You are on page 1of 27
Digitalizado com CamScanner A afirmacgao provocou, obviamente. gra 7 7 Brande pola Mica na opiniao publica, entre os historiadores , F P Tes em Particula, og candidaty negava que os descendentes de escravizadog fossem ys M, iti. sse fardo hist6rico, a ser reparado, Sugerindo y, m Ao negar a responsabilidade portuguesa, mas de: passado longinquo ja superado pela nossa Suposta “de. mocracia racial’. Mas 0 que importa para 0 tema deste texto é que o argumento utilizado continha uma menti- Ta apoiada em uma meia verdade, Se é historicamente comprovado que “negros cagavam Negros” no interior do continente africano Para vendé-los aos europeus, nao se pode dissociar o aumento dessa Pratica por conta das demandas crescentes do trafico atlantico entre os sécu- los XVI e XIX. Por outro lado, também 6 historicamente comprovado que os portugueses “pisavam” na Africa para comercializar, inclusive escravizados, desde a fun- dacao das feitorias de Arguim, em uma ilha na costa da atual Mauritania (1448), e do Castelo de Sao Jorge da Mina, atual Gana (1482). Esse tipo de estratégia de argumentacdo nos revela uma dupla distorgdo no conhecimento do passado, qua- se sempre mobilizada rebecca: LO oe o OFico, A primeira distorcao é 0 recurso 4 mentira pura e simples sobre um evento ou fato histérico comprovado Por fontes e por consenso de historiadores (indepen- das interpretagdes que se fazer sobre Sas causas ou desdobramentos), seetaiia pelo nome de negacionismo, A segunda distorcao 6 a apropriagao se- letiva de fatos igualmente comprovados, em a devida Digitalizado com CamScanner Digitalizado com CamScanner Novos COMBATES PELA 0 historiografica legitima, que faz avangar 0 co. de novas descobertas documentais da impostura de correntes de isionistas, cujo objetivo é jo- gar uma cortina de fumaca sobre passados incémodos lutas politicas da atualidade? Cy ler a essas quest6es, ainda que a principio, compreender revisa nhecimento diante e perspectivas tedricas, opiniao negacionistas e rev: em prol de Para tentar respond ente, precisamos, m_o que significam os conceitos de negacionismo muito be: e revisionismo ideolégico e a quem essas praticas tém ser- vido nas tltimas décadas. parcialm\ MUDANCAS DE PERSPECTIVA NO CONHECIMENTO SOBRE O PASSADO HISTORICO: O IMPACTO DO HOLOCAUSTO way oS Sao fot um’ campo de acirrada disputa aa se ‘ungoes sociais e ideolégicas. Vale lem- quea aiae: como “disciplina cientifica”, surgiu no brmora a a das novas elites politicas dos ape ecém-criados. Ela serviu para justificar cal ct as memérias sociais dispersas de palin eee e etnias dentro de um mes- it , j ‘ar O porqué de uma determinada ae Poder, além de criar um sentimento de pa- triotismo e nacionalis; xenofobia e no racig MO que nao raro acabou caindo na Digitalizado com CamScanner Os historiadores do século XIX, ainda que comprometidos com suas nagdes 40”, corolario ao imperialismo sobre povos nao bran- com um conceito eurocéntrico de “civi- lizag cos, tinham obsessao pelos “fatos concretos” e pela manei- ra mais ponderada possivel de organiz4-los em uma nar- rativa idealmente “neutra”, sustentada por uma argumen- taco légico-causal e fundamer a ntes primdrias. fa Historia C SII J 12 assim com os historiadores tradicionais do século XIX, na Europa e nas Américas, ainda que suas Histérias estivessem preocupa- das mais com heréis nacionais, instituigdes hegemOnicas, progresso material e elites politicas, civis e militares. Mas esse tipo de narrativa hist6rica era criticado desde © fim do século XIX, abrindo espaco para historiografias mais interessadas em pesquisar as massas an6nimas, 0 cotidiano do homem comum, as lutas sociais que expu- seram as contradigdes das sociedades ao longo do tempo. Sua hegemonia nos meios universitarios e escolares foi abalada severamente depois da Segunda Guerra Mundial edo Holocausto, frutos dos nacionalismos e racismos que, nao raro, haviam sido