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O DIREITO DE EMPRESAS.

UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

ESTRUTURA DAS MATÉRIAS

I. INTRODUÇÃO
II. NOÇÕES DE DIREITO
1. Natureza Social do Homem
2. Acepções do termo direito
3. O Direito e a ordenação social
4. Direito natural e Direito positivo
5. Ordens normativas
6. O Estado e o Direito
7. Fontes do Direito-Aspectos gerais
8. Fontes de Direito em Moçambique
9. Órgãos emanadores do Direito
10. O lugar privilegiado da lei e modos da sua formação
11. Desvalores do acto normativo
12. Invalidades jurídicas. Nulidade e anulabilidade
13. Interpretação e integração da lei
14. Cessação da vigência da lei
15. A pessoa em Direito
16. Relação jurídica

III. O DIREITO DE EMPRESAS


1. A empresa
2. A teoria da empresa
3. Perspectiva de empresa segundo Menezes Cordeiro
4. Direito de empresa. Um Direito novo e heterogénio
5. O empresário. Perspectiva dogmática e legal à luz do nosso Código
Comercial
6. Capacidade jurídico-empresarial
7. Actos de comércio
8. As sociedades comerciais e seu destaque na vida empresarial actual
8.1. Os tipos societários novos e velhos
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8.2. A responsabilidade (i)limitada das sociedades comerciais


8.3. As sociedades de pessoas e de capitais
8.4. O problema da desconsideração da personalidade juridical
8.5. Contrato de sociedade
8.6. Procedimentos para constituição de sociedade
8.7. A empresa em nome individual
8.8. As “bancas” e os “ambulantes”
8.9. Sinais distintivos do comércio

IV. TIPOS E FUNÇÕES DAS MARCAS


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II. NOÇÕES DE DIREITO


1. Natureza social do Homem
O Ponto de partida para o estudo do Direito é a sociedade, pois é nela que as
suas regras se manifestam para ordenar e sancionar condutas humanas.
No entanto, há dois discordantes pensamentos quanto a natureza social do
Homem.
Uns defendem que o Homem é um ser social, neste sentido destaca-se o
pensamento de ARISTÓTELES que diz: “O Homem é um animal social”. Deste
entendimento decorre o brocardo em latim Ubi societas, ibi jus, que significa, onde há
sociedade há direito, voltaremos a isto daqui há pouco.
Outros pensadores de peso, em sentido contrário ao de ARISTÓTELES,
defendem a ideia segundo a qual o Homem por natureza é isolado e o estado social é
uma distorção da natureza do Homem. Tem encabeçado esta orientação o respeitado
pensador JEAN-JACQUES ROUSSEAU, nascido em Genebra (1712-1778), autor do
“Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”(1753) e
de “ O Contrato social” (1762) e THOMAS HOBBES, ingles (1588-1679), autor do
“De cive”(1642) e do “Leviathan”(1651)1. Apesar de partirem da mesma base a de que
a natureza do Homem é contrária a intergação social, divergem nos argumentos
posteriors. Para ROUSSEAU, no seu estado de natureza o Homem é bom (mito do bom
selvagem), a sociedade é que o corrompe. Para HOBBES, em estado de natureza o
Homem é mau (homo homini lupus, bellum omnium contra ommes)2. Ora com as
premissas do estado associal do Homem, os referidos autores pretendem atribuir a vida
em sociedade uma base contractual o que é pouco aceite na generalidade dos estudos
sobre a matéria.
Expostas as duas orientações relativas a natureza do Homem, somos de adopter a
que diz que o Homem é um ser social. Ubi Homo Ubi Societas Ubi Societas Ubi Homo.
Como negar isso?
A convivência social é inerente ao Homem por diversos motivos tais como:

1
V. Por todos JOÃO CASTRO MENDES, Introdução ao Direito, Edição revista, Pedro Ferreira, Liboa,
1994, pp. 11-12.
2
Idem ob. cit. p. 12
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-Comunicacionais,
- Afectivos,
- Económicos,
- Procriativos,
- Emocionais
- Competitivos
- Interajuda,
- Divisão do trabalho,
- Segurança,
- Religiosos,
- Educacionais,
- Troca de experiências etc3.

Contudo, a natureza social do Homem não é de todo pacífica, as condutas


humanas não são uniformes, cada pessoa tem a sua forma de ser e estar em função de
vários factores internos ou externos a ela. Essas diferenças quando exteriorizadas no
meio social, muitas vezes desencadeiam conflitos de interesse. Para prevenir ou
sancionar as condutas que violam a boa convivência social entre os homens, é
convocado o direito.
Assim, podemos definir o direito como sendo uma ordem de normas assitidas ou
não de protecção coactive, que visam regular condutas humanas numa determinada
sociedade. Ubi societas ibi jus, Ibi jus ubi societas

2. Acepções do termo direito


O termo direito é polissêmico na medida em que admite uma pluralidade de
sentidos conforme o contexto da frase.
Usa-se por exemplo o termo direito para se referir a um ordenamento jurídico
específico regulador de certa matéria relevante para a vida em sociedade, como é o caso
do Direito da Família.
Noutros casos o termo direito é usado para exprimir uma prerrogativa, um
privilégio de alguém decorrente da existência de um ordenamento jurídico específico
que outorga tal direito.

3
V. Num sentido próximo últ. ob. cit. p. 13.
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É também frequente o uso do termo direito para exprimir a ideia de disciplina


que estuda o direito numa determinada area, ou escolar de direito, em suma direito
como ciência.
No primeiro caso diz-se que o sentido (do termo direito é) objectivo. Ex. O
“Direito da família”, conjunto de normas jurídicas que regulam as relações familiares. É
uma ordem juridica específica que cuida de todos os aspectos da esfera familiar. No
segundo caso diz-se direito no sentido subjectivo. Ex, Manuel tem o direito de contrair
matrimónio com Paula. É um privilégio que Manuel tem, o qual emana do Direito da
Família. Por isso é que se diz que o direito subjectivo depende do direito objectivo. É o
direito objetivo que estabelece o quadro normativo de direitos e obrigações, por isso,
não há direito subjective sem direito objectivo. Por ultimo, no terceiro caso diz-se
direito no sentido epistemilógico. Ex, Ana estuda Direito empresarial ou Alberto vai a
Faculdade de Direito.
Tanto o direito objectivo (Direito do Trabalho) como o direito no sentido
epistemológico (Direito Penal (como ciência), escrevem-se com a inicial maíscula “D”.
Por seu turno o direito em sentido subjectivo (Américo tem direito a férias) escreve-se
com a inicial minuscula “d”.
3. O Direito e a ordenação social
Não é outro o principal escôpo do Direito senão a ordenação social. Há na
sociedade diferentes matérias de interesse pesoal ou colectivos que a dinamizam. O
Direito é chamado para regular cada uma dessas matérias relevantes na sociedade e
também para sancionar condutas que se mostrem conflituantes com a ordem social
estabelecida.
Assim, encontramos o Direito agrupado em campos normativos conforme as
matérias relevantes de que se trata. Questões de familia, propriedade, obrigações,
contratos, reparação de danos, sucessões, são por exemplo as que fazem parte do dia-a –
dia das pessoas, por isso ao conjunto agregado de normas que ordenam as matérias que
acabamos de enunciar a título exemplificativo, a doutrina chama-a de Direito comum ou
privado.
Há também normas que regulam matérias sociais de interesse colectivo, de entre
elas, umas ordenadoras outras sancionatórias. Estas normas são tuteladas pelo Estado
pois só ele é que tem o legítimo direito e obrigacão de proteger interesses da
colectividade e sancionar através da coercão-uso da força todo e qualquer
comportamento que se mostre lesivo a colectividade. Essa força especial detida pelo
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Estado para exercer o poder de coação chama-se ius imperi. Normas ordenadoras (da
vida social, política, cultural, religiosa, económica, administrativas (lato sensu) do
Estado) ocupam um lugar cimeiro e privilegiado na ordenação social. Para além destas
normas, temos as administrativas (stricto sensu), penais, de relações entre os Estados e
ou Organizações Internacionais, processuais e de procedimentos. A este conjunto de
normas úteis a sociedade mas que estão sob tutela do poder público, portanto Estado, a
doutrina chama de Direito Público.

3.1 Critérios de distinção entre Direito Privado e Direito Público


Ultrapassam a centena os critérios usados para a distinção dos principais ramos
de Direito4, pelo que, o exame de todos seria certamente enfadonho. Veremos apenas
àqueles que são mais fáceis de perceber e que têm sido apresentados pelos autores e que
são: Critério do interesse, critério do sujeito da relação juridica, critério da posição do
sujeito na relacão juridical.
O critério do interesse é o que, segundo os seus defensores, é conhecido quando
uma norma protégé directamente o interesse publico e indirectamente o interesse
privado. Este critério apesar de ser defendido por autores portugueses de peso como
Marcelo Caetano e Diogo Frteitas de Amaral, não tem sido pacific por se entender entre
outros contra argumentos que a fronteira entre os interesses públicos e privados são
muiti ténues.
Critério do sujeito da relação. De acordo com este critério, uma relação é de
Direito Público quando um dos intervenientes é uma entidade pública e de Direito
Privado quando os intervenientes na relação são entidades privadas. Igualmente este
critério é havido como insuficiente porque o Estado em muitos casos intervem nas
relações juridicas actuando como se de um particular se tratasse. Nessas circunstâncias a
relação não deixa de ser privada. Consequentemente o Estado pode ser responsabilizado
em termos de direito privado, artigo 501 do Código Civil, pode ser herdeiro nos
mesmos termos que os particulares o são, artigo 2153. O Estado pode ter ao lado do seu
domínio public, o domínio privado conforme reza o artigo 1304 do Código Civil.
Parece, todavia, ser plausível considerer que uma detrminada relação é do
Direito Público quando os seus sujeitos se apresentam investidos de poderes públicos
jus imperii e actuam nessa condição e de Direito Privado as relações entre privados ou

4
Sobre esta matéria v. por todos Castro Mendes, ob. cit, pp. 178-181.
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ainda entre o ente público e privado, estando àquele despido da autoridade que o
caracteriza. Esta é a perspectiva do critério da posição dos sujeitos na relação.
Portanto, “São relações jurídicas de direito public aquelas em que intervêm
entidades munidas de autoridade pública, de jus imperii , designadamente o Estado; e
são normas de direito publico as que disciplinam estas relações. São relações jurídicas
de direito privado as que se estabelecem entre particulares, ou em que intervenham mas
despidos do seu imperium-, o Estado ou outra entidade que o possua; paralelamente, o
direito privado é formado pelas normas que disciplinam tais relações”5.

Alistemos então as disciplinas quer do Direito privado quer do Direito Público.


3. 2. Algumas disciplinas do Direito Privado
O Direito privado é o ponto de partida normativo e conceitual do direito escrito,
característico do Sistema Jurídico Romano Germânico. É constituido pelo conjunto de
normas que regulam as mais comuns situações das relações socias. É a base da
ordenação da vida em sociedade.
A par do direito privado comum, encontramos o direito privado especial, o que
significa que o direito privado classifica-se em direito privado comum e direito privado
especial6. Vejamos agora o direito privado comum que se encontra basicamente alojado
no Código Civil e que, de acordo com a clássica sistemática germânica apresentada pelo
reputado jurisconsulto Gustav Hugo e aperfeiçoada pelo incontornável também
jurisconsulto alemão Friedrich Carl Von Savigny, é constiuido por:
Livro I. Parte Geral;
Livro II. Direito das obrigações;
Livro III. Direito das coisas;
Livro IV. Direito da família;
Livro V. Direito das sucessões.
A sistemática germânica não está isenta de criticas visto que nenhuma das partes
apresentadas é estanque, há por exemplo obrigações na família, obrigações nas
sucessões. Todavia, não seria fácil agora propor outra classificação uma vez que esta se
mostra bastante enraizada e amplamente difundida. Igualmente não seria fácil evitar
sobreposições de conteúdos de uma parte noutra.
Vejamos agora o conteúdo de cada sub parte.

5
V. Castro Mendes, ob. cit., p. 180.
6
Idem. p. 181.
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1. Parte geral: Há no Direito Privado comum (constant do Código


Civil), para além das disciplinas que a compõem, com conteúdos
próprios e que são objecto de estudo autónomo, normas relativas
a conceitos e princípios gerais do Direito. Tais matérias encontra-
se no Livro I do Código Civil. Há nele também uma parte que
trata de certos tipos contratuais em especial.

2. Direito das obrigações: Estabelece as regras a serem obedecedias


em qualquer relação contractual (obrigacional), Livro II, artigo
397º e ss do Código Civil.

3. Direito das coisas ou reais: É aquele conjunto de normas que


tutelam a propriedade, posse, detenção de bens (coisas). Neste
direito se enquadram também questões de usufruto, uso e
habitação, direito de superfície, cervidão predial; todos estes
considerados de direitos reais de gozo. Por outro lado no mesmo
domínio há os direitos reais de garantia nomeadamente, a
consignação de rendimento, o penhor, a hipoteca, os privilégios
creditórios, o direito de retenção. Livro III, artigo 1251 e ss do
Código Civil.

4. Direito da família: É constituido pelas normas que regulam as


relações sócio familiars, mormente, casamento, adopção, filiação,
regime de bens, separação, divórcio. Livro IV, artigo 1576 e ss do
Código Civil ora (infelizmente) revogado pela Lei

5. Direito das sucessões: As suas normas se ocupam dos critérios


de transmissão de bens deixados por uma pessoa falecida, neste
campo também chamada de de cujus. Este direito funciona por
ocasião da ocorrência do fenómeno morte, é portanto mortis
causa. O reconhecimento social de que certa pessoa é parente do
falecido ou com ele tinha relações muito extreitas não é suficiente
para que essa pessoa parente ou amiga tenha legitimamente sem
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qualquer formalidade direitos sobre os bens deixados pelo


falecido. Livro V, artigo 2024 e ss do Código Civil.

3.3 Direito Privado especial


Como atrás dissemos, a par do Direito Privado comum, encontra-se o Direito
Privado especial. Há total unanimidade em apontar-se o Direito comercial como direito
privado especial, mas o mesmo não acontece por exemplo, quando se inclui o Direito de
Trabalho nesta mesma categoria.
Quanto a nós, somos do pensamento de que apenas o Direito commercial é
privado especial. Explicaremos porquê.
Para já importa sabermos que o Direito comercial outrora designado de Direito
mercantile cujos alicersses doutrinários fundamentais se devem grosso modo a doutrina
italiana, regula principalmente a actuação dos comerciantes. Inicialmente o Direito
commercial era parte integrante do Direito civil. No entanto, devido a especificidade
dos sujeitos envolvidos no comercio (comerciantes) e a natureza da própria actividade
que já demandava autonomia pelas suas especificidades, entendeu-se a necessidade da
criação de uma regulamentação própria e principios especiais.
É desta forma que cindiu-se do Direito civil dando origem em Portugal ao primeiro
Código commercial da autoria de Ferreira Borges em 1883, veio a ser substituido em
parte pelo Código comercial de Veiga Beirão. Trataremos de mais aspectos sobre o
Direito comercial ao estudarmos a unidade relative ao Direito empresarial.
O Direito de trabalho regula relações juridico-laborais. Essas relações são
estabelecidas geralmente na base do princípio da autonomia da vontade das partes que
tem como um dos seus corolários a liberdade contractual. Todavia, há no Direito do
trabalho, normas imperativas uqe não devem ser afastadas pelas partes. O Estado exerce
através dessas normas a tutela dos interesses do elo mais fraco na relação laboral, o qual
se supõe ser o trabalhador. Entendemos que as referidas normas são do Direito público,
eis a razão porque não nos sentimos à vontade em afirmar que o Direito do trabalho é
Direito Privado especial.
Poderia perguntar-se, e o Direito comercial não contém tais normas? A resposta
seria positiva. Porém, divergem na sua direcção e tonalidade. No Direito comercial as
normas que não devem ser afastadas pelos particulares são de mera ordenação e o seu
desrespeito acarreta a invalidade do acto na vertente de nulidade ou anulabilidade. No
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Direito do trabalho, para além da cominação da invalidade, há também lugar a sanções


de ordem material, mormente multas e indemnizações.
As demais disciplinas que não tem sido classificadas como sendo do Direito
Público e ou Direito Privado são chamadas de mistas ou híbridas ou ainda de
classificação duvidosa. São incorporadas num terceiro ramo de Direito emergente.

3.4. Algumas disciplinas do Direito Público

1. Direito Constitucional. É o principal núcleo de normas jurídicas que


ordenam os aspectos básicos da vida de um Estado. A filosofia
social, política e económica de um determinado páis encontra-se
disposta num instrumento a que se chama de Constituição da
República. As normas que corporizam esse instrument chama-se de
Direito Constitucional. Em virtude de a Constituição ser o principal
instrument jurídico de qualquer Estado evoluido, é também chamada
de Lei mãe, Lei fundamental, Magna Carta. Na hierárquia das leis a
Constituição ocupa o lugar cimeiro devendo todas as demais normas
do Estado a que se refere, subordinarem-se a ela sob pena de serem
achadas de inconstitucionais, cfr, número 4 do artigo 2 da CRM.

2. Direito Administrativo. A relação do Estado e os governados bem


como a actuação do Estado e os seus agentes e ou entre os seus
órgãos é regida por um complexo conjunto de normas próprias a que
se chama de Direito Administrativo. Estas normas também se
reportam a organização do Estado. Grosso modo, se relacionam com
as normas do Direito Constitucional na medida em que as
dinamizam.

3. Direito Financeiro. Há para o Estado e outros entes públicos


obrigações de que não devem furtar-se, é o caso dos serviços de saúde,
educação, ordem e tranquilidade pública, defesa de soberania,
remuneração de funcionários públicos, construção de infra-estruturas
públicas como: estradas, pontes, edifícios hospitalares, escolares,
militares e habitacionais. Em resumo, estas são exemplificativamente
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algumas das necessidades colectivas que se afunilam em três espécies


fundamentais: a segurança, a cultura e o bem estar7. Em certos casos o
Estado é até obrigado a satisfazer necessidades alimentícias dos seus
cidadãos, é o que acontece nas situações de ocorrência de calamidades
naturais: cheias ou estiagem (seca).
A actividade dos tribunais, que consiste na apreciação e decisão através de
sentenças dos casos que lhes são submetidos, embora empiricamente sejam
vistas como necessidades colectivas, quando tratadas no âmbito do direito
administrativo, ficam excluídas do rol das obrigações do poder executivo, por
entender-se que cabe ao poder judicial apreciar e julgar os conflitos e não ao
poder executivo8. Contudo é inegável que a justiça é um dos fins do Estado9.
Ora, para que seja possível o cumprimento das obrigações adstritas ao
Estado e outros entes públicos, terão que realizar uma actividade económica
deveras diferente daquela praticada pelos particulares para a satisfação de
necessidades pessoais. É essa actividade a que se chama de actividade financeira do
Estado, a qual consiste basicamente na percepção, gestão e dispêndio de dinheiro ou
meios pecuniários.
Os actuais Estados grosso modo não são proprietários de bens susceptíveis
de gerarem recursos (receitas patrimoniais) aptos a responderem com as suas
obrigações perante os governados10. Restando-lhes a alternativa de irem buscar
os meios económicos de que carecem para o cumprimento das suas obrigações,
principalmente junto dos agentes económicos.
Por seu turno, os recursos financeiros conseguidos pelo Estado e outros
entes públicos que depois são aplicados nas despesas públicas têm a designação
de receitas públicas.
Na realidade moçambicanas as receitas públicas são de natureza
diversificada, isto é, são provenientes de várias fontes a saber:
1. As receitas patrimoniais, que provêm do rendimento do património que o
Estado dispõe.

7
Sobre as necessidades colectivas e a administração pública v. desenvolvidamente DIOGO FREITAS DE
AMARAL (FREITAS DE AMARAL), Curso de Direito Administrativo, 3ª ed., V. I, Almedina, 2000, pp.
25-29.
8
Idem., FREITAS DE AMARAL, Curso… ob. cit., p. 28.
9
V. MARCELO CAETANO, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, V. I, 6ª ed., Coimbra,
1970, pp. 143-148.
10
V. JOSÉ CASALTA NABAIS (CASALTA NABAIS), Direito Fiscal, 6a ed., Almedina 2011, p. 3.
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2. As receitas provenientes de taxas, emolumentos ou outras de natureza


similar, fruto de contraprestações que os entes públicos recebem das
pessoas para lhes prestarem serviços ou providenciar determinados bens do
domínio público.
3. As receitas provenientes de multas, juros de mora, compensações ou outras
da mesma natureza. Nestes casos os entes públicos cobram determinados
valores a título de sanções pecuniárias cominadas para certas condutas
ilícitas ou mesmo valores compensatórios por razões de mora.
4. Receitas provenientes de empréstimos públicos, voluntários ou forçados,
internos ou externos.
5. Receitas públicas multilaterais, bilaterais e unilaterais provenientes de países
estrangeiros ou organizações não governamentais, a título de donativos ou
doações.
6. Receitas provenientes de imposto, que constitui a mais importante receita
do Estado.11
Contrariamente ao que se passava no Estado absolutista, no
moderno Estado de Direito a actividade financeira levada a cabo pelo
Estado e outras entidades públicas através dos seus agentes (tal como
acontece em todas actuações do Estado) é regida pelo Direito (normas
jurídicas específicas). É portanto ao conjunto de normas jurídicas que
disciplinam a actividade financeira do Estado e demais entes públicos que se
dá o nome de Direito Financeiro. Um ramo de direito que pode ser definido
como o complexo de normas jurídicas que disciplinam a obtenção e distribuição
do dinheiro necessário ao funcionamento dos entes públicos e, bem assim, à
gestão dos bens propriedade desses mesmos entes12.
As normas do direito financeiro, são heterogéneas na medida em
que visam operações diversas como sejam: aquisição e gestão das receitas,
realização de despesas.
Deste modo, o direito financeiro estende-se por três sectores
distintos como sejam: o direito das receitas, o direito das despesas e o
direito da administração ou gestão financeira13.

11
V. IBRAIMO IBRAIMO, O Direito e a Fiscalidade, ART C, 200, pp. 11-12.
12
V. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, ob. cit., p. 4.
13
V. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, ob. cit., p. 4.
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4. O Direito Criminal ou Penal. A convivência social não é de todo


pacífica. Há condutas humanas violadoras de bens jurídicos
fundamentes como são os caso da vida, integridade física, propriedade,
privacidade, sexualidade, domicílio, bom nome etc. Para fazer face a
isso, a ordem jurídica possui normas que visam sancionar através de
medidas punitivas que recaem sobre a pessoa do infractor ou sobre o
seu património, condutas que violam os referidos bens jurídicos. As
sanções quando recaiam na própria pessoa do violador do bem jurídico,
consistem na privação de liberdade (prisão) num estabelecimento
instituído por lei para o efeito. Quando a conduta reprovável recaia
segundo o julgador, sobre o património do agente, consiste numa multa
a ser paga em dinheiro cujo valor é calculado nos termos da lei. De
referir que não é qualquer comportamento humano anómalo que é
passível de ser reprimido pela lei penal, mas apenas àqueles
configurados na lei como sendo merecedores de punição no domínio
penal. Só é crime o que a lei o define como tal, não há crime nem
sanção penal sem previsão legal. Eis a razão dos brocardos nullum crimen
sine lege, nula poena sine crimen. É portanto a própria lei que diz o que é
penalmente sancionável, resulta desse pressuposto, o principio da
tipicidade. O Direito penal é, em última análise o conjunto de normas
que sancionam condutas típicas ilícitas e culposas.
5. Direito Processual. A ninguém é lícito o uso da força para assegurar o
próprio direito salvo nos casos especialmente previstos na lei. Esta
formula resulta do disposto no artigon 1º do Código do Processo Civil.
Os casos que a lei excepcionalmente admite a acção do particular para
salvaguardar os seus direitos são a acção directa, legitima defesa, Estado
de necessidade e direito de resistência, previstos nos artigos 336º, 337º,
339º do Código Civil e 80º da Constituição da República. A regra
é, sempre que alguém se sinta prejudicado em algum direito deve
recorrer ao Estado através dos seus órgãos policiais ou jurisdicionais
(tribunais), para reivindicar o seu direito violado ou na iminência de o
ser. Tal reivindicação deve obedecer a normas que regulam os
procedimentos para a propositura da acção e julgamento do caso. Essas
normas são processuais. Quando relativas a matérias cíveis dizem-se
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normas do Processo Civil, quando relativas a matérias de âmbito penal


dizem-se normas do Processo Penal e por aí em diante conforme a
matéria a que se refere o processo.
6. Direito Internacional Público. Tal como as pessoas, os Estados não
subsistem isoladamente, desenvolvem relações amistosas e de
cooperação em diferentes domínios com vista a satisfação de
necessidades mútuas, v. artigos, 17º , 18º ,19º , 20º , 21º da C.R. Os
Estados também desenvolvem relações com entidades jurídicas distintas
das da sua natureza mas que são reconhecidas a nível internacional, é o
caso das organizações internacionais (de âmbito público). Ora, as
normas que regulam as relações entre os Estados e ou organizações
internacionais são designadas de Direito Internacional Público, v. artigo
18º da C.R. Estas normas têm sido objecto de estudo pelos juristas e
estudantes de relações internacionais.
As normas do Direito Internacional Público são adoptadas pelos
Estados através de Tratados e ou Acordos Internacionais. Todavia, para
que vigorem nos Estados que as aceitaram é necessário que sejam
recepcionadas por via da ratificação. Em Moçambique os Tratados são
ratificados pela Assembleia da República, cfr als t) e u) do número 2 do
artigo 179º da Constituição da República (C.R). O Governo por seu
turno, celebra e ratifica Acordos e prepara a celebração de Tratados
Internacionais, cfr, al. g) do número 1 do artigo 204º da C.R.

4 Direito natural e Direito positivo


É um tema da Filosofia do Direito, pode confirmar-se esta afirmação lendo a distinta
obra do Professor Oliveira Ascensão14 que no respectivo indice15 assim o apresenta. O
que sobre a matéria se apresenta e discute revelam de forma flagrante ser filosófica.
Simplisticamente pode dizer-se que Direito natural é o conjunto de normas escritas
ou não que existem e são conhecidas e reconhecidas no meio social independentemente
do modo como deve estar organizado esse meio social. Essas leis podem ser físicas ou
écticas.

