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Paráfrases da imagem e cenas prototípicas: em torno da memória e do equívoco.


Suzy Lagazzi
Resumo
Pelo investimento analítico discursivo na imagem, retomo o procedimento parafrástico
na relação com o efeito metafórico, explorando o primado do gesto de descrição. Na
deslinearização da imagem, insisto na remissão do intradiscurso ao interdiscurso e situo
as composições visuais na relação com a memória do dizer, dando consequência às
paráfrases visuais. Chego, então, à noção de ‘cena prototípica’, importante para a
compreensão do trabalho da equivocidade na composição visual.

Para compreender a imagem em seus trajetos de memória, tenho investido no


procedimento de descrição dessa materialidade que mobiliza o olhar em composições
equívocas. Dando especial relevo à afirmação de Michel Pêcheux (1990, p.50) de que no
trabalho sobre as materialidades discursivas devemos “dar o primado aos gestos de
descrição”, de tal maneira que descrição e interpretação não sejam tomadas na indistinção
uma da outra, considero que é ao colocar a estrutura em relação com outras possibilidades
estruturais no jogo da história, é ao dar lugar à descrição pelo procedimento parafrástico,
que a evidência de um sentido pode ser relativizada e o analista pode dar consequência
ao movimento da interpretação para compreendê-lo em seus pré-construídos.

Cenas de abertura
Ao trabalhar o enunciado “Ganhamos” através de ‘paráfrases plausíveis’
(PÊCHEUX, idem, p.26), Michel Pêcheux nos mostrou como dar visibilidade ao
“trabalho do sentido sobre o sentido” (PÊCHEUX, idem, p.51). Ao afirmar que o
enunciado “A esquerda toma o poder na França” é uma “paráfrase plausível” para
“Ganhamos” (idem, p.26), Pêcheux sintetiza o jogo metafórico que sustenta o percurso
de formulações que unem esses dois enunciados, chamando a atenção sobre a rede de
associações implícitas construídas pela materialidade léxico-sintática do enunciado
“Ganhamos”. As possibilidades abertas pela pergunta ‘Quem ganhou o quê?’ vai nos
mostrando as associações plausíveis que se dispõem ao sujeito pela memória discursiva.
Buscar ‘paráfrases plausíveis’ para um enunciado significa considerar as derivas
possíveis nas condições de produção dadas para delimitar as fronteiras da família