estimulados pelas Hist6rias oficiais nacionalistas e elitistas ie. Digitalizado com CamScanner Digitalizado com CamScanner NEGACIONISMO F REVISIONISMO HISTORICO No $f ) NO SECULO xx1 crimes cometidos por varios Estados, Afinal de contas, nao faltam crimes de massa contra a humanidade ao les goda hist6ria: contra opositores Politicos (como no caso do stalinismo na Unido Soviética), contra povos subme- tidos ao colonialismo (como no caso das poténcias eu- ropeias na Africa e na Asia) ou 0 genocidio interno dos povos originarios (como no caso dos povos indigenas nas Américas). i mes, pela sua natureza hedionda (cometida contra uma populacao civil que sequer era opositora do Estado per- petrador ou representava qualquer tipo de vida alterna- tivo ao dominante) (a9 (planejada, sistema- tizada, industrializada nos campos de exterminio), > (GREED on a morte de milhdes de pessoas em relativamente pouco tempo e a intencao explicita de li- quidar todo 0 povo judeu). (Mas 0 tema do Holocausto também incentivou e dew ‘ovo sentido a uma pratica antiga nas disputas sobre 0 | ie (ou a atenuacao em alguns casos) de crimes coletivos cometidos por Estados e acobertados por uma parte de suas elites civis e militares. Essa pratica recebeu 0 nome de A consciéncia desencadeada pelos testemunhos e pe- los estudos hist6ricos sobre 0 Holocausto, seguida das utas anticoloniais dos anos 1950 e 1960 na Asia e na a, exigiu da opiniao publica internacional, dos sis- sitdrios e escolares, uma nova perspectiva 0s outros genocidios e crimes de massa ao i Mas este novo contexto também am- u os discursos negacionistas que, & guisa nazistas como uma mera verso 91 Digitalizado com CamScanner NOVOS COMBATES PELA HISTORIA dos “vencedores da Segunda Guerra” (ou seja, as dee cracias liberais e a Unido Soviética), sempre almejaram a ocultacao do projeto de exterminio dos judeus e de oy. tros povos considerados inferiores, inaceitaveis e injusti- ficaveis diante dos novos valores e da ordem internacio. nal construfda no segundo pés-guerra. No caso especifico do Holocausto, conforme 0 histo- riador Pierre Vidal-Naquet em sua obra Os assassinos da memoria, o negacionismo adquiriu dois sentidos: 1. Negar o “cardter tinico” do Holocausto judeu (di- luindo-o como um efeito colateral da guerra ou um excesso cometido por poucos). . Negar o assassinato em massa como uma operacao intencional dos nazistas, uma politica sistematica de Estado. Nao se trata de um fenémeno ideo- logicamente uniforme, embora mais comumente associado a extrema direita e ao neonazismo. s. Sao eles: 1. Qualquer testemunho direto do Holocausto trazi- do por um judeu é uma mentira ou uma invencao- _ 2, Qualquer testemunho ou qualquer documento antes da liberagao dos campos é falso ou ¢ ignor do ou tratado como “boato”. Qualquer documento, em geral, que nos fale e™ eira mao sobre os métodos dos nazistas & invencao ou um documento falsificado. 92 jigitalizado com CamScanner Digitalizado com CamScanner NOVOS COMBATES PELA HISTORIA Ao identitaria levada a cabo por Srupos uma constru¢ instituigdes. As interagdes entre e suas institui¢¢ ides entre ambas, ob ciais a medida que essas duas vertente, viamente, existem ocupam do passado de uma sociedade. A memoria pode construir pautas e pontos de vis, paraa historiografia, pode estimular a critica as Hist6riag oficiais que apagam sujeitos e conflitos indesejaveis, mag ha também fronteiras. O historiador nao pode ser o dono da meméria social; valores e ideologias das memérias so- ciais de determinados grupos nao devem condicionar a pesquisa historica, A meméria social 6 sempre “enaua (deada” na forma de discursos e pela acao de instituigdes > “memoria enquadrada”, conforme 0 socidlogo Michael Pollak no artigo “Meméria, esquecimento, siléncio”, é articulada a partir de um con- junto de operac6es: testemunhos autorizados, documen- tos-monumentos, historiadores profissionais, arquivistas e instituicdes (oficiais ou nao) e grupos informais que fun- cionam como guardides do passado. Nessa perspectiva, os historiadores também atuam no enquadramento da meméria, sobretudo quando tratam de temas sensiveis, ligados a violéncias de massa como 0 Holocausto- Outro ponto de “porosidade” entre Historia € me- moria que foi potencializado pelo Holocausto: © lugar da subjetividade na Historia e o lugar do testemunho um dos ponte ados pelos negacionistas 2 esqueciment0s S Se de b arquivamento, epeaad ~ estando essa fase especifica in’ 'gada a constituicao de arquivos, sendo o “testemunh NEGACIONISMO E REVISIONISMO HISTORICO NO SficULO xxt constitutivo do documento hist6rico enquanto “meméria declarativa”. Para o filésofo, a confiabilidade do teste- munho esta diretamente relacionada ao seu estatuto de nyeracidade”, a partir do “confronto de testemunhos”. Portanto, toda prova documental tem como base um tes- temunho, transformado muitas vezes em documentos escritos. No caso do Holocausto, bem como dos teste- munhos ligados a outros crimes de massa que deixaram traumas e cicatrizes sociais (como nas ditaduras), o teste- munho se torna “instituicgao” quando sua confiabilidade é certificada pelos agentes sociais, entre eles historiadores. Muitas vezes, os negacionistas apelam para o “direi- toa livre expressao” para propagar suas ideias nefastas. A defesa do direito de opiniao e de “liberdade de ex- pressao”, sem divida um dos princfpios basilares da de- mocracia moderna, é frequentemente reivindicada por negacionistas para expressarem suas ideias em ptblico e buscarem reconhecimento no meio cientifico. Também no debate brasileiro, essa estratégia calcada na defesa de uma suposta “pluralidade de ideias” é brandida por ne- gacionistas das ditaduras ou da escravidao. Mas lembre- mos da adverténcia de Pierre Vidal-Naquet sobre a con- _ fusao entre direito a opiniao e estratégia negacionista: _ E possivel sustentar que cada qual tem o direito de 7 romover mentiras e farsas, e que a liberdade indi- me contenha esse direito, reconhecido na tradi- 0 liberal francesa, em prol da defesa do acusado. direito que o falsdrio demanda nao deve ser lo em nome da verdade.' rat ed Digitalizado com CamScanner NEGACIONISMO E REVISIONISMO HISTORICO No sf ICULO xxt news e da fake History, com o agravante de Ser utilizad normalmente, para ocultar crimes de Estado, diluir ed responsabilidades e lutar contra a “justica reparativa” a vitimas e seus herdeiros diretos ou indiretos, Os discur- sos negacionistas na Historia se alimentam dos mesmos prineipios da “md ciéncia”, ou seja, discursos que querem se passar por cientificos, mas na verdade sao falseado- res da critica, da descoberta da verdade e da reflexao. Dentre estas caracteristicas estao:? * Titulossensacionalistas (muito utilizados em pseudo- documentarios e videos de divulgacdo em redes so- ciais, mas também em artigos e livros de divulgacao). Resultados distorcidos e manipulados extraidos de outras pesquisas. Conflitos de interesse entre o pesquisador e os ob- jetivos da pesquisa. Confusao proposital entre correlagao e causalidade. Linguagem especulativa em excesso, sem uma argumentacao baseada em evidéncias ou resul- __ tados aferidos. © Amostra documental muito pequena para conclu- __ sdes muito amplas. neraliz de casos particulares e excecoes. juisas sem controle dos pares (outros cien- ou de instituigdes cientificas creditadas e dade nas fontes ou nos resultados, ocul- 4 confirma a hipotese inicial. o livre de outros pesquisa- ites) e a criagao de obstacu- nas anilises. NOVOS COMBATES PELA HISTOR: A partir dessa caracteristica geral da grande fami da “ma ciéneia”, podemos definir os conceitos dos Pr membros mais notérios no campo da ciéncia hist6ric - negacionismo e 0 revisionismo. (Onnegacionismo poderia ser detnido como a heos-= ocorrido no passado, em que pese varias possibilidades de interpretagéo validadas pelo debate historiogréfico Em