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2 corpo paradoxal Sabe-se que o bailarino evolui num espago préprio, diferente do espago objectivo. Nao se desloca no espayu, segrega, cria 0 / espago com 0 seu movimento. O que pouco difere do que se passa no teatro ou noutros palcos. © actor transforma também espago da cena; o desportista pro- longa o espago que rodeia a sua pele, tece com as barras, os tape- tes, ou simplesmente com o solo que pisa relagdes de conivéncia tio intimas como as que tem com o seu corpo. Do mesmo modo, © atirador de tiro ao arco e o seu alvo zen so um s6. Em todos os ‘casos surge um novo espago: chamar-Ihe-emos espaco do corpo, Pago a varios tftulos paradoxal: diferente do espago objec- tivo, ndo esta separado dele. Pelo contréio, imbrica-se nele to- talmente, a ponto de jé no ser posstvel distingui-lo desse espa- G0: a cena transfigurada do actor ndo & espago objectivo? E to- davia, é investida de afectos e de forgas novas, os objectos que @ ocupam ganham valores emocionais diferentes seguindo os vompos dos actores, etc. Embora invisfveis, 0 espago, o ar adquirem texturas diversas. Tornam-se densos ou ténues, tonificantes ou irrespirdveis. Como se recobrissem as coisas com um invélucro semelhante a pele: 0 58 José Gil espago do corpo € a pele que se prolonga no espaco, a pele torna- da espago, De onde a extrema proximidade das coisas ¢ do corpo. Podemos fazer a experiéncia seguinte: completamente nus, ‘mergulhados numa banheira funda, s6 com a cabeca de fora, fa- amos cair na superficie da égua, aos nossos pés, uma aranha, Sentiremos 0 seu contacto sobre toda a nossa pele. A égua criou tum espago do corpo delimitado pela pele-pelicula da dgua da banheira, Podemos ja extrair daqui duas consequéneias quanto as propriedades do espago do corpo: prolonga os limites do cor- po préprio para além dos seus contornos visiveis; € um espago intensificado, por comparagdo com o tacto habitual da pele. (O espago do corpo nao € apenas produzido pelos desportistas ‘ou 0s artistas que utilizam o seu corpo. £ uma realidade muito geral, presente por toda a parte, que nasce a partir do momento em que ha investimento afectivo do corpo. Aparenta-se ao «teitittio» dus etGlogus. De facto, € x primei- ra protese natural do corpo: dé-se a si préprio prolongamentos no espago, de tal modo que se forma um novo corpo — virtual, mas pronto a actualizar-se a deixar que gestos nele se actualizem, Consideremos o simples facto de conduzir um automével: se po- demos passar entre dois muros sem os tocar, ou virar & esquerda sem rogar 0 passeio, € porque 0 nosso corpo desposa o espago € 05 contornos do carro. E assim que calculamos as disténcias co- mo se elas se referissem a0 nosso corpo (na parte da frente do carro, € 0 meu corpo que corre o risco de tocar no passeio). De um modo geral, qualquer ferramenta e a sua manipulagio precisa supoem o espaco do corpo! " tronia do destino da tecnologia: 0 universo ceenoldgico nio 6 se funda nessa propriedade paradoxal ou amigica» que o corpo tem de segregar um espago pr rio, mas também encontra af o seu limite - porque aquilo precisamente que 0 cs ago do corpo permite, © conhecimenta imediato do espaga sem necessidade de Fecurso a0 ciculo, representa um limite talvez absoluto da ineligéncia ania. Cf. Hubert Dreyfus, Whar Computers Sill Can Do, a Critic of Anifiial Reason. ‘The MIT Press, Cambridge, Massachusses. Movimento Total — O Corpo e a Danga 59 bailarino apresenta o trago particular de parecer nao ter ne- cessidade de objecto algum, de corpo algum para forjar 0 seu es- pao proprio. Todos os bailarinos, coreégrafos, pensadores que se referiram ao espago do corpo, descreveram-no sempre como emanando de um corpo s6 que ele rodeia e autonomiza. Rudolf von Laban concebeu um espago do corpo em forma de icosaedro, ou seja um poliedro invisivel com vinte faces, cujas intersecgdes marcam as direcgdes possiveis dos movi- mentos do bailarino que se mantém no centro. As intersecgoes de trés faces definem os pontos energéticos do espago. As di- recgdes espaciais sio figuradas por planos, e os nticleos de ener- gia por pontos: a danga produz um espago do corpo que impli- ca forgas e se alimenta de tensdes. O icosaedro de von Laban encera o bailarino num volume que este dltimo transporta de um ponto para outro do espago; a0 mesmo tempo, 0 movimen- to irrompe no icosaedro, transforma-o € conserva-o através das suas mutegdes. Outros concebem o espago do corpo em forma de ovo ou de esfera. Todos o descrevem como uma experiéncia vivida do bai- larino que se sente evoluir dentro de uma