Publicado em Análise de Discurso em Rede: Cultura e Mídia. G. Flores, N. Neckel, S. Gallo (orgs.).
Campinas: Pontes, 2015. p. 177-189.
parafrástica à qual pertence o enunciado em questão. E como uma família parafrástica só
pode ter suas fronteiras estabelecidas na relação com outras famílias parafrásticas, é no
jogo entre o mesmo e o diferente que a paráfrase pode ser construída. Como bem nos
ensinou Orlandi (1988), paráfrase e polissemia se constituem em tensão. Aí reside a
beleza do procedimento parafrástico: ao mesmo tempo aponta para o mesmo e para o
diferente, levando-nos a perguntar pelas posições de sujeito constituídas no processo
discursivo e pelas formações discursivas em jogo no funcionamento do discurso
analisado.
Léon e Pêcheux (2011) afirmam:
“o essencial da discursividade seria compreender a tensão contraditória
entre a relação paradigmática de substituição que tende em direção à
estabilização da forma lógica e a existência de relações de deriva e de
alteração entre sequências que podem, ao mesmo tempo, conectarem-se por
sintagmatização ou substituírem-se sob a base das ligações evocadas.
Levar em consideração essa tensão constitutiva conduz a abordar a categoria
da contradição por meio de um viés que deixa de privilegiar a contradição
lógica, deslocando a análise em direção das formas materiais discursivas de
contradição ligadas à alteração e à deriva. Isso reafirma que um uso
materialista da noção de contradição na análise do discurso supõe
necessariamente, levar em consideração os espaços de heterogeneidades nos
quais funciona essa contradição.” (p.172-173)
Toda descrição estando exposta ao equívoco da língua, todo enunciado sendo
suscetível de tornar-se outro, como sempre reafirmamos a partir de Pêcheux (idem, p.53),
importa dar consequência ao primado da descrição pelo investimento no procedimento
parafrástico, para que as ‘paráfrases plausíveis’ possam ir configurando as fronteiras das
formações discursivas e das posições de sujeito que sustentam as derivas possíveis. Nesse
trabalho de delimitação, o “discurso-outro, enquanto presença virtual na materialidade
descritível do enunciado” (PÊCHEUX, idem, p.55), vai nos demandando compreensões.
Retomo Orlandi (1999) quando afirma que “ao longo de todo o procedimento
analítico, ao lado do mecanismo parafrástico, cabe ao analista observar o que chamamos
efeitos metafóricos”.
A relação entre paráfrase e efeito metafórico me levou a propor “o exercício
parafrástico como modo de atualização do efeito metafórico” (LAGAZZI, 2014). Para
avançar um pouco nessa relação, volto a Pêcheux, à AAD-69.
Para falar do efeito metafórico, o autor parte da pergunta: “existe pelo menos um
discurso no interior do qual x e y possam ser substituídos um pelo outro sem mudar a
interpretação desse discurso?” (1990, p.94). Interessa ao autor a possibilidade de
substituições contextuais, que ele denomina sinonímia local ou contextual, definindo-as
como efeito metafórico: o “fenômeno semântico produzido por uma substituição
contextual para lembrar que esse deslizamento de sentido entre x e y é constitutivo de x e
y” (idem, p.96). O efeito metafórico mostra que a ancoragem semântica se mantém na
variação da superfície do texto e que, mesmo quando duas sequências não apresentam
mais nenhum termo em comum, elas podem guardar uma equivalência semântica.
Pêcheux ressalta que “é esta repetição do idêntico através das formas necessariamente
diversas que caracteriza [...] o mecanismo de um processo de produção” (idem, p.97). E
acrescenta:
“o confronto recíproco das formas variadas da superfície permite, ao
multiplicar a presença do discurso por ele mesmo, manifestar a estrutura
invariante do processo de produção para um estado dado, estrutura esta
cujas variações são o sintoma” (GADET & HAK, 1990. p.98).

O conceito de efeito metafórico vem dar movimento à superfície linguística, com


a compreensão das regularidades que constituem o funcionamento discursivo. “A série
das superfícies discursivas constitui um vestígio do processo de produção do discurso”,
nos diz Pêcheux (idem, p.94), e encerra a primeira parte da AAD-69 dizendo:
“[...] vamos repetir, que um discurso não apresenta, na sua materialidade
textual, uma unidade orgânica em um só nível que se poderia colocar em
evidência a partir do próprio discurso, mas que toda forma discursiva
particular remete necessariamente à série de formas possíveis, e que essas
remissões da superfície de cada discurso às superfícies possíveis que lhe
são (em parte) justapostas na operação de análise, constituem justamente
os sintomas pertinentes do processo de produção dominante que rege o
discurso submetido à análise.” (GADET & HAK, 1990. p.104-105)

Com o conceito de efeito metafórico, Pêcheux consolida a possibilidade do


trabalho com a materialidade da língua e permite, pelo dispositivo analítico de leitura,
que se faça visível a relação entre superfície linguística e processo de produção do
discurso: diferentes marcas significantes para o mesmo processo discursivo.
Substituição, deslizamento e deriva são termos importantes para compreendermos
tanto o procedimento parafrástico quanto o efeito metafórico. São termos que propõem o
movimento na tensão entre o mesmo e o diferente no que diz respeito ao batimento entre
descrição e interpretação. Ao ir movimentando a interpretação num exercício de
reformulações, o procedimento parafrástico vai atualizando o efeito metafórico, definindo
limites de sentidos e dando visibilidade ao processo discursivo por meio de regularidades
que vão localizando recortes na memória do dizer, especificando as formações discursivas
e as posições de sujeito em jogo.
Volto à imagem e a seus trajetos de memória. Iniciei este texto assumindo que,
pelo procedimento parafrástico, a evidência de um sentido pode ser relativizada e o
analista pode dar consequência ao movimento da interpretação para compreendê-lo na
relação com a memória discursiva, em seus pré-construídos. Portanto, retomo o
procedimento parafrástico, agora na relação com a imagem.

