e sente piedade dos seres
como se fossem seus próprios filhos. Ele próprio já se afastou da ilusão,
e extrai completamente as flechas afiadas dos três venenos. Todos os
seres não podem ver, conhecer e compreender todas as coisas. Somen-
te essa pessoa vê, conhece e compreende. Assim, o grande mestre
sempre fala para seus discípulos. Todos os seres têm sete coisas em
seus corpos. Quais são as sete? Elas são: 1) terra, 2) água, 3) fogo, 4) ar,
5) tristeza, 6) felicidade, e 7) vida. Essas sete (coisas) não são fantasmas,
Então o Rei respondeu: “Se ele pode acabar com todos os meus peca-
dos definitivamente, certamente me refugiarei nele.”
O Rei respondeu: “Como poderia meu corpo e minha mente não senti-
rem dor? Meu falecido pai e rei era compassivo, amável e particular-
mente sentia piedade por mim. Realmente, nada havia de errado. Ele
foi e consultou um vidente que disse: ‘Após nascer, essa criança certa-
mente matará seu pai’. A despeito do que lhe foi dito, ele elevou-me.
Certa vez um homem sábio disse: ‘Se uma pessoa tem relações carnais
com sua mãe, viola uma Monja, rouba aquilo que pertence à Sangha,
fere (causa dano a) alguém que aspira à Iluminação ou mata seu próprio
pai; essa pessoa certamente cairá no inferno Avichi’. Como eu poderia
não ter dores no meu corpo e mente?”
O Ministro ainda disse: “Oh grande Rei! Não fique triste por enquanto.
Se o seu pai matasse uma pessoa que estivesse em busca da emancipa-
ção, não haveria pecado. Se alguém mata seguindo as leis do estado,
não pode haver pecado. Oh grande Rei! Aquilo que não está de acordo
com a lei é contra-lei. Contra-lei é contra-lei. Se alguém não tem filho,
dizemos sem-filhos. Também, um mau filho é chamado não-filho. Em-
bora digamos ‘não-filho’, isto não significa que a pessoa não tem um
filho. Se a comida não contém sal, dizemos sem-sal. Mesmo quando
não há muito sal, dizemos sem-sal. Quando não há água no rio, dizemos
sem-água. Mesmo quando a quantidade de água é pequena, dizemos
sem-água. Quando uma coisa morre momento após momento, dizemos
impermanente. Mesmo que uma coisa exista por um kalpa, dizemos
impermanente. Quando uma pessoa tem tristeza, dizemos infeliz.
Mesmo quando a felicidade que ele sente é pouca, dizemos infeliz. O
estado de impedimento [isto é, sem-liberdade] é chamado altruísta.
Mesmo quando existe uma pequena liberdade, dizemos altruísta. A
noite escura é chamada sem-sol; mesmo quando há nuvens e neblina,
dizemos sem-sol. Oh grande Rei! Uma pequena lei pode ser chamada
Você, Rei, diz que não existe um bom médico no mundo que possa cu-
rar seu corpo e mente. Ora, existe um grande mestre chamado Sanjaya-
vairatiputra (um dos seis mestres). Ele conhece e vê tudo. Sua sabedoria
é ampla e profunda, é como o grande oceano. Ele possui grande virtude
e poderes divinos. Ele também permite às pessoas acabarem com todas
as dúvidas. Todos os seres não conhecem, vêem e compreendem. So-
mente essa pessoa conhece, vê e compreende. Ele agora vive nas pro-
ximidades de Rajagriha e fala da seguinte forma aos seus discípulos: ‘De
todos os seres, em se tratando de um rei, ele comete o bem e o mal
sem impedimentos. Qualquer mal que ele cometa não constitui pecado.
É como com o fogo que queima as coisas, não importando se puras ou
impuras. O mesmo se passa com o rei. Ele é como o fogo. Por exemplo,
a grande terra comporta coisas tanto limpas como sujas. Agindo assim,
ela não está nem irada e nem alegre. O mesmo acontece com o rei. Ele
compartilha da mesma natureza da terra. Por exemplo, a natureza da
água é lavar coisas puras ou impuras. Agindo assim, ela não tem nem
preocupação e nem prazer. O mesmo ocorre com o rei. Ele compartilha
da mesma natureza da água. Por exemplo, a natureza do vento é soprar
as coisas para longe, sejam elas puras ou impuras. Agindo assim, ele
não tem nem preocupação e nem prazer. O mesmo ocorre com o rei.
O Rei respondeu: “Se esse mestre pode acabar com o pecado, certa-
mente me refugiarei nele.”
O ministro disse: “Oh grande Rei! Por favor, livre-se das suas preocupa-
ções e dores. Oh Rei! Você não ouviu falar de um rei chamado Rama?
Ele matou seu pai e subiu ao trono. (No passado) todos os reis como
Bhadrika, Virucin, Nahusa, Karttika, Visakha, Brilho-da-Lua, Brilho-do-
Sol, Amor, e Muitas-Posses acabaram com seus pais e subiram ao trono.
No presente, todos os reis como Vidudabha, Udayana, Má-Índole, Rato
e Flor-de-Lótus mataram seus pais. Nenhum deles teve sofrimento ou
preocupações. De fato, podemos olhar nos reinos do inferno, dos espíri-
tos famintos e da animalidade, e não há nenhum deles. Oh grande Rei!
Há duas existências. Uma é a dos humanos, e a outra é a dos animais.
Embora existam duas, elas não nasceram da causa e efeito, nem morre-
rão pela causa e efeito. Se não vem da causa e efeito, como poderia
haver qualquer coisa boa ou não-boa? Por favor, oh grande Rei, não
acalente preocupação e tristeza. Por que não?
Você, Rei, disse: ‘Não há qualquer bom médico que possa curar meu
corpo e minha mente’. Existe agora um grande mestre chamado Ajita-
kesakambara (um dos seis mestres), que conhece e vê todas as coisas.
O Rei disse ao ministro: “Se ele curar-me dos meus pecados, certamen-
te me refugiarei nele.”
O ministro ainda disse: “Quem veio, enganou o rei e disse que existe
inferno? Quem faz a ponta aguda da lança perfurar? Quem faz as cores
raras dos pássaros que voam? Quem faz os pântanos aquosos, a dureza
da pedra, o poder do movimento do vento, o calor do fogo; quem faz
todas as coisas morrerem e nascerem por si próprias? Quem faz tudo
isto? O inferno é nada mais que uma ficção de intelectuais. Explicarei
isso agora. ‘Ji’ significa terra; ‘goku’ significa destruir. A terra destrói a
terra. Não pode haver retribuição para crimes. Este é o significado de
‘jigoku’ [‘naraka’ – inferno]. Também, ‘ji’ significa ‘humano’; ‘goku’ sig-
nifica ‘céu’. Ao matar o próprio pai, ganha-se nascimento no céu. Esse é
o porquê o Rishi Vasu diz que ao matar uma ovelha, se é abençoado
com a benção dos humanos e celestiais. Isto é inferno. Também, ‘ji’
significa vida; ‘goku’ significa ‘longa’. Ao matar, obtém-se longa vida.
Portanto, isso é inferno. Oh grande Rei! Por essa razão, saiba que, na
realidade, inferno é uma coisa que não existe. Oh grande Rei! Nós se-
meamos cevada e obtemos cevada; nós plantamos arroz e obtemos
O Rei respondeu: “Se eu estiver certo de que essa pessoa pode de fato
acabar com meus pecados, certamente me refugiarei nele.”
O rei respondeu: “Como poderiam meu corpo e minha mente não pro-
vocarem dores? Associei-me com um mau amigo e conheci a maledi-
cência. Nada havia no rei falecido que alguém pudesse reprovar, e
mesmo assim eu deliberadamente cometi um pecado mortal [contra
ele]. Estou certo de que cairei no inferno. E não há um bom médico que
possa curar-me.”
O ministro disse: “Oh grande Rei! Não permita que o veneno do sofri-
mento suba à sua cabeça. Ora, o Kshatriya pertence à casta real. Não
pode haver qualquer conversa (acusação) de pecado se ele mata para o
benefício do estado, para o benefício de Shramanas ou Brâmanes, ou
para o benefício de trazer paz ao povo. Embora o rei falecido respeitas-
se os Shramanas, ele não servia aos Brâmanes. Não havia justiça em sua
mente. Sendo injusto, ele não era um Kshatriya. Agora, você, grande
Rei, deseja servir a todos os Brâmanes, e matou o rei posto. Que pecado
você cometeu? Oh grande Rei! Realmente não há nenhuma matança.
Ora, matança significa tomar a vida. A vida possui a natureza do vento.
A natureza do vento não pode ser morta. Como, então, alguém poderia
Você disse, Rei, que não há um bom médico que possa curar seu corpo
e sua mente. Ora, existe um grande mestre chamado Nirgrantha-
Jnatiputra [o mais conhecido dos ‘seis mestres’], que conhece, vê e é
piedoso para com todos os seres. Ele sabe tudo sobre a natureza agu-
çada (perspicaz) ou deficiente de todos os seres e domina completa-
mente todos os tipos de meios expedientes que se ajustam à ocasião.
As oito coisas do mundo [os oito ventos: prosperidade, declínio, honra,
desgraça, elogio, calúnia, felicidade e sofrimento] não podem corrom-
pê-lo. Silenciosamente, ele pratica ações puras. Para os seus discípulos,
ele diz: ‘Não pode haver coisas como dana [doação caridosa], bem, pai,
mãe, vida presente, pós-vida, arhat, praticante ou a Via. Todos os seres,
após oitenta mil kalpas, se libertarão espontaneamente do ciclo do nas-
cimento e da morte. O mesmo se passa com o pecado e não-pecado. É
como os quatro grandes rios, a saber: Indus, Ganges, Vaksu e Sita. To-
dos eles correm para o mar, e então não há mais diferença entre eles. É
o mesmo com todos os seres. Não há diferença uma vez que alguém
seja libertado’. Esse mestre agora está vivendo em Rajagriha. Oh grande
Rei! Por favor, corra para ele. Se você vê-lo, todos os seus pecados de-
saparecerão.”
O rei respondeu: “Se esse mestre pode acabar com meus pecados, cer-
tamente me refugiarei nele.”
Zan-Gi
Jivaka respondeu: “Bem falado, bem falado! Você pecou, mas você se
arrepende e sente-se envergonhado. Oh grande Rei! O Buda-Honrado-
pelo-Mundo diz: ‘Existem dois dharmas brancos que salvam os seres.
Um é ‘Zan’ [sentir-se envergonhado], e o outro é ‘Gi’ [sentir-se enver-
gonhado]. ‘Zan’ é não cometer pecado, e ‘Gi’ é não cometer pecado
perante outros. ‘Zan’ é sentir-se envergonhado de si próprio, e ‘Gi’ é
confessar para outros. ‘Zan’ é sentir-se envergonhado [culpado] peran-
te os humanos, e ‘Gi’ é sentir-se envergonhado perante os céus. Isto é
‘Zan-Gi’ [arrependimento, remorso]. Alguém sem arrependimento não
é humano. É um animal. Quando se tem arrependimento, respeita-se
pai e mãe, mestres e anciãos. Quando se tem arrependimento, existem
pai, mãe, irmão mais velho, irmão mais novo, filho mais velho e irmã
mais nova’. Bem falado, oh grande Rei! Ouça por um momento! Eu ouvi
o Buda dizer: ‘Dentre os sábios, existem dois tipos. Um é a pessoa que
O Shakra respondeu: ‘Vemacitra, o rei dos asuras, tem uma filha cha-
mada ‘Saci’, a quem eu respeito. Se você puder dizer-me quem pode
acabar com esses sinais do meu declínio, a darei para você, quanto mais
então Subhadra!’
Ele (o Shakra) ainda indagou: ‘De onde vem a mente avarenta, cobiçosa
e invejosa?’
(O Shakra disse): ‘Oh Honrado pelo Mundo! Você diz que a inversão
surge de uma mente dúbia. É como o ensinamento Budista. Por quê? Eu
tinha uma mente dúbia dentro de mim. Com tal dúvida, eu tinha uma
inversão. Eu confundi com você alguém que não era o Honrado-pelo-
Mundo. Agora eu vejo o Honrado-pelo-Mundo e todas as minhas dúvi-
das se dissiparam. Como minhas dúvidas deixaram-me, a inversão tam-
O Buda disse: ‘Agora você diz que não tem uma mente avarenta e inve-
josa. Você é um Anagamin? Um Anagamin não tem uma mente cobiço-
sa. Se você não tem uma mente cobiçosa, por que é que veio até mim, à
busca de vida? Um verdadeiro Anagamin não busca a vida’.
‘Oh Honrado pelo Mundo! Uma vez que através das contendas decres-
cemos em número, de agora em diante não lutarei mais com asuras’.
Oh grande Rei! Havia um príncipe chamado ‘Suvira’. Seu pai, com raiva,
cortou as mãos e pés desse príncipe e atirou-o num poço profundo. Sua
mãe, sentindo tristeza e piedade por ele, pediu a alguém para tirá-lo e o
levou ao Buda. Vendo o Buda, suas mãos e pés se restauraram, e ele
ganhou o insuperável Bodhichitta. Oh grande Rei! De ver o Buda, já
houve uma recompensa real na presente vida. Portanto, dizemos que o
Buda é o médico Insuperável; ele não é do tipo dos seis mestres.
O Buda disse: ‘A água do Ganges não é fogo. Através do carma das más
ações perpetradas, sua mente está invertida e transforma isto em fogo.
Eu os libertarei dessa inversão e os deixarei ver a água’.
O Buda disse: ‘Se estão sedentos, entrem no rio e bebam seu conteú-
do’.
Oh grande Rei! Sendo, por natureza, muito mau em seu coração, você
acreditou nas palavras de uma pessoa má e permitiu a Devadatta soltar
um grande elefante enfurecido (intoxicado) sobre o Buda, de modo a
atropelá-lo. Ao ver o Buda, o elefante tornou-se são. Assim, o Buda
estendeu-lhe a mão, afagou-lhe a cabeça, falou do Dharma, em conse-
qüência do que ele aspirou à Iluminação Insuperável. Oh grande Rei!
Um animal vê o Buda e isso destrói as retribuições cármicas do animal.
Como poderia não ser assim com um ser humano? Oh grande Rei! Saiba
que qualquer pessoa que veja o Buda pode de fato acabar com os peca-
dos graves.
Oh grande Rei! Saiba que não é o caso que o Tathagata somente fala do
Dharma para o nobre Rei Bhadrika; ele igualmente orienta o humilde
Upali. Ele não aceita oferecimentos somente de Sudatta-
Anathapindada, mas também aceita comida de Sudatta, um homem
pobre. Ele não fala do Dharma somente para o sagaz Shariputra, mas
também para o obtuso Suddhipanthaka. Ele não permite apenas pesso-
as sem ambição como Mahakashyapa entrarem para a Ordem, mas
também pessoas tão ambiciosas quanto Nanda. Ele não permite apenas
pessoas sem ilusões como Uruvilva-Kashyapa buscarem a Via, mas tam-
bém aqueles cheios de ilusões que cometeram graves pecados mortais,
como Sudaya, o irmão mais jovem do Rei Prasenajit. Não é o caso que
ele erradica as raízes da ira porque alguém lhe oferece o galingale (ou
galangal – planta de raiz aromática da família da gengibre), mas aban-
dona uma pessoa que pretende fazer o mal. Ele não fala do Dharma
somente para machos intelectuais, mas também para os mais rebaixa-
dos na vida, para casais e mulheres. Ele não capacita apenas Shramanas
a atingir as quatro fruições da Via, mas também capacita pessoas leigas
a ganhar as três fruições da Via. Ele não apresenta o Dharma somente
para uma pessoa que abandonou as funções casuais da vida, como Put-
tala e outros que procuram meditar em lugares quietos, mas também
para aqueles como o Rei Bimbisara, que tem que reinar sobre um esta-
do. Não é o caso que o Dharma é falado somente para abstêmios, mas é
pregado também para aqueles perdidos em bebidas fortes, como o rico
homem Ugravati, e os intoxicados. Não é o caso que o Dharma é falado
somente para aqueles que sentam em dhyana [meditação] como Reva-
ta, mas também para mulheres Brâmanes como Vasistha, que agora
está louca após a perda da sua criança. Não é o caso que os seus ser-
mões são pregados somente para os seus próprios discípulos, mas tam-
bém para tirthikas, Nirgranthas e outros. Não é o caso que o Dharma é
Olhando para cima, ele indagou: “Oh deus! Quem é você? Você não
mostra sua forma; somente sua voz se faz ouvir.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Não há uma pessoa entre os que aqui
estão que dirá: ‘Entrarei definitivamente no Nirvana’. Ajatasatru dirá
que ele certamente sofrerá morte eterna. Assim, ele desfaleceu e ati-
rou-se no chão. Oh bom homem! Eu digo que não entrarei no Nirvana
para o benefício de Ajatasatru. Esse ensinamento secreto será difícil
para você compreender. Por quê? Eu digo ‘para o benefício de’. Isto se
refere a todos os seres. ‘Ajatasatru’ se refere a todos aqueles que co-
meteram os cinco pecados mortais. Também, ‘para o benefício de’ se
refere a todos aqueles seres da existência criada. Eu não existo no
mundo para o não-criado. Por quê? Ora, ‘não-criado’ não é ser. Ajatasa-
tru é alguém com impureza inerente. Também, ‘para o benefício de’ se
refere aos seres que vêem a Natureza-de-Buda. Se a Natureza-de-Buda
é vista, não ficarei longo tempo no mundo. Por que não? Alguém que
veja a Natureza-de-Buda não é ser (é não-criado). ‘Ajatasatru’ se refere
a todos aqueles que ainda não aspiraram à Iluminação Insuperável.
Também, ‘para o benefício de’ se refere a ambos, Ananda e Kashyapa;
‘Ajatasatru’ se refere à consorte real de Ajatasatru e também todas as
mulheres do castelo de Rajagriha. Também, ‘para o benefício de’ nada
mais é que a Natureza-de-Buda. ‘Aja’ significa ‘não-nascido’; ‘se’ signifi-
ca ‘vingança’ [‘Ajatasatru’ é traduzido como ‘Ajase’ no Chinês]. Quando
O Samadhi do Luar
Jivaka respondeu: “Não é que o kalpa esteja acabando e três luas este-
jam aparecendo e brilhando. Isto também não é a luz de Marte, o Sol,
ou as constelações, ou uma erva medicinal, uma jóia, ou a luz dos céus.”
“Oh grande Rei! Essa é a luz do Deus dos deuses. Essa luz não tem fon-
te; ela é ilimitada. Não é quente, nem fria, nem eterna; não morre; não
é matéria, nem não-matéria; não tem expressão exterior; nem é não-
fenomenal; não é azul, nem amarela, nem vermelha e nem branca. É
vista somente onde há um desejo de salvar. Ela tem suas características
e (não) pode ser explicada. Ela tem uma fonte, limite, calor, frio, azul,
amarelo, vermelho e branco. Oh grande Rei! Embora essa luz possua
tais aspectos de um fenômeno, não é possível explicá-la. Ela não pode
ser vista; e nem há nela o azul, o amarelo, o vermelho ou o branco.”
O rei disse: “Oh Jivaka! Por que o Deus dos deuses emite essa luz?”
Jivaka respondeu: “Ora, esses sinais auspiciosos são para você, grande
Rei. Oh Rei! Há pouco você disse que não havia um bom médico no
mundo que pudesse curar seu corpo e mente. Por essa razão, essa luz
foi enviada previamente. Ele (o bom médico) primeiro cura seu corpo, e
então sua mente.”
Jivaka respondeu: “Isto é como a luz do luar, que faz com que todos os
botões da utpala (lótus) abram esplendorosamente suas pétalas. Assim
também age o Samadhi do Luar. Ele abre completamente as pétalas do
bom pensamento dos seres. Assim, o chamamos ‘Samadhi do Luar’. Por
exemplo, a luz do luar realmente alegra o coração de todos que viajam.
Assim faz o Samadhi do Luar. Ele realmente desperta a alegria nas men-
tes daqueles que viajam sob a proteção do Nirvana. Portanto, dizemos
‘Samadhi do Luar’. Oh grande Rei! A luz da lua aumenta diariamente na
sua forma e brilho, do primeiro dia do mês (lunar) até o décimo-quinto
dia. O mesmo se passa com o ‘Samadhi do Luar’. A raiz do primeiro re-
bento de todas as boas ações cresce gradativamente, e termina na rea-
lização do Grande Nirvana. É também por essa razão que dizemos ‘Sa-
madhi do Luar’. Oh grande Rei! Por exemplo, a forma e o brilho do luar,
do décimo-sexto ao trigésimo dia, diminuem gradualmente em tama-
nho. É o mesmo com o Samadhi do Luar. Onde quer que ele resplande-
ça, ele reduz, gradualmente, todas as impurezas. Assim dizemos ‘Sama-
dhi do Luar’. Oh grande Rei! Em tempos de grande calor, todos os seres
sempre pensam no (frescor do) luar. Conforme o luar aparece, o calor
sufocante se vai. É o mesmo com o Samadhi do Luar. Ele dissipa com-
pletamente a febre da ganância e das preocupações. Oh grande Rei! Por
exemplo, a lua-cheia é a rainha de todas as estrelas e é chamada ‘amr-
ta’ [ambrosia da imortalidade]. Todos os seres a amam. É o mesmo com
O rei disse a Jivaka: “Ouvi que o Tathagata não habitará, sentará, per-
manecerá, falará ou debaterá com pessoas más, assim como o grande
oceano não guarda cadáveres dentro de si. Ele é como um pato manda-
rin, que não vive numa latrina; é como Sakrodevendra, que não vive
com demônios; e é como o kokila, que não vive numa árvore morta. O
mesmo é o caso com o Tathagata. Como eu poderia ir e vê-lo? Se eu
estivesse pronto para vê-lo, eu poderia mergulhar no chão. O que eu
vejo é que o Tathagata pode muito bem aproximar-se de um elefante
intoxicado, de um leão, de um tigre, de um lobo, de um grande fogo, ou
de uma chama ardente, mas não de uma má pessoa. É por essa razão
que eu penso assim. Com que pensamento eu poderia ir e vê-lo?”
Jivaka respondeu: “Oh grande Rei! Aquele que está sedento corre para
uma fonte; aquele que está faminto busca comida; aquele que está com
medo clama por ajuda; uma pessoa doente clama por um médico; al-
guém que sente calor procura o frescor; alguém que sente frio procura
por roupas. Oh grande Rei! É o mesmo com você agora buscando o
Buda. Oh grande Rei! O Tathagata sempre profere sermões para os
icchantikas e outros. E você, oh grande Rei, não é um icchantika. Assim,
como você poderia não esperar a ajuda do Todo-Compassivo?”
O rei disse: “Oh Jivaka! Certa vez ouvi que o icchantika é uma pessoa
que não acredita, ouve, vê ou compreende o significado. Como o Tatha-
gata poderia falar do Dharma para uma pessoa como aquela?”
Então, o bom médico pensou para si: ‘Ora, esse mensageiro parece
doente e desagradável. Eu sei que a pessoa doente é difícil de curar’.
Ele também pensa: ‘O mensageiro não me parece muito auspicioso.
Consultarei agora a sorte do dia (horóscopo) e verei se posso curar [o
Então ele chegou ao lugar e viu o homem doente. Frio e calor acometi-
am-no vez ou outra; suas juntas estavam doloridas, seus olhos verme-
lhos, e o zumbido em seu ouvido podia ser escutado de fora. Sua gar-
ganta estava tomada por convulsões e dores, e a superfície da sua lín-
gua estava rachada. A pessoa estava com uma cor verdadeiramente
escura, e sua cabeça em desalinho. Seu corpo estava ressecado; ne-
nhuma transpiração ocorria. Todos os sinais vitais estavam comprome-
tidos; seu corpo estava extraordinariamente inchado e nas cores escar-
late e vermelho, muito diferente daquelas que se tem em condições
normais. Não havia equilíbrio em sua voz, que era às vezes forte e às
vezes fraca. Manchas podiam ser vistas em todo o seu corpo, estra-
nhamente azuis e amarelas na cor. Sua barriga estava inchada e sua fala
não era clara.
O ministro disse: “Oh grande Rei! Bem falado, bem falado! Temos já
todas as coisas prontas para os oferecimentos.”
O Rei Ajatasatru tinha com ele a sua consorte real. Os palanquins nos
quais eles montaram eram em número de 12.000; seus grandes e po-
tentes elefantes eram 50.000. Sobre cada elefante estavam três aten-
Uma voz surgiu na frente do Rei Ajatasatru, a qual disse: “O Rei Viduda-
bha de Sravasti entrou num navio, foi para o mar, deparou-se com um
incêndio e morreu. O monge Kokalika foi engolido vivo pela terra e caiu
no Inferno Avichi. Sunaksatra, após cometer inúmeras más ações, veio
ao Buda e todos os seus pecados foram expurgados.”
Ao ouvir isto, ele disse a Jivaka: “Ouvi essas duas coisas ditas. Mas não
estou muito seguro. Oh Jivaka! Venha comigo! Pretendo viajar junto
com você num elefante. Se eu tiver de cair no Inferno Avichi, agarre-me
de tal maneira que eu não caia lá embaixo. Por quê? Certa vez ouvi que
a pessoa que obteve a Verdade não cairá no inferno.”
Então o Buda disse para o povo ao seu redor: “O Rei Ajatasatru ainda
tem dúvidas. Agora vou fixar a minha mente.”
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Agora atinjo
uma mente imutável para o benefício de Ajatasatru. Por quê? Se as
dúvidas do rei forem aniquiladas, isto significa que não pode haver for-
mas imutáveis para todas as coisas. Em razão disto, para o benefício de
Ajatasatru, atingirei uma mente imutável (fixa). Saiba que essa mente
(do rei) não é algo imutável. Oh bom homem! Se a mente do rei fosse
imutável, como se poderiam destruir os pecados mortais do rei? Como
não existe um estado imutável, podemos de fato esmagar o pecado.
Portanto, para o benefício de Ajatasatru, atingirei uma mente imutável
(estado da Mente Búdica).”
Então o grande rei foi para a floresta das árvores sala, foi para onde o
Buda se encontrava, olhou e viu as 32 marcas distintivas da perfeição e
as 80 características menores de excelência, todas as quais se manifes-
tavam como uma toda-maravilhosa montanha dourada.
Então o Buda emitiu os oito tipos de vozes e disse: “Oh grande Rei!”
O Rei Ajatasatru ainda disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! Mes-
mo que agora eu sentasse, permanecesse e tomasse refeições com o
Brahma e Sakrodevendra, não sentiria felicidade. Você, Tathagata, bor-
rifa-me apenas uma palavra e me governa, e regozijo enormemente.”
Então o Buda disse a Ajatasatru: “Oh grande Rei! Agora lhe falarei sobre
o âmago do Dharma Maravilhoso. Ouça-me atentamente com todo seu
pensamento! Os mortais comuns devem sempre meditar sobre 20 coi-
sas: 1) este corpo é vazio e não há nada lá que seja imaculado, 2) não há
O Buda disse ao grande Rei: “Todas as coisas que existem, e suas carac-
terísticas, não são eternas; não há nada que seja imutável. Oh Rei! Co-
mo você pode dizer que irá definitivamente para o Inferno Avichi?”
O Buda disse: “Oh grande Rei! Bem falado, bem falado! O Buda-Todo-
Honrado-pelo-Mundo diz: ‘Todas as coisas não possuem um aspecto
definitivo’. Você, Rei, sabe bem que matar também não é definitivo. Por
essa razão, saiba que na ação de matar, também, não há nada que seja
definitivo. Você diz que seu pai era inocente e você o matou. Quem é
seu pai? Apenas um homem (ser) provisório composto dos cinco skan-
dhas, para o qual você descuidadamente acalentou a noção de ‘pai’. Em
qual das 12 esferas e 18 reinos se encontra seu pai? Se a matéria [‘ru-
pa’] é pai, os outros quatro skandhas devem ser falsos. Não pode haver
nada tal como matéria ou não-matéria que possa combinar-se e resul-
tar um pai. Por que não? Porque não pode haver nada, por natureza,
que possa ser chamado matéria ou não-matéria.
A Sina de Bimbisara
Oh grande Rei! Bimbisara (o pai do Rei Ajatasatru) certa vez caiu num
mau estado mental e saiu para caçar na Montanha Vipula. Ele vagou
por toda a selva, mas não encontrou caça. Ele viu um Rishi que era do-
tado com os cinco poderes divinos. Vendo-o, a ira e os pensamentos
distorcidos surgiram em sua mente; ele pensou que a razão de não con-
seguir caça vinha do fato de que o Rishi poderia ter causado a fuga dos
animais de caça. Ele disse aos seus assistentes para matar o Rishi. O
Rishi, quando estava para dar o seu último suspiro, caiu num mau esta-
do mental. Ele perdeu os seus poderes divinos e fez um juramento: ‘Eu
sou realmente inocente. Mas você, através da sua boca, impiedosamen-
te levou a cabo o ato de matar. Na vida que virá – como você fez – cau-
sar-lhe-ei a morte através da minha boca’. Então o rei, ouvindo isso,
arrependeu-se. Ele cremou o corpo morto com oferecimentos. Assim se
deu com o ex-rei. A conseqüência cármica foi leve, e ele não caiu no
inferno. Em contraste com isso, você nada fez desse gênero, assim,
como você poderia sofrer no inferno? O ex-rei fez a coisa em si e teve
que pagar por ela. Como poderia você dizer, Rei, que você fez a matan-
ça e que você tem que sofrer? Você diz que seu pai era inocente. Como
Oh grande Rei! Você sempre dá ordens no seu palácio real para matar
carneiros. E você não tem nenhum temor em seu pensamento. Como é
que você alimentou um temor somente quando você (ordenou) matar
seu pai? Dizemos ‘respeitável’ ou ‘desprezível’, respectivamente, entre
um humano ou um animal. Mas ambos igualmente amam a vida e te-
mem a morte. Nisto não há diferença. Por que é que seu pensamento
era leve quando matava carneiros e tornou-se grandemente pesaroso
quando você matou seu pai? Oh grande Rei! O humano é um serviçal do
desejo, e não é livre. Guiada pelo desejo, uma pessoa comete o ato de
matar. Não pode haver retribuição cármica. Mas o ‘desejo’ [‘ansiedade’
- ‘trishna’] deve responder [é responsável]. Você, Rei, sente-se oprimi-
do. Mas, de quem é a culpa?
Então, o Rei Ajatasatru meditou, conforme dito pelo Buda, desde a ma-
téria até a consciência. Tendo assim meditado, ele disse ao Buda: “Oh
Honrado pelo Mundo! Pela primeira vez venho a conhecer o fato de que
desde a matéria até a consciência (os skandhas) são não-eternos. Se eu
meditasse assim, não poderia ter pecado. Em tempos passados, ouvi
uma pessoa dizer que o Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo sempre se
torna o pai de todos os seres. Embora tenha ouvido assim, eu não pode-
ria ter certeza. Agora, definitivamente, eu sei. Oh Honrado pelo Mundo!
Eu também ouvi que o rei das montanhas, o Monte Sumeru, é feito dos
quatro tesouros: ouro, prata, vaidurya (talvez lápis-lazúli ou berílio) e
sphatika (cristal de quartzo); e também que todos os pássaros mudam a
sua cor, de acordo com a cor do lugar onde vão. Embora tenha ouvido
O Buda disse: “Oh grande Rei! Bem falado, bem falado! Agora sei que
você certamente destruirá o mau estado da mente dos seres.”
Então, o Rei Ajatasatru falou para Jivaka: “Oh Jivaka! Eu ainda não estou
morto, e ainda tenho um corpo celestial. Descartando uma vida breve,
Em razão disso,
não há palavras que sejam sem significado.
“Oh bom homem! Por que falamos da ‘ação de uma criança’. Oh bom
homem! Uma criança não pode se colocar de pé, permanecer, ir e vir,
ou falar. Essa é a condição de uma criança. É o mesmo com o Tathagata.
Dizemos ‘incapaz de se colocar de pé’. O Tathagata não suscita qualquer
aspecto de uma coisa. Dizemos ‘incapaz de permanecer’. O Tathagata
não adere a qualquer coisa. Dizemos ‘incapaz de vir’. Na ação do corpo
do Tathagata não há nenhuma agitação. Dizemos ‘incapaz de ir’. O Ta-
thagata já entrou no Grande Nirvana. Dizemos ‘incapaz de falar’. Ele
conversa, mas não fala. Por que não? Se falasse, isso seria algo da cate-
goria dos (seres) criados. O Tathagata é um Não-Criado. Portanto, ele
não fala. Também, dizemos ‘sem palavras’. Aquilo que uma criança diz
não pode ser bem compreendido. Embora existam palavras, elas (as
crianças) são quase sem palavras. O caso é o mesmo com o Tathagata.
A palavra que não é clara é a palavra secreta de todos os Budas. Embora
pronunciada, os seres não as compreendem. Isto é o que chamamos
‘sem palavras’.