espécie de invélucro que suporta 0 movimento. Podemos atribuir duas fungdes, pelo menos, a0 espago do corpo: a) aumentar a fluéncia do movimento, criando um meio préprio, com 0 menos de viscosidade possivel; b) tomar posst- vel a posigo de corpos virtuais que multiplicam o ponto de vis- ta do bailarino. De facto, 0 espago do corpo resulta de uma espécie de secre- 0 ou reversio (cujo processo teremos de precisar) do espago interior do corpo em direcgao ao exterior. Reverstio que trans- forma 0 espago objectivo proporcionando-lhe uma textura pro- xima da do espago interno. O corpo do bailarino ja nao tem de se deslocar como um objecto num espaco exterior, mas desdo- bra doravante os seus movimentos como se estes atravessassem um corpo (o seu meio natural). _ oe 60, José Gil Uma imagem ajudar-nos-A a aprender esta espécie de corpo- reizagdo do espago de onde surge 0 espaco do corpo. Podemos ver 0 corpo como um receptéculo do movimento: nas dangas de possessio, na tarantela, nas «dangas de S. Vito», etc., 0 proprio corpo se torna a cena ou o espago da danga, como se alguém — um outro corpo — dangasse no interior do possesso. O corpo do bailarino desdobra-se no corpo-agente que danga e no corpo -espaco onde se danga ou antes, que 0 movimento atravessa ‘ocupa. Para que a danga — e j4 nio a possessio — comece, é necessairio que jé ndo haja espago interior dispontvel para o mo- vimento; € necessério que 0 espago interior despose to estrei- tamente o espago exterior que o movimento visto de fora coin- cida com 0 movimento vivido ou visto do interior. E, com efei to, 0 que acontece no transe dancado, onde nenhum espaco deixado livre fora da consciéncia do corpo Por outras palavras, 0 movimento da possessao visa dangar Mas depara com uma resisténcia ou uma viscosidade interna que se manifesta em movimentos desordenados, como se s6 a transferéncia plena da desordem interior para a superficie do corpo € dos gestos pudesse canalizar a energia para uma fluén- cia sem entraves. Ora, s6 um espaco exterior sem viscosidade permite uma tal transferéncia. Um espago como o espago do corpo, onde o interior e o exterior so um s6 Tudo isto mostra que © movimento dangado se aprende: é ne- cessdtio adaptar 0 corpo ao ritmo e aos imperativos da danga. Os miiscuilos, os tendoes, os érgdos devem tornar-se vias para o escoamento desimpedido da energia; o que, em termos de espa- ¢0, significa a imbricagdo estreita do espago interno e do espa- G0 externo, do interior do corpo que a energia investe, e do ex- terior onde se desdobram os gestos da danga. O espago interior € coextensivo ao espago exterior. A aprendizagem da técnica do bailado clissico mostra-o cla- ramente: diante do espelho, o aluno aprende a fazer correspon- der certa posigo dos membros a certa tens2o cinestésica, cons- Movimento Total — © Corpo ¢ a Danga 6 truindo assim um mapa interior dos movimentos que Ihe permi- tiré evoluir de modo preciso sem ter jé de recorrer a uma ima- ‘gem exterior do seu corpo. Mas 0 que é um mapa energético dos movimentos seniio um dispositive que torna interior 0 espaco exterior, e reciprocamente? O corpo tem de se abrir a0 espago, tem de se tomar de certo ‘modo espago; € 0 espago exterior tem de adquirir uma textura semelhante & do corpo a fim de que os gestos fluam tao facil- mente como o movimento se propaga através dos mésculos. O espago do corpo, como espago exterior, satisfaz esta exigén- cia. O corpo move-se nele sem enfrentar os obstéculos do espa- 0 objective estranho, com as seus objectos, a sta densidade, as, suas orientagdes ja fixadas, os seus pontos de referéncia pr prios. No espago do corpo, este cria os seus referentes aos quais, as direcgdes exteriores devem submeter-se (assim 0 icosaedro de von Laban comporta também vectores). ‘Uma outra fungdo parece ligada ao espago do corpo: este as- segura a posigio narcfsica do bailarino multiplicando as ima- ‘gens virtuais do seu corpo. Porque & que se considera sempre 0 corpo co bailarino como essencialmente narefsico? Compare mo-lo com o corpo do actor de teatro: ambos intensificam 0 nar- cisismo comum que acompanha a exposigao de todo 0 corpo no espaco. Como Merleau-Ponty? descreveu bem, um corpo que vé entra num campo de visio que Ihe reenvia sempre a sua imagem em espelho: ver € ser visto. © corpo transporta consigo esta re~ versibilidade do vidente e do visfvel, quer haja efectivamente ou no. um outro corpo no campo visual. Por isso Merleau-Ponty falava de um «narcisismo de vistion. Porque a cena se constitui como objecto préprio do olhar, os corpos aumentam nela a sua poténcia