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Capítulo 78 A 89
Capítulo 78 A 89
costume védico que quando um visitante rico vai a algum local de peregrinação, ele
dá, como presentes de caridade aos sacerdotes locais, cavalos, vacas, ornamentos e
roupas. Este costume de, ao visitar locais de peregrinação, fornecer aos sacerdotes
brãhmanas do lugar todas as necessidades da vida tem se degenerado muito nesta
era de Kali. A parte mais rica da população, por causa de sua degradação em cultura
védica, não se sente mais atraída por esses locais de peregrinação, e os sacerdotes
brãhmanas que dependem de tais visitantes também têm se degenerado em seu
dever profissional de ajudar os visitantes. Esses sacerdotes brãhmanas nos locais de
peregrinação são chamados panda ou pandita. Isto significa que anteriormente eles
eram brãhmanas muito eruditos e costumavam orientar os visitantes em todos os
pormenores do propósito de virem ali, e assim tanto os visitantes quanto os sacerdo
tes beneficiavam-se pela cooperação mútua.
Claro está pela descrição do Srlmad-Bhãgavatam que quando o Senhor Balarãma
esteve visitando os diferentes locais de peregrinação, Ele seguiu corretamente o
sistema védico. Após distribuir vacas em Setubandha, o Senhor Balarãma pros
seguiu em direção aos rios Krtamãlã e TãmraparnI. Esses dois rios são famosos
como sendo sagrados, e o Senhor Balarãma banhou-Se em ambos. Ele então proce
deu em direção à colina Malaya. Esta colina Malaya é enorme, e se diz que é um dos
sete picos chamados montanhas Malaya. O grande sábio Agastya costumava viver
ali, e o Senhor Balarãma visitou-o e ofereceu-lhe Seus respeitos prostrando-Se
diante dele. Após receber as bênçãos do sábio, o Senhor Balarãma, com a permis
são do sábio, prosseguiu em direção ao Oceano Índico.
Na altura do cabo existe um grande templo da deusa Durgã onde ela é conhecida
como Kanyãkumãri. Este templo de Kanyãkumãri também foi visitado pelo Senhor
Rãmacandra, e por isso deve-se compreender que o templo tem existido há milhões
de anos. Dali, o Senhor Balarãma prosseguiu para visitar a cidade de peregrinação
conhecida como Fhãlgunatírtha, que fica no litoral do Oceano Índico, ou o Oceano
Meridional. Phãlgunatírtha é famosa porque o Senhor Visnu em Sua encarnação de
Ananta está deitado ali. De Phãlgunatírtha, o Senhor Balarãma seguiu para visitar
outro local de peregrinação, conhecido como Paíicãpsarasa. Ali também Ele Se
banhou de acordo com os princípios regulativos e observou as cerimônias ritualísti-
cas. Este locaI também é famoso como santuário do Senhor Visnu; portanto, o
Senhor Balarãma distribuiu dez mil vacas entre os sacerdotes brãhmanas da região.
Do Cabo Comarin, o Senhor Balarãma voltou-Se para Kerala. O país de Kerala
ainda existe na índia meridional com o nome de Kerala do Sul. Após visitar este
local, Ele veio a Gokarnatlrtha, onde o Senhor Siva é adorado constantemente.
Balarãma visitou então o templo de ÃryãdevI, que-é completamente rodeado de
água. Daquela ilha, foi para um lugar conhecido como Sürpãraka. Depois disso,
banhou-Se nos rios conhecidos como Tãpí, Payosní e Nirvindhyã, e chegou à
floresta conhecida como Dandakãranya. Esta é a mesma floresta Dandakãranya
onde o Senhor Rãmacandra viveu durante Seu exílio. A seguir o Senhor Balarãma
554 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
foi até as margens do rio Narmadã, o maior rio da Índia central. Às margens deste
rio sagrado Narmadã encontra-se um local de peregrinação conhecido como Mãhi-
smati Puri. Após banhar-Se ali de acordo com os princípios regulativos, o Senhor
Balarãma regressou a Prabhãsatírtha, de onde havia começado Sua viagem.
Ao regressar a Prabhãsatírtha, o Senhor Balarãma ouviu de parte dos brãhmanas
que a maioria dos ksatriyas na Guerra de Kuruksetra havia sido morta. Balarãma
sentiu-Se aliviado de ouvir que o fardo do mundo tinha sido reduzido. O Senhor Krsna
e Balarãma apareceram na Terra para diminuir o fardo'de força militar criado pelos
ambiciosos reis ksatriyas. Assim é a vida materialista: não se satisfazendo com as
necessidades básicas da vida, as pessoas ambiciosamente criam demandas extraordi
nárias, e seus desejos ilegais são impedidos petas leis da natureza, ou pelas leis de
Deus, aparecendo como fome, guerra, pestes e catástrofes semelhantes. O Senhor
Balarãma ouviu que embora a maioria dos ksatriyas tivesse sido morta, os Kurus ainda
estavam lutando. Portanto, Ele retomou ao campo de batalha justamente no dia em que
Bhímasena e Duryodhana empenhavam-se num duelo pessoal. Como benquerente de
ambos, o Senhor Balarãma quis contê-los, mas eles não quiseram conter-se.
Quando o Senhor Balarãma apareceu em cena, o rei Yudhisthira e seus irmãos
mais novos, Nakula e Sahadeva, como também o Senhor Krsna e Arjuna, imediata
mente ofereceram-Lhe suas respeitosas reverências, mas eles não falaram absoluta
mente nada. O motivo do silêncio era que o Senhor Balarãma tinha certo afeto por
Duryodhana, o qual tinha aprendido com Balarãmají a arte de lutar com maça.
Como os dois guerreiros estivessem empenhados na luta, o rei Yudhisthira e outros
acharam que Balarãma teria vindo ali para dizer algo em favor de Duryodhana, e
portanto mantiveram-se silenciosos. Tanto Duryodhana quanto Bhímasena eram
muito entusiastas na luta com maça, e, no meio de grande torcida, cada um tentava
habilidosamente golpear o outro. Enquanto tentavam fazê-lo, eles pareciam estar
dançando, mas, não obstante, era evidente que ambos estavam muito irados.
Querendo conter a luta, o Senhor Balarãma disse: “Meu querido rei Duryodhana
e Bhímasena, sei que vós ambos sois grandes lutadores e sois famosos no mundo
como grandes heróis, mas ainda assim acho que Bhímasena é superior a Duryo
dhana em força corporal. Por outro lado, Duryodhana é superior na arte de lutar
com maça. Levando isto em consideração, Minha opinião é que nenhum de vós é
interior ao outro na luta. Nessas circunstâncias, há muito pouca possibilidade de um
de vós ser derrotado pelo outro. Portanto, solicito-vos que não desperdiceis vosso
tempo lutando dessa maneira. Desejo que pareis com esta luta desnecessária.”
A boa instrução dada. pelo Senhor Balarãma tanto a Bhímasena quanto a
Duryodhana destinava-se a beneficiar igualmente a ambos. Mas eles estavam tão
dominados pela ira um contra o outro que podiam se lembrar apenas de sua antiga
inimizade pessoal. Cada um pensava apenas em matar o outro, e por isso não deram
muita importância aos conselhos do Senhor Balarãma. Ambos então ficaram como
loucos ao se lembrarem das fortes acusações e maus modos que tinham usado um
O Senhor Balarãma viaja pelos loeais sagrados 555
com as mãos só pode ser exitosa quando a pessoa se ocupa no serviço ao Senhor
com essas mãos. De forma semelhante, nossa mente só pode ser pacífica quando
simplesmente pensamos em Krsna em consciência de Krsna plena. Isto não signi
fica que temos de ser muito pensativos: simplesmente precisamos entender que
Krsna, a Verdade Absoluta, é onipenetrante, através de Seu aspecto localizado
como Paramãtmã. Se tão somente pudermos pensar que Krsna, como Paramãtmã,
está em toda a parte, mesmo dentro do átomo, então poderemos aperfeiçoar as
funções de pensar, sentir e querer de nossa mente. O devoto perfeito não vê o
mundo material como este se apresenta aos olhos materiais, pois ele vê em toda a
parte a presença de seu Senhor adorável sob Seu aspecto Paramãtmã.”
Mahãrãja Pariksit prosseguiu dizendo que a função do ouvido pode ser aper
feiçoada simplesmente pela ocupação em ouvir as atividades transcendentais do
Senhor, e a função da cabeça pode ser totalmente utilizada quando a cabeça é
empregada para prostrar-se diante do Senhor e de Seu representante. Que o Senhor
está representado no coração de todos é um fato, e por isso o devoto altamente
avançado oferece seus respeitos a toda entidade viva, considerando cada corpo um
templo do Senhor. Mas não é possível que todos os homens cheguem a este estágio
de vida imediatamente, porque esse estágio é para o devoto de primeira classe. O
devoto de segunda classe pode considerar os Vaisnavas, ou devotos do Senhor,
como representantes de Krsna, e o devoto que está apenas começando, o neófito ou
devoto de terceira classe, pode prostrar sua cabeça diante da Deidade no templo e
diante do mestre espiritual, que é a manifestação direta da Suprema Personalidade
de Deus. Portanto, no estágio neófito, no estágio intermediário ou no estágio
aperfeiçoado e totalmente avançado, pode-se aperfeiçoar a função da cabeça
prostrando-se diante do Senhor ou Seu representante. De modo semelhante, pode-se
aperfeiçoara função dos olhos vendo o Senhor e Seu representante. Dessa maneira,
todos podem elevar as funções das diferentes partes do corpo até o estágio perfec-
tivo máximo simplesmente por ocupá-las no serviço ao Senhor ou a Seu represen
tante. Se alguém não consegue fazer mais nada, pode simplesmente prostrar-se
diante do Senhor e de Seu representante e beber a caranãmrta, a água que lava os
pés de lótus do Senhor ou de Seu devoto.
Ao ouvir essas declarações de Mahãrãja Pariksit, Sukadeva GosvãmT encheu-se
de êxtase devocional por causa da compreensão avançada que o rei Pariksit tinha da
filosofia Vaisnava. Sukadeva Gosvãmí já estava descrevendo as atividades do
Senhor, e quando Mahãrãja Pariksit lhe pediu para descrevê-las mais, ele continuou
a narrar o Srhnad-Bhãgavatam com grande prazer.
Havia um brãhmana muito bom, amigo do Senhor Krsna. Sendo brãhmana
perfeito, ele era muito elevado em conhecimento transcendental, e por causa de seu
conhecimento avançado, não era absolutamente apegado ao gozo material. Por
tanto, ele era muito pacífico e havia atingido supremo controle sobre seus sentidos.
Isto significa que o brãhmana era um devoto perfeito porque a menos que alguém
558 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
.seja um devoto perfeito não pode alcançar o padrão mais elevado de conhecimento.
O Bhagavad-gilã declara que uma pessoa que chega à perfeição do conhecimento
rende-se à Suprema Personalidade de Deus. Em outras palavras, qualquer pessoa
que tenha entregado sua vida ao serviço da Suprema Personalidade de Deus chega
ao ponto do conhecimento perfeito. O resultado do conhecimento perfeito é que ela
se desapega do modo de vida materialista. -Este-desapego significa controle com
pleto dos sentidos, que estão sempre atraídos'pelo gozo material: Os sentidos do
devoto purificam-se, e neste estágio os sentidos ocupam-se no serviço ao Senhor.
Este é o campo completo do serviço devocíonal.
Embora o brãhmana amigo do Senhor Krsna fosse um chefe de família, eíe não
estava atarefado em acumular riqueza para ter uma vida de grande conforto; por
tanto, ele estava satisfeito com a renda que automaticamente lhe era concedida de
acordo com seu destino. Este é o sinal do conhecimento perfeito. Um homem que
tem conhecimento perfeito sabe que não se pode ser mais feliz do que se está
destinado a ser. Neste mundo material, todos estão destinados a sofrer uma determi
nada quantidade de aflição e a desfrutar de uma determinada quantidade de felici
dade. A quantidade de felicidade e aflição já está predestinada para toda entidade
viva. Ninguém pode aumentar ou diminuir a felicidade do modo de vida materialista.
O brãhmana, portanto, não se esforçava por conseguir mais felicidade material; em
vez disso, usava seu tempo para avançarem consciência de Krsna. Extemamente, ele
aparentava ser muito pobre porque não tinha roupas caras e não podia oferecer roupas
caras a sua esposa. Porque a condição material deles não era opulenta eles não
estavam sequer comendo o suficiente, e assim tanto ele quanto sua esposa eram
magérrimos. A esposa não estava ansiosa quanto a seu conforto pessoal, mas
sentia-se preocupada com o esposo, que era um brãhmana tão piedoso. Ele tremia
devido a sua saúde fraca, e embora não gostasse de dar ordens ao esposo, ela falou o
seguinte:
“Meu querido senhor, sei que o Senhor Krsna, o esposo da deusa da fortuna, é
vosso amigo pessoal. Além disso, sois devoto do Senhor Krsna, e Ele está sempre
pronto a ajudar Seu devoto. Mesmo que acheis que não estais prestando nenhum
serviço devocíonal ao Senhor, ainda assim sois rendido a Ele, e o Senhor é o
protetor da alma rendida. Além do mais, sei que o Senhor Krsna é a personalidade
ideal da cultura védica. Ele é sempre a favor da cultura bramtnica e é muito
bondoso com os brãhmanas qualificados. Sois a pessoa mais afortunada porque
tendes como vosso amigo a Suprema Personalidade de Deus. O Senhor Krsna é o
único abrigo para personalidades como vós porque sois inteiramente rendido a Ele.
Sois santo, erudito e tendes total controle de vossos sentidos. Nessas circunstân
cias, o Senhor Krsna é vosso único abrigo. Portanto, por favor, ide até Ele. Estou
certa de que Ele imediatamente compreenderá vossa posição de pobreza. Sois
também um chefe de família; portanto, como não tendes dinheiro, estais aflito. Mas
assim que Ele compreender vossa posição, certamente dar-vos-á riquezas suficientes
O encontro do Senhor Krsna cora Sudama Brahmana 559
para que possais viver com todo conforto. O Senhor Krsna é agora o rei das
dinastias Bhoja, Vrsni e Andhaka, e eu ouvi dizer que Ele nunca sai de Sua cidade
capital, Dvãrakã. Ali vive Ele, sem compromissos externos. Ele é tão bondoso e
liberal que imediatamente dá tudo, inclusive a Si próprio, a qualquer pessoa que se
renda a Ele. Uma vez que está preparado a dar-Se pessoalmente a Seu devoto, não
há nada de admirável em Ele dar algumas riquezas materiais. Evidentemente, Ele
jiã o dá muita riqueza material a Seu devoto se o devoto, não é muito fixo, mas creio
que em vosso caso Ele sabe perfeitamente bem o quanto sois fixo em serviço
devocional. Portanto, Ele não hesitará em conceder-vos algum benefício material
para as necessidades básicas da vida.”
Dessa maneira, a esposa do brãhmana repetidas vezes solicitava, com grande
humildade e submissão, que ele fosse ter com o Senhor Krsna. O brãhmana achava
que não havia necessidade de pedir benefícios materiais ao Senhor Sri Krsna, mas
ele acabou cedendo às repetidas solicitações de sua esposa. Além disso, ele pensou:
“Se eu for lá serei capaz de ver o Senhor pessoalmente. Esta será uma grande
oportunidade, mesmo que eu não Lhe peça nenhum benefício material.” Depois que
decidiu ir ter com Krsna, perguntou à esposa se ela tinha algo em casa que ele
pudesse oferecer a Krsna, porque ele devia levar algum presente para seu amigo. A
esposa imediatamente arrecadou quatro punhados de arroz quebrado de suas amigas
da vizinhança.e guardou-os atados em pequeno pano, como um lenço, e deu-o a seu
esposo para presenteá-lo a Krsna. Sem esperar mais, o brãhmana pegou o presente
e pôs-se a caminho de Dvãrakã para ver seu Senhor. Ele estava absorto pensando
em como poderia ser capaz de ver o Senhor Krsna. Ele não tinha outro pensamento
em seu coração além de Krsna.
Evidentemente, era muito difícifchegar aos palácios dos reis da dinastia Yadu,
mas os brãhmanas tinham permissão de visitá-los. Quando o brãhmana amigo do
Senhor Krsna chegou ali, ele, juntamente com outros brãhmanas, teve que passar
antes por três acampamentos militares. Em cada acampamento havia portões enor
mes, pelos quais ele também teve que passar. Depois dos portões e dos acampamen
tos, havia dezesseis mil grandes palácios, as residências das dezesseis mil rainhas
do Senhor Krsna. O brãhmana entrou em um palácio que era esplendorosamente
decorado. Ao entrar neste belo palácio, sentiu que estava nadando no oceano do
prazer transcendental. Sentia-se mergulhando constantemente e emergindo naquele
oceano transcendental.
Nessa altura, o Senhor Krsna estava sentado na cama da rainha Rukminl. Mesmo
de uma distância considerável Ele conseguiu ver o brãhmana chegando a Sua casa,
e pôde reconhecer que era o Seu amigo. O Senhor Krsna imediatamente deixou Seu
assento e adiantou-Se para receber Seu amigo brãhmana e, chegando até ele,
abraçou-o com Seus dois braços. O Senhor Krsna é o reservatório de todo o prazer
transcendental, contudo Ele próprio sentiu grande prazer ao abraçar o pobre
brãhmana porque estava Se encontrando com Seu muito querido amigo. O Senhor
560 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Krsna fê-lo sentar-se em Sua própria cama e pessoalmente trouxe-lhe todos os tipos
de frutas e bebidas para oferecer-lhe, como é adequado ao se receber um convidado
digno de adoração. O Senhor Srl Krsna é o supremo puro, mas, como estava
representando o papel de ser humano comum, Ele imediatamente lavou os pés do
brãhmana e, para Sua própria purificação, borrifou a água sobre Sua cabeça.
Depois disso, o Senhor untou o corpo do brãhmana com diferentes tipos de polpa
perfumada, tais como o sândalo, aguru e açafrão. Em seguida, acendeu vários tipos
de incenso perfumado, e, como de costume, ofereceu-lhe ãraú com lamparinas
feitas com algodão e ghl. Após oferecer-lhe assim uma recepção adequada e depois
que o brãhmana tinha comido e bebido, o Senhor Krsna disse: “Meu querido
amigo, é uma grande fortuna que tenhas vindo até aqui.”
O brãhmana, sendo muito pobre, não estava bem vestido; sua roupa estava puída
e suja, e seu corpo era muito magro e fino. Ele aparentava não ser muito limpo, e,
por causa de seu corpo magro, seus ossos eram distintamente visíveis. A deusa da
fortuna, Rukmlnldevl, pessoalmente começou a abaná-lo com o abano câmara, mas
as outras mulheres no palácio ficaram espantadas com o comportamento do Senhor
Krsna ao receber o brãhmana daquela maneira. Estavam surpresas de ver quão
ávido estava o Senhor Krsna de dar Suas boas-vindas a este brãhmana em particu
lar. Elas se perguntavam como o Senhor Krsna podia receber pessoalmente um
brãhmana que era pobre, não muito asseado nem limpo e estava póbremente ves
tido; mas, ao mesmo tempo, puderam compreender que o brãhmana não era um ser
vivo comum. Elas sabiam que ele devia ter executado grandes atividades piedosas;
senão, por que o Senhor Krsna, o esposo da deusa da fortuna, estaria tratando-o
com tanto carinho? Ficaram ainda mais surpresas de ver que o brãhmana estava
sentado na cama do Senhor Krsna. Ficaram especialmente surpresas dé ver que o
Senhor Krsna o abraçara exatamente como abraçava Seu irmão mais velho, Balarã-
maji, porque o Senhor Krsna costumava abraçar somente Rukminí ou Balarãma, e
ninguém mais.
Após receber o brãhmana adequadamente, e sentá-lo em Sua própria cama acol
choada, o Senhor Krsna disse: “Meu querido amigo brãhmana, és uma personali
dade muito inteligente, e conheces muito bem os princípios da vida religiosa. Creio
que depois de teres terminado tua educação na casa de nosso mestre e depois de o
teres remunerado suficientemente, deves ter voltado à casa e aceitado uma esposa
adequada. Sei muito bem que desde o começo não estavas absolutamente apegado
ao modo de vida materialista, nem desejavas ser muito opulento materialmente, e
portanto estás precisando de dinheiro. Neste mundo material, é muito raro encontrar
pessoas que não sejam apegadas à opulência material. Essas pessoas desapegadas
não têm o menor desejo de acumular riqueza e prosperidade para gozo dos-sentidos,
mas às vezes se vê que elas arrecadam dinheiro apenas para demonstrar a vida
exemplar de um chefe de família. Elas mostram como, pela devida distribuição da
riqueza, uma pessoa pode tomar-se um chefe de família ideal e ao mesmo tempo um
O encontro do Senhor Krsna com Sudãmâ Brahmana 561 <
grande devoto. Esses chefes de família ideais devem ser considerados seguidores de
Meus passos. Eu espero, meu querido amigo brahmana, que te lembres de todos
aqueles dias de nossa vida escolar quando tu e Eu vivíamos juntos no internato. Na
verdade, todo o conhecimento que tu e Eu recebemos na vida. foi acumulado durante
nossa vida de estudante.
“Se o homem é suficientemente.educado na fase estudantil sob a orientação de
um mestre adequado, sua vida toma-se exitosa no futuro. Ele pode atravessar o
oceano da ignorância com muita facilidade, e não está sujeito à influência dâ
energia ilusória. Meu querido amigo, todos devem considerar seu pai como o
primeiro mestre porque pela misericórdia do pai obtemos este corpo. O pai é
portanto o mestre espiritual natural. Nosso próximo mestre espiritual é aquele que
nos inicia no conhecimento transcendental, e ele deve ser adorado tanto quanto Eu o
sou. O mestre espiritual pode ser mais de um. O mestre espiritual que dá instruções
aos discípulos sobre assuntos espirituais chama-se siksã-guru, e o mestre espiritual
que inicia os discípulos chama-se diksã-guru. Ambos são Meus representantes.
Pode ser que haja muitos mestres espirituais que dêem instruções, mas o mestre
espiritual iniciador é um só. Um ser humano que tira proveito desses mestres
espirituais e, recebendo o devido conhecimento deles, atravessa o oceano .da exis
tência material, deve ser aceito como tendo utilizado adequadamente sua forma
humana de vida. Ele tem conhecimento prático de que o interesse último da vida,
que só pode ser adquirido nesta forma humana, é atingir perfeição espiritual e desse
modo ser transferido de volta ao lar, de volta ao Supremo,
“Meu querido amigo, Eu sou Paramãtmã, a Superalma presente no coração de
todos, e Minha ordem direta é que a sociedade humana siga os princípios de varna e
ãsrama. Como declaro no Bhagavad-gltã, a sociedade humana deve ser dividida,
segundo qualidade e ação, em quatro varnas. De forma semelhante, todos devem
dividir sua vida em quatro partes. Deve-se utilizar a primeira parte da vida em
tomar-se um bom estudante, recebendo conhecimento adequado e mantendo-se fiel
ao voto de brahmacarya, para poder devotar a vida completamente ao serviço do
mestre espiritual sem entregar-se ao gozo dos sentidos. O brahmacãri destina-se a
levar uma vida de austeridades e penitências. O chefe de família destina-se a viver
uma vida .regulada de gozo dos sentidos, mas a pessoa não deve permanecer como
chefe de família durante a terceira fase da vida. Nessa fase, tem-se de voltar às
austeridades e penitências praticadas anteriormente na vida de brahmacãri e assim
alíviarr-se do apego à vida doméstica. Após aliviar-se de seus apegos ao modo de
vida materialista, a pessoa pode aceitar a ordem de sannyãsa.
“Sendo a Superalma das entidades vivas, situado no coração de todos, Eu ob
servo a atividade de todos em todas as fases e ordens de vida. Independemememe
do estágio, em que alguém se encontre, quando Eu vejo que ele está ocupado séria e
sinceramente no cumprimento dos deveres ordenados pelo mestre espiritual, e está
assim dedicando sua vida ao serviço do mestre espiritual, essa pessoa toma-se
562 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
muito querida por Mim. Quanto à vida de brahmacarya, se alguém puder continuar
na vida de brahmcicãrí sob a orientação de um mestre espiritual, isso é extrema
mente bom; mas, se na vida de brahmacãrl ele sentir impulsos sexuais, deverá
despedir-se de seu mestre espiritual, satisfazendo-o de acordo com o desejo do
guru. Segundo o sistema védico, oferece-se um presente ao mestre espiritual, que
se chama guru-daksinã. Então o discípulo deve aceitar a vida de casado e aceitar
uma esposa de acordo com os ritos religiosos.”
Estas instruções dadas pelo Senhor Krsna enquanto Ele conversava com Seu
amigo, o brãhmana erudito, são muito boas para a orientação da sociedade humana.
Um sistema de civilização humana que não promova varna e ãsrama não passa de
sociedade animal polida. A entrega à vida sexual por parte de um homem ou de uma
mulher que sejam solteiros não é absolutamente aceitável na sociedade humana. O
homem deve ou seguir estritamente os princípios da vida de brahmacãrl ou, com a
permissão do mestre espiritual, deve casar-se. Vida de solteiro com exercício de
sexo ilícito é vida animal, pois os animais não têm tal coisa como a instituição do
casamento.
A sociedade moderna não objetiva o cumprimento da missão da vida humana,
que é voltar ao lar, voltar ao Supremo. Para cumprir esta missão, deve-se seguir o
sistema de varna e ãsrama. Quando o sistema é seguido rígida e conscientemente,
ele satisfaz esta missão, mas, quando seguido indiretamente, sem orientação de
ordem superior, simplesmente cria uma condição perturbadora na sociedade hu
mana, e não há paz nem prosperidade.
Krsna continuou a falar com Seu amigo brãhmana: “Meu querido amigo, creio
que ainda te lembras de nossas atividades durante os dias em que vivíamos como
estudantes. Talvez te lembres de que certa vez fomos catar lenha na floresta por
ordem da esposa do guru. Enquanto íamos apanhando a lenha seca, por acaso
entramos na densa floresta e nos perdemos. Surgiu uma tempestade de poeira
inesperada e depois nuvens e relâmpagos no céu e o som retumbante do raio. Então
o sol se pôs e nós estávamos perdidos na selva escura. Depois disso, caiu um
aguaceiro pesado; todo o solo inundou-se de água e nós não conseguíamos descobrir
o caminho para voltar ao ãsrama de nosso guru. Talvez te lembres daquela pesada
chuva-— não era realmente uma chuva, mas sim uma espécie de devastação. Por
causa da tempestade de poeira e da pesada chuva, começamos a nos sentir muito
doloridos, e para onde quer que nos voltávamos ficávamos desnorteados. Segura
mos um a mão do outro e tentamos sair daquela situação aflitiva. Porém, passamos
toda a noite daquela maneira, e de manhã cedo, quando nosso gurudeva deu-se
conta de nossa ausência, mandou que seus outros discípulos nos procurassem. Ele
também veio com eles, e quando nos encontraram na selva perceberam quão aflitos
estávamos.
“Com muita compaixão, nosso gurudeva disse: ‘Meus caros meninos, é muito
maravilhoso que tenhais sofrido tanto incômodo por mim. Todos gostam de cuidar
O encontro do Senhor Krsna com Sudãmã Brãhmana 563
de seu corpo em primeiro plano, mas vós sois tão bons e fiéis a vosso guru que, sem
ligar para os confortos corpóreos, tendes aceitado tanto incômodo por mim. Também
estou contente de ver que estudantes fiéis como vós submeter-se-ão a qualquer espécie
de incômodo para a satisfação do mestre espiritual. É assim que um discípulo fiel se
livra de sua dívida para com o mestre espiritual. É dever do discípulo dedicar
sua vida ao serviço do mestre espiritual.. Meus queridos melhores entre os duas-
vezes-nascidos, estou muitíssimo satisfeito com vossas ações, e vos abençoo: que
todos os vossos desejos e ambições sejam satisfeitos. Que a compreensão dos Vedas
que vós aprendestes comigo permaneça sempre dentro de vossa memória, para que
em todos os momentos possais lembrar-vos dos ensinamentos dos Vedas e citar suas
instruções sem dificuldade. Assim, jamais tereis desapontamento nesta vida nem na
próxima.’” '
Krsna continuou: “Meu querido amigo, talvez te lembres de que muitos desses
incidentes ocorreram enquanto estávamos no ãsrama de nosso mestre espiritual.
Ambos nós podemos compreender que sem as bênçãos do mestre espiritual ninguém
pode ser feüz. Pela misericórdia do mestre espiritual e por suas bênçãos, pode-se
obter paz e prosperidade e ser capaz de cumprir a missão da vida humana.”