E também, com uma criança, o nome e a coisa não são unos. Embora a
criança não conheça a palavra correta, não é o caso que ela não possa
conhecer as coisas. É o mesmo com o Tathagata. Todos os seres diferem
uns dos outros. O que eles dizem é o mesmo. O Tathagata promulga
(meios) expedientes e fala. E através disto, ele faz com que as pessoas
compreendam. Também, uma criança fala de uma grande letra. O
mesmo é o caso com o Tathagata. Ele fala de uma grande palavra. Isto é
‘vaba’. ‘Va’ [isto é, a quadragésima-segunda letra do alfabeto sânscrito]
corresponde ao ‘criado’, e ‘ba’ [isto é, a trigésima-sexta letra do alfabe-
to sânscrito] ao ‘não-criado’. Isto é a criança. ‘Va’ é ‘não-eterno’, e ‘ba’
Oh bom homem! Assim como uma criança pensa ser ouro com relação
ao que não é ouro, assim se estabelecem as coisas com o Tathagata. Em
relação ao impuro, ele fala do puro. Como o Tathagata é ‘Paramartha-
satya’ (Realidade última) em si, não há nada falso aqui como no caso da
criança que pensa que aquilo que não é uma vaca ou cavalo é uma vaca
ou cavalo. Se os seres concebem a verdadeira Via naquilo que não é a
Via, o Tathagata também falará sobre essa não-Via e a transformará na
‘Via’. Para falar a verdade, na não-Via não existe Via. Somente porque
existe um mínimo de relações causais, ele fala da não-via e diz que ela é
a Via. Isso é como com a criança que pensa que homens e mulheres de
madeira são homens e mulheres de verdade. É o mesmo com o Tatha-
gata. Sabendo que não é um ser, ele fala de um ser. Mas para dizer a
verdade, não pode haver idéia de um ser. Se o Buda-Tathagata diz que
não há nenhum ser, todos os seres podem adquirir uma visão errônea.
Por essa razão, o Tathagata diz que seres existem. A pessoa que alimen-
ta a idéia de um ser em um ser não pode destruir a idéia de um ser.
Qualquer ser que destrua a idéia de um ser ganha o Grande Nirvana.
Quando alguém obtém assim o Nirvana, para de chorar. Isso é a ação de
uma criança. Oh bom homem! Se qualquer homem ou mulher mantém
em observância essas cinco ações, lê, escreve, copia e as expõem, essa
pessoa infalivelmente ganhará as cinco ações.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Não é que você sozinho ganhará as
cinco ações. Todos aqueles congregados aqui, que são 930.000 em nú-
mero, igualmente também ganharão as cinco ações.”
Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO III – As Virtudes Sagradas
Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO III – As Virtudes Sagradas
Quais são as dez? O primeiro (grupo) contém cinco. Quais são as cinco?
1) Quem não tenha ouvido isto pode ouvi-lo bem, 2) tendo ouvido-o, há
o benefício, 3) erradica-se completamente a dúvida, 4) a mente da sa-
bedoria é reta e não tem curvas, 5) conhece-se o repositório hermeti-
camente-guardado do Tathagata. Essas são as cinco.
Ouvir o Inaudito
Como é que vamos ouvir o que não ouvimos? Isto se refere às profun-
dezas da doutrina hermeticamente-guardada. Todos os seres possuem
a Natureza-de-Buda. Não há nenhuma discriminação entre Buda,
Dharma e Sangha. A natureza e características dos Três Tesouros são o
Eterno, o Êxtase, o Eu, e o Puro. Todos os Budas, até o final, não entram
no Nirvana, e são Eternos e Imutáveis. O Nirvana do Tathagata é: não ‘é’
e não ‘não-é’, não é algo que é criado e nem o que não é criado, nem
algo falho [impuro, corrompido] e nem algo sem-falhas [imaculado],
não é matéria e nem não-matéria, não é nome e nem não-nome, não é
fenômeno e nem não-fenômeno, não ‘é’ e nem ‘não-é’, não é substân-
Também, além disso, oh bom homem! Qualquer pessoa que não ouça
esse Sutra do Grande Nirvana terá muitas dúvidas com relação a: eter-
no ou não-eterno, êxtase ou não-êxtase, puro ou não-puro, Eu ou não-
Eu, vida ou não-vida, ser ou não-ser, ultimado ou não-ultimado, o outro
mundo ou o mundo passado, é ou não-é, sofrimento ou não-
sofrimento, causa do sofrimento ou não-causa do sofrimento, Via ou
Também, além disso, oh bom homem! Qualquer pessoa que não ouça
esse sutra terá várias dúvidas, tais como se: A matéria é o Eu? Senti-
mento, percepção, volição ou consciência são o Eu? Os olhos realmente
vêem? O eu realmente vê, assim por diante..., até: A consciência real-
mente sabe? O Eu realmente sabe? A matéria realmente sofre pelas
retribuições cármicas, assim por diante..., até: A consciência sofre pelas
retribuições cármicas? O Eu sofre pelas retribuições cármicas? A maté-
ria vai para o outro mundo? O Eu vai para o outro mundo, assim por
diante..., até: A consciência vai para o outro mundo? E coisas como: A
lei do nascimento e da morte tem início e fim? Ela não tem início e fim?
Qualquer pessoa que ouça esse sutra acabará eternamente com esses
tipos de dúvidas. Ou pode haver uma pessoa que alimente dúvidas co-
mo se o icchantika, aqueles que cometeram as quatro graves ofensas,
aqueles que ordenaram os cinco pecados mortais, e aqueles que caluni-
aram o Dharma possuem a Natureza-de-Buda ou não? Qualquer pessoa
que ouça esse sutra acaba eternamente com todas essas dúvidas. Ou
uma pessoa pode duvidar e questionar se existe um limite para o mun-
do ou não? Ou se existem as dez direções ou não? Qualquer pessoa que
ouça esse sutra acabará eternamente com quaisquer dessas dúvidas.
Este é o porquê dizemos que a pessoa realmente acaba eternamente
com a mente duvidosa.
Oh Honrado pelo Mundo! Uma pessoa pode dizer que ouviu o que ela
não ouviu. Como todos os seres ainda não alcançaram a Iluminação,
O Buda disse: “Oh bom homem! Indague como desejar. Agora é a hora.
Tornarei claras as coisas e as explicarei para você. Por quê? Porque é
difícil encontrar um Buda, tão difícil quanto a floração da Udumbara. O
mesmo se passa com o Dharma. É difícil ouvi-lo. Dentre os 12 tipos de
sutras, o mais difícil de ouvir é o Vaipulya. Por essa razão, ouça com
atenção plena.”
- “Oh Honrado pelo Mundo! O que é ser nascido, não tendo nas-
cido?”
- “O que são: ser nascido, não tendo nascido ainda; ainda não
nascido, não tendo nascido ainda; não ser nascido, tendo nasci-
do; e ser nascido, tendo nascido, conforme pregado nos outros
ensinamentos?”
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! ‘Nascido, não
tendo nascido’ é inexprimível; ‘nascido, tendo nascido’ é inexprimível;
‘não nascido, tendo nascido’ é inexprimível; ‘não nascido, não tendo
nascido’ também é inexprimível; ser nascido também é inexprimível;
não ser nascido também é inexprimível. Como existem relações causais,
podemos então explicar [as coisas].”
“Oh bom homem! Não entre nas grandes profundezas do dhyana Todo-
Vazio. Por que não? Porque a grande massa de pessoas é estúpida.
Se alguém dá ouvido a,
Como há alguém que ainda não chegou, por não chegar? Oh bom ho-
mem! Ora, ‘não-chegar’ é Nirvana. Os mortais comuns são ainda não
chegados, em razão da cobiça, ira e ignorância, em razão de as suas
ações corporais e orais serem impuras; porque uma pessoa recebe tudo
o que é impuro, porque ela comete as quatro graves ofensas, porque
ela calunia o Vaipulya, em razão de ser um icchantika, em razão de or-
denar os cinco pecados mortais. Por todas essas razões, uma pessoa é
alguém que ainda não chegou por ‘não-chegar’.
Oh bom homem! Como é alguém que chegou, não tendo chegado ain-
da? Não-chegado é Grande Nirvana. Por que alguém chegou? Porque
Oh bom homem! Como é uma pessoa que não chegou, já tendo chega-
do? ‘Chegar’ corresponde às 25 existências. Todos os seres sempre são
ofuscados por inumeráveis impurezas e amarras (limitações), as quais
vêm e vão, nunca se apartam (dos seres), como com uma roda girante.
Isto é chegar. Sravakas, Pratyekabudas e todos os Bodhisattvas estão
eternamente apartados disto. Portanto, ‘não-chegados’. Para socorrer
os seres, a sua manifestação é decretada em meio a eles. Portanto,
‘tendo chegado’.
Oh bom homem! Por que dizemos ter chegado por ter chegado? ‘Che-
gar’ refere-se às 25 existências. Essas (existências) são os mundos das
impurezas de todos os mortais comuns, e dos Srotapannas até o Ana-
gamim. Assim, dizemos ter chegado, tendo chegado.
Também, além disso, oh Honrado pelo Mundo! Tudo o que é ‘é’ é não-
Eterno. Se Nirvana é ‘é’, então Nirvana deve ser não-Eterno. Isto é o
que se obtém nos agamas (sutras anteriores), nos quais você diz que o
Sravaka, o Pratyekabuda e o Buda Todo-Honrado-pelo-Mundo, todos
têm Nirvana. Portanto, não-Eterno. Também, além disso, oh Honrado
pelo Mundo! Tudo o que é visível é não-Eterno. Isto é como quando o
Buda disse antes que alguém que possa ver o Nirvana pode acabar
completamente com as impurezas. Também, além disso, oh Honrado
pelo Mundo! Por exemplo, isto é como o espaço, o qual não obstaculiza
Oh Bom homem! Existe uma sala escura, na qual existe um poço onde
há sete diferentes tesouros. Embora saibamos que eles estão lá, uma
Oh bom homem! Você diz que Nirvana é feito de adornos e que ele
deve ser não-eterno. Mas isto não é assim. Por que não? Oh bom ho-
mem! O corpo do Nirvana não é aquele que é nascido, que se vai, que é
real ou que é falso. Não se trata de algo elaborado [corporificado]. Não
é corrompido (impuro), e nem aquilo que é criado. Não é audição (audí-
vel), nem algo visível, nem algo caído: não é morte. Não é uma diferen-
te fase de um fenômeno, nem é da mesma forma. Não é ida e nem vol-
ta. Não é passado, nem futuro, e nem presente. Não é um, nem muitos,
nem longo, nem curto, nem redondo, nem quadrado, nem pontiagudo,
nem curvo. Não é fenômeno, nem imagem mental, nem nome, nem
matéria, nem causa, nem efeito, nem eu, e nem algo que se possui. Por
essa razão, Nirvana é Eterno e duradouro, e é imutável. Em razão disto,
pratica-se o bem por inumeráveis asamkhyas de kalpas, adornamo-nos,
e então podemos vê-lo.
Oh bom homem! Existem cinco tipos de causas. Quais são as cinco? Elas
são: 1) causa do nascimento, 2) causa da harmonização, 3) causa de ser
como é, 4) causa do crescimento, e 5) causa externa distante [indireta].
O que é a causa de ser como é? Devido aos pilares, o telhado não cai. As
montanhas, rios e árvores repousam sobre a grande terra. E eles devem
ser como são e assim permanecer. O homem possui, dentro dele, os
quatro grandes elementos, um inumerável e infinito número de impu-
rezas. E (, mesmo assim,) os seres continuam a existir. Isto é causa de
ser como é.
Oh bom homem! O corpo do Nirvana não é algo que venha dessas cinco
causas. Como alguém pode dizer que ele surge de uma causa do não-
Eterno?
O Que é Danaparamita
Oh bom homem! Isto é como uma pessoa que planta árvores para obter
sombra fresca e flores, frutos e madeira. Se pratica-se dessa maneira,
isso é doação, mas não qualquer paramita.
Oh bom homem! Por exemplo, isto é como uma pessoa nobre que tem
medo, se sente insegura, não tem ninguém em quem confiar, e que
pede ajuda da mão de um candala. Assim se dão as coisas com o Bodhi-
sattva-Mahasattva quando ele pratica o Grande Nirvana e realiza dana.
Você diz que a menos que ele corte a Natureza-de-Buda, como poderia
um icchantika erradicar todas as raízes do bem?
Oh bom homem! O Tathagata não é rei, nem da classe dos quatro guar-
diões da terra, nem daqueles do Céu da Irreflexão-não-Irreflexão, nem
da classe do Srotapanna, do Pratyekabuda, ou o Bodhisattva dos dez
estágios. Assim, o Tathagata não é deva. Mas todos os seres chamam o
Tathagata de deva dos devas. Portanto, o Tathagata não é deva, nem
não-deva, nem humano, nem não-humano, nem demônio, nem não-
demônio, nem habitante do inferno, da animalidade, dos espíritos fa-
mintos; nem é não-habitante do inferno, da animalidade ou dos espíri-
tos famintos. Ele não é ser; não é dharma (lei), e não é não-dharma. Ele
não é matéria [‘rupa’] e nem não-matéria. Ele não é alto, nem não-alto,
nem baixo, nem não-baixo. Ele é não-fenomenal, nem não-fenomenal,
nem mente, nem não-mente. Ele não é algo impuro, nem é não-impuro.
Ele é não criado, e não é não-criado. Ele não é Eterno, nem não-Eterno,
nem fantasma, nem não-fantasma. Ele não é nome e não é não-nome;
não permanente, e nem não-permanente. Ele não é ‘é’, nem ‘não-é’,
nem um sermão, nem um não-sermão. Ele não é Tathagata, e nem não-
Tathagata. Portanto, o Tathagata não é alguém permanente.
A Conduta de um Sábio
O homem disse: ‘Não sete, mas apenas um dia, para ser claro’.
Tendo obtido este verso, fui para a casa da pessoa doente. Oh bom
homem! Então, dei-lhe diariamente três ‘liangs’ de carne. Em razão da
virtude da meditação sobre o gatha (verso), não sentia dores. Nem um
dia falhei [em dar a minha carne], e um mês se passou. Oh bom ho-
mem! Como resultado disto, a doença foi curada. Recuperei o estado
anterior do meu corpo e não tive ferimentos. Com o meu corpo com-
pletamente em ordem, aspirei ao insuperável Bodhi. Tal é o poder de
um simples gatha. Quão maior não seria se eu tivesse guardado e reci-
tado (todo) este sutra? Vendo essa virtude neste sutra, minha aspiração
dobrou [e eu orei]: ‘Rogo para que no futuro eu atinja o Bodhi e seja
chamado Shakyamuni’. Oh bom homem! Devido a esse simples gatha,
estou agora com essa congregação, inteiramente dirigida para (seres)
celestiais e humanos. Oh bom homem! Assim é este Sutra do Grande
Nirvana tão absolutamente maravilhoso. É perfeito nas incontáveis
virtudes. É nenhum outro senão o Todo-Maravilhoso, o Repositório
O Ego do Bodhisattva
Elefantes e Amigos
A Percepção do Bodhisattva
Oh bom homem! Como uma ilustração: existe um rei que mantém qua-
tro víboras num caixão e tem um homem para alimentá-las, tomar nota
do despertar e adormecer das serpentes, esfregar e lavar os seus cor-
pos. É dado a conhecer que se qualquer uma das serpentes tornar-se
irada, o homem encarregado, por lei, terá de ser executado na cidade.
Ao ouvir as estritas ordens do rei, o homem sente-se temeroso. Ele
abandona o caixão e foge. O rei, então, manda cinco candalas atrás
dele. Os candalas, brandindo as suas espadas, pretendem forçar o ho-
mem a seguir as ordens do rei. Olhando para trás, o homem vê os cinco
candalas e apressa-se. Então os cinco candalas recorrem a um mau ex-
pediente. Eles escondem as suas espadas. Um deles vai até o homem e,
fingindo uma atitude amigável, diz: ‘Vamos voltar!’. O homem não con-
fia nele. A caminho de uma aldeia, ele pretende se esconder. Mas, che-
gando lá, ele vê que as casas estão todas vazias, sem ninguém dentro
Os cinco candalas são nada mais que os cinco skandhas. De que maneira
o Bodhisattva vê os cinco skandhas como candalas? Um candala afasta
um homem das suas obrigações e do amor, e gera um ódio crescente. É
o mesmo com os cinco skandhas. Eles fazem um homem cobiçar aquilo
que o conduz à maldade e o afasta de tudo o que é bom. Também, além
disso, oh bom homem! Um candala cobre-se com várias armas e fere as
pessoas com sua espada, escudo, arco, flecha, armadura e alabarda. É o
mesmo com os cinco skandhas. Eles se armam com todos os tipos de
impurezas e ferem os ignorantes, fazendo-os reciclar entre nascimentos
e mortes.
Por ‘inimigo que seduz e finge amizade’ entende-se que uma pessoa
sempre procura por novidades, afasta-se daquilo que ama e encontra
aquilo que ela odeia. O mesmo se passa com o desejo. Ele nos faz afas-
tar de todas as coisas boas e nos associarmos às coisas más. Por essa
razão, o Bodhisattva-Mahasattva sempre medita profundamente sobre
a sedução do desejo. Como não se pode vê-la, faz-se o possível, mas de
fato não se pode. Os mortais comuns tentam ver a sedução do nasci-
mento e da morte. Eles podem ter a sabedoria. Mas, em razão da escu-
ridão da ignorância, ao final não podem ver bem. Assim se dão as coisas
com os Sravakas e Pratyekabudas. Eles podem tentar ver, mas não con-
seguem. Por que não? Em razão dos seus pensamentos de desejo. Por
quê? A visão dos males do nascimento e da morte não conduz alguém à
Iluminação Insuperável. Em razão disto, o Bodhisattva-Mahasattva con-
sidera esses laços do desejo como um inimigo que sedutoramente finge
amizade.
Por isso, refiro-me aqui e ali nos sutras às três impurezas. Por causa da
ignorância com relação ao que uma pessoa vê agora, alguém pode não
A Aldeia Vazia
Falamos de uma ‘aldeia vazia’. Isto nada mais é que os seis sentidos
orgânicos. O Bodhisattva-Mahasattva medita sobre essas seis esferas e
vê que tudo é vazio, como com uma aldeia vazia. O homem que tem
medo entra na aldeia e vê que não há um único ser vivente ali. Essa
pessoa pega um vaso de barro, mas nada pode encontrar dentro dele. O
caso é análogo. É o mesmo com o Bodhisattva. Ele olha dentro das seis
esferas e vê claramente que não há nada nelas. Portanto, o Bodhisattva
vê que o que existe nas seis esferas é vacuidade e que nada há para
possuir, como no caso da aldeia vazia.
Dizemos ‘seis grandes ladrões’. Estes são nada mais que os seis campos
dos sentidos. O Bodhisattva-Mahasattva considera esses seis campos
dos sentidos como seis grandes ladrões. Por quê? Porque eles de fato
despojam uma pessoa de todas as coisas boas. Exatamente como os
seis grandes ladrões pilham todos os tesouros de todas as pessoas, as-
sim o fazem os seis campos dos sentidos. Eles despojam todas as pesso-
as de todos os bons tesouros. Quando os seis grandes ladrões entram
na casa de uma pessoa, eles não fazem distinção entre o bom e o mau,
mas pegam rapidamente o que existe na casa, e mesmo pessoas muito
ricas subitamente se tornam pobres. Assim se procedem as coisas com
os seis campos dos sentidos. Todas as pessoas boas morrem se eles (os
campos dos sentidos) dominarem os seus sentidos orgânicos. Quando o
bem tiver sido totalmente furtado, a pessoa se tornará um icchantika
pobre e solitário. Por essa razão, o Bodhisattva vê claramente os seis
campos dos sentidos como seis grandes ladrões.
Este grande rio pode destruir apenas o corpo, não afoga todos os bons
dharmas. É diferente com o rio das impurezas. Ele destrói completa-
mente o bem do corpo e da mente. Aquele turbilhão do grande rio afo-
ga apenas o homem do mundo dos desejos. O grande rio das impurezas
afoga os devas e as pessoas dos três mundos. O grande rio do mundo
pode ser atravessado, e uma pessoa pode encontrar a outra margem
remando com suas mãos e pés. Ao contrário disto, o grande rio das
impurezas somente pode ser atravessado por um Bodhisattva, na me-
dida em que ele pratique os seis paramitas. É difícil atravessar um gran-
de rio. O mesmo se aplica ao grande rio das impurezas. É difícil atraves-
A Verdade da Forma
O Grande Nirvana
O que é Nirvana? Isto é como quando alguém que está com fome tem
paz e felicidade após ter ingerido um pouco de comida. Essa tranqüili-
dade e felicidade também são chamadas Nirvana. É como quando uma
doença é curada, e a pessoa ganha paz e felicidade. Essa paz e felicida-
de também são Nirvana. Isto é como quando uma pessoa com medo
ganha a paz e a felicidade ao encontrar um refúgio. Essa paz e felicidade
também são Nirvana. Quando uma pessoa pobre obtém os sete tesou-
ros, ela ganha paz e felicidade. Essa paz e felicidade também são Nirva-
na. Uma pessoa vê um osso e não sente ganância. E assim, também, é
Nirvana.
Esse Nirvana não pode ser denominado ‘Grande Nirvana’. Por que não?
Em virtude da ganância (avidez, cobiça) que surge na sua mente através
da fome, doença, medo ou pobreza. Este é o porquê dizemos que Nir-
vana não é Grande Nirvana.
Oh bom homem! Por exemplo, existe um rio e, uma vez que mesmo o
melhor Gandhahastin não pode alcançar o seu fundo, então dizemos
‘grande’. Se Sravakas, Pratyekabudas e os Bodhisattvas do décimo está-
gio não vêem a Natureza-de-Buda, dizemos ‘Nirvana’. Não é ‘Grande
Nirvana’. Se eles vêem claramente a Natureza-de-Buda, existe ‘Grande
Também, além disso, oh bom homem! O lugar onde vive um rei menor
é chamado ‘pequeno castelo’. O lugar onde um Chakravartin vive é
chamado ‘grande castelo’. Todos aqueles lugares onde vivem 80.000,
60.000, 40.000, 20.000 e 10.000 Sravakas e Pratyekabudas caem sob a
rubrica de ‘Nirvana’. À morada do Insuperável Lorde do Dharma, do Rei
Sagrado, por conseguinte é dado o nome de ‘Grande Nirvana’. Por essa
razão, dizemos ‘Grande Nirvana’.
Além disso, Nobre Filho, um tesouro, por exemplo, contém muitos dife-
rentes tipos de coisas raras e assim é chamado grande tesouro. O ex-
tremamente profundo tesouro do Buda-Tathagata é como aquilo: uma
vez que ele contém maravilhas, sem qualquer deficiência, ele é deno-
minado ‘Grande Nirvana’.
Como alguém agora obtém o que era incapaz de obter no passado? Isto
nada mais é que o grande poder miraculoso que alguém não poderia
obter no passado, mas que agora obtém. Existem dois tipos de poder.
Um é interior, o outro é exterior. Dizemos ‘exterior. Isto se refere aos
tirthikas. Do (poder) interior, novamente há dois tipos. Um é o dos dois
veículos, e o outro é o do Bodhisattva. Este é o poder divino que o Bo-
dhisattva obtém ao praticar o Sutra do Grande Nirvana. Não é o mesmo
que aquele que se obtém com Sravakas e Pratyekabudas. O poder divi-
no alcançado pelos dois veículos é aquele obtido por uma mente, não
muitas. Isto não é assim com o Bodhisattva. Em uma mente, ele obtém
cinco tipos de corpos. Por quê? Porque ele ganha o poder divino do
Sutra do Grande Nirvana. Isto é o que alguém obtém agora e que não
obtinha no passado.
De que maneira a mente segue o corpo? Por exemplo, isto é como com
uma pessoa intoxicada. Quando há tóxico no corpo, a mente também
muda. Também, é como quando o corpo sente preguiça e a mente
também sente. Isto são instâncias da mente seguindo o corpo. Tam-
bém, é como com uma criança. Como o corpo é pequeno, a mente
também é ainda pequena. Com o crescimento, conforme o corpo se
torna grande, a mente também se torna grande. Ou pode haver um
homem cujo corpo é rude e pesado, e que pensa em esfregar-se no óleo
tal que seu corpo se torne leve e flexível. O caso é como isto. Isto é um
exemplo da mente seguindo o corpo.
Ao que dizemos que alguém não havia chegado e agora chegou? Àquilo
que todos os Sravakas e Pratyekabudas eram incapazes de chegar e
agora é alcançado pelo Bodhisattva. Este é o porquê dizemos que ao
que alguém não havia chegado agora chegou. Sravakas e Pratyekabudas
podem transformar seus corpos no tamanho de uma partícula, e mes-
mo assim não são capazes de viajar para os mundos de todos os Budas,
cujo número é tão incontável quanto às areias do Ganges. Com os Sra-
vakas e Pratyekabudas, suas mentes também se movem quando seus
corpos se movem. Não é assim com o Bodhisattva. Sua mente não se
move, mas não há caso onde seu corpo não se mova. Este é o sentido
no qual falamos que a mente do Bodhisattva não segue seu corpo.
Então o Tathagata expressou seu elogio e disse: “Bem falado, bem fala-
do, oh bom homem! Você faz muito bem de colocar esta questão. Se
houver alguma forma de constância (permanência) no efeito (resultado)
de sua voz, isto não pode ser o que resulta (da voz) do Buda-Todo-
Honrado-pelo-Mundo. Tudo isto é o que se obtém com o rei dos Maras,
a forma do nascimento e da morte, e afasta-se do Nirvana. Por quê?
Aquilo que todos os Budas falam a respeito não possui forma definida
de resultado.
Oh bom homem! Você diz que se alguém ouve uma linha ou uma letra
do meu [Sutra do] Grande Nirvana, atinge o Insuperável Bodhi. Mas isto
indica que você não compreende completamente o significado. Ouça
atenciosamente! Agora tornarei claro para você. Se qualquer bom ho-
mem ou boa mulher, ao ouvir uma letra ou linha do [Sutra do] Grande
Nirvana, não alimentar a noção de uma letra ou linha, de tê-lo ouvido,
do olhar do Buda, de um elemento do seu sermão; isso é uma forma da
não-forma. Devido à não-forma, atinge-se o Insuperável Bodhi.
Oh bom homem! Você diz que ao se ouvir uma má voz se ganha a vida
nos três reinos do infortúnio. Isto não é assim. Não se ganha os três
reinos do infortúnio a partir de uma má voz. Saiba que isto resulta de
um mau pensamento. Por quê? Oh bons homens e boas mulheres! Po-
de haver casos onde se ouve uma má voz e, no entanto, não se ganha
um mau pensamento. Em razão disto, saiba que alguém não ganha (em
razão disto) vida nos três reinos do infortúnio. E ainda mais, como todos
os seres têm laços de impurezas e muita maldade em sua mente, eles
não ganham vida nos três reinos do infortúnio. Isto não é de uma voz
que é má. Se a voz tivesse um estado definido, todos que a ouvissem
teriam que ganhar um mau pensamento. Há situações onde aqueles
(maus pensamentos) vêm e onde eles não vêm. Assim, saiba que não há
estado definido com relação à voz. Como não há estado definido, é
possível que nenhum mau pensamento surja embora alguém possa
ouvi-la.
Oh bom homem! A voz não tem estado definido. Ela certamente possi-
bilita a alguém ouvir aquilo que não ouviu no passado. Portanto, digo
que alguém ouve o que não ouviu no passado.
Oh bom homem! Como pode alguém ver o que não viu no passado? O
Bodhisattva-Mahasattva pratica o Todo-Maravilhoso Sutra do Grande
Nirvana e, primeiro, ganha o brilho. Essa luz é como aquela do sol, da
lua, das constelações, da fogueira, da lâmpada, a luz de uma gema (pre-
ciosa), ou a luz de uma erva medicinal. Através da pratica, ele ganha
sentidos diferenciados. Esses (sentidos) diferem daqueles dos Sravakas
e Pratyekabudas. Como é diferente? É diferente do Olho Celestial puro
dos dois veículos. Com base nos sentidos orgânicos dos quatro grandes
elementos do mundo dos desejos, pode-se ver o primeiro dhyana. Se
alguém está fundamentado no primeiro dhyana, não pode ver o que se
obtém nos estágios acima. Ou alguém pode ver os próprios olhos. Ou
pode desejar ver mais, mas o limite está nos 3.000 grandes sistemas de
mil mundos.
Devido a esta diferença, ele pode ver bem uma partícula, a qual Srava-
kas e Pratyekabudas não podem ver. Devido a esta diferença, ele pode
ver bem seus próprios olhos, e ainda assim ele não tem a sensação de
tê-los visto pela primeira vez, e nem a sensação do não-eterno. Ele vê as
36 coisas impuras que os mortais comuns possuem, exatamente como
ele veria uma amalaka [fruta indiana da groselha] na palma de suas
mãos. Por essa razão, dizemos que ele agora vê o que não havia visto
no passado. Se ele vê a cor dos seres, ele pode dizer se são Mahayana
ou Hinayana; uma vez que toque suas roupas, ele vê o bom ou o mau, e
as diferenças de todos os (seus) sentidos orgânicos. Por essa razão,
dizemos que a pessoa agora sabe (conhece) o que ele não conheceu no
passado. Devido a esse poder de conhecimento, ele agora vê o que não
viu no passado.
Também, além disso, oh bom homem! Como alguém pode saber agora
o que não sabia no passado? Tendo praticado o Todo-Maravilhoso Sutra
do Grande Nirvana, o Bodhisattva-Mahasattva pensa sobre as origens
do nascimento, casta, pais, irmãos, irmãs, esposa, filhos, parentes, ami-
gos e inimigos. No lampejo de um momento ele adquire um conheci-
mento diversificado, o qual difere daquele dos Sravakas e Pratyekabu-
das. Como ele difere? A sabedoria dos Sravakas e Pratyekabudas pensa
sobre a casta, pais e inimigos de todos os seres do passado. O que é
visto é nada mais que inimigos e amigos. Não é assim com o Bodhisatt-
va. Ele pode pensar sobre a casta, pais e inimigos do passado. Mas ele
não concebe formas para a casta, pais e inimigos. O que ele vê é a lei
[dharma] que se depreende (disto) e o Vazio. Este é o porquê dizemos
que o Bodhisattva agora sabe o que ele não sabia no passado.
Também, além disso, oh bom homem! Como alguém sabe o que não
sabia no passado? O Bodhisattva-Mahasattva pratica o Todo-
Maravilhoso Sutra do Grande Nirvana e alcança algo que é diferente
daquilo que foi alcançado pelos Sravakas e Pratyekabudas que podem
ler a mente de outras pessoas. Como é diferente? Os Sravakas e Pratye-
O Sentido da Autodeterminação
Em qual sentido dizemos que ele ganha uma idéia de decisão (autode-
terminação) e pensa: ‘Com este corpo, infalivelmente atingirei, nos dias
a vir, um estado no qual despertarei para a Iluminação Insuperável’. Sua
mente pensa assim. Ele não se torna limitado (estreito) em pensamen-
to, muda, ganha o pensamento de um Sravaka ou Pratyekabuda, o pen-
samento de Mara, o pensamento de auto-prazer, ou daquele que está
satisfeito com o nascimento e a morte. Ele sempre procura ser compas-
Por que dizemos que o receptor é puro, mas o doador impuro? O doa-
dor transgride os preceitos, tem visões distorcidas e diz que não pode
haver nada como doação e recompensa. O receptor mantém os precei-
tos, ouviu muito, tem Sabedoria, sabe [que é importante] doar, e co-
nhece a recompensa disto. Este é o porquê dizemos que o doador é
impuro, mas o receptor é puro.
Como podemos dizer que ambos são impuros? Ambos, doador e recep-
tor, baseiam-se em visões distorcidas e dizem que não pode haver
qualquer doação e recompensa. Se a situação é assim, como podemos
dizer que a recompensa é pura? Quando não há [sentido ou intenção
de] doação e nem [sentido de] recompensa, dizemos (que a recompen-
sa é) pura.
Oh bom homem! Se existe uma pessoa que não vê doação e sua re-
compensa, saiba que não dizemos que tal pessoa violou os preceitos ou
apega-se exclusivamente às visões distorcidas. Se, atendendo as pala-
vras de um Sravaka, uma pessoa não vê doação e sua recompensa, aí
chamamos isto de uma violação dos preceitos e persistência em visões
distorcidas.
Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa que pratica a igno-
rância cai no inferno quando chega o tempo do efeito cármico ser pro-
duzido. E quando a sua vida no inferno termina, ela sai dele e ganha
vida como um animal, tais como: elefante, porco, vaca, carneiro, pulga,
piolho, mosquito, mosca ou formiga. Se acontecer de ganhar a vida
como um humano, imperfeições da forma corpórea e dos sentidos or-
gânicos surgirão como: surdez, cegueira, mudez, retenção da urina, ser
corcunda, e será impedido de se aproximar do Dharma. Mesmo que
venha a tornar-se ordenado, todas as funções dos seus órgãos carnais
serão deficientes, e ele terá prazer em cometer a [terceira] grave ofen-
Carma Remanescente
Existência Remanescente
Oh bom homem! Por exemplo, se alguém coloca água num vaso precio-
so de ouro ou prata, tudo parecerá puro e limpo, dentro e fora. É o
mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva cujo corpo é puro. Por dentro e
por fora, ele será limpo porque a água da Iluminação Insuperável foi
derramada dentro dele.