narcisica. Encontram-se nela naturalmente para se exibirem. Mas enquanto 0 narcisismo do actor se reparte por outros elementos além do corpo (0 jogo 2 Sobretuo em Le Visible et Invisible nas Notes de Travail Sh hr 62 José Gil da voz ¢ da palavra), no bailarino concentra-se por inteiro na presenga corporal. Queira-o ou nao o bailarino, o movimento do corpo sem outro fim que ndo seja mostrélo, transporta consigo um poderoso factor de narcisizagao. __ Ora, © narcisismo do bailarino nfo convoca apenas o olhar. E verdade que se «vé» dangar, mas também que se «ouver e, mais profundamente, que se «sente» dangar (porque «se toca» ou porque «experimenta» 0 movimento: a reflexividade do cor- po € geral). Nao hd imagem visual ou cinestésica tinica do cor- po dangante; mas uma multiplicidade de imagens virtuais que 0 movimento produz, e que marcam outros tantos pontos de con- templagao a partir dos quais 0 corpo se percebe. bailarino semte-se dangar. Nao se vé como vé um objecto deslocar-se no espaco, mas acompanha 0 movimento do seu corpo (esse mesmo movimento visto do exterior pelos especta- doves) de imagens virtuais que forma segundo o mapa que para si fez da sua coreografia. Trata-se de coisa diferente de um reen- vio em espelho, porque a imagem virtual nunca se constréi em si prépria (os gestos visiveis, sim, so a sua actualizagao). O bai- latino vé-se dangar «como num sonho»: opée-se assim a ima- ‘gem do seu corpo a da realidade. O movimento dangado recolhe © corpo sobre si, por um lado; e por outro lado, projecta as suas miltiplas imagens em pontos de contemplaco narcfsica, pontos necessariamente fora do corpo préprio, mas que se encontram no espago. Em que espago, uma vez que nao pode ser 0 espaco ob- jectivo, e também nao o espago interior? E 0 espago do corpo que fornece os pontos exteriores-interiores de contemplacao. Com efeito, a relagao narcisica do bailarino com o seu corpo im- plica uma conivéncia que 0 espago objectivo, neutro e homogé- fio pode fornecer; ¢ supde uma distincia — de contempla- — que 0 espago interior recuse. S6 0 espago do corpo, com © seu exterior intensivo, satisfaz as duas exigéncias. bailarino contempla as imagens virtuais do seu corpo a par- tir dos maltiplos pontos de vista do espago do corpo. Parado- Movimeato Total — O Corpo e a Danga 6 xalmente, a posigo narcisica do bailarino ndo exige um «eu», ‘mas um outro corpo (pelo menos) que se desprende do corpo vi- sivel e danga com ele. Gragas a0 espago do corpo, 0 bailarino, enquanta danga cria duplos ou milriplos virtuais do seu corpo que garzntem um ponto de vista estavel sobre o movimento (pa- ra Mary Wigman, dangar € produzir um duplo com o qual o bai- larino dialoga). Conivéncia e distancia do corpo actual em relagio aos corpos virtuais sto assim acompanhadas por uma contemplagao do mo- vimente que ao mesmo tempo 0 desposa ¢ se afasta dele para adquitir uma perspectiva consistente no interior do préprio mo- vimente. Dangar é produzir duplos dangantes. E sem ddvida o que ex- plica a existéncia dos duos (ou, de um modo geral, de uma sé- rie de n bailarinos que fazem movimentos idénticos ou comple- mentures). O par actual realiza o duplo virtual do bailarino; & muito naturalmente que ocupa esse lugar ao seu lado: revé-se no outro, gjusta por ele os gestos, os ritmos, aumenta o mesmo im- pulso, contempla-se a si a partir dele. Sera necessério sobretudo no identificar a produgio dos du- plos pelo movimento dangado com um fenémeno de mimetis mo. Os pares de um duo no entram em relagio mimética espe- cular, nio «copiam» do outro formas ou gestos; mas entram am- bos no mesmo ritmo, nele mareando as suas diferengas. Ritmo que os ultrapassa, uma vez que a diferenga entrevista no outro reflui e ressoa sobre 0 movimento do primeiro, e reciprocamen- te: assim se forma um plano de movimento que transborda os movimentos individuais de cada um e age como um niicleo de estimulagdo para os dois. Os quais actualizam outros corpos vit= tuais, ¢ assim sucessivamente. Um duo € um dispositive de construgio de multiplicidades de corpos dancantes. © movimento do par procura entrar no ritmo ou na forma da energia — de facto, 0 par torna-se 0 outro, torna-se a sua ener gia dangante. De onde a constituigao de séries, como se a mes- José Gil ma energia se propagasse de um corpo para outro, atravessando © proceso inteiro deste devir todos os corpos comprometidos na série. A danga tem a vocagao de formar grupos ou séries Neste sentido, um duo ou uma série indefinida de corpos faz mais que dangar a produgdo serial de corpos virtuais — duplos todos eles, uma vez