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QUANTO CUSTA PAGAR IMPOSTOS EM PORTUGAL? Os custos de cumprimento da tributacdo do rendimento CIDALIA MARIA DA MOTA LOPES Doutora em Organizagio e Gestio de Empresas hha Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC) Professora no Instituto Superior de Contabilidade e Administragao de Coimbra (ISCAC) QUANTO CUSTA PAGAR IMPOSTOS EM PORTUGAL? Os custos de cumprimento da tributagao do rendimento \1A ALMEDINA NOTA PREVIA Este livro corresponde, com algumas adaptagoes, a dissertagio de doutoramento em Organizagao e Gestio de Empresas apresentada na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e defendida, a 13 de Julho de 2007, com a classificagio final de Muito Bom, com distingio e louvor, por unanimidade do juri. Torna-se, assim, necessdrio esclarecer 0 leitor que esta obra contém algumas diferengas relativamente a referida dissertagao. Foi reduzido, em particular, o desenvolvimento tedrico da parte metodoldgica e estatistica, com vista & sua simplificacao, de forma a atingir um ptiblico mais vasto. Entendemos, no entanto, que apesar das modificagGes introduzidas, 0 essencial das contribuigées tedricas e empiricas foram mantidas, podendo este livro contribuir para um conhecimento mais aprofundado dos custos do sistema fiscal portugués, com destaque para os custos de cumprimento dos impostos sobre 0 rendimento. A elaboragao de um trabalho de investigag&o conta com 0 contributo de muitas pessoas e este nao foi uma excepgao a essa regra. Por isso, aqui fica um agradecimento a todos os que contribufram para a sua concretiza- do. Os erros e incorrecgdes que 0 mesmo possa apresentar permanecem da responsabilidade da autora e nao dos que com ela colaboraram. Assim, um primeiro e especial agradecimento é devido, natural- mente, ao Professor Dr. José Guilherme Xavier de Basto, com quem ini- ciei o meu percurso pelo estudo dos impostos. A ele fico grata pelos seus muitos ensinamentos ao longo dos anos e pelo seu incondicional incen- tivo, apoio critico e amizade, recebidos durante esta longa jornada, desde a sugestio do tema a conclusao do trabalho final. Agradego ainda ao Professor Doutor Anténio Martins os conselhos, sempre titeis e oportunos, os quais contribufram, inequivocamente, para 0 enriquecimento e concretizagao deste trabalho. ‘Ao Doutor Michael Godwin, Sénior Researcher do Centre for Public L Quanto custa pagar impostos em Portugal? Economics da Universidade de Bath, no Reino Uni 10, © 40 Do Lawson, Director do Centre for Public Economics de mesma tn Cola dade, fico muito grata pelo acolhimento caloroso, durante g Tivers, Ao Doutor Tim Taylor, Director do curso POs-graduado Tax 10 de 2004 Tax Administration, pelo apoio dado, no mesmo ano, na Universi Qng Bath, 0 qual em muito contribuiu para melhorar ¢ aperfeigoar gt dade de mentos fiscais em teoria e administragao fiscal, mec; Na recolha dos materiais necessarios ao estudo do tema, um apa cimento especial aos meus amigos Dr. Jaime Devesa, Director de os le. gas de Coimbra, e a0 Dr: Manuel Joaquim Marcelino, Disecr de Finan, gas de Lisboa. No tratamento dos dados estatisticos, tealgo a Preciogg ajuda de Doutor Alexandre Gomes Silva, docente do ISCAC, edo Dr Rui Brites, professor do Instituto Superior de Ciéncias do Trabalho e a Empresa (ISCTE). Por tiltimo, mas néio menos importante, agrade G0 A minha familia, que me acompanhou ao longo de todo este percurso, INTRODUGAO. O presente livro versa sobre a andlise dos custos de cumprimento da tributagao do rendimento no sistema fiscal portugués. Mais concreta- mente, procura-se identificar os principais custos de cumprimento no sis- tema dos impostos de rendimento e procede-se, tanto quanto possivel, 4 sua quantificagao. O estudo desenvolve-se em trés partes. A primeira destina-se ao estudo dos factores que determinam os custos de cumprimento, proce- dendo-se para o efeito a uma revisao da literatura sobre 0 tema, compa- rando as metodologias usadas e os resultados obtidos nos estudos elabo- rados em diversos paises. Na segunda parte, seleccionaremos 0 método de cdlculo dos custos de cumprimento no sistema fiscal portugués e for- mularemos as hipéteses sobre as caracterfsticas dos contribuintes ¢ os factores do sistema tributario associados aos custos de cumprimento. Por fim, na terceira e Ultima parte, apresentam-se as conclusdes da andlise efectuada. O tema que nos propomos tratar é relevante sob varios pontos de vista. A ciéncia fiscal tem dado seguramente até ha relativamente pouco tempo mais atengdo aos objectivos da equidade ¢ da eficiéncia do que & simplicidade ¢ aos problemas de viabilizago ou funcionamento do sis- tema fiscal. S6 a evolugao das sociedades contempordneas, a crescente comple- xidade dos sistemas fiscais ¢ 0 consequente aumento da eroséo das maté- rias colectdveis conduziram os reformadores fiscais a preocuparem-se com a andlise da eficiéncia de um sistema fiscal do ponto de vista adminis- trativo. As preocupagées quanto & equidade do préprio sistema fiscal ¢ 0 con- sequente aumento da complexidade tributéria conduziram a que a simpli ficagiio fiscal se tornasse um objectivo independente dos restantes objecti- vos tradicionais a que um sistema e ea ae atender.! Na Tealidade, 4 preocupagéio em torno da simplificagao fiscal deve-se, em parte, & neces sidade de minimizar os custos decorrentes do funcionamento do Sistema fiscal . sopsdes de potica fiscal, ns tltimos anos focalicaram asa te, iio no incentivo a0 cumprimento fiscal voluntario. Nesta medida, inte. sna saber, por um lado, quais as estratégias mais eficientes no combate g evasiio ¢ fraude e, por outro, as que conduzem a menores custos de fun. cionamento do sistema tributério. Por ltimo, a convicgdo por parte dos governos e da comunidade cientffica de que existe uma importante margem de actuagao NOS Custos da tributagdo, a qual nao deve ser descurada pelos decisores puiblicos, ¢ que propiciaré, se devidamente aproveitada, ganhos efectivos na melhoria do desempenho administrativo ¢ na minimizagao dos custos de cumprimento impostos aos contribuintes. E F neste sentido que passou a ser preocupagao cimeira dos decisores piblicos a minimizacdo dos custos gerados pelo sistema fiscal, ainda que Sejam bem conhecidas as dificuldades em estabelecer 0 adequado equiltbrio entre, por um lado, a busca de maior eficiéncia, simplicidade e neutralidide e, por outro, 0 objectivo, nao menos relevante socialmente, da justica fiscal, ‘Assim, assistiu-se a um crescente desenvolvimento de estudos que quantificaram os custos de cumprimento, com diferentes graus de abran- géncia e de refinamento de andlise, nomeadamente na tiltima década, nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Austrélia, no Canadé e na Nova Zelandia. Do mesmo modo, mais recentemente, a Espanha, a Holanda, a Suécia, dedicaram especial atengdo aos custos de cumprimento decorren- | sta atitude esta bem presente no diferente modo de agir na aplicagao das refor- ‘mas fiscais mais modemnas. No Reino Unido, na Austrélia e nos Estados Unidos da Amé- rica (EUA) tém sido varias as iniciativas no sentido tornar a simplicidade e a componente administrativa do sistema fiscal uma prioridade auténoma a atender numa reforma fiscal, como veremos mais a frente. Em Portugal, a simplicidade também passou a estar presente ‘com muito mais frequéncia nos objectivos a atender pelo sistema tributério. Destacamos a reforma fiscal de 1989/90, no ponto 17 do predmbulo do Cédigo do Imposto sobre o Ren- dimento das Pessoas Singulares (CIRS), 0 Relatério Silva Lopes, em 1996, as propostas der istema fiscal portugués para o século XXI, em 1997, e, mais recentemente, © Grupo de Trabalho para a simplificacao do sistema fiscal por- ‘veal como critério essencial da reforma fiscal 0 critério Introdugéio 15 tes dos impostos. A Uniaio Europeia (UE) desenvolveu também esforgos no sentido de medir os custos de funcionamento dos sistemas tributérios. Tanto quanto é do nosso conhecimento, nao existem em Portugal estudos que tenham avaliado, de forma quantitativa e qualitativa, os cus- tos suportados pelos contribuintes no cumprimento das obrigag6es impos- tas pelo sistema e pelas regras fiscais. O presente livro procura, entio, medir e identificar as componentes dos custos de cumprimento no sistema tributdrio portugués, bem como determinar os factores que influenciam esses custos. Para atingir este objectivo, 0 nosso estudo centra-se na andlise dos custos de cumprimento do