14
O Direito, Introdução e Teoria, ob. cit., pp. 169-216
15
Ob. cit., p. 668.
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Direito positivo seria o conjunto de normas criadas ou não pelo Estado através dos
órgãos competentes e postas a vigorar na ordem jurídica através de meios formais para o
efeito estabelecidos.
Vê-se assim que o Direito natural está presente na sociedade e no seio do Direito
positivo.
Parece que o núcleo central do Direito como um todo se encontra no Direito natural,
é ele que fornece a razão ao Homem para criação do Direito positive.
É caudalosa a discussão feita e ainda se faz sobre a primazia de um em relação ao
outro. Assim, há os que entendem como nós, que o Direito natural precede o Direito
positive, outros negam fervorosamente esta forma de ver e dizem que Direito é só
Direito positive, e é deste segundo entendimento que resulta a corrente juridico
filosófica denominada de posetivismo, encabeçada por Kant16. Para esta corrente só é
Direito o Direito positivo, escrito e formal, tudo o resto não é Direito. Os que assim
pensam, insurgem-se contra o Direito natural alegando que o mesmo é deveras abstracto
e não passivel de estudo no domínio científico.
Há também os que entendem (dualistas) que na sociedade coexistem duas
modalidades de Direito, o natural e o positivo, ideia que não é de todo de afastar. De
resto, há um Direito que inegávelmente só é positivo, por exemplo, o que visa a
aplicação do Direito vigente e aquele que tem como escôpo inibir a verificação de
violação de um Direito, seja ele natural ou positivo lato sensu. Mais concretamente
referimo-nos deste modo às normas processuais ou contravencionais. Uma norma que
apresenta os requisitos para a elaboração de uma peticão inicial só pode ser puramente
do Direito positive, idem para a norma que obriga o conductor a parar quando a luz do
semáforo está no vermelho.
O Direito natural possui um conjunto de normas (Leis naturais) não éticas que
“governam” e “favorecem” a própria natureza. À essas normas o homem nada pode
fazer para as contrariar. Pode às violar num determinado ponto do universe humano,
mas não o poderá fazer com certeza em todos. João pode destruir o enxame de abelhas
próximo da sua casa, mas não poderá acabar com todos os enxames que existem no
mundo. Portanto, a vida no reino animal, vegetal bem como as dinámicas no meio
inanimado, resultam da aplicação silenciosa e impessoal das leis naturais. Podemos
assim dizer que o Direito natural tem duas dimensões, a física (constituida pelas leis

16
V. Oliveira Ascensão, ob. cit., p. 184.
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naturais) e a ética (que fixam o dever ser). A dimensão física do Direito natural é a que
é movida pela ordem natural e não é passivel de ser violada porque necessária e de certo
modo fatal. A dimensão ética do Direito natural é constituida por normas que fixam o
dever ser independentemente da actividade legislativa.
Uma importante questão que se coloca é a de saber se o Direito natural é ou não
universal?17 A resposta nos parece puder ser positiva. As normas do Direito natural têm
um conteúdo nuclear conhecido e reconhecido no universe humano. A vida, o alimento,
a família, a liberdade, a integridade física, a vida em sociedade e suas instituições
fundamentais são, no nosso ver, alguns dos exemplos do Direito natural presentes em
todo universe humano.
Que dizer da relação Direito Natural Direito Positivo? O Segundo depende em
grande medida do primeiro na medida em que vai buscar as suas bases nele. Há quem
defende a ideia de que o Direito positivo confere tutela (protecção e garantia) ao Direito
natural. Não pensamos assim. Embora o Direito positivo exerça a tutela através da
imperatividade e coercibilidade, o Direito Natural de per si através da conciência da
pessoa violodora das suas normas, exerce o juizo intra psicológico. O violador da norma
do Direito natural é julgado e condenado pela sua própria consciência. Esta condenação
as vezes leva a auto flagelação e suicídio (lento ou expontâneo). Pelo que, o Direito
natural não depende do positivo para a sua afirmação como tal. Entendemos deste modo
que o Direito natural se auto tutela.

5 Ordens normativas
A sociedade é assitida por uma diversidade complexa de normas que quando
agrupadas segundo os fins a que se reportam formam diferentes ordens normas.
Fora das ordens técnicas18 que visam a obtenção de um certo resultado útil ao
homem, temos as seguintes ordens normativas: Ordem do trato social, ordem moral,
ordem religiosa e ordem juridica.
Ordem do trato social. É constituída por usos e convenções sociais assumidas de
forma tácita. As normas que constituem essa ordem e que geralmente não são escritas,
têm o seu domínio nas diferentes esferas da vida social tais como: cortesia-nas relações
sociais, moda, práticas profissionais, desportivas, comerciais. Cada sector da vida social
cria os seus próprios usos. Por exemplo, no desporto, quando um jogador em pleno

17
Idem, ob. cit., p. 213.
18
Para mais detalhes, v. Oliveira Ascensão, ob. cit., pp. 31-32.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

campo sem intensão deixa cair o outro, o uso nesse domínio obriga o autor da queda a
levantar o colega da equipa adversária, se o não fizer, é mal visto não só pela vítima
como também pelos espectadores em geral. Assim, a violação das normas de trato social
acarretam como consequência, a reprovação social e sanções inominadas.
A regra do trato social pode evoluir a norma juridica passando a ser assistida de
protecção coactiva. É o que sucede com a prática de os Advogados e magistrados
usarem togas quando em sessão de julgamento. O uso desse traje que inicialmente era
simples prática, está agora previsto nos intrumentos que regulam o exercício dessas
profissões, pelo que a sua omissão acarreta sanções jurídicas de caracter profissional.
Em última análise o trato social estabelece o estar num determinado momento e
lugar.
Ordem moral. É uma ordem de conduta que se destina a aperfeiçoar a pessoa
humana para o bem. É o individuo que é aperfeiçoado na sua forma de ser e estar e não
a sociedade como tal, embora as repercussões das normas de caracter moral se façam
sentir na sociedade de um modo geral. A sociedade e o Direito natural é que ditam o que
é moralmente correcto. Não é contudo de ignorar a existência de algumas variações em
matéria de normas morais as quais se verificam em função do meio social que se
observa. A sociedade ao emanar as suas normas de ordem éctica para os individuos nela
inseridos se conformarem com elas, espera receber dos seus membros uma resposta
comportamental adequada aos padrões ora difundidos. Pelo que, o nao cumprimento das
normas morais cuja finalidade como já dissemos é aperfeicoar o homem ao bem,
acarreta sancoes de natureza social. A pessoa achada violadora da norma é reprovada
socialmente.
Ordem juridica. É a ordem normativa constituida pelas normas criadas ou adoptadas
pelo Estado através dos órgãos competentes. É por esse motivo que essa ordem
normativa é chamada de juridica. Visa harmonizar a vida humana em sociedade, o bem
comum. É a ordem normativa relevante para o nosso estudo porque é nela que se
manifesta o Direito que se aplica na maior parte dos actuais Estados. Caracterizada
principalmente pela imperatividade e coercibilidade das suas normas porque, regra
geral, de cumprimento obrigatório e é através do uso da força imposto o seu
cumprimento pelas pessoas.
Em sede do estudo das ordens normativas, como já deve ter reparado, há zonas de
difícil distinção, uma vez que todas as ordens normativas estão ao serviço do Homem e
visam conduzi-lo ao bem ou ao bom convívio social. É neste âmbito que se discute a
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

distinção entre Direito e Moral. Alguns não vêem nenhuma diferença entre estas duas
ordens normativas, entendem que o Direito é uma parte mínima da moral (teoria do
mínimo ético) caracterizada por se revestir de valores éticos. A teoria do mínimo ético é
representada esquematicamente por dois eixos concentricos em que o Direito é indicado
no eixo minúsculo. Esta teoria não é digna de aplausos pois, na realidade, a moral lida
com aspectos do âmbito interno da pessoa humana, o Direito por sua vez, se ocupa de
exteriorizações comportamentais anti juridicos. Diferentemente do Direito, na moral
não há coercibilidade nem imperatividade. Nem todo o Direito é éctico, excepto no
domínio das normas criminais ou penais. Por estes argumentos, vê-se que a teoria do
mínimo ético não passa de uma mera referência em sede do estudo das ordens
normativas.
Ordem religiosa. Dizem ser constituida por “normas religiosas” que se destinam a
aperfeiçoar o homem e a estabelecer a relação entre o Homem e o seu Criador. Diz-se
também que o não cumprimento das normas desssa ordem acarreta sanções não na vida
presente mas na futura (punição de Deus).
Não cremos que as normas ditas da ordem religiosa sejam de facto religiosas.
Preferimos (sem querer inventar a roda) designá-las de ordem normativa divina, ordem
divina. Isto porque, essas normas cujo escôpo é a relação entre os Homems e Deus (seu
Criador) e entre os Homens entre si, não são de origem religiosa mas sim divina. As
religioões apenas às ensinam e divulgam aos seus membros. De certa forma exercem
uma certa fiscalização ao cumprimento das mesmas pelos seus membros. Foi Deus com
o seu próprio dedo Quem escreveu em tábuas de pedra os Dez Mandamentos (v. Êxodo
31: 18), e entregou a Moisês para os divulgar aos homens a partir do povo de Israel.
Contudo, as religiões, pelo menos as mínimamente organizadas possuem as suas
próprias normas internas de carácter organizacional e disciplinar. A violação dessas
normas tem como consequência a aplicação de sanções religiosas contra os seus
violadores.
A violação de normas divinas, por vezes tem consequências na vida presente. É só
reparar que algumas relevantes normas da ordem juridica são de inspiração divina. Por
exemplo a norma que diz: “Não matarás”, está presente nas duas ordens normativas
embora com formulações diferentes, procuram proteger o bem supremo “a vida”. O
assassino, é sancionado tanto pela ordem juridica como poderá vir a sê-lo por Deus se
entretanto não se mostrar arrependido.
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6 O Estado e o Direito
Actualmente o Estado e o Direito são duas realidades conceituais cujo estudo se tem
afigurado inseparável. Custa saber se o Estado precede o Direito ou o contrário. A
verdade é que é praticamente impossivel falar do Estado sem o Direito, mas Direito sem
Estado parece ser possivel, se olharmos para as sociedades pré-históricas que subsistem
em determinados pontos do mundo, não tinham estrutura estadual como hoje se
apresenta, no entanto o Direito aí sempre existiu.
Duas concepções se expõem quanto a relação Direito/Estado. Uma denominada
monista que associa o Direito ao Estado, entendendo que o Direito é apenas proveniente
do Estado, que não há Direito sem Estado. Esta concepção rigida ao nosso ver,
aproxima-se ao positivismo jurídico que não admite qualquer outra forma de Direito
senão o formal.
A outra concepção, dita dualista admite outra proveniência do Direito que não
apenas a estadual. Diremos em breve o que pensamos a propósito desta questão.
Falemos agora do conceito de Estado para uma melhor compreensão da matéria deste
tópico.
Já temos uma ideia do que é Direito, agora precisamos de saber o que é
Estado.Estado é uma sociedade politicamente organizada (definição amplamente usada).
Para que seja considerado como tal é necessário que tenha uma população, território e
poder politico (soberania e independência).
A sociedade de que aqui nos referimos, é aquela que está organizada sob o ponto de
vista jurídico. Ora, nem sempre foi assim. No passado, antes das grandes revoluções que
mudaram o rumo sócio politico e económico do mundo, as sociedades eram
monarquicas, portanto governadas por pessoas ligadas por laços de parentesco. Ainda
hoje há resquicios dessa forma de estar das sociedade antigas. O Direito ou o conjunto
de normas que orientavam a vida dessas sociedades, era emanado pelo próprio monarca
que as ditava segundo o seu lívre arbítrio; detinha todos os poderes que hoje são
passiveis de divisão.
De formas minusculas de Estado se evoluiu ao Estado moderno que é caracterizado
principalmente pela sua actuação com base no Direito. Mas que Direito? O criado pelo
próprio Estado através dos órgãos competentes, o que significa que a outra
preponderante característica dos Estados modernos é a divisão do poder (executivo,
legislativo e judicial), sendo o poder legislativo o principal encarregue de elaboarar leis.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Os Estados não se apresentam da mesma forma. Há Estados unitários, simples como


é o caso de Moçambique, com um únuco alinhamento governativo. Nestes Estados o
Direito que os rege é o Direito estadual unitário. Há também Estados complexos isto é,
vários Estados num só, são exemplos disso, os Estados Unidos, Brasil e Suiça. Em cada
um dos Estados que constitui o Estado maior ou federal, há um Direito vigente, o qual
deve se conformar com o Direito do Estado Federal que é o Direito Geral. Nestes casos,
o Direito Estadual é o Direito do Estado Federal.
Mas só o Estado é que cria o Direito? Aqui vamos responder a questão que
deixamos há pouco. Entendemos que não, tal como o Professor Oliveira Ascenção
somos da opinião que a ideia de que o Direito é só estadual é pretensa19. Embora este
disponha sobre as regras gerais da ordem juridica, nomeadamente através da
Constituição e Leis, existe o Direito criado por pessoas jurídicas do Direito privado para
as reger, é o caso do Direito das assocoações baseado nos respectivos estatutos
aprovados pelos seus membros. Os estatutos da associação, são criados pela livre
vontade dos seus membros que os aprovam e os vinculam na ordem jurídica. Embora o
seu conteúdo deva respeitar o Direito estadual, este só indirectamente é considerado, por
isso não é por assim dizer de origem estadual. Também as relações obrigacionais são
regidas por contratos elaborados através da manifestação da autonomia da vontade das
partes, embora devam respeitar certas estipulações da lei estadual, só reflexamente se
subordinam a elas. Por essa razão pode se afirmar que as cláusulas contratuais entre
particulares não são de origem estadual. O Direito das regiões autónomas, Estados
federados, autárquias e outras formas locais de exercício do poder, não são em rigor
estaduais embora sejam por este garantidos.
O Direito é transcendente ao Estado, com isto queremos dizer que ele existe
independentemente do Estado. Mesmo na sociedade mocaambicana há vários meios
sociais regídos pelo Direito não estadual (o Direito costumeiro), não deixa de ser
Direito.
Todavia, quando se fala de Direito, sem nenhum outro atributo, ressalta à mente até
do leigo, o Direito estadual, pois este: “…é hoje a forma mais importante, prototípica ou
paradigmática de Direito”20.

7 Fontes do Direito-Aspectos gerais

19
V. OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 60-62.
20
V. CASTRO MENDES, ob. cit., p. 25.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

A expressão fonts do Direito não é univocal, remete o que a ouve pela primeira vez
a diferentes sentidos, histórico, instrumental, sociológico ou material, órgânico e
técnico-jurídico.
Sentido histórico. Traduz a ideia do sistema que sob o ponto de vista histórico
inspirou ou deu origem a um determinado Direito. Por exemplo, o nosso Direito tem
como fonte histórica o Direito Romano.
Sentido instrumental. Se refere ao instrument onde se encontra redigido ou
compilado o Direito. Exemplo, o Boletim da República, a Constituição da República, a
Bíblia Sagrada, são fonts instrumentais do Direito.
Sentido sociológico. Entende-se como fonte do Direito, o conjunto de factos sociais
que norteam a actividade de criadora de Direito. Por exemplo, o aumento do parque
automóvel numa determinada cidade pode obrigar a alterações ao vigente Código de
Estrada. O surto de certa epidemia ou actos criminais ediondos, pode impulsionar a
criação de leis específicas para fazer face a esses cenários assitidos numa determinada
sociedade. Por isso é que se se diz fonte do Direito em sentido sociológico.
Sentido orgânico. Dá a ideia da origem orgânica do Direito. O orgão que emanou o
Direito, é a fonte orgâniaca desse Direito. Por exemplo, no nosso país, como veremos
infra, o Presidente da República, a Assembleia da República e o Governo, são fonts
orgânicas do Direito.
Sentido técnico jurídico. Se refere aos diferentes modos de formação e revelação das
regras jurídicas. Este é o sentido mais relevante para o nosso estudo como veremos no
tópico a seguir.
Por muito que se diga a respeito das fontes do Direito, entendemos e como o
Professor Oliveira Ascensão que a verdadeira fonte do Direito é a sociedade21. Mas a
sociedade em si mesma considerada não emana o Direito. São as pesoas humanas que a
compõem, que através da razão alimentada pelo dever ser existente na natureza e ou
testemunhos geracionais revelam as condutas aceites no meio social.
Ao sentido técnico jurídico tem sido tradicionalmente dito pertencerem a lei, o
costume a jurisprudência e a doutrina.
Lei, em sentido amplo da expressão se deve entender como sendo toda e qualquer
norma juridical proveniente de uma entidade estadual competente. Diz-se que a lei é
fonte do Direito porque dela se extrai a regra juridica a ser aplicada num determinado

21
OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 60-62.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

caso concreto. A lei em si não resolve a questão suscitada mas a regra nela contida ao
ser extraida para ser aplicada ao caso concreto faz da lei a fonte dessa regra.
São várias as espécies de leis22 e não há uniformidade no seu alistamento, pelo que,
apresentaremos aqui as que nos parecem essenciais.
Lei em sentido material, coincide com o sentido amlo do termo lei, toda e qualquer
disposição proveniente de uma entidade estadual competente.
Lei em sentido formal, é aquela que acarreta para a sua emanação a observância de
formalidades próprias por seu turno previstas na lei, sem as quais sera havida por
inválida.
Lei em sentido orgânco é a que provem de específicos órgãos legislativos,
mormente a Assembleia da República e o Governo. Lei geral e lei especial.
Lei geral e aquela que se aplica a generalidade das pessoas sobre quem certa materia
se refere.
Lei especial e aquela que se destina a certa ou certas pessoas. A especialidade e
relative e pode ser em relacao as pessoas, material e lugar.
Havendo conflito entre a lei geral e a lei especial aplica-se a lei especial porque a lei
geral nao afasta a lei especial ou a lei especial prevalece sobre a lei geral
As leis podem também ser vistas no âmbito geográfico e politico. Nestas
circunsâncias, temos: leis federais, estaduais, nacionais, regionais, locais, autárquicas
e ou minicipais conforme os casos.
Podem tambem ser aferidas quanto ao tempo, asim se diz leis novas, antigas ou
transitórias. A lei nova afasta a lei antiga.
Em termos de vigencia podem ser, leis vigentes e leis revogadas.
Costume23. É a fonte que consiste na prática reiterada assitida de convicção de
obrigatoriedade. Daqui resulta que há dois elementos fundamentais para que se
verifique o costume, isto para não se considerer qualquer prática como sendo costume.
É necessário que decorra do uso que é a tal prática social reiterada. Mas a referida
prática reiterada deve ser juridicamente relevante e assitida de convicção de
obrigatoriedade24.
Tal como tecemos em relação a lei, o costume em si mesmo não é fonte do Direito,
oferece uma regra ou dele é extraido para ser aplicada a um caso concreto.

22
Idem., p. 285 e ss.
23
Para mais detalhes sobre a temática do costume v. por todos NORBERTO BOBBIO, La consuetudine
come fatto normative, Pádua, 1942.
24
V. OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 264-268.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Há três especiaies de costumes quando confrontados com a lei25.


Costume secundum legem. É aquele que é de acordo com a ele, que a interpreta.
Costume praeter legem (para além da lei). Regula hipoteses e aspectos de que a lei
não trata.
Costume contra legem. É contrário a lei, é um tipo de costume que nao vale.
Jurisprudencia. É o conjunto de relevantes decisões proferidas normalmente por
tribunais de escalão superior que podem ser usadas para extração da regra juridica a
aplicar num caso concreto. Uma vez que os juizes são independentes na sua actuação,
custa afirmar com categoria que a jurisprudência é verdadeira fonte de Direito26 a não
ser que seja costume jurisprudencial, jurisprudencia uniformizada e precedente27.
Contudo, não há como não alistá-la nesta sede se a generalidade dos autores a indicam
como fonte de Direito.
A jurisprudência tem sido usada como verdadeira fonte de Direito nos paises anglo-
saxónicos onde se aplicam as regras dos casos precedentes. Há também propensão para
o uso da jurisprudência em países onde reina o conservadorismo legal, facto que
mantém os respectivos códigos intáctos. Nessas circunstâncias a jurisprudência acaba
por ser a solução para os casos omissos28.
Da jurisprudência pode resultar uma regra que fixe doutrina com força obrigatória
geral a que se chama assento29 nos termos do artigo 2 do Código Civil. Essa regra tem a
mesma força vinculativa que a lei.
Doutrina. São exposições e soluções teoricas apresentadas pelos estudiosos ou
cultores do Direito, também chamados de jurisconsultos. A obra de Direito do
conceituado Professor Oliveira Ascensão é doutrina. Por natureza a doutrina não é
vinculativa, não é aplicada na apreciação dos casos embora exerça uma grande
influência na actividade legislativa. Por isso é que muitos autores tal como o costume e
a jurisprudência a consideram de fonte mediata do Direito face a lei que é tida como
fonte imediata do Direito.

8 Fontes do Direito em Moçambique

25
V. OLIVEIRA ASCENSAO, ob. cit., pp. 269-270, v. tb., CASTRO MENDES, ob. cit., p. 116.
26
V. Neste sentido OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., p. 318 e ss.
27
V. Mais detalhes em OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., p. 322-331.
28
Idem., pp. 321-322.
29
V. Sobre a origem histórica e a problemática dos assentos em OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp.
326-331.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Na nossa ordem juridica existem dois tipos de fontes do Direito. As legais formais e
e as costumeiras- práticas.
As fontes de natureza legal e formal resultam da própria lei que revela o Direito
Positivo a ser aplicado dentro da ordem juridical nacional, cfr, número 3 do artigo 2 da
CRM e artigo 1 do Código Civil. Portanto, a lei é a principal fonte do Direito em
Moçambique. Poderiamos ser tentados a dizer que é a única fonte do Direito como o
fizemos noutra ocasião, mas vemos agora que o costume também o é principalmente na
resolução de conflitos por via dos tribunais comunitários e também nas transações
correntes da vida social.
O reconhecimento do costume como fonte do Direito em Moçambique é feito
implicitamente pela Constituição da República no seu artigo 4 que estabelece: “O
Estado reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de conflitos que
coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem os valores e
os principios fundamentais da Constituição”. Esta norma, ao dizer que o Estado
reconhece os “vários sistemas normativos” e de resolução de conflitos, admite sem
dúvidas as normas do sistema costumeiro que não sejam contrarias a Constituição.
Ensina-se em escolas de Direito do nosso país que, a doutrina e a jurisprudência são
também fontes de Direito em Moçambique, mas fontes mediatas porque não são
directamente aplicadas aos casos concretos que demandam soluções jurídicas. O
costume também é assim considerado. Mas nós humildemente pensamos que o que
importa nesta sede é falar das fontes imediatas que quanto a nós são a lei e o costume
conforme explicamos no parágrafo anterior e não das fontes mediates cujo tratamento é
do domínio das generalidades das fontes do Direito. Entendemos assim que a doutrina e
a jurisprudência são fontes mediates e doutrinárias do Direito. Doutrinárias porque
inevitavelmente devem ser referidas no estudo doutrinário das fontes do Direito. Porém,
quando se pretende estudar as fontes do Direito em Moçambique, julgamos ser curial
apontar àquelas que o são sob o ponto de vista legal e prático.
Quando a actividade jurisprudêncial produz decisões cujo teór se torna vinculativo
para casos análogos futuros em toda a ordem jurídica, como os assentos, assumem o
mesmo valor jurídico da lei, v. artigo 2º do Código Civil.

9 Órgãos emanadores do Direito


Os órgãos emanadores do Direito são de natureza collegial ou individual. No caso
de Moçambique os órgãos que emanam o Direito são: A Assembleia da República, o
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Governo, o Presidente da República, e o Ministro. A nível do poder local, criam Direito


que vincula localmente as Assembleias Municipais.
A Assembleia da República é o mais alto órgão legislativo da República de
Moçambique, cfr., número 1 do artigo 169º da C.R.M, é da sua exclusive competência
aprovar leis cfr., artigo 179º da CRM. A designação lei é exclusive dos actos
legislativos da Assembleia da República cfr., artigo 182 da C.R. M. Os demais actos
deste órgão revestem a forma de resolucão, cfr., o mesmo artigo na sua parte final.
Veremos na unidade seguinte, quais os passos para a elaboração de uma lei.
O Governo também emana normas jurídicas tecnicamente chamadas de Decretos e
Decretos-Leis.
Os Decretos são legítimos actos normativos do Governo, cfr., artigo 210 da C.R.M
parte final. Ao passo que os Decretos-Leis são aprovados pelo Governo mediante
autorização legislative da Assembleia da República, cfr., alínea d) do artigo 204. Isto
significa que o Governo não pode aprovar Decretos-Leis sem a devida autorização da
Assembleia da República que à posterior o deve ratificar, cfr., artigo 181 da C.R.M. Os
actos não normativos do Governo revestem a forma de resolução, cfr., número 4 do
artigo 210 da CRM.
O Presidente da República por sua vez emana normas jurídicas cuja designação é:
decreto presidencial nos termos do disposto no artigo 158 da Constituição da República.
As demais decisões deste órgão revestem a forma de despacho.
O Ministro no exercício das sua funções, cria normas a que se chamam de diplomas
ministeriais, essas normas são normalmente de carácter regulamentar.
As autarquias locais, que constituem uma das manifestações do poder local, nos
termos do número 1 parte final do artigo 135 da C.R.M conjugado com a Lei 2/97 de 28
de Maio (Lei das autarquias locais) nos seus artigos 6 e 11 conjugados tem competência
de aprovar regulamentos (posturas camarárias também se chamam) que visam organizer
a vida na autarquia local.