Ao ouvir isto, o erudito brãhmana respondeu: “Meu querido Krsna, Tu és o
Senhor Supremo e o supremo mestre espiritual de todos, e desde que eu tive a
fortuna de viver contigo na casa de nosso guru, creio que nada mais tenho a fazer no
que se refere aos deveres védicos prescritos. Meu querido Senhor, os hinos védicos,
as cerimônias ritualísticas, as atividades religiosas e todas as outras necessidades
para a perfeição da vida humana, incluindo desenvolvimento econômico, gozo dos
sentidos e liberação, derivam todos de uma única fonte: Tua personalidade su
prema. Todos os diferentes processos de vida destinam-se em última análise à
compreensão de Tua personalidade. Em outras palavras, eles são diferentes partes
de Tua forma transcendental. E, não obstante, Tu representaste o papel de estudante
e viveste conosco na casa do guru. Isto significa que adotaste todos esses passatem
pos para Teu prazer apenas; senão, não haveria necessidade de representares o papel
de um ser humano."
Sudãmã Vipra ter vindo até ele. Sabia que, movido por extrema pobreza, o Vipra
havia vindo até alí a pedido de sua esposa. Pensando em Sudãmã como Seu muito
querido colega de escola, Ele sabia que o amor de Sudãmã por Ele como amigo não
era absolutamente manchado por nenhum desejo de benefício material. Krsna pen
sou: “Sudãmã não veio pedir-Me nada: forçado pelo. pedido de sua esposa, ele veio
ver-Me apenas para satisfazê-la.” O Senhor Krsna decidiu, portanto, que daria mais
opulência material a Sudãmã Vipra do que poderia imaginar o rei do céu.
Então Ele pegou a trouxinha de arroz quebrado pendurada no ombro do pobre
brãhmana, comprimida num canto de seu manto, e disse: “O que é isto? Meu
querido amigo, tu Me trouxeste este saboroso arroz quebrado!” Ele animou Sudãmã
Vipra, dizendo: “Considero que esta quantidade de arroz quebrado satisfará não so
mente a Mim, mas também a toda a criação." Compreende-se por esta declaração
que Krsna, sendo a fonte original de tudo, é a raiz de toda a criação. Assim como a
rega da raiz de uma árvore imediatamente distribui água a todas as partes da árvore,
da mesma forma, um oferecimento feito a Krsna-—ou qualquer ação feita para
Krsna — deve ser considerado a obra beneficente mais elevada para todos, porque o
benefício de tal oferecimento distribui-se por toda a criação. O amor por Krsna
distribui-se por todas as entidades vivas.
Enquanto falava com Sudãmã Vipra, o Senhor Krsna comeu um bocado de arroz
quebrado de sua trouxinha, e quando Ele tentou comer um segundo bocado, Rukminí-
deví, a própria deusa da fortuna, conteve o Senhor segurando-Lhe a mão. Após tocara
mão de Krsna, Rukrriini disse: “Meu querido Senhor, este único bocado de arroz
quebrado é suficiente para fazer com que aquele que o ofereceu se tome muito
opulento nesta vida e continue sua opulência na próxima vida. Meu Senhor, és tão
bondoso com Teu devoto que mesmo este único bocado de arroz quebrado satisfaz-Te
muitíssimo, e Teu prazer garante ao devoto opulência tanto nesta vida quanto na
próxima.” Isto indica que quando se oferece alimento ao Senhor Krsna com amor e
devoção e Ele fica satisfeito e o aceita do devoto, Rukminldevl, a deusa da fortuna,
fica tão agradecida ao devoto que se sente na obrigação de ir pessoalmente ao lar do
devoto para transformá-lo no lar mais opulento do mundo. Se alguém alimenta
Nãrãyana suntuosamente, a deusa da fortuna, Laksmí, automaticamente toma-se
hóspede da casa dele, o que significa que sua casa toma-se opulenta. O erudito
brãhmana Sudãmã passou aquela noite na casa do Senhor Krsna, e enquanto esteve
ali sentiu como se estivesse vivendo num planeta Vaikuntha. Na verdade, ele estava
vivendo em Vaikuntha, porque onde quer que vivam o Senhor Krsna, o Nãrãyana
original, e. RukminídevT, a deusa da fortuna, tal lugar não é diferente dos planetas
espirituais, Vaikunthaloka.
O erudito brãhmana Sudãmã não parecia ter recebido nada substancial do Senhor
Krsna enquanto esteve em Seu patácio. Contudo, ele não pediu nada ao Senhor. Na
manhã seguinte ele partiu para sua casa, pensando sempre sobre a recepção que lhe
dera Krsna, e assim mergulhava em bem-aventurança transcendental. Indo para
566 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
pertence a outrem? Se este é o mesmo lugar onde eu costumava viver, como, então,
ele mudou tão admiravelmente?”
Enquanto o erudito brãhmana tecia essas considerações, um grupo de belos
homens e mulheres com fisionomias semelhantes às dos semideuses, acompanhados
por cantores, aproximaram-se para dar-lhe as boas-vindas. Todos eles cantavam
canções auspiciosas. A esposa do brãhmana ficou muito contente ao ouvir as novas
da chegada de seu esposo, e com muita pressa ela também saiu do palácio. A esposa
do brãhmana estava com uma aparência tão bela que parecia que a própria deusa da
fortuna tinha vindo recebê-lo. Assim que viu seu esposo diante dela, lágrimas de
alegria caíram de seus olhos, e sua voz ficou tão sufocada que ela não pôde sequer
falar a seu esposo. Simplesmente cerrou os olhos em êxtase. Mas, com grande amor
e afeição, ela prostrou-se perante o esposo, e dentro de si pensava em abraçá-to.
Estava toda decorada com um colar de ouro e ornamentos, e ali parada no meio das
criadas, ela parecia a esposa de um semideus que acabava de descer de um aero-
piano. O brãhmana ficou surpreso de ver sua esposa tão bela, e, com grande afeição
e sem dizer uma palavra, entrou no palácio com ela.
Quando entrou em seu apartamento pessoal no palácio, o brãhmana viu que não
se tratava de um apartamento, mas sim da residência do rei do céu. O palácio era
rodeado por várias colunas de jóias. Os sofás e as camas eram feitos de marfim,
incrustados com ouro e jóias, e a roupa de cama era branca como a espuma do leite e
suave como um lótus. Havia muitos abanos engastados em hastes de ouro, e muitos
tronos dourados com almofadas macias como flores de lótus. Em vários lugares
havia dosséis de veludo e seda com cordões de pérolas pendurados em volta. A
estrutura do prédio apoiava-se sobre excelente mármore translúcido, com deco
rações feitas de esmeralda. Todas as mulheres do palácio traziam consigo lampari
nas feitas de jóias preciosas. As chamas e as jóias combinadas produziam uma luz
maravilhosamente radiante. Quando o brãhmana viu sua posição subitamente mu
dada para posição de opulência, e como não pudesse determinar a causa de mudança
tão repentina, ele começou a considerar muito gravemente como isso acontecera.
Ele começou então a pensar: “Desde o começo de minha vida tenho sido extrema
mente pobre; qual, então, poderia ser a causa de opulência tão grande e repentina?
Não encontro nenhuma causa além do olhar todo-mísericordioso de meu amigo, o
Senhor Krsna, o chefe da dinastia Yadu. Certamente isto são dádivas da misericór
dia sem causa do Senhor Krsna. O Senhor é auto-suficiente, o esposo da deusa da
fortuna, e assim Ele é sempre pleno de seis opulências. Ele pode entender a mente
de Seu devoto, e suntuosamente satisfazer-lhe os desejos. Tudo isto é obra de meu
amigo, o Senhor Krsna. Meu belo amigo negro, Krsna, é muito mais liberal do que
a nuvem que pode encher o grande oceano com água. Sem perturbar o cultivador
com chuva durante o dia, a nuvem traz chuva liberal à noite só para satisfazê-lo. E
.mesmo assim, quando o cultivador desperta de manhã, ele acha que não choveu o
suficiente. Analogamente, o Senhor satisfaz o desejo de todos de acordo com a
568 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
posição de cada um; porém, aquele que não está em consciência de Krsna considera
todas as dádivas do Senhor como inferiores à quantidade desejada. Por outro lado,
quando o Senhor recebe uma coisinha com amor e afeição de Seu devoto, Ele a
considera como grande e valioso presente. O exemplo vivido disso sou eu. Simples
mente ofereci-Lhe um bocado de arroz quebrado, c, em troca, Ele me deu opulên
cias superiores à opulência do rei do céu.”
O que o devoto realmente oferece ao Senhor disto o Senhor não necessita, pois
.Ele é auto-suficiente. Se o devoto oferece algo ao Senhor, isso redunda em seu
próprio interesse porque tudo que um devoto oferece ao Senhor é retribuído em
quantidade milhões de vezes maior do que o que foi oferecido, Uma pessoa não sai
perdendo ao dar ao Senhor, senão que ganha milhões de vezes mais do que deu.
O brãhmana, sentindo muita gratidão para com Krsna, pensou: “Oro para que
tenha a amizade do Senhor Krsna e me ocupe em Seu serviço, e para que me renda
totalmente a Ele com amor e afeição, vida após vida. Não quero nenhuma opulên
cia. Somente desejo não me esquecer de Seu serviço. Simplesmente desejo
associar-me com Seus devotos puros. Que minha mente e atividades estejam sempre
ocupados em Seu serviço. A não-nascida Suprema Personalidade de Deus, Krsna,
sabe que muitas grandes personalidades têm caído de suas posições por causa das
extravagâncias da opulência. Portanto, mesmo quando Seu devoto Lhe pede alguma
opulência, o Senhor às vezes não a dá. Ele é muito cauteloso no que se refere a Seus
devotos. No mundo material, como um devoto em posição imatura de serviço
devocional pode cair de sua posição caso se ihe ofereça grande opulência, o Senhor
não lhe oferece opulência. Esta é outra manifestação da misericórdia sem causa do
Senhor para com Seu devoto. Seu primeiro interesse é que o devoto não caia. Ele é
exatamente como um pai benquerente que não dá muita riqueza na mão de seu filho
imaturo, mas que, quando o filho está crescido e sabe como gastar o dinheiro,
dá-lhe toda a riqueza.”
O erudito brãhmana concluiu assim que todas as opulências que ele havia rece
bido do Senhor deviam ser usadas, não para seu gozo extravagante dos sentidos,
mas sim para o serviço ao Senhor. O brãhmana aceitou sua recém-adquirida opu
lência, mas o fez com espírito de renúncia, desapegado do gozo dos sentidos, e
assim viveu muito pacificamente com sua esposa, desfrutando de todas as facilidades
da opulência como prasãda do Senhor. Ele desfrutava de variedades de alimentos,
oferecendo-os ao Senhor e depois tomando-os como prasãda. De forma seme
lhante, se, pela graça do Senhor, obtemos opulências tais como riqueza, fama.
poder, educação e beleza materiais, é nosso dever considerar que todas eias são
dádivas do Senhor e devem ser usadas para Seu serviço, e não para gozo de nossos
sentidos. O erudito brãhmana permaneceu naquela posição, e, em vez de decair
devido à grande opulência, seu amor e afeição pelo Senhor Krsna aumentavam dia
após dia. A opulência material pode ser causa de degradação e também causa de
elevação, de acordo com os fins para os quais seja usada. Se a opulência é usada
O brãhmana Sudamã é abençoado pelo Senhor Krsna 569
Senhor Balarãma e Krsna também abraçaram o rei Nanda e mãe Yasodã e então
ofereceram Seus respeitos a seus pés de lótus, prostrando-Se diante deles. Por causa
de Sua afeição filial por Nanda e Yasodã, tanto o Senhor Krsna quanto Balarãma
sentiram sufocamento, e por alguns segundos não puderam falar. O afortunadíssimo
rei Nanda e mãe Yasodã colocaram seus filhos em seus colos e começaram a
abraçá-lOs para sua plena satisfação. Por causa da separação de Krsna e Balarãma,
tanto o rei Nanda quanto Yasodã tinham estado mergulhados em grande aflição por
muitíssimo tempo. Agora, após encontrá-lOs e abraçá-lOs, todos os seus sofrimen
tos foram mitigados.
Depois disso, Devaki, a mãe de Krsna, e Rohini, a mãe de Balarãma, abraçaram
ambas a mãe Yasodã. Elas disseram: “Querida rainha Yasodãdevi, tanto tu quanto
Nanda Mahãrãja tendes sido grandes amigos para nós, e quando nos lembramos de
vós imediatamente ficamos dominadas pelo pensamento de vossas atividades amis
tosas. Somos tão endividadas para convosco que mesmo se fôssemos retribuir vossa
bênção dando-vos a opulência do rei do céu, isso não seria suficiente para retribuir-
vos por vosso comportamento amistoso. Jamais nos esqueceremos de vosso com
portamento bondoso para conosco. Quando tanto Krsna quanto Balarãma nasceram,
antes mesmo de verem Seus verdadeiros pai e mãe, Eles foram confiados a vosso
cuidado, e vós Os educastes como vossos próprios filhos, alimentando-Os como os
passarinhos tomam conta de sua cria em seu ninho. Vós Os alimentastes, Os nutris
tes, Lhes destes amor e executastes muitas cerimônias religiosas auspiciosas para o
benefício dEles.
“Na verdade, Eles não são nossos filhos: Eles vos pertencem. Nanda Mahãrãja e '
tu sois os verdadeiros pa| e mãe de Krsna e Balarãma. Enquanto estiveram sob
vosso cuidado, Eles não tiveram nenhuma dificuldade. Sob vossa proteção, esta
vam completamente fora do alcance de todas as espécies de temor. Este muito
afetuoso carinho que vós tivestes para com Eles é completamente condizente com
vossa posição elevada. As personalidades mais nobres não discriminam entre seus
próprios filhos e os filhos dos outros, e não pode haver personalidades mais nobres
que Nanda Mahãrãja e tu.”
Quanto às gopis de Vrndãvana, desde o começo de suas vidas, elas não conhe
ciam nada além de Krsna. Krsna e Balarãma eram sua vida e alma. As gopis eram
tão apegadas a Krsna que não podiam sequer tolerar não vê-10 momentaneamente
quando suas pálpebras piscavam e impediam sua visão. Elas condenavam Brahmã,
o criador do corpo, porque ele tolamente fizera pálpebras que piscavam e
•impediam-nas de ver Krsna. Porque haviam estado separadas de Krsna por muitos
anos, as gopis, tendo vindo junto com Nanda Mahãrãja e mãe Yasodã, sentiram
êxtase intenso ao verem Krsna. Ninguém pode sequer imaginar quão ansiosas
ficaram as gopis ao verem Krsna novamente. Assim que Krsna tomou-Se visível
para elas, elas colocaram-nO dentro de seus corações através dos olhos e
abraçaram-nO para sua plena satisfação. Muito embora estivessem abraçando Krsna
576 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
apenas mentalmente, ficaram tão extáticas e cheias de alegria que por algum tempo
esqueceram-se completamente de si mesmas. O transe extático por elas atingido
simplesmente por abraçarem mentalmente Krsna é impossível de ser atingido
mesmo por grandes yogls constantemente ocupados em meditação na Suprema
Personalidade de Deus. Krsna podia entender que as gopis estavam absortas em
êxtase abraçando-0 em suas mentes, e por isso, uma vez que está presente no
coração de todos, Ele correspondeu ao abraço intemamente.
Krsna estava sentado com mãe Yasodã e Suas outras mães, Devakí e RohinT, mas
quando as mães puseram-se a conversar, Ele aproveitou-Se da oportunidade e foi a
um lugar isolado para encontrar-Se com as gopis. Assím que Se aproximou das
gopis, o Senhor começou a sorrir, e, após abraçá-las e perguntar-lhes como esta
vam, começou a animá-las, dizendo: “Minhas queridas amigas, sabeis que tanto o
Senhor Balarãma quanto Eu deixamos Vrndãvana só para agradar Nossos parentes e
familiares. Assim, estivemos muito tempo ocupados lutando contra Nossos inimi
gos e.fomos obrigados a esquecer-vos, a vós que éreis tão apegadas a Mim com
amor e afeição. Posso entender que tenho sido ingrato convosco, mas ainda assim
Eu sei que sois fiéis a Mim. Acaso tendes pensado em Nós embora tivéssemos que
deixar-vos para trás? Minhas queridas gopis, acaso agora não gostais de vos recor
dar de Mím, considerando que fui ingrato convosco? Acaso levais muito a sério o
Meu mau comportamento convosco?
“Afinal de contas, deveis saber que não era Minha intenção deixar-vos; nossa
separação foi determinada pela Providência, que, em última análise, é o controlador
supremo e faz o que bem entende. A Providência provoca a mistura de diferentes
pessoas e novamente as dispersa a Seu bel-prazer. Às vezes vemos que devido â
presença de nuvens e ventos fortes, partículas atômicas de poeira e pedaços rompi
dos de algodão misturam-se, e depois que se esvaí o forte vento, todas as partículas
de poeíra e algodão são novamente separadas, espalhadas por diversos lugares.
Analogamente, o Senhor Supremo é o criador de tudo. Os objetos que vemos são
diferentes manifestações de Sua energia. Por Sua vontade suprema às vezes nos
unimos e às vezes nos separamos. Podemos, portanto, concluir que em última
análise somos absolutamente dependentes da vontade dEIe.
“ Feüzmente, tendes desenvolvido afeição amorosa por Mim. Esta é a única
forma de alcançar a posição transcendental de associação comigo. Qualquer enti
dade viva que desenvolva essa impoluta afeição devocional por Mim certamente no
final volta ao lar, volta ao Supremo. Em outras palavras, serviço devocional e
afeição impolutos por Mim são a causa da liberação suprema.
“Minhas queridas amigas gopis, devo informar-vos que as Minhas energias so
mente é que estão agindo em toda a parte. Tomai, por exemplo, um pote de barro.
Ele nada mais é que uma combinação de terra, água, ar, fogo e céu. Ele é sempre
feito dos mesmos compostos físicos, em seu começo, durante sua existência ou após
sua aniquilação. Ao ser criado, o pote de barro é feito de terra, água, fogo, ar e céu;
Krsna e Balarãma e os habitantes de Vrndãvana 577
Houve muitos visitantes que vieram ver Krsna, e entre eles estavam os Pãndavas,
encabeçados pelo rei Yudhisthira. Após conversar com as gopls e conceder-lhes a
maior bênção, o Senhor Krsna deu as boas-vindas ao rei Yudhisthira e outros paren
tes qüe tinham vindo para vê-10. Ele primeiramente perguntou-lhes se sua situação
era auspiciosa. Na verdade, não há possibilidade de má fortuna para alguém que
veja os pés de lótus do Senhor Krsna, todavia quando o Senhor Krsna, por uma
questão de etiqueta, indagou do rei Yudhisthira sobre seu bem-estar, o rei ficou
muito feliz com tal recepção e dirigiu-se ao Senhor da seguinte maneira: “Meu
querido Senhor Krsna, grandes personalidades e devotos em plena consciência de
Krsna sempre pensam em Teus pés de lótus e permanecem inteiramente satisfeitos
bebendo o néctar da bem-aventurança transcendental. O néctar que eles bebem
constantemente às vezes sai de suas bocas e é borrifado nos outros como a narração
de Tuas atividades transcendentais. Este néctar proveniente da boca de um devoto é
tão poderoso que se alguém tem a fortuna de ter a opprtunidade de bebê-lo, livra-se
imediatamente do contínuo jomadear de nascimentos e mortes. Nossa existência
material é causada por nosso esquecimento de Tua personalidade, mas, felizmente, a
escuridão do esquecimento é imediatamente dissipada se temos o privilégio de ouvir
sobre Tuas glórias. Portanto, meu querido Senhor, onde está a possibilidade de má
fortuna para alguém que esteja constantemente ouvindo Tuas atividades gloriosas?
“Uma vez que somos totalmente rendidos a Ti e não temos outro abrigo além de
Teus pés de lótus, estamos sempre seguros de nossa boa fortuna. Meu querido
Senhor, és o oceano de conhecimento e bem-aventurança ilimitados. O resultado
dos atos de invenção mental é existir nas três fases temporárias de vida material —
vigília, sono e sono profundo. Mas essas condições não podem existir em consciên
cia de Krsna. Todas essas reações são invalidadas pela prática da consciência de
Krsna. Tu és o destino último de todas as pessoas liberadas. Unicamente devido a
Tua vontade independente, desces a esta Terra pelo uso de Tua própria potência
interna, yogamõyâ, e, para restabelecer os princípios védicos de vida, apareces tal
qual um ser humano comum. Uma vez que és a Pessoa Suprema, não pode haver,
portanto, má sorte alguma para alguém que seja inteiramente rendido a Ti.”
Enquanto o Senhor Krsna estava atarefado recebendo vários tipos de visitantes e
enquanto estes ofereciam orações ao Senhor, os membros femininos da dinastia
Kuru e da dinastia Yadu aproveitaram-se da oportunidade para se encontrarem uns
com os outros e ocuparem-se em conversas sobre os passatempos transcendentais do
Senhor Krsna. A primeira pergunta foi feita por Draupádi às esposas do Senhor
Krsna.-UEla lhes disse: “Minhas queridas Rukminí, Bhadrã, Jãmbavati, Satyã,
580 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
levou das margens do Yamunã, e desde então tenho varrido a casa do Senhor Krsna.
E o Senhor trata-me como Sua esposa.”
Depois disso, Mitravindã disse: “Minha querida DraupadI, houve uma grande
assembléia de príncipes em minha cerimônia svayamvara. O Senhor Krsna também
esteve presente naquele encontro, e aceitou-me como Sua criada, derrotando todos
os príncipes ali presentes. Ele imediatamente me levou até Dvãrakã, exatamente
como um leão arrebata um veado de um bando de cães. Quando fui assim raptada
pelo Senhor Krsna, meus irmãos quiseram lutar contra Ele, e imediatamente foram
derrotados. Assim, meu desejo de tomar-me a criada de Krsna, vida após vida, foi
satisfeito.”
Depois disso, Satyã dirigiu-se a DraupadI dessa maneira: “Minha querida DraupadI,
meu pai providenciou uma assembléia para meu svayamvara (a escolha pessoal de
um esposo), e, para pôr à prova a força e heroísmo dos noivos em perspectiva,
estipulou que cada um deles lutasse contra sete touros ferozes, os quais tinham
chifres longos e serpentinos. Muitos heróicos candidatos tentaram derrotar os tou
ros, mas, infelizmente, todos eles foram severamente feridos, e regressaram a seus
lares como-inválidos derrotados. Quando o Senhor Srí Krsna veio e lutou contra os
touros, estes não passaram de brinquedos para Ele. Ele agarrou os touros e atou
cada um deles pelas narinas. Assim eles ficaram sob Seu controle, como os filhotes
de uma cabra são facilmente controlados por crianças. Meu pai ficou muito satis
feito e casou-me com o Senhor Krsna com grande pompa, dando como dote muitas
divisões de soldados, cavalos, quadrigas e elefantes, juntamente com centenas de
criadas. Assim, o Senhor Krsna levou-me para Sua cidade capital, Dvãrakã. No
caminho de volta, o Senhor Krsna foi assaltado por muitos príncipes, mas Ele
derrotou-os a todos, e desse modo eu tenho o privilégio de servir a Seus pés de lótus
como uma criada.”
Depois disso, Bhadrã tomou a palavra. Ela disse: “Minha querida DraupadI, o
Senhor Krsna é ftlho de meu tio materno. Felizmente, eu me senti atraída por Seus
pés de lótus. Quando meu pai compreendeu esses meus sentimentos, ele pessoal
mente providenciou meu casamento, convidando o Senhor Krsna a casar-Se comigo
e dando-Lhe como dote uma aksauhiní, ou divisão de forças armadas, juntamente
com muitas criadas e outras parafernálias reais. Não sei se serei capaz de ter o
abrigo do Senhor Krsna vida após vida, mas ainda assim oro ao Senhor para que,
onde quer que eu nasça, não me esqueça de minha relação com Seus pés de lótus.”
Então Laksmanã disse: “Minha querida rainha, muitas vezes ouvi o grande sábio
Nãrada glorificando os passatempos do Senhor Krsna. Senti-me atraída pelos pés de
lótus de Krsna quando ouvi Nãrada dizer que a deusa da fortuna, Laksmí, também
se sentia atraída por Seus pés de lótus. Desde então tenho sempre pensado nEle, e
assim minha atração por Ele tem aumentado. Minha querida rainha, meu pai era
muito afetuoso comigo. Quando compreendeu que eu estava atraída por Krsna, ele
inventou um plano, como aquele inventado por teu pai. Durante o svayamvara, os
582. Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
noivos em perspectiva teriam que trespassar os olhos de um peixe com suas flechas.
A diferença entre a competição em teu svayamvara e no meu era que no teu o peixe
era pendurado abertamente no teto, em campo visual claro, mas no meu o peixe
estava coberto com um pano e só podia ser visto pelo reflexo do pano em um pote
dágua. Esta foi a característica especial de meu svayamvara.
“A notícia deste plano espalhou-se por todo o mundo, e quando os príncipes
ouviram falar disso, eles vieram à cidade capital de meu pai provenientes de todas
as direções, plenamente equipados com armaduras e orientados por seus instrutores
militares. Cada um deles desejava conquistar-me como sua esposa, e, um após
outro, eles erguiam arco e flecha deixados ali para trespassar o peixe. Muitos não
podiam sequer juntar a corda do arco às duas extremidades do arco, e, sem tentarem
trespassar o peixe, eles simplesmente deixavam o arco como ele estava e se lam.
Alguns com grandes dificuldades puxavam a corda de uma extremidade a outra,
mas, sendo incapazes de atá-la à outra extremidade, eram subitamente derrubados
pelo arco semelhante a uma mola. Minha querida rainha, ficarás surpresa de saber
que em meu encontro svayamvara havia muitos reis e heróis famosos presentes.
Heróis como Jarãsandha, Ambastha, Sísupãla, Bhtmasena, Duryodhana e Karna
foram, evidentemente, capazes de armar o arco, mas não puderam trespassar o
peixe, porque ele estava coberto, e não puderam localizá-lo pelo reflexo. O famoso
herói dos Pãndavas, Arjuna, foi capaz de ver o reflexo do peixe na água, mas
embora com grande cuidado localizasse o peixe e atirasse uma flecha, ele não
trespassou o peixe no local certo. Mas sua flecha pelo menos tocou o peixe, e assim
ele provou ser melhor que todos os outros príncipes.
“Todos os príncipes que tentaram trespassar o alvo estavam desapontados, por
terem sido frustrados cm suas tentativas, e alguns candidatos tinham inclusive
deixado o local sem nem mesmo fazerem uma tentativa; mas, quando finalmente o
Senhor Krsna pegou o arco, Ele foi capaz de atar a corda do arco com muita
facilidade, à maneira de uma criança que brinca com um boneco. Eie colocou a
flecha, e, olhando apenas uma vez para o reflexo do peixe na água, atirou a flecha, e
o peixe trespassado caiu imediatamente. Esta vitória do Senhor Krsna foi realizada
ao meio-dia, durante o momento chamado abhijir, que é astronomicamente calcu
lado como auspicioso. Naquela altura, a vibração de Jayu! Jaya! foi ouvida em todo
o mundo, e do céu vieram sons de tambores tocados pelos habitantes do céu.
Grandes semideuses encheram-se de alegria e começaram a lançar chuvas de flores
sobre a Terra.
“Naquela altura, eu entrei na are'na de competição. Os sinos de tornozelo em
minhas pernas soavam muito melodiosamente enquanto eu caminhava. Eu estava
bem vestida com roupas de seda novas, flores decoravam meu cabelo e, por causa
da. vitória do Senhor, eu estava extaticamente alegre e sorria agradavelmente.
Carregava em minhas mãos um colar de ouro ornado com jóias, que cintilava a todo
o momento. Meu cabelo ondulado emoldurava meu rosto, que brilhava com um
Draupadi encontra-se com as rainhas de Krsna 583
lustre radiante devido ao reflexo de meus vários anéis. Piscando meus olhos, pri-
meíramente observei todos os príncipes presentes, e quando chegue: até meu
Senhor coloquei bem devagar o colar de ouro em Seu pescoço. Como já te disse,
desde o começo minha mente estivera atraída pelo Senhor Krsna, e assim eu consi
derei o enguírlandamento do Senhor como minha grande vitória. Logo que coioquei
minha guirlanda no pescoço do Senhor, imediatamente soou a vibração combinada
.de mrdangas, patahas, búzios, tambores, baterias e outros instrumentos, provo
cando um som tumultuoso, e enquanto tocavam a música, exímios dançarinos
homens e mulheres começaram a dançar, e cantores começaram a cantar docememe.
“Mínha querida Draupadi, quando aceitei o Senhor Krsna como meu esposo
adorável, e Ele também me aceitou como Sua criada, houve um rugido tumultuoso
entre os príncipes desapontados. Todos eles ficaram muito agitados por causa de
seus desejos íuxuriosos, mas, sem ligar para eles, meu esposo, em Sua forma de
Nãrãyana de quatro mãos, imediatamente colocou-me em Sua quadriga, que era
puxada por quatro excelentes cavalos. Esperando oposição da parte dos príncipes,
Ele protegeu-Se com a armadura e pegou Seu arco chamado Sãrnga, mas nosso
famoso quadrigário, Dãruka, guiou a bela quadriga, sem um instante de demora, em
direção à cidade de Dvãrakã. Assim, na presença de todos os príncipes, eu fui
levada embora com muita rapidez, exatamente como um veado é levado de seu
bando por um leão. Alguns dos príncipes, contudo, tentaram impedir nosso avanço,
e assim, equipados com armas adequadas, opuseram-se a nós, assim como os cães
tentam opor-se à marcha progressiva de um leão. Nessa altura, devido às flechas
atiradas pelo arco Sãrnga do Senhor Krsna, alguns dos príncipes perderam suas
mãos, outros perderam as pernas, outros perderam as cabeças e as vidas, enquanto
outros fugiram do campo de batalha.