que corpo virtual original iniciou um devir-duplo, que se acrescenta & multiplicidade dos duplos. (Foi ‘© que compreendeu muito bem Anne Théresa de Keersmaecker em Rosas Tanz Rosas, por exemplo). ‘Também a danga é uma arte de construgio de séries. (A and- lise coreogréfica teria muitas vezes interesse em adoptar este Ponto de vista de método). O movimento dangado cria muito naturalmente 0 espago dos duplos e das multiplicidades dos cor- os, € dos movimentos corporais. Um corpo isolado que come- aa dangar povoa progressivamente o espago de uma multipli- cidade de corpos, Narciso é uma multidao. Varios outros aspectos paradoxais do espago do corpo manifestam-se claramente nos movimentos do bailarino: a au- séncia de limites internos enquanto, visto do exterior, € um es- ago finito; 0 facto de a sua dimensio primeira ser a profundi- dade, uma profundidade topolégica, nao-perspectivista, de tal modo que misturando-se com o espago objectivo, é susceptivel de se dilatar, de se encolher, de se torcer, de se dispersar, de se abrir em folheados ou de se reunir num ponto tinico. O primeiro aspecto impressiona desde o inicio 0 espectador que olha o bailarino em cena (e sofre ao mesmo tempo um pro- cesso de devir-bailarino): todo 0 movimento do corpo ou safdo do corpo transporta-o sem entraves através do espago; nenhum obstéculo material, objecto ou parede, impede o seu trajecto que do termina em ponto real algum do espago. Nenhum movi- mento acaba num lugar preciso da cena objectiva, como 0s li- mites do corpo do bailarino nunca profbem os seus gestos de se prolongarem para além da pele. Hé um infinito préprio do ges- to dangado que s6 0 espago do corpo pode engendrar. i Movimento Total — © Corpo e a Danga 65 Lembremos que este iiltimo nfo resulta sendo da projecgio- -secregio do espago interior sobre o exterior. O corpo, ja 0 vir ‘mos, torna-se também ele espago. Os movimentos do espago do corpo nfic se detém portanto na fronteira do corpo proprio, mas, implicam-no por inteiro: se o espago do corpo se dilatar, por exemplo, a dilatagdo atingird o corpo e o seu interior. ‘A dimensiio da profundidade distingue radicalmente 0 espago do corpo do espago objectivo. Porque nao se trata de uma pro- fundidade mensurdvel, como um comprimento que se movesse 90° para medir a distncia que separa o observador do horizon- te. O que € proprio desta profundidade? € ligar-se ao lugar, dizendo-se entdo topolégica: € uma certa ligagdo do corpo com © lugar que escava nele a sua profundidade. O espago do corpo & esse meio espacial que cria a profundidade dos lugares. Se certo local da cena se torna de sibito ilimitado, se o alto em cu- se projecta adquire uma dimensio infinita, ja dircogio Nijinsk & porque a profundidade af nasceu. ‘A profundidade constitui a dimensdo primordial do espago do bailarino. Permite-Ihe moldar o espago, alargé-lo ou restringi- -lo, fazé-lo tomar as formas mais paradoxais. E até mesmo a partir da profundidade que se podem criar coreografias sem pro- fundidade, com corpos-marionetas. Em suma, € porque 0 espa- {G0 do compo do bailarino esté crivado de vactiolos virtuais que aquele pode fazer dele uma matéria eminentemente plastica. ‘Assim se formam essas unidades de espago-tempo que carac- terizam omovimento do bailarino, Nao evoluindo no espago co- ‘mum, 0 seu tempo transforma o tempo objectivo dos relégios. Nao se trata, como no teatro, do surgimento de umn aconteci- ‘mento representado ¢ cujo tempo préprio irradia sobre os com- portamentos dos actores. © acontecimento, na danga, quer se tra- te de uma narrativa ou de uma danga abstracta, refere-se as trans- formagies de regime do escoamento da energia. Porque esta trans- 3.4 que Deleuze chama spariun, em Difference et Répétition 66 José Gil formago de energia marca a passagem para um outro nivel de sentido. O acontecimento é real, corporal, modificando a prépria duragdio dos gestos do bailarino, Um salto, uma figura podem nao constituir um acontecimento, se vierem na continuidade de um mesmo regime de energia; em contrapartida, um gesto tio simples como virar a cabega ou levantar um cotovelo pode testemunhar a irrupgao de acontecimentos decisivos na marcha da coreografia. A danga compde-se de sucessies de micro-acontecimentos que transformam sem cessar o sentido do movimento, A toda a transformagao de regime energético corresponde uma modificagio do espago do corpo. Ora, esta modificagio consiste sempre em certas formas de contracgo ou de dobra- gem, de dilatagao ou de distensio do espago, tornadas possiveis pela profundidade. Sao, por assim dizer, dilatagdes e