10 O lugar privilegiado da lei e modos da sua formação


Como atrás dissemos, a lei é a principal fonte formal do Direito nos países que
usam o Direito escrito. Durante muito tempo o Direito escrito era tido como
característico do sistema jurídico romano germânico, facto que actualmente está a
perder terreno uma vez que mesmo em países anglo saxónicos em que a principal
fonte de Direito é o costume, hoje já usam o Direito escrito em muitos casos.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

A lei ocupa um lugar privilegiado na ordem juridica face as demais normas


jurídicas nela emanadas. No entanto elas conhecem por sua vez algumas
especificidades que reconduzem a certa hierarquia. Há as que são mais solenes e
respeitáveis que as outras. Assim, as leis constitucionais estão acima das leis
ordinárias formais e estas acima das leis ordinárias comuns ou não solenes30.
As leis constitucionais são as que constam da Constituição. São na sua essência
leis mas de nível superior pela sua natureza e pressupostos para a sua aprovação. Há
mais solenidades na aprovação de uma lei constitucional que na aprovação de uma
lei ordinária formal ou solene.
A lei ordinária formal solene é a que é normalmente aprovada pela Assembleia
da República no exercício das suas funções ordinárias. Exige uma maioria de 2/3
dos deputados para a sua aprovação. São as leis no sentido restrito da palavra “lei”
ou propriamente ditas.
As leis ordinárias comuns ou não solenes são as emanadas pelos órgãos centrais
do Estado (decretos, decretos presidenciais, diplomas ministeriais), órgãos locais (se
os houverem, em Moçambique não temos pelo menos até onde sabemos, casos de
normas emanadas pelos órgaõs locais), entidades autónomas (como é o caso das
autarquias locais). Estas são leis em sentido material ou amplo.
O princípio aureo na hierarquia das leis é o de que: as leis de escalão inferior não
devem contrariar as de escalão superior.
Uma importante questão coloca-se em sede da hierarquia das leis, que é a de
saber em que posição se encontram os Tratados e Acordos Internacionais face as leis
internas.
Porque ratificados (recepcionados) pela Assembleia da República, entendemos
que os Tratados internacionais encontram-se na mesma posição hierárquica que a lei
ordinárias formais e solenes. E os Acordos porque celebrados pelo Governo, são do
mesmo nível hierárquico que algumas leis ordinárias comuns ou não solenes. Ex, os
decretos.
Esquematicamente teriamos a seguinte hierarquia:
1. Leis constitucionais (Constituição da República).
2. Leis ordinárias formais ou solenes-Tratados Internacionais.

30
V. Neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 584-585.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

3. Leis ordinárias comuns ou não solenes (decretos, decretos presidenciais,


diplomas ministeriais, posturas camarárias, regulamentos)- Acordos
internacions (estão em paralelo apenas com os decretos).
Vejamos agora como é que é formada a lei. O processo de formação da lei
(em sentido formal solene, restrito ou propriamente dita) obedece etapas
necessárias sem as quais o acto normativo enferma de desvalores.
Há que saber primeiro a quem cabe a iniciativa de lei. Nos termos do
disposto no artigo 183 da CRM, a iniciativa de lei pertence:
a) aos deputados,
b) as bancadas parlamentares;
c) às comissões da Assembleia da República;
d) ao Presidente da Répública,
e) ao Governo.
A iniciativa de lei prevista nas alíneas a) a c) do artigo 183 da C.R.M, isto é, de dentro
da Assembleia da República, chama-se- projecto de lei conforme reza o estabelecido no
número 2 do mesmo artigo ao referir que: “ Os deputados e as bancadas parlamentares
não podem apresentar projectos…”.
As restantes iniciativas de lei, são designadas de proposta de lei, como se
alcança do previsto na alinea c) do artigo 204 da C.R.M. Compete ao Conselho de
Ministros preparer propostas de lei a submeter à Assembleia da República. Esta fase
inicial é chamada de elaboração.
A fase seguinte a submissão do projecto ou proposta de lei à Assembleia da
República é a aprovação, precedida por debates na generalidade e na especialidade. A
votação compreende uma votação na generalidade que corresponde a admissão do
projecto ou proposta, uma votação na especialidade que consiste na apreciação
minunciosa do projecto ou proposta ora admitidos e finalmente uma votação final
global que se tradua na aprovação da lei, nos termos do disposto nos numerous 1 e 2 do
artigo 184 da C.R.M. A Assembleia da República só pode deliberar achando-se
presentes mais de metade dos seus membros, conforme disposto no número 1 do artigo
187 da C.R. M.
Uma vez aprovada a lei, é submetida ao Presidente da República para a sua
promulgação nos termos do disposto no número 1 do artigo 163 da C.R.M, seguida da
publicação no Boletim da República, confira o número 1 do artigo 144. A promulgação
é um acto de fiscalização preventiva da lei feita pelo Presidente da República visando
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

evitar que a mesma fira a Constituição da República ou seja contrária aos anseios dos
cidadãos.
Após a publicação que deve necessariamente ser feita no Boletim da República
(BR), artigo 144º da C.R.M, a lei deve entrar em vigor imediatamente ou decorrido que
seja determinado lapso de tempo. Ao interregno entre a publicação e entrada em vigor
da lei chama-se vacation legis cujo regime jurídico supletivo (que se aplica na falta de
fixação de prazo para a entrada em vigor de certa lei) consta da Lei 6/2006 de 18 de
Abril. Em Moçambique a lei entra em vigor simultaneamente em todo o território
nacional. Não é assim em todos os países, especialmente nos de dimensão territorial
maior. Nestes países a lei entra em vigor sucessivaente, pore tapas nas diferentes regiões
desses Estados.
Em resumo as fases de elaboração de uma lei são:
-Elaboração;
-Aprovação;
-Promulgação;
-Publicação;
- Entrada em vigor31.

11 Desvalores do acto legislativo


O processo de elaboração da lei pode ser afectado por uma acção ou omissão que
reconduz a vícios que se chamam de desvalores do acto legislativo32. Aqui nos
referimos apenas ao acto de elaboração da lei e não de qualquer norma.
São três os desvalores do acto legislativo a saber:
- Invalidade,
- Inexistência,
- Ineficácia.
A invalidade é um desvalor que se manifesta em duas vertentes, na possibilidade
de o acto em referência ser tido como nulo (nulidade), por um lado, e por outro, na
possibilidade de o acto ser anulável (anulabilidade). Uma lei não aprovada ou aprovada
ilegal ou irregularmente é nula ou anulável conforme a gravidade do vício que sobre ela
recai. Se estiver em causa o quorum mínimo para a aprovação, entendemos que a lei ora
aprovada sera nula. Mas se for violado um procedimento meramente formal de votação,

31
V. CASTRO MENDES, ob. cit., pp. 97-103.
32
V. OLIVEIRA ASCENSÃO ob. cit., pp. 297-301.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

em que por exemplo algum dos votantes (cujo voto era necessário para o quorum
necessário) não levantou completamente o seu braco, essa lei será anulável. Voltaremos
às espécicies de invalidades infra 12.
Inexistência é o desvalor do acto legislativo considerado na falta de promulgação
da lei. Em Moçambique a promulgação é um acto exclusivo da competência do
Presidente da República conforme vimos supra 10.
A ineficácia verifica-se quando há um vício relativo a publicação da lei (cfr.
Número 1 do artigo 144º da CRM) e sua entrada em vigor. Já sabemos que a lei deve
ser publicada no Boletim da República e pode estar sujeita a um lapso de tempo
(vacatio legis) para que comece a vigorar. A matéria da publicação da lei no Boletim da
República e o lapso de tempo para a sua entrada em vigor deve ser entendida na
conjugação dos artigos 144º da CRM e artigo 5 do Código Civil.

12 Invalidades jurídicas. Nulidade e anulabilidade


Falemos um pouco mais da invalidade33. Dissemos na unidade anterior que a
invalidade podia ser vista na vertente de nulidade e ou anulabilidade. Estas figuras têm
o seu regime jurídico nos artigos 285º e seguintes do Código Civil. A nulidade é
invocada quando um acto ou norma jurídica por enfermar de um vício formal e ou
sobretudo de ordem material, não pode à partida produzir os devidos efeitos na ordem
jurídica. A anulabilidade verifica-se quando o acto cujos efeitos já estão a produzir-se
pode sofrer interrupção em virtude de se considerar infestado por um vício que
normalmente é de forma. Portanto, no caso da anulabilidade os efeitos jurídicos não são
considerados à partida enquanto que na anulabilidade os efeitos jurídicos são
considerados mas a qualquer momento podem ser interrompidos.
A nulidade (artigo 286º do Código Civil) caracteriza-se por:
- ser invocável a todo o tempo,
-por qualquer interessado,
-e ser de conhecimento oficioso por parte do tribunal.
A anulabilidade (artigo 287º do Código Civil)) por sua vez caracteriza-se por:
- só puder ser invocada por quem tem legitimidade nos termos da lei, isto é, as
pessoas cujos interesses são por lei protegidos ao puderem invocar essa figura,

33
V. Por todos OLIVEIRA ASCENSÃO ob. cit., pp. 77-78.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

-só puder ser invocada até um ano depois da cessação do vício que lhe serve de
fundamento.
O vício da nulidade é insanável quando o objecto do negócio a que se reporta, ferir
de forma flagrante com os requisitos legalmente estabelecidos cfr., artigo 280º do
Código Civil, ao passo que a anulabilidade pode ser sanada, tornando o acto em causa
confirmado ou válido (convalidação), cfr., artigo 288 do Código Civil.
Se um acto jurídico (negócio jurídico) for considerado nulo por se ter arguido a
nulidade ou a anulabilidade, quem havia se beneficiado com o acto agora declarado nulo
deve restituir tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for
possível, o valor correspondente, cfr., número 1 do artigo 289º do Código Civil.

-
13 Interpretação e integração da lei
13. 1. Interpretação34
A lei não deve ser aplicada antes de ser interpretada sob pena de não realizar o fim a
que se destina e causar danos aos visados. A técnica de interpretar a lei chama-se
exegese, com ela se visa fixar o sentido e o alcance de uma lei para a correcta aplicação.
Nos termos do disposto no número 1 do artigo 9º do Código Civil, a interpretação
não deve cingir-se à letra da lei. Isto significa que o interprete, hermeneuta também se
diz, não deve considerar apenas o texto da lei, a declaração da lei, pois se assim o fizer
estará a basear-se num tipo de interpretação que é declarativa, na medida em que basea-
se apenas no enunciado do texto. Para além do texto da lei o interprete deve reconstituir
a partir dos textos o pensamento legislativo. Deve assim o hermeneuta procurar extrair
do texto a razão daquela norma, o pensamento legislativo.
Assim, para uma cabal fixação do sentido e alcance da lei, o interprete deve ter em
consideração os elementos:
- Lógico racional. O interprete deve considerar não só o que está dito no texto
(elemento literal) mas também extrair do mesmo o que o legislador quis dizer,
baseando-se nos aspectos lógicos e racionais da normaa saber:
-Sistemático. O interprete deve ter em conta a unidade do sistema jurídico onde ele
se encontra, interpretar de forma que não colida com alguma norma do sistema jurídico
de referência.

34
V. Por todos, desenvolvidamente OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 381-430.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

- Histórico. O momento histórico em que a lei foi elaborada também deve ser
chamado a interpretação que deve analisar os precedentes normativos, trabalhos
preparatórios e a occasio legis (todos os circunstancialismos sociais que rodearam o
aparecimento da lei).
-Teleológico. A finalidade da lei deve também ser tomada em linha de conta no
momento da interpretação.
-A ratio legis. É a conjugação de todos estes elementos interpretativos com vista a
extrair o seu espírito ou razão da lei. Com a interpretação da lei se visa em última
análise encontrar a ratio legis que servirá de base a aplicação da regra jurídica.
Uma vez aplicados de forma conjugada ou não os elementos interpretativos
acabados de apresentar, resultam os seguintes tipos de interpretação35:
-Interpretação declarativa,
-Interpretação extensiva,
-Interpretação restritiva,
- Interpretação enunciativa,
-Interpretação correctiva,
- Interpretação abrrogante,

A interpretação declarativa é a que se limita a letra da lei, o interprete não vê outro


sentido e alcance da lei que não o que se extrai da leitura do texto normativo.
Pode acontecer que alguma ou algumas palavras da lei tenham mais que um sentido,
de extensão desigual. Se a interpretação toma como exacto o sentido mais lato, chama-
se interpretação declarativa lata; se mais restrito, interpretação declarativa restrita.
Cfr. Artigos 362º, 1320º n. 1, 1326º n. 1, 1351º n. 1, 1563º n. 1 alínea a) e 1570º n. 1,
todos do Código Civil.
Interpretação extensiva. Verifica-se quando se chega a conclusão de que a letra da
lei é mais restrita que o seu espírito. Cfr. Artigo 11º do Código Civil, artigo 877º do
Código Civil.
Interpretação restritiva. É a que faz com que o interprete limite a norma por
entender que o texto vai além do sentido. Entende o interprete que o legislador disse
mais do que queria dizer. É o que sucede por exemplo, qundo a lei se refere a menores,
o elemento sistemático força a entender que se refere só a menores não emancipados.

35
V. Por todos CASTRO MENDES, ob. cit., pp. 231 e ss.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Interpretação enunciativa. É a que leva o interprete a deduzir da norma interpretada


outras normas, afins ou periféricas
Interpretação correctiva. Consiste na situação de o interprete constatar que a norma
objecto da interpretação não é de acordo com o sistema. É inadequada ao quadro legal
vigente. Por exemplo, toda e qualquer norma que se afigure discriminatória em razão do
género, raça, etnia, etc, deve ser interpretada correctivamente em obediência ao
princípio da igualdade previsto nos artigos 35º e 36º da CRM.
Interpretação abrogante. É a que conduz a conclusão segundo a qual a norma não
tem conteúdo válido ou vigente.

13. 2. Integração das lacunas da lei


A imperfeição do humana atinge o campo legislativo, na medida em que não é
possível prever na lei todo o tipo de situações da vida. Muitos e diferentes factos
surgem na medida em que o tempo e as sociedades avançam. Por, exemplo, a sociedade
de informação em que vivemos hoje, era impensável há séculos atrás. No entanto hoje,
as legislações devem se adequar a esta realidade.
A imprevisibilidade de certos factos por parte do legislador, faz surgir vazios
legais a que se chamam de lacunas da lei. E porque o julgador nos termos do disposto
no artigo 8º do Código Civil, não pode sob qualquer pretexto abster-se de julgar
invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegar dúvida insanável acerca dos factos em
litígio, terá que encontrar uma forma de suprir, colmatar ou tapar a lacuna da lei. Mas
como é que isso se faz?
Os critérios de suprimento de lacunas encontram-se consagrados no artigo 10º
do Código Civil e são os seguintes:
- O recurso a analogia. Os casos que a; lei não preveja são regulados segundo a norma
aplicável aos casos análogos, n. 1 do artigo 10º do Código Civil. Na falta da lei a aplicar
num determinado caso, o julgador deve procurar no sistema jurídico local uma lei que
tem a mesma ratio legis que a que está em falta.
-Criação de norma. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma
que o próprio interprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, n.
2 do artigo 10º do Código Civil. Nesta situação (de falta de caso análogo), o interprete
deve colocar-se no lugar do legislador e criar uma norma que, se ele fosse de facto
legislador, criaria tal norma.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

14 Cessação da vigência da lei


A lei normalmente é feita para vigorar por um período indeterminado pese embora
existam aquelas, que à partida, são elaboaradas para vigorarem num determinado
horizonte temporal. Assim, a lei pode deixar de produzir os devidos efeitos em virtude
de ter aparecido uma lei nova ou por ter naturalmente terminado o seu prazo de
vigência. No primeiro caso diz-se revogação, no segundo diz-se caducidade. O facto de
a lei deixar de produzir os seus efeitos seja por uma ou por outra razão, chama-se
cessação da vigência da lei. O regime jurídico desta matéria consta do artigo 7º do
Código Civil.
A regra áurea é a de que: “Quando se nào destine a ter vigência temporária, a lei só
deixa de vigorar se for revogada por outra lei”, cfr. Número 1 do artigo 7º. Isto significa
que o modo mais comum de uma lei cessar é a revogação.
A revogação pode acontecer de uma de duas formas:
- 1º, resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas
disposições e as regras precedentes, cfr primeira parte do número 1 do artigo 7º do
Código Civil. A este tipo de revogação diz-se expressa. Ex, a lei B sobre certa matéria
afasta expressamente o modo como a lei A regulava a mesma matéria. Portanto a lei B
diz expressamente que a lei A está revogada.
-2º ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior, neste caso
á revogação diz-se tácita, em virtude de ser aferida por via interpretativa. O interprete
apercebe-se que há diferença no tratamento da mesma matéria entre a lei nova (B) e
antiga (A).
A lei pode também deixar de vigorar naturalmente, quando os motivos pelos quais
ela foi criada se verificam ou quando ela mesma expressa o seu tempo de vigência.
Quando isto acontece a cessação da lei é por caducidade. Ex, uma lei que é elaborada
para vigorar durante o período de emergência de calamidades naturais ou guerra, findo
que seja esse motivo a lei caduca. Pode também uma lei ser criada para vigorar durante
um certo período transitório entre duas leis, findo que seja esse período transitório a lei
transitória caduca.
Tanto a revogação como a caducidade ocorre nos contratos. Quando a revogação
opera nos contratos tem a designação de rescisão a qual deve ser levada a cabo mediante
apresentação de justa causa sob pena de dar lugar a indemnização a parte que rescindiu
o contrato sem justa causa.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Os contratos caducam quando o seu tempo de validade chega ao fim. Ex, um


contrato celebrado por um período de um ano, caduca no fim do prazo de um ano
contado a partir da data em que o mesmo foi celebrado.
Uma lei de carácter geral não revoga uma de carácter especial, excepto se outra for a
intenção inequívoca do legislador cfr, número 3 do artigo 7º do Código Civil. Ex, a lei
que estabelece a maioridade geral aos 21 anos em Moçambique, não revoga a que
estabelece a maioridade especial para efeitos eleitorais, 18 e 35 anos respectivamente
conforme seja para eleger ou ser eleito para parlamentar ou Presidente da República.
Uma vez revogada a lei não deve voltar a vigorar, é o que se deve entender do
disposto no número 4 do artigo 7º do Código Civil, princípio da não represtinação ou
não repescagem da lei revogada. Exepto se de forma expressa o legislador estabelecer a
repescagem de uma lei que havia sido revogada e a pôr a vigorar de novo.

15 A pessoa em Direito
No domínio do Direito há um alargamento do conceito de pessoa. São também
consideradas de pessoas, além dos seres humanos, algumas realidades abstractas criadas
pela ficção jurídica36 para o cumprimento de determinados fins considerados
economicamente viáveis.
Nem sempre foi assim. Foi o Século XX que também trouxe a pessoalidade algumas
realidades não humanas. Isto aconteceu inicialmente no Direito romano que passou a
reconhecer através do Código do Direito Canónico, portanto da igreja Católica Romana,
a par da igreja, as unidades corporativas e patrimoniais como sendo pessoas.
Em Moçambique esse outro tipo de pessoas chama-se pessoas colectivas, mas não é
assim em todo o mundo, por exemplo no Brasil, chamam-nas de pessoas jurídicas em
contraposição a pessoa física (humana).
É o Código Cívil no seu artigo 157º que nos diz quem são à partida as pessoas
colectivas em Moçambique. Assim, em princípio são consideradas pessoas colectivas
no nosso país, às associações, às fundações e as sociedades comerciais.
As associações e fundações adquirem personalidade jurídica pelo reconhecimento,
cfr, número 1º do artigo 158º do Código Civil. As sociedades comerciais adquirem
personalidade jurídica….

3636
De acordo com SAVIGNY, pronunciando-se sobre a natureza jurídica da “pessoa” através da teoria
da ficção, a pessoa é criada por uma ficção legal, não existe socialmente mas ideologicamente. É uma
abstracção criada pela técnica jurídica.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

O substracto ou o elemento que mais se evidencia na associação, é o pessoal


(pessoas). Nas fundações, a massa de bens. Nas sociedades umas são
predominantemente caracterizadas pelo elemento pessoal, outras patrimonial outras
ainda a combinação dos dois elementos.
A par das pessoas colectivas constantes do Código Civil conforme acabámos de
apresentar, há as criadas pelo Estado para prossecução de determinados fins. Estas
pessoas são: os institutos e empresas públicas, associações e fundações públicas, são
também pessoas colectivas, mas, especiais.
Há ainda que considerar a existência de pessoas colectivas do Direito público de
tipo territorial. Nesta categoria destaca-se em primeiro lugar o próprio Estado unitário
ou federal, os Estados federados, as regiões autónomas e as autarquias locais.
Por último, no domínio das pessoas colectivas temos também as cooperativas cujo
regime jurídico consta da Lei 23/2009 de 8 de Setembro, cfr, especialmente o artigo 2º
deste diploma legal.

16 Relação jurídica
A para das relações puramente sociais, econtramos àquelas que têm relevância para
o Direito, sendo por isso chamadas de relações jurídicas. Para que a relação deixe de ser
simplesmente social é necessário que seja acompanhada de protecção coactiva através
do elemento garantia. A garantia jurídica é o elemento da relação jurídica através do
qual o Estado tutela direitos dos particulares de modo a não serem defraudados no
âmbito da relação jurídica. Por exemplo, a obrigação de pagar qualquer prestação não é
expontânea do devedor, mas derivada da existência de uma norma jurídica que
estabelece a obrigação do devedor proceder o pagamento ao credor, o que a não
acontecer voluntariamente, condiciona o pagamento coercivo da prestação. Esse
elemento da ordem jurídica que compele as pessoas a cumprirem com as suas
obrigações é o elemento garantia. Mas a relação jurídica para se estabelecer deve ter
outros elementos que tradicionalmente tem sido apresentados pela doutrina. Esses
elementos são: Sujeito, facto jurídico e objecto.
Sujeito. Para que uma relação se verifique é necessário que existam pelo menos dois
sujeitos. No caso da relação jurídica é a mesma coisa, só que, os sujeitos envolvidos
podem ser pessoas físicas ou pessoas colectivas. Isto é, uma relação jurídica pode ser
composta por duas pessoas humanas (pessoas físicas), ou uma pessoa física e uma
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

colectiva ou ainda entre pessoas físicas ou entre pessoas colectivas. Assim, uma pessoas
A, pode estabelecer uma relação jurídica com uma associação, pessoa B. Qualquer
pessoa que faça parte da relação jurídica é sujeito independentemente de ser pessoa
humana ou colectiva. Quando o sujeito se encontra na posição de credora ou
beneficiaria da prestação chama-se sujeito activo. Quando deve prestar ou é devedora,
chama-se sujeito passivo. Saiba-se também que, em cada um dos lados de uma
determinada relação jurídica podem existir vários sujeitos.
Facto jurídico. É o evento, acontecimento da vida social com relevância para o
Direito. Ex, o nascimento de uma pessoa humana, a celebração de um contrato de
compra e venda (de qualquer tipo), um casamento são acontecimentos relevantes para o
Direito, portanto facto jurídico. Toda a relação jurídica resulta de um facto jurídico.
Objecto. É a coisa que medeia a relação jurídica, o quid, a razão de ser da relação
jurídica. Exemplo, num contrato de compra e venda de um veículo automóvel, o objecto
desse contrato é o véiculo automóvel. O veículo automóvel como tal é o objecto
mediato, mas esse objecto abstractamente considerado como matéria do negócio
jurídico é o objecto imediato da relação jurídica, v.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

III. O DIREITO DE EMPRESAS


a. A EMPRESA

No Direito Positivo moçambicano até aqui não se encontra um conceito de


empresas apesar do termo em si constar de diversos diplomas legais vigentes, com
destaque na legislação económica.
Segundo o ilustre Prof. Menezes Cordeiro: “A expressão “ empresa ” apresenta
uma utilização avassaladora, em diversos sectores normativos. A moderna legislação
comercial, económica, fiscal, do Trabalho e processual recorre a ela, de modo
continuo37.
Também a linguagem corrente usa “ empresa ” em termos de grande amplitude.
E fá-lo em detrimento de outras locuções que vão mesmo caindo em desuso: trabalha-se
para uma “ empresa ” e não para uma sociedade ou as “ empresas ” instalaram-se no
centro da Cidade, em vez de se dizer que os comerciantes abrem, aí, os seus
estabelecimentos38.
Entre nós na linguagem comum, se diz: “eu trabalho numa empresa x”, essa
afirmação não leva em conta a natureza jurídica da entidade com que se tem o vínculo
contratual. Se sociedade comercial, cooperativa, empresa em nome individual,
organização (não) governamental estrangeira de tipo associativo ou não, empresa
pública. No extremo há até funcionários que dizem o mesmo.
Tentando ordenar este caudaloso uso, podemos adiantar que, quer perante
numerosas leis, quer em face da linguagem corrente, a expressão “ empresa ” traduz
conforme o contexto :
- um sujeito que actue e que , nessa qualidade, é susceptivel de direitos e de obrigações;
pense-se, por exemplo, nos “ direitos ou deveres das empresas ”, na “política das
empresas” ou nas “ preferências das empresas ” ;
- um complexo de bens e direitos capazes de suportar a actuação de interessados; assim
a “ compra de uma empresa ”
- uma actividade: levar a cabo uma “ empresa ”; esta última acepção tradicional, tende a
cair em manifesto desuso39.

