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Modificando crencas nucleares Arnoud Arntz, PhD Department of Clinical Psychology, University of Amsterdam; Department of Clinical Psychological Science, Maastricht University DEFINICGOES E HISTORICO Uma das mais importantes estruturas cognitivas conceituadas pelas teorias cognitivas da psicopatologia é 0 esquema. Beck (1967) introduziu o conceito de esquema no contexto da terapia cognitiva, postulando que “um esquema & uma estrutura para triagem, codificagao e avaliagao dos estimulos que interferem no organismo” (p. 283). Segundo 0 ponto de vista dos processos da informacao, ele pode ser pensado como uma estrutura de conhecimento generalizado na meméria que representa 0 mundo, o futuro e o self. Acredita-se que governa elementos do processamento da informagio, tais como atencdo (no que focar), interpretacao (0 significado que é dado aos estimulos) e meméria (quais memérias implicitas e explicitas so desencadeadas por pistas especificas). Crengas nucleares sio as representagdes verbais dos elementos centrais dos esquemas, algumas vezes denominados pressupostos nucleares. Depois que um esquema é ativado, processos atencionais seletivos permitem que boa parte da informagio disponivel permanega nio processada; no entanto, muito significado é agregado aos dados brutos quando um esquema é ativado. Como um esquema guia o processamento da informagio de modo que a informagao incompativel com o esquema é negligenciada, distorcida ou vista como irrelevante, os esquemas sao altamente resistentes 4 mudanga depois de formados. Nas teorias cognitivas, os vieses dos esquemas estdo subjacentes ao processamento das informacées. Piaget (1923) introduziu pela primeira vez o conceito de esquema na psicologia. Ele distinguiu entre duas maneiras principais pelas quais as pessoas lidam com informagdes que s8o, incompativeis com um esquema existente: acomodagdo versus assimilacdo. O padréo é assimilagdo: uma nova experiéncia é transformada para combinar com o esquema existente. Entretanto, se a discrepAncia for muito grande, pode ocorrer acomodagdo: um esquema existente € modificado para melhor representar a realidade ou um novo esquema é formado, Um pressuposto bisico das teorias cognitivas da psicopatologia é 0 de que o mesmo fenémeno esta subjacente & manutengio da psicopatologia: pessoas que sofrem de problemas psicopatolégicos mantém seus esquemas baseados na assimilagéo em vez de mudarem seus esquemas pela acomodagio, e é tarefa do tratamento psicolégico ajudar os clientes a mudarem seus esquemas disfuncionais. Grande parte da pesquisa dos modelos cognitivos da psicopatologia e muitas técnicas terapéuticas da terapia cognitiva focam nos processos de informacgo enviesada e na sua modificagao. Isso é, em certa medida, surpreendente, porque o modelo cognitivo sugere que é melhor focar em esquemas do que em vieses cognitivos. Afinal de contas, é 0 esquema que possivelmente esta subjacente aos vieses cognitivos, e, se a mudanca dos vieses cognitivos ndo resultar na alteragdo do esquema, a mudanca seré frégil e o risco de recaida pode ser grande. Embora seja verdade que corrigir os vieses cognitivos pode levar a mudanga no esquema (acomodagio) se a informagao desconfirmada nao puder ser ignorada, a modificagdo do esquema ou a formagao de novos esquemas ¢ dificil e, assim, pode precisar ser facilitada pelo trabalho guiado. Antes de abordarmos a mudanga dos esquemas, seré siti distinguirmos as wés camadas de crengas. No miicleo encontram-se as crengas incondicionais, que representam os pressupostos bésicos sobre si mesmo, 0s outros e o mundo. Exemplos so: “Eu sou mau”, “Eu sou superior”, “Os outros sio irresponsaveis”, “As outras pessoas sio boas” e “O mundo é uma selva”. A. primeira camada em tomo do niicleo consiste