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A educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais
humanos 2

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Organizador: Américo Junior Nunes da Silva

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E24 A educação enquanto instrumento de emancipação e


promotora dos ideais humanos 2 / Organizador
Américo Junior Nunes da Silva. – Ponta Grossa - PR:
Atena, 2022.

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ISBN 978-65-5983-853-0
DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.530222801

1. Educação. I. Silva, Américo Junior Nunes da


(Organizador). II. Título.
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escopo da divulgação desta obra.
APRESENTAÇÃO

Diante do atual cenário educacional brasileiro, resultado de constantes ataques


deferidos ao longo da história, faz-se pertinente colocar no centro da discussão as diferentes
questões educacionais, valorizando formas particulares de fazer ciência. Direcionar e
ampliar o olhar em busca de soluções para os inúmeros problemas educacionais postos
pela contemporaneidade é um desafio, aceito por muitos professores pesquisadores.
A área de Humanas e, sobretudo, a Educação, vem sofrendo destrato constante nos
últimos anos, principalmente no que tange ao valorizar a sua produção científica. O cenário
político de descuido e destrato com as questões educacionais, vivenciado recentemente
e agravado com a pandemia, nos alerta para a necessidade de criação de espaços de
resistência. Este livro, intitulado “A Educação enquanto instrumento de emancipação
e promotora dos ideais humanos”, da forma como se organiza, é um desses lugares:
permite-se ouvir, de diferentes formas, os professores e professoras pesquisadoras em
seus diferentes espaços de trabalho.
É importante que as inúmeras problemáticas que circunscrevem a Educação,
historicamente, sejam postas e discutidas. Precisamos nos permitir ser ouvidos e a criação
de canais de comunicação, como este livro, aproxima a comunidade das diversas ações
que são vivenciadas no interior da escola e da universidade. Portanto, os diversos capítulos
que compõem este livro tornam-se um espaço oportuno de discussão e (re)pensar do
campo educacional, considerando os diversos elementos e fatores que o intercruza.
Neste livro, portanto, reúnem-se trabalhos de pesquisa e experiências em diversos
espaços, com o intuito de promover um amplo debate acerca das diversas problemáticas
que permeiam o contexto educacional, tendo a Educação enquanto fenômeno social
importante para o fortalecimento da democracia e emancipação humana.
Os/As autores/as que constroem essa obra são estudantes, professores/as
pesquisadores/as, especialistas, mestres/as ou doutores/as e que, muitos/as, partindo
de sua práxis, buscam novos olhares a problemáticas cotidianas que os mobilizam. Esse
movimento de socializar uma pesquisa ou experiência cria um movimento pendular que,
pela mobilização dos/as autores/as e discussões por eles/as empreendidas, mobilizam-se
também os/as leitores/as e os/as incentivam a reinventarem os seus fazeres pedagógicos
e, consequentemente, a educação brasileira. Nessa direção, portanto, desejamos a todos
e a todas uma produtiva e lúdica leitura!

Américo Junior Nunes da Silva


SUMÁRIO
CAPÍTULO 1.................................................................................................................. 1
E-EDUCAÇÃO: A PARTICIPAÇÃO ATIVA DA INTERNET COMO AMBIENTE
PROMOTORA DE DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO FRENTE AOS IMPACTOS DA
PANDEMIA DE COVID-19
Mateus Catalani Pirani
Daniel Stipanich Nostre
https://doi.org/10.22533/at.ed.5302228011

CAPÍTULO 2.................................................................................................................. 9
GESTÕES ARBITRÁRIAS E FINANCIAMENTOS INSUFICIENTES: AS OCUPAÇÕES DE
ESCOLAS COMO UMA RESPOSTA
Francisco Pinto de Azevedo
https://doi.org/10.22533/at.ed.5302228012

CAPÍTULO 3................................................................................................................20
O ACOLHIMENTO MULTIGERACIONAL EM PROJETOS DE EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIOS
Andréa Holz Pfützenreuter
Ana Carolina Ribeiro Albino
https://doi.org/10.22533/at.ed.5302228013

CAPÍTULO 4................................................................................................................27
AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM: ASPECTOS CONCEITUAIS,
CARACTERÍSTICAS E CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO SUPERIOR
Wellita de Sousa Igreja
Denise Martins da Costa e Silva
Ruth Raquel Soares de Farias
https://doi.org/10.22533/at.ed.5302228014

CAPÍTULO 5................................................................................................................38
ESTUDO E DESENVOLVIMENTO DE UM MODELO BIOPSICOSSOCIAL: ASPECTOS
TEÓRICOS E PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO MULTIDISCIPLINAR
Jailson Oliveira da Silva
Allysson Macário de Araújo Caldas
Rafael Ramos Pereira
https://doi.org/10.22533/at.ed.5302228015

CAPÍTULO 6................................................................................................................60
EDUCAÇÃO ON-LINE ENQUANTO POSSIBILIDADE PARA O ENSINO NO PÓS-
PANDEMIA
Fernanda Sanjuan de Souza
Genielli Franca da Silva
Kelly Cristina Brito de Jesus
Priscila Silva da Fonseca

SUMÁRIO
https://doi.org/10.22533/at.ed.5302228016

CAPÍTULO 7................................................................................................................77
A EDUCAÇÃO DOS IMIGRANTES ALEMÃES E OS ENSINAMENTOS PEDAGÓGICOS
DE CHARBONNEAU
Jefferson Fellipe Jahnke
https://doi.org/10.22533/at.ed.5302228017

CAPÍTULO 8................................................................................................................85
EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA ACADÊMICA INCLUSIVA PARA ESTUDANTES COM
DEFICIÊNCIA VISUAL: UM PROTOCOLO POSSÍVEL
Rosemy da Silva Nascimento
https://doi.org/10.22533/at.ed.5302228018

CAPÍTULO 9..............................................................................................................102
A IMPORTÂNCIA DO OLHAR ANTROPOLÓGICO E DA ETNOGRAFIA NO ESPAÇO
ESCOLAR NO PROCESSO DE TRANSMISSÃO DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO
Amanda Gomes Pereira
Juliana Moraes Casto
Lucas Oliveira dos Santos
https://doi.org/10.22533/at.ed.5302228019

CAPÍTULO 10............................................................................................................ 112


GÊNERO E O MERCADO DE TRABALHO: O OLHAR DO ALUNO EGRESSO DO CURSO
DE PEDAGOGIA
Emily Cabral dos Santos
Joseval dos Reis Miranda
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280110

CAPÍTULO 11............................................................................................................142
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÃO DE PRÁTICAS DE ENSINO
Elaine Cristina Mateus Novacowski
Sandra Aparecida Cavallari.
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280111

CAPÍTULO 12............................................................................................................153
CAMINHOS DA APRENDIZAGEM
Maria da Anunciação Almeida
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280112

CAPÍTULO 13............................................................................................................176
NOVAS PROPOSTAS DE ATIVIDADES EM GRUPO ON-LINE PARA ESTUDANTES COM
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO
Fernanda Celestino dos Santos Espanhol
Joceli Maria Zandonai Garbozza
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280113

SUMÁRIO
CAPÍTULO 14............................................................................................................188
INTERCULTURALIDADE EM FREIRE: DIÁLOGO ENTRE OS PRINCÍPIOS FREIREANOS
E AS PRÁTICAS INTERCULTURAIS NO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
Camila Nunes Souza
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280114

CAPÍTULO 15............................................................................................................198
APLICAÇÃO DO MÉTODO SNOEZELEN EM UMA CRIANÇA COM TEA: UM ESTUDO
TRANSVERSAL E EXPERIMENTAL
Cristiane Gonçalves Ribas
Haysa Camila Boguchevski
Francine Gavloski
Thayná Aquino Gonçalves
Thayná Carolina Sant’Ana Cantelli
Welington Jose Gomes Pereira
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280115

CAPÍTULO 16............................................................................................................208
EDUCAÇÃO EM VALORES SOCIOMORAIS: UMA REFLEXÃO SOBRE REDES SOCIAIS
E MORALIDADE
Vítor de Morais Alves Evangelista
Rita Melissa Lepre
Aline Kadooka
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280116

CAPÍTULO 17............................................................................................................220
OS (DES)CAMINHOS DA ADOÇÃO NO BRASIL: OS DIREITOS DA CRIANÇA E SUAS
RESPECTIVAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO: UM RELATO DE CASO
Patrícia Panisa
Marco Antonio de Oliveira Branco
Isaac Vitório Correia Ferraz
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280117

CAPÍTULO 18............................................................................................................227
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO PROGRAMA “EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIREITO
À DIVERSIDADE” COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DESCENTRALIZAÇÃO
Marcella Suarez Di Santo
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280118

CAPÍTULO 19............................................................................................................238
REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR A PARTIR DA PEDAGOGIA FREIREANA
Carlos Alberto Xavier Garcia
Simone Medeiros da Silva Garcia
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280119

SUMÁRIO
CAPÍTULO 20............................................................................................................243
EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NA
REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE UBERLÂNDIA
Stella Santana da Silva Jacinto
Ronaldo Alves dos Santos
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280120

CAPÍTULO 21............................................................................................................251
GAMIFICAÇÃO E ENSINO DE LÍNGUAS
Rosemary Lapa de Oliveira
Risonete Lima de Almeida
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280121

CAPÍTULO 22............................................................................................................259
LETRAMENTO INFORMACIONAL: O QUE REPRESENTAM OS RISCOS NA INTERNET
Josete Maria Zimmer
Maria de Fátima Serra Rios
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280122

CAPÍTULO 23............................................................................................................269
LUDICIDADE NA SALA DE AULA: SUPERAÇÃO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
UTILIZANDO JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS
Juscilene Andreia de Oliveira
Gilmar Dias
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280123

CAPÍTULO 24............................................................................................................281
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DE INCENTIVO À LEITURA EM CRIANÇAS DE UM
CENTRO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Suelma Cláudia de Paiva Silva
https://doi.org/10.22533/at.ed.53022280124

SOBRE O ORGANIZADOR......................................................................................297

ÍNDICE REMISSIVO..................................................................................................298

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
E-EDUCAÇÃO: A PARTICIPAÇÃO ATIVA DA
INTERNET COMO AMBIENTE PROMOTORA DE
DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO FRENTE AOS
IMPACTOS DA PANDEMIA DE COVID-19

Data de aceite: 10/01/2022 ABSTRACT: Amidst the public calamity crisis


involving the new Coronavirus, innovations for
everyday tasks have become unavoidable. The
Mateus Catalani Pirani
world that was moving towards a decent access
Universidade Católica de Santos
to the internet had to accelerate its development
Daniel Stipanich Nostre in order to cover the most diverse areas,
Professor – Historiador including education. With great impact due to
social distance, education started to be promoted
through Information and Communication
Technologies – ICTs, spread over the internet,
RESUMO: Em meio à crise de calamidade
which already shapes the Information Society,
pública envolvendo o novo Coronavírus, as
providing the educational sphere for children,
inovações para tarefas cotidianas se tornaram
young people and adults. The implementation
inadiáveis. O mundo que caminhava para um
of Virtual Education, allied to the increasing
acesso digno a internet teve de acelerar seu
universalization of the internet, in parallel with the
desenvolvimento a fim de abranger as mais
situations of confrontation with Covid-19, gave
diversas áreas, dentre elas a educação. Com
rise to a new range of needs that were hitherto
grande impacto devido ao distanciamento social,
unthinkable in usual situations. From this, we
a educação passou a ser promovida por meio
sought to bring the view about the facilities and
das Tecnologias da Informação e Comunicação –
difficulties of remote study for students, teachers
TICs, com propagação pela internet, que já molda
and institutions, through qualitative research and
a Sociedade da Informação, proporcionando
experiences in the classroom.
a esfera educacional para crianças, jovens e
KEYWORDS: Education; Covid-19; Information
adultos. A implementação da Educação Virtual,
Society; Remote Teaching; Information and
aliada a crescente universalização da internet,
Communication Technologies.
em paralelo as situações de enfrentamento
ao Covid-19, fez surgir uma nova gama de
necessidade até então impensáveis em situações 1 | INTRODUÇÃO
habituais. A partir deste, buscou-se trazer a visão Por mais uma vez encerramos o ciclo
acerca de facilidades e dificuldades do estudo de um ano, e assim como em 2020, ainda
remoto para alunos, professores e instituições,
passamos pela situação de calamidade pública
através de pesquisa qualitativa e experiências
envolvendo a Pandemia de Covid-19. Na
em sala de aula.
PALAVRAS-CHAVE: Educação; Covid-19; eminencia de uma nova alta no número de
Sociedade da Informação; Ensino Remoto; casos da doença, seguida por um novo fechar
Tecnologias da Informação e Comunicação. de portas e isolamento, ainda seguimos com a
persistente reparação dos impactos deixados

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 1 1


pela mesma, a qual trataremos neste estudo.
A educação, dita como a chave para reconstrução social do Brasil, direito garantido
pela Constituição do Brasil, tem sido um dos setores mais prejudicados com o avanço da
Pandemia. Escolas em que se abrigam centenas de crianças e adolescentes, bem como
instituições de ensino superior com jovens, adultos e até mesmo idosos, se encontram
em situação inconstante, seja administrativamente, estrutural ou de comparecimento de
discentes.
Sobre isso, meios, práticas e ajustes foram pensados para conter a evasão e
diminuir os impactos, com a finalidade de dar continuidade ao ensino no país. A grande
ferramenta que permitiu e impulsionou tais tratativas foi, indubitavelmente, a Rede Mundial
de Computadores, a Internet.
Reconhecido como um dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas
– ONU, o acesso à Internet é vital para o desenvolvimento humano, combatendo a alienação
e propagando conteúdo para a presente e ávida Sociedade da Informação.
Neste esteira encontramos as medidas necessárias para romper as dificuldades
do ensino e proporcionar o fundamental conhecimento, primordial para a construção de
uma sociedade. No entanto, a educação não mais consegue se sustentar neste cenário e
começa a deixar marcas.
Baseando-se no método exploratório e pesquisa qualitativa, a fim de analisar os
fenômenos sociais condizentes a área do ensino, buscou-se conceber e detalhar um pouco
da experimentação do impactos e o embate em contorna-los nos cenários escolar e de
ensino superior.
Ainda que útil, a Internet supre a carência de informações, porém não substitui a
posição do educador e seu papel na conturbada missão de propagar o conhecimento,
verdadeiro guia na construção de uma sociedade solida e independente.

2 | MEIO AMBIENTE DIGITAL E DIREITO DIGITAL


O século XX, marcado por grandes avanços tecnológicos, promoveu também grande
impactos no cenário social. O mundo experimentou guerras, caos, inovações tecnológicas
e o surgimento de um novo pensar, voltado para a construção da sociedade, promoção de
seus direitos e evolução das ideias que marcaram a exuberante propagação da informação.
O termo “Sociedade da Informação”, conforme explana Siqueira Júnior, compreende
uma sociedade que se constitui e se desenvolve sobre tecnologias de informação e
comunicação que englobam a aquisição, o armazenamento, o processamento e a distribuição
da informação por meios eletrônicos, utilizados pela população em circunstâncias sociais,
econômicas e políticas (SIQUEIRA JR., 2007).
Dita como ferramenta de combate a ignorância, a informação se direciona aos seres
humanos no que diz respeito a divulgação e compartilhamento de conhecimento, seja

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 1 2


acadêmico, científico ou de notícias diárias.
Segundo Azevedo, em complemento a Siqueira Júnior, a sociedade da informação
nada mais é do que a sociedade contemporânea, a qual, em síntese, emerge do progresso
da tecnologia que permite, cada vez mais, o compartilhamento de informações por meio
de um espaço virtual em que se identifica a mais ampla liberdade e novas possibilidades
de exercício da cidadania e da democracia, além de movimentar a economia por meio das
facilidades advindas desta nova modalidade de sociedade (AZEVEDO, 2014).
Neste cenário, a implementação da Internet foi fundamental para o compartilhamento
de dados, informação, bem como alterou significativamente a maneira como trabalhamos,
estudamos, socializamos e compramos, porém também revelou uma séria crise com
relação às questões sociais no Brasil.
Em recente estudo, o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da
Sociedade da Informação – Cetic.br, elencou que o número de pessoas com acesso à
internet durante a pandemia que bateu 152 milhões de usuários, com aumento significativo
em diversas áreas, desde serviços públicos e bancários, ao comércio e educação (CGI.
BR, 2021).
Ainda, segundo a pesquisa, estimasse que o número de internautas corresponde
a 81% da população brasileira. No entanto, a problemática envolve que os 19% restante
ainda estão desconectados e, portanto, sem acesso a informações de maneira instantânea.
Sabemos hoje que o acesso à internet é tão importante e tão essencial, quanto o
direito de se ter educação, moradia, segurança, alimentação etc., direitos que devem ser
proporcionados pelo Estado.
Para que se universalize o acesso, se faz necessário além de disponibilizar em
determinado local, “o serviço deve estar disponível, a preço viável e justo, em condições
isonômica, com qualidade, a todos os cidadãos e também gratuitamente para aqueles que
não podem arcar com seu custo” (SILVA, 2012, p. 108).
Universalizar, portanto, vai além de dar acesso a todos, mas sim de evitar que
ocorra uma exclusão digital em uma atual realidade contemporânea social, em que o
acesso à informação digital garante direitos constitucionais, bem como preconizados pela
Declaração Universal de Direitos Humanos, como a liberdade de expressão.
Outrossim, por meio da Internet existe a possibilidade de uma descentralização de
informação, cultura e educação, ou seja, tais direitos sociais passam a ser disponíveis para
todos, e não apenas para uma pequena parte da sociedade privilegiada com o acesso.
A Internet provoca reflexos na vida de todos, e também no Direito. No que tange,
por exemplo, os Direitos Humanos, é importante frisar que em 10 de dezembro de 1948, a
ONU adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo teor reconheceu direitos
de todo ser humano, sem distinção de etnia, cor, gênero, língua, religião, ideologia política
ou de qualquer outro tipo de origem.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 1 3


3 | OS IMPACTOS E SOLUÇÕES EDUCACIONAIS
No que cerne aos ramos da educação, o ano de 2021 foi pautado pelo combate
aos prejuízos herdados do período de isolamento social. Os embaraços causados pela
inesperada surpresa e também pela revelada imperícia de lidar com a crise sanitária,
ocasionou amplo abismo nas relações educacionais.
Adaptações em diversas áreas foram realizadas a fim de reduzir os riscos para o
retorno seguro de alunos as instituições, dentre as quais deliberaram pelo retorno, ou não,
das aulas presenciais, bem como a implementação do ensino híbrido.
Por outro lado, os números que definem tal situação revelam que, devido à
desigualdade de acesso à internet, houve um agravamento na evasão das escolas, visto
que apenas 32% das escolas públicas de ensino fundamental possuem acesso para os
alunos, concomitante a 65% do ensino médio (LÉON, 2021).
Segundo o movimento “Todos Pela Educação”, o número de estudantes fora das
escolas se aproxima a 244 mil, com idade entre 6 e 14 anos, no segundo trimestre de
2021, representando um aumento de 171% em comparação ao mesmo período em 2019
(BIMBATI, 2021).
A crise da evasão também atinge o ensino superior, em especial as instituições de
privadas, que detém a marca de quase 36% no ano de 2020. Este número acompanha
um decaimento para apenas 18% dos jovens brasileiros que desejam ingressar no ensino
superior, no entanto, este seria assunto para um segundo artigo.
Em paralelo, insta salientar questões acerca das alternativas para compor o
ensino, que se estabelecem por meio das aulas virtuais ou híbridas. Estas remetem ao
uso das chamadas “Tecnologias da Informação e Comunicação” – TICs, instrumentos
que se encarregam transmitir os processos comunicativos, dentre eles os computadores,
celulares, tablets, câmeras de vídeo, suporte para guardar dados (pendrive) etc., com o
intuito de proporcionar a jornada do conhecimento entre as pessoas. As TICs funcionam
em grande parte pela Internet, promovendo a inclusão digital de pessoas que, por diversos
motivos, não conseguem se deslocar para a instituição de ensino, passando a ser de uso
diário na vida das pessoas, ainda que seja um termo pouco conhecido.
As TICs se tornam importantes e indispensáveis, a partir do momento que por meio
de suas ferramentas, bem como de sua disposição aos usuários, como no caso do presente
trabalho, a Internet, é possível que cada cidadão amplie a maneira de exercer seus direitos
sociais, bem como os direitos garantidos pela DUDH de 1948.
As instituições, a partir de 2020, tiveram a obrigação de ofertar um Ambiente
Virtual de Aprendizagem – AVA, tão completo quanto ambiente físico, acompanhando as
necessidades que se apresentam. A realidade é que não estamos completamente imunes
a esta pandemia e a outras que por ventura surgirem, mas seguimos com a oportunidade
de nos mantermos atentos e preparados para lidar com situações semelhantes, a partir dos

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 1 4


acertos e erros do momentos.
O uso dos Ambientes Virtuais são a forma mais completa de se mitigar os desafios
impostos pela pandemia, em razão da preservação da saúde pública, estabelecendo o
isolamento de pessoas.
A grande dificuldade em atrair os jovens para as escolas parte do desinteresse em
cumprir com as obrigações básicas que estas sugerem para o desenvolvimento do ensino e
aprendizagem, com grande parte do combate a este desentusiasmo sendo tarefa atribuída
ao docente, que deve buscar se atualizar, através de diferentes inspirações, proporcionando
um ambiente interativo e estimulador do conhecimento. A contribuição ativa da escola se
encaixa na obrigação de fornecer a infraestrutura adequada para isto, em que lhe pese
a responsabilidade de propor um diferencial, frente as exigências educacionais, físicas,
sanitárias e também comerciais, em caso de instituições privadas.
Em se tratando do ambiente virtual, o uso de uma plataforma de acesso atrativa,
estável e que garanta ampla comunicação entre educador e discente é indispensável.
Como visto anteriormente, o acesso universal a internet é mais do que uma necessidade,
pois através dele que se manifestam, prioritariamente, as TICs responsáveis por facilitar o
ensino.
Paralelamente a figura do aluno, a visão do professor também deve ser contemplada
durante a referida abordagem.
Para os educadores, a missão vinculada ao ensino virtual é atrelada a composição de
uso de computador, câmera e microfones, sendo estes dois últimos os hardwares capazes
de promover a comunicação, porém muitas vezes sem resposta dos alunos, silenciados,
em situação que se torna ínfima quando comparada ao ensino presencial.
Ademais, quanto ao ensino híbrido, onde há participantes nas aulas presencial e
virtualmente, a atenção do professor deve ser redobrada, pois há a necessidade de garantir
um canal de comunicação amplo, abrangendo todos os presentes, a fim de responder aos
estímulos constantes de quem se faz presente, sem desconsiderar os inertes virtuais.
Os tratados acerca dos desafios da impessoalidade denotam a constante
necessidade de reafirmação de um ambiente voltado para o contato com pessoas, rompido
com as medidas restritivas de isolamento social.
Por fim, restará o questionamento acerca da recuperação do ensino e quando esta
se dará, ou se conseguirá se manter de maneira adaptada, visto o iminente risco de um
novo período de fechamento em decorrência do avanço da Covid no Brasil.

4 | O CONCEITO DE E-EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DA SOCIEDADE


Hodiernamente, questões sobre os rumos da educação são levantadas por
professores de todos os âmbitos do ensino e devem deixar de ser consideradas. Em uma
sala de aula comum, somente o uso de apostila, caderno e lousa não são mais suficientes

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 1 5


para o cumprimento da aprendizagem. Com o advento das inovações forçosamente
impostas pela pandemia, transformações pedagógicas devem ser pensadas, não apenas
para retomada do ensino, mas para a recuperação da educação no Brasil.
Como visto, o acesso à internet tem se tornado parte dos Direitos Humanos, bem
como este direito pode e deve ser proporcionado pelo Estado, cujo desenvolvimento das
redes de comunicação já se encaminham e, em breve, se darão mais eficientes com a
implementação do 5G (LEMANN, 2021).
Segundo Denis Mizne, CEO da Fundação Lemann, que visa auxiliar pessoas e
instituições de ensino no país, a grande resposta para o combate a defasagem de ensino
deixada pela pandemia será através da implementação tecnológica nas escolas, bem como
tornar escolas mais atrativas para estudantes (ALFANO, 2021).
O conceito aqui proposto, denominado E-Educação, tem como base a utilização
das TICs para estimular e promover o ensino através da rede universal de comunicação,
internet, conectando alunos e educadores de maneira além de salas de reunião virtuais.
O cenário pedagógico reavaliado, em combinação da utilização de computadores,
tablets e smartphones, voltados para o uso correto e adequado pode, de maneira
surpreendente, transformar estes velhos “inimigos” da educação em “aliados”. Fato é que
tais dispositivos estão presentes na vida de todos os brasileiros, alcançando resultando
total de 424 milhões de dispositivos ativos, em 2020 (LAGO, 2020).
Conceber uma plataforma de estudos virtual e que possa ser utilizada em escolas
públicas e privadas demandará empenho de profissionais das mais diversas áreas,
compondo um material lúdico, elucidativo, didático e atrativo para alunos, em diferentes
níveis de dificuldade, conforme avancem em seus estudos.
A figura do professor não será apenas de avaliador, mas de guia perante os estudos
desenvolvidos em sala de aula, incentivando discente a pesquisa e desenvolvimento de
espírito crítico, sendo capaz de melhorar capacidades de interpretação, respondendo a
estímulos proporcionados pela plataforma de E-Educação.
O aperfeiçoamento da dinâmica escolar deve ser pensado com urgência, bem como
o incentivo de profissionais a se tornarem aptos para a utilização de novas tecnologias e
aplicativos, a fim de identificar aspectos positivos e negativos individuais de cada aluno.
A elaboração de tal método de estudo, traduzido em E-Educação terá, inclusive,
como consequência, a adequação da aprendizagem para novos padrões de currículo,
fortalecendo também a ativa consolidação de crianças e adolescentes no desenvolvimento
social e civil, formalizando a educação como chave no processo de formação de jovens
adultos, transformando, a longo prazo, a sociedade atual na verdadeira sociedade do
conhecimento.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 1 6


5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo está em constante evolução, os métodos de ensino também precisam
ser paralelamente inovados. Atrelada globalização, a internet causadora da Sociedade
da Informação, introduz significativamente a necessidade de novas abordagens para a
aprendizagem.
É comum notarmos o uso de smartphones nas mãos de crianças e adolescentes,
que já integram o cyberespaço (mundo virtual), ilimitado e, se utilizado de maneira correta,
poderá ser grande aliado nos rumos da educação.
Muitas adaptações serão necessárias para que tal utopia ocorra, dentre elas o
universalizar do acesso à Internet, muito além de dar acesso a todos, mas sim de evitar
que ocorra uma exclusão digital em uma atual realidade contemporânea social, em que o
acesso à informação digital garante direitos humanos, e pode ser visto como um direito
humano em si mesmo.
Conceber uma digna plataforma de E-Educação é apenas uma das maneiras
de unificar e propagar inovação nas escolas, rompendo a barreira do desinteresse e
aproximando alunos à tecnologia e professores.
Em perspectivas para o ensino superior, a utilização de tecnologias já vem sendo
constantemente integralizado na formação de profissionais, se tornando uma inovação
válida e que já demonstra resultados benéficos.
Em suma, podemos dizer que a utilização de Direitos Humanos para a propagação
de outros Direitos, com o auxílio de ferramentas como a internet, as TICs e demais
tecnologias, são a resposta para uma educação de qualidade.
A educação, por si só é, sem dúvida, a chave para a construção de uma sociedade
sólida e independente, capaz de criar novos rumos para o nosso país.

REFERÊNCIAS
ALFANO, Bruno. Brasil precisará de três anos para recuperar perdas de ensino por conta da
pandemia, dizem especialistas. Revista Veja, out. 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/
brasil/brasil-precisara-de-tres-anos-para-recuperar-perdas-de-ensino-por-conta-da-pandemia-dizem-
especialistas-25124552. Acesso em: 02 dez. 2021.

AZEVEDO, Ana. Marco Civil da Internet no Brasil. Análise da Lei 12.965/14 e do Direito de
Informação. Rio de Janeiro: Alta Books, 2014, p.23.

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abandono-escolar.htm. Acesso em: 02 dez. 2021.

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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 1 7


CGI.BR – COMITÊ GESTOR DE INTERNET NO BRASIL. Cresce o uso de Internet durante a
pandemia e número de usuários no Brasil chega a 152 milhões, é o que aponta pesquisa do
Cetic.br. 2021. Disponível em: https://www.cgi.br/noticia/releases/cresce-o-uso-de-internet-durante-a-
pandemia-e-numero-de-usuarios-no-brasil-chega-a-152-milhoes-e-o-que-aponta-pesquisa-do-cetic-br/.
Acesso em 30 nov. 2021.

GIORNO, Leonardo; ROSA, Bruna. Ensino remoto emergencial em tempos de pandemia: a


percepção de alunos do Ensino Médio e Técnico Integrado no uso do Ambiente Virtual de
Aprendizagem. 2020. Disponível em: https://cietenped.ufscar.br/submissao/index.php/2020/article/
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Divulgados dados sobre impacto da pandemia na educação. 2021.


Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/divulgados-dados-sobre-
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LAGO, Davi. Há mais de um smartphone por habitante no Brasil. 2020. Disponível em: https://veja.
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LEMANN. 5G poderá levar internet às escolas ainda desconectadas. 2021. Disponível em: https://
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LEÓN, Lucas Pordeus. Brasil tem 152 milhões de pessoas com acesso à internet. 2021. Disponível
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Chavas Weber e Angela Melim. Rio de Janeiro: Rio, 1980. p. 46-52.

PAIXÃO, Mariana. A Inclusão Digital do âmbito da Sociedade da Informação: A educação digital e


o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação como instrumentos para a diminuição da
exclusão social. 2021, 73p. (Trabalho de Conclusão de Curso) Universidade Católica de Santos.

SILVA, Sivaldo Pereira da. TIC Domicílios e Empresas, Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de
Informação e Comunicação. 1ª Ed. São Paulo: CGI.br 2012.

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PAESANI, Liliana Minardi (coord.). O Direito na sociedade da informação. São Paulo: Atlas, 2007, p.
252.

UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/


declaracao-universal-dos-direitos-humanos Acesso em 01 dez. 2021.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 1 8


CAPÍTULO 2
GESTÕES ARBITRÁRIAS E FINANCIAMENTOS
INSUFICIENTES: AS OCUPAÇÕES DE ESCOLAS
COMO UMA RESPOSTA

Data de aceite: 10/01/2022 Juventude; Ensino Médio.

ABSTRACT: This article is the result of the


Francisco Pinto de Azevedo
development of the work presented at the VI
http://lattes.cnpq.br/8288618829426431
ANPAE-RJ Seminar, entitled “ARBITRARY
MANAGEMENT AND INSUFFICIENT
FINANCING: THE OCCUPATIONS OF SCHOOLS
RESUMO: Este artigo é resultado do AS AN ANSWER”. This article seeks to develop
desenvolvimento do trabalho apresentado the topics covered in the expanded summary, in
no VI Seminário da ANPAE-RJ, com o order to detail the occupation process, its forms
título de “GESTÕES ARBITRÁRIAS E of political action and organization. Our objective
FINANCIAMENTOS INSUFICIENTES: AS is to think in which ways the occupations of
OCUPAÇÕES DE ESCOLAS COMO UMA schools responded to the two factors mentioned
RESPOSTA”. Este artigo procura desenvolver in the title: arbitrary management - evidenced
os tópicos abordados no resumo expandido, de in interviews with occupants - and insufficient
forma a detalhar o processo de ocupação, suas funding - evidenced by PEC 241 and High School
formas de atuação política e de organização. Reform. From these answers, I seek to reflect on
Nosso  objetivo é pensar de que formas as how they show what high school students want
ocupações de escolas responderam aos dois as alternatives for current High School, seeking
fatores enunciados no título: a gestão arbitrária to contribute to the debate on school space,
- evidenciada em entrevistas feitas com os youth and high school. As a secondary objective,
ocupantes - e o financiamento insuficiente - think about how the Brazilian occupations in
traduzido pela PEC 241 e Reforma do Ensino 2016 show a progress of youth in relation to their
Médio. A partir dessas respostas, busco refletir political protagonism in the educational field. For
sobre de que forma as mesmas evidenciam o que this purpose, I use seven interviews carried out
os secundaristas desejam como alternativas para with occupants, a bibliographic survey, and my
o Ensino Médio atual, buscando contribuir com o empiria as a participant in the occupation.
debate sobre espaço escolar, juventude e Ensino KEYWORDS: School Ocupations; Youth; Middle
Médio. Como objetivo secundário, pensar de que School.
forma as ocupações brasileiras de 2016 mostram
um progresso da juventude em relação à seu
protagonismo político no campo educacional. INTRODUÇÃO
Para tal, utilizo sete entrevistas feitas com Este artigo é resultado do desenvolvimento
ocupantes, levantamento bibliográfico, e minha
do trabalho apresentado no VI Seminário
empiria enquanto participante da ocupação.
da ANPAE-RJ, com o título de “GESTÕES
PALAVRAS-CHAVE: Ocupações de Escolas;
ARBITRÁRIAS E FINANCIAMENTOS

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 2 9


INSUFICIENTES: AS OCUPAÇÕES DE ESCOLAS COMO UMA RESPOSTA”. Este artigo
procura desenvolver os tópicos abordados no resumo expandido, de forma a detalhar o
processo de ocupação, suas formas de atuação política e de organização.
Nosso objetivo é pensar de que formas as ocupações de escolas responderam aos
dois fatores enunciados no título: a gestão arbitrária - evidenciada em entrevistas feitas
com os ocupantes - e o financiamento insuficiente - traduzido pela PEC 241 e Reforma
do Ensino Médio. A partir dessas respostas, busco refletir sobre de que forma as mesmas
evidenciam o que os secundaristas desejam como alternativas para o Ensino Médio atual,
buscando contribuir com o debate sobre espaço escolar, juventude e Ensino Médio. Como
objetivo secundário, pensar de que forma as ocupações brasileiras de 2016 mostram um
progresso da juventude em relação à seu protagonismo político no campo educacional.
As Ocupações de Escolas foram um movimento social protagonizado pela Juventude
Secundarista, que ocorreu no segundo semestre de 2016. Suas principais motivações
foram a oposição ao projeto de Reforma do Ensino Médio e à PEC 241/55, ambas medidas
do Governo Temer. Em seu auge, o movimento de ocupações contabilizou mais de mil
escolas ocupadas por todo o país. O recorte deste artigo é feito na ocupação do Colégio
Pedro II - Campus Engenho Novo II, localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, conhecida
como OcupEN. O recorte é o mesmo da minha pesquisa de mestrado, motivado por eu
próprio ter sido um ocupante ativo dessa ocupação.
Minha participação no movimento aconteceu por conta de meu histórico enquanto
integrante de movimentos sociais e estudioso sobre o movimento anarquista, além de ter
sido a escola na qual me formei no Ensino Fundamental e Médio. Eu era, portanto, um ex-
aluno, motivado pela vontade de ver como os conceitos que eu estudava na teoria podiam
ser aplicados na prática, combinados com a vontade de fazer oposição às duas medidas
governamentais citadas. A partir dessa iniciativa, tanto minha pesquisa de mestrado, quanto
este artigo, ressaltam dois pontos: as formas de organização democráticas, propostas
em oposição às gestões autoritárias, e a maneira como a escola foi alterada durante a
ocupação, revelando potências e anseios da juventude secundarista.
A ocupação durou oitenta e cinco dias, se iniciando em 9 de setembro de 2016, e
terminando em 2 de dezembro de 2016. Sua organização foi baseada em cinco comissões:
cozinha, limpeza, comunicação, eventos e segurança. Contava com aproximadamente vinte
ocupantes durante a maior parte do tempo, havendo variação a partir da necessidade de
trabalho ou de disponibilidade dos alunos. Diariamente eram feitas plenárias no refeitório
da escola, onde se discutia o cotidiano, o panorama político, e os pontos fortes e fracos
da ocupação. Todos os alunos podiam participar dessas plenárias, dando opiniões e tendo
direito ao voto, caso alguma decisão precisasse ser tomada. As decisões finais, portanto,
eram definidas por meio do voto da maioria, diferentemente de outras ocupações, onde era
utilizado o consenso.
A ocupação do Colégio Pedro II - Campus Engenho II promoveu muitas atividades

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 2 10


culturais, feitas por meio de eventos abertos à visitantes, simpatizantes, alunos, pais
de alunos, e moradores do bairro do Engenho Novo. Esses eventos tratavam de
temas relevantes para aquela juventude, como raça, gênero, sexualidade e classe.
Resumidamente, temas relacionados com o debate atual sobre diversidade e desigualdade
na sociedade. O principal objetivo desses eventos era levantar essa discussão no espaço
da escola, visto que, para os ocupantes, a discussão que existia na escola tradicional
não era suficiente. Também buscavam levantar essa discussão para a comunidade no
entorno, visto que entendiam que as discussões feitas na escola deveriam ir para além de
seus muros - nesse momento, podemos ver uma aproximação possível com a proposta
de escola de Freire (1996). Esses eventos também tinham como objetivo a arrecadação
de alimentos e dinheiro, fundamentais para a manutenção da ocupação. Como a escola
estava sendo gerida por alunos, eram os mesmos que faziam a manutenção do espaço e
cozinhavam as refeições.
Esses dois pontos - a organização democrática e a promoção de eventos - vão
atravessar todo este artigo, visto que foram as principais formas de responder a gestões
autoritárias e a financiamentos insuficientes.

METODOLOGIA
A metodologia é semelhante à usada em minha pesquisa de Mestrado sobre
a ocupação do Colégio Pedro II - Campus Engenho Novo II (AZEVEDO, 2021). A
principal ferramenta metodológica utilizada foram sete entrevistas feitas com ocupantes,
aproximadamente três anos após as ocupações. Utilizaremos, principalmente, as respostas
que tratam sobre a relação com a direção do Campus, e com os motivos pelos quais
a ocupação aconteceu. Além dessas entrevistas, também uso meu empirismo enquanto
ocupante. Esse empirismo auxilia em analisar determinados pontos da ocupação, que
poderiam estar fora do radar de pesquisadores que não participaram do movimento de
forma ativa. A forma da ocupação tomar suas decisões e a relação desse fator com o
autoritarismo criticado, por exemplo, é um dos resultados da minha pesquisa que não
seriam tão fáceis de se observar, caso não participasse das plenárias. A importância dada
pelos ocupantes aos eventos promovidos, e os resultados práticos da promoção desses
eventos para a ocupação, também configura um ponto possível de observação devido à
minha participação. Por último, a participação orgânica na ressignificação dos espaços da
escola também só foi possível devido ao cotidiano vivido dentro do movimento.
As entrevistas em si também foram construídas a partir de questionamentos que fiz
durante minha experiência, e que outros ocupantes também fizeram, segundo as conversas
informais que aconteciam durante o movimento. O planejamento das entrevistas, portanto,
também surge de minha impressão enquanto ocupante, e não necessariamente de uma
pergunta prévia feita às ocupações. Por fim, acredito que a exemplificação de alguns

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 2 11


pontos pelos ocupantes entrevistados, foi facilitada pelo fato de saber sobre o que estavam
falando, visto que vivi a maior parte daquelas experiências relatadas.
Outra ferramenta metodológica importante foi o levantamento bibliográfico sobre
os principais temas abordados: a história do movimento secundarista, o protagonismo da
juventude nos movimentos sociais, a história da privatização da educação, e estudos sobre
as ocupações de 2016 no geral.
A partir dessas ferramentas - entrevistas, empiria, e levantamento bibliográfico -,
busco construir um artigo que alcançasse os objetivos colocados na introdução.

O FINANCIAMENTO INSUFICIENTE E AS PROPOSTAS DE REFORMA DO


ENSINO MÉDIO
O financiamento da educação pública no Brasil é pauta de movimentos sociais há
muitas décadas. Passando por altos e baixos ao longo de sua história, podemos dizer
que, a partir do Impeachment da Presidente Dilma, em 2016, o processo de sucateamento
da educação pública se acentuou, visto duas medidas governamentais promovidas pelo
Governo Temer: a PEC 241/55 e a Reforma do Ensino Médio. A PEC, conhecida como PEC
dos gastos, seria fundamental para o regulamento dos gastos do país, em um projeto de
regulação dos gastos públicos, sendo essa a narrativa oficial do Governo e seus apoiadores
Essas duas medidas podem ser entendidas como parte do sucateamento da
educação por motivos simples: a PEC limita os investimentos em Educação - e em outros
setores - por vinte anos, e a Reforma do Ensino Médio tira a obrigatoriedade de diversas
disciplinas, oferecendo uma formação mais empobrecida para o estudante de Escola Pública.
Esse sucateamento da educação pública, por sua vez, vem acompanhado de um projeto
paralelo: a privatização da mesma. Segundo Germano (1993), o processo de privatização
da educação, e consequentemente de desmonte do público, começa na Ditadura Civil-
Militar (1964-198). As duas medidas do Governo Temer podem ser entendidas como uma
continuidade desse processo, visto que amplia a diferença entre o Ensino Médio público
e o privado, aumentando a demanda para o Ensino Médio e Pré-Vestibulares pagos, e
consequentemente excluindo do Ensino Superior aqueles que não podem arcar com esses
custos.
As ocupações de escolas foram parte desse movimento pela educação, e fizeram
oposição a essas duas medidas em específico. A narrativa dos ocupantes era bem clara: o
presidente Temer havia chegado ao poder de forma inconstitucional, após um processo de
Impeachment legalmente ilegítimo.
Segundo a narrativa dos ocupantes, a PEC 241/55 era parte do processo de
privatização da Educação Pública, cortando investimento para que fossem necessárias
as parcerias público-privadas, e consequentemente a inserção dos valores de mercado
na Educação. Sobre a Reforma do Ensino Médio, os ocupantes entendiam que a mesma
havia sido feita sem nenhum diálogo com o corpo escolar - diretores, alunos, professores,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 2 12


pesquisadores -, tendo existido diálogo apenas com os grandes nomes da Educação
privada. Além disso, também argumentavam que a existência dos Itinerários Formativos
- que tiravam a obrigatoriedade de diversas disciplinas - levavam estudantes à precisar
pagar por pré-vestibulares privados, visto que a formação no Ensino Médio público não
seria suficiente para a entrada no Ensino Superior pelo Exame Nacional de Ensino Médio
(ENEM).
O impeachment da presidente Dilma, portanto, teria sido concretizado para
a aprovação de medidas como essas, além da Reforma Trabalhista e outras ações
caracterizadas como neoliberais.
As ocupações de 2016 não foram as primeiras do país. Outras ocupações de
escolas já haviam acontecido pelo Brasil: as ocupações de São Paulo, em 2015, contra a
reorganização escolar (CAPAI, 2019), e as ocupações do Rio de Janeiro, contra o corte de
verbas na educação em detrimento do financiamento das olimpíadas, e em apoio à greve
docente, e as ocupações de Goiás (MASCARENHAS, 2017), contrárias à gestão militar da
educação pública e da inserção dos valores de mercado na mesma.
Como podemos ver, esses quatro movimentos - em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás,
e nas ocupações nacionais - lutavam por motivos semelhantes: à renúncia dos valores
de mercado na educação pública, a gestão democrática da escola com a participação
dos alunos, e o maior financiamento da educação pública. Essas ocupações também
tinham características políticas semelhantes: se afastaram do espectro político partidário,
buscando novas formas de participação política (SOUTO, 2016), podem ser interpretadas
como reverberações das Jornadas de Junho de 2013 (REBUÁ, 2017), possuem muito
apreço a pauta da diversidade em sua organização, prezam por um caráter democrático
e horizontal em suas tomadas de decisão (MESQUITA, 2003) e, por fim, ter forte caráter
cultural em sua atuação , evidenciado na prática pela pesquisa de Marafon (2017).
As ocupações paulistas foram as primeiras do Brasil, sendo feitas em 2015. Se
inspiraram na Revolta dos Pinguins, movimento estudantil chileno, que também ocupou
suas escolas. Podemos fazer um paralelo interessante sobre a Revolta dos Pinguins e
as Ocupações Nacionais de 2016 a partir do artigo de Zibas (2006), se pensarmos nas
reformas as quais os dois movimentos se opunham.
Podemos ver diversos fatores similares na gestão dos dois países, tais como um
sistema único de avaliação para todas as escolas do país; o financiamento públicos de
instituições privadas; o processo de inserção de valores de mercado para a gestão das
escolas; e uma parte ínfima do PIB destinada à educação pública. Além desses fatores,
no Chile também se dá uma educação pior aos estudantes advindos de famílias pobres,
fenômeno causado direta ou indiretamente por ações do governo: uma característica
fundamental na educação do país era o mesmo investimento estatal entre escolas com
e sem financiamento privado, sem levar em consideração que a educação daqueles de
classe baixa necessitam de mais recursos, além de não ter o investimento destinados às

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 2 13


escolas de classe média e alta. As escolas, portanto, tinham evidente divisão de classe, tal
como no Brasil.

A GESTÃO ARBITRÁRIA
A gestão das escolas foi uma pauta importante para a ocupação pesquisada. Tal
como o financiamento insuficiente, essa também foi uma pauta que atravessou a maior
parte das ocupações de escolas que já ocorreram no Brasil. Nas ocupações paulistas, o
principal ponto combatido era o apoio das direções à reorganização escolar proposta pelo
Governador, além da falta de apoio dado às próprias ocupações. Nas ocupações do Rio de
Janeiro, uma das principais pautas da ocupação - que também já existia há anos - era a
eleição direta para direção de escola, que foi conquistada após o fim do movimento.
Para além dessas questões específicas, existe no Ensino Médio atual um consenso
sobre a baixa participação política dos alunos na gestão escolar. Os alunos não participam
da decisão sobre uso do espaço físico da escola, tem baixa ou nenhuma participação nos
conselhos de classe, e mais baixo ainda na escolha sobre o currículo implementado ou
modelos de aula. As ocupações também aconteceram para questionar esse modelo de
escola engessado, tradicional, com baixa participação estudantil.
Existiam dois pontos principais em relação à gestão da escola, evidenciados nas
entrevistas: o primeiro era o pouco diálogo com os estudantes, que gerava uma baixa
autonomia em relação à participação e atuação dos mesmos dentro da escola, onde os
pedidos ou sugestões dos alunos não eram levados em consideração. Também havia
pouca autonomia dos alunos em relação à participação política, como por exemplo não
serem autorizados a ter um espaço para o grêmio escolar, ou ser exigido uma burocracia
desnecessária para a colagem de cartazes pelo Campus. O segundo era o comprometimento
da direção em relação à aplicação das pautas de diversidade no plano político-pedagógico
da escola, entendido pelos ocupantes como insuficiente.
Houve, após o fim da ocupação, algumas vitórias em relação a esses temas,
relatados por um ocupante que permaneceu na escola, visto que ainda estava no segundo
ano do Ensino Médio. Importante citar que a gestão citada nas entrevistas teve seu fim
de mandato junto com o fim das ocupações, de modo que a gestão que promoveu essas
mudanças não era a mesma. De qualquer forma, ainda assim são vitórias importantes,
visto que a diretora que assumiu - e está na gestão até o momento - foi uma grande
apoiadora do movimento. Foi criada uma comissão permanente de diálogo entre direção
e alunos, para ouvir as sugestões dos mesmos para o Campus. Foi criada uma comissão
permanente para discutir casos de descriminação, como racismo, machismo, lgbtfobia ou
intolerância religiosa. Foi contratado um nutricionista, para proporcionar cardápios veganos
e vegetarianos no refeitório da escola. Foi implantado o primeiro curso de Libras na escola,
e foi definitivamente proibido fumar nas dependências da escola, visto que era hábito de

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 2 14


alguns profissionais.
A insatisfação dos secundaristas com os pontos elencados nos ajuda a contribuir
com o debate sobre a participação política da Juventude Brasileira. A relevância dada pelos
mesmos à baixa participação na gestão escolar e ao baixo conteúdo dado sobre diversidade
traduz uma juventude que reivindica relações de poder menos hierárquicas, maior
participação política da mesma, e maior relevância à diversidade social. Novaes (2011) nos
mostra como isso é resultado de acúmulo de participação política da juventude, processo
que acontece há décadas. Souto (2016), por sua vez, trabalha como a Juventude busca
por uma maior participação política, porém evita a política partidária. A maior participação
nas instituições em que estão inseridos, como por exemplo a escola, reforça essa vontade
por participação para além do ambiente partidário. Por fim, Mesquita (2003) mostra como
a necessidade de se trabalhar a diversidade é pauta importante para a Juventude, que
se entende cada vez mais enquanto múltipla e diversa. Minha dissertação de Mestrado
(AZEVEDO, 2021) mostra como as ocupações funcionaram dessa forma em relação à
identidade secundarista: ao mesmo tempo que essa identidade estava em baixa, devido
à diversidade da juventude, que não cabia mais na identificação enquanto secundarista,
as ocupações resgatam essa identidade estudantil, sem abrir mão de sua diversidade e
desigualdade entre os mesmos.

A OCUPAÇÃO ENQUANTO RESPOSTA


A forma como a ocupação respondeu aos dois fatores enunciados no título é o tema
deste tópico. Foram três formas principais: a tomada de decisões de forma horizontal, o
uso do espaço da escola de forma autônoma, e a promoção de eventos culturais para
moradores do bairro do Engenho Novo e simpatizantes.
As duas primeiras formas - o uso de espaços de forma orgânica e a tomada de
decisões de forma democrática - podem ser entendidas como uma resposta à gestão
arbitrária da Unidade, e da baixa participação dos secundaristas na gestão escolar de
forma geral. O uso de espaços de forma autônoma ficou evidenciado durante toda a
ocupação, e foi mais presente em quatro espaços específicos: A sala dos professores, que
se tornou “sala dos ocupantes”; O refeitório, que se tornou o espaço das plenárias e do
preparo/estoque dos alimentos; As salas de aula, que se tornaram dormitórios; E o pátio,
que passou a ser utilizado para a execução dos eventos promovidos pela ocupação.
O uso da sala dos professores foi de grande simbolismo, devido à mística entre os
alunos sobre esse espaço, reservado aos professores. O nome do espaço foi trocado para
sala dos ocupantes, e se tornou, majoritariamente, uma sala de cinema e espaço para
organização dos eventos culturais que eram promovidos pela ocupação.
Excluindo a sala dos professores, o refeitório era o espaço mais controlado em
relação ao acesso e uso - entravam apenas para fazer suas refeições. A maior parte do

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 2 15


espaço, composta por cozinha, estoque, geladeiras e um banheiro interno, era reservado
aos funcionários da escola. O único espaço utilizado pelos alunos era o das mesas, sendo
esse uso com tempo, função e disposição espacial predeterminada pela direção. Como a
alimentação e o estoque de alimentos era parte fundamental da manutenção da ocupação,
esses espaços tiveram de ser ocupados com essa função. Também era no refeitório que
eram feitas as plenárias diárias, tão comentadas pelos ocupantes como fator relevante para
o bom funcionamento da ocupação.
As salas de aula, por sua vez, se tornaram os dormitórios da ocupação. Durante a
primeira semana, foram usadas diversas salas, devido à grande quantidade de ocupantes.
Ao longo do tempo, passamos a usar quatro salas, divididas entre aqueles que queriam ou
não dormir com ar condicionado, e ainda sobrando salas para os ocupantes que preferiam
dormir sozinhos.
O pátio, espaço da escola que, segundo Frago e Escolano (2001), tem como função
separar o prédio com salas de aula do espaço urbano, foi adaptado para o inverso de sua
função original: era o espaço onde o entorno urbano e simpatizantes foram integrados ao
espaço escolar. As atividades eram feitas no pátio porque tinham como objetivo serem
vistas pelo entorno, agir como referência cultural do bairro do Engenho Novo e expandir o
alcance da escola para além de seus muros. Também ocorreram muitas mudanças físicas,
com presença de faixas e cartazes com palavras políticas, artes feitas pelos ocupantes e
convidados e apresentações musicais.
O uso desses espaços de novas formas por parte dos ocupantes, mostra como os
mesmos podem ser alterados e ressignificados. Essas alterações, por sua vez, nos trazem
pistas sobre a forma do espaço escolar se aproximar do que desejam seus alunos, além
dos aprendizados sobre coletividade obtidos nos mesmos.
As tomadas de decisão de forma horizontal, por sua vez, também foram um ponto
muito relevante do movimento, e evidenciado pela maior parte dos ocupantes enquanto
um dos motivos da ocupação ter durado tanto. Essas tomadas de decisão eram feitas
em plenárias diárias feitas no refeitório da escola, onde se discutia o dia da ocupação, se
pensavam eventos promovidos e se discutiam pontos a serem melhorados pelo movimento.
Dentro dessas plenárias, pode-se observar uma característica muito interessante
dos movimentos sociais atuais de juventude: a importância da diversidade. Brenner (2015),
em sua pesquisa sobre esses movimentos, nos mostra o quanto essa diversidade é
importante para a democraticidade dos mesmo:
As novas formas de engajamento e mobilização, que se dirigem a interesses
mais específicos e pontuais, estariam ligadas à emergência de uma nova
concepção de democracia, na qual os indivíduos usam todos os meios
disponíveis para obter reconhecimento de novos direitos, reforçar os já
existentes e lutar por respeito social. (BRENNER, 2015. P. 5)

Bell Hooks (2013), autora afro-americana amplamente conhecida nos movimentos

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 2 16


sociais, também ressalta essa maior relevância à vozes marginalizadas como plenamente
importante para qualquer movimento social que busque por maior equidade entre seus
integrantes. Essa maior escuta, segundo a autora, deve ser feita de forma a se questionar
privilégios e comportamentos, e foi nesse sentido que aconteceu durante a ocupação.
O que a ocupação fazia durante essas plenárias, portanto, exemplifica essa
valorização da diversidade: normalmente, se dava mais prioridade à escuta de mulheres
e de pessoas pretas, recortes sociais entendidas naquele momento enquanto minorias
sociais. Essa importância dada à diversidade dos alunos serviu como resposta à crítica
dos ocupantes em relação a baixa presença desse tema no plano político pedagógico da
escola - um dos pontos evidenciados nas entrevistas.
Outro momento em que a diversidade da sociedade foi tratada, foi nos eventos
culturais promovidos pela ocupação. Esses eventos são a terceira forma de resposta listadas
no início do tópico. Esse tópico pode ser entendido como uma resposta ao financiamento
insuficiente, visto que justificou, à sua maneira, o investimento na educação pública.
Uma das principais discussões que atravessava o movimento de ocupações em
relação à PEC 241 era relativo à interpretação das verbas com a educação. O governo
justificava a mesma com a narrativa de cortar gastos. A ocupação, por sua vez, argumentava
que a educação não deveria ser entendida como um gasto, mas sim como um investimento.
Para provar a necessidade desse investimento, e o retorno social advindo do mesmo, a
ocupação promovia eventos abertos, onde se debatiam questões julgadas necessárias
pelos ocupantes, normalmente ligados à desigualdade, diversidade, e outros temas sociais
relevantes no momento.
Os temas tratados eram diversos: raça, gênero, classe, cultura, importância
da educação pública, entre outros. Esses eventos também eram a forma da ocupação
angariar doações para sua manutenção, e eram divulgados pelas redes sociais da mesma.
Segundo as entrevistas feitas, a quantidade e sucesso desses eventos, e relevância das
redes sociais da ocupação eram duas das principais formas de medir o quanto a ocupação
estava tendo sucesso em seu propósito.

CONCLUSÕES
A partir dos pontos discutidos, podemos chegar a algumas conclusões sobre
as ocupações de escolas, se vistas do ponto de vista de resposta a financiamentos
insuficientes e gestões arbitrárias. A primeira delas é que a luta contra o financiamento
insuficiente, normalmente combatida por professores ou intelectuais, está cada vez
mais presente na esfera secundarista. O crescimento do movimento estudantil, ciclo que
podemos ver na obra de Araújo (2007), traduz como a identidade secundarista esteve junto
com a identidade da Juventude no Brasil, e como esse desenvolvimento envolveu o jovem
estudante na discussão sobre educação, gestão e financiamento, além da atual discussão

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 2 17


sobre diversidade.
Essa maior participação da Juventude trouxe questionamentos ao espaço escolar
que não haviam sido visto antes das ocupações de escolas. Nenhum movimento havia tido
esse protagonismo secundarista e alteração do espaço da escola de forma tão intensa.
Dessa forma, a partir da pesquisa de Pinheiro, Azevedo e Franco (2021), podemos pensar
quais pistas para o novo Ensino Médio podemos tirar da experiência das ocupações.
A potência do espaço escolar também fica em evidência, a partir desse estudo.
Todos os ocupantes entrevistados apontam que aprenderam coisas novas com a
experiência de ocupar, e podemos creditar esses novos conhecimentos às formas como
os mesmos interagiram na escola ocupada. O uso dos espaços da escola da forma como
foram, e a necessidade de se organizar de forma autogestionada abriu espaço para novas
experiências dentro da escola, que convergiram nesses novos conhecimentos dentro do
espaço escolar.
Essa potência, descoberta durante a ocupação, nos mostra o quanto a escola
tradicional está deixando de ganhar com a baixa participação dos alunos em sua gestão. O
trabalho de Prado e Ferro (2021) nos traz o dado da participação na gestão do espaço ser
profundamente relevante para a sensação de pertencimento do aluno em relação à escola,
e foi efeito comprovado durante o processo de ocupação. Muitos problemas do Ensino
Médio, como depredação do espaço e abandono escolar, poderiam ser resolvidos caso
a participação dos alunos na gestão fosse maior, e as ocupações nos mostram grandes
pistas de como isso pode ser alcançado.
Por fim, acredito que pensar as ocupações de escolas não enquanto modelo escolar,
mas sim enquanto manifestações da Juventude secundarista, pode acrescentar em muito
com o debate atual sobre Ensino Médio. Aprender com os estudantes é fundamental para
qualquer professor ou diretor que deseje ter seu trabalho engrandecido e valorizado pelos
alunos.

REFERÊNCIAS
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Janeiro: Fundação Roberto Marinho. 2007. 305 p.

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políticos. 29ª Reunião Brasileira de Antropologia. TOMO N. 27 JUL/DEZ. | 2015

Espero tua (re)volta. Direção de Elisa Capai. São Paulo, 2019. 93 min.

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Rio de Janeiro - UNIRIO: Pró-Reitoria de Extensão e Cultura - PROExc, 2020. E-book

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sobrevivência? In Reforma do ensino médio: contexto, controvérsias e cenários/organização Diógenes
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Brasil do nosso tempo. Educação | Santa Maria | v. 42 | n. 3 | p.751-764 | set./dez. 2017

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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 2 19


CAPÍTULO 3
O ACOLHIMENTO MULTIGERACIONAL EM
PROJETOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIOS

Data de aceite: 10/01/2022


MULTIGENERATIONAL WELCOME IN
Data de submissão: 01/12/2021
UNIVERSITY EXTENSION PROJECTS
ABSTRACT: This article presents a survey of
intergenerational activities offered by colleges
Andréa Holz Pfützenreuter and universities in the city of Joinville-SC. With
Universidade Federal de Santa Catarina, the perception of the need for the involvement of
Departamento de Engenharias da Mobilidade the elderly in projects, and the emotional situation
Joinville/SC established in students of the exact sciences, an
http://lattes.cnpq.br/5665893107420453 extension project is proposed to be implemented
Ana Carolina Ribeiro Albino at the Technological Center of Joinville at UFSC,
Universidade Federal de Santa Catarina, which will stimulate the personal development
Departamento de Engenharias da Mobilidade of all aging people. and seeking to provide
Joinville/SC opportunities for learning through memories lived
http://lattes.cnpq.br/5846937792233332 in different experiences.
KEYWORDS: Intergenerational; wellbeing;
elderly; engineering students.

RESUMO: Este artigo apresenta o levantamento


das atividades intergeracionais ofertadas 1 | INTRODUÇÃO
pelas faculdades e universidades da cidade de Reinventar o ato de envelhecer de
Joinville-SC. Com a percepção da necessidade forma independente e ativa, contraria a ideia
do envolvimento dos idosos em projetos,
de pessoas frágeis e debilitadas. As instituições
e pela situação emocional instaurada em
de ensino superior denotam um expressivo
estudantes das ciências exatas, propõe-se
um projeto de extensão a ser implantado no potencial nesse processo de colaboração
Centro Tecnológico de Joinville da UFSC, que mutua. O envelhecimento do ser humano
estimule o desenvolvimento pessoal de todos é um processo no qual o tempo é o limitador
que envelhecem e em busca de oportunizar o das etapas, quer seja enquanto criança, adulto
aprendizado pelas memórias vividas em distintas
ou idoso, iniciando ao nascer e finalizando ao
experiências.
morrer. A maneira como as pessoas vivenciam
PALAVRAS-CHAVE: Intergeracional; Autoestima;
idosos;estudantes. cada etapa e se submetem aos acontecimentos
é o que as caracteriza, por este motivo, o fator
tempo é tão subjetivo quanto a própria relação
entre ficar e sentir-se velho. Neste processo
os aspectos físicos, biológicos, psicológicos e

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 3 20


sociais são preponderantes para os efeitos da idade, de forma individualizada e específica,
considerando as suas preferências e recorrências sintomáticas, para que estas percebam
que as escolhas realizadas geram uma consequência ao longo do tempo, favorecendo a
saúde e o bem-estar do indivíduo, o que promove a qualidade de vida da coletividade.
A autonomia e independência também são importante componentes para o
envelhecimento saudável, sendo a autonomia definida como a capacidade de poder agir
e tomar decisões, e a independência como a capacidade de executar atividades sem o
auxílio de outras pessoas. (TAVARES, et al., 2017) conclui em sua pesquisa que além de
serem apoiados, os idosos também querem apoiar, sendo mais importante do que receber
apoio. O desejo de fazer o bem e de contribuir com a sociedade é elucidada pelos trabalhos
voluntários ou envolvimento em projeto multigeracionais.
A Organização Mundial de Saúde defende o trabalho voluntário como uma grande
fonte de empoderamento, cidadania e desenvolvimento humano, respeitando os limites da
pessoa idosa, fortalece a autoestima, o envolvimento social e contribui para a sociedade
como um todo.
O desenvolvimento de atividades entre idosos e estudantes do ensino superior
promove a compreensão das mudanças tecnológicas e o valor histórico da tecnologia em
realizar e programar soluções passíveis de serem aplicadas em quaisquer lugares. As
atividades cognitivas de memória são momentos de abstração dos jovens e necessárias
ao envelhecimento como estímulo cerebral e emocional. Saber praticar essas atividades
nos centros tecnológicos possibilita a humanização nos meios exatos à lógica racional; na
construção dos valores éticos e identitários dos estudantes.
O Centro Tecnológico de Joinville (CTJ) foi fundado há dez anos, e concentra cursos
na área de ciências exatas, distribuindo cerca de 2000 estudantes entre os oito cursos
de graduação. Algumas entidades estudantis representam e estimulam atividades para
os estudantes, a exemplo do Diretório Acadêmico Livre das Engenharias da Mobilidade
(DALEM), o Centro Acadêmico Livre de Engenharia Naval (CALNAV), o Rotaract, filiado ao
clube Rotary, e o Programa de Educação Tutorial (PET-EMB).
Mesmo com os atuais grupos, há constante reclamação por parte dos acadêmicos
do sobre a ausência de atividades extracurriculares que desenvolvam a inteligência pessoal
e emocional; e atividades de cunho recreativo. Essa falta potencializa ciclos danosos
ao desempenho e a aprendizagem num centro de ciências exatas, gerando quadros de
ansiedade e ocasionando rendimento abaixo do esperado e da média acadêmica do
sistema curricular.
A integração entre grupos de estudantes e pessoas acima de 60 anos, seria uma
alternativa para minimizar a ausência da interação entre acadêmicos de cursos de outras
áreas, como de ciências humanas e sociais; introduzir linhas de pesquisas relacionadas à
engenharia e ao envelhecimento; e propor um meio de troca entre a universidade federal
e a sociedade.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 3 21


A experiência acadêmica universitária gera ansiedade, alegrias, frustrações,
conquistas e realizações durante o período de estudos, bem como a entrada no mercado
de trabalho promove e instiga descobertas, responsabilidades, direitos e deveres
que iniciam durante um estágio profissional. As atividades em grupo podem reduzir o
estresse, ampliando as possibilidades de interação social e o seu autocuidado. A troca de
experiências entre os ingressantes no mercado de trabalho com as pessoas em processo
de aposentadoria promove a sinergia de vivências e equilíbrio do sentimento de utilidade
às ações cotidianas
Este artigo apresenta o levantamento inicial das atividades intergeracionais
ofertadas pelas faculdades e universidades da cidade de Joinville-SC comprobando a
necessidade e a viabilidade de promover atividades de extensão intergeracionais. O
intuito principal do projeto é o desenvolvimento da percepção nas pessoas pela troca de
experiências e experimentando; a prática aliada a teoria; a teoria sendo gerada na prática;
e em constante mutação. Por este motivo o aprendizado deve ser vivenciado de forma a
propiciar o compartilhamento e a busca de informações que contribuirão para o trabalho de
autoconhecimento.

2 | PROGRAMAS INTERGERACIONAIS NO ENSINO SUPERIOR (JOINVILLE/


SC)
O município de Joinville está situado em Santa Catarina, e é a terceira cidade mais
populosa do sul do país com 46.427 pessoas com mais de 60 anos (IBGE, 2010). Segundo
dados censitários da Prefeitura Municipal, existem dezoito instituições de ensino superior
catalogadas, das quais três são públicas (duas federais e uma estadual) e as demais
privadas.
Destas instituições de ensino superior, quatro disponibilizam algum atendimento
para os idosos, de forma gratuita. A Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC)
viabiliza um projeto integrando vários cursos da instituição.
A Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) tem projetos de extensão a partir
de cursos específicos, sendo um desses exclusivo para idosos, e outros os envolvendo.
O programa Matur(a)idade, da UNIVILLE, iniciou há quatorze anos, como um
projeto de extensão. Depois de cinco anos de sua implantação, foi caracterizado como
um programa institucional, tendo sua continuidade garantida. As principais ações são
palestras sobre temas variados; atividades físicas, como alongamento; e atividades de
desenvolvimento cognitivo como a modelagem em argila. O programa possui algumas
parcerias com a Confederação Nacional das Cooperativas Médicas (UNIMED) de Joinville,
o Serviço Social do Comércio (SESC) de Joinville e o Corpo de Bombeiros Voluntários
municipal. As inscrições para este programa são bianuais, sendo disponibilizadas quarenta
vagas, totalizando 120 participantes. Ao final do segundo ano participam de uma formatura
simbólica e podem continuar na próxima edição, caso desejarem. Segundo a coordenadora

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 3 22


do programa, os participantes são de várias regiões da cidade e todos os anos diversos
idosos deixam de ser atendidos, pois o programa recebe um número superior de candidatos
à quantidade de vagas disponíveis.
A Faculdade Anhanguera oferece uma sala para que os interessados em atividades
extras se encontrem, mas não há professor orientador. A Faculdade Guilherme Guimbala
atende idosos em suas atividades de clínicas psicológicas e terapêuticas, nas quais os
estudantes formandos realizam seus estágios obrigatórios.
Estas instituições estão distribuídas em diversas localidades da cidade, permitindo o
alcance de um maior número de idosos. Para algumas dessas instituições o deslocamento
é viabilizado pelo transporte público, com linhas específicas de ônibus para os atender. A
exemplo da UNISOCIESC, UFSC e IFSC, demonstrando que a própria logística urbana da
cidade favorece a participação dos idosos em atividades.

3 | LEVANTAMENTO E DISCUSSÃO
Com a percepção da necessidade do envolvimento dos idosos em projetos; da
demanda de idosos não contemplada pelos projetos existentes; e pela situação emocional
instaurada em estudantes do Centro Tecnológico de Joinville. O programa de extensão
InterIDADE no ConVIVER da UFSC em parceria com o diretório acadêmico do CTJ,
Rotaract, PET-EMB e Calnav realizou um levantamento de interesse dos estudantes em
participarem de atividades no Campus. Cada projeto teve a liberdade de sugerir as atividades
que tivessem interesse em liderar, tendo o enfoque principal a criação de um grupo com
atividades intergeracionais entre idosos da comunidade, estudantes e servidores.
Ao conceder a autonomia aos estudantes da UFSC e aos idosos, para ora serem
participantes e ora mentores das atividades, auxilia a combater a sensação de inferioridade
de qualquer participante. O projeto almeja promover o desenvolvimento da percepção
espacial, vivencial e experimental na pessoa, auxiliando no entendimento das delimitações
de sua vida pessoal e profissional; oferecendo instrumentos práticos e técnicos para
gerenciamento financeiro, utilização do tempo e gestão das emoções.
O levantamento foi aplicado por um formulário on-line, disponibilizado em redes
sociais extra-oficiais da universidade e entrevistando as pessoas na fila do Restaurante
Universitário e na sala do diretório acadêmico. A coleta ocorreu em duas semanas,
recebendo 314 opiniões.
As principais atividades sugeridas foram: alongamento, artesanato, coral, costura,
culinária, fotografia meditação, pintura em tela e yoga. Havia a possibilidade de acrescentar
observações e críticas sobre o convívio social no Campus, almejando melhorias no ambiente
da universidade e no tratamento interpessoal do corpo discente e servidores. Observa-se
no Figura 1, o total de respostas às atividades sugeridas, demonstrando o maior interesse
dos entrevistados.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 3 23


Figura 1 – Interesse nas atividades sugeridas
Fonte: Autores(2019)

Com a possibilidade de sugerir quaisquer atividades físicas: a Dança, Muay Thai,


Krav Maga e o Crossfit foram as opções com maior incidência. Outras sugestões foram
cursos de Idiomas (francês e inglês), Capoeira e Teatro.
As principais críticas se destinam a falta de espaços de convivência e para estudos;
quantidade pequena de bancos para descanso nos intervalos das aulas; colocação de
mesas na cantina e criação de mais espaços para estudo.
Ao conceder a autonomia aos estudantes da UFSC e aos idosos, para ora serem
participantes e ora mentores das atividades, auxilia a combater a sensação de inferioridade
de qualquer participante. O projeto almeja promover o desenvolvimento da percepção
espacial, vivencial e experimental na pessoa, auxiliando no entendimento das delimitações
de sua vida pessoal e profissional; oferecendo instrumentos práticos e técnicos para
gerenciamento financeiro, utilização do tempo e gestão das emoções.
Por este motivo é importante que o grupo envolvido seja interdisciplinar e
intergeracional, propiciando diversos olhares para o grupo, mas com um mentor para que
sejam realizadas as trocas de vivências e o engajamento do grupo como unidade.