dobragens no mesmo lugar, € no numa extensio objectiva. Por exemplo, 86 0 desdobrar do espago gragas a profundidade pode fazer com que 0 bailarino adquira uma «lentiddo eterna» a0 executar 0 mo- vimento: a (mesma) distancia tornou-se demasiado grande, ele ao tem de a atravessar a pressa, sob a pressdo de uma forga ex- terior. Sabemos que Nijinski sobrearticulava os movimentos, desmultiplicando as distancias por decomposigd0 microsc6pica do movimento. Dilatava assim 0 espago do corpo: dava a im- pressio de ter todo 0 tempo, deslocando-se no espago com a de- senvoltura soberana de alguém que criava (desdobrava) o espa- 0 a0 mover-se. Com técnicas diferentes, 0 mesmo acontece com qualquer grande bailarino. Na realidade, nao ha um espago do corpo fixo € auténomo. Este varia segundo as velocidades do seu préprio desdobrar-se, de tal modo que depende do tempo que o movi- ‘mento leva a abri-lo; tempo que, por seu turno, depende da tex- tura — mais ou menos densa, mais ou menos viscosa — do es- ago do corpo que nasce da energia. A energia cria unidades de espago-tempo. O bailarino ndo atravessa 0 espago do corpo co- ‘mo atravessaria uma disténcia objectiva, num tempo cronolégi- ‘Movimento Total — © Corpo e a Danga 67 co dado. Produz ao dangar unidades de espaco-tempo singula- res € incissolveis que transmitem toda a sua forga de verdade a metéforas como: «uma lentidao dilatada» ou «o alargamento brusco do espago> que descrevem certos gestos do bailarino, Para compreendermos como a danca transforma o corpo, pre- cisarfamos de ter uma ideia precisa desse corpo do qual se fala sempre como se constitufsse uma evidéncia inquestiondvel Ora, a partir do momento em que 0 questionamos, ele torna-se quase inapreensfvel: encontramo-nos & partida perante milti- plos pontos de vista tio pertinentes uns como os outros, embo- ra diferentes e muitas vezes inarticuléveis. Ha 0 corpo da Anatomia e da Fisiologia ocidentais, compos- to de sistemas de dreds e de fungdes mais ou menos indepen- dentes — imagem de um corpo em vias de mudar com as con- tribuigdes da microbiologia, das neurociéncias e das técnicas avangadas de sondagem do interior. Hé 0 corpo oriental, miil- tiplo, do ioga e a medicina chinesa, que releva de outras carto- grafias ce Srgos dependentes de uma fisiologia energética. Estes sistemas de saberes referem-se sobretudo ao interior do corpo. Nos diversos corpos das terapias «psi» ou das terapias corpo- tals, o interior e os Grgios sio reduzidos a representagdes que assumem valores € significagdes simbélicas em estruturas de signos (como na psicandlise), ou que so compreendidos em sis- temas complexos que combinam as posigées relacionais e com- Portamentais com as cargas significantes. Raras sio as tentativas de articulago do ponto de vista médi- 0 (ocidental) com o ponto de vista da andlise simbélica — ci temos o caso da psicossomética, cuja inteligibilidade continua a ser precévia. i. Be 68 José Gil Movimento Total — O Corpo e a Danca 0 A fenomenologia teve © mérito de considerar 0 corpo no mundo. Nao se trata de uma perspectiva terapéutica (embora te- nha dado origem a toda uma escola psiquidtrica), mas do estu- do do papel do corpo préprio na constituigao do sentido. A no- gio de corpo préprio compreende 20 mesmo tempo o corpo per- cebido e o corpo vivido, em suma 0 corpo sensfvel, a Came de Husserl, de Merleau-Ponty ¢ de Erwin Strauss. A descrigao do corpo em situagdo prima sobre qualquer outra consideragio de sentido ou de funcao. Podemos medir a importancia que uma tal imagem do corpo péde ter para os coreégrafos e a teoria da dan- ga (nomeadamente depois da Segunda Guerra Mundial, nos Estados-Unidos), através de autores como Susanne Langer. No entanto, o corpo fenomenol6gico (0 de Husserl, nao tanto © de Susanne Langer) no compreendia dois elementos essen- ciais do préprio vivido dos bailarinos: aquilo a que estes tltimos Uhainam «a energia», € 0 espago-tempo do corpo. Consideramos aqui 0 corpo jé nao como um «fenémeno», um percebido concreto, visfvel, evoluindo no espago cartesiano ob- jectivo, mas como um corpo metafenémeno, visivel e virtual a0 ‘mesmo tempo, feixe de forgas e transformador de espago e de tempo, emissor de signos e transsemistico, comportando um in- terior ao mesmo tempo organico e pronto a dissolver-se ao su- bir superficie. Um corpo habitado por, ¢ habitando outros cor- os € outros espiritos, e existindo ao mesmo tempo na abertut permanente ao mundo através da linguagem e do contacto sen- sivel, € no recolhimento da sua singularidade, através do silén- cio e da nao-inscrigiio. Um corpo que se abre e se fecha, que se conecta sem cessar com outros corpos e outros elementos, um corpo que pode ser desertado, esvaziado, roubado da sua alma 4 Estas erticas apicar-se-iam também A abordagem semiétiea ~ com a excepeao, salve2, das andlises to finas de uma aurora que dela se reelama, Susan Foster, cf Susan Foster, Reading Dancing: Bodies and Subjeets in Contemporary Anerican Dance, Univ. of California Press, Berkeley, L. A., Londres, 1986 pode ser atravessado pelos fluxos mais exuberantes da vida, Um corpo humano porque pode devir animal, devit mineral, v tal, devir atmosfera, buraco, oceano, devir puro movimento. Em suma, um corpo paradoxal. Este corpo compde-se de uma matéria especial que tem a pro- priedade de ser no espago e de devir espago, quer dizer de se combinar tio estreitamente com 0 espago exterior que dai advém texturas variadas: 0 corpo pode tornar-se um espago interior-exterior produzindo entao miltiplas formas de espago, espagos porosos, esponjosos, lisos, estriados, espagos parado- xais de Escher ou de Penrose, ou muito simplesmente de sime- tria assimétrica, como a esquerda e a direita (num mesmo corpo-espaco, portanto). E falso dizer que «transportamos 0 nosso corpo» como um pe- so que arrastamos sempre conosco. O peso do corpo constitu um outro paradoxo: se exige um esforgo para o fazermos mexer-se, € também ele que nos transporta sem esforgo através do espaco. Como ro-lo mostram essas Mutheres de Picasso correndo pe- la praia, com pernas e bragos que se alongam como o préprio es- paco que a corrida, 0 horizonte, 0 mar e o vento induzem, a tex- tura do corpo é espacial; e reciprocamente, a textura do espago € corporal Este corpo paradoxal abre-se e fecha-se sem cessar ao espago a0s outros corpos. Capacidade que se prende menos com a exis- {Gncia dos orificios que o marcam de forma visfvel do que com a natureza da pele. Porque é mais por toda a superficie da pele que através da boca, do finus ou da vagina que 0 corpo se abre ao ex- tetior. Esses orificios esto a0 servigo de fungdes organicas de toca enve o interior e o exterior. Mas raramente operam a aber- tura global do espago intemo (excepto no prazer sexual e na fala). ‘A «abertura» do corpo no é nem uma metonfmia nem uma metéfora. Trata-se realmente do espaco interior que se revela a0 reverter-se para o exterior, transformando este Gltimo em espa- 0 do corpo. 70 José Gil ‘Mas porque se quer abrir 0 corpo e projecti-lo para fora.? ‘Sabemo-lo: para construir 0 espago do corpo e, no limite, para formar o plano de imanéncia da danga, enquanto dltima trans- formagao desse espago. Porqué querer a imanéncia? Para alcan- ‘gar as intensidades mais altas, essas a que Cunningham chama «de fusion. Mas enfim, porqué querer dangar? Assim que tentamos responder, somos imediatamente remeti- dos para o desejo, para a propria natureza do desejo. (© que se prende com uma s6 palavra: agenciar. Palavra de Deleuze e Guattari que nos parece ser a mais apta para exprimir 0 que do desejo se implica no desejo de dangar desejo cria agenciamentos; mas 0 movimento de agenciar abre-se sempre em direcc3o de novos agenciamentos. Porque 0 desejo no se esgota no prazer mas aumenta agenciando-se. Criar novas conexdes entre materiais heterogéneos, novos ne- Xos, outras vias de passagem da eneigia, ligar, por em contacto, simbiotizar, fazer passar, criar maquinas, mecanismos, articula- Ges — tal & o que significa agenciar, exigindo sem cessar no- vos agenciamentos. O desejo € portanto infinito, e nunca pararia de produzir no- vos agenciamentos se forgas exteriotes nao viessem romper, quebrar, cortar 0 seu fluxo. O desejo quer acima de tudo desejar, ou agenciar, o que é a mesma coisa. O agenciamento do desejo abre 0 desejo & prolonga-o. Seo agenciamento abre o desejo e 0 aumenta, € porque se tor- nou matéria de desejo, nao seu objecto, mas sua textura propria, participando da sua forga, da sua intensidade, do seu «impulso vital» para falarmos como Bergson. Por outras palavras, 0 dese- jo nao é s6 desejo de agenciamento, é agenciamento, transfor ‘ma aquilo que «produz» ou «constréi» em si prdprio. Se 0 de- sejo de um pintor consiste em agenciar certas cores de certa ma~ neira, a forga do quadro que daf resulta é desejo. As cores ¢ os espacos agenciados desejam. ye Movimento Total — O Corpo e a Danga 7 Seja qual for o tipo de agenciamento, 0 desejo procura fluir através dele. Nos movimentos do pensamento como no fazer do artista ou na elaboragiio da fala, desejar & agenciar para fluir, agenciar para que a poténcia de desejo proprio aumente. Por is- 0 0 desejo reconduz.a si prdprio, transforma, metaboliza todos 0s elementos que toca, atravessa ou devora. Para 0 desejo tudo deve devir desejo. Ora, 0 que é um gesto dangado sendio um agenciamento par- ticular do corpo? Todo o gesto é, por si, um agenciamento; mas em ge-al agencia 0 corpo a um objecto ou a outros corpos. Di- zer «até & vista» oscilando o brago da esquerda para a direita é reconectar um corpo com um outro em iminéncia de ruptura de contacto. O gesto dangado articula a postura anterior do corpo com anova posigo, sem a ajuda (eventualmente) de um objec- to ou de um outro corpo. O resultado é uma via de passagem da eneigis e du movimento que, longe de os entravar, aumentard a sua fluéncia e intensidade. Que agenciam portanto os gestos da danga? Podemos dizer: agenciam gestos com outros gestos; ou um corpo actual com os corpos virtuais que actualizam; ou ainda, movimento com ou- tros movimentos. Em todos os casos, a gestualidade dangada ex- perimenta o movimento (os seus circuitos, a sua qualidade, a sua forga) a fim de obter as melhores condigdes para que ele execule uma coreografia, Neste sentido, dangar é experimentar, trabalhar os agenciamentos possiveis do corpo. Ora, este traba- Iho consiste precisamente em agenciar. Dangar é portanto agen- ciar os agenciamentos do corpo. Enguanto maquina articulada e fluidica 0 corpo € feito para se corectar com os objectos e com os outros corpos. A danga ‘opera uma espécie de experimentagdo pura desta capacidade do corpo de se agenciar, criando um laboratério onde todos os agenclamentos possiveis sio testados. A danga niio s6 poe 0 cor- po em movimento agenciando os seus membros (que normal- mente se articulam segundo fungdes), mas encadeia esse movi- n José Gil mento sobre 0 puro movimento vital que se acoita no corpo. Desenterra-o, fé-lo jorrar ¢ desperta outras poténcias de movi- mento. Agencia o movimento «trivial» com esse movimento vi- tal, descobrindo novas possibilidades de agenciamentos de ges- tos corporais. A fim de procurar uma forma, a sua matéria — 0 ‘movimento — procura anteriormente um agenciamento. Traba- Tha no sentido de agenciar ndo membros, partes do corpo, 6r- giios, mas precisamente © que os agencia, como certo agencia- mento das pernas ¢ dos bragos se agencia com certo agencia- ‘mento da cabega ou do torso. E assim sucessivamente: como es- te agenciamento de agenciamentos se combina com certo movi- mento de queda; e como este agenciamento de agenciamentos de agenciamentos... A danga € uma maquina abstracta de agen- cciamentos que se expdem ¢ se recobrem sem fim; quer sempre agenciar agenciamentos, e no rgiios com outros Orgies. ‘Eassim que 0 mapa dos movimentos que o bailarino constréi incide sobre a energia e nio sobre movimentos coneretos: mo- dulagio mais abstracta e mais fina da energia basta para actua~ lizar os movimentos corporais mais concretos. A energia é 0 que agencia agenciamentos. A carta energética compde 0 tragado mais abstracto possivel dos movimentos. E neste sentido que podemos falar do corpo como um todo. Nio um todo como um organismo onde uma fungio global se encontraria em cada parte, mas no sentido em que 0 corpo-todo constitui o mapa do agenciamento de todos os agenciamentos possiveis. Produz naturalmente um corpo-sem-Sredios, um pli- no de imanéncia. E por isso que a danga realiza da maneira mais pura a voca- ‘¢do de agenciar do desejo. O que explica sem diivida a sua pre~ senga to poderosa, mas muitas vezes deserotizada, na maior parte das dangas reais. A dessexualizagiio dos corpos acompa- nha 0 desenvolvimento do movimento de agenciamento, quer dizer muito simplesmente do movimento dangado como movi- mento do desejo. Se a danga deserotiza os compos, € porque 0 Movimento Total — © Corpo a Danga B movimento dangado se tornou desejo (desejo de dangar, desejo de desejo, desejo de agenciar). Quando o erotismo irrompe & possui os corpos (nomeadamente nas dangas populares). € por que © movimento de agenciamento de agenciamentos foi ele préorio tomado num agenciamento concreto erdtico. Ent tudo se inverte: € 0 movimento dos gestos coneretos que mantém 0 continuum do agenciamento abstracto, enquanto toda a coreo- ‘eralia se impregna de erotismo, como uma vaga ou uma atmos- fera. Estas trés realidades: a) 0 desejo deseja agenciar; b) 0 desejo deseja a imanéncia; c) 0 desejo deseja fluir, exigem um espago, tum territ6rio para que o desejo possa desejar. Desejar é j4 co- ‘megar a construir esse espago ou plano onde ele flui e desdobra a sua poténcia, Um espaco de onde as obstrugdes, as maquinas de romper 05 fluxos, de os cortar, de os vampirizar sejam varri- das — pela propria intensidade do fluxo. Este plano, como j4 sabemos, é 0 plano de imanéncia ou «ccorpo-sem-6rgfios». Porqué esta expresso de um corpo que nao tem 6rgaos? Porque compde esse corpo um plano de ima- néncia®? Digamos, simplesmente, que 0 corpo habitual, 0 corpo~ -organismo é formado de érgaos que impedem a livre circulagao daenergia, A energia é investida e fixada nos sistemas de drgios do organismo (assim se constroem esses «modelos sensorio- “motores interiorizados» de que Cunningham fala, que repre- ssentam sempre um obsticulo A inovagiio). Desembaragar-se de- les, constituir um outro corpo onde as intensidades possam ser evadas ao seu mais alto grau, tal € a tarefa do artista e, em par- ticular, do bailarino. 5 sabe-se que Deleuze foi buscar esta expressto de «corpo sem érgaas» (Ou <¢- vsov ou oO») ao poema de Artaud, «Para Acabar como Sufzo de Deus». ex jpresedo aparece pela primeira vez em Deleuze em Logique di sens. sem a signi- Fragao plena que adguiris em L’Ant-Ocdipe ¢,sobeetudo, em Mille Plateaus, ‘onde designa o plano de ima 74 José Gil Como construir este corpo-sem-dgios, 0 plano de imanéncia do desejo; aqui, o plano de movimento imanente do bailarino®? ‘Tomemos como exemplo um ritual terapéutico primitivo, co- ‘mo 0 que descreve o etnélogo Andras Zempléni entre os Wolof do Senegal”. Em miltiplos povos, as dangas terapéuticas visam a cura através do transe. Entre os Wolof, o transe é obtido tam- bém pela danga e outros procedimentos; € s6 sobrevém por meio da desestruturagao do corpo-organismo. is como os Wolof procedem: tiram-se as visceras do corpo do animal sacrificado e cobre-se com elas 0 corpo da doente. Por exemplo, depois de um banho de sangue do animal sacrifi- cado (um boi ou uma cabra), esvaziam-se os intestinos do seu contetido; depois os intestinos «sio cortados, e a seguir ligados, pedago a pedago, sobre o corpo da doente: no seu pulso esquer- do e no seu tomozelo direito (ou inversamente); nas suas ancas a muneira de um cinto; no peito © nas costas, como um soutien cruzado ¢ atado por baixo dos seios. Enfim, uma parte da pansa do animal, esvaziada do quimo e virada do avesso, € fixada nos cabelos como uma pequena boina. Manta de sangue coagulado, a doente conservard estes adornos de visceras ¢ esta coifa de pansa até ao banho ritual que tomaré no dia seguinte na gua lustral dos seus novos altares»8. Sublinhemos que todo este pro- cesso — extremamente complexo — se desenrola durante 0 transe da paciente, sob as intensidades mais fortes que pode su- portar (com frequéncia desmaia). 6 Em Mille Plateaus, hd wm capitulo inteiro consagrado ao tema: «Como fazer para si proprio um CsO%». No entant, depois da leiura dessas pginas to den 51s, permanece 0 mistério a propdsito de «aguilo que se deveria fazer» para es Gquivar 0s estratos e construir um corpo pleno (p. 199). E que continuamos a nao ‘er gue ransformagdes se devem fazer saer a0 corpo para que este se torne um plano de imanéneia. Gostarfamos, gui, de mostrar, ainda que de um modo geral. ‘como procede o bailarino. TY. A. Zempléni, «Possession et Sacrifice», in Le Temps de la Réflexion, V. Pa fis, 1984, pp, 325-352 8 Zdem, p. 332. Os itdlicas sio de A. Zempéni Movimento Total — O Corpo ea Danga 8 Esta operagio ritual que consiste no arrancamento dos érgiios ‘20 organismo e no esvaziamento do espago interno tem varios objectivos: extraindo os érgios e dispersando-os no exterior destréi-se a organizagio do organismo; e desse modo, libertam- se 0+ afectos investidos e fixados nos drgios dispostos segun- do estruturas e estratos precisos e estéveis. (Tudo isto supde, evidentemente, uma «identificagdo» com 0 animal — melhor seria chamarmos um «devir-animaly — bem marcada, explici- tameate, por meio dos canticos ¢ dos gestos rituais). Em segundo lugar, cria-se um espago interior «paradoxal». Que esti e no esta no espaco. Sendo vazio, e sendo da ordem do corporal ndo corporado, 0 espago interior compoe-se de « José Gil Movimento Total O Corpo e a Danga ‘Tradugio de Miguel Serras Pereira aa Rua Sylvio Rebelo, n.° 15, 1000-282 Lisboa Telef: 21 8474450 Fax: 2184707 75 Inernet: hitp:/www.relogiodaguapt e-mail; relogiodagua@relogiodagua.pt Titulo: Movimento Total — © Corpo e a Danga Autor: José Gil ‘Tradugiio: Miguel Serras Pereira Capa: Fernando Mateus sobre desenho de Matisse © Relégio D' Agua Editores, Novembro de 2001 Composigio e paginagao: Relégio D’Agua Editores Impressio: Rainho & Neves, Lda. Sta. Maria da Feira Depésito Legal n°: 172221/01 ‘ Antropos

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