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78 / A liberação de Balvala

e o Senhor Baiarãma viaja pelos locais sagrados

O Senhor Baiarãma preparou-Se para enfrentar o demônio Balvala. Na hora em


que o demônio normalmçríte atacava o local sagrado, apareceu uma grande tempes­
tade de granizo, todo.,o céu cobriu-se de poeira e a atmosfera infestou-se de um
cheiro imundo. Logo após isto, o perverso demônio Balvala começou a lançar
torrentes de fezes'e urina e outras substâncias impuras sobre a arena de sacrifício.
Após esta invertida, o próprio demônio apareceu com um grande tridente na mão.
Ele era'uma/pessoa gigantesca, e seu corpo negro era como uma grande massa de
carvão. S^eu cabelo, sua barba e seu bigode pareciam vermelhos, como o cobre, e
por causa de sua grande barba e grande bigode, sua boca parecia perigosa e vio­
lenta. Assim que vtu o demônio, o Senhor Baiarãma preparou-Se para atacá-lo.
Primeiramente, Ele considerou como poderia esmagar o grande demônio em pe­
daços. O Senhor Baiarãma então solicitou Seu arado e Sua maça, que apareceram
imedíatamente diante dEle. O demônio Balvala estava voando no céu, e na primeira
oportunidade o Senhor Baiarãma puxou-o para baixo com Seu arado e íradamente
esmagou a cabeça do demônio com Sua maça. O golpe de Baiarãma fraturou a testa
do demônio, fazendo jorrar sangue profusamente. Gritando alto, o demônio, que
vinha sendo uma grande perturbação para os brãhmanas piedosos, tombou ao solo,
como uma grande montanha com um pico de óxldo vermelho sendo atingida por um
ralo e esmagando-se contra o chão.
Os habitantes de Naimisãranya, sábios eruditos e brãhmanas, ficaram muito
satisfeitos ao verem isto, e ofereceram suas respeitosas orações ao Senhor Baia­
rãma. Eles ofereceram suas bênçãos sinceras ao Senhor, e todos concordaram em
que a tentativa do Senhor Baiarãma de fazer algo jamais seria um fracasso. Os
sábios e brãhmanas então executaram um banho cerimonial do Senhor Baiarãma,
assim como os semideuses banham o rei Indra quando ele sai vitorioso sobre os
demônios. Os brãhmanas e sábios honraram o Senhor Baiarãma presenteando-0
com roupa nova de primeira classe, ornamentos e a guirlanda de lótus da vitória, o
reservatório de toda a beleza, que jamais murcharia, sendo de existência duradoura.
Após este incidente, o Senhor Baiarãma pediu permissão aos brãhmanas reuni­
dos em Naimisãranya e, acompanhado por outros brãhmanas, foi até as margens do
rio Kausikí. Após tomar Seu banho neste local santo, Ele prosseguiu em direção ao
rio SarayO e visitou a nascente do rio. Viajando pelas margens do rio Sarayü,
gradualmente Ele chegou a Prayãga, onde há uma confluência de três rios: o Gan-
ges, o Yamunã e o Sarasvatí. Ali também Ele regularmente tomou Seu banho,
adorou os templos locais de Deus e, como é prescrito na literatura védica, ofereceu
552 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

oblações aos antepassados e aos sábios. Ele gradualmente chegou ao ãsrama do


sábio Pulaha e dali foi para Gandakl às margens do rio GomatJ. Depois disso, tomou
Seu banho no rio Vipãsã. Então gradualmente veio até as margens do rio Sona. (O rio
Sona ainda corre como um dos grandes rios na província de Behar.) Também tomou
Seu banho ali e executou as cerimônias ritualísticas védicas. Continuou Suas viagens e
gradualmente chegou à cidade de peregrinação de Cayã, onde há um famoso templo
de Visnu. Segundo o conselho de Seu pai, Vasudeva, Ele ofereceu oblações aos
antepassados neste templo de Visnu. Dali, viajou para o delta do Canges, onde o
sagrado rio Ganges mistura-se com a Baía de Bengala. Este local sagrado chama-se
Gangãsãgara, e, no final de janeiro, ainda hoje em dia, todos os anos há uma grande
assembléia de pessoas santas e homens piedosos, assim como há uma assembléia de
pessoas santas em Prayaga todos os anos, chamada Feira Mãgha-mela.
Após terminar Seu banho e cerimônias ritüalísticas em Gangãsãgara, o Senhor
Balarãma prosseguiu em direção à montanha conhecida como Mahendra P-arvata,
onde Ele encontrou Parasurãma, a encarnação do Senhor Krsna, e oferecéu-Ihe
respeitos prostrando-Se perante ele. Depois disso, voitou-Se gradualmente em di­
reção à índia meridional e visitou as margens do rio Godãvari. Após tomar Séu
banho no rio Godãvari e executaras cerimônias ritüalísticas necessárias, Ele gra­
dualmente visitou os outros rios — o Venã, o Pampã e o BhTmarathl. Às margens do
rio Bhtmarathí, há uma deidade chamada Svãml Kãrttikeya. Após visitar Kãrttikeya, o
Senhor Balarãma prosseguiu gradualmente para Sailapura, uma cidade de peregri­
nação na província de Mahãrãstra. Sailapura é um dos maiores distritos na província
Mahãrãstra. Então prosseguiu gradualmente em direção a Dravidadesa. A índia
meridional é dividida em cinco partes, chamadas Pancadravida. A índia setentrional
também é dividida em cinco partes, chamadas Pancagauda. Todos os ãcãryas
importantes da era moderna, a saber, Saàkarãcãrya, Rãmãnujãcãrya. Madhvãcãrya,
VisnusvãmT e Nimbãrka, apareceram nessas províncias Dravida. O Senhor Caitanya,
contudo, apareceu na Bengala, que faz parte das cinco Gaudadesas.
O maís importante local de peregrinação na índia meridional, ou Dravidá, é
Venkatãcala, conhecido comumente como Bãlají. Após visitareste local, o Senhor
Balarãma prosseguiu em direção a Visnukãncí, e dali seguiu para as margens do
Kaveri. Após tomar Seu banho no rio Kaveri, chegou progressivamente a Ranga-
ksetra. O maior templo do mundo está em Rangaksetra, e a deidade de Visnu dali é
conhecida como Ranganãtha. Existe um templo, semelhante, de Rahganãtha em
Vrndãvana, embora não seja tão grande como o templo em Rangaksetra.
Enquanto ia para Visnukãncí, o Senhor Balarãma também visitou Sivakâncí.
Após visitar Rangaksetra, prosseguiu progressivâmente em direção a Mathurã,
conhecida comumente como Mathurã da índia meridional. Após visitareste local,
novamente prosseguiu em direção a Setubandha, o local onde o Senhor Rãmacandra
construiu a ponte de pedra da índia a Lankã. Particularmente nésté local santo, o
Senhor Balarãma distribuiu dez mii vacas aos sacerdotes brãhmanas locais. É
O Senhor Balarama viaja pelos locais sagrados 553

costume védico que quando um visitante rico vai a algum local de peregrinação, ele
dá, como presentes de caridade aos sacerdotes locais, cavalos, vacas, ornamentos e
roupas. Este costume de, ao visitar locais de peregrinação, fornecer aos sacerdotes
brãhmanas do lugar todas as necessidades da vida tem se degenerado muito nesta
era de Kali. A parte mais rica da população, por causa de sua degradação em cultura
védica, não se sente mais atraída por esses locais de peregrinação, e os sacerdotes
brãhmanas que dependem de tais visitantes também têm se degenerado em seu
dever profissional de ajudar os visitantes. Esses sacerdotes brãhmanas nos locais de
peregrinação são chamados panda ou pandita. Isto significa que anteriormente eles
eram brãhmanas muito eruditos e costumavam orientar os visitantes em todos os
pormenores do propósito de virem ali, e assim tanto os visitantes quanto os sacerdo­
tes beneficiavam-se pela cooperação mútua.
Claro está pela descrição do Srlmad-Bhãgavatam que quando o Senhor Balarãma
esteve visitando os diferentes locais de peregrinação, Ele seguiu corretamente o
sistema védico. Após distribuir vacas em Setubandha, o Senhor Balarãma pros­
seguiu em direção aos rios Krtamãlã e TãmraparnI. Esses dois rios são famosos
como sendo sagrados, e o Senhor Balarãma banhou-Se em ambos. Ele então proce­
deu em direção à colina Malaya. Esta colina Malaya é enorme, e se diz que é um dos
sete picos chamados montanhas Malaya. O grande sábio Agastya costumava viver
ali, e o Senhor Balarãma visitou-o e ofereceu-lhe Seus respeitos prostrando-Se
diante dele. Após receber as bênçãos do sábio, o Senhor Balarãma, com a permis­
são do sábio, prosseguiu em direção ao Oceano Índico.
Na altura do cabo existe um grande templo da deusa Durgã onde ela é conhecida
como Kanyãkumãri. Este templo de Kanyãkumãri também foi visitado pelo Senhor
Rãmacandra, e por isso deve-se compreender que o templo tem existido há milhões
de anos. Dali, o Senhor Balarãma prosseguiu para visitar a cidade de peregrinação
conhecida como Fhãlgunatírtha, que fica no litoral do Oceano Índico, ou o Oceano
Meridional. Phãlgunatírtha é famosa porque o Senhor Visnu em Sua encarnação de
Ananta está deitado ali. De Phãlgunatírtha, o Senhor Balarãma seguiu para visitar
outro local de peregrinação, conhecido como Paíicãpsarasa. Ali também Ele Se
banhou de acordo com os princípios regulativos e observou as cerimônias ritualísti-
cas. Este locaI também é famoso como santuário do Senhor Visnu; portanto, o
Senhor Balarãma distribuiu dez mil vacas entre os sacerdotes brãhmanas da região.
Do Cabo Comarin, o Senhor Balarãma voltou-Se para Kerala. O país de Kerala
ainda existe na índia meridional com o nome de Kerala do Sul. Após visitar este
local, Ele veio a Gokarnatlrtha, onde o Senhor Siva é adorado constantemente.
Balarãma visitou então o templo de ÃryãdevI, que-é completamente rodeado de
água. Daquela ilha, foi para um lugar conhecido como Sürpãraka. Depois disso,
banhou-Se nos rios conhecidos como Tãpí, Payosní e Nirvindhyã, e chegou à
floresta conhecida como Dandakãranya. Esta é a mesma floresta Dandakãranya
onde o Senhor Rãmacandra viveu durante Seu exílio. A seguir o Senhor Balarãma
554 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

foi até as margens do rio Narmadã, o maior rio da Índia central. Às margens deste
rio sagrado Narmadã encontra-se um local de peregrinação conhecido como Mãhi-
smati Puri. Após banhar-Se ali de acordo com os princípios regulativos, o Senhor
Balarãma regressou a Prabhãsatírtha, de onde havia começado Sua viagem.
Ao regressar a Prabhãsatírtha, o Senhor Balarãma ouviu de parte dos brãhmanas
que a maioria dos ksatriyas na Guerra de Kuruksetra havia sido morta. Balarãma
sentiu-Se aliviado de ouvir que o fardo do mundo tinha sido reduzido. O Senhor Krsna
e Balarãma apareceram na Terra para diminuir o fardo'de força militar criado pelos
ambiciosos reis ksatriyas. Assim é a vida materialista: não se satisfazendo com as
necessidades básicas da vida, as pessoas ambiciosamente criam demandas extraordi­
nárias, e seus desejos ilegais são impedidos petas leis da natureza, ou pelas leis de
Deus, aparecendo como fome, guerra, pestes e catástrofes semelhantes. O Senhor
Balarãma ouviu que embora a maioria dos ksatriyas tivesse sido morta, os Kurus ainda
estavam lutando. Portanto, Ele retomou ao campo de batalha justamente no dia em que
Bhímasena e Duryodhana empenhavam-se num duelo pessoal. Como benquerente de
ambos, o Senhor Balarãma quis contê-los, mas eles não quiseram conter-se.
Quando o Senhor Balarãma apareceu em cena, o rei Yudhisthira e seus irmãos
mais novos, Nakula e Sahadeva, como também o Senhor Krsna e Arjuna, imediata­
mente ofereceram-Lhe suas respeitosas reverências, mas eles não falaram absoluta­
mente nada. O motivo do silêncio era que o Senhor Balarãma tinha certo afeto por
Duryodhana, o qual tinha aprendido com Balarãmají a arte de lutar com maça.
Como os dois guerreiros estivessem empenhados na luta, o rei Yudhisthira e outros
acharam que Balarãma teria vindo ali para dizer algo em favor de Duryodhana, e
portanto mantiveram-se silenciosos. Tanto Duryodhana quanto Bhímasena eram
muito entusiastas na luta com maça, e, no meio de grande torcida, cada um tentava
habilidosamente golpear o outro. Enquanto tentavam fazê-lo, eles pareciam estar
dançando, mas, não obstante, era evidente que ambos estavam muito irados.
Querendo conter a luta, o Senhor Balarãma disse: “Meu querido rei Duryodhana
e Bhímasena, sei que vós ambos sois grandes lutadores e sois famosos no mundo
como grandes heróis, mas ainda assim acho que Bhímasena é superior a Duryo­
dhana em força corporal. Por outro lado, Duryodhana é superior na arte de lutar
com maça. Levando isto em consideração, Minha opinião é que nenhum de vós é
interior ao outro na luta. Nessas circunstâncias, há muito pouca possibilidade de um
de vós ser derrotado pelo outro. Portanto, solicito-vos que não desperdiceis vosso
tempo lutando dessa maneira. Desejo que pareis com esta luta desnecessária.”
A boa instrução dada. pelo Senhor Balarãma tanto a Bhímasena quanto a
Duryodhana destinava-se a beneficiar igualmente a ambos. Mas eles estavam tão
dominados pela ira um contra o outro que podiam se lembrar apenas de sua antiga
inimizade pessoal. Cada um pensava apenas em matar o outro, e por isso não deram
muita importância aos conselhos do Senhor Balarãma. Ambos então ficaram como
loucos ao se lembrarem das fortes acusações e maus modos que tinham usado um
O Senhor Balarãma viaja pelos loeais sagrados 555

contra o outro. O Senhor Balarãma, sendo capaz de compreender o destino que os


aguardava, não estava ávido por voltar mais ao assunto. Portanto, em vez de ficar,
Eíe decidiu retomar à cidade de Dvãrakã.
Chegando em Dvãrakã, Ele foi recebido com grande júbilo por parentes e ami­
gos, encabeçados pelo rei Ugrasena e outras pessoas mais velhas, que apareceram
para dar-Lhe suas boas-vindas. Depois disso, Ele foi novamente ao local de pere­
grinação em Naimisãranya, e os sábios, pessoas santas e brãhmanas— todos
receberam-nO de' pé. Eles compreenderam que o Senhor Balarãma, embora fosse
um ksatriya, estava agora retirado da ocupação de guerreiro. Os brãhmanas e
sábios, que eram sempre a favor da paz e da tranqüilidade, ficaram satisfeitíssimos
com isto. Todos vieram abraçar Balarãma com grande afeição e induziram-nO a
executar vários tipos de sacrifícios naquele local sagrado de Naimisãranya. Na
verdade, o Senhor Balarãma não tinha obrigação de executar os sacrifícios reco­
mendados para seres humanos comuns: Ele é a Suprema Personalidade de Deus, e
por ísso Ele próprio é o desfrutador de todos esses sacrifícios. Como tal. Sua ação
exemplar ao executar sacrifícios era apenas para dar uma lição ao homem comum
para mostrar como devemos obedecer aos preceitos dos Vedas.
A Suprema Personalidade de Deus, Balarãma, instruiu os sábios e pessoas santas
em Naimisãranya sobre o tema da relação das entidades vivas com esta manifestação
cósmica, sobre como devemos aceitar todo este universo e sobre como devemos nos
relacionar com o cosmo a fim de atingir a meta máxima de perfeição, a compre­
ensão de que toda a manifestação cósmica repousa sobre a Suprema Personalidade
de Deus e que a Suprema Personalidade de Deus também é onipenetrante, mesmo
dentro do átomo mais diminuto, através da função de Seu aspecto Paramãtmã,
O Senhor Balarãma tomou então o banho avabhrtha, que é aceito após o término
das execuções saeriftcatórias. Após tomar Seu banho, vestiu-Se com roupas de seda
novas e decorou-Se com belas jóias. Entre Seus parentes e amigos, Eie parecia ser
uma brilhante lua cheia em meto aos astros no céu. O Senhor Balarãma é a própria
Personalidade de Deus Ananta; portanto Ele está além do alcance de compreensão
através da mente, da inteligência ou do corpo. Eie desceu a este mundo exatamente
como um ser humano e cómportou-Se dessa maneira de acordo com os Seus propó­
sitos; podemos apenas explicar que Suas atividades são os passatempos do Senhor.
Ninguém pode nem mesmo avaliar a extensão das ilimitadas demonstrações de Seus
passatempos porque Ele é todo-poderoso. O Senhor Balarãma é o Visnu original;
portanto, qualquer pessoa que se lembre desses passatempos do Senhor Balarãma de
manhã e à noitef tomar-se-á certamente um grande devoto da Suprema Personali­
dade de Deus, e assim sua vida será bem sucedida sob todos os aspectos.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Setenta
e Oito de Krsna, intitulado “A Liberação de Balvala e o Senhor Bala­
rãma 'Viaja pelos Locais Sagrados.>}
7 9 / O encontro
do Senhor Krsna com Sudãmã Brãhmana

O rei Pariksit seguia ouvindo Sukadeva Gosvãmi narrar os passatempos do


Senhor Krsna e do Senhor Balarãma. Esses passatempos são transcendentalmente
agradáveis de se ouvir, e Mahãrãja Pariksit dirigiu-se a Sukadeva Gosvãmi da
seguinte maneira: “Meu querido senhor, a Suprema Personalidade de Deus, Krsna,
é simultaneamente quem concede tanto a liberação quanto o amor a Deus. Qualquer
pessoa que se tome um devoto do Senhor alcança automaticamente a liberação sem
ter que fazer qualquer tentativa à parte. Porque o Senhor é ilimitado, Seus pas­
satempos e atividades para criar, manter e destruir toda a manifestação cósmica
também são ilimitados. Portanto, desejo ouvir sobre Seus outros passatempos dos
quais não tenhas falado ainda. Meu querido mestre, as almas condicionadas dentro
deste rpíindo material têm se frustrado buscando o prazer da felicidade derivada do
gozo dós sentidos. Esses desejos de gozo dos sentidos estão sempre trespassando os
corações das almas condicionadas. Mas eu estou realmente experimentando como
os tópicos transcendentais dos passatempos do Senhor Krsna podem aliviar-nos de
sermos afetados por tais atividades materiais de gozo dos sentidos. Acho que
nenhuma pessoa inteligente pode rejeitar este método de ouvir os passatempos
transcendentais do Senhor repetidamente; simplesmente por ouvir, podemos perma­
necer sempre mergulhados no prazer transcendental. Desse modo, não nos sentire­
mos atraídos pelo gozo material dos sentidos.”
Nesta declaração, Mahãrãja Pariksit usa duas palavras importantes: visannah e
visesajnah. Visannah significa “taciturno.” As pessoas materialistas inventam mui­
tos caminhos e meios de tomar-se plenamente satisfeitas, mas na verdade permane­
cem taciturnas. Pode-se levantar a questão de que às vezes os transcendentalistas
também ficam taciturnos. Pariksit Mahãrãja, entretanto, usa a palavra visesajnah.
Há dois tipos de transcendentalistas, a saber, os impersonalistas e os personalistas.
Visesajnah refere-se aos personalistas, que estão interessados na variedade trans­
cendental. Os devotos tomam-se jubilantes ouvindo as descrições das atividades
pessoais do Senhor Supremo, ao passo que os impersonalistas, que na verdade se
sentem mais atraídos pelo aspecto impessoal do Senhor, sentem-se apenas superfi­
cialmente atraídos pelas atividades pessoais do Senhor. Como tal, apesar de entrarem
em contato com os passatempos do Senhor, os impersonalistas não compreendem
plenamente o benefício a ser obtido’, e assim, devido à atividade fruitiva, permane­
cem exatamente na mesma posição taciturna que os materialistas.
O rei Pariksit continuou: “A capacidade de falar pode ser aperfeiçoada apenas
pela descrição das qualidades transcendentais do Senhor. A capacidade de trabalhar
O encontro do Senhor Krsna com Sudamã Brãhmana 557

com as mãos só pode ser exitosa quando a pessoa se ocupa no serviço ao Senhor
com essas mãos. De forma semelhante, nossa mente só pode ser pacífica quando
simplesmente pensamos em Krsna em consciência de Krsna plena. Isto não signi­
fica que temos de ser muito pensativos: simplesmente precisamos entender que
Krsna, a Verdade Absoluta, é onipenetrante, através de Seu aspecto localizado
como Paramãtmã. Se tão somente pudermos pensar que Krsna, como Paramãtmã,
está em toda a parte, mesmo dentro do átomo, então poderemos aperfeiçoar as
funções de pensar, sentir e querer de nossa mente. O devoto perfeito não vê o
mundo material como este se apresenta aos olhos materiais, pois ele vê em toda a
parte a presença de seu Senhor adorável sob Seu aspecto Paramãtmã.”
Mahãrãja Pariksit prosseguiu dizendo que a função do ouvido pode ser aper­
feiçoada simplesmente pela ocupação em ouvir as atividades transcendentais do
Senhor, e a função da cabeça pode ser totalmente utilizada quando a cabeça é
empregada para prostrar-se diante do Senhor e de Seu representante. Que o Senhor
está representado no coração de todos é um fato, e por isso o devoto altamente
avançado oferece seus respeitos a toda entidade viva, considerando cada corpo um
templo do Senhor. Mas não é possível que todos os homens cheguem a este estágio
de vida imediatamente, porque esse estágio é para o devoto de primeira classe. O
devoto de segunda classe pode considerar os Vaisnavas, ou devotos do Senhor,
como representantes de Krsna, e o devoto que está apenas começando, o neófito ou
devoto de terceira classe, pode prostrar sua cabeça diante da Deidade no templo e
diante do mestre espiritual, que é a manifestação direta da Suprema Personalidade
de Deus. Portanto, no estágio neófito, no estágio intermediário ou no estágio
aperfeiçoado e totalmente avançado, pode-se aperfeiçoar a função da cabeça
prostrando-se diante do Senhor ou Seu representante. De modo semelhante, pode-se
aperfeiçoara função dos olhos vendo o Senhor e Seu representante. Dessa maneira,
todos podem elevar as funções das diferentes partes do corpo até o estágio perfec-
tivo máximo simplesmente por ocupá-las no serviço ao Senhor ou a Seu represen­
tante. Se alguém não consegue fazer mais nada, pode simplesmente prostrar-se
diante do Senhor e de Seu representante e beber a caranãmrta, a água que lava os
pés de lótus do Senhor ou de Seu devoto.
Ao ouvir essas declarações de Mahãrãja Pariksit, Sukadeva GosvãmT encheu-se
de êxtase devocional por causa da compreensão avançada que o rei Pariksit tinha da
filosofia Vaisnava. Sukadeva Gosvãmí já estava descrevendo as atividades do
Senhor, e quando Mahãrãja Pariksit lhe pediu para descrevê-las mais, ele continuou
a narrar o Srhnad-Bhãgavatam com grande prazer.
Havia um brãhmana muito bom, amigo do Senhor Krsna. Sendo brãhmana
perfeito, ele era muito elevado em conhecimento transcendental, e por causa de seu
conhecimento avançado, não era absolutamente apegado ao gozo material. Por­
tanto, ele era muito pacífico e havia atingido supremo controle sobre seus sentidos.
Isto significa que o brãhmana era um devoto perfeito porque a menos que alguém
558 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

.seja um devoto perfeito não pode alcançar o padrão mais elevado de conhecimento.
O Bhagavad-gilã declara que uma pessoa que chega à perfeição do conhecimento
rende-se à Suprema Personalidade de Deus. Em outras palavras, qualquer pessoa
que tenha entregado sua vida ao serviço da Suprema Personalidade de Deus chega
ao ponto do conhecimento perfeito. O resultado do conhecimento perfeito é que ela
se desapega do modo de vida materialista. -Este-desapego significa controle com­
pleto dos sentidos, que estão sempre atraídos'pelo gozo material: Os sentidos do
devoto purificam-se, e neste estágio os sentidos ocupam-se no serviço ao Senhor.
Este é o campo completo do serviço devocíonal.
Embora o brãhmana amigo do Senhor Krsna fosse um chefe de família, eíe não
estava atarefado em acumular riqueza para ter uma vida de grande conforto; por­
tanto, ele estava satisfeito com a renda que automaticamente lhe era concedida de
acordo com seu destino. Este é o sinal do conhecimento perfeito. Um homem que
tem conhecimento perfeito sabe que não se pode ser mais feliz do que se está
destinado a ser. Neste mundo material, todos estão destinados a sofrer uma determi­
nada quantidade de aflição e a desfrutar de uma determinada quantidade de felici­
dade. A quantidade de felicidade e aflição já está predestinada para toda entidade
viva. Ninguém pode aumentar ou diminuir a felicidade do modo de vida materialista.
O brãhmana, portanto, não se esforçava por conseguir mais felicidade material; em
vez disso, usava seu tempo para avançarem consciência de Krsna. Extemamente, ele
aparentava ser muito pobre porque não tinha roupas caras e não podia oferecer roupas
caras a sua esposa. Porque a condição material deles não era opulenta eles não
estavam sequer comendo o suficiente, e assim tanto ele quanto sua esposa eram
magérrimos. A esposa não estava ansiosa quanto a seu conforto pessoal, mas
sentia-se preocupada com o esposo, que era um brãhmana tão piedoso. Ele tremia
devido a sua saúde fraca, e embora não gostasse de dar ordens ao esposo, ela falou o
seguinte:
“Meu querido senhor, sei que o Senhor Krsna, o esposo da deusa da fortuna, é
vosso amigo pessoal. Além disso, sois devoto do Senhor Krsna, e Ele está sempre
pronto a ajudar Seu devoto. Mesmo que acheis que não estais prestando nenhum
serviço devocíonal ao Senhor, ainda assim sois rendido a Ele, e o Senhor é o
protetor da alma rendida. Além do mais, sei que o Senhor Krsna é a personalidade
ideal da cultura védica. Ele é sempre a favor da cultura bramtnica e é muito
bondoso com os brãhmanas qualificados. Sois a pessoa mais afortunada porque
tendes como vosso amigo a Suprema Personalidade de Deus. O Senhor Krsna é o
único abrigo para personalidades como vós porque sois inteiramente rendido a Ele.
Sois santo, erudito e tendes total controle de vossos sentidos. Nessas circunstân­
cias, o Senhor Krsna é vosso único abrigo. Portanto, por favor, ide até Ele. Estou
certa de que Ele imediatamente compreenderá vossa posição de pobreza. Sois
também um chefe de família; portanto, como não tendes dinheiro, estais aflito. Mas
assim que Ele compreender vossa posição, certamente dar-vos-á riquezas suficientes
O encontro do Senhor Krsna cora Sudama Brahmana 559

para que possais viver com todo conforto. O Senhor Krsna é agora o rei das
dinastias Bhoja, Vrsni e Andhaka, e eu ouvi dizer que Ele nunca sai de Sua cidade
capital, Dvãrakã. Ali vive Ele, sem compromissos externos. Ele é tão bondoso e
liberal que imediatamente dá tudo, inclusive a Si próprio, a qualquer pessoa que se
renda a Ele. Uma vez que está preparado a dar-Se pessoalmente a Seu devoto, não
há nada de admirável em Ele dar algumas riquezas materiais. Evidentemente, Ele
jiã o dá muita riqueza material a Seu devoto se o devoto, não é muito fixo, mas creio
que em vosso caso Ele sabe perfeitamente bem o quanto sois fixo em serviço
devocional. Portanto, Ele não hesitará em conceder-vos algum benefício material
para as necessidades básicas da vida.”
Dessa maneira, a esposa do brãhmana repetidas vezes solicitava, com grande
humildade e submissão, que ele fosse ter com o Senhor Krsna. O brãhmana achava
que não havia necessidade de pedir benefícios materiais ao Senhor Sri Krsna, mas
ele acabou cedendo às repetidas solicitações de sua esposa. Além disso, ele pensou:
“Se eu for lá serei capaz de ver o Senhor pessoalmente. Esta será uma grande
oportunidade, mesmo que eu não Lhe peça nenhum benefício material.” Depois que
decidiu ir ter com Krsna, perguntou à esposa se ela tinha algo em casa que ele
pudesse oferecer a Krsna, porque ele devia levar algum presente para seu amigo. A
esposa imediatamente arrecadou quatro punhados de arroz quebrado de suas amigas
da vizinhança.e guardou-os atados em pequeno pano, como um lenço, e deu-o a seu
esposo para presenteá-lo a Krsna. Sem esperar mais, o brãhmana pegou o presente
e pôs-se a caminho de Dvãrakã para ver seu Senhor. Ele estava absorto pensando
em como poderia ser capaz de ver o Senhor Krsna. Ele não tinha outro pensamento
em seu coração além de Krsna.
Evidentemente, era muito difícifchegar aos palácios dos reis da dinastia Yadu,
mas os brãhmanas tinham permissão de visitá-los. Quando o brãhmana amigo do
Senhor Krsna chegou ali, ele, juntamente com outros brãhmanas, teve que passar
antes por três acampamentos militares. Em cada acampamento havia portões enor­
mes, pelos quais ele também teve que passar. Depois dos portões e dos acampamen­
tos, havia dezesseis mil grandes palácios, as residências das dezesseis mil rainhas
do Senhor Krsna. O brãhmana entrou em um palácio que era esplendorosamente
decorado. Ao entrar neste belo palácio, sentiu que estava nadando no oceano do
prazer transcendental. Sentia-se mergulhando constantemente e emergindo naquele
oceano transcendental.
Nessa altura, o Senhor Krsna estava sentado na cama da rainha Rukminl. Mesmo
de uma distância considerável Ele conseguiu ver o brãhmana chegando a Sua casa,
e pôde reconhecer que era o Seu amigo. O Senhor Krsna imediatamente deixou Seu
assento e adiantou-Se para receber Seu amigo brãhmana e, chegando até ele,
abraçou-o com Seus dois braços. O Senhor Krsna é o reservatório de todo o prazer
transcendental, contudo Ele próprio sentiu grande prazer ao abraçar o pobre
brãhmana porque estava Se encontrando com Seu muito querido amigo. O Senhor
560 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Krsna fê-lo sentar-se em Sua própria cama e pessoalmente trouxe-lhe todos os tipos
de frutas e bebidas para oferecer-lhe, como é adequado ao se receber um convidado
digno de adoração. O Senhor Srl Krsna é o supremo puro, mas, como estava
representando o papel de ser humano comum, Ele imediatamente lavou os pés do
brãhmana e, para Sua própria purificação, borrifou a água sobre Sua cabeça.
Depois disso, o Senhor untou o corpo do brãhmana com diferentes tipos de polpa
perfumada, tais como o sândalo, aguru e açafrão. Em seguida, acendeu vários tipos
de incenso perfumado, e, como de costume, ofereceu-lhe ãraú com lamparinas
feitas com algodão e ghl. Após oferecer-lhe assim uma recepção adequada e depois
que o brãhmana tinha comido e bebido, o Senhor Krsna disse: “Meu querido
amigo, é uma grande fortuna que tenhas vindo até aqui.”
O brãhmana, sendo muito pobre, não estava bem vestido; sua roupa estava puída
e suja, e seu corpo era muito magro e fino. Ele aparentava não ser muito limpo, e,
por causa de seu corpo magro, seus ossos eram distintamente visíveis. A deusa da
fortuna, Rukmlnldevl, pessoalmente começou a abaná-lo com o abano câmara, mas
as outras mulheres no palácio ficaram espantadas com o comportamento do Senhor
Krsna ao receber o brãhmana daquela maneira. Estavam surpresas de ver quão
ávido estava o Senhor Krsna de dar Suas boas-vindas a este brãhmana em particu­
lar. Elas se perguntavam como o Senhor Krsna podia receber pessoalmente um
brãhmana que era pobre, não muito asseado nem limpo e estava póbremente ves­
tido; mas, ao mesmo tempo, puderam compreender que o brãhmana não era um ser
vivo comum. Elas sabiam que ele devia ter executado grandes atividades piedosas;
senão, por que o Senhor Krsna, o esposo da deusa da fortuna, estaria tratando-o
com tanto carinho? Ficaram ainda mais surpresas de ver que o brãhmana estava
sentado na cama do Senhor Krsna. Ficaram especialmente surpresas dé ver que o
Senhor Krsna o abraçara exatamente como abraçava Seu irmão mais velho, Balarã-
maji, porque o Senhor Krsna costumava abraçar somente Rukminí ou Balarãma, e
ninguém mais.
Após receber o brãhmana adequadamente, e sentá-lo em Sua própria cama acol­
choada, o Senhor Krsna disse: “Meu querido amigo brãhmana, és uma personali­
dade muito inteligente, e conheces muito bem os princípios da vida religiosa. Creio
que depois de teres terminado tua educação na casa de nosso mestre e depois de o
teres remunerado suficientemente, deves ter voltado à casa e aceitado uma esposa
adequada. Sei muito bem que desde o começo não estavas absolutamente apegado
ao modo de vida materialista, nem desejavas ser muito opulento materialmente, e
portanto estás precisando de dinheiro. Neste mundo material, é muito raro encontrar
pessoas que não sejam apegadas à opulência material. Essas pessoas desapegadas
não têm o menor desejo de acumular riqueza e prosperidade para gozo dos-sentidos,
mas às vezes se vê que elas arrecadam dinheiro apenas para demonstrar a vida
exemplar de um chefe de família. Elas mostram como, pela devida distribuição da
riqueza, uma pessoa pode tomar-se um chefe de família ideal e ao mesmo tempo um
O encontro do Senhor Krsna com Sudãmâ Brahmana 561 <

grande devoto. Esses chefes de família ideais devem ser considerados seguidores de
Meus passos. Eu espero, meu querido amigo brahmana, que te lembres de todos
aqueles dias de nossa vida escolar quando tu e Eu vivíamos juntos no internato. Na
verdade, todo o conhecimento que tu e Eu recebemos na vida. foi acumulado durante
nossa vida de estudante.
“Se o homem é suficientemente.educado na fase estudantil sob a orientação de
um mestre adequado, sua vida toma-se exitosa no futuro. Ele pode atravessar o
oceano da ignorância com muita facilidade, e não está sujeito à influência dâ
energia ilusória. Meu querido amigo, todos devem considerar seu pai como o
primeiro mestre porque pela misericórdia do pai obtemos este corpo. O pai é
portanto o mestre espiritual natural. Nosso próximo mestre espiritual é aquele que
nos inicia no conhecimento transcendental, e ele deve ser adorado tanto quanto Eu o
sou. O mestre espiritual pode ser mais de um. O mestre espiritual que dá instruções
aos discípulos sobre assuntos espirituais chama-se siksã-guru, e o mestre espiritual
que inicia os discípulos chama-se diksã-guru. Ambos são Meus representantes.
Pode ser que haja muitos mestres espirituais que dêem instruções, mas o mestre
espiritual iniciador é um só. Um ser humano que tira proveito desses mestres
espirituais e, recebendo o devido conhecimento deles, atravessa o oceano .da exis­
tência material, deve ser aceito como tendo utilizado adequadamente sua forma
humana de vida. Ele tem conhecimento prático de que o interesse último da vida,
que só pode ser adquirido nesta forma humana, é atingir perfeição espiritual e desse
modo ser transferido de volta ao lar, de volta ao Supremo,
“Meu querido amigo, Eu sou Paramãtmã, a Superalma presente no coração de
todos, e Minha ordem direta é que a sociedade humana siga os princípios de varna e
ãsrama. Como declaro no Bhagavad-gltã, a sociedade humana deve ser dividida,
segundo qualidade e ação, em quatro varnas. De forma semelhante, todos devem
dividir sua vida em quatro partes. Deve-se utilizar a primeira parte da vida em
tomar-se um bom estudante, recebendo conhecimento adequado e mantendo-se fiel
ao voto de brahmacarya, para poder devotar a vida completamente ao serviço do
mestre espiritual sem entregar-se ao gozo dos sentidos. O brahmacãri destina-se a
levar uma vida de austeridades e penitências. O chefe de família destina-se a viver
uma vida .regulada de gozo dos sentidos, mas a pessoa não deve permanecer como
chefe de família durante a terceira fase da vida. Nessa fase, tem-se de voltar às
austeridades e penitências praticadas anteriormente na vida de brahmacãri e assim
alíviarr-se do apego à vida doméstica. Após aliviar-se de seus apegos ao modo de
vida materialista, a pessoa pode aceitar a ordem de sannyãsa.
“Sendo a Superalma das entidades vivas, situado no coração de todos, Eu ob­
servo a atividade de todos em todas as fases e ordens de vida. Independemememe
do estágio, em que alguém se encontre, quando Eu vejo que ele está ocupado séria e
sinceramente no cumprimento dos deveres ordenados pelo mestre espiritual, e está
assim dedicando sua vida ao serviço do mestre espiritual, essa pessoa toma-se
562 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

muito querida por Mim. Quanto à vida de brahmacarya, se alguém puder continuar
na vida de brahmcicãrí sob a orientação de um mestre espiritual, isso é extrema­
mente bom; mas, se na vida de brahmacãrl ele sentir impulsos sexuais, deverá
despedir-se de seu mestre espiritual, satisfazendo-o de acordo com o desejo do
guru. Segundo o sistema védico, oferece-se um presente ao mestre espiritual, que
se chama guru-daksinã. Então o discípulo deve aceitar a vida de casado e aceitar
uma esposa de acordo com os ritos religiosos.”
Estas instruções dadas pelo Senhor Krsna enquanto Ele conversava com Seu
amigo, o brãhmana erudito, são muito boas para a orientação da sociedade humana.
Um sistema de civilização humana que não promova varna e ãsrama não passa de
sociedade animal polida. A entrega à vida sexual por parte de um homem ou de uma
mulher que sejam solteiros não é absolutamente aceitável na sociedade humana. O
homem deve ou seguir estritamente os princípios da vida de brahmacãrl ou, com a
permissão do mestre espiritual, deve casar-se. Vida de solteiro com exercício de
sexo ilícito é vida animal, pois os animais não têm tal coisa como a instituição do
casamento.
A sociedade moderna não objetiva o cumprimento da missão da vida humana,
que é voltar ao lar, voltar ao Supremo. Para cumprir esta missão, deve-se seguir o
sistema de varna e ãsrama. Quando o sistema é seguido rígida e conscientemente,
ele satisfaz esta missão, mas, quando seguido indiretamente, sem orientação de
ordem superior, simplesmente cria uma condição perturbadora na sociedade hu­
mana, e não há paz nem prosperidade.
Krsna continuou a falar com Seu amigo brãhmana: “Meu querido amigo, creio
que ainda te lembras de nossas atividades durante os dias em que vivíamos como
estudantes. Talvez te lembres de que certa vez fomos catar lenha na floresta por
ordem da esposa do guru. Enquanto íamos apanhando a lenha seca, por acaso
entramos na densa floresta e nos perdemos. Surgiu uma tempestade de poeira
inesperada e depois nuvens e relâmpagos no céu e o som retumbante do raio. Então
o sol se pôs e nós estávamos perdidos na selva escura. Depois disso, caiu um
aguaceiro pesado; todo o solo inundou-se de água e nós não conseguíamos descobrir
o caminho para voltar ao ãsrama de nosso guru. Talvez te lembres daquela pesada
chuva-— não era realmente uma chuva, mas sim uma espécie de devastação. Por
causa da tempestade de poeira e da pesada chuva, começamos a nos sentir muito
doloridos, e para onde quer que nos voltávamos ficávamos desnorteados. Segura­
mos um a mão do outro e tentamos sair daquela situação aflitiva. Porém, passamos
toda a noite daquela maneira, e de manhã cedo, quando nosso gurudeva deu-se
conta de nossa ausência, mandou que seus outros discípulos nos procurassem. Ele
também veio com eles, e quando nos encontraram na selva perceberam quão aflitos
estávamos.
“Com muita compaixão, nosso gurudeva disse: ‘Meus caros meninos, é muito
maravilhoso que tenhais sofrido tanto incômodo por mim. Todos gostam de cuidar
O encontro do Senhor Krsna com Sudãmã Brãhmana 563

de seu corpo em primeiro plano, mas vós sois tão bons e fiéis a vosso guru que, sem
ligar para os confortos corpóreos, tendes aceitado tanto incômodo por mim. Também
estou contente de ver que estudantes fiéis como vós submeter-se-ão a qualquer espécie
de incômodo para a satisfação do mestre espiritual. É assim que um discípulo fiel se
livra de sua dívida para com o mestre espiritual. É dever do discípulo dedicar
sua vida ao serviço do mestre espiritual.. Meus queridos melhores entre os duas-
vezes-nascidos, estou muitíssimo satisfeito com vossas ações, e vos abençoo: que
todos os vossos desejos e ambições sejam satisfeitos. Que a compreensão dos Vedas
que vós aprendestes comigo permaneça sempre dentro de vossa memória, para que
em todos os momentos possais lembrar-vos dos ensinamentos dos Vedas e citar suas
instruções sem dificuldade. Assim, jamais tereis desapontamento nesta vida nem na
próxima.’” '
Krsna continuou: “Meu querido amigo, talvez te lembres de que muitos desses
incidentes ocorreram enquanto estávamos no ãsrama de nosso mestre espiritual.
Ambos nós podemos compreender que sem as bênçãos do mestre espiritual ninguém
pode ser feüz. Pela misericórdia do mestre espiritual e por suas bênçãos, pode-se
obter paz e prosperidade e ser capaz de cumprir a missão da vida humana.”
Ao ouvir isto, o erudito brãhmana respondeu: “Meu querido Krsna, Tu és o
Senhor Supremo e o supremo mestre espiritual de todos, e desde que eu tive a
fortuna de viver contigo na casa de nosso guru, creio que nada mais tenho a fazer no
que se refere aos deveres védicos prescritos. Meu querido Senhor, os hinos védicos,
as cerimônias ritualísticas, as atividades religiosas e todas as outras necessidades
para a perfeição da vida humana, incluindo desenvolvimento econômico, gozo dos
sentidos e liberação, derivam todos de uma única fonte: Tua personalidade su­
prema. Todos os diferentes processos de vida destinam-se em última análise à
compreensão de Tua personalidade. Em outras palavras, eles são diferentes partes
de Tua forma transcendental. E, não obstante, Tu representaste o papel de estudante
e viveste conosco na casa do guru. Isto significa que adotaste todos esses passatem­
pos para Teu prazer apenas; senão, não haveria necessidade de representares o papel
de um ser humano."

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Setenta


e Nove de Krsna, intitulado “O Encontro do Senhor Krsna com Sudã­
mã Brãhmana.**
8 0 / . O brãhmana Sudãma
é abençoado pelo Senhor Krsna

O Senhor Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, a Superalma de todas as


entidades vivas, conhece muito bem o coração de todos. Ele sente-Se especiaímente
inclinado aos devotos brãhmanas. O Senhor Krsna também é chamado de
brahmanyadeva, que significa que Ele é adorado pelos brãhmanas. Portanto,
compreende-se que um devoto que seja totalmente rendido à Suprema Personali­
dade de Deus já adquiriu a posição de um brãhmana. Sem se tomar um brãhmana,
uma pessoa não pode se aproximar do Brahman Supremo, o Senhor Krsna. Krsna
está especialmente interessado em eliminar a aflição de Seus devotos, e Ele é o
único abrigo dos devotos puros.
O Senhor Krsna conversou por um longo tempo com Sudãmã Vipra sobre a
associação deles no passado. Então, apenas para desfrutar da companhia de um
velho amigo, o Senhor Krsna pôs-Se a sorrir, e perguntou: “Meu querido amigo, o
que trouxeste para Mim? Acaso tua esposa não te deu algum bom comestível para
Mim?" Enquanto falava com Seu amigo, o Senhor Krsna olhava para ele e sorria
com grande amor. Ele continuou: “Meu querido amigo, deves ter trazido algum
presente para Mim de tua casa.”
O Senhor Krsna sabia que Sudãmã estava hesitante em presenteá-10 com o arroz
quebrado que era realmente impróprio para ser comido por Ele. Compreendendo a
mente de Sudãmã Vipra, o Senhor disse: “Meu querido amigo, certamente não
tenho necessidade de nada, mas se Meu devoto Me dá algo conío uma oferenda de
amor, mesmo que ela seja muito insignificante, Eu a aceito com grande prazer. Por
outro lado, se uma pessoa não é devota, mesmo que Me ofereça coisas muito
valiosas, Eu não tenho prazer em aceitá-las. Na verdade, Eu aceito apenas coisas
que Me sejam oferecidas com devoção e amor; senão, por mais valiosa que seja uma
coisa, Eu não a aceito. Se Meu devoto puro Me oferece mesmo as coisas mais
insignificantes— uma florzinha, um pedacinho de folha, um pouco dágua — mas
satura a oferenda com amor devocíonal, então Eu não apenas aceito de bom grado
tal oferenda, mas também a como com grande prazer.”
O Senhor Krsna assegurou a Sudãmã Vipra que Ele teria muito prazer em aceitar
o arroz quebrado que ele havia trazido de casa, contudo, com muita vergonha,
Sudãmã Vipra hesitava em dá-lo de presente ao Senhor. Ele pensava: “Como posso
oferecer coisas tão insignificantes a Krsna?” e mantinha a cabeça baixa.
O Senhor Krsna, a Superalma, sabe de tudo no coração de todos. Ele conhece a
determinação de todos e a vontade de todos. Ele conhecia, portanto, a razão para
O brãhmana Sudãmã é abençoado pelo Senhor Krsna 565

Sudãmã Vipra ter vindo até ele. Sabia que, movido por extrema pobreza, o Vipra
havia vindo até alí a pedido de sua esposa. Pensando em Sudãmã como Seu muito
querido colega de escola, Ele sabia que o amor de Sudãmã por Ele como amigo não
era absolutamente manchado por nenhum desejo de benefício material. Krsna pen­
sou: “Sudãmã não veio pedir-Me nada: forçado pelo. pedido de sua esposa, ele veio
ver-Me apenas para satisfazê-la.” O Senhor Krsna decidiu, portanto, que daria mais
opulência material a Sudãmã Vipra do que poderia imaginar o rei do céu.
Então Ele pegou a trouxinha de arroz quebrado pendurada no ombro do pobre
brãhmana, comprimida num canto de seu manto, e disse: “O que é isto? Meu
querido amigo, tu Me trouxeste este saboroso arroz quebrado!” Ele animou Sudãmã
Vipra, dizendo: “Considero que esta quantidade de arroz quebrado satisfará não so­
mente a Mim, mas também a toda a criação." Compreende-se por esta declaração
que Krsna, sendo a fonte original de tudo, é a raiz de toda a criação. Assim como a
rega da raiz de uma árvore imediatamente distribui água a todas as partes da árvore,
da mesma forma, um oferecimento feito a Krsna-—ou qualquer ação feita para
Krsna — deve ser considerado a obra beneficente mais elevada para todos, porque o
benefício de tal oferecimento distribui-se por toda a criação. O amor por Krsna
distribui-se por todas as entidades vivas.
Enquanto falava com Sudãmã Vipra, o Senhor Krsna comeu um bocado de arroz
quebrado de sua trouxinha, e quando Ele tentou comer um segundo bocado, Rukminí-
deví, a própria deusa da fortuna, conteve o Senhor segurando-Lhe a mão. Após tocara
mão de Krsna, Rukrriini disse: “Meu querido Senhor, este único bocado de arroz
quebrado é suficiente para fazer com que aquele que o ofereceu se tome muito
opulento nesta vida e continue sua opulência na próxima vida. Meu Senhor, és tão
bondoso com Teu devoto que mesmo este único bocado de arroz quebrado satisfaz-Te
muitíssimo, e Teu prazer garante ao devoto opulência tanto nesta vida quanto na
próxima.” Isto indica que quando se oferece alimento ao Senhor Krsna com amor e
devoção e Ele fica satisfeito e o aceita do devoto, Rukminldevl, a deusa da fortuna,
fica tão agradecida ao devoto que se sente na obrigação de ir pessoalmente ao lar do
devoto para transformá-lo no lar mais opulento do mundo. Se alguém alimenta
Nãrãyana suntuosamente, a deusa da fortuna, Laksmí, automaticamente toma-se
hóspede da casa dele, o que significa que sua casa toma-se opulenta. O erudito
brãhmana Sudãmã passou aquela noite na casa do Senhor Krsna, e enquanto esteve
ali sentiu como se estivesse vivendo num planeta Vaikuntha. Na verdade, ele estava
vivendo em Vaikuntha, porque onde quer que vivam o Senhor Krsna, o Nãrãyana
original, e. RukminídevT, a deusa da fortuna, tal lugar não é diferente dos planetas
espirituais, Vaikunthaloka.
O erudito brãhmana Sudãmã não parecia ter recebido nada substancial do Senhor
Krsna enquanto esteve em Seu patácio. Contudo, ele não pediu nada ao Senhor. Na
manhã seguinte ele partiu para sua casa, pensando sempre sobre a recepção que lhe
dera Krsna, e assim mergulhava em bem-aventurança transcendental. Indo para
566 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

casa, simplesmente se lembrava da recepção do Senhor Krsna, e sentia-se muito


feliz de ter visto o Senhor.
O brãhmana pensou: “É muito agradável ver o Senhor Krsna, que é muito
devotado aos brãhmanas. Que grande amante da cultura bramínica Ele é! Ele é o
próprio Brahman Supremo, porém reciproca com os brãhmanas:: Ele também res­
peita os brãhmanas, tanto que abraçou contra Seu peito um pobre brãhmana como
eu, embora nunca abrace ninguém contra Seu peito exceto a deusa da fortuna.
Como pode haver algum termo de comparação entre mim, pobre brãhmana pecami­
noso, e o Supremo Senhor Krsna, que é o único abrigo da deusa da fortuna? E
mesmo assim, considerando-me um brãhmana, Ele abraçou-me com prazer sincero
com Seus dois braços transcendentais. O Senhor Krsna foi tão bondoso comigo
que permitiu-me sentar-me na mesma cama onde se deita a deusa da fortuna. Ele me
considerou Seu verdadeiro irmão. Como posso manifestar minha gratidão para com
Ele? Quando eu estava cansado, Srlmati Rukminldevl, a deusa da fortuna, começou
a me abanar, segurando o abano câmara com sua própria mão. Ela não considerou
em absoluto sua posição elevada como a primeira rainha do Senhor Krsna. Eu fui
servido pela Suprema Personalidade de Deus por causa de Sua alta estima pelos
brãhmanas, e, por ter massageado minhas pernas e me alimentado com Sua própria
mão, Ele praticamente me adoroul Aspirando à elevação aos planetas celestiais, à
liberação, a todos os tipos de opulência material, ou à perfeição nos poderes da yoga
mística, todos em todo o universo adoram os pés de lótus do Senhor Krsna. Con­
tudo, o Senhor foi tão bondoso comigo que não me deu um tostão sequer, sabendo
muito bem que eu sou um homem paupérrimo que, se conseguisse algum dinheiro,
ficaria inflado e andaria louco atrás de opulência material, esquecendo-me, desse
modo, dEle.”
A declaração do brãhmana Sudãmã é correta. Um homem comum que seja muito
pobre e ore ao Senhor para abençoá-lo com opulência material, e que de alguma
forma se tome mais rico em opulência material, esquece-se imediatamente de sua
obrigação para com o Senhor. Portanto, o Senhor não oferece opulências a Seu
devoto a menos que o devoto seja inteiramente destituído. Pelo contrário, se um
devoto neófito serve ao Senhor com muita sinceridade e ao mesmo tempo quer
opulência material, o Senhor o impede de obtê-la.
Pensando dessa .maneira, o erudito brãhmana finalmente chegou a sua própria
casa. Mas, chegando ali, ele viu que tudo estava admiravelmente mudado. Viu que
no lugar de sua cabana havia grandes palácios feitos de pedras e jóias preciosas,
cintilantes como o sol, como a lua e como raios de fogo. Não havia apenas grandes
palácios, mas a intervalos havia parques belamente decorados, pelos quais muitos
homens e mulheres passeavam. Nesses parques havia belos lagos cheios de flores de
lótus e belos lírios, e havia bandos de pássaros multicoioridos. Vendo a conversão
maravilhosa de áeu lugar nativo, o brãhmana começou a pensar consigo mesmo:
"Como estou vendo todas essas mudanças? Acaso este lugar me pertence, ou
O brãhmana Sudãmã é abençoado pelo Senhor Krsna 567

pertence a outrem? Se este é o mesmo lugar onde eu costumava viver, como, então,
ele mudou tão admiravelmente?”
Enquanto o erudito brãhmana tecia essas considerações, um grupo de belos
homens e mulheres com fisionomias semelhantes às dos semideuses, acompanhados
por cantores, aproximaram-se para dar-lhe as boas-vindas. Todos eles cantavam
canções auspiciosas. A esposa do brãhmana ficou muito contente ao ouvir as novas
da chegada de seu esposo, e com muita pressa ela também saiu do palácio. A esposa
do brãhmana estava com uma aparência tão bela que parecia que a própria deusa da
fortuna tinha vindo recebê-lo. Assim que viu seu esposo diante dela, lágrimas de
alegria caíram de seus olhos, e sua voz ficou tão sufocada que ela não pôde sequer
falar a seu esposo. Simplesmente cerrou os olhos em êxtase. Mas, com grande amor
e afeição, ela prostrou-se perante o esposo, e dentro de si pensava em abraçá-to.
Estava toda decorada com um colar de ouro e ornamentos, e ali parada no meio das
criadas, ela parecia a esposa de um semideus que acabava de descer de um aero-
piano. O brãhmana ficou surpreso de ver sua esposa tão bela, e, com grande afeição
e sem dizer uma palavra, entrou no palácio com ela.
Quando entrou em seu apartamento pessoal no palácio, o brãhmana viu que não
se tratava de um apartamento, mas sim da residência do rei do céu. O palácio era
rodeado por várias colunas de jóias. Os sofás e as camas eram feitos de marfim,
incrustados com ouro e jóias, e a roupa de cama era branca como a espuma do leite e
suave como um lótus. Havia muitos abanos engastados em hastes de ouro, e muitos
tronos dourados com almofadas macias como flores de lótus. Em vários lugares
havia dosséis de veludo e seda com cordões de pérolas pendurados em volta. A
estrutura do prédio apoiava-se sobre excelente mármore translúcido, com deco­
rações feitas de esmeralda. Todas as mulheres do palácio traziam consigo lampari­
nas feitas de jóias preciosas. As chamas e as jóias combinadas produziam uma luz
maravilhosamente radiante. Quando o brãhmana viu sua posição subitamente mu­
dada para posição de opulência, e como não pudesse determinar a causa de mudança
tão repentina, ele começou a considerar muito gravemente como isso acontecera.
Ele começou então a pensar: “Desde o começo de minha vida tenho sido extrema­
mente pobre; qual, então, poderia ser a causa de opulência tão grande e repentina?
Não encontro nenhuma causa além do olhar todo-mísericordioso de meu amigo, o
Senhor Krsna, o chefe da dinastia Yadu. Certamente isto são dádivas da misericór­
dia sem causa do Senhor Krsna. O Senhor é auto-suficiente, o esposo da deusa da
fortuna, e assim Ele é sempre pleno de seis opulências. Ele pode entender a mente
de Seu devoto, e suntuosamente satisfazer-lhe os desejos. Tudo isto é obra de meu
amigo, o Senhor Krsna. Meu belo amigo negro, Krsna, é muito mais liberal do que
a nuvem que pode encher o grande oceano com água. Sem perturbar o cultivador
com chuva durante o dia, a nuvem traz chuva liberal à noite só para satisfazê-lo. E
.mesmo assim, quando o cultivador desperta de manhã, ele acha que não choveu o
suficiente. Analogamente, o Senhor satisfaz o desejo de todos de acordo com a
568 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

posição de cada um; porém, aquele que não está em consciência de Krsna considera
todas as dádivas do Senhor como inferiores à quantidade desejada. Por outro lado,
quando o Senhor recebe uma coisinha com amor e afeição de Seu devoto, Ele a
considera como grande e valioso presente. O exemplo vivido disso sou eu. Simples­
mente ofereci-Lhe um bocado de arroz quebrado, c, em troca, Ele me deu opulên­
cias superiores à opulência do rei do céu.”
O que o devoto realmente oferece ao Senhor disto o Senhor não necessita, pois
.Ele é auto-suficiente. Se o devoto oferece algo ao Senhor, isso redunda em seu
próprio interesse porque tudo que um devoto oferece ao Senhor é retribuído em
quantidade milhões de vezes maior do que o que foi oferecido, Uma pessoa não sai
perdendo ao dar ao Senhor, senão que ganha milhões de vezes mais do que deu.
O brãhmana, sentindo muita gratidão para com Krsna, pensou: “Oro para que
tenha a amizade do Senhor Krsna e me ocupe em Seu serviço, e para que me renda
totalmente a Ele com amor e afeição, vida após vida. Não quero nenhuma opulên­
cia. Somente desejo não me esquecer de Seu serviço. Simplesmente desejo
associar-me com Seus devotos puros. Que minha mente e atividades estejam sempre
ocupados em Seu serviço. A não-nascida Suprema Personalidade de Deus, Krsna,
sabe que muitas grandes personalidades têm caído de suas posições por causa das
extravagâncias da opulência. Portanto, mesmo quando Seu devoto Lhe pede alguma
opulência, o Senhor às vezes não a dá. Ele é muito cauteloso no que se refere a Seus
devotos. No mundo material, como um devoto em posição imatura de serviço
devocional pode cair de sua posição caso se ihe ofereça grande opulência, o Senhor
não lhe oferece opulência. Esta é outra manifestação da misericórdia sem causa do
Senhor para com Seu devoto. Seu primeiro interesse é que o devoto não caia. Ele é
exatamente como um pai benquerente que não dá muita riqueza na mão de seu filho
imaturo, mas que, quando o filho está crescido e sabe como gastar o dinheiro,
dá-lhe toda a riqueza.”
O erudito brãhmana concluiu assim que todas as opulências que ele havia rece­
bido do Senhor deviam ser usadas, não para seu gozo extravagante dos sentidos,
mas sim para o serviço ao Senhor. O brãhmana aceitou sua recém-adquirida opu­
lência, mas o fez com espírito de renúncia, desapegado do gozo dos sentidos, e
assim viveu muito pacificamente com sua esposa, desfrutando de todas as facilidades
da opulência como prasãda do Senhor. Ele desfrutava de variedades de alimentos,
oferecendo-os ao Senhor e depois tomando-os como prasãda. De forma seme­
lhante, se, pela graça do Senhor, obtemos opulências tais como riqueza, fama.
poder, educação e beleza materiais, é nosso dever considerar que todas eias são
dádivas do Senhor e devem ser usadas para Seu serviço, e não para gozo de nossos
sentidos. O erudito brãhmana permaneceu naquela posição, e, em vez de decair
devido à grande opulência, seu amor e afeição pelo Senhor Krsna aumentavam dia
após dia. A opulência material pode ser causa de degradação e também causa de
elevação, de acordo com os fins para os quais seja usada. Se a opulência é usada
O brãhmana Sudamã é abençoado pelo Senhor Krsna 569

para gozo dos sentidos, é causa de degradação, e se é usada para o serviço ao


Senhor, é causa de elevação.
Fica evidente pelo relacionamento do Senhor Krsna com Sudãmã Vipra que a
Suprema Personalidade de Deus fica muitíssimo satisfeita com uma pessoa que
possui qualidades bramínicas. Um brãhmatia qualificado como Sudãmã Vipra é
naturalmente um devoto do Senhor Krsna. Portanto se diz, brãhmuno vatsnavah:
um brãhmana é um Vaisnava. Ou às vezes se diz, brãhmanah panditah. Pandita
significa uma pessoa altamente erudita. Um brãhmana não pode ser tolo.ou mal
educado. Portanto, há duas classes de brãhmanas, a saber, Vaisnavas e panditas.
Aqueles que são simplesmente eruditos são panditas, mas ainda não são devotos do
Senhor, ou Vaisnavas. O Senhor Krsna não fica particularmente satisfeito com eles.
Simplesmente a qualificação de ser brãhmana erudito não é suficiente para atrair a
Suprema Personalidade de Deus. O brãhmana deve não apenas ser bem qualificado
de acordo com os requisitos declarados em escrituras tais como o Srimad Bhãgavad-
gltã e o Srimad-Bhãgavatam, como também, ao mesmo tempo, deve ser devoto do
Senhor Krsna. O exemplo vivido disso é Sudãmã Vipra. Ele era um brãhmana qua­
lificado, desapegado de todas as espécies de gozo material dos sentidos, e, ao
mesmo tempo, um grande devoto do Senhor Krsna. O Senhor Krsna, o desfrutador
de todos os sacrifícios e penitências, gosta muito de um brãhmana como Sudãmã
Vipra, e nós vimos pelo próprio comportamento do Senhor Krsna o quanto Ele
adora um brãhmana assim. Portanto, o estágio ideal de perfeição humana é tornar-
se um brãhmana-vaisnava como Sudãmã Vipra.
Sudãmã Vipra compreendia que embora o Senhor Krsna seja inconquistável, Ele
não obstante concorda em ser conquistado por Seus devotos. Ele compreendeu quão
bondoso o Senhor Krsna foi com ele, e estava sempre em transe, pensando constan­
temente em Krsna. Por essa constante associação com o Senhor Krsna, toda escuri­
dão de contaminação material que restava dentro de seu coração foi completamente
eliminada, e dentro de pouco tempo ele foi transferido para o reino espiritual, que é
a meta de todas as pessoas santas no estágio perfectivo da vida. Sukadeva Gosvãmí
declara que todas as pessoas que ouvirem esta história de Sudãmã Vipra e o Senhor
Krsna saberão quão afetuoso o Senhor Krsna é para com devotos brãhmanas como
Sudãmã. Portanto, qualquer pessoa que ouça esta história, gradualmente tomar-se-á
tão qualificada como Sudãmã Vipra, e assim será transferida para o reino espiritual
do Senhor Krsna. .‘

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta


de Krsna, intitulado “O Brãhmana Sudãmã é Abençoado pelo Senhor
Krsna. ”
8 1 / 0 Senhor Krsna e Balarama
encontram-Se com os habitantes de Vrndâvana

Certa feita, enquanto o Senhor Krsna e Balarãma viviam pacificameme em Sua


grande cidade de Dvãrakã, houve a rara ocasião de um eclipse solar completo, tal
como aquele que acontece no final de cada kalpa, ou dia de Brahmã. No final de
cada kalpa o sol é coberto por uma grande nuvem, e uma chuva incessante cobre os
sistemas planetários inferiores até Svarga-Ioka. Através de cálculos astronômicos,
as pessoas foram informadas sobre este grande eclipse antes de ele acontecer, e por
isso todos, tanto homens quanto mulheres, decidiram reunir-se no local santo em
Kuruksetra conhecido como Samanta-pancaka.
O local de peregrinação Samanta-paficaka é famoso porque o Senhor Parasurãma
executou grandes sacrifícios ali após ter matado todos os ksatriyas do mundo vinte e
uma vezes. O Senhor Parasurãma matou todos os ksatriyas, cujo sangue acumu­
lado fluía como um rio. O Senhor Parasurãma cavou cinco grandes lagos em
Samanta-pancaka, e encheu-os com este sangue. O Senhor Parasurãma é Visnu-
tatrvu. Como se afirma no Isopanisad, Visnu-tattva não pode ser contaminado por
nenhuma atividade pecaminosa. Contudo, embora o Senhor Parasurãma fosse intei­
ramente poderoso e não-contamínado, a fim de demonstrar um caráter ideal, Ele
executou grandes sacrifícios em Samanta-pancaka para expiar Sua supostamente
pecaminosa matança dos ksatriyas. Através de Seu exemplo, o Senhor Parasurãma
estabeleceu que a arte de matar, embora seja às vezes necessária, não é boa. O Senhor
Parasurãma considerou-Se culpável pela matança pecaminosa dos ksatriyas; portanto,
quão mais culpáveis somos nós por esses atos abomináveis não sancionados. Assim,
matar entidades vivas é proibido desde tempos imemoriais em todo o mundo.
Tirando proveito da ocasião do eclipse solar, todas as pessoas importantes visita­
ram o local santo de peregrinação. Algumas das personalidades importantes são
mencionadas a seguir. Entre as pessoas mais velhas estavam Akrüra, Vasudeva e
Ugrasena, e entre a geração mais jovem estavam Gada, Pradyumna, Sãmba e
muitos outros membros da dinastia Yadu que tinham vindo ali com vistas a expiaras
atividades pecaminosas acumuladas no decorrer do cumprimento de seus respecti­
vos deveres. Porque quase todos os membros da dinastia Yadu foram a Kuruksetra,
algumas personalidades importantes, como Aniruddha, o filho de Pradyumna, e
Krtavarmã, o comandante supremo da dinastia Yadu, juntamente com Sucandra,
Suka e Sãrana, permaneceram em Dvãrakã para proteger a cidade.
Todos os membros da dinastia Yadu eram naturalmente muito belos; contudo,
nesta ocasião, quando eles apareceram devidamente decorados com colares de ouro
e guirlandas de flores, vestidos com roupas valiosas e devidamente armados com
suas respectivas armas, sua beleza natural e personalidades aumentaram centenas de
Krsna e Baiarãma e os habitantes de Vrndãvana 571

vezes. Os membros da dinastia Yadu vieram a Kuruksetra em suas quadrigas es-


piendorosamente decoradas, semelhantes aos aeroplarsos dos semideuses e puxadas
por grandes cavalos que se moviam como as ondas do oceano. Alguns deles vieram
montados em elefantes robustos e corajosos que se moviam como as nuvens do céu.
Suas esposas eram carregadas em belos palanquins por homens belos cujas caracte­
rísticas assemelhavam-se às dos Vidyãdharas. Toda a assembléia parecia bela como
uma assembléia de semideuses do céu.
Após chegarem a Kuruksetra, os membros da dinastia Yadu tomaram seus banhos
cerimoniais, com auto-controle, como é prescrito nos sãstras, e observaram jejum
por todo o período do eclipse a fim de anular as reações de suas atividades pecami­
nosas. Já que é costume védico dar caridade tanto quanto possível durante as horas
do eclipse, os membros da dinastia Yadu distribuíram muitas centenas de vacas em
caridade aos brãhmanas. Todas essas vacas estavam totalmente decoradas com boas
roupas e ornamentos. A característica especial dessas vacas era que elas tinham
sinos de tornozelo dourados e guirlandas de flores nos pescoços.
Após todos os membros da dinastia Yadu novamente tomarem seus banhos nos
lagos criados pelo Senhor Parasurãma, eles alimentaram os brãhmanas suntuosa­
mente com alimento cozido de primeira classe, tudo preparado na manteiga. Se­
gundo o sistema védico, há duas classes de alimento. Um é chamado alimento cru, e
outro, alimento cozido. O alimento cru não inclui vegetais crus e cereais crus, mas
alimento cozido na água; ao passo que o alimento cozido é feito no gui. Capãtls,
clã!, arroz e legumes comuns são chamados alimentos crus, assim como as frutas e
as saladas. Mas, purls, kacuris, samosãs, bolas doces e assim por diante são
chamados alimentos cozidos. Todos os brãhmanas convidados naquela ocasião pelos
membros da dinastia Yadu foram alimentados suntuosamente com alimento cozido.
As funções cerimoniais executadas pelos membros da dinastia Yadu extema-
mente assemelhavam-se às realizações ritualísticas executadas pelos karmls.
Quando um karmi executa alguma cerimônia ritualística, sua ambição é o gozo dos
sentidos — boa posição, boa esposa, boa casa, bons filhos ou muita riqueza — mas a
ambição dos membros da dinastia Yadu era diferente. Sua ambição era oferecer fé e
devoção perpétuas a Krsna. Todos os membros da dinastia Yadu eram grandes
devotos. Sendo assim, após muitos nascimentos de atividades piedosas acumula­
das, eles obtiveram a oportunidade de associar-se com o Senhor Krsna. Ao irem
tomar seus banhos no local de peregrinação em Kuruksetra, ao observarem os
princípios regulativos durante o eclipse solar, ou ao alimentarem os brãhmanas—
em todas as suas atividades — eles simplesmente pensavam devotamente em Krsna.
Seu Senhor adorável ideal era Krsna, e ninguém mais.
Após os brãhmanas serem alimentados, é costume que o anfitrião, com a permis­
são deles, aceite prasãda. Assim, com a permissão dos brãhmanas, todos os mem­
bros da dinastia Yadu almoçaram. Depois escolheram locais de descanso debaixo de
grandes e frondosas árvores, e quando já haviam descansado o suficiente,
572 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

prepararam-se para receber os visitantes, entre os quais estavam parentes e amigos,


como também muitos reis e governantes subordinados. Havia os governantes das
províncias Matsya, Uámara, Kosala, Vidarbha, Kuru, Srnjaya, Kãmboja, Kekaya e
muitos outros países e províncias. Alguns dos governantes pertenciam a grupos
opostos, e outros eram amigos. Mas, acima de todos, os visitantes provenientes de
Vrndãvana eram os mais proeminentes. Os residentes de Vrndãvana, encabeçados
por Nanda Mahãrãja, tinham estado vivendo em grande ansiedade por causa da
separação de Krsna e Balarãma. Tirando proveito do eclipse solar, todos eles
vieram ver sua vida e alma, Krsna e Balarãma.
Os habitantes de Vrndãvana eram benquerentes e amigos íntimos da dinastia
Yadu. Este encontro dos dois grupos após longa separação foi um acontecimento
assaz comovente. Tanto os Yadus quanto os residentes de Vrndãvana sentiram um
prazer tão grande ao se encontrarem e conversarem uns com os outros que esta foi
uma cena única. Encontrando-se após longa separação, eles estavam todos jubilo­
sos; seus corações palpitavam e seus rostos pareciam flores de lótus recçm-
desabrochadas. Lágrimas caíam de seus olhos, os pelos de seus corpos arrepiavam-se
e, por causa do êxtase extremo, eles ficaram temporariamente mudos. Em outras
palavras, eles começaram a mergulhar em oceanos de felicidade.
Enquanto os homens realizavam tais encontros dessa maneira, as mulheres tam­
bém celebravam seus encontros umas com as outras do mesmo modo que eles. Elas
abraçavam umas as outras com grande amizade, soirindo mansamente, e olhavam
umas para as outras com muita afeição. Enquanto se abraçavam umas às outras, o
açafrão e o kunkuma espalhados em seus seios eram trocados de uma pessoa para
outra, e todas elas sentiam êxtase celestial. Devido a esses abraços apertados,
torrentes de lágrimas deslizavam de suas bochechas. Os mais novos ofereciam
reverências aos mais velhos e os mais velhos ofereciam suas bênçãos aos mais
novos. Eles assim davam suas boas-vindas uns aos outros e perguntavam pelo
bem-estar uns dos outros. Em última análise, entretanto, toda a conversa deles era
apenas sobre Krsna. Todos os vizinhos e parentes estavam ligados aos passatempos
do Senhor Krsna neste mundo, e, sendo assim, Krsna era o centro de todas as suas
atividades. Quaisquer atividades quedes executassem — sociais, políticas, religio­
sas ou convencionais — eram transcendentais.
A verdadeira elevação da vida humana depende do conhecimento e da renúncia.
Como se afirma no Primeiro Canto do Srlmad-Bhãgavatam, o serviço devocional
prestado a Krsna automaticamente produz conhecimento e renúncia perfeitos. Os
membros familiares da dinastia Yadu e os vaqueiros de Vrndãvana tinham suas
mentes fixas em Krsna. Este é o sintoma de todo conhecimento. E porque suas
mentes estavam sempre absortas em Krsna, eles estavam automaticamente livres de
todas as atividades materiais. Este estágio de vida chama-se yukta-vairãgya, como
enuncia Srlla Rüpa Gosvãml. Conhecimento e renúncia, portanto, não significam
especulação seca e renúncia às atividades. Pelo contrário, deve-se começar a falar e
agir apenas em relação com Krsna.
Krsna e Balarama e os habitantes de Vrndãvana 573