O que é um inimigo? Nada mais que alguém que calunia os Sutras Vai-
pulya. O Bodhisattva não tem medo de seguir os outros e nascer nos
O Samadhi Diamante
Oh bom homem! Por exemplo, existe um homem cuja força física é tão
grande que não há quem possa enfrentá-lo. Então, surge um homem
que lhe derrota. As pessoas enaltecem o homem. É o mesmo com o
Samadhi Diamante. Ele subjuga completamente o que quer que seja
difícil de subjugar. Devido a isto, todos os Samadhis se reúnem sob a
sua bandeira.
O Poder da Transformação
Oh bom homem! Dizemos ‘Mestre da Via’. Este é nada mais que o Bu-
da, o Bodhisattva, o Pratyekabuda, o Sravaka e aqueles que crêem no
Vaipulya. Por que dizemos ‘Bom Mestre da Via’? O Bom Mestre da Via
ensina bem os seres e permite-lhes acabar com as dez más ações e pra-
ticar as dez boas ações. Este é o porquê dizemos ‘Bom Mestre da Via’.
Também, além disso, o Bom Mestre da Via fala da Via exatamente co-
mo ela deve ser ensinada e age como ele deve agir.
Por que dizemos que falamos como devemos falar e agimos como de-
vemos agir? Abstemo-nos de matar e ensinamos outros a não matar.
Temos a visão correta e ensinamos a visão correta aos outros. Se as
coisas se estabelecem assim, dizemos que essa pessoa é um verdadeiro
Oh bom homem! A lua que paira nos céus brilha do primeiro ao décimo-
quinto dia do mês (lua-cheia no calendário lunar). Assim se dão as coi-
sas com o Bom Mestre da Via. Ele faz com que todos os seres que estu-
dam a Via se apartem do mal e cresçam em boas ações.
Audição e Prática
Oh bom homem! Como uma ilustração: uma pessoa que sofre de doen-
ças pode ouvir um ensinamento medicinal ou o nome de um remédio,
mas não pode conseguir a cura para suas doenças. Compartilhando [do
remédio], ela pode acabar com elas. Uma pessoa pode ouvir bem os
profundos significados dos doze elos do surgimento interdependente,
mas não acaba com todas as impurezas. A segregação pode resultar
somente quando, com uma mente atenta, ela medita a respeito. Esta é
a terceira meditação atenta.
Oh bom homem! Um bom médico é bem versado nas oito artes medici-
nais. Quando ele vê um paciente, ele não vê a sua casta, retidão da ati-
tude ou feiúra, riqueza ou tesouros. Ele cura a todos. Assim dizemos
‘Grande Médico’. O mesmo é o caso com todos os Budas e Bodhisatt-
vas. Eles vêem as doenças das impurezas de todos os seres, mas não
sua casta, se bem trajados ou não, riqueza ou tesouros. Com uma men-
te de amor-benevolente, eles falam do Dharma. Ao ouvir isto, os seres
acabam com as doenças das impurezas. Por essa razão, todos os Budas
e Bodhisattvas são chamados Bons Mestres da Via. Ao acolher um Bom
Amigo da Via, aproxima-se do Mahaparinirvana.
A Fase do Nirvana
A Fase do Tathagata
A Fase do Dharma
A Fase do Sacerdote
Oh bom homem! Eu, muito antes, previ que as virtudes do bem acumu-
ladas por Kashyapa amadureceriam e frutificariam no prazo de três
meses e que, após o término da reunião de Varsika, Subhadra de Gan-
dhamadana [isto é, um Brâmane instruído que foi a última pessoa a
entrar para a Sangha Budista] viria para o meu lugar. Este é o porquê Eu
disse a Marapapiyas: ‘No prazo de três meses entrarei no Nirvana’. Oh
bom homem! Existem 500 lutadores. No prazo de três meses eles irão
aspirar ao Insuperável Bodhi. Este é o porquê Eu disse a Papiyas: ‘No
prazo de três meses entrarei no Parinirvana’. Oh bom homem! Como as
virtudes acumuladas por Cunda, os 500 Licchavis e Amrapali estavam
para amadurecer, e eles estavam a aspirar ao Insuperável Bodhi, Eu
disse a Papiyas: ‘No prazo de três meses entrarei no Nirvana’.
Também, isto foi para Ugra, o homem rico, e seus 50 parentes. Tam-
bém, foi para o benefício de Bimbisara, Rei de Magadha, e inumeráveis
outros, e também aqueles dos céus. Também, foi para o benefício de
Uruvilva-Kashyapa e seus 500 discípulos Monges. Também, foi para o
benefício de dois irmãos, Nadi-Kashyapa e Gaya-Kashyapa, e seus 500
discípulos Monges. Também, foi para o benefício de Shariputra e
Maudgalyayana e seus 250 Monges. Este foi o porquê Eu disse a Papi-
yas, o Rei dos Maras, que Eu não entraria no Parinirvana.
Oh bom homem! ‘Va’ significa ‘é’. O que não é ‘é’ é Nirvana. ‘Va’ signifi-
ca harmonia. O que nada tem a ser harmonizado é Nirvana. ‘Va’ signifi-
ca sofrimento. O que não tem sofrimento é Nirvana.
A Sabedoria que existe não está confinada no Dharma. Isto é assim com
o Tathagata. O Tathagata não é mortal comum, nem Sravaka, nem Prat-
yekabuda, e nem Bodhisattva. Isto é a Natureza de Buda.
Como o Bodhisattva aparta-se das cinco coisas? Elas são as cinco visões
distorcidas [‘panca-drstayah’: as cinco visões heréticas]. Quais são as
cinco? Elas são: 1) a visão distorcida com relação à existência carnal
(corpórea) dos humanos [‘satkaya-drsti’: a visão herética de que existe
uma entidade imutável no ‘eu carnal’ que pode ser chamada de um ‘eu
eterno’ e considerada como própria de alguém], 2) a visão unilateral do
‘é’ ou ‘não-é’ [‘antagraha-drsti’: a visão unilateral ou herética do ‘é’ ou
‘não-é’ com relação à existência fenomenal, ou a visão do ‘é’ ou ‘não-é’
com relação à noção erroneamente aceita do Eu], 3) a visão maléfica
que nega a causalidade [‘mithya-drsti’: a visão maléfica que nega a lei
da causalidade em relação ao que existe], 4) a visão distorcida do apego
às opiniões pessoais unilaterais [‘silavrata-paramarsa’: a visão herética
da vida que nega os preceitos morais e as proibições, e que considera o
que está errado como verdadeiro e correto], 5) adesão às visões distor-
cidas e consideração disto como correto [‘drsti-paramarsa’: a visão he-
rética do mundo através da qual alguém se apega à ‘satkaya-drsti’, à
‘antagraha-drsti’, e à ‘mithya-drsti’, e considera isso como verdadeiro].
Dessas cinco visões distorcidas surgem as 62 visões maléficas da vida.
Devido a isto, não há cessação do nascimento e da morte. Portanto, o
Oh Honrado pelo Mundo! Uma mulher estéril, por exemplo, não possui
capacidade para a concepção de uma criança. Com qualquer astúcia e
esforços, ela não pode conceber uma criança. É o mesmo com a mente.
Originalmente, ela não possui a natureza da cobiça. Em qualquer que
seja a circunstância, a cobiça não pode surgir.
Oh bom homem! Há seres que dizem: ‘A mente não tem causa; a cobiça
também não tem causa. A mente gananciosa surge por ocasião’. Todas
essas pessoas não sabem que tudo se baseia na mente, e transmigram
através dos seis reinos, repetindo nascimentos e mortes.
“Oh bom homem! Quando existe a relação causal [da cobiça], a mente
da cobiça [isto é, o estado mental da cobiça/desejo] surge; é assim que
ela (a mente da cobiça) existe e morre com a cobiça. Há o caso onde a
mente surge com a cobiça; é assim que ela (a mente) existe e não morre
com a cobiça. Há o caso onde ela (a mente) não surge com a cobiça; ela
existe com a cobiça, e assim ela morre. Há o caso onde ela não surge
com a cobiça, ela não existe com a cobiça, e assim ela morre.
Como a mente surge junto com a cobiça, existe com a cobiça, e assim
morre (com a cobiça)? Oh bom homem! Se o mortal comum não corta a
mente da cobiça e a pratica, essa pessoa é alguém cuja mente surge
junto com a cobiça. Todos os seres não cortam a mente da cobiça. Ela (a
mente) surge com a cobiça, e morre com a cobiça. Para todos os seres
do mundo do desejo existe uma tabela de progressão do primeiro está-
gio do dhyana (onde o praticante pode finalmente libertar-se da visão
de ser um corpo físico). Praticado ou não praticado, tudo está pronto
para a consumação. Somente através das relações causais isso se revela
para alguém. A relação causal é nada mais que o fogo. Assim se dão as
coisas com todos os mortais comuns. Se praticado ou não praticado, a
mente surge junto com a cobiça, e ela morre junto com a cobiça. Por
quê? Porque a raiz da cobiça não foi extirpada.
Como a mente surge junto com a cobiça e não morre junto com a cobi-
ça? O discípulo Sravaka adquire a cobiça através das relações causais.
Como ele é receoso, ele medita sobre ossos brancos. Este é o porquê
dizemos que a mente surge junto com a cobiça e que ela não morre
junto com a cobiça. Também, há uma situação onde a mente surge jun-
to com a cobiça e não morre junto com a cobiça. Existe um Sravaka que
De que maneira dizemos que a mente não surge com a cobiça e que ela
morre junto com a cobiça? Quando o Bodhisattva-Mahasattva extirpa a
mente da cobiça, mas demonstra, para o benefício dos seres, que ele
ainda tem cobiça. Como isso é demonstrado para benefícios, um incon-
tável, ilimitado número de seres obtém, aprimoram e realizam boas
coisas. Isto é onde dizemos que a mente não surge junto com a cobiça,
mas morre junto com a cobiça.
Como dizemos que a mente não surge junto com a cobiça e que ela não
morre junto com a cobiça? Isto se refere aos Bodhisattvas, exceto o
Arhat, o Pratyekabuda, todos os Budas, e aqueles do estágio de impas-
sividade. Isto é onde dizemos que a mente não surge junto com a cobi-
ça e que ela não morre junto com a cobiça. Por essa razão, não dizemos
que todos os Budas e Bodhisattvas são, por natureza, puros na mente, e
não dizemos que eles são, por natureza, impuros. Oh bom homem! Essa
mente não se funde com aquela da cobiça; também ela não se funde
com aquelas da ira e da ignorância.
Também, além disso, oh bom homem! Uma pessoa pode vir a pensar
que o Eu é matéria [‘rupa’], que o Eu existe na matéria; que existe ma-
téria no Eu, que a matéria pertence ao Eu. Ou ela pode ver o Eu como
consciência, ou pensar que o Eu existe na consciência, que a consciência
existe no Eu, que a consciência pertence ao Eu. Quaisquer pessoas que
vejam as coisas assim pertencem a Mara; quaisquer pessoas que vejam
as coisas assim não são meus discípulos.
Se uma pessoa não recebe e guarda [coisas impuras], mas – para o be-
nefício do Grande Nirvana – protege, recita, copia e expõe para os ou-
tros os 12 tipos de sutras, saiba que essa pessoa é verdadeiramente
meu discípulo. Essa pessoa não faz aquilo que pertence ao mundo dos
Marapapiyas; essa pessoa aprende e pratica os 37 elementos (concer-
nentes) da Iluminação. Ao aprender e praticar a Via, essa pessoa não
surge junto com a cobiça e não morre junto com a cobiça. Isto é o que
O Que é Fé
Uma pessoa que assim acredita não pode ser derrotada por quaisquer
Shramanas, Brâmanes, Marapapiyas, Brahma, ou quem quer que seja.
Quando uma pessoa baseia-se nessa fé, ela ganha a natureza de um
sábio sagrado. Ela pratica a doação – quer seja grande ou pequena – e
tudo isto leva ao Mahaparinirvana, e dessa forma essa pessoa não cai
no (ciclo do) nascimento e morte. O mesmo se passa com a observância
dos preceitos morais, com a audição da Via, e com a Sabedoria, tam-
Segundo, você diz que a doença pode não ser curada, independente-
mente de se obter tais coisas ou não.
Então o Buda teceu elogios e disse: “Bem falado, bem falado, oh bom
homem! Há dois tipos de pessoas no mundo que são tão raros quanto a
udumbara. Um é a pessoa que não comete más ações; o segundo é a
pessoa que confessa completamente quando ela pecou. Essas pessoas
são extremamente raras. Há ainda dois tipos de pessoas. Um beneficia
os outros; o outro relembra bem os benefícios que recebeu. Para além
disso, há dois tipos de pessoas. Um aceita novas normas (de conduta), e
o outro olha para o que se passou e não esquece. Também, ainda há
dois tipos de pessoas. Um faz o que é novo, e o outro pratica o que é
antigo. Também, há outros dois tipos de pessoas. Um sente prazer em
dar ouvido ao Dharma, e o outro sente prazer em falar do Dharma.
Também, ainda há dois tipos de pessoas. Um indaga sobre o que é difí-
cil, e o outro responde bem. Você é o tipo de pessoa que indaga bem
sobre o que é difícil; o Tathagata é aquele que responde bem. Oh bom
homem! Através dessas questões bem colocadas, pode ocorrer o Giro
da Roda-da-Lei, a morte da grande árvore dos 12 elos da causação, a
passagem das pessoas através do imenso oceano do nascimento e da
morte, o bom combate contra o Rei Marapapiyas, e a derrubada do
estandarte vitorioso dos Papiyas.
Oh bom homem! Eu falei assim dos três (tipos de) pacientes e disse que
se houver encontro ou não-encontro de um bom médico, bom atendi-
Terceiro, ela come mesmo quando a comida anterior ainda não foi dige-
rida.
Quinto, muito embora esteja doente, ela não cumpre com as palavras
do médico.
Oitavo, ela sai à noite. Como ela sai à noite, os demônios vêm e atacam-
lhe.
Por essa razão, Eu digo que se o paciente toma o remédio, a sua doença
será curada, e se ele não o faz, ela não será curada. Oh bom homem! Eu
disse (também) acima que a doença não será curada, quer [o remédio
seja] tomado ou não. Por quê? Porque (neste caso) o tempo de vida
está acabado. Assim sendo, eu disse que a pessoa doente não obterá a
cura, quer o remédio seja tomado ou não. Assim as coisas se procedem
com os seres. Qualquer um que obtenha o Bodhichitta, quer tenha se
encontrado com um bom amigo ou não, com todos os Budas e Bodhi-
sattvas ou não, ele Despertará e ganhará as profundezas do Dharma.
Por quê? Porque ele aspira à Iluminação. Isto é como as pessoas do
Uttarakuru, que são abençoadas com um tempo de vida definido. Con-
forme eu disse, aquelas pessoas dos estágios desde o Srotapanna até o
Pratyekabuda, quando ouvem as palavras de profundo significado de
um bom amigo (da Via), de todos os Budas e Bodhisattvas, obterão a
mente da Iluminação Insuperável.
Oh bom homem! ‘Issen’ significa ‘fé’; ‘dai’ significa ‘não dotado’. Quan-
do uma pessoa não possui fé, dizemos ‘issendai’. A Natureza-de-Buda
não é ‘fé’. O ‘ser’ não a ‘possui’. Não possuindo, como a pessoa pode
pensar em cortar? ‘Issen’ significa ‘bons meios hábeis’, e ‘dai’ ‘não pos-
suir’. Quando os bons meios hábeis não são praticados, falamos do ‘ic-
chantika’. Dizemos ‘Natureza-de-Buda’. Não é praticar os bons meios
hábeis. Os seres não possuem isto. Não a possuindo, como ela pode ser
cortada?
‘Issen’ significa ‘ir adiante’, e ‘dai’ ‘não dotado’. Quando a pessoa não
possui algo que a possibilitará ir adiante, falamos do icchantika. A Natu-
‘Issen’ significa ‘lembrar’, e ‘dai’ ‘não possuir’. Quando uma pessoa não
possui lembrança, dizemos icchantika. A Natureza-de-Buda não é lem-
brança, e os seres são ‘não dotados’. Assim, como pode uma pessoa
pensar em cortar?
Oh bom homem! Por exemplo, existe um rei que ouve uma harpa, cujo
som é sereno e maravilhoso. Em sua mente encantada, surgem a alegria
e a felicidade, intercaladas com pensamentos de amor, e é difícil [para
ele] afastar o sentimento de soberba. Ele diz ao seu ministro: ‘De onde
surge essa espécie de som maravilhoso’? O ministro responde: ‘Esse
som maravilhoso vem da harpa, majestade’. O Rei ainda diz: ‘Traga-me
aquele som’! Então o ministro coloca a harpa diante do trono do rei e
diz: ‘Oh grande Rei! Este é o som’! O Rei diz à harpa: ‘Faça o som, faça o
som’! Mas a harpa não produz qualquer som. Então o Rei corta-lhe as
cordas, e ainda não há som. Ele arranca-lhe a casca, quebra a madeira e
a despedaça, pretendendo forçar a saída do som, mas nenhum som
[surge]. Então o Rei se enfurece com o ministro e diz: ‘Como ousa men-
tir para mim’? O ministro disse ao Rei: ‘Ora, esta não é a maneira de se
obter um bom som. Todas as relações causais e bons meios habilidosos
podem de fato evocar o som’.
Oh bom homem! Você diz que se não existe a natureza da nata no leite,
ele não pode produzir a nata; se a semente da árvore nyagrodha não
possuir a natureza de ter 50 pés de altura, não poderá ocorrer de esta
alcançar os 50 pés. Uma pessoa ignorante bem pode dizer isto, mas não
um sábio. Por quê? Porque não há natureza (própria em quaisquer fe-
nômenos). Oh bom homem! Se existisse a natureza da nata, não have-
ria necessidade de evocar o poder das relações causais. Oh bom ho-
mem! Misture água ao leite, deixe-os assim por um mês, e nunca obte-
remos a nata. Se uma gota de essência de ‘phalgu’ [fícus oppositifolia:
um pó vermelho usualmente feito de raiz de gengibre silvestre] é adi-
cionada, obteremos a nata. Se [já] existisse o fenômeno da nata, por
que necessitaríamos esperar pela combinação das relações causais? O
mesmo é o caso com a Natureza de Buda de todos os seres. Amparados
pelas várias relações causais, podemos vê-la; baseados nas várias rela-
ções causais, podemos alcançar a Iluminação Insuperável. Se as coisas
surgem com base nas relações causais, isto nos diz que não existe natu-
reza que possa ser chamada de si própria (própria dos fenômenos).
Como não há natureza que possa ser nomeada, pode-se perfeitamente
atingir a Iluminação Insuperável. Oh bom homem! Por essa razão, o
Bodhisattva-Mahasattva sempre elogia o (que é) bom de uma pessoa e
não fala mal daquilo que é deficiente. Isto é mente correta.
Meu irmão mais jovem, Nanda, possuía a maior das cobiças, e eu acabei
com ela ao colocar em prática diversos meios hábeis.
O Que é Erudição
Mesmo que alguém retenha (guarde para si) a totalidade deste sutra,
mas encoraje (propague) um verso de quatro linhas, ou mesmo exclua
(omita) esse verso, mas acredite no fato que o Tathagata é Eterno e
Imutável – mesmo isto pode ser aperfeiçoamento da erudição do Bo-
dhisattva.
Também, uma pessoa pode até mesmo afastar-se deste (sutra), mas
somente saber que o Tathagata nem sempre profere sermões. E mesmo
Oh bom homem! Pode haver um bom homem ou uma boa mulher que,
pela causa do Grande Nirvana, realize e complete as cinco coisas (elas
são: 1- fé, 2- uma mente correta, 3- os preceitos morais, 4- associação
com um bom amigo, e 5- erudição), faça o que é difícil de fazer, suporte
o que não pode ser suportado, e doe o que não pode ser doado.
Como o Bodhisattva faz bem aquilo que é difícil de fazer? Quando ele
ouve que um homem pega apenas uma semente de sésamo (gergelim)
como alimento e atinge a Iluminação Insuperável, ele acredita nisto, e
por um período de inumeráveis asamkhyas de kalpas, ele compartilha
de uma única semente de sésamo. Se ouvir que ele atinge a Iluminação
Insuperável entrando no fogo, ele entrará nos fogos ardentes do Infer-
no Avichi por um período de inumeráveis kalpas. Isto é onde dizemos
que o Bodhisattva faz o que é difícil de fazer.
O Bodhisattva faz o que é difícil de fazer, mas ele não diz de forma al-
guma: ‘Isto é o que eu fiz’. Isto se aplica àquilo que é difícil de suportar
e o que é difícil de doar.
Pais e Filhos
Oh bom homem! Por exemplo, existem pais que têm uma criança. Eles
amam demais essa criança. Eles dão a esse filho roupas finas e as me-
lhores delícias conforme a ocasião exija, e a criança não tem sentimento
de qualquer carência. Se o seu filho torna-se arrogante e diz palavras
desagradáveis, eles refreiam a ira pelo seu amor; eles sequer pensam
para si mesmos que eles têm dado a esse filho as suas próprias roupas e
comida. É o mesmo com o Bodhisattva-Mahasattva, também. Ele vê a
todos os seres como se fossem seu filho único. Se o filho sofre de doen-
ça, os pais também sofrem. Eles buscam um médico, remédios e aten-
dimento médico. Quando a doença se vai, eles não pensam que cura-
ram seu filho da sua doença, e acabaram com ela. É o mesmo com o
Bodhisattva. Vendo que todos os seres sofrem das doenças das impure-
zas, a compaixão desperta em sua mente. E, então, ele fala do Dharma.
Quando uma pessoa ouve seus sermões, todas as impurezas fogem.
Quando as impurezas se vão, ele não pensa ou diz que ele acabou com
o sofrimento das impurezas. Caso tal pensamento lhe ocorresse, ele
não seria capaz de atingir a Iluminação Insuperável. Ele apenas pensa
que alguma vez falou da Via para um ser e que assim cortou os grilhões
das impurezas. O Bodhisattva-Mahasattva não sente ira ou alegria para
Oh bom homem! Eu então disse: ‘Oh Ananda! Você pensa que Kapila-
vastu realmente existe, ao passo que eu vejo que tudo é vazio, silencio-
so e que nada há que exista. Você vê todos os Shakyas como seus pa-
rentes. Mas não vejo absolutamente nada neles, porque eu pratico o
Todo-Vazio. Esse é o porquê você sente tristeza e dor, e eu pareço ainda
mais brilhante. Como todos os Budas e Bodhisattvas praticam o Sama-
dhi do Todo-Vazio, eles não demonstram qualquer tristeza ou aflição’.
Isto é como o Bodhisattva pratica a Via do Todo-Maravilhoso Sutra do
Grande Nirvana e realiza e completa a nona virtude.
O que quero dizer quando digo que a madeira de sândalo é trocada por
madeira comum? Meus discípulos, em prol de oferecimentos, pregarão
o Dharma para todos aqueles vestidos de branco [isto é, (políticos) lei-
O que queremos dizer por trocar ouro por latão. O latão pode ser com-
parado à cor, som, odor, sabor e tato; e o ouro aos preceitos morais.
Todos os meus discípulos violarão os preceitos que receberam em razão
das coisas (da esfera dos sentidos). Assim, dizemos que trocarão ouro
por latão.
Por que dizemos trocar prata por chumbo? Comparamos a prata às dez
boas ações e o chumbo às dez más ações. Todos os meus discípulos
abandonarão as dez boas ações, perpetrando as dez más ações. Assim,
dizemos que eles trocarão prata por chumbo.
Como alguém troca amrta por veneno? O veneno pode ser comparado
às várias esmolas oferecidas, e a amrta ao Dharma imaculado. Todos os
meus discípulos enaltecerão a si próprios pelos ganhos na presença dos
leigos e clamarão terem atingido aquilo (Dharma) que é imaculado. Isto
é o que se quer dizer quando falamos que trocarão amrta por veneno.
Oh bom homem! Qualquer pessoa pode ser meu discípulo, mas ser
incapaz de acreditar nesse sutra. Oh bom homem! Se, em tal conjuntu-
ra, houver qualquer pessoa que acredite neste sutra, ou mesmo em
metade de uma linha [dele], saiba que essa pessoa é verdadeiramente
meu discípulo. Com tal fé, essa pessoa verá a Natureza-de-Buda e en-
trará no Nirvana.”
Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO IV – O Rugido do Leão
Sutra Mahayana do
Mahaparinirvana
TOMO IV – O Rugido do Leão
O Rugido do Leão
Primeira, ele deseja esmagar uma pessoa que, não sendo [verdadeira-
mente] um leão, tem a pretensão de apresentar-se como um leão.
Os Passos do Leão
Oh bom homem! Agora você possui esses dois adornos. Esse é o por-
quê você coloca essas questões profundamente enraizadas. Eu, tam-
bém, possuo esses adornos e responderei suas questões.”
Por que é que ‘um’ é nada mais que Nirvana? Porque ele é Eterno. Por
que é que ‘dois’ é nascimento e morte? Em razão do desejo [‘trisna’] e
da ignorância. O Nirvana Eterno não é uma fase do mortal comum; o
‘dois’ do nascimento e da morte também não é uma fase do mortal
comum. Em razão disto, tendo (o Bodhisattva) adquirido os dois ador-
nos, pergunta-se bem e responde-se bem.
Natureza de Buda
Os Três Caminhos
Por que é que essas coisas são profundamente enraizadas? O que to-
dos os seres fazem é não-eterno e não-rompente (não-disrupção). No
entanto, os resultados surgem das ações cometidas. Eles se desinte-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 12
gram momento após momento e, no entanto, não há nada que seja
perdido (enquanto resultado do que fazem). Ninguém pode viver (e-
ternamente) e, no entanto, resta o carma. Pode não haver ninguém
para receber e, no entanto, existe o resultado cármico. Aquele que
colhe pode ter partido, mas o resultado não morre. Embora não seja
pensado ou conhecido, existe harmonização [isto é, interconexão de
causa e resultado]. Todos os seres viajam juntos com os 12 elos da
interdependência, que eles não vêem ou conhecem. Não vendo ou
conhecendo, não há fim e nem começo. Os Bodhisattvas da graduação
dos dez bhumis vêem somente o fim, mas não vêem o começo. O Bu-
da-Todo-Honrado-pelo-Mundo vê o começo e o fim. Isto faz com que
todos os Budas vejam claramente a Natureza-de-Buda.
O Buda disse: “Oh bom homem! Sua questão é mal colocada. ‘O Buda e
a Natureza de Buda não são diferentes’. Mas os seres ainda não estão
dotados (munidos) com isso.
Oh bom homem! Há três tipos daquilo que existe. Um é o que virá nos
dias futuros, o segundo é o que existe atualmente, o terceiro é o que
existiu no passado. ‘Todos os seres alcançarão a Iluminação Insuperável
nos dias futuros’. [Isto é a Natureza de Buda]. Todos os seres agora
possuem todos os laços das impurezas. Assim, eles não possuem no
presente as 32 marcas da perfeição e as 80 características menores de
excelência. Desse modo, os seres que cortaram os laços das impurezas
no passado vêem, no presente, a Natureza de Buda. Assim, Eu sempre
digo que todos os seres possuem a Natureza de Buda. Eu digo que
mesmo o icchantika possui a Natureza de Buda. O icchantika não tem o
bom dharma. A Natureza de Buda também é um bom Dharma. Como
há dias a vir, existe a possibilidade de o icchantika possuir a Natureza
de Buda. Por quê? Porque todos os icchantikas podem finalmente atin-
gir a Iluminação Insuperável.
O Samadhi Surangama
Eu
O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, a ‘matéria’ [‘rupa’] tem
qualidades representacionais como (cor) azul, amarelo, vermelho e
branco, e (tamanho) longo ou curto, mas uma pessoa cega não pode
vê-las como tal. Embora não sejam vistas, não podemos dizer que não
existam tais qualidades como azul, amarelo, vermelho branco, longo
ou curto. Por que não? Muito embora a pessoa cega não possa vê-las,
alguém que tem olhos pode vê-las. É o mesmo com a Natureza de Bu-
da. Muito embora todos os seres não possam vê-la, o Bodhisattva dos
dez estágios (abodes) pode vê-la em parte; o Tathagata a vê comple-
tamente. A Natureza de Buda vista pelo Bodhisattva dos dez estágios é
como cores vistas à noite. O que o Tathagata vê é como cores vistas à
luz do dia.
Todos os seres têm as três destruições das impurezas, e mais tarde, por
meio disto, eles podem ver.
Por que é que ela tem não-fase de aparência? Porque não apresenta
nenhuma fase de demonstração da aparência de todos os seres.
Por que é não-eterna? Porque as coisas são vistas através das relações
causais.
Por que é ‘não-é’? Porque alguém (somente) pode vê-la [isto é, a Natu-
reza de Buda] por força dos melhores expedientes.
Por que é uma não-letra? Porque não há um nome que ela possa ter.
“Oh bom homem! Se o Bodhisattva cumpre dez coisas, ele será capaz
de ver a Natureza de Buda, ainda que em menor grau. Quais são as
dez? Elas são: 1) desejar pouco, 2) sentir-se satisfeito, 3) quietude, 4)
esforço, 5) pensamento correto, 6) samadhi correto (meditação corre-
ta), 7) Sabedoria correta, 8) emancipação, 9) enaltecer a emancipação,
e 10) socorrer os seres com o Grande Nirvana.”
“Oh bom homem! Desejar pouco é não buscar e não tomar (para si);
sentir-se satisfeito é não sentir pesar quando se ganha pouco. Desejar
pouco é ter pouco; sentir-se satisfeito significa que a mente não se
preocupa com coisas oferecidas.
Se uma pessoa não for espoliada por esses três (tipos de) maus dese-
jos, essa pessoa é alguém com pouco desejo de posse. Por desejo se
entende os 25 desejos. Se uma pessoa não tem esses 25 desejos, essa
pessoa é chamada alguém que tem pouco desejo de posse. Quando
uma pessoa não procura possuir o que ela bem pode esperar ter nos
dias a vir, chamamos isto de pequena busca pela posse. A pessoa ga-
nha, mas não se apega. Isto é sentir-se satisfeito. Não procurar ser
respeitado é pequena busca pela posse. Uma pessoa pode obter coi-
sas, mas se ela não procura acumulá-las, isto é sentir-se satisfeito.
Quietude
Pode haver um Monge cujo corpo pode encontrar a quietude, mas cuja
mente não a encontra. Ou a mente pode estar em quietude, mas o
corpo não. Ou há casos onde o corpo e a mente estão em quietude; ou
onde o corpo e a mente não estão em quietude.
Pode-se dizer que o corpo está em quietude, mas a mente não está.
Por exemplo, um Monge senta em dhyana [meditação], afastando-se
das quatro classes da Sangha. Mas a mente ainda pode sempre dar
origem à cobiça, à ira e à ignorância. Isto é o que chamamos de o corpo
estar em quietude, mas a mente não.
Pode-se dizer que a mente está em quietude, mas o corpo não. Isto
alude à situação onde um Monge pode aproximar-se das quatro classes
da Sangha, reis e ministros, e afastar-se da cobiça, ira e ignorância. Este
Nirvana é nada mais que a extinção do fogo de todos os laços das im-
purezas.
Também, Nirvana é um refúgio. Por quê? Porque ele está muito além
de todos os temores do mundo.
A sombra sob uma árvore cura bem o mau desejo por aposentos (rou-
pas de cama).
Através desses quatro bons remédios, uma pessoa pode acabar de fato
com as quatro doenças. Essas são as ações sagradas. Essas ações são
procurar possuir pouco e sentir-se satisfeito.
Oh bom homem! Você indaga: ‘Com que olho o Bodhisattva dos dez
estágios vê a Natureza de Buda, mas não muito claramente, e com que
olho o Honrado pelo Mundo vê a Natureza de Buda claramente?’ Oh
bom homem! Com o Olho da Sabedoria alguém a vê não muito clara-
mente; com o Olho do Buda se a vê claramente. Quando alguém está
na prática do Bodhi, não há clareza; sem nada a praticar, vê-se tudo
claramente. Quando alguém nada mais tem a praticar, a vê claramen-
te. Quando alguém reside nos dez estágios, não vê muito claramente.
Quando alguém não necessita ficar ou mover-se, a clareza surge. Em
razão das relações causais da Sabedoria, o Bodhisattva Mahasattva não
pode ver claramente. O Buda-Todo-Honrado-pelo-Mundo está fora do
domínio das relações causais. É devido a isto que ele vê claramente. O
que é desperto para todas as coisas é a Natureza de Buda. O Bodhisatt-
va dos dez estágios não pode ser chamado desperto para todas as coi-
sas. Em razão disto, embora ele veja, não vê claramente.
A Visão do Tathagata
Alguém pode deparar com um rosto (fisionomia) que está para além
daquela dos humanos – saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver com os
olhos.
Alguém pode ouvir uma voz que é tão maravilhosa e soberba, e que
não é da espécie humana – saiba que isto é o Tathagata. Isto é vê-lo
através da audição.
Como o Tathagata adquire o corpo carnal? Por que ele o adquire? Para
quem ele o adquire? Isto é ver com os olhos.
Como o Tahagata fala sobre o Dharma? Por que ele fala sobre o Dhar-
ma? Para quem ele fala sobre o Dharma? Assim devemos meditar. Isto
é vê-lo através da audição.
(Se) más ações corporais (agressões) [lhe] são dirigidas, e a ira não
surge. Saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver com os olhos.
