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Considerações sobre Luto e Melancolia

(Trauer und Melancolie) de Freud


Flora Fernandes Lima

Freud busca nesse texto fazer considerações a respeito da


natureza da melancolia comparando-a com o afeto normal do
luto e limitando-se a discutir apenas suas manifestações de
origem psicogênica. A correlação colocada por Freud entre luto
e melancolia justifica-se pela semelhança no quadro geral
dessas duas manifestações. O luto caracteriza-se pela reação
normal relativa à perda de um ente querido e a melancolia, hoje
nomeada como depressão, é um diagnóstico de grande
incidência na população mundial. Tenta-se a seguir fazer breve
apanhado desse escrito de Freud relacionando-o com outros
estudos na área.

Luto

O luto, de maneira geral, manifesta-se como estado de


reação a perda de algo amado e não implica condição
patológica desde que seja superado após certo período de
tempo. Suas características assimilam-se muito as da
melancolia que possui como traços marcantes desânimo
profundo e penoso, cessação de interesse pelo mundo externo
e inibição de toda e qualquer atividade. A característica de
maior peso na diferenciação dos dois estados é presença de
baixa auto-estima e auto-recriminação muitos comuns
na Melancolia e inexistentes no luto normal.

No luto profundo existe a perda de interesse pelo mundo


externo a não ser que se trate de circunstâncias ligadas ao
objeto perdido. Há a dificuldade de adotar um novo objeto de
amor. A inexistência do objeto exige grande esforço para
redirecionamento da libido. A oposição a esse
redirecionamento da libido pode acontecer de maneira tão
intensa que dá lugar a um desvio de realidade (psicose
alucinatória), entretanto, essa manifestação não ocorre no luto
normal.

Com relação ao luto normal é importante salientar que a


perda do ente amoroso não constitui presença de auto-
recriminação, mas, em pessoas nas quais existe pré-disposição
para neurose obsessiva pode haver a culpa pela perda. O
sujeito pode ter a sensação que pode ter ajudado no processo
de perda, pode vir a achar que a desejou

A superação do luto é realizada pouco a pouco e com


grande gasto de energia. O desligamento do objeto perdido se
dá através da evocação e hipercatexização de cada lembrança
relativa ao objeto. Quando o trabalho de luto se conclui o ego
fica outra vez.

Em meados da década de 1960, a psiquiatra Kübler-Ross,


estuda a partir de sua experiência profissional com pacientes
terminais as fases pelas quais passaria o luto. A obra Sobre a
morte e o morrer, publicada em 1969, analisa os estágios pelos
quais passam as pessoas no processo de terminalidade:
negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação
(COMBINATO e QUEIROZ, 2006)

As reações de luto, que se estabelecem em resposta à


perda de pessoas queridas, caracterizam-se pelo sentimento de
profunda tristeza, exacerbação da atividade simpática e
inquietude. As reações de luto normal podem estender-se até
por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos quadros
depressivos propriamente ditos. No luto normal a pessoa
usualmente preserva certos interesses e reage positivamente
ao ambiente, quando devidamente estimulada. Não se observa,
no luto, a inibição psicomotora característica dos estados
melancólicos. Os sentimentos de culpa, no luto, limitam-se a
não ter feito todo o possível para auxiliar a pessoa que morreu;
outras idéias de culpa estão geralmente ausentes (DEL PORTO,
1999)

Melancolia

A melancolia também pode vir a ser reação de perda do


objeto amado, objeto este que não precisa ter necessariamente
morrido e sim ter sido perdido enquanto objeto de amor. Em
alguns casos pode-se constatar a perda, entretanto, não se sabe
exatamente o que se perdeu (sabe-se, por exemplo, quem se
perdeu, mas não se sabe o que se perdeu nessa pessoa). No
melancólico não se pode ver exatamente qual o conteúdo da
perda.

Diferentemente do processo de luto, apresenta o ego


como desprovido de valor, incapaz de qualquer realização. A
baixa auto-estima pode estar associada à insônia e a recusa em
se alimentar. A gênese da melancolia, segundo Freud, estaria
numa ligação objetal que mostrou ser uma catexia de pouco
poder de resistência sendo logo liquidada.

A libido nesse caso, sem ter direcionamento, desloca-se


para o ego estabelecendo uma espécie de identificação deste
com o ente perdido. A perda objetal passa a ser uma perda do
próprio ego.

Nos casos de catexia de pouca resistência constata-se que


a escolha amorosa é feita sob uma base narcísica, dessa forma,
a libido ao deparar-se com obstáculos pode retroceder ao
narcisismo. Conclui-se, portanto, que mesmo em conflito com a
pessoa amada não é preciso renunciar à relação amorosa.

O amor pelo objeto não pode ser renunciado, mesmo que


o próprio objeto o seja. Sendo assim, o afeto volta-se contra o
ego como substitutivo fazendo-o sofrer e tirando satisfação
sádica de seu sofrimento. Esse aspecto solucionaria o enigma
do suicídio. Isso só ocorreria, no entanto, quando o ego trata a
si mesmo como objeto de forma a encaminhar-lhe toda a
hostilidade originalmente pertencente ao mundo exterior.

A melancolia tem uma tendência a se transformar em


mania. O conteúdo relatado pelos pacientes com mania na
prática clínica, segundo FREUD (1917), em nada difere do
conteúdo da melancolia, como se ambos lutassem contra o
mesmo complexo. Na melancolia o ego sucumbiria ao mesmo e
na mania já o teria superado resultando disso um estado de
alegria por alívio, de economia de energia. Nesse último caso a
libido fora liberada para novas catexias objetais.

Nos critérios atuais colocados pelo DSM-IV conta ainda


com muitos critérios, similares aos antes mencionados por
Freud como perda de peso por recusa à alimentação, insônia e
mesmo sentimento de inutilidade e culpa excessiva, sendo esta
última diferencial importante com relação à melancolia e luto
patológico. A correlação da melancolia com a mania é
explicitada pela grande ocorrência casos de Transtorno
Bipolar, corroborando em muito também algumas das
afirmações de Freud.

Referências

COMBINATO, Denise Stefanoni; QUEIROZ, Marcos de


Souza. Morte: uma visão psicossocial. Estud.
psicol. (Natal), Natal, v. 11, n. 2, Aug. 2006 . Available from
. access on01 July 2009. doi: 10.1590/S1413-
294X2006000200010
DEL PORTO, José Alberto. Conceito e diagnóstico. Rev. Bras.
Psiquiatr., São Paulo, 1999. Available from . access
on01 July 2009. doi: 10.1590/S1516-44461999000500003.

FREUD, Sigmund. (1917 [1915]). Luto e melancolia. In:


FREUD, Sigmund. Obras Completas. v. 14. Rio de Janeiro: imago
Editora, 1969.

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