Neste encontro em Kuruksetra, Kuntldevi e Vasudeva, que eram irmã e irmão,


encontraram-se após longa separação, juntamente com seus respectivos filhos e
noras, esposas, filhos e outros familiares. Conversando uns com os outros, logo
eles se esqueceram de todas as suas provações passadas. Kuntldevi especialmente
falou a seu irmão Vasudeva da seguinte maneira: “Meu querido irmão, sou muito
afortunada porque nenhum de meus desejos jamais foi satisfeito; senão, como
poderia acontecer que, embora eu tenha um irmão tão santo como tu, perfeito sob
todos os aspectos, tu não me perguntasses como eu estive passando meus dias em
uma condição aflitiva de vida?” Parece que Kuntldevi estava se recordando dos dias
miseráveis em que ela fora banida com seus filhos através dos planos perversos de
Dhrtarãstra e Duryodhana. Ela continuou: “Meu querido irmão, entendo que
quando a providência se opõe a alguém, mesmo seus parentes mais próximos
também se esquecem dele. Em tal condição, mesmo o próprio pai, a mãe ou os
próprios filhos se esquecerão dele. Portanto, meu querido irmão, eu não te acuso.”
Vasudeva respondeu a sua irmã: “Minha querida irmã, não te lamentes e não me
culpes dessa maneira. Devemos sempre nos lembrar de que todos nós somos apenas
instrumentos nas mãos da providência. Todos estão sob o controle da Suprema
Personalidade de Deus. E sob o controle dEle apenas que todos os tipos de ações
fruitivas e suas reações ocorrem. Minha querida irmã, tu sabes que nós fomos muito
molestados peto rei Kamsa, e por causa de suas perseguições nos espalhamos por
vários lugares. Estivemos sempre cheios de ansiedades. Somente há poucos dias é
que regressamos a nossos próprios lares, pela graça de Deus.”
Após esta conversa, Vasudeva e Ugrasena receberam os reis que vieram vê-los, e
calorosamente deram-lhes as boas-vindas. Vendo o Senhor Krsna presente no local,
todos os visitantes sentiam prazer transcendental e ficavam muito pacíficos. Alguns
dos visitantes proeminentes eram os seguintes: Bhísmadeva, Dronãcãrya, Dhrta­
rãstra, Duryodhana e Gãndhãri juntamente com seus filhos; o rei Yudhisthira com
sua esposa, e os Pandavas com KuntI; Srnjaya, Vidura, Krpãcãrya, Kuntibhoja,
Virãta, o rei Nagnajit, Purujit, Drupada, Salya, Dhrstaketu, o rei de Kãsí, Dama-
ghosa, Visãlaksa, o rei de Mithilã," o rei de Madras (antigamente conhecida como
Madra), o rei de Kekaya, Yudhãmanyu, Susarmã, Bãhtika com seus filhos, e
muitos outros governantes subordinados ao rei Yudhisthira.
Ao verem o Senhor Krsna com Suas milhares de rainhas, eles ficaram inteira-
mente satisfeitos com a visão de tal beleza e opulência transcendental. Todos que
estavam ali pessoalmente visitaram o Senhor Balarãma e Krsna, e, sendo devida­
mente recebidos pelo Senhor, começaram a glorificar os membros da dinastia Yadu,
especialmente Krsna e Balarãma. Por ser o rei dos Bhojas, Ugrasena era conside­
rado o Yadu chefe, e por isso os visitantes especialmente dirigiram-se a ele: “Majes­
tade Ugrasena, rei dos Bhojas, na verdade os Yadus são as únicas pessoas neste
mundo que são perfeitas sob todos os aspectos. Todas as glórias a vós! Todas as
glórias a vós! A condição específica de vossa perfeição é que sempre vedes o
574 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Senhor Krsna, a quem buscam muitos yogis místicos, submetendo-se a austeridades


e penitências rigorosas por um grande número de anos. Todos vós estais em contato
direto com o Senhor Krsna a cada instante.
“Todos os hinos védicos glorificam a Suprema Personalidade de Deus, Krsna. A
água do Ganges é considerada santificada por ser a água usada para lavar os pés de
lótus do Senhor Krsna. Os textos védicos nada mais são que os preceitos do Senhor
Krsna. O objetivo do estudo de todos os Vedas é conhecer Krsna; portanto, as
palavras de Krsna e a mensagem de Seus passatempos são sempre purificantes. Pela
influência de tempo e circunstâncias, todas as opulências deste mundo foram quase
completamente eliminadas, mas desde que Krsna apareceu neste planeta, todas as
características auspiciosas reapareceram devido ao toque de Seus pés de lótus. Por
causa de Sua presença, todas as nossas ambições e desejos estão gradualmente
sendo satisfeitos. O Majestade, rei dos Bhojas, vós estais relacionado com a dinas­
tia Yadu por laços matrimoniais, e por consanguinidade também. Resulta que estais
constantemente em contato com o Senhor Krsna, e não tendes dificuldade em vê-10
a todo o momento. O Senhor Krsna anda convosco, conversa convosco,.senta-Se
convosco, descansa convosco e janta convosco. Os Yadus parecem estar sempre
ocupados em afazeres mundanos que são tidos como a estrada real que conduz para
o inferno; mas, devido à presença do Senhor Krsna, a original Personalidade de
Deus na categoria Visnu, que é onisciente, onipresente e onipotente, todos vós sois
realmente aliviados de toda a contaminação material, e estais situados na posição
transcendental de liberação e existência Brahman.”
Quando ficaram sabendo que Krsna estaria presente em Kuruksetra por causa do
eclipse solar, os residentes de Vrndãvana, encabeçados por Nanda Mahãrãja, tam­
bém decidiram ir até lá, e por isso todos os membros da dinastia Yadu estavam
presentes. O rei Nanda, acompanhado por seus vaqueiros, tinha carregado toda a
parafernália necessária em carros de boi, e todos os residentes de Vrndãvana tinham
vindo a Kuruksetra para ver seus amados filhos, o Senhor Balarãma e o Senhor
Krsna. Quando os vaqueiros de Vrndãvana chegaram a Kuruksetra, todos os mem­
bros da dinastia Yadu ficaram muito satisfeitos. Assim que viram os residentes de
Vrndãvana, eles se levantaram para dar-lhes as boas-vindas, e pareciam ter recupe­
rado suas vidas. Ambos os grupos tinham estado muito ansiosos por se encontra­
rem, e quando realmente se adiantaram e se encontraram, abraçaram-se uns aos
outros para a satisfação de seus corações e permaneceram abraçados por tempo
considerável.
Logo que Vasudeva viu Nanda Mahãrãja, ele pulou e correu em direção a ele,
abraçando-o mui afetuosamente. Vasudeva começou a narrar sua história passada —
como havia sido aprisionado pelo rei Karhsa, como seus bebês tinham sido mortos,
como imediatamente após o nascimento de Krsna ele O havia levado à casa de
Nanda Mahãrãja, e como Krsna e Balarãma tinham sido educados por Nanda Mahã­
rãja e sua rainha, Yasodã, como seus próprios filhos. De modo semelhante, o
Krsna e Balarãma e os habitantes de Vrndãvana 575

Senhor Balarãma e Krsna também abraçaram o rei Nanda e mãe Yasodã e então
ofereceram Seus respeitos a seus pés de lótus, prostrando-Se diante deles. Por causa
de Sua afeição filial por Nanda e Yasodã, tanto o Senhor Krsna quanto Balarãma
sentiram sufocamento, e por alguns segundos não puderam falar. O afortunadíssimo
rei Nanda e mãe Yasodã colocaram seus filhos em seus colos e começaram a
abraçá-lOs para sua plena satisfação. Por causa da separação de Krsna e Balarãma,
tanto o rei Nanda quanto Yasodã tinham estado mergulhados em grande aflição por
muitíssimo tempo. Agora, após encontrá-lOs e abraçá-lOs, todos os seus sofrimen­
tos foram mitigados.
Depois disso, Devaki, a mãe de Krsna, e Rohini, a mãe de Balarãma, abraçaram
ambas a mãe Yasodã. Elas disseram: “Querida rainha Yasodãdevi, tanto tu quanto
Nanda Mahãrãja tendes sido grandes amigos para nós, e quando nos lembramos de
vós imediatamente ficamos dominadas pelo pensamento de vossas atividades amis­
tosas. Somos tão endividadas para convosco que mesmo se fôssemos retribuir vossa
bênção dando-vos a opulência do rei do céu, isso não seria suficiente para retribuir-
vos por vosso comportamento amistoso. Jamais nos esqueceremos de vosso com­
portamento bondoso para conosco. Quando tanto Krsna quanto Balarãma nasceram,
antes mesmo de verem Seus verdadeiros pai e mãe, Eles foram confiados a vosso
cuidado, e vós Os educastes como vossos próprios filhos, alimentando-Os como os
passarinhos tomam conta de sua cria em seu ninho. Vós Os alimentastes, Os nutris­
tes, Lhes destes amor e executastes muitas cerimônias religiosas auspiciosas para o
benefício dEles.
“Na verdade, Eles não são nossos filhos: Eles vos pertencem. Nanda Mahãrãja e '
tu sois os verdadeiros pa| e mãe de Krsna e Balarãma. Enquanto estiveram sob
vosso cuidado, Eles não tiveram nenhuma dificuldade. Sob vossa proteção, esta­
vam completamente fora do alcance de todas as espécies de temor. Este muito
afetuoso carinho que vós tivestes para com Eles é completamente condizente com
vossa posição elevada. As personalidades mais nobres não discriminam entre seus
próprios filhos e os filhos dos outros, e não pode haver personalidades mais nobres
que Nanda Mahãrãja e tu.”
Quanto às gopis de Vrndãvana, desde o começo de suas vidas, elas não conhe­
ciam nada além de Krsna. Krsna e Balarãma eram sua vida e alma. As gopis eram
tão apegadas a Krsna que não podiam sequer tolerar não vê-10 momentaneamente
quando suas pálpebras piscavam e impediam sua visão. Elas condenavam Brahmã,
o criador do corpo, porque ele tolamente fizera pálpebras que piscavam e
•impediam-nas de ver Krsna. Porque haviam estado separadas de Krsna por muitos
anos, as gopis, tendo vindo junto com Nanda Mahãrãja e mãe Yasodã, sentiram
êxtase intenso ao verem Krsna. Ninguém pode sequer imaginar quão ansiosas
ficaram as gopis ao verem Krsna novamente. Assim que Krsna tomou-Se visível
para elas, elas colocaram-nO dentro de seus corações através dos olhos e
abraçaram-nO para sua plena satisfação. Muito embora estivessem abraçando Krsna
576 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

apenas mentalmente, ficaram tão extáticas e cheias de alegria que por algum tempo
esqueceram-se completamente de si mesmas. O transe extático por elas atingido
simplesmente por abraçarem mentalmente Krsna é impossível de ser atingido
mesmo por grandes yogls constantemente ocupados em meditação na Suprema
Personalidade de Deus. Krsna podia entender que as gopis estavam absortas em
êxtase abraçando-0 em suas mentes, e por isso, uma vez que está presente no
coração de todos, Ele correspondeu ao abraço intemamente.
Krsna estava sentado com mãe Yasodã e Suas outras mães, Devakí e RohinT, mas
quando as mães puseram-se a conversar, Ele aproveitou-Se da oportunidade e foi a
um lugar isolado para encontrar-Se com as gopis. Assím que Se aproximou das
gopis, o Senhor começou a sorrir, e, após abraçá-las e perguntar-lhes como esta­
vam, começou a animá-las, dizendo: “Minhas queridas amigas, sabeis que tanto o
Senhor Balarãma quanto Eu deixamos Vrndãvana só para agradar Nossos parentes e
familiares. Assim, estivemos muito tempo ocupados lutando contra Nossos inimi­
gos e.fomos obrigados a esquecer-vos, a vós que éreis tão apegadas a Mim com
amor e afeição. Posso entender que tenho sido ingrato convosco, mas ainda assim
Eu sei que sois fiéis a Mim. Acaso tendes pensado em Nós embora tivéssemos que
deixar-vos para trás? Minhas queridas gopis, acaso agora não gostais de vos recor­
dar de Mím, considerando que fui ingrato convosco? Acaso levais muito a sério o
Meu mau comportamento convosco?
“Afinal de contas, deveis saber que não era Minha intenção deixar-vos; nossa
separação foi determinada pela Providência, que, em última análise, é o controlador
supremo e faz o que bem entende. A Providência provoca a mistura de diferentes
pessoas e novamente as dispersa a Seu bel-prazer. Às vezes vemos que devido â
presença de nuvens e ventos fortes, partículas atômicas de poeira e pedaços rompi­
dos de algodão misturam-se, e depois que se esvaí o forte vento, todas as partículas
de poeíra e algodão são novamente separadas, espalhadas por diversos lugares.
Analogamente, o Senhor Supremo é o criador de tudo. Os objetos que vemos são
diferentes manifestações de Sua energia. Por Sua vontade suprema às vezes nos
unimos e às vezes nos separamos. Podemos, portanto, concluir que em última
análise somos absolutamente dependentes da vontade dEIe.
“ Feüzmente, tendes desenvolvido afeição amorosa por Mim. Esta é a única
forma de alcançar a posição transcendental de associação comigo. Qualquer enti­
dade viva que desenvolva essa impoluta afeição devocional por Mim certamente no
final volta ao lar, volta ao Supremo. Em outras palavras, serviço devocional e
afeição impolutos por Mim são a causa da liberação suprema.
“Minhas queridas amigas gopis, devo informar-vos que as Minhas energias so­
mente é que estão agindo em toda a parte. Tomai, por exemplo, um pote de barro.
Ele nada mais é que uma combinação de terra, água, ar, fogo e céu. Ele é sempre
feito dos mesmos compostos físicos, em seu começo, durante sua existência ou após
sua aniquilação. Ao ser criado, o pote de barro é feito de terra, água, fogo, ar e céu;
Krsna e Balarãma e os habitantes de Vrndãvana 577

enquanto permanece, ele é o mesmo em composição; e quando é quebrado e aniqui­


lado, seus diferentes ingredientes são conservados em diferentes partes da energia
material. Analogamente, na criação desta manifestação cósmica, durante sua manu­
tenção e após sua dissolução, tudo é apenas uma manifestação diferente de Minha
energia. E porque a energia não é separada de Mim, deve-se concluir que Eu existo
em tudo.
“Da mesma maneira, o corpo de um ser vivo nada mais é que uma composição
dos cinco elementos, e a entidade viva corporificada na condição material também é
parte integrante de Mim. A entidade viva está aprisionada na condição material por
causa de sua falsa concepção de si mesma como o desfrutador supremo. Este falso
ego da entidade viva é a causa de seu aprisionamento na existência material. Sendo
a Suprema Verdade Absoluta, Eu sou transcendental à entidade viva, como também
a sua corporificação material. As duas energias, material e espiritual, agem ambas
sob Meu controle supremo. Minhas queridas gopis, Eu vos peço que, em vez de
ficardes aflitas, tenteis aceitar tudo com uma atitude filosófica. Então compreende­
reis que estais sempre comigo e que não há motivo de lamentação pelo fato de
estarmos separados, Eu e vós.”
Esta importante instrução do Senhor Krsna às gopis pode ser utilizada por todos
os devotos ocupados em consciência de Krsna. Toda a filosofia considera-se nesta
base de unidade e diferença inconcebíveis e simultâneas. No Bhagavad-gltã o
Senhor diz que está presente em toda a parte sob Seu aspecto impessoal. Tudo existe
nEIe, mas ainda assim Ele não está pessoalmente presente em toda a parte. A
manifestação cósmica nada mais é que uma demonstração da energia de Krsna, e,
porque a energia não é diferente do energético, nada é diferente de Krsna. Quando
esta consciência absoluta, consciência de Krsna, está ausente, estamos separados de
Krsna; mas, felizmente, se esta consciência de Krsna está presente, então não
estamos separados de Krsna. O processo do serviço devocional é o reavivamento da
consciência de Krsna, e se o devoto tiver a fortuna de compreender que a energia
material não é separada de Krsna, poderá utilizar a energia material e seus produtos
a serviço do Senhor. Mas, na ausência de consciência de Krsna, a entidade viva
esquecida, embora parte integrante de Krsna, coloca-se falsamente na posição de
desfrutador do mundo material e, comprometendo-se assim no enredamento mate­
rial, é forçada pela energia material a continuar sua existência material. Isto também é
confirmado no Bhagavad-gltã. Embora uma entidade viva seja forçada a agir pela
energia material, ela falsamente pensa que é o todo-em-tudo e o desfrutador supremo.
Se o devoto sabe perfeitamente que a arcã-vigraha, ou forma de Deidade do
Senhor Krsna no templo, é exatamente o mesmo sac-cid-ãnanda-vigraha que o
próprio Krsna, então seu serviço à Deidade no templo toma-se serviço direto à
Suprema Personalidade de Deus. De forma semelhante, o próprio templo, a parafer­
nália do templo e o alimento oferecido à Deidade também não são separados de
Krsna. E preciso seguir as regras e regulações prescritas pelos ãcãryas, e assim, sob
578 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

orientação superior, a compreensão de Krsna é bem possível, mesmo nesta existên­


cia material.
As gopis, tendo sido instruídas por Krsna sobre esta filosofia de unidade e
diferença simultâneas, permaneceram sempre em consciência de Krsna e desse
modo libertaram-se de toda contaminação material. A consciência da entidade viva
que falsamente se apresenta como o desfrutador do mundo material chama-se jiva-
kosa, que significa aprisionamento pelo falso ego. Não apenas as gopis, mas tam­
bém qualquer pessoa que siga essas instruções de Krsna livra-se imediatamente do
aprisionamento jiva-kosa. Uma pessoa em plena consciência de Krsna é sempre
liberada do falso egoísmo; ela utiliza tudo a serviço de Krsna e não está em mo­
mento algum separada de Krsna.'
As gopis, portanto, oraram a Krsna; “Querido Krsna, de Teu umbigo emanou a
flor de lótus original que é o local de nascimento de Brahmã, o criador. Ninguém
pode avaliar Tuas glórias ou Tua opulência, que por isso permanecem sempre um
mistério mesmo para os mais elevados pensadores, os senhores de todo o poder
ióguico. Entretanto, a alma condicionada, caída no poço escuro desta existência
material, pode muito facilmente refugiar-se a Teus pés de lótus. Assim sua salvação
está garantida." As gopis continuaram: “Querido Krsna, estamos sempre ocupadas
com nossos afazeres familiares. Portanto, solicitamos que permaneças dentro de
nossos corações como o sol nascente. Esta será a Tua maior bênção.”
As gopis são sempre almas liberadas por estarem plenamente em consciência de
Krsna. Elas somente fingem estarem envolvidas com afazeres domésticos em
Vrndãvana. Apesar de sua longa separação, as habitantes de Vrndãvana, as gopis,
não estavam interessadas na idéia de ir com Krsna para Sua cidade capital, Dvã-
rakã. Elas queriam permanecer ocupadas em Vrndãvana e assim sentir a presença de
Krsna em cada momento de suas vidas. Elas imediatamente convidaram Krsna a 1
voltar a Vrndãvana. Esta existência emocional transcendental das gopis é o princí­
pio básico dos ensinamentos do Senhor Caitanya. O festival Ratha-yãtrã observado
pelo Senhor Caitanya é o processo emocional de levar Krsna de volta a Vrndãvana.
Srlmatl Rãdhãrãnl negou-Se a ir com Krsna a Dvãrakã onde podería desfrutar de
Sua companhia na atmosfera de opulência régia, pois Ela queria desfrutar de Sua
companhia na atmosfera original de Vrndãvana. O Senhor Krsna, sendo profunda­
mente apegado às gopis, nunca Se vai de Vrndãvana, e as gopis e outros residentes
de Vrndãvana permanecem totalmente satisfeitos em consciência de Krsna.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta


e Um de Krsna, intitulado “O Senhor Krsna e Balarama Encontram-Se
com os Habitantes de Vrndãvana. ”
8 2 / Draupadi encontra-se
com as rainhas de Krsna

Houve muitos visitantes que vieram ver Krsna, e entre eles estavam os Pãndavas,
encabeçados pelo rei Yudhisthira. Após conversar com as gopls e conceder-lhes a
maior bênção, o Senhor Krsna deu as boas-vindas ao rei Yudhisthira e outros paren­
tes qüe tinham vindo para vê-10. Ele primeiramente perguntou-lhes se sua situação
era auspiciosa. Na verdade, não há possibilidade de má fortuna para alguém que
veja os pés de lótus do Senhor Krsna, todavia quando o Senhor Krsna, por uma
questão de etiqueta, indagou do rei Yudhisthira sobre seu bem-estar, o rei ficou
muito feliz com tal recepção e dirigiu-se ao Senhor da seguinte maneira: “Meu
querido Senhor Krsna, grandes personalidades e devotos em plena consciência de
Krsna sempre pensam em Teus pés de lótus e permanecem inteiramente satisfeitos
bebendo o néctar da bem-aventurança transcendental. O néctar que eles bebem
constantemente às vezes sai de suas bocas e é borrifado nos outros como a narração
de Tuas atividades transcendentais. Este néctar proveniente da boca de um devoto é
tão poderoso que se alguém tem a fortuna de ter a opprtunidade de bebê-lo, livra-se
imediatamente do contínuo jomadear de nascimentos e mortes. Nossa existência
material é causada por nosso esquecimento de Tua personalidade, mas, felizmente, a
escuridão do esquecimento é imediatamente dissipada se temos o privilégio de ouvir
sobre Tuas glórias. Portanto, meu querido Senhor, onde está a possibilidade de má
fortuna para alguém que esteja constantemente ouvindo Tuas atividades gloriosas?
“Uma vez que somos totalmente rendidos a Ti e não temos outro abrigo além de
Teus pés de lótus, estamos sempre seguros de nossa boa fortuna. Meu querido
Senhor, és o oceano de conhecimento e bem-aventurança ilimitados. O resultado
dos atos de invenção mental é existir nas três fases temporárias de vida material —
vigília, sono e sono profundo. Mas essas condições não podem existir em consciên­
cia de Krsna. Todas essas reações são invalidadas pela prática da consciência de
Krsna. Tu és o destino último de todas as pessoas liberadas. Unicamente devido a
Tua vontade independente, desces a esta Terra pelo uso de Tua própria potência
interna, yogamõyâ, e, para restabelecer os princípios védicos de vida, apareces tal
qual um ser humano comum. Uma vez que és a Pessoa Suprema, não pode haver,
portanto, má sorte alguma para alguém que seja inteiramente rendido a Ti.”
Enquanto o Senhor Krsna estava atarefado recebendo vários tipos de visitantes e
enquanto estes ofereciam orações ao Senhor, os membros femininos da dinastia
Kuru e da dinastia Yadu aproveitaram-se da oportunidade para se encontrarem uns
com os outros e ocuparem-se em conversas sobre os passatempos transcendentais do
Senhor Krsna. A primeira pergunta foi feita por Draupádi às esposas do Senhor
Krsna.-UEla lhes disse: “Minhas queridas Rukminí, Bhadrã, Jãmbavati, Satyã,
580 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Satyabhãmã, Kãlíndl, Saibyã, Laksmanã, Rohinl e todas as outras esposas do


Senhor Krsna. poderieis, por favor, nos contar como o Senhor Krsna, a Suprema
Personalidade de Deus, vos aceitou como Suas esposas e casou-Se convosco de
acordo com as cerimônias de matrimônio de seres humanos comuns?”
A esta pergunta, Rukminldeví, a principal das rainhas, respondeu: “Minha que­
rida Draupadi, era praticamente um fato consumado que príncipes como Jarãsandha
queriam que eu me casasse com o rei Sisupãla, e, como de costume, todos os
príncipes presentes durante a cerimônia de matrimônio estavam preparados com sua
armadura e armas para lutar contra qualquer rival que ousasse impedir o casamento.
Mas, a Suprema Personalidade de Deus raptou-me da maneira como um leão pega
um cordeiro do rebanho. Este não foi, entretanto, um ato muito maravilhoso para o
Senhor Krsna, porque qualquer pessoa que afirma ser grande herói ou grande rei
dentro deste mundo é subordinada aos pés de lótus do Senhor Krsna. Minha querida
Draupadi, é meu desejo eterno que, vida após vida, eu me ocupe no serviço ao
Senhor Krsna, que é o reservatório de todo prazer e beleza. Este é o meu único
desejo e ambição na vida.”
Depois disso, Satyabhãmã começou a falar. Ela disse: “Minha querida Draupadi,
meu pai ficou muito aflito com a morte de seu irmão, Prasena, e falsamente acusou
o Senhor Krsna de tê-lo matado e ter roubado a jóia Syamantaka, que na verdade
havia sido tomada por Jãmbavãn. O Senhor Krsna, a fim de estabelecer Seu caráter
puro, lutou contra Jãmbavãn e resgatou a jóia Syamantaka, devoívendo-a posterior­
mente a meu pai. Meu pai ficou muito envergonhado e triste por ter acusado o
Senhor Krsna da morte de seu irmão. Após recuperar a jóia Syamantaka, ele consi­
derou sensato retificar seu erro, de modo que, embora houvesse prometido dar
minha mão em casamento a outros, coiocou-me a mim mesma e a jóia aos pés de
lótus de Krsna, e assim eu fui aceita como Sua criada e esposa."
Depois disso, JãmbavatI respondeu à pergunta de Draupadi. Ela disse: “ Minha
querida Draupadi, quando o Senhor Krsna atacou meu pai, Jãmbavãn, o rei dos
rksas, meu paí não sabia que o Senhor Krsna era seu ex-amo, o Senhor Rãmacandra, o
esposo de Sítã. Não reconhecendo a identidade do Senhor Krsna, meu pai lutou
contra Ele por vinte e sete dias. Depois deste período, quando já estava muito
fatigado, ele pôde entender que já que ninguém além do Senhor Rãmacandra podia
derrotá-lo, seu oponente, o Senhor Krsna, devia ser o mesmo Senhor Rãmacandra.
Assim ele voltou a si e devolveu imediatamente a jóia Syamantaka. Além disso,
para satisfazer o Senhor, ele fez de mim um presente a Ele para que me tomasse Sua
esposa. Dessa maneira, eu desposei o Senhor, e assim meu desejo de ser, vida após
vida, servidora de Krsna foi satisfeito."
Depois disso, Kãíindí disse: “Minha querida Draupadi, eu estava ocupada em
grandes austeridades e penitências para obter o Senhor Krsna como meu esposo.
Quando ficou sabendo deste fato, o Senhor Krsna mui bondosamehte^veio até mim
com Seu amigo Arjuna e aceitou-me como Sua esposa. O Senhor Krsna^então me
DraupadI encontra-se com as rainhas de Krsna 581

levou das margens do Yamunã, e desde então tenho varrido a casa do Senhor Krsna.
E o Senhor trata-me como Sua esposa.”
Depois disso, Mitravindã disse: “Minha querida DraupadI, houve uma grande
assembléia de príncipes em minha cerimônia svayamvara. O Senhor Krsna também
esteve presente naquele encontro, e aceitou-me como Sua criada, derrotando todos
os príncipes ali presentes. Ele imediatamente me levou até Dvãrakã, exatamente
como um leão arrebata um veado de um bando de cães. Quando fui assim raptada
pelo Senhor Krsna, meus irmãos quiseram lutar contra Ele, e imediatamente foram
derrotados. Assim, meu desejo de tomar-me a criada de Krsna, vida após vida, foi
satisfeito.”
Depois disso, Satyã dirigiu-se a DraupadI dessa maneira: “Minha querida DraupadI,
meu pai providenciou uma assembléia para meu svayamvara (a escolha pessoal de
um esposo), e, para pôr à prova a força e heroísmo dos noivos em perspectiva,
estipulou que cada um deles lutasse contra sete touros ferozes, os quais tinham
chifres longos e serpentinos. Muitos heróicos candidatos tentaram derrotar os tou­
ros, mas, infelizmente, todos eles foram severamente feridos, e regressaram a seus
lares como-inválidos derrotados. Quando o Senhor Srí Krsna veio e lutou contra os
touros, estes não passaram de brinquedos para Ele. Ele agarrou os touros e atou
cada um deles pelas narinas. Assim eles ficaram sob Seu controle, como os filhotes
de uma cabra são facilmente controlados por crianças. Meu pai ficou muito satis­
feito e casou-me com o Senhor Krsna com grande pompa, dando como dote muitas
divisões de soldados, cavalos, quadrigas e elefantes, juntamente com centenas de
criadas. Assim, o Senhor Krsna levou-me para Sua cidade capital, Dvãrakã. No
caminho de volta, o Senhor Krsna foi assaltado por muitos príncipes, mas Ele
derrotou-os a todos, e desse modo eu tenho o privilégio de servir a Seus pés de lótus
como uma criada.”
Depois disso, Bhadrã tomou a palavra. Ela disse: “Minha querida DraupadI, o
Senhor Krsna é ftlho de meu tio materno. Felizmente, eu me senti atraída por Seus
pés de lótus. Quando meu pai compreendeu esses meus sentimentos, ele pessoal­
mente providenciou meu casamento, convidando o Senhor Krsna a casar-Se comigo
e dando-Lhe como dote uma aksauhiní, ou divisão de forças armadas, juntamente
com muitas criadas e outras parafernálias reais. Não sei se serei capaz de ter o
abrigo do Senhor Krsna vida após vida, mas ainda assim oro ao Senhor para que,
onde quer que eu nasça, não me esqueça de minha relação com Seus pés de lótus.”
Então Laksmanã disse: “Minha querida rainha, muitas vezes ouvi o grande sábio
Nãrada glorificando os passatempos do Senhor Krsna. Senti-me atraída pelos pés de
lótus de Krsna quando ouvi Nãrada dizer que a deusa da fortuna, Laksmí, também
se sentia atraída por Seus pés de lótus. Desde então tenho sempre pensado nEle, e
assim minha atração por Ele tem aumentado. Minha querida rainha, meu pai era
muito afetuoso comigo. Quando compreendeu que eu estava atraída por Krsna, ele
inventou um plano, como aquele inventado por teu pai. Durante o svayamvara, os
582. Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

noivos em perspectiva teriam que trespassar os olhos de um peixe com suas flechas.
A diferença entre a competição em teu svayamvara e no meu era que no teu o peixe
era pendurado abertamente no teto, em campo visual claro, mas no meu o peixe
estava coberto com um pano e só podia ser visto pelo reflexo do pano em um pote
dágua. Esta foi a característica especial de meu svayamvara.
“A notícia deste plano espalhou-se por todo o mundo, e quando os príncipes
ouviram falar disso, eles vieram à cidade capital de meu pai provenientes de todas
as direções, plenamente equipados com armaduras e orientados por seus instrutores
militares. Cada um deles desejava conquistar-me como sua esposa, e, um após
outro, eles erguiam arco e flecha deixados ali para trespassar o peixe. Muitos não
podiam sequer juntar a corda do arco às duas extremidades do arco, e, sem tentarem
trespassar o peixe, eles simplesmente deixavam o arco como ele estava e se lam.
Alguns com grandes dificuldades puxavam a corda de uma extremidade a outra,
mas, sendo incapazes de atá-la à outra extremidade, eram subitamente derrubados
pelo arco semelhante a uma mola. Minha querida rainha, ficarás surpresa de saber
que em meu encontro svayamvara havia muitos reis e heróis famosos presentes.
Heróis como Jarãsandha, Ambastha, Sísupãla, Bhtmasena, Duryodhana e Karna
foram, evidentemente, capazes de armar o arco, mas não puderam trespassar o
peixe, porque ele estava coberto, e não puderam localizá-lo pelo reflexo. O famoso
herói dos Pãndavas, Arjuna, foi capaz de ver o reflexo do peixe na água, mas
embora com grande cuidado localizasse o peixe e atirasse uma flecha, ele não
trespassou o peixe no local certo. Mas sua flecha pelo menos tocou o peixe, e assim
ele provou ser melhor que todos os outros príncipes.
“Todos os príncipes que tentaram trespassar o alvo estavam desapontados, por
terem sido frustrados cm suas tentativas, e alguns candidatos tinham inclusive
deixado o local sem nem mesmo fazerem uma tentativa; mas, quando finalmente o
Senhor Krsna pegou o arco, Ele foi capaz de atar a corda do arco com muita
facilidade, à maneira de uma criança que brinca com um boneco. Eie colocou a
flecha, e, olhando apenas uma vez para o reflexo do peixe na água, atirou a flecha, e
o peixe trespassado caiu imediatamente. Esta vitória do Senhor Krsna foi realizada
ao meio-dia, durante o momento chamado abhijir, que é astronomicamente calcu­
lado como auspicioso. Naquela altura, a vibração de Jayu! Jaya! foi ouvida em todo
o mundo, e do céu vieram sons de tambores tocados pelos habitantes do céu.
Grandes semideuses encheram-se de alegria e começaram a lançar chuvas de flores
sobre a Terra.
“Naquela altura, eu entrei na are'na de competição. Os sinos de tornozelo em
minhas pernas soavam muito melodiosamente enquanto eu caminhava. Eu estava
bem vestida com roupas de seda novas, flores decoravam meu cabelo e, por causa
da. vitória do Senhor, eu estava extaticamente alegre e sorria agradavelmente.
Carregava em minhas mãos um colar de ouro ornado com jóias, que cintilava a todo
o momento. Meu cabelo ondulado emoldurava meu rosto, que brilhava com um
Draupadi encontra-se com as rainhas de Krsna 583

lustre radiante devido ao reflexo de meus vários anéis. Piscando meus olhos, pri-
meíramente observei todos os príncipes presentes, e quando chegue: até meu
Senhor coloquei bem devagar o colar de ouro em Seu pescoço. Como já te disse,
desde o começo minha mente estivera atraída pelo Senhor Krsna, e assim eu consi­
derei o enguírlandamento do Senhor como minha grande vitória. Logo que coioquei
minha guirlanda no pescoço do Senhor, imediatamente soou a vibração combinada
.de mrdangas, patahas, búzios, tambores, baterias e outros instrumentos, provo­
cando um som tumultuoso, e enquanto tocavam a música, exímios dançarinos
homens e mulheres começaram a dançar, e cantores começaram a cantar docememe.
“Mínha querida Draupadi, quando aceitei o Senhor Krsna como meu esposo
adorável, e Ele também me aceitou como Sua criada, houve um rugido tumultuoso
entre os príncipes desapontados. Todos eles ficaram muito agitados por causa de
seus desejos íuxuriosos, mas, sem ligar para eles, meu esposo, em Sua forma de
Nãrãyana de quatro mãos, imediatamente colocou-me em Sua quadriga, que era
puxada por quatro excelentes cavalos. Esperando oposição da parte dos príncipes,
Ele protegeu-Se com a armadura e pegou Seu arco chamado Sãrnga, mas nosso
famoso quadrigário, Dãruka, guiou a bela quadriga, sem um instante de demora, em
direção à cidade de Dvãrakã. Assim, na presença de todos os príncipes, eu fui
levada embora com muita rapidez, exatamente como um veado é levado de seu
bando por um leão. Alguns dos príncipes, contudo, tentaram impedir nosso avanço,
e assim, equipados com armas adequadas, opuseram-se a nós, assim como os cães
tentam opor-se à marcha progressiva de um leão. Nessa altura, devido às flechas
atiradas pelo arco Sãrnga do Senhor Krsna, alguns dos príncipes perderam suas
mãos, outros perderam as pernas, outros perderam as cabeças e as vidas, enquanto
outros fugiram do campo de batalha.
“A Suprema Personalidade de Deus entrou então na mais famosa cidade do
universo, Dvãrakã, e à medida que entrava na cidade, Ele parecia o sol brilhante.
Toda a cidade de Dvãrakã fora profusamente decorada naquela ocasião. Havia
tantas bandeiras, festões e portões por toda Dvãrakã que o brilho do sol não podia
sequer entrar na cidade. Eu já te contei que meu pai era muitíssimo afetuoso
comigo, de modo que, quando ele viu que meu desejo fora satisfeito ao conseguir o
Senhor Krsna como meu esposo, com grande alegria começou a distribuir aos
amigos e parentes várias espécies de presentes, tais como roupas valiosas, ornamen­
tos, armações de cama e tapetes para sentar. O Senhor Krsna é sempre auto-
suficiente, contudo meu pai, por sua própria vontade, ofereceu a meu esposo um
dote consistindo de riquezas, soldados, elefantes, quadrigas, cavalos e muitas ar­
mas raras e valiosas. Ele. deu tudo isso de presente ao Senhor com grande entu­
siasmo. Minha querida rainha, naquela altura pude adivinhar que em minha vida
anterior eu,devia ter executado alguma atividade maravilhosamente piedosa, e
como resultado disso nesta vida posso ser uma das criadas na casa da Suprema
Personalidade de Deus.”
584 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Quando todas as principais rainhas do Senhor Krsna tinham terminado suas


declarações, Rohiní, como a representante das outras dezesseis mil rainhas, co­
meçou a narrar o incidente em que elas se tomaram esposas de Krsna.
“Minha querida rainha, quando Bhaumãsura estava conquistando todo o mundo,
ele reunia onde quer que fosse possível todas as belas filhas dos reis e as mantinha
presas dentro de seu palácio. Quando o Senhor Krsna ficou sabendo de nosso
aprisionamento, Ele lutou contra Bhaumãsura e nos libertou. O Senhor Krsna matou
Bhaumãsura e todos os seus soldados, e embora não tivesse necessidade de aceitar
nem mesmo uma só esposa, Ele não obstante, a nosso pedido, casou-Se conosco,
todas as dezesseis mil. Minha querida rainha, nossa única qualificação era que
estávamos sempre pensando nos pés de lótus do Senhor Krsna, que é o processo de
aliviar-nos do cativeiro de repetidos nascimentos e mortes. Minha querida rainha
DraupadI, por favor, fica sabendo de nós que não queremos nenhuma opulência tal
como reino, império, ou uma posição de gozo celestial. Não queremos desfrutar de
tais opulências materiais, nem desejamos atingir perfeições ióguicas, nem o elevado
posto do Senhor Brahma. Nem tampouco queremos nenhum dos diferentes tipos de
liberação — sãlokya, sãrsti, sãrüpya, sãmlpya ou sãyujya. Não estamos absoluta­
mente atraídas por nenhuma dessas opulências. Nossa única ambição é manter sobre
nossas cabeças, vida após vida, as partículas de poeira apegadas aos pés de lótus do
Senhor Krsna. A deusa da fortuna também desejou manter essa poeira sobre seu
seio juntamente com o açafrão fragrante. Nós simplesmente desejamos esta poeira,
que se acumula debaixo dos pés de lótus de Krsna à medida que Ele viaja pela terra
de Vmdavana como um vaqueirinho. As gopls especialmente, e também os vaquei­
ros e as mulheres nativas da região, sempre desejam tomar-se a grama e a palha na
rua de Vrndãvana, para serem pisadas pelos pés de lótus de Krsna. Minha querida
rainha, desejamos permanecer com tais vida após vida, sem nenhum outro desejo.”

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta


e Dois de Krsna, intitulado “Draupadí Encontra-se com as Rainhas de
Krsna f*
83 / Cerimônias saerificatórias
executadas por Vasudeva

Entre as mulheres presentes em Kuruksetra durante o eclipse solar estavam


Kunti, Gãndhãri, Draupadi, Subhadrã e as rainhas de muitos outros reis, como
também as gopis de Vrndãvana. Quando as diferentes rainhas do Senhor Krsna
estavam narrando a história de como se casaram e foram aceitas pelo Senhor Krsna
como Suas esposas, todos os membros femininos da dinastia Kuru ficaram espanta­
dos, Elas se encheram de admiração sobre como todas as rainhas de Krsna estavam
apegadas a Ele com amor e afeição. Ao ouvirem sobre a intensidade do amor e
afeição das rainhas por Krsna, não conseguiram impedir que seus olhos se enches­
sem de lágrimas.
Enquanto as mulheres conversavam entre elas e os homens igualmente conversa­
vam entre eles, chegaram quase todos os sábios e ascetas importantes de todas as
direções, os quais tinham vindo com o objetivo de ver o Senhor Krsna e Baíarãma.
Entre os sábios os principais eram Krsna-dvaípãyana Vyãsa, o grande sábio Nãrada,
Cyavana, Devala, Asita, Visvãmitra, Satãnanda, Bharadvãja, Gautama, o Senhor
Parasurãma (junto com seus discípulos), Vasistha, Galava, Bhrgu, Puiastya.
Kasyapa, Atri, Mãrkandeya, Brhaspati, Dvita, Trita, Ekata, os quatro filhos Kumãra
de Brahmã (Sanaka, Sanandana, Sanãtana e Sanat-kumãra), Angirã, Agastya, Yãjna-
valkya e Vãmadeva.
Assim que os sábios e ascetas chegaram, todos os reis, incluindo Mahãrãja
Yudhisthira e os Pãndavas e o Senhor Krsna e Baíarãma, imediatamente se levanta­
ram de seus assentos e ofereceram respeitos prostrando-se ame os sábios universal­
mente respeitados. Depois disso, os sábios foram devidamente recebidos, sendo-lhes
oferecidos assentos e água para lavar seus pés. Frutas saborosas, guirlandas de
flores, incenso e polpa de sândalo foram presenteados, e todos os reis, liderados por
Krsna e Baíarãma, adoraram os sábios segundo as regras e regulações védicas.
Quando todos os sábios estavam confortavelmente sentados, o Senhor Krsna, que
descera para a proteção da religião, começou a falar-lhes em nome de todos os reis.
Quando Krsna começou a falar, todos silenciaram, ávidos por ouvir e compreender
Suas palavras de boas-vindas aos sábios.
O Senhor Krsna falou assim: “Todas as glórias aos sábios e ascetas reunidos!
Hoje todos nós sentimos como nossas vidas tornaram-se um êxito. Hoje alcançamos
a meta desejada da vida, porque agora estamos vendo diretamente todos os elevados
sábios e ascetas liberados a quem mesmo os grandes semideuses nos céus desejam
ver. Pessoas que são neófitas em serviço devocional e que simplesmente oferecem
suas respeitosas reverências à Deidade no templo mas não podem compreender que o
586 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Senhor está situado no coração de todos, e aqueles que simplesmente adoram diferen­
tes semideuses para satisfação de seus próprios desejos luxuriosos, são incapazes de
compreender a importância desses sábios. Elas não podem tirar proveito da recep­
ção desses sábios vendo-os com seus olhos, tocando-lhes os pés de lótus, indagando
deles sobre seu bem-estar ou adorando-os diligentemente.'”
Devotos ou religiosos neófitos não podem compreender a importância dos gran­
des mahãtmãs. Eles vão ao templo por uma questão de formalidade e prestam suas
respeitosas reverências à Deidade. Mas quando a pessoa é promovida à próxima
plataforma de consciência transcendental, ela pode entender a importância dos
mahãtmãs e devotos, e nesta fase o devoto tenta satisfazê-los. Portanto, o Senhor
Krsna disse que o neófito não pode compreender a importância dos grandes sábios,
devotos ou ascetas.
Krsna continuou: “Uma pessoa não pode se purificar viajando a locais sagrados
de peregrinação e tomando banho ali ou vendo as Deidades nos templos. Mas se
acontece de ela ericontrar um grande devoto, um mahãtmã que seja representante da
Personalidade de Deus, ela se purifica imediatamente. Para purificar-se, prescreve-
se que se adore o fogo, o sol, a lua, a terra, a água, o ar, o céu e a mente. Adorando
todos os elementos e suas deidades predominantes, a pessoa pode livrar-se da
influência da inveja, mas todos os pecados de uma pessoa invejosa podem ser
anulados de imediato simplesmente pelo serviço a uma grande alma. Meus caros
venerados sábios e respeitáveis reis, ficai sabendo de Mim que uma pessoa que
aceita este corpo material feito de três elementos — muco, bile e ar-—como seu
próprio eu, que considera sua família e parentes como sua propriedade e que aceita
coisas materiais como adoráveis, ou que visita locais sagrados de peregrinação só
para tomar um banho ali, mas nunca se associa com grandes personalidades, sábios
e mahãtmãs— uma pessoa assim, mesmo sob a forma de um ser humano, não passa
de um animal, como um asno.”
Quando a autoridade suprema, o Senhor Krsna, estava falando assim com grande
gravidade, todos os sábios e ascetas permaneceram em silêncio mortal. Eles ficaram
espantados ao ouvirem-nO falar a filosofia absoluta da vida de maneira tão concisa.
A menos que sejamos muito avançados em conhecimento, pensamos que nós somos
nosso corpo, que nossos familiares são nossos amigos e parentes e que nossa terra
natal é adorável. A moderna ideologia do nacionalismo brotou deste conceito de
vida. O Senhor Krsna condenou essas idéias, e também condenou pessoas que se
dão ao trabalho de ir a locais santos de peregrinação só para tomar um banho e
voltarem sem se aproveitarem da oportunidade para associar-se com os grandes
devotos e mahãtmãs que ali vivem. Essas pessoas são comparadas ao mais néscio
dos animais, o asno. Todos aqueles que ouviram consideraram as palavras do
Senhor Krsna por algum tempo, e concluíram que o Senhor Krsna era realmente a
Suprema Personalidade de Deus, representando o papel de um ser humano comum
que é forçado a tomar determinado tipo de corpo como resultado das reações de seus
Cerimônias sacrificatórias executadas por Vasudeva 587

atos passados. Ele estava assumindo este passatempo como ser humano comum
simplesmente para ensinar às pessoas em geral como elas devem viver para obter a
perfeição da missão humana.
Tendo concluído que Krsna é a Suprema Personalidade de Deus, os sábios
disseram-Lhe o seguinte: “Querido Senhor, nós, os líderes da sociedade humana,
supostamente possuímos a filosofia correta de vida, contudo estamos confundidos
pelo encanto de Vossa energia externa. Ficamos surpresos de ver Vosso comporta­
mento, que é exatamente como o de um ser humano comum e que oculta Vossa
verdadeira identidade como a Suprema Personalidade de Deus, e portanto conside­
ramos que Vossos passatempos são sumamente maravilhosos.
“Nosso querido Senhor, através de Vossa própria energia criais, mantendes e
aniquilais toda a manifestação cósmica de diferentes nomes e formas, da mesma
maneira que a terra cria muitas formas de pedra, árvores e outras variedades de
nomes e formas e, contudo, permanece a mesma. Embora crieis variedades de
manifestações através de Vossa energia, não sois afetado por todas essas ações.
Nosso querido Senhor, estamos simplesmente aturdidos de vermos Vossos atos
maravilhosos. Embora sejais transcendental a toda esta criação material e sejais o
Senhor Supremo e a Superai ma de todas as entidades vivas, apareceis nesta Terra
através de Vossa potência interna para proteger Vossos devotos e destruir os canalhas.
Com tal aparecimento, restabeleceis os princípios da religião eterna, dos quais a
sociedade humana se esquece devido ao longo contato com a energia material.
Nosso querido Senhor, sois o criador das ordens sociais e status espirituais da
sociedade humana de acordo com qualidade e trabalho, e quando essas ordens são
deseneaminhadas por pessoas inescrupulosas, Vós apareceis e as corrigis.
“Querido Senhor, o conhecimento védico é a representação de Vosso coração
puro. Austeridades, estudo dos Vedas e transes meditativos levam a diferentes
compreensões de Vosso Eu sob Vossos aspectos manifesto e imanlfesto. Todo o j
mundo fenomenal é manifestação de Vossa energia impessoal, mas Vós mesmo,
como a Personalidade de Deus original, sois imanifesto ali. Vós sois a Alma
Suprema, o Brahman Supremo. Pessoas que estão situadas na cultura bramínica,
portanto, podem compreendera verdade sobre Vossa forma transcendental. Assim,
sempre tendes respeito pelos brãhmanas, e sois considerado o mais elevado de
todos os seguidores da cultura bramínica. Sois portanto conhecido como
brahmanya-deva. Nosso querido Senhor, sois a última palavra em boa fortuna e o
último recurso de todas as pessoas santas; portanto, todos nós consideramos que
alcançamos a perfeição de nossa vida, educação, austeridade e aquisição de conhe­
cimento transcendental por Vos termos encontrado. Na verdade, sois a meta última
de todas as aquisições transcendentais.
“Nosso querido Senhor, Vosso conhecimento é ilimitado, não tem fim. Vossa
forma é transcendental, existindo etemamente em plena bem-aventurança e conhe­
cimento. Sois a Suprema Personalidade de Deus, o Brahman Supremo, a Alma
588 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Suprema. Estando coberto pelo encanto de Vossa potência interna, yogamãyõ,


agora estais temporariamente ocultando Vossas potências ilimitadas, mas ainda
assim podemos entender Vossa posição elevada, e por isso todos nós oferecemo-Vos
nossas respeitosas reverências. Querido Senhor, estais desfrutando de Vossos pas­
satempos no papel de, um ser humano, ocultando Vosso verdadeiro caráter de
opulência transcendental; portanto, todos os reis presentes aqui, mesmo òs mem­
bros da dinastia Yadu que constantemente associam-se convosco, comem convosco
e sentam-se convosco, não podem entender que Vós sois a causa original de todas as
causas, a alma de todos, a causa original de toda a criação.
“Quando uma pessoa sonha à noite, figuras alucinatórias criadas pelo sonho são
aceitas como reais, e o corpo imaginário do sonho é aceito como o próprio corpo
verdadeiro. Por algum tempo, ela se esquece de que além do corpo criado na aluci­
nação, há outro corpo verdadeiro em seu estado de vigília. De forma semelhante,
também no estado de vigília, a alma condicionada, confusa, considera o gozo dos
sentidos como felicidade verdadeira.
“A alma espiritual é coberta pelo processo de desfrutar dos sentidos do corpo
material, e sua consciência toma-se materialmente contaminada. É devido à cons­
ciência material que não se pode entender a Suprema Personalidade de Deus, Krsna.
Todos os grandes yogls místicos esforçam-se por reviver sua consciência de Krsna
através da prática madura do sistema de yoga para assim compreenderem Vossos
pés de lótus e meditarem em Vossa- forma transcendental. Dessa maneira,
neutralíza-se o resultado acumulado de atividades pecaminosas. Diz-se que a água
do Ganges pode eliminar volumes e volumes de ações pecaminosas de uma pessoa,
mas a água do Ganges é gloriosa apenas devido a Vossos pés de lótus. A água do
Ganges cone como a transpiração dos pés de lótus de Vossa Onipotência. E todos
nós somos muito afortunados por hoje termos sido capazes de ver Vossos pés de
lótus diretamente. Querido Senhor, todos nós somos almas rendidas, devotos de
Vossa Onipotência; portanto, por favor, sede bondoso e concedei-nos Vossa miseri­
córdia sem causa. Sabemos bem que as pessoas que se libertaram através da cons­
tante ocupação em Vosso serviço devocional não estão mais contaminadas pelos
modos materiais da natureza; assim elas se tomaram elegíveis para serem promovi­
das ao reino de Deus no mundo espiritual.”
Após primeiramente oferecerem orações ao Senhor Krsna, os sábios reunidos
resolveram pedir permissão ao rei Dhrtarãstra e ao rei Yudhisthira para então parti­
rem para seus respectivos ãsramas. Naquele momento, contudo, Vasudeva, o pai
do Senhor Krsna e o mais célebre de todos os homens piedosos, aproximou-se dos
sábios e, com grande humildade, ofereceu-lhes seus respeitos caindo a seus pés.
Vasudeva disse: “Meus queridos grandes sábios, vós sois mais respeitados que os
semídeuses. Portanto, eu vos ofereço minhas respeitosas reverências. Desejo que
aceiteis um pedido meu, se assim vos aprouver. Considerarei uma grande bênção se
generosamente explicardes a atividade fruitiva suprema através da qual pode-se
neutralizar as reações de todas as outras atividades.”
Cerimônias sacrificatórias executadas por Vasudeva 589

O grande sábio Nãrada era o líder de todos os sábios aii presentes. Portanto, ele
começou a falar. “Meus queridos sábios,” disse ele, “não é muito difícil entender
que, por causa de sua grande bondade e simplicidade, Vasudeva, que se tomou o
pai da Personalidade de Deus aceitando Krsna como seu filho, sinta-se inclinado a
perguntar-nos sobre seu bem-estar. Diz-se que a familiaridade gera a falta de res­
peito. Sendo assim, Vasudeva, tendo Krsna como seu filho, não considera Krsna
com respeito e reverência. Às vezes se vê que as pessoas que vivem às margens do
Ganges não consideram o Ganges muito importante, e vão muito longe para toma­
rem seus banhos em algum local de peregrinação. Como o Senhor Krsna, cujo
conhecimento nunca é inferior em nenhuma circunstância, está pessoalmente pre­
sente, Vasudeva não tem necessidade de nos pedir instruções.
“O Senhor Krsna não é afetado pelo processo de criação, manutenção e aniqui-
lação; Seu conhecimento nunca é influenciado por nada além dEle mesmo. Ele não
é agitado pelas interações das qualidades materiais, que transformam as coisas à
mercê do tempo. Sua forma transcendental é plena de conhecimento que nunca se
agita por ignorância, orgulho, apego, inveja ou gozo dos sentidos. Seu conheci­
mento nunca está sujeito às leis de karma no que se refere a atividades piedosas ou
ímpias, nem tampouco é influenciado pelos três modos da energia material. Nin­
guém é superior ou igual a Ele, porque Ele é a autoridade suprema, a Personalidade
de Deus.
“O ser humano condicionado comum pode pensar que a alma condicionada, qüe é
coberta por seus sentidos, mente e inteligência materialistas, é igual a Krsna, mas o
Senhor Krsna é assim como o sol, que jamais é coberto pelas nuvens, neve ou
cerração, ou por outros planetas, embora às vezes pareça sê-lo. Quando os olhos de
homens menos inteligentes são cobertos por tais influências, eles pensam que o
sol é invisível. De modo semelhante, pessoas influenciadas pelos sentidos e vicia­
das em desfrute material não podem ter uma visão clara da Suprema Personalidade
de Deus.”
Os sábios presentes começaram então a falar a Vasudeva na presença do Senhor
Krsna, Balarãma e muitos outros reis, e, conforme ele solicitara, eles deram suas
instruções: “Para neutralizar as reações do karma, ou os desejos que incitam às
atividades fruitivas, deve-se executar os sacrifícios prescritos que se destinam à
adoração do Senhor Visnu com fé e devoção. O Senhor Visnu é o beneficiário dos
resultados de todas as execuções sacrificatórias. Grandes personalidades e sábios
que são assaz experientes para possuir visão das três fases do elemento tempo, a saber,
passado, presente e futuro, e aqueles que são capazes de ver tudo claramente através
dos olhos das escrituras reveladas, recomendam unanimemente que, para purificar-
se da poeira de contaminação material acumulada no coração e para abrir o caminho
da liberação e desse modo atingir bem-aventurança transcendental, deve-se satisfa­
zer ao Senhor Visnu. Para todos que vivem como chefes de família em uma das
diferentes ordens sociais (brãhmana, ksatriya e vaisya), esta adoração à Suprema
590 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Personalidade de Deus, o Senhor Visnu, que é conhecido como Purusottama, a


pessoa original, é recomendada como o único caminho auspicioso.
“Todas as almas condicionadas dentro deste mundo material têm desejos profun­
damente arraigados de assenhorear-se dos recursos da natureza material. Todos
querem acumular riquezas, todos querem gozar da vida ao máximo, todos querem
uma esposa, lar e filhos, e todos querem tomar-se felizes neste mundo e ser eleva­
dos aos planetas celestiais na próxima vida. Mas, esses desejos são as causas de
nosso cativeiro material. Portanto, para libertar-se deste cativeiro, é preciso sacrifi­
car as riquezas ganhas honestamente para a satisfação do Senhor Visnu.
“O único processo para neutralizar todas as espécies de desejo material é ocupar-
se no serviço devocional ao Senhor Visnu. Dessa maneira, uma pessoa auto-
controlada, mesmo enquanto estiver na vida familiar, deve abandonar os três tipos
de desejos materiais, a saber, o desejo de adquirir opulências materiais, o desejo de
desfrutar de esposa e filhos e o desejo de elevar-se a planetas superiores. Eventual­
mente, a pessoa pode abandonar a vida familiar e aceitar a ordem renunciada,
ocupando-vSe completamente no serviço devocional ao Senhor. Todos, mesmo que
nascidos em um status superior como brãhmana, ksatriya ou vaisya, estão certa­
mente endividados com os semideuses, com os sábios, com os antepassados e com
outras entidades vivas, e, a fim de liquidar todas essas dívidas, é preciso executar
sacrifícios, estudar a literatura védica e gerar filhos em vida familiar religiosa. Se
de alguma forma alguém aceita a ordem de vida renunciada sem sanar esta dívida,
certamente ele cai de sua posição. Hoje já liquidaste tuas dívidas para com teus
antepassados e os sábios. Agora, executando sacrifícios, poderás livrar-te da dívida
para com os semideuses e assim refugiar-te completamente na Suprema Personali­
dade de Deus. Meu querido Vasudeva, certamente já executaste muitas atividades
piedosas em tuas vidas anteriores. Senão, como poderías ser o pai de Krsna e
Balarãma, a Suprema Personalidade de Deus?”
O santo Vasudeva, após ouvir todos os sábios, ofereceu suas respeitosas reverên­
cias a seus pés de lótus. Dessa maneira, ele satisfez os sábios, e então escolheu-os
para executarem os yajnas. Quando os sábios foram escolhidos como sacerdotes dos
sacrifícios, eles, por sua vez, induziram Vasudeva a reunir a parafernália necessária
para executar os yajnas naquele locai de peregrinação. Quando Vasudeva foi assim
persuadido a começar a execução dos yajnas, todos os membros da dinastia Yadu
tomaram seus banhos, vestiram-se muito bem, decoraram-se belamente e se enguir-
landaram com flores de lótus. As esposas de Vasudeva, vestidas com boas roupas,
ornamentos e colares de ouro, aproximaram-se da arena de sacrifício levando em
suas mãos os artigos necessários para oferecer no sacrifício.
Quando tudo estava completo, ouviu-se a vibração de mrdangas, búzios, baterias
e outros instrumentos musicais. Dançarinos profissionais, tanto homens quanto
mulheres, começaram a dançar. Os sütas e mãgadhas, que eram cantores profis­
sionais, puseram-se a oferecer orações cantando-as. E os Gandharvas e suas esposas.
Cerimônias sacrificatórias executadas por Vasudeva 591

cujas vozes eram muito doces, entoaram muitas canções auspiciosas. Vasudeva
passou colírio em seus olhos, untou manteiga em seu corpo, e então, junto com suas
dezoito esposas, encabeçadas por Devakí, sentou-se diante dos sacerdotes para ser
purificado pela cerimônia abhiseka. Todas essas cerimônias eram observadas estri-
tamente de acordo com os princípios das escrituras, como era feito antigamente para
a lua com as estrelas. Porque iria ser iniciado para o sacrifício, Vasudeva estava
vestido com pele de veado, mas todas as suas esposas estavam vestidas com ótimos
saris, braceletes, colares, sinos de tornozelo, brincos e muitos outros ornamentos.
Vasudeva estava muito belo rodeado por suas esposas, exatamente como o rei do
céu quando este executa tais sacrifícios.
Naquela altura, quando o Senhor Krsna e o Senhor Balarãma, junto com Suas
esposas, filhos e parentes, sentaram-Se naquela grande arena sacrificatória, parecia
que a Suprema Personalidade de Deus estava presente junto com todas as entidades
vivas e múltiplas energias que são partes dEle. Ouvimos dos sãstras que o Senhor
Krsna tem múltiplas energias e partes integrantes, mas agora, naquela arena sacrifi­
catória, todos podiam realmente experimentar como a Suprema Personalidade de
Deus existe etemamente com Suas diferentes energias. Naquele momento, o Senhor
Krsna apareceu como Senhor Nãrãyana, e o Senhor Balarãma apareceu como Sankar-
sana, o reservatório de todas as entidades vivas.
Vasudeva satisfez o Senhor Visnu executando diferentes tipos de sacrifícios, tais
como jyotistoma, darsa e pürnamãsa. Alguns desses yajnas são chamados prãkrta,
e alguns deles são conhecidos como saurya-satra e vaikria. Depois disso, os outros
sacrifícios, conhecidos como agnihotra, também foram executados, e os artigos
prescritos foram oferecidos da maneira adequada. Dessa maneira, o Senhor Visnu
ficou satisfeito. O objetivo último de se oferecer oblações em sacrifício é de satisfa­
zer o Senhor Visnu. Mas, nesta era de Kali, é muito difícil reunir os diferentes
artigos necessários para oferecer sacrifícios. As pessoas não têm nem os meios para
reunir a parafernália necessária nem o conhecimento ou tendência necessários para
oferecer tais sacrifícios. Portanto, nesta era de Kali, em que a maioria das pessoas é
desventurada, cheia de ansiedades e perturbada por vários tipos de calamidades, o
único sacrifício recomendado é a execução de sankírtana-yajna. Adorar o Senhor
Caitanya através deste sanklrrana-yajha é o único processo recomendado nesta era.
Após a execução dos diferentes sacrifícios, Vasudeva ofereceu amplas riquezas,
roupas, ornamentos, vacas, terras e criadas aos sacerdotes. Depois disso, todas as
esposas de Vasudeva tomaram seus banhos avabhrtha e executaram a parte dos
deveres sacrificatórios conhecida como patni-sarhyãja. Após terminarem a oferenda
com toda a parafernália necessária, todas elas tomaram seus banhos juntas nos lagos
construídos por Parasurãma, que eram conhecidos como o Rãma-hrada. Depois que
Vasudeva e suas esposas tomaram seus banhos, todas as roupas e ornamentos que
eles usaram foram distribuídos às pessoas subordinadas que estavam ocupadas,em
cantar, dançar e em atividades semelhantes. Observemos que a execução de sacrifício
.592 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

toma necessária a profusa distribuição de riquezas. Oferece-se caridade aos sacer­


dotes e aos brãhmanas no começo, e as roupas e ornamentos usados são oferecidos
em caridade aos assistentes subordinados após a execução do sacrifício.
Após oferecer os artigos usados aos cantores e recitadores, Vasudeva e suas
esposas, vestidos com ornamentos e roupas novas, alimentaram todos muito sun­
tuosamente, começando com os brãhmanas e descendo até os cães. Depois disso,
todos os amigos, familiares, esposas e filhos de Vasudeva reuniram-se, juntamente
com todos os reis e membros das dinastias Vidarbha, Kosala, Kuru, Kãsí, Kekaya e
Smjaya. Os sacerdotes, os semideuses, as pessoas em geral, os antepassados, os
fantasmas e os Cãranas foram todos suficientemente remunerados ao se lhes ofere­
cer amplos presentes e honras reverentes. Então, todas as pessoas reunidas ali
pediram permissão ao Senhor Krsna, o esposo da deusa da fortuna, e enquanto
glorificavam a perfeição do sacrifício feito por Vasudeva, partiram para seus res­
pectivos lares.
Naquele momento, quando o rei Dhrtarãstra, Vidura, Yudhisthira, Bhima,
Arjuna, Bhlsmadeva, Dronãcãrya, Kuntí, Nakula, Sahadeva, Nãrada, Senhor Vyãsa-
deva e muitos outros parentes e amigos estavam prestes a partir, eles sentiram a
separação e portanto abraçaram cada membro da dinastia Yadu com muito senti­
mento. Muitos outros que se reuniram naquela arena sacrificatória também estavam
de partida. Depois disso, o Senhor Krsna e o Senhor Balarãma, juntamente com o
rei Ugrasena, satisfizeram os habitantes de Vrndãvana, encabeçados por Nanda
Mahãrãja e os vaqueiros, oferecendo profusamente todos os tipos de presentes para
adorá-los e agradar-lhes. Devido a seus profundos sentimentos de amizade, os
habitantes de Vrndãvana ficaram ali por um tempo considerável com os membros da
dinastia Yadu.
Após executar este sacrifício, Vasudeva sentiu-se tão satisfeito que não havia
limites para sua felicidade. Todos os membros de sua família estavam com ele, e,
na presença deles, ele segurou as mãos de Nanda Mahãrãja e lhe falou o seguinte:
“Meu querido irmão, a Suprema Personalidade de Deus tem criado um grande [aço
de cativeiro conhecido como o cativeiro do amor e da afeição. Acho que é tarefa
muito difícil mesmo para os grandes sábios e pessoas santas cortar tais laços de
amor. Meu querido irmão, tu manifestaste sentimentos de amor por mim, os quais
eu não fui capaz de retribuir. Acho, portanto; que sou um ingrato. Tu te compor­
taste exatamente como é característico de pessoas santas, mas eu jamais serei capaz
de retribuir-te. Não tenho como retribuir-te por tua atitude amistosa. Não obstante,
estou seguro de que nossos laços de amor jamais se romperão. Nossa amizade
deverá continuar sempre, apesar de minha incapacidade de retribuir-te. Espero que
tu me perdoes por esta incapacidade.
“Meu querido irmão, no começo, por estar aprisionado, não pude servir-te como
a um amigo, e embora no momento eu seja muito opulento, por causa de minha
prosperidade material tenho me tomado cego. Portanto, não posso sadsfazer-te
Cerimônias saerifkatórias executadas por Vasudeva 593

adequadamente nem mesmo neste momento. Meu querido irmão, és tão bom e
amável que ofereces todo o respeito aos outros, mas não te interessas em receber
algum respeito para ti mesmo. Uma pessoa que procura progredir auspiciosamente
na vida não deve possuir opulência material em demasia, que só serve para fazê-la
cega e orgulhosa, mas deve tomar conta de seus amigos e parentes.”
Quando Vasudeva estava falando a Nanda Mahãrãja dessa maneira, ele foi tocado
por um grande sentimento de amizade e admiração por Nanda Mahãrãja e pelas
atividades benéficas executadas pelo rei Nanda em seu favor. Sendo assim, seus
olhos encheram-se de lágrimas e ele começou a chorar. Desejando agradar a seu
amigo Vasudeva e estando afetuosamente atado pelo amor ao Senhor Krsna e
Balarãma, Nanda Mahãrãja passou três meses na companhia deles. No final deste
período, todos os membros da dinastia Yadu tentaram satisfazer os habitantes de
Vrndãvana para alegria de seus corações. Os membros da dinastia Yadu tentaram
satisfazer Nanda Mahãrãja e seus companheiros oferecendo-lhes roupas, ornamen­
tos e muitos outros artigos valiosos, e todos eles ficaram totalmente satisfeitos.
Vasudeva, Ugrasena, o Senhor Krsna, o Senhor Balarãma, Uddhava e todos os
outros membros da dinastia Yadu apresentaram seus presentes individuais a Nanda
Mahãrãja e seus companheiros. Depois que Nanda Mahãrãja recebeu esses presen­
tes de despedida, ele, junto com seus companheiros, partiu para Vrajabhümi,
Vrndãvana. O pensamento dos habitantes de Vrndãvana permaneceu, entretanto,
com Krsna e Balarãma, e por isso todos eles partiram para Vrndãvana sem suas
mentes.
Quando os membros da família Vrsni viram todos os seus amigos e visitantes
partindo, eles observaram que a estação das chuvas se aproximava, e assim decidi­
ram regressar a Dvãrakã. Eles estavam inteiramente satisfeitos, pois consideravam
Krsna como tudo. Quando regressaram a Dvãrakã, descreveram com grande satis­
fação o sacrifício executado por Vasudeva, o encontro deles com vários amigos e
benquerentes e vários outros incidentes que ocorreram durante suas viagens pelos
tocais de peregrinação.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta
e Três de Krsna, intitulado “Cerimônias Sacrificatórias Executadas por
Vasudeva.
8 4 / Instrução espiritual a Yasudeva
e o Senhor Krsna
recupera os seis filhos mortos de Devakl