37
V. MENEZES CORDEIRO,Manual de Direito Comercial, 2a Edição 2007, Almedina, p. 251.
38
Idem, p. 251.
39
Idem, p. 251.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Podemos deste modo, assacar três sentidos do termo empresa:


Sentido subjectivo, quando é vista como sujeito susceptível de direitos e obrigações.
Sentido patrimonial, complexo de bens que se concretiza no instituto do
estabelecimento comercial.
Sentido económico, na medida em que traduza a ideia de geradora de rendimentos.
Devemos ainda adiantar que este uso alargado de “ empresa ” pode
documentar-se noutros idiomas. Todavia, ele é mais intenso na lingua portuguesa do
que nas suas congéneres, sendo ainda flagrantes que as nossas leis lhe têm dado uma
cobertura sem paralelo. A questão tem vindo a complicar-se com o recente surto de
referências legais à figura do “ empresário”; aparentemente o titular de uma empresa. ”
40

O Direito de empresas está umbilical e historicamente ligado ao Direito


comercial. Corresponde a evolução ou redefinição em torno do conceito de empresa.
Suas normas são no nosso entender, heterogéneas embora autores existam que vêem
homogeneidade no núcleo de normas e matérias que a corporizam41.
A problemática do conceito de empresa é despoletada a luz da evolução do
Direito Comercial e da respectiva doutrina. A legislação Francesa Alemã e Italiana,
desenvolveram um papel preponderante nesse processo evolutivo. Na verdade, o que
aconteceu foi uma marcha do individualismo (concepções subjectivistas) que
caracterizaram as primeiras etapas do Direito Comercial, para o institucionalismo,
(objectivismo) ou seja, o homem deixa de ser o centro da actividade comercial.
É graças a essa evolução que hoje em dia temos legislações que dedicam
capitulos específicos sobre a empresa, é o caso dos códigos civil brasileiro e italiano.
Tratadistas do Direito Comercial, apontam para três fazes do processo evolutivo,
primeiro periodo, do Séc XII ao Séc XIII, denominado de periodo subjectivo
corporativista ou periodo subjectivo do comerciante, tem como núcleo do Direito
Comercial a figura do comerciante matriculado na corporação.

O segundo periodo, compreendido entre o Séc XIII e o Séc XX, inicia-se com o Código
do Comércio Napoleonico de 1807 e tem como núcleo os actos de comércio.

40
MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, 2ª Edição, 2007, Almedina, pp, 251,252
41
V. PUPO CORREIRA, Direito Comercial, 12a Edição, revista e aumentada, EDIFORUM, Lisboa,
2011, p. 41.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

O terceiro e actual periodo de evolução histórica do Direito Comercial, inicia-se


com o Código Civil Italiano de 1942 e tem como núcleo a empresa, compreendendo o
Séc. XX até aos nossos dias.
Como se vê, é na terceira fase da evolução do Direito Comercial que aparece
com destaque a figura de Empresa através do Código Civil italiano de 1942, como
reconhece o admirável Professor Menezes Cordeiro ao dizer: “De todo o modo, o
Código Civil italiano de 1942, representa o momento mais alto, no Ocidente da teoria
da empresa...”42

2. A TEÓRIA DA EMPRESA

A Teoria da Empresa (Teoria dos Perfis) esboçada por Alberto Asquini inspirada
pelo referido Código Civil italiano de 1942. Defrontando-se com o novo Código Civil,
Asquini constatou a inexistência de um conceito de empresa, e analisando o diploma
legal chegou a conclusão que haveria uma diversidade de perfís no conceito,43 para ele “
o conceito de empresa é o conceito de um fenómeno jurídico poliéndrico, o qual tem
sob o aspecto jurídico não um, mas diversos perfís em relação aos diversos elementos
que alí concorrem ” 44
O primeiro perfíl da empresa identificado por Asquini, foi o perfil subjectivo
pelo qual a empresa se identifica com o empresário45, cujo conceito é dado pelo artigo
2.084 do Código Civil italiano, concebendo a empresa como uma pessoa.
Asquini também identifica na empresa um perfíl funcional, identificando a com
a actividade empresarial, a empresa seria aquela “ particular força em movimento que é
a actividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo”46 , neste caso a
empresa representaria um conjunto de actos tendentes a organizar os factores da
produção para a distribuição ou produção de certos bens ou serviços.

Haveria ainda o perfíl objectivo ou patrimonial, que identificaria a empresa


como o conjunto de bens destinados ao exercício da actividade empresarial, distinto do
42
MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial , 2ª Edição, 2007 Almedina, p268
43
Segundo artigo de Marlon Tomazette,( professor de Direito do UniCEUB e da Escola Superior de
Advocacia do Distrito Federal- Brasil, publicado na internet no site Jus Navigandi, com o título A teoria
de empresa: o novo Direito “ Comercial ”
44
Cfr ASQUINI, Alberto, ob, cit, Profile dell împresa. Revista de diritto commerciale, Vol XLI- Parte I p
1-20, 1943, p 1
45
Idem , p 6
46
Idem, p 9
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

património remanescente nas mãos da empresa, vale dizer, a empresa seria um


património afectado a uma finalidade específica47
Por fim, haveria o perfíl corporativo, pelo qual a empresa seria a instituição que
reune o empresário e seus colaboradores, seria “ aquela especial organização de pessoas
que é formada pelo empresário e por seus prestadores de serviços, seus colaboradores
(....) um núcleo social organizado em função de um fim económico comum ”48 Este
perfíl na verdade não encontra fundamento em todos, mas apenas em ideologias
populistas, demonstrando a influência da concepção facista na elaboração do Código
Civil italiano49
Para dar mais corpo a problemática do conceito de empresa, vamos apreciar mais
um estudo de autor europeu, recente sobre o conceito de empresa.

3. A EMPRESA COMO NOÇÃO QUADRO. Doutrina de Menezes Cordeiro

Segundo o Professor. Menezes Cordeiro, “ A comercialistica de diversos quadrantes


aceita hoje que a empresa não é nem uma pessoa colectiva, nem um mero conjunto de
elementos materiais, podemos entende-la como um conjunto concatenado de meios
materiais e humanos, dotados de uma especial organização e de uma direcção , de
modo a desenvolver uma actividade segundo regras de racionalidade económica , os
seus elementos muito variáveis, poderiam assim agrupar-se:
- num elemento humano: ficam abrangidos quantos colaborem na empresa, desde
trabalhadores aos donos, passando por quadros, auxiliares e dirigentes; em concreto,
isso poderá representar desde uma única pessoa, a universos com milhares de
intervenientes;
- num elemento material: falamos de coisas corporeas, móveis ou imóveis, seja qual for
a formula do seu aproveitamento e de bens incorporeos: saber-fazer, licenças, marcas,
insignias, clientela, aviamento, e inter-relações com terceiros, normalmente outras
empresas.
- numa organização: todos os elementos, humanos ou materiais, não estão meramente
reunidos ou justapostos; eles apresentam –se numa articulação consequente, que permite
depois, desenvolver uma actividade produtiva;

47
ASQUINI, Alberto, ob, cit, Profile dell împresa. Revista de diritto commerciale, Vol XLI- Parte I p 1-
20, 1943, p 12
48
Idem, p 16 -17
49
Cfr, COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit. Curso de Direito Comercial, Vol 1, p.19
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

- numa direcção: trata-se do factor aglutinador dos meios envolvidos e da própria


organização; a empresa é algo que funciona, o que só é pensável, mediante uma
estrutura, que determine o contributo de cada uma das parcelas envolvidas ”50
Embora recente, preferimos adoptar a construção doutrinaria do Prof. Menezes
Cordeiro, por se nos afigurar mais clara e concisa. A teoria dos perfís de Alberto
Asquini, tem o grande mérito de ter sido a primeira reconhecida sistematica sobre a
empresa, porém, ao que nos parece, não oferece brilho quando cotejados os perfís
subjectivo e corporativo que no fundo apresentam como substracto o elemento humano
que podia ser incorporado num só.
De qualquer modo, as duas teorias não são deveras incompatíveis, há mútua
subsunção na maior parte dos seus traços.

4. DIREITO DE EMPRESAS. Um Direito emergente e heterogêneo

Chegados a este ponto, ficamos com uma clara ideia de que o conceito de
empresa não é de fácil fixação, visto que apresenta diferentes sentidos, daí a ideia de
conceito quadro proposta pelo Prof. Menezes Cordeiro, tendo como grandes linhas da
sua concretização as seguintes:
- a empresa sujeto e a empresa objecto;
- O Direito da Empresa;
- A empresa como sublinguagem comunicativa;
- a empresa como conceito geral concreto51
A empresa sujeito equivale ao conjunto de destinatários de normas comerciais:
pessoas singulares, colectivas e pessoas rudimentares. A empresa objecto reporta-se ao
estabelecimento doptado de direcção humana. Apenas a interpretação permitirá, caso a
caso, determinar o preciso sentido em jogo, bem como o seu alcance.52

O Direito das empresas, usado em sentido amplo, abrange o Direito das


Sociedade e, ainda, todos os sectores normativos que se aplicam às sociedades: Direito
mobiliário, da concorrência, dos grupos, do trabalho, fiscal, da economia e da
propriedade industrial. Ingovernável, tal “ Direito ” constitui, todavia, um ponto de

50
Cfr, Menezes Cordeiro, Manual de DIREITO COMERCIAL, 2ª Edição, 2007, Almedina, pp, 280,282
51
Idem, p, 284
52
MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial , 2ª Edição, 2007, Almedina, p, 284
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

encontro, e de síntese entre disciplinas condenadas a entender-se. Em sentido estrito, o


Direito das empresas, não tem consistência, mercê das dificuldades acima apontadas.” 53
A referência à empresa funciona- ou pode funcionar- como sublinguagem
comunicativa. Ao falar em “ empresa ”, a lei os estudiosos e os operadores do Direito,
podem ter em vista transmitir como que uma mensagem subliminar destinada a
enfatizar: a capacidade produtiva, a ideologia do mercado, ou a prevalência das
realidades económicas.54
A capacidade produtiva articula-se com a ideia de organização: um filão
integrador da empresa, hoje classico, mas sempre útil.
Quanto a ideologia do mercado: uma linguagem empresarial dá um toque de
modernidade. Nesse sentido, ela acentua a propriedade privada, a lívre iniciativa e a
contenção do Estado. Permite construções vocabulares, a evitar. Mas é útil: toma lugar
entre os elementos relevantes da interpretação, designadamente na vertente teleológica,
caso a caso se verificará se a mensagem sublimar tem alcance e qual. A prevalência das
realidades económicas recorda que as sociedades são, no fundo, uma forma jurídica
sobre a qual algo se pode obrigar. Faz-se como que um apelo ao substaracto e ao que ele
representa. 55
Finalmente, a empresa tem sido reconstruída com base na dialética hegeliana.
Temos presente o desenvolvemento de HERBERT WIEDEMANN, o qual intenta
enquadrar os contrários que enformam a empresa - indivíduo/sistema social;
efectividade económica/efectividade social; estabilidade/dinâmica;
direcção/colaboradores e a direcção da organização social.
A matéria é inesgotável, reconhece o ilustre Prof. Menezes Cordeiro56
O Direito de empresas será assim, um conjunto de normas jurídicas
heterogêneas que regulam matérias aplicaveis à empresa.
Conjunto de normas jurídicas porque do Direito, da ordem normativa jurídica, criadas
pelo Estado.
Heterogêneas, porque essas normas vem de diversas especialidades do Direito,
como se pode ver, as normas do Direito do trabalho, são nítidamente distintas das do
Direito fiscal e mesmo das da propriedade industrial, contudo, elas corporizam o Direito
de Empresas e estão no dizer do Prof. Menezes Cordeiro condenadas a entender-se.
53
Idem, pp, 283 a 284
54
Idem, p, 284
55
Idem , pp, 284, 285
56
Menezes Cordeiro, Manual de DIREITO COMERCIAL, 2ª Edição, 2007, Almedina, p,285
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Que regulam matérias aplicaveis a empresa, na medida em que, o conteúdo de


cada um desses sectores do Direito objectivo, são relevantes, necessárias e
imprescindíveis a empresa, a vida da empresa não pode dissocia-se dessas normas.
No plano teórico, o Direito de empresas é o estudo dessas normas, ao passo que
no plano prático, é o conjunto de normas jurídicas heterogêneas aplicaveis a actividade
empresarial.
O Direito de empresas é emergente, porque como vimos, é fruto da evolução
histórica do Direito Comercial, localizando-se na sua mais recente etapa, do Séc XX aos
nossos dias, por isso, há quem lhe chame de o “ novo ” Direito Comercial.
Heterogêneo, na medida em que as suas normas vem de diversas especialidades
do Direito, especialidade digamos, economicistas.

1. O empresário. Perspectiva dogmática e legal à luz do nosso Código


Comercial
O termo empresário é actualmente o mais usado para designar alguém que
através da actividade económica que exerce de forma organizada e reconhecida,
ganha com ela rendimentos. Não há uma clara razão do uso do termo
empresário face ao termo comerciante. Este último é o mais antigo que engloba
também, o industrial, era a fórmula técnica correcta para designar o sujeito que
actua no Direito comercial57. Pelo que, não há teoricamente uma justificação de
índole científica para sustentar o uso do termo empresário, o que é
veementemente condenado por Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro 58.
Parece ser por motivos de elegância linguística que hoje se usa mais o termo
“empresário” em vez do “comerciante” este último conotado com a ideia de
uma certa pequenez no circuito económico. Há actualmente um natural
entendimento de que, o comerciante é aquele que vende certo produto (ou
produtos) num determinado estabelecimento ou através de uma plataforma
virtual. Ao passo que empresário é a expressão que ao ser usada parece conferir
mais respeito ao agente económico. Há por conta disso, um silencioso
entendimento de que, o empresário tem mais robustez económica e melhor

57
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., p. 62.
58
V. Nota 679 de MENEZES CORDEIRO ob. cit., p. 222.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

organização que o comerciante59, mas é uma simples presunção que se mostra


longe de corresponder a verdade.
Na verdade, o que actualmente é chamado de empresário é o comerciante.
É o que o nosso Código comercial nos dá a entender no seu artigo 2º ao
estabelecer que:
São empresários comerciais:
a) As pessoas singulares ou colectivas que, em seu nome, por si ou por
intermédio de terceiro, exercem uma empresa comercial;
b) As sociedades comerciais.
Daqui resulta que, empresário é quem exerce o comércio a título individual
(pessoal) ou através de uma empresa. Fica através desta perspectiva legal, visível
que não há como ser empresário sem ser comerciante.
Em suma podem ser empresários em Moçambique :
- as pessoas singulares ou colectivas,
-as sociedades comerciais.

2. Capacidade jurídico-empresarial
Para sabermos da capacidade jurídico-empresarial é necessário que tratemos antes
da capacidade jurídica de um modo geral.
Capacidade jurídica é a aptidão que uma pessoa tem de ser sujeito de direitos e
obrigações. Regra geral toda a pessoa tem capacidade jurídica, mas nem toda a capacidade
jurídica é plena.
A capacidade jurídica plena é a capacidade de exercício. A capacidade jurídica
limitada é a capacidade de gozo, cfr., artigo 67º do Código civil. Assim, pode uma pessoa
estar sujeita a restrições na prática de determinados actos, em virtude de essa pessoa se
encontrar em condições limitadas pela lei para a prática de tais actos.É o que acontece a
uma pessoa de menor idade (cfr., artigo 122º do Código Civil), ou a um interdito por
anomalia psíquica surdez, mudez, cegueira, cfr., artigo 138º do Código Civil). Quando isso
acontece diz-se que a pessoa é incapaz. Mas esta incapacidade é de exercício e não de
gozo. A capacidade de gozo é nata a qualquer pessoa, mas a capacidade de exercício,
depende sempre da verificação de determinados pressupostos de facto ou de direito.
A capacidade jurídica (personalidade jurídica) de gozo da pessoa humana começa
com o seu nascimento completo e com vida, cfr., artigo 66º do Código Civil.

59
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 220-223.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

A capacidade jurídica das pessoas não humanas inicia com o seu acto constitutivo
cfr., artgo 86º do Código comercial, ou reconhecimento, artigo 158º do Código Civil.
Quanto ao acto constitutivo das sociedades comerciais, pode ser por simples
reconhecimento das assinaturas dos outorgantes do contrato de sociedade ou através da
celebração de uma escritura pública, cfr., número 1 do artigo 90º do Código Comercial.
Em termos etários, a capacidade para o exercício da actividade empresarial é
adquirida aos 18 anos, conforme disposto na parte inicial do número 1 do artigo 10º do
Código comercial, mas esse actuação depende da autorização dos representantes legais, cfr.,
os restantes números do artigo 10º do Código comercial.
Uma questão importante que se levanta nesta sede é em relação a necessidade de
autorização do cônjuge para o exercício da actividade comercial. Responde o número 1 do
artigo 11º do Código comercial que: “Qualquer dos cônjuges, independentemente de
autorização do outro, pode exercer a actividade empresarial”.

3. Actos de comércio
O comerciante pela natureza da sua área de actuação, é distinguido pelos actos que
prática. Nessa perspectiva e nesta sede, tem sido apresentados pela doutrina tradicional e
actual, dois tipos de actos de comércio a saber: actos de comércio em sentido objectivo e actos de
comércio em sentido subjectivo60. É de resto caudaloso e consequentemente enfadonho o que a
este propósito se tem debatido e desenvolvido na doutrina comercialista. Não iremos de
modo algum, engrossar o número dos que discutem este assunto, tanto é, que é de pequena
relevância prática como bem o diz o Professor Menezes Cordeiro nos seguintes termos: “
Adiantámos, todavia, que o interesse prático da delimitação dos actos de comércio seja
reduzido”61. A nós não nos interessa o debate dogmático que causa certa canceira ao leitor
mas trazer o que de relevante existe para o conhecimento do estudante (não jurista) do
Direito empresarial.
A compreensão do que são actos de comércio nos dois sentidos já apresentados,
deve ser com base no disposto no artigo 4 do Código Comercial, que na alínea a) do seu
número 1 dispõe: São considerados actos de comércio: os actos especialmente regulados na
lei em atenção às necessidades da empresa comercial, designadamente os previstos neste
Código, e os análogos. Alinea b) os actos praticados no exercício de uma empresa
comercial. O disposto nas duas alíeas corresponde aos actos de comércio em sentido
objectivo. Portanto, são actos de comércio em sentido objectivo:
60
V. Por todos, desenvolvidamente, MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 187-206.
61
Idem., p. 204.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

- os especialmente regulados na lei em geral, em atenção as necessidades da


empresa em geral;
- os previstos no Código comercial, os especialmente comerciais;
- os actos análogos.
São actos de comércio em sentido subjectivo, nos termos do disposto no número 2
do artigo 4º do Código Comercial:
- os praticados por um comerciante (empresário comercial), no exercício das suas
funções profissionais, se da interpretação que for feita a esse acto não resultar que o
mesmo é meramente civil ou não comercial.
A distinção que se faz de actos de comércio em sentido objectivo e actos de comércio em sentido
subjectivo, tem particular relevância para se aferir a competência do tribunal que deve
apreciar determinada matéria que envolve a empresa ou o empresário. Sabido que, um
comerciante, em princípio, não actua nessa qualidade a todo o tempo. É necessário que se
faça uma leitura do momento e circunstâncias em que actuou e a natureza dos respectivos
actos, se comerciais ou meramente cíveis.

4. As sociedades comerciais e seu destaque na vida empresarial actual


Uma das mais importantes realidades temáticas do Direito comercial, que hoje
caminha a passos largos para a sua autonomia do Direito comercial como tal, é a das
sociedades comerciais62. Em Moçambique a matéria das sociedades comerciais continua
inserida no Código Comercial. Em Portugal, as sociedades comerciais jà têm um Código
próprio, aprovado pelo Decreto Lei número 262/86, de 2 de Setembro. .
Mas o que são sociedades comerciais63? Sem entrarmos em querelas doutrinárias
diremos que são “entidades jurídicas” que a par das pessoas biologicamente concebidas
exercem a actividade comercial ou empresarial. As sociedades comerciais como já vimos,
são empresárias, podendo haver em certos casos coincidência nas figuras da sociedade e da
empresa64. A empresa é a organização (combinação de vários factores materiais e imateriais)
de que a sociedade precisa para desenvolver as suas actividades. Pode existir sociedade sem
empresa (isto acontece quando apenas é constituída a sociedade), e empresa sem sociedade
(empresa em nome individual).

62
Sobre as sociedades comerciais, v. por todos COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial (
Das Sociedades), vol II, 4a edição, Almedina, 2011.
63
V. Definição de COUTINHO DE Abreu, últ ob. cit., p. 23. “Sociedade é a entidade que, composta por
um ou mais sujeitos (sócio(s), tem um património autónomo para o exercício de actividade económica, a
fim de (em regra) obter lucros e atribuir-los ao(s) sócios(s)-ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas”.
64
V. Desenvolvidamente sobre a dicotomia ou não de sociedade comercial e empresa em COUTINHO
DE ABREU, últ. ob. cit., pp. 23-26, v. tb., PUPO CORREIA, ob. cit., p. 115.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

As sociedades comerciais existem desde os sistemas jurídicos mais antigos65,


contudo, foram guindadas a um nível de crecimento assinável no século XIX66, tornando-se
na forma mais destacada de organização jurídico empresarial ou seja, é através das
sociedades comerciais que hoje, se desenvolve grosso modo a actividade empresarial
formal. Maior parte das empresas existentes no circuito económico formal nacional e
internacional, são sob a forma jurídica de sociedades comerciais. É disto que resulta a razão
do lugar cimeiro que ocupam tanto no campo da doutrina comercial como no domínio
prático empresarial actual.
O nosso Código Comercial é omisso quanto ao conceito de sociedades comerciais,
limitando-se a apresentar os tipos vigentes, nos seguintes termos: número 1 do artigo 82º
do Código comercial: São sociedades comerciais, independentemente do seu objecto, as
sociedades em nome colectivo, de capital e industria, em comandida, por quotas e
anónimas.
É possível que esta omissão tenha sido consciente por parte do legislador, uma vez
que, no Direito civil comum, subsidiário do Direito comercial, através do artgo 980º do
Código civil, se apresenta o conceito de sociedade embora não directamente, mas por via
do que é contrato de sociedade. Tal disposição incontornável nesta sede, estabelece o
seguinte: “Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a
contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade
económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa
actividade”.
Face ao disposto no artigo 980º do Código civil, extraem-se os 4 clássicos
elementos do conceito de sociedades comerciais67.
1. Elemento pessoal: pluralidade de sócios, regra geral, pois há casos (como o das
sociedades por quotas unipessoal) em que é admitida a unipessoalidade.
2. Elemento patrimonial: obrigação de contribuir com bens ou serviços;
3. Elemento finalístico (fim imediato ou objecto): exercício em comum de certa
actividade económica que não seja de mera fruição;
4. Elemento teleológico (fim mediato ou fim em sentido restrito): repartição dos
lucros resultantes dessa actividade.
Dissequemos o conteúdo do artigo 980º do Código Civil.

65
V. Sobre a origem e evolução histórica das sociedades comerciais, F. Galgano, História do Direito
Comericial. ed. Signo. Liboa
66
V. PUPO CORREIA, ob. cit., p. 116.
67
V. Desenvolvidamente, por todos sobre esta matéria (elementos do contrato de sociedade) COUTINHO
DE ABREU, últ ob. cit., pp. 5-23.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

O elemento pessoal (Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais


pessoas) traduz-se no requisito de a sociedade ter de ser constituída por duas ou
mais pessoas em regra. Mas isto é só regra pois há casos em que a lei permite a
constituição de sociedades comerciais com um único sócio (unipessoalidade
originaria). É o caso das sociedades por quotas unipessoal. Mesmo que não
houvesse esse tipo de sociedade, a unipessoalidade seria inevitável, uma vez que
qualquer sociedade, independentemente do tipo, pode ficar reduzida,
supervenientemente a um único sócio. Isto é, nasce com dois ou mais sócios
mas, devido as vicissitudes que normalmente ocorrem ao longo da vida das
sociedades, os sócios vão saindo, até ao ponto de ficar um único sócio
(unipessoalidade superveniente).
O elemento patrimonial (…se obrigam a contribuir com bens ou serviços), é o
requisito necessário para a constituição de sociedade comercial, que exige a
existência de uma massa patrimonial para fazer funcionar a sociedade. Isto é
lógico, pois a sociedade necessitará de bens para a prossecução das suas
actividades, os quais podem ser materiais (móveis e imóveis), como podem ser
em dinheiro “pecunia” propriemente dita. Há também a possibilidade da
entrada na sociedade com bens sob forma de serviços68. De um modo geral,
todos os sócios têm a obrigação de entrar para a sociedade com bens, ver as
alíneas h), j) do número 1 do artigo 92º do Código Comercial, ver também o
número 2 do artigo 92º.
Que não se confunda o património com o capital social. O primeiro é o
global dos bens da sociedade, o segundo, ver alínea g) do número 1 do artigo
92º do Código Comercial, é um património especial determinado por lei para
efeitos de constituição da sociedade.
O elemento finalístico (…exercício em comum de certa actividade económica,
que não seja de mera fruição), é o objecto da sociedade. A actividade que a
sociedade se propõe a prosseguir no domínio económico. Todos os sócios se
propõem a realizar tal actividade determinada que não seja de mera fruição. A
mera fruição consistiria em a sociedade ser constituída para o simples desfrute
dos seus rendimentos por parte dos sócios, é isso que não é admissível.
Elemento teleológico (a fim de repartirem os lucros resultantes dessa
actividade), é a finalidade última da sociedade, fim mediato. Com o contrato de

68
Os serviços são também bens.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

sociedade, os sócios têm como finalidade a obtenção e consequente repartição


em momento próprio dos lucros resultantes da actividade realizada pela
sociedade69.

