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Coronavírus na pediatria

Bom, gente, em janeiro de 2020 tivemos a identificação do SARS-CoV-2, um


beta coronavírus que causa a Covid-19, doença que se disseminou pelo globo e
tem causado grande número de mortes e colapso do sistema de saúde de
vários países. Até o momento, vários artigos têm sido publicados com a
epidemiologia e as características clínicas da Covid-19, porém, uma das coisas
que vem chamando mais atenção com relação a essas publicações é a
característica da doença nas crianças.

Praticamente todos os estudos evidenciam um acometimento mais leve em


crianças, com menor número de casos descritos em pediatria do que em
adultos e idosos. Mas isso não significa que as crianças tenham menor
suscetibilidade a infecção. O que provavelmente ocorre é que os casos
pediátricos como são mais leves e, muitas vezes, assintomáticos, não são
testados, nem diagnosticados. Mas é importante frisarmos que, à priori, as
crianças apresentam o mesmo risco de infecção dos adultos.

Quadro clínico

Assim, porém, o quadro clínico em crianças realmente tem sido evidenciado


como mais leve e com prognóstico melhor. Existem relatos de que crianças
fazem mais infecção assintomática do que em adultos, mesmo assim, a maioria
das crianças que são acometidas pela Covid-19 são sintomáticas com poucos
casos registrados de assintomáticos.

Algumas hipóteses foram levantadas para explicar o quadro clínico mais brando
nas crianças. Para destacarmos algumas, vamos citar algumas coisas que têm
aparecido nos artigos científicos. A primeira é que as crianças, em geral, têm
menos atividades externas que os adultos e, em geral, são infectadas por seus
familiares. Quando elas são infectadas por seus familiares, em geral, elas são
infectadas na segunda, ou terceira geração de vírus, que durante a sua
replicação acabam apresentando mutações e podem apresentar uma virulência
menor por conta disso. Daí as crianças terem quadros clínicos mais brandos do
que os adultos.

Outra hipótese é a capacidade aumentada do sistema imune inato em crianças,


o que gera uma resposta mais rápida a essa infecção do que em adultos. Além
disso, o sistema imune adquirido nas crianças é mais frágil e, com isso, você tem
menos apoptose celular gerada por esse sistema, o que também pode indicar
um melhor prognóstico nessas crianças.

As crianças também apresentam número e função reduzidos dos receptores da


enzima conversora de angiotensina, que tem sido estipulada como receptor que
o vírus utiliza para a entrada nas células, quanto menor os receptores, menor a
viremia e, teoricamente um quadro clínico mais brando.

Outras teorias que têm sido levantadas pelos estudos dizem respeito às
imunidades prévias que as crianças podem ter com outros vírus, causando uma
imunidade cruzada, menos comorbidades, menos exposição ao tabaco e
poluição ambiental do que os adultos e uma melhor capacidade de recuperação
das crianças em frente às infecções virais.

O período de incubação médio nas crianças parece ser maior que em adultos.
Cinco dias nas crianças versus quatro dias em adultos. Além disso, as crianças
parecem manter períodos de eliminação viral maior que em adultos e existem
relatos de permanência de vírus nas fezes por duas a quatro semanas, o que
pode ter importância epidemiológica e no controle epidêmico.

Aparentemente, a maioria dos contágios em crianças aconteceram dentro do


seu ambiente familiar e alguns estudos têm questionado a importância do
estado de portador assintomático de crianças na epidemia atual. Isso ainda não
está muito bem definido na literatura, se as crianças assintomáticas podem ou
não ter uma capacidade maior de eliminação viral e de transmissão para outras
pessoas.

Manifestações clínicas

As manifestações clínicas descritas na pediatria são bem semelhantes às dos


adultos. A presença de febre, tosse seca, odinofagia, dispneia, hipoxemia,
distúrbios gastrointestinais, mialgia e fadiga. Tem sido descrito também a
ocorrência maior nas crianças de sintomas de vias áreas superiores como
obstrução nasal e rinorreia. Cerca de 50% das crianças acometidas apresenta
pneumonia. Em neonatos os sintomas podem ser mais inespecíficos com clínica
de sepse-like e regurgitação.
A duração da febre parece ser menor em crianças e elas apresentam mais
sintomas gastrointestinais que adultos. Ao exame físico, as crianças podem
apresentar sibilos estertores na ausculta pulmonar, hiperemia conjuntival ou de
orofaringe, sinais de obstrução nasal. Crianças mais graves podem apresentar
taquipneia, dispneia, desidratação e mesmo sinais de choque. Vale lembrar que
a Sociedade Brasileira de Pediatria, no momento, orienta a realização de
oroscopia apenas se for muito necessário, com o profissional de saúde usando
equipamentos de proteção individual mesmo em pacientes assintomáticos, uma
vez que esse procedimento pode causar aerolização e contaminação do
profissional.

Exames laboratoriais e de imagem

Os exames laboratoriais podem ser totalmente normais nas crianças, mas


também podem apresentar linfopenia, leucopenia, aumento da CKMB, aumento
da LDH, aumento do D-dímero e alterações de enzimas hepáticas. Porém, as
crianças fazem menos alterações laboratoriais que os adultos.
Os exames de imagem podem demonstrar presença de consolidações,
opacidades em vidro fosco, infiltrados reticulares, lesões em alo e a opacificação
completa dos pulmões. Um estudo relatou presenças de derrame pleural em
criança com Covid, mas ela apresentava co-infecção com o vírus sincicial
respiratório. Em geral, as lesões costumam ser mais periféricas ou subpleurais.
Em crianças, a tomografia torácica não parece ser um preditor de doença como
nos adultos e até o momento a realização de tomografia computadorizada não
está indicada para casos leves. Em geral, as imagens se iniciam no 4º dia de
doença com piora progressiva até 14º dia da doença e regressão das lesões a
partir desse momento.

Pacientes graves

Embora a doença, em geral, seja mais leve em crianças que em adultos, ela
pode ser grave e existem relatos de mortes por Covid na faixa etária pediátrica.
Os pacientes com maior risco de evolução para doença grave são:

 Aqueles menores de um ano;


 Pacientes com cardiopatias congênitas com repercussões hemodinâmicas ou após
correções cirúrgicas, mas que mantém sinais de insuficiência cardíaca, hipertensão
pulmonar, cianose ou hipoxemia;
 Pacientes asmáticos ou com doenças pulmonares crônicas;
 Pacientes com imunodeficiências moderadas a graves, ou com doenças que indiquem o
uso regular de imunoglobulinas;
 Pacientes transplantados em uso de imunossupressores ou que tenham realizado o
transplante a menos de um ano;
 Hipertensos e obesos.

Embora em adultos o diabetes seja considerado como fator de risco, a


sociedade brasileira de pediatria não considera os pacientes pediátricos com
diabetes como grupo de risco, pelo menos com as evidências atuais.
Como preditores de doenças mais graves em crianças descritos na literatura nós
temos:

 Pacientes com coinfecção com outros vírus;


 Febre maior que 38º;
 Linfopenia;
 Aumento da procalcitonina, que pode estar relacionada a infecções bacterianas
associadas;
 Aumento da proteína C reativa;
 Aumento do D-dímero;
 Aumento da CKMB;
 Hipoxemia;
 E alterações em vidro fosco na tomografia de tórax.

Tratamento

Quanto ao tratamento, ainda não existe tratamento específico para a Covid-19.


Alguns estudos relatam tratamento com antivirais como ribavirina e oseltamivir,
mas ainda sem indícios que justifiquem o uso rotineiro dessas medicações. O
oseltamivir pode ser iniciado até que se descarte coinfecção pelo influenza. Não
existem estudos com o uso de cloroquina em crianças até o momento. O uso de
interferon inalatório lopinavir-ritonavir não é recomendado em crianças,
embora alguns estudos citem o seu uso, mas também ainda sem indícios que
justifiquem o uso rotineiro.
O tratamento é de suporte. São descritas na literatura o uso de oxigênio
inalatório, ventilação não invasiva, ventilação mecânica invasiva, corticoides,
imunoglobulinas, terapias de reposição renal, oxigenação por membrana extra
corpórea. A antibioticoterapia deve ser reservada para os casos suspeitos de
infecção bacteriana associada.

Devemos ter cuidado com o balanço hidroeletrolítico desses pacientes para


minimizar a evolução para quadros mais graves. Manter sempre os tratamentos
de base do paciente, como corticoides inalatórios, anti-hipertensivos e insulina.
Evitar o uso de nebulizadores e preferir o tratamento com inaladores
dosimetrados.