É costume védico que os membros mais novos da família devem oferecer respei­
tos às pessoas mais velhas todas as manhãs. Os filhos ou os discípulos, especial­
mente, devem oferecer seus respeitos aos pais ou ao mestre espiritual de manhã.
Seguindo este princípio védico, o Senhor Krsna e Balarãma costumavam oferecer
Suas reverências a Seu pai, Vasudeva, juntamente com suas esposas. Certo dia,
após ter regressado das execuções sacrificatórias em Kuruksetra, quando o Senhor
Krsna e Balarãma vieram oferecer Seus respeitos a Vasudeva, Vasudeva
aproveitou-se da oportunidade para apreciar a posição elevada de seus dois filhos.
Vasudeva teve a oportunidade de entender a posição de Krsna e Balarãma da parte
dos grandes sábios que haviam se reunido na arena do sacrifício. Ele não somente
ouviu dos sábios, mas também, em muitas ocasiões, realmente experimentou que
Krsna e Balarãma não eram seres humanos comuns, mas eram muito extraordiná­
rios. Assim, ele acreditava nas palavras dos sábios de que seus fdhos Krsna e
Balarãma eram a Suprema Personalidade de Deus.
Com firme fé em seus filhos, ele Lhes falou assim: “Meu querido Krsna, Tu és a
Suprema Personalidade de Deus sac-cid-ãnanda-vigraha, e meu querido Balarãma,
Tu és Sankarsana, o senhor de todos os poderes místicos. Agora compreendo que
Vós sois eternos. Vós ambos sois transcendentais a esta manifestação material e a
sua causa, a Pessoa Suprema, Mahã-Visnu. Sois o controlador original de tudo.
Sois o apoio desta manifestação cósmica. Sois o criador dela e sois também seus
ingredientes criativos. Sois o senhor desta manifestação cósmica, e na verdade
esta manifestação é criada apenas para Vossos passatempos.
“As diferentes fases materiais que se manifestam do começo ao fim do cosmo sob
diferentes fórmulas de tempo também são Vós, porque Vós sois tanto a causa
quanto o efeito desta manifestação. Os dois aspectos deste mundo material, o
predominante e o subordinado, também são Vós, e Vós sois o supremo controlador
transcendental que está acima deles. Portanto, Vós estais além da percepção de
nossos sentidos. Sois a alma suprema, não-nascida e imutável. Não sois afetados
pelos seis tipos de transformação que ocorrem no corpo material. As variedades
maravilhosas deste mundo material também são criadas por Vós, e Vós entrais
como a Superalma em cada entidade viva e mesmo no átomo. Sois o mantenedor de
tudo.
“A força vital que funciona como o princípio vital em todas as coisas e a força
criativa derivada dela não atuam independentemente, mas são dependentes de Vós,
O Senhor Krsna recupera os filhos de Devaki 595

a Pessoa Suprema por trás dessas forças. Sem Vossa vontade, elas não podem
funcionar. A energia material não tem conhecimento. Eia não pode agir indepen­
dentemente sem ser estimulada por Vós. Porque a natureza material depende de
Vós, as entidades vivas só podem tentar agir. Mas, sem Vossa sanção e vontade,
elas não podem executar nada nem atingir os resultados que desejam.
“A energia original é apenas uma emanação Vossa. Meu querido Senhor, o brilho
da lua, o calor do fogo, os raios do sol. o cintilar das estrelas e a descarga elétrica
manifestando-se como muito poderosa, bem como a gravidade das montanhas, a
energia da terra e a qualidade de seu sabor— todos são diferentes manifestações de
Vós. O gosto puro da água e a força vital que mantém toda a vida também são
aspectos de Vossa Onipotência. A água e seu gosto também são Vós.
“Meu querido Senhor, embora as forças dos sentidos, o poder mental de pensar,
querer e sentir, e a força, movimento e crescimento do corpo pareçam ser executa­
dos por diferentes movimentos dos ares dentro do corpo, todos eles são, em última
análise, manifestações de Vossa energia. A vasta extensão do espaço exterior des­
cansa em Vós. A vibração do céu, seu raio, o supremo som omküra e a disposição
de diferentes palavras para distinguir uma coisa de outra são representações simbó­
licas de Vós. Vós sois tudo. Os sentidos, os controladores dos sentidos, os semideuses
e a aquisição de conhecimento que é o objetivo dos sentidos, bem como o tema do
conhecimento — tudo sois Vós. A resolução da inteligência e a memória aguda da
entidade viva também sois Vós. Sois o princípio egoísta na ignorância que é a causa
deste mundo material, o princípio egoísta da paixão que é a causa dos sentidos, e o
princípio egoísta da bondade que é a origem das diferentes deidades controladoras
deste mundo material. A energia ilusória, ou mãyã. que é a causa da transmigração
perpétua da alma condicionada de uma forma a outra, sois Vós.
“Minha querida Suprema Personalidade de Deus, sois a causa original de todas as
causas, exatamente como a terra é a causa original de diferentes tipos de árvores,
plantas e variedades semelhantes de manifestação. Assim como a terra está repre­
sentada em tudo, da mesma forma, estais presente em toda esta manifestação
material como a Superalma. Sois a causa suprema de todas as causas, o princípio
eterno. Tudo é, de fato, manifestação de uma energia Vossa. As três qualidades da
natureza material — sattva, rojas e tomas — e o resultado de sua interação, estão
ligados a Vós através de Vossa atuação de yogamüyã. Elas são supostamente inde­
pendentes, mas na verdade a energia material total apoia-se em Vós, a Superalma.
Já que sois a causa suprema de tudo, as interações de manifestação material —
nascimento, existência, crescimento, transformação, deterioração e aniquilação —
estão todas ausentes de Vós. Vossa energia suprema, vogo mãyã, age em manifes­
tações variegadas, mas porque yogamüyã é Vossa energia, estais, portanto,
presente em tudo.”
Este fato é muito bem explicado no Nono Capítulo do Bhagavaci-gitã, onde o
Senhor diz: “Sob Minha forma impessoal Eu Me espalho por toda a energia material;
O Senhor Krsna recupera os Filhos de Devakí 595

a Pessoa Suprema por trás dessas forças. Sem Vossa vontade, elas não podem
funcionar. A energia material não tem conhecimento. Ela não pode agir indepen­
dentemente sem ser estimulada por Vós. Porque a natureza material depende de
Vós, as entidades vivas só podem tentar agir. Mas, sem Vossa sanção e vontade,
elas não podem executar nada nem atingir os resultados que desejam.
“A energia original é apenas uma emanação Vossa. Meu querido Senhor, o brilho
da lua, o calor do fogo, os raios do sol, o cintilar das estrelas e a descarga elétrica
manifestando-se como muito poderosa, bem como a gravidade das montanhas, a
energia da terra e a qualidade de seu sabor— todos são diferentes manifestações de
Vós. O gosto puro da água e a força vital que mantém toda a vida também são
aspectos de Vossa Onipotência. A água e seu gosto também são Vós.
'‘Meu querido Senhor, embora as forças dos sentidos, o poder mental de pensar,
querer e sentir, e a força, movimento e crescimento do corpo pareçam ser executa­
dos por diferentes movimentos dos ares dentro do corpo, todos eles são, em última
análise, manifestações de Vossa energia. A vasta extensão do espaço exterior des­
cansa em Vós. A vibração do céu, seu raio, o supremo som omkãra e a disposição
de diferentes palavras para distinguir uma coisa de outra são representações simbó­
licas de Vós. Vós sois tudo. Os sentidos, os controladores dos sentidos, os semideuses
e a aquisição de conhecimento que é o objetivo dos sentidos, bem como o tema do
conhecimento-—tudo sois Vós. A resolução da inteligência e a memória aguda da
entidade viva também sois Vós. Sois o princípio egoísta na ignorância que é a causa
deste mundo material, o princípio egoísta da paixão que é a causa dos sentidos, e o
princípio egoísta da bondade que é a origem das diferentes deidades controladoras
deste mundo material. A energia ilusória, ou mãyã, que é a causa da transmigração
perpétua da alma condicionada de uma forma a outra, sois Vós.
“Minha querida Suprema Personalidade de Deus, sois a causa original de todas as
causas, exatamente como a terra é a causa original de diferentes tipos de árvores,
plantas e variedades semelhantes de manifestação. Assim como a terra está repre­
sentada em tudo, da mesma forma, estais presente em toda esta manifestação
material como a Superalma. Sois a causa suprema de todas as causas, o princípio
eterno. Tudo é, de fato, manifestação de uma energia Vossa. As três qualidades da
natureza material— satrva, rajus e [amas— e o resultado de sua interação, estão
ligados a Vós através de Vossa atuação de yogamãyã. El.as são supostamente inde­
pendentes, mas na verdade a energia material total apoia-se em Vós, a Superalma.
Já que sois a causa suprema de tudo, as interações de manifestação material —
nascimento, existência, crescimento, transformação, deterioração c aniquilação —
estão todas ausentes de Vós. Vossa energia suprema, yogamãyã, age em manifes­
tações variegadas, mas porque yogamãyã é Vossa energia, estais, portanto,
presente em tudo.”
Este fato é muito bem explicado no Nono Capítulo do Bhagavad-gílã, onde o
Senhor diz: “Sob Minha forma impessoal Eu Me espalho por toda a energia material;
596 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

tudo apoia-se em Mim, mas Eu não estou lá.” Esta mesma declaração também foi
feita por Vasudeva. Dizer que o Senhor não está presente em toda a parte significa
que Ele está à parte de tudo, embora Sua energia atue em toda a parte. Isto pode ser
entendido através de um exemplo cru: em um grande estabelecimento, a energia, ou
a organização do patrão supremo, funciona nos quatro cantos do negócio, mas isso
não significa que o proprietário original esteja presente ali. Embora em todo depar­
tamento e em toda atmosfera o trabalhador sinta a presença do proprietário, a
presença física do proprietário em todo departamento é apenas uma formalidade. Na
verdade, sua energia influencia em toda a parte. Analogamente, a onipresença da
Suprema Personalidade de Deus é sentida na ação de Suas energias. Portanto, a
filosofia de inconcebível e simultânea unidade com o Senhor Supremo e diferen­
ciação dEle é confirmada em toda a parte. O Senhor é um, mas Suas energias são
diversas.
Vasudeva disse: “Este mundo material é como um grande rio a correr, cujas
ondas são os três modos materiais da natureza— bondade, paixão e ignorância. Este
corpo material, bem como os sentidos, as faculdades de pensar, sentir e querer e as
fases de aflição, felicidade, apego e luxúria — todos são diferentes produtos dessas
três qualidades da natureza. O tolo que não pode compreender Vossa identidade
transcendental acima de todas estas reações materiais continua no enredamento da
atividade fruítiva e está sujeito ao processo contínuo de nascimento e morte, sem
possibilidade de se libertar.”
Isto também é confirmado de maneira diferente pelo Senhor no Quarto Capítulo
do Bkagavad-gilã. Ali se diz que qualquer pessoa que conheça o aparecimento e
atividades do Supremo Senhor Krsna livra-se das garras da natureza material e volta
ao lar, volta ao Supremo. Portanto, o nome, a forma, as atividades e qualidades
transcendentais de Krsna não são produtos desta natureza material.
“Meu querido Senhor,” continuou Vasudeva, “apesar de todos esses defeitos da
alma condicionada, se alguém de alguma forma entra em contato com o serviço
devocional, atinge a civilizada forma de corpo humano com consciência desenvolvida
e desse modo toma-se capaz de avançar mais em serviço devocional. E todavia,
iludidas pela energia externa, geralmente as pessoas não utilizam esta vantagem da
forma humana de vida. Assim, elas perdem a oportunidade de liberdade eterna e
desnecessariamente arruinam o progresso que vinham fazendo após milhares de
nascimentos.
“No conceito corpóreo da vida, a pessoa é apegada à progêníe do corpo, devido
ao falso egoísmo, e todos na vida condicionada são enredados por relações falsas e
afeição falsa. O mundo inteiro gira sob esta falsa impressão de cativeiro material.
Eu sei que nenhum de Vós é meu fiHio; sois o chefe e progenitor originais, as
Personalidades, de Deus, conhecidos como Pradhãna e Purusa. Mas aparecestes na
superfície deste globo para reduzir a carga do mundo, matando os reis ksatriyas que
estão desnecessariamente aumentando sua força militar. Já me informastes sobre
O Senhor Krsna recupera os filhos de Devakí 597

isso no passado. Meu querido Senhor, sois o abrigo da alma rendida, o benquerenie
supremo dos mansos e humildes. Estou, portanto, me refugiando a Vossos pés de
lótus, que sozinhos podem dar-nos libertação do enredamento da existência
material.
. “Por muito tempo tenho simplesmente pensado que sou este corpo, e embora
sejais a Suprema Personalidade de Deus, eu Vos considero meu filho. Meu querido
Senhor, no mesmo momento em que aparecestes primeiramente na prisão de
Kamsa, fui informado de que éreis a Suprema Personalidade de Deus e que desces­
tes para proteger os princípios da religião, como também para destruir os infiéis.
Embora sejais não-nascido, desceis a cada milênio para executar Vossa missão.
Meu querido Senhor, assim como no céu há muitas formas que aparecem e desapa­
recem, da mesma forma, Vós também apareceis e desapareceis em muitas formas
eternas. Quem, portanto, pode entender Vossos passatempos ou o mistério de
Vosso aparecimento e desaparecimento? Nossa única ocupação deveria ser glorifi­
car Vossa grandeza suprema.'”
Enquanto Vasudeva falava dessa maneira a seus divinos filhos, o Senhor Krsna e
Balarãma sorriam. Porque são muito afetuosos com Seus devotos, Eles aceitaram
toda a apreciação de* Vasudeva com uma atitude amavelmente sorridente. Krsna
então confirmou todas as declarações de Vasudeva da seguinte maneira: “Meu caro
pai, não importa o que digas: Nós somos, afinal de contas, teus filhos. O que
disseste sobre Nós é certamente uma compreensão altameme filosófica do conheci­
mento espiritual. Eu aceito isso integralmente, sem exceção.”
Vasudeva atingira perfeição completa da vida ao considerar o Senhor Krsna e
Balarãma como seus filhos, mas, porque os sábios reunidos no local de peregri­
nação em Kuruksetra haviam falado sobre o Senhor como sendo a causa suprema de
tudo, Vasudeva simplesmente repetiu isso devido a seu amor por Krsna e Balarãma.
O Senhor Krsna não queria diminuir Seu relacionamento com Vasudeva como pai e
filho; portanto, logo no começo de Sua resposta Ele aceitou o fato de que é o filho
eterno de Vasudeva e que Vasudeva é o pai eterno de Krsna. Depois disso, o Senhor
Krsna informou a Seu pai sobre a identidade espiritual de todas as entidades vivas.
Ele continuou: “Meu querido pai, todos, inclusive Eu e Meu irmão Balarãma, como
também os habitantes da cidade de Dvãrakã e de toda a manifestação cósmica, são
exatamente como acabas de explicar, mas todos nós também somos qualitativa­
mente iguais.”
O Senhor Krsna pretendia que Vasudeva visse tudo com a visão de um mahã-
bhãgavata, um devoto de primeira classe, que vê que todas as entidades vivas são
partes integrantes do Senhor Supremo e que o Senhor Supremo está situado no
coração de todos. De fato, toda entidade viva tem sua identidade espiritual, mas, em
contato com a existência material, ela se toma influenciada pelos modos materiais da
natureza. Ela se toma coberta pelo conceito de vida corpórea, esquecendo-se de
que sua alma espiritual é da mesma qualidade que a Suprema Personalidade de
598 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Deus. Ela equivocamente considera um indivíduo diferente de outro simplesmente


por causa de suas coberturas corpóreas materiais. Por causa de diferenças entre
corpos, a alma espiritual apresenta-se ante nós de formas diferentes.
O Senhor Krsna então deu um bom exemplo em termos dos cinco elementos
materiais. A totalidade dos elementos materiais, a saber, o céu, o ar, o fogo, a água
e a terra, está presente cm tudo no mundo material, seja num pote de barro, seja numa
montanha, seja nas árvores, seja num brinco. Estes cinco elementos estão presentes
em tudo, em diferentes proporções e quantidades. Uma montanha é uma gigantesca
forma da combinação desses cinco elementos, e um pequeno pote de barro é feito
dos mesmos elementos, mas numa quantidade menor. Portanto, todos os artigos
materiais, embora em diferentes formatos ou diferentes quantidades, são compostos
dos mesmos ingredientes. Analogamente, as entidades vivas — começando do
Senhor Krsna e incluindo o Visnu-tattva e milhões de formas de Visnu, e depois as
entidades vivas em diferentes formas, desde o Senhor Brahmã até a pequena
formiga— todos, espiritualmente, são da mesma qualidade. Alguns são grandes em
quantidade, e outros pequenos, mas qualitativamente eles são da mesma natureza. É
confirmado, portanto, nos Upanisads que Krsna, ou o Senhor Supremo, é o chefe
entre todas as entidades vivas, e Ele as mantém e lhes fomece todas as necessidades
da vida. Qualquer pessoa que conheça esta filosofia tem conhecimento perfeito. A
versão védica tar tvant asi, “Tu és o mesmo,” não significa que todos são Deus, mas
que todos são qualitativamente da mesma natureza que Deus.
Após ouvir Krsna falar toda a filosofia da vida espiritual numa sinopse, Vasudeva
ficou extremamente satisfeito com seu filho. Exultando-se assim, ele não pôde falar,
mas permaneceu silencioso. Enquanto isso, DevakT, a mãe do Senhor Krsna,
sentou-se ao lado de seu esposo. Anteriormente ela havia ouvido que tanto Krsna
quanto Balarãma foram tão bondosos com Seu mestre que recuperaram o filho
morto do mestre das garras do superintendente da morte, Yamarãja. Desde que
ouvira este incidente, ela também vinha pensando em seus próprios filhos que
Kamsa havia matado, e, ao recordar-se deles, enchia-se de pesar.
Com compaixão por seus filhos mortos, Devaki apelou ao Senhor Krsna e Bala­
rãma da seguinte maneira: “Meu querido Balarãma, Teu próprio nome sugere que
dás todo o prazer e toda a força a todos. Tua potência ilimitada está além do alcance
de nossas mentes e palavras. E, meu querido Krsna, és o senhor de todos os yogis
místicos. Sei que és o senhor dos Prajãpatis como Brahmã e seus assistentes, e és
Nãrãyana, a Personalidade de Deus original. Também sei com certeza que desces
para aniquilar toda a espécie de canalhas que têm sido desencaminhados com o
transcorrer do tempo. Eles perderam controle de suas mentes e sentidos, caíram da
qualidade da bondade e deliberadamente negligenciaram a orientação das escrituras
reveladas levando uma vida de extravagância e insolência. Tu desces à Terra para
reduzir o fardo do mundo matando esses governantes canalhas. Meu querido Krsna,
sei que Mahã-Visnu,.que está deitado no oceano causai da manifestação cósmica e
O Senhor Krsna recupera os filhos de Devaki 599

que é a fonte de toda esta criação, é simplesmente uma expansão de Tua porção
plenária, A criação, manutenção e aniquilação desta manifestação cósmica são
efetuadas unicamente por Tua porção plenária. Portanto, eu me refugio em Ti sem
nenhuma reserva. Ouvi dizer que quando quiseste recompensar Teu mestre, Sãndi-
pani Muni, e ele Te pediu que recuperasses seu filho morto, Tu e Balarâma imedia­
tamente o trouxestes da custódia de Yamarãja, embora ele estivesse morto há muito
tempo. Por este ato, compreendo que Tu és o senhor supremo de todos os yogís
místicos. Portanto, peço-Te que satisfaças meu desejo da mesma maneira. Em
outras palavras, peço-Te que tragas de volta todos os meus filhos que foram mortos
por Kamsa; quando Tu mos trouxeres, meu coração ficará contente, e para mim será
um grande prazer vê-los mesmo que só uma vez mais.”
Após ouvir Sua mãe falar dessa maneira, o Senhor Balarâma e Krsna imediata-
mente invocaram a assistência de yogamãyã e partiram para o sistema planetário
inferior conhecido como Sutala. Anteriormente, em Sua encarnação como Vãmana,
a Suprema Personalidade de Deus fora satisfeita pelo rei dos demônios, Bali Mahã-
rãja, que doou-Lhe tudo que possuía. Bali Mahãrãja recebeu então todo o sistema
Sutala para sua residência e reino. Agora, quando este grande devoto, Bali Mahã­
rãja, viu que o Senhor Balarâma e Krsna tinham vindo a seu planeta, ele imediata­
mente mergulhou num oceano de felicidade. Assim que viu o Senhor Krsna e
Balarâma em sua presença, ele e todos os seus familiares levantaram-se de seus
assentos e prostraram-se aos pés de lótus do Senhor. Bali Mahãrãja ofereceu ao
Senhor Krsna e Balarâma o melhor assento que tinha em sua posse, e quando ambos
os Senhores sentaram-Se confortavelmente, ele começou a lavar-Lhes os pés de
lótus. Depois, borrifou a água sobre sua cabeça e sobre as cabeças de seus familia­
res. A água usada para lavar os pés de lótus de Krsna e Balarâma pode purificar
mesmo os maiores semideuses, tais como o Senhor Brahmã.
Depois disso. Bali Mahãrãja trouxe roupas valiosas, ornamentos, polpa de sân:
dalo, nozes de betei, lamparinas e vários alimentos nectáreos, e, junto com seus
familiares, ele adorou o Senhor de acordo com os princípios regulativos e ofereceu
suas riquezas e corpo aos pés. de lótus do Senhor. O rei Bali estava sentindo um
prazer transcendental tão grande que repetidamente agarrava os pés de lótus do
Senhor e os mantinha sobre seu peito, e às vezes ele os colocava em cima de sua
cabeça. Dessa maneira, estava sentindo bem-aventurança transcendental. Lágrimas
de amor e afeição começaram a descer de seus olhos, e todos os seus pelos
arrepiaram-se. Ele começou a oferecer orações aos Senhores com uma voz que se
sufocava intermitentemente.
“Meu Senhor Balarâma, Vós sois o Anantadeva originai. Sois tão grandioso que
Anantadeva Sesa e outras formas transcendentais emanam originalmente de Vós e
do Senhor Krsna. Sois a Personalidade de Deus original e Vossa forma etema é
todo-bem-aventurada e plena de conhecimento completo. Sois o criador do mundo
inteiro. Sois o iniciador e expositor original dos sistemas de jhãna-yogci e bhakti-yogu.
600 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Sois o Brahman Supremo, a Personalidade de Deus original. Eu, portanto, com


todo o respeito, ofereço minhas reverências a Vós ambos. Meus queridos Senhores,
é muito difícil as entidades vivas conseguirem ver-Vos, contudo, como sois miseri­
cordiosos com Vossos devotos, para eles é fácil ver-Vos. Sendo assim, somente
devido a Vossa misericórdia sem causa é que concordastes em vir aqui e Vos tomar
visíveis para nós, que geralmente somos influenciados pelas qualidades de ignorân­
cia e paixão.
“Meu querido Senhor, nós pertencemos à categoria dos daityas, ou demônios. Os
demônios ou as pessoas demoníacas — os Gandharvas, os Siddhas, os Vidyãdharas,
os Cãranas, os Yaksas, os Rãksasas, as Pisãcas, os fantasmas e os duendes — são
incapazes, por natureza, de adorar-Vos ou tomar-se Vossos devotos. Em vez de se
tornarem Vossos devotos, eles são simplesmente obstáculos no caminho da de­
voção. Porém, Vós sois a Suprema Personalidade de Deus, representante de todos
os Vedas, e estais situado no modo da bondade não contaminada. Vossa posição é
sempre transcendental. Por esta razão, alguns de nós, embora nascidos dos modos
da paixão e da ignorância, refugiamo-nos a Vossos pés de lótus e nos tomamos
devotos. Na verdade, alguns de nós são devotos puros, e alguns de nós refugiam-se
a Vossos pés de lótus, porque desejamos obter algo da devoção.
“ Unicamente por Vossa misericórdia serri causa é que nós, demônios, estamos em
contato direto com Vossa personalidade. Este contato não é possível nem mesmo
para os grandes semídeuses. Ninguém sabe como Vós atuais através de Vossa
potência yogamãyã. Se mesmo os semídeuses não podem calcular a extensão das
atividades de Vossa potência interna, como, então, é possível que nós o saibamos?
Portanto, ofereço minhas humildes orações ante Vós: por favor, sede bondoso
comigo, que sou totalmente rendido a Vós, e agradai-me com Vossa misericórdia
sem causa para que eu simplesmente me lembre de Vossos pés de lótus, nascimento
após nascimento. Minha única ambição é viver sozinho como os paramahamsas
que viajam sozinhos por toda a parte com grande paz de espírito, dependendo
simplesmente de Vossos pés de lótus. Também desejo que, se tiver de me associar
com alguém, possa me associar apenas com Vossos devotos puros e ninguém mais,
pois Vossos devotos puros são sempre benquerentes de todas as entidades vivas.
“Meu querido Senhor, sois o senhor e diretor supremo do mundo inteiro. Por
favor, portanto, ocupai-me em Vosso serviço e permiti que eu me tome, assim,
livre de todas as contaminações materiais. Podeis purificar-me dessa maneira por­
que se alguém se ocupa no serviço amoroso a Vossa Onipotência, ele imediata­
mente se livra de todos os tipos de princípios regulativos prescritos nos Vedas."
A palavra paramaharhsa mencionada aqui significa “o cisne supremo.” É dito
que o cisne pode tirar leite de um reservatório dágua; ele pode tirar apenas a parte
láctea e rejeitar a parte aquosa. Analogamente, uma pessoa que pode extrair a parte
espiritual deste mundo material e que pode viver sozinha, dependendo apenas do
Espírito Supremo, e não do mundo material, é chamada de paramaharhsa. Quando
O Senhor Krsna recupera os filhos de Devakí 601

se atinge a plataforma de paramahamsa, não se está mais sob os princípios regulati-


vos dos preceitos védicos. Um paramahamsa aceita apenas a companhia de devotos .
puros e rejeita a dos demais, que são demasiadamente viciados na matéria. Em
outras palavras, aqueles que são viciados na matéria não podem entender o valor do
paramahamsa, mas aqueles que são afortunadamente avançados em compreensão
espiritual refugiam-se no paramahamsa e desse modo completam exitosamente a
missão da vida humana.
Depois que ouviu as orações de Bali Mahãrãja, o Senhor Krsna falou o seguinte:
“ Meu querido rei dos demônios, no milênio do Svãyambhuva Manu, o Prajãpati
conhecido como Marici gerou seis filhos, todos semideuses, no ventre de sua ^
esposa, Ürnã. Certa vez, o Senhor Brahmã sentiu-se cativado pela beleza de sua
filha e a perseguiu, impelido pelo desejo sexual. Naquele momento, esses seis
semideuses observaram a ação do Senhor Brahmã com repugnância. Esta crítica à
ação de Brahmã por parte dos semideuses constituiu-se em grande ofensa da parte
deles, e por esta razão eles foram condenados a nascer como os netos do demônio
Hiranyakasipu. Esses netos de Hiranyakasipu foram, depois disso, colocados no
ventre de mãe Devakí, e assim que nasceram, Kamsa matou-os, um após outro.
Meu querido rei dos demônios, mãe Devakí está muito ansiosa por ver esses seis
filhos mortos outra vez, e ela está muito aflita por causa de sua morte prematura nas
mãos de Kamsa. Eu sei que todos eles estão vivendo contigo. Decidi levá-los
comigo para apaziguar Minha mãe Devakí. Após verem Minha mãe, essas seis
almas condicionadas serão liberadas, e assim, com grande prazer, serão transferidas
a seu planeta original. Os nomes dessas seis almas condicionadas são os seguintes:
Smara, Udgitha, Parisvanga, Patanga, Ksudrabhrt e Ghrní. Eles serão reinstalados
em sua anterior posição como se mi de uses.”
Após dar esta informação ao rei dos demônios, Krsna parou de falar, e Bali
Mahãrãja entendeu o propósito do Senhor. Ele adorou o Senhor reverentemente, e
depois disso o Senhor Krsna e o Senhor Balarãma tomaram as seis almas condicio­
nadas e regressaram à cidade de Dvãrakã, onde o Senhor Krsna as apresentou como
bebezinhos diante de Sua mãe, Devakí. Mãe Devakí encheu-se de alegria e ficou tão
extática em seus sentimentos maternais que imediatamente o leite começou a fluir
de seus seios, e ela alimentou os bebês com grande satisfação. Ela os colocava no
colo repetidamente, cheirando suas cabeças e pensando: “Ele conseguiu meus filhos
perdidos de volta!” Por algum tempo ela ficou dominada pela energia de Visnu, e.
com grande afeição materna, desfrutou da companhia de seus filhos perdidos.
O leite do seio de Devakí era néctar transcendental porque o mesmo leite havia
sido sugado pelo Senhor Krsna. Sendo assim, os bebês que sugaram o seio de
Devakíjí, o qual havia tocado o corpo do Senhor Krsna, imediatamente tomaram-se
pessoas auto-realizadas. Os bebês, portanto, começaram a oferecer suas reverências
ao Senhor Krsna, a Balarãma, a seu pai Vasudeva e a mãe Devakí. Depois disso,
eles foram imediatamente transferidos para seus respectivos planetas celestiais.-
602 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Depois que eles partiram, Devakí ficou espantada de ver que seus filhos monos
haviam voltado e tinham novamente sido transferidos para seus respectivos plane­
tas. Ela só pôde concatenar esses eventos pensando nos passatempos do Senhor
Krsna, em que, devido às potências do Senhor Krsna que são todas inconcebíveis,
qualquer coisa maravilhosa pode ser executada. Sem aceitar as ilimitadas e inconce­
bíveis potências do Senhor, não se pode entender que o Senhor Krsna é a Alma
Suprema. Através de Suas potências ilimitadas, Ele executa passatempos ilimita­
dos, e ninguém pode descrevê-los inteiramente, nem pode ninguém conhecê-los a
todos. Süta Gosvãml, falando o Srimad-Bhãgavatam diante dos sábios de Naimisã-
ranya, encabeçados por Saunaka Rsi, deu seu veredíto a este respeito da seguinte
maneira.
“Grandes sábios, por favor, compreendei que os passatempos transcendentais do
Senhor Krsna são todos eternos. Não são narrações ordinárias de ocorrências histó­
ricas. Essas narrações são idênticas à própria Suprema Fersonalidade de Deus.
Qualquer pessoa, portanto, que ouça essas narrações dos passatempos do Senhor
livra-se imediatamente da contaminação da existência material. E aqueles que são
devotos puros desfrutam dessas narrações como se fossem néctar entrando por seus
ouvidos.” Essas narrações foram descritas por Sukadeva Gosvãmi, o elevado filho
de Vyãsadeva, e qualquer pessoa que as ouça, bem como qualquer pessoa que as
descreva para outros ouvirem, toma-se consciente de Krsna. E apenas as pessoas
conscientes de Krsna são elegíveis para voltar ao lar. voltar ao Supremo.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta


e Quatro de Krsna, intitulado •'*Instrução Espiritual a Vasudeva e o Senhor
Krsna Recupera os Seis Filhos Mortos de D eva kl"
8 5 / 0 rapto de Subhadrã
e a visita do Senhor Krsna a Srutadeva e Bahuiãsva

Após ouvir este incidente, o rei Paríksit ficou mais curioso por ouvir sobre
Krsna e Seus passatempos, e assim ele perguntou a Sukadeva Gosvãml como sua
avó Subhadrã foi raptada por seu avô Arjuna ao ser este instigado pelo Senhor
Krsna. O rei Paríksit estava muito ávido por aprender sobre o rapto feito por seu avô
e o casamento de sua avó.
Então, Sukadeva Gosvãml começou a narrar a história da seguinte maneira:
"Certa vez, teu avô Arjuna, o grande herói, estava visitando vários locais santos de
peregrinação, e enquanto viajava assim por toda a parte aconteceu de ele chegar a
Prabhãsaksetra. Em Prabhãsaksetra, ele ouviu a notícia de que o Senhor Balarãma
estava agenciando o matrimônio de Subhadrã, a filha de Vasudeva, o tio materno de
Arjuna. Embora seu pai, Vasudeva, e seu irmão, Krsna, não estivessem de acordo
com Ele, Balarãma era a favor de casar Subhadrã com Duryodhana. Arjuna, entre­
tanto, desejava obter a mão de Subhadrã em casamento.”
A medida que pensava em Subhadrã e sua beleza, Arjuna ficava cada vez mais
cativado pela idéia de casar-se com ela, e, com um plano em mente, ele vestiu-se
como um sannyãst Vaisnava, carregando uma tridanda em sua mão. Os sannyãsis
Mãyãvãdls aceitam uma danda, ou uma vara, ao passo que os sannyãsis Vaisnavas
aceitam três dandas, ou três varas. Os três bastões, ou tridanda. indicam que um
sannyãsl Vaisnava promete prestar serviço à Suprema Personalidade de Deus com o
corpo, a mente e as palavras. O sistema de tridanda-sannyãsa tem existido há muito
tempo, e os sannyãsis Vaisnavas são chamados de iridandí, ou às vezes tridandl•
svãmTs, ou tridandí-gosvãmis.
De um modo geral, os sannyãsis destinam-se a viajar por todo o país, ocupados
em trabalho de pregação, mas, durante os quatro meses da estação das chuvas na
índia, de setembro a dezembro, eles não viajam, mas se abrigam em um lugar e
ali permanecem sem se mover. Este não-movimento do sannyãst chama-se
Cãturmãsya-vrata. Quando um sannyãsl fica em um local por quatro meses, os
habitantes locais daquele lugar tiram proveito de sua presença para avançar espiri­
tualmente. Arjuna, vestido de tridandí-sannyãsi, permaneceu na cidade de Dvãrakã
por quatro meses, tendo tramado um plano através do qual podería obter Subhadrã
como sua esposa. Os habitantes de Dvãrakã, como também o Senhor Balarãma, não
puderam reconhecer que o sannyãsl era Arjuna; portanto, todos eles ofereceram
suas respeitosas reverências ao sannyãsl, sem conhecer-lhe a verdadeira situação.
Certo dia, o Senhor Balarãma convidou este sannyãst particular a almoçar em
Sua casa. Balarãmajl muito respeitosamente ofereceu-lhe todos os tipos de pratos
saborosos, e o dito sannyãsl comia suntuosamente. Enquanto comia na casa de
604 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Bularãmaji, Arjuna simplesmente olhava para a bela Subhadrã, que era muito en­
cantadora mesmo para grandes heróis e reis. Tomado de amor por ela, os olhos de
Arjuna brilhavam, e ele olhava para ela com olhos cintilantes. Arjuna decidira que
de qualquer forma obteria Subhadrã como sua esposa, e sua mente ficou agitada por
causa deste forte desejo.
O próprio Arjuna, o avô de Mahãrãja Pariksit, era extraordinariamente belo, e
sua estrutura corpórea era muitíssimo atrativa para Subhadrã, a qual também deci­
diu dentro de si que somente aceitaria Arjuna como seu esposo. Sendo uma moça
simples, ela sorria com grande prazer, olhando para Arjuna. Assim, Arjuna também
ficava cada vez mais atraído por ela. Dessa maneira, Subhadrã dedicava-se a
Arjuna, e ele resolveu casar-se com ela de qualquer modo. Então, ele absorveu-se
vinte-e-quatro horas por dia em pensar como podería obter Subhadrã como sua
esposa. Estava angustiado com o pensamento de conquistar Subhadrã, e não tinha
um momento de paz de espírito.
Certa feita, Subhadrã, sentada em uma quadriga, saiu do palácio do forte para ver
os deuses no templo. Arjuna aproveitou-se desta oportunidade, e, com a permissão
de Vasudeva e Devakl, ele a raptou. Após subir na quadriga de Subhadrã, ele
preparou-se para uma luta. Tomando de seu arco e conservando a distância com
suas flechas os soldados que tinham sido enviados para contê-lo, Arjuna levou
Subhadrã embora. Enquanto Subhadrã estava sendo assim raptada por Arjuna, seus
parentes e familiares começaram a chorar, mas mesmo assim ele a levou, assim
como um leão pega sua presa e vai-se embora. Quando comunicaram ao Senhor
Balarãma que o dito sannyãsi era Arjuna, que tramara este plano simplesmente para
raptar Subhadrã, e que ele realmente a raptara, Ele ficou muito irado. Assim como
as ondas do oceano ficam agitadas num dia de lua cheia, o Senhor Balarãma ficou
perturbadíssimo.
O Senhor Krsna estava a favor de Arjuna; portanto, junto com os outros membros
da família, Ele tentou acalmar Balarãma, caindo a Seus pés e pedindo-Lhe que
perdoasse Arjuna. O Senhor Balarãma foi então convencido de que Subhadrã era
apegada a Arjuna, e ficou satisfeito de saber que ela queria Arjuna como esposo. O
assunto foi resolvido, e, para satisfazer os recém-casados, o Senhor Balarãma
providenciou que mandassem um dote, que consistia de inumeráveis riquezas,
elefantes, quadrigas, cavalos, servos e criadas.
Mahãrãja Pariksit estava muito ansioso por ouvir mais sobre Krsna, e assim, após
terminar de narrar o rapto de Subhadrã por Arjuna, Sukadeva Gosvãml começou a
narrar outra história, como segue.
Havia um brãhmana chefe de família na cidade de Mithilã, a capital do reino de
Videha. Este brãhmana, cujo nome era Srutadeva, era um grande devoto do Senhor
Krsna. Por ser inteiramente consciente de Krsna e estar sempre ocupado em serviço
ao Senhor, ele estava com a mente completamente pacífica e desapegado de toda a
atração material. Era muito erudito e não tinha outro desejo além do de estar
O rapto de Subhadrã 605

totalmente situado em consciência de Krsna. Embora estivesse na ordem de vida


familiar, ele nunca se submetia a muitas tribulações para conseguir algo para sua
subsistência; se satisfazia com o que podia obter sem ter de fazer muito esforço, e
de alguma forma ele vivia dessa maneira, Todo dia ele obtinha a satisfação das
necessidades da vida exatamente na quantidade necessária, e não mais. Aquele era
seu destino. O brãhmana não tinha desejo de obter mais do que necessitava, e assim
executava pacificamente os princípios regulativos da vida de brãhmana, como é
prescrito nas escrituras reveladas.
Felizmente, o rei de Mithilã era tão devoto quanto o brãhmana, O nome deste
famoso rei era Bahulãsva. Ele tinha adquirido muita reputação como bom rei, e não
nutria absolutamente ambições de estender seu reino em favor do gozo dos sentidos.
Sendo assim, tanto o brãhmana quanto o rei Bahulãsva permaneciam devotos puros
do Senhor Krsna em Mithilã.
Sendo o Senhor Krsna muito misericordioso com esses dois devotos, o rei Bahu­
lãsva e o brãhmana Srutadeva, um dia Ele mandou que Seu quadrigário. Dãruka,
conduzisse Sua quadriga até a cidade capital de Mithilã. O Senhor Krsna foi acom­
panhado pelos grandes sábios Nãrada, Vãmadeva, Atri, Vyãsadeva, Parasurãma,
Asíta, Ãruni, Brhaspati, Kanva, Maitreya, Cyavana e outros. O Senhor Krsna e os
sábios passaram por muitas aldeias e cidades, e em toda a parte os cidadãos
recebiam-nos com grande respeito e ofereciam-lhes artigos em adoração. Quando
os cidadãos vinham ver o Senhor e todos eles reuniam-se em um local, era como se
o sol estivesse presente junto com seus vários planetas-satélite. Naquela jornada, o
Senhor Krsna e os sábios passaram pelos reinos de Ãnarta, Dhanva, Kurujãngala.
Kanka, Matsya, Pãncãla, Kunti, Madhu, Kekaya. Kosala e Arna, e assim todos os
cidadãos destes locais, tanto homens quanto mulheres, puderam ver o Senhor Krsna
diretamente. Dessa maneira, eles desfrutaram de felicidade celestial, com corações
abertos, cheios de amor e afeição pelo Senhor, e quando viam o rosto do Senhor,
parecia-lhes que estavam bebendo néctar pelos olhos. Quando viam Krsna, todas as
concepções néscias e errôneas de suas vidas díssipavam-se. Quando o Senhor pas­
sava pelos vários países e as pessoas vinham visitá-IO, simplesmente por lançar um
olhar para elas, o Senhor concedia-lhes toda a boa fortuna e libertava-as de todos os
tipos de ignorância. Em alguns lugares, os semideuses juntavam-se aos seres huma­
nos, e a glorificação que eles faziam ao Senhor purificava todos os pontos cardeais
de todas as coisas inauspiciosas. Dessa maneira, o Senhor Krsna lenta e gradual­
mente chegou ao reino de Videha.
Quando os cidadãos receberam a notícia da chegada do Senhor, todos eles senti­
ram felicidade ilimitada e vieram dar-Lhe as boas-vindas, trazendo presentes nas
mãos para oferecer-Lhe. Assim que viram o Senhor Krsna, seus corações imediata­
mente desabrocharam em bem-aventurança transcendental, assim como flores de
lótus desabrocham ao nascer do sol. Anteriormente, eles tinham simplesmente
ouvido os nomes dos grandes sábios, mas jamais os haviam visto. Agora, pela
606 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

misericórdia do Senhor Krsna, eles tinham a oportunidade de ver tanto os grandes


sábios quanto o próprio Senhor.
O rei Bahulãsva e o brãhmana Srutadeva, sabendo bem que o Senhor tinha vindo
aii apenas para favorecê-los com Sua graça, imediatamente caíram aos pés de lótus
do Senhor e ofereceram-Lhe seus respeitos. Com as mãos postas, o rei e o
brãhmana simultaneamente convidaram o Senhor Krsna e todos os sábios à casa de
cada um. Para agradar a ambos, o Senhor Krsna expandiu-Se em dois e foi às casas
de cada um deles; todavia, nem o rei nem o brãhmana puderam entender que o
Senhor tinha ido à casa do outro. Ambos pensavam que o Senhor tinha ido apenas a
sua própria casa. O fato de Ele e Seus companheiros estarem presentes em ambas as
casas, embora tanto o brãhmana quanto o rei pensassem que Ele estava presente em
apenas uma casa, é outra opulência da Suprema Personalidade de Deus. Esta opu­
lência é descrita nas escrituras reveladas como vaibhavu-prakãsa. Quando o Senhor
Krsna casou-Se com dezesseis mil esposas, Ele também Se expandiu em dezesseis
mi! formas, cada uma delas tão poderosa como Ele próprio. De modo semelhante,
em Vrndãvana, quando Brahmã roubou as vacas, bezerros e vaqueirinhos de Krsna,
Krsna Se expandiu em muitas novas vacas, bezerros e meninos.
Bahulãsva, o rei de Videha, era muito inteligente e um cavalheiro perfeito. Ele
estava espantado de que tantos grandes sábios, junto com a Suprema Personalidade
de Deus, estivessem pessoalmente presentes em seu lar. Ele sabia perfeitamente
bem que a alma condicionada, especialmente quando ocupada em afazeres munda­
nos, não pode ser cem por cento pura, ao passo que a Suprema Personalidade de
Deus e Seus devotos puros são sempre transcendentais à contaminação mundana.
Portanto, quando viu que a Suprema Personalidade de Deus, Krsna, e todos os
grandes sábios estavam em sua casa, ele ficou admirado, e começou a agradecer ao
Senhor Krsna por Sua misericórdia sem causa.
Sentindo-se muito agradecido e querendo receber seus convidados da melhor
forma possível, ele mandou trazerem boas cadeiras e almofadas, e o Senhor Krsna,
junto com todos os sábios, sentou-Se mui confortavelmente. Naquela altura, a
mente do rei Bahulãsva ficou muito inquieta, não por causa de quaisquer proble­
mas, mas por causa do grande êxtase de amor e devoção. Seu coração estava cheio
de amor e afeição pelo Senhor e Seus associados, e seus olhos estavam cheios de
lágrimas de êxtase. Ele fez arranjos para lavar os pés de seus divinos convidados, e,
após lavá-los, ele e seus familiares borrifaram a água sobre suas próprias cabeças.
Depois disso, ele ofereceu aos convidados belas guirlandas de flores, polpa de
sândalo, incenso, roupas novas, ornamentos, lamparinas, vacas e touros. De ma­
neira condizente com sua posição real, ele adorou cada um deles desse modo.
Quando todos tinham sido suntuosamente alimentados e estavam sentados mui
confortavelmente, Bahulãsva aproximou-se do Senhor Krsna e agarrou Seus pés de
lótus. Ele colocou-os sobre seus joelhos e, enquanto massageava os pés com suas
mãos, começou a falar sobre as glórias do Senhor com voz doce.
O rapto de Subhadra 607

“Meu querido Senhor, Vós sois a Superalma de todas as entidades vivas e, corno
testemunha dentro do coração, sois conhecedor das atividades de todos. Sendo
assim, estando obrigados, sempre pensamos em Vossos pés de lótus para que
possamos permanecer numa posição segura e não desviemos de Vosso serviço
eterno. Como resultado de nossa lembrança contínua de Vossos pés de lótus, bon­
dosamente visitastes minha casa em pessoa para agraciar-me com Vossa misericórdia
sem causa. Temos ouvido, meu querido Senhor, que. segundo várias afirmações
Vossas, Vós confirmais que Vossos devotos puros são-Vos mais queridos que o
Senhor Balarãma ou Vossa serva constante, a deusa da fortuna. Vossos devotos
são-Vos mais queridos que Vosso primeiro filho, o Senhor Brahmã. e estou certo de
que tão bondosamente viestes visitar meu lar a fim de provar Vossa afirmação
divina. Não posso imaginar como as pessoas podem ser ateístas e demoníacas
mesmo após saberem de Vossa misericórdia sem causa e afeição por Vossos devo­
tos que estão constantemente ocupados em consciência de Krsna. Como podem elas
esquecer-se de Vossos pés de lótus?
“Meu querido Senhor, nós sabemos que Vós sois tão bondoso e liberal que
quando uma pessoa deixa tudo apenas para ocupar-se em consciência de Krsna, Vós
às vezes Vos dais a Vós mesmo em troca deste serviço imaculado. Vós apareceis na
dinastia Yadu para cumprir Vossa missão de redimir todas as almas condicionadas '
que estão apodrecendo nas atividades pecaminosas da existência material, e este
aparecimento já é famoso em todo o mundo. Meu querido Senhor, sois o oceano de
misericórdia, amor e afeição ilimitados. Vossa forma transcendental é plena de
bem-aventurança, conhecimento e eternidade. Podeis atrair o coração de todos
através de Vossa bela forma como Syãmasundara, Krsna. Vosso conhecimento é
ilimitado, e para ensinar a todas as pessoas a como executar serviço devocional,
Vós enviais Vossa encarnação Nara-Nãrãyana, que está praticando austeridades e
penitências severas em Badarinãrãyana. Portanto, por favor, aceitai minhas humil­
des reverências a-Vossos pés de lótus. Meu querido Senhor, tomo a liberdade de
pedir-Vos e a Vossos companheiros, os grandes sábios e brãhmcjnus, que perma­
neçam em minha casa para que esta família do famoso rei Nimi seja santificada pela
poeira de Vossos pés de lótus pelo menos por alguns dias.” O Senhor Krsna não
pôde negar o pedido de Seu devoto, e assim permaneceu ali por alguns dias com os
sábios para santificar a cidade de Mithilã c todos os seus cidadãos.
Enquanto isso, o brãhmana, simultaneamente recebendo o Senhor Krsna e Seus
companheiros em sua casa, encheu-se de transcendental alegria. Após oferecer
assentos confortáveis para seus convidados sentarem, o brãhmunu começou a dan­
çar, envolvendo seu corpo com um manto. Como não fosse absolutamente rico,
Srutadeva ofereceu apenas colchões, tamancos de madeira, tapetes de palha e assim
por diante para seus distintos convidados, o Senhor Krsna e os sábios, mas deu-lhes
suas boas-vindas o melhor que pôde. Ele falou muito elevadamente do Senhor e dos
sábios, e ele e sua esposa lavaram os pés de cada um deles. Depois disso, ele pegou
608 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

a água e borrifou-a sobre todos os membros de sua família, e embora o brãhmana


aparentasse ser muito pobre, naquele momento ele sentia-se muito afortunado.
Enquanto Srutadeva dava suas boas-vindas ao Senhor Krsna e Seus companheiros,
ele simplesmente se esqueceu de si mesmo em júbilo transcendental. Após dar as
boas-vindas ao Senhor e Seus companheiros, de acordo com suas possibilidades ele
trouxe frutas, incenso, água perfumada, terra perfumada, folhas de tulasi, palha
kusa e flores de lótus. Estes artigos não eram caros e podiam ser conseguidos
facilmente, mas, porque foram oferecidos com amor devocional, o Senhor Krsna e
Seus companheiros aceitaram-nos com muito prazer. A esposa do brãhmana cozinhou
alimentos simples como arroz e dãl, e o Senhor e Seus seguidores tiveram muita
satisfação em aceitá-tos porque eles foram oferecidos com amor deyocional. En­
quanto o Senhor Krsna e Seus companheiros se alimentavam dessa maneira, o
brãhmana Srutadeva pensava assim: “Estou caído no profundo e escuro poço da
vida familiar e sou a pessoa mais desventurada. Como foi possível que o Senhor
Krsna, que é a Suprema Personalidade de Deus, e Seus associados, os grandes
sábios, cuja própria presença toma um local tão santificado como um local de
peregrinação, concordassem em vir a meu lar?” Enquanto o brãhmana pensava
dessa maneira, os convidados terminaram seu almoço e se recostaram confortavel-
J mente. Naquela altura, o brãhmana Srutadeva e sua esposa, filhos e outros parentes
apareceram ali para prestar serviço aos distintos convidados. Tocando nos pés de
lótus do Senhor Krsna, o brãhmana começou a falar.
“Meu querido Senhor,” disse ele, “Vós sois a Pessoa Suprema, Purusottama,
situado transcendentalmente à criação material manifesta e imanifesta. As ativida­
des deste mundo material e das almas condicionadas nada têm a ver com Vossa
posição. Podemos apreciar que não apenas hoje me destes Vossa audiência, senão
que estais associando-Vos com todas as entidades vivas como o Paramãtmã desde o
começo da criação.”
Esta declaração do brãhmana è muito instrutiva. É um fato que o Senhor Su­
premo, a Personalidade de Deus, sob Seu aspecto Paramãtmã, entra na criação deste
mundo material como Mahã-Visnu, Garbhodakasãyi Visnu e Kslrodakasãyí Visnu,
e, com uma atitude muito amistosa, o Senhor senta-Se no corpo, junto com a alma
condicionada. Portanto, toda entidade viva tem o Senhor consigo desde o princípio,
mas, devido a sua consciência equívoca de vida, a entidade viva não pode com­
preender isso. Entretanto, quando sua consciência é transformada em consciência
de Krsna, ela pode imediatamente entender como Krsna está tentando ajudar as
almas condicionadas a saírem do enredamento material.
Srutadeva continuou: “Meu querido Senhor, Vós entrais neste mundo material
como se estivésseis dormindo. Ao dormir, uma alma condicionada cria mundos
falsos ou temporários; ela se vê envolvida com muitas atividades ilusórias— às
vezes tomando-se um rei, às vezes sendo assassinada ou às vezes indo a uma cidade
desconhecida— e todos esses afazeres são simplesmente temporários. Analogamente,
O rapto de Subhadrã 609

Vossa Onipotência, aparentemente também adormecido, entra neste mundo mate­


rial para criar uma manifestação temporária, não para Vossas necessidades pes­
soais, mas para a alma condicionada que quer imitar Vossa Onipotência como o
desfrutador. O desfrute da alma condicionada no mundo material é temporário e
ilusório, E, todavia, a aima condicionada é por si mesma incapaz de criar essa
situação temporária para seu gozo ilusório, Para satisfazer seus desejos, embora
eles sejam temporários e ilusórios, Vós entrais nesta manifestação temporária para
ajudá-la. Assim, desde o momento em que a alma condicionada entra no mundo
material, Vós sois seu companheiro constante. Quando, portanto, a alma condicio­
nada entra em contato com um devoto puro e aceita o serviço devocional—-
começando com o processo de ouvir Vossos passatempos transcendentais, glorificar
Vossas atividades transcendentais, adorar Vossa forma eterna no templo, oferecer-
Vos orações e ocupar-se em conversas para compreender Vossa posição
transcendental— , ela livra-se gradualmente da contaminação da existência mate­
rial. Seu coração purifica-se de toda a poeira material, e assim, gradualmente. Vós
Vos tomais visível no coração do devoto, Embora estejais constantemente com a
alma condicionada, somente quando ela se purifica através do serviço devocional é
que Vós Vos revelais a ela. Os outros, que são desorientados por atividades fruiti-
vas, seja por preceito védico ou por relações costumeiras, e que não adotam o
serviço devocional, são cativados pela felicidade externa do conceito corpóreo de
vida. Vós não Vos revelais a tais pessoas. Pelo contrário, permaneceis muitíssimo
distante delas. Mas, aquele que se ocupa em Vosso serviço devocional e purifica
seu coração através do constante cantar de Vosso santo nome, compreende facil­
mente que Vós sois seu eterno e constante companheiro.
“É dito que Vossa Onipotência, sentado no coração de um devoto, dá-lhe orien­
tação pela qual ele pode rapidamente voltar ao lar, voltar a Vós. Esta ordem direta
dada por Vós revela Vossa existência dentro do coração do devoto. Somente um
devoto pode perceber imediatamente Vossa existência dentro de seu coração, ao
passo que para aquele que tem apenas um conceito corpóreo da vida e está ocupado
em gozar dos sentidos Vós permaneceis sempre coberto pela cortina de yugamãxã.
Uma pessoa assim não pode compreender que Vós estais muito perto, sentado
dentro de seu coração. Para um não-devoto, Vós apareceis somente como a morte
final. A diferença entre o devoto e o não-devoto é como a diferença entre uma gata
carregando seus filhotes em sua boca e a mesma gata abocanhando um rato. Na
boca da gata, o ráto sente sua morte, ao passo que os filhotes na mesma sentem a
afeição materna. Analogamente, Vós estais presente para todos, mas o não-devoto
sente-Vos como a cruel morte final, ao passo que para um devoto Vós sois o
instrutor e filósofo supremo. O ateu, portanto, compreende a presença de Deus
como a morte, mas o devoto compreende a presença de Deus sempre dentro de seu
coração, aceita Vossas ordens e vive transcendentalmente, sem ser afetado pela
contaminação do mundo material. ;,í- -
610 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

"Vós sois o controlador e superintendente supremo das atividades da natureza


material. A ciasse de homens ateus simplesmente observa as atividades da natureza
material, mas não pode descobrir-Vos como a base original. O devoto, entretanto,
pode imediatamente ver Vossa mão cm todo o movimento da natureza material. A
cortina de yogamãvã não pode cobrir os olhos do devoto de Vossa Onipotência, mas
pode cobrir os olhos do não-devoto. O não-devoto é incapaz de ver-Vos direta­
mente, assim como uma pessoa cujos olhos são toldados pela cobertura de uma
nuvem não pode ver o sol, embora as pessoas que estejam voando acima da nuvem
possam ver seu brilho nitidamente, tal como ele é. Meu querido Senhor, ofereço-Vos
minhas respeitosas reverências. Meu querido Senhor auto-refulgente. sou Vosso
servidor eterno. Portanto, por favor, ordenai-me — o que posso fazer para Vós? A
alma condicionada sente as dores da contaminação material sob a forma das três
espécies de misérias enquanto Vós não estais visível para ela. E assim que Vos
tornais visível pelo desenvolvimento da consciência de Krsna, todas as misérias da
existência material simultaneamente desaparecem."
A Suprema Personalidade de Deus, Krsna, sente-Se naturalmente inclinada mui
afetuosamente para Seus devotos. Quando ouviu as orações de devoção pura de
Srutadeva, Ele ficou satisfeitíssimo e imediatamente pegou-lhe das mãos e falou-
lhe o seguinte: "Meu querido Srutadeva. todos esses grandes sábios e pessoas santas
foram muito bondosos contigo por terem vindo aqui ver-te pessoalmente. Deves
considerar esta oportunidade como uma grande fortuna para ti. Eles são tão bondo­
sos que estão viajando comigo, e onde quer que vão imediatamente fazem toda a
atmosfera tão pura como a transcendência simplesmente pelo toque da poeira de
seus pés. As pessoas costumam ir aos templos de Deus. Elas também visitam os
locais sagrados de peregrinação, e, após prolongado contato com tais atividades por
muitos dias de associação e adoração, gradualmente elas se purificam. Mas, a
influência de grandes sábios e pessoas santas é tão grande que, por vê-los. a pessoa
de imediato purifica-se completamente.
"Além disso, a própria potência purificadora das peregrinações ou da adoração a
diferentes semideuses também é alcançada pela graça de pessoas santas. Um local
de peregrinação toma-se local santo por causa da presença de pessoas santas ali.
Meu querido Srutadeva. quando uma pessoa nasce como brãhmana. ela imediata­
mente se toma o melhor de todos os seres humanos. E se esse brãhmana, mantendo-
se auto-satisfeito, pratica austeridades, estuda os Vedas e se ocupa em Meu serviço
devocional, como é dever do brãhmana — ou. em outras palavras, se um brãhmanu
se torna um Vaisnava— quão maravilhosa é sua grandeza! Meu aspecto de Nãrã-
yana com quatro mãos não é tão agradável ou querido para Mim como o é um
brãhmana Vaisnava. Brãhmana significa ‘pessoa bem versada em conhecimento
védico'. O brãhmana é o modelo do conhecimento perfeito, e Eu sou a manifes­
tação plenamente desenvolvida de todos os deuses. Os homens menos inteligentes
não Me compreendem como o conhecimento mais elevado, nem tampouco eles
O rapto de Subhadrã 611

compreendem-a influência do brãhmana Vaisnava. Eles são influenciados pelos três


modos da natureza material e dessa forma ousam criticar-Me e a Meus devotos
puros. O brãhmana Vaisnava, ou devoto já na plataforma bramínica, pode
compreender-Me dentro de seu coração, e por isso ele definitivamente conclui que
toda a manifestação cósmica e seus diferentes aspectos são efeitos de diferentes
energias do Senhor. Assim, ele tem uma concepção clara de toda a natureza mate­
rial e da totalidade da energia material, e em toda ação tal devoto vê apenas a Mim,
e nada mais.
“Meu querido Srutadeva, podes, portanto, aceitar todas essas grandes pessoas
santas, brãhmana.v e sábios como Meus representantes fidedignos. Adorando-os
fielmente, estarás Me adorando mais diligentemente. Eu considero a adoração a
Meus devotos melhor que a adoração direta a Mim. Se alguém tenta Me adorar
diretamente sem adorar Meus devotos, Eu não aceito essa adoração, mesmo que
seja apresentada com grande opulência."
Dessa maneira, tanto o brãhmana Srutadeva quanto o rei de Mithilã, sob a
orientação do Senhor, adoraram tanto Krsna quanto Seus seguidores, os grandes
sábios e brâhmanas santos, em igual nível de importância espiritual. Tanto o
brãhmana quanto o rei finalmente atingiram a meta suprema de serem transferidos
ao mundo espiritual. O devoto não conhece ninguém exceto o Senhor Krsna, e
Krsna é muito afetuoso com Seu devoto. O Senhor Krsna permaneceu em Mithilã
tanto na casa do brãhmana Srutadeva quanto no palácio do rei Bahulãsva. E após
favorecê-los prodigamente através de Suas instruções transcendentais, Ele voltou a
Sua cidade capital, Dvãrakã,
A instrução que recebemos desta narração é que o rei Bahulãsva e Srutadeva, o
brãhmana, foram aceitos pelo Senhor no mesmo nível porque ambos eram devotos
puros. Esta é a verdadeira qualificação para ser reconhecido pela Suprema Persona­
lidade de Deus. Porque se tornou moda desta era orgulhar-se falsamente de ter
nascido em família de ksatriya ou de brãhmana. vemos pessoas sem nenhuma
qualificação além do nascimento afirmando ser brâhmanas. ou ksatriyas, ou vaisyas.
Mas. como se afirma nas escrituras, kalmt südru-sambhavah: “Nesta era de Kali.
todos são sãdras.” Isto porque não há execução dos processos purificatórios conhe­
cidos como sathskãras, que começam a partir do momento da gravidez da mãe e
continuam até o momento da morte do indivíduo. Ninguém pode ser classificado
como membro de uma casta particular, especialmente de uma casta superior—
brãhmana, ksatriya ou vaisya— simplesmente por direito de nascimento. Se a pes­
soa não é purificada pelo processo da cerimônia de dar a semente, ou Garbhãdhãna-
surhskãra, ela é imediatamente classificada entre os sãdras. porque somente os
sãdras não se submetem a este processo purificatório. Vida sexual sem o processo
purificatório da consciência de Krsna é apenas o processo de semear sãdras ou
animais. Mas, a consciência de Krsna é a perfeição máxima, através da qual todos
612 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

podem chegar à plataforma de Vaisnavas. Isto incluí .ter todas as qualificações de


um brãhmana. Os Vaisnavas são treinados a se livrarem dos quatro tipos de ativida­
des pecaminosas — relação sexual ilícita, consumo de tóxicos, jogo de-azar e con­
sumo de alimentos animais. Não se pode estar na plataforma bramínica sem ter
essas qualificações preliminares, e, sem se tomar um brãhmana qualificado, não se
pode tomar-se um devoto puro.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta


e Cinco de Krsna, intitulado “O Rapto de Subhadrã e a Visita do Senhor
Krsna a Srutadeva e Bahulãsva. ”
8 6 / Orações dos Vedas personificados

O rei Pariksit indagou de Sukadeva Gosvãmí sobre um tópico muito importante


para a compreensão dos assuntos transcendentais. A pergunta foi: “Uma vez que o
conhecimento védico geralmente tem como tema as três qualidades do mundo
material, como, então, pode ele abordar o tema da transcendência, que está fora do
alcance dos três modos materiais? Uma vez que a mente é material e a vibração de
palavras é um som material, como pode o conhecimento védico, expressando atra­
vés de som material os pensamentos da mente, aproximar-se da transcendência? A
descrição de um assunto requer a descrição da fonte donde emana, de suas qualida­
des e de suas atividades. Tal descrição só é possível pensando-se com a mente
material e vibrando palavras materiais. Embora Brahman, ou a Verdade Absoluta,
não tenha qualidades materiais, nossa capacidade de falar não vai além das qualida­
des materiais. Como, então, pode Brahman, a Verdade Absoluta, ser descrita por
tuas palavras? Não vejo como é possível compreender a transcendência a partir de
tais expressões de som material.”
O objetivo da indagação do rei Pariksit era comprovar através de Sukadeva
Gosvãmí se, em última análise, os Vedas descrevem a Verdade Absoluta como
sendo impessoal ou pessoal. A compreensão da Verdade Absoluta desenvolve-se
em três aspectos— Brahman impessoal, Paramãtmã localizado no coração de todos
e, por fim, a Suprema Personalidade de Deus, Krsna.
Os Vedas tratam de três departamentos de atividades. Um chama-se karma-
kãnda, ou seja, as atividades sob preceitos védicos, que gradualmente nos purifi­
cam para compreendermos nossa posição verdadeira; o seguinte é jnãna-kãnda, o
processo de compreensão da Verdade Absoluta através de métodos especulativos; e
o terceiro é upãsanã-kãnda, ou adoração à Suprema Personalidade de Deus e, às
vezes, a semideuses também. A adoração aos semídeuses recomendada nos Vedas é
permitida supondo-se a subordinação dos semideuses à Personalidade de Deus. A
Suprema Personalidade de Deus tem muitas partes integrantes; algumas são chama­
das svãmsas, ou Suas expansões pessoais, e algumas chamam-se vibhinnãmsas, ou
entidades vivas. Todas essas expansões, tanto svãmsas quanto vibhinnãmsas, são
emanações da Personalidade de Deus originai. As expansões svãrhsa chamam-se
Visnu-tattva, ao passo que as expansões vibhinnãmsa chamam-se jiva-tatrva. Os
diferentes semideuses são jiva-tatrva. As almas condicionadas geralmente são pos­
tas nas atividades do mundo material para o gozo dos sentidos; portanto, como se
afirma no Bhagavad-gítã, para regular aqueles que são muito viciados em diferentes
614 Krsria, a Suprema Personalidade de Deus

tipos de gozo dos sentidos, a adoração a semideuses às vezes é recomendada. Por


exemplo, para pessoas muitíssimo viciadas em comer carne, o preceito védico
recomenda que, após adorar a forma da deusa Kãlí e sacrificar uma cabra (não
qualquer outro animal) sob regulação karma-kãnda, os adoradores tenham permis­
são de comer came. A idéia não é de incentivar alguém a comer carne, mas sim de
permitir àquele que é obstinado em comer came que o faça sob determinadas
condições restritas. Portanto, adoração aos semideuses não é adoração à Verdade
Absoluta, mas, adorando-se os semideuses, gradualmente chega-se a aceitar a
Suprema Personalidade de Deus de forma indireta. Esta aceitação indireta é descrita
no Bhagavad-guo como avidhi. Avidhi significa “não fidedigno." Uma vez que a
adoração aos semideuses não é fidedigna, os impersonalistas enfatizam a concen­
tração no aspecto impessoal da Verdade Absoluta. A pergunta do rei Pariksit foi:
qual é a meta final do conhecimento védico — esta concentração no aspecto impes­
soal da Verdade Absoluta ou a concentração no aspecto pessoal? Afina! de contas,
tanto o aspecto pessoal quanto o impessoal do Senhor Supremo estão além de nossa
concepção material. O aspecto impessoal do Absoluto, a refulgência Brahman, são
apenas os raios do corpo pessoal de Krsna. Esses raios do corpo pessoal de Krsna
espalham-se por toda a criação do Senhor, e a parte da refulgência que é coberta
pela nuvem material chama-se. o cosmo criado, composto das três qualidades
materiais — sattva, rojas e tomas. Como podem as pessoas que estão dentro desta
porção nublada chamada mundo material conceber a Verdade Absoluta através do
método especulativo?
Ao responder à pergunta do rei Pariksit, Sukadeva GosvãmT afirmou que a Su­
prema Personalidade de Deus criou a mente, os sentidos e a força viva para o
objetivo do gozo dos sentidos na transmigração de um tipo de corpo para outro,
como também para o objetivo de permitir a libertação das condições materiais. Em
outras palavras, os sentidos, a mente e a força viva podem ser utilizados para o gozo
dos sentidos e a transmigração de um corpo a outro ou para o objetivo da liberação.
Os preceitos védicos existem apenas para dar às almas condicionadas a oportuni­
dade de gozo dos sentidos sob princípios regulativos, e desse modo também lhes dar
a oportunidade de promoção a condições superiores de vida; em última análise, se a
consciência é purificada, chega-se ã posição original e volta-se ao lar, de volta ao
Supremo.
A força viva é inteligente. Portanto, temos que utilizar a inteligência para domi­
nar a mente e os sentidos. Quando a mente e os sentidos se purificam através da
utiiização adequada da inteligência, então a alma condicionada se liberta; caso
contrário, se a inteligência não é devidamente utilizada para controlar os sentidos e
a mente, a alma condicionada continua a transmígrar de um tipo de corpo a outro
simplesmente em troca de gozo dos sentidos. Outro ponto claramente afirmado na
resposta de Sukadeva GosvãmT é que o Senhor criou a mente, os sentidos e a
inteligência para a forçdviva individual. Não é afirmado que as próprias entidades
Orações dos Vedas personificados 615

vivas foram criadas em algum momento. Assim como as partículas brilhantes dos
raios do sol sempre existem com o sol, as entidades vivas existem etemamente
como partes integrantes da Suprema Personalidade de Deus. As almas condiciona­
das, embora existam etemamente como panes do Senhor Supremo, às vezes são
postas dentro da nuvem dos conceitos materiais de vida, na escuridão da ignorância.
Todo o processo védico está nisso: aliviar essa condição escurecida. Em última
análise, quando os sentidos e a mente do ser condicionado se purificam totalmente,
ele então chega à posição original, chamada consciência de Krsna, e isto é liberação.
No Vedãnta-sütra, no primeiro sütra, ou código, questiona-se sobre a Verdade
Absoluta. Athãto brahma-jijnãsã: qual é a natureza da Verdade Absoluta? O sütra
seguinte responde que a natureza da Verdade Absoluta é que Ele é a origem de tudo.
Tudo o que experimentamos, mesmo nestas condições de vida material, é apenas
emanação dEle. A Verdade Absoluta criou a mente, os sentidos e a inteligência,
ísto significa que a Verdade Absoluta não é destituída de mente, inteligência e
sentidos. Em outras palavras, Ele não é impessoal. A própria palavra “criou”
significa que Ele tem inteligência transcendental. Por exemplo, quando um pai gera
um filho, o filho tem sentidos porque o pai também tem sentidos. O filho nasce com
mãos e pernas porque o pai também tem mãos e pernas. As vezes se diz que o
homem foi feito à imagem de Deus. A Verdade Absoluta é, portanto, a Personali­
dade de Deus, com mente, sentidos e inteligência transcendentais. Quando nossa
mente, inteligência e sentidos se purificam da contaminação material, podemos
compreender o aspecto original da Verdade Absoluta como uma pessoa.
O processo védico consiste em promover a alma condicionada gradualmente do
modo da ignorância para o modo da paixão e do modo da paixão para o modo da
bondade. No modo da bondade há luz suficiente para se compreender as coisas tais
como elas são. Por exemplo, a árvore nasce da terra, e da madeira da árvore
acende-se o fogo. Neste processo ignígero, primeiramente encontramos fumaça, a
fase seguinte é o calor e a seguinte, o fogo. Quando surge realmente o fogo,
podemos utilizá-lo para vários propósitos; portanto, o fogo é a meta final. Analoga­
mente, na fase material grosseira de vida a qualidade da ignorância é muitíssimo
proeminente. A dissipação desta ignorância ocorre no processo gradual de civili­
zação, desde a fase bárbara até a vida civilizada, e quando chegamos à forma de
vida civilizada, considera-se que estamos no modo da paixão. Na fase bárbara, ou
no modo da ignorância, os sentidos são satisfeitos de maneira muito crua, ao passo
que no modo da paixão, ou na vida civilizada, os sentidos são satisfeitos de maneira
polida. Mas, ‘quando somos promovidos ao modo da bondade, podemos compre­
ender que os sentidos e a mente estão ocupados em atividades materiais apenas
devido a estarem cobertos pela consciência pervertida. Quando esta consciência
pervertida transformar-se graduaimente em consciência de Krsna, então o caminho
da liberação estará aberto. De modo que não é verdade que uma pessoa não é capaz
616 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

de se aproximar da Verdade Absoluta através dos sentidos e da mente. A conclusão


é, antes, que os sentidos, a mente e a inteligência na fase grosseira de contaminação
não podem apreciar a natureza da Verdade Absoluta, mas, quando purificados, os
sentidos, a mente e a inteligência podem compreender o que é a Verdade Absoluta.
Este processo purificatório chama-se serviço devocional, ou consciência de Krsna.
No Bhagavad-gitã afírma-se claramente que o objetivo do conhecimento védico é
compreender Krsna, e Krsna é compreendido através do serviço devocional, co­
meçando com o processo de rendição. Como se afirma no Bhagavad-gitã, temos
que pensar sempre em Krsna, temos que prestar serviço amoroso a Krsna sempre e
sempre adorar a Krsna e prostrar-nos perante Ele. Apenas através deste processo é
que poderemos entrar no reino de Deus sem sombra de dúvida.
Quando alguém é iluminado no modo da bondade pelo processo do serviço
devocional, ele se livra dos modos da ignorância c da paixão. A palavra ãtmane
indica a fase de qualificação bramínica em que temos permissão paxa estudar os
textos védicos conhecidos como Upanisads, Os Upanisads descrevem de diferentes
maneiras as qualidades transcendentais do Senhor Supremo. A Verdade Absoluta, o
Senhor Supremo, chama-se nirguna. Isto não significa que Ele não tem qualidades.
Apenas porque Ele tem qualidades é que as entidades vivas condicionadas podem
ter qualidades. O objetivo de estudar os Upanisads é compreender a qualidade
transcendental da Verdade Absoluta, em oposição às qualidades materiais de igno­
rância, paixão e bondade. É assim que funciona a compreensão védica. Grandes
sábios como os quatro Kumãras, encabeçados por Sanaka, seguiram esses princí­
pios de conhecimento védico e passaram gradualmente da compreensão impessoal
para a plataforma de adoração pessoal ao Senhor Supremo. Recomenda-se, por­
tanto, que sigamos as grandes personalidades. Sukadeva Gosvãmí também é uma
das grandes personalidades, e sua resposta à indagação de Mahãrãja Paríksit é
autorizada. Aquele que segue os passos dessas grandes personalidades certamente
trilha com muita facilidade o caminho da liberação e finalmente volta ao lar, de
volta ao Supremo. Esta é a maneira de aperfeiçoar esta forma humana de vida.
Sukadeva Gosvãmí continuou a falar a Paríksit Mahãrãja. “Meu querido rei” ,
dissè ele, “narrar-te-ei uma bela história a este respeito. Esta história é importante
porque está relacionada com Nãrãyana, a Suprema Personalidade de Deus. Esta
narração é uma conversação entre Nãrãyana Rsi e o grande sábio Nãrada. Nãrãyana
Rsi ainda reside em Badaríkãsrama nas montanhas dos Himalaias e é aceito como
uma encarnação de Nãrãyana. Certa vez, quando Nãrada, o grande devoto e asceta
entre os semideuses, andava viajando por diferentes planetas, ele desejou encontrar-se
com o asceta Nãrãyana pessoalmente em Badaríkãsrama e oferecer-lhe respeitos. Este
grande sábio e encarnação de Deus, Nãrãyana Rsi, tem se submetido a grandes
penitências e austeridades desde o próprio começo da criação para ensinar aos habitan­
tes de Bharatavarsa a como atingir a mais elevada perfeição de poder voltar ao
Supremo. Suas austeridades e penitências são práticas exemplares para o ser humano.”
Orações dos Vedas personificados 617