4.1. Os tipos societários (novos e velhos).


As sociedades comerciais sempre foram tratadas com base em princípios
modelares, isto é, a lei vem cuidando de apresentar os tipos de sociedades
comerciais vigentes num determinado ordenamento jurídico. Quem quiser
constituir uma sociedade comercial deve optar por um dos tipos previstos
na lei, sob pena de incorrer numa inexistência jurídica.
A modelação das sociedades comerciais às conduz a tipicidade ou
numerus cláusus. Assim, só são sociedades comerciais, as que se encontram
previstas na lei70.
Actualmente, e de acordo com o nosso Código Comercial, são
sociedades comerciais, independentemente do seu objecto, as sociedades em
nome colectivo, de capital e industria, em comandita, por quotas e anónimas cfr.
Artigo 82º, do Codigo comercial.
A sociedade por quotas tem agora uma variante que é a da sociedade
por quotas unipessoal. Esta variante e as sociedades de capital e industria,
correspondem as “ novas sociedades comercias” consagradas no actual
Codigo Comercial.
Mas o que caracteriza essencialmente as sociedades comerciais
(novas e velhas)?
1. O serem pessoas fictícias criadas pela “fixação jurídica”. Existem
porque o Direito as criou, não são tangíveis, como o são as
pessoas humanas. Pelo que a sua actuação, depende de um ser
humano que age em nome e por conta da sociedade, cfr. por
todos, artigos 149º, 166º , 320º, todos do Código Comercial.
2. O serem entidades distintas dos sócios que a constituiem. As sociedades
comerciais são por si só entidades ou pessoas distintas da dos
seus sócios. Tanto elas como cada um dos seus sócios têm

70
O princípio da tipicidade tem a sua sede no domínio do Direito Penal, mas, aqui é também aplicável,
possivelmente por motivos de ordem pública. Uma teoria de sociedades comerciais só é possível,
julgamos, com base na vigência do princípio da tipicidade. Cfr. Número 2 do artigo 82º do Código
Comercial.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

personalidade e capacidade jurídica próprias, cfr. artigo 86º do


Código Comercial.
3. O serem registáveis. A constituição (nascimento) de uma sociedade
comercial, completa-se com o seu registo na Conservatória das
Entidades legais. É com base no registo da sociedade que a sua
identidade é protegida. Destina-se igualmente, e de acordo com
o disposto no artigo 68º do Código comercial, a dar publicidade
à situação jurídica dos empresários e das empresas comerciais,
tendo por finalidade a segurança do comércio jurídico.
4. O terem o seu próprio património. Desde o início da vida da
sociedade e através das entradas dos sócios que perfazem o
capital social, cfr. alíneas g, h) do artigo 92º, e parte final do
número 1 do artigo 91º todos do Código comercial, ela adquire
o seu próprio património que vai se avolumando na medida do
desempenho das suas actividade e crecimento. Esse património
deve ser respeitado, tanto pelo gestor da sociedade como pelos
sócios da mesma, cfr. artigos 104º, 107º, 108, 111º, 150º,
número 1 do artigo 160, todos do Código comercial.
5. O não serem responsáveis pelas dívidas contraídas pelos seus sócios. As
sociedades comerciais por serem pessoas distintas dos seus
sócios, só são em regra, responsáveis pelas dívidas contraídas a
terceiros (externos ou não a sociedade), não o sendo pelas
dívidas pessoais dos respectivos sócios. Porém, há situações em
que a sociedade pode ser chamada a responder pelas dívidas de
um sócio que eventualmente exerça as funções de administrador
e como tal a representa, cfr., artigo 89º do Código comercial.
6. O serem empresarias independentemente de estarem a exercer a actividade
empresarial ou comercial para a qual se propuseram, cfr. al. b) do
artigo 2º do Código Comercial.
7. O serem constituídas por escritura pública no caso de terem entredas
(participações sociais) em bens imóveis, cfr. número 1 in fine do
artigo 90º do Código comercial.
8. O possuírem uma estrutura orgânica que governa a sociedade,
mormente, a Assenbleia Geral, a Administração, O Conselho
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

fiscal ou fiscal único, cfr. número 1 do artigo 127º do Código


Comercial.

4.2. Contrato de sociedade


As sociedades comerciais são constituídas através de um contrato a
que a lei chama de contrato de sociedade, cfr. artigo 92º do Código
comercial.
O mesmo instrumento tem a designação de “pacto social” e ou
“estatutos da sociedade”. É o documento que rege a sociedade em todos os
seus aspectos fundamentais, portanto, é a constituição da sociedade.
O artigo 92º de que há pouco fizemos alusão, revela os aspectos que
devem constar do contrato de sociedade, a saber:
-a identidade dos sócios e dos que em em sua representação
outorguem no acto;
-o tipo de sociedade;
-a firma da sociedade;
-o objecto da sociedade;
-a sede social;
-a duração;
-o capital da sociedade;
-as participações do capital subscritas por cada um;
-a composição da administração e da fiscalização da sociedade;
-a data da celebração do contrato de sociedade.
Assim, qualquer pessoa que queira constituir uma sociedade comercial, terá de,
como ponto de partida, elaborar um contrato de sociedade que inevitavelmente deve
conter os elementos acabados de mencionar, seguido do reconhecimento notarial da
assinatura ou assinaturas nele apostas.
No entanto, caso entrem para o capital social bens imóveis ou móveis sujeitos ao
registo, o reconhecimento da sociedade deve ser feito mediante a celebração de escritura
pública, cfr. número 1 do artigo 90º do Código comercial.
A omissão de determinados elementos no contrato de sociedade, conforme o
disposto no artigo 90º, acarrecta o vício da nulidade, de acordo com o disposto no artigo
99º do Código comercial.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

4.3. Procedimentos para constituição de sociedade comercial

A constituição de uma sociedade comercial obedece a pressupostos legalmente


estabelecidos no Código Comercial, Código do Registo das Entidades Legais e Código dos
Registos e Notariado. Passemos de forma resumida a enumerar os passos para a
constituição de uma sociedade comercial em Moçambique:
1. Antes de se avançar para a constituição de uma sociedade, recomenda-se por
precaução que se proceda a uma fiscalização da exclusividade da firma 71, acto
vulgarmente conhecido por reserva de nome, (segundo artigo 59 do Código de
Registo das Entidades Legais, adiante CREL), com vista a respeitar o princípio da
novidade da firma, ou seja, da denominação social72 e garantir que a firma adoptada
não está a ser usada por nenhuma outra sociedade;

2. Após obter a certidão de reserva de nome emitida pela CREL, segue-se a celebração
do contrato de sociedade73;

2.1. No acto da celebração do contrato de sociedade, os outorgantes têm a faculdade de


adoptar um dos 5 tipos societários existentes no nosso ordenamento jurídico,
nomeadamente: “sociedades em nome colectivo, de capital e indústria, em comandita, por
quotas e anónima” (n°1 do artigo 82 e seguintes do C. Comercial);

2.2. Quanto a forma do contrato de sociedade, o mesmo pode ser celebrado por
documento particular, quando é assinado por todos os sócios, com assinatura
reconhecida presencialmente e/ou por documento público, quando celebrado
por escritura pública74, mas, há obrigatoriedade de celebração por escritura
pública prevalece nos casos em que o capital social seja constituído por entradas
em bens imóveis (n°1 do artigo 90 do C. Comercial);

2.3. O contrato de sociedade deve conter os seguintes elementos: a identificação


dos sócios e dos que em sua representação outorguem no acto, o tipo
societário, a firma da sociedade, a sede social, o objecto social, a duração da
sociedade, o capital social e a respectiva participação, composição da
administração e conselho fiscal se existir e por último a data da celebração do
contrato;

3. Finalizada a constituição da sociedade comercial, procedesse com o registo ou


Matrícula da sociedade na Consevatoria de Entidades Legais, acto especialmente
destinado à identificação das entidades legais sujeitas a registo, dar publicidade a
71
“Antes de efectuar qualquer matrícula, deve a conservatória verificar, em face das matrículas abertas, se a firma
adoptada é susceptível de se confundir com outra já registada…” – artigo 59 do C. R. E. Legais
72“ A firma deve ser distinta e insusceptível de confusão ou erro com qualquer outra já registada”. - nº 1 do artigo 20 do

C. Comercial.
73, “Em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa

actividade económica que não seja de mera fruição a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade.” -artigo 980
do Código Civil
74
“ Os actos de constituição, dissolução e simples liquidação de sociedades comerciais e de sociedades civis sob a forma
comercial….” – alínea e) do artigo 85 C. Notariado.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

situação jurídica dos empresários e das empresas comerciais, tendo por finalidade a
segurança do comércio jurídico (nos termos conjugados do artigo 53º do CREL e
artigo 58º do C. Comercial);

3.1. Concluída que seja a matrícula da sociedade, deve, de seguida ser publicado o
contrato de sociedade no Boletim da Republica (nos termos conjugados dos
artigos 246º e 247º do C. Comercial e artigo 90º do CREL).

Findo o processo de constituição da sociedade, a mesma mostra-se apta para seguir os


ulterios passos, nomeadamente requerer atribuição de NUIT e as respectivas licenças para
realização das actividades a que se propõe.

4.4. A responsabilidade (i)limitada das sociedades comerciais


A dedfesa do património pessoal dos que ingressam na vida empresarial é
uma questão crucial. Pode, caso não seja formalmente declarada a separação
desse património com o das suas empresas fazer com que os credores da
empresa lancem mãos até do património pessoal dos sócios. É para evitar o
livre alcance do património pessoal dos sócios por parte dos credores da
empresa que foram concebidas pela doutrina as sociedades comerciais de
responsabilidade limitada. Limitada porque em caso de dívidas da sociedade
para com terceiros, responde, em princípio apenas o património da
sociedade, àquilo que pertence a sociedade devedora. Esta fórmula,
obviamente salvaguarda os interesses dos empresários que actuam através
de sociedades comerciais mas a lei não deixa órfãos os credores ao
apresentar soluções que permitem a responsabilização pessoal do sócio
pelas dívidas societárias.
Mas há empresas de tipo societário que não são de responsabilidade
limitada, nesses casos, os sócios por não terem declarado a limitação da
responsabildade através do tipo de sociedade que constituíram ou em que
ingressaram, aceitam tacitamente que o seu património seja somado ao da
sociedade para responder pelas dívidas contraídas pela sociedade a terceiros
Deste modo temos nas empresas de tipo societário dois distintos
tipos de responsabilidade: limitada e ilimitada conforme responda ou não
apenas o património da sociedade devedora a terceiros. A tudo isto que
acabamos de dizer chama-se responsabilidade dos sócios perante os credores sociais75.

75
V. Por todos COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II, 4ª Ed., Das Sociedades,
Almedina, Coimbra, 2011,pp. 55-56.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

À luz do nosso Código Comercial temos estes dois tipos de


sociedades: as sociedades de responsabilidade limitada por um lado que são: as,
sociedades por quotas (artigos 283º -330º) e as sociedades anónimas (artigos
331º - 457º). Nas sociedades de capital e indústria Nas sociedades por
quotas em caso de dívidas da sociedade, em regra só o património social
responde para com os credores sociais, isto decorre do disposto no artigo
286º do Código Conercial com ressalva da situação prevista no artigo 287º
do mesmo diploma legal que admite a responsabilidade directa dos sócios
para com os credores da sociedade quando no contrato de sociedade
estipular-se que um ou mais sócios, além de responderem para com a
sociedade nos termos definidos no número 1 do artigo 283º, responde
também perante os credores da sociedade até determinado montante. Essa
responsabilidade tanto pode ser solidária com a da sociedade, como
subsidiária em relação a ela, mas para todos os sócios que assim devem
responder, deve ser igual. As sociedades anónimas, só respondem elas
próprias pelas dívidas sociais e os sócios responsabilizam-se apenas no valor
que subscreveram conforme artigo 331º do Código Comercial. Há no
entanto excepções, quanto aos promotores do Projecto que respondem
pela correcção e exactidão dos elementos de facto descritos no Projecto
conforme disposto no artigo 339º, quanto aos administradores, número 1
do artigo 424º, número 2 do artigo 433º, quanto aos fiscais, número 1 do
artigo 438º, todos do Código Comercial.
Há também, paralelamente as sociedades de responsabilidade limitada, as
sociedades com responsabilidade limitada. De salientar que as sociedades de
responsabilidade limitada são àquelas que no seu todo ou como
característica principal respondem elas próprias pelas dívidas sociais. A
sociedade com responsabilidade limitada são as que apresentam uma dupla
característica, em que, por um lado há nelas sócios que respondem
solidariamente com a sociedade pelas dívidas sociais ou só se
responsabilizam pelas suas entradas na sociedade e por outro há os que
estão isentos de qualquer responsabilidade pelas dívidas sociais. Este é o
casos das sociedades em comandita (artigo 270º - 277º) e das sociedades de
capital e indústria (artigos 278º -281º). O que acontece é que, nas
sociedades em comandita na qual se encontram dois tipos de sócios
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

(comanditados: (com responsabilidade ilimitada) e comanditários: (com


responsabilidade limitada) v. artigo 271º), os sócios comanditários
respondem apenas pela realização da sua participação de capital enquanto
que os sócios comanditados respondem pelas obrigações sociais nos termos
previstos para os sócios da sociedade em nome colectivo. Nas sociedades
de capital e industria que por seu turno possuem dois tipos de sócios:
capitalistas que contribuem para a formação do capital com dinheiro,
créditos ou outros bens materiais e sócios de industria que ingressam na
sociedade e contribuem apenas com o seu trabalho. Os primeiros limitam a
sua responsabilidade ao valor da contribuição com que subscreveram para o
capital social e os segundos estão isentos de qualquer responsabilidade pelas
dívidas sociais, v. artigo 278º do Código Comercial.
Por outro lado há no nosso Código Comercial um tipo societário
que é genuinamente de responsabilidade ilimitada, trata-se das sociedades em
nome colectivo (artigo 253º -269º). Aqui o sócio responde solidariamente
com os outros sócios pelas obrigações sociais, ainda que estas tenham sido
contraídas anteriormente à data do seu ingresso, v. número 1 do artigo 253º
do Código Comercial, é sempre à este diploma legal que nos referimos
quando não indicamos apenas o artigo.
Relativamente a responsabilidade dos sócios perante a sociedade76,
predomina o princípio da responsabilidade pela entrada ou o cumprimento
da realização da entrada a que se obrigue77. Assim, nas sociedades em nome
colectivo, por regra o sócio responde pela respectiva entrada mas pode
também responder subsidiaria e solidariamente em relação à sociedade, v.
número 1 e 3 do artigo 253º. Nas sociedades em comandidita os sócios
comanditários respondem apenas pela realização da sua entrada, os sócios
comanditados respondem pelas obrigações siciais, v. números 1e2 do artigo
271º .Quanto as sociedades de capital e indústria, só os sócios capitalistas é
que têm a obrigação de realizar a sua entrada, a qual se limita ao valor da
contribuição a que se propôs para o capital social, v. número 1 do artigo
278º. Nas sociedades por quotas pluripessoais, os sócios são solidariamente
responsáveis pela realização do capital social, v. número 1 do artigo 283º.

76
V. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II, 4ª Ed., Das Sociedades, Almedina,
Coimbra, 2011, pp. 53-55.
77
COUTINHO DE ABREU, ob. cit. p. 53.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Finalmente, nas sociedades anónimas, responde cada sócio perante a


sociedade, pela sua entrada, v. artigo 331º.

4.5. O problema da desconsideração da personalidade jurídica das


sociedades comerciais.

O tema da “desconsideração da personalidade jurídica78 das sociedades


comerciais” não é seguramente criação nossa; já vem sendo discutido a nível da
doutrina portuguesa e de outros países distantes de nós geográfica e linguisticamente.
De entre o material bibliográfico encontrado no âmbito do estudo do presente tema,
destacamos a tese intitulada “A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a
“Desconsideração da personalidade jurídica”79 e os comentários feitos em torno da
desconsideração, no artigo 5 do Código português das Sociedades Comerciais80.
Há que referir que todo o instituto jurídico tem por mister geral apreender,
distribuir e tutelar interesses. Por sua vez, são formados por relações jurídicas, que se
unem para regulamentar determinada e homogénea porção da realidade jurídica.81
Entretanto, como bem nos ensina SUZY KOURY, “todo o instituto
jurídico corre o risco de ter sua função desviada, ou seja, utilizada contrariamente às
suas finalidades. Esse desvio de função consiste na falta de correspondência entre o fim
perseguido pelas partes e o conteúdo que, segundo o ordenamento jurídico, é próprio da
forma utilizada.”82
Em Portugal, já tem sido defendido que muitos dos casos [….] poderão levar à
desconsideração da personalidade jurídica através da interpretação teleológica de
disposições legais e contratuais e através do abuso de direito “apoiados por uma solução
substancialista da personalidade colectiva (não absolutizadora do princípio da

78
Usa-se indistintamente “pessoa colectiva e pessoa jurídica” v. COUTINHO DE ABREU, Curso de
Direito Comercial, Vol. II, 4ª Ed., Das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2011,p. 176 e ss.
79
Esta tese é da autoria de MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores das Sociedades por
Quotas e a “Desconsideração da Personalidade Jurídica”, Almedina, Coimbra, 2009.
80
Trata-se do comentário ao Código das Sociedades Comerciais (CSC), coordenado pelo Professor
COUTINHO DE ABREU, é de notar nos comentários ao artigo 5 sobre “Personalidade”, uma
conformação com o que foi tratado pelo referido coordenador dos comentários ao CSC, na sua obra Curso
de Direito Comercial, ob., cit. e na tese do mesmo intitulada Da Empresarialidade. As Empresas no
Direito, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 205-210.
81
V. JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade jurídica, in Revista dos Mestrados em
Direito Económico da Universidade Federal da Bahia. Salvador: UFBA. ISSN 1516-6050, Vol. 4, p. 281.
82
V. JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade jurídica…Ob. cit., p. 281; cit., KOURY
SUZY ELIZABETH CAVALCANTE, A Desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine)
e os Grupos de empresas, 1ª ed, 1993, Editora Forense, p. 67.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

separação)83.
É um instituto que no nosso modesto entendimento corresponde a uma
verdadeira ameaça às teorias da personalidade jurídica das pessoas colectivas,
especialmente das sociedades comerciais.
A personalidade jurídica das sociedades comerciais terá sido criada com o
propósito de encorajar a iniciativa empresarial de natureza privada, ao conceber a
separação do património pessoal dos sócios, do da sociedade comercial, entidade
distinta daqueles bem como a distinção da personalidade jurídica das pessoas dos sócios
face a pessoa colectiva (sociedade comercial).
A desconsideração da personalidade jurídica segundo o Professor COUTINHO
DE ABREU, vê nas pessoas físicas (sócio (s)) uma estreita ligação com a sociedade.84
O avanço e aplausos a desconsideração da personalidade jurídica é, quanto a
nós, de entre outros aspectos que iremos aflorar neste estudo, uma demonstração dos
recuos ou, no mínimo um apelo ao reexame de alguns institutos jurídicos que durante
muitos anos alicerçaram o Direito85; sendo esta a razão que nos motivou a desenvolver o
presente tema. Assim, é de questionar se o direito tradicional está ou não ainda na
vanguarda.
O instituto da “desconsideração”, ainda se mostra longe de colher consensos na
doutrina, facto visível nas divergentes correntes relativas a sua implementação86.

83
V. Obra coordenada por COUTINHO DE ABREU, parte de SOVERAL MARTINS, “Da
personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV , Estudos de Direito das
Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra, 2010; 10ª , p. 109, cit., COUTINHO DE ABREU, Da
empresarialidade.., p. 210, Curso… vol II, Ob. cit., p. 177.
84
V. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, ob. cit., p. 176: “A sociedade não vive por
si e para si, antes existe por e para o (s) sócio (s); destes é ela instrumento (há pois estreita ligação entre
uma e outros). Por outro lado o património da sociedade não está ao serviço de interesses da pessoa
jurídica ”em si”, mas sim do (s) sócio (s)”.
85
Quando se criou o instituto das sociedades comercias, cujos elementos essenciais da sua noção constam
do artigo 980º do Código Civil, via-se nela um instrumento viável para separação das pessoas que a
constituiriam ou de que dela viessem a fazer parte na vertente quer pessoal quer patrimonial, isto sem
dúvidas encorajava e ainda hoje encoraja os agentes económicos, pois salvaguarda o património pessoal,
no entanto, actualmente, vê se que esta figura (sociedades comerciais que tem essencialmente
personalidade jurídica e património distinto do (s) sócio (s), tem sido abusivamente usada (Abuso de
direito, artigo 334º do C. Civ.), v. COUTINHO DE ABREU, [et. al.] Comentários ao artigo 5 do Código
das Sociedades por Quotas, p. 100-101. Por essa razão, para proteger os interesses dos credores da
sociedade que doutra forma seriam sempre postos em causa pela “mascara ” da personalidade jurídica da
sociedade, foi então criado o instituto da “desconsideração da personalidade jurídica”, o que quer dizer
que hoje em dia, a personalidade jurídica das sociedades comerciais não constitui argumento para que o
(s) sócio (s), se furtem ao cumprimento das obrigações contraídas para com terceiros, se se provar que
houve abuso de direito ou seja, que foi utilizada a sociedade para prejudicar os credores. Com isso,
pensamos que se criam condições para o desestimulo ao empreendedorismo formal e a revitalização das
sociedades em nome colectivo que pareciam estar hibernadas.
86
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela...ob. cit., pp. 99-132, v. também PEDRO CORDEIRO, A
Desconsideração…. ob. cit., pp. 29-35; pp. 53-61. Estes autores apresentam as diferentes correntes que se
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Vamos, portanto, apresentar os aspectos gerais sobre o tema, respeitando o que a


propósito já foi dito pelos autores da área e de uma forma especial apresentar alguns
problemas que a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica das
sociedades comerciais suscita, este é o objectivo.
Pensamos que as soluções próprias do Direito societário associadas ao instituto
do abuso do direito no domínio do direito civil, seriam suficientes para resolver os
problemas que fizeram despertar a desconsideração da personalidade jurídica.
Trataremos como é óbvio, apenas da desconsideração no domínio das sociedades
comerciais, pois é nela que o debate tem ganho maior acuidade.

I. CONCEITOS RELEVANTES PARA O ESTUDO DA


DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.87

1. Personalidade colectiva88-89.
Um dos pilares do direito moderno é o instituto da pessoa jurídica, criada no
sentido da superação da ideia de que o direito somente se dirige ao ser humano.
Entidades fictícias, as pessoas jurídicas tornam-se sujeitas de direitos e obrigações,
passando da universalidade dos sócios para uma unidade autónoma e independente.90
Entre as inúmeras teorias sobre a natureza jurídica da pessoa jurídica, destaca-se
a doutrina de Savigny, segundo a qual, “pessoa é todo o sujeito de relações jurídicas
que, tecnicamente, não corresponde a uma “pessoa natural” mas que seja tratado, como

levantaram para discutir o problema, uns a favor da desconsideração outros contra, sugerindo os contra, a
ideia de aplicação normal do Direito ao caso concreto, sem que seja necessário o recurso a
desconsideração, pois isto segundo eles, tornaria vulnerável o instituto da personalidade colectiva”, uma
das grandes invenções do Direito. O sublinhado é nosso. Retomaremos a este ponto mais adiante.
87
Usaremos indistintamente, ao longo deste trabalho a formulação “desconsideração da personalidade
jurídica ou desconsideração da personalidade colectiva”
88
Esta matéria é também tratada para além dos autores da casa(Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra) que iremos seguir em grande medida, entre outros, por MIGUEL J. A.PUPO CORREIA, com a
colaboração de ANTÓNIO JOSÉ TOMÁS E OCTÁVIO CASTELO PAULO, Direito Comercial. Direito
da Empresa, 12ª ed., revista e aumentada, EDIFORUM, Edições jurídicas, Lda., Lisboa, pp. 195-198, sob
a epígrafe, Personalidade das sociedades comerciais.
89
A expressão pessoa colectiva foi introduzida em Portugal por GUILHERME ALVES MOREIRA, com
a sua obra. Instituições de Direito Civil Português. Volume primeiro. Parte Geral Imprensa da
Universidade de Coimbra, 1907, pp. 135 e ss.
90
V.OKSANDRO GONCALVES, A Disregard doctrine e o princípio da eticidade no novo código civil,
in Revista de Direito Empresarial ISSN 1806-910X.N.I (2004), p. 147, cit., MOTA PINTO, Teoria geral
do direito civil, Coimbra, 1996, p. 126. Dentre as diversas teorias, a predominante é aquela proposta por
Savigny: “Para alguns autores, como SAVIGNY e WINDSCHEID, as pessoas colectivas seriam uma
ficção. A personalidade colectiva seria uma fictio iuris (teoria da ficção). A lei, ao estabelecer a
personalidade jurídica das pessoas colectivas, estaria a proceder como se as pessoas colectivas fossem
pessoas singulares, visto que só as pessoas singulares podem ser sujeitos de direitos e deveres.”
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

pessoa, através de uma ficção teórica, numa situação que se justifica, para permitir
determinado escopo humano”91
Em especial, nos interessa o instituto da “pessoa jurídica”, colectiva também se
diz cujo fundamento teórico-jurídico é a personalidade jurídica. Sua função geral é a de
criar um centro de interesses autónomos em relação às pessoas que lhe deram origem,
de tal forma que não se possa imputar a essas últimas os direitos, deveres e condutas
daquelas. Contudo, essa comunhão de pessoas e bens há que estar sempre a serviço de
determinadas finalidades relevantes sob o ponto de vista social e, por outro lado, devem
também ser lícitas.92
Quanto às pessoas jurídicas e, de forma mais específica, no tocante às
sociedades comerciais, ensina-nos ASCARELI que “a existência de uma sociedade não
pode servir para alcançar um escopo ilícito; a existência de uma sociedade não pode
servir para burlar as normas e as obrigações que dizem respeito aos seus sócios; a
existência de uma coligação de sociedades não pode servir para burlar as normas e as
obrigações que dizem respeito a uma das sociedades coligadas.93
Um dos mecanismos mais eficazes para se reagir contra esse desvio de função
das pessoas jurídicas é justamente o da aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica.94 As pessoas colectivas são organizações constituídas por uma
colectividade de pessoas ou por uma massa de bens, dirigida à realização de interesses
comuns ou colectivos, às quais a ordem jurídica atribui a personalidade jurídica.95 Trata-
se de organizações integradas essencialmente por pessoas ou essencialmente por bens,
que constituem centros autónomos de relações jurídicas-autónomas mesmo em relação
aos seus membros ou às pessoas que actuam como seus órgãos.96
À categoria das pessoas colectivas pertencem o Estado, os municípios, os
distritos, as freguesias, os institutos públicos (como a Universidade), as associações