A imagem em cena
Começo pelo fotograma que fundou minha compreensão analítica discursiva da
imagem e que apresenta uma cena prototípica de um social dividido:

Recortado de Boca de Lixo1, de Eduardo Coutinho (1993), este fotograma faz


ressoar o desafio que a análise da imagem me colocou e que me fez chegar à noção de
materialidade significante, que formulei em 2009 ao analisar Tereza 2 (Kiko Goifman,
1992).
Hoje posso localizar com mais consequência o gesto de compreensão que
redimensionou minha prática de análise da imagem, reiterando a importância do
procedimento parafrástico na descrição analítica.
Volto a uma consideração anterior, fundamental em meu trajeto discursivo de
análise e que diz respeito à deslinearização da imagem pela remissão do intradiscurso ao
interdiscurso (LAGAZZI, 2013b, 2014a).
Para retomar esse procedimento de deslinearização, o contraponto entre os
fotogramas apresentados nos dá a dimensão da relação corpo/entorno pelo exercício da
paráfrase.

1
Cf. O Recorte e o Entremeio: condições para a Materialidade Significante. (LAGAZZI, 2011c)
2
Cf. LAGAZZI (2009)
O fotograma recortado de Boca de Lixo apresenta uma regularidade importante
nas formulações visuais do documentário: os catadores com o corpo fletido em meio ao
lixo. Essa formulação visual recortando corpo e entorno me capturou pela memória do
corpo fletido na relação com o trabalho braçal3. Corpo e lixo, corpo e lavoura, corpo e
terra. Composições visuais que não estão em relação interparafrástica e que nos trazem
uma divisão de sentidos no que pode ser significado como trabalho. O corpo fletido do
catador em meio ao lixo faz ressoar a memória do trabalho braçal e fica significado como
um corpo fora do lugar no entorno do lixo, negado em sua atualização como trabalho. No
entrecruzamento da formulação visual do corpo fletido com a formulação visual do lixo
se deu minha compreensão da contradição constitutiva dessa relação. ‘Trabalhador’ e
‘não-trabalhador’ concorrendo em formações discursivas distintas.
A contradição trabalhada na imagem me permitiu especificar a remissão do
intradiscurso ao interdiscurso. Nessa diferença que estabeleci entre formulação visual e
imagem, localizei a formulação visual na relação com o intradiscurso e a imagem na
relação com o interdiscurso. Assim, o intradiscurso - formulado no entrecruzamento das
formulações visuais do corpo fletido e do lixo - remetido ao interdiscurso - a memória
legitimada da imagem do corpo fletido do trabalhador braçal - trouxe a compreensão do
processo discursivo pelo desdobramento da formulação visual em diferentes imagens do
corpo e do social: um corpo que trabalha no lixo, um corpo que cata lixo mas não trabalha,
um corpo que não deveria estar trabalhando no lixo, um social marcado pela busca da
sobrevivência, um social marcado pela segregação do catador, um social marcado pela
pobreza, um social que não acolhe os gestos que ficam fora dos sentidos legitimados.
O recorte dos elementos composicionais da formulação visual (corpo e entorno)
permitiu, em Boca de Lixo, o procedimento parafrástico entre diferentes composições
visuais (corpo e lixo; corpo e lavoura, corpo e terra) no entrecruzamento entre estrutura e

3
Imagem à esquerda retirada de http://inteirados.blogspot.com.br/2011/10/trabalhador-rural-forca-motriz-
da_3158.html. Imagem à direita retirada de https://www.flickr.com/photos/helderfontenele/4912693585/.
acontecimento. Foi importante compreender o desdobramento da formulação visual em
diferentes imagens pela remissão do intradiscurso ao interdiscurso. Pelo dispositivo
analítico discursivo materialista, busquei trabalhar o acontecimento da estrutura na
composição visual, deslinearizando a imagem, dando à memória discursiva seu lugar
fundamental na relação entre significante e história.
Tomei a imagem como materialidade significante e a analisei discursivamente no
batimento entre descrição e interpretação, tal qual proposto por Pêcheux (1990).
Estendendo o conceito de enunciado à formulação visual, me permito parafrasear o autor
(idem, p.53): “[...] toda descrição está intrinsicamente exposta ao equívoco da
[materialidade significante]: [toda formulação] é intrinsecamente suscetível de tornar-se
outra, diferente de si mesma, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para
um outro [...].”.
Depois de Boca de Lixo vieram Tereza (Kiko Goifman, 1992), Tropa de Elite4
(José Padilha, 2007), Linha de Passe5 (Walter Salles e Daniela Thomas, 2008), Território
Vermelho 6 (Kiko Goifman, 2004), Atos dos Homens 7 (Kiko Goifman, 2005). Uma
sequência que me apresentou desafios importantes e deu visibilidade a compreensões do
social em trajetos de memória significativos. Era uma vez...8, de Breno Silveira (2007),
veio se somar a essa pequena série, deixando em aberto uma questão que me faz voltar a
este filme numa análise conjunta com Última Parada 174, de Bruno Barreto (2008). Dois
filmes que buscam narrar o social por histórias de vida marcadas por contingências numa
sociedade marcada por violências. Filmes que podem nos dizer algo sobre a equivocidade
na relação com o sujeito e o social pela análise da composição visual em cenas
prototípicas.