(Se) más ações orais (ofensas) [lhe] são dirigidas, mas a ira não surge.
Saiba que isto é o Tathagata. Isto é ver através da audição.
Os Preceitos do Bodhisattva
Novamente, existem dois tipos. Uma pessoa observa [shila] para o seu
próprio benefício, e a outra para o benefício dos outros seres. Se ob-
servado pelos outros seres, essa pessoa verá a Natureza de Buda e o
Tathagata.
O Buda disse: “Oh bom homem! Se for assim a mente não se arrepen-
de. Por que não se arrepende? Porque se obtém bênçãos (felicidade).
Como se obtém bênçãos? Isto vem da segregação. Por que necessita-
mos buscar a segregação? Para obter a paz. Como obtemos a paz?
Através da meditação. Por que meditamos? Para obter o verdadeiro
conhecimento e visão. De que maneira temos verdadeiro conhecimen-
to e visão? Através da visão dos muitos males e aflições do nascimento
e da morte. Isto é para a nossa mente não se apegar avidamente. Por
que necessitamos ter a mente não apegada avidamente? Porque ob-
temos Emancipação. Como obtemos Emancipação? Ao obter o insupe-
rável Grande Nirvana. Como obtermos o insuperável Grande Nirvana?
Ao obter o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro. Por que dizemos que obte-
mos o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro? Em razão da consecução do não-
nascimento e não-mortalidade. Como obtemos o não-nascimento e
não-mortalidade? Ao ver a Natureza de Buda. Assim, o Bodhisattva,
por natureza, defende os shila [preceitos de moralidade] de absoluta
pureza.
Oh bom homem! O Monge que defende shila pode não fazer um voto
para obter a mente do não-arrependimento, mas a mente do não-
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você já plan-
tou boas sementes no passado no lugar (função) de inumeráveis Budas
e agora é capaz de colocar questões de profundo significado para o
Tathagata. Oh bom homem! Você não acabou com o pensamento
original que tinha, e pergunta assim. Relembro que em tempos passa-
dos, há inumeráveis kalpas atrás, surgiu um Buda em Varanasi chama-
do ‘Bem-Atingido’. Naquela ocasião, esse Buda proferiu um sermão
sobre o Sutra do Grande Nirvana ao longo de 3(três) bilhões de anos.
Eu, juntamente com você, juntamo-nos àqueles lá congregados. Eu,
então, indaguei o Buda sobre essa questão. Então, o Tathagata, para o
benefício dos seres, estava no samadhi correto e não respondeu. Oh
grande! Você retém bem essa velha história dos dias passados em sua
mente. Ouça atentamente, ouça atentamente! Agora direi a você.
Oh bom homem! O Nirvana não tem causa. Ele é o resultado. Por que é
assim? Porque não há nascimento-e-morte. Porque não há ação reali-
zada e porque é não-criado. É um Não-Criado. É Eterno e Imutável. Não
há lugar onde ele exista [isto é, não está confinado num lugar particu-
lar, não pode ser fixado a um lugar específico]. Não há início e nem fim.
Oh bom homem! Se o Nirvana tem alguma causa que possa ser nome-
ada, isto não é Nirvana. ‘Van’ [‘Vana’ de ‘Nir-Vana’] significa causa; o
Nirvana das relações causais significa ‘não’. Como não há causa que
possa ser nomeada, dizemos Nirvana.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Agora você fala dos seis significados.
Você não pega o caso do nada definitivo e o compara com o Nirvana.
Mas, você pega o caso do nada em relação à realidade.
Oh bom homem! Todas as coisas não possuem um ‘Eu’. Mas esse Nir-
vana realmente possui o ‘Eu’. Por essa razão, dizemos que o Nirvana
não tem causa e, no entanto, o corpo é o resultado. Isto é a causa, e
não o resultado. Chamamos isto de Natureza de Buda. Como não é
resultado que surge de uma causa, ele é a causa, mas não resultado.
Não é resultado de um Shramana. Assim, dizemos ‘não-resultado’.
O Buda disse: “Oh bom homem! Eu também não disse que a manteiga
existe no leite. O que eu disse é que a manteiga surge do leite. E assim
dizemos que existe a manteiga.”
“Oh bom homem! Na fase do leite, não existe manteiga. Assim, não há
manteiga fresca, nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. Todos os
seres também chamam isto de leite. Portanto, Eu digo que não há
manteiga no leite. Se houvesse, por que teríamos dois nomes e falarí-
amos, por exemplo, como o fazemos com os ‘dois artífices do ouro
(ourives) e do ferro (ferreiro)’? Na fase da manteiga, não há leite e nem
é manteiga fresca, nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. Os
seres também dizem que é manteiga e não leite, nem manteiga fresca,
nem manteiga refinada, e nem sarpirmanda. O mesmo (ocorre) com (a
fase de) sarpirmanda também.
“Oh bom homem! Mesmo aqui, o leite evoca a amra. Se alguém borrifa
leite na amra, ela cresce cinco pés numa noite. Este é o porquê eu digo
que existem duas causas [isto é, a causa e ‘por causa’, ou condição]. Oh
bom homem! Se todas as coisas surgem de uma causa, como você
pode criticar e questionar por que a amra não surge no leite? Oh bom
homem! Os quatro grandes elementos e todas as coisas concretas
podem ser os elementos das relações causais. No entanto, cada coisa é
diferente da outra e não podem ser as mesmas. Por essa razão, a amra
não surge lá no leite.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que existem dois tipos de
causa, os quais são: 1) causa direta, e 2) condição. A que causa a Natu-
reza de Buda dos seres responde (serve)?”
“Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres também tem duas
causas. Uma é a causa direta e a outra a condição. A causa direta cor-
responde a todos os seres; a condição é os seis paramitas.”
“Oh bom homem! O que você diz não está correto. Por que não? Todos
os seres que procuram ver sua face e feições pegam apenas a espada.”
“Oh Honrado pelo Mundo! A luz dos olhos abrange (a face), de tal ma-
neira que vemos que a face é alongada.”
“Oh bom homem! Entretanto, essa luz dos olhos não abrange (a face).
Por que não? Porque alguém vê o próximo e o distante ao mesmo
tempo. O que fica no intermédio não é visto. Oh bom homem! Se a luz
abrange (a face) e pode-se ver, por que é que todos os seres não se
queimam ao ver o fogo? Não se tem dúvida quando se vê uma coisa
branca distante e pergunta-se se é uma grua, uma bandeira, um ho-
mem, ou uma árvore? Como pode ser que se veja uma coisa num cris-
tal, e o peixe e as pedras em águas profundas somente se a luz entrar
(penetrar o meio)? Se alguém vê sem que a luz penetre, por que é que
se vê uma coisa num cristal e não se pode ver aquilo que está atrás da
parede? Em razão disto, não podemos dizer que a luz dos olhos abran-
ge o objeto e que podemos ver. Oh bom homem! Você diz que há
manteiga no leite. Mas, por que é que um vendedor cobra somente o
preço do leite e não o da manteiga? Por que é que quem vende um
cavalo do pasto o vende ao preço do cavalo do pasto, mas não ao pre-
ço do cavalo em si? Oh bom homem! Há um homem sem filhos. Assim,
ele recebe uma mulher. A mulher engravida. Não podemos dizer que
isto é uma mulher porque ela engravidou. Alguém pode dizer: ‘Pegue
essa mulher porque ela tem a qualidade de gerar uma criança’. Mas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 54
isto não funciona bem. Por que não? Se existe a qualidade de ter uma
criança, deve surgir um neto. Se houver de ser uma qualidade (da mu-
lher), isto significará que todos são irmãos. Por quê? Porque todos
seriam nascidos de uma mesma pessoa. Este é o porquê Eu digo que
uma mulher não tem qualquer qualidade de (ter por si) uma criança. Se
existe a qualidade da manteiga no leite, por que é que (ele) não possui
os cinco sabores? Se a semente de uma árvore tem a qualidade dos 50
pés de altura da nyagrodha, porque é que (ela) não tem de uma só vez
todas as diferentes formas e cores do broto, do tronco, dos galhos, da
folha, das flores e frutos? Oh bom homem! A cor do leite varia de acor-
do com o tempo. Assim é com o sabor e os produtos (dele derivados). É
o mesmo com a sarpirmanda. Como podemos dizer que o leite tem a
qualidade da manteiga nele? Oh bom homem! Por exemplo, um ho-
mem que deve obter a manteiga amanhã pode ter sentido o seu cheiro
hoje. O caso onde dizemos que o leite definitivamente possui a quali-
dade da manteiga também é a mesma coisa.
Oh bom homem! Não existe o ‘eu’ próprio em todas as coisas. Por essa
razão, Eu falei assim num gatha:
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 55
‘O que originalmente foi, agora não é mais;
o que originalmente não foi, agora é;
Nada pode existir como ‘é’
sucedendo-se nos Três Tempos’.
O Buda disse: “Oh bom homem! Se a causa revelada deve ser esta (ou
seja, está determinada), não é uma causa revelada. Por que não? Al-
guém que conta seu próprio ‘eu’ também pode contar o ‘eu’ dos ou-
tros. Este é o porquê podemos dizer oito. E nesta natureza da matéria,
não há fase de revelação. Como não há fase de revelação, somente
com a ajuda da Sabedoria pode-se contar o próprio ‘eu’ e aquele dos
outros. Em razão disto, a causa revelada não pode revelar-se, e não
revela outros.
Rugido do Leão disse: “O que o Buda diz não funciona bem. O passado
já foi e o futuro ainda está por vir. Como podemos dizer que eles exis-
tem? Se isto significa o que está para acontecer, não está de acordo
com a razão. Isto é como quando as pessoas do mundo dizem ‘sem
filhos’, quando vêem uma pessoa sem um filho. Como podemos dizer
que todos os seres possuem a Natureza de Buda quando não a possu-
em?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Se você diz que existe a (árvore) nya-
grodha na semente, tenho que dizer que isto não é assim. Se fosse, por
que não a vemos? Oh bom homem! É como com as coisas do mundo
que não podem ser vistas em razão das relações causais. O que são
[essas] relações causais? Elas são, por exemplo, como o caso onde a
distância é tão grande que não se pode ver. Ou como o traço do vôo de
um pássaro através do céu. Ou como quando a distância é tão curta
como num piscar de olhos. Ou como no caso de uma fragmentação,
em conseqüência da qual não se pode ver. Ou por causa do apodreci-
mento da raiz. Ou é como a dispersão do pensamento, como quando a
mente de alguém não está concentrada exclusivamente num foco. Ou
é como quando algo é tão minúsculo quanto uma partícula de pó. Ou é
como quando um obstáculo existe, como quando as nuvens obscure-
cem a visão das estrelas interpondo-se a elas. Ou quando há muitos, de
tal maneira que não se pode ver, como no caso do cânhamo em meio
às plantas de arroz. Ou em razão da similaridade, em conseqüência da
qual não se pode ver, como no caso de um (grão de) feijão em meio a
feijões. Mas, (o caso da) nyaghodha não é nada parecido com essas
oito relações causais. Se tal, por que é que não a podemos ver? Você
pode dizer que não vemos em razão dos pequenos obstáculos. Mas,
isto não é assim. Por que não? Porque as características externas (da
árvore da nyagrodha) são rudes e grosseiras. Se você diz que a nature-
za é diminuta, como ela pode realmente crescer? Se alguém diz que
não pode (ver) em razão de um obstáculo, nunca seríamos capazes de
ver. Se for dito que originalmente não havia essa rudeza, mas agora
alguém vê essa rudeza, saiba que essa rudeza não possui a natureza de
si própria. Originalmente, não havia natureza (da rudeza), e agora al-
guém a vê. Saiba que a natureza do que foi visto originalmente não
possui a natureza de si própria. É o mesmo com a semente. A árvore
em si não existia. Agora, nós a vemos. Que mal há?”
Capítulo 34: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 2 Página 61
Rugido do Leão disse: “Há duas causas das quais o Buda fala. Uma é a
causa direta e a outra é a causa revelada. Em razão da semente de
nyagrodha estar baseada na causa revelada da terra, água e adubo, isto
permite ao que é diminuto ganhar a forma (grosseira).”
O Buda disse: “Oh bom homem! Se existe o chão como ponto de parti-
da, por que necessitamos buscar a causa revelada? Se não existe natu-
reza sobre a qual falar, o que há para revelar? Se originalmente não
havia qualquer elemento de rudeza, e em razão da causa revelada
surgiu a rudeza, por que é que a khadira não surgiu? O fato é que am-
bos não existem originalmente. Oh bom homem! Se a minuciosidade
não pode ser vista, pode-se ver bem o que é grosseiro. Por exemplo,
alguém pode não ser capaz de ver uma simples partícula e, no entanto,
quando muitas partículas se juntam, pode-se ver. Dessas sementes,
pode-se ver o que é grosseiro. Por quê? Porque nesta já existe o broto,
o caule, a flor e o fruto. Em cada fruto já existem incontáveis sementes.
Cada semente contém em si inumeráveis árvores. Portanto, dizemos
grosseiro. Como existe essa rudeza, pode-se de fato vê-la. Oh bom
homem! Se essa semente de nyagrodha possui a natureza da nyagro-
dha e se ela evoca uma árvore, vemos que a semente está sendo
queimada no fogo. Assim, a natureza de ser queimada também será
um ‘é’. Se ela é um ‘é’, não pode haver qualquer surgimento de uma
árvore. Se todas as coisas são originalmente da natureza do nascimen-
to e da morte, por que é que o nascimento precede e a morte segue, e
todas as coisas não acontecem ao mesmo tempo? Por essa razão, saiba
que não existe natureza.”
Sangha é Harmonia
Também, além disso, existe uma Sangha que é a harmonia da lei [har-
monia do Dharma]. A harmonia da lei se refere aos 12 tipos de sutras.
Os 12 tipos de sutras são Eternos. Esse é o porquê a Sangha é Eterna.
Oh bom homem! Se qualquer pessoa faz tais votos, isto é onde dize-
mos que o Bodhisattva definitivamente não retroagirá da Mente do
Bodhi. Ele é também chamado um ‘danapati’ [alguém que doa]. Ele
certamente verá o Tathagata, é alguém que é claro (límpido) como a
Natureza de Buda, e alguém que conduz bem os seres e possibilita-lhes
atravessar o mar do nascimento e da morte. Ele protege bem o Insupe-
rável Dharma Maravilhoso e é perfeito nos seis paramitas. Oh bom
homem! Por essa razão, a mente não-retroativa é chamada de Nature-
za de Buda.
Oh bom homem! Não diga que os seres não têm a Natureza de Buda
apenas em razão da mente retroativa. Por exemplo, duas pessoas ou-
vem: ‘Numa outra terra, existe uma montanha feita dos sete tesouros.
O Avaivartika
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por que existem Bo-
dhisattvas retroativos e não-retroativos?”
A Estampa e o Barro
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O olho não vê por si
mesmo, o dedo não toca por si mesmo, a espada não corta por si
mesma, e o sentimento não sente por si mesmo. Mas, por que o Ta-
thagata diz: ‘O corpo-e-mente aprisionam corpo-e-mente’? Por quê? O
corpo-e-mente nada mais são que o ser; o ser é corpo-e-mente. Se
dizemos que corpo-e-mente aprisionam o ser, isto significa que corpo-
e-mente aprisionam corpo-e-mente.”
A Analogia Progressiva
A Analogia Reversa
A Analogia Real
O que é uma analogia real? É como quando Eu digo nos sutras que a
mente de um ser é como a de um macaco. A natureza de um macaco é
jogar [as coisas] longe e pegá-las. A natureza de um ser é a mesma. Ele
A Não-Analogia
A Analogia Precedente
A Analogia Retro-Precedente
A Analogia Inter-Penetrante
A Analogia da Luz
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Todas elas morrem
momento após momento. Todas essas extinções que ocorrem momen-
to após momento também se assemelham [uma a outra] e continuam.
Como alguém é capaz de praticar a Via?”
A Prática da Via
Oh bom homem! Você diz: ‘Uma pessoa morre momento após mo-
mento. Como pode haver qualquer crescimento’? Mas, como a mente
não é cortada, existe crescimento. Oh bom homem! Um homem recita.
As letras [palavras] lidas não podem ocorrer ao mesmo tempo. A que
veio primeiro não pode se estender até o meio, e a que foi lida no meio
não pode ir até o fim. O homem, as letras e a imagem mental morrem
momento após momento, e praticando muito chegamos ao conheci-
mento.
Oh bom homem! Por exemplo, com um ourives, desde o dia que ele
começa a aprender sua arte até os dias da sua longevidade, um mo-
mento é seguido por outro, e o que é precedido é o que segue após.
Mas, através da prática repetida, o que surge é maravilhoso. Devido a
isto, a pessoa é elogiada e é chamada de grande ourives. É o mesmo
com a leitura dos sutras.
Rugido do Leão disse: ‘Exatamente como o Buda diz que quando uma
pessoa do estágio do Srotapanna [isto é, uma pessoa que entrou para o
fluxo do Dharma e renascerá no máximo 7 vezes] ganha a fruição da
prática da Via, muito embora nasça em más terras, ela defende os pre-
ceitos, não mata, não rouba, não busca a luxúria, não pratica a língua-
dupla ou toma álcool; os skandhas (dessa pessoa) do Srotapanna mor-
rem aqui e não ganham os maus destinos – o mesmo se aplica à prática
da Via. Ela não conduz às más terras. Por que a pessoa não pode nascer
na Terra Pura, se for o mesmo caso? Se os skandhas da má terra não
são aqueles do Srotapanna, como pode ser que as más ações não a-
conteçam?”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se, como o Buda diz,
não-nascimento e não-extinção são Nirvana, a vida também é não-
nascimento e não-extinção. Por que não podemos dizer que é Nirva-
na?”
“Oh bom homem! É assim, é assim. É como você diz. Embora essa vida
seja não-nascimento e não-extinção, há início e fim.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Também não existe início e nem fim nessa
lei do nascimento e da morte. Se não existe início e fim, isso é eterno.
O Eterno é Nirvana. Por que não chamamos nascimento e morte de
Nirvana?”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Nirvana tem causa e
efeito, como você, o Buda, diz:
Você, o Buda, disse aos Monges: ‘Agora falarei aos Shramanas sobre a
fruição da Via. ‘Shramana’ significa nenhum outro senão o bom prati-
cante dos shila [preceitos de moralidade], Samadhi e Sabedoria. A Via é
o Nobre Caminho Óctuplo. A fruição da prática do Shramana é Nirva-
na’. Oh Honrado pelo Mundo! Nirvana é assim. Isso não é fruição [isto
é, resultado]? Como você pode dizer que Nirvana não tem causa e
fruição?”
O Buda disse: “Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres não é
uma e nem duas. A igualdade falada com respeito a todos os Budas é
Capítulo 36: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 4 Página 99
como o Vazio. Todos os seres o possuem. Alguém que realmente prati-
que o Nobre Caminho Óctuplo obtém – deve-se saber – uma visão
clara (brilhante). Oh bom homem! Nos Himalayas existe uma grama
chamada ninniku [‘ksanti’ em Sânscrito, que significa paciência]. De
uma vaca alimentada com ela se obterá sarpirmanda [o mais saboroso
e saudável dos produtos do leite]. É o mesmo com a Natureza de Buda
dos seres.”
A Árvore Bodhi
O Buda disse: “Oh bom homem! [Suponha que] exista uma estrada
plana. Os seres caminham [ao longo dela], e não há nada que obstacu-
lize o seu avanço. No meio da estrada existe uma árvore, cuja sombra é
fresca. Os viajantes fazem uma parada nesse lugar com o seu palan-
quim e descansam. Mas, existe sempre a sombra da árvore nesse lugar,
e não há diferença. A sombra não se acaba, e ninguém a leva embora.
A estrada é a Via Sagrada, e a sombra a Natureza de Buda.
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você profere todas
[essas] parábolas, as quais, todavia, não se aplicam. Por que não? Se
existe alguma pessoa antes no caminho [ou seja, à frente, mais adian-
te], aquela pessoa deve estar obstruindo o caminho. Como alguém
pode dizer que não há obstrução? O mesmo se aplica às outras (pará-
bolas). Se a Via Sagrada e a Natureza de Buda são assim, quando se
pratica a Via, deveríamos causar obstáculos aos outros.”
O Buda disse: “Oh bom homem! O que você diz não faz sentido. O que
é explicado nas parábolas com relação à Via refere-se somente a uma
parte, e não ao todo. Oh bom homem! Os caminhos do mundo têm
obstáculos. Uns diferem dos outros; nunca são iguais. A Via Imaculada
não é assim. Ela é de tal maneira que permite aos seres não terem
nenhum obstáculo em seu caminho. Tudo é o mesmo e tudo é igual;
não há diferença quanto ao local, ou este e aquele. Assim, a Via Correta
apresenta-se como a causa revelada para a Natureza de Buda dos se-
res, e não se torna a causa do nascimento. Isto é como no caso de uma
lâmpada brilhante que realmente resplandece sobre tudo.
O Buda disse: “Oh bom homem! Por exemplo, há um homem que adi-
ciona veneno ao leite. Em razão disto, todos [os produtos do leite] até
o sarpirmanda conterão veneno. Não podemos chamar leite de man-
teiga, e nem manteiga de leite. O mesmo se aplica ao sarpirmanda. O
nome pode mudar, mas a natureza do veneno não é perdida. Ele per-
meará os cinco sabores do leite tudo-igualmente. Mesmo a sarpirman-
da, se tomada, matará uma pessoa. Exatamente como o veneno não é
colocado na sarpirmanda (mas, no leite), assim é o caso com a Nature-
za de Buda dos seres. Encontra-se a Natureza de Buda dos seres em
diferentes corpos dos cinco domínios. Mas, a Natureza de Buda é sem-
pre a mesma, e não há mudança.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Há seis grandes cas-
telos nos dezesseis grandes estados [isto é, os estados do Ganges ou
cidades-castelo nos tempos do Buda], a saber: Sravasti, Saketa, Campa,
Vaisali, Varanasi e Rajagriha. Esses grandes castelos são os maiores no
mundo. Por que é que o Tathagata deixa esses lugares com a intenção
de entrar no Nirvana neste distante, ruim, muito feio e pequeno Caste-
lo de Kushinagar?”
Oh bom homem! Se você deseja saber quem foi aquele rei sagrado,
Zenken, então saiba que ele foi nenhum outro senão Eu. Esse é o por-
quê eu agora resido nas quatro leis, que são nada mais que Samadhis.
Por essa razão, ‘o Corpo do Tathagata é Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro’.
Oh bom homem! Em razão disto, agora estou em Kushinagar, nessa
floresta de árvores sala, e resido no Samadhi.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 104
A História do Castelo de Kapilavastu
Sudatta, ao ouvir isto, virou os seus passos e veio para o lugar onde eu
estava. Ao chegar, ele prostrou-se no chão e tocou os meus pés. Eu
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 108
então, como era apropriado, falei do Dharma. Tendo ouvido o meu
sermão, o homem rico atingiu o [estágio do] Srotapanna. Ao obter essa
fruição, ele convidou-me, dizendo: ‘Oh Grande Mestre, Tathagata!
Rogo para que você condescenda em vir a Sravasti e aceitar os meus
insignificantes oferecimentos’. Eu então lhe respondi: ‘Você pode, na
sua Sravasti, acomodar a todos’? Sudatta disse: ‘Se o Buda é compassi-
vo e condescende em aceitar o meu pedido, farei o melhor’. Oh bom
homem! Eu então aceitei o seu convite. Esse homem rico, Sudatta, ao
ser respondida a sua suplica, me disse: ‘Até agora não tive experiência
de organizar [uma grande refeição]. Oh Tathagata! Por favor, envie
Shariputra para meu palácio, tal que ele possa assumir o comando e
tomar as medidas necessárias para atender aos requisitos’.
Então, ao ouvir isto, Sudatta foi ao grande homem rico, Jeta, e lhe dis-
se: ‘Eu agora desejo construir um Vihara Budista e dedicá-lo a alguém
insuperável no Dharma, em um lugar que lhe pertence. Agora desejo
comprá-lo de você. Você o venderia para mim’? Jeta disse: ‘Não o ven-
derei, mesmo que você cubra o chão com ouro’. Sudatta disse: ‘Bem
falado! A floresta pertence a mim. Tome meu ouro’. Jeta disse: ‘Não
O rei disse: ‘Oh grandes! Vocês não percebem quão superior é o poder
da Via do Tathagata. Assim, vocês procuram competir [com ele]. Estou
certo de que falharão’.
‘Oh grande Rei! Você já foi enfeitiçado pelo Gautama? Reze, oh Rei,
pense bem e não nos menospreze. De fato, a melhor coisa é colocar o
assunto a prova’.
O Rei disse: ‘Bem falado, bem falado’! Os seis mestres ficaram satisfei-
tos e seguiram seu caminho.
Eu disse: ‘Está bem, está bem! Apenas, erija muitos Monastérios (Viha-
ra) no país. Por quê? Se eu competir com eles, haverá tantos deles que
terão que vir para o nosso lado, que não haverá lugar para acomodá-
los, já que esse lugar é muito pequeno e limitado para abrigar a todos’.
O Filho do Fogo
Então, o homem rico veio a mim com esse homem (sábio). Ele pros-
trou-se diante de mim, circundou-me três vezes pelo lado direito, jun-
tou suas mãos, e disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! Para todos os seres
você é igualitário e não é dois. Inimigos e amigos são um aos seus o-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 118
lhos. Estou aprisionado pelo desejo, e inimigo e amigo não podem ser
um para mim. Eu agora desejo indagar o Tathagata sobre um assunto
mundano. A vergonha toma conta de mim, e não consigo falar. Oh
Honrado pelo Mundo! Minha esposa terá uma criança. Os seis mestres
disseram: ‘A criança é uma mulher’. O que será’?
Eu, o Buda, disse: ‘Oh homem rico! Sua esposa terá uma criança. Será
um filho. Não há dúvida sobre isso. Quando ele nascer, será totalmente
abençoado com virtudes’. O homem rico, ao ouvir isto, ficou muito feliz
e retornou para casa. Então, os seis mestres, ao ouvirem a profecia de
que a criança seria homem e seria cheia de virtudes, ficaram com ciú-
mes. Eles fizeram um veneno misturado com manga e levaram ao ho-
mem rico, dizendo: ‘É muito bom que Gautama tenha visto as coisas
assim. Dê isto para sua esposa no mês do seu parto. Se ela tomar isto,
sua criança será perfeita e bem formada, e sua esposa não terá pro-
blemas’. O homem rico recebeu o remédio envenenado, ficou grato e
deu-o para sua esposa. Ao tomá-lo, sua esposa morreu.
O Buda disse aos seis mestres: ‘Se visão é o Eu, então vocês estão erra-
dos. Por quê? Vocês pegam a analogia de um objeto e dizem que ve-
mos através dele. Ora, os humanos usam juntos os seis sentidos orgâ-
nicos para um objeto. Se o Eu existe com certeza e nós vemos infali-
velmente através dos olhos, por que é que não reconhecemos (perce-
bemos) todos os objetos com aquele único sentido orgânico? Se al-
guém não se encontrar com os seis campos dos sentidos, saiba que não
há Eu sobre o qual falar. Se as coisas fossem assim com o sentido orgâ-
nico da visão, não haveria mudança mesmo se os anos passassem e os
sentidos orgânicos se tornassem amadurecidos. Como ‘homem’ e ‘ob-
jeto’ são diferentes, uma pessoa vê o seu próprio eu e os outros. Se
fosse assim com o sentido orgânico da visão, deveria haver a visão do
próprio eu e do outro ao mesmo tempo. Se não vê (o eu e o outro ao
mesmo tempo), como podemos dizer que existe o Eu?’
Os seis mestres disseram: ‘Oh Gautama! Se não existe o Eu, quem vê’?
O Buda disse: ‘Se ele preenche todo o espaço, não podemos dizer que
não o vemos desde o princípio. Se não é visto desde o princípio, deve-
mos saber que essa visão é o que originalmente foi, mas agora não é.
Se for o que originalmente foi, mas agora não é, isto é o não-eterno. Se
for não-eterno, como podemos dizer que ele preenche todos os luga-
res? Se preenche [todos os lugares] e existe, deve haver um só corpo
nos cinco domínios. Se há um corpo que possa ser representado, deve
haver aquele que surge como um resultado. Se um resultado surge,
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 123
como podemos dizer que as pessoas obtêm vida como humanos ou
como seres celestiais?
‘Oh Gautama! Por exemplo, temos numa sala 100 mil lâmpadas, e cada
lâmpada está acesa, não obstruindo as outras. É o mesmo com todos
os seres. As práticas do bem e do mal não se misturam’.
‘Vocês dizem que o Eu é como uma lâmpada. Mas isto não é assim. Por
que não? O brilho de uma lâmpada surge das relações causais. Se a
lâmpada é grande, o brilho, também, torna-se grande. O eu dos seres
não é como isto. O brilho de uma lâmpada emerge da lâmpada e se
propaga em outros lugares. O eu dos seres emerge do corpo, mas não
se propaga em outros lugares. A luz da lâmpada convive com a escuri-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 124
dão. Por quê? Quando alguém coloca uma lâmpada (vela) numa sala
escura, o brilho não é considerável. Quando há muitas lâmpadas (ve-
las), temos a claridade. Se a primeira lâmpada dissipasse a escuridão,
não necessitaríamos das demais lâmpadas para dissipá-la. Assim, se
(muitas) lâmpadas são usadas para dissipar a escuridão, isto significa
que o brilho da primeira (lâmpada) convive com a escuridão’.
‘Oh Gautama! Se não existe o Eu, quem é que comete o bem e o mal’?
O Buda disse: ‘Se o Eu age, como podemos dizer [que ele é] Eterno? Se
for Eterno, como uma pessoa pode cometer o bem numa ocasião e o
mal em outra? Se uma pessoa faz o bem ou o mal em diferentes ocasi-
ões, como podemos dizer que o Eu é ilimitado? Se o Eu faz (o bem), por
que alguém praticaria maus atos? Se o Eu é o executor (das ações) e se
ele é sábio, como se pode duvidar do altruísmo do ser? Portanto, po-
demos dizer que definitivamente não pode haver Eu na doutrina dos
tirthikas. O Eu não é outro senão o Tathagata. Por quê? Porque seu
corpo é ilimitado e não existe dúvida. Por conta do não-cometimento e
não-recebimento [de conseqüências cármicas], dizemos Eterno. Por
conta do não-nascimento e não-extinção (imortalidade), dizemos Êxta-
se. Como não existe a impureza da ilusão, dizemos Puro. Como ele não
possui os dez aspectos da existência, dizemos Vazio. Portanto, o Tatha-
gata é nenhum outro senão o Eterno, Êxtase, o Eu, o Puro, e o Vazio, e
não há outro aspecto sobre o qual falar’.
“Oh bom homem! Um Monge que tem pouco desejo, e que se sente
satisfeito com o que tem, que zela pelo silêncio e quietude, e que em-
preende esforços, e cuja mente é determinada, e cuja Sabedoria vê;
adornará bem as árvores sala gêmeas.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa é o Mon-
ge Kashyapa. Por quê? Kashyapa tem pouco desejo de posse, sente-se
satisfeito com o que tem e pratica o Dharma.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Esse é o Monge Su-
bhuti. Por quê? Subbhuti não briga, é sagrado em suas ações, e pratica
a Via do Vazio.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa é o pró-
prio Tathagata. Por que é assim? O corpo do Tathagata é invencível,
ilimitado, Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro; seu corpo e mente são desim-
pedidos e possuem [de fato] as oito imperturbabilidades (desimpedi-
mentos). Oh Honrado pelo Mundo! Somente o Tathagata pode ador-
nar bem as árvores sala gêmeas. Alguém que não possua quaisquer
dessas coisas não possui o brilho sereno. Eu somente rogo que, pelo
grande Amor-Benevolente e em prol do adorno, permaneça aqui nessa
floresta de árvores sala.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Todas as coisas são por natureza im-
permanentes. Como você pode dizer que o Tathagata deve permane-
cer? Oh bom homem! Permanência cai na categoria da ‘matéria’. Rela-
ções causais evocam o nascimento. Portanto, permanecer [há vários
significados aqui: cessar, parar, fazer parar, permanecer, residir; várias
nuances do significado, envolvendo um sentido de permanência, con-
tinuidade, ou estabilidade – nota pelo Ver. Yamamoto]. Onde houver
relações causais, teremos ‘não-permanente permanente’. O Tathagata
já se apartou de todas as amarras da ‘matéria’. Como você pode dizer:
‘Rogo que fique, oh Tathagata!’? O mesmo se aplica ao sentimento,
percepção, volição, e consciência. Oh bom homem! Ficar (permanecer)
é arrogância. Em razão da arrogância, não poderá haver Emancipação.
Quando não há Emancipação, falamos de permanência. Quem é arro-
gante e de onde ele vem? Disto, ‘não-permanente permanente’. O
Tathagata está eternamente apartado de toda a arrogância. Como se
pode dizer: ‘Rogo que fique, oh Tathagata!’? ‘Ficar’ cai sob a categoria
do que é criado. O Tathagata já está apartado do mundo do que é cria-
do. Em razão disto, ele é não-permanente.
Ficar é nada mais que todos os seres. Todos os sagrados são não-ir e
não-vir. O Tathagata já está apartado das fases do ir, vir, e ficar. Como
você pode dizer: ‘Fique!’?
Não-impuro é o bom.