4 | CONCLUSÃO
A abordagem interdisciplinar de questionar a inteligência emocional para enfrentar
os desafios conscientes e inconscientes promove o autoconhecimento de padrões de
identidade que comandam as atitudes individuais. Esta abordagem instiga a melhora dos
recursos pessoais para enfrentar os obstáculos e viver o cotidiano, principalmente com os
estudantes universitários de Centro Tecnológico aplicado às Ciências Exatas.
A autonomia de cada um não existe só em si, mas para si. A dimensão humana em

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 3 24


atender e adequar a necessidade do contato social e do olhar não é somente uma questão
de interação e integração. Ela depende da relação estabelecida entre os sujeitos.
Por envelhecimento ativo, entende-se que o adulto maior deve ser parte ativa na
comunidade, em âmbito político, social, e profissional. O conceito de “envelhecimento
saudável” já não pode mais ser definido em termos de aspectos apenas da saúde física
como prevenir doenças terminais, uma vez que o adulto maior não deixa de ser parte ativa
e comum da sociedade simplesmente por alcançar determinada idade cronológica.
Alguns fatores são determinantes no envelhecimento ativo: econômicos, sociais,
pessoais, comportamentais, ambiente físico, e serviços sociais e de saúde que foram
promulgados OMS em 2002. (BRASIL, 2015, p. 54). Entendemos que tais determinantes
são diretrizes para organização de uma sociedade que considere responsável pelo adulto
maior, de modo a possibilitar caminhos para sua resiliência Cassarino e Setti (2016)
argumentam que no processo de envelhecer o aspecto cognitivo é relevante, por isso
apontam que a trajetória do envelhecimento cognitivo e o desempenho cognitivo do cotidiano
dos idosos sejam afetados por fatores ambientais e sua complexidade como estimulação
perceptiva, preferência ambiental e usabilidade percebida, tais fatores estão ligados direta
ou indiretamente na interação da pessoa com ambiente. As autoras apresentam três tipos
de influencias ambientais: impacto ambiental no funcionamento cognitivo (quantidade e tipo
de informação perceptiva); qualidade ambiental com influência nas respostas afetivas para
a preferência ambiental; e as ofertas ou prensas que afetam a percepção de usabilidade,
que conduzem ao uso do ambiente.
Dentre estes fatores de bem-estar psicológico do processo de envelhecimento, sejam
estudantes ou aposentados, ressalta-se a importância do convívio social, a interação com
pessoas, a comunicação, a aceitação pelo grupo, a valorização da opinião em conversas e
a importância de sentir-se seguro para utilizar o espaço em que esteja.
Este artigo apresenta uma revisão da importância da presença das atividades
ofertadas as pessoas com mais de 60 anos nas universidades brasileiras, indicando
as existentes em Joinville (SC) e apresentando a proposta a ser implantada no Centro
Tecnológico de Joinville. A participação assídua nas questões sociais, econômicas,
culturais, espirituais e civis e não somente a capacidade de estar fisicamente ativo ou de
fazer parte da força de trabalho contribui para o desenvolvimento pessoal de todos que
envelhecem.
Serviços que proporcionam interações sociais, incentivam a mobilidade do adulto
maior no meio urbano, uma vez que o senso de pertencimento social é importante para
o convívio ativo numa comunidade. Integrar as gerações atuais ás dos adultos maiores
revela o importante fundamento de que a sociedade funciona de maneira codependente,
sendo os adultos maiores parte fundamental para o funcionamento da mesma.
O envelhecimento é um processo universal inevitável, mas alcançá-lo com qualidade
depende de fatores econômicos, sociais e culturais. Analisar o processo de envelhecimento

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 3 25


implica compreender, analisar e avaliar a complexidade de mudanças e heterogeneidades
que se apresentam. Cada indivíduo é único e tem a sua própria maneira de enfrentar os
desafios e as situações que se apresentam.
Esse processo de envelhecimento e a própria velhice são multifatoriais e
multifacetados, impondo, na maioria das vezes, perdas importantes. Modificações
biológicas, psicológicas e sociais transformam a velhice em um fenômeno individualizado,
envolvendo a capacidade em adaptar-se e aceitar novos desafios, ativando o aprendizado;
e a capacidade de compensar declínios para o estabelecimento do bem estar psicológico.
Envelhecer é um processo e não uma etapa de vida. É oportunizar o aprendizado
pelas memórias vividas em distintas experiências. É compartilhar as angustias das decisões
imediatas. É controlar a ansiedade da incerteza futura. É perceber que a realização da
tecnologia depende da capacidade emocional, racional e física; sempre em conjunto.

REFERÊNCIAS
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Gerontol., 889-900.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 3 26


CAPÍTULO 4
AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM:
ASPECTOS CONCEITUAIS, CARACTERÍSTICAS E
CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO SUPERIOR

Data de aceite: 10/01/2022 necessário que ele mesmo estabeleça metas e


Data de submissão: 26/10/2021 objetivos no que diz respeito aos resultados que
ele almeja alcançar.
PALAVRAS-CHAVE: Autorregulação;
aprendizagem; ensino superior.
Wellita de Sousa Igreja
http://lattes.cnpq.br/6616275867862383

Denise Martins da Costa e Silva SELF-REGULATION OF LEARNING:


http://lattes.cnpq.br/5143016954298096 CONCEPTUAL ASPECTS,
CHARACTERISTICS AND
Ruth Raquel Soares de Farias CONTRIBUTIONS TO HIGHER
http://lattes.cnpq.br/7546441925505076 EDUCATION
ABSTRACT: The self-regulation of learning has
become increasingly necessary in the graduates
lives. From this perspective, the study aim to
RESUMO: A autorregulação da aprendizagem
present concepts, characteristics, contributions
vem se tonando cada vez mais necessária na vida
of self-regulation for learning and its relationship
dos acadêmicos. Partindo dessa perspectiva,
with the learning process in the Higher Education
estudo teve como objetivo apresentar conceitos,
context. To carry out the research and seeking
características e contribuições da autorregulação
to review articles and journals in the literature,
da aprendizagem e a sua relação com o
where it involves the subject, the databases of
processo de aprendizagem no contexto de
the CAPES/MEC Journal Portal between 2017
Ensino Superior. Para realização da pesquisa,
and 2021 were used. And as a result, a total of
a fim de buscar revisar na literatura artigos e
7 articles, in which were analyzed in full. This
periódicos que envolvessem a temática, utilizou-
proved to be relevant because it got involved the
se as bases de dados do Portal de Periódicos
search for knowledge and development of the
CAPES/MEC entre 2017 e 2021, e teve como
individual’s ability to self-regulate and understand
resultado um total de 7 artigos, os quais foram
the possibilities for applying strategies in the
analisados na íntegra. E mostrou-se relevante
learning process. Consequently, closing on a
porque envolveu a busca pelo conhecimento e
greater academic performance. In addition, its
desenvolvimento da capacidade do individuo se
social relevance was noticed mainly when the
autorregular e compreender as possibilidades de
academic understood achieved a high academic
aplicar estratégias no processo de aprendizagem,
performance that is necessary for himself to
fazendo assim um maior desempenho acadêmico.
establish goals and objectives with regard to the
Além disso, sua relevância social foi notada
results he aims to achieve.
principalmente quando o acadêmico entendeu
KEYWORDS: Self-regulation; learning; university
que para ter um alto desempenho acadêmico é

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 4 27


education.

1 | INTRODUÇÃO
Estar inserido em um meio no qual a cada momento ocorre um volume muito grande
de informações vai demandar que o estudante desenvolva estratégias comportamentais,
cognitivas e motivacionais para que ele obtenha um aproveitamento mais eficiente
das informações e as transforme em conhecimento. Portanto, a autorregulação da
aprendizagem se faz importante e necessária na vida de qualquer estudante que queira ter
um bom desempenho.
Os comportamentos, as crenças pessoais, as emoções, orientações motivacionais e
formas de relacionamento interpessoal que o estudante autorregulado esboça, favorecem
um aprendizado de maior qualidade que, por consequência, produzirá um alto desempenho
acadêmico (GANDA; BORUCHOVITCH, 2018). Segundo as autoras, a autoeficácia de
uma pessoa depende de suas crenças, sobretudo, de como e quão bem ela acredita que
pode realizar uma determinada tarefa, ou seja, quão autoeficaz ela é.Para que o estudante
obtenha sucesso na autorregulação, supõe-se que ele detenha o domínio e gestão de
fatores essenciais de uma aprendizagem de alta qualidade e êxito escolar (LORENÇO;
PAIVA, 2016).
Além disso, para que alcance essa aprendizagem de sucesso são necessárias
algumas práticas, tais como: estabelecer objetivos constantes nos momentos de
aprendizagem; envolver-se na tarefa; planejamento e gestão de tempo; aplicação de
estratégias válidas; criação de um ambiente produtivo de trabalho; uso eficaz dos recursos;
monitoramento das realizações; prever os resultados das suas atividades, e se necessário
procurar ajuda e cooperação (LORENÇO; PAIVA, 2016). A autorregulação da aprendizagem
pode ser, de modo geral, uma forma de aprender a aprender (LOCATELLI; ALVES,2018).
Através de estudos e pesquisas, a psicologia e outras áreas do conhecimento, vêm
buscando compreender os aspectos que envolvem o desenvolvimento da capacidade do
indivíduo autorregular sua própria aprendizagem e a controlar todo esse processo, desafio
esse que nem sempre é tão óbvio para quem tenta praticar. A psicologia, por sua vez, vem
para mostrar possibilidades de compreender e desenvolver melhores estratégias para que
os alunos, por meio de sua autorregulação, alcance um maior desempenho intelectual e
acadêmico.
Para a psicologia, além de o tema envolver aspectos cognitivos e metacognitivos, eles
também promovem autorreflexão e autoavaliação da pessoa, que através das pesquisas,
mostram-se métodos e resultados adquiridos pelas pessoas que buscam melhorar suas
capacidades e habilidades intelectuais através da autorregulação da aprendizagem.
Os aspectos cognitivos que envolvem a autorregulação da aprendizagem podem-se
dizer que são as estratégias apresentadas em forma de treino, elaboração e organização.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 4 28


Treino: repetição oral, verbal ou escrita. ; Elaboração: Conectar conhecimento prévio
mais informação nova; e Organização: estruturar e direcionar para uma finalidade o
que foi aprendido. Já os metacognitivos são planejamento, monitoramento e regulação.
Planejamento: planejar antes de realizar; Monitoramento: autoquestionamento sobre a
aprendizagem; e regulação: fazer ajustes necessários( GOES; BORUCHOVITCH, 2020).
Sua relevância social é notada principalmente quando o estudante percebe que,
para ter um bom desempenho, é necessário que ele mesmo crie uma rotina de estudo
autorregulada. Jovens e adultos egressos no mundo acadêmico demandam uma
aprendizagem mais eficiente, o que para muitos não é fácil, pois há vários fatores que
contribuem para o mau desempenho desse estudante. Em contrapartida, através da
autorregulação da aprendizagem, esse estudante amplia as chances de alcançar seus
objetivos, e obter mais resultados positivos no ambiente acadêmico.
O objetivo da pesquisa foi revisar na literatura artigos e periódicos que apresentassem
conceitos da autorregulação da aprendizagem, características, contribuições e quais
aspectos contribuem para autorregulação da aprendizagem e sua relação para educação
e os processos de aprendizagem no contexto do ensino superior, além disso, promover
autorreflexão e autoavaliação dos estudantes. Este estudo também tem o propósito de
contribuir para a produção de conteúdos e informações para contemplar todas as pessoas
que podem ter acesso à pesquisa.

2 | METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de revisão de literatura integrativa que foi realizada
no Portal de Periódicos CAPES/MEC. Para as buscas foram utilizados os seguintes
descritores: Autorregulação da aprendizagem e ensino superior. Teve como critério de
inclusão somente os artigos completos, em português e que foram publicados no período
de 01 de janeiro de 2017 a junho de 2021. Após essa primeira busca assuntos, resumos, e
títulos de trabalhos foram analisados. Os trabalhos excluídos da pesquisa foram as teses,
dissertações, artigos incompletos e os que estavam dentro dos critérios pré-estabelecidos,
mas o assunto e resumo não atendiam os objetivos da pesquisa.
Na pesquisa realizada, vários estudos sobre autorregulação da aprendizagem
foram encontrados, como por exemplo, pesquisas no ensino infantil, no nível fundamental
e médio e até mesmo na modalidade de ensino a distancia (EAD), no entanto estes não
contemplavam os objetivos da presente pesquisa e, portanto, não foram incluídos.
A busca na base de dados utilizada como fonte de pesquisa mostrou que no período
entre 2017 e 2021, poucos estudos foram publicados a respeito da temática em discussão.
Para a pesquisa foram utilizados os descritores “Autorregulação da Aprendizagem” e
“Ensino Superior”, durante os anos de 2017 a 2021, foi encontrado um total de 62 artigos
publicados. Após essa primeira etapa, o filtro utilizado para refinar a busca foi “artigos

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 4 29


revisados por pares”, e em seguida, os títulos e assuntos foram verificados, reduziram esse
total para 7 artigos (tabela 1), os quais foram analisados na íntegra, conforme processo
explicativo no Fluxograma 1.

Fluxograma 1.Esquema de busca


Fonte: Autoras (2021).

A Tabela 1 mostra detalhes dos artigos selecionados para realização deste estudo.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 4 30


Tabela 1- Relação de autores, metodologias e objetivos dos trabalhos selecionados.
Fonte: Autoras (2021).

3 | RESULTADOS E DISCUSSÕES
Em um estudo realizado sobre metacognição e monitoramento, Locatelli e Alves
(2018) mostraram que nesse processo há aspectos da autorregulação envolvidos na
cognição. E, por isso, é relevante considerar estratégias que possibilitem aos alunos a
oportunidade de tornar consciente o seu processo cognitivo de aprendizagem. As estratégias
de aprendizagem estão envolvidas com os comportamentos que tornam o armazenamento
das informações mais eficientes, bem como as habilidades de memorização, elaboração e
organização do conteúdo (ANDRADE et al.,2020). Portanto, uma vez que o aluno planeje,
monitore e regule o seu próprio pensamento, e coordenando a sua própria aprendizagem,
ele terá resultados positivos em estratégias de aprendizagem que envolva promover,
prevenir e remediar dificuldades escolas.
Também pôde-se observar que a utilização de uma estratégia facilitadora propicia

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 4 31


para que o aluno reflita sobre seu aprendizado, fazendo com que o próprio aluno participe
do seu processo de ensino-aprendizagem, refletindo constantemente e de forma contínua
e dominando o monitoramento metacognitivo (LOCATELLI; ALVES, 2018). Ressaltando
a importância desta pesquisa, a elaboração de ferramentas pedagógicas surge para
compreender e se aprimorar-se no processo de ensino-aprendizagem, tendo em vista que
o conteúdo a ser compreendido não é transferido, mas sim construído e refletirá ao longo
do tempo.
Por isso a promoção de estratégias de aprendizagem autorregulada em estudantes
do ensino superior esta cada vez mais necessária, tendo em vista a quantidade de
informações e conhecimentos que precisam armazenar para realizar determinadas tarefas,
principalmente, as de alta complexidade, pois exigirá do estudante um repertório maior de
conhecimento (FERNANDES; FRISON, 2015).
Em uma pesquisa de revisão sistemática sobre a autorregulação da aprendizagem,
Maciel e Alliprandini (2018) analisaram 13 artigos entre os anos (2012 a 2017). Destaca-se,
nesse contexto, que o ensino superior possui um processo dinâmico diferente dos outros
níveis de ensino, o qual exige que o acadêmico tenha maior autônima e responsabilidade
para gerir seu tempo, leituras e tarefas solicitadas pelo corpo docente e por isso é importante
programas de intervenção ou atividades que promovam autorregulação da aprendizagem
(GOMES; BORUCHOVITCH, 2019).
Para a psicologia cognitiva, aprendizagem é observada desde a recepção e
percepção de um estímulo, interno ou externo, que modificam os processos cognitivos.
E para o indivíduo se apropriar e fortalecer os processos psicológicos de aprendizagem é
necessário uma relação complexa entre os fatores cognitivos, metacognitivos, motivacionais,
afetivos e comportamentais (GOMES; BORUCHOVITCH, 2019). A motivação proporciona
a construção de conhecimento, a utilização de estratégias eficientes, como também de
métodos mais eficazes para estudo no ensino superior (CARDOSO JUNIOR; SOUSA;
PEREIRA JUNIOR, 2019).
Esse processo dinâmico de autorregulação da aprendizagem pode estar relacionado
às características apresentadas por um perfil motivacional, em especial, ao investimento
do esforço e persistência nas atividades acadêmicas, pois refletem em estratégias de
aprendizagem mais eficazes e na capacidade de se autoavaliar (DALBOSCO; FERRAZ;
SANTOS, 2018).
A orientação motivacional apresenta-se mais intrínseco devido interesse pessoal
e satisfação em aprender algum conteúdo ou executar uma tarefa, e também quando é
reforçado a estudar um conteúdo para, em troca, receber recompensas sejam elas pessoal
ou social. A percepção de uma pessoa de identificar sua capacidade de aprender e realizar
algo específico é denominada autoeficácia, ela influencia diretamente na orientação
motivacional dos estudantes. Pois o estado emocional pode afetar a aprendizagem tanto
positivamente quanto negativamente. Por isso o controle emocional possui representação

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 4 32


significativa na autorregulação da aprendizagem (GANDA; BORUCHOVITCH, 2018).
Reconhecer esse perfil é importante para que as estratégias de autorregulação
da aprendizagem possam ser mais bem aproveitadas. Com isso, pode-se deduzir que os
resultados, positivos ou negativos, dependem da responsabilidade e autonomia do próprio
acadêmico.
Consoante a menções anteriores, promover as estratégias de aprendizagem é uma
maneira de transformar o desempenho dos alunos em qualquer nível de ensino. Ademais,
executar intervenções pedagógicas, pode ser uma forma eficiente de alavancar a motivação
dos acadêmicos (CARDOSOJUNIOR; SOUSA; PEREIRA JUNIOR, 2019).
Ferri, Duarte e Neitzel (2018) buscaram, através de uma pesquisa quali-quantitativa,
coletar dados a respeito do acadêmico ingressante na educação superior. O estudo teve
como objetivo levantar discussões, por meio do perfil do acadêmico ingressante, as
diversidades que envolvem os jovens acadêmicos e a mudança do ensino médio para o
ensino superior. E para a coleta de dados os autores utilizaram-se de um questionário on-
line como instrumento de pesquisa.
O resultado desta pesquisa mostrou que há varias complexidades que envolvem
o tempo que o acadêmico nas universidades, e, além disso, eles também consideraram
que buscar compreender aspectos da cultura juvenil historicamente, econômico, cultural e
social é de fundamental importância. Entender os fatores que envolvem a autorregulação
é primordial para que haja iniciativas que auxiliem os alunos e instrumentalizem os
professores e educadores no campo de atuação (BORUCHOVITCH,1999).
Ainda sobre a pesquisa mencionada no parágrafo anterior, numa percepção triadica,
a autorregulação se divide em três formas: pessoal, comportamental e ambiental, as quais
promovem a adaptação e ajuste do aprendiz através de feedbacks para direcionamentos
estratégicos que modulam a aprendizagem. A forma ambiental ocorre através do
monitoramento das condições ambientais e seus efeitos nos resultados. Está relacionada
à regulação dessas condições para adaptá-las mais favoravelmente ao êxito, sendo a
forma comportamental a que envolve a auto-observação dos seus próprios resultados com
objetivos de ter sucesso na execução de uma habilidade (GOMES; BORUCHOVITCH,
2019).
E mesmo sendo formas distintas e autônomas, é importante que atuem em conjunto
para que obtenham adaptação e resultado eficaz na realização de uma tarefa. Para a
psicologia cognitiva aprendizagem é observada desde a recepção e percepção de um
estímulo, interno ou externo, que modificam os processos cognitivos. E para o indivíduo
se apropriar e fortalecer os processos psicológicos de aprendizagem é necessário uma
relação complexa entre os fatores cognitivos, metacognitivos, motivacionais, afetivos e
comportamentais (GOMES; BORUCHOVITCH, 2019).
A autorregulação da aprendizagem pode ser avaliada por quatro dimensões, sendo
cognitiva; metacognitiva; emocional/afetiva e motivacional, pois cada uma dessas divisões

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 4 33


pode contribuem e impactam diretamente na autorregulação do estudante, conforme
mostra os aspectos e características que envolvem cada uma delas descritos no texto
abaixo (BORUCHOVITCH; GANDA, 2019).
Cognitivo envolve temas e formas de estratégias de aprendizagem, tendo com
objetivo ensinar os alunos a sublinhar, ler atentamente, fazer resumos e elaborar mapas
conceituais; Metacognitiva envolve organização, planejamento e gerenciamento do tempo
com objetivo de ajudar os alunos a planejarem suas ações de estudo e organizar suas
atividades no tempo; Emocional / afetiva que através da regulação emocional busca
auxiliar os alunos a refletir sobre suas emoções e a lidar com os estresses e ansiedade; E
motivacional utiliza-se da motivação para aprender, autoeficácia e atribuição de causalidade
e que tem como objetivo orientar os alunos a identificar as suas crenças, seus níveis
motivacionais e a manter a motivação (BORUCHOVITCH; GANDA, 2019).
Em uma pesquisa de revisão sistemática realizada por Ganda e Boruchovitch
(2019) tiveram como objetivo o levantamento de pesquisas que tinham como temática a
intervenção em autorregulação da aprendizagem com alunos do ensino superior realizada
num período de dez anos. Buscaram-se estudos publicados tanto nacionalmente quanto
internacionalmente, o qual se pode observar um predomínio de ensino de estratégias
voltadas à promoção da autorregulação no aprendizado de língua estrangeira, no entanto,
percebeu-se que os pesquisadores brasileiros começaram a publicar seus trabalhos,
pois os resultados têm sido satisfatórios e reforçam os processos de autorregulação da
aprendizagem nos estudantes acadêmicos.
Promover estudos voltados para autorregulação da aprendizagem provoca
no estudante a auto-observação a qual possibilita ao estudante perceber seu próprio
desempenho em diversas dimensões da sua capacidade, qualidade, originalidade,
sociabilidade, moralidade e desvio, além disso, perceber seus efeitos e em que condições
eles ocorrem, pois um dos fatores que contribuem parcialmente para que os alunos possam
aprender mais com menos esforço é o senso de controle desenvolvido (POLYDORO; AZZI,
2009). Pois as estratégias de autorregulação são diferentes para ambos os sexos.
As diferenças, quanto à utilização de estratégias de autorregulação dos recursos
internos, são bastante significativas entre o sexo feminino e o sexo masculino, notando-se
que os estudantes do sexo masculino indicam usar mais estratégias que as estudantes do
sexo feminino (FLUMINHAN; MURGO, 2020).
Fluminhan e Murgo (2020) em uma pesquisa, que consistiu em apresentar e discutir
como a autorregulação da aprendizagem, buscou, por meio deste estudo, afirmar que
a autorregulação da aprendizagem pode ter efeitos positivos no desenvolvimento tanto
processo de aprendizagem dos alunos, como na implementação de praticas pedagógicas.
Neste sentido, os estudos analisados corroboram a respeito dos determinantes que
interferem na forma como as pessoas pensa, sentem, motivam-se para aprender e adaptam
os seus comportamentos para alcançarem as metas estabelecidas.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 4 34


O envolvimento em atividades acadêmicas pode ser compreendido como o sucesso
dos estudantes do ensino superior (SILVA; CARVALHO, 2020) Por isso são importantes às
práticas pedagógicas e intervenções em estratégias de aprendizagem nos currículos das
universidades, bem como capacitar professores para estimular seus alunos na sala de aula
durante as disciplinas, encaminha os alunos a aproveitarem melhor seus conhecimentos
adquiridos na graduação, maximizando o rendimento acadêmico (ANDRADE et al. 2020).

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer desta pesquisa observou-se que os estudantes que têm processos
de autorregulação da aprendizagem bem desenvolvidos podem ter mais êxitos em sua
trajetória acadêmica. Estabelecer metas de estudos e aplicar estratégias de se autorregular
propiciam ao aluno alcançar melhores resultados, e por consequência traz benefícios
bastante significativos no seu desempenho acadêmico. O estudo também mostrou que
a motivação individual ocupa um papel fundamental na autorregulação dos acadêmicos,
pois através dela o estudante demonstra o seu o interesse e a sua satisfação pessoal nas
atividades em que está envolvido.
Alem disso, observou-se também que a autorregulação pode variar de acordo com
sexo e idades dos estudantes. Mostrou que homens utilizam-se de mais estratégias para
regular sua aprendizagem, enquanto mulheres usam menos, e, no que diz respeito a idade,
o mesmo estudo apontou que quanto mais idade , mais estratégias de autorregulação o
estudante usa.
Esse estudo buscou ampliar os estudos e fazer uma breve discussão dos aspectos que
envolvem a autorregulação da aprendizagem trazendo a tona suas principais contribuições
para os acadêmicos tendo em vista o impacto que o uso e/ou não uso de estratégias de
autorregulação podem causar no percurso dos estudantes do ensino superior.
Ademais, notou-se a escassez de pesquisas que trabalhem a temática de modo
a contemplar os estudantes com a efetivação de programas que visem desenvolver
estratégias e habilidades de autorregulação da aprendizagem nos acadêmicos. Portanto,
sugere-se que mais estudos voltados para promoção dessas estratégias sejam produzidos,
tornando-os cada vez mais comuns seu uso nas universidades.

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CAPÍTULO 5
ESTUDO E DESENVOLVIMENTO DE UM
MODELO BIOPSICOSSOCIAL: ASPECTOS
TEÓRICOS E PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO
MULTIDISCIPLINAR

Data de aceite: 10/01/2022 dos dados foi utilizado o método MANOVA


Data de submissão: 30/11/2021 (Análise multivariada de variância) de um fator
com dois grupos e com os escores de cada
dimensão da QVRS como variáveis dependentes
e como variável independente o sexo dos
Jailson Oliveira da Silva
participantes e as análises demonstraram que
Instituto Federal da Paraíba – Campus João
existem diferenças estatisticamente significativas
Pessoa
João Pessoa - Paraíba entre os sexos para quatro dimensões da QVRS.
http://lattes.cnpq.br/5117991416156358 Resultados: Identificamos que os dados indicam
diferenças significativas em componentes
Allysson Macário de Araújo Caldas específicos de QVRS em relação ao sexo
Instituto Federal da Paraíba – Campus João do participante. Destacamos que os homens
Pessoa alcançaram pontuações significativamente mais
João Pessoa - Paraíba altas em relação às mulheres nos componentes:
http://lattes.cnpq.br/8696779874658590
Saúde e atividade física (F(1) = 27,600; p <
Rafael Ramos Pereira 0,001), Estado emocional (F(1) = 9,055; p <
Instituto Federal da Paraíba – Campus João 0,01), Autonomia (F(1) = 11,312; p < 0,001) e
Pessoa Amigos e apoio social (F(1) = 3,898; p < 0,05). As
João Pessoa - Paraíba demais dimensões não apresentaram diferenças
http://lattes.cnpq.br/2608863911235455 significativas em função do sexo do participante.
Conclusão: Considerando as informações
levantadas nesse estudo, pôde-se evidenciar
que o protocolo utilizado é de grande relevância
RESUMO: Objetivo: O objetivo deste trabalho
para o ambiente escolar como um instrumento
é desenvolver um modelo para avaliação da
para auxiliar e direcionar os profissionais no
saúde dos discentes do ensino médio, como
monitoramento, acompanhamento e intervenção,
recurso pedagógico no processo de ensino-
visando à melhoria da QVRS dos discentes e
aprendizagem. A pesquisa foi realizada em
consequentemente uma melhoria no processo
uma amostra de discentes de 11 campi do IFPB
ensino-aprendizagem.
localizados em cidades do litoral ao sertão do
PALAVRAS-CHAVE: Saúde escolar, Qualidade
estado da Paraíba, utilizando dados coletados
de vida, Ensino-aprendizagem.
por meio de questionário validado e reconhecido
internacionalmente: o KIDSCREEN-52. Método:
ABSTRACT: Objective: The objective of this
O questionário KIDSCREEN-52 foi aplicado em
work is to develop a model for evaluating the
uma amostra de 358 discentes com idade entre 14
health of high school students, as a pedagogical
e 46 anos (68,4% do sexo feminino) selecionadas
resource in the teaching-learning process.
em onze campi. Para uma melhor interpretação

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 38


The research was carried out in a sample of students from 11 IFPB campuses, located in
cities from the coast to the interior of the state of Paraíba, using data collected through a
validated and internationally recognized questionnaire: the KIDSCREEN-52. Methods: The
KIDSCREEN-52 questionnaire was applied to 358 students aged between 14 and 46 years
(68.4% female) in selected samples from the eleven campuses. For a better interpretation
of the data, a one-factor MANOVA (Multivariate analysis of variance) was used with two
groups and with the scores of each dimension of the HRQOL as dependent variables and the
gender of the participants as an independent variable, and the analyzes showed that there
are statistically differences between genders for four dimensions of HRQOL. Results: We
identified that the data indicate significant differences in specific components of HRQOL in
relation to the participant’s gender and men achieved significantly higher scores than women
in the components: Health and physical activity (F(1) = 27.600; p < 0.001) , Emotional state
(F(1) = 9.055; p < 0.01), Autonomy (F(1) = 11.312; p < 0.001) and Friends and social support
(F(1) = 3.898; p < 0.05) . The other dimensions did not show significant differences depending
on the participant’s gender. Conclusions: Considering the information collected in this study,
it could be seen that the protocol used is of great relevance for use in the school environment
as an instrument to assist and guide professionals in monitoring, monitoring and intervention,
aiming at improving the HRQoL of students and consequently an improvement in the teaching-
learning process.
KEYWORDS: School health, Quality of life, Teaching-learning.

1 | INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas a escola contemporânea, vem passando por uma série
de conflitos sendo necessária uma intervenção especializada visando à busca de
possíveis soluções para os problemas do cotidiano. Fatores como o estado de saúde, a
indisciplina, o baixo rendimento escolar, problemas psicológicos, a evasão, as relações
interpessoais, entre outros, colaboram de maneira decisiva para dificultar o processo de
ensino-aprendizagem. De acordo com Bossa (2007) o sentido das aprendizagens é único
e particular na vida de cada um, e que inúmeros são os fatores afetivo-emocionais que
podem impedir o investimento energético necessário às aquisições escolares.
De acordo com Nahas e Garcia (2010) tendo em vista as mudanças neste milênio
criou-se uma nova agenda para a pesquisa em atividade física e saúde, onde o foco passou
a ser direcionado para as mudanças de hábitos e dessa forma os estudos de intervenção
ganharam grande destaque, em especial os relacionados a área de saúde pública e os
conhecimentos da epidemiologia. Essa perspectiva colide com o relatório da OPAS (2017),
que aponta que as doenças crônicas incluindo as doenças cardiovasculares, diabetes,
câncer e doenças respiratórias, são responsáveis 35% das mortes prematuras em pessoas
de 30 a 70 anos de idade, sendo que o cãncer e as doenças cardiovasculares provocaram
65% do total desses óbitos prematuros. Partindo desse pressuposto vimos a importância
no monitoramento e prevenção de doenças crônico-degenerativas (Diabetes tipo 2, Asma,
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, Acidente Vascular Cerebral, Hipertensão Arterial,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 39


Câncer e Obesidade), congênitas e psicológicas, principalmente nas doenças coronarianas
que estão cada vez mais atingindo camadas mais jovens da população.
A necessidade de acompanhamento clínico, tratamento médico e medidas de
profilaxia são imprescindíveis para o monitoramento dos discentes, uma vez que as
presenças de fatores clínicos interferem diretamente na saúde, qualidade de vida e
desenvolvimento acadêmico. Neste sentido é importante considerar as repercussões de
ordem física, psicológica e social que são apresentados nos discentes que estão interferindo
no seu processo ensino-aprendizagem.
Em consonância com esta necessidade, constata-se um crescimento exponencial
de pesquisas relacionadas com o tema saúde e qualidade de vida. De acordo com Nahas
e Garcia (2010, p. 138) “Estudos de intervenção, avaliando a efetividade de ações e
programas de promoção de comportamentos saudáveis, em particular da atividade física e
hábitos alimentares, estão sendo publicados e podem servir como base para a formulação
das políticas públicas”. Dessa forma se faz necessário a identificação das causas que
mais provocam mudança no estilo de vida da população e em conjunto com a comunidade
acadêmica encontrar soluções para as demandas emergentes.
A Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS), inicialmente teve como alvo
de investigação à população adulta, de acordo com Pinto (2000) e Reisine ST e Bailit
(1980) os adultos representam a maioria da população, demandam por serviços de saúde,
possuem particularidades epidemiológicas e, por serem em sua maioria constituídos por
trabalhadores, suas condições de saúde e bem estar podem trazer importante impacto
econômico e social, tanto no contexto familiar, quanto na economia do país. Porém com o
avanço das doenças em especial as coronarianas envolvendo crianças e adolescentes a
comunidade científica voltou às suas pesquisas para este público visando à identificação,
monitoramento e criação de propostas para intervenções, principalmente em pacientes com
doenças crônicas. Nesse ínterim se faz necessário uma avaliação da QVRS em crianças
e adolescentes para a identificação dos grupos que estejam em risco proporcionando
informações relevantes sobre os dados clínicos, oferecendo a equipe multidisciplinar um
panorama mais completo sobre os aspectos biopsicossociais dessa população.
A compreensão sobre o desenvolvimento e o bem estar do ser humano em suas
multidimensões é um desafio dos serviços públicos de saúde. Prioritariamente são tratadas
as questões física, mental, emocional e social em detrimento das questões relacionadas
com a mente ou às emoções. São necessidades de sua dimensão espiritual como,
por exemplo: transcendência; tomar decisões baseadas em princípios éticos e morais, ser
responsável por suas escolhas morais; altruísmo; identificar um propósito para sua vida
(BEUST, 2000).
Segundo a Organização Mundial de Saúde, “qualidade de vida é a percepção do
indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores
nos quais ele vive e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 40


(Fleck 2008, p. 25).
Sendo assim, buscar a qualidade de vida, considerando a promoção da saúde,
“amplia o universo das ações possíveis, recompõe a característica multifatorial e
multidisciplinar nos fenômenos da saúde e ressalta a importância da ação intersetorial, da
participação ativa dos indivíduos e da comunidade ao nível local” (TERRIS, 1996).
Gaspar et al (2006) identifica que a qualidade de vida relacionada com a saúde
tem como referência a análise das crianças e jovens em função de gênero, idade, estatuto
socioeconômico e nacionalidade, com utilização da Análise de variância - ANOVAs (técnica
estatística que permite avaliar afirmações sobre as médias de populações). Através desta
analise pretende-se uma maior compreensão da QVRS, identificação de populações de
risco e fornecer programas de intervenção (individuais, interpessoais e comunitários),
devidamente contextualizados e avaliados.
Esta saúde percebida é denominada Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde
(QVRS /Health-Related Quality of Life - HRQOL). É descrita como um constructo que
engloba componentes do bem estar e funções físicas, emocionais, mentais, sociais e
comportamentais, como são percebidos pelos próprios (crianças e adolescentes) e pelos
outros (pais). O grupo de qualidade de vida da OMS inclui uma perspectiva transcultural
(cross-cultural): a qualidade de vida é descrita como uma percepção individual sobre a
sua posição na vida, num contexto cultural e num sistema de valores no qual o indivíduo
vive, e em relação aos seus objectivos, expectativas, metas e preocupações/interesses
(WHOQOL, 1995; 1996; 1998). (GASPAR et al 2016, p. 47). Desta forma a utilização de
uma valiação e criação de um protocolo de monitoramento dos discentes será muito útil
para o controle das questões biopsicossociais, auxiliando diretamente na melhoria do
processo de ensino-aprendizagem.
De acordo com Lopes (2017) muitos pesquisadores consideram o ensino e a
aprendizagem termos indissociáveis na construção do conhecimento. Desta forma, não
se pode compreender a importância do primeiro, sem reconhecer o significado a que o
segundo nos remete nessa construção. Esses conceitos sofreram várias transformações
ao longo dos tempos, onde o processo de ensino-aprendizagem tem sido caracterizado
ou dando ênfase à figura do professor como detentor do saber, ora o aluno como aprendiz
construtor de seu conhecimento.
Segundo MOREIRA (1986), o processo de ensino-aprendizagem é composto de
quatro elementos distintos: 1) o professor, 2) o aluno, 3) o conteúdo e 4) as variáveis
ambientais (características da escola). Estes elementos exercem maior ou menor influência
no processo, de acordo com a forma pela qual se relacionam num determinado contexto,
influenciando desta forma no processo ensino–aprendizagem.
A adolescência é uma fase que provoca inúmeras alterações fisiológicas no ser
humano e de acordo com Galvão (1995) essa fase é marcada pelos conflitos, onde alguns
são importantes para o crescimento enquanto outros provocam desgaste e transtorno

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 41


emocionais. Nesse sentido, a afetividade torna-se um dos fatores preponderantes no
processo de relacionamento do adolescente consigo mesmo e com os outros, contudo,
isso ocorre a partir de um caráter cognitivo já estabelecido, ou seja, ele consegue gerir uma
exigência racional nas relações afetivas. (LOPES, 2017, p. 7)
Normalmente é uma fase marcada por muitos questionamentos, fortes
exigências, novas experiências e constantes preocupações. Diante de tantas
alterações físicas e emocionais, muitas vezes não conseguindo conter ou
canalizar tanta energia, iniciam-se os confrontos com pais, professores e até
com colegas. (LOPES, 2017, p. 7)

Lopes (2017) identifica que, por se tratar de um período com inúmeras


transformações as equipes pedagógicas das instituições de ensino tem a responsabilidade
de criar estratégias pedagógicas que favoreçam a relação entre professores e discentes,
proporcionando a melhoria no processo ensino-aprendizagem.
Mediante o exposto surge o seguinte questionamento: como os fatores
biopsicossociais dos discentes afetam o desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem?
Desta forma o objetivo geral desta pesquisa foi desenvolver um modelo para
avaliação com relação à saúde dos discentes do ensino médio, como recurso pedagógico
no processo de ensino e aprendizagem.

2 | METODOLOGIA
O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa participante e de levantamento
exploratório e descritivo. Para para fazer a analise e interpretação dos dados visando
explorar os escores de QVRS nas diferentes dimensões e associa-las às características
dos discentes utilizamos a abordagem mista ou quali-quantitativo (CRESWELL, 2010). O
estudo baseou-se em uma população-alvo constituída por 3.470 discentes na faixa etária
de 14 a 46 anos, selecionados através do PSCT - Processo Seletivo de Cursos Técnicos do
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Paraíba no ano de 2020.
Após uma avaliação do perfil e características dos 18 campi do IFPB que
desenvolvem o Ensino Médio Integrado, a nossa amostra foi delimitada em 376 escolares,
sendo composta pelos discentes matriculados nos cursos técnicos de 11 campi do IFPB,
no entanto 18 escolares foram excluidos por recusa a participar, ausência de autorização
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ou pelo não preenchimento correto do
questionário, contemplando portando uma amostra de 358 escolares (Tabela 1).
As avaliações foram realizadas após a assinatura dos menores no Termo de
Assentimento – TALE e dos pais ou responsáveis do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido – TCLE para menores de idade, de acordo com as determinações da resolução
466, de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. Aos participantes foi garantido
o direito de recusa de participação em qualquer momento na referida pesquisa, bem como

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 42


o anonimato das informações.
Como instrumento de investigação utilizamos o KIDSCREEN-52 que é um
questionário composto por 52 questões objetivas, onde cada uma das dimensões contém
de 3 a 6 questões, que foram mensuradas utilizando a escala de Likert para avaliar o grau
de concordância com uma pontuação que varia de um a cinco pontos visando identificar
a frequência de comportamentos/sentimentos pelo período recordatório de uma semana
antes da aplicação do questionário. Este instrumento é de natureza genérica, aplicáveis
em diferentes contextos nacionais e culturais, satisfazendo os padrões de qualidade
internacionais em instrumentos desenvolvidos e fornecem medidas práticas para que
clínicos e investigadores avaliem o bem-estar e a saúde subjetiva (QVRS), tanto de crianças
e adolescentes saudáveis como dos que apresentam uma condição crônica, entre os 8 e
os 18 anos de idade. Fornece também medidas proxy para pais e prestadores de cuidados.
(RAVENS-SIEBERER, 2005, p. 10).
Embora que o instrumento utilizado na pesquisa (KIDSCREEN-52) tenha sido
desenvolvido para jovens na faixa etária de 08 a 18 anos ele se mostra adequado para
o contexto do IFPB visto que os discentes deveriam estar nessa faixa etária, no entanto
na medida em que a amostra vai se distanciando dos centros que oferecem melhores
condições de estudo observamos que existe uma alteração na idade devido à escolarização
nas cidades do interior ser tardia. Embora que a idade tenha uma variabilidade e possa
divergir um pouco, o perfil sociodemográfico abarca todos os discentes por ser homogêneo.
Nesse ínterim esse instrumento apresenta-se de suma importância principalmente para
avaliação da QVRS nesse período de pandemia visto que ele aborda 10 dimensões do ser
humano.
De acordo com Gaspar e Matos (2008), o questionário KIDSCREEN-52, é um
protocolo internacional de monitoramento da saúde de uma população onde serão
avaliadas 52 perguntas de 10 Dimensões do ser humano: D1 - Saúde e atividade física:
Avalia o nível de atividade física e aptidão física, D2 – Sentimentos: Avalia o bem estar
psicológico e satisfação com a vida;, D3 - Estado emocional: Avalia os sentimentos e
emoções, D4 - Auto percepção: Avalia a percepção que se tem sobre si próprio, D5 -
Autonomia e tempo livre: Avalia a autonomia, utilização do tempo livre e capacidade de
tomada de decisões, D6 - Família/Ambiente familiar: Avalia as relações interpessoais no
ambiente familiar, D7 - Aspecto financeiro: Avalia o poder aquisitivo da família, D8 - Amigos
e apoio social: Avalia as reações sociais e interações com os amigos, D9 - Ambiente
escolar: Avalia a capacidade cognitiva e relacionamento com a escola e professores e D10
- Provocação/Bullying: Avalia o nível de rejeição por parte dos colegas da escola. Para uma
ampla utilização no Brasil os pesquisadores Guedes e Guedes (2011) fizeram a tradução
do questionário para o português e adaptação transcultural do KIDSCREEN-52, visando
identificar suas propriedades psicométricas para a população brasileira. Nesse contexto
foram desenvolvidos vários indicadores para medir aspectos da qualidade de vida

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 43


Os escores de cada dimensão foram computados mediante uma sintaxe de
metodologia de cálculo das dimensões, que considera as respostas do grupo de questões
que compõem cada uma das dez dimensões. As questões 1.1, 3.1 a 3.7, 4.3 a 4.5 e 10.1
a 10.3 usam a escala de forma inversa e devem ter a sua pontuação invertida (1 = 5, 2 =
4, 3 = 3, 4 = 2 e 5 = 1). Já as questões 1.2 a 1.5, 2.1 a 2.6, 4.1 a 4.5, 5.1 a 5.5, 6.1 a 6.6,
7.1 a 7.3, 8.1 a 8.6 e 9.1 a 9.6 mantiveram a sua pontuação original (The Kidscreen Group
Europe, 2006). Os conjuntos de questões que constituem cada um dos 10 domínios foram
convertidos para uma escala de 0-100 pontos, cuja pontuação máxima possível é de 260
pontos, sendo criada uma variável com a soma das pontuações de todas as questões para
cada participante, designada como Escore Total % (ET%) do Kidscreen-52, através da
seguinte equação: ET%=ETX100/260.
Os dados do estudo foram coletados no período de fevereiro a agosto de 2021 de
acordo com os calendários de aulas dos campi do IFPB envolvido na pesquisa. Tendo em
vista a restrição de aulas presenciais impostas pela pandemia da COVID-19, e adequação
aos protocolos determinadas pelos órgãos da vigilância sanitária e as normas técnicas
do IFPB através da RESOLUÇÃO 28/2020 - CONSUPER/DAAOC/REITORIA/IFPB que
informa e orienta à comunidade acadêmica sobre as fases de implementação gradual
das atividades não presenciais e presenciais no âmbito do IFPB. Toda a pesquisa foi
realizada no formato online onde no primeiro momento o pesquisador manteve contato com
os professores de educação física dos campi e apresentou-se a proposta de realização
da pesquisa, posteriormente foi agendada a coleta no dia e horário das aulas síncronas
que estes professores iriam ministrar através da plataforma Google Meet. No momento
da coleta os discentes foram orientados sobre os objetivos da pesquisa, direitos para
participar ou não, procedimentos de realização, forma de envio das respostas (Sistema
ISAFAS ou Google Forms), sigilo da pesquisa e benefícios para a comunidade acadêmica
após a realização.
Os dados obtidos foram tabulados e analisados através de planilhas dos programas
Microsoft Excel e processados por meio do software SPSS (Statistical Package for the
Social Sciences) versão 20 e submetidos a análises descritivas e inferenciais.
O presente estudo obteve anuência da Reitoria do Instituto Federal de Educação
Ciência e Tecnologia da Paraíba e aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa do IFPB
(CEP), sob o parecer n. 4.421.537, CAAE 38823420.0.0000.5185 e atendeu a todos os
pré-requisitos de pesquisa com seres humanos de acordo com a resolução Resolução nº
466, de 12 de dezembro de 2012.

3 | RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram da pesquisa 358 escolares, todos do 1° ano do ensino médio de 11
campi do IFPB, separados pela localização geográfica em Litoral (Cabedelo, Cabedelo

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 44


Centro, Santa Rita), Borborema (Campina Grande, Guarabira e Esperança) e Sertão
(Itaporanga, Patos, Sousa e Cajazeiras), sendo 245 meninas (68,44%) e 113 meninos
(31,56%). A Tabela 1 está apresentando os sujeitos da pesquisa por idade e região, onde
destacamos que a idade dos escolares variou de 14 a 46 anos, com maior frequência de
adolescentes com 16 anos (47,2%).

Tabela 1. Distribuição dos discentes por faixa-etária e região (N = 358).


Fonte: Dados da pesquisa

χ² = 127,702; gl = 24; p < 0.001.


De acordo com a tabela 1 podemos observar que os 358 participantes ficaram
alocados da seguinte forma: 168 discentes em campi do Litoral (46,93%), 108 discentes
em campi da Borborema (30,97%) e 82 discentes em campi do Sertão (22,90%).
Para maior eficácia na análise da qualidade de vida e suas dimensões, a amostra foi
dividida em quartis, de forma que os participantes localizados no 1º quartil apresentaram
escores muito baixos para a Qualidade de Vida - QV, os localizados no 2º quartil
apresentaram escores baixos para a QV, os localizados no 3º quartil apresentaram escores
regulares para a QV, e, por fim, no 4º quartil encontramos os maiores escores para essa
variável, ou seja, apresentaram uma boa QV.
A Tabela 2 se refere às dimensões da QV separadas por quartil, observa-se que,
de modo geral, os participantes demonstraram estarem insatisfeitos com a sua QV, já
que as pontuações médias obtidas nas dez dimensões do teste se encontram no quartil
inferior (Q1), isto é, abaixo de 46,2 pontos. Onde se destacam de forma negativa com os

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 45


menores escores as dimensões “Aspectos Financeiros”, “Amigos e apoio social” e “Saúde
e Atividade Física”. Entretanto, a dimensão “Bullying” no quartil superior (Q4), apresenta os
melhores escores, indicando uma melhor qualidade de vida nesse aspecto. No entanto não
ocorreram diferenças estatisticamente significativas entre os valores médios observados
em cada quartil.
Os resultados encontrados no presente estudo possuem semelhanças e diferenças
com outras pesquisas que utilizaram o KIDSCREEN-52. Macagnan (2013) analisou a
percepção da QVRS e a regulação da motivação de jovens jogadores de futebol de elite entre
13 a 18 anos e encontrou que as melhores percepções estavam associadas às dimensões
“Provocação/Bullying” e “Sentimentos”, enquanto que às piores percepções estavam
relacionadas as dimensões Aspectos financeiros” e “Tempo livre”, no entanto, Costa et al.
(2020) ao comparar as médias das dimensões da QVRS por estrato sexo, observou que a
média das dimensões Atividades físicas e saúde, Sentimentos, autopercepção, autonomia
e tempo livre, família/ambiente familiar, aspectos financeiros, Amigos ou apoio social e
ambiente escolar dos investigados não apresentaram diferenças significativas. Porém as
dimensões - estado emocional e Bullying apresentaram diferença estatística significativa.

Tabela 2. Distribuição das frequências absolutas médias e desvios padrão da amostra nas dimensões
separadas por quartil (N=358)
Fonte: Dados da pesquisa

Ao avaliar a qualidade de vida dos escolares, no que diz respeito a distribuição dos
investigados de acordo com o sexo e histórico de doença crônica observamos na tabela 3
que 89,38% dos investigados apresentam boa condição de saúde enquanto que 10,62%
discentes de oito campi diferentes apresentaram algum tipo de doença crônica. Tendo em
vista que a ausência de doenças é um parâmetro positivo da QV, evidencia-se que há

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 46


uma percepção muito positiva para esta variável. De acordo com Nahas (2013) a saúde
seria a capacidade de ter uma vida satisfatória e proveitosa, confirmada geralmente pela
percepção de bem-estar geral.
Em relação à percepção de saúde o considerar as diferenças por sexo, Strelhow
et al. (2010) identificaram uma percepção de saúde mais negativa por parte das meninas,
revelando diferença significativa entre os sexos. Estes dados corroboram com o estudo
realizado por Costa et al. (2020) em relação ao histórico da doença, evidenciou-se que
os meninos relatam apresentar menos doença que as meninas. Todas estas pesquisas
apresentam dados semelhantes aos resultados do nosso estudo.
Gioia-Martins; Rocha Junior (2001) identificaram que atualmente as doenças estão
mais relacionadas a estilo de vida adotado, causas ambientais, ecológicas e padrões
de comportamento, como doenças cardiovasculares, câncer e Aids, o que reforça a
preocupação que mesmo com números expressivos de discente saudáveis apresentam
algum tipo de doença crônica que necessitam de cuidados de saúde permanentes, no
entanto chama atenção o número significativo de investigados que ou esporádicos
(alergias, doenças cardiopulmonares, autismo, entre outras), diante disso percebe-se a
importância de um acompanhamento da QVRS dos discentes, por parte dos setores de
apoio ao estudante dos campi ou Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades
Educacionais Específicas - NAPNE, por estarem sujeitos a desenvolver patologias.

Condição de saúde Homens Mulheres Total

Não relatou doença 102 (28,49%) 218 (60,89%) 320 (89,38%)

Relatou doença 11 (3,07%) 27 (7,55%) 38 (10,62%)

Total 113 (31,56%) 245 (68,44%) 358 (100%)

Tabela 3. Distribuição dos escolares de acordo com sexo e histórico de doença


Fonte: Dados da pesquisa

O alto índice de participantes oriundos da região Litoral em comparação com as


demais regiões não permitiu a comparação das médias (Análise de Variância) entre as
regiões. Neste sentido, realizamos a análise descritiva para compreensão do perfil da
QVRS dos estudantes por região apartir da Tabela 4, dessa forma podemos observar
que as médias de cada dimensão da QVRS apresentaram valores semelhantes entre as
regiões. Comparando com os dados obtidos na Tabela 2 e considerando a pontuação
total do instrumento (escore total = 100) podemos observar que todas as dimensões
apresentaram escores muito baixos ou regulares, com exceção da dimensão Bullying
que apresentou escores relativamente altos, o que demonstra uma boa satisfação nesse
quesito. Neste sentido, a avaliação da QVRS dos participantes demonstra que no geral,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 47


a QV necessita melhorar. Corroborando com o nosso achado Heinemann et al. (2018)
identificaram que dentre as dimensões que compõem a qualidade de vida, as categorias
manifestaram os escores mais altos na dimensão “Rejeição Social”, seguida pela dimensão
“Bem-estar psicológico”.

Tabela 4. Análise descritiva da QVRS por região (N = 358).


Fonte: Dados da pesquisa
(1)
QVRS = Qualidade de vida relacionada à saúde.
*
Escores computados entre 0 e 100

Visando realizar uma avaliação mais detalhada, optamos em investigar as médias da


QVRS em função do sexo e região do participante e através destas variveis identificamos
que conforme expressa no Gráfico 1 em linhas gerais os participantes da região do
Sertão apresentam melhores escores de QV, seguido pela região Borborema e Litoral
respectivamente. O estudo realizado por Guedes et al. (2014) com 1.357 adolescentes
latino- americanos oriundos do Brasil, Argentina e Chile com idades entre 12 e 17
anos chegou a conclusão que existem diferenças significativas entre ambos os sexos e
com o avanço da idade em componentes específicos QVRS, o que deve ser levado em
consideração ao planejar futuros programas de intervenção. Aguiar et al. (2014) realizou
uma pesquisa com 376 discentes de 14 a 16 anos estratificados por idade, sexo e rede de

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 48


ensino, na cidade de Gravataí/RS e concluiu que a amostra investigada possui percepção
muito satisfatória de QVRS.

Relação entre as dimensões da QVRS e o sexo do participantes

Fem 88,38
Lit Bor Ser

Mas 91,66
Bullying

Fem 88,71
Mas 88,44
Fem 88,19
Mas 91,64
Fem 70,59
Lit Bor Ser

Mas 68,00
Ambiente
Escolar

Fem 71,70
Mas 70,44
Fem 71,36
Mas 71,32
Fem 62,04
Amigos e Apoio

Lit Bor Ser

Mas 66,00
62,90
Social

Fem
Mas 62,33
Fem 57,87
Mas 65,29
Fem 57,84
Lit Bor Ser

Mas 64,66
Financeiro
Aspecto

Fem 60,25
Mas 54,88
Fem 51,30
Mas 56,19
Fem 66,23
Lit Bor Ser

Mas 73,16
Família

Fem 70,76
Mas 71,77
Fem 69,58
Mas 70,31
Fem 59,03
Lit Bor Ser
Autonomia e
Tempo livre

Mas 67,00
Fem 56,41
Mas 57,73
Fem 58,17
Mas 66,53
Fem 68,58
Auto percepção

Lit Bor Ser

Mas 73,20
Fem 69,28
Mas 71,86
Fem 88,38
Mas 91,66
Fem 88,71
Lit Bor Ser

Mas 88,44
Emocional
Estado

Fem 88,19
Mas 91,64
Fem 60,46
Mas 71,74
Fem 68,81
Lit Bor Ser
Atividade Física Sentimentos

Mas 70,66
Fem 71,45
Mas 74,00
Fem 67,23
Mas 73,86
Fem 54,64
Lit Bor Ser

Mas 67,80
Saúde e

Fem 55,79
Mas 63,73
Fem 49,48
Mas 63,17
0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 70,00 80,00 90,00 100,00

Gráfico 1. Médias1 da QVRS em função do sexo e região do participante (N=358).


Fonte: Dados da pesquisa
(1)
Escores computados entre 0 e 100

No que se refere à dimensão Saúde e atividade física observa-se que o índice

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 49


apresentado oscila de muito baixo para regular, principalmente entre as participantes do
sexo feminino, indicando exaustão física e baixa energia, portanto nessa dimensão os
discentes necessitam melhorar a QV através da realização de atividades físicas de forma
sistemáticas.
Corroborando com o nosso estudo Heinemann et al. (2018) observaram que
os menores escores foram encontados na dimensão “Saúde e Atividade Física”, que
contempla aspectos relacionados à percepção de saúde, de energia/disposição, de forma
física, e a prática de atividade física. Galárraga, Aguilá e Rajmil (2009) identificaram uma
clara diferença entre os sexos na percepção de saúde e na QVRS, onde principalmente as
meninas tem uma percepção pior de sua saúde geral, física e emocional.
Svedberg, Eriksson e Boman (2013) realizaram uma pesquisa com 283 escolares
na faixa etária de 11 a 16 anos e concluiram que além dos meninos possuírem percepção
de qualidade de vida relacionada à saúde na dimensão bem-estar físico superiores as
meninas em todas as idades, no sexo masculino estes valores podem se manter ou
aumentar levemente com o aumento da idade, enquanto no sexo feminino estes valores
tendem a diminuir.
De acordo com Matsudo, Matsudo e Barros Neto (2000) a prática regular da
atividade física está relacionada não só a benefícios físicos, como também psicológicos
e que a mesma atua na melhoria da autoestima, do autoconceito, da imagem corporal,
das funções cognitivas e da socialização. Miles (2007) aponta que a atividade física como
um importante fator para a sensação de bem-estar, sendo capaz de diminuir estados de
ansiedade e depressão, fatores esses que também estão ligados à qualidade de vida.
Santos (2013) destaca que a prática da atividade física é bastante importante para
ambos os sexos, pois possui efeitos e benefícios para a saúde, podendo reduzir os níveis
de ansiedade, estresse e depressão, aumentar o humor, o bem-estar físico e psicológico, a
autoestima, o rendimento nos estudos e nas demais atividades da vida diária, influenciando
positivamente na QV.
Os dados da dimensão sentimentos apresentam uma avaliação baixa apontando
dessa forma para uma insatisfação e pouco prazer com a vida, situação que podem
influenciar ou mesmo determinar o resultado do processo de ensino e aprendizagem.
Gaspar e Matos (2008) identificam que esta dimensão avalia o bem-estar psicológico
da criança/adolescente, incluindo emoções positivas e satisfação com a vida, revelando
as percepções e emoções positivas, onde a pontuação baixa implica falta de prazer e
insatisfação e uma pontuação elevada revela estado de felicidade. Heinemann et al. (2018)
identificaram que os atletas manifestam sentimentos menos positivos face à própria saúde,
à prática de atividade física e ao ambiente escolar.
No que se refere à dimensão estado emocional os nossos estudos apresentaram
resultados que variam de regular para bom, o que demonstra que a maioria dos discentes
de ambos os sexos principalmente nas regiões borborema e sertão estão se sentindo

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 50


felizes e com bom humor, no entanto identificamos que os discentes da região do litoral
apresentam um escore abaixo das demais regiões com um escore significativo do público
feminino abaixo do masculino. Esses fatores são importantes para identificar como estão
sendo fortalecidas as emoções mesmo em condições adversas. Gaspar e Matos (2008)
afirmam que a dimensão estado emocional revela sentimentos, emoções depressivas e
stressantes, bem como estes sentimentos são percebidos.
Em seu estudo Aguiar et al. (2014), encontraram na sua pesquisa que na dimensão
Humor Geral que abrange o quanto são vivenciados sentimentos e emoções depressivas e
estressantes que o nível de QVRS dos meninos estava superior ao das meninas. Enquanto
que Oatley e Nundy (2000) consideram a importância do componente afetivo como o
determinante primário do desempenho na escola, o qual estaria relacionado às emoções,
às atitudes e aos interesses.
Com relação a dimensão autopercepção identificamos resultados similares entre
os sexos, com escores variando de baixo para regulares nas regiões da Borborema e no
Sertão, já na região litoral os dados se apresentam que os discentes de ambos os sexos
tem uma percepção positiva a respeito do seu corpo. Segundo Gaspar e Matos (2008) a
imagem corporal é explorada por questões acerca da satisfação da aparência com roupas e
outros acessórios pessoais, além de que esta dimensão avalia como a criança/adolescente
atribui um valor a si mesmo.
Smolak e Levine (2001) destacam que a imagem corporal é composta pela
“estima corporal” e a “insatisfação com o corpo”. A estima corporal se refere o quanto
o indivíduo gosta do seu corpo incluindo peso, forma do corpo, cabelos e rosto, etc. Já
a insatisfação corporal define preocupações com essas características e dependendo do
grau, essa insatisfação pode afetar aspectos da vida do indivíduo no que diz respeito ao
seu comportamento alimentar, autoestima e desempenhos psicossocial, físico e cognitivo.
De acordo com Guedes et al. (2014) os dados da pesquisa indicam diferenças significativas
em componentes específicos de HRQL entre os três países. O estudo identificou que
brasileiros apresentaram os resultados médios mais altos, enquanto que os adolescentes
chilenos obtiveram as pontuações médias mais baixas, há de se destacar que os homens
alcançaram pontuações significativamente mais altas superiores às mulheres.
Da mesma forma as dimensões: Autonomia e tempo livre, Ambiente familiar, Amigos
e apoio social e Ambiente escolar apresentam avaliações de baixo para regulares em
ambos os sexos, de acordo com Gaspar e Matos (2008) esta percepção indica: dificuldade
para tomada de decisões, presença de sentimento de opressão e dependência, sentimento
de isolação e negligência familiar, ausência de apoio dos amigos e baixa confiança,
sentimento de baixa capacidade cognitiva e falta de afeto pela escola, bem como déficits na
aprendizagem. Visando a melhoria do Ambiente Escolar Heinemann et al. (2018) apontam
que as estratégias que visem o aperfeiçoamento profissional dos professores, focadas
principalmente na otimização das relações interpessoais com os discentes e outras medidas

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 51


que possam tornar o meio escolar mais atraente podem ser alternativas interessantes para
melhoria deste aspecto da QV.
A vulnerabilidade emocional e os problemas de saúde mental aparecem como
algumas das principais causas de mortalidade entre os adolescentes (World
Health Organization [WHO], 2018), reforçando a importância de pes­quisas
que investiguem as causas desse fenômeno, que parece ter uma natureza
multifato­rial. (DE FREITAS et al., 2020, p. 96)

Nestas dimensões observou-se que as mulheres apresentam índices mais baixos


que os meninos o que indica uma fragilidade emocional e a necessidade de apoio dos
familiares para a melhoria da autoestima e consequentemente da QVRS. Conforme aponta
Mendes et al. (2014), essa diferença remete a representação sociocultural atribuída aos
papeis dos homens e da mulher, visto que tradicionalmente os homens devem ser fortes,
independentes, agressivos, competentes e dominantes enquanto que as mulheres devem
ser dependentes, sensíveis, afetuosas, controladas e proibidas pelas famílias de fazer o que
desejam. Identificamos na nossa pesquisa que nas três regiões as meninas apresentaram
escores menores que os meninos Para Rocha (2012) o fato de o sexo feminino apresentar
menor percepção na dimensão Ambiente familiar pode estar relacionado tanto ao maior
controle parental quanto à forma de as mulheres se posicionarem mais criticamente frente
às suas necessidades afetivas no seio da família. Coroborando com a nossa pesquisa
Aguiar et al. (2014), identificou que existem diferenças significativas entre os sexos em
relação à percepção geral sobre QVRS e o nível dos meninos na dimensão Família e Vida
em Casa estava superior ao das meninas.
Já a dimensão Aspectos financeiros apresenta uma pontuação baixa na avaliação
em todas as regiões indicando que necessita melhorar a QV neste âmbito. Neste sentido,
Gaspar e Matos (2008) definem que o escore baixo significa que os recursos financeiros
destes estudantes são limitados e consequentemente, influenciam seu estilo de vida.
Aguiar et al. (2014), destaca que essa dimensão busca o entendimento sobre a qualidade
dos recursos financeiros, quer dimensionar o sentimento que o poder aquisitivo da família
permite adotar um estilo de vida comprável aos amigos e se permite realizar atividades em
conjunto com o grupo no qual está inserido.
De acordo com Monteiro et al., (2014) as famílias que se encontram em situação
de vulnerabilidade social, apresentam baixa renda per capita, pouco a acesso à
alimentação, baixa escolaridade e precárias condições de acesso aos serviços básicos,
e consequentemente apresentam uma baixa qualidade de vida. Guedes et al. (2014)
identificou que em relação aos resultados médios observados no componente recursos
econômicos eram semelhantes entre em ambos os sexos.Nesse estudo os adolescentes
argentinos mostraram pontuações significativamente mais baixas e com o avançar da idade
apresentava um declínio significativo.
No que se refere à dimensão Bullying, a avaliação apresentou uma pontuação

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 52


relativamente elevada, indicando um bom relacionamento entre os discentes e a percepção
de se sentir respeitados pelos colegas. Entretanto, observamos que 5,6% dos participantes
apresentaram escores abaixo da média o que significa que são percebidos como possíveis
vítimas de bullying e/ou sofrem rejeição dos colegas. Observou-se que nesse aspecto as
meninas apresentam escores inferiores ao dos meninos o que indica uma maior prevalência
de atitudes que levam ao constrangimento. Entedemos que essa dimensão é extremamente
subjetiva e está interligada a vários fatores intrinsecos e extrínsecos onde o ambiente tem
uma grande influência. Sobral et al. (2015) identificou resultados semelhantes ao nosso
estudo com indicadores superiores para os meninos. No entanto se contrapondo ao nosso
estudo Aguiar et al. (2014), não identificou valores significativos para o bullying, porém
as meninas apresentaram dados superiores aos dos meninos, bem como Mendes et al.
(2014), no seu estudo realizado com crianças e adolescentes, identificou que as meninas
apresentam uma melhor QV nos domínios relacionados com o humor e bullying. Em relação
a dimensão rejeição social /bullying, Guedes et al. (2014) observou que os dados indicam
uma pontuação média em relação ao componente e estes aumentam significativamente
com a idade. Monteiro (2011) identificou a existência de maiores escores na dimensão
“Provocação/Bullying”, seguido por “Amigos e apoio social”, o que demonstra respeito pelo
outro, sentimento de pertencimento, boa convivência com os amigos.
Se contrapondo a nossa pesquisa o estudo realizado por Mendes et al (2014) com
estudantes de ambos os sexos e observou-se que as melhores escores da percepção
da QVRS aconteceram nas dimensões “Sentimentos” e “Amigos e apoio social”, e as
dimensões “Provocação/Bullying” e “Estado emocional” apresentaram os menores escores.
Heinemann et al. (2018) analisaram a qualidade de vida de 28 atletas de Basquetebol
de categorias de base da cidade de Londrina, no Paraná onde foi identificados escores
mais altos na dimensão “Rejeição Social”, seguida pela dimensão “Bem-estar psicológico”.
Pires Junior (2010), avaliou a QV e o desempenho motor de 588 escolares de uma escola
particular de Londrina/PR, distribuídos nas faixas etárias de 12 a 17 anos. Nesta pesquisa
referente ao gênero masculino foram encontrados os maiores escores na dimensão
“Rejeição Social”, seguida pela dimensão “Bem-estar psicológico”. Com os menores
escores foi observada a dimensão “Saúde e Atividade Física”.
De uma forma geral, os resultados apontam que a QV dos participantes necessita
melhorar e aponta as dimensões Saúde e atividade física e Aspectos financeiros como as
mais críticas, sobretudo nos participantes de ambos os sexos nos campi localizados na
região do litoral.

4 | AVALIAÇÃO DA QVRS DOS DISCENTES


Inicialmente realizamos um teste de comparação de médias para verificar se havia
diferença entre os sexos quanto ao escore total da qualidade de vida relacionada à saúde

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 53


dos estudantes. Os resultados demonstraram que os estudantes do sexo masculino
apresentaram uma melhor QVRS com média de 70,05 + 11,64 em comparação com os
estudantes do sexo feminino com média de 66,17 + 10,67, (t(263)= 2,81 p< 0,05).
Em seguida, buscamos analisar a diferença entre as médias de cada dimensão da
QVRS entre os sexos. Como os grupos analisados não apresentavam aproximadamente
o mesmo tamanho (Feminino = 245, Masculino = 113), optou-se por randomizar os grupos
de forma a tornar os tamanhos amostrais proporcionais (o número da amostra do maior
grupo dividido pelo número da amostra do menor grupo inferior a 1,5). Diagramas de caixa
e bigodes mostraram que os dados para cada variável dependente em cada grupo da
variável independente são distribuídos de forma possivelmente normal, assim não foram
violadas as hipóteses de normalidade multivariada.
Os dados foram analisados por meio de uma MANOVA (Análise multivariada de
variância) de um fator com dois grupos e com os escores de cada dimensão da QVRS como
variáveis dependentes. As análises demonstraram que existem diferenças estatisticamente
significativas entre os sexos para quatro dimensões da QVRS (Wilks ‘Lambda = 0,851; F
(10, 254) = 4,432 ; p <0,001) (Gráfico 2).

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 54


Relação entre as dimensões da QVRS e o sexo do participante

Atividade FEM 53,52


Saúde e

Física
MAS 64,15

FEM 70,35
mentos
Senti-

MAS 73,33
percepção Emocional

FEM 62,53
Estado

**
MAS 69,27

FEM 68,71
Auto

MAS 72,42
Autonomia

FEM 56,84
e Tempo
livre

MAS 64,23***

FEM 68,75
Família

MAS 71,65
Financeiro

FEM 57,45
Aspecto

MAS 57,34
Amigos e

FEM 60,06
Social
Apoio

MAS 64,63 *
Ambiente

FEM 71,67
Escolar

MAS 70,92

FEM 91,81
Bullying

MAS 92,54

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Gráfico 2. Relação entre as dimensões da QVRS e o sexo do participante (N= 265)


Fonte: Dados da pesquisa
*p < 0,05; **p< 0,01; ***p < 0,001.

Os resultados da MANOVA demonstraram diferenças significativas na dimensões


Saúde e atividade física (F(1) = 27,600; p < 0,001), Estado emocional (F(1) = 9,055; p <
0,01), Autonomia (F(1) = 11,312; p < 0,001) e Amigos e apoio social (F(1) = 3,898; p < 0,05)
em relação ao sexo do participante. Podemos observar que os meninos apresentaram
escores mais altos que as meninas para as quatro dimensões. As demais dimensões não
apresentaram diferenças significativas em função do sexo do participante.
Outro fator que é importante ser levado em consideração se refere a um melhor
índice de QV do sexo masculino em contraposição ao feminino. Essa desigualdade de

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 55


gêneros pode estar relacionada ao aspecto sócio cultural onde os meninos apresentam
um quadro de maior liberdade para as escolhas, brincar ao ar livre e permanecer em
espaços públicos enquanto que as meninas são tolhidas dessas oportunidades e delegada
a realização de tarefas domésticas.
De acordo com Sobral et al. (2015) os adolescentes pesquisados possuem boa
percepção da QV, porém, o sexo masculino apresentou melhor percepção em todos os
domínios, e isso interfere diretamente na sua QV.
Tomando por base os dados da MANOVA (Gráfico 2) A análise de cada domínio
permitiu a identificação dos aspectos com maior e menor impacto na QV dos adolescentes,
conforme explicitado anteriormente nos resultados da atual pesquisa. Nesse sentido,
identificou-se que as dimensões “Sentimentos”, “Ambiente Escolar” e “Provocação/Bullying”
apresentaram melhor percepção; já os domínios “Aspectos financeiros”, “Autonomia e
tempo livre” e “Saúde e Atividade Física” apresentaram as médias mais baixas. De modo
semelhante o estudo realizado por Sobral et al. (2015) na cidade de Recife/PE e com
86 adolescentes identificou que as dimensões “Sentimentos” e “Provocação/Bullying”
apresentaram melhor percepção; já os domínios “Aspectos financeiros” e “Autopercepção”
apresentaram pior percepção.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo analisou os escores atribuídos aos componentes da QVRS
em discentes de 11 campi do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da
Paraíba agrupados em três regiões – Litoral, Borborema e Sertão. Diante dos resultados
apresentados foi observado um resultado insatisfatório em relação à percepção dos
participantes com relação à QVRS, principalmente nas dimensões “Aspectos financeiros”,
“Autonomia e tempo livre” e “Saúde e Atividade Física” que apresentaram os menores
escores. Já as dimensões “Sentimentos”, “Ambiente Escolar” e “Provocação/Bullying”
apresentaram escores de regular para bom . Isto pode estar associado às condições em
que vivem estes escolares, ou ainda à elevada expectativa que eles possuem acerca de
suas vidas.
Quando fizemos a comparação entre os sexos os resultados dos participantes do
sexo masculino apresentam uma percepção de QVRS melhor do que as meninas, o que
de certa forma entendemos que essa diferença está principalmente ligada aos fatores
culturais. Nesse ínterim, constatamos em nosso estudo a importância do monitoramento,
acompanhamento da QVRS com a intervenção através da promoção de políticas públicas
educacionais voltadas para esse segmento populacional, visando à melhoria dos aspectos
fisiológicos, bem estar psicológico, emocional e social.
Considerando as informações levantadas nesse estudo, pôde-se evidenciar que
o protocolo utilizado é de grande relevãncia para utilização no ambiente escolar como

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 56


um instrumento para auxiliar e direcionar os profissionais. Rejeitando a hipótese, após
a aplicação da MANOVA demonstraram diferenças significativas na dimensões Saúde
e atividade física = p < 0,001), Autonomia = p < 0,001), Estado emocional = p< 0,01),
e Amigos e apoio social = p < 0,05). Reforçando as referências da literatura sobre os
benefícios da qualidade de vida relacionada a saúde e os efeitos negativos de uma má
qualidade da mesma, bem como a influência no processo de ensino-aprendizagem.
Pela carência de estudos científicos nessa área, associando os parametros do
questionário ao processo de ensino-aprendizagem, são muitas as possibilidades e
necessidades de investigação nesta área. Diversos pontos relevantes necessitam ser
esclarecidos, assim recomendamos estudos posteriores que investiguem as causas desta
baixa percepção de qualidade de vida relacionada à saúde e busquem suprir algumas
limitações referentes a este estudo.