imposto sobre 0 rendimento dos contribuintes, em duas perspectivas: a quantitativa e a qualitativa. Na primeira, a quantitativa, estimam-se os custos directamente suportados pelos contribuintes no cumprimento dos seus deveres fiscais em sede do imposto sobre 0 rendimento das pessoas singulares (IRS) e do imposto sobre 0 rendimento das pessoas colectivas (IRC). A escolha inci- diu sobre o imposto de rendimento pela convicgao de que existe uma mar- gem importante de actuago, neste imposto, em matéria de politica fiscal. Na segunda abordagem, a qualitativa, procura-se obter informagao acerca das caracteristicas dos contribuintes e dos factores do sistema fiscal que esto associados aos custos de cumprimento suportados. Quanto aos contribuintes individuais, elegeram-se, com base na revi- so da literatura, os determinantes dos custos de cumprimento. Trata-se de factores pessoais (por exemplo, estado civil, ntimero de dependentes, idade), econémicos (por exemplo, actividade exercida, nivel de rendi- mento), e técnicos (tais como, fontes de rendimento). Por sua vez, e no que diz respeito 4s empresas, analisémos um conjunto de caracteristicas, tais como a dimensio, 0 sector de actividade e o mercado, as quais influenciam ‘0s custos de cumprimento. O estudo do comportamento e das atitudes dos contribuintes quanto ao cumprimento das obrigagGes fiscais constitui um novo interesse na teo- ria fiscal e reveste-se de grande acuidade, numa época em que os factores psicoldgicos e sociolégicos so cada vez mais tidos em conta. Assim, as atitudes dos contribuintes em relago ao sistema tributario, o seu relacio- namento com a administragao fiscal e os custos psicoldgicos resultantes do processo de cumprimento sao também, aqui, objecto de andlise. Definidos os objectivos do nosso trabalho, medimos os custos de cumprimento do imposto sobre 0 rendimento e formulamos as hipsteses Quanto custa pagar impostos em Portugal? de investigagao, as quais sao testadas com base em Amostras reg, rT partir dos dados do software Datawarehouse da Direcgag Geral ess cas, para as empresas, ¢, de entrevistas Pessoais, no caso dos contri individuais. A metodologia estatfstica descrita na segunda parte d balho foi entéio usada no tratamento dos dados. O presente livro encontra-se organizado como a Seguir se de, Na primeira parte, intitulada “Os custos de cumprimento do eve. fiscal: desenvolvimento te6rico e revisdo da literatura”, procede-ge 9 sao da literatura sobre o tema. Tevi. No primeiro capitulo, identificamos e definimos os Custos de fj cionamento do sistema fiscal (aquilo a que na literatura anglo-sax 20 Quanto custa pagar impostos em Portugal? ementada com uma breve abordagem qualitativa dag das pelos contribuintes no cumprimento fiscal, ‘nos factores psicol6gicos, é nosso objectivo, ainda perspectiva qualitativa, saber se os contribuintes incorrem em tue ma colégicos, bem como caracterizar 0 perfil dos contribuintes que ay Dai. custos mais elevados. . tam ‘A forma como OS contribuintes se relacionam com a admin; fiscal ea predisposicao destes para 0 cumprimento sao analisados aquando do estudo dos factores sociolégicos. Dado que pretendemos nao 86 quantificar os custos mas, t: analisar a sua distribuig&o ¢ os seus determinantes, optimos por recon” antigo de um questionétio por aplicagao de entrevista directa, uma ver nt permite recolher informagéo mais fidedigna relativamente as athe peronminantes dos custos de cumprimento, O local escolhido para a rahe sagao das entrevistas presencia foi pois, por limitagbes orgamenais e dg tempo, a repartigio de finangas de cada concelho do distrito de Coimbra, Usando os resultados obtidos no questionério, calculamos os cusiog de cumprimento directamente suportados pelos contribuintes, incluindo quer os custos de “tempo”, quer os outros custos incorridos e necessrios so cumprimento fiscal. Trata-se, assim, dos custos na recolha da informa. giao, no preenchimento € envio da declaragao de rendimentos, na compra deimpressos, de livros, e de equipamento, entre outros. O célculo dos cus. tos de cumprimento dos contribuintes individuais e a anélise dos resulta- dos sio elaborados, separadamente, para dois tipos de contribuintes, sem e com ajuda profissionalizada. ‘A metodologia estatistica que utilizamos para testar as nossas hipé- teses de estudo, é, numa primeira fase, a anélise de variancia simples, jé que pretendemos determinar 0 efeito isolado de cada variavel explicativa na varidvel dependente, que so os custos de cumprimento. Numa segunda fase, elaboramos uma andlise de variancia a mais do que um factor, na medida que se pretende analisar 0 efeito combinado das diversas varidveis explicativas nos custos de cumprimento. Por fim, pretendendo aferir a capacidade explicativa das nossas varidveis de estudo, apresentaremos um modelo global explicativo dos custos de cumprimento dos contribuintes individuais no seu conjunto. No segundo capitulo, o debate da metodologia e da anilise de resul- \ndlos centra-se nos custos de cumprimento do imposto sobre o rendimento soas colectivas (IRC). O nosso objectivo € avaliar quantitative: complemen sn, fiscais senti sas Quanto istracay NO final, também, Introdugao 21 mente os custos de cumprimento, detalhando as suas principais compo- nentes, e, também, 4 semelhanga dos contribuintes individuais, determinar os factores associados aos custos de cumprimento das empresas, para os quais formulamos hipoteses a testar. Do conjunto de caracterfsticas das empresas societdrias que determi- nam custos de cumprimento mais elevados, analisaremos, entre outras, a dimensao, 0 sector de actividade, e 0 mercado (nacional, europeu ¢ inter- nacional). De seguida, apresentamos 0 questiondrio enviado, e expomos as razdes da escolha da metodologia adoptada. Caracterizamos a amostra, que foi obtida pelos dados do programa informatico Datawarehouse da Direcgao Geral de Finangas, sublinhando as suas vantagens ¢ as suas limi- tagdes. Avaliamos, assim, quer os custos de cumprimento internos, quer os externos, isto €, quando a empresa recorre a ajuda externa de profissionais fiscais para cumprir com os seus deveres fiscais. Daremos ainda particular relevo, numa perspectiva qualitativa, 4 ava- liag&o da complexidade e dos seus custos. Calculamos os custos devidos & complexidade legislativa, analisamos as areas do sistema fiscal que cau- sam maior complexidade as empresas, e, por fim, atribuimos um valor aos custos de contencioso tributario. A forma como as empresas se relacionam. com a administragao fiscal e os mecanismos mais eficazes no esclareci- mento das dtividas fiscais sao também objecto de estudo. A metodologia estatistica aqui seguida coadunou-se com 0 tipo de questdes formuladas, dependendo da escala de medida das varidveis e dos objectivos. Testamos, entdo, cada uma das hip6teses de investigacao iso- ladamente e, em seguida, utilizamos o modelo de regresso linear milti- plo, cujo objectivo é identificar os factores que, em conjunto, mais influen- ciam os custos de cumprimento. Finalmente, na terceira parte deste trabalho, discutiremos os resulta- dos obtidos e as principais conclusGes da andlise efectuada. PARTE I OS CUSTOS DE CUMPRIMENTO DO SISTEMA FISCAL: DESENVOLVIMENTO TEORICO E REVISAO DA LITERATURA CAPITULO I Identificacdo e caracterizagio dos custos da tributacio 1, INTRODUGAO O objectivo principal da cobranga de impostos 6, historicamente, a obtengao de receitas necessérias ao financiamento das despesas do sector piblico. A imposig&o fiscal representa, assim, uma transferéncia de recur- sos dos contribuintes, individuais e colectivos, para o Estado. Esta transferéncia origina quatro tipos de custos*: de redugdo da capacidade econdmica; de eficiéncia; administrativos; e de cumprimento. 3 Considera-se que uum sistema fiscal deve obedecer a um conjunto de objectivos: suficiéncia de receitas; neutralidade; justiga; e, por fim, simplicidade € minimizacao dos custos de cobranga. A estes objectivos, Xavier de Basto acrescenta ainda a capacidade concorrencial dos sistemas fiscais. Embora beneficiem de uma aceitagdo generalizada, estes objectivos entram frequentemente em conflito uns com os outros, ¢ diferentes eco- nomistas possuem perspectivas diversas sobre o equilibrio adequado que deverd existir entre eles. Sobre os objectivos de um sistema fiscal pode ver-se por exemplo: Xavier de Basto, José Guilherme (2005), “Tépicos para uma reforma fiscal impossfvel”, in: Noras Econémicas, .