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capitulo 5 A norma processual: interpretacdo e integragdo — eficacia no tempo e no espaco §.1 IDENTIFICAGAO DA NORMA PROCESSUAL O Estado é 0 responsével pela determinagao das normas juridicas, que estabelecem como deve ser a conduta das pessoas em sociedade. Tais nor- mas podem ser definidoras de direitos e obrigagdes ou do modo de exer- cicio desses direitos. As primeiras constituem aquilo que convencionamos chamar de nor- ‘mas juridicas primérias ou materiais. Trata-se do chamado Direito Substan- tivo. Blas fornecem o critério a ser observado no julgamento de um conflito de interesses. Aplicando-as, 0 juiz determina a prevaléncia da pretensio do demandante ou da resistencia do demandado, compondo, desse modo, a lide que envolve as partes. Definem os direitos e as obrigagbes, mas nao li- dam com as consequéncias juridicas do descumprimento dos deveres. As segundas, de carater instrumental, compéem as normas juridicas secundarias ou processuais. Elas determinam a técnica a ser utilizada no exame do conflito de interesses, disciplinando a participacdo dos sujeitos do proceso (principalmente as partes e 0 juiz) na construgio do procedi- mento necessatio a composicao jurisdicional da lide. Portanto, a diferenca basica entre elas é quanto ao ambito de incidén- cia. Disso se infere que, para classificar uma norma como processual ou material, pouco importa o diploma legislativo do qual ela deflui. Embora a maior parte das normas processuais emane de diplomas destinados 4 disciplina do proceso, também é possivel, examinando diplomas tipica- 1B mente materiais, encontrar-se normas dessa categoria. f chamado de Di- reito Adjetivo, embora hoje seja reconhecica sua autonomia em relagio ao Direito Material. Neste ponto, cabe distinguir os direitos das garantias. Enquanto os direitos so estipulados pelo direito material na forma de prerrogativas para um sujeito, as garantias so dadas pelo direito processual com a fina. lidade de assegurar o cumprimento das normas materiais ou trazer conse quéncias ao descumprimento ‘Apés a verificaco de que ha normas que definem direitos e obriga Ses e outras que as asseguram no caso de descumprimento, € mister compreender por que meios se pode exigir o atendimento de uma prer- rogativa. Por exemplo: se um credor de uma obrigacdo de pagar quiser receber, mas o devedor nao quiser pagar, teremos vontades colidentes. conflito de interesses qualificado por uma pretensio resistida ¢ a defini- ao do conceito de “lide” criado por Francesco Carnelutti'. Para resolver esta lide, ha que se usar de mecanismos. Se utilizado o Poder Judiciario, a lide se transmuda em “demanda”. Esta é, justamente, a lide levada ao Judicidrio, o conflito de interesses ajuizado, A consequéncia sera a vincu- lacao das partes a decisio judicial, sendo obrigatério o cumprimento. Percebe-se que a autonomia da vontade é afetada em favor da efetividade da decisao judicial Acrescente-se, ainda, que determinados institutos encontram-se em uma zona gris, divergindo a doutrina quanto a sua natureza processual ou material. Essa divergéncia, como é natural, estende-se as normas discip! nadoras de referidos institutos, havendo doutrinadores que as classificam como processuais, enquanto outros as consideram materiais. Esse 6 0 caso, g., das normas disciplinadoras das provas 5.2 DIMENSAO ESPACIAL E TEMPORAL DA NORMA PROCESSUAL, ‘A eficacia espacial das normas processuais é determinada pelo princi- pio da territorialidade, conforme expressam os arts. 12€ 1.211, I* parte, do CPC/1973 e o art. 13 do CPC/2015. O principio, com fundamento na so- 1 Carnelutti (1999, p. 37). B34 berania nacional, determina que a lei processual patria é aplicada em todo 0 territério brasileiro (nao sendo proibida a aplica¢io da lei processual bra- sileira fora dos limites nacionais), ficando exchuida a possibilidade de aplica cdo de normas processuais estrangeiras diretamente pelo juiz nacional’. Devido ao sistema federativo por nés adotado, compete privativamen- te A Unio legislar sobre matéria processual, conforme determina o art. 22, 1, da CR. Nao ocorte, pois, como nos EUA, em que as leis processuais divergem de um Estado para outro. Nao obstante, as normas procedimentais estaduais brasileiras podem variar de Estado para Estado, uma vez que o art. 24, XI, da CR, outorgou competéncia concorrente a Unido, aos Estados-membros e ao Distrito Fe- deral, para legislar sobre “procedimentos em matéria processual” que, segundo Vicente Greco Filho’, seriam os procedimentos de apoio ao pro- cesso, € noo procedimento* judicial? 2. Ressalvados os casos de prova relativos a negocios juridicos estrangeiros, de acordo com o art. 13 da Lei de Introdugao as Normas do Direito Brasileiro, nova nomenclatura que a Lei rn. 12.376/2010 deu a Lei de Introdugao ao Cédigo Civil (LICC). Nao obstante, ressalta Candi do Rangel Dinamarco, nao se tratar de exces4o ao principio da territorialidade ja que a prova consiste em um dos “institutos bifrontes que, por se constituirem em realidades exteriores € precedentes ao processo ¢ se relacionarem muito de perto com o proprio direito 8 tutela juris- dicional, situam-se nas faixas de estrangulamento que sio significativo ponto de encontro en- tre o direito processual ¢ 0 substancial, Pela sua parcial conotacao juridico-substancial, o direi- to a prova esti imune as rigidas restrigdes territoriais inerentes a0 direito processual” (Dinamarco, 2001b, p. 92). 3. Greco Filho (2007a, p. 71). 4 Podem-se organizar os aspectos do processo em i) interno ~ relagdo juridica entre as par: 10 ordenada de atos processuais tes € i) externo ~ procedimento como suc 5 Quando confrontados, os arts. 22, I, € 24, X1, da CF, geram certa perplexidade. Logo, é preciso esclarecer como se deve distinguir uma norma processual de uma norma procedimen- tal, Candido Rangel Dinamarco sustenta que, em termos rigorosos, nio seria possivel estabe- lecer tal distingdo. Esse jurista concebe o processo como uma entidade complexa, composta pelo procedimento e pela relagao juridica processual. Segundo sustenta, seria impossivel en- contrar normas que se dirigissem exclusivamente ao procedimento e normas que regulassem apenas a relagio processual. Com efeito, toda norma sobre procedimento influira também na relacio processual, assim como toda norma disciplinadora desta produziria reflexos tam: bém sobre 0 procedimento. Qualquer dessas normas deveria ser considerada uma norma pro: cessual, visto que tanto o procedimento quanto a relagio processual compdem 0 canceito de processo, Nao obstante, esse jurista,a fim de alcancar o sentido dos dispositivos constitu nais examinados (arts, 22,1, e 24, X, vé.se obrigado a admitir que, diante do direito positive pitrio, pode se falar em normas processuais stricto sensu e rormas puramente procedimentais. Consoante essa orientacio, as normas processuais stricto sensu disciplinariam diretamente a relacio juridica processual, regulando as situacies subjetivas das pessoas envolvidas no proces 135 Como se vé, determinar a extensdo da competéncia concorrente dos Estados é tarefa extremamente complexa. Veja-se, nessa linha de raciocinio, 0 caso da Lei n. 1.504/89, do Estado do Rio de Janeiro, que regula a homologacao judicial de acordo sobre a prestacao de alimentos firmada com a intervengio da Defensoria Publica. Neste caso, 0 Tribunal’ afastou a alegacdo de que a norma impugnada estaria eivada de inconstitucionalidade formal, por invasio da competén cia privativa da Uniao para legislar sobre direito civil e processual civil (art. 22, I, da CF). Afirmou, no ponto, que seu contetido versaria sobre critérios procedimentais em matéria processual e estaria subsumido a competéncia concorrente, nos termos do art. 24, XI e XII, da CE Por outro lado, 0 STF julgou procedente pedido formulado em acao direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 7.716/2001, do Esta- do do Maranhio, que estabelecia privridade na tramitagao processual, em qualquer instdncia, para as causas que tenham, como parte, mulher viti ma de violéncia doméstica. O Tribunal’ esclareceu que a competéncia para normatizar tema processual seria da Unio e, por isso, a lei estadual impugnada teria afrontado o art. 22, I, da CE Além disso, ao lado das normas processuais (art. 22, I, da CF) e das procedimentais (art. 24, XI, da CF), existem as normas de organizacio ju- diciaria, que também podem ser ditadas concorrentemente pela Uniio, pelos Estados ¢ pelo Distrito Federal (CF/88, arts. 92 e s., merecendo es- pecial destaque os arts. 96, I, a, €125, § 1°)’. 