Badarikãsrama encontra-se no extremo norte das montanhas dos Himalaías e esta


sempre coberta de neve. Ainda hoje em dia, os indianos religiosos vão visitar este
local durante o verão, quando a queda de neve não é tão severa. Certa vez, a
encarnação de Deus, Nãrãyana Rsi, estava sentada entre muitos devotos na aldeia
conhecida como Kalãpagrãma. Evidentemente, esses que estavam sentados com ele
não eram sábios comuns, e o grande sábio Nãrada também apareceu ali. Após
oferecer seus respeitos a Nãrãyana Rsi, Nãrada fez-lhe exatamente a mesma per­
gunta feita pelo rei Paríksit a Sukadeva Gosvãml. Quando Nãrada fez sua pergunta a
Nãrãyana Rsi, o Rsi também respondeu, seguindo os passos de seus predecessores.
Ele narrou uma história de como a mesma questão tinha sido discutida no planeta
conhecido como Janaloka, que está acima dos planetas Svargaloka, tais como a Lua
e Vênus. Neste planeta, vivem grandes sábios e santos, e eles também discutiram a
mesma questão relativa à compreensão de Brahman e Sua verdadeira identidade.
O grande sábio Nãrãyana começou a falar. “Meu querido Nãrada”, disse ele,
"vou te contar uma história que aconteceu há muito, muito tempo atrás. Cena vez
houve um grande encontro dos habitantes dos planetas celestiais, e quase todos os
brahmacãrís importantes, tais como os quatro Kumãras — Sanat, Sanandana,
Sanaka e Sanãtana Kumãra — paniciparam desse encontro. Eles conversaram sobre
a compreensão da Verdade Absoluta, Brahman. Tu não estavas presente nesse
encontro porque foste ver Minha expansão Aniruddha, que vive na ilha de Sveta-
dvipa. Neste encontro, todos os grandes sábios e brahmacãrís discutiram muito
demoradamente sobre a questão que levantaste perante mim, e foi muito interes­
sante. A discussão foi tão delicada que nem mesmo os Vedas foram capazes de
responder às complicadas perguntas levantadas.”
Nãrãyana Rsi disse a Nãradajl que a mesma pergunta feita por Nãradají tinha sido
levantada naquele encontro em Janaloka. Esta é a maneira de compreender através
do paramparã, ou sucessão discipular. Mahãrãja Paríksit foi enviado a Sukadeva
Gosvãmí, e Sukadeva Gosvãml reportou o assunto a Nãrada, o qual havia, da
mesma maneira, questionado Nãrãyana Rsi, que havia colocado a questão diante dc
autoridades ainda superiores no planeta de Janaloka, onde ela foi discutida entre os
grandes Kumãras — Sanat, Sanãtana, Sanaka Kumãra e Sanandana. Esses quatro
brahmacãrís, os Kumãras, são reconhecidos eruditos nos Vedas e sãstras. Seus
volumes ilimitados de conhecimento, fundamentados por austeridades e penitên­
cias, manifestam-se através de seu caráter ideal e sublime. Eles são amáveis e
generosos em comportamento, e para eles não há distinção entre amigos, benque-
rentes e inimigos. Estando situados transcendentalmente, personalidades tais como
os Kumãras estão acima de todas as considerações materiais e são sempre neutros
no que diz respeito às dualidades materiais. Nas discussões havidas entre os quatro
irmãos, um deles, a saber, Sanandana, foi escolhido para falar, e os outros irmãos
converteram-se na audiência para ouvi-lo.
618 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Sanandana disse: “Após a dissolução de toda a manifestação cósmica, toda a


energia e toda a criação em sua forma-núcleo entram no corpo de Garbhodakasãy!
Visnu. Nessa altura, o Senhor permanece adormecido por largo tempo, e quando
novamente surge uma necessidade de criação, os Vedas personificados reúnem-se
em volta do Senhor e começam a glorificá-lO, descrevendo Seus maravilhosos
passatempos transcendentais, exatamente como servos de um rei: quando o rei está
adormecido pela manhã, os recitadores nomeados rodeiam sua cama e começam a
cantar suas atividades cavalheirescas, e, enquanto ouve suas atividades gloriosas, o
rei gradualmente desperta.
“Os recitadores védicos, ou os Vedas personificados, cantam assim: ‘Ó incon-
quistável, Vós sois a Personalidade Suprema. Ninguém é igual a Vós ou maior que
Vós. Ninguém pode ser mais glorioso em suas atividades. Todas as glórias a Vós!
Todas as glórias a Vós! Por Vossa própria natureza transcendental, possuís plena­
mente todas as seis opulências. Como tal, sois capaz de salvar todas as almas
condicionadas das garras de mãyã. Ó Senhor, fervorosamente oramos para que, por
favor, o façais. Todas as entidades vivas, sendo Vossas partes integrantes, são
naturalmenie alegres, eternas e plenas de conhecimento, mas, devido a suas pró­
prias faltas, elas procuram imitar-Vos, tentando tomar-se o desfrutador supremo.
Assim elas desobedecem a Vossa supremacia e tomam-se ofensoras. E por causa de
suas ofensas, Vossa energia material encarrega-se delas. Deste modo, suas qualida­
des transcendentais de júbilo, bem-aventurança e sabedoria têm sido cobertas pelas
nuvens das três qualidades materiais. Esta manifestação cósmica, composta das três
qualidades materiais, é como um presídio para as almas condicionadas. As almas
condicionadas lutam mui arduamente para escapar do cativeiro material, e, de
acordo com suas diferentes condições de vida, têm recebido diferentes tipos de
ocupação. Mas, todas as ocupações baseiam-se em Vosso conhecimento. As ativi­
dades piedosas só podem ser executadas quando inspiradas por Vossa misericórdia.
Portanto, sem o abrigo de Vossos pés de lótus, não se pode superar a influência da
energia material. Na verdade, nós, como o conhecimento védico personificado,
estamos sempre ocupados em Vosso serviço para ajudar a alma condicionada a
compreender-Vos.
Esta oração dos Vedas personificados ilustra que os Vedas destinam-se a ajudaras
almas condicionadas a compreender Krsna. Todos os srutis, ou Vedas personifica­
dos, ofereceram glórias ao Senhor repetidamente, cantando, Jaya! Jaya!" Isto
indica que o Senhor é louvado por Suas glórias. De todas as Suas glórias, a mais
importante é Sua misericórdia sem causa para com as almas condicionadas ao
redimi-las das garras de mãyã.
Há números ilimitados de entidades vivas em diferentes variedades de corpos,
alguns móveis e outros imóveis em um lugar qualquer. A vida condicionada dessas
entidades vivas deve-se apenas a seu esquecimento de seu relacionamento eter­
no com a Suprema Personalidade de Deus. Quando a entidade viva resolve
Orações dos Vedas personificados 619

assenhorear-se da energia material, imitando a posição de Krsna, ela é imediata­


mente capturada pela energia material e, de acordo com seu desejo, são-lhe ofereci­
das 8.400.000 diferentes variedades de tipos de corpos. Embora se submeta às três
espécies de misérias da existência material, a entidade viva iludida julga-se falsa­
mente o senhor de tudo que observa. Sob o encanto da energia material, que
representa as três espécies de qualidades materiais, a entidade viva enreda-se tanto
que não é absolutamente capaz de libertar-se a menos que seja favorecida pelo
Senhor Supremo. A entidade viva não pode superar a influência dos modos mate­
riais da natureza por seu próprio esforço, mas, porque a natureza material funciona
sob o controle do Senhor Supremo, o Senhor está além de sua jurisdição. Exceto
Ele, todas as entidades vivas, começando de Brahmã até a formiga, deixam-se
dominar pelo contato da natureza material.
Porque o Senhor possui plenamente as seis opulências— riqueza, força, fama,
beleza, conhecimento e renúncia — é Ele somente quem está além do encanto da
natureza material. A menos que a entidade viva esteja situada em consciência de
Krsna, ela não pode se aproximar da Suprema Personalidade de Deus, contudo o
Senhor, através de Sua onipotência, pode orientá-la de dentro como a Superalma.
No Bhagavad-gltã, o Senhor aconselha: “Tudo que fizeres, faze para Mim; tudo que
comeres, oferece antes a Mim; toda caridade que quiseres dar, dá primeiramente a
Mim; e todas as austeridades e penitências que quiseres executar, executa-as para
Mim.” Dessa maneira, os karmls são orientados no sentido de gradualmente desen­
volverem consciência de Krsna. De forma semelhante, Krsna orienta os filósofos a
se aproximarem dEle gradualmente, discriminando entre Brahman e mõyã; por­
tanto, quando alguém afinal amadurece em conhecimento, ele se rende a Krsna.
Como Krsna diz no Bhagavad-gltã, “Após muitos e muitos nascimentos, o filósofo
sábio rende-se a Mim.” OsyogiT também são orientados a concentrar sua meditação
em Krsna dentro do coração, e, através de tal processo ininterrupto de consciência
de Krsna, oyogí pode livrar-se das garras da energia material. Mas, como se afirma
no Bhagavad-gltã, porque os devotos estão ocupados em serviço devocional com
amor e afeição desde o começo, o Senhor os orienta para que eles possam aproximar-
se dEle sem dificuldades ou desvios. Apenas pela graça do Senhor é que a entidade
viva pode compreender a posição exata de Brahman, Paramãtmã e Bhagavãn.
As afirmações dos Vedas personificados dão evidência clara de que a literatura
védica é apresentada apenas para se compreender Krsna. O Bhagavad-gltã confirma
que, através de todos os Vedas, é Krsna apenas que tem que ser compreendido.
Krsna está sempre desfrutando, quer no mundo material, quer no mundo espiritual;
por Ele ser o desfrutador supremo, para Ele não há distinção entre os mundos
material e espiritual. O mundo material é um obstáculo para as entidades vivas
comuns porque elas estão sob seu controle, mas Krsna, sendo o controlador do
mundo material, nada tem a ver com os obstáculos por ele oferecidos. Portanto, em
620 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

diferentes partes dos Upcinisads, os Vedas declaram: “Brahman é eterno, pleno de


todo conhecimento e de toda bem-aventurança, mas a Suprema Personalidade de
Deus única existe no coração de toda entidade viva.” Por causa de Sua onipenetrân-
eia, Ele é capaz de entrar não somente nos corações das entidades vivas, mas
também dentro dos átomos. Como a Superalma, Ele é o controlador de todas as
atividades das entidades vivas. Ele vive dentro de todas elas e testemunha suas
ações, permitindo-lhes agir de acordo com seus desejos e também dando-lhes os
resultados de suas diferentes atividades. Ele é a força viva de todas as coisas, mas é
transcendental às qualidades materiais. Ele é onipotente; é capaz de criar tudo, e,
por causa de Seu conhecimento natural e superior, Ele pode manter tudo e todos sob
Seu controle. Sendo assim, Ele é o senhor de todos. Às vezes Ele Se manifesta na
superfície do globo, mas está simultaneamente dentro de toda matéria. Desejando
expandir-Se em múltiplas formas, Ele lançou Seu olhar sobre a energia material, e
assim manifestaram-se inúmeras entidades vivas. Tudo é criado por Sua energia
superior, e tudo em Sua criação parece ser feito perfeitamente, sem deficiências.
Aqueles que aspiram a libertar-se deste mundo material devem, portanto, adorar
a Suprema Personalidade de Deus, a causa última de todas as causas. Ele é como a
massa total de argila, da qual se fabricam variedades de potes de terra: os potes são
feitos de argila, repousam sobre a terra mas, ao serem destruídos, seus elementos
fundem-se outra vez na terra. Embora a Personalidade de Deus seja a causa original
de todas as variedades de manifestação, os impersonalistas especiaimente enfatizam
a declaração védica survurh khalv idam brahma: “Tudo é Brahman.” Os impersona­
listas não levam em consideração as variedades de manifestações que emanam da
causa suprema de Brahman, Eles simplesmente consideram que tudo emana de
Brahman e, após a destruição, funde-se em Brahman, e que a fase intermediária de
manifestação também é Brahman. Mas, embora os Mãyãvãdls acreditem que, antes
de sua manifestação, o cosmo estava em Brahman, após a criação ele permanece em
Brahman, e após a destruição funde-se em Brahman, eles não sabem o que é
Brahman. Este fato é descrito claramente no Brahma-samhltã— as entidades vivas,
o espaço, o tempo e os elementos materiais como o fogo, a terra, o céu, a água e a
mente, constituem a manifestação cósmica total, conhecida como bhür bhuvah
svah, que é manifestada por Govinda. Ela floresce apoiando-se em Govinda e, após
a aniquilação, entra e é conservada em Govinda. O Senhor Brahma, portanto, diz:
“ Eu adoro o Senhor Govinda, a personalidade original, a causa de todas as causas.”
A palavra Brahman indica o maior de todos e o mantenedor de tudo. Os imperso­
nalistas são atraídos pela grandeza do céu, mas, por causa de seu pobre fundo de
conhecimento, eles não são atraídos pela grandeza de Krsna. Em nossa vida prática,
contudo, somos atraídos pela grandeza de uma pessoa, e não pela grandeza de uma
montanha elevada. Na verdade, o termo Brahman só pode ser aplicado a Krsna;
portanto, no Bhagavad-gitã Arjuna admitiu que o Senhor Krsna é o Param -
brahman, ou o descanso supremo de tudo.
Orações dos Vedas personificados 621

Krsna é o Brahman Supremo por causa de Seu conhecimento ilimitado, potências


ilimitadas, força ilimitada, influência ilimitada, beleza ilimitada e renúncia ilimi­
tada. Portanto, a palavra Brahman só pode ser aplicada a Krsna. Arjuna afirma que.
porque o Brahman impessoal é a refulgência que emana como raios do corpo
transcendental de Krsna, Krsna é o Parambrahman. Tudo repousa em Brahman,
mas o próprio Brahman repousa em Krsna. Portanto, Krsna é o Brahman último, ou
Parambrahman. Os elementos materiais são aceitos como energias inferiores de
Krsna porque, através de sua interação, a manifestação cósmica acontece, repousa
em Krsna e, após a dissolução, entra novamente no corpo de Krsna como Sua
energia sutil. Krsna é, portanto, a causa tanto da manifestação quanto da dissolução.
Sarvam khalv idam brahma significa que tudo é Krsna. Esta é a visão dos
mahã-bhãgavatas. Eles vêem tudo em relação com Krsna. Os impersonalistas argu­
mentam que Krsna Se transforma em muitos e que portanto tudo é Krsna e a
adoração a tudo é adoração a Ele, Este falso argumento é respondido por Krsna no
Bhagavad-gltã: embora tudo seja uma transformação da energia de Krsna, Ele não
está presente em toda a parte. Ele está simultaneamente presente e não presente.
Através de Sua energia, Ele está presente em toda a parte, mas, como o energético,
Ele não está presente em toda a parte. Esta simultânea presença e não-presença é
inconcebível para nossos sentidos atuais. Mas uma explicação clara é dada no
começo do Isopanísad, em que se afirma que o Senhor Supremo é tão completo que,
embora ilimitadas energias e suas transformações emanem de Krsna, a personalidade
de Krsna não é de modo algum transformada. Portanto, já que Krsna é a causa de
todas as causas, as pessoas inteligentes devem refugiar-se a Seus pés de lótus.
Krsna aconselha todos a se renderem unicamente a Ele, e assim funciona a
instrução védica. Um vez que Krsna é a causa de todas as causas, Ele é adorado por
todos os tipos de sábios e santos através da observância dos princípios reguiativos.
Quando a meditação se faz necessária, grandes personalidades meditam na forma
transcendental de Krsna dentro do coração. Dessa maneira, as mentes de grandes
personalidades estão sempre absortas em Krsna. Com as mentes absortas em Krsna.
naturalmente os devotos cativados simplesmente falam de Krsna.
Falar de Krsna ou cantar sobre Krsna chama-se klrtana. O Senhor Caitanya
também recomenda kirianiyah sadã harih, que significa sempre pensar e falar de
Krsna, e nada mais. Isto chama-se consciência de Krsna. A consciência de Krsna é
tão sublime que qualquer pessoa que adote este processo é elevada à perfeição
máxima da vida — muito, muito além do conceito de liberação. No Bhugavad-gtiã,
portanto, Krsna aconselha a todos a sempre pensarem nEIe, prestar-Lhe serviço
devocional, adorá-IO e oferecer-Lhe reverências. Dessa maneira, um devoto toma-
se inteiramente Krsna-izado e, estando sempre situado em consciência de Krsna.
finalmente volta a Krsna.
Embora os Vedas recomendem a adoração a diferentes semideuses como diferentes
partes integrantes de Krsna, deve-se compreender que tais instruções destinam-se a
homens menos inteligentes que ainda estão atraídos pelo gozo material dos sentidos.
Mas a pessoa que quer realmente o cumprimento perfeito da missão da vida humana
622 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

deve simplesmente adorar o Senhor Krsna, e isto simplificará tudo e garantirá


completamente o sucesso de sua vida humana. Embora o céu, a água e a terra sejam
todos parte do mundo material, quando alguém está em terra firme sua posição é
mais segura do que quando ele se encontra no céu ou na água. Uma pessoa inteli­
gente, portanto, não se coloca sob a proteção de diferentes semideuses, embora eles
sejam partes integrantes de Krsna. Pelo contrário, ela fica na terra firme da cons­
ciência de Krsna. Isto faz com que sua posição se tome incólume e segura.
Os impersonaiistas às vezes dão o exemplo de que se alguém se encontra sobre
uma pedra ou um pedaço de madeira ele certamente se encontra sobre a superfície
da terra porque tanto a pedra quanto a madeira repousam sobre a superfície da
terra. Mas pode-se replicar que se alguém se encontra diretamente na superfície da
terra ele está mais seguro do que sobre a madeira ou a pedra que repousam sobre a
terra. Em outras palavras, refugiar-se no Paramãtmã ou refugiar-se no Brahman
impessoal não é uma medida tão segura como refugiar-se diretamente em Krsna, em
consciência de Krsna. A posição dos jíiõnís e yogls não é, portanto, tão segura como
a posição dos devotos de Krsna. O Senhor Krsna adverte, portanto, no Bhagavad-gltã
que apenas uma pessoa que tenha perdido o juízo adota a adoração a semideuses. E no
que se refere a pessoas apegadas ao Brahman impessoal, o Srimad-Bhãguvatam diz:
“Meu querido Senhor, aqueles que se julgam liberados através da especulação
mental ainda não se purificaram da contaminação da natureza material por causa de
sua incapacidade de buscar abrigo aos Vossos pés de lótus. Embora se elevem à
situação transcendental de existência no Brahman impessoal, eles certamente caem
dessa posição elevada por negligenciarem desejar Vossos pés de lótus.” Por isso o
Senhor Krsna adverte que os adoradores dos semideuses não são pessoas muito
inteligentes porque obtêm apenas resultados temporários e exauríveis. Seus esfor­
ços são esforços de homens menos inteligentes. Mas o Senhor garante que Seu
devoto não tem medo de cair.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, considerando todos os
pontos de vista, já que se tem de adorar alguém superior a si mesmo, então, apenas
por questão de bom comportamento, é mister aferrar-se à adoração a Vossos pés de
lótus porque sois o controlador úitimo da criação, manutenção e dissolução. Sois o
controlador dos três mundos, Bhiir, Bhuvar e Svar, sois o controlador dos catorze
mundos superiores e inferiores, e sois o controlador das três qualidades materiais.
Semideuses e pessoas avançadas em conhecimento espiritual sempre ouvem e can­
tam sobre Vossos passatempos transcendentais porque este processo tem a potência
específica para anular os resultados acumulados em vidas pecaminosas. As pessoas
inteligentes realmente mergulham no oceano de Vossas atividades nectáreas e ou­
vem falar delas com muita paciência. Assim, elas imediatamente se libertam da
contaminação das qualidades materiais; elas não precisam submeter-se a penitências
e austeridades severas para avançar na vida espiritual. Este cantar e ouvir de Vossos
passatempos transcendentais é o processo mais fácil para a auto-realização. Sim­
plesmente através da recepção auditiva submissa da mensagem transcendental,
Orações dos Vedas personificados 623

nosso coração purificar-se-á de todas as coisas sujas. Assim, a consciência de Krsna


fixar-se-á no coração de cada devoto.
“A grande autoridade Bhismadeva também garante que este processo de cantar e
ouvir sobre a Suprema Personalidade de Deus é a essência de todas as execuções
ritualísticas védicas. Querido Senhor, o devoto que quiser elevar-se simplesmente
•através deste processo de atividades devocionais, especialmente por ouvir e cantar,
muito breve escapará das garras das dualidades da existência material. Através
deste simples processo de penitência e austeridade, a Superalma dentro do coração
do devoto fica muito satisfeita e dá ao devoto orientações para ele poder voltar ao
lar, voltar ao Supremo. No Bhagavad-gítã afirma-se que aquele que aplicar todas as
suas atividades e sentidos no serviço devocional ao Senhor tomar-se-á completa­
mente pacífico porque a Superalma estará satisfeita com ele; assim o devoto tomar-
se-á transcendental a todas as dualidades, tais como calor e frio, honra e desonra.
Livrando-se de todas as dualidades, ele sentirá bem-aventurança transcendental, e
não terá as preocupações e ansiedades devidas à existência material. O Bhagavad-
gítã confirma que o devoto sempre absorto em consciência de Krsna não tem
ansiedades para sua manutenção ou proteção. Estando constantemente absorto em
consciência de Krsna, ele finalmente atinge a perfeição máxima. Enquanto dentro
da existência material, ele vive muito pacífica e bem-aventuradamente, sem preocu­
pações e ansiedades, e, após abandonar este corpo, volta ao lar, volta ao Supremo.
O Senhor confirma no Bhagavad-gítã, ‘Minha morada suprema é um lugar trans­
cendental do qual, tendo-se ido até lá, nunca se retoma a este mundo material.
Qualquer pessoa que alcance a perfeição suprema, estando ocupada em Meu serviço
devocional pessoal, atingirá a perfeição máxima da vida humana na morada eterna,
e não terá de voltarao miserável mundo material.’
“Meu querido Senhor, é imprescindível que as entidades vivas se ocupem em
consciência de Krsna, sempre prestando serviço devocional através dos métodos
prescritos, tais como ouvir, cantar e executar Vossas ordens. Se uma pessoa não
estiver ocupada em consciência de Krsna e serviço devocional, será inútil ela
manifestar os sintomas de vida. Geralmente, se uma pessoa respira, aceita-se que
eia está viva. Mas uma pessoa sem consciência de Krsna pode ser comparada a um
fole na loja de um ferreiro. O grande fole é uma bolsa de pele que exala e inala ar, e
um ser humano que simplesmente vive dentro da bolsa de pele e ossos sem adotar a
consciência de Krsna e o serviço devocional amoroso não é melhor que o fole. De
forma semelhante, a longa duração de vida de um não-devoto é comparada à longa
existência de uma árvore, sua capacidade voraz de comer é comparada ao comer de
cães e porcos e seu desfrute sexual é comparado ao dos porcos e das cabras.
“A manifestação cósmica toma-se possível por causa da entrada da Suprema
Personalidade de Deus como Mahã-Visnu dentro deste mundo material. A energia
material total é agitada pelo olhar de Mahã-Visnu, e somente então começa a
interação das três qualidades materiais. Portanto, deve-se concluir que quaisquer
624 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

facilidades materiais de que estejamos tentando desfrutar são disponíveis apenas


devido à misericórdia da Suprema Personalidade de Deus.
“Dentro do corpo há cinco diferentes departamentos de existência, conhecidos
como annamaya, prãnamaya, manomaya, vijnãnamaya e, por fim, ãnandamaya.
No princípio da vida, toda entidade viva é consciente de comida. Uma criança ou
um animal só se satisfazem quando obtêm boa comida. Esta fase de consciência, em
que a meta é comer suntuosamente, chama-se annamaya. Anna significa “alimen­
to.” Depois disso, vive-se na consciência de estar vivo. Nesta fase, o fato de poder
continuar vivendo sem ser molestado ou destruído é conceito de felicidade. Esta
fase chama-se prãnamaya, ou consciência da própria existência. Após este estágio,
quando nos situamos na plataforma mental, nossa consciência passa a se chamar
manomaya. A civilização materialista situa-se basicamente nessas três fases, anna­
maya, prãnamaya e manomaya. A primeira preocupação das pessoas civilizadas é o
desenvolvimento econômico, a preocupação seguinte é a defesa contra a aniqui-
lação, e a consciência seguinte é a especulação mental, a abordagem filosófica dos
valores da vida.
“Se, através do processo evolucionário de vida filosófica, acontece de alguém
atingir a plataforma de vida Intelectual e compreender que não é este corpo material
mas sim alma espiritual, então, através da evolução na vida espiritual, ele chega a
compreender o Senhor Supremo, ou a Alma Suprema. Quando alguém desenvolve
seu relacionamento com Ele e executa serviço devocional, esta fase de vida chama-
se consciência de Krsna, a fase ãnandamaya. Ãnandamaya é a vida bem-aventurada
de conhecimento e eternidade. Como se diz no Vedãnta-sütra, ãnandamayo 'bhyãsãr.
O Brahman Supremo e o Brahman subordinado, ou a Suprema Personalidade de
Deus e as entidades vivas, são ambos alegres por natureza. Enquanto as entidades
vivas estão situadas nas quatro fases inferiores de vida, annamaya, prãnamaya,
manomaya e vijnãnamaya. considera-se que elas estão na condição material de
vida, mas logo que alguém atinge a fase de ãnandamaya ele é uma alma liberada. O
Bhagavad-gitã explica que esta fase ãnandamaya é a fase brahma-bhãta. Ali se diz
que na fase brahma-bhãta da vida não há ansiedade nem aspirações. Esta fase
começa quando estamos igualmente dispostos para com todas as entidades vivas, e
depois ela se expande até o estágio de consciência de Krsna em que sempre se
anseia por prestar serviço à Suprema Personalidade de Deus. Esta aspiração pelo
avanço em serviço devocional não é como a aspiração pelo gozo dos sentidos na
existência material. Em outras palavras, a aspiração permanece na vida espiritual,
mas se purifica. Quando nossos sentidos se purificam, eles se livram de todos os
estágios materiais, a saber, annamaya. prãnamaya, manomaya e vijnãnamaya. e
situam-se no estágio mais elevado—'ãnandamaya, ou vida bem-aventurada em
consciência de Krsna. Os filósofos Mãyãvãdis consideram que ãnandamaya é o
estado de fusão no Supremo. Para eles, ãnandamaya significa que a Superalma e a
alma individual tomam-se unos. Mas o fato mesmo é que unidade não significa
Orações dos Vedas personificados 625

fundir-se no Supremo e perder a própria existência individual. Fundir-se na existên­


cia espiritual é a compreensão que a entidade viva tem da unidade qualitativa com o
Senhor Supremo em Seus aspectos de eternidade e conhecimento. Mas, o verda­
deiro estágio ãnandamaya (bem-aventurado) é atingido quando nos ocupamos em
serviço devocional. Isto é confirmado no Bhagavad-gitã. Mad-bhaktlrh labhate
parãm: a fase brahma-bhüta ãnandamaya só é completa quando há um intercâmbio
de amor entre o Supremo e as entidades vivas subordinadas. A menos que chegue­
mos a esta fase ãnandamaya, nossa respiração é como a respiração de um fole na
loja de um ferreiro, nossa duração de vida é como a de uma árvore e não passamos de
animais inferiores como os camelos, porcos e cães.”
Indubitavelmente, a entidade viva eterna não pode ser aniquilada em momento
algum. Mas as espécies inferiores de vida existem em condições miseráveis, ao
passo que aquele que se ocupa no serviço devocional ao Senhor Supremo situa-se no
status prazeroso ou ãnandamaya da vida. As diferentes fases descritas acima estão
todas relacionadas com a Suprema Personalidade de Deus. Embora em todas as
circunstâncias existam tanto a Suprema Personalidade de Deus quanto as entidades
vivas, a diferença é que a Suprema Personalidade de Deus sempre existe no estado
de ãnandamaya, ao passo que as entidades vivas subordinadas, por causa de sua
posição diminuta como porções fragmentárias do Senhor Supremo, estão propensas
a cair em outros estágios de vida. Embora em todos os estágios existam tanto o
Senhor Supremo quanto as entidades vivas, a Suprema Personalidade de Deus é
sempre transcendental a nosso conceito de vida, quer estejamos em cativeiro, quer
em liberação. Toda a manifestação cósmica toma-se possível pela graça do Senhor
Supremo, existe pela graça do Senhor Supremo e, quando aniquilada, funde-se na
existência do Senhor Supremo. Sendo assim, o Senhor Supremo é a existência
suprema, a causa de todas as causas. Portanto, a conclusão é que, sem desenvolvi­
mento de consciência de Krsna, nossa vida é simplesmente uma perda de tempo.
Para aqueles que são muito materialistas e não podem entender a situação do
mundo espiritual, a morada de Krsna, grandes sábios recomendam o processo
ióguico através do qual a pessoa gradual mente se eleva da meditação no abdômen,
que se chama meditação mãlãdhãra ou manipüraka. Mülãdhãra ou manipüraka são
termos técnicos que se referem aos intestinos dentro do abdômen. As pessoas
grosseiramente materialistas acham que o desenvolvimento econômico é de impor­
tância primordial porque elas têm a impressão de que a entidade viva existe apenas
porque come. Essas pessoas grosseiramente materialistas se esquecem de que,
embora possamos comer tanto quanto queiramos, se o alimento não é digerido ele
produz incômodos de indigestão e de acidez. Portanto, comer não é em si a causa da
energia vital da vida. Para digerir os comestíveis, temos que nos refugiarem outra
energia, superior, que é mencionada no Bhagavad-gltã como vaisvãnara. O Senhor
Krsna diz no Bhagavad-gitã que Ele ajuda na digestão sob a forma de vaisvãnara. A
Suprema Personalidade de Deus é onipenetrante; portanto, Sua presença como
vaisvãnara não é extraordinária.
626 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Na verdade, Krsna está presente em toda a parte. O Vaisnava, portanto, marca


seu corpo com templos de Visnu: primeiramente ele marca uma tilaka-templo no
abdômen, depois no peito, depois entre as clavículas, depois na testa, e gradual­
mente ele marca a parte de cima da cabeça, o brahma-randhra. Os treze templos de
tilaka marcados no corpo do Vaisnava são conhecidos como se segue: na testa está o
templo do Senhor Kesava, no estômago está o templo do Senhor Nãrãyana, no peito
está o templo do Senhor Mãdhava, e na garganta, entre as duas clavículas, está o
templo do Senhor Govinda. No lado direito da cintura está o templo do Senhor
Visnu, no braço direito, o templo do Senhor Madhusüdana, e no lado direito da
clavícula o templo do Senhor Trivikrama. Da mesma.forma, no lado esquerdo da
cintura está o templo do Senhor Vãmanadeva, no braço esquerdo o templo de
Sridhara, no lado esquerdo da clavícula o templo de Hrslkesa, na parte superior das
costas o templo chamado Padmanãbha, e na parte inferior das costas o templo
chamado Dãmodara. Em cima da cabeça está o templo chamado Vãsudeva. Este é o
processo de meditação sobre a situação do Senhor nas diferentes partes do corpo,
mas, para aqueles que não são Vaisnavas, os grandes sábios recomendam a medi­
tação no conceito corpóreo da vida— meditação nos intestinos, no coração, na
garganta, nas sobrancelhas, na testa e depois no topo da cabeça. Alguns dos sábios na
sucessão discipular do grande santo Aruna meditam no coração porque a Superalma
fica dentro do coração juntamente com a entidade viva. Isto é confirmado no
Bhagavad-gítã, Décimo-quinto Capítulo, onde o Senhor afirma: “Eu estou situado
no coração de todos.”
Para o Vaisnava, a proteção do corpo para o serviço ao Senhor faz parte do
serviço devocional, mas aqueles que são materialistas grosseiros aceitam o corpo
como sendo o eu. Eles adoram o corpo através do processo ióguico da meditação
nas diferentes partes do corpo, tais como manipüraka, dahara e hrdaya, elevando-
se gradualmente ao brahma-randhra no topo da cabeça. O yogl de primeira ciasse
que alcança a perfeição na prática do sistema de yoga fmalmente passa através do
brahma-randhra a qualquer um dos planetas, quer no mundo material, quer no
mundo espiritual. No Segundo Canto do Srlmad-Bhãgavaiam, descreve-se vivida-
mente como um yogl pode se transferir a outro planeta.
A este respeito, Sukadeva Gosvãmí recomenda que os principiantes adorem a
virãt-purusa, a gigantesca forma universal do Senhor. Alguém que não é capaz de
acreditar que o Senhor pode ser adorado com igual sucesso sob a forma de Deidade,
ou arcã, ou que não consegue concentrar-se nesta forma, é aconselhado a adorar a
forma universal do Senhor. A parte inferior do universo é considerada os pés e
pernas da forma universal do Senhor, a parte intermediária do universo é conside­
rada o umbigo ou abdômen do Senhor, os sistemas planetários superiores tais como
Janaloka e Maharloka são o coração do Senhor, e o sistema planetário mais elevado,
Brahmaloka, é considerado o topo da cabeça do Senhor. Há diferentes processos
recomendados por grandes sábios de acordo com a posição do adorador, mas a meta
final de todos os processos meditacionais e ióguicos é voltar ao lar, voltar ao
Orações dos Vedas personificados 627
Supremo. Como se afirma no Bhagavad-gitã, qualquer pessoa que atinja o planeta
mais elevado, a morada de Krsna, ou mesmo os planetas Vaikuntha, nunca terá que
descer novamente a esta miserável condição material de vida.
A recomendação védíca, portanto, é que façamos dos pés de lótus de Visnu a
meta de todos os nossos esforços. Tad visnoh paramam padam: Visnuloka, ou os
planetas de Visnu, estão situados acima de todos os planetas materiais. Esses
planetas Vaikuntha são conhecidos como sanãtana-dhãmu, e são eternos. Nunca
são aniquilados, nem mesmo pela aniquilação deste mundo material. A conclusão é
que se um ser humano não cumpre a missão de sua vida, adorando o Senhor
Supremo, e não volta ao Supremo, deve-se entender que ele ficou frustrado na
satisfação do objetivo principal da vida humana.
A próxima oração dos Vedas personificados ao Senhor refere-se a Sua entrada em
diferentes espécies de vida. No Décimo-quarto Capítulo do Bhagavad-gitã se
afirma que a parte integrante espiritual do Senhor Supremo está presente em toda
espécie e forma de vida. O próprio Senhor afirma no Gitã que Ele é o pai que dá a
semente de todas as formas e espécies, que, portanto, devem ser consideradas todas
filhos do Senhor. A entrada do Senhor Supremo no coração de todos como Para-
mãtmã às vezes confunde os impersonalistas, que pensam em termos da igualdade
das entidades vivas com o Senhor Supremo. Eles acham que porque o Senhor
Supremo entra em diferentes corpos juntamente com a alma individual, não há
distinção entre o Senhor e as entidades individuais. Seu desafio é: “Por que deve­
ríam as almas individuais adorar o Paramãtmã, ou Superalma?” Segundo eles, tanto
a Superalma quanto a alma individual estão no mesmo nível; elas são iguais, não
havendo diferença alguma entre elas. Há uma diferença, contudo, entre a Supe­
ralma e a alma individual, e isto é explicado no Bhagavad-gitã, Décimo-quinto
Capítulo, onde o Senhor diz que embora esteja situado no mesmo corpo com a
entidade viva, Ele é superior. Ele orienta de dentro ou dá inteligência à alma
individual. O Gitã afirma claramente que o Senhor dá inteligência à alma individual
e que tanto a memória quanto o esquecimento devem-se à influência da Superalma.
Ninguém pode agir independentemente da sanção da Superalma. Portanto, a alma
individual age de acordo com seu karma passado, lembrado pelo Senhor. A natu­
reza da alma individual é o esquecimento, mas a presença do Senhor dentro do
coração a faz lembrar-se do que ela queria em sua vida passada. A inteligência da
alma individual manifesta-se como fogo na madeira. Embora o fogo seja sempre o
fogo, ele se manifesta em tamanho proporcional ao tamanho da madeira. Analoga­
mente, embora a alma individual seja qualitativamente igual ao Senhor Supremo,
ela se manifesta de acordo com as limitações de seu corpo atual.
Diz-se que o Senhor Supremo, ou a Superalma, é eka-rasa. Eka significa “um”, e
rasa significa “doçura.” A posição transcendental do Senhor Supremo é de eterni­
dade, bem-aventurança e conhecimento pleno. Sua posição de eka-rasa não se
altera de forma alguma quando Ele Se toma testemunha e conselheiro para a alma
individual em cada corpo individual.
628 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Mas, a alma individual, desde o Senhor Brahmã até a formiga, manifesta sua
potência espiritual de acordo com seu corpo atual. Os semideuses estão na mesma
categoria que as almas individuais nos corpos de seres humanos ou nos corpos de
animais inferiores. Pessoas inteligentes, portanto, não adoram diferentes semideu­
ses, que são simplesmente representantes infinitesimais de Krsna manifestos em
corpos condicionados. A alma individual pode manifestar seu poder apenas em
proporção com a configuração e constituição do corpo. A Suprema Personalidade
de Deus, contudo, pode manifestar Suas potências completas em qualquer configu­
ração ou forma sem nenhuma alteração. A tese dos filósofos MãyãvãdTs de que Deus
e a alma individual são a mesma coisa não pode ser aceita porque a alma individual
tem que desenvolver seu poder de acordo com o desenvolvimento de diferentes
tipos de corpos. A alma individual no corpo de um bebê não pode mostrar o poder
pleno de um adulto, mas a Suprema Personalidade de Deus, Krsna, mesmo quando
esteve deitado no colo de Sua mãe como bebê, pôde manifestar toda a Sua potência
matando Putanã e outros demônios que tentaram atacá-10. Assim, se diz que a
potência espiritual da Suprema Personalidade de Deus é eka-rasa, ou sem alteração.
Portanto, a Suprema Personalidade de Deus é o único objeto adorável, e isto é de
perfeito conhecimento das pessoas que não são contaminadas pela força da natureza
material. Em outras palavras, somente as almas liberadas podem adorar a Suprema
Personalidade de Deus. Os Mãyãvãdis menos inteligentes adotam a adoração aos
semideuses, achando que os semideuses e a Suprema Personalidade de Deus estão
no mesmo nível.
Os Vedas personificados continuaram a oferecer suas reverências. “Querido
Senhor,” rezaram eles, “após muitos e muitos nascimentos, aqueles que real­
mente se tomam sábios adotam a adoração a Vossos pés de lótus com conhecimento
com pleto.” Isto também é confirmado no Bhagavad-gltã, onde o Senhor diz que
após muitos e muitos nascimentos, uma grande alma, ou mahãtmã, rende-se ao
Senhor, sabendo bem que Vãsudeva, Krsna. é a causa de todas as causas. Os Vedas
continuaram: “Como já se explicou, uma vez que a mente, a inteligência e os
sentidos nos foram dados por Deus, quando esses instrumentos são realmente puri­
ficados não há alternativa além de ocupá-los todos em serviço devocional ao
Senhor. O enredamemo da entidade viva em diferentes espécies de vida deve-se à
má aplicação de sua mente, inteligência e sentidos em atividades materiais. Vários
tipos de corpos são conferidos como resultado das ações da entidade viva, e são
criados pela natureza material segundo o desejo da entidade viva. Porque a entidade
viva deseja e merece um tipo particular de corpo, ele lhe é dado pela natureza
material sob a ordem do Senhor Supremo.
No Terceiro Canto do Srímad-Bhãgavatam se explica que, sob o controle de
autoridade superior, a entidade viva é posta dentro do sêmen de um macho e
injetada no ventre de uma fêmea particular a fim de desenvolver um tipo de corpo
particular. A entidade viva utiliza seus sentidos, inteligência, mente e assim por
Orações dos Vedas personificados 629

diante de maneira específica segundo sua própria escolha e assim desenvolve um


tipo particular de corpo dentro do qual fica encarcerada. Dessa maneira, a entidade
viva situa-se em diferentes espécies de vida, seja em corpo de semideus, corpo
humano ou animal, segundo diferentes situações e circunstâncias.
Refere-se nas literaturas védicas que as entidades vivas enredadas em diferentes
espécies de vida são partes integrantes do Senhor Supremo. Os filósofos Mãyãvãdís
confundem a entidade viva com o Paramãtmã, que na verdade está sentado com a
entidade viva como um amigo. Porque o Paramãtmã (o aspecto localizado da Su­
prema Personalidade de Deus) e a entidade viva individual estão ambos dentro do
corpo, às vezes ocorre o mal entendido de que não há diferença entre os dois. Mas
há uma diferença definida entre a alma individual e a Superalma, e isto é referido no
Varãha Purãna como se segue. O Senhor Supremo tem dois tipos de panes inte­
grantes: a entidade viva chama-se vibhinnãmsa, e o Paramãtmã, ou a expansão
plenária do Senhor Supremo, chama-se svãmsa. A expansão plenária svãmsa da
Suprema Personalidade de Deus é tão poderosa como a própria Suprema Personali­
dade de Deus. Não há a menor diferença entre a potência da Pessoa Suprema e a de
Sua expansão plenária como Paramãtmã. Porém, as partes integrantes vibhinnãmsa
possuem apenas uma porção diminuta das potências do Senhor. O Nãrãyuna-
pancarãtra declara que as entidades vivas que constituem a potência marginal do
Senhor Supremo são, sem dúvida, da mesma qualidade de existência espiritual que
o próprio Senhor, mas elas estão propensas a serem manchadas pelas qualidades
materiais. Porque a entidade viva diminuta está propensa a se sujeitar à influência
das qualidades materiais, ela é chamada jiva, e às vezes a Suprema Personalidade
de Deus também é conhecida como Síva, o totalmente auspicioso. De modo que a
diferença entre Síva e jiva é que a Personalidade de Deus todo-auspíciosa nunca é
afetada pelas qualidades materiais, ao passo que as porções diminutas da Suprema
Personalidade de Deus estão propensas a serem afetadas pelas qualidades da natu­
reza material.
A Superalma dentro do corpo de'uma entidade viva particular, embora seja uma
porção plenária do Senhor, é adorável pela entidade viva individual. Grandes sábios
concluem, portanto, que o processo de meditação é indicado para que a entidade
viva individual possa concentrar sua atenção nos pés de lótus da forma da Supe­
ralma (Visnu). Esta é a verdadeira forma do samãdhi. A entidade viva não pode
libertar-se do enredamento material por seu próprio esforço. Ela deve, portanto,
adotar o serviço devocional aos pés de lótus do Senhor Supremo, ou a Superalma
dentro de si mesma. Srídhara Svãmi, o grande comentador do Êrimad-Bhãgavaiam,
compôs um belo verso a este respeito, cujo significado é o seguinte: “Meu querido
Senhor, sou etemamente uma parte de Vós, mas tenho estado enredado pelas
potências materiais, que também emanam de Vós. Sendo a causa de todas as
causas. Vós entrais em meu corpo como a Superalma, e eu tenho a prerrogativa de
desfrutar da suprema vida bem-aventurada de conhecimento juntamente convosco.
630 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Portanto, meu querido Senhor, por favor, ordenai que eu Vos preste serviço amo­
roso para que eu possa novamente ser alçado a minha posição original de bem-
aventurança transcendental.”
Grandes personalidades compreendem que a entidade viva, enredada neste
mundo material, não pode se libertar através de seus próprios esforços. Com firme fé
e devoção, essas grandes personalidades ocupam-se em prestar transcendental ser­
viço amoroso ao Senhor. Este é o veredito dos Vedas personificados.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, é muito difícil alcançar
conhecimento perfeito da Verdade Absoluta. Vossa Onipotência é tão bondoso para
com as almas caídas que aparece em diferentes encarnações e executa diferentes
atividades. Vós apareceis inclusive como uma personalidade histórica deste mundo
material, e Vossos passatempos são muito bem descritos nas literaturas védicas.
Tais passatempos são tão atrativos como um oceano de bem-aventurança transcen­
dental. As pessoas em geral têm uma inclinação natural a ler narrações em que jívas
ordinárias são glorificadas, mas quando ficam cativadas pelas literaturas védicas
que delineiam Vossos passatempos eternos, elas realmente mergulham no oceano
de bem-aventurança transcendental. Assim como um homem fatigado sente alívio
ao mergulhar numa piscina dágua, da mesma forma a alma condicionada que está
muito desgostosa com as atividades materiais alivia-se e se esquece de toda a fadiga
das atividades materiais simplesmente por mergulhar no oceano transcendental de
Vossos passatempos. E eventualmente ela imerge no oceano de bem-aventurança
transcendental. Os inteligentíssimos devotos, portanto, não adotam nenhum meio
de auto-realização exceto o serviço devocional e a ocupação constante num dos
nove diferentes processos dc vida devocional, especialmente ouvir e cantar.
Quando ouvem e cantam sobre Vossos passatempos transcendentais, Vossos devo­
tos não ügam nem mesmo para a bem-aventurança transcendental obtida pela libe­
ração ou pela fusão na existência do Supremo. Tais devotos não se interessam nem
mesmo pela assim chamada liberação, e certamente não têm interesse em atividades
materiais para elevação a planetas celestiais em troca de gozo dos sentidos. Os
devotos puros buscam apenas a companhia de paramahamsas, ou grandes devotos
liberados, para que possam continuamente ouvir e cantar sobre Vossas glórias. Com
este objetivo, os devotos puros estão dispostos a sacrificar todos os confortos da
vida, inclusive a abandonar os confortos materiais, da vida familiar e dos chamados
sociedade, amizade e amor. Aqueles, que provaram o néctar da devoção, saboreando
a vibração transcendental de cantar Vossas glórias, Hare Krsna, Hare Krsna, Krsna
Krsna, Hare Hare/ Hare Rãma, Hare Rãma, Rãma Rama, Hare Hare, não ligam
para nenhuma outra bem-aventurança espiritual ou para confortos materiais, que o
devoto puro considera menos importantes que a palha na rua.”
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, quando uma pessoa é
capaz de purificar sua mente, sentidos e inteligência ocupando-se em serviço devo­
cional em consciência de Krsna plena, sua mente toma-se sua amiga. Caso contrário,
Orações dos Vedas personificados 631

sua mente é sempre sua inimiga. Quando a mente se ocupa no serviço devocional ao
Senhor, ela se toma amiga íntima da entidade viva porque a mente pode, então,
pensar sempre no Senhor Supremo. Vossa Onipotência é etemamente querido para
a entidade viva, de modo que, quando a mente se dedica a pensarem Vós, imediata-
mente sentimos a grande satisfação pela qual temos ansiado vida após vida. Quando
nossa mente se fixa assim nos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus, não
adotamos nenhum tipo de adoração inferior ou processo inferior de auto-reaüzação.
Por tentar adorar um semídeus ou por adotar qualquer outro processo de auto-
realização, a entidade viva toma-se vítima do ciclo de nascimentos e mortes, e
ninguém pode avaliar o quanto a entidade vtva se degrada, entrando nas espécies t
abomináveis de vida, tais como de gatos e cães.”
Sri Narottama dãsa Thãkura canta que as pessoas que não adotam o serviço
devocional ao Senhor mas são atraídas pelo processo de especulação filosófica e
atividades fruitivas bebem os resultados venenosos de tais ações. Tais pessoas são
forçadas a nascer em diferentes espécies de vida e são forçadas a adotar práticas
nocivas como comer de carne e intoxicar-se. De um modo geral, as pessoas materia­
listas adoram o corpo material transitório e se esquecem do bem-estar da alma
espiritual dentro do corpo. Algumas se refugiam na ciência materialista para melho­
rar os confortos corpóreos, e .outras adotam a adoração .a semideuses para serem
promovidas aos planetas celestiais. Sua meta na vida é dar conforto ao corpo
material enquanto se esquecem do interesse da alma espiritual. Tais pessoas são
descritas na literatura védica na categoria de suicidas porque o apego ao corpo
material e a seus confortos força a entidade viva a vaguear na cadeia de nascimentos
e mortes perpetuamente e sofrer as misérias materiais como uma coisa natural. A
forma humana de vida é uma oportunidade para compreendermos nossa posição.
Portanto, a pessoa mais inteligente adota o serviço devocional para ocupar sua
mente, sentidos e corpo no serviço ao Senhor, sem desvios.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, há muitos yogts místi­
cos que são muito eruditos e deliberados em atingir a perfeição máxima da vida.
Eles se ocupam no processo ióguico de controle do ar vital dentro do corpo.
Concentrando a mente na forma de Visnu e controlando os sentidos muito rigida­
mente, eles praticam o sistema de yoga, mas, mesmo depois de muita austeridade,
penitência e regulação trabalhosas, eles atingem o mesmo destino que as pessoas
hostis a Vós. Em outras palavras, tanto os yogis quanto os grandes e sábios especu­
ladores filosóficos finaímente alcançam a refulgência Brahman impessoal, que tam­
bém é automaticamente alcançada pelos demônios que são inimigos regulares do
Senhor. Demônios como Karitsa, Sísupãla e Dantavakra também atingem a reful­
gência Brahman porque meditam constantemente na Suprema Personalidade de
Deus. Mulheres tais como as gopls apegaram-se a Krsna e foram cativadas por Sua
beleza, e sua concentração mental em Krsna foi provocada peta luxúria. Elas que­
riam ser abraçadas no amplexo de Krsna, que se assemelha à bela forma arredondada
632 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

de uma serpente. Analogamente, nós, os hinos védicos, simplesmente concentra­


mos nossas mentes nos pés de lótus de Vossa Onipotência. Mulheres como as gopis
concentram-se em Vós orientadas pela luxúria, e nós nos concentramos em Vossos
pés de lótus para voltar ao lar, voltar ao Supremo. Vossos inimigos também se
concentram em Vós, sempre pensando em como matar-Vos, e os yogls submetem-
se a grandes penitências e austeridades apenas para alcançar Vossa refulgência
impessoal. Todas essas diferentes pessoas, embora concentrem suas mentes de
diferentes maneiras, atingem a perfeição espiritual.de acordo com suas diferentes
perspectivas porque Vós vos mostrais igual para com todos os Vossos devotos.”
> Sridhara SvãmT compôs um belo verso a este respeito: “Meu querido Senhor, é
muito difícil estar sempre pensando em Vossos pés de lótus. Isto é possível para
grandes devotos que tenham atingido amor por Vós e estejam ocupados em trans­
cendental serviço amoroso. Meu querido Senhor, eu desejo que minha mente tam­
bém se ocupe de alguma maneira em Vossos pés de lótus, pelo menos por algum
tem po.”
A consecução de perfeição espiritual por pane de diferentes espiritualistas é
referida no Bhaguvad-ghõ, onde o Senhor diz que confere a perfeição desejada pelo
devoto em proporção com a rendição do devoto a Ele. Os ímpersonalistas, yogls e
inimigos do Senhor entram na refulgência transcendental do Senhor, mas os perso­
nalistas que seguem os passos dos habitantes de Vrndãvana ou seguem estritamente
o caminho do serviço devocional são elevados à morada pessoal de Krsna, Goloka
Vrndãvana, ou aos planetas Vaikuntha. Tanto os ímpersonalistas quanto os perso­
nalistas entram no reino espiritual, o céu espiritual, mas os Ímpersonalistas ganham
seu lugar na refulgência Brahman impessoal, ao passo que os personalistas ganham
uma posição nos planetas Vaikuntha ou no planeta Vrndãvana, segundo seu desejo
de servir ao Senhor em diferentes doçuras.
Os Vedas personificados afirmaram que as pessoas nascidas após a criação deste
mundo material não podem compreender a existência da Suprema Personalidade de
Deus, manipulando seu conhecimento material. Assim como uma pessoa nascida
numa família particular não pode compreender a posição de seu bisavô que viveu
antes do nascimento da.geração recente, nós não somos capazes de compreender a
Suprema Personalidade de Deus, Nãrãyana ou Krsna, que existe etemamente no
mundo espiritual. No Oitavo Capítulo do Bhagavad-gltã diz-se claramente que só é
possível aproximar-se da Pessoa Suprema, que vive etemamente no reino espiritual
de Deus (sanãiana-dhãma), através do serviço devocional. /
Quanto à criação material, Brahmã é a primeira pessoa criada. Antes de Brahmã
não havia criatura viva dentro deste mundo material; eie era vazio e escuro até que
Brahmã nasceu da flor de lótus que brotou do abdômen de Garbhodakasãyl Visnu.
Garbhodakasãyi Visnu é uma expansão de Kãranodakasãyl Visnu, Kãranodakasãyl
Visnu é uma expansão de Sankarsana e Sankarsana é uma expansão de Balarãma,
que é uma expansão imediata do Senhor Krsna. Após a criação de Brahmã, nasceram
Orações dos Vedas personificados 633

os dois tipos de semideuses: semideuses como os quatro irmãos Sanaka, Sanüianu,


Sanandana e Sanat-kumãra, que são representantes da renúncia do mundo, e semi­
deuses como Marici e seus descendentes que se destinam a desfrutar deste mundo
material. Desses dois tipos de semideuses manifestaram-se gradualmente todas as
outras entidades vivas, incluindo os seres humanos. Assim, quaisquer criaturas
vivas dentro deste mundo material, incluindo Brahmã, todos os semideuses e todos
os rãksasas, devem ser consideradas modernas. Isto significa que todas elas nasce­
ram recentemente. Portanto, assim como uma pessoa nascida recentemente em uma
família não pode compreender a situação de seu antepassado distante, ninguém
dentro deste mundo material pode compreender a posição do Senhor Supremo no
mundo espiritual, porque o mundo material só foi criado recentemente. Embora
tenham uma longa duração de existência, todas as manifestações do mundo mate­
rial, a saber, os elementos de tempo, as entidades vivas, os Vedas e os elementos
grosseiros e sutis, são criados em algum momento. Qualquer coisa feita dentro
desta situação criada ou‘ aceita como meio para compreender a fonte original da
criação deve ser considerada moderna.
Portanto, através do processo de auto-realização ou compreensão de Deus através
de atividades fruitivas, especulação filosófica ou yoga mística, não é possível
realmente aproximar-se da fonte suprema de tudo. Quando a criação termina com­
pletamente, quando não há existência dos Vedas, nem existência de tempo material,
nem existência dos elementos materiais grosseiros e sutis, e quando todas as entida­
des vivas se encontram no estado imanifesto, descansando dentro de Nãrãyana,
então todos esses processos inventados tomam-se nulos e vazios e não podem atuar.
O serviço devocional, contudo, acontece etemamente no eterno mundo espiritual.
Portanto, o único processo verdadeiro de auto-realização ou compreensão de Deus é
o serviço devocional, e se alguém adota este processo adota o verdadeiro processo
de compreensão de Deus. A este respeito, Srila Sridhara Svãml compôs um verso
que transmite a idéia de que a fonte suprema de tudo, a Suprema Personalidade de
Deus, é tão grande e ilimitada que não é possível que a entidade viva O compreenda
através de alguma aquisição material. Deve-se portanto orar ao Senhor para que Ele
propicie a ocupação em Seu serviço devocional etemamente, de modo que, pela
graça do Senhor, possa-se compreender a fonte suprema da criação. A fonte su­
prema da criação, o Senhor Supremo, revela-Se apenas aos devotos. No Quarto
Capítulo do Bhagavad-gílã o Senhor diz a Arjuna: “Meu querido Arjuna, por seres
Meu devoto e por seres Meu amigo íntimo, revelar-te-ei o processo para Me com­
preender.” Em outras palavras, a fonte suprema da criação, a Suprema Personali­
dade de Deus, não pode ser compreendida através de nosso próprio esforço. Temos
que satisfazê-10 com serviço devocional, e então Ele Se revelará a nós. Daí podere­
mos compreendê-10 até certo ponto.
Há diferentes tipos de filósofos que têm tentado compreender a fonte suprema
através de sua especulação mental. De modo geral, há seis tipos de especuladores
634 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

mentais, cujas especulações são chamadas sad-darsana. Todos esses filósofos são
impersonalistas e são conhecidos como Mãyãvãdls. Cada um deles tem tentado
estabelecer sua própria opinião, embora todos eles tenham posteriormente concor­
dado e afirmado que todas as opiniões conduzem à mesma meta e que toda opinião é
portanto válida. Segundo as orações dos Vedas personificados, contudo, nenhuma
delas é válida porque seu processo de conhecimento é criado dentro do mundo
material temporário. Todos eles deixaram de compreender a parte principal; a
Suprema Personalidade de Deus, ou a Verdade Absoluta, só pode ser compreendida
através do serviço devocional.
Uma classe de filósofos, conhecidos como Mímãmsakas, representados por sá­
bios tais como Jaimini, concluem que todos devem ocupar-se em atividades piedo­
sas ou deveres prescritos e que essas atividades conduzirão à perfeição máxima.
Mas isto é contradito no Capítulo Nono do Bhagavad-gltã, onde o Senhor Krsna diz
que através de atividades piedosas alguém pode ser elevado aos planetas celestiais,
mas tão logo seu acúmulo de atividades piedosas se esgote, ele tem que deixar o
desfrute de um padrão superior de prosperidade material nos planetas celestiais e
imediatamente descer novamente a esses planetas inferiores, onde a duração da vida
é curtíssima e onde o padrão de felicidade material é de grau inferior. As palavras
exatas usadas no Gitã são kslne punye martya-lokam visanti. Portanto, a conclusão
dos filósofos Mímãmsakas de que as atividades piedosas conduzirão à Verdade
Absoluta não é válida. Embora um devoto puro sinta-se por natureza inclinado às
atividades piedosas, ninguém pode conseguir a graça da Suprema Personalidade de
Deus através de atividades piedosas apenas. Pode ser que as atividades piedosas nos
purifiquem da contaminação causada pela ignorância e pela paixão, mas esta purifi­
cação é automaticamente alcançada por um devoto ocupado constantemente em
ouvir a mensagem transcendental de Deus sob a forma do Bhagavad-gltã, Srlmad-
Bhãgavatam ou escrituras semelhantes. Do Bhagavad-gltã compreendemos que
mesmo uma pessoa que não esteja dentro dos padrões das atividades piedosas mas
que esteja absolutamente ocupada em serviço devocional deve ser considerada bem
situada no caminho da perfeição espiritual. Também se diz no Bhagavad-gltã que
uma pessoa ocupada em serviço devocional com amor e fé é orientada de dentro
pela Suprema Personalidade de Deus. O próprio Senhor como Paramãtmã, ou o
mestre espiritual sentado dentro de nosso coração, dá ao devoto orientações exatas
através das quais ele pode gradualmente voltar ao Supremo. A conclusão dos
filósofos Mimãmsaka não é realmente a verdade que pode nos conduzir à compre­
ensão real.
De modo semelhante, há filósofos Sãnkhya, metafísicos ou cientistas materialistas
que estudam esta manifestação cósmica através de seu método científico inventado e
não reconhecem a autoridade suprema de Deus como o criador da manifestação
cósmica. Eles erroneamente concluem que as reações dos elementos materiais são a
causa original da criação. O Bhagavad-gltã, contudo, não aceita esta teoria. Ali se
diz claramente que por trás das atividades cósmicas está a direção da Suprema..
Orações dos Vedas personificados 635

Personalidade de Deus. Este fato é corroborado pelo preceito védico asad vã iiUwi
agra ãsít, que significa que a origem da criação existia antes da manifestação
cósmica. Portanto, os elementos materiais não podem ser a causa da criação mate­
rial. Embora os elementos materiais sejam aceitos como causas materiais, a causa
última é a própria Suprema Personalidade de Deus. O Bhagavad-gitã diz, portanto,
que a natureza material funciona sob a direção de Krsna.
A conclusão da filosofia Sãnkhya ateísta é que, porque os efeitos dos mundos
materiais são temporários ou ilusórios, a causa portanto também é ilusória. Os
filósofos Sãnkhya são a favor do niüismo, mas o fato mesmo é que a causa original
é a Suprema Personalidade de Deus e que esta manifestação cósmica é a manifes­
tação temporária de Sua energia material. Quando esta manifestação temporária é
aniquilada, sua causa, a existência eterna do mundo espiritual, continua tal como é,
e portanto o mundo espiritual chama-se sanãtana-dhãma, a morada eterna. Por
conseguinte, a conclusão do filósofo Sãnkhya não é válida.
A seguir há os filósofos encabeçados por Gautama e Kanãda. Eles estudaram
minuciosamente a causa e efeito dos elementos materiais e finalmente chegaram à
conclusão de que a combinação atômica é a causa original da criação. Os atuais
cientistas materialistas também seguem os passos de Gautama e Kanãda, que propu­
seram esta teoria de paramãnuvãda. Esta teoria, contudo, não pode ser apoiada,
pois a causa original de tudo não são os átomos inertes. Isto é confirmado no
Bhagavad-gitã e no Srimad-Bhãgavatam, como também nos Vedas, onde se afirma,
eko nãrãyana ãsít: somente Nãrãyana existia antes da criação. O Srimad-
Bhãgavatam e o Vedãnta-sütra também dizem que a causa origina! é sensível e
tanto indireta quanto diretamente conhecedora de tudo que existe dentro desta
criação. No Bhagavad-gitã Krsna diz, aharh sarvasya prabhavah: “Eu sou a causa
original de tudo,” e mattah sarvam pravariate: “ De Mim tudo vem a existir.”
Portanto, pode ser que os átomos formem as combinações básicas da existência
material, mas esses átomos são gerados da Suprema Personalidade de Deus. Assim,
a filosofia de Gautama e Kanãda não tem fundamento.
De modo semelhante, os impersonalistas encabeçados por Astãvakra e posterior­
mente por Saiikarãcãrya aceitam a refulgência Brahman impessoal como a causa de
tudo. Segundo sua teoria, a manifestação material é temporária e irreal, ao passo
que a refulgência Brahman impessoal é realidade. Mas esta teoria também não pode
ser apoiada, porque o próprio Senhor diz no Bhagavad-gitã que esta refulgência
Brahman repousa em Sua personalidade. Também se confirma no Brahma-sarhhitã
que a refulgência Brahman são os raios do corpo de Krsna. Sendo assim, o Brahman
impessoal não pode ser a causa original da manifestação cósmica. A causa original
é a Personalidade de Deus toda-perfeita e sensível, Govinda.
A teoria mais perigosa dos impersonalístas é que quando Deus Se toma uma
encarnação Ele aceita um corpo material criado pelos três modos da natureza mate­
rial. Esta teoria Mãyãvãdl foi condenada pelo Senhor Caitanya como sendo muito
636 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

ofensiva. Ele diz que qualquer pessoa que aceita o corpo transcendental da Persona­
lidade de Deus como sendo feito de natureza material comete a maior das ofensas
aos pés de lótus de Visnu. De forma semelhante, o Bhagavad-gitã afirma que
apenas os tolos e patifes zombam da Personalidade de Deus quando Eíe desce sob
forma humana. O Senhor Krsna, o Senhor Rãma e o Senhor Caitanya realmente
movimentam-Se dentro da sociedade humana como seres humanos.
Os Vedas personificados condenam a concepção impersonalista, considerando-a
má interpretação grosseira. No Brahma-samhitã se descreve que o corpo da Su­
prema Personalidade de Deus ê ãnanda-cin-maya-rasa. A Suprema Personalidade
de Deus possui um corpo espiritual, e não um corpo material, Ele pode desfrutar de
qualquer coisa através de qualquer parte de Seu corpo, e por isso Ele é onipotente.
Os membros de um corpo material podem realizar apenas uma função, assim como
as mãos podem segurar mas não podem ver ou ouvir. Mas, porque o corpo da
Suprema Personalidade de Deus é feito de ãnanda-cin-maya-rasa ou sac-cid-
ãnanda-vigraha, Ele pode desfrutar de qualquer coisa e fazer tudo com qualquer um
de Seus membros. O fato de se aceitar que o corpo espiritual do Senhor é material é
orientado pela tendência de fazer a Suprema Personalidade de Deus igual à alma
condicionada. A alma condicionada tem um corpo material. Portanto, se Deus
também tiver um corpo material, a teoria impersonalista de que a Suprema Persona­
lidade de Deus e as entidades vivas são a mesma coisa poderá se propagar com
muita facilidade.
Na verdade, quando a Suprema Personalidade de Deus vem Ele manifesta dife­
rentes passatempos, e todavia não há diferença entre Seu corpo infantil quando Ele
Se encontra deitado no colo de mãe Yasodã e Seu chamado corpo de adulto que luta
contra os demônios. Também com Seu corpo infantil Ele lutou contra demônios tais
como Pütanã, Trnãvarta e Aghãsura, com força igual àquela com a qual Ele lutou
em Sua juventude contra demônios como Dantavakra e Sisupãla. Na vida material,
assim que a alma condicionada muda de corpo, ela se esquece de tudo sobre seu
corpo passado, mas do Bhagavad-gitã compreendemos que, porque Krsna tem um
corpo sac-cid-ãnanda, Ele não Se esqueceu de ter dado instruções ao deus do sol
sobre o Bhagavad-gitã milhões de anos atrás. Portanto, o Senhor é conhecido como
Purusottama porque Ele é transcendental tanto à existência material quanto à exis­
tência espiritual. O fato de Ele ser a causa de todas as causas significa que Ele é a
causa do mundo espiritual e do mundo material também. A Suprema Personalidade
de Deus é onipotente e onisciente. Portanto, porque um corpo material não pode ser
nem onipotente nem onisciente, certamente o corpo do Senhor não é material. A
teoria Mãyãvãdl de que a Personalidade de Deus aparece neste mundo material com
um corpo material não pode ser apoiada de forma alguma.
Pode-se concluir que todas as teorias dos filósofos materialistas são produzidas
pela temporária existência ilusória, como as conclusões tiradas em um sonho. Tais
conclusões certamente não podem nos conduzir à Verdade Absoluta. A Verdade
Orações dos Vedas personificados 637

