E-Book Tornando-Se Pai e Mã-E

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Copyright ® 2020 by Editora Conquista Edição e Treinamento Ltda.

Todos os direitos desta edição são reservados à Editora Conquista.
Diretora Editorial
Bárbara Chagas
Supervisão Editorial
Daihane Marques
Coordenação Editorial
Elisa Lempek
Diagramação
Coletivo Editoriall
Capa
Nilton Teodoro
Revisão
Algo Mais Soluções

Marcos Toledo
ISBN 978-65-86243-06-2
Em casos de eventuais danos ou perdas originados desta publicação, os mes-

mos não serão de responsabilidade da editora e dos autores.
Coautores
Elisa Lempek
Cristina Saling Kruel
Áquila Thalita Costa
Tatiana Queiroz
Suélen Reckziegel Noe
Juliana de Lima Casagrande Civolani
Sandra Moura Cavalcante
Kátia Mamoni Silva
Doris Helena Varnieri Haar Flores
Débora Nunes
Gisele Palmas Pacheco
Nicole Cristino
Leonardo Piamonte
Andréa Mesquita
Cláudia Resende
Martina Dillenburg Scur
Vanessa Trintin-Rodrigues
Evelyn Oliveira
Rose Macedo
Juliana Baron
Joana Simiélli Rocha
Eliza Góes
Sumário
Prefácio�� 9
Elisa Lempek��11
De casal a pais: o que muda?�� 12
Cristina Saling Kruel�� 19
Ser pai e ser mãe: antigo desejo, novos desafios �� 20
Áquila Thalita Costa�� 29
Escuta, acolhimento e cuidado da preparação à chegada do bebê�� 30
Tatiana Queiroz��37
O casal na gestação�� 38
Suélen Reckziegel Noe��47
Pós-parto e puerpério: o que esperar?�� 48
Juliana Civolani�� 55
O casal no puerpério�� 56
Sandra Moura Cavalcante�� 65
Perdas e recomeço: conversando sobre luto, reprodução assistida e a chega-

da do bebê arco-íris�� 66
Kátia Mamoni Silva��73
Tornando-se pai e mãe por meio da adoção: relato de experiência pessoal� 74
Doris Helena Varnieri Haar Flores�� 83
Construção do vínculo pais e filhos�� 84
Débora Nunes�� 91
Choro na infância: como lidar?�� 92
Gisele Palmas Pacheco�� 99
Educação familiar para o sono infantil ��100
Nicole Cristino��109
Burnout materno: o que temos a ver com o esgotamento de mães sobrecar-

regadas?��110
Leonardo Piamonte��119
Paternidade hoje: um olhar além da procriação, proteção e provisão ��120
Andréa Mesquita�� 129
Tecer, nutrir e acolher: a função da rede de apoio na construção da nova

família��130
Cláudia Resende��139
Conexão parental�� 140
Martina Dillenburg Scur��149
O comportamento do meu filho é normal?�� 150
Vanessa Trintin-Rodrigues��159
Educando-se para educar�� 160
Evelyn Oliveira��169
Acordos sobre as práticas educativas são possíveis ��170
Rose Macedo��179
Brigas de casal e o impacto sobre os filhos�� 180
Juliana Baron��189
Comportamentos que prejudicam a relação do casal: é possível evitar?�� 190
Joana Simiélli Rocha��199
Transformando a comunicação do casal com filhos�� 200
Eliza Góes�� 209
De casal a pais: um caminho sem volta?�� 210

Prefácio
Os pais são os portais dos filhos para o mundo. Mas tornar-se mãe e pai con-
fiantes não é uma porta que se atravessa da noite para o dia. É um processo.
Um caminho de possibilidades, vivências, desafios, descobertas, superações,
alegrias, realizações…
Um novo caminho se abre, uma nova jornada começa. Uma nova vida se inicia.
Que benção! O amor se multiplica e se materializa em um novo ser, uma nova
história… A nova família é construída passo a passo... dia a dia… página por
página de vida.
O relacionamento ganha uma nova paleta de cores, a partir de agora, além de
casal, pais. Os novos papéis não excluem os antigos. A vida se expande em
novas formas e oportunidade de amar e ser amado.
Esses primeiros capítulos, da criança recém-chegada... tem sabor de início,
expectativa acesa, olhares curiosos para embarcar nesta nova aventura.
Este livro é um sábio presente para novas mães e pais.
Quando enxergamos situações, emoções e comportamentos, com as luzes
acesas do conhecimento, nossa consciência ganha novas perspectivas, se
expande, se amplia… É uma forma de se educar, promover saúde e preparar
um bom terreno.
Informação, conforto, direção. É isso que “Tornando-se pai e mãe” nos oferecem.
Junto ao enxoval do bebê eu recomendaria um olhar atento para as reflexões
deste livro. Amor, presença e gratidão aberta para essa linda oportunidade
que está nascendo.
Tornar-se mãe e pai é um convite de renascimento. O mundo se renova, se
recria, se reinventa, a cada nascimento e renascimento.
E aqui temos companhias profissionais e amorosas, munidas do conhecimento
da Psicologia, da experiência, da prática e do desejo genuíno de plantar conhe-
cimentos e atitudes para o bem do casal, da criança e da família.
Prefácio 9
Cada capítulo compõe um importante tema e reflexão sobre a parentalidade… a
relação conjugal, a rede de apoio, o sono, as emoções, a educação dos filhos…
Vamos passeando por vários cômodos desse novo lar interior e exterior…
Os autores mostram ao longo desta obra a importância de cultivar a relação do
casal, tanto quanto vivenciar seus novos papéis de mãe e pai.
O livro é um palco de ideias e reflexões sobre a jornada parental. As reflexões
que aqui se apresentam nutrem o solo do presente e do futuro.
Ler este livro me trouxe a sensação de poder ver os bastidores de uma peça. O
que está atrás do palco. Mas ainda sem assistir a verdadeira obra. É uma fresta
do ensaio… que torna o espetáculo ainda mais desejado.
O conhecimento da Psicologia é um mapa, uma possibilidade de saber o que
está além do palco, conhecer os bastidores da nossa psique.
O mapa não é o território, mas é muito útil ter uma estrela guia diante do que
ainda é desconhecido.
Mãe, pai, portais do mundo, a via de chegada para a vida… página por página
escrevendo a história da nova família.
Que cada capítulo desse adorável livro possa fazer renascer a confiança do
seu papel. Mulher. Homem. Casal. Mãe. Pai. Criança. Filho. Filha. Família. Ser
humano… Ser presença, ser amor…
Sinta o presente de conhecer uma nova forma de amar. Abra os braços, a mente
e o coração, para um abraço em forma de páginas desse livro esclarecedor,
que ilumina diferentes nuances da parentalidade.
Amor, presença e consciência brilhem na sua jornada!
Com carinho…
Gabriele de Oliveira Ribas

Elisa Lempek
CRP 07/22591
11(51) 99965-3180
55www.elisalempek.com.br
77@elisalempek
• Graduada em Psicologia.
• Especialista em psicoterapia individual, familiar e de casal — orientação
sistêmica integrativa.
• Terapeuta de casais.
• Coach parental e de relacionamentos.
• Educadora parental em comunicação consciente.
• Consultora em comunicação consciente.
• Membro da equipe de desenvolvimento do aplicativo Amar É.
• Atua em consultório presencial na cidade de São Leopoldo, RS, e on-line,
atendendo indivíduos e casais com foco em relacionamentos e na transição
de casal a pais.
• Casada com o João Augusto (juntos há dez anos).
• Mãe do Pedro (5 anos) e da Laura (2 anos).
Prefácio 11
De casal a pais: o que muda?
“A transição de dois para três é um dos maiores desafios que

o casal enfrentará. Demoramos — anos, não semanas — a
achar nossa posição nesse admirável mundo novo” (PEREL,
2018, posição 124).
A chegada do primeiro filho marca a transição para a parentalidade, considerada

uma das transições mais significativas, intensas e estressantes que um indivíduo vai
enfrentar ao longo da vida, com mudanças esperadas e inesperadas, vivenciadas
tanto individualmente quanto em suas relações. Toda transição, compreendida
aqui como a passagem de uma margem para outra, gera desequilíbrio e mu-
dança, alterando a definição sobre quem somos, sobre nossos papéis e nossos
relacionamentos. Para o casal, a transição para a parentalidade acontece com a
incorporação de uma nova identidade, de pai e mãe, e essa transição costuma vir
acompanhada pela contenção na identidade de parceiros, alterando a qualidade
da relação a dois (COWAN; COWAN, 2016).
Segundo a psicanalista Vera Iaconelli (2019), a chegada de um filho costuma ser

a primeira oportunidade na qual o casal terá que assumir um projeto comum.
Acredita-se que a transição da conjugalidade para a pa-

rentalidade seja uma das maiores mudanças que o casal
pode passar, apresentando desafios, responsabilidades
e conflitos, compartilhados pelo casal que agora são pai e
mãe (GRIZÓLIO; SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2015, apud
CRUZ; MOSMANN, 2015, p. 23).
De fato, diante desse novo projeto, no qual o casal compartilha da responsabi-

lidade de criar um filho, são necessários alguns ajustes no relacionamento para
se adequar positivamente a essa nova fase. A primeira mudança que precisam
fazer é abrir espaço na sua relação para a entrada de um terceiro, a criança,
afinal, onde eram dois, serão três (CARTER; MCGOLDRICK, 1995). Nesse período,
12 Elisa Lempek
a prioridade é a construção dos novos papéis de pai/mãe, com a formação de
um forte vínculo com o filho que acaba de chegar. Esse processo (tornar-se pai,
tornar-se mãe) acontece no dia a dia, gradativamente e continuamente, por meio
da presença (física e emocional) e dedicação ao cuidado integral da criança. Com
isso, a vida a dois costuma ficar em segundo plano, uma queixa bastante comum
em indivíduos e casais que passam por essa transição.
Realmente, com a chegada dos filhos, é preciso que os pais se reencontrem

enquanto casal, afinal, ambos se modificam com a chegada da criança, e diante
da inauguração dos novos papéis, a relação a dois também precisa ser atualizada,
o que vai exigir tempo e dedicação. Para isso, o diálogo, o apoio, a parceria e os
momentos compartilhados em família precisam fazer parte da nova rotina. Além
disso, doses diárias de atenção, interesse e cuidado, com demonstrações de
afeto, gentileza e reconhecimento entre os parceiros ajudam a nutrir a relação
que parece esquecida, e também promovem um ambiente mais acolhedor para
todos. Perguntas do tipo “como foi seu dia?”, ou “como posso contribuir para
tornar seu dia melhor?”, assim como aquele carinho despretensioso (ou com
segundas intenções, se for do interesse de ambos), uma massagem ou um ca-
funé antes de dormir podem ser algumas possibilidades para esse reencontro.
Os novos pais também precisam unir-se no que diz respeito à criação e educação
da criança, assim como redefinir a distribuição de tarefas e demais responsa-
bilidades. Em relação a esse processo, alguns conflitos podem surgir a partir
da divergência de opinião entre os cônjuges sobre a forma que irão conduzir
o processo educativo dos filhos. Afinal de contas, cada um vem de um modelo
familiar, e agora precisam construir um novo modelo que faça sentido para os
dois e os ajude a promover um desenvolvimento saudável para a criança. Além
disso, diante da chegada de um novo membro, é comum uma aproximação
do casal com as famílias de origem de ambos. Isso vai exigir novas formas de
interação com a participação dos avós, tios, tias e a definição de limites claros
quanto às interferências familiares, oportunizando aos novos pais o desenvol-
vimento da autonomia frente às suas escolhas na nova família.
De casal a pais: o que muda? 13

Diante de todas essas mudanças, a presença de divergências é comum, o
que requer que o casal esteja consciente sobre elas e disposto a desenvolver
estratégias para lidar com os desentendimentos de forma construtiva. Esse
processo é de extrema importância, pois diferentes conflitos, quando mal re-
solvidos (quando há ataques pessoais, ameaças, humilhações e afastamento,
por exemplo) tendem a desgastar a relação do casal, e afetar negativamente
a relação de cada um dos pais com a criança, pois há uma influência mútua
entre a relação do casal e a relação pais e filhos (CARTER; MCGOLDRICK, 1995).
Uma maneira de lidar com essas divergências é por meio do esforço em reco-
nhecer a perspectiva do outro sobre a criação de filhos, em conversar sobre as
expectativas de cada um em relação aos novos papéis, e de buscar, conjunta-
mente, novas soluções a partir de caminhos possíveis e que seja significativo
para ambos. Identificar os valores familiares e conversar sobre comportamentos
que aproximem a família de viver esses valores também pode contribuir para
que o casal possa colaborar, e não competir quanto à educação dos filhos,
promovendo um ambiente familiar mais harmônico.
Sobre a redistribuição de tarefas e demais responsabilidades entre o casal

que se torna pai e mãe, pesquisas recentes indicam que a divisão do trabalho
familiar se torna mais tradicional com a chegada do primeiro filho. Isso ocorre,
especialmente, em casais heterossexuais, em que o homem se vê como provedor
e a mulher como maior responsável pelo cuidado da casa e dos filhos, o que
pode aumentar o conflito do casal sobre “quem faz o quê?” (COWAN; COWAN,
2016; IACONELLI, 2019).
Quando ocorre uma distribuição injusta de tarefas e responsabilidades, com

sobrecarga a um dos parceiros (normalmente à mulher), é comum acontecer
desentendimentos frequentes, ressentimento e distanciamento entre o casal,
afetando significativamente a qualidade da relação familiar. É importante que os
casais definam uma divisão de tarefas e responsabilidades que funcione dentro
da nova dinâmica, e que respeite as diferenças, as necessidades e preferências de
cada um. É necessário pensar um ambiente familiar mais equilibrado para todos,
14 Elisa Lempek
afinal: “conviver com uma divisão de tarefas igualitária, respeitosa e satisfatória
para ambos fortalece as relações familiares e mostra para as crianças o tipo de
relação que estará em voga no futuro” (IACONELLI, 2019, p. 47).
Entretanto, não há um modelo a seguir e, para a construção singular de cada

família, o diálogo, acordos e negociações podem ajudar.
Os casais estão vivendo momentos de muita inconsistência

sobre o papel de cada um [...]. Não existem fórmulas, pois se
trata justamente da especificidade de cada família e como
cada um se dispõe a ocupar os papéis” (IACONELLI, 2019,
p. 44-45).
No decorrer desse período de novas adaptações, muitos casais relatam uma dimi-
nuição no nível de satisfação conjugal. Essa insatisfação costuma estar atrelada,
entre outros motivos, à diminuição do tempo que dispõem para ficarem juntos
ou para fazerem atividades exclusivas a dois. Tempo para o casal é um tema de
conflito em muitos relacionamentos, com ou sem filhos, mas que se torna mais
desafiador quando o casal faz a transição para a parentalidade. Diante das de-
mandas diárias de casa, família e filhos, aliada a trabalho e vida social, a tendência
é que o casal encontre dificuldades para conciliar seus interesses individuais,
familiares e, ainda, conjugais. Entretanto, compartilhar momentos para estarem
juntos é muito importante para manter a saúde da relação, afinal, “a quantidade
e qualidade do tempo que o casal tem para desfrutar a dois impacta na qualidade
da relação conjugal” (WAGNER, 2015, p. 44). Da mesma forma, a diminuição na
excelência da relação conjugal pode causar prejuízos diretos ou indiretos tanto
na relação do casal quanto na relação de cada um com a criança. É comum os
casais relatarem menos paciência ou atitudes mais punitivas em relação aos filhos
quando estão insatisfeitos enquanto parceiros. Por outro lado, casais com bons
níveis de satisfação no relacionamento costumam praticar uma educação mais
positiva e afetiva com os filhos.
Dessa maneira, é possível perceber que o período de priorização da construção

dos novos papéis de pais, aliado à diminuição de investimento na vida a dois,

precisa ser redefinido à medida que a criança cresce. Essas alterações são ne-
cessárias a fim de preservar a relação, pois, há um risco elevado de desgaste na
vida conjugal quando os novos pais abandonam a vida conjugal. Para isso, ambos
precisam organizar a rotina priorizando também momentos em que possam estar
sozinhos, e isso vai exigir decisão, planejamento e esforço. Essas escolhas tendem
a funcionar melhor quando o casal leva em conta suas preferências, necessidades
e possibilidades reais de acordo com o novo contexto de vida, que agora também
inclui a responsabilidade com uma criança.
Lembrando que tempo para o casal não significa apenas a realização de atividades
de lazer como ir ao cinema, jantar fora ou viajar, embora essas atividades sejam
muito bem-vindas. Desfrutar de um tempo a dois também envolve compartilhar
atividades cotidianas como conversar sobre fatos aleatórios do dia a dia (não
apenas sobre filhos), assistir um programa/filme juntos, preparar uma refeição a
dois. Ou seja, investir em momentos que estimulem a intimidade e o prazer em
estar junto, demonstrando interesse um no outro e o cuidado com a relação. Para
esses momentos, a conexão por meio do olho no olho, do toque e da proximi-
dade são muito importantes. Além disso, demonstrações de afeto, valorização e
admiração também podem fazer uma enorme diferença.
Por falar em intimidade, também é comum que a vida sexual do casal sofra um
impacto inesperado logo após a chegada dos filhos, especialmente com a dimi-
nuição da frequência e qualidade, interferindo no nível de satisfação conjugal.
Segundo a psicoterapeuta e terapeuta sexual, Esther Perel (2018), recuperar
a intimidade erótica logo após a chegada dos filhos não é uma tarefa fácil e
muitos casais ficam tão envolvidos nos novos papéis (pais e mães) que não
conseguem sair deles, mesmo quando podem. Parece familiar? Vejo isso com
muita frequência na minha prática clínica. Entretanto, com o tempo a maioria
dos casais consegue se encontrar novamente e viver uma vida sexual mais
satisfatória, mesmo em meio a uma rotina exaustiva. E para promover uma boa
intimidade e um relacionamento sexual satisfatório para ambos, identificar as
necessidades e reconhecer as particularidades da relação é fundamental. Nessa
16 Elisa Lempek
perspectiva, estimular o cônjuge a se reconectar com a sexualidade deve ser
uma responsabilidade compartilhada. Ou seja, os dois devem se comprometer
a reservar tempo e espaço com a intenção de criar oportunidades para essa
experiência, abrindo mão do mito da espontaneidade, afinal, a realidade de
uma vida em família exige planejamento. Por conta de tal realidade, o sexo,
assim como outras formas de intimidade e lazer devem entrar na agenda, o
que não deve tornar a experiência menos prazerosa, ela apenas deixa de ser
espontânea, o que aumenta a chance de ser possível!
Há tantas razões para abrir mão do sexo que os que o fazem

tem muitos méritos. Os casais corajosos e determinados que
mantém a ligação erótica são, acima de tudo, os que a valorizam.
Quando notam o desejo em crise, ficam ativos e se empenham
em tentar ressuscitá-lo. Sabem que não são os filhos que apa-
gam a chama do desejo – são os adultos que não conseguem
mantê-la viva (PEREL, 2018, posição 2497).
Por fim, como podemos perceber ao longo do capítulo, a chegada de uma criança
é realmente um acontecimento capaz de transformar definitivamente a vida a dois.
Essas transformações são compreendidas por algumas pessoas como um momento
de crise, cuja estabilidade vai depender da capacidade de o casal refletir e se
repensar a partir dos novos desafios, de acessar novos recursos, de superar as
adversidades e se redescobrir nesse novo universo, da parentalidade.
A boa notícia é que toda crise também pode ser compreendida como uma opor-
tunidade, e essa pode ser uma incrível jornada de transformação, crescimento
e fortalecimento da relação a dois, refletindo positivamente em toda a família.
Decidir ter um filho implica reorganizar a vida do casal em

vários âmbitos, e para isso o casal deve estar disponível a tais
mudanças (JAGER; BOTOLLI, 2011, apud CRUZ; MOSMANN,
2015, p. 28).

Referências
BARBIERO, E. B.; BAUMKARTEN, S. T. Somos pais, e agora? A história de nós
dois depois dos filhos. Pensando família, Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 32-45, Jun
2015. Disponível em: <https://bit.ly/2S4JQYZ>. Acesso em: 10 nov. 2019.
CARTER, B.; McGOLDRICK, M. As mudanças no ciclo de vida familiar: uma
estrutura para a terapia familiar. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 1995.
COWAN, P. A.; COWAN, C. P. Transições familiares normativas, qualidade da
relação do casal e desenvolvimento sadio dos filhos. In: FROMA, Walsh. Pro-
cessos normativos da família: diversidade e complexidade. 4.ed. Porto Alegre:
Artmed, 2016.
CRUZ, Q. S.; MOSMANN, C.P. Da conjugalidade à parentalidade: vivências em
contexto de gestação planejada. Aletheia, Canoas, n. 47-48, p. 22-34, dez 2015.
Disponível em: <https://bit.ly/2tBQn3f>. Acesso em: 5 nov. 2019.
HAMEISTER, B. R.; BARBOSA, P. V.; WAGNER, A. Conjugalidade e parentalidade:
uma revisão sistemática do efeito spillover. Arquivos Brasileiros de Psicologia,
Rio de Janeiro, v. 67, n. 2, p. 140-155, 2015. Disponível em: <https://bit.ly/2tu-
sU3G>. Acesso em: 10 nov. 2019.
IACONELLI, Vera. Criar filhos no século XXI. 1.ed. São Paulo: Contexto, 2019.
PEREL, E. Sexo no cativeiro: como manter a paixão nos relacionamentos. 2.ed.
São Paulo: Objetiva, 2018. Disponível para Kindle.
PRATI, L. E.; KOLLER, S. H. Relacionamento conjugal e transição para a coparen-
talidade: perspectiva da psicologia positiva. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro,
v. 23, n. 1, p. 113-118, 2011. Disponível em: <https://bit.ly/2rTteJ7>. Acesso em:
7 nov. 2019.
SCHEEREN, P.; NEUMANN, A. P.; GRZYBOWSKI, L, S; WAGNER, A. Como se ca-
racterizam os conflitos conjugais. In: WAGNER, A.; MOSMANN, P.; FALCKE, D.
Viver a dois: oportunidades e desafios da conjugalidade. 1.ed. São Leopoldo:
Sinodal, 2015. p. 33-41.
WAGNER, Adriana. Viver a dois: compartilhando este desafio. 1.ed. São Leopol-
do: Sinodal, 2015.
18 Elisa Lempek
Cristina Saling
Kruel
CRP 07/13697
11(55) 98401-5789
33cristinaskruel@gmail.com
55www.cristinasalingkruel.com.br
77@cristinasalingkruel
66cristinasalingkruel
• Psicóloga graduada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA).

• Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM).
• Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
• Especialista em Psicologia Clínica com ênfase em Infância e Família pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
• Atua como supervisora de psicólogas em Santa Maria, RS e on-line, com
experiência em psicologia perinatal, parentalidade e psicanálise clínica.
• Atua como professora universitária em cursos de graduação e pós-graduação
e no Mestrado Profissional Saúde Materno Infantil da Universidade Francis-
cana (UFN).
• Coordenadora do Núcleo de Estudos em Pesquisas em Perinatalidade, Pa-
rentalidade e Primeira Infância (NEPPRI) e membro do Grupo Interdisciplinar
de Pesquisa em Saúde (GIPES).
• Autora do livro Parentalidade e contemporaneidade: os desafios para a psi-
cologia - Editora UFN 2011.
• Autora do livro Família e violência: conceitos, práticas e reflexões críticas -
Editora Juruá 2013.
• Autora do E-book: Saúde: a psicologia em movimento - Editora UFN 2015
• Casada com Eduardo (juntos há dezesseis anos).
• Mãe do Miguel (8 anos), do João (5 anos) e do Matias (2 anos).

Ser pai e ser mãe: antigo desejo, novos desafios
Ser pai e ser mãe sempre foi e não deixará de ser uma empreitada desafiado-
ra e sem garantias para aqueles que se lançam a concretizar esse desejo. A
experiência tende a ser mais intensa quando é inaugural, pois além daquele
pequeno estranho que chega para compor a família e que pouco sabe sobre a
vida, há um ou mais adultos responsáveis por apresentar o mundo a ele, mas
que têm poucas informações sobre o que significa ser pai e ser mãe.
Isso vale inclusive para as situações em que os adultos estão mais ou menos
conscientes e dispostos a tornarem-se pais e mães. Sabe aqueles casais que
planejam o melhor momento para ter o primogênito, leem os best-sellers do
universo da maternidade e da paternidade e elegem os melhores profissionais
para acompanhá-los nessa jornada? Eles construíram um repertório de co-
nhecimentos sobre o que significa ser pai e ser mãe, mas ainda é insuficiente,
porque estudar exaustivamente o mapa de Paris não é o mesmo que andar
pelas ruas da Cidade Luz.
Com isso, a intenção não é desencorajá-los a traçar um percurso de preparação

para a parentalidade, mas sim alertá-los para o fato de que, inevitavelmente,
haverá momentos em que a preparação não terá sido suficiente. É como preparar
a mochila para um acampamento em que se antecipa a ausência de eletricidade,
a presença de mosquitos, a escuridão que chegará à noite e a chuva prevista
para o segundo dia. Inclui-se na mochila tudo que pode ser útil nesses casos.
Chegando ao local, o fogareiro acende a chama fraca, há um enxame de abelhas
nas proximidades, as duas lanternas existentes produzem iluminação precária e a
chuva tem ares de tempestade. As ferramentas da mochila são insuficientes para
as condições encontradas, mas é melhor do que não as ter.
Os desafios de ser pai e ser mãe incluem tarefas de ordem prática nas quais
são exigidas empenho físico como: alimentar, banhar e segurar no colo. Mas
há também tarefas que nos envolvem por inteiro. A chegada de um bebê ou
de uma criança na família produz a reorganização psíquica daqueles que se
20 Cristina Saling Kruel

inscrevem na função parental. É inevitável que esse novo ser redimensione os
interesses, as preocupações e a identidade de seu pai e mãe ou substitutos
que se ocupam de maneira intensa, única e devotada a ele.
Logo após a chegada do filho ou filha e durante certo tempo, a parentalidade

torna-se o eixo organizador da nossa vida psíquica. Essa condição temporária
foi amplamente descrita por teóricos da psicanálise, com ênfase na experiência
da mulher quando se torna mãe. A conformação social atual no Brasil sugere que
os homens também têm a sua experiência de vida profundamente afetada pela
chegada de seu primogênito, com maior ou menor intensidade, dependendo
do seu envolvimento no exercício da paternidade. A experiência de ser pai e
ser mãe torna-se o eixo organizador temporário da vida psíquica de homens e
mulheres que vivem a experiência parental pela primeira vez, porque durante
um tempo, os interesses voltados à criança serão dominantes e todas as demais
ocorrências tendem a manter-se em segundo plano.
Percebe-se hoje que o bebê humano não sobrevive recebendo os cuidados

físicos básicos apenas. É tarefa daqueles que se inscrevem nas funções paren-
tais, que não necessariamente são os pais biológicos dessa criança, inclui-la
em uma história familiar transgeracional que permita a ela sentir que pertence
a esse grupo. Essa dimensão descendente familiar inclui a transmissão de
ritos, costumes e todo um legado simbólico que coopera para o senso de
pertencimento, compondo a cultura e o tecido social. Trata-se de uma forma
muito especializada de cuidar e contemplar o desenvolvimento de uma criança.
Tal empreitada tende a ter resultados satisfatórios em ambas as direções, tanto

para quem cuida quanto para quem é sustentado pelo cuidado. Porém, não
há garantias. Vale lembrar que surgem vários acontecimentos na experiência
humana que fogem às nossas expectativas e nosso controle. Tendemos a
esperar o melhor e fazer por merecer, mas se há um caminho infalível para
criarmos filhos e filhas com sucesso, nós o ignoramos.
Há muito conteúdo de fácil acesso sobre a importância de sermos pais sufi-

cientemente bons para os nossos filhos e filhas, para que eles se desenvolvam
Ser pai e ser mãe: antigo desejo, novos desafios 21

com saúde integral. Há também quem exalte, com razão, que ao cuidarmos sa-
tisfatoriamente de uma criança estamos contribuindo para a construção de uma
sociedade melhor, mais justa, amorosa e próspera. Há verdades incontestáveis
nessas afirmações. Mas é verdade também que não precisamos ser infalíveis
enquanto pais e mães para que nossas crianças recebam como herança o nosso
melhor. Aliás, as perfeições pouco revelam sobre o ser humano.
A parentalidade se constitui como uma experiência singular, frequentemente

compartilhada com um parceiro ou parceira e conta com a participação ativa
do bebê ou da criança. Sim, nossa criança contribui muito para sermos os pais
e mães que somos. Sua história, seu temperamento, o momento que ela chega
em nossas vidas e a forma como arrebata nossas emoções são aspectos que
definem nossa experiência parental.
Mesmo que a confusão e a desesperança quanto ao futuro da humanidade

estejam presentes, e isso leve à insegurança quanto a competência para
cuidar e educar uma criança, há indícios de que homens e mulheres estejam
se tornando pais e mães cada vez melhores a cada geração. Nenhuma outra
geração na história da humanidade esteve tão interessada e verdadeira-
mente empenhada no exercício das funções parentais quanto esta. Ainda
assim, há um mundo de possibilidades para a criança que cresce, e por
melhor que seja o empenho parental, é possível que ela tropece em fatores
que influenciarão negativamente em seu desenvolvimento, sem que sejam
identificados por seus cuidadores a tempo de evitá-los. Há o convívio com a
família extensa, a vizinhança, a escola, o temperamento da própria criança
que pode enriquecer o processo de desenvolvimento, mas também fazer
obstáculo a ele. Há tudo mais que habita em nós e que não gostaríamos
de transmitir aos nossos filhos, mas nos escapa. Acostume-se com a ideia
de que você procurará fazer seu melhor enquanto pai e mãe, mas não há
garantias de que suas apostas terão sucesso.
Somado a isso, hoje vivemos em um tempo em que as descobertas da ciência

respondem aos dilemas parentais, anteriormente resolvidos pelo diálogo fa-

miliar transgeracional ou apoiados em crenças religiosas e espirituais. Exercer
a parentalidade com base em evidências científicas e com respaldo da palavra
de especialistas, pode nos tornar mais seguros e assertivos. Porém, inevita-
velmente nos afasta de parte da herança simbólica familiar, aquela que nos foi
transmitida por nossos pais, mães e avós.
Outra condição inédita na história da humanidade é o fato de cuidarmos e

contemplarmos o crescimento de nossos filhos ou filhas tendo acesso a um
mundo virtual que nos oferta vastas informações. As redes sociais virtuais
ainda permitem conhecer pessoas que estão vivendo situações semelhantes
às nossas, o que serve de conforto e companhia nas ocasiões em que o en-
volvimento com o filho ou filha nos impede do convívio social frequente. Em
contrapartida, vivemos predominantemente em centros urbanos e distanciados
de pessoas que poderiam constituir uma rede de apoio afetiva e presencial.
Podemos buscar o melhor cuidado para nossos filhos e filhas, e isso hoje inclui
ler livros, participar de cursos, palestras e consultar especialistas. Esse percurso
não exclui a necessidade de acolhermos algumas heranças simbólicas familiares
para que possamos transmiti-las aos nossos descendentes com segurança.
Reconhecer que parte da nossa experiência parental se constitui a partir da
nossa posição enquanto filhos e filhas, pode nos aproximar daquilo que nos
fortalece e que foi transmitido por nossos antepassados.
Bancar a escolha ou a condição de ser pai e ser mãe significa, portanto, res-
ponsabilizar-se pela criança, protegê-la, reconhecer nela uma pessoa desde os
primeiros momentos, transmitir a ela parte da história familiar que lhe permita
sentir que pertence a esse grupo em um clima afetivo e seguro. A tarefa é exigente,
chegando a ser extenuante. E nos dias atuais soma-se aos apelos para o consumo
de produtos e serviços que prometem segurança, conforto, saúde, excelente
desempenho escolar e um futuro promissor. Portanto, podemos amar nossos
filhos e filhas e mesmo assim não amar tudo que a parentalidade exige de nós.
A intensidade das demandas parentais não se ajusta às limitações estruturais

próprias do ser humano. O reconhecimento dessas limitações e da nossa impos-

sibilidade de controlar todas as situações relativas à parentalidade é um caminho
para usufruirmos mais e melhor do potencial enriquecedor dessa experiência.
Ainda que não sucumbamos aos apelos de consumo, tampouco à culpa por
não sermos pais e mães perfeitos, haverá muitos momentos em que nos
sentiremos demasiadamente cobrados. A natureza nos mostra que esses
momentos também podem ser vigorosos. O Ipê é uma árvore que pode
chegar até 25 metros de altura, tem tronco forte e flexível e é reconhecida
por sua copa florida. Contrariando o ritmo habitual da natureza, a árvore
floresce no inverno. O frio intenso e a seca duradoura exigem excessiva-
mente do Ipê, que perde todas as suas folhas e chega ao seu limite vital.
Perecendo diante das condições ambientais, a árvore produz o máximo de
sementes para garantir descendentes, o que se traduz na copa repleta de
flores que podemos contemplar ao fim do inverno.
Assim também a vulnerabilidade emocional vivenciada por homens e mulheres

que se tornam pais e mães pode funcionar como uma mola propulsora para a
vida. Ao viver essa experiência inaugural com o primeiro filho ou filha que, com
frequência, é acompanhada por grande insegurança, medo, sensação de incom-
petência, privação de sono somada a ausência ou escassez de apoio efetivo,
homens e mulheres tendem a experimentar a ascensão do seu potencial vital.
E crescemos somente na dor? Não, de forma alguma. Nossas conquistas co-

tidianas, as manifestações de amor de nossos filhos, sugerem que estamos
indo bem e isso também nos fortalece. Fato é que reconhecemos facilmente
as benesses desses momentos, porque são imediatas. Ao nos alegrarmos com
a primeira palavra dita pelo bebê, com o gesto de carinho dele com seu ami-
guinho ou com o primeiro cocô feito no penico (sim, surpreendentemente isso
nos alegra), somos tomados imediatamente pela sensação de que estamos no
caminho certo. Ao ponto que o insucesso na amamentação, aquele choro que
demora a cessar, o sono agitado, os adoecimentos recorrentes ou a jornada
interminável de adaptação escolar, denunciam nossa falência parental e em
nada parecem colaborar para nosso progresso.

Alguns aspectos da experiência parental se mantêm mais ou menos estáveis
nos últimos cinquenta anos, porém, há outros que se modificaram substancial-
mente, e vale relembrá-los:
• Podemos escolher se queremos ter filhos ou não, e tendemos a adiar essa

experiência para o momento que consideramos ser o mais adequado. Tam-
bém temos um número menor filhos e cada um deles se tornou mais precioso.
• Muitas mulheres, ainda que escolham ser mães, desejam e se orgulham de

trabalhar fora de casa, portanto, seus filhos e o ambiente doméstico não
são seus únicos interesses.
• Ao tornarem-se pais, muitos homens passaram a se envolver ativamente

nos cuidados aos filhos e filhas, portanto, tendem a vivenciar os aspectos
emocionais da paternidade mais intensamente.
• Os ambientes familiares passaram e incluir diversas possibilidades de

configuração e organizam-se por meio de papéis mais flexíveis e compar-
tilhados entre os adultos.
• Vivemos predominantemente em centros urbanos, e isso nos distancia das

pessoas que poderiam formar uma rede de apoio pessoal e afetiva.
• Somos a primeira geração a tornar-se pai e mãe com com o uso massivo
das redes sociais virtuais. As interações virtuais nos permitem acessar rea-
lidades antes impensáveis, e produzem conexões que favorecem as trocas
de experiências e o acesso a informações. Porém, essa interação é parcial
(se refere ao conteúdo escolhido para ser publicado e não à realidade em
si) e ainda é pobre quando comparada ao encontro pessoal.
• O desenvolvimento científico nos levou a confiar mais na palavra de especialistas

do que na experiência dos nossos antepassados na criação de filhos e filhas.
• Descobertas recentes sobre o desenvolvimento do bebê nos mostraram que

ele não necessita apenas de cuidados que o mantenham biologicamente
vivo, mas também de sustentação emocional.

O desejo de ter filhos é tão antigo quanto a civilização, mas a lista de novos
desafios é extensa, pode intimidar e não para por aí. Possivelmente hoje, mais
do que nunca, refletimos sobre as responsabilidades que envolvem a parenta-
lidade e a encaramos como uma escolha, efetivamente.
Portanto, seja bem-vindo, seja bem-vinda a essa nova vida parental. Há gran-
des chances de você sentir que virou de cabeça para baixo e depois cresceu
e se espichou, mas ninguém pode lhe dizer quando isso será sentido como
algo positivo por você, e ninguém pode lhe dar garantia alguma de que você
chegará lá. A parentalidade nos permite aprender sobre o crescimento, o de-
senvolvimento, os afetos e os comportamentos de seres humanos como se
estivéssemos portando em mãos uma grande lupa. Essa lente de aumento guiada
justamente pela intensidade dos afetos que sentimos por esses pequenos nos
proporciona alegria com as descobertas triviais que eles fazem sobre a vida.
Eles aprendem tanto, todos os dias e na mesma proporção, acompanhando a
curva de aprendizagem, nós também podemos nos transformar cotidianamente.

Referências
IACONELLI, V. Criar filhos no século XXI. São Paulo: Contexto, 2019.
PLUCIENNIK, G. A.; LAZZARI, M. C.; CHICARO, M. F. (Org.). Fundamentos da

família como promotora do desenvolvimento infantil: parentalidade em
foco. 1. ed. São Paulo: Fundação Maria Cecília Souto Vidigal – (FMCSV), 2015.
SOLOMOM, A. Longe da árvore: pais, filhos e a busca da identidade. São Paulo:

Companhia das Letras, 2013.
WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

Áquila Thalita
Costa
CRP 03/11601
11(75) 99174-7173
33aquila_thalita@hotmail.com
77@psiaquilathalita
• Psicóloga graduada pela UniFTC.

• Especialista em Psicologia Clínica pelo centro Universitário UniRuy.
• Especialista em Psicologia Hospitalar pelo centro Universitário UniRuy.
• Especialista em Teoria da Psicanálise de Orientação Lacaniana pela Escola
Brasileira de Psicanálise, BA.
• Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação e Contemporanei-
dade da Universidade Estadual da Bahia (PPGEduC/UNEB).
• Pesquisadora do grupo de pesquisa em Psicanálise do laço Mãe–Bebê:
Estudos Transdisciplinares — Berç(A)rte — UNEB.
• Professora universitária.
• Psicóloga clínica/hospitalar/perinatal.
• Psicóloga perita do quadro de peritos e órgãos técnicos do TJBA.
• Possui experiência na área hospitalar/maternidade, com foco no laço
mãe–bebê e intervenção precoce.