“A Suprema Personalidade de Deus entrou então na mais famosa cidade do
universo, Dvãrakã, e à medida que entrava na cidade, Ele parecia o sol brilhante.
Toda a cidade de Dvãrakã fora profusamente decorada naquela ocasião. Havia
tantas bandeiras, festões e portões por toda Dvãrakã que o brilho do sol não podia
sequer entrar na cidade. Eu já te contei que meu pai era muitíssimo afetuoso
comigo, de modo que, quando ele viu que meu desejo fora satisfeito ao conseguir o
Senhor Krsna como meu esposo, com grande alegria começou a distribuir aos
amigos e parentes várias espécies de presentes, tais como roupas valiosas, ornamen
tos, armações de cama e tapetes para sentar. O Senhor Krsna é sempre auto-
suficiente, contudo meu pai, por sua própria vontade, ofereceu a meu esposo um
dote consistindo de riquezas, soldados, elefantes, quadrigas, cavalos e muitas ar
mas raras e valiosas. Ele. deu tudo isso de presente ao Senhor com grande entu
siasmo. Minha querida rainha, naquela altura pude adivinhar que em minha vida
anterior eu,devia ter executado alguma atividade maravilhosamente piedosa, e
como resultado disso nesta vida posso ser uma das criadas na casa da Suprema
Personalidade de Deus.”
584 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Senhor está situado no coração de todos, e aqueles que simplesmente adoram diferen
tes semideuses para satisfação de seus próprios desejos luxuriosos, são incapazes de
compreender a importância desses sábios. Elas não podem tirar proveito da recep
ção desses sábios vendo-os com seus olhos, tocando-lhes os pés de lótus, indagando
deles sobre seu bem-estar ou adorando-os diligentemente.'”
Devotos ou religiosos neófitos não podem compreender a importância dos gran
des mahãtmãs. Eles vão ao templo por uma questão de formalidade e prestam suas
respeitosas reverências à Deidade. Mas quando a pessoa é promovida à próxima
plataforma de consciência transcendental, ela pode entender a importância dos
mahãtmãs e devotos, e nesta fase o devoto tenta satisfazê-los. Portanto, o Senhor
Krsna disse que o neófito não pode compreender a importância dos grandes sábios,
devotos ou ascetas.
Krsna continuou: “Uma pessoa não pode se purificar viajando a locais sagrados
de peregrinação e tomando banho ali ou vendo as Deidades nos templos. Mas se
acontece de ela ericontrar um grande devoto, um mahãtmã que seja representante da
Personalidade de Deus, ela se purifica imediatamente. Para purificar-se, prescreve-
se que se adore o fogo, o sol, a lua, a terra, a água, o ar, o céu e a mente. Adorando
todos os elementos e suas deidades predominantes, a pessoa pode livrar-se da
influência da inveja, mas todos os pecados de uma pessoa invejosa podem ser
anulados de imediato simplesmente pelo serviço a uma grande alma. Meus caros
venerados sábios e respeitáveis reis, ficai sabendo de Mim que uma pessoa que
aceita este corpo material feito de três elementos — muco, bile e ar-—como seu
próprio eu, que considera sua família e parentes como sua propriedade e que aceita
coisas materiais como adoráveis, ou que visita locais sagrados de peregrinação só
para tomar um banho ali, mas nunca se associa com grandes personalidades, sábios
e mahãtmãs— uma pessoa assim, mesmo sob a forma de um ser humano, não passa
de um animal, como um asno.”
Quando a autoridade suprema, o Senhor Krsna, estava falando assim com grande
gravidade, todos os sábios e ascetas permaneceram em silêncio mortal. Eles ficaram
espantados ao ouvirem-nO falar a filosofia absoluta da vida de maneira tão concisa.
A menos que sejamos muito avançados em conhecimento, pensamos que nós somos
nosso corpo, que nossos familiares são nossos amigos e parentes e que nossa terra
natal é adorável. A moderna ideologia do nacionalismo brotou deste conceito de
vida. O Senhor Krsna condenou essas idéias, e também condenou pessoas que se
dão ao trabalho de ir a locais santos de peregrinação só para tomar um banho e
voltarem sem se aproveitarem da oportunidade para associar-se com os grandes
devotos e mahãtmãs que ali vivem. Essas pessoas são comparadas ao mais néscio
dos animais, o asno. Todos aqueles que ouviram consideraram as palavras do
Senhor Krsna por algum tempo, e concluíram que o Senhor Krsna era realmente a
Suprema Personalidade de Deus, representando o papel de um ser humano comum
que é forçado a tomar determinado tipo de corpo como resultado das reações de seus
Cerimônias sacrificatórias executadas por Vasudeva 587
atos passados. Ele estava assumindo este passatempo como ser humano comum
simplesmente para ensinar às pessoas em geral como elas devem viver para obter a
perfeição da missão humana.
Tendo concluído que Krsna é a Suprema Personalidade de Deus, os sábios
disseram-Lhe o seguinte: “Querido Senhor, nós, os líderes da sociedade humana,
supostamente possuímos a filosofia correta de vida, contudo estamos confundidos
pelo encanto de Vossa energia externa. Ficamos surpresos de ver Vosso comporta
mento, que é exatamente como o de um ser humano comum e que oculta Vossa
verdadeira identidade como a Suprema Personalidade de Deus, e portanto conside
ramos que Vossos passatempos são sumamente maravilhosos.
“Nosso querido Senhor, através de Vossa própria energia criais, mantendes e
aniquilais toda a manifestação cósmica de diferentes nomes e formas, da mesma
maneira que a terra cria muitas formas de pedra, árvores e outras variedades de
nomes e formas e, contudo, permanece a mesma. Embora crieis variedades de
manifestações através de Vossa energia, não sois afetado por todas essas ações.
Nosso querido Senhor, estamos simplesmente aturdidos de vermos Vossos atos
maravilhosos. Embora sejais transcendental a toda esta criação material e sejais o
Senhor Supremo e a Superai ma de todas as entidades vivas, apareceis nesta Terra
através de Vossa potência interna para proteger Vossos devotos e destruir os canalhas.
Com tal aparecimento, restabeleceis os princípios da religião eterna, dos quais a
sociedade humana se esquece devido ao longo contato com a energia material.
Nosso querido Senhor, sois o criador das ordens sociais e status espirituais da
sociedade humana de acordo com qualidade e trabalho, e quando essas ordens são
deseneaminhadas por pessoas inescrupulosas, Vós apareceis e as corrigis.
“Querido Senhor, o conhecimento védico é a representação de Vosso coração
puro. Austeridades, estudo dos Vedas e transes meditativos levam a diferentes
compreensões de Vosso Eu sob Vossos aspectos manifesto e imanlfesto. Todo o j
mundo fenomenal é manifestação de Vossa energia impessoal, mas Vós mesmo,
como a Personalidade de Deus original, sois imanifesto ali. Vós sois a Alma
Suprema, o Brahman Supremo. Pessoas que estão situadas na cultura bramínica,
portanto, podem compreendera verdade sobre Vossa forma transcendental. Assim,
sempre tendes respeito pelos brãhmanas, e sois considerado o mais elevado de
todos os seguidores da cultura bramínica. Sois portanto conhecido como
brahmanya-deva. Nosso querido Senhor, sois a última palavra em boa fortuna e o
último recurso de todas as pessoas santas; portanto, todos nós consideramos que
alcançamos a perfeição de nossa vida, educação, austeridade e aquisição de conhe
cimento transcendental por Vos termos encontrado. Na verdade, sois a meta última
de todas as aquisições transcendentais.
“Nosso querido Senhor, Vosso conhecimento é ilimitado, não tem fim. Vossa
forma é transcendental, existindo etemamente em plena bem-aventurança e conhe
cimento. Sois a Suprema Personalidade de Deus, o Brahman Supremo, a Alma
588 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
O grande sábio Nãrada era o líder de todos os sábios aii presentes. Portanto, ele
começou a falar. “Meus queridos sábios,” disse ele, “não é muito difícil entender
que, por causa de sua grande bondade e simplicidade, Vasudeva, que se tomou o
pai da Personalidade de Deus aceitando Krsna como seu filho, sinta-se inclinado a
perguntar-nos sobre seu bem-estar. Diz-se que a familiaridade gera a falta de res
peito. Sendo assim, Vasudeva, tendo Krsna como seu filho, não considera Krsna
com respeito e reverência. Às vezes se vê que as pessoas que vivem às margens do
Ganges não consideram o Ganges muito importante, e vão muito longe para toma
rem seus banhos em algum local de peregrinação. Como o Senhor Krsna, cujo
conhecimento nunca é inferior em nenhuma circunstância, está pessoalmente pre
sente, Vasudeva não tem necessidade de nos pedir instruções.
“O Senhor Krsna não é afetado pelo processo de criação, manutenção e aniqui-
lação; Seu conhecimento nunca é influenciado por nada além dEle mesmo. Ele não
é agitado pelas interações das qualidades materiais, que transformam as coisas à
mercê do tempo. Sua forma transcendental é plena de conhecimento que nunca se
agita por ignorância, orgulho, apego, inveja ou gozo dos sentidos. Seu conheci
mento nunca está sujeito às leis de karma no que se refere a atividades piedosas ou
ímpias, nem tampouco é influenciado pelos três modos da energia material. Nin
guém é superior ou igual a Ele, porque Ele é a autoridade suprema, a Personalidade
de Deus.
“O ser humano condicionado comum pode pensar que a alma condicionada, qüe é
coberta por seus sentidos, mente e inteligência materialistas, é igual a Krsna, mas o
Senhor Krsna é assim como o sol, que jamais é coberto pelas nuvens, neve ou
cerração, ou por outros planetas, embora às vezes pareça sê-lo. Quando os olhos de
homens menos inteligentes são cobertos por tais influências, eles pensam que o
sol é invisível. De modo semelhante, pessoas influenciadas pelos sentidos e vicia
das em desfrute material não podem ter uma visão clara da Suprema Personalidade
de Deus.”
Os sábios presentes começaram então a falar a Vasudeva na presença do Senhor
Krsna, Balarãma e muitos outros reis, e, conforme ele solicitara, eles deram suas
instruções: “Para neutralizar as reações do karma, ou os desejos que incitam às
atividades fruitivas, deve-se executar os sacrifícios prescritos que se destinam à
adoração do Senhor Visnu com fé e devoção. O Senhor Visnu é o beneficiário dos
resultados de todas as execuções sacrificatórias. Grandes personalidades e sábios
que são assaz experientes para possuir visão das três fases do elemento tempo, a saber,
passado, presente e futuro, e aqueles que são capazes de ver tudo claramente através
dos olhos das escrituras reveladas, recomendam unanimemente que, para purificar-
se da poeira de contaminação material acumulada no coração e para abrir o caminho
da liberação e desse modo atingir bem-aventurança transcendental, deve-se satisfa
zer ao Senhor Visnu. Para todos que vivem como chefes de família em uma das
diferentes ordens sociais (brãhmana, ksatriya e vaisya), esta adoração à Suprema
590 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
cujas vozes eram muito doces, entoaram muitas canções auspiciosas. Vasudeva
passou colírio em seus olhos, untou manteiga em seu corpo, e então, junto com suas
dezoito esposas, encabeçadas por Devakí, sentou-se diante dos sacerdotes para ser
purificado pela cerimônia abhiseka. Todas essas cerimônias eram observadas estri-
tamente de acordo com os princípios das escrituras, como era feito antigamente para
a lua com as estrelas. Porque iria ser iniciado para o sacrifício, Vasudeva estava
vestido com pele de veado, mas todas as suas esposas estavam vestidas com ótimos
saris, braceletes, colares, sinos de tornozelo, brincos e muitos outros ornamentos.
Vasudeva estava muito belo rodeado por suas esposas, exatamente como o rei do
céu quando este executa tais sacrifícios.
Naquela altura, quando o Senhor Krsna e o Senhor Balarãma, junto com Suas
esposas, filhos e parentes, sentaram-Se naquela grande arena sacrificatória, parecia
que a Suprema Personalidade de Deus estava presente junto com todas as entidades
vivas e múltiplas energias que são partes dEle. Ouvimos dos sãstras que o Senhor
Krsna tem múltiplas energias e partes integrantes, mas agora, naquela arena sacrifi
catória, todos podiam realmente experimentar como a Suprema Personalidade de
Deus existe etemamente com Suas diferentes energias. Naquele momento, o Senhor
Krsna apareceu como Senhor Nãrãyana, e o Senhor Balarãma apareceu como Sankar-
sana, o reservatório de todas as entidades vivas.
Vasudeva satisfez o Senhor Visnu executando diferentes tipos de sacrifícios, tais
como jyotistoma, darsa e pürnamãsa. Alguns desses yajnas são chamados prãkrta,
e alguns deles são conhecidos como saurya-satra e vaikria. Depois disso, os outros
sacrifícios, conhecidos como agnihotra, também foram executados, e os artigos
prescritos foram oferecidos da maneira adequada. Dessa maneira, o Senhor Visnu
ficou satisfeito. O objetivo último de se oferecer oblações em sacrifício é de satisfa
zer o Senhor Visnu. Mas, nesta era de Kali, é muito difícil reunir os diferentes
artigos necessários para oferecer sacrifícios. As pessoas não têm nem os meios para
reunir a parafernália necessária nem o conhecimento ou tendência necessários para
oferecer tais sacrifícios. Portanto, nesta era de Kali, em que a maioria das pessoas é
desventurada, cheia de ansiedades e perturbada por vários tipos de calamidades, o
único sacrifício recomendado é a execução de sankírtana-yajna. Adorar o Senhor
Caitanya através deste sanklrrana-yajha é o único processo recomendado nesta era.
Após a execução dos diferentes sacrifícios, Vasudeva ofereceu amplas riquezas,
roupas, ornamentos, vacas, terras e criadas aos sacerdotes. Depois disso, todas as
esposas de Vasudeva tomaram seus banhos avabhrtha e executaram a parte dos
deveres sacrificatórios conhecida como patni-sarhyãja. Após terminarem a oferenda
com toda a parafernália necessária, todas elas tomaram seus banhos juntas nos lagos
construídos por Parasurãma, que eram conhecidos como o Rãma-hrada. Depois que
Vasudeva e suas esposas tomaram seus banhos, todas as roupas e ornamentos que
eles usaram foram distribuídos às pessoas subordinadas que estavam ocupadas,em
cantar, dançar e em atividades semelhantes. Observemos que a execução de sacrifício
.592 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
adequadamente nem mesmo neste momento. Meu querido irmão, és tão bom e
amável que ofereces todo o respeito aos outros, mas não te interessas em receber
algum respeito para ti mesmo. Uma pessoa que procura progredir auspiciosamente
na vida não deve possuir opulência material em demasia, que só serve para fazê-la
cega e orgulhosa, mas deve tomar conta de seus amigos e parentes.”
Quando Vasudeva estava falando a Nanda Mahãrãja dessa maneira, ele foi tocado
por um grande sentimento de amizade e admiração por Nanda Mahãrãja e pelas
atividades benéficas executadas pelo rei Nanda em seu favor. Sendo assim, seus
olhos encheram-se de lágrimas e ele começou a chorar. Desejando agradar a seu
amigo Vasudeva e estando afetuosamente atado pelo amor ao Senhor Krsna e
Balarãma, Nanda Mahãrãja passou três meses na companhia deles. No final deste
período, todos os membros da dinastia Yadu tentaram satisfazer os habitantes de
Vrndãvana para alegria de seus corações. Os membros da dinastia Yadu tentaram
satisfazer Nanda Mahãrãja e seus companheiros oferecendo-lhes roupas, ornamen
tos e muitos outros artigos valiosos, e todos eles ficaram totalmente satisfeitos.
Vasudeva, Ugrasena, o Senhor Krsna, o Senhor Balarãma, Uddhava e todos os
outros membros da dinastia Yadu apresentaram seus presentes individuais a Nanda
Mahãrãja e seus companheiros. Depois que Nanda Mahãrãja recebeu esses presen
tes de despedida, ele, junto com seus companheiros, partiu para Vrajabhümi,
Vrndãvana. O pensamento dos habitantes de Vrndãvana permaneceu, entretanto,
com Krsna e Balarãma, e por isso todos eles partiram para Vrndãvana sem suas
mentes.
Quando os membros da família Vrsni viram todos os seus amigos e visitantes
partindo, eles observaram que a estação das chuvas se aproximava, e assim decidi
ram regressar a Dvãrakã. Eles estavam inteiramente satisfeitos, pois consideravam
Krsna como tudo. Quando regressaram a Dvãrakã, descreveram com grande satis
fação o sacrifício executado por Vasudeva, o encontro deles com vários amigos e
benquerentes e vários outros incidentes que ocorreram durante suas viagens pelos
tocais de peregrinação.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta
e Três de Krsna, intitulado “Cerimônias Sacrificatórias Executadas por
Vasudeva.
8 4 / Instrução espiritual a Yasudeva
e o Senhor Krsna
recupera os seis filhos mortos de Devakl
É costume védico que os membros mais novos da família devem oferecer respei
tos às pessoas mais velhas todas as manhãs. Os filhos ou os discípulos, especial
mente, devem oferecer seus respeitos aos pais ou ao mestre espiritual de manhã.
Seguindo este princípio védico, o Senhor Krsna e Balarãma costumavam oferecer
Suas reverências a Seu pai, Vasudeva, juntamente com suas esposas. Certo dia,
após ter regressado das execuções sacrificatórias em Kuruksetra, quando o Senhor
Krsna e Balarãma vieram oferecer Seus respeitos a Vasudeva, Vasudeva
aproveitou-se da oportunidade para apreciar a posição elevada de seus dois filhos.
Vasudeva teve a oportunidade de entender a posição de Krsna e Balarãma da parte
dos grandes sábios que haviam se reunido na arena do sacrifício. Ele não somente
ouviu dos sábios, mas também, em muitas ocasiões, realmente experimentou que
Krsna e Balarãma não eram seres humanos comuns, mas eram muito extraordiná
rios. Assim, ele acreditava nas palavras dos sábios de que seus fdhos Krsna e
Balarãma eram a Suprema Personalidade de Deus.
Com firme fé em seus filhos, ele Lhes falou assim: “Meu querido Krsna, Tu és a
Suprema Personalidade de Deus sac-cid-ãnanda-vigraha, e meu querido Balarãma,
Tu és Sankarsana, o senhor de todos os poderes místicos. Agora compreendo que
Vós sois eternos. Vós ambos sois transcendentais a esta manifestação material e a
sua causa, a Pessoa Suprema, Mahã-Visnu. Sois o controlador original de tudo.
Sois o apoio desta manifestação cósmica. Sois o criador dela e sois também seus
ingredientes criativos. Sois o senhor desta manifestação cósmica, e na verdade
esta manifestação é criada apenas para Vossos passatempos.
“As diferentes fases materiais que se manifestam do começo ao fim do cosmo sob
diferentes fórmulas de tempo também são Vós, porque Vós sois tanto a causa
quanto o efeito desta manifestação. Os dois aspectos deste mundo material, o
predominante e o subordinado, também são Vós, e Vós sois o supremo controlador
transcendental que está acima deles. Portanto, Vós estais além da percepção de
nossos sentidos. Sois a alma suprema, não-nascida e imutável. Não sois afetados
pelos seis tipos de transformação que ocorrem no corpo material. As variedades
maravilhosas deste mundo material também são criadas por Vós, e Vós entrais
como a Superalma em cada entidade viva e mesmo no átomo. Sois o mantenedor de
tudo.
“A força vital que funciona como o princípio vital em todas as coisas e a força
criativa derivada dela não atuam independentemente, mas são dependentes de Vós,
O Senhor Krsna recupera os filhos de Devaki 595
a Pessoa Suprema por trás dessas forças. Sem Vossa vontade, elas não podem
funcionar. A energia material não tem conhecimento. Eia não pode agir indepen
dentemente sem ser estimulada por Vós. Porque a natureza material depende de
Vós, as entidades vivas só podem tentar agir. Mas, sem Vossa sanção e vontade,
elas não podem executar nada nem atingir os resultados que desejam.
“A energia original é apenas uma emanação Vossa. Meu querido Senhor, o brilho
da lua, o calor do fogo, os raios do sol. o cintilar das estrelas e a descarga elétrica
manifestando-se como muito poderosa, bem como a gravidade das montanhas, a
energia da terra e a qualidade de seu sabor— todos são diferentes manifestações de
Vós. O gosto puro da água e a força vital que mantém toda a vida também são
aspectos de Vossa Onipotência. A água e seu gosto também são Vós.
“Meu querido Senhor, embora as forças dos sentidos, o poder mental de pensar,
querer e sentir, e a força, movimento e crescimento do corpo pareçam ser executa
dos por diferentes movimentos dos ares dentro do corpo, todos eles são, em última
análise, manifestações de Vossa energia. A vasta extensão do espaço exterior des
cansa em Vós. A vibração do céu, seu raio, o supremo som omküra e a disposição
de diferentes palavras para distinguir uma coisa de outra são representações simbó
licas de Vós. Vós sois tudo. Os sentidos, os controladores dos sentidos, os semideuses
e a aquisição de conhecimento que é o objetivo dos sentidos, bem como o tema do
conhecimento — tudo sois Vós. A resolução da inteligência e a memória aguda da
entidade viva também sois Vós. Sois o princípio egoísta na ignorância que é a causa
deste mundo material, o princípio egoísta da paixão que é a causa dos sentidos, e o
princípio egoísta da bondade que é a origem das diferentes deidades controladoras
deste mundo material. A energia ilusória, ou mãyã. que é a causa da transmigração
perpétua da alma condicionada de uma forma a outra, sois Vós.
“Minha querida Suprema Personalidade de Deus, sois a causa original de todas as
causas, exatamente como a terra é a causa original de diferentes tipos de árvores,
plantas e variedades semelhantes de manifestação. Assim como a terra está repre
sentada em tudo, da mesma forma, estais presente em toda esta manifestação
material como a Superalma. Sois a causa suprema de todas as causas, o princípio
eterno. Tudo é, de fato, manifestação de uma energia Vossa. As três qualidades da
natureza material — sattva, rojas e tomas — e o resultado de sua interação, estão
ligados a Vós através de Vossa atuação de yogamüyã. Elas são supostamente inde
pendentes, mas na verdade a energia material total apoia-se em Vós, a Superalma.
Já que sois a causa suprema de tudo, as interações de manifestação material —
nascimento, existência, crescimento, transformação, deterioração e aniquilação —
estão todas ausentes de Vós. Vossa energia suprema, vogo mãyã, age em manifes
tações variegadas, mas porque yogamüyã é Vossa energia, estais, portanto,
presente em tudo.”
Este fato é muito bem explicado no Nono Capítulo do Bhagavaci-gitã, onde o
Senhor diz: “Sob Minha forma impessoal Eu Me espalho por toda a energia material;
O Senhor Krsna recupera os Filhos de Devakí 595
a Pessoa Suprema por trás dessas forças. Sem Vossa vontade, elas não podem
funcionar. A energia material não tem conhecimento. Ela não pode agir indepen
dentemente sem ser estimulada por Vós. Porque a natureza material depende de
Vós, as entidades vivas só podem tentar agir. Mas, sem Vossa sanção e vontade,
elas não podem executar nada nem atingir os resultados que desejam.
“A energia original é apenas uma emanação Vossa. Meu querido Senhor, o brilho
da lua, o calor do fogo, os raios do sol, o cintilar das estrelas e a descarga elétrica
manifestando-se como muito poderosa, bem como a gravidade das montanhas, a
energia da terra e a qualidade de seu sabor— todos são diferentes manifestações de
Vós. O gosto puro da água e a força vital que mantém toda a vida também são
aspectos de Vossa Onipotência. A água e seu gosto também são Vós.
'‘Meu querido Senhor, embora as forças dos sentidos, o poder mental de pensar,
querer e sentir, e a força, movimento e crescimento do corpo pareçam ser executa
dos por diferentes movimentos dos ares dentro do corpo, todos eles são, em última
análise, manifestações de Vossa energia. A vasta extensão do espaço exterior des
cansa em Vós. A vibração do céu, seu raio, o supremo som omkãra e a disposição
de diferentes palavras para distinguir uma coisa de outra são representações simbó
licas de Vós. Vós sois tudo. Os sentidos, os controladores dos sentidos, os semideuses
e a aquisição de conhecimento que é o objetivo dos sentidos, bem como o tema do
conhecimento-—tudo sois Vós. A resolução da inteligência e a memória aguda da
entidade viva também sois Vós. Sois o princípio egoísta na ignorância que é a causa
deste mundo material, o princípio egoísta da paixão que é a causa dos sentidos, e o
princípio egoísta da bondade que é a origem das diferentes deidades controladoras
deste mundo material. A energia ilusória, ou mãyã, que é a causa da transmigração
perpétua da alma condicionada de uma forma a outra, sois Vós.
“Minha querida Suprema Personalidade de Deus, sois a causa original de todas as
causas, exatamente como a terra é a causa original de diferentes tipos de árvores,
plantas e variedades semelhantes de manifestação. Assim como a terra está repre
sentada em tudo, da mesma forma, estais presente em toda esta manifestação
material como a Superalma. Sois a causa suprema de todas as causas, o princípio
eterno. Tudo é, de fato, manifestação de uma energia Vossa. As três qualidades da
natureza material— satrva, rajus e [amas— e o resultado de sua interação, estão
ligados a Vós através de Vossa atuação de yogamãyã. El.as são supostamente inde
pendentes, mas na verdade a energia material total apoia-se em Vós, a Superalma.
Já que sois a causa suprema de tudo, as interações de manifestação material —
nascimento, existência, crescimento, transformação, deterioração c aniquilação —
estão todas ausentes de Vós. Vossa energia suprema, yogamãyã, age em manifes
tações variegadas, mas porque yogamãyã é Vossa energia, estais, portanto,
presente em tudo.”
Este fato é muito bem explicado no Nono Capítulo do Bhagavad-gílã, onde o
Senhor diz: “Sob Minha forma impessoal Eu Me espalho por toda a energia material;
596 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
tudo apoia-se em Mim, mas Eu não estou lá.” Esta mesma declaração também foi
feita por Vasudeva. Dizer que o Senhor não está presente em toda a parte significa
que Ele está à parte de tudo, embora Sua energia atue em toda a parte. Isto pode ser
entendido através de um exemplo cru: em um grande estabelecimento, a energia, ou
a organização do patrão supremo, funciona nos quatro cantos do negócio, mas isso
não significa que o proprietário original esteja presente ali. Embora em todo depar
tamento e em toda atmosfera o trabalhador sinta a presença do proprietário, a
presença física do proprietário em todo departamento é apenas uma formalidade. Na
verdade, sua energia influencia em toda a parte. Analogamente, a onipresença da
Suprema Personalidade de Deus é sentida na ação de Suas energias. Portanto, a
filosofia de inconcebível e simultânea unidade com o Senhor Supremo e diferen
ciação dEle é confirmada em toda a parte. O Senhor é um, mas Suas energias são
diversas.
Vasudeva disse: “Este mundo material é como um grande rio a correr, cujas
ondas são os três modos materiais da natureza— bondade, paixão e ignorância. Este
corpo material, bem como os sentidos, as faculdades de pensar, sentir e querer e as
fases de aflição, felicidade, apego e luxúria — todos são diferentes produtos dessas
três qualidades da natureza. O tolo que não pode compreender Vossa identidade
transcendental acima de todas estas reações materiais continua no enredamento da
atividade fruítiva e está sujeito ao processo contínuo de nascimento e morte, sem
possibilidade de se libertar.”
Isto também é confirmado de maneira diferente pelo Senhor no Quarto Capítulo
do Bkagavad-gilã. Ali se diz que qualquer pessoa que conheça o aparecimento e
atividades do Supremo Senhor Krsna livra-se das garras da natureza material e volta
ao lar, volta ao Supremo. Portanto, o nome, a forma, as atividades e qualidades
transcendentais de Krsna não são produtos desta natureza material.
“Meu querido Senhor,” continuou Vasudeva, “apesar de todos esses defeitos da
alma condicionada, se alguém de alguma forma entra em contato com o serviço
devocional, atinge a civilizada forma de corpo humano com consciência desenvolvida
e desse modo toma-se capaz de avançar mais em serviço devocional. E todavia,
iludidas pela energia externa, geralmente as pessoas não utilizam esta vantagem da
forma humana de vida. Assim, elas perdem a oportunidade de liberdade eterna e
desnecessariamente arruinam o progresso que vinham fazendo após milhares de
nascimentos.
“No conceito corpóreo da vida, a pessoa é apegada à progêníe do corpo, devido
ao falso egoísmo, e todos na vida condicionada são enredados por relações falsas e
afeição falsa. O mundo inteiro gira sob esta falsa impressão de cativeiro material.