O bom é o não-criado.
O Eu é o Puro.
O Puro é Êxtase.
“Oh bom homem! Isto é para permitir aos seres atingir a Emancipação.
Isto é fazê-los plantar as sementes da benevolência, uma vez que ainda
não as plantaram; (isto é para) permitir que as sementes da benevo-
lência plantadas agora cresçam; permitir que as sementes da benevo-
lência que estão verdes amadureçam; permitir que as sementes madu-
ras alcancem o Insuperável Bodhi; permitir que aqueles que depreciam
o Dharma Maravilhoso alcancem a nobreza; permitir a todos os indo-
lentes abandonar a indolência; permitir às pessoas trocar palavras com
grandes Gandhahastins (elefantes fragrantes) como Manjushri; ensinar
àqueles que se comprazem na leitura e recitação desfrutarem profun-
damente do Dhyana; ensinar os seres através das ações sagradas, pu-
ras e celestiais; permitir às pessoas meditar sobre o incomparável re-
positório do profundo Dharma; reprovar os discípulos indolentes. O
Tathagata é quietude em si. Assim, ele zela pelo Dhyana. Como é que
você que ainda não acabou com as impurezas e aqueles que são indo-
lentes ganhariam terreno (avançariam)? Eu desejo reprovar todos os
Monges maldosos que guardam (armazenam) os oitos tipos de coisas
impuras, aqueles que não estão satisfeitos com pouco desejo, aqueles
que não estão satisfeitos com o que têm, e fazer com que os seres
respeitem o Dharma do Dhyana. Por causa dessas relações causais, Eu
agora entro na caverna do Dhyana.”
“Oh bom homem! Isto deriva do fato de que não há as dez fases repre-
sentacionais. Quais são elas? Elas são as fases de: 1) cor, 2) som, 3)
odor, 4) sabor, 5) toque, 6) nascer, 7) existir (samsaricamente), 8) de-
sintegrar, 9) nascer macho, e 10) nascer fêmea. O Nirvana não possui
as formas representacionais. Por isso, amorfo.
Oh bom homem! O que quer que represente uma forma está sujeito à
ignorância. A ignorância evoca o desejo; o desejo evoca a dependência
(servidão); da dependência surge o nascimento; do nascimento vem a
morte. Quando há morte, não há eternidade. Se não se vincula à for-
ma, não existe ignorância. Quando não há ignorância, não há desejo.
Quando não há desejo, não há dependência. Quando não há depen-
dência, não surge o nascimento. Quando não há nascimento, não há
morte. Quando não há morte, há o Eterno. Devido a isto, dizemos que
Nirvana é Eterno.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Que Monge realmen-
te liberta-se das dez fases?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que se a mente reside num
único campo-do-sentido, isto é Samadhi, e que quaisquer outras rela-
ções causais não são Samadhi. Mas, isto não é assim. Por que não?
Porque todos os outros campos-do-sentido, também, são um único
campo-do-sentido. É o mesmo com a ação. Também, você diz que se
os seres já possuem Samadhi, não pode haver qualquer necessidade de
praticar mais. Isto, também, não é assim. Por que não? Samadhi é
chamado ‘Bom Samadhi’. Todos os seres, para dizer a verdade, não
existem. Como podemos dizer que não necessitamos praticar? Quando
alguém pratica Samadhi sobre todas as coisas residindo num Bom Sa-
madhi, existe a forma da Boa Sabedoria. Não se vê distinção entre Sa-
madhi e Sabedoria. Isto é Equanimidade. Também, além disso, oh bom
homem! Se alguém assume uma forma de matéria, não pode meditar
sobre o Eterno e o não-Eterno. Isto é Samadhi. Se alguém vê bem o
Eterno e o não-Eterno da matéria, isto é Sabedoria. Samadhi e Sabedo-
ria vêem igualmente todas as coisas. Isto é Equanimidade.
Também, ainda há três tipos, a saber: baixo, médio, alto. O baixo diz
respeito aos mortais comuns; o médio aos Sravakas e Pratyekabudas; e
o alto a todos os Budas e Bodhisattvas. Também há quatro tipos, a
saber: 1) retroativo, 2) estável, 3) progressivo, e 4) altamente benéfico.
Também, há cinco tipos, que são os assim chamados Cinco Samadhis
do Conhecimento. Estes são: 1) Samadhi do não-alimentar, 2) Samadhi
irrepreensível (sem falhas), 3) Samadhi no qual o corpo e a mente são
puros e a mente é única, 4) Samadhi no qual se sente satisfeito com
ambos, causa e efeito, e 5) Samadhi no qual sempre se roga de cora-
ção.
Também, há oito tipos, que nada mais são que os Oito Samadhis da
Emancipação. Estes são: 1) Samadhi no qual se torna Emancipado da
noção de matéria através da meditação sobre matéria, 2) Samadhi no
Capítulo 37: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 5 Página 139
qual se busca a Emancipação ao meditar muito sobre a fase externa da
matéria, embora internamente já se tenha acabado com a noção de
matéria, 3) Samadhi no qual se busca a Emancipação e a sua realização
no próprio corpo através da meditação sobre pureza, 4) Samadhi da
Emancipação da Infinitude-do-Espaço, 5) Samadhi da Emancipação da
Infinitude-da-Consciência, 6) Samadhi da Emancipação da Inexistência,
7) Samadhi da Emancipação da irreflexão-não-irreflexão (‘Thoughtless-
ness-non-Thoughtlessness’ - Thoughtlessness é consciência sem obs-
truções, sem distinções e sem apegos, que permeia todas as coisas), e
8) Samadhi da Emancipação da Cessação.
O Buda disse: “Oh bom homem! Você pode dizer que Vipasyana erra-
dica completamente as impurezas. Mas, isto não é assim. Por que não?
Quando uma pessoa tem Sabedoria, não há impureza; quando uma
pessoa tem impureza, não há Sabedoria. Como podemos dizer que
Vipasyana erradica as impurezas? Oh bom homem! Por exemplo,
quando há luz, não há escuridão; quando há escuridão, não há luz. Não
se pode dizer que a luz destrói a escuridão. Oh bom homem! Como
podemos dizer que uma pessoa tem Sabedoria e impureza (ao mesmo
tempo), e que a Sabedoria destrói a ilusão? Se não há [qualquer impu-
reza], não pode haver destruição. Oh bom homem! Se é dito que a
Sabedoria destrói a impureza, essa destruição é devida a ter chegado
ou a não ter chegado à Sabedoria? Se essa destruição surge através da
chegada [à Sabedoria], no primeiro momento deve haver destruição.
Se não há destruição no primeiro momento, não pode haver destruição
a posteriori. Se a destruição acontece na primeira chegada, isto é nada
mais que não-chegada. Como alguém pode dizer que a Sabedoria des-
trói? Se alguém diz que ambos, chegada e não-chegada destroem, isto
não faz sentido.
Tempo Correto
O Buda disse: “Oh bom homem! Como não há relações causais, dize-
mos ‘não-nascimento’. Como não é nada criado, dizemos ‘não-
emergente’. Como não há qualquer ação do fazer [algo], dizemos ‘não-
esforço’. Como não se permite a entrada de nenhuma das cinco visões
distorcidas, dizemos ‘casa’. Como ele está apartado das quatro inunda-
ções frenéticas, dizemos ‘duna de areia’. Como ele harmoniza (abriga)
todos os seres, dizemos ‘refúgio’. Como ele aniquila o bando de ladrões
das impurezas, dizemos ‘paz’. Como ele queima os laços da servidão,
dizemos ‘extinção’. Como se torna apartado da atenção-plena (estado
todo-desperto) da percepção, dizemos ‘Nirvana’. Como se está distante
de lugares barulhentos (ruidosos), dizemos ‘quietude’. Como se está
distante da certeza de mortalidade, dizemos ‘livre de doenças’. Como
tudo é vazio, dizemos ‘não-posse’.
Fé
Preceitos
Quietude
Esforço
Memória
Proteção do Dharma
Doação
Sabedoria
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! O Buda disse previa-
mente a Cunda: ‘Você, Cunda, já vê a Natureza de Buda, alcança o Nir-
vana e o Insuperável Bodhi’. O que isto significa? Oh Honrado pelo
Mundo! Você declarou num sutra que doações para animais trazem
100 recompensas; que doações para um icchantika trazem 1.000 re-
compensas; que doações para uma pessoa que defende os preceitos
evocam 100.000 recompensas; que doações a um tirthika que tenha
cortado as impurezas evocam um incontável número de recompensas;
que doações àqueles dos estágios das quatro vias e das quatro fruições
até o Pratyekabuda resultam num incontável número de recompensas;
que doações aos Bodhisattvas do estágio de não-regressão, aos gran-
des Bodhisattvas do estágio final, a ao Tathagata-Honrado-elo-Mundo
evocam infinitos e ilimitados benefícios e recompensas, ultrapassando
o mais alto grau de concepção. Se Cunda obtém essa recompensa, o
resultado poderá ser infinito. Quando ele chegará ao Insuperável Bo-
dhi? Você também declarou no sutra: ‘Se alguém, com a mente séria,
faz o bem ou o mal, infalivelmente obterá os resultados nesta vida, ou
na vida que virá, ou nas vidas posteriores’. Cunda fez o bem com uma
mente séria. Assim, deve-se saber que ele infalivelmente obterá re-
compensa. Se ele infalivelmente obterá recompensa, como ele pode
esperar chegar ao Insuperável Bodhi e como ele pode ver a Natureza
de Buda?
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Se as coisas são as-
sim, não se deveria procurar a pureza das ações e Emancipação.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Se for verdade que todas as ações
definitivamente acarretam resultados, não busque pureza na ação e
Emancipação. Como é indeterminado, praticamos ações puras e bus-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 156
camos a fruição na Emancipação. Oh bom homem! Se uma pessoa
puder afastar-se completamente das más ações, obterá bons resulta-
dos; se ela estiver afastada das boas ações, chegara à fruição do mal.
Se toda ação infalivelmente acarretasse fruição, não se procuraria pra-
ticar a Via Sagrada. Se não se pratica a Via, não pode haver Emancipa-
ção. A razão pela qual todas as pessoas sagradas praticam a Via é me-
ramente para extirpar o carma determinado e obter resultados leves.
Para o carma indeterminado não há resultados a se esperar. Se toda
ação acarretasse um resultado, não se procuraria praticar a Via Sagra-
da. Não é possível se deixar de praticar a Via Sagrada e, no entanto,
alcançar a Emancipação. Não pode haver algo como chegar ao Nirvana,
sem que se atinja a Emancipação.
Oh bom homem! Quando se faz o bem ou o mal com uma mente de-
terminada, ganha-se uma mente de fé e alegria. E se faz um voto ou
oferecimentos aos Três Tesouros. Isto é uma ação determinada.
Alguém que seja sábio é persistente em boas ações e não pode ser
demovido. Em razão disto, as ações graves se tornam leves. Alguém
que seja ignorante é persistente no mal. Em razão disto, qualquer ação
leve se torna grave [nas conseqüências] e acarreta um retorno grave.
Este é o porquê nem todas as ações são chamadas determinadas.
Palavra Verdadeira
Oh bom homem! Há duas pessoas que tomam algum suco. Uma tem o
fogo da vida e a outra tem menos. Aquela com mais fogo digere-o bem,
enquanto com a pessoa cuja força da vida é fraca, ele provoca danos.
Oh bom homem! Por exemplo, duas pessoas bebem. Uma come mui-
to, enquanto a outra come menos. Com aquela que come muito, a
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 166
bebida causa um dano menor, enquanto para aquela que come pouco,
a bebida causa-lhe problemas. O caso é semelhante a isto.
Também, há duas pessoas que sujam o robe Budista. Uma, ao ver isto,
lava-o; enquanto a outra sabe, mas não o lava. O robe daquela que o
lavou imediatamente está limpo, enquanto a sujeira do robe de quem
não o lavou aumenta dia a dia.
Também, há duas pessoas que passeiam num carro. O carro com rodas
vai conforme a pessoa deseja, enquanto aquele sem [rodas] não se
move.
Também, duas pessoas são atacadas por ladrões. Uma tem um depósi-
to (seguro) de tesouros, enquanto a outra não. Aquela com o depósito
seguro não tem apreensão, enquanto aquela que não o possui tem
preocupações. É o mesmo com o ignorante. Aquele que acumulou
boas ações pode arcar com os pecados graves de maneira suave, en-
quanto o outro, não tendo acúmulo de boas ações, tem que sofrer
pesadamente.”
Também, além disso, dizemos que não se pratica o corpo porque não
se pode meditar sobre o corpo, a matéria, e as representações da ma-
téria. Além de não se meditar sobre as representações; não se sabe (a
respeito) dos elementos do corpo e o fato que este corpo move-se
(propaga-se) para aquele corpo. Vê-se corpo no não-corpo e matéria
na não-matéria. Por essa razão, apega-se avidamente ao corpo e aos
elementos do corpo. Isto é não-praticar o corpo.
Também, além disso, por não prática do corpo se entende que a pes-
soa não vê que este corpo carnal é não-eterno, que ele não é lugar
para se viver, que ele colapsa, que ele morre momento após momento,
e que ele é o mundo de Mara.
O Corpo e o Fogo
Oh bom homem! Quando uma mula gera uma cria, isto destrói o seu
próprio corpo. É o mesmo caso com o corpo de todos os seres. Se o
interior está frio, o corpo sofre.
A Prática do Corpo
Oh bom homem! Se uma pessoa não pode ver as coisas sob esta luz
(ótica), não chamamos isto (ou seja, o que ela faz) de prática do corpo.
A Prática da Mente
Dizemos que há a não-prática da mente. Isto nada mais é que ser inca-
paz de meditar sobre a mente. Ela [a mente] se conduz leviana e ruido-
samente, e é difícil se agarrar e destruir. Ela corre (vagueia) desimpedi-
da como um elefante entorpecido. Seus movimentos são rápidos a
cada momento, tão rápidos quanto um relâmpago. É tão ruidosa e
inquieta quanto um macaco. É como um fantasma ou uma chama. É a
raiz da maldade, e é difícil satisfazer os apelos dos cinco desejos. Isto é
como o fogo que se alimenta de combustível, ou o grande oceano que
traga as águas de todos os rios, ou como as gramas e plantas que cres-
cem tão exuberantemente no (Monte) Mandara. Se uma pessoa não
medita sobre a falsidade do nascimento e da morte, ela sempre será
seduzida, como com o peixe que engole o anzol. Sempre uma palavra
A Prática da Sabedoria
O Buda disse: “Oh bom homem! Se qualquer pessoa tem cinco coisas
pelas quais tem que responder, qualquer pecado leve que ela tenha
cometido terá que ser respondido no inferno. Quais são as cinco? Elas
são: 1) ignorância, 2) insignificância de bons feitos, 3) gravidade de
maus feitos, 4) não arrependimento, 5) nenhum bem jamais feito an-
tes. Também, há outras cinco coisas, as quais são: 1) prática de malda-
de, 2) não observância dos preceitos, 3) abstenção de fazer o bem, 4)
não praticar o corpo, o shila, a Sabedoria e a mente, e 5) associação
com más pessoas. Oh bom homem! Em razão dessas coisas, uma pe-
quena maldade na vida presente evoca graves retribuições no inferno.
Oh bom homem! Em razão dessas coisas, a retribuição cármica leve
que alguém [teria] que sofrer nesta vida torna-se pesada para sofrer no
inferno.”
Rugido do Leão disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quem sofre pouco na
presente vida aquilo que teria que sofrer no inferno?”
Como eles temem os ladrões das impurezas, eles compõem seus pen-
samentos e desejam atravessar o grande rio do nascimento e da mor-
te. Eles abandonam seus lares, raspam suas cabeças, e vestem robes
sacerdotais. Tendo renunciado seus lares, associam-se com maus ami-
gos, seguem seus ensinamentos, e dão ouvido às suas doutrinas, as
quais estabelecem: ‘O corpo humano constitui os cinco skandhas. Os
cinco skandhas nada mais são que os cinco grandes elementos. Quan-
do uma pessoa morre, ela acaba com os cinco grandes elementos.
Quando ela rompe com os cinco elementos, por que ela ainda necessi-
ta praticar o bem ou o mal? Em razão disto, deve-se saber que não
pode haver retribuição cármica do bem ou do mal’. Essa pessoa é um
icchantika. Ela está desenraizada do bem e do mal. Desenraizada do
bem, ela afunda nas águas do nascimento e da morte e é incapaz de
sair. Por quê? Em razão do grande peso das más ações, e por ela não
possuir o poder da fé. Ela é como a primeira daquelas pessoas às mar-
gens do Rio Ganges.
Oh bom homem! O icchantika tem seis relações causais. Ele cai nos três
reinos do infortúnio e não pode escapar deles. Quais são as seis? Elas
são: 1) sua mente maligna queima, 2) ele não vê o após-vida, 3) ele tem
prazer em buscar as impurezas, 4) ele se afasta do bem, 5) as más a-
ções obstaculizam o seu caminho, e 6) ele associa-se com um mau
mestre da Via.
E ainda há cinco coisas pelas quais a pessoa cai nos três reinos do infor-
túnio. Quais são as cinco? Elas são: 1) ela sempre diz que não pode
haver retribuições cármicas advindas das ações boas ou más, 2) ela
mata uma pessoa que aspira ao Bodhi, 3) ela sente prazer em falar
sobre os males cometidos pelos sacerdotes, 4) ela diz que aquilo que é
correto é incorreto e o que transgride o Dharma é legítimo, e 5) ela dá
Também, há três coisas pelas quais a pessoa cai nos três reinos do in-
fortúnio. Quais são as três? Estas são dizer que: 1) o (tesouro do) Ta-
thagata é não-eterno, e se vai eternamente, 2) o (Tesouro do) Dharma
Maravilhoso é não-eterno e muda, e 3) o Tesouro da Sangha é destruí-
do. Por essa razão, ela sempre afunda nos três reinos do infortúnio.
Oh bom homem! Você diz que é como um imã. Mas, isto não é assim.
Por que não? Uma pedra não atrai o ferro. Por que não? Porque não há
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 187
uma ação mental que opere. Oh bom homem! Existem coisas de natu-
rezas diferentes, e assim uma (outra) coisa de natureza diferente apa-
rece. E quando não há diferentes coisas, uma (outra) coisa diferente
desaparece [se dissolve]. Não há ninguém que faça e ninguém que
desfaça. Oh bom homem! É como no caso de um grande fogo que não
pode queimar o combustível. Quando o fogo surge, o combustível de-
saparece [é extinto, destruído]. A isso chamamos de combustível ar-
dente. Oh bom homem! Isto é como o girassol, que gira por si só, se-
guindo o sol. E esse girassol não tem espírito reverente, nem consciên-
cia, e nenhuma ação a perpetrar. É pela natureza de uma coisa diferen-
te que ele gira por si só.
Oh bom homem! Isto é como no caso do ‘citrus nobilis’, que não frutifi-
ca mais quando recebe um cadáver. No entanto, essa planta não tem
uma mente e nem sentido de tato. Através de uma coisa diferente,
surge uma coisa diferente; quando não há uma coisa diferente, a coisa
diferente morre. Oh bom homem! Por exemplo, a fruta da romã cresce
quando adubada com ossos-da-perna em decomposição. Mas, a árvore
da romã também não possui uma mente ou sentido de tato. Quando
há uma coisa diferente, uma coisa diferente surge, e quando não há
uma coisa diferente, uma coisa diferente desaparece.
Oh bom homem! Você pode dizer que a Natureza de Buda vive nos
seres. Oh bom homem! Você deveria saber que o que é Eterno não
tem morada [isto é, não está confinado num lugar limitado no espaço e
no tempo]. Se existisse um lugar onde ela (a Natureza de Buda) residis-
se, isto nos diria que o que há é algo impermanente. Oh bom homem!
Você deveria saber que os 12 elos do surgimento interdependente não
têm um lugar para ficar. Se tivessem, não diríamos que os 12 elos do
surgimento interdependente são eternos. É o mesmo com o Dharma-
kaya [Corpo do Dharma] do Tathagata. Ele não tem um lugar para mo-
rar. Tudo como os 18 reinos, as 12 esferas, os skandhas e o espaço não
têm qualquer lugar para ficar. É o mesmo com a Natureza de Buda,
também. Tudo isto não tem qualquer lugar para ficar.
Oh bom homem! Por exemplo, existe um rei que diz ao seu ministro:
‘Busque um elefante e mostre-o a alguma pessoa cega’. Então, seguin-
do a ordem real, o ministro chamou muitas pessoas cegas, às quais ele
mostrou o elefante. Todas as pessoas cegas tocaram o elefante com
suas mãos. O ministro disse ao rei: ‘Já tenho as pessoas cegas para
reconhecer o elefante’.
Há vários tirthikas que dizem: ‘Ir e vir, ver e ouvir, tristeza e alegria,
palavras e fala são o Eu. Todas essas noções do Eu são não-eternas.
Mas, o Eu do Tathagata é verdadeiramente Eterno’.
Oh bom homem! Cada uma das pessoas cegas falou sobre o elefante e
o que eles disseram não está de acordo com a verdade. Entretanto,
não é que eles não falaram sobre o elefante. É mesmo com as pessoas
que falam sobre a Natureza de Buda, também. (A Natureza de Buda)
não é exatamente as seis coisas e, no entanto, não é o caso que ela
esteja longe delas. Oh bom homem! Este é o porquê Eu digo que a
Natureza de Buda é não-forma e, no entanto, ela não está apartada da
forma. Não é o Eu e, no entanto, não está apartada do Eu. Oh bom
homem! Muitos tirthikas dizem que existe o Eu. Mas, para dizer a ver-
dade, não há Eu. O Eu dos seres [em oposição ao do Buda] é os cinco
skandhas. Fora os skandhas, não existe Eu. Oh bom homem! Por e-
xemplo, o caule, a folha e o cálice se combinam e temos a floração do
lótus. Fora isto, não pode haver nenhuma flor. É o mesmo com o Eu
dos seres.
“Oh bom homem! Todas essas pessoas poderão, nas vidas futuras,
decididamente acreditar neste sutra. Elas verão a Natureza de Buda e
atingirão a Iluminação Insuperável.”
Oitavo, temos o que não aumenta e o que não decresce. Dizemos isso
porque não há linha fronteiriça, nem começo ou fim, sendo não-forma,
não-ação, sendo Eterno, não sendo nascido, e imortal. Como os seres
são todos iguais, como todos os seres são da mesma natureza, dizemos
que não há aumento e nem decréscimo. Assim, como o grande ocea-
no, este Sutra possui oito inconcebilidades.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Todos os seres aparecem através dos
quatro tipos de nascimentos. Quando o Dharma Sagrado é obtido, um
ser pode não mais nascer como antes, a partir do ovo ou da umidade.
Capítulo 39: Sobre o Bodhisattva Rugido do Leão 7 Página 207
Oh bom homem! Todos os seres nos primórdios do mundo aparece-
ram em estados transformados. Naquela ocasião, o Buda não apareceu
no mundo. Oh bom homem! Quando alguém adoece e tem dores,
procura um médico e remédios. Os seres, por ocasião do início do
mundo, ganharam nascimento em estados transformados [isto é, es-
pontaneamente]. Embora possuíssem impurezas, [suas] doenças ainda
não eram manifestas. Por essa razão, o Tathagata não apareceu no
mundo. Por ocasião do inicio do mundo, os seres não tinham receptá-
culos como corpo e mente. Por conta disto, o Tathagata não apareceu
no mundo.
O Buda disse: “Oh bom homem! Como uma ilustração: um casal de pai
e mãe têm três filhos. Um é obediente, respeita seus pais, é arguto e
inteligente, e é bom conhecedor do mundo. O segundo filho não res-
peita seus pais, não tem um pensamento de fé, é arguto e inteligente,
e um bom conhecedor do mundo. O terceiro filho não respeita seus
pais, e não tem fé. Ele é obtuso e não tem inteligência. Quando os pais
desejam transmitir um ensinamento, quem deve ser o primeiro a ser
ensinado, quem deve ser amado, a quem os pais necessitam ensinar as
coisas do mundo?”
“Oh bom homem! O mesmo se passa com o Tathagata. Dos três filhos,
o primeiro deve ser comparado ao Bodhisattva, o segundo ao Sravaka,
e o terceiro ao icchantika. Eu já falei aos Bodhisattvas tudo sobre os
detalhes dos 12 tipos de sutras, e do que é superficial e familiar para os
Sravakas, e do que se obtém no mundo para os icchantikas e àqueles
dos cinco pecados mortais. O que se obtém no presente não beneficia
a pessoa. Não obstante, Eu ensinaria em razão do amor-benevolente e
pelo que pode resultar nos dias futuros. Oh bom homem! É como os
três tipos de campos. Um é fácil de irrigar. Não há areia lá, nem sal,
nem cascalhos, nem pedras, e nem espinhos. Planta-se um, e colhe-se
100. O segundo também não tem areia, nem sal, nem cascalhos, nem
pedras, e nem espinhos. Mas, a irrigação é difícil, e a colheita é menos
que a metade. O terceiro oferece dificuldades para a irrigação, e é
cheio de areia, cascalhos, pedras, e espinhos. Planta-se um, e colhe-se
um, devido à palha e grama. Oh bom homem! Nos meses da primave-
ra, onde o agricultor plantará primeiro?”
“Oh Honrado pelo Mundo! Primeiro ele curará aquela que é fácil de
curar; em seguida, a segunda pessoa, e então a terceira pessoa. Por
quê? Devido ao fato de que elas estão relacionadas.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Primeiro aquele treinado, que está com
saúde perfeita e que possui grande força; e então, o segundo e o ter-
ceiro.”
“Oh bom homem! Aquele treinado, que está no auge da vida e possui
grande força, pode ser comparado ao Sacerdote-Bodhisattva, o segun-
do ao Sacerdote-Sravaka, e o terceiro ao icchantika. Embora nenhum
bem surja [para o icchantika] na presente vida, ele está ensinado quan-
to ao amor-benevolente e também a plantar a semente para os dias a
vir. Oh bom homem! É como quando uma grande dana [doação] é
realizada quando três pessoas vêm. Uma delas é de origem nobre, tem
boas intenções e defende os preceitos. A segunda é da casta interme-
diária, é obtusa, mas defende os preceitos. A terceira é da baixa casta,
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 215
é obtusa, e viola os preceitos. Oh bom homem! A quem esse grande
danapati [doador] dará primeiro?”
O Bodhisattva Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por que você
profetizou que ele iria para o Inferno Avichi?”
“Oh Honrado pelo Mundo! O icchantika nada possui que seja bom. É
por essa razão que essas pessoas são chamadas ‘icchantika’?”
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 221
O Buda disse: “É assim, é assim!”
“Oh Honrado pelo Mundo! Todos os seres possuem três tipos de bon-
dade, nomeadamente as do: 1) passado, 2) futuro, e 3) presente.
Mesmo o icchantika não pode cortar a bondade do futuro. Como se
pode dizer que alguém que corta toda a bondade é um icchantika?”
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você faz bem
de colocar essa questão. A Natureza de Buda é como o espaço. Não é
passado, nem futuro, e nem presente. Os seres podem aperfeiçoar o
corpo de pureza nos dias futuros, realizar-se e alcançar (revelar) a Na-
tureza de Buda. Este é o porquê eu digo que a Natureza de Buda é uma
coisa dos dias futuros. Oh bom homem! Para o benefício dos seres, às
vezes, Eu falo da causa e digo que é o efeito; às vezes, Eu falo do efeito
e digo que é a causa. Por essa razão, Eu digo nos sutras que vida é ali-
mento e que a forma material [‘rupa’] é tato [‘sparsa’]. O corpo dos
dias futuros será puro. Consequentemente, Natureza de Buda.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Se as coisas são como o Buda diz, porque
você diz: ‘Todos os seres possuem a Natureza de Buda’?”
O Buda disse: “Oh bom homem! No passado, quando deixei o lar, meu
irmão mais jovem, Nanda, meus primos Ananda e Devadatta, e meu
filho Rahula, todos seguiram meus passos e renunciaram ao mundo e à
vida [secular], e praticaram a Via. Se eu não tivesse permitido-lhe jun-
tar-se à Sangha, ele teria chegado ao trono. Conquistando poder irres-
trito, ele teria destruído os ensinamentos Budistas. Por essa razão, eu
lhe permiti entrar para a Sangha. Oh bom homem! Se ele não tivesse
entrado para a Sangha, ele teria se afastado das raízes do bem, e por
inumeráveis eras futuras ele destruiria os ensinamentos Budistas. Por
essa razão, ele está agora na Sangha. Embora nada possua de bom, ele
defende os preceitos e respeita os anciãos, os velhos e os virtuosos, faz
oferecimentos, e pode praticar os dhyanas do primeiro ao quarto. Estas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 224
são causas do bem. Tais boas causas evocarão o que é bom. Quando o
bem surgir, ele praticará bem a Via, e através disto, atingirá a Ilumina-
ção Insuperável. Por essa razão, eu permiti a Sunaksatra entrar para a
Sangha. Oh bom homem! Se eu não tivesse permitido a Sunaksatra ser
ordenado e receber os shila (preceitos), Eu não poderia ter dito possuir
os dez poderes do Tathagata.
Oh bom homem! Por exemplo, há uma fonte que não está longe de um
vilarejo. A água é doce e bela, e possui oito virtudes. Há um homem lá
que está muito sedento e deseja ir até a fonte. Há uma pessoa sábia, a
qual pensa que o homem sedento infalivelmente acorrerá para a fonte,
porque ele vê que o caminho até lá não é difícil. O caso é assim. Dessa
maneira o Tathagata-Honrado-pelo-Mundo vê os seres. Por conta dis-
to, dizemos que o Tathagata é perfeito no poder de conhecimento de
todas as coisas relativas a todos os seres.”
O Buda disse a Kashyapa: “Oh bom homem! Tais coisas não são o que a
consciência dos olhos pode conhecer; nem são o que a consciência da
mente pode conhecer. São o que a Sabedoria pode conhecer. Para
uma pessoa que tenha Sabedoria, Eu não digo nada de uma forma
dúbia; e este é o porquê Eu digo que não falo de duas maneiras. Para
aqueles que são ignorantes, Eu falo de maneira indefinida, e eles dizem
que Eu falo de maneira indefinida. Oh bom homem! Qualquer que seja
a boa ação que o Tathagata realize, é tudo para ajustar e subjugar to-
dos os seres. Por exemplo, qualquer que seja o conhecimento médico
que um bom doutor possua, é tudo para curar as doenças dos seres. O
mesmo é o caso aqui. Oh bom homem! O Tathagata, por conta da terra
(lugar), por conta da estação, por conta das outras linguagens, por
conta dos seres, das qualidades das raízes dos seres, com relação a
uma coisa, fala de duas maneiras. No caso de um nome, ele usa inume-
ráveis nomes; para um significado, ele apresenta inumeráveis nomes;
com respeito a inumeráveis significados, ele fala de inumeráveis no-
mes.
Oh bom homem! Alguém com Sabedoria sabe que aquilo que um gan-
dhahastin (elefante almiscarado) carrega não pode ser suportado por
um burro. Todos os seres fazem inumeráveis coisas. Assim, o Tathagata
fala inumeráveis coisas diferentemente. Por quê? Porque os seres pos-
suem várias impurezas. Se o Tathagata falasse somente de uma ação,
não poderíamos dizer que o Tathagata fosse perfeito e realizado no
poder de ver através das qualidades das raízes de todas as coisas. As-
sim, Eu digo num sutra: ‘Não falo para os cinco tipos de pessoas os
cinco tipos de coisas. Para alguém que não tenha fé, (falo) alguém que
não professa a fé correta; para alguém que viole as proibições, (falo)
alguém que não enaltece a observância dos preceitos; para o mesqui-
nho, (falo) alguém que não enaltece dana [doação]; para o indolente,
(falo) do aprendizado; e para o ignorante, (falo) da Sabedoria’.
Eu também disse a todos os seres: ‘Eu é natureza. Isso quer dizer que
todas as relações causais, os 12 elos do surgimento interdependente,
os cinco skandhas dos seres, o mundo da mente, todas as ações virtuo-
sas, e o mundo de Isvara (Deus) caem dentro da categoria do ‘eu’.’
Ouvindo isto, todos os meus discípulos não compreenderam minha
intenção e disseram: ‘O Tathagata disse que definitivamente existe o
‘eu’.’
Oh bom homem! Eu digo num sutra que o Tathagata tem dois tipos de
corpos. Um é o corpo carnal [‘shoshin’ em japonês: ‘sho’ significa ‘natu-
reza essencial’ e ‘shin’ significa mente, consciência. Portanto, essa tra-
dução de ‘corpo carnal’ não é muito clara aqui – Ed.], e o outro é o
‘Dharmakaya’ [‘hosshin’ em japonês: Corpo do Dharma, Mente do
Dharma]. O corpo carnal é nada mais que um expediente e acomoda-
ção. Assim, esse corpo se sujeita ao nascimento, velhice, doença e mor-
te. É longo, curto, preto e branco; isto é correto, aquilo [não] é correto;
isto é aprendizado ou não-aprendizado. Todos os meus discípulos ou-
vem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata
diz que o corpo do Buda é meramente o que é criado’. O Dharmakaya é
o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro; está eternamente apartado do nasci-
mento, velhice, doença e morte. Não é branco, nem preto, nem é lon-
go ou curto; não é aprendizado e nem não-aprendizado. O Buda é al-
guém que apareceu ou alguém que não apareceu. Ele é Eterno. Ele não
se move. Não há mudança. Oh bom homem! Todos os meus discípulos
ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem: ‘O Tathaga-
ta diz que o corpo do Buda é definitivamente um corpo não criado’.