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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 5 59


CAPÍTULO 6
EDUCAÇÃO ON-LINE ENQUANTO POSSIBILIDADE
PARA O ENSINO NO PÓS- PANDEMIA

Data de aceite: 10/01/2022 mediadas pelos(as) docentes. Nas propostas


Data de submissão: 23/11/2021 didáticas, destaca-se também a importância
da organização dos tempos pedagógicos nas
dinâmicas escolares, bem como a importância da
integração entre os saberes de diversas áreas do
Fernanda Sanjuan de Souza
conhecimento científico nas atividades de ensino.
http://lattes.cnpq.br/1313214532839795
Outro importante fator destacado na proposta de
Genielli Franca da Silva planejamento didático-pedagógico apresentada
http://lattes.cnpq.br/5195643522601526 é a avaliação, ressaltando-se a necessidade
de que o processo avaliativo seja formativo,
Kelly Cristina Brito de Jesus
processual e que inclua as ações de ensino e de
http://lattes.cnpq.br/8388964728062263
aprendizagem desenvolvidas na escola.
Priscila Silva da Fonseca PALAVRAS-CHAVE: Educação On-Line,
http://lattes.cnpq.br/8786223196079233 planejamento didático-pedagógico.

ABSTRACT: The present work aims to outline a


theoretical-conceptual panorama, based on the
RESUMO: O presente trabalho objetiva traçar highlights of works in the scientific literature on
um panorama teórico-conceitual, a partir de Online Education, and to bring references from
destaques de obras na literatura científica didactic-pedagogical planning for the teaching
sobre Educação On-line, e trazer referências de and learning activities that are developed at the
planejamentos didáticos-pedagógicos para as Federal Institute of Education, Baiano Science
atividades de ensino e aprendizagem que são and Technology (IF Baiano) in the context of
desenvolvidas no Instituto Federal de Educação, the Covid-19 pandemic, and that will also be
Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano) no developed after the pandemic context. It presents
contexto da pandemia da Covid-19, e que the main elements of Online Education that can
serão desenvolvidas também após o contexto establish new teaching and learning practices
pandêmico. Apresenta-se os principais elementos mediated by communication and information
da Educação On line que podem assentar technologies, within the cultural framework
novas práticas de ensino e aprendizagens of cyberculture. The importance of creating
intermediadas pelas tecnologias da comunicação collaborative learning networks is highlighted
e da informação, no marco cultural da cibercultura. in the learning processes carried out in various
Destaca-se a relevância de criação de redes computational environments mediated by
de aprendizagens de modo colaborativo, nos the teachers. In the didactic proposals, the
processos de aprendizagens realizados importance of organizing pedagogical times in
em diversas ambiências computacionais school dynamics is also highlighted, as well as the

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 60


importance of integrating knowledge from different areas of scientific knowledge in teaching
activities. Another important factor highlighted in the didactic-pedagogical planning proposal
presented is the evaluation, emphasizing the need for the evaluation process to be formative,
procedural and that includes the teaching and learning actions developed at school.
KEYWORDS: Online education, didactic-pedagogical planning.

1 | EDUCAÇÃO ON-LINE: CONSIDERAÇÕES INICIAIS


A emergência da pandemia causada pela Covid-19 exigiu o distanciamento
social físico como estratégia para evitar, ou para diminuir, a propagação do vírus. Por
esse motivo, as relações sociais migraram quase “naturalmente” para o meio digital. No
ambiente educacional, o vírus fez surgir o ensino remoto emergencial, que se caracterizou,
majoritariamente, pela virtualização das atividades acadêmicas.
Alguns estudos preliminares foram realizados com o intuito de identificar os impactos
da pandemia na educação no Brasil. Segundo a Agência Senado, até o mês de julho de
2020, dentre os quase cinquenta e seis milhões de estudantes da educação básica e
superior no Brasil, 35% tiveram as aulas suspensas e 58% passaram a ter aulas remotas.
Na rede pública, 26% dos(as) estudantes que estavam cursando aulas remotas não
possuíam acesso à internet (AGÊNCIA SENADO, 2020 apud SAVIANI; GALVÃO, 2021).
De acordo com o recente relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), intitulado Cenário da exclusão escolar no Brasil: um alerta sobre os impactos da
pandemia da Covid-19 na educação, publicado em abril de 2021, “ao final do ano letivo de
2020, 5.075.294 crianças e adolescentes de 6 a 17 anos estavam fora da escola ou sem
atividades escolares, o que corresponde a 13,9% dessa parcela da população em todo o
Brasil” (UNICEF, 2021, p. 44).
Inicialmente, no ensino remoto, por causa do seu caráter de emergência, da
incipiente formação docente e das dificuldades de acesso aos recursos tecnológicos,
predominou uma adaptação das metodologias aplicadas tradicionalmente nas salas de aula
físicas para os meios digitais, mas nem sempre a qualidade dos materiais, o acesso aos
dispositivos digitais e à internet - aliado ao contexto socioeconômico e de vulnerabilidade
social de algumas famílias - favoreceu o acompanhamento das atividades e o atendimento
aos objetivos de aprendizagem.
A partir desse panorama do ensino remoto, começamos a nos dar conta de que
é possível estar presente, participando e nos envolvendo nos processos de ensino e
aprendizagem sem, necessariamente, dividirmos o mesmo ambiente físico e o mesmo
momento. Podemos estar em diversos tempos e espaços e, ainda assim, produzir
conhecimentos, reflexões e práticas coletivas. Sendo assim, iniciamos um debate sobre
a presencialidade nas atividades acadêmicas, especialmente nas desenvolvidas de modo
virtual.
Nesse período de trabalho remoto, você se sentiu ausente durante as diversas

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 61


reuniões e aulas de que participou? Sabemos o quanto a aproximação física é importante
e nos reconforta. Mas, do mesmo modo, as interações mediadas pela tecnologia digital
também podem ser criativas, colaborativas e nos trazer bem-estar, desde que sejam
consideradas as especificidades de ritmo e de espacialidade dos envolvidos.
A tecnologia, por si só, não substitui a mediação profissional sensível e afetiva, o
planejamento de ensino, a organização do trabalho pedagógico e, muito menos, é capaz de
alcançar os objetivos de aprendizagem. A articulação de todos esses elementos na prática
pedagógica depende diretamente da ação dos(as) docentes, dos(as) coordenadores(as)
de curso, dos(as) gestores(as) e das equipes técnico-pedagógicas dos campi, devendo-
se compreender a tecnologia como organizadora de novas ambiências de ensino e
aprendizagem, uma vez que a cultura contemporânea está estruturada pelas tecnologias
digitais – o que chamamos de cibercultura.
Com o avanço irremediável das tecnologias digitais em rede na virada do século
XX, assumir a educação on-line como um fenômeno da cibercultura (SANTOS, 2009) é
incontestável. Portanto, é fundamental desfazer o equívoco de que ela concorre com as
salas de aula físicas e com o(a) profissional docente e os desmobiliza. Ao contrário, a
educação on-line consiste em processos de ensino e aprendizagem organizados e
mediados através de interfaces digitais que potencializam práticas comunicacionais
interativas e hipertextuais (SANTOS, 2009). Em outras palavras, seu foco está na
interação, na colaboração, na autoria e na coconstrução do conhecimento (MOREIRA;
SCHLEMMER, 2020).
Você consegue perceber que a Educação a Distância (EAD) e a educação on-line
são diferentes? A EAD é uma modalidade de educação prevista na Lei de Diretrizes e
Bases (LDB) e que denota uma forma de ofertar o ensino (BRASIL, 1996). Já a educação
on-line é uma abordagem pedagógica, portanto, uma maneira de fazer e de pensar a
educação. Dessa forma, é possível haver cursos ou componentes curriculares em EAD em
uma abordagem de educação on-line ou não. Conhecendo os princípios da educação on-
line, é possível identificar se a nossa prática educativa se vincula ou não a essa perspectiva.
Conforme o preconizado por Pimentel e Carvalho (2020), são princípios da educação
on-line:

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 62


Figura 1 – Princípios da Educação Online.
Fonte: PIMENTEL; CARVALHO, 2020

Diferindo-se das abordagens pedagógicas tradicionais, a educação on-line indica


que as práticas de ensino deverão deslocar o seu foco da transmissão unidirecional de
conhecimento para as atividades de planejamento, de mediação e de avaliação da prática
pedagógica. É importante destacar que essas transformações não comprometem o espaço
escolar como lugar de interação, de aproximação física, de encontros e de narrativas
pedagógicas dos atores envolvidos no processo educativo (SANTANA, 2020). Portanto, a
perspectiva de educação on-line assumida neste documento orientador busca subsidiar a
construção de práticas pedagógicas que possibilitem um maior diálogo com os desafios e
com as potencialidades da cibercultura, a exemplo do ensino híbrido.

2 | PLANEJAMENTO DE ENSINO NA EDUCAÇÃO ON-LINE


No cotidiano das atividades de ensino, é muito comum nos perguntarmos qual
a melhor forma de planejar para que possamos produzir os resultados que almejamos,
sobretudo em tempos incertos e de mudanças paradigmáticas. Afinal, é por meio do
planejamento que o(a) docente, enquanto mediador(a), organiza, conduz e otimiza o
processo de ensino e aprendizagem, bem como os conteúdos, as situações didáticas e a
avaliação dos caminhos que pretende percorrer.
O planejamento de ensino precisa ser compreendido, portanto, para além do
registro institucional. Ele não é uma produção fechada. Muito ao contrário. Ele é aberto,
dinâmico, vivo e flexível, por isso, pode e deve ser modificado quando a avaliação do

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 63


processo demonstrar essa necessidade. A ideia é que os esforços do trabalho pedagógico
estejam alinhados para permitir que o planejado seja o mais próximo possível das práticas
concretas, assim como dos resultados pretendidos.
Desse modo, antes de elaborar o planejamento de ensino, é preciso pensar
em práticas pedagógicas que proporcionem uma interconexão entre a aprendizagem
personalizada e a aprendizagem colaborativa (BACICH; TANZI NETO; TREVISANI,
2015). Tanto a escola quanto o(a) docente devem estar atentos às necessidades dos(as)
estudantes, ajudando-os(as) no desenvolvimento da sua autonomia e do seu potencial
criativo. Certamente, a aprendizagem é mais significativa quando os(as) estudantes se
sentem engajados(as) na construção dos resultados que esperamos deles(as).
Além de se fundamentar na aprendizagem personalizada, é preciso observar os
princípios norteadores da educação on-line enquanto premissas que dão base e conduzem
o planejamento de ensino nessa perspectiva, pois novas ambiências suscitam novas
práticas educativas. Por definição, na educação on-line, a aprendizagem é colaborativa e
em rede (PIMENTEL; CARVALHO, 2020).
Até aqui já compreendemos que o planejamento de ensino é uma intervenção
intencional numa determinada realidade. Precisamos considerar, ainda, na ação do
planejamento, que a realidade da vida cotidiana se apresenta de forma interligada,
integrada e multidimensional. Por isso, é fundamental adotar situações de aprendizagem
que garantam no currículo ambiências e tempos para a integração dos conhecimentos.
A prática pedagógica, portanto, deve ser interdisciplinar, curiosa e investigativa.
Desse modo, indicamos que o planejamento e a oferta dos componentes curriculares
sejam realizados segundo os objetivos de aprendizagens e de conteúdos curriculares
afins. Espera-se que essa ação favoreça a realização de atividades de avaliação da
aprendizagem também integradas entre dois ou mais componentes curriculares, ao longo
da unidade didática.
A partir de atividades integradas, com experiências de aprendizagens diversificadas,
professores(as) e estudantes podem atuar colaborativamente e criativamente como co-
construtores de conhecimento. Para mediar uma aprendizagem significativa e colaborativa,
pode ser necessário que o(a) professor(a) diversifique ou modifique as suas estratégias de
ensinar e o seu olhar sobre como o(a) estudante aprende. Nunca é demais relembrarmos
que “saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 2005, p. 47).
Existem diversos tipos de metodologias didáticas que têm o(a) estudante como
sujeito ativo e colaborador. Elas podem ser aplicadas em diferentes modalidades, formatos
e modelos de ensino: na educação on-line; no ensino híbrido; no ensino presencial, na
sala de aula física; no ensino remoto e na educação a distância. As premissas dessas
metodologias não são novas. Antes, vamos lembrar que metodologias são diretrizes amplas
que orientam o processo de ensinar e aprender. No plano de aula, elas se transformam em

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 64


estratégias concretas e específicas para o desenvolvimento dos conteúdos. Algumas delas
nós já conhecemos e até utilizamos, a exemplo da aprendizagem baseada em projetos
(integrados), da aprendizagem baseada em problemas e da aprendizagem baseada em
histórias e jogos. Em Bacich, Tanzi Neto e Trevisani (2015), há diversos planejamentos
para os modelos de ensino híbrido, que são apresentados neste documento.
A escolha das metodologias didáticas que serão utilizadas no processo de ensino
e aprendizagem depende do que o(a) docente conhece da realidade socioeducacional
dos(as) estudantes. Ela também tem estreita relação com os objetivos de aprendizagem
esperados, pois cada metodologia convoca competências e habilidades específicas.
Como exemplo, há a aprendizagem por histórias, que mobiliza habilidades relacionadas
à criatividade, à competência de criar materiais com coerência e com coesão, bem como
de lidar com o recurso da linguagem narrativa. A proposta didática de aprendizagem por
projetos, por sua vez, mobiliza a competência investigativa e analítica. Se for realizada
em grupo, também se relaciona com as competências das relações interpessoais de
colaboração, de comunicação e de escuta. Vamos planejar? Que tal partir das seguintes
etapas apresentadas até agora?

a. Análise contextual;

b. Construção do marco referencial e elaboração de objetivos de ensino e apren-


dizagem;

c. Seleção e organização de conteúdos;

d. Seleção e organização de metodologias didáticas;

e. Seleção e organização de procedimentos de avaliação (na próxima seção, dis-


cutiremos mais esse tópico, acompanhe).

2.1 Organização do tempo pedagógico


No processo de normatização das atividades acadêmicas durante a pandemia de
Covid-19, a contabilização da carga horária foi um aspecto que gerou muitos questionamentos
nos(as) educadores(as). Qual deve ser a duração de uma aula no formato síncrono? E as
atividades assíncronas, como saber quanto tempo deve ser destinado a cada uma delas?
São muitas dúvidas, não é mesmo? Para dirimi-las, primeiramente, a literatura
especializada orienta que a carga horária do trabalho pedagógico deve levar em
consideração o tempo destinado às pesquisas, aos trabalhos em equipe, às construções
coletivas e às diversas atividades a serem realizadas pelos(as) estudantes (FEFERBAUM;
RADOMYSLER; COSTA, 2021).
O cômputo da carga horária dessas atividades deverá ser feito de acordo com a
característica de cada uma delas: enquanto as atividades síncronas seguem o critério
hora-aula=60 minutos, as atividades assíncronas devem se pautar no critério hora-

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 65


produção, que consiste no tempo que o(a) estudante levará para realizar a atividade
proposta (SOUZA; OLIVEIRA; TANAJURA, 2020).
Para auxiliar no planejamento do componente curricular e do curso, sugerimos
abaixo um parâmetro que poderá ser utilizado como referência de carga horária no ensino
on-line, no que se refere ao tempo que o(a) estudante necessita para realizar as atividades
propostas pelo(a) docente.

Atividade Tempo Estimado

Leitura de 3 a 5 minutos por página

Estudo e sistematização da aprendizagem de 20 a 25 minutos por página/minuto assistido

Vídeo minuto exibido=minuto assistido

Discussão no fórum (reflexão, leitura de de 1 a 2 horas


mensagens do(a) professor(a) e de colegas e
redação de mensagens)

Pesquisa e redação de trabalho com de 1 a 2 horas


aproximadamente 1 página

Preparação de apresentação de 3 até 5 horas

Preparação e produção de mídias de 3 até 5 horas


Questionários/Exercícios De 5 a 10 minutos por questão objetiva e de 10 a
15 minutos por questão subjetiva/discursiva
Tabela 1 - Parâmetros para a relação atividade X tempo no trabalho pedagógico
Fonte: Adaptado de Souza, Oliveira e Tanajura (2020).

Esse tempo poderá variar conforme as condições de aprendizagem de cada


estudante e, em especial, dos recursos tecnológicos disponíveis, bem como conforme as
características da atividade que estará sendo proposta pelo(a) docente (nível de dificuldade,
quantidade de questões, nível de aprofundamento do conteúdo, critérios de avaliação etc.).
Porém o mais importante é que o(a) docente fique atento(a) para não haver sobrecarga, em
especial, daqueles(as) que cursam o ensino médio integrado, recomendando-se diversificar
as atividades e privilegiar o planejamento interdisciplinar, de modo a otimizar o tempo e a
melhorar a qualidade da aprendizagem. Lembre-se: às vezes, menos é mais!

3 | AVALIAÇÃO
A avaliação é fundamental no processo de ajuste e de melhoria do ensino e da
aprendizagem. Você já percebeu que tendemos a nos concentrar na avaliação da
aprendizagem e a não perceber que ela tem total relação com o ensino? Por isso, pensar a
avaliação de modo integral, ou seja, pela perspectiva da visão formativa, exige compreendê-
la como elemento que nos auxilia na construção de um planejamento de ensino mais
assertivo e adequado às necessidades das aprendizagens. Para isso, a primeira etapa

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 66


desse processo é a realização da avaliação diagnóstica. Vamos ver do que se trata!

3.1 Avaliação diagnóstica


A aprendizagem e o desempenho acadêmico são multifacetados e compostos
por quatro grandes dimensões: estudantes, docentes, currículo e instituição. A avaliação
diagnóstica foca, principalmente, na dimensão do(a) estudante. Espera-se que a
realização cuidadosa dessa avaliação aponte “a presença de fatores sociais e culturais,
enfocando as dificuldades que são produzidas no processo de escolarização e não os
problemas/dificuldades de aprendizagem em si” (CENCI; COSTAS, 2010, p. 260).
Para tanto, é preciso que tenhamos um panorama com informações diversificadas
sobre a realidade sociocultural do(a) estudante, detectando alguns aspectos que podem
interferir na aprendizagem, a saber: o grau de incentivo conferido pela família; as
possibilidades de dedicação às atividades acadêmicas e o suporte econômico disponível
para a permanência na instituição (acesso ao meio de transporte, à alimentação adequada,
ao fardamento e ao material escolar).
Além da identificação do panorama social, é necessário identificar outros aspectos
relativos à escolarização anterior (tipo de escola que o(a) estudante frequentou - integral
ou de período parcial -; tipo de rede - pública ou privada -; se ele(a) abandonou os estudos
alguma vez; seus hábitos de estudos e a aprendizagem dos conteúdos escolares - perceber
se ele(a) tem uma formação acadêmica com lacunas ou um suporte robusto para as
novas aprendizagens). A avaliação diagnóstica pode ser realizada por meio de uma ação
coordenada em nível institucional e dentro de cada campus.
A avaliação diagnóstica também deve contemplar a identificação de aspectos
relativos à aprendizagem de conteúdos escolares específicos. Essa etapa ficará a cargo
exclusivo do(a) docente. A teoria da aprendizagem significativa de Ausubel mostra que
aprender novos conteúdos depende de conteúdos prévios já consolidados na organização
cognitiva, para que a elaboração de relações entre conceitos e ideias ocorra, isto é, para a
construção da aprendizagem. Os conteúdos prévios deverão estar explícitos para docentes
e para estudantes, que só poderão avançar caso o grupo esteja seguro da consolidação
da aprendizagem.
Agora que discutimos a importância e a necessidade da avaliação diagnóstica,
você deve estar se perguntando sobre como viabilizar essa avaliação em um contexto de
educação on-line, certo? Indicamos o uso de estratégias didáticas diversas e combinadas,
tais como: questionários virtuais no Modular Object-Oriented Dynamic Learning (Moodle)
ou em outras plataformas, associados a metodologias ativas, que favoreçam a interlocução,
como rodas de conversa síncronas, fóruns, nuvem interativa de palavras sobre a temática,
online, entre outras.
Além dos conteúdos, também é importante considerar que existem competências
e habilidades prévias que interferem no desempenho acadêmico, por isso, o(a) docente

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 67


precisa verificar se o(a) estudante já as desenvolveu de modo suficiente para realizar as
atividades que serão propostas. Sempre que identificar a demanda, o(a) docente deverá
dedicar parte do tempo inicial de trabalho nas aulas com instruções para o desenvolvimento
das habilidades requeridas: instruir sobre como utilizar o Ambiente Virtual de Aprendizagem
(AVA) e outras ambiências digitais, sobre como realizar uma pesquisa teórica, elaborar a
escrita acadêmica, usar editor de texto no computador, compor um seminário, produzir um
material de apresentação visual (PowerPoint), produzir material de áudio (podcast), produzir
vídeo, entre outros recursos didáticos que sejam requeridos no componente curricular.

3.2 Avaliação da aprendizagem na educação on-line


Na educação on-line, a perspectiva didático-pedagógica, na qual a colaboração, a
interatividade e a pluralidade têm centralidade, a avaliação também é compreendida como
ação coletiva, portanto, é importante que ela seja realizada numa perspectiva formativa e
colaborativa, voltando-se, dessa forma, para o acompanhamento da aprendizagem e para
a valorização dos diferentes olhares, da compreensão e da crítica de todos os envolvidos
no processo.
Dessa forma, a avaliação configura-se como um processo interativo de conhecer
e de se relacionar com a realidade educativa ao longo do percurso formativo. Torna-se,
portanto, um instrumento a serviço das aprendizagens, pois permite, aos diferentes atores
do processo educativo, a identificação e o reconhecimento das suas dificuldades e erros e
a viabilização de estratégias de superação (PINTO, 2016).
Conforme Pimentel e Carvalho (2020), a avaliação, no contexto da educação
on-line, não é atividade exclusiva do(a) docente, mas, enquanto ação coletiva, ela se
amplia em três formas: autoavaliação, heteroavaliação e avaliação 360°. Por meio da
autoavaliação, o(a) estudante acompanha e analisa o seu processo de aprendizagem. A
heteroavaliação, por sua vez, é aquela realizada pelo(a) docente. A avaliação 360°, por
fim, é aquela compreendida enquanto círculo, englobando docentes, discentes e também a
turma. A avaliação, assim, passa a ser um processo aberto, negociado e construído pelos
seus diversos sujeitos.
Destacamos que a autoavaliação apresenta-se como oportunidade para o
desenvolvimento da metacognição do(a) estudante que, enquanto sujeito da aprendizagem,
reflete sobre sua formação e, apoiado(a) pelo(a) docente e pela turma, verifica formas
de refazer ou de modificar o caminho, conscientizando-se da sua responsabilidade e da
sua ação no processo. Essa avaliação pode ser concretizada por meio de ensaios, de
reflexões, de apresentações orais, de podcasts, de narrativas digitais, dentre outros meios.
Para tanto, faz-se necessário estabelecer coletivamente critérios que funcionem como
referencial para a autoavaliação.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 68


Que dificuldades encontrei no componente curricular/módulo/semestre letivo?
Como tem sido a minha participação no componente curricular/módulo/semestre letivo?
Consegui entregar os trabalhos no prazo?
Como fiz a leitura dos textos?
Fui capaz de sintetizar as ideias dos(as) autores(as) estudados(as)?
Relacionei os conteúdos dos textos?
Quais dificuldades foram mais recorrentes quando estava executando as tarefas?
Colaborei significativamente com os trabalhos em grupo?
Em que medida minhas contribuições foram aceitas? Que motivos levaram meus(minhas) colegas a
rejeitarem minhas contribuições?
Como me relacionei com meus(minhas) colegas e docentes?
Elaborei questionamentos?
Ampliei a discussão, trazendo novos elementos e outras fontes de pesquisa?
Respondi aos(às) colegas que se dirigiram a mim, não deixando ninguém sem resposta?
Quadro 2 - Sugestões de critérios para autoavaliação
Fonte: Adaptado de Lima e Santos (2016) e de Czeszak e Mattar (2020).

O papel principal do processo avaliativo, nessa perspectiva, é acompanhar o ensino


e aprendizagem de forma a garantir, conforme preconizado por Luckesi (1990), a construção
de conhecimentos, de habilidades e de competências que possibilitem o desenvolvimento
discente e o conhecimento do legado cultural da sociedade. Dessa forma, reconhecemos
a importância do estudo de conteúdos científicos, contudo, não reduzimos a educação à
instrução, à assimilação e à repetição desses conteúdos.
A prática avaliativa, nessa perspectiva, se distancia da verificação da aprendizagem
por meio de exames e volta-se para uma concepção formativa e de (re)orientação do
ensino e da aprendizagem. Mas qual seria a diferença entre avaliação e verificação da
aprendizagem? Serão elas sinônimas?
Para Luckesi (1990) o ato de verificar encerra-se com a obtenção do dado ou da
informação que se busca, não implica que o sujeito, a partir dela, retire consequências
novas e significativas. Já o ato de avaliar tem como principal característica o fato de não
se encerrar no valor ou na qualidade atribuídos ao objeto, ou seja, exige uma tomada
de posição favorável ou desfavorável, com uma consequente decisão de ação. Avaliar,
portanto, é também identificar formas de viabilizar ações de melhoria da prática docente e
de apoio ao(à) estudante.
A análise desse processo avaliativo exige a criação de parâmetros, enquanto
referências que auxiliem na heteroavaliação, aquela realizada pelo(a) docente. Conforme
o disposto por Lima e Santos (2016), a criação desses critérios deverá ser realizada, ou
ao menos conhecida, por todos os sujeitos envolvidos, tornando o processo avaliativo
transparente, pois quem avaliará saberá o que avaliará e quem for avaliado saberá como e
porque estará sendo avaliado.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 69


As tecnologias permitem o uso de uma diversidade de ferramentas de interação
que podem viabilizar o processo avaliativo. Os registros deixados pelos(as) discentes nas
diversas interfaces como os fóruns, o diário de bordo e os blogs podem ser grandes aliados.
Nesse formato de avaliação formativa, a mediação docente é fundamental, pois ela garantirá
que os debates perpassarão questões pertinentes aos temas em desenvolvimento. O(A)
docente, como mediador(a) da aprendizagem, intervirá problematizando textos, exercícios
e experiências em estudo e instigando a capacidade autoral, investigadora e criativa
dos(as) estudantes.
Pode-se, dessa forma, organizar diversas possibilidades de instrumentos
avaliativos, privilegiando o trabalho em grupo ou as atividades autônomas, de acordo com
as necessidades da turma, do conteúdo, das competências, dos saberes e dos objetivos de
aprendizagem. Ao escolher os dispositivos para a heteroavaliação, é importante garantir a
interatividade e a diversidade de meios de avaliação. Dessa forma, viabiliza-se a expressão
das aprendizagens pelos(as) estudantes, pois um único instrumento avaliativo isolado
dificilmente será capaz de abarcar o emaranhado de construções desenvolvidas ao longo
do processo de ensino e aprendizagem.
Enfim, a avaliação, na educação on-line, reforça o rompimento com a perspectiva
da verificação de aprendizagem e volta-se a uma concepção formativa, colaborativa,
processual e interativa. Para tanto, indica-se a viabilização de autorias e de coautorias
que proporcionem, através dos meios digitais interativos, as expressões do aprendizado
dos(as) estudantes.

4 | AMBIÊNCIAS COMPUTACIONAIS
Nas seções anteriores, observamos que planejar as atividades de ensino e avaliar
a relação delas com as aprendizagens dos(as) estudantes é essencial e envolve muitas
etapas e ações. Uma delas é a identificação e a escolha das ambiências computacionais
que serão empregadas ao longo do curso e/ou do componente curricular ofertado.
As ambiências computacionais são os mais diversos arranjos, criados inicialmente
pelo(a) docente, de “ambientes de aprendizagens, mídias sociais, redes sociais, sistema de
conversação de autorias colaborativas, aplicativos, etc.” (PIMENTEL; CARVALHO, 2020).
Estamos mais familiarizados com os Ambientes Virtuais de Aprendizagem, que são
interfaces para socialização de informação e de conteúdos de ensino e aprendizagem
(SANTOS, 2009). Eles têm sido fundamentais para organizar os componentes curriculares.
Salientamos, ainda, que existe um universo ciberespacial que pode ser explorado
(PIMENTEL; CARVALHO, 2020) enquanto possibilidade de interatividade.
Para tanto, sugerimos que a curadoria das ambiências seja cuidadosa, de modo
a viabilizar a socialização de recursos didáticos que possuam acessibilidade pedagógica
(veja o capítulo 5 do livro de Pimentel e Carvalho) e que sejam de fácil compreensão

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 70


(considerando espaços e tempos diferentes entre estudantes e professores(as)).
Importante salientar que o AVA não é um mero repositório de conteúdos informativos.
As suas potencialidades interacionais possibilitam que, a partir de uma curadoria inicial
realizada pelo(a) professor(a), o ambiente transforme-se em um espaço de trocas e de
aprendizagem colaborativa. Nesse espaço, professores(as) e estudantes apresentam
mídias, interconectam conteúdos e criam redes mediadas pelas situações de aprendizagens
previamente planejadas pelo(a) professor(a).
Convém lembrarmos que mídia é todo suporte que veicula a mensagem expressada
por uma multiplicidade de linguagens como sons, imagens, gráficos e textos em geral)
(SANTOS, 2009).
No AVA, recomenda-se que haja uma diversidade de mídias combinadas de modo
harmônico e relacionadas aos objetivos de aprendizagens propostos. Sugere-se que parte
do material seja construído colaborativamente pelos(as) estudantes, ao longo do curso,
para que a vivência da aprendizagem colaborativa e da interatividade resulte em um
material exclusivo e significativo para aquele grupo de estudantes.
É necessário considerar que a seleção de ambiências e de recursos não será
finalizada. Ela se atualizará diante das demandas manifestadas pelo coletivo de estudantes,
ao longo das atividades de ensino e aprendizagem. Sendo assim, recomenda-se que, no
AVA, haja um espaço para indicação de materiais e de recursos didáticos por estudantes
e por professores(as), de modo dinâmico, e que eles sejam atualizados frequentemente.
Sugere-se que a linguagem empregada nas comunicações com os(as) estudantes
no meio digital seja dialógica. O emprego de linguagem com dialogicidade, ou seja, aquela
que privilegia um tom de diálogo oral, ao passo que informa conteúdos científicos, é uma
estratégia didática de aproximação dos envolvidos no processo educativo. Portanto, o
intuito é o(a) professor(a) buscar se fazer presente, construindo um texto no qual o(a)
estudante possa se compreender como leitor(a) ativo(a), aquele(a) que é constantemente
convocado(a) a refletir e a interagir com a leitura do material textual e multimídia.
Cada mídia compartilhada pode ter uma mensagem prévia de apresentação do
material, visando despertar interesse para a leitura e destacando a sua importância para
a busca de soluções aos desafios que se apresentem no mundo do trabalho e no contexto
social. A partir dessas comunicações sobre as mídias, é possível iniciar discussões sobre
as impressões suscitadas pelas leituras realizadas pelos(as) estudantes, ou sobre os
conhecimentos prévios e as experiências cotidianas.
Outra característica que pode ser priorizada na seleção de recursos didáticos é o
emprego de hiperlinks nos materiais selecionados, pois isso potencializa a comunicação
multidirecional e possibilita que o(a) estudante se aprofunde em temas do seu interesse. Os
hiperlinks, além de sugerirem uma diversidade de outras fontes de estudos e de diminuírem
a densidade da informação, podem facilitar a compreensão do conteúdo apresentado em
um material inicial. Destacamos, no entanto, que, dada a limitação de conectividade de

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 71


alguns(algumas) estudantes, o material apresentado por meio dos hiperlinks não deverá
comprometer a compreensão basilar do conteúdo abordado.
É importante sistematizar e analisar o retorno dos(as) estudantes sobre o recurso
disponibilizado, visando a compreender quais linguagens e suportes digitais são mais
aceitos por eles(as) e, portanto, identificando os que podem mediar melhor a aprendizagem
e potencializá-la. Por exemplo, em uma turma cujos(as) estudantes mostram resistência
ao uso de podcast como recurso didático por diversos motivos, como dificuldade de
concentração na linguagem sonora ou limitação de dispositivo digital para escutar bem o
material, não será muito funcional escolher esse recurso como principal suporte, pois os
baixos interesse e envolvimento com o material podem comprometer a aprendizagem. Por
outro lado, se os(as) estudantes mostrarem boa aceitação de um tipo específico de material
didático, ele deverá ser selecionado em várias oportunidades, podendo, inclusive, basear
uma atividade de construção coletiva e colaborativa de material, com caráter avaliativo.
Na escolha dos materiais e dos recursos que irão compor o AVA, é importante
considerar o tipo de equipamento tecnológico que os(as) estudantes dispõem para
realizar as atividades escolares. É muito frequente que o recurso seja o dispositivo celular
(smartphone), que apresenta limitações na usabilidade de alguns recursos tecnológicos,
como aplicativos e textos de leitura prolongada. Sendo assim, na seleção de material,
considere o nível de conforto do(a) estudante ao ter contato com ele utilizando o celular.
Você já teve a experiência de realizar as atividades de trabalho exclusivamente por esse
dispositivo? É um pouco mais complicado assinar ata, acompanhar bate-papo, editar texto
e ver vídeo dessa forma, não acha?
Além de primar pela diversidade de recursos e pela aceitação dos(as) estudantes,
outro fator que deverá ser empregado como parâmetro para a seleção de recursos didáticos
é a quantidade de páginas e/ou o tempo do material multimídia, pois o tempo destinado ao
estudo desses materiais interfere no cômputo de carga horária do componente curricular,
como vimos na seção anterior.
Em síntese, a escolha dos recursos didáticos deverá considerar a interatividade, a
densidade, a precisão da informação e o caráter estimulante e colaborativo dos textos e
das mídias, primando pela dialogicidade na linguagem e pela diversidade nos recursos.
Sugerimos que você escolha recursos que suscitem reflexões e que motivem os(as)
estudantes a resolverem desafios existentes nas vivências cotidianas e/ou no mundo do
trabalho, possibilitando o desenvolvimento de competências da formação profissional e
humanística. Sugerimos os seguintes materiais de consulta sobre plataformas virtuais para
atividades síncronas e sobre recursos tecnológicos:

a. Guia prático para uso de plataformas virtuais no ensino remoto (TORRES; LIU;
CAMARGOS et al., 2020);

b. 20 ferramentas digitais para educação online: em formato de infográficos (FRA-

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 72


GELLI, 2020).

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos nas seções anteriores, fomentar uma prática pedagógica a partir da
perspectiva da abordagem didático-pedagógica da educação on-line requer formação e
apropriação de saberes, com especial ênfase nas tecnologias digitais em rede. Portanto, o
letramento digital e a formação continuada são essenciais para que se construam propostas
de ensino e aprendizagem que, de fato, aproximem as instituições de educação da cultura
digital.
A multiplicidade e a complexidade de relações, no caso da escola, entre
cotidiano, conhecimento e currículo, exige, de início, a incorporação das
ideias de redes de conhecimentos e de tessitura do conhecimento em rede,
na compreensão de que estamos permanentemente imersos em redes de
contatos diversos, diferentes e variados nas quais criamos conhecimentos
e nas quais os tecemos com os conhecimentos de outros seres humanos.
(ALVES, 2011, p. 18).

A partir dessa perspectiva de tessitura de conhecimento em rede, concluímos este


documento compreendendo que, nos Referenciais didático-pedagógicos para a educação
on-line no IF Baiano, iniciamos um diálogo, o qual deverá ser ampliado e aprimorado no
cotidiano, por meio da viabilização de momentos formativos, seja entre os sujeitos que
atuam nos campi (trocando informações, sugestões e experiências exitosas), ou por meio
de processos de formação continuada promovidos pelos campi e pela Reitoria.
Por fim, ressaltamos que já estávamos imersos na cibercultura antes da pandemia e,
ainda, que, com o controle sanitário, poderemos retornar às nossas atividades cotidianas,
em que as transformações ocorridas nas pessoas, na sociedade, no mundo do trabalho e
na educação serão irreversíveis. Por isso, ainda que a adesão aos princípios da educação
on-line, na Educação Profissional, Científica e Tecnológica, não deva ocorrer de forma
acrítica, negligenciá-los é correr o risco da anacronia e de formar profissionais para um
mundo do trabalho do passado, que não dialoga com os desafios e com a dinâmica dos
novos tempos.

REFERÊNCIAS
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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 6 76


CAPÍTULO 7
A EDUCAÇÃO DOS IMIGRANTES ALEMÃES
E OS ENSINAMENTOS PEDAGÓGICOS DE
CHARBONNEAU

Data de aceite: 10/01/2022 trajetória dos alemães católicos e a contribuição


de Charbonneau à educação. Os resultados
mostraram que há similaridade nos objetivos,
Jefferson Fellipe Jahnke
nas legislações e no modelo de educação
Doutorando em Educação do PPGE da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – católica, convergentes com a concepção do
PUCPR. Bolsista/CAPES cristianismo. Contudo, há diferentes perspectivas
http://lattes.cnpq.br/3974682955816706 que discutem a questão étnica que nos fornecem
https://orcid.org/0000-0002-0387-549X subsídios teóricos sobre a instalação das
escolas. A pesquisa avança teoricamente, os
dados bibliográficos nos permitiram reconstituir
a trajetória histórica e o envolvimento da
RESUMO: Este estudo pretende contribuir comunidade étnica, religiosa e educacional
para reflexões sobre a importância da trajetória que servem de documentos ao historiador para
histórica da primeira escola alemã de Curitiba, contá-la que se situam no campo da História
relacionando fatos históricos com os resultados de da Educação, da Leitura e do Livro de Chartier
uma pesquisa interdisciplinar, a qual compreende (1994).
a produção e circulação de saberes pedagógicos PALAVRAS-CHAVE: História da Educação;
da obra de Charbonneau, no final do século XIX Charbonneau; Educação de Imigrantes; Escola
e início do século XX. Posto isso, considera-se Paranaense.
o limite do diálogo à prática reflexiva sobre o
conjunto de publicações que se debruçam sobre ABSTRACT: This study aims to contribute to
o resgaste histórico da educação dos imigrantes reflections on the importance of the historical
no Brasil. O período estudado envolve o início de trajectory of the first German school in Curitiba,
uma escola étnica, que estabelece aproximação relating historical facts with the results of an
com o pensamento que o padre canadense interdisciplinary research, which includes the
estabeleceu. O objetivo do texto é identificar o production and circulation of pedagogical
pensamento pedagógico de Charbonneu, entre knowledge from Charbonneau's work, at the
os anos de 1959 a 1987, relacionando alguns end of the 19th century and beginning of the
estudos com fatos históricos de uma educação century XX. That said, it is considered the limit
muito diferente daquele vivenciado na Alemanha of the dialogue to reflective practice on the set of
e só posteriormente adotou o padrão das publications that focus on the historical recovery
escolas brasileiras. A pesquisa se caracteriza of the education of immigrants in Brazil. The
como qualitativa, bibliográfica e documental, period studied involves the beginning of an ethnic
e parte da compreensão de que os imigrantes school, which establishes an approximation with
alemães fizeram parte de uma Curitiba já the thinking that the Canadian priest established.
urbana, desde épocas passadas. Para tanto, The aim of the text is to identify the pedagogical
realizou-se uma breve discussão teórica sobre a

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 7 77


thought of Charbonneu, between the years 1959 to 1987, relating some studies to historical
facts of an education that was very different from that experienced in Germany and only
later adopted the standard of Brazilian schools. The research is characterized as qualitative,
bibliographical and documentary, and part of the understanding that German immigrants
have been part of an already urban Curitiba, since past times. Charbonneau to education.
The results showed that there is similarity in the objectives, legislation and model of Catholic
education, converging with the conception of Christianity. However, there are different
perspectives that discuss the ethnic issue that provide us with theoretical subsidies on the
installation of schools. The research advanced theoretically, the bibliographic data allowed
us to reconstruct the historical trajectory and the involvement of the ethnic, religious and
educational community that serve as documents for the historian to tell that they are situated
in the field of the History of Education, Reading and the Book of Chartier (1994) .
KEYWORDS: History of Education; Charbonneau; Immigrant Education; Paraná School.

INTRODUÇÃO
Este artigo visa trazer reflexões sobre uma educação muito diferente daquele
vivenciado na Alemanha. É retratar todo um panorama que está relacionada aos filhos de
imigrantes e relacionar ao pensamento pedagógico do padre Charbonneau. Entretanto,
fez-se presente um recorte histórico, a partir do Colégio Bom Jesus que foi a primeira
escola com seus descendentes procedentes da Europa Germanizada, de outros Estados
brasileiros, em especial do interior do Paraná. Diante disso, procura-se abordar a educação
de um grupo de imigrantes: alemães católicos que trouxeram ao Brasil como herança
escolar o conhecimento intelectual que foram construídas com esforços das comunidades
étnicas (SEYFERTH, 1974).
No período da pesquisa, pudemos constatar que, as comunidades alemãs em
Curitiba construíram suas escolas, embora com um currículo diferenciado, ensinava a
língua materna e os costumes da Pátria era uma das formas de manter esta identidade
(CASA DA MEMÓRIA, 1979). A manutenção da língua alemã na escola, tinha a função de
comunicar um sistema simbólico de percepção de mundo que hoje servem de documentos
ao historiador (BLOCH, 1987).
Em seguida, resgatamos uma discussão da educação com características europeias
que asseguravam relações culturais com a pátria de origem, o estudo da língua materna,
as escolas confessionais católicas e o currículo, com hinos, música, história e geografia. É
nessa perspectiva que se coloca a problemática de compreender a trajetória histórica e o
pensamento pedagógico de base cristã como um legado. O objetivo deste trabalho é trazer
para o exercício da escrita o processo dessa produção e circulação do ideário, seguindo
os debates educacionais destinados a públicos distintos, sobretudo, à escola e à família.
A partir dessa afirmativa, neste estudo apresentamos o papel do grupo étnico
religioso em Curitiba, apontando, de forma sistematizada, uma contextualização histórica

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 7 78


no início do século XX a respeito de uma escola que contribuiu para a manutenção de uma
identidade cultural, destinada ao campo da História da Educação (BOSCHILIA, 1995).

ESCOLA DOS IMIGRANTES E A IMPORTÂNCIA DA ETNICIDADE


No final do século XIX, importantes mudanças sociais, políticas e econômicas
ocorreram no Brasil: a libertação dos escravos, a Proclamação da República, a separação
do Estado e da Igreja Católica e a entrada dos imigrantes europeus como mão-de-obra
(ROMANELLI, 1986). Por influência das ideias republicanas, o casamento civil e religioso,
o ensino laico e a liberdade de culto foram instituídos, pelas categorias étnicas que
determinaram a preservação dos valores culturais (POUTIGMAT; STREIFF-FENART,
1998).
Com a Proclamação da República, o decreto n.º 119-A, de 07/01/1890, determinou
a separação total do Estado e da Igreja Católica. Dessa forma, foi permitida a liberdade de
culto de outras religiões e a imposição da obrigatoriedade do casamento civil.
A primeira Escola Alemã Católica de Curitiba foi fundada para atender os filhos dos
imigrantes desta etnia. Com a abertura de uma ala brasileira na escola, a etnia alemã não
deixou de ser atendida, inclusive com o ensino em língua alemã. Com o passar do tempo, e
nos momentos de emergência da etnicidade, a sociedade brasileira se manifestou contrária
a este tipo de escola (RANZI, 1996).
A Escola Católica Alemã ensinava em língua alemã, mas posteriormente abriu uma
ala para alunos brasileiros e de outras etnias, dentro da mesma escola, com o ensino em
língua portuguesa. Isso se justifica, pois em Curitiba, por ser um centro urbano, industrial
e comercial, as relações comerciais entre os dois grupos imigrantes alemães e brasileiros
eram muito intensas, daí a necessidade de aprender os dois idiomas (RENK, 2004).
As escolas alemãs em Curitiba possuíam um sentimento de pertencimento à nação
alemã, fortalecido por meio das visitas de autoridades alemãs à escola, que reavivavam
este sentimento. A cultura do país de origem era cultuada em diferentes momentos do
cotidiano escolar.
Entretanto, a imprensa brasileira fazia uma atribuição negativa de valores aos
imigrantes alemães. Por outro lado, para os imigrantes estrangeiros, o modelo de escola
aqui implantado era o modelo da Pátria de origem e que fazia a manutenção da identidade
étnica.
Em Curitiba, no documento em que comunicava a abertura da escola alemã católica,
cita que ela seguiria o padrão do pedagogo Von Overbert, ou seja, difusor do ensino
católico da Alemanha que transplantava para o Brasil a mesma organização curricular das
escolas da Alemanha. E o trabalho do professor, no campo religioso e paroquial envolveria
a comunidade alemã: Igreja e Escola (KRETZ, 1991). Era uma prática comum na época, as
autoridades irem até à escola assistirem aos exames e aprovar o padrão de escolaridade

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 7 79


(RENK, 2004). As escolas alemãs católicas, portanto, tinham na qualidade do ensino, na
formação dos professores e no material pedagógico, elementos de diferenciação das outras
escolas (CASA DA MEMÓRIA, 1979).
O Plano Educacional seguia as Escolas Secundárias da Alemanha e da Áustria.
A fé e a religião, tiveram lugar de destaque na organização escolar da primeira escola
católica alemã de Curitiba. A escola era vista como um espaço de manutenção da fé e,
também, para aprender os ensinamentos científicos. A educação da juventude era motivo
de preocupação da religião católica. A escola tinha um papel importante na formação do
quadro de técnicos e políticos da sociedade urbana e industrial em formação no país
(RENK, 2004).
Desse modo, fica claro que a escola alemã tinha uma grande importância para a
comunidade dessa etnia, pois a escolaridade era uma característica trazida da Alemanha.

ENSINAMENTOS DO PADRE CHARBONNEAU


Com a necessidade de ensinar a língua portuguesa acerca da legislação escolar,
enfatizava-se desde o ano de 1900, a necessidade de uma língua vernácula nas escolas,
sobretudo, nas áreas de colonização estrangeira o que foi pertinente com o sentimento de
formação da nação brasileira (SEYFERTH, 1996).
Portanto, para pensar em nação brasileira, era necessário que todos adotassem a
mesma língua nacional. Daí a atenção especial nas áreas de imigração europeia.
A história da educação brasileira inicia com a vinda dos padres jesuítas em 1549
(Garcia-Villoslada, 1997), uma força eficaz contra o protestantismo e na implantação do
poder da Igreja entre os povos infiéis, que, apesar de expulsos do Brasil em 1759, deixaram
influências na educação, como a tradição religiosa do ensino no país, ou seja, uma tarefa
do historiador, para a construção de significados (BLOCH, 1987). Com o fim do Padroado
Católico em 1889-1891, sob a Constituição de 1891, reconheceu-se o direito das outras
religiões, liberdade de culto, extinção da subvenção ao clero e proibição dos padres e
religiosos ao exercício dos direitos políticos (AZZI, 1999).
Em 1930 intelectuais católicos deram legitimidade ao governo provisório brasileiro,
o que permitiu a volta do ensino religioso nas escolas públicas. No final de 1945, criou-se a
AEC (Associação da Educação Católica do Brasil) para defender os interesses das escolas
confessionais católicas e renovar suas ligações com o Papa e a Santa Sé. Em 1961, a
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 4024) manteve a neutralidade do
ensino religioso nas escolas, tornando-se uma catequese escolar. Durante a ditadura militar
(1964-1985), houve apoio do episcopado ao regime que se instalara no país, entretanto,
em 1971, Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, criticou duramente o regime
militar, após conflito gerado por uma declaração da Ação Católica Operária sobre as
condições da classe operária (ROMANELLI, 1986).

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 7 80


Por essa razão, a representação do padre Paul-Eugène Charbonneau, está
intrinsicamente ligada a construção da identidade étnica. O canadense nasceu em
Montreal, em 15 de dezembro de 1925 e faleceu em 1987 no Brasil. Vale destacar, que o
religioso tinha forte pensamento humanista e, sua concepção, era o de auxiliar a recuperar
a influência da Igreja Católica (CHARBONNEAU, 1980). Apaixonado pelos ideais altruístas
de São Tomás de Aquino (1225-1274), agia com discernimento e boa vontade e sabia
considerar a importância das ações concretas no cotidiano dos homens. Ele empenhou-se
em lutar pelos valores humanos, considerando a justiça a palavra de ordem nas relações
do homem com seu semelhante (CHARBONNEAU, 1973a).
Ele veio ao Brasil em 1959 e até sua morte em 1987 foi vice-diretor do Colégio
Santa Cruz, em São Paulo. Escreveu 45 livros e muitos artigos voltados à família, drogas,
sexualidade, educação, religião, moral e teologia (MARTINS, 1997).
O Padre Charbonneau (1980) dava especial interesse à tarefa de educar, que para
ele, não é fazer da criança um sábio, mas fazer dela um ser realmente livre, capaz de aderir
às opções que a inteligência lhe propõe.
Em sua obra A Escola Moderna (CHARBONNEAU, 1973), fala uma experiência
brasileira no Colégio Santa Cruz, em São Paulo, onde foi utilizada a sua experiência
como educador, mediante o estudo sobre a formação da inteligência, da vontade, moral,
desenvolver a criatividade e estabeleceu alguns pressupostos para a construção de uma
escola cristã. Prega algumas teorias voltadas à pedagogia que precisa se adaptar às
exigências da nova civilização que está em vias de nascer.
Outra obra defende o diálogo de gerações (CHARBONNEAU, 1973a), na qual fica
evidente a responsabilidade dos pais diante de seus filhos, especialmente, para a formação
individual e coletiva.
Eis aí, portanto, o compromisso fundamental de toda paternidade: responder, diante
do filho, pela vida que lhe foi dada gratuitamente. Esta resposta, tão comprometedora,
não será nunca dada de uma vez por todas, encerrada em algumas palavras lançadas
rapidamente do alto de um edifício verbal e abstrato. A resposta à existência daquele que
a deu (CHARBONNEAU, 1974). Pode-se afirmar, sem exagero, que o filho deverá ter seu
próprio caminho na vida do pai. Ensinar a existir não se faz da mesma forma como se
ensina a escrever e a contar. Uma pedagogia profunda da existência não se encontra na
esfera do dizer, mas na do viver. É a razão pela qual toda paternidade é um compromisso
que prende o pai e faz dele o responsável por seu filho, diante do próprio filho, diante dos
homens e, em última análise, diante de Deus (CHARBONNEAU, 1973a, p. 3).
Os problemas da juventude são estudados com dedicação por Charbonneau (1974)
que procura responder à alguns questionamentos, tais como: Qual é o futuro da família?
Qual é a natureza do protesto da juventude? Quais são as relações entre juventude e
religião? Onde se encontra o equilíbrio entre liberdade e permissividade (CHARBONNEAU,
1974). Mostra o papel da sociedade como fator de transformação da família, o que conduziu

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 7 81


ao fim da família tradicional, perdendo a sua função religiosa, política, jurídica e econômica.
Em sua obra Adolescência e Liberdade (CHARBONNEAU, 1980) descreve a
importância do relacionamento entre o casal e o adolescente, a educação e a liberdade,
tudo isso com o propósito de orientar, de maneira construtiva, os pais e os educadores.
Traça os momentos decisivos para a formação do adolescente, especialmente quando
ele está diante de seus pais e sente toda a convivência do casal, situação está que terá
profunda repercussão para sua evolução.

EDUCAÇÃO ALEMÃ CATÓLICA EM CURITIBA E A PEDAGOGIA DE


CHARBONNEAU
A escola alemã católica presente em Curitiba tinha como um dos seus compromissos
a qualidade do ensino, a disciplina e a ordem (RENK, 2004). É nessa perspectiva que, os
ensinamentos do padre Charbonneau (1974) guardam semelhança com esses princípios,
pois previam o encontro fecundo com da autodisciplina, respeito e liberdade. Também
estimulavam a criança envolvida com o resto do desenvolvimento pedagógico (RANZI,
1996). Importante citar que, a escola alemã de Curitiba tinha forte cunho religioso e
nacionalista, dando muita importância à língua e os costumes, ou seja, fazia a manutenção
das relações culturais daquela identidade étnica (KREUTZ, 1991). A obra do Padre
Charbonneau era voltada à fé, ao desabrochar do ser humano, embora tivesse raízes
canadenses, não a cultuava.
Enquanto as escolas brasileiras apresentavam um quadro de precariedade, a escola
alemã de Curitiba fazia demonstrar a qualidade do ensino, a formação dos professores e
o material pedagógico, que por sua vez eram elementos de diferenciação. Em resumo, foi
transplantado para Curitiba uma forma de escolarização do país de origem, a Alemanha
(RENK, 2004).
Para a Igreja Católica, a educação da juventude era essencial e seu objetivo era
a manutenção da fé e celebrar a identidade étnica pelo grupo e escola (RENK, 2004). A
preocupação com a juventude também fazia parte dos ensinamentos do padre Charbonneau
(1973), que também a considerava importante. Para ele, os pais devem criar no jovem uma
vigorosa motivação, provocando o entusiasmo para as tarefas que lhes são apresentadas.
Em linhas gerais, “precisamos conduzir o adolescente a um humanismo exigente e lançá-
lo em plena batalha humana” (CHARBONNEAU, 1973, p. 125). Coerente com esses
pensamentos, a educação da juventude católica era considerada como fundamento da
felicidade para as futuras gerações, porém, se não vale procurar sua origem em Deus e
se não se funda na ciência da salvação, produz, em vez de bem estar, males indizíveis
(CHARBONNEAU, 1974). Esse delineamento aponta que, convencido, sinceramente desta
“verdade me esforcei em abrir, reger e, quanto possível aperfeiçoar” a minha escola e
oferecer assim aos pais católicos uma boa ocasião na religião e em todas as ciências

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 7 82


necessárias (RENK, 2004, p. 74). Coerente com esses pensamentos, Charbonneau (1973)
falava que a finalidade da educação humana é aproximar-se de Deus.
As escolas alemãs de Curitiba primavam pela qualidade do ensino (RENK, 2004).
Nessa perspectiva, fica bastante claro, que essas escolas realmente queriam formar
indivíduos capazes de enfrentar os problemas existenciais de forma eficiente e dinâmica.
Essa opinião é partilhada por Charbonneau (1973) que complementa dizendo que a
educação é um meio de ação que fornece instrumentos para que o aluno não se feche em
si mesmo, mas encontre meios de diálogo, de compreensão e de apoio para superar seus
problemas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo objetivou, a partir de resultados de pesquisa interdisciplinar, refletir
sobre a escola étnica alemã a qual compreende um processo histórico de ensino católico
e, estabelece, a filosofia de base cristã enraizada no pensamento de Charbonneau.
Consideramos que os objetivos propostos neste artigo foram atingidos, como aqui
delineado, sobre a importância da primeira Escola Alemã de Curitiba no período de 1896
até 1938 que envolve sua fundação. Além do material bibliográfico pesquisado, sobre a
trajetória histórica desta escola e os saberes pedagógicos de Charbonneau, seus trabalhos
deixaram registros nos meios efetivos de integração nacional reforçando o papel do
educador cristão.
Um olhar sobre as escolas alemãs de Curitiba e a obra do Padre Charbonneau, revela
que há semelhanças em seus propósitos, especificamente no que se refere à educação da
juventude, à formação dos alunos, à qualidade da educação e os ideais cristãos. Por fim,
a abrangência realizada na escola permeou, influenciou e continua influenciando sobre a
experiência da prática escolar e das escolas estrangeiras que nortearam a filosofia católica
no processo educacional de crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS
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Paulo: Secretariado Interprovincial Marista, 1999.

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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 7 83


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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 7 84


CAPÍTULO 8
EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA ACADÊMICA INCLUSIVA
PARA ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL:
UM PROTOCOLO POSSÍVEL

Data de aceite: 10/01/2022


INCLUSIVE ACADEMIC AND
GEOGRAPHICAL EDUCATION FOR
Rosemy da Silva Nascimento STUDENTS WITH VISUAL IMPAIRMENT: A
Profª Drª Titular do Departamento de POSSIBLE PROTOCOL
Geociências da Universidade Federal de ABSTRACT: The article proposes an inclusive
Santa Catarina – UFSC e Coordenadora academic and geographic education for visually
do Laboratório de Cartografia Tátil e Escola impaired students given the experience of the
(LabTATE) Undergraduate Course in Geography at the
Federal University of Santa Catarina (UFSC),
with the graduation of the first blind student
RESUMO: Este artigo apresenta uma proposta in bachelor’s and licentiate’s degrees. There
de educação geográfica acadêmica inclusiva is also a report on the academic community
para estudantes com deficiência visual, em challenges, pedagogical practices’ adaptations,
face a experiência do Curso de Graduação de educational logistics, and support from the Tactile
Geografia, da Universidade Federal de Santa and School Cartography Laboratory (LabTATE)
Catarina (UFSC) com a formação da primeira during the inclusive education process. The
estudante cega no bacharelado e licenciatura. methodology characterizes as a case study, and
Há também o relato dos desafios da comunidade the theoretical framework is predominantly on
acadêmica, as adaptações das práticas inclusive education, social model of disability,
pedagógicas, logística educacional e apoio academic and geographic education, and tactile
do Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar cartography. Such experience allowed bringing
(LabTATE) durante o processo da educação a proposal for an inclusion protocol for students
inclusiva. A metodologia caracteriza-se como with visual impairment (or other) that requires
estudo de caso, e o referencial teórico tem como adaptation and construction of teaching resources
predomínio a educação inclusiva, modelo social to replicate in other higher education institutions.
de deficiência, educação geográfica acadêmica KEYWORDS: Academic and Geographic
e cartografia tátil. Tal experiência permitiu Education, Inclusive Education, Visual
trazermos uma proposta para um protocolo de Impairment, Tactile Didactic Resources.
inclusão dos estudantes com deficiência visual
(ou outra) que requer adaptação e/ou construção INTRODUÇÃO
de recursos didáticos, e que possa ser replicado
em outras instituições de educação superior. A educação brasileira para todos sempre
PALAVRAS-CHAVE: Educação Geográfica teve momentos desafiadores, um deles é o que
Acadêmica, Educação inclusiva, Deficiência tange a inclusão educacional para as pessoas
Visual, Recurso Didático Tátil. com deficiência (Bock, 2018; Diniz, 2003). O

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 85


professor português Manuel de Andrade Figueiredo (1670 – 1735), em 1722, publicou o livro
Nova escola para aprender a ler, escrever e contar, sendo um dos primeiros educadores
que influenciou a educação brasileira no período jesuítico (1549 a 1759), a considerar
as especificidades e os ritmos das aprendizagens de cada estudante, principalmente os
com deficiência intelectual (Figueiredo, 1722). Conforme MELLO (2019) e MARQUES
(2019) somente em 1973 a legislação começa dar rumos à educação inclusiva, conforme
o Decreto nº 72.425, que cria o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). Mas,
em 1988 nasceu a Constituição federal reforçando o direito à educação, nos artigos
205, 206 e 208, definindo o acesso e permanência dos estudantes com deficiência na
educação brasileira. Em 1994, a Declaração de Salamanca editada pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), com o slogan
‘Escola para todos’ vai reforçar e inspirar diversos países como o Brasil, para um maior
rigor a acessibilidade educacional, quando em 2001 a Resolução do Conselho Nacional
de Educação (CNE)/Câmara de Educação Básica (CEB) nº 2/2001, instituiu as Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Em 2015 a Lei Brasileira de
Inclusão nº 13.146 de 2015, trouxe outras garantias da inclusão de todas as pessoas com
deficiência no ambiente educacional, permitindo que tivessem as mesmas condições no
exercício da sua cidadania e inclusão social. Há destaque do art. 27 desta lei que assegura
o acesso e aprendizado das pessoas com deficiência em todos níveis educacionais,
permitindo as garantias do desenvolvimento das suas habilidades físicas, sensoriais,
intelectuais e sociais, conforme suas características, interesses e necessidades cognitivas
e de aprendizagem. No caso da educação superior, destaca-se o capítulo IV Do Direito
à Educação, que traz garantias aos estudantes com deficiência, assegurando não só a
entrada, mas, a adequação e acessibilidade do ambiente acadêmico, acompanhamento e
apoio para garantir a aprendizagem, competência e conclusão do curso superior. Esta lei,
como as demais, faz parte de um histórico de conquistas e políticas sociais visando garantir
os direitos igualitários das pessoas com deficiência, não só na educação, mas em todos os
segmentos da sociedade. Neste aspecto, este artigo visa apresentar proposta de protocolo
para educação geográfica acadêmica inclusiva para estudantes com deficiência visual,
em face de experiência no Curso de Graduação de Geografia, da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) ter conseguido formar a primeira estudante com cegueira
no bacharelado e na licenciatura. Também serão descritos os desafios da comunidade
acadêmica, as adaptações das práticas pedagógicas e a logística educacional, apoio do
Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LabTATE) e a sugestão de etapas para este
protocolo, a fim de poder ser replicado em outras instituições de educação superior. Este
artigo se caracteriza metodologicamente como estudo de caso e o referencial teórico
tem como predomínio a educação inclusiva, modelo de deficiência, educação geográfica
acadêmica e recurso didático.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 86


INCLUIR-SE, O PRIMEIRO PASSO
Etimologicamente a palavra inclusão deriva da ação de inserir. Mas se tratando das
pessoas com deficiência, nunca foi assim ao longo dos tempos, tanto nos relacionamentos
humanos como no processo educacional. Sassaki (2007) demarca que as práticas sociais
em relação às pessoas com deficiência podem ser caracterizadas em quatro eras. A
primeira é a exclusão, que advém da antiguidade até os anos 20 do século passado.

Figura 1 – Prática social exclusiva


Fonte: imagem da internet

Esta prática social, ilustrada na figura 1, enquadra-se no modelo caritativo ou


aquele que a sociedade via essas pessoas como vítimas do castigo divino, incapazes,
excepcionais, retardadas, superdotadas e que necessitam da caridade e/ou do castigo
divino, fato observado principalmente nos dogmas religiosos, na qual a educação não era
para essas pessoas (SASSAKI, 2007; BOCK, NUERNBERG, 2014).
A segunda, é a segregação, presente predominantemente nas décadas de 1920 a
1940.

Figura 2 – Prática social segregacionista


Fonte: imagem da internet

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 87


Esta prática social sai do aspecto religioso e entra na ciência, presente na percepção
biomédica ou clínica (Fig. 2). As pessoas com deficiência eram passíveis de correção.
Porém, na educação os métodos de ensino são facilitados, definindo que não conseguem
aprender igual aos outros sem deficiência. Outro aspecto é quando conseguem obter
competência e habilidade, eram enquadrados como “pessoas vitoriosas”, que superaram
todos os obstáculos, ultrapassando os limites de sua deficiência (SASSAKI, 2007; SOUZA,
2014; BOCK, NUERNBERG, 2014).
A próxima era é a integração, demarcada de 1950 a 1980 (SASSAKI, 2007; SOUZA,
2014), principalmente com a elaboração de decretos, leis e declarações de instituições
internacionais e nacionais, que deveriam levar em consideração a participação plena das
pessoas com deficiência nas decisões políticas, e não como meras receptoras. Em 1981
a Declaração de Sundberg, da UNESCO, tratou sobre as ações e estratégias em que
as autoridades públicas e as organizações qualificadas deveriam assegurar e preparar
qualquer planejamento de médio ou longo prazo, para a participação e integração das
pessoas com deficiência e suas associações em todas as decisões e ações. Porém, tanto
no âmbito do trabalho quanto da educação, não havia adaptação do ambiente, das regras,
do método de treino ou ensino para atender a este público (Fig. 3).

Figura 3 – Prática social integracionista


Fonte: imagem da internet

As pessoas com deficiência eram colocadas no mesmo espaço ou escola, mas em


grupos separados, sem alterar a estrutura e/ou cultura da entidade.
A última era é da inclusão, que inicia na década de 1990 e segue até hoje, oriunda
dos movimentos sociais das pessoas com deficiência em oposição ao reducionismo e
determinismo dos modelos anteriores (Figura 4), apesar das constantes ameaças do atual
governo a este modelo de prática social.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 88


Figura 4 – Prática social inclusiva
Fonte: imagem da internet

Paul Hunt, sociólogo deficiente físico, precursor do modelo social da deficiência,


no Reino Unido em 1960, retira do modelo social caritativo e biomédico, e gera políticas
públicas para o direito à vida, complementando que as pessoas possuem lesões e não são
deficientes. Ou seja, a lesão é:
Ausência parcial ou total de um membro ou organismo ou mecanismo corporal
defeituoso; deficiência: desvantagem ou restrição de atividade provocada
pela organização social contemporânea, que pouco ou nada considera
aqueles que possuem lesões físicas e os exclui das principais atividades da
vida social. (DINIZ, 2003, p.17).

DINIZ (2003, p.1) complementa que a “deficiência é toda e qualquer forma de


desvantagem resultante da relação do corpo com lesões e a sociedade”. Podemos afirmar
que a deficiência faz parte da diversidade humana e do ciclo da vida. E que esta condição
corpórea poderá ocorrer em qualquer momento da vida do ser humano. Porém, o maior
desafio para a concretização da inclusão educacional é que quase não se conhece sobre
a deficiência. Apenas acolher a pessoa com deficiência em uma classe comum, permitindo
sua convivência com outros estudantes sem deficiência, não assegura o caráter inclusivo
ao ensino, por meio de uma política pública de inclusão social. A instituição educacional
que tenha a pretensão de ser inclusiva deve compreender que, promover apenas a
socialização do estudante com deficiência não significa incluí-lo pois, inclusão é possibilitar
acesso a todos os saberes e condições ambientais, atitudinais, teóricas, metodológicas,
de avaliação para o aprendizado e formação, conforme explicitado na Declaração de
Salamanca (UNESCO, 1994), corroborado por Diniz (2007); Souza (2014) E Bock, 2018)
e por esta publicação.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 89


CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA (UFSC) E A FORMAÇÃO DA
PRIMEIRA ACADÊMICA COM DEFICIÊNCIA VISUAL
O acesso a Educação para todos, especificamente para as pessoas cegas e com
baixa visão, ainda é um desafio. Mello (2018) afirma que, no processo histórico educacional
das pessoas com deficiência visual, sempre foi difícil e ainda enfrentam barreiras para
conseguir aprender com qualidade, igualmente às pessoas que enxergam. Apesar dos
diversos avanços na legislação, podemos registrar esforços das instituições educacionais
que não tinham propostas curriculares em atenção a inclusão, como no Curso de Graduação
em Geografia, da Universidade Federal de Santa Catarina (CGG/UFSC).
Em 1960 foi criado o Curso de Graduação de Geografia da UFSC, que passou
por três reformas curriculares, sendo a última em 2007. Porém, desde 2016 já está em
discussão o novo currículo para as habilitações em Licenciatura e Bacharelado. Mas, foi em
2011 que o curso recebeu a primeira estudante com Deficiência Visual-EDV. Este relato já
foi comentado em eventos anteriores como no XII Encontro Nacional de Prática de Ensino
de Geografia, no ENPEG-2013, em João Pessoa-PB (Nascimento et al, 2013) e no VII
Congresso Mundial de Estilos de Aprendizagem, em Bragança, Portugal, 2016, valendo a
citação.
Observou-se que foi um espanto para todos envolvidos com o curso, pois a
comunidade escolar não foi preparada para lidar metodologicamente com
qualquer deficiência. Teve-se que mediar a insegurança dos docentes sem
preparo e a carência de metodologias específicas (recursos adaptados,
métodos e técnicas) para as disciplinas. Principalmente para a estudante
com DV. Neste momento, instalou-se o incômodo de ter tirado todos da
zona de conforto, em ter que aprender a lidar com as excelências do
conhecimento em detrimento de ter que ensinar para quem não enxerga.
Esse foi o desafio, garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento
das potencialidades dos estudantes que apresentam qualquer necessidade
especial, conforme os documentos de Salamanca e os demais sobre a
Educação Especial (EE), (BRASIL, 2001, 2008 e 2015). Nesta linha de
pensamento agiu-se institucionalmente na busca de ajuda para orientação
pedagógica, psicológica, acompanhamento, construção e adaptação dos
recursos didáticos e de avaliação. Primeiramente, definiu-se uma professora
tutora, que a princípio era a coordenadora do curso. Porém, a coordenação é
temporária com duração de até dois anos, e seria necessário alguém iniciar
e terminar esse processo que duraria de quatro a cinco anos. Sendo assim,
o coordenador do curso, cuja gestão terminou em 2011, passou a tutoria
para a professora coordenadora da gestão 2011-2013. Ao final da gestão, a
professora assumiu a tutoria da aluna DV até ela se formar. A mesma foi sua
professora em várias disciplinas, e orientadora de trabalho de conclusão de
curso (TCC). Em seguida a tutora entrou em contato com a profissional em
Pedagogia, da UFSC, que acompanha todos os acadêmicos com qualquer
deficiência, e orientou e destinou uma bolsista-assistente para acompanhar e
auxiliar a aluna DV em todas as aulas e atividades. Na continuação, buscou-
se ajuda no curso de Psicologia, para orientação aos professores quanto
à postura metodológica em sala de aula frente à aluna DV. E por último,
buscou-se o AMBIENTE DE ACESSIBILIDADE INFORMACIONAL – AAI,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 90


que trabalha na disponibilização de informação em formatos acessíveis,
onde foram enviados os textos dos professores para serem digitalizados e
transformados em áudio. Mas o AAI não estava preparado para confecção
de muitos materiais geográficos como esquemas, gráficos, desenhos
específicos, mapas/maquetes geográficas táteis e modelagem em 3D de
imagens geográficas. Para nosso curso não foi problema, pois desde 2001 o
Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LabTATE) foi criado para atender
às demandas pedagógicas da cartografia escolar e tátil, no âmbito da ciência
geográfica, possuindo equipamentos e instrumental adequado à pesquisa
e ao desenvolvimento de materiais didáticos tradicionais e táteis. Em todo
processo de produção de recursos didáticos pedagógicos... permitiu a
elaboração e implementação da Metodologia LabBTATE, que tem por objetivo
envolver várias instâncias da universidade, para que todos tenham acesso
aos profissionais vinculados ao conhecimento da deficiência visual, aquisição
de bolsistas, materiais e confecção dos recursos. (Nascimento et al, 2016,
p.2405)

Durante a vivência da estudante DV no curso estava se consolidando o Comitê de


Acessibilidade da UFSC, que atualmente é a Coordenadoria de Acessibilidade Educacional
(CAE). Souza (2014) descreve o histórico dessa transição, demarcando um dos momentos
mais importante para a UFSC na questão da inclusão educacional. O comitê foi fundamental
para o curso de Geografia, que desde 2011 concedeu apoio pedagógico para amparo à
acadêmica DV, no sentido de orientar o corpo docente sobre a atitude em sala de aula e
como proceder na disponibilização dos textos. Neste quesito a UFSC já possuía o Ambiente
de Acessibilidade Informacional (AAI), porém com a questão das imagens simplificadas,
sem uma proposta metodológica. Também não estão preparados para produzir mapas,
maquetes geográficas, globos terrestres táteis, gráficos etc. Felizmente, o Curso de
Geografia foi beneficiado em função da existência das pesquisadoras do Laboratório de
Cartografia Tátil e Escolar (LabTATE), que desde 1992 já exerciam suas atividades de
educação, pesquisa e extensão sobre a cartografia escolar, subsidiando futuramente a
cartografia tátil.