° 19, pp. 8-17; Casalta Nabais, José (2003), Direito Fiscal: 2* Edigao, Coimbra, Almedina, pp. 123-206; Freitas Pereira, Manvel Henrique (2005), Fiscalidade, Coimbra, Almedina, pp. 63-74; Saldanha Sanches, José Luis (2002), Manual de Direito Fiscal, 2* Edigio, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 47-54; Silva Lopes, José (2001), “Sis- tema Fiscal Portugués”, in: Enciclopédia de Economia, coordenacao David R. Henderson ¢ Joao César das Neves, Lisboa, Principia, pp. 377-387. 4 Sandford, Cedric; Godwin, Michael; Hardwick, Peter (1989), Administrative and Compliance Costs of Taxation, Bath, Fiscal Publications, pp. 3 e ss; Evans, Chris et al. (2000), “Tax compliance costs: research methodology and empirical evidence from Aus- tralia”, in: National Tax Journal, Volume 53, n.° 2, pp. 320-345; e, na bibliografia portu- guesa, Santos, José Carlos Gomes (1995), “Uma visdo integrada dos custos associados 20 financiamento piblico através de impostos — 0 caso dos custos de eficiéncia, administra- go e cumprimento”, in: Ciéncia e Técnica Fiscal, n.° 378, pp. 31-59; Lopes, Cidélia M. Mota (2006), “Os custos de tributago na hist6ria da economia”, in: Homenagem José Gui- Iherme Xavier de Basio, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 83-127. 6 Quanto custa pagar impostos em Portugaty nprimeio lugar, 0 custo mais dbvio € aquete que dey 7 Fi iva dla capacidade econémica dos individuos por virtude do Pagar tn da ‘dui pestos, custo ¢ saerificio esse que pode e deve ser confrontadan vent0 dein. Im os ne, ficios resltantes das despesss pablicas que o mesma porns 8 bene. finangi ay, Os eustos de efcincia surgem de os imposton aneer inodifiegfes ou comportamentos econémicos eficienes indvios ov empress ~ actuando, por exemplo, como yee esforgo nciatva ov a0 rsco alterando as escola dana produgio, o que pode conduzir a perdas para a economia s “oY € de Por sua vez, os custos administrativos sao os na recolha e cobranga de impostos Por tiltimo, os custos de cumprimento corre: suportadas pelos contribuintes no cumprimento d cais.€ O conjunto dos custos administrativos e de ¢ custos de funcionamento do sistema fiscal, Est recursos utilizados na manutengdo e funcioname; de um imposto em particular), ¢ que seriam pou (ou 0 imposto) nio existisse. A necessidade de minimizaglo dos custos de funcionamenty fy sublinhada pela primeira vez por Adam Smith, nas suas celebs roa maximas aceea dos impostos em geral: igualdade; certeza: convenes no pagamento; e economia na cobranca.? Todavia, s6 tardiamente os custos da tributagio comegaram « sex objecto de atengao na literatura fiscal. 'RCOrTidos pelo govemo Spondem as despesa las suas obrigagdes fis ‘umprimento constitu og les Custos decorrem dos “nto do sistema fiscal (ou ipadios se o sistema fiscal 5 Para uma andlise mais detalhada das situages em que a aplicaslo de impostos pode gerar perdas de eficiéncia na economia, numa perspectiva teGrica ver: Santos ose Carlos Gomes (1995), “Uma visdo integrada dos custos associados 0 financismento Piblico através de impostos ~ 0 caso dos custos de eficiéncia, administracéo e cumpri. mento”, in: Ciéncia e Técnica Fiscal, n° 378, pp. 31-59; e ver, também, Santos, José Car. los Gomes (2006), “Equidade fiscal revisitada”, in: Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 407-418, S Estes custos so designados, por Sandford, de “Hidden Costs of Taxation”, so Aiffceis de calcular mas assumem a maior importdncia, somando-se aos custos de eficién- cia para calcular os custos implicados pelos diferentes impostos. Cfr. Sandford, Cedric (1993), Hidden Costs of Taxation, London, Institute for Fiscal Studies, pp. 5 Ss. 7 Smith, Adam (1776), An Inquiry into the Nature and Causes of Wealth of Nations, ‘portuguesa: Smith, Adam (1983) Riqueza das Nagdes, Volume Il, 3* Edigao, Lis- Calouste Gulbenkian, pp. 485-489. Mentificacdo e caracterizagao dos custos da tributagao a Inicialmente pensava-se que os custos de cumprimento dos sistemas fiscais seriam reduzidos ou insignificantes. Também nao existia um modelo formal terico explicito na politica fiscal para minimizar os custos de tributagao. Por sua vez, a exigéncia de estimativas fidveis para quanti- ficar os custos do sistema fiscal implicava uma investigagdo muito minu- ciosa e dispendiosa. Esta tiltima envolve, com efeito, a recolha de uma grande quantidade de informagao e a construgao de bases de dados muito volumosas.* Pode-se, no entanto, dizer que, em matéria de custos de funciona- mento do sistema fiscal e das metodologias utilizadas, as dificuldades e limitag6es existentes no impossibilitaram 0 aparecimento, nomeada- mente nos tiltimos anos, de diversos estudos, com diferentes graus de abrangéncia e de andlise. Tal concretiza o crescente interesse internacional num ambiente de acrescida preocupacdo, por um lado, pelo peso e efeitos da fiscalidade e, por outro, pela necessidade de redugdo das despesas e défices publicos. Nesta medida, a minimizagio dos custos e perdas de bem-estar gera- dos pelo sistema fiscal constitui hoje especial preocupagdo dos decisores ptiblicos, ainda que sejam bem conhecidas as dificuldades em estabelecer 0 adequado equilibrio entre, por um lado, a busca de maior eficiéncia, sim- plicidade e neutralidade e, por outro, o imperativo, ndo menos relevante socialmente, da equidade e da justica fiscal. Hé, pois, que analisar a natureza dos custos operacionais ou de fun- cionamento do sistema fiscal, procedendo a definigdo dos conceitos e prin- cipais tipos de custos de funcionamento do sistema fiscal. 2. O CONCEITO DE CUSTOS DE TRIBUTACAO Os custos de funcionamento do sistema fiscal ou de um imposto em particular (aquilo a que na literatura anglo-saxénica se chama tax opera- ting costs ou running costs) sao constituidos por um conjunto bastante amplo e diversificado de custos que importa identificar e sistematizar. 8 Acresce ainda 0 facto de, grande parte das vezes, esta informagao nao estar dispo- nivel e publicada 28 Quanto custa pagar impostos em Portugal? i? Propie-se uma primeira dstinglo entre os custos incoridos pelo sen, tor piblicoe pelo sector privado, para, a partir desta distingto, procegers destringa entre os custos administrativos e os custos de cumprimente namento do sistema fiscal, ou os recursos que seriam poupados se o sis. tema fiscal, ou um imposto particular, nao existisse A curto prazo, estas duas medidas de definigdo nao so idénticas, jg que existem custos iniciais ou tempordrios associados & introdugdo de um novo imposto. A longo prazo, as duas medidas de definigao de custos do sector ptiblico tendem a convergir, uma vez que o efeito inicial dos custos de introdugao de um novo imposto tende a diminuir, restando apenas os custos regulares do sistema fiscal 0s custos do sector puiblico mais dbvios so os incorridos na recolha cobranga dos impostos, tais como ordenados e salérios da administraggo fiscal, materiais e equipamento usado. Estes custos so os designados cus- tos administrativos do sistema fiscal. Ainda assim, néo constituem 0 total dos custos do sector piblico e, muitas vezes, o limite entre o que deve ser classificado como “‘custos administrativos” e “outros custos” nao é expli- cito.? Para calcular todos os custos de tributacao do sector piiblico, devere- mos ter também em atengio os custos legislativos e outros resultantes da introdugo de um novo imposto, bem como os custos de mudangas fiscais, 08 quais ndo se incluem na estrutura de custos da administragio fiscal. Sio os Ministérios, em especial o das Finangas, os principais deter- minantes da politica fiscal e que, por isso, gastam o tempo necessério com 0S aspectos legislativos. Deste modo, os legisladores ¢ as comiss6es nomeadas para elaborar novas leis ou para interpretar as ja existentes aufe- rem um salério que lhes é atribuido e pago pelo Estado. 2.1. Os custos do sector piblico Os custos do sector piblico resultantes de um dado imposto sio, em sentido lato, os gastos suportados regularmente pelo Estado com o funy, ° Sandford, Cedrie; Godwin, Michael; Hardwick, Peter (1989), Administrative and Compliance Cosis of Taxation, Bath, Fiscal Publications, pp. 3 ¢ ss; ¢ James, Simon: Nobes, Christopher (2000), The Economics of Taxation — Principles, Police and Practice, 7 Edition, London, Pearson Education, pp. 38-45. Idemiificagio e caracterizagdo dos custos da tributagao 29 A adicionar aos custos do sector piblico temos, ainda, os custos incorridos pelos tribunais. Por exemplo, podemos ter o julgamento de um caso de um imposto em divida ou, referindo outro tipo de gastos, os cus tos do edificio do tribunal, os salérios dos funcionarios que se ocupam dos diferentes casos fiscais, até mesmo salérios das empregadas de limpeza.!