Eu sei que nenhum de Vós é meu fiHio; sois o chefe e progenitor originais, as
Personalidades, de Deus, conhecidos como Pradhãna e Purusa. Mas aparecestes na
superfície deste globo para reduzir a carga do mundo, matando os reis ksatriyas que
estão desnecessariamente aumentando sua força militar. Já me informastes sobre
O Senhor Krsna recupera os filhos de Devakí 597
isso no passado. Meu querido Senhor, sois o abrigo da alma rendida, o benquerenie
supremo dos mansos e humildes. Estou, portanto, me refugiando a Vossos pés de
lótus, que sozinhos podem dar-nos libertação do enredamento da existência
material.
. “Por muito tempo tenho simplesmente pensado que sou este corpo, e embora
sejais a Suprema Personalidade de Deus, eu Vos considero meu filho. Meu querido
Senhor, no mesmo momento em que aparecestes primeiramente na prisão de
Kamsa, fui informado de que éreis a Suprema Personalidade de Deus e que desces
tes para proteger os princípios da religião, como também para destruir os infiéis.
Embora sejais não-nascido, desceis a cada milênio para executar Vossa missão.
Meu querido Senhor, assim como no céu há muitas formas que aparecem e desapa
recem, da mesma forma, Vós também apareceis e desapareceis em muitas formas
eternas. Quem, portanto, pode entender Vossos passatempos ou o mistério de
Vosso aparecimento e desaparecimento? Nossa única ocupação deveria ser glorifi
car Vossa grandeza suprema.'”
Enquanto Vasudeva falava dessa maneira a seus divinos filhos, o Senhor Krsna e
Balarãma sorriam. Porque são muito afetuosos com Seus devotos, Eles aceitaram
toda a apreciação de* Vasudeva com uma atitude amavelmente sorridente. Krsna
então confirmou todas as declarações de Vasudeva da seguinte maneira: “Meu caro
pai, não importa o que digas: Nós somos, afinal de contas, teus filhos. O que
disseste sobre Nós é certamente uma compreensão altameme filosófica do conheci
mento espiritual. Eu aceito isso integralmente, sem exceção.”
Vasudeva atingira perfeição completa da vida ao considerar o Senhor Krsna e
Balarãma como seus filhos, mas, porque os sábios reunidos no local de peregri
nação em Kuruksetra haviam falado sobre o Senhor como sendo a causa suprema de
tudo, Vasudeva simplesmente repetiu isso devido a seu amor por Krsna e Balarãma.
O Senhor Krsna não queria diminuir Seu relacionamento com Vasudeva como pai e
filho; portanto, logo no começo de Sua resposta Ele aceitou o fato de que é o filho
eterno de Vasudeva e que Vasudeva é o pai eterno de Krsna. Depois disso, o Senhor
Krsna informou a Seu pai sobre a identidade espiritual de todas as entidades vivas.
Ele continuou: “Meu querido pai, todos, inclusive Eu e Meu irmão Balarãma, como
também os habitantes da cidade de Dvãrakã e de toda a manifestação cósmica, são
exatamente como acabas de explicar, mas todos nós também somos qualitativa
mente iguais.”
O Senhor Krsna pretendia que Vasudeva visse tudo com a visão de um mahã-
bhãgavata, um devoto de primeira classe, que vê que todas as entidades vivas são
partes integrantes do Senhor Supremo e que o Senhor Supremo está situado no
coração de todos. De fato, toda entidade viva tem sua identidade espiritual, mas, em
contato com a existência material, ela se toma influenciada pelos modos materiais da
natureza. Ela se toma coberta pelo conceito de vida corpórea, esquecendo-se de
que sua alma espiritual é da mesma qualidade que a Suprema Personalidade de
598 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
que é a fonte de toda esta criação, é simplesmente uma expansão de Tua porção
plenária, A criação, manutenção e aniquilação desta manifestação cósmica são
efetuadas unicamente por Tua porção plenária. Portanto, eu me refugio em Ti sem
nenhuma reserva. Ouvi dizer que quando quiseste recompensar Teu mestre, Sãndi-
pani Muni, e ele Te pediu que recuperasses seu filho morto, Tu e Balarâma imedia
tamente o trouxestes da custódia de Yamarãja, embora ele estivesse morto há muito
tempo. Por este ato, compreendo que Tu és o senhor supremo de todos os yogís
místicos. Portanto, peço-Te que satisfaças meu desejo da mesma maneira. Em
outras palavras, peço-Te que tragas de volta todos os meus filhos que foram mortos
por Kamsa; quando Tu mos trouxeres, meu coração ficará contente, e para mim será
um grande prazer vê-los mesmo que só uma vez mais.”
Após ouvir Sua mãe falar dessa maneira, o Senhor Balarâma e Krsna imediata-
mente invocaram a assistência de yogamãyã e partiram para o sistema planetário
inferior conhecido como Sutala. Anteriormente, em Sua encarnação como Vãmana,
a Suprema Personalidade de Deus fora satisfeita pelo rei dos demônios, Bali Mahã-
rãja, que doou-Lhe tudo que possuía. Bali Mahãrãja recebeu então todo o sistema
Sutala para sua residência e reino. Agora, quando este grande devoto, Bali Mahã
rãja, viu que o Senhor Balarâma e Krsna tinham vindo a seu planeta, ele imediata
mente mergulhou num oceano de felicidade. Assim que viu o Senhor Krsna e
Balarâma em sua presença, ele e todos os seus familiares levantaram-se de seus
assentos e prostraram-se aos pés de lótus do Senhor. Bali Mahãrãja ofereceu ao
Senhor Krsna e Balarâma o melhor assento que tinha em sua posse, e quando ambos
os Senhores sentaram-Se confortavelmente, ele começou a lavar-Lhes os pés de
lótus. Depois, borrifou a água sobre sua cabeça e sobre as cabeças de seus familia
res. A água usada para lavar os pés de lótus de Krsna e Balarâma pode purificar
mesmo os maiores semideuses, tais como o Senhor Brahmã.
Depois disso. Bali Mahãrãja trouxe roupas valiosas, ornamentos, polpa de sân:
dalo, nozes de betei, lamparinas e vários alimentos nectáreos, e, junto com seus
familiares, ele adorou o Senhor de acordo com os princípios regulativos e ofereceu
suas riquezas e corpo aos pés. de lótus do Senhor. O rei Bali estava sentindo um
prazer transcendental tão grande que repetidamente agarrava os pés de lótus do
Senhor e os mantinha sobre seu peito, e às vezes ele os colocava em cima de sua
cabeça. Dessa maneira, estava sentindo bem-aventurança transcendental. Lágrimas
de amor e afeição começaram a descer de seus olhos, e todos os seus pelos
arrepiaram-se. Ele começou a oferecer orações aos Senhores com uma voz que se
sufocava intermitentemente.
“Meu Senhor Balarâma, Vós sois o Anantadeva originai. Sois tão grandioso que
Anantadeva Sesa e outras formas transcendentais emanam originalmente de Vós e
do Senhor Krsna. Sois a Personalidade de Deus original e Vossa forma etema é
todo-bem-aventurada e plena de conhecimento completo. Sois o criador do mundo
inteiro. Sois o iniciador e expositor original dos sistemas de jhãna-yogci e bhakti-yogu.
600 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Depois que eles partiram, Devakí ficou espantada de ver que seus filhos monos
haviam voltado e tinham novamente sido transferidos para seus respectivos plane
tas. Ela só pôde concatenar esses eventos pensando nos passatempos do Senhor
Krsna, em que, devido às potências do Senhor Krsna que são todas inconcebíveis,
qualquer coisa maravilhosa pode ser executada. Sem aceitar as ilimitadas e inconce
bíveis potências do Senhor, não se pode entender que o Senhor Krsna é a Alma
Suprema. Através de Suas potências ilimitadas, Ele executa passatempos ilimita
dos, e ninguém pode descrevê-los inteiramente, nem pode ninguém conhecê-los a
todos. Süta Gosvãml, falando o Srimad-Bhãgavatam diante dos sábios de Naimisã-
ranya, encabeçados por Saunaka Rsi, deu seu veredíto a este respeito da seguinte
maneira.
“Grandes sábios, por favor, compreendei que os passatempos transcendentais do
Senhor Krsna são todos eternos. Não são narrações ordinárias de ocorrências histó
ricas. Essas narrações são idênticas à própria Suprema Fersonalidade de Deus.
Qualquer pessoa, portanto, que ouça essas narrações dos passatempos do Senhor
livra-se imediatamente da contaminação da existência material. E aqueles que são
devotos puros desfrutam dessas narrações como se fossem néctar entrando por seus
ouvidos.” Essas narrações foram descritas por Sukadeva Gosvãmi, o elevado filho
de Vyãsadeva, e qualquer pessoa que as ouça, bem como qualquer pessoa que as
descreva para outros ouvirem, toma-se consciente de Krsna. E apenas as pessoas
conscientes de Krsna são elegíveis para voltar ao lar. voltar ao Supremo.
Após ouvir este incidente, o rei Paríksit ficou mais curioso por ouvir sobre
Krsna e Seus passatempos, e assim ele perguntou a Sukadeva Gosvãml como sua
avó Subhadrã foi raptada por seu avô Arjuna ao ser este instigado pelo Senhor
Krsna. O rei Paríksit estava muito ávido por aprender sobre o rapto feito por seu avô
e o casamento de sua avó.
Então, Sukadeva Gosvãml começou a narrar a história da seguinte maneira:
"Certa vez, teu avô Arjuna, o grande herói, estava visitando vários locais santos de
peregrinação, e enquanto viajava assim por toda a parte aconteceu de ele chegar a
Prabhãsaksetra. Em Prabhãsaksetra, ele ouviu a notícia de que o Senhor Balarãma
estava agenciando o matrimônio de Subhadrã, a filha de Vasudeva, o tio materno de
Arjuna. Embora seu pai, Vasudeva, e seu irmão, Krsna, não estivessem de acordo
com Ele, Balarãma era a favor de casar Subhadrã com Duryodhana. Arjuna, entre
tanto, desejava obter a mão de Subhadrã em casamento.”
A medida que pensava em Subhadrã e sua beleza, Arjuna ficava cada vez mais
cativado pela idéia de casar-se com ela, e, com um plano em mente, ele vestiu-se
como um sannyãst Vaisnava, carregando uma tridanda em sua mão. Os sannyãsis
Mãyãvãdls aceitam uma danda, ou uma vara, ao passo que os sannyãsis Vaisnavas
aceitam três dandas, ou três varas. Os três bastões, ou tridanda. indicam que um
sannyãsl Vaisnava promete prestar serviço à Suprema Personalidade de Deus com o
corpo, a mente e as palavras. O sistema de tridanda-sannyãsa tem existido há muito
tempo, e os sannyãsis Vaisnavas são chamados de iridandí, ou às vezes tridandl•
svãmTs, ou tridandí-gosvãmis.
De um modo geral, os sannyãsis destinam-se a viajar por todo o país, ocupados
em trabalho de pregação, mas, durante os quatro meses da estação das chuvas na
índia, de setembro a dezembro, eles não viajam, mas se abrigam em um lugar e
ali permanecem sem se mover. Este não-movimento do sannyãst chama-se
Cãturmãsya-vrata. Quando um sannyãsl fica em um local por quatro meses, os
habitantes locais daquele lugar tiram proveito de sua presença para avançar espiri
tualmente. Arjuna, vestido de tridandí-sannyãsi, permaneceu na cidade de Dvãrakã
por quatro meses, tendo tramado um plano através do qual podería obter Subhadrã
como sua esposa. Os habitantes de Dvãrakã, como também o Senhor Balarãma, não
puderam reconhecer que o sannyãsl era Arjuna; portanto, todos eles ofereceram
suas respeitosas reverências ao sannyãsl, sem conhecer-lhe a verdadeira situação.
Certo dia, o Senhor Balarãma convidou este sannyãst particular a almoçar em
Sua casa. Balarãmajl muito respeitosamente ofereceu-lhe todos os tipos de pratos
saborosos, e o dito sannyãsl comia suntuosamente. Enquanto comia na casa de
604 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Bularãmaji, Arjuna simplesmente olhava para a bela Subhadrã, que era muito en
cantadora mesmo para grandes heróis e reis. Tomado de amor por ela, os olhos de
Arjuna brilhavam, e ele olhava para ela com olhos cintilantes. Arjuna decidira que
de qualquer forma obteria Subhadrã como sua esposa, e sua mente ficou agitada por
causa deste forte desejo.
O próprio Arjuna, o avô de Mahãrãja Pariksit, era extraordinariamente belo, e
sua estrutura corpórea era muitíssimo atrativa para Subhadrã, a qual também deci
diu dentro de si que somente aceitaria Arjuna como seu esposo. Sendo uma moça
simples, ela sorria com grande prazer, olhando para Arjuna. Assim, Arjuna também
ficava cada vez mais atraído por ela. Dessa maneira, Subhadrã dedicava-se a
Arjuna, e ele resolveu casar-se com ela de qualquer modo. Então, ele absorveu-se
vinte-e-quatro horas por dia em pensar como podería obter Subhadrã como sua
esposa. Estava angustiado com o pensamento de conquistar Subhadrã, e não tinha
um momento de paz de espírito.
Certa feita, Subhadrã, sentada em uma quadriga, saiu do palácio do forte para ver
os deuses no templo. Arjuna aproveitou-se desta oportunidade, e, com a permissão
de Vasudeva e Devakl, ele a raptou. Após subir na quadriga de Subhadrã, ele
preparou-se para uma luta. Tomando de seu arco e conservando a distância com
suas flechas os soldados que tinham sido enviados para contê-lo, Arjuna levou
Subhadrã embora. Enquanto Subhadrã estava sendo assim raptada por Arjuna, seus
parentes e familiares começaram a chorar, mas mesmo assim ele a levou, assim
como um leão pega sua presa e vai-se embora. Quando comunicaram ao Senhor
Balarãma que o dito sannyãsi era Arjuna, que tramara este plano simplesmente para
raptar Subhadrã, e que ele realmente a raptara, Ele ficou muito irado. Assim como
as ondas do oceano ficam agitadas num dia de lua cheia, o Senhor Balarãma ficou
perturbadíssimo.
O Senhor Krsna estava a favor de Arjuna; portanto, junto com os outros membros
da família, Ele tentou acalmar Balarãma, caindo a Seus pés e pedindo-Lhe que
perdoasse Arjuna. O Senhor Balarãma foi então convencido de que Subhadrã era
apegada a Arjuna, e ficou satisfeito de saber que ela queria Arjuna como esposo. O
assunto foi resolvido, e, para satisfazer os recém-casados, o Senhor Balarãma
providenciou que mandassem um dote, que consistia de inumeráveis riquezas,
elefantes, quadrigas, cavalos, servos e criadas.
Mahãrãja Pariksit estava muito ansioso por ouvir mais sobre Krsna, e assim, após
terminar de narrar o rapto de Subhadrã por Arjuna, Sukadeva Gosvãml começou a
narrar outra história, como segue.
Havia um brãhmana chefe de família na cidade de Mithilã, a capital do reino de
Videha. Este brãhmana, cujo nome era Srutadeva, era um grande devoto do Senhor
Krsna. Por ser inteiramente consciente de Krsna e estar sempre ocupado em serviço
ao Senhor, ele estava com a mente completamente pacífica e desapegado de toda a
atração material. Era muito erudito e não tinha outro desejo além do de estar
O rapto de Subhadrã 605
“Meu querido Senhor, Vós sois a Superalma de todas as entidades vivas e, corno
testemunha dentro do coração, sois conhecedor das atividades de todos. Sendo
assim, estando obrigados, sempre pensamos em Vossos pés de lótus para que
possamos permanecer numa posição segura e não desviemos de Vosso serviço
eterno. Como resultado de nossa lembrança contínua de Vossos pés de lótus, bon
dosamente visitastes minha casa em pessoa para agraciar-me com Vossa misericórdia
sem causa. Temos ouvido, meu querido Senhor, que. segundo várias afirmações
Vossas, Vós confirmais que Vossos devotos puros são-Vos mais queridos que o
Senhor Balarãma ou Vossa serva constante, a deusa da fortuna. Vossos devotos
são-Vos mais queridos que Vosso primeiro filho, o Senhor Brahmã. e estou certo de
que tão bondosamente viestes visitar meu lar a fim de provar Vossa afirmação
divina. Não posso imaginar como as pessoas podem ser ateístas e demoníacas
mesmo após saberem de Vossa misericórdia sem causa e afeição por Vossos devo
tos que estão constantemente ocupados em consciência de Krsna. Como podem elas
esquecer-se de Vossos pés de lótus?
“Meu querido Senhor, nós sabemos que Vós sois tão bondoso e liberal que
quando uma pessoa deixa tudo apenas para ocupar-se em consciência de Krsna, Vós
às vezes Vos dais a Vós mesmo em troca deste serviço imaculado. Vós apareceis na
dinastia Yadu para cumprir Vossa missão de redimir todas as almas condicionadas '
que estão apodrecendo nas atividades pecaminosas da existência material, e este
aparecimento já é famoso em todo o mundo. Meu querido Senhor, sois o oceano de
misericórdia, amor e afeição ilimitados. Vossa forma transcendental é plena de
bem-aventurança, conhecimento e eternidade. Podeis atrair o coração de todos
através de Vossa bela forma como Syãmasundara, Krsna. Vosso conhecimento é
ilimitado, e para ensinar a todas as pessoas a como executar serviço devocional,
Vós enviais Vossa encarnação Nara-Nãrãyana, que está praticando austeridades e
penitências severas em Badarinãrãyana. Portanto, por favor, aceitai minhas humil
des reverências a-Vossos pés de lótus. Meu querido Senhor, tomo a liberdade de
pedir-Vos e a Vossos companheiros, os grandes sábios e brãhmcjnus, que perma
neçam em minha casa para que esta família do famoso rei Nimi seja santificada pela
poeira de Vossos pés de lótus pelo menos por alguns dias.” O Senhor Krsna não
pôde negar o pedido de Seu devoto, e assim permaneceu ali por alguns dias com os
sábios para santificar a cidade de Mithilã c todos os seus cidadãos.
Enquanto isso, o brãhmana, simultaneamente recebendo o Senhor Krsna e Seus
companheiros em sua casa, encheu-se de transcendental alegria. Após oferecer
assentos confortáveis para seus convidados sentarem, o brãhmunu começou a dan
çar, envolvendo seu corpo com um manto. Como não fosse absolutamente rico,
Srutadeva ofereceu apenas colchões, tamancos de madeira, tapetes de palha e assim
por diante para seus distintos convidados, o Senhor Krsna e os sábios, mas deu-lhes
suas boas-vindas o melhor que pôde. Ele falou muito elevadamente do Senhor e dos
sábios, e ele e sua esposa lavaram os pés de cada um deles. Depois disso, ele pegou
608 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
vivas foram criadas em algum momento. Assim como as partículas brilhantes dos
raios do sol sempre existem com o sol, as entidades vivas existem etemamente
como partes integrantes da Suprema Personalidade de Deus. As almas condiciona
das, embora existam etemamente como panes do Senhor Supremo, às vezes são
postas dentro da nuvem dos conceitos materiais de vida, na escuridão da ignorância.
Todo o processo védico está nisso: aliviar essa condição escurecida. Em última
análise, quando os sentidos e a mente do ser condicionado se purificam totalmente,
ele então chega à posição original, chamada consciência de Krsna, e isto é liberação.
No Vedãnta-sütra, no primeiro sütra, ou código, questiona-se sobre a Verdade
Absoluta. Athãto brahma-jijnãsã: qual é a natureza da Verdade Absoluta? O sütra
seguinte responde que a natureza da Verdade Absoluta é que Ele é a origem de tudo.
Tudo o que experimentamos, mesmo nestas condições de vida material, é apenas
emanação dEle. A Verdade Absoluta criou a mente, os sentidos e a inteligência,
ísto significa que a Verdade Absoluta não é destituída de mente, inteligência e
sentidos. Em outras palavras, Ele não é impessoal. A própria palavra “criou”
significa que Ele tem inteligência transcendental. Por exemplo, quando um pai gera
um filho, o filho tem sentidos porque o pai também tem sentidos. O filho nasce com
mãos e pernas porque o pai também tem mãos e pernas. As vezes se diz que o
homem foi feito à imagem de Deus. A Verdade Absoluta é, portanto, a Personali
dade de Deus, com mente, sentidos e inteligência transcendentais. Quando nossa
mente, inteligência e sentidos se purificam da contaminação material, podemos
compreender o aspecto original da Verdade Absoluta como uma pessoa.
O processo védico consiste em promover a alma condicionada gradualmente do
modo da ignorância para o modo da paixão e do modo da paixão para o modo da
bondade. No modo da bondade há luz suficiente para se compreender as coisas tais
como elas são. Por exemplo, a árvore nasce da terra, e da madeira da árvore
acende-se o fogo. Neste processo ignígero, primeiramente encontramos fumaça, a
fase seguinte é o calor e a seguinte, o fogo. Quando surge realmente o fogo,
podemos utilizá-lo para vários propósitos; portanto, o fogo é a meta final. Analoga
mente, na fase material grosseira de vida a qualidade da ignorância é muitíssimo
proeminente. A dissipação desta ignorância ocorre no processo gradual de civili
zação, desde a fase bárbara até a vida civilizada, e quando chegamos à forma de
vida civilizada, considera-se que estamos no modo da paixão. Na fase bárbara, ou
no modo da ignorância, os sentidos são satisfeitos de maneira muito crua, ao passo
que no modo da paixão, ou na vida civilizada, os sentidos são satisfeitos de maneira
polida. Mas, ‘quando somos promovidos ao modo da bondade, podemos compre
ender que os sentidos e a mente estão ocupados em atividades materiais apenas
devido a estarem cobertos pela consciência pervertida. Quando esta consciência
pervertida transformar-se graduaimente em consciência de Krsna, então o caminho
da liberação estará aberto. De modo que não é verdade que uma pessoa não é capaz
616 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Mas, a alma individual, desde o Senhor Brahmã até a formiga, manifesta sua
potência espiritual de acordo com seu corpo atual. Os semideuses estão na mesma
categoria que as almas individuais nos corpos de seres humanos ou nos corpos de
animais inferiores. Pessoas inteligentes, portanto, não adoram diferentes semideu
ses, que são simplesmente representantes infinitesimais de Krsna manifestos em
corpos condicionados. A alma individual pode manifestar seu poder apenas em
proporção com a configuração e constituição do corpo. A Suprema Personalidade
de Deus, contudo, pode manifestar Suas potências completas em qualquer configu
ração ou forma sem nenhuma alteração. A tese dos filósofos MãyãvãdTs de que Deus
e a alma individual são a mesma coisa não pode ser aceita porque a alma individual
tem que desenvolver seu poder de acordo com o desenvolvimento de diferentes
tipos de corpos. A alma individual no corpo de um bebê não pode mostrar o poder
pleno de um adulto, mas a Suprema Personalidade de Deus, Krsna, mesmo quando
esteve deitado no colo de Sua mãe como bebê, pôde manifestar toda a Sua potência
matando Putanã e outros demônios que tentaram atacá-10. Assim, se diz que a
potência espiritual da Suprema Personalidade de Deus é eka-rasa, ou sem alteração.
Portanto, a Suprema Personalidade de Deus é o único objeto adorável, e isto é de
perfeito conhecimento das pessoas que não são contaminadas pela força da natureza
material. Em outras palavras, somente as almas liberadas podem adorar a Suprema
Personalidade de Deus. Os Mãyãvãdis menos inteligentes adotam a adoração aos
semideuses, achando que os semideuses e a Suprema Personalidade de Deus estão
no mesmo nível.
Os Vedas personificados continuaram a oferecer suas reverências. “Querido
Senhor,” rezaram eles, “após muitos e muitos nascimentos, aqueles que real
mente se tomam sábios adotam a adoração a Vossos pés de lótus com conhecimento
com pleto.” Isto também é confirmado no Bhagavad-gltã, onde o Senhor diz que
após muitos e muitos nascimentos, uma grande alma, ou mahãtmã, rende-se ao
Senhor, sabendo bem que Vãsudeva, Krsna. é a causa de todas as causas. Os Vedas
continuaram: “Como já se explicou, uma vez que a mente, a inteligência e os
sentidos nos foram dados por Deus, quando esses instrumentos são realmente puri
ficados não há alternativa além de ocupá-los todos em serviço devocional ao
Senhor. O enredamemo da entidade viva em diferentes espécies de vida deve-se à
má aplicação de sua mente, inteligência e sentidos em atividades materiais. Vários
tipos de corpos são conferidos como resultado das ações da entidade viva, e são
criados pela natureza material segundo o desejo da entidade viva. Porque a entidade
viva deseja e merece um tipo particular de corpo, ele lhe é dado pela natureza
material sob a ordem do Senhor Supremo.
No Terceiro Canto do Srímad-Bhãgavatam se explica que, sob o controle de
autoridade superior, a entidade viva é posta dentro do sêmen de um macho e
injetada no ventre de uma fêmea particular a fim de desenvolver um tipo de corpo
particular. A entidade viva utiliza seus sentidos, inteligência, mente e assim por
Orações dos Vedas personificados 629
Portanto, meu querido Senhor, por favor, ordenai que eu Vos preste serviço amo
roso para que eu possa novamente ser alçado a minha posição original de bem-
aventurança transcendental.”
Grandes personalidades compreendem que a entidade viva, enredada neste
mundo material, não pode se libertar através de seus próprios esforços. Com firme fé
e devoção, essas grandes personalidades ocupam-se em prestar transcendental ser
viço amoroso ao Senhor. Este é o veredito dos Vedas personificados.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, é muito difícil alcançar
conhecimento perfeito da Verdade Absoluta. Vossa Onipotência é tão bondoso para
com as almas caídas que aparece em diferentes encarnações e executa diferentes
atividades. Vós apareceis inclusive como uma personalidade histórica deste mundo
material, e Vossos passatempos são muito bem descritos nas literaturas védicas.
Tais passatempos são tão atrativos como um oceano de bem-aventurança transcen
dental. As pessoas em geral têm uma inclinação natural a ler narrações em que jívas
ordinárias são glorificadas, mas quando ficam cativadas pelas literaturas védicas
que delineiam Vossos passatempos eternos, elas realmente mergulham no oceano
de bem-aventurança transcendental. Assim como um homem fatigado sente alívio
ao mergulhar numa piscina dágua, da mesma forma a alma condicionada que está
muito desgostosa com as atividades materiais alivia-se e se esquece de toda a fadiga
das atividades materiais simplesmente por mergulhar no oceano transcendental de
Vossos passatempos. E eventualmente ela imerge no oceano de bem-aventurança
transcendental. Os inteligentíssimos devotos, portanto, não adotam nenhum meio
de auto-realização exceto o serviço devocional e a ocupação constante num dos
nove diferentes processos dc vida devocional, especialmente ouvir e cantar.
Quando ouvem e cantam sobre Vossos passatempos transcendentais, Vossos devo
tos não ügam nem mesmo para a bem-aventurança transcendental obtida pela libe
ração ou pela fusão na existência do Supremo. Tais devotos não se interessam nem
mesmo pela assim chamada liberação, e certamente não têm interesse em atividades
materiais para elevação a planetas celestiais em troca de gozo dos sentidos. Os
devotos puros buscam apenas a companhia de paramahamsas, ou grandes devotos
liberados, para que possam continuamente ouvir e cantar sobre Vossas glórias. Com
este objetivo, os devotos puros estão dispostos a sacrificar todos os confortos da
vida, inclusive a abandonar os confortos materiais, da vida familiar e dos chamados
sociedade, amizade e amor. Aqueles, que provaram o néctar da devoção, saboreando
a vibração transcendental de cantar Vossas glórias, Hare Krsna, Hare Krsna, Krsna
Krsna, Hare Hare/ Hare Rãma, Hare Rãma, Rãma Rama, Hare Hare, não ligam
para nenhuma outra bem-aventurança espiritual ou para confortos materiais, que o
devoto puro considera menos importantes que a palha na rua.”
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, quando uma pessoa é
capaz de purificar sua mente, sentidos e inteligência ocupando-se em serviço devo
cional em consciência de Krsna plena, sua mente toma-se sua amiga. Caso contrário,
Orações dos Vedas personificados 631
sua mente é sempre sua inimiga. Quando a mente se ocupa no serviço devocional ao
Senhor, ela se toma amiga íntima da entidade viva porque a mente pode, então,
pensar sempre no Senhor Supremo. Vossa Onipotência é etemamente querido para
a entidade viva, de modo que, quando a mente se dedica a pensarem Vós, imediata-
mente sentimos a grande satisfação pela qual temos ansiado vida após vida. Quando
nossa mente se fixa assim nos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus, não
adotamos nenhum tipo de adoração inferior ou processo inferior de auto-reaüzação.
Por tentar adorar um semídeus ou por adotar qualquer outro processo de auto-
realização, a entidade viva toma-se vítima do ciclo de nascimentos e mortes, e
ninguém pode avaliar o quanto a entidade vtva se degrada, entrando nas espécies t
abomináveis de vida, tais como de gatos e cães.”