Dizemos que há um caso onde eles surgem das relações causais dos 12
elos da interdependência. Isto é dito com relação aos 12 elos da inter-
dependência do futuro.
Dizemos que há um caso onde eles surgem a partir das relações causais
e, no entanto, não são os 12 elos da interdependência. Isto se refere
aos cinco skandhas de um Arhat.
Dizemos que há um caso onde eles surgem das relações causais e são
os 12 elos da interdependência. Isto se refere aos 12 elos da interde-
pendência dos cinco skandhas do mortal comum.
Oh bom homem! Eu, certa vez, disse a Bimbisara: ‘Saiba, oh grande Rei,
que a forma [‘rupa’] é não-eterna. Por quê? Porque ela surge de uma
causa do não-eterno. Se essa forma surge de uma causa do não-eterno,
como pode o sábio dizer que isto é eterno? Se a forma fosse eterna,
não haveria qualquer desintegração [dela] e nem o surgimento de to-
das as aflições. Ora, vemos que essa forma desintegra e torna-se dis-
persa. Portanto, deve-se saber que a forma é não-eterna. O mesmo se
aplica até a consciência, também’. Oh bom homem! Todos os meus
discípulos ouvem isto, não alcançam a minha intenção, e dizem: ‘O
Tathagata diz que a mente definitivamente pode ser cortada’.
Oh bom homem! Eu digo num sutra: ‘Os skandhas, desde a forma até a
consciência, de uma pessoa sagrada surgiram das relações causais da
ignorância. É o mesmo que se verifica com relação às coisas de todos
os mortais comuns, também. Da ignorância surge o desejo. Saiba que
esse desejo é ignorância. Do desejo surge o apego. Saiba que esse ape-
go é ignorância e desejo. Do apego surge a existência. Saiba que essa
existência é ignorância, desejo e apego. Da existência surge o senti-
mento. Saiba que esse sentimento é ação e existência. Das relações
causais do sentimento surgem coisas como mente-e-corpo, ignorância,
desejo, apego, existência, ação, sentimento, toque, consciência, e as
seis esferas [dos sentidos]. Por essa razão, o sentimento é nada mais
que os 12 elos do surgimento interdependente’. Oh bom homem! To-
Oh bom homem! Eu digo num sutra: Das quatro coisas, isto é, dos o-
lhos, forma, luz e maus desejos surge a cognição visual. O mau desejo é
ignorância. Como a natureza do desejo é buscar possuir, chamamos
isso de desejo. Das relações causais do desejo surge o apego, e esse
apego é chamado ação. Das relações causais da ação surge a consciên-
cia, e consciência está relacionada à mente-e-corpo. Mente-e-corpo
está relacionada às seis esferas; as seis esferas estão relacionadas ao
toque, o toque à concepção, a concepção ao sentimento, desejo, fé,
esforço, dhyana, e Sabedoria. Todas essas coisas surgem pelo toque e,
no entanto, elas não são o toque em si’. Oh bom homem! Todos os
meus discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e
dizem: ‘O Tathagata diz que o caitta existe’.
Oh bom homem! Eu, certa vez, disse: ‘Existe apenas uma existência.
Isso se estende a duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove e até
vinte e cinco’. Todos os meus discípulos ouvem isto, não compreendem
a minha intenção, e dizem: ‘O Tathagata diz que há cinco ou seis exis-
tências’.
Oh bom homem! Certa vez Eu disse: ‘Pessoas como aquelas que têm
cometido as quatro graves ofensas, os icchantikas, caluniadores dos
Capítulo 40: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 1 Página 251
Sutras Vaipulya, e aqueles que têm cometido os cinco pecados mortais,
todos possuem a Natureza de Buda. Essas pessoas não possuem boas
ações a depender. A Natureza de Buda é o Bom em si’. Todos os meus
discípulos ouvem isto, não compreendem a minha intenção, e dizem:
‘O Buda diz que a Natureza de Buda dos seres existe fora dos seres’.
Por essa razão, Eu às vezes digo: ‘Pessoas tais como aquelas que come-
tem as quatro graves ofensas, caluniadoras dos Sutras Vaipulya, aque-
las que cometem os cinco pecados mortais, e os icchantikas, possuem
a Natureza de Buda’. Ou digo: ‘Não’.
A Virtude da Dúvida
“Oh bom homem! Esses assuntos de controvérsias são coisas que per-
tencem ao mundo do Buda. Eles não são aquilo que Sravakas e Pratye-
kabudas possam sondar. Se uma pessoa pode realmente adquirir um
pensamento dúbio, essa pessoa pode extirpar inumeráveis impurezas,
tão imensas quanto o Monte Sumeru. Quando um humano adquire um
pensamento fixo, isto é o que chamamos apego.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Essa pessoa pode muito bem seguir o
que os outros dizem, ou ela mesma olhar para os sutras. Ou pode par-
ticularmente ensinar aos outros, mas ser incapaz de abandonar o que a
sua mente adere. Isto é apego.”
Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Tal apego é uma ação do
bem ou algo que não é bom?”
“Oh bom homem! Esse apego não é uma ação que possa ser chamada
de boa. Por que não? Porque esse não pode quebrar todas as teias da
dúvida.”
Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa não tinha dú-
vida desde o início. Como podemos dizer que ela não pode quebrar as
teias da dúvida?”
“Oh bom homem! Alguém que não tenha dúvida é alguém que tem
dúvida.”
“Oh bom homem! Isso pode muito bem ser chamado de idéia fixa; não
podemos chamá-lo de dúvida. Por que não? Oh bom homem! Por e-
xemplo, há um homem que primeiro vê um homem e uma árvore, e
mais tarde, enquanto passeando à noite, pode ver um toco [tronco de
árvore] e adquirir a dúvida, e se perguntar se isto é um homem ou uma
árvore. Oh bom homem! Uma pessoa primeiro vê um Monge e um
Brahmacarin, e então mais tarde pode ver, de longe, um Monge e ad-
quirir a dúvida, e se perguntar se isto é um Shramana ou um Brahma-
carin. Oh bom homem! Uma pessoa pode ver primeiro uma vaca e um
búfalo, e mais tarde pode ver, à distância, uma vaca e adquirir um pen-
samento dúbio, e se perguntar se isto é uma vaca ou um búfalo.
Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Você, o Buda, diz que al-
guém necessariamente vê uma coisa antes, e que então uma dúvida
surge. Há alguém que, não vendo duas coisas, adquire dúvida. O que é
isto? É Nirvana. Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, uma pessoa
corre em águas lamacentas ao longo do caminho. Não tendo visto nada
desse tipo antes, uma dúvida surge. O caso é assim. Essa água é pro-
funda ou rasa? Por que é que essa pessoa, não tendo visto nada antes,
adquire essa dúvida?”
“Oh Honrado pelo Mundo! Essa pessoa viu águas profundas e rasas
antes, e então ela não tinha dúvidas. Por que agora ela adquiriu a dúvi-
da?”
Kashyapa disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Quem é a pessoa que cor-
tou as raízes do bem?”
“Oh bom homem! Qualquer pessoa que seja inteligente, astuta, agu-
çada, e que compreenda bem, mas abandone um bom amigo. Todas as
pessoas tais como aquelas que não dão ouvido ao Dharma Maravilho-
so, que não tenham bons pensamentos, e que não vivam seguindo o
Dharma, são aquelas que cortaram as raízes do bem. A mente se afasta
das quatro coisas e a pessoa pensa para si: ‘Não pode haver dana. Por
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 257
que não? Dana é abandono da riqueza. Se há qualquer retorno para
dana (doação), o danapati [doador] será sempre pobre. Por quê? A
semente e o fruto são iguais. Esse é o porquê dizemos que não há cau-
sa e nem efeito’. Se uma pessoa fala assim e diz que não há causa e
efeito, isto é cortar as raízes do bem. Além disso, uma pessoa pensa:
‘Os três elementos do doador, receptor, e a coisa dada não permane-
cem eternamente. Se não há permanência, como pode alguém dizer
que este é o doador, este o receptor, e esta é a coisa dada? Se não há
ninguém que receba, como pode haver qualquer fruição [resultado]?
Por essa razão, dizemos que não há causa e nem efeito’. Caso uma
pessoa diga que não há causa e nem efeito, podemos saber que essa
pessoa cortou as raízes do bem.
Também, uma pessoa pensa: ‘Quando uma pessoa dá, há cinco coisas
nessa doação. Quando ela recebeu, como destinatária (ela) pode às
vezes fazer o bem ou mal. E o doador dessa doação também não aufe-
re qualquer resultado do bem ou mal. Isto é como as coisas caminham
no mundo, onde a semente evoca o fruto e o fruto a semente. A causa
é o doador e o resultado é o receptor. E o receptor não pode fazer o
bem ou o mal chegar às mãos do doador. Por isso, não há causa e nem
efeito’. Caso uma pessoa diga que não há causa e efeito, saiba que essa
pessoa realmente cortou as raízes do bem.
Também, uma pessoa pensa: ‘Não há nada que possa realmente ser
chamado de dana. Por que não? Dana é uma coisa indefinível. Se for
indefinível, como pode evocar qualquer bom resultado? Não há resul-
tado que seja bom ou mau. Isto é o que se chama indefinível. Se uma
coisa é indefinível, deve-se saber que não pode haver qualquer resul-
tado bom ou mau. Por essa razão, dizemos que não há dana, nem cau-
sa, e nem resultado’. Qualquer um que professe que não há causa e
nem resultado, essa pessoa corta as raizes do bem.
Também, uma pessoa pode pensar: ‘Se o doador doa para uma ima-
gem do Buda, para a imagem de um deva, ou para o bem dos seus pais
que já se foram, não pode haver ninguém que possa ser chamado de
receptor. Se ninguém recebe, não pode haver qualquer resultado a ser
considerado. Se não há resultado a ser considerado, isto significa que
não há causa. Se não há causa, isto significa que não há efeito’. Se uma
pessoa fala assim e diz que não há causa e efeito, essa pessoa corta as
raizes do bem.
Também, uma pessoa pensa: ‘Não há pai e nem mãe. Caso uma pessoa
diga que os pais são a causa de um ser, aqueles que dão origem a um
ser, a lógica o levará a dizer que o nascimento deve estar acontecendo
continuamente, e que não há interrupção. Por quê? Porque a causa
existe sempre. Mas o nascimento não ocorre o tempo todo. Por isso,
saiba que não há pais’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Não há pai e nem mãe. Por que não? Se
um ser surge através dos pais, o ser deve possuir os dois órgãos sexu-
ais, do macho e da fêmea. Mas, tal coisa não acontece. Saiba-se então
que um humano não surge dos pais’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Um ser não surge do pai e da mãe. Por
que não? Vê-se com os próprios olhos que uma pessoa não é como os
próprios pais em todos os aspectos como corpo e mente, comporta-
mento, e suas idas e vindas. Por essa razão, os pais não são a causa do
ser’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Há quatro nadas. Estes são: 1) o que não
apareceu, 2) o que não é, 3) os chifres de uma lebre, e 4) o cabelo de
uma tartaruga. É o mesmo com os pais de um ser. Esses quatro são
iguais ao que não é. Alguém pode dizer que os pais são a causa de um
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 259
ser. Mas quando os pais morrem, o filho não morre necessariamente.
Por essa razão, os pais não são a causa do ser’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Se dissermos que os pais são a causa do
ser, os seres deveriam sempre surgir dos pais. Mas, existem nascimen-
tos como o nascimento por transformação e o nascimento da umidade.
Disto podemos saber que o ser não surge dos pais’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Em todo o mundo, não há efeitos cármi-
cos das boas ou más ações perpetradas. Por que não? Há seres que são
perfeitos nas dez boas ações e se comprazem em dar e acumular virtu-
des. Mesmo para essas pessoas também surgem doenças do corpo;
elas podem morrer na meia-idade, perder sua fortuna, e ter muitas
apreensões e sofrimentos. Há uma pessoa que comete as dez más
ações, é parcimoniosa, gananciosa, invejosa, preguiçosa e indolente.
Jamais acumulando o bem, no entanto está em paz, não tem doenças,
desfruta de longa vida, está cheia de riquezas, e não sofre de apreen-
são ou aflições. Disto podemos saber que não há qualquer conseqüên-
cia cármica das boas e más ações’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Eu também certa vez ouvi um homem
sagrado falar, o qual disse que há casos onde uma pessoa que acumu-
lou o bem cai nos três reinos do infortúnio quando sua vida acaba, e
casos onde o malfeitor ganha vida nos céus quando sua vida chega ao
fim. Disto podemos saber que não pode haver qualquer conversa de
resultados das boas ou más ações’.
Também, uma pessoa pensa: ‘Uma pessoa que sente muita piedade é
uma pessoa sagrada. Por que a chamamos de pessoa sagrada? Por
causa da Via. Se a Via é piedade, ela deve sentir piedade por todos os
seres. Não é algo que alguém adquira por ter praticado. Se não há pie-
dade (na Via), como pode uma pessoa adquiri-la ao ter realizado a Via?
Disto, podemos saber que não há tal coisa no mundo como a Via Sa-
grada’.
Também, uma pessoa pensa: ‘A Via que deve ser alcançada por qual-
quer pessoa sagrada não é aquela que pode ser alcançada através de
relações causais. Se ela não pode ser alcançada através de relações
causais, por que todos não nos tornamos pessoas sagradas? Se todas
as pessoas não são pessoas sagradas, podemos saber que não pode
haver qualquer pessoa ou Via sagrada’.
Também, uma pessoa pensa: ‘A pessoa sagrada diz que há duas rela-
ções causais concernentes à visão correta, a saber: 1) seguir os outros e
dar ouvido ao Dharma, e 2) pensar por si mesmo. Se essas duas (coisas)
surgem através de relações causais, o que resulta também deve surgir
de relações causais. Assim, deve suceder-se uma interminável série de
erros. Se essas duas (coisas) não surgem através de relações causais,
por que é que todos os seres não a obtêm (isto é, uma visão correta)?’
Pensando assim, a pessoa realmente corta as raizes do bem.
Outra pessoa ainda indaga: ‘Por que o Tathagata Honrado pelo Mundo
diz que tudo queimará?’ A resposta para isto será: ‘O Tathagata diz que
tudo queima devido à cobiça, a má-vontade e a ignorância’.
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 265
Oh bom homem! ‘Os dez poderes do Tathagata, os quatro destemores,
o Grande Amor-Benevolente e a Grande Compaixão, as três recorda-
ções, todos os tipos de Samadhis tais como o Samadhi Suramgama,
etc., que chegam a um total de 8 milhões de bilhões, as 32 marcas da
perfeição, as 80 características menores de excelência, todos os Sama-
dhis tais como o mudra dos cinco-conhecimentos, etc., cujo número
chega a 4.200, e os Samadhis dos expedientes, que são inumeráveis,
são a Natureza de Buda deste Buda. Nesta Natureza de Buda, há sete
coisas, a saber: 1) o Eterno, 2) o Eu, 3) Êxtase, 4) o Puro, 5) o Verdadei-
ro, 6) o Real, e 7) o Bom’. Essas são respostas discriminativas.
Pode haver aqueles que dirão: ‘Aqueles que cortaram as raizes do bem
decididamente possuem a Natureza de Buda ou decididamente eles
não possuem a Natureza de Buda’. Isto é uma resposta por exclusão’.”
“Oh bom homem! Eu não digo que exclusão e não responder é uma
resposta por exclusão. Oh bom homem! Há dois tipos de resposta por
exclusão, a saber: 1) uma que impede e restringe, e 2) não-aderente.
Por conta disto, dizemos resposta por exclusão.”
Kashyapa ainda disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Como alguém pode
ganhar as raizes do bem no futuro?”
“Oh bom homem! Isto é análogo à luz do dia que pode realmente dis-
persar a escuridão, muito embora o sol ainda não tenha nascido. Isto é
exatamente como o futuro pode de fato evocar os seres. É o mesmo
com a Natureza de Buda do futuro. Isto é o que chamamos de resposta
discriminativa.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Como você pode perder o significado?
Eu não disse antes que a Natureza de Buda dos seres é nenhuma outra
senão o Caminho Médio?”
Também, além disso, oh bom homem! Por que dizemos nem dentro e
nem fora? Oh bom homem! Alguns dizem que a Natureza de Buda é
ninguém menos que o tirthika. Por quê? No curso de inumeráveis kal-
pas, o Bodhisattva-Mahasattva, vivendo em meio aos tirthikas, cortou
todas as impurezas, treinou a sua mente, ensinou as pessoas, e então
alcançou a Iluminação Insuperável. Por conta disto, a Natureza de Buda
é ninguém menos que o tirthika.
Oh bom homem! A Natureza de Buda dos seres não é ‘é’ e nem ‘não-
é’. Por que é assim? A Natureza de Buda é ‘é’, mas não é como no caso
da vacuidade. Porque mesmo quando se utilizando de inumeráveis
expedientes, a vacuidade sobre a qual falamos no mundo não pode ser
vista. Mas, a Natureza de Buda pode ser vista. Por essa razão, embora
ela seja um ‘é’, não é como a vacuidade. A Natureza de Buda é ‘não-é’,
mas não é como os chifres de uma lebre [isto é, algo que não existe].
Por quê? Mesmo através de inumeráveis expedientes, o pêlo de uma
tartaruga e os chifres de uma lebre não podem surgir. A Natureza de
Buda pode surgir. Assim, embora ‘não-é’, não é como os chifres de
uma lebre. Assim, a Natureza de Buda não é nem ‘é’ e nem ‘não-é’; é
‘é’ e ‘não-é’.
Por que dizemos ‘é’? Tudo é ‘é’. Os seres não a cortam e não a extin-
guem. Isto é como a chama de uma vela, até que se atinja o Insuperá-
vel Bodhi. Assim, dizemos ‘é’.
Por que dizemos que ‘não-é’? No presente, todos os seres não são o
Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro, e não possuem o ensinamento Budista.
Portanto, ‘não-é’. Como ‘é’ e ‘não-é’ tornam-se unos, dizemos Cami-
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 272
nho Médio. Este é o porquê o Buda diz que a Natureza de Buda dos
seres não é ‘é’ e nem ‘não-é’.
Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer que existe no leite a natureza
do creme. Se assim for, leite é creme e creme é leite. A natureza é úni-
ca.
Por que é que o leite surge primeiro e não o creme? Se há uma relação
causal sobre a qual falar, por que é que todos os seres não falam a
respeito disso? Se não há relação causal, por que é que o creme não
surge primeiro? Se o creme não surge primeiro, quem é que estabele-
ceu a ordem do: leite, creme, manteiga fresca, manteiga refinada, e o
desnatar da manteiga derretida? Disto, sabemos que o creme não era
antes, mas agora é. Se ele não era antes, mas agora é, isto é algo não
eterno.
Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer que como existe a natureza
do creme no leite, o creme realmente surge; como existe a natureza do
creme (no leite), o creme não surge da água. Mas, o caso não é assim.
Por que não? Mesmo a grama aquosa, também, tem a natureza do
leite e do creme. Como assim? Da grama aquosa obtemos leite e cre-
me. Se uma pessoa diz que decididamente existe no leite a natureza do
creme, e que esta não existe na grama aquosa, isto é algo que é falso.
Por quê? Porque a idéia é desigual [a pessoa está sendo parcial]. Por-
tanto, falso.
Se uma pessoa dissesse: ‘A água não evoca o leite, uma vez que ela não
possui a natureza do creme. Portanto, decididamente existe a natureza
do creme no leite’. Isto não é assim. Por que não? Todas as coisas pos-
suem diferentes causas e diferentes resultados. Também, não é que
uma simples causa evoca todos os resultados; não é que todos os re-
sultados surgem de uma simples causa.
Oh bom homem! Não diga que essas quatro coisas evocam a consciên-
cia visual e dessas quatro coisas surge a consciência auditiva.
Oh bom homem! A pessoa sábia vê que o creme vem do leite, mas não
dirá que a manteiga fresca também surgirá assim, a não ser através de
meios expedientes. Oh bom homem! Este é o porquê eu digo neste
sutra: ‘Quando a causa surge, uma coisa surge; quando a causa está
ausente, não existe a coisa’.
O que significa dizer que Eu falo da minha própria e livre vontade? 500
Monges colocaram uma questão a Shariputra: ‘Oh grande! O Buda fala
sobre a causa do corpo. O que isto pode ser’?
O Buda disse a Shariputra: ‘Bem falado, bem falado! Cada Monge diz
nada mais do que é correto’.
Shariputra disse: ‘Oh Honrado pelo Mundo! O que está em vosso pen-
samento’?
O Buda disse: ‘Oh Shariputra! Eu disse para o benefício dos seres que
os pais são a causa do corpo’.
O caso é assim. Todos esses sutras são o que Eu falei da minha própria
vontade.
O que são aqueles (sutras) que Eu falei seguindo a vontade dos outros?
O homem rico, Patala, veio a mim e disse: ‘Oh Gautama! Você conhece
um fantasma ou não? Alguém que conheça fantasmas é um grande
fantasma. Se não, essa pessoa não é Pleno-Conhecedor’.
Eu disse: ‘Oh homem rico! Como você pode chamar alguém que co-
nheça um fantasma de fantasma’?
O homem rico disse: ‘Bem falado, bem falado! Alguém que conheça
um fantasma é um fantasma’.
O homem rico disse: ‘Eu já o conheço há longo tempo, mas este meu
corpo não pode ser aquele de um candala’.
‘Oh homem rico! Você agora sabe que embora você conheça um can-
dala, você não é um candala. Como pode ser que Eu seja um fantasma
porque conheço um fantasma? Oh homem rico! Eu realmente conheço
um fantasma, alguém que age como um fantasma, as retribuições de
um fantasma, e as habilidades de um fantasma. Eu conheço a matança,
o matador, as retribuições cármicas da matança, e a emancipação da
matança. Eu também conheço as visões distorcidas da vida, as pessoas
de visões distorcidas, as retribuições cármicas das visões distorcidas, e
a emancipação das visões distorcidas. Oh homem rico! Caso você cha-
me alguém que não é um fantasma de fantasma, e alguém que não
mantenha visões distorcidas da vida de alguém que é dotado das vi-
sões distorcidas da vida, você ganhará inumeráveis pecados’.
O homem rico disse: ‘Oh Gautama! Se as coisas são como você diz,
ganharei um grande pecado. Agora doarei a você tudo o que possuo.
Por favor, seja bom o bastante para que o Rei Prasenajit não seja in-
formado disto’.
O Buda disse: ‘Pode não ser que as relações causais desse pecado ne-
cessariamente impeçam você de perder a sua riqueza. Todavia, em
conseqüência disto, você cairá nos três reinos do infortúnio’.
O que são palavras que vêm segundo a própria vontade? Isto é como
quando Eu reprovo aqueles que violam as proibições e faço-lhes prote-
ger contra isso. Eu elogio aqueles do Srotapanna e permito aos mortais
comuns adquirirem um bom pensamento. Eu elogio Bodhisattvas e
permito aos mortais comuns aspirarem à Iluminação. Eu falo dos so-
frimentos dos três reinos do infortúnio e faço com que as pessoas fa-
çam o bem. Eu digo que todos queimarão, referindo-me àqueles que
são viciados na noção de que todas as coisas são coisas criadas. Assim
se passa com o não-Eu. Dizemos que todos os seres possuem a Nature-
za de Buda. Tudo isto é para fazer com que todos os seres não sejam
indolentes. Essas são as palavras que vêm segundo a própria e livre
vontade.
Por que é afundar? Quando uma pessoa não tem uma boa mente,
quando ela sempre comete o mal, quando ela não pratica a Via, cha-
mamos isso de ‘afundamento’.
Oh bom homem! Há três tipos de coisas más através das quais se sofre
as más retribuições, a saber: 1) o mal das impurezas, 2) o mal do car-
ma, 3) o mal das retribuições cármicas. Oh bom homem! Como essa
pessoa possui as seis coisas mencionadas acima, ela se corta das raízes
do bem, comete os cinco pecados mortais, comete as quatro ofensas
graves, calunia os Três Tesouros, usa as coisas que pertencem à San-
gha, e faz todos os tipos de (coisas) não-boas. Em virtude dessa relação
causal, a pessoa afunda no Inferno Avichi, e recebe um corpo tão gran-
de quanto 84.000 yojanas. Os pecados de suas ações do corpo, boca e
mente sendo graves, a pessoa não consegue livrar-se do sofrimento.
Por que não? Porque sua mente não consegue suscitar qualquer coisa
boa. Inumeráveis Budas podem vir ao mundo, mas essa pessoa não
dará ouvido a eles ou os verá. Por isso, dizemos que ela afunda para
sempre. Isto é como com o grande peixe no Rio Ganges.
Por que dizemos que a pessoa afunda? Porque ela cresce em más vi-
sões e adquire arrogância.
Também, há outros dois tipos, que são: 1) a pessoa leva uma vida cor-
reta no corpo e na mente, e 2) a pessoa não leva uma vida correta no
corpo e na mente. Essa pessoa não tem uma vida correta no corpo e na
mente. Assim, não é perfeita nos shila.
Como a pessoa não possui essas duas (coisas), fé e preceito, ela não é
perfeita no seu aprendizado.
E também, ao receber os seis sutras, ela recita-os e fala sobre eles para
discutir, para suplantar os outros, por lucro, para todas as existências.
Assim, a pessoa é não perfeita na audição.
Oh bom homem! Eu falo nos meus sutras sobre audição perfeita. Como
uma pessoa é perfeita? Há um Monge que é bom no corpo, na boca e
na mente. Antes de tudo, ele faz oferecimentos para todos os mestres,
para si próprio ou de outra forma, e também para os virtuosos. Estes
adquirem um pensamento amável para com esse Monge, e através
dessa relação causal, ele ensina-lhes o que está estabelecido nos su-
tras. A pessoa, com um sentimento sincero, observa o que lhe é ensi-
nado e recita-os. Ao manter em observância e recitá-los, aquela pessoa
adquire Sabedoria. Ao adquirir Sabedoria, ela pensa bem e vive de
acordo com o Dharma. Ao pensar bem, ela alcança o significado corre-
to. Ao alcançar o significado correto, seu corpo e mente ganham a
quietude. Ao obter a quietude no corpo e na mente, a alegria surge. Da
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 292
mente satisfeita surge o dhyana [meditação]. Do dhyana vem o conhe-
cimento correto. Por causa do conhecimento correto, ela abomina a
existência. Essa abominação da existência evoca a Emancipação. Uma
pessoa não tem nada deste tipo. Assim, é não perfeita na audição.
Como essa pessoa é não perfeita nessas três coisas (fé, preceito e audi-
ção), ela não doa.
Também, além disso, essa pessoa recebe os seis tipos de sutras. Ela dá
às pessoas que recebem o Dharma, mas não para aqueles que não o
recebem. Assim, não é perfeita na doação.
Como essa pessoa não possui as quatro coisas estabelecidas acima (fé,
preceito, audição e doação), qualquer que seja a Sabedoria que ela
pratique, esta é imperfeita. A Sabedoria discrimina bem a natureza.
Essa pessoa não pode ver o Eterno e o não-Eterno do Tathagata. Quan-
to ao Tathagata, esse Sutra do Nirvana diz: ‘O Tathagata é Emancipa-
ção, e Emancipação é o Tathagata. O Tathagata é Nirvana, e Nirvana é
Emancipação’. Ela não pode discernir entre aquilo que é dito. Ação
Pura é o Tathagata. O Tathagata é Amor-Benevolente, Compaixão,
Alegria Simpática, e Equanimidade. Amor-Benevolente, Compaixão,
Capítulo 41: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 2 Página 293
Alegria Simpática, e Equanimidade são Emancipação. Emancipação é
Nirvana, e Nirvana é Amor-Benevolente, Compaixão, Alegria Simpática,
e Equanimidade. Ela não pode obter qualquer discernimento naquilo
que é dito. Assim, é não perfeita na Sabedoria.
Também, além disso, ela não pode obter qualquer discernimento entre
as Quatro Verdades do Sofrimento, Causa do Sofrimento, Extinção (do
Sofrimento), e a Via para Extinção (do Sofrimento). Como ela não co-
nhece as Quatro Verdades, ela é incapaz de conhecer a Ação Sagrada.
Como ela não conhece a Ação Sagrada, ela não pode conhecer o Ta-
thagata. Como ela não conhece o Tathagata, ela não pode conhecer a
Emancipação. Como ela não conhece a Emancipação, ela não pode
conhecer o Nirvana. Assim, é não perfeita na Sabedoria.
Dessa forma, essa pessoa é não perfeita nas cinco coisas (fé, preceito,
audição, doação e Sabedoria). Dessas (cinco coisas), há dois tipos, os
quais são: 1) que aumenta o bem, e 2) que aumenta o mal. Como ela
aumenta o mal? Essa pessoa não vê o que é mal em si mesma. Ela diz
que é perfeita e adquire uma idéia de apego. Para os caminhantes que
são seus companheiros, ele diz que é o vencedor. Assim, ele associa-se
com más pessoas, que tomam o seu lado. Aproximando-se dessas pes-
soas, ele ainda ouve sobre o que é imperfeito. Ao ouvir [isto], sente-se
feliz, adquire apego, arrogância, e indolência. Sendo indolente, ele se
associa com os leigos.
A Imperfeição no Conhecimento
Oh bom homem! Ele pode estar no mundo da forma, mas não é o caso
que todos o possuam. Por que não? Meus discípulos o têm, mas não os
tirthikas. Portanto, não é o caso que todos os seres devam possuí-lo.
Oh bom homem! Todos os tirthikas meditam sobre as seis ações [isto
é, as seis meditações dos dois grupos, constituídas de: 1) negativo, isto
é, de horror, e 2) positivo, isto é, de procura. Um dos sistemas da práti-
ca da Via], e todos os meus discípulos são perfeitos nas 16 ações [isto é,
as 16 categorias observadas na meditação sobre as Quatro Verdades].
E todas essas 16 não são possuídas por todos os seres.”
O Buda disse: “Oh bom homem! É assim, é assim! É como você diz. Oh
bom homem! Embora esse aquecimento pertença à categoria do ‘é’,
ele realmente quebra [destrói] o criado e o ‘é’. Portanto, ele representa
a Via Imaculada.
Oh bom homem! Você indaga por que o Srotapanna deve ser compa-
rado ao peixe ‘timi’. Oh bom homem! Há quatro coisas que caracteri-
zam o (peixe) ‘timi’, as quais são: 1) como seus ossos são pequenos, ele
é leve, 2) como ele possui nadadeiras, ele é leve, 3) ele procura buscar
a luz, 4) ele morde e agarra firmemente. Com o Srotapanna, há quatro
coisas. Dizer que os ossos são pequenos é comparável à pequenez da
quantidade de impurezas. Possuir nadadeiras pode ser comparado ao
samatha e o vipasyana. Dizer que ele procura e aprecia a luz é compa-
rável ao darsanamarga. Dizer que ele morde e agarra firmemente pode
ser comparado ao fato de que a pessoa ouve o que o Tathagata diz
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 303
com respeito ao não-eterno, ao sofrimento, ao não-Eu, e ao não-puro;
e que ela agarra firmemente àquilo que ouviu, momento em que Mara
se transforma e se disfarça como um Buda, ou quando o homem rico
Sura vê e fica maravilhado, e Mara, vendo o homem rico comovido em
seu coração, diz: ‘O que eu disse antes sobre as Quatro Verdades não é
verdadeiro. Agora, para o vosso benefício, falarei sobre as cinco verda-
des, os seis skandhas, as 13 esferas, e 19 reinos’. Ao ouvir isto, o ho-
mem rico examina o que foi falado e vê que não há nada naquilo que
seja verdadeiro. Por isso, uma analogia é buscada aqui para explicar a
imobilidade da mente.”
Dizemos que a pessoa olha tudo ao redor e então se vai. Esse é o Sakr-
dagamin. Sua mente é totalmente orientada para a Via, ele pratica a
Via, e no sentido de cortar a cobiça, a ira, a ignorância e a arrogância,
ele, como o peixe ‘timi’, olha ao redor, e então se vai à busca de comi-
da.
Dizemos que uma pessoa se vai e então permanece lá. Isto pode ser
comparado ao Anagamin que, tendo compartilhado da comida, per-
manece lá. Há dois tipos desse Anagamin. Um é aquele que agora atin-
giu a fruição do Arhatship e, praticando ainda mais a Via, ganha mais a
fruição do [estagio do] Arhat. O outro é aquele que adere avidamente
ao Samadhi do Silêncio do mundo da forma e não-forma. Essa pessoa é
chamada Anagamin. Ela não ganha um corpo do mundo do desejo. Há
O Parinirvana da Ação possui dois tipos, os quais podem ter dois corpos
carnais ou quatro corpos carnais. Se alguém possui dois corpos, cha-
mamos esse ser de alguém nascido-aguçado; se possui quatro corpos,
chamamos isto de nascido-obtuso. Novamente, há dois tipos. Uma
pessoa empreende esforços, e não tem o Samadhi desimpedido, en-
quanto a segunda é indolente e tem desimpedimento. Novamente, há
dois tipos. Uma pessoa persevera no Samadhi do Esforço, enquanto a
segunda não.