° Um outro tipo de custos do sector piblico, mas de natureza muito diferente dos anteriores, decorre da anilise do conceito de “empréstimo livre de encargos” aos contribuintes.!! Quer isto dizer que, em muitos impostos, contribuintes e terceiras entidades, nomeadamente empresas, sio por vezes legalmente autorizadas a dispor, durante um certo perfodo de tempo, de determinados impostos, tais como o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), ou a reter na fonte, no caso dos impostos sobre o ren- dimento, uma parte do imposto. Esta situagao corresponde, para as empre- sas, a um beneficio de cash flow resultante da inexisténcia de uma coinci- déncia temporal entre 0 facto gerador e 0 pagamento do imposto.!2 Na verdade, isto nao significa um real empréstimo do Estado aos contribuin- tes ¢ terceiras entidades, mas pode representar um custo financeiro para 0 Estado pela dilag3o no recebimento do tributo.'3 Podemos, entio, reflectir sobre as seguintes questées: quais os ele- mentos que compdem os custos administrativos? Os custos associados & introdugdo de um novo imposto, os custos legais e os de oportunidade, sio custos administrativos? A fronteira nfo é clara. Os custos associados & introdugao de um novo imposto, que podemos designar de custos legislativos, incluem os custos com o pessoal da admi- nistragdo fiscal, do Ministério das Finangas e do Parlamento, bem como de 10 Gammie, Malcolm (Bd.) (1993), Striking the Balance: Tax Administration, Enforcement and Compliance in the 1990s, London, The Institute for Fiscal Studies, p. 23. 11 Sandford, Cedric; Godwin, Michael; Hardwick, Peter (1989), Ob. Cit. p. 4. 12 Por exemplo, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) existem dois, periodos de imposto. O perfodo de “colecta”, no qual as empresas recolhem o imposto em nome das autoridades fiscais, e 0 perfodo de “graga”, no qual as empresas esto autoriza- das a reter 0 imposto, ¢ por isso a utiliz4-lo, antes de o entregar ao Estado. 13 Os beneficios de cash flow sto, apenas, transferéncias entre 0 sector piblico e pri- vado na economia, Na realidade, aquele beneficio significa que a empresa recebe do Estado um “empréstimo livre de encargos”, ao qual esté associado um determinado custo de oportunidade para o sector piiblico, como analisaremos, mais a frente aquando do estudo dos custos do sector privado, 30 Quanto custa pagar impostos em Portugal? outros solicitados para elaboragio da lei fiscal.14/15 Ao, cabe interpretar e fazer cumprir a lei fiscal, Mas parece razodvel que 08 custos legislativos a que nos re anteriormente, aquando da introdugdo de uma nova lei fisegl C5 imposto, bem como os custos dos tribunas fiscais, na interpretacae °™° primento da lei fiscal, sejam considerados como custos administrate ema fiscal. Todavia, © procedimento mais usual, na literatura on mica dos custos da tributagdo, 6 excluir 0 tempo gasto pelo Parlamenc’™ outros 6rgfos na elaboragio da lei fiscal, assim como os custos dos tafe. nais, por se considerar que nao fazem parte dos custos gerais incortidos para fazer funcionar o sistema fiscal. Segundo Sandford, no Reino Unig. considerava-se custos administrativos 0s diectamente suportados pet, administragao fiscal e pelos seus departamentos. Também Vai Canada, no seu estudo sobre os custos de cumprimento do 0 rendimento, concluiu que os custos fiscais dos tribunais constituem ums percentagem muito pequena do total de custos, por isso, ignoré-los nig distoree, em muito, o valor dos custos gerais de funcionamento do sistema fiscal.'6 Por iiltimo, e quanto aos custos de oportunidade relacionados com os “empréstimos livres de encargos” ao sector privado, no parece correcta que sejam clasificados como custos administrativos, dado tratar-se de um tipo de custos que nao esté sob 0 controlo da administragao fiscal. Podem * tibunais fiseais illancourt, no imposto sobre 4 Nos termos do art. 165.° n# 1, alinea i) da Consttuigfo da Repsblica (CRP) “da exclusiva competéncia da Assembleia da Repsiblica, salvo autorizagio do go- vero (..)legislar sobre a criagdo de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas¢ demaiscontribuigées financeras a favor das entidades pibicas”. O que significa que 6a Assembleia da Repdblica pode legislarregulando directa e totalmente a matéria através «as suas Leis ou, pode, através de uma Lei de autorizagio legislativa,autorizar 0 Governo «da Replica (art. 165.° n° 1, i) CRP), as Regibes AutGnomas (art, 227.°,1.°1,i) da CRP) ou as Autarguias Locais (art. 238.°, n° 4 da CRP) a legislarem em conformidade com os Objectivos e pardmetrs por si fixados 'S Por seu lado, sob a epfgrafe “Sistema fiscal” ¢ segundo os nimeros 2 ¢ 3 do a. 103~*: “Os impostos so criados por lei, que determina a incidéncia, a taxa, os beneficios fiscais e as garantias dos contribuintes”; e,“ninguém pode ser obrigado s pagar imposts ‘ve no hajam sido eriados nos termos da Consttuiglo, que tenham natureza retroactiva ‘ou euja liquidago cobranca se nto fagam nos termos da le.” '6 Vaillancourt, Frangois (1989), “The Administrative and Compliance Costs of Personal Income Taxes and Payroll Tax System in Canada”, Canadian Tax Paper, n.° 86. Toronto, Canadian Tax Foundation. Identificagao e caracterizagdo dos cust da tributagao 31 existir, todavia, casos que justifiquem a inclusao de “empréstimos livres de encargos”’ nos custos administrativos, como no caso de o contribuinte nao cumprit a lei, nZio pagando o imposto retido no tempo devido. Mas, em princfpio, existem penalidades previstas que compensarao este custo. Assim, a definig&o mais consensual de custos administrativos é a que corresponde aos custos do sector ptiblico incorridos na administragao de um sistema fiscal (incluindo os custos da sua modificagao).!7 Os custos legislativos da introdugao de novas leis fiscais, bem como os custos legais, com a interpretago da lei e o cumprimento fiscal nos tribunais, e os cus- tos de oportunidade resultantes dos “empréstimos sem juros”, esto, por conveniéncia prdtica, habitualmente fora da definigao de custos adminis- trativos. Apresenta-se, na figura 1.1, a estrutura dos custos do sector ptiblico. [Figura n.° 1.1] Definigao de custos do sector piblico Cccamesesicirgenss” >) {Far TES ir ee TT Co simniaee > (Gok siomaigien 23) | SA Seal (caress stasis $2 Ge Simms 40) (Ch onan) Fonte: Sandford, Cedric er al. (1989), Ob. Cit. p. 6. 2.1.1. Os custos administrativos: seus componentes Os custos administrativos (administrative costs) so, ent&o, const tuidos pelas despesas e encargos com a manutengao e actividade dos departamentos do Estado competentes em matéria de cobranga e fiscaliza- ¢do. Compreendem, nomeadamente, os custos com o pessoal, isto é, os vencimentos e outras remuneragées dos funcionérios da administragao fis cal, bem como os custos de alojamento (Agua, luz, rendas e limpeza) e 17 Sandford, Cedric; Godwin, Michael; Hardwick, Peter (1989), Administrative and Compliance Costs of Taxation, Bath, Fiscal Publications, p. 5. 32 Quanto custa pagar impostos em Portugal? 2 — — outros custos de correios, telefone, viagens, software, além 4, fixos em equipamento e outros materiais usados.'8 A definigéo de custos administrativos anteriormente ptesentada te, a vantagem de se aproximar, de muito perto, dos custos suportados aa administragio fiscal. la A principal dificuldade encontrada no célculo © quantificagig q custos administrativos é, em grande parte das vezes, a falta de informgas, disponivel. a Existem muitos pafses que no elaboram e guardam as components detalhadas da despesa publica para, posteriormente, atribuila a um imposto particular. Uma outra limitagao decorre da dificuldade em atribuig um valor a esses custos. Na verdade, para estimar os custos de adminis. tragio é necessério determinar 0 valor monetério dos recursos piblicos afectos & administragao e cobranga de um imposto particular. Pelo que, ap cardcter parcelar da abordagem se somam, ainda, imputagGes algo arbitrd. rias relativas a custos comuns de instalago, equipamento e funciona. mento, tanto mais dificeis quanto menor 0 tipo e 0 pormenor da informa- ¢4o disponivel na administragao piiblica. Apesar destas limitagées e dificuldades de célculo, os custos admi- nistrativos tém sido objecto de avaliagao. 