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Licões de Direito Empresarial-Salomão Viagem18
Licões de Direito Empresarial-Salomão Viagem18
I. INTRODUÇÃO
II. NOÇÕES DE DIREITO
1. Natureza Social do Homem
2. Acepções do termo direito
3. O Direito e a ordenação social
4. Direito natural e Direito positivo
5. Ordens normativas
6. O Estado e o Direito
7. Fontes do Direito-Aspectos gerais
8. Fontes de Direito em Moçambique
9. Órgãos emanadores do Direito
10. O lugar privilegiado da lei e modos da sua formação
11. Desvalores do acto normativo
12. Invalidades jurídicas. Nulidade e anulabilidade
13. Interpretação e integração da lei
14. Cessação da vigência da lei
15. A pessoa em Direito
16. Relação jurídica
1
V. Por todos JOÃO CASTRO MENDES, Introdução ao Direito, Edição revista, Pedro Ferreira, Liboa,
1994, pp. 11-12.
2
Idem ob. cit. p. 12
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
-Comunicacionais,
- Afectivos,
- Económicos,
- Procriativos,
- Emocionais
- Competitivos
- Interajuda,
- Divisão do trabalho,
- Segurança,
- Religiosos,
- Educacionais,
- Troca de experiências etc3.
3
V. Num sentido próximo últ. ob. cit. p. 13.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
Estado para exercer o poder de coação chama-se ius imperi. Normas ordenadoras (da
vida social, política, cultural, religiosa, económica, administrativas (lato sensu) do
Estado) ocupam um lugar cimeiro e privilegiado na ordenação social. Para além destas
normas, temos as administrativas (stricto sensu), penais, de relações entre os Estados e
ou Organizações Internacionais, processuais e de procedimentos. A este conjunto de
normas úteis a sociedade mas que estão sob tutela do poder público, portanto Estado, a
doutrina chama de Direito Público.
4
Sobre esta matéria v. por todos Castro Mendes, ob. cit, pp. 178-181.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
ainda entre o ente público e privado, estando àquele despido da autoridade que o
caracteriza. Esta é a perspectiva do critério da posição dos sujeitos na relação.
Portanto, “São relações jurídicas de direito public aquelas em que intervêm
entidades munidas de autoridade pública, de jus imperii , designadamente o Estado; e
são normas de direito publico as que disciplinam estas relações. São relações jurídicas
de direito privado as que se estabelecem entre particulares, ou em que intervenham mas
despidos do seu imperium-, o Estado ou outra entidade que o possua; paralelamente, o
direito privado é formado pelas normas que disciplinam tais relações”5.
5
V. Castro Mendes, ob. cit., p. 180.
6
Idem. p. 181.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
7
Sobre as necessidades colectivas e a administração pública v. desenvolvidamente DIOGO FREITAS DE
AMARAL (FREITAS DE AMARAL), Curso de Direito Administrativo, 3ª ed., V. I, Almedina, 2000, pp.
25-29.
8
Idem., FREITAS DE AMARAL, Curso… ob. cit., p. 28.
9
V. MARCELO CAETANO, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, V. I, 6ª ed., Coimbra,
1970, pp. 143-148.
10
V. JOSÉ CASALTA NABAIS (CASALTA NABAIS), Direito Fiscal, 6a ed., Almedina 2011, p. 3.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
11
V. IBRAIMO IBRAIMO, O Direito e a Fiscalidade, ART C, 200, pp. 11-12.
12
V. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, ob. cit., p. 4.
13
V. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, ob. cit., p. 4.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
14
O Direito, Introdução e Teoria, ob. cit., pp. 169-216
15
Ob. cit., p. 668.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
Direito positivo seria o conjunto de normas criadas ou não pelo Estado através dos
órgãos competentes e postas a vigorar na ordem jurídica através de meios formais para o
efeito estabelecidos.
Vê-se assim que o Direito natural está presente na sociedade e no seio do Direito
positivo.
Parece que o núcleo central do Direito como um todo se encontra no Direito natural,
é ele que fornece a razão ao Homem para criação do Direito positive.
É caudalosa a discussão feita e ainda se faz sobre a primazia de um em relação ao
outro. Assim, há os que entendem como nós, que o Direito natural precede o Direito
positive, outros negam fervorosamente esta forma de ver e dizem que Direito é só
Direito positive, e é deste segundo entendimento que resulta a corrente juridico
filosófica denominada de posetivismo, encabeçada por Kant16. Para esta corrente só é
Direito o Direito positivo, escrito e formal, tudo o resto não é Direito. Os que assim
pensam, insurgem-se contra o Direito natural alegando que o mesmo é deveras abstracto
e não passivel de estudo no domínio científico.
Há também os que entendem (dualistas) que na sociedade coexistem duas
modalidades de Direito, o natural e o positivo, ideia que não é de todo de afastar. De
resto, há um Direito que inegávelmente só é positivo, por exemplo, o que visa a
aplicação do Direito vigente e aquele que tem como escôpo inibir a verificação de
violação de um Direito, seja ele natural ou positivo lato sensu. Mais concretamente
referimo-nos deste modo às normas processuais ou contravencionais. Uma norma que
apresenta os requisitos para a elaboração de uma peticão inicial só pode ser puramente
do Direito positive, idem para a norma que obriga o conductor a parar quando a luz do
semáforo está no vermelho.
O Direito natural possui um conjunto de normas (Leis naturais) não éticas que
“governam” e “favorecem” a própria natureza. À essas normas o homem nada pode
fazer para as contrariar. Pode às violar num determinado ponto do universe humano,
mas não o poderá fazer com certeza em todos. João pode destruir o enxame de abelhas
próximo da sua casa, mas não poderá acabar com todos os enxames que existem no
mundo. Portanto, a vida no reino animal, vegetal bem como as dinámicas no meio
inanimado, resultam da aplicação silenciosa e impessoal das leis naturais. Podemos
assim dizer que o Direito natural tem duas dimensões, a física (constituida pelas leis
16
V. Oliveira Ascensão, ob. cit., p. 184.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
naturais) e a ética (que fixam o dever ser). A dimensão física do Direito natural é a que
é movida pela ordem natural e não é passivel de ser violada porque necessária e de certo
modo fatal. A dimensão ética do Direito natural é constituida por normas que fixam o
dever ser independentemente da actividade legislativa.
Uma importante questão que se coloca é a de saber se o Direito natural é ou não
universal?17 A resposta nos parece puder ser positiva. As normas do Direito natural têm
um conteúdo nuclear conhecido e reconhecido no universe humano. A vida, o alimento,
a família, a liberdade, a integridade física, a vida em sociedade e suas instituições
fundamentais são, no nosso ver, alguns dos exemplos do Direito natural presentes em
todo universe humano.
Que dizer da relação Direito Natural Direito Positivo? O Segundo depende em
grande medida do primeiro na medida em que vai buscar as suas bases nele. Há quem
defende a ideia de que o Direito positivo confere tutela (protecção e garantia) ao Direito
natural. Não pensamos assim. Embora o Direito positivo exerça a tutela através da
imperatividade e coercibilidade, o Direito Natural de per si através da conciência da
pessoa violodora das suas normas, exerce o juizo intra psicológico. O violador da norma
do Direito natural é julgado e condenado pela sua própria consciência. Esta condenação
as vezes leva a auto flagelação e suicídio (lento ou expontâneo). Pelo que, o Direito
natural não depende do positivo para a sua afirmação como tal. Entendemos deste modo
que o Direito natural se auto tutela.
5 Ordens normativas
A sociedade é assitida por uma diversidade complexa de normas que quando
agrupadas segundo os fins a que se reportam formam diferentes ordens normas.
Fora das ordens técnicas18 que visam a obtenção de um certo resultado útil ao
homem, temos as seguintes ordens normativas: Ordem do trato social, ordem moral,
ordem religiosa e ordem juridica.
Ordem do trato social. É constituída por usos e convenções sociais assumidas de
forma tácita. As normas que constituem essa ordem e que geralmente não são escritas,
têm o seu domínio nas diferentes esferas da vida social tais como: cortesia-nas relações
sociais, moda, práticas profissionais, desportivas, comerciais. Cada sector da vida social
cria os seus próprios usos. Por exemplo, no desporto, quando um jogador em pleno
17
Idem, ob. cit., p. 213.
18
Para mais detalhes, v. Oliveira Ascensão, ob. cit., pp. 31-32.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
campo sem intensão deixa cair o outro, o uso nesse domínio obriga o autor da queda a
levantar o colega da equipa adversária, se o não fizer, é mal visto não só pela vítima
como também pelos espectadores em geral. Assim, a violação das normas de trato social
acarretam como consequência, a reprovação social e sanções inominadas.
A regra do trato social pode evoluir a norma juridica passando a ser assistida de
protecção coactiva. É o que sucede com a prática de os Advogados e magistrados
usarem togas quando em sessão de julgamento. O uso desse traje que inicialmente era
simples prática, está agora previsto nos intrumentos que regulam o exercício dessas
profissões, pelo que a sua omissão acarreta sanções jurídicas de caracter profissional.
Em última análise o trato social estabelece o estar num determinado momento e
lugar.
Ordem moral. É uma ordem de conduta que se destina a aperfeiçoar a pessoa
humana para o bem. É o individuo que é aperfeiçoado na sua forma de ser e estar e não
a sociedade como tal, embora as repercussões das normas de caracter moral se façam
sentir na sociedade de um modo geral. A sociedade e o Direito natural é que ditam o que
é moralmente correcto. Não é contudo de ignorar a existência de algumas variações em
matéria de normas morais as quais se verificam em função do meio social que se
observa. A sociedade ao emanar as suas normas de ordem éctica para os individuos nela
inseridos se conformarem com elas, espera receber dos seus membros uma resposta
comportamental adequada aos padrões ora difundidos. Pelo que, o nao cumprimento das
normas morais cuja finalidade como já dissemos é aperfeicoar o homem ao bem,
acarreta sancoes de natureza social. A pessoa achada violadora da norma é reprovada
socialmente.
Ordem juridica. É a ordem normativa constituida pelas normas criadas ou adoptadas
pelo Estado através dos órgãos competentes. É por esse motivo que essa ordem
normativa é chamada de juridica. Visa harmonizar a vida humana em sociedade, o bem
comum. É a ordem normativa relevante para o nosso estudo porque é nela que se
manifesta o Direito que se aplica na maior parte dos actuais Estados. Caracterizada
principalmente pela imperatividade e coercibilidade das suas normas porque, regra
geral, de cumprimento obrigatório e é através do uso da força imposto o seu
cumprimento pelas pessoas.
Em sede do estudo das ordens normativas, como já deve ter reparado, há zonas de
difícil distinção, uma vez que todas as ordens normativas estão ao serviço do Homem e
visam conduzi-lo ao bem ou ao bom convívio social. É neste âmbito que se discute a
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
distinção entre Direito e Moral. Alguns não vêem nenhuma diferença entre estas duas
ordens normativas, entendem que o Direito é uma parte mínima da moral (teoria do
mínimo ético) caracterizada por se revestir de valores éticos. A teoria do mínimo ético é
representada esquematicamente por dois eixos concentricos em que o Direito é indicado
no eixo minúsculo. Esta teoria não é digna de aplausos pois, na realidade, a moral lida
com aspectos do âmbito interno da pessoa humana, o Direito por sua vez, se ocupa de
exteriorizações comportamentais anti juridicos. Diferentemente do Direito, na moral
não há coercibilidade nem imperatividade. Nem todo o Direito é éctico, excepto no
domínio das normas criminais ou penais. Por estes argumentos, vê-se que a teoria do
mínimo ético não passa de uma mera referência em sede do estudo das ordens
normativas.
Ordem religiosa. Dizem ser constituida por “normas religiosas” que se destinam a
aperfeiçoar o homem e a estabelecer a relação entre o Homem e o seu Criador. Diz-se
também que o não cumprimento das normas desssa ordem acarreta sanções não na vida
presente mas na futura (punição de Deus).
Não cremos que as normas ditas da ordem religiosa sejam de facto religiosas.
Preferimos (sem querer inventar a roda) designá-las de ordem normativa divina, ordem
divina. Isto porque, essas normas cujo escôpo é a relação entre os Homems e Deus (seu
Criador) e entre os Homens entre si, não são de origem religiosa mas sim divina. As
religioões apenas às ensinam e divulgam aos seus membros. De certa forma exercem
uma certa fiscalização ao cumprimento das mesmas pelos seus membros. Foi Deus com
o seu próprio dedo Quem escreveu em tábuas de pedra os Dez Mandamentos (v. Êxodo
31: 18), e entregou a Moisês para os divulgar aos homens a partir do povo de Israel.
Contudo, as religiões, pelo menos as mínimamente organizadas possuem as suas
próprias normas internas de carácter organizacional e disciplinar. A violação dessas
normas tem como consequência a aplicação de sanções religiosas contra os seus
violadores.
A violação de normas divinas, por vezes tem consequências na vida presente. É só
reparar que algumas relevantes normas da ordem juridica são de inspiração divina. Por
exemplo a norma que diz: “Não matarás”, está presente nas duas ordens normativas
embora com formulações diferentes, procuram proteger o bem supremo “a vida”. O
assassino, é sancionado tanto pela ordem juridica como poderá vir a sê-lo por Deus se
entretanto não se mostrar arrependido.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
6 O Estado e o Direito
Actualmente o Estado e o Direito são duas realidades conceituais cujo estudo se tem
afigurado inseparável. Custa saber se o Estado precede o Direito ou o contrário. A
verdade é que é praticamente impossivel falar do Estado sem o Direito, mas Direito sem
Estado parece ser possivel, se olharmos para as sociedades pré-históricas que subsistem
em determinados pontos do mundo, não tinham estrutura estadual como hoje se
apresenta, no entanto o Direito aí sempre existiu.
Duas concepções se expõem quanto a relação Direito/Estado. Uma denominada
monista que associa o Direito ao Estado, entendendo que o Direito é apenas proveniente
do Estado, que não há Direito sem Estado. Esta concepção rigida ao nosso ver,
aproxima-se ao positivismo jurídico que não admite qualquer outra forma de Direito
senão o formal.
A outra concepção, dita dualista admite outra proveniência do Direito que não
apenas a estadual. Diremos em breve o que pensamos a propósito desta questão.
Falemos agora do conceito de Estado para uma melhor compreensão da matéria deste
tópico.
Já temos uma ideia do que é Direito, agora precisamos de saber o que é
Estado.Estado é uma sociedade politicamente organizada (definição amplamente usada).
Para que seja considerado como tal é necessário que tenha uma população, território e
poder politico (soberania e independência).
A sociedade de que aqui nos referimos, é aquela que está organizada sob o ponto de
vista jurídico. Ora, nem sempre foi assim. No passado, antes das grandes revoluções que
mudaram o rumo sócio politico e económico do mundo, as sociedades eram
monarquicas, portanto governadas por pessoas ligadas por laços de parentesco. Ainda
hoje há resquicios dessa forma de estar das sociedade antigas. O Direito ou o conjunto
de normas que orientavam a vida dessas sociedades, era emanado pelo próprio monarca
que as ditava segundo o seu lívre arbítrio; detinha todos os poderes que hoje são
passiveis de divisão.
De formas minusculas de Estado se evoluiu ao Estado moderno que é caracterizado
principalmente pela sua actuação com base no Direito. Mas que Direito? O criado pelo
próprio Estado através dos órgãos competentes, o que significa que a outra
preponderante característica dos Estados modernos é a divisão do poder (executivo,
legislativo e judicial), sendo o poder legislativo o principal encarregue de elaboarar leis.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
19
V. OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 60-62.
20
V. CASTRO MENDES, ob. cit., p. 25.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
A expressão fonts do Direito não é univocal, remete o que a ouve pela primeira vez
a diferentes sentidos, histórico, instrumental, sociológico ou material, órgânico e
técnico-jurídico.
Sentido histórico. Traduz a ideia do sistema que sob o ponto de vista histórico
inspirou ou deu origem a um determinado Direito. Por exemplo, o nosso Direito tem
como fonte histórica o Direito Romano.
Sentido instrumental. Se refere ao instrument onde se encontra redigido ou
compilado o Direito. Exemplo, o Boletim da República, a Constituição da República, a
Bíblia Sagrada, são fonts instrumentais do Direito.
Sentido sociológico. Entende-se como fonte do Direito, o conjunto de factos sociais
que norteam a actividade de criadora de Direito. Por exemplo, o aumento do parque
automóvel numa determinada cidade pode obrigar a alterações ao vigente Código de
Estrada. O surto de certa epidemia ou actos criminais ediondos, pode impulsionar a
criação de leis específicas para fazer face a esses cenários assitidos numa determinada
sociedade. Por isso é que se se diz fonte do Direito em sentido sociológico.
Sentido orgânico. Dá a ideia da origem orgânica do Direito. O orgão que emanou o
Direito, é a fonte orgâniaca desse Direito. Por exemplo, no nosso país, como veremos
infra, o Presidente da República, a Assembleia da República e o Governo, são fonts
orgânicas do Direito.
Sentido técnico jurídico. Se refere aos diferentes modos de formação e revelação das
regras jurídicas. Este é o sentido mais relevante para o nosso estudo como veremos no
tópico a seguir.
Por muito que se diga a respeito das fontes do Direito, entendemos e como o
Professor Oliveira Ascensão que a verdadeira fonte do Direito é a sociedade21. Mas a
sociedade em si mesma considerada não emana o Direito. São as pesoas humanas que a
compõem, que através da razão alimentada pelo dever ser existente na natureza e ou
testemunhos geracionais revelam as condutas aceites no meio social.
Ao sentido técnico jurídico tem sido tradicionalmente dito pertencerem a lei, o
costume a jurisprudência e a doutrina.
Lei, em sentido amplo da expressão se deve entender como sendo toda e qualquer
norma juridical proveniente de uma entidade estadual competente. Diz-se que a lei é
fonte do Direito porque dela se extrai a regra juridica a ser aplicada num determinado
21
OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 60-62.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
caso concreto. A lei em si não resolve a questão suscitada mas a regra nela contida ao
ser extraida para ser aplicada ao caso concreto faz da lei a fonte dessa regra.
São várias as espécies de leis22 e não há uniformidade no seu alistamento, pelo que,
apresentaremos aqui as que nos parecem essenciais.
Lei em sentido material, coincide com o sentido amlo do termo lei, toda e qualquer
disposição proveniente de uma entidade estadual competente.
Lei em sentido formal, é aquela que acarreta para a sua emanação a observância de
formalidades próprias por seu turno previstas na lei, sem as quais sera havida por
inválida.
Lei em sentido orgânco é a que provem de específicos órgãos legislativos,
mormente a Assembleia da República e o Governo. Lei geral e lei especial.
Lei geral e aquela que se aplica a generalidade das pessoas sobre quem certa materia
se refere.
Lei especial e aquela que se destina a certa ou certas pessoas. A especialidade e
relative e pode ser em relacao as pessoas, material e lugar.
Havendo conflito entre a lei geral e a lei especial aplica-se a lei especial porque a lei
geral nao afasta a lei especial ou a lei especial prevalece sobre a lei geral
As leis podem também ser vistas no âmbito geográfico e politico. Nestas
circunsâncias, temos: leis federais, estaduais, nacionais, regionais, locais, autárquicas
e ou minicipais conforme os casos.
Podem tambem ser aferidas quanto ao tempo, asim se diz leis novas, antigas ou
transitórias. A lei nova afasta a lei antiga.
Em termos de vigencia podem ser, leis vigentes e leis revogadas.
Costume23. É a fonte que consiste na prática reiterada assitida de convicção de
obrigatoriedade. Daqui resulta que há dois elementos fundamentais para que se
verifique o costume, isto para não se considerer qualquer prática como sendo costume.
É necessário que decorra do uso que é a tal prática social reiterada. Mas a referida
prática reiterada deve ser juridicamente relevante e assitida de convicção de
obrigatoriedade24.
Tal como tecemos em relação a lei, o costume em si mesmo não é fonte do Direito,
oferece uma regra ou dele é extraido para ser aplicada a um caso concreto.
22
Idem., p. 285 e ss.
23
Para mais detalhes sobre a temática do costume v. por todos NORBERTO BOBBIO, La consuetudine
come fatto normative, Pádua, 1942.
24
V. OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 264-268.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
25
V. OLIVEIRA ASCENSAO, ob. cit., pp. 269-270, v. tb., CASTRO MENDES, ob. cit., p. 116.
26
V. Neste sentido OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., p. 318 e ss.
27
V. Mais detalhes em OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., p. 322-331.
28
Idem., pp. 321-322.
29
V. Sobre a origem histórica e a problemática dos assentos em OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp.
326-331.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
Na nossa ordem juridica existem dois tipos de fontes do Direito. As legais formais e
e as costumeiras- práticas.
As fontes de natureza legal e formal resultam da própria lei que revela o Direito
Positivo a ser aplicado dentro da ordem juridical nacional, cfr, número 3 do artigo 2 da
CRM e artigo 1 do Código Civil. Portanto, a lei é a principal fonte do Direito em
Moçambique. Poderiamos ser tentados a dizer que é a única fonte do Direito como o
fizemos noutra ocasião, mas vemos agora que o costume também o é principalmente na
resolução de conflitos por via dos tribunais comunitários e também nas transações
correntes da vida social.
O reconhecimento do costume como fonte do Direito em Moçambique é feito
implicitamente pela Constituição da República no seu artigo 4 que estabelece: “O
Estado reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de conflitos que
coexistem na sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem os valores e
os principios fundamentais da Constituição”. Esta norma, ao dizer que o Estado
reconhece os “vários sistemas normativos” e de resolução de conflitos, admite sem
dúvidas as normas do sistema costumeiro que não sejam contrarias a Constituição.
Ensina-se em escolas de Direito do nosso país que, a doutrina e a jurisprudência são
também fontes de Direito em Moçambique, mas fontes mediatas porque não são
directamente aplicadas aos casos concretos que demandam soluções jurídicas. O
costume também é assim considerado. Mas nós humildemente pensamos que o que
importa nesta sede é falar das fontes imediatas que quanto a nós são a lei e o costume
conforme explicamos no parágrafo anterior e não das fontes mediates cujo tratamento é
do domínio das generalidades das fontes do Direito. Entendemos assim que a doutrina e
a jurisprudência são fontes mediates e doutrinárias do Direito. Doutrinárias porque
inevitavelmente devem ser referidas no estudo doutrinário das fontes do Direito. Porém,
quando se pretende estudar as fontes do Direito em Moçambique, julgamos ser curial
apontar àquelas que o são sob o ponto de vista legal e prático.
Quando a actividade jurisprudêncial produz decisões cujo teór se torna vinculativo
para casos análogos futuros em toda a ordem jurídica, como os assentos, assumem o
mesmo valor jurídico da lei, v. artigo 2º do Código Civil.
30
V. Neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 584-585.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
evitar que a mesma fira a Constituição da República ou seja contrária aos anseios dos
cidadãos.
Após a publicação que deve necessariamente ser feita no Boletim da República
(BR), artigo 144º da C.R.M, a lei deve entrar em vigor imediatamente ou decorrido que
seja determinado lapso de tempo. Ao interregno entre a publicação e entrada em vigor
da lei chama-se vacation legis cujo regime jurídico supletivo (que se aplica na falta de
fixação de prazo para a entrada em vigor de certa lei) consta da Lei 6/2006 de 18 de
Abril. Em Moçambique a lei entra em vigor simultaneamente em todo o território
nacional. Não é assim em todos os países, especialmente nos de dimensão territorial
maior. Nestes países a lei entra em vigor sucessivaente, pore tapas nas diferentes regiões
desses Estados.
Em resumo as fases de elaboração de uma lei são:
-Elaboração;
-Aprovação;
-Promulgação;
-Publicação;
- Entrada em vigor31.
31
V. CASTRO MENDES, ob. cit., pp. 97-103.
32
V. OLIVEIRA ASCENSÃO ob. cit., pp. 297-301.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
em que por exemplo algum dos votantes (cujo voto era necessário para o quorum
necessário) não levantou completamente o seu braco, essa lei será anulável. Voltaremos
às espécicies de invalidades infra 12.
Inexistência é o desvalor do acto legislativo considerado na falta de promulgação
da lei. Em Moçambique a promulgação é um acto exclusivo da competência do
Presidente da República conforme vimos supra 10.
A ineficácia verifica-se quando há um vício relativo a publicação da lei (cfr.
Número 1 do artigo 144º da CRM) e sua entrada em vigor. Já sabemos que a lei deve
ser publicada no Boletim da República e pode estar sujeita a um lapso de tempo
(vacatio legis) para que comece a vigorar. A matéria da publicação da lei no Boletim da
República e o lapso de tempo para a sua entrada em vigor deve ser entendida na
conjugação dos artigos 144º da CRM e artigo 5 do Código Civil.
33
V. Por todos OLIVEIRA ASCENSÃO ob. cit., pp. 77-78.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
-só puder ser invocada até um ano depois da cessação do vício que lhe serve de
fundamento.
O vício da nulidade é insanável quando o objecto do negócio a que se reporta, ferir
de forma flagrante com os requisitos legalmente estabelecidos cfr., artigo 280º do
Código Civil, ao passo que a anulabilidade pode ser sanada, tornando o acto em causa
confirmado ou válido (convalidação), cfr., artigo 288 do Código Civil.
Se um acto jurídico (negócio jurídico) for considerado nulo por se ter arguido a
nulidade ou a anulabilidade, quem havia se beneficiado com o acto agora declarado nulo
deve restituir tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for
possível, o valor correspondente, cfr., número 1 do artigo 289º do Código Civil.
-
13 Interpretação e integração da lei
13. 1. Interpretação34
A lei não deve ser aplicada antes de ser interpretada sob pena de não realizar o fim a
que se destina e causar danos aos visados. A técnica de interpretar a lei chama-se
exegese, com ela se visa fixar o sentido e o alcance de uma lei para a correcta aplicação.
Nos termos do disposto no número 1 do artigo 9º do Código Civil, a interpretação
não deve cingir-se à letra da lei. Isto significa que o interprete, hermeneuta também se
diz, não deve considerar apenas o texto da lei, a declaração da lei, pois se assim o fizer
estará a basear-se num tipo de interpretação que é declarativa, na medida em que basea-
se apenas no enunciado do texto. Para além do texto da lei o interprete deve reconstituir
a partir dos textos o pensamento legislativo. Deve assim o hermeneuta procurar extrair
do texto a razão daquela norma, o pensamento legislativo.
Assim, para uma cabal fixação do sentido e alcance da lei, o interprete deve ter em
consideração os elementos:
- Lógico racional. O interprete deve considerar não só o que está dito no texto
(elemento literal) mas também extrair do mesmo o que o legislador quis dizer,
baseando-se nos aspectos lógicos e racionais da normaa saber:
-Sistemático. O interprete deve ter em conta a unidade do sistema jurídico onde ele
se encontra, interpretar de forma que não colida com alguma norma do sistema jurídico
de referência.
34
V. Por todos, desenvolvidamente OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 381-430.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
- Histórico. O momento histórico em que a lei foi elaborada também deve ser
chamado a interpretação que deve analisar os precedentes normativos, trabalhos
preparatórios e a occasio legis (todos os circunstancialismos sociais que rodearam o
aparecimento da lei).
-Teleológico. A finalidade da lei deve também ser tomada em linha de conta no
momento da interpretação.
-A ratio legis. É a conjugação de todos estes elementos interpretativos com vista a
extrair o seu espírito ou razão da lei. Com a interpretação da lei se visa em última
análise encontrar a ratio legis que servirá de base a aplicação da regra jurídica.
Uma vez aplicados de forma conjugada ou não os elementos interpretativos
acabados de apresentar, resultam os seguintes tipos de interpretação35:
-Interpretação declarativa,
-Interpretação extensiva,
-Interpretação restritiva,
- Interpretação enunciativa,
-Interpretação correctiva,
- Interpretação abrrogante,
35
V. Por todos CASTRO MENDES, ob. cit., pp. 231 e ss.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
15 A pessoa em Direito
No domínio do Direito há um alargamento do conceito de pessoa. São também
consideradas de pessoas, além dos seres humanos, algumas realidades abstractas criadas
pela ficção jurídica36 para o cumprimento de determinados fins considerados
economicamente viáveis.
Nem sempre foi assim. Foi o Século XX que também trouxe a pessoalidade algumas
realidades não humanas. Isto aconteceu inicialmente no Direito romano que passou a
reconhecer através do Código do Direito Canónico, portanto da igreja Católica Romana,
a par da igreja, as unidades corporativas e patrimoniais como sendo pessoas.
Em Moçambique esse outro tipo de pessoas chama-se pessoas colectivas, mas não é
assim em todo o mundo, por exemplo no Brasil, chamam-nas de pessoas jurídicas em
contraposição a pessoa física (humana).
É o Código Cívil no seu artigo 157º que nos diz quem são à partida as pessoas
colectivas em Moçambique. Assim, em princípio são consideradas pessoas colectivas
no nosso país, às associações, às fundações e as sociedades comerciais.
As associações e fundações adquirem personalidade jurídica pelo reconhecimento,
cfr, número 1º do artigo 158º do Código Civil. As sociedades comerciais adquirem
personalidade jurídica….
3636
De acordo com SAVIGNY, pronunciando-se sobre a natureza jurídica da “pessoa” através da teoria
da ficção, a pessoa é criada por uma ficção legal, não existe socialmente mas ideologicamente. É uma
abstracção criada pela técnica jurídica.
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16 Relação jurídica
A para das relações puramente sociais, econtramos àquelas que têm relevância para
o Direito, sendo por isso chamadas de relações jurídicas. Para que a relação deixe de ser
simplesmente social é necessário que seja acompanhada de protecção coactiva através
do elemento garantia. A garantia jurídica é o elemento da relação jurídica através do
qual o Estado tutela direitos dos particulares de modo a não serem defraudados no
âmbito da relação jurídica. Por exemplo, a obrigação de pagar qualquer prestação não é
expontânea do devedor, mas derivada da existência de uma norma jurídica que
estabelece a obrigação do devedor proceder o pagamento ao credor, o que a não
acontecer voluntariamente, condiciona o pagamento coercivo da prestação. Esse
elemento da ordem jurídica que compele as pessoas a cumprirem com as suas
obrigações é o elemento garantia. Mas a relação jurídica para se estabelecer deve ter
outros elementos que tradicionalmente tem sido apresentados pela doutrina. Esses
elementos são: Sujeito, facto jurídico e objecto.
Sujeito. Para que uma relação se verifique é necessário que existam pelo menos dois
sujeitos. No caso da relação jurídica é a mesma coisa, só que, os sujeitos envolvidos
podem ser pessoas físicas ou pessoas colectivas. Isto é, uma relação jurídica pode ser
composta por duas pessoas humanas (pessoas físicas), ou uma pessoa física e uma
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colectiva ou ainda entre pessoas físicas ou entre pessoas colectivas. Assim, uma pessoas
A, pode estabelecer uma relação jurídica com uma associação, pessoa B. Qualquer
pessoa que faça parte da relação jurídica é sujeito independentemente de ser pessoa
humana ou colectiva. Quando o sujeito se encontra na posição de credora ou
beneficiaria da prestação chama-se sujeito activo. Quando deve prestar ou é devedora,
chama-se sujeito passivo. Saiba-se também que, em cada um dos lados de uma
determinada relação jurídica podem existir vários sujeitos.
Facto jurídico. É o evento, acontecimento da vida social com relevância para o
Direito. Ex, o nascimento de uma pessoa humana, a celebração de um contrato de
compra e venda (de qualquer tipo), um casamento são acontecimentos relevantes para o
Direito, portanto facto jurídico. Toda a relação jurídica resulta de um facto jurídico.
Objecto. É a coisa que medeia a relação jurídica, o quid, a razão de ser da relação
jurídica. Exemplo, num contrato de compra e venda de um veículo automóvel, o objecto
desse contrato é o véiculo automóvel. O veículo automóvel como tal é o objecto
mediato, mas esse objecto abstractamente considerado como matéria do negócio
jurídico é o objecto imediato da relação jurídica, v.
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37
V. MENEZES CORDEIRO,Manual de Direito Comercial, 2a Edição 2007, Almedina, p. 251.
38
Idem, p. 251.
39
Idem, p. 251.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
O segundo periodo, compreendido entre o Séc XIII e o Séc XX, inicia-se com o Código
do Comércio Napoleonico de 1807 e tem como núcleo os actos de comércio.
40
MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, 2ª Edição, 2007, Almedina, pp, 251,252
41
V. PUPO CORREIRA, Direito Comercial, 12a Edição, revista e aumentada, EDIFORUM, Lisboa,
2011, p. 41.
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2. A TEÓRIA DA EMPRESA
A Teoria da Empresa (Teoria dos Perfis) esboçada por Alberto Asquini inspirada
pelo referido Código Civil italiano de 1942. Defrontando-se com o novo Código Civil,
Asquini constatou a inexistência de um conceito de empresa, e analisando o diploma
legal chegou a conclusão que haveria uma diversidade de perfís no conceito,43 para ele “
o conceito de empresa é o conceito de um fenómeno jurídico poliéndrico, o qual tem
sob o aspecto jurídico não um, mas diversos perfís em relação aos diversos elementos
que alí concorrem ” 44
O primeiro perfíl da empresa identificado por Asquini, foi o perfil subjectivo
pelo qual a empresa se identifica com o empresário45, cujo conceito é dado pelo artigo
2.084 do Código Civil italiano, concebendo a empresa como uma pessoa.
Asquini também identifica na empresa um perfíl funcional, identificando a com
a actividade empresarial, a empresa seria aquela “ particular força em movimento que é
a actividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo”46 , neste caso a
empresa representaria um conjunto de actos tendentes a organizar os factores da
produção para a distribuição ou produção de certos bens ou serviços.
47
ASQUINI, Alberto, ob, cit, Profile dell împresa. Revista de diritto commerciale, Vol XLI- Parte I p 1-
20, 1943, p 12
48
Idem, p 16 -17
49
Cfr, COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit. Curso de Direito Comercial, Vol 1, p.19
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
Chegados a este ponto, ficamos com uma clara ideia de que o conceito de
empresa não é de fácil fixação, visto que apresenta diferentes sentidos, daí a ideia de
conceito quadro proposta pelo Prof. Menezes Cordeiro, tendo como grandes linhas da
sua concretização as seguintes:
- a empresa sujeto e a empresa objecto;
- O Direito da Empresa;
- A empresa como sublinguagem comunicativa;
- a empresa como conceito geral concreto51
A empresa sujeito equivale ao conjunto de destinatários de normas comerciais:
pessoas singulares, colectivas e pessoas rudimentares. A empresa objecto reporta-se ao
estabelecimento doptado de direcção humana. Apenas a interpretação permitirá, caso a
caso, determinar o preciso sentido em jogo, bem como o seu alcance.52
50
Cfr, Menezes Cordeiro, Manual de DIREITO COMERCIAL, 2ª Edição, 2007, Almedina, pp, 280,282
51
Idem, p, 284
52
MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial , 2ª Edição, 2007, Almedina, p, 284
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
57
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., p. 62.
58
V. Nota 679 de MENEZES CORDEIRO ob. cit., p. 222.
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2. Capacidade jurídico-empresarial
Para sabermos da capacidade jurídico-empresarial é necessário que tratemos antes
da capacidade jurídica de um modo geral.
Capacidade jurídica é a aptidão que uma pessoa tem de ser sujeito de direitos e
obrigações. Regra geral toda a pessoa tem capacidade jurídica, mas nem toda a capacidade
jurídica é plena.
A capacidade jurídica plena é a capacidade de exercício. A capacidade jurídica
limitada é a capacidade de gozo, cfr., artigo 67º do Código civil. Assim, pode uma pessoa
estar sujeita a restrições na prática de determinados actos, em virtude de essa pessoa se
encontrar em condições limitadas pela lei para a prática de tais actos.É o que acontece a
uma pessoa de menor idade (cfr., artigo 122º do Código Civil), ou a um interdito por
anomalia psíquica surdez, mudez, cegueira, cfr., artigo 138º do Código Civil). Quando isso
acontece diz-se que a pessoa é incapaz. Mas esta incapacidade é de exercício e não de
gozo. A capacidade de gozo é nata a qualquer pessoa, mas a capacidade de exercício,
depende sempre da verificação de determinados pressupostos de facto ou de direito.
A capacidade jurídica (personalidade jurídica) de gozo da pessoa humana começa
com o seu nascimento completo e com vida, cfr., artigo 66º do Código Civil.
59
V. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 220-223.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
A capacidade jurídica das pessoas não humanas inicia com o seu acto constitutivo
cfr., artgo 86º do Código comercial, ou reconhecimento, artigo 158º do Código Civil.
Quanto ao acto constitutivo das sociedades comerciais, pode ser por simples
reconhecimento das assinaturas dos outorgantes do contrato de sociedade ou através da
celebração de uma escritura pública, cfr., número 1 do artigo 90º do Código Comercial.
Em termos etários, a capacidade para o exercício da actividade empresarial é
adquirida aos 18 anos, conforme disposto na parte inicial do número 1 do artigo 10º do
Código comercial, mas esse actuação depende da autorização dos representantes legais, cfr.,
os restantes números do artigo 10º do Código comercial.
Uma questão importante que se levanta nesta sede é em relação a necessidade de
autorização do cônjuge para o exercício da actividade comercial. Responde o número 1 do
artigo 11º do Código comercial que: “Qualquer dos cônjuges, independentemente de
autorização do outro, pode exercer a actividade empresarial”.
3. Actos de comércio
O comerciante pela natureza da sua área de actuação, é distinguido pelos actos que
prática. Nessa perspectiva e nesta sede, tem sido apresentados pela doutrina tradicional e
actual, dois tipos de actos de comércio a saber: actos de comércio em sentido objectivo e actos de
comércio em sentido subjectivo60. É de resto caudaloso e consequentemente enfadonho o que a
este propósito se tem debatido e desenvolvido na doutrina comercialista. Não iremos de
modo algum, engrossar o número dos que discutem este assunto, tanto é, que é de pequena
relevância prática como bem o diz o Professor Menezes Cordeiro nos seguintes termos: “
Adiantámos, todavia, que o interesse prático da delimitação dos actos de comércio seja
reduzido”61. A nós não nos interessa o debate dogmático que causa certa canceira ao leitor
mas trazer o que de relevante existe para o conhecimento do estudante (não jurista) do
Direito empresarial.
A compreensão do que são actos de comércio nos dois sentidos já apresentados,
deve ser com base no disposto no artigo 4 do Código Comercial, que na alínea a) do seu
número 1 dispõe: São considerados actos de comércio: os actos especialmente regulados na
lei em atenção às necessidades da empresa comercial, designadamente os previstos neste
Código, e os análogos. Alinea b) os actos praticados no exercício de uma empresa
comercial. O disposto nas duas alíeas corresponde aos actos de comércio em sentido
objectivo. Portanto, são actos de comércio em sentido objectivo:
60
V. Por todos, desenvolvidamente, MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 187-206.
61
Idem., p. 204.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
62
Sobre as sociedades comerciais, v. por todos COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial (
Das Sociedades), vol II, 4a edição, Almedina, 2011.
63
V. Definição de COUTINHO DE Abreu, últ ob. cit., p. 23. “Sociedade é a entidade que, composta por
um ou mais sujeitos (sócio(s), tem um património autónomo para o exercício de actividade económica, a
fim de (em regra) obter lucros e atribuir-los ao(s) sócios(s)-ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas”.
64
V. Desenvolvidamente sobre a dicotomia ou não de sociedade comercial e empresa em COUTINHO
DE ABREU, últ. ob. cit., pp. 23-26, v. tb., PUPO CORREIA, ob. cit., p. 115.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
65
V. Sobre a origem e evolução histórica das sociedades comerciais, F. Galgano, História do Direito
Comericial. ed. Signo. Liboa
66
V. PUPO CORREIA, ob. cit., p. 116.
67
V. Desenvolvidamente, por todos sobre esta matéria (elementos do contrato de sociedade) COUTINHO
DE ABREU, últ ob. cit., pp. 5-23.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
68
Os serviços são também bens.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
70
O princípio da tipicidade tem a sua sede no domínio do Direito Penal, mas, aqui é também aplicável,
possivelmente por motivos de ordem pública. Uma teoria de sociedades comerciais só é possível,
julgamos, com base na vigência do princípio da tipicidade. Cfr. Número 2 do artigo 82º do Código
Comercial.
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2. Após obter a certidão de reserva de nome emitida pela CREL, segue-se a celebração
do contrato de sociedade73;
2.2. Quanto a forma do contrato de sociedade, o mesmo pode ser celebrado por
documento particular, quando é assinado por todos os sócios, com assinatura
reconhecida presencialmente e/ou por documento público, quando celebrado
por escritura pública74, mas, há obrigatoriedade de celebração por escritura
pública prevalece nos casos em que o capital social seja constituído por entradas
em bens imóveis (n°1 do artigo 90 do C. Comercial);
C. Comercial.
73, “Em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa
actividade económica que não seja de mera fruição a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade.” -artigo 980
do Código Civil
74
“ Os actos de constituição, dissolução e simples liquidação de sociedades comerciais e de sociedades civis sob a forma
comercial….” – alínea e) do artigo 85 C. Notariado.
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situação jurídica dos empresários e das empresas comerciais, tendo por finalidade a
segurança do comércio jurídico (nos termos conjugados do artigo 53º do CREL e
artigo 58º do C. Comercial);
3.1. Concluída que seja a matrícula da sociedade, deve, de seguida ser publicado o
contrato de sociedade no Boletim da Republica (nos termos conjugados dos
artigos 246º e 247º do C. Comercial e artigo 90º do CREL).
75
V. Por todos COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II, 4ª Ed., Das Sociedades,
Almedina, Coimbra, 2011,pp. 55-56.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
76
V. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II, 4ª Ed., Das Sociedades, Almedina,
Coimbra, 2011, pp. 53-55.
77
COUTINHO DE ABREU, ob. cit. p. 53.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
78
Usa-se indistintamente “pessoa colectiva e pessoa jurídica” v. COUTINHO DE ABREU, Curso de
Direito Comercial, Vol. II, 4ª Ed., Das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2011,p. 176 e ss.
79
Esta tese é da autoria de MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela dos Credores das Sociedades por
Quotas e a “Desconsideração da Personalidade Jurídica”, Almedina, Coimbra, 2009.
80
Trata-se do comentário ao Código das Sociedades Comerciais (CSC), coordenado pelo Professor
COUTINHO DE ABREU, é de notar nos comentários ao artigo 5 sobre “Personalidade”, uma
conformação com o que foi tratado pelo referido coordenador dos comentários ao CSC, na sua obra Curso
de Direito Comercial, ob., cit. e na tese do mesmo intitulada Da Empresarialidade. As Empresas no
Direito, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 205-210.
81
V. JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade jurídica, in Revista dos Mestrados em
Direito Económico da Universidade Federal da Bahia. Salvador: UFBA. ISSN 1516-6050, Vol. 4, p. 281.
82
V. JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade jurídica…Ob. cit., p. 281; cit., KOURY
SUZY ELIZABETH CAVALCANTE, A Desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine)
e os Grupos de empresas, 1ª ed, 1993, Editora Forense, p. 67.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
separação)83.
É um instituto que no nosso modesto entendimento corresponde a uma
verdadeira ameaça às teorias da personalidade jurídica das pessoas colectivas,
especialmente das sociedades comerciais.
A personalidade jurídica das sociedades comerciais terá sido criada com o
propósito de encorajar a iniciativa empresarial de natureza privada, ao conceber a
separação do património pessoal dos sócios, do da sociedade comercial, entidade
distinta daqueles bem como a distinção da personalidade jurídica das pessoas dos sócios
face a pessoa colectiva (sociedade comercial).
A desconsideração da personalidade jurídica segundo o Professor COUTINHO
DE ABREU, vê nas pessoas físicas (sócio (s)) uma estreita ligação com a sociedade.84
O avanço e aplausos a desconsideração da personalidade jurídica é, quanto a
nós, de entre outros aspectos que iremos aflorar neste estudo, uma demonstração dos
recuos ou, no mínimo um apelo ao reexame de alguns institutos jurídicos que durante
muitos anos alicerçaram o Direito85; sendo esta a razão que nos motivou a desenvolver o
presente tema. Assim, é de questionar se o direito tradicional está ou não ainda na
vanguarda.
O instituto da “desconsideração”, ainda se mostra longe de colher consensos na
doutrina, facto visível nas divergentes correntes relativas a sua implementação86.
83
V. Obra coordenada por COUTINHO DE ABREU, parte de SOVERAL MARTINS, “Da
personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV , Estudos de Direito das
Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra, 2010; 10ª , p. 109, cit., COUTINHO DE ABREU, Da
empresarialidade.., p. 210, Curso… vol II, Ob. cit., p. 177.
84
V. COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, ob. cit., p. 176: “A sociedade não vive por
si e para si, antes existe por e para o (s) sócio (s); destes é ela instrumento (há pois estreita ligação entre
uma e outros). Por outro lado o património da sociedade não está ao serviço de interesses da pessoa
jurídica ”em si”, mas sim do (s) sócio (s)”.
85
Quando se criou o instituto das sociedades comercias, cujos elementos essenciais da sua noção constam
do artigo 980º do Código Civil, via-se nela um instrumento viável para separação das pessoas que a
constituiriam ou de que dela viessem a fazer parte na vertente quer pessoal quer patrimonial, isto sem
dúvidas encorajava e ainda hoje encoraja os agentes económicos, pois salvaguarda o património pessoal,
no entanto, actualmente, vê se que esta figura (sociedades comerciais que tem essencialmente
personalidade jurídica e património distinto do (s) sócio (s), tem sido abusivamente usada (Abuso de
direito, artigo 334º do C. Civ.), v. COUTINHO DE ABREU, [et. al.] Comentários ao artigo 5 do Código
das Sociedades por Quotas, p. 100-101. Por essa razão, para proteger os interesses dos credores da
sociedade que doutra forma seriam sempre postos em causa pela “mascara ” da personalidade jurídica da
sociedade, foi então criado o instituto da “desconsideração da personalidade jurídica”, o que quer dizer
que hoje em dia, a personalidade jurídica das sociedades comerciais não constitui argumento para que o
(s) sócio (s), se furtem ao cumprimento das obrigações contraídas para com terceiros, se se provar que
houve abuso de direito ou seja, que foi utilizada a sociedade para prejudicar os credores. Com isso,
pensamos que se criam condições para o desestimulo ao empreendedorismo formal e a revitalização das
sociedades em nome colectivo que pareciam estar hibernadas.
86
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela...ob. cit., pp. 99-132, v. também PEDRO CORDEIRO, A
Desconsideração…. ob. cit., pp. 29-35; pp. 53-61. Estes autores apresentam as diferentes correntes que se
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
1. Personalidade colectiva88-89.
Um dos pilares do direito moderno é o instituto da pessoa jurídica, criada no
sentido da superação da ideia de que o direito somente se dirige ao ser humano.
Entidades fictícias, as pessoas jurídicas tornam-se sujeitas de direitos e obrigações,
passando da universalidade dos sócios para uma unidade autónoma e independente.90
Entre as inúmeras teorias sobre a natureza jurídica da pessoa jurídica, destaca-se
a doutrina de Savigny, segundo a qual, “pessoa é todo o sujeito de relações jurídicas
que, tecnicamente, não corresponde a uma “pessoa natural” mas que seja tratado, como
levantaram para discutir o problema, uns a favor da desconsideração outros contra, sugerindo os contra, a
ideia de aplicação normal do Direito ao caso concreto, sem que seja necessário o recurso a
desconsideração, pois isto segundo eles, tornaria vulnerável o instituto da personalidade colectiva”, uma
das grandes invenções do Direito. O sublinhado é nosso. Retomaremos a este ponto mais adiante.
87
Usaremos indistintamente, ao longo deste trabalho a formulação “desconsideração da personalidade
jurídica ou desconsideração da personalidade colectiva”
88
Esta matéria é também tratada para além dos autores da casa(Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra) que iremos seguir em grande medida, entre outros, por MIGUEL J. A.PUPO CORREIA, com a
colaboração de ANTÓNIO JOSÉ TOMÁS E OCTÁVIO CASTELO PAULO, Direito Comercial. Direito
da Empresa, 12ª ed., revista e aumentada, EDIFORUM, Edições jurídicas, Lda., Lisboa, pp. 195-198, sob
a epígrafe, Personalidade das sociedades comerciais.
89
A expressão pessoa colectiva foi introduzida em Portugal por GUILHERME ALVES MOREIRA, com
a sua obra. Instituições de Direito Civil Português. Volume primeiro. Parte Geral Imprensa da
Universidade de Coimbra, 1907, pp. 135 e ss.
90
V.OKSANDRO GONCALVES, A Disregard doctrine e o princípio da eticidade no novo código civil,
in Revista de Direito Empresarial ISSN 1806-910X.N.I (2004), p. 147, cit., MOTA PINTO, Teoria geral
do direito civil, Coimbra, 1996, p. 126. Dentre as diversas teorias, a predominante é aquela proposta por
Savigny: “Para alguns autores, como SAVIGNY e WINDSCHEID, as pessoas colectivas seriam uma
ficção. A personalidade colectiva seria uma fictio iuris (teoria da ficção). A lei, ao estabelecer a
personalidade jurídica das pessoas colectivas, estaria a proceder como se as pessoas colectivas fossem
pessoas singulares, visto que só as pessoas singulares podem ser sujeitos de direitos e deveres.”
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
pessoa, através de uma ficção teórica, numa situação que se justifica, para permitir
determinado escopo humano”91
Em especial, nos interessa o instituto da “pessoa jurídica”, colectiva também se
diz cujo fundamento teórico-jurídico é a personalidade jurídica. Sua função geral é a de
criar um centro de interesses autónomos em relação às pessoas que lhe deram origem,
de tal forma que não se possa imputar a essas últimas os direitos, deveres e condutas
daquelas. Contudo, essa comunhão de pessoas e bens há que estar sempre a serviço de
determinadas finalidades relevantes sob o ponto de vista social e, por outro lado, devem
também ser lícitas.92
Quanto às pessoas jurídicas e, de forma mais específica, no tocante às
sociedades comerciais, ensina-nos ASCARELI que “a existência de uma sociedade não
pode servir para alcançar um escopo ilícito; a existência de uma sociedade não pode
servir para burlar as normas e as obrigações que dizem respeito aos seus sócios; a
existência de uma coligação de sociedades não pode servir para burlar as normas e as
obrigações que dizem respeito a uma das sociedades coligadas.93
Um dos mecanismos mais eficazes para se reagir contra esse desvio de função
das pessoas jurídicas é justamente o da aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica.94 As pessoas colectivas são organizações constituídas por uma
colectividade de pessoas ou por uma massa de bens, dirigida à realização de interesses
comuns ou colectivos, às quais a ordem jurídica atribui a personalidade jurídica.95 Trata-
se de organizações integradas essencialmente por pessoas ou essencialmente por bens,
que constituem centros autónomos de relações jurídicas-autónomas mesmo em relação
aos seus membros ou às pessoas que actuam como seus órgãos.96
À categoria das pessoas colectivas pertencem o Estado, os municípios, os
distritos, as freguesias, os institutos públicos (como a Universidade), as associações
91
V.OKSANDRO GONCALVES, A Disregard doctrine….Ob. cit., p. 148, cit., MENEZES CORDEIRO,
O levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, Coimbra: Almedina, 2000, p. 39.
92
V. JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade…Ob. cit., p. 281.
93
V. JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade…Ob. cit., p. 282.
94
JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade…Ob. cit., p. 282.
95
Percebe-se assim que a personalidade jurídica não é natural das pessoas colectivas mas sim lhe é
conferida pela ordem jurídica cumpridos que sejam os requisitos legais estabelecidos para o efeito.
96
CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, ANTÓNIO PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO,
Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 269. Sobre a
personalidade colectiva usaremos esta obra pese embora não seja a única sobre a matéria como adiante
veremos. Tem sido referenciado pelos autores até aqui indicados, MANUEL DE ANDRADE, na sua
Teoria da Relação Jurídica, este que é considerado o maior tratadista da Teoria Geral do Direito Civil do
Século XX em Portugal. Nas próximas referências à obra dos primeiros autores apresentados nesta nota,
apenas usaremos o nome mais destacado com o qual a obra se identifica, mesmo em Moçambique, nossa
pátria, (MOTA PINTO)
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
97
MOTA PINTO, Teoria Geral…Ob. cit., p. 269.
98
COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, 4ª ed., Vol. II, Almedina, Coimbra,2011, p.
163 nota 5, cit., SAVIGNY com a “teoria da ficção “como sendo um dos pioneiros no debate da natureza
jurídica da personalidade jurídica na sua obra Traité de droit romain, trad.,t.II,F. Didot, Paris, 1841,pp.
234,237-239) e a teoria da “pessoa colectiva real ” em que é maior representante O. GIERKE.
99
COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 164.
100
V.COUTINHO DE ABREU, Curso…ob. cit., p. 164.
101
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…ob. cit., pp. 164-170. Defende nestas páginas que não se deve
absolutizar o instituto da personalidade jurídica das pessoas colectivas como sendo condição
indispensável para o seu funcionamento, partindo do pressuposto de que existem entidades que embora
despidas da roupagem da personalidade jurídica, exercem normalmente as suas actividades.
102
Nos referimos ao desenvolvimento deste tema a luz de MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil,
ob. cit., pp. 269 e ss.
103
Idem., ob. cit., p. 269.
104
Idem., ob. cit., p. 269.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
105
Idem., ob. cit., p. 669.
106
Idem.,p. 270. A ideia de interesses em comum vem também consagrada no artigo 980 do Código Civil,
sobre “os elementos ou notas essenciais da noção genérica de sociedade”, v. COUTINHO DE ABREU,
Curso….ob,cit., pp. 5-23.
107
MOTA PINTO, Teoria Geral…Ob. cit., p. 270.
108
MOTA PINTO, Teoria Geral…Ob. cit., pp. 270-271.
109
MOTA PINTO, Teoria Geral…Ob. cit., p. 271, cit., MANUEL DE ANDRADE, Teoria geral da
relação jurídica, cit.,I, pp. 47-49. De facto a personalidade colectiva (jurídica) é um mecanismo que
permite a prossecução duradoira de interesses comuns como dizem os autores que acabamos de citar, mas
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
não é indispensável pois existem pessoas colectivas de facto que podem perdurar e prosseguir sem
sobressaltos seus mais diversos propósitos. O caso das associações não reconhecidas e as próprias
sociedades antes do seu reconhecimento definitivo, praticam através da personalidade jurídica dos seus
sócios ou associados, actos jurídicos cujos efeitos se repercutem na esfera de terceiros e da própria pessoa
de facto. Aliás, isto já foi devidamente rebatido por COUTINHO DE ABREU, v. cit., 13 supra.
110
MOTA PINTO, Teoria Geral…Ob. cit., p. 280.
111
Idem., pp. 280-281 “São possíveis várias modalidades de reconhecimento. Pode ter lugar um
reconhecimento normativo, isto é derivado automaticamente da lei e um reconhecimento individual ou
por concessão, isto é traduzido num acto individual e discricionário de uma autoridade pública que,
perante cada caso concreto, personificará ou não o substrato.
O reconhecimento normativo pode ainda revestir duas formas. Pode tratar-se de um reconhecimento
incondicionado, se a ordem jurídica atribuir personalidade jurídica de pleno, sem mais exigências, a todo
o substrato completo da pessoa colectiva (sistema de livre constituição das pessoas colectivas). Um tal
sistema dificilmente existirá em qualquer direito positivo, não existindo, desde logo, entre nós. Pode
tratar-se de um reconhecimento normativo condicionado. Também esta modalidade de reconhecimento é
de carácter global, isto é, derivado de uma norma jurídica dirigida a uma generalidade de casos e não de
uma apreciação individual, caso por caso. Também esta modalidade de reconhecimento traduz um grau
de liberdade e facilidade na constituição de pessoas colectivas superior ao reconhecimento por concessão.
A lei formula em geral a exigência de determinados pressupostos ou requisitos, que devem acrescer aos
elementos caracterizadores de um substrato e, verificados esses requisitos, a pessoa colectiva é
automaticamente constituída, sem necessidade de uma apreciação de oportunidade e conveniência por
parte do Estado”, v. MOTA PINTO,Teoria Geral…Ob.cit., p. 280
112
V. Obra coordenada por COUTINHO DE ABREU, na parte de SOVERAL MARTINS, “Da
personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV (coord.de Coutinho de
Abreu), Estudos de Direito das Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra,2010; 10ª, p. 94, cit., JOSÉ
TAVARES, Sociedades e empresas comerciais, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra,1924,pp. 147 e ss.,
Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial. Obrigações mercantis em geral. Obrigações mercantis em
especial (sociedades comerciais), edição do autor, Lisboa, 1996,p. 217 e ss.; MANUEL DE ANDRADE,
Teoria geral da relação jurídica, I, Almedina, Coimbra,1983, reimp. ,p. 83;Ferrer Correia, Lições….,II,
cit.,pp. 85 e ss
113
V. Obra coordenada por COUTINHO DE ABREU, na parte de SOVERAL MARTINS, “Da
personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV, Estudos de Direito das
Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra,2010; 10ª , pp. 95-96.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
qual “as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data
do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto
quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras. Com o
registo definitivo do contrato de sociedade as sociedades comerciais (todas as
sociedades comerciais) adquirem personalidade jurídica. E gozam dessa personalidade
jurídica tanto em relação a terceiros, como em relação aos próprios sócios.114
Assim, é a sociedade (com objecto comercial) que adquire a qualidade de
comerciante em consequência do exercício da actividade social e não os sócios. Por
isso, é a sociedade que está sujeita às obrigações impostas aos comerciantes e não os
seus sócios. Além disso, a sociedade pode ter direitos contra seus sócios.115
Como consequência da atribuição de personalidade jurídica às sociedades
comerciais temos, desde logo, que as referidas sociedades são titulares de direitos e
obrigações. Os direitos e obrigações da sociedade não são por isso direitos e obrigações
dos sócios. Os sócios não têm nem direitos sobre os bens isolados da sociedade, nem
sobre o património da sociedade no seu todo.116
1. Aspectos históricos
O tema da desconsideração surgiu pela primeira vez no direito norte-americano
com base na teoria do “desregard of legal entity.”119“Na realidade, a primeira decisão
114
Idem, p. 97.
28. V. Obra coordenada por COUTINHO DE ABREU, na parte de SOVERAL MARTINS, “Da
personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV, Estudos de Direito das
Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra,2010; 10ª ed., 2010, p. 97.
116
V. Obra coordenada por COUTINHO DE ABREU, na parte de SOVERAL MARTINS, “Da
personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV (coord.de Coutinho de
Abreu), Estudos de Direito das Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra,2010; 10ª ed., 2010, p. 97. Este
aspecto de separação da personalidade jurídica da sociedade e dos respectivos sócios, uma vez distintos,
deve ser rigorosamente respeitado pelos sócios e pela sociedade, sob pena de suscitar o problema objecto
do presente trabalho “Desconsideração da personalidade jurídica”, quando os direitos dos credores
venham a ser postos em causa pelo não respeito do princípio de separação de personalidade jurídica e
consequentemente dos patrimónios.
117
V.PUPO CORREIA, Direito Comercial…Ob. cit., p. 202, anotação 308, aponta uma série de autores
que se debruçam sobre esta matéria.
118
V.COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…Ob. cit., pp. 205-210.
119
V. PEDRO CORDEIRO, A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais,2ª
ed, Colecção Teses, Universidade Lusíada Editora, Lisboa, 2005, p. 27, para maiores desenvolvimentos
cit.,J.LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA,”A Dupla crise da pessoa jurídica”, cit., p. 264 e ss.,
PIERO VERRUCOLI, “II superamento della personalità giuridica delle societádi capitali nella common
Law e nella civil Law”, Milano,1964, com referência especial ao direito alemão, suíço e austríaco e
autores alemães.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
120
V.FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., p. 95, anotação 29.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
121
V.PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração...Ob. cit., pp. 27-29.
122
Outras denominações da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, segundo JAIRO
SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade jurídica…Ob. cit., p.282. “A teoria que passaremos a
estudar vem sendo consagrada em vários países do mundo, onde tem recebido rotulação as mais diversas.
Nos países-anglo saxónicos, é conhecida como disregard of legal entity, lifting the corporate veil, piercing
the corporate veil-teoria do levantamento do véu corporativo-e craking open the corporate Shell. Nos
países romanos-germânicos, possui outras denominações. Na itália foi rotulada de superamento della
personalittà giurídica. Na Alemanhã, por seu turno, é chamada de durchscriff der juristichen person-
penetracão da pessoa jurídica. O Direito argentino costuma concebê-la como teoria de la penetracion ou
desestimacion de la personalidade.”
123
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 99 e ss
124
V. OKSANDRO GONCALVES, A Disregard doctrine…Ob. cit., p. 151.
125
V. OKSANDRO GONÇALVES, A Disregard doctrine…Ob. cit., p. 151.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
característica própria deste instituto, em face da não observância da função para a qual
foi criada a ficção.126
Com vista a fundamentar a aplicação do instituto da “desconsideração” da
personalidade colectiva, desfilaram algumas teorias a favor e contra, que iremos
destacar a seguir.
Na análise das teorias historicamente surgidas para explicar e justificar o recurso
a uma solução, merecem a primeira referência as chamadas “teorias do abuso
subjectivo”. O seu principal representante é ROLF SERICK. De acordo com SERICK, a
autonomização da pessoa colectiva pode deixar de ser tida em consideração quando tal
forma jurídica é intencionalmente usada,” pelas pessoas singulares que se escondem por
detrás127 “da pessoa colectiva, para fins diferentes daqueles que estiveram na origem da
sua personificação pelo legislador. Nesta tese-ponto de partida para as teorias do abuso-
é evidente o papel da censurabilidade jurídica, o que se explica: SERICK veio pôr em
causa, de forma sistematizada a absolutização da personalidade jurídica da pessoa
colectiva, o que implicou que pusesse nesse labor grande cuidado, bem como a restrição
do recurso à “desconsideração da personalidade colectiva” a casos em que essa solução
pudesse parecer indiscutível, como acontece quando exista um abuso consciente da
pessoa colectiva. Do ponto de vista metodológico SERICK orienta a sua exposição em
torno da identificação de grupos de casos, três grandes grupos de situações em que a
utilização da pessoa colectiva é abusiva, caracterizada pela intencionalidade na
obtenção do resultado abusivo: a fraude à lei (quando se chega a um resultado proibido
por lei por uma via distinta daquela que é normativamente considerada, sempre que da
ratio da norma se retire que esta visa impedir a produção daquele resultado, e não
apenas a sua realização através do recurso ao meio a que se refere o preceito
considerado), a fraude e lesão de contrato (que consiste na utilização da pessoa colectiva
para prosseguir um resultado contrário ao fim-expresso ou claramente identificável-de
contrato), e o dano fraudulento causado a terceiros através da pessoa colectiva. Note-se
que o facto de SERICK fazer depender uma solução do carácter internacional do abuso
do instituto da pessoa colectiva veio a fazer da sua constituição uma tese muito restritiva
e, até, redutora.128
ROLF SERICK, [...] formulou as quatro proposições seguintes: a) quando
126
V. OKSANDRO GONÇALVES, A Disregard doctrine…Ob. cit., p. 151.
127
Portanto, o sócio ou sócios se escondem por detrás da sociedade para lograr seus intentos maléficos
contra os credores.
128
V.FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…ob. cit., pp. 104-105.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
através da pessoa jurídica burla-se uma disposição legal, uma obrigação contratual ou
se causa prejuízo a terceiros ou existe abuso da pessoa jurídica, somente nestes três
casos é possível desconsiderar a pessoa jurídica, pois restou violado o princípio da
boa-fé; b) para desconsiderar a pessoa jurídica não é suficiente alegar que esse
remédio é preciso para que se cumpra a lei ou um contrato; c) quando as normas
jurídicas estabelecem situações que levam em consideração valores especificamente
humanos, ou determinadas qualidades destes, então estes valores também são
aplicáveis às pessoas jurídicas; d) Se a forma da pessoa jurídica é utilizada para
ocultar que na realidade existe identidade entre as pessoas que intervêm em
determinado acto, e para que a norma jurídica se cumpra se requer que a identidade
dos sujeitos interessados não seja puramente nominal senão afectiva, então será
possível desconsiderar a personalidade jurídica.129
Era inevitável que a solução proposta por SERICK se visse confrontada com a
mesma questão que se debate a propósito de uma concepção subjectivista do abuso do
direito: a própria concepção do abuso do direito não pode deixar de partir de critérios
objectivos, desde logo porque a exigência da consciência do abuso viria a beneficiar
“aqueles que não conhecem escrúpulos”. Por isso qualquer construção jurídica que parta
da noção de abuso acaba por ser objectiva, centrada no excesso objectivo cometido no
exercício do direito (embora sejam sempre relevantes considerações de ordem
subjectiva quanto aos casos de violação dos limites impostos pela boa fé e pelos bons
costumes; já o limite do “fim social ou económico “do direito representa a consagração
de um critério puramente objectivo). Também no âmbito da tentativa de fundamentação
dogmática da “desconsideração da personalidade jurídica” da pessoa colectiva este
caminho foi percorrido, pelo que rapidamente vieram conquistar espaço, nesse domínio,
as teorias institucionais ou do abuso objectivo. Daí resultou que as novas análises
começaram a considerar relevante uma utilização objectivamente ilícita do instituto
pessoa colectiva, como os tribunais alemães cedo afirmaram e tem sido defendido pela
doutrina e jurisprudência dos restantes países europeus. De resto, o próprio
funcionamento do mecanismo “desconsideração da personalidade jurídica “ficaria
129
V. OKSANDRO GONCALVES, A Disregard doctrine…ob.cit., pp. 151-152; cit., ROLF SERICK,
Apariencia y en las sociedades mercantiles-el abuso de derecho por medo de la persona jurídica.
Barcelona: Ediciones Arial, 1958,p. 242-258.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
130
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., p. 107. A grande crítica que se faz a formulação de
SERICK, tem a ver com o facto de se entender que o abuso de direito é cognoscível objectivamente, o
contrário obstaria a que os pouco esclarecidos pudessem invocar essa figura, o trilho da subjectividade do
abuso do direito levantaria muitas dificuldades relativamente a questão da prova.
131
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 107-108. A teoria defendida pelos institucionalistas
aponta para o levantamento do problema da “desconsideração da personalidade jurídica” quando se usa a
sociedade como tal (instituição), para violação da ordem jurídico-económica estabelecida.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
Por fim cabe aqui uma referência especial às chamadas teorias negativistas, isto
é, que rejeitam a possibilidade de existência do instituto da “desconsideração da
personalidade jurídica”. Pioneira nesta atitude perante as soluções terá sido a posição de
ERICK SCHANZE, na obra Einmanngesellschaft und Durchgriffshaftung, de 1975.
SCHANZER procura, aí solucionar aqueles mesmos problemas que as doutrinas
resolvem (através do recurso à “desconsideração da personalidade jurídica” da pessoa
colectiva), mas utilizando uma solução completamente desligada das ideias, uma vez
que a operação de imputação a que recorre para o efeito já não é definida como uma
penetração na personalidade jurídica ou um regresso à ideia da relatividade da
capacidade jurídica da pessoa colectiva. Em SCHANZER, a causa dos problemas de
imputação, interpretação e aplicação da norma é a coexistência da associação e dos seus
membros. Logo, um problema é um autêntico problema de interpretação das normas de
organização das pessoas colectivas e das disposições que regulam as relações externas
da sociedade com terceiros; como a referida coexistência entre a associação e os seus
membros “é o ponto de partida” para a existência dos problemas de imputação,
132
V.FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 107-108. A teoria da aplicação da norma diz que a
pessoa colectiva é uma imagem, o que interessa é o conjunto de normas jurídicas a serem aplicadas
quando se suscita uma questão relativa a responsabilidade do sócio ou sociedade perante terceiros. É claro
que estas normas que a teoria de MULLER defende, têm como um dos fins a separação da personalidade
jurídica da sociedade, da personalidade jurídica dos sócios enquanto pessoas biologicamente formadas.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
3. Ponto de situação.135
133
V.FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit.., pp. 110-111. Esta teoria como se vê na explicação da
última parte do texto, defende o respeito rigoroso da personalidade colectiva no seguinte dizer: ” a
solução não pode consistir na desconsideração da personalidade jurídica dessa associação, nem tão pouco
na sua relativização”. Esta de (respeitar a personalidade jurídica das pessoas colectivas), parece ser a
posição defendida pela autora que temos vindo a seguir nesta parte do presente trabalho, como se pode
ver nas páginas 125 à 132 da obra citada.
134
V.FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 111-112.
135
Segundo FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp-125-132.
136
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., p. 125. Com este parágrafo torna-se evidente a posição da
autora com relação a construção dogmática do instituto da “desconsideração da personalidade jurídica”,
que se dirige no sentido de afastá-la, por considerar ser uma ameaça ao rigor teórico e prático da figura da
personalidade colectiva, posição com a qual concordamos, sem tirar mérito a permanente preocupação da
doutrina e jurisprudência em encontrar mecanismos de enfraquecimento de esquemas fraudulentos que
usam as máscaras da personalidade jurídica das pessoas colectivas para prejudicar a terceiros (credores
sociais).
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
casos em que se pretende a responsabilidade dos sócios para tutela dos interesses dos
credores sociais deve ser evitada, como se verá, toda e qualquer solução que implique o
sacrifício da personalidade jurídica da sociedade comercial, quando desnecessária (note-
se que este sacrifício faz perigar a segurança e a estabilidade do instituto pessoa
colectiva, não só a um nível genérico, mas ainda no caso concreto. Com efeito, uma vez
“desconsiderada “judicialmente vai ser impedida de continuar a participar no tráfico
jurídico; todavia esta desconsideração vai, assim produzir efeitos mais duradoiros do
que possa parecer, uma vez que “o risco de abuso em relação à pessoa colectiva […..]
subsiste após o levantamento do véu”). Para mais, como se exporá na generalidade dos
casos considerados de responsabilidade, a satisfação dos credores sociais pode ser
igualmente conseguida através do adequado funcionamento das regras jurídico-
societárias que prevêem, em certas circunstâncias e verificados determinados
pressupostos, uma responsabilização directa dos sócios de responsabilidade limitada
perante os credores sociais, ou através da aplicação rigorosa das regras que estabelecem
a responsabilidade “interna” do sócio perante a sociedade ou mesmo através do recurso
à figura do administrador de facto.137
A verdade é que, nas diferentes ordens jurídicas onde a questão da
“desconsideração da personalidade jurídica” das sociedades comerciais encontrou
terreno fértil para ser implementada ao nível da responsabilidade dos sócios pelas
obrigações sociais, foi um meio através do qual doutrina e jurisprudência procuraram
resolver específicos problemas de tutela dos credores sociais-problemas esses para os
quais os interpretes demonstram não encontrar solução adequada através do recurso
imediato às disposições legais vigentes no domínio jus-societário. E talvez a grande
dificuldade sempre sentida na tentativa de justificação dogmática da “desconsideração
da personalidade jurídica “reside, afinal-simplesmente-no facto de não estarmos perante
um “instituto”, mas antes perante a tentativa de obter um determinado resultado que, em
concreto se afigura o mais justo. No fundo, a elaboração de “grupos de casos” resulta do
facto de existirem grupos de situações nas quais se colocam problemas cuja solução
legal imediata o intérprete não se conforma; em comum, estes casos parecem ter apenas
a capacidade de suscitar a necessidade de uma solução. A evidente funcionalização do
alegado “instituto” ao resultado pretendido tem impedido aqueles que defendem a sua
aplicação de procederem à identificação de um núcleo jurídico comum a todas as
137
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 125-131.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
situações da vida às quais ele pudesse estar apto a aplicar-se, o que leva a que seja mais
aceitável, pelo menos nesta fase, a referência a um “método”, “mecanismo”, ou
“solução”.138 Simplesmente, cabe antes de mais
averiguar se o pretendido efeito de responsabilização dos sócios de responsabilidade
limitada passa, efectivamente, pela “desconsideração da personalidade jurídica” da
sociedade em causa, ou se podemos estar, em concreto, perante um fenómeno de
natureza diferente. Depois, para melhor se compreender o sentido e o alcance do
referido mecanismo, impõe-se a análise dos chamados “grupos de casos” a que ele
costuma ser aplicado: é que esta aplicação tem conhecido movimentos evolutivos, quer
ao nível da doutrina quer da jurisprudência. Perante um ponto de situação actual, tentar-
se-á dar resposta à questão da eventual “autonomia” deste meio de responsabilização do
sócio de responsabilidade limitada pelas obrigações sociais.139
138
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., p. 131.
139
Idem FÁTIMA CORDEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 131-132.
140
V. Neste sentido, COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 176.
141
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 176, na mesma direcção o Código das Sociedades
Comerciais comentado, AAVV, coordenado por COUTINHO DE ABREU, artigo 5, pp. 100-101; v.
também, COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…Ob. cit., p. 197 e ss, v. também., SOVERAL
MARTINS, “Da personalidade e capacidade jurídica das sociedades comerciais” em AAVV (coord.de
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
Coutinho de Abreu), Estudos de Direito das Sociedades, 9ª ed., Almedina, Coimbra,2010; 10ª ed.,2010,
p.105-110.
142
COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob.cit.,177
143
V. PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração…..Ob. cit., p. 19. As duas definições apresentadas não
são inconciliáveis.
144
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 178, num sentido contrário MEZEZES CORDEIRO,
Do levantamento da Personalidade Colectiva. Direito e Justiça. 0671-0376-vol 4, 1989/90, p. 147-161,
especificamente na p. 159, entende que a concretização da figura do “levantamento”, quanto a nós
desconsideração de corre de dois factores a saber:
- o alcance atribuído ao princípio da boa fé;
- o regime legal vigente quanto as sociedades unipessoais.
145
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 178.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
146
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 178.
147
V. RICARDO DE ANGEL YAGUEZ, La doctrina de “Levantamiento del velo” de la persona
jurídica en la jurisprudência, 4ª ed., Editora Civitas, Madrid,1997, p. 55. Não é fácil perceber apriori (no
momento da constituição ou logo depois) que y sociedade foi constituída com interesses “fraudulentos”,
essa percepção decorre de interpretações submetidas ao comportamento do (s) sócio (s) quando estão em
causa direitos de terceiros. Os casos que conduzem a desconsideração que têm sido apontados, são o
desenvolvimento do estudo feito por ROLF SERICK, percursor da doutrina da desconsideração.
148
V. RICARDO DE ANGEL YAGUEZ, La doctrina…Ob. cit., p. 55; v. considerações tomadas na nota
anterior sobre o rol de destacados casos conducentes a desconsideração.
149
Idem.,v. RICARDO DE ANGEL YAGUEZ, La doctrina…Ob. cit., p. 55; esta construção não foge da
apresentada por COUTINHO DE ABREU, (casos de imputação e casos de responsabilidade).
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
150
Os casos de imputação para efeitos deste estudo, ocorrem quando determinados conhecimentos,
qualidades ou comportamentos de sócios são referidos ou imputados à sociedade e vice- versa, segundo
COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 179, apresenta de forma detalhada estes casos com
exemplos bastante elucidativos.
151
V. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., pp. 179-180, v. art. 5 do CSC em comentário, Ob.cit.,
AAVV, coord por COUTINHO DE ABREU, pp. 101-102, cit., COUTINHO DE ABREU, Da
Empresarialidade…pp. 342,ss, cit., Acórdão da RP de 17/2/2000,CJ,2000,,I, cit., Acórdão da RP da
13/5/93,CJ,1993,III,p. 199.
152
V. PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração…Ob. cit., pp. 23-24; Sob a epígrafe COLOCAÇÃO DO
PROBLEMA, apresenta em alíneas, a) à u) um conjunto diversificado de situações de imputação algumas
coincidentes com os casos de imputação apresentados por COUTINHO DE ABREU, no seu curso…..ob.
cit., pp. 179 e ss.
153
Os casos de responsabilidade, ocorrem quando a regra de responsabilidade limitada ou da não
responsabilidade é quebrada para serem chamados os sócios de uma sociedade por quotas ou anónima, (
descapitalização provocada por sócios, mistura de patrimónios, subcapitalização material manifesta) v.
COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 178, bem desenvolvido.
154
MENEZES CORDEIRO. Do levantamento da Personalidade Colectiva. Direito e Justiça. 0671-0376,
vol. 4, 1989/ 90. p. 147-161.
155
MENEZES CORDEIRO. Do levantamento…ob. cit., p. 155.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
156
V.COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., pp. 176-187; Fica deste modo clara a posição do citado
Prof, que é favorável a desconsideração, optamos em grande medida pela sua abordagem por ser a mais
seguida na Universidade de Coimbra e muito referenciada na doutrina portuguesa, sendo a ele atribuído o
mérito da reactivação do estudo da desconsideração da personalidade colectiva, v. a este propósito, a
anotação seguinte, v. também outras posições em OKSANDRO GONÇALVES,…A Disregard
docrtine...Ob. cit., p. 164; JAIRO SENTO-SÉ, Desconsideração da personalidade…Ob. cit., pp. 293-294
157
Este título extraímos da obra considerada primeira a dar tratamento esta matéria em Portugal, PEDRO
CORDEIRO, A Desconsideração…Ob. cit., pp. 37-52, segundo FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…….Ob.
cit., p. 306 ” [….] Entretanto, PEDRO CORDEIRO publicou, em 1989, a primeira monografia nacional
sobre o tema, o estudo A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais; a
mesma autora na sua tese destaca o papel do Professor COUTINHO DE ABREU na abordagem
doutrinária deste “instituto” ao dizer que: Deve-se a COUTINHO DE ABREU, em obra de 1983, o
regresso a questão da “desconsideração da personalidade colectiva”, que o autor apresenta como
consequência de uma ideia “substancialista”, não absolutizadora” da personalidade jurídica-só assim se
explicará a possibilidade de “tomar em conta o substrato pessoal e /ou patrimonial” da sociedade, o que
permitirá tanto “levantar o véu” da personalidade (“tratando como transparente” essa personalidade
jurídica da pessoa colectiva) como derrogar o “princípio da separação, v. FÁTIMA RIBEIRO, A
Tutela…..Ob. cit., p. 305, cit., COUTINHO DE ABREU, Do Abuso do direito…cit.,pp. 105 e ss. Na tese
de FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob.cit., a matéria da desconsideração no Direito Português vem
desenvolvida nas páginas 299-347.
158
Curiosamente, MENEZES CORDEIRO, Do levantamento…ob. cit., p. 151, anotação 21, atribui a
posição de pioneiro no uso do termo “ desconsideração “ na doutrina portuguesa ao Professor
OLIVEIRA ASCENSÃO, nas seguintes palavras: “…a doutrina portuguesa pioneira-assim, OLIVEIRA
ASCENSÃO, Lições de Direito Comercial-vol.I-Parte Geral ( 1986/87), utiliza o termo
“Desconsideração” da personalidade;…”, o que contrasta com a ideia da abordagem doutrinária da
desconsideração ter sido retomada pelo Professor COUTINHO DE ABREU em 1983, v. anotação
anterior, 80, supra.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
dois sócios pelo preço de 300.00$00 cada uma (abandonando deste modo a sociedade);
manter-se ia o acordo entre a sociedade inglesa e a portuguesa para a fabricação dos
produtos por aquela licenciados […..] e, para além de outras cláusulas especiais, os
quatro sócios primitivos comprometiam-se a “não fabricar um produto similar no
território português “enquanto perdurasse a vigência do acordo entre as duas Handy-
Angle.
Saindo da sociedade Jorge Valentim de Almeida dedica-se por completo à
sociedade “Joaquim Valentim de Almeida & Filhos, Lda.”, fundada por seu pai e, a
partir de Março de 1965, vem a ficar com 95%do capital social, enquanto os restantes
5% são pertença de sua mulher-D.Lidia Valente de Almeida-com quem se acha casado
em regime de comunhão geral de bens. A sociedade começa a comercializar produtos
idênticos aos da Handy-Angle e daí a acção intentada por esta com fundamento na
violação do compromisso assumido em Julho de 1964. Jorge defendeu-se, sustentando é
a sociedade-pessoa jurídica distinta, que não celebrou qualquer acordo – e não ele, que
está a fabricar e a comercializar tais produtos159.
Sobre este caso foram elaborados dois pareceres por renomados jurisconsultos
da época, nomeadamente, o Professor ANTUNES VARELA e FERRER CORREIA,
que embora tenham partido de pressupostos diferentes chegaram a conclusões
condizentes com a “desconsideração”160. O referido caso acabou sendo resolvido
extrajudicialmente.161
Um segundo caso destacado, em que foi invocada a “desconsideração”, pelos
respectivos Autores (Álvaro e Ilídio e respectivas esposas) na petição inicial, foi o do
ARSOPI-Industrias Metalurgicas Arlindo S. Pinho, Lda. Submetido o caso à apreciação
do Professor GALVÃO TELES, que para o efeito estudou as obras de SERICK e
VERRUCOLI, concluiu pela não aplicação da “desconsideração” por entender que não
estavam reunidos os pressupostos para a sua aplicação.162-163
A ordem jurídica portuguesa, não adoptou uma disposição legal concreta, que
159
V.PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração…Ob. cit., pp. 37-39.
160
V.PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração …Ob. cit., pp. 37-39.
161
Idem.,p. 39, nota 34, “O litígio que deu origem aos pareceres dos Profs. ANTUNES VARELA E
FERRER CORREIA, acabou por ser resolvido por acordo das partes, não dando, pois, lugar a qualquer
decisão judicial”.
162
Para detalhes dos factos relativos a este caso, v. PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração…Ob. cit.,
p. 41.
163
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 300-301, no mesmo sentido PEDRO CORDEIRO, A
Desconsideração…Ob. cit., p. 44.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
164
ARMANDO MANUEL TRUNFANTE e LUÍS DE LEMOS TRUNFANTE, “A Desconsideração da
personalidade jurídica-Sinopse doutrinária e jurisprudencial” in Julgar, 2009, p. 131.
165
V.PEDRO CORDEIRO, A Desconsideração…Ob. cit., p. 51.
166
V.COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 177.
167
V. COUTINHO DE ABREU, Diálogos com a jurisprudência, II-Responsabilidade dos
Administradores para com os credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica, Direito das
Sociedades em Revista (DSR), Almedina, Coimbra, 2010, pp. 52e53. “ Para serem ressarcidos, os
credores sociais recorrem frequentemente e indiscriminadamente à responsabilidade dos sócios gerentes
pela via do art. 78º, 1, do CSC e pela via da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades.
São caminhos diferentes e alternativos. Sujeitos responsáveis, segundo o art.78º, 1, são os gerentes (de
direito ou de facto), sejam sócios ou não-sócios; os sócios- gerentes respondem para com os credores
sociais-verificados os pressupostos daquele preceito-enquanto gerentes (no exercício de funções de gestão
e/ou representação), não enquanto sócios. Pela desconsideração da personalidade jurídica, somente sócios
(enquanto tais) são atingidos, não gerentes; o sócio gerente é responsabilizado por ser sócio, não por ser
gerente. Estando em causa comportamentos dos gerentes (-sócios) que entrem no campo de aplicação do
art.78º,1,há que ir por aqui, não pela desconsideração da personalidade jurídica. Estando em causa certos
comportamentos dos sócios (-gerentes)-enquanto sócios-,poderá ir-se pela desconsideração da
personalidade colectiva.” Assim, no entender de COUTINHO DE ABREU, O n. 1 do artigo 78º do CSC
não se aplica a desconsideração da personalidade jurídica.
168
MENEZES CORDEIRO, Do levantamento…ob. cit., p. 159, diz que: “A aplicação da figura do
levantamento da personalidade colectiva em Portugal não oferece dificuldades.” Esta posição é
completamente contrária a dos diversos acórdãos em Portugal sobre a matéria.
169
A formulação do artigo 87º do Código Comercial moçambicano, que pela primeira vez introduz a
figura da desconsideração da personalidade jurídica, mostra-se distante dos pressupostos teóricos
doutrinários relativos a esta figura, pelo menos nos aspectos que têm sido geralmente estudados sobre a
matéria. Por ex., ao referir –se ao abuso do poder económico, não fica suficientemente claro em que
consiste este abuso, a menção aos direitos do meio ambiente, são de entre outros, aspectos que suscitam
sérias interrogações. Por outro lado, Moçambique ainda não possui uma legislação especial sobre grupos
de sociedades. As revisões dos diferentes diplomas legais na nossa ordem jurídica, devem também
obedecer critérios científicos rigorosos.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
170
V. FÁTIMA RIBEIRO, A Tutela…Ob. cit., pp. 311-326, tb., COUTINHO DE ABREU, Dialogo com
a jurisprudência…Ob. cit., pp. 49-52.
171
COUTINHO DE ABREU, Curso…..Ob. cit., p. 187, defende uma posição contrária ao dizer “Apesar
das críticas de que vem sendo alvo (défices “dogmáticos”, de nitidez, certeza e segurança, etc.) a figura da
desconsideração da personalidade colectiva (e da subjectividade jurídica) revela-se muito capaz de
contrariar algumas disfunções das sociedades perpetradas por sócios”.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
172
Terminologia preferida por COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 183.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
daquela sociedade.”173
13. A desconsideração da personalidade jurídica, aplicada às sociedades
comerciais de tipo tradicional174 (ex. por quotas), em que os sócios são apenas pessoas
físicas, deixa na insegurança total o património não societário ou pessoal do (s) sócio
(s), inclusive as suas “relíquias”.
14. O lançamento da “desconsideração”, primeiro pela jurisprudência seguido da
doutrina e acolhida mais tarde por algumas legislações, transparece a velha ideia
iluminista de que o homem é o centro de todas as coisas, ele é que é, efectivamente o
sujeito de direitos e obrigações. É igualmente, um claro reconhecimento à teoria
ficcionista da personalidade jurídica (a pessoa jurídica é uma simples ficção).
15. A doutrina da “desconsideração da personalidade jurídica” tem como um dos
grandes méritos o reexame do instituto da personalidade jurídica com vista a sua
reafirmação ou não (absolutização ou não).
16. Em última análise alinhamos com a ideia de que o que se deve fazer não é
“desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade comercial” como tal, mas derrogar
o princípio da separação do património, partindo da formulação jurisprudencial […..]
derrogar o princípio da separação entre o ente societário175 e as pessoas que em nome
e em representação del[e]actuem.176
173
Autora citada por, ARMANDO MANUEL TRUNFANTE e LUÍS DE LEMOS TRUNFANTE, “A
Desconsideração da personalidade jurídica-Sinopse doutrinária e jurisprudencial” in Julgar, 2009, p.
137.
174
Ao nos referirmos a sociedades de tipo tradicional, temos em vista a concepção inicial, sociedades
simples, constituídas apenas por pessoas físicas, em contraposição ao cenário dos dias de hoje, em que
temos sociedades coligadas (num complexo de relações jurídicas) conforme art.481º e ss do CSC. O
problema da desconsideração não se levanta com relação as sociedades em nome colectivo pelo seu
regime jurídico natural, v. art.175º /1 do CSC.
175
Derrogação não do princípio da separação da personalidade jurídica dos sócios face a sociedade, mas
dos patrimónios, onde vem “separação entre o ente societário”, seria ” separação entre o património
societário". A solução passaria por levantar o véu da separação do património e não da personalidade
jurídica como tal. A personalidade jurídica das sociedades não está necessariamente ligada ao seu
património de uma forma geral, mas ao seu capital social, v. als.f,g e h) do art.9º conjugado com o art.5º ,
todos do CSC. Por isso faz todo o sentido derrogar o princípio da separação do património dos sócios e
da sociedade sem pôr em causa a personalidade desta, salvo se for tocado o capital social. Aliás parece ser
esta a posição do Prof. COUTINHO DE ABREU, Curso…Ob. cit., p. 176, ao definir a desconsideração
da personalidade jurídica colectiva das sociedades como a “derrogação ou não observância da autonomia
jurídico-subjectiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respectivos sócios”.
176
V. COUTINHO DE ABREU, Diálogos com a jurisprudência…..ob. cit., p. 51, cit. Ac. da RP de
15/10/01.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
177
V. Por todos (com a epígrafe Tipos doutrinários societários), desenvolvidamente, COUTINHO DE
ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. II, 4ª Ed., Almedina, 2011, pp. 67-72.
178
Últ ob. cit., p. 67.
179
Últ. ob. cit., p. 68.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
180
V. Neste sentido COUTINHO DE ABREU, últ. ob. cit., pp. 68-70.
O DIREITO DE EMPRESAS. UM DIREITO EMERGENTE E HETEROGÊNEO
181
Idem, desenvolvidamente no mesmo sentido COUTINHO DE ABREU, últ. ob. cit., pp. 68-72.
182
Sobre o comerciante pessoa singular, por todos, v. detalhadamente MENEZES CORDEIRO ob. cit.,
pp. 229-237.
183
Sobre proibições, incompatibilidades, inibições e impedimentos do exercício da actividade comercial
(empresarial) v. tb. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pp. 235-237.
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