Sri Narottama dãsa Thãkura canta que as pessoas que não adotam o serviço
devocional ao Senhor mas são atraídas pelo processo de especulação filosófica e
atividades fruitivas bebem os resultados venenosos de tais ações. Tais pessoas são
forçadas a nascer em diferentes espécies de vida e são forçadas a adotar práticas
nocivas como comer de carne e intoxicar-se. De um modo geral, as pessoas materia
listas adoram o corpo material transitório e se esquecem do bem-estar da alma
espiritual dentro do corpo. Algumas se refugiam na ciência materialista para melho
rar os confortos corpóreos, e .outras adotam a adoração .a semideuses para serem
promovidas aos planetas celestiais. Sua meta na vida é dar conforto ao corpo
material enquanto se esquecem do interesse da alma espiritual. Tais pessoas são
descritas na literatura védica na categoria de suicidas porque o apego ao corpo
material e a seus confortos força a entidade viva a vaguear na cadeia de nascimentos
e mortes perpetuamente e sofrer as misérias materiais como uma coisa natural. A
forma humana de vida é uma oportunidade para compreendermos nossa posição.
Portanto, a pessoa mais inteligente adota o serviço devocional para ocupar sua
mente, sentidos e corpo no serviço ao Senhor, sem desvios.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, há muitos yogts místi
cos que são muito eruditos e deliberados em atingir a perfeição máxima da vida.
Eles se ocupam no processo ióguico de controle do ar vital dentro do corpo.
Concentrando a mente na forma de Visnu e controlando os sentidos muito rigida
mente, eles praticam o sistema de yoga, mas, mesmo depois de muita austeridade,
penitência e regulação trabalhosas, eles atingem o mesmo destino que as pessoas
hostis a Vós. Em outras palavras, tanto os yogis quanto os grandes e sábios especu
ladores filosóficos finaímente alcançam a refulgência Brahman impessoal, que tam
bém é automaticamente alcançada pelos demônios que são inimigos regulares do
Senhor. Demônios como Karitsa, Sísupãla e Dantavakra também atingem a reful
gência Brahman porque meditam constantemente na Suprema Personalidade de
Deus. Mulheres tais como as gopls apegaram-se a Krsna e foram cativadas por Sua
beleza, e sua concentração mental em Krsna foi provocada peta luxúria. Elas que
riam ser abraçadas no amplexo de Krsna, que se assemelha à bela forma arredondada
632 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
mentais, cujas especulações são chamadas sad-darsana. Todos esses filósofos são
impersonalistas e são conhecidos como Mãyãvãdls. Cada um deles tem tentado
estabelecer sua própria opinião, embora todos eles tenham posteriormente concor
dado e afirmado que todas as opiniões conduzem à mesma meta e que toda opinião é
portanto válida. Segundo as orações dos Vedas personificados, contudo, nenhuma
delas é válida porque seu processo de conhecimento é criado dentro do mundo
material temporário. Todos eles deixaram de compreender a parte principal; a
Suprema Personalidade de Deus, ou a Verdade Absoluta, só pode ser compreendida
através do serviço devocional.
Uma classe de filósofos, conhecidos como Mímãmsakas, representados por sá
bios tais como Jaimini, concluem que todos devem ocupar-se em atividades piedo
sas ou deveres prescritos e que essas atividades conduzirão à perfeição máxima.
Mas isto é contradito no Capítulo Nono do Bhagavad-gltã, onde o Senhor Krsna diz
que através de atividades piedosas alguém pode ser elevado aos planetas celestiais,
mas tão logo seu acúmulo de atividades piedosas se esgote, ele tem que deixar o
desfrute de um padrão superior de prosperidade material nos planetas celestiais e
imediatamente descer novamente a esses planetas inferiores, onde a duração da vida
é curtíssima e onde o padrão de felicidade material é de grau inferior. As palavras
exatas usadas no Gitã são kslne punye martya-lokam visanti. Portanto, a conclusão
dos filósofos Mímãmsakas de que as atividades piedosas conduzirão à Verdade
Absoluta não é válida. Embora um devoto puro sinta-se por natureza inclinado às
atividades piedosas, ninguém pode conseguir a graça da Suprema Personalidade de
Deus através de atividades piedosas apenas. Pode ser que as atividades piedosas nos
purifiquem da contaminação causada pela ignorância e pela paixão, mas esta purifi
cação é automaticamente alcançada por um devoto ocupado constantemente em
ouvir a mensagem transcendental de Deus sob a forma do Bhagavad-gltã, Srlmad-
Bhãgavatam ou escrituras semelhantes. Do Bhagavad-gltã compreendemos que
mesmo uma pessoa que não esteja dentro dos padrões das atividades piedosas mas
que esteja absolutamente ocupada em serviço devocional deve ser considerada bem
situada no caminho da perfeição espiritual. Também se diz no Bhagavad-gltã que
uma pessoa ocupada em serviço devocional com amor e fé é orientada de dentro
pela Suprema Personalidade de Deus. O próprio Senhor como Paramãtmã, ou o
mestre espiritual sentado dentro de nosso coração, dá ao devoto orientações exatas
através das quais ele pode gradualmente voltar ao Supremo. A conclusão dos
filósofos Mimãmsaka não é realmente a verdade que pode nos conduzir à compre
ensão real.
De modo semelhante, há filósofos Sãnkhya, metafísicos ou cientistas materialistas
que estudam esta manifestação cósmica através de seu método científico inventado e
não reconhecem a autoridade suprema de Deus como o criador da manifestação
cósmica. Eles erroneamente concluem que as reações dos elementos materiais são a
causa original da criação. O Bhagavad-gltã, contudo, não aceita esta teoria. Ali se
diz claramente que por trás das atividades cósmicas está a direção da Suprema..
Orações dos Vedas personificados 635
Personalidade de Deus. Este fato é corroborado pelo preceito védico asad vã iiUwi
agra ãsít, que significa que a origem da criação existia antes da manifestação
cósmica. Portanto, os elementos materiais não podem ser a causa da criação mate
rial. Embora os elementos materiais sejam aceitos como causas materiais, a causa
última é a própria Suprema Personalidade de Deus. O Bhagavad-gitã diz, portanto,
que a natureza material funciona sob a direção de Krsna.
A conclusão da filosofia Sãnkhya ateísta é que, porque os efeitos dos mundos
materiais são temporários ou ilusórios, a causa portanto também é ilusória. Os
filósofos Sãnkhya são a favor do niüismo, mas o fato mesmo é que a causa original
é a Suprema Personalidade de Deus e que esta manifestação cósmica é a manifes
tação temporária de Sua energia material. Quando esta manifestação temporária é
aniquilada, sua causa, a existência eterna do mundo espiritual, continua tal como é,
e portanto o mundo espiritual chama-se sanãtana-dhãma, a morada eterna. Por
conseguinte, a conclusão do filósofo Sãnkhya não é válida.
A seguir há os filósofos encabeçados por Gautama e Kanãda. Eles estudaram
minuciosamente a causa e efeito dos elementos materiais e finalmente chegaram à
conclusão de que a combinação atômica é a causa original da criação. Os atuais
cientistas materialistas também seguem os passos de Gautama e Kanãda, que propu
seram esta teoria de paramãnuvãda. Esta teoria, contudo, não pode ser apoiada,
pois a causa original de tudo não são os átomos inertes. Isto é confirmado no
Bhagavad-gitã e no Srimad-Bhãgavatam, como também nos Vedas, onde se afirma,
eko nãrãyana ãsít: somente Nãrãyana existia antes da criação. O Srimad-
Bhãgavatam e o Vedãnta-sütra também dizem que a causa origina! é sensível e
tanto indireta quanto diretamente conhecedora de tudo que existe dentro desta
criação. No Bhagavad-gitã Krsna diz, aharh sarvasya prabhavah: “Eu sou a causa
original de tudo,” e mattah sarvam pravariate: “ De Mim tudo vem a existir.”
Portanto, pode ser que os átomos formem as combinações básicas da existência
material, mas esses átomos são gerados da Suprema Personalidade de Deus. Assim,
a filosofia de Gautama e Kanãda não tem fundamento.
De modo semelhante, os impersonalistas encabeçados por Astãvakra e posterior
mente por Saiikarãcãrya aceitam a refulgência Brahman impessoal como a causa de
tudo. Segundo sua teoria, a manifestação material é temporária e irreal, ao passo
que a refulgência Brahman impessoal é realidade. Mas esta teoria também não pode
ser apoiada, porque o próprio Senhor diz no Bhagavad-gitã que esta refulgência
Brahman repousa em Sua personalidade. Também se confirma no Brahma-sarhhitã
que a refulgência Brahman são os raios do corpo de Krsna. Sendo assim, o Brahman
impessoal não pode ser a causa original da manifestação cósmica. A causa original
é a Personalidade de Deus toda-perfeita e sensível, Govinda.
A teoria mais perigosa dos impersonalístas é que quando Deus Se toma uma
encarnação Ele aceita um corpo material criado pelos três modos da natureza mate
rial. Esta teoria Mãyãvãdl foi condenada pelo Senhor Caitanya como sendo muito
636 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
ofensiva. Ele diz que qualquer pessoa que aceita o corpo transcendental da Persona
lidade de Deus como sendo feito de natureza material comete a maior das ofensas
aos pés de lótus de Visnu. De forma semelhante, o Bhagavad-gitã afirma que
apenas os tolos e patifes zombam da Personalidade de Deus quando Eíe desce sob
forma humana. O Senhor Krsna, o Senhor Rãma e o Senhor Caitanya realmente
movimentam-Se dentro da sociedade humana como seres humanos.
Os Vedas personificados condenam a concepção impersonalista, considerando-a
má interpretação grosseira. No Brahma-samhitã se descreve que o corpo da Su
prema Personalidade de Deus ê ãnanda-cin-maya-rasa. A Suprema Personalidade
de Deus possui um corpo espiritual, e não um corpo material, Ele pode desfrutar de
qualquer coisa através de qualquer parte de Seu corpo, e por isso Ele é onipotente.
Os membros de um corpo material podem realizar apenas uma função, assim como
as mãos podem segurar mas não podem ver ou ouvir. Mas, porque o corpo da
Suprema Personalidade de Deus é feito de ãnanda-cin-maya-rasa ou sac-cid-
ãnanda-vigraha, Ele pode desfrutar de qualquer coisa e fazer tudo com qualquer um
de Seus membros. O fato de se aceitar que o corpo espiritual do Senhor é material é
orientado pela tendência de fazer a Suprema Personalidade de Deus igual à alma
condicionada. A alma condicionada tem um corpo material. Portanto, se Deus
também tiver um corpo material, a teoria impersonalista de que a Suprema Persona
lidade de Deus e as entidades vivas são a mesma coisa poderá se propagar com
muita facilidade.
Na verdade, quando a Suprema Personalidade de Deus vem Ele manifesta dife
rentes passatempos, e todavia não há diferença entre Seu corpo infantil quando Ele
Se encontra deitado no colo de mãe Yasodã e Seu chamado corpo de adulto que luta
contra os demônios. Também com Seu corpo infantil Ele lutou contra demônios tais
como Pütanã, Trnãvarta e Aghãsura, com força igual àquela com a qual Ele lutou
em Sua juventude contra demônios como Dantavakra e Sisupãla. Na vida material,
assim que a alma condicionada muda de corpo, ela se esquece de tudo sobre seu
corpo passado, mas do Bhagavad-gitã compreendemos que, porque Krsna tem um
corpo sac-cid-ãnanda, Ele não Se esqueceu de ter dado instruções ao deus do sol
sobre o Bhagavad-gitã milhões de anos atrás. Portanto, o Senhor é conhecido como
Purusottama porque Ele é transcendental tanto à existência material quanto à exis
tência espiritual. O fato de Ele ser a causa de todas as causas significa que Ele é a
causa do mundo espiritual e do mundo material também. A Suprema Personalidade
de Deus é onipotente e onisciente. Portanto, porque um corpo material não pode ser
nem onipotente nem onisciente, certamente o corpo do Senhor não é material. A
teoria Mãyãvãdl de que a Personalidade de Deus aparece neste mundo material com
um corpo material não pode ser apoiada de forma alguma.
Pode-se concluir que todas as teorias dos filósofos materialistas são produzidas
pela temporária existência ilusória, como as conclusões tiradas em um sonho. Tais
conclusões certamente não podem nos conduzir à Verdade Absoluta. A Verdade
Orações dos Vedas personificados 637
gozo dos sentidos, os Vaisnavas não são a favor do gozo dos sentidos e por isso não
são apegados às atividades materiais. O Vaisnava aceita este mundo material de
acordo com os princípios regulativos dos preceitos védicos. Uma vez que a Su
prema Personalidade de Deus é a causa original de tudo, o Vaisnava vê tudo em
relação com Krsna, mesmo neste mundo material. Através de tal conhecimento
avançado, tudo se espiritualiza. Em outras palavras, tudo no mundo material já é
espiritual, mas, devido a nossa falta de conhecimento, vemos as coisas como sendo
materiais.
Os Vedas personificados apresentaram o exemplo de que aqueles que buscam
ouro não rejeitam brincos de ouro, braceletes de ouro ou qualquer outra coisa feita
de ouro simplesmente porque essas coisas têm uma configuração diferente do ouro
original. Todas as entidades vivas são partes integrantes do Senhor Supremo e são
qualitativamente iguais, mas agora estão configuradas de formas diferentes em
8.400.000 espécies de vida, assim como muitos ornamentos diferentes, fabricados
da mesma mina de ouro, Assim como aquele que está interessado em ouro aceita
todos os ornamentos de ouro diferentemente configurados, da mesma forma o
Vaisnava, sabendo bern que todas as entidades vivas são da mesma qualidade que a
Suprema Personalidade de Deus, aceita todas as entidades vivas como sendo servos
eternos de Deus. Como Vaisnavas, então, temos ampla oportunidade de servir à
Suprema Personalidade de Deus simplesmente por redimirmos essas entidades vi
vas condicionadas e desencaminhadas, treinando-as em consciência de Krsna e
conduzindo-as de volta ao lar, de volta ao Supremo. O fato é que agora as mentes
das entidades vivas estão agitadas pelas três qualidades materiais, e portanto as
entidades vivas estão transmigrando, como se estivessem sonhando, de um corpo a
outro. Quando mudarem sua consciência para a consciência de Krsna, contudo, elas
imediatamente fixarão Krsna dentro de seus corações, e assim abrirão seu caminho
para a liberação.
Todos os Vedas afirmam que a Suprema Personalidade de Deus e as entidades
vivas são da mesma qualidade — caitanya, ou espiritual. Isto também é confirmado
no Padma Purãna, onde se diz que existem dois tipos de entidades espirituais; uma
chama-se jlva, e a outra chama-se o Senhor Supremo. Desde o Senhor Brahmã até a
formiga, todas as entidades vivas são jlvas, ao passo que o Senhor é o supremo
Visnu de quatro mãos, ou Janãrdana. A palavra õtmã só pode ser aplicada à Su
prema Personalidade de Deus, mas, porque as entidades vivas são Suas panes
integrantes, às vezes a palavra õtmã também é aplicada a elas. As entidades vivas,
portanto, chamam-se jivãtmãs, e o Senhor Supremo chama-Se Paramõtmã. Tanto o
Paramãtmã quanto a jivãtmã encontram-se dentro deste mundo material, e por isso
este mundo material tem outro propósito além do gozo dos sentidos. A idéia de uma
vida de gozo dos sentidos é ilusão, mas a idéia do serviço prestado pela jivãtmã ao
Paramãtmã, mesmo neste mundo material, não é absolutamente Ilusória. Uma pessoa
consciente de Krsna é plenamente ciente deste fato, e assim ela não considera este
Orações dos Vedas personificados 639
mundo material como sendo falso, mas age na realidade do serviço transcendental.
Portanto, o devoto vê tudo neste mundo material como uma oportunidade de servir
ao Senhor. Ele não rejeita nada como material, mas enfeixa tudo no serviço ao
Senhor. Assim, um devoto está sempre na posição transcendental, e tudo que ele
usa purifica-se espiritualmente por ser usado a serviço do Senhor.
Sridhara Svãmi compôs um belo verso a este respeito: “Eu adoro a Suprema
Personalidade de Deus, que está sempre manifesta como realidade mesmo dentro
deste mundo material, o qual alguns consideram falso.” A concepção da falsidade
deste mundo material deve-se a uma falta de conhecimento, mas uma pessoa avan
çada em consciência de Krsna vê a Suprema Personalidade de Deus em tudo. Isto é
real compreensão do aforismo védico sarvam khalv idam brahma: “Tudo é
Brahman.”
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, homens menos inteli
gentes adotam outros métodos de auto-realização, mas, na verdade, não há possibi
lidade de purificar-se da contaminação material ou parar com a repetição do ciclo de
nascimentos e mortes a menos que se seja um devoto inteiramente puro. Nosso
querido Senhor, tudo repousa em Vossas diferentes potências, e todos são mantidos
por Vós, como afirmam os Vedas (eko bahünãm yo vidadhãti kãmãn). Portanto,
Vossa Onipotência é o apoiador e mantenedor de todas as entidades vivas —
semideuses, seres humanos e animais. Todos são mantidos por Vós, e estais tam
bém situado no coração de todos. Em outras palavras, Vós sois a raiz de toda a
criação. Por conseguinte, aqueles que se ocupam em Vosso serviço devocional, sem
desvios, sempre Vos adoram. Tais devotos realmente regam a raiz da árvore univer
sal. Através do serviço devocional, portanto, satisfazemos não apenas a Personali
dade de Deus, como também todos os outros, porque todos são mantidos e apoiados
por Ele. Porque o devoto compreende o aspecto onipenetrante da Suprema Persona
lidade de Deus, ele é o mais prático dos filantropos e altruístas. Tais devotos puros,
inteiramente ocupados em consciência de Krsna, superam com muita facilidade o
ciclo de nascimentos e mortes, tanto que passam por cima da cabeça da morte.”
O devoto nunca tem medo da morte, nem de mudar de corpo; sua consciência é
transformada em consciência de Krsna, e mesmo que ele não volte ao Supremo,
mesmo que ele transmigre para outro corpo material, ele nada tem a temer. Um
exemplo vivido disto é Bharata Mahãrãja. Embora em sua vida seguinte ele tivesse
que se tomar um veado, na seguinte vida ele livrou-se completamente de toda a
contaminação material e foi elevado ao reino de Deus. O Bhagavad-gitã afirma,
portanto, que o devoto jamais é destruído. O caminho do devoto ao reino espiritual,
de volta ao lar, de volta ao Supremo, é garantido. Mesmo que o devoto deslize em
algum nascimento, a continuação de sua consciência de Krsna o eleva cada vez mais
até que ele volta ao Supremo. O devoto puro purifica não só sua própria existência
pessoal, mas, também, quem quer que se tome seu discípulo em última instância
purifica-se e capacita-se a entrar no reino de Deus sem dificuldades. Não apenas
pode o devoto puro superar a morte com facilidade, mas também, por sua graça,
Orações dos Vedas personificados 639
mundo material como sendo falso, mas age na realidade do serviço transcendental.
Portanto, o devoto vê tudo neste mundo material como uma oportunidade de servir
ao Senhor. Ele não rejeita nada como material, mas enfeixa tudo no serviço ao
Senhor. Assim, um devoto está sempre na posição transcendental, e tudo que ele
usa purifica-se espiritualmente por ser usado a serviço do Senhor.
Srldhara Svãmí compôs um belo verso a este respeito: “Eu adoro a Suprema
Personalidade de Deus, que está sempre manifesta como realidade mesmo dentro
deste mundo material, o qual alguns consideram falso.” A concepção da falsidade
deste mundo material deve-se a uma falta de conhecimento, mas uma pessoa avan
çada em consciência de Krsna vê a Suprema Personalidade de Deus em tudo. Isto é
real compreensão do aforismo védico sarvarh khalv idam brahma: “Tudo é
Brahman.”
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, homens menos inteli
gentes adotam outros métodos de auto-realização, mas, na verdade, não há possibi
lidade de purificar-se da contaminação material ou parar com a repetição do ciclo de
nascimentos e mortes a menos que se seja um devoto inteiramente puro. Nosso
querido Senhor, tudo repousa em Vossas diferentes potências, e todos são mantidos
por Vós, como afirmam os Vedas (eko bahãnãm yo vidadhãti kõmãn). Portanto,
Vossa Onipotência é o apoiador e mantenedor de todas as entidades vivas —
semídeuses, seres humanos e animais. Todos são mantidos por Vós, e estais tam
bém situado no coração de todos. Em outras palavras, Vós sois a raiz de toda a
criação. Por conseguinte, aqueles que se ocupam em Vosso serviço devocional, sem
desvios, sempre Vos adoram. Tais devotos realmente regam a raiz da árvore univer
sal. Através do serviço devocional, portanto, satisfazemos não apenas a Personali
dade de Deus, como também todos os outros, porque todos são mantidos e apoiados
por Ele. Porque o devoto compreende o aspecto onipenetrante da Suprema Persona
lidade de Deus, ele é o mais prático dos filantropos e altruístas. Tais devotos puros,
inteiramente ocupados em consciência de Krsna, superam com muita facilidade o
ciclo de nascimentos e mortes, tanto que passam por cima da cabeça da morte.”
O devoto nunca tem medo da morte, nem de mudar de corpo; sua consciência é
transformada em consciência de Krsna, e mesmo que ele não volte ao Supremo,
mesmo que ele transmigre para outro corpo material, ele nada tem a temer. Um
exemplo vivido disto é Bharata Mahãrãja. Embora em sua vida seguinte ele tivesse
que se tomar um veado, na seguinte vida ele livrou-se completamente de toda a
contaminação material e foi elevado ao reino de Deus. O Bhagavad-gítã afirma,
portanto, que o devoto jamais é destruído. O caminho do devoto ao reino espiritual,
de volta ao lar, de volta ao Supremo, é garantido. Mesmo que o devoto deslize em
algum nascimento, a continuação de sua consciência de Krsna o eleva cada vez mais
até que ele volta ao Supremo. O devoto puro purifica não só sua própria existência
pessoal, mas, também, quem quer que se tome seu discípulo em última instância
purifica-se e capacita-se a entrar no reino de Deus sem dificuldades. Não apenas
pode o devoto puro superar a morte com-facilidade, mas também, por sua graça,
640 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
e abandonem suas vidas, que os outros viajem a muitos locais santos de peregri
nação para obter a salvação, ou que se ocupem em profundo estudo de filosofia e
dos textos védicos. Que osyogls místicos se dediquem a seu serviço meditacionai e
que as diferentes seitas se ocupem em discussões desnecessárias sobre o que é
melhor. Mas o fato é que, a não ser que se seja consciente de Krsna, a não ser que se
esteja ocupado em serviço devocional e a não ser que se tenha a misericórdia da
Suprema Personalidade de Deus, não se pode atravessar este oceano material.”
Pessoas inteligentes, portanto, abandonam todas as idéias estereotipadas e juntam-
se ao movimento da consciência de Krsna para obter liberação verdadeira.
Os Vedas personificados continuaram suas orações: “Querido Senhor nosso,
Vosso aspecto impessoal é explicado nos Vedas. Vós não tendes mãos, mas podeis
aceitar todos os sacrifícios que Vos são oferecidos. Não tendes pernas, mas podeis
andar mais rapidamente do que qualquer pessoa. Embora não tenhais olhos, podeis
ver tudo o que acontece no passado, no presente e no futuro. Embora não tenhais
ouvidos, podeis ouvir tudo o que se diz. Embora não tenhais mente, conheceis a
todos e às atividades de todos, passadas, presentes e futuras, e todavia ninguém
sabe quem sois. Conheceis a todos, mas ninguém Vos conhece; portanto, sois a
personalidade suprema e mais velha.”
Da mesma forma, em outra parte dos Vedas se diz: “Nada tendes a fazer. Sois tão
perfeito em Vosso conhecimento e potência que tudo se manifesta simplesmente por_
Vossa vontade. Não há ninguém igual ou superior a Vós, e todos agem como1-
Vossos servos eternos.” Assim, as afirmações védicas descrevem que o Absoluto
não tem pernas, nem mãos, nem olhos, nem ouvidos, nem mente, e todavia Ele
pode agir através de Suas potências e satisfazer- as necessidades de todas as entida
des vivas. Como se afirma no Bhagavad-gltã, Suas mãos e pernas estão em toda a
parte, pois Ele é onipenetrante. As mãos, pernas, ouvidos e olhos de todas as
entidades vivas agem e se movimentam pela orientação da Superalma situada dentro
do coração de todos. A menos que a Superalma esteja presente, não é possível que
as mãos e pernas sejam ativas. A Suprema Personalidade de Deus é tão grande,
independente e perfeita, contudo, que mesmo sem ter olhos, pernas e ouvidos, não
depende de outros para executar Suas atividades. Pelo contrário, os outros depen
dem dEle para as atividades de seus diferentes órgãos sensórios. A menos que a
entidade viva seja inspirada e orientada pela Superalma, ela não pode agir.
O fato é que, em última análise, a Verdade Absoluta é a Pessoa Suprema. Mas,
porque Ele age através de Suas diferentes potências, que são impossíveis de ser
vistas pelos materialistas grosseiros, os materialistas O aceitam como impessoal.
Por exemplo, pode-se observar o trabalho artístico pessoal na pintura de uma flor, e
pode-se compreender que o arranjo das cores, a forma e assim por diante exigiram a
atenção minuciosa de um artista. A obra do artista manifesta-se claramente numa
pintura de diferentes flores desabrochadas. Mas o materialista grosseiro, sem ver a
mão de Deus em tais manifestações artísticas como as flores reais desabrochando na
642 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Senhor explica no Bhagavad-gltã que não há nada superior a Ele e que o Brahman
impessoal está situado subordinadamente como manifestação de Seus raios pes
soais. Srlpada Srila Srldhara Svãml compôs, por esse motivo, um belo verso a este
respeito: “Deixai-me oferecer minhas respeitosas reverências à Suprema Personali
dade de Deus, que não tem sentidos materiais mas através de cuja orientação e
vontade todos os sentidos materiais funcionam. Ele é a potência suprema de todos
os sentidos materiais ou órgãos sensoriais. Ele é onipotente e é o supremo executor
de tudo. Portanto Ele é adorável por todos. A esta Pessoa Suprema eu presto minhas
respeitosas reverências.”
O próprio Krsna declara no Bhagavad-gitã que Ele é Purusottama, que significa a
Personalidade Suprema. Purusa significa “pessoa”, e uttarna significa “suprema” ou
“transcendental.” Também no Bhagavad-gitã o Senhor declara que, por ser transcen
dental a todos os seres sensíveis e insensíveis, Ele é portanto conhecido como o
purusottama. Em outra passagem, o Senhor diz que assim como o ar se encontra no
céu onipenetrante, todos estão situados nEIe, e todos agem sob Sua orientação.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor nosso,” oraram eles,
“sois igual com todos, sem parcialidade para com uma espécie particular de enti
dade viva. Como Vossas partes integrantes, todas as entidades vivas desfrutam ou
sofrem em diferentes condiçoes de vida. Elas são como as centelhas de um fogo.
Assim como as centelhas dançam no fogo abrasante, todas as entidades vivas
dançam apoiadas em Vós. Vós lhes forneceis tudo que elas desejam, e todavia não
sois responsável por sua posição de prazer ou sofrimento. Há diferentes tipos de
entidades vivas — semideuses, seres humanos, animais, árvores, aves, bestas, ger
mes, vermes, insetos e seres aquáticos— e todos desfrutam ou sofrem na vida
apoiando-se em Vós. Há dois tipos de entidades vivas: uma chama-se etemamente
liberada, nitya-mukta, e a outra chama-se nitya-baddha. As entidades vivas niiya-
mukta estão no reino espiritual, e as nirya-buddhas no mundo material.
“No mundo espiritual tanto o Senhor quanto as entidades vivas manifestam-se em
seu status original, como centelhas vivas em fogo ardente. Mas, no mundo mate
rial, embora o Senhor seja onipenetrante em Seu aspecto impessoal, as entidades
vivas se esquecem de sua consciência de Krsna, assim como às vezes as centelhas
caem de um fogo ardente e perdem sua condição brilhante original. Algumas cente
lhas caem na grama seca e assim ateiam outro grande fogo. Esta é uma referência
aos devotos puros que sentem compaixão das pobres e inocentes entidades vivas. O
devoto puro ateia a consciência de Krsna nos corações das almas condicionadas, e
assim o fogo ardente do mundo espiritual manifesta-se mesmo dentro deste mundo
material. Algumas centelhas caem na água; essas imediatamente perdem seu brilho
original e quase se extinguem. São comparáveis às entidades vivas que nascetP no
meio de materialistas grosseiros, caso em que sua original consciência de Krsna
toma-se quase extinta. Algumas centelhas caem ao chão a meio caminho entre as
condições ardentes e extintas. Assim algumas entidades vivas não têm consciência
de Krsna, outras estão entre ter e não ter consciência de Krsna, e outras estão
real mente situadas em consciência de Krsna. Os semideuses nos planetas superiores,
644 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
começando pelo Senhor Brahmã, Indra, Candra, o deus do Sol e vários outros
semideuses, são todos conscientes de Krsna. A sociedade humana está entre os
semideuses e os animais, e deste modo alguns são mais ou menos conscientes de
Krsna, e alguns são completamente esquecidos da consciência de Krsna. As entida
des vivas de terceiro grau, a saber, os animais, bestas, plantas, árvores e seres
aquáticos, esquèceram-se completamente da consciência de Krsna. Este exemplo
citado nos Vedas, relativo às centelhas de um fogo ardente, é muito apropriado para
se compreender a condição de diferentes espécies de entidades vivas. Mas, acima
de todas as outras entidades vivas, está a Suprema Personalidade de Deus, Krsna ou
Purusottama, que é sempre liberado de todas ascondições materiais.