108 custos 2.1.2. A medigdo dos custos administrativos: algumas comparagées O indicador mais usado para medir os custos administrativos tem sido uma taxa de gestio fiscal.!9/20 Esta € obtida através do récio entre os custos da administragio fiscal ¢ as receitas fiscais colectadas. As taxas de gestio fiscal so frequentemente usadas para elaborar comparagées internacionais sobre a eficiéncia das administragdes fiscais." '8 Sandford, Cedric (1973), Hidden Costs of Taxation, London, Institute for Fiscal Studies, pp. 1-3, ' Summary Working Document (2001), Learning labour on the cost af «a ™ gement following the meeting of It October, 20 pp. sbalho- 2 Designada também de cost of collection ratio em muitos documentos de oe 2! Existem pelo menos dois significados para o requisito da eficiéncia da tsb 0 da eficiéncia econémica, entendida como auséncia de distorgbes na afectasfo 4° ana Ideniificagdo e caracterizagio dos custos da tributagdo 33 Veja-se, no quadro 1.1, 0 valor das taxas de gestio para os anos 2000, 2001 ¢ 2002, em alguns pafses da OCDE, de modo a elaborar algumas comparag6es ¢ a situar 0 caso portugués no conjunto das restantes admi- nistragdes fiscais Pela andlise do quadro podemos dividir os paises em trés grupos. O primeiro € constitufdo pela Suécia, Estados Unidos e Noruega, incluindo as administragées fiscais mais eficientes, com custos de 0,5% das receitas fiscais colectadas, aproximadamente. No segundo grupo, esto as administragées fiscais menos eficientes (Japao, Paises Baixos e Portugal), com custos superiores a 1,5% das receitas fiscais. Por tiltimo, e no terceiro grupo, esto os restantes paises com custos das receitas fiscais colectadas aproximadamente compreendidos entre 0,5% e 1,5%. Como se observa a partir do quadro 1.1, as taxas de gestio fiscal divergem consideravelmente entre os paises da OCDE. Estas diferengas devem-se a um conjunto de factores que nao sio os mesmos em todos os paises.22 Em primeiro lugar, as diferengas existentes nas taxas e na estrutura dos impostos tém um impacto nas receitas fiscais e nos custos administra- tivos, afectando o valor do récio. Por isso, as comparagées elaboradas entre paises que tém uma carga fiscal elevada (como por exemplo, em muitos paises europeus em que a carga fiscal se situa normalmente nos 40%) © os que tém uma carga fiscal baixa (como é 0 caso dos paises da Asia) so pouco realistas, tendo em conta 0 peso da tributagio nos dife- rentes paises. E necessério ter em consideragaio quando estamos a analisar 0 racio custos e receitas fiscais, a existéncia de varios niveis de administragao, isto é, as diferengas na administragao dos varios impostos pelas instituigdes governamentais nos varios paises. Por exemplo, nos EUA, os impostos sos por via dos impostos; ¢ 0 da eficiéncia enquanto requisito constitucional, que o art. 267. n.° 5 da CRP refere tratar-se da “racionalizagio dos meios a utilizar pelos servicos.” E este tiltimo sentido que agora nos interessa na nossa andlise, j4 que se encontra mais directamente relacionado com a actuago da administragfo fiscal. Cfr. Brés Carlos, Amé- rico Fernando, (2005), “Os princfpios da eficacia e da eficiéncia fiscais”, in: Ciéncia e Té nica Fiscal, n.°416, Lisboa, Ministério das Finangas, 163-181, ¢ Brés Carlos, Américo Fernando, (2006), Impostos ~ Teoria Geral, Coimbra, Almedina, pp. 140-144. 22 OCDE (2004), Tax Administration in OCDE Countries: comparative information series, Centre for Tax Policy and Administration, Paris, OECD Publications, pp. 23-26 p.65. 34 Quanto custa pagar impostos em Portugal? [Quadro n.° 1.1] Comparagio da taxa de gestio fiscal em alguns paises gy ep, R Paves 2000 2001 aes Austria Ll iar 1g Austeia 080 on on Bélgica - 1,00 Canada 107 1,08 120 Coreia do Sul 0.80 085 ass Dinamarea : ; on Espanha ost 078 Estados Unidos da 043 046 os América Finléndia 0,60 061 ost Franga 140 141 144 Grécia - : : Hungria 145 123 135 Inlanda ost 0.90 ogs Islandia - - 12 alia - : Japio 142 154 162 Luxemburgo q - México - : : Noruega - 056 059 Nova Zeléndia 1a 121 47 Passes Baixos 170 174 176 Polénia 095 106 132 Portugal 10 160 1468 Reino Unido 110 1 Ls Republica Checa 1,30 143 146 Suécia 043 044 042 Suiga . Turquia 1,94 cope arts Ne eT eccrine A ate Ag Fonte: OCDE (2004), Ob. Cit., p. 65. Taxa de pevtto fiscal = Custos administraivos 7 receltas Recap (em Peteentapem Identificagdo e caracterizagio dos custos da tributagao 35 directos sfio administrados a nfvel federal, enquanto que os impostos indi- rectos sao administrados maioritariamente por autoridades a nfvel regional ou estadual. Noutros pafses, uma autoridade nacional recolhe os impostos a todos 08 niveis, como é 0 caso da maioria dos pafses europeus. Ao mesmo tempo, as fungées atribuidas as administragées fiscais podem divergir consoante o pafs. Por exemplo, em alguns paises o com- bate a evasao ¢ fraude € feito por uma instituicdo governamental separada da administragao fiscal, 0 que implica que os custos dessa institui¢do nao so tidos em consideracao no racio da taxa de gestao fiscal. Muitas vezes, aadministragao tributdria é incumbida de outras fungées, nao relacionadas directamente com a administragao dos impostos, tais como pagamentos de certos beneficios sociais ou de satide. As diferengas no processo de administragao, liquidago ¢ cobranga das contribuigdes para a seguranga social e das pensées sao, provavel- mente, uma das principais raz6es explicativas da disparidade das taxas de gestdo fiscal. Em alguns paises, as contribuigdes para a seguranga social sao recolhidas pela mesma instituigo responsével pela recolha dos impos- tos, como € o exemplo do Canada, da Finlandia, dos Paises Baixos, da Noruega, dos Estados Unidos e do Reino Unido. Outros paises adminis- tram ¢ cobram as contribuigdes para a seguranca social através de uma ins- tituigio governamental prépria e separadamente da administracao fiscal, como por exemplo a Franga, a Alemanha, a Poldnia, Espanha e Portugal. Considerando que as contribuigdes para a seguranga social consti- tuem a principal fonte de rendimento em muitos paises, a sua inclusiio ou exclusdo das receitas fiscais pode ter um impacto significativo no valor da taxa de gestio fiscal, pondo em causa a fiabilidade das comparagées inter- nacionais.23 Por fim, é necessdrio sublinhar que n&o existe uma metodologia comum a todos os paises para medir as taxas de gestio fiscal. Os paises que publicam as taxas de gestio fiscal nao revelam, por regra, os detalhes dos seus cAlculos. Assim, so certamente diferentes os custos considera- dos pelas diferentes administrag6es fiscais, tais como os recursos huma- nos, os tecnolégicos e os de informacio. O récio pode ser também influen- 23 Por exemplo, recalculando a taxa de gestfo fiscal para a Franca, agregando os impostos com as contribuigdes para a seguranca social, esta diminuiria de 1,4% para 1,13%. 36 Quanto custa pagar impostos em Portugaly ciado pela base de efleulo das eceita fiscais. Podem tata, fiscais brutas ou liquidas, isto 6, apés os reembolsos devigg, © impostos.”4 i Na realidade, s6 uma harmonizagao das definigdes de tas a considerar poderia, eventualmente, homogeneizar Assim, ¢ tendo em atengao estas dificuldades, é discutive] tio fiscal constitui um bom indicador da eficiéncia de fiscal. Na verdade, para além das limitagdes anteriormente variabilidade das taxas de gestdo fiscal pode, também, ficar a deve outros factores que ndo se encontram relacionados com a eficienee s* administragGes fiscais, e que influenciam os valores do récio.25 * ** Em primeiro lugar, as alterages nas taxas de imposto podem ser u factor determinante da relagao entre custos e receitas. Em teoria, a decisig de aumentar a carga fiscal pode diminuir a taxa de gestio fiscal em ma: tante correspondente; porém, esta diminuigdo do ricio nao e: nada com a eficiéncia da administragao fiscal. Também as mudancas anormais nas taxas de crescimento econémicg ou nas taxas de inflacio influenciam as receitas fiscais colectadas pel administrago fiscal e, consequentemente, a relagdo entre custos adminis. trativos ¢ receitas fiscais. Em terceiro lugar, a administragio fiscal efectua, por regra, e de tem- Pos a tempos, investimentos novos em material informético, equipamen- tos, edificios ou outros materiais, os quais aumentam os custos admini trativos a médio prazo, afectando, assim, a eficiéncia da administragio fiscal a curto prazo, bem como a relagdo entre os custos e as receitas fis- cais. A introdugdo de novos impostos também conduz a um incremento inicial dos custos administrativos, 0 que implica um impacto no récio de custos ¢ receitas, mas que tende a desvanecer-se a longo prazo. Em quarto lugar, mudangas na entidade responsavel por recolher um imposto particular podem conduzir a uma melhoria no récio dos custos € 23056 OS estado Se a taxa de ge ma administags, refetidas, 4 tA relacio. 