outras palavras, 0 negacionista rejeita o conhecimento hist6rico estabelecido em bases cientificas e metodolégicas reconhecidas, em nome de uma suposta “verdade oculta- da” pelas instituigdes académicas, cientificas e escolares por causa de supostos “interesses politicos ligados ao sis- tema”. Assim, os negacionistas alimentam e sao alimen- tados pelas diversas “teorias da conspiracao” que sempre existiram, mas que nos primeiros anos do século XXI tem sido canalizadas por interesses politicos, sobretudo de pat- tidos e lideres de extrema direita, para combater os valores Pprogressistas e democraticos. Em muitos casos, uma opt nido negacionista tem sua origem em varias anilises “revi- sionistas” do passado, que se propdem a revisar as teses © 0s estudos mais aceitos na comunidade cientifica. Mas todo revisionismo histérico seria a antessala do negacionismo? Obviamente, nao, pois a natureza do co Baectiento hist6rico exige a revisdo constante das inter em Novas questdes ovas hipdteses, NY TTR, NEGACIONISMO E REVISIONISMO HISTORIC NO ScULo x LO xx Portanto, 0 conceito = revisionismo pode englobar um fendmeno mais complexo do que o negacionismo puro e simples. O sentido amplo dessa palavra pode incluir 0 legitimo e necessario trabalho da historiografia, que é 0 de buscar novas perspectivas e novas fontes para am- pliar 0 conhecimento sobre o passado. Por outro lado, pode incluir a estratégia de muitos autores politicamente interessados que partem de uma perspectiva ideologica sobre o passado, simulam um método critico e direcio- nam a conclusao das suas reflexdes para questionar a consciéncia critica da Histéria como parte da luta pela democratizacao geral da sociedade. Orevisionismo propriamente historiografico, ou seja, aquele calcado em argumentacao l6gica, novas fontes e métodos, ainda que coloque em xeque perspectivas do- na opiniao publica, progressista ou conserva: pode ser descartado. Ele faz parte do debate 9 e como tal deve ser encarado. goica, que pa sionismo é refém de objetivos falta de método e da ética da e daquele revisionisme Digitalizado com CamScanner NOVOS COMBATES PELA HISTOR historiograficos, no anacronismo, no uso Acriticg di € fon, i a a a Pattir gy uma leitura superficial, sem critica ou contexty, tes primarias (tomadas como “prova factual” alizagig sempre com 0 intuito de defender uma tese dada q i 24 priog; sobre o passado incémodo e sensivel. Nao € raro que os dois revisionismos se entrec Tuzem com autores revisionistas de “viés ideologico”, Como se costuma dizer hoje em dia, se apropriando de historiograficas sérias, elaboradas por histori Tevisé adores re. conhecidos na comunidade cientifica, com 0 objetivo de desconstruir as pautas progressistas e de incluso social apoiadas na critica a crimes e injusticas do passado. Uiniiommmeninimemieents °2'2 a cistorca0 mesmo quando os revisionistas colocam questdes insti- gantes e criticas, muito sedutoras principalmente aos lei- tores leigos e as correntes de opiniao conservadora. ai ue como 0 revisionismo ideolégico nao querem revisar Be ampliar 0 coghecimento sobre o passado, mas destruit enviesada sobre fatos e processos histéricos polémices Conforme o historiador Luis Edmundo Moraes ("° artigo “O negacionismo e o problema da legitimidade da escrita sobre o pasado”), as principais armadilhas "8" mentativas dos negacionistas sao: om " entos a. Reivindicar © reconhecimento de psc his 5 dos metodol6gicos de andlise semelhantes 205 °° toriadores nao revisionistas. 