O uso de oxigenoterapia está indicado, principalmente, em pacientes com


hipoxemia, mas devemos ter bastante cuidado em não retardar medidas
terapêuticas mais eficazes. Pacientes com hipoxemia e indícios de aumento de
esforço respiratório, muito provavelmente, necessitam de suporte ventilatório e
só o aumento do fluxo de oxigênio nesses pacientes não deve melhorar o
quadro, ao contrário, pode haver piora progressiva e irreversível. Lembrar
sempre da umidificação e aquecimento do oxigênio, com maior atenção na
presença de longos circuitos e com alto fluxo de oxigênio.
Com relação ao suporte ventilatório, em crianças, a ventilação não invasiva e o
uso de máscara de Venturi não estão prescritas, mas sempre avaliar com cautela
devido ao risco de aerolização. Sempre avaliar a necessidade de ventilação
mecânica invasiva para evitar atrasos e piora prognóstica. Considerar a pré-
oxigenação com máscara não reinalante para reduzir a aerolização. Caso seja
necessário, utilizar dispositivo máscara-balão ou dispositivos supraglóticos
conectados a filtro HEPA.

A intubação deve ser realizada com sequência rápida pelo operador mais


experiente presente e se possível por videolaringoscopia. A ideia é que a
intubação seja realizada rapidamente para minimizar a exposição da equipe. O
modo ventilatório deve ser ajustado de acordo com a fase da doença, mas tem-
se preconizado o uso de ventilação protetora com ventilação controlada a
volume. Usar volumes correntes de 6 ml/kg ou 4 a 6 ml/kg nos neonatos com
PEEP adequada, deltas de pressão de no máximo 15 cm de água e menor FO2
possível. Utilizar mínimo de sedação possível e evitar o uso de bloqueadores
neuromusculares quando possível. Cuidado com os tubos sem balonetes que
usamos na pediatria, porque eles podem gerar escape e redução do volume
corrente. Nestes casos, é importante observar sempre o volume corrente
expirado, porque é uma avaliação mais fidedigna da quantidade de gás que
chega aos alvéolos. Em alguns casos, considerar a posição prona.
Neonatos

Com relação ao atendimento aos neonatos com suspeita ou confirmação de


Covid, até o momento não existem indícios de transmissão vertical pela Covid-
19. Amostras de sangue de cordão umbilical, placenta, líquido amniótico e leite
materno não demostraram presença do vírus. Porém, esses trabalhos foram
realizados todos no 3º trimestre da gestão e ainda não se sabe sobre o
comportamento do vírus nas outras fases da gestação. O aleitamento materno,
portanto, não está contra indicado, devendo ser estimulado. Porém, como a
transmissão ocorre por gotículas, a mãe deve utilizar máscara durante todo o
tempo e lavar as mãos antes de pegar o bebê. Caso não se sinta confortável,
pode ordenhar o leite materno para outro cuidador oferecer a criança.

O atendimento à sala de parto deve ocorrer com cuidados específicos. Fazer o


clampeamento do cordão no momento habitual, não fazer contato pele a pele e
adiar amamentação para momento com condições de proteção, mesmo assim
mantendo conduta acolhedora.

No caso de necessidade de reanimação neonatal, reanimar em sala separada ou


com distância de dois metros da mãe. Usar sempre o filtro HEPA no balão alto
inflável e no ventilador mecânico manual em T. Os pacientes assintomáticos
podem ficar no mesmo quarto da mãe, com distância entre o berço e a mãe de
dois metros, uso de máscara cirúrgica pela mãe e higienização das mãos antes
de tocar o bebê. Se o bebê está doente, deve ficar na unidade neonatal em
isolamento, em quarto privativo ou a dois metros de cada incubadora. A mão
não deve ir à unidade neonatal até passar os 14 dias de isolamento, caso ela
seja portadora da Covid.

Durante as manobras de reanimação em neonatos podemos manter a


ventilação por pressão positiva, o CPAP ou a ventilação mecânica manual
conforme as orientações dos rotinos de reanimação neonatal. Manter o uso do
tubo sem o balonete e sem indicação de obstrução do tubo por qualquer
dispositivo, porque isso vai causar um provável atraso da ventilação do recém-
nascido. Avaliar o uso de surfactante e a presença de hipertensão pulmonar
com necessidade do uso de oxido nítrico.

Repercussões psicológicas

Por último, vamos valar das repercussões psicológicas da epidemia para as


crianças. Vários problemas emocionais podem ocorrer nas crianças devido a
situações de confinamento em casa, perda de vínculos familiares, crianças em
isolamento com a doença, crianças cujos pais e familiares com a doenças estão
isolados, crianças cujos pais e familiares morreram.

Estudos chineses já sugeriram o aumento da ocorrência de transtorno do


estresse pós-traumático, com potencial aumento do risco posterior de
desenvolvimento de distúrbios de humor, psicoses e suicídio. É importante que
os pediatras saibam orientar sobre como abordar a doença com as crianças de
uma maneira lúdica e o acesso a atividades físicas dentro do ambiente de
confinamento.

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