Por que dizemos ‘permanece’? Isto é dito porque a pessoa ganha vida
no mundo da forma e da não-forma, e lá ela ganha um corpo. Por isso,
dizemos ‘permanência’. Humanos e devas do mundo do desejo não
ganham vida nos reinos do inferno, da animalidade, e dos espíritos
famintos. Assim, dizemos ‘permanência’. Tendo já cortado inumeráveis
amarras das impurezas, há pouco que resta. Por isso, ‘permanência’. E
também, dizemos ‘permanece’ porque aquela pessoa nunca mais faz
as coisas do mundo dos mortais comuns. Por isso, ‘permanece’. Ela não
tem medo e não faz com que outros tenham medo. Por isso, ‘perma-
Dizemos ‘fruição daquele que perdura’. Por não matar, uma pessoa
prolonga em um terço o tempo de vida do corpo. Isto é o que se ob-
tém. Esta é a fruição daquele que perdura. Essa fruição tem duas cau-
sas. Uma é próxima, e a outra distante. Por próxima se entende a pure-
za do corpo, boca e mente; por distante se entende a extensão do
tempo de vida e o desfrutar da (alegria na) velhice. Esta é a fruição
daquele que perdura.
Fruição Equânime
Fruição da Segregação
Também, como ele realmente acabou com o corpo dos cinco skandhas
dos três mundos, ele diz: ‘Minha vida já está completa’.
E como ele agora deixa o estágio de aprendizado, ele diz que agora está
de pé. E como ele agora ganhou o que outrora desejou alcançar, ele diz
que atingiu tudo. Tendo praticado a Via e obtido a fruição, ele diz: ‘Já
me realizei’. Como ele ganhou o conhecimento da plena-extinção e o
conhecimento do não-nascimento, ele diz que acabou com todas as
amarras. Assim dizemos que o Arhat agora atinge a outra margem. É o
mesmo com o Pratyekabuda, também. Como os Bodhisattvas e o Buda
são perfeitos e realizados nos seis paramitas, eles são chamados aque-
les que ‘chegaram à outra margem’. Quando o Buda e os Bodhisattvas
atingem a Iluminação Insuperável, dizemos que eles são perfeitos nos
seis paramitas. Por quê? Porque eles agora estão colhendo o fruto dos
seis paramitas. Como há chegada à fruição, dizemos ‘perfeitos’.
Oh bom homem! Se qualquer dos sete (tipos de) seres associa-se com
um Bom Mestre da Via, e com uma mente sincera dá ouvido ao Dhar-
ma Maravilhoso do Tathagata, cai bem dentro de si, vive de acordo
com o Dharma e, com seu melhor esforço, pratica o corpo, os precei-
tos, a mente, e a Sabedoria; essa pessoa pode realmente atravessar o
rio do nascimento e da morte, e alcançar a outra margem.
Oh bom homem! Desses sete seres, pode haver um que possua as sete
qualidades em sua própria pessoa, ou cada um dos sete pode possuir
uma (qualidade) cada.
Oh bom homem! Esse é o porquê Eu digo num sutra: ‘Há dois tipos de
pessoas que caluniam o Buda, o Dharma e a Sangha’. Estas são: 1) a-
quela que não acredita e fala com uma mente irada, e 2) aquela que,
embora acredite, não alcança o significado.
Oh bom homem! Uma pessoa que não tem fé diz, com uma mente
irada: ‘Não pode haver qualquer Buda, Dharma e Sangha’.
Oh bom homem! Não há Vazio. Por conta disto, não há os Três Tem-
pos. Não é que como há os Três Tempos, não há Três Tempos. Para a
flor o Vazio não existe. Isto é como no caso em que não há Três Tem-
Oh bom homem! Como o Vazio não é nada que possa ser representa-
do, não está nem ‘dentro’ e nem ‘fora’. Como a Natureza de Buda é
Eterna, não há ‘dentro’ ou ‘fora’. Este é o porquê Eu digo que a Nature-
za de Buda é como o Vazio.
O Buda disse: “Oh bom homem! Você pode dizer que Nirvana não cai
na categoria dos Três Tempos e desse modo é Vazio. Mas isto não é
assim. Por que não? ‘Nirvana é uma existência, algo visível, aquilo que
é verdadeiro, matéria, a pegada (impressão do pé), a sentença e a pa-
lavra, aquilo que é, características, o por causa, o refúgio que se toma,
quietude, luz, paz, e a outra margem’. Esse é o porquê podemos dizer
que ele não cai dentro da categoria dos Três Tempos. Com a natureza
do Vazio, não há nada assim. Esse é o porquê dizemos ‘não-é’. Caso
houvesse qualquer outra coisa senão isto (um ‘não-é’), poderíamos
perfeitamente dizer que ele cai na categoria dos Três Tempos. Se a
Vacuidade fosse uma coisa do ‘é’, ela não poderia ser outra coisa senão
Capítulo 42: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 3 Página 321
algo da categoria dos Três Tempos. Oh bom homem! As pessoas do
mundo falam da vacuidade como não-matéria, como algo que não tem
oposto, e é invisível. O caso é assim. Se ela não é matéria, algo sem
oposto, e invisível, ela deve ser caitasika [ou cetasika = fatores mentais:
São os fatores mentais que estão associados e que surgem em conco-
mitância com a consciência (citta=viññana) e que são condicionados
pela presença desta. Enquanto que nos sutras todos os fenômenos da
existência são agrupados em 5 agregados: forma (rupa), sensa-
ção (vedana), percepção (sañña), formações mentais(sankhara), cons-
ciência (viññana), o Abhidhamma, como regra, trata os fenômenos sob
um aspecto mais filosófico em três aspectos: consciência (citta), fatores
mentais (cetasika) e forma (rupa). Dessa forma, os fatores mentais
compreendem a sensação, percepção e 50 outros fatores, o que no
todo resulta em 52 fatores mentais. Ver em
http://www.acessoaoinsight.net/glossario.php#C]. Se a Vacuidade é da
categoria dos caitasika, ela não pode ser diversa da categoria dos caita-
sika. Se for da categoria dos Três Tempos, não pode ser diversa dos
quatro agregados [skandhas]. Portanto, com exceção dos quatro agre-
gados, não pode haver Vacuidade.
Oh bom homem! Uma pessoa pode dizer: ‘O Vazio co-existe com o ‘é’
desobstruído’. Ou alguém pode dizer: ‘O Vazio existe dentro de uma
coisa. É como o fruto dentro de um recipiente’. Nenhum deles é o caso.
Há três tipos de co-existência, a saber: 1) coisas feitas diferentemente
tornam-se unas, como no caso dos pássaros voando que se juntam
numa árvore; 2) duas coisas comuns entre si tornam-se unas, como no
caso de duas ovelhas que entram em contato; 3) co-existência de pares
daqueles que se reúnem para existir no mesmo lugar. Dizemos ‘dife-
rentes coisas se juntam’. Há dois tipos de diferenças. Um é uma ‘coisa’
(objeto), e o outro é o Vazio (como no caso do par lacuna-intersticial).
Se a Vacuidade se junta com a coisa, essa Vacuidade deve ser não-
eterna. Se uma coisa se junta com o Vazio, a coisa deixa de ser unilate-
ral (individual, desigual, assimétrica). Se já não há nada que seja unila-
teral, novamente é não-eterno.
O Buda disse: “Oh bom homem! Isso é como quando o mundo diz: ‘A
matéria é não-eterna, sofrimento, vazio, e não-Eu’, e as coisas se pas-
sam assim até a consciência. Oh bom homem! Isto é o que o conheci-
mento mundano diz que é um ‘é’, e Eu, também, digo que é um ‘é’. Oh
bom homem! O conhecimento mundano diz que a matéria nada tem
do Eterno, Êxtase, do Eu e do Puro. Assim se diz do sentimento, per-
cepção, volição, e consciência. Oh bom homem! Isto é onde o conhe-
cimento mundano diz ‘não-é’. Eu, também, digo ‘não-é’.”
O Buda disse: “Oh bom homem! A matéria [isto é, a forma física, ‘ru-
pa’] dos mortais comuns surge das impurezas. Por isso, Eu digo que no
conhecimento mundano a matéria é não-eterna, sofrimento, vazio, e
Oh bom homem! Isto é como no caso de um médico. Uma vez que ele
remova a causa, a doença não mais levantará a sua cabeça. É o mesmo
com a pessoa sábia que extirpa a causa das impurezas. Alguém que
seja sábio deve primeiro meditar sobre a causa e, depois, sobre o efei-
to. Ele vê que bons resultados surgem de uma boa causa, e os maus
(resultados) vêm do que é mau. Ao meditar sobre o resultado que sur-
ge, ele acaba com a causa. Tendo meditado sobre o resultado que sur-
girá, ele deve ainda meditar sobre a leveza e o peso das impurezas.
Tendo meditado sobre leveza e o peso, primeiro ele acaba com o que é
pesado. Quando se acabou com o que é pesado, o que é leve irá embo-
ra por si.
Os Skandhas do Sábio
Oh bom homem! Quando uma pessoa adoecida sabe que sua doença é
leve e que poderá ser facilmente curada, ela não se sentirá infeliz
quando um remédio amargo lhe for prescrito, e o tomará. É o mesmo
caso com a pessoa sábia, também. Ela faz esforços, pratica a Via Sagra-
da, é feliz, não cessa (os esforços), e não sente pesar.
“Oh bom homem! Alguém que seja sábio meditará e tentará saber por
que essa ilusão surge, quando essa ilusão surge, quando se vive com
ela, em que lugar se adquire isto, vendo o que, na casa de quem, ao
receber que roupas de cama, comida e bebida, roupas, e remédios.
Através de que relações causais o baixo vem a ser o médio, o médio
vem a ser o alto, as ações rebaixadas vêm a ser as médias, e as médias
vêm a ser aquelas elevadas? Quando o Bodhisattva-Mahasattva pensa
dessa maneira, ele corta as ilusões que tinha desde o nascimento. Co-
mo ele pensa dessa maneira , isto bloqueia as ilusões que ainda não
surgiram impedindo-lhes de surgir, e as ilusões que já surgiram são
aniquiladas. Esse é o porquê Eu digo no meu sutra: ‘Uma pessoa que
tem Sabedoria deve meditar sobre a causa da ilusão’.”
“Oh bom homem! Uma pessoa que é sábia deveria pensar: ‘As relações
causais de todas as impurezas realmente evocam [renascimento nos
reinos do] inferno, espíritos famintos, e animais. As relações causais
dessas impurezas concedem a uma pessoa o corpo de um humano ou
de um ser celestial. Estes são não-eternos, sofrimento, Vazio, e não-Eu.
Nesse receptáculo do corpo carnal, adquirimos três sofrimentos e três
não-eternos. As relações causais dessas impurezas realmente levam os
seres a cometerem os cinco pecados mortais [isto é, matar o pai, matar
a mãe, matar um Arhat, causar dissensão na Sangha, e ferir (fazer fluir
sangue do corpo de) um Buda], em conseqüência de que os humanos
recebem más retribuições, e em conseqüência de que os humanos
eliminam as sementes do bem, cometem as quatro graves ofensas [isto
é, matar, roubar, a luxúria ilegal, e a mentira], e caluniam os Três Te-
souros’. Uma pessoa sábia deveria meditar e pensar: ‘Não devo adqui-
rir esse corpo e evocar essas impurezas, e sofrer essas más conseqüên-
cias’.”
“Oh bom homem! No mundo, vemos que uma semente evoca o fruto.
Agora, há casos onde essa semente, às vezes, torna-se a causa do fruto.
Ou há casos onde não se torna. Ela somente pode ser chamada ‘se-
mente’ e ‘fruto’ quando as coisas se procedem assim (isto é, ela é a
causa do fruto). Quando as coisas não se procedem assim, dizemos
somente ‘fruto’, e não ‘semente’. É o mesmo com os seres. Todos têm
dois tipos [de ações]. Com um, é o efeito (fruto) da impureza, e tam-
bém a causa (semente) da impureza. Com o outro, é o fruto da impure-
za, mas não a causa (semente) da impureza. Quando é o fruto da impu-
reza, mas não a causa da impureza, chamamos isto de ‘ação pura’. Oh
bom homem! Os seres meditam sobre o sentimento e vêm à saber que
este é a causa próxima de todas as impurezas. Em razão do sentimen-
to, uma pessoa não pode cortar todas as impurezas que estão dentro e
fora. Todas as impurezas, também, são incapazes de sair da prisão dos
três mundos. Os seres, devido aos sentimentos, aderem ao ‘eu’ e ao
que pertence ao ‘eu’, e adquirem inversões do pensamento, imagem e
visões da vida. Por isso, os seres devem primeiro meditar sobre o sen-
timento. Esse sentimento se torna a causa próxima de todas as fases
do desejo. Por essa razão, os sábios, quando desejam extirpar o desejo,
devem primeiro meditar sobre o sentimento.
Oh bom homem! Todo o bem e mal dos seres que emergem dos 12
elos da interdependência têm sua origem no sentimento. Esse é o por-
quê eu disse a Ananda: ‘Todas as boas e más ações de todos os seres se
originam por ocasião do sentimento’. Esse é o porquê uma pessoa que
possua Sabedoria deve meditar primeiro sobre sentimento. Quando
essa meditação é feita, a pessoa então pensa: ‘Através de quais rela-
ções causais esse sentimento surge? Se (surge) das relações causais, do
que surgem essas relações causais? Se (surge) por uma não-causa, por
que é que essa não-causa não evoca um não-sentimento’. Ela também
pensa: ‘Esse sentimento não surge por obra de Mahesvara, nem atra-
vés dos humanos, nem pelas partículas, nem pela estação, imagem,
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 338
natureza, nem pelo ‘eu’ ou pelo poder externo; nem surge através das
ações combinadas do próprio ‘eu’ e dos outros; nem é através de não-
causa. Esse sentimento surge através de relações causais combinadas.
As relações causais são ao mesmo tempo o desejo. Não é que exista
desejo nessa combinação, nem é que não exista desejo. Não é que não
exista sentimento. Por essa razão, eu realmente corto essa harmoniza-
ção [combinação de relações causais]. Ao cortar essa harmonização,
nenhum sentimento surge’.
O que quero dizer ao falar que quando Eu falo do ser a pessoa que
ouve compreende que se refere a uma coisa? Isto é como quando cer-
ta vez eu disse a Mahakashyapa: ‘Oh Kashyapa! Quando o ser morre, o
Dharma Maravilhoso morre também’. Isto é o que quero dizer ao falar
que quando Eu falo sobre o ser, o ouvinte compreende que se refere a
uma coisa. O que quero dizer ao falar que quando Eu falo baseado no
dharma sobre o ser, o ouvinte compreende ter sido dito sobre o ser?
Isto é como certa vez Eu disse a Ananda: ‘Eu não digo que me achego a
todas as coisas ou que não me achego. Se Eu me achegar à lei [dharma
mundano, todas as coisas], a Boa Lei [Dharma Maravilhoso] enfraque-
cerá e o que é não-bom tornar-se-á exuberante. Não se deve achegar
de tal lei. Caso achegue-se à Lei (Dharma Maravilhoso), o não-bom
enfraquecerá e a Boa Lei aumentará. Deve-se achegar de tal Lei’. Isto é
o que eu digo com base numa coisa sobre o ser, e aquele que ouve
compreende como minha fala sobre o ser.
O Buda disse: “Oh bom homem! De que maneira uma pessoa sagrada
possui uma imagem invertida?”
Tendo meditado sobre a causa da imagem, uma pessoa que seja sábia
medita em seguida sobre os resultados cármicos. Sofre-se esses resul-
tados cármicos das más imagens nos reinos do inferno, dos espíritos
famintos, dos animais, e dos humanos e celestiais. Como Eu acabei
com a imagem do despertar do mal, Eu cortei a ignorância e o contato.
Assim a imagem se foi. Quando se acaba com a imagem, a pessoa tam-
bém remove as conseqüências cármicas. Para cortar a causa da ima-
gem, a pessoa sábia pratica o Nobre Caminho Óctuplo. Oh bom ho-
mem! Qualquer pessoa que medita assim é chamada de alguém que
pratica ações puras.
Também, além disso, oh bom homem! Alguém que seja sábio medita
sobre o desejo. Desejo é cor, som, fragrância, sabor e toque. Oh bom
homem! Assim o Tathagata fala do resultado (efeito) no estágio de
causa. A partir dessas cinco coisas, o desejo sobe à cabeça. E (essas
coisas) não são desejo, (são a sua causa).
O Carma Imaculado
Oh bom homem! Uma pessoa que tem Sabedoria medita sobre o so-
frimento do inferno. De um inferno, (há) 136 lugares, e cada inferno
tem vários tipos de sofrimento. Tudo surge das relações causais do
carma das impurezas. Assim se deve meditar. Quando a meditação
sobre o inferno tiver sido completada, isto leva à meditação sobre o
sofrimento dos espíritos famintos e dos animais. Tendo feito essa me-
ditação, uma pessoa novamente pensa sobre todos os sofrimentos dos
humanos e celestiais. Todos esses sofrimentos surgem dos carmas das
impurezas.
Oh bom homem! Na vida dos céus, não temos quaisquer desses tipos
de grande sofrimento. O corpo é leve, delicado e suave. [Mas,] quando
alguém vê os cinco presságios do declínio, um grande sofrimento sobe
à sua cabeça. Isto é como o sofrimento do inferno, que se procede da
mesma maneira, tudo igualmente.
Oh bom homem! Se uma pessoa sábia pode meditar bem sobre os oito
sofrimentos como nas ações sagradas, saiba que essa pessoa de fato se
aparta de todos os sofrimentos.
A Casa do Tesouro
O Buda disse: “Todas as coisas são nada mais que ações puras.”
Oh bom homem! É como com o Vazio, onde repousa tudo o que existe.
Assim é com esse Sutra, que é a morada do Bom Dharma.
Oh bom homem! É como (os grãos de) as areias do Rio Ganges, que
ninguém pode contar. Assim é com os significados desse Sutra. Nin-
guém pode realmente contá-los completamente.
Oh bom homem! Esse Sutra serve como o melhor [remédio] para todos
os seres que estão sofrendo de doenças. É como o Todo-Maravilhoso
Rei dos Remédios do (Monte) Gandhamadana, que cura completamen-
te todas as doenças.
Oh bom homem! Esse Sutra realmente serve como uma ponte para
todas as pessoas más, assim como uma ponte permite que mesmo
todas as pessoas más do mundo passem sobre ela.
Oh bom homem! Esse Sutra realmente serve como uma sombra fresca
para todos aqueles que carregam suas vidas nos cinco reinos, onde
sentem calor devido às impurezas, servindo-lhes como um pára-sol que
protege bem a pessoa do calor.
Oh bom homem! Esse Sutra guarda todas as boas leis, assim como a
terra, que serve como um suporte para todas as coisas.
Oh bom homem! Esse Sutra serve como roupa para aqueles que não
sentem vergonha do que fizeram, assim como a roupa que pode cobrir
bem e esconder a forma carnal.
Oh bom homem! Esse Sutra serve como uma grande Casa do Tesouro
para aqueles que estão carentes de boas coisas, assim como Gunadevi
concede benefícios aos pobres.
Oh bom homem! Esse Sutra serve como uma cama do Dharma para
aqueles que têm as preocupações das impurezas, assim como a cama
da paz que serve às pessoas do mundo.
[O Buda disse:] “Como Eu já disse, este Sutra abarca todas as leis. Mas,
Eu declarei que as ações puras sobre as quais Eu falo nada mais são
que os 37 elementos concernentes ao Bodhi [Iluminação]. Oh bom
homem! Separado dos 37 elementos da Iluminação, não se pode atin-
gir a fruição da prática do Sravaka e a Iluminação Insuperável, não se
pode ver a Natureza de Buda, nem a fruição que surge da Natureza de
Buda. Assim sendo, ações puras são os 37 elementos do Bodhi [‘bodhi-
pakshikadharma’ – os 37 pré-requisitos para atingir a Iluminação. In-
cluem atenção plena, e o Nobre Caminho Óctuplo]. Como podemos
dizer isto? Porque os 37 elementos concernentes à Iluminação são
aqueles fatores que, por natureza, não estão invertidos e que realmen-
te suplantam as inversões. Eles são, por natureza, visões não errôneas,
e podem verdadeiramente aniquilar as visões errôneas. Eles são, por
natureza, destemidos, e debelam o medo. Eles são, por natureza, ações
puras, tal que os seres finalmente vêm a praticar ações puras.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Bem falado, bem falado! O que você
fala, Bodhisattva, concerne a duas coisas. Uma é para o seu próprio
bem, e a outra é para o conhecimento dos outros. Agora você sabe,
mas uma vez que inumeráveis outros seres ainda não compreendem,
então você indaga. Assim, Eu agora o elogio novamente. Muito bem,
muito bem! Oh bom homem! A raiz dos 37 elementos concernentes à
Iluminação é o desejo. A causa é o toque do brilho; o que abarca é
‘sentimento’; o que acrescenta é ‘pensamento’; o ‘mestre’ é ‘recorda-
ção’ (‘mentalização’); o que leva (conduz) é ‘dhyana’ [meditação]; o
que é superior é ‘Sabedoria’; o que é verdadeiro é ‘Emancipação’; e o
ultimado é Grande Nirvana.
“Oh bom homem! O Tathagata disse antes que os seres primeiro vêm a
saber dos 37 fatores da Iluminação. O Buda é a raiz. O despertar de-
pende do desejo.”
O Toque do Brilho
“Oh Honrado pelo Mundo! O que você quer dizer quando fala que ‘o
toque do brilho’ é a causa?”
“Oh bom homem! O Tathagata às vezes fala sobre brilho e diz que é
Sabedoria; e às vezes (ele quer dizer) ‘Fé’. Oh bom homem! Através das
relações causais da fé, uma pessoa se aproxima de um Bom Mestre da
Via. Isto é toque [contato]. A relação causal dessa aproximação leva a
pessoa a dar ouvido ao Dharma Maravilhoso. Isto é ‘toque’. Quando
alguém ouve o Dharma Maravilhoso, o corpo, a boca e a mente dessa
pessoa tornam-se puros. Isto é ‘toque’. Através da pureza das três a-
ções, ganha-se uma vida correta. Isto é ‘toque’. Através de uma vida
correta, ganha-se os shila (preceitos) que purificam os sentidos orgâni-
cos. Por conta dos preceitos que purificam os sentidos orgânicos, pro-
cura-se um lugar silencioso. Na quietude, pensa-se sobre o bem. Atra-
Do Sentimento à Consecução
“Oh bom homem! A raiz se refere ao que está a ter lugar (surgir); a
causa é o que se assemelha; aumento é cortar a semelhança e, no en-
tanto, é evocar a semelhança. Também, além disso, oh bom homem! A
raiz é fazer, a causa é fruição (posse/usufruto), e aumento é o uso. Oh
bom homem! O mundo que está por vir (futuro) contempla os resulta-
dos cármicos. Mas, ainda não [os] recebe. Chamamos isto de ‘causa’.
Quando recebidos, aquilo é ‘aumento’. Também, além disso, oh bom
homem! A raiz é buscar; ganhar é a causa, e usar é aumento.
A Meditação Grosseira
‘Também, ouvi que nos primórdios do kalpa [aeon, era], havia muitos
seres. Cada um era trajado nas melhores virtudes. A luz que emanava
dos seus corpos era tão intensa que não se dependia em nada das lu-
zes do sol e da lua. [Mas,] devido ao poder do não-eterno, a luz desva-
neceu e as virtudes diminuíram. Também, ouvi que viveu, em tempos
passados, um Chakravartin [imperador do mundo] que governou sobre
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 363
os quatro continentes. As sete gemas [que ele possuía] eram perfeitas,
e seu poder era altamente irrestrito. E ainda assim, ele não podia der-
rotar o não-eterno’.
Também, ele medita que sobre a grande terra, num tempo passado,
inumeráveis seres estavam totalmente estabilizados na vida e desfru-
tavam de paz, tal que nenhum sulco de roda se sobrepunha a outro.
Remédios maravilhosos estavam à mão, e as pessoas cresciam e pros-
peravam. Arbustos, árvores e frutos eram abundantes. Os seres foram
[gradualmente] menos abençoados e essa grande terra tinha pouca
força. Tudo o que crescia se desperdiçava. Por isso, deve-se saber que
todas as coisas são não-eternas.
A Meditação Minuciosa
[O Buda disse:] “Como com todas as coisas que existem dentro e fora,
assim se dá com o que se obtém na mente. Por quê? Porque a ação (da
mente) se obtém nas seis esferas (dos sentidos). Quando se obtém isto
nas seis esferas, surgem a mente feliz, a mente irada, a mente do dese-
jo, ou a mente da cobiça. A vida continua de maneira diversa, uma
após a outra, e não pode ser una. Por essa razão, se tem que saber que
tudo o que é físico e não-físico é não-eterno.
Também, além disso, ele medita sobre todas as coisas [assim]: ‘Há uma
conjunção daquilo que é diferente. Todas as coisas não surgem de uma
única conjunção. Também, uma coisa não é o resultado da conjunção
de todas as coisas. A conjunção de todas as coisas não possui um Eu de
si própria. Também, não há uma natureza única e nem diferentes natu-
rezas. Também, não há natureza da forma material, e nem desimpe-
dimento [liberdade irrestrita, desobstrução]. Se todas as coisas possu-
em esse aspecto da existência, como pode um sábio dizer que existe o
Eu?’
Também, ele pensa: ‘De todas as coisas, não há uma sequer que seja
criada por si mesma. Se não houvesse uma coisa que a tivesse criado, a
conjunção de todas as coisas não poderia acontecer. Todas as coisas
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 366
não podem surgir sozinhas (por si mesmas) e morrer sozinhas. Através
[do ato da] da conjunção, elas morrem, e através da conjunção, elas
surgem.
Oh bom homem! Os sábios que são perfeitos nas quatro imagens pra-
ticarão uma imagem e pensarão que não há nada para agradá-los, e
pensarão para si: ‘Em todo o mundo, não há lugar onde o nascimento,
velhice, doença e morte não existam. E não há lugar onde eu não tenha
nascido. Se não há lugar onde não se encontre nascimento, velhice,
doença e morte; como posso me sentir feliz com o mundo? Em todo o
mundo, se segue em frente e não há lugar onde não se possa voltar.
Por isso, o mundo é definitivamente não-eterno. Se ele é não-eterno,
como uma pessoa sábia pode sentir felicidade? Cada ser dá a volta ao
mundo e, minuto a minuto, sofre e sente alegria. Pode-se ser abençoa-
do com o corpo do Brahma e atingir uma vida como a do céu da irrefle-
xão-não-irreflexão. Mas, quando a vida termina, ganha-se a vida no-
vamente nos três reinos do infortúnio. Uma pessoa pode adquirir o
Capítulo 44: Sobre o Bodhisattva Kashyapa 5 Página 369
corpo dos quatro guardiões da terra, ou aquele do Paranirmitavasavar-
tin, mas quando a sua vida termina, ela cai novamente nos três reinos
do infortúnio. Ou pode nascer como um leão, um tigre, um búfalo chi-
nês, um chacal, um lobo, um elefante, um cavalo, uma vaca, ou um
burro’.
O Brilho da Sabedoria
Extinção Momentânea
“Oh bom homem! Por exemplo, há quatro pessoas, todas exímias ati-
radoras. Elas se reúnem num lugar, e cada uma atira uma flecha numa
direção [particular]. Todas elas pensam: ‘Nós todos atiramos flechas
juntos, todas as quais cairão’. E uma pessoa pensa: ‘Antes que as qua-
tro flechas caiam ao chão, eu as capturarei com minhas mãos’. Assim
ele pensa. Oh bom homem! Essa pessoa age rapidamente ou não?”
O Buda disse: “Oh bom homem! O demônio que vive sobre a terra
move-se mais rapidamente do que essa pessoa. Há um demônio voa-
dor que se move mais rápido que aquele sobre a terra. Os quatro guar-
diões da terra movem-se ainda mais rápido que o demônio voador. O
sol e a lua, e os seres celestiais movem-se mais rápido que os quatro
guardiões da terra. O garuda se move mais rápido que o sol e a lua. A
duração de vida de um humano se vai mais rapidamente que um garu-
da. Oh bom homem! Em uma respiração e num piscar de olhos, a vida
de um ser surge e morre 400 vezes. Se uma pessoa sábia medita sobre
a vida humana assim, isto é meditar sobre a extinção momentânea.
Quando a pessoa sábia está realizada nas seis imagens, isto se torna a
causa das sete imagens. Quais são as sete? Elas são: 1) sempre praticar
as imagens, 2) sentir alegria na prática das imagens, 3) a imagem da
não-ira, 4) a imagem de não ser invejoso, 5) a imagem de buscar o
bem, 6) a imagem de não ser orgulhoso, e 7) ser desimpedido no sa-
madhi.
Também, isto é ser versado nos sete tipos de palavras de todos os Bu-
das, e também (isto é) cortar a malha de dúvidas com respeito ao que
existe lá nos sete tipos de palavras da visão correta.
Oh, Kaudinya! A forma física é a causa das inumeráveis coisas más. Ela
é o corpo carnal do macho, etc. É o alimento do amor da luxúria. É a
cobiça, a ira, e a inveja. É uma mente má e rancorosa. É o alimento
vulgar [isto é, o alimento que tem aroma, sabor e textura; e que pode
ser cortado e comido], o alimento da consciência [isto é, a consciência
servindo como alimento. Por exemplo, o poder mental que às vezes
suprime o sentido da fome de alguém], o alimento do pensamento
[isto é, o poder do pensamento, ou o poder da volição], e o alimento
do tato [isto é, o sentido emocional que às vezes serve para suprimir o
sentido da fome de alguém]. Há o nascimento-do-ovo, o nascimento-
do-embrião, e o nascimento-da-transformação. Há os cinco desejos e
os cinco obscurecimentos (ofuscamentos). Todas essas coisas estão
baseadas na forma material.
Então, havia um Nirgrantha que disse: “Oh irmãos! Minha mente está
magoada. Isso não é devido aos oferecimentos dos meus discípulos. O
problema é que o mundo é ignorante e cego, e não conhece o que é
um campo de prosperidade (bênçãos) e o que não é. Por fazerem ofe-
recimentos a um jovem, abandonando os velhos e sábios Brâmanes.
Isto é o que me preocupa. O Shramana Gautama sabe muito de feitiça-
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 381
ria. Por este meio, ele apresenta um corpo em numerosas formas, e
numerosas formas em um corpo; ou ele apresenta-se como um ho-
mem, mulher, vaca, carneiro, elefante, ou cavalo. Eu destruirei essa
feitiçaria. Quando Shramana Gautama se for, vocês voltarão a desfru-
tar de muitos oferecimentos e serão abençoados com a paz.”
O Rei disse: “Oh todos vocês, grandes! O que os incita, a tal ponto de
tornarem-se exasperados e inquietos como grandes ondas de água, ou
como círculos de fogo, ou como macacos que se lançam por entre as
árvores? Isto é uma vergonha. Se os sábios ouvirem sobre isto, sentirão
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 384
piedade de vocês. Se os ignorantes ouvirem sobre isto, rirão de vocês.
O que vocês dizem não é apropriado para qualquer pessoa retirante-
do-mundo. Se vocês estão sofrendo da doença do ar (respiratória) ou
da varíola da água amarela, eu tenho o remédio para tudo isto. Eu os
curarei. Se trata-se de alguma doença de um demônio, meu médico da
família, Jivaka [um famoso médico da residência real de Ajatasatru],
acabará completamente com ela. Todos vocês pretendem agora arran-
car o Monte Sumeru com suas mãos e unhas, ou tentar mastigar e roer
um diamante.
O rei disse: “Todos vocês! Se vocês não acreditam no que lhes digo, o
Tathagata, o Corretamente-Iluminado, está agora na floresta das árvo-
res sala. Vocês podem ir e questionar ou reprovar-lhe como queiram. O
Tathagata também verá vocês e para o seu benefício explicará as coisas
em detalhes e responderá suas questões.”
O Brâmane disse: “Você diz que Nirvana é eterno. Mas este não é o
caso. Por que não? O que se obtém no mundo é que de uma semente
surge o fruto. Isso continua, e não há interrupção. Isto é como com um
vaso, que vem do barro e do tecido. Você, Gautama, sempre diz:
‘Quando se pratica a imagem do não-eterno, chega-se ao Nirvana’.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 386
Você, Gautama, também diz: ‘Quando se acaba com o desejo e a cobi-
ça, isto é Nirvana. Quando se acaba com a cobiça do corpo [‘rupa’] e do
não-corpo, isto é Nirvana. Quando se acaba com as impurezas da igno-
rância, isto é Nirvana’. Tudo, desde o desejo até a impureza da igno-
rância, é não-eterno. Se a causa é não-eterna, o Nirvana que surge
[dela] também deve ser não-eterno. Você, Gautama, também diz: ‘A-
través da causa vem o nascimento no céu; através da causa ganha-se o
inferno; e através da causa (vem) a emancipação. Assim, todas as coi-
sas surgem das causas’. Se a Emancipação resulta de uma causa, como
se pode chamá-la de eterna?