Absoluta só pode ser compreendida através do serviço devocional. Como o Senhor


diz no Bhagavad-gitã, bhakryã mãm abhijãnãti: “Somente através do serviço devo­
cional é que alguém pode compreender-Me.” Srila Sridhara Svãml compôs um belo
verso a este respeito, que afirma: “Meu querido Senhor, que os outros se dediquem
aos falsos argumentos e à árida especulação, estabelecendo grandes teses filosóficas.
Que eles pairem na escuridão da ignorância e ilusão, desfrutando falsamente como se
fossem acadêmicos muito eruditos, embora não tenham conhecimento da Suprema
Personalidade de Deus. Quanto a mim, eu desejo me libertar simplesmente cantando
os santos nomes da toda bela Suprema Personalidade de Deus — Mãdhava, Vãmana,
Trinayana, Sankarsana, Srlpati e Govinda. Que eu me liberte da contaminação
desta existência material simplesmente por cantar Seus nomes transcendentais.”
Dessa maneira,.os Vedas personificados disseram: “Meu querido Senhor, quando
uma entidade viva, unicamente por Vossa graça, chega à conclusão correta sobre
Vossa elevada posição transcendental, ela não se incomoda mais com as diferentes
teorias fabricadas pelos especuladores mentais ou chamados filósofos.” Esta é uma
referência às teorias especulativas de Gautama, Kanãda, Patanjali e Kapila (Niris-
vara). Na verdade, existem dois Kapilas: um Kapila, o filho de Kardama Muni, é
uma encarnação de Deus* e o outro é um ateísta da era moderna. O ateísta Kapila é
muitas vezes apresentado falsamente como sendo a Suprema Personalidade de Deus
que apareceu como o filho de Kardama Muni durante a época de Svãyambhuva
Manu. O Senhor Kapila, a encarnação de Deus, apareceu há muitíssimo tempo
atrás; a era moderna é a era de Vaivasvata Manu, ao passo que Ele apareceu durante
a época de Svãyambhuva Manu.
Segundo a filosofia Mãyãvãdl, este mundo manifesto, ou mundo material, é
mithyã ou mãyã, falso. O princípio de pregação do Mãyãvãdl é brahma-satyarn
jagan mithyã. Segundo os Mãyãvãdís, somente a refulgència Brahman é verda­
deira, e a manifestação cósmica é ilusória, ou falsa. Mas, segundo a filosofia
Vaisnava esta manifestação cósmica é causada pela Suprema Personalidade de
Deus. No Bhagavad-gitã o Senhor diz que Ele entra dentro deste mundo material
através de uma de Suas porções plenárias, e assim acontece a criação. Dos Vedas,
também, podemos compreender que esta asar, ou manifestação cósmica temporária,
também emana do Supremo sat, ou fato. O Vedãnia-sütra também dá a entender que
tudo emana do Brahman Supremo. Sendo assim, os Vaisnavas não consideram falsa
esta manifestação cósmica. O filósofo Vaisnava vê tudo neste mundo material em
relação com o Senhor Supremo.
Esta concepção do mundo material é muito bem explicada por Srila Rüpa Gosvãmi,
o qual diz que a renúncia ao mundo material como sendo ilusório ou falso sem
conhecimento de que o mundo material também é uma manifestação do Senhor
Supremo não tem valor prático. Os Vaisnavas, contudo, estão livres do apego a este
mundo porque, embora o mundo material seja geralmente aceito como um objeto de
638 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

gozo dos sentidos, os Vaisnavas não são a favor do gozo dos sentidos e por isso não
são apegados às atividades materiais. O Vaisnava aceita este mundo material de
acordo com os princípios regulativos dos preceitos védicos. Uma vez que a Su­
prema Personalidade de Deus é a causa original de tudo, o Vaisnava vê tudo em
relação com Krsna, mesmo neste mundo material. Através de tal conhecimento
avançado, tudo se espiritualiza. Em outras palavras, tudo no mundo material já é
espiritual, mas, devido a nossa falta de conhecimento, vemos as coisas como sendo
materiais.
Os Vedas personificados apresentaram o exemplo de que aqueles que buscam
ouro não rejeitam brincos de ouro, braceletes de ouro ou qualquer outra coisa feita
de ouro simplesmente porque essas coisas têm uma configuração diferente do ouro
original. Todas as entidades vivas são partes integrantes do Senhor Supremo e são
qualitativamente iguais, mas agora estão configuradas de formas diferentes em
8.400.000 espécies de vida, assim como muitos ornamentos diferentes, fabricados
da mesma mina de ouro, Assim como aquele que está interessado em ouro aceita
todos os ornamentos de ouro diferentemente configurados, da mesma forma o
Vaisnava, sabendo bern que todas as entidades vivas são da mesma qualidade que a
Suprema Personalidade de Deus, aceita todas as entidades vivas como sendo servos
eternos de Deus. Como Vaisnavas, então, temos ampla oportunidade de servir à
Suprema Personalidade de Deus simplesmente por redimirmos essas entidades vi­
vas condicionadas e desencaminhadas, treinando-as em consciência de Krsna e
conduzindo-as de volta ao lar, de volta ao Supremo. O fato é que agora as mentes
das entidades vivas estão agitadas pelas três qualidades materiais, e portanto as
entidades vivas estão transmigrando, como se estivessem sonhando, de um corpo a
outro. Quando mudarem sua consciência para a consciência de Krsna, contudo, elas
imediatamente fixarão Krsna dentro de seus corações, e assim abrirão seu caminho
para a liberação.
Todos os Vedas afirmam que a Suprema Personalidade de Deus e as entidades
vivas são da mesma qualidade — caitanya, ou espiritual. Isto também é confirmado
no Padma Purãna, onde se diz que existem dois tipos de entidades espirituais; uma
chama-se jlva, e a outra chama-se o Senhor Supremo. Desde o Senhor Brahmã até a
formiga, todas as entidades vivas são jlvas, ao passo que o Senhor é o supremo
Visnu de quatro mãos, ou Janãrdana. A palavra õtmã só pode ser aplicada à Su­
prema Personalidade de Deus, mas, porque as entidades vivas são Suas panes
integrantes, às vezes a palavra õtmã também é aplicada a elas. As entidades vivas,
portanto, chamam-se jivãtmãs, e o Senhor Supremo chama-Se Paramõtmã. Tanto o
Paramãtmã quanto a jivãtmã encontram-se dentro deste mundo material, e por isso
este mundo material tem outro propósito além do gozo dos sentidos. A idéia de uma
vida de gozo dos sentidos é ilusão, mas a idéia do serviço prestado pela jivãtmã ao
Paramãtmã, mesmo neste mundo material, não é absolutamente Ilusória. Uma pessoa
consciente de Krsna é plenamente ciente deste fato, e assim ela não considera este
Orações dos Vedas personificados 639

mundo material como sendo falso, mas age na realidade do serviço transcendental.
Portanto, o devoto vê tudo neste mundo material como uma oportunidade de servir
ao Senhor. Ele não rejeita nada como material, mas enfeixa tudo no serviço ao
Senhor. Assim, um devoto está sempre na posição transcendental, e tudo que ele
usa purifica-se espiritualmente por ser usado a serviço do Senhor.
Sridhara Svãmi compôs um belo verso a este respeito: “Eu adoro a Suprema
Personalidade de Deus, que está sempre manifesta como realidade mesmo dentro
deste mundo material, o qual alguns consideram falso.” A concepção da falsidade
deste mundo material deve-se a uma falta de conhecimento, mas uma pessoa avan­
çada em consciência de Krsna vê a Suprema Personalidade de Deus em tudo. Isto é
real compreensão do aforismo védico sarvam khalv idam brahma: “Tudo é
Brahman.”
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, homens menos inteli­
gentes adotam outros métodos de auto-realização, mas, na verdade, não há possibi­
lidade de purificar-se da contaminação material ou parar com a repetição do ciclo de
nascimentos e mortes a menos que se seja um devoto inteiramente puro. Nosso
querido Senhor, tudo repousa em Vossas diferentes potências, e todos são mantidos
por Vós, como afirmam os Vedas (eko bahünãm yo vidadhãti kãmãn). Portanto,
Vossa Onipotência é o apoiador e mantenedor de todas as entidades vivas —
semideuses, seres humanos e animais. Todos são mantidos por Vós, e estais tam­
bém situado no coração de todos. Em outras palavras, Vós sois a raiz de toda a
criação. Por conseguinte, aqueles que se ocupam em Vosso serviço devocional, sem
desvios, sempre Vos adoram. Tais devotos realmente regam a raiz da árvore univer­
sal. Através do serviço devocional, portanto, satisfazemos não apenas a Personali­
dade de Deus, como também todos os outros, porque todos são mantidos e apoiados
por Ele. Porque o devoto compreende o aspecto onipenetrante da Suprema Persona­
lidade de Deus, ele é o mais prático dos filantropos e altruístas. Tais devotos puros,
inteiramente ocupados em consciência de Krsna, superam com muita facilidade o
ciclo de nascimentos e mortes, tanto que passam por cima da cabeça da morte.”
O devoto nunca tem medo da morte, nem de mudar de corpo; sua consciência é
transformada em consciência de Krsna, e mesmo que ele não volte ao Supremo,
mesmo que ele transmigre para outro corpo material, ele nada tem a temer. Um
exemplo vivido disto é Bharata Mahãrãja. Embora em sua vida seguinte ele tivesse
que se tomar um veado, na seguinte vida ele livrou-se completamente de toda a
contaminação material e foi elevado ao reino de Deus. O Bhagavad-gitã afirma,
portanto, que o devoto jamais é destruído. O caminho do devoto ao reino espiritual,
de volta ao lar, de volta ao Supremo, é garantido. Mesmo que o devoto deslize em
algum nascimento, a continuação de sua consciência de Krsna o eleva cada vez mais
até que ele volta ao Supremo. O devoto puro purifica não só sua própria existência
pessoal, mas, também, quem quer que se tome seu discípulo em última instância
purifica-se e capacita-se a entrar no reino de Deus sem dificuldades. Não apenas
pode o devoto puro superar a morte com facilidade, mas também, por sua graça,
Orações dos Vedas personificados 639

mundo material como sendo falso, mas age na realidade do serviço transcendental.
Portanto, o devoto vê tudo neste mundo material como uma oportunidade de servir
ao Senhor. Ele não rejeita nada como material, mas enfeixa tudo no serviço ao
Senhor. Assim, um devoto está sempre na posição transcendental, e tudo que ele
usa purifica-se espiritualmente por ser usado a serviço do Senhor.
Srldhara Svãmí compôs um belo verso a este respeito: “Eu adoro a Suprema
Personalidade de Deus, que está sempre manifesta como realidade mesmo dentro
deste mundo material, o qual alguns consideram falso.” A concepção da falsidade
deste mundo material deve-se a uma falta de conhecimento, mas uma pessoa avan­
çada em consciência de Krsna vê a Suprema Personalidade de Deus em tudo. Isto é
real compreensão do aforismo védico sarvarh khalv idam brahma: “Tudo é
Brahman.”
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, homens menos inteli­
gentes adotam outros métodos de auto-realização, mas, na verdade, não há possibi­
lidade de purificar-se da contaminação material ou parar com a repetição do ciclo de
nascimentos e mortes a menos que se seja um devoto inteiramente puro. Nosso
querido Senhor, tudo repousa em Vossas diferentes potências, e todos são mantidos
por Vós, como afirmam os Vedas (eko bahãnãm yo vidadhãti kõmãn). Portanto,
Vossa Onipotência é o apoiador e mantenedor de todas as entidades vivas —
semídeuses, seres humanos e animais. Todos são mantidos por Vós, e estais tam­
bém situado no coração de todos. Em outras palavras, Vós sois a raiz de toda a
criação. Por conseguinte, aqueles que se ocupam em Vosso serviço devocional, sem
desvios, sempre Vos adoram. Tais devotos realmente regam a raiz da árvore univer­
sal. Através do serviço devocional, portanto, satisfazemos não apenas a Personali­
dade de Deus, como também todos os outros, porque todos são mantidos e apoiados
por Ele. Porque o devoto compreende o aspecto onipenetrante da Suprema Persona­
lidade de Deus, ele é o mais prático dos filantropos e altruístas. Tais devotos puros,
inteiramente ocupados em consciência de Krsna, superam com muita facilidade o
ciclo de nascimentos e mortes, tanto que passam por cima da cabeça da morte.”
O devoto nunca tem medo da morte, nem de mudar de corpo; sua consciência é
transformada em consciência de Krsna, e mesmo que ele não volte ao Supremo,
mesmo que ele transmigre para outro corpo material, ele nada tem a temer. Um
exemplo vivido disto é Bharata Mahãrãja. Embora em sua vida seguinte ele tivesse
que se tomar um veado, na seguinte vida ele livrou-se completamente de toda a
contaminação material e foi elevado ao reino de Deus. O Bhagavad-gítã afirma,
portanto, que o devoto jamais é destruído. O caminho do devoto ao reino espiritual,
de volta ao lar, de volta ao Supremo, é garantido. Mesmo que o devoto deslize em
algum nascimento, a continuação de sua consciência de Krsna o eleva cada vez mais
até que ele volta ao Supremo. O devoto puro purifica não só sua própria existência
pessoal, mas, também, quem quer que se tome seu discípulo em última instância
purifica-se e capacita-se a entrar no reino de Deus sem dificuldades. Não apenas
pode o devoto puro superar a morte com-facilidade, mas também, por sua graça,
640 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

.seus seguidores podem fazê-lo sem dificuldades. O poder do serviço devocional é


tão grande que o devoto puro pode eletrificar outra pessoa através de sua instrução
transcendental sobre a travessia do oceano de nescidade.
As instruções do devoto puro a seu discípulo também são muito simples. Nin­
guém sente nenhuma dificuldade em seguir os passos de um devoto puro. Qualquer
pessoa que siga em sucessão discipular de devotos reconhecidos do Senhor, tais
como o Senhor Brahmã, o Senhor Siva, os Kumãras, Manu, Kapila, o rei Prahlãda,
o rei Janaka, Sukadeva GosvãmT e Yamarãja, facilmente encontra aberta a porta da
liberação. Por outro lado, aqueles que não são devotos mas estão ocupados em
processos incertos de auto-realização, tais como jnãna, yoga e karma, são conside­
rados ainda contaminados. Tais pessoas contaminadas, embora aparentemente
avançadas em auto-realização, não podem sequer libertar-se a si mesmas, isto para
não falar dos outros que as seguem. Esses não devotos são comparados a animais
engaiolados, pois não são capazes de ir além da jurisdição das formalidades de um
determinado tipo de fé. No Bhagavad-gltã eles são condenados como sendo veda-
vãdãh. Eles não podem entender que os Vedas tratam das atividades dos modos
materiais da natureza— bondade, paixão e ignorância.
O Senhor Krsna advertiu Arjuna que é preciso ir além da jurisdição dos deveres
prescritos nos Vedas e adotar a consciência de Krsna, serviço devocional. O Senhor
disse no Bhagavad-gltã, nistraigunyo bhavãrjuna: “Meu querido Arjuna, tenta
tomar-te transcendental aos rituais védicos.” Esta posição transcendental além das
execuções ritualísticas védicas é o serviço devocional. No Bhagavad-gitã o Senhor
diz claramente que as pessoas ocupadas em Seu serviço devocional, sem adulte­
ração, estão situadas em Brahman. Verdadeira compreensão de Brahman significa
consciência de Krsna e ocupação em serviço devocional. Portanto, os devotos são
verdadeiros brahmacãris porque suas atividades estão sempre em consciência de
Krsna, serviço devocional.
O movimento da consciência de Krsna faz, portanto, um apelo supremo a todas
as espécies de religiosos, pedindo-lhes com grande autoridade que se juntem a este
movimento, através do qual pode-se aprender a amar a Deus e assim superar todas
as fórmulas e formalismos de preceitos escriturais. Uma pessoa que não pode
superar a jurisdição de princípios religiosos estereotipados é comparada a um ani­
mal algemado por seu dono. O objetivo de toda religião é compreender Deus e
desenvolver nosso amor adormecido por Deus. Se alguém simplesmente atém-se às
fórmulas e formalismos religiosos e não se eleva à posição de amor a Deus,
considera-se que ele é um animal algemado. Em outras palavras, se não estamos em
consciência de Krsna, não somos elegíveis para a liberação da contaminação da
existência material.
Srlla Sridhara Svãml compôs um belo verso que diz: “Que os outros se ocupem
em austeridades severas, que os outros se precipitem ao solo do topo das montanhas
Orações dos Vedas personificados 641

e abandonem suas vidas, que os outros viajem a muitos locais santos de peregri­
nação para obter a salvação, ou que se ocupem em profundo estudo de filosofia e
dos textos védicos. Que osyogls místicos se dediquem a seu serviço meditacionai e
que as diferentes seitas se ocupem em discussões desnecessárias sobre o que é
melhor. Mas o fato é que, a não ser que se seja consciente de Krsna, a não ser que se
esteja ocupado em serviço devocional e a não ser que se tenha a misericórdia da
Suprema Personalidade de Deus, não se pode atravessar este oceano material.”
Pessoas inteligentes, portanto, abandonam todas as idéias estereotipadas e juntam-
se ao movimento da consciência de Krsna para obter liberação verdadeira.
Os Vedas personificados continuaram suas orações: “Querido Senhor nosso,
Vosso aspecto impessoal é explicado nos Vedas. Vós não tendes mãos, mas podeis
aceitar todos os sacrifícios que Vos são oferecidos. Não tendes pernas, mas podeis
andar mais rapidamente do que qualquer pessoa. Embora não tenhais olhos, podeis
ver tudo o que acontece no passado, no presente e no futuro. Embora não tenhais
ouvidos, podeis ouvir tudo o que se diz. Embora não tenhais mente, conheceis a
todos e às atividades de todos, passadas, presentes e futuras, e todavia ninguém
sabe quem sois. Conheceis a todos, mas ninguém Vos conhece; portanto, sois a
personalidade suprema e mais velha.”
Da mesma forma, em outra parte dos Vedas se diz: “Nada tendes a fazer. Sois tão
perfeito em Vosso conhecimento e potência que tudo se manifesta simplesmente por_
Vossa vontade. Não há ninguém igual ou superior a Vós, e todos agem como1-
Vossos servos eternos.” Assim, as afirmações védicas descrevem que o Absoluto
não tem pernas, nem mãos, nem olhos, nem ouvidos, nem mente, e todavia Ele
pode agir através de Suas potências e satisfazer- as necessidades de todas as entida­
des vivas. Como se afirma no Bhagavad-gltã, Suas mãos e pernas estão em toda a
parte, pois Ele é onipenetrante. As mãos, pernas, ouvidos e olhos de todas as
entidades vivas agem e se movimentam pela orientação da Superalma situada dentro
do coração de todos. A menos que a Superalma esteja presente, não é possível que
as mãos e pernas sejam ativas. A Suprema Personalidade de Deus é tão grande,
independente e perfeita, contudo, que mesmo sem ter olhos, pernas e ouvidos, não
depende de outros para executar Suas atividades. Pelo contrário, os outros depen­
dem dEle para as atividades de seus diferentes órgãos sensórios. A menos que a
entidade viva seja inspirada e orientada pela Superalma, ela não pode agir.
O fato é que, em última análise, a Verdade Absoluta é a Pessoa Suprema. Mas,
porque Ele age através de Suas diferentes potências, que são impossíveis de ser
vistas pelos materialistas grosseiros, os materialistas O aceitam como impessoal.
Por exemplo, pode-se observar o trabalho artístico pessoal na pintura de uma flor, e
pode-se compreender que o arranjo das cores, a forma e assim por diante exigiram a
atenção minuciosa de um artista. A obra do artista manifesta-se claramente numa
pintura de diferentes flores desabrochadas. Mas o materialista grosseiro, sem ver a
mão de Deus em tais manifestações artísticas como as flores reais desabrochando na
642 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

natureza, conclui que a Verdade Absoluta é impessoal. Na realidade, o Absoluto é


pessoal, mas é independente. Ele não precisa de, pessoalmente, pegarem um pincel
e tintas para pintar as flores, pois Suas potências agem tão maravílhosamente que
parece que as flores surgiram sem o auxílio de um artista. A visão impessoal da Verdade
Absoluta é aceita por homens menos inteligentes porque a menos que nos ocupemos no
serviço ao Senhor não podemos entender como o Supremo age — não podemos sequer
saber o nome do Senhor. Tudo sobre as atividades e os aspectos pessoais do Senhor é
revelado ao devoto somente através de sua atitude de serviço amoroso.
No Bhagavad-gitã se diz claramente, bhoktãram yajha-tapasãm: o Senhor é o
desfrutador de todos os sacrifícios e dos resultados de todas as austeridades. Mais
adiante o Senhor diz, sarva-loka-mahesvaram: “Eu sou o proprietário de todos os
planetas.” De modo que esta é a posição da Suprema Personalidade de Deus.
Embora Ele esteja presente em Vrndãvana e desfrute de prazer transcendental na
companhia de Seus companheiros eternos, as gopís e os vaqueirinhos, Suas potên­
cias agem sob Sua orientação por toda a criação. Elas não perturbam Seus passatem­
pos eternos.
E somente através do serviço devocional que se pode compreender como a Su­
prema Personalidade de Deus, por meio de Suas potências inconcebíveis, simulta­
neamente age de maneira impessoal e como pessoa. Ele age tal qual o monarca
-supremo, e muitos milhares de reis e chefes trabalham sob a autoridade dEIe. A
''Suprema Personalidade de Deus é a suprema e independente pessoa controladora, e
todos os semideuses, incluindo o Senhor Brahmã, o Senhor Siva, Indra, o rei do
céu, o rei do planeta Lua e o rei do planeta Sol, trabalham sob Sua orientação. Ê
confirmado nos Vedas que o sol brilha, o vento sopra e o fogo distribui calor por
medo da Suprema Personalidade de Deus. A natureza material produz todas as
espécies de objetos móveis e imóveis dentro do mundo material, mas nenhum deles
pode agir independentemente ou criar sem a orientação do Senhor Supremo. Todos
eles agem como tributários, assim como reis subordinados que oferecem suas taxas
anuais ao imperador.
O preceito védico afirma que toda entidade viva vive comendo os restos de
alimentos oferecidos à Personalidade de Deus. Em grandes sacrifícios o preceito é
que Narãyana deve estar presente como a suprema Deídade predominante do sacrifí­
cio, e depois de executado o sacrifício os restos dos alimentos são distribuídos entre
os semideuses. Isto chama-se yajna-bhãga. Todo semideus tem um quinhão de
yajna-bhõga que ele aceita como prasãdam. A conclusão é que os semideuses não
são poderosos independentemente; eles são nomeados como diferentes executivos
sob a ordem da Suprema Personalidade de Deus, e comem prãsadam, ou os restos
dos sacrifícios. Eles executam a ordem do Senhor Supremo exatamente de acordo
com Seu plano. A Suprema Personalidade de Deus está por trás da execução, e Suas
ordens são levadas a cabo pelos outros. Ele é impessoal apenas aparentemente. Com
nosso estilo grosseiramente materialista, não podemos conceber como a Pessoa
Suprema esteja acima das atividades impessoais da natureza material. Por isso, o
Orações dos Vedas personificados 643

Senhor explica no Bhagavad-gltã que não há nada superior a Ele e que o Brahman
impessoal está situado subordinadamente como manifestação de Seus raios pes­
soais. Srlpada Srila Srldhara Svãml compôs, por esse motivo, um belo verso a este
respeito: “Deixai-me oferecer minhas respeitosas reverências à Suprema Personali­
dade de Deus, que não tem sentidos materiais mas através de cuja orientação e
vontade todos os sentidos materiais funcionam. Ele é a potência suprema de todos
os sentidos materiais ou órgãos sensoriais. Ele é onipotente e é o supremo executor
de tudo. Portanto Ele é adorável por todos. A esta Pessoa Suprema eu presto minhas
respeitosas reverências.”
O próprio Krsna declara no Bhagavad-gitã que Ele é Purusottama, que significa a
Personalidade Suprema. Purusa significa “pessoa”, e uttarna significa “suprema” ou
“transcendental.” Também no Bhagavad-gitã o Senhor declara que, por ser transcen­
dental a todos os seres sensíveis e insensíveis, Ele é portanto conhecido como o
purusottama. Em outra passagem, o Senhor diz que assim como o ar se encontra no
céu onipenetrante, todos estão situados nEIe, e todos agem sob Sua orientação.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor nosso,” oraram eles,
“sois igual com todos, sem parcialidade para com uma espécie particular de enti­
dade viva. Como Vossas partes integrantes, todas as entidades vivas desfrutam ou
sofrem em diferentes condiçoes de vida. Elas são como as centelhas de um fogo.
Assim como as centelhas dançam no fogo abrasante, todas as entidades vivas
dançam apoiadas em Vós. Vós lhes forneceis tudo que elas desejam, e todavia não
sois responsável por sua posição de prazer ou sofrimento. Há diferentes tipos de
entidades vivas — semideuses, seres humanos, animais, árvores, aves, bestas, ger­
mes, vermes, insetos e seres aquáticos— e todos desfrutam ou sofrem na vida
apoiando-se em Vós. Há dois tipos de entidades vivas: uma chama-se etemamente
liberada, nitya-mukta, e a outra chama-se nitya-baddha. As entidades vivas niiya-
mukta estão no reino espiritual, e as nirya-buddhas no mundo material.
“No mundo espiritual tanto o Senhor quanto as entidades vivas manifestam-se em
seu status original, como centelhas vivas em fogo ardente. Mas, no mundo mate­
rial, embora o Senhor seja onipenetrante em Seu aspecto impessoal, as entidades
vivas se esquecem de sua consciência de Krsna, assim como às vezes as centelhas
caem de um fogo ardente e perdem sua condição brilhante original. Algumas cente­
lhas caem na grama seca e assim ateiam outro grande fogo. Esta é uma referência
aos devotos puros que sentem compaixão das pobres e inocentes entidades vivas. O
devoto puro ateia a consciência de Krsna nos corações das almas condicionadas, e
assim o fogo ardente do mundo espiritual manifesta-se mesmo dentro deste mundo
material. Algumas centelhas caem na água; essas imediatamente perdem seu brilho
original e quase se extinguem. São comparáveis às entidades vivas que nascetP no
meio de materialistas grosseiros, caso em que sua original consciência de Krsna
toma-se quase extinta. Algumas centelhas caem ao chão a meio caminho entre as
condições ardentes e extintas. Assim algumas entidades vivas não têm consciência
de Krsna, outras estão entre ter e não ter consciência de Krsna, e outras estão
real mente situadas em consciência de Krsna. Os semideuses nos planetas superiores,
644 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

começando pelo Senhor Brahmã, Indra, Candra, o deus do Sol e vários outros
semideuses, são todos conscientes de Krsna. A sociedade humana está entre os
semideuses e os animais, e deste modo alguns são mais ou menos conscientes de
Krsna, e alguns são completamente esquecidos da consciência de Krsna. As entida­
des vivas de terceiro grau, a saber, os animais, bestas, plantas, árvores e seres
aquáticos, esquèceram-se completamente da consciência de Krsna. Este exemplo
citado nos Vedas, relativo às centelhas de um fogo ardente, é muito apropriado para
se compreender a condição de diferentes espécies de entidades vivas. Mas, acima
de todas as outras entidades vivas, está a Suprema Personalidade de Deus, Krsna ou
Purusottama, que é sempre liberado de todas ascondições materiais.
“Pode ser que se pergunte por que as entidades vivas caem por acaso em diferen­
tes condições de vida. Para respondermos a esta pergunta, primeiramente temos que
compreender que não pode haver nenhuma influência de acaso para as entidades
vivas; o acaso é para entidades sem vida. Segundo os textos védicos, as entidades
vivas têm conhecimento, e assim elas são chamadas de caitanya, que significa “com
conhecimento.” Sua situação em diferentes condições de vida, portanto, não é
acidental. Ela se deve a sua escolha porque elas têm conhecimento. No Bhagavad-
gltã o Senhor diz, ‘Abandona tudo e simplesmente rende-te a Mim.’ Este processo
de compreender a Suprema Personalidade de Deus está aberto para todos, mas ainda
assim fica a critério da entidade viva em particular aceitar ou rejeitar esta proposta.
Na última parte do Bhagavad-gltã, o Senhor Krsna disse muito francamente a
Arjuna, ‘Meu querido Arjuna, Eu já te falei tudo. Tudo agora depende de aceitares
o que Eu disse.1 Da mesma forma, foram as próprias entidades vivas que desceram
a este mundo material que escolheram desfrutar deste mundo material. Não é que
Krsna as tenha enviado para este mundo. O mundo material foi criado para o
desfrute das entidades vivas que quiseram abandonar o serviço eterno ao Senhor
para se tomarem elas mesmas o desfrutador supremo. Segundo a filosofia Vais-
nava, quando uma entiÚade viva deseja satisfazer seus sentidos e se esquece do
serviço ao Senhor, ela recebe um lugar no mundo material para agir livremente de
acordo com seu desejo, e por isso ela cria uma condição de vida em que desfruta ou
sofre. Devemos entender definitivamente quê tanto o Senhor quanto as entidades
vivas são etemamente conscientes. Não há nascimento e morte para o Senhor e as
entidades vivas. Quando'ocorre a criação, isto não significa que as entidades vivas
sejam criadas. O Senhor cria o mundo material para dar às almas condicionadas a
oportunidade de se elevarem à plataforma superior de consciência de Krsna. Se a
alma condicionada não se aproveita desta oportunidade, após a dissolução deste
mundo material ela entra no corpo de Nãrãyana e permanece ali, profundamente
adormecida, até o momento de outra criação.
“A este respeito, o exemplo da estação das chuvas é muito apropriado. Pode-se
considerar que as chuvas de estação são agentes para a criação, porque após a queda
das chuvas os campos úmidos são favoráveis para cultivar diferentes tipos de vege­
tação. Analogamente, logo que^se dá a criação através do olhar que o Senhor lança
sobre a natureza material, imediatamente as entidades vivas brotam em suas
Orações dos Vedas personificados 645

diferentes condições de vida, assim como diferentes tipos de vegetação crescem


depois da chuva. A chuva é uma só, mas a criação dos diferentes vegetais é variada.
A chuva cai igualmente sobre todo o campo, mas os diferentes vegetais brotam em
diferentes configurações e formas de acordo com as sementes plantadas. Analoga­
mente; as sementes de nossos desejos são variadas. Toda entidade viva tem um
diferente tipo de desejo, e este desejo é a semente que causa seu crescimento em um
determinado tipo de corpo. Rüpa Gosvãmí explica isto com a expressão pãpa-btja.
Pãpa significa “pecaminoso”. Devemos considerar todos os nossos desejos mate­
riais como pãpa-blja, ou as sementes de desejos pecaminosos. O Bhagavad-gltã
explica que nosso desejo pecaminoso é que não nos rendemos ao Senhor Supremo.
Portanto, o Senhor diz no Bhagavad-gltã: ‘Hei de proteger-te das reações dos
desejos pecaminosos.’ Estes desejos pecaminosos manifestam-se em diferentes ti­
pos de corpos; portanto, ninguém pode acusar o Senhor Supremo de parcialidade
em dar certo tipo de corpo a determinado tipo de entidade viva e outro tipo de corpo
a outra entidade viva. Todos os corpos das 8.400.000 espécies surgem de acordo com
a condição mental das entidades vivas individuais. A Suprema Personalidade de Deus,
Purusottama, apenas lhes dá a oportunidade de agirem de acordo com seus desejos.
Portanto, as entidades vivas agem tirando proveito da facilidade dada pelo Senhor.
“Ao mesmo tempo, as entidades vivas nascem do corpo transcendental do Senhor.
Este relacionamento entre o Senhor e as entidades vivas é referido nos textos
védicos, onde se diz que o Senhor Supremo mantém todos os Seus filhos, dando-
lhes tudo o que eles querem. Da mesma forma, no Bhagavad-gltã o Senhor diz, ‘Eu
sou o paí que dá a semente de todas as entidades vivas.’ É muito simples compreen­
der que o pai dá à luz os filhos mas os filhos agem de acordo com seus próprios
desejos. Portanto, o pai nunca é responsável pelos diferentes futuros de seus filhos.
Cada filho pode aproveitar-se da propriedade e instrução do paí, mas, mesmo que a
herança e Instrução sejam as mesmas para todos os filhos, devido a seus diferentes
desejos, cada filho cria uma vida diferente e desse modo sofre ou desfruta.
“Do mesmo modo, as instruções do Bhagavad-gitã são iguais para todos: todos
devem se render ao Senhor Supremo que Ele Se encarregará de cada um e protegê-
lo-á das reações pecaminosas. As facilidades de vida na criação do Senhor são
igualmente oferecidas a todas as entidades vivas. Tudo o que existe, seja na terra,
na água ou no céu, é dado igualmente a todas as entidades vivas. Já que todos os
seres vivos são filhos do Senhor Supremo, todos podem desfrutar das facilidades
materiais dadas pelo Senhor, mas as entidades vivas desventuradas criam condições
de vida desfavoráveis, lutando entre si. A responsabilidade por esta luta e criação de
situações favoráveis e desfavoráveis cai sobre as entidades vivas, e não sobre a
Suprema Personalidade de Deus. Portanto, se as entidades vivas tirarem proveito
das instruções dadas pelo Senhor no Bhagavad-gitã e desenvolverem a consciência
de Krsna, então suas vidas tomar-se-ão sublimes e elas poderão voltar ao Supremo.
“Pode ser que alguém argumente que, porque este mundo material é criado pelo
Senhor, por isso Ele é responsável por sua condição. Certamente, Ele é indireta­
mente responsável pela criação e manutenção deste mundo material, porém Ele não
646 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

é absolutamente responsável peias. diferentes condições das entidades vivas. A


criação deste mundo material por parte do Senhor é comparada à criação da vege­
tação por parte da nuvem. Na estação das chuvas a nuvem cria diferentes variedades
de vegetais. A nuvem derrama água sobre a superfície da terra, mas jamais toca a
terra diretamente. Analogamente, o Senhor cria este mundo material simplesmente
por lançar Seu olhar sobre a energia material. Isto é confirmado nos Vedas: Ele
lançou Seu olhar sobre a natureza material e assim se fez a criação. O Bhagavad-
gitã também confirma que, simplesmente através de Seu olhar transcendental sobre
a natureza material, Ele cria diferentes variedades de entidades, tanto móveis
quanto imóveis, vivas e mortas.
“ Pode-se, portanto, considerar a criação do mundo material como um dos pas­
satempos do Senhor; isto porque Ele cria este mundo material sempre que assim
.deseja. Este desejo da Suprema Personalidade de Deus também é misericórdia
extrema de Sua parte porque dá às almas condicionadas outra oportunidade de
desenvolver sua consciência original e assim voltar ao Supremo. Portanto, ninguém
pode censurar o Senhor por Ele ter criado este mundo material.
“ Do assunto em discussão, podemos obter uma compreensão clara da diferença
entre os impersonalistas e os personalistas. A concepção impessoal recomenda o
fundir-se na existência do Supremo, e a filosofia niilista recomenda que se trans­
forme todas as variedades materiais em nada. Ambas estas filosofias são conhecidas
como Mãyãvãda. Sem dúvida, a manifestação cósmica encerra-se e toma-se vazia
quando as entidades vivas imergem no corpo de Nãrãyana para descansar até outra
criação, e isto pode ser considerado uma condição impessoal, mas essas condições
jamais são eternas. A cessação da variedade do mundo material e a imersão das
entidades vivas no corpo do Supremo não são permanentes porque a criação aconte­
cerá novamente, e as entidades vivas que imergem no corpo do Supremo sem terem
desenvolvido sua consciência de Krsna aparecerão novamente neste mundo material
quando houver outra criação. O Bhagavad-guã confirma o fato de que este mundo
material é criado e aniquilado perpetuamente, e as almas condicionadas sem cons­
ciência de Krsna voltam repetidamente sempre que se manifesta a criação material.
Se tais almas condicionadas se aproveitam desta oportunidade e desenvolvem cons­
ciência de Krsna sob a instrução direta do Senhor, então elas são transferidas ao
mundo espiritual e não têm que voltar à criação material. É dito, portanto, que os
niilistas e os impersonalistas não são muito inteligentes porque não se refugiam aos
pés de lótus do Senhor. Por serem menos inteligentes, esses niilistas e impersona­
listas adotam diferentes tipos de austeridades, ou para atingir o estágio de nirvana, que
significa acabar com as condições materiais de vida, ou para atingir a unidade fundindo-
-se no corpo do Senhor. Todos eles caem novamente porque negligenciam os pés de
lótus do Senhor.”
No Caitanya-caritãmrta, o autor, Krsnadãsa Kavirãja Gosvãmi, após estudar
toda a literatura védica e ouvir de todas as autoridades, dá sua opinião de que Krsna
é o único senhor supremo e que todas as entidades vivas são Seus servos eternos.
Orações dos Vedas personificados 647

Sua afirmação é confirmada nas orações dos Vedas personificados. A conclusão é,


portanto, que todos estão sob o controle da Suprema Personalidade de Deus, todos
estão servindo sob a direção suprema do Senhor e todos temem a Suprema Persona­
lidade de Deus. E por temor a Ele que as atividades são executadas corretamente. A
posição de todos é de serem subordinados ao Senhor Supremo, todavia o Senhor
não é parcial em Sua visão das entidades vivas. Ele é como o céu ilimitado; assim
como as centelhas de um fogo dançam no fogo, analogamente, todas as entidades
vivas são como pássaros voando no céu ilimitado. Algumas delas estão voando
muito alto, outras estão voando em menor altitude, e outras em altitude ainda
menor. Os diferentes pássaros vo.am em diferentes posições de acordo com suas
respectivas capacidades, mas o céu nada tem a ver com esta capacidade. No
Bhagavad-gili1, também, o Senhor confirma que concede diferentes posições a
diferentes entidades vivas de acordo com sua proporcional rendição. Esta recom­
pensa proporcional por parte da Personalidade de Deus às entidades vivas não é
parcialidade. Por isso, apesar de as entidades vivas estarem situadas em diferentes
posições, em diferentes esferas e em diferentes espécies de vida, todas elas estão
sempre sob o controle da Suprema Personalidade de Deus, e todavia Ele nunca é
responsável por suas diferentes condições de vida. É tolice e é artificial, portanto,
alguém julgar-se igual ao Senhor Supremo, e é ainda mais tolice alguém pensar que
não vê Deus. Todos estão vendo Deus sob Seus diferentes aspectos; a única dife­
rença é que o teísta vê Deus como a Personalidade Suprema, o mais amado, Krsna,
e o ateísta vê a Verdade Absoluta como a morte inevitável.
Os Vedas personificados continuaram a orar. “Querido Senhor nosso,” disseram
eles, “de toda a informação védica compreende-se que Vós sois o controlador
supremo, e todas as entidades vivas são controladas. Tanto o Senhor quanto as
entidades vivas chamam-se nltya, eternos, e também são qualitativamente iguais,
porém o nitya singular, ou o Senhor Supremo, é o controlador, ao passo que os
nityas plurais são controlados. A entidade viva individual controlada reside dentro
do corpo, e o controlador supremo, como Superalma, também está presente ali, só
que a Superalma controla a alma individual. Este é o veredito dos Vedas. Se a alma
individual não fosse controlada pela Superalma, então como se podería explicar a
versão védica de que uma entidade viva transmigra de um corpo a outro, desfru­
tando e sofrendo os efeitos de seus atos passados? Às vezes ela é promovida a um
padrão de vida superior e às vezes degradada a um padrão inferior. Assim, as almas
condicionadas estão não somente sob o controle do Senhor Supremo, mas também
são condicionadas pelo controle da natureza material. Esta relação das entidades
vivas com o Senhor Supremo como as controladas e o controlador prova definitiva­
mente que, embora a Superalma seja onipenetrante, as entidades vivas individuais
jamais são onipenetrantes. Se as almas individuais fossem onipenetrantes, não
havería possibilidade de elas serem controladas. A teoria de que a Superalma e a
alma individual são iguais é, portanto, uma conclusão errônea, que nenhuma pessoa
648 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

sensata aceitaria; pelo contrário, deve-se tentar compreender as distinções entre o


eterno supremo e os eternos subordinados.”
Os Vedas personificados portanto concluíram: “O Senhor, tanto Vós quanto as
dhruvas, entidades vivas, limitadas, sois etemos. A forma do eterno ilimitado às
vezes é concebida como a forma universal, e nas literaturas védicas como os
Upanisads descreve-se vividamente a forma do eterno limitado. Ali se diz que a
forma espiritual original da entidade viva é uma décima milésima parte do tamanho
da ponta de um cabelo. Afirma-se que o espírito é maior que o maior e menor que o
menor. As entidades vivas individuais, que são etemamente partes integrantes de
Deus, são menores que o menor. Com nossos sentidos materiais, não podemos
perceber nem o Supremo, que é maior que o maior, nem a alma individual, que é
menor que o menor. Temos que compreender tanto o maior quanto o menor a partir
das fontes autorizadas da literatura védica. A literatura védica afirma que a Super-
alma está situada dentro do corpo de uma entidade viva e é do tamanho de um
polegar. Por isso, pode ser que coloquem o seguinte argumento: como pode algo do
tamanho de um polegar ser acomodado dentro do coração de uma formiga? A
resposta é que esta medida-polegar da Superalma é imaginada em proporção com o
corpo da entidade viva. Em todas as circunstâncias, portanto, a Superalma e a
entidade viva individual não podem ser consideradas uma coisa só, embora ambas
entrem dentro do corpo material de uma entidade viva. A Superalma vive dentro do
coração para orientar ou controlar a entidade viva individual. Embora ambas sejam
dhruva, ou eternas, a entidade viva está sempre sob a orientação do Supremo.
“ Pode ser que alguém argumente que, porque as entidades vivas nascem da
natureza material, todas elas são iguais e independentes. Na literatura védica,
contudo, se diz que a Suprema Personalidade de Deus fecunda a natureza material
com as entidades vivas, c então elas surgem. Portanto, o aparecimento das entida­
des vivas individuais não é, na verdade, devido unicamente à natureza material,
assim como uma criança gerada por uma mulher não é sua geração independente.
Primeiramente a mulher é fecundada pelo homem, e então a criança é gerada. Sendo
assim, a criança gerada pela mulher é pane integrante do homem. Analogamente,
as entidades vivas são aparentemente geradas pela natureza material, mas não
independentemente. E devido à fecundação da natureza material por parte do pai
supremo que as entidades vivas estão presentes. Portanto, o argumento de que as
entidades vivas individuais não são partes do Supremo não pode ser mantido. Por
exemplo, as diferentes partes do corpo não podem ser consideradas iguais ao todo;
pelo contrário, o corpo todo é o controlador dos diferentes membros. Analoga­
mente, as partes do supremo todo são sempre dependentes e são sempre controladas
pela fonte das partes. Confirma-se no Bhaguvad-gltã que as entidades vivas são
partes de Krsna: mamaivõmsah. Nenhum homem sensato, portanto, aceitará a teoria
de que a Superalma e a alma individual estão na mesma categoria. Elas são iguais
em qualidade, mas quantitàtivamente a Superalma é sempre o Supremo, e a alma
individual é sempre subordinada à Superalma. Esta é a conclusão dos Vedas."
Orações dos Vedas personificados 649

Duas palavras significativas usadas a este respeito são yanmaya e cinmaya. Na


gramática sanscrita, a palavra mayat é usada no sentido de transformação, e tam­
bém no sentido de suficiência. Os filósofos Mãyãvãdis interpretam que yanmaya ou
cinmaya indica que a entidade viva é sempre igual ao Supremo. Mas é preciso
considerar se este afixo, mayat, é usado para suficiência ou transformação. A
entidade viva nunca possui nada exatamente na mesma proporção que a Suprema
Personalidade de Deus. Portanto, este afixo mayat não pode ser usado para signifi­
car que a entidade viva Individual é auto-suficiente. A entidade viva individual
nunca tem conhecimento suficiente; caso contrário, como .podería ela ficar sob o
controle de mãyã, ou a energia material? A palavra “suficiente” só pode ser aceita,
portanto, em proporção com a magnitude da entidade viva. A unidade espiritual do
Senhor Supremo e as entidades vivas não deve nunca ser aceita como homogenei­
dade. Toda e cada uma das entidades vivas é individual. Se aceitássemos a unidade
homogênea, então, pela liberação de uma alma individual, todas as outras almas
individuais se libertariam imediatamente. Mas, o fato é que toda alma individual
desfruta e sofre de formas diferentes no mundo material.
A palavra mayat também é usada no sentido de transformação, ou às vezes é
usada para significar “sub-produto.” A teoria impersonalista é que o próprio
Brahman aceita diferentes tipos de corpos e que este é o Seu Ulã, ou passatempo.
Contudo, há muitas centenas e milhares de espécies de vida em diferentes padrões
de condições de vida, tais como seres humanos, semideuses, animais, aves e bestas,
e se todos eles fossem expansões da Suprema Verdade Absoluta, a liberação estaria
fora de cogitação porque Brahman já é liberado. Outra Interpretação apresentada
pelos Mãyãvãdis é que em cada milênio manifestam-se diferentes tipos de corpos, e
quando se encerra o milênio todos os diferentes corpos ou expansões de Brahman
automaticamente tornam-se um, acabando com todas as diferentes manifestações.
Então, no milênio seguinte, segundo esta teoria, Brahman expande-Se outra vez em
diferentes formas corpóreas. Se aceitamos esta teoria, Brahman toma-Se, então,
sujeito a alterações, Mas não se pode aceitar tal coisa. Do Vedãnta-sütra compre­
endemos que por natureza Brahman é alegre. Ele não pode, portanto, transformar-
Se em um corpo que esteja sujeito a condições dolorosas. Na realidade, as entidades
vivas, que são partes integrantes de Brahman, são partículas infinitesimais propen­
sas a serem cobertas pela energia ilusória. Como se explicou antes, as partículas de
Brahman são como centelhas dançando bem-aventuradamente dentro de um fogo,
mas há uma possibilidade de elas saírem do fogo para a fumaça, embora a fumaça
seja outra condição do fogo. Este mundo material é como a fumaça, e o mundo
espiritual é como o fogo ardente. As inúmeras entidades vivas estão propensas a
tombar no mundo material do mundo espiritual, quando influenciadas pela energia
ilusória, e também é possível que a entidade viva liberte-se novamente quando,
através do cultivo de conhecimento verdadeiro, ela se livra completamente da
contaminação do mundo material.
650 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

A teoria dos asuras é que as entidades vivas nascem da natureza material, ou


prakrti, em contato com o purusa. Esta teoria também não pode ser aceita porque
tanto a natureza material quanto a Suprema Personalidade de Deus existem etema-
mente, Nem a natureza material nem a Suprema Personalidade de Deus podem
nascer. O Senhor Supremo é conhecido como aja, ou não-nascido. Da mesma
forma, a natureza material também é chamada de ajã. Ambos estes termos, aja e
ajã, significam “não-nascido.MJá que tanto a natureza material quanto o Senhor
Supremo são não-nascidos, não é possível que eles possam gerar as entidades vivas.
Assim como a água em contato com o ar às vezes apresenta inumeráveis bolhas, da
mesma forma uma combinação da natureza material com a Pessoa Suprema provoca
o aparecimento das entidades vivas dentro deste mundo material. Assim como as
bolhas na água aparecem sob diferentes formas, as entidades vivas também apare­
cem no mundo material sob diversas formas e condições, influenciadas pelos modos
da natureza material. Sendo assim, não é impróprio concluir que as entidades vivas
que aparecem dentro deste mundo material sob diferentes formas, tais como seres
humanos, semideuses, animais, aves e bestas, obtêm seus respectivos corpos de­
vido a diferentes desejos. Ninguém pode dizer quando tais desejos despertaram
nelas, e por isso se diz, anãdi-karma: a causa de tal existência material é insondá-
vel. Ninguém sabe quando a vida material começou, mas é um fato que ela tem um
ponto de partida, porque originalmente toda entidade viva é uma centelha espiritual.
Assim como as centelhas que caem ao solo de um fogo têm um começo, as entida­
des vivas que vêm a este mundo material têm um começo, mas ninguém pode dizer
quando. Mesmo durante o momento da dissolução, estas entidades vivas permane­
cem imersas na existência espiritual do Senhor, como que profundamente adormeci­
das, mas seus desejos originais de assenhorear-se da natureza material não cessam.
Outra vez, quando se dá a manifestação cósmica, elas saem para satisfazer os
mesmos desejos, e por isso aparecem em diferentes espécies de vida.
As entidades vivas imersas no Supremo no momento da dissolução são compara­
das ao mel. Na colméia, os sabores de diferentes flores e frutas são conservados.
Quando bebemos mel, não podemos distinguir que tipo de mel foi colhido de que
tipo de flor, mas o gosto saboroso do mel pressupõe que o mel não é homogêneo,
mas é, isso sim, uma combinação de diferentes sabores. Outro exemplo é que,
embora diferentes rios misturem-se finalmente com a água do mar, isto não signi­
fica que as entidades individuais dos rio estão, dessa maneira, perdidas. Embora a
água do Ganges e do Yamunã se misture com a água do mar, o rio Ganges e o rio
Yamunã ainda continuam a existir independentemente. A imersão de diferentes
entidades vivas no Brahman no momento da dissolução implica na dissolução de
diferentes tipos de corpos, mas, as entidades vivas, juntamente com seus diferentes
gostos, permanecem individualmente submersas em Brahman até outra manifes­
tação do mundo material. Assim como o gosto salgado da água do mar e o gosto
doce da água do Ganges são diferentes e esta diferença existe contínuamente, da
Orações dos Vedas personificados 651

mesma forma, a diferença entre o Senhor Supremo e as entidades vivas existe


continuamente, mesmo que no momento da dissolução eles pareçam fundir-se uns
nos outros. A conclusão é, portanto, que mesmo quando as entidades vivas se
libertam de toda a contaminação das condições materiais e imergem no reino espiri­
tual, seus gostos individuais em relação com o Senhor Supremo continuam a existir.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor nosso, nossa conclusão é
que todas as entidades vivas são atraídas por Vossa energia material, e apenas
devido a elas equivocadamente se identificarem como produtos da natureza material
é que transmigram de uma espécie de corpo a outra, esquecidas de sua relação
eterna convosco. Por causa da ignorância, essas entidades vivas identificam-se
falsamente com diferentes espécies de vida, e, especíalmente quando elevadas à
forma de vida humana, elas se identificam com uma classe particular de homens, ou
uma nação particular, ou raça, ou chamada religião, esquecendo-se de sua identi­
dade real como servos eternos de Vossa Onipotência. Devido a este conceito defei­
tuoso da vida, elas se submetem a repetidos nascimentos e mortes. Dentre muitos
milhões delas, quando uma se toma suficientemente inteligente, através da associa­
ção com devotos puros, ela chega à compreensão da consciência de Krsna e sai da
jurisdição da falsa concepção material.”
No Caitanya-caritãmrta o Senhor Caitanya confirma que as entidades vivas
divagam dentro deste universo em diferentes espécies de vida, mas, se uma delas se
toma inteligente o bastante, pela misericórdia do mestre espiritual e da Suprema
Personalidade de Deus, Krsna, então eia começa sua vida devociona! em consciência
de Krsna. É dito, harim vinã na mrtim taranti: sem a ajuda da Suprema Personali­
dade de Deus, ninguém pode escapar das garras de repetidos nascimentos e mortes.
Em outras palavras, apenas o Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, pode
livrar as almas condicionadas do ciclo de repetidos nascimentos e mortes.
Os Vedas personificados continuaram: “A influência do tempo— passado, pre­
sente e futuro — e as misérias materiais, tais como calor excessivo, frio excessivo,
nascimento, morte, velhice, doença, são todos simplesmente os movimentos de
Vossas sobrancelhas. Tudo funciona sob Vossa orientação. É dito no Bhagavad-
gitã que toda atividade material acontece sob a orientação da Suprema Personali­
dade de Deus, Krsna. Todas as condições da existência material são elementos
opostos para pessoas que não são rendidas a Vós. Mas, para aqueles que são almas
rendidas e estão em consciência de Krsna plena, essas coisas não podem ser fonte de
temor. Quando o Senhor Nrsimhadeva apareceu, Prahlãda Mahãrãja não teve medo
dEle, ao passo que seu pai ateísta defrontou-se imediatamente com a morte personi­
ficada e foi morto. Portanto, embora o Senhor Nrsimhadeva apareça como a morte
para um ateísta como Hiranyakasipu, Ele é sempre bondoso e é o reservatório de
todo prazer para os devotos como Prahlãda. Por isso, o devoto puro não tem medo
de nascimento, morte, velhice e doença.
652 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Srípãda Sridhara Svãml compôs um belo verso, cujo significado é o seguinte:


“ Meu querido Senhor, sou uma entidade viva perpetuamente perturbada pelas con­
dições da existência material. Tenho sido despedaçado pela esmagadora roda da
existência material, e por causa de minhas várias atividades pecaminosas enquanto
existo neste mundo material, estou me consumindo no fogo ardente das reações
materiais. De alguma forma, meu querido Senhor, venho refugiar-me a Vossos pés
de lótus. Por favor, aceitai-me e dai-me proteção.” Srlla Narottama dãsa Thãkura
também ora assim: “Meu querido Senhor, ó filho de Nanda Mahãrãja, associado
com a filha de Vrsabhãnu, refugio-me a Vossos pés de lótus após ter sofrido muito
na condição material de vida, e oro para que, por favor, tenhais misericórdia de
mim. Por favor, não me mandeis embora, pois não tenho outro abrigo além de Vós.”
A conclusão é que qualquer outro processo de auto-realização ou compreensão
de Deus além da bhakti-yoga, ou serviço devocional, é extremamente difícil.
Refugiar-se no serviço devocional ao Senhor em consciência de Krsna plena é,
portanto, a única maneira de livrar-se da contaminação da vida condicionada mate­
rial, especialmente nesta era. Aqueles que não estão em consciência de Krsna estão
simplesmente perdendo seu tempo e não têm prova tangível de vida espiritual.
O Senhor Rãmacandra diz: “ Eu sempre dou confiança e segurança a qualquer
pessoa que se renda a Mim e decida definitivamente ser Meu servo eterno, pois esta
é Minha inclinação natural.” Da mesma forma, o Senhor Krsna diz no Bhagavad-
gítã: “A influência da natureza material é insuperável, mas qualquer pessoa que se
renda a Mim pode realmente superar a influência da natureza material.” Os devotos
não estão absolutamente interessados em argumentar com os não devotos para
anular suas teorias. Em vez de perder tempo, eles sempre se ocupam no transcen­
dental serviço amoroso ao Senhor em consciência de Krsna plena.
Os Vedus personificados continuaram: “Querido Senhor, embora grandes yogls
místicos possam ter total controle sobre o elefante da mente e o furacão dos senti­
dos, a menos que se refugiem em um mestre espiritual fidedigno eles caem vítimas
da influência material e nunca são bem sucedidos em suas tentativas de auto-
realização. Tais pessoas desorientadas são comparadas a mercadores que vão ao
mar em navio sem capitão.” Portanto, através de nossos esforços pessoais, não;
podemos nos livrar das garras da natureza material. É preciso aceitar um mestre
espiritual fidedigno e trabalhar segundo sua orientação. Então será possível atraves­
sar a nescidade do condicionamento material. Srípãda Sridhara Svãml compôs um
belo verso a este respeito, no qual ele diz: “Ó mestre espiritual todo-misericordioso,
representante da Suprema Personalidade de Deus, quando minha mente se renderá
completamente a vossos pés de lótus? Neste momento, apenas por vossa misericór­
dia, serei capaz de aliviar-me de todos os obstáculos à vida espiritual, e estarei
situado em vida bem-aventurada."
Na verdade, pode-se alcançar samãdhi extático ou absorção na Suprema Persona­
lidade de Deus através da constante ocupação em Seu serviço, e esta ocupação
Orações dos Vedas personificados 653

constante em serviço devocional só pode ser realizada quando se trabalha sob a


orientação de um mestre espiritual fidedigno. Portanto, os Vedas ensinam que, a
fim de conhecer a ciência do serviço devocional, temos de nos submeter a mestre
espiritual fidedigno. Mestre espiritual fidedigno é aquele que conhece a ciência do
serviço devocional em sucessão discipular. Esta sucessão discipular chama-se
srotriyam. O sintoma primário de alguém que tenha se tomado um mestre espiritual
em sucessão discipular é que ele está cem por cento fixo em bhukti-yoga. Às vezes
as pessoas descuidam-se em aceitar urn mestre espiritual, e, em vez disso,
esforçam-se por alcançar a auto-realização praticando voga mística; porém, há
muitos exemplos de fracasso, mesmo por parte de grandes yogis como Visvãmitra.
Arjuna disse no Bhagavad-gitã que controlar a mente é tão impraticável como parar
o sopro do furacão. Às vezes a mente é comparada a um elefante enlouquecido.
Sem seguir orientação de mestre espiritual, não se pode controlar a mente e os
sentidos. Em outras palavras, se alguém praticar o misticismo da voga e não aceitar
um mestre espiritual fidedigno, certamente cairá. Simplesmente perderá seu tempo
valioso. O preceito védico é que ninguém pode ter conhecimento pleno sem ser
orientado por um âcãrya. Ãcãryavãn puruso veda: alguém que tenha aceitado um
ãcãrya sabe o que é o que é. Não se pode compreender a Verdade Absoluta através j
de argumentos. Alguém que tenha atingido o estágio bramínico perfeito natural­
mente toma-se renunciado; não se esforça por obter ganho material porque, através
do conhecimento espiritual, chega à conclusão de que não há insuficiência neste
mundo. Tudo é suficientemente fornecido pela Suprema.Personalidade de Deus.
Portanto, um brãhmana verdadeiro não se esforça por obter perfeição material; pelo
contrário, ele se aproxima do mestre espiritual fidedigno para aceitar ordens dele. A
qualificação do mestre espiritual é que ele é bruhma-nistham, que significa que ele
abandonou todas as outras atividades e dedica sua vida a trabalhar apenas para a
Suprema Personalidade de Deus, Krsna. Quando um estudante fidedigno se aproxima
de um mestre espiritual fidedigno, ele ora submissamente ao mestre espiritual; “Meu
querido senhor, por favor, aceitai-me como vosso estudante e treinai-me de tal ma­
neira que eu seja capaz de abandonar todos os outros processos de auto-realização e
simplesmente ocupar-me em consciência de Krsna, serviço devocional."
O devoto ocupado, através da orientação do mestre espiritual, no transcendental
serviço amoroso ao Senhor medita da seguinte maneira: “Meu querido Senhor, sois
o reservatório do prazer. Se estais presente, de que serve o prazer transitório obtido
da sociedade, amizade e amor? Pessoas sem conhecimento do reservatório supremo
de prazer ocupam-se falsamente em obter prazer do gozo dos sentidos, mas isto é
transitório e ilusório.” A este respeito, Vtdyãpati, grande devoto e poeta Vaisnava,
diz: “Meu querido Senhor, sem dúvida há certo prazer no meio da sociedade,
amizade e amor, apesar de ser concebido materialmente, mas tai prazer não pode
satisfazer meu coração, que é como um deserto.” Para o deserto ê necessário um
oceano de água. Mas se derramam apenas uma gota dágua no deserto, de que
654 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

adianta tal água? Analogamente, nossos corações materiais estão repletos de múlti­
plos desejos, que não podem ser satisfeitos dentro da sociedade material de amizade
e amor, Quando nossos corações começarem a obter prazer do reservatório supremo
de prazer, então poderemos nos satisfazer. Esta satisfação transcendental só é
possível no serviço devocional, em consciência de Krsna plena.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor nosso, sois sac-cid-
ãnanda-vigraha, a forma sempre bem-aventurada de conhecimento, e porque as
entidades vivas são partes integrantes de Vossa personalidade, seu estado natural de
existência é serem inteiramente conscientes de Vós. Neste mundo material, qual­
quer pessoa que tenha desenvolvido tal consciência de Krsna não está mais interes­
sada no modo de vida materialista. Quem é consciente de Krsna perde interesse por
vida familiar ou condições de vida opulentas, e precisa somente de uma pequena
concessão para suas necessidades corpóreas. Em outras palavras, ele não está mais
interessado em gozo dos sentidos. A perfeição da vida humana baseia-se em conhe­
cimento e renúncia, mas é muito difícil atingir o estágio de conhecimento e renúncia
enquanto se está na vida familiar. Por isso, as pessoas conscientes de Krsna
refugiam-se na companhia dos devotos ou cm locais santificados de peregrinação.
Tais pessoas estão conscientes do relacionamento entre a Superalma e as entidades
vivas individuais, e nunca nutrem conceitos corpóreos de vida. Por sempre Vos
levarem em seus corações em consciência plena, elas se purificam tanto que qual­
quer lugar aonde elas vão torna-se um local santo de peregrinação, e a água que lhes
lava os pés é capaz de salvar muitas pessoas pecaminosas, que vagueiam dentro
deste mundo material.”
Quando o pai ateísta de Prahlãda Mahãrãja pediu-lhe para descrever alguma coisa
excelente que ele tivesse aprendido, Prahlãda respondeu a seu pai que para uma
pessoa materialista sempre cheia de ansiedades devido a sua ocupação em verdades
temporárias e relativas, a melhor coisa a fazer é abandonar o poço escuro da vida
familiar e ir para a floresta a fim de refugiar-se no Senhor Supremo. Aqueles que
são realmente devotos puros são célebres como mahãtmãs, ou grandes sábios,
personalidades perfeitas em conhecimento. Eles sempre pensam no Senhor Su­
premo e em Seus .pés de lótus, e assim líbertam-se automaticamente. Devotos que
estão sempre situados nesta posição tornam-se eletrizados pelas potências inconce­
bíveis do Senhor, e desse modo eles mesmos tomam-se fonte de liberação para seus
seguidores e devotos. Uma pessoa consciente de Krsna é inteiramente eletrizada
espiritualmente, e por isso qualquer pessoa que toca ou se refugia em tal devoto
puro toma-se semelhantemente eletrizada por potências espirituais. Tais devotos
nunca têm vangloria de opulências materiais. Geralmente, as opulências materiais
são bom parentesco, educação, beleza e riquezas, mas, embora o devoto do Senhor
possa ter todas essas quatro opulências, ele nunca é arrastado pelo orgulho de
possuir tais distinções. Grandes devotos do Senhor viajam por todo o mundo, de
um local de peregrinação a outro, e, em seu caminho, encontram muitas almas
Orações dos Vedas personificados 655

condicionadas e salvam-nas através de sua associação e distribuição de conheci­


mento transcendental. Eles residem em iocais como Vrndãvana, Mathurã, Dvãrakã,
Jagannãtha Puri e Navadvipa porque somente devotos se reúnem nesses locais.
Dessa maneira, eles se aproveitam da associação santa, e, através de ta! associação,
os devotos avançam cada vez mais em consciência de Krsna. Este avanço não é
possível na vida familiar ordinária, que é desprovida de consciência de Krsna.
Os Vedas personificados continuaram; “Querido Senhor nosso, há duas classes de
transcendentalistas, os impersonalistas e os personalistas. A opinião dos impersona-
listas é que esta manifestação material é falsa e que apenas a Verdade Absoluta é
real. O ponto de vista do personalista, contudo, é que o mundo material, embora
realmente temporário, não é, no entanto, falso, mas sim real. Tais transcendentalis-
tas têm diferentes argumentos para estabelecer a validade de suas filosofias. Na
realidade, o mundo material é simultaneamente tanto verdade quanto inverdade. É
verdade porque tudo é uma expansão da Suprema Verdade Absoluta, e é inverdade
porque a existência do mundo materiai é temporária: é criada e é aniquilada. Por
causa de suas diferentes condições de existência, a manifestação cósmica não tem
posição fixa. Aqueles que advogam a aceitação deste mundo material como algo
falso são geralmente conhecidos pela máxima brahma satyam jagan mithyã. Eles
apresentam o argumento de que tudo no mundo material é preparado a partir da
matéria. Por exemplo, há muitas coisas feitas de argila, tais como panelas, pratos e
bolas. Após sua destruição, essas coisas podem transformar-se em muitos outros
objetos materiais, mas, de qualquer modo, sua existência como argila continua. Um
vaso dágua de argila, após ser quebrado, pode ser transformado em copo ou prato,
mas seja como prato, seja como copo ou vaso, a argila em si continua a existir.
Portanto, as formas do vaso, do prato ou do copo são falsas, mas sua existência
como argila é real. Esta é a versão dos impersonalistas. Esta manifestação cósmica
é certamente produzida a partir da Verdade Absoluta, mas, como sua existência é
temporária, ela é falsa; a compreensão dos impersonalistas é que a Verdade Abso­
luta, que está sempre presente, é a única verdade. Na opinião de outros transcen­
dentalistas, contudo, este mundo material, por ser produzido a partir da Verdade
Absoluta, também é verdade. O contra-argumento dos impersonalistas é que o
mundo material não é real, pois às vezes se vê que a matéria é produzida a partir da
alma espiritual, e às vezes a alma espiritual é produzida a partir da matéria. Tais
filósofos insistem no argumento de que, embora o estrume de vaca seja matéria
morta, às vezes se vê que surgem escorpiões do estrume de vaca. Da mesma
maneira, matéria morta como unhas e cabelo surge do corpo vivo. Portanto, coisas
produzidas de uma determinada coisa nem sempre são as mesmas. Baseados neste
argumento, os filósofos Mãyãvãdís estabelecem que, embora esta manifestação
cósmica seja certamente uma emanação da Verdade Absoluta, a manifestação
cósmica não tem necessariamente verdade em si. Segundo este ponto de vista,
a Verdade Absoluta, Brahman, deve ser aceita como verdade, ao passo que a
656 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

manifestação cósmica, embora produto da Verdade Absoluta, não pode ser conside­
rada verdade.
Contudo, o Bhagavad-gltã afirma que o ponto de vista do filósofo Mãyãvãdi é o
ponto de vista dos asuras, ou demônios. O Senhor diz no Bhagavad-gltã, asatyam
apratistharh te jagad ãhur anlsvaram. A visão que os usuras têm desta manifes­
tação cósmica é que toda a criação é falsa. Os usuras acham que a mera interação da
matéria é a fonte da criação e que não existe controlador ou Deus. Mas, na verdade,
não é bem assim. Do Sétimo Capítulo do Bhagavad-gltã compreendemos que os
cinco elementos grosseiros — terra, água, ar, fogo e céu — somados aos elementos
sutis—- mente, inteligência e falso ego—-são as oito energias separadas do Senhor
, Supremo. Além desta energia material inferior está uma energia espiritual, conhe­
cida como as entidades vivas. As entidades vivas também são aceitas como sendo a
energia superior do Senhor. Toda a manifestação cósmica é uma combinação das
energias inferior e superior, e a fonte das energias é a Suprema Personalidade de
Deus. A Suprema Personalidade de Deus tem muitos tipos diferentes de energias.
Isto é confirmado nos Vedas. Parãsya saktir vividhaiva srãyate: as energias trans­
cendentais do Senhor são variegadas. e, como tais variedades emanam do Senhor
Supremo, elas não podem ser falsas, O Senhor existe sempre, e as energias existem
sempre. Uma das energias é temporária — às vezes manifesta e às vezes
imanifesta — mas isto não significa que ela é falsa. Pode-se dar o exemplo de que
quando uma pessoa está zangada ela faz coisas que são diferentes do que ela faz em
sua condição normal de vida. mas o fato de que o temperamento da zanga somente
aparece e desaparece não significa que a energia da zanga seja falsa. Sendo assim, o
argumento dos filósofos Mãyãvãdís de que este mundo é falso não é aceito pelos
filósofos Vaisnavas. O próprio Senhor confirma que o ponto de vista de que não há
causa suprema desta manifestação material, de que não existe Deus e que tudo é
apenas a criação da interação da matéria é o ponto de vista dos asuras.
As vezes o filósofo Mãyãvãdi coloca o argumento da cobra e da corda. Às vezes,
na escuridão da noite, alguém, por ignorância, toma uma corda enrolada por uma
cobra. Mas o fato de se confundir a corda com a cobra não significa que a corda, ou
a cobra, seja falsa, e por isso este exemplo, usado pelos Mãyãvãdís para ilustrar a
falsidade do mundo material, não é válido. Quando uma coisa é tomada como fato
mas na verdade não tem existência em absoluto, isto é considerado falso. Mas se
algo é confundido com outra coisa, isto não quer dizer que aquilo seja falso. Os
filósofos Vaisnavas usam um exemplo muito apropriado, comparando este mundo
material a um pote de argila. Quando vemos um pote de argila, ele não desaparece
de repente para se transformar em outra coisa. Pode ser que seja temporário, mas o
pote de argila é usado para se pegar água, e nós continuamos a vê-lo como um pote
de argila. Portanto, embora o pote de argila seja temporário e diferente da argila
original, não podemos dizer que ele é falso. Devemos, por conseguinte, concluir
que toda a argila e o pote de argila são ambos verdades porque um é o produto do
Orações dos Vedas personificados 657

outro. Compreendemos do Bhagavad-gitã. que, após a dissolução desta manifes­


tação cósmica, a energia entra na Suprema Personalidade de Deus. A Suprema
Personalidade de Deus existe sempre com Suas variadas energias. Como a criação
material emana dEle, não podemos dizer que esta manifestação cósmica é produto
de algo vazio. Krsna não é vazio. Sempre que falamos de Krsna, Ele está presente
cpm Suá forma, qualidade, nome, séquito e parafernália. Portanto, Krsna não é
impessoal. A causa original de tudo não é vazia nem impessoal, mas é a Pessoa
Suprema. Pode ser que os demônios digam que esta criação material é anísvara,
sem um controlador ou Deus, mas, em última análise, esses argumentos não podem
ser mantidos.
O exemplo dado pelos filósofos Mãyãvãdis de que a matéria inanimada como
unhas e cabelo vem do corpo vivo não é um argumento muito bom. Sem dúvida, as
unhas e o cabelo são inanimados, mas eles não surgem do ser vivo animado, senão
do corpo material inanimado. Da mesma forma, o argumento de que o escorpião
surge do estrume de vaca, significando que a entidade viva surge da matéria,
também não é muito forte. Certamente, o escorpião que surge do estrume de vaca é
uma entidade viva, mas a entidade viva não nasce do estrume de vaca. Apenas o
corpo material da entidade viva, ou o corpo do escorpião, surge do estrume de vaca.
As centelhas das entidades vivas, como compreendemos a partir do Bhagavad-gitã,
são injetadas na natureza material, e depois nascem. O corpo da entidade viva sob
diferentes formas é fornecido pela natureza material, mas a entidade viva em si é
gerada pelo Senhor Supremo. O pai e a mãe dão o corpo necessário para a entidade
viva sob determinadas condições. A entidade viva transmigra de um corpo a outro
de acordo com seus diferentes desejos, que, sob a forma sutil de inteligência,
mente e falso ego, acompanham-na de corpo a corpo. Por arranjos superiores, a
entidade viva é posta no ventre de um determinado tipo de corpo material, e daí ela
desenvolve um corpo semelhante. Por conseguinte, a alma espiritual não é produ­
zida a partir da matéria; ela assume um tipo de corpo particular sob arranjo superior.
Segundo nossa experiência atual, este mundo material é uma combinação de maté­
ria e espírito. O espírito movimenta a matéria. A alma espiritual (a entidade viva) e
a matéria são diferentes energias do Senhor Supremo, e uma vez que ambas as
energias são produtos do eterno supremo, ou a verdade suprema, e!’us são reais, e
não falsas. Porque a entidade viva é parte integrante do Supremo, ela existe etema-
mente. Portanto, nascimento e morte estão fora de cogitação. Os chamados nasci­
mento e morte ocorrem por causa do corpo material. A versão védica sarvam khalv
Idam brahma significa que, como ambas as energias emanam do Brahman Su­
premo, nada do que experimentamos ê diferente de Brahman.
Há muitos argumentos sobre a existência deste mundo material, mas a conclusão
filosófica Vaisnava é a melhor. O exemplo do pote de argila é muito adequado:
pode ser que a forma do pote de argila seja temporária, mas ela tem um propósito
específico. O propósito do pote de argila é transportar água de um local a outro. Da
658 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

mesma maneira, este corpo material, embora temporário, tem utilidade especial. A
entidade viva recebe a oportunidade desde o começo da criação de desenvolver
diferentes espécies de corpos materiais de acordo com os desejos de reserva que ela
tem acumulado desde tempos imemoriais. A forma humana de corpo é uma oportu­
nidade especial em que se pode utilizar a forma desenvolvida de consciência.
As vezes-os filósofos Mãyãvãdls insistem no argumento de que, se este mundo
material é verdade, porque, então, os chefes de família são aconselhados a abando­
nar sua relação com este mundo material e tomar sannyãsa? Mas, o ponto de vista
de sannyãsa do filósofo Vaisnava não é que, porque o mundo material é falso,
deve-se portanto abandonar as atividades materiais. O propósito do sannyãsa Vais­
nava é utilizar as coisas como elas são projetadas. Sríla Rüpa Gosvãmí dá duas
fórmulas para nosso trato com este mundo material. Quando um Vaisnava renuncia
ao modo de vida materialista e adota sannyãsa, ele não faz isso baseado na concep­
ção da falsidade do mundo material, mas para devotar-se inteiramente a empregar
tudo no serviço ao Senhor, Portanto, Sríla Rüpa Gosvãmí dá esta fórmula: devemos
ser desapegados do mundo material porque o apego material não tem sentido. Todo
o mundo material, toda a manifestação cósmica, pertence a Deus, Krsna. Portanto,
tudo deve ser utilizado para Krsna, e o devoto deve permanecer desapegado das
coisas materiais. Este é o objetivo do sannyãsa Vaisnava. O materialista aferra-se
ao mundo em troca do gozo dos sentidos, mas um sannyãsi Vaisnava, apesar de não
aceitar nada para seu gozo pessoal dos sentidos, conhece a arte de utilizar tudo a
serviço do Senhor. Por isso, Sríla Rüpa Gosvãmí critica os sannyãsis Mãyãvãdls,
porque eles não sabem que tudo tem sua utilidade no serviço ao Senhor. Pelo
contrário, eles consideram o mundo falso e falsamente julgam-se liberados da
contaminação do mundo material. Já que tudo é uma expansão da energia do Senhor
Supremo, as expansões são tão reais quanto o é o Senhor Supremo.
O fato de o mundo cósmico manifestar-se apenas temporariamente não significa
que ele é falso ou que a fonte de sua manifestação é falsa. Uma vez que a fonte de
sua manifestação é verdadeira, a manifestação também é verdadeira mas deve-se
saber como utilizá-la. Podemos cttar o mesmo exemplo: o temporário pote de argila
é produzido a partir da argila integral, mas, quando usado com um objetivo ade­
quado, 0 pote de argila não é falso. Os filósofos Vaisnavas sabem como utilizar o
utensílio temporário deste mundo material, assim como um homem sensato sabe
como utilizar o utensílio temporário do pote de argila. Quando o pote de argila é
usado para um objetivo errado, isto é falso. Analogamente, esta forma humana de
corpo, ou este mundo material, quando usados para o gozo falso dos sentidos, são
falsos. Porém, se este corpo humano e a criação material forem usados a serviço do
Senhor Supremo, suas atividades não serão absolutamente falsas. Por isso,
confirma-se no Bhagavad-gltã que a menor atitude de serviço no uso deste corpo e
do mundo material para o serviço ao Senhor pode salvar uma pessoa do mais grave
dos perigos. Quando devidamente utilizadas, nem a energia superior, nem a energia
inferior, que emanam da Suprema Personalidade de Deus, são falsas.
Orações dos Vedas personificados 659