LABORATÓRIO DE CARTOGRAFIA TÁTIL E ESCOLAR (LABTATE):


ADAPTANDO E CONSTRUINDO RECURSOS DIDÁTICOS PARA EDUCAÇÃO
INCLUSIVA
O LabTATE (Lab = Laboratório de Cartografia; TAT = Tátil e E = Escolar), foi oriundo de
duas vertentes de atuação. Uma sobre a cartografia tátil e a outra sobre a cartografia escolar,
no tripé educação, pesquisa e extensão. Porém, desde 1992 a educação cartográfica na
Universidade Federal de Santa Catarina vem se consolidando, nas pesquisas envolvendo a
linguagem cartográfica para a educação e recursos didáticos geocartográficos registrados
em (Nascimento et al, 1996), (Almeida e Nogueira, 2005), (Andrade et al, 2015) e Nascimento
(2009 e 2013). Outro aspecto que também colaborou para o fortalecimento do LabTATE foi
a criação, em 2006, da disciplina de Cartografia Escolar para a graduação em Geografia, a

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 91


Linha de Pesquisa Geografia em Processos Educativos e a disciplina Recursos Didáticos
Aplicados a Educação Geográfica e Ambiental, ambas do Programa de Pós-graduação em
Geografia. Mas, o marco para a concretização do espaço do LabTATE se deu por meio da
procura da Fundação de Educação Especial do Estado de Santa Catarina (FCEE), pela
área de Cartografia do Departamento de Geociências (GCN) da UFSC, indagando sobre
a possibilidade de apoio técnico na adaptação/transcrição dos mapas nos livros didáticos
utilizados pelos estudantes com deficiência visual das escolas públicas catarinenses. Pois
os mapas da FCEE eram apenas figuras, sem os elementos principais de um mapa e muito
menos padronização da linguagem cartográfica (Nogueira, 2007; Andrade et al, 2015).
Essa constatação deflagrou uma demanda por vários projetos da área de cartografia, do
GCN, como: Linguagem cartográfica: desenvolvimento de métodos de ensino e concepção
de material didático em multimídia interativa e o Mapa Tátil como instrumento de inclusão
social de portadores de deficiência visual com apoio das agências Financiadora de
Estudos e Projetos (FINEP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Este último, possibilitou a criação do espaço do laboratório LabTATE
com equipamentos, construção de vários recursos didáticos geocartográficos e o site www.
labtate.ufsc.br, destinados à cartografia escolar e tátil (Nogueira, 2007), inclusive com a
participação desta autora, que atualmente está como coordenadora do LabTATE. Outro
fator que corroborou com a urgência de se pensar uma cartografia tátil, foi a presença de
estudantes com DV em eventos científicos, tanto da educação geográfica como ambiental,
nos quais os painéis, recursos didáticos - como mapas e maquetes geográficas - não eram
adaptados para leitura tátil. Uma das experiências desta autora foi em 2002, em evento
ambiental do atual Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), antigamente Centro Federal
de Educação Tecnológica de Santa Catarina (CEFETSC), em que tinham vários estandes
com exposições de projetos ambientais. Um dos recursos didáticos era a maquete do
município de Florianópolis, que possuía apenas informação visual e não a grafia tátil.
Por mais que houvesse um esforço da professora em querer “navegar” com as mãos do
estudante cego, para compreender os elementos do uso, cobertura da terra e sobre as
águas de Florianópolis, apenas a geomorfologia era possível de ser observada (Figura 5).
Neste momento, percebia-se a deficiência da professora e da maquete para um processo
de inclusão educacional.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 92


Figura 5 – Imagem da tentativa de leitura tátil por um estudante cego, com ajuda da professora Rosemy
da Silva Nascimento na Maquete do município de Florianópolis.
Fonte: Acervo da autora (2002)

A partir desta experiência e dos resultados dos projetos anteriores, ambos serviram
como subsídios para pesquisas das professoras/pesquisadoras do LabTATE e seus
orientandos de TCCs, dissertações e teses; inclusive por dois acadêmicos com deficiência
visual, como por exemplo: Mapa Tátil como instrumento de inclusão social de portadores
de deficiência visual”; Geocartotáteis: Cognições na educação geográfica por meio da
cartografia escolar e tátil; Educação Geocartográfica – Epistemologias e Metodologias;
Projeto LABTOY - Análise e Desenvolvimento de Recursos Didáticos em Geociências;
Projeto Grafitáteis – Recursos didáticos táteis/visuais para educação inclusiva na UFSC;
Educação ambiental e a deficiência visual: uma contribuição da geografia para o Projeto
TAMAR-ICMBIO – Programa Nacional de Conservação e Pesquisa de Tartarugas Marinhas;
entre outras (Nogueira, 2008; Nascimento, 2019). Todo esse processo, está permitindo o
desenvolvimento e avaliação da metodologia LabTATE (MLabTATE).

PROTOCOLO INCLUSÃO, UMA PROPOSIÇÃO


‘Protocolo’ significa um conjunto de regras a serem seguidas. Esta proposição visa
facilitar o processo de recepção, manutenção e formação do estudante com deficiência
visual, nas instituições educacionais de ensino superior, em detrimento da experiência do
curso de graduação em Geografia, da UFSC. Neste sentido, destacamos algumas etapas
deste protocolo composto por questões de ordem administrativa, ambiental, afetiva e

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 93


pedagógica (metodologias teóricas-práticas para produção de recursos didáticos gráficos
tátil/baixa visão), descritas sobre: acolhimento e tutoria; preparação dos professores e
colegas estudantes; adequação e acessibilidade do ambiente acadêmico; acompanhamento
e apoio pedagógico para garantir a aprendizagem e elaboração de recurso didático
específico para cada conteúdo das disciplinas e análise dos processos avaliativos.
a) Acolhimento e tutoria
O acolhimento do estudante com deficiência (ED) dar-se-á pela instituição ou órgão
específico quando autodeclarado, que será apresentado para a coordenação do curso.
Após a coordenação do curso estar ciente da entrada do ED, sugere-se que o coordenador
convide um(a) professor(a) para ser tutor(a) (com carga horária definida por portaria do
departamento) para acompanhar a trajetória do(a) estudante ao longo do curso, que poderá
ser modificado conforme as conveniências. Com a tutoria definida, esta fará a mediação
entre todas as instâncias que envolvem a formação do ED.

b) Preparação dos professores e colegas estudantes


A tutoria, juntamente aos órgãos competentes, deverá fazer reuniões no início e final
de cada semestre para preparação, formação do corpo docente das disciplinas que serão
cursadas e sobre a avaliação do processo. A pauta inicial é sobre as atitudes do professor
na sala, referente ao estudante cego ou com baixa visão. Pois, vícios do cotidiano visual
apontam para o quadro dizendo “vocês estão vendo isso, aquilo etc.” Pois o estudante está
absorvendo tudo o que é falado pelo professor, mas se não for descrito oralmente o que
está no quadro ou eslaide, ficará comprometida a aprendizagem. Os outros estudantes
deverão ser instruídos também sobre a importância da empatia nesse processo, e que os
tempos de aprendizagens são diferentes e maiores, por não terem os recursos disponíveis
no momento da aula. É nesse momento que a tutoria, juntamente com o estudante DV,
irá requerer um bolsista para apoio nas aulas, digitalização de textos para transcrição em
áudio e a confecção dos Recursos Didáticos Geocartográficos Táteis.

c) Adequação e acessibilidade do ambiente acadêmico


A Lei Brasileira de Inclusão, nº 13.146 de 2015 obriga o acesso e a adequação
do ambiente escolar, seguindo as normas técnicas da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT) NBR 16537. Esta norma orienta sobre a mobilidade e circulação
autônoma das pessoas com deficiência visual. Porém, existem outros cuidados que não
estão descritos, tais quais o perigo dos tapetes, papelão colocado no chão em dia de
chuva, tomadas sem proteção elétrica, mudanças de lugares de móveis etc.
d) Acompanhamento e apoio pedagógico para garantir a aprendizagem
Nessa etapa deverá haver um diálogo constante entre a tutoria e o EDV sobre seu
percurso na disciplina. Muitas oferecem monitoria, que também deverá ser orientada.
Nesse momento que se faz o diagnóstico das dificuldades e possíveis soluções, e que às

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 94


vezes pode ser solicitado apoio dos órgãos competentes da instituição.
e) Elaboração de Recurso Didático específico para cada conteúdo das
disciplinas
Em sua origem a palavra recurso significa voltar (re) no mesmo caminho (curso).
No caso da educação é uma estratégia de apoiar a teoria (abstrato) com o uso do
recurso didático (concreto). O uso acontece quando as ideias não conseguem dar conta
da proposta de ensino, tendo o recurso didático como facilitador na compreensão do
conceito, fenômeno ou processos usando outros contextos para aprendizagem. No caso da
MLabTATE são desenvolvidos recursos didáticos (RDs) táteis geocartográficos tais quais
mapas, maquetes, globos terrestres, esquemas, figuras táteis/baixa visão, entre outros que
podem ser utilizados por estudantes com outras deficiências, como Transtorno do Espectro
Autista (TEA), Deficiência Intelectual (DI) etc.
Para confecção de cada RD são consideradas as seguintes etapas:
1 - Diagnóstico social estudantil - Em cada início de semestre é necessário
saber quem são os estudantes com deficiência e quais disciplinas irão cursar. A partir
desta identificação faz-se contato com os professores responsáveis sobre a dinâmica da
disciplina, cronograma do conteúdo e recursos imagéticos a serem utilizados, a exemplo de
quadros, tabelas, esquemas, gráficos, imagens, mapas, figuras, entre outros.
2. Reunião com a equipe: Pauta e estratégias – Para cada disciplina que o ED
cursará deverá haver uma reunião com a tutoria, equipe que fará a confecção do RD,
professor da disciplina e o ED. As questões tratadas serão: compreensão do nível da
deficiência do estudante; entendimento do tema em que o recurso será aplicado; sugestão
de bibliografias complementares; cronogramas para confecção, entrega, uso do RD na
aula.
2.1) Planejamento para confecção do recurso didático tátil
Após receber as imagens originais, organizam-se os prioritários conforme o
cronograma das aulas que foi disponibilizado pelo professor para tutoria ou pelo bolsista
que irá acompanhar o ED. Este envio poderá ser em papel ou por e-mail. No exemplo a
seguir temos uma imagem do desenho de Humboldt, denominado de ‘Naturgemalde’, sobre
a natureza das plantas nas proximidades do vulcão Chimborazo, nos Andes. Esta figura
contém um perfil topográfico leste-oeste do Chimborazo, com informações nas margens
sobre temperatura, pressão, umidade e altitude relacionados com a fauna e a flora que
habitavam cada substrato ao longo da montanha. Após a definição da imagem foram
selecionados os materiais que compuseram a imagem tátil, como pode ser observado na
figura a seguir.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 95


Figura 6 – Imagem em tinta de Naturgemalde, de Humboldt, sobre a geografia das plantas. Ao lado
a imagem tátil adaptada com materiais texturizados, e em cima o acetato moldado no termoform,
utilizado pela estudante DV, na disciplina de Epistemologia, no curso de mestrado em Geografia do
Programa de Pós-graduação, da UFSC.
Fonte da imagem original: http://www.greyroom.org/issues/73/96/air-as-medium/ e acervo LabTATE.

Esta etapa segue os critérios da MLabTATE referentes ao tamanho e ao tipo de


substrato, tamanho e generalização da imagem, escolha dos materiais que comporão a
informação tátil pontual, linear, zonal e o Braille.
2.2) Seleção dos materiais e confecção
Na MLabate busca-se por uma estética gráfica, com tamanhos e layouts
padronizados, como a escrita Braille. Pois nessa linguagem não é possível variar o tipo e
nem o tamanho da fonte. Mantém-se o tamanho da cela Braille aproximadamente de 4mm
por 8mm.

Figura 7 - Cela Braille e parte do alfabeto Braille.


Fonte: Adaptação de imagens da internet e de Brandão (2015).

A cela Braille, predominantemente apresenta tamanho único em todos os idiomas,


com a localização e a dimensão sem alterar substancialmente, como pode ser observado

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 96


na figura 7. Lembre-se, letras ou sinais em tamanhos maiores, menores ou rebuscados irão
dificultar a compreensão dos caracteres e signos. Para a MLabtate a estética gráfica, como
a da escrita Braille, aparenta ser mais pobre, com menos detalhes e mais generalizada.
Aqui predomina o “menos, é mais”.
Os materiais usados são geralmente de papelaria e de armarinho, tais como
linhas, miçangas, tipos de papeis etc., preferencialmente de baixo custo. Cada imagem
que será adaptada ou confeccionada tem a sua especificidade, que pode ser figuras,
mapas, esquemas, gráficos etc. A seleção dos materiais irá depender da imagem. No caso
específico da informação tátil, esta será testada quanto ao substrato, tamanho, significação
tátil, aceitação e facilidade no manuseio, estimulação visual, fidelidade e resistência.
Cerqueira, Ferreira (1996) descrevem sobre alguns critérios que auxiliaram a MLabTATE in
Nascimento et al (2016) e labtate.ufsc.br.
a) Substrato: Substrato é a base que receberá a imagem tátil/baixa visão adaptada
ou confeccionada que deverá ser rígida, tipo papel cartão, papelão, acrílico, madeira,
metálica etc. para que não deforme e que seja confortável no manuseio. O tamanho não
deverá exceder ao tamanho A3 (42cm x 29,7cm). Este tamanho permite colocar a imagem
e a legenda, caso seja necessário. Se não houver legenda e a imagem permitir leitura tátil,
poderá ser no tamanho A4 (21cm x 29,7cm) (Nogueira, 2008).
b) Tamanho: Os materiais devem ser selecionados em tamanho adequado às
condições da deficiência dos estudantes. Quanto aos estudantes com deficiência visual,
sugere-se a referência da cela Braille 8mm x 4mm, pois materiais excessivamente pequenos
dificultam a leitura ou perdem-se com facilidade. Enquanto o exagero, pode prejudicar a
apreensão da totalidade, a exemplo de áreas maiores do que a palma da mão.
c) Significação tátil: O material precisa possuir uma superfície perceptível,
constituindo-se de diferentes texturas, para melhor destacar as partes componentes, como
por exemplo liso/áspero, fino/espesso, alto/baixo etc.
d) Aceitação e facilidade no manuseio: O material não deve ferir ou irritar a pele,
e deve ainda ter um manuseio prático e agradável. O uso de lixa, materiais pontiagudos,
aquosos, pegajosos, podem prejudicar a aceitação e a leitura.
e) Estimulação visual: O material deve ter cores fortes e contrastantes para
estimular as pessoas que têm baixa visão. Como rosa choque, azul ciano, amarelo canário,
verde claro, vermelho carmim e preto. Quanto ao contraste, muitas pessoas com baixa
visão preferem o amarelo com preto. Outro aspecto é a fonte dos caracteres alfanuméricos
para as pessoas com Dislexia [dificuldade (dis) com palavras (lexia)], cegos baixa visão e
outras pessoas com lesões que têm dificuldade com a leitura de certos caracteres como a
fonte Times New Roman, que possui serifas (são pequenos traços e prolongamentos que
ocorrem no fim das hastes das letras). Esses caracteres atrapalham a leitura, assim como
impedem que essas pessoas possam ter um raciocínio adequado do texto. Neste sentido,
sugere-se o uso das fontes dos caracteres como a Arial, Helvética, Courier, Verdana ou

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 97


Computer Modern Unicode, pois essas fontes têm maior impacto no desempenho na leitura
e cognição (Silva, Maurilio, 2018; Hillier, 2006).
f) Fidelidade e resistência: O material deve ter sua representação próxima ao
modelo original e ser confeccionado com materiais duráveis, que não se estraguem ao
manusear.
2.3 - Aplicação e pré-teste: Para finalização do RD, é necessário que tenha um
bolsista ou funcionário DV ou até mesmo o estudante para testar RD Tátil. Pois é para
eles, e somente eles saberão o quanto aprenderão ou não com o RD tátil. Neste momento,
poderão informar se há confusão, sobreposição, ausência ou outra característica da
informação tátil. Caso o RD seja reprovado, este deverá ser refeito.
3 - Aplicação e Avaliação do recurso didático na prática em sala de aula: A
aplicação e avaliação no momento da aula é de suma importância para comprovação da
eficácia na aprendizagem com o RD. Pois é o momento em que o professor pode sentir
mais confiança em garantir que o ED possa ter as mesmas condições de aprendizagem
daqueles que não possuem deficiência.
4 - Análise do aproveitamento pedagógico na avaliação para aprendizagem:
A avaliação ainda é considerada como métrica de aprendizagem do estudante, como
também para identificar o sucesso ou fracasso da prática pedagógica do professor. Porém,
sobre a avaliação da aprendizagem dos estudantes com deficiência, sugere-se observar
as potencialidades e os conhecimentos adquiridos pelos estudantes, principalmente
considerando as suas habilidades e dificuldades (Luckesi,1990; Alencar, 1994; Lunt, 1995;
Rojas, 1997; Aranha, 2000; Oliveira, 2003; Sartoretto, 2010).
Tem-se ciência que com o advento das tecnologias assistivas há possibilidade de
otimizar a confecção dos RDs com equipamentos sofisticados, porém essa tecnologia
ainda requer profissionais especializados e o custo é elevado. Porém, a real necessidade
está na padronização da confecção dos recursos didáticos geocartográficos táteis como
mapas, maquetes geográficas, globos terrestres, bloco diagramas e outros modelos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo, como proposto, é um ensaio para proposição de um protocolo para apoio
ao processo educativo na educação superior de estudantes com deficiência, especificamente
com cegueira ou baixa visão. Apresentou-se as experiências do curso de graduação
de Geografia, com a sua primeira estudante cega formada, assim como os resultados
das diversas pesquisas e de extensão do LabTATE, permitindo alcunhar a Metodologia
LabTATE. Mas o primordial para uma instituição educacional ser inclusiva é garantir que o
ambiente e a comunidade sejam acolhedores; ofereça formação continuada aos docentes
sobre a educação inclusiva e que suas práticas pedagógicas possam atender as diferentes
formas de participação e aprendizagem diante da deficiência. Que possa oferecer recursos,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 98


estratégias e metodologias diversas, que o processo avaliativo seja adequado a realidade
do estudante com deficiência, eliminando barreiras e constructos irrelevantes na trajetória
acadêmica dos estudantes, ou seja, promover ações anticapacitistas.

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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 8 101
CAPÍTULO 9
A IMPORTÂNCIA DO OLHAR ANTROPOLÓGICO
E DA ETNOGRAFIA NO ESPAÇO ESCOLAR NO
PROCESSO DE TRANSMISSÃO DO PENSAMENTO
SOCIOLÓGICO

Data de aceite: 10/01/2022 que o objetivo principal da disciplina é formar


para a cidadania, destaca-se que, ao promover
essa formação partindo de um conhecimento
Amanda Gomes Pereira
contextualizado e interdisciplinar, contribui-se
UFMA – Universidade Federal do Maranhão
– Campus São Bernardo, Docente Adjunta na para a apreensão pelos estudantes de suas
Licenciatura em Ciências Humanas/ Sociologia realidades sociais, tornando-os agentes ativos
http://lattes.cnpq.br/4472099996822599 do processo de ensino-aprendizagem. Além
http://orcid.org/0000-0002-7174-3843 disso, a construção de um olhar antropológico
permite o estabelecimento de pontes e o
Juliana Moraes Casto
exercício da alteridade pelos alunos e alunas
UFMA – Universidade Federal do Maranhão - tão necessário em nossa frágil democracia.
– Campus São Bernardo, licencianda em
Dessa forma, este trabalho traz as experiências
Ciências Humanas/ Sociologia
dos autores durante o estágio e na realização
http://lattes.cnpq.br/4140485612221381
de um subprojeto vinculado a esse programa do
Lucas Oliveira dos Santos governo federal para ilustrar como estratégias e
UFMA – Universidade Federal do Maranhão metodologias de ensino de sociologia surgem
– Campus São Bernardo, licenciando em a partir da observação do cotidiano escolar e
Ciências Humanas/ Sociologia das relações estabelecidas pelas pessoas que
http://lattes.cnpq.br/9700349402825801 compartilham desse cotidiano. As referências
que embasam nossas análises são: Bernard
Lahire (2014), as Orientações Curriculares do
Ensino Médio-BRASIL (2006), Roberto Cardoso
RESUMO: A recente inserção da Sociologia no
de Oliveira (1996) e Claudia Fonseca (1999).
currículo da educação básica trouxe o desafio de
Desse modo, ressaltamos as contribuições do
tradução do conhecimento produzido no ensino
conhecimento antropológico na elaboração de
superior para a linguagem do ensino médio.
um olhar sociológico mediado pelas interações
Nesse sentido, essa proposta vem ressaltar a
sociais vivenciadas nos espaços escolares.
importância da etapa de observação do estágio
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Sociologia.
supervisionado das licenciaturas em Ciências
Estágio Supervisionado. Etnografia Escolar.
Humanas/ Sociologia e da etapa de ambientação
do Programa Residência Pedagógica, vivenciadas
a partir da elaboração de etnografias dos espaços
escolares como fator imprescindível para esse
processo. Ao utilizarmos essa metodologia de
pesquisa, a escola passou a ser compreendida
pelo diálogo com as diferentes perspectivas
dos atores envolvidos nesse ambiente. Visto

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 9 102
THE IMPORTANCE OF THE ANTHROPOLOGICAL AND ETHNOGRAPHIC
VIEW AT SCHOOL SPACE IN THE PROCESS OF TRANSMITTING THE
SOCIOLOGICAL THINKING
ABSTRACT: The recent insertion of Sociology in basic education curriculum brought up
the challenge of translating the knowledge produced in higher education into a language for
secondary education. Therefore, this proposal emphasizes the importance of the observation
stage on supervised internship of degrees in Human Sciences/Sociology and the setting stage
in the Pedagogical Residency Program, experienced from the elaboration of ethnographies of
school spaces as an essential factor for this process. By using this research methodology, we
understand the school through the dialogue with different perspectives of the actors involved in
this environment. Since the main objective of the course is to train for citizenship, we highlight
that, by promoting this training based on contextualized and interdisciplinary knowledge, we
can contribute to students’ comprehension of their social realities, while making them active
agents in the teaching-learning process. Furthermore, the construction of an anthropological
perspective allows the students to establish bridges and to exercise their alterity – which is so
necessary in our fragile democracy. Thus, this work brings up the authors’ experiences during
the internship and in the execution of a subproject linked to this federal government program
in order to illustrate how sociology teaching strategies and methodologies emerge from the
observation of everyday school life and the relationships established by people who share this
daily routine. The references that support our analysis are: Bernard Lahire (2014), Curriculum
Guidelines for High Schools-BRASIL (2006), Roberto Cardoso de Oliveira (1996) and Claudia
Fonseca (1999). So then, we emphasize the contributions of anthropological knowledge in
the development of a sociological look which is mediated by social interactions that were
experienced at school spaces.
KEYWORDS: Teaching of Sociology. Supervised internship. School Ethnography.

Os marcos legais que regulamentam a educação básica no Brasil destacam a


importância de uma formação ética e cidadã. O objetivo principal do ensino fundamental
e médio é formar para a cidadania, valor que possui centralidade no acesso igualitário à
educação. Sob esse prisma, os Direitos Humanos desempenham um papel primordial. De
acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, Art 9º da Resolução nº 3, de 26 de junho
de 1998, os princípios que norteiam a educação brasileira estão pautados na:
[...] Política da Igualdade, tendo como ponto de partida o reconhecimento
dos direitos humanos e dos deveres e direitos da cidadania, visando à
constituição de identidades que busquem e pratiquem a igualdade no acesso
aos bens sociais e culturais, o respeito ao bem comum, o protagonismo e a
responsabilidade no âmbito público e privado, o combate a todas as formas
discriminatórias e o respeito aos princípios do Estado de Direito na forma do
sistema federativo e do regime democrático e republicano (BRASIL, 2006:
25).

No processo de implementação desses princípios, as Ciências Sociais exercem um


protagonismo na garantia e consolidação desses direitos. Neste trabalho, trataremos mais
especificamente da relação da Sociologia e da Antropologia na consolidação dos princípios

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 9 103
dos Direitos Humanos nos ambientes de formação escolar. Nosso intuito é destacar como
o trabalho em conjunto da pesquisa e do ensino nesses espaços têm a contribuir para o
exercício da tolerância, o respeito à diversidade e a construção de relações intersubjetivas
pautadas pela alteridade.
A inserção do ensino de Sociologia no Ensino Médio, fato recente na educação
básica no Brasil – apesar das inúmeras tentativas anteriores de inserção dessa disciplina
–, foi defendida como processo fundamental para a formação cidadã dos indivíduos, bem
como para a desnaturalização e o estranhamento da realidade social (LAHIRE, 2014).
Por se relacionar ao conhecimento produzido pelo senso comum, uma vez que a tanto a
Sociologia como a Antropologia se valem dele para as suas pesquisas e reflexões, cabe
às Ciências Sociais demonstrar a diferenciação do conhecimento que elaboram desse
conhecimento cotidiano e tradicional, que não tem a pretensão de se basear em dados
e fundamentos científicos. Romper com as generalizações e opacidades produzidas pelo
senso comum é uma das contribuições do pensamento sociológico e antropológico para a
formação de cidadãos mais conscientes da realidade social em que vivem e, desse modo,
mais críticos com relação a ela. Nesse processo, o docente possui um importante papel,
pois a sociologia enquanto disciplina valoriza os contextos sociais de origem dos sujeitos
sociais e sua inserção nas dinâmicas sociais. Assim, o docente deve elaborar metodologias
pautadas em temas e assuntos que promovam um alargamento do universo do discurso
humano (GEERTZ, 1978), possibilitando uma compreensão dos sujeitos históricos em seus
contextos sociais.
Os estados, em toda parte do mundo, sublinham a necessidade de formar
para a cidadania, e visam geralmente responder a essa exigência pelo ensino
moral ou da educação cívica. Ora, as ciências do mundo social poderiam e até
mesmo deveriam estar no centro dessa formação: o relativismo antropológico
(que não tem nada a ver com um indiferentismo ético), a tomada de
consciência da existência de uma multiplicidade de “pontos de vista” ligada
às diferenças sociais, culturais, geográficas, etc., o conhecimento de certos
“mecanismos” e processos sociais etc., tudo isso poderia utilmente contribuir
para formar cidadãos que seriam um pouco mais sujeitos de suas ações em
um mundo social desnaturalizado, um pouco menos opaco, um pouco menos
estranho e um pouco menos indomável (LAHIRE, 2014: 59).

No texto “Viver e interpretar o mundo social: para que serve o ensino da Sociologia?”,
o sociólogo francês Bernard Lahire faz a defesa da inclusão das reflexões sociológicas
nos primeiros anos da formação educacional, já nas etapas relacionadas à formação da
criança. Para o autor (2014), a apreensão da realidade, dos costumes e das tradições de
seu universo cultural durante a infância deve ser acompanhada de uma relativização do
mundo social. Nesse sentido, ao tomar conhecimento dos valores e crenças da sociedade
em que vive, a criança também teria contato com a diversidade de crenças e valores de
outras culturas e sociedades, compreendendo que, ao invés de universal, sua percepção
da realidade é fruto de um processo histórico e social.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 9 104
1 | OS ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS E OS PROGRAMAS DE ENSINO: O
ESPAÇO ESCOLAR PELA ÓTICA DO ENSINO E DA PESQUISA
É importante ressaltar que a sociologia é caracterizada como uma ciência da
modernidade no que diz respeito à comparação com as outras. Apesar de ser uma disciplina
fundamental na formação cidadã dos indivíduos, a inserção da disciplina no currículo básico
escolar como obrigatória não garantiu a sua consolidação na educação básica – sobretudo
na questão do horário destinado à disciplina, sendo ministrada apenas uma vez na semana
em cada série do Ensino Médio, como ocorre nas escolas do município de São Bernardo.
Segundo Vargas (S/A, p. 6).
Com uma carga horária, em geral uma hora-aula semanal apenas, e isolamento
na estrutura curricular, o ensino da sociologia fica confinado e limitado a um
trabalho superficial e apressado, de difícil continuidade, na contracorrente
da própria natureza dos conhecimentos construídos ao longo da história das
ciências sociais.

Esse continua sendo um desafio enfrentado no que tange ao ensino de Sociologia,


uma vez que essa questão do horário limita o tempo do professor em sala de aula, sem que o
mesmo possa ter tempo de aprofundar o conteúdo, se valendo de novas metodologias para
o desenvolvimento de projetos. Há desafios a ser transpostos. O pensamento sociológico
confronta a visão crítica apoiada no senso comum – que explica a sociedade como mero
resultado de diferentes instituições sociais. Durkheim, considerado o pai fundador da
Sociologia, destaca a importância dela se distanciar da percepção do senso comum.
[...] enquanto se contentar com a elaboração das ideias comuns empregando
uma lógica apenas mais elaborada do que a do vulgo e, por conseguinte,
enquanto não superar nenhuma competência especial nos indivíduos que a
cultuam, não estará em posição para falar com bastante força e fazer calar
paixões e preconceitos (DURKHEIM, 1987, p. 126-127)

Para tanto, contribuir para a formação de profissionais que se dedicarão a função


de ensinar o olhar sociológico – aguçando nos adolescentes o interesse pela pesquisa e
linguagem abstrata e científica – se delineia como tarefa desafiadora, ao mesmo tempo em
que necessária no contexto histórico e social em que vivemos. Nesse sentido, atenta-se
para os impactos ao se aliar ensino e pesquisa na formação dos licenciandxs de Ciências
Humanas/ Sociologia, do campus de São Bernardo, a partir de relatos de experiências
vivenciadas durante o Estágio Supervisionado do Ensino Médio e o Programa Residência
Pedagógica.
É possível compreender que os estágios supervisionados no Ensino Médio
representam uma oportunidade de formação para os discentes, colocando-os diante de
uma realidade profissional a qual se encontrarão, agregando suas referências com relação
a sua identidade profissional, aos conhecimentos da docência e as posições que serão
necessárias para o exercício da profissão (PIMENTA e LIMA, 2004). Nesse contexto,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 9 105
percebe-se que a inserção dos estudantes no ambiente escolar proporciona vivenciar o
cotidiano das instituições e contribui para formação dos licenciandos e licenciandas. Nessa
etapa de formação, os discentes utilizam conhecimento sobre o conteúdo que necessita
a ser ensinado, ou seja, as concepções gerais de ensino e aprendizagem. É durante o
estágio que acontece a interação entre o estagiário/ estagiária com o futuro docente e a
sala de aula, sendo neste período que os discentes acadêmicos dão os primeiros passos
da sua formação ao se depararem com a realidade vivida pelos docentes da educação
básica. Além disto, da didática, apresentando a oportunidade para aprender a ensinar,
integrando as dimensões teórica e prática. Porém, esses estágios supervisionados são
de curto prazo, muitas das vezes os acadêmicos são postos nesse ambiente sem uma
preparação adequada para atuar na prática. Assim, eles sentem dificuldades em ministrar
as aulas, inseguros no desenvolvimento das atividades.
Durante a experiência de estágio como licencianda do Curso de Licenciatura
Interdisciplinar em Ciências Humanas/ Sociologia, uma das autoras deste texto –
licencianda do curso – sentiu que não estava devidamente preparada para a realização da
prática. Como o texto “Orientações Curriculares do Ensino Médio (2006) ressalta, às vezes
a formação por demasiada teórica fica dissociada da reflexão sobre a prática docente. Além
disso, a organização das disciplinas do curso, com Metodologia do Ensino de Sociologia
sendo ofertada após o estágio, acaba levando os discentes a reproduzirem as técnicas e
estratégias de ensino utilizadas na educação superior – o que dificulta o processo de ensino-
aprendizagem no ensino médio. Os estudantes do curso de licenciatura interdisciplinar
por não verem na docência na educação básica como uma profissão atraente, acabam
menosprezando as atividades de estágio, justificando pela falta de interesse em atuar
nessa etapa de ensino. Esse contexto se assemelha ao da Alemanha na metade de século
XX descrito por Theodor Adorno em seu texto “Tabus acerca do Magistério”. Segundo o
autor (1995):
Permitam-me começar pela exposição da experiência inicial: justamente
entre os universitários formados mais talentosos que concluíram o exame
oficial, constatei uma forte repulsa frente aquilo a que são qualificados pelo
exame. Eles sentem seu futuro como professores como uma imposição, a
que se curvam apenas por falta de alternativas. É importante ressaltar que
tenho a oportunidade de acompanhar um contingente não desprezível de tais
formados, com motivos para supor que não se trata de uma seleção negativa.
(ADORNO, 1995, p. 97).

Desse modo, tanto a observação das aulas, como a regência e as microaulas são
desenvolvidas em curtos períodos, com o mínimo de dedicação e apreço. Não há, por
parte da grande maioria dos estudantes do curso, uma consciência e reflexão sobre a
importância do estágio em sua formação como futuros professores.
A hipótese deste trabalho é que o incentivo na formação do professor de Sociologia
é fundamental para o desenvolvimento e sucesso da disciplina. A defesa é que o professor/

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 9 106
professora formado/a na disciplina garante maior qualidade do ensino ministrado em sala
de aula – principalmente, em se tratando de um município que durante anos não contou
com a presença de professores efetivos de Sociologia formados na área.
Na maior parte dos estados nordestinos, assim como no restante do pais, a
proporção predominante dos profissionais que lecionam Sociologia não possui
formação acadêmica para tanto, e mesmo quando a possuem encontram
limites estruturais para produzir uma ‘desnaturalização da realidade social’,
tal qual preconizado pelas Orientações Curriculares Nacionais de Sociologia
(OLIVEIRA apud BRASIL, 2006).

Outrossim, percebendo que muitas vezes a disciplina passa a ser ministrada por
um professor que não possui formação na área, isso acaba prejudicado o estudante, tendo
em vista que ele só terá contato com docentes formados na área quando ingressar na
universidade. Para tal, é preciso um investimento dos cursos de licenciatura em Sociologia,
em Ciências Sociais e em Ciências Humanas/ Sociologia na tentativa de formação desses
discentes de modo a destacar a importância do magistério, pois é a partir desse investimento
que os estudantes serão capazes de realizar a tradução do conhecimento produzido no
ensino superior para a linguagem do ensino. Para a construção de pontes e tradução,
a inserção desde cedo no ambiente escolar contribui para a elaboração de estratégias
e metodologias de ensino, com a contextualização dos conteúdos, aproximando-os da
realidade dos alunos e alunas, permitindo uma maior aproximação entre o conhecimento
apreendido teoricamente nas universidades e as habilidades práticas necessárias aos
egressos dos cursos de licenciatura ao assumirem as salas de aula da educação básica
no nosso país.
Os professores que ministram as aulas essa disciplina definem a sociologia como
sendo uma ciência de formação dos estudantes, propiciando a aquisição da linguagem
científica. Como destaca os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio/ Ciências
Humanas e suas tecnologias (1998), por ser responsável pela transmissão de uma
linguagem, a Sociologia se relaciona diretamente com os conteúdos das áreas de
Linguagens e Códigos.
Se, por outro lado, a vida social pode ser entendida como um conjunto de
práticas (re)produzidas, analogicamente podemos tomar a vida social como
um tipo de linguagem. Em outros termos, como um sistema de comunicação,
de cuja constituição e atribuição de sentido participamos. Sendo assim,
a linguagem é falada por atores e utilizada como meio de comunicação e
interação, formando uma estrutura dotada de sentido.

Dentro dessa concepção, a Sociologia poderia trabalhar em conjunto com


a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, tomando por princípio
a definição de instituição social como um padrão de controle imposto
pela sociedade. Peter e Brigite Berger analisam a linguagem como sendo
a instituição fundamental da sociedade, que permite a objetivação, a
interpretação e a justificação da realidade (PCN’s Ensino Médio, BRASIL.
1998: 46).

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 9 107
Nessa perspectiva, a metáfora da linguagem como representação da vida social
enseja uma reflexão sobre a dimensão da comunicação no estabelecimento de relações
sociais. Educar para a cidadania, seguindo esse prisma, é tarefa calcada no diálogo para a
construção de consensos e de elaboração de sentidos.
Essa inserção não apenas nas atividades de regência, mas também de pesquisa,
tem por intuito aguçar nos discentes um interesse em perceber as escolas como espaços
de reflexão e de produção de pesquisas e conhecimento na área da educação, promovendo
conexões entre a docência e a pesquisa. A vivência do cotidiano escolar permite o aguçar
nos discentes um interesse em perceber no ambiente escolar como espaços de reflexão e
de produção de pesquisas e conhecimento na área da educação, promovendo conexões
entre a docência e a pesquisa. O processo de ensino-aprendizagem passa ser percebido
através das sociabilidades estabelecidas entre os diferentes atores que compartilham
desses espaços, contribuindo para o estabelecimento de uma vivência democrática.
As escolas, principalmente às públicas, com a universalização do acesso ao ensino
fundamental nos anos 90, passaram a abrigar uma pluralidade e diversidade de atores
sociais, representando um microcosmo da sociedade.
A pesquisa etnográfica nas escolas permite um olhar e ouvir, como destaca
Roberto Cardoso de Oliveira (1996), que busca uma abertura a perspectiva e a percepção
do mundo pela lente de outrem. Processos distintos que se entrelaçam no processo de
construção da compreensão das relações sociais estabelecidas nesse cenário, cujos
poderes não são distribuídos de maneira equânime. Ao adentrar nesses universos, o
pesquisador/ a também se vê imerso em relações que o permitem questionar e refletir
sobre as suas próprias percepções e referências. No caso específico, o licenciando em
Ciências Humanas/ Sociologia – ou em Sociologia, Ciências Sociais – passa a refletir sobre
as suas percepções acerca da prática docente e das metodologias capazes de promover a
imaginação sociológica. Ao tomarem conhecimento dos contextos dos estudantes, podem
desconstruir discursos acerca da eficácia/ ineficácia da aprendizagem, além de trocar
experiências com os profissionais de ensino que acumulam anos em suas atividades.
Destaca-se aqui a oportunidade que o Programa Residência Pedagógica do
Governo Federal – financiado pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior) –, ao possuir uma carga horária maior que a do estágio docente,
permitiu aos discentes adentrarem nesses contextos escolares. Queremos trazer como
exemplo, a experiência no Anexo do Centro de Ensino Deborah Correia Lima, no Povoado
Coqueiro, em que os licenciandxs tiveram a oportunidade de observar e acompanhar as
aulas de Sociologia no Ensino Médio e no EJAI – Programa de Jovens, Adultos e Idosos. A
participação dos discentes no EJAI foi fruto de uma parceria estabelecida com a Prefeitura
de São Bernardo. Devido a distância de cerca de 30km do Distrito da sede do município,
seria inviável a realização do subprojeto na localidade sem o apoio da Secretaria Municipal
de São Bernardo, que nos cedeu um ônibus para o transporte dos discentes.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 9 108
Os desafios enfrentados pelos residentes ao realizarem as atividades do subprojeto
no povoado – cansaço com o deslocamento, insegurança na estrada devido aos casos
de assalto – retratam os percalços enfrentados pelos alunxs dessa localidade. Há uma
proposta do governo do estado do Maranhão de direcionar os estudantes dos povoados
dos municípios para as escolas da sede. No caso de São Bernardo, essas escolas que se
localizam na parte central já sofrem com as consequências da superlotação. Além disso,
os períodos chuvosos acabam afetando diretamente os estudantes dessas regiões que,
devido a alagamentos, falta de manutenção nos ônibus, atrasos, ficam prejudicados.
Na primeira visita ao Anexo, que funciona em uma escola cedida pela rede municipal
de ensino, os discentes do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas/ Sociologia do
Campus de São Bernardo, que residem na sede, ficaram impactados com a precariedade
das condições de estrutura do prédio. Esse contato possibilitou a percepção das
desigualdades sociais em territórios tão próximos, porém tão distantes com relação ao
acesso aos diferentes bens. A apatia que alguns demonstravam com relação ao programa
e o desinteresse pela docência na educação básica contrastou-se após o contato com essa
realidade tão dispare – desconhecida por eles – e, ao mesmo tempo, tão próxima. Ao se
permitirem ser afetados e afetadas por aquele contexto, sentiram-se instigados a pensar
alternativas para intervir, positivamente, na melhoria da qualidade de ensino ofertado pela
escola.
Dessa experiência, surgiu a ideia de elaboração de um Projeto de Intervenção que
estimularia a apreensão da leitura e da linguagem. Ao observarem as aulas do EJAI, os
residentes perceberam a necessidade de se trabalhar com a escrita e a leitura como formas
de aquisição da linguagem. Em diálogo com a coordenação do subprojeto, foi pensado
uma maneira de desenvolvê-lo a partir da interdisciplinaridade das disciplinas de Ciências
Humanas – com especial ênfase para os conceitos e abordagens da Sociologia – e das
Linguagens e Códigos. O processo de construção do conhecimento, nesse sentido, ao
invés de partir de um programa fechado e pensado para estudantes deslocados de seus
contextos sociais, se construiu de maneira inversa ao ser criado para atender uma demanda
contextual. Essa proposta relaciona-se aos pressupostos que fundamentam a educação
como um Direito Humano garantido, ao ser ampliado seu acesso, ampliam-se também os
campos de possibilidade do compartilhamento de experiências e vivências democráticas.
Nesse sentido, esse programa experimental do governo federal tem a contribuir para
reflexões acerca do Estágio Supervisionado ao introduzir no ambiente escolar a pesquisa
acadêmica, em especial, a pesquisa etnográfica – pautada no princípio de compreensão do
humano e de descrição das redes de significado das relações sociais. Ações que inserem o
licenciado nos espaços escolares, fazendo-os compreender a importância dessa formação
para a transformação do acesso e qualidade do ensino público. Os próprios licenciandos e
licenciandas, nesses contextos, passam a perceber-se como sujeitos históricos e sociais
que possuem papel significativo no processo de transformação social.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 9 109
Na formação para a cidadania, o ensino dos Direitos Humanos é um dos temas a
ser trabalhado pela Sociologia no Ensino Médio (BRASIL, 2006: 122). À disciplina cabe
o papel de se pautar em argumentos científicos e metodologias de análise na busca pela
desconstrução das percepções de senso comum, difundidas com relação a essa temática
no país e no mundo.

2 | CONCLUSÃO
É consenso entre diferentes correntes do pensamento social que a construção
de um olhar sociológico, a partir do estranhamento e desnaturalização das relações
sociais, propicia a elaboração de uma compreensão dos fenômenos sociais para além do
senso comum, ampliando a nossa compreensão do humano. Formar para a cidadania,
o principal objetivo da disciplina de sociologia, se entrelaça com os esforços de produzir
narrativas baseadas em métodos e análises científicas capazes de desconstruir o senso
comum dialogicamente, contribuindo para que os indivíduos assumam uma postura de
distanciamento em relação aos fatos da vida nos quais estão inseridos. Em uma sociedade
democrática, essas práticas são fundamentais para que as garantias de direitos sejam
efetivadas e a atinjam a todos os cidadãos. A História do Brasil é perpassada por regimes
de governo autoritário e, o atual momento em que vivemos, é um dos mais longos períodos
de governos democráticos. Por isso, o ensino de Sociologia e de Ciências Humanas possui
papel de destaque na consolidação desse processo.
Assim, após o relatado, conclui-se que os cursos de licenciatura das universidades,
em sua organização curricular e pedagógica, acabam priorizando a formação teórica em
detrimento a formação prática. Esse fato, muitas vezes, tem consequências posteriores
na carreira do licenciando e licencianda quando, ao buscar uma inserção no mercado
de trabalho, não se sente suficientemente preparado para exercer o ofício de professor.
Além disso, as condições precárias e os salários pouco atrativos acabam afugentando os
formandos e formandas desses cursos. Pensar metodologicamente práticas educativas e
propiciar experiências de contato com as distintas realidades escolares – como o Programa
Residência Pedagógica estabelece como diretriz –, dessa forma, contribui para minimizar as
dificuldades em atrair os discentes desses cursos para a educação básica – e, em especial,
para a escola pública –, permitindo a esses que vislumbrem essa etapa educacional como
um período de experiência profissional enriquecedora, com possibilidades de crescimento
pessoal e profissional. Ao criar essas estratégias, os cursos de licenciatura estariam
cumprindo com o seu principal objetivo, ou seja, a formação de professores – principalmente
para atuarem em regiões que possuem carência desses profissionais. Ao investir em uma
formação de qualidade dos estudantes, contribuiriam, ainda, para a melhoria significativa
da educação brasileira

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 9 110
REFERÊNCIAS
Livro:
ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação, trad. W. Leo Maar, SP: Ed. Paz e Terra, 1995.

Capítulo de Livros:
LIMA, M. S. L. A escola como espaço de formação docente. In: ____ Estágio e aprendizagem da
profissão docente. Brasília: Liber livro, 2012. p.85-120.

NÓVOA, António. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, António Os professores
e sua formação. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1992.p.139-158.

PIMENTA, S. G; LIMA, M. S. L. Estágio: diferentes concepções. In: ____ Estágio e docência. 7. ed.
São Paulo: Cortez, 2012. p.33-57.

Periódicos em Partes:
OLIVEIRA de, Roberto Cardoso. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir e escrever. Revista de
antropologia. São Paulo, USP, 1996, v.39n° 1.

OLIVEIRA, Amurabi. A formação inicial de professores de sociologia no Nordeste: alguns breves


apontamentos. Rev. Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 06, n. 12, p. 285-299, jul.-dez. 2014

VARGAS, Francisco E. Beckenkamp. O Ensino da Sociologia: Dilemas de uma disciplina em busca


de reconhecimento. Acesso em 05/06/2021, disponivel em: https://wp.ufpel.edu.br/franciscovargas/
files/2011/10/ARTIGO-O-Ensino-da-Sociologia.pdf

Eventos:
FONSECA, Claudia. Quando cada caso não é um caso. Trabalho apresentado na XXI Reunião Anual
da ANPEd, Caxambu, setembro de 1998.

Leis e Decretos:
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

_______________. Conselho Nacional de Educação (CNE). Resolução n. 3, de 26 de junho de 1998.


Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 ago. 1998a.

_______________. Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer n. 15, de 1 de junho de 1998.


Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, DF, 1998b.

BRASIL/MEC. Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Ciências Humanas e suas


tecnologias. Brasília, 2006, v. 3.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 9 111
CAPÍTULO 10
GÊNERO E O MERCADO DE TRABALHO: O OLHAR
DO ALUNO EGRESSO DO CURSO DE PEDAGOGIA

Data de aceite: 10/01/2022 completamente o questionário enviado. Os


resultados apontam, para o preconceito no que
se refere à atuação de homens na Educação
Emily Cabral dos Santos
Básica, sobretudo nas salas de aulas de
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
João Pessoa-Paraíba Educação Infantil, além de apontar para a
http://lattes.cnpq.br/4748956537208505 prática de distanciamento de homens pedagogos
http://orcid.org/0000-0003-4066-2394 do exercício da docência. Somado a isso, os
resultados apontam que, se pudessem escolher,
Joseval dos Reis Miranda os pedagogos não fariam o curso novamente
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) em razão das dificuldades enfrentadas, por eles,
João Pessoa-Paraíba para se inserirem no mercado de trabalho.
http://lattes.cnpq.br/6303738632950566
PALAVRAS-CHAVE: Relações de gênero.
https://orcid.org/0000-0002-0713-0110
Pedagogo. Mercado de trabalho. Homens na
Pedagogia.

RESUMO: Essa pesquisa teve como objetivo GENDER AND THE LABOR MARKET:
entender como as questões de gênero THE PERSPECTIVE OF THE STUDENT
influenciam o aluno egresso do curso de GRADUATES FROM THE PEDAGOGY
Pedagogia, da Universidade Federal da Paraíba COURSE
(UFPB), no período de 2014-2019, no que se ABSTRACT: This research aimed to understand
refere a sua inserção no mercado de trabalho, how gender issues influence the student who
com ênfase nas masculinidades e como eles graduated from the Pedagogy course, at the
veem as influências que as questões de gênero Federal University of Paraíba (UFPB), in the
tiveram na escolha do seu curso, bem como as period 2014-2019, with regard to their insertion in
dificuldades apresentadas por eles na inserção the labor market, with emphasis on masculinities
no mercado de trabalho. Os autores e autoras and how they see the influences that gender issues
que fundamentaram a presente pesquisa tratam had on the choice of their course, as well as the
sobre gênero, masculinidades e docência, dentre difficulties presented by them in entering the labor
eles/elas, estão: Scott (1989), Saffioti (2004), market. The authors and authors who founded
Connell (1995), Moreno (2003), Beauvoir (2016), this research deal with gender, masculinities and
Carvalho e Rabay (2015), Louro (2011, 2007), teaching, among them, are: Scott (1989), Saffioti
Paraíso (2016) entre outras e outros. Tratou-se (2004), Connell (1995), Moreno (2003), Beauvoir
de uma pesquisa qualitativa, realizada por meio (2016), Carvalho and Rabay (2015), Louro (2011,
de questionário online enviado para cinquenta 2007), Paraíso (2016) among others and others.
e um alunos egressos do Curso de Pedagogia. It was a qualitative research, carried out through
Todavia, apenas dezoito alunos responderam an online questionnaire sent to fifty-one graduate

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 112
students of the Pedagogy Course. However, only eighteen students completely answered
the questionnaire sent. The results point to prejudice with regard to the role of men in Basic
Education, especially in Early Childhood Education classrooms, in addition to pointing to the
practice of distancing male pedagogues from the exercise of teaching. Added to this, the
results show that, if they could choose, pedagogues would not take the course again due to
the difficulties faced by them to enter the labor market.
KEYWORDS: Gender relations. Pedagogue. Job market. Men in Pedagogy.

1 | INTRODUÇÃO
Existe, em nossa sociedade, uma divisão sexual do trabalho, por meio da demarcação
de lugares específicos a serem ocupados por homens e por mulheres. No contexto da
docência, esta situação se corporifica, por exemplo, no fato de existir um maior número de
mulheres, atuando na educação básica, e um maior número de homens, atuando no ensino
superior (SENKEVICS, 2011). A profissão docente na Educação Básica, sobretudo nos
níveis Infantil e Fundamental, está sempre associada às características consideradas como
femininas, a exemplo das práticas do cuidar. Em contrapartida, na Educação Superior,
há maior participação de homens, mais precisamente em áreas específicas, totalizando
à maioria dos docentes neste grau de ensino (VIANNA, 2001). O acesso à educação,
principalmente em nível superior, é a porta de entrada para uma atuação profissional
valorizada e qualificada, todavia, podemos observar que, em relação a determinados
cursos, ocorre uma maior participação de homens devido ao prestígio atribuído à profissão.
No entanto, o que leva homens e mulheres a se enquadrarem em profissões
específicas? Quem determina o papel que o homem e a mulher devem exercer? A docência
tem mais mulheres por que elas querem ou porque são condicionadas a exercê-la? Tais
questionamentos são pertinentes, levando-nos a pensar onde estará a “raiz” destas ideias
e a buscar respostas para as mesmas. Para respondê-las, no entanto, basta perguntar as
mulheres que tipo de educação receberam. Neste caso, consideramos que a educação
possui um papel extremamente importante, pois é a partir dela que podemos obter as
respostas que precisamos.
Em nossa cultura, desde sempre, homens e mulheres já possuem suas tarefas
e/ou funções predefinidas; dessa forma, compreendemos que já nascemos com tarefas
predeterminadas, de acordo com o sexo em que somos “encaixados”. Durante a infância,
meninos e meninas recebem instruções de adultos (pai/mãe, professor/professora) que,
baseado no sexo biológico, decidem sobre o que devem vestir, com quais objetos e
pessoas devem brincar e como devem se comportar. Entretanto, não é devido exatamente
as características sexuais (sexo biológico) que essas diferenças são acentuadas, mas pela
forma como se pensa ou como se valoriza as mesmas.
É preciso, portanto, desconstruir este paradigma tradicional, que alicerça a
sociedade, no sentido de possibilitar que mulheres e homens possam exercer o direito à

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 113
liberdade e à autenticidade de poder decidir sobre qual profissão deseja exercer. Desse
modo, desobrigando-se de atuar em um determinando campo de atividade apenas porque
a sociedade “obriga” ou condiciona. Há muito, havia-se definido que o homem pertencia
ao mundo externo e a mulher, ao mundo interno. Essas definições sociais, impregnadas
em nosso contexto social, não permitem que percebamos a sociedade patriarcal e
androcentrista na qual vivemos.
Assim sendo, é possível perceber que, até mesmo, nas brincadeiras consideradas
“de menino” e “de menina”, a presença do patriarcado é central. Aos meninos estão
direcionados brinquedos e brincadeiras que remetem ao mundo externo, como carros,
futebol, jogos de estímulo cognitivo; por sua vez, às meninas estão destinados brinquedos
e brincadeiras que apontam para o mundo interno, como brincar de boneca, de casinha,
de cozinhar, etc. Nesse contexto, percebemos que existe também uma desigualdade e
uma elevação das diferenças, presentes não apenas nos brinquedos e brincadeiras como
também nas cores e tipos de roupa, que levam todos e todas a internalizar o pensamento
de que a mulher está condicionada a viver à margem do homem.
Deste modo, a ideias de sexismo se tornam recorrentes na vida das mulheres,
pois estas vivem em uma sociedade cuja cultura está fundamentada na masculinidade;
compreendendo a mulher como fraca e submissa, e o homem como forte e dominador.
Entretanto, apesar de a luta pela liberdade feminina ter avançado consideravelmente, ainda
percebemos, a permanência e a valorização da desigualdade de gênero, por meio da qual
a mulher é posta na invisibilidade e seus interesses são considerados como secundários.
A desigualdade de gênero é, portanto, um problema frequente, que se faz presente
em diversos âmbitos da sociedade, sobretudo, no campo da educação. Nesse contexto, a
escola, apesar de ser um local de promoção de aprendizagens, interações e conhecimentos,
põe em funcionamento práticas educacionais que podem contribuir para o engendramento
de práticas que condicionam meninas, meninos, mulheres e homens a se enquadrarem em
alguns espaços e outros não.
Diante do que foi apresentado, reafirmamos que o objetivo de nossa pesquisa foi
refletir sobre as influências das questões de gênero, na atuação do pedagogo no mercado
de trabalho. Para tanto, realizamos um mapeamento do quantitativo de alunos (homens)
concluintes do curso de Pedagogia, no período de 2014 a 2019, e de suas respectivas
áreas de atuação; conhecemos a visão dos alunos egressos, acerca das influências que as
questões de gênero tiveram na escolha do curso de Pedagogia e, por fim, analisamos as
dificuldades apresentadas, pelos referidos discentes, no que se refere a sua inserção no
mercado de trabalho.
Como metodologia, utilizamos a abordagem qualitativa. Realizamos a coleta de
dados, por meio de questionário online, aplicado para 51 alunos, egressos e recém-formados,
do curso de Pedagogia. Dos questionários enviados, apenas 18 foram respondidos na sua
totalidade. Vale ressaltar que esse instrumento foi construído no Google Forms e enviado,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 114
para os e-mails alunos que concluíram o curso de Pedagogia, no período de 2014-2019.
Vale ressaltar que os e-mails foram disponibilizados pela Coordenação do curso referido
curso. De acordo com Flick (2009, p.167), “as pesquisas de levantamento pela rede são
mais flexíveis na formatação do questionário todo e nas opções de resposta”, tornando-se
um método mais prático, tanto para quem responde quanto para quem faz as análises.
Ainda conforme o autor (2009, p. 238) a pesquisa qualitativa “não escapa aos efeitos da
revolução digital”. Desse modo, é necessário que haja o desenvolvimento de pesquisas,
que utilizam a internet como ferramenta de coleta de dados.
Expostas as informações iniciais, o presente artigo aborda algumas reflexões acerca
das masculinidades, da relação do curso de Pedagogia com a atuação no mercado de
trabalho; em seguida, os dados gerados pelas vozes dos estudantes, egressos do curso de
Pedagogia, e, por fim, as considerações finais.

2 | MASCULINIDADES(S) NA PEDAGOGIA: REFLEXÕES SOBRE AS


QUESTÕES DE GÊNERO
O magistério inicialmente foi construído como sendo um campo masculino. Ao longo
do tempo, a ideia de que a educação é uma área marcadamente de atuação feminina
foi crescendo e consequentemente, os poucos homens que atuam na área passaram
a não ser bem vistos para a atuação docente. A partir desse contexto, constrói-se uma
ideia de masculinidade, na qual o homem não tem vez ou voz, no campo da pedagogia.
A masculinidade é um conceito (talvez um estilo de vida) que se baseia no patriarcado.
Sabemos que estudar a referida temática, a partir desse conceito, é imprescindível para a
compreensão de como se desenvolve as relações de gênero. Todavia, ao tratamos desse
tema, sinalizamos que não estamos nos referindo apenas ao indivíduo em si, mas também
de como a masculinidade é compreendida e vivida em nosso meio social.
O termo Patriarcado pode ser definido como um sistema histórico que se fundamenta
na dominação dos homens sobre as mulheres, resultando na produção, no meio em que
vivemos, de uma sociedade patriarcal e androcêntrica (SCOTT, 1989; SAFFIOTI, 2004;
CONNELL, 1995; MORENO, 2003).
Nesse contexto, portanto, a masculinidade é entendida como um sistema,
produtor de sentidos e noções que condicionam o modo como pensamos sobre nós e
as pessoas quem nos cercam, bem como as nossas ações. Assim sendo, ela é produto
de uma sociedade patriarcal que veicula um discurso que nos atravessa, enquanto seres
generificados, moldando-nos e nos modificando, ao longo dos séculos (BUTLER, 2017).
Diante das circunstâncias, não podemos falar de masculinidade, mas, de masculinidades,
tendo em vista, que as identidades são fluidas e cambiantes.
Para entender essa lógica, tomamos como princípio a fala de Joan Scott (1995).
A autora afirma que o gênero é o primeiro marcador organizacional da sociedade; desse
modo, as instituições são atravessadas pelo conceito de gênero. Percebemos que, antes do

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 115
nascimento de uma criança, o questionamento “é menino ou menina?” já se faz presente.
Dessa maneira, a partir da resposta dada, aquele corpo começa a receber uma série de
inscrições, com base nas regras instituídas, acerca do que é ser menino ou menina, que
buscam normatizar e enquadrar aquele corpo nas expectativas culturais, criadas sobre
o seu sexo. Para Carvalho e Rabay (2015), o conceito de gênero não é, e nunca foi,
de fácil compreensão; isto porque existem diferentes definições sobre o mesmo, além
de desdobramentos, resultante dos lugares a partir dos quais perspectivas e correntes
teóricas que o utiliza. Há, todavia, entre as autoras e autores estudados, uma concordância
em afirmar que o gênero além de ser uma construção social é também um instrumento
didático e pedagógico, uma vez que, a partir dele se ensina e se aprende o que a sociedade
pensa sobre que o é ser homem e o que é ser mulher. É, portanto, através das pedagogias
culturais, que compreendemos como costumes/hábitos/condutas culturais produzem as
ideias que nos fazem entender o lugar de pertença como seres humanos. Sobre isso,
Andrade (2003) diz que:
Estes estudos, ancorados na ideia de uma “pedagogia cultural”, autorizam
estender nosso olhar para além da escola e entrever que não é somente nesse
espaço pedagógico que os corpos são educados, moldados, governados.
Somos constantemente bombardeadas por informações que nos chegam
principalmente através da mídia e que nos ensinam como devemos nos
relacionar com o mundo; informações que se pretendem verdadeiras e
universais [grifo nossos] (ANDRADE, 2003, p. 109).

Estas “pedagogias culturais” chegam sem que percebamos. São noções impostas
através de instituições cristalizadas na sociedade, como família, escola, religião, medicina,
além das revistas e das mídias em geral. Portanto, a compreensão do que devemos
ser, noção essa instituída pela sociedade, impacta as nossas vidas de modo que as
naturalizamos como verdades absolutas e imutáveis, isto é, crescemos sendo enquadrados
nesses modelos, ratificando expectativas pré-determinadas para homens e mulheres.
Assim sendo, entendemos que o gênero é aprendido por instâncias culturais, que
atravessam os muros das escolas, disciplinando e normatizando meninos e meninas de
acordo com o que se espera de cada um/uma. Para melhor entender o gênero, buscamos
o trabalho de Meyer (2003); a autora nos mostra que existem quatro desdobramentos deste
conceito:
A) Gênero como norma/padrão – Constitui-nos, ao longo da vida, como homens e
mulheres. O assimilamos através das relações com o outro e com o meio.

B) Gênero como algo mutável - Sentidos consonantes sobre masculinidade e


feminilidade. Dá-se por meio da pluralidade de processos, na construção do corpo
feminino e masculino, relacionando o gênero com os demais marcadores sociais,
como raça/etnia, classe, religião, geração etc.

C) Gênero como relação de poder - Sociedade e cultura constituem homem e mulher


como sujeitos generificados, contexto onde um detém o poder sobre o outro. Nesta

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 116
perspectiva, busca-se educar esses sujeitos para que, aos poucos, trabalhem na
desconstrução das relações do poder.

D) Gênero como algo histórico, social, cultural e linguístico - O corpo como objeto
de análise das relações, compreendendo-o para além do aspecto biológico. Todavia,
trabalha analisando os diferentes posicionamentos sociais pelos quais o gênero
atravessa os corpos, determinando papéis e funções.
Diante desses desdobramentos, a autora afirma que o gênero possui função
pedagógica, pela sua capacidade de propiciar ensinamentos e possibilidades de ser
aprendido (e apreendido) pelos sujeitos. Corroborando com Meyer (2003), Butler nos diz
sobre o gênero:
Se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é;
[...] o gênero nem sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente
nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções
com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de
identidades discursivamente constituídas (BUTLER, 2017, p.21).

Nesse sentido, a problemática do gênero não pode ser analisada sozinha, como
algo que se constrói e se constitui de maneira isolada, como aponta Beauvoir (2016, p.
11) “ninguém nasce mulher: torna-se mulher. [...] é o conjunto da civilização que elabora
esse produto intermediário entre o macho e o castrado, que qualificam de feminino”. Nessa
perspectiva, o gênero está intrinsecamente ligado à cultura, aos marcadores sociais e,
sobretudo, a educação. Pensando a questão, e para melhor compreender como o gênero
revela-se na escola, trazemos as contribuições de Louro, o qual nos mostra que, ao longo
do tempo, a escola vem produzindo uma diferenciação entre meninos e meninas. Vejamos
o que afirma a autora:
A escola delimita espaços. Servindo-se de símbolos e códigos, ela afirma o
que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui. Informa o “lugar”
dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas. Através de seus
quadros, crucifixos, santas ou esculturas, aponta aqueles/as que deverão ser
modelos e permite, também, que os sujeitos se reconheçam (ou não) nesses
modelos. (LOURO, 2011, 58).

Apreendemos, desse modo, que meninos e meninas vivenciam a escola de modo


diferente, uma vez que suas experiências são implicadas pelo gênero, seja na cobrança
de comportamento seja nas relações, brincadeiras e tratamento, recebido pelas figuras
de maior autoridade, a exemplo do/da professor/a. Outro contexto em que essa diferença
se torna latente consiste na área de educação física. Conforme, Louro (2011), considerar
a ideia de que apenas meninos possuem pré-disposição para praticar atividades físicas,
continua sendo uma ideia bem mais aceita, visto que as meninas têm sido consideradas
“menos capazes” e mais desprovidas de força física. Em contrapartida, essa noção, quando
pensada a partir das masculinidades, coloca ideias de cobranças sobre os meninos, que se
veem na obrigação de participar ativamente das atividades de educação física como, por

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 117
exemplo, o jogo de futebol. Nesse caso, negar a prática dos esportes colocava em xeque
a própria sexualidade masculina, pois, para os meninos, a prática esportiva era vista como
um traço ‘natural’ (LOURO, 2011).
Compondo o cenário das problemáticas acerca dos gêneros, as autoras, Louro
(2011), Meyer (2003) e Paraíso (2016) salientam que o currículo é um instrumento normativo
e generificado, que corrobora para a produção e sedimentação de regras, nesse campo.
[...] um currículo ensina muitas normas relativas a gênero. Normas que
produzem, reafirmam e naturalizam o que é masculino e feminino que,
por sua vez, regulam as condutas de homens e mulheres, meninas e meninos
nas escolas. Trata-se, portanto, de um importante espaço social, em que as
normas reguladoras do gênero marcam sua presença para ensinar o certo,
o errado, o esperado, o adequado, o inadequado, o normal, o anormal, o
estranho e o “abjeto” em relação às condutas de gênero. [grifo nosso]
(PARAÍSO, 2016, p.208).

Desse modo, entendemos que embora o tema do gênero seja tirado do currículo
escolar, ele continua a permanecer no cotidiano escolar por sermos sujeitos de gênero.
Nesse sentido, estudos sobre o tema apontam que a desigualdade nas relações de
gênero, no contexto escolar, ainda persiste uma vez que a comunidade escolar não
intervém sobre ações que elevam o sexismo (GONÇALVES & QUIRINO, 2017). Isto posto,
compreendemos que o tema do gênero constrói as noções de feminino e de masculino;
assim sendo, procuramos aprofundar a discussão sobre masculinidade.
Consideramos que não podemos discutir sobre a questão da masculinidade,
compreendendo que existe apenas um só conceito ou um só tipo de masculinidade.
Dessa maneira, pensamos este trabalho, assumindo o posicionamento de que há várias
masculinidades, tendo em vista que ela se manifesta através de discursos, narrativas,
gestos, presentes na sociedade e fundamentados nas diferentes relações de poder
(SANTOS, 2013; MISKOLCI, 2016; LOURO, 2011; BUTLER, 2017).
Partindo deste ponto de vista, valoriza-se a ideia de que os meninos devem ser
bravos, impetuosos e de que são livres para brincar na rua etc.; as meninas, por sua vez,
devem ser meigas, gentis, e devem brincar de boneca com outras meninas. Deste modo,
meninos e meninas possuem um padrão a seguir; neste, está imposto as regras de como
se comportar, o que vestir, com quem se relacionar, etc.
Todavia, ao analisarmos o meio em que vivemos, percebermos que o referido
padrão, imposto pela sociedade, não está relacionado apenas aos aspectos citados
acima, mas também a uma padronização do gênero, da sexualidade, da religião, da cor.
Como resultado, o indivíduo considerado o modelo padrão da sociedade é aquele que
assume as seguintes características: homem, heterossexual, cristão e branco, com vida
financeira estável. Este modo de compreensão, antigo e ao mesmo tempo atual, leva-nos
a buscar compreender os motivos pelos quais a nossa sociedade, em pleno século XXI,
ainda padroniza homens com esse estereótipo, permitindo que mulheres, crianças, idosos,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 118
pessoas de outras raças, de baixa renda e de outras religiões permaneçam à margem.
Quando a criança nasce, ou mesmo antes de nascer, já se estabelece, de acordo
com o sexo biológico, como a criança será tratada; na ocasião, pais e mães demarcam
espaços, escolhem cores, roupas e brinquedos. Estas decisões advêm das determinações
que a sociedade impõe ao homem e a mulher; assim sendo, a criança aprende o que é ser
menino e o que é ser menina, e quais serão os seus papéis na sociedade.
De acordo com Louro (2011, p. 43), o uso da frase, “as mulheres são diferentes dos
homens” remete ao lugar de prevalência do homem sobre as mulheres, sendo eles a norma
padrão que figura na sociedade. Em contextos de creches e de escolas, por exemplo, é
comum observarmos esse princípio, sendo posto em funcionamento, nos mais variados
setores, até mesmo entre os profissionais. No que diz respeito aos alunos, no contexto
escolar, observamos que, na hora do intervalo ou nas aulas de Educação Física, ocorre a
distinção entre as atividades direcionadas aos meninos e às meninas. Dessa maneira, é
comum identificarmos meninos jogando futebol e meninas pulando corda. Quanto à atuação
dos docentes, é comum encontrar professoras lecionando nos Anos Iniciais, alfabetizando
crianças, e professores lecionando em séries/anos mais avançadas (HOSTYN, 2016).
Segundo Moreno (2003), a escola pode colaborar para desconstruir o androcentrismo,
para tanto, seria preciso inserir novos modelos e/ou submodelos, nos quais tanto meninos
quanto meninas teriam a liberdade de escolher em qual modelo escolheria se enquadrar.
Sobre a questão, Moreno (2003) explica:
A liberdade não nos é dada gratuitamente; é preciso aprender a construi-la
e, para isso, é necessário dispor de muitas possibilidades e saber escolher
entre elas. Se existe somente um modelo, só temos duas possibilidades:
aceitá-lo ou recusá-lo; se os modelos aumentam de número, aumentará
proporcionalmente nosso grau de liberdade (MORENO, 2003, p. 74).