24 Refira-se, a este propésito, que os Estados Unidos e a Irlanda, que apresentam récios baixos, utilizam as receitas fiscais brutas no céleulo da taxa de gestio fiscal enquanto a maioria dos restantes pafses recorre as receitas fiscais Ifquidas. 25 OCDE (2004), Tax Administration in OCDE Countries: comparative informa series, Centre for Tax Policy and Administration, Paris, OECD Publications, pp: 25+ p. 65, Identificagdo e caracterizagdo dos custos da tributagdo 3” receitas, a qual ndo se encontra relacionada com a eficiéncia da adminis- tragao fiscal.26 Apesar destes factores externos limitarem a utilidade da taxa de ges- to fiscal como indicador de eficiéncia, tem existido uma tendéncia para usd-lo em comparagées internacionais. A sua utilidade encontra-se, todavia, limitada por um factor funda- mental, ainda nao mencionado, o qual est4 relacionado com o montante de receitas fiscais potenciais. Este problema conduz-nos a necessidade de introduzir na andlise outra nogao, que estd longe de ser nova na literatura econémica, mas que foi desde sempre muito controversa — a nogao de capacidade tributdria que pode ser definida como a aptidao de um pais para consagrar, através do imposto, uma parte dos seus rendimentos ao financiamento das despesas puiblicas. Da capacidade tributdria resulta um nivel de fiscalidade estimado ou potencial, ou seja, a quantidade de recei- tas fiscais que poderiam ser obtidas tendo em conta a capacidade tributé- ria de cada pais.27 A taxa de gestio fiscal nZio toma em considerago a diferenga entre 0 montante de receitas fiscais efectivamente cobradas e o maximo de recei- tas fiscais potenciais, a qual é designada na literatura por tax gap. Quer isto dizer que o montante de receitas fiscais efectivamente cobradas com- paradas com as receitas fiscais potenciais, em percentagem, expressa 0 nivel de cumprimento e mede também a eficiéncia da administracao fiscal. Assim, iniciativas que melhorem o cumprimento da lei fiscal, isto é, melhorem a eficiéncia, t¢m um impacto na relagao dos custos e das recei- tas fiscais. Porém, porque este rdcio ignora as receitas fiscais potenciais de cada sistema fiscal, 0 seu valor como indicador de eficiéncia é bastante limitado, j4 que paises com o mesmo récio podem revelar valores de efi- ciéncia das administragées fiscais bastante dispares. Na seccdo seguinte 26 Por exemplo, na Austrdlia, a responsabilidade de colectar o imposto excises pas- sou, em 1999, da Customs Authority para ser responsabilidade do Australian Taxation Office (ATO), 0 que conduziu a uma melhoria do récio. Cfr. OCDE (2004), Tax Adminis- tration in OCDE Countries: comparative information series, Centre for Tax Policy and Administration, Paris, OECD Publications, p. 24. 21 Cfr. Freitas Pereira, Manuel Henrique (2005), Fiscalidade, Coimbra, Almedina, pp. 316 e ss; e Bahl, Roy W. (1971) “A regression approach to tax effort and tax ratio analysis”, in: Staff Papers — International Monetary Fund, Washington, Volume 18, n.° 3, pp. 570-612. 38 Quanto custa pagar impostos em Portugal? analisamos, entéo, a teoria fiscal subjacente aos custos administratiy, onde se toma em consideragio 0 montante dos custos, bem como as rego tas fiscais colectadas efectivas e potenciais. ej. 2.1.3. A teoria fiscal dos custos de administragao Tlustramos a nossa anélise através da figura 1.2, onde se exemplificg a relagio entre as receitas fiscais, no eixo vertical, e os custos fiscais, ng eixo horizontal, para um imposto particular, um grupo de impostos ou para © sistema fiscal no seu conjunto. Seguimos nesta andlise, de perto, Peter Dean, no seu estudo de 1973, acerca dos custos de funcionamento do sistema do imposto pessoal de ren. dimento, no Reino Unido.28 A linha PQ representa os rendimentos fiscais potenciais maximos, isto 6, a base tributavel multiplicada pelas taxas de imposto. A curva ABC apresenta a relagdo estabelecida entre os custos administrativos e os ren- dimentos ou receitas fiscais colectadas. Por sua vez, a distancia OA mede 0s custos fiscais fixos iniciais. Na realidade, alguns custos administrativos iniciais sfio sempre incorridos antes de qualquer rendimento ser gerado. A curva ABC apresenta, inicialmente, um formato curvo.2 O ponto A, no qual rendimentos fiscais colectados so zero e certos custos fixos jé foram incorridos, corresponde ao ponto no qual um novo imposto é intro- duzido no sistema fiscal. A partir do ponto A verificamos que, numa fase inicial, aumentos relativamente pequenos nos custos fiscais conduzem a aumentos em maior percentagem na receita fiscal colectada. Esta situagao reflecte uma predisposigao generalizada dos contribuintes para cumprir voluntariamente com o sistema fiscal, bem como a capacidade de gestéo fiscal das autoridades fiscais para seleccionar os casos mais faceis ¢, pot isso, mais rentaveis para o Estado. Todavia, apés 0 ponto B, aumentos substanciais dos custos adminis- trativos conduzem a uma diminuigdo na proporcdo das receitas colectadas. 28 Dean, Peter (1973), Some Aspects of Tax Operating Costs with Particular Refe- rence to Personal Taxation in United Kingdom, PhD Dissertation, Bath, Bath Universit), pp. 5-12. 29 Em relago ao formato da curva ABC ni foi feito nenhum estudo empirico 44° comprove a sua forma. Por isso, esta 6 baseada numa suposicao, _Idemificagdo ¢ caracterizagito dos custos da tributagao 9 Assim, a curva ABC vai-se tomando horizontal & medida que a linha PQ se aproxima, 0 que conduz a uma diminuigao da taxa de crescimento das reccitas medida que os custos administrativos aumentam. Significa isto que, quanto mais a curva ABC se aproxima do eixo PQ, maiores so os custos necessérios para recolher uma unidade adicional de receitas fiscais, isto 6, os custos marginais so superiores as receitas marginais. [Figura n.° 1.2] A relacdo entre os custos administrativos as receitas fiscais efectivas e potenciais ° a am. Custos Fics Fonte: Dean, Peter (1973), Ob. Cit., p. 7. Na verdade, em toda a drea entre B e C temos contribuintes aos quais cada vez € mais dificil extrair imposto. Neste caso, podemos concluir que alguns contribuintes que se encontram nesta drea so mais dificeis de con- tactar, outros resistem ao pagamento dos impostos até ao tiltimo momento, enquanto outros estarao preparados para fugir ao cumprimento. As autori- dades fiscais deparam-se assim com situacdes cada vez mais complexas, aumentando, deste modo, 0 custo por unidade de receitas fiscais colecta- das. Por este motivo, a curva ABC vai-se tornando horizontal & medida que se aproxima a linha PQ. 40 Quanto custa pagar impostos em Portug, A linha PQ representa, como vimos, 0 total de receit ciais maximas. Aparece aqui definida como uma linha, p é de definigao rigorosa dificil devido aos fenémenos fraude fiscal.3° A fraude fiscal, ao resultar de uma erosao da base trity no diagrama em andlise, & deslocagio da linha PQ para bai; a0 eixo horizontal. Assim, o intervalo entre a linha PQ representa a parte do rendimento ou das receitas que é leg; rdvel mas que se mantém por colectar. ___Existem, fundamentalmente, dois motivos principais que tomam di cil conseguir colectar estas receitas para as autoridades fiscais, ~ O primeiro esta relacionado com um comportamento in supostamente conhecido dos contribuintes e que & contréro a le, Any estamos perante uma situagao de no cumprimento voluntétio, a0 qual EF geralmente associado um montante de evasio fiscal intencional ou volun, taria. O segundo factor deriva de um comportamento nao intencional dos contribuintes, o qual é devido a ignordncia de regras fiscais fundamentaie Neste caso, temos uma situac&o de ndo cumprimento involunt um montante de evasao fiscal nao intencional ou involuntéria, Em sistemas fiscais desenvolvidos, uma grande parte do rendimento por colectar deve-se & evasio intencional ou ao nao cumprimento volunté- rio dos contribuintes. Nestes sistemas, os contribuintes esto normalmente familiarizados com os conceitos fiscais e com as suas obrigagdes. O ren- dimento por colectar reflecte, assim, um pequeno ntimero de contribuintes porventura mal informados das suas responsabilidades fiscais, bem como 0 efeitos conscientes daqueles que pretendem reduzir os seus impostos através de métodos contrérios a lei. Se considerarmos, todavia, a introdugéo de um imposto sobre 0 ren- dimento numa economia subdesenvolvida caracterizada, entre outras col- sas, por um grande analfabetismo e um peso bastante elevado do sector de subsisténcia, uma grande parte de receitas perdidas deve-se & evasio néo a8 fiscaig orém, ng pale le fuga, evasg, e UtaVel, cond, xO em dieocs © a curva Ani almente recupe. tencional io, com sade © Jncias na socie %© A definigao destes conceitos, bem como das suas consequéncias na soc! mento 1a economia em geral, ¢feita no capitulo seguinte, aquando da anise do comer es fiscal dos contribuintes, de cumprimento ou néo cumprimento das suas obrigag Identificagao e caracterizagéto dos custos da tributago 41 intencional, particularmente, se os recursos da administragao fiscal forem limitados.