em pressupostos condicionais, que sio crengas sobre relagdes condicionais que podem ser formuladas em termos de “se...entao..."; por exempl “Se eu deixar que outras pessoas descubram quem eu realmente sou, elas vao me rejeitar”; “Se eu me apegar a outras pessoas, elas vio me abandonar”; “Se eu demonstrar fraqueza, os outros vao me humilhar”. As chamadas crengas instrumentais, que representam crengas sobre como evitar coisas ruins e obter coisas boas, constituem a camada externa, Exemplos incluem: “Verifique as intengdes ocultas das outras pessoas”, “Evite demonstrar emogies” chefe”. Essa ordenago das crengas nao sé reflete diferentes tipos de crengas como também distingue o que esta aparente na superficie (comportamentos observaveis que refletem crengas instrumentais) e o que est abaixo da superficie. A teoria cognitiva postula que é necessdrio mudar as estratégias comportamentais e cognitivas que sao governadas pela camada externa das crencas instrumentais antes que provavelmente ocorra mudanca no nivel das crengas nucleares. Em grande parte, as estratégias que decorrem das crengas instrumentais determinam as situagdes em que os clientes irdo entrar; como irdo lidar com a situacdo e, assim, como as outras pessoas irdo se comportar; ou que informagdes irdo obter. Por conseguinte, sem mudancas nas estratégias, as informagdes que desconfirmam as, crengas condicionais ¢ nucleares existentes nio estaro disponiveis nem serdo processadas ¢, consequentemente, nao poderdo levar a uma mudanga nos esquemas. ORIGENS DAS CRENCAS NUCLEARES Os esquemas e crencas nucleares comegam a se desenvolver muito cedo na vida, mesmo em. niveis pré-verbais. Um exemplo bem conhecido é 0 apego. Com base em uma necessidade inata de proximidade e comportamento confortante por parte dos cuidadores, especialmente em momentos de estresse, os bebés comegam a construir representages de apego que podem ter influéncia duradoura no desenvolvimento posterior, inclusive de autoestima, regulacio emocional e relacionamentos intimos. Por exemplo, criancas que vivenciam apego seguro com os cuidadores tendem a desenvolver amor-préprio e uma visio positiva dos outros, isto é, elas tendem a confiar nos outros e a igualmente respeitar suas préprias necessidades e as das outras, pessoas. Criancas que experimentam apego inseguro tendem a desenvolver visdes negativas sobre si mesmas e os outros. Contudo, esquemas formados mais tarde e, portanto, crengas nucleares também podem conter significados nao verbais. Embora possamos descrever as crengas nucleares em palavras, isso nao significa necessariamente que elas estejam representadas em forma verbal na meméria. Uma implicagdo é que formas verbais puras de tentar mudar as crengas podem fracassar (os clientes podem dizer: “Eu entendo 0 que vocé diz, mas nao sinto assim”), e outros métodos serio necessérios Uma das maneiras como os esquemas se formam é por meio da experiéncia direta (sensorial). Os condicionamentos classico e operante desempenham um papel nisso; por exemplo, quando uma crianga é punida repetidamente quando expressa emocdes negativas, isso pode resultar em crengas nucleares como: “Emocées sio ruins” e “Eu sou uma pessoa ma (porque experimento essas emogdes)”. Uma segunda forma é por meio da modelacdo: ver como outras pessoas agem oferece um modelo esquemético que a crianca internaliza, Uma terceira forma é por meio da informacao verbal, como histérias, alertas e instrucdes. Por fim, uma vez que as pessoas tendem a dar um sentido as experiéncias e as informacdes, a forma como o individuo raciocina desempenha um papel na formagao dos esquemas. Isso significa que as capacidades intelectuais, , portanto, todas as influéncias sobre essas capacidades, como a fase do desenvolvimento, cultura, educagao, etc., tém influéncia. Porém, essa forma final também implica certa casualidade; hé um fator de acaso no que as pessoas fazem da nova informagao que é condensada, em uma representagao esquematica. Compreender os fatores que contribuem para essa “busca de sentido das experi@ncias” 6 vtil para provocar uma mudanga nas crengas nucleares. Por exemplo, quando sio maltratadas pelos pais, € comum que as criangas concluam que elas mesmas devem ser més. Infancia e adolescéncia sdo fases do desenvolvimento em que se formam os esquemas basicos, mas, mesmo que a mudanga dos esquemas seja mais dificil na idade adulta, ela ndo é impossfvel. A terapia psicolégica é um método concebido para fazer exatamente isso. DESCOBRINDO E FORMULANDO CRENCAS NUCLEARES Na prética clinica, o terapeuta precisa descobrir e formular adequadamente as crengas nucleares que esto subjacentes aos problemas dos clientes pata traté-los adequadamente. Como isso & aleangado? Uma das formas, sugerida por Padesky (1994), que o terapeuta pergunte diretamente acerca das ideias nucleares que o cliente possa ter sobre si mesmo (“O que isso diz. sobre vocé?”), os outros (“O que isso diz sobre os outros?”) e sobre o mundo (“O que isso diz sobre sua vida/o mundo/como as coisas em geral ocorrem?”). Para chegar até as verdadeiras crencas nucleares e evitar a esquiva, pode ser importante que seja ativado afeto suficiente enquanto é discutido o problema. Outra forma é usar uma técnica cognitiva estruturada denominada técnica da seta descendente. © ponto de partida é um pensamento automético ou uma emogio que é desencadeada em uma situagao concreta. O terapeuta, entéo, pergunta o que esse pensamento ou. emogio significa para o cliente (0 terapeuta pode acrescentar: “se isso for verdade”) e continua perguntando até detectar uma ideia basica incondicional que aparentemente se encontra na raiz a resposta emocional na situacao inicial. Este é um exemplo: Cliente: Ful rejeitado para uma promogiio no trabalho. Terapeuta: 0 que isso significa para vocd? Cliente: Que eundo atendo as expectativa. Terapeuta: [Se isso for verdade..] © qu isso significa para voe®? Cliente: Eu £250 uma confusio com tudo, ‘Terapeuta: [Se isso for verdade..] O que Isso sigaifea para voc@? Cliente: Eu sou um perdedor. ‘Terapeuta: [Se isso for verdade..] O que isso significa para voc®? Cliente: Que eu sou um nada, Observe que o terapeuta nao desafia as ideias intermediérias expressas pelo cliente, mas aceita-as no momento até que a crenca nuclear seja identificada. Um processo muito parecido pode ser usado para evocar crencas nucleares sobre outras pessoas (“O que isso significa sobre outras pessoas?”) e 0 mundo em geral. ‘Uma abordagem adicional ¢ solicitar que os clientes imaginem a situagio na raiz do problema presente e perguntar-Ihes o que esto sentindo e pensando. Por exemplo, o terapeuta pode pedir ao cliente que foi rejeitado para uma promogao no trabalho que feche os olhos e imagine novamente a situagdo na qual teve os mesmos sentimentos negativos que teve quando soube que havia sido rejeitado para a promocao. O terapeuta instrui o cliente a imaginar a situagao da forma mais vivida possivel e depois a focar nas emogdes. Entéo, instrui o cliente a deixar a imagem ir embora, mas ficar com a emogio e ver se alguma meméria precoce (da infancia) surge espontaneamente, Em caso afirmativo, o terapeuta instrui o cliente a reviver a experiéncia focando nos detalhes perceptuais, emogdes e pensamentos. Esses pensamentos podem revelar crengas nucleares; caso contrério, 0 terapeuta pode perguntar ao cliente 0 que a experiéncia significa para ele. Voltando ao exemplo do cliente que nao conseguiu a promocao no trabalho, ele relatou que teve uma lembranga de seu pai ridicularizando-o quando crianga por causa de seu interesse “estipido” em um tipo especifico de esporte, dando-Ihe o sentimento de que ele era desvalorizado — “um nada”. Uma técnica de imaginacao similar pode ser usada para focar em experiéncias trauméticas e descobrir as “crengas encapsuladas” associadas a essas experiéncias. Ao identificar crengas nucleares, pode ser itil perguntar aos clientes como eles gostariam de ver a si mesmos e como gostariam que fossem as outras pessoas e o mundo. Esses desejos em geral formam o oposto das crencas nucleares negativas dos clientes. Por exemplo, o cliente que foi rejeitado para a promogio no emprego poderia dizer que gostaria de se ver como alguém com capacidades claras que as outras pessoas acolham ¢ reconhecam ¢ que o mundo deveria ser justo. Questionarios sobre crengas e esquemas também podem ser titeis como ponto de partida para discutir quais crengas nucleares tiveram influéncia nos escores elevados. Explorar itens particulares que obtiveram classificagio alta também pode fornecer pistas importantes. £ importante que as crengas nucleares sejam formuladas de forma que fagam sentido para o cliente: 0 terapeuta deve trabalhar com o cliente para encontrar a melhor formulagao, pedindo que ele classifique a credibilidade da crenga (p. ex., “Como vocé classificaria a crenga ‘Eu sou um nada?””) em uma escala de 0 a 100, em que 100 € a credibilidade mais alta, Se a classificagio nao for muito alta, a formulagdo em geral deve ser adaptada — ela ainda néo reflete uma crenga nuclear, Entretanto, a5 vezes, as pessoas tém sistemas de crengas duais, acreditando na crenga nuclear em determinadas condicées, mas nao em outras. Nesse caso, é importante obter as duas classificacées de credibilidade. Por exemplo, uma cliente com panico pode dizer que acredita plenamente que tem um coracdo saudavel, mas, quando experimenta sensacdes fisicas especificas, acha que tem uma condigio cardiaca perigosa, como angina de peito. MUDANDO CRENGAS NUCLEARES Trés formas comuns de mudar crengas nucleares si com raciocinio, teste empirico e intervengdes experienciais. Raciocinio Utilizando didlogos socréticos e outras formas racionais de estimular o cliente a refletir sobre suas crengas nucleares, os terapeutas podem lancar diividas sobre essas crengas e promover um processo de mudanga. Por exemplo, os argumentos a favor e contra a crenga podem ser revisados, (técnica dos prés e contras), pode ser feita uma reinterpretagio da situacao ou situagées originais subjacentes a crenca, e assim por diante (ver 0 Cap. 21 para mais exemplos de técnicas). As trés técnicas especificas a seguir podem ser especialmente titeis na mudanga de crengas nucleares. Investigagao de uma relagio (causal). Esta técnica pode ser usada quando os clientes acreditam fortemente em relagdes disfuncionais (Padesky, 1994; Arntz & van Genderen, 2009). Suponha que um cliente acredite que a realizagao no trabalho seja a tinica maneira de ser quetido e amado pelas pessoas. Os dois construtos sio escritos no quadro branco — a causa como 0 eixo x (sucesso no trabalho) e a consequéncia (ser amado) como 0 eixo y. O cliente traga a linha que representa seu pressuposto: a diagonal. O terapeuta verifica se o cliente concorda que, se esse pressuposto for verdadeiro, todas as pessoas se agrupariam em torno da linha. A seguir, o terapeuta pede que © cliente pense em pessoas concretas com sucesso muito alto no trabalho, pessoas com sucesso muito baixo no trabalho e pessoas que si muito amadas e que sio detestadas. Depois de posicionar as varias pessoas no espaco bidimensional, pode ficar ébvio que nao ha dados para a relacdo presumida. Isso pode ajudar o cliente a reavaliar a ideia de que sucesso no trabalho implica ser amado e pode ajudé-lo alcangar 0 que mais valoriza, caso seja ter boas relages com a familia e os amigos. Grifico da responsabilidade em forma de pizza. Outro auxilio visual para mudar crengas nucleares € 0 grafico em forma de pizza, geralmente empregado quando crengas de responsabilidade excessiva sio desafiadas (Van Open & Arntz, 1994). Se um cliente tem tendéncia a se sentir excessivamente responsével (ou culpado, etc.), 0 terapeuta pode aplicar repetidamente essa técnica a situagdes especificas. Primeiro, pergunta ao cliente o quanto ele acha que é responsavel, o que é expresso como uma porcentagem. Em seguida, é desenhado um gr4fico em forma de pizza, e todos os fatores que desempenharam o papel de provocar um evento particular sdo listados e recebem uma fatia da pizza, que representa sua porcentagem de responsabilidad. A parte do cliente é colocada na pizza somente depois que todos os outros fatores foram adicionados. Frequentemente esses clientes ndo tém esquema para o acaso; eles tendem a acreditar que tudo 0 que acontece ¢ causado por forcas intencionais; assim, para atribuir uma parte apropriada da torta a fatores do acaso, é importante trabalhar no conceito. Essa técnica frequentemente provoca grandes mudangas na porcentagem da responsabilidade que os clientes sentem em relagio as situagbes. Classificagio multidimensional de um continuum. Esta técnica pode ser usada quando os lentes adotam um raciocinio dicotémico e/ou unidimensional para chegar a conclusdes que esto mais baseadas em uma avaliagéo com mais nuancas (Padesky, 1994; Amv. & van Genderen, 2009). Por exemplo, 0s clientes podem dizer que eles nao tém nenhum valor para outras pessoas por causa de um tinico atributo e achar que existem apenas duas categorias (sem valor e valorizado). A técnica comeca com a listagem das caracteristicas que contribuem para tornar a pessoa sem valor versus valorizada. Depois disso, para cada atributo é registrada uma escala visual analégica (EVA), com as ancoras representando posicdes extremas no atributo. As técnicas ajudam os clientes a perceberem que a maioria das conclusdes deve estar baseada em avaliagdes matizadas de muiltiplos aspectos. Existem problemas na tentativa de mudar crengas nucleares pelo raciocinio: os clientes podem ter limitagdes em suas capacidades de raciocinio, e o insight ponderado pode nao afetar 0 esquema. Por exemplo, os clientes podem responder: “Entendo 0 que vocé quer dizer, mas nio sinto assim”. Em tais situagdes, 0 teste empirico e métodos experienciais podem ajudar a provocar mudanga em um “nivel de sentimento”. Teste empirico Experimentos podem ser usados para testar a sustentabilidade das crencas. E importante formular predigdes claras para que elas possam ser comparadas com os resultados observaveis do experimento. Suponha que um cliente acredite que tem um lado fraco que provocara rejeicao se for descoberto por outros. © cliente poderia testar isso compartilhando com outras pessoas sentimentos pessoais que ele considera que revelam sua fraqueza e, entio, observar como elas respondem. E ttl fazer os clientes escteverem crengas e previsdes antigas e alternativas de como elas podem ser observadas antes de ser realizado 0 experimento e depois faz8-los escrever 0 que observaram como resultado do teste. A predigio a partir da crenga disfuncional desse cliente pode ser que os outros irdo rejeité-lo, tendo como resultado a critica, o encerramento de uma conversa ou a outra pessoa ndo querer mais vé-lo. A predi¢ao altemnativa poderia ser os outros apreciarem sua abertura e demonstrarem aceitacao dizendo coisas empaticas, compartilhando sentimentos intimos ou dando continuidade ao relacionamento. Deve ser tomado cuidado especial para impedir que os clientes usem comportamentos de seguranga que interfiram no teste. Se, por exemplo, o cliente menciona apenas casualmente uma “fraqueza” enquanto o foco é outro tépico, as chances sao altas de que os outros ignorem sua declaragao. Um teste apropriado envolveria compartilhar sua “fraqueza” quando 0s outros estio plenamente atentos ao que ele esté dizendo. Em situagées mais graves, os clientes podem ainda nao ser capazes de formular crengas alternativas e mais funcionais. Nesse caso, as crengas nucleares de um cliente parecem ser a tinica representagao pensdvel. & melhor ainda nao formular ctengas alternativas até que as crencas existentes sejam refutadas (ver Bennett-Levy et al., 2004, para um guia ampliado para a montagem de experimentos para uma variedade de problemas clinicos). Testes empiricos oferecem evidéncias poderosas a favor e contra as crengas e, portanto, sao importantes para a modificago da crenca. A maioria dos clientes se convenceré mais pelas evidéncias que eles mesmos experimentam do que pelo raciocinio abstrato. Intervengoes experienciais Os métodos experienciais esto baseados na capacidade dos humanos de imaginar, aportando novas informagées enquanto os canais sensoriais, emocionais, comportamentais e cognitivos estéo ativados. Os métodos experienciais ganharam mé reputagao nas décadas de 1960 e 1970, quando eram aplicados de forma descontrolada, mas nos dias atuais esto plenamente integrados A TCC ea terapias baseadas em evidéncias em geral. Discutirei trés técnicas principais. Imaginaco. Pesquisas demonstraram que a imaginaco est4 mais profundamente conectada as emogies do que o pensamento verbal e pode provocar mudancas de maior duragao (Hackman, Bennett-Levy, & Holmes, 2011; Holmes & Mathews, 2010). Talvez a técnica de imaginacdo, mais importante para mudar crengas nucleares seja a reescrita imaginéria (Arntz & Weertman, 1999), em que o individuo tenta identificar memérias de eventos passados que se encontram na raiz da formagio de crengas nucleares, que em geral se desenvolveram durante a infancia, Uma boa forma de identificar essas memérias & pedir que o cliente feche os olhos e imagine um evento recente durante 0 qual experimentou um problema. O terapeuta instrui o cliente a imaginar a experigncia da forma mais vivida possivel, focando em percepcées, sentimentos pensamentos. Em seguida, o terapeuta instrui o cliente a se fixar na emogao, mas abandonar a imagem, para ver se surge uma imagem da infancia (criando uma ponte de afeto). Depois disso, © terapeuta instrui o cliente a dizer com que idade se encontra, qual é a situacao e a focar no que ele percebe (“O que vocé vé, ouve, cheira, sente, etc., no seu corpo?”), experimenta emocionalmente, pensa e precisa. Em outras palavras, o terapeuta convida o cliente a experimentar a sequéncia de eventos na perspectiva da primeira pessoa, como se ela estivesse acontecendo no aqui e agora Se o cliente recupera a meméria, que é com frequéncia de natureza (psicologicamente) traumética, e a excitagdo emocional é suficientemente alta, o terapeuta pode — em fantasia — entrar na imagem e intervir interrompendo o abuso e negligéncia, corrigindo o(s) perpetrador(es) e cuidando das demais necessidades da crianga. Em outras palavras, o significado da experiéncia original é corrigido por meio das experiéncias com um final diferente na fantasia, Embora a técnica nao grave por cima da meméria original (néo ocorre perda da meméria ou do conhecimento factual do que aconteceu), frequentemente ocorre uma mudanga drdstica no significado do evento original (Arntz, 2012), Em casos menos graves, ou mais no final do tratamento, o cliente pode se imaginar entrando na cena como adulto, confrontando o perpetrador e cuidando da crianga, Dramatizacao. Esta técnica pode ser usada para configurar quase qualquer situacao que seja relevante para criar crengas nucleares ou testé-las. Trés exemplos do uso de dramatizagao sao as, dramatizagoes histéricas, as dramatizagdes simbélicas e as dramatizacées focadas no presente. Nas dramatizagées histéricas, cliente e terapeuta encenam situagdes do passado do cliente (geralmente a infaincia) que contribuiram para a formagao de crengas nucleares (Padesky, 1994; Arntz & van Genderen, 2009). O cliente descreve a situagio e o comportamento da outra pessoa, geralmente (mas nao necessariamente) um dos pais. (Por conveniéncia, descrevo dramatizagoes, da interagao pai-filho.) Entao, o terapeuta faz 0 papel do pai, e 0 cliente, o do filho. Isso costuma provocar uma répida ativacao das crengas e das emogdes que as acompanham. Ha duas opcdes para abordar essas crengas: reinterpretacdo do drama e reescrita do drama. Com a reinterpretacéo do drama, que é usada quando a crianga pode ter interpretado erroneamente o pai ou a mie, os papéis sao trocados. O terapeuta instrui o cliente a representar 0 pai ou a mae € a estar atento a qualquer pensamento, emogao e intengao segundo a perspectiva do pai ou da mie. O terapeuta faz, o papel do cliente. Depois disso, eles discutem a experiéncia do cliente no papel do pai ou da mae e comparam-na com a interpretagao original. O terapeuta destaca as discrepancias, e o cliente é estimulado a reinterpretar a situagao original. Com a nova interpretacdo, segue-se um terceiro ato, em que o cliente interpreta o filo, agora com a nova interpretacdo, comportando-se de forma diferente em relagdo ao pai (p. ex., pedindo atencao de maneira mais assertiva, porque o cliente percebe que seu pai ou mae nao era receptivo porque estava envolvido em seus proprios problemas, e ndo porque via seu filho de forma desvalorizada). Com a opgio de reescrever o roteiro, a cena reescrita com base no que foi imaginado é encenada. A dramatizagio é reiniciada em um bom momento para intervengio, e 0 terapeuta intervém, corrigindo o pai ou a mae (interrompendo o abuso, introduzindo seguranga). Observe que o pai ou a mae, no momento, nao é encenado por ninguém (p. ex., ele pode estar sentado em. uma cadeira vazia). A seguir, o terapeuta cuida da crianga, dizendo coisas tranquilizantes, corrigindo interpretagées erradas e oferecendo uma explicagio sadia (“Nao € sua culpa; seu pai tem um problema com bebida e perde o controle por causa das suas frustragées, e & por isso que ele bate em voc’ e diz essas coisas terriveis — nao porque vocé é uma crianga ma.”). Mais adiante na terapia, ou ao trabalhar com clientes mais sadios, os clientes podem entrar na dramatizacao como um adulto, dirigir-se ao pai ou mae e cuidar do filho (agora ndo encenado por ninguém). terapeuta pode atuar como um treinador para o cliente. Nas dramatizagdes simbélicas, terapeuta e cliente criam uma situagdo que tem relevancia simbélica para a crenga nuclear, mas que nunca aconteceu nem iré acontecer. Um exemplo é a encenagio do tribunal, desenvolvida para desafiar crengas nucleares sobre responsabilidade (Van Oppen & Amz, 1994). Nessa dramatizagio, uma acusagao especifica relativa & crenca nuclear é encenada como se tivesse sido apresentada diante de um tribunal (p. ex., “O acusado é culpado da morte do pedestre porque teve o pensamento intrusivo de que o pedestre poderia ser morto por lum carro que ele nao viu, mas o acusado nao agiu considerando o pensamento para evitar 0 acidente”). O cliente e o terapeuta podem encenar diferentes papéis (0 promotor, o advogado de defesa, 0 juiz, o jiri) e trocar argumentos. Experimentar diferentes visdes do caso (fantasia) ajuda os clientes a reconsiderarem sua crenga original. Por fim, as crencas nucleares podem ser testadas em dramatizagées focadas no presente. De certa forma, este é um experimento comportamental realizado com dramatizagao, em que os clientes podem trocar os papéis e assumir diferentes perspectivas, 0 que os ajuda a descobrir como sao seus contatos com outras pessoas. Miltiplas cadeiras. Esta técnica é derivada da terapia da Gestalt ¢ pode ser aplicada de diferentes maneiras. A ideia bisica é colocar diferentes perspectivas em diferentes cadeiras ¢ deixar que o cliente se sente em cada uma delas e expresse tais perspectivas. Por exemplo, 0 cliente pode expressar uma crenga nuclear autopunitiva em uma das cadeiras; expressar_o impacto no self e nas necessidades do self em outra cadeira; e expressar uma nova visio sadia ainda em outra cadeira, Em outra aplicacao, o terapeuta pode desafiar a crenca nuclear que & colocada simbolicamente em uma cadeira vazia, enquanto o cliente observa. Dessa maneira, 0 cliente pode se distanciar da crenga nuclear e nao experimentar o desafio do terapeuta como se estivesse sendo pessoalmente criticado. O cliente pode se juntar ao terapeuta no desafio da crenca nuclear e, mais adiante no tratamento, provavelmente poder fazer sozinho o trabalho de desafiar, precisando apenas de alguma orientago do terapeuta. Em ainda outra variacdo, figuras- chave do passado ou do presente sao simbolicamente colocadas nas cadeiras vazias eo cliente & estimulado a expressar suas perspectivas. PROCESSOS DE MUDANCA Os métodos terapéuticos descritos neste capitulo sio reconhecidamente titeis clinicamente porque modificam as crencas nucleares (p. ex., Wild, Hackmann, & Clark, 2008). Serd necessario um foco mais amplo no tipo de pesquisa orientada para processos discutido neste livro para ver se métodos como reescrever o imaginério podem também alterar processos como desfusdo cognitiva (ver 0 Cap. 23), autoaceitagao (ver o Cap. 24) ou mindfulness (ver 0 Cap. 26), ‘mas os pasos iniciais nessa direco jé apoiam essa possibilidade (p. ex., Reimer, 2014). RESUMO As crengas nucleares podem ser abordadas por muitas intervengGes, e a posigio assumida aqui é que € bom usar diferentes canais de mudanga: raciocinio, teste empfrico e intervengio experiencial. Os clientes provavelmente diferem quanto a sua sensibilidade a cada intervengao, portanto é bom ter opgées de intervengio e integrar os varios canais. Neste capitulo, enfatizei a importincia de experimentar informagées desconfirmatérias, e no sé tentar convencer os clientes com o raciocinio verbal. A razio para isso € que embora terapeuta e cliente possam formular as crengas nucleares em palavras, essas representagdes nem sempre estéo abertas a argumentos verbais. Os clientes frequentemente precisam experimentar a desconfirmagao em um nivel sensorial e emocional © pensamento atual referente aos efeitos do tratamento psicolégico € 0 de que esquemas igos (disfuncionais) ou esquemas novos (funcionais) competem pela recuperagdo (Brewin, 2006). Em outras palavras, a cada encontro com uma pista relevante, ha uma chance de que 0 esquema antigo seja ativado e a crenca nuclear disfuncional domine a pessoa. No entanto, pesquisas basicas sugerem que pode ser possivel mudar o significado da representacao original do conhecimento (Arntz, 2012). Nesse caso, isso ter importantes implicagdes para a pratica, pois modificar a representacao original é preferivel a construir uma nova representacao que tenha que competir com a antiga. Por exemplo, as chances de recaida so muito mais altas quando duas representages tém que competir do que quando a representacao original pode ser mudada. Pesquisas futuras lancardo luz sobre essa questo. REFERENCIAS ‘Amt, A. (2012). Imagery rescripting as a therapeutic technique: Review of clinical trials, basic studies, and research agenda, Journal of Experimental Psychopathology, 3 (2), 189-208. Amt, A., & van Genderen, H. (2009). Schema therapy for borderline personality disorder. Chichester, UK: Wiley-Blackwell. ‘Amtz, A., & Weertman, A. (1999), Treatment of childhood memories: Theory and practice. Behaviour Research and Therapy, 37 (8), 715-740 Beck, A. T. 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