Cenas de um social dividido


Afirmei que o fotograma recortado de Boca de Lixo e acima analisado apresenta
uma cena prototípica de um social dividido. Chegar a essa noção de ‘cena prototípica’ me
permitiu consolidar a compreensão da equivocidade na composição visual.
Os dois fotogramas abaixo, em relação interparafrástica, também apresentam uma
cena prototípica de um social dividido:

4
Cf. LAGAZZI (2011a)
5
Cf. LAGAZZI (2011b, 2013b, 2014a)
6
Cf. LAGAZZI (2012)
7
Cf. LAGAZZI (2014b)
8
Cf. LAGAZZI (2014c)
O fotograma à esquerda foi recortado do filme Era uma vez... e o fotograma à
direita de Última Parada 174. Nestes fotogramas, os trajetos de memória na imagem se
marcam por uma cena que se impõe em uma formulação visual que atualiza um já-dito
legitimado e imobilizado em nossa sociedade, reafirmando tipificações características de
um social dicotomizado por antagonismos.
A cena acima fotogramada, característica de situações que apresentam
rompimento nas relações sociais, é uma cena-limite, que nomeei9 como ‘prototípica’ de
um social dividido. Uma saída limite em resposta à não-escuta resultado do antagonismo
estruturante das relações sociais.
No conjunto dos dois fotogramas, as formulações visuais que compõem o
intradiscurso nos apresentam personagens sob a mira de um revólver, objeto símbolo “da
violência” em nossa sociedade. Chamo a atenção para estas formulações visuais na sua
remissão ao interdiscurso: o capuz e a mão armada imobilizam os sentidos em uma
imagem que na memória discursiva afirma a posição-sujeito-bandido na dicotomia com
a posição-sujeito-vítima. Uma cena que nos remete a um social tenso, conflituoso,
marcado por antecipações que recobrem a contradição entre ser bandido e ser vítima, na
sobredeterminação da lógica disjuntiva entre o bem e o mal.
Retomo Pêcheux em AAD-69 (GADET e HAK, 1990) para lembrar o
funcionamento da antecipação, que o autor afirma fazer parte de todo processo discursivo:
“o orador experimenta de certa maneira o lugar do ouvinte a partir de seu próprio lugar
de orador: sua habilidade de imaginar, de preceder o ouvinte é, às vezes, decisiva se ele
sabe prever, em tempo hábil, onde este ouvinte o “espera””. Esse funcionamento consiste,
portanto, de uma “antecipação das representações” do interlocutor, entendida a
representação como esse lugar do interlocutor “presente, mas transformado”. Ligando a