Analisando a questão, Bourdieu (2002) nos mostra que ocorre uma priorização
do homem em todos os âmbitos sociais; desse modo, a divisão de trabalho, a produção,
a escolaridade, etc., tendem a direcionar, ao homem, os melhores aspectos. O autor
nos mostra que as formas de dominação masculina estão intrinsecamente inseridas na
sociedade. Nesse sentido, homens produzem e mulheres reproduzem os padrões existindo
como sendo o oposto, o outro, o diferente-, do homem o qual é o modelo da sociedade em
que vivemos.
Ao olharmos para a história veremos que, no Brasil e no mundo, a atividade docente
teve seu início como uma profissão masculina. Em especial, na sociedade brasileira por
religiosos, no caso, os jesuítas. Segundo Louro (2007), após o período no qual a educação
foi dominada pela religião, os homens permaneceram no magistério, sendo responsáveis
pelas aulas régias.
Existe certa naturalização de padrões, considerados femininos e masculinos,
afetando a vida de homens e mulheres, desde os primórdios da história da educação

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 119
familiar. Logo, foi atribuído a mulher, a responsabilidade por criar os filhos e as filhas,
bem como torná-los cidadãos, prontos para viver em sociedade. Neste cenário, o homem
assumiu papel secundário, como explica Walkerdine (1995):
Supõe-se que o papel apropriado da mulher é o de formadora do ser
cognoscente. É pouco surpreendente, pois que, como mães, as mulheres
são necessárias para produzir o tipo correto de cidadãos democráticos, ao
fornecer o tipo de cultivo e de desenvolvimento que permitirá que seus filhos
tornem-se cidadãos racionais, autônomos, livres, mas cumpridores das leis
(WALKERDINE, 1995, p.217).

Diante do exposto, compreendemos que a educação, por um longo período, foi um


campo inacessível para as mulheres; sendo destinadas somente aos homens e ministrada
apenas por eles. Assim, a primeira forma de educação destinada às mulheres, nos
primeiros anos de vida, não estava voltada para a emancipação feminina, nem tampouco
para o desenvolvimento do seu intelecto, mas para os afazeres domésticos, o matrimônio
e o cuidado da família. Entretanto, quando adultas, a educação recebida pelas mesmas se
voltava para a educação e/ou ao magistério.
No momento da criação das Escolas Normais, “Tais instituições foram abertas para
ambos os sexos, embora o regulamento estabelecesse que moças e rapazes devessem
estudar em classes separadas, preferentemente em turnos ou até escolas diferentes”
(LOURO, 2007, p. 449). Essas instituições, a princípio, não possuíam um funcionamento
precário, devido à falta de investimentos. Nelas, as mulheres faziam o curso para serem
professoras, enquanto os homens eram direcionados para as universidades, visando
graduar-se em cursos de nível superior, tais como Direito, Medicina, entre outros.
No decorrer do tempo, mais precisamente em meados do século XIX, a mulher
foi conquistando espaço na educação, respaldadas pelo discurso de que o país estava
vivenciando um grande progresso. Porém, as escolas, que as poucas mulheres podiam
frequentar, eram particulares; deste modo, apenas aquelas de origem nobre possuíam a
oportunidade de estudar. Nesse contexto, conforme explica Almeida (2006) “Às mulheres
que podiam ir à Escola Normal [...] ensinavam-se prendas domésticas e música juntamente
com português, francês, aritmética, geografia e história, pedagogia etc. [...]” (ALMEIDA,
2006, p. 73).
O processo de identificação da mulher com a atividade docente se deu em meio a
muitas discussões, polêmicas e disputas. Pensar que uma mulher poderia trabalhar neste
campo era considerado uma loucura, porque a ela cabia o cuidado com a educação das
crianças; além do mais compreendia-se que o futuro da nação dependia desse formato
de educação. Em meio a estes discursos, outros surgiram, afirmando a ideia de que a
mulher possuía, “por natureza”, o dom de cuidar e lidar com crianças; portanto, era mais
produtivo que elas fossem as responsáveis pela educação dos mesmos. Em meio a todos
esses argumentos “a favor” da mulher, na atividade docente, surge ainda a ideia de que a

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 120
ausência das mulheres nos lares não alteraria o papel social que possuíam em suas casas.
Isto posto, o pensamento de que o cuidado das crianças e a educação das mesmas
era papel da mulher, surgiu como uma ideia de predestinação. Neste sentido, Louro nos
mostra que:
Se o destino primordial da mulher era a maternidade, bastaria pensar que o
magistério representava, de certa forma, “a extensão da maternidade”, cada
aluno ou aluna vistos como um filho ou uma filha “espiritual”. O argumento
parecia perfeito: a docência não subverteria a função feminina fundamental,
ao contrário, poderia ampliá-la ou sublimá-la (LOURO, 2007, p. 450).

Fundamentados no princípio exposto acima, o magistério para moça surgiu como


sendo uma profissão para quem tivesse a “vocação”. Tais discursos possuíam muita força
no sentido de firmar que a sala de aula não era mais um lugar para homens. Mediante
a legitimação desse discurso, características femininas passaram a ser utilizadas como
pré-requisitos para o exercício da docência: paciência, cuidado, afetividade, doação.
“Características que, por sua vez, vão se articular à tradição religiosa da atividade docente,
reforçando a ideia de que a docência deve ser percebida mais como sacerdócio do que
como uma profissão” (LOURO, 2007, p. 450). Assim posto, o magistério foi alicerçado a
partir da República, momento em que a atividade teve uma ascensão considerável.
Nesse novo contexto, a docência se tornou um atrativo para as mulheres;
estas não ficaram restritas ao mundo doméstico, podiam circular pelo espaço público
desacompanhadas, adquiriram conhecimentos, que iam além das prendas domésticas, e
adentraram a esfera social. Isto posto, torna-se extremamente importante relatar que o
magistério foi uma das primeiras profissões, teoricamente de maior prestígio, na qual as
mulheres foram aceitas. Ser professora passou a ser, portanto, uma profissão de prestígio
aos olhos da sociedade; embora o magistério não fosse um campo de atuação que
oferecesse uma remuneração justa.
Vale ressaltar que este processo de feminização do magistério, segundo a autora
Rabelo (2007), possuía também um cunho político. Por conta da modernização, foi
necessário expandir o ensino para todos, demandando um investimento maior no campo da
educação, por parte do governo; desse modo, como as professoras ganhavam menos que
os professores, os gastos com a figura feminina, neste campo, tornaram-se um investimento
de alta rentabilidade. Dessa maneira, com o belo discurso de que a alma feminina possuía
vocação natural para atuar nessa profissão, reforçado pela ideia da recusa dos homens em
aceitarem a redução dos seus salários, a mulher foi considerada a figura ideal para assumir
este lugar de docência. Na realidade, o referido discurso não passava de uma “desculpa”
para afastar homens da docência, tendo em vista que esse não era considerado um lugar
de prestígio para eles. Rabelo (2007) explicita muito claramente como esse pensamento
se justifica:
Para que a escolarização se democratizasse era preciso que o professor

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 121
custasse pouco: o homem, que procura ter reconhecido o investimento na
formação, tem consciência de seu preço e se vê com direito à autonomia
– procura espaços ainda não desvalorizados pelo feminino. Por outro lado,
não se podia exortar as professoras a serem ignorantes, mas se podia
dizer que o saber não era tudo nem o principal. Exaltar qualidades como
abnegação, dedicação, altruísmo e espírito de sacrifício e pagar pouco: não
por coincidência este discurso foi dirigido às mulheres. (CATANI, 1997, p.
28- 29 apud RABELO, 2007).

Em decorrência dos diversos motivos sociais, acima postos, a profissão docente


tornou-se um legado feminino. Esta constatação pode ser verificada nas escolas de
Educação Infantil e dos Anos Iniciais, espalhadas por todo país. Sobre a questão da entrada
da mulher no campo da educação e de como ela foi sendo conduzida ao exercício do
magistério, Melo (2013) ressalta que ser professora se tornou uma profissão de dignidade
e respeito. Sobre a temática, Meyer (2003) afirma:
Desde a segunda metade do século XIX, as mulheres das camadas burguesas
europeias e americanas passaram a ocupar, também, espaços como escolas
e hospitais, mas suas atividades eram, quase sempre, controladas e dirigidas
por homens e geralmente representadas como secundárias ou de apoio,
ligadas à assistência social, ao cuidado de outros ou à educação (MEYER,
2003, p. 13).

Diante do exposto, entendemos que o processo histórico de formação do sistema


de ensino, com o passar do tempo, sofreu algumas mudanças que refletiram na profissão
docente, tornando-a feminizada. A seguir, falaremos sobre como essa mudança refletiu na
profissão do pedagogo e de seus enfrentaremos no mercado de trabalho.

3 | O PEDAGOGO E O MAGISTÉRIO: OLHARES TRANSVERSOS PARA O


MERCADO DE TRABALHO
O campo educacional, especificamente no que diz respeito atuação de professores,
tem servido de estudos em diferentes esferas, incluindo temática como a identidade docente,
o desenvolvimento profissional e entre outras. No entanto, existem poucas pesquisas no
que se refere ao papel dos homens pedagogos, que dificuldades enfrentam e como lidam
com os problemas que surgem ao longo da trajetória profissional.
Como discutido anteriormente, a atuação das mulheres tem predominado no
magistério, sobretudo na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
isto devido a elementos sociais, que condicionam e reforçam padrões generificados, sobre
os papéis masculinos e femininos. Com isso, percebemos que as marcas de gênero, no
que se refere a atuação docente, principalmente no campo da Pedagogia, por vezes, está
atrelada a divisão social e sexual de trabalho. Neste contexto, homem e mulher assumem
diferentes papéis, determinados por uma sociedade patriarcal.
Ao longo do tempo, o homem foi se tornando a representação de um modelo exímio
de educação, disciplina e boas condutas para a formação do caráter das crianças. Sobre

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 122
isso, Louro (2011) aponta que:
O mestre – e o jesuíta é seu exemplo mais perfeito – é cuidadosamente
preparado para exercer seu ofício. Ele se torna um ‘especialista da infância’,
ele domina os conhecimentos e as técnicas de ensino, as armas para a
conquista das almas infantis e para a sua vigilância, ele sabe graduar seus
ensinamentos, estimular a vontade, treinar o caráter e corrigir com brandura
– ele é o responsável imediato e mais visível da formação dos indivíduos
(LOURO, 2011, p.92).

Como se vê, a figura masculina era o modelo de ser humano justo, sábio; considerado
o detentor da razão e do conhecimento, bem como do domínio para as tomadas de decisões
importantes para a vida em sociedade. Toda essa influência, consequentemente, estendia-
se a educação, que era vivenciada apenas por homens, visto que nessa época as mulheres
não tinham acesso nem direito a educação formal.
No entanto, em meados do século XX, um aumento significativo no processo de
urbanização resultou no aumento da oferta e da procura, no que se refere à educação.
Desse modo, meninas e mulheres ingressaram como alunas e professoras, o que tornou o
magistério permitido e recomendado às mulheres (LOURO, 2011).
Apesar disso, estudiosas sobre o tema (LOURO, 2011), mostram-nos que o ingresso
das mulheres no magistério se deu pela desvalorização da profissão docente; bem como
pela relação cuidar-educar, funções atribuídas as mulheres/esposas/mães. Neste caso, o
magistério tornou-se uma forma de as mulheres conquistarem alguma independência, sem
perder a “essência” feminina.
Devido a existência da associação da figura feminina com o campo da educação e,
do ato de educar com a ação de cuidar, houve o afastamento dos homens da docência, na
Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Por conseguinte, acreditar
que as mulheres cumpririam perfeitamente seus papéis de mães e educadoras, resultou no
distanciamento de homens nesta área, principalmente nessas etapas da Educação Básica
acima mencionada. Todavia, existem outros fatores que justifiquem a ausência dos homens
na carreira professoral?
Para além das características, essencialmente femininas, consideradas para o
exercício do magistério, homens que ingressam nessa área têm dificuldades em manter-se
nela, como explica Ramos:
[...]. Para serem aceitos pela comunidade escolar, os professores do sexo
masculino passam pelo crivo e pela vigilância dos adultos, especialmente
quando a função no interior da instituição infantil exige a execução das
funções relacionadas ao cuidado das crianças (RAMOS, 2011, p.61).

Essa vigilância se dá pelo estranhamento da presença masculina em um espaço


historicamente feminizado. Em sua tese de doutorado, Sayão (2005) apresenta alguns
relatos sobre as dificuldades enfrentadas por homens em creches e pré-escolas, a exemplo
do relato do professor Ângelo:

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 123
[...] estou num espaço que as pessoas veem de uma maneira que não seria
para mim aquele espaço. Eu vi uma coisa muito forte por trás dos panos, é
que homem na direção não vai dar certo, homem na educação infantil não
dá certo. Eu escutei isso [...] (ÂNGELO, PROFESSOR) (SAYÃO, 2005, p. 76).

Somado a essa problemática do estigma feminino, na área da Educação Infantil,


homens pedagogos geralmente não têm a oportunidade de atuar nas salas de aula.
Dessa forma, ao ingressarem em creche ou escola que ofereça os Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, os homens, muitas vezes, são conduzidos a exercerem cargo de
gestão, uma vez que a sua presença, em sala de aula, seja pelas crianças, seja pelos
responsáveis, é motivo de estranheza. Em contrapartida, quando não é possível remanejar
esses homens para atuarem em cargos de gestão, estes são induzidos a trabalharem em
séries de crianças maiores, por compreenderem que elas demandam menos cuidado do
que as crianças pequenas.
Os padrões de gênero influenciam, portanto, as carreiras profissionais e interferem
na aceitação do sujeito homem na atuação pedagógica com crianças. Devido a esse fator
condicionante, vemos tão poucos homens atuando no ensino com crianças. Essa realidade
é aprendida e apreendida por nós, ao longo das nossas vidas, pelas diversas instâncias
culturais. Sobre essa problemática, Rabelo (2013) afirma:
[...] raramente se retratam homens em ocupações consideradas femininas,
e quando isso acontece, eles são representados de maneira extremamente
estereotipada, por exemplo, associados à homossexualidade, à pedofilia e/ou
à falta de jeito, tal como aparece inclusive em filmes (RABELO, 2013, p. 913).

Como podemos observar, aprendemos sobre como sermos homens e mulheres


através de várias instâncias: o convívio em sociedade, a veiculação de informações nas
mídias, a educação nas escolas, etc. Tais ensinamentos se estendem ao homem, no campo
da docência, fazendo referência também a sexualidade dos mesmos. Observamos que a
sexualidade, e o tabu produzido em torno deste objeto, tornam-se fatores condicionantes
para que homens procurem, em menor número, a área professoral como carreira a seguir;
sobretudo quando se trata da Educação Infantil, domínio de atuação com bebês e crianças
menores.
Sobre tema, Sayão explica que é comum se atribuir traços de homossexualidade
a esses homens, devido às características consideradas como femininas, a exemplo do
cuidado, carinho, paciência, afetividade constituintes do ato de educar:
Trabalhando numa profissão considerada feminina, os homens que aí atuavam
não poderiam ser ‘muito homens’, sendo que a imagem de homossexualidade
masculina é uma forte representação e um estereótipo que permeia o trabalho
e as relações entre os/as profissionais. (SAYÃO, 2005, p.217).

Corroborando com a autora, Rabelo (2013), em sua pesquisa sobre discriminação,


revela que atribuir a homossexualidade ou hiperssexualização aos professores homens,
que atuam em séries iniciais ou pré-escolas, acarretam problemas no desenvolvimento

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 124
das funções pedagógicas, causando mal-estar ao professor e no seu contexto de convívio
profissional:
A homofobia causa problemas até mesmo na empregabilidade dos docentes
do sexo masculino nas séries iniciais do ensino fundamental. O professor
Vinícius (RJ-BR) já perdeu o emprego em uma escola privada por causa
de preconceito; já teve, ainda, que “reforçar a sua masculinidade” perante
uma mãe de aluno que o considerava homossexual e também perante os
varredores de sua escola (RABELO, 2013, p. 914).

Conforme relato da autora, percebemos nuances e associações que justificam a


dificuldade de inserção do homem no magistério, nas áreas de Educação Infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental. Dentre elas, as principais são: a feminização do magistério,
e a discriminação da comunidade escolar (gestão, professores, funcionário, pais, mães e
familiares). No próximo tópico, discutiremos sobre as diversas formas de discriminação e
possibilidades de enfrentamentos e resistências.

4 | HOMENS NA PEDAGOGIA: DISCRIMINAÇÃO, ACEITAÇÃO,


ENFRENTAMENTOS E RESISTÊNCIAS
A trajetória masculina, no contexto do espaço educativo escolar infantil, não é um
caminho de fácil aceitação social, por conseguinte, encontramos um número inferior de
homens nessa área de atuação profissional. Conforme dados do Censo do Professor, do
ano de 2007, percebemos nitidamente a diferença da existência do número de homens
e de mulheres atuando na Educação Básica, com destaque a Educação Infantil e Anos
Iniciais do Ensino Fundamental.
Podemos observar essa desigualdade numérica, por meio de uma pesquisa no
Portal INEP. Neste, através da análise de indicadores Educacionais, percebemos que
a Educação Básica no Brasil é constituída por cerca de 1.882.921 educadores, sendo
1.542.925 mulheres, e 340.036 homens. Na Educação Infantil, constatamos um número
menor de atuação masculina. Na creche atuam cerca de 95.643 educadores, sendo 93.675
mulheres e 1.968 homens.
Quando se trata da Pré-Escola, o número de educadores chega a um total de
240.543, sendo 231.096 mulheres e 9.447 homens. Já no Ensino Fundamental, podemos
perceber um aumento no número de professores homens, em relação à Educação Básica
e Infantil. Nos anos iniciais, atuam aproximadamente 685.025 professores, sendo 624.850
mulheres e 60.175 homens. Já nas séries finais o total de professores chega a 736.502,
sendo 624.850 mulheres e 188.452 homens.
O número total de professores que atuam no Ensino Médio chega a 414.555,
sendo 267.174 mulheres e 147.381 homens. Quanto à Educação profissional, podemos
observar que o número de professores homens atuando é superior ao número de mulheres;
totalizando 49.653, sendo 23.167 mulheres e 26.486 homens. Observamos que mesmo

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 125
sendo menor, o número de homens atuando na sala de aula, entre as regiões brasileiras,
o Sudeste se destaca por possuir um número maior de atuação masculina nesse domínio.
Conforme apontam os números, percebemos que a participação de homens, na
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, é expressa em um quantitativo
muito pequeno. Já na Educação Profissional, a participação de homens é maior
que a participação de mulheres. Diante dos resultados, veio-nos à mente o seguinte
questionamento: quanto maior o prestígio da profissão, maior é a atuação dos homens?
Responder a essa questão é uma ação complexa, uma vez que, para respondê-la,
é necessário fazer uma análise histórica e social da profissão docente, tomando como
mote as questões de gênero. Uma das respostas possíveis seria o fato de que as mulheres
inicialmente não tinham espaço ou oportunidade de ingressar no mercado de trabalho;
dessa maneira, ao assumirem as salas de aulas, elas se depararam com um espaço
e modelo escolar masculino, tendo em vista que, eles foram os homens os primeiros a
ocuparem a condição de professor.
Dessa forma, pensamos que a presença masculina, na sala de aula, caracteriza-
se como uma resistência em relação aos discursos sociais e culturais, os quais refletem
a relação de poder que corrobora para a prevalência da visão de o cargo da docência,
continue sendo majoritariamente constituída por mulheres, afastando os homens dessa
função. Ao problematizar os exercícios do poder, considerando as relações de gênero
Louro (2011) assinala que:
[...] extremamente problemático aceitar que um polo tem o poder –
estavelmente – e outro, não. Em vez disso, deve-se supor que o poder é
exercido pelos sujeitos e que tem efeitos sobre suas ações. Torna-se central
pensar no exercício do poder, exercício que se constitui por “manobras”,
“técnicas”, “disposições”, as quais são, por sua vez, resistidas e contestadas,
absorvidas, aceitas ou transformadas. É importante notar que, na concepção
de Foucault, o exercício do poder sempre se dá entre sujeitos que são
capazes de resistir (pois, caso contrário, o que se verifica, segundo ele, é
uma relação de violência). (p. 42, 43. Grifos da autora).

De acordo com Louro, podemos considerar que o gênero é vivenciado de forma


relacional. A partir dessa perspectiva, as representações de homens e mulheres se
estruturam de maneira concreta e simbólica nas vivências em sociedade. Assim sendo, à
docência foi considerada como uma conquista marcante para a emancipação feminina, uma
vez que as mulheres brancas e de classe média, a partir dela, poderiam ter um trabalho que
se articulava com a sua condição de esposa/mãe/dona de casa.
A partir desse pensamento, constrói-se a ideia de que a escola é uma extensão do
lar, desse modo, transformando as mulheres-professoras em cuidadoras no espaço escolar.
Com isso, retornamos ao tema desvalorização da profissão docente, bem explicado por
Cruz e Sousa (2017):
As insuficientes condições de trabalho e de salário são marcas ainda deixadas

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 126
pelo Estado, mostrando descaso com a educação pública que afastou
homens do magistério e ampliaram o espaço escolar para as mulheres que
representavam uma mão de obra mais barata, essas mulheres se constituíam
em sua maioria pelo grupo da classe média-média e classe média-baixa, que
perceberam a educação como uma possibilidade de exercer uma profissão
sem que sua reputação fosse colocada a julgamento, exercendo tarefas de
cuidado, que se aproximavam da vida doméstica e garantiria também uma
certa ascensão econômico-social (CRUZ; SOUSA, 2017, p. 8).

Em consonância com as colocações acima referidas, entendemos que a ausência


de homens na educação infantil, deu-se, historicamente, por meio da desvalorização
da profissão, baixos salários e da consolidação do magistério como função específica e
recomendável às mulheres. Desse modo, a maioria dos homens, que atuaram na profissão,
não eram bem visto ou bem aceito, ideia que se estende até os dias de hoje. Associa-se a
este pensamento, a questão da orientação sexual homossexual e a pedofilia. Assim, diante
do preconceito e discriminação sofridos, os pedagogos, bem como outros profissionais
homens, candidatos a exercer carreiras consideradas como femininas, enfrentam
dificuldades em exercê-las.
Segundo Cortez (2008), o cuidar - que se configura a partir de aspectos como: contato
corporal, carinhos, gestos, afetos, ações geralmente que se atribui às mulheres-, é visto
com maus olhos quando se refere aos homens, tornando quase inevitável o distanciamento
do pedagogo homem para com as crianças pequenas. Em contrapartida, essa legitimação
de características, associadas à mulher, produz o receio de alguns professores em atuar os
menores, sobretudo, na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Em sua tese de doutorado, Sayão (2005), nos mostra que alguns professores que
participaram de sua pesquisa, demonstram que, além de terem receio, percebem que a
própria gestão escolar, de certo modo, incentiva a desconfiança e questionamentos das
famílias, com relação ao seu desempenho profissional e sua índole enquanto pessoa, sob
a alegação de possíveis abusos sexuais ou assédio por parte dos mesmos.
Para entendermos melhor o preconceito e/ou discriminação contra os pedagogos
homens, é importante definir os seguintes termos: preconceito, discriminação e homofobia.
Para tanto recorremos ao Dicionário Online de Português, vejamos as conceituações
abaixo:
A) Preconceito - Juízo de valor preconcebido sobre algo ou alguém; prejulgamento.
Opinião ou pensamento acerca de algo ou de alguém, construída a partir de análises
sem fundamento, conhecimento nem reflexão. Repúdio demonstrado ou efetivado
através da discriminação de grupos religiosos, pessoas, ideias; refere-se também
à sexualidade, à raça, à nacionalidade etc.; intolerância: o racismo, a xenofobia, a
homofobia são tipos de preconceito.

B) Discriminação - Ação de discriminar, de segregar alguém, tratando essa pessoa


de maneira diferente e parcial, por motivos de diferenças sexuais, raciais, religiosas;
ato de tratar de forma injusta: discriminação racial.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 127
C) Homofobia - Medo patológico em relação à homossexualidade e aos
homossexuais, a quem se sente sexual e afetivamente atraído por pessoas do
mesmo sexo. Ódio direcionado aos homossexuais, geralmente demonstrado através
de violência física ou verbal. Preconceito contra homossexuais ou contra pessoas
que não se identificam como heterossexuais.
De acordo com as definições apresentadas, compreendemos que o homem
pedagogo enfrenta, em sua prática docente, todas as nuances do preconceito e da
discriminação. Esses fatores influenciam, portanto, no ingresso dos homens pedagogos,
no mercado de trabalho específico de atuação com crianças. Acerca do engendramento
das carreiras, Rabelo (2013) destaca:
[...] percebemos em nosso estudo que os professores do sexo masculino
atuantes nas séries iniciais do ensino fundamental sentem fortemente as
questões de gênero. O que gera maior sofrimento a esses docentes são as
experiências de discriminação que vivenciaram ou presenciaram (RABELO,
2013, p. 911).

Como se pode notar, a Educação é um campo estigmatizado como sendo uma área
de atuação feminina, este estigma acaba por desvalorizar e desconsiderar o profissional
de Pedagogia do sexo masculino. Este, por mais competente que seja, ainda enfrenta
as barreiras construídas e pautadas, historicamente, na ideia de que apenas os homens
podem oferecer perigos às crianças. Sua atuação causando preconceitos, discriminações e
estranhamentos por parte de toda a comunidade escolar, bem como da sociedade.
Segundo Vianna (2001), o cuidar/educar é um compromisso moral, não podendo se
restringir ao homem ou a mulher:
Muitas atividades profissionais associadas ao cuidado são consideradas
femininas, como a enfermagem, o tomar conta de crianças pequenas, a
educação infantil, etc. O ato de cuidar, fundamental na relação com a criança,
deve ser entendido como uma atividade que envolve compromisso moral
(VIANA, 2001, p. 93).

Entendemos, portanto, que se faz necessário repensar o ato de educar, tomando


como princípio a frase de Paulo Freire (2008), quando afirma que educar é um ato
transformador, tornando-se político e também um ato de amor. Podemos assim considerar
as práticas pedagógicas, com isenção do foco na problemática do gênero, valorizando
o profissional da educação como capacitado para tal função, independentemente de ser
homem ou mulher.
Nesses tempos em que vivenciamos e percebemos a luta contra preconceitos à
comunidade LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros,
Queer e Intersex), -além da intensificação e da articulação da luta contra o racismo, a
violência de gênero, e demais pautas sociais-, é necessário, como educadores, repensar
sobre qual o papel social do pedagogo homem. Desse modo, desconstruir os estereótipos
enraizados, e a ideia de maternidade atribuída à Educação Infantil e aos Anos Iniciais do

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 128
Ensino Fundamental.

5 | A ESCOLHA DO CURSO DE PEDAGOGIA PELOS EGRESSOS:


MOTIVAÇÕES, ENFRENTAMENTOS E QUESTÕES DE GÊNERO
Nesta seção trataremos sobre as motivações das escolhas pelo curso de Pedagogia,
por partes dos sujeitos de pesquisa, bem como situações pertinentes às questões de gênero,
vivenciadas durante o curso e possíveis barreiras e/ou dificuldades por eles enfrentadas.
Quando perguntamos sobre os motivos pelos quais os participantes escolheram
o curso de Pedagogia, a maioria das respostas indicou que a opção não foi à primeira.
Todavia, alguns informaram que, ao longo do curso, decidiram continuar por compreenderem
a abrangência do curso e a perspectiva promissora para o mercado de trabalho. Outros
decidiram cursar Pedagogia, devido aos resultados de testes vocacionais ou ainda por se
identificarem com a área. Abaixo estão algumas respostas.
“Entrei o curso por reopção. Após cursar o primeiro período, me encantei com
o curso e dei prosseguimento”. (Paulo, 2019)

“Uma aparente abrangência de atuação no mercado de trabalho”. (Pedro,


2019)

“Gosto pela área de Educação e testes vocacionais”. (João, 2019)

“Inicialmente não era minha escolha primária, mas com o passar dos semestres,
a Educação Especial me chamou atenção e decidi ficar”. (Antônio, 2019)

“Pedagogia foi reopção de curso para mim, eu pretendia usá-lo apenas como
trampolim para mudar de curso depois, mas quando iniciei as aulas comecei
a me interessar pela abrangência no campo das humanidades que o curso
proporciona, então concluí”. (Ivo, 2019)

“Na verdade, foi por falta de opção”. (Saulo, 2019)

“Minha primeira escolha foi Psicologia, mas não obtive pontuação suficiente.
Iniciei Pedagogia pensando em migrar de curso, mas com o passar dos
períodos, decidi continuar”. (Samuel, 2019)

Como foi possível perceber, entre os homens, o curso de Pedagogia não é muito
procurando, dificilmente figurando como a primeira opção. Por ser um curso desvalorizado
e pouco procurado, homens e mulheres, geralmente entram no curso de Pedagogia através
da nota de corte do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Pensando nisso, buscamos
dialogar com alguns autores para compreender a pouca quantidade de homens no curso.
Neste sentido, Ramos (2011) ratifica:
[...] apesar das muitas transformações experimentadas no mundo social,
ainda prevalece no discurso corrente uma concepção [...] que associava
o ensino primário às características consideradas femininas, como o amor
às crianças, a abnegação e a delicadeza. Essa associação serviu e ainda
serve para aproximar o exercício da docência ao da maternagem e contribui,
assim, para misturar o campo profissional ao doméstico. Essa mistura serve

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 129
para criar, no mínimo, dois pontos de tensionamentos: a desvalorização da
profissão e a demarcação desse campo de atuação como eminentemente
feminino (RAMOS, 2011, p. 126).

A desvalorização do campo educacional, sobretudo do curso de Pedagogia,


distanciou (e ainda distancia) os homens da profissão. Corroborando com o autor acima
citado, as respostas de alguns participantes indicaram que, além de o curso não ser
escolhido como primeira opção, o egresso nele seria posteriormente usado como uma
forma de migração para outro curso. Além destes fatores condicionantes, outros permeiam
a presença dos homens no curso de Pedagogia. Pensando nisso, buscamos entender
como, para os participantes, as questões de gênero influenciaram na escolha do curso.
Seguem, abaixo, algumas respostas sobre esta possível influência.
“O campo de trabalho influencia muito na escolha do curso, tendo vista que
a parte majoritária das pessoas que concluem o curso vai atuar na Educação
Infantil, e os homens não são bem aceitos nesta área, então não são motivados
a escolher a Pedagogia”. (Lucas, 2019)

“Não me influenciaram, mas o curso se mostrou de procura majoritária do


público feminino”. (Pedro, 2019)

“Elas influenciam, pois é um curso de maioria feminina e com pouco espaço


para os homens, coisa que deve ser trabalhada”. (João, 2019)

“Através dos paradigmas de que a mulher possui ‘mais jeito com crianças’,
afasta do homem, muitas vezes, o despertar da curiosidade de conhecer o
curso”. (Hélio, 2019)

“Na minha visão, não recebi influência desses fatores na minha escolha”.
(Jhon, 2019)

“Como disse, não escolhi Pedagogia, eu não sabia ao certo onde estava me
metendo”. (Saulo, 2019)

“No começo fiquei com receio, pois o curso é majoritariamente feminino. Pensei
nos preconceitos e sentia até vergonha de falar qual curso fazia, pois homem
que cursava pedagogia era visto como gay. Com o tempo, minha percepção foi
mudando e passei a ter outros olhos sobre o curso, além de mudar os olhares
das pessoas próximas”. (David, 2019)

Podemos observar que, a maioria dos participantes não reconhece a existência


de influência, acerca das questões de gênero, em suas escolhas, por conta da difícil
sensocomunização e/ou do gênero como organizador social. No entanto, para além do
que se constatou, sobre a feminização do magistério, um dos participantes discorreu sobre
como a sexualidade pode estar relacionada com a educação, quando se trata de homens
pedagogos. Sobre isso, Sayão (2005) explica que esta relação se dá porque aprendemos
sobre a sexualidade a partir de noções pré-concebidas de masculino e feminino, existente
na sociedade:
Tudo aquilo que entendemos por “sexual” está impregnado por mecanismos
culturais que determinam nossa forma de pensar/sentir as satisfações
eróticas através de construções simbólicas que dão forma às sensações

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 130
corporais/físicas. Portanto, a estreita relação e os modos como concebemos a
masculinidade e a feminilidade com a sexualidade fazem parte desse contexto
de representações culturalmente construídas e produzidas/reproduzidas nos
diferentes espaços sociais. Daí derivam as maneiras pelas quais entendemos
a heterossexualidade, a homossexualidade, a bissexualidade e outras formas
de relação (SAYÃO, 2005, p. 210).

Nesse sentido, gênero e sexualidade se inter-relacionam, uma vez que somos


seres sexuados desde que nascemos (NUNES, 2005) e apreendemos noções de gênero,
conforme vivemos em sociedade, uma vez que este é a primeira forma de organização
social (SCOTT, 1995). Deste modo, somos atravessados/as pelo discurso criado sobre
a sexualidade no lugar em vivemos, afetando-nos em todos os âmbitos da vida. Sendo
assim, esses entraves e atravessamentos nos interpelam em todas as esferas sociais
e/ou espaços que ocupamos na sociedade, uma vez que, essa mesma sociedade está
constituída nos “princípios” do patriarcado, os quais se constituem nas relações de poder.
A relação entre cultura e educação é estreita, uma vez que se complementam e se
fundem na constituição dos sujeitos. Partindo desse pressuposto, se a cultura dominante
está alicerçada no patriarcado, e se a própria cultura atravessa a educação, em um
movimento constante de reorganização, o que resulta dessa relação quase que simbiótica?
Tentando responder essa pergunta, corroboramos com Bourdieu & Passeron (1992,
p. 05) quando afirma que “a ação pedagógica reproduz a cultura dominante, reproduzindo
também as relações de poder de um determinado grupo social”. Destarte, a relação
de poder, produzida pela cultura dominante, é aprendida e apreendida pela educação,
perpassando por todas as etapas e espaços, estando presente, inclusive, no currículo.
Ao pensar o currículo, perguntamos aos participantes qual ou quais áreas, de
atuação da Pedagogia, lhes chamavam mais a atenção. As respostas foram as seguintes:
“Achei a Educação Especial muito interessante”. (Rick, 2019).

“Gostei mais da EJA”. (Pedro, 2019).

“Psicologia da Educação e Educação Emocional”. (Jorge, 2019).

“Gestão educacional, por perceber que encontraria menos resistência para


me colocar no mercado de trabalho”. (Victor, 2019).

“Gestão educacional”. (Hélio, 2019).

“Gestão Educacional. As discussões sobre gestão escolar e áreas afins


sempre despertou em mim curiosidades e apreço”. (Antônio, 2019)

“Identifiquei-me com a EJA”. (Carlos, 2019)

“Gestão Educacional”. (Jhon, 2019)

“Gostei muito da área de Economia, Política Educacional e Currículo”. (Paulo,


2019)

“Psicologia, Pesquisa e Gestão”. (David, 2019)

Observamos, portanto, que a maioria dos participantes se interessou por áreas que

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 131
não envolvem a relação entre educar e cuidar; talvez por acreditar que homens vivenciam a
dinâmica da docência de maneira distinta das mulheres, uma vez que existe preconceito e
resistência em relação a aceitar a atuação de homens pedagogos ensinando crianças, não
só dentro da escola como também na sociedade de modo geral, associando a Educação de
crianças às mulheres pedagogas. Desse modo, a área de atuação que envolve a educação
de crianças, é considerada como sendo uma área essencialmente feminina, levando-os a
optar por áreas mais voltadas para a execução de cargos administrativos. Nesse sentido,
percebemos que as noções de gênero, apreendidas por cada um, influenciam não apenas
na escolha do curso, mas, também, na área em que se pretende atuar.
A resposta de Victor sintetiza a questão que discutimos, anteriormente, sobre os
locais em que a presença do homem pedagogo é permitida. No cargo de gestão, numa
perspectiva não democrática, o homem pedagogo estaria em uma posição de prestígio
- em relação às outras áreas de atuação na escola -, uma vez que assume o papel de
condutor das estruturas organizacionais da escola, delegando funções, ações e normas a
serem seguidas.
Nessa lógica, o homem que atua como gestor escolar ou em algum cargo
administrativo, dentro da escola, assume um lugar hierarquizado, no qual o masculino
assume funções de gestão e o feminino atua em funções de cuidado, apontando
trabalhos masculinos e femininos como mais ou menos valorizados respectivamente.
Esta hierarquização e/ou classificação está intrinsecamente ligada às relações de poder
(MEYER, 2003).
Embora o interesse dos participantes tenham sido, na sua maioria, em áreas de
gestão, pesquisa, economia ou currículo, o preconceito por ser homem, em uma área
majoritariamente feminina, fez-se presente. Como resultado, apenas cinco dos participantes
relataram não ter sofrido preconceito, por ser homem, atuando na Pedagogia. Entretanto,
os outros treze participantes declararam que sofreram preconceito pelo menos uma vez,
durante o curso e, posteriormente, também, conforme os relatos:
“Não sei se coloco como preconceito, mas muitos falaram que por ser homem
merecia ganhar mais e que quanto menos mulheres era melhor o curso”.
(João, 2019)

“Sim. Já deixei de ser escolhido em entrevistas de emprego, pelo fato de que


os pais dos alunos não gostariam de minha presença no meio das crianças”.
(Carlos, 2019)

“Diversas vezes. Primeiro no meu ciclo de amigos, pois como falei


anteriormente, quem cursava pedagogia era visto como gay. Depois, durante
o curso, também sofri em alguns estágios, geralmente algumas professoras
me olhavam ‘torto’ por ser homem. Após a conclusão sofri para encontrar
trabalho, consegui só por indicação”. (David, 2019)

“Sim. Quando fui para a área de Educação Especial, encontrei dificuldade


por ser homem. Algumas pessoas ainda tem o pensamento que a área,
principalmente se tratando de Educação Especial, é de competência das

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 132
mulheres”. (Rick, 2019)

“Sim. Tanto nos estágios obrigatórios como nos estágios não obrigatórios,
escutava de professoras e outros profissionais do campo de estágio, que
aquela profissão daria mais jeito para homens e tentavam me desestimular,
foram-me negados alguns estágios, pois só podiam ser mulheres ou diziam
que estava lotado de estagiários (quando não estava) e depois outra estudante
conseguia a vaga”. (Paulo 2019)

“Sim. Por ser homem, teve uma professora que dificultou muitas coisas para
mim, mas consegui terminar o estágio”. (Ivo, 2019)

O preconceito sofrido pelos participantes foi apresentado, portanto, das mais


variadas formas e, mais uma vez, a sexualidade foi posta como fator predominante
na prática do preconceito, nas oportunidades de estágio e na inserção no mercado de
trabalho. O preconceito, baseado na sexualidade, fundamenta-se na ideia de que o homem
é um ser sexuado ativo. Assim sendo, tecnicamente, não possui a capacidade de controlar
seus impulsos, não “devendo”, por isso, manter contato direto com os corpos das crianças
(SAYÃO, 2005).
Sobre isso, Ramos (2011) explica que “além da explícita rejeição à figura masculina
na educação infantil, é perceptível o olhar atento e desconfiado dos adultos quando um
professor do sexo masculino ingressa na instituição” (RAMOS, 2011, p. 99-100). Os
relatos dos participantes denunciam que os preconceitos marcam presença, do ingresso
à conclusão do curso, ocorrendo, inclusive, nos estágios, etapa de muita importância no
processo formativo. A seguir, apresentamos as dificuldades, apresentadas pelos egressos,
na inserção ao mercado de trabalho.

6 | EGRESSOS DO CURSO DE PEDAGOGIA: ENFRENTAMENTO, INSERÇÃO


E PERSPECTIVA DE MERCADO
Nesta seção, trataremos sobre as dificuldades que os alunos egressos do curso
de Pedagogia enfrentam ou enfrentaram, no mercado de trabalho, assim como sua visão
sobre as perspectivas do cenário atual e do futuro profissional.
Como vimos na seção anterior, as dificuldades enfrentadas perpassam, tanto os
estágios quanto o mercado de trabalho. Quando perguntamos aos colaboradores sobre
as perspectivas acerca da profissão docente, as respostas vieram em forma de desabafos
sobre a área de atuação na escola, e demais dificuldades de inserção no campo, como
demonstram as respostas a seguir:
“Para sala de aula é realmente complicado, pois onde há mais vagas para
pedagogos é na Educação Infantil, e pelo pensamento popular, não é
recomendado um homem assumir uma sala com crianças. Nunca passei por
algo assim, pois desde sempre não quis atuar com educação infantil”. (Paulo,
2019)

“Percebo que no serviço público todos os gêneros podem ter oportunidades para

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 133
atuação. Já no mercado privado, vemos uma exclusão nas salas de educação
infantil e anos iniciais do ensino fundamental onde o quadro de professores
é 100% feminino. Algumas escolas (empresas) alegam diversos empecilhos
para contratação de homens, exceto professores de áreas isoladas. Contudo,
reforça o estereótipo de que esse campo de atuação é apenas para mulheres
e nos deixa em uma situação de exclusão”. (Pedro, 2019)

“Muito restrito. A não ser que seja a área de gestão ou ensino superior”. (João,
2019)

“Restrito, nem todas as escolas se abrem para a atuação masculina como


professor, independente da formação”. (Antônio, 2019)

“Realmente é complicado. Sou concursado, acho que por isso consegui


exercer minha profissão”. (Rick, 2019)

“Muito ruim. Sem perspectiva. Às vezes sinto que foi uma perda de tempo ter
feito esse curso”. (Saulo, 2019)

“Tive muita dificuldade de atuar na minha área, consegui por indicação.


Geralmente essa área da pedagogia é vista como feminina por uma questão
cultural. Nesse caso, os homens não têm espaços nas salas de aula. Me diga
um pedagogo ensinando na alfabetização, por exemplo?”. (David, 2019).

As dificuldades se apresentam aos acadêmicos, antes mesmo de se inserirem no


mercado de trabalho; quando, enfim, conseguem ingressar, essas dificuldades não se
resumem a olhares estranhos ou palavras que desencorajam. Para além disso, existe uma
tentativa, quase que escancarada, de não permitir o exercício da docência, por parte dos
homens pedagogos. Sobre essa problemática, Zanette e Dal’Igna (2018) demonstram que:
Além de ter que comprovar sua eficiência como professores, muitas vezes
os homens enfrentam ainda mais dificuldades quando decidem exercer a
docência, porque a partir do momento em que eles ingressam na escola,
parece haver um investimento para que esses se desloquem da docência
para cargos administrativos (ZANETTE; DAL’IGNA, 2018, p. 136).

Esse “investimento”, sobre o qual o autor e a autora falam, pode estar fundamentado
no preconceito que concerne a sexualidade dos homens pedagogos? Além do preconceito
sobre a sexualidade, quais questões estão presentes no “currículo oculto” das instituições
escolares? A crença de que homens devem estar em cargos superiores poderia ser um dos
fatores condicionantes para a resistência de sua atuação na docência?
No estudo feito por Ramos (2011), foi constatado que as relações de gênero,
presentes na educação, resultam da ideia de rejeição e/ou resistência, em aceitar homens
pedagogos atuando na docência, por parte da comunidade escolar. Nesse sentido, Ramos
(2011, p. 99-100) ratifica que:
Percebe-se que não sem razão, vários professores, ao tomarem posse em
seus cargos de educador infantil, foram encaminhados para as funções nas
quais atuariam sob a vigilância constante de outros profissionais. Ou seja,
eram colocados na função de professor do apoio, na função de professor
responsável pela “educação física”, pelas oficinas de artes, de informática ou
qualquer outra linguagem nas quais existisse menor demanda de cuidados e

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 134
de toques físicos (RAMOS, 2011, p. 99-100).

Corroborando com Ramos, as respostas dos participantes demonstram reiterar os


apontamentos que constam na literatura, a exemplo da resposta do participante Saulo
“Muito ruim. Sem perspectiva. Às vezes sinto que foi uma perda de tempo ter feito esse
curso”, desse modo, além de não conseguir atuar na área, acredita que, ter feito o curso, foi
uma perda de tempo, em razão da dificuldade em conseguir se inserir na área pedagógica.
Assim, quais mudanças poderiam ser feitas para mudar essa realidade?
Pensando nisso, perguntamos o que eles acreditam que poderia ser feito para
desconstruir o preconceito do homem pedagogo no mercado de trabalho. As respostas
revelam que é preciso que mais homens cursem Pedagogia, para o número profissionais
aumentem no mercado de trabalho; além do mais é necessário mais investimento no
profissional da educação, como demonstram algumas respostas:
“Mais homens cursarem Pedagogia, assim, pode ser que mostre que
Pedagogia também é coisa de homem”. (Antônio, 2019)

“Acho que mais vagas para homens com cotas e parcerias com escolas
públicas e privadas para inserir o homem nas escolas básicas”. (João, 2019)

“A inserção do homem no mercado de trabalho, para que eles possam mostrar


que possuem tanta qualificação quanto às mulheres, considero suficiente.
Acredito que no Brasil a reflexão que mais possui crédito na vida do cidadão
é a vivência de algo para a quebra do preconceito”. (David, 2019)

“Investir na formação dos profissionais da educação e na conscientização


da comunidade escolar, por vezes os preconceitos se enraízam na própria
comunidade, fazendo crescer exponencialmente suas causas e efeitos”.
(Lucas, 2019)

Nesse sentido, o que podemos considerar, diante as falas dos participantes da


pesquisa, é que, perante a sociedade androcêntrica e patriarcal em que vivemos, somos
condicionados a vivenciar relações de gênero constantemente, e no campo educacional
não é diferente. Segundo Swain (2000), as relações de poder ocorrem nos processos
em que as relações entre os sujeitos ganham sentido. Desse modo, afirma que “esta é
a relação de poder, é a inflexão sobre a auto representação, sobre a conduta, sobre as
imagens de corpo, sobre a apreensão do mundo, instituindo assim uma realidade fundada
na univocidade das imagens e das significações, lá onde as possibilidades são plurais” (p.
69). A seguir, mais algumas respostas dos participantes, em relação ao que poderia ser
feito para mudar a atual perspectiva da atuação de Pedagogos homens, na sala de aula.
“Investimento nos profissionais da educação, o olhar da sociedade sobre
questões de preconceito mudar. Na verdade, vai muito de uma mudança
cultural mesmo”. (Rener, 2019)

“Quebrar a visão social de que pedagogia é coisa de mulher e que homem


pode e deve atuar nas salas de aula”. (Daniel, 2019)

“As mudanças têm que ser sociais, desse modo conseguimos ramificar a

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 135
conscientização quando ao mercado de trabalho para o pedagogo homem”.
(Samuel, 2019)

“A mudança tem que partir da mente das pessoas. Já está muito impregnado
na cabeça das pessoas que pedagogia é para a mulher. Acho que nunca vai
acontecer. Esse é um assunto que nunca vai deixar de ser discutido”. (Paulo,
2019)

“Uma das coisas que eu acho que pode atrair mais homens para a profissão
é uma melhor remuneração, porque as vezes o cara até quer, mas não faz o
curso porque o salário é muito baixo para muito trabalho”. (Saulo, 2019)

Ao pensar em mudanças, no campo da educação, entendemos que é necessário a


ressignificação de todo um projeto de sociedade, uma vez que, o pensamento patriarcal,
baseado nas questões de gênero, são fatores estruturais que não se mudam sozinhos,
de forma isolada ou individualmente. É preciso, pois, agir de forma coletiva. Para tanto,
a criação de políticas educacionais que promovam essa mudança, como relataram os
participantes, é extremamente necessário.
No estudo de Lopes (2015), sobre a Base Nacional Comum Curricular, é falado
acerca do currículo, sua importância e veemência. Para a autora, há uma centralidade no
que concerne ao currículo, fazendo necessário, desse modo, um descentramento. Isto por
entender que todo centro é instável - e, portanto, sujeito à disputa - sendo constituído por
contextos e construções de discursos no (e do) mundo. O currículo é, então, produzido
pelos discursos, isto é, por práticas de significação, linguagem e ação. Assim sendo, quais
mudanças poderiam ser mais significativas, ou mais eficazes, para modificar e, porventura,
transformar a realidade educacional em que vivemos, hoje, no que se refere ao homem
pedagogo?
Ao refletir sobre as questões elencadas, questionamos os participantes sobre o fato
de que, se pudesse optar, fariam novamente o curso de Pedagogia. Abaixo estão algumas
respostas:
“Possivelmente faria primeiro Psicologia para garantir-me no mercado de
trabalho, depois cursaria Pedagogia por entender a importância do curso na
formação”. (Samuel, 2019)

“Escolheria novamente a Pedagogia, pois acredito na potencialidade da minha


formação, e na abrangência das minhas possibilidades de atuação como
pedagogo”. (Ivo, 2019)

“Provavelmente escolheria outro curso devido ao mercado de trabalho, suas


condições e o aspecto financeiro”. (Daniel, 2019)

“Hoje, pelo apreço que passei a constituir pela História, cursaria Licenciatura
em História, mas não me arrependo em nada em ter escolhido Pedagogia, foi
uma das melhores opções em que fui assertivo na minha vida profissional”.
(Jorge, 2019)

“Não, pois fiz quatro anos de curso para não atuar na área”. (Lucas, 2019)

“Não, porque nunca foi minha primeira opção”. (Saulo, 2019)

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 136
“Acho que não. Não vi vantagem no curso depois que concluí”. (Hélio, 2019)

“Não. Fazemos um curso visando o mercado de trabalho e para mim a


pedagogia não me trouxe nada que compensasse financeiramente falando”.
(Samuel, 2019)

“Sim. Porque não atuo especificamente na área, não atuo como professor. Já
faz quatro anos que eu me formei e todas as vezes que eu procurei emprego
como professor tive as portas fechadas e vários nãos”. (Marcos, 2019)

“Não, porque não tem perspectiva para homens”. (Antônio, 2019)

Conforme o exposto, compreendemos que a maioria dos participantes repensariam


o egresso no curso de Pedagogia, devido a todos os entraves e desvantagens que o homem
enfrenta ao tentar se inserir nessa área. Em vista do conteúdo das respostas, retomamos a
discussão sobre hierarquização dos espaços educacionais, baseados no gênero, uma vez
que esta hierarquização, além de contribuir para a desvalorização da profissão, enfatiza
diferenças entre homens e mulheres, (im)postas pela sociedade. Sobre essa problemática,
Izquierdo apud Rosemberg (1996) aponta que:
A hierarquia dos gêneros conduz ao estabelecimento de relações
de dominação/submissão entre o gênero masculino e o feminino,
independentemente de qual seja o sexo das pessoas que ocupam os espaços
sociais de gênero, nas relações de gênero. A título de exemplo, a prática da
enfermagem é uma atividade de gênero feminino e a da medicina de gênero
masculino (IZQUIERDO apud ROSEMBERG, 1996, p. 62).

Os espaços, que “podem” ser ocupados, por homens e mulheres, produzem


discursos que atravessam esses sujeitos e influenciam fazerem escolhas pré-determinadas.
Nesse sentido, mulheres e homens são condicionados/as a ocuparem os espaços “pré-
estabelecidos” ou aceitáveis para cada gênero. Muitas das respostas mostram, de certo
modo, arrependimento pela escolha da profissão, porque alguns ainda não conseguiram
atuar na área.
Em sua tese de doutorado, Sayão (2005) fez um estudo sobre homens e a educação
infantil, utilizando como ferramenta de coleta de dados a entrevista. Como resultado,
obteve respostas que ratificam as afirmações que coletamos neste trabalho: “muitos
dos professores entrevistados lembraram-se de vários colegas que haviam desistido da
docência. Alguns estavam atuando em funções burocráticas e outros aderiram a outras
profissões” (SAYÃO, 2005, p. 138).
Assim sendo, podemos destacar que a diferenciação, marcada pelo gênero, tem
como principal objetivo diferenciar os espaços ocupados por homens e mulheres, implicando
quase sempre em relações desiguais, refletindo na autonomia do sujeito, seja ela individual
ou não, bem como nas escolhas de atuação da área.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 137
7 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste trabalho, procuramos refletir sobre as influências das questões
de gênero na atuação do Pedagogo, no mercado de trabalho. A pesquisa foi pautada
em uma análise crítica acerca do objeto de estudo proposto. Para tanto, realizamos um
mapeamento do quantitativo de alunos egressos do curso de Pedagogia. Inicialmente,
o marco temporal do período a ser observado foi de 2014-2018, porém, devido à falta
de respostas, estendemos para o período de 2014-2019. Na ocasião, foi enviado um
questionário online para os e-mails dos 51 alunos homens egressos, todavia, apenas 18
participaram da pesquisa.
Este trabalho buscou conhecer a visão dos alunos egressos acerca das influências
que as questões de gênero tiveram na escolha do curso de Pedagogia. Percebemos assim,
que o campo educacional mantém relações com às questões de gênero; desse modo,
ainda que haja uma conscientização, no que se refere à igualdade, podemos constatar que
existe uma diferenciação no campo de atuação do homem e da mulher.
Durante a realização da pesquisa, foi observado que a maioria dos entrevistados
tem a concepção de que a Pedagogia não é uma área favorável para o homem, uma vez
que existem muitas dificuldades e percalços a serem enfrentados. Pudemos ver em suas
falas que eles acreditam que a mudança deve acontecer, primeiramente, no âmbito político
e social, por entender que a aplicação de políticas públicas, voltadas para a valorização
do professor, podem atrair mais homens para a profissão, fazendo com que, ao longo do
tempo, as concepções pré-definidas socialmente sobre o magistério se dissipem.
Apesar disso, ainda reconhecem que a Pedagogia, apesar de ser um campo com
ampla área de atuação, no que se refere ao pedagogo homem, a atuação é muito restrita.
Retomando a questão sobre as mudanças, um dos participantes relata que talvez a
mudança desse contexto demore a acontecer.
Pensando nisso, quais ações poderiam ser feitas, visando mudar a atual conjuntura
em que nós, profissionais da educação, estamos inseridos/as? Nesse sentido, a pesquisa
revelou que uma das possibilidades seria a inserção de mais homens no mercado de
trabalho, para que eles tenham a oportunidade de exercer a docência tanto quanto as
mulheres. Além disso, acreditamos que, no Brasil, uma mudança significativa só poderia
acontecer a partir da vivência de homens pedagogos no exercício da docência. Resultando,
assim, na possibilidade de promover a desconstrução dos preconceitos por eles enfrentados
diariamente.
Observamos que a comunidade escolar é atravessada pelo medo de que os homens
tragam riscos aos cuidados com as crianças; desse modo, imperando o sexismo, uma vez
que consideram que os pedagogos não apresentam condições de atuar com crianças.
Compreendemos que esse cenário poderia ser diferente, se ocorresse uma maior inserção
de homens pedagogos na sala de aula, tornando essas barreiras e preconceitos menos

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 138
recorrentes em nossa sociedade.
Por fim, consideramos este trabalho de extrema importância, tanto para nossa
formação enquanto docentes, quanto para a ampliação de uma visão diferenciada
acerca do pedagogo homem no mercado de trabalho. Isto porque entendemos que, nós
educadores/as somos formadores de opiniões, de sujeitos e de atores sociais. Assim
sendo, destacamos a importância de haver mais pesquisas sobre a temática, uma vez que,
o assunto é pertinente e imprescindível para uma educação libertadora, livre de opressões,
estigmas e preconceitos, contribuindo, dessa forma, para a produção de um novo olhar
sobre a atuação do pedagogo homem na Educação.

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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 10 141
CAPÍTULO 11
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: CONCEPÇÃO DE
PRÁTICAS DE ENSINO

Data de aceite: 10/01/2022 referente à Educação Inclusiva. Como acontece


Data de submissão: 25/10/2021 o processo inclusivo das crianças com
necessidades educacionais especiais no ensino
regular? Pautados neste objetivo, torna-se
necessário discutir as dificuldades enfrentadas
Elaine Cristina Mateus Novacowski
pelos professores e pela escola em trabalhar
(PPGEdu – UNEMAT) – Campus Cáceres - MT
com as situações diversas, pois o processo de
http://lattes.cnpq.br/4074528527967505
inclusão supõe mudanças e adaptações, que
Sandra Aparecida Cavallari. podem ser de crenças e práticas acerca da
Universidade Estado de Mato Grosso – inclusão, e se estendem para a infraestrutura da
UNEMAT – Campus Juara - MT instituição e para a formação dos profissionais da
http://lattes.cnpq.br/1355963318449784 educação. Compreende-se que a inclusão social
da pessoa com deficiência significa torná-la
participante da vida social, econômica e política,
Trabalho apresentado no GT 1. Educação Especial assegurando o respeito aos seus direitos no
e Processo Inclusivos, durante o XI Seminário de âmbito da sociedade. E para que seja garantido o
Educação do Vale do Arinos, realizado em Juara, MT, direito destes alunos em ambiente escolar, torna-
de16 a18 novembro de 2016. Curso de Pedagogia/
Faculdade de Educação e Ciências Sociais Aplicadas, se necessário o comprometimento de todos os
Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT. profissionais envolvidos no processo de ensino-
aprendizagem, deste modo, a pesquisa busca
verificar como de fato a inclusão acontece em
uma escola estadual no município de Juara-MT.
RESUMO: O capítulo de livro intitulado como
PALAVRAS – CHAVE: Desafios. Enfrentamentos.
“Educação inclusiva: concepção de práticas de
Inclusão. Práticas de Ensino. Educação Especial.
ensino” resulta de um recorte de um trabalho
maior. A temática sobre a inclusão de pessoas
especiais vem sendo bastante discutida INCLUSIVE EDUCATION: CONCEPTION
atualmente, frente à necessidade de estarmos OF TEACHING’S PRACTICES
atentos às novas demandas sociais, neste ABSTRACT: The book’s chapter named as
contexto se faz necessário um estudo mais “Inclusive Education: conception of teaching’s
aprofundado acerca desse assunto em espaços practices” is resulted from an excerpt of a
escolares, para podermos perceber como vem bigger work. The theme about the inclusion of
sendo concebida a inclusão de educandos com special-needs people it is being debated a lot
necessidades educacionais especiais, e como nowadays, about the need of we are aware to
ocorre à prática de ensino para contribuir com the new social demands, inside this context it is
uma educação de qualidade. O objetivo do necessary a deeper study about this topic in the
trabalho é verificar a concepção dos profissionais school spaces, so that we can notice how it is

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 142
happening the inclusion of special-needs students, and how it occurs the practice of teaching
to contribute with a quality education. The goal of this work is to verify the conception of
professionals related to the inclusive education. How does the inclusive process of children
with special-needs happen in the regular teaching? Lined with this goal, becoming necessary
to discuss the difficulties faced by the teachers and by the school to work with all these diverse
situations, because the process of inclusion supposes changes and adaptations, that can be
of beliefs and practices about the inclusion, and they extend to the institution’s infrastructure
and to the formation of the school professionals. It is understood that the social inclusion of
disabled people means making them participants of the social life, economic and politics,
ensuring the respect to their rights under the society. For this students’ right be guaranteed in
the school space, it makes necessary the commitment of all the professionals evolved in the
process of teaching-learning, thus, the research seeks to verify how the fact of the inclusion
happens in a State School in a city of Juara-MT.
KEYWORDS: Challenge. Confrontation. Inclusion. Teaching’s Practices. Special-Needs
Education.

1 | INTRODUÇÃO
A Educação Especial está sendo discutida há algum tempo pelas políticas públicas
educacionais, e é garantida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB 9394/96;
nessa conjuntura, a escola busca caminhos voltados ao processo de inclusão.
A temática a respeito do aluno especial tem muito por ser debatida, na acepção
de compreender o que é educação inclusiva, e qual o modo correto de ser trabalhada,
com intuito de efetivar o arcabouço teórico e dar sentido à discussão, para posteriormente
explicitar a prática. Logo, a intenção deste capítulo foi refletir sobre o assunto em questão.
Infelizmente, a concepção sobre a temática permanece apontando a criança com
necessidades educacionais especiais como incapaz, o que pode estar ligado à falta
de conhecimento científico sobre o tema, ou seja, o senso comum ainda prevalece. É
preciso compreender como podemos tratar as questões da aprendizagem desses alunos
na escola, levando em consideração as necessidades deles, que perpassam os anseios
formativos dos educadores. Isso porque, os aprendizes com necessidades educacionais
especiais, em sua maioria, desenvolvem atividades iguais aos que não possuem desafios
de aprendizagem, já que são cidadãos com direitos e deveres como os demais, mesmo que
em muitos casos sejam vistos enquanto pessoas impossibilitadas.
Nesse sentido, esta pesquisa originou-se da necessidade de discutir as dificuldades
enfrentadas pelos professores e pela escola em trabalhar com situações diversas, visto que
o processo de inclusão supõe mudanças, que se estendem para crenças e cultura sobre
a temática, infraestrutura e formação. Em suma, o objetivo deste trabalho foi verificar a
concepção dos profissionais referente à Educação Inclusiva. Como acontece o processo
inclusivo das crianças com necessidades educacionais especiais no ensino regular?

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 143
2 | INCLUSÃO

2.1 Os desafios da inclusão na educação


A inclusão abrange não apenas os alunos com necessidades educacionais especiais,
mas sim todos que gozam de direitos fundamentais que se encontram assegurados pela
Constituição de 1988. Logo, modelos escolares inflexíveis não consideram a presença da
subjetividade do indivíduo durante o aprendizado.
Anteriormente a escola era vista como um lugar inapropriado para alguns alunos
que apresentavam dificuldades físicas ou mentais, deste modo Freitas questiona:
Em vez de investirem em alternativas educacionais para esse público na
educação comum, enfatizam a criação de instituições especializadas que se
dedicam apenas à oferta de atendimentos médico-clínicos e desprezam o
âmbito educacional no desenvolvimento desses sujeitos (FREITAS, 2009, p.
224).

Segundo o autor (FREITAS, 2009), era desprezada a possibilidade de pessoas com


adversidades físicas e mentais serem inseridas em instituições educacionais regulares,
nesse mesmo seguimento, Garcia (2009) critica quando se relaciona às diferenças com
inferioridade, pois afirma que desta forma se pratica a exclusão. Na visão do mesmo
teórico: “uma escola inclusiva deve defender uma igualdade de direito e deveres, inclusive
o direito à diferença” (GARCIA, 2009, p.130).
Quando as escolas incluem todos os alunos, a igualdade é respeitada e
promovida como um valor na sociedade, com os resultados visíveis da
paz social e da cooperação. [...] quando as escolas são excludentes, o
preconceito fica inserido na consciência de muitos alunos quando eles se
tornam adultos, o que resulta em maior conflito social e em uma competição
desumana (STAINBACK, 1999, p. 27).

Mediante a afirmação acima, a inclusão social da pessoa com deficiência significa


torná-la participante da vida social, econômica e política, assegurando o respeito aos seus
direitos no âmbito da sociedade. A escola como um espaço de todos e para todos, deve
reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, ou seja, é a partir da
educação que a inclusão poderá acontecer em todo o espaço social.
A inclusão não prevê a utilização de práticas de ensino escolar específicas
para esta ou aquela deficiência/ e ou dificuldade de aprender. Os alunos
aprendem nos seus limites e se o ensino for de fato, de qualidade, o professor
levará em conta esses limites e explorará convenientemente as possibilidades
de cada um (MANTOAN, 2003, p. 63).

Perante a conexão entre os pensamentos dos autores explorados, é necessário


reconhecer a capacidade e a individualidade do outro com deficiência, estabelecer uma
metodologia baseada nos princípios éticos da cidadania igualitária e democrática, pelos
quais o ensino seja realmente inclusivo e dinâmico, que favoreça o processo de inclusão,
tanto no âmbito educacional como no social.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 144
Nós devemos respeitar os limites e diferenças de todos os alunos, independentemente
de sua condição, pois mesmo aqueles considerados mentalmente e fisicamente saudáveis
trazem suas limitações.

2.2 Dificuldades e possibilidades de aprendizagem dos alunos especiais


Para que compreendamos as dificuldades de aprendizagem, é necessário se levar
em conta os aspectos orgânicos, psicológicos e sociais, não devendo desconsiderar suas
inter-relações.
Sob o enfoque biológico podem-se considerar os componentes orgânicos,
em suas estruturas e funcionalidades; na dimensão cognitiva, os aspectos
psicológicos que interferem decisivamente na aprendizagem (percepção,
memória, atenção, motivação, etc.) e, na dimensão social, os componentes
políticos e culturais que influem e sofrem influência do produto da
aprendizagem. (CARVALHO, 2009, p. 72-73).

De acordo com Carvalho (2009), os desafios de aprendizagem não se resumem


a uma condição física ou mental, mas sim em vários aspectos externos relacionados à
condição social do indivíduo. Se lhe faltam subsídios básicos, como alimento e moradia
digna, ou quando sofre violência doméstica, e ainda na dimensão cognitiva, ao não se
respeita a subjetividade de cada educando, o tempo e a forma de aprender, são fatores que
influenciam na aprendizagem, como também o corpo docente que atendem os estudantes.
O esforço feito pelos alunos é influenciado pelo padrão que o mestre
estabelece em relação a ele. Um padrão demasiadamente difícil terá efeito
desestimulante. Se os alunos sentem que não terão possibilidade de êxito,
provavelmente não se esforçarão muito. (DERVILLE, 1976, p. 39).

De acordo com Derville (1976), o professor pode motivar ou desmotivar os


educandos a aprender. Com base nestas teorias , podemos perceber que a construção
do conhecimento depende de vários fatores, que devem ser considerados antes de um
diagnóstico errôneo sobre determinados casos de dificuldades na aprendizagem.
Mesmo não sendo deficiência (mental, auditiva, visual, física, múltipla) ou
condutas típicas de síndromes neurológicas, psiquiátricas ou de quadros
psicológicos graves, apresentam problemas em aprender e contribuem para
aumentar o fracasso escolar”. (CARVALHO, 2009, p. 72).

Se quisermos identificar defeitos, deveríamos procurar no próprio sistema


educacional, e ainda que algumas barreiras e entraves sejam provocados por atitudes
errôneas daqueles que encabeçam as comunidades escolares.
A educação inclusiva caracteriza-se como um novo princípio educacional,
cujo conceito fundamental defende a heterogeneidade na classe escolar, [...]
propõe-se e busca-se uma pedagogia que se dilate frente às diferenças do
alunado. (BEYER, 2009, p.73).

O estudioso ainda traz alguns questionamentos: “estar incluído é aprender como as


demais crianças aprendem? [...] abdicar de suas formas próprias de pensar ou aprender?”

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 145
O autor discorda da definição de inclusão que desconsidera as diferenças, por meio de
currículos inflexíveis e hegemônicos. (2009, p. 74).
Buscando ainda em Beyer (2009), a educação para ser inclusiva deve
considerar a heterogeneidade das salas de aula, respeitando as diferenças, fazendo
alguns questionamentos importantes, pois quando pensamos em um nivelamento de
comportamentos e desenvolvimento, estamos automaticamente excluindo aqueles que
estão fora do padrão proposto. Deste modo, precisamos de currículos que contemplem
esta heterogeneidade. Nos PCNs, neste contexto,
A ajuda pedagógica e os serviços educacionais, mesmo os especializados
– quando necessários – não devem restringir ou prejudicar os trabalhos
que os alunos com necessidades especiais compartilham na sala de aula
com os demais colegas. Respeitar a atenção à diversidade e manter a
ação pedagógica “normal” parece ser um desafio presente na integração
dos alunos com maiores ou menos acentuadas dificuldades para aprender
(BRASIL, 1998, p. 24).

Segundo os PCNs, o aluno com necessidades educacionais especiais não deve


sofrer interferência em sua relação na sala de aula convencional, nem em suas interações
sociais, mesmo quando necessário o atendimento especializado. O estudante deve
conviver em um ambiente que proporcione liberdade e igualdade e não ser tratado como
diferente, para não ser prejudicado em suas atividades escolares cotidianas.
Deve-se compreender esta diversidade entre os alunos como algo natural,
pois quando no passado eram excluídos, acreditava-se em um padrão universal de
comportamento e desenvolvimento dos indivíduos. Nos dias atuais, as novas propostas
de ensino se pautam em legislação específica, garantindo deste modo o acesso a todos a
escola regular.

3 | RESULTADOS

3.1 Abordagem metodológica


Os lócus de pesquisa é uma Escola Estadual da rede urbana do município de
Juara. A pesquisa qualitativa visa compreender a realidade por meio dos fatos ocorridos
e informações colhidas através de questionários ou entrevistas. Segundo Michel (2005, p.
33), “na pesquisa qualitativa, a verdade não se comprova numérica ou estatisticamente,
mas convence na forma da experimentação empírica, a partir da análise feita de forma
detalhada, abrangente, consistente e coerente”.
A pesquisa teve como propósito analisar o processo de inclusão de crianças
e adolescentes com necessidades educacionais especiais, do lócus pesquisado. Foi
realizado estudo bibliográfico, por meio de leituras voltadas à temática, e ainda sobre toda
a legislação que norteia o processo de inclusão. Com base em levantamentos bibliográficos
ter-se-á embasamento teórico para melhor compreender as informações coletadas. A

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 146
pesquisa empírica teve enquanto instrumento questionários com perguntas abertas, no
sentido de oportunizar ao sujeito pesquisado responder de maneira subjetiva e relevante.

3.2 Análise dos dados

3.2.1 Contribuição dos profissionais

Os sujeitos pesquisados que fizeram parte deste trabalho são três professores que
lecionam em salas regulares, onde há alunos especiais que também frequentam a sala de
recurso, e dois professores que desenvolvem atividades nesta sala de recurso. Os sujeitos
da pesquisa foram identificados por nomes fictícios, para preservar a identidade de cada
um. Assim, para os professores das salas regulares usaremos “REG1”, “REG2” e “REG3”.
E os profissionais da sala de recurso multifuncional ficaram identificados com “SRM1” e
“SRM2”.
A partir dos questionários destinados a cada profissional, verificamos que a maioria
possui formação em Licenciatura Plena em Pedagogia, exceto um que possui Licenciatura
em Letras. Com relação a Pós-Graduação, dois profissionais têm Especialização em
Educação Inclusiva, dois em Psicologia do Ensino-Aprendizagem, e três não responderam.
O primeiro questionamento buscou saber como se dá o processo de inclusão dos
alunos com necessidades educacionais especiais. A qual, responderam:
(REG1). Primeiro, eles já são especiais por existirem e provar que existam. O
fato de estarem inclusos é graças ao amparo legal da existencial lei que rege
nossa constituição aos nossos jovens, crianças e adultos. E a escola é o carro
chefe dessa história e a família.

(REG2). Inserindo-os em salas regulares, mas com atendimento adequado as


suas necessidades.

(REG3). Há estrutura física, sala de recurso, mas ainda há falta de preparo e


tempo dos professores da sala.

(SRM1). Através de laudo médico, os mesmos são diagnosticados por um


profissional especializado. Mas para que isso aconteça é necessária a
observação do professor em sala de aula.

(SRM2). Ser respeitado o direito de aprendizagem com o Atendimento


Educacional Especializado (AEE), e ser respeitado em suas limitações em
sala de aula regular, com participação contextualizada de acordo com suas
especificidades.