Escuta, acolhimento e cuidado da preparação à
chegada do bebê
Olhares que se colocam na preparação à chegada de um bebê constroem

questões além de transformações que envolvem a vida social, cultural e
financeira de um casal. O olhar sobre o investimento psicológico que se faz
é necessário pois é conveniente dizer que todo o processo que envolve a
chegada de uma criança começa muito antes da sua chegada real. É durante
essa passagem que os casais investem não apenas desejo e energia nas
transições orgânicas, mas as fantasias, os quereres e as imaginações estão
envolvidos perante o casal conjugal e na construção da parentalidade no
preparo que cerca o momento e que é cheio de implicações e novidades.
Maldonado (2017), diz que a maternidade e a paternidade se expressam

também como fases do desenvolvimento pessoal de seres humanos que
envolvem períodos críticos de mudanças relevantes na vida de dois sujeitos,
um casal. Esses períodos são marcados pelas renovações consequentes
de algumas metamorfoses que vêm a se tornar complexas, com alterações
nos estados de equilíbrio, tornando-se instáveis em variados momentos
e que têm como protagonistas alterações que envolvem necessidades de
adaptações em variados contextos.
O casal passa por uma fase de reajustamento interpessoal e intrapsíquico,

com mudanças nos aspectos de identidade que geram uma mobilidade que,
para Maldonado (2017), são modificações que podem ser resultados de
escolhas que o casal faz de forma prévia, que podem ser analisadas, bem
como podem ser resultado de alguns acontecimentos que ocorrem de forma
inesperada e que não dependem da escolha ou vontade do casal. Essa é
uma valiosa reflexão, pois a oportunidade de análise revela uma possível
realidade de muitos casais na preparação para a chegada de uma criança.
Chegada, advento, vinda, acesso, aproximação. Muitas são as palavras que

podem caracterizar o momento em que o casal vivencia a expectativa de
30 Áquila Thalita Costa

inventar um ser humano e dar existência e realidade às fantasias majestosas
que fazem parte da imaginação do casal, de forma singular e composta,
na criação imaginária de um sujeito. É sensível dizer que mulheres e ho-
mens podem se aproximar de um processo de chegada de uma criança
não apenas no momento de sua concretude e realização, mas também na
oportunidade de alcançar e querer a vinda dessa ideia antes da chegada do
bebê ao mundo real. Esse deslocamento marca um estimulante e sensível
olhar sobre sujeitos que, assim como todos que estão à sua volta, estarão
nas proximidades de uma desconstrução. Sim, desconstruir para construir
novos papéis e novas alternativas diante de situações que por mais pas-
síveis a previsibilidades, colocam-se e se mostram imprevisíveis quando
se tornam prática e quando se escrevem em forma de relacionamentos.
A chegada de um bebê, de uma criança, caracteriza uma transformação,

uma necessidade de reestruturar e reajustar papéis em várias áreas da
vida. Mudanças de características e aspectos de personalidade acontecem
para a mulher e para o homem, pois ambos passam a ser vistos de outra
forma. A filha, que é mulher, passa para o papel de mãe, exigindo uma
modificação da identidade feminina, assim como para o filho, homem, que
passa para o papel de pai, mudando algo no desenvolvimento masculino.
Existe aí uma profundidade nas mudanças provocadas pela vinda de uma
criança, as preocupações com o que está por vir provocam um possível e
natural aumento nas obrigações do casal, colocando-o em certa proximi-
dade com frustrações, dificuldades de adequações e medos, tornando o
processo conflituoso por um tempo.
O conflito nesse momento é visto como uma dinâmica comum e necessária

para a sobrevivência do casal parental diante das novas expectativas de
vida geradas a partir do caminhar do processo e a chegada do bebê. Esse
olhar que menciono, sobre a crise, algo que aparece dentro da própria
experiência do tornar-se identidade materna e paterna. Essa consideração
é sensível ao poder olhar a construção de identidades e pensar que, para
Escuta, acolhimento e cuidado da preparação à chegada do bebê 31

que uma criança exista, não existirá apenas um resultado da transição do
papel da vida dos pais e de sua rede familiar e de apoio, mas da conse-
quência de uma relação com as próprias experiências da chegada de um
ser humano na vida de ambos.
É na preparação a essa chegada que se torna de muita importância e valia

que a determinação existente na mudança do desenvolvimento humano
possa ser acolhida e escutada, entendendo que todos os processos são
únicos e variáveis de acordo com perspectivas e singularidades de vida
de cada sujeito que está envolvido. O espaço de vivência para a chegada
de um bebê na contemporaneidade muitas vezes é escrito por meio da
busca por processos que tragam segurança e certeza diante do encontro
com situações desconhecidas. É comum encontrar suporte com a ajuda
de profissionais e de redes de apoio que façam jus a essa demanda,
sendo possível que, por meio dessa ajuda, o casal possa adequar suas
particularidades, necessidades e características implicadas na chegada
da criança a esses instrumentos válidos e vindouros.
As singularidades envolvidas que passarão, e continuarão a passar, pela

evolução da própria vida e por uma série de alterações, existirão nesse
deslocamento para tornar sujeitos, mulheres e homens, em mães e pais.
Assim poderemos tratar de dois sujeitos e de toda sua história, incluindo
a família e a rede social, com suas particularidades, sempre nos movimen-
tando em meio a novas possibilidades que exigem da nova existência de
papéis mobilidade de quereres, desejos, anseios e medos. Tudo isso é
observado de uma forma muito ampla, olhando as variadas formas que o
acontecimento pode encaminhar a vida de mulheres e homens.
É possível ampliar o olhar para algo que Iaconelli (2007) constrói em seu
pensamento, pois apesar de todas as movimentações biológicas, sociais e
subjetivas que marcam as fases em torno da chegada de uma criança, o seu
acontecimento sempre será algo que marcará uma frustração. Olharemos
aqui esse marco de forma singular, pois essa palavra nesse processo não

será decifrada na íntegra como a palavra que mora em um dicionário, mas
como uma necessária experiência na perspectiva do tornar-se.
Assim escrevo, pois, advém do verbo tornar, alterar, modificar, possuir uma
nova condição. Tornar-se mãe e pai, e todos os outros papéis exercíveis por
um sujeito, é colocar-se em condições que não possuem diários de bordo
ou manuais. Constroem-se assim, permissíveis e imprevisíveis versões de
mães e pais que, ao entrar em contato com suas frustações diante das novas
condições que os acontecimentos tendem a construir, seguirão moldando
as características de vida e as perspectivas no papel materno e paterno.
Esse investimento de sensações, percepções e sentimentos é descrito

sensivelmente no um a um, onde podemos enxergar a viabilidade de um
encontro íntimo consigo mesmo homem e mulher, filho e filha, pai e mãe,
para um retorno e encontro com o outro, o bebê. O acolhimento na prepa-
ração à chegada da criança toma um sentido de organização para quem
assume e admite uma responsabilidade de receber dos pais uma sensível
escuta, sem julgamentos e preconceitos.
Algumas pessoas podem se perguntar de que forma se daria essa passa-

gem de escutar e acolher, já que cada passo dado no processo se torna
algo singular. É comum refletir que não existem fórmulas, mas a alternativa
de fazer existir uma visão para o tornar-se, o transformar-se, causa uma
oportunidade vívida de se colocar ao outro e a si mesmo como um aprendiz.
Aprendiz de mãe e pai que não apenas pode falar sobre o processo, mas
que exercita a escuta também, ouve quem conhece e exerce conhecimento
por meio de instrumentos, técnicas e métodos psicoeducativos que podem
alcançar a quem necessita.
Acolher é singular nesse processo, é poder escutar quem fala sobre seus
anseios e necessidades diante dessa perspectiva de reconstrução iden-
titária. Esse momento requer dos pais uma função de identificação com
quem sempre foi espelho para a sua própria imagem, sejam mães, pais,
avós, avôs e rede social. Há de se concordar que muitas questões da pró-

pria história dos pais na preparação para a chegada do bebê entrarão em
uma sinuosa relação de conflito perante suas figuras de relação de amor
primárias. Dessas relações se exprimem fantasias, quereres, convicções e
propósitos diante do tornar-se no novo papel materno e paterno.
Falar, escutar, ouvir. Essas palavras podem se tornar presenciais durante

o processo de planejamento, preparação e chegada do bebê, e muito bem
incluídas durante toda essa movimentação, pois falar possibilita a criação
de uma porta de entrada para um acolhimento humanizado, fazendo com
que exista um exercício de autoconhecimento constante. O possível aspecto
conflitante que se pode ter diante do novo desarticula possibilidades exis-
tentes, isso acaba amarrando os pais, que não exercitam o diálogo diante
da preparação para a chegada da criança, impedindo a oportunidade de
construir novos aspectos que podem surgir perante a novidade.
Olhar essas metamorfoses e viver as sensações e percepções que envolvem

a organização e a chegada da criança constroem alicerces por meio das
características singulares da relação do casal e dos pais com o meio e o
mundo. Traçar uma possível e restauradora arte do tornar-se, do advir-se
para a chegada, elegem oportunidades do que pode vir a ser para cada
um, maternalmente e paternalmente, a criação de um ser humano. Que
assim possa ser, recriar sensíveis e prováveis perspectivas para um olhar
sobre si nesta infinita experiência humana.

Referências
IACONELLI, V. Luto insólito, desmentido e trauma: clínica psicanalítica com
mães de bebês. São Paulo, v. 10, n. 4, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141547142007000400004&lng=en&nr-
m=iso>. Acesso em: 12 nov. 2019.
LAGARELHOS, J. P. Luto e Gravidez. Revista Psicologia PT. Coimbra, Portugal, 2011.
MALDONADO, M. T. P. Psicologia da gravidez: gestando pessoas para uma

sociedade melhor. São Paulo: Ideias & Letras, 2017.
MORGADO, Rosana. Famílias: permanências e mudanças. Os lugares sociais

de mulheres e homens. In: A questão social no novo milênio, 2004. p.285.
WINNICOTT, D. W. ; CAMARGO, J. L.; PATTO, M. H. S. Os bebês e suas mães.

São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Tatiana Queiroz
CRP 05/42047
11(21) 99937-1469
33contato@tatianaqueirozpsi.com.br
55www.tatianaqueirozpsi.com.br
77@tatianaqueirozpsi
• Psicóloga graduada pela Universidade Veiga de Almeida (UVA).

• Especialista em Psicologia Clínica (Indivíduo – Grupo – Casais/famílias)
pelo Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento familiar (IGT).
• Formada em Coaching Psychology pela Academia do Psicólogo.
• Formada em Psicologia Perinatal e Parental pela Maternelle.
• Formada em Coaching para Casais pela Abracoaching.
• Atua na clínica no Rio de Janeiro e on-line, apoiando mulheres e casais a
lidarem com os desafios da parentalidade.
• Responsável pelo curso e workshop para psicólogos Puerpério Emocional:
Nasce uma Nova Mulher e uma Nova Família.
• Participa como avaliadora de bancas de monografias (IGT).
• Professora convidada do curso de Especialização da IGT.
• Colunista do blog Mãe só Tem Uma.
• Criadora do programa digital Você após a Maternidade.
• Mãe da Lara (4 anos).

O casal na gestação
A fase da gestação na nossa cultura ainda é carregada de muita romantização.

Se fizermos uma pesquisa no Google sobre gravidez, logo perceberemos que
as primeiras imagens e mensagens que aparecem são carregadas de sentido
e idealizações. Imagens que expressam apenas uma parte do que é a gravidez:
ternura, amor, afeto, plenitude. E, se gestar envolve apenas isso, para que se
preparar para o que promete ser a melhor experiência da sua vida?
Acontece que, sim, gestar é uma experiência incrível, única, mas também
traz grandes impactos para nossa identidade e nossa vida como um todo.
No que diz respeito ao casamento, é sabido que muitos casais se separam
nos dois primeiros anos da chegada de um filho. Será então que um filho
pode se configurar uma ameaça para o relacionamento conjugal? A ver-
dade é que um filho nem une, tampouco separa um casal. Mas é unânime
entre vários autores que é a “qualidade da relação anterior à chegada
de um filho que determina se esse casal se manterá e como se manterá”.
(ROSA et al., 2015).
E o que seria a qualidade de um relacionamento? Será que o simples fato

do casal se manter junto é um critério que determina essa qualidade? Não
necessariamente. Muitos relacionamentos se mantêm ao longo dos anos por
motivações variadas, que não o amor e a satisfação conjugal. É sem dúvida
uma temática a ser mais estudada.
O fato é que nos meus anos de clínica acompanhando gestantes, mulheres e

casais, percebo que é muito comum observar uma mudança no relacionamento
já na gestação. Alguns casais parecem se unir mais, fortalecendo a parceria.
Em outros casos, muitas mulheres queixam-se do afastamento do cônjuge já
nesse período.
Infelizmente, nossa cultura favorece que as pessoas não entendam que esse é
um momento que requer cuidado e preparação emocional. E, em decorrência
disso, o que vemos são casais grávidos acreditando que se preparar para a
38 Tatiana Queiroz
chegada de um filho envolve apenas a organização do enxoval, arrumar o
quartinho e ler tudo o que podem sobre parto e o desenvolvimento dos bebês.
Raramente vemos artigos ou matérias sobre a importância de se olhar para o

casamento em meio a todo o processo. E isso também não ocorre sem motivo.
Afinal, vivemos em uma cultura que o famoso sociólogo Zigmund Bauman (2001)
conceituou como “amor líquido”, das “relações líquidas”. Não aprendemos a
cuidar delas, aprendemos a tratá-las como algo descartável. Se não satisfaz
meus desejos, se não atende às minhas expectativas, então não resta saída a
não ser descartar. Assim, não quero dizer que às vezes um relacionamento se
esgota e é preciso terminá-lo, o que digo é que hoje não se cuida, não se tenta.
Nossa expectativa ainda se baseia no “felizes para sempre”, naquele ideal de
que não é preciso fazer nada para ter um relacionamento satisfatório. E quando
um bebê chega nós nos iludimos acreditando que nossa relação apenas se
reeditará, como em um passe de mágica.
Se a essa altura você já compreende que não há milagres, mas sim, que existe
muito trabalho e que relacionamentos requerem zelo este capítulo é para você.
O objetivo deste texto é responder as três principais perguntas que lhe ajudarão
a exercer esse cuidado: 1. O que envolve a qualidade de um relacionamento
conjugal?; 2. Como a gestação impacta o casamento?; 3. O que o casal pode
fazer para se preparar para essa fase?
O que envolve a qualidade de um relacionamento

conjugal?
Se vários estudiosos confirmam em suas pesquisas que é a qualidade do relacio-
namento que define como cada casal vivenciará a gestação e todo o processo
de tornar-se pai e mãe, precisamos começar entendendo do que se trata essa
“qualidade” para conseguirmos avaliar o nosso relacionamento com mais clareza.
De uma maneira geral, a qualidade do relacionamento tem a ver com o quanto

ambos estão satisfeitos na relação. O quanto cada parte do casal está tendo
O casal na gestação 39
suas necessidades e expectativas atendidas. Embora não seja simples de se
medir, por tratar-se de algo singular e subjetivo, Norgren et al. (2004), em
seu artigo, evidenciam que existem alguns fatores que ajudam a caracterizar
a satisfação em um casamento: boa habilidade de resolução de conflitos,
confiança entre os cônjuges, amor e respeito mútuos, comunicação aberta e
honesta entre os parceiros, sistema de valores e interesses em comum etc.
Um ponto central que acrescentaria para a qualidade de um relacionamento

tem a ver com a construção da identidade do casal. Percebo na minha
prática clínica que muitos casais ao decidirem ter filhos nem sequer de-
cidiram ser um casal. Quero dizer que a qualidade de um relacionamento
conjugal está intimamente ligada ao quanto o casal conseguiu construir
o “nós” da relação. E o que seria esse “nós”? Tem a ver com o jeito único
de cada casal viver a vida. Por exemplo: “Como cada casal escolhe usar o
tempo, o dinheiro, que tradições e rituais familiares escolhem manter ou
não, como estabelecem sua rotina”. (CARTER; MCGOLDRICK, 1995, p. 184).
E construir esse “nós” na nossa sociedade pós-moderna, que por um lado

tem uma forte cultura voltada para o romantismo, e por outro supervaloriza
a individualidade, é um grande desafio. O resultado de conviver com essa
ambiguidade é a confusão que os casais têm vivido nessa construção. Ou
se misturam na relação e já nem sabem quem são individualmente ou, na
tentativa de preservar quem são, acham que precisam excluir o outro da
sua vida, promovendo uma solidão a dois.
Agora, por que é tão importante olhar para todas essas questões antes
de escolher ser pai ou mãe? Porque a chegada de um filho, apesar de não
ter o poder de unir ou separar um casal, pode servir de “disparador” ou
“gatilho” para trazer à tona conflitos já existentes. Carter e McGoldrick
(1995) esclarecem que é na transição para pais que a qualidade da relação
do casal será confrontada.
40 Tatiana Queiroz
Como a gestação impacta o casamento?
A gravidez é uma grande transição na vida da mulher e do casal, mas principal-
mente na da mulher, já que tudo acontece em seu corpo. É uma experiência que
irá transformá-la para sempre e que, portanto, afeta todos os aspectos de sua
vida. Todas essas modificações pedem uma reestruturação da individualidade
e do relacionamento.
Durante a gestação o corpo começa a mudar. São muitas informações do que

se pode ou não fazer. Muitas vezes a ansiedade toma conta em meio a tantas
novidades. E à medida em que a barriga cresce e que começamos acompanhar
as ultrassonografias, a ansiedade vai dando lugar a muitas expectativas e à
construção de uma relação e de um novo papel para o casal: de mãe e pai.
O pai de hoje, partindo do meu ponto de vista, se depara com um desafio ainda
maior para se conectar com todas essas mudanças, pois ele não foi ensinado a
“ser pai”. Ainda é grande o número de homens que se conformam em apenas
assistir suas mulheres vivendo esse processo, e que só conseguem se sentir
pais a partir do nascimento de seus filhos. Felizmente, isso vem mudando e
cada vez mais os casais vivenciam esse processo juntos, e ainda há muito que
se fazer em termos de conscientizar as novas famílias de que é um processo e
responsabilidade de ambos.
É só à medida em que a gravidez avança, já no último trimestre, que é possí-

vel observar a preocupação de ambos sobre como a chegada de um filho irá
impactar suas vidas. E, a essa altura, às vezes nem se dão conta do quanto já
está impactando. A mulher, agora mãe, com seu corpo em transformação, ao
mesmo tempo em que vive um verdadeiro milagre que a deixa maravilhada,
não se reconhece, preocupa-se com sua autoimagem e sobre o quanto isso
pode afetar seu casamento. Seu cônjuge, nesse processo, por vezes se afasta
emocionalmente e em alguns casos até fisicamente, por não saber lidar. Muitos
evitam relações sexuais por medo de machucar o bebê, outros são cuidadosos,
mas se distanciam emocionalmente. A imagem da mulher grávida em nossa
cultura, ainda é associada à santidade e, com isso, tanto a mulher tem dificul-
dade de se ver e se sentir como mulher sexualmente, quanto seu cônjuge tem
dificuldade de enxergar isso nela.
Outro ponto que começa a mudar e que testa a qualidade da relação do casal são
as interferências familiares. Vejo muitos casais se misturarem com suas famílias
nesse momento e enfraquecerem o “nós” da relação. É preciso entender que
para existir um casal e uma nova família, é necessário que as escolhas sejam
realizadas levando em conta os desejos e as necessidades do casal.
O que o casal pode fazer para se preparar para essa

fase?
A partir do acompanhamento de gestantes e casais esperando bebês no consul-
tório e por meio de cursos ministrados, a pergunta que mais surge é: “É possível
se preparar para todas as mudanças? É possível preparar o casamento?”
Se você entende que se preparar é como não viver desafios, a resposta é não!
Mas é possível, sim, se fortalecer. É possível dizer que ao viajar para um lugar
muito frio pela primeira vez, vale pesquisar, falar com outras pessoas e se pre-
parar usando roupas adequadas. Dessa forma, a viagem vai ter desafios, mas
também será prazerosa. O mesmo ocorre em respeito à parentalidade. É valido
se informar, procurar cuidar-se emocionalmente e fortalecer seu casamento
para que consigam viver os desafios de uma forma mais tranquila.
Em respeito especificamente ao casamento, é preciso ter coragem para olhar

para a qualidade da relação. Humildade para admitir que é preciso buscar ajuda
profissional. Aproveito para listar dois pontos que, por acompanhar casais nos
últimos dez anos, percebo serem temas centrais para o cuidado e manutenção
do equilíbrio da relação na gestação, e que permitem vivenciar um puerpério
de forma mais saudável:
• Conexão entre o casal: na gestação, a conexão entre o casal pode enfra-

quecer devido a todas as mudanças já citadas acentuar a falta de conexão já
existente. Como resgatar? Dando espaço para se relacionarem para além de
42 Tatiana Queiroz
pais. Construir um espaço a dois, onde o objetivo não seja falar de enxoval,
quarto ou parto. Um espaço para serem apenas um casal. O que conecta você
ao seu parceiro? Como seu parceiro se sente conectado a você? Às vezes a
conexão começa pelas coisas simples que vão se perdendo no dia a dia: um
olhar, uma mensagem pelo WhatsApp, um beijo mais demorado.
• Comunicação: ao longo da gravidez, ambos estão à flor da pele, vivendo muitas

mudanças, tendo que se preparar e organizar tudo para a chegada do bebê.
Vivendo a ambivalência do desejo de conhecer logo o filho e o medo do desco-
nhecido, de tudo que a chegada de uma criança implicará. São muitas escolhas
a serem feitas, muitas informações, por vezes contraditórias, interferências
externas etc. O casal precisa exercitar a comunicação e a expressão de seus
sentimentos, sem associar isso a um grande problema ou conflito. Além disso,
é preciso falar das expectativas em relação ao outro nesse novo papel. Cada
parte do casal tem em sua história familiar as referências do que é ser pai e
mãe, e isso também é atravessado por questões culturais.
Sabemos que a forma como cada um vivencia esse processo é diferente, afi-
nal, tudo acontece no corpo da mulher, ela é preparada para a maternidade
desde criança, e acaba assimilando a ideia de que é a principal responsável
por seus filhos, e a mais capacitada para cuidar deles. Já o homem, de modo
geral, não tem contato com esse universo, e muitas vezes não tem um modelo
do que é ser um pai amoroso e presente. O resultado disso costuma ser uma
mulher sobrecarregada, mas que também não consegue favorecer a entrada
do parceiro nesse processo.
Veja a seguir uma proposta de um exercício para os casais grávidos: cada um de-
verá escrever em uma folha separadamente o que acreditam ser características
de um bom pai ou boa mãe. Cada um listando características que acreditam ser
importantes e que desejam exercer. Em seguida o casal deve trocar as folhas e
dizer com o que concordam da resposta do outro e o que acrescentariam. Esse
exercício tem ajudado os casais a falarem e ajustarem suas expectativas, notar
as diferenças e ampliar o olhar para esse novo papel e para as possibilidades de
cada um nesse processo. Outro ponto que precisa ser conversado entre o casal é
em respeito às relações sexuais. É importante conversar sobre o tema, falar sobre
os receios, para que juntos possam criar a possibilidade para que esse encontro
aconteça de forma confortável para o casal.
Como podem ver, muitos acordos precisam ser realizados, outros ajustados. Mas
o importante é que o casal consiga, a partir do diálogo, identificar os problemas,
comunicar de forma respeitosa, negociar a solução com o parceiro levando em
conta as necessidades de ambos, e sempre procurar ver o lado positivo de de-
terminados conflitos, ou seja, que aprendizado podem proporcionar.
Fortalecer o casamento para essa fase pode ajudar a passar por todas as
mudanças de uma forma mais leve, pode contribuir muito para o desenvol-
vimento e amadurecimento pessoal e, consequentemente, para fortalecer o
relacionamento conjugal. Portanto, é um dos maiores presentes que pode ser
proporcionado a um filho.
44 Tatiana Queiroz
Referências
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
CARTER, B. ; MCGOLDRICK, M. As mudanças no ciclo de vida familiar: Uma

estrutura para terapia familiar. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 1995.
NORGREN, M. B. P. et al. Satisfação conjugal em casamentos de longa duração:

uma construção possível. Estudos de Psicologia, Natal, v. 9, n. 3, p. 575-
584, 2004. Disponível em: <https://bit.ly/2FLJQWf>. Acesso em: 14 dez. 2019.
ROSA, S. M. M. et al. Processos normativos da família: diversidade e com-

plexidade. Porto Alegre: Artmed, 2016.
46 Tatiana Queiroz
Suélen
Reckziegel Noe
CRP 07/17073
11(54) 98111-1345
33continentematerno@gmail.com
77@continentematerno
116(54) 98111-1345
6 @ContinenteMaterno
33continentematerno@gmail.com
77@continentematerno
66@ContinenteMaterno
• Psicóloga graduada pela Universidade de Caxias do Sul (UCS).
• Especialista
Graduada em emPsicologia
Terapia Cognitivo
pela Universidade
Comportamental
de Caxias
pelado
Wainer
Sul (UCS)
Psicologia WP.
• Especialista em Psicologia
Terapia Cognitivo
e Maternidade
Comportamental
pela Uniara.
pela WP
• Kidscoach
EspecialistaRioemCoaching
Psicologia
ICIJe 2018.
Maternidade pela Uniara
• Atua
Kidscoach
em consultório na cidade de Caxias do Sul, RS, e on-line, atendendo
indivíduos e famílias, especialmente com foco na gestação, puerpério e
• Atua em consultório na cidade de Caxias do Sul /RS e online, atendendo
maternidade.
indivíduos e famílias, especialmente com foco na gestação, puerpério e
• Idealizadora
maternidade do projeto Continente Materno, que tem por missão facilitar o
vínculo mãe-bebê e relações mais saudáveis entre o bebê e seu entorno
• Idealizadora do projeto Continente Materno, que tem por missão facilitar o
familiar e social, permitindo que ele tenha um desenvolvimento integral
vínculo mãe-bebê e relações mais saudáveis entre o bebê e seu entorno
através de atendimentos individuais ou em grupo, cursos e oficinas na área
familiar e social, permitindo que ele tenha um desenvolvimento integral
materno-infantil.
através de atendimentos individuais ou em grupo, cursos e oficinas na área
• Casada
materno-infantil
há quinze anos com o Odair.
• Mãe
Casada
do João
há 15 (5
anos
anos)
come da
o Odair
Laís (1 ano).
• Mãe do João (5 anos) e da Laís (1 ano)
Pós-parto e puerpério: o que esperar?
O pós-parto é o período que dura em média de quarenta a sessenta dias após

o nascimento da criança, período em que o corpo da mulher está em processo
de recuperação da gravidez, onde os órgãos genitais e o estado geral voltam
ao que eram antes da gestação. O puerpério, por sua vez, vai muito além dos
quarenta a sessenta dias após o parto, pois a transformação que acontece após
o nascimento do bebê não é apenas física, mas também emocional, social e
familiar (GUTMAN, 2010).
Após a gravidez e o parto, a mulher inicia um processo de desestruturação emo-
cional (GUTMAN, 2010; LEAL, 2019), onde surgem dúvidas e questionamentos
sobre qual é o seu novo lugar; é um processo para uma reconstrução, onde a
mulher vive um encontro profundo com ela mesma. O puerpério, compreendido
como um processo de transição diante das mudanças a partir da chegada do
bebê, depende muito da experiência de cada mulher e pode permanecer até
dois anos após a chegada da criança.
A chegada do bebê pode gerar certo estranhamento, pois é comum que mães
e pais idealizem seu bebê durante a gestação e, ao recebê-lo após o nas-
cimento, percebem que é diferente daquele bebê que imaginavam. A partir
desse estranhamento, que é um processo normal, ocorre o reconhecimento
e a adaptação dos novos pais ao bebê real. Todas essas transformações que
abrangem questões físicas e emocionais também fazem parte do puerpério.
A mulher vive essas transformações com mais intensidade, pois tem questões
hormonais associadas. Contudo, toda família precisa conhecer a nova criança e
se reorganizar em seus novos papéis a partir de sua chegada, pois o nascimento
de um bebê coloca toda a família na posição de recém-nascido, onde todos
estreiam novos papéis, todos mudam de lugar: filhos se tornam pais, pais se
tornam avós, irmãos se tornam tios.
Portanto, o puerpério como transição é imprescindível, é uma desconstrução,
uma “crise” necessária, onde entendemos crise como um momento de desafio,
uma reação normal a um evento novo, anormal ou diferente.
48 Suélen Reckziegel Noe

Na prática clínica é comum ouvir as mulheres descreverem o puerpério como
um momento de mudança e adaptação, com a presença de sentimentos de
medo, insegurança e até mesmo frustração, pois o puerpério também pode ser
compreendido como um processo de luto. Nesse sentido, é quando a mulher
se depara com algumas perdas referente a sua vida antes da chegada do bebê:
perda do corpo como era antes da gestação, da vida social, profissional, da
posição exclusiva de filha, entre outras.
É comum as mulheres relatarem que se sentem invisíveis nesse período, pois

todas as atenções e cuidados são direcionados ao bebê; além disso, sentem-se
como se perdessem sua individualidade, pois também direcionam suas escolhas,
ações e dedicação exclusivamente para o bebê. Esse é realmente um período
de construção de uma nova identidade, em que a mãe começa a perceber que,
depois da chegada do seu filho, a mulher que ela era não é mais a mesma, o
que pode gerar sentimentos contraditórios em relação à própria maternidade.
Esses sentimentos contraditórios (amor, raiva, alegria, tristeza, alívio, medo,

orgulho, decepção, satisfação, solidão) acabam por despertar a culpa e também
o medo de não dar conta dos cuidados do bebê e de que a vida nunca mais
vai voltar a ser a mesma.
Em geral, as mulheres sentem-se como se estivessem fora da realidade, pois

todos, inclusive o pai em alguns casos, seguem com suas rotinas iguais ou
pouco alteradas, e a rotina da mulher muda completamente. Percebem que
muito do que faziam antes não é possível fazer, considerando que os cuidados
com o bebê exigem dedicação exclusiva. Ou seja, é nesse momento que as
mães se sentem como se estivessem observando o mundo acontecer pelo
lado de fora de tudo isso.
É comum a mulher desejar ter a vida de antes, retornar logo à rotina, ao tra-
balho, aos estudos, ter seus cuidados pessoais e voltar ao corpo anterior. No
entanto, é importante acolher as emoções (inclusive as mais difíceis), reconhe-
cer os sentimentos e se conectar com eles, dar o tempo para as mudanças se
acomodarem e se reorganizar para viver a partir de uma nova configuração.
Pós-parto e puerpério: o que esperar? 49

Aos poucos as coisas vão se adaptando, se organizando, e começa a surgir o
sentimento de estar fazendo o seu melhor.
Diante de tudo isso, é comum observar uma alternância de humor em que a

mulher passa rapidamente de momentos felizes para momentos de tristeza
e até de desespero, pois, como se percebe, a chegada do bebê realmente
aciona um turbilhão de emoções e sentimentos que precisam ser acolhidos e
compreendidos, afinal, é tudo muito novo.
Nesse período fica evidente a vulnerabilidade da mulher, e algumas mães

podem se sentir fracas e insuficientes por algum tempo, inclusive nos cuidados
para consigo. Durante o puerpério é muito comum ocorrer um breve período
de tristeza materna ligada aos fatores hormonais, às circunstâncias afetivas do
parto, à privação de sono, às mudanças de papéis, às angústias e às insegurança
diante da nova responsabilidade de atender satisfatoriamente às necessidades
de um bebê. Trata-se de um período de vulnerabilidade psicológica, chamado
de baby blues.
O baby blues é conhecido como a melancolia do pós-parto e ocorre em cerca

de 80% das mães (LEAL, 2019). Caracteriza-se por uma tristeza leve, alternada
com períodos de alegria. Chega inesperadamente logo após os primeiros dias do
pós-parto e desaparece sem necessidade de tratamento. Dentre os sintomas mais
comuns relatados por algumas mulheres estão o choro fácil, inconstância afetiva,
sensibilidade aumentada, irritabilidade, comportamento hostil com alguns membros
da família, sentimento de não reconhecimento de si própria, exaustão física e mental.
No caso desses sintomas se intensificarem e seguirem por mais de três semanas
é necessário procurar uma avaliação psicológica, pois pode estar ocorrendo um
adoecimento psíquico, chamado de depressão pós-parto.
A depressão pós-parto ocorre em torno de 20% a 25% das mães e pode surgir
logo após o parto e se estender até por volta dos 2 anos de vida da criança (LEAL,
2019). Alguns dos sintomas dessa variante da doença são: humor deprimido,
perda de interesse e prazer nas atividades cotidianas, perda ou ganho de peso
e/ou apetite, alteração do sono, agitação ou retardo psicomotor, sensação de

fadiga e cansaço extremo, sentimento de inutilidade ou culpa e dificuldade de
concentrar-se e tomar decisões. Pode, inclusive, haver pensamentos recorrentes
sobre morte ou suicídio. Caso se reconheça esses sintomas é indicado que se
procure ajuda especializada imediatamente.
Culturalmente a mulher é levada a demonstrar que a maternidade é perfeita e

maravilhosa e, ao se deparar com a maternidade real, onde também há desa-
fios e dificuldades, muitas se culpam por não vivenciar apenas a felicidade da
maternagem. As necessidades mudam de mulher para mulher e de puerpério
para puerpério, porque se trata de um período de muitas transformações e
adaptações físicas, psíquicas, emocionais e sociais. Cada puerpério é um,
independentemente de ser o primeiro ou o décimo, e deve ser respeitado e
apoiado. Cada mulher irá criar a própria maternidade de forma única, criando
uma nova identidade e não buscando padrões pré-estabelecidos.
Poucas pesquisas falam sobre o pai no puerpério, mas alguns estudos vêm sendo
desenvolvidos, e indicam que homens também constroem expectativas sobre o
bebê, assim como expressam diferentes sentimentos em relação ao seu futuro
como pais e parceiros. Nesse caso, evidencia-se a importância de também ampliar
o olhar para a saúde mental paterna na transição para a parentalidade.
Para o homem, o significado de pai também vai sendo construído ao longo do

tempo, sendo um processo complexo assim como para a mulher. Durante esse
processo podem ocorrer alterações na identidade masculina e surgir sentimentos
contraditórios em relação à paternidade (JOSÉ, 2018). Nesse novo cenário, a
família ampliada, enquanto rede de apoio, tem uma importância fundamental ao
oferecer sustentação e suporte para a nova mãe e o novo pai, para que estes
possam exercer seus papeis de forma mais segura e tranquila.
Por todos esses motivos apresentados, é necessário perceber a importância de

se ter um olhar ampliado da gestação ao puerpério, com sensibilidade, respeito
e acolhimento à nova mãe e à família.

É necessário olhar para o puerpério na maternidade e na paternidade da mesma
forma que se olha para todos os processos subjetivos. As pessoas do entorno
devem olhar com cuidado para cada situação, pois quem está de fora pode
entender que tudo é normal, mas quem está envolvido com as transformações
sente que é um momento muito confuso, turbulento. Então, escutar sem julga-
mento já é um grande passo para a alteridade. Dar à mãe e ao pai espaço para
falarem de seus sentimentos também é muito importante, porque se trata de
algo muito subjetivo, sendo diferente para cada pessoa.
Estar atento e disposto a escutar os sentimentos negativos da nova fase de

vida dos pais e tolerar a ambivalência são práticas importantes, porque aju-
dam a amenizar as dores da nova família. A família precisa ser acolhedora,
ter uma escuta sensível, valorizar a singularização da mãe e do pai, reforçar
positivamente que eles são capazes, que têm condições, ou seja, a rede de
apoio deve ser efetiva, cuidando da nova família como um todo, olhando com
amabilidade. Oferecer a essa mãe momentos de autocuidado para sentir-se
bem, por exemplo, fazer uma caminhada, sair para tomar sol, comer algo que
gosta, conversar com alguém que a faça sentir-se bem são atividades práticas
corriqueiras, mas para uma mãe em puerpério podem fazer melhoras significa-
tivas. O apoio deve ser receptivo, e a família deve estar preparada e disponível,
acolhendo os sentimentos de ambos. É interessante demonstrar interesse pelo
bem-estar dos pais do bebê, perguntando o que eles precisam, e não induzir
questões ou intervir na relação.
Reflexões sobre o assunto auxiliam no entendimento de que esse é um pe-

ríodo crítico, mas também muito especial na vida da mãe, do pai e do bebê.
Compreender esse momento também auxilia as percepções da nova família
sobre as mudanças que estão ocorrendo. Além disso, são ações e práticas
que vão repercutir positivamente no avançar dessa etapa, dando aos novos
pais melhor segurança para as próximas etapas que terão na construção do
vínculo com a criança.

Referências
BORGES, A. P. V. Significações durante a transição para a maternidade: A
mulher antes e depois do parto. 2005. 173 f. Dissertação (Mestrado em Psico-
logia) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.
CARON, N. A.; LOPES, R. C.S. Aprendendo com as mães e os bebês sobre
a natureza humana e a técnica analítica. Porto Alegre: Dublinense, 2014.
GUTMAN, L. A maternidade: e o encontro com a própria sombra. Rio de Janeiro:
BestSeller, 2010.
GUTMAN, L. Mulheres visíveis, mães invisíveis. Rio de Janeiro: BestSeller, 2013.
JOSÉ, M. I. P. V. Como nasce um pai? A transição para a parentalidade.
2018 124f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Universidade de
Èvora, Portugal, 2018.
JUNIOR, J. L. Mentes femininas. São Paulo: Segmento Farma, 2008.
LEAL, F. A. A tristeza comum da mãe: reflexões sobre o estado psíquico do
pós-parto. Curitiba: CRV, 2019.
MARTINS, R. A. O. A depressão materna do pós-parto: algumas compreensões
e outros nevoeiros. 2006. 136f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.
MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://
michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php>. Acesso em: 14 nov. 2019.
PRADO, L.C. (Org.) Famílias e terapeutas: construindo caminhos. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1996.
OSÓRIO, C. M. Depressão pós-parto: gravidade dos sintomas e aliança te-
rapêutica. 2006. 53f. Dissertação (Mestrado em Saúde e Comportamento)
– Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2006.
ROCHA, M. P. da. Elementos da teoria winnicottiana na constituição da ma-
ternidade. 2006. 138f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

Juliana de Lima
Casagrande Civolani
CRP 12/14623
11(48) 99800-5296
33julianacivolani@gmail.com
55www.maesemcensura.com.br
77@julianacivolani
77@mae.semcensura
• Psicóloga graduada pela Universidade Paulista.

• Especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade do Sul de Santa
Catarina.
• Formada em Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia Comportamental.
• Cursando formação em Psicologia e Psicopatologia Perinatal pelo Instituto
Pais e Bebês.
• Escritora no blog sobre maternidade Mãe sem Censura.
• Gerente administrativa no Núcleo Telessaúde de Santa Catarina da Universi-
dade Federal de Santa Catarina (UFSC).
• Possui experiência em recursos humanos (recrutamento e seleção; treinamen-
to e desenvolvimento de pessoas) e na área clínica (atendimento a adultos).
• Casada com o Filipe (juntos há dezesseis anos).
• Mãe do Eduardo (2 anos).

O casal no puerpério
Nosso filho chegou e nos mudou, nos transformou. O que parecia simples,
difícil se revelou, num mar de incertezas a gente mergulhou.
Trinta e cinco semanas de gestação. Era madrugada e

o casal dormia.
As noites já não eram como antes da gestação, mas os
dois estavam adaptados. Tinham lido bastante, conversa-
vam sobre o que esperar dos nove meses e por isso sen-
tiam-se preparados. Tornar-se pai e mãe não parecia ser
uma tarefa tão difícil, ainda mais com apoio um do outro.
Então, a bolsa rompeu e o susto tomou conta dos dois,
afinal ainda não estava na hora. Será?
Parece que não estava mais tudo sob controle… Parece
que eles teriam que improvisar… Parece que o casal
como pai e mãe precisaria se formar antes do planejado.
E, então, alguma coisa mudou…
Tornando-se casal
Duas pessoas decidem se relacionar afetiva e sexualmente quando sentem
atração física e emocional entre si. Tornar-se casal é uma escolha e manter
essa relação também. Mas antes do casal se formar, dois seres individuais
já existem, com suas particularidades, necessidades, exigências, costumes,
vontades e personalidades. São filhos de alguém, são irmãos, amigos e
tantos outros papéis que desempenham e que definem a bagagem de
vivências que cada um carrega consigo.
Quando se unem, toda a bagagem individual se mistura, e é aí que apa-

rece a necessidade de adaptação, de identificar os pontos em comum e
também as diferenças, de combinar o que precisa ser ajustado para que
56 Juliana de Lima Casagrande Civolani

os dois sujeitos funcionem bem juntos. E nos relacionamentos saudáveis
é assim que acontece. Eles organizam suas rotinas, curtem momentos a
sós, definem programações, planejam os gastos, respeitam suas indivi-
dualidades e assumem riscos. Mesmo assim, contratempos acontecem,
e ambos precisam ter maturidade e paciência para superar os desafios
juntos. Precisam entender que até os casamentos mais sólidos podem ser
testados e que a estrutura pode balançar.
O nascimento do filho
Saiu correndo para arrumar as malas no carro, enquanto

estava atento ao aviso de que uma nova contração se
iniciava. Era um misto de alegria e medo, aliado ao es-
forço para ser a fortaleza que ela precisava.
“Começou!”, gritava ela. As dores aumentavam, o inter-

valo entre as contrações diminuía e o trabalho de parto
evoluía. Então, seguiram para a maternidade.
O nascimento de um bebê vem repleto de expectativas e da idealização

que o casal faz sobre o filho que vai ter. O período de gestação costuma
ser marcado por muito aprendizado referente ao parto e aos cuidados
com o recém-nascido, mas dificilmente o casal aproveita esse tempo
para entender sobre as transformações que ocorrerão na vida da mulher,
do homem e do casal. O que acaba sendo um engano, pois a chegada
do bebê vem acompanhada de um período geralmente turbulento para a
tríade pai, mãe e filho: o puerpério.
As descobertas do casal no puerpério

Três horas da manhã e o choro ecoava nos cômodos da
casa. Choro do bebê, lágrimas da mãe, choro da mãe,
O casal no puerpério 57
lágrimas do bebê. Enquanto a mulher segurava a cabeça
do filho, que lutava para encontrar o mamilo, o homem
tentava massagear os seios ingurgitados. Tão cheios,
tão pesados e inchados que nem pareciam os mesmos.
E realmente não eram: tinham recém-passado da função
sexual para a função nutricional.
Ali, na dificuldade com as primeiras mamadas, a ficha

começou a cair. Eles perceberam que naquele quarto já
não eram mais só os dois, que a esposa virou mãe e o
marido virou pai. Eles descobriram que não teriam mais
o mesmo sono e a mesma rotina. Eles entenderam que,
daquele momento em diante, existia um novo ser entre
eles, completamente dependente, inseguro e indefeso.
Completamente dele, completamente dela. Completa-
mente do casal.
A criança chega à família e com ela vem o puerpério, que se caracteriza
por um emaranhado de descobertas e transformações especialmente na
vida da mulher, mas também na vida do homem e na vida do casal. Esse
puerpério costuma influenciar inclusive outras pessoas, que fazem parte
da rotina do casal e que também ganham novos papéis com a vinda do
recém-nascido.
São puerpérios que podem durar quarenta dias, seis meses, um ano ou mais.
É o tempo necessário para que a conexão mãe-bebê esteja estabelecida e
regulada, os hormônios da mulher equilibrados e o corpo reconhecido. É o
tempo que leva para que as pessoas estejam adaptadas às novas funções
e as emoções controladas, com mãe e pai mais confiantes no processo.
Mas até que tudo isso aconteça, o puerpério na família pode causar dor,
solidão, angústia. Pode provocar estranheza, medo e cansaço. Ele tem o
poder de abalar as estruturas e o relacionamento do casal dificilmente
consegue passar ileso.