9
Cf. LAGAZZI (2014c)
antecipação às formações imaginárias, Pêcheux continua: “em outros termos, o que
funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que designam
o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu
próprio lugar e do lugar do outro”. Completando, o autor traz as “regras de projeção”, que
estabelecem as relações entre as situações e as posições. Reitero que se trata do que é
possível o sujeito antecipar a partir das determinações que o constituem e que definem
sua posição no discurso.
As composições visuais acima nos mostram, pela antecipação, que a tênue
fronteira entre ser vítima e ser bandido fica imobilizada pela ameaça à vida. Na lógica
disjuntiva humanista, em que a vida como ‘bem supremo’ é o pré-construído, o par
bandido/refém pode ser parafraseado por bandido/vítima, mas em nenhum momento
‘bandido’ entrará em sinonímia com ‘vítima’.
Atentar contra a vida em nossa sociedade é um gesto insuportável para o
humanismo que nos identifica. Todas as contingências injustas não serão suficientes para
desculpar o atentado de um “bandido” a uma “vida inocente. Considerando a relação
estabilizada entre revólver e violência em nossa sociedade, podemos dizer que o revólver
metaforiza metonimicamente 10 a violência de nossa sociedade dividida. Embora
diferentes sentidos para a violência possam se condensar no gesto de empunhar uma arma
dependendo da mão que a segura, quando se trata da formulação visual na composição
entre bandido e refém na perspectiva do humanismo, a interpretação da violência fica
sobredeterminada pelo sentido restrito da ameaça à vida.
O foco na insensibilidade do social pelo viés das contingências que afetam a vida
dos sujeitos é bastante reiterado e reafirma a negação do equívoco na responsabilização
dos indivíduos em nosso sistema capitalista.
A cena prototípica aqui analisada se apresenta como inequívoca numa leitura
humanista. Uma cena que diante do humanismo se fecha em sua composição visual,
produzindo limites bem definidos de um social logicamente dividido entre o bom e o mal.
As cenas prototípicas funcionam como exemplares, concentrando o já-visto e
demandando a remissão do intradiscurso ao interdiscurso para a compreensão dos pré-
construídos estabilizado(re)s.

Cenas conclusivas

10
Cf. Lagazzi (2013b, 2014a) sobre “metaforizações metonímicas”.
Minha tomada da imagem em seu funcionamento discursivo tem se ancorado na
busca por compreender o funcionamento da diferença no social. Nesse percurso, a noção
de diferença foi se definindo como alteridade contraditória e pude, dessa forma, dar à
contradição um lugar de destaque em minhas análises. Tomando a resistência na relação
com a contradição, tenho insistido sobre o processo de resistir no simbólico pela
incompletude da linguagem, o que me permitiu olhar para a oposição na sua insuficiência
de deslocar sentidos. Dessa forma, tenho perseguido em minhas análises os
funcionamentos opositivos tentando compreender como esses funcionamentos
imobilizam o movimento da interpretação.
Quando afirma que “os discursos de revolução [...] tendem inevitavelmente a
tornar simétrico algo presente nos discursos da ordem estabelecida”, o que os leva a uma
interpretação circunscrita a um “espaço sem sobra de uma contradição simétrica”,
Pêcheux (1990b, p.18) realça que a simetria entre os discursos que se pretendem
revolucionários e a ordem vigente estabelecida nos obriga a reconhecer a facilidade com
que somos tomados na evidência das interpretações legitimadas.
A contradição nos demanda nos equívocos que produz ao confrontar significante
e história. A fragilidade apontada por Pêcheux no que diz respeito aos posicionamentos
que se acreditam revolucionários me fazem olhar para as relações de conflito perguntando
pelas abordagens pensadas para colocar em pauta as fragilidades do social, mas que
acabam por corroborar com a manutenção de dicotomias estabilizadoras. O conjunto de
contingências injustas muitas vezes afeta os sujeitos e toca o social em sua
insensibilidade, mas não consegue deslocar o foco da responsabilização do indivíduo. Ser
vítima de contingências é uma “infelicidade” que reafirma o sujeito como indivíduo, pois
as contingências ficam significadas como particulares à vida de cada um.
As cenas prototípicas, pela agudeza em suas composições visuais, se colocam
como um material de investimento analítico para o trabalho com a equivocidade na
imagem. Descrever as cenas prototípicas em procedimentos parafrásticos que deem
visibilidade à diferença, à contradição, à resistência, pode contribuir nos modos de
escapar à previsibilidade do binarismo da oposição.
Termino com um fotograma de uma cena prototípica que parafraseia a relação
catar lixo/trabalhar. Uma cena que marca uma direção a seguir na compreensão do
equívoco na imagem.
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Era uma vez... Direção de Breno Silveira. Rio de Janeiro: Sony Pictures e Globo
Filmes, 2007. (117min)
Última Parada 174. Direção de Bruno Barreto. Rio de Janeiro: Movie&Art, 2008
(111min)

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