91
V.OKSANDRO GONCALVES, A Disregard doctrine….Ob. cit., p. 148, cit., MENEZES CORDEIRO,
O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, Coimbra: Almedina, 2000, p. 39.
92
V. JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade…Ob. cit., p. 281.
93
V. JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade…Ob. cit., p. 282.
94
JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade…Ob. cit., p. 282.
95
Percebe-se assim que a personalidade jurídica não é natural das pessoas colectivas mas sim lhe é
conferida pela ordem jurídica cumpridos que sejam os requisitos legais estabelecidos para o efeito.
96
CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, ANTÓNIO PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO,
Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 269. Sobre a
personalidade colectiva usaremos esta obra pese embora não seja a única sobre a matéria como adiante
veremos. Tem sido referenciado pelos autores até aqui indicados, MANUEL DE ANDRADE, na sua
Teoria da Relação Jurídica, este que é considerado o maior tratadista da Teoria Geral do Direito Civil do
Século XX em Portugal. Nas próximas referências à obra dos primeiros autores apresentados nesta nota,
apenas usaremos o nome mais destacado com o qual a obra se identifica, mesmo em Moçambique, nossa
pátria, (MOTA PINTO)
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

recreativas ou culturais, as fundações, as sociedades comerciais, etc.97


No dizer de COUTINHO DE ABREU, que subscrevemos: “ Não exigem os
nossos propósitos uma exposição sistematizada e crítica das diversas teorias que se têm
cansado em sondar a natureza jurídica ou a “essência” da personalidade colectiva ou
jurídica. Até porque, por um lado isso já foi feito (de modo menos ou mais requintado)
muitas vezes […];98 por outro lado, tais teorias têm-se revelado inconsequentes na
determinação e aplicação do direito respeitante às pessoas colectivas (este direito é
determinado através de normas positivas e da prática jurídica, independentemente das
“teorias”; por outro lado ainda e sem menosprezar alguns notáveis contributos, as
“teorias” não se têm revelado “essenciais” da personalidade colectiva99. Em grande
medida descomprometida com a luta das “teorias” dominantes hoje na doutrina a
compreensão “técnico jurídico” da pessoa colectiva. Produto da técnica jurídica,
abstraindo em grande medida de considerações ético jurídicas e político-gerais, não
baseando nos substratos metajurídicos o seu específico modo de ser, a personalidade
colectiva aparece como expediente utilizável por muitas e diferenciadas organizações
(institucionais, fundacionais, associativas, societárias), através do qual a ordem jurídica
atribui às mesmas a qualidade de sujeitos de direito, de autónomos centros de
imputação de efeitos jurídicos” 100-101
Continuando com a abordagem dos aspectos da personalidade colectiva, desta
vez a luz de linhas civilísticas propriamente ditas.102
Na definição dada de pessoas colectivas referimos a organizações constituídas
por uma colectividade de pessoas e organizações constituídas por uma massa de bens.103
Há com efeito duas espécies fundamentais de pessoas colectivas: as corporações
e as fundações.104

97
MOTA PINTO, Teoria Geral…Ob. cit., p. 269.
98
COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, 4ª ed., Vol. II, Almedina, Coimbra,2011, p.
163 nota 5, cit., SAVIGNY com a “teoria da ficção “como sendo um dos pioneiros no debate da natureza
jurídica da personalidade jurídica na sua obra Traité de droit romain, trad.,t.II,F. Didot, Paris, 1841,pp.
234,237-239) e a teoria da “pessoa colectiva real ” em que é maior representante O. GIERKE.
99
COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 164.
100
V.COUTINHO DE ABREU, Curso…ob. cit., p. 164.
101
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…ob. cit., pp. 164-170. Defende nestas páginas que não se deve
absolutizar o instituto da personalidade jurídica das pessoas colectivas como sendo condição
indispensável para o seu funcionamento, partindo do pressuposto de que existem entidades que embora
despidas da roupagem da personalidade jurídica, exercem normalmente as suas actividades.
102
Nos referimos ao desenvolvimento deste tema a luz de MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil,
ob. cit., pp. 269 e ss.
103
Idem., ob. cit., p. 269.
104
Idem., ob. cit., p. 269.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

As corporações têm um substrato integrado por agrupamentos de pessoas


singulares que visam um interesse comum, egoísta ou altruístico. Essas pessoas ou
associados organizam a corporação, dão lhe existência e cabe-lhes disciplinar a sua vida
e destino. Dirigem-na de dentro, tendo nas suas mãos, através da modificação dos
estatutos ou de outras deliberações, a sorte da corporação. São corporações as
associações desportivas, mutualistas, as sociedades comerciais, etc.105.
A função económico-social do instituto da personalidade colectiva liga-se à
realização de interesses comuns ou colectivos, de carácter duradoiro.106
Os interesses respeitantes a uma pluralidade de pessoas, eventualmente a uma
comunidade regional, nacional ou ao género humano, são uma realidade inegável: são
os referidos interesses colectivos ou comuns. Alguns desses interesses são duradoiros,
excedendo a vida dos seres humanos, ou, em todo o caso, justificando a criação de uma
organização estável.107
Para a prossecução destes interesses comuns ou colectivos e duradoiros pode ser
conveniente ou até imprescindível estruturar uma coordenação de bens e de actividades
pessoais dos interessados no espaço e no tempo. O tratamento jurídico desta
organização de bens e pessoas como um centro autónomo de relações jurídicas permitirá
alcançar com mais facilidade os interesses visados ou será mesmo a única forma de os
alcançar. Todas as relações jurídicas constituídas na actividade dirigida ao escopo
visado são encabeçadas na organização como centro de uma esfera jurídica. É ela o
sujeito dessas relações jurídicas, aplicando-se lhes as normas jurídicas de direito
privado nos mesmos termos em que se aplicam às pessoas singulares.108
Ao invés, grandes dificuldades ou até verdadeira impossibilidade de prossecução
dos interesses colectivos e duradoiros se nos deparariam, se não existisse este
mecanismo, este instrumento técnico-jurídico, que é a personalidade colectiva ou
personalidade jurídica das pessoas colectivas. Teria então de se recorrer à personalidade
colectiva jurídica das pessoas singulares interessadas, o que seria difícil, complicado,
precário ou insuficiente.109

105
Idem., ob. cit., p. 669.
106
Idem.,p. 270. A ideia de interesses em comum vem também consagrada no artigo 980 do Código Civil,
sobre “os elementos ou notas essenciais da noção genérica de sociedade”, v. COUTINHO DE ABREU,
Curso….ob,cit., pp. 5-23.
107
MOTA PINTO, Teoria Geral…Ob. cit., p. 270.
108
MOTA PINTO, Teoria Geral…Ob. cit., pp. 270-271.
109
MOTA PINTO, Teoria Geral…Ob. cit., p. 271, cit., MANUEL DE ANDRADE, Teoria geral da
relação jurídica, cit.,I, pp. 47-49. De facto a personalidade colectiva (jurídica) é um mecanismo que
permite a prossecução duradoira de interesses comuns como dizem os autores que acabamos de citar, mas
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

1. Momento da aquisição da personalidade jurídica das sociedades


comerciais.

O reconhecimento é o elemento de direito, redutor da dispersão e pluralidade do


substrato à unidade, à qualidade de sujeito de Direito.110
Entre nós, o reconhecimento normativo condicionado vigora no domínio das
sociedades comerciais e civis em forma comercial e das associações e o reconhecimento
por concessão é exigido para as fundações.111
O regime consagrado no CCom.de 1888 não permitia dizer com total segurança
que as sociedades comerciais (todas as sociedades comerciais) tinham personalidade
jurídica. É certo que a doutrina dominante considerava que assim era112 apoiando-se
desde logo (mas não só) no disposto no artigo 108. Do CCom. Porém, a verdade é que
não deixaram de se ouvir algumas vozes discordantes.113
Actualmente, o problema encontra-se resolvido pelo artigo 5 do CSC, segundo o

não é indispensável pois existem pessoas colectivas de facto que podem perdurar e prosseguir sem
sobressaltos seus mais diversos propósitos. O caso das associações não reconhecidas e as próprias
sociedades antes do seu reconhecimento definitivo, praticam através da personalidade jurídica dos seus
sócios ou associados, actos jurídicos cujos efeitos se repercutem na esfera de terceiros e da própria pessoa
de facto. Aliás, isto já foi devidamente rebatido por COUTINHO DE ABREU, v. cit., 13 supra.
110
MOTA PINTO, Teoria Geral…Ob. cit., p. 280.
111
Idem., pp. 280-281 “São possíveis várias modalidades de reconhecimento. Pode ter lugar um
reconhecimento normativo, isto é derivado automaticamente da lei e um reconhecimento individual ou
por concessão, isto é traduzido num acto individual e discricionário de uma autoridade pública que,
perante cada caso concreto, personificará ou não o substrato.
O reconhecimento normativo pode ainda revestir duas formas. Pode tratar-se de um reconhecimento
incondicionado, se a ordem jurídica atribuir personalidade jurídica de pleno, sem mais exigências, a todo
o substrato completo da pessoa colectiva (sistema de livre constituição das pessoas colectivas). Um tal
sistema dificilmente existirá em qualquer direito positivo, não existindo, desde logo, entre nós. Pode
tratar-se de um reconhecimento normativo condicionado. Também esta modalidade de reconhecimento é
de carácter global, isto é, derivado de uma norma jurídica dirigida a uma generalidade de casos e não de
uma apreciação individual, caso por caso. Também esta modalidade de reconhecimento traduz um grau
de liberdade e facilidade na constituição de pessoas colectivas superior ao reconhecimento por concessão.
A lei formula em geral a exigência de determinados pressupostos ou requisitos, que devem acrescer aos
elementos caracterizadores de um substrato e, verificados esses requisitos, a pessoa colectiva é
automaticamente constituída, sem necessidade de uma apreciação de oportunidade e conveniência por
parte do Estado”, v. MOTA PINTO,Teoria Geral…Ob.cit., p. 280
112
V. Obra coordenada por COUTINHO DE ABREU, na parte de SOVERAL MARTINS, “Da
personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV (coord.de Coutinho de
Abreu), Estudos de Direito das Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra,2010; 10ª, p. 94, cit., JOSÉ
TAVARES, Sociedades e empresas comerciais, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra,1924,pp. 147 e ss.,
Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial. Obrigações mercantis em geral. Obrigações mercantis em
especial (sociedades comerciais), edição do autor, Lisboa, 1996,p. 217 e ss.; MANUEL DE ANDRADE,
Teoria geral da relação jurídica, I, Almedina, Coimbra,1983, reimp. ,p. 83;Ferrer Correia, Lições….,II,
cit.,pp. 85 e ss
113
V. Obra coordenada por COUTINHO DE ABREU, na parte de SOVERAL MARTINS, “Da
personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV, Estudos de Direito das
Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra,2010; 10ª , pp. 95-96.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

qual “as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data
do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto
quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras. Com o
registo definitivo do contrato de sociedade as sociedades comerciais (todas as
sociedades comerciais) adquirem personalidade jurídica. E gozam dessa personalidade
jurídica tanto em relação a terceiros, como em relação aos próprios sócios.114
Assim, é a sociedade (com objecto comercial) que adquire a qualidade de
comerciante em consequência do exercício da actividade social e não os sócios. Por
isso, é a sociedade que está sujeita às obrigações impostas aos comerciantes e não os
seus sócios. Além disso, a sociedade pode ter direitos contra seus sócios.115
Como consequência da atribuição de personalidade jurídica às sociedades
comerciais temos, desde logo, que as referidas sociedades são titulares de direitos e
obrigações. Os direitos e obrigações da sociedade não são por isso direitos e obrigações
dos sócios. Os sócios não têm nem direitos sobre os bens isolados da sociedade, nem
sobre o património da sociedade no seu todo.116

2. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA117-118.

1. Aspectos históricos
O tema da desconsideração surgiu pela primeira vez no direito norte-americano
com base na teoria do “desregard of legal entity.”119“Na realidade, a primeira decisão

114
Idem, p. 97.
28. V. Obra coordenada por COUTINHO DE ABREU, na parte de SOVERAL MARTINS, “Da
personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV, Estudos de Direito das
Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra,2010; 10ª ed., 2010, p. 97.
116
V. Obra coordenada por COUTINHO DE ABREU, na parte de SOVERAL MARTINS, “Da
personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV (coord.de Coutinho de
Abreu), Estudos de Direito das Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra,2010; 10ª ed., 2010, p. 97. Este
aspecto de separação da personalidade jurídica da sociedade e dos respectivos sócios, uma vez distintos,
deve ser rigorosamente respeitado pelos sócios e pela sociedade, sob pena de suscitar o problema objecto
do presente trabalho “Desconsideração da personalidade jurídica”, quando os direitos dos credores
venham a ser postos em causa pelo não respeito do princípio de separação de personalidade jurídica e
consequentemente dos patrimónios.
117
V.PUPO CORREIA, Direito Comercial…Ob. cit., p. 202, anotação 308, aponta uma série de autores
que se debruçam sobre esta matéria.
118
V.COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…Ob. cit., pp. 205-210.
119
V. PEDRO CORDEIRO, A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais,2ª
ed, Colecção Teses, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2005, p. 27, para maiores desenvolvimentos
cit.,J.LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA,”A Dupla crise da pessoa jurídica”, cit., p. 264 e ss.,
PIERO VERRUCOLI, “II superamento della personalità giuridica delle societádi capitali nella common
Law e nella civil Law”, Milano,1964, com referência especial ao direito alemão, suíço e austríaco e
autores alemães.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

em que os tribunais norte americanos terão aplicado o princípio do desregard of the


legal entity doctrine ou como veio a ser chamado, piercing the corporate veil, remonta a
1809, no caso Bank of the United States”120
No entanto, ainda que a jurisprudência fornecesse um amplo campo de
investigação, o enquadramento dogmático do problema não foi feito, como é, aliás,
timbre dos sistemas anglo-americanos.
A questão sensibilizou, contudo, os juristas europeus continentais e mesmo sul-
americanos mas com particular acuidade os germânicos.
Na Alemanha o problema surgiu da actividade dos tribunais. Até 1920 tinha-se
unicamente em consideração a estrita separação entre a pessoa colectiva e os seus
sócios.
Só no seu acórdão de 22.06.1920 o 3º Senado do Reichsgericht (RG) abandonou
aquela posição inicial.
No caso, referente a uma GmbH-unipessoal (onde naturalmente a problemática é
mais evidente), o RG fundamentou a sua decisão com a fórmula, posteriormente muito
utilizada, de que o juiz deveria, antes da construção jurídica, ter atenção “a realidade da
vida e a força das coisas” Embora o acórdão não tivesse passado sem críticas, ele
constitui o momento de viragem que iria gerar toda a discussão futura. Outros acórdãos
se lhe seguiram que, um apoio na “natureza das coisas”, na “proeminência da realidade
sobre a forma”, no “desvio à lei”, na “consciência popular dominante”, ou nas
“necessidades económicas”, fundamentaram decisões da mesma índole.
Tudo isto aconteceu sob o pano do fundo do abandono ao positivismo jurídico e
da progressiva viragem para a jurisprudência dos interesses de Heck.
Na doutrina anterior à 2ª Grande Guerra defrontavam-se, pois,
fundamentalmente, duas correntes de opinião.
Através da primeira tentava-se manter a separação entre as sociedades e os seus
sócios, procurando-se encontrar uma solução para os problemas detectados nas regras
gerais de direito civil.
Por força da segunda identificava-se a sociedade unipessoal e o seu sócio, com
base no paralelismo de interesses existente entre ambos os sujeitos.
No primeiro decénio do pós guerra a jurisprudência ocupou-se sobretudo do
problema da identificação das sociedades do Reich com o próprio Reich-o também

120
V.FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., p. 95, anotação 29.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

chamado problema das sociedades de guerra. Estava em questão saber se os devedores


de sociedades do Reich poderiam compensar as suas dívidas com os seus créditos face
ao Reich.
Alguma jurisprudência negou a invocação da separação e a consequente
autonomia patrimonial em virtude de uma violação da boa fé, reconhecendo, assim, a
reciprocidade dos créditos e dívidas. No seu acórdão de 03.07-53 o Bundesgerichtshof
(BGH) esclareceu mais pormenorizadamente os pressupostos que, uma vez reunidos,
permitiram admitir que existe “um abuso da posição jurídica formal da sociedade do
Reich, enquanto pessoa colectiva autónoma “e, portanto, também uma violação de boa
fé.
Neste acórdão o BGH toma em consideração o facto de a sociedade não ter
qualquer vida social própria” de o capital social, que lhe fora posto à disposição pelo
Reich, ter permanecido “afectado a determinados fins” e de a sociedade ter sido “um
mero instrumento” do Reich.
Embora o acórdão se auto-limitasse aos casos em que existia uma relação
estreita entre o crédito reciproco e o campo de actuação da sociedade de guerra e ainda
que a decisão se baseie, sob ponto de vista dogmático, no parágrafo 242 do Burgerliches
Gesetzbuch (BGB), existem semelhanças com a argumentação da “teoria dos
patrimónios de afectação especial “que voltava a ganhar vida junto da doutrina.
Aliás, já em 1953 SCHILING tentara considerar a sociedade por quotas
unipessoal com não tendo personalidade jurídica-considerando-a como um mero
património da afectação especial.
No entanto, esta teoria, desde logo fortemente contestada por vários autores, não
se conseguiu impor.
Ainda relacionado com o problema das sociedades unipessoais foi também
debatido, neste período do pós guerra, se a responsabilidade-segundo o princípio
“KeineHerrschaft ohne Haftung” – que seria uma trave mestra da economia de mercado,
caiu-se num lugar comum que ainda hoje influencia a discussão.
Em síntese, pode-se afirmar que o período que mediou entre 1920 e 1955 eram,
fundamentalmente, os casos de unipessoalidade que concentravam a atenção da doutrina
e jurisprudência, mas a discussão desenvolvia-se em diferentes direcções e a partir de
bases diversas.
Faltava, pois, um tratamento sistemático da matéria, um ponto de cristalização a
partir do qual a discussão se pudesse fazer.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Como alguém afirmou, “nesses tempos a discussão não tinha nenhuma


plataforma comum, ninguém se podia encontrar.”121-122

1. Construções doutrinárias que procuram fundamentar a


123
desconsideração da personalidade jurídica”

Para controlo do uso abusivo, em flagrante reacção à interpretação absoluta do


princípio da autonomia patrimonial, surge a doutrina da “desconsideração da
personalidade jurídica”, conhecida como disregard doctrine, pela qual é possível, em
determinadas situações, desconsiderar-se a personificação jurídica do ente fictício para
evitar um resultado incompatível com a função que o Direito lhe concedeu. Trata-se,
portanto de verdadeiro instrumento de aperfeiçoamento do instituto da pessoa jurídica,
pois, se, de um lado permite que sua função primordial seja atingida, de outro, impede o
uso contrário ao Direito.124
Nega-se portanto, o carácter absoluto da personificação, a ponto de tornar-se a
desconsideração um valiosíssimo instituto através do qual se prescinde da forma
jurídica que lhe fora emprestada pelo ordenamento jurídico, retirando-lhe o véu da
personificação do ente colectivo, para determinada situação fáctica em que se verifica
abuso de direito ou a fraude125.
A desconsideração, entretanto, não implica extinção da pessoa jurídica, que é
preservada em face dos demais actos de carácter não-fraudulentos que praticou. Há uma
suspensão temporária da personificação para um momento ou acto específico,

121
V.PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração...Ob. cit., pp. 27-29.
122
Outras denominações da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, segundo JAIRO
SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade jurídica…Ob. cit., p.282. “A teoria que passaremos a
estudar vem sendo consagrada em vários países do mundo, onde tem recebido rotulação as mais diversas.
Nos países-anglo saxónicos, é conhecida como disregard of legal entity, lifting the corporate veil, piercing
the corporate veil-teoria do levantamento do véu corporativo-e craking open the corporate Shell. Nos
países romanos-germânicos, possui outras denominações. Na itália foi rotulada de superamento della
personalittà giurídica. Na Alemanhã, por seu turno, é chamada de durchscriff der juristichen person-
penetracão da pessoa jurídica. O Direito argentino costuma concebê-la como teoria de la penetracion ou
desestimacion de la personalidade.”
123
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 99 e ss
124
V. OKSANDRO GONCALVES, A Disregard doctrine…Ob. cit., p. 151.
125
V. OKSANDRO GONÇALVES, A Disregard doctrine…Ob. cit., p. 151.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

característica própria deste instituto, em face da não observância da função para a qual
foi criada a ficção.126
Com vista a fundamentar a aplicação do instituto da “desconsideração” da
personalidade colectiva, desfilaram algumas teorias a favor e contra, que iremos
destacar a seguir.
Na análise das teorias historicamente surgidas para explicar e justificar o recurso
a uma solução, merecem a primeira referência as chamadas “teorias do abuso
subjectivo”. O seu principal representante é ROLF SERICK. De acordo com SERICK, a
autonomização da pessoa colectiva pode deixar de ser tida em consideração quando tal
forma jurídica é intencionalmente usada,” pelas pessoas singulares que se escondem por
detrás127 “da pessoa colectiva, para fins diferentes daqueles que estiveram na origem da
sua personificação pelo legislador. Nesta tese-ponto de partida para as teorias do abuso-
é evidente o papel da censurabilidade jurídica, o que se explica: SERICK veio pôr em
causa, de forma sistematizada a absolutização da personalidade jurídica da pessoa
colectiva, o que implicou que pusesse nesse labor grande cuidado, bem como a restrição
do recurso à “desconsideração da personalidade colectiva” a casos em que essa solução
pudesse parecer indiscutível, como acontece quando exista um abuso consciente da
pessoa colectiva. Do ponto de vista metodológico SERICK orienta a sua exposição em
torno da identificação de grupos de casos, três grandes grupos de situações em que a
utilização da pessoa colectiva é abusiva, caracterizada pela intencionalidade na
obtenção do resultado abusivo: a fraude à lei (quando se chega a um resultado proibido
por lei por uma via distinta daquela que é normativamente considerada, sempre que da
ratio da norma se retire que esta visa impedir a produção daquele resultado, e não
apenas a sua realização através do recurso ao meio a que se refere o preceito
considerado), a fraude e lesão de contrato (que consiste na utilização da pessoa colectiva
para prosseguir um resultado contrário ao fim-expresso ou claramente identificável-de
contrato), e o dano fraudulento causado a terceiros através da pessoa colectiva. Note-se
que o facto de SERICK fazer depender uma solução do carácter internacional do abuso
do instituto da pessoa colectiva veio a fazer da sua constituição uma tese muito restritiva
e, até, redutora.128
ROLF SERICK, [...] formulou as quatro proposições seguintes: a) quando

126
V. OKSANDRO GONÇALVES, A Disregard doctrine…Ob. cit., p. 151.
127
Portanto, o sócio ou sócios se escondem por detrás da sociedade para lograr seus intentos maléficos
contra os credores.
128
V.FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…ob. cit., pp. 104-105.
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através da pessoa jurídica burla-se uma disposição legal, uma obrigação contratual ou
se causa prejuízo a terceiros ou existe abuso da pessoa jurídica, somente nestes três
casos é possível desconsiderar a pessoa jurídica, pois restou violado o princípio da
boa-fé; b) para desconsiderar a pessoa jurídica não é suficiente alegar que esse
remédio é preciso para que se cumpra a lei ou um contrato; c) quando as normas
jurídicas estabelecem situações que levam em consideração valores especificamente
humanos, ou determinadas qualidades destes, então estes valores também são
aplicáveis às pessoas jurídicas; d) Se a forma da pessoa jurídica é utilizada para
ocultar que na realidade existe identidade entre as pessoas que intervêm em
determinado acto, e para que a norma jurídica se cumpra se requer que a identidade
dos sujeitos interessados não seja puramente nominal senão afectiva, então será
possível desconsiderar a personalidade jurídica.129
Era inevitável que a solução proposta por SERICK se visse confrontada com a
mesma questão que se debate a propósito de uma concepção subjectivista do abuso do
direito: a própria concepção do abuso do direito não pode deixar de partir de critérios
objectivos, desde logo porque a exigência da consciência do abuso viria a beneficiar
“aqueles que não conhecem escrúpulos”. Por isso qualquer construção jurídica que parta
da noção de abuso acaba por ser objectiva, centrada no excesso objectivo cometido no
exercício do direito (embora sejam sempre relevantes considerações de ordem
subjectiva quanto aos casos de violação dos limites impostos pela boa fé e pelos bons
costumes; já o limite do “fim social ou económico “do direito representa a consagração
de um critério puramente objectivo). Também no âmbito da tentativa de fundamentação
dogmática da “desconsideração da personalidade jurídica” da pessoa colectiva este
caminho foi percorrido, pelo que rapidamente vieram conquistar espaço, nesse domínio,
as teorias institucionais ou do abuso objectivo. Daí resultou que as novas análises
começaram a considerar relevante uma utilização objectivamente ilícita do instituto
pessoa colectiva, como os tribunais alemães cedo afirmaram e tem sido defendido pela
doutrina e jurisprudência dos restantes países europeus. De resto, o próprio
funcionamento do mecanismo “desconsideração da personalidade jurídica “ficaria

129
V. OKSANDRO GONCALVES, A Disregard doctrine…ob.cit., pp. 151-152; cit., ROLF SERICK,
Apariencia y en las sociedades mercantiles-el abuso de derecho por medo de la persona jurídica.
Barcelona: Ediciones Arial, 1958,p. 242-258.
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seriamente comprometido pelas dificuldades que pode levantar a prova daquele


elemento subjectivo.130
A luz da teoria institucional da “desconsideração da personalidade jurídica”, é
necessário recorrer a uma solução quando a separação entre associação e membro vai
contra a ordem jurídica, e o abuso é entendido como utilização da pessoa colectiva
contra o seu fim institucional, através de violação de princípios fundamentais do sistema
jurídico e económico. Com razão, nota KARSTEN SCHMIDT que este movimento tem
a vantagem de retrair ao mecanismo “desconsideração da personalidade jurídica “a
carga punitiva, mas, simultaneamente, torna cada vez mais difícil a sua delimitação e
justificação.131
Em alternativa às construções que, para uma solução, partem do abuso do
Direito (subjectivo ou objectivo), surgiram as chamadas teorias da aplicação da norma.
Neste âmbito, impôs-se sobretudo a construção de MULLER-FREIENFELS (surgida
em reacção às posições de SERICK), que visa a resolução dos problemas tendo em
conta o sentido e a finalidade da norma cuja aplicação está em causa para decidir, em
concreto, se essa norma vai aplicar-se à pessoa colectiva. Para esta teoria, a pessoa
colectiva não é “unidade” pelo que a questão não pode ser um problema generalizável
da personalidade jurídica da pessoa colectiva: trata-se de um problema de aplicação da
norma. A pessoa colectiva é uma imagem simbólica, uma expressão destinada a
representar um complexo de relações jurídicas e de normas. O centro das atenções
desvia-se da própria pessoa colectiva para a norma a aplicar, operação para a qual deve
procurar-se “o seu fim, a sua função e os interesses que tutela”. Contudo, esta ainda
pode ser considerada uma teoria da “desconsideração da personalidade jurídica”, na
medida em que ainda se ocupa do princípio da separação entre a pessoa colectiva e os
seus membros e dos limites do titular dos direitos, e não apenas da aplicação de normas
específicas a tal titular de direitos. Do ponto de vista metodológico, está em causa uma
restrição da norma que dá expressão à separação entre a pessoa colectiva e os seus
membros, e o consequente suprimento desse espaço jurídico através da aplicação de
uma outra norma. Uma teoria da aplicação da norma assim definida está, na realidade,

130
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., p. 107. A grande crítica que se faz a formulação de
SERICK, tem a ver com o facto de se entender que o abuso de direito é cognoscível objectivamente, o
contrário obstaria a que os pouco esclarecidos pudessem invocar essa figura, o trilho da subjectividade do
abuso do direito levantaria muitas dificuldades relativamente a questão da prova.
131
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 107-108. A teoria defendida pelos institucionalistas
aponta para o levantamento do problema da “desconsideração da personalidade jurídica” quando se usa a
sociedade como tal (instituição), para violação da ordem jurídico-económica estabelecida.
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muito próxima da teoria institucional da desconsideração da personalidade jurídica, uma


vez que relativiza o âmbito institucional do princípio da separação: este princípio da
separação – ou uma das normas que reflectem este princípio (como é o caso das normas
que estabelecem a responsabilidade limitada dos sócios das sociedades por quotas e dos
sócios das sociedades anónimas) – vai ser limitado. Mas a teoria da aplicação da norma
distingue-se da teoria institucional ou da teoria objectiva do abuso pelo facto de partir
de uma diferente compreensão dogmático-jurídica da pessoa colectiva (que já não é
vista como um todo jurídico, mas antes como uma mera figura mental, síntese mental de
factos, relações e normas individuais), no sentido da sua relativização: a compreensão
da essência da personalidade jurídica da pessoa colectiva não conduz a uma
subjectividade jurídica tecnicamente abrangente132.