“Pode ser que se pergunte por que as entidades vivas caem por acaso em diferen
tes condições de vida. Para respondermos a esta pergunta, primeiramente temos que
compreender que não pode haver nenhuma influência de acaso para as entidades
vivas; o acaso é para entidades sem vida. Segundo os textos védicos, as entidades
vivas têm conhecimento, e assim elas são chamadas de caitanya, que significa “com
conhecimento.” Sua situação em diferentes condições de vida, portanto, não é
acidental. Ela se deve a sua escolha porque elas têm conhecimento. No Bhagavad-
gltã o Senhor diz, ‘Abandona tudo e simplesmente rende-te a Mim.’ Este processo
de compreender a Suprema Personalidade de Deus está aberto para todos, mas ainda
assim fica a critério da entidade viva em particular aceitar ou rejeitar esta proposta.
Na última parte do Bhagavad-gltã, o Senhor Krsna disse muito francamente a
Arjuna, ‘Meu querido Arjuna, Eu já te falei tudo. Tudo agora depende de aceitares
o que Eu disse.1 Da mesma forma, foram as próprias entidades vivas que desceram
a este mundo material que escolheram desfrutar deste mundo material. Não é que
Krsna as tenha enviado para este mundo. O mundo material foi criado para o
desfrute das entidades vivas que quiseram abandonar o serviço eterno ao Senhor
para se tomarem elas mesmas o desfrutador supremo. Segundo a filosofia Vais-
nava, quando uma entiÚade viva deseja satisfazer seus sentidos e se esquece do
serviço ao Senhor, ela recebe um lugar no mundo material para agir livremente de
acordo com seu desejo, e por isso ela cria uma condição de vida em que desfruta ou
sofre. Devemos entender definitivamente quê tanto o Senhor quanto as entidades
vivas são etemamente conscientes. Não há nascimento e morte para o Senhor e as
entidades vivas. Quando'ocorre a criação, isto não significa que as entidades vivas
sejam criadas. O Senhor cria o mundo material para dar às almas condicionadas a
oportunidade de se elevarem à plataforma superior de consciência de Krsna. Se a
alma condicionada não se aproveita desta oportunidade, após a dissolução deste
mundo material ela entra no corpo de Nãrãyana e permanece ali, profundamente
adormecida, até o momento de outra criação.
“A este respeito, o exemplo da estação das chuvas é muito apropriado. Pode-se
considerar que as chuvas de estação são agentes para a criação, porque após a queda
das chuvas os campos úmidos são favoráveis para cultivar diferentes tipos de vege
tação. Analogamente, logo que^se dá a criação através do olhar que o Senhor lança
sobre a natureza material, imediatamente as entidades vivas brotam em suas
Orações dos Vedas personificados 645
adianta tal água? Analogamente, nossos corações materiais estão repletos de múlti
plos desejos, que não podem ser satisfeitos dentro da sociedade material de amizade
e amor, Quando nossos corações começarem a obter prazer do reservatório supremo
de prazer, então poderemos nos satisfazer. Esta satisfação transcendental só é
possível no serviço devocional, em consciência de Krsna plena.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor nosso, sois sac-cid-
ãnanda-vigraha, a forma sempre bem-aventurada de conhecimento, e porque as
entidades vivas são partes integrantes de Vossa personalidade, seu estado natural de
existência é serem inteiramente conscientes de Vós. Neste mundo material, qual
quer pessoa que tenha desenvolvido tal consciência de Krsna não está mais interes
sada no modo de vida materialista. Quem é consciente de Krsna perde interesse por
vida familiar ou condições de vida opulentas, e precisa somente de uma pequena
concessão para suas necessidades corpóreas. Em outras palavras, ele não está mais
interessado em gozo dos sentidos. A perfeição da vida humana baseia-se em conhe
cimento e renúncia, mas é muito difícil atingir o estágio de conhecimento e renúncia
enquanto se está na vida familiar. Por isso, as pessoas conscientes de Krsna
refugiam-se na companhia dos devotos ou cm locais santificados de peregrinação.
Tais pessoas estão conscientes do relacionamento entre a Superalma e as entidades
vivas individuais, e nunca nutrem conceitos corpóreos de vida. Por sempre Vos
levarem em seus corações em consciência plena, elas se purificam tanto que qual
quer lugar aonde elas vão torna-se um local santo de peregrinação, e a água que lhes
lava os pés é capaz de salvar muitas pessoas pecaminosas, que vagueiam dentro
deste mundo material.”
Quando o pai ateísta de Prahlãda Mahãrãja pediu-lhe para descrever alguma coisa
excelente que ele tivesse aprendido, Prahlãda respondeu a seu pai que para uma
pessoa materialista sempre cheia de ansiedades devido a sua ocupação em verdades
temporárias e relativas, a melhor coisa a fazer é abandonar o poço escuro da vida
familiar e ir para a floresta a fim de refugiar-se no Senhor Supremo. Aqueles que
são realmente devotos puros são célebres como mahãtmãs, ou grandes sábios,
personalidades perfeitas em conhecimento. Eles sempre pensam no Senhor Su
premo e em Seus .pés de lótus, e assim líbertam-se automaticamente. Devotos que
estão sempre situados nesta posição tornam-se eletrizados pelas potências inconce
bíveis do Senhor, e desse modo eles mesmos tomam-se fonte de liberação para seus
seguidores e devotos. Uma pessoa consciente de Krsna é inteiramente eletrizada
espiritualmente, e por isso qualquer pessoa que toca ou se refugia em tal devoto
puro toma-se semelhantemente eletrizada por potências espirituais. Tais devotos
nunca têm vangloria de opulências materiais. Geralmente, as opulências materiais
são bom parentesco, educação, beleza e riquezas, mas, embora o devoto do Senhor
possa ter todas essas quatro opulências, ele nunca é arrastado pelo orgulho de
possuir tais distinções. Grandes devotos do Senhor viajam por todo o mundo, de
um local de peregrinação a outro, e, em seu caminho, encontram muitas almas
Orações dos Vedas personificados 655
manifestação cósmica, embora produto da Verdade Absoluta, não pode ser conside
rada verdade.
Contudo, o Bhagavad-gltã afirma que o ponto de vista do filósofo Mãyãvãdi é o
ponto de vista dos asuras, ou demônios. O Senhor diz no Bhagavad-gltã, asatyam
apratistharh te jagad ãhur anlsvaram. A visão que os usuras têm desta manifes
tação cósmica é que toda a criação é falsa. Os usuras acham que a mera interação da
matéria é a fonte da criação e que não existe controlador ou Deus. Mas, na verdade,
não é bem assim. Do Sétimo Capítulo do Bhagavad-gltã compreendemos que os
cinco elementos grosseiros — terra, água, ar, fogo e céu — somados aos elementos
sutis—- mente, inteligência e falso ego—-são as oito energias separadas do Senhor
, Supremo. Além desta energia material inferior está uma energia espiritual, conhe
cida como as entidades vivas. As entidades vivas também são aceitas como sendo a
energia superior do Senhor. Toda a manifestação cósmica é uma combinação das
energias inferior e superior, e a fonte das energias é a Suprema Personalidade de
Deus. A Suprema Personalidade de Deus tem muitos tipos diferentes de energias.
Isto é confirmado nos Vedas. Parãsya saktir vividhaiva srãyate: as energias trans
cendentais do Senhor são variegadas. e, como tais variedades emanam do Senhor
Supremo, elas não podem ser falsas, O Senhor existe sempre, e as energias existem
sempre. Uma das energias é temporária — às vezes manifesta e às vezes
imanifesta — mas isto não significa que ela é falsa. Pode-se dar o exemplo de que
quando uma pessoa está zangada ela faz coisas que são diferentes do que ela faz em
sua condição normal de vida. mas o fato de que o temperamento da zanga somente
aparece e desaparece não significa que a energia da zanga seja falsa. Sendo assim, o
argumento dos filósofos Mãyãvãdís de que este mundo é falso não é aceito pelos
filósofos Vaisnavas. O próprio Senhor confirma que o ponto de vista de que não há
causa suprema desta manifestação material, de que não existe Deus e que tudo é
apenas a criação da interação da matéria é o ponto de vista dos asuras.
As vezes o filósofo Mãyãvãdi coloca o argumento da cobra e da corda. Às vezes,
na escuridão da noite, alguém, por ignorância, toma uma corda enrolada por uma
cobra. Mas o fato de se confundir a corda com a cobra não significa que a corda, ou
a cobra, seja falsa, e por isso este exemplo, usado pelos Mãyãvãdís para ilustrar a
falsidade do mundo material, não é válido. Quando uma coisa é tomada como fato
mas na verdade não tem existência em absoluto, isto é considerado falso. Mas se
algo é confundido com outra coisa, isto não quer dizer que aquilo seja falso. Os
filósofos Vaisnavas usam um exemplo muito apropriado, comparando este mundo
material a um pote de argila. Quando vemos um pote de argila, ele não desaparece
de repente para se transformar em outra coisa. Pode ser que seja temporário, mas o
pote de argila é usado para se pegar água, e nós continuamos a vê-lo como um pote
de argila. Portanto, embora o pote de argila seja temporário e diferente da argila
original, não podemos dizer que ele é falso. Devemos, por conseguinte, concluir
que toda a argila e o pote de argila são ambos verdades porque um é o produto do
Orações dos Vedas personificados 657
mesma maneira, este corpo material, embora temporário, tem utilidade especial. A
entidade viva recebe a oportunidade desde o começo da criação de desenvolver
diferentes espécies de corpos materiais de acordo com os desejos de reserva que ela
tem acumulado desde tempos imemoriais. A forma humana de corpo é uma oportu
nidade especial em que se pode utilizar a forma desenvolvida de consciência.
As vezes-os filósofos Mãyãvãdls insistem no argumento de que, se este mundo
material é verdade, porque, então, os chefes de família são aconselhados a abando
nar sua relação com este mundo material e tomar sannyãsa? Mas, o ponto de vista
de sannyãsa do filósofo Vaisnava não é que, porque o mundo material é falso,
deve-se portanto abandonar as atividades materiais. O propósito do sannyãsa Vais
nava é utilizar as coisas como elas são projetadas. Sríla Rüpa Gosvãmí dá duas
fórmulas para nosso trato com este mundo material. Quando um Vaisnava renuncia
ao modo de vida materialista e adota sannyãsa, ele não faz isso baseado na concep
ção da falsidade do mundo material, mas para devotar-se inteiramente a empregar
tudo no serviço ao Senhor, Portanto, Sríla Rüpa Gosvãmí dá esta fórmula: devemos
ser desapegados do mundo material porque o apego material não tem sentido. Todo
o mundo material, toda a manifestação cósmica, pertence a Deus, Krsna. Portanto,
tudo deve ser utilizado para Krsna, e o devoto deve permanecer desapegado das
coisas materiais. Este é o objetivo do sannyãsa Vaisnava. O materialista aferra-se
ao mundo em troca do gozo dos sentidos, mas um sannyãsi Vaisnava, apesar de não
aceitar nada para seu gozo pessoal dos sentidos, conhece a arte de utilizar tudo a
serviço do Senhor. Por isso, Sríla Rüpa Gosvãmí critica os sannyãsis Mãyãvãdls,
porque eles não sabem que tudo tem sua utilidade no serviço ao Senhor. Pelo
contrário, eles consideram o mundo falso e falsamente julgam-se liberados da
contaminação do mundo material. Já que tudo é uma expansão da energia do Senhor
Supremo, as expansões são tão reais quanto o é o Senhor Supremo.
O fato de o mundo cósmico manifestar-se apenas temporariamente não significa
que ele é falso ou que a fonte de sua manifestação é falsa. Uma vez que a fonte de
sua manifestação é verdadeira, a manifestação também é verdadeira mas deve-se
saber como utilizá-la. Podemos cttar o mesmo exemplo: o temporário pote de argila
é produzido a partir da argila integral, mas, quando usado com um objetivo ade
quado, 0 pote de argila não é falso. Os filósofos Vaisnavas sabem como utilizar o
utensílio temporário deste mundo material, assim como um homem sensato sabe
como utilizar o utensílio temporário do pote de argila. Quando o pote de argila é
usado para um objetivo errado, isto é falso. Analogamente, esta forma humana de
corpo, ou este mundo material, quando usados para o gozo falso dos sentidos, são
falsos. Porém, se este corpo humano e a criação material forem usados a serviço do
Senhor Supremo, suas atividades não serão absolutamente falsas. Por isso,
confirma-se no Bhagavad-gltã que a menor atitude de serviço no uso deste corpo e
do mundo material para o serviço ao Senhor pode salvar uma pessoa do mais grave
dos perigos. Quando devidamente utilizadas, nem a energia superior, nem a energia
inferior, que emanam da Suprema Personalidade de Deus, são falsas.
Orações dos Vedas personificados 659
livre das reações pecaminosas não pode ver a Superalma. Se uma pessoa tem uma
medalha como jóia em seu colar mas se esquece da jóia, isto é quase como se ela
não a possuísse. Analogamente, se uma alma individual medita mas não percebe
realmente a presença da Superalma dentro de si mesma, ela não compreendeu a
Superalma.” As pessoas que adotam o caminho da auto-realização devem, portanto,
ter muito cuidado para não se contaminarem pela influência.de mãyã. Srlla Rüpa
Gosvãml diz que um devoto deve ser completamente livre de todas as espécies de
desejos materiais. O devoto não deve se deixar afetar pelos resultados de karma e
jnãna. Basta compreender Krsna e levar a cabo Seus desejos. Este é o estágio
devocional puro. Os Vedas personificados continuaram: “Os yogis místicos que
ainda têm desejos contaminados de gozo dos sentidos nunca são bem sucedidos em
suas tentativas, nem podem compreender a Superalma dentro do eu individual.
Sendo assim, os chamados yogis e jnãnis que estão simplesmente perdendo seu
tempo em diferentes tipos de gozo dos sentidos, seja através de especulação mental,
seja através da exibição de poderes místicos limitados, jamais se libertarão da vida
condicionada e continuarão a sofrer repetidos nascimentos e mortes. Para tais pes
soas, tanto esta vida quanto a próxima são fontes de tribulação. Tais pessoas
pecaminosas já estão sofrendo tribulação nesta vida, e, por não serem perfeitas na
auto-realização, serão atormentadas com mais tribulação na vida seguinte. A des
peito de todos os esforços por alcançar a perfeição, tais yogis. contaminados por
desejos de gozo dos sentidos, continuarão a sofrer nesta vida e na próxima.”
Sríla Visvanãtha Cakravarti Thãkura observa a este respeito que se os sannyãsls e
pessoas na ordem de vida renunciada, que deixaram seus lares para fins de auto-
realização, não se ocuparem no serviço devocional ao Senhor mas ficarem atraídos
por trabalhos filantrópicos, tais como abrir instituições educacionais, hospitais, ou
mesmo mosteiros, igrejas ou templos de semideuses, eles só enfrentarão incômodos
em tais ocupações, não apenas nesta vida, mas também na próxima. Os sannyãsls
que não se aproveitam desta vida para compreender Krsna simplesmente perdem
seu tempo e energia em atividades fora da jurisdição da ordem renunciada. O
esforço de um devoto por empregar suas energias em atividades tais como construir
um templo de Visnu, contudo, nunca se perde. Tais ocupações chamam-se
krsnãrihe ’khilu-cestã, atividades variegadas executadas para comprazer Krsna, O
ato de um filantropo abrindo um edifício escolar e o ato de um devoto construindo
um templo não estão no mesmo nível. Embora o ato de um filantropo abrindo uma
instituição educacional seja atividade piedosa, mesmo assim está sob as leis do
karma, ao passo que construir um templo para Visnu é serviço devocional.
O serviço devocional nunca está dentro da jurisdição da lei do karma. Como se
afirma no Bhagavad-gitã, os devotos transcendem a reação dos três modos da
natureza material e situam-se na plataforma de compreensão de Brahman: brahma-
bhüyãya kalpate. O Bhagavad-gtiã diz, sa gunãn samatiryuitãn brahma-bhãyãya
kalpate: os devotos da Personalidade de Deus transcendem todas as reações dos três
664 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
homem piedoso que simplesmente anseia por conhecer a ciência de Krsna também
se aproxima do Senhor Supremo. Dessas quatro classes de homens, o último é
louvado pelo próprio Krsna no Bhagavad-gitã. Uma pessoa que tema compreender
Krsna com conhecimento pleno e devoção, seguindo os passos de ãcãryas anterio
res familiarizados com o conhecimento científico do Senhor Supremo, é digna de
louvor. Um devoto assim pode compreender que todas as condições de vida, favorá
veis e desfavoráveis, são criadas pela vontade suprema do Senhor. E quando se
rende inteiramente aos pés de lótus do Senhor Supremo, ele não se importa se sua
condição de vida é favorável ou desfavorável. O devoto considera inclusive uma
condição desfavorável como graça especial da Personalidade de Deus. Na verdade,
não há condições desfavoráveis para um devoto. Ele vê tudo que vem pela vontade
do Senhor como favorável, e, em qualquer condição de vida, ele é simplesmente
entusiasta em executar seu serviço devocional. Esta atitude devocional é explicada
no Bhagavad-gitã: o devoto nunca se aflige em condições adversas de vida, nem
tampouco se enche de contentamento em condições favoráveis. Nos estágios supe
riores do serviço devocional, o devoto nem sequer se preocupa com a lista de faças e
não faças. Tal posição só pode ser mantida seguindo-se os passos dos ãcãryas. Porque
o devoto puro segue os passos dos ãcãryas, compreende-se que qualquer ação por
ele executada para cumprir o serviço devocional está na plataforma transcendental.
Portanto, o Senhor Krsna nos ensina que o ãcãrya está acima de críticas. O devoto
neófíto não deve considerar que está no mesmo plano que o ãcãrya. Deve-se aceitar
que os ãcãryas estão na mesma plataforma que a Suprema Personalidade de Deus,
e, sendo assim, nem Krsna nem Seu representante, o ãcãrya, devem estar sujeitos a
qualquer crítica adversa por parte dos devotos neófitos.
Assim, os Vedas personificados adoraram a Suprema Personalidade de Deus de
diferentes maneiras. Oferecer adoração ao Senhor Supremo através de orações
significa lembrar-se de Suas qualidades, passatempos e atividades transcendentais.
Mas os passatempos e qualidades do Senhor são ilimitados. Para nós, não é possível
lembrar-nos de todas as qualidades do Senhor. Portanto, os Vedas personificados
executaram adoração da melhor maneira possível e ao ftm falaram o seguinte.
“Querido Senhor nosso, embora o Senhor Brahmã, a deidade predominante de
Brahmaloka, o planeta mais elevado, e o rei Indra, o semideus predominante do
planeta celestial, como também as deidades predominantes de planetas tais como o
Sol e a Lua, sejam todos diretores muito confidenciais deste mundo material, eles
têm pouquíssimo conhecimento sobre Vós. E o que dizer de seres humanos ordiná
rios e especuladores mentais? Não é possível que alguém enumere as ilimitadas
qualidades transcendentais de Vossa Onipotência. Ninguém, nem mesmo os espe
culadores mentais e os semideuses dos sistemas planetários superiores, é realmente
capaz de avaliar as dimensões de Vossa forma e características. Achamos que nem
sequer Vossa Onipotência tem conhecimento completo de Vossas qualidades trans
cendentais. A razão é que sois ilimitado. Embora não seja conveniente dizer'que
666 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Vós não Vos conheceis, é pratico compreender que, porque tendes qualidades e
energias ilimitadas e porque Vosso conhecimento também é ilimitado, há compe
tição ilimitada entre Vosso conhecimento e Vossa expansão de energias.”
A idéia é que porque tanto Deus quanto Seu conhecimento são ilimitados, assim
que Deus toma conhecimento de alguma de Suas energias, Ele percebe que tem
ainda mais energias. Dessa maneira, tanto Suas energias quanto Seu conhecimento
aumentam. Por ambos serem ilimitados, não há fim para as energias e não há fim
para o conhecimento com o qual se compreende as energias. Deus é indubitavel
mente onisciente, mas os Vedas personificados dizem que mesmo o próprio Deus
não conhece a extensão total de Suas energias. Isto não significa que Deus não é
onisciente. Quando um fato concreto é desconhecido para determinada pessoa, isto
chama-se ignorância ou falta de conhecimento. Isto não é aplicável a Deus, con
tudo, porque Ele Se conhece perfeitamente, mas mesmo assim Suas energias e
atividades aumentam. Portanto, Ele também aumenta Seu conhecimento para
compreendê-las. Ambos aumentam ilimitadamente, e não há fim para isto. Neste
sentido, pode-se dizer que nem sequer o próprio Deus conhece o limite de Suas
energias e qualidades.
Qualquer entidade viva sensata e sóbria pode calcular grosseiramente como Deus
é ilimitado em Sua expansão de energias e atividades. É dito na literatura védica que
inuméráveis universos surgem quando Mahã-Visnu exala em Sua yoga-nidre7, e
inumeráveis universos entram em Seu corpo quando Ele inala novamente. Temos
que imaginar que estes universos, os quais, segundo nosso conhecimento limitado,
expandem-se ilimitadamente, são tão grandes que os ingredientes grosseiros, os
cinco elementos da manifestação cósmica, a saber, terra, água, fogo, are céu, não
apenas estão dentro do universo, mas também cobrem o universo em sete camadas,
cada camada dez vezes maior que a anterior. Dessa maneira, todo e cada universo
está muito bem empacotado, e existem inúmeros universos. Todos estes universos
flutuam dentro dos inumeráveis poros do corpo transcendental de Mahã-Visnu.
Afirma-se que assim como os átomos e partículas de poeira flutuam dentro do ar
juntamente com os pássaros e seu número não pode ser calculado, da mesma forma
inumeráveis universos flutuam dentro dos poros do corpo transcendental do Senhor.
Por este motivo, os Vedas dizem que Deus está além do alcance dc nosso conheci
mento. Avãn-mãnasa-gocara: compreender as dimensões de Deus está além da
jurisdição de nossa especulação mental. Portanto, uma pessoa que é realmente
erudita e sensata não afirma ser Deus, mas tenta entender Deus, fazendo distinções
entre espírito e matéria. Através desta cuidadosa discriminação, pode-se claramente
entender que a Alma Suprema é transcendental tanto à energia superior quanto à
energia inferior, embora tenha ligação direta com ambas. No Bhügavad-gitõ, o
Senhor Krsna explica que embora tudo repouse em Sua energia, Ele é diferente ou
separado da energia.
As vezes se designa a natureza e as entidades vivas como prakrii e purusa,
respectiva mente. Toda a manifestação cósmica é uma amaigamação de prakrti e
Orações dos Vedas personificados 667
Personalidade de Deus. Este corpo é descrito nos sãstras como virãt-rãpa. Assim
como a entidade viva individual mantém seu corpo particular, a Suprema Personali
dade de Deus mantém toda a criação cósmica e tudo dentro dela. Assim que a
entidade viva individual deixa o corpo material, o corpo é imediatamente aniqui
lado, e, da mesma maneira, assim que o Senhor Visnu deixa a manifestação cós
mica, tudo é aniquilado. Somente quando a entidade viva individual se rende à
Suprema Personalidade de Deus é que sua liberação da existência material está
garantida. Isto é confirmado no Bhagavad-gltã; mãm eva ye prapadyante rnãyãm
etarh taranti te. Render-se à Suprema Personalidade de Deus, e nada mais, é
portanto a causa da liberação. A forma como a entidade viva se liberta dos modos da
natureza material após render-se à Suprema Personalidade de Deus é ilustrada por
um Homem adormecido dentro de um quarto. Quando um homem está dormindo,
todos vêem que ele está presente dentro do quarto, mas na realidade o próprio
homem não está dentro daquele corpo, pois,.enquanto dorme, ele se esquece de sua
existência corpórea, embora outros vejam que seu corpo está presente. Analoga
mente, pode ser que os outros vejam uma pessoa liberada, dedicada ao serviço
devocional ao Senhor, ocupada nos deveres domésticos do mundo material, mas, já
que sua consciência está fixa em Krsna ela não vive dentro desse mundo. Suas
ocupações são diferentes, exatamente como as ocupações do homem adormecido
são diferentes de suas ocupações corpóreas. É confirmado no Bhagavad-ghõ que o
devoto que ocupa tempo integral no transcendental serviço amoroso ao Senhor já
superou a influência dos três modos da natureza material. Ele já está situado na
plataforma Brahman de compreensão espiritual, embora pareça estar vivendo den
tro do corpo ou dentro do mundo material.
Srila Rüpa Gosvãml afirma a este respeito em seu Bhakti-rusãmrta-sindhu que a
pessoa cujo único desejo é servir à Suprema Personalidade de Deus pode estar
situada em qualquer condição no mundo material, mas deve-se compreender que ela
é jivan-mukta, isto é, ela deve ser considerada liberada apesar de estar vivendo
dentro do corpo ou do mundo material. A conclusão, portanto, é que uma pessoa
inteíramente ocupada em consciência de Krsna é uma pessoa liberada. Tal pessoa
real mente nada tem a fazer dentro do mundo material. Aqueles que não estão em
consciência de Krsna chamam-se karmis e jhãnis, e pairam nas plataformas mental
e corpórea e deste modo não são liberados. Esta situação chama-se kaivalya-
nirasta-yoni. Porém, a pessoa situada na plataforma transcendental livra-se da
repetição de nascimentos e mortes. Isto também é confirmado no Quarto Capítulo
do Srlmad-Bhagavad-guã. Simplesmente por conhecermos a natureza transcenden
tal da Suprema Personalidade de Deus, Krsna, livramo-nos dos grilhões da repe
tição de nascimentos e mortes, e após abandonarmos nosso corpo atual voltamos ao
lar, voltamos ao Supremo. Esta é a conclusão de todos os Vedas. Assim, após
compreendermos as orações oferecidas pelos Vedas personificados, devemos nos
render aos pés de lótus do Senhor Krsna.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta
e Seis de Krsna, intitulado “Orações dos Vedas Personificados. ”
8 7 / Salvação do Senhor Siva
Como um grande devoto de Krsna, o rei Pariksit já era liberado, mas, para
esclarecer-se, ele estava fazendo várias perguntas a Sukadeva Gosvãmí. No capí
tulo anterior, a pergunta do rei Pariksit foi: “Qual é a meta última dos Vedas?" E
Sukadeva Gosvãmí explanou o assunto, dando descrições autorizadas tiradas da
sucessão discipular, começando com Sanandana e vindo até Nãrãyana Rsi, Nãrada,
Vyãsadeva e afinal ele próprio. A conclusão foi que o serviço devocional, ou
bhakti, é a meta última dos Vedas, Pode ser que um devoto neófito pergunte: “Se a
meta última da vida, ou a conclusão dos Vedas, é elevar-se à plataforma de serviço
devocional, por que, então, observa-se que um devoto do Senhor Visnu geralmente
não é muito próspero materialmente, ao passo que um devoto do Senhor Siva
geralmente é muito opulento?” A fim de esclarecer este assunto, Pariksit Mahãrãja
perguntou a Sukadeva Gosvãmí: “Meu querido Sukadeva Gosvãmí, observa-se
geralmente que aqueles que se ocupam na adoração ao Senhor Siva, seja na socie-
.dade humana, demoníaca ou dos semideuses, tomam-se materialmente muito opu
lentos, embora o próprio Senhor Siva viva como uma pessoa muito pobre. Por outro
lado, os devotos do Senhor Visnu, que é o controlador da deusa da fortuna, não
parecem muito prósperos, e às vezes inclusive observa-se que eles vivem sem
absolutamente nenhuma opulência material. O Senhor Siva vive debaixo de uma
árvore ou na neve das montanhas dos Himalayas. Ele nem sequer constrói uma casa
para ele, mas mesmo assim seus adoradores são muito ricos. Krsna, ou o Senhor
Visnu, entretanto, vive mui opulentamente, quer em Vaikuntha, quer neste mundo
material, mas Seus devotos parecem muito pobres. Porque isto acontece?"
A pergunta de Mahãrãja Pariksit é muito inteligente. As duas classes de devotos,
a saber, os devotos do Senhor Siva e os devotos do Senhor Visnu, estão sempre
discordando. Mesmo hoje em dia na índia, essas duas classes de devotos ainda
criticam uma à outra, e especialmente no sul da índia os seguidores de Rãmãnujã-
carya e os seguidores de Sahkarãcãrya promovem encontros ocasionais para com
preenderem a conclusão védica. Geralmente, os seguidores de Rãmãnujacãrya saem
vitoriosos em tais encontros. Assim, Pariksit Mahãrãja queria esclarecer a situação,
fazendo esta pergunta a Sukadeva Gosvãmí. Que o Senhor Siva vive como um
homem pobre embora seus devotos pareçam muito opulentos, ao passo que o
Senhor Krsna ou Senhor Visnu é sempre opulento, e todavia Seus devotos parecem
muito pobres, é uma situação que parece contraditória e confusa para uma pessoa de
discriminação.