Por estes fragmentos, ficou explícito que os profissionais comungam da mesma


opinião entre eles, demonstrando perceber a forma pela qual o processo de inclusão dos
alunos com necessidades especiais deveria se voltar para as peculiaridades de cada um,
mas um deles admite que falta preparo dos professores que atuam nas salas regulares.
Para Imbernón (2006):
A mudança nas pessoas, assim como na educação, é muito lenta e nunca

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 147
linear. Ninguém muda de um dia para outro. A pessoa precisa interiorizar,
adaptar e experimentar os aspectos novos que viveu em sua formação. A
aquisição de conhecimentos deve ocorrer da forma mais interativa possível,
refletindo sobre situações práticas reais (IMBERNÓN, 2006, p. 16).

A política de inclusão não significa apenas a permanência de alunos com


necessidades especiais na rede regular de ensino, mas implica rever concepções e
paradigmas ligados ao potencial dessas pessoas, respeitando sua diferença e limites,
através da atenção direcionada às respectivas necessidades. Isso se concretiza por meio
da acessibilidade física, instrumental e comunicacional, ao possibilitar uma real participação
social das pessoas especiais.
Seguindo os questionamentos, perguntamos quais as dificuldades enfrentadas pelo
professor para que ocorra a inserção dos educandos especiais em sala de aula. Eis as
respostas:
(REG1). A dificuldade é exatamente a falta de preparo, às vezes não somos
formados e não temos formação para trabalhar com essas questões delicadas.
A minha maior dificuldade é como inseri-los no convívio com os colegas para
que de fato sejam iguais.

(REG2). Falta de um auxiliar em sala de aula para ajudar em suas dificuldades


de aprendizagem.

(REG3). Uma TDI para cada educando especial que acompanhe em sala,
e cursos para cada deficiência para sabermos lidar com cada aluno e suas
necessidades.

As respostas evidenciam que a dificuldade é exatamente a falta de formação


específica, por não terem acesso a cursos que forneçam subsídios adequados, para
então desenvolver um trabalho mais direcionado aos alunos. Destacando ainda que a
maior dificuldade seria inserir as crianças ao convívio social, para que de fato aconteça a
inclusão. Os relatos deixaram visível que os profissionais assumem ter dificuldades para
atender as especificidades desta nova sala de aula, onde os alunos com necessidades
educacionais especiais devem ser incluídos.
Entendemos que para o desenvolvimento da aprendizagem o papel do
professor e a qualidade do ambiente escolar são fundamentais como
potencializadores de um espaço de troca, de estimulação e de desafios para
o sujeito. O aluno deverá encontrar na escola, um local onde possa continuar
a se desenvolver e a construir e reconstruir hipóteses em relação aos objetivos
do conhecimento. É essencial sentirse amparado em suas angústias, conflitos
e questionamentos, incentivado em suas reflexões, estimulado no uso e no
desenvolvimento do seu potencial. (WEISS, 2001, p. 39-40)

De acordo com Weiss (2001), o professor é peça fundamental no desenvolvimento


da aprendizagem do aluno, é necessário desenvolver um vínculo afetivo com todos os
aprendizes, para que eles se sintam respeitados e valorizados, deste modo, poderão
desenvolver mais facilmente o potencial individual, de forma muitas vezes diferenciada,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 148
mas natural e prazerosa.
A pesquisa buscou verificar as práticas vivenciadas na sala de recurso pelo aluno
com necessidades educacionais especiais, que possam contribuir para o desenvolvimento e
aprendizagem na sala convencional. Conforme relatos dos pesquisados “REG1” e “REG2”,
suas falas se complementam, “através de materiais concretos, vídeos, socialização de
palestras, interatividade recreativas diferentes e principalmente atividades especiais para
esse conceito. Atividades diferenciadas”.
Os fragmentos dos depoimentos dos pesquisados evidenciam que a sala de recurso
contribui para a aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais, pois
é um espaço no qual se trabalha de forma diferenciada, por meio de metodologias de
ensino que buscam superar os desafios de aprendizagem destes educandos.
A esse respeito, a LDB ressalta que:
O grande equívoco de uma prática de ensino que se baseia nessa lógica
do concreto é a repetição alienante, que nega o acesso da pessoa com
deficiência mental ao plano abstrato e simbólico da compreensão, ou seja,
nega a sua capacidade de estabelecer uma interação simbólica com o meio.
O perigo desse equívoco é empobrecer cada vez mais a condição de as
pessoas com deficiência mental lidarem com o pensamento, raciocinarem,
utilizarem a capacidade de descobrir o que é visível e preverem o invisível,
criarem e inovarem, enfim, terem acesso a tudo o que é próprio da ação de
conhecer. (BRASIL, 1996, p. 21)

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, é importante que os


professores valorizem todo o potencial destes alunos, não apenas focar em atividades
com materiais concretos, mas também utilizar todos os mecanismos disponíveis para
proporcionar o desenvolvimento do raciocínio, independentemente do nível de consciência.
Quando menciono alunos com deficiência, o faço sem desconsiderar a
heterogeneidade desse grupo. [...] na verdade, todas as pessoas diferem
uma das outras, mesmo se comparadas entre si. O mesmo aplica-se aos
com deficiência, ainda que pertencentes ao mesmo grupo de determinada
deficiência. (CARVALHO, 2009, p. 31)

Conforme o autor, mesmo quando se objetiva a classificação dos educandos por


tipo de deficiência, ainda assim nunca se alcança a homogeneidade, deste modo é preciso
aceitar esta diversidade de forma natural. Foi enfatizado que na sala de recurso são utilizados
vários materiais concretos, atividades diferenciadas e recreativas junto aos estudantes
especiais, para que assim, por meios afetivos, descobrir e valorizar as potencialidades e
habilidades desses educandos, pois cada um tem capacidades próprias, que necessitam
ser descobertas, anunciadas, cultivadas e exploradas, as quais oportunizam a inserção
social.
Os dados evidenciaram que os professores da sala de recursos multifuncionais
mantêm o contato diário com os docentes das salas convencionais, com o objetivo de
criar estratégias para propiciar ao aluno o ensino e a aprendizagem, como sinalizado pelo

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 149
pesquisado “SRM2”: “Sim, contribuem porque o professor da sala de recurso necessita
constantemente de dialogar com os professores da sala convencional, para criarem
estratégias com o objetivo da aprendizagem do aluno”.
É uma forma de trabalho integrado, e que leva a resultados positivos, pois de acordo
com o professor “SRM1”: “Sim, pois o diagnóstico de aprendizagem realizado na sala
de recurso embasará o AEE e o atendimento em sala regular, de acordo com o diálogo
contínuo entre a professora da sala de recurso e da sala regular”.
Nesta visão, ambas as partes auxiliam e trocam experiências, pois estão em busca
da mesma finalidade: o ensino, a aprendizagem e a inclusão da criança especial, que de
acordo com o entrevistado “REG3”, a criança aprende “de acordo com as capacidades
e competências que ela possa alcançar, trabalhando atividades diferenciadas de escrita,
brinquedos e jogos”.
As especificidades de cada criança, quando trabalhadas de maneira a estimular a
aprendizagem, com atenção à afetividade e a maturação, ajuda no desenvolvimento dos
pequenos dentro de seus respectivos tempos cognitivos.
Fonseca (1995, p. 207) chama a atenção quanto à formação dos professores,
afirmando que é preciso “prepará-los para enfrentar suas necessidades individuais e
peculiaridades dos alunos com necessidades educacionais especiais e abandonar os
tradicionais “medos” [...] equipando-os com recursos educacionais inovadores”.
O compromisso da escola inclusiva é promover a mudança de atitudes das
crianças que não são consideradas especiais perante às especiais, para que não haja
discriminaçãoIsso é possível por meio da quebra de tabus,  de estigmas, de desinformação
e de ignorância. Logo, os pupilos perceberão que os diferentes são iguais, que todos
buscam um futuro justo e igualitário, e assim se promove a cidadania.
Portanto, o papel do professor é valorizar a cooperação e promover a solidariedade
entre crianças com deficiência e seus colegas, nesta luta pela inclusão. O aluno que não
apresenta dificuldades motoras ou intelectuais aprende a contribuir com o outro que possui
limitações e isto diminui tabus, mitos e preconceitos.

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observando o fator histórico, nos deparamos com a realidade de que as pessoas
diferentes sempre foram excluídas pela sociedade. Deste modo, foram necessárias
iniciativas e algumas ações isoladas realizadas por entidades não governamentais, para
que o Governo tomasse ciência da necessidade de inclusão e acessibilidade que tanto tem
sido reivindicada por pessoas menos favorecidas.
Desta forma, dialogou-se com alguns autores por meio de arcabouços teóricos,
para constituir o instrumental necessário, que prestou-se para compreender e orientar
esta pesquisa, principalmente quando entramos em contato com os sujeitos envolvidos

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 150
diretamente com o processo de investigação da educação inclusiva atual, obtendo como
resultados as reflexões expostas.
A escola tem sofrido muito com a carência de infraestrutura e qualificação
profissional para enfrentar os seus desafios diários. Tradicionalmente, o Brasil tem lidado
com políticas desarticuladas que desestruturaram o processo de coletividade, que envolve
a comunidade, a escola e os órgãos públicos responsáveis pela educação, o que dificulta
a criação e aprovação de projetos que visem à democracia institucional. Por esse cenário,
evidenciamos a necessidade de uma escola que queira ser inclusiva e tenha condições
para isso.
Vimos que tanto a sociedade como as instituições de ensino precisam cobrar
incansavelmente a efetivação dos projetos que estendem a educação a todos. Podemos
dizer que a escola está passando por um processo de mudança de concepções, com isso,
nossa pesquisa trouxe contribuições para novas investigações sobre a temática.
Com este trabalho, compreendemos como tem sido a realidade escolar no que tange
à educação especial no ensino público, mas, acima de tudo, fomenta a reflexão social do
direito à educação que pretende-se como inclusiva e para todos.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Adaptações


Curriculares / Secretaria de Educação Fundamental. Secretaria de Educação Especial. – Brasília: MEC
/ SEF/SEESP, 1998.

BEYER. Hugo Otto. Inclusão e Escolarização: Múltiplas perspectivas. (Org.) Claudio Roberto
Baptista; Adriana Marcondes Machado... [et al.]. – Porto Alegre: Mediação 2009. 192 p. II.

CARVALHO. Rosita. Removendo barreiras para a aprendizagem: educação inclusiva / Rosita Edler
Carvalho. – Porto Alegre: Mediação 2009. (8 ed. Atual.) 176 p.

DERVILLE, Leonore M. T. Psicologia prática no ensino; Tradução de José Reis. 2. ed. São Paulo,
IBRASA, 1976.

FREITAS, Soraia Napoleão. O direito a educação para a pessoa com deficiência: Considerações
acerca das políticas públicas. In: Avanços em Políticas de inclusão: o contexto da educação especial
no Brasil e em outros Países / Claudio Roberto Baptista et al. – Porto Alegre: mediação 2009.

FONSECA. Vitor da. Educação Especial: programa de estimulação precoce – uma introdução às
idéias de Feuerstein / Vitor da Fonseca – 2 ed. Ver.aumentada – Porto Alegre: Artes Médicas do Sul,
1995.

GARCIA, Rosalva Maria Cardoso. Políticas de educação inclusiva e trabalho pedagógico: uma
análise do modelo de educação especial na educação básica. In: Avanços em Políticas de inclusão:
o contexto da educação especial no Brasil e em outros Países / Claudio Roberto Baptista et al. – Porto
Alegre: mediação 2009.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 151
IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a
incerteza. – 6. ed. – São Paulo, Cortez, 2006.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão Escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo:
Moderna, 2003.

MICHEL, Maria Helena. Metodologia e Pesquisa Científica em Ciências Sociais: Um Guia Prático
para acompanhamento da disciplina e elaboração de trabalhos monográficos. São Paulo: Atlas, 2005.

STAINBACK, Susan. Inclusão: Um guia para educadores. Willian Stainback; trad. Magda França
Lopes. – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

WEISS, Alba Maria Lemme. A informática e os problemas escolas de aprendizagem / Alba Maria
Lemme Weiss, Maria Lúcia Reis Monteiro da Cruz – Rio Janeiro: DP&A editora, 2001. 3. edição.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 11 152
CAPÍTULO 12
CAMINHOS DA APRENDIZAGEM

Data de aceite: 10/01/2022 para os alunos, que tinham se tornado o centro


Data de submissão: 22/10/2021 da ação pedagógica. A professora agia como
orientadora, enquanto eles encaravam o desafio
de realizar as atividades de aprendizagem.
Através deste trabalho foi possível perceber
Maria da Anunciação Almeida
valores, liderança, companheirismo dos
Senac-PI
estudantes motivados e engajados em equipes.
Teresina - Piauí
Após análise das três situações de aprendizagem
que tinham transformado a sala de aula em
laboratório, concluiu-se que a Metodologia
RESUMO: O objetivo deste trabalho é mostrar de Desenvolvimento de Competências, pode
resultados do estudo sobre o desenvolvimento contribuir significativamente através das
de competências, por meio da Metodologia de instituições de ensino profissional, para a
Desenvolvimento de Competências, proposta formação de profissionais capazes de encarar e
pelos autores José Antonio Küller & Natália superar desafios, tomar decisões, trabalhar em
de Fátima Rodrigo, para o desenvolvimento equipe ao exercer seu papel de cidadãos em
de competências profissionais. Através deste contínuo desenvolvimento de suas competências
trabalho, professora e alunos foram envolvidos profissionais.
em um ciclo de três situações de aprendizagem PALAVRAS-CHAVE: 1. Desenvolvimento de
como parte do Curso de Especialização em competência. 2. Situação de aprendizagem. 3.
Docência para a Educação Profissional. Cada Aluno. 4.Educação profissional.
situação de aprendizagem foi composta por sete
passos previamente planejados e propostos pela
LEARNING PATHS
professora aos alunos para o desenvolvimento
de uma competência. Após a conclusão da ABSTRACT: The aim of this work is to show
primeira situação de aprendizagem, professora e results of the study about the development
alunos avaliaram-na para identificar o que tinha of competences, through The Methodology
sido positivo e o que era necessário melhorar of Development of Competences, proposed
para a situação de aprendizagem seguinte. De by the authors José Antonio Küller & Natália
acordo com os resultados, a professora planejou de Fátima Rodrigo, for the development of
a segunda e a terceira situação de aprendizagem professional competences. Through this work,
seguindo o mesmo critério. O assunto havia teacher and students were involved in a cycle of
sido retirado do plano do curso de inglês que three learning situations as part of the Curso de
os alunos cursavam, primeiramente Básico Especialização em Docência para a Educação
2 e Teens 6 posteriormente. As atividades de Profissional (specialization course in teaching
aprendizagem eram concretas e desafiadoras for professional education). Each learning

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 153
situation was composed by seven steps previously planned by the teacher and proposed
to the students for the development of one competence. After the first learning situation was
completed, teacher and students made the evaluation of it to identify what had been positive
and what should be improved for the following learning situation. According to the results, the
teacher planned the second and the third learning situation as well. The subject had been
taken from the students’ English course current program for Basic 2 and then for Teens level
6. The learning activities were concrete and challenging for the students, who had become
the center of the pedagogical action. The teacher behaved as a guide meanwhile the students
faced challenges to do the learning activities. Through this work it was possible to see the
students’ values, leadership, partnership, motivated learners engaged in group work. After
the analysis of the three learning situations which had turned the classroom into a laboratory,
it was concluded that the Methodology of Development of Competences may contribute
significantly through the professional education institutions for the formation of professionals
able to face and overcome challenges, make decisions and work as citizens engaged in team
work and continue the development of their own professional competences.
KEYWORDS: 1. Development of competences. 2. Learning situation. 3. Students. 4.
Professional education.

1 | INTRODUÇÃO
A necessidade de formar profissionais qualificados pelo Senac, com uma visão
ampla e consciente sobre a sua atuação profissional, possibilitou o meu ingresso no curso
de Especialização em Docência para a Educação Profissional. Graduada em Licenciatura
Plena em Letras – Língua e Literatura de Língua Inglesa, passei a fazer parte do corpo
docente do Senac–Piauí em 2015, vindo de uma trajetória de quinze anos como professora
de Língua Inglesa em escolas da rede pública do Estado do Piauí.
Atualmente, além de atuar como docente no Ensino Médio, estou lotada no Senac-
Pi na Unidade Miguel Sady, localizada em Teresina. Na referida instituição, trabalho com o
público adolescente, cuja meta é tornar-se falante fluente da Língua Inglesa. Meus atuais
alunos estão matriculados no curso Teens, específico para adolescentes. Após a conclusão,
eles deverão complementá-lo através de outro curso, voltado para jovens e adultos.
Embora não seja curso profissionalizante, sua importância reside no fato de o
idioma inglês ser utilizado em atividades do comércio – principalmente para exportação,
turismo, hotelaria, além de ser essencial para o acesso a cursos de capacitação profissional
em várias áreas, como por exemplo, tecnologia da informação e área da saúde, cujo
aperfeiçoamento não raro é realizado no exterior. É considerável o número dos alunos do
curso de inglês do Senac-Piauí que estão em formação para atuar na área da saúde, isso
se deve ao fato de o setor estar em contínua expansão no referido Estado. Diante dessa
realidade, há grande necessidade de profissionais competentes, uma vez que é possuidor
de um dos maiores polos de saúde da Federação, atendendo a pessoas das Regiões
Nordeste e Norte do Brasil. Portanto, o domínio da língua inglesa se torna uma ferramenta

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 154
de grande importância para contínua preparação desses profissionais, podendo garantir
serviços de melhor qualidade à sociedade.
Tendo em vista a competência dos profissionais formados pelo Senac, esta
instituição empenha-se no sentido de contribuir para a qualificação e valorização de seus
Agentes de Educação Profissional (AEP), através do Programa Senac Docente, a fim de
garantir que os níveis dos serviços disponibilizados para a sociedade sejam elevados. O
profissional formado pelo Senac tem como marcas formativas o domínio técnico-científico,
a visão crítica, a atitude empreendedora, sustentável e colaborativa. Para tanto, o Senac
investe na formação do profissional formador daqueles que atuarão no mundo do trabalho,
gerando assim, agentes de transformação da sociedade.
A atuação do Senac é fundamental para o desenvolvimento da Região Nordeste e,
particularmente, do Estado do Piauí. Ela se estende por cerca de 80 municípios do referido
Estado, através de vários cursos e programas, a citar: o Programa Senac Aprendiz, voltado
para a inserção de jovens no mercado de trabalho; o Programa Deficiência e Competência,
voltado para pessoas especiais que são preparadas para o mercado de trabalho, por meio
de cursos de educação profissional; o Programa Senac Gratuidade, que tem preparado
grande número de pessoas de baixa renda para o exercício de uma profissão. Assim, a
instituição contribui efetivamente para o desenvolvimento da região, principalmente para
o preparo de profissionais voltados ao comércio, no setor de bens e serviços. Logo, como
parte do processo de formação contínua, fui inserida no curso de Especialização em
Docência para a Educação Profissional. Almejo capacitar-me para contribuir eficazmente
na formação intelectual e humana dos estudantes num contínuo aperfeiçoamento da ação
docente, tendo em foco o desempenho dos estudantes.
No curso de Docência se realiza a adequação dos métodos de ensino e aprendizagem.
E o objetivo deste trabalho é apresentar o processo de estudo sobre o desenvolvimento
de competências e os resultados alcançados no decorrer da prática docente, realizada
em três momentos. Os conceitos e a prática são fundamentados na Metodologia do
Desenvolvimento de Competências proposta por José Antonio Küller e Natália de Fátima
Rodrigo.
Na primeira sessão, será feito breve comentário sobre a metodologia, aprendizagem
significativa, desenvolvimento de competências, simetria invertida e os sete passos
de uma situação de aprendizagem propostos pelos autores acima citados. Na segunda
sessão, será apresentado o processo das ações realizadas em três laboratórios, relato
das aprendizagens e alterações no planejamento, resultantes da simetria invertida. Na
terceira sessão, será exposto o produto final, resultante das práticas e ajustes da situação
de aprendizagem e do aprimoramento das ações, tendo como base os resultados obtidos
após o ciclo: Ação-reflexão-ação.
A seguir, na sessão I, destacam-se alguns conceitos necessários para a compreensão
deste trabalho, dentre eles aprendizagem e competência.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 155
2 | O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS
Nesta sessão, teremos a oportunidade de conhecer alguns conceitos relacionados
ao contexto educacional. A ausência deles em ações rotineiras da vivência de um educador,
como planejar e avaliar, pode impedir um trabalho mais eficaz. Um desses é o conceito de
competência que pode ser visto como instrumento e finalidade de uma ação pedagógica.

2.1 Competência
Ao tratar do tema formação profissional, veio em relevo o termo competência e,
consequentemente, a pergunta: o que é competência?
É comum se esperar dos profissionais de qualquer área que sejam competentes.
O dicionário Novo Aurélio da Língua Portuguesa define competência como: qualidade de
quem é capaz de apreciar, resolver certo assunto, fazer determinada coisa; capacidade,
habilidade, aptidão, idoneidade. (AURÉLIO,1999, p. 512)
No contexto do desenvolvimento de competências profissionais, podemos associar
competência a: saber resolver determinado assunto; ser capaz de fazer determinada
coisa habilmente, com idoneidade. Portanto, é essencial que profissionais em formação
participem de atividades que propiciem o desenvolvimento de competências.
De acordo com o Relatório Scans (UNITED STATES, 1991 apud KÜLLER;
RODRIGO, 2013), há cinco competências e três habilidades básicas ou qualidades
pessoais necessárias para o desempenho adequado no trabalho.
As competências necessárias aos trabalhadores para que trabalhem eficazmente e
de forma produtiva relacionam-se ao uso de:
1. Recursos – pessoais, materiais, espaço, tempo e dinheiro;

2. Capacidade de relacionamento interpessoal – colaboração na equipe de trabalho,


liderança, negociação, servir a clientes e trabalhar bem com pessoas de cultura e
origem diversas;

3. Informação – uso de computadores para adquirir informações, avaliação,


organização e manutenção de arquivos, interpretar e comunicar;

4. Sistemas – compreensão dos sistemas sociais, organizacionais e tecnológicos;

5. Tecnologias – seleção de equipamentos em tarefas específicas, identificação e


resolução de problemas com aparelhos tecnológicos.
Várias são as habilidades apontadas como necessárias ao exercício de uma
profissão. As citadas no relatório referido acima são as seguintes:
1. “Habilidades básicas – leitura, escrita, aritmética e matemática, falar e ouvir;

2. Habilidades de pensamento – pensar criativamente, tomar decisões, resolver


problemas, ver as coisas com os olhos da mente, aprender a aprender e raciocínio;

3. Qualidades pessoais – responsabilidade individual, autoestima, sociabilidade,


auto-gestão e integridade.”

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 156
Com base no exposto acima, é possível afirmar que habilidade e competência são
distintas. Embora se possa confundir, habilidade é um recurso utilizado para subsidiar e
mobilizar o desenvolvimento do que chamamos competência, podendo a última ser entendida
como capacidade de resolver problemas, realizar tarefas manuais ou intelectuais de forma
inovadora, num processo contínuo de aperfeiçoamento que envolve conhecimentos,
valores, saberes atitudinais e relacionais em situações previstas e imprevistas.

2.2 A importância do desenvolvimento de competências


A competência é necessária para todas as ações humanas no meio social, desde o
aprendizado na infância. Ela pode se manifestar através da habilidade criativa ao comunicar-
se no meio familiar, ao adquirir conhecimentos organizados como matéria escolar, e ao
exercer a cidadania em funções profissionais que exigem o domínio de saberes conceituais,
mentais, atitudinais e procedimentais para enfrentar com eficácia situações inéditas.
A constituição das competências é requerimento à própria construção de
conhecimentos, o que implica, primeiramente, superar a falsa dicotomia
que poderia opor conhecimentos e competências. Não há real construção
de conhecimentos sem que resulte, do mesmo movimento, a construção de
competências. (PARECER CNE/CP 9/2001, p. 31)

É necessário que haja competência para se adquirir conhecimentos, ao mesmo


tempo em que o conhecimento prévio torna-se ferramenta para o desenvolvimento de
competências num processo contínuo de aprendizagem, como representado na Figura 1,
a seguir.

Figura 1 – A aprendizagem e o desenvolvimento de competências


Fonte: Elaborado pela autora (2016).

O desenvolvimento de competências é concomitante ao processo de aprendizagem,


e geralmente ocorre através da observação seguida de prática, comunicação, vivências e
de descobertas ocasionais ou provocadas, que assimiladas provocam uma mudança de
comportamento observável. Ou seja, para que se desenvolva uma ou mais competências

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 157
profissionais é necessário que a aprendizagem seja significativa, relacionada ao saber
fazer, ao saber conviver e ao saber ser.

2.3 Aprendizagem Significativa


A aprendizagem significativa é iniciada no meio familiar, continuada e expressa no
meio sociocultural. Uma pessoa poderá aprender mais significativamente se o meio de
convívio possibilitar oportunidades de vivências variadas. A escola é o meio social propício
para que haja diversidade de ações, informação, comunicação e convívio com pessoas
de origem ou valores diferentes, o que permite a troca e ao mesmo tempo a soma de
conhecimentos, valores éticos e culturais. A aprendizagem significativa é resultante
também de desafios, de atividades em equipe, quando é acentuada a oportunidade da
troca, da cooperação, da tolerância e de superação. Portanto a aprendizagem significativa
é observável. É a base para o desenvolvimento de competências.
Por outro lado, o modelo de educação que utiliza métodos de ensino através do
professor transmissor de conhecimentos, “aquele que sabe e transmite ao aluno que não
sabe”, utilizador de conceitos, modelos ou técnicas de memorização, tem deixado uma
lacuna. Ao perceber a ineficiência desse modelo de ensino, e tendo por base a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação brasileira, o Senac iniciou a preparação de profissionais
visando a adequação de métodos que propiciem a aprendizagem significativa, pois tem se
tornado evidente que além de informação, o aprendiz precisa tornar-se capaz de resolver
problemas, comunicar ideias e tomar decisões com base em valores que deverão fazer
parte de suas atribuições no âmbito profissional. A Lei de Diretrizes e Bases da educação
brasileira refere-se à educação profissional no capítulo III, Art. 39., integrando-a às
diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, o que conduz ao
permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva (BRASIL, 1996).
O Senac Nacional atua diretamente na área de formação de profissionais e investe
para que o estudante possa desenvolver as competências necessárias ao exercício de
suas funções no mercado de trabalho, cumprindo assim, suas atividades nos meios de
produção e consumo eficazmente. Como parte desse processo, a instituição passou a
investir também no preparo de seu corpo docente, com o intuito de proporcionar educação
profissional adequada aos seus educandos e, como parte dessa iniciativa, oferece o curso
de Especialização em Docência para a Educação Profissional. No curso de formação dos
docentes tem sido utilizada a Metodologia do Desenvolvimento de Competências de Küller
e Rodrigo (2013); um método de aprendizagem organizado em sete passos voltados para
cursos de Educação Profissional e Tecnológica.
Na sistemática proposta por Küller & Rodrigo, destaca-se a atuação do aprendiz,
cujas ações são postas em evidência através de um conjunto de atividades planejadas
e organizadas em plano de trabalho docente. Esse conjunto de atividades é chamado
Situação de Aprendizagem, e tem por finalidade desenvolver no estudante uma ou mais

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 158
competências.

2.4 Situação de aprendizagem e o desenvolvimento de competências


A Metodologia do desenvolvimento de competências, desenvolvida por Küller
e Rodrigo (2013), apresenta a situação de aprendizagem como meio eficaz para o
desenvolvimento de competência profissional. A proposta prevê a prática do aprendiz, a
vivência em situações reais através de visitas, ações concretas, ou através de simulação,
dramatização e outros tipos de atividades que reproduzem características das situações
reais em que competências são requeridas. A função do docente é de facilitador, mediador
e incentivador de iniciativas constantes nas situações de aprendizagem.
Ao desenvolver a situação de aprendizagem, previamente organizada através do
Plano de Trabalho Docente (PTD), observam-se as ações dos aprendizes, através de
atividades variadas propostas pelo educador que possibilitem ao educando liderar, encarar
desafios, comunicar ideias, pesquisar, redescobrir parte do conhecimento previamente
adquirido ou acumulado ao longo do tempo pela humanidade, se superar e apresentar
como resultado o que chamamos de competência. Os autores da Metodologia do
desenvolvimento de competências definem Situação de Aprendizagem como um conjunto
organizado de ações do aluno. (KÜLLER; RODRIGO, 2013).
Vale ressaltar que no Curso de Especialização em Docência para a Educação
Profissional ocorre a simetria investida, através da qual o professor-aluno é provocado
a fazer algo que ele nunca fez nos moldes em que, posteriormente, o então capacitado
passará a contribuir para a formação – desenvolvimento de competências de seus
educandos. Entende-se por simetria a correspondência em grandeza ou forma de partes
de um todo que, sobrepostas, ambas as partes coincidem perfeitamente.
Como parte do curso de Especialização em Docência para a Educação Profissional,
o ciclo ação-reflexão-ação tem a finalidade de proporcionar o desenvolvimento contínuo e
a melhoria de cada situação de aprendizagem, desenvolvida através dos seguintes passos
metodológicos:
1º Passo – Contextualização e Mobilização
Neste passo, o aluno é conduzido através de uma atividade que introduz a situação
de aprendizagem de modo que compreenda sua essência e importância. Ele utiliza suas
aprendizagens anteriores porque faz parte da realidade ou de suas vivências.
Tendo em vista mudanças que sejam necessárias na área de atuação dos alunos,
o ciclo ação-reflexão-ação reproduz condições preexistentes, visando o aprimoramento e,
portanto, motivando o aluno a buscar o melhoramento contínuo de suas ações ao realizar
a atividade de aprendizagem.
Durante a contextualização, as referências são articuladas com situações concretas
ou simuladas, podendo ser jogos que, ao serem desenvolvidos, vão conduzindo o aluno
à redescoberta de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores indispensáveis para o

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 159
desempenho das funções que se fizerem necessárias.
2º Passo – Definição da Atividade de Aprendizagem
Neste passo, é estabelecida a referência central da situação de aprendizagem em
que se propõe ao aprendiz o enfrentamento de um desafio que não seja fácil, nem muito
difícil; podendo ser uma pesquisa, participação num jogo, dramatização ou execução de
uma atividade qualquer ligada à competência a ser desenvolvida.
A atividade de aprendizagem é considerada centro da situação de aprendizagem
porque nela encontra-se o desafio que o aluno deve enfrentar para solucionar problemas
e realizar tarefas novas. Ela proporciona o exercício prático do educando, sendo o mesmo
protagonista na ação didática.
3º Passo – Organização da atividade de aprendizagem
Dedicado à orientação para a realização das tarefas, este passo prevê os recursos e
as condições necessárias para o desenvolvimento da atividade de aprendizagem. Definem-
se as etapas e mostra-se a razão de ser e o encadeamento destas. É recomendado o
planejamento das ações de forma participativa.
4º Passo – Coordenação e Acompanhamento
Trata-se de uma ação docente.
São previstas as formas e os meios de coordenar e acompanhar o desenvolvimento
da atividade de aprendizagem e indicar as referências. Deste passo, faz parte o
esclarecimento de dúvidas e observação do desempenho dos membros de cada equipe.
5º Passo – Análise e Avaliação da Atividade de Aprendizagem
Concluída a atividade de aprendizagem, é feita uma análise da própria atividade e
dos resultados por ela obtidos, que se tornam o objeto de reflexão individual por meio de
questionários e de discussão em pequenos grupos ou reunião da turma.
6º Passo – Outras Referências
Com base na atividade desenvolvida, são veiculadas as recomendações práticas e
a produção teórica existente, relacionando-as com a competência em desenvolvimento. A
veiculação pode ser feita através de apresentações variadas, como: vídeos, textos, visitas
virtuais ou reais, casos, observação de outras práticas e outros modos de expressar a
experiência dos participantes da atividade em relação à competência abordada na situação
de aprendizagem.
7º Passo – Síntese e Aplicação
Refere-se à elaboração de nova proposta de ação referente à atividade de
aprendizagem e competência abordada na situação de aprendizagem, podendo ser
igual ou distinta, mas integrada num movimento de desenvolvimento de conhecimentos,
habilidades, atitudes e valores.
Após a realização da tarefa faz-se uma reflexão, tanto da ação docente como
discente. Feita a reflexão, faz-se as modificações necessárias e repete-se a ação como
parte do ciclo ação-reflexão-ação, proporcionando assim correção contínua.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 160
Ao se definir a competência ou competências a serem desenvolvidas, são
determinados os indicadores de aprendizagem. E através destes se pode concluir se a
competência foi ou não foi desenvolvida, uma vez que os indicadores de aprendizagem
são as evidências. Nesse contexto, cabe destacar a definição oficial de competência
profissional: “Capacidade de articular, mobilizar e colocar em ação valores, conhecimentos
e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas
pela natureza do trabalho.” (PARECER CNE/CEB Nº16, p. 69)
Na educação profissional, uma competência para ser desenvolvida percorre,
através desta metodologia, os sete passos que possibilitam a ação seguida de reflexão e
replanejamento para uma nova ação, possibilitando o desenvolvimento de competências e
favorecendo o melhoramento contínuo. Neste caso, a ação pedagógica, através da simetria
investida, servirá de base para o desenvolvimento de competências por meio de ações ou
atividades propostas na situação de aprendizagem.
Como parte da formação profissional, a qual deu origem a este trabalho, foram
elaboradas e colocadas em prática três situações de aprendizagem, compondo um ciclo
de ação, realizado em turmas de alunos do curso de Inglês Básico 2, para a primeira ação,
e do curso de Inglês Teens 6, para a segunda e terceira ação, como parte do laboratório
pertinente ao Curso de Especialização em Docência para a Educação Profissional. Na
sessão a seguir, apresenta-se o relato da experiência de três laboratórios: Laboratório de
prática 1, 2 e 3.

3 | OS CAMINHOS PERCORRIDOS ATRAVÉS DA PRÁTICA


Método é um modo de fazer ou caminho a percorrer durante o desenvolvimento
de uma tarefa. A Metodologia de Desenvolvimento de Competências foi o caminho
percorrido para a realização de três laboratórios de prática. Uma vez participante do curso
de Especialização em Docência para a Educação Profissional, o educador é por um lado
professor e por outro, aluno. Ambos tornam-se colaboradores na missão de aperfeiçoar
técnicas que envolvem experimentação e a redescoberta de saberes necessários à
aprendizagem significativa.
A preparação para os laboratórios passou pela análise do Plano de Curso (PC), com
o intento de alinhar os conteúdos às propostas apresentadas, por meio do Plano de Trabalho
Docente (PTD), o que conduziu a uma prática educativa desafiadora e participativa, tendo
como foco o aluno.
O primeiro laboratório, ou Laboratório 1, foi realizado com alunos de três turmas
do curso de Inglês Básico 2, totalizando 33 alunos. O planejamento da situação de
aprendizagem, cujo título foi The Top Eight Things People Hate To Do, foi feito sem contar
com a participação dos alunos e propunha o desenvolvimento da seguinte competência:
Estabelecer a comunicação oral e escrita ao interagir com diversos grupos sociais. No PTD,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 161
constava como um dos indicadores de competência falar sobre ações que não se gosta de
realizar.
Como atividade de contextualização, que corresponde ao primeiro dos sete passos,
os alunos participaram de uma simulação. Na ocasião, um dos alunos fez o papel de
funcionário de banco e os demais fizeram o papel de pessoas que aguardavam numa fila.
Depois de alguns minutos, cada aluno comentou em inglês, a respeito da experiência de
esperar atendimento numa fila, como ação que não gostava de realizar, além de outras
ações citadas na ocasião.
A definição da atividade de aprendizagem, segundo passo metodológico, teve como
base a necessidade de interação entre diferentes grupos. Embora minoria, alguns não
gostavam de trabalhar em equipe. Contudo, tinha sido definida uma ação integrada entre
as três turmas do curso Básico. Em equipes, os alunos deveriam pesquisar e organizar
uma atividade de cunho cultural relacionada à língua inglesa.
Na organização da atividade de aprendizagem, referente ao terceiro passo, os
alunos das diferentes turmas foram distribuídos em três equipes para preparar uma festa
de ação de graças originária da cultura norte-americana. Cada equipe ocupou-se de uma
tarefa: preparação de alimentos, ornamentação e apoio.
No quarto passo, Coordenação e Acompanhamento, orientou-se os alunos visando
a concretização da tarefa através de esclarecimentos das dúvidas e articulações sobre o
local da festa. Houve também a intermediação de conflito, resultando em não participação
dos alunos de uma das turmas devido à divergência de opinião, o que provocou uma
mudança no projeto original, tendo a realização da culminância por apenas duas turmas,
em separado. Contudo observou-se que foi possível a interação entre os membros de
diferentes turmas, não obstante, o grupo de alunos relutantes.
Já no quinto passo, Análise e Avaliação da situação de aprendizagem, cada turma
se reuniu para que educador e educandos juntos avaliassem a atividade que ressaltava
a interação entre equipes e o uso da língua inglesa, a fim de realizar uma tarefa, mesmo
que não gostassem do tipo de atividade. Para a maioria dos alunos, que eram adultos, a
experiência foi positiva, mas destacaram que o resultado poderia ter sido mais significativo
se tivessem tido mais tempo para a realização da atividade.
Para a concretização do sexto passo metodológico, nomeado de Outras Referências,
as equipes foram reorganizadas e compostas por alunos pertencentes à mesma turma.
Fez parte da preparação para este passo o estudo do vocabulário, uso de mapas para
identificação de ruas e avenidas locais, atividade de escuta através do vídeo Across the
bridge e conversação em duplas. O sétimo passo, Síntese e Aplicação, envolveu uma
situação real. Neste caso, a tarefa proposta foi uma conversação sobre como chegar a um
determinado ponto da cidade, a partir de onde fica localizada a sede do Senac-PI, local em
que os alunos frequentavam o curso de inglês. A conversação podia ser gravada em vídeo
e apresentada ou realizada na própria sala de aula, de modo que os alunos avaliassem

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 162
uns aos outros. A duração mínima foi de cinco minutos. Neste passo da situação de
aprendizagem, houve um engajamento mais participativo.
Após a realização da atividade, dezesseis alunos responderam um questionário
de sete questões. As respostas referentes às questões de número 1 a 6 apontaram os
seguintes resultados: 93% dos alunos, sobre a questão 1, afirmaram ter se empenhado
efetivamente com o grupo. E 79% afirmaram ter compartilhado as dificuldades entre si.
O esforço pelo desempenho da equipe apresentou 93% das considerações positivas em
referência à questão 3. Na questão 4, sobre o nível de satisfação pelo desempenho da
equipe, 80% dos participantes se declararam totalmente satisfeitos, enquanto 20% se
declararam parcialmente satisfeitos. Em relação à importância da atividade, o resultado
apresentado foi de 100%. E sobre a necessidade de melhorar o trabalho realizado pela
equipe, 67% dos participantes consideraram necessário, ao avaliarem a questão 6.
A resposta da sexta pergunta tem um reflexo positivo, pois ao se tratar de trabalho e
principalmente, de trabalho em equipe, é sempre possível melhorar, o que está diretamente
ligado ao desenvolvimento de competências.
A percentagem dos participantes que afirmaram ter compreendido a fala dos colegas
em vídeo foi de 81%, enquanto 19% entenderam parcialmente. Numa folha à parte para
resposta livre, foi feita a avaliação da atuação do docente e apontadas sugestões para
novas atividades. A seguir, o representativo das respostas, no Gráfico 1.

Laboratório 1

100%
90%
80%
70%
NÃO
60%
PARCIALMENTE
50% SIM
40%
30%
20%
10%
0%
Questão 1 Questão 2 Questão 3 Questão 4 Questão 5 Questão 6 Questão 7

Gráfico 1 – Avaliação do Laboratório 1


Fonte: Elaborado pela autora (2016).

A experiência adquirida através desta atividade evidenciou que cada turma de


educandos é única e tem uma espécie de personalidade ou identidade própria. Pois, embora
os estudantes fossem da mesma faixa etária, participantes do mesmo curso e turno, os
interesses ou valores eram diferentes. Após a leitura das sugestões, e autoavaliação do
docente, iniciou-se a preparação para a próxima situação de aprendizagem, que seria

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 163
utilizada no segundo laboratório.
Quanto ao Laboratório 2, a experiência foi completamente diferente, a partir do
grupo de alunos, que de adultos mudou para adolescentes, em virtude da indisponibilidade
de turma do curso Básico. A partir do PC do curso Teens 6, o novo PTD foi elaborado, tendo
como base a experiência anterior e a faixa etária dos participantes do curso. Ainda que,
mais uma vez, tivesse três turmas do mesmo nível, optou-se por realizar o laboratório em
apenas uma delas. Foi uma decisão acertada, pois as três turmas do curso Teens 6 tinham
características bastante distintas.
A primeira ação no laboratório foi a apresentação de um mapa mental aos estudantes,
com sugestões que eles poderiam adotar ou apontar outras a serem desenvolvidas durante
a situação de aprendizagem. Sendo assim, eles sabiam de antemão sobre todas as
atividades que seriam realizadas durante o curso.
A turma que participou do Laboratório 2 era composta por nove alunos, entre catorze
e dezesseis anos de idade. Tinha-se como meta desenvolver a competência: Comunicar-se
em língua inglesa. O tema Crime era uma unidade integrante do curso e foi escolhido para
servir de base à situação de aprendizagem referida como: Reporting a crime.
No primeiro passo, Contextualização e Mobilização, foi apresentado aos alunos um
mapa mental com várias sugestões de atividades. Depois ao som de uma música eles
circularam pela sala de aula com a orientação de, ao parar a música, formar grupos de dois e
depois de três componentes, sendo que ao finaliza-la os estudantes estivessem agrupados
em três. Posteriormente, sentaram-se formando pequenos círculos e cada equipe recebeu
uma foto. Após análise da imagem, eles fizeram, em inglês, seus comentários a respeito.
A Definição da Atividade de Aprendizagem marcava o segundo passo. Já formadas
as equipes foi proposta uma roda de conversa – previamente apresentada através do mapa
mental. Conversou-se sobre situações em que se usa a comunicação oral e foi de comum
acordo escolhida como atividade de aprendizagem a Roda de Conversa.
No passo, Organização da Atividade de Aprendizagem, teve início à preparação do
vocabulário necessário, através da leitura de textos em inglês, da apresentação audiovisual
de um episódio do seriado Columbo: Murder by the book e de exercícios de uso da estrutura
gramatical.
No quarto passo, Coordenação e Acompanhamento, distribuiu-se um questionário
de sondagem, a fim de identificar as dificuldades dos alunos. Eles receberam alguns
direcionamentos sobre o que precisava ser melhorado e o que deveria ser pesquisado. Foi-
lhes entregue a cópia de uma rubrica, conforme exposto no Quadro 1, sobre os aspectos
relevantes na avaliação do desempenho na Roda de Conversa.
No quinto passo, Análise e Avaliação da Atividade de Aprendizagem, as equipes
introduziram suas falas na Roda de Conversa através de exposição oral em inglês e
expuseram pontos de vista enriquecidos por colocações ou questionamentos de membros
de outras equipes. Em seguida, auxiliados pela rubrica abaixo (Quadro 1), cada participante

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 164
realizou sua autoavaliação, cujo conceito atribuído foi surpreendentemente semelhante ao
que a docente tinha identificado em sua análise, também fazendo uso da rubrica abaixo
exposta.

AEP: Maria da A. Almeida


Projeto: Roda de conversa sobre crimes Valor: 5.0
Critério Valor 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0
Apresentou
Expôs suas
ideias Expôs suas ideias
ideias de forma
vinculadas com criatividade e
Contribuiu organizada e
ao tema e bons argumentos,
Expressão Não expressou de forma criativa, com
comentou acompanhou
oral durante suas ideias insuficiente, bons argumentos
2.0 sobre as respeitosamente
a roda de na Roda de por falta de e comentou
ideias dos a exposição dos
conversa Conversa. vocabulário respeitosamente
colegas, colegas, mas não
adequado. sobre as
mas com comentou sobre
ideologias dos
argumentos suas ideias.
colegas.
fracos.
Apresentou
de forma clara
e dinâmica,
Não Apenas leu Apresentou de Apresentou o relacionando
Qualidade da 1.5 participou da um trecho da maneira não tema de forma com suas
apresentação apresentação. pesquisa. muito clara. adequada próprias
experiências

Critério Valor 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0

Não mostrou As
Algumas Todas as
interesse em informações As informações
Qualidade informações informações
1.0 contribuir com foram claras, foram claras e
das eram foram claras e
nenhuma porém precisas.
informações incorretas. detalhadas.
tarefa. insuficientes.
Não
Não Identificou Demonstrou
demonstrou Demonstrou ter
demonstrou as ideias ter entendido
Entendimento 0.5 conhecimento entendido o tema
ter entendido o principais do amplamente o
do tema suficiente e estar atualizado.
tema. tema. tema.
sobre o tema.
Quadro 1 – Rubrica para análise e avaliação da atividade de aprendizagem
Fonte: Elaborado pela autora (2016).

Além da Rubrica utilizada na autoavaliação, os participantes responderam a um


questionário sobre a atividade de aprendizagem Roda de Conversa. Portanto, cabe ilustrar
esse processo com os elementos a seguir. Primeiro, expõem as perguntas (Quadro 2).
Logo após, avaliam as respostas das questões de 1 a 8 (Gráfico 2) e, por fim, analisam o
aprendizado obtido com as respostas da questão 9 (Gráfico 3).

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 165
1. A atividade foi: a) Interessante? b) Desafiadora?
2. As tarefas propostas estimularam a busca de novas informações?
3. Os recursos utilizados foram adequados?
4. A metodologia foi apropriada ao seu nível de conhecimento?
5. As fontes indicadas ajudaram a se preparar para a Roda de Conversa?
6. A busca de novas informações em equipes contribuiu para seu aprendizado?
7. Para você, a atividade foi muito difícil?
8. A atividade foi muito fácil?
9. O aprendizado foi: a) Muito Bom b) Bom c) Regular
Quadro 2 – Questionário sobre a atividade de aprendizagem na Roda de Conversa
Fonte: Elaborado pela autora (2016)

Laboratório 2 Laboratório 2

100% Questão 9
90%
80%
Regular 14%
70%
60% NÃO
50% SIM
40%
30%
20% Muito Bom 57% Bom 29%
10%
0%
a b
Questão 1 Questão 2 Questão 3 Questão 4 Questão 5 Questão 6 Questão 7 Questão 8

Gráfico 2 – Avaliação do Laboratório 2 Gráfico 3 – Aprendizado no Laboratório 2


Fonte: Elaborado pela autora (2016). Fonte: Elaborado pela autora (2016).

Sexto passo, Outras Referências. Mais uma vez partindo do mapa mental,
decidimos realizar uma pesquisa sobre crimes ambientais no Brasil. Com acesso ao
seguinte endereço: www.infoescola.com.br, os alunos realizaram a pesquisa tendo sempre
o cuidado de dialogar previamente com as demais equipes, a fim de evitar repetição de
assunto.
No sétimo passo, Síntese e Aplicação, os resultados da pesquisa foram apresentados
através de simulação de um documentário de TV sobre crimes ambientais no Brasil. Depois
os crimes foram relacionados à legislação vigente por meio de debate entre as equipes
que, integradas discutiram sobre possíveis soluções. As apresentações e o debate foram
realizados em língua inglesa.
Após a atividade de Síntese e Aplicação, os alunos responderam a um questionário
de 24 perguntas, sobre a atuação do docente, como parte da avaliação do curso de
Especialização em Docência para Educação Profissional. Dos nove alunos que tomaram
parte nas atividades, sete responderam ao questionário de alternativas sim ou não,
exceto a questão de número 24, que era subjetiva. Os participantes foram unânimes ao
responderem sim às questões de 1 a 23. Quanto à questão 24, as respostas foram variadas.
Eles sugeriram que fosse mantida a Roda de Conversa e que fossem acrescentados mais
filmes – cinco dos participantes compartilharam essa opinião; mais músicas e uso de livro

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 166
paradidático – três participantes; jogos, conversação e mais escuta – um participante;
apenas um dos participante nada sugeriu . Após a apreciação das opiniões, iniciou-se a
elaboração do PTD para o próximo laboratório, levando em consideração as opiniões que
seriam utilizadas adequadamente.
O Laboratório 3 foi iniciado de forma diferente dos demais. As atividades do curso já
tinham começado por outro professor. Embora a faixa etária dos estudantes fosse a mesma
da turma anterior, Laboratório 2, e o curso do mesmo nível, não foi possível utilizar o mapa
mental inicial para o planejamento participativo da atividade de aprendizagem. Tomou-
se como base as sugestões dos participantes do Laboratório 2, para o planejamento das
atividades que seriam realizadas por 18 participantes do curso de inglês Teens 6.
A situação de aprendizagem foi nomeada de Comunicação em inglês. Os indicadores
do desenvolvimento de competências foram os seguintes: Expressa opinião sobre conteúdo
de leitura em língua inglesa. Troca informações sobre acontecimentos relacionados a
crimes.
A atividade de Contextualização e Mobilização, foi introduzida por uma dinâmica,
para que proporcionasse maior interação entre os estudantes. Distribuíram-se folhas de
papel A4 e um clip para cada estudante, que deveria escrever sobre seu perfil em inglês e
depois prender a folha de papel à própria roupa, na parte da frente, através do clip.
Ao som de uma música, os alunos circularam pela sala de aula de modo que vários
colegas pudessem ler o que tinha sido escrito por cada um deles. À medida que os alunos
se identificassem com características comuns, formariam duplas para conversar por cerca
de dez minutos em inglês. Depois, ao som da música, circularam novamente e formaram
pequenos grupos. Passados vinte minutos, solicitou-se que falassem sobre a dinâmica.
Definição da atividade de aprendizagem. Neste passo, apresentou-se a proposta
de uma roda de conversa como atividade principal. Depois, sugeriu-se a leitura de livro
paradidático, em torno do qual se realizaria a roda de conversa.
No passo Organização da Atividade de Aprendizagem, o PTD previa a utilização
de vários livros paradidáticos, contudo, ao considerar o tempo para a aquisição e leitura,
decidiu-se dividir a leitura por capítulos, de apenas um livro. Alunos em equipes cada aluno
se responsabilizou por um capítulo do livro Valley of Fear de Athur Conan Doyle. Enquanto
se preparavam para a Roda de Conversa, foram realizadas algumas atividades paralelas:
filme Tom Sawyer and Huckleberry Finn dividido em capítulos, leitura de pequenos textos
relacionados a vários tipos de crimes e revisão gramatical, com a finalidade de desenvolver
o vocabulário sobre o assunto da Roda de Conversa. Ao final do filme, os estudantes tiveram
a oportunidade de expressar a própria opinião sobre o assunto, de esclarecer passagem
de algum episódio e tirar dúvidas sobre vocabulário, tendo em vista o desenvolvimento da
competência: comunicar-se em língua inglesa.
No quarto passo, Coordenação e Acompanhamento, procurou-se saber quais
dificuldades eram enfrentadas pelos estudantes, por meio de diálogo com os grupos, como

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 167
também individualmente, a fim de auxiliá-los. Observou-se o empenho dos componentes
de cada grupo na realização de tarefas propostas e constatou-se que alguns participantes
tiveram dificuldade de trabalhar em equipe devido à falta de comunicação, desinteresse ou
dificuldade relacionada ao nível de conhecimento da língua inglesa.
Avaliação da Atividade de Aprendizagem. Neste passo, entregou-se para cada
participante a cópia de uma rubrica elaborada para auxiliar na avaliação da Roda de
Conversa, de modo que os alunos pudessem se balizar sobre o que deveria ser preparado
para o bom desempenho da atividade desenvolvida em equipe, através de autoavaliação
individual. Então, durante a conversação, as equipes expressaram individualmente a própria
opinião a respeito do desfecho do livro, em inglês. Aqueles que realizaram trabalho em
conjunto demonstraram segurança, capacidade de inferir e argumentar durante a Roda de
Conversa. Contudo, alunos faltosos e com maior dificuldade em relação ao conhecimento
do idioma estudado, apresentaram desempenho inferior. Alguns atribuíram ao nervosismo
e à timidez a maior dificuldade.

1.A atividade foi: a) Interessante? b) Desafiadora?


2.As tarefas propostas estimularam a busca de novas informações?
3. Os recursos utilizados foram adequados?
4.A metodologia foi apropriada ao seu nível de conhecimento?
5. O aprendizado foi: a) Muito Bom b) Bom c) Regular
Quadro 3 – Questionário sobre a Roda de Conversa do Laboratório 3
Fonte: Elaborado pela autora (2016).

O gráfico a seguir, ilustra o resultado da avaliação da atividade Roda de Conversa


do laboratório 3, da qual participaram onze dos dezoito alunos da turma.

Gráfico 4 – Avaliação do Laboratório 3 Gráfico 5 – Aprendizado no Laboratório 3


Fonte: Elaborado pela autora (2016). Fonte: Elaborado pela autora (2016).

No passo Outras Referências, sugeriu-se a pesquisa sobre crimes comuns,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 168
podendo ser da realidade brasileira ou dos Estados Unidos. Os alunos optaram por abordar
a realidade dos Estados Unidos da América. As fontes de pesquisa ficaram a critério das
equipes. Somente sugeriu-se que pesquisassem através da internet e visitassem sites de
revistas on-line.
Síntese e Aplicação. Neste, que é o sétimo passo, as equipes apresentaram o
resultado da pesquisa em Power Point e discutiram com os demais grupos sobre quais
crimes seriam considerados mais graves. Vários participantes demonstraram curiosidade
sobre o tema e a participação foi bastante significativa.
Ao final de todas as atividades, os alunos foram convidados a avaliar o conjunto
de ações, apresentar pontos positivos e negativos, como também sugestões para outras
atividades que considerassem interessante para o mesmo curso, futuramente.
Reunidos em um círculo, a maioria dos participantes comentou que o fato de ter sido
dividida a leitura do livro Valley of Fear por capítulos não foi positivo, pois sem saber sobre o
episódio anterior tornou-se difícil compreender a própria parte, uma vez que várias equipes
tiveram dificuldade de trabalhar de forma integrada. Para tanto, sugeriu-se a escolha de
livros paradidáticos, lidos em sua totalidade por cada participante, podendo ser um título
diferente para cada equipe, mas relacionado ao mesmo tema. Houve quem recomendasse
temas de livre escolha das equipes.
O filme foi avaliado, por alguns, como uma atividade monótona e, portanto, pouco
interessante. Contudo, os participantes conseguiram apontar o que havia em comum entre
o filme e o livro. O questionário de 24 questões foi respondido por apenas três alunos. As
respostas das perguntas de 1 a 12 foram sim. As questões de 13 a 15 obtiveram repostas
divergentes.
Ao comparar os três laboratórios, concluiu-se que a troca de ideias e informações, os
valores e os saberes de cada participante, tanto da turma do curso Básico nível 2, como do
curso Teens nível 6, são contribuições para o desenvolvimento de competências do docente.
O legado de cada grupo de alunos é importante, tendo-se em vista atividades posteriores.
Entretanto, por se tratar de turma de idiomas, devem-se considerar as particularidades
de cada grupo de alunos, propondo assim, uma atividade de aprendizagem participativa,
para que haja mais interesse e empenho em prol do desenvolvimento das competências
pretendidas.
Após a realização dos três laboratórios, apresenta-se na sessão III o esboço de
uma situação de aprendizagem, fruto da contribuição de cada equipe e da observação
do docente, durante a realização dos laboratórios base, para que se possa sugerir uma
situação de aprendizagem resultante de um trabalho flexível, sendo permitidos frequentes
ajustes.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 169
4 | COMO CONSTRUIR A SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM IDEAL
Ao planejar uma situação de aprendizagem é necessário ter claro o que se deseja
que o aluno aprenda, ou seja, que se torne capaz de fazer, e quais evidências poderão
certificar de que a aprendizagem foi significativa. A Metodologia de Desenvolvimento de
Competências, através dos sete passos de uma situação de aprendizagem, foi o meio
utilizado para a realização dos três laboratórios de prática que teve origem no PC do curso
Básico2 e, posteriormente, no PC do curso Teens 6.
A partir do PC é elaborado o PTD e deste, extrai-se o conteúdo específico para
o desenho das situações de aprendizagem, nas quais são previstas: aprendizagens
que favoreçam a sua transferência em situações variadas e a aplicação dos saberes
em situações reais. Inicialmente, determina-se a competência a ser desenvolvida pelo
estudante. No Laboratório 3, a competência prevista foi: Comunicar-se em língua inglesa.
Em seguida, indica-se que atitudes, ação ou comportamento, o estudante deve apresentar
como prova de sua capacidade ou competência. No Laboratório 3, os indicadores do
desenvolvimento de competências foram: Expressa opinião sobre conteúdo de leitura em
língua inglesa. Troca informações sobre acontecimentos relacionados a crimes. Portanto,
a prova da competência consiste no uso da língua inglesa ao ler, trocar informações e
expressar opinião sobre o livro.
A seguinte situação de aprendizagem novamente apresenta como competência a
ser desenvolvida pelo aluno comunicar-se em língua inglesa. Para que o professor saiba
se ele desenvolveu a competência, ou seja, tornou-se capaz, toma-se como base o que
se chama de indicador de competência, que deve ser definido previamente ao se elaborar
o PTD. Neste caso, sabe-se que o aluno desenvolveu a competência, ao se expressar
expondo sua opinião e ao trocar informações em inglês. À capacidade de falar em inglês,
chama-se competência e à demonstração prática, chama-se indicador de competência. A
situação de aprendizagem planejada como ideal contém a mesma competência dos dois
últimos laboratórios e os mesmos indicadores de competência. Mas foram feitas algumas
alterações, com base nas sugestões apresentadas pelos participantes e na experiência
adquirida pela Agente de Educação Profissional (AEP), durante a prática nos três
laboratórios.
Na sequência, o Quadro 4 indica o desenho de uma Situação de Aprendizagem
elaborada a partir do Plano de Trabalho Docente (PTD) do curso de inglês Teens 6.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 170
COMPETÊNCIA(S)/INDICADOR(ES) A SER(EM) DESENVOLVIDO(S):
Comunicar-se em Língua Inglesa
INDICADORES:
Expressa opinião sobre conteúdo de leitura em língua inglesa.
Troca informações sobre determinados assuntos em inglês.
SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM:
Comunicação em inglês.

RECURSOS A SEREM
PASSOS METODOLÓGICOS TEMPO
UTILIZADOS

1. Contextualização e Mobilização:
Dinâmica
A professora distribui folhas de papel A4 e um clip para
cada estudante, que deverá escrever sobre seu perfil
e depois prender a folha de papel à própria roupa, na Papel A4
parte da frente. Clips 40 min.
Ao som de uma música, os alunos circulam pela sala de Computador
modo que vários colegas possam ler o foi escrito. Música
Após, alunos que se identificam com características
comuns formam duplas para conversar por cerca
de dez minutos. Então, ao som da música, circulam
novamente e formam pequenos grupos. Passados
vinte minutos, a professora solicita a opinião sobre a
dinâmica e lança a proposta de trabalho em equipe.
2. Definição da Atividade de Aprendizagem: Livros paradidáticos em língua
Leitura de livro paradidático para apresentar em Roda inglesa. (A serem definidos
de Conversa. com a participação dos alunos.)
Livros propostos: Tom Sawyer, 20 min.
The Big Four, The Valley of
Fear, The Prince and the
Pauper and Billy Elliot.
RECURSOS A SEREM
PASSOS METODOLÓGICOS TEMPO
UTILIZADOS

3. Organização da Atividade de Aprendizagem: Filme (a ser definido com


participação dos estudantes)
1. Apresenta-se uma relação de livros para que sejam
escolhidos e adquiridos por cada equipe. Livro didático 10
2. Filme escolhido pelos estudantes, mas com Computador
aprovação da docente, e divido em capítulos. Data Show
3. Leitura de pequenos textos sobre temas variados.
4. Revisão gramatical.
5. Em Roda de Conversa, as equipes deverão
apresentar o resumo da história do livro lido e expressar
individualmente sua opinião a respeito do próprio livro e
dos livros apresentados pelos colegas, em inglês.
6. Pesquisa sobre tema de interesse dos alunos, tendo
por base uma unidade do PTD.
7. Apresentação do resultado da pesquisa, troca de
pontos de vista e destaque das informações mais
relevantes, fazendo uso da língua inglesa.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 171
4. Coordenação e Acompanhamento:
Durante período da leitura, a professora sonda quais
dificuldades são enfrentadas pelos estudantes, através Cópia do questionário de 2 h e 30
de diálogo com os grupos, e os auxilia; observa o acompanhamento. min.
empenho dos componentes de cada equipe nas
atividades propostas e incentiva para que deficiências
individuais, quanto ao conhecimento da língua inglesa,
sejam superadas.

5. Avaliação da Atividade de Aprendizagem:


Distribui-se uma rubrica para todos os alunos para
que, individualmente, saibam previamente o nível de Cópias da Rubrica e do
desempenho ideal. Após a realização da atividade, os Questionário para avaliação. 50 min.
alunos respondem um questionário.
Adicionalmente, faz-se avaliação da atividade, na
qual serão apontados os pontos positivos e negativos,
inclusive em relação à atuação docente, por meio de
conversa entre professor e alunos.
PASSOS METODOLÓGICOS RECURSOS A SEREM TEMPO
UTILIZADOS
6. Acesso a Outras Referências:
Sugestão de outras fontes de leitura pela docente e Internet 3h
equipes. Revistas on-line (a serem
Pesquisa sobre tema de interesse dos alunos. indicadas após a escolha do
tema pelos alunos).

Quadro 4 – Situação de Aprendizagem


Fonte: Elaborado pela autora (2016).

Pelo exposto, considera-se a avaliação como um dos aspectos mais relevantes na


utilização da Metodologia de Desenvolvimento de Competências. Através desta, reflete-se
sobre o processo, o desempenho do aprendiz e do docente. É o que garante a eficácia
do método que, ao ser regularmente ajustado conforme as necessidades de cada turma
promove a participação ativa dos estudantes através de ações concretas, além de permitir
a participação deles ao decidir sobre sua forma de realização.
Durante a avaliação de uma atividade de aprendizagem, as ideias dos participantes
são apresentadas em vista de uma situação de aprendizagem posterior. Contudo, elas
devem ser apreciadas pelas equipes que as executariam na situação de aprendizagem
seguinte, pois cada turma tem perfil diferente. E para que a aprendizagem seja significativa,
são necessários engajamento e empenho, normalmente motivados pelo interesse de
concretizar, transformar e evoluir, por meio de uma prática prazerosa.
Cabe ressaltar ainda que, a construção do mapa mental contribuiu bastante
no âmbito desta experiência, propiciando aos alunos uma visão geral do curso, com a
possibilidade de opinar sobre o modo como as atividades seriam desenvolvidas na situação
de aprendizagem.
Por outro lado, a Metodologia de Desenvolvimento de Competências desenvolvida
por Küller e Rodrigo (2013) surgiu como grande aliada para o docente, proporcionando

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 172
corresponsabilidade ao educador e aos educandos, pelo fato de juntos construírem o
conhecimento por meio da troca de ideias, engajamento com os aprendizes na resolução
de problemas e busca de informações.
Tais constatações revelam que a situação de aprendizagem poderá ser sempre
nova, pois não é possível empregar essa metodologia e permanecer igual, com ideias
ultrapassadas, já que o confronto de ideais em prol dos interesses comuns será frequente.
Portanto, isso significa manter-se atualizado em via de desenvolvimento de novas
competências.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conjetura atual apresenta grandes desafios que surgem nas sociedades em geral.
Ao longo da história, percebe-se a atuação humana como promotora de avanços desde os
primários aos mais tecnicamente avançados. Estes, decorrentes daqueles e certamente
a solução dos desafios da atualidade, servirão de base para nortear as futuras gerações
que continuarão a se desenvolver, trilhar por caminhos antes pisados, mas apresentando
características únicas, para que não se perca a motivação pela caminhada com alegria de
descobertas por outros almejadas. É o percurso dos que vivem numa sociedade carente
de bens e valores, soluções para problemas novos e velhos, dentre estes os da esfera
educacional.
Nosso meio social ainda é carente de ações educativas que promovam avanços,
sem perder valores. É preciso desenvolver competências, criar soluções. E, nesse campo,
o educador deve ser o primeiro a desenvolvê-las para que, capacitado, possa contribuir
efetivamente na formação de novos profissionais.
Com essa finalidade, o Senac Nacional iniciou a preparação dos docentes através
do curso de Especialização em Docência para a Educação Profissional, que utiliza a
Metodologia de Desenvolvimento de Competências para o desenvolvimento de uma ou
mais competências através dos sete passos de uma situação de aprendizagem.
O estudo realizado, a experiência de provar nova metodologia para o ensino foi
muito interessante, pois descobri que somos todos aprendizes, que a experiência de uns
enriquece aos outros. Experimentei, descobri, compartilhei, recebi, cresci.
A princípio, deparei-me com o caminho, mas não tinha ideia aonde eu poderia
chegar. A experiência do ensaio e erro era constante. Por fim, ao se concluir a primeira
parte do ciclo de estudo e ação, por meio do Laboratório de Prática 1, comecei a entender
como se processava a Metodologia de Desenvolvimento de Competências.
Na sala de aula, durante o Laboratório 2 e 3, as dinâmicas, simulações e apresentações
mostraram o desenvolvimento dos alunos que, de grupos isolados no mesmo ambiente,
foram se transformando em equipes que interagiam através de consultas, para determinação
de áreas que abrangeriam sua atuação, de modo que não houvesse repetição de temas

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 173
no ato da apresentação. Alunos antes acomodados, aparentemente desinteressados,
passaram a participar ativamente de discussões, a transferir conhecimentos, comunicar
ideias, a expressar opinião sobre os temas abordados, a questionar e pesquisar em busca
de informações.
A partir da reflexão e avaliação das atividades realizadas, foi possível perceber que
ações deveriam ser replanejadas ou incorporadas ao segundo Laboratório de Prática. O
mesmo aconteceu ao final do Laboratório 2. E é este o aspecto primordial da Metodologia de
Desenvolvimento de Competências de Küller & Rodrigo. O legado da experiência anterior
serve de base para o planejamento de outra situação de aprendizagem, promovendo novas
aprendizagens em contínuo aprimoramento da ação docente.
Conclui-se que a Metodologia de Desenvolvimento de Competências contribui
efetivamente para resultados positivos em favor da educação profissional, trazendo aos
docentes novas práticas e melhores resultados, pois além de proporcionar a reflexão
de educadores e educandos, leva o formador a apresentar a sua prática continuamente
renovada.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de
1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer técnico nº CNE/CP


009/2001. Despacho do Ministro em 17/1/2002, publicado no Diário Oficial da União de 18/1/2002,
Seção 1, p. 31. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/009.pdf> Acesso em: 12 jul.
2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer técnico nº 16/99.


Despacho do Ministro, publicado no Diário Oficial da União de 26/11/1999. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1999/pceb016_99.pdf> Acesso em: 12 jul. 2010.

BOWEN, Philippa; DELANEY; Denis. Got it Plus Level 2 A - Student’s Book & Workbook. Oxford
University Press. New York, 2011.

DOYLE, Arthur C. The Valley of Fear. Dover Publications Editions. New York, 2013.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

KÜLLER, José Antonio; RODRIGO, Natalia de Fátima. Definição de competência. 2013. Texto
elaborado para o trabalho Novo Modelo Curricular do Senac.

______. Metodologia de Desenvolvimento de Competências. Rio de Janeiro: Senac Nacional ,


2013.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 174
Murder By The Book (Temporada 1, ep. 1). Columbo [Seriado]. Direção: Steven Spielberg. Produção:
Steven Bochco, Richard Levinson e William Link. EUA: NBC, 1971. 1 DVD (76 min.), son., color.

RICHARDS, Jack C. Interchange. Fourth Edition. Intro Teacher’s Edition. Cambridge University Press.
New York, 2013.

______. Interchange. Fourth Edition. Intro Video Resource Book. Student’s self-study DVD-ROM.
Across the Bridge. Cambridge University Press, New York. 2013.

TOM Sawyer and Huckleberry Finn. Direção de Jo Kastner. United States: Cine Partners II Inc., 2014.
1 DVD (90 min.)

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 12 175
CAPÍTULO 13
NOVAS PROPOSTAS DE ATIVIDADES EM GRUPO
ON-LINE PARA ESTUDANTES COM ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

Data de aceite: 10/01/2022 pela plataforma do Google Meet e correlacionar


com a revisão bibliográfica referente ao assunto.
O resultado se constituiu em propostas de
Fernanda Celestino dos Santos Espanhol
atividades convergentes as necessidades de
Secretaria do Estado do Paraná-SEED
Francisco Beltrão /PR enriquecimento dos estudantes com AH/SD,
http://lattes.cnpq.br/8672555292440791 constituindo possibilidades educacionais on-line,
com dinamismo e praticidade inclusiva.
Joceli Maria Zandonai Garbozza PALAVRAS-CHAVE: Atividades em Grupo On-
Secretaria do Estado do Paraná-SEED line. Altas Habilidades/Superdotação. Relações
Francisco Beltrão /PR Interpessoais.
http://lattes.cnpq.br/6859993817441206

NEW PROPOSALS OF ONLINE GROUP


ACTIVITIES FOR HIGH ABILITIES/GIFTED
RESUMO: A pesquisa aqui apresentada emergiu STUDENTS
e foi embasada na experiência de propostas ABSTRACT: The research here presented
de atividades em grupo on-line com estudantes emerged and was based on the experience of
com Altas Habilidades/Superdotação (AH/ proposals of online group activities with high
SD ) constituindo uma abordagem inovadora abilities / gifted students (HA/G), constituting
do atendimento das Salas de Recursos an innovative approach to the service of
Multifuncional mediante as aulas remotas no Multifunctional Resource Rooms, due to remote
estado do PR. Enfatizamos a importância classes in the state of Paraná. We emphasize
da dinâmica coletiva como contribuinte do the importance of the collective dynamics as
desenvolvimento sócio emocional, atendendo a a contributor to socio-emotional development,
individualidade e potencialização das relações given the individuality and potentiation of
interpessoais nas atribuições sociais, evitando o interpersonal relationships in social attributions,
isolamento e disparidade intelectiva. O presente avoiding isolation and intelectual disparity. This
projeto tem como objetivo geral analisar e project has as its general objective analyzing
estimular as relações interpessoais em grupo, and stimulating interpersonal relationships in
por meio das atividades grupais on-line. E os groups through online group activities. And the
objetivos específicos compreendem em identificar specific objectives include identifying possibilities
possibilidades de atividades em grupo on-line of online group activities that promote the most
que promovam a interação mais adequadas, appropriate interaction, as far as possible, during
na medida do possível, durante o período de the quarentine period. The methodology used
quarentena. A metodologia, foi de pesquisar was researching and practicing with students
e praticar junto aos estudantes as atividades the proposed activities, using the synchronous
propostas, utilizando as aulas síncronas ofertadas classes offered by Google Meet platform. The

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 176
result consisted on proposals of activities that converge with enrichment needs of HA/G
students, constituting online educational possibilities, with dynamism and inclusive practicality.
KEYWORDS: Online group activities. High Abilities/Gifted. Interpersonal relationships.