Você, Gautama, também diz: ‘A forma [‘rupa’] vem das relações cau-
sais. Por isso, é não-eterna. Assim também é com o sentimento, per-
cepção, volição, e consciência’. Se Emancipação é forma, saiba que o
que há [aqui] é não-eterno. Assim também se estabelece com o senti-
mento, percepção, volição, e consciência. Se existe qualquer Emanci-
pação fora dos cinco skandhas, tal Emancipação é Vazio. Se é Vazio,
não podemos dizer que as coisas vêm das relações causais. Por que
não? Porque a eternidade é única e permeia todos os lugares. Você,
Gautama, também diz que o que surge da causação é sofrimento. Se é
sofrimento, como podemos dizer que Emancipação é Êxtase?
O Buda disse: “Oh Brâmane! Agora lhe indagarei sobre o que você diz.
Responda exatamente como você pensa!”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 387
O Brâmane disse: “Bem falado, Gautama!”
“Oh Brâmane! Essa natureza se torna a causa das coisas dentro e fo-
ra?”
“É assim, Gautama.”
“Oh Brâmane! Essas coisas desde ‘grande’, etc. (até a ignorância), são
eternas ou não-eternas?”
“Oh Brâmane! Com base no que você diz, parece que de acordo com
você a causa é eterna e o fruto é não-eterno. Ora, que erro poderia
“Não, Oh Gautama!”
Como eles (os Budas) não diferem (em suas palavras)? O que é ‘é’ é
declarado como ‘é’; e tudo que é ‘não-é’ é estabelecido como sendo
‘não-é’. Por isso, significado único. Oh Brâmane! O Tathagata-Honrado-
pelo-Mundo diz duas coisas. Isto é apenas para revelar uma palavra.
Como duas palavras podem revelar uma? É como no caso das duas
palavras do ‘olho’ e ‘forma’, as quais evocam uma palavra: ‘consciência
viva’. Assim se obtém com a mente um dharma.”
Então o Honrado pelo Mundo falou das Quatro (Nobres) Verdades. “Oh
Brâmane! Falemos da ‘Verdade do Sofrimento’, a qual é duas e tam-
bém uma. Isto se aplica por extensão até a ‘Verdade da Via’, que no-
vamente é duas e também uma.
“É assim, Oh Brahmacarin!”
“É assim, Oh Brahmacarin!”
Vasistha disse: “Há quatro instâncias onde eu digo ‘não-é’. Estas são: 1)
uma coisa que ainda não surgiu. Isto é um ‘não-é’. Isto é como no caso
de um vaso quando ele ainda não surgiu do barro. E dizemos que não
existe o vaso; 2) o que se foi é chamado ‘não-é’. Isto é como no caso de
um vaso quebrado. Naquela ocasião, dizemos que não existe o vaso; 3)
o que não existe nas coisas que são diferentes na natureza, onde dize-
mos ‘não-é’, como no caso de uma vaca, em que não há nada de um
cavalo, e no caso do cavalo, em que não existe uma vaca; 4) quando
nada existe em qualquer que seja a circunstância, como no caso do
cabelo de uma tartaruga ou dos chifres de uma lebre. Oh bom homem!
Se Nirvana é aquilo que ‘é’ quando as impurezas se acabam, Nirvana é
um ‘não-é’. Se for assim, como podemos dizer que há o Eterno, Êxtase,
o Eu, e o Puro?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Nirvana não é como um vaso que não
existia quando ainda no barro. Também, não é como o ‘não-é’ da ex-
tinção, ou o ‘não-é’ de um vaso que quebrou. Também, não é o ‘não-é’
do absoluto ‘não-é’, como no caso do cabelo de uma tartaruga ou dos
Oh bom homem! Você pode dizer que não existe cavalo em uma vaca.
Mas, você não pode dizer: ‘Não existe cavalo’. Não existe vaca em um
cavalo, mas você não pode dizer: ‘Não existe vaca’. Assim acontece
também com o Nirvana. Não há Nirvana na impureza, e nem impureza
no Nirvana. Assim, dizemos que diferentes coisas não se possuem mu-
tuamente.”
Vasistha disse: “Oh Gautama! Se você disser que Nirvana é o que não
existe em outra coisa, isto implicará em dizer que o Eterno, Êxtase, o
Eu, e o Puro não existem na singularidade (indivisível = 相無相 = One-
ness ou none-ness; unidade ultimada, ou a unidade do absoluto, não
há diversidade) de uma coisa diferente. Oh Gautama! Como você pode
dizer que existe o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro?”
O Buda disse: “Há três singularidades naquilo que você diz. O caso da
vaca e do cavalo é o que não foi antes, mas agora é. Isto é o que não foi
antes. O que foi, mas agora não é [mais], é o que vem quando uma
coisa quebra. O ‘não-é’ pela via da diferença (na natureza) é como você
diz. Oh bom homem! Não encontramos esses três tipos de ‘não-é’ no
Nirvana. Portanto, Nirvana é o Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro.
Isto é como com quem está doente, [onde ou há]: 1) febre, 2) doença
do ar (respiratória), ou 3) frio. Essas podem ser bem curadas pelos três
tipos de remédio. Uma pessoa sofrendo de febre pode ser bem curada
pela manteiga; alguém sofrendo do ar pode ser curado pelo óleo; e
uma pessoa que está sofrendo de frio pode ser curada de fato pelo
mel. Esses três tipos de remédio podem realmente curar os três tipos
de enfermidades. Oh bom homem! No ar, não há óleo, e no óleo não
O Buda disse: “Oh bom homem! Como você conhece o Eterno e o não-
eterno?”
Vasistha disse: “Eu agora sei que o eu e a forma são não-eternos e que
a Emancipação é Eterna. Assim é com [os cinco skandhas], até a cons-
ciência.”
“Oh bom homem! Agora você retribua bem a esse corpo carnal aquilo
que você deve.”
Kaundinya, assim instruído pelo Buda, foi para onde a pessoa vivia e fez
oferecimentos. Então, Vasistha, por ocasião da sua cremação, realizou
muitos milagres divinos. Todos os tirthikas viram isto e clamaram alto:
“Esse Vasistha adquiriu feitiçaria no lugar do Shramana Gautama.”
O Buda disse: “Oh Senika! Você diz que esse eu permeia todos os luga-
res?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que o eu permeia todos os
lugares. Se ele está no eu criado, saiba que tal eu é não-eterno. Se não
está no criado, como você pode dizer que ele permeia todos os luga-
res?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz: ‘O eu sobre o qual falo é
onipresente e eterno’. Mas, isto não é assim. Por que não? Há dois
tipos daquilo que interpenetra. Eles são: 1) eterno, e 2) não-eterno.
Novamente, há dois tipos, a saber: 1) forma, e 2) não-forma. Por isso,
quando se diz que tudo existe, isto significa que é eterno e não-eterno;
é forma e não-forma. Você pode dizer que o dono da casa está fora de
casa, e que não há não-eterno a surgir. Mas, isto não é assim. Por quê?
A casa não é o dono e o dono não é a casa. Aquilo que é diferente (dis-
tinto) é queimado, e o que é diferente está fora. Assim segue a lógica.
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 396
O eu não é nada assim. Por que não? O eu é forma, e a forma é o eu.
Não-forma é o eu, e o eu é não-forma. Como você pode dizer que
quando a forma sofre mudança, o eu está fora dela?
Oh bom homem! Você pode dizer que todos os seres possuem o mes-
mo eu. Mas isto é contrário ao que se constata no mundo secular ou
no mundo supramundano. Por quê? O que se obtém no mundo secular
fala de pai e mãe, menino e menina. Se dissermos: ‘O eu é único; o pai
é o filho, e o filho é o pai; a mãe é a filha, e a filha é a mãe; o inimigo é o
amigo, e o amigo é o inimigo; isto é aquilo, e aquilo é isto. Consequen-
temente, todos os seres possuem o mesmo eu’ – isto é contrário ao
que se constata no mundo secular ou no mundo supramundano.”
Senika disse: “Eu, também, não digo que todos os seres possuem um
eu. Eu digo que cada pessoa possui um eu.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Se for dito que cada pessoa possui um
eu, isto significa nada mais que há muitos ‘eus’. Isto não é assim. Por
que não? Você disse antes que o eu interpenetra (todas as coisas e
lugares). Se o eu vai a todos os lugares, a raiz cármica de todos os seres
deve ser a mesma. Quando o céu vê, o Buda vê; quando o céu age, o
Buda age, quando o céu ouve, o Buda ouve. Todas as coisas deveriam
ser assim. Se o céu pode ver e o Buda não pode, não podemos dizer
que o eu se estenda a todos os lugares. Se ele é não-interpenetrante,
isto é nada mais que o não-eterno.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Não é o caso que lei e não-lei são o
que se faz?”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 397
Senika disse: “Essas são as obras das próprias ações.”
O Buda disse: “Se lei [dharma, aquilo que existe] e não-lei são o que se
faz, isto significa a mesma coisa. Como elas poderiam ser diferentes?
Por quê? Quando o Buda adquire a ação na mão, o céu adquire o eu;
quando o céu adquire a ação na mão, o Buda adquire o eu. Por isso,
quando o Buda pode fazer (isto é, adquire a ação), o céu pode fazer.
Deve-se obter lei e não-lei assim. Oh bom homem! Portanto, se a lei e
não-lei dos seres é assim, não pode haver qualquer outro resultado
cármico diferente.
O Buda disse: “Oh bom homem! Você pega o caso da luz de uma lâm-
pada e pretende explicar o eu. Isto não se aplica bem. Por que não? A
sala é diferente e a lâmpada é diferente. A luz da lâmpada envolve a
mecha e também permeia a sala. Se o eu sobre o qual você fala é as-
sim, esse eu deve situar-se em torno da lei e da não-lei. Deve haver lei
e não-lei no eu. Se lei e não-lei não existem no eu, não se pode dizer:
‘ele permeia todos os lugares’. Se (lei, não-lei, e eu) vão juntos, como
podemos empregar a analogia da luz da mecha? Oh bom homem! Se
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 398
você realmente pretende dizer que a mecha e a luz são diferentes, por
que é que quando o número de mechas aumenta, a luz torna-se mais
brilhante, e quando a mecha é gasta, a luz também desvanece? Por
isso, podemos comparar lei e não-lei à mecha e a luz, e a não-diferença
da luz ao eu. Por quê? Porque os três – lei, não-lei, e eu – são unos.”
“Oh bom homem! Eu emprego analogias. Mas essas nada têm a ver
com o que é feliz ou infeliz. Eu concordo com a sua vontade, e na ana-
logia Eu digo que há luz longe da mecha e que há luz junto à mecha.
Sua mente não é equânime. Você deliberadamente pega o caso da
mecha e da lâmpada, compara estes com lei e não-lei, e compara a luz
ao eu. Este é o porquê pretendo reprová-lo [neste ponto]. A mecha é a
luz. Há alguma luz distante (apartada) da mecha? Dharma é ao mesmo
tempo o eu; o eu é ao mesmo tempo Dharma. Não-Dharma é ao mes-
mo tempo o eu, e o eu é ao mesmo tempo não-Dhama. Agora, você
diz: ‘Porque se pega um aspecto e não o outro?’ Mas tal analogia é
infeliz para você. Esse é o porquê o subjugo. Oh bom homem! Essa
analogia não funciona bem como uma analogia. Devido ao fato de que
ela não constitui uma analogia, ela funciona favoravelmente ao meu
lado, e não do seu. Oh bom homem! Você pode pensar: ‘Se é infeliz
para mim, também não é assim para você?’ Mas isto não é assim. Por
que não? No mundo vemos uma pessoa que se mata com sua própria
espada; o que é feito pelas próprias mãos é feito uso por outros. A
analogia que você emprega funciona do mesmo jeito. A sorte está do
meu lado e a má sorte do seu.”
“Oh bom homem! Você também diz que se ganha nascimento no in-
ferno, ganha-se nascimento no reino dos espíritos famintos, ganha-se
nascimento no reino animal, e ganha-se nascimento nos mundos dos
humanos e seres celestiais. Se o eu já permeia os cinco reinos, pode-se
dizer que se ganha vida nos vários reinos? Você diz que através da
harmonia dos pais, uma criança surge. Se existe uma criança de ante-
mão, como se pode dizer que através da harmonização uma criança
surge? Por essa razão (da harmonização dos pais), se possui o corpo
dos cinco reinos. Se for o caso que esses cinco reinos já precedam a
existência do corpo carnal, como se pode dizer que promulga-se o
carma? Por isso, (esse eu) é desigual.
Oh bom homem! Você pode pretender dizer que o eu é aquele que faz.
Mas isto não é assim. Por que não? Se o eu é aquele que faz [isto é,
perpetra as ações], porque se faria o que é doloroso para si? Mas nós
realmente vemos seres que sofrem de dor. Disto, pode-se saber que o
eu não é aquele que faz. Se estamos a dizer que essa dor não é o que é
feito pelo eu, e que ela não surge de uma causa, isto deve significar que
todas as coisas, também, não surgem de uma causa. Baseado em que
você diz que é obra do eu?
“Oh bom homem! A foice e o homem são coisas diferentes. Por essa
razão, uma pessoa pode de fato pegar uma foice e fazer coisas. À parte
dos sentidos orgânicos, não pode haver eu. Como se pode dizer: ‘O eu
pode [agir] com todos os sentidos orgânicos?’ Oh bom homem! Se
você pretende dizer que uma pessoa pode de fato ceifar quando ela
pega uma foice, e o mesmo é o caso com o eu – esse eu possui uma
mão ou não? Se ele (o eu) é que faz, por que não pega (a foice) [isto é,
por que o eu não pega diretamente a foice, sem o uso das mãos]? Se o
eu não tem mãos, como podemos dizer que o eu é alguém que faz? Oh
bom homem! O que corta a grama é a foice. Não é o eu, nem é o ho-
mem. Se o eu e o homem pudessem de fato cortar, por que depende-
riam de alguma foice?
Senika disse: “Oh Gautama! Há dois ‘eus’. Um sabe e o outro não sabe.
O eu que não sabe realmente ganha o corpo físico, e o eu que sabe
abandona seu próprio eu. Isso é como com um vaso de barro que,
quando tratado num forno, muda sua cor e nada mais há que possa
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 402
advir. É assim também com as impurezas de uma pessoa sábia. Não há
mais o surgimento [delas].”
Senika disse: “Oh Gautama! Se for altruísta, quem pode lembrar bem?”
O Buda disse a Senika: “Se existe o eu, por que esquecemos? Oh bom
homem! Se lembrança é o eu, por que lembramos coisas infelizes,
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 403
lembramos o que não desejamos lembrar, e não lembramos o que
pretendemos lembrar?”
Eu Fantasma
Senika disse: “Oh Gautama! Se não existe o eu, quem vê e quem ou-
ve?”
Oh bom homem! Essa consciência dos olhos não existe no olho, nem
no desejo, etc. As quatro coisas se associam e adquirimos essa consci-
ência. É o mesmo com a consciência da mente. Se as coisas vêm a ser
assim, não podemos dizer que conhecimento e visão são o eu, e que o
tato é o eu.
Senika disse: “Oh Gautama! Se altruísta, por que dizemos ‘eu vejo’, ‘eu
tenho tristeza’, ‘eu sinto felicidade’, ‘eu tenho apreensão’, ou ‘eu sou
feliz’?
O Buda disse: “Oh bom homem! Se dizemos ‘eu vejo’, ‘eu ouço’, etc.,
isto implica que existe um eu. Por que o mundo diz: ‘Os pecados das
nossas ações não são o que eu vejo e ouço a respeito?’ Oh bom ho-
mem! A conjunção das quatro armas [isto é, as quatro forças constitu-
intes de um exército] é designada como um ‘exército’. Essas quatro
(armas) não são uma, mas nós dizemos: ‘Nosso exército é valente,
nosso exército é superior ao seu’. É o mesmo com o que surge através
da conjunção das esferas interna e externa (dos sentidos), também.
Embora elas não sejam uma, dizemos: ‘eu faço’, ‘eu sinto’, ‘eu vejo’, ‘eu
ouço’, ‘eu tenho tristeza’, ‘eu sinto felicidade’.
Senika disse: Oh Gautama! Você diz que não há eu, e nada que perten-
ça ao eu. Então, por que você fala do Eterno, Êxtase, o Eu, e o Puro?”
O Buda disse: “Nobre filho, eu nunca disse que as seis esferas internas
e externas dos sentidos (ayatanas) e as seis consciências são o Eterno,
Êxtase, o Eu, e o Puro. Mas, eu declaro que a cessação das seis (esferas)
internas e externas, e das seis consciências que surgem delas, é deno-
minado o Eterno. Por ser Eterno, é o Eu. Porque há Eternidade e o Eu, é
denominado Êxtase. Porque é o Eterno, o Eu, e Êxtase, é denominado
Puro. Nobre filho, as pessoas comuns abominam o sofrimento e, atra-
vés da eliminação da causa do sofrimento, elas podem livremente dis-
tanciar-se dele. Isto é denominado Eu. Portanto, Eu tenho falado do
Eterno, do Eu, do Êxtase, e do Puro.”
Senika indagou: “De acordo com a opinião de Gautama que não existe
o ‘eu’, então permita-me indagar sobre qual pode ser o significado
daquela descrição que ele deu do Nirvana, que é permanente, repleto
de alegria, individual, e puro?”
O Buda disse: “Oh jovem ilustre, Eu não digo que os seis órgãos (senso-
riais) internos e externos, ou as várias espécies de conhecimento, são
permanentes, etc. Mas, o que Eu digo é sobre ‘o que’ é permanente,
repleto de alegria, individual, e puro, que resta após os seis órgãos e os
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 406
seis objetos dos sentidos, e os vários tipos de conhecimento, terem sido
todos destruídos. Jovem ilustre, quando o mundo, cansado de tristeza,
afasta-se e separa-se da causa de toda essa tristeza, então, através
dessa rejeição voluntária dela, lá resta aquilo que eu chamo de Verda-
deiro Eu; e é deste (Eu) que Eu declaro claramente a fórmula, que é
permanente, repleto de alegria, individual, e puro.” ].
Orgulho
Senika disse: “Oh Honrado pelo Mundo! É assim, é assim! Tudo é como
o vosso ensino sagrado diz. Eu tenho, desde o início, arrogância; estou
baseado nas relações causais dessa arrogância. Esse é o porquê dirijo-
“Oh Honrado pelo Mundo! A forma física [‘rupa’] da qual falamos não é
nossa própria, nem a dos outros, e nem aquela dos seres. Assim se
passa com todos [os skandhas] até a consciência. Ao ver as coisas as-
sim, cheguei ao Olho do Dharma Correto. Oh Honrado pelo Mundo!
Agora estou muito ansioso para renunciar ao mundo e ser admitido na
Ordem. Seja bondoso o bastante para admitir-me na Ordem!”
O Tathagata nada disse. Assim, ele indagou uma segunda e uma tercei-
ra vez.
“Oh bom homem! Ambos, corpo e vida, surgem das relações causais.
Eu digo que nada surge sem as relações causais. Como com o corpo e a
vida, assim se procede com todas as coisas.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Eu digo que esse fogo, também, surge
das relações causais. Não é o caso que ele não esteja de acordo com
qualquer causa.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Embora não haja combustível nas
centelhas, o vento as carrega. Através do fator causal do vento, o fogo
não se extingue.”
“Oh Gautama! Uma pessoa morre, mas ainda não adquire seu próximo
corpo. Como podemos chamar a vida que existe no intermédio de pro-
duto de relações causais?”
Capítulo 45: Sobre Kaundinya 1 Página 409
O Buda disse: “Oh Brahmacarin! A ignorância e o desejo são as relações
causais. Através das relações causais da ignorância e do desejo, a vida é
capaz de ser sustentada. Oh bom homem! Através das relações cau-
sais, o corpo pode ser vida, e a vida o corpo. Através das relações cau-
sais, o corpo é distinto, e a vida distinta. Uma pessoa sábia não diria
que o corpo e a vida são completamente distintos.”
“Oh bom homem! De que maneira você veio a saber e de que maneira
você compreendeu?”
O Buda disse: “Oh Purana! Eu nunca digo que o mundo onde vivemos é
eterno, falsamente constituído, ou real; que ele é não-eterno, eterno e
não-eterno, ou não-eterno e não não-eterno; que ele tem ou não tem
uma linha limítrofe, que é algo que tem uma linha limítrofe e algo que
não tem uma linha limítrofe; que isto é o corpo, isto é vida, que o corpo
e a vida são distintos, que após a morte do Tathagata, ele é alguém que
se foi, alguém que não se foi, alguém que se foi e não se foi, ou que ele
não é alguém que se foi, nem alguém que não se foi.”
Purana ainda questionou: “Oh Gautama! Que erro você vê nisto, que
você não diz?”
“Oh Gautama! Se você vê esse lapso, não se apega a ele e não fala
sobre ele, oh Gautama, o que você vê agora, a que se apega, e sobre o
que fala?”
Purana disse: “Oh Gautama! Por que o Corpo Eterno não tem leste,
nem oeste, nem sul, e nem norte?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Agora colocarei uma questão para
você. Responda como desejar. Por quê? É como fazer um grande fogo
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 412
diante de você. Quando ele queima, você sabe se está queimando ou
não?”
“Oh Honrado pelo Mundo! Por exemplo, fora de uma grande aldeia, há
uma floresta de árvores sala. Há uma árvore nela. Antes que a floresta
viesse a existir, essa (árvore) nasceu, e 100 anos se passaram. O dono
da floresta deu-lhe água e gastou muito tempo em cuidados com ela. A
árvore está velha e podre, e a casca, galhos e folhas todas caem. O que
existe é quietude e verdade. É o mesmo com o Tathagata. Tudo o que é
velho se vai; o que existe é o que é verdadeiro. Oh Honrado pelo Mun-
do! Agora desejo muito mais renunciar ao mundo e praticar a Via.”
O Brahmacarin disse: “Oh Gautama! O que os seres sabem, tal que eles
não vêem desde o eterno até o não-ir e não não-ir do mundo?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Eles conhecem desde a forma materi-
al até a consciência, tal que não vêem desde o eterno até o não-ir e
não não-ir.”
“Há o ‘não-bom’?”
O Buda disse: “Oh bom homem! Não há somente um, dois, três, ou
quinhentos, mas inumeráveis Monges que acabaram com todas essas
impurezas e coisas do ‘é’, tais como desejo, ira, ignorância e todas es-
sas impurezas.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Não há apenas um, dois, três, ou qui-
nhentos, mas incontáveis Leigos que foram fiéis aos preceitos, empre-
enderam esforços, cujas ações foram puras, e que, tendo despedaçado
a malha de dúvidas, destruíram os cinco laços das impurezas [isto é, a
cobiça (ou desejo), má vontade, ignorância, inveja, e mesquinhez, que
levam alguém ao renascimento nos três reinos do infortúnio do infer-
no, espíritos famintos, e animais], atingindo assim a fruição do Anaga-
min, e que ao alcançarem a outra margem para além das dúvidas, aca-
baram com o malha de dúvidas.”
“Oh bom homem! Desses, não há somente um, dois, três, ou quinhen-
tos. Há incontáveis pessoas que destruíram os três grilhões, atingindo
assim a fruição do Srotapanna e, crescendo menos no desejo, má-
vontade e ignorância, alcançaram assim a fruição do Sakrdagamin. É o
mesmo com Leigos e Leigas.”
O Buda disse: “Bem falado, bem falado! Fale o que você deseja falar.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Se não é de um único tipo, por favor, admi-
ta-me na Ordem.”
Então, o Honrado pelo Mundo disse a Kaundinya: “Cuide para que esse
Vatsiputriya seja admitido na Ordem e que receba os preceitos.”
O Buda disse: “Oh bom homem! Faça esforços e pratique duas coisas, a
saber: 1) samatha [meditação calma], e 2) vipasyana [meditação de
insight]. Oh bom homem! Se qualquer Monge deseja atingir a fruição
do Srotapanna, essa pessoa deve praticar essas duas coisas. Se alguém
deseja atingir as fruições do Sakrdagamin, Anagamin, e Arhatship, essa
pessoa também deve praticar o mesmo.
Também, além disso, oh Gautama! Cada ser tem uma natureza dife-
rente daquela dos outros. Esse é o porquê dizermos que todas as coi-
sas têm as suas próprias naturezas. A tartaruga é nascida sobre a terra,
mas facilmente vai para dentro da água; o bezerro, tão logo após o
nascimento, facilmente bebe o leite; o peixe vê a isca no anzol e espon-
tânea e avidamente a morde; a víbora, tão logo nasce, apoia-se (raste-
ja) sobre a terra. Quem ensina tais coisas? Quando um espinho apare-
ce, sua ponta é sempre aguda; as cores dos pássaros voando diferem
de uns para outros. Assim é com os seres do mundo. Há aqueles de
inteligência aguçada e aqueles que são deficientes, aqueles que são
ricos e aqueles que são pobres; há aqueles que são bem-afeiçoados e
aqueles que são feios; há aqueles que atingem a emancipação e aque-
les que ganham nascimento nos baixos estados. Disto, podemos saber
que há uma natureza para cada existência.
Também, uma pessoa, através dos cinco campos dos sentidos, adquire
não-desejo, não-ira, e não-ignorância. Por isso, todas as coisas não
necessariamente surgem devido às relações causais, mas devido à
natureza de cada coisa.
O Buda disse: “Oh bom homem! Você diz que é com todas as coisas
conforme é com as naturezas dos cinco grandes elementos. Mas isto
não é assim. Por que não? Você diz que os cinco grandes elementos
são eternos. Por quê? Todas as coisas são não-eternas. Se o que existe
no mundo é não-eterno, como podem esses cinco grandes elementos
não ser não-eternos? Se os cinco grandes elementos são eternos, tudo
o que existe no mundo também deve ser eterno. Portanto, quando
você diz que os cinco grandes elementos têm as suas próprias nature-
zas, que eles não dependem das relações causais, e que o caso de to-
das as coisas é como aquele dos cinco grandes elementos, isto não tem
base [verdadeira] para se sustentar. Oh bom homem! Você diz que
como há lugares onde (cada uma das) coisas se aplicam, (então) as
coisas devem ter naturezas de si próprias. Mas isto não é assim. Por
Sutra Mahayana do Mahaparinirvana Página 424
que não? Porque elas (as coisas) adquirem suas denominações através
das relações causais. Se um nome vem de uma causa, o significado
deve vir de uma causa. Por que dizemos que o nome vem através da
causa? O que é usado sobre a testa é chamado ornamento para a ca-
beça, o que é usado no pescoço é um colar, o quer é usado no braço é
um bracelete, e o que é usado numa carroça são rodas. Se o fogo
queima grama e plantas, falamos de fogo de grama e plantas. Oh bom
homem! Uma árvore, quando nasce, não possui a natureza da flecha
ou alabarda. Através das relações causais, o artesão a pega e faz fle-
chas; através das relações causais ele faz uma alabarda dela. Assim,
não podemos dizer que as coisas possuem naturezas de si próprias.
Oh bom homem! Você diz que a tartaruga nasce sobre a terra e que
por sua própria natureza ela vai para dentro da água; que o bezerro,
quando nasce, bebe o leite por sua própria natureza, e que as coisas se
procedem assim. Mas isto não é assim. Por que não? Se não for através
das relações causais que ela (a tartaruga) vai para dentro da água, não
há nada no mundo que seja baseado nas relações causais. Sendo as-
sim, por que é que ela não vai para dentro do fogo? O bezerro bebe
leite tão logo nasce. Se isto não for através das relações causais, não
pode haver nenhuma relação causal para falar a respeito. Por que ele
não mama no chifre?
Oh bom homem! Você diz que todas as coisas têm a sua própria natu-
reza-inata, que não há necessidade de aprender, e que não há desen-
volvimento. Mas isto não é assim. Por que não? Ora, há ensinamento e,
através desse ensinamento, há crescimento [desenvolvimento]. Por
isso, saiba que não existe natureza de si mesmo.
Oh bom homem! Se você diz que todas as coisas têm a sua própria
natureza, saiba que todas as coisas devem ter uma natureza determi-
nada. Se há uma natureza determinada, como é que uma simples coi-
sa, a cana de açúcar, pode tornar-se suco, melaço, caramelo, licor, e
vinagre? Se há uma natureza única, como poderiam surgir essas coi-
sas? Se essas coisas surgem de uma única coisa, saiba que isto indica
que todas as coisas não podem ser determinadamente uma, e de natu-
reza única.
Oh bom homem! Você pode dizer que o corpo existe antes; e que,
portanto, não existe causa sobre a qual falar. Mas isto não é assim. Por
que não? Se você pretende dizer que não há causa sobre a qual falar
em razão do fato de que o corpo surge primeiro e não há relações cau-
sais, então você não pode dizer que todas as coisas dependem da cau-
salidade. Você pode dizer que como você não vê, não há causa sobre a
qual falar. Mas agora vemos um vaso que surgiu das relações causais.
Por que não podemos dizer que o corpo surge como no caso do vaso
de barro?
Oh bom homem! Se você diz que todas as coisas têm a sua própria
natureza, e que não há relações causais, como você pode explicar os
cinco grandes elementos? Esses cinco grandes elementos são nada
mais que o resultado (produto) de relações causais.
Oh bom homem! Você diz que você adquire a cobiça das cinco poeiras
[isto é, os cinco campos sensoriais] e que uma pessoa não se torna
emancipada. Isto não é assim. Por que não? Oh bom homem! Uma
pessoa adquire desejo e se torna emancipada. Embora isto possa não
surgir das relações causais das cinco poeiras, a pessoa adquire desejo
devido aos maus sentidos do mundo, e ela ganha a emancipação atra-
vés dos bons sentidos do mundo. Oh bom homem! Através das rela-
ções causais internas, a pessoa adquire desejo e emancipação; através
das relações causais externas vem o crescimento. Assim, contraria a
razão dizer que as coisas têm as naturezas de si próprias, que uma
pessoa não adquire desejo dos das cinco poeiras, e que a pessoa alcan-
ça a emancipação.
O Buda disse: “As relações causais desse corpo carnal estão baseadas
nas impurezas e no carma.”
O Brahmacarin ainda disse: “Oh Honrado pelo Mundo! Por favor, seja
gentil o bastante para analisar e expor a mim, tal que eu possa real-
mente ouvir e imediatamente cortar as amarras.”
“Oh Honrado pelo Mundo! Os dois lados são ‘forma material’ e ‘eman-
cipação da forma material’, e o intermédio é o ‘Nobre Caminho Óctu-
plo’. Assim também se dá com o sentimento, percepção, volição, e
consciência.”
O Buda disse: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Agora você
veio a saber dos dois lados e cortar as impurezas e o carma.”
O Brâmane disse: “Oh Gautama! Você vê bem a minha mente. Por que
você permanece em silêncio e não me responde?”
Kaundinya disse: “Bem falado, bem falado! Você agora aspira à Grande
Mente (do Bodhi).”
O Buda disse: “Não diga assim, não diga assim, oh Kaundinya! Não é o
caso que esse Brâmane agora aspira pela primeira vez à esta (Grande)
Mente. Há um longo, longo tempo atrás, no distante passado de incon-
táveis Budas, havia um Buda chamado ‘Tathagata Todo-Brilhante’,
Merecedor de Ofertas, Plenamente-Iluminado, Todo-Realizado, Bem-
Aventurado, Pleno-Conhecedor (de Conhecimento Correto e Univer-
sal), de Sabedoria Insuperável, Melhor Treinador, Mestre de Seres
Celestiais e Humanos, Buda, Honrado pelo Mundo. Essa pessoa [isto é,
esse Brâmane] já aspirou ao Insuperável Bodhichitta no lugar daquele
Buda. Ele agora atingirá o Estado de Buda nesse Bhadrakalpa. De há
muito, ele é versado no Dharma. Para o benefício dos seres, ele vive
como um tirthika, e apresenta-se como alguém não versado no Dhar-
ma. Por essa razão, Kaundinya, você não deve dizer: ‘Bem falado, bem
falado! Você agora aspira à Grande Mente’.”
Oh Honrado pelo Mundo! Ananda, vendo isto, pensa para si: ‘Não te-
nho visto tais milagres. Quem está fazendo tudo isto? Ou todos estes
(milagres) são do Buda Shakyamuni’? Ele deseja levantar-se, falar, mas
a ação não obedece a sua vontade. Isto é devido ao fato de que Anan-
da foi capturado nas armadilhas de Mara. Ele também pensa: ‘Tudo o
que esses Budas dizem não é o mesmo. A quais palavras eu deveria dar
ouvido agora’? Oh Honrado pelo Mundo! Ananda está sofrendo gran-
demente neste momento. Embora ele pense no Tathagata, ninguém
vem salvá-lo. Esse é o porquê ele não está aqui em meio aos congrega-
dos.”
Eu então disse: ‘Oh Shariputra! Você já está bastante velho. Use al-
guém mais. Como você pode desejar me servir’?
Ananda disse: ‘Oh todos vocês virtuosos! Não posso servir bem o Ta-
thagata. Por que não? O Tathagata é austero, como o Rei dos Leões;
ele é como o dragão e o fogo. Eu sou ainda impuro e fraco. Como pos-
so realmente servi-lo’?
Quais são as oito? Elas são: 1) sua fé é forte, 2) sua mente é correta, 3)
seu corpo é sem doença ou dor, 4) ele faz esforços irremitentes, 5) [ele
é] perfeito na mente em oração, 6) sua mente não tem arrogância, 7)
[ele é] perfeito na mente determinada, e 8) através da audição [do
Dharma] o conhecimento surge.