2. Teorias negativistas à “desconsideração da personalidade jurídica” da


pessoa colectiva.

Por fim cabe aqui uma referência especial às chamadas teorias negativistas, isto
é, que rejeitam a possibilidade de existência do instituto da “desconsideração da
personalidade jurídica”. Pioneira nesta atitude perante as soluções terá sido a posição de
ERICK SCHANZE, na obra Einmanngesellschaft und Durchgriffshaftung, de 1975.
SCHANZER procura, aí solucionar aqueles mesmos problemas que as doutrinas
resolvem (através do recurso à “desconsideração da personalidade jurídica” da pessoa
colectiva), mas utilizando uma solução completamente desligada das ideias, uma vez
que a operação de imputação a que recorre para o efeito já não é definida como uma
penetração na personalidade jurídica ou um regresso à ideia da relatividade da
capacidade jurídica da pessoa colectiva. Em SCHANZER, a causa dos problemas de
imputação, interpretação e aplicação da norma é a coexistência da associação e dos seus
membros. Logo, um problema é um autêntico problema de interpretação das normas de
organização das pessoas colectivas e das disposições que regulam as relações externas
da sociedade com terceiros; como a referida coexistência entre a associação e os seus
membros “é o ponto de partida” para a existência dos problemas de imputação,

132
V.FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 107-108. A teoria da aplicação da norma diz que a
pessoa colectiva é uma imagem, o que interessa é o conjunto de normas jurídicas a serem aplicadas
quando se suscita uma questão relativa a responsabilidade do sócio ou sociedade perante terceiros. É claro
que estas normas que a teoria de MULLER defende, têm como um dos fins a separação da personalidade
jurídica da sociedade, da personalidade jurídica dos sócios enquanto pessoas biologicamente formadas.
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interpretação e aplicação de normas, a solução não pode consistir na desconsideração da


personalidade jurídica dessa associação, nem tão pouco na sua relativização.133
O movimento de rejeição das doutrinas vai ganhar expressão, sobretudo, a
partir dos anos oitenta. Aumentam as críticas às propostas de solução dos problemas
que passam pela desconsideração “desconsideração “ou pela “relativização” da
personalidade jurídica da pessoa colectiva e começam a proliferar as propostas de
construção alternativas.134

3. Ponto de situação.135

Independentemente da posição que se adopte acerca da questão da


“desconsideração da personalidade jurídica” - quer ela passe pela defesa da necessidade
de reconhecimento de autonomia dogmática à figura, quer pela sua negação, quer por
algum compromisso entre ambos-, deve ser reconhecido a estas teorias o mérito de
tentarem estabelecer algum rigor na análise do problema. Esse rigor manifesta-se no
facto de todos os autores referidos partirem da realidade que representa a personalidade
jurídica da pessoa colectiva, realidade que, uma vez reconhecida pelo ordenamento
jurídico, não pode ser posta em causa a cada passo, em nome da busca da justiça do
caso (no fundo, da “equidade”); tal orientação representaria uma incoerência do próprio
sistema jurídico e acabaria por levar a uma verdadeira crise do instituto da
personalidade colectiva.136
A outra lição que é possível retirar das teses expostas como teorias negativistas
é a de que não deve recorrer-se a uma solução que passe pela desconsideração do
instituto quando um resultado justo seja possível através do recurso a soluções que
resultam da lei (da aplicação de normas interpretada) ou de contrato. Sobretudo nos

133
V.FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit.., pp. 110-111. Esta teoria como se vê na explicação da
última parte do texto, defende o respeito rigoroso da personalidade colectiva no seguinte dizer: ” a
solução não pode consistir na desconsideração da personalidade jurídica dessa associação, nem tão pouco
na sua relativização”. Esta de (respeitar a personalidade jurídica das pessoas colectivas), parece ser a
posição defendida pela autora que temos vindo a seguir nesta parte do presente trabalho, como se pode
ver nas páginas 125 à 132 da obra citada.
134
V.FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 111-112.
135
Segundo FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp-125-132.
136
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., p. 125. Com este parágrafo torna-se evidente a posição da
autora com relação a construção dogmática do instituto da “desconsideração da personalidade jurídica”,
que se dirige no sentido de afastá-la, por considerar ser uma ameaça ao rigor teórico e prático da figura da
personalidade colectiva, posição com a qual concordamos, sem tirar mérito a permanente preocupação da
doutrina e jurisprudência em encontrar mecanismos de enfraquecimento de esquemas fraudulentos que
usam as máscaras da personalidade jurídica das pessoas colectivas para prejudicar a terceiros (credores
sociais).
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

casos em que se pretende a responsabilidade dos sócios para tutela dos interesses dos
credores sociais deve ser evitada, como se verá, toda e qualquer solução que implique o
sacrifício da personalidade jurídica da sociedade comercial, quando desnecessária (note-
se que este sacrifício faz perigar a segurança e a estabilidade do instituto pessoa
colectiva, não só a um nível genérico, mas ainda no caso concreto. Com efeito, uma vez
“desconsiderada “judicialmente vai ser impedida de continuar a participar no tráfico
jurídico; todavia esta desconsideração vai, assim produzir efeitos mais duradoiros do
que possa parecer, uma vez que “o risco de abuso em relação à pessoa colectiva […..]
subsiste após o levantamento do véu”). Para mais, como se exporá na generalidade dos
casos considerados de responsabilidade, a satisfação dos credores sociais pode ser
igualmente conseguida através do adequado funcionamento das regras jurídico-
societárias que prevêem, em certas circunstâncias e verificados determinados
pressupostos, uma responsabilização directa dos sócios de responsabilidade limitada
perante os credores sociais, ou através da aplicação rigorosa das regras que estabelecem
a responsabilidade “interna” do sócio perante a sociedade ou mesmo através do recurso
à figura do administrador de facto.137
A verdade é que, nas diferentes ordens jurídicas onde a questão da
“desconsideração da personalidade jurídica” das sociedades comerciais encontrou
terreno fértil para ser implementada ao nível da responsabilidade dos sócios pelas
obrigações sociais, foi um meio através do qual doutrina e jurisprudência procuraram
resolver específicos problemas de tutela dos credores sociais-problemas esses para os
quais os interpretes demonstram não encontrar solução adequada através do recurso
imediato às disposições legais vigentes no domínio jus-societário. E talvez a grande
dificuldade sempre sentida na tentativa de justificação dogmática da “desconsideração
da personalidade jurídica “reside, afinal-simplesmente-no facto de não estarmos perante
um “instituto”, mas antes perante a tentativa de obter um determinado resultado que, em
concreto se afigura o mais justo. No fundo, a elaboração de “grupos de casos” resulta do
facto de existirem grupos de situações nas quais se colocam problemas cuja solução
legal imediata o intérprete não se conforma; em comum, estes casos parecem ter apenas
a capacidade de suscitar a necessidade de uma solução. A evidente funcionalização do
alegado “instituto” ao resultado pretendido tem impedido aqueles que defendem a sua
aplicação de procederem à identificação de um núcleo jurídico comum a todas as

137
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 125-131.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

situações da vida às quais ele pudesse estar apto a aplicar-se, o que leva a que seja mais
aceitável, pelo menos nesta fase, a referência a um “método”, “mecanismo”, ou
“solução”.138 Simplesmente, cabe antes de mais
averiguar se o pretendido efeito de responsabilização dos sócios de responsabilidade
limitada passa, efectivamente, pela “desconsideração da personalidade jurídica” da
sociedade em causa, ou se podemos estar, em concreto, perante um fenómeno de
natureza diferente. Depois, para melhor se compreender o sentido e o alcance do
referido mecanismo, impõe-se a análise dos chamados “grupos de casos” a que ele
costuma ser aplicado: é que esta aplicação tem conhecido movimentos evolutivos, quer
ao nível da doutrina quer da jurisprudência. Perante um ponto de situação actual, tentar-
se-á dar resposta à questão da eventual “autonomia” deste meio de responsabilização do
sócio de responsabilidade limitada pelas obrigações sociais.139

4. Quadro geral, casos de imputação e responsabilidade.

A “desconsideração da personalidade jurídica da pessoa colectiva”, revela o


relativismo ou a não absolutização da personalidade jurídica.140
As sociedades-pessoas jurídicas são, dissemo-lo já, autónomos sujeitos de
direitos; estão “separadas “dos seus membros (sócios)-outros autónomos sujeitos de
Direito. Todavia, essa separação não deve obnubilar-nos. A sociedade não vive por si e
para si, antes existe por e para o (s) sócio (s);destes é ela instrumento (há pois estreita
ligação entre uma e outros). Por outro lado, o património da sociedade não está ao
serviço de interesses da pessoa jurídica “em si” mas sim do (s) sócio (s). Ora, é esta
substancialista consideração da personalidade colectiva que abre vias para a
“desconsideração “da mesma num ou noutro caso; é o tomar em conta do substrato
pessoal e/ ou patrimonial da sociedade que induz, por vezes, a “levantar o véu” da
personalidade, a derrogar o chamado “princípio da separação “(Trennungspritenzip).141

138
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., p. 131.
139
Idem FÁTIMA CORDEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 131-132.
140
V. Neste sentido, COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 176.
141
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 176, na mesma direcção o Código das Sociedades
Comerciais comentado, AAVV, coordenado por COUTINHO DE ABREU, artigo 5, pp. 100-101; v.
também, COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…Ob. cit., p. 197 e ss, v. também., SOVERAL
MARTINS, “Da personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV (coord.de
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Podemos então definir a desconsideração da personalidade colectiva das


sociedades como a derrogação ou não observância da autonomia jurídica subjectiva
e/ou patrimonial das sociedades em face dos respectivos sócios.142Outra definição
segundo Pedro Cordeiro: Entendemos por desconsideração o desrespeito pelo princípio
da separação entre pessoa colectiva e os seus membros ou, dito de outro modo,
desconsiderar significa derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e
aqueles que por detrás dela actuam.143
Tal desconsideração legitimar-se á através do recurso a operadores jurídicos
como, nomeadamente (e consoante os casos), a interpretação teleológica de disposições
legais e negociais e o abuso de direito-apoiados por uma concepção substancialista da
personalidade colectiva (não absolutizadora do “princípio da separação”). É, assim, uma
construção metódica constituída por dois pilares principais (o abuso do direito e a
interpretação teleológica),mais ou menos tradicionais, e uma base (menos tradicional e
enraizada) que os apoia e potencia-a concepção substancialista, não formalista nem
absolutizadora da personalidade colectiva (não há fronteira intransponível entre
sociedade e sócio.144
Para concretizar de modo sistemático o método da desconsideração da
personalidade jurídica, convém distinguir dois “grupos de casos”: o grupo de casos de
imputação – determinados conhecimentos, qualidades ou comportamentos de sócios são
referidos ou imputados à sociedade e vice-versa- e o grupo dos casos de
responsabilidade – a regra da responsabilidade limitada (ou da não responsabilidade por
dívidas sociais) que beneficia certos sócios (de sociedades por quotas e anónimas,
nomeadamente) é quebrada.145
Se além da perspectiva substancialista da personalidade colectiva, o operador
interpretação teleológica domina no grupo de casos de imputação, já no grupo de casos
de responsabilidade é dominante o abuso do direito: os sócios perdem o benefício da

Coutinho de Abreu), Estudos de Direito das Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra,2010; 10ª ed.,2010,
p.105-110.
142
COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob.cit.,177
143
V. PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração…..Ob. cit., p. 19. As duas definições apresentadas não
são inconciliáveis.
144
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 178, num sentido contrário MEZEZES CORDEIRO,
Do levantamento da Personalidade Colectiva. Direito e Justiça. 0671-0376-vol 4, 1989/90, p. 147-161,
especificamente na p. 159, entende que a concretização da figura do “levantamento”, quanto a nós
desconsideração de corre de dois factores a saber:
- o alcance atribuído ao princípio da boa fé;
- o regime legal vigente quanto as sociedades unipessoais.
145
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 178.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

“responsabilidade limitada”, respondendo perante os credores sociais, quando utilizem o


“instituto” sociedade - pessoa colectiva (em princípio com autonomia patrimonial
perfeita) não (ou não tanto) para satisfazer interesses de que ele é instrumento, mas para
desrespeitar interesses dos credores da sociedade; ou, em formulação mais próxima do
artigo 334º do CCiv., quando excedem os limites impostos pelo fim social ou
económico do direito de constituir e fazer funcionar (ou não) sociedade.146
Não é possível elaborar um catálogo de fenómenos, situações ou problemas em
que a prática do levantamento do véu da personalidade jurídica pode constituir
instrumento adequado ou incluso necessário para a obtenção de soluções ajustadas a
justiça material, enquanto fundadas na exacta valorização dos interesses que realmente
se encontram em jogo em cada caso; o que significa despir a pessoa jurídica de sua
vestimenta formal para comprovar quem são os que estão por detrás da vestidura, que é
o mesmo que ignorar os seus fundamentos jurídicos como se não existisse a pessoa
jurídica. Isto desde logo, naquelas hipóteses em que o intérprete do Direito elege a
apreciação de que a pessoa jurídica foi constituída com o propósito de fraude ou da lei
ou aos interesses de terceiros, ou quando-não como objectivo, senão como resultado a
utilização da cobertura formal em que a pessoa jurídica consiste conduz aos mesmos
efeitos defraudatórios.147
Não obstante, a doutrina tem ensaiado variadas enumerações de por assim dizer,
casos tipo em que a formula do levantamento do véu encontra mais justificada e
razoável aplicação.148
De LA CÁMARA, por exemplo, cita as situações aplicações concretas do
levantamento do véu: em primeiro lugar, casos em que se simula a constituição de uma
sociedade para iludir o cumprimento de um contrato, burlar os direitos de terceiro ou
eludir a lei; em segundo lugar, casos em que tendo sido suscitado o problema, se usa
uma solução da “ratio” da personalidade jurídica, ou seja o violador invoca a
personalidade jurídica da sociedade para se defenderem.149

146
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 178.
147
V. RICARDO DE ANGEL YAGUEZ, La doctrina de “Levantamiento del velo” de la persona
jurídica en la jurisprudência, 4ª ed., Editora Civitas, Madrid,1997, p. 55. Não é fácil perceber apriori (no
momento da constituição ou logo depois) que y sociedade foi constituída com interesses “fraudulentos”,
essa percepção decorre de interpretações submetidas ao comportamento do (s) sócio (s) quando estão em
causa direitos de terceiros. Os casos que conduzem a desconsideração que têm sido apontados, são o
desenvolvimento do estudo feito por ROLF SERICK, percursor da doutrina da desconsideração.
148
V. RICARDO DE ANGEL YAGUEZ, La doctrina…Ob. cit., p. 55; v. considerações tomadas na nota
anterior sobre o rol de destacados casos conducentes a desconsideração.
149
Idem.,v. RICARDO DE ANGEL YAGUEZ, La doctrina…Ob. cit., p. 55; esta construção não foge da
apresentada por COUTINHO DE ABREU, (casos de imputação e casos de responsabilidade).
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

5.1 Casos de imputação e responsabilidade. 150-151-152-153


COUTINHO DE ABREU, na senda da elaboração teórica dos pressupostos que
conduzem a desconsideração da personalidade jurídica, apresenta e, como pioneiro
nesta construção em Portugal, dois grupos de casos, os de imputação e os de
responsabilidade, com um leque de exemplos para cada grupo de casos. MENEZES
CORDEIRO154, por seu turno, que também alinha no sentido da aplicação da
desconsideração, optando pela terminologia “levantamento”, partindo dos casos
elencados por HERBERT WIEDEMANN, apresenta como sendo casos para a
ocorrência da figura que aqui nos ocupa um conjunto de situações que ao nosso ver só
se afastam dos indicados por COUTINHO DE ABREU na formulação linguística,
sendo de resto salvo o caso do atentado a terceiros), reconduzível àquela construção.
São os seguintes os casos155:
- a confusão de esferas jurídicas;
- subcapitalização;
- o atentado a terceiros;
- o abuso do instituto.

4.2. Notas finais.


Ainda segundo COUTINHO DE ABREU: “Como resulta da própria
designação, a problemática da desconsideração é habitualmente referida à
personalidade jurídica. Todavia, vimos que sociedades sem personalidade jurídica têm

150
Os casos de imputação para efeitos deste estudo, ocorrem quando determinados conhecimentos,
qualidades ou comportamentos de sócios são referidos ou imputados à sociedade e vice- versa, segundo
COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 179, apresenta de forma detalhada estes casos com
exemplos bastante elucidativos.
151
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., pp. 179-180, v. art. 5 do CSC em comentário, Ob.cit.,
AAVV, coord por COUTINHO DE ABREU, pp. 101-102, cit., COUTINHO DE ABREU, Da
Empresarialidade…pp. 342,ss, cit., Acórdão da RP de 17/2/2000,CJ,2000,,I, cit., Acórdão da RP da
13/5/93,CJ,1993,III,p. 199.
152
V. PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração…Ob. cit., pp. 23-24; Sob a epígrafe COLOCAÇÃO DO
PROBLEMA, apresenta em alíneas, a) à u) um conjunto diversificado de situações de imputação algumas
coincidentes com os casos de imputação apresentados por COUTINHO DE ABREU, no seu curso…..ob.
cit., pp. 179 e ss.
153
Os casos de responsabilidade, ocorrem quando a regra de responsabilidade limitada ou da não
responsabilidade é quebrada para serem chamados os sócios de uma sociedade por quotas ou anónima, (
descapitalização provocada por sócios, mistura de patrimónios, subcapitalização material manifesta) v.
COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 178, bem desenvolvido.
154
MENEZES CORDEIRO. Do levantamento da Personalidade Colectiva. Direito e Justiça. 0671-0376,
vol. 4, 1989/ 90. p. 147-161.
155
MENEZES CORDEIRO. Do levantamento…ob. cit., p. 155.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

também subjectividades jurídica. Pois bem, todos ou quase todos os exemplos de


desconsideração da personalidade apontados podem igualmente ser referidos a
sociedades não personalizadas. Há lugar também, portanto, para a” desconsideração
da subjectividade jurídica.
Apesar das críticas de que vem sendo alvo (défices “dogmáticos”, de nitidez,
certeza e segurança, etc.), a figura da desconsideração da personalidade colectiva (e
da subjectividade jurídica) revela-se muito capaz de contrariar algumas disfunções das
sociedades perpetradas por sócios.”156

6. A desconsideração no Direito Português157-158.


Em Portugal a matéria da “desconsideração da personalidade jurídica despoletou
na década de 60, com os casos, […..] “Handy-Angle Portuguesa-Cantoneiros Metálicas,
Lda.” A Jorge Valentim de Almeida e sua mulher e a sociedade “Joaquim Valentim &
Filhos, Lda. Em suma, em 1964 os […] sócios vêm-se a desentender-se e dividem-se
em dois grupos: de um lado Jorge Valentim de Almeida e a sociedade inglesa, do outro
Manuel Homem de Melo e Nelson Albuqerque reis. Daí que, no sentido de pôr cobro a
tal situação venham estabelecer um acordo (em Julho de 1964) nos seguintes moldes:
Jorge Valentim de Almeida e a sociedade inglesa cederiam as suas quotas aos outros

156
V.COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., pp. 176-187; Fica deste modo clara a posição do citado
Prof, que é favorável a desconsideração, optamos em grande medida pela sua abordagem por ser a mais
seguida na Universidade de Coimbra e muito referenciada na doutrina portuguesa, sendo a ele atribuído o
mérito da reactivação do estudo da desconsideração da personalidade colectiva, v. a este propósito, a
anotação seguinte, v. também outras posições em OKSANDRO GONÇALVES,…A Disregard
docrtine...Ob. cit., p. 164; JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade…Ob. cit., pp. 293-294
157
Este título extraímos da obra considerada primeira a dar tratamento esta matéria em Portugal, PEDRO
CORDEIRO, A Desconsideração…Ob. cit., pp. 37-52, segundo FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…….Ob.
cit., p. 306 ” [….] Entretanto, PEDRO CORDEIRO publicou, em 1989, a primeira monografia nacional
sobre o tema, o estudo A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais; a
mesma autora na sua tese destaca o papel do Professor COUTINHO DE ABREU na abordagem
doutrinária deste “instituto” ao dizer que: Deve-se a COUTINHO DE ABREU, em obra de 1983, o
regresso a questão da “desconsideração da personalidade colectiva”, que o autor apresenta como
consequência de uma ideia “substancialista”, não absolutizadora” da personalidade jurídica-só assim se
explicará a possibilidade de “tomar em conta o substrato pessoal e /ou patrimonial” da sociedade, o que
permitirá tanto “levantar o véu” da personalidade (“tratando como transparente” essa personalidade
jurídica da pessoa colectiva) como derrogar o “princípio da separação, v. FÁTIMA RIBEIRO, A
Tutela…..Ob. cit., p. 305, cit., COUTINHO DE ABREU, Do Abuso do direito…cit.,pp. 105 e ss. Na tese
de FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob.cit., a matéria da desconsideração no Direito Português vem
desenvolvida nas páginas 299-347.
158
Curiosamente, MENEZES CORDEIRO, Do levantamento…ob. cit., p. 151, anotação 21, atribui a
posição de pioneiro no uso do termo “ desconsideração “ na doutrina portuguesa ao Professor
OLIVEIRA ASCENSÃO, nas seguintes palavras: “…a doutrina portuguesa pioneira-assim, OLIVEIRA
ASCENSÃO, Lições de Direito Comercial-vol.I-Parte Geral ( 1986/87), utiliza o termo
“Desconsideração” da personalidade;…”, o que contrasta com a ideia da abordagem doutrinária da
desconsideração ter sido retomada pelo Professor COUTINHO DE ABREU em 1983, v. anotação
anterior, 80, supra.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

dois sócios pelo preço de 300.00$00 cada uma (abandonando deste modo a sociedade);
manter-se ia o acordo entre a sociedade inglesa e a portuguesa para a fabricação dos
produtos por aquela licenciados […..] e, para além de outras cláusulas especiais, os
quatro sócios primitivos comprometiam-se a “não fabricar um produto similar no
território português “enquanto perdurasse a vigência do acordo entre as duas Handy-
Angle.
Saindo da sociedade Jorge Valentim de Almeida dedica-se por completo à
sociedade “Joaquim Valentim de Almeida & Filhos, Lda.”, fundada por seu pai e, a
partir de Março de 1965, vem a ficar com 95%do capital social, enquanto os restantes
5% são pertença de sua mulher-D.Lidia Valente de Almeida-com quem se acha casado
em regime de comunhão geral de bens. A sociedade começa a comercializar produtos
idênticos aos da Handy-Angle e daí a acção intentada por esta com fundamento na
violação do compromisso assumido em Julho de 1964. Jorge defendeu-se, sustentando é
a sociedade-pessoa jurídica distinta, que não celebrou qualquer acordo – e não ele, que
está a fabricar e a comercializar tais produtos159.
Sobre este caso foram elaborados dois pareceres por renomados jurisconsultos
da época, nomeadamente, o Professor ANTUNES VARELA e FERRER CORREIA,
que embora tenham partido de pressupostos diferentes chegaram a conclusões
condizentes com a “desconsideração”160. O referido caso acabou sendo resolvido
extrajudicialmente.161
Um segundo caso destacado, em que foi invocada a “desconsideração”, pelos
respectivos Autores (Álvaro e Ilídio e respectivas esposas) na petição inicial, foi o do
ARSOPI-Industrias Metalurgicas Arlindo S. Pinho, Lda. Submetido o caso à apreciação
do Professor GALVÃO TELES, que para o efeito estudou as obras de SERICK e
VERRUCOLI, concluiu pela não aplicação da “desconsideração” por entender que não
estavam reunidos os pressupostos para a sua aplicação.162-163
A ordem jurídica portuguesa, não adoptou uma disposição legal concreta, que