1 | INTRODUÇÃO
Em período de Pandemia, nos professores nos vimos diante de uma busca
emergencial de ferramentas tecnológicas e métodos que pudessem auxiliar na construção
do processo de ensino e aprendizagem aos estudantes. Desta forma, o presente artigo vem
tratar de novas perspectivas na maneira de ensinar aos estudantes com Altas Habilidades/
Superdotação 1 (AH/SD) em tempo de reclusão. Pois, estamos passando por um momento
difícil, jamais visto na história da saúde da humanidade, na qual está acontecendo um
contágio em massa por isso, a necessidade de vivermos em isolamento social, para nossa
própria proteção.
Portanto ASSIS, KOMESU, FLUCKIGER (2020) organizadoras da revista “Práticas
discursivas em letramento acadêmico” comentam que
O ano de 2020 entra para a história da humanidade como aquele em que
as sociedades contemporâneas se viram desafiadas pela força da pandemia
da Covid-19, causada pelo vírus SarsCoV-2. Os impactos avassaladores
dessa pandemia materializam-se, sobremaneira, no expressivo número de
vítimas fatais em todos os continentes – mais de um milhão e trezentos mil
mortos, até meados de novembro de 2020 – e de contaminados – mais de
56 milhões e trezentas mil pessoas1 –, bem como em um movimento de forte
regressão econômica global, fatores que agravaram desigualdades sociais,
em suas diferentes manifestações. No que respeita ao campo da educação,
a pandemia da Covid-19 acelerou um processo em curso há anos – o de
ensino a distância –, ao mesmo tempo em que pôs à mostra e até acentuou
desigualdades estruturais nele presentes, também em processos de ensino
da escola dita tradicional. (ASSIS, KOMESU, FLUCKIGER, 2020)

Sendo assim, toda as áreas da educação tiveram que se readaptar a um ensino


remoto por meio de ferramentas tecnológicas e veículos de informação imediatos, como
televisão, rádio, internet, e-mails, celulares, entre outros. Deste modo, a escola também
necessitou aprender a readaptar-se a um processo de ensino e aprendizagem totalmente
diferente.
Todavia, neste momento, o principal era cuidado com a vida e a não contaminação
pelo COVID 19. Com isso, durante o período de quarentena, surge a necessidade em
tempo recorde uma nova reestruturação no ensino, agora não mais presencialmente, mas
em um “ciberespaço”, onde os professores teriam que ministrar as aulas on-line, sem saber
como iriam fazer e os estudantes teriam que aprender pelo computador, celular ou rádio.
Segundo HARASIM (et al., 2005):
1 Pessoas com altas habilidades/superdotação demonstram elevado potencial intelectual, acadêmico, de liderança,
psicomotor e artístico, de forma isolada ou combinada, além de apresentarem grande criatividade e envolvimento na
aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. (Brasília, Inep/MEC, 2020, p.6)

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 177
(…) Todos aprendem juntos, não em um local no sentido comum da palavra,
mas num espaço compartilhado, um “ciberespaço”, através de sistemas que
conectam em uma rede as pessoas ao redor do globo. Na aprendizagem em
rede, a sala de aula fica em qualquer lugar onde haja um computador, um
“modem” e uma linha de telefone, um satélite ou um “link” de rádio. Quando
um aluno se conecta à rede, a tela do computador se transforma numa janela
para o mundo do saber. (HARASIM et al., 2005, p.19).

Sendo assim, todas as instâncias colegiadas, tiveram que se reorganizar, criando


novas formas para trabalhar com as aulas síncronas ofertadas pela plataforma do Google
Meet, onde em um espaço compartilhado “ciberespaço” todos poderiam aprender juntos.
Contudo, esse “novo normal na educação”, que não era mais o ensino presencial e
nem o ensino a distância que já conhecíamos (EaD), mas um modelo pedagógico diferente,
com uma nova metodologia e uma organização própria, que passou a ser chamado de
Ensino Remoto Emergencial (ERE). Portanto, a aula acontecia num tempo síncrono, no
entanto, foi algo bem difícil para trabalhar no início, pois, nem professores e nem alunos
estavam acostumados com esse formato de ensino e aprendizagem, no qual teriam que
trabalhar juntos durante o período da pandemia.
Desta forma, Behar (2020) explicita, sobre as diferenças entre estes dois tipos de
propostas de ensino (ERE e a EaD):
No ERE, a aula ocorre num tempo síncrono (seguindo os princípios do ensino
presencial), com videoaula, aula expositiva por sistema de webconferência, e
as atividades seguem durante a semana no espaço de um ambiente virtual de
aprendizagem (AVA) de forma assíncrona. A presença física do professor e do
aluno no espaço da sala de aula presencial é “substituída” por uma presença
digital numa aula online, o que se chama de “presença social”. Essa é a
forma como se projeta a presença por meio da tecnologia. E como garanti-la?
Identificando formas de contato efetivas pelo registro nas funcionalidades de
um AVA, como a participação e discussões nas aulas online, nos feedbacks e
nas contribuições dentro do ambiente. (BEHAR, 2020, s.p.).

Porém, na atual circunstância havia caráter de urgência na transposição do


ambiente escolar presencial para o virtual. Isso pegou todas as áreas educacionais de
surpresa. Assim, para nos professores não bastava só dar aula ou ensinar, tivemos que
reaprender a ensinar em um ambiente virtual onde apresentava uma série de obstáculos,
que impactavam a educação em diferentes dimensões. Como, por exemplo, os estudantes
que não tinham acesso à Internet, por diversos motivos, desde falta de infraestrutura
adequada a aula ministrada sem material de apoio didático. Portanto, esses e entre muitos
outros fatores que inicialmente as escolas tiveram que enfrentar durante o início do ensino
remoto, foram determinantes para a nossa presente experiência.
Segundo Demerval Saviani e Galvão (2021) a implantação do ensino remoto é falta
do gerenciamento por parte do governo que o ensino remoto é uma alternativa cheia de
falhas, que foi colocado para atender aos interesses de poucos, pois exclui grande parte
dos estudantes e torna o trabalho de professores mais exaustivo e preconizado.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 178
Segundo Saviani e Galvão (2021, p. 38),
(...) conhecemos as múltiplas determinações do ‘ensino’ remoto, entre elas os
interesses privatistas colocados para educação como mercadoria, a exclusão
tecnológica, a ausência de democracia nos processos decisórios para adoção
desse modelo, a precarização e intensificação do trabalho para docentes e
demais servidores das instituições. (SAVIANI E GALVÃO 2021, p. 38)

Contudo, além de todas a situações citadas anteriormente por Saviane e Galvão


durante a pandemia o isolamento social, foi um dos fatores que mais trouxeram prejuízos
para os estudantes na aquisição da aprendizagem. Portanto, Vigostski (2010) a
aprendizagem é como um processo intrinsicamente social, onde deve ser focalizado as
capacidades e funções emergentes. Trabalhar com as funções psicológicas superiores
sugere estar promovendo a internalização por meio de práticas sociais, com uma gama de
atividades possibilitando alcançar a transformação por meio dos instrumentos e símbolos
apresentados “[...] Todas as funções superiores originam das relações reais entre indivíduos
humanos” (VIGOSTSKI, 2010, p. 58).
Sendo assim, vimos que é fundamental, que as crianças ou os adolescentes o
convivam em grupo e estabeleçam relações sociais com o outro, para que desenvolvam
melhor suas funções cognitivas, afetivas e psicológicas.
Em vista disso, optamos pela escolha do presente artigo, observando nas nossas
práticas docentes durante o ensino remoto, que os nossos estudantes com AH/SD,
apresentavam desinteresse e desmotivação por este novo estilo de aula e em muitas
ocasiões não participavam das mesmas. E em discussão com os próprios estudantes,
optamos por buscar atividades mais desafiadoras, estimuladoras que os motivassem a
participar das aulas.
Deste modo, o presente artigo deseja contribuir e destacar as discussões e ações
norteadoras para atividades em grupo on-line para estudantes AH/SD em tempo de
reclusão. Iniciaremos demonstrando a esta forma metodológica de ensino voltada para
este grupo de alunos no qual constitui-se uma abordagem relevante, pois traz a vivência
da interação coletiva, mesmo em tempo de pandemia, no contexto da Sala de Recursos
Multifuncional 2(SRM). Constitui-se na elaboração de recursos didáticos que podem dar
suporte para as realização e continuidade das aulas de forma remota. Como foco principal
de intermediação foram utilizadas propostas de atividades possíveis de serem utilizadas
pelo professor, no Atendimento Educacional Especializado3 (AEE) deste público de forma

2 Espaço localizado nas escolas de educação básica em que se realiza o atendimento educacional especializado
(AEE). É constituída por equipamentos, mobiliários, recursos de acessibilidade e materiais didático-pedagógicos para
atender a escolas com alunos da educação especial. As salas de recursos multifuncionais podem ser implementadas
por meio de programa federal ou por recursos próprios dos sistemas de ensino. Além disso, o AEE deve ser realizado
por professores com formação em educação especial. (Brasília, Inep/MEC, 2020, p.16)
3 O atendimento educacional especializado (AEE) é a mediação pedagógica que visa possibilitar o acesso ao currículo
pelo atendimento às necessidades educacionais específicas dos alunos com deficiência, transtorno do espectro autista
(TEA) e altas habilidades/ superdotação, público da Educação Especial, devendo a sua oferta constar do projeto peda-
gógico da escola, em todas as etapas e modalidades da educação básica. (Brasília, Inep/MEC, 2020, p.10)

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 179
virtual.
Sendo assim, a referente pesquisa volta-se a propostas de atividades em grupo
on-line, bem como sua importância na potencialização das habilidades individuais e
intermediação da construção do ensino aprendizagem, realizando trocas de experiências
e emancipando a diversidade de relações afins, a fim de responder ao questionamento:
Quais atividades grupais podem ser realizadas e adaptadas de maneira on-line, frente as
propostas de atividades já realizadas por esse grupo de maneira presencial?
O objetivo geral foi analisar e estimular as relações interpessoais e habilidades
sócio emocionais em grupo, por meio das atividades grupais on-line. E os objetivos
específicos compreenderam em identificar possibilidades de atividades em grupo on-line
que promovessem a interação adequada durante o período de quarentena. Pesquisar e
praticar junto aos estudantes as atividades propostas. Estabelecer a auto avaliação a partir
das atividades construídas.
Segundo Renzulli:
[...] de uma interação entre três grupos básicos de traços
humanos: habilidades gerais e/ou específicas, altos níveis de
comprometimento com a tarefa e altos níveis de criatividade.
Crianças que manifestam ou são capazes de desenvolver
uma interação entre os três grupos requerem uma ampla
variedade de oportunidades educacionais, de recursos e de
encorajamento acima e além daqueles providos ordinariamente
por meio de programas regulares de instrução. (Ibidem, 2014,
p. 246)

É importante explicitar e de acordo com Renzulli (2014), que se pretendeu, com a


elaboração conjunta de atividades em grupo dos estudantes com AH/SD e professores,
oportunizar que os mesmos se sentissem sócio emocionalmente bem e pudessem
desenvolver diferentes oportunidades educacionais, encorajassem os estudantes, por meio
de programas regulares de enriquecimento curricular.
Por conseguinte, e em consideração aos estudos apresentados por Espanhol
(2020), as dinâmicas de grupo fazem parte do processo de atividades enriquecedoras,
aos estudantes com AH/SD. Sendo uma prática aplicada, no cotidiano escolar das SRM de
AH/SD, pois, integram o compartilhamento de ideias entre seus pares, contribuindo para o
desenvolvimento sócio emocional, voltado a habilidade contida na Inteligência Interpessoal,
apresentada por Gardner.
Contudo as propostas de atividades em grupo, aqui apresentadas, constituem em
uma coletânea de jogos, que foram adaptados e encontradas em aplicativos educativos na
internet, no formato de jogos on-line como descritos a seguir.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 180
2 | METODOLOGIA
A pesquisa foi desenvolvida por meio de recursos humanos e referenciais
bibliográficos correlatas ao estudante com AH-SD e pesquisadores da área. Os instrumentos
corroborativos foram primados pela necessidade de interação de maneira virtual para
efetivação das aulas remotas.
As atividades on-line seguiram a estrutura de pesquisa e elaboração de atividades do
interesse e aplicação a todo grupo; organização de uma coletânea de atividades em grupo,
de acordo com a sugestões apontadas na experimentação, visando o desenvolvimento e
enriquecimento das habilidades: sociais, cognitivas, sensoriais, psicomotoras e motoras.
Assim, o trabalho aqui apresentado é resultado de um relato de experiência das
professoras, juntamente com os estudantes que frequentam a SRM de AH/SD no estado do
Paraná, distribuindo os mesmos por afinidades e também aulas em grupo, diante de uma
organização de cronograma de atendimento. Esse atendimento foi mediado de maneira
virtual, por meio de aulas remotas na plataforma do Google Meet e inserido dentro do
Classroom.
A organização da proposta de atividades em grupo on-line ocorreu com os
estudantes da Sala de Recursos Multifuncional – para a Educação Básica na Área das
Altas Habilidades/Superdotação no Colégio Estadual Mário de Andrade e do Colégio João
Paulo II, do munícipio de Francisco Beltrão-PR, durante o ano letivo de 2020 e 2021.
Buscamos estabelecer metas que pudessem trabalhar os conteúdos propostos no
nosso plano de trabalho docente (PDT), e que também viessem desenvolver nos alunos
novas habilidades cognitivas, criativas, interativas e racionais (lógicas), além de possibilitar
momentos de interações e ludicidade, constituindo novas possibilidades educacionais, com
dinamismo e praticidade inclusiva, com valor educativo mesmo no formato on-line.

3 | RESULTADOS E DISCUSSÃO
As atividades foram organizadas e mediadas pelas professoras, contendo: Nome,
Habilidades, Objetivos, Desenvolvimento, organizadas no quadro 1:
Quadro 1, das propostas de atividades on-line:

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 181
ATIVIDADE MATERIAIS OBJETIVOS ADAPTAÇÃO
STOP on-line -Computador, -Ampliar o vocabulário; -Uso do site
celular ou tablete -Descontrair e interagir https://stopots.com/pt/
com internet. com os pares;

FORCA on-line --Computador, -Comunicar e interpretar; - Uso do Jamboard, quadro


celular ou tablete - Associar letras com as branco, do Google Meet.
com internet. palavras;

Telefone sem Fio -Computador, - Aumentar a sensibilidade - Uso da plataforma do


por Desenho e celular ou tablete quanto as informações; GarticPhone
Escrita on-line com internet. - Estimular a criatividade; https://garticphone.com/pt
- Interagir em grupo e com
os pares;
QUIZ pelo -Computador, - Enriquecer os -Uso do programa de criar
Kahoot celular ou tablete conhecimentos; jogos Kahoot
com internet. - https://kahoot.com/

Quadro 1: elaborado pelas autoras

Stop online
O jogo de Stop, em sua forma tradicional, sempre foi um jogo, presente nos momentos
de interação grupal, dentro das SRM de AH/SD. Pois instigam a aguçam a agilidade
cognitiva; desenvolve o espírito competitivo saudável com ampliação do vocabulário, com
retóricas criativas aos nomes a serem preenchidos na tabela desse jogo.
Assim, na proposta adaptada on-line, encontramos uma plataforma tecnológica rica
e muito dinâmica que coube como instrumento didático educacional para o contexto que
estávamos passando, de aula remotas. Para melhor exemplificar, trouxemos a figura 1, a
aplicação do jogo na plataforma on-line.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 182
Figura 1: Jogo do Stop on-line
Fonte: arquivo pessoal das autoras.

Os resultados foram: ampliação da discussão sobre a existência ou não de nomes


colocados; expansão do vocabulário; conhecimento geral nas trocas de nomes e muita
diversão e interação grupal.

FORCA on-line
A proposta de atividade da forca, surgiu devido os estudantes terem acesso ao
Classroom ofertado na plataforma do Google Meet. Então esse programa oferece a “lousa
em branco ou quadro digital”, também denominada de Jamboard4. Assim o professor pode
ministrar suas aulas usando vários recursos que o Jamboard oferece. Com isso a forca
on-line (Figura 2), um jogo popularmente conhecido e que atinge muitas determinantes
educacionais foi escolhido para ser aplicado nas aulas síncronas.

4 O Jamboard é uma ferramenta Google de acesso grátis que funciona como um quadro branco na nuvem. Isso quer
dizer que tudo o que você escreve ali pode ser compartilhado com as pessoas que você quiser e poderá será acessado
a qualquer momento. ( Retirado: https://edu.gcfglobal.org/pt/google-sala-de-aula-para-professores/como-usar-o-jam-
board-o-quadro-do-google/1/ acesso dia 19/10/2021).

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 183
Figura 2: Atividade da Forca on-line na lousa branca do Jamboard:
Fonte: arquivo pessoal das autoras.

Os resultados foram: aumento da cognição; comunicação e interpretação de


palavras; ampliação do vocabulário.
Telefone sem Fio por Desenho e Escrita on-line
A atividade do telefone sem fio, foi incluída na proposta por trazer à tona a reflexão
sobre como as informações sofrem modificações quando são repassadas por e a terceiros.
Nessa versão on-line pelo GarticPhone, evidenciou-se que as informações sofrem
mudanças, ainda mais acentuadas, por serem apresentadas por desenhos e escrita.

Figura 3: Atividade do Telefone sem fio por desenho e escrita on-line, pelo GarticPhone.
Fonte: arquivo pessoal das autoras

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 184
O telefone sem fio por desenho on-line, teve como resultado: verificação quanto ao
repasse de informações serem mutáveis; descontração e interação grupal; desenvolvimento
de habilidades linguísticas e gráficas criativas.

Quiz pelo Kahoot


Este jogo fez parte da proposta de atividades, pois já era conhecido pelos estudantes,
que no ano anterior, tiveram uma Oficina enriquecedora no laboratório de informática da
escola, ministrada por estagiários do curso da Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR). Com isso, em tempos das aulas remotas, foi reintegrado para ser aplicado nas
aulas no formato on-line. No entanto com os estudantes em suas casas, assim como a
professora, e com os recursos tecnológicos próprios.
Portanto, o sistema de questionário on-line, de perguntas e respostas, como
estudadas por Noia et al (2019), corresponde a um jogo dinâmico, educativo e divertido:
“...durante o tempo de resposta, ouve-se uma música que lembra jogos de
videogame, animando ainda mais os discentes. Assim que os alunos terminam
de responder, soa uma campainha, logo depois surge a quantidade de acertos
e de erros das questões e, a seguir, um ranking aparece instantaneamente
com os maiores pontuadores. O Kahoot foi desenvolvido por pesquisadores
da Noruega para trabalhar temas diversos na área de educação e pode ser
acessado tanto pelo site quanto pelo aplicativo. Sua interface agradável
proporciona um ambiente competitivo e muito divertido no contexto de sala de
aula. Esse aplicativo está disponível para sistemas Android e iOS.(Ibidem,p.

O jogo foi aplicado, usando a plataforma do Google Meet para conversa simultânea
e o aplicativo do Kahoot, previamente elaboradas questões de conhecimento geral
pela professora regente da turma. Como resultado, as atividades corresponderam
em: participação e interação grupal; aumento da capacidade linguística; momentos de
descontração, desfocando do recrutamento social.

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo objetivou apresentar o trabalho desenvolvido com os estudantes com
AH/SD, durante no ano letivo de 2020 e 2021, dentro de uma perspectiva de trabalho on-
line, buscando desenvolver atividades em grupo, por meio de ações pedagógicas criativas
e independentes e com isso, construir nos estudantes uma autonomia progressiva durante
o ensino remoto.
Desta forma, para que as aulas fossem aplicadas, precisávamos primeiramente
pesquisar sobre quais as melhores ferramentas tecnológicas que teríamos que escolher
para utilizar em nossa prática (sites, links de jogos, celulares, notebooks, tabletes, entre
outros), e ainda para que o projeto pudesse ser aplicado, tínhamos que conhecer a
realidade dos estudantes, pois de nada adiantaria, se eles não pudessem participar por
falta de internet, celulares ou computadores, visto que que precisaríamos trabalhar em um

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 185
novo ambiente educacional , chamado de “ciberespaço”.
Portanto, a pesquisa desenvolvida, surgiu da necessidade de criar uma metodologia
inovadora, com o uso de recursos digitais que pudesse atender os estudantes que
participavam do atendimento das AH/SD, que estavam em situações de reclusão, durante
este momento pandêmico.
Contudo, inicialmente os estudantes estavam meio receosos sobre este novo formato
de aula, pois eles sairiam de um ambiente presencial, onde as relações interpessoais
aconteciam naturalmente e passariam a ter que se relacionar a distância. Vale ressaltar,
que a proposta, não agradou alguns estudantes no primeiro momento, pois tinham que
estudar e aprender no formato virtual (plataforma do Google Meet).
Entretanto, com o desenvolvimento das atividades e a metodologias bem elaboradas,
percebemos que mesmo longe dos colegas fisicamente, eles, interagiam e conversavam
uns com os outros. Com isso, a cada nova atividade apresentada, aos estudantes,
percebíamos uma maior motivação e interesse em participar. E quando os níveis de
dificuldades e desafios iam aumentando nos jogos, percebemos que os estudantes com
AH/SD, demostravam mais empenho e vontade em resolvê-los.
Assim sendo, o resultado desta pesquisa surgiu da necessidade de trazer para
as aulas on-line, uma proposta enriquecimento curricular que pudesse contribuir para o
desenvolvimento sócio emocional dos estudantes. Todavia, para que o processo de ensino
aprendizagem pudesse acontecer durante a pandemia, foi necessário buscar estratégias
inovadoras que ajudassem os educandos a não se sentirem tão isolados.
Com isso, concluímos que durante todo a aplicação desta metodologia, de técnicas
implementadas, tivemos a oportunidade de verificar que para mudar e melhorar as aulas,
não requeremos de muito, mas com boa vontade, criatividade e dinamismo. De tal modo
poderemos transformar o processo de ensino/aprendizagem em algo lúdico, dinâmico,
agradável e de forma mais inclusiva. Sendo assim, durante a realização deste trabalho,
percebemos que as relações interpessoais podem acontecer, mesmo quando os estudantes
estão em isolamento social.

REFERÊNCIAS
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eletrônico]: questões em estudo: volume IV: Efeitos da Covid-19 em práticas letradas
acadêmicas / organizadores: Juliana Alves Assis, Fabiana Komesu, Cédric Fluckiger. Belo Horizonte:
Editora PUC Minas, 2020.

BEHAR, Patricia. A. Ensino Remoto Emergencial e a Educação a Distância. Jornal da Universidade,


jul. 2020. Disponível em: https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/artigo-o-ensino-remoto emergencial-e-
a-educacao-a-distancia/. Acesso em: 16 nov. 2020

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 186
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Glossário da
educação especial: Censo Escolar 2020 [recurso eletrônico]. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2020. Acesso em: 03/12/2020.

ESPANHOL, Fernanda Celestino dos Santos. Propostas de Atividades em grupo para estudantes
com Altas Habilidades/Superdotação. Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial. Artigo
publicado 2020-06-21.Edição v. 7 n. 1 (2020).

HARASIM, Linda et al. Redes de aprendizagem: Um guia para ensino e aprendizagem online. São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005.

NOIA, Ricardo dos Santos et al. KAHOOT: Um Recurso Pedagógico Para Gamificar a Aula de
Língua Portuguesa. Research, Society and Development, vol. 8, núm. 4, pp. 01-12, 2019.Universidade
Federal de Itajubá, acesso dia 18/09/2021 por endereço eletrônico: https://www.redalyc.org/
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OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde. Folha informativa - COVID-19 (doença causada


pelo novo coronavírus). Brasília (DF); 2020. Disponível emhttps://www.paho.org/bra/i ndex.
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RENZULLI, Joseph S.A concepção de superdotação no modelo dos três anéis: Um modelo de
desenvolvimento para a promoção da produtividade criativa. Altas habilidades/superdotação,
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estadual já podem baixar aplicativo para assistir as aulas EAD. Paraná (PR); 2020. Disponível em:
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Universidade & Sociedade, ANDES-SN, n. 67, p. 36 – 49, jan. 2021.

VIGOTSKI, L.S.A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos


superiores. São Paulo: Martins Fonte, 2010 (p.58).

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 13 187
CAPÍTULO 14
INTERCULTURALIDADE EM FREIRE: DIÁLOGO
ENTRE OS PRINCÍPIOS FREIREANOS E AS
PRÁTICAS INTERCULTURAIS NO ENSINO DE
LÍNGUA ESTRANGEIRA

Data de aceite: 10/01/2022 dialogismo entre as teorias freireanas e o campo


Data de submissão: 20/10/2021 do ensino interculturalizado é naturalmente
possível e praticável.
PALAVRAS-CHAVE: Educação libertadora.
Interculturalidade. Pedagogia freireana.
Camila Nunes Souza
Vitória da Conquista- BA
http://lattes.cnpq.br/2833746088578393
INTERCULTURALITY IN FREIRE:
DIALOGUE BETWEEN FREIREAN
PRINCIPLES AND INTERCULTURAL
RESUMO: Este artigo aborda e discorre a cerca PRACTICES IN FOREIGN LANGUAGE
TEACHING
de duas temáticas: os princípios educacionais
freireanos e sua proposta de pedagogia libertadora ABSTRACT: This article approaches and
e as práticas interculturais no ensino de língua discusses two themes: the Freirean educational
estrangeira. Diante do estudo dessas temáticas principles and its proposal of the pedagogy for
se fez possível estabelecer um diálogo pertinente liberation and the intercultural practices in foreign
entre essas teorias assim como a compreensão language teaching. In the view of the study
dos pontos em comum, além disso, de como em of these themes, it was possible to establish a
diversos momentos elas se apresentam como pertinent dialogue between these theories, as
completivas. Entende-se que o objeto de estudo well as the understanding of the common points,
aqui proposto é um elemento fundamental no in addition, of how at different times they present
âmbito educacional, levando em consideração themselves as complementary. The object of the
aspectos de uma educação libertadora numa study proposed here is a fundamental element in
perspectiva intercultural, crítica-reflexiva e the educational field, considering the aspects of
democrática. Dessa forma, esse trabalho a liberating education in an intercultural, critical-
estabelece relações existentes nessas áreas. O reflective and democratic perspective. This
caminho metodológico foi traçado através uma way, this work establishes the relationships that
pesquisa bibliográfica com autores das áreas exist in these areas. The methodological path
de pedagogia, educação e ensino de línguas was traced through a bibliographical research
estrangeiras de modo interculturalizado. Durante of the authors from the areas of pedagogy,
a pesquisa foi possível concluir que professor, education and teaching of foreign languages ​​in
aluno, aprendizado crítico, responsabilidade an intercultural way. During the research, it was
educacional, pedagogia libertadora, práticas possible to conclude that teacher, student, critical
interculturais e educação democrática estão em learning, educational responsibility, pedagogy for
todo o tempo se comunicando pois funcionam liberation, intercultural practices and democratic
de forma integrada. Confirmou-se ainda, que o education are constantly communicating because

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 14 188
they work in an integrated way. It was also confirmed that the dialogism between Freirean
theories and the field of interculturalized teaching is naturally possible and practicable.
KEYWORDS: Liberating education. Interculturality. Freirean pedagogy.

1 | INTRODUÇÃO
O presente artigo é resultado de um estudo dos princípios educacionais freireanos
e sua proposta de pedagogia libertadora e o possível diálogo desses princípios com as
práticas interculturais no ensino de língua estrangeira.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica no contexto da produção de conhecimento,
que segundo Gil (1994) possibilita um amplo alcance de informações, além de permitir
a utilização de dados disponíveis em inúmeras publicações, auxiliando também na
construção, ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto de estudo
proposto. Uma pesquisa de abordagem qualitativa, considerando o que, de acordo com
Godoy (1995), enquanto exercício de pesquisa, não se apresenta como uma proposta
rigidamente estruturada, e sim aquela que permite aos investigadores através da
imaginação e criatividade proporem trabalhos que explorem novos enfoques. E de maneira
complementar, o fato de possuir caráter de consciência histórica, já que o sentido que lhe é
atribuído relaciona-se com a totalidade dos homens, com a sociedade e confere significados
e intencionalidades a suas ações e construções teóricas (LIMA & MIOTO, 2007).
O objetivo desse trabalho é discutir o diálogo presente na relação entre os princípios
freireanos de educação, dando ênfase ao seu conceito de pedagogia libertadora, que
fundamenta o conceito escolar e não diferente, os processos de aprendizagem de língua
estrangeira, levando sempre em consideração a perspectiva da prática educativo-crítica.
Com a finalidade de contemplar essa proposta propõe-se como objetivo específico: realizar
um diálogo entre autores da área da interculturalidade no ensino de línguas estrangeiras
e das práticas pedagógicas libertadoras, analisar uma possível conversação entre os
aspectos interculturais e os princípios emancipadores e refletir sobre a formação de alunos
por meio de um engajamento efetivo no âmbito crítico e reflexivo.
Esse artigo encontra-se construído em três seções, sendo que, na primeira abordam-
se os princípios fundantes de Paulo Freire (1967,1987,1996) e sua educação a serviço da
afetividade, alegria, capacidade científica e domínio técnico a serviço da mudança; já na
segunda discute-se sobre as práticas que concebem a relação dialógica entre língua e
cultura que há no ensino de uma língua estrangeira (LE); por fim, na terceira seção, o
diálogo existente entre ensino intercultural de forma crítica, dinâmica e significativa e a
prática educativa de natureza libertadora.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 14 189
2 | OS PRINCÍPIOS FREIREANOS PARA A EDUCAÇÃO
Existem diversos estudos e conceituações que discutem os princípios de educação
de Paulo Freire. Seu modo de encarar a educação como forma de superar a opressão é
sem dúvida, um ponto fundante dessa pesquisa. Ao longo de sua caminhada composta por
implicações sociais e políticas a esfera pedagógica moveu esse autor para as referências
do que se conhece hoje como educação libertadora. O objetivo aqui não é propriamente
efetuar uma descrição minuciosa dos seus postulados de ensino, mas sim chamar a
atenção para a relevância social e emancipadora de tais princípios. O pensar crítico e
libertador dos seus ideais em vários momentos são reafirmados, de acordo com Feitosa e
Gadotti (1999) eles servem
como inspiração para educadores do mundo inteiro que acreditam que é
possível unir as pessoas numa sociedade com equidade e justiça. Isso faz
com que Freire seja hoje um dos educadores mais lidos do mundo. Nas
últimas décadas, temos presenciado a evolução e recriação de suas teses
epistemológicas que apontam para a construção de novos paradigmas
educacionais e constante recriação da práxis pedagógica.

Com essa afirmação ela proclama o que já se conhece como legado, assim como os
motivos de Freire ser um marco na história da educação mundial, realidade que ocasiona a
criação de novos paradigmas e constante (re)estabelecimento da práxis libertadora, como
no presente trabalho.
Diante disso, reforça-se a ideia de que seu pensar a educação é voltado para
uma maneira de expressar o respeito pelo educando, na conquista da sua autonomia
e da correlação entre ética e metodologia. De maneira igual, uma educação para a
responsabilidade social, para o conhecimento político e tomada de decisão, que se
resume a um saber democrático e chega a ser uma conquista coletiva, capaz de derrubar
circunstâncias históricas de segregação a partir da consciência dos fatos.
A prática libertadora freireana é aquela que ajuda a acelerar as transformações
na medida em que descortina as opressões, alicerçando e fazendo possível interferir
naquilo que se torna conhecido. Nesses moldes, o próprio Freire (1967) esclarece que
não há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio, a questão das
relações sociais é inerente à educação. De forma análoga, Celani (2000) afirma que o que
acontece na sala de aula está intimamente ligado a forças sociais e políticas. Portanto,
essa sociedade ao fazer parte da comunidade escolar precisa ter a oportunidade de
tomar consciência desse fato, de forma que a concepção essencialmente democrática da
educação seja necessariamente parte do processo.
As referências educacionais de Freire (1996) sobretudo revelam destaque aos
papeis do professor e do aprendiz no momento da aprendizagem. Sua proposta se baseia
em uma indissociabilidade das ações do docente e dos discentes. Em suas palavras ele
afirma que a atitude de ensinar e de aprender se explicam, e seus sujeitos, apesar de

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 14 190
conotarem diferenças, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Isso significa
que ambos atuam ao mesmo tempo, solidificando a máxima de que ensinar não é transferir
conhecimento, e sim criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção
(FREIRE, 1996). Assim também, o reconhecimento dos contextos e histórias de vida dos
sujeitos resulta em um diálogo da ação educadora se desdobrando em ação emancipadora.
Dentro desse contexto, seus postulados desaprovam o ensino considerado
“bancário”, no qual acredita-se que aquele que ensina deposita, transfere, doa, oferece
ao outro o conhecimento. As palavras de Freire (1996) deixam claro sua crítica e recusa
ao “bancarismo” já que esse ensino deforma a necessária criatividade do educando e do
educador. A ideia que o professor é quem possui o conhecimento e a detenção desse
conhecimento considerado legítimo, e quem está na posição de aluno, está numa posição
passiva, receptiva, chegando a ser tido como ingênuo, é desrespeitosa e renega segundo
o pedagogo, a autonomia na educação.
Da mesma maneira, destaca-se entre seus princípios, a relevância da formação
docente, posto que “ensinar exige pesquisa” (FREIRE, 1996), nesse cenário, o autor faz
referência ao buscar, (re)procurar contínuos como fonte para se conhecer o que ainda é
desconhecido e comunicar ou anunciar a novidade de forma democrática. Miller (2013)
acrescenta sobre formação de professores nos dias atuais
Em sintonia com a crescente preocupação com a transformação social
na educação e com a urgência de encontrar novas formas de produzir
conhecimento, busca-se no século XXI, formar um professor crítico reflexivo e
ético, bem como investigar sua formação.

Por conseguinte, vislumbra-se a prática docente crítica, implicante do pensar certo,


que envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer, bem
como do investimento em produzir conhecimento.
O caráter formador do exercício educativo, ou seja, aquele cujo objetivo de ensinar
é libertar das amarras impostas socio-historicamente, assegurado pelos postulados
freireanos, centra-se na autonomia dos sujeitos, assim com nos principais atores da
comunidade escolar, o professor e o aluno, e suas capacidades de intervir no mundo.
Sendo assim, o saber democrático, é construído nas interações de respeito, embasado na
construção de conhecimento crítico, nos caminhos da educação problematizadora, com
a postura ativa de alunos e professores, resultando na consciência crítica da realidade e
promovendo a libertação.

3 | AS PRÁTICAS INTERCULTURAIS NO ENSINO DE LÍNGUAS


ESTRANGEIRAS
A conjuntura de ensino de língua estrangeira atual aponta a relevância de sempre
trabalhar o ensino da língua atrelado à cultura. Há vários momentos relevantes da história
do ensino de línguas estrangeiras, um deles é o marco de quando se passa a valorizar

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 14 191
por exemplo, o Método Comunicativo surgido nos anos 1980 (SCHEYERL et al., 2014) no
qual comunicar-se era o principal objetivo a ser atingido e outros aspectos como gramática
ou conhecimento de frases memorizadas não eram tão considerados. Dentre as marcas
relevantes desse método, destaca-se a valorização da cultura e da língua como fator social,
e para Scheyerl et al. (2014) vale salientar que
em se tratando do viés social, a abordagem comunicativa trouxe para a sala
de aula a possibilidade do ensino mais explícito de cultura através da língua
alvo e, desde então, os professores de línguas precisavam contemplar os
aspectos culturais para que o aluno adquirisse com facilidade uma segunda
língua. Afinal, essa concepção reforçava a ideia de que não havia aprendizado
sem a absorção da cultura do outro.

Nessa circunstância, visualiza-se o fenômeno que acontece naturalmente ao estar


em contato com uma nova língua: a exposição à interculturalidade. De acordo com Lima
(2009) as normas internacionais sobre ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras
afirmam que para dominar a nova língua o estudante também precisa ter conhecimento do
contexto cultural. A partir disso, demonstra-se, o que se conhece como desenvolvimento
da competência intercultural do aprendiz. Faz-se necessário citar que a abordagem
intercultural aqui assumida legitima o pensamento crítico, dinâmico e significativo e não
somente reforça uma abordagem voltada para um currículo cultural de curiosidades ou
“currículo turístico” definido por (SANTOMÉ, 1995 apud LIMA, 2009) como aquele em que
os conteúdos culturais são tratados muito perifericamente. Outro ponto importante, é a
necessidade de maneira igual, de um cuidado no trato dos fatores culturais para que não
haja desvalorização da cultura materna, o que de alguma forma poderá atribuir à nova
língua um status de superioridade.
À vista disso, nesse artigo acredita-se que o fator cultural na sala de aula de
língua estrangeira é um fator preponderante e auxilia o discente a compreender a cultura
do outro, bem como a aceitá-lo como alguém que apresenta comportamentos, crenças
e até características de vida distintas da sua e isso é enriquecedor. Rajagopalan (2003)
destaca que as línguas não são meros instrumentos de comunicação, elas são a própria
expressão das identidades de quem delas se apropria. Ou seja, para esse autor quem
aprende uma nova língua está se redefinindo como uma nova pessoa. Ressaltam-se ainda,
as conclusões de Lima (2009) ao enfatizar, que ensinar língua estrangeira implica inclusão
das competências gramatical, comunicativa, proficiência na língua, além de uma mudança
comportamental no que diz respeito às culturas alheias.
Diante desses fatos, esta percepção intercultural estaria em consonância com a
pedagogia problematizadora, libertadora e emancipadora na qual o modelo de educação
freireana se fundamenta? Evidencia-se que sim, e em resposta ao questionamento,
é possível caminhar no terreno diálógico entre formação crítica-reflexiva e o ensino
interculturalizado.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 14 192
4 | O DIÁLOGO ENTRE A PEDAGOGIA LIBERTADORA E O ENSINO
INTERCULTURALIZADO
Scheyerl et al. (2014), ao conceber o ensino-aprendizagem de línguas com ênfase
na visão sociocultural, permite que sejam ressaltadas questões emergentes da exposição
à interculturalidade, inerente ao mundo em que se vive. A partir das concepções citadas
anteriormente, a presente pesquisa possibilita um entendimento de que as posturas
dos participantes no processo de aprendizagem devem ser de quem tem mais do que
a oportunidade de aprender uma língua estrangeira, a de quem amplia o cenário da
consciência e se torna apto a ser um cidadão participante da sociedade de maneira
emancipada. Fica revelado então, o processo educacional humanizado no qual esses
participantes tem a liberdade de pensar e agir, provenientes do despertar da consciência
crítica e da multiplicidade de culturas existentes.
É válido trazer inicialmente, alguns conceitos relevantes na área como o de
interculturalidade, ensino de língua estrangeiras de maneira intercultural, assim como, de
pedagogia libertadora.
No que diz respeito à interculturalidade, sabe-se que a percepção intercultural
evidencia diferentes e importantes aspectos das dimensões sócio-histórica, cultural, política
e econômica de um grupo, do mesmo modo que os contatos entre diferentes culturas em
situação de assimetria podem promover. Falar em intercultural, para Fleuri (2004) significa
falar de movimentos sociais que visam a convivência democrática entre diferentes grupos
e culturas, em diversos âmbitos como nacional e internacional, na busca de referenciais
epistemológicos pertinentes em diferentes contextos. Pode-se ir além, o trabalho intercultural
é aquele que busca contribuir com o enfrentamento das atitudes de amedrontamento e por
vezes de intolerância ou indiferença frente ao desconhecido. O mesmo autor ainda afirma
que essa posição de entendimento intercultural é capaz de construir atitudes positivas em
relação à pluralidade social e cultural. Ele propõe que “trata-se na realidade, de um novo
ponto de vista baseado no respeito à diferença, que se concretiza no reconhecimento da
paridade de direitos” (FLEURI, 2004).
Assim se faz com o ensino de línguas estrangeiras na perspectiva intercultural.
Conforme Kramsch (1991) é preciso uma abordagem intercultural para o ensino de
línguacultura (referindo-se ao conceito do termo, no contexto em que língua e cultura são
considerados fatores complementares e em constante fusão) em todos os níveis e em
todos os aspectos do currículo escolar. Tal abordagem toma o momento do aprendizado
como o momento integrador, no qual a cultura é vista, não somente como estereótipos a
serem adquiridos ou fatos a serem assimilados e seguidos, e sim como um conhecimento
de mundo a ser descoberto na língua e/ou na interação com indivíduos que usam aquela
língua.
Na sequência, o fundamento da educação libertadora e sua capacidade de despertar

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 14 193
a compreensão do mundo se dá em (FREIRE, 1987) através das palavras:
A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com
a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como
seres “vazios” a quem o mundo “encha” de conteúdos; não pode basear-se
numa consciência especializada, mecanicistamente compartimentada, mas
nos homens como “corpos conscientes” e na consciência como consciência
intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da
problematização dos homens em suas relações com o mundo.

Cabe realçar, que as palavras de Freire (1996) em relação ao ensino apontam a


autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender visto que essa é uma “experiência
total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética em que a
boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.” Tudo isso se
resume ao fator cultural do ser humano, e na relação entre quem ensina e quem aprende e
o que se ensina e como se ensina, isso fica estabelecido. É a partir de pontos como esse
que se faz possível o diálogo dessas teorias, evidenciando que as práticas interculturais
ressignificam o ensinar para libertar.
Pennycook (1998) postula a dimensão fortemente colonialista que o ensino de uma
língua estrangeira pode alcançar. De modo complementar, Phillipson (1992) define o termo
“linguiscismo” como “às ideologias, estruturas e práticas que são mobilizadas para legitimar,
efetuar e reproduzir uma divisão desigual de poder e recursos entre grupos demarcados
com base linguística.” Sendo esses os rumos que um ensino afastado da dimensão
intercultural pode tomar. Ditosamente, sabe-se que a prática do ensino intercultural é
uma oportunidade descolonizadora, que propicia independência, eficiente no desvestir
das roupagens alienadoras, capaz de cortar correntes a que os cidadãos estão sujeitos
e produzir a força de libertação. Isso é o que Freire (1987) em sua obra da pedagogia do
oprimido afirma
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá, dois
momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo
da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o
segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa
de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de
permanente libertação.

Em suma, explica-se que uma ação profunda através do qual culturalmente, se


enfrentará a cultura dominante é, indubitavelmente praticável. Falar em desvelar o mundo
através do conhecimento é explicitar o caminho de emancipação que será percorrido
no processo de aprendizagem. No ensino da língua estrangeira não é diferente, as
práticas interculturais possibilitam que esse percurso de aprendizagem atravessado pelo
componente cultural, trabalhado de maneira crítica, estabeleça o entendimento do que até
então era estranho e distante passando-se a ampliar os horizontes. Então, se pode tirar
proveito do contato com algo que previamente era entendido e encarado como superior
(RAJAGOPALAN, 2003).

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 14 194
Não é de estranhar que Paulo Freire (1996) considere o educador um
“problematizador”. Isso se deve à sua maneira de defender no ensino, as condições
necessárias para o professor poder deixar transparecer aos educandos as belezas das
pluralidades estabelecidas pelas diversas formas de estar no mundo e com o mundo, e
a capacidade de intervindo no mundo, conhecê-lo. Alinhado a isso, faz-se indispensável
o reconhecimento do trabalho pedagógico voltado para os conceitos de cultura, segundo
Lima (2009) “essencialmente plural”. É exatamente nessa pluralidade que se encontra a
fonte de (re)criação de futuros cidadãos providos de um posicionamento crítico-reflexivo
como dito anteriormente, perante divergências culturais, consciente das diversidades que
constituem o mundo que os cerca, ou não, dada a realidade global vivenciada por todos
nos dias atuais. É apropriado também lembrar, que devido aos cenários de desigualdade
social existentes em países como o Brasil estar em contato com uma LE na escola, é para
alguns, a primeira e única oportunidade de refletir, mesmo que de maneira inicial, ou sem
ter total consciência, a língua como fator social e até como representação cultural, artística
ou ideológica, e essa se torna decerto uma oportunidade emancipadora.
Ensinar a língua estrangeira utilizando-se das práticas interculturais é como diz
Rajagopalan (2003) ensinar alguém a dominar a língua, fazendo com que ela se torne parte
da sua própria personalidade; e jamais permitir que ela o domine. Para atingir essa força
capaz de tornar o aluno um sujeito conscientemente crítico e não um sujeito dominado
por aquilo que ele está aprendendo, é preciso promover a coragem que Freire (1996)
legitima em sua compreensão do ser “educado” que vai gerando consciência e o que era
insegurança passa a ser superado pela segurança do saber.
Esta pesquisa, como dito anteriormente, defende que os pressupostos da
pedagogia libertadora e práticas interculturais se entrelaçam. Ambos estão embasados na
dialogicidade alegada em Freire (1996) e o seu verdadeiro sentido, no qual os sujeitos
dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo, no respeito a ela. Esses passos
ratificam o vínculo existente entre aprender através da consolidação da cidadania, da
participação democrática e do espaço de crescimento coletivo.
É importante reconhecer, que a percepção desse diálogo possibilita ao professor
uma leitura do seu trabalho, pautada na relação pedagógica que é inerentemente política,
histórica e sociocultural. Sua explicação de mundo associada à multiplicidade de culturas é
parte do seu discernimento de sua própria presença no mundo, e é aquela que oferta a seu
aprendiz a capacidade de reconhecer os vestígios do exercício de poder, ou até mesmo do
jogo complexo operado pelo poder nas relações que o cercam.
Para tanto, Freire (1996) afirma que o espaço pedagógico é um texto para ser
constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito, de forma a aprimorar as possibilidades
da aprendizagem democrática. Dito de outra forma, a sala de aula é repleta de atitudes que
precisam ser endereçadas ao ensino democrático, e ressalta-se assim, a importância da
concepção desse autor para o ensino interculturalizado.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 14 195
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz das reflexões teóricas aqui apontadas, acredita-se que a educação nos
moldes da pedagogia freireana, como comprovam as teorias existentes, constituem-se,
na mais democrática prática educativa, capazes de fornecer elementos para aprimorar o
aprendizado significativo e ir além, alcançar a formação crítica e reflexiva. Diante disso, se
faz possível interpretar os princípios da educação libertadora aliando-os aos pressupostos
do ensino de línguas de maneira interculturalizada.
Entre outros acontecimentos, um fato que comprova a relevância dessa relação
dialógica é a valorização dos currículos que incluem a interculturalidade tanto na formação
de professores quanto para o ensino na escola básica. Ela vem acompanhada das propostas
de exploração da dimensão intercultural da língua estrangeira que está sendo aprendida,
assim como do despertar da capacidade de inteligir o mundo.
Inserir o pensamento freireano no campo das práticas interculturais é explorar
a seriedade do trabalho dos atores da sala de aula no processo de assimilação de
conhecimento de mundo. Essa assimilação, a que Freire (1996) se refere é o percurso
para a autonomia, ou seja, a autoria que se assume ao construir o conhecimento. É nesse
sentido que Lima (2008) de maneira similar afirma
Para que uma língua estrangeira seja realmente adquirida, é necessário que
seus aprendizes desenvolvam a competência comunicativa intercultural, a
fim de que possam lidar com essa comunidade global e descobrir maneiras
de ver o mundo ao seu redor sobre a perspectiva intercultural. Ensinar uma
língua estrangeira é antes de qualquer coisa, ensinar também sua realidade.

Como dito pelo autor, trabalhar a língua estrangeira é ensinar a realidade, assim
como, ensinar a realidade na educação freireana é ensinar a compreender as diferenças
através da criatividade, das vivências e aprendizados. Freire (1967) conclui que a democracia
e a liberdade se encontram como possibilidades históricas e, em seus escritos sustenta
seu pensamento dizendo que elas não se efetivam sem luta. Aqui, de forma integralizada,
acredita-se que elas também se efetivam na sala de aula de língua estrangeira.

REFERÊNCIAS
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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 14 197
CAPÍTULO 15
APLICAÇÃO DO MÉTODO SNOEZELEN EM UMA
CRIANÇA COM TEA: UM ESTUDO TRANSVERSAL E
EXPERIMENTAL

Data de aceite: 10/01/2022 RESUMO: Introdução: O método Snoezelen é


uma técnica que estimula sensorialmente as
pessoas por meio de equipamentos de sons,
Cristiane Gonçalves Ribas
luzes, cores, texturas e aromas. Objetivos:
Docente do Curso de Fisioterapia do Centro
Universitário Dom Bosco (UniDBSCO) Avaliar a efetividade do método Snoezelen em
Curitiba-PR uma criança portadora de TEA. Método de
http://lattes.cnpq.br/4055177986038339 Pesquisa: Estudo de caráter experimental do tipo
transversal aplicados em uma criança com TEA.
Haysa Camila Boguchevski O período de intervenção foi 120 dias sendo o
Fisioterapeuta formada pelo Centro paciente submetido a sessões de fisioterapia 2
Universitário Dom Bosco (UniDBSCO) vezes por semana. Para análise dos resultados do
Curitiba-PR
paciente foram avaliados pré e pós-intervenção,
http://lattes.cnpq.br/6804777481702821
sendo aplicado o questionário GMFM como
Francine Gavloski instrumento avaliativo. A hipótese a ser analisada
Fisioterapeuta da Associação Mantenedora do foi: O método Snoezelen pode melhorar o
Centro Integrado de Prevenção - AMCIP equilíbrio estático e dinâmico em crianças com
Curitiba-PR TEA?.Para os testes de homocedasticidade foi
http://lattes.cnpq.br/7889260714481153 adotado o teste de Shapiro-Wilk, e para o teste
da hipótese foi adotado o teste t Student, em
Thayná Aquino Gonçalves
todas as análises estatísticas foi adotado um
Fisioterapeuta formada pelo Centro
Universitário Dom Bosco (UniDBSCO) nível de significância de 0,05. Resultados: As
Curitiba –PR análises estatísticas apresentaram que amostra
http://lattes.cnpq.br/0817543880967428 obteve uma melhora significativa nos seguintes
Itens do formulário GMFM: Item C (p-value:
Thayná Carolina Sant’Ana Cantelli 0.01864), D (p-value: 0.00003806), E (p-value:
Discente do Curso de Fisioterapia do Centro 0.002748). Demonstrando que aplicação do
Universitário Dom Bosco (UniDBSCO) método Snoezelen melhorou significamente
Curitiba-PR
a capacidade de equilíbrio motor estático e
http://lattes.cnpq.br/2420675989791610
dinâmico. Já os itens A e B do questionário
Welington Jose Gomes Pereira GMFM não obtiveram modificações. Conclusão:
Fisioterapeuta formado pelo Centro Aplicação do método Snoezelen em crianças
Universitário Dom Bosco (UniDBSCO) portadoras de TEA é indicado pois melhora a sua
Curitiba- PR capacidade funcional.
http://lattes.cnpq.br/2753220037619399 PALAVRAS-CHAVE: TEA; Estimulação;
Fisioterapia.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 15 198
ABSTRACT: Introduction: The Snoezelen method is a technic that stimulates sensorial people
by sound equipment, lights, colours, textures, and smells. Objective: Evaluate the Snoezelen
method on a child that has ASD. Research Method: Cross-sectional experimental study
applied to a child with ASD. The intervention period was 120 days, with the patient undergoing
physical therapy twice a week. To analyze the patient’s results, pre and post-intervention
were evaluated, using the GMFM questionnaire as an evaluation tool. The hypothesis to be
analyzed is: Can the Szoezelen method improve the static and dynamic balance in children
with ASD? The homoscedasticity’s test adopted Shaipiro-Wilk’s test and to the hypothesis test
the student’s t-test. In all statistical analyzes was adopt 0,05 significance level. Results: The
statistical analyzes showed a significative improvement in the following GMFM questionnaire
items: Item C (p-value: 0.01864), D (p-value: 0.00003806), E (p-value: 0.002748). Proving
that the Szoezelen method had a positive impact and improved the static motor balance
and dynamic. However, items A and B in the GMFM questionnaire did not have changes.
Conclusion: The Snoezelen method application in children that has ASD is indicated because
it improves the functional capacity.
KEYWORDS: TEA; Stimulation; Physiotherapy.

INTRODUÇÃO
A fisioterapia é a área da saúde que estuda previne e trata os distúrbios cinéticos
funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo, gerados por alterações genéticas,
por traumas e por doenças adquiridas Fundamenta suas ações em mecanismos terapêuticos
próprios, sistematizados pelos estudos da Biologia, das ciências morfológicas, das ciências
fisiológicas, das patologias, da bioquímica, da biofísica, da biomecânica, da cinesia, da
sinergia funcional, e da cinesia patologia de órgãos e sistemas do corpo humano e as
disciplinas comportamentais e sociais (COFFITO 2010).
Conforme o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (2009), a
formação do fisioterapeuta está direcionada a desenvolver competências e habilidades
gerais para atenção à saúde, como ações de prevenção, promoção e proteção da saúde,
além da reabilitação individual e coletiva.
Entre as patologias tratadas pela fisioterapia, o Transtorno Do espectro autista
tem tido destaque nos últimos anos. Segundo Klin (2006), os distúrbios do Autismo e da
Síndrome de Asperger são transtornos invasivos do desenvolvimento que afetam crianças e
adolescentes. Ainda segundo Klin (2006) existe um índice de prevalência destas síndromes
de 4,5 em cada 10.000 crianças nascidas, sendo considerada uma doença sem cura.
Para Gadia, Tuchman e Rotta (2004), a expressão autismo foi utilizada pela
primeira vez pelo pesquisados Bleuler no ano de 1911 que designava uma dificuldade ou
impossibilidade de comunicação das crianças com o mundo exterior. Para Jr e Pimentel
(2000), a etiologia do Autismo ocorre uma predominância maior nos indivíduos do sexo
masculino especificamente devido ao cromossoma X.
Ainda segundo Jr e Pimentel (2000), uns dos reflexos do Autismo em crianças é

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 15 199
o comprometimento do desenvolvimento cognitivo e motor possuindo diversos níveis de
comprometimento, estes sinais patológicos são avaliados em sua grande maioria entre
0 meses até os 36 meses de vida das crianças. No estudo efetuado por Klin (2006), foi
relatado que os pais começam a perceber estes sinais entre os 12 e os 18 meses de vida,
principalmente devido ao não desenvolvimento no processo de linguagem das crianças.
De acordo com Gadia, Tuchman e Rotta (2004), o diagnóstico do Autismo é complexo
e demorado, pois são necessárias diversas análises clinicas e exames para identificar a
síndrome e o nível de comprometimento no individuo. Para Jr e Pimentel (2000) a síndrome
é enquadrada no DSM IV no eixo III, que correspondem a distúrbios e condições físicas,
sendo aglutinados estes distúrbios com uma nova denominação TEA (Transtorno do
Espectro do Autista).
Equilíbrio corporal e controle postural são termos utilizados como sinônimos e podem
ser definidos como a habilidade em manter o centro de gravidade corporal projetado sobre
os limites da base de sustentação durante posições estáticas e dinâmicas (RICCI, 2009).
Ainda para Ricci, os limites de estabilidade durante a posição vertical estática
são considerados como a angulação máxima a partir da vertical que pode ser tolerada
sem a perda do controle postural. Para a manutenção do equilíbrio dentro dos limites de
estabilidade, o sistema de controle postural tenta reposicionar o centro de gravidade por
meio de oscilações corporais ou adoções de estratégias posturais.
O ouvido é o responsável pela audição e pelo equilíbrio, mas sua manutenção
depende de outros órgãos além do ouvido interno. O cérebro calcula a posição da cabeça,
do pescoço, dos membros superiores e inferiores, que é informado por proprioceptores
dispostos em músculos, tendões e órgãos internos, os olhos também são importantes para
a manutenção do equilibro, pois esclarecem ao cérebro a posição do corpo por meio das
imagens que captam. Além dos órgãos já meniconados, o cerebelo é a parte posterior do
cérebro e a ponte, que liga-se ao córtex cerebral ao tronco enefálico e à medula espinhal
por inúmeras fibras nervosas. Recebe informações sobre as posições das articulações,
músculos, auditivas e visuais, deste modo pode cooredenar os movimentos e orientar a
postura corporal, mantendo-o em equilíbrio. (SELLA, 2017)
Conforme a Associação Brasileira de Psicomotricidade, a psicomotricidade, é um
termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função
das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua
linguagem e sua socialização. Para Costa, 2002 A Psicomotricidade, baseia-se em uma
concepção unificada da pessoa, que inclui as interações cognitivas, sensoriomotoras
e psíquicas na compreensão das capacidades de ser e de expressar-se, a partir do
movimento, em um contexto psicossocial. Ela se constitui por um conjunto de conhecimentos
psicológicos, fisiológicos, antropológicos e relacionais que permitem, utilizando o corpo
como mediador, abordar o ato motor humano com o intento de favorecer a integração deste
sujeito consigo e com o mundo dos objetos e outros sujeitos.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 15 200
Os tratamentos existentes para o TEA, envolvem desenvolvimento cognitivo e motor
por meio de aplicação de medicamentos específicos e fisioterapia (NIKOLOVl et all 2006).
Os objetivos dos tratamentos em crianças com TEA visam melhorar a qualidade de vida e
minimizar os reflexos da síndrome nos indivíduos (JR E PIMENTELl 2000).
Dentre os métodos existentes para tratamentos em crianças autistas está o método
Snoezelen, que segundo Oliveira (2015), é um tratamento que efetua a estimulação
Multisensorial em pacientes com distúrbios cognitivos e motores por meio de uma sala
adaptada com equipamentos sonoros, visuais, olfativos, táteis e gustativos como também
vestibulares, tendo como foco proporcionar diversos estímulos distintos para os pacientes.
Snoezelen é derivado das palavras “snufflen” (cheirar) e “doezelen” (relaxar), conceito
desenvolvido por Hartenberg, na Holanda na década de 60. Ainda segundo Oliveira (2015),
este método foi aplicado pelos pesquisados Hulsegge & Verheul do Instituto Harteberg
na Holanda com objetivo de proporcionar um relaxamento e experiências recreativas
saudáveis a indivíduos com distúrbios sensoriais.
Entretanto Hortz et al (2006) o termo Snoezelen foi patenteado e registrado pela
companhia ROMPA® internacional baseada no Reino Unido, sendo efetuado neste período
vários estudos e aplicações deste métodos em pessoas com paralisia cerebral, porém,
devido aos resultados satisfatórios obtidos com este método em crianças com paralisia
cerebral houve uma propagação deste conceito para outros países da Europa e Estados
Unidos, sendo aplicados diversas variações deste método para outras doenças que
comprometiam o cognitivo e motor das crianças, sendo aplicados também em crianças com
TEA (HORTZ et all 2006). De acordo com Sella (2017) No Brasil o histórico do Snoezelen
teve início em 2003, quando a equipe diretora da AMCIP- Associação Mantenedora do
Centro Integrado de Prevenção, teve o primeiro contato com a sala em Orlando/ Flórida,
USA, onde acompanharam sessões e também receberam matérias ligados ao trabalho,
pensando no trabalho desenvolvido pela AMCIP, que atende crianças saídas da UTI
neonatal ou hospitalizadas por longos períodos, a equipe trouxe o método para o Brasil e
em 2006 já atendiam em torno de trinta crianças com diversas patologias. Desde então a
equipe pesquisa e traduz informações recebidas no curso. Atualmente no Brasil, existem
sete estados multiplicadores, com quarenta salas para a aplicação do método. Ainda há
poucas salas dedicadas ao método Snoezelen, o que pode comprometer significativamente
os tratamentos de pessoas com síndromes cognitivas e motoras.
Uma das maneiras de se avaliar a evolução do paciente com TEA é por meio do
GMFM (Mensuração da Função Motora Grossa), que tem como finalidade avaliar alterações
das funções motoras de forma quantitativa, retratando o nível de função, sem desconsiderar
a qualidade do movimento, contribuindo para o desenvolvimento do plano de tratamento.
O método possui critérios padronizados, contendo oitenta e oito itens, o qual teve sua
primeira versão desenvolvida por Russel et al. 1989. Os itens foram distribuídos em cinco
dimensões, as quais estão distribuídas em: A- deitar e rolar; B- sentar; C- engatinhar e

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 15 201
ajoelhar; D- ficar em pé; E- andar, correr e pular. A pontuação é graduada através de
uma escala de quatro pontos, na qual: 0= não realiza, 1= inicia atividade, 2= completa
parcialmente a atividade e 3= completa a atividade (OLIVEIRA et all 2010).

MÉTODO DE PESQUISA
O método de pesquisa aplicado neste artigo científico é o estudo de caso do tipo
transversal e experimental de intervenção quantitativa. Para GIL (1991), o estudo de
caso é um método prático e objetivo tendo como principal característica a obtenção de
dados e informações para os pesquisadores de maneira mais rápidos e precisa sobre um
determinado assunto. Outro fator destacado por GIL (1991) sobre a vantagem da aplicação
de estudos de caso é o formato no qual as informações são coletadas de maneira clara e
satisfatória em comparação a outros métodos científicos existentes.
Sendo assim, para este estudo foram adotados protocolos fisioterapêuticos de
intervenção sendo aplicada a metodologia do Snoezelen em uma criança com transtorno do
espectro autista (TEA), para avaliação dos resultados foram utilizadas avaliações por meio
do formulário GMFM antes e depois do período de intervenção. A pesquisa foi realizada
na Associação Mantenedora do Centro Integrado de Prevenção – AMCIP, localizada em
Curitiba-Paraná. Para a seleção do participante foram adotados critérios de inclusão com
idade inferior a cinco anos, possuir TEA, não terem doenças impeditivas para este estudo,
terem assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por parte dos
seus responsáveis legais, e para a exclusão participantes: não ser criança ou possuir
idades superiores a cinco anos, terem sofrido lesões impeditivas para este estudo, não
assinarem o TCLE e doenças infecto contagiosas.
Após o processo de exclusão das amostras não pertinentes ao método de pesquisa,
a criança selecionada passou por um protocolo de intervenção fisioterapêutica seguindo
as especificações do método Snoezelen duas vezes na semana durante 120 dias, foram
efetuadas duas avaliações por meio do questionário GMFM, a primeira antes do início do
protocolo de intervenção e a segunda após o período de intervenção
O programa de tratamento fisioterapêutico foi constituído por exercícios no piso
interativo, com objetivo de aprimorar o equilíbrio dinâmico, e noção de espaço, a piscina de
bolinha visando dessensibilização e flat Ball com o intuito de melhorar o equilíbrio estático
e dinâmico do paciente.
Ao entrar na sala ela já estava preparada para esse paciente com as luzes baixas
e com música suave, auxiliando no foco e relaxamento da criança.
Para as análises dos resultados obtidos após as coletas, foram utilizados testes
estatísticos de hipóteses, pois segundo Reis et al (2001), os testes estatísticos podem
descrever as relações entre diferentes características de uma população podendo ampliar
as compreensões das suas interações e até discrepâncias entre as amostras. Ainda

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 15 202
segundo Reis et al (2001), a estatística possui uma ampla aplicação sendo utilizada em
diversas áreas científicas entre elas: saúde, engenharia, marketing, ciências sociais, entre
outras.
Ayres (2003) complementa as definições efetuadas por Reis et al (2001) sobre o
uso da estatística, descrevendo que a sua aplicação podem ser excelentes ferramentas
de análises, pois permite a possibilidade de efetuar simulações de hipóteses ou teorias,
facilitando as análises representativas para os pesquisadores.
Sendo assim, para este estudo de caso foram aplicados métodos estatísticos para
analises das seguintes hipóteses:
H0 = p-value ≤ 0,05 - Aceitação da hipótese de melhora dos pacientes
H1 = p-value > 0,05 - Rejeição da hipótese de melhora dos pacientes
Para as análises estatísticas foi adaptado o método científico proposto por Reis et al
(2001), que organiza uma análise estatística em cinco etapas, sendo elas:
Etapa 1 – Delimitação dos objetivos específicos e gerais do estudo de caso;
Etapa 2 – Coleta dos dados primários, por meio de questionários, entrevistas e
ensaios clínicos;
Etapa 3 – Classificação e organização dos dados coletados em campo, efetuando
uma codificação das informações coletadas por meio de um banco de dados, sendo
organizadas em tabelas e planilhas eletrônicas por meio do software Microsoft Excel;
Etapa 4 – Efetuar análises estatísticas por meio do software rcomannder, version
3.4.2 (2017-09-28) - “Short Summer”, software este que serviu como base para todas as
análises e cálculos estatísticos deste estudo de caso.
Para isto, inicialmente aplicou-se os testes de normalidade e homocedasticidade
Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov, com uma significância de 0,05 nas amostras
coletadas, este teste é fundamental para definição de qual método estatístico é mais
adequado conforme suas amostragens de dados, pois conforme Gupta e Leech (2005), as
análises de normalidade é uma fase preliminar e pode proporcionar aos pesquisadores a
compreensão e o devido entendimento se sua amostragem é considerada normal ou não,
sendo que, o resultado desta análise definirá quais os testes estatísticos mais adequados
para o estudo de caso.
Após os testes de normalidades e homocedasticidade, foram aplicados os seguintes
testes estatísticos: Para as amostras pareadas e que os pressupostos foram confirmados
foi adotado o teste t Student, já no caso quando uns dos pressupostos foram feridos foi
adotado o teste Wilconxon, em todos os testes foi levado em consideração um nível de
significância de 0,05 para as análises.
Etapa 5 – Apresentação dos resultados obtidos nas análises por meio de gráficos,
tabelas, que fundamentaram as discussões e considerações finais deste estudo científico.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 15 203
RESULTADOS
Os resultados obtidos nas análises estatísticas apresentaram melhora nos itens C
(31 para 36), D (18 para 28) e por fim no item E (19 para 27), conforme representado no
quadro 01.

ITEM PRE - PACIENTE POS - PACIENTE

A - Deitar e Rolar 51 51

B - Sentar 60 60

C - Engatinhar 31 36

D - Em pé 18 28

E - Andar 19 27

Quadro 01 – Resultados das avaliações pré e pós-intervenção.


Fonte: Os Autores (2018)

Efetuando a análise estatística por meio do software r commander, para verificar


a relação de significância dos resultados de cada item do formulário GMFM, obteve-se
os seguintes resultados: Itens A e B não apresentaram melhora significativa nas duas
avaliações, tendo em vista que o paciente alcançou o escore máximo nestes dois itens. Já
no item C “Engatinhar” obteve-se uma relevância significativa de p-value de 0.01864; item
D “Em pé” p-value de 0.00003806; item E “Andar” p-value de 0.002748, demonstrando que
estes tópicos melhoraram após a intervenção fisioterapêutica no paciente, estes resultados
podem ser verificados conforme apresentado no quadro 02.

Avaliação Estatística - Formulário GMFM


Teste t Student
Teste (Pareado) Teste
Teste de Normalidade das Amostras Resultado do
Estatísticos para Amostras
Paramétricas Teste Estatístico
(Significância)
Resultado Teste de
W P-value P-value
Normalidade

A - Deitar e Rolar Erro* Erro* Não se Aplica* Não se Aplica* Erro*

B - Sentar Erro* Erro* Não se Aplica* Não se Aplica* Erro*

P-value <
C - Sentar 0.68767 0.0002761 0,05 (Dados 0.01864 Sim
Paramétricos)
P-value <
D - Em pé 0.86385 0.04332 0,05 (Dados 0.00003806 Sim
Paramétricos)

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 15 204
P-value <
E - Em pé 0.61413 0.00000030 0,05 (Dados 0.002748 Sim
Paramétricos)
* Pacientes foram avaliados com a nota máxima nos Itens A e B pré e pós intervenção, não sendo
possível efetuar testes estatísticos
Quadro 02 – Resultados Estatísticos.
Fonte: Os Autores (2018)

DISCUSSÃO
A plasticidade cerebral pode ser definida como a capacidade adaptativa do sistema
nervoso central permitindo modificações na sua própria organização estrutural e funcional.
Os mecanismos através dos quais ocorrem os fenômenos de plasticidade cerebral podem
incluir modificações neuroquímicas, sinápticas, do receptor, da membrana e ainda de
outras estruturas neurais. (AGUILAR-REBOLLEDO, 1998).
Sabe-se que os estímulos externos e as experiências vividas são os principais
mediadores para a plasticidade cerebral, que se aplica às situações em que as estruturas
cerebrais sofrem modificações para se adaptar às exigências de desempenho (cognitivo,
motor, visual, auditivo, entre outros).Para SELLA (2017), todo o processo de reabilitação
e estimulação motora acontece com base na plasticidade cerebral. Esta atua diretamente
nos resultados motores, permitindo que a cada nova experiência do indivíduo haja uma
modificação estrutural no sistema nervoso, ou seja, um novo arranjo de redes de neurônios,
tornando possível respostas diversificadas, inclusive a aquisição motora trabalhada. A
plasticidade em processos patológicos depende de fatores como, idade do individuo, local,
tempo de lesão e sua natureza (SELLA, 2017). Entende-se então que a sala multissensorial,
trabalha os cinco sentidos do corpo humano, os quais são porta de entrada para a recepção
dos estímulos, facilita a atividade cerebral, contribuindo para ocorrência da plasticidade
(SELLA, 2017).
As crianças diagnosticadas com transtorno do espectro autista são descritas como
solitárias e que se fecham para o exterior. Elas possuem uma grande dificuldade de se
relacionar de forma habitual com as pessoas e situações. De acordo com SELLA (2017) a
sala multissensorial permite e oferece oportunidades para viver experiência, construindo
uma ponte sobre as barreiras impostas pela limitação, deste modo é necessário conhecer
cada indivíduo para que o os recursos do Snoezelen sejam oferecidos com intensidade
e frequência adequada e exclusiva para cada indivíduo. O trabalho da fisioterapia com
pacientes autistas na sala tem um papel fundamental na estimulação deste indivíduo, pois
o ambiente favorece o relaxamento proporcionando um interesse maior nas realizações
das atividades e facilitando os movimentos e o aprendizado de novas habilidades. Sendo
considerado também que os ganhos no desenvolvimento que o portador de TEA adquirir, o
trabalho fisioterapêutico foi positivo, pois como esta patologia não tem cura, o trabalho de

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 15 205
estimulação desta criança é fundamental para ganhos positivos.
O objetivo deste estudo foi avaliar se o método Snoezelen pode melhorar o equilíbrio
estático e dinâmico em crianças com TEA em crianças com cinco anos e conforme os
resultados obtidos com o método, a amostra obteve melhora nos seguintes itens: C -
engatinhar (0.01864), D- em pé (0.00003806), E- no andar (0.002748). Os itens A – Deitar
e Rolar e o item B – Sentar, não tiveram alterações tanto negativas quanto positivas com a
utilização do método, pois a criança já obteve a nota máxima esperada durante a primeira
avaliação.
Com uma abordagem multidisciplinar e orientação aos pais, pode-se trazer uma
maior função e desenvolvimento aos pacientes portadores da TEA, sendo que este venha
apresentar resultados positivos de envolvimento social. É fato que a doença não tem cura,
mas com o auxílio de toda equipe no tratamento desta criança, ela terá um percentual
cognitivo e motor muito maior caso ela não tivesse a intervenção e auxilio dos profissionais
de saúde e da família.
Existem algumas divergências entre as pesquisas com enfoque no método Snoezelen
em crianças autistas, tendo como exemplo McKee (2007) que afirma que as crianças com
autismo podem desenvolver um comportamento agressivo dentro da sala, porém ressalta
que durante sua pesquisa as crianças faziam uso de medicamentos que poderiam contribuir
para a mudança de comportamento, não encontrando nenhuma evidência da eficiência do
método. Já para Botts, Hershfeldt, & Christensen-Sandfor (2008), o método demonstrou
uma melhoria do processo de concentração das crianças, tanto com danos cerebrais
quanto com incapacidades intelectuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nos estudos desenvolvidos, o método Snoezelen apresentou resultados
positivos para a criança diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista com idade
inferior a cinco anos, contudo é notável a divergência entre as pesquisas já existentes,
portanto é imprescindível que os profissionais busquem mais informações e se interessem
por mais pesquisas relacionadas aos benefícios do método Snoezelen. Sugere-se o
aumento do tempo de aplicação da pesquisa e maior número de sujeitos.