Os primeiros dias com o filho costumam ser marcados por muita insegu-
rança, dúvidas e incertezas. Aquele casal adaptado a uma rotina a dois,
acostumado a um lar para um casal e não para um casal com filhos, pode
se ver perdido diante de situações inimagináveis antes da chegada do
bebê. Existe uma mudança de ritmo e o casal precisa renunciar a alguns
antigos hábitos. Se lavar a louça podia ficar para depois, trocar a fralda
não pode. Se almoçar às três da tarde no domingo era comum, agora
existe um bebê que precisa mamar sempre e que depois se tornará uma
criança com necessidade de rotina alimentar. Se escolher hora para dormir
era uma opção, descansar quando o bebê permite se torna quase uma
obrigação. São muitas as mudanças na vida do casal, e é por questões
assim que o puerpério pode ser tão assustador. Apesar de tudo isso, é
possível enfrentá-lo, pois junto com as novas demandas chega um amor
inexplicável. E se por acaso esse amor não nasce junto com o filho, ele
costuma ser construído em pouco tempo.
Assim que a criança sai de dentro da mãe é dada a largada para o tal
puerpério. A mulher geralmente sente dor ou desconforto após o parto
e precisa se cuidar, os hormônios ficam exaltados a fim de dar conta da
amamentação e de contribuir para o vínculo mãe e filho. Seu corpo pode
ficar irreconhecível e permanecer alguns meses assim. São muitas trans-
formações psíquicas na mulher, que, por vezes, se sente ambivalente em
relação aos sentimentos que nutre pelo filho. Ela tem suas necessidades
repentinamente deixadas de lado em detrimento às necessidades do bebê,
pode sentir-se pressionada a ser uma mãe perfeita, mesmo que isso seja
humanamente impossível e os holofotes que eram dela durante toda a
gestação são transferidos ao filho assim que ele nasce. Isso faz com que
a mãe muitas vezes se perceba invisível, contribuindo para que o período
do puerpério seja ainda mais complicado.
O homem também encara muitas transformações ao tornar-se pai. Não são

mudanças no corpo, mas o novo papel traz responsabilidades e a importante
função de guardião da relação entre mãe e bebê. É ele que deve permitir
a fusão saudável entre os dois, que deve apoiar e respeitar, que deve par-
ticipar dos cuidados com o filho. Mas mesmo com tantas atribuições, o pai
precisa entender que durante o puerpério ele é o terceiro nessa relação.
Alguns homens conseguem administrar isso e desempenhar bem seu papel.

Outros não aceitam as mudanças, não entendem a importância da função
paterna, sentem ciúmes da relação de suas respectivas esposas com os
filhos, não admitem deixar de sair com amigos ou passar noites em claro,
não suportam o fato de não terem a atenção exclusiva das esposas, etc.
Por outro lado, há mulheres que não permitem que os pais exerçam seus
papéis. Querem ter controle de tudo, desqualificam as atitudes, não abrem
espaço para que eles participem dos cuidados com o filho. Ditam regras.
Isso tudo impacta negativamente na relação do casal e é por essas incon-
sistências e por todas as mudanças pós-parto que um número significativo
de separações e divórcios acontece no período de transição do casal à
parentalidade, segundo pesquisas citadas por Cano (2009).
Ao longo do puerpério, as diferenças aparecem até para os casais está-

veis, que precisam se reconhecer na relação conjugal. O importante é
entender que a dupla de antes não existe mais, mas que o casal de depois
pode ser ainda melhor, e disso depende parceria, respeito às diferenças
e compreensão sobre o estado do outro e suas necessidades. Não é uma
tarefa fácil, afinal, mãe, pai e bebê estão em um momento de fragilidade
e adaptação, mas o esforço é importante para a harmonia e o bem-estar
da relação familiar.
Outro ponto que pode ser determinante para a união do casal no puerpério
é a rede de apoio. Quando a família está longe, o casal fica sobrecarregado,
sem ter a quem recorrer. Por isso, é importante que mesmo antes do filho
nascer, o par tente encontrar seu time, saiba quais serão as pessoas com
quem poderá contar, especialmente durante o puerpério. Nesse grupo
devem fazer parte pessoas da confiança do casal, claro, e que estejam

dispostas a ajudar nos cuidados com o bebê, mas acima de tudo na orga-
nização da casa, no bem-estar da mãe ou na função que o casal relatar
maior necessidade. Esse apoio pode vir de pais, irmãos, cunhados, primos,
mas também de amigos, babás, empregadas domésticas etc.
Apesar da grande importância dessa rede, às vezes ela pode atrapalhar se

vier de alguém com muitos palpites e pouca atitude, muitas críticas e pouco
elogio, muitos questionamentos e pouco apoio. Por isso, é fundamental
que o casal esteja em sintonia se quiser companhia.
Outro fator que sofre impactos significativos durante o puerpério é o sexo.

Especialistas afirmam que após o parto o casal deve esperar algumas
semanas para voltar a ter relações sexuais. Esse tempo é conhecido por
resguardo e é importante que seja respeitado, conforme a orientação
recebida, para que se preserve a saúde da mulher, especialmente. Mesmo
passado esse período, que costuma ser marcado por uma diminuição no
desejo sexual feminino, há mulheres que permanecem com pouca vontade
e, em compensação, muitos homens estão contando as horas para que o
resguardo termine. Eis aí mais um motivo para desentendimento entre o
casal, e é por isso que o assunto sexo merece atenção e bastante diálogo,
a fim de que haja acordo e também compreensão. Aqueles que não conse-
guem resolver isso sozinhos podem (e devem) buscar ajuda profissional.
Mesmo nos casais em sintonia, a vida sexual pode ser abalada. O tempo
fica mais escasso, o cansaço se torna companhia constante e a privação
de sono costuma fazer com que os poucos momentos sem participação
do filho sejam dedicados ao descanso. Então, esse casal também precisa
conversar, pois mesmo com as dificuldades é importante que haja espaço
para o namoro.
E conjugalidade não é obrigação, é entrega, é vontade, é

desejo. E, às vezes, o bebê exaure tanto essa mulher ou
esse homem, que a energia está toda canalizada para ele
e sobra muito pouco. Sobra muito pouco pra sexualidade,
sobra muito pouco pro carinho, sobra muito pouco pra
tolerância. (AMARAL, 2016).
Durante o puerpério, portanto, pode acontecer uma diminuição na qualidade

conjugal, a crise é quase inevitável e o desfecho depende da forma como
homem e mulher decidirão encarar tudo isso, afinal surge um novo casal
e novas identidades. O puerpério tende a chegar como uma avalanche,
invadir tudo, arrastar todos e trazer um cenário desconhecido. Mas um
dia, enfim, ele vai embora.
Os ensinamentos do puerpério
Cem dias pós-parto. Era madrugada e o casal dormia.
As noites já não eram como nos primeiros dias, quando

o choro de fome era confundido com o de fralda suja e
o medo de engasgo no bebê causava insônia no casal.
Havia um filho, e eles já estavam adaptados. A mãe dava
o peito e o pai trocava a fralda. Enquanto ela dormia,
ele botava para arrotar e enquanto ele dormia, ela fa-
zia ninar. Quando o bebê pegava no sono, era hora de
namorar. Tornar-se pai e mãe era uma tarefa de muita
dedicação, mas eles estavam dando conta, pois tinham
o apoio um do outro.
Entenderam que nada mais estaria sob controle, mas

que dividir o peso e somar as alegrias trazia um saldo
muito positivo para a família.
E, então, muita coisa havia mudado.
Um dia o puerpério termina e deixa cicatrizes. Não apenas marcas de

sofrimento, mas especialmente de superação, tolerância, aprendizado,

persistência, paciência e amor, muito amor. O casal que tenta se preparar
tem maiores chances de se adaptar mais rápido e entender que tudo é
fase, o puerpério também, e que as fases passam. O casal que se apoia
e divide as tarefas equilibra o peso, homem e mulher percebem que não
estão sós. Isso alivia, acalenta e faz muito bem para a relação. O casal que
entende que não precisa dar conta de tudo recorre à rede de apoio e se
sente amparado. O casal que se respeita, compreende as necessidades
individuais, consegue perceber que a relação de antes não existe mais,
e que as pessoas também não, e no fim reconhece que aquele homem e
aquela mulher podem ser ainda melhores.
O casal que recebe o puerpério de mãos dadas aprende a valorizar e admirar

o papel um do outro, olha-se com carinho, respeita o tempo e espera o
furacão passar. Mesmo com as dificuldades, cultiva a relação, orgulha-se
do casal que se (re)formou e do amor que ao puerpério suportou.
Referências
AMARAL, A. C. O casamento no puerpério. [S. l.: s. n.], 07 set. 2016. Dispo-
nível em: <https://bit.ly/2Toag8K>. Acesso em: 20 out. 2019.
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contexto brasileiro. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 22,
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da parentalidade. Tempo psicanalítico, v. 42, n. 2, p.453-470, 2010. Dis-
ponível em: <https://bit.ly/2TxR1d1>. Acesso em: 01 nov. 2019.

Sandra Moura
Cavalcante
CRP 02/15917
11(81) 99665-2960
33sandramoura.psicologa@gmail.com
77@psicologasandramoura
• Psicóloga graduada pela Faculdade Maurício de Nassau, Recife, PE.

• Pós-graduação em Tanatologia pelo Instituto de Saúde e Educação Pinus Lon-
gaeva.
• Formação em Perdas e Luto pelo Instituto de Saúde e Educação Pinus Longaeva.
• Formação em Psicologia Perinatal pela Materonline.
• Terapeuta do Luto.
• Atendimento psicoterapêutico para tentantes, adotantes, gestantes e puérperas.
• Facilitadora de grupos para puérperas e tentantes.
• Ministrante de curso para gestantes e casais grávidos sobre o Puerpério, no
Espaço Maetamorfose - Recife , PE.
• Membro da SBRA – Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida.
• Ministrante dos cursos: Perdas e Luto: Compreendendo o Luto Perinatal; e Falando
de Morte com Crianças: Compreendendo o Luto Infantil.
• Idealizadora e organizadora do evento No Dia da Gestante, Mais Atenção pra
Ela, realizado em Recife no dia 15 de agosto de 2018.
• Idealizadora e organizadora da I e II Jornada Pernambucana em Psicologia
Perinatal, um marco na psicologia perinatal no Brasil.
• Artigos publicados na Revista Med com Saúde, sobre pré-natal psicológico (2018)
e sobre luto perinatal (2020).
• Participação em palestras e cursos sobre temas maternidade, puerpério, luto
perinatal, morte, perdas e luto.
• Participação em entrevistas para rádio e TV locais sobre os temas morte, perdas
e luto, depressão pós-parto e pré-natal psicológico.
Perdas e recomeço: conversando sobre luto,
reprodução assistida e a chegada do bebê arco-íris
Arco-íris: símbolo da aliança de Deus com os homens, promessa de um novo

tempo, renovação e esperança.
É com esperança que muitos casais iniciam a jornada pela parentalidade. O

processo de reprodução humana, seja natural ou por meio de procedimentos de
reprodução assistida, envolve expectativa, ansiedade, alguns medos e muitas
vezes sofrimento e luto. Casais que tentam engravidar por longos períodos,
ou que passam pela dor da perda gestacional ou neonatal, costumam ter sen-
timentos contraditórios; compreender o que se passa nesse processo e ter o
acolhimento necessário de pessoas queridas facilita o percurso em busca da
realização do sonho de ter filhos.
Mas o que significa ter um filho?

Ter um filho é dar sequência ao processo evolutivo, seguir uma descendência,
deixar frutos, deixar um pedacinho de nós para quando não estivermos mais
por aqui. Ter um filho é realizar o sonho de ter uma família, é ser eterno de
alguma forma, é deixar um legado, é se tornar imortal com um medo imenso
de morrer, é um projeto inacabado de nós mesmos, uma continuação. E cada
pessoa vai encontrar dentro de si muitos motivos para ter um filho, basta olhar
pra isso. Ter um filho inclusive pode ser um sinal de que eu consigo! Comigo
está tudo certo. Ter filhos pode ser sinônimo de sucesso na vida.
O que é não ter um filho...

A dificuldade para engravidar, o diagnóstico de infertilidade, as perdas gesta-
cionais e neonatais vêm na contramão desses desejos, desanimam e atingem
os casais. Muitos pensamentos negativos, culpas, tristezas, sentimentos de
incompetência e menos valia, além da fuga e resistência para buscar ajuda
66 Sandra Moura Cavalcante

podem fazer parte desse processo. A forte sensação de que há algo errado
pode comprometer outros campos da vida e mobilizar sentimentos de fracasso
e impotência que podem causar danos emocionais e psicológicos. Não concluir
o sonho de ter um filho, não ter filhos, pode ser sinônimo de sofrimento.
Perdas e ganhos fazem parte da vida, quando ganhamos alguma coisa, perde-
mos outras tantas. Mas com a morte temos a impressão de que perdemos tudo.
Por que, mesmo sendo parte da vida, a morte é algo tão temido e indesejado?
Nascemos e não temos certeza de nada, assim como a vida surge no ventre,
a morte pode acontecer e levar muito mais do que imaginamos. A morte pode
ser real ou simbólica, e falar de vida e morte ao mesmo tempo parece estra-
nho, porque evitamos falar de morte como se com isso afastássemos de nós a
possibilidade de contato com ela. Ledo engano! A verdade é que quanto mais
nos aproximamos da compreensão da morte, melhor lidamos com as perdas
que invariavelmente poderão nos atingir ao longo da vida.
Se uma nova vida traz alegria, renovação, possibilidade de recomeço, o novo;

por outro lado, a morte encerra. Encerra ciclos, modifica histórias, convida a
mudar planos, trajetórias, convida a repersonalizar e ressignificar. Quando um
bebê morre, quando uma gestação é interrompida em qualquer fase, quando
tentativas de engravidar não dão certo, lidamos com a dor da perda do que
representa a vida e isso parece ser bem difícil de aceitar, porque a morte existe
no imaginário apenas para quem já viveu, para quem já envelheceu, para quem
a vida já permitiu deixar um lugar na história.
Mas a morte está para o que está vivo, e, sim, ainda que pareça injusto, bebês
morrem... Tabu, assunto pouco falado e graças ao avanço da medicina, cada vez
mais evitado, a ocorrência de óbito fetal acontece, e costuma encher de sofrimento
os dias daquela família que ansiava e já sonhava com um bebê em casa. E não se
engane, abortos espontâneos nas primeiras semanas e tentativas sem sucesso
de reprodução humana assistida podem doer tanto quanto perdas gestacionais
ou neonatais, e todas essas perdas têm um traço comum, com essas perdas
perdem-se sonhos, expectativas. Perde-se o filho idealizado.
Perdas e recomeço: conversando sobre luto, reprodução assistida e a chegada do

bebê arco-íris 67
As memórias com o filho idealizado parecem não existir, e isso compromete
um processo por si só tão doloroso. Aquele filho idealizado não vai nascer
ou não vai crescer, não irá pra escola, nem será um adolescente com todas
as descobertas, não terá um namorado ou namorada, não vai ter formatura,
não vai se casar, não vai encher sua casa de alegria, não vai encher você de
beijos e abraços na volta da escola, não vai ter balé, jogo de futebol, não
será como você idealizou. Não usará aquela roupinha especial, você não
conhecerá seu cheiro, sua voz.
Muita coisa se perdeu, e no campo da imaginação apenas surgem bons mo-

mentos e sonhos de uma vida feliz e completa que não pôde ser vivida. Dessa
forma, a dor do luto perinatal, que abarca as perdas gestacionais e neonatais
que acontecem em qualquer momento da gestação até primeiro mês de vida,
ganha uma singularidade: o silêncio. Os pais sentem-se estranhos, como se
impossibilitados de expressar seus sentimentos. Aqueles que dias antes eram
parabenizados pela notícia ou pela chegada do filho, aqueles para quem a
sensação de poder e satisfação percorria seus dias, recebem a notícia que
para além da dor, traz sentimentos de fracasso e impotência.
São tantos sentimentos e emoções nesse processo: raiva, hostilidade, culpa,

sentimentos de fracasso, inadequação, incompetência; que fica difícil com-
preender o que se passou, mas uma coisa é certa, a elaboração do luto é parte
fundamental para recobrar o fôlego de recomeçar.
O luto é uma reação normal frente aos episódios de perdas, com variações
emocionais que vão da tristeza ao desamparo passando por fases que neces-
sariamente não precisam ser seguidas exatamente na ordem que aparecem e
não necessariamente surgirão para todas as pessoas: negação, raiva, barganha,
depressão e aceitação. O luto precisa de choro, o luto precisa de lamentações.
Como uma ferida que precisa ser cicatrizada, o luto precisa de tempo e a reação
frente a ele será diferente para cada pessoa, e não falamos apenas dos lutos
por morte, mas também de lutos pelas impossibilidades, como o luto pelo
diagnóstico de infertilidade ou por não conceber um filho de forma natural.

O luto precisa de consolo, apoio de outras pessoas — familiares, amigos — o
luto precisa de memórias.
Quando falamos do luto perinatal, a característica mais marcante é a negação,

as pessoas costumam não saber lidar com essa dor tão singular, por vezes
carente de memórias, tentam ajudar reforçando frases feitas que intimamente
não colaboram com o processo. Na tentativa de consolar, algumas pessoas
acreditando que se não nasceu, não cresceu, não viveu, não teve história, logo
acham que a dor é menor. Soltam frases como: "Foi melhor assim, Deus sabe o
que faz” “Melhor agora que depois, se estivesse grandinho, você estaria mais
apegada e seria pior”. Esse tipo de discurso acaba por silenciar umas das mais
pungentes e dolorosas experiências que um ser humano pode passar: perder
um filho. E, sim, esse filho teve história nas idealizações dos pais!
O luto é um processo que se modifica, o tempo permite uma adaptação às

perdas e, sim, recomeço! Porém, a elaboração do luto é parte importante do
projeto família. E qual é o tempo para tentar ter um novo filho? Essa é uma
questão individual, talvez nenhum conselho seja válido, apenas a observação
sincera acerca dos sentimentos envolvidos na dor do luto.
A luz no fim do túnel para muitos casais, os métodos de reprodução assistida,

encerram muitas vezes anos de espera, anos de luta e lutos na busca pela
realização do sonho de ter um filho. Porém, alguns aspectos precisam ser ob-
servados na caminhada que se inicia após constatação de ser por esse método
que virá o filho ou filha. O processo que envolve os procedimentos costuma
mexer bastante com o emocional dos parceiros em todo período, elevam o
nível de ansiedade e estresse, ainda que a promessa seja de resultados mais
eficientes que as tentativas de gravidez pelo método natural.
Procedimento médico, invasivo, com custo elevado, mas com enormes chances
de sucesso. Essa forma parece ser a solução mais viável, mas não menos dolo-
rosa emocionalmente. A cada tentativa uma nova gravidez é gestada psicologi-
camente, os quinze dias que se aguardam pelo resultado positivo costumam ser
carregados de muitas emoções, muitos medos, e existe uma diferença entre a

bebê arco-íris 69
gestação de forma natural e a gestação por método de reprodução assistida
inclusive nisso, descobre-se muito cedo o resultado. E ainda que seja bastante
confiável, como nas tentativas pelas vias naturais, existem chances de não dar
certo, e novos lutos são configurados.
Mulheres com idade avançada, pessoas que desejam a parentalidade inde-

pendente, casais homoafetivos, casais sorodiscordantes, casais e pessoas
que já vem de longa caminhada de tentativas sem êxito, costumam encontrar
na reprodução assistida o caminho que leva à parentalidade, ainda que antes
precisem se submeter a avaliações e exames.
Quanto ao lado psicológico, esse não pode ser negligenciado durante o

processo, as condições psicológicas podem interferir no resultado. Atenção
à ansiedade, ao estresse, aos pensamentos negativos, aos medos e à autoco-
brança, pois esses sentimentos e emoções, tão presentes nesses momentos,
podem elevar o nível de angústia e sofrimento e afetar negativamente outros
campos da vida.
Esperar por um filho, ainda que mexa em todos os componentes da vida, sua
chegada, pode ser um momento importante de autocuidado e autoconheci-
mento. Porque mesmo que venha de tempos e momentos difíceis de dor, medo,
desesperança e muitos lutos, o novo sempre virá!
E o novo vem! Vem nas cores do arco-íris, vem na promessa do arco-íris.

Para devolver a esperança que as dores sofridas tentaram levar. Vem pra
legitimar que é possível, para mostrar que as escolhas também são bem-vin-
das e que abrir mão de algumas coisas na vida, pode até doer, mas fazem
um sentido incrível.
A empreitada pela realização do sonho de ter um filho pode durar meses, anos
até. É preciso empatia e respeito por parte de amigos, conhecidos e familiares,
é necessário reconhecer limites, respirar fundo, elaborar lutos. Aprender a
andar por caminhos desconhecidos, noites mal dormidas, lutar contra seus
medos e anseios.

É fundamental ter disposição pra recomeçar a caminhada e aprender muitas
vezes a pedir ajuda. Não perder de vista seu sonho, que pode chegar de outras
maneiras, mas chega.
E, um dia, um resultado positivo surge, tão esperado e desejado que parece

sonho, o sonho de ter um filho tornando-se real.
E aquele bebê que chega, após tantas perdas, lutos, choros, desesperança,
chega também pra dizer que seu lugar não é o de substituir, seu lugar é de
elevar o tom do amor.
E afinal, por que são bebês arco-íris?
Ah! O arco-íris, rastro de cor que ilumina o céu após a chuva, não tem quem não
se encante com esse fenômeno da natureza, que é um efeito produzido pelos
raios de sol refletidos nas gotas de água vindas da chuva.
O bebê arco-íris é aquele que chega como raio de sol, refletido nas águas
das lágrimas dos seus pais, ilumina um caminho que será percorrido, ainda
desconhecido para muitos pais, o da parentalidade.
Tornar-se pai, tornar-se mãe, envolve projeto de vida. Não se sabe qual é a
motivação para isso: “ter um filho porque faz parte da vida”, “porque quer dar
netos aos seus pais”, “porque quer se dedicar e educar uma criança, acredita
em um futuro melhor”, “porque sempre pensou nisso desde pequenino”. Pou-
co importa os motivos, filhos permitem que olhemos pra nós mesmos, que
resgatemos a criança interior que habita em nós, mesmo que nesse processo
algumas batalhas tenhamos que travar!
Pais de bebês arco-íris, com as dores e perdas, certamente aprenderam que

depois de dias de tempestade, o sol volta mesmo a brilhar. Eis o que dá sentido
à nossa existência: recomeçar!

bebê arco-íris 71
Referências
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FREITAS, N. K. Luto materno e psicoterapia breve. São Paulo: Summus, 2000.
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SALGADO, H. O. Como lidar luto perinatal: acolhimento em situações de perda

gestacional e neonatal. São Paulo: Lexema, 2018.
WORDEN, J. W. Terapia no luto e na perda. 4.ed. São Paulo: Roca, 2013.

Kátia Mamoni Silva
CRP 07/21143
11(51) 98137-4668
33xandao.ka@gmail.com
77@katiamspsico
• Formada em Licenciatura em Psicologia Escolar; Universidade São Francisco

– Itatiba/SP.
• Psicologia Clínica Comportamental Cognitiva e Psicologia Organizacional
pela Universidade São Francisco – Itatiba/SP. Responsável pelo programa de
PPD (Pessoas Portadoras de Deficiência) em Jundiaí, SP.
• Possui experiência com grupos de crianças e adolescentes.
• Atua com atendimento psicológico com crianças, adolescentes, adultos e
idosos na abordagem comportamental cognitiva em São Leopoldo, RS.
• Cursando especialização em terapia cognitivo comportamental/EAD – Cogni-
tivoOnline – Porto Alegre, RS.
• Casada com o Alexandre (juntos há 22 anos).
• Mãe do Victor (5 anos).
Perdaserecomeço:conversandosobreluto,reproduçãoassistidaeachegadadobebêarco-íris 73
Tornando-se pai e mãe por meio da adoção: relato
de experiência pessoal
Quando o desejo de ser pai e mãe nasce na vida de um casal, o que parece
certo é que se comece o planejamento. Imagina-se o resultado do exame
positivo, o momento de dar a notícia aos familiares e aos amigos próximos,
o primeiro ultrassom e até os enjoos. Planeja-se a decoração do quarto, há
um sentimento de ansiedade em relação ao sexo do bebê, e é feita uma
reflexão de como lidar com as mudanças de humor. A sonhada primeira
sensação do(a) filho(a) se mexendo, os chutes, a barriga crescendo, e nós,
os pais, conversando com ele(a) ainda “no forninho”.
Algumas vezes isso não acontece, e aprendemos que nem sempre temos
o controle de concretizar um plano. Percebemos que aquilo que está
escrito em seu caminho pode ter um trajeto diferente, mas que dará o
mesmo resultado.
Desde o início do namoro meu marido e eu já falávamos sobre filhos e plane-

jávamos ser pais biológicos e adotivos. Quando a decisão foi tomada, vários
sentimentos surgiram em um misto de ansiedade e euforia. Planejamos tudo
para que a vinda do nosso bebê fosse a mais perfeita possível, mas o ines-
perado nos pegou de surpresa: vários resultados negativos nas tentativas.
Consultamos médicos em busca de respostas ou algum diagnóstico que nos
desse uma explicação que poderia justificar a demora para engravidar. Durante
esse processo tentamos de tudo: cirurgias, tratamentos para a endometrio-
se, tentativas com hormônios, injeções, até chegarmos na inseminação. Os
tratamentos esgotam emocionalmente o casal, os hormônios, as regras a
seguir e os exames intermináveis, muitas vezes nos fizeram sentir como robôs.
Percebemos que paralelo às inúmeras tentativas precisávamos continuar

nossos projetos, pois esse processo não poderia ser o centro de tudo,
senão perderíamos oportunidades necessárias para o nosso crescimento
pessoal e profissional. Então, nesse período, mudamos de cidade/estado
74 Kátia Mamoni Silva

por duas vezes, iniciamos em empregos novos, ficamos longe fisicamente
das nossas famílias e deixamos para trás nossa zona de conforto. Fazia
sentido seguir em frente abrindo caminhos necessários para o nosso
crescimento como casal, e foi assim que a adoção passou para o primeiro
plano. Passamos por vários procedimentos burocráticos com documentos
complexos para preencher sobre o perfil da criança, relacionados à idade,
cor, sexo, descendência genética (se a genitora tem doenças graves ou
leves), entre outros, além de entrevistas com assistente social.
Depois que tudo se acomodou, tanto na nossa mudança e novos projetos

de vida, quanto no encaminhamento dos documentos para a adoção, vimos
que tudo que passamos até aquele momento havia sido válido, como se a
espera não tivesse mais o peso que pareceu ter e, enfim, depois de sete
anos, tivemos nosso resultado positivo (habilitados para adoção). Após
sete anos, estávamos grávidos do coração.
Quando acontece o resultado positivo para se ter um(uma) filho(a) por meio
da adoção, a espera é indeterminada, pode durar menos de 9 meses ou
muitos anos. Depois da habilitação, entramos em uma lista no Cadastro
Nacional de Adoção (CNA). É por meio do cadastro que os pais habilita-
dos são chamados para a adoção da criança, respeitando o perfil que foi
preenchido no processo inicial. Nesse período, é fundamental trabalhar o
estado emocional, a ansiedade, o estresse e ter um espaço para compar-
tilhar as dúvidas, assim como tentar não controlar o tempo, pois a espera
pela criança não está em nossas mãos. Nesse sentido, o psicólogo é o
profissional devidamente habilitado para auxiliar o casal durante a espera,
orientando e apoiando os futuros pais sobre uma forma mais equilibrada
de lidar com o caminho a percorrer. Buscar grupos de apoio (presenciais
ou virtuais nas redes sociais, por exemplo) também pode contribuir para
uma troca positiva de experiências.
Durante esse período da espera, o importante é sempre manter o diálogo

franco entre o casal. Devem estar claras as expectativas de cada um como
Tornando-se pai e mãe por meio da adoção: relato de experiência pessoal 75

pais. Muitas vezes a maturidade de um acalenta a angústia e a dúvida do
outro.
Chega um dia que a espera acaba. Para nós essa espera acabou com um
telefonema do Fórum. Lembro que nesse dia meu coração foi a mil. Inicial-
mente a assistente social comunicou que era apenas uma atualização de
cadastro. Passamos alguns dias pensando naquela ligação, continuamos
esperando, até que recebemos outra ligação nos comunicando que havia
uma criança dentro do nosso perfil, e que tínhamos que ir conhecer o
histórico dela, meu marido e eu juntos. Nesse processo é importante que
o casal esteja em harmonia para poder compartilhar aquele momento tão
esperado apoiando um ao outro.
Finalmente entendemos que nossa hora havia chegado e, então, foi um

misto de emoções, concretização de sonhos, medo, ansiedade...
Ao chegarmos ao Fórum, conversamos com a assistente social e ouvimos toda

a história do nosso filho, um menino com 10 meses. Ela nos passou todas as
informações sobre seu nascimento, sobre a chegada até o abrigo e sobre seu
período ali. Todos esses relatos foram apresentando nosso filho, porém, ao
final, só queríamos saber quando poderíamos vê-lo. Ela nos disse que naquele
mesmo dia o encontraríamos e, então, seguimos para o abrigo para conhecê-lo.
Escrevendo aqui, revivo todas as emoções que tivemos naquele 15 de abril
de 2015, uma mistura de alegria, amor transbordando, ansiedade, pressa em
tê-lo logo em nossos braços. Chegando ao abrigo, a psicóloga também veio
nos encontrar e falar sobre nosso bebê, e por mais que me interessasse saber
como ele era, na verdade queríamos vê-lo. Foi então que nosso menininho
chegou no colo da cuidadora que esteve com ele desde seus primeiros dias
de vida até aquele momento.
Lembro de um olhar muito assustado e que parecia inseguro, mas, quando

nossos olhares se cruzaram, de alguma forma eu sabia que nosso filho
estava bem ali na nossa frente. E a confirmação veio quando ele olhou para
seu pai e ergueu os braços para ir ao colo dele. Naquele momento nasciam

um pai e uma mãe da criança mais desejada e sonhada. Aquela expressão
assustada foi se modificando à medida que seu olhar encontrava o nosso.
Muitas vezes essa conexão entre pais e filhos pode demorar a acontecer,
pois precisa de encontros diários de aproximação para a construção de
vínculos, onde cada um se entrega para aquela nova família. Os pais po-
dem desejar que esse vínculo seja instantâneo, mas algumas vezes ele
realmente evoluirá lenta e gradativamente. E mais uma vez o diálogo entre
o casal, agora pais, e até mesmo uma ajuda profissional são essenciais
para que se saiba como lidar com mais uma demora.
A vinda do nosso bebê para casa não foi tão rápida como geralmente acon-
tece em adoções. Tudo precisa estar alinhado, nós íamos até o abrigo ficar
ao seu lado, cuidando e também estabelecendo o vínculo. Foram dez dias
e, nesse meio tempo, ocorreu uma observação de praxe por parte do abrigo
para avaliar se os pais estão realmente aptos a levar o filho pra casa. O Fórum
tem urgência em finalizar essa situação, porém para que a certidão de guarda
provisória seja emitida, o juiz precisa assinar. No nosso caso, o juiz estava
ausente da cidade no período em questão, então usamos essa espera para
arrumar tudo, o quarto, os móveis, o enxoval, enfim, preparar a casa para sua
vinda, até nosso filho finalmente poder vir para nosso lar.
Por dez meses ele se desenvolveu em um ambiente onde nem sempre as

atenções estavam voltadas somente para ele, portanto, essa nova situação
o assustava e o deixava inseguro, de acordo com nosso entendimento.
Confesso que foi uma tortura ir embora para casa sem nosso menininho
nesse período de conhecimento, mas tudo estava no seu devido lugar,
tudo se encaixava, foi uma sensação única para nós. Nossas conversas,
planos e atenção eram somente sobre nosso bebê, até que tivemos a
guarda provisória e, enfim, fomos para casa.
O dia em que nosso filho entrou na nossa casa foi o dia de maior realização
de nossas vidas. Nossas atenções e ações ficaram voltadas exclusivamente
para ele, pensando no seu bem-estar, cuidando de sua saúde, alimentação,

sono, mas, acima de tudo, proporcionando segurança emocional. No início
sentimos uma insegurança muito grande, surgiram dúvidas se daríamos
conta, pois estávamos sozinhos na cidade, sem familiares por perto para
ajudar nos primeiros dias. Éramos somente nós: novos pais e aquele bebe-
zinho totalmente dependente. Felizmente tudo fluiu muito bem, pudemos
entender que a partir de então éramos meu marido, eu e nosso filho. Como
pai e mãe formaríamos aquele ser tão indefeso, transmitindo segurança,
conforto, compartilhando com ele todo amor que guardamos, passando
nossos princípios e valores para formá-lo como um cidadão de direitos e
responsabilidades. Umas das preocupações comuns que se tem quando
seu(sua) filho(a) vem por meio da adoção é de que ele se sinta acolhido,
amado e receba todo cuidado e atenção. Esse zelo é muito importante,
porém, também cabe lembrar que, além do amor, a criança precisa da
certeza de que o pai e mãe estarão ali para todas as situações, inclusive
para colocar limites quando necessário. Nós, pais, devemos evitar senti-
mentos de piedade. Pensamentos que nos façam, em momentos em que
teríamos de limitar a criança por fazer algo que consideramos errado, fechar
os olhos e pensar: “Ah, vamos deixar, ele já passou por tanta coisa”. Uma
criança que vem do coração certamente passou por dificuldades antes de
chegar em nossa casa, nem por isso devemos abdicar da nossa condição
de educadores. Educar é também dar limites e dar limites também é uma
forma de amar.
Outra preocupação comum de muitos pais é a de não se enxergarem na

criança que foi adotada, entretanto, esse processo de identificação vai
acontecer conforme a construção do vínculo. Nós nos vemos muito no
nosso filho, por meio de pensamentos compartilhados, comportamentos
percebidos, manias, olhares, gostos musicais, entre outros, mas, acima de
tudo, nós nos conhecemos ainda mais a partir dele, (inclusive reconhecendo
nossas diferenças, afinal, somos seres únicos) pois o estamos formando,
e é por meio dele que somos os pais que buscamos ser.

Enfim, passaram cerca de cinco anos desde que nosso filho entrou, com
muito amor, em nossas vidas, nossos corações estão cada dia mais felizes
e aliviados. O que tanto sonhamos é agora realidade. Durante essa cami-
nhada tivemos facilidades e dificuldades, quebramos o estereótipo de que
o(a) filho(a) adotado(a) não é filho(a) legítimo. É sim! Sabemos que ele foi
gerado por nós em nosso coração e no desejo de sermos pais.
Algumas pessoas se referem à adoção como “ato mais lindo de caridade”.

Enganam-se. A adoção também é um caminho para a maternidade/pater-
nidade e não apenas como um ato de caridade, pois não somos melhores
nem piores que os pais biológicos, somos iguais. Sobre isso, também
é importante que o casal converse sobre como contar para o(a) filho(a)
adotivo(a) sobre sua origem.
Nós conversamos com nosso filho sobre sua origem desde muito pequeno,
transmitindo a informação transparente sobre a adoção dentro de casa.
Explicamos que ele é nosso filho concebido pela adoção, e ele sabe que
foi muito desejado e esperado por nós; que cresceu em uma barriga,
porém não a minha; que quando quando nasceu foi morar no abrigo por
algum tempo e que quando estava pronto, fomos buscá-lo para viver em
seu definitivo lar. Contar a verdade faz com que ele confie em nós, não
haver lacunas em sua história é imprescindível para seu desenvolvimento,
pois pertence a ele, faz parte da vida, e lá na frente essas explicações
poderão dar respostas para questionamentos que ele, porventura, tenha.
Com a maternidade e paternidade por adoção também rompemos com a

crença de que o(a) filho(a) adotivo(a) dá mais trabalho, pois os(as) filhos(as),
independente se são adotados ou biológicos, exigem muita disponibili-
dade, física e emocional. Além disso, toda rotina do casal muda, exigindo
ajustes e adaptações.
Ser pai e mãe por adoção é isso: histórias que não são formadas por meio
do sangue, mas, sim, por meio de um serviço social legal, com a parti-
cipação de profissionais ou redes de apoio que dão suporte emocional

para que o casal se identifique com o caminho que quer seguir, e assim
sinta-se preparado para lidar com esperas sem tempo definido. A partir
da chegada da criança, é preciso falar a mesma língua como casal, ser
cúmplice, estar em harmonia e aceitar que esse processo também ocorre
em parceria. Com o tempo o casal vai percebendo as coisas que precisava
abrir mão e começa a se identificar com essa linha da construção da família,
sua formação se torna legítima, e a forma como familiares e amigos irão
encontrar esse lar acaba sendo leve e sem máscaras.
É sempre importante dialogar em busca do equilíbrio e harmonia para

exercer esse papel de atender as necessidades da criança, assim como
passar princípios e valores. Em relação à forma como essa criança chega
em nossas vidas, é importante estar ciente de que julgamentos como: “mas
não é seu filho de sangue”, ou então “quem sabe logo vem o seu”, sejam
insignificantes diante do seu papel de pai e mãe.
Para finalizar, é importante saber que o processo de se tornar pai e se tornar

mãe é contínuo, tanto para pais biológicos como adotivos. Há entre eles
algumas particularidades, mas ambos precisam estar receptivos a novas
descobertas e dispostos a realizar ajustes e adaptações. Em relação ao
casal, meu marido e eu, juntos, tivemos a comprovação de que o amor é o
alicerce principal na construção dessa nova família, e por conta desse amor
incondicional o seu(sua) filho(a) adotivo(a) se torna simplesmente filho(a).

Referência
WALSH, F. Processos normativos da família: diversidade e complexidade.
Tradução: Sandra Maria Mallman da Rosa. Revisão técnica: Clarice Pereira
Mosmann. p. 223-243. 4 ed. Porto Alegre: Artmed 2016.

Doris Helena Varnieri
Haar Flores
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66Psicóloga
aos Pais
Doris Haar - Orientação
00dorishaarpsicologa
• Psicóloga pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) - São Leopol-
do, RS.
• Especialista clínica em psicoterapia de orientação psicanalítica.
• Especialista na teoria e técnica na relação pais–bebê.
• Consultório em São Leopoldo, RS, atendimento individual, presencial e on-line.
• Orienta pais na relação com seus filhos.
• Palestrante.
• Organiza e ministra vários cursos, palestras e workshops sobre: educação dos
filhos, saúde mental, depressão, desenvolvimento psíquico do bebê, entre
outros.
• Membro do Grupo de Estudos Winnicott no IPSI, em Novo Hamburgo, RS.
• Coautora do livro Maternidade e paternidade. O exercício da maternidade na
adolescência. Editora Casa do Psicólogo, 2012.
• Coautora do livro Rabisco Revista de Psicanálise. Psicanálise e Arte. Editora
Rabisco, 2017.
• Coautora do livro Rabisco Revista de Psicanálise. O gesto espontâneo em 90
trabalhos. Expressão Gráfica, 2019.
• Poetisa.

Construção do vínculo pais e filhos
Para falar sobre vínculo dos filhos com seus pais é necessário falar sobre alguns
meses essenciais. São meses que tratam do início desse encontro, meses fun-
damentais.
Há uma teoria de um inglês psicanalista, no assunto era um especialista. Winnicott

pensava e também teorizava. Sabia da importância da relação do pequeno com
sua mãe, esta devia acontecer. Também pensava que a mãe, outra pessoa poderia
ser, mas a função desta deveria desenvolver.
O importante era oferecer um ambiente suficientemente bom, um lugar para o

pequeno amadurecer. Veja só que interessante... Esta teoria é muito instigante.
Para a criança poder ser, para seu psiquismo amadurecer e se ajustar, um ambiente
bom precisa se manifestar, o lugar precisa colaborar, assim a criança começa a se
encontrar, e movimentos seus, com gestos espontâneos, começam a se orquestrar.
O que com isso quero dizer? Se os pais ao filho proporcionarem um ambiente

acolhedor, inspirador, uma boa adaptação, este crescerá de montão e com isso
não irá estacionar, na verdade, seu psíquico irá se impulsionar.
Importante saber o que pode acontecer se a criança perturbações começar a ter...