Quanto às atividades fruitivas, elas baseiam-se principalmente-na plataforma do


gozo dos sentidos. Portanto, uma pessoa consciente de Krsna avançada não as
adota. O resultado das atividades fruitivas pode nos elevar ao sistema planetário
superior, mas, como se diz no Bhagavad-gitã, as pessoas tolas, após esgotarem os
resultados de suas atividades piedosas no reino celestial, voltam outra-vez a este
sistema planetário inferior e depois novamente tentam ir ao sistema planetário
superior. Sua única vantagem é afadigar-se cm ir e voltar, assimcomo atualmente
muitos cientistas materiais estão desperdiçando seu tempo, esforçando-se para ir ao
planeta Lua e voltando outra vez. Os Vedas personificados descrevem aqueles que se
ocupam em atividades fruitivas como andha-paramparã, ou seguidores cegos das
cerimônias ritualísticas védicas. Embora essas cerimônias sejam certamente mencio­
nadas nos Vedas, elas não sc destinam à classe de homens inteligentes. Os homens que
estão demasiadamente apegados ao desfrute material são cativados pela perspectiva de
serem elevados aos sistemas planetários superiores, e assim eles adotam tais ativi­
dades ritualísticas. Porém, uma pessoa que é inteligente, ou que tenha se refugiado
em um mestre espiritual fidedigno para ver as coisas como elas são, não adota
atividades fruitivas, mas se ocupa no transcendental serviço amoroso ao Senhor.
Aqueles que não são devotos adotam cerimônias ritualísticas védicas por razões
materialistas, e por conseguinte ficam confusos. Podemos dar um exemplo vivido
disto: uma pessoa inteligente que possui milhões de dólares em cédulas não deixa de
usar o dinheiro, embora saiba perfeitamente bem que as cédulas em si não passam
de papel. Quando alguém tem um milhão de dólares em cédulas, está rcalmente
mantendo apenas uma imensa pilha de papéis, mas se ele a utiliza para um propó­
sito, então se beneficia. Analogamente, embora este mundo material possa ser
falso, assim como o papel, ele tem sua apropriada utilização benéfica. Como as
notas, embora papéis, são emitidas pelo governo, elas têm todo o valor. Analoga­
mente, este mundo material pode ser falso ou temporário, mas, por ser uma ema­
nação do Senhor Supremo, tem todo o valor. O filósofo Vaisnava reconhece todo o
valor deste mundo material e sabe como utilizá-lo apropriadamente, ao passo que oív
filósofo Mãyãvãdl não consegue fazê-lo, assim como aqueles que confundem uma
cédula com notas falsas e as abandonam sem utilizar o dinheiro. Srlla Rüpa
Gosvãmí, portanto, declara que se alguém rejeita este mundo material como falso,
não considerando a importância deste mundo material como meio para servir à
Suprema Personalidade de Deus, tal renúncia tem pouquíssimo valor. Uma pessoa
que conhece o valor intrínseco deste mundo material para o serviço ao Senhor, que
não é apegada ao mundo material e que renuncia ao mundo material por não
aceitá-lo para o goz,o dos sentidos está situada em verdadeira renúncia. Este mundo
material é uma expansão da energia material do Senhor. Portanto, ele é real. Não é
falso, como às vezes se conclui a partir do exemplo da cobra e da corda.
Os Vedas personificados continuaram: “A manifestação cósmica, por causa da
natureza oscilante de sua existência impermanente. parece ser falsa para os homens
660 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

menos inteligentes.” Os filósofos Mãyãvãdís tiram proveito da natureza oscilante


desta manifestação cósmica para provar sua tese de que este mundo é falso. Se­
gundo a versão védica, antes da criação este mundo não existia, e após a dissolução
o mundo não estará mais manifesto. Os niilistas também se aproveitam desta versão
védica e concluem que a causa deste mundo material é vazia. Mas os preceitos
védicos não dizem que ele é vazio. O preceito védico define a fonte da criação e
dissolução como yato vã imãni bhurãni jãyante, “Aquele de quem emana esta
manifestação cósmica e em quem, após a aniquilação, tudo imergirá.” O mesmo se
explica no Vedãnui-sãtra e no primeiro verso do Primeiro Capítulo do Srimad-
Bhãgavatam através da expressão junmãdy usyu, “Aquele de quem todas as coisas
emanam.” Todos estes preceitos védicos indicam que a manifestação cósmica é
devida à Suprema e Absoluta Personalidade de Deus, e quando ela se dissolve
imerge nEIe. O mesmo princípio é confirmado no Bhaguvad-guã: a manifestação
cósmica vem a existir e novamente se dissolve, e, após a dissolução, imerge na
existência do Senhor Supremo. Esta declaração definitivamente confirma que a
energia particular conhecida como bahlrangã mãyã, ou a energia externa, embora
de natureza oscilante, é a energia do Senhor Supremo, e sendo assim não pode ser
falsa. Ela simplesmente parece ser falsa. Os filósofos Mãyãvãdís concluem que,
porque a natureza material não tem existência no princípio e não existe após a
dissolução, ela é falsa. Mas, através do exemplo dos potes e pratos de argila, a
versão védica é apresentada: embora a existência dos sub-produtos particulares da
Verdade Absoluta seja temporária, a energia do Senhor Supremo é permanente. O
pote de argila ou vaso dágua pode ser quebrado ou transformado em outro utensílio,
tal como um prato ou copo, mas o ingrediente, ou a base material, a saber, a argila,
continua a ser o mesmo. O princípio básico da manifestação cósmica é sempre o
mesmo, Brahman, ou a Verdade Absoluta; portanto, a teoria dos filósofos Mãyã-
vãdls de que ela é falsa certamente é apenas invenção mental. O fato de a manifes­
tação cósmica ser oscilante c temporária não signitlca que ela é falsa. A definição
j de falsidade é “aquilo que jamais teve existência mas que existe apenas como
nome." Por exemplo, os ovos de um cavalo ou a flor do céu ou o chifre de um
coelho são fenômenos que existem apenas como nome. Não há ovos de cavalo, não
há chifre de coelho, nem há flores crescendo no céu. Há muitas coisas que existem
como nomes ou fantasias mas, na verdade, não têm manifestação real. Tais coisas
pode-se dizer que são falsas. Mas o Vaisnava não pode considerar este mundo
material como falso simplesmente porque sua natureza temporária se manifesta e
novamente se dissolve.
Os Vedas personificados continuaram, dizendo que a Superalma e a alma indivi­
dual. ou o Paramãtmã e a jivãimã, não podem ser iguais em nenhuma circunstância,
embora ambos se encontrem dentro do mesmo corpo, como dois pássaros pousados
na mesma árvore. Como se declara nos Vedas, estes dois pássaros, embora pousa­
dos como amigos, não são iguais. Um deles ê simplesmente uma testemunha. Este
Orações dos Vedas personificados 661

pássaro é o Paramãtmã, ou a Superalma. E o outro pássaro está comendo o fruto da


árvore. Este é a jivãtrnã. Quando se dá a manifestação cósmica, a jivãtmã, ou a
alma individual, aparece na criação sob formas diferentes, de acordo com suas
atividades fruitivas anteriores, e, devido a seu longo esquecimento da existência
real, ela se identifica com uma forma particular conferida a ela pelas leis da natu­
reza material. Após assumir forma material, ela se sujeita aos três modos materiais
dá natureza e age acordemente para continuar sua existência no mundo material.
Enquanto emaranhada em tal ignorância, suas opulências naturais, embora existam
em quantidade diminuta, quase se extinguem. As opulências da Superalma, ou a
Suprema Personalidade de Deus, contudo, não são diminuídas, embora Ele apareça
dentro deste mundo material. Ele mantém todas as opulências e perfeições integral­
mente e todavia Se mantém à parte de todas as tribulaçõcs deste mundo material. A
alma condicionada enreda-se no mundo material, ao passo que a Superalma, ou a
Suprema Personalidade de Deus, deixa-o sem afeição, assim como uma cobra muda
sua pele. A distinção entre a Superalma e a alma individual condicionada é que a
Superalma, ou a Suprema Personalidade de Deus, mantém Suas opulências natu­
rais, conhecidas como sad-aisvarya . asta-siddhi e asia-guria.
Por causa de seu pobre fundo de conhecimento, os filósofos Mãyãvãdís
esquecem-se do fato de que Krsna é sempre pleno de seis opulências, oito qualida­
des transcendentais e oito tipos de perfeição. As seis opulências são que ninguém é
superiora Krsna em riqueza, em força, em beleza, em fama, em conhecimentoe em
renúncia. A primeira das oito qualidades transcendentais de Krsna é que Ele nunca é
afetado pela contaminação da existência material. Isto também é mencionado no
Isopanisad. Apãpa-viddhum: assim como o sol nunca é poluído por nenhuma conta­
minação, o Senhor Supremo nunca é poluído por nenhuma atividade pecaminosa.
De forma semelhante, embora às vezes as ações de Krsna possam parecer ímpias,
Ele nunca é poluído por tais ações. A segunda qualidade transcendental é que Krsna
nunca morre. No Bhagavad-gitã, Quarto Capítulo, Ele informa Arjuna que tanto
Ele quanto Arjuna apareceram muitas vezes neste mundo material, mas apenas Ele
Se lembra de todas essas atividades — passado, presente e futuro. Isto significa que
Ele nunca morre. O esquecimento deve-se à morte. Quando morremos, mudamos
de corpo e esquecemos. Krsna, contudo, nunca esquece. Ele pode Se lembrar de
tudo que aconteceu no passado. Caso contrário, como poderia Ele Se lembrar de
que primeiramente ensinou o sistema de yoga do Bhagavüd-gitã ao deus do Sol,
Vivasvãn? Portanto, Ele nunca morre. Nem tampouco Ele jamais envelhece. Em­
bora Krsna já fosse bisavô quando apareceu no Campo de Batalha de Kuruksetra.
Ele não apareceu como um velho. Krsna não pode ser poluído por nenhuma ativi­
dade pecaminosa, Krsna nunca morre, Krsna nunca envelhece, Krsna nunca está
sujeito à lamentação, Krsna nunca sente fome e nunca tem sede. Tudo que Ele
deseja é perfeitamente legal, e tudo que Ele decide não pode ser alterado por
ninguém. Estas são as qualidades transcendentais de Krsna. Além disso, Krsna é
662 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

conhecido, como Yogesvara. Ele tem todas as opulências ou facilidades de poderes


místicos, tais como imimã-siddhi, o poder de tomar-se menor que o menor. Afirma-
se no Bruhma-samhUü que Krsna entra inclusive dentro do átomo (undãntarastha-
paramãnu-cayãniarastham). De forma semelhante, Krsna, como Garbhodakasãyi
Visnu, está dentro do universo gigantesco, e está deitado no Oceano Causai como
Mahã-Visnu com um corpo tão gigantesco que quando Ele exala, milhões e trilhões
de universos emanam de Seu corpo. Isto chama-se mahimã-siddhi. Krsna também
tem a perfeição de laghimã: Ele pode tomar-Se o mais leve. Afirma-se no
Bhcigavad-gítã que é porque Krsna entra dentro deste universo e dentro dos átomos
que todos os planetas flutuam no ar. Esta é a explicação da lei da gravitação. Krsna
também tem a perfeição de prãpti: Ele pode obter tudo o que deseja. De forma
semelhante, Ele tem a facilidade de ísitã, ou do poder controlador. Ele é chamado
de controlador supremo, Paramesvara. Além disso, Krsna pode manter qualquer
pessoa sob Sua influência. Isto se chama vasitõ.
Krsna é dotado com todas as opulências, qualidades transcendentais e poderes
místicos. Nenhum ser vivo comum pode comparar-se com Ele. Portanto, a teoria
dos Mãyãvãdls de que a Superalma e a alma individual são iguais é apenas um
equívoco. Por isso, a conclusão é que Krsna é adorável e que todas as outras
entidades vivas são simplesmente Seus servos. Esta compreensão chama-se auto-
reaüzação. Qualquer outra compreensão do próprio eu além desta relação de eterna
servidão a Krsna é impingida por mãyã. Diz-se que a última armadilha de mãyã é
incitar a entidade viva a tentar tomar-se igual à Suprema Personalidade de Deus. O
filósofo Mãyãvãdí afirma ser igual a Deus, mas não pode responder porque caiu no
enredamento material. Se ele é o Deus Supremo, como, então, é possível que tenha
sido dominado por atividades ímpias e desse modo se sujeitado às tribulações da lei
do karrna? Quando se pergunta aos Mãyãvãdls a respeito disto, eles não conseguem
responder apropriadamente. A especulação de que se é igual à Suprema Personali­
dade de Deus é outro sintoma de vida pecaminosa. Uma pessoa não adotará a
consciência de Krsna a não ser que esteja completamente livre de todas as ativida­
des pecaminosas. O próprio fato de o Mãyãvãdí afirmar ser igual ao Senhor Su­
premo significa que ele ainda não está livre das reações de atividades pecaminosas.
O Snmud-Bhãgavatam afirma que tais pessoas são avisuddha~buddhayah,que signi­
fica que elas falsamente julgam-se liberadas embora ao mesmo tempo se julguem
iguais à Verdade Absoluta. Sua inteligência não está purificada.
Os Vedas personificados disseram que se os yogis e os jnãnis não se livrarem dos
desejos pecaminosos, então seu processo particular de auto-realização jamais será
bem sucedido. “Meu querido Senhor,’*continuaram os Vedas personificados, “se as
pessoas santas não tiverem o cuidado de erradicar completamente as raízes dos
desejos pecaminosos, elas não poderão experimentar a Superalma, embora Ele
esteja sentado lado a lado com a alma individual. Samãdhi, ou meditação, significa
que faz-se mister encontrar a Superalma dentro de si mesmo. Aquele que não está
Orações dos Vedas personificados 663

livre das reações pecaminosas não pode ver a Superalma. Se uma pessoa tem uma
medalha como jóia em seu colar mas se esquece da jóia, isto é quase como se ela
não a possuísse. Analogamente, se uma alma individual medita mas não percebe
realmente a presença da Superalma dentro de si mesma, ela não compreendeu a
Superalma.” As pessoas que adotam o caminho da auto-realização devem, portanto,
ter muito cuidado para não se contaminarem pela influência.de mãyã. Srlla Rüpa
Gosvãml diz que um devoto deve ser completamente livre de todas as espécies de
desejos materiais. O devoto não deve se deixar afetar pelos resultados de karma e
jnãna. Basta compreender Krsna e levar a cabo Seus desejos. Este é o estágio
devocional puro. Os Vedas personificados continuaram: “Os yogis místicos que
ainda têm desejos contaminados de gozo dos sentidos nunca são bem sucedidos em
suas tentativas, nem podem compreender a Superalma dentro do eu individual.
Sendo assim, os chamados yogis e jnãnis que estão simplesmente perdendo seu
tempo em diferentes tipos de gozo dos sentidos, seja através de especulação mental,
seja através da exibição de poderes místicos limitados, jamais se libertarão da vida
condicionada e continuarão a sofrer repetidos nascimentos e mortes. Para tais pes­
soas, tanto esta vida quanto a próxima são fontes de tribulação. Tais pessoas
pecaminosas já estão sofrendo tribulação nesta vida, e, por não serem perfeitas na
auto-realização, serão atormentadas com mais tribulação na vida seguinte. A des­
peito de todos os esforços por alcançar a perfeição, tais yogis. contaminados por
desejos de gozo dos sentidos, continuarão a sofrer nesta vida e na próxima.”
Sríla Visvanãtha Cakravarti Thãkura observa a este respeito que se os sannyãsls e
pessoas na ordem de vida renunciada, que deixaram seus lares para fins de auto-
realização, não se ocuparem no serviço devocional ao Senhor mas ficarem atraídos
por trabalhos filantrópicos, tais como abrir instituições educacionais, hospitais, ou
mesmo mosteiros, igrejas ou templos de semideuses, eles só enfrentarão incômodos
em tais ocupações, não apenas nesta vida, mas também na próxima. Os sannyãsls
que não se aproveitam desta vida para compreender Krsna simplesmente perdem
seu tempo e energia em atividades fora da jurisdição da ordem renunciada. O
esforço de um devoto por empregar suas energias em atividades tais como construir
um templo de Visnu, contudo, nunca se perde. Tais ocupações chamam-se
krsnãrihe ’khilu-cestã, atividades variegadas executadas para comprazer Krsna, O
ato de um filantropo abrindo um edifício escolar e o ato de um devoto construindo
um templo não estão no mesmo nível. Embora o ato de um filantropo abrindo uma
instituição educacional seja atividade piedosa, mesmo assim está sob as leis do
karma, ao passo que construir um templo para Visnu é serviço devocional.
O serviço devocional nunca está dentro da jurisdição da lei do karma. Como se
afirma no Bhagavad-gitã, os devotos transcendem a reação dos três modos da
natureza material e situam-se na plataforma de compreensão de Brahman: brahma-
bhüyãya kalpate. O Bhagavad-gtiã diz, sa gunãn samatiryuitãn brahma-bhãyãya
kalpate: os devotos da Personalidade de Deus transcendem todas as reações dos três
664 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

modos da natureza material e estão situados na plataforma transcendental de


Brahman. Os devotos são liberados tanto nesta vida quanto na próxima. Qualquer
trabalho feito neste mundo material para Yajna, Visnu ou Krsna, é considerado
trabalho liberado, mas, sem ligação com Acyuta, a infalível Suprema Personalidade
de Deus, não há possibilidade de acabar com as ações resultantes da lei do karma. A
vida de consciência de Krsna é a vida de liberação. A conclusão é que um devoto,
pela graça do Senhor, é liberado, tanto nesta vida quanto na próxima, ao passo que
os karmls, jnãnls e vogls nunca são liberados, seja nesta vida, seja na próxima.
Os Vedas personificados continuaram: “Querido Senhor, qualquer pessoa que,
por Vossa graça, compreenda as glórias de Vossos pés de lótus é indiferente à
felicidade e aflição materiais. As dores materiais são inevitáveis enquanto exista­
mos no mundo material, mas o devoto não desvia sua atenção para tais ações e
reações, que são os resultados de atividades piedosas e impiedosas. Nem tampouco
o devoto fica muito satisfeito ou perturbado com o louvor ou a condenação das
pessoas em geral. As vezes o devoto é muito louvado por causa de suas atividades
transcendentais, e às vezes ele é criticado, muito embora não haja razão para a
crítica adversa. O devoto puro, contudo, é sempre indiferente ao louvor ou à
condenação de pessoas ordinárias. Na realidade, as atividades do devoto estão no
plano transcendental. Ele não está interessado no louvor ou na condenação de
pessoas ocupadas em atividades materiais. Se o devoto puder manter assim sua
posição transcendental, sua liberação nesta vida e na próxima é garantida pela
Suprema Personalidade de Deus. A posição.transcendental do devoto dentro deste
mundo material é mantida na associação de devotos puros, simplesmente por se
ouvir as atividades gloriosas desempenhadas pelo Senhor em diferentes eras e em
diferentes encarnações."
O movimento para a consciência de Krsna baseia-se neste princípio. Srila Narot-
tama dãsa Thãkura canta: “Meu querido Senhor, deixai-me ocupar-me em Vosso
transcendental serviço amoroso, como indicam os ãcãryas anteriores, e deixai-me
viver na companhia de devotos puros. Este é meu desejo, vida após vida.” Em
outras palavras, o devoto não se importa muito se é ou não é liberado; ele apenas
anseia pelo serviço devocional. Serviço devocional significa que a pessoa não faz
nada independentemente da sanção dos ãcãryas. As ações do movimento para a
consciência de Krsna são orientadas pelos ãcãryas anteriores, encabeçados por
Srila Rüpa Gosvãml; na companhia de devotos que seguem estes princípios, o
devoto é capaz de manter perfeitamente a sua posição transcendental.
No .Bhagavad-giiã, o Senhor diz que o devoto que O conhece perfeitamente Lhe é
muito querido. Quatro tipos de homens piedosos adotam o serviço devocional. Se
um homem piedoso está aflito, ele se aproxima do Senhor para mitigar sua aflição.
Se um homem piedoso necessita de auxílio material, ele ora ao Senhor por tal
auxílio. Se um homem piedoso é realmente inquisitivo sobre a ciência de Deus, ele
se aproxima da Suprema Personalidade de Deus, Krsna. Do mesmo modo, um
Orações dos Vedas personificados 665

homem piedoso que simplesmente anseia por conhecer a ciência de Krsna também
se aproxima do Senhor Supremo. Dessas quatro classes de homens, o último é
louvado pelo próprio Krsna no Bhagavad-gitã. Uma pessoa que tema compreender
Krsna com conhecimento pleno e devoção, seguindo os passos de ãcãryas anterio­
res familiarizados com o conhecimento científico do Senhor Supremo, é digna de
louvor. Um devoto assim pode compreender que todas as condições de vida, favorá­
veis e desfavoráveis, são criadas pela vontade suprema do Senhor. E quando se
rende inteiramente aos pés de lótus do Senhor Supremo, ele não se importa se sua
condição de vida é favorável ou desfavorável. O devoto considera inclusive uma
condição desfavorável como graça especial da Personalidade de Deus. Na verdade,
não há condições desfavoráveis para um devoto. Ele vê tudo que vem pela vontade
do Senhor como favorável, e, em qualquer condição de vida, ele é simplesmente
entusiasta em executar seu serviço devocional. Esta atitude devocional é explicada
no Bhagavad-gitã: o devoto nunca se aflige em condições adversas de vida, nem
tampouco se enche de contentamento em condições favoráveis. Nos estágios supe­
riores do serviço devocional, o devoto nem sequer se preocupa com a lista de faças e
não faças. Tal posição só pode ser mantida seguindo-se os passos dos ãcãryas. Porque
o devoto puro segue os passos dos ãcãryas, compreende-se que qualquer ação por
ele executada para cumprir o serviço devocional está na plataforma transcendental.
Portanto, o Senhor Krsna nos ensina que o ãcãrya está acima de críticas. O devoto
neófíto não deve considerar que está no mesmo plano que o ãcãrya. Deve-se aceitar
que os ãcãryas estão na mesma plataforma que a Suprema Personalidade de Deus,
e, sendo assim, nem Krsna nem Seu representante, o ãcãrya, devem estar sujeitos a
qualquer crítica adversa por parte dos devotos neófitos.
Assim, os Vedas personificados adoraram a Suprema Personalidade de Deus de
diferentes maneiras. Oferecer adoração ao Senhor Supremo através de orações
significa lembrar-se de Suas qualidades, passatempos e atividades transcendentais.
Mas os passatempos e qualidades do Senhor são ilimitados. Para nós, não é possível
lembrar-nos de todas as qualidades do Senhor. Portanto, os Vedas personificados
executaram adoração da melhor maneira possível e ao ftm falaram o seguinte.
“Querido Senhor nosso, embora o Senhor Brahmã, a deidade predominante de
Brahmaloka, o planeta mais elevado, e o rei Indra, o semideus predominante do
planeta celestial, como também as deidades predominantes de planetas tais como o
Sol e a Lua, sejam todos diretores muito confidenciais deste mundo material, eles
têm pouquíssimo conhecimento sobre Vós. E o que dizer de seres humanos ordiná­
rios e especuladores mentais? Não é possível que alguém enumere as ilimitadas
qualidades transcendentais de Vossa Onipotência. Ninguém, nem mesmo os espe­
culadores mentais e os semideuses dos sistemas planetários superiores, é realmente
capaz de avaliar as dimensões de Vossa forma e características. Achamos que nem
sequer Vossa Onipotência tem conhecimento completo de Vossas qualidades trans­
cendentais. A razão é que sois ilimitado. Embora não seja conveniente dizer'que
666 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Vós não Vos conheceis, é pratico compreender que, porque tendes qualidades e
energias ilimitadas e porque Vosso conhecimento também é ilimitado, há compe­
tição ilimitada entre Vosso conhecimento e Vossa expansão de energias.”
A idéia é que porque tanto Deus quanto Seu conhecimento são ilimitados, assim
que Deus toma conhecimento de alguma de Suas energias, Ele percebe que tem
ainda mais energias. Dessa maneira, tanto Suas energias quanto Seu conhecimento
aumentam. Por ambos serem ilimitados, não há fim para as energias e não há fim
para o conhecimento com o qual se compreende as energias. Deus é indubitavel­
mente onisciente, mas os Vedas personificados dizem que mesmo o próprio Deus
não conhece a extensão total de Suas energias. Isto não significa que Deus não é
onisciente. Quando um fato concreto é desconhecido para determinada pessoa, isto
chama-se ignorância ou falta de conhecimento. Isto não é aplicável a Deus, con­
tudo, porque Ele Se conhece perfeitamente, mas mesmo assim Suas energias e
atividades aumentam. Portanto, Ele também aumenta Seu conhecimento para
compreendê-las. Ambos aumentam ilimitadamente, e não há fim para isto. Neste
sentido, pode-se dizer que nem sequer o próprio Deus conhece o limite de Suas
energias e qualidades.
Qualquer entidade viva sensata e sóbria pode calcular grosseiramente como Deus
é ilimitado em Sua expansão de energias e atividades. É dito na literatura védica que
inuméráveis universos surgem quando Mahã-Visnu exala em Sua yoga-nidre7, e
inumeráveis universos entram em Seu corpo quando Ele inala novamente. Temos
que imaginar que estes universos, os quais, segundo nosso conhecimento limitado,
expandem-se ilimitadamente, são tão grandes que os ingredientes grosseiros, os
cinco elementos da manifestação cósmica, a saber, terra, água, fogo, are céu, não
apenas estão dentro do universo, mas também cobrem o universo em sete camadas,
cada camada dez vezes maior que a anterior. Dessa maneira, todo e cada universo
está muito bem empacotado, e existem inúmeros universos. Todos estes universos
flutuam dentro dos inumeráveis poros do corpo transcendental de Mahã-Visnu.
Afirma-se que assim como os átomos e partículas de poeira flutuam dentro do ar
juntamente com os pássaros e seu número não pode ser calculado, da mesma forma
inumeráveis universos flutuam dentro dos poros do corpo transcendental do Senhor.
Por este motivo, os Vedas dizem que Deus está além do alcance dc nosso conheci­
mento. Avãn-mãnasa-gocara: compreender as dimensões de Deus está além da
jurisdição de nossa especulação mental. Portanto, uma pessoa que é realmente
erudita e sensata não afirma ser Deus, mas tenta entender Deus, fazendo distinções
entre espírito e matéria. Através desta cuidadosa discriminação, pode-se claramente
entender que a Alma Suprema é transcendental tanto à energia superior quanto à
energia inferior, embora tenha ligação direta com ambas. No Bhügavad-gitõ, o
Senhor Krsna explica que embora tudo repouse em Sua energia, Ele é diferente ou
separado da energia.
As vezes se designa a natureza e as entidades vivas como prakrii e purusa,
respectiva mente. Toda a manifestação cósmica é uma amaigamação de prakrti e
Orações dos Vedas personificados 667

purusa. A natureza é a causa-ingrediente, e as entidades vivas são a causa eficiente.


Estas duas causas combinam-se e o efeito é esta manifestação cósmica. Quando
alguém tem a fortuna de chegar à conclusão correta sobre esta manifestação cósmica e
tudo que acontece dentro dela, ele sabe que eia c causada direta e indiretamente pela
própria Suprema Personalidade de Deus. Conclui-se no Brahma-samhitã, portanto,
isvarah paramah krsttah sac-cid-ãnanda-vigrahah/ anãdir ãdir govindah sarva-
kãrana-kãranam.
Após muita deliberação e consideração, quando se tenha atingido a perfeição do
conhecimento, chega-se à conclusão de que Krsna, ou Deus, c a causa original de
todas as causas. Em vez de especular sobre a medida de Deus — se Ele tem tal-
comprimento ou tal largura — ou filosofar, deve-se chegar à conclusão do Brahma-
samhitã: sarva-kãrana-kãranam, “Krsna, ou Deus, é a causa de todas as causas."
Esta é a perfeição do conhecimento.
Assim o Veda-stuii, ou as orações oferecidas pelos Vedas personificados ao
Garbhodakasayi Visnu, foram narradas primeiramente em sucessão discipular por
Sanandana a seus irmãos, sendo que Sanandana e seus irmãos nasceram de Brahmã.
No princípio, os quatro Kumãras foram os primogênitos de Brahmã; por isso eles
são conhecidos como pürva-jãta. Afirma-se no Bhagavad-gitã que o sistema
paramparã, ou a sucessão discipular, começa com o .próprio Krsna. Do mesmo
modo, aqui, nas orações dos Vedas personificados, deve-se compreender que o
sistema paramparã começa com a Personalidade de Deus, Nãrãyana Rsi. Devemos
lembrar que este Veda-stuti é narrado por Kuinãra Sanandana, e a narração é
repetida por Nãrãyana Rsi em Badarikãsrama. -Nãrãyana Rsi é a encarnação de
Krsna para mostrar-nos o caminho da auto-realização, submetendo-se a austerida-
des severas. Nesta era, o Senhor Caitanya demonstrou o caminho do serviço devo-
cional puro colocando-Se no papel de um devoto puro. Da mesma maneira, no
passado, o Senhor Nãrãyana Rsi foi uma encarnação de Krsna que executou austeri-
dades severas nas montanhas dos Himalaias. Srl Nãrada Muni ouvia da parte dEle.
Assim, na afirmação feita por Nãrãyana Rsi a Nãrada Muni, de acordo com a
narração de Kumãra Sanandana sob a forma do Veda-stuti. subentende-se que Deus
é o supremo uno e que todos os outros são Seus servos.
No Caitanya-caritãmrta aílrma-se, ekala isvara krsna: "Krsna c o único Deus
Supremo." Àra sava bhrtya: “Todos os outros são Seus servos.” Yãre yaiche
nãcãya, se taiche kare nrtyu: "O Senhor Supremo, conforme Seu desejo, ocupa
todas as entidades vivas em diferentes atividades, e assim elas manifestam seus
diferentes talentos e tendências." Este Veda-stuti é assim a instrução original rela­
tiva à relação existente entre a entidade viva e a Suprema Personalidade de Deus. A
plataforma mais elevada de compreensão para a entidade viva é a consecução desta
vida devocional. Não podemos ocupar-nos em vida devocional ou consciência de
Krsna a menos que estejamos livres da contaminação material. Nãrãyana Rsi infor­
mou a Nãrada Muni que a essência de todos os Vedas e literaturas védicas (a saber.
66S Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

o.s quatro Vedas, os Upanisads e os Purãnas) ensina a prestação de transcendental


serviço amoroso ao Senhor. A este respeito, Nãrãyana Rsi usa uma palavra
particular— rasa. Em serviço devodonal, esta rasa é o intermédio ou o princípio
básico para se intercambiar uma relação entre o Senhor e a entidade viva. Rasa
também é descrita nos Vedas. Raso vai sah: “O Senhor Supremo é o reservatório de
todo prazer.” Todos os textos védicos, incluindo os Purãnas, os Vedas, os Upani­
sads e os Vedãntu-sütras, ensinam às entidades vivas a como atingir o estágio de
rasa. O Bhãgavatam também diz que as declarações do Mahã-purãna (Srimad-
Bhãgavatam) contêm a essência de rasas em todos os textos védicos. Nigama-
kalpa-taror galitam pfuüurii. O Bhãgavatam é a essência do fruto maduro da árvore
da literatura védica.
Compreendemos que com a respiração da Suprema Personalidade de Deus foram
produzidos os quatro Vedas, a saber, o Rg-veda, o Sãma-veda, o Yajur-veda e o
Alharva-veda, e as histórias como o Mahãbhãraia e todos os Purãnas, que também
são considerados como sendo a história do mundo. As histórias védicas como os
Purãnas e o Mahãbhãruta são chamadas de o quinto Veda.
Os versos do Veda-stuti devem ser considerados a essência de todo o conheci­
mento védico. Os quatro' Kumãras e todos os outros sábios autorizados sabem
perfeitamente que o serviço devocional em consciência de Krsna é a essência de
todos os textos védicos, e pregam isto em diferentes planetas, viajando pelo espaço
exterior. Aqui se afirma que tais sábios, incluindo Nãrada Muni, dificilmente via­
jam alguma vez por terra; eles perpetuamente viajam peto espaço.
Sábios como Nãrada e os Kumãras viajam por todo o universo para educar as
almas condicionadas e mostrar-lhes que sua ocupação no mundo não é o gozo dos
sentidos, mas sim reassumirem sua posição original de serviço devocional à Su­
prema Personalidade de Deus. Em várias passagens se afirma que as entidades vivas
são como centelhas de fogo, e a Suprema Personalidade de Deus é como o próprio
fogo. De alguma forma, quando as centelhas saem do fogo perdem sua luminosi­
dade natural; por isso se afirma que as entidades vivas vêm a este mundo material
exatamente, como centelhas que caem de um grande fogo. A entidade viva quer
imitar Krsna e tenta assenhorear-se da natureza material; assim ela esquece sua
posição original, e seu poder de iluminação, sua identidade espiritual, se extingue.
Contudo, se a entidade viva adota a consciência de Krsna, ela é reinstalada em sua
posição original. Sábios e santos como Nãrada e os Kumãras viajam por todo o
universo educando as pessoas e encorajando seus discípulos a pregar este processo
de serviço devocional para que todas as almas condicionadas sejam capazes de
reviver sua consciência original, ou consciência de Krsna, e deste modo se aliviem
das condições miseráveis da vida material.
Sr! Nãrada Muni é naisthika-brahmacãrl. Há quatro tipos de brahmacãns. O
primeiro chama-se sãvirra, que se refere a um brahmacãrl que, após a iniciação e a
cerimônia do cordão sagrado, deve observar pelo menos três dias de celibato. O
Orações dos Vedas personificados 669

seguinte chama-se prãjãpaiya, que se refere a um brahmacãrí que estritamente


observa o celibato por pelo menos um ano após a iniciação. O outro chama-se
brãhma-brahmacãrl. que se refere a um brahmacãrí que observa o celibato desde o
momento da iniciação até o momento em que encerra seu estudo da literatura
védica. A fase seguinte chama-se naisthíka. que se refere a um brahmacãrí que se
mantém celibatário por toda a sua vida. Dentre estes, os três primeiros são upakur-
vãna, que significa que o brahmacãrí pode casar-se posteriormente, após terminado
o período de brahmacãrí. O naisthika-brahmacãri. contudo, renuncia completa­
mente a ter qualquer vida sexual; portanto, os Kumãras c Nãrada são conhecidos
como naisthika-brahmacãrís. O sistema brahmacãrí de vida c especialmente vanta­
joso na medida em que aumenta o poder de memória e determinação. A este
respeito, menciona-se especificamente que, porque Nãrada era nalsthika-
brahmacãri, ele podia se lembrar de tudo que tinha ouvido de seu mestre espiritual
e jamais esquecería. Alguém que pode se lembrar de tudo perpetuamente é sruta-
dhara. O brahmacãrí sruta-dhara pode repetir verbalmente tudo que tenha ouvido,
sem observações nem necessidade de recorrer a livros. O grande sábio Nãrada tem
esta qualificação, e por isso, tendo recebido instruções de Nãrãyana Rsi. ele se
dedica a propagar a filosofia do serviço devocional em todo o mundo. Por tais
grandes sábios poderem se lembrar de tudo, eles são meditativos, auto-realizados e
completamente fixos no serviço ao Senhor. Assim, o grande sábio Nãrada, após
ouvir de seu mestre espiritual Nãrãyana Rsi, tomou-se completamente realizado.
Ele estabeleceu-se na verdade, e ficou tão feliz que ofereceu orações a Nãrãyana Rsi.
O naisthika-brahmacãrl também é chamado de \nra~vrata. Nãrada Muni chamou
Nãrãyana Rsi de encarnação de Krsna e especificamente chamou-o de o supremo
benquerente das almas condicionadas. Afirma-se no Bhagavad-gitã que o Senhor
Krsna desce em cada milênio apenas para proteger Seus devotos e aniquilar os
não-devotos. Sendo uma encarnação de Krsna, Nãrãyana Rsi também é chamado de
benquerente das almas condicionadas. Como se afirma no Bhagavad-giiã, todos
devem saber que não há benquerente como Krsna. Todos devem compreender que o
Senhor Krsna é o benquerente de todos e devem refugiar-se em Krsna. Dessa
maneira, uma pessoa pode tomar-se completamente confiante e satisfeita, sabendo
que tem alguém que é capaz de lhe dar toda a proteção. O próprio Krsna, Suas
encarnações e Suas expansões plenárias são todos supremos benquerentes das almas
condicionadas, mas Krsna é benquerente até dos demônios, pois Ele salvou todos os
demônios que vieram matá-10 em Vrndãvana; portanto as atividades beneficentes
de Krsna são absolutas, pois mesmo que Ele aniquile um demônio ou proteja um
devoto. Suas atividades são iguais. É dito que a demônia Pütanã foi elevada à
mesma posição que a mãe de Krsna. Quando Krsna mata um demônio deve-se saber
que o demônio é supremamente beneficiado por isto; o devoto puro, contudo,
sempre é protegido pelo Senhor.
Nãrada Muni, após oferecer respeitos a seu mestre espiritual, dirigiu-se ao
ãsrama de Vyãsadeva, seu discípulo. Sendo devidamente recebido por Vyãsadevu
670 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

em seu ãsrama e sentando-se muito confortavelmente, Nãrada Muní narrou-lhe toda


a história do que havia ouvido de Nãrãyana Rsi. Dessa maneira, Sukadeva Gosvãml
informou Mahãrãja Pariksit das respostas a suas perguntas relativas à essência do
conhecimento védico e o que é considerado o objetivo último nos Vedas, A meta
suprema na vida é buscar as bênçãos transcendentais da Suprema Personalidade de
Deus e deste modo ocupar-se no serviço amoroso ao Senhor. Deve-se seguir os
passos de Sukadeva Gosvãml e de todos os Vaisnavas na sucessão discipular e
deve-se prestar reverências respeitosas ao Senhor Krsna, a Suprema Personalidade
de Deus, Hari. Os quatro ramos de sucessão discipular Vaisnava, a saber, a
Madhva-sampradãya, a Rãmãnuja-sampradãya, a Visnusvãmí-sampradãya e a
Nimbãrka-sampradãya, em conformidade com todas as conclusões védicas, concor­
dam que devemos nos render à Suprema Personalidade de Deus.
As literaturas védicas dividem-se em duas partes: os srutis e os stnrtis. Os srutis
são os quatro Vedas — Rg, Sãma, Atharva e Yajur— e os Upanisads, e os smrtis são
os Purãnas como o Mahãbhãraia, que inclui o Bhagavad-gitã. A conclusão de
todos estes é que devemos saber que Srí Krsna é a Suprema Personalidade de Deus.
Ele é o Paramapurusa, ou a Suprema Personalidade de Deus, sob cuja superinten­
dência funciona a natureza material, ao ser criada, mantida e destruída. Após a
criação, o Senhor Supremo Se encarna em três: Brahmã, Visnu e o Senhor Siva, os
quais se encarregam das três qualidades da natureza material; mas a direção última
está na mão do Senhor Visnu. As atividades completas da natureza material sob os
três modos são conduzidas sob a orientação da Suprema Personalidade de Deus,
Krsna. Isto é confirmado no Bhagavad-gitã (muyadhyuksena prakrtih) e nos Vedas
(sa aiksata).
Os filósofos Sankhyaístas ateus argumentam que a manifestação cósmica mate­
rial deve-se a prakrti e purusa. Eles argumentam que a natureza e a energia material
constituem a causa material e a causa eficiente. Mas Krsna é a causa de todas as
causas. Ele é a causa de todas as causas materiais e eficientes. Prakrti e purusa não
são a causa última. Superficialmente parece que uma criança nasce devido à combi­
nação do pai e da mãe, mas a causa final tanto do pai quanto da mãe é Krsna.
Portanto, Ele é a causa original, ou a causa de todas as causas, como se confirma no
B rahmu-samh itã.
Tanto o Senhor Supremo quanto as entidades vivas entram na natureza material.
O Supremo Senhor Krsna, através de uma de Suas expansões plenárias, manifesta-
Se como o Ksirodakasãy! Visnu e o Mahã-Visnu, a gigantesca forma Visnu deitada
no Oceano Causai. Depois, a partir desta gigantesca forma do Mahã-Visnu, o
Garbhodakasãyí Visnu expande-Se em todos os universos. Dele, expandem-se
Brahmã, Visnu e Siva. Visnu entra nos corações de todas entidades vivas, como
também em todos elementos materiais, incluindo o átomo. O Brahma-samhitã diz,
andãntarastha-paramãnu-cayãntarastham: Ele está dentro deste universo e tam­
bém dentro de cada átomo.
A entidade viva assume pequenos corpos materiais sob várias espécies e formas,
e de modo semelhante todo o universo é apenas o corpo material da Suprema
Orações dos Vedas personificados 671

Personalidade de Deus. Este corpo é descrito nos sãstras como virãt-rãpa. Assim
como a entidade viva individual mantém seu corpo particular, a Suprema Personali­
dade de Deus mantém toda a criação cósmica e tudo dentro dela. Assim que a
entidade viva individual deixa o corpo material, o corpo é imediatamente aniqui­
lado, e, da mesma maneira, assim que o Senhor Visnu deixa a manifestação cós­
mica, tudo é aniquilado. Somente quando a entidade viva individual se rende à
Suprema Personalidade de Deus é que sua liberação da existência material está
garantida. Isto é confirmado no Bhagavad-gltã; mãm eva ye prapadyante rnãyãm
etarh taranti te. Render-se à Suprema Personalidade de Deus, e nada mais, é
portanto a causa da liberação. A forma como a entidade viva se liberta dos modos da
natureza material após render-se à Suprema Personalidade de Deus é ilustrada por
um Homem adormecido dentro de um quarto. Quando um homem está dormindo,
todos vêem que ele está presente dentro do quarto, mas na realidade o próprio
homem não está dentro daquele corpo, pois,.enquanto dorme, ele se esquece de sua
existência corpórea, embora outros vejam que seu corpo está presente. Analoga­
mente, pode ser que os outros vejam uma pessoa liberada, dedicada ao serviço
devocional ao Senhor, ocupada nos deveres domésticos do mundo material, mas, já
que sua consciência está fixa em Krsna ela não vive dentro desse mundo. Suas
ocupações são diferentes, exatamente como as ocupações do homem adormecido
são diferentes de suas ocupações corpóreas. É confirmado no Bhagavad-ghõ que o
devoto que ocupa tempo integral no transcendental serviço amoroso ao Senhor já
superou a influência dos três modos da natureza material. Ele já está situado na
plataforma Brahman de compreensão espiritual, embora pareça estar vivendo den­
tro do corpo ou dentro do mundo material.
Srila Rüpa Gosvãml afirma a este respeito em seu Bhakti-rusãmrta-sindhu que a
pessoa cujo único desejo é servir à Suprema Personalidade de Deus pode estar
situada em qualquer condição no mundo material, mas deve-se compreender que ela
é jivan-mukta, isto é, ela deve ser considerada liberada apesar de estar vivendo
dentro do corpo ou do mundo material. A conclusão, portanto, é que uma pessoa
inteíramente ocupada em consciência de Krsna é uma pessoa liberada. Tal pessoa
real mente nada tem a fazer dentro do mundo material. Aqueles que não estão em
consciência de Krsna chamam-se karmis e jhãnis, e pairam nas plataformas mental
e corpórea e deste modo não são liberados. Esta situação chama-se kaivalya-
nirasta-yoni. Porém, a pessoa situada na plataforma transcendental livra-se da
repetição de nascimentos e mortes. Isto também é confirmado no Quarto Capítulo
do Srlmad-Bhagavad-guã. Simplesmente por conhecermos a natureza transcenden­
tal da Suprema Personalidade de Deus, Krsna, livramo-nos dos grilhões da repe­
tição de nascimentos e mortes, e após abandonarmos nosso corpo atual voltamos ao
lar, voltamos ao Supremo. Esta é a conclusão de todos os Vedas. Assim, após
compreendermos as orações oferecidas pelos Vedas personificados, devemos nos
render aos pés de lótus do Senhor Krsna.
Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta
e Seis de Krsna, intitulado “Orações dos Vedas Personificados. ”
8 7 / Salvação do Senhor Siva

Como um grande devoto de Krsna, o rei Pariksit já era liberado, mas, para
esclarecer-se, ele estava fazendo várias perguntas a Sukadeva Gosvãmí. No capí­
tulo anterior, a pergunta do rei Pariksit foi: “Qual é a meta última dos Vedas?" E
Sukadeva Gosvãmí explanou o assunto, dando descrições autorizadas tiradas da
sucessão discipular, começando com Sanandana e vindo até Nãrãyana Rsi, Nãrada,
Vyãsadeva e afinal ele próprio. A conclusão foi que o serviço devocional, ou
bhakti, é a meta última dos Vedas, Pode ser que um devoto neófito pergunte: “Se a
meta última da vida, ou a conclusão dos Vedas, é elevar-se à plataforma de serviço
devocional, por que, então, observa-se que um devoto do Senhor Visnu geralmente
não é muito próspero materialmente, ao passo que um devoto do Senhor Siva
geralmente é muito opulento?” A fim de esclarecer este assunto, Pariksit Mahãrãja
perguntou a Sukadeva Gosvãmí: “Meu querido Sukadeva Gosvãmí, observa-se
geralmente que aqueles que se ocupam na adoração ao Senhor Siva, seja na socie-
.dade humana, demoníaca ou dos semideuses, tomam-se materialmente muito opu­
lentos, embora o próprio Senhor Siva viva como uma pessoa muito pobre. Por outro
lado, os devotos do Senhor Visnu, que é o controlador da deusa da fortuna, não
parecem muito prósperos, e às vezes inclusive observa-se que eles vivem sem
absolutamente nenhuma opulência material. O Senhor Siva vive debaixo de uma
árvore ou na neve das montanhas dos Himalayas. Ele nem sequer constrói uma casa
para ele, mas mesmo assim seus adoradores são muito ricos. Krsna, ou o Senhor
Visnu, entretanto, vive mui opulentamente, quer em Vaikuntha, quer neste mundo
material, mas Seus devotos parecem muito pobres. Porque isto acontece?"
A pergunta de Mahãrãja Pariksit é muito inteligente. As duas classes de devotos,
a saber, os devotos do Senhor Siva e os devotos do Senhor Visnu, estão sempre
discordando. Mesmo hoje em dia na índia, essas duas classes de devotos ainda
criticam uma à outra, e especialmente no sul da índia os seguidores de Rãmãnujã-
carya e os seguidores de Sahkarãcãrya promovem encontros ocasionais para com­
preenderem a conclusão védica. Geralmente, os seguidores de Rãmãnujacãrya saem
vitoriosos em tais encontros. Assim, Pariksit Mahãrãja queria esclarecer a situação,
fazendo esta pergunta a Sukadeva Gosvãmí. Que o Senhor Siva vive como um
homem pobre embora seus devotos pareçam muito opulentos, ao passo que o
Senhor Krsna ou Senhor Visnu é sempre opulento, e todavia Seus devotos parecem
muito pobres, é uma situação que parece contraditória e confusa para uma pessoa de
discriminação.
Salvação do Senhor Siva 673

Respondendo à pergunta do rei Pariksit, Sukadeva Gosvãmí disse que o Senhor


Siva é o senhor da energia material. A energia material é representada pela deusa
Durgã, e. como o Senhor Siva é esposo dela, Durgã está completamente sob o seu
jugo. Assim, deve-se compreender que o Senhor Siva é o senhor desta energia
material. A energia material manifesta-se em três qualidades, a saber, bondade,
paixão e ignorância, e por isso o Senhor Siva é o senhor dessas três qualidades.
Embora esteja em contato com essas qualidades para o benefício da alma condicio­
nada. o Senhor Siva é o diretor e não é afetado. Embora a alma condicionada seja
afetada pelas três qualidades, o Senhor Siva, sendo o senhor dessas qualidades, não o é.
Das declarações de Sukadeva Gosvãmí podemos entender que os efeitos da adora­
ção a diferentes semideuses não são, como supõem algumas pessoas menos inteligen­
tes, os mesmos que os efeitos da adoração ao Senhor Visnu. Ele afirma claramente
que adorando o Senhor Siva obtêm-se uma recompensa, ao passo que adorando o
Senhor Visnu obtém-se outra recompensa diferente. Isto também é confirmado no
Bhagavad-xitã: aqueles que adoram os diferentes semideuses obtêm os resultados
desejados que os respectivos semideuses podem conceder. De maneira semelhante,
aqueles que adoram a energia material recebem a recompensa adequada por tais
atividades, e aqueles que adoram os pitas recebem resultados semelhantes. Porém,
aqueles que se ocupam em serviço devocional ou na adoração ao Senhor Supremo,
Visnu ou Krsna, vão aos planetas Vaikuntha ou a Krsnaloka. Não é possível
aproximar-se da região transcendental, ou paravyoma, o céu espiritual, adorando o
Senhor Siva, ou Brahmã, ou qualquer outro semideus.
Uma vez que este mundo material é um produto das três qualidades da natureza
material, todas as variedades de manifestações provêm dessas três qualidades. Com
o auxílio da ciência materialista, a civilização moderna tem criado muitas máquinas
e confortos, porém, essas são apenas variedades das interações das três qualidades
materiais. Embora os devotos do Senhor Siva sejam capazes de obter muitos bens
materiais, devemos saber que eles estão simplesmente arrecadando produtos fabri­
cados pelas três qualidades. As três qualidades subdividem-se ainda em dezesseis, a
saber, os dez sentidos (cinco sentidos funcionais e cinco sentidos para aquisição de
conhecimento), a mente e os cinco elementos (terra, água, ar, fogo e céu). Esses
dezesseis itens são extensões posteriores das três qualidades. Felicidade ou opulên­
cia material quer dizer gozo dos sentidos, especificamente dos órgãos genitais, da
língua e da mente. Exercitando nossas mentes, criamos muitas coisas agradáveis
apenas para o gozo dos órgãos genitais e da língua. A opulência de uma pessoa
dentro deste mundo material é avaliada em termos de seu exercício dos órgãos
genitais e da língua, ou, em outras palavras, quão bem ela é capaz de utilizar suas
capacidades sexuais e quão bem ela é capaz de satisfazer seu gosto fastidioso de
comer pratos saborosos. O avanço material da civilização torna necessária a criação
de objetos de gozo através da invenção mental só para as pessoas se tomarem felizes
Salvação do Senhor Siva 673

Respondendo à pergunta do rei Paríksit, Sukadeva Gosvãmí disse que o Senhor


Siva é o senhor da energia material. A energia material é representada pela deusa
Durgã, e, como o Senhor Siva é esposo dela, Durgã está completamente sob o seu
jugo. Assim, deve-se compreender que o Senhor Siva é o senhor desta energia
material. A energia material manifesta-se em três qualidades, a saber, bondade,
paixão e ignorância, e por isso o Senhor Siva é o senhor dessas três qualidades.
Embora esteja em contato com essas qualidades para o benefício da alma condicio­
nada, o Senhor Siva é o diretor e não é afetado. Embora a alma condicionada seja
afetada pelas três qualidades, o Senhor Siva, sendo o senhor dessas qualidades, não o é.
Das declarações de Sukadeva Gosvãmí podemos entender que os efeitos da adora­
ção a diferentes semideuses não são, como supõem algumas pessoas menos inteligen­
tes, os mesmos que os efeitos da adoração ao Senhor Visou. Ele afirma claramente
que adorando o Senhor Siva obtém-se uma recompensa, ao passo que adorando o
Senhor Visnu obtém-se outra recompensa diferente. Isto também é confirmado no
Bhügcivad-giiã: aqueles que adoram os diferentes semideuses obtêm os resultados
desejados que os respectivos semideuses podem conceder. De maneira semelhante,
aqueles que adoram a energia material recebem a recompensa adequada por tais
atividades, e aqueles que adoram os piuls recebem resultados semelhantes. Porém,
aqueles que se ocupam em serviço devocional ou na adoração ao Senhor Supremo,
Visnu ou Krsna, vão aos planetas Vaikuntha ou a Krsnaloka. Não é possível
aproximar-se da região transcendental, ou paravyomu, o céu espiritual, adorando o
Senhor Siva, ou Brahma, ou qualquer outro semideus.
Uma vez que este mundo material é um produto das três qualidades da natureza
material, todas as variedades de manifestações provêm dessas três qualidades. Com
o auxílio da ciência materialista, a civilização moderna tem criado muitas máquinas
e confortos, porém, essas são apenas variedades das interações das três qualidades
materiais. Embora os devotos do Senhor Siva sejam capazes de obter muitos bens
materiais, devemos saber que eles estão simplesmente arrecadando produtos fabri­
cados pelas três qualidades. As três qualidades subdividem-se ainda em dezesseis, a
saber, os dez sentidos (cinco sentidos funcionais e cinco sentidos para aquisição de
conhecimento), a mente e os cinco elementos (terra, água, ar. fogo e céu). Esses
dezesseis itens são extensões posteriores das três qualidades. Felicidade ou opulên­
cia material quer dizer gozo dos sentidos, especificamente dos órgãos genitais, da
língua e da mente. Exercitando nossas mentes, criamos muitas coisas agradáveis
apenas para o gozo dos órgãos genitais e da língua. A opulência de uma pessoa
dentro deste mundo material é avaliada em termos de seu exercício dos órgãos
genitais e da língua, ou, em outras palavras, quão bem ela é capaz de utilizar suas
capacidades sexuais e quão bem ela é capaz de satisfazer seu gosto fastidioso de
comer pratos saborosos. O avanço material da civilização toma necessária a criação
de objetos de gozo através da invenção mental só para as pessoas se tomarem felizes
674. Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

com base nesses dois princípios: prazeres para os órgãos genitais e prazeres para a
língua. Aqui está a resposta à pergunta que o rei Pariksit fez a Sukadeva Gosvãmi
sobre por que os adoradores do Senhor Si va são tão opulentos.
Os devotos do Senhor Siva apenas são opulentos em termos das qualidades
materiais. Na verdade, esse chamado avanço de civilização é a causa do enreda-
mento na existência material. Realmente isso não é avanço, mas sim degradação. A
conclusão é que. porque o Senhor Siva é o senhor das três qualidades, seus devotos
recebem coisas fabricadas pelas interações dessas qualidades para a satisfação dos
sentidos. No Bhagavad-gitã, contudo, recebemos instrução do Senhor Krsna de que
é preciso transcender a existência qualitativa. Nistraigunyo bhtivãrjunu: a missão
da vida humana é tornar-se transcendental às três qualidades. A menos que sejamos
nistraigunya, não podemos nos livrar do enredamento material. Em outras palavras,
os favores recebidos do Senhor Siva na verdade não são benéficos para as almas
condicionadas, embora essas facilidades pareçam opulentas.
Sukadeva Gosvãmi continuou: “A Suprema Personalidade de Deus, Hari, é trans­
cendental às três qualidades da natureza material.''' Afirma-se no Bhagavad-gitã que
qualquer pessoa que se renda a Ele supera o controle das três qualidades da natureza
material. Portanto, uma vez que os devotos de Hari são transcendentais ao controle
das três qualidades materiais, certamente Ele próprio é transcendental. Afirma-se,
portanto, no Srimad-Bhãgavatam que Hari, ou Krsna, é a Suprema Personalidade
original. Há dois tipos de prakrtis. ou potências, a saber, a potência interna e a
potência externa, e Krsna é o senhor superior de ambas. Ele é sarva-drk, ou o
superintendente de todas as ações das potências interna e externa, e Ele também é
descrito como upadrastã, o conselheiro supremo. Por ser o conselheiro supremo,
Ele está acima de todos os semideuses. que meramente seguem as orientações do
conselheiro supremo. Sendo assim, se alguém segue diretamente as instruções do
Senhor Supremo, como se inculca no Bhagavad-gitã e no Srimad-Bhãgavatam,
então gradualmente ele se torna nirguna, ou acima das interações das qualidades
materiais. Ser nirguna significa estar desprovido de opulências materiais porque,
como explicamos, opulência material significa um aumento das ações e reações das
três qualidades materiais. Adorando a Suprema Personalidade de Deus, em vez de
se inflar com opulências materiais, a pessoa se enriquece com avanço espiritual de
conhecimento em consciência de Krsna. Tornar-se nirguna significa atingir paz
eterna, destemor, religiosidade, conhecimento e renúncia. Tudo isto são sinais de
alguém tornado livre da contaminação das qualidades materiais.
Ao responder à pergunta de Pariksit Mahãrãja, Sukadeva Gosvãmi prosseguiu
citando um evento histórico relativo ao avô de Pariksit Mahãrãja, o rei Yudhisthira.
Ele disse que, após terminar o sacrifício asvamedha na grande arena sacrificatória,
o rei Yudhisthira, na presença de grandes autoridades, indagou acerca daquele
mesmo assunto: como é que os devotos do Senhor Siva se tornam opulentos mate­
rialmente, ao passo que os devotos do Senhor Visnu não? Sukadeva Gosvãmi
Salvação do Senhor Siva 675

especificamenie referiu-se ao rei Yudhisthira como “teu avô" para que Mahãrãja
Paríksit se animasse a pensar que estava relacionado com Krsna e que seus avós
estavam intimamente ligados à Suprema Personalidade de Deus.
Embora Krsna esteja sempre muito satisfeito por natureza, quando Mahãrãja
Yudhisthira fez esta pergunta o Senhor ficou ainda mais satisfeito porque essas
perguntas e suas respostas teriam um grande significado para toda a sociedade
consciente de Krsna, Sempre que o Senhor Krsna fala sobre algo a um devoto
específico, isso não se destina apenas àquele devoto, mas a toda a sociedade
humana. As instruções dadas pela Suprema Personalidade de Deus são importantes
até para os semideuses, encabeçados pelo Senhor Brahmã, o Senhor Siva e outros,
e alguém que não tire proveito das instruções da Suprema Personalidade de Deus,
que desce a este mundo para o benefício de todas as entidades vivas, é certamente
muito desventurado.
O Senhor Krsna respondeu à pergunta de Mahãrãja Yudhisthira da seguinte
maneira: “Se Eu favoreço especialmente a um devoto e desejo cuidar dele especial­
mente, a primeira coisa que faço é tomar-lhe as riquezas." Quando o devoto se toma
um pobretão ou é posto numa posição comparativamente miserável, seus parentes e
familiares não se interessam mais por ele, e, na maioria dos casos, eles cortam as
relações com ele. O devoto então se toma duplamente infeliz. Primeiramente ele se
toma infeliz porque suas riquezas foram tomadas por Krsna, e se toma ainda mais
infeliz quando seus parentes o abandonam por causa de sua pobreza. Devemos
observar, contudo, que quando um devoto cai numa condição miserável dessa
maneira, isso não é devido a atividades ímpias passadas, conhecidas como karma-
phala; a pobreza do devoto é uma criação da Personalidade de Deus. De forma
semelhante, quando um devoto se toma materialmente opulento, isso também não é
devido a suas atividades piedosas. De qualquer modo, quer o devoto se tome mais
pobre ou mais rico, o arranjo é feito pela Suprema Personalidade de Deus. Este
arranjo é feito para Seu devoto especialmente por Krsna apenas para faze-to com­
pletamente dependente dEle e livrá-lo de todas as obrigações materiais. Ele pode
então concentrar suas energias, mente e corpo — tudo—a serviço do Senhor, e
isso é serviço devocional puro. No Nãrada-pancarãtra explica-se, portanto,
sarvopÜdhi-vinirmuktam, que significa “estando livre de todas as designações.” Os
trabalhos executados para a família, a sociedade, a comunidade, a nação ou a
humanidade são todos designados: “eu pertenço a esta sociedade," “eu pertenço a
esta comunidade," “eu pertenço a esta nação,” “eu pertenço a esta espécie de vida.”
Todas essas identidades são meras designações. Quando, pela graça do Senhor, um
devoto livra-se de todas as designações, seu serviço devocional é realmente nais-
karma. Os jnõnís sentem-se muito atraídos pela posição de naiskarma, em que
nossas ações não têm mais efeito material. Quando as ações do devoto estão livres de
efeitos, elas não estão mais na categoria de kurma-phala, ou atividades fruitivas.
Como explicaram antes os Vedas personificados, a infelicidade e aflição de um
676 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

devoto são produzidas pela Personalidade de Deus, e o devoto portanto não se


preocupa se está feliz ou se está aflito. Eie prossegue com seus deveres, executando
serviço devocional. Embora seu comportamento pareça ser sujeito às ações e
reações de atividades fruitivas, na verdade ele está isento dos resultados da ação,
Pode ser que se pergunte por que um devoto é colocado em tal tribulação pela
Personalidade de Deus, A resposta é que este tipo de arranjo feito pelo Senhor é
assim à maneira do fato de, às vezes, um pai tomar-se áspero com seus filhos.
Porque o devoto é uma alma rendida e está aos cuidados do Senhor Supremo,
sempre que o Senhor o coloca em qualquer condição de vida — seja de felicidade,
seja de aflição — deve-se compreender que por trás deste arranjo há um grande
plano intentado pela Personalidade de Deus,.Por exemplo, o Senhor Krsna colocou
os Pãndavas numa condição aflitiva tão aguda que mesmo o Avô Bhísma não pôde
compreender como tal aflição podia ocorrer. Ele se lamentou que embora toda a
família Pãndava fosse encabeçada pelo rei Yudhisthira, o mais piedoso dos reis, e
protegida pelos dois grandes guerreiros BhTma e Arjuna, e embora, acima de tudo,
todos os Pãndavas fossem amigos íntimos e parentes do Senhor Krsna— eles, ainda
assim, tivessem que passar por tantas atribulações. Posteriormente, contudo, foi
provado que isto fora planejado pela Suprema Personalidade de Deus, Krsna, como
parte de Sua grande missão de aniquilar os canalhas e proteger os devotos.
Outra pergunta pode ser levantada: uma vez que o devoto é posto em diferentes
espécies de condições felizes e aflitivas por arranjo da Personalidade de Deus, e um
homem comum é posto em tais condições como resultado de seus atos passados,
qual é, então, a diferença? De que maneira o devoto é melhor que o karml ordiná­
rio? A resposta é que os kurmls e os devotos não estão no mesmo nível. Em
qualquer condição de vida em que o karml esteja, ele continua no ciclo de nasci­
mentos e mortes porque existe a semente do karma, ou atividade fruitiva, e ela
frutifica sempre que surge uma oportunidade. Pela lei do karma um homem comum
enreda-se perpetuamente em repetidos nascimentos e mortes, ao passo que a aflição
e felicidade do devoto, não estando sob as leis do karma, fazem parte de um arranjo
temporário feito pelo Senhor Supremo que não enreda o devoto. Esse arranjo é feito
pelo Senhor somente para servir a um propósito temporário. Se um karml executa
atos piedosos, ele é elevado aos planetas celestiais, e se ele age impiamente, é posto
numa condição infernal. Mas, quer um devoto aja de maneira dita piedosa ou
impiedosa, ele não é nem elevado nem degradado, mas é transferido ao reino
espiritual. Portanto, a felicidade e aflição do devoto e a felicidade e aflição do
karml não estão no mesmo nível. Este fato é corroborado por um discurso de
Yamarãja a seus servos em reiação com a liberação de Ajãmila. Yamarãja advertiu
seus seguidores de que pessoas que jamais proferiram o santo nome do Senhor nem
se lembraram da forma, qualidade e passatempos do Senhor devem ser assediadas
por seus sentinelas. Yamarãja também advertiu seus servos que jamais se aproxi­
massem dos devotos. Pelo contrário, ele instruiu seus mensageiros de que se encon­
trassem um devoto, eles deviam oferecer-lhe suas respeitosas reverências. De modo
Salvação do Senhor Siva 677

que não há possibilidade de um devoto ser promovido ou degradado dentro deste


mundo material. Assim como há um abismo de diferença entre o castigo dado pela
mãe e o castigo dado por um inimigo, da mesma forma, a aflição do devoto não é a
mesma que a aflição do karmt comum.
Pode-se levantar aqui outra pergunta. Se Deus é todo-poderoso, porque deveria
Ele pôr em provação Seu devoto colocando-o em aflição? A resposta é que quando a
Suprema Personalidade de Deus coloca Seu devoto em aflição, isso não é sem
propósito. As vezes o propósito é que, na aflição, os sentimentos de apego a Krsna
do devoto são engrandecidos. Por exemplo, quando Krsna. antes de deixar a capital
dos Pãndavas para Seu lar, estava pedindo permissão de partir. Kuntídeví disse:
“Meu querido Krsna, em nossa aflição Tu estás sempre presente conosco. Agora,
porque fomos elevados a uma posição real. Tu estás nos deixando. Eu preferiría,
portanto, viver na aflição a ‘perder-Te." Quando um devoto é posto em situação de
aflição, suas atividades devocionais são aceleradas. Portanto, para mostrar favor
especial a um devoto, o Senhor às vezes o coloca em aflição. Além disso, afirma-se
que a doçura da felicidade é mais doce para aqueles que provaram o amargor. O
Senhor Supremo desce a este mundo material, apenas para proteger Seus devotos da
aflição. Em outras palavras, se os devotos não ficassem em condições, aflitivas, o
Senhor não descería. Quanto ao fato de Ele matar os demônios ou os canalhas, isto
pode ser feito facilmente por Suas várias energias, assim como muitos usuras são
mortos por Sua energia externa, a deusa Durgã. Portanto, o Senhor não precisa
descer pessoalmente para matar esses demônios, mas, quando Seu devoto está em
aflição, Ele precisa vir. O Senhor Nrsimhadeva apareceu, não para matar Hiranyaka-
sipu, mas para ver Prahlãda e abençoá-lo. Em outras palavras, o Senhor apareceu
porque Prahlãda Mahãrãja foi posto em aflição muito grande.
Quando, após uma densa noite escura, surge finalmente o brilho do sol de manhã,
isso é muito agradável; quando há calor escaldante, a água fria c muito agradável: e
quando há inverno congelante, a água quente é muito agradável. Analogamente,
quando um devoto, após experimentar a condição do mundo material, saboreia a
felicidade espiritual concedida pelo Senhor, sua posição é ainda mais agradável e
desfrutável.
O Senhor continuou: “Quando Meu devoto é privado de todas as riquezas mate­
riais e é abandonado por seus parentes, amigos e familiares, por ficar sem ninguém
que cuide dele, ele refugia-se completamente aos pés de lótus do Senhor." Srila
Narottama dãsa Thãkura canta a este respeito: “Meu querido Senhor Krsna, ó filho
de Nanda Mahãrãja, agora Te encontras diante de mim com Srímatí Rãdhãrãnl, u
filha do rei Vrsabhãnu. Agora estou me rendendo a Ti. Por favor, aceita-me. Por
favor, não me deixes. Não tenho outro abrigo além de Ti."
Quando um devoto é posto assim em condições ditas miseráveis e privado de
riquezas e família, ele tenta reviver sua posição original de opulência material.
678 K rsna, a Suprem a Personalidade de Deus

Mas, embora tente repetidamente, Krsna repetidamente tira-lhe todos os recursos.