100 om CamScanner qrontsMo E KBVISIONISMO HISTORICO NO SECULO 2X1 NEGA a necessidade de outras verses sobre storico (ou de uma “outra versao”). tuséncia de “prova” documental que violéncia foi cometido " Defende! c um evento hi Denunciar a al rove” que um crime ou se passado. waters . Apontar a suposta “falta de copa, l6gica-cau- sal entre 0S fatos que caracterizam oO evento nega- do (ex.: “Por que os nazistas se concentraram em matar os judeus, desviando recursos preciosos da frente de batalha?”; “Como a escravidao no Brasil gerou o racismo se vivemos em uma sociedade mestica?”; “Como os indios como um todo foram alvo de genocidio se eles se aliaram aos portugue- ses em varias ocasides?”). . Tomar o fato reconhecido e chancelado pela pes- quisa historica como “interpretagao” e defender “seu método como “factual”. Ainda para esse autor, os “argumentos” podem le- var a ideia, errénea, de que os negacionistas constituem uma “escola historiografica” e que defendem o “método torico”, visbes comuns fora do campo historiografico Essa ideia, muitas vezes, pode ser assimila- iOS que nao necessariamente tém ma-fé e, querem conhecer outras versdes so- Para Luis Edmundo Moraes, nao sao historiadores, nem revisio- fato de que a ideia de revisao ¢ inse~ 0 de construgao de conhecimento e processos descritos, teorias nao estao sujeitos a revisao nao das ciéncias humanas, mas samento teolégico.? igitalizac Digitalizado com CamScanner NEGACIONISMO E REVISIONISMO HISTORICO NO sécuL9 XxI Qual deve ser a resposta dos historiadores e Professo- res de Historia? Em linhas gerais, os estudiosos do nega- cionismo nao recomendam debater com negacionistas, ie de dar-Ihes reconhecimento e um férum legitimo no campo da historiografia. Mas, sem dtvida, 6 preciso compreender € debater o negacionismo. Como antidoto ao negacionismo, historiadores e professores de Historia devem sempre afirmar uma espécie de “metametodolo- gia historica” contra a “ parametodologia’” revisionista. O que seria essa “metametodologia da Histéria”, em tempos de uma historiografia plural e com muitas alter- nativas tedricas validas? Como evitar que, ao afirmar a existéncia de uma “verdade histérica”, 0 professor nao reafirme a existéncia de uma tnica interpretacao valida sobre o passado e a “neutralidade” ideoldgica do histo- tiador, visdo contra a qual a historiografia contempora- nea se rebelou ha muito tempo? Como nao cruzar a fron- teira entre o revisionismo historiografico, que faz avancar 0 conhecimento e pode dar foco em sujeitos ocultados e silenciados nas interpretagdes dominantes, e 0 revisio- 0 ideol6gico, que quer precisamente 0 oposto, reiterar processos hist6ricos polémicos e sensiveis e efetivamente criticas da historia? de Historia, que atuam a sociedad Digitalizado com CamScanner NEGACIONISMO B REVISIONISMO HISTORICO NO SECULO XxI de pesquisa & ensino, da afirmagao de principios basi- cos da pesquisa historiografica (a tal “metametodolo- ja”), sem a qual nenhum trabalho historiografico, que se quer como tal, se sustenta, Em todo 0 trabalho historiografico, seja na pesquisa, ensino, pode estar presente uma perspectiva ideo- logica. Historiadores sao cidadaos, tém paixées politicas e perspectivas engajadas sobre o passado que estudam. ‘A diferenga entre este e o autor estritamente panfletario (negacionista ou revisionista) 6 que o historiador deve explicitar suas perspectivas, politicas e metodolégicas, nao deve se desviar do método hist6rico calcado no trato critico das fontes, nao deve silenciar diante das evidén- cias de fatos e processos verificdveis através das fontes e deve manter-se na argumentacao baseada em conceitos ecategorias de andlise. Essa é sua ética de trabalho, base da pesquisa e do ensino de Historia. Isso é 0 que chamo de “metametodologia” da pesquisa historica. Esse desafio também inclui o professor de Historia do ensino basico, que nao é um mero repetidor da histo- tiografia académica, mas que precisa manter com ela um didlogo fecundo, acessivel aos alunos que devem desen- er um pensamento historico e conhecer as bases da t conhecimento sobre o passado. professores podem ser engajados, criticos, *r 0 cuidado de ser objetivos, evitar confun- alorativos (este ou aquele personagem ‘mau, este ou aquele processo foi “po- ) com anilise historica. devem, sobretudo, apon- dos processos histéricos, anali- 1s de mundo dos