Salvação do Senhor Siva 673
com base nesses dois princípios: prazeres para os órgãos genitais e prazeres para a
língua. Aqui está a resposta à pergunta que o rei Pariksit fez a Sukadeva Gosvãmi
sobre por que os adoradores do Senhor Si va são tão opulentos.
Os devotos do Senhor Siva apenas são opulentos em termos das qualidades
materiais. Na verdade, esse chamado avanço de civilização é a causa do enreda-
mento na existência material. Realmente isso não é avanço, mas sim degradação. A
conclusão é que. porque o Senhor Siva é o senhor das três qualidades, seus devotos
recebem coisas fabricadas pelas interações dessas qualidades para a satisfação dos
sentidos. No Bhagavad-gitã, contudo, recebemos instrução do Senhor Krsna de que
é preciso transcender a existência qualitativa. Nistraigunyo bhtivãrjunu: a missão
da vida humana é tornar-se transcendental às três qualidades. A menos que sejamos
nistraigunya, não podemos nos livrar do enredamento material. Em outras palavras,
os favores recebidos do Senhor Siva na verdade não são benéficos para as almas
condicionadas, embora essas facilidades pareçam opulentas.
Sukadeva Gosvãmi continuou: “A Suprema Personalidade de Deus, Hari, é trans
cendental às três qualidades da natureza material.''' Afirma-se no Bhagavad-gitã que
qualquer pessoa que se renda a Ele supera o controle das três qualidades da natureza
material. Portanto, uma vez que os devotos de Hari são transcendentais ao controle
das três qualidades materiais, certamente Ele próprio é transcendental. Afirma-se,
portanto, no Srimad-Bhãgavatam que Hari, ou Krsna, é a Suprema Personalidade
original. Há dois tipos de prakrtis. ou potências, a saber, a potência interna e a
potência externa, e Krsna é o senhor superior de ambas. Ele é sarva-drk, ou o
superintendente de todas as ações das potências interna e externa, e Ele também é
descrito como upadrastã, o conselheiro supremo. Por ser o conselheiro supremo,
Ele está acima de todos os semideuses. que meramente seguem as orientações do
conselheiro supremo. Sendo assim, se alguém segue diretamente as instruções do
Senhor Supremo, como se inculca no Bhagavad-gitã e no Srimad-Bhãgavatam,
então gradualmente ele se torna nirguna, ou acima das interações das qualidades
materiais. Ser nirguna significa estar desprovido de opulências materiais porque,
como explicamos, opulência material significa um aumento das ações e reações das
três qualidades materiais. Adorando a Suprema Personalidade de Deus, em vez de
se inflar com opulências materiais, a pessoa se enriquece com avanço espiritual de
conhecimento em consciência de Krsna. Tornar-se nirguna significa atingir paz
eterna, destemor, religiosidade, conhecimento e renúncia. Tudo isto são sinais de
alguém tornado livre da contaminação das qualidades materiais.
Ao responder à pergunta de Pariksit Mahãrãja, Sukadeva Gosvãmi prosseguiu
citando um evento histórico relativo ao avô de Pariksit Mahãrãja, o rei Yudhisthira.
Ele disse que, após terminar o sacrifício asvamedha na grande arena sacrificatória,
o rei Yudhisthira, na presença de grandes autoridades, indagou acerca daquele
mesmo assunto: como é que os devotos do Senhor Siva se tornam opulentos mate
rialmente, ao passo que os devotos do Senhor Visnu não? Sukadeva Gosvãmi
Salvação do Senhor Siva 675
especificamenie referiu-se ao rei Yudhisthira como “teu avô" para que Mahãrãja
Paríksit se animasse a pensar que estava relacionado com Krsna e que seus avós
estavam intimamente ligados à Suprema Personalidade de Deus.
Embora Krsna esteja sempre muito satisfeito por natureza, quando Mahãrãja
Yudhisthira fez esta pergunta o Senhor ficou ainda mais satisfeito porque essas
perguntas e suas respostas teriam um grande significado para toda a sociedade
consciente de Krsna, Sempre que o Senhor Krsna fala sobre algo a um devoto
específico, isso não se destina apenas àquele devoto, mas a toda a sociedade
humana. As instruções dadas pela Suprema Personalidade de Deus são importantes
até para os semideuses, encabeçados pelo Senhor Brahmã, o Senhor Siva e outros,
e alguém que não tire proveito das instruções da Suprema Personalidade de Deus,
que desce a este mundo para o benefício de todas as entidades vivas, é certamente
muito desventurado.
O Senhor Krsna respondeu à pergunta de Mahãrãja Yudhisthira da seguinte
maneira: “Se Eu favoreço especialmente a um devoto e desejo cuidar dele especial
mente, a primeira coisa que faço é tomar-lhe as riquezas." Quando o devoto se toma
um pobretão ou é posto numa posição comparativamente miserável, seus parentes e
familiares não se interessam mais por ele, e, na maioria dos casos, eles cortam as
relações com ele. O devoto então se toma duplamente infeliz. Primeiramente ele se
toma infeliz porque suas riquezas foram tomadas por Krsna, e se toma ainda mais
infeliz quando seus parentes o abandonam por causa de sua pobreza. Devemos
observar, contudo, que quando um devoto cai numa condição miserável dessa
maneira, isso não é devido a atividades ímpias passadas, conhecidas como karma-
phala; a pobreza do devoto é uma criação da Personalidade de Deus. De forma
semelhante, quando um devoto se toma materialmente opulento, isso também não é
devido a suas atividades piedosas. De qualquer modo, quer o devoto se tome mais
pobre ou mais rico, o arranjo é feito pela Suprema Personalidade de Deus. Este
arranjo é feito para Seu devoto especialmente por Krsna apenas para faze-to com
pletamente dependente dEle e livrá-lo de todas as obrigações materiais. Ele pode
então concentrar suas energias, mente e corpo — tudo—a serviço do Senhor, e
isso é serviço devocional puro. No Nãrada-pancarãtra explica-se, portanto,
sarvopÜdhi-vinirmuktam, que significa “estando livre de todas as designações.” Os
trabalhos executados para a família, a sociedade, a comunidade, a nação ou a
humanidade são todos designados: “eu pertenço a esta sociedade," “eu pertenço a
esta comunidade," “eu pertenço a esta nação,” “eu pertenço a esta espécie de vida.”
Todas essas identidades são meras designações. Quando, pela graça do Senhor, um
devoto livra-se de todas as designações, seu serviço devocional é realmente nais-
karma. Os jnõnís sentem-se muito atraídos pela posição de naiskarma, em que
nossas ações não têm mais efeito material. Quando as ações do devoto estão livres de
efeitos, elas não estão mais na categoria de kurma-phala, ou atividades fruitivas.
Como explicaram antes os Vedas personificados, a infelicidade e aflição de um
676 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
devoto está confiante de que tudo que oferece â Deidade em serviço devocional
pieno é aceito pelo Senhor, mas o demônio quer ver sua deidade adorável pessoal
mente para que possa diretamente tomar a bênção. O devoto não adora o Senhor
Visnu ou Krsna em troca de alguma bênção. Portanto, o devoto é chamado de
akãma, livre de desejo, e o não-devoto é chamado de sarva-kãma, ou que deseja
tudo. No sétimo dia, o demônio Vrkãsura decidiu cortar sua cabeça e oferecê-la
para satisfazer o Senhor Siva. Assim, ele tomou um banho no lago próximo dali, e.
sem secar corpo e cabelo, preparou-se para cortar sua cabeça. Segundo o sistema
védico, o animal a ser oferecido como sacrifício tem que ser banhado primeiro, e,
enquanto o animal está molhado, ele é sacrificado. Quando o demônio estava assim
se preparando para cortar sua cabeça, o Senhor Siva sentiu muita compaixão dele.
Esta compaixão é um sintoma da qualidade da bondade. O Senhor Siva é chamado
de tri-linga. Portanto, sua manifestação da natureza de compaixão é um sinal da
qualidade da bondade. Esta compaixão, contudo, está presente em toda entidade
viva. A compaixão do Senhor Siva foi despertada porque o demônio estava ofere
cendo sua carne ao fogo sacrificatório. Isto é compaixão natural. Mesmo que um
homem comum veja alguém preparando-se para cometer suicídio, é seu dever tentar
salvá-lo. Ele faz isso automaticamente. Não é necessário apelar para ele. Portanto,
quando o Senhor Siva apareceu do fogo para impedir o demônio de cometer suicí
dio, este não foi um favor muito grande de sua parte.
O toque do Senhor Siva salvou o demônio de cometer suicídio; as feridas de seu
corpo curaram-se imediatamente e seu corpo voltou a ser como era antes. Então o
Senhor Siva disse ao demônio: “ Meu caro Vrkãsura, não precisas cortar tua cabeça.
Podes pedir-me qualquer bênção que quiseres, que eu satisfarei teu desejo. Não sei
por que querías cortar a cabeça para satisfazer-me. Mesmo uma simples oferenda de
um pouco dágua me satisfaz.” Na verdade, segundo o processo védico, a Siva linga
no templo, ou a forma do Senhor Siva no templo, é adorada simplesmente,
oferecendo-se-lhe água do Ganges, porque se diz que o Senhor Siva fica muito
satisfeito quando se derrama água dq Ganges sobre sua cabeça. Geralmente, os
devotos oferecem água do Ganges e as folhas da árvore bilva, que se destinam
especialmente a oferendas ao Senhor Siva e à deusa Dürgã. O fruto desta árvore
também é oferecido ao Senhor Siva. O Senhor Siva garantiu a Vrkãsura que ele
ficava satisfeito com um processo muito simples de adoração. Por que, então, ele
estava tão ansioso por cortar a cabeça, e por que estava se submetendo a tanta dor
cortando seu corpo em pedaços e oferecendo-o no fogo? Não havia necessidade
dessas penitências rigorosas. De qualquer modo, por compaixão e pena, o Senhor
Siva preparou-se para dar-lhe qualquer bênção que ele quisesse.
Quando o Senhor Siva ofereceu esta oportunidade ao demônio, este pediu-lhe
uma bênção assustadora e abominável. O demônio era muito pecaminoso,' e pessoas
pecaminosas não sabem que tipo de bênção deve ser pedida à deidade. Portanto, ele
pediu ao Senhor Siva que o abençoasse com um poder tal que assim que ele tocasse
682 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Porque untas teu corpo com cinzas, não és muito limpo. Por favor, não me toques."
Quando Bhrgu Muni se negou a abraçar seu irmão, dizendo que o Senhor Siva era
impuro, este ficou muito irado com eie. E dito que uma ofensa pode ser cometida ou
com o corpo, ou com a mente ou com palavras. A primeira ofensa de Bhrgu Muni,
cometida contra o Senhor Brahmã, foi uma ofensa com a mente. Sua segunda
ofensa, cometida contra o Senhor Siva ao insultá-lo, criticando-o pelos hábitos
sujos, foi uma ofensa por palavras. Porque a qualidade da ignorância sobressai no
Senhor Siva, quando ele ouviu o insulto de Bhrgu, seus olhos imediatamente
avermelharam-se de ira. Com fúria incontrolável, eie tomou de seu tridente e
preparou-se para matar Bhrgu Muni. Naquela ocasião, Pãrvati, a esposa do Senhor
Siva, estava presente. Sua personalidade é uma mistura das três qualidades, e por
isso ela é chamada Trigunamayl. Neste caso, ela remediou a situação evocando a
qualidade de bondade do Senhor Siva. Ela caiu aos pés de seu esposo, e, com suas
doces palavras, ela dissuadiu-o de matar Bhrgu Muni.
Após ser salvo da ira do Senhor Siva, Bhrgu Muni foi diretamente ao planeta
Svetadvípa, onde o Senhor Visnu estava deitado sobre uma cama de flores, acom
panhado por Sua esposa, a deusa da fortuna, que estava ocupada em massagear-Lhe
os pés de lótus. AH Bhrgu Muni cometeu propositadamente o maior pecado, ofen
dendo o Senhor Visnu através de suas atividades corpóreas. A primeira ofensa
cometida por Bhrgu Muni foi mental, a segunda ofensa foi vocal e a terceira ofensa,
corporal. Estas diferentes ofensas são progressivamente maiores em grau. Uma
ofensa cometida mentalmente é uma ofensa positiva; a mesma ofensa, quando
cometida verbalmente, é relativamente mais grave; e, quando cometida através de
ação corporal, é superlativa em termos de caráter ofensivo. Assim Bhrgu Muni
cometeu a maior ofensa tocando o peito do Senhor com seu pé na presença da deusa
da fortuna. Evidentemente, o Senhor Visnu é todo-misericordioso'. Ele não ficou
irado com as atividades de Bhrgu Muni, pois Bhrgu Muni era um grande brãhmana.
Um brãhmana deve ser perdoado mesmo que às vezes cometa uma ofensa, e o
Senhor Visnu deu o exemplo. Contudo, se diz que desde a época deste incidente
Laksmi, a deusa da fortuna, não tem sido muito favoravelmente disposta para com
os brãhmanas, e por isso, porque a deusa da fortuna recusa suas bênçãos para eles,
os brãhmanas são geralmente muito pobres. O ato de Bhrgu Muni tocar no peito do
Senhor Visnu com seu pé foi certamente uma grande ofensa, mas o Senhor Visnu é
tão magnânimo que não Se importou com isso. Os ditos brãhmanas da Kali-yuga às
vezes têm muito orgulho de poderem tocar no peito do Senhor Visnu com seus pés.
Mas, quando Bhrgu Muni tocou no peito do Senhor Visnu com seus pés, isso foi
diferente porque, embora aquilo fosse a maior ofensa, o Senhor Visnu, sendo
muitíssimo magnânimo, não levou-a muito a sério.
Em vez de ficar irado ou amaldiçoar Bhrgu Muni, o Senhor Visnu imediatamente
levantou-Se de Sua cama junto com Sua esposa, a deusa da fortuna, e ofereceu
respeitosas reverências ao brãhmana. Ele falou o seguinte a Bhrgu Muni: “Meu
querido brãhmana, é uma grande bênção para Mim que tenhas vindo aqui. Por
688 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
favor, portanto, senta-te nesta almofada por alguns minutos. Meu querido
brãhmana, sinto muito de que logo quando entraste Eu não pude receber-te adequa
damente. Foi uma grande ofensa da Minha parte, e peço que me perdoes. És tão
puro e grandioso que a água que lava teus pés pode purificar até mesmo os locais de
peregrinação. Portanto, solicito que purifiques o planeta Vaikuntha onde Eu vivo
com Meus associados. Meu querido pai, ó grande sábio, sei que teus pés são muito
suaves, qual uma flor de lótus, e que Meu peito é duro como um raio. Por isso, temo
que tenhas sentido alguma dor ao tocar Meu peito com teus pés. Deixa-Me tocar
teus pés para aliviar a dor que sofreste.” O Senhor Visnu então começou a mas
sagear os pés de Bhrgu Muni.
O Senhor continuou a falar a Bhrgu Muni: “Meu querido senhor,” disse'Ele,
“agora Meu peito tomou-se santificado por causa do toque de teus pés, e agora
tenho certeza de que a deusa da fortuna, Laksml, sentirá muito prazer em viver ali
perpetuamente.” Outro nome para Laksml é Cancalã, indicando que ela não perma
nece em um lugar por muito tempo. Por conseguinte, vemos que a família de um
homem rico às vezes se toma pobre após algumas gerações, e às vezes vemos que a
família de um homem pobre toma-se muito rica. Laksml, a deusa da fortuna, é
Cancalã neste mundo material, ao passo que nos planetas Vaikuntha ela vive eterna-
mente aos pés de lótus do Senhor. Porque Laksml é famosa como Cancalã, o Senhor
Nãrãyana indicou que talvez ela não vivesse perpetuamente a Seu peito, mas porque
Seu peito fora tocado pelos pés de Bhrgu Muní, agora ele estava santificado, e não
havia possibilidade de que a deusa da fortuna o deixasse. Bhrgu Muni, contudo,
podia compreender sua posição e a do Senhor, e estava maravilhado com o compor
tamento da Suprema Personalidade de Deus. Por causa de sua gratidão, sua voz
abafou-se e ele não foi capaz de responder às palavras do Senhor. Lágrimas desliza
ram de seus olhos, e ele não podia dizer nada. Ele simplesmente ficou parado, em
silêncio, ante o Senhor.
Após testar o Senhor Brahmã, o Senhor Siva e o Senhor Visnu, Bhrgu Muní
retomou à assembléia de grandes sábios às margens do rio Sarasvati e descreveu sua
experiência. Após ouvi-lo com grande atenção, os sábios concluíram que de todas
as deidades predominantes, certamente Visnu está situado no modo da bondade em
seu grau máximo. No Srhnad-Bhãgavatam, esses grandes sábios são descritos como
brahma-vãdinãm. Brahma-vãdinãm significa aqueles que conversam sobre a Ver
dade Absoluta mas que ainda não chegaram a uma conclusão. De-um modo geral,
brahma-vãdi refere-se aos impersonaiistas ou àqueles que são estudantes dos Vedas.
Deve-se compreender, portanto, que todos os sábios reunidos eram sérios estudan
tes da literatura védica, mas não haviam chegado a conclusões definidas no que se
refere Aquele que é a Suprema e Absoluta Personalidade de Deus.
Após ouvirem a experiência de Bhrgu Muní em seu encontro com as três deidades
predominantes, o Senhor Siva, o Senhor Brahmã e o Senhor Visnu, os sábios
concluíram que o Senhor Visnu é a Verdade Suprema, a Personalidade de Deus. É
O superexcelente poder de Krsna 689
nas oito opulências alcançadas através da prática da yoga mística, tais como as
anima, laghimã e prãpti sicldhis, também é alcançado sem esforços separados. O
exemplo perfeito disso é Mahãrãja Ambarisa. Ele não era um yogi místico, mas sim
um grande devoto; contudo, num desacordo com Mahãrãja Ambarisa, o grande
místico Durvãsã foi derrotado na presença de sua atitude devocional. Em outras
palavras, um devoto não precisa praticar o sistema de yoga mística para obter
poder. O poder anda com ele pela graça do Senhor, assim como quando uma criança
pequena é rendida a um pai poderoso, todos os poderes do pai a acompanham.
A reputação daquele que se toma famoso como devoto do Senhor nunca há de se
extinguir. O Senhor Caitanya, quando conversava com Rãmãnanda Rãya, pergun
tou: “Qual é a maior fama?” Rãmãnanda Rãya respondeu que ser conhecido como
um devoto puro do Senhor Krsna é a fama perfeita. A conclusão, portanto, é que
Visnu-dharrna, ou a religião do serviço devocional à Suprema Personalidade de
Deus, destina-se a pessoas que sejam meditativas. Pela devida utilização da refle
xão, chega-se ao estágio de pensar na Suprema Personalidade de Deus. Pensando na
Suprema Personalidade de Deus, livramo-nos da contaminação da deficiente as
sociação do mundo material, e assim nos tomamos pacíficos. O mundo está numa
condição perturbada devido a uma escassez de tais devotos pacíficos na sociedade
humana. A menos que a pessoa seja um devoto, ela não pode ser igual com todas as
entidades vivas. O devoto é igualmente disposto para com os animais, os seres
humanos e todas as entidades vivas porque ele vê toda entidade viva como parte
integrante do Senhor Supremo. No Isopanisad afirma-se claramente que aquele que
chega ao estágio de ver todos os seres vivos igualmente não odeia ninguém nem
favorece ninguém. O devoto não anseia possuir mais do que necessita. Por isso, os
devotos são akincana: em qualquer condição de vida, estão satisfeitos. É dito que o
devoto é equilibrado, quer esteja no inferno, quer esteja no céu. O devoto é indife
rente a todos os assuntos que não sejam sua ocupação no serviço devocional. Este
modo de vida é o estágio perfectivo máximo, do qual podemos ser elevados ao
mundo espiritual, de volta ao lar, de volta ao Supremo. Os devotos da Suprema
Personalidade de Deus são especialmente atraídos pela qualidade material mais
' elevada, a bondade, e o brõhmana qualificado é a representação simbólica desta
bondade. Portanto, o devoto apega-se ao estágio bramínico de vida. Ele não está
muito interessado na paixão e na ignorância, embora essas qualidades também
emanem do Senhor Supremo, Visnu. No Srimad-Bhãgavatam, os devotos são des
critos como nipuna-buddhayah, que significa que eles são a classe de homens
mais inteligentes. Não influenciado por apego ou aversão, o devoto vive muito pacifica
mente e não é agitado pela influência da paixão e da ignorância.
Pode ser que se questione aqui por que um devoto deve se apegar à qualidade da
bondade no mundo material se ele é transcendental a todas as qualidades materiais.
A resposta é que há diferentes tipos de pessoas existindo nos modos da natureza
material. Aqueles que estão no modo da ignorância são chamados rãksasas. aqueles
O superexceJente poder de Krsna 691
matando animais na floresta, ou matando cidadãos por atos criminosos. Ele.não tem
auto-controle e possui mau caráter. Se um rei assim for adorado ou honrado pelos •
cidadãos, os cidadãos jamais serão felizes. Eles permanecerão sempre pobres,
cheios de ansiedades e aflição, e sempre infelizes.” Embora na política moderna o
posto de monarca tenha sido abolido, o presidente não se responsabiliza pelos
confortos dos cidadãos. Nesta era de Kali, o chefe executivo de um estado dc
alguma forma obtém votos e é eleito a um posto elevado, mas a condição dos
cidadãos continua a ser cheia de ansiedade, aflição, infelicidade e insatisfação.
O segundo filho do brãhmanu também nasceu morto, e o terceiro também. Ele
teve nove filhos, e cada um deles nasceu morto. E toda vez ele vinha ao portão do
palácio para acusar o rei. Quando o brãhmanu veio acusar o rei de Dvãrakã pela
nona vez, Arjuna sucedia de estar presente com Krsna. Ao ouvir que um brãhmanu
estava acusando o rei de não protegê-lo adequadamente, Arjuna ficou curioso e
aproximou-se do brãhmanu. Ele disse: “Meu querido brãhmanu, por que dizes que
não há ksatriyas adequados para proteger os cidadãos de teu país? Não há sequer
alguém que possa tingir ser um ksatriyu, que possa carregar arco e flecha pelo
menos para fazer uma exibição de proteção? Acaso pensas que todas as personalida
des reais neste país simplesmente se ocupam em executar sacrifícios com os
brãhmanus mas que não têm poder cavalheiresco?” Assim, Arjuna indicou que os
ksatriyas não devem ficar confortavelmente sentados e ocupar-se apenas em execu
tar rituais védicos. Pelo contrário, eles devem ser muito cavalheirescos ao proteger
os cidadãos. Não é de se esperar que os brãhmanus, estando ocupados em ativida
des espirituais, façam algo que envolva esforço físico. Portanto, eles precisam ser
protegidos pelos ksatriyas para que não sejam perturbados na execução de seus
deveres ocupacionais superiores.
”Se os brãhmanus sentem separação indesejada de suas esposas e filhos.” conti
nuou Arjuna, ”se os reis ksatriyas não cuidam deles, então tais ksatriyas devem ser
considerados como simples atores de teatro. Em representações dramáticas no tea
tro, o ator pode desempenhar o papel de um rei, mas ninguém espera quaisquer
benefícios de tal rei fictício. Analogamente, se o rei ou o chefe executivo de um
estado não pode dar proteção ao cabeça da estrutura social, ele é considerado um
mero enganador. Tais chefes executivos simplesmente vivem para sua própria sub
sistência enquanto ocupam postos elevados como chefes de estado. Meu senhor,
prometo que darei proteção a teus filhos, e se não for capaz de fazê-lo, então
entrarei em fogo ardente para que a contaminação pecaminosa que me infectar seja
neutralizada.”
Ao ouvir Arjuna falar dessa maneira o brãhmanu respondeu: “Meu querido
Arjuna, o Senhor Balarãma está presente, mas Ele não pôde dar proteção a meus
filhos. O Senhor Krsna também está presente, mas Ele também não pôde dar-lhes
proteção. Há também muitos outros heróis, tais como Pradyumna e Aniruddha,
portando arcos e flechas, mas eles não puderam proteger meus filhos.” O brãhmanu
694 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
sugeriu diretamente que Arjuna não poderia fazer aquiloque fora impossível para a
Suprema Personalidade de Deus. Ele sentiu que Arjuna estava prometendo algo
além de seu poder. O brãhmana disse: ‘‘Considero tua promessa como a de uma
criança inexperiente. Não posso depositar minha fé em tua promessa."'
Arjuna então compreendeu que o brãhmana havia perdido toda a fé nos reis
ksatriyas. Portanto, para animá-lo, Arjuna falou como se estivesse criticando inclu
sive o seu amigo, Senhor Krsna. Enquanto o Senhor Krsna e outros ouviam, ele
especificamente atacava Krsna dizendo: “Meu querido brãhmana, eu não sou San-
kürsana nem Krsna, nem um dos filhos de Krsna, como Pradyumna ou Aniruddha.
Meu nome é Arjuna. e eu carrego o arco conhecido como Gãndíva. Tu não podes
insultar-me, pois eu satisfiz até mesmo o Senhor Siva com minha valentia quando
nós ambos estávamos caçando na floresta. Eu lutei contra o Senhor Siva, que
apareceu perante mim como um caçador, e quando o satisfiz com minha valentia,
ele me deu a arma conhecida como pãsupãtãstra. Não duvides de meu cavalhei
rismo. Eu recuperarei teus filhos mesmo que tenha de lutar contra a morte personifi
cada." Ao ser assegurado por Arjuna com palavras tão exaltadas, o brãhmana de
alguma forma se convenceu, c assim regressou ao lar.
Quando a esposa do brãhmana estava para dar à luz outra criança, o brãhmana
começou a cantar: “Meu querido Arjuna, por favor, vem agora e salva meu filho."
Após ouvi-lo, Arjuna preparou-se imediatamente tocando água santificada e profe
rindo mantras sagrados para proteger seus arcos e flechas do perigo. Ele especifica
mente tomou da flecha que lhe fora presenteada pelo Senhor Siva, e, enquanto saía,
lembrou-se do Senhor Siva e de seu grande favor. Dessa maneira, ele apareceu em
frente à maternidade, equipado com seu arco, conhecido como Gãndíva, e com
várias outras armas.
Arjuna, que aparentemente não saíra de Dvãrakã porque tinha que cumprir sua
promessa para com o brãhmana, foi chamado à noite quando a esposa do brãhmana
ia dar à luz a criança. Enquanto ia à maternidade para encarregar-se do caso do
parto da esposa do brãhmana, Arjuna lembrou-se do Senhor Siva, e não de seu
amigo Krsna; ele achou que uma vez que Krsna não pudera dar proteção ao
brãhmana, era melhor refugiar-se no Senhor Siva. Este é outro exemplo de como
uma pessoa se refugia nos semideuses. Isto é explicado no Bhagavad-gitã. Kamais
lais tair hrta-jnãnãh: uma pessoa que perde sua inteligência por causa de cobiça e
luxúria esquece-se da Suprema Personalidade de Deus e refugia-se nos semideuses.
Evidentemente, Arjuna não era uma entidade viva comum, mas, por causa de seu
relacionamento amistoso com Krsna, ele achou que Krsna era incapaz de dar pro
teção ao brãhmana e que seria melhor lembrar-se do Senhor Siva. Posteriormente,
foi provado que o ato de Arjuna refugiando-se no Senhor Siva cm vez de em Krsna
não foi absolutamente exitoso. Arjuna, contudo, fez o melhor que pôde, cantando
diferentes mantras, e tomou de seu arco para defender a maternidade contra todos
os pontos cardeais. A esposa do brãhmana pariu um menino, c, como de costume, a
. O superexcelente poder de Krsna 695 1
criança começou a chorar. Mas, de repente, dentro cie poucos minutos, tanto a
criança quanto as flechas de Arjuna desapareceram no céu.
Parece que a casa do brãhmana era próxima da residência de Krsna e que o
Senhor Krsna estava Se divertindo com tudo que estava ocorrendo, aparentemente
em desafio a Sua autoridade. Foi Ele que fez o truque de tomar o bebê do j
brãhmana, como também as flechas, incluindo aquela dada pelo Senhor Siva, da
qual Arjuna tinha tanto orgulho. Tad bhavary alpa-medhasãm: os homens menos
inteligentes refugiam-se nos semideuses devido à desorientação e satisfazem-se
com os benefícios que eles concedem.
Na presença do Senhor Krsna e outros, o brãhmana pôs-se a acusar Arjuna:
“Vejam todos a minha tolice! Depositei minha fé nas palavras de Arjuna. que é
impotente e que é perito apenas em falsas promessas. Quão tolo eu fui de acreditar
em Arjuna. Ele prometeu proteger meu filho quando nem mesmo Pradyumna,
Aníruddha, o Senhor Balarãma e o Senhor Krsna o conseguiram. Se personalidades
tão grandiosas não puderam proteger meu filho, quem, então, poderá fazê-lo? Por
isso, eu condeno Arjuna por sua promessa falsa, e também condeno seu célebre arco
Gandlva e sua insolência ao declarar-se superior ao Senhor Balarãma, ao Senhor
Krsna, a Pradyumna e a Aníruddha. Ninguém poderá salvar meu filho, pois ele já
foi transferido para outro planeta. Unicamente devido a pura tolice. Arjuna julgou
que poderia recuperar meu filho de outro planeta.”