159
V.PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração…Ob. cit., pp. 37-39.
160
V.PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração …Ob. cit., pp. 37-39.
161
Idem.,p. 39, nota 34, “O litígio que deu origem aos pareceres dos Profs. ANTUNES VARELA E
FERRER CORREIA, acabou por ser resolvido por acordo das partes, não dando, pois, lugar a qualquer
decisão judicial”.
162
Para detalhes dos factos relativos a este caso, v. PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração…Ob. cit.,
p. 41.
163
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 300-301, no mesmo sentido PEDRO CORDEIRO, A
Desconsideração…Ob. cit., p. 44.
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expressamente estabelece a admissibilidade da figura da “desconsideração”164. Porém


há disposições no CSC, que transparecem soluções desconsiderantes como são os casos
dos artigos 84º, 501º e 502º 165, 180º n. 4, 254º n.3, e 477º também do CSC166. O artigo
78º do CSC, não fica de parte quanto as soluções desconsiderantes em relação aos
sócios gerentes.167-168
Em matéria de Direito comparado, Moçambique adoptou de forma clara e
expressa a figura da “desconsideração da personalidade jurídica” como se vê no artigo
87º do seu recente Código Comercial que dispõe sob a epígrafe (Desconsideração da
personalidade jurídica). Será desconsiderada a personalidade jurídica da sociedade e
responsabilizados os sócios, quando agirem culposa ou dolosamente, nos seguintes
casos: a) a sociedade for utilizada como instrumento de fraude e abuso de poder
económico; b) ocorrendo violação dos direitos essenciais do consumidor e do meio
ambiente; c) em qualquer hipótese em que a personalidade jurídica for usada visando
prejudicar os interesses do sócio, do trabalhador da sociedade, de terceiros do Estado
ou da comunidade onde actue a sociedade; d) na hipótese de falência da sociedade do
mesmo grupo de sociedades quando definidos em legislação especial.169

164
ARMANDO MANUEL TRUNFANTE e LUÍS DE LEMOS TRUNFANTE, “A Desconsideração da
personalidade jurídica-Sinopse doutrinária e jurisprudencial” in Julgar, 2009, p. 131.
165
V.PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração…Ob. cit., p. 51.
166
V.COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 177.
167
V. COUTINHO DE ABREU, Diálogos com a jurisprudência, II-Responsabilidade dos
Administradores para com os credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica, Direito das
Sociedades em Revista (DSR), Almedina, Coimbra, 2010, pp. 52e53. “ Para serem ressarcidos, os
credores sociais recorrem frequentemente e indiscriminadamente à responsabilidade dos sócios gerentes
pela via do art. 78º, 1, do CSC e pela via da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades.
São caminhos diferentes e alternativos. Sujeitos responsáveis, segundo o art.78º, 1, são os gerentes (de
direito ou de facto), sejam sócios ou não-sócios; os sócios- gerentes respondem para com os credores
sociais-verificados os pressupostos daquele preceito-enquanto gerentes (no exercício de funções de gestão
e/ou representação), não enquanto sócios. Pela desconsideração da personalidade jurídica, somente sócios
(enquanto tais) são atingidos, não gerentes; o sócio gerente é responsabilizado por ser sócio, não por ser
gerente. Estando em causa comportamentos dos gerentes (-sócios) que entrem no campo de aplicação do
art.78º,1,há que ir por aqui, não pela desconsideração da personalidade jurídica. Estando em causa certos
comportamentos dos sócios (-gerentes)-enquanto sócios-,poderá ir-se pela desconsideração da
personalidade colectiva.” Assim, no entender de COUTINHO DE ABREU, O n. 1 do artigo 78º do CSC
não se aplica a desconsideração da personalidade jurídica.
168
MENEZES CORDEIRO, Do levantamento…ob. cit., p. 159, diz que: “A aplicação da figura do
levantamento da personalidade colectiva em Portugal não oferece dificuldades.” Esta posição é
completamente contrária a dos diversos acórdãos em Portugal sobre a matéria.
169
A formulação do artigo 87º do Código Comercial moçambicano, que pela primeira vez introduz a
figura da desconsideração da personalidade jurídica, mostra-se distante dos pressupostos teóricos
doutrinários relativos a esta figura, pelo menos nos aspectos que têm sido geralmente estudados sobre a
matéria. Por ex., ao referir –se ao abuso do poder económico, não fica suficientemente claro em que
consiste este abuso, a menção aos direitos do meio ambiente, são de entre outros, aspectos que suscitam
sérias interrogações. Por outro lado, Moçambique ainda não possui uma legislação especial sobre grupos
de sociedades. As revisões dos diferentes diplomas legais na nossa ordem jurídica, devem também
obedecer critérios científicos rigorosos.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

A ordem jurídica moçambicana, parece ter posto em hasta pública a


personalidade jurídica das sociedades, ao permitir um vasto leque de hipóteses que
permitem o uso desta acção. Será esta a melhor solução?
No que concerne a jurisprudência em Portugal, a maior parte dos acórdãos em
que foi suscitada a questão da desconsideração, optou por soluções extraídas do Direito
da Sociedade em conjugação com o Direito Civil.170
Ao que tudo indica, a “desconsideração da personalidade jurídica” como tal, não
tem ganho suficientes aplausos para a sua afirmação em Portugal.

III. CONCLUSÃO: ALGUNS PROBLEMAS DA DESCONSIDERAÇÃO


DA PERSONALIDADE JURÍDICA
1. A “desconsideração da personalidade jurídica”, não parece ser um instituto
jurídico como tal, pois, para além de não ter consistência teórico-doutrinária, não tem
sido comumente aplicada na jurisprudência. Um instituto jurídico deve por regra ter
bases teórico-doutrinária robusta, isto é, de pouco abalo, e deve ser útil no campo da
aplicação do Direito sem grandes reservas171.
2. Representa um grande risco a iniciativa empresarial por meio de uma
sociedade comercial, na medida em que, desvalorizando-se, ou ao se considerar como
relativa a “personalidade jurídica”, aumentará o receio às entradas na vida empresarial,
uma vez que fica sempre exposto o património pessoal do(s) sócio(s) perante os
credores sociais. Ao ser instituída a figura da personalidade jurídica das sociedades,
tinha-se como principal objectivo incentivar a actividade empresarial
(empreendedorismo), evitando-se com isso, o risco do património pessoal face às
obrigações empresariais.
3. Pode-se questionar a quem efectivamente atinge a desconsideração, apenas
ao(s) sócio (s) culpado(s)? administradores, sócios controladores ou a todo e qualquer
sócio?
4. Nas sociedades em que a dinâmica de entrada e saída de sócios é maior, onde
se pode verificar o fenómeno da (multiplicidade e variedade de sócios), como atingir o
património dos sócios que acabam de entrar ou sair?

170
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 311-326, tb., COUTINHO DE ABREU, Dialogo com
a jurisprudência…Ob. cit., pp. 49-52.
171
COUTINHO DE ABREU, Curso…..Ob. cit., p. 187, defende uma posição contrária ao dizer “Apesar
das críticas de que vem sendo alvo (défices “dogmáticos”, de nitidez, certeza e segurança, etc.) a figura da
desconsideração da personalidade colectiva (e da subjectividade jurídica) revela-se muito capaz de
contrariar algumas disfunções das sociedades perpetradas por sócios”.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

5. Em termos processuais, levanta-se a questão de saber, com que tipo de


processo se pede a desconsideração? Acção declarativa ou executiva? Ou seria um
incidente da instância? Ou então seria um processo especial?
6. Não se entende porquê desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, se
existem normas a nível do Direito das Sociedades e do Direito Civil que solucionam
problemas de actuação fraudulenta ou abusiva do Direito, de qualquer pessoa
independentemente de ser ou não sócio, bem como normas que responsabilizam a
sociedade perante os credores.
7. A jurisprudência portuguesa inclina-se mais a usar a figura do “abuso do
direito”, nos casos em que se levantam aspectos da doutrina da desconsideração.
8. O problema não é da personalidade jurídica da sociedade mas do “património
que está na sua titularidade”, o comportamento humano de “esconder-se atrás dela ou
usá-la para propósitos diferentes daqueles para os quais a lei permite a sua
constituição”, “uso do véu da personalidade jurídica”. Portanto a sociedade é criada e
usada, ela própria nunca usa, não actua por si e para si.
9. Numa sociedade complexa ou constituída por vários sócios que sejam
(sociedades comerciais), seria necessário levantar “vários véus” para se atingirem as
pessoas em causa e isto sem dúvidas, implicaria longas marchas processuais a nível dos
tribunais com os necessários custos inerentes a essas várias desconsiderações.
10. Parece-nos que o problema da desconsideração está relacionado com o da
“legitimidade passiva”, instituto do Direito Processual Civil, que devia ser mais
aprofundado e alargado a luz do abuso do direito ou “institucional”172 da pessoa
colectiva, de modo a enfraquecer o seu uso como excepção dilatória.
11. Tal como os antecessores deste estudo, a desconsideração, “desconsidera” a
teoria da personalidade jurídica ou no mínimo, enfraquece a sua consistência e eficácia.
12. De acordo com ENGRÁCIA ANTUNES, Os grupos de sociedades-estrutura
e organização jurídica da empresa plurissocietária, 2ª ed., revista e actualizada,
Almedina Coimbra,2002, p. 559, os grupos de sociedades constituem um dos “terrenos
de eleição” da desconsideração. Consegue-se deste modo, a “imputação à sociedade-
mãe da responsabilidade pelas consequências de actos ou omissões que, conquanto
formalmente praticados pelas sociedade-filhas, sejam imputáveis ao controlo material

172
Terminologia preferida por COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 183.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

daquela sociedade.”173
13. A desconsideração da personalidade jurídica, aplicada às sociedades
comerciais de tipo tradicional174 (ex. por quotas), em que os sócios são apenas pessoas
físicas, deixa na insegurança total o património não societário ou pessoal do (s) sócio
(s), inclusive as suas “relíquias”.
14. O lançamento da “desconsideração”, primeiro pela jurisprudência seguido da
doutrina e acolhida mais tarde por algumas legislações, transparece a velha ideia
iluminista de que o homem é o centro de todas as coisas, ele é que é, efectivamente o
sujeito de direitos e obrigações. É igualmente, um claro reconhecimento à teoria
ficcionista da personalidade jurídica (a pessoa jurídica é uma simples ficção).
15. A doutrina da “desconsideração da personalidade jurídica” tem como um dos
grandes méritos o reexame do instituto da personalidade jurídica com vista a sua
reafirmação ou não (absolutização ou não).
16. Em última análise alinhamos com a ideia de que o que se deve fazer não é
“desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade comercial” como tal, mas derrogar
o princípio da separação do património, partindo da formulação jurisprudencial […..]
derrogar o princípio da separação entre o ente societário175 e as pessoas que em nome
e em representação del[e]actuem.176

4.6. Tipos doutrinários de sociedades comerciais: As sociedades de


pessoas e de capitais

173
Autora citada por, ARMANDO MANUEL TRUNFANTE e LUÍS DE LEMOS TRUNFANTE, “A
Desconsideração da personalidade jurídica-Sinopse doutrinária e jurisprudencial” in Julgar, 2009, p.
137.
174
Ao nos referirmos a sociedades de tipo tradicional, temos em vista a concepção inicial, sociedades
simples, constituídas apenas por pessoas físicas, em contraposição ao cenário dos dias de hoje, em que
temos sociedades coligadas (num complexo de relações jurídicas) conforme art.481º e ss do CSC. O
problema da desconsideração não se levanta com relação as sociedades em nome colectivo pelo seu
regime jurídico natural, v. art.175º /1 do CSC.
175
Derrogação não do princípio da separação da personalidade jurídica dos sócios face a sociedade, mas
dos patrimónios, onde vem “separação entre o ente societário”, seria ” separação entre o património
societário". A solução passaria por levantar o véu da separação do património e não da personalidade
jurídica como tal. A personalidade jurídica das sociedades não está necessariamente ligada ao seu
património de uma forma geral, mas ao seu capital social, v. als.f,g e h) do art.9º conjugado com o art.5º ,
todos do CSC. Por isso faz todo o sentido derrogar o princípio da separação do património dos sócios e
da sociedade sem pôr em causa a personalidade desta, salvo se for tocado o capital social. Aliás parece ser
esta a posição do Prof. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 176, ao definir a desconsideração
da personalidade jurídica colectiva das sociedades como a “derrogação ou não observância da autonomia
jurídico-subjectiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respectivos sócios”.
176
V. COUTINHO DE ABREU, Diálogos com a jurisprudência…..ob. cit., p. 51, cit. Ac. da RP de
15/10/01.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

Dos tipos legais de sociedades comerciais previstos no respectivo código,


como já vimos, a doutrina ao estuda-las, extrai características que fazem
ressaltar a prevalência de elementos pessoais ou patrimoniais-capitalistas
tamb’em se dizem. Este entendimento faz surgir duas primeiras tipoligias
doutrinarias de sociedades comerciais a que se chamam de: sociedades de
pessoas e sociedades de capitais177.
De acordo com COUTINHO DE ABREU178 as sociedades de
pessoas são em grande medida dependentes das pessoas dos sócios, o intuto
personae é vital. Deste modo, são suas principais características: a
responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais; a impossibilidade ou
dificuldade de os sócios mudarem; a transmissão das participações sociais
exige o consentimento dos sócios; o grande peso dos sócios nas
deliberações sociais e na gestão das sociedades; em regra a cada sócio,
independentemente do valor da respectiva participação, pertence um voto;
várias deliberações de mudança significativa dos estatutos sociais devem em
regra ser tomadas por unanimidade; todos os sócios são normalmente
membros do órgão de administração; a firma social normalmente contém
os nome dos sócios; o dever de os sócios não concorrerem nem com as
respectivas sociedades, salvo consentimento de todos os outros sócios; o
direito alargado de cada sócio ter direito a informação da vida da sociedade.
O modelo mais emblemático deste tipo de sociedade, é a sociedade em nome
colectivo.
Ainda segundo COUTINHO DE ABREU179 as sociedades de
capitais caracterizam-se principalmente nas contribuições em bens dos
sócios, a individualidade deles e a sua participação na vida da sociedade é
menos expressiva ou pouco contam. Aliado a este aspecto, os sócios não
são responsáveis pelas dívidas sociais; os sócios são facilmente substituídos,
livre transmissão e penhorabilidade das participações sociais; o peso dos
sócios nas deliberações sociais e na gestão das sociedades é determinado
pelas respectivas participações de capital; os votos são atribuídos em função
do valor das participações; as deliberações são sempre tomadas em função

177
V. Por todos (com a epígrafe Tipos doutrinários societários), desenvolvidamente, COUTINHO DE
ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. II, 4ª Ed., Almedina, 2011, pp. 67-72.
178
Últ ob. cit., p. 67.
179
Últ. ob. cit., p. 68.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO

do princípio da maioria; a maioria capitalistica determina a composição dos


órgãos de administração, que podem ter membros não sócios; a firma social
não tem de ter qualquer nome ou firma dos sócios, normalmente é firma
denominação; os sócios não administradores podem concorrer com as
respectivas sociedades; o direito a informação nalgumas das suas
modalidades não é atribuída a todos os sócios mas apenas a quem possuir
participações de certo montante. O exemplo mais nítido deste tipo de
sociedades é a sociedade anónima.
A classificação doutrinária de sociedades de pessoas e sociedades de
capitais dificilmente se encaixa nos restantes tipos societários vigentes à luz
do nosso Código Comercial, isto é: sociedades de capital e industria, em
comandita (simples e por acções), em virtude de essas sociedades terem na
sua extrutura constitutiva e orgânica elementos pessoais e patrimoniais180.
As sociedades em comandita simples ou por acções ao serem
constituídas por um lado por sócios comanditados, isto é, que se
responsabilizam perante os credores da sociedade nos mesmos termos que
o fazem os sócios das sociedades em nome colectivo, v. artigos 271º- 276º e
por outro lado por sócios comanditários que respondem apenas pela
realização da sua participação de capital, v. número 2 do artigo 270º, todos
do Código comercial, evidenciam a tal natureza mista de que nis referimos
há pouco. O mesmo sucede em relação as sociedades de capital e industria
que possuem: sócios que contribuem para a formação do capital com
dinheiro, créditos ou outros bens materiais e que limitam a sua
responsabilidade ao valor da contribuição com que subscreveram para o
capital social (sócios capitalistas) e sócios que não contribuem para o
mesmo capital, mas apenas ingressam na sociedade com o seu trabalho e
estão isentos de qualquer responsabilidade pelas dívidas sociais (sócios de
indústria), v. artigo 278º do Código comercial. Aqui se vê com suficiente
nitidez a presença do elemento pessoal, ao permitir este tipo societário, a
entrada na sociedade de pessoas cuja contribuição é apenas o saber fazer,
algo intrinsecamente ligago ou inerente a pessoa. Nas sociedade por quotas,
por exemplo, o facto de os sócios serem solidariamente responsáveis pela
realização do capital social aliada a possibilidade de se puder constituir uma

180
V. Neste sentido COUTINHO DE ABREU, últ. ob. cit., pp. 68-70.
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sociedade entre cônjuges, v. artigos 283º e 284º do Código comercial,


evidencia a natureza pessoal deste tipo de sociedade. A responsabilidade
exlusiva do património da sociedade pelas dívidas sociais, artigo 286º, a
imposição do capital mínimo, artigo 289º, a não admissibilidade de sócios
de indístria, artigo 290º, denotam a vertente capitalistica nas sociedades por
quotas.
No entanto, há autores que diversamente classificam as sociedades
por quotas, entendendo uns ser de pessoas outros de capitais. Essa
divergência mostra que este tipo societário é de facto híbrido ou de
classificação duvidosa.
De todos os modos, não deve haver rigidez na classificação
doutrinária dos tipos societários, pois, em cada um dos tipos, há em maior
ou menor grau elementos pessoais e patrimoniais ou capitalisticos181.

4.7. A empresa em nome individual


A empresa pode também ser em nome individual, quando é criada e gerida
por uma única pessoa, normalmente física. Tem como elementos básicos: a
pessoa singular (comerciante)182 e o seu estabelecimento. A junção
cumulativa destes elementos resulta na empresa em nome individual que só
pode operar se o respectivo proprietário não estiver impedido por lei
especial, nos termos em que dispõe a alínea b) do artigo 14º do Código
comercial183.
O nosso Código comercial não se pronunciou expressamente sobre
o conceito de empresa em nome individual, contudo, oferece-nos elemntos
em certas disposições legais que nos permitem estudar a figura. A título de
exemplo estas disposições são: a alínea a) do artigo 2º do Código comercial
que a par das pessoas colectivas e sociedades comerciais, define (à partida)
as pessoas singulares como sendo empresarias comerciais. O mesmo
pensamento é retomado no artigo 9º do Código comercial. Por seu turno, o
artigo 28º do Código comercial se reporta a firma do empresário comercial,
pessoa singular cuja abreviatura é EI.

181
Idem, desenvolvidamente no mesmo sentido COUTINHO DE ABREU, últ. ob. cit., pp. 68-72.
182
Sobre o comerciante pessoa singular, por todos, v. detalhadamente MENEZES CORDEIRO ob. cit.,
pp. 229-237.
183
Sobre proibições, incompatibilidades, inibições e impedimentos do exercício da actividade comercial
(empresarial) v. tb. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 235-237.
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A propósito das empresas em nome individual, uma questão é


incontornável, a de saber qual a sua personalidade jurídica. A resposta
parece fácil. A personalidade jurídica das empresas em nome individual é a
dos respectivos proprietários e é aferida nos termos da lei civil. Isto
significa que, a capacidade jurídica de gozo e de exercício de que desfruta o
proprietário é a mesma que serve de base para o reconhecimento e
funcionamento da empresa. Sendo por isso (embora a nossa lei não o diga
expressamente) ilimitada a responsabilidade do proprietário face aos
credores da empresa, uma vez que tanto o património não empresarial
como o empresarial (do estabelecimento comercial) comunicam-se na
pessoa do proprietário facto que deixa o empresário em nome individual
numa clara vulnerabilidade face aos seus credores. No Direito Portiguês foi
encontrada uma solução para esta “vulnerabilidade” no sentido de falta de
protecção do empresário em nome individual, através da introdução pelo
Decreto- Lei 248/86 da figura do Estabelecimento Individual de
Responsabilidade Limitada, abreviadamente E.I.R.L, só para a área
meramente comercial. Esta figura trouxe a limitação da responsabilidade do
empresário individual decorrente do exercício da sua actividade, ao
estabelecimento comercial, não sendo portanto, chamado o património não
empresarial. É uma solução que parece minimizar a pertinência das
sociedades por quotas unipessoal (v. artigo 328º a 330º do Código
comercial), isto porque neste tipo de sociedade comercial, na prática, o
sócio único é circunstancialmente arrastado a ser jogador e árbitro ao
mesmo tempo.
Vê-se deste modo a afinidade entre empresa em nome individual,
estabelecimento individual de responsabilidade limitada e sociedade por
quotas unipessoal. Contudo, nos dois primeiros casos a personalidade
jurídica é apenas do proprietário, os respectivos estabelecimentos não têm
quaisquer direitos e obrigações. Sendo no E.I.R.L apenas este responsável
pelas dívidas resultantes do exercício da actividade comercial. Nas
sociedades por quotas há uma total distinção e separação da personalidade
jurídica quer do sócio, quer da sociedade como tal. Há também nas
sociedades por quotas unipessoal uma nítida limitação da responsabilidade
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do sócio pelas dívidas sociais. Portanto só nas empresas em nome


individual é que opera sem quartel a responsabilidade ilimitada.

4.8. As “bancas” e os “ambulantes”

As “bancas” e os vendedores “ambulantes” são realidade que existem no nosso campo


económico e se inserem no “mercado” a par das “sociedades comerciais” amplamente
estudadas no domínio do Direito Comercial, sendo por isso abundante a doutrina das
sociedades comerciais. O mesmo não acontece em relação as bancas e os vendedores
ambulantes que a meu ver e de muitos, ocupa uma maior fasquia no domínio do exercício
da actividade comercial praticada no nosso país e em muitos outros do continente africano
para não dizer em todos os países em vias de desenvolvimento. Infelizmente (não sei, se
pela natureza do segmento social da maior parte das pessoas que as praticam), tem sido
secundarizadas senão mesmo marginalizadas a sua contemplação nos estudos doutrinários
do Direito comercial. Como corolário flagrante da marginalização destas realidades
económicas, ficou cunhada entre nós a designação de “sector informal” aos que se
integram ou praticam o comércio através das bancas ou de forma ambulante.
Se considerarmos, a título de exemplo, as Posturas sobre: os Mercados;
Exposições, Feiras e Venda de Produtos em Recintos e Lugares Públicos; Vendedores
Ambulantes da Camara Municipal de Lorenço Marques (que parece ainda estarem em vigor
no Município de Maputo salvo erro), aprovadas a 26 de Maio de 1965 e publicada no
Boletim Oficial número 26, III Série, de 26 de Junho de 1965; 16 de Novembro de 1966 e
publicado no Boletim Oficial número 6, III Série, de 11 de Fevereiro de 1967 e 19 de
Setembro de 1973, publicado no Boletim Oficial número 122, II Série de 18 de Outubro de
1973, neles encontramos consagradas estas figuras.
Embora os diplomas legais que acabámos de apresentar não se refiram
taxativamente ao termo “banca”, mas sim “bancada”, como atesta o artigo 9 da Postura
sobre Mercados que diz: Nos mercados a venda pode fazer-se: a) em bancadas, fixas e móveis;
b) Em lugares com ou sem instalações especiais. Podemos deste modo entender que é desse
mesmo fio de pensamento que resultou o actual conceito de “banca”. Assim é que também
se fala em bancas fixas e bancas móveis184. Por seu turno, a Postura sobre Exposições,
Feiras e Venda de Produtos em Recintos e Lugares Públicos, apresenta uma série de
184
Já vi em alguns pontos do nosso país, escritas em bancas fixas a palavra BANCA FIXA, algo que se
traduz numa verdadeira redundância, uma vez que o imóvel a que se refere a designação é fixo.
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situações eventuais ou não permissivas a venda de produtos diversos no meio urbano. Os


ambulantes, têm inequívoco reconhecimento na respectiva Postura já citada que no seu
artigo artigo 1º estabelece: Todo áquele que pretende vender quaisquer género ou artigos,
ambulantemente ou em lugar fixo, na via pública ou lugar com ela confinante, é obrigado a munir-se da
respectiva licença, mediante requerimento onde seja claramente especificado o pedido e se pretende fazer a
venda só por si, por si e empregados seus, ou só pelos empregados.
A consagração em Posturas Camarárias específicas e ainda vigentes, das banca(das)
fixas e ou móveis bem como dos vendedores ambulantes, deve fazer-nos reflectir
seriamente se é correcto continuar a usar a designação de “informais” as actividades
comerciais realizadas nestes moldes.
A relevância que as bancas e os vendedores ambulantes têm no nosso dia-dia,
portanto, na nossa economia, aliado ao facto de estarem largamente regulados nas Posturas
camarárias, é uma oportunidade para se aprofundar o estudo destas realidades sócio-
económicas por forma a aperfeiçoa-las e ver como é que podem ser integradas nos
documentos micro e macro-económico.
Mas qual seria a natureza jurídica da banca e do vendedor ambulante? A banca
pode ser cotejada com o estabelecimento comercial, mas não possui mínimos elementos
para ser considerada como tal. Contudo, é sem dúvidas um simples meio material de
exercício do pequeno comércio por quem não pode ainda ser considerado comercante.
O vendedor ambulante é um pequeno comerciante dissuasor do mercado como espaço
físico. É verdade que o comércio electrónico também é dissuasor do mercado físico, mas
este perde a corrida face ao vendedor ambulante que tem em mão o produto ou serviço à
venda e pronto para a entrega no momento e local da transacção.

4.9. Sinais distintivos do comércio

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