personagens seja no NOVOS COMBATES PEL, HISTOR, A ONtradicéeg hist6ricos (escrutinar suas agdes e ¢ nar estruturas e instituicdes sociais, ¢ Sas relace ae a producao simbélica, e as Telagées de Poder a €poca. Mas, sobretudo, os Professores devem a vis6es, nao para dar um tom imparcial a sua este didatica sobre o Passado, mas para Mostrar um aa historico plural e contraditério. Seu Ponto de vista Pode ser engajado, critico, mas sua anilise deve levar em con. ta os valores da época, 0 conflito das ag6es humanas, 9. Projetos de sociedade em disputa, analisados da maneira mais objetiva possivel. Claro, o tom do Professor e suas estratégias didaticas podem variar conforme a faixa eté- tia, 0 repert6rio e os valores dos alunos e os objetivos do seu trabalho. Pessoalmente, defendo que a Historia e a historiogra- fia facam parte da construcéio da cidadania e do Estado democratico de direito, o que significa ir além de uma his- toriografia de “esquerda” ou de “direita”. E preciso rece- que essas nuances ideolégicas existem na comun dade de historiadores e professores de Historia, ¢ atuamn na escolha de objetos e interpretagdes. Mas, em vee mas, ndo sao obstaculos ao conhecimento historico, an que 0 rigor metodologico, a ética de pesquisa e 40 — € a objetividade sejam mantidos. O engajamento, be Perspectiva, nao é sindnimo de militancia hae doutrinagao politico-partidaria, como acusam ee Es _ ts conservadores e obscurantistas que na verda ie rem esvazia © ensino e a critica. Tampouco ¢ incor, onhecimento hist6rico objetivo, prese!Y' 106 NEGACIONISMO E REVISIONISMO HISTORICO No sécuL i © xx1 odireito a critica de pares, alunos e cidadaos em geral, e aberto as diversas interpretagGes sobre o passado. : * Os pesquisadores e professores de Historia, dos quais se deve cobrar rigor, ética de pesquisa e decoro profis- sional, nao sao meros emissores de opiniao vazia e “neu- tra”, mas profissionais que sistematizam o conhecimen- to hist6rico e ajudam a sociedade a conhecer a si mesma de maneira critica, em suas virtudes e mazelas. Portanto, eles devem, antes de tudo, ter clareza da natureza da sua atuag4o profissional, bem como dos seus limites. Nesse sentido, o engajamento em si nao é um problema, des- de que as bases centrais do conhecimento hist6rico e sua disseminacao pelo ensino sejam mantidas. Essas bases poderiam ser sintetizadas nos seguintes pontos: * Explicitar posicdes tedricas e metodol6gicas ao — leitor ou ao aluno, com base em literatura acadé- mica reconhecida. ne Explicitar valores ideol6gicos e morais que guia- ram a pesquisa. coma historiografia sobre o tema, valori- debate entre os autores. ‘evidéncias documentais, devidamente le 3 contextualizadas com base no método er escolhido, sem esconder ou ocultar Digitalizado com CamScanner Digitalizado com CamScanner NOVOS COMBATES PELA HISTORIA ser a verdade absoluta e factual que os historiag, cientificistas do passado, tipicos do século XIx, oe vam. O conceito de verdade na historiografia omtnie do segundo pos-guerra é definido como uma thie referencial, uma perspectiva, um “ponto de fuga” iden, tificavel em fontes e evidéncias geradas Pelo passado Além disso, a busca pela verdade hist6rica, ainda que no limite essa verdade seja inalcangavel ~ posto que o conhecimento histérico é sempre passivel de interpre- tagdes -, deve ser um compromisso ético e ontolégico do historiador. Notas * Pierre Vidal-Naquet, Los asesinos de la memoria, Buenos Aires, Siglo XX, 1994, pp. 85-6 (traducao do autor). 2 Adaptado de um guia geral disponivel na internet, elaborado pelo site sobre ensino e historia da Quimica Compound Interest (www.com- pundchem.com). Disponivel em portugués no site: . Acesso em: 3 out. 2020. ® Luis Edmundo de Souza Moraes, “O negacionismo e o problema da legitimidade da escrita sobre 0 passado”, em Anais do XXVI Simpésio Nacional de Historia, Sdo Paulo, Anpuh, jul. 2011, p. 6. Disponivel em _

You might also like