Assim, ele finalmente se decepciona com as atividades materiais, e nessa fase de
frustração de todos os esforços, ele pode render-se inteiramente à Suprema Persona­
lidade de Deus. Tais pessoas são aconselhadas pelo Senhor intemamente a se
associarem com devotos. Associando-se com devotos, elas naturalmente tomam-se
inclinadas a prestar serviço à Personalidade de Deus, e imediatamente obtêm todas
as facilidades do Senhor para avançar em consciência de Krsna. Os não-devotos,
contudo, são muito cuidadosos quanto à preservação de sua condição material de
vida. Geralmente, portanto, esses não-devotos não chegam a adorar a Suprema
Personalidade de Deus, mas adoram o Senhor Siva ou outros semideuses em troca
de lucro material imediato. No Bhagavad-gitã se diz, portanto, kaúksantah karma-
nãríi sidühim yajanta iha devatãh: os kanriis, a fim de obter sucesso dentro deste
mundo material, adoram os vários semideuses. O Senhor Krsna também afirma que
aqueles que adoram os semideuses não têm inteligência madura. Os devotos da
Suprema Personalidade de Deus, portanto, por causa de seu forte apego a Ele, não
se dirigem tolamente aos semideuses.
O Senhor Krsna disse ao rei Yudhisthira: “Meu devoto não é desencorajado por
nenhuma condição adversa de vida; ele sempre permanece firme e resoluto. Por­
tanto, Eu Me dou a ele, e o favoreço para ele poder atingir o sucesso máximo na
vida." A misericórdia concedida ao devoto provado pela Personalidade Suprema é
descrita como brahman, que indica que a grandeza dessa misericórdia só pode ser
comparada à grandeza onipenetrante. Brahman significa ilimitadamente grande e
ilimitadamente expandido. Essa misericórdia também é descrita comoparama, pois
ela é incomparável dentro deste mundo material, e também é chamada süksmam,
muito sutil. A misericórdia do Senhor para com o devoto provado é não somente
grande e ilimitadamente expansiva, mas também é da qualidade mais sutil de amor
transcendental entre o devoto c o Senhor. Essa misericórdia é descrita ainda como
cin-mãtram, completamente espiritual. O uso da palavra mãtram indica espirituali­
dade absoluta, sem vestígio de qualidades materiais. Essa misericórdia também c
chamada sat, eterna, e anantakam, ilimitada. Já que o devoto do Senhor recebe esse
ilimitado benefício espiritual, porque deveria ele adorar os semideuses? Um devoto
de Krsna não adora o Senhor Siva, nem Brahmã, nem qualquer outro semideus
subalterno. Ele se devota completamente ao transcendental serviço amoroso à Su­
prema Personalidade de Deus.
Sukadeva Gosvãmí continuou; “Os semideuses, encabeçados pelo Senhor
Brahmã e o Senhor Siva, e incluindo o Senhor Indra, Candra, Varuna e outros,
estão aptos a ser rapidamente satisfeitos e rapidamente irritados pelo bom ou mau
comportamento de seus devotos, Mas isto não acontece com a Suprema Personali­
dade de Deus, Visnu." Isto significa que qualquer entidade viva dentro deste mundo
material, incluindo os semideuses, é conduzida pelos três modos da natureza mate­
rial, e por isso as qualidades de ignorância e paixão são muito proeminentes dentro
do mundo material. Aqueles devotos que aceitam bênçãos dos semideuses também i
-4
Salvação do Senhor Siva 679

são contaminados com as qualidades materiais, especialmente da paixão e da igno­


rância. O Senhor Srl Krsna afirma, portanto, no Bhagavad-gitã que aceitar bênçãos
dos semideuses é menos inteligente, porque, quando se aceita bênçãos dos semideu-
ses, os resultados dessas bênçãos são temporários. É fácil obter opulência material
adorando-se os semideuses, mas às vezes o resultado é desastroso. Sendo assim, as
bênçãos obtidas dos semideuses são apreciadas pela classe menos inteligente de
homens. Pessoas que obtêm bênçãos dos semideuses gradualmente ficam orgulho­
sas de sua opulência material e negligenciam seus benfeitores.
Sukadeva Gosvãmi falou o seguinte ao rei Pariksit: “Meu querido rei, o Senhor
Brahmã, o Senhor Visnu e o Senhor Siva, o trio principal da criação material, são
capazes de abençoar ou amaldiçoar qualquer pessoa. Deste trio, o Senhor Brahmã e
o Senhor Siva ficam satisfeitos muito facilmente, mas, ao mesmo tempo, ficam
irritados muito facilmente. Quando se satisfazem, dão bênçãos sem nenhuma consi­
deração, e quando se irritam, amaldiçoam o devoto sem nenhuma consideração.
Mas o Senhor Visnu não é assim. O Senhor Visnu é muito ponderado. Sempre que
um devoto quer algo do Senhor Visnu, o Senhor Visnu primeiramente considera se
tal bênção será. em última análise, boa para o devoto, O Senhor Visnu jamais
confere nenhuma bênção que finalmente mostre ser desastrosa para o devoto. Por
Sua natureza transcendental, Ele é sempre misericordioso; portanto, antes de dar
qualquer bênção, Ele considera se ela mostrará ser benéfica para o devoto. Uma vez
que a Suprema Personalidade de Deus é sempre misericordiosa, mesmo quando Ele
parece ter matado um demônio, ou mesmo quando Ele aparentemente fica irado
com um devoto. Suas ações são sempre auspiciosas. A Suprema Personalidade de
Deus é, portanto, conhecida como todo-boa. Tudo o que Ele faça é bom.”
Quanto às bênçãos dadas por semideuses como o Senhor Siva, há o seguinte
incidente histórico citado por grandes sábios. Certa vez, o Senhor Siva, após dar
uma bênção a um demônio chamado Vrkãsura, o filho de Sakuni, viu-se a si mesmo
preso na armadilha de uma situação muito perigosa, Vrkãsura andava em busca de
uma bênção e estava tentando decidir qual das três deidades principais ele adoraria a
fim de obtê-la. Enquanto isso, sucedeu de ele se encontrar com o grande sábio
Nãrada e consultar-se com ele a respeito de quem deveria se aproximar para alcan­
çar resultados rápidos de sua austeridade. Ele indagou: “Das três deidades, a saber,
o Senhor Brahmã, o Senhor Visnu e o Senhor Siva, qual é o que se satisfaz mais
rapidamente?” Nãrada pôde entender o plano do demônio, e aconselhou-o: “É
melhor adorares o Senhor Siva; então obterás rapidamente o resultado desejado. O
Senhor Siva satisfaz-se rapidamente e também fica insatisfeito rapidamente. Por
isso, tenta satisfazer o Senhor Siva.” Nãrada também citou exemplos em que demô­
nios como Rãvana e Bãnãsura enriqueceram-se com grandes opulências simples­
mente por satisfazerem o Senhor Siva com orações. Porque o grande sábio Nãrada
conhecia a natureza do demônio Vrkãsura, ele não aconselhou que este se aproxi­
masse de Visnu ou do Senhor Brahmã. Pessoas como Vrkãsura, que estão situadas
no modo material da ignorância, não podem se manter fiéis à adoração a Visnu.
680 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Após receber a instrução de Nãrada, o demônio Vrkãsura foi para Kedãranãtha.


O local de peregrinação de Kedãranãtha ainda existe perto de Kashmere. Está quase
sempre coberto de neve, mas durante parte do ano, durante o mês de julho, é
possível ver a deidade, e os devotos vão até ali para oferecer-lhe seus respeitos.
Kedãranãtha é um dos devotos do Senhor Siva. Segundo o princípio védico, quando
algo de comer é oferecido às deidades, é oferecido num fogo. Portanto, um sacrifí­
cio de fogo é necessário em todas as espécies de cerimônias. Afirma-se especifica­
mente nos sãstras que se deve oferecer algo de comer aos deuses através do fogo. O
demônio Vrkãsura, portanto, foi até Kedãranãtha e acendeu um fogo sacrificatório
para agradar ao Senhor Siva.
Após acender o fogo em nome de Siva, ele começou a oferecer sua própria carne,
cortando-a de seu corpo para agradar ao Senhor Siva. Eis aqui um exemplo de
adoração no modo da ignorância. No Bhagavad-gitã, mencionam-se diferentes
tipos de sacrifício. Alguns sacrifícios estão no modo da bondade, outros, no modo
da paixão e outros, no modo da ignorância. Há diferentes tipos de tapasya e
adoração porque há diferentes tipos de pessoas dentro deste mundo. Mas, a tapasya
final, consciência de Krsna, é a yoga mais elevada e o sacrifício mais elevado. Como
se confirma no Bhagavad-gitã, a yoga mais elevada é pensar sempre no Senhor Krsna
dentro do coração, e o sacrifício mais elevado é executar sanktrtana-yajna.
No Bhagavad-gitã se afirma que os adoradores dos semideuses perderam sua
inteligência. Como será revelado posteriormente neste capítulo, Vrkãsura queria
satisfazer o Senhor Siva em troca de um objetivo materialista de terceira classe, que
era temporário e sem benefício verdadeiro. Os usuras, ou pessoas dentro do modo
da ignorância, aceitarão tais bênçãos dos semideuses. Em completo contraste com
este sacrifício no modo da ignorância, o processo arcanã-vidhi de adoração ao
Senhor Visnu ou Krsna é muito simples. O Senhor Krsna diz no Bhagavad-gitã que
Ele aceita de Seu devoto mesmo um pedaço de fruta, uma flor ou um pouco dágua,
que podem ser obtidos por qualquer pessoa, pobre ou rica. Evidentemente, aqueles
que são ricos não devem oferecer apenas um pouco dágua, um pedaço de fruta ou
uma folhinha ao Senhor. Um homem rico deve fazer oferendas de acordo com sua
posição. Mas se acontecer de o devoto ser muito pobre, o Senhor aceitará dele até
mesmo a oferenda mais humilde. A adoração ao Senhor Visnu ou Krsna é muito
simpjes; e pode ser executada por qualquer pessoa neste mundo. Mas a adoração no
modo da ignorância, como foi demonstrada por Vrkãsura, é não só muito difícil e
dolorosa, mas também uma inútil perda de tempo. Portanto, o Bhagavad-gitã diz
que os adoradores dos semideuses estão desprovidos de inteligência; seu processo
de adoração é muito difícil, e, ao mesmo tempo, o resultado obtido é oscilante e
temporário.
Embora Vrkãsura continuasse seu sacrifício por seis dias, ele não conseguia ver o
Senhor Siva pessoalmente, o que era seu objetivo; ele queria vê-lo face a face e
pedir-lhe uma bênção. Eis aqui outro contraste entre um demônio e um devoto. O
Salvação do Senhor Siva 681

devoto está confiante de que tudo que oferece â Deidade em serviço devocional
pieno é aceito pelo Senhor, mas o demônio quer ver sua deidade adorável pessoal­
mente para que possa diretamente tomar a bênção. O devoto não adora o Senhor
Visnu ou Krsna em troca de alguma bênção. Portanto, o devoto é chamado de
akãma, livre de desejo, e o não-devoto é chamado de sarva-kãma, ou que deseja
tudo. No sétimo dia, o demônio Vrkãsura decidiu cortar sua cabeça e oferecê-la
para satisfazer o Senhor Siva. Assim, ele tomou um banho no lago próximo dali, e.
sem secar corpo e cabelo, preparou-se para cortar sua cabeça. Segundo o sistema
védico, o animal a ser oferecido como sacrifício tem que ser banhado primeiro, e,
enquanto o animal está molhado, ele é sacrificado. Quando o demônio estava assim
se preparando para cortar sua cabeça, o Senhor Siva sentiu muita compaixão dele.
Esta compaixão é um sintoma da qualidade da bondade. O Senhor Siva é chamado
de tri-linga. Portanto, sua manifestação da natureza de compaixão é um sinal da
qualidade da bondade. Esta compaixão, contudo, está presente em toda entidade
viva. A compaixão do Senhor Siva foi despertada porque o demônio estava ofere­
cendo sua carne ao fogo sacrificatório. Isto é compaixão natural. Mesmo que um
homem comum veja alguém preparando-se para cometer suicídio, é seu dever tentar
salvá-lo. Ele faz isso automaticamente. Não é necessário apelar para ele. Portanto,
quando o Senhor Siva apareceu do fogo para impedir o demônio de cometer suicí­
dio, este não foi um favor muito grande de sua parte.
O toque do Senhor Siva salvou o demônio de cometer suicídio; as feridas de seu
corpo curaram-se imediatamente e seu corpo voltou a ser como era antes. Então o
Senhor Siva disse ao demônio: “ Meu caro Vrkãsura, não precisas cortar tua cabeça.
Podes pedir-me qualquer bênção que quiseres, que eu satisfarei teu desejo. Não sei
por que querías cortar a cabeça para satisfazer-me. Mesmo uma simples oferenda de
um pouco dágua me satisfaz.” Na verdade, segundo o processo védico, a Siva linga
no templo, ou a forma do Senhor Siva no templo, é adorada simplesmente,
oferecendo-se-lhe água do Ganges, porque se diz que o Senhor Siva fica muito
satisfeito quando se derrama água dq Ganges sobre sua cabeça. Geralmente, os
devotos oferecem água do Ganges e as folhas da árvore bilva, que se destinam
especialmente a oferendas ao Senhor Siva e à deusa Dürgã. O fruto desta árvore
também é oferecido ao Senhor Siva. O Senhor Siva garantiu a Vrkãsura que ele
ficava satisfeito com um processo muito simples de adoração. Por que, então, ele
estava tão ansioso por cortar a cabeça, e por que estava se submetendo a tanta dor
cortando seu corpo em pedaços e oferecendo-o no fogo? Não havia necessidade
dessas penitências rigorosas. De qualquer modo, por compaixão e pena, o Senhor
Siva preparou-se para dar-lhe qualquer bênção que ele quisesse.
Quando o Senhor Siva ofereceu esta oportunidade ao demônio, este pediu-lhe
uma bênção assustadora e abominável. O demônio era muito pecaminoso,' e pessoas
pecaminosas não sabem que tipo de bênção deve ser pedida à deidade. Portanto, ele
pediu ao Senhor Siva que o abençoasse com um poder tal que assim que ele tocasse
682 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

na cabeça de alguém, ela imediatamente se quebrasse e o homem morresse. Os


demônios sãodescritos no Bhagavad-gitã como duskrtis, ou canalhas. Krtí significa
"muito meritório”, mas quando se lhe adiciona dus, passa a significar "abominá­
vel.” Em vez de render-se à Suprema Personalidade de Deus, os duskrtis adoram
diferentes semideuses para obter benefícios materiais abomináveis. As vezes demô­
nios tais como os cientistas materiais descobrem armas mortais. Eles não conse­
guem mostrar seu poder meritório descobrindo algo que possa salvar o homem da
morte; em vez disso, eles descobrem armas que aceleram o processo da morte.
Porque o Senhor Siva é poderoso o suficiente para dar qualquer bênção, o demônio
podería ter-lhe pedido algo benéfico para a sociedade humana, mas, para seu inte­
resse pessoal, ele pediu que qualquer pessoa cuja cabeça fosse tocada por sua mão
morresse imediatamente.
O Senhor Siva pôde entender o motivo do demônio, e se arrependeu de ter-lhe
garantido qualquer bênção que ele quisesse. Ele não faltaria a sua promessa, mas
estava muito triste no coração por lhe estar oferecendo uma bênção tão perigosa
para a sociedade humana. Os demônios são descritos como duskrtis. canalhas,
porque embora tenham massa cinzenta e mérito, o mérito e a massa cinzenta são
usados para atividades abomináveis. Às vezes, por exemplo, os demônios materia­
listas descobrem uma arma mortal. A pesquisa científica para tal descoberta certa­
mente requer um ótimo cérebro, mas em vez de descobrir algo benéfico para a
sociedade humana, eles descobrem algo para acelerar a morte que já é garantida
para todo homem. De forma semelhante, Vrkãsura, em vez de pedirão Senhor Siva
algo benéfico para a sociedade humana, pediu algo muito perigoso para a mesma.
Por isso, o Senhor Siva sentiu-se pesaroso interiormente. Os devotos da Personali­
dade de Deu,s, contudo, nunca pedem nenhuma bênção ao Senhor Visnu ou Krsna, e
mesmo que peçam algo ao Senhor, não é absolutamente perigoso para a sociedade
humana. Esta é a diferença entre os demônios e os devotos, ou os adoradores do
Senhor Siva e os adoradores do Senhor Visnu.
Enquanto Sukadeva Gosvãmi narrava a história de Vrkãsura, ele chamou Mahã-
rãja Paríksit de Bhãrata, referindo-se ao nascimento do rei Paríksit numa família de
devotos. Mahãrãja Paríksit foi salvo pelo Senhor Krsna enquanto se encontrava no
ventre de sua mãe. Do mesmo modo, ele podería ter pedido ao Senhor Krsna que o
salvasse da maldição do brãhmana, mas não o fez. O demônio, contudo, queria
tomar-se imortal matando todos com o toque de sua mão. O Senhor Siva pôde
entender isso, mas porque havia prometido, deu-lhe a bênção.
Porém, o demônio, sendo muito pecaminoso, imediatamente decidiu que usaria a
bênção para matar o Senhor Siva e roubar Gaurl (Pãrvatí) para seu gozo pessoal. Ele
imediatamente decidiu colocar sua mão sobre a cabeça do Senhor Siva. Assim, o
Senhor Siva viu-se numa situação incômoda porque estava correndo perigo de ser
morto através de sua própria bênção a um demônio. Este também é outro exemplo
do abuso de um devoto materialista do poder obtido dos semideuses.
Salvação do Senhor Siva 683

Sem mais deliberação, o demônio Vrkãsura aproximou-se imediatameme do


Senhor Siva para colocar sua mão sobre a cabeça do Senhor Siva. O Senhor Siva
estava com tanto medo dele que seu corpo tremia, e ele fugiu da terra para o céu e
do céu para outros planetas, até que alcançou os limites do universo, acima dos
sistemas planetários superiores. O Senhor Siva fugia de um lugar para outro, mas o
demônio Vrkãsura continuava perseguindo-o. As deidades predominantes de outros
planetas, tais como Brahmã, Indra e Candra, não conseguindo encontrar forma de
salvar o Senhor Siva do perigo iminente, permaneciam caladas.
Por fim, o Senhor Siva aproximou-se do Senhor Visnu, que está situado dentro
deste universo no planeta conhecido como Svetadvipa. Svetadvipa é o planeta
Vaikuntha local, além da jurisdição da influência da energia externa. O Senhor
Visnu sob Seu aspecto onipenetrante encontra-Se em toda a pane, mas onde quer
que Ele permaneça pessoalmente é a atmosfera Vaikuntha. No Bhagavad-gità se
afirma que o Senhor permanece dentro do coração de todas as entidades vivas.
Sendo assim, o Senhor permanece dentro do coração de muitas entidades vivas de
nascimento baixo, mas isso não significa que Ele tem nascimento baixo. Onde quer
que Ele permaneça o lugar é transformado em Vaikuntha. De modo que o planeta
dentro deste universo conhecido como Svetadvipa também é Vaikunthaloka. É dito
nos sãstras que as áreas residenciais dentro da floresta estão no modo da bondade,
as áreas residenciais em grandes cidades, povoados e aldeias estão no modo da
paixão, e as áreas residenciais em uma atmosfera em que predomine a indulgência
às quatro atividades pecaminosas (a saber, sexo ilícito, intoxicação, consumo de
carne e jogo de azar) estão no modo da ignorância. Mas, as áreas residenciais de um
templo de Visnu, o Senhor Supremo, estão em Vaikuntha. Não importa onde o
templo esteja situado: o próprio templo, onde quer que esteja, é Vaikuntha. Analo­
gamente, o planeta Svetadvipa, embora dentro da jurisdição material, é Vaikuntha.
O Senhor Siva finalmente entrou em Svetadvípa Vaikuntha. Em Svetadvípa há
grandes pessoas santas que são completamente livres da natureza invejosa do
mundo material e estão além da jurisdição dos quatro princípios de atividade mate­
rial, a saber, religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e libe­
ração. Qualquer pessoa que entre nesse planeta Vaikuntha jamais retoma a este
mundo material. O Senhor Nãrãyana é célebre como amante de Seus devotos, e tão
logo percebeu que o Senhor Siva estava correndo grande perigo, Ele apareceu como
um brahmacãrí e pessoalmente aproximou-Se do Senhor Siva para recebê-lo de um
local distante. O Senhor apareceu como um brahmacãrí perfeito, com um cinturão
em volta da cintura, cordão sagrado, pele de veado, bastão de brahmacãrí e contas
raudra. (As contas raudra são diferentes das contas de tulasí. As contas raudra são
usadas pelos devotos do Senhor Siva.) Vestido como brahmacãrí, o Senhor Nãrã­
yana parou diante do Senhor Siva. A brilhante refulgência que emanava de Seu
corpo atraiu não somente o Senhor Siva, mas também o demônio Vrkãsura. .
684 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

ü Senhor Nãrãyana ofereceu seus respeitos e reverências a Vrkãsura, apenas para


atrair sua simpatia e atenção. Contendo assim o demônio, o Senhor dirigiu-Se a ele
da seguinte maneira: “Meu caro filho de Sakuni, tu pareces muito cansado, como se
viesses de lugar muito distante. Ao que vens? Por que vieste tão longe? Vejo que
estás fatigado, por isso, peço-te que descanses um pouco. Não deves cansar teu
corpo desnecessariamente. Todos dão grande valor a seu corpo porque somente com
este corpo é que podemos satisfazer todos os desejos de nossa mente. Não devemos,
portanto, desnecessariamente causar incômodos a este corpo.”
O brahmacãrl chamou Vrkãsura de filho de Sakuni apenas para convencê-lo de
que Ele era conhecido de seu pai, Sakuni. Vrkãsura então tomou o brahmacãrl por
algum conhecido de sua família, e por isso as palavras compassivas do brahmacãrl
atraíram-no. Antes que o demônio pudesse argumentar de que não tinha tempo para
descansar, o Senhor informou-o sobre a importância do corpo, e o demônio se conven­
ceu. Qualquer homem, especíalmente um demônio, considera seu corpo muito impor­
tante. Assim, Vrkãsura ficou convencido sobre a importância de seu corpo.
Depois, apenas para apaziguar o demônio, o brahmacãrl lhe disse: “Meu caro
senhor, se achas que podes revelar a missão em função da qual te deste ao incômodo
de vir até aqui, talvez Eu seja capaz de ajudar-te para que teu propósito se realize
facilmente.” Indiretamente, o Senhor informou-o de que porque o Senhor é o
Brahman-Supremo, certamente Ele seria capaz de retificar a situação deplorável
criada pelo Senhor Siva.
O demônio acalmou-se muito com as doces palavras do Senhor Nãrãyana sob a
forma de um brahmacãrl, e por fim ele revelou tudo que acontecera a respeito da
bênção oferecida pelo Senhor Siva. O Senhor respondeu o seguinte ao demônio:
“Eu próprio não posso crer que o Senhor Siva tenha realmente dado a ti esta bênção.
Segundo Me consta, o Senhor Siva não está em condição mental sã. Ele andou
brigando com seu sogro, Daksa, e foi amaldiçoado a tomar-se um pisãca (fan­
tasma). De forma que ele se tornou o líder dos fantasmas e duendes. Portanto, não
posso depositar nenhuma fé nas palavras dele. Mas, se ainda tens fé nas palavras do
Senhor Siva, meu caro rei dos demônios, porque, então, não fazes uma experiência
colocando tua mão sobre tua própria cabeça? Se a bênção provar ser falsa, então
poderás imediatamente matar este mentiroso, Senhor Siva, para que no futuro ele
não ouse conceder bênçãos falsas.”
Dessa maneira, pelas palavras doces do Senhor Nãrãyana e pela expansão de Sua
ilusão superior, o demônio ficou confundido, e realmente se esqueceu do poder do
Senhor Siva e de sua bênção. Assim, ele foi muito facilmente persuadido a colocar
sua mão sobre sua própria cabeça. Assim que o demônio fez isso, sua cabeça partiu,
como que atingida por um raio, e ele morreu imediatamente. Os semideuses do céu
começaram a lançar chuvas de flores sobre o Senhor Nãrãyana, louvando-0 com
todas as glórias e todos os agradecimentos, e ofereceram suas reverências ao
Senhor. Com a morte de Vrkãsura, todos os habitantes dos sistemas planetários
Salvação do Senhor Siva 685

superiores, a saber, os semideuses, os pitãs, os Gandharvas e os habitantes de


Janaloka, lançaram chuvas de flores sobre a Personalidade de Deus.
Assim, o Senhor Visnu sob a forma de um brahmacãri libertou o Senhor Siva do
perigo iminente e remediou toda a situação. O Senhor Nãrãyana informou então ao
Senhor Siva que o demônio Vrkãsura fora morto como resultado de suas atividades
pecaminosas. Ele foi especialmente pecaminoso e ofensivo porque quis experimen­
tar a bênção sobre seu próprio mestre, o Senhor Siva. O Senhor Nãrãyana disse ao
Senhor Siva: “Meu querido senhor, uma pessoa que comete uma ofensa a grandes
almas não pode continuar a existir. Ela é destruída por suas próprias atividades
pecaminosas, e isto certamente se aplica a este demônio, que cometeu um ato tão
ofensivo contra ti.”
Assim, pela graça da Suprema Personalidade de Deus, Nãrãyana, que é trans­
cendental a todas as qualidades materiais, o Senhor Siva foi salvo de ser morto por
um demônio. Qualquer pessoa que ouça esta história com fé e devoção certamente
liberta-se do enredamento material, como também das garras de seus inimigos.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta


e Sete de Krsna, intitulado “Salvação do Senhor Siva. ”
Salvação do Senhor Siva 685

superiores, a saber, os semideuses, os piiãs, os Gandharvas e os habitantes de


Janaloka, lançaram chuvas de flores sobre a Personalidade de Deus,
Assim, o Senhor Visnu sob a forma de um brahmacãri libertou o Senhor Siva do
perigo iminente e remediou toda a situação. O Senhor Nãrãyana informou então ao
Senhor Siva que o demônio Vrkãsura fora morto como resultado de suas atividades
pecaminosas. Ele foi especialmente pecaminoso e ofensivo porque quis experimen­
tar a bênção sobre seu próprio mestre, o Senhor Siva. O Senhor Nãrãyana disse ao
Senhor Siva: '‘Meu querido senhor, uma pessoa que comete uma ofensa a grandes
almas não pode continuar a existir. Ela é destruída por suas próprias atividades
pecaminosas, e isto cenamente se aplica a este demônio, que cometeu um ato tão
ofensivo contra ti."
Assim, pela graça da Suprema Personalidade de Deus, Nãrãyana, que é trans­
cendental a todas as qualidades materiais, o Senhor Siva foi salvo de ser morto por
um demônio. Qualquer pessoa que ouça esta história com fé e devoção certamente
liberta-se do enredamento material, como também das garras de seus inimigos.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta


e Sete de Krsna, intitulado “Salvação do Senhor Siva. **
8 8 / 0 superexcelente poder de Krsna

Há muitíssimo tempo atrás, houve uma assembléia de grandes sábios às margens


do rio SarasvatI, que executaram um grande sacrifício chamado Satra-yajna. Em
tais assembléias, os grandes sábios presentes normalmente discutem temas védicos
e tópicos filosóficos, e neste encontro particular foi levantada a seguinte questão: as
três deidades predominantes deste mundo material, a saber, o Senhor Brahmã, o
Senhor Visnu e o Senhor Siva, estão dirigindo todos os afazeres deste cosmo, mas
quem entre eles é o Supremo? Após muito discutirem sobre esta questão, o grande
sábio chamado Bhrgu, filho do Senhor Brahmã, foi delegado para pôr à prova todas
as três deidades predominantes e informar à assembléia quem é o maior.
Sendo assim delegado, o grande sábio Bhrgu Muni primeiramente foi até a
residência de seu pai em Brahmaloka. As três deidades são os controladores das três
qualidades materiais, a saber, as qualidades de bondade, paixão e ignorância. O
plano que os sábios decidiram executar era que Bhrgu testasse qual das deidades
predominantes possui plenamente a qualidade da bondade. Portanto, quando Bhrgu
Muni chegou até seu pai, o Senhor Brahmã, porque ele queria testar se Brahmã
tínha a qualidade da bondade, ele propositadamente não ofereceu seus respeitos a
seu pai, nem oferecendo reverências, nem oferecendo orações. Ê dever do filho ou
do discípulo oferecer respeitos e recitar orações adequadas quando ele se aproxima
de seu pai ou mestre espiritual. Mas Bhrgu Muni propositadamente deixou de
oferecer respeitos, só para ver a reação do Senhor Brahmã a esta negligência. O
Senhor Brahmã ficou muito irado com a insolência de seu filho, e mostrou sinais
que definitivamente provavam que aquilo era uma insolência. Ele inclusive estava
preparado a condenar Bhrgu amaidiçoando-o, mas porque Bhrgu era seu filho, o
Senhor Brahmã controlou sua ira com sua grande inteligência. Isto significa que
embora a qualidade da paixão fosse proeminente no Senhor Brahmã, ele tinha o
poder de controlá-la. A ira do Senhor Brahmã e o fato de ele tê-la controlado são
comparados ao fogo e à água. A água é produzida a partir do fogo, mas o fogo pode
ser extinto com água. De forma semelhante, embora o Senhor Brahmã estivesse
muito irado devido a sua qualidade da paixão, ele pôde mesmo assim controlar sua
paixão porque Bhrgu Muni era seu filho.
Após testar o Senhor Brahmã, Bhrgu Muni foi diretamente ao planeta Kailãsa,
onde reside o Senhor Siva. Bhrgu Muni era irmão do Senhor Siva. Portanto, assim que
Bhrgu Muni se aproximou, o Senhor Siva ficou muito contente e levantou-se pessoal­
mente para abraçá-lo. Mas, quando o Senhor Siva se aproximou, Bhrgu Muni
negou-se a abraçá-lo. “Meu querido irmão,” disse ele, “tu és sempre muito impuro.
O superexcelente poder de Krsna 687

Porque untas teu corpo com cinzas, não és muito limpo. Por favor, não me toques."
Quando Bhrgu Muni se negou a abraçar seu irmão, dizendo que o Senhor Siva era
impuro, este ficou muito irado com eie. E dito que uma ofensa pode ser cometida ou
com o corpo, ou com a mente ou com palavras. A primeira ofensa de Bhrgu Muni,
cometida contra o Senhor Brahmã, foi uma ofensa com a mente. Sua segunda
ofensa, cometida contra o Senhor Siva ao insultá-lo, criticando-o pelos hábitos
sujos, foi uma ofensa por palavras. Porque a qualidade da ignorância sobressai no
Senhor Siva, quando ele ouviu o insulto de Bhrgu, seus olhos imediatamente
avermelharam-se de ira. Com fúria incontrolável, eie tomou de seu tridente e
preparou-se para matar Bhrgu Muni. Naquela ocasião, Pãrvati, a esposa do Senhor
Siva, estava presente. Sua personalidade é uma mistura das três qualidades, e por
isso ela é chamada Trigunamayl. Neste caso, ela remediou a situação evocando a
qualidade de bondade do Senhor Siva. Ela caiu aos pés de seu esposo, e, com suas
doces palavras, ela dissuadiu-o de matar Bhrgu Muni.
Após ser salvo da ira do Senhor Siva, Bhrgu Muni foi diretamente ao planeta
Svetadvípa, onde o Senhor Visnu estava deitado sobre uma cama de flores, acom­
panhado por Sua esposa, a deusa da fortuna, que estava ocupada em massagear-Lhe
os pés de lótus. AH Bhrgu Muni cometeu propositadamente o maior pecado, ofen­
dendo o Senhor Visnu através de suas atividades corpóreas. A primeira ofensa
cometida por Bhrgu Muni foi mental, a segunda ofensa foi vocal e a terceira ofensa,
corporal. Estas diferentes ofensas são progressivamente maiores em grau. Uma
ofensa cometida mentalmente é uma ofensa positiva; a mesma ofensa, quando
cometida verbalmente, é relativamente mais grave; e, quando cometida através de
ação corporal, é superlativa em termos de caráter ofensivo. Assim Bhrgu Muni
cometeu a maior ofensa tocando o peito do Senhor com seu pé na presença da deusa
da fortuna. Evidentemente, o Senhor Visnu é todo-misericordioso'. Ele não ficou
irado com as atividades de Bhrgu Muni, pois Bhrgu Muni era um grande brãhmana.
Um brãhmana deve ser perdoado mesmo que às vezes cometa uma ofensa, e o
Senhor Visnu deu o exemplo. Contudo, se diz que desde a época deste incidente
Laksmi, a deusa da fortuna, não tem sido muito favoravelmente disposta para com
os brãhmanas, e por isso, porque a deusa da fortuna recusa suas bênçãos para eles,
os brãhmanas são geralmente muito pobres. O ato de Bhrgu Muni tocar no peito do
Senhor Visnu com seu pé foi certamente uma grande ofensa, mas o Senhor Visnu é
tão magnânimo que não Se importou com isso. Os ditos brãhmanas da Kali-yuga às
vezes têm muito orgulho de poderem tocar no peito do Senhor Visnu com seus pés.
Mas, quando Bhrgu Muni tocou no peito do Senhor Visnu com seus pés, isso foi
diferente porque, embora aquilo fosse a maior ofensa, o Senhor Visnu, sendo
muitíssimo magnânimo, não levou-a muito a sério.
Em vez de ficar irado ou amaldiçoar Bhrgu Muni, o Senhor Visnu imediatamente
levantou-Se de Sua cama junto com Sua esposa, a deusa da fortuna, e ofereceu
respeitosas reverências ao brãhmana. Ele falou o seguinte a Bhrgu Muni: “Meu
querido brãhmana, é uma grande bênção para Mim que tenhas vindo aqui. Por
688 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

favor, portanto, senta-te nesta almofada por alguns minutos. Meu querido
brãhmana, sinto muito de que logo quando entraste Eu não pude receber-te adequa­
damente. Foi uma grande ofensa da Minha parte, e peço que me perdoes. És tão
puro e grandioso que a água que lava teus pés pode purificar até mesmo os locais de
peregrinação. Portanto, solicito que purifiques o planeta Vaikuntha onde Eu vivo
com Meus associados. Meu querido pai, ó grande sábio, sei que teus pés são muito
suaves, qual uma flor de lótus, e que Meu peito é duro como um raio. Por isso, temo
que tenhas sentido alguma dor ao tocar Meu peito com teus pés. Deixa-Me tocar
teus pés para aliviar a dor que sofreste.” O Senhor Visnu então começou a mas­
sagear os pés de Bhrgu Muni.
O Senhor continuou a falar a Bhrgu Muni: “Meu querido senhor,” disse'Ele,
“agora Meu peito tomou-se santificado por causa do toque de teus pés, e agora
tenho certeza de que a deusa da fortuna, Laksml, sentirá muito prazer em viver ali
perpetuamente.” Outro nome para Laksml é Cancalã, indicando que ela não perma­
nece em um lugar por muito tempo. Por conseguinte, vemos que a família de um
homem rico às vezes se toma pobre após algumas gerações, e às vezes vemos que a
família de um homem pobre toma-se muito rica. Laksml, a deusa da fortuna, é
Cancalã neste mundo material, ao passo que nos planetas Vaikuntha ela vive eterna-
mente aos pés de lótus do Senhor. Porque Laksml é famosa como Cancalã, o Senhor
Nãrãyana indicou que talvez ela não vivesse perpetuamente a Seu peito, mas porque
Seu peito fora tocado pelos pés de Bhrgu Muní, agora ele estava santificado, e não
havia possibilidade de que a deusa da fortuna o deixasse. Bhrgu Muni, contudo,
podia compreender sua posição e a do Senhor, e estava maravilhado com o compor­
tamento da Suprema Personalidade de Deus. Por causa de sua gratidão, sua voz
abafou-se e ele não foi capaz de responder às palavras do Senhor. Lágrimas desliza­
ram de seus olhos, e ele não podia dizer nada. Ele simplesmente ficou parado, em
silêncio, ante o Senhor.
Após testar o Senhor Brahmã, o Senhor Siva e o Senhor Visnu, Bhrgu Muní
retomou à assembléia de grandes sábios às margens do rio Sarasvati e descreveu sua
experiência. Após ouvi-lo com grande atenção, os sábios concluíram que de todas
as deidades predominantes, certamente Visnu está situado no modo da bondade em
seu grau máximo. No Srhnad-Bhãgavatam, esses grandes sábios são descritos como
brahma-vãdinãm. Brahma-vãdinãm significa aqueles que conversam sobre a Ver­
dade Absoluta mas que ainda não chegaram a uma conclusão. De-um modo geral,
brahma-vãdi refere-se aos impersonaiistas ou àqueles que são estudantes dos Vedas.
Deve-se compreender, portanto, que todos os sábios reunidos eram sérios estudan­
tes da literatura védica, mas não haviam chegado a conclusões definidas no que se
refere Aquele que é a Suprema e Absoluta Personalidade de Deus.
Após ouvirem a experiência de Bhrgu Muní em seu encontro com as três deidades
predominantes, o Senhor Siva, o Senhor Brahmã e o Senhor Visnu, os sábios
concluíram que o Senhor Visnu é a Verdade Suprema, a Personalidade de Deus. É
O superexcelente poder de Krsna 689

dito no SrTmad-Bhãgavatam que após ouvirem os detalhes de Bhrgu Muni, os sábios


ficaram espantados porque, embora o Senhor Brahmã e o Senhor Siva ficassem '
imediatamente agitados, o Senhor Visnu, apesar de ser pisado por Bhrgu Muni, não
ficou nem um pouco agitado. Dá-se o exemplo de que pequenas lamparinas podem
tremular ao leve sopro de uma brisa, mas a lamparina maior, ou a maior fonte de
iluminação, o sol, não se mexe em absoluto, nem mesmo diante do maior furacão.
Nossa grandeza tem que ser avaliada de acordo com nossa capacidade de tolerar
situações provocadoras. Os sábios reunidos âs margens do rio Sarasvati concluíram
que se alguém quer paz verdadeira e liberdade de todo o temor, deve refugiar-se aos
pés de lótus de Visnu. Se o Senhor Brahmã e o Senhor Siva perderam sua atitude
pacífica diante de uma pequena provocação, como poderíam eles manter a paz e
tranqüilidade de seus devotos? Quanto ao Senhor Visnu, porém, afirma-se no
Bhagavad-gitã que qualquer pessoa que aceite o Senhor Visnu ou Krsna como o
amigo supremo alcança a perfeição máxima de vida pacífica.
Os sábios concluíram, assim, que por seguir os princípios de vaisnava-dharma
uma pessoa toma-se realmente perfeita, mas se alguém segue todos os princípios
religiosos de uma seita particular e não avança na compreensão da Suprema Perso­
nalidade de Deus, Visnu, todo esse trabalho gratuito é infrutífero. Executar princí­
pios religiosos significa chegara plataforma de conhecimento perfeito. Alguém que
chegue à plataforma de conhecimento perfeito perderá interesse nos assuntos mate­
riais. Conhecimento perfeito significa conhecimento de nosso próprio eu e do Eu
Supremo. O Eu Supremo e o eu individual, embora unos em qualidade, são diferen­
tes em quantidade. Esta compreensão analítica de conhecimento é perfeita.
Simplesmente entender, “eu não sou matéria; sou espírito” não é conhecimento
perfeito. O verdadeiro princípio religioso é o serviço devocional, ou bhakri. Isto é
confirmado no Bhagavad-gítã. O Senhor Krsna diz: “Abandona todos os outros
princípios religiosos e simplesmente rende-te a Mim.” Portanto, o termo dharma
aplica-se apenas ao vaisnava-dharma ou bhõgavata-dharma, seguindo o qual todas
as outras qualidades e avanços na vida são automaticamente atingidos.
O conhecimento perfecfivo máximo é conhecimento do Senhor Supremo. Ele não
pode ser compreendido por nenhum outro processo de religião além do serviço v
devocional; por conseguinte, o resultado imediato do conhecimento perfeito é alcan­
çado executando-se serviço devocional. Após a consecução de conhecimento, perde-
se o interesse no mundo material. Isto não acontece por causa de árida especulação
filosófica. Os devotos perdem interesse pelo mundo material, não simplesmente por
causa da compreensão teórica, mas por causa da experiência prática. Quando um
devoto compreende o efeito da associação com o Senhor Supremo, ele naturalmente
odeia a associação das chamadas sociedade, amizade e amor. Este desapego não é
seco, mas é devido à consecução de um status de vida superior, em que se saboreia
doçuras transcendentais. Afirma-se ainda no Srimad-Bhãgavatam que após a obten­
ção desse conhecimento e desapego do gozo material dos sentidos, nosso avanço
690 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

nas oito opulências alcançadas através da prática da yoga mística, tais como as
anima, laghimã e prãpti sicldhis, também é alcançado sem esforços separados. O
exemplo perfeito disso é Mahãrãja Ambarisa. Ele não era um yogi místico, mas sim
um grande devoto; contudo, num desacordo com Mahãrãja Ambarisa, o grande
místico Durvãsã foi derrotado na presença de sua atitude devocional. Em outras
palavras, um devoto não precisa praticar o sistema de yoga mística para obter
poder. O poder anda com ele pela graça do Senhor, assim como quando uma criança
pequena é rendida a um pai poderoso, todos os poderes do pai a acompanham.
A reputação daquele que se toma famoso como devoto do Senhor nunca há de se
extinguir. O Senhor Caitanya, quando conversava com Rãmãnanda Rãya, pergun­
tou: “Qual é a maior fama?” Rãmãnanda Rãya respondeu que ser conhecido como
um devoto puro do Senhor Krsna é a fama perfeita. A conclusão, portanto, é que
Visnu-dharrna, ou a religião do serviço devocional à Suprema Personalidade de
Deus, destina-se a pessoas que sejam meditativas. Pela devida utilização da refle­
xão, chega-se ao estágio de pensar na Suprema Personalidade de Deus. Pensando na
Suprema Personalidade de Deus, livramo-nos da contaminação da deficiente as­
sociação do mundo material, e assim nos tomamos pacíficos. O mundo está numa
condição perturbada devido a uma escassez de tais devotos pacíficos na sociedade
humana. A menos que a pessoa seja um devoto, ela não pode ser igual com todas as
entidades vivas. O devoto é igualmente disposto para com os animais, os seres
humanos e todas as entidades vivas porque ele vê toda entidade viva como parte
integrante do Senhor Supremo. No Isopanisad afirma-se claramente que aquele que
chega ao estágio de ver todos os seres vivos igualmente não odeia ninguém nem
favorece ninguém. O devoto não anseia possuir mais do que necessita. Por isso, os
devotos são akincana: em qualquer condição de vida, estão satisfeitos. É dito que o
devoto é equilibrado, quer esteja no inferno, quer esteja no céu. O devoto é indife­
rente a todos os assuntos que não sejam sua ocupação no serviço devocional. Este
modo de vida é o estágio perfectivo máximo, do qual podemos ser elevados ao
mundo espiritual, de volta ao lar, de volta ao Supremo. Os devotos da Suprema
Personalidade de Deus são especialmente atraídos pela qualidade material mais
' elevada, a bondade, e o brõhmana qualificado é a representação simbólica desta
bondade. Portanto, o devoto apega-se ao estágio bramínico de vida. Ele não está
muito interessado na paixão e na ignorância, embora essas qualidades também
emanem do Senhor Supremo, Visnu. No Srimad-Bhãgavatam, os devotos são des­
critos como nipuna-buddhayah, que significa que eles são a classe de homens
mais inteligentes. Não influenciado por apego ou aversão, o devoto vive muito pacifica­
mente e não é agitado pela influência da paixão e da ignorância.
Pode ser que se questione aqui por que um devoto deve se apegar à qualidade da
bondade no mundo material se ele é transcendental a todas as qualidades materiais.
A resposta é que há diferentes tipos de pessoas existindo nos modos da natureza
material. Aqueles que estão no modo da ignorância são chamados rãksasas. aqueles
O superexceJente poder de Krsna 691

no modo da paixão são chamados asuras, e aqueles no modo da bondade são


chamados suras, ou semideuses. Sob a orientação do Senhor Supremo, essas três
classes de homens são criadas pela natureza material, mas aqueles que estão no
modo da bondade têm uma oportunidade maior de se elevarem ao mundo espiritual,
de volta ao lar, de volta ao Supremo.
Assim, todos os sábios que se reuniram às margens do rio Sarasvatl para tentar
determinar quem é a suprema Deidade predominante livraram-se de todas as dúvi­
das sobre a adoração a Visnu. Daí em diante, todos eles ocuparam-se em serviço
devocional, e assim atingiram o resultado desejado e voltaram ao Supremo.
Aqueles que estão realmente ansiosos por libertar-se do enredamento material
fariam bem em aceitar de vez a conclusão dada por Srl Sukadeva Gosvãml no
começo do Srímad-Bhãgavatam. Diz-se ali que ouvir o Srimad-Bhãgavatam é
extremamente conducente para a liberação, porque ele é falado por Sukadeva
Gosvãml. O mesmo fato é novamente confirmado por Süta Gosvãmi: se qualquer
pessoa que esteja viajando sem objetivo dentro deste mundo material calhar de
ouvir as palavras nectáreas faladas por Sukadeva Gosvãml, certamente chegará à
conclusão correta; simplesmente por executar serviço devocional à Suprema Perso­
nalidade de Deus ela será capaz de parar com a fadiga de migrar perpetuamente de
um corpo material a outro. Em outras palavras, ouvindo corretamente a pessoa
tomar-se-á fixa no serviço devocional amoroso a Visnu. Ela certamcnte será capaz
de aliviar-se desta jornada material da vida, e o processo é muito simples. É preciso
dar recepção auditiva às doces palavras faladas por Sukadeva Gosvãml sob a forma
do Srítnad-Bhãgavatam.
Outra conclusão é que nunca devemos considerar que os semideuses, mesmo o
Senhor Siva e o Senhor Brahmã, estão no mesmo nível que o Senhor Visnu. Se
fazemos isto, então, segundo o Pudmu Purãna, imediatamente nos tomamos ateís-
tas. Na literatura védica conhecida como Hari-vamsa também se afirma que so­
mente a Suprema Personalidade de Deus, Visnu, deve ser adorada. O mahã-mantra
Hare Krsna, ou qualquer outro visnu-mantra, deve ser cantado sempre. No Segundo
Canto do Srlmad-Bhãgavatam, o Senhor Brahmã diz: “Tanto o Senhor Siva quanto
eu somos empregados pela Suprema Personalidade de Deus para atuarem diferentes
posições sob Sua orientação.” No Cuhanya-caritãmrta também se afirma que o
único amo é Krsna. e que todos os demais em todas as categorias de vida são apenas
servos de Krsna.
No Bhagavad-gitã o Senhor confirma que não há verdade superior a Krsna.
Sukadeva Gosvãmi, também, a fim de chamar atenção para o fato de que entre todas
as formas visnu-iattva o Senhor Krsna é cem por cento a Suprema Personalidade de
Deus, narrou a história de um incidente que ocorreu quando o Senhor Krsna estava
presente.
Certa vez, a esposa de um brãhmana deu à luz uma criança. Infeüzmente, porém,
logo após nascer e tocar o solo, a criança morreu imediatameme. O pai brõhmana
692 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

pegou o filho morto e foi diretamente a Dvãrakã ao palácio do rei. O brãhmana


ficou muito abalado por causa da morte prematura do filho na presença de seus
jovens pai e mãe. Assim, sua mente ficou muito perturbada. Antigamente, quando
havia reis responsáveis, até o período de Dvãpara-yuga, quando o Senhor Krsna
estava presente, o rei era passível de ser culpado pela morte prematura de um filho
na presença de seus pais. Também durante a época do Senhor Rãmacandra existia
tal responsabilidade. Como expiicamos no Primeiro Canto do Srimad-Bhãgavatam.
o rei era tão responsável pelos confortos dos cidadãos que tinha que zelar para que
não houvesse calor ou frio excessivos. Assim que, embora não houvesse falta da
parte do rei, o brãhmana cujo filho havia morrido imediatamente foi à porta do
palácio e acusou o rei da seguinte maneira,
“ O rei atual, Ugrasena, tem inveja dos brãhmanasJ" A palavra exata usada a este
respeito é brahma-dvisah. Aquele que tem inveja dos Vedas, de um brãhmana
qualificado ou da casta dos brãhmanas é chamado bruhma-dvlt. De modo que o rei
foi acusado de ser brahma-dvit. Ele também foi acusado de ser satha-dhi, falsa-
mentc inteligente. O chefe executivo de um estado precisa ser muito inteligente para
zelar pelos confortos dos cidadãos, mas, segundo o brãhmana, o rei não era absolu­
tamente inteligente, embora estivesse ocupando o trono real. Por isso, o brãhmana
também o chamou de lubdha, que significa “cobiçoso”. Em outras palavras, um rei
ou chefe executivo de estado não deve ocupar o posto elevado de presidente ou de
rei se é cobiçoso ou interesseiro. Mas é natural que um chefe executivo se tome
interesseiro quando se apega ao gozo material. Portanto, outra palavra usada aqui é
visayãtmanah.
O brãhmana também acusou o rei de ser ksatra-bandhu, que se refere a uma
pessoa nascida em família de ksatriyas, ou da ordem real — mas que carece das
qualificações de uma personalidade real. Um rei deve proteger a cultura bramínica
e deve ser vigilante com o bem-estar de seus cidadãos: ele não deve ser cobiçoso
devido ao apego ao gozo material. Se uma pessoa sem qualificações se faz passar
por ksatriya da ordem real, ela não é chamada de ksatriya, mas sim de ksatra-bandhu.
Da mesma forma, se uma pessoa é nascida de pai brãhmana mas não tem qualificação bra­
mínica, ela é chamada de brãhma-bandhu, ou dvija-bandhu. Isto significa que brãhma­
na ou ksatriya não é aceito simplesmente pelo nascimento. E preciso qualificar-se
para a posição particular; só então a pessoa é aceita como brãhmana ou ksatriya.
Assim, o brãhmana acusou que seu bebê recém-nascido estava morto devido às
desqualificaçdes do rei. O brãhmana considerou isto muito anormal, e por isso
responsabilizou o rei. Também encontramos na história védica que se um rei ksa­
triya era irresponsável, às vezes um conselho consultivo de brãhmanas mantido
pela monarquia destronava-o. Considerando todos esses pontos, parece que o posto
de monarca na civilização védica é posto de muita responsabilidade.
O brãhmana, portanto, disse: “Ninguém deve oferecer respeitos ou adoração a
um rei cuja única ocupação é a inveja. Um rei assim gasta seu tempo ou caçando c
O superexcelente poder de Krsna 693

matando animais na floresta, ou matando cidadãos por atos criminosos. Ele.não tem
auto-controle e possui mau caráter. Se um rei assim for adorado ou honrado pelos •
cidadãos, os cidadãos jamais serão felizes. Eles permanecerão sempre pobres,
cheios de ansiedades e aflição, e sempre infelizes.” Embora na política moderna o
posto de monarca tenha sido abolido, o presidente não se responsabiliza pelos
confortos dos cidadãos. Nesta era de Kali, o chefe executivo de um estado dc
alguma forma obtém votos e é eleito a um posto elevado, mas a condição dos
cidadãos continua a ser cheia de ansiedade, aflição, infelicidade e insatisfação.
O segundo filho do brãhmanu também nasceu morto, e o terceiro também. Ele
teve nove filhos, e cada um deles nasceu morto. E toda vez ele vinha ao portão do
palácio para acusar o rei. Quando o brãhmanu veio acusar o rei de Dvãrakã pela
nona vez, Arjuna sucedia de estar presente com Krsna. Ao ouvir que um brãhmanu
estava acusando o rei de não protegê-lo adequadamente, Arjuna ficou curioso e
aproximou-se do brãhmanu. Ele disse: “Meu querido brãhmanu, por que dizes que
não há ksatriyas adequados para proteger os cidadãos de teu país? Não há sequer
alguém que possa tingir ser um ksatriyu, que possa carregar arco e flecha pelo
menos para fazer uma exibição de proteção? Acaso pensas que todas as personalida­
des reais neste país simplesmente se ocupam em executar sacrifícios com os
brãhmanus mas que não têm poder cavalheiresco?” Assim, Arjuna indicou que os
ksatriyas não devem ficar confortavelmente sentados e ocupar-se apenas em execu­
tar rituais védicos. Pelo contrário, eles devem ser muito cavalheirescos ao proteger
os cidadãos. Não é de se esperar que os brãhmanus, estando ocupados em ativida­
des espirituais, façam algo que envolva esforço físico. Portanto, eles precisam ser
protegidos pelos ksatriyas para que não sejam perturbados na execução de seus
deveres ocupacionais superiores.
”Se os brãhmanus sentem separação indesejada de suas esposas e filhos.” conti­
nuou Arjuna, ”se os reis ksatriyas não cuidam deles, então tais ksatriyas devem ser
considerados como simples atores de teatro. Em representações dramáticas no tea­
tro, o ator pode desempenhar o papel de um rei, mas ninguém espera quaisquer
benefícios de tal rei fictício. Analogamente, se o rei ou o chefe executivo de um
estado não pode dar proteção ao cabeça da estrutura social, ele é considerado um
mero enganador. Tais chefes executivos simplesmente vivem para sua própria sub­
sistência enquanto ocupam postos elevados como chefes de estado. Meu senhor,
prometo que darei proteção a teus filhos, e se não for capaz de fazê-lo, então
entrarei em fogo ardente para que a contaminação pecaminosa que me infectar seja
neutralizada.”
Ao ouvir Arjuna falar dessa maneira o brãhmanu respondeu: “Meu querido
Arjuna, o Senhor Balarãma está presente, mas Ele não pôde dar proteção a meus
filhos. O Senhor Krsna também está presente, mas Ele também não pôde dar-lhes
proteção. Há também muitos outros heróis, tais como Pradyumna e Aniruddha,
portando arcos e flechas, mas eles não puderam proteger meus filhos.” O brãhmanu
694 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

sugeriu diretamente que Arjuna não poderia fazer aquiloque fora impossível para a
Suprema Personalidade de Deus. Ele sentiu que Arjuna estava prometendo algo
além de seu poder. O brãhmana disse: ‘‘Considero tua promessa como a de uma
criança inexperiente. Não posso depositar minha fé em tua promessa."'
Arjuna então compreendeu que o brãhmana havia perdido toda a fé nos reis
ksatriyas. Portanto, para animá-lo, Arjuna falou como se estivesse criticando inclu­
sive o seu amigo, Senhor Krsna. Enquanto o Senhor Krsna e outros ouviam, ele
especificamente atacava Krsna dizendo: “Meu querido brãhmana, eu não sou San-
kürsana nem Krsna, nem um dos filhos de Krsna, como Pradyumna ou Aniruddha.
Meu nome é Arjuna. e eu carrego o arco conhecido como Gãndíva. Tu não podes
insultar-me, pois eu satisfiz até mesmo o Senhor Siva com minha valentia quando
nós ambos estávamos caçando na floresta. Eu lutei contra o Senhor Siva, que
apareceu perante mim como um caçador, e quando o satisfiz com minha valentia,
ele me deu a arma conhecida como pãsupãtãstra. Não duvides de meu cavalhei­
rismo. Eu recuperarei teus filhos mesmo que tenha de lutar contra a morte personifi­
cada." Ao ser assegurado por Arjuna com palavras tão exaltadas, o brãhmana de
alguma forma se convenceu, c assim regressou ao lar.
Quando a esposa do brãhmana estava para dar à luz outra criança, o brãhmana
começou a cantar: “Meu querido Arjuna, por favor, vem agora e salva meu filho."
Após ouvi-lo, Arjuna preparou-se imediatamente tocando água santificada e profe­
rindo mantras sagrados para proteger seus arcos e flechas do perigo. Ele especifica­
mente tomou da flecha que lhe fora presenteada pelo Senhor Siva, e, enquanto saía,
lembrou-se do Senhor Siva e de seu grande favor. Dessa maneira, ele apareceu em
frente à maternidade, equipado com seu arco, conhecido como Gãndíva, e com
várias outras armas.
Arjuna, que aparentemente não saíra de Dvãrakã porque tinha que cumprir sua
promessa para com o brãhmana, foi chamado à noite quando a esposa do brãhmana
ia dar à luz a criança. Enquanto ia à maternidade para encarregar-se do caso do
parto da esposa do brãhmana, Arjuna lembrou-se do Senhor Siva, e não de seu
amigo Krsna; ele achou que uma vez que Krsna não pudera dar proteção ao
brãhmana, era melhor refugiar-se no Senhor Siva. Este é outro exemplo de como
uma pessoa se refugia nos semideuses. Isto é explicado no Bhagavad-gitã. Kamais
lais tair hrta-jnãnãh: uma pessoa que perde sua inteligência por causa de cobiça e
luxúria esquece-se da Suprema Personalidade de Deus e refugia-se nos semideuses.
Evidentemente, Arjuna não era uma entidade viva comum, mas, por causa de seu
relacionamento amistoso com Krsna, ele achou que Krsna era incapaz de dar pro­
teção ao brãhmana e que seria melhor lembrar-se do Senhor Siva. Posteriormente,
foi provado que o ato de Arjuna refugiando-se no Senhor Siva cm vez de em Krsna
não foi absolutamente exitoso. Arjuna, contudo, fez o melhor que pôde, cantando
diferentes mantras, e tomou de seu arco para defender a maternidade contra todos
os pontos cardeais. A esposa do brãhmana pariu um menino, c, como de costume, a
. O superexcelente poder de Krsna 695 1

criança começou a chorar. Mas, de repente, dentro cie poucos minutos, tanto a
criança quanto as flechas de Arjuna desapareceram no céu.
Parece que a casa do brãhmana era próxima da residência de Krsna e que o
Senhor Krsna estava Se divertindo com tudo que estava ocorrendo, aparentemente
em desafio a Sua autoridade. Foi Ele que fez o truque de tomar o bebê do j
brãhmana, como também as flechas, incluindo aquela dada pelo Senhor Siva, da
qual Arjuna tinha tanto orgulho. Tad bhavary alpa-medhasãm: os homens menos
inteligentes refugiam-se nos semideuses devido à desorientação e satisfazem-se
com os benefícios que eles concedem.
Na presença do Senhor Krsna e outros, o brãhmana pôs-se a acusar Arjuna:
“Vejam todos a minha tolice! Depositei minha fé nas palavras de Arjuna. que é
impotente e que é perito apenas em falsas promessas. Quão tolo eu fui de acreditar
em Arjuna. Ele prometeu proteger meu filho quando nem mesmo Pradyumna,
Aníruddha, o Senhor Balarãma e o Senhor Krsna o conseguiram. Se personalidades
tão grandiosas não puderam proteger meu filho, quem, então, poderá fazê-lo? Por
isso, eu condeno Arjuna por sua promessa falsa, e também condeno seu célebre arco
Gandlva e sua insolência ao declarar-se superior ao Senhor Balarãma, ao Senhor
Krsna, a Pradyumna e a Aníruddha. Ninguém poderá salvar meu filho, pois ele já
foi transferido para outro planeta. Unicamente devido a pura tolice. Arjuna julgou
que poderia recuperar meu filho de outro planeta.”
Condenado assim pelo brãhmana, Arjuna proveu-se de poder com uma perfeição ;
de yoga mística a rim de poder viajar a qualquer planeta para encontrar o bebê do J
brãhmana. Parece, que Arjuna tinha domínio sobre o poder ióguico místico através
do qual os yogls podem viajar a qualquer planeta que desejem. Primeiramente, ele
foi ao planeta conhecido como Yamaloka, onde vive Yamarãja, o superintendente
da morte. Ali ele procurou o bebê do brãhmana, mas não foi capaz de encontrá-lo.
Então foi imediatamente ao planeta onde vive Indra, o rei do céu. Como fosse
incapaz de encontrar o bebê ali, ele foi aos planetas dos semideuses do fogo,
Nalrrti, e depois ao planeta Lua. A seguir ele foi a Vãyu e a Varunaloka. Como
fosse incapaz de encontrar o bebê naqueles planetas, ele desceu ao planeta Rasãtala,
o mais baixo dos sistemas planetários. Após viajar a todos esses diferentes planetas,
ele finalmente foi a Brahmaioka, aonde nem mesmo os yogis místicos podem ir.
Pela graça do Senhor Krsna, Arjuna tinha esse poder, e foi acima dos planetas
celestiais até Brahmaioka. Como fosse incapaz de encontrar o bebê mesmo após
procurá-lo em todos os planetas possíveis, ele então tentou atirar-se num fogo,
como havia prometido.ao brãhmana se fosse incapaz de trazer seu bebê de volta. O
Senhor Krsna, contudo, era muito bondoso com Arjuna porque Arjuna era o amigo
mais íntimo do Senhor. O Senhor Krsna persuadiu Arjuna a não entrar no fogo de
modo indigno. Krsna indicou que já que Arjuna era Seu amigo, se ele tivesse que
entrar no fogo em desespero, indiretamente, isso seria uma desonra para Ele. O
696 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Senhor Krsna, portanto, impediu Arjuna, garantindo-lhe que podería encontrar o


bebê. Ele disse a Arjuna: “Não cometas suicídio tolamente.”
Após falar a Arjuna dessa maneira, o Senhor Krsna mandou trazer Sua quadriga
transcendental. Ele montou nela junto com Arjuna e começou a avançarem direção
ao norte. O Senhor Krsna, a Personalidade de Deus todo-poderosa, podería ter
trazido a criança de volta sem esforço, mas devemos sempre tembrar-nos de que Ele
estava representando o papel de um ser humano. Assim como um ser humano tem
de se esforçar para obter certos resultados, da mesma forma, o Senhor Krsna, como
um ser humano comum, ou como Seu amigo Arjuna, saiu de Dvãrakã para trazer de
volta o filho do brãhmana. Aparecendo na sociedade humana e manifestando Seus
passatempos como um ser humano, Krsna definitivamente mostrou que não há uma
personalidade sequer que seja superior a Ele. “Deus é grande.” Esta é a definição
da Suprema Personalidade de Deus. De modo que, pelo menos neste mundo mate­
rial, enquanto Ele esteve presente, Krsna provou que não há personalidade superior
a Ele dentro do universo.
Sentado em Sua quadriga com Arjuna, Krsna procedeu em direção ao norte,
atravessando muitos sistemas planetários, os quais são descritos no Srimad-
Bhãgavatam como sapta-dvipa. Dvipa significa “ilha”. Às vezes a literatura védica
descreve esses planetas como dvipas. O planeta no qual vivemos chama-se Jambú-
dvlpa. O espaço exterior é considerado um grande oceano de ar onde há muitas
ilhas, que são os diferentes planetas. Em todo e cada um dos planetas há oceanos
também. Em alguns dos planetas, os oceanos são de água salgada, e em outros deles
há oceanos de leite. Em outros há oceanos de licor, e em outros há oceanos de gui
ou óleo. Há diferentes tipos de montanhas também. Todo e cada planeta tem um
diferente tipo de atmosfera.
Krsna passou por todos esses planetas e alcançou a cobertura do universo. Esta '
cobertura é descrita no Srlmad-Bhãgavatam como uma grande escuridão. O mundo
material como um todo é descrito como sendo escuro. No espaço aberto há a luz do
sol, e por isso ele é iluminado, mas, na cobertura, por causa da ausência de luz do
sol, ele é naturalmente escuro. Quando Krsna aproximou-Se da camada que cobre
este universo, os quatro cavalos que estavam puxando Sua quadriga — Saibya,
Sugriva, Meghapuspa e Balãhaka— pareceram hesitar em penetrar na escuridão.
Esta hesitação também faz parte dos passatempos do Senhor Krsna, porque os
cavalos de Krsna não são comuns: não é possível que cavalos comuns andem por
todo o universo e então penetrem suas camadas de cobertura externa. Assim como
Krsna é transcendental, Sua quadriga e Seus cavalos, e tudo que tem relação com
Ele, também são transcendentais, além das qualidades deste mundo material. Deve­
mos sempre lembrar-nos de que Krsna estava representando o papel de um ser
humano comum, e Seus cavalos também, pela vontade de Krsna, representaram os
papéis de cavalos comuns ao hesitarem em penetrar na escuridão.
O superexceiente poder de Krsna . 697