Condenado assim pelo brãhmana, Arjuna proveu-se de poder com uma perfeição ;
de yoga mística a rim de poder viajar a qualquer planeta para encontrar o bebê do J
brãhmana. Parece, que Arjuna tinha domínio sobre o poder ióguico místico através
do qual os yogls podem viajar a qualquer planeta que desejem. Primeiramente, ele
foi ao planeta conhecido como Yamaloka, onde vive Yamarãja, o superintendente
da morte. Ali ele procurou o bebê do brãhmana, mas não foi capaz de encontrá-lo.
Então foi imediatamente ao planeta onde vive Indra, o rei do céu. Como fosse
incapaz de encontrar o bebê ali, ele foi aos planetas dos semideuses do fogo,
Nalrrti, e depois ao planeta Lua. A seguir ele foi a Vãyu e a Varunaloka. Como
fosse incapaz de encontrar o bebê naqueles planetas, ele desceu ao planeta Rasãtala,
o mais baixo dos sistemas planetários. Após viajar a todos esses diferentes planetas,
ele finalmente foi a Brahmaioka, aonde nem mesmo os yogis místicos podem ir.
Pela graça do Senhor Krsna, Arjuna tinha esse poder, e foi acima dos planetas
celestiais até Brahmaioka. Como fosse incapaz de encontrar o bebê mesmo após
procurá-lo em todos os planetas possíveis, ele então tentou atirar-se num fogo,
como havia prometido.ao brãhmana se fosse incapaz de trazer seu bebê de volta. O
Senhor Krsna, contudo, era muito bondoso com Arjuna porque Arjuna era o amigo
mais íntimo do Senhor. O Senhor Krsna persuadiu Arjuna a não entrar no fogo de
modo indigno. Krsna indicou que já que Arjuna era Seu amigo, se ele tivesse que
entrar no fogo em desespero, indiretamente, isso seria uma desonra para Ele. O
696 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Bhugavad-gítã se diz: vyakio 'vyaktãt sanãtanah: ambas essas energias são etema-
mente manifestas.
Depois disso, o Senhor Krsna e Arjuna entraram numa vasta água espiritual. Esta
água espiritual é chamada de Oceano Kãranãmava, ou Virãja, que significa que este
oceano é a origem da criação do mundo material. No Mrtyunjaya Tantru, uma
literatura védica, há uma vivida descrição deste Oceano Kãrana, ou Virãja. Ali se
afirma que o sistema planetário mais elevado dentro do mundo material é Satya-
(oka, ou Brahmaloka, além do qual há Rudraloka e Mahã-Visnuloka. Em relação a
este Mahã-Visnuloka, é afirmado no Brahma-sarhhitã: yah kãranãrnava-jale bhu-
jati sma yoga: “O Senhor Mahã-Visnu está deitado no Oceano Kãrana. Quando Ele
exala, inúmeros universos vêm a existir, e quando Ele inala, inúmeros universos
entram dentro dEle.” Dessa maneira, a criação material é gerada e novamente
removida. Quando o Senhor Krsna e Arjuna entraram na água, parecia que havia
um grande furacão de refulgência transcendental formando-se, e a água do Oceano
Kãrana estava muitíssimo agitada. Pela graça do Senhor Krsna, Arjuna teve a
experiência única de ser capaz de ver o belíssimo Oceano Kãrana.
Acompanhado por Krsna, Arjuna viu um grande palácio dentro da água. Havia
muitos milhares de pílastras e colunas feitas de jóias preciosas, e a refulgência
ofuscante dessas colunas era tão bela que Arjuna ftcou encantado com ela. Dentro
daquele palácio, Arjuna e Krsna viram a gigantesca forma de Anantadeva, que
também é conhecida como Sesa. O Senhor Anantadeva, ou Sesanãga, estava sob a
forma de uma grande serpente com milhares de capelos, cada um deies decorado
com refulgentes jóias preciosas, belamente cintilantes. Cada um dos capelos de
Anantadeva tinha dois olhos, que pareciam muito assustadores. Seu corpo era
branco como o cume da montanha de Kailãsa, que está sempre coberto de neve. Seu
pescoço era azulado, assim como Suas línguas. Assim Arjuna viu a forma Sesa
nãga, e também viu que sobre aquele suavíssimo corpo branco de Sesanãga o
Senhor Mahã-Visnu estava deitado muito confortavelmente. Ele parecia onipene-
trante e muito poderoso, e Arjuna pôde entender que a Suprema Personalidade de
Deus sob aquela forma é conhecida como Purusottama. Ele é conhecido como
Purusottama, o melhor, ou a Suprema Personalidade de Deus, porque desta forma
emana dentro do mundo material outra forma de Vlsnu, conhecida como Garbhoda-
kasãyT Visnu. A forma Mahã-Visnu do Senhor, Purusottama, está além do mundo
material. Ele também é conhecido como Uttama. Tarna significa “escuridão’', e ut
significa “acima, transcendental”; portanto, Uttama significa “acima da região mais
escura do mundo material.” Arjuna viu que a cor do corpo de Purusottama, Mahã-
Visnu, era negra como uma nuvem nova da estação das chuvas. Ele estava vestido
com belas roupas amarelas, Seu rosto estava sempre belamente sorridente, e Seus
olhos, que eram como pétalas de lótus, eram muito atrativos. O elmo do Senhor
Mahã-Visnu era omado com jóias preciosas, e Seus belos brincos intensificavam a
beleza do cabelo ondulado sobre Sua cabeça. O Senhor Mahã-Visnu'tem oito
O superexcelente poder de Krsna 699
braços, todos muito longos, que chegam até Seus joelhos. Seu pescoço estava
decorado com a jóia Kaustubha, e Seu peito estava marcado com o símbolo de
Srivatsa, que significa “o lugar de descanso da deusa da fortuna”. O Senhor usava
uma guirlanda de flores de lótus até Seus joelhos. Esta longa guirlanda é conhecida
como guirlanda vaijayanti.
•O Senhor estava rodeado por Seus associados pessoais Nanda e Sunanda, e o
disco Sudarsana personificado também estava a Seu lado. Como se afirma nos
Vedas, o Senhor tem inumeráveis energias, e elas também estavam ali personifica
das. As mais importantes dentre elas eram as seguintes: pusri, a energia para
nutrição; sri, a energia de beleza; klrd, a energia de reputação; e ajã, a energia de
criação material. Todas essas energias são aplicadas nos administradores do mundo
material, a saber, o Senhor Brahmã, o Senhor Siva e o Senhor Visnu, e nos reis dos
planetas celestiais, Indra Candra, Varuna e o deus do Sol. Em outras palavras, todos
esses semideuses, sendo dotados de poder pelo Senhor com determinadas energias,
ocupam-se no transcendental serviço amoroso à Suprema Personalidade de Deus. O
aspecto Mahã-Visnu é uma expansão do corpo de Krsna. O Brahma-saríthitã tam
bém confirma que Mahã-Visnu é uma porção de uma expansão plenária de Krsna.
Nenhuma dessas expansões é diferente da Personalidade de Deus, mas, uma vez
que Krsna apareceu dentro deste mundo material para manifestar Seus passatempos
como um ser humano, Ele e Arjuna imediatamente ofereceram seus respeitos ao
Senhor Mahã-Visnu, prostrando-se perante Ele. É afirmado no Srlmad-Bhãgavaiam
que o Senhor Krsna ofereceu respeitos a Mahã-Visnu; isto significa que Ele Lhe
ofereceu reverências somente porque o Senhor Mahã-Visnu não é diferente dEle
próprio. Este oferecimento de reverências por parte de Krsna a Mahã-Visnu não é,
contudo, a forma de adoração conhecida como ahahgrahopãsanã, que é às vezes
recomendada para pessoas que estão tentando elevar-se ao mundo espiritual execu
tando o sacrifício do conhecimento. Tais pessoas também são mencionadas no
Bhagavad-gltã: jnãna-yajhena cãpyanye yajante mãm upãsate.
Embora não houvesse necessidade de Krsna oferecer reverências, por Ele ser o
Senhor e mestre, Ele ensinou, a Arjuna como se deve oferecer respeitos ao Senhor
Mahã-Visnu. Arjuna, entretanto, ficou com muito medo ao ver a gigantesca forma
de tudo, distinta da experiência material. Vendo Krsna oferecer reverências ao
Senhor Mahã-Visnu, ele imediatamente O imitou e depois ficou de pé perante o
Senhor com as mãos postas. Depois disso, a gigantesca forma de Mahã-Visnu,
muitíssimo satisfeita, sorriu agradavelmente e falou o seguinte.
“Meus queridos Krsna e Arjuna, Eu estava muito ansioso por ver-vos a ambos, e
por isso planejei roubar os bebês do brãhmana e mantê-los aqui. Tenho esperado
ver-vos neste palácio. Vós aparecestes no mundo material como Minhas encar
nações a fim de reduzir a força das pessoas demoníacas que sobrecarregam o
mundo. Agora, após matar todos esses demônios indesejados, por favor, voltai a
Mim. Ambos vós sois encarnações do grande sábio Nara-Nãrãyana. Embora sejais
700 K rsn a, a Suprem a Personalidade de Deus
Arjuna ficou muitíssimo surpreendido após regressar do reino espiritual, que ele
foi capaz de visitar pessoalmente com Krsna. Ele pensou consigo mesmo que,
embora fosse apenas uma entidade viva comum, pela graça de Krsna tinha podido
ver o mundo espiritual pessoalmente. Não apenas havia ele visto o mundo espiri
tual, mas também havia visto pessoalmente o Mahã-Visnu original, a causa da
criação material. Diz-se que Krsna nunca sai de Vmdãvana: vrndãvanampcirityajya
na sam ekam gacchati. Krsna é supremo em Mathurã, é mais supremo em Dvãrakã
e é supremíssimo em Vmdãvana. Apesar de os passatempos de Krsna em Dvãrakã
serem manifestados por Sua porção Vãsudeva, não há diferença entre a porção
Vãsudeva manifestada em Mathurã e Dvãrakã e a manifestação original de Krsna
em Vmdãvana. No começo deste livro vimos que quando Krsna aparece, todas as
Suas encarnações, porções plenárias e porções das porções plenárias vêm com Ele.
Assim, alguns de Seus diferentes passatempos são manifestados, não pelo próprio
Krsna original, mas por Suas diferentes porções e porções plenárias de encarnação.
Portanto, Arjuna estava perplexo sobre como Krsna fora ver o Karãnãrnavasãyl
Visnu no mundo espiritual. Isto é inteiramente discutido nos comentários de Srila
Visvanãtha Cakravartí Thãkura.
Compreende-se pelas palavras de Mahã-Visnu que Ele estava muito ansioso por
ver Krsna. Pode-se dizer, contudo, que uma vez que Mahã-Visnu roubou os filhos
do brãhmana, certamente Ele devia ter ido até Dvãrakã para fazê-lo. Portanto, por
que Ele não viu Krsna lá? Uma resposta possível é que Krsna não pode ser visto
nem mesmo pelo Mahã-Visnu deitado no Oceano Causai do mundo espiritual, a
menos que Krsna Lhe dê permissão. Assim, Mahã-Visnu roubou os filhos do
brãhmana, um após o outro, logo após eles nascerem, para que Krsna viesse
pessoalmente recuperá-los e Ele (Mahã-Visnu) pudesse vê-lO ali. Se é mesmo isso,
a pergunta seguinte é: por que Mahã-Visnu viría pessoalmente a Dvãrakã se Ele não
era capaz de ver Krsna? Por que Ele não enviou alguns de Seus associados para
roubar os filhos do brãhmana? Uma resposta possível é que é muito difícil colocar
qualquer um dos cidadãos de Dvãrakã em dificuldade na presença de Krsna. Por-
' tanto, como não seria possível que nenhum dos associados de Mahã-Visnu roubasse
os filhos do brãhmana, Ele pessoalmente veio tomá-los.
Outra pergunta também pode ser levantada: se o Senhor é conhecido como
brahmanya-deva, a Deidade adorável dos brãhmanas, por que, então, Ele Se sentiu
702 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
seus cabelos longos caíam para decorar essas partes de seus corpos. As belas flores
colocadas em seus cabelos caíam, e as rainhas, aparentemente molestadas pelo fato de o
Senhor jogar água nelas, aproximavam-se dEle sob o pretexto de agarrar o instrumento
semelhante à seringa. Esta tentativa criava uma situação em que o Senhor podia abraça
das. Ao serem abraçadas, as esposas do Senhor sentiam em suas bocas uma ciara indica
ção de amor conjugal, e isto criava uma atmosfera de bem-aventurança espiritual.
Quando a guirlanda em volta do pescoço do Senhor tocava então os seios das rainhas, o
corpo delas cobria-se de amarelo açafroado. Estando ocupadas nesses passatempos
celestiais, as rainhas esqueciam-se de si mesmas, e seus cabelos soltos pareciam as belas
ondas de um rio. Quando as rainhas borrifavam água no corpo de Krsna ou Ele borrifava
água nos corpos das rainhas, toda a situação parecia com a situação de um elefante
desfrutando em um lago com muitas elefantas.
Após divertirem-se plenamente entre si, as rainhas e o Senhor Krsna saíam da
água, e abandonavam suas roupas molhadas, que eram muito valiosas, para serem
tomadas pelos cantores e dançarinos profissionais. Esses cantores e dançarinos não
tinham outro meio de subsistência além das recompensas de roupas e ornamentos
valiosos deixados pelos reis e rainhas em tais ocasiões. Todo o sistema da sociedade
era tão bem planejado que todos os membros da sociedade em suas diferentes
posições como brãhmanas, ksatriyas, vaisyas e südras não tinham dificuldade em
ganhar sua vida. Não havia competição entre as divisões da sociedade. A concepção
original do sistema de castas era planejada de tal modo que um grupo de homens
ocupados em um tipo particular de afazer não competia com outro grupo de homens
dedicados a uma ocupação diferente.
Dessa maneira, o Senhor Krsna desfrutava da companhia de Suas dezesseis mil
esposas. Os devotos do Senhor que querem amar a Suprema Personalidade de Deus
na doçura de amor conjugal são elevados à posição em que se tomam esposas de
Krsna, e Krsna os mantém sempre apegados a Ele através de Seu comportamento
amável. O comportamento de Krsna com Suas esposas, Seus movimentos, Sua
conversa com elas, Seu sorriso, Seu abraço e outras atividades semelhantes tais
quais as de um esposo amoroso mantinham-nas sempre muito apegadas a Ele. Esta é
a perfeição máxima da vida. Se alguém permanece sempre apegado a Krsna, deve-
se compreender que ele é liberado, e sua vida é bem sucedida. Com qualquer devoto
que ame Krsna com seu coração e alma, Krsna reciproca de tal maneira que o
devoto não possa permanecer desapegado dEle. Os relacionamentos recíprocos
entre Krsna e Seus devotos são tão atrativos que um devoto não pode pensar em
nenhum outro assunto além de Krsna.
Para todas as rainhas, apenas Krsna era seu objetivo adorável. Elas estavam
sempre absortas pensando em Krsna, a Personalidade de Deus belamente negra e de
olhos de lótus. Às vezes, pensando em Krsna, elas permaneciam silenciosas, e, com
grande êxtase de bhãva e anubhãva, às vezes falavam como que num delírio. Às
r
706 K rsn a, a Suprem a Personalidade de Deus
admitir francamente que estabelecer uma relação íntima com Syãmasundara signi
fica comprar ansiedades desnecessárias ao passo que de outra maneira estaríamos
confortáveis em casa.”
Geralmente o cuco arrulha no final da noite ou de manhã cedo. Quando as rainhas
ouviam o arrolho do cuco no final da noite, elas diziam: “Querido cuco, tua voz é
muito doce. Logo que vibras tua doce voz, imediatamente nos lembramos de
Syãmasundara porque tua voz assemelha-se exatamente à dEle. Devemos admitir
francamente que tua voz está impregnada de néctar, e é tão revigorante que é
competente para ressuscitar aqueles que estão quase monos na separação de seu
mais querido amigo. De forma que estamos muito agradecidas a ti. Por favor,
dize-nos como podemos dar-te as boas-vindas ou como podemos fazer algo para ti.”
As rainhas continuaram conversando assim, e se dirigiram à montanha da se
guinte maneira: “ Querida montanha, és muito generosa. Unicamente por tua gravi
dade é que toda a crosta desta Terra é devidamente mantida, embora, porque
cumpres teus deveres muito fielmente, não saibas como te mexeres. Por seres tão
grave, não vives andando para lá e para cá, nem tampouco dizes nada. Pelo contrá
rio, pareces estar sempre em atitude pensativa. Pode ser que estejas sempre pen
sando em um assunto muito grave e importante, mas nós podemos adivinhar muito
claramente no. que estás pensando. Estamos certas de que estás pensando em colocar
os pés de lótus de Syãmasundara sobre teus picos elevados, assim como nós que
remos colocar Seus pés de lótus sobre nossos seios rijos.
“Caros rios secos, sabemos que porque esta é a estação de verão, todos os vossos
leitos estão secos, e não tendes água. Porque agora toda a vossa água se secou, não
estais embelezados por flores de lótus desabrochantes. Atualmente, pareceis muito
magros e finos, de modo que podemos compreender que vossa posição é exata
mente como a nossa. Nós perdemos tudo por estarmos separadas de Syãmasundara,
e já não ouvimos Suas palavras agradáveis. 'Nossos corações já não trabalham
corretamente, e por isso também nos tomamos esquálidas e magras. Achamos,
portanto, que sois assim como nós. Vós vos tomastes magros e finos porque não
estais obtendo nenhuma água de vosso esposo, o oceano, através das nuvens.” O
exemplo dado aqui pelas rainhas é muito apropriado. Os leitos do rio tomam-se
secos quando o oceano deixa de suprir água através das nuvens. O oceano é suposta
mente o esposo do rio e por isso supostamente deve mantê-lo. Á menos que uma
mulher seja mantida pelo esposo com as necessidades da vida, ela também se toma
seca como um rio seco.
Uma rainha dirigiu-se a um cisne da seguinte maneira: “Meu querido cisne, por
favor, vem aqui, vem aqui. És bem-vindo. Por favor, senta-te e toma um pouco de
leite. Meu querido cisne, podes me dizer se trazes alguma mensagem de Syãma
sundara? Considero-te um mensageiro dEle, Se tens alguma notícia dEle, pof favor,
dize-me. Nosso Syãmasundara é sempre muito independente. Ele nunca Se deixa
controlar por ninguém. Nenhuma de nós conseguiu controlá-IO, e por isso te
708 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
com Ele pessoalmente e viam o Senhor Krsna diretamente. Ninguém pode descre
ver adequadamente a fortuna das esposas do Senhor Krsna. Elas cuidavam dEle
pessoalmente, prestando-Lhe vários serviços transcendentais como banhá-lO,
alimentá-10, agradá-10 e servi-10. Assim, nenhuma austeridade pode ser compa
rada ao serviço das rainhas em Dvãrakã.
Sukadeva Gosvãmí informou Mahãrãja Pariksit que, para a auto-realização, as
austeridades e penitências executadas pelas rainhas em-Dvãrakã não têm compa
ração. O objetivo da auto-realização é um só: Krsna. Portanto, embora os relaciona
mentos das rainhas com Krsna pareçam ser relacionamentos ordinários entre esposo e
esposa, o ponto principal a ser observado é o apego das rainhas a Krsna. Todo o
processo de austeridade e penitência destina-se a fazer com que nos desapeguemos
do mundo material e aumentemos nosso apego a Krsna, a Suprema Personalidade
de Deus. Krsna é o abrigo de todas as pessoas que estão avançando na auto-
realização. Como chefe de família ideal, Ele viveu com Suas esposas e executou os
rituais védicos só para mostrar às pessoas menos inteligentes que o Senhor Supremo
nunca é impessoal. Krsna viveu com esposa e filhos com toda opulência, exata
mente como uma alma condicionada comum, só para exemplificar àquelas almas
que são realmente condicionadas que uma pessoa pode ingressar no círculo da vida
familiar contanto que Krsna seja o centro dessa família. Por exemplo, os membros
da dinastia Yadu viviam na família de Krsna, e Krsna era o centro de todas as suas
atividades. *
A renúncia não é tão importante como aumentar nosso apego a Krsna. O movi
mento da consciência de Krsna destina-se especial mente a este objetivo. Estamos
pregando, baseados no princípio de que não importa que um homem seja sannyãsi
ou grhastha. Ele simplesmente tem de aumentar seu apego a Krsna, e então sua vida
será bem sucedida. Seguindo os passos do Senhor Srl Krsna, pode-se viver com os
familiares ou dentro da sociedade ou nação, não com o objetivo de entregar-se ao
gozo dos sentidos, mas para compreender Krsna, avançando em apego a Ele. Há
quatro princípios de elevação da vida condicionada à vida de liberação, que são
tecnicamente conhecidos como dharmci, aríha, kãma e moksa (religião, desenvolvi
mento econômico, gozo dos sentidos e liberação). Se alguém leva uma vida familiar
seguindo os passos dos familiares do Senhor Krsna, pode alcançar todos esses
quatro princípios de sucesso simultaneamente, fazendo de Krsna o centro de todas
as atividades.
Já sabemos que Krsna teve 16.108 esposas. Todas essas esposas eram elevadas
almas liberadas,- dentre as quais a rainha RukminI era a principal. Depois de.
Rukminí, havia sete outras esposas principais, e os nomes dos filhos dessas oito
rainhas principais já foram mencionados. Além dessas oito rainhas, o Senhor Krsna
teve dez filhos com cada uma das outras rainhas. Assim, ao todo, os filhos de Krsna
somavam 16.108 vezes dez. Não devemos nos espantar ao ouvir que Krsna teve
tantos filhos. Devemos lembrar sempre que Krsna é a Suprema Personalidade de
Deus e que Ele tem potências ilimitadas. Ele afirma que todas as entidades vivas são
710 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus
Seus filhos, de modo que, mesmo que Ele tivesse dezesseis milhões de filhos
ligados a Ele pessoalmente, isso não seria motivo de espanto.
Entre os poderosíssimos filhos de Krsna, dezoito eram mahã-rathas. Os mahã-
rathas podiam lutar sozinhos contra muitos milhares de soldados, quadrigários,
cavalarias e elefantes. A reputação desses dezoito filhos é muito difundida e é
descrita em quase todas as literaturas védicas. A lista dos dezoito filhos mahã-ratha
é a seguinte: Pradyumna, Aniruddha, Diptimãn, Bhãnu, Sãmba, Madhu, Brhad-
bhãnu, Citrabhãnu, Vrka, Aruna, Puskara, Vedabãhu, Srutadeva, Sunandana, Citra-
bãhu, Virüpa, Kavi e Nyagrodha. Desses dezoito filhos mahã-ratha de Krsna,
Pradyumna é considerado o mais elevado. Pradyumna era o filho mais velho da
rainha Rukmini, e ele herdou todas as qualidades de seu grande pai, o Senhor
Krsna. Casou-se com a filha de Rukmi, seu tio materno, e desse casamento nasceu
Aniruddha. Aniruddha era tão poderoso que podia lutar contra dez mil elefantes.
Ele casou-se com a neta de Rukmi, o irmão de sua avó, Rukmini. Porque a relação
entre esses primos era distante, tal casamento não foi incomum. O filho de Ani
ruddha foi Vajra. Quando toda a dinastia Yadu foi destruída pela maldição de um
hrãhmana, apenas Vajra sobreviveu. Vajra teve um filho chamado Pratibãhu. O
filho de Pratibãhu chamava-se Subãhu, o filho de Subahu chamava-se Sãntasena e o
filho de Sãntasena era Satasena.
Sukadeva Gosvãmi declara que todos os membros da dinastia Yadu tiveram
muitos filhos. Assim como Krsna teve muitos filhos, netos e bisnetos, cada um dos
reis nomeados aqui também tiveram extensões familiares semelhantes. Não apenas
todos eles tiveram muitos filhos, mas também eram todos extraordinariamente ricos
e opulentos. Nenhum deles era fraco ou teve vida curta, e, acima de tudo, todos os
membros da dinastia Yadu eram devotos resolutos da cultura bramínica. E dever
dos reis ksatriyas manter a cultura bramínica e proteger os brãhmanas qualificados,
e todos esses reis cumpriam seus deveres corretamente. Os membros da dinastia
Yadu eram tão numerosos que seria muito difícil descrevê-los a todos, mesmo que
se tivesse uma duração de vida de muitos milhares de anos. Srila Sukadeva
Gosvãmi informou Mahãrãja Paríksit que ele havia ouvido de fontes de confiança
que apenas para ensinar às crianças da dinastia Yadu havia 38.800.000 tutores ou
ãcãryas. Se tantos mestres eram necessários para educar seus filhos, podemos
simplesmente imaginar quão vasto era o número de membros familiares. Quanto a
sua força militar, se diz que o rei Ugrasena sozinho tinha dez quadrilhões de
soldados como guarda-costas pessoais.
Antes do advento do Senhor Krsna dentro deste universo, houve muitas batalhas
entre os demônios e os semideuses. Muitos demônios morreram na luta, e todos eles
tiveram a oportunidade de nascer em altas famílias reais nesta Terra. Por causa de
seus elevados postos reais, todos esses demônios tomaram-se muito arrogantes, e
sua única função era molestar seus súditos. O Senhor Krsna apareceu neste planeta
bem no fim da Dvãpara-yuga para aniquilar todos esses reis demoníacos. Como se
Descrição dos passatempos doTSenhor Krsna 7X1
glórias a Vós. Estais presente no coração de todos como Paramãtmã; Portanto, sois
conhecido como Janãnivasa, aquele que vive no coração de todos.” Como se con
firma no Bhagavad-gitã, isvarah sar\>a-bhütãnãm hrd-dese 'rjurxci risrhari: o Senhor
Supremo sob Seu aspecto Paramãtmã vive dentro do coração de todos. Isto não
significa, contudo, que Krsna não tenha existência separada como a Suprema Perso
nalidade de Deus. Os filósofos Mãyãvãdls aceitam o aspecto onipenetrante de
Parabrahman, mas quando Parabrahman, ou o Senhor Supremo, aparece, eles pen
sam que Ele aparece sob o controle da natureza material. Porque o Senhor Krsna
apareceu como o ftlho de Devaki, os filósofos Mãyãvãdis aceitam Krsna como
sendo uma entidade viva comum que nasce dentro deste mundo material. Portanto,
Sukadeva Gosvãmí os adverte que devaki-janma-vãda, o que significa que embora
Krsna seja famoso como o filho de Devaki, na verdade Ele é a Superalma, ou a
onipenetrante Suprema Personalidade de Deus. Os devotos, entretanto, analisam
esta expressão devaki-janma-vãda de maneira diferente. Os devotos entendem que
na verdade Krsna era o filho de mãe Yasodã, Embora primeiramente aparecesse
como o filho de Devaki, Ele imediatamente transferiu-Se para o colo de mãe
Yasodã, e Seus passatempos infantis foram bem-aventuradamente desfrutados por
mãe Yasodã e Nanda Mahãrãja. Este fato também foi admitido pelo próprio Vasu-
deva quando este se encontrou com Nanda Mahãrãja e Yasodã em Kuruksetra. Ele
admitiu que, na verdade, Krsna e Balarãma eram filhos de mãe Yasodã e Nanda
Mahãrãja. Vasudeva e Devaki eram apenas Seus pai e mãe oficiais. Seus pai e mãe
verdadeiros eram Nanda e Yasodã. Por isso, Sukadeva Gosvãmí chama o Senhor
Krsna de devaki-janma-vãda.
Sukadeva Gosvãmí então glorifica o Senhor como aquele que é honrado pela casa
de reuniões da dinastia Yadu, e como o matador de diferentes tipos de demônios.
Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, poderia ter matado todos os demônios,
empregando Suas diferentes energias materiais, mas Ele quis matá-los pessoal
mente para dar-lhes a salvação. Não havia necessidade de Krsna vir a este mundo
material para matar os demônios: simplesmente por Sua vontade, muitas centenas e
milhares de demônios poderíam ter sido mortos sem Seu esforço pessoal. Mas, na
verdade, Ele desceu para Seus devotos puros, para brincar como uma criança com
mãe Yasodã e Nanda Mahãrãja e para dar prazer aos habitantes de Dvãrakã. Por
matar os demônios e dar proteção aos devotos, o Senhor Krsna estabeleceu o
verdadeiro princípio religioso, que é simplesmente o amor a Deus. Por seguirem os
verdadeiros princípios religiosos do amor a Deus, mesmo as entidades vivas conhecidas
como sthira-cara também foram liberadas de toda a contaminação material e
transferidas ao reino espiritual. Sthira significa as árvores e plantas, que não podem
se mover, e cara significa os animais móveis, especialmente as vacas. Quando
Krsna esteve presente aqui, Ele libertou todas as árvores, macacos e outras plantas e
animais que aconteceram de vê-10 e servi-10 tanto em Vrndãvana quanto em
Dvãrakã.
7 14 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus