Freud busca nesse texto fazer considerações a respeito da
natureza da melancolia comparando-a com o afeto normal do luto e limitando-se a discutir apenas suas manifestações de origem psicogênica. A correlação colocada por Freud entre luto e melancolia justifica-se pela semelhança no quadro geral dessas duas manifestações. O luto caracteriza-se pela reação normal relativa à perda de um ente querido e a melancolia, hoje nomeada como depressão, é um diagnóstico de grande incidência na população mundial. Tenta-se a seguir fazer breve apanhado desse escrito de Freud relacionando-o com outros estudos na área.
Luto
O luto, de maneira geral, manifesta-se como estado de
reação a perda de algo amado e não implica condição patológica desde que seja superado após certo período de tempo. Suas características assimilam-se muito as da melancolia que possui como traços marcantes desânimo profundo e penoso, cessação de interesse pelo mundo externo e inibição de toda e qualquer atividade. A característica de maior peso na diferenciação dos dois estados é presença de baixa auto-estima e auto-recriminação muitos comuns na Melancolia e inexistentes no luto normal.
No luto profundo existe a perda de interesse pelo mundo
externo a não ser que se trate de circunstâncias ligadas ao objeto perdido. Há a dificuldade de adotar um novo objeto de amor. A inexistência do objeto exige grande esforço para redirecionamento da libido. A oposição a esse redirecionamento da libido pode acontecer de maneira tão intensa que dá lugar a um desvio de realidade (psicose alucinatória), entretanto, essa manifestação não ocorre no luto normal.
Com relação ao luto normal é importante salientar que a
perda do ente amoroso não constitui presença de auto- recriminação, mas, em pessoas nas quais existe pré-disposição para neurose obsessiva pode haver a culpa pela perda. O sujeito pode ter a sensação que pode ter ajudado no processo de perda, pode vir a achar que a desejou
A superação do luto é realizada pouco a pouco e com
grande gasto de energia. O desligamento do objeto perdido se dá através da evocação e hipercatexização de cada lembrança relativa ao objeto. Quando o trabalho de luto se conclui o ego fica outra vez.
Em meados da década de 1960, a psiquiatra Kübler-Ross,
estuda a partir de sua experiência profissional com pacientes terminais as fases pelas quais passaria o luto. A obra Sobre a morte e o morrer, publicada em 1969, analisa os estágios pelos quais passam as pessoas no processo de terminalidade: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação (COMBINATO e QUEIROZ, 2006)
As reações de luto, que se estabelecem em resposta à
perda de pessoas queridas, caracterizam-se pelo sentimento de profunda tristeza, exacerbação da atividade simpática e inquietude. As reações de luto normal podem estender-se até por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos quadros depressivos propriamente ditos. No luto normal a pessoa usualmente preserva certos interesses e reage positivamente ao ambiente, quando devidamente estimulada. Não se observa, no luto, a inibição psicomotora característica dos estados melancólicos. Os sentimentos de culpa, no luto, limitam-se a não ter feito todo o possível para auxiliar a pessoa que morreu; outras idéias de culpa estão geralmente ausentes (DEL PORTO, 1999)
Melancolia
A melancolia também pode vir a ser reação de perda do
objeto amado, objeto este que não precisa ter necessariamente morrido e sim ter sido perdido enquanto objeto de amor. Em alguns casos pode-se constatar a perda, entretanto, não se sabe exatamente o que se perdeu (sabe-se, por exemplo, quem se perdeu, mas não se sabe o que se perdeu nessa pessoa). No melancólico não se pode ver exatamente qual o conteúdo da perda.
Diferentemente do processo de luto, apresenta o ego
como desprovido de valor, incapaz de qualquer realização. A baixa auto-estima pode estar associada à insônia e a recusa em se alimentar. A gênese da melancolia, segundo Freud, estaria numa ligação objetal que mostrou ser uma catexia de pouco poder de resistência sendo logo liquidada.
A libido nesse caso, sem ter direcionamento, desloca-se
para o ego estabelecendo uma espécie de identificação deste com o ente perdido. A perda objetal passa a ser uma perda do próprio ego.
Nos casos de catexia de pouca resistência constata-se que
a escolha amorosa é feita sob uma base narcísica, dessa forma, a libido ao deparar-se com obstáculos pode retroceder ao narcisismo. Conclui-se, portanto, que mesmo em conflito com a pessoa amada não é preciso renunciar à relação amorosa.
O amor pelo objeto não pode ser renunciado, mesmo que
o próprio objeto o seja. Sendo assim, o afeto volta-se contra o ego como substitutivo fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica de seu sofrimento. Esse aspecto solucionaria o enigma do suicídio. Isso só ocorreria, no entanto, quando o ego trata a si mesmo como objeto de forma a encaminhar-lhe toda a hostilidade originalmente pertencente ao mundo exterior.
A melancolia tem uma tendência a se transformar em
mania. O conteúdo relatado pelos pacientes com mania na prática clínica, segundo FREUD (1917), em nada difere do conteúdo da melancolia, como se ambos lutassem contra o mesmo complexo. Na melancolia o ego sucumbiria ao mesmo e na mania já o teria superado resultando disso um estado de alegria por alívio, de economia de energia. Nesse último caso a libido fora liberada para novas catexias objetais.
Nos critérios atuais colocados pelo DSM-IV conta ainda
com muitos critérios, similares aos antes mencionados por Freud como perda de peso por recusa à alimentação, insônia e mesmo sentimento de inutilidade e culpa excessiva, sendo esta última diferencial importante com relação à melancolia e luto patológico. A correlação da melancolia com a mania é explicitada pela grande ocorrência casos de Transtorno Bipolar, corroborando em muito também algumas das afirmações de Freud.
Referências
COMBINATO, Denise Stefanoni; QUEIROZ, Marcos de
Souza. Morte: uma visão psicossocial. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 11, n. 2, Aug. 2006 . Available from . access on01 July 2009. doi: 10.1590/S1413- 294X2006000200010 DEL PORTO, José Alberto. Conceito e diagnóstico. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, 1999. Available from . access on01 July 2009. doi: 10.1590/S1516-44461999000500003.
FREUD, Sigmund. (1917 [1915]). Luto e melancolia. In:
FREUD, Sigmund. Obras Completas. v. 14. Rio de Janeiro: imago Editora, 1969.