Krsna é conhecido como Yogesvara, como se afirma na parte final do Bhagavad-


gitã. Yogesvara Hari: todos os poderes místicos estão sob Seu controle. Dentro de
nossa experiência, podemos ver muitos seres humanos que têm poder tóguico mís­
tico e que às vezes executam atos muito maravilhosos, mas Krsna é conhecido
como o senhor de todo o poder místico. Portanto, ao ver que Seus cavalos hesita­
vam em prosseguir escuridão adentro, Ele imediatamente lançou Seu disco, conhe­
cido como Sudarsana cakra, que iluminou o céu com mil vezes mais brilho que a
luz do sol. A escuridão da cobertura do universo também é uma criação de Krsna, e
a Sudarsana cakra é companheira constante de Krsna. Assim, Ele penetrou a escuri­
dão mantendo a Sudarsana cakra à Sua frente. O Srimad-Bhãgavatam afirma que a
Sudarsana cakra penetrou a escuridão assim como uma flecha atirada do arco
Sãmga do Senhor Rãmacandra penetrou o exército de Rãvana. Su significa “ótima”, e !
darsana significa “observação”; pela graça do disco do Senhor Krsna, Sudarsana, :
pode-se ver tudo muito bem, e nada pode permanecer na escuridão. Assim, o .
Senhor Krsna e Arjuna atravessaram a grande região de escuridão que cobre os
universos materiais. I
Arjuna então viu a refulgência de luz conhecida como brahmajyoti. O \
brahmajyoti está situado fora da cobertura dos universos materiais, e, porque não j
pode ser visto com nossos olhos atuais, este brahmajyoti às vezes é chamado de !
avyakta. Esta refulgência espiritual é o destino último dos impersonalistas conheci­
dos como vedantistas. O brahmajyoti também é descrito como cjnanta-pãram, ilimi­
tado e insondável. Quando o Senhor Krsna e Arjuna chegaram a esta região do
brahmajyoti, Arjuna não pôde tolerar a refulgência ofuscante, e fechou seus olhos.
A passagem em que o Senhor Krsna e Arjuna alcançam a região do brahmajyoti c
descrita no Hari-vamsa. Nesta parte da literatura védica, Krsna informa a Arjuna:
“ Meu querido Arjuna, a refulgência ofuscante, a luz transcendental que estás
vendo, são Meus raios corpóreos. O principal dos descendentes de Bharata, este
brahmajyoti sou Eu mesmo.” Assim como o disco do sol e o brilho do sol não
podem se separar, Krsna e os raios de Seu corpo, o brahmajyoti, não podem se
separar. Assim, Krsna afirma que o brahmajyoti é Ele mesmo. Isto é claramente
estabelecido no Hari-vamsa quando Krsna diz, “aham sah.” O brahmajyoti é uma
combinação das diminutas partículas conhecidas como centelhas espirituais, ou as
entidades vivas conhecidas como cit-kana. A palavra védica so 'ham, ou “eu sou o
brahmajyoti,'’' também pode ser aplicada às entidades vivas, que também podem
afirmar pertencer ao brahmajyoti. No Hari-vamsa, Krsna explica ainda: “Este
brahmajyoti é uma expansão de Minha energia espiritual.”
Krsna disse a Arjuna: “O brahmajyoti está além da região de Minha energia
externa, conhecida como mãyã-saktt. Quando estamos situados dentro do mundo
material, não é possível que experimentemos esta refulgência Brahman. Portanto,
esta refulgência não se manifesta no mundo material, ao passo que no mundo
espiritual ela se manifesta. Este é o significado das palavras vyakta-avyakta. No
698 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Bhugavad-gítã se diz: vyakio 'vyaktãt sanãtanah: ambas essas energias são etema-
mente manifestas.
Depois disso, o Senhor Krsna e Arjuna entraram numa vasta água espiritual. Esta
água espiritual é chamada de Oceano Kãranãmava, ou Virãja, que significa que este
oceano é a origem da criação do mundo material. No Mrtyunjaya Tantru, uma
literatura védica, há uma vivida descrição deste Oceano Kãrana, ou Virãja. Ali se
afirma que o sistema planetário mais elevado dentro do mundo material é Satya-
(oka, ou Brahmaloka, além do qual há Rudraloka e Mahã-Visnuloka. Em relação a
este Mahã-Visnuloka, é afirmado no Brahma-sarhhitã: yah kãranãrnava-jale bhu-
jati sma yoga: “O Senhor Mahã-Visnu está deitado no Oceano Kãrana. Quando Ele
exala, inúmeros universos vêm a existir, e quando Ele inala, inúmeros universos
entram dentro dEle.” Dessa maneira, a criação material é gerada e novamente
removida. Quando o Senhor Krsna e Arjuna entraram na água, parecia que havia
um grande furacão de refulgência transcendental formando-se, e a água do Oceano
Kãrana estava muitíssimo agitada. Pela graça do Senhor Krsna, Arjuna teve a
experiência única de ser capaz de ver o belíssimo Oceano Kãrana.
Acompanhado por Krsna, Arjuna viu um grande palácio dentro da água. Havia
muitos milhares de pílastras e colunas feitas de jóias preciosas, e a refulgência
ofuscante dessas colunas era tão bela que Arjuna ftcou encantado com ela. Dentro
daquele palácio, Arjuna e Krsna viram a gigantesca forma de Anantadeva, que
também é conhecida como Sesa. O Senhor Anantadeva, ou Sesanãga, estava sob a
forma de uma grande serpente com milhares de capelos, cada um deies decorado
com refulgentes jóias preciosas, belamente cintilantes. Cada um dos capelos de
Anantadeva tinha dois olhos, que pareciam muito assustadores. Seu corpo era
branco como o cume da montanha de Kailãsa, que está sempre coberto de neve. Seu
pescoço era azulado, assim como Suas línguas. Assim Arjuna viu a forma Sesa­
nãga, e também viu que sobre aquele suavíssimo corpo branco de Sesanãga o
Senhor Mahã-Visnu estava deitado muito confortavelmente. Ele parecia onipene-
trante e muito poderoso, e Arjuna pôde entender que a Suprema Personalidade de
Deus sob aquela forma é conhecida como Purusottama. Ele é conhecido como
Purusottama, o melhor, ou a Suprema Personalidade de Deus, porque desta forma
emana dentro do mundo material outra forma de Vlsnu, conhecida como Garbhoda-
kasãyT Visnu. A forma Mahã-Visnu do Senhor, Purusottama, está além do mundo
material. Ele também é conhecido como Uttama. Tarna significa “escuridão’', e ut
significa “acima, transcendental”; portanto, Uttama significa “acima da região mais
escura do mundo material.” Arjuna viu que a cor do corpo de Purusottama, Mahã-
Visnu, era negra como uma nuvem nova da estação das chuvas. Ele estava vestido
com belas roupas amarelas, Seu rosto estava sempre belamente sorridente, e Seus
olhos, que eram como pétalas de lótus, eram muito atrativos. O elmo do Senhor
Mahã-Visnu era omado com jóias preciosas, e Seus belos brincos intensificavam a
beleza do cabelo ondulado sobre Sua cabeça. O Senhor Mahã-Visnu'tem oito
O superexcelente poder de Krsna 699

braços, todos muito longos, que chegam até Seus joelhos. Seu pescoço estava
decorado com a jóia Kaustubha, e Seu peito estava marcado com o símbolo de
Srivatsa, que significa “o lugar de descanso da deusa da fortuna”. O Senhor usava
uma guirlanda de flores de lótus até Seus joelhos. Esta longa guirlanda é conhecida
como guirlanda vaijayanti.
•O Senhor estava rodeado por Seus associados pessoais Nanda e Sunanda, e o
disco Sudarsana personificado também estava a Seu lado. Como se afirma nos
Vedas, o Senhor tem inumeráveis energias, e elas também estavam ali personifica­
das. As mais importantes dentre elas eram as seguintes: pusri, a energia para
nutrição; sri, a energia de beleza; klrd, a energia de reputação; e ajã, a energia de
criação material. Todas essas energias são aplicadas nos administradores do mundo
material, a saber, o Senhor Brahmã, o Senhor Siva e o Senhor Visnu, e nos reis dos
planetas celestiais, Indra Candra, Varuna e o deus do Sol. Em outras palavras, todos
esses semideuses, sendo dotados de poder pelo Senhor com determinadas energias,
ocupam-se no transcendental serviço amoroso à Suprema Personalidade de Deus. O
aspecto Mahã-Visnu é uma expansão do corpo de Krsna. O Brahma-saríthitã tam­
bém confirma que Mahã-Visnu é uma porção de uma expansão plenária de Krsna.
Nenhuma dessas expansões é diferente da Personalidade de Deus, mas, uma vez
que Krsna apareceu dentro deste mundo material para manifestar Seus passatempos
como um ser humano, Ele e Arjuna imediatamente ofereceram seus respeitos ao
Senhor Mahã-Visnu, prostrando-se perante Ele. É afirmado no Srlmad-Bhãgavaiam
que o Senhor Krsna ofereceu respeitos a Mahã-Visnu; isto significa que Ele Lhe
ofereceu reverências somente porque o Senhor Mahã-Visnu não é diferente dEle
próprio. Este oferecimento de reverências por parte de Krsna a Mahã-Visnu não é,
contudo, a forma de adoração conhecida como ahahgrahopãsanã, que é às vezes
recomendada para pessoas que estão tentando elevar-se ao mundo espiritual execu­
tando o sacrifício do conhecimento. Tais pessoas também são mencionadas no
Bhagavad-gltã: jnãna-yajhena cãpyanye yajante mãm upãsate.
Embora não houvesse necessidade de Krsna oferecer reverências, por Ele ser o
Senhor e mestre, Ele ensinou, a Arjuna como se deve oferecer respeitos ao Senhor
Mahã-Visnu. Arjuna, entretanto, ficou com muito medo ao ver a gigantesca forma
de tudo, distinta da experiência material. Vendo Krsna oferecer reverências ao
Senhor Mahã-Visnu, ele imediatamente O imitou e depois ficou de pé perante o
Senhor com as mãos postas. Depois disso, a gigantesca forma de Mahã-Visnu,
muitíssimo satisfeita, sorriu agradavelmente e falou o seguinte.
“Meus queridos Krsna e Arjuna, Eu estava muito ansioso por ver-vos a ambos, e
por isso planejei roubar os bebês do brãhmana e mantê-los aqui. Tenho esperado
ver-vos neste palácio. Vós aparecestes no mundo material como Minhas encar­
nações a fim de reduzir a força das pessoas demoníacas que sobrecarregam o
mundo. Agora, após matar todos esses demônios indesejados, por favor, voltai a
Mim. Ambos vós sois encarnações do grande sábio Nara-Nãrãyana. Embora sejais
700 K rsn a, a Suprem a Personalidade de Deus

ambos completos em vós mesmos, para proteger os devotos e aniquilar os demô­


nios, e especialmente para estabelecer princípios religiosos no mundo para que a
paz e tranquilidade continuem, vós estais ensinando os princípios básicos da reli­
gião verdadeira para que as pessoas do mundo vos sigam e desse modo sejam
pacíficas e prósperas.”
Tanto o Senhor Krsna quanto Arjuna ofereceram então suas reverências ao
Senhor Mahã-Visnu, e, tomando de volta os filhos do brõhmana. regressaram a
Dvãrakã através da mesma rota pela qual haviam entrado no mundo espiritual.
Todos os filhos do brõhmana estavam devidamente crescidos. Após regressarem a
Dvãrakã, o Senhor Krsna e Arjuna entregaram ao brõhmana todos os seus filhos.
Arjuna, contudo, ficara maravilhado após visitar o mundo transcendental pela
graça do Senhor Krsna. E, pela graça de Krsna, ele pôde entender que qualquer
opulência que exista dentro deste mundo material é uma emanação dEle. Qualquer
posição opulenta que uma pessoa tenha dentro deste mundo material é devida à
misericórdia de Krsna. Devemos, portanto, estar sempre em consciência de Krsna,
em completa gratidão ao Senhor Krsna, porque tudo que alguém possa possuir
deve-se totalmente à Sua misericórdia.
A maravilhosa experiência de Arjuna, devida à misericórdia de Krsna, é um dos
muitos milhares de passatempos executados pelo Senhor Krsna durante Sua estada
neste mundo material. Todos eles são únicos e não têm paralelo na história do
mundo. Todos esses passatempos provam inteiramente que Krsna é a Suprema
Personalidade de Deus; contudo, enquanto presente dentro deste mundo material,
Ele atuou exatamente como um homem comum que possui muitos deveres munda­
nos. Ele representou o papel de chefe de família ideal, e embora tivesse 16.000
esposas, 16.000 palácios e 160.000 filhos, Ele também executou muitos sacrifícios,
só para ensinar à ordem real como viver no mundo material para o bem-estar da
humanidade. Como a ideal Personalidade Suprema, Ele satisfez os desejos de
todos, desde os brãhmartas, as pessoas mais elevadas na sociedade humana, até as
entidades vivas comuns, incluindo os mais baixos dos homens. Assim como o rei
Indra está encarregado de distribuir chuva em todo o mundo para satisfazer a todos
no devido curso, da mesma forma, o Senhor Krsna satisfaz a todos derramando Sua
misericórdia sem causa. Sua missão era dar proteção aos devotos e matar os reis
demoníacos. Portanto, Ele matou muitas centenas e milhares de demônios. Alguns
deles Ele matou pessoalmente, e outros foram mortos por Arjuna, que fora delegado
por Krsna. Dessa maneira, Ele estabeleceu muitos reis piedosos tais como Yudhi-
sthira na direção dos afazeres do mundo. Assim, por Seu divino arranjo, Ele criou o
bom governo do rei Yudhisthira, do que resultou paz e tranquilidade.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta


e Oito de Krsna, intitulado “O Superexcelente Poder de Krsna. ”
8 9 / Descrição sumária
dos passatempos do Senhor Krsna

Arjuna ficou muitíssimo surpreendido após regressar do reino espiritual, que ele
foi capaz de visitar pessoalmente com Krsna. Ele pensou consigo mesmo que,
embora fosse apenas uma entidade viva comum, pela graça de Krsna tinha podido
ver o mundo espiritual pessoalmente. Não apenas havia ele visto o mundo espiri­
tual, mas também havia visto pessoalmente o Mahã-Visnu original, a causa da
criação material. Diz-se que Krsna nunca sai de Vmdãvana: vrndãvanampcirityajya
na sam ekam gacchati. Krsna é supremo em Mathurã, é mais supremo em Dvãrakã
e é supremíssimo em Vmdãvana. Apesar de os passatempos de Krsna em Dvãrakã
serem manifestados por Sua porção Vãsudeva, não há diferença entre a porção
Vãsudeva manifestada em Mathurã e Dvãrakã e a manifestação original de Krsna
em Vmdãvana. No começo deste livro vimos que quando Krsna aparece, todas as
Suas encarnações, porções plenárias e porções das porções plenárias vêm com Ele.
Assim, alguns de Seus diferentes passatempos são manifestados, não pelo próprio
Krsna original, mas por Suas diferentes porções e porções plenárias de encarnação.
Portanto, Arjuna estava perplexo sobre como Krsna fora ver o Karãnãrnavasãyl
Visnu no mundo espiritual. Isto é inteiramente discutido nos comentários de Srila
Visvanãtha Cakravartí Thãkura.
Compreende-se pelas palavras de Mahã-Visnu que Ele estava muito ansioso por
ver Krsna. Pode-se dizer, contudo, que uma vez que Mahã-Visnu roubou os filhos
do brãhmana, certamente Ele devia ter ido até Dvãrakã para fazê-lo. Portanto, por
que Ele não viu Krsna lá? Uma resposta possível é que Krsna não pode ser visto
nem mesmo pelo Mahã-Visnu deitado no Oceano Causai do mundo espiritual, a
menos que Krsna Lhe dê permissão. Assim, Mahã-Visnu roubou os filhos do
brãhmana, um após o outro, logo após eles nascerem, para que Krsna viesse
pessoalmente recuperá-los e Ele (Mahã-Visnu) pudesse vê-lO ali. Se é mesmo isso,
a pergunta seguinte é: por que Mahã-Visnu viría pessoalmente a Dvãrakã se Ele não
era capaz de ver Krsna? Por que Ele não enviou alguns de Seus associados para
roubar os filhos do brãhmana? Uma resposta possível é que é muito difícil colocar
qualquer um dos cidadãos de Dvãrakã em dificuldade na presença de Krsna. Por-
' tanto, como não seria possível que nenhum dos associados de Mahã-Visnu roubasse
os filhos do brãhmana, Ele pessoalmente veio tomá-los.
Outra pergunta também pode ser levantada: se o Senhor é conhecido como
brahmanya-deva, a Deidade adorável dos brãhmanas, por que, então, Ele Se sentiu
702 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

inclinado a pôr um brãhmana em condição tão terrível de lamentação por um filho


após o outro até que o nono filho foi roubado? A resposta é que o Senhor Mahã-
Vísnu estava tão ansioso por ver Krsna que Ele nem sequer hesitou em molestar um
brãhmana. Embora incomodar um brãhmana seja um ato proibido, o Senhor Visnu
estava preparado para fazer qualquer coisa a fim de ver Krsna — Ele estava muitís­
simo ansioso por vê-10..Após perder cada um de seus filhos, o brãhmana vinha até
o portão do palácio e acusava o rei de não ser capaz de proteger os brãhmanas e de
ser, por conseguinte, inapto para sentar-se no trono real. Era plano de Mahã-Visnu
que o brãhmana acusasse os ksatríyas e Krsna, e Krsna seria obrigado a vir vê-10
para recuperar os filhos do brãhmana.
Ainda outra pergunta pode ser levantada: se Mahã-Visnu não pode ver Krsna,
como, então, afinai de contas, Krsna foi obrigado a ir ter com Ele para recuperar os
filhos do brãhmana? A resposta é que o Senhor Krsna foi ver o Senhor Mahã-
Visnu, não exatamente para recuperar os filhos do brãhmana, mas apenas por causa
de Arjuna, Sua amizade com Arjuna era tão íntima que quando Arjuna preparou-se
para morrer entrando no fogo, Krsna quis protegê-lo completamente. Arjuna, con­
tudo, não desistiría de entrar no fogo, a menos que os filhos do brãhmana fossem
trazidos de volta. Portanto, Krsna prometeu-lhe: “Eu trarei de volta os filhos do
brãhmana. Não tentes cometer suicídio.”
Se o Senhor Krsna estivesse índo ver o Senhor Visnu apenas para redimir os
filhos do brãhmana, então Ele não teria esperado até que o nono filho fosse rou­
bado. Porém, quando o nono filho foi roubado pelo Senhor Mahã-Visnu, e Arjuna
já estava pronto para entrar no fogo por não ter conseguido cumprir sua promessa,
essa situação séria fez o Senhor Krsna decidir que iria com Arjuna ver Mahã-Visnu.
E dito que Arjuna é uma encarnação dotada de poder de Nara-Nãrãyana, Inclusive,
às vezes ele é chamado Nara-Nãrãyana. A encarnação Nara-Nãrãyana também é
uma das expansões plenárias do Senhor Visnu. Portanto, quando Krsna e Arjuna
foram ver o Senhor Vísnu, deve-se compreender que Arjuna fez aquela visita em
sua posição como Nãra-Narãyana, assim como Krsna, ao manifestar Seus passatem­
pos em Dvãrakã, agiu em Sua posição como Vãsudeva.
Após visitar o mundo espiritual, Arjuna concluiu que qualquer que seja a opulên­
cia que alguém possa mostrar dentro dos mundos material ou espiritual é apenas
uma dádiva do Senhor Krsna. O Senhor Krsna manífesta-Se em várias formas,
como visnu-tattva e jiva-tattva, ou^ em outras palavras, como svãmsa e vibhinnã-
m$a: Visnu-tattva é conhecido como svãmsa e jiva-tatrva é conhecido como vibhin-
riãmáa. Ele pode, portanto, manifestar-Se através de Seus diferentes passatempos
transcendentais, seja na porção de svãmsa, seja na de vibhinnãrhsa, como Ele
queira, mas mesmo assim permanece a original Suprema Personalidade de Deus.
A parte conclusiva dos passatempos de Krsna encontra-se no Nonagésimo Capí­
tulo do Décimo Canto do Srímad-Bhãgavatam, e neste capítulo Sukadeva Gosvãm!
quis explicar como Krsna vivia alegremente em Dvãrakã com todas as opulências.
Descrição dos passatempos do Senhor Krsna 703

A opulência de força de Krsna já tem sido revelada em Seus diferentes passatempos,


e agora se mostrará como Sua residência em Dvãrakã manifestou Suas opulências
de riqueza e beleza. Neste mundo material, que é apenas um reflexo pervertido do
mundo espiritual, as opulências de riqueza e beleza são consideradas as mais eleva­
das de todas as opulências. Portanto, enquanto Krsna permaneceu neste planeta
como a Suprema Personalidade de Deus, Suas opulências de riqueza e beleza não
tiveram paralelo dentro dos três mundos. Krsna desfrutou de dezesseis mil belas
esposas, e é muito significativo que Ele tenha vivido em Dvãrakã como o único
esposo dessas milhares de belas mulheres. Afirma-se especificamente a este res­
peito que Ele era o único esposo de dezesseis mil esposas. Evidentemente, não é
que não se tenha ouvido na história do mundo que um rei poderoso mantivesse
muitas centenas de rainhas, mas, mesmo sendo o único esposo de tantas esposas, tal
rei não podería desfrutar de todas elas ao mesmo tempo. Krsna, no entanto, desfru­
tava de todas as Suas dezesseis mil esposas simultaneamente.
Embora se possa dizer que os yogis também podem expandir seus corpos em
muitas formas, a expansão dos yogis e a expansão do Senhor Krsna não são a
mesma coisa. Portanto, Krsna às vezes é chamado de yogesvara, o senhor de todos
os yogis. Na literatura védica encontramos que o yogi Saubhari Muni expandiu-se
em oito. Mas essa expansão era como uma expansão de televisão. A imagem da
televisão manifesta-se em milhões de expansões, mas essas expansões não podem
agir de formas diferentes: são simples reflexos da original e só podem agir exata­
mente como faz a original. A expansão de Krsna não é material como a expansão da
televisão ou do yogi. Quando Nãrada visitou os diversos palácios de Krsna, ele viu
que Krsna, em Suas diferentes expansões, estava ocupado em afazeres variados em
todo e cada um dos palácios dás rainhas.
Também se diz que Krsna vivia em Dvãrakã como o esposo da deusa da fortuna.
A rainha Rukmini é a deusa da fortuna, e todas as outras rainhas são expansões dela.
De modo que Krsna, o chefe da dinastia Vrsni, desfrutava com a deusa da fortuna
em opulência plena. As rainhas de Krsna são descritas como permanentemente
jovens e belas. Embora Krsna tivesse netos e bisnetos, nem Krsna nem Suas rainhas
aparentavam ter mais de dezesseis ou. vinte anos de idade. As jovens rainhas eram
tão belas que quando se locomoviam pareciam o relâmpago mexendo-se no céu.
Estavam sempre vestidas com ornamentos e roupas esplendorosas e estavam sempre
ocupadas em atividades esportivas como dançar, cantar ou jogar bola nos terraços
dos palácios. A dança e o jogo de tênis das mocinhas no mundo material parecem
ser reflexos pervertidos dos passatempos originais da original Personalidade de
Deus, Krsna, e Suas esposas.
As estradas e ruas da cidade de Dvãrakã estavam sempre apinhadas de elefantes,
cavalos, quadrigas e.soldados de infantaria. Quando os elefantes estão ocupados em
serviço, dão-lhes licor para beber, e se diz que os elefantes em Dvãrakã ganhavam
tanto licor que borrifavam uma grande quantidade dele na estrada e ainda assim
704 Krsna, *a Suprema Personalidade de Deus

andavam embriagados pelas ruas. Os soldados de infantaria que passavam pelas


ruas andavam profusamente decorados com ornamentos dourados, e cavalos e qua­
drigas douradas circulavam pelas ruas. Em todas as direções da cidade de Dvãrakã,
para onde quer que se voltava os olhos encontrava-se parques e jardins verdes, cada
um deles cheio de árvores e plantas repletas de frutas e flores. Porque havia tantas
árvores de bons frutos e flores, todos os passarinhos docemente chílreantes e as
abelhinhas zunidoras juntavam-se para produzir doces vibrações. Assim, a cidade
de Dvãrakã manifestava plenamente todas as opulências. Os heróis da dinastia de
Yadu costumavam julgar-se os mais afortunados residentes da cidade, e na verdade
eles desfrutavam de todas as facilidades transcendentais.
Todos os dezesseis mil palácios das rainhas de Krsna estavam situados nesta bela
cidade de Dvãrakã, e o Senhor Krsna, o supremo desfrutador eterno de todas essas
facilidades, expandia-Se em dezesseis mil formas e simultaneamente ocupava-Se
em diferentes afazeres familiares nesses dezesseis mil palácios. Em todo e cada um
dos palácios havia jardins e lagos muito bem decorados. A água cristalina dos lagos
continha muitas flores de lótus de diferentes cores, como azul, amarelo, branco e
vermelho, e' a brisa soprava o pó açafroado das flores de lótus por toda a volta.
Todos os lagos eram cheios de belos cisnes, patos e grous, gritando ocasionalmente
com sons melodiosos. Às vezes o Senhor Sri Krsna entrava nesses lagos ou nos rios
com Suas esposas e desfrutava de passatempos de natação com elas em pleno júbilo.
Às vezes as esposas do Senhor Krsna, que eram todas deusas da fortuna, abraçavam
o Senhor no meio da água enquanto nadavam ou tomavam banho, e o vermelhão da
kurikuma que decorava a beleza de seus seios adornava o peito do Senhor com a cor
avermelhada.
Os impersonalistas não ousariam crer que no mundo espiritual haja tais variedades de
desfrute, mas, a fim de demonstrar o desfrute concreto e sempre bem-aventurado do
mundo espiritual, o Senhor Krsna desceu a este planeta e mostrou que o mundo espiri­
tual não é desprovido de tais facilidades prazenteiras da vida. A única diferença é que no
mundo espiritual tais facilidades são ocorrências eternas e duradouras, ao passo que no
mundo material não passam de meros reflexos pervertidos e impermanentes. Quando o
Senhor Krsna ocupava-Se em tal desfrute, os Gandharvas e músicos profissionais glori-
ficavam-nO com concertos musicais melodiosos, acompanhados por mrdahgas, ba­
terias, timbales, instrumentos de corda e cometas de bronze, e toda a atmosfera transfor­
mava-se em grande celebração festiva. Com uma atitude festiva, às vezes as esposas do
Senhor borrifavam água em Seu corpo com um instrumento semelhante à seringa, e o
Senhor do mesmo modo molhava os corpos das rainhas. Quando Krsna e as rainhas
ocupavam-se nesses passatempos, parecia que o rei celestial, Yaksarãja, estava ocu­
pado em passatempos com suas muitas esposas. (Yaksarãja também é conhecido como
Kuvera e é considerado o tesoureiro do reino celestial.) Quando as esposas do Senhor
Krsna ficavam molhadas assim, seus seios e coxas aumentavam em beleza mil vezes, e
Descrição dos passatempos do Senhor Krsna 705

seus cabelos longos caíam para decorar essas partes de seus corpos. As belas flores
colocadas em seus cabelos caíam, e as rainhas, aparentemente molestadas pelo fato de o
Senhor jogar água nelas, aproximavam-se dEle sob o pretexto de agarrar o instrumento
semelhante à seringa. Esta tentativa criava uma situação em que o Senhor podia abraça­
das. Ao serem abraçadas, as esposas do Senhor sentiam em suas bocas uma ciara indica­
ção de amor conjugal, e isto criava uma atmosfera de bem-aventurança espiritual.
Quando a guirlanda em volta do pescoço do Senhor tocava então os seios das rainhas, o
corpo delas cobria-se de amarelo açafroado. Estando ocupadas nesses passatempos
celestiais, as rainhas esqueciam-se de si mesmas, e seus cabelos soltos pareciam as belas
ondas de um rio. Quando as rainhas borrifavam água no corpo de Krsna ou Ele borrifava
água nos corpos das rainhas, toda a situação parecia com a situação de um elefante
desfrutando em um lago com muitas elefantas.
Após divertirem-se plenamente entre si, as rainhas e o Senhor Krsna saíam da
água, e abandonavam suas roupas molhadas, que eram muito valiosas, para serem
tomadas pelos cantores e dançarinos profissionais. Esses cantores e dançarinos não
tinham outro meio de subsistência além das recompensas de roupas e ornamentos
valiosos deixados pelos reis e rainhas em tais ocasiões. Todo o sistema da sociedade
era tão bem planejado que todos os membros da sociedade em suas diferentes
posições como brãhmanas, ksatriyas, vaisyas e südras não tinham dificuldade em
ganhar sua vida. Não havia competição entre as divisões da sociedade. A concepção
original do sistema de castas era planejada de tal modo que um grupo de homens
ocupados em um tipo particular de afazer não competia com outro grupo de homens
dedicados a uma ocupação diferente.
Dessa maneira, o Senhor Krsna desfrutava da companhia de Suas dezesseis mil
esposas. Os devotos do Senhor que querem amar a Suprema Personalidade de Deus
na doçura de amor conjugal são elevados à posição em que se tomam esposas de
Krsna, e Krsna os mantém sempre apegados a Ele através de Seu comportamento
amável. O comportamento de Krsna com Suas esposas, Seus movimentos, Sua
conversa com elas, Seu sorriso, Seu abraço e outras atividades semelhantes tais
quais as de um esposo amoroso mantinham-nas sempre muito apegadas a Ele. Esta é
a perfeição máxima da vida. Se alguém permanece sempre apegado a Krsna, deve-
se compreender que ele é liberado, e sua vida é bem sucedida. Com qualquer devoto
que ame Krsna com seu coração e alma, Krsna reciproca de tal maneira que o
devoto não possa permanecer desapegado dEle. Os relacionamentos recíprocos
entre Krsna e Seus devotos são tão atrativos que um devoto não pode pensar em
nenhum outro assunto além de Krsna.
Para todas as rainhas, apenas Krsna era seu objetivo adorável. Elas estavam
sempre absortas pensando em Krsna, a Personalidade de Deus belamente negra e de
olhos de lótus. Às vezes, pensando em Krsna, elas permaneciam silenciosas, e, com
grande êxtase de bhãva e anubhãva, às vezes falavam como que num delírio. Às
r
706 K rsn a, a Suprem a Personalidade de Deus

vezes, mesmo na presença do Senhor Krsna, elas vividamente descreviam os pas­


satempos que haviam desfrutado no lago ou no rio com Ele. Algumas de tais
conversas são descritas a seguir.
Uma das rainhas disse ao passarinho kurarl: “Meu querido kurarl, agora a noite
já vai alta. Todos estão dormindo. O mundo inteiro agora está calmo e pacífico.
Neste momento, a Suprema Personalidade de Deus está adormecido, embora Seu
conhecimento não seja perturbado por nenhuma circunstância. Porque, então, não
estás dormindo? Por que estás te lamentando assim por toda a duração da noite?
Meu querido amigo, será porque também estás atraído pelos olhos de lótus da
Suprema Personalidade de Deus e por Seu doce sorriso e palavras atrativas, exata­
mente como eu estou? Será que essas características da Suprema Personalidade de
Deus penetram no teu coração como penetram no meu?
“Olá, cakravãki. Por que cerraste teus olhos? Acaso estás procurando teu esposo,
que talvez tenha ido para países estrangeiros? Por que estás te lamuriando tão
lamentavelmente? Ai de mim! parece que estás muito aflita. Ou será um fato que
também desejas tornar-te serva eterna da Suprema Personalidade de Deus? Acho
que estás ansiosa por colocar uma guirlanda aos pés de lótus do Senhor e depois
colocá-la sobre teu cabelo.
“O meu querido oceano, por que estás rugindo o dia inteiro e a noite inteira? Não
gostas de dormir? Acho que tens sido atacado pela insônia, ou, se não estou errada,
meu querido Syãmasundara com tato arrebatou tua gravidade e poder de tolerância,
que são tuas qualificações naturais. Será um fato que por este motivo estás sofrendo
de insônia como eu? Sim, eu admito que não há remédio para esta doença.
“Meu querido deus da Lua, acho que foste atacado por um severo tipo de tubercu­
lose. Por este motivo, estás te tomando cada vez mais magro, dia a dia. Ó meu
senhor, agora estás tão fraco que teus raios finos não podem dissipar a escuridão da
noite. Ou será um fato que, assim como eu, tu'também ficaste aturdido com as
palavras misteriosamente doces de meu Senhor Syãmasundara. Será um fato que é
por causa desta rigorosa ansiedade que estás tão grave?
“O brisa dos Himalaías, que te fiz eu para estares tão determinada a me importu­
nar, despertando minha luxúria para encontrar Krsna? Acaso não sabes que eu já fui
ferida pela política perversa da Personalidade de Deus? Minha querida brisa dos
Himalaías, por favor, fica sabendo que eu já fui golpeada. Não há necessidade de
me ferir mais e mais.
“Minha querida bela nuvem, a cor de teu belo corpo assemelha-se exatamente ao
matiz do corpo de meu tão querido Syãmasundara. Julgo, portanto, que és muito
querida para meu Senhor, o chefe da dinastia dos Yadus, e porque és tão querida por
Ele, estás absorta em meditação, exatamente como eu. Posso apreciar que teu
coração está cheio de ansiedade por Syãmasundara. Pareces excessivamente ansiosa
por vê-10, e eu vejo que apenas por este motivo gotas de lágrimas estão deslizando
de teus olhos, assim como o estão dos meus, Minha querida nuvem negra, devemos
Descrição dos passatempos do Senhor Krsna 707

admitir francamente que estabelecer uma relação íntima com Syãmasundara signi­
fica comprar ansiedades desnecessárias ao passo que de outra maneira estaríamos
confortáveis em casa.”
Geralmente o cuco arrulha no final da noite ou de manhã cedo. Quando as rainhas
ouviam o arrolho do cuco no final da noite, elas diziam: “Querido cuco, tua voz é
muito doce. Logo que vibras tua doce voz, imediatamente nos lembramos de
Syãmasundara porque tua voz assemelha-se exatamente à dEle. Devemos admitir
francamente que tua voz está impregnada de néctar, e é tão revigorante que é
competente para ressuscitar aqueles que estão quase monos na separação de seu
mais querido amigo. De forma que estamos muito agradecidas a ti. Por favor,
dize-nos como podemos dar-te as boas-vindas ou como podemos fazer algo para ti.”
As rainhas continuaram conversando assim, e se dirigiram à montanha da se­
guinte maneira: “ Querida montanha, és muito generosa. Unicamente por tua gravi­
dade é que toda a crosta desta Terra é devidamente mantida, embora, porque
cumpres teus deveres muito fielmente, não saibas como te mexeres. Por seres tão
grave, não vives andando para lá e para cá, nem tampouco dizes nada. Pelo contrá­
rio, pareces estar sempre em atitude pensativa. Pode ser que estejas sempre pen­
sando em um assunto muito grave e importante, mas nós podemos adivinhar muito
claramente no. que estás pensando. Estamos certas de que estás pensando em colocar
os pés de lótus de Syãmasundara sobre teus picos elevados, assim como nós que­
remos colocar Seus pés de lótus sobre nossos seios rijos.
“Caros rios secos, sabemos que porque esta é a estação de verão, todos os vossos
leitos estão secos, e não tendes água. Porque agora toda a vossa água se secou, não
estais embelezados por flores de lótus desabrochantes. Atualmente, pareceis muito
magros e finos, de modo que podemos compreender que vossa posição é exata­
mente como a nossa. Nós perdemos tudo por estarmos separadas de Syãmasundara,
e já não ouvimos Suas palavras agradáveis. 'Nossos corações já não trabalham
corretamente, e por isso também nos tomamos esquálidas e magras. Achamos,
portanto, que sois assim como nós. Vós vos tomastes magros e finos porque não
estais obtendo nenhuma água de vosso esposo, o oceano, através das nuvens.” O
exemplo dado aqui pelas rainhas é muito apropriado. Os leitos do rio tomam-se
secos quando o oceano deixa de suprir água através das nuvens. O oceano é suposta­
mente o esposo do rio e por isso supostamente deve mantê-lo. Á menos que uma
mulher seja mantida pelo esposo com as necessidades da vida, ela também se toma
seca como um rio seco.
Uma rainha dirigiu-se a um cisne da seguinte maneira: “Meu querido cisne, por
favor, vem aqui, vem aqui. És bem-vindo. Por favor, senta-te e toma um pouco de
leite. Meu querido cisne, podes me dizer se trazes alguma mensagem de Syãma­
sundara? Considero-te um mensageiro dEle, Se tens alguma notícia dEle, pof favor,
dize-me. Nosso Syãmasundara é sempre muito independente. Ele nunca Se deixa
controlar por ninguém. Nenhuma de nós conseguiu controlá-IO, e por isso te
708 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

perguntamos: Ele está Se mantendo bem? Devo informar-te que Syãmasundara é


muito volúvel. Sua amizade é sempre temporária; ela se rompe mesmo devido à
menor agitação. Mas, poderías tu me explicar por que Ele é tão rude comigo?
Antigamente, Ele dizia que somente eu sou Sua queridíssima esposa. Acaso Ele Se
lembra desta garantia? De qualquer modo, és bem-vindo. Por favor, senta-te. Mas eu
não posso aceitar tua súplica para eu ir ter com Syãmasundara. Se Ele não liga para
mím, por que deveria eu estar louca por Ele? Sinto muito te dizer que te tomaste o
mensageiro de uma alma miserável. Estás me pedindo para ir ter com Ele, mas eu
não vou. Que é isso? Dizes que Ele está vindo para mim? Acaso Ele deseja vir até
aqui para satisfazer minha prolongada espera por Ele? Está bem. Podes trazê-lO
aqui. Mas não tragas com Ele Sua amadíssima deusa da fortuna. Achas que Ele não
pode Se separar da deusa da fortuna nem sequer por um instante? Acaso não podería
Ele vir aqui sozinho, sem Laksmi? Seu comportamento é muito desagradável. Quer
dizer, então, que sem Laksmi Syãmasundara não pode ser feliz? Não pode Ele ser
feliz com alguma outra esposa? Quer dizer, então, que a deusa da fortuna tem um
oceano de amor por Ele, e nenhuma de nós pode comparar-se a ela?”
Todas as esposas do Senhor Krsna estavam completamente absortas em pensar
nEle. Krsna é conhecido como yogesvara, o senhor de todos os yogis, e todas as
esposas de Krsna em Dvãrakã costumavam manter este yogesvara dentro de seus
corações. Em vez de tentar ser o senhor de todos os poderes místicos ióguicos, é
melhor simplesmente manter o supremo yogesvara, Krsna, dentro do coração.
Assim, nossa vida pode tomar-se perfeita, e podemos muito facilmente ser transfe­
ridos ao reino de Deus. Deve-se compreender que todas as rainhas de Krsna que
viviam com Ele em Dvãrakã foram, em suas vidas anteriores, devotos muitíssimo
elevados que quiseram estabelecer uma relação com Krsna em amor conjugal.
Assim, eles tiveram a oportunidade de tomar-se esposas dEle e desfrutar de um
constante relacionamento amoroso com Ele. Finaimente, todas elas foram transferi­
das aos planetas Vaikuntha.
A Suprema Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, nunca é impessoal.
Todas as literaturas védicas glorificam a execução transcendental de Suas várias
atividades e passatempos pessoais. E dito que nos Vedas e no Rãmãyana só se
descrevem as atividades do Senhor. Em toda a parte na literatura védica canta-se
Suas glórias. Logo que pessoas de coração suave como as mulheres ouvem esses
passatempos transcendentais do Senhor Krsna, elas imediatamente ficam atraídas
por Ele. As mulheres e mocinhas de coração suave são, portanto, muito facilmente
atraídas ao movimento da consciência de Krsna, Alguém que seja assim atraído ao
movimento da consciência de Krsna e tente manter-se em contato constante com tal
consciência certamente obtém a salvação suprema, voltando a Krsna em Goloka
Vrndãvana. Se simplesmente por desenvolver consciência de Krsna uma pessoa
pode ser transferida ao mundo espiritual, pode-se simplesmente imaginar quão
bem-aventuradas e abençoadas eram as rainhas do Senhor Krsna, que conversavam
Descrição dos passatempos do^enhoç Krsna 709

com Ele pessoalmente e viam o Senhor Krsna diretamente. Ninguém pode descre­
ver adequadamente a fortuna das esposas do Senhor Krsna. Elas cuidavam dEle
pessoalmente, prestando-Lhe vários serviços transcendentais como banhá-lO,
alimentá-10, agradá-10 e servi-10. Assim, nenhuma austeridade pode ser compa­
rada ao serviço das rainhas em Dvãrakã.
Sukadeva Gosvãmí informou Mahãrãja Pariksit que, para a auto-realização, as
austeridades e penitências executadas pelas rainhas em-Dvãrakã não têm compa­
ração. O objetivo da auto-realização é um só: Krsna. Portanto, embora os relaciona­
mentos das rainhas com Krsna pareçam ser relacionamentos ordinários entre esposo e
esposa, o ponto principal a ser observado é o apego das rainhas a Krsna. Todo o
processo de austeridade e penitência destina-se a fazer com que nos desapeguemos
do mundo material e aumentemos nosso apego a Krsna, a Suprema Personalidade
de Deus. Krsna é o abrigo de todas as pessoas que estão avançando na auto-
realização. Como chefe de família ideal, Ele viveu com Suas esposas e executou os
rituais védicos só para mostrar às pessoas menos inteligentes que o Senhor Supremo
nunca é impessoal. Krsna viveu com esposa e filhos com toda opulência, exata­
mente como uma alma condicionada comum, só para exemplificar àquelas almas
que são realmente condicionadas que uma pessoa pode ingressar no círculo da vida
familiar contanto que Krsna seja o centro dessa família. Por exemplo, os membros
da dinastia Yadu viviam na família de Krsna, e Krsna era o centro de todas as suas
atividades. *
A renúncia não é tão importante como aumentar nosso apego a Krsna. O movi­
mento da consciência de Krsna destina-se especial mente a este objetivo. Estamos
pregando, baseados no princípio de que não importa que um homem seja sannyãsi
ou grhastha. Ele simplesmente tem de aumentar seu apego a Krsna, e então sua vida
será bem sucedida. Seguindo os passos do Senhor Srl Krsna, pode-se viver com os
familiares ou dentro da sociedade ou nação, não com o objetivo de entregar-se ao
gozo dos sentidos, mas para compreender Krsna, avançando em apego a Ele. Há
quatro princípios de elevação da vida condicionada à vida de liberação, que são
tecnicamente conhecidos como dharmci, aríha, kãma e moksa (religião, desenvolvi­
mento econômico, gozo dos sentidos e liberação). Se alguém leva uma vida familiar
seguindo os passos dos familiares do Senhor Krsna, pode alcançar todos esses
quatro princípios de sucesso simultaneamente, fazendo de Krsna o centro de todas
as atividades.
Já sabemos que Krsna teve 16.108 esposas. Todas essas esposas eram elevadas
almas liberadas,- dentre as quais a rainha RukminI era a principal. Depois de.
Rukminí, havia sete outras esposas principais, e os nomes dos filhos dessas oito
rainhas principais já foram mencionados. Além dessas oito rainhas, o Senhor Krsna
teve dez filhos com cada uma das outras rainhas. Assim, ao todo, os filhos de Krsna
somavam 16.108 vezes dez. Não devemos nos espantar ao ouvir que Krsna teve
tantos filhos. Devemos lembrar sempre que Krsna é a Suprema Personalidade de
Deus e que Ele tem potências ilimitadas. Ele afirma que todas as entidades vivas são
710 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Seus filhos, de modo que, mesmo que Ele tivesse dezesseis milhões de filhos
ligados a Ele pessoalmente, isso não seria motivo de espanto.
Entre os poderosíssimos filhos de Krsna, dezoito eram mahã-rathas. Os mahã-
rathas podiam lutar sozinhos contra muitos milhares de soldados, quadrigários,
cavalarias e elefantes. A reputação desses dezoito filhos é muito difundida e é
descrita em quase todas as literaturas védicas. A lista dos dezoito filhos mahã-ratha
é a seguinte: Pradyumna, Aniruddha, Diptimãn, Bhãnu, Sãmba, Madhu, Brhad-
bhãnu, Citrabhãnu, Vrka, Aruna, Puskara, Vedabãhu, Srutadeva, Sunandana, Citra-
bãhu, Virüpa, Kavi e Nyagrodha. Desses dezoito filhos mahã-ratha de Krsna,
Pradyumna é considerado o mais elevado. Pradyumna era o filho mais velho da
rainha Rukmini, e ele herdou todas as qualidades de seu grande pai, o Senhor
Krsna. Casou-se com a filha de Rukmi, seu tio materno, e desse casamento nasceu
Aniruddha. Aniruddha era tão poderoso que podia lutar contra dez mil elefantes.
Ele casou-se com a neta de Rukmi, o irmão de sua avó, Rukmini. Porque a relação
entre esses primos era distante, tal casamento não foi incomum. O filho de Ani­
ruddha foi Vajra. Quando toda a dinastia Yadu foi destruída pela maldição de um
hrãhmana, apenas Vajra sobreviveu. Vajra teve um filho chamado Pratibãhu. O
filho de Pratibãhu chamava-se Subãhu, o filho de Subahu chamava-se Sãntasena e o
filho de Sãntasena era Satasena.
Sukadeva Gosvãmi declara que todos os membros da dinastia Yadu tiveram
muitos filhos. Assim como Krsna teve muitos filhos, netos e bisnetos, cada um dos
reis nomeados aqui também tiveram extensões familiares semelhantes. Não apenas
todos eles tiveram muitos filhos, mas também eram todos extraordinariamente ricos
e opulentos. Nenhum deles era fraco ou teve vida curta, e, acima de tudo, todos os
membros da dinastia Yadu eram devotos resolutos da cultura bramínica. E dever
dos reis ksatriyas manter a cultura bramínica e proteger os brãhmanas qualificados,
e todos esses reis cumpriam seus deveres corretamente. Os membros da dinastia
Yadu eram tão numerosos que seria muito difícil descrevê-los a todos, mesmo que
se tivesse uma duração de vida de muitos milhares de anos. Srila Sukadeva
Gosvãmi informou Mahãrãja Paríksit que ele havia ouvido de fontes de confiança
que apenas para ensinar às crianças da dinastia Yadu havia 38.800.000 tutores ou
ãcãryas. Se tantos mestres eram necessários para educar seus filhos, podemos
simplesmente imaginar quão vasto era o número de membros familiares. Quanto a
sua força militar, se diz que o rei Ugrasena sozinho tinha dez quadrilhões de
soldados como guarda-costas pessoais.
Antes do advento do Senhor Krsna dentro deste universo, houve muitas batalhas
entre os demônios e os semideuses. Muitos demônios morreram na luta, e todos eles
tiveram a oportunidade de nascer em altas famílias reais nesta Terra. Por causa de
seus elevados postos reais, todos esses demônios tomaram-se muito arrogantes, e
sua única função era molestar seus súditos. O Senhor Krsna apareceu neste planeta
bem no fim da Dvãpara-yuga para aniquilar todos esses reis demoníacos. Como se
Descrição dos passatempos doTSenhor Krsna 7X1

diz no Bhagavad-gltã, paritrãnãya sãdhünãm vinãsõya ca duskrtãrn: o Senhor vem


para proteger os devotos e aniquilar os canalhas. Alguns dos semideuses também
foram solicitados a aparecer neste planeta Terra para participar nos passatempos
transcendentais do Senhor Krsna. Quando Krsna apareceu, Ele veio na companhia
de Seus servos eternos, mas os semideuses também foram solicitados a descer para
ajudá-!0, e assim todos eles nasceram na dinastia Yadu. A dinastia Yadu tinha 101
clãs em diferentes partes do país. Todos os membros desses diferentes clãs respei­
tavam o Senhor Krsna de maneira condizente com Sua posição divina, e todos eles
eram Seus devotos de coração e alma. Assim, todos os membros da dinastia Yadu
eram muito opulentos, felizes e prósperos, e não tinham ansiedades. Por causa de
sua fé implícita e devoção pelo Senhor Krsna, eles nunca eram derrotados por
quaisquer outros reis. Seu amor por Krsna era tão intenso que em suas atividades
regulares — ao sentar-se, dormir, viajar, conversar, divertir-se, limpar e banhar-
s e — eles estavam simplesmente absortos pensando em Krsna e não davam atenção
às necessidades corpóreas. Este é o sintoma de um devoto puro do Senhor Krsna.
Assim como quando um homem está inteiramente absorto em algum pensamento
particular ele às vezes se esquece de suas outras atividades corpóreas, da mesma
forma os membros da dinastia Yadu agiam automaticamente quanto a suas neces­
sidades corpóreas, mas sua atenção mesmo estava sempre fixa em Krsna, Suas
atividades corpóreas executavam-se mecanicamente, mas suas mentes estavam
sempre absortas em consciência de Krsna.
Sríla Sukadeva Gosvãmí conclui o Nonagésimo Capítulo do Décimo Canto do
Srimad-Bhãgavatam indicando cinco excelências particulares do Senhor Krsna. A
primeira excelência é que antes do aparecimento do Senhor Krsna na família Yadu,
o rio Ganges era conhecido como a mais pura de todas as coisas; mesmo coisas
impuras podiam ser purificadas simplesmente ao contato com a água do Ganges.
Este poder superexcelente da água do Ganges devia-se ao fato de ele ter emanado do
dedão do pé do Senhor Visnu. Mas, quando o Senhor Krsna, o Visnu Supremo,
apareceu na família da dinastia Yadu, Ele viajou pessoalmente por todo o reino dos
Yadus, e, devido a Seu contato íntimo com a dinastia Yadu, toda a família tomou-se
não apenas muito famosa, mas também mais eficiente em purificar os outros do que
a água do Ganges.
A próxima excelência do aparecimento do Senhor Krsna foi que embora aparen­
temente Ele desse proteção aos devotos c aniquilasse os demônios, tanto os devotos
quanto os demônios atingiam o mesmo resultado. O Senhor Krsna é quem concede
os cinco tipos de liberação, dos quais sãyujya-mukti, ou a liberação de tomar-se uno
com o Supremo, foi dada aos demônios como Kãmsa, ao passo que as gopls tiveram
a oportunidade de associar-se com Ele pessoalmente. As gopls mantiveram sua
individualidade para desfrutar da companhia do Senhor Krsna, mas Kamsa foi
admitido em Seu brahmajyoti impessoal. Em outras palavras, tanto os demônios
quanto as gopls foram espiritualmente liberados, mas, porque os demônios eram
inimigos e as gopls eram amigas, os-demônios foram mortos c as gopls, protegidas.
712 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

A terceira excelência do aparecimento do Senhor Krsna foi que a deusa da


fortuna, que é adorada por semideuses como o Senhor Brahmã, Indra e Candra,
permanecia sempre ocupada no serviço ao Senhor, muito embora o Senhor desse
mais preferência às gopis. Laksmiji, a deusa da fortuna, tentou o que pôde para
estar em nível de igualdade com as gopis, mas não teve sucesso. Não obstante, ela
permanecia fiel a Krsna, embora geralmente não permaneça em um só lugar mesmo
que seja adorada por semideuses como o Senhor Brahmã.
A quarta excelência do aparecimento do Senhor Krsna relaciona-se com as gló­
rias de Seu nome. É declarado na literatura védica que por cantar os diferentes
nomes do Senhor Visnu mil vezes, uma pessoa pode obter os mesmos benefícios
que obteria cantando três vezes o santo nome do Senhor Rãma. E por cantar o santo
nome do Senhor Krsna apenas uma vez, ela recebe o mesmo benefício. Em outras
palavras, de todos os santos nomes da Suprema Personalidade de Deus, incluindo Visnu
e Rãma, o santo nome de Krsna é o mais poderoso. A literatura védica, portanto, enfa­
tiza especificamente o cantar do santo nome de Krsna: Hare Krsna, Hare Krsna, Krsna
Krsna, Hare Hare/ Hare Rãma, Hare Rãma, Rãma Rãma, Hare Hare. O Senhor Caita-
nya introduziu este cantar do santo nome de Krsna nesta era, fazendo, assim, com que a
liberação seja mais fácil de se obter do que em outras eras. Em outras palavras, o Senhor
Krsna é mais excelente do que Suas outras encarnações, embora todas elas sejam igual­
mente a Suprema Personalidade de Deus.
A quinta excelência do aparecimento do Senhor Krsna é que Ele estabeleceu o
mais excelente de todos os princípios religiosos através de uma declaração Sua no
Bhagavad-gitã de que, simplesmente por nos rendermos a Ele, podemos cumprir
todos os princípios de ritos religiosos. Na literatura védica mencionam-se vinte
espécies de princípios religiosos, e cada um deles é descrito em diferentes sãstras.
Mas o Senhor Krsna é tão bondoso para com as caídas almas condicionadas desta
era que apareceu pessoalmente e pediu a todos que abandonassem todos os tipos de
ritos religiosos e simplesmente se rendessem a Ele. É dito que esta era de Kali é
desprovida de três quartos dos princípios religiosos. E a restante quarta parte dos
princípios de religião mal é observada nesta era. Mas, pela misericórdia do Senhor
Krsna, não apenas esta lacuna da Kali-yuga tem sido completamente preenchida,
como também o processo religioso tem sido tão facilitado que simplesmente por
prestar transcendental serviço amoroso ao Senhor Krsna cantando Seus santos no­
mes, Hare Krsna, Hare Krsna, Krsna Krsna, Hare Hare/ Hare Rãma, Hare Rãma,
Rãma Rãma, Hare Hare, pode-se atingir o resultado máximo da religião, a saber,
ser transferido ao planeta mais elevado dentro do mundo espiritual, Goloka Vçndã-
vana. Podemos, assim, imediatamente avaliar o benefício do aparecimento do
Senhor Krsna e compreender que o fato de Ele ter aliviado as pessoas do mundo
com Seu aparecimento não foi absolutamente extraordinário.
Sríla Sukadeva Gosvãrni conclui, então, sua descrição da superelevada posição
do Senhor Krsna, glorificando-0 da seguinte maneira: “ Ó Senhor Krsna, todas as
Descrição dos passatempos üoSenhor Krsna 713

glórias a Vós. Estais presente no coração de todos como Paramãtmã; Portanto, sois
conhecido como Janãnivasa, aquele que vive no coração de todos.” Como se con­
firma no Bhagavad-gitã, isvarah sar\>a-bhütãnãm hrd-dese 'rjurxci risrhari: o Senhor
Supremo sob Seu aspecto Paramãtmã vive dentro do coração de todos. Isto não
significa, contudo, que Krsna não tenha existência separada como a Suprema Perso­
nalidade de Deus. Os filósofos Mãyãvãdls aceitam o aspecto onipenetrante de
Parabrahman, mas quando Parabrahman, ou o Senhor Supremo, aparece, eles pen­
sam que Ele aparece sob o controle da natureza material. Porque o Senhor Krsna
apareceu como o ftlho de Devaki, os filósofos Mãyãvãdis aceitam Krsna como
sendo uma entidade viva comum que nasce dentro deste mundo material. Portanto,
Sukadeva Gosvãmí os adverte que devaki-janma-vãda, o que significa que embora
Krsna seja famoso como o filho de Devaki, na verdade Ele é a Superalma, ou a
onipenetrante Suprema Personalidade de Deus. Os devotos, entretanto, analisam
esta expressão devaki-janma-vãda de maneira diferente. Os devotos entendem que
na verdade Krsna era o filho de mãe Yasodã, Embora primeiramente aparecesse
como o filho de Devaki, Ele imediatamente transferiu-Se para o colo de mãe
Yasodã, e Seus passatempos infantis foram bem-aventuradamente desfrutados por
mãe Yasodã e Nanda Mahãrãja. Este fato também foi admitido pelo próprio Vasu-
deva quando este se encontrou com Nanda Mahãrãja e Yasodã em Kuruksetra. Ele
admitiu que, na verdade, Krsna e Balarãma eram filhos de mãe Yasodã e Nanda
Mahãrãja. Vasudeva e Devaki eram apenas Seus pai e mãe oficiais. Seus pai e mãe
verdadeiros eram Nanda e Yasodã. Por isso, Sukadeva Gosvãmí chama o Senhor
Krsna de devaki-janma-vãda.
Sukadeva Gosvãmí então glorifica o Senhor como aquele que é honrado pela casa
de reuniões da dinastia Yadu, e como o matador de diferentes tipos de demônios.
Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, poderia ter matado todos os demônios,
empregando Suas diferentes energias materiais, mas Ele quis matá-los pessoal­
mente para dar-lhes a salvação. Não havia necessidade de Krsna vir a este mundo
material para matar os demônios: simplesmente por Sua vontade, muitas centenas e
milhares de demônios poderíam ter sido mortos sem Seu esforço pessoal. Mas, na
verdade, Ele desceu para Seus devotos puros, para brincar como uma criança com
mãe Yasodã e Nanda Mahãrãja e para dar prazer aos habitantes de Dvãrakã. Por
matar os demônios e dar proteção aos devotos, o Senhor Krsna estabeleceu o
verdadeiro princípio religioso, que é simplesmente o amor a Deus. Por seguirem os
verdadeiros princípios religiosos do amor a Deus, mesmo as entidades vivas conhecidas
como sthira-cara também foram liberadas de toda a contaminação material e
transferidas ao reino espiritual. Sthira significa as árvores e plantas, que não podem
se mover, e cara significa os animais móveis, especialmente as vacas. Quando
Krsna esteve presente aqui, Ele libertou todas as árvores, macacos e outras plantas e
animais que aconteceram de vê-10 e servi-10 tanto em Vrndãvana quanto em
Dvãrakã.
7 14 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

ü Senhor Krsna é especialmente glorificado por dar prazer às gopis e às rainhas


de Dvãrakã. Sukadeva Gosvãmi glorifica o Senhor Krsna por Seu sorriso encanta­
dor, através do qual Ele encantou não somente as gopis de Vrndãvana, mas também
as rainhas de Dvãrakã. As palavras exatas usadas a este respeito são vardhayan
kãmadevam. Em Vrndãvana como namorado de muitas gopis e em Dvãrakã como
esposo de muitas rainhas, Krsna aumentou-lhes o desejo luxurioso de desfrutar com
Ele. Para a compreensão de Deus ou auto-realização, geralmente tem-se que se
submeter a austeridades e penitências severas por muitos e muitos milhares de anos,
e então pode ser que seja possível compreender Deus. Mas as gopis e as rainhas de
Dvãrakã. simplesmente por aumentarem seus desejos luxuriosos de desfrutar de
Krsna como seu namorado ou esposo, receberam o tipo mais elevado de salvação.
Este comportamento do Senhor Krsna com as gopis e as rainhas é único na
história da auto-realização. Normalmente, as pessoas entendem que para a auto-
realização tem-se que ir à floresta ou às montanhas e submeter-se a austeridades e
penitências severas. Mas as gopis e as rainhas, simplesmente por serem apegadas a
Krsna em amor conjugal e desfrutarem de Sua companhia numa chamada vida
sensual cheia de luxo e opulência, atingiram a salvação máxima, que mesmo gran­
des sábios e pessoas santas não conseguem atingir. De modo semelhante, demônios
tais como Karnsa. Dantavakra e Sisupãla também obtiveram o benefício máximo de
serem transferidos ao mundo espiritual.
No começo do Srinuid-Bhãgaviitum. Sríla Vyãsadeva prestou suas respeitosas
reverências à Verdade Suprema. Vãsudeva, Krsna. Depois disso, ele ensinou seu
filho, Sukadeva Gosvãmi, a pregar o Srinuid-Bhãginatum. E a este respeito que
Sukadeva Gosvãmi glorifica o Senhor com o termo jayati. Seguindo os passos de
Srila Vyãsadeva, Sukadeva Gosvãmi e todos os ãcãryas em sucessão discipular,
toda a população do mundo deve glorificar o Senhor Krsna. e. para seu melhor
interesse, eles devem aceitar este movimento da consciência de Krsna. O processo é
fácil e útil. Trata-se apenas de cantar o mahã-mantra, Hare Krsna, Hare Krsna,
Krsna Krsna. Hare Hare/ Hare Rãma, Hare Rãma, Rãma Rãma, Hare Hare. O
Senhor Caitanya reeomenda, portanto, que sejamos indiferentes aos altos e baixos
materiais. A vida material é temporária, e por conseguinte os altos e baixos da vida
podem ir e vir. Quando eles vêm, deve-se ser tolerante como uma árvore e humilde
e manso como a palha na rua. mas certamente é preciso ocupar-se em consciência
de Krsna cantando Hare Krsna, Hare Krsna, Krsna Krsna. Hare Hare.
A Suprema Personalidade de Deus, Krsna, a Superalma de todas as entidades
vivas, por Sua misericórdia sem causa desce e manifesta Seus diferentes passatem­
pos transcendentais em diferentes encarnações. Ouvir os atrativos passatempos das
diferentes encarnações do Senhor Krsna é uma oportunidade de liberação para a
alma condicionada, e as táo fascinantes e agradáveis atividades do próprio Senhor
Krsna são ainda mais atrativas porque o Senhor Krsna pessoalmente é todo-atrativo.
Descrição dos passatempos d<?rSenhor Krsna 715

Seguindo os santos passos de Sríla Sukadeva Gosvãmi, tentarhos’ãpresentar este


livro, Krsna, para ser lido e ouvido pelas-almas condicionadas desta era. Ouvindo
os passatempos do Senhor Krsna, uma pessoa certamente obtém a salvação c c
transferida de volta ao lar, de volta ao Supremo. Sukadeva e Gosvãmí recomenda que,
à medida que ouçamos os passatempos e atividades transcendentais do Senhor,
gradualmente cortemos os nós de contaminação material. Portanto, sem levar em
conta o que se é, se alguém quer a companhia do Senhor Krsna no reino transcen­
dental de Deus para a eternidade em existência bem-aventurada, precisa ouvir sobre
os passatempos do Senhor Krsna e cantar o nmhã-tnantra, Harc Krsna, Hare Krsna,
Krsna Krsna, Hare Hare/ Hare Rãma, Hare Rãma, Rãma Rãma, Hare Hare.
Os passatempos transcendentais de Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, são
tão poderosos que simplesmente por ouvir, ler e memorizar este livro, Krsna, é
certo que a pessoa será transferida ao mundo espiritual, o que comumente é muito
difícil de se conseguir. A descrição dos passatempos do Senhor Krsna é tão atrativa
que automaticamente nos dá um ímpeto de estudá-los repetidamente, e quanto mais
estudamos os passatempos do Senhor, mais nos apegamos a Ele. Este mesmo apego
a Krsna torna a pessoa elegível a ser transferida para Sua morada, Goloka Vrndã-
vana. Como aprendemos no capítulo anterior, atravessar o mundo material é atra­
vessar as estritas leis da natureza material. As estritas leis da natureza material não
podem impedir o progresso de alguém que se sinta atraído pela natureza espiritual.
Isto é confirmado no Bhagavad-gitã peio próprio Senhor: embora as estritas leis da
natureza material sejam muito difíceis de superar, se alguém se rende ao Senhor,
pode muito facilmente atravessar a nescidade. Não há, contudo, influência da
natureza material no mundo espiritual. Como aprendemos no Segundo Canto do
Srimad-Bhãgavatam, o poder governamental dos semideuses e a influência da natu­
reza material brilham por sua ausência no mundo espiritual.
Sríla Sukadeva Gosvãmi, portanto, avisa a Mahãrãja Pariksit no começo do
Segundo Canto que toda alma condicionada deve o.cupar-se em ouvir c cantar os
passatempos transcendentais do Senhor. Sríla Sukadeva Gosvãmi também informou
o rei Pariksit que anteriormente muitos outros reis e imperadores foram à selva
executar austeridades e penitências severas a fim de voltar ao lar, voltar ao Su­
premo. Na índia, ainda é costume muitos transcendentalisias avançados abandonar
suas vidas familiares e ir a Vrndãvana para viver ali sozinhos e ocupar-se completa­
mente em ouvir e cantar.os santos passatempos do Senhor. Este sistema é recomen­
dado no Srimad-Bhãgavatam, e os seis Gosvãmis de Vrndãvana o seguiram. Mas,
atualmente, muitos karmis e pseudo-devotos têm se aglomerado no local santo de
Vrndãvana só para imitar este processo recomendado por Sukadeva Gosvãmi. É
dito que muitos reis e imperadores de outrora foram à floresta com este objetivo,
mas Sríla Bhaktisiddhãnta Sarasvati Thãkura Gosvãmi Mahãrãja não recomenda
que se adote esta vida solitária em Vrndãvana prematuramente.
716 K rsna, a,S uprem a Personalidade de Deus
>
Aquele que vai prematuramente a Vmdãvana para viver em conformidade com as
instruções de Sukadeva Gosvãml cai novamente vítima de mãyõ, mesmo enqumto
resida em Vmdãvana. Para impedir tal residência desautorizada em Vmdãvana. Srila
Bhaktisiddhãnta Sarasvatí Thãkura canta uma bela canção a este respeito, cujo signifi­
cado vai a seguir; “ Minha querida mente, por que tens tanto orgulho de ser Vaisnava?
Tua adoração solitária e canto do santo nome do Senhor baseiam-se em um desejo de
popularidade barata, e por isso teu cantar do santo nome é apenas fingimento. Tal
ambição de reputação barata pode ser comparada ao excremento de um porco porque tal
popularidade é outra extensão da influência de mãyã.' ’ Uma pessoa pode ir a Vmdãvana
para conseguir popularidade barata, e, em vez de absorver-se em consciência de Krsna,
pode pensar sempre em dinheiro e mulheres, que não passam de fontes temporárias de
felicidade. É melhor que empreguemos o dinheiro e as mulheres que tenhamos em nossa
posse a serviço do Senhor, porque o gozo dos sentidos não é para a alma condicionada.
O senhor dos sentidos é Hrslkesa, o Senhor Krsna. Portanto, os sentidos devem
ser sempre ocupados em Seu serviço. Quanto à reputação material, houve muitos
demônios como Rãvana que quiseram ir de encontro âs leis da natureza material,
mas todos eles fracassaram. Deve-se, portanto, evitar a atividade demoníaca de
afirmar ser um Vaisnava apenas em troca de falso prestígio, sem prestar serviço ao
Senhor. Mas, quando alguém se ocupa no serviço devocional ao Senhor, automati­
camente a reputação de Vaisnava vem até ele. Não há necessidade de ser invejoso
dos devotos que se dedicam a pregar as glórias do Senhor. Temos experiência
prática de ter recebido conselhos dos chamados bãbãjis de Vmdãvana de que não há
necessidade de pregar e que é melhor viver em Vmdãvana em um lugar solitário e
cantar o santo nome. Tais bãbãjis não sabem que se alguém se dedica a pregar ou a
glorificar a Suprema Personalidade de Deus, a boa reputação automaticamente o
acompanha. Não se deve, portanto, abandonar prematuramente uma vida honesta
de chefe de família para levar uma vida de libertinagem em Vmdãvana. A recomen­
dação de Srila Sukadeva Gosvãml de deixar o lar e ir à floresta em busca de Krsna
não é para pessoas imaturas. Mahãrãja Pariksít era maduro. Mesmo durante sua
vida de casado, ou desde o próprio começo de sua vida, ele adorava a mürti do
Senhor Krsna. Em sua infância ele adorava a Deidade do Senhor Krsna, e posterior-
mente, embora fosse chefe de família, ele foi sempre desapegado, e por isso, ao
receber a notícia de sua morte, imediatamente abandonou toda ligação com vida
familiar e sentou-se às margens do Ganges para ouvir o Srimad-Bhãgavaiam na
companhia dos devotos.

Neste ponto encerra-se o significado Bhaktivedanta do Capítulo Oitenta


e Nove de Krsna, intitulado “Descrição Sumária dos Passatempos do
Senhor Krsna.
Sobre o autor

Sua Divina Graça A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupãda apareceu neste


mundo no ano de 1896 em Calcutá, índia. Ele se encontrou pela primeira vez
com seu mestre espiritual, Srila Bhaktisiddhãnta SarasvatI Gosvãmí, em Calcu­
tá no ano de 1922. Bhaktisiddhãnta SarasvatI, um preem inente erudito devo-
cionai e o fundador de sessenta-e-quatro Gaudiya Mathas (institutos védicos),
gostou deste jovem educado e convenceu-o a dedicar sua vida a ensinar o co­
nhecimento védieo. Srila Prabhupãda tornou-se seu discípulo e onze anos mais
tarde (1933) em Aliahabad tornou-se seu discípulo iniciado em caráter formal.
No primeiro encontro que tiveram em 1922, £>rila Bhaktisiddhãnta
SarasvatI Jh ãk u ra pediu que Srila Prabhupãda difundisse o conhecimento vé-
dico através da língua inglesa. Nos anos que se seguiram, Srila Prabhupãda es­
creveu um comentário sobre o Bhagavad-gitã, ajudou a Gaudiya Matha em seu
trabalho e, em 1944, sem a ajuda de ninguém, dava início a uma revista quin­
zenal em inglês, redatando-a, datilografando os manuscritos e revisando as
provas. Ele próprio distribuía os exemplares individuais gratuitam ente e lutava
para m anter a publicação. Desde então, a revista continua sendo publicada
íninterxuptamente; agora no Ocidente os discípulos de £>rila Prabhupãda conti­
nuam a publicá-la em diversas línguas.
Reconhecendo a erudição filosófica e a devoção de Srila Prabhupãda, a
Sociedade Gaudiya Vaiçpava honrou-o em 1947 com o títu lo “Bhaktivedanta” .
Em 1950, aos cinqüenta e quatro anos de idade, Srila Prabhupãda retirou-se
da vida de casado, e quatro anos mais tarde adotou a ordem vãnaprastha
(retirada) da vida a fim de dedicar mais tem po a seus estudos e escritos. Srila
Prabhupãda viajou para a cidade santa de Vrndãvana, onde viveu de maneira
muito humilde no tem plo medieval histórico de Rãdhã-Dãmodaxa. A li ele se
dedicou durante vários anos a estudar profundam ente e a escrever. Aceitou a
ordem renunciada da vida (sannyãsa) em 1959. Em Rãdhã-Dãmodara, Srila
Prabhupãda começou a trabalhar na obra-prima de sua vida: uma tradução
em muitos volumes com comentários aos dezoito mil versos do Srímad-
718 Krsna, a Suprema Personalidade de Deus

Bhãgavatam ( Bhõgavata-Purãna). Escreveu também o Fácil Viagem a outros


planetas.
Após publicar três volumes do Bhãgavatam, Srila Prabhupãda foi para os
Estados Unidos em 1965, a fim de cumprir a missão de seu mestre espiritual.
Desde essa época, Sua Divina Graça escreveu cerca de quarenta volumes de
traduções, comentários e estudos sumários autorizados sobre os clássicos filo­
sóficos e religiosos da índia.
Quando em 1965 chegou pela primeira vez à cidade de Nova Iorque num
navio de carga, Srila Prabhupãda não tinha praticamente um tostão. Eoi só
depois de quase um ano de muita dificuldade que ele fundou a Sociedade
Internacional para a Consciência de Krislma em julho de 1966. Antes de seu
muito lamentado desaparecimento no dia 14 de novembro de 1977, ele orien­
tou a Sociedade e viu-a desenvolver-se numa confederação mundial com mais
de cem ãsramas, escolas, templos, institutos e comunidades rurais. Em 1968,
SrTla Prabhupãda criou Nova Vrndãvana, uma comunidade védica experimen­
tal nas colinas da Virgínia Ocidental. Inspirados pelo êxito de Nova Vrndãvana,
agora uma próspera comunidade rural com mais de 168 alqueires, seus discípu­
los desde então têm fundado diversas comunidades similares em todo o mundo.
Em 1972, Sua Divina Graça introduziu o sistema védico de educação
primária e secundária no Ocidente ao fundar a primeira escola Gurukula nos
Estados Unidos. A escola começou com três crianças em 1972, e no começo
de 1975 já tinha 150 crianças matriculadas. Atualmente, há diversas outras
escolas Gurukula em vários países, inclusive no Brasil.
Srila Prabhupãda também inspirou a construção de um grande centro
internacional em Srídhãma Mãyãpura na Bengala Ocidental, índia, onde se
planeja também construir um Instituto de Estudos Védicos. O magnificente
Templo de Kpsça-Balarãma e a Casa Internacional de Hóspedes, em Vrndãvana,
índia, são dois projetos similares. Nestes centros os ocidentais poderão viver de
modo a obter a primeira experiência da cultura védica. Também em 1978 foi
inaugurado em Juhu Beach, Bombaim, um complexo cultural de 1600 metros
quadrados (que inclui um templo, um anfiteatro moderno, uma casa de hóspe­
des e um restaurante vegetariano).
No entanto, a contribuição mais significativa de SrTla Prabhupãda é seus
livros. Altamente respeitados pela comunidade acadêmica, dada a sua autori­
dade. profundidade e clareza, estes livros são usados como livros didáticos nor­
mativos em numerosos cursos universitários. Os escritos de SrTla Prabhupãda
tem sido traduzidos para mais de vinte línguas. Estabelecida em 1972 cxclusi-
vamente para publicar as obras de Sua Divina Graça, a Bhaktivcdanta Book
Trust tornou-se assim o maior publicador mundial de livros no campo da reli­
gião e da filosofia indianas. O último projeto desta editora é a publicação da
obra mais recente de Srila Prabhupãda: dezessete volumes de tradução e co­
Sobre o autor 719

mentário - completados por Srlla Prabhupãda em apenas dezoito meses - ao


clássico religioso bengali Srl Caitanya-caritãmrta.
Srlla Prabhupãda sempre viajou por todas as partes do m undo, dando
conferências sobre a consciência de Krsna e ajudando seus discípulos na admi­
nistração da sociedade e no fomento de novos projetos. Ele sempre escreveu
prolificamentc, e suas obras constituem uma verdadeira biblioteca de filosofia,
religião, literatura e cultura védicas.

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