Caso haja falhas na função materna, o pequeno ser volta ao tempo das cavernas
e o seu crescer, o seu desenvolver, começa a esmaecer.
A criança começa a ter uma série de reações por causa das perturbações e
estas terão severas implicações. É isso mesmo!!! As intrusões, as interrupções,
as perturbações se forem constantes, provocam grandes confusões. O excesso
dessas reações e dessas perturbações o que provoca no psiquismo não é frus-
tração, mas sim uma ameaça de devastação, sim o que falo é de uma forma de
aniquilação, algo sem comparação.
A base para o crescimento do psiquismo do pequeno ser é um suficiente continuar

a ser. Isto é muito sério! Para seu crescimento é necessário engajamento e não
deve ser interrompido, senão o psiquismo ficará em prejuízo.
84 Doris Helena Varnieri Haar Flores

O pequeno é muito esperto, para seu psiquismo não sofrer, ele passa a se pro-
teger, e de que jeito isso vai acontecer? Por meio das reações às intrusões, e é
desse jeito que ele começa a combater, começa a se proteger, contudo sintomas
vão aparecer.
Agora, vamos pensar na figura materna, de que jeito esta pode seu trabalho
desenvolver e com a criança se comprometer sem virar uma baderna?
Quem a função materna for desenvolver, deve, no seu modo de ser, ter um jeito
acolhedor e um continuar desse seu manifestar e numa rotina permanecer, para
seu filho proteger.
E de que forma isso irá acontecer? É que quando a mamãe com seu bebê for ficar
ou uma criança estiver a esperar, um momento especial deverá se formar. Seu
estado emocional irá se modificar, não importa se a mãe é biológica ou que se
apresente numa outra lógica, o importante é que esta pessoa com seu pequeno
ser uma relação possa viver.
Nesse momento, esse estado emocional que se vive é muito especial, um algo
sem igual, que Winnicott deu a este um nome excepcional de “preocupação ma-
terna primária”, esta é uma ideia visionária... Então, para se entender quem esta
função exercer, e olha que não precisa uma mulher ser, desta forma conseguirá
com seu pequeno se identificar e assim seus desejos nomear.
Essa forma de comunicação é muito importante, ela provoca o encontro, provoca

união. Para o vínculo se estabelecer, a relação deve ter conexão. Assim, o amor
entre eles vai por certo acontecer.
Somente no caso de quem exerça a função materna estar sensível ao pequeno

ser, ao ponto dele não precisar fazer uma longa espera, e, desta forma, a mãe
corresponder à sua atmosfera, a evolução da criança assim se supera, é isso
que se espera.
No início da vida, trata-se de necessidades corporais, necessidades viscerais que

gradualmente se transformam em necessidades emocionais, porque sempre é gos-
toso ficar pertinho de nossos pais. Desta forma, passa a existir uma relação entre a
Construção do vínculo pais e filhos 85

figura materna e o novo ser. Assim passa a coexistir numa relação emocional, que
de forma gradual se torna afetiva, e a relação irá se fundir se transformando numa
relação de vinculação sem violação com muita compreensão de muita ascensão.
É fundamental que, quem a função do pai exercer, que este encontro, que esta
vinculação, também possa acontecer. Veja que eu falo o termo pai e uso esta pa-
lavra para a função deste descrever. Assim, o pai, ocupando de sua família deverá
corresponder. A função do pai é muito importante, e com ele a vida da família
fica mais empolgante. O pai precisa com a dupla estar, precisa com esta dupla
se ocupar. Quem esta função for desenvolver, importante os vínculos fortalecer!
Para a figura do pai, outros compromissos são fundamentais. Este necessita

a dupla proteger e sua família abranger. É claro que a figura paterna pode dar
banho e trocar fraldas, isso se espera, mas a função paterna de preocupações
externas vai se ocupar, trazer pro ambiente tranquilidade, proteger a dupla da
adversidade, promover um ambiente bom com hombridade.
Vamos pensar o que poderá ocasionar se uma falha contínua perpetuar? Se a

figura materna não se adaptar, no caso, desta figura hesitar e ao seu pequeno
falhar, não se ajustar ou não atinar? Principalmente se este falhar, este não se
adaptar, estiver na fase mais inicial, diria que numa fase crucial.
As falhas contínuas e recebidas da mãe ou quem sua função exercer serão perce-
bidas como uma ameaça de aniquilação ao pequeno e se tornará uma violação e a
tão esperada vinculação passará por uma destruição. É como se um furacão viesse
e fizesse uma grande devastação, e as consequências para sempre aparecerão.
Contudo, quando essas ameaças à devastação não chegarem a se cumprir, ou

não tenham grande circulação e repetição e das quais a criança frequentemente
chega a se recuperar e a entender que assim deve se manifestar, então, a partir
dessas experiências, da recuperação, da ausência de destruição, o pequeno
ser irá prosperar!
Isso mesmo, a criança irá imperar e sua vida imensamente se desenvolverá. Essa
atitude vai virar uma grande virtude, a confiança que o pequeno ser adquire na

recuperação de si começa a se transformar em algo que leva seu psiquismo a ter
capacidade de suportar frustrações e, com isso, ter capacidade para inovadoras
aspirações.
Podemos perceber aqui como o desenvolvimento psíquico do bebê, da criança,

começa a se estruturar, como ele começa a se costurar e a se moldar. É na con-
tinuidade, na assiduidade do seu desenvolvimento, sem que haja interrupções,
sem que o pequeno ser se sinta ameaçado. Assim desse jeitinho, dessa forma,
ocorrerá o seu crescimento, seu desenvolvimento.
Na experiência que o pequeno ser passa a ter que é na fase mais primitiva de
seu viver é uma fase que requer muito sentir, muito consistir. Será que temos
alguém especial para nesta fase se inserir? Possivelmente sim, é uma fase em que
a criança precisa de uma pessoa para sobreviver, uma pessoa para nela se ver.
É de quem a função materna exercer que se espera uma capacidade que se supera.
A este ser que a criança vai conhecer, seu nome já foi falado e emoldurado. E é
esta pessoa que terá maiores condições, maiores arguições, para neste período
estar muito bem preparada, por sua complacência, bem amparada, é a mãe do
bebê que, em tese, tem mais consciência, maior cumplicidade de se identificar
com o pequeno ser.
Isso porque no final da gravidez, entende-se que ela terá maior placidez, porque é
aos pouquinhos que ela terá atingido um estágio especial, com grande potencial,
momento em que ela irá seu psiquismo modificar para da sua criança poder cuidar.
Esta pessoa terá condições de regredir, transgredir os limites e desta forma

sua intenção, sua missão, é de poder se identificar com o seu pequeno ser
de se ressignificar com sua criança e assim ela vai entender quais são suas
necessidades, quais as peculiaridades e desta forma poder se conectar,
para o pequeno ser se subjetivar, com isso criando laços assertivos, laços
afetivos, qualitativos!
E quando a mãe é adotiva ou se uma família for bem-vinda? Quando o bebê não
é da barriga? Este pode chegar por uma cantiga, uma espera emotiva. Será que

consegue o seu bebê receber e este enlace desenvolver? Como se dará esta
relação? Como se dará esta vinculação?
Não podemos negar a história pregressa dessa criança se teve atenção ou espe-
rança. Quais foram as condições da gestação se houve hesitação? Onde foi que
ela viveu antes de chegar ao seu novo lar aos seus ansiados pais? Se precisou
passar por hospitais? O que ela viveu com quem conviveu, se alimentação foi
suficiente? O que recebeu quando era um feto ou se tinha teto?
Vejam, é uma série de situações, implicações que podem dificultar ou podem

facilitar a relação com os novos pais. O que precisamos ter em mente é que o
cérebro do ser humano é um cérebro diferente, é um cérebro social. Isso significa
dizer que é algo fenomenal!
Grande parte do cérebro vai se desenvolver e de que forma isso vai acontecer? Com
a interação do ambiente, com a relação dos seus pais! O cérebro do pequeno ser é
muito resiliente e é nesta hora que pais e mães amorosos fazem a diferença, deixam
a situação mais poderosa. O ser humano é altamente moldável, isto é formidável!
Na presença de outro ser humano, na relação afetuosa, é que a transformação se

torna valiosa, para isso, precisamos de pais e mães acolhedores, pais inspiradores.
É desta forma que teremos um futuro mais promissor com crianças virtuosas,
crianças esperançosas, e famílias mais esplendorosas.

Referências:
Winnicott, D. W. A preocupação materna primária. In: Winnicott, D. W. Da
pediatria à psicanálise: obras escolhidas . Rio de Janeiro: Imago, 1956/2000.
p. 399-405.
GERHARDT, SUE. Antes que o conheçamos. In GERHARDT, Sue. Por que o

amor é importante: como o afeto molda o cérebro do bebê. 2.ed. Porto
Alegre: Artmed, 2017.

Débora Nunes
CRP 11/07252
11(85) 99744-1753
11(85) 988678033
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55www.deboranunespsicologa.com.br
77@deboram.nunes
• Psicóloga graduada pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).

• Formada em Psicoterapia Fenomenológico-Existencial com enfoque em
Gestalt-Terapia.
• Doula.
• Atua em consultório na cidade de Fortaleza, CE, atendendo crianças, ado-
lescentes, mulheres e casais com foco no acompanhamento de pré-natal
psicológico.
• Atua como psicóloga escolar na cidade de Fortaleza, CE.
• Casada com o Luís Neto (juntos há dezoito anos).
• Mãe do Davi (5 anos).

Choro na infância: como lidar?
Neste capítulo serão apresentadas possibilidades aos pais para lidarem com
uma das formas de expressão infantil, o choro, como um fator natural. Nesse
sentido, compreende-se o choro como um processo autorregulador, fisiológico
e que colabora para o desenvolvimento saudável, não sendo necessariamente
apenas um sinal de sofrimento ou incômodo.
Para tratar desse tema, será utilizada uma análise feita por meio da perspectiva
psicológica, na qual é embasado meu campo de atuação, a Gestalt-Terapia,
assim como também a minha maternidade que me faz acessar várias experiên-
cias. Dessa forma, quero dizer que tanto minha prática profissional quanto a
vivência materna, são fundamentais para a construção do entendimento sobre
uma criança. Espero trazer uma compreensão que possa servir para nortear nos
momentos difíceis que todos os pais experimentam, e também trazer acalento e
conforto para entender a criança como um ser em constante desenvolvimento.
O choro e os comportamentos de “birras” vêm sendo bastante discutidos por

causarem um grande impacto na convivência familiar, provocando compro-
metimento à vida cotidiana. O renomado pediatra espanhol González (2015)
acrescenta que as famílias, ao escutarem o choro dos seus filhos, têm um
comportamento espontâneo: acalentar. Porém, devido às diversas informações
das quais os pais têm acesso, eles acabam prejudicando essa ação instintiva.
González (2015) complementa que as famílias possuem acesso a diversos

profissionais que ensinam como cuidar dos filhos, mas acabam perdendo a
sensibilidade e a conexão. E de acordo com Del Priore (2010), o Brasil recebeu
de forma atrasada e desnivelada as informações sobre educação e os cuidados
com as crianças devido a sua cultura social e econômica. O que leva, em nossa
atualidade, ao surgimento de diversas perspectivas de atuações para atender
as demandas das crianças e aprimorar o bem-estar das relações familiares.
Então, percebo que os pais vivem em busca da perfeição inalcançável, em

um mundo agitado, de trabalhos exaustivos, que gera cansaço e até adoeci-
92 Débora Nunes
mentos. Por isso, diante da minha experiência, muitas vezes testemunhei
pais que pediam constantemente às crianças que engolissem o choro ou,
em momentos de desespero, que se distanciassem, pois não aguentavam
tanto barulho.
Claro que eles também desejam ser bem-sucedidos na educação dos seus
filhos, mas acabam procurando soluções imediatas para lidarem com as ad-
versidades do dia a dia. Dessa forma, os pais acabam assumindo uma postura
imediatista e se esquecem de fazer uma análise adequada da realidade. Assim,
buscam soluções apenas pelas tentativas e erros como se fosse uma forma de
adestramento. E como diz Del Priore (2010), as crianças são adestradas para
viver em sociedade e impedidas de se expressarem, e acrescenta que toda a
história da criança brasileira foi marcada por experiências de exploração e pela
sua transformação em um miniadulto.
Atualmente, são constantes as exigências dos pais ao quererem antecipar os

processos de desenvolvimento e aprendizagem dos filhos. E tal condição dificulta
a apresentação das emoções das crianças, refiro-me mais especificamente ao
choro, pois muitos pais o consideram uma fraqueza que prejudica a autonomia
e a independência dos filhos.
Assim, percebo as crianças mais frágeis, impedidas de expressarem suas emo-

ções e com é um “engasgo” que pode durar toda sua existência. O engasgo
é um estado emocional em que não se consegue pedir ajuda e/ou não se
compreende o choro como um alívio e desabafo necessário. Mas o choro, na
verdade, é uma expressão que abarca diversas possibilidades para justificar
o que de fato uma criança está sentindo (PERLS, 2002). E por ser considerado
uma expressão e uma forma de comunicação, demanda uma importante atenta
e acolhedora escuta por parte dos pais.
De acordo com Siegel e Bryson (2015), no momento em que se escuta atenta-

mente a experiência de uma criança e que é permitido que ela se expresse,
os pais conseguem ajudá-la a elaborar os fatos ocorridos.
Choro na infância: como lidar? 93

Então, é interessante que os responsáveis estejam cada vez mais conectados
e saibam favorecer um processo de segurança, aprendizagem, autonomia e
independência ao longo da vida do filho. Dessa forma, é possível proporcionar
uma relação mais harmônica e sustentável. Isso significa permitir um processo
de desenvolvimento infantil equilibrado e conhecer a criança por completo para
poder utilizar estratégias adequadas em seus cuidados.
É importante compreender as características nas mudanças de comportamento

das crianças, como ela comunica seus desejos de fome, calor, segurança, sono
e outros por meio do choro. E como a criança é dependente, inicialmente, não
podemos esquecer que o choro é a primeira expressão com a qual os pais irão
se deparar, principalmente durante a fase inicial da vida.
Na tentativa de compreender cada tipo de choro, o que eu tenho observado

é que os pais acabam sendo tomados por um sentimento de irritação pela
demora no entendimento da real necessidade do seu filho. Esse sentimento é
legítimo, tendo em vista que muitas famílias estão em processo de adaptação
com a chegada do bebê, e nesse processo conflitos podem ocorrer, o que torna
o exercício do acalento um grande desafio da parentalidade.
Siegel e Bryson (2015) explicam que o momento em que a criança se desorga-

niza emocionalmente é uma grande oportunidade para os pais “prosperarem”,
pois é nessa ocasião que podem ensinar aos filhos. Por isso, Perls, Hefferline
e Goodman (1997) afirma ser necessário escutar seu filho e cuidar do que
realmente é apresentado na experiência.
Na função de pais faz-se necessário levar em consideração o que a criança

está sentindo para entender sua real demanda, por isso é preciso ter ouvidos
e olhos atentos, compreendendo que os pais são os responsáveis em dar o
suporte e o acalento, no sentido de possibilitar o equilíbrio emocional. Perls,
Hefferline e Goodman (1997) complementa que é por meio da autossatisfação
que a criança irá desenvolver sua potencialidade durante sua existência.
Nesse sentido, a convivência familiar é uma relação de ambivalência. No mo-
94 Débora Nunes
mento em que os pais necessitam deixar os filhos se expressarem e tentarem
aprender diante dos conflitos, precisam também educar, delimitar regras, gerir
e dar condições para que as crianças se relacionem com o mundo.
Desse modo, é comum a orientação de não colocar a criança no colo quando

ela está chorando ou mandá-la para o cantinho do pensamento quando tem
um comportamento inadequado. Tratando-as como se fossem pessoas adultas
capazes de lidar sozinhas com as dores vividas e esquecendo que elas precisam
de amor e proteção.
As famílias não podem esquecer que o choro percorre toda a vida humana,
sendo sempre uma necessidade de autorregulação fisiológica e emocional, esse
caminho exige que os pais ajudem as crianças a expressarem suas emoções.
Antony (2012) explica que o processo de autorregulação será vivenciado a partir
do recém-nascido e seguirá durante toda a vida humana.
Compreendo a autorregulação a partir da perspectiva da Gestalt-Terapia, como

uma maneira do ser humano (organismo) interagir com o mundo e, de acordo
com Perls Hefferline e Goodman (1997), como a capacidade de uma criança
de ir além do que recebe dos pais (mundo/ambiente). Ou seja, é um processo
natural e sadio no desenvolvimento, no qual o ser humano consegue atingir
seu potencial.
O papel da família é garantir, além da sobrevivência, a proteção integral dos seus

filhos e promover os laços afetivos, desempenhando, assim, uma função indispen-
sável para a socialização da criança. De acordo com Casarin e Ramos (2007), é
considerado que dentre as responsabilidades da família está o processo de formação
dos filhos. Os núcleos familiares funcionam muito como uma estrutura protetora em
que exercem o papel de orientar e proporcionar a maturação e o aprendizado da
criança no contexto social, o que possibilita o desenvolvimento infantil e a capacidade
de autorregulação. Por conta disso, é preciso permitir um processo que favoreça
gradativamente a autorregulação na infância.
É preciso que as famílias também entendam que a manipulação infantil é uma

interpretação equivocada. Na verdade, ocorre que a criança está com o seu
cérebro em processo de desenvolvimento do autocontrole, e ainda precisa do
suporte dos pais para se acalmar em momentos de choro, frustração e sobre-
carga. Siegel e Bryson (2015) explicam que o cérebro da criança é moldado
pela experiência que vivencia com seus pais, por isso o cérebro se modifica
no decorrer da relação.
Na minha experiência materna e profissional foi possível perceber o quanto é

comum ver os pais solicitando para as crianças atitudes que vão além de sua
compreensão. Negando-lhe o direito de expressar o choro por não entender
que ela é apenas uma criança e têm limites físicos e emocionais. Por exemplo,
um bebê ou uma criança maior, fora de casa por muitas horas, pode começar
a demonstrar desconforto e chorar para solicitar a volta para seu ambiente de
rotina. Comunicando que está cansada, que o passeio não está mais sendo
divertido e que não consegue mais ficar em harmonia. Então a criança utiliza
do choro, grito e outros comportamentos “inadequados” para comunicar sua
intranquilidade.
Tal experiência pode apresentar uma grande dificuldade para tentar conciliar
a necessidade dos pais, aqui sendo e ficar no passeio, com a necessidade da
criança, que poder ir para casa e dormir. Enquanto mãe, sei o quanto é desafiador
querer estar em um local, mas ter que ir para casa por respeitar a limitação do
meu filho. Lembro-me de uma frase que um dia escutei dele: “Mamãe, você tem
que entender que sou uma criança”. Naquela hora me restou apenas me despedir
e ir para casa colocar meu filho para dormir.
Outro aspecto muito importante é os pais estarem preparados emocionalmente

para o barulho irritante do choro, pois existe a possibilidade de terem dificuldade
em lidar com isso, por suscitar memórias emocionais de ausências de apego.
De acordo com Gerhardt (2017), a experiência pode se tornar desagradável
e desconfortável para os pais, devido aos medos e ausências de relação de
apego que tiveram quando choravam na infância.
96 Débora Nunes
O choro pode irritar, mas é preciso que sua expressão seja permitida. De acordo
com Perls, Hefferline e Goodman (1997), permitir ouvir o outro ajuda a combater a
hostilidades das relações. Enquanto pais, é preciso investir em uma relação mais
afetiva e acolhedora para a criança sentir-se segura. É importante construir um
vínculo familiar bem estabelecido para conseguir desenvolver as potencialidades
da criança e para ajudá-la a harmonizar-se em momentos de instabilidades.
Uma boa estratégia de vínculo é a família poder oferecer o colo como um lugar
seguro e protegido para a criança extravasar o choro, como também frases
empáticas mostrando que os pais estão presentes e dispostos a ajudar. Um
bom exemplo de frase empática é descrever e perguntar: “Estou percebendo
que você está triste, quer me contar o que aconteceu?” ou “Estou vendo que
você está sentindo alguma dor, sabe me dizer onde dói aí dentro?”.
Enquanto profissional, oriento as famílias que atendo a observarem e tentarem

identificar a causa do choro, solicito que tenham maturidade para escutar o
choro, fortaleçam o vínculo afetivo, desenvolvam uma relação saudável, evitem
o julgamento e proporcionem o acolhimento.
O choro deve ser vivido de forma livre, então nada de pedir para seu filho guardar
o choro, ficar quieto ou ignorar. É preciso ter cuidado com certas expressões,
tais como: “não precisa chorar”, “está tudo bem”. Existe a possibilidade de
você gerar um sentimento confuso ou bloquear as emoções de sua criança.
Portanto, na relação familiar, o melhor caminho é ter empatia, acolhimento e

paciência para lidar com os choros e momentos difíceis vividos pelas crianças.
Ou seja, aquele momento mágico que você percebe a parceria e compreende
a infância através do olhar da criança, descobrindo a sintonia e possibilitando
companhia, respeito e confiança entre a família.
Então, ao ouvir um choro de uma criança pense:
É sempre um suporte acalentar uma criança no aconchego de um abraço.

Referências
ANTONY, S. M. R. Gestalt-terapia: cuidando de crianças – teoria e arte. 1.ed.
Curitiba: Juruá, 2012.
CASARIN, N. E. F.; RAMOS, M. B. J. Família e aprendizagem escolar. Revista

Psicopedagogia, v. 24, n. 74, p.182-201, 2007. Disponível em: <https://bit.
ly/387o3Vl>. Acesso em: 15 dez. 2019.
DEL PRIORE, M. História das crianças no Brasil. 7.ed. São Paulo: Contexto, 2010.
GERHARDT, S. Por que o amor é importante: como o afeto molda o cérebro

do bebê. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
GONZÁLEZ, C. Bésame mucho: como criar seus filhos com amor. 1.ed. São
Paulo: Timo, 2015.
PERLS, S. F. Ego, fome e agressão. São Paulo: Summus, 2002.
PERLS, S. F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-Terapia. São Paulo: Sum-

mus, 1997.
SIEGEL, D.J.; BRYSON, P. T. O cérebro da criança: 12 estratégias revolucioná-

rias para nutrir a mente em desenvolvimento do seu filho e ajudar sua família
a prosperar. São Paulo: nVersos, 2015.
98 Débora Nunes
Gisele Palmas
Pacheco
11(62) 98286-4767
33contato@giselepalmas.com.br
55www.giselepalmas.com.br
77@giselepalmas
• Graduanda em Psicologia pela Universidade Luterana do Brasil, RS.

• Cursando formação em Teoria e Técnica da Intervenção na Relação Pais-
-Bebê pelo Instituto de Terapias Integradas de Porto Alegre/RS.
• Educadora integrativa do sono infantil pelo Family Wellness Internacional
Institute, Alabama, EUA.
• Educadora parental em disciplina positiva pela Positive Discipline Associa-
tion, Atlanta, EUA.
• Instrutora no Brasil da certificação de Educação Integrativa do Sono Infan-
til pelo Family Wellness Internacional Institute.
• Possui formação complementar como consultora em amamentação, doula
de parto e doula de pós-parto.
• Atua atendendo famílias que buscam a qualidade do sono na infância.
• Ministra workshops, grupos de apoio e palestras em diversas cidades do
Rio Grande do Sul e on-line.
• Casada com Juliano (juntos há catorze anos).
• Mãe da Victória (8 anos) e do Guilherme (5 anos).

Educação familiar para o sono infantil
O sono é uma necessidade básica da espécie humana, no entanto não tem

sido respeitado pela nossa sociedade moderna. Estamos dormindo mal e o
sono não é visto como uma prioridade. O avanço tecnológico, a luz artificial e
as telas (apesar de todas as vantagens) estão cada vez mais modificando os
hábitos familiares, impactando negativamente na qualidade sono.
As famílias que procuram a consultoria de educação do sono estão em busca

de noites completas, e as queixas invariavelmente são sobre seus bebês e
crianças que não dormem a noite inteira, ou despertam múltiplas vezes durante
a madrugada. No entanto, a verdade é que nós, adultos, não honramos nosso
sono. Queremos que nossos filhos durmam a noite inteira, mas nós mesmos
não valorizamos o dormir.
De acordo com o neurocientista e pesquisador sobre o sono Matthew Walker

(2018, p. 17):
A apatia da sociedade em relação ao sono se deve, em

parte, ao fracasso histórico da ciência em explicar por que
precisamos dele. O sono ainda é um dos últimos grandes
mistérios da biologia [...] Mentes rigorosíssimas – incluindo
o ganhador do prêmio Nobel Francis Crick, que deduziu a
estrutura de escada torcida do DNA, o famoso educador e
retórico romano Quintiliano e até Sigmund Freud – tentaram
em vão decifrar o enigmático código do sono.
Houve um tempo em que havia a busca pelo recorde mundial de privação de

sono no Guiness Book of World Records. Você consegue desempenhar suas
funções laborais acertadamente se estiver passado a noite em claro? Consegue
dirigir com atenção se estiver com sono? O Guiness Book of World Records
deixou de registrar os recordes de privação de sono. Ou seja, os riscos asso-
ciados à privação de sono são considerados muito mais elevados. Na verdade,
100 Gisele Palmas Pacheco

inaceitavelmente altos com base nas provas (WALKER, 2018, p. 150). Isso quer
dizer que não dar atenção às necessidades de sono é extremamente arriscado.
Todos nós, pais, precisamos de noites bem dormidas, portanto é essencial

que o sono seja valorizado e entendido como uma prioridade para que haja
melhora da qualidade de vida e do humor assegurando o bem-estar familiar.
Lidando com a privação de sono

Há um período em que a privação de sono é esperada. Ao final da gestação e
nos primeiros meses do bebê, devido a alterações hormonais, desconforto com
as mudanças do corpo (imagine um bebê crescendo dentro de você), vômitos,
enjoos, câimbras e necessidade frequente de urinar durante a madrugada.
Além disso, as expectativas e preocupações com relação ao parto e à chegada
do bebê invariavelmente ocasionam dificuldade para relaxar e adormecer. No
período do pós-parto, os despertares frequentes do bebê para se alimentar
e se aconchegar também levam a mãe, privada de sono, à exaustão. Porém
algumas medidas podem ser tomadas para melhorar o sono materno, mesmo
que o bebê esteja acordando algumas vezes durante a madrugada.
Uma boa noite de sono começa ao despertar pela manhã. Procure estar em
contato com a luz matutina diariamente e respirar ao ar livre. Durante o dia,
mantenha uma alimentação leve e equilibrada, hidratando-se e evitando bebi-
das com cafeína após o almoço, preferencialmente. Não deixe de proteger sua
saúde emocional, evitando discussões, preocupações, notícias catastróficas e
conteúdos que possam causar desconforto e aborrecimento. Ao anoitecer, crie
um ambiente propício para começar a desacelerar e relaxar. A hora que antecede
o sono é fundamental para regular seu ritmo circadiano, use-a para induzir e
manter o sono (SERRALLACH, 2018, p. 156). Procure reduzir estimulações em
excesso, especialmente evitando o uso de luz azul e atividades físicas cerca
de uma hora antes de adormecer. Favorecer uma temperatura corporal mais
baixa na hora de dormir irá ajudar seu corpo a relaxar. O excesso de campos
eletromagnéticos pode colaborar negativamente na organização dos estágios
Educação familiar para o sono infantil 101

do sono e na sua qualidade, portanto, procure desligar aparelhos eletrônicos
(ou colocar no modo avião) e tirar o que estiver na tomada. Controle o consumo
de líquidos no final do dia para não precisar ir ao banheiro durante a madru-
gada interrompendo o sono, e evite álcool antes de dormir. Antes de deitar-se
tente tomar um banho que relaxe o corpo e esvazie a cabeça de tarefas e
preocupações (anote em uma agenda o que precisar lembrar no dia seguinte).
Para eliminar sons externos que possam lhe desconcentrar, procure utilizar
“ruídos brancos”, podendo ser o barulho do ventilador, por exemplo. O uso de
eletrônicos é um fator importante de impacto negativo na qualidade do sono,
visto que a luz azul emitida pelas telas age na inibição da ação da melatonina
(hormônio do sono). No ambiente de dormir, escolha luzes de cores quentes
(amarelo, laranja, vermelho) e até mesmo nos demais ambientes da casa que
são usados à noite. É muito importante que o quarto seja um local adequado
para dormir, organizado, limpo, confortável, tranquilo e convidativo, e que se
evite o uso de telas nesse ambiente. Garanta que colchão, travesseiro, cobertas
e forros de cama sejam confortáveis. O quarto precisa estar escuro o suficiente
(algumas pessoas são muito sensíveis à luz). A temperatura do quarto precisa
ser mais fria para baixar a temperatura corporal, já que com a temperatura
corporal mais alta, é mais provável que se sinta dificuldade para adormecer.
A privação de sono é uma das partes mais desafiadoras da maternidade,

portanto, se estiver desconfortável, a mãe deve buscar ajuda na psicoterapia
e com sua rede de apoio — familiares e amigos — para auxiliar na organiza-
ção doméstica e com ações de autocuidado (como tomar um bom banho, por
exemplo). Informe-se sobre métodos alternativos para relaxamento, como o
uso de óleos essenciais (lavanda, por exemplo), acupuntura ou meditação.
Dormir requer planejamento

Melhorar o sono de um bebê ou criança requer planejamento. Lembre-se que
dormir começa no momento em que despertamos pela manhã, portanto dispor
de um horário regular diariamente para despertar, assim como para adormecer

é um dos pontos para o ajuste do nosso relógio biológico. A organização do
sono é um processo biológico (o feto já sabe dormir enquanto habita a placenta
de sua mãe), no entanto, os fatores fisiológicos, ambientais, comportamentais
e emocionais exercem grande influência.
Se dormir é natural, o que devemos observar quando nossos filhos apresentam

noites difíceis? Primeiramente investigar com o pediatra da criança se há pro-
blemas de saúde, como respiratórios, alergias alimentares, refluxo ou demais
doenças que possam estar causando desconforto. Muitas crianças, embora
felizes, amadas e com uma rotina organizada, apresentam dificuldades de sono
por alguma questão de saúde que tem apenas a privação de sono como sintoma,
dificultando a avaliação médica. Portanto, não deixe de conversar com o pedia-
tra ou nutricionista da criança, inclusive sobre dificuldades na amamentação e
alimentação. Bebês e crianças que não estão se alimentando adequadamente
e sofrendo déficit de alguns nutrientes podem ter o sono impactado.
Além disso, é indispensável avaliar os hábitos da família, ou seja, manter uma

rotina flexível e planejada de acordo com a faixa etária e necessidades da
criança, rituais de sono tranquilos e previsíveis e investir na organização da
higiene do sono. O quanto antes os pais ensinarem hábitos saudáveis, menos
chances de fatores ambientais ou comportamentais interferirem na qualidade
do sono durante a infância.
Rotina é uma sequência de ações organizadas que possibilita a previsibilidade,

ou seja, a criança, com o tempo, passa a prever o que vai acontecer depois,
ela não será pega de surpresa. A organização facilita na autorregulação das
crianças. Quanto mais nova e dependente ela for, mais irá se desorganizar com
as mudanças, portanto precisa de uma rotina simples e previsível, pois a rotina
organiza o bebê. Além de ser organizadora, quando planejada e transmitida de
forma clara, assegura a previsibilidade que naturalmente traz segurança para
a criança, que sabe o que vem depois e aos poucos se torna autônoma no seu
processo de dormir. Quanto mais as crianças fazem por elas mesmas, mais
capazes e encorajadas elas se sentem (NELSEN, 2015, p. 143).

Sentir-se seguro e confiante é crucial para o adormecer. Uma criança saudável
e feliz é, assim, aquela que tem a sensação de proteção, estabilidade e cuidado
internalizada, sendo dotada de um senso de capacidade e independência, bem
como de uma percepção de responsabilidade consigo e com as pessoas com
quem convive (WAINER et al, 2016, p. 170). Se a mãe coloca o bebê no colo,
canta uma determinada música de ninar e apaga as luzes, ele já sabe que está
chegando a hora de dormir, pois todos os dias é isso que acontece.
Um ponto importante que algumas famílias se esquecem de dar atenção é o sono

diurno. A organização das sonecas irá contribuir para que a criança esteja mais
descansada para adormecer à noite. É um grande mito no senso comum achar
que manter um bebê ou criança pequena acordada o dia todo para “cansar” fará
com que ela durma melhor à noite. A regulação do sono se inicia ao despertar,
onde a pressão homeostática do sono aumenta conforme o tempo em vigília,
assim como o hormônio cortisol, que nos mantém acordados. No entanto,
bebês e crianças, de acordo com suas necessidades fisiológicas, possuem um
tempo máximo em que conseguem se manter acordados, o que chamamos de
“janelas de sono”. Quando a janela de sono do bebê é ultrapassada, ou seja,
quando passar tempo demais acordado, o bebê ficará claramente exausto, o
que ocasionará em um “efeito vulcânico”. E um bebê exausto terá dificuldade
para dormir. Portanto, as sonecas são extremamente importantes.
O cuidado com os momentos que antecedem a hora de dormir também é um

fator determinante para noites melhores, tanto para crianças como para os
adultos. Para adormecermos é preciso que nossa temperatura corporal fique
mais baixa, portanto oferecer à criança brincadeiras mais tranquilas ao final do
dia e sem muitos estímulos irá ajudá-la a ficar mais relaxada. Assim como um
banho e um ritual de dormir breve e previsível, em um ambiente confortável e
agradável que favorecem o sono.
Esses cuidados são importantes, uma vez que nossas crianças têm consumido
eletrônicos muitas vezes de forma inapropriada e próximo ao horário de dormir.
O uso constante de equipamentos eletrônicos pode causar dificuldade para

adormecer (pegar no sono), redução na duração do sono noturno e aumento da
sonolência durante o dia, além de alterações no estado de humor de crianças e
adultos. Ao assistir televisão (telas em geral) próximo a hora de dormir, a criança
estará sendo exposta à luz azul emitida pelas telas que acaba suprimindo a
ação da melatonina (hormônio do sono), deixando-a mais alerta e dificultando
que ela adormeça.
Conexão, presença e segurança

Toda criança precisa sentir-se conectada aos seus pais, sentir que tem
alguém investindo nela. Nossos filhos precisam, de acordo com Tsabary
(2017, p. 27), apenas que nos mantenhamos sintonizados com eles por
intermédio de nossa presença engajada.
A criança sentirá que é amada e que está segura se tiver a oportunidade

de presença e investimento de seus pais durante o dia, não basta que
apenas estejam presentes. Estar presente ao lado da criança, mas dando
atenção ao celular, por exemplo, não supre as necessidades de conexão
da criança, fazendo com que ela solicite atenção durante a noite.
O período noturno é o momento mais vulnerável do dia para a criança. De

acordo com Neufeld (2006, apud SANCHES, 2018, p. 178), o sono também
é uma separação, e por isso devemos passar algum tempo com a criança
antes de iniciarmos a rotina do dia. O ritual de dormir é um momento de
relaxamento e especialmente de conexão entre pais e filhos. Através do
colo, de um abraço aconchegante ou uma história, o que a criança precisa
nesse momento que a prepara para o sono é sentir a segurança de que
seus pais estão ali para ajudá-la e que nada de ruim pode acontecer.
Segundo Nelsen (2015, p. 238), uma razão pela qual as crianças fazem a
hora de dormir ser tão difícil para os pais é o fato de sentirem que eles
querem se livrar delas.

Cada criança terá sua forma de demonstrar o que precisa. Quando os pais
olham para seu filho, observam e fazem a leitura das suas necessidades,
sempre saberão sobre ele naturalmente.
Cada bebê precisa de uma resposta ajustada à dele, e não

de um tipo “pronto para uso”, embora benigno. Se o bebê
está angustiado, ele precisa ser segurado no colo e ninado.
Se está entediado, precisa de uma distração. Se está com
fome, precisa de comida. Se seu pé está preso no cobertor,
ele precisa ser solto. Cada situação exige a sua própria res-
posta apropriada e contingente, apropriada à personalidade
do bebê em particular. Claramente, não é muito útil receber
um chocalho se você está com fome ou ser ninado se seu pé
desconfortavelmente está preso (GERHARDT, 2017, p. 223).
Bebês e crianças estarão emocionalmente seguros para dormir se tiverem tempo

de qualidade com seus pais durante o dia e se tiverem um tempo juntos na hora
de dormir. Seja pela da amamentação, por confortos ou falando sobre seu dia.
O bebê precisa sentir confiança na disponibilidade dos pais para atendê-lo Esse
bebê começa a criar um padrão de confiança que lhe permite sentir-se seguro
com sua mãe e a acreditar que suas necessidades são importantes e podem
ser atendidas (SANCHES, 2018, p. 66).
A parentalidade consciente
O desejo de mudar e recomeçar depende exclusivamente dos adultos, que irão
guiar as crianças implementando bons hábitos e cuidando da sua saúde. Muitas
famílias não apresentam prontidão para mudança e, de certa forma, esperam
que as noites melhorem como mágica. Fazer escolhas conscientes requer
dedicação. Escolhas ajustáveis e flexíveis, de acordo com as necessidades e
prioridades e respeitando o que faz sentido em nossas famílias, é o que nos
torna pais e mães conscientes.

A conscientização sobre o sono saudável na infância irá colaborar para o bem
estar familiar perduravelmente. Para uma parentalidade mais consciente, mães
e pais não podem perder a espontaneidade, mas sim buscar fortalecer a con-
fiança. Quando uma mãe é capaz de ser mãe com toda naturalidade, jamais
devemos interferir (WINNICOTT, 2012, p. 11).
A quantidade de horas de sono é importante, porém, de nada adianta termos

uma criança dormindo a noite inteira se não houver qualidade em todo o con-
texto do dormir.
O sono precisa ser cuidado, respeitado e honrado para que seja restaurador. A
quantidade de horas de sono é importante, porém de nada adianta termos uma
criança dormindo a noite inteira se não houver qualidade em todo o contexto
do dormir. Dormir é maravilhoso para a saúde do corpo e da mente. Convide
sua criança para conhecer o quanto dormir é seguro e importante. Seja você o
agente transformador na sua família e comece agora a dormir melhor.

Referências
GERHARDT, S. Por que o amor é importante: como o afeto molda o cérebro
do bebê. Porto Alegre: Artmed, 2017.
NELSEN, J. Disciplina positiva. Barueri: Manole, 2015.
SERRALLACH, O. O guia definitivo para o pós-parto: um guia completo para

recuperação da saúde e da energia, para mães de recém-nascidos, bebês e
crianças pequenas. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2018.
TSABARY, S. Pais e mães conscientes: como transformar nossas vidas para

empoderar nossos filhos. Rio de Janeiro: Bicicleta Amarela.
Sanches, L. Mindfulness para pais. São Paulo: Matriz, 2018.
WAINER, R. Terapia cognitiva focada em esquemas: integração em psicote-

rapia. Porto alegre: Artmed, 2016.
WALKER, M. Por que nós dormimos: nova ciência do sono e do sonho. Rio de
Janeiro: Intrínseca, 2018.
WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

Nicole Cristino
CRP 08/23054
11(41) 99500-5049
55www.psicologanicolecristino.com
77@acolhedoramente
• Atua junto a mulheres e famílias tentantes, gestantes e puérperas, por aten-

dimentos individuais, grupos terapêuticos, palestras, cursos e workshops.
• Compõe parte do corpo clínico multidisciplinar da Wave Medicina Fetal.
• Atende em formato presencial e online em consultório privado em Curitiba-PR.
• Licence em Psicologia pela Université Paris XIII Nord Sorbonne, França.
• Bacharel em Psicologia pela Universidade Católica de Pernambuco, PE.
• Especialista em Psicologia da Saúde e Hospitalar pelas Faculdades
Pequeno Príncipe, PR.
• Extensão em Psicanálise, Perinatalidade e Parentalidade pelo Instituto
Gerar, SP.
• Capacitação em Saúde Mental no Ciclo Gravídico Puerperal, com Alexan-
dre Coimbra Amaral e Patrícia Ehlke.
• Capacitação em Facilitação de Grupo Terapêuticos, com Alexandre Coim-
bra Amaral, Daniela Leal e Daniela Rosa.

Burnout materno: o que temos a ver com o
esgotamento de mães sobrecarregadas?
Muitos sutiãs foram queimados em praça pública para que a mulher conquis-
tasse os direitos ao voto, trabalho e reconhecimento social. Ainda que seu
lugar seja frequentemente questionado em momentos de crise — como bem
nos lembra Simone de Beauvoir — podemos dizer que conquistamos um lugar.
As conquistas femininas do século XX tornaram a maternidade uma escolha,

não mais um destino. Uma escolha não sem custos, a tripla jornada é a rea-
lidade de muitas mulheres, e o custo emocional de desempenhar múltiplos
papéis se mostra cada vez mais presente. E é sobre esse custo que precisamos
falar, qual tem sido o preço de tornar-se mãe nos dias de hoje?
Descrita em meados da década de 1970 por Herbert J. Freudenberger, psi-

canalista alemão radicado nos Estados Unidos, a síndrome de burnout ou
síndrome do esgotamento profissional, é um distúrbio psíquico marcado pela
tensão emocional e pelo estresse crônico que são gerados devido à dedica-
ção excessiva ao trabalho. O alto nível de estresse resultante de situações
de trabalho emocionalmente desgastantes pode culminar, nos casos mais
severos, em quadros de colapso físico e mental.
Enquanto alguns estudiosos defendem que a burnout se refere exclusivamente

a uma síndrome laboral, estudos recentes apontam que a síndrome pode se
manifestar em outros contextos além do organizacional. Estudantes, profis-
sionais da saúde, professores e pais têm se mostrado um público vulnerável
à síndrome de burnout.
Nesse sentido, nas duas primeiras décadas do século XXI, muitas pesquisas
surgiram no campo da parentalidade, sobretudo o estudo desenvolvido por
Moira Mikolajczak, psicóloga e pesquisadora belga. Em suas pesquisas de
PhD, Moira verificou um alto nível de estresse vivido entre homens e mulheres
na tarefa parental. Os índices encontrados em seus achados se revelaram
semelhantes aos verificados no universo corporativo.
110 Nicole Cristino

Entretanto, é necessário cautela para não “patologizar” aquilo que é da
ordem do “fenômeno de tornar-se mãe”. O cansaço da função materna é
natural e inerente à recém-mãe. Sentir-se cansada ao final de um longo dia
não é sinônimo de burnout. A exaustão não assume caráter de doença desde
que não vire rotina, comprometendo as demais atividades e fazendo com
que a mãe perca o interesse e a motivação por suas atividades habituais.
Assim como o burnout no ambiente de trabalho, o burnout materno acontece

tipicamente entre mães que procuram corresponder a uma expectativa irreal
de maternidade perfeita. Nos Estados Unidos, o termo "mommy burnout"
vem sendo utilizado para se referir à exaustão e ao estresse crônico de
mães sobrecarregadas em suas funções.
Judith Warner, escritora norte-americana, nomeou esse cenário da pro-

cura incessante pela maternidade perfeita de cultura da maternidade
total. Em seu livro intitulado Mães que trabalham: a maternidade na era
da ansiedade, Judith entrevista mais de 150 mulheres, discorrendo sobre
esse modo de funcionamento tão recorrente na atualidade. A procura por
suprir todas as necessidades dos filhos, tais como ditam os manuais, não
deixando qualquer brecha para a falta, vêm contribuindo para o aumento
nos índices de esgotamento materno.
A "culpa materna" tem sido tema recorrente na fala de muitas mulheres que
buscam por meu auxílio profissional. Há culpa minando cada escolha feita
em suas maternidades. Há culpa no retorno ao trabalho, na chupeta, na
creche, na fralda não ecológica, na mamadeira, nas telas, na alimentação,
no berço. A culpa está por todo lado. O que essa culpa indica? Por que
a culpa é tão frequente na fala de mulheres mães? Pais sentiriam culpa?
O papel social da mulher na maternidade foi muito explorado pelos estudos

de Elizabeth Badinter, socióloga francesa. A obra de Badinter, Um amor
conquistado: o mito do amor materno, best-seller lançado em meados da
década de 1980, trouxe uma enorme contribuição para a compreensão dos
fenômenos psíquicos e sociais ligados à maternidade. Ao se questionar se
Burnout materno: o que temos a ver com o esgotamento de mães sobrecarregadas? 111
o amor materno seria uma construção social ou obra do instinto feminino,
a autora resgata a origem da culpa materna, pano de fundo de muitos dos
quadros de burnout. Badinter demonstra em seu livro que o amor materno,
assim como os outros sentimentos humanos, é passível de transformação,
sendo mais ou menos valorizado de acordo com o contexto social, aspectos
históricos e costumes.
Toda mulher está sujeita a desenvolver um quadro de burnout, no entanto,

mães solos costumam ser as mais acometidas. Mulheres que não possuem
parceiros, ou ainda aquelas que possuem, mas os quais não participam
ativamente de suas paternidades, apresentam um grau muito superior
de estresse e tendem ao esgotamento mais facilmente. Engana-se quem
considera que a maternidade solo (expressão adequada para o termo im-
próprio “mãe solteira”) se restringe ao cenário em que o pai não assume
a paternidade da criança. Mãe solo também é aquela que, embora esteja
vinculada ao pai da criança, desempenha sozinha todos os cuidados do filho.
Clinicamente, o burnout materno se manifesta como um quadro depressivo

em decorrência do estresse. Além da fadiga crônica, outros sintomas são
indicativos de uma síndrome de burnout: irritabilidade; falta de interesse,
motivação e propósito; sensação de isolamento e solidão; desejo persistente
de chorar; falta de prazer no cuidado com os filhos e pensamentos fre-
quentemente negativos. É importante considerar a intensidade e frequência
desses sintomas, para não confundi-los com momentos pontuais de cansa-
ço. Mas o que tem levado as mulheres, em sua maioria, a desenvolverem
quadros de esgotamento em uma função que sempre foi delas excelência?
Cada doença é signo do seu tempo. Por isso, precisamos primeiramente

fazer um breve apanhado dos aspectos históricos e sociais que têm levado
algumas mulheres mães ao colapso. Em um tempo não muito distante,
mulheres tinham a função social da procriação: gerar e educar filhos.
Cabia ao homem o sustento da família e à mulher as tarefas domésticas
e familiares. Vivia-se como em grandes aldeias: a avó era vizinha da tia,
112 Nicole Cristino

que era vizinha da prima. As casas eram grandes e os quintais, cheios de
crianças. A transmissão da maternagem se dava naturalmente, no próprio
tecido familiar. Quando se tornava mãe, a mulher já havia cuidado do so-
brinho, dos irmãos mais novos, não havia grande mistério. O saber estava
dado ali, na família. Era transmitido conforme a tradição. “É preciso uma
aldeia para criar uma criança”, diz um ditado africano. O que houve com
nossas aldeias?
Algumas décadas se passaram, as mães de hoje habitam em pequenos

apartamentos fazendo malabares para conciliar maternidade, casamento
e carreira. A globalização nos afastou, trouxe com ela a possibilidade da
mobilidade com isso “as aldeias” foram ficando mais distantes e isoladas. A
tecnologia foi tomando o lugar das tias, comadres, primas e avós. O saber
está na ciência e na tecnologia, e a angústia transita, ora entre a solidão
que está relacionada à falta de uma rede de apoio, acrescida da angústia
da suspensão da carreira profissional e o fim da licença maternidade, ora
entre o corpo que ainda não voltou ao que era antes e à culpa por não
corresponder a um ideal cada dia mais cruel de maternidade.
A maternidade contemporânea tem apresentado como característica fun-

damental um grau elevado de exigência e de excelência. Não basta ser
mãe, é preciso ser absolutamente mãe. Essa é uma constatação crescente
em minha vivência clínica. A fantasia de que haveria essa maternidade
total, livre de erros e equívocos, tem sido fonte de extrema angústia para
mulheres que se aventuram pelas terras sinuosas da maternidade.
Suprir todas as necessidades dos filhos, não apenas é danoso para a

mãe, como também para os filhos. Gosto muito de pensar a maternidade
a partir das diversas fases do desenvolvimento do bebê, e a teoria da
exterogestação é uma ferramenta importante, que nos ajuda a pensar o
processo gradativo de transição entre a dependência absoluta do bebê
da mãe até a dependência relativa, como nomeou Winnicott, importante
pediatra e psicanalista inglês.
O bebê humano, contrariamente aos outros mamíferos, não nasce pronto,
ele nasce em um estado de total dependência do outro: é imaturo, vulnerá-
vel e dependente. A teoria da exterogestação, formulada pelo antropólogo
Ashley Montagu, defende a hipótese de que a gravidez duraria doze meses.
Sendo os três primeiros meses de vida extrauterina fundamentais para a
maturação e para o desenvolvimento do sujeito.
Voltando um pouco nosso olhar para a cultura da mãe total, ela é perigosa
a partir do momento que ignora o próprio desenvolvimento infantil. Um
bebê humano recém-nascido precisa vitalmente de um cuidador, que na
maioria dos casos é a figura materna (sem excluir os casos de adoção e
fertilização homoparental). No entanto, um bebê que cruza a fronteira
da exterogestação, ou seja, após os três meses de vida, necessita e tem
desejo pelo mundo externo. Basta você observar mais atentamente o fa-
moso salto dos quatro meses, onde os bebês fazem aquisições cognitivas
importantíssimas e passam a demonstrar um forte interesse por tudo o que
está ao seu redor. Isso ajuda o leitor a pensar que: sim, em um determi-
nado momento a mãe precisa ser e estar dentro da ilusão da totalidade,
mas, conforme o bebê vai se desenvolvendo, ele precisa de todo o resto.
A mãe precisa ceder à sua onipotência para autorizar a criança em sua
descoberta de todo um universo externo. A dependência do bebê da mãe
passa a ser então, relativa.
Ainda pensando sobre a fantasia da maternidade total, julgo importante

pensarmos no bebê enquanto um ser social. Ele nasce em um tecido social:
em uma cidade, em uma família, em um governo, em um continente. Isso
para dizer que, todo o entorno da mãe não tem apenas uma mera impor-
tância, mas é fundamental. A fantasia da onipotência é tão frequente que
é comum as mães se referirem a seus bebês como absolutamente seus.
Acontece que nesse "ato falho" elas se esquecem que um bebê, ao nascer,
é da sogra, da avó, do pai, da professora, da madrinha, do irmão. O bebê
não é uma propriedade privada, ele é um ser social.
114 Nicole Cristino

A mudança do papel social da mulher trouxe transformações radicais.
Se antes ao homem cabia a função de prover o lar, hoje a possibilidade
da autonomia financeira da mulher traz consigo uma série de rearranjos.
No ínterim da inserção da mulher no mercado de trabalho, há também o
avanço da ciência e o surgimento da própria Psicologia. Os estudos sobre
psicopatologia e desenvolvimento infantil trazem consigo a análise do papel
da família na constituição do sujeito. O pai, antes muito coadjuvante, é con-
vocado a desempenhar funções e a exercer ativamente seu papel paterno.
Pensar o bebê enquanto ser social nos leva a outra questão importantís-
sima nos altos índices de adoecimentos psíquicos perinatais (em torno da
gravidez, pós-parto). Muito frequentemente se atribui à mãe a responsa-
bilidade por seu adoecimento. Uma mulher, por exemplo, que desenvolve
um quadro severo de depressão após a chegada do seu filho, costuma
ser imediatamente estigmatizada como ingrata, uma mãe má. Como se o
adoecimento psíquico fosse da ordem da escolha: “Ah, justamente agora
que esperei todos esses meses pela chegada do meu bebê, vou ali na
farmácia pedir 250mg de depressão." O mesmo acontece nos casos de
suicídio materno, ou os ainda mais trágicos casos de infanticídio. Não,
absolutamente não. É preciso entender o componente social que há por
trás desses índices e sobretudo nos questionarmos: onde está o entorno
da mãe? De que modo está contribuindo para prevenção? Onde estava o
entorno da mãe que não identificou ou serviu de suporte para evitar tais
desfechos? Lembrando que o entorno não se resume ao companheiro, ou
à família. Há uma responsabilidade no trabalho, nas políticas públicas de
saúde, na sociedade como um todo.
Mulheres estão adoecendo mentalmente e de modo crescente por cul-

turalmente estarem centralizando múltiplas tarefas, com pouca rede de
apoio e tecido social. Uma a cada quatro mulheres desenvolve depressão
pós-parto no nosso país, e esse índice não é ao acaso, possuímos uma das
mais curtas licenças maternidade e paternidade do mundo. O retorno ao
trabalho é um evento extremamente estressor por ser feito em torno do
quarto mês de vida do bebê e muito frequentemente com pouca rede de
apoio disponível. Aliado a esse cenário, há muita culpa carregada pelas
mulheres ao retomarem algo de suas vidas anteriores.
A nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche, em seu livro intitulado Como educar

crianças feministas, traz uma excelente reflexão sobre o conflito: "mater-
nidade x carreira". Pelo contexto do livro, a autora nos faz refletir sobre
o quão importante é para um filho crescer e inspirar-se na realização de
uma mãe que ama o que faz. A mulher que existiu antes da maternidade
é importante e precisa de atenção.
Pensar em saídas viáveis para controlar os índices de burnout materno é,

sobretudo, repensar os acordos familiares. Situando homens e mulheres
equitativamente, falando e difundindo informações sobre saúde mental.
Os arranjos da parentalidade contemporânea precisam ser revistos em prol
de futuros sujeitos mais felizes. Afinal, mãe feliz, bebê feliz.
116 Nicole Cristino

Referências
ADICHE, C. N. Como criar crianças feministas: um manifesto. São Paulo:
Companhia das Letras, 2017.
BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro:

Nova Fronteira, 1980.
BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1949-2019.
IACONELLI, V. Criar filhos no século XXI. São Paulo: Contexto, 2019.
LEAL, F. A. A tristeza comum da mãe: reflexões sobre o estado psíquico do

pós-parto. Curitiba: CRV, 2019.
MONTEIRO, E. A culpa é da mãe: reflexões e confissões acerca da maternidade.

São Paulo: Summus, 2019.
WARNER, J. Mães que trabalham: a maternidade na era da ansiedade. São

Paulo: Campus, 2005.
WINNICOTT, D. O bebê e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
WINNICOTT, D. A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Zarar, 1977.
118 Nicole Cristino
Leonardo
Piamonte
33leonardopiamonte@gmail.com
55www.paternidadesemfrescura.
com.br
77@paternidade_sem_frescura
• Graduado em Psicologia na Facudacion Universitaria Konrad Lorenz, em

Bogotá, Colômbia.
• Colaborador ocasional do site PapoDeHomem.
• Co-criador do podcast Balaio de Pais.
• Membro da equipe de colaboradores do Colo Familiar e do Espaço Mãe,
em São Paulo.
• Escritor, palestrante e estudioso das questões de gênero, saúde emocio-
nal, paternidade e masculinidade.
• Atua em São Paulo, onde coordena grupos de homens, iniciativas voltadas
à paternidade e dá palestras sobre equidade de gênero e masculinidade.
• Pai do Pipe, Pepe e Guto.
Paternidade hoje: um olhar além da procriação,
proteção e provisão
Gosto de perguntar aos homens que se tornaram pais recentemente ou que

estão esperando a chegada de um bebê sobre o que sentiram no momento
em que ficaram sabendo que seriam, de fato, pais, ou no momento em que
foi decidido que fariam esse papel. A maioria das respostas que ouço inclui
a palavra medo, ansiedade e apreensão. Muitos homens também relatam
sentimentos de alegria, felicidade, que após um minuto ou dois de conversa
acabam se esvaecendo entre considerações sobre as mudanças na vida, as
despesas, responsabilidades e os novos desafios e expectativas com os quais
esse homem deverá lidar daqui para frente.
O medo do desconhecido é uma função biológica e adaptativa. Sem ele, te-

ríamos sucumbido como espécie milênios atrás. O medo nos manteve vivos e
nos permitiu chegar até aqui. Mas o que há de desconhecido na paternidade
que nos assusta tanto? Que nos faz pensar primeiro em custos, despesas,
cadeirinhas, carros maiores, escolinhas, logísticas, e tempos e movimentos?
Nos preocupamos ao refletir se seremos bons pais, se vamos dar conta, se
vamos dormir só meia hora por dia, se teremos que abrir mão das atividades
de lazer, dos amigos, da carreira como jogador de futebol de final de semana,
do churrasco, da paz e da tranquilidade. Pensamos nas coisas que podem dar
errado, nas complicações, na doença rara, no relato da internet, na morte.
A chegada de um filho ou uma filha é realmente um ponto de virada para qua-

se todo mundo (quase, porque há 5,5 milhões de brasileiros cujas certidões
de nascimento têm o campo do nome do pai em branco, muitos desses pais
entendem a paternidade como um item opcional, como pedir a pizza com ou
sem cebola ou colocar banco de couro no possante). A apreensão é normal, o
medo é comum, a ansiedade é, de fato, um bom sinal de que a paternidade está
mexendo conosco. Mas como lidar com isso e, especialmente, como enfrentar
e viver plenamente o que está por vir?
120 Leonardo Piamonte

As imagens que temos da paternidade certamente são de pouca ajuda. Muitos
homens tiveram experiências pouco gratificantes com seus próprios pais. Muitos
de nós nutrimos sentimentos ambíguos pela figura paterna, e mesmo quem
teve um pai presente e carinhoso sabe que as épocas mudaram, que os tempos
são diferentes e exigem novas habilidades e atitudes. Além disso, crescemos
vendo pais totalmente desastrados na telinha e achando totalmente normal.
Lembra-se do Fred Flintstone, por exemplo? Era um cara que andava de cueca
pela casa, urrava o nome da mulher cada vez que precisava de alguma coisa,
tinha um problema sério de ludopatia (vício no jogo), não conseguia usar nenhum
dos utensílios do lar sem quebrar ou estragar alguma coisa e, mesmo sendo
carinhoso com a filha, perdia a estribeira em cada capítulo e protagonizava
cenas de violência doméstica, quebrando coisas e gritando com todos. Ou
que tal Homer Simpson ou Peter Griffin? Ou o pai da Peppa Pig, um porquinho
atrapalhado que não consegue conquistar o mínimo respeito ou autoridade
com os seus filhos e que depende da esposa sobrecarregada e diligente para
não morrer de fome ou por algum descuido?
Crescemos vendo filmes em que o pai é desastrado, irresponsável, imaturo,

atrapalhado, inconsequente, mesquinho e egoísta. Vimos anúncios comerciais
como aquele de uma marca chamada Clorox, que comparava os maridos aos
cachorrinhos da casa, dizendo que ambos são cheios de carinho e boas inten-
ções, mas no fim acabam só fazendo bagunça mesmo. Ou aquele da Huggies, a
marca de fraldas, que afirma que as fraldas são tão boas e tão simples de usar,
que até um pai consegue. Aprendemos que pais são bobos, eternos meninos,
a criança mais velha da casa, tão dependente da mãe quanto os filhos.
Eu entendo que se você está lendo este livro é porque esse imaginário já não
o representa, e porque sente que há algo a mais nessa história de paternidade
que vale a pena almejar e construir.
A verdade é que já há algum tempo a paternidade (e a masculinidade no geral)

vem passando por um momento de revisão. Parece que os modelos que conhe-
cíamos até pouco tempo atrás estão se descobrindo incompletos e insuficientes.
Paternidade hoje: um olhar além da procriação, proteção e provisão 121

Criamos uma sociedade em que um bom pai era um pai que fornecia o sustento
(não surpreende que Fred Flintstone e Homer Simpson sejam tão populares,
pois mesmo sendo os piores modelos possíveis, eram maridos fiéis, homens
bem-intencionados e, especialmente, trabalhavam e traziam o pão para casa).
Hoje as mulheres lutam para continuar conquistando um mundo de trabalho mais
justo e igualitário, ocupando cada vez mais posições de poder e de decisão em
esferas públicas e privadas. As mulheres hoje têm mais anos de escolaridade
que os homens (sendo que no censo de 1900 o analfabetismo entre elas era
quase total). Elas produzem metade das pesquisas científicas nacionais e, em-
bora ainda distante das realidades internacionais, a mulher brasileira também
vem inserindo discussões importantes e inéditas na política do país. Embora
a igualdade salarial entre homens e mulheres possa demorar 202 anos para
acontecer de fato, o movimento foi iniciado, e nosso papel como provedores
exclusivos será cada vez mais relativo.
Outro exemplo, um bom pai também era aquele que protegia. Víamos o pai como
uma figura heroica, que chegava para colocar fim a um conflito ou eliminar uma
ameaça. Construímos a figura do sogro como o guardião da pureza e castidade
da filha inocente, armado e pronto para agir. Acompanhamos recentemente
pelos telejornais pais agredindo uma criança pequena que teria machucado o
filho deles, agindo como protetores. Claro que proteger os filhos é uma missão
importante, não só dos pais, mas de uma sociedade como um todo, de um go-
verno que promove políticas públicas. Nisso falhamos grotescamente, nós nos
importamos apenas com algumas crianças, enquanto passamos por cima de
outras e as marginalizamos na sua pobreza e miséria, mas isso é outra discussão.
A proteção necessária no período neolítico, no período medieval ou no começo

do século passado, hoje parece um tanto exagerada. É claro que há atrocidades
que cometemos como nação, com tantas das nossas crianças desfavorecidas e
historicamente excluídas, e não podemos descansar até que a real proteção da
infância aconteça, onde quer que essa infância se desenvolva, mas em linhas
gerais, a infância está relativamente bem protegida. Parece mais coerente

trabalhar em um nível mais avançado: o cuidado. Devemos realmente proteger
nossas filhas de todos os estupradores potenciais que estudam com ela na
escola que escolhemos? Devemos realmente proteger nossos filhos meninos
de todos os outros assassinos cruéis que brincam com ele no parquinho do
local onde decidimos morar? É sempre bom ficar de olho, claro.
Mas será que um olhar atento, noções de autocuidado, de autoconheci-

mento emocional e uma relação de confiança, em que a nossa filha possa
se sentir segura com suas decisões emocionais e sexuais, sem medo de
ser condenada e repreendida (primeiro por nós e depois pela sociedade),
não faz mais sentido para uma vida familiar mais gratificante? Para uma
vida mais plena da nossa filha? Será que nossos meninos não podem ser
educados no cultivo de relações significativas e respeitosas, em que não
reforçamos que menino bom é o menino que tem “namoradas” (assim, no
plural, como a titia pergunta no Natal... “e as namoradas?”), as quais está
disposto a enganar e ludibriar para obter uma vantagem sexual e com isso
exibir esse troféu perante outros meninos tão mal educados emocionalmente
como esse primeiro? Ficamos preocupados mais com a possibilidade do
nosso filho homem engravidar uma menina e isso estragar os planos que
temos para ele (e os dela?), do que com o dano emocional que ele causa
em seu afã de querer transar indiscriminadamente, para ser o pegador
que tanto desejamos. E se em vez de pedirmos a ele para simplesmente
se proteger – o que, claro, é muito importante – pedirmos para cuidar de
si e dos outros (e das outras).
Precisamos mesmo de piadinhas do tipo em que o homem, pai de menina,

deixa de ser consumidor para ser fornecedor? Precisamos dizer que nosso
bebê de dois anos vai ser o terror das menininhas porque está brincando com
uma menina no escorregador? Ou dizer que uma menininha dançando é uma
que “vai dar trabalho”? A paternidade também se apresenta como um convite
para nosso amadurecimento.

Os pais hoje percebem que, cuidando, são mais eficientes. Os estudos mostram
que há uma relação muito forte entre sermos pais engajados na criação dos filhos
e a capacidade deles na resolução de problemas como: melhores pontuações
de QI, menos envolvimento com crimes, rejeitar substâncias ilícitas, evitar o
abandono escolar e problemas de saúde mental e emocional. Há um corpo
enorme de pesquisas que correlacionam a ausência do pai com o comporta-
mento sexual precoce e a gravidez na adolescência, por exemplo. Podemos
pensar que um pai presente é mais eficiente para reduzir a probabilidade de
uma gravidez indesejada do que um pai super protetor.
Há uma ideia um tanto primitiva por trás desse zelo que considera a filha como
uma propriedade a ser velada, protegida, preservada. A gente já se preocupou
alguma vez com a possibilidade de nossos filhos homens serem ludibriados por
uma garota esperta e acabarem fazendo sexo com ela só por uma noite, sem
ela ligar para sentimentos dele no dia seguinte?
Durante milênios nos construímos como homens para sermos pais assim: pro-
criadores, protetores e provedores (Os três “Ps” da paternidade tradicional).
Aos trancos e barrancos chegamos até aqui, não sem uma boa dose de so-
frimento para todo mundo. Hoje, podemos evoluir como espécie mediante
nossa paternidade. Observe um exemplo, a procriação hoje não é nem mais
exclusiva. Podemos ser pais socioafetivos de crianças que não geramos e ter
uma paternidade plena, por exemplo. Casais homoafetivos adotam crianças,
implantam óvulos fecundados, alugam barrigas. O pai provedor vai ficando
obsoleto se comparado com o pai que apoia e acredita no desenvolvimento
pleno da mulher, dividindo os fardos e multiplicando as alegrias.
A ideia do pai que protege vai além e se transforma em outra, muito mais revo-
lucionária e gratificante: a ideia do pai que não só protege, mas que também
cuida. O cuidado acontece no detalhe (os uniformes estão limpos?), no dia a dia
(conheço o dia a dia na escola? Sei o nome dos professores? Consigo escalar
o saudoso Palmeiras de 1972, mas não consigo citar três amiguinhos dela na
creche?) Nos momentos corriqueiros (quando tem que marcar dentista?). A pro-

teção ocorre, como no caso do herói, só quando o negócio está pegando fogo.
Um herói aparece, resolve uma “treta” e, assim como apareceu, desaparece.
Ninguém sabe se ele está bem, se está machucado, se quer um bolo com café
antes de ir embora, antes disso já se foi. Atrás só fica o lastro de destruição,
ruínas, fumaça e carros virados com os pneus para cima, mas a confusão foi
resolvida por ele, um ser que nem sabemos direito quem é. Já o cuidado é
sutil, diário, e muitas vezes pouco celebrado ou até percebido. Mas os efeitos
são sentidos. Talvez a melhor analogia tenha a ver com cuidar de uma planta.
Podemos colocar um espantalho na frente de uma planta, livrando-a de corvos
e outros bichos do mal (tanto reais quanto imaginários), mas se não podamos,
regamos, arrancamos as ervas daninhas e tratamos com amor, a planta não
dará flor, tampouco fruto e, mesmo com o espantalho mais robusto, será uma
planta murcha.
Claro que uma planta bem cuidada, bem tratada e querida é uma planta mais
feliz e mais próspera, mas há um lado dessa história que não podemos perder
de vista: a satisfação do jardineiro pelo simples ato de cuidar, responsabilizar-
-se e assumir um propósito de vida que vai além dele mesmo, que diz respeito
a outro ser, que cresce independente. Como homens, os novos tempos nos
convidam a sermos jardineiros, não espantalhos.
Finalmente, há uma constatação de que estamos ignorando um tesouro

enorme, estamos sentados em cima de um recurso rico e poderoso que
ainda não exploramos. Durante milênios concentramos nossos olhares no
horizonte, e não vimos que o ouro estava, o tempo inteiro, bem na nossa
frente. Há uma sensação de satisfação enorme, indescritível quase, que
nos inunda quando um filho pede um conselho, quando compartilha algo
do seu dia. Há uma sensação de dever cumprido perante um bebê que
adormece no colo, um cheirinho de banho tomado. Há uma força sólida e
duradoura que se cria quando nossa filha nos abraça, beija e não tem medo
de manifestar seus sentimentos aos 3, 12 ou 25 anos. Um bebê que sorri
para seu pai na penumbra de um quarto é um sol que ofusca os problemas
e as preocupações.

Ver nossos filhos crescendo e cultivando intimidade conosco, dividindo,
compartilhando e procurando colo, conselho, olhar atento e o exemplo
construtivo nos dá a energia pura que deixa a nossa vida mais iluminada,
mais rica. Como homens, podemos ser responsáveis e carinhosos, protetores
cheios de cuidado e educadores firmes e potentes sem dar um grito sequer,
sem um ato de violência. Podemos ser autoridade sem um único gesto de
autoritarismo. O respeito é mais duradouro e sincero quando admiramos
quem nos educa do que quando tememos quem nos castiga. Podemos
evoluir nessa direção. E juntos. Você não acha?

Referências
BERECZKEI T., CSANAKY A. Evolutionary pathways of child development: Lifestyles of
adolescents and adults from father-absent families. Human Nature. 1996;7:257–280.
CARVALHO, L. Casal segura menino para que filho o agrida no DF. G1. Seção do Distrito
Federal, 12 de dez. de 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/df/distrito-federal/
noticia/2018/12/12/casal-segura-menino-para-que-filho-o-agrida-em-condominio-no-
-df-veja-video.ghtml>. Acesso em: 20 dez. 2019.
Cheesbrough S., INGHAM R., MASSEY D. A review of the international evidence on
preventing and reducing teenage conceptions: The United States, Canada, Australia,
and New Zealand. London: Health Education Authority; 1999.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. www.cnj.jus.br 2013, capitulo II sobre cidadania,
disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/relatorio_anual_cnj.
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KRISCH, J. The Science of Dad and the “Father Effect”.Fatherly. Seção Health and
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www.nsctotal.com.br/noticias/mulheres-aumentam-escolaridade-em-relacao-aos-ho-
mens-mostra-pesquisa>. Acesso em: 20 dez. 2019.
WOODWARD, L.; PETTIT, G.; HORWOOD, J. Does Father Absence Place Daughters at
Special Risk for Early Sexual Activity and Teenage Pregnancy? Child Development,
maio de 2003, John Wiley and Sons Publishing.
WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Gender Gap Report 2018. Disponível em: <ht-
tps://www.weforum.org/reports/the-global-gender-gap-report-2018>. Acesso em: 12
dez. 2019.

Andréa Mesquita
CRP 07/08633
11(51) 99922-0899
33asmesquita2017@gmail.com
33andrea@fluence.com.br
77@psicoasm
77@clinicafluence
• Graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

(PUCRS).
• Formação em Psicoterapia Individual, Familiar e de Casal – Abordagem
Sistêmica Integrativa pelo Instituto da Família de Porto Alegre (INFAPA).
• Sócia da Clínica Fluence, com as especialidades psicologia, fonoau-
diologia e psicopedagogia, localizada no complexo empresarial Barra
Shopping Sul, em Porto Alegre, RS.
• Atua em clínica, com atendimentos individuais, casais e famílias, especial-
mente com famílias de crianças e adolescentes.
• Atua na área de avaliação psicológica, psicodiagnóstica e neuropsicológi-
ca de crianças e adolescentes.
• Atuou por quinze anos na área recursos humanos, como psicóloga
organizacional, gerindo setores de saúde do trabalhador, recrutamento e
seleção, treinamento e desenvolvimento.
• Casada com Luís Carlos (juntos há 21 anos).
• Mãe da Rafaela (15 anos) e do Lucas (10 anos).

Tecer, nutrir e acolher: a função da rede de apoio
na construção da nova família
Casais, mulheres, homens, mães, pais, tentantes, adotantes, gestantes, profis-

sionais de saúde e de educação, todos aqueles que se interessam pelo tema da
parentalidade, em todas suas configurações familiares e afetivamente dispostos
a viver essa potente experiência, convido-os para uma amorosa reflexão sobre
as redes de apoio, que são formadas por pessoas e estruturas, com a função
de dar suporte nessa etapa de formação de uma nova família. Meu objetivo
é tornar essa leitura uma conversa, uma troca, e acionar em você diálogos
internos que posteriormente se tornarão parte de uma comunicação fluida
com sua rede de apoio.
Quando surgiu o convite para “falar” sobre rede de apoio, logo pensei nessa
rede como uma renda tecida manualmente, uma estrutura com um padrão que
possibilita a inter-relação dos seus nós, bem amarrada (segura), delicada (afetiva
e cuidadosa), com desenhos definidos (limites e fronteiras). Uma rede de apoio
deve ser estabelecida com funções comunicadas claramente e de forma honesta
e amorosa, pois quem está chegando merece todo esse investimento. Ou seja,
a comunicação é uma das bases para que essa tarefa seja cumprida com êxito.
Quando nos preparamos para a parentalidade, no que se refere à temática da

rede de apoio, pensamos na relação de avós, dindos, tios, primos, amigos,
escola, trabalho, especialistas e tantos outros círculos sociais, familiares e
afetivos. Nessa etapa é inevitável surgirem sentimentos ambivalentes e até
contraditórios, também permeado por dúvidas: o que é, afinal, uma rede de
apoio? Quem poderá ser nossa rede de apoio? É preciso falar sobre esse as-
sunto com nossa rede? Isso não é automático e óbvio? Conseguiremos contar
com esse apoio? De que forma? Como ficará nossa privacidade? Quais são os
limites? O que ganhamos e o que perdemos com a chegada dos filhos? E como
nossa rede pode nos auxiliar nisso? Essas perguntas nos remetem aos princípios
básicos para um bom estabelecimento e funcionamento dessa ferramenta de
130 Andréa Mesquita

acolhimento, segurança e pertencimento. Refletir sobre esses papéis nos auxilia
nessa jornada desafiadora que é a passagem da relação de casal para tornar-se
uma família, em busca de qualidade em suas relações.
Quando pensamos em rede de apoio, precisamos pensar sobre conceitos, tipos

e estruturas familiares. Eu me identifico principalmente com a teoria estrutural
familiar e com seu criador, Salvador Minuchin, psiquiatra argentino, que pressu-
põe a família como uma relação entre gerações. Essas relações familiares entre
gerações dizem respeito a um grupo social natural que enfrenta uma série de
tarefas de desenvolvimento, reunindo a função social biológica e psicológica.
É na família que acontecem nossas primeiras relações sociais, relações com
autoridades (pais, avós) e de pares/iguais (irmãos, primos), é uma preciosa
oportunidade de exercitar nossas futuras relações.
Cada nova família nuclear que se forma carrega partes de todas as gerações
de suas linhagens em transformação constante, que chamamos de transgera-
cionalidade. Nesse sentido, um novo membro, especialmente o primeiro filho,
irá inaugurar novos papéis internos: o surgimento do casal parental (pais),
transformação dos pais dos pais em avós, irmãos em tios; e externos: mães e
pais trabalhadores, mães e pais cuidadores, amigos do casal (tios emprestados),
babás, escolinhas, especialistas como pediatras e psicólogos, entre outros.
Aprofundando esses movimentos do casal e da nova família, é importante

refletir sobre a transição da individualidade dos parceiros para a conjugalida-
de – enquanto casal – e da conjugalidade para a parentalidade – papel de
mãe e pai – e junto a essas transições é necessário refletir sobre suas tarefas
e reflexos na relação com a rede de apoio.
De acordo com Hintz, Dellazzana-Zanon e Baginski (2015), a fase de transição

da conjugalidade para a parentalidade é uma importante fase do desenvolvi-
mento do ciclo vital familiar, em que o casal precisa definir seu estilo próprio
de família, construir objetivos de vida em comum. Nessa etapa de construção
da conjugalidade é preciso estabelecer certo distanciamento da família de
origem de ambos para o bom funcionamento do casal, e futuramente para
Tecer, nutrir e acolher: a função da rede de apoio na construção da nova família 131
um bom exercício da parentalidade. Segundo Falceto e Waldemar (2009), um
casal atento a esses aspectos da vida a dois, deve estabelecer um estilo de
relacionamento que, embora parecido, seja também diferente do funcionamento
das famílias de origem. O resultado dessa construção mútua feita pelo novo
casal é uma espécie de nova cultura a dois, e que, em função das profundas
transformações na vida do casal, é desejável que a chegada do filho aconteça
após esse período de adaptação inicial.
Falceto e Waldemar (2009) sugerem tarefas que precisam ser colocadas em

prática antes da chegada dos filhos: a. boa comunicação; b. habilidade para
lidar com os problemas típicos do início do casamento; c. divisão de poder –
equilíbrio do par; d. manejo do dinheiro; e. tarefas domésticas; e f. autonomia
em relação às famílias de origem de ambos.
Com a decisão da chegada do primeiro filho há uma tendência de aproximação

com a família de origem e com a rede de apoio definida pelo casal. Pesquisas
apontam a rede de apoio durante a gestação como fator de proteção ou de
risco. Como fator de proteção, uma rede de apoio bem estabelecida funciona
como fonte de segurança, afeto, proteção e bem-estar; em contrapartida, a
falta de uma rede de apoio adequada poderá contribuir com o aumento de
dificuldades, como a depressão pós-parto, dificuldades no aleitamento materno,
prejuízos nos vínculos da nova família. Por conta disso, a rede de apoio deve
ser composta por pessoas significativas e que façam a diferença no apoio a
essa nova família.
Outro aspecto essencial no estabelecimento da rede de apoio é a definição

dos limites e/ou fronteiras dessas pessoas para com a criança e o casal. Para
algumas famílias esse é um tema tratado com certa tensão, podendo ser gerador
de conflitos e incertezas. Por conta dos conteúdos mobilizadores, é importante
compreender a variação dos modelos familiares, que dizem respeito à forma
como a família é estruturada, como ocorrem as inter-relações entre as pessoas
que a compõe e como são observadas as demarcações de fronteiras no relacio-
nar-se um com o outro. A partir desse entendimento de como são observados

e classificados os estilos de famílias, as variações podem transitar entre dois
extremos, sendo elas mais “aglutinadas” ou “desligadas”.
As famílias aglutinadas têm um estilo “um por todos e todos por um”. A identidade
grupal é mais evidente, o que dificulta a individualização de seus membros. Nesse
sentido, todos participam da vida de todos, e isso é válido para a resolução de
problemas também. Ou seja, quando uma pessoa tem um problema, ele passa a
ser de todas as outras pessoas da família. Opiniões, ajudas, interferências sem
limites são “distribuídas” e “cobradas” como demonstração de afeto. É o tipo
de família em que ninguém entra, ninguém sai e ninguém cresce. A privacidade
e individualidade são sinônimos de desamor e abandono. As fronteiras e os
limites são fracos e todos invadem. Nesse sistema familiar os membros com
personalidades mais marcantes, que buscam ser mais independentes, com
opiniões próprias, acabam tendo dificuldades e desentendimentos em função
de lutarem pela mudança, e muitas vezes são chamados de “ovelhas negras”
por serem diferente do restante do grupo.
Já as famílias desligadas são o oposto das aglutinadas, nelas há um alto grau de

autonomia para seus membros, cada um é responsável por si mesmo, seu estilo
é “salve-se quem puder”. As fronteiras e limites são muito rígidos, e quando há
disponibilidade de algum membro, ele poderá ser visto como inimigo ou intruso.
Nessas famílias há pouco ou quase nenhum calor afetivo, apresentam prejuízo
em seus sentimentos de pertencimento e lealdade, e geralmente não pedem
ajuda, tampouco se disponibilizam a auxiliar o outro. Há distanciamento entre os
subsistemas fraterno (filhos) e parental (pais). Apresentam sentimento distorcido
de independência, que por vezes se baseia na mágoa e no não pertencimento.
Esses são alguns exemplos desses extremos, chamamos de polarizações. De-

pendendo do grau e da intensidade do modelo familiar, poderá haver prejuízos
para o casal de pais e, consequentemente, para o estabelecimento da rede de
apoio. Entre os extremos há uma graduação de estilos mistos, ou seja, a busca
pela integração desses aspectos é o desafio neste caso, o alvo é o ponto de
equilíbrio! Dessa forma é importante que o casal tenha consciência do estilo
familiar de cada um, para posteriormente estabelecer seu próprio estilo de
família. Se as fronteiras não forem claras e bem estabelecidas, havendo ainda
um excesso de pertencimento do pai/mãe com sua família de origem, essa
rede de apoio pode gerar conflitos no modo de educar os filhos e até mesmo
no relacionamento entre o casal.
Observar os modelos familiares e encontrar o próprio modo de organizar sua

família, não significa abandonar a sua família de origem, tampouco de julgar
o que é certo e errado. Por isso é muito importante que haja nessa etapa uma
reflexão sobre as vivências de cada indivíduo do casal sobre suas famílias de
origem, e que essa reflexão possa proporcionar um diálogo claro e honesto,
sobretudo sem julgamentos ou acusações, na intenção de criar seu próprio
estilo familiar.
Qual é o estilo da sua família de origem? Quais são

os prós e contras desse estilo?
Aqui vai um desafio com algumas ideias e reflexões para um acordo do estilo
familiar e ajustes de rede de apoio, reflitam juntos sobre as tarefas abaixo:
a) Quais são seus compromissos como casal conjugal? (Romance, lazer a dois,
gestão de conflitos, individualidade, sexualidade, ciúmes, vida profissional,
uso de redes sociais, dinheiro, fidelidade.)
b) Quais são seus compromissos como pai/mãe? (Práticas educativas, cuidados

com os filhos, lazer em família, conhecimento sobre desenvolvimento infantil.)
c) Quem irá compor a rede de apoio inicial (possíveis nomes)? (Apoio afetivo/
emocional do casal, mãe e pai, apoio operacional com a rotina da casa,
alimentação, apoio no cuidado com o bebê/criança, apoio nos cuidados
com a mãe — (puerpério e pós-parto.)
d) Quais são os limites/fronteiras após a chegada do filho? (Acordo sobre as

fronteiras, definição de quem, quando e como comunicar a decisão do casal.)

Outro ponto fundamental no estabelecimento da rede de apoio é o papel do
companheiro. Sua participação ativa e adequada possibilita maior sentimento
de proteção e segurança, favorecendo a saúde emocional da mãe e do vínculo
com o bebê/criança.
Todo suporte para esse período deve estar ancorado no vínculo do casal conju-
gal, baseada na generosidade e no amor, no apoio mútuo, na liberdade individual
e no desejo de acompanhar lado a lado o outro no seu desenvolvimento pessoal.
Como casal e família estamos o tempo todo em transformação, é preciso estar
atentos a essa dança, caprichar nos passos, ser generoso com a apresentação
do outro, isso chama-se mutualidade, uma característica potente dos casais
e famílias saudáveis e fundamental para os participantes da rede de apoio.
Ao longo do desenvolvimento da família, a rede de apoio vai transformando-se,

agregando novas necessidades e desativando outras, mas todas as etapas
ficam registradas. É como se a pequena toalha de renda pudesse ser ampliada
para continuar cumprindo sua função de apoio e sustentação. Nesse contexto
surgem as babás, escolinhas e outros especialistas.
Com a ampliação da consciência em relação aos aspectos que norteiam o rela-

cionamento como casal, pais e família, as tarefas que se tornam mais complexas
com a chegada do primeiro filho tendem a ficar mais prazerosas e possíveis
com a presença de uma eficiente e amorosa rede de apoio.A renda bem tra-
mada, com paciência e afeto, já está pronta para cumprir sua missão, que vai
transformando-se durante a jornada familiar.
Finalizando a renda, o nó de acabamento

Existe um provérbio africano muito citado que diz: “É preciso uma aldeia inteira para
educar uma criança”. Ou seja, esse é o papel da rede de apoio bem estabelecida,
geradora de saúde emocional e qualidade nas relações da criança e do casal.
Agora que você já tem clareza de quem faz parte da sua aldeia, refletiu sobre
as mudanças e as tarefas para essa etapa, é chegado o momento de comunicar
as decisões para sua rede e dar significado às escolhas, sugiro um ritual para
materializar e festejar esse belo encontro, um “nó de acabamento”. Um ritual
envolvendo a formação da rede de apoio para a chegada de um filho funciona
como um “arremate” de todos os aspectos e reflexões sobre essa mudança
no ciclo familiar que tratamos nessas páginas. Sugiro que este livro circule e
que os participantes da rede façam a leitura do capítulo e registrem nestas
páginas, em forma de assinatura, recadinhos e desenhos, uma manifestação
de sua intenção ao fazer parte dessa “aldeia” e essa será uma lembrança da
potência das relações saudáveis. Porque relações saudáveis são possíveis e
viáveis. Vamos praticar?

Referências
HINTZ, H. C.; DELLAZZANA-ZANON, L. L.; BAGINSKI, P. C. H. Transição da con-
jugalidade para a parentalidade: implicações da chegada dos filhos para a
relação conjugal. In: ALMEIDA, T. (Org.). Relacionamentos amorosos: o antes,
o durante... e o depois. 3.ed. São Paulo: PoloBooks, 2015.
FALCETO, O. G.; WALDEMAR, J. O. C. Famílias com bebês. In: Osório, L. C.;

VALLE, M. E. P. do (Org.). Manual de terapia familiar. Porto Alegre: Artmed,
2009, p.235-246.
MINUCHIN, S. Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Mé-

dicas, 1990.
Cláudia Resende
CRP 06/35268
33claumresende@hotmail.com
77@claudiaresende.psico
66Cláudia
Educação
Resende – Psicologia e
• Psicóloga escolar e clínica graduada pela Universidade de Santo Amaro

(UNISA).
• Especialista em coaching parental, certificada pela Parent Coaching Brasil.
• Pós-graduada em Psicopedagogia, pela Faculdades Metropolitanas
Unidas (FMU).
• Especialista em Educação Infantil (atua há 35 anos na área da educação,
como coordenadora pedagógica em escolas da rede particular).
• Parecerista de material pedagógico para a educação infantil.
• Atua em consultório na cidade de Bauru , SP, e on-line. Atendimentos
individuais e de casais.
• Casada com o Resende há 32 anos.
• Mãe da Marina (26 anos) e da Giulia (18 anos).
Conexão parental
Neste capítulo convido pais e mães a refletirem sobre a conexão que estão
estabelecendo com seus filhos.
Conforme definições do dicionário, conexão significa ter uma ligação, uma

relação de dependência, com lógica e coerência. Parental é relativo aos pais,
que conjunta ou separadamente assumem a responsabilidade nos cuidados
de uma criança. Portanto, conexão parental é uma sintonia afinada, entre pais
e filhos, que exige uma disponibilidade interna, por parte dos pais, para uma
vivência saudável e amorosa.
O educador e filósofo Mário Sérgio Cortella corrobora com a ideia quando cita
com muita clareza “Primeiro os pais”, ou seja, cuidando desse pai e dessa mãe,
será possível atingir a criança e dar mais qualidade para essa relação.
Comumente recebo pais com indagações sobre se estão sendo rígidos demais
ou liberais demais na educação dos filhos, e é aí que está a grande questão:
como educar na medida certa e saber quando corrigir?
Essa questão é muito delicada, primeiro porque os pais querem ser perfeitos,
e essa perfeição não existe, devem ser bons o suficiente e aceitar seus erros e
acertos. Sempre digo aos pais que, quando temos filhos, o sentimento mais fácil
de desenvolver, além do amor, é a culpa, “se tudo der certo a culpa é minha, e
se tudo der errado, também”. Por isso, os pais não devem buscar a perfeição.
O outro ponto está relacionado com a dificuldade dos pais em lidar com seus
próprios sentimentos, eles se perdem e se confundem perante a doçura e
o encantamento, a turbulência e as dúvidas, os medos e as indecisões que
surgem com a paternidade e a maternidade. É essa diversidade de senti-
mentos que gera as indagações e inquietudes, são esses sentimentos que
vamos olhar com cuidado.
Todos os indivíduos são, hoje, o resultado do que viveram no passado por

meio das experiências ao longo da infância. O que os pais vivenciaram inter-
140 Cláudia Resende

fere, hoje, em suas relações parentais de forma positiva ou negativa. Assim,
aqueles que tiveram um acolhimento em sua infância reagem de forma posi-
tiva, oferecendo ao filho o apoio emocional necessário. Já os que não foram
acolhidos pelos seus pais, e têm sua criança interna ferida, tendem a reagir
negativamente, muitas vezes com atitudes carregadas de agressividade, o
que prejudica a conexão parental desejada na relação.
Historicamente, houve um processo de mudanças sociais e comportamentais,

em geral as famílias eram maiores, moravam próximas, encontravam-se aos
domingos invariavelmente. Os irmãos mais velhos cuidavam dos menores, e
quando não era possível, o filho da vizinha cuidava. Assim, quando se tornavam
pais, as pessoas já tinham um conhecimento prévio sobre como cuidar de
uma criança, sentiam-se mais seguros diante daquele compromisso e, quando
necessário, recorriam aos mais velhos ou aos médicos para aconselhá-los.
Eram as famílias patriarcais (TIBA, 2006), ou seja, era o pai quem detinha todo
o poder sobre a família, todos acatavam as decisões e regras estabelecidas
por ele. Por vezes, tinham as famílias matriarcais. As mães tinham voz ativa
e comandavam a estrutura familiar.
Os filhos dessa época tendem a ter marcas emocionais, em virtude da

rigidez que existia nas relações parentais. Existia o amor, porém, em geral,
com um distanciamento físico e emocional que prejudicava as conexões
entre pais e filhos.
Mas, se essas pessoas abandonassem aquele modelo, o que colocariam no

lugar? Quais seriam os caminhos a seguir na educação dos filhos? Como pode-
riam fazer diferente para que suas crianças não se sentissem desconectadas e
com as marcas emocionais que eles tiveram?
Foi então que, em oposição ao que se tinha vivido na infância, os pais “se
atiraram” ao extremo oposto, e os filhos começaram a dar as ordens em casa.
Ordens simples como: “Eu vou sair de vestido” (em pleno inverno) ou “Hoje
quero comer pizza no jantar” etc.
Conexão parental 141

Diante dessas mudanças e com o poder de persuasão da criança, chegamos a
Infantolatria (NEDER, 2012), ou seja, famílias que não apenas colocam os filhos
como centro, mas que os idolatram desde a tenra idade. Neste contexto, vemos
que muitos pais vivem em situação de submissão aos filhos, acreditando que
isso irá garantir uma tranquilidade familiar e uma conexão parental.
Essa relação de submissão nasce a partir da falta de vivência prática que os pais
de outrora tiveram. Apesar de hoje todos terem muito mais acesso aos estudos
e pesquisas modernas sobre educação, as expectativas de grandes êxitos são
enormes, e as cobranças e críticas, também. Os pais sentem-se mais cobrados
a criar filhos “perfeitos”. E esse misto de sentimentos faz com que os pais sejam
muito reativos em sua forma de agir e não pensem em ações efetivas para uma
educação mais saudável. Os pais precisam cuidar desses sentimentos, pois é
isso que faz com que reajam impensadamente.
A dificuldade em lidar com os próprios sentimentos, faz com que os pais im-
ponham às crianças atitudes e controle emocional que nem os adultos têm.
Por isso, comumente, presenciamos situações que indicam a incoerência de
atitudes dos pais, como:
• “Não grita!” – diz a mãe gritando.
• “Não pode bater!” – diz o pai chacoalhando a criança com força.
• “Tem que seguir as regras!” – diz a mãe que tentou dar um jeitinho para o
filho conseguir algo.
• “Não chora para entrar na escola, você já é uma mocinha.” – diz a mãe que
chora assistindo a filmes.
• “Você tem que fazer sua lição de casa.” – diz o pai que não ajuda nos
trabalhos domésticos.
Nas situações exemplificadas anteriormente, o adulto espera que a criança

compreenda sua desestabilização, filtre e entenda que o sentimento do pai ou
da mãe não deve ser assimilado e repetido. Todavia, quando os pais perdem o

controle em alguma situação, seja com o filho ou não, a criança internaliza toda
aquela “ação descontrolada” do adulto e a reproduz em outro momento. Os pais
não percebem que são suas próprias reações que estão sendo reproduzidas. A
forma com que reagem nos momentos em que os sentimentos tomam os pais
de surpresa é semelhante ao modo como as crianças agem. Os pais devem
buscar a calma para que possam agir de forma coerente ao invés de reagir,
pois as crianças precisam de bons exemplos.
Manter a calma, na maioria das situações, é bastante difícil, não existe receita
pronta e tampouco definitiva, é algo que requer treino e paciência. É como
aprender a andar de bicicleta, a primeira vez parecerá muito difícil, mas com
os treinos é possível adquirir a prática, e quando se der conta, você já estará
pedalando automaticamente.
Para os momentos de estresse familiar vale tentar fazer respirações profundas

antes de agir, sair de perto da criança no momento da raiva, conversar com
alguém próximo colocar uma música relaxante, retomar o assunto com a criança
quando a raiva passar (lembre-se que quando a raiva está grande, perde-se a
razão), tomar um banho, tomar um chá e se for necessário, procurar uma terapia
para cuidar dos sentimentos feridos.
Sabe-se que a criança aprende por meio dos exemplos, a criança imita os
pais em quase todas as situações. Por isso é essencial que os pais sejam bons
exemplos, esse é um caminho seguro para acertos na educação.
Agora responda:
Suas palavras e a forma como você fala tem espelhado o que você deseja
ensinar para seu filho?
Como pais, vive-se um turbilhão de sentimentos positivos e negativos, porém

é necessário lembrar que existe uma missão, que é dar amor e educar. Duas
questões difíceis de serem administradas na rotina familiar.
Um dos grandes segredos que permeiam as relações humanas, e entre pais e

filhos não é diferente, são as ações com equilíbrio. Saber que não é necessário

encarar tudo de forma dura e racional. Há que se considerar acima de tudo os
sentimentos, o prazer e o amor nessa relação tão delicada.
Uma prática para encontrar o ponto de equilíbrio é fazer perguntas para si

mesmo em cada situação diária, por exemplo:
• Isso é bom para meu filho de 2 anos, ou é conveniente para mim?
• Não quero que minha filha vá à excursão da escola porque de fato é perigoso
ou porque vou passar o dia preocupada?
• Não vou tirar a chupeta do meu filho porque tenho dó ou porque vai me
dar muito trabalho?
• Vou dar o celular para ele jogar porque desenvolve habilidades ou porque
quero sossego?
• Vou dar comida na frente da televisão porque, só assim meu filho come ou
porque preciso que ele coma rápido?
Hoje está comprovada a importância do amor, da atenção e do afeto para o

desenvolvimento cerebral das crianças. Os estudos mostram que o carinho
tem ação efetiva no desenvolvimento do hipocampo, estrutura cerebral
essencial no momento de aprender, memorizar e controlar o estresse.
Portanto, é claro o benefício proporcionado a uma criança ao ser criada
em ambiente amoroso.
Concordo plenamente com a importância desse amor para com os filhos. A

educação pelo afeto em uma comunicação não violenta, tem papel fundamental
no crescimento e desenvolvimento da criança, desde seu nascimento. Essa é a
chave para potencializar o bem-estar psicológico e físico de todos ao longo da
vida. Porém, os pais não estão entendendo que esse amor não significa “não
permitir que o filho se frustre”, não estão sabendo nortear a educação dos filhos
com equilíbrio, entre o autoritarismo e a permissividade.
Por exemplo, quando o filho chega em casa reclamando de algum desenten-

dimento com o colega da escola, a primeira reação dos pais é dizer: “Fique

tranquilo, isso não vai mais acontecer, amanhã vou na escola resolver com
a professora."
Os pais querem resolver a situação, porque não querem o filho frustrado.
No entanto, a mensagem transmitida ao filho é a de que ele é incapaz de resol-

ver alguma situação, que a mamãe e/ou o papai estarão sempre prontos para
resolver seus problemas. É importante não assumir os problemas dos filhos,
mas ensiná-los a resolver situações difíceis.
É desrespeitoso não ajudar a criança a desenvolver os "mús-

culos" da frustração. (RODRIGUES, 2018.)
Os pais, perante seu bebê lindo e saudável, idealizam a maternidade e a pater-

nidade como um mundo mágico e esperam que tudo dê certo, de acordo com
o seu ideal. Esperam que os filhos sejam felizes acima de tudo e esquecem
que eles crescem e que as relações conflituosas e frustrantes vão acontecer
desde a primeira infância.
Minha experiência, nestes 35 anos de trabalho com educação infantil, mostra

que educar o filho com regras, limites claros e afetividade é o verdadeiro ato
de amor, são os melhores ingredientes para uma receita de sucesso!
Amar um filho é fácil, mas educá-lo é um grande desafio. A responsabilidade dos

pais é proporcionar o apoio emocional, social e físico de que os filhos precisam
para tornarem-se adultos independentes e felizes, de forma que construam
uma relação saudável com a criança. É possibilitar que andem por caminhos
seguros e de respeito mútuo. Esse caminho só pode ser trilhado com o amor
e limite lado a lado.
Essa relação parental deve ser alimentada diariamente. Quando os pais che-
gam em casa, depois de um dia de trabalho, devem aproveitar o tempo com
o filho, brincando, conversando, interessando-se em saber como foi seu dia,
contando histórias a seus pequenos. Devem dar muitas risadas, muitos beijos
e abraços. E quando o filho falar de suas frustrações e desagrados, devem

conversar, permitir que fale sobre o que causou sua frustração, olhar para ele,
acolher sua tristeza, se interessar verdadeiramente pelo assunto, permitir que
faça perguntas e orientá-lo. Porém, os pais não devem assumir a resolução da
situação, mas incentivá-lo a achar uma boa solução para seu problema.
Todos os pais podem e devem instruir mostrando o certo e o errado, orientar os

filhos para serem pessoas de bom caráter e responsáveis. Demonstrar prazer,
alegria e atenção plena em estar com eles, a cada momento, com regras e
limites claros. Essa é a verdadeira conexão parental!

Referências
ALVES, Rubem. A Escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir.
Campinas: Papirus, 2001.
BETTELHEIM, B. Uma vida para seu filho. Rio de Janeiro: Campus, 1988.
LEVY, D. É claro que eu amo você... agora vá para o seu quarto!. São Paulo:
Fundamento Educacional, 2010.
MASTINE, I; THOMAS, L; SITA, M. (Coord.). Coaching para pais: vol. 2. São

Paulo: Literare Books Interantional, 2018.
NEDER, M. Déspotas mirins: o poder nas novas famílias. São Paulo: Zagodoni,
2012.
TIBA, I. Disciplina: limite na medida certa. São Paulo: Integrare, 2006.
TIBA, I. Quem ama, educa. São Paulo: Integrare, 2006.

Martina
Dillenburg Scur
CRP 07/18934
11(51) 998546979
33martinads.psico@gmail.com
77@martina_neuropsicologia
• Psicóloga graduada pela Universidade Luterana do Brasil.

• Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade de Coimbra
(UC), Portugal.
• Especialista em Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica pela FEEVALE.
• Especialização em Psicologia Hospitalar pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul / Hospital de Clínicas de Porto Alegre (UFRGS/ HCPA).
• Formação em Eating Disorder in Childhood pelo ATI Psychology Institute,
Irlanda.
• Atua em consultório na cidade de Novo Hamburgo, RS, com psicoterapia
individual a crianças e adultos; avaliação e reabilitação neuropsicológica;
atendimento especializado a candidatos a cirurgia bariátrica e tratamento
para obesidade
• Coautora do livro A prática da terapia cognitivo-comportamental nos trans-
tornos alimentares e obesidade. Ed. SINOPSYS, 2016.
• Membro da equipe de desenvolvimento do aplicativo Amar É.
• Sócia da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul (SPRGS).
• Membro do grupo organizador da SPRGS do núcleo de São Leopoldo.
• Conselheira municipal de Saúde de São Leopoldo.
• Membro da Comissão das Especialidades Associadas da Sociedade Brasi-
leira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica ( SBCBM – COESAS).
• Coordenadora do projeto SAO KIDS – tratamento multidisciplinar para
obesidade infantil.
O comportamento do meu filho é normal?
Certo dia uma jovem menina, intrigada com as perguntas que eu lhe fazia no
momento da consulta, indagou-me: “Por que não existe nenhuma pessoa igual
a outra?”. Sem saber o sentido dessa indagação, devolvi: “E não existe?”. Ela
comentou: “Não, minha irmã gêmea teria respondido essas perguntas de forma
totalmente diferente das minhas. Dizem que ela é mais inteligente.” Expliquei a
essa menina que, assim como o processo de metamorfose das borboletas, em
que cada uma tem seu casulo, sua cor, seu tamanho de asas, cada indivíduo
se transforma e interpreta as vivências de maneira diferente, mesmo sendo
criados no mesmo ambiente. A partir daquele momento a menina se tranqui-
lizou e seguiu a consulta com alívio, sentindo-se livre para responder o que
viesse à mente, pois entendeu que sua forma de pensar não necessariamente
estaria errada, mesmo que não houvesse aprovação recebida pela irmã. Esse
episódio se repete corriqueiramente no consultório, crianças expressando seus
limites e suas conquistas, e seus responsáveis preocupados em entendê-las e
“consertá-las”, muitas vezes buscando alguma definição e representação para
o comportamento dos filhos.
Preocupações iniciais e expectativas dos cuidadores

O período que vai do o nascimento até os 5 anos é um momento único para obser-
var a criança crescer e aprender a fazer muitas coisas novas, como sorrir, conversar,
caminhar e fazer amigos pela primeira vez. Enquanto a maioria das crianças atingem
metas de desenvolvimento com o passar dos anos, algumas podem levar mais
tempo para alcançá-las. E, geralmente, é a partir dessas definições impostas que
muitas preocupações e pensamentos começam a povoar a cabeça de pais e mães
depois que o primeiro filho vem ao mundo, eles normalmente se perguntam: “Será
que ele(a) vai saber interagir com outras crianças? Ele(a) não consegue cumprir
uma ordem quando é exigido, será que é normal? Será que já não está na hora
de falar? E escrever e ler, está na hora! Ele(a) é muito desligado(a), será que esse
comportamento é comum? Por que ele(a) faz ou deixa de fazer isso ou aquilo?”.
150 Martina Dillenburg Scur

São muitas as perguntas que cercam a cabeça dos responsáveis nas primeiras
fases do desenvolvimento da criança. E é no decorrer do desenvolvimento que
algumas questões e curiosidades vão sendo respondidas.
É sabido que essas preocupações e muitas outras podem aumentar ainda mais
quando algumas comparações com outras crianças começam a ser feitas. Os
questionamentos sobre o comportamento “normal” ou “anormal” em uma
criança podem estar relacionados a muitas razões e circunstâncias, que nem
sempre surgem de forma definida. Em parte, esses comportamentos podem
ser determinados pelo contexto em que ocorrem, ou seja, pela situação e pelo
tempo específicos, bem como pelos valores e expectativas familiares, pelo
contexto cultural, pelas normas educacionais dos pais e mães e vínculos sociais.
Uma linha tênue muitas vezes divide esses dois conceitos, em parte porque
o que é "normal" depende do nível de desenvolvimento da criança, que pode
mudar muito entre crianças da mesma idade. A evolução também pode ser
desigual em relação ao desenvolvimento social de uma criança, estando atrás
do seu crescimento intelectual ou vice-versa. Por esse motivo é essencial que,
como pai/mãe, você possa compreender o progresso da sua criança como
sendo único, para então poder interpretar, aceitar e ajudar sua capacidade de
amadurecimento físico e emocional.
Pais e mães ditam as regras e costumes em diversas situações de forma di-

ferente, o importante é que, no processo de desenvolvimento das etapas da
criança, você possa identificar seus limites e os próprios mecanismos para lidar
com as emoções que lhe cercam. Entender-se como indivíduo, identificar suas
origens e sua criação é um bom começo para perceber seu filho como parte
da construção e constituição familiar. Olhe para sua criança interior e questio-
ne-se quem ela é, e por onde ela anda no momento. Esse é um convite para
atentarmos com profundidade aos desafios que a maternidade e a paternidade
nos trazem e nos vincularmos com a parte da nossa história que, a partir do
momento em que engravidamos ou recebemos um bebê, começamos a acessar
com mais vivacidade.
O comportamento do meu filho é normal? 151

Todo filho vem ao mundo para nos ensinar algo diferente e que ainda não
tínhamos percebido a necessidade de aprender. Eles nos desafiam justamen-
te no ponto onde o foco não existia e, como dizia o filósofo grego Sócrates
(479-399 a.C.): "Conhece-te a ti mesmo." A partir daí conseguimos entender
o todo. Todos os casais, ao decidirem ter um filho, deveriam ouvir o conselho
do filósofo, pois se o conhecimento de si mesmo é fundamental para a própria
vida e básico para o casamento, torna-se imperioso para aqueles que vão se
responsabilizar por uma criança.
A partir do pensamento de Sócrates, proponho que seja feito um exercício bem

simples, mas profundo, para tomar consciência de quem (valores e crenças
infantis) e do que (sentimentos e ambições) você é constituído:
• Estou contente de ser como sou? Por quê?
• O que mais me alegra? E o que mais me aborrece?
• O que mais me ambiciona?
• Dou valor aos meus valores? E quais seriam eles?
• Como enfrento uma contrariedade?
• Gosto da vida que tenho ou me sinto angustiado, frustrado?
A maneira como agimos atualmente é influenciada em parte pelo passado,

embora sejamos livres para aceitar, refutar, repetir ou modificar qualquer si-
tuação. Procure ser quem você deseja ser, e não somente uma reprodução das
expectativas e crenças de seus pais.
A partir dessa construção, podemos olhar para nosso filho e compreendê-lo

melhor, ajudando-o e encorajando-o com respeito, pois as crianças são in-
divíduos únicos e capazes de ressignificar situações, superar dificuldades e
melhorar o desempenho nas dimensões cognitiva, motora, afetiva e social
pelo simples fato de possuírem ampla capacidade de plasticidade cerebral e
cognitiva. Você sabe o que é plasticidade cerebral? Segundo Relvas (2011), a
plasticidade cerebral se refere à reorganização da estrutura neural do indivíduo

ao viver uma experiência nova. Ou seja, é a capacidade do cérebro de alterar
suas propriedades por meio do uso ou estimulação. Chamamos de sinapses as
conexões de um neurônio com outro, e essas conexões começam a se formar
enquanto o bebê ainda é um embrião. Elas aumentam exponencialmente após
o nascimento. Setecentas mil novas conexões por segundo são criadas durante
os primeiros cinco anos de vida. Ou seja, tudo o que fazemos na frente do bebê
e com ele, tudo o que ele percebe no mundo cria uma ligação em seu cérebro.
De acordo com os estímulos, o cérebro se ajusta para dar conta das novas
prioridades e novas aquisições.
Por esse motivo, logo que a criança nasce, ela já pode apresentar tanto padrões
característicos do desenvolvimento quanto alguns padrões variantes de com-
portamento, mas ainda há pouca base para acreditar que qualquer desvio da
norma irá resultar em patologia posterior. Nessa fase, quando há desvios, não é
somente o bebê em sua individualidade que parece estar com comportamento
desviado, em partes também está relacionado aos estímulos e vínculo que os
responsáveis e cuidadores exercem. Um dia uma mãe me perguntou: “Mas
meu filho é birrento e chora por qualquer coisa, será que faço algo errado?”
Lembre-se que os bebês ou as crianças têm grandes alterações de tempera-
mento e comportamento ao longo do desenvolvimento. E quando falamos de
temperamento, falamos de algo que é inato, todas as crianças nascem com uma
tendência a certo tipo de temperamento. Ele é concebido como um conjunto de
diferenças individuais de forte base neurobiológica e ambiental que aparecem
a partir do nascimento (CASSIANO; LINHARES, 2015).
Devo me preocupar?
A existência de um filho sempre traz questionamentos sobre a evolução do seu
desenvolvimento e em que momento as dificuldades podem representar algum
transtorno. Apresento abaixo alguns comportamentos da vida da criança que
atentamos na hora de entender sobre o seu desenvolvimento, conforme cada
idade e fase do desenvolvimento:

• Habilidade de interação social, ou seja, como a criança se comporta em
todas as situações no contexto familiar ou com a presença de estranhos.
Se a criança corresponde o chamado com o olhar e se nos estímulos ofere-
cidos pelos cuidadores e familiares entende e responde o que é solicitado
e questionado.
• Coordenação motora ampla, que é responsável pelas ações dos principais

músculos do corpo, como andar, pular, sentar, mexer os membros do corpo.
• Coordenação motora fina, que capacita a criança a manipular objetos,

desenhar, recortar, escrever.
• Habilidade de linguagem e compreensão da fala.
• Desempenho dos cuidados básicos, como lavar as mãos, vestir a própria

roupa, etc. (Importante salientar que mesmo muito novas, as crianças podem
e devem ser estimuladas a algumas ações de higiene pessoal).
• Capacidade de manter a concentração em uma tarefa que está sendo

executada ou explicada.
Torna-se fundamental entendermos que é muito comum algumas crianças apre-

sentarem prejuízo em alguns desses comportamentos isolados, principalmente
crianças em idade pré-escolar. Por esse motivo, é imprescindível considerar a
intensidade, a frequência, a persistência e a manifestação dos comportamentos
relacionados, antes de sugerir que exista efetivamente um transtorno. Sem
deixar de perceber o que já foi mencionado aqui, que o comportamento dos
pais pode estar sendo reproduzido pelas crianças.
Quando as crianças apresentam dificuldades em alguma esfera do desenvolvi-

mento e, quando tais dificuldades não são atendidas precocemente, carregam
essas dificuldades para a vida adulta e, muitas vezes, sem haver aparentemente
tantos prejuízos. Durante o crescimento, os mecanismos de compensação
daquela dificuldade cognitiva vão sendo abraçadas pela plasticidade cerebral.
Ou seja, o indivíduo que recebe estímulos e auxílio pode conseguir lidar bem
com sua dificuldade na vida adulta por meio de estratégias de aprendizagem e

nem por isso terá um transtorno associado. Ao olharmos para essa dificuldade
com carinho e atenção, entendermos as limitações e buscarmos alterativas e
estratégias que alcancem as necessidades da criança, transformaremos as
dificuldades em grandes conquistas.
Porém, muitas vezes, quando a criança apresenta comportamento não aceito,

há a necessidade de encaixá-lo em algum lugar na família quando não se
consegue reconhecê-lo como parte desta constituição. Perante essa dicoto-
mia entre expectativa e realidade dos pais, gera-se uma linha tênue entre a
euforia e a frustração, onde ambos traduzem a espera, o sonho, o desejo, a
prévia da metamorfose desse ser. E se somente esperássemos essa criança
nascer e crescer para descobrir quem ela é, do que gosta, o que a fará feliz? É
fundamental aceitar e aprender a lidar com a diferença. Perceba seu filho como
ele é e não como gostaria que fosse, seja consciente de suas expectativas, que
serão sempre e somente suas!
O que é uma avaliação neuropsicológica infantil?

A avaliação neuropsicológica infantil se refere à utilização de procedimentos
técnicos (testes neuropsicológicos e escalas) aplicados à compreensão de
como o cérebro da criança interpreta e processa tudo o que é percebido por
ela, ou seja, o modo como elas internalizam e recordam as informações. Assim,
a avaliação infantil visa identificar precocemente casos de Transtornos do
Neurodesenvolvimento, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatísticos
de Transtornos Mentais -DSM –V (APA, 2015), que são alterações no desenvol-
vimento cognitivo e comportamental (PONSFORD, 2017).
Meu filho tem um diagnóstico, e agora?

O momento de ouvir um diagnóstico, seja físico ou mental, é difícil para qualquer
pai/mãe. As famílias carecem de um olhar especializado, pois, nesse momento,
estão cheias de insegurança e dúvidas e precisam compreender melhor as

condições da criança e aprender a lidar com uma série de novas informações.
Inicie uma pesquisa sobre o assunto, busque conhecer pessoas com filhos
semelhantes ao seu e, acima de tudo, supere os preconceitos.
Ainda que os sentimentos de frustração e desamparo sejam normais na fase

inicial, será imprescindível saber lidar com eles. Pois atentar-se apenas para o
diagnóstico como um problema postergará as limitações do seu filho e adiará
a tomada de decisão quanto a um possível processo de intervenção. Todavia,
quando há o enfrentamento das dificuldades em vez da negação, adquire-se
um universo de novas possibilidades. Não ignore o diagnóstico, encare-o sem
medo e sem culpa, perceba que uma dificuldade de aprendizagem pode ser
atenuada ou até superada com uma intervenção apropriada. Permita que as
alegrias compensem as dificuldades. Troque experiências e sentimentos com
outros pais, procure grupos e redes de apoio, a família pode ser uma boa rede.
Esse momento se torna mais leve quando dividimos com alguém, portanto,
cerque-se de pessoas com recursos emocionais positivos, dispostas a ouvir e
a ajudar. E, por fim, procure apoio psicológico especializado para você e para
a família, o intuito dos profissionais é auxiliar no entendimento do percurso
educacional de seu filho e ensinar estratégias de como gerenciar as situações.
Por alguns momentos aprenda a delegar suas funções, sem se culpar e sem
pensar que você é o(a) único(a) que poderia compreender seu filho.

Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-V. Manual Diagnóstico e Esta-
títico de Transtornos Mentais. 5ª ed. Porto Alegre : ARTMED, 2014.
CASSIANO, R. G. M.; LINHARES, M. B. M. Temperamento, prematuridade e com-

portamento interativo mãe–criança. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 28, n. 2, p.
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Acesso em: 2 dez. 2019.
PONSFORD, J. International growth of neuropsychology. Neuropsychology, v.

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Acesso em: 19 dez. 2019.
RELVAS, M. P. Neurociência e transtornos de aprendizagem: as múltiplas

ciências para uma educação inclusiva. 5.ed. Rio de Janeiro: Wak Ed, 2011.

Vanessa
Trintin-Rodrigues
CRP 07/24700
11(51) 99375-1001
33psivanessatrintin@gmail.com
77@vanessatrintin_psi
• Psicóloga graduada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

• Mestra em Psicologia Clínica pela Unisinos.
• Cursando Especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo
Instituto Cognitivo.
• Colaboradora do laboratório de pesquisa Intervenções Cognitivo-Com-
portamentais: Estudo e Pesquisa, da Unisinos.
• Atua em consultório como psicoterapeuta de adultos, bem como com trei-
namento de pais, na cidade de São Leopoldo, RS. Realiza atendimentos
presenciais e on-line.
• Casada com Gelson Júnior (juntos há quinze anos).
• Mãe da Helena (1 ano).

Educando-se para educar
Se você é pai ou mãe, ou até mesmo pretende ser um dia, certamente já se

deparou com dúvidas sobre a educação dos filhos. E, não raro, a sensação que
surge é de insegurança. Muito disso se deve ao fato de que as relações entre
pais e filhos passam por mudanças constantes, sejam elas por transformações
culturais ou simplesmente porque o ser humano muda o tempo todo. Além
disso, você já deve ter se lamentado por não existir um manual de como ser
pai e mãe, mas acredite em mim, é justamente essa falta de manual que faz
de você um pai ou uma mãe sem igual. Pensando nos desafios que a relação
parental traz, a partir deste capítulo quero auxiliar você a construir um norte.
Com base em pesquisas científicas, apontarei algumas habilidades dos pais
que têm funcionado como proteção no desenvolvimento psicossocial dos filhos.
Muito se fala em educar os filhos, mas também precisamos pensar em nos

educarmos enquanto pais. Vale lembrar que não apenas as crianças estão se
descobrindo nesse papel de filhos; nós, os adultos, também somos aprendizes
nessa relação. Nesse contexto, a família é fundamental na educação dos filhos,
devendo oferecer as condições necessárias para que estes se adaptem de
maneira hábil aos demais grupos sociais como grupos de amigos e convivên-
cia escolar. Habilidades dos pais, como envolver-se com os filhos de maneira
mais afetiva, participar atentamente de suas rotinas, estimulá-los com jogos
e brincadeiras, além de estabelecer regras e impor limites de maneira consis-
tente, contribuem para um desenvolvimento psicossocial mais saudável nas
crianças. Sendo assim, abordarei, a seguir, comportamentos em que os pais,
aprimorando suas habilidades pessoais, poderão colaborar positivamente com
o desenvolvimento social dos filhos.
Expresse-se!
Minha experiência profissional me mostrou que boa parte da dificuldade dos
pais em expressar seus sentimentos aos filhos vem, primeiramente, da própria
160 Vanessa Trintin-Rodrigues

dificuldade em reconhecer o que estão sentindo. Sendo assim, quando algo
acontecer, respire fundo e se pergunte: "O que estou sentindo diante disso?”
Em seguida, compartilhe o resultado da sua investigação interna por meio de
palavras e gestos. Diga frases como: “Estou me sentindo muito feliz por você
ter cumprido o nosso combinado”, seguidas de um beijo e um abraço; ou “Fico
chateado(a) quando você me machuca dessa maneira”, são frases com um valor
inestimável. O benefício de nomear nossas emoções é fundamental em qualquer
relação humana. Isso se deve ao fato de que tomar consciência do efeito dos
nossos atos sobre as outras pessoas nos permite refletir sobre nossas ações.
Você estará ensinando seu filho não apenas a nomear e expressar o que sente,
mas também a entender que suas atitudes geram consequências emocionais
tanto positivas quanto negativas nos outros.
Da mesma maneira, o ato de elogiar também contribui positivamente para o

desenvolvimento saudável das crianças. Quando estamos em uma relação, seja
ela qual for, em que o outro elogia nossas atitudes, tanto nossa autoestima,
quanto nossa autoconfiança tendem a se elevar. Quando se trata de crianças,
a influência é ainda maior, visto que elas constroem a visão que têm de si a
partir do que os outros, principalmente os pais, dizem a elas. Dessa maneira,
entende-se que possuir autoestima e autoconfiança elevadas influencia tanto na
relação dos filhos consigo mesmos, quanto na sua socialização com os outros,
e você, pai e mãe, tem o papel de colaborar com isso.
Existe uma tendência generalizada no ser humano de dar mais atenção ao que
é negativo do que ao que é positivo, principalmente porque somos engolidos
por uma rotina cheia de tarefas. Com base nisso, entenderei se você chegar
à conclusão de que não há o que elogiar, mas acredite, há sim, e muito! Lem-
bre-se que nascemos com pouquíssimas habilidades, e que tudo o que vem
após o nosso nascimento é resultado não apenas do que nos ensinam, mas
também do nosso esforço em praticar. Ou seja, o simples ato de caminhar, por
exemplo, já é algo a ser elogiado. E de que maneira podemos proferir elogios
que elevem a autoestima e autoconfiança das crianças? Imagine você, quando
Educando-se para educar 161

criança, trazendo consigo da escola um boletim com a nota máxima em uma
determinada matéria. O plano provavelmente é muito simples: mostrar aos
pais e ser parabenizado por isso, não é mesmo? Agora imagine que seu pai vê
a nota e lhe diz a seguinte frase: “Muito bem, meu filho! Parabéns! Sua única
obrigação é estudar, por isso não esperava menos de você." Ou, de repente,
sua mãe diz: "Quero só ver se vai continuar assim no próximo ano." Imagine
como ficaria aquela alegria toda que lhe acompanhava no caminho da escola
para casa. Imaginou? Acredito que ela se transformaria em outra emoção, desta
vez, não tão agradável.
Muitos pais têm a plena certeza de que estão incentivando positivamente seus
filhos ao verbalizarem frases como essas, porém mal sabem que o efeito pode
ser justamente o contrário, gerando baixa autoestima, desesperança, preocu-
pação e, até mesmo, raiva e tristeza nos filhos. Se você veio de uma educação
assim, é compreensível que reproduza esse padrão, mas a partir do momento
em que tem consciência de que essa não é uma maneira eficaz, tampouco
saudável para o desenvolvimento do seu filho, está tendo a oportunidade de
fazer diferente. Mesmo que seu filho chegue em casa com uma nota baixa no
boletim, prefira frases como “sei o quanto você se esforçou, e estou orgulhoso
de você por isso. No próximo ano, vamos juntos buscar uma maneira de me-
lhorar”, ou, “parabéns, meu filho, esse 10 é fruto do seu esforço”. Se você não
está acostumado a elogiar, pode se sentir um pouco desajeitado no início, mas
garanto que o treino lhe ajudará a fazê-lo com mais leveza. Faça isso nas suas
relações com outras pessoas, ou até mesmo em frente ao espelho. Aproveite
seu esforço em treinar e se elogie por isso também.
Comunique-se com seu filho

Crianças adoram compartilhar suas rotinas e suas descobertas (e eles descobrem
coisas o tempo todo), mas concorrer pela atenção dos pais com as distrações
do dia a dia, como celular, televisão e as preocupações do trabalho, vira uma
missão, por vezes, muito desgastante para os pequenos. Os filhos se queixam

dessa falta de atenção, em geral com uma fala não tão clara e estruturada, mas
sim por meio de comportamentos agressivos, desobediência, descumprimento
de regras, tristeza ou abatimento, dentre outros sinais. Além disso, muitos filhos
podem interpretar essa desatenção como um desinteresse dos pais, e passam
a desenvolver a crença de que “se meus pais não estão interessados em mim,
logo eu não tenho valor”, prejudicando a autoestima da criança e impactando,
até mesmo, seu desempenho social. Imagine que tipo de autoconfiança essa
criança terá para conversar com outras pessoas e fazer novas amizades, se
acredita que em si não há o que possa acrescentar ao outro?
Geralmente, quando falamos em comunicação, logo vem à mente a ideia de

falar. Porém, precisamos lembrar-nos de um componente muito importante,
senão o principal, na comunicação, que é ouvir com atenção. Isso inclui olhar
para a pessoa que está falando, acenar com a cabeça de maneira coerente
com o assunto e, aí sim, você estará apto a fazer perguntas de maneira que
permitam a continuidade e o aprofundamento da conversa. Pelas perguntas,
além de demonstrar interesse no assunto, você terá a oportunidade de ensinar
a criança a refletir sobre diversos assuntos.
Ao se comunicar com o seu filho, procure fazer perguntas que os instiguem a

criar suas próprias soluções para os problemas cotidianos. Outra oportunidade
que temos por meio de uma comunicação atenta e afetuosa com as crianças, é
fazê-los refletir sobre seus relacionamentos interpessoais. Os filhos costumam se
sentir felizes quando os pais demonstram interesse nas aventuras e conflitos que
vivem com seus amigos e sobre quem são eles. Observe também no cotidiano
que você é o principal exemplo de como manter relações interpessoais. Se
você recebe um amigo em sua casa e passa a maior parte do tempo mexendo
no celular, seu filho estará lhe observando e poderá entender que esse é o
modelo a ser seguido. Portanto, utilize-se atentamente desses momentos para
demonstrar ao seu filho como se comunicar de maneira assertiva.

Brinque como uma criança, mas eduque como um
adulto
Quando peço aos pais que se lembrem de bons momentos de quando eram
crianças, ouço histórias de cheiro de bolo na casa da vó, do refrigerante
que era permitido somente aos domingos, mas o que mais escuto são as
lembranças das brincadeiras. Eu, particularmente, lembro-me das vezes em
que minha mãe brincara comigo. Jogávamos bola no pátio de casa e era
o momento em que eu mais me sentia feliz. Era como se naquela simples
brincadeira, ela fizesse parte do meu universo. Crianças participam de muitas
atividades dos adultos. Idas ao supermercado, jantares com os amigos, cui-
dados com a casa, etc. Brincar com o seu filho é uma maneira de você fazer
parte daquilo que faz sentido para ele. Isso já seria mais do que suficiente
para reservarmos alguns momentos do nosso dia a dia para estarmos com
eles, vivenciando as atividades deles. Contudo, o brincar do adulto com a
criança contém outras potencialidades.
Através das brincadeiras, você poderá proporcionar ao seu filho experiências

de situações sociais que ele viverá fora do ambiente familiar. Já atendi pais
que relataram sempre deixar o filho vencer em jogos de competição quando
participam de suas brincadeiras. Certa vez, um desses pais, preocupado com
a falta de amigos do filho, descobriu que as crianças fugiam dele porque ao
perder nas brincadeiras ele se tornava agressivo e, às vezes, mudava as regras
no final do jogo para transformar sua derrota em vitória, chateando e irritando a
todos a sua volta. Observe, por meio desse caso, como as brincadeiras podem
servir de oportunidades para ensinar regras e limites, bem como educar os
filhos a lidarem com as frustrações naturais que virão durante a vida. Nessa
relação de pai e filho, você é o único que possui experiência tanto em brincar,
quanto em ser adulto. Portanto, eduque como um adulto, mas se divirta como
uma criança. Se você não gosta de brincar de boneca ou de carrinho, tudo
bem. Brinque daquilo em que se sentir confortável, mas também negocie com
seu filho para que ambos se divirtam. Nem sempre há concordância entre as

crianças sobre o que fazerem para se divertir, por isso, será importante que
seu filho desenvolva habilidades de negociar.
Seja consistente
Estamos passando por um período de grande mudança na maneira como se
pratica a educação dos filhos. Viemos de gerações em que a educação se ba-
seava na autoridade e na imposição do medo. Viramos a chave e tornamo-nos
complacentes em que tudo é permitido, e os pais confundem seus papeis bus-
cando ser amigos dos filhos. Vejo esses opostos como necessários em grandes
mudanças, pois para encontrarmos o equilíbrio, na maioria das vezes, faz-se
importante conhecer os dois extremos. Minha esperança é que estejamos hoje
mais próximos de um caminho central (ou caminho do meio).
Estabelecer uma relação de intimidade com os filhos é fundamental para que

eles se sintam à vontade para compartilhar suas angústias e anseios. No en-
tanto, os filhos esperam dos pais mais do que isso (ainda que não o façam de
maneira consciente), eles esperam limites. E quando não os têm, clamam por
eles. Portanto, é fundamental que os pais estejam próximos dos filhos, mas que
também imponham regras e limites de maneira habilidosa.
Crianças são experts em encontrar “furos” em regras. Se ontem você disse que
seu filho não podia assistir desenho durante o almoço, hoje ele certamente
tentará novamente, pois algo pode ter mudado de ontem para hoje e, final-
mente, a regra também. E se você permitir hoje, confie: ele entenderá que a
regra muda e que vale a pena continuar insistindo. Com isso, não quero dizer
que você deve ser inflexível. Aos pais, como a todo ser humano, é permitido
mudar de ideia, bem como quando e onde algo pode ser liberado. O que deve
ficar claro é: quando uma regra mudar, ou quando um limite for excedido, há
de se ter uma conversa sobre o porquê.
O mesmo serve para a consistência entre o que ensinamos e o que praticamos.