50 (poder, dever, faculdade, 6nus e sujeicdo). Jé as normas puramente procedimentais regula. riam diretamente 0 modo como deve desenvolverse 0 processo, Seu objeto seria, portanto: “(@) 0 elenco de atos que compdem cada procedimento, (b) a ordem de sucessio a presidir a realizagio desses atos, (c) a forma que deve ser observada em cada um deles (modo, lugar € tempo) e (d) os diferentes tipos de procedimentos disponiveis e adequados aos casos que a propria norma estabelece” (Dinamarco, 2001b, p. 66-68). Essa parece ser a melhor interpreta- do para os dispositivos constitucionais citados. Deve-se registrar, contudo, que na doutrina cexistem posicdes diversas. Consulte-se, a propésito, Goncalves (1992, p. 37-58). 6 AD12922/RJ, rel. Min, Gilmar Mendes, 3-4-2014 (ADI-2922), Informative STF, n. 741 7 ADI3483/MA, rel. Min, Dias Toffoli, 3-4-2014 (ADI-3483), Informativo STE, n. 741 8 No Estado do Rio de Janeiro, destacamos a Lei de Organizagao e Divisio Judiciérias (Lei 1h. 6956/2015) e o Regimento Interno do ‘Tribunal de Justica como os principais diplomas dis ciplinadores da organizagio judiciéria. Ambos podem ser consultados no sitio do /RJ, em huep:/ /worwtjrjusbr. m6) No tocante a eficicia temporal, aplica-se 0 art. 1.211, 2* parte, do CPC/1973 € o art. 14 do CPC/2015. Fica definido, assim, que a lei processual tem aplicacdo imediata, alcancando os atos a serem realizados e sendo veda- daa atribuicdo de efeito retroativo, para nao violar 0 ato juridico perfeito’. Na hipétese dos chamados atos complexos, ou seja, aqueles que de pendem da soma de diversos atos simples, é necessario assegurar a inci- déncia da mesma norma a todos 0s atos “menores” que, juntos, compdem o ato “maior”. Como exemplo, podemos citar a audiéncia de instrugio e julgamento; imagine que 0 Juiz inicia 0 ato, colhe os esclarecimentos do perito, facul- tando indagacGes aos assistentes técnicos. Em razdo do adiantado da hora, suspende o ato e designa a continua- do para a semana seguinte, oportunidade em que ouvira as testemunhas arroladas pelas partes. Nesse meio tempo, surge nova lei, alterando a ordem e a mecénica dos atos na audiéncia, Uma vez que o ato complexo se iniciou sob a vigén- cia da primeira lei, deve ser finalizado dessa forma, pois caso contrario haveria a combinacio de leis, o que, inexoravelmente, levaria a aplicacao involuntiria de uma terceira, nao prevista pelo legislador, bem como sur- preenderia as partes e seus advogados que nao haviam se preparado para aquela situacao. No que tange ao inicio de sua vigéncia, no entanto, de acordo com 0 art, 12 da Lei de Introdugao as Normas do Direito Brasileiro, nome atual- mente conferido 4 Lei de Introducao ao Cédigo Civil, a lei processual co- mega a vigorar quarenta e cinco dias apés a sua publicacdo, salvo disposi- do em contrario (na pratica, € comum que se estabeleca a vigéncia ime- diata), respeitando-se, todavia, o direito adquirido, o ato juridico perfeito a coisa julgada, em conformidade com o art 5°, XXXVI, da Magna Carta e art. 6° da LINDB. 9 Olegislador brasileiro, ao tratar da eficécia da norma processual no tempo, optou pelo sistema do isolamento dos atos processuais, segundo © qual a lei nova se aplica imediatamente ‘todos os atos que forem subsequentes a sua entrada em vigor. Todavia, devem ser menciona- dos dois outros sistemas importantes. O primeiro é o da unidade processual, segundo o qual processo, por ser uma cadeia unitaria, s6 pode ser regulado por uma lei do inicio ao fim, deven- do prevalecer entio a anterior, para evitar a retroatividade da posterior: Jéo sistema das fases processuais permite que se aplique uma lei diferente em cada uma das fases processuais, por serem autonomas, Nao custa lembrar que, caso haja republicacdo do texto da Lei durante © periodo de sua vacatio, por motivo de correcao, novo prazo deve ser computado (interrupcao); é a regra do art. 1°, § 3°, da Lei de Introducao as Normas do Direito Brasileiro. Importante mencionar que 0 referido art. 1.211 do CPC/ 1973 foi al- terado pela Lei n. 12.008/2009 e passou a incorporar as letras A, B e C, que tratam da figura da prioridade de tramitacao dos processos em que sejam interessadas pessoas com 60 anos ou mais, ou ainda portadoras de graves doencas No novo CPC, a matéria vem regulada no art. 1.048, que traza seguin- te redagio’ Art. 1.048, Terao prioridade de tramitacao, em qualquer juizo ou tri- bunal, os procedimentos judiciais: 1 em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doenga grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art. 6°, inciso XTV, da Lei n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988; Il — regulados pela Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Crianga e do Adolescente). § 12A pessoa interessada na obtengao do beneficio, juntando prova de sua condicao, deverd requeré-lo 4 autoridade judiciéria competente para decidir o feito, que determinaré ao cart6rio do juizo as providén- cias a serem cumpridas. § 22 Deferida a prioridade, os autos receberdo identificagdo propria que evidencie o regime de tramitacao prioritaria. § 38 Concedida a prioridade, essa nfo cessaré com a morte do benefi- ciado, estendendo-se em favor do cénjuge supérstite ou do compa- nheiro em uniao estavel. § 42 A tramitacio prioritéria independe de deferimento pelo orgio ju- risdicional e devera ser imediatamente concedida diante da prova da condigio de beneficiario. Por fim, devemos ressaltar que a vigéncia de um novo Cédigo sempre traz um grande mimero de quest6es de direito intertemporal. Buscando prevenir os problemas ja previsiveis, o novo CPC dedica di- versos dispositivos ao tema, que sero tratados no volume 2 desta obra. 138) Apenas para exemplificar, transcrevemos 0 art. 1.046, que traz as re- gras bisicas. Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Codigo, suas disposigdes se aplica- ro desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. § 12 As disposicoes da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, relativas a0 procedimento sumirio ¢ aos procedimentos especiais que forem revo- gadas aplicar-se-Ao as aces propostas e nao sentenciadas até o inicio da vigéncia deste Cédigo. § 22 Permanecem em vigor as disposigdes especiais dos procedimen tos regulados em outras leis, aos quais se aplicara supletivamente este Codigo § 38 Os processos mencionados no art. 1.218 da Lei n- 5.869, de 11 de janeiro de 1973, cujo procedimento ainda nao tenha sido incorporado por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Cédigo. § 42 As remissdes a disposicSes do Codigo de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se as que Ihes so correspon- dentes neste Cédigo. § 52 A primeira lista de processos para julgamento em ordem cronolé- gica observard a antiguidade da distribuicdo entre os jé conclusos na data da entrada em vigor deste Codigo. §.3 FORMAS DE INTERPRETACGAO DA NORMA PROCESSUAL, O significado de uma norma nao ¢ algo intrinseco, a principio dado pelo legislador, nfo é meramente uma descricdo dada pelas palavras, e nem se pode afirmar que uma norma possui um nico significado. ‘Toda norma necesita de interpretacao. Interpretar"* a norma significa determinar seu contetido e aleance, ob- jetivando nao s6 descobrir o que a lei quer dizer, mas em que casos a lei se 10 Humberto Avila (2004, p. 22) defende a posigao de que norma nao é 0 objeto, mas sim 0 resultado da interpretacio, afirmando: “normas ndo so textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construidos a partir da interpretacao sistemtica de textos normativos. Dai se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretacdo; e as normas, no seu resultado” no aplica e em quais nao. O fenémeno da interpretagdo nao é uma constru o de sentido, mas sim uma reconstrucao de significado" Trata-se de atividade essencial do jurista, sendo certo que todas as nor: mas juridicas devem ser interpretadas, até as mais claras, ja que s6 se sabe se uma lei é clara apés interpreté-la Ha diversos métodos de interpretag: podem ser estendidos 4 norma processual. Assim, de maneira resumida, » da norma juridica que também podemos classificé-los em: a) Literal ou gramatical: como o préprio nome ja diz, leva em consi deracao o significado literal das palavras que formam a norma. O intér prete utiliza-se, tio somente, de sua sintaxe. Em virtude de sua precarie- dade, consiste em pressuposto interpretativo mais que um método pro priamente dito. b) Sistematico: a norma € interpretada em conformidade com as de- mais regras do ordenamento juridico, que devem compor um sistema logico coerente. O intérprete jamais pode se esquecer de que a norma objeto da atividade interpretativa nao é algo isolado do restante do orde- namento juridico, devendo ser interpretada de acordo com o sistema, evitando-se paradoxos. Um dos aspectos mais importantes desse método reside na relacao entre a Constituigao e as leis infraconstitucionais. A coe- réncia do sistema estabelece-se a partir da Constitui¢ao. Isso significa que a interpretacao da lei infraconstitucional esta condicionada pela interpre- tacdo da Constituicio. Assim, adquire especial importancia para a ativi- dade hermenéutica o reconhecimento do fendmeno de constitucionali- zacao do direito infraconstitucional’. 11 _Lenio Luiz Streck (200%, p. 90) destaca que 0 processo hermenéutico proprio do Es tado Demoeritico de Direito supde a consideragio de princfpios e condigGes sociais e poli ticas, nfo se confundindo com o jogo semantico ou com 0 entendimento da aplicacio da ‘omo a simples subsun¢ao da norma positiva aos fatos sociais. 12. Dissertando sobre o tema, ensina Luis Roberto Barroso (2005): “a ideia de consti nalizagao do Direito aqui explorada esta associada a um efeito expansivo das normas consti tucionais, cujo contetido material e axiol6gico se irradia, com forca normativa, por todo © sistema juridico. Os valores, os fins puiblicos ¢ os comportamentos contemplados nos prin- cipios e regras da Constituicio passam a condicionar a validade e o sentido de todas as nor ‘mas do direito infraconstitucional (..) Nesse ambiente, a Constituigao passa a ser nao apenas tum sistema em si~coma sua ordem, unidade e harmonia ~ mas também um modo de olhar c interpretar todos os demais ramos do Direito, Este fendmeno, identificado por alguns au 140 ©) Historico: a norma ¢ interpretada em consonancia com os seus an tecedentes historicos, resgatando as causas que a determinaram, verifi rico € politico em que surgiram. r Sua relevancia é ntido que a norma tenha rejeitado ex- pressamente. Um pardimetro concreto desta vontade do legislador é a Ex posigio de Motivos que acompanha a lei d) Teleologico: como o tempo afasta as leis do contexto em que pro- cando 0 contexto hit pontual, como para afastar um s mulgadas, a vontade subjetiva do legislador vai se perdendo. Dai, passa-se a analisar a finalidade da lei buscando um sentido auténomo e objetivo. Busca-se 0 fim social da norma, a “mens legis”, a vontade da lei, conforme determina 0 art. 5° da LINDB. Diante de duas interpretagGes possiveis, o intérprete deve optar por aquela que melhor atenda as necessidades da sociedade. ¢) Comparativo: baseia-se na comparacdo com os ordenamentos es trangeiros, buscando no direito comparado subsidios a interpretacio da norma, sobretudo a partir da observagao da experiéncia vivida por outros paises com a adogao daquela norma. Tais métodos, de forma isolada, so insuficientes para permitir a com- pleta e adequada exegese da norma, sendo necesséria, portanto, a sua uti- lizagdo em conjunto. Conforme o resultado aleangado, a atividade interpretativa pode ser classificada em: a) declarativa: atribuindo a norma o significado de sua expressio literal; b) restritiva: limitando a aplicagao da lei a um Ambito mais estrito, quando o legislador disse mais do que pretendia; ©) extensiva: conferindo-se uma interpretacdo mais ampla que a obti- da pelo seu teor literal, hipdtese em que o legislador expresso menos do que pretendia; 4) ab-rogante: quando conclui pela inaplicabilidade da norma, em razao de incompatibilidade absoluta com outra regra ou principio geral do ordenamento". tores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem juridica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituicdo, de modo a realizar os valores nela consagrados’ 13 Para o leitor que deseje aprofundar-se no tema, sugere-se a leitura de Couture (1994, P. 35-53 € 153-163), iat 5.4 MEIOS DE INTEGRACAO Com o advento do Codigo francés de Napoledo, em 1804, institui-se a importante regra de que 0 magistrado ndo mais poderia se eximir de aplicar o direito, sob o fundamento de lacuna na lei. Tal norma foi segui- da pela maioria dos codigos modernos, sendo também positivada em nosso ordenamento. Dessa forma, 0 art. 126 do CPC/1973 € 0 art. 140 do CPC/2015 pre- ceituam a vedacdo ao non liquet, isto é, profbem que o juiz alegue lacuna legal como fator de impedimento 4 prolacao da deciséo. Para tanto, ha de se valer dos meios legais de solucao de lacunas", previstos no art. 4° da Lei de Introducao as Normas do Direito Brasileiro, a saber: a analogia (utiliza-se de regra juridica prevista para hipdtese seme- Thante), os costumes (que sao fontes da lei) ¢ os principios gerais do Direi- to (principios decorrentes do proprio ordenamento juridico)"* Ressalte-se, por fim, que interpretagao ¢ integracao tém fungSes co- municantes e complementares, voltadas 4 revelacdo do direito. Ambas possuem caréter criador ¢ permitem o contato direto entre as regras de direito e a vida social’. 14 Ressalte-se, todavia, que, diferentemente da le, 0 direito nao apresenta lacunas, haja vista que sempre haveré no ordenamento jurdico uma norma seja principio ou regra ~ que disci- pline a situacdo apresentada, Nesse sentido, confira-se Norberto Bobbio (2001, p. 115) em ex- celente trabalho sobre o dogma da completude do ordenamento juridico. 15 Parte da doutrina concebe dois métodos para a integracao do ordenamento juridico: he- terointegracdo e autointegracio. Consiste o primeiro em recorrer a ordenamentos diversos ou a fontes de direito diferentes da dominante naquele ordenamento. No segundo método, a in- tegracdo se da dentro do mesmo ordenamento e da mesma fonte dominante, com um minimo de recorréncia a outras fontes. A partir desse sistema, Bobbio enquadra o costume como espé- ie de heterointegracao ea analogia e os principios gerais do Direito como espécies de autoin- tegragio (Bobbio, 2001, p. 146-160). 16 O cariter criativo da interpretacao é bastante ressaltado por Mauro Cappelletti (1993); 0 autor relata a grande transformacio ocorrida na interpretacao judicidria em virtude da incor poragio aos ordenamentos juridicos de direitos fundamentais voltados para a garantia do bem-estar social, permitindo a intensificagio do cariter criativo desta atividade em raz0 do contetido vago ¢ impreciso das normas que os expressavam. mia 5.5 O IMPACTO DO NEOCONSTITUCIONALISMO E A NOVA HERMENEUTICA Com a premissa do neoconsitucionalismo, os métodos tradicionais de interpretacdo, ainda que auxiliados pelos meios de integra¢ao, nao podem mais ser avaliados independentemente do Texto Constitucional Dessa forma, Luis Roberto Barroso” afirma que a interpretacao cons- titucional necessita de outros pardmetros, a saber: 1. a superioridade hierarquica (nenhuma norma infraconstitucional pode existir validamente, se for incompativel com preceito constitucional); 2. anatureza aberta da linguagem (ordem publica, igualdade perante a lei, dignidade da pessoa humana, razoabilidade-proporcionalidade, moralidade); 3. 0 contetido especifico (organizacao dos Poderes, definicio de direitos fundamentais ¢ normas programaticas, estabelecendo princi- pios ou indicando fins pablicos); 4. 0 carter politico (a Constituigo é o documento que faz a interface entre a politica e 0 direito, entre o poder constituinte e o poder constituido) Ainda de acordo com Barroso", tais peculiaridades levaram ao de- senvolvimento de principios especificos para a interpretacao constitu- cional, que funcionam como premissas conceituais da interpretacao constitucional. Tais principios s4o os seguintes: (i) Princfpio da supremacia da Constituicao; (ii) Principio da presungdo de constitucionalidade das lei ii) Principio da interpreta¢do conforme a Constituigio, 0 qual é ope- racionalizado por meio de trés grandes mecanismos: a) Adequacao do sentido da norma infraconstitucional a Constituigio; b) Declaracdo de inconstitucionalidade sem reducio de texto, o que significa a declaracéo de inconstitucionalidade de um sentido possivel da norma, ou, mais tecnicamente, de uma norma extraida de determi- nado enunciado normativo; ¢ ©) Declaragao da nao incidéncia da norma infraconstitucional a deter- minada situagao de fato, sem declaracao de inconstitucionalidade. 17 Barroso (2009b). Um extrato das lies pode ser obtido em Barroso (2010). 18 Barroso (2005), 13 (iv) Principio da unidade; (v) Principio da razoabilidade-proporcionalidade; (vi) Principio da efetividade Esses parametros hoje devem ser observados por todos os ramos do direito, inclusive 0 direito processual”, sob pena de se violar as garantias constitucionais basicas e, com isso, inviabilizar 0 processo justo”. Completando esse raciocinio, no modelo tradicional, ou seja, positi- vista, o papel do juiz era o de tio somente descobrir e revelar a solugio contida na norma; em outras palavras, como ressalta Barroso", formulava juizos de fato ¢ nao de valor. Mais do que isso, muitas vezes a interpreta- co nao era lastreada na Constituicao. Agora, no modelo pés-positivista, 0 magistrado deve estar preparado para constatar que a solucao nao esta integralmente na norma, o que de- manda um papel criativo na formulagdo da solucao para o problema. Ele se torna, assim, coparticipante do papel de produgao do direito, mediante integracdo, com suas proprias valorag6es escolhas, das cl4usulas abertas constantes do sistema juridico. Faz-se necessario verificar a constituciona- lidade das normas, sabendo que se subdividem em regras (comandos) principios (valores). No conflito entre regras, apenas uma pode prevalecer. Para tanto, S40 utilizados os métodos: a) temporal (revogaco); b) hierarquico (invalida- do); e c) da especialidade. No conflito entre principios nao se fala em revogacio, mas sim em ponderacao, de forma que dois ou mais podem coexistir, devendo ser apli- cados proporcionalmente. Em razao dessa nova postura, como adverte Marinoni, é imprescin- divel que 0 juiz fundamente adequadamente suas decisdes. Esta fundamentagao deve ser analitica®, ou seja, 0 julgador deve expor nao apenas o fundamento de sua decis4o, mas o que costumamos chamar 19 Zaneti Jiinior (2007). 20 Comoglio (2003, p. 159-176). 21 Barroso (2009) 22, Marinoni (2010), 23 Cambi (2007). mia) do fundamento do fundamento, ou seja, as razdes que levaram 0 juiz a fazer aquela interpretagao, a optar por aquele caminho, quando tinha ou- tras alternativas. O motivo pelo qual aquela providéncia Ihe pareceu mais , diante do caso concreto Voltando ao texto de Barroso", a necessidade da adogao de Principios na atividade hermenéutica se faz necessaria justamente em razio dessa “discricionariedade” do intérprete. [sso torna toda a atividade mais com- apropriada do que as dema plexa, e os fenémenos mais comuns sao: (a) o emprego de clausulas gerais pelo Constituinte, sob a forma de principios juridicos indeterminados, aliado ao fato da forga normativa dos proprios principios, que passam a ser aplicados diretamente ao caso, inde- pendentemente de norma infraconstitucional”; (b) a colisao de normas constitucionai (©) a ponderagao, entendida como técnica utilizada nos casos em que a subsuncao nao é suficiente. Sera necessaria para resolver os chamados “casos dificeis” nas hipéteses que envolvam ou a colisio de normas cons- titucionais ou quando se verificar um “desacordo moral razoavel”; (@ argumentacdo juridica: 4 medida que a decisdo judicial para envol- ver uma atividade criadora do Direito, o juiz precisa demonstrar que a solugio dada por ele ao caso concreto é a que realiza de maneira mais adequada a vontade constitucional. No novo CPC, 0 art. 6% determina que 0 juiz, ao aplicar a lei, devera atender aos: “fins sociais e As exigéncias do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcio- nalidade, a razoabilidade, a legalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiéncia”. O art. 15, por sua vez, dispde que na auséncia de normas que regulem processos cleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposicdes deste Cédigo Ihes serao aplicadas supletiva e subsidiariamente. Originalmente esse dispositivo incluia ainda o processo penal, mas na votacio final do texto essa expresso foi suprimida (nao custa lembrar que © Projeto do novo Cédigo de Processo Penal tramitou no Congresso Na- cional e esta paralisado desde 2010 ~ PLS n. 156/2010) 24 Barroso (2010). 25 Marinoni (2005a). Contudo, 0 art. 32do CPP* em vigor (DL n. 3.689/41) admite a inter- { pretacao extensiva ea analogia. | | | 26 Art. 3 A lei processual penal admitiré interpretacdo extensiva e aplicacdo analdgica, bem como 0 suplemento dos principios gerais de direito. 146) __capiruo 6 Jurisdigao: fungao jurisdicional - distingao das outras fun¢gdes do Estado ~ a jurisdi¢do voluntaria 6.1 FUNGOES ESTATAIS TIPICAS A jurisdicdo, que em latim significa “ago de dizer o dircito”, resulta da soberania do Estado e, junto com as fun¢des administrativa ¢ legislativa, compée as fungGes estatais tipicas. Embora o entendimento das fungées do Estado Moderno esteja estri- tamente relacionado 4 célebre obra de Montesquieu — 0 espirito das leis -, que versava sobre a separacao de poderes, hoje se sabe que 0 poder, como expressio da soberania estatal, é uno ¢ indivisfvel. Portanto, segundo a doutrina mais moderna, a tradicional expressdo “separaco de poderes” deve ser concebida no sentido de diviséo funcional de poderes, que costu- ma ser designada de fungdes do Estado, compreendendo, por conseguin- te, as funcées legislativa, administrativa e jurisdicional’. Respectivamente, 1 Montesquieu (1997). 2A jurisdigdo seria ao mesmo tempo um poder, uma fungio e uma atividade. Poder, como capacidade de impor suas decisdes imperativamente. Fungio, como encargo que 0 Estado assume de pacificar os conflitos sociais. Nesse sentido, ressalta Dinamarco (2001b, p. 297) que a jurisdicio nao consiste em um poder, mas o proprio poder estatal que & uno. Além disso, o autor salienta que “a recondugao da jurisdigo ao conceito politico de poder ‘estatal, entendido este como capacidade de decidir imperativamente ¢ impor decisbes, € fa tor importantissimo para 0 entendimento da natureza piiblica do processo e do direito pro- cessual, bem como para sua colocacio entre as demais fungGes estatais ¢ distingo em face de cada uma delas” 147 estas sd as chamadas Func6es Tipicas do Legislativo, do Executivo e do Judiciario. Assim, podemos distinguir as manifestacdes do poder estatal da seguin: te forma: A jurisdigao apresenta as seguintes caracteristicas: funcao de atuagio do direito objetivo na composicao dos conflitos de interesses, tornando-os juridicamente irrelevantes’; ato emanado, em regra‘, do Poder Judiciario; reveste-se de particularizagao; atividade exercida mediante provocacio; imparcial; com o advento da coisa julgada, torna-se imutavel A fungao legislativa, por sua vez: objetiva criar leis, normas abstratas que possuem comando genérico; ato emanado, em regra’, do Poder Legis- lativo; reveste-se de generalizacdo; atividade exercida sem provocacao; im- parcial; € passivel de revogacao*, mediante a realizaco de outro ato in- compativel com o primeiro. ou de ser considerado nulo, mediante contro- le de constitucionalidade’. 3 Chiovenda (2000a, p. 66-67). Conforme tivemos oportunidade de salientar no primeiro capitulo desta obra, a atuac3o da vontade do direito representa o escopo juridico da jurisdicao, tendo sido mais invocado no periodo conceitual do direito processual civil. Atualmente, a pro- cessualistica ressalta a importincia do seu escopo social — solucao de confltos e pacificacdo social, Este, sim, o fim Glkimo da jurisdicao (Dinamarco, 2001b, p. 320). 4 Afiancio jurisdicional ¢ exercida preponderantemente pelo conjunto de Orgios que se conven- Gionou denominar Poder Judiciério. Isso nio significa, contudo, que seja ela exercida exclusiva mente por esse Poder. Assim, no Brasil, o direito positivo outorga também ao Poder Legislativo uma pequena parcela da flo jurisdicional. 0 que se observa pelo exame da CF/88, art. 52,1 € I (incisos cujas redagdes foram alteradas respectivamente pela EC n. 23/99 e pela EC n, 45/2004). Além disso, nos Estados soberanos que preveem o contencioso administrativo, adotan: do o sistema dualista de jurisdiglo, também 0 Poder Executivo exerce uma parcela da funcio jurisdicional. Essa nao foi, porém, a opcao do constituinte de 1988. 5 Também aqui se observa o citério da preponderincia, Desse modo, uma pequena parcela da funcao legislativa é exercida pelo Poder Executivo (CF/88, arts. 62, 68 e 84, VI) e pelo Poder Ju dicidrio (CF/88, arts. 96, 1, a, 125, §§ 12 3° este tltimo pardgrafo alterado pela BC n. 45/2004) Deve-se ainda atentar para a atividade desenvolvida pelo STF, ao editar siimulas vinculantes, com fundamento na CF/88, art. 103-A, 6 CE. Lei de Introdugao as Normas do Direito Brasileiro: “Art. 28 Nao se destinando a vigén- cia temporsria, a lei tera vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1® A lei posterior revo ‘ga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompativel ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” 7 Nesse sentido: Barroso (2000, p. 83). Por fim, a funcio administrativa: € a funcdo de promover o bem co- mum, em conformidade a lei (executar os comandos estatais); ato emana- do, em regra’, do Poder Executivo; reveste-se de autoexecutoriedade; at vidade exercida sem provocacio; 0 ato administrativo é passivel de revoga- ao ou anulacao Além destas funcées tipicas, hé também as fungdes atipicas, as quais servem para manter o sistema de freios ¢ contrapesos, buscando garantir a harmonia sem violar a independéncia. Assim, 0 Executivo indica os Ministros do STE, apés sabatina pelo Le- gislativo. O Judiciério pode cassar o mandato do Chefe do Poder Executivo. O Judicidrio deve julgar conforme as leis ¢ a Constituicao, que nao foram por ele elaboradas. Por outro lado, pode declarar uma lei inconstitucional. Perceba que tais exemplos nao sao considerados usurpacées de com- peténcia, justamente pelo fato de serem estipuladas constitucionalmente. O Judiciario manifesta fungao atipica legislativa, pois a ele cabe a ini- ciativa das leis que regem a atividade judiciéria. Podemos dar como exem- plo leis que disciplinam a estrutura de varas especializadas, como a Vara da Violéncia Doméstica ou a Vara do Idoso. G2 CONCEITO Segundo Giuseppe Chiovenda, jurisdico é a funcao estatal que tem por finalidade a atuacao da vontade concreta da lei, substituindo a ativida- de do particular pela intervencio do Estado’. Esse entendimento segue a doutrina positivista e reduz drasticamente os poderes do juiz, pois a von- tade do povo é expressada pela lei, a qual é 0 produto da atividade do le gislador. Através do seu exercicio, declaram-se direitos preexistentes (Teo- ria Declaratéria ou Dualista do ordenamento)"", 8 Mais uma vez se verifica o critério da preponderdncia. Assim, também os Poderes Legislati- vo € Judiciério exercem uma parcela da funcio administrativa, Isso acontece, x. ¢., quando realizam concurso piblico para provimento de cargos de assistente legislative ou de juiz de direito. Quanto ao desempenho de funcdo administrativa pelo Poder Judiciario, consulte-s: especialmente, a CF/88, art. 96, 1, baf. 9 Chiovenda (2000a, p. 59:60) 1 A teoria declaratéria ou duslista do ondenamento juridico afirma que o direito subjetivo jé existe antes da atividade jurisdicional, que apenas 0 declara e confirma. Foram defensores dessa (19 Por outro lado, Francesco Carnelutti afirma que a jurisdicao é a fun- ao do Estado que busca a justa composicao da lide, sendo esta tiltima o conflito de interesses qualificado pela pretensio de uma das partes (carac- io do interesse alheio ao interesse terizada pela exigéncia de subordina proprio), bem como pela resisténcia da outra (‘Teoria Constitutiva ou Uni- tarista). $6 haveria processo ¢ jurisdicao se houvesse lide. Como ninguém teria qualquer direito até que o Judicidrio (e nao 0 Legislativo) 0 conferis- se, a jurisdigao teria o intuito de resolver 0 litigio. Questiona-se tal defini¢ao, pois Carnelutti parte da premissa de que, no processo, sempre existe uma lide", ou seja, de que ela seria um ele mento essencial ao exercicio da jurisdicao. A lide é verdadeiro polo meto- dolégico da doutrina de Carnelutti. No entanto, verificamos que nem sempre ela esta presente, sendo, na verdade, um elemento acidental, dada a possibilidade da © processo em que inexiste conflito de interesses (ou em que se busca a de- claracao dessa circunstancia) De fato, 0 exercicio da jurisdi¢éo nao solucionaria o conflito de inte- resses instaurado, apenas o tornaria juridicamente irrelevante. Nesse sen- tido sdo as criticas de Calamandrei e de Liebman, que afirmam que a lide neia de teoria, entre outros, Chiovenda e Liebman. Em oposicao a tal posicionamento coloca-se a teoria consticutiva ou unitarista do ordenamento juridico, adotada, entre outros, por Von Billow ¢ Kel- sen (que falava em uma formagio gradual do direito), Segundo a teoria unitarista, o dreito subs jetivo s6 surge mediante o exercicio da atividade jurisdicional. Sobre esse tema, consultar Dina- ‘marco (20012, p. 44 es). 11 Alide verdadeiro polo metodolégico da doutrina de Carnelutti. Todavia, subsistem criticas quanto a sua imprescindibilidade, eis que constituiria conceito sociologico, metaju- ridico. De fato, 0 exercicio da jurisdi¢do nfo solucionaria 0 conflito de interesses instaura. do, apenas o tornaria juridicamente irrelevante. Nesse sentido sfo as criticas de Calaman- drei e de Liebman, que afirmam que a lide s6 entra no processo se for apresentada ao juz, ¢, ainda assim, com as feigBes que 0 autor a descreveu no seu pedido, que nem sempre correspondem a realidade dos fatos. Nesse sentido, conferir Dinamarco (2000, p. 54-56), ‘onde o autor acrescenta que o sistema baseado na lide nao explica situagdes em que, mes mo nao havendo conflito de interesses, é necessiria a instauraco do processo, dada a inci: ponibilidade do direito. 12 Constituem exemplos do carster acidental da lide: 0 divércio amigavel; quando 0 juiz indefere a peticao inicial e julga extinto o processo sem o julgamento do mérito € citagio do réu; quando 0 devedor de uma obrigacdo de pagar o faz espontaneamente, apés citado ete. mis0 an s6 entra no processo se for apresentada ao juiz, e, ainda assim, com as feicbes que o autor a descreveu no seu pedido, que nem sempre corres- pondem a realidade dos fatos Assim, a lide pertenceria, nas palavras de Calamandrei, “ao mundo sociolégico, nao ao juridico”, e poderia existir, portanto, processo sem lide, que seria elemento acidental e nao essencial para a sua instaura¢ao. ‘Tal é 0 posicionamento defendido por Afranio Silva Jardim”, segundo ‘0 qual, admitindo-se a possibilidade de atividade jurisdicional sem conflito de interesses (sem lide), isto é, sem uma efetiva oposicao do réu a preten- so autoral, o elemento essencial da jurisdigao seria a pretensio manifes- tada em juizo, sendo sua fungao a satisfaco dessa pretensio"*. E de ressaltar ainda o didatico conceito de Ada Pellegrini Grinover, segundo o qual a jurisdigao"* (..) € uma das fungdes do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares" dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificacdo do conflito que os envolve, com justica. Essa pacificacao & feita mediante a atuacao da vontade do direito objetivo que rege 0 caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempe- nha tal funcao sempre mediante o processo, seja expressando impera- tivamente 0 conceito (através de uma sentenga de mérito), seja reali. zando no mundo das coisas o que preceito estabelece (através da execucio forcada). 13 Jardim (1981). Segundo 0 autor, a consideragao de que a lide seria elemento essencial do proceso civil e acidental do processo penal muito dificultou a formulagio de uma teoria geral do processo; no entanto, a vista do entendimento por ele expressado, torna-se possivel a elaboracdo de uma teoria unitaria e que recebe, inclusive, apoio da doutrina ‘majoritaria. 14. E preciso esclarecer o que se pretende afirmar quando se diz. que “a satisfagao da preten: sao constitui fungio da jurisdigao”. Nao se imagine que Afranio Silva Jardim seja partidario da concep¢io concretista ou mesmo imanentista da acio (sobre essas concepcdes, vide Capitulo 12 desta obra). Esse jurista, invocando a ligio de Jaime Guasp, esclarece que “para el derecho ‘una pretensin esta satisfecha cuando se la ha recogido, se a ha examinado y se la ha actuado ‘se ha denegado su actuacién: el demandante cuya demanda es rechazada esta juridicamenss tan satisfecho como aquél cuya demanda ¢s acogida” (Guasp, 1961, p. 28) 15 Grinover (2002, p. 131). 16 _Incluindo o proprio Estado-administracio. 1s) io fazer a referéncia a obra de Luiz Guilherme Mari noni”, que vem retomando a ideia de um processo civil constitucionaliza Por fim, neces: do", revendo os conceitos tradicionais de jurisdicao apresentados pelos mestres italianos A partir das premissas dos modernos mestres italianos, como Ferri, Comoglio, Taruffo, Trocker, Varano’” e outros, 0 processo é visto, neces sariamente, sob o prisma constitucional. Se o ordenamento juridico fosse uma drvore, o direito constitucional seria tronco ¢ © proceso civil seria um ramo ou galho dessa arvore. Em trabalho disponibilizado na internet, que também integra a obra referida na nota anterior, o autor assim resume seu pensamento: Diante da transformagao da concepgio de direito, nao ha mais como sustentar as antigas teorias da jurisdicao, que reservavam ao juiza fun- slo de declarar o direito ou de criar a norma individual, submetidas que eram ao principio da supremacia da lei e ao positivismo actitico. O Estado constitucional inverteu os papéis da lei e da Constituigao, dei xando claro que a legislacao deve ser compreendida a partir dos princi- pios constitucionais de justica e dos direitos fundamentais. Expressio concreta disso so os deveres de o juiz interpretar a lei de acordo com a Constitui¢ao, de controlar a constitucionalidade da lei, especialmen- te atribuindo-Ihe novo sentido para evitar a declaracao de inconstitu- cionalidade, ¢ de suprir a omisséo legal que impede a protegio de um direito fundamental. (...) O direito fundamental a tutela jurisdicional, além de ter como corolirio o direito ao meio executivo adequado, exi- ge que os procedimentos e a técnica processual sejam estruturados pelo legislador segundo as necessidades do direito material e com- preendidos pelo juiz de acordo com 0 modo como essas necessidades se revelam no caso concreto. (...) © juiz. tem o dever de encontrar na legislacao processual o procedimento e a técnica idénea a efetiva tute- la do direito material. Para isso deve interpretar a regra processual de 17 Marinoni (2005a, p. 13-66) 18 Nessa linha de raciocinio, veja-se, também: Baracho (2006, p. 11-80). 19 Ver, por todos, Trocker (1974), 20 Marinoni (2005b) mis2) acordo, traté-la com base nas técnicas da interpretacio conforme e da declaracao parcial de nulidade sem redugao de texto e suprir a omissio legal que, ao inviabilizar a tutela das necessidades concretas, impede a realiza¢ao do direito fundamental a tutela jurisdicional. Como se pode perceber, sem maiores dificuldades, ¢ impossivel con- ceber nos dias atuais a atividade jurisdicional divorciada dos principios constitucionais, especialmente do acesso a Justica e da dignidade da pes- soa humana”, Pela Teoria da Jurisdigdo Constitucional, o objetivo primario da juris- digo seria preservar e aplicar principios constitucionais aquele processo. O foco nao esta mais na lei. Surge a expresso, muito usada no proceso penal, do juiz garantista: aquele que est preocupado em aplicar os princi- pios e garantias constitucionais. Qualquer que seja o resultado do processo, se todas as garantias tive- rem sido perfeitamente observadas, pode-se dizer que havera um proces- so justo. 6.3 CARACTERISTICAS As principais caracteristicas da jurisdicao ou, em outras palavras, aquelas capazes de distingui-la das demais funcées estatais e que, em re- gra, esto presentes em todas as suas manifestagées, so: a inércia, a subs- titutividade e a natureza declaratéria”. 21 A dimensio do problema da morosidade da Justica motivou a assinatura do Pacto de Es- tado em favor de um judiciirio mais répido e republicano pelos presidentes de todos os Pode. res que sera objeto de capitulo proprio em nosso trabalho. “Poucos problemas nacionais pos: ‘suem tanto consenso no tocante aos diagndsticos quanto a questio judiciéria. A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficicia de suas decis6es retardam 0 desenvolvimento nacio- nal, desestimulam investimentos, propiciam a inadimpléncia, geram impunidade ¢ solapam a erenca dos cidadios no regime democritico” (DOU, n. 241, 16 dez. 2004, secio I, p. 8). 22 Comoglio (2006). 23 Tal classificacdo no goza de unanimidade na doutrina, havendo quem sustente serem. caracteristicas a lide (partidérios da doutrina de Carnelutti), a secundariedade e a definitivida: de. Assim, conforme Miche! Temer (1998, p. 161), a definitividade seria a caracteristica primor dial da jurisdigo, ise A—Inércia: 0 juiz, via de regra, nao age de oficio, necesita de provo- cacao, manifestada pela pretensio de uma das partes, em consonancia ao disposto no principio da inércia ou demanda, esposado nos arts. 22 ¢ 262 do CPC/1973 € nos arts. 2° € 141 do CPC/2015". A inércia dos 6rgios jurisdicionais relaciona-se a sua propria natureza de Sérgio voltado ao fim ultimo da pacificagéo social, porquanto 0 exercicio espontaneo da atividade acabaria fomentando conflites e divergéncias onde nao existiam. Por outro lado, a iniciativa estatal acabaria gerando um envol- vimento psicoldgico indesejado do juiz, afetando sua imparcialidade® ‘Tal princfpio traz como decorréncia a norma da adstricao da sentenca ao pedido ou da congruéncia entre sentenca demanda, que impede que ‘© magistrado julgue fora dos limites do que é pedido. Dessa forma é veda- do em nosso ordenamento, por forca do art. 128 do CPC/1973 e do art. 141 do CPC/2015", proferir decisdes extra, ultra e citra petita, isto é, de forma diversa, além ou aquém do que for pleiteado. Nao obstante, é imperioso frisar que alguns doutrinadores”” susten- tam a atenuacio softida pelo principio da adstrigdo da sentenca ao pedido com a reforma sucedida pela Lei n. 10.444/2002 no Cédigo de Processo Civil de 1973, que acrescentou o § 5** ao art. 461, permitindo ao juiz se valer de medidas nao expressamente requeridas pelo autor”, com o intui- 24. Art. 28 do CPC: “nenhum juiz prestaré a tutela jurisdicional sendo quando a parte ou interessado © requerer, nos casos e formas legais’. Art. 262 do CPC/1973: “o processo civil ‘comeca por iniciativa da parte, mas se deserwolve por impulso oficial’ 25 Nao obstante, fala-se também na possibilidade de concessao ex officio de tutelas de urgén cia em caso de direito evidente (mesmo nos casos nao previstos em lei) com fundamento no proprio principio do acesso A Justiga que garante aquele que tem razo a tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva, neste dltimo caso, também justificando-se a medida pelo inciso LXXVIII, do art. 2, da CE. Todavia defende-se para esta questo o entendimento esposado por Dinamarco, nio se admitindo que a tutela final tenha conteddo diferente da inicialmente pre- tendida pelo requerente. Nesse sentido, conferir Marinoni e Arenhart (2006, p. 40). 26 Art. 128 do CPC/1973: “o juiz decidiré a lide nos limites em que for proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questées, nao suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes”. 27, Dinamarco (2002, p. 227) 28 Art. 461, § 52, do CPC/1973: “para a efetivacao da tutela especifica ou a obtengao de re- sultado pritico equivalente, poder’ o juiz, de oficio ob a requerimento, determinar as medidas necessérias, tais como a imposicao de multa por tempo de atraso, busca e apreensio, remocio, de pessoas e coisas, desfazimemwo de obras ¢ impedimento de atividade nociva, se necessitio com requisigio de forga policial” 29. No sentido do texto, ¢ em abordagem pioneira, veja'se Fux (1996) to de tornar efetiva"” a tutela jurisdicional das obrigagdes de fazer, nao fi zer € entregar coisa certa. Tais circunstancias se fazem presentes também no novo CPC, especial- mente no art. 295, que determina poder o magistrado determinar as provi- déncias que considerar adequadas para a efetivacao da tutela provis6ria. ‘Todavia, conforme bem ressaltado por Dinamarco: .) a extrapolacio aos limites da demanda, permitida pelo art. 461, nao chega ao ponto de criar ou determinar a criacio de uma situagao final diferente daquela pedida pelo autor na demanida inicial (...). As providéncias que determinard destinar-se-do sempre obtencao de tal resultado, e sempre apenas ele, sob pena de uma substancial transgres- so a regra da correspondéncia entre demanda e sentenga. B — Substitutividade"': ao vedar a autotutela”, o Estado chamou a si o dever de prestar jurisdigio, substituindo-se a atividade inicial das partes, aplicando o direito objetivo ao caso concreto. Ou seja, decidindo 0 confli- to, mas nfo necessariamente resolvendo-o. Segundo nosso juizo, esta se- ria a caracteristica preponderante da jurisdicao”. 30. “E mais do que razoivel, também para efetividade da promessa constitucional de tutela jurisdicional e acesso A justica, superar a regra da correlacdo entre sentenca e a demanda (art. 128 e 460), com vista a efetividade dessa tutela” (referente as obrigagdes de fazer, nfo fazer € ‘entregar coisa) (Dinamarco, 20016, p. 227). 31 A fungdo legislativa destina-se a produzir 0 Direito, enquanto as fungSes administrativa ¢ jurisdicional tém o escopo de realizé-lo, Assim, o que diferencia a administracao da jurisdicao, € 0 cariter substitutivo desta iltima, pois o juiz substitui as partes na atividade de dirimir 0 conflito entre elas instaurado, agindo com imparcialidade. J o administrador é sempre parcial, ‘pois realiza atividades em relagoes juridicas nas quais 0 Estado é parte. O juiz age para atuar a lei, tendo-a como um fim em si mesma, enquanto o administrador age em conformidade com la, buscando 0 interesse piiblico, mas tendo a lei como limite de sua atuagio, 32 Como jé visto, apenas excepcionalmente a autotutela € permitida, como no caso do des forco possessorio (art, 1.210, § 18, do CC). 33. No mesmo sentido, ressalta Ernane Fidélis a posico de destaque da substitutividade: “esta atribuigo do Estado, que & uma de suas especificas funcdes chama-se ‘jurisdigio’ e tem cariter eminentemente substitutivo, Substitutivo, porque o Estado, através de um orgao julga: dor, faz a composicao que as pessoas deveriam fazer, pacifica ou forcadamente. A composicao pacifica o Estado permite e até aconselha, mas a forgada ele veda aos particulares. Dai sua in- terferéncia, em substituicao ao que ele mesmo proibe” (Santos, 1998, p. 7) 155 C — Definitividade: também conhecida como indiscutibilidade ou imutabilidade. A decisio jurisdicional pée fim 4 controvérsia e impede que seja, no futuro, novamente suscitada ou trazida a exame. A partir do momento em que nao ha a interposicao de recurso contra a decisio do juiz, ou mesmo quando sio esgotados todos os meios recursais disponibi- izados no Cédigo (art. 496 do CPC/ 1973 e art. 991 do CPC/2015), aquela decisio adquire a qualidade de coisa julgada, que a torna imutivel. Tal condigao é necessaria para garantir a seguranca das relagdes juridicas e dar tranquilidade as partes acerca do resultado final daquela disputa. Devemos observar, entretanto, que para parte majoritaria da doutrina a atividade jurisdicional nao se pode pautar em carater de definitividade indistintamente, pois nem sempre a atividade jurisdicional fara coisa jul- gada. Isso é 0 que ocorre no proceso cautelar ¢ nas demandas de jurisdi- cao voluntaria, cujas decisées sao consideradas atividade jurisdicional, mas, em regra, nao fazem coisa julgada™, Alguns autores afirmam existir uma quarta caracteristica da jurisdi cdo, a saber, sua natureza declaratéria Segundo essa concepsio, no exercfcio da fungio jurisdicional o Estado nao constitui direitos subjetivos, mas, sim, declara direitos preexistentes, que serdo entdo reconhecidos por decisio judicial. No entanto, a existéncia de sentencas condenatérias ou constitutivas nao infirmam a regra aludida, pois em tais decisbes, além da parcela decla- ratoria, haveria a condenatéria (que impde um comando, uma imposicio dirigida ao réu) ou constitutiva (que cria novas situagGes juridicas, nao di- reitos subjetivos). Assim, a decisio proferida pode ter cardter meramente declaratério, declaratorio ¢ constitutivo ou declaratério € condenatorio. Estamos em que a “natureza declaratéria” nao é caracteristica da juris- dicdo, mas sim da cognicéo. Com efeito, embora na execucao também exista atividade jurisdicional, ela nao possui natureza declaratéria. 6.4 PRINCIPIOS DA JURISDICAO A jurisdigdo se caracteriza, ainda, pelos seguintes principios 34 Silva (2007, p. 10) mise a) Investidura: esta ligado 4 forma de ingresso dos legitimados a exer- cer o poder. O juiz precisa estar investido na fungio jurisdicional para exercer a jurisdigao, ou seja, ele precisa ter sido aprovado em um concurso de provas e titulos, como estabelece o art. 37, Il, da CE De acordo com 0 art. 132 do CPC/1973, no caso de 0 juiz estar licen ciado, afastado, aposentado ou convocado, ele nao estara mais investido de jurisdicdo, ndo podendo mais presti-la. Nesses casos, sera incabivel a apli- cacao da teoria da aparéncia, ja que nfo existe investidura na jurisdicio”. b) Territorialidade: 0 juiz s pode exercer a jurisdicio dentro de um limite territorial fixado na lei. A excecdo a esse limite esta prevista apenas no art. 107 do CPC/ 1973, segundo o qual a competéncia do juiz prevento prorroga-se para a parte do imével que esteja localizado em Estado ou comarca diversa, ¢ no art. 230 do CPC, que prevé que atos de citacio po- derao ser cumpridos pelos oficiais de Justica em comarcas contiguas, que nao aquela da competéncia do juizo. ) Indeclinabilidade: 0 juiz nao se pode furtar a julgar a causa que Ihe € apresentada pelas partes. Trata-se da chamada proibicao de o juiz profe- rir 0 non liquet, ou seja, afirmar a impossibilidade de julgar a causa por inexistir dispositivo legal que regula a matéria. Esse princfpio esta previsto no art. 126 do CPC/1973 e no art. 140 do CPC/2015. d) Indelegabilidade: significa que 0 exercicio da funcao jurisdicional nao pode ser delegado. Essa vedacao se aplica integralmente no caso do poder decisério, pois violaria a garantia do juiz natural. H4, porém, hipo- teses em que se autoriza a delegacio de outros poderes judiciais, como 0 poder instrutério, poder diretivo do processo e o poder de execugao das decis6es. Sao exemplos os casos previstos no art. 102, I, me no art. 93, XI ambos da CF. e) Inafastabilidade da apreciacao pelo Poder Judiciario (art. 5, XXXV, da CF): fundamenta-se na ideia de que 0 direito de acao é abstrato e nao se vincula a procedéncia do que é alegado. Nao ha matéria que possa ser excluida da apreciagdo do Judicidrio, salvo rarissimas excecdes previstas pela propria Constituigao: art. 52, Ie II. f) Juiz natural: consiste na exigéncia da imparcialidade e da indepen- déncia dos magistrados. Essa garantia deve alcancar, inclusive, 0 4mbito 35. Nesse sentido: Didier Jr (2007, p. 95) administrativo, tanto em relacio aos juizes dos tribunais administrativos quanto as autoridades responsaveis pela decisdo de requerimentos nas re- particdes administrativas. 6.5 ELEMENTOS DA JURISDICAO Com base no direito romano, podemos identificar cinco elementos basicos a fungao a) Cognitio (notio): poder que o Estado disp6e para conhecer os proces- sos; engloba o exame dos pressupostos processuais, das condig6es de pro- cedibilidade, das condig6es da ago eo recolhimento do material probaté- rio. B a atividade do juiz pela qual toma contato com as questées de fato ¢ de direito apresentadas pelas partes e forma seu juizo de valor acerca des- sas questdes. ) Vocatio: poder que o Estado possui para convocar ao processo todas as pessoas € objetos que possam esclarecer os fatos em discussio™. c) Coertio: poder de determinar medidas coercitivas no curso do pro- cesso para reprimir eventuais ofensas feitas contra o magistrado”. B a atribuicio de forca as diligéncias e providéncias tomadas pelo juiz. Provi- déncias so mais genéricas e amplas, como correr em segredo de justiga © processo. Ja as diligéncias so mais concretas, como definir pericia em determinado local. Com essa coercao, 0 juiz confere importancia as pro- vidéncias ou diligéncias, permitindo 0 uso de forca policial em caso de descumprimento. 36 Figura que tem ganhado relevo nos processos levados nos iltimos tempos a0 Supremo ‘Tribunal Federal é o amicus curiae (amigo da corte), que, sem representar as partes ltigantes, & convidado a participar do processo com 0 intuito de prestar esclarecimentos acerca do seu ‘objeto ou em razio de seu forte interesse no feito. A importincia de sua presenca reside na possibilidade de chamar atengao para quest6es que eventualmente nao seriam levantadas, for- necendo subsidios para uma decisio apropriada (Fiss, 2004b, p. 61), 37 Nao se trata, porém, da enéngica figura do contempt power existente no direito norte-ame- ricano que permite ao juiz, a partir do momento de sua investidura, compelir a parte recalci trante a cumprir decisio proferida em beneficio da parte contréria sob pena de multa, prisio ‘ou compensagio do litigante prejudicado, ou mesmo punir criminalmente um litigante (ou representante legal) por desobedigneia a ordem do tribunal (ainda que nao infrinja lei nenhu. ma), muito embora exista quem sustente ser 0 parsigrafo tinico do art. 14 do CPC, uma forma de expressio desse instituto. Para maiores detalhes, conferir Barbosa Moreira (2004a, p. 50). mise d) Juditio: poder de que 0 Estado juiz dispée de proferir o direito no caso concreto. fi 0 ato do juiz que resolve uma questo suscitada no proceso. €) Executio: poder de que o Estado-juiz disp6e para determinar o cumpri mento obrigatério e coativo das decisées proferidas™. E 0 poder do juiz de implementar aquilo que foi decidido na sentenga (ou nas outras decisdes). 6.6 ESPECIES DE JURISDICAO A rigor, nao haveria espécies de jurisdicao, eis que esta, como manifes- tagio da soberania estatal, é una ¢ indivisivel. Contudo, utiliza-se tal clas- sificacZo para sua melhor compreensao. Dessa forma, temos: a) Quanto & pretensao (ou a natureza da norma que sera aplicada no exame da pretensio): civil ou penal. Alguns admitem uma subdivisio da ci- vil (lato sensu) em civil (stricto sensu) e trabalhista, comercial ¢ outros. Assim, define-se a pretensio civil por exclusao, ou seja, “como aquela que nao € penal”. Ressalte-se, no entanto, que a distribuicao de processos segundo esse critério atende apenas a uma conveniéncia de trabalho, pois nao se pode isolar completamente uma relacio juridica de outra a ponto de afirmar-se que nunca haverd pontos de contato entre elas como ocorre, p. ex., na am- bivaléncia da decisio proferida no juizo criminal e na prova emprestada. b) Quanto ao grau em que ela é exercida: superior (6rgao que conhece a causa em grau de recurso ~ 2 instdncia) e inferior (drgdo que possui a competéncia originaria para o julgamento — 1! instdncia). Em regra, cor- responderia aos tribunais e juizes. Entretanto, pode acontecer de o tribu- nal deter competéncia originaria para a causa, como no caso de mandado de seguranca impetrado contra ato de Chefe de Poder; de juiz. com com- peténcia recursal; ¢ de Turma Recursal nos juizados especiais. A essa clas- sificagao relaciona-se o principio do duplo grau de jurisdicio que, apesar de nao garantido constitucionalmente de modo expresso (trata-se de de- 38 A presenga do elemento coercitivo (proveniente do poder estatal) na jurisdicio é o princi- pal motivo que leva alguns doutrinadores a sustentarem nao ser a arbitragem uma espécie de jurisdicZo tendo em vista que, nao obstante terem as partes livremente ajustado confiar a so- lugio do contflito a um terceiro imparcial, seu poder nao se estende a possibilidade de impor ‘sa decisio através da forca, sendo imprescindivel que se recorra, na auséncia de cumprimento ‘espontineo, ao Poder Judicisrio, Para mais informag6es, ver Marinoni e Arenhart (2006, p. 30); Santos (1999a, p. 75-76). corréncia do principio do devido proceso legal), é disciplinado por diver- sos diplomas legais. c) Quanto 4 submissio ao direito positivo: de direito ¢ de equidade. No Brasil é adotada a jurisdic: do CPC/1973 € o art. 140, paragrafo nico, do CPC/2015”, cabendo algu- mas excegées somente quando houver expressa autorizacio legal". Tais excegdes estao previstas, por exemplo, no art. 1.109 do CPC/1973"' — pro- cedimento de jurisdicdo voluntaria — e no Estatuto da Crianga e do Ado- lescente (Lei n. 8.069/90, art. 6%) d) Quanto ao érgio que exerce a jurisdi¢éo: comum ou especial. A jurisdicio comum pode ser federal ou estadual (ou do Distrito Federal), ‘enquanto a especial pode ser do trabalho, militar ou eleitoral. €) Quanto a existéncia ou nao da lide ou quanto a forma: contenciosa ou voluntaria. A distincdo entre a jurisdicdo contenciosa e a voluntaria, embora sobreviva, perdeu muito de sua importancia, especialmente em sistemas processuais, como 0 nosso, que adotam procedimentos pratica- mente idénticos em ambas as modalidades de jurisdicao. 40 de direito, conforme preceitua o art. 127 ‘Também nao é relevante a incluso de processos sem lide em uma ou outra categoria. & mais simples aceitar que migrem desta para aquela conforme exista ou nao efetiva contenciosidade entre dois sujeitos em posicées subjetivas antagénicas. Por isso, a jurisdicio contenciosa é exercida em face de um litigio, quando ha controvérsia entre as partes. Ja a voluntaria ¢ exercida quando 0 Estado-juiz limita-se a homologar a von- tade dos interessados, nao havendo interesses litigiosos. Entretanto, a aceitacao da jurisdi¢ao voluntaria é uma das questdes mais controverti- 39 Art. 127 do CPC/1973: “o juiz s6 decidir por equidade nos casos previstos em I 40 No caso da arbitragem (que, como jé visto, nfo representa expressao da atividade jurisdi- cional), verifica-se que, de acordo com 0 art. 28 da Lei n. 9.307/96, as partes poderao optar li vyremente por um procedimento bascado no direito ou na equidade 41 Art. 1.109 do CPC/1973: “o juiz decidiré o pedido no prazo de 10 (dez) dias; nfo € porém obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solucio que reputara mais conveniente ou oportuna’” 42 Chiovenda (2000b, p. 21) classificava os procedimentos de jurisdigio voluntéria nas se guintes espécies: 1) intervengio do Estado na formagio dos sujeitos juridicos; 2) atos de inte. ‘gragio da capacidade juridica; 3) intervengio na formagao do estado das pessoas; 4) atos de comércio juridico. © 160 das na doutrina, suscitando diversas polémicas", A respeito, cumpre sa- lientar o posicionamento de duas importantes teorias, a classica ou admi- rativista € a revi ionista, como veremos a seguir. 6.7 TEORIAS QUANTO A DENOMINADA JURISDICAG VOLUNTARIA 6.7.1 Teoria cléssica ou administrativista A doutrina nacional majoritéria afirma que a jurisdig@o voluntaria nao constituiria tipica fungao jurisdicional, nem ao menos seria volunta- ria“, eis que sua verificacdo decorreria de exigéncia legal, com o intuito de conferir validade a determinados negécios juridicos escolhidos pelo legislador. Nesse sentido, ela é definida como “administracao publica de interesses privados”* Dentre os argumentos levantados, destacam-se, em linhas gerai (i) que 0 seu objeto nao é a resolugao da lide, mas a integracao de um negocio juridico com a participacéo do magistrado; (ii) que nao haveria atividade substitutiva, mas intervengio necessaria do juiz; (ii) que no haveria partes (com interesses contrapostos), mas interes- sados*; por fim, (iv) ressaltam a inexisténcia de ago (e também de processo, devendo-se falar apenas em procedimento), eis que essa é 0 direito de provocar a ati- 43 Contudo, segundo o que se pode depreender, essa nao € a classificagao adotada pelos au: tores da obra acima referida, tendo sido apenas mencionada como “categorias de atos de juris- digo voluntaria indicadas pela doutrina”, Dinamarco (2001b, p. 321) afirma que “esses atos tém realmente pura natureza administrativa, (..) mas nfo hé a minima raz4o ou utilidade pritica ou sistematica que justifique consideré-los de jurisdi¢ao voluntaria’”. 44 A inexisténcia de voluntariedade na jurisdicao voluntaria é aceita tanto pela teoria admi- nistrativista quanto pela revisionista, em razio de se tratar de atividade necessaria. A contro: vérsia entre tais teorias reside em ser a jurisdigdo voluntéria auténtica atividade jurisdicional ou atividade meramente administrativa 45 Assim, Liebman (1984, p. 32). 46 Buscam seu fundamento no art. 1.105 do CPC/1973, que, regendo os procedimentos de jurisdicao voluntaria, aduz; “serio citados, sob pena de nulidade, todos os interessados, bem como 0 Ministério Puiblico”. Dessa forma, é corrente a terminologia inter volentes ~ “entre os que querem” — para designar as partes na jurisdi¢ao voluntatia e inter nolentes ~ “entre os que resistem” ~ na jurisdi¢ao contenciosa. vo

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