>! Neste caso, a curva ABC deslocar-se-ia para baixo, como podemos ver na figura 1,3. [Figura n.° 1.3] A relaco entre os custos administrativos ¢ as receitas fiscais nos sistemas tributarios dos paises desenvolvidos e dos paises subdesenvolvidos " ry Bs 6 * AL custos riscats 2am, Fonte: Dean, Peter (1973), Ob. Cit., p. 8. 31 Na generalidade destes paises, a relago entre o conjunto dos impostos e o rendi- ‘mento nacional é bastante baixa, por motivos que se prendem com o baixo nivel do rendi- mento individual e das empresas, com o reduzido papel do Estado, com a mé qualidade da administragao fiscal e com a impossibilidade material de proceder &s cobrangas com tegu- laridade. Normalmente nestes paises a administragGo fiscal 6 pouco eficiente, por vezes pesada em termos de efectivos, ao que acresce muitas vezes a circunstancia de as préprias leis fiscais herdadas de situagGes coloniais serem inadequadas as estruturas econémicas e as necessdrias politicas de desenvolvimento. Para uma andlise mais detalhada sobre este assunto ver, por exemplo, Sousa Franco, Ant6nio L. (1996), Finangas Piiblicas e Direito Financeiro, Volume Il, 4* Edigio ~ 3* Reimpresso, Coimbra, Almedina Editora, p. 171 ess. Quanto custa pagar impostos em P 2 ortugal? Como observamos a partir da figura 1.3, a curva receitas tributérias realmente arrecadadas pelas autordga Pn tervalo entre a curva AC ea linha PQ traduz a parte aes fiscaig ¢° perdidas ou por colectar. A evasio fiscal nao intencional ge fi per entre AC e DCI. Atente-se que a distancia vertical en *oa, diminui & medida que os custos aumentam, 0 que se deve, E5185 cue snelhor e mais efectivo controlo fiscal dos contribuintes. "P*"S 2m Tal como serd discutido no capitulo seguinte, a posi é provavelmente diferente de pafs para pais, bem como imposto, sendo certamente o produto de diversos factores, tig babilidade de uma inspecgdo, a importancia e a natureza das sn? t nivel das taxas fiscais, 08 métodos administrativos de recolha de tos ¢ a moralidade fiscal dos contribuintes em geral "pos. Numa economia desenvolvida, com uma populagao de const educada e uma administragio fiscal eficiente, opera-se com uma ban, diferenga entre a receita fiscal potencial e a efectiva. Assim, a mica rendimento tributdvel potencial é colectado, e a parte por arrecadar: eee -se, fundamentalmente, a um grau de evasdo fiscal aceitavel, Na veréate, uma pequena percentagem de evasio fiscal est sempre presente, qualquer que seja o sistema fiscal. Nesta situago, os custos fiscais surgem at so ponto onde os aumentos de rendimento resultam de increments subs. ciais de custos que nao sao de negligenciar. Numa economia subdesenvolvida, com uma populagio analfaei- zada e grande peso do sector de subsisténcia, a administragao fiscal open com uma grande diferenga entre a receita fiscal potenciale a efectiv Os rendimentos so, assim, receptivos a aumentos de custos, enguanfo unt grande parte das receitas fiscais potenciais permanece por ames {A evasiio fiscal nZo intencional engloba, entéo, uma grande parte doe dimento por recolher das autoridades fiscais, Podemos, pois, concluir que qualquer que seja o sistem fiscal 0 nivel de taxas de imposto ou a estrutura fiscal, @ administragao fiscel a sempre como objectivos principais a arrecadagao de receitas fscis come menor nfvel de custos, 0 que implica uma deslocagdo da curva ABC pat a esquerda, ¢ 0 combate A fraude e evasio fiscal, 0 que condi uma locagao da linha PQ para baixo e em. direcgdo ao eix0 do Esta situagio aparece descrita na figura 1.4. 'o da linha ao de impos py Mentificagao ¢ caracterizagdo dos custos da tributagao a (Figura n.° 1.4] O combate A fraude e evasio fiscal e a relago entre custos administrativos e receitas fiscais, al A cusros riscats Fonte: Dean, Peter, (1973), Ob. Cit., p. 10 Da anilise da figura 1.4 podemos verificar que a deslocacao da curva ABC para cima e para a esquerda, para a curva Al B1 Cl, conduz a um ganho de produtividade para a administragio fiscal. Assim, as mesmas receitas so arrecadadas a um menor custo, ou o mesmo seré dizer que mais receitas serao colectadas ao mesmo custo. Uma subida nas taxas de imposto provoca, por seu turno, um efeito na estrutura dos custos e das receitas fiscais de um determinado sistema fiscal. Vejamos, assim, as mudangas observadas na figura 1.5. Como podemos observar pela andlise da figura 1.5, verifica-se uma deslocagio da linha PQ para P1QI, e da curva ABC para AIBICI e, assim, um novo racio custo fiscal/receitas fiscais. m1 cusTos FIscars Fonte: Dean, Peter (1973), Ob. Cit., p. 12. rea entte# O intervalo que representa a evasio ou fraude fiscal, a tes on curva AIBICI ea linha P1QI é, agora, maior do que o interval gio inicial. i Na verdade, esta situagdo esta de acordo com o principio s° aceite em finangas ptiblicas de que um aumento nas taxas de ed ria, ceteris paribus, associado a mais evasio, uma Ve? 6 imposto marginais altas aumentam os incentivos para 0S INU. ge fut rendimentos mais elevados investirem em complicados esa 208 impostos.22 almeat® est as OP act conse elevadas inal % A este propésito, refere Xavier de Basto que taxas roa crete, simesmas um factor de incremento da fuga aos impostos. S40» Identificacao e caracterizagdo dos custos da tributagé 45 A teoria dos custos da tributagdo sublinhada acima sugere dois crité- rios para que um imposto seja administrado eficientemente. O primeiro critério baseia-se no estudo dos custos do sistema fiscal em percentagem das receitas fiscais obtidas. Este critério é, pois, uma con- dig&o necessdria, mas nao suficiente, da eficiéncia, dado que apenas asse- gura que conjunto das receitas cobradas est disponivel para os objecti- vos de politica fiscal. | O segundo critério de eficiéncia assenta no facto da recolha de impostos dever, também, ser representada por uma percentagem dos ren- dimentos fiscais potenciais de acordo com uma determinada base tributa- vel ¢ determinadas taxas de imposto. E dificil pér em prética estes dois critérios de eficiéncia porque nenhum deles € absoluto. Na realidade, nao existe nenhuma forma objec- tiva de conhecer se um dado nivel de eficiéncia ou um dado valor do racio custo/receitas € o mais adequado para um sistema fiscal. Mais ainda, estes dois critérios entram frequentemente em conflito. Na verdade, e regra geral, niveis elevados de eficiéncia implicam altos nfveis de custos para as receitas obtidas, enquanto baixos récios de custo/receitas conduzem a um inaceitavel grau de evasio fiscal. Os dois critérios em conjunto vao, toda- via, na mesma direcgao, especificando as condigdes para aumentar a efi- ciéncia da administragao fiscal. Nao podemos, ainda assim, deixar de sublinhar, uma vez, mais, os cuidados a ter na interpretaco do significado e uso do racio custos fiscais/receitas fiscais. 2.2. Os custos do sector privado A existéncia de um qualquer imposto introduz uma diversidade de custos para 0 sector privado.33 do nao controlo da evasdo e da fraude pelos servigos, pois, muitas vezes, as taxas legais crescem porque as efectivas nao se aplicam na prética. Ao contrério, as taxas legais mode- radas so um estimulo a0 cumprimento voluntério da lei. Com taxas no muito elevadas, © beneficio pela evasio pode deixar de compensar 0s riscos ligados & sua descoberta, Xavier de Basto, José Guilherme (1994), “Uma reflexdo sobre a Administragio fiscal”; in: Notas Econdmicas, n.° 4, Novembro, pp. 100-108. 38 Sandford, Cedric (1995), “Minimising administrative and compliance costs”, in More Key Issues in Tax Reform, Bath, Fiscal Publications, pp. 89-105. santo custa pagar impostos em Portugal? 46, ma O custo mais 6bvio para 0 contribuinte € o financeiro, ou seja, o cop. responcente ao pagamento do imposto. Existem, também, custos sociais € de bem-estar que surgem das dis. torges provocadas por um imposto. Assim, um imposto sobre o rendj- mento distorce as decisdes entre trabalho e lazer, enquanto um imposta sobre os bens e servigos pode alterar os padrdes de consumo ou de produ.. go, provocando, por exemplo, ineficiéncias na afectagao de recursos. ‘A adicionar a estes custos temos, ainda, os incorridos pelos contri. buintes e terceiras entidades no cumprimento das suas obrigagdes tributg. rias, nomeadamente, o tempo dispendido no preenchimento da declaracio de rendimentos, na recolha de informagdes ou outro material necessério, Podemos, agora, suscitar a seguinte questo: quais 0s custos do sec- tor privado que deveremos classificar como custos de cumprimento? A resposta a esta questo nao é simples. Na verdade, a fronteira entre os custos de eficiéncia e 0s custos formais de cumprimento também nao é muito clara. Os custos de eficiéncia nfo so apenas fungio da existéncia do imposto, mas também da forma como este foi concebido. Por exemplo, para um n{vel de rendimento igual, um imposto sobre 0 consumo incidente sobre todas as transaceées, sem crédito de imposto para os inputs, isto €, ‘um imposto em cascata ou cumulativo,*# pode originar distorgdes na estru- tura industrial, ou seja, na forma como os proprietérios organizam os seus negécios. Na realidade, um imposto cumulativo penaliza os processos pro- dutivos desintegrados (isto é, em que intervém muitas unidades indepen- dentes) e estimula a integrago vertical das fases produtivas,’5 enquanto que um tributo operando com crédito imposto suportado € neutro, dado nio introduzir distorgdes deste tipo. Os custos de eficiéncia sio, entdo, os incorridos pelo sector privado € que resultam da introdugao e estrutura de um dado imposto. As regras para corrigir algumas das distorgdes mais graves sao elas préprias, muitas vvezes, fonte de complexidade e contencioso. 34 Hoje, os impostos em cascata praticamente no existem nos sistemas fiscais dos paises desenvolvidos. Na Europa, a Espana foi o itimo pais a abandonar este tipo de imposto de transacgies 38 Sobre este problema, hoje sem o mesmo interesse prético de outrora, pode verse, or exemplo, Xavier de Basto, José Guilherme (1991), “A tributago do consumo e a sua coordenagio internacional”, in: Ciéncia e Técnica Fiscal, n.° 164, Lisboa, Ministério das Finangas, pp. 28-35. da tributagao 4 No presente trabalho nfio pretendemos, porém, analisar os custos de eficiéncia inerentes a introdugio de um imposto. O nosso primeiro objec tivo centra-se, antes, no estudo dos custos incorridos pelos contribuintes € terceiras entidades em cumprirem com um determinado conjunto de obri gages resultantes de um imposto. E necessério, assim, clarificar 0 conceito de custos de cumprimento, dada a ambiguidade literéria que 0 mesmo pode suscitar. De um lado, podemos considerar estes custos como os incorridos pelas autoridades em assegurar 0 cumprimento da lei fiscal. Neste caso, estarfamos perante um custo do sector piiblico em que uma parte seria cus- tos administrativos. De outro lado, temos os custos suportados pelos con- tribuintes ¢ terceiras entidades no cumprimento das obrigagées fiscais. Nesta situacdo, estamos perante um custo do sector privado. Para os fins que nos interessam, que sio os da andlise dos custos de cumprimento, iremos debrugar-nos apenas sobre os custos habitualmente designados por “custos de cumprimento do contribuinte”. Por isso, quando nos referirmos, neste trabalho, aos custos de cumprimento é unicamente na perspectiva do contribuinte. 2.2.1. Os custos de cumprimento das obrigacées tributdrias Segundo Sandford,36 e tal como jé foi referido anteriormente, os cus- tos de cumprimento incluem nao s6 0 tempo despendido pelos contribuintes com os seus assuntos fiscais, mas também as despesas incorridas com guias fiscais, equipamento informético, e com consultores fiscais, a quem os con- tribuintes recorrem para cumprirem com as suas obrigagGes tributérias.37 36 Sandford, Cedric (1973), Hidden Costs of Taxation, London, Institute for Fiscal Studies, p. 10. 37 Em Portugal, Albano Santos designou os custos de cumprimento por custos de sujeigdio. Estes tltimos incluem todos os custos susceptiveis de avaliagdo pecuniéria que © sistema fiscal faz 0 contribuinte suportar directamente, 0 que compreende um conjunto variado de encargos onde, a par da soma entregue nos coftes piblicos para pagamento dos impostos, se deve contar a expresso financeira de outros nus suportados, seja pata 0 ‘cumprimento das obrigagGes fiscais (por exemplo, o tempo gasto no preenchimento de for- mulérios e nos contactos com a administragio tributéria, custos de recolha e conservacio dos elementos contabilisticos que documentam a situagao fiscal), seja para se subtrair a essas obrigacées (por exemplo, gastos com 0 aconselhamento tributério). Cft. Santos, yore SS Quanto custa pagar impostos em Portugal? A figura 1.6 6, pois, uma tentativa de sistematizacio dag formas que assumem os custos de cumprimento. Principais [Figura n.° 1.6] Os custos de cumprimente formas prineipais ‘OS CUSTOS DE CUMPRIMENTO: FORMAS PRINCIF ‘CONTRIBUINTES INDIVIDUAIS TERCEIRAS ENTIDADES abe Yom ag ‘ Tease] | [aman Teas} | Cras { { { 4 fee] | || Tae = = v v Y Se] SE)" ee ces eee Fonte: Sandford, Cedric; Godwin, Michael; Hardwick, Peter (1989), Ob. Cit. P- Ul 7 tien, Albano (2003), Teoria Fiscal, Lisboa, Instituto Superior de Ciéneias Sociais e Pelt Universidade Técnica de Lisboa, pp. 437-438, Identificagao e caracterizacdo dos custos da tributacao 49 Como se pode concluir da figura 1.6, os custos de cumprimento divi- dem-se em trés grupos principais: os custos de tempo; outros custos mone- tarios; ¢ os custos psicoldgicos. Os custos de tempo siio, de uma forma geral, o valor do tempo gasto pelos contribuintes individuais e colectivos no cumprimento das obriga- GGes fiscais.>® Diga-se, a este respeito, que é particularmente dificil de medir 0 tempo gasto em perguntas ¢ dtividas acerca dos impostos. Esta dificuldade aumenta quando os esclarecimentos fiscais so dados, néio por profissionais, mas por familiares e amigos. Para os contribuintes individuais, os custos incluem 0 tempo despen- dido no arquivo de documentos e no preenchimento da declaragao de ren- dimentos. E os custos monetérios englobam outras despesas de cardcter geral, tais como telefone, livros, equipamento ¢ honordrios pagos a con- sultores fiscais. Por sua vez, para os contribuintes colectivos, os custos de cumpri- mento dividem-se em internos e externos. Os primeiros correspondem ao tempo gasto internamente pelos empregados e directores da empresa com os assuntos fiscais, 0 qual é valorado através do ordenado atribuido aos mesmos. Por sua vez, 0s custos externos representam os incorridos fora da empresa com 0 aconselhamento fiscal. Temos, ainda, a acrescer, nos dois tipos de contribuintes, o custo com a aquisigao de conhecimentos para levar a cabo as tarefas inerentes a0 cumprimento fiscal, incluindo os conhecimentos das suas obrigagdes legais e respectivas penalidades. Para terminar, a complexidade ¢ incerteza na legislacio fiscal3° pode implicar custos adicionais de cumprimento para os contribuintes (empre- 38 0 tempo gasto no cumprimento fiscal acaba por se transformar por certo num encargo adicional que atinge montantes significativos, pois é amplamente perfilhado pelos contribuintes dos sistemas fiscais mais modernos que "sdo tantas as guias, os tales, as assinaturas, as complicagbes (...) que 0 trabalho e tempo despendido pelo contribuinte, em satisfazer todas essas formalidades, e os prejufzos causados pelas demoras, representam, em grandfssimo niimero de casos, maiores valores do que as somas pagas ao Estado.” San- tos, Albano (2003), Teoria Fiscal, Lisboa, Instituto Superior de Ciéncias Sociais e Politi- cas, Universidade Técnica de Lisboa, p. 438. 39 Sobre a nogio de complexidade fiscal, bem como dos factores responséveis por ela, ver, por exemplo, Slemrod, Joel, Bakija, Jon (2001), Taxing Ourselves — A citizen’s guide 10 the great debate over Tax Reform, 2" Edigio, Massachusetts, Massachusetts Institute of Technology, pp. 133-164. e Slemrod, Joel (Ed.) (1992), Why People Pay Taxes ~ Tax Compliance and Enforcement, Michigan, The University of Michigan Press, pp. 333-349.

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