Crianças percebem facilmente quando os pais condenam uma atitude, mas a

praticam. Existem, sim, regras diferentes para crianças e adultos. Como, por
exemplo, adultos podem ficar até mais tarde assistindo TV, mas as crianças
não, e isso deve ser explicado de maneira que o filho entenda, ainda que não
concorde. Porém, pouco adianta orientar seu filho a ser gentil com as pessoas
se, na primeira oportunidade em que o garçom do restaurante trouxer seu
pedido errado, você for grosseiro com ele. Com crianças (arrisco dizer que com
adultos também), o exemplo ensina mais do que as palavras.
Pais também cometem “erros”

Partindo do pressuposto de que você, que está lendo este capítulo, é um ser
humano, certamente já cometeu erros com seus filhos (ainda não? Calma! A
sua vez chegará!). Eu sei que às vezes esses erros trarão dores tanto a você
quanto ao seu filho. Essa dor também é muito importante de ser vivenciada.
Iniciei esse parágrafo falando justamente que seres humanos erram. Felizmente,
por alguma desconhecida razão, decidiu-se que os pais neste mundo seriam
tão humanos quanto seus filhos. Portanto, assumiu-se que as crianças seriam
educadas por pessoas que erram. Ou seja, vai acontecer! Aproveite esses
momentos para, em primeiro lugar, refletir sobre sua maneira de educar, mas
também sobre a maneira como você lida com os próprios erros. O nível alto de
exigência conosco frequentemente é reproduzido em altos níveis de cobrança
com nossos filhos, virando um ciclo sem fim.
Se você assumir para si que fez algo diferente daquilo que julga certo de acordo
com seus valores pessoais, o próximo passo é conversar com seu filho. Use isso
como uma oportunidade de tranquilizá-lo de que errar é normal. Além disso, se
estiver arrependido, desculpe-se. Alguns pais têm a crença de que perderão a
credibilidade ou o respeito dos filhos ao assumirem um erro e pedir desculpas.
Essa é uma ideia antiquada e equivocada. Modificando essa crença, você estará
gerando benefícios não apenas a você, por ser mais gentil consigo mesmo, mas
estará ensinando uma grande lição de humildade ao seu filho. Com todo o carinho,
eu digo: vamos lutar para tentar acertar, mas vamos errar em paz.

Referências
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pertório comportamental infantil: comparando crianças diferenciadas pelo
comportamento. Paidéia, v. 21, n. 48, p. 61-71, 2011. Disponível em: <10.1590/
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internalizantes: associações com habilidades sociais, práticas educativas, re-
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2016. Disponível em: <https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016.2.20806>.
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CLARK, L. SOS ajuda para pais: um guia prático para lidar com problemas de
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DEL PRETTE, Z. A. P.; DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais na

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FANTINATO, A. C.; CIA, F. Habilidades sociais educativas, relacionamento

conjugal e comportamento infantil na visão paterna: Um estudo corre-
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GOMIDE, I. C. Pais presentes, pais ausentes: regras e limites. Rio de Janeiro:

Vozes, 2004.

Evelyn Oliveira
CRP 07/18084
11(51) 99236-4329
33evelyn-psi@hotmail.com
77@psievelynoliveira
• Psicóloga graduada pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

• Especialista em Psicologia da Criança e Adolescente pela Universidade
do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
• Educadora parental certificada pela Positive Discipline Association (PDA).
• Psicóloga infantojuvenil no Centro de Atenção Psicossocial, Campo Bom, RS.
• Atuação em psicologia clínica, de orientação psicanalítica, com atendi-
mento individual e on-line, em consultório particular.
• Orientação e treinamento de pais.
• Consultoria em projetos sociais relacionados à criança e ao adolescente
na cidade de São Leopoldo e região.
• Desenvolvimento de rodas de conversa e conteúdos para redes sociais.
• Mãe do Joaquim, 3 anos.

Acordos sobre as práticas educativas são
possíveis
Só depois de muito tempo

Comecei a entender
Como será meu futuro
Como será o seu
Se meu filho nem nasceu
Eu ainda sou o filho
("Dias de luta", Ira)
Ao transcender a esfera conjugal e aceitar os novos papéis advindos da

chegada do primeiro filho, o casal estará colocando-se em processo de
aprendizado. Tornar-se pai e mãe é uma construção, ao mesmo tempo em
que nos faz revisitar experiências anteriores enquanto filhos, suscitando
memórias afetivas de nossa criação e trazendo à consciência, para alguns
de nós, a necessidade de modificarmos padrões familiares incompatíveis
com aquilo que acreditamos e os novos valores e crenças que adquirimos.
Visivelmente a tarefa parece simples, mas é uma responsabilidade com-

plexa que implica ao casal rever os modelos educativos aprendidos desde
então, a fim de reconhecerem no novo sistema familiar a possibilidade de
desenvolverem sua parentalidade, renovando seu repertório de práticas
educativas e elegendo novos elementos para a relação entre pais e filho.
Contudo, criar filhos não é uma tarefa fácil. Eles não nascem com manuais
coloridos e ilustrativos com orientações precisas e com garantias de um
futuro promissor. Ao contrário, o filho impõe que o pai e a mãe busquem
espaços de diálogos para consensos e acordos frente à diversidade de
situações que precisam ser conduzidas, muitas vezes tendo que se anteci-
par às demandas exigidas no cuidado da criança. Com isso, podem surgir
questionamentos: “Eu faço assim, mas meu parceiro age completamente
170 Evelyn Oliveira

diferente! O que fazer?”; “Às vezes percebo meu filho se beneficiando por
educarmos de formas tão diferentes. Qual o impacto disso no desenvol-
vimento dele?”.
Um dos indicadores de saúde mental dos filhos está relacionado à quali-

dade dos relacionamentos que os cercam, das experiências vividas e das
informações recebidas. Brené Brown (2016) afirma que somos moldados
por nossa família de origem. Isso significa que a forma como os pais se
relacionam entre si e com o mundo afeta diretamente a formação e o
desenvolvimento dos filhos.
No livro Inteligência emocional e a arte de educar nossos filhos John Go-

ttman (2001) destaca que o relacionamento conjugal dos pais influencia
as atitudes dos filhos e suas realizações, suas capacidades de se relacio-
narem e de regular suas emoções. O escritor ainda reforça que não é o
conflito entre os pais que faz mal à criança, mas sim a maneira como os
pais tratam-se mutuamente. Desta forma, estar no lugar de pai e mãe é
estar atento ao que expomos os nossos filhos, principalmente pelo fato de
grande parte da aprendizagem na infância ocorrer por espelhamento – a
criança aprende através do que vê – tornando a interação entre o casal e
a relação pais e filhos preditivos de felicidade e bem-estar familiar.
Logo, pela importância que têm o respeito, a aceitação e o afeto nas rela-
ções, tanto conjugais quanto parentais, exploraremos ao longo do capítulo
os principais estilos parentais e como o entendimento da coparentalidade
poderá ser útil para auxiliar na construção desses papéis. Lembrando que
tornar-se pai e/ou mãe é um processo contínuo e necessário, e que equilíbrio
e atitudes mais positivas podem ser um caminho saudável no âmbito familiar.
Conhecendo e identificando seu estilo parental

Há mais de cinquenta anos são estudadas as práticas que os pais utilizam
para educar seus filhos. Uma das principais pesquisadoras no assunto,
Acordos sobre as práticas educativas são possíveis 171

Diana Baumrind (1966), em seu artigo "Effects of authoritative control on
child behavior", afirma que a maneira pela qual os pais desempenham
essa função é determinante para que os filhos tenham comportamentos
considerados socialmente adequados. A pesquisadora classifica os estilos
parentais em três modelos:
1. Pais autoritários
Características: buscam a disciplina por meio de uma postura rígida, atitudes

exigentes e controladoras, priorizando a obediência.
Estratégias: utilizam-se da punição e do castigo como meio para manejar

os desafios comportamentais dos filhos.
Consequências: filhos com autonomia comprometida, dependência de

validação externa, baixa autoestima e insegurança.
2. Pais permissivos
Características: dificuldade no estabelecimento de regras e limites. Postura

passiva, evitando confrontos com os filhos.
Estratégias: atitudes superprotetivas e de realização dos desejos.
Consequências: filhos com falsa noção de autoestima, dificuldades em

lidar com a frustração, responsabilidades e consequências.
3. Pais autoritativos
Características: afetividade e firmeza. Prezam pelo equilíbrio entre per-

missividade e autoritarismo, pelo respeito entre todos, pela comunicação
e o estabelecimento da confiança.
Estratégias: diálogo, combinações e encorajamento, com espaço para a

construção de regras em conjunto com os filhos.
Consequências: filhos com repertório de comportamentos mais positivos,

com autonomia, independência, maior habilidade socioemocional e espírito
colaborativo.
172 Evelyn Oliveira

Percebe-se que a diferença entre esses três grupos consiste na forma como
se manifesta a autoridade e no grau de aceitação, flexibilidade e tolerância
para com os filhos, sendo o respeito o oposto de obediência, que sugere
medo, punição e obrigação. Portanto, aqui nos deparamos com estilos e
práticas educativas que, em conjunto com outros aspectos, influenciarão
na constituição da personalidade e no estabelecimento de futuros padrões
relacionais dos filhos quando adultos, tornando mais evidente o impacto
que o relacionamento entre pais e filhos pode originar: positivo ou negativo.
Entretanto, desempenhar a tarefa de educar não é simples! No momento

de guiar uma criança para a vida muitos pais e mães se percebem em um
cenário de conflito frente à forma como irão desempenhar essa tarefa,
pois possuem conceitos que divergem significativamente. Enquanto alguns
aderem ao estilo rígido e controlador, outros se tornam permissivos como
forma de mediar e amenizar o excesso de regras e controles exigidos pelo
parceiro. Ainda, há aqueles pais que alternam entre a rigidez e a permis-
sividade, conforme seu cansaço, culpa, tempo, entre outros fatores. As
justificativas são várias! E as motivações também: compensar, reparar,
promover.
Atitudes ora extremamente exigentes e disciplinadoras, ora permissivas,

tendem a causar nos filhos confusão, ansiedade, insegurança. E a pergunta
é: não sendo autoritário me torno uma mãe ou um pai permissivo? Não!
E deixar de educar de forma permissiva é educar de forma controlado-
ra? Também não! As crianças precisam e devem ter limites, precisam ser
orientadas, conduzidas, protegidas. Educar uma criança distanciando-se
desses modelos de autoritarismo e permissividade exige dos pais controle
emocional, paciência, tolerância à frustração e clareza do modo que se
deseja agir. A intenção é exercer uma educação mais respeitosa, flexível
e ajustável.
O que isso significa? A educação passa a ser construída por meio do res-
peito mútuo, da generosidade, da firmeza, das combinações e, também,

da honestidade entre pais e filhos. Isso é construir uma educação com
carinho, afeto e acolhimento das necessidades emocionais de seus filhos.
Jane Nelsen (2015), no livro Disciplina positiva, caracteriza o “caminho do
meio” como a combinação entre gentileza e firmeza, primando por relações
de respeito com as crianças, por nós e a necessidade imposta pela situação.
E neste relacionar-se diariamente com nosso filho há uma pergunta que pode
nos auxiliar a redirecionar nossas atitudes e a forma como os orientamos:
"O que quero para meu filho?" É obvio que desejamos as melhores coisas
como felicidade, sucesso, realizações, independência. Porém, cabe olhar
para a forma como estamos (e se estamos) desenvolvendo e ensinando essas
características e habilidades, ou até mesmo se estamos buscando soluções.
Fica evidente que tornar-se pai e/ou mãe é uma construção de saber, pois
nos convoca a ir atrás de informações sobre desenvolvimento infantil,
métodos educativos e práticas mais respeitosas de educar, buscando
mediar as expectativas entre o real e o esperado. Apoiar-se em práticas
educativas não violentas e que respeitam uns aos outros, independente-
mente de seu papel/função familiar é ter a certeza de estar guiando-se
pelo “caminho do meio”.
Estabelecendo juntos: o consenso dos pais nas

práticas educativas
O que somos ensina mais a uma criança do que o que

dizemos, portanto, precisamos ser o que queremos que
nossos filhos se tornem. (BROWN, 2016).
Não é raro escutarmos que os opostos se atraem, não é? E também não

é difícil encontrarmos casais com muitas dificuldades e conflitos em suas
relações em virtude de práticas contrárias de educação. O consenso dos
pais é muito importante tanto para a qualidade da relação com os filhos
quanto do casal e o bem-estar de todos.
174 Evelyn Oliveira

Os acordos que o casal estabelece junto sobre cuidado e educação em
relação ao filho são nomeados na literatura de coparentalidade, Feinberg
(2003) define como o envolvimento conjunto e recíproco dos pais na edu-
cação, formação e decisões sobre a vida dos seus filhos. Ou seja, nada
mais é que o trabalho de tomar decisões e atender às necessidades das
crianças de forma conjunta sejam elas emocionais e/ou físicas.
Esse compromisso coparental, entre os dois parceiros, de criarem meios

de conduzirem de forma saudável a satisfação das necessidades dos
filhos já os insere imediatamente em outro desafio: saber dialogar. Não
há outra forma de se chegar a acordos, meios-termos ou qualquer outro
resultado onde se respeite a opinião e as vivências de ambos senão pela
comunicação empática.
Tony Robbins (2005, p. 154) tem uma frase sobre comunicação que faz muito
sentido aqui: “Para nos comunicarmos efetivamente, precisamos entender
que todos nós percebemos o mundo de maneira diferente, e usar esse
entendimento como guia para nossa comunicação com os outros.” E é isso,
somos em essência e experiências diferentes, portanto nos comunicarmos
empaticamente torna-se uma das principais estratégias para minimizar os
conflitos e fazer acordos.
No entanto, é muito importante tomarmos consciência do quanto os con-

flitos entre o casal podem provocar danos aos filhos mesmo que de forma
involuntária, e que protegê-los perpassa pela necessidade de não os en-
volver nos conflitos dos pais. Pesquisas citadas por Jonh Gottman (2012)
apontam para crianças com consequências em sua saúde física e emocional,
sua capacidade de relacionamento com outras crianças, agressividade,
dificuldade de regular suas emoções, de concentrar-se e de acalmar-se
quando aflitos, ao mesmo tempo em que os problemas escolares também
podem passar a ser frequentes.
Brené Brown (2016) diz que somos moldados por nossa família de origem,
pelo que escutamos, pelo que nos contam e, talvez o mais importante, pela

maneira como vemos nossos pais se relacionarem com o mundo. Acrescen-
taria ainda nesse pensamento da escritora e pesquisadora a forma como os
pais interagem entre si. Por isso, no capítulo sete do seu livro A coragem
de ser imperfeito, a escritora provoca os pais com a seguinte frase: “Você
é o adulto que deseja que seus filhos se tornem um dia?” Pois bem, saiba
que a primeira infância é um terreno fértil para grandes aprendizados e a
família é a sua primeira escola.
Agora que chegamos até aqui, podemos considerar que não há nenhuma
estratégia perfeita para educar seu filho ou chegar a acordos com seu(sua)
parceiro(a) e que, possivelmente, você irá errar nesse caminho. E que bom errar
e poder reparar, mudar, transformar o erro em uma possibilidade de conexão
e de crescimento da relação, seja com seu filho ou parceiro. A intenção não é
frustrar você, pai e/ou mãe, e sim mostrar que não existe mágica! O que existe
é um processo anterior de acolher o pai e/ou mãe que estou me tornando,
a pessoa que sou e o investimento necessário no relacionamento conjugal
para além das demandas com o filho. Mas algumas dicas são possíveis, sim,
e podem facilitar esse processo por meio de pequenas atitudes.
Buscando soluções
Conversem sempre – a melhor estratégia! Falem sobre expectativas,
experiências, necessidades e ouçam o outro. Estejam dispostos a crescer
e aprender juntos durante esse processo de tornar-se pai e/ou mãe.
Busquem soluções – em vez de crítica e do desprezo pelo ponto de vista

do outro, invistam em soluções. Ouçam as opiniões, façam e retomem acor-
dos, leiam sobre o assunto, apropriem-se de cada fase do desenvolvimento
infantil e busquem apoio se sentirem-se muito confusos.
Sejam transparentes – compartilhem seus sentimentos, dúvidas, preo-

cupações e dificuldades. Retomem os valores que são importantes para
o casal, eles servirão como um guia na educação do filho.
176 Evelyn Oliveira

Estabeleçam uma rotina saudável para a família – rotina para uma
criança é sinônimo de confiança, previsibilidade e segurança. Comparti-
lhem as tarefas, elejam o responsável. Invistam tempo criando uma rotina
saudável que beneficie a todos e não sobrecarregue ninguém.
Invistam no casal – casais felizes são pais melhores!
Enfim, aprendam, explorem e divirtam-se juntos ao longo do caminho de

criar o seu filho para uma vida feliz!
Nascemos filhos.
Talvez estes os motivos,
Em ser tão difícil
Acertarmos sempre como pais.
("Pais e filhos", Jorge Jacinto da Silva Jr.)

Referências
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Development, n.37, 1966, p. 887-907.
BROWN, B. A coragem de ser imperfeito. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.
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como aplicar os conceitos revolucionários da inteligência emocional para
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ROBBINS, A. Poder sem limites: o caminho do sucesso pessoal pela

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prosperar. São Paulo: Versos, 2015.
WALSH, F. Fortalecendo a resiliência familiar. São Paulo: Roca, 2005.
178 Evelyn Oliveira

Rose Macedo
CRP/RJ 55888
11(21) 98652-1336
33contato@psicologarosemacedo.
com.br
33rosemayremacedo@gmail.com
55www.psicologarosemacedo.com.br
77@psicologarosemacedo
66/psicólogarosemacedo
• Psicóloga graduada pelo Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge),

Salvador, BA.
• Graduada em Direito pela Associação de Ensino Unificado do Distrito
Federal (AEUDF), Brasília, DF.
• Especialista em Psicologia Jurídica pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
• Especialista em Psicologia Sistêmica Individual, Familiar e Casal.
• Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional.
• Terapeuta certificada em EMDR e Braisnpotting.
• Coaching pessoal e profissional.
• Formação em Práticas Colaborativas.
• Perita judicial.
• Coautora do e-book Relacionamento abusivo, quando a relação adoece.
• Coautora do livro Diário da alma feminina. Editora APMC, 2019.
• Coautora do livro A construção e os desafios do psicólogo clínico no set-
ting terapêutico. Editora Conquista, 2021.
• Coautora do livro Entendendo as emoções. Editora Matilha, 2020.
• Atua em consultório no Rio de Janeiro, RJ. Psicóloga parental, com foco
em relacionamentos, atende indivíduos e casais, principalmente os que
estão passando pelo processo de transição de casal a pais, com a chega-
da do primeiro filho, e na solução de conflitos familiares, durante e após
o casamento. Atende crianças, adolescentes, adultos, casais, famílias e
grupos (presencial e on-line).

Brigas de casal e o impacto sobre os filhos
Viver a dois é uma arte, não importa se é um casamento legal ou uma união
estável. Após a lua de mel, passado o momento do êxtase, os parceiros iniciam
um período de adaptação onde começarão a definir novos arranjos, com re-
gras, funcionamento e definições específicas. É muito comum surgirem crises e
frustações, e em algum momento podem ocorrer brigas e conflitos entre eles.
Os desentendimentos conjugais ocorrem por diferentes motivos e são frequen-

tes entre muitos casais. Hoje, uma das principais razões dessas discórdias é
a diferença de expectativas, pois cada parceiro tem sua visão de felicidade,
prazer, compreensão mútua e companheirismo.
Certamente, divergências são comuns e naturais em qualquer relacionamento

amoroso, podendo até mesmo ajudar o casal a aprender a lidar com as dificulda-
des e fortalecer a relação. Alguns casais até conseguem evitar que os conflitos
surjam, esclarecendo mal-entendidos, compreendendo as limitações do parceiro
e da relação ou simplesmente mudando de atitude. Quando não podem evitar
o confronto, dialogam de forma construtiva e formam novos acordos.
No entanto, para muitos casais, infelizmente, aquele relacionamento saudável

do início do casamento, onde existia um conceito profundo de vínculo, de amor
e de respeito, não dura muito. Constantemente, muitos cônjuges não conseguem
encontrar soluções adequadas para lidar com as situações conflituosas, gerando
na relação insatisfação e raiva. Dessa maneira, a discórdia se torna cada vez
mais frequente e ameaçadora e, não raro, serve como sinal de alerta, porque
indica que algo está errado na maneira como o casal resolve suas diferenças.
Muitos casais, incapazes de romper com essa forma inadequada de convivência,

começam a viver em constante conflito, relacionando-se com brigas ou aos
gritos, fazendo do ambiente familiar um lugar danoso para todos os integrantes
da família. De certo, antes que uma agressão física chegue a acontecer entre o
casal, é comum que eles já venham há algum tempo se agredindo fortemente
de forma verbal e emocional. Em certas ocasiões, esses problemas chegam
180 Rose Macedo

a um nível perigoso com a presença de violência física frequente ou um risco
iminente diante das ameaças.
Se no relacionamento existir história de abuso físico, por um ou ambos os

parceiros, a segurança pessoal contra a violência deve ser prioridade. Nesses
casos, para garantir a proteção, pode ser inevitável realizar uma separação
temporária, para que os parceiros, permaneçam fora do clima de tensão e
possam refletir sobre seus problemas mútuos, sem riscos. Nos casos de casais
com um alto nível de ameaça de violência é aconselhável que ambos realizem
acompanhamento terapêutico, individualmente ou em grupo, para que aprendam
estratégias para lidar com o risco de violência.
Quando se tem filhos, esses episódios podem ter consequências que vão além
das duas pessoas diretamente envolvidas. As crianças são mais sensíveis e
observadoras do que a maioria das pessoas costuma imaginar. Elas percebem
claramente o clima de tensão e mal-estar dos momentos de crise e de dificul-
dades do relacionamento dos pais.
Ainda que as crises conjugais graves não sejam claramente percebidas no

ambiente familiar, é comum que as crianças apresentem sintomas e altera-
ções de comportamento. Alguns filhos se isolam, outros tornam-se inquietos
e desafiadores. Muitas crianças se sentem culpadas e acreditam que sejam
responsáveis pela desarmonia dos pais. Os conflitos conjugais muitas vezes
são os responsáveis pelo desenvolvimento de sintomas nos filhos, podendo
aparecer no comportamento familiar, com irmãos e na escola.
Consequentemente, os pais atordoados com os problemas conjugais, nem

sempre percebem ou acolhem as necessidades dos filhos e dão pouca impor-
tância aos fatores emocionais da criança. É evidente que, nessas circunstâncias,
o controle inapropriado dos pais reforça de modo indevido o sentimento de
culpa dos filhos.
A maioria dos problemas emocionais de crianças e adolescentes começa com

eventos traumáticos de relacionamento no início da vida, quanto mais nova é, a
Brigas de casal e o impacto sobre os filhos 181

criança, mais ela é atingida pelas características emocionais do relacionamento
entre os pais. Quando há desajustamentos sérios e contínuos entre os pais, o
equilíbrio psicológico da criança é fatalmente ameaçado e seu desenvolvimento
não avança adequadamente.
Seguramente a família é o espaço de maior referência que a criança terá para

formar seus conceitos e internalizar o que é saudável nas suas interações.
Sendo assim, se na família existe consentimento à violência, isso fará parte do
processo de aprendizagem dela sobre a forma de se relacionar com o outro.
Em vista disso, a proteção mais importante para os filhos, desde o nascimento,

é ter pai e mãe emocionalmente saudáveis. O casal deve reconhecer que a
instabilidade emocional pode trazer perigosas consequências para os filhos e
compreender que a relação destrutiva, ainda que possa fazer parte da rotina
do casamento, de forma geral não favorece o convívio familiar.
A formação de uma criança depende das informações que ela recebe dia-
riamente do ambiente que a cerca. Isso quer dizer que os filhos crescem e
se desenvolvem aprendendo o que observam do comportamento dos pais.
Dessa maneira, o meio que os pais utilizam para resolver seus conflitos in-
fluenciam nas estratégias que a criança usará para negociar relacionamentos
íntimos ao longo da vida. É importante salientar que se a violência é um
padrão e modelo de educação no relacionamento familiar, os filhos podem
reproduzir o contexto familiar violento quando forem constituir suas famílias.
Sem dúvida, a maioria das respostas emocionais promovida no casamento

foram armazenadas desde a infância, aprendidas inicialmente nos rela-
cionamentos mais íntimos, principalmente com os pais, e levadas para o
casamento integralmente constituídas. Ainda que nem todas as vítimas ou
testemunhas de violência na infância repitam esse comportamento violento
quando adultos, as crianças que passam por essas experiências podem
desenvolver estresse psicológico e, posteriormente, enfrentarem diversos
problemas psicossociais.
182 Rose Macedo

Além do mais, um relacionamento conjugal conflituoso pode gerar emoções
negativas nos pais, tornando-os menos atentos e sensíveis às necessidades
dos filhos. Inclusive, nesses momentos de brigas, existe um grande perigo para
os filhos, visto que eles podem intervir nos conflitos entre os pais e acabar en-
volvidos acidentalmente, correndo riscos físicos. Frequentemente as crianças
que convivem nesse ambiente destrutivo sentem-se ansiosas, com medo e à
espera de quando a agressão pode voltar a acontecer.
É recomendável que cada genitor reflita sobre como suas experiências com
seus pais o afetaram. Algumas recordações sobre o relacionamento dos seus
pais os ajudarão a compreender os próprios padrões de interações e a iniciar
mudanças necessárias para desenvolver um ambiente familiar harmonioso.
Na convivência a dois é natural que os casais encontrem diferenças e dificul-

dades que precisarão de compreensão para serem reconhecidas e resolvidas,
a fim de se evitar conflitos. Mas, o que falta a muitos cônjuges é a habilidade
para discutir os desacordos e resolvê-los. Se os parceiros forem capazes de
conversar sobre suas questões de forma construtiva, no intuito de resolver o
problema em questão, os conflitos existentes podem ser resolvidos com respeito,
sem ofensas e humilhações.
É fundamental reformular a forma pela qual os parceiros se expressam e escutam um

ao outro. Antes de tudo, é necessário que cada um perceba as próprias emoções,
sentimentos e necessidades, podendo dizer ao outro, de maneira clara e amigável,
o que incomoda e o que está desejando em determinada situação. Em muitas
ocasiões, no calor da discussão, em vez de se sentir à vontade de dialogar sobre
as insatisfações, o cônjuge expressa suas queixas com ataques ao caráter do outro,
sendo a crítica realizada à pessoa e não ao fato perturbador. Na queixa, a pessoa
deve declarar especificamente o que a irrita e criticar a ação, não o parceiro. Um
ataque pessoal quase certamente leva o outro a colocar-se na defensiva ou a se
fechar, o que será ainda mais frustrante e apenas aumentará a briga.
Como muitas vezes sentir-se ouvido é exatamente o que o cônjuge ofendido de

fato precisa, isso pode reduzir a tensão na hora da briga. Por isso, é essencial

que logo de início seja dada a oportunidade ao outro de expor sua opinião e
mostrar que está sendo ouvido. A escuta é uma habilidade que ajuda os casais
a se conciliarem, e a melhor forma de ouvir não defensivamente é tentar com-
preender de fato os sentimentos por trás do que o outro diz. Antes de tudo, é
preciso que cada um acalme suas reações emocionais e fique suficientemente
aberto para poder avaliar os sentimentos do outro.
É fundamental que o casal desenvolva uma comunicação aberta sem provoca-

ções, ameaças ou insultos, não dando lugar aos comportamentos defensivos
— desculpas, negação de responsabilidade, contra-ataque com uma crítica e
coisas desse tipo. Uma forma eficaz de evitar a briga é dizer ao outro que é
possível ver as coisas de outra perspectiva e que, mesmo não concordando
com a forma dele ver o problema, seu ponto de vista pode ser válido. Outra
maneira é assumir a responsabilidade ou mesmo desculpar-se, caso perceba
que está errado.
Quando o casal costuma desfazer as divergências sem focar no problema em

questão e desenvolver a capacidade de ouvir e acalmar tanto a si mesmo e
ao outro, é possível a realização de “boas brigas”. Dessa maneira, a briga se
torna uma discussão construtiva e útil, e os envolvidos “brigam” dentro de um
determinado padrão que não prejudica a relação.
Qualquer um dos cônjuges pode perceber o momento em que é benéfico

prolongar uma briga e quando é melhor deixar a briga se acalmar. Porém,
o mais importante é saber a forma de encerrá-la. Pode ser com um diálogo
quando estiverem mais calmos e as circunstâncias mais favoráveis, ou retomar
a conversa quando estiverem prontos ao consenso.
No entanto, alguns cuidados devem ser tomados para que as manifestações

de retomada do diálogo sejam feitas de forma a não recomeçar a briga. O
mais importante nesse momento é que os dois consigam mostrar que estão
decididos a fazer as pazes e a não repetir o que não deu certo. Além disso,
cada um deve exteriorizar o que tem de melhor, e os pontos que precisam
ser aperfeiçoados.
184 Rose Macedo

É indispensável que o casal não tenha nenhum tipo de discussão perto dos
filhos, não importa a idade. No entanto, o fato dos filhos presenciarem os
pais resolvendo suas desavenças de forma calma, equilibrada e com pedido
de desculpas é benéfico para seu desenvolvimento emocional. Se cada um
dos cônjuges conseguir expor seu ponto de vista para chegar a um consenso
sem agressões físicas ou ofensas, a criança pode perceber que as relações
humanas são permeadas por conflitos, mesmo entre pessoas que se amam.
Mas é preciso ter bom senso, nem tudo deve ser conversado na frente da
criança. E mesmo que ela não assista à conciliação do casal, é importante que
perceba que o clima emocional tenso entre os pais se extinguiu. Dependendo
da situação, os filhos terão oportunidade de se beneficiar das brigas dos pais
como fatores para o crescimento emocional.
Também é imprescindível que os pais entrem em sintonia com os sentimentos

da criança, dando oportunidade para que eles sejam expressos com clareza.
Quando os filhos conseguem falar com pelo menos um dos pais sobre o que
de fato sentem, eles podem digerir melhor as situações difíceis. Nesse caso,
os cônjuges não podem esquecer que ambos, tanto o pai como a mãe, são
muito importantes na vida do seu filho, e que é muito destrutivo ofender uma
pessoa que eles amam e que não podem defender. Mais danoso ainda é usar
o filho como artifício para prejudicar o outro cônjuge ou pedir e permitir que
ele se envolva nas brigas do casal.
O melhor a fazer nos momentos de discórdia é explicar aos filhos que os pais
estão passando por problemas, mas que estão tentando se entender e que isso
faz parte do crescimento da relação. Ao chegarem a um entendimento, os pais
não podem esquecer de mostrar que os problemas foram resolvidos. Assim,
darão a chance de os filhos aprenderem que a vida tem bons e maus momentos.
Evitar e negar um conflito conjugal, confrontá-lo ou negociar um acordo a

contragosto, provavelmente prejudicará o relacionamento. O melhor mesmo é
aceitar o conflito como benéfico e o seu poder dele fortalecer o relacionamen-
to. Na verdade, parceiros que conseguem lidar com as brigas e perceber que

elas até podem ser úteis têm mais chances de serem felizes. Nesse sentido,
as brigas podem ser uma forma de o casal se conhecer melhor e de cada um
manifestar seus desejos e direitos. Por isso, é preciso que após uma briga os
parceiros conversem e compreendam o que ocorreu, assim poderão adquirir
mais conhecimento de si e do outro.
Primeiramente, ao discutir sobre algum assunto é necessário abordar o problema

sem perder a calma e, havendo discordância sobre algum ponto, considerar
apenas como uma forma diferente do outro ver a questão e não como uma
ofensa pessoal. Percebe-se que a comunicação adequada, quando mantida
no relacionamento, contribui para maior segurança do parceiro, que se sente
à vontade para expor seus desejos, medo de ser criticado ou incorretamente
interpretado.
Um relacionamento saudável envolve concessões e flexibilidade, contudo, isso

não quer dizer abrir mão dos valores, sonhos e projetos individuais. O mais
importante é que haja apoio e cuidados mútuos. Nenhuma dessas mudanças
ocorre facilmente. É preciso, no mínimo, paciência, persistência e muito amor.
O carinho dedicado um ao outro é fundamental para manter a intimidade e a
proximidade do casal. Ao contrário, o desgaste e brigas na relação são motivos
que levam o casal à separação. Afinal, crises todos os casais têm, a diferença
é a forma que escolhem enfrentá-las.
186 Rose Macedo

Referências
BENETTI, S. P. C. Conflito conjugal: Impacto no desenvolvimento psicológico
da criança e do adolescente. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 19, n. 2, p. 261-
268, 2006. Disponível em: <https://bit.ly/37YXh18>. Acesso em: 10 dez. 2019.
BOWLBY, J. Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do apego. Porto

alegre: Artes Médicas,1989.
GOLEMAN, D. Inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
GOLEMAN, D. Inteligência social: o poder das relações humanas. Rio de Ja-

neiro: Elsevier, 2011.

188 Rose Macedo
Juliana Baron
CRP 12/17781
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77@julianabaron_
• Formação em Terapia Relacional Sistêmica, pelo Familiare Instituto

Sistêmico.
• Psicóloga colaborativa, capacitada pelo Instituto Brasileiro de Práticas
Colaborativas (IBPC).
• Educadora parental, certificada pela Positive Discipline Association.
• Educadora da primeira infância, certificada pela Positive Discipline
Association.
• Educadora de sala de aula, certificada pela Positive Discipline Association.
• Coach certificada pela Global Accreditation Board for Coaching.
• Atua em consultório presencial na cidade de Florianópolis, SC, e on-line,
com foco em atendimento individual, familiar e de casal.
• Mãe do João Pedro (10 anos) e do José Antônio (5 anos).

Comportamentos que prejudicam a relação do
casal: é possível evitar?
Se você está preocupado com o futuro do seu casamento, saiba que existem
razões para isso. De acordo com uma pesquisa de 2016 feita pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cada três casamentos, um
acaba rumando para o divórcio. Os motivos para esse aumento no número
de dissoluções são bastante complexos, pois envolvem inúmeras questões,
mas tenho certeza de que se você está ou já esteve dentro de uma relação
conjugal, deve imaginar ou conhecer alguns deles.
Neste capítulo vamos falar sobre comportamentos negativos que pre-

judicam o casamento, pois embora a negatividade faça parte de todo e
qualquer conflito de casal, existem fatores específicos que predizem a
ruína iminente de um relacionamento e quanto mais conhecermos sobre
eles, mais poderemos evitá-los.
Sabe-se que a transição para a parentalidade costuma ser um processo

cheio de desafios, mas neste capítulo vamos abordar alguns compor-
tamentos negativos comuns a qualquer relacionamento conjugal. Mais
especificamente comportamentos identificados pelo terapeuta americano
John Gottman, reconhecido mundialmente por seu trabalho de pesquisa de
mais de quarenta anos com casais, realizado juntamente com sua esposa
Julie Gottman, também terapeuta.
Gottman foca seu trabalho na identificação de comportamentos primários

que podem conduzir um casamento para seu fim. Em seu laboratório,
um apartamento localizado em Seattle, onde os casais passam um dia e
tem todas suas conversas e conflitos monitorados, Gottman busca iden-
tificar padrões que distinguem casais satisfeitos e estáveis dos casais
insatisfeitos que rumam para o divórcio. O foco da sua pesquisa está no
conflito conjugal, pois ele acredita que diferente do que muitas pessoas
pensam, o conflito é parte importante e necessária, tanto dos casamen-
190 Juliana Baron

tos satisfatórios quanto dos insatisfatórios. A grande questão é como os
casais conduzem o conflito. De acordo com a extensa pesquisa feita pelo
Instituto Gottman, os casais que se comportam como adversários, em vez
de amantes, estão presos no que é conhecido, em termos técnicos, como
um estado absorvente de negatividade. Isso significa que a probabilidade
de entrarem nesse estado é maior do que a probabilidade de saírem dele.
Em outras palavras, o casal fica estagnado. E até mesmo os que estão em
um padrão estável precisam estar atentos aos primeiros sinais de alerta,
que indicam se estão se desviando para o que parece ser um beco sem
saída (GOTTMAN et al 2016).
E quais seriam esses sinais? Gottman fala muito sobre comportamentos ne-
gativos específicos que ele chama de “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”.
Como arautos da desgraça, segundo o autor, cada um prepara o terreno
para o seguinte, desgastando a comunicação e fazendo com que o casal
coloque o foco cada vez mais nas falhas um do outro e da relação. Enume-
rados na ordem do seu perigo relativo, os quatro cavaleiros são: crítica,
menosprezo ou desdém, atitude defensiva e obstrucionismo (GOTTMAN;
DECLAIRE, 2001 E GOTTMAN et al, 2016).
O primeiro cavaleiro é a crítica, que John Gottman diferencia de queixa

porque, segundo ele, a queixa é uma afirmação específica de raiva, desa-
grado, preocupação ou outra negatividade, enquanto a crítica diz respeito
a comentários negativos sobre a personificação do parceiro, em um tom
que costuma atribuir culpa (GOTTMAN, 1994).
De forma superficial, a crítica pode se confundir com a queixa, porém,

de acordo com o autor, as queixas podem fazer bem ao relacionamento,
sobretudo quando o marido ou a mulher veem suas reinvindicações sendo
atendidas. Elas são “apenas” comentários negativos sobre algo que você
gostaria que fosse diferente, enquanto o ataque adicional à personalidade
feito pela crítica aumenta a negatividade e causa danos ao relacionamento
com o passar do tempo (GOTTMAN, 1994 e GOTTMAN et al, 2016).
Comportamentos que prejudicam a relação do casal: é possível evitar? 191

Como poucos são os casais que conseguem evitar completamente as críticas
mútuas ocasionais, de modo geral, o primeiro cavaleiro instala-se até mesmo
nos casamentos relativamente saudáveis. Uma das razões é porque criticar
alguém significa pouco mais do que uma censura ou reclamação, que são
atividades saudáveis em um casamento, porque são formas de expressão da
raiva e de discordâncias, embora raramente sejam agradáveis.
O menosprezo ou desdém, o próximo dos Quatro Cavaleiros é semelhante

à crítica, mas é mais corrosivo e mais destrutivo porque expressa descon-
tentamento e desrespeito entre os cônjuges. Um cônjuge que desdenha do
outro, na verdade, tem a intenção de insultá-lo ou feri-lo psicologicamente.
A pessoa desdenhosa tem pensamentos depreciativos como "meu marido
é ignorante ", "minha mulher é repulsiva", "meu marido não presta, é um
idiota" (GOTTMAN; DECLAIRE, 2001).
Entre os sinais que indicam ter sido o casamento contaminado pelo desdém
há insultos, sarcasmo, zombaria, xingamentos e as formas hostis de humor,
como o escárnio e a ridicularização. Tudo com a intenção de diminuir o
parceiro. A atitude expressa pelo menosprezo também acontece quando
um cônjuge quer assumir uma posição de superioridade: “Você realmente
achou que aparecer em apenas um jogo durante toda a temporada real-
mente seria suficiente? Isso é um pai envolvido para você?” O menosprezo
é um tipo de escárnio que frequentemente impede qualquer tentativa pelo
outro cônjuge e pode escalar severamente a negatividade de ambos.
(GOTTMAN, ; DECLAIRE, 2001 e GOTTMAN et al, 2016).
Na sequência, surge o terceiro cavaleiro, a atitude defensiva, que é uma

postura comum de se assumir quando um dos parceiros se sente alvo do
cavaleiro anterior. Porém, assim como na crítica e no menosprezo, esta
é uma atitude muito prejudicial ao casamento, porque os cônjuges não
escutam um ao outro, o que interrompe possíveis linhas de comunicação.
Como se sentem atacados, reagem se defendendo, eximindo-se de respon-
sabilidade ou justificando seus problemas. (GOTTMAN; DECLAIRE, 2001).
192 Juliana Baron

Embora a atitude defensiva pareça uma forma natural de se proteger contra
um ataque recebido, a pesquisa realizada por John Gottman mostra que,
em geral, ela acaba se transformando em contra-ataque, o que aumenta
ainda mais a negatividade.
Uma pessoa pode começar com menosprezo: “Bem, foi muito imaturo
você andar pelos bares com seus amigos." Ao que o cônjuge defensivo
responderia: “Você fez a mesma coisa na semana passada." Assim, a ati-
tude defensiva frequentemente assume um tom infantil, com os parceiros
tentando se proteger do ataque e da responsabilidade pela situação.
Outro ponto a ser observado, é que a atitude defensiva também pode se
expressar no tom de voz, como, por exemplo, em um tom de lamúria, ou na
linguagem corporal, com braços cruzados enquanto o outro fala (GOTTMAN;
DECLAIRE, 2001 e GOTTMAN et al, 2016).
Se os parceiros não conseguem chegar a uma trégua e continuam deixando

a crítica, o desdém e a atitude defensiva comandarem a relação, estão
fadados a conhecer o quarto cavaleiro: o obstrucionismo. Isso acontece
quando um cônjuge se fecha porque a conversa ficou muito intensa. Em
essência, ele vira “uma parede”, sem dar qualquer indicação de estar
ouvindo ou compreendendo o que o outro diz. Não existe contato visual,
nenhum sinal de interesse na interação e nenhuma resposta verbal. O
interlocutor é ativamente ignorado.
Nos estudos do Instituto Gottman, 85% dos obstrucionistas eram homens

e, de forma surpreendente, embora o obstrutor pareça ser hostil, seus pen-
samentos primários durante essa interação são, em geral, autoprotetores:
“Quando ela vai parar de falar?”; “Não aguento mais discutir sobre isso”; ou
“Se eu ficar quieto, ela vai me deixar em paz”. Esse tipo de autoproteção
requer uma grande quantidade de energia e se torna impossível ouvir,
mesmo que os comentários sejam construtivos e úteis. Porém, indepen-
dentemente da intenção, digamos, positiva dos obstrucionistas, estudos
mostram que reagir habitualmente com silêncio às aflições conjugais traz

problemas, porque se os parceiros não estiverem dispostos a conversar,
os problemas continuarão sem solução, o que agravará o distanciamento
(GOTTMAN; DECLAIRE, 2001 e GOTTMAN et al, 2016).
Quando todos os quatro cavaleiros estão presentes durante uma discussão

com conflito, Gottman por meio de todos os dados coletados por sua pesqui-
sa, pode prever o divórcio, mesmo com casais recém-casados, e predizer o
declínio na qualidade conjugal quando os casais permanecem casados. De
acordo com ele, os comportamentos representados pelos quatro cavaleiros
são verdadeiros sinais de perigo para qualquer relacionamento e, quando
são usados habitualmente durante o conflito, corroem a relação (GOTTMAN;
DECLAIRE, 2001 e GOTTMAN et al, 2016).
Assim, a partir de toda essa exposição sobre os quatro comportamentos

negativos para o relacionamento do casal, resta a dúvida: é possível evitá-los?
De acordo com Gottman, sim. A partir da sua pesquisa, pode-se usar as

descobertas para recomendar aos casais formas de aprimorar seu relacio-
namento e assim, para quem tem filhos, protegê-los das consequências
prejudiciais. Abaixo seguem algumas sugestões para driblar os cavaleiros,
mesmo quando você estiver discutindo problemas delicados com seu com-
panheiro. Embora sejam dirigidos a casais casados, estes conselhos também
podem ser úteis para casais separados ou divorciados, mas que precisam
conversar sobre questões ligadas aos filhos (GOTTMAN; DECLAIRE, 2001).
O primeiro cavaleiro que representa a crítica pode ser evitado ao se discutir

sobre os conflitos e problemas assim que eles aparecem. O ideal é que
você não espere até chegar ao auge da irritação e da mágoa. Manifeste
sua raiva ou desagrado de forma dirigida aos atos do parceiro e não à sua
personalidade. Mais do que isso, tente não culpar. Atenha-se ao presente
e evite cobranças generalizadas. Evite estas palavras quando estiver
fazendo uma queixa: “Você devia...”, “Você sempre...”, “Você nunca...”.
(GOTTMAN; DECLAIRE, 2001).
194 Juliana Baron

Embora alguns casais satisfeitos no casamento ocasionalmente usem a
atitude defensiva, crítica ou até mesmo a obstrução, eles raramente usam
o menosprezo, pois, segundo Gottman et al (2016), o desrespeito que é
característico do menosprezo é o comportamento mais nocivo para o
relacionamento de um modo geral. Então, o que pode ser feito quando o
segundo cavaleiro, representado pelo menosprezo ou desdém se instala?
Muita vigilância para expulsá-lo, e isso só é possível de ser feito se um
cônjuge estiver disposto a mudar de atitude em relação ao outro. Para isso
ele precisa começar a ouvir aquele roteiro que tem interiorizado. Quando
você se pegar pensando em como insultar seu parceiro ou vingar-se dele,
imagine-se apagando essas ideias. Substitua-as por pensamentos mais
tranquilizadores como, por exemplo: “Este não é um bom momento, mas
as coisas não são sempre assim” (GOTTMAN; DECLAIRE, 2001).
Entenda que você escolhe se vai atribuir motivos positivos ou negativos

ao comportamento de seu parceiro. Se a mulher deixa de pôr o lixo na rua,
por exemplo, você pode ter duas posturas diferentes. Pode pensar: “Ela se
acha boa demais para pegar em lixo. É tão prima-dona que espera que eu
e todo mundo que convive com ela limpe a sujeira que faz." Ou pode dizer:
“Ela não levou a lata de lixo para fora porque não viu que estava cheia.
Devia estar com a cabeça em outra coisa. Vai tratar disso daqui a pouco."
Pode ser difícil, mas procure deixar de pensar que precisa sair ganhando
quando discute com seu marido ou sua mulher para provar que está certo
ou certa. Pondere se, de vez em quando, não é melhor simplesmente evitar
uma briga (GOTTMAN; DECLAIRE, 2001).
Já para evitar o terceiro cavaleiro, o da atitude defensiva, é preciso ouvir

o que o parceiro diz não como um ataque, mas como informação útil sendo
expressa de forma contundente. É claro que é mais fácil dizer do que fazer,
mas imagine o que é possível ser feito uma vez que os dois se desarmem.
Seu parceiro lhe dirige um insulto e, em vez de negar o que foi dito ou
revidar com outro insulto, você encontra um fundo de verdade naquelas

palavras e se detém um pouco pensando naquilo. Você pode responder:
“Nunca pensei que você ligasse tanto para isso. Vamos falar mais sobre
o assunto?” À medida que você vai depondo suas armas e despindo sua
armadura, ele vai ver que você realmente está querendo que as coisas
mudem, que você se importa com a relação e quer que a vida de vocês
seja mais tranquila (GOTTMAN; DECLAIRE, 2001).
Para quem já identificou que o cavaleiro instalado é o do obstrucionismo

e deseja mudar, Gottman recomenda que, ao discutir com o parceiro, você
faça um esforço para lhe dar mais subsídios. Mesmo um simples aceno de
cabeça indica ao falante que ele tem um ouvinte. Essa legitimação pode
contribuir para melhorar a relação. A partir daí, o obstrucionista pode ir
se aprimorando na arte de ouvir e passar a ecoar o que o parceiro diz
(GOTTMAN; DECLAIRE, 2001).
É importante reforçar que apesar deste capítulo ter como foco o relacio-
namento do casal, Gottman afirma, a partir de toda sua pesquisa, que não
é de surpreender que esses quatro elementos abordados também tenham
se mostrado prejudiciais aos filhos dos casais, já que quando o ambiente
da criança está contaminado pela atitude crítica, desdenhosa, defensiva e
obstrutiva dos pais, ela acaba ficando mais exposta aos efeitos perversos
do conflito conjugal (GOTTMAN; DECLAIRE, 2001).
Por fim, a partir de todas essas informações e dicas sobre como evitar os
comportamentos negativos representados pelos Quatro Cavaleiros, desejo
que você e seu parceiro ou parceira escolham investir na qualidade do
vínculo conjugal para que a negatividade dê lugar à intimidade e para
que vocês possam crescer juntos, ensinando para as crianças sobre amor
e parceria.
196 Juliana Baron

Referências
https://www.gottman.com/about/john-julie-gottman/
GOTTMAN, J. Casamentos: por que alguns dão certo e outros não. Rio
de Janeiro: Objetiva, 1994.
GOTTMAN, J.; DECLAIRE, J. Relacionamentos: cinco passos para uma

vida emocional mais feliz na família, no trabalho e no amor. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2003.
GOTTMAN, J.; DECLAIRE, J. Inteligência emocional e a arte de educar

nossos filhos: como aplicar os conceitos revolucionários da inteligência
emocional para uma compreensão da relação entre pais e filhos. 1.ed. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2001.
GOTTMAN, J. SILVER, N. Siete reglas de oro para vivir em pareja: um

estúdio exhaustivo sobre las relaciones y la convivencia. 5.ed. Barcelona:
Penguin Random House Grupo Editorial, 1999.
GOTTMAN, J.; SILVER, N. O que faz o amor durar?: como construir con-
fiança e evitar traição. 1.ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.
GOTTMAN, J. et al. Eight Dates: essential conversations for a lifetime

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GOTTMAN, J. et al. Interação do casal em casamentos com altos e baixos

níveis de satisfação: estudos do laboratório Gottman. In: WALSH, F. (Org.).
Processos normativos da família: diversidade e complexidade. 4.ed.
Porto Alegre: Artmed, 2016.

198 Juliana Baron
Joana Simiélli
Rocha
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11(48) 99178-0227
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66/joanasimielli
• Psicóloga.
• Especialista em psicologia clínica na abordagem centrada na pessoa.
• Educadora parental em disciplina positiva.
• Atuação profissional em ludoterapia, orientação aos pais, perda e luto,
plantão psicológico, psicologia do puerpério, em Florianópolis, SC.
• Supervisora de psicoterapeutas.
• Casada com Ricardo (juntos há dez anos).
• Mãe do Matheus (4 anos).

Transformando a comunicação do casal com filhos
Quando um bebê chega em nossas vidas, somos tomados por uma avalanche
emocional. É a primeira vez, para a maioria de nós, em que nos sentimos
inteiramente responsáveis pela vida de alguém. Não só no que diz respeito à
sobrevivência dessa criança que acaba de chegar, mas também em relação a
tudo o que ela poderá vir a ser no mundo. Que valores ela terá, de que forma irá
agir, que habilidades irá desenvolver, e tantas outras coisas. Ao nos depararmos
com tamanha responsabilidade, começamos a revisitar nossa infância, nossa
criança, os valores que nos foram passados, quais deles queremos passar aos
nossos filhos, quais deles discordamos e queremos aprender a fazer diferente.
Viver essas inquietações nos faz iniciar uma jornada de intensa revolução dentro
de nós, e essa transformação nos leva a um longo e trabalhoso caminho, cheio
de rupturas e reparações. Quando vivemos essa experiência partilhando a
transformação com nossos pares, as dificuldades podem se intensificar e nos
tornar ainda mais vulneráveis ou intolerantes. Isso porque cada um de nós veio
de uma história absolutamente diferente, partilhamos valores diferentes, cons-
truímos visões de mundo divergentes e passamos pelas experiências de formas
distintas. O que para um de nós pode ter parecido desorganizador, para o outro
pode ter parecido incrível. E os desacordos começam a acontecer. Não é difícil
que em momentos assim possamos sair em busca de quem está certo e quem
está errado. Carregamos com grande intensidade a certeza de que "meu jeito
é o melhor", que todos os outros estão equivocados e, na tentativa de buscar
o melhor para nossos filhos, começamos a minar nossos relacionamentos com
orgulhos, preconceitos, certezas vazias, discriminação, verdades absolutas,
enfim, tudo aquilo que não nos leva a crescer junto, agregar, fazer fluir.
Mas se conseguirmos dar uma virada na forma de olhar para essa pessoa com
quem nos aventuramos a ter filhos e construir uma família, com quem decidimos
estar ao lado ao olhar para as dores mais profundas, e se nos redescobrirmos
em parceria, veremos que temos caminhando conosco que está fazendo essa
mesma jornada, alguém que também está repensando seus valores, que tam-
200 Joana Simiélli Rocha

bém está oferecendo o seu melhor para seus filhos, que está desbravando os
caminhos da maternidade/paternidade na mesma intensidade que nós estamos.
Ao nos abrirmos para olhar por essa outra perspectiva, tudo pode ser diferen-
te. Vemos do outro lado alguém que também se sente vulnerável e podemos
aprender a acolher essa vulnerabilidade ao invés de atacá-la. Podemos exercitar
a empatia e nossos diálogos podem deixar de ser uma busca incessante por
quem tem a culpa e quem tem a razão.
Existem muitas formas diferentes para construir essa ponte, mas todas elas, para
serem efetivas, exigem a aceitação da nossa vulnerabilidade, a abertura para
o mundo do outro, e a disponibilidade para construir um terceiro jeito, ainda
desconhecido, que não é o nosso jeito, tampouco o jeito do outro com quem
dividimos a vida, mas sim uma nova forma, que ainda será construída a quatro
mãos, e que não sabemos ao certo que aspecto terá. Um terceiro jeito, novo,
desconhecido, prestes a ser criado. Construir algo assim pode ser assustador,
mas muito gratificante, pois implica em desenvolver uma nova habilidade de
comunicação.
É muito comum que, ao iniciarmos uma conversa com nossos pares, começe-
mos esse diálogo a partir de julgamentos que fazemos em relação às nossas
experiências. A grande questão é que julgamentos não são fatos, são apenas
pensamentos ou reflexões que fazemos a partir da experiência que partilhamos.
Mas esquecemos que, do outro lado, o outro também faz seus julgamentos em
relação à mesma experiência, e não é muito difícil que esses julgamentos sejam
conflitantes, afinal, viemos de modelos e experiências díspares, então olhamos
para o mundo de outra forma (ROSENBERG. 2003).
Quando nos sentimos atacados, além de toda a questão emocional envolvida,

algo também acontece no nosso cérebro que nos impede de ouvir um ataque
ou uma crítica e não reagir a ela. Ao sentirmos que estamos em situações de
estresse, crítica, ameaça, humilhação, nosso cérebro entende que estamos em
perigo e se prepara para combater, então passamos a reagir instintivamente em
busca de proteção. E no fim ficam os dois lutando para garantir suas respectivas
Transformando a comunicação do casal com filhos 201

sobrevivências, sem conseguir chegar a lugar algum. Todos saem feridos dessa
batalha (SIEGAL; BRYSON, 2015).
Existe, por outro lado, um caminho muito mais amoroso e compreensivo para
desenvolvermos novos padrões familiares a dois. Por exemplo, em vez de
dizermos: “Você nunca se posiciona com sua família em relação a coisas que
nós concordamos sobre a educação dos nossos filhos”, podemos falar daquilo
que aconteceu que nos causou certo incômodo: “Percebi que hoje, quando
estávamos reunidos em família, ficou difícil negar os doces para nosso filho,
apesar de concordarmos que não é o melhor para ele. Imagino que tenha sido
difícil apresentar um novo jeito para pessoas que pensam tão diferente e que
você ama tanto. Você gostaria de falar sobre isso?” Quando oferecemos um olhar
assim, abrimos mão de criticar, para poder compreender, afinal, nós sabemos
o quanto é difícil romper com padrões familiares. Somos julgados, precisamos
nos manter firmes, nós nos sentimos desvalorizados, temos um medo quase
inconsciente de perder o amor dessas pessoas porque decidimos fazer diferente
delas, além de termos medo de magoá-las também.
Acontece que quando estamos a sós e criticamos um momento como esse,

estamos fazendo o mesmo que nossa família de origem quando nos julgam
ou nos criticam. Mas fazemos isso em nome de uma causa nobre – fazer o
melhor para os nossos filhos – e, assim, acabamos desvalorizando e criticando
duramente aqueles que, conosco, estão lutando para fazer diferente, quase nos
esquecemos de que existe uma parceria entre nós, e que ambos estamos em
desenvolvimento, não tem ninguém pronto nessa história. Nessa hora é pre-
ciso fazer um grande exercício de olhar para dentro e reconhecer que a gente
também não consegue todas as vezes, e, é muito mais fácil fazer diferente na
próxima vez quando somos olhados com amor, respeito e empatia.
Ao ouvir sobre o que aconteceu livre de qualquer crítica, abrimos espaço para
o início de uma conversa franca, onde ambos podem se apresentar verda-
deiramente, e considerar um ao outro ao falar, de forma que seja possível
encontrar um caminho respeitoso para todos. Dessa forma um lugar para o

reconhecimento e a expressão dos nossos sentimentos é criado, e aos poucos
podemos aprender a ter clareza sobre que se passa dentro de nós (ROGERS,
1997, ROSENBERG, 2019, SIEGAL, e BRYSON, 2015).
Na sociedade em que vivemos, estamos em uma busca constante pela razão,

porque, afinal, precisamos ser produtivos e assertivos o tempo inteiro, e quando
adotamos de fato essa conduta, temos uma grande dificuldade em compreender
e definir quais sentimentos transitam em nós, em geral nossos olhares estão
voltados para procurar o que há de errado com o outro. Para rompermos com
essa forma, precisamos criar uma atmosfera de amor e confiança, onde haja
espaço para encarar o medo do que se passa dentro da gente e apresentar
esses sentimentos aos nossos pares, e assim, juntos, encontrarmos soluções
para aquilo que possa tornar-se difícil demais de ser vivenciado sozinho, diante
disso poderíamos dizer: “Hoje tive medo de ser ridicularizado por minha família
ao não querer dar doces ao nosso filho."
Falar dos sentimentos que moram dentro da gente é falar da nossa vulnerabi-
lidade, das coisas que mais nos assombram, não costuma ser muito fácil olhar
para isso. Pelo medo de nos mostrarmos vulneráveis, acabamos atacando o
outro na tentativa de escondermos nossas fragilidades, essa é uma questão
que leva muitos casais ao distanciamento. Em vez de dizer: “Estou com medo
de não conseguir dar conta de tudo o que implica ter um filho”, dizemos: “Você
não me ajuda em nada, tenho que fazer tudo sozinha." Atacamos o outro quando
na verdade queremos pedir colo, cuidado, atenção.
Aprendemos que deveríamos ser fortes e corajosos, e que isso implicaria em

não ter medo, sentir vergonha ou falhar, e passamos a vida tentando esconder
dos outros ou de nós mesmos esses sentimentos, como se ao escondê-los,
de fato pudéssemos fazer com que não existissem. Na verdade, ao escon-
dê-los, deixamos de apresentar uma parte bem importante de nós mesmos,
e sem ela as relações não conseguem alcançar o máximo de sua potência.
Na realidade, o que acontece ao nos mostrarmos vulneráveis para aqueles
em quem confiamos? As armaduras se desfazem, despertamos a empatia, e

a chance de um diálogo aberto, verdadeiro e transparente surge (BROWN,
2016, ROGERS, 1997).
Um fator importante, que costuma ficar esquecido quando essa dupla vira
um trio, ou um quarteto, é que vínculos de confiança precisam de tempo em
quantidade e qualidade, e não só para as crianças. Atualmente ficamos muito
atentos em passar tempo de qualidade e na maior quantidade possível com
nossos filhos, mas acabamos esquecendo a relação conjugal. Não falo só de
ter tempo para sair de casa, ir para festas ou restaurantes sem filhos. Falo da
convivência cotidiana mesmo, de encontrar tempo nas pequenas coisas.
Estabelecer um horário para os filhos dormirem, de forma que ainda sobre

tempo para o casal viver uma relação a dois, ter espaço de diálogo, troca,
carinho, reparações. Se as crianças têm um ritmo em que acordam tarde, os
pais podem acordar mais cedo para aproveitar o início do dia juntos. Conseguir
levar as crianças juntos em alguma atividade, assim, enquanto elas nadam, por
exemplo, esse casal curte a companhia um do outro. Ter tempo para ouvir e ser
ouvido, cuidar e ser cuidado, faz com que fique mais fácil reparar as situações
que não saíram conforme nós gostaríamos.
Precisamos aprender a reconhecer que muitos dos pedidos que fazemos ao

outro, falam mais das nossas dores do que sobre o que o outro fez ou deixou
de fazer (ROSENBERG, 2006). Em meio a um turbilhão de emoções estamos
esgotados, descuidados, sobrecarregados, mas na maioria das vezes, não
encontramos tempo para cuidar de nós mesmos e exigimos dos nossos pares
que façam isso por nós.
A verdade é que se não reservamos um tempo para nos olharmos com amor,
e cuidarmos de suprir nossas necessidades, não tem nada que o outro possa
fazer que nos traga o conforto que buscamos, estaremos sempre insatisfeitos,
com a sensação de que ainda falta algo, que sempre estamos sobrecarregados.
É verdade que tendo filhos pequenos em casa sempre nos sentiremos sobrecar-
regados, os dias parecem mais curtos, as horas passam mais rápido, as tarefas

ficam incompletas, e parece que nenhuma ajuda no mundo é suficiente. Então,
de fato, é preciso encontrar tempo de autocuidado. E cuidar de si mesmo será
diferente para cada um, para um pode ser uma atividade física, para o outro
uma massagem, para um comer uma comida quentinha em silêncio, para outro
dormir um pouco mais. Aí entra a necessidade do diálogo, do acordo, de como
contemplar mais dois adultos em meio às necessidades das crianças.
É mais difícil quando ainda são muito bebezinhos, mas o que costuma acontecer
é que eles começam a crescer, mas não voltamos para olhar e reconfigurar a
vida e a dinâmica do casal e da família. Se um novo incômodo surgiu, é sinal
de que está na hora de repensar a dinâmica da família novamente.
E muitas vezes, volto a dizer, permitam-se olhar para o outro com empatia,
quanto mais oferecemos esse olhar ao outro, mais recebemos isso do outro
também. É como se fosse uma nova linguagem a ser aprendida, à medida que
recebo um olhar empático e compreensivo constantemente, passo a retribuí-lo
de forma automática, e uma nova relação surge (ROGERS, 1997).
Na relação conjugal, muitas vezes, já passamos por crises e desentendimen-

tos para além da história de vida de cada um e das marcas que cada um traz
consigo. E em meio ao cansaço da chegada de um filho, corremos o risco de
nos tornarmos ríspidos, mesmo quando essa não é a intenção. Outras vezes
temos a certeza de que cuidamos da forma como falamos, mas o outro sentiu-se
agredido. Temos também uma certa tendência a esperar que o outro adivinhe
de forma mágica o que estamos sentindo, pensando, decidindo, esperando e
ficamos frustrados quando não temos nossas expectativas correspondidas, ainda
que não as tenhamos anunciado. Por conta disso, Marshall Rosenberg (2006)
apresenta a necessidade de sermos claros em nossos pedidos e precisamos
inclusive, checar se a mensagem que chegou foi a mesma que enviamos. Por
conta dos desentendimentos ou feridas de cada um, muitas vezes dizemos uma
coisa, mas a pessoa entende outra coisa, então cabe a nós reconhecer que a
mensagem não foi bem formulada e tentamos outra vez, sem responsabilizar
o outro por não ter entendido, afinal, se há um casal conversando, existem

duas pessoas responsáveis por fazer essa conversa fluir. Com pedidos assim
aumentamos consideravelmente a chance de sermos atendidos e diminuímos
consideravelmente os espaços para os desentendimentos.
Com toda a certeza, construir uma relação assim, transparente, em que todo
assunto possa ser levado em consideração com amor e empatia, em que haja
espaço de escuta e acolhimento, mesmo quando estamos emocionalmente
envolvidos nas questões levantadas, não é uma tarefa fácil. É algo que exigirá
persistência, afinal, estaremos rompendo com um modelo aprendido durante
toda a vida. Estaremos rompendo amarras, imposições sociais, estaremos
encarando medos e angústias de frente, mas ao fazer isso reconheceremos
ao nosso lado outro alguém que também está vulnerável, duelando com seus
próprios fantasmas, disposto a construir uma relação íntegra, onde ambos
possam existir com seus pontos de encontro e de divergência. Algo que será
construído pouco a pouco, uma construção que nunca se finda, mas que fica
mais sólida a cada dia construído junto.
A chegada dos filhos nos transforma em superpotências, aprendemos habilidades

que nem sabíamos que éramos capazes de desenvolver e nos tornamos capazes
de levar a relação conjugal a um nível nunca antes atingido, e que talvez só
seja possível por conta das turbulentas águas que a maternidade/paternidade
nos fez enfrentar juntos.

Referências
BROWN, B. A coragem de ser imperfeito: como aceitar a própria vulnerabilida-
de, vencer a vergonha e ousar ser quem você é. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.
ROGERS, C. Tornar-se Pessoa. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
ROSENBERB, M. B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar rela-

cionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.
ROSENBERB, M. B. Vivendo a comunicação não-violenta: como estabelecer

conexões sinceras e resolver conflitos de forma pacífica e eficaz. Rio de Janeiro:
Sextante, 2019.
SIEGAL, D. J.; BRYSON, T.P. O cérebro da criança: 12 estratégias revolucioná-

rias para nutrir a mente em desenvolvimento do seu filho e ajudar sua família
a prosperar. São Paulo: nVersos, 2015.

Eliza Góes
CRP 12/11370
11(48) 99825-9870
33elizagoes.psicologa@gmail.com
55www.elizagoes.com.br
77@elizagoes.psi
• Psicóloga graduada pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

• Cursando Especialização em Psicologia Clínica e Psicodrama pela Locus
Partner, reconhecida pela Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP).
• Atua em consultório na cidade de São José, SC, e online, atendendo
adultos e principalmente casais.
• Supervisora presencial e on-line de psicólogos clínicos.
• Criadora do quadro "Dica da Psi" nas redes sociais com dicas e reflexões
sobre relacionamentos amorosos.
• Idealizadora e facilitadora do workshop de imersão para casais Encontro
Marcado.
• Casada, mamãe da Lívia e da Lorena.

De casal a pais: um caminho sem volta?
Quem já ouviu a frase: “Quando nasce um bebê, nasce também um pai e uma
mãe”? Pela quantidade de conteúdos que já se passaram neste livro, vimos
que não é bem assim, não é mesmo? O processo de parentalidade é construí-
do e requer muitos aprendizados. Mas, se mesmo assim esse pai e essa mãe
fossem capazes de nascer com o bebê, eu diria que: nasce um pai e uma mãe
e morre um casal.
Após o nascimento dos filhos o casal enfrenta o luto da sua conjugalidade,

esse é um processo natural e esperado, visto que todas as energias e atenções
agora estão voltadas para a vidinha que acabou de chegar. No entanto, como
em todo processo de luto, este também envolve perda e sofrimento, e muitos
casais encontram dificuldade em lidar com essa dor.
O resgate da conjugalidade não é tão natural quanto o desgaste, mas é fun-

damental para essa família que acabou de nascer. Por isso que falaremos
aqui de alguns aspectos que necessitam de um cuidadoso olhar para que a
parentalidade não seja um caminho sem volta para estes casais, que ainda
merecem viver muito mais do amor.
O amor! Ah, o amor! Começaremos a falar dele então, já que o lar que agora
acolhe um novo ser costuma ser tomado por esta energia estonteante que é o
amor. Mas por que será que, mesmo em meio a tanto amor, famílias acabam?
Relacionamentos se desgastam e casais se separam antes que os filhos com-
pletem 1 ano.1
É porque o amor é multifacetado, e precisamos entender suas diferentes formas

para perceber que amar não é simplesmente sentir, mas sim compreender,
domar e canalizar sua energia.
A primeira diferenciação importante que devemos fazer é sobre o amor conju-

gal e fraternal, o que a Filosofia chamará de amor Eros e Ágape, cuja principal
1
Segundo dados do IBGE, 54% dos casais se separam com os filhos ainda menores de idade.
210 Eliza Góes

diferenciação será a presença do desejo, do toque, da erotização, atuante em
Eros, e que no amor Ágape haverá uma força de amar pura e genuína, sem a
necessidade do retorno.
Para facilitar nossa compreensão sobre as diferentes formas de amor, é ne-

cessário também identificarmos os novos papéis que se instauram no contexto
familiar após a chegada dos filhos. Aquele que antes era visto apenas como
parceiro amoroso, agora desempenhará o papel de pai ou mãe dentro do mesmo
lar, fator esse que facilita a confusão relacional, pois nos relacionaremos com
a mesma pessoa em diferentes papéis.
Papel, segundo Moreno (1997, p. 206), “são as formas reais e tangíveis que
o eu adota. [...] É uma cristalização final de todas as situações em uma área
especial de operações pela qual o indivíduo passou [...]”. Exemplo: pai,
marido, filho, médico etc. O que acontece, geralmente, é que devido ao
papel parental ser tão exigente e demandante, o casal se habitua a viver
sempre na “roupagem” de pai e mãe, sendo assim, a mulher passa a se
relacionar com o “pai do seu filho”, e o homem quando busca sua mulher
encontra apenas a “mãe do seu filho”. É muito comum encontrar inclusive
casais que mudam seus apelidos carinhosos para “paizinho" e "mãezinha”,
e passam a se chamar assim mesmo na ausência dos filhos, misturando
completamente os papéis e as formas de amar.
Como encontrar o Eros aqui? Como sentir tesão por uma imagem tão afetuosa
e fraternal como a de pai e mãe? Como sentir desejo sexual por quem você
agora chama de “paizinho" e "mãezinha"?
Lembrando que durante o processo de desenvolvimento dos novos papéis (pai

e mãe), o indivíduo se conectará com mais força às referências de sua infância,
criadas e construídas a partir do relacionamento com seus pais, ou seja, figuras
que o afastarão ainda mais de qualquer conotação erótica.
Portanto, é preciso que saibamos a hora de “trocar de figurino”, para que

possamos claramente nos posicionar como homens e mulheres que somos.
De casal a pais: um caminho sem volta? 211

Essas trocas são necessárias para mostrar que o novo papel adquirido não
nos define enquanto indivíduos, e que somos capazes de circular entre
nossos papéis, a fim de suprir todas nossas necessidades.
Ressalto aqui a importância do erotismo, pois a energia sexual é fundamental

para que o casal continue se relacionando como cônjuges, e não passem a
viver como amigos ou sócios que dividem tarefas, contas e responsabilidades.
Quanto mais familiar se torna o lar, quanto mais aspectos sagrados e puros
transitam entre os cômodos da casa, menos espaço há para o sexo e para
a relação erótica. É como se a sexualidade fosse suja e incompatível com a
representação angelical de família.
A relação do sexo com o “sujo” pode vir de fatores sociais, religiosos e também
da forma como cada um construiu sua própria sexualidade. É bem comum ver
pessoas relacionando o erotismo com a pornografia, pois este foi o meio no
qual aprenderam sobre o sexo, já que é um assunto tão velado nas famílias.
Dessa forma, é fácil entender porque se torna até perigoso pensar em sexo
onde há filhos.
Esther Perel, autora do livro Sexo no cativeiro defende a ideia de que sexo e
segurança são incompatíveis, ela mostra como é necessário o imprevisível
para que a energia erótica se mantenha presente na relação. E, claro que
manter isso em uma casa onde acaba de chegar uma criança, e onde esse
casal trabalhou, estudou e se cercou de rotinas e novos hábitos, é uma tarefa
que exige muita criatividade.
É importante que a forma como você lida com sua casa e sua vida, a partir
de agora, seja pautada em respeito e zelo pela educação e desenvolvimento
emocional dos seus filhos. Mas, será que para isso é necessário retirar da casa
todos os vestígios de um casal que ali vivia feliz? Será que a essência e o amor
de vocês machucariam seus filhos?
É preciso entender que para se construir um ótimo pai e mãe, não é necessário
se despersonalizar, tampouco se esterilizar de qualquer pensamento ou desejo
212 Eliza Góes

considerado impróprio ou impuro. Essa energia deve permanecer viva para que
o casal continue conectado, pois é essa conexão que formará a rede firme e
segura da qual os filhos precisam.
Prestem atenção se as regras que agora ditam seus passos foram escolhidas
com coerência e sentido, ou se são apenas padrões antigos se repetindo sem
uma reflexão descente. Cuidado com as "conservas” culturais, que nada mais
são do que conceitos e crenças traçadas pela sociedade e repetidas tão exaus-
tivamente que se tornam verdades absolutas sobre a forma como devemos
levar nossas vidas.
Vamos parar para pensar em como é fácil encontrar em representações sociais

como ditos populares, novelas ou músicas, falas sobre como o amor é frágil,
sobre como o filho separa o casal, sobre pessoas casadas que não transam
nem se divertem, como o famoso ditado: “Caso ou compro uma bicicleta?” Que
mensagem tudo isso insiste em nos passar? Então, é hora de refletir se o rumo
da relação está sendo guiado por você ou pela sociedade.
Se seu filho chegou por fins biológicos, todos os enfrentamentos psicológicos

inerentes dessa fase se agravam pelos fatores físicos advindos da gestação,
parto, amamentação e puerpério, que inevitavelmente afetarão mais as mulheres
por conta das mudanças corporais e hormonais. É claro que isso já seria motivo
suficiente para afetar a libido do casal. No entanto, outro fenômeno acontece
com a libido após a chegada dos filhos, e pode afetar não somente o casal de
gestação biológica como também outros formatos de casais que atravessaram
o portal da parentalidade.
Estamos falando da saciedade de amor e prazer na relação com os filhos. Em

cada troca de olhar, cada toque e carinho, estamos movimentando energia
amorosa, e ao final do dia não temos necessidade de realizar essa troca com
o parceiro. Perel (2018) chamará esse processo de “erotismo redirecionado”,
e por ser erotismo, uma energia de amor vibrante, criativa e espontânea, sem
ligação direta com o sexo em si, mesmo que a troca com os filhos não tenha
qualquer intenção ou conotação sexual, ela supre mesmo assim nossa neces-

sidade de prazer.
É por isso que parece que perdemos a necessidade do amor Eros. Alguns casais
chegam a pensar que não amam mais seus parceiros, pois não sentem mais
falta ou desejo por eles, mas a explicação é que não só nosso dinheiro, tempo,
dedicação e cuidados estão canalizados para os filhos, como nosso amor e
prazer também encontram naqueles lindos olhinhos inocentes a completude.
“Mas por que encontramos tanta dificuldade? A gente se dava tão bem, concor-
dávamos em tudo ou quase tudo, nossa vida fluía e nos amávamos tanto que
transbordava amor, imaginamos que um filho seria perfeito para fazer parte
disso tudo." Essa é a fala de uma paciente que atendi no consultório, que na
verdade representa muitos outros casos com falas semelhantes a essa. Temos
dificuldade de compreender por que a chegada de uma terceira vida torna
este vínculo tão complexo, mesmo diante de um casal saudável e funcional.
Convido-lhes a pensar nesse “laço de amor” em forma de fitas, (você e seu

parceiro(a) podem inclusive pegar agora três pedaços de fita e fazer o exercício
enquanto refletem). Imaginem que antes de qualquer coisa você só precisava
lidar com uma fita – você. Forme um laço de amor próprio com essa fita, do
tamanho e da cor que desejar, afinal, essa fita é só sua. Agora, vamos imaginar
que você chegou na fase da vida onde encontra seu amor, representado por
outro laço de fita já formado, como o seu, e vocês resolvem investir no laço de
amor entre vocês – a conjugalidade.
Nessa etapa vocês precisam decidir como formarão um único laço com essas
duas fitas já trabalhadas anteriormente. Notem que aqui já não é fácil ter que
mexer em seu laço já pronto para que outro se encaixe, poderão ocorrer des-
construções, reconstruções, e possíveis dificuldades em acordar como será
esse novo laço.
Eis que, quando ele estiver satisfatório e unido, vocês passarão para a fase de
“vamos ampliar a família e compartilhar esse amor que transborda”. Surge então
mais uma fita para ser incluída no laço de amor, onde, sem dúvida alguma, o
214 Eliza Góes

que já estava funcionando perfeitamente passará por um novo processo de
reforma e adaptação, com novas dificuldades.
Mas e aí, como ficou o laço? Encontraram uma forma de todas as fitas se unirem?
Tiveram que desfazer o que estava pronto para começar do zero ou acharam
uma forma de incluir todas? Ficou agradável para vocês esse novo formato? As
fitas parecem confortáveis nessa relação?
Quando achamos que é “só incluir mais um”, na verdade estamos falando em
triangular. Criei abaixo uma demonstração gráfica para que você possa enten-
der que quando este terceiro elemento entra para a relação, a configuração se
altera, e outros “nós” se fazem presentes, tornando tudo muito mais complexo
do que se esperava.
Bom, mas agora você deve estar querendo responder a nossa pergunta inicial:
tornar-se pai e mãe é mesmo um caminho sem volta? E eu lhe respondo: por
que mesmo você está querendo voltar? Será que o maior erro não está em
gastar energia querendo ser o que não somos mais? Passamos por pequenas
mudanças todos os dias, não somos mais os mesmos de ontem, mudamos a
cada experiência que vivemos, até as mais imperceptíveis nos transformam.
Agora imagine a da maternidade/paternidade?

Nesse momento, chorar de saudade do casal que foram, ou se apegar e com-
parar a frequência com que transavam não é o melhor caminho. Aproveitem a
deixa para se redescobrirem! Descubram novas formas de fazer amor, de se
conectar, será mesmo que o modelo antigo ainda faz sentido? Não seria essa
a oportunidade de encontrar novos caminhos?
Coisas a resgatar? Sim! Mas com o olhar na frente, com o objetivo de construir
um novo formato de ser casal, onde tenha espaço para a nova bagagem que
agora carregam juntos, com o máximo de leveza e amor que puderem.
Aproveito aqui para fazer um alerta. Cuidado para não relacionarem problemas
antigos, porém reprimidos, com a vinda dos filhos. Não responsabilizem os filhos
pelo distanciamento do casal, olhem para essa relação, para essa sexualidade.
Como tudo isso já estava antes mesmo da chegada das crianças? Tudo fica mais
difícil, sim! Mas muito possível de resolver, a não ser que a situação não passe
de uma boa desculpa para não fazer o que você já não fazia antes.
Não romantize demais a maternidade/paternidade. Pare de achar que o bonito

agora é colocar o filho no centro de tudo, você continua sendo o protagonista da
sua vida, precisa ter tempo para si, e isso envolve se amar e amar outra pessoa,
cuidar do seu corpo, da sua sexualidade e de todos os desejos que habitam em
você. Não se negligencie, tampouco sacrifique sua relação conjugal em prol
dos filhos. Viver um relacionamento feliz manterá você saudável e disposto(a)
a dar muito mais a eles, e é exatamente aí que mora toda aquela segurança
que você tanto buscava, por isso, lembre-se sempre:
Casais felizes, filhos seguros!
216 Eliza Góes

Referências
LANDINI, J. C. Psicodrama: sexualidade e terapia de casal. Curitiba: Juruá, 2014.
LOSCHI, M. Casamentos que terminam em divórcio duram em média 14 anos

no país. Agência IBGE Notícias, 31 out. 2018. Disponível em: <https://bit.
ly/30iGKCu>. Acesso em: 10 dez. 2019.
MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1997.
PEREL, E. Sexo no cativeiro: como manter a paixão nos relacionamentos. 2.

ed. São Paulo: Objetiva, 2018.

218 Eliza Góes
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Gisele Palmas Pacheco��������������������������������������������������������������������������� 99

Educação familiar para o sono infantil ������������������������������������������������������������100

Burnout materno: o que temos a ver com o esgotamento de mães sobrecar-

Paternidade hoje: um olhar além da procriação, proteção e provisão ���������120

Andréa Mesquita����������������������������������������������������������������������������������� 129

Tecer, nutrir e acolher: a função da rede de apoio na construção da nova

Martina Dillenburg Scur�������������������������������������������������������������������������149

O comportamento do meu filho é normal?����������������������������������������������������� 150

Educando-se para educar������������������������������������������������������������������������������� 160

Acordos sobre as práticas educativas são possíveis �������������������������������������170

Brigas de casal e o impacto sobre os filhos��������������������������������������������������� 180

Comportamentos que prejudicam a relação do casal: é possível evitar?���� 190

Joana Simiélli Rocha������������������������������������������������������������������������������199

Transformando a comunicação do casal com filhos������������������������������������� 200

Eliza Góes��������������������������������������������������������������������������������������������� 209

De casal a pais: um caminho sem volta?�������������������������������������������������������� 210

Gabriele de Oliveira Ribas

“A transição de dois para três é um dos maiores desafios que

A chegada do primeiro filho marca a transição para a parentalidade, considerada

Segundo a psicanalista Vera Iaconelli (2019), a chegada de um filho costuma ser

Acredita-se que a transição da conjugalidade para a pa-

De fato, diante desse novo projeto, no qual o casal compartilha da responsabi-

Realmente, com a chegada dos filhos, é preciso que os pais se reencontrem

De casal a pais: o que muda? 13

Sobre a redistribuição de tarefas e demais responsabilidades entre o casal

Quando ocorre uma distribuição injusta de tarefas e responsabilidades, com

Entretanto, não há um modelo a seguir e, para a construção singular de cada

Os casais estão vivendo momentos de muita inconsistência

Dessa maneira, é possível perceber que o período de priorização da construção

De casal a pais: o que muda? 15

Há tantas razões para abrir mão do sexo que os que o fazem

Decidir ter um filho implica reorganizar a vida do casal em

De casal a pais: o que muda? 17

• Psicóloga graduada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA).

De casal a pais: o que muda? 19

Com isso, a intenção não é desencorajá-los a traçar um percurso de preparação

20 Cristina Saling Kruel

Logo após a chegada do filho ou filha e durante certo tempo, a parentalidade

Percebe-se hoje que o bebê humano não sobrevive recebendo os cuidados

Tal empreitada tende a ter resultados satisfatórios em ambas as direções, tanto

Há muito conteúdo de fácil acesso sobre a importância de sermos pais sufi-

Ser pai e ser mãe: antigo desejo, novos desafios 21

A parentalidade se constitui como uma experiência singular, frequentemente

Mesmo que a confusão e a desesperança quanto ao futuro da humanidade

Somado a isso, hoje vivemos em um tempo em que as descobertas da ciência

22 Cristina Saling Kruel

1

De casal a pais: o que muda?�� 12

Cristina Saling Kruel�� 19

Ser pai e ser mãe: antigo desejo, novos desafios �� 20

Áquila Thalita Costa�� 29

Escuta, acolhimento e cuidado da preparação à chegada do bebê�� 30

Suélen Reckziegel Noe��47

Pós-parto e puerpério: o que esperar?�� 48

Sandra Moura Cavalcante�� 65

Tornando-se pai e mãe por meio da adoção: relato de experiência pessoal� 74

Doris Helena Varnieri Haar Flores�� 83

Construção do vínculo pais e filhos�� 84

Choro na infância: como lidar?�� 92

Gisele Palmas Pacheco�� 99

Educação familiar para o sono infantil ��100

Paternidade hoje: um olhar além da procriação, proteção e provisão ��120

Andréa Mesquita�� 129

Martina Dillenburg Scur��149

O comportamento do meu filho é normal?�� 150

Educando-se para educar�� 160

Acordos sobre as práticas educativas são possíveis ��170

Brigas de casal e o impacto sobre os filhos�� 180

Comportamentos que prejudicam a relação do casal: é possível evitar?�� 190

Joana Simiélli Rocha��199

Transformando a comunicação do casal com filhos�� 200

Eliza Góes�� 209

De casal a pais: um caminho sem volta?�� 210