REFERÊNCIAS
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current psychopharmacological treatments and areas of interest for future developments. Rev
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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 15 207
CAPÍTULO 16
EDUCAÇÃO EM VALORES SOCIOMORAIS:
UMA REFLEXÃO SOBRE REDES SOCIAIS E
MORALIDADE

Data de aceite: 10/01/2022 educacionais podem antecipar as situações de


Data de submissão: 19/10/2021 risco pelas quais os alunos possam enfrentar,
principalmente aquelas que são intermediadas
pelas novas tecnologias como os sites de redes
sociais. Espera-se que a educação em valores
Vítor de Morais Alves Evangelista
sociomorais possa se tornar crucial na proteção
Universidade Estadual do Norte do Paraná -
aos riscos relacionados ao uso das redes sociais.
Campus de Cornélio Procópio
https://orcid.org/0000-0003-2879-751X PALAVRAS-CHAVE: Educação em valores
sociomorais; redes sociais; moralidade.
Rita Melissa Lepre
Universidade Estadual Paulista (UNESP) -
Bauru EDUCATION IN SOCIOMORAL VALUES:
https://orcid.org/0000-0002-0096-3136 A REFLECTION ON SOCIAL NETWORKS
AND MORALITY.
Aline Kadooka
ABSTRACT: The use of digital equipment and
Secretaria Municipal de Educação e Cultura
access to the world wide web have contributed to
(Sertaneja). Paraná.
increase the complexity of social relationships. If,
https://orcid.org/0000-0002-9630-0520
on the one hand, social networks have made life
easier for individuals, on the other, several risks
and problems affect their users (hyperconnection,
RESUMO: O uso de equipamentos digitais e o hypervirtuality, emotional distance, immediacy-
acesso à rede mundial de computadores têm impulsivity, cyberbullying). Some network users
contribuído para ampliar a complexidade das feel more comfortable performing virtual actions,
relações sociais. Se por um lado, as redes sometimes unnoticed, which end up perpetrating
sociais tem facilitado a vida dos indivíduos, por harassment through the networks (disrespect,
outro, vários riscos e problemas assolam os harassment, defamation, violation of privacy,
seus usuários (hiperconexão, hipervirtualidade, social exclusion). The lack of a morality that guides
distância emocional, imediatismo-impulsividade, the subjects turns out to be the main responsible
cyberbullying). Alguns usuários da rede sentem-se for the origin of these problems. Based on
mais à vontade para executar ações virtuais, por socio-moral values, educational interventions
vezes despercebidas, que acabam por perpetrar can anticipate risk situations that students may
o assédio através das redes (desrespeito, face, especially those that are mediated by new
perseguição, difamação, violação de privacidade, technologies such as social networking sites. It is
exclusão social). A falta de uma moral que oriente hoped that education in socio-moral values ​​can
os sujeitos acaba por ser a principal responsável become crucial in protecting against risks related
pela origem desses problemas. Tendo como to the use of social networks.
base os valores sociomorais, as intervenções KEYWORDS: Education in sociomoral values;

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 16 208
social networks; morality.

INTRODUÇÃO
A informatização tornou-se marca registrada do mundo contemporâneo, mas será
que estamos realmente conscientes das consequências de toda essa evolução? Os
avanços das ciências e da tecnologia fizeram emergir novas formas de comunicação que
influenciaram em diversos aspectos do mundo real e produziram inúmeros efeitos nos
sujeitos. A sofisticação dos meios de comunicação e a massificação do uso da Internet
na chamada “sociedade em rede” estão proporcionando grandes mudanças em diferentes
âmbitos da sociedade contemporânea. Por isso a investigação sobre o uso das redes tornou-
se essencial para pensar sobre as suas repercussões na humanidade, mais precisamente
por causa dos impactos imprevisíveis das tecnologias na política econômica, cultural, de
trabalho e de lazer de nossas sociedades (CABRA-TORRES E MARCIALES-VIVAS, 2011).
A comunicação além de ser essencial para o exercício da cidadania é uma das
responsáveis pelo molde da cultura (CASTELLS, 1999). Ao mesmo tempo, os meios de
comunicações foram afetados drasticamente pela evolução tecnológica, de modo que, não
apenas alterou os hábitos cotidianos, mas instaurou uma nova forma viver, o “viver online”.
Essa nova configuração cultural é marcada pela possibilidade de aparentar ser alguém,
qualquer alguém que a imaginação desejar (COLVARA, 2013).
A Web foi inventada a partir de pesquisas militares no final da década de 90, tendo
como principal contexto a Guerra Fria. Sua primeira versão tinha como objetivo principal
a comunicação e a transmissão de dados. Posteriormente, ela foi sendo aperfeiçoada
e ganhou o status de Web 2.0, após receber significativas mudanças em sua utilidade,
migrando de um simples canal de consulta e comunicação para uma plataforma interativa.
Podemos destacar nessa transição o aparecimento dos chamados Sites de Redes Sociais
Online (SRS), que são sistemas que permitem a interação de pessoas, a formação de
grupos e diversas formas de compartilhamento de informações (DE SANTANA ET AL,
2009).
Ellison et al. (2007) definem as SRSs como espaços utilizados para expressão na
Internet. Eles são diferenciados dos sites da Web por permitirem ao usuário a construção
de um perfil (persona) ou página social, interações através dos comentários e a exposição
pública de cada ator. De acordo com, Machado e Tijiboy (2005) esses sites ou softwares
sociais funcionam como mediadores sociais, já que permitem que os usuários se relacionem
com outras pessoas no ambiente virtual, além de proporcionar a experiência de partilha, o
aglutinamento de pessoas através de interesses comuns e a discussão de vários temas.
Esses sites se multiplicam a cada dia na WEB, em contínuo movimento de mudança, cada
um com objetivos e recursos específicos, mas no geral, as redes de relacionamentos
virtuais visam impulsionar as relações humanas, oferecendo ao outro a oportunidade de

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 16 209
observarem através de suas publicações, um pouco do seu cotidiano. Essa sofisticação
dos meios de comunicação, não alterou apenas os hábitos cotidianos, mas criou uma nova
ideia de espaço.
Para Silverstone (2013) e Avilés (2010, 2013a, 2013b, 2015), o uso indiscriminado
dos sites de redes sociais podem ter consequências prejudiciais ou benéficas, dependendo
principalmente da forma como é utilizada por seus diferentes atores. Se por um lado, as
redes sociais tem facilitado a comunicação entre os indivíduos, superado a barreira da
distância e do tempo e aumentado a nossa rede de contatos, trazendo assim, melhorias
na aprendizagem, troca de informações, amizades; por outro, vários riscos e problemas
assolam os seus usuários. O uso indiscriminado e descontrolado da rede tem contribuído
para o surgimento de: dependência, vícios, hiperconexão, hipervirtualidade, distância
emocional, imediatismo-impulsividade, agressividade, diminuição do desempenho escolar,
cyberbullying, entre outros. Além disso, também tem contribuído para o agravamento e
crescimento exponencial de velhos problemas que tradicionalmente eram desenvolvidos
somente através da interação face-a-face (Ex.: Violências e Violências Virtuais; Bullying e
Cyberbullying;). Alguns usuários da rede, encobertos pela sensação de proteção advinda
do estar em ambiente virtual, sentem-se mais à vontade para expressarem as suas opiniões
e sentimentos ou executar ações, por vezes despercebidas, que acabam por perpetrar o
assédio através das redes. Estas formas de assédio tomaram várias formas: desrespeito
(enviando mensagens e/ou divulga publicações ofensivas ou vulgares), perseguição (envio
de mensagens ameaçadoras), difamação (espalhando rumores), violação de privacidade
(divulgação de segredo ou imagens), exclusão social (exclusão deliberada de pessoas ou
grupos na rede), representação (envio de mensagens maliciosas passando se por outra
pessoa).
A ideia de que os adolescentes enfrentam uma série de riscos na Internet, tornou-
se um tema frequente de pesquisas em psicologia, educação, sociologia, etc (CABRA-
TORRES E MARCIALES-VIVAS, 2011; PRIOESTE, 2013; SILVERSTONE, 2013; AVILÉS,
2010, 2013a, 2013b, 2015). Tais pesquisas foram motivadas pelo aumento e o uso
indiscriminado das novas mídias, em que os adolescentes são usuários mais intensos, já
que 65% se conectam todos os dias da semana e permanecem conectados em média 5h51
diariamente (BRASIL, PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA, 2015).
Cabra-Torres e Marciales-Vivas (2011) ressaltam a preocupação e o medo dos
pais no cuidado com os seus filhos em relação às mudanças dos meios de comunicação,
especialmente a Internet, pois o seu uso é de difícil controle e tem facilitado o acesso a todo
tipo de conteúdo para adolescentes de todas as classes sociais e idades.
Se existe uma dificuldade de supervisão das ações dos adolescentes no ambiente
virtual ela pode ser explicada pelo fenômeno “nativos digitais”. Tal terminologia foi
cunhada por Marc Prensky (2001) para designar todos àqueles que já nasceram no mundo
online e são “falantes nativos” da linguagem digital. Para Belloni e Gomes (2008), esse

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 16 210
fenômeno estaria provocando um período de subversão da relação tradicional entre adulto
e adolescente. O cenário atual seria este: As gerações adultas, ou os não nativos digitais,
não conseguiriam ou teriam dificuldades de acompanhar e se apropriar dessas novas
tecnologias. Esse contexto causaria, de acordo com os autores, um abismo técnico ou um
conflito de gerações, marcados por incompreensões e uma incomunicabilidade maior que
as que assolaram as gerações precedentes.
É importante ressaltar a adolescência como um período marcado por grandes
mudanças e vulnerabilidades, já que é nela que ocorre a transição entre a infância e a
fase adulta. É reconhecida também por ser o momento de desprendimento de uma fase de
dependência, vulnerabilidades e prematuridade para encaminhar-se para o desenvolvimento
da autonomia e para a formação de uma nova forma de subjetivação. (ABERASTURY E
KNOBEL, 1988).
Entre as mudanças próprias da adolescência está a transformação na forma
de raciocinar. Calligaris (2000) afirma que durante aproximadamente os doze anos,
os adolescentes integram a nossa cultura assimilando e adquirindo a capacidade de
compreender a função das regras e valores que são compartilhadas pela comunidade.

MORALIDADE E EDUCAÇÃO EM VALORES SOCIOMORAIS


Para Piaget (1972) no período da adolescência serão consolidadas as estruturas
das formas finais do pensamento, pois é por volta dos 12 anos de idade que ocorre a
passagem do pensamento concreto para o pensamento formal ou hipotético dedutivo, e
é a partir daí que o sujeito adquire a capacidade de pensar abstratamente; ou seja, as
operações lógicas passam do plano da manipulação concreta para o plano das ideias, das
hipóteses, do pensamento abstrato. Com o pensamento liberto das limitações da realidade
concreta, os sujeitos tornam-se capazes de elaborar e construir teorias abstratas, além de
serem capazes de refletir sobre causas e consequências. Tal modificação é que permite ao
adolescente sua integração moral e intelectual à sociedade dos adultos.
Piaget trouxe contribuições fundamentais para o estudo da moral. La Taille (1994)
destaca o pioneirismo do mesmo, citando o livro O juízo moral na criança, de 1932, como
“um marco na história da reflexão humana sobre a moralidade” (LA TAILLE, 1994, p.10).
Neste livro, Piaget relata várias pesquisas que realizou indo a campo, entrevistando
crianças de diferentes idades a respeito de diversos aspectos do desenvolvimento moral,
a fim de entender do ponto de vista da própria criança, o que vem a ser o respeito à regra.
Esta obra é considerada referência para os estudos sobre moralidade.
De acordo com Freitag (1990) e Menin (1999), Piaget sofreu uma forte influência
do filósofo alemão Immanuel Kant, em sua teoria da moralidade. Kant discute a existência
de duas grandes tendências morais: a heteronomia, que significa ser governado por outros
sem questionamento às regras impostas, pelo medo à punição ou visando o bem estar

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 16 211
e o interesse próprio; e a autonomia, que requer uma descentralização, de forma que,
fundamentando-se no Imperativo Categórico, o sujeito seja capaz de se colocar no lugar
do outro para agir moralmente de acordo com o bem. (MENIN ,1999)
O cerne da teoria moral de Piaget coincide com a de Kant e embora, Piaget concorde
com Kant que possa haver no indivíduo duas tendências morais (autonomia e heteronomia)
distingue-se do filósofo, mostrando que durante o desenvolvimento da criança, estas duas
morais são construídas e a evolução de uma sobre a outra estará sujeita a uma infinidade
de fatores, notadamente os que dizem respeito às formas de relações sociais que a criança
está submergida (MENIN, 1999).
Na perspectiva piagetiana o desenvolvimento da moralidade, ou seja, a passagem
da heteronomia para à autonomia, dependeria, num primeiro momento, de relações
assimétricas, do exercício da autoridade por parte dos educadores. Sem elas, com efeito,
não seria possível que a criança entrasse no que podemos chamar de mundo moral. Uma
vez desenvolvido este senso moral durante a fase de heteronomia, o desenvolvimento
moral prosseguiria rumo à autonomia, notadamente graças às relações de cooperação
entre os indivíduos (LA TAILLE, 2002).
Nos estudos sobre a psicogênese da moralidade humana, o mesmo utilizou os
dilemas morais como principal instrumento de pesquisa, o intuito era que a criança, após
ouvir a narrativa, expressasse o seu julgamento dos atos cometidos. Ele embasou a sua
técnica em observações detalhadas de experiências e inquéritos com crianças de diferentes
idades. Dessa maneira ele foi capaz de observar as concepções que as crianças possuíam
sobre as regras dos jogos, o respeito pelas regras, a mentira, o roubo e a justiça.
De forma resumida diríamos que Piaget (1932/1994) ao abordar a questão do
respeito da criança pelas regras, elencou que há dois tipos de respeito e, consequentemente,
duas morais, uma moral da coação ou moral do dever, vinda de um respeito unilateral, que
são ordens devidas ao adulto e aceitas pela criança, essencialmente heterônoma; e uma
moral da cooperação ou da autonomia, em que as regras passam a ser interiorizadas e
não dependentes somente da coação adulta, mas são orientadas pelo respeito mútuo,
cooperação e reciprocidade.
Ao falarmos da moral do dever, remetemo-nos ao estudo da noção de justiça das
crianças, pois ela também a permeia. De acordo com Menin (1999) as crianças menores
entendem por mais justo aquilo que foi ordenado por uma autoridade, mesmo que esse
comando derive em tratamento desigual ou injusto. O desenvolvimento moral, no quesito
justiça, dependeria então do inicio da primazia da igualdade sobre a autoridade, em que a
lei se aplicasse igualmente a todos e todos teriam os mesmos direitos.
Contudo, Piaget ressalta que para compreender a moralidade deveríamos nos
ater a questão do respeito, já que o respeito é o sentimento fundamental para nortear a
moral. Buscando achar respostas para a questão da influência respeito ao desenvolvimento
da autonomia moral, Piaget (1932/1994) deixa claro que o valor de uma ação ou um

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 16 212
julgamento moral não está ligado às regras que se respeita, mas de que forma estas regras
são respeitadas. O respeito que a criança constrói pela regra e pela pessoa que a transmite,
justifica o valor moral do ato ou do juízo e é com base nesse respeito que a criança evolui
moralmente.
A compreensão de que a sociedade não é homogênea e que as relações podem
ocorrer de diferentes formas, é um fator primordial para entendermos a moralidade (PIAGET,
1932/1994). Existem, então, as relações ditas coercitivas (em que um indivíduo considerado
superior exerce sua autoridade de forma coercitiva sobre um indivíduo considerado inferior);
e as relações de cooperação (em que os indivíduos se tratam como iguais e se ajudam
mutuamente). Estas duas formas de relação social conduzem a resultados diferentes.
Do respeito unilateral coercitivo, então, resulta uma forma de juízo moral heterônoma,
já do respeito mútuo advindo das relações de cooperação resulta, então, no juízo moral
autônomo.
Piaget, nessa temática, trabalhou com crianças de até 11 anos, o que incitou
o psicólogo Lawrence Kohlberg e sua equipe a desenvolver uma teoria sobre o
desenvolvimento do Raciocínio Moral de adolescentes e adultos. Biaggio (2006) elucida
que em relação aos estágios de moralidade, Kohlberg se aproxima de Piaget ao perpassar
a dimensão de heteronomia-autonomia, entretanto, Kohlberg (1992) chegou à conclusão de
que os conceitos de heteronomia e autonomia, propostos por Piaget (1932/1994), não eram
suficientes para classificar os tipos de raciocínio moral que ele encontrou em adolescentes
e adultos. Kohlberg (1992) apresenta então uma conceituação mais precisa e discriminada
desses estágios, utilizados para classificar e categorizar todos os tipos de raciocínio moral
(LEPRE, 2005). Com base nisso, propõe a existência de seis estágios de raciocínio moral,
os quais podem ser agrupados em três níveis: o pré-convencional, o convencional e o pós-
convencional, em que cada nível pode ser subdividido em dois, perfazendo um total de seis
estágios:
I) Nível pré-convencional: característico da maioria das crianças até por volta dos
9 anos de idade, baseado em necessidades individuais. Onde estão contidos os estágios:
Estágio 1 – Orientação para a punição e a obediência: o moralmente correto é aquele que
não é punido; Estágio 2 – Hedonismo Instrumental Relativista: a ação moralmente correta
é baseada em termos do prazer ou da satisfação das necessidades da pessoa.
II) Nível convencional: baseado no desempenho correto de papéis e no
atendimento de expectativas. Subdividido em: Estágio 3 – Moralidade do bom garoto, de
aprovação social e relações interpessoais: o comportamento moralmente certo é pautado
na aprovação do outro; Estágio 4 – Orientação para lei e ordem: existe um grande respeito
pela autoridade, por regras fixas e pela manutenção da ordem social. Deve-se cumprir o
dever.
III) Nível pós-convencional: moralidade por princípios universalizantes. Composto
por: Estágio 5 – Orientação para o contrato social: as leis não são consideradas válidas

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 16 213
pelo mero fato de serem leis, admitem que elas podem ser injustas e devem ser mudadas;
Estágio 6 – Princípios universais de consciência: o indivíduo reconhece os princípios
morais universais da consciência individual e age de acordo com eles. Se as leis injustas
não puderem ser modificadas o indivíduo resiste ao invés de se conformar com o poder
estabelecido e com a autoridade.
É importante ressaltarmos o paralelismo existente entre o desenvolvimento
cognitivo e o desenvolvimento do raciocínio moral. Ou seja, o desenvolvimento de um
raciocínio moral avançado dependeria de um raciocínio lógico avançado. Dessa forma
entendemos que só estariam aptos a construírem um raciocínio moral autônomo, do nível
pós-convencional (estágios 5 e 6) aqueles que já estivessem alcançado o pensamento
operatório formal. No entanto, devemos estar atentos que embora essa condição seja
necessária, ela não é suficiente, já que vários indivíduos apresentam um estágio lógico
mais alto que seu estágio moral, mas nunca um estágio moral mais alto que seu estágio
lógico (LEPRE, 2005).
La Taille (2002) embora não discuta a questão da moral no contexto virtual das
redes sociais online, faz importantes apontamentos sobre a questão dos limites morais
dentro da área da educação. Sua aproximação com o tema se deu através dos crescentes
questionamentos sobre a falta de limites dos jovens na atualidade. Para o autor quando
citamos a palavra “limites” possivelmente seriamos levados a pensar na questão do
monitoramento ou do controle parental, já que constantemente o termo é empregado
dentro do campo da psicologia moral como obrigação, proibição ou restrição de liberdade,
em outras palavras, diríamos que é aquilo que denominamos como dever. Sabe-se que os
deveres morais representam uma necessidade intrínseca para o convívio em sociedade,
por isso desde os primórdios da civilização os limites restritivos permeavam a educação
infanto-juvenil. Eram comuns o respeito pela autoridade, a obediência e a disciplina, que
sempre foram necessários sim, em um primeiro momento, para o desenvolvimento moral.
De acordo com o autor, atualmente, os pais possuem dificuldades na hora da impor limites,
pois têm medo de serem taxados como autoritários. Tal temor os influenciaria a não expor
claramente as questões da existência dos deveres e dos limites, e como resultado as
crianças e os jovens não reconheceriam a existência de regra alguma (anomia).
Parece que de fato ainda há valores morais nos adolescentes, no entanto, o
conteúdo dos valores está se modificando, de morais, por valores estranhos ou até
contrários à moralidade. Prevalece nesses adolescentes um senso de justiça individualista
ou no máximo estendido às suas relações afetivas, já que 76% dos participantes disseram
que não generalizariam os valores para qualquer ser humano. Isso nos demonstra que a
geração atual, reflete de maneira heterônoma e restringem a moral à esfera privada em
detrimento da dimensão pública (TOGNETTA; VINHA, 2009).
Além dessa, outras pesquisas (SHIMIZU, 2002, 2004; LEPRE, 2005; RIQUE et al.,
2013; KADOOKA, 2015) apontam o baixo nível do raciocínio moral dos adolescentes e

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 16 214
sugerem a necessidade de estudos ou intervenções que tenham como meta auxiliar no
desenvolvimento da autonomia moral ou propiciar que esses jovens alcancem estágios
mais elevados de raciocínio moral. Nessas pesquisas o estágio 4 (nível convencional)
prevalece na população jovem e adulta, e, em termos de Educação Moral, isso não é o
que se almeja.
José María Avilés Martínez, psicólogo e professor da Universidad de Valladolid,
têm se dedicado à pesquisa da convivência escolar, intimidação entre iguais, bullying e
ciberbullying. Para o autor, a falta de uma educação moral na vida do sujeito, acaba por ser
a principal responsável pela origem da prática de atitudes de desrespeito ao próximo, seja
ela em forma de violência, injustiça ou descumprimento de regras (AVILÉS, 2013a, 2013b,
2015). Após as suas pesquisas ele lança um Programa Educativo denominado de PRIRES
(Programa de Prevenção de Riscos nas Redes Sociais), que tem como principal objetivo
por em prática uma intervenção em educação moral.
Essa nova realidade de relações interpessoais, explicitadas pelas inúmeras formas
de interação virtual, trazem para o horizonte novos desafios contemporâneos que devem
ser compreendidos e analisados, tornando imprescindível acompanhar o desenvolvimento
dessas novas formas de ser no mundo, trazendo à roda debates fecundos para o
desenvolvimento de novas abordagens sobre o tema.
Para Biaggio (2006) a ética como transversal no currículo escolar (permeando todas
as disciplinas), conforme apresentada nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério
da Educação e Cultura (1998), representou um ponto de partida extremamente positivo
para a educação moral no Brasil, pois tornava todos os professores responsáveis pela
formação moral, trazendo a ética não como uma disciplina estanque, mas transpassando
todas as disciplinas do currículo. Contudo, em uma análise sobre projetos nacionais
envolvendo a educação em valores sociomorais desenvolvidos em escolas públicas de
ensino fundamental II (6º a 9º ano) e ensino médio, Menin et al. (2017) constataram que a
grande maioria dos projetos são iniciativas isoladas, com finalidades morais pouco claras,
ou direcionadas mais ao controle disciplinar dos alunos do que à construção de valores.
Segundo Buxarrais (1997) existem três modelos de educação moral, que se
diferenciam em termos metodológicos e principalmente, pelos seus objetivos. O primeiro
modelo é baseado em valores doutrinadores e absolutos, como, por exemplo, a educação
religiosa e a disciplina “Educação Moral e Cívica”. Já o segundo, trata-se de modelo
laissez-faire baseado no relativismo e tende a considerar os valores como subjetivos e,
portanto, adota uma postura neutra diante dos problemas emergentes. Já o terceiro, é um
modelo baseado na construção de valores morais, e fundamental às instituições escolares.
a temática dos valores sociomorais deve ser objeto de reflexão da escola, direcionando a
educação para a autonomia e consequentemente a formação de sujeitos críticos condizente
com o objetivo da educação moral nas escolas; orientada por princípios fundamentais como
dignidade, empatia, solidariedade, respeito mútuo, justiça, de modo que as aprendizagens

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 16 215
possam ser vivenciadas, exploradas, discutidas e refletidas. Dessa forma, a educação em
valores sociomorais pode se tornar crucial na proteção aos riscos relacionados ao uso
das redes sociais como: privacidade, falta de segurança, sexting, bullying e cyberbullying,
dentre outros. Tendo como base os valores sociomorais, a educação deve tentar antecipar
as situações de risco pelas quais os alunos possam passar e enfrentar, principalmente nas
relações intermediadas pelas novas tecnologias. Dessa forma, a construção e discussão
dos valores sociomorais devem ser colocadas como como emergenciais tendo em vista
o grande número de casos na sociedade em que a incivilidade, intolerância e a violência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ressaltamos que a intervenção em educação moral deve ter como meta educativa
a elaboração de programas com vistas a transformar situações de risco, conflito, violência
ou comportamentos antissociais em realidades pessoais e sociais mais saudáveis e
moralmente aceitas. Mas para que tal intervenção seja efetiva, não devemos analisar a
escola como um microcosmo isolado, pois ela faz parte da sociedade, além de possuir o
papel de educar para a resolução de conflitos morais, que têm crescido nos últimos anos.
Essencialmente, porque os modelos de relação se modificaram, a sociedade está mudando
e a escola não respondeu com a mesma velocidade. Vivemos em um mundo digitalizado,
informatizado, das imagens, e na educação ainda são utilizadas regras e metodologias de
épocas anteriores. Tal fato causa uma desconexão, um desinteresse acadêmico e muitos
dos problemas dos quais os professores frequentemente se queixam.
É importante que todos entendam que o virtual não é menos real, e por isso, exige
menos responsabilidade. No ciberespaço também é preciso regras, princípios, normas e
valores condizentes com um compromisso moral, respeito e tolerância.
É preciso compreender que a tolerância não é, em nenhum caso, a
consequência natural do relativismo moral, como frequentemente se diz. A
tolerância tem como fundamento uma convicção moral muito determinada
para qual exige a universalidade. Ao contrário o relativista moral pode se
perguntar: “por quê eu deveria ser tolerante?” Minha moral me permite a
violência e a intolerância (SPAEMAN, 1994, p.23)

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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 16 219
CAPÍTULO 17
OS (DES)CAMINHOS DA ADOÇÃO NO BRASIL: OS
DIREITOS DA CRIANÇA E SUAS RESPECTIVAS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO: UM RELATO
DE CASO

Data de aceite: 10/01/2022 de Adoção e Acolhimento (SNA) e a realidade


Data de submissão: 19/10/2021 da ausência, ineficiência ou insuficiência do
Estado em muitas localidades Brasil afora, são
parte deste cenário. A (não rara) anulação da
voz da criança e a (igualmente não rara) violação
Patrícia Panisa
de seus direitos tidos como fundamentais são
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
realidades facilmente constatáveis por quem
– PUC-SP, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia Social está em campo.
São Paulo - Brasil PALAVRAS-CHAVE: Infância; Adoção; Direitos
http://lattes.cnpq.br/0092693244062722 Humanos.

Marco Antonio de Oliveira Branco


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo THE (MIS)LEADING PATHS TO
– PUC-SP, Programa de Pós-Graduação em ADOPTION IN BRAZIL: CHILDREN’S
Psicologia Social RIGHTS AND THEIR RESPECTIVE
São Paulo - Brasil PUBLIC POLICIES: A CASE STUDY
http://lattes.cnpq.br/0662648885438705 ABSTRACT: The present work is, from the report
of a case, an invitation to some reflections on the
Isaac Vitório Correia Ferraz
adoption theme and its complexities. The length
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
of procedures to remove family power, regional
– PUC-SP, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia Social discrepancies and between adoptive and adoptive
São Paulo - Brasil profiles, the lack of shelters and specialized care
http://lattes.cnpq.br/0977287764330038 services that could guide and welcome women
who can not stay with their children, the distance
that separates the Registration of Applicants for
Adoption of the National Adoption and Reception
RESUMO: O presente trabalho é, a partir do System (SNA) and the reality of the absence,
relato de um caso, convite a algumas reflexões inefficiency or insufficiency of the State in many
acerca do tema adoção e suas complexidades. places in Brazil, are part of this scenario. The (not
A morosidade dos procedimentos de destituição infrequently) voidness of the child’s voice and the
do poder familiar, as discrepâncias regionais (equally not uncommon) violation of their rights
e entre perfis de adotantes e adotandos, a considered as fundamental are realities easily
inexistência de abrigos e serviços de atenção established by those who are in the field.
especializada que pudessem orientar e acolher KEYWORDS: Childhood; Adoption; Human
mulheres que não podem ficar com seus filhos, Rights.
a distância que separa o ‘dever ser’ do Cadastro
de Pretendentes à Adoção do Sistema Nacional

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 17 220
1 | INTRODUÇÃO
A história da criança costuma ser uma história de dor. De um longo e árduo caminho
para que se reconhecesse, nela, uma pessoa em desenvolvimento, dotada dos mesmos
direitos de personalidade de um adulto (ARIÈS, 2016).
Da Convenção Internacional de Direitos da Criança extraem-se, como categorias
dos direitos dos pequenos, os de “provisão”, “proteção” e “participação” (SOARES, 2017).
No tocante a este último (direito de participação), a previsão do Artigo 12 é bastante clara
ao estabelecer o direito da criança de expressar as suas opiniões, ser ouvida e tomar parte
de todo e qualquer processo judicial ou administrativo, que a afete (ONU, 1989).
O Brasil recepcionou, por força do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990,
a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (BRASIL, 1990b). Naquele mesmo ano
e no mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990a), em
consonância aos fundamentos estabelecidos na Constituição Federal (BRASIL, 1988), já
nas disposições preliminares traz a adoção dos princípios da Proteção Integral e do Melhor
Interesse como os nortes para qualquer intervenção (judicial ou extrajudicial) que atingisse
a criança.
Quase vinte anos depois, a Lei nº 12.010/2009 tem por objeto dispor “sobre o
aperfeiçoamento da sistemática para garantia do direito à convivência familiar a todas as
crianças e adolescentes, na forma prevista na lei 8069/90” (BRASIL, 2009).
Fazem parte deste escopo: i) as medidas de afastamento da criança de seu convívio
familiar, bem como o planejamento e ação para a sua reinserção, superada a causa que
motivou o afastamento; ii) as medidas de destituição do poder familiar e verificação de
viabilidade de permanência da criança na família extensa; iii) colocação da criança em
família substituta.
O discurso formal é, por todos os agentes em campo (juízes, promotores, psicólogos,
assistentes sociais), o de sempre proteger a integridade e o melhor interesse da criança.
A se julgar, todavia, pelas práticas sociais e judiciais, o descompasso é evidente. Como, à
guisa de exemplo, no relato do caso trazido para reflexão.

2 | O CASO
B. é uma menina que nasceu no dia 29 de maio de 2014, no município de Tutoia,
Estado do Maranhão, localidade que não conta com serviço de assistência especializada
ou instituição de acolhimento (anteriormente denominada de abrigo).
Sua genitora biológica é trabalhadora rural e mãe de outros filhos. De genitor
biológico desconhecido, B. foi entregue pela mãe a um casal, regularmente habilitado no
Cadastro de Pretendentes à Adoção do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA
(antigo Cadastro Nacional de Adoção - CNA), 3 (três) dias após o nascimento. R, o homem,
então, a registra como sua filha.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 17 221
A vida segue tranquilamente até o momento em que M., a mãe, ingressa com pedido
de adoção unilateral de B. Cruzados os dados da ação de adoção unilateral com aqueles
constantes do pedido de habilitação e, diante dos indícios de “adoção à brasileira” de B.
pelo casal R. e M., é proposta, pelo Ministério Público, a medida de afastamento da criança,
cuja busca e apreensão fora efetivamente levada a efeito quando ela contava com 2 (dois)
anos e 1 (um) mês de idade.
Concomitantemente, diante dos indícios da prática de crime, o Ministério Público
requer a instauração de Inquérito Policial contra o casal, sendo, ainda, determinada
judicialmente a suspensão de R. e M. do Cadastro de Pretendentes à Adoção do Sistema
Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA, e dando-se início à Medida de Proteção da
criança.
Do Plano Individualizado de Atendimento (PIA), R. e M. nunca tomaram parte, não
foram avaliados por psicólogos ou assistentes sociais, muito embora, no PIA da criança,
tenha sido constatado seu sofrimento psíquico e expresso que, muito tempo depois, ela
‘não entendia as razões de seu abrigamento’.
A coautora deste trabalho assumiu a condução do caso na qualidade de advogada
em abril de 2018, a 2 (dois) meses de completar 2 (dois) anos de institucionalização da
criança, e pouco tempo antes da medida de afastamento ter tido seu desfecho com trânsito
em julgado, desfavoravelmente ao casal com quem a criança convivera na posse do estado
de filha durante pouco mais de 2 (dois) anos.
Modificada a estratégia de defesa, e solicitada a reinserção familiar da criança, com
base na realidade atual (criança em idade com queda acentuada das possibilidades de
adoção, período prolongado de institucionalização etc), a petição inicial fora indeferida de
plano pelo juízo de origem. Malgrado o Ministério Público, revendo posicionamento anterior,
manifestou-se no sentido de que sejam realizados estudos psicossociais com a criança e
com os ‘adotantes’, com vistas a se constatar a permanência de vínculos afetivos, mesmo
diante da descontinuidade de contato desde o momento da institucionalização.
As violações de direitos da criança em questão foram denunciadas ao Conselho
Nacional do Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Comitê Interamericano
de Direitos Humanos.
No processo judicial foi interposta apelação contra o indeferimento liminar do pleito
de reinserção familiar. O caso ainda teria longa tramitação até que fosse reconhecido
pelo Superior Tribunal de Justiça, a necessidade de realização de estudo psicossocial
com aqueles que haviam sido referências parentais para a criança anteriormente ao seu
acolhimento. Nesta ocasião, todavia, a criança que passara mais de dois anos acolhida,
havia sido entregue sob “guarda provisória” a casal pretendente à sua adoção, o que
conferia contornos ainda mais densos ao complexo caso.
Realizado o estudo com os dois núcleos familiares e com a criança, ratificou-
se o sofrimento por que ela havia passado e que, naquele momento, a medida que

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 17 222
melhor tutelaria seus interesses, seria a permanência com o novo núcleo, com o qual,
aparentemente, havia estabelecido vínculos.

3 | REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
O presente trabalho foi desenvolvido por relação dialógica e interdisciplinar entre
os referenciais teóricos provenientes do Direito, Psicologia e Sociologia da Infância,
estabelecendo-se a relação entre as referências bibliográficas que abordam as temáticas
ligadas à criança, infância, direitos e políticas públicas, e sua aplicação em campo. Em
especial, como no caso, em situação que envolve uma prática vedada pelo ordenamento
jurídico pátrio e que, apesar disso, não pode servir de anteparo para a perpetuação de
violação de direitos fundamentais da criança, sob a rubrica de que se o faz para protegê-la.

4 | RESULTADOS
No Brasil, a adoção se revela como um dos temas mais delicados e mais complexos
na tutela de crianças e adolescentes, por razões multifatoriais.
Quase uma década após a promulgação da Lei nº 12.010/2009, ainda nos debelamos
com questões de variada ordem, dentre as quais, destacam-se a heterogeneidade relativa
à efetivação de políticas públicas destinadas à tutela de crianças e adolescentes, quer
no tocante às suas vivências em família natural ou extensa, quer relativamente à sua
colocação em família substituta.
No caso relatado, a criança nasceu em local com um dos piores índices de
vulnerabilidade social do país, onde não havia qualquer serviço de atenção especializada
à criança ou instituição de acolhimento, de tal sorte que, muito provavelmente, ela jamais
comporia as estatísticas das quase 30.000 registradas em instituições de acolhimento no
país (CNJ, 2021).
O casal que a acolheu representava, para ela, a única referência de família que teve
durante pouco mais de 2 (dois) anos, razão, todavia, que parece não ter sido considerada
nem por ocasião de sua institucionalização, nem nas decisões judiciais que se seguiram
e que a mantiveram acolhida institucionalmente, após o período máximo a que faz alusão
o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Entre a proteção da integridade e melhor
interesse da criança e a aplicação rigorosa da lei como cobro à prática da adoção à
brasileira, prevaleceu a última.
De um lado, a observância da ordem cronológica estabelecida pelo Cadastro de
Pretendentes à Adoção é desejada como mecanismo de homogeneização da sistemática
relativa à adoção, mas não pode ser encarada de modo irrestrito, sob pena de solapar-se
direitos à categoria a que se aspira proteger prioritariamente.
De outro lado, as carências ainda enfrentadas no que concerne à efetivação de

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 17 223
políticas públicas destinadas às famílias e crianças, constituem importante desafio que
não pode ser desprezado ou negligenciado na circulação de discursos normativos ou
teóricos quando destinados a resolver, em campo, as situações que emergem de contextos
familiares diversos, nos quais, os direitos da criança, em especial, aqueles relacionados ao
seu completo bem estar físico, cognitivo e emocional, e ao desenvolvimento no seio de um
lar (natural ou por formação de laços socioafetivos), devem ser prestigiados com respeito
ao modo como ela própria, e por sua própria perspectiva, possa significá-los.
Sem dúvida, as políticas públicas para crianças e adolescentes no Brasil nas últimas
décadas tem apresentado um movimento de evitar a institucionalização prolongada do
público infanto-juvenil, prática recorrente antes da vigência do ECA, seja em razão de
abandono ou prática de atos infracionais.
Neste cenário, era comum crianças e adolescentes institucionalizados permanecerem
por longos anos nesta condição, tendo seus laços afetivos com a família e comunidade
enfraquecidos ou rompidos.
Com a vigência do ECA e a inauguração da chamada Doutrina da Proteção Integral,
as políticas públicas vão sendo alteradas para garantir direitos humanos às crianças e
adolescentes, dentre eles a convivência familiar e comunitária (ELIAS, 2015). Contudo,
ainda atualmente há muitas crianças que crescem em instituição de acolhimento, chegando
a completar a maioridade.
Isto acontece em parte porque o Estado e a sociedade são ineficientes em garantir
que todas as crianças convivam em família. Muitas crianças acolhidas institucionalmente
não apresentam o perfil pretendido pelos adotantes. A maioria das crianças disponíveis
para adoção têm mais de cinco anos de idade, muitas são negras e pertencentes a grupos
de irmãos. Já o perfil pretendido pela maioria dos adotantes é de crianças muito jovens (até
três anos de idade) e parecidas fisicamente com eles (a maioria dos pretendentes à adoção
se autodeclara como branca), além de preferirem apenas uma criança. Este descompasso
é caracterizado por Weber (2011) como o conflito entre adoção clássica e adoção moderna.
A modalidade clássica privilegia o interesse dos adotantes, e continua sendo prevalente
no Brasil, enquanto a adoção moderna privilegiaria o interesse dos adotados, buscando a
melhor família para eles.
O resultado do conflito acima é que há 32.826 pretendentes à adoção no SNA e
4.234 crianças e adolescentes disponíveis para adoção em outubro de 2012 (CNJ, 2021).
No entanto, o número de crianças acolhidas institucionalmente no Brasil não diminui
significativamente pela via da adoção, pelo descompasso ora citado.
Neste cenário, algumas famílias vão praticar o que se convencionou chamar da
“adoção à brasileira”, isto é, a adoção feita fora do previsto na legislação, não cumprindo
os trâmites de um processo judicial regular. Esta prática tem sido combatida no país com
o intuito de evitar o cometimento de crimes como a venda de crianças, por exemplo, ou
situações familiares constituídas sem os devidos cuidados, o que pode ser prejudicial às

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 17 224
crianças.
O caso que analisamos traz um dilema para o Sistema de Justiça: como atender o
melhor interesse da criança? Sendo certo que a criança foi inserida na família substituta à
margem dos trâmites legais, a única alternativa seria a responsabilização criminal destes
pais e a institucionalização da infante? Considerando as enormes possibilidades dessa
criança não ser adotada por algum pretendente, por não apresentar o perfil amplamente
desejado, que alternativas ela teria para estabelecer laços de afeto familiares extremamente
importantes para seu desenvolvimento?
Entendemos a relevância fundamental do Cadastro de Pretendentes à Adoção
do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA, e o acompanhamento jurídico e
psicossocial das adoções, justamente por saber que o estabelecimento de vínculos afetivos
que sejam capazes de proteger crianças e adolescentes e constituir uma relação familiar
entre pessoas sem ligação consanguínea devem ser cuidadosamente observados, na
perspectiva de garantir os melhores benefícios para tais infantes. Assim, evidentemente
a adoção fora dos trâmites legais não deve ser incentivada. No entanto, há situações em
que o vínculo afetivo foi assim estabelecido, em condições informais, e pode ser a única
alternativa viável de cuidados de uma criança em um contexto familiar protetor. Parece-nos
que negar à criança essa possibilidade de convivência não é atender seus interesses, e
consequentemente não atender ao espírito legal e social do ECA.

REFERÊNCIAS
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Janeiro: LTC, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.


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de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga
dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras providências.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm. Acesso em 18
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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 17 226
CAPÍTULO 18
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO
PROGRAMA “EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIREITO
À DIVERSIDADE” COMO POLÍTICA PÚBLICA DE
DESCENTRALIZAÇÃO

Data de aceite: 10/01/2022 professores e gestores para a atuação com


Data de submissão: 18/10/2021 estudantes em suas diferentes necessidades
educacionais, como consta nos resultados.
PALAVRAS-CHAVE: Educação inclusiva,
Formação de professores, Políticas públicas.
Marcella Suarez Di Santo
Descentralização.
Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Goiás -IFG/Câmpus Valparaíso
Brasília/DF
TEACHERS’ TRAINING IN THE
http://lattes.cnpq.br/5105640665300559
“INCLUSIVE EDUCATION: RIGHT TO
https://orcid.org/0000-0002-6769-9800
DIVERSITY” PROGRAM AS A PUBLIC
DECENTRALIZATION POLICY
ABSTRACT: This work presents the public policy
RESUMO: Este trabalho apresenta a política of school inclusion through multiplication model
pública de inclusão escolar a partir da formação in teachers and school managers’ training, in
de professores e gestores no modelo de particular the results of the Inclusive Education
multiplicação, em especial os resultados Program: right to diversity – IEPRD, promoted by
do Programa Educação Inclusiva: direito à the Ministry of Education – MEC. This program
diversidade - EIDD, fomentado pelo Ministério aimed to train teachers and managers in the
da Educação – MEC. Este programa tinha por public education as part of actions to strengthen
objetivo realizar a formação de professores inclusive educational systems. Through
e gestores da rede pública de educação documental and bibliographic analysis, despite
como partes das ações de fortalecimento dos being a technical and financial support program,
sistemas educacionais inclusivos. Por meio we concluded that there was a considerable
de análise documental e bibliográfica, em investment to induction an inclusive education
que pese se tratar de um programa de apoio policy in Brazil, however, different challenges
técnico e financeiro, concluímos que houve um are stablished, as: difficulties identified by the
investimento considerável para a indução de management as lack experience in financial
uma política de educação inclusiva no Brasil, no transfer and accountability, logistical difficulties in
entanto, diferentes dificuldades identificadas pela organizing training meetings, or even lack of local
gestão como falta de experiência no repasse political support. Since the implementation of the
financeiro e prestação de contas, dificuldade program in 2003, we have seen an increase in
de logística na organização dos encontros de the qualification of teachers and managers to
formação, ou mesmo falta de apoio político local. work with students in their different educational
Desde a implementação do programa em 2003, needs, as shown in the results.
verificamos um crescimento na qualificação dos KEYWORDS: Inclusive education, Teacher

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 18 227
training, Public policies. Descentralization.

1 | INTRODUÇÃO
A educação especial, definida como modalidade de educação na Lei nº 9.394/1996
- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), passou por inúmeras
transformações e até hoje se apresenta como um campo complexo da educação, com
inúmeras divergências acerca da escolarização de crianças e jovens com deficiências físicas,
sensoriais e intelectuais, transtorno do espectro autista e altas habilidades/superdotação.
Há, de um lado, os que defendem a inclusão de todo e qualquer sujeito em classes e
escolas regulares de educação básica, assegurando a não exclusão de estudantes de
espaços de troca e socialização entre demais grupos de estudantes da mesma idade/
etapa; de outro, aqueles que visam a garantia de matrícula em escolas e classes especiais,
sob o argumento de um melhor acompanhamento realizado por profissionais formados
especificamente para cada tipo de necessidade específica dos estudantes.
Dessa forma, analisar as políticas de públicas de formação de professores é
considerar os conflitos existentes no campo e a não unanimidade acerca desse debate.
No entanto, em função de seu histórico recente, a educação inclusiva tem se apresentado
como um desafio importante para os professores e gestores educacionais de uma forma
geral.
A partir de uma perspectiva de educação especial na perspectiva da educação
inclusiva, adotada pelas políticas públicas mais recentes, esse texto visa analisar uma
das políticas públicas de educação inclusiva considerada importante ação para a garantia
de formação de professores e educação inclusiva, que é o Programa Educação Inclusiva:
direito à diversidade.
A primeira parte do texto traz uma reflexão teórica acerca da educação especial e
inclusiva, focando as diferentes concepções que levaram a considerar a educação inclusiva
como uma perspectiva de garantia da escolarização de todos os sujeitos independente de
sua condição e/ou deficiência.
A segunda parte do texto apresenta o Programa Educação Inclusiva: direito à
diversidade como uma ação de fortalecimento dos sistemas educacionais inclusivos, a
partir da análise documental das políticas, ações e demais documentos inicialmente
elaborados pelo Ministério da Educação - MEC, seja pela Secretaria de Educação Especial -
SEESP/MEC (extinta em 2011) ou pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão - SECADI/MEC (extinta em 2019), além de outros documentos,
legislação e políticas públicas de educação.
Ao final do texto, há uma discussão dos resultados da ação de formação de
professores no âmbito do Programa analisado, com especial destaque ao período de
execução de 2003 a 2014, bem como reflexões acerca do futuro dessas ações de formação

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 18 228
em função dos atuais desafios impostos com a diluição das ações de diversidade e inclusão,
associados ao esvaziamento dessas políticas realizada pela atual gestão do Ministério da
Educação.

2 | METODOLOGIA
A pesquisa se volta, inicialmente, à análise dos documentos oficiais que tratam das
políticas públicas de formação de professores – leis, documentos norteadores, diretrizes,
notas técnicas, dados do PAR/SIMEC, Lei da Acesso à Informação - LAI, programas de
formação de professores das universidades, acordos de cooperação técnica, produtos de
consultoria de organismos internacionais. A análise documental se dá em articulação com o
estudo bibliográfico, a partir de pesquisas sobre o mesmo programa de formação analisado
e demais ações de educação inclusiva obtidos atraves de periódicos científicos e livros.

3 | BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVAS E MARCOS LEGAIS


A educação especial passou por inúmeras mudanças desde a década de 1990, com as
políticas de inclusão, disseminadas mundialmente por meio de documentos internacionais,
com destaque especial para a Declaração de Salamanca (1994) e a Convenção de
Guatemala (2001). No Brasil, a Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 9.394/96 – Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, no artigo 58, definem a educação especial como
“modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino”.
A inclusão foi ocorrendo aos poucos e isso gerou inúmeras desafios para o espaço escolar,
exigindo a formação continuada de professores para atender à legislação. Do ponto de
vista dos estudantes, trouxe grandes avanços evitando as exclusões e possibilitando o
acesso aos espaços comuns de ensino.
No bojo das ações de formação de professores para a inclusão escolar de estudantes
com necessidades educacionais especiais, diferentes ações foram construídas para atender
as convenções internacionais acerca da inclusão, entre elas a formação continuada de
professores no âmbito do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. O Programa
foi criado em 2003 na Secretaria de Educação Especial - SEESP/MEC, com o objetivo de
a Política Nacional de Educação Especial, voltada às pessoas com deficiência, transtornos
globais de desenvolvimento1 e com altas habilidades/superdotação. Com uma história de
exclusões educacionais e sociais, esses estudantes passariam a ter seu direito à educação
respaldado e as classes especiais, escolas especiais e instituições de apoio passariam
a ter profissionais melhor formados para atender as especificidades dos estudantes. A
Política Nacional foi bem recebida pelos professores e a demanda foi tanta que os cursos

1 De acordo com a nova Classificação internacional de doenças, a CID-11, TGD passa a ser substituído por Transtorno
do Espectro Autista - TEA. Para mais informações da nova classificação, segue site da Organização Mundial de Saúde
ou, em inglês, World Health Organization – WHO: https://icd.who.int/en.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 18 229
de formação inicial e continuada em Educação Especial foram multiplicados. (BRASIL,
2008; 2011a)
Portanto, representa um marco histórico na implementação de políticas públicas,
pois tinha como foco a formação de gestores e professores para conscientização e
conhecimento dos direitos de matrícula desses estudantes visando assegurar e garantir
o pleno acesso, participação e aprendizagem a todos. Nesta primeira etapa de sua
implantação, o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade teve como finalidade
principal a formação de gestores e educadores para o desenvolvimento de sistemas
educacionais inclusivos, na perspectiva da Educação Especial.
Em 2011, por meio do Decreto nº 7.690, de 2 de março de 2011, que aprova e
dispõe sobre a nova estrutura regimental do MEC, a Secretaria de Educação Especial
- SEESP e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade -
SECAD/MEC são fundidas na atual Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão - SECADI/MEC, tendo esta nova secretaria o objetivo de contribuir
para o desenvolvimento inclusivo dos sistemas de ensino, voltado à valorização das
diferenças e da diversidade, à promoção da educação inclusiva, dos direitos humanos e
da sustentabilidade socioambiental visando a efetivação de políticas públicas transversais
e intersetoriais, contribuindo assim com a formação dos profissionais da educação, em
articulação com os sistemas públicos de ensino, nas áreas de alfabetização e educação de
jovens e adultos, educação ambiental, educação em direitos humanos, educação especial,
do campo, escolar indígena, quilombola e educação para as relações étnico-raciais, com
vistas ao desenvolvimento de sistemas educacionais inclusivos. (BRASIL, 2011a)
Nesse contexto de reorientação das políticas do MEC, e na SECADI/MEC, o
Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade amplia sua área de atuação e
abrangência temática voltando-se para a formação continuada dos profissionais da
educação, no contexto da publicação e implementação das diretrizes curriculares nacionais
para a alfabetização e educação de jovens e adultos, a educação do campo, a educação
escolar indígena, a educação em áreas remanescentes de quilombos, a educação em
direitos humanos, a educação ambiental e a educação especial para o desenvolvimento de
sistemas educacionais inclusivos. (BRASIL, 2011a)

4 | O PROGRAMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIREITO À DIVERSIDADE E A


POLÍTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO
O Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade integra o Plano de
Desenvolvimento da Educação - PDE, instituído pelo Decreto nº 6.094, de 24 de abril de
2007, que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal
e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 18 230
assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade
da educação básica. (BRASIL, 2007)
Portanto, para participar desse Programa, os municípios-polo deveriam fazer
algumas ações de âmbito mais geral da gestão municipal de educação, quais sejam: 1.
Cadastro no Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle – SIMEC; 2. Adesão
ao Plano de Ações Articuladas - PAR, que é o conjunto articulado de ações, apoiado técnica
ou financeiramente pelo MEC, que visa o cumprimento das metas do Compromisso e a
observância das suas diretrizes, bem como completar o diagnóstico do município avaliando
cada uma das ações lá estruturadas; 3. Preencher a “subação” do PAR relativa à formação
dos gestores e professores de sua área de abrangência; 4. Se aprovada a proposta, firmar
Termo de Compromisso assinado pelo prefeito dedicando 1% do valor total orçado para
pagamento da prefeitura; 5. Executar o projeto por meio da oferta de uma semana de
formação completando 8 horas por dia, durante 5 dias, completando 40 horas de formação.
As condições dadas para a elaboração do PAR nos municípios prioritários,
mesmo que tenham interferido na organização local, produziram efeitos de
autoavaliação e ressignificação da política. No processo, as dimensões, áreas
e indicadores educacionais, elaborados pelo MEC e organizados no Sistema
Integrado de Monitoramento, Execução e Controle do Ministério da Educação
(SIMEC) para acesso dos municípios com senha própria, são abordadas e
avaliadas pela equipe local. (BATISTA, 2018)

Tanto o SIMEC, como o PAR exigem do gestor de educação um olhar global


do ponto de vista administrativo-operacional, alinhado às ações do Plano Municipal
de Educação, observando a partir das dimensões: Dimensão 1: Gestão Educacional;
Dimensão 2: Formação de Professores e de Profissionais de Serviço e Apoio Escolar;
Dimensão 3: Práticas Pedagógicas e Avaliação; Dimensão 4: Infraestrutura Física e
Recursos Pedagógicos. O Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade compreende
a subação 2.5.3.2 - Implementar o Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade,
que objetiva a formação de gestores e educadores para o desenvolvimento de sistemas
educacionais inclusivos, conforme figura1.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 18 231
Figura 1. Tela da subação do Programa
Fonte: www.simec.gov.br

Para obter o apoio financeiro, cada um dos 166 municípios-polo deve organizar
Seminários Regionais de formação de professores e gestores atendendo os municípios da
sua área de abrangência, definidos a priori pelo MEC. Com a fusão da extinta Secretaria
de Educação Especial - SEESP e a também extinta Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade - SECAD/MEC, em 2011, o Programa passou a fazer parte das
ações da então Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
- SECADI/MEC. (BRASIL, 2008, 2011a)
Os objetivos do Programa se ampliaram visando o desenvolvimento de sistemas
educacionais inclusivos com políticas voltadas à valorização das diferenças e da diversidade,
à promoção dos direitos humanos e sustentabilidade socioambiental possibilitando, bem
como à formação continuada dos profissionais da educação, no contexto da publicação e
implementação das diretrizes curriculares nacionais para a alfabetização, a educação de
jovens e adultos, a educação do campo, a educação escolar indígena, a educação em áreas
remanescentes de quilombos, a educação em direitos humanos, a educação ambiental e a
educação especial para o desenvolvimento de sistemas educacionais inclusivos. (BRASIL,
2011a)
Considerando que a inclusão escolar diz respeito à organização de ambientes
educacionais acolhedores para todos os estudantes, é importante que se garanta uma
certa articulação entre o desenvolvimento profissional, a gestão participativa, as práticas
de ensino e de aprendizagem e as políticas intersetoriais, em suas interrelações com as
relações etnicorraciais em educação, a educação ambiental, a educação de jovens e adultos
– EJA, a educação do campo, indígena e quilombola, a educação em direitos humanos, a
educação para a cidadania e a educação especial na perspectiva de educação inclusiva.
Essa concepção de inclusão ampliada rompe, de certa forma, com a vinculação da
expressão “educação inclusiva” à área da educação especial; ao mesmo tempo, sabemos

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 18 232
como o termo inclusão tem profunda representatividade para tratar de estudantes com
necessidades especificas como os estudantes da educação especial. Dessa forma, diante
das mais variadas correntes teóricas, optamos pela definição de educação inclusiva como
Um processo em constante evolução de mudanças e melhorias dentro
das escolas e do sistema educativo mais amplo para tornar o ensino mais
acolhedor e benéfico para uma ampla gama de pessoas. [...] É sobre mudar
o sistema de ensino de modo que ele seja flexível o suficiente para acomodar
qualquer aluno. Representa um esforço contínuo para identificar e remover
barreiras que excluem os alunos dentro de uma situação única. É sobre a
identificação e a remoção de barreiras quanto ao acesso de estudantes
à educação, participação no processo de aprendizagem e, no campo
acadêmico e social. Tem como foco a mudança de atitude, prática, políticas,
ambientais e de recursos. É um processo no qual todas as partes interessadas
devem participar (professores, alunos, pais, membros da comunidade, do
governo, políticos, líderes locais, ONGs, etc.). É algo que pode acontecer fora
do sistema formal de ensino, bem como em ambientes formais de ensino, pois
a educação inclusiva vai além da escola permitindo a interação, na relação
de aprendizagem, entre diferentes pessoas. (EENET, 2013 apud DELPRETTO,
2013).

Essa ruptura não é fácil, uma vez que inclusão escolar esteve, por muito tempo,
associada à inserção de estudantes com deficiências na sala de aula regular/comum.
Uma “escola especial” sempre foi sinônimo de escola voltada aos públicos com algum tipo
de deficiência, disposta em grupos separados por cadeirantes, cegas/os, pessoas com
baixa visão, surdas/os, pessoas com transtornos globais/ transtornos do espectro autista,
altas habilidades/superdotação. Por isso, as expressões “educação inclusiva” e “inclusão
escolar” ainda se relacionam à área da Educação Especial.
No entanto, podemos afirmar que a inclusão de todos e todas é aquela que busca
apresentar uma educação que promova a inclusão social pela via da escola. Elianda Tiballi
aponta que a ideia de inclusão não é recente. Segundo Tiballi (2003), na década de 1970, a
educação teve como o padrão desejado aquele voltado à classe média, e “os problemas de
aprendizagem foram vistos como decorrência da estrutura social de classes que mantinha à
margem, excluído do acesso aos bens culturais, grande contingente da população”. Ainda é
comum encontrarmos falas preconceituosas sobre a condição do estudante beneficiário de
programas de transferência de renda com condicionalidades, bem como ações afirmativas
das políticas públicas dessas duas primeiras décadas do novo milênio.
Ao subsidiar o docente e a comunidade escolar a ampliar as experiências em favor
da profissionalidade, as diferenças, sejam elas culturais, sociais, de raça, cor, credo, entre
outros, ganham conotação mais humana quando coletivizadas, obtendo maior força para
desfazer mitos, ideais exclusivistas e qualquer forma de discriminação. Neste sentido,
diante desta complexidade, cabe aos cursos de formação continuada de professores para
a diversidade fomentar a ampliação dos espaços formativos onde a discussão sobre uma
educação inclusiva para todos, reconhecendo caracteristicamente a heterogeneidade

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 18 233
escolar (BEYER, 2006).

5 | RESULTADOS E DISCUSSÃO
As políticas de educação inclusiva mais recentes – principalmente se comparadas
ao histórico da educação especial ter sempre se desenvolvido em instituições com “uma
visão eminentemente terapêutica de prestação de serviços às pessoas com deficiência”
e serem, portanto, espaços de reprodução das exclusões sociais vividas pelos sujeitos
com algum tipo de dificuldade de aprendizagem ou deficiências – foram fundamentais para
superar as políticas de exclusão e incentivar a formação contínua de professores visando
a garantia do direito à educação a todos. Obviamente, entre o desenho das políticas e a
efetivação desse projeto de inclusão social nas práticas pedagógicas há um caminho nada
simples de se percorrer. (MANTOAN, 2001; 2011)
Entre os principais objetivos da Política Nacional de Educação Especial na
perspectiva da Educação inclusiva está a formação de professores para a atuação na Sala
de Rescusos Multifuncionais2 e no Atendimento Educacional Especializado - AEE, já que o
atendimento ao estudantes em sua especificidade deve ocorrer no contraturno e mediado
por um ou mais profissionais que possam mediar a aprendizagem por meio de tecnologias,
instrumentos e materiais facilitadores da aprendizagem.
Entre 2011 e 2014, foram 82 municípios-polo que tiveram aprovação e recursos
pactuados para a formação de professores e gestores, totalizando R$ 8.817.891,80. O
recurso é infimo diante do impacto dessa formação, que molibiza profissionais e consolida
uma rede de troca de vivências e formações durante uma semana. Observa-se que essa
rede está articulada e em constante comunicação, tendo diferentes páginas na internet,
nas redes sociais, para compartilhamento das ações e agendas nas temáticas, o que não
se verifica com as ações de formação nessa perspectiva ampliada.
Conforme apresenta o Relatório do Censo Escolar/INEP, que apresenta os principais
indicadores da educação de pessoas com deficiência, de 2003 a 2014 houve um aumento
expressivo (189%) de professores com formação em educação especial, partindo de 33.691
em 2003 para 97.459 em 2014, conforme ilustra a figura 2.

2 Trata-se de um Programa de Implementação no âmbito do Compromisso Todos pela Educação e Plano de Desenvol-
vimento da Educacação – PDE, que tem o apoio do MEC com a entrega de materiais, mobiliário e recursos específicos
para as diferentes ataptações didáticas que se façam necessárias.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 18 234
Figura 2. Professor com formação na Educação Especial
Fonte: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=17655-secadi-
principais-indicadores-da-educacao-especial&category_slug=junho-2015-pdf&Itemid=30192

Nesse sentido, podemos afirmar que a política de indução tem atingido o objetivo
que é da ampliação da formação de professores e, somado aos dados do Censo Escolar,
também do INEP, o aumento do número de matrículas de educação especial também
se apresenta crescente a cada ano. Em 2003, o percentual de matrículas em escolas
especializadas e classes especiais representava 71%, enquanto as matrículas em classes
regulares/comuns representavam 29%. Em 2014, houve uma inversão passando a 79%
das matrículas em classes regulares/comuns e 21% em escolas especializadas e classes
especiais.

6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
De forma geral, podemos afirmar que as políticas públicas de inclusão escolar de
pessoas com deficiência, somada às políticas de formação de professores em educação
especial ou educação inclusiva têm obtido sucesso se analisados os resultados de matrícula
em classes regulares/comuns. Por outro lado, a política de gestão democrática implementada
pelo PAR/SIMEC, no âmbito do Compromisso Todos pela Educação impactam diretamente
na capacidade de ação da gestão municipal de educação e o Programa Educação Invlusiva:
direito à diversidade é um exemplo das dificuldades enfrentadas pela gestão, pela falta de
pessoal capacitado para os sistemas do PAR, pelo distanciamento dos gestores sobre os
objetivos educacionais e institucionais de cada uma das ações nesses sistemas de gestão,
acompanhamento e monitoramento. No entanto, os documentos orientadores produzidos
e as reuniões técnicas se voltam para o esclarecimento dessas dúvidas e para a formação

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 18 235
dos profissionais que atuam na gestão.
Do ponto de vista das políticas públicas de inclusão escolar que impactam na gestão
antes mesmo da sala de aula, deve-se investir ainda mais em uma formação ampla dos
gestores, equipando as secretarias municipais e estaduais de educação com profissionais
aptos ao trabalho com as políticas públicas de educação, redimindo assim dúvidas quanto
ao orçamento, execução, prestações de conta, que ainda são os principais desafios
identificados.

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DECLARAÇÃO DE GUATEMALA. Convenção interamericana para a eliminação de todas as
formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência. Aprovado pelo Conselho
Permanente da OEA, na sessão realizada em 26 de maio de 1999. (Promulgada no Brasil pelo Decreto
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DELPRETTO, B. Produto 1. In: Projeto UNESCO 914BRZ1136.7- Fortalecimento do Sistema


Educacional Inclusivo II. Edital: Nº 05/2013. Brasília: UNESCO, 2013.

MANTOAN, M. T. E. A educação especial no Brasil: da exclusão à inclusão escolar. Universidade


Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino
e Diversidade. LEPED/UNICAMP, 2001. Disponível em: <http://www.lite.fe.unicamp.br/cursos/nt/
ta1.3.htm>. Acesso em: 15 set 2019.

______. Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como Fazer? São Paulo: Moderna, 2003. (Coleção
cotidiano escolar)

______. (org.). O desafio das diferenças nas escolas. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

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Verbena Moreira S. de S.; SOUSA, Luciana Freire E. C. P. Políticas educacionais, práticas
escolares e alternativas de inclusão escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 18 237
CAPÍTULO 19
REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR A
PARTIR DA PEDAGOGIA FREIREANA

Data de aceite: 10/01/2022 University of Pampa – Campus São Gabriel, São


Borja and Uruguaiana – and which aims to the
continuing education of network teachers based
Carlos Alberto Xavier Garcia
on the study of Paulo Freire’s work, appropriation
Prof na rede estadual e Técnico em Assuntos
Educacionais na Unipampa –Campus São of the concepts used by Freire and encouragement
Gabriel. Coordenador de Projeto de Extensão e to participants in conducting continuing education
Grupo de Estudo Paulo Freire courses for the development of a methodology
aimed at transforming education.
Simone Medeiros da Silva Garcia KEYWORDS: Education. Formation. Theory.
Profa na rede estadual. Freirean reflections.

INTRODUÇÃO
Eixos Temáticos: 7 Paulo Freire e a educação popular
(ambientes diversos) Neste trabalho procuramos refletir sobre
alguns temas em destaque na obra de Paulo
Freire, para socializar estudo feito a partir do
RESUMO: Este texto trata de algumas reflexões material de estudo e depoimentos em vídeo
realizadas a partir da constituição de um grupo utilizados pelo Grupo de Estudo do Projeto de
de estudo sobre a pedagogia freireana e que Extensão Estudos de Pedagogia Freireana
foi organizado em forma de projeto de extensão
que se encontrava em funcionamento na
universitária na Universidade Federal do Pampa
Unipampa Campus São Gabriel, São Borja e
– Campus São Gabriel, São Borja e Uruguaiana
e que tem como objetivo a formação continuada Uruguaiana e que que originou-se de um curso
de professores da rede a partir do estudo da de aperfeiçoamento em educação do campo
obra de Paulo Freire, apropriação dos conceitos realizado pela Unipampa nas cidades de São
utilizados por Freire e estímulo aos participantes Borja e São Gabriel em 2014/2015. Têm como
em realizar cursos de formação continuada para base as leituras realizadas a partir da obra
o desenvolvimento de metodologia que visa a
de Paulo Freire e do curso on line Primeiras
educação transformadora.
Palavras em Paulo Freire realizado pela Editora
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Formação.
Teoria. Reflexões freireanas. Dialogar em Santa Catarina em que alguns
membros do projeto de extensão realizaram em
ABSTRACT: This text deals with some reflections 2017/2018 e visa divulgar a pedagogia freireana.
made from the constitution of a study group on
Freirean pedagogy, which was organized as
a university extension project at the Federal

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 19 238
OBJETIVOS
Apresentamos neste texto algumas reflexões a partir da leitura realizada sobre a
biografia de Freire, tendo como ponto de partida a compreensão dos textos em estudo
e os depoimentos de pessoas da família de Paulo Freire e que realizaram em forma de
entrevista uma apresentação do autor enquanto pai, marido e profissional da educação.
Para isso utilizamos os textos de apoio no grupo de estudo e assistimos aos vídeos
do curso Primeiras Palavras para refletirmos sobre a prática e assim, considerarmos as
práticas de educação popular que ocorrem em nível de Brasil por docentes da educação
básica que estão embasados na teoria da Libertação desenvolvida por Paulo Freire e
identificada em obras como Pedagogia da Autonomia.

REFERENCIAL TEÓRICO
Conforme o pensamento de Paulo Freire, o ser humano é um ser inacabado e
através da educação busca Ser Mais. Ser Mais humanizado. Para isso a educação deve
ser problematizadora, levando a um processo de humanização. Nesse sentido o educador
que desenvolve uma pedagogia libertadora é provocador, desafiador, respeita e valoriza a
cultura e a realidade dos educandos.
A educação é um ato de transformação social e os educadores cumprem um papel
social na luta contra a opressão na busca da humanização. Sob o ponto de vista político
pedagógico, a educação não é um processo neutro, pode servir para manter ou transformar
a realidade a qual estamos inseridos. O diálogo é o instrumento pelo qual o educador vai
estabelecer a problematização do contexto social, levando os educandos a refletir, a criar e
a criticar com o propósito de transformar a sociedade.
Freire nos fala da humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores.
Para o autor uma das formas de luta contra o desrespeito dos poderes públicos pela
educação é a nossa recusa em transformar a docência em bico, bem como a de confundir
a função docente com a de “tios e tias” de educandos.
O pensador da Pedagogia da Autonomia nos fala da profissionalidade idônea e da
organização política do magistério, em que defende o reinventar da luta dos professores
(Freire, 1998, p.75-76).
Nesse sentido entende que uma das tarefas fundamentais do educador progressista
é a provocar, estimular e levar o grupo a compreensão da realidade (Freire, 1998, p.92).
Para reforçar a ideia de transformação (Freire, p.93) afirma que a sombra
invasora do opressor precisa ser expulsa pelo oprimido, substituída por sua autonomia
e responsabilidade. Para Freire a prática educativa é afetividade, alegria, capacidade
científica, domínio técnico a serviço da mudança.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 19 239
METODOLOGIA
O procedimento para este trabalho foi um estudo bibliográfico a partir de textos, das
obras em destaque na produção de Paulo Freire e dos vídeos produzidos pelo Instituto
Paulo Freire e disponibilizados pela Editora Dialogar de Santa Catarina e que oferece o
curso on line Primeiras Palavras em Paulo Freire. Metodologicamente nos apoiamos na
pedagogia de Paulo Freire para problematizar e entender o pensamento de Freire como
principal objetivo do estudo e não trazer respostas.
Assim, percebemos que Freire ao pensar sobre a prática escolar se contrapõe
ao sistema denominado de educação bancária, de ensino pré-estabelecido em aspectos
de funcionalidade e sem conexão com a realidade do educando, onde a disposição do
conhecimento é usualmente fornecida de forma sistemática e global, o que fere a autonomia
do indivíduo na busca do conhecimento e enaltece formas de ensino alienadoras e
geradoras de pseudo-instruídos, uma vez que não liberta o indivíduo, mas o aprisiona com
análises e discriminação.
Após as leituras realizadas e feitas as discussões acerca da pedagogia da autonomia,
bem como análise dos vídeos sobre a vida e a obra de Paulo Freire, podemos dizer que o
processo de libertação se busca coletivamente de forma efetiva para atingirmos a mudança
social almejada.
O educador tem um papel fundamental de liderança no espaço pedagógico e em
qualquer lugar que atue, que busca compreender a realidade e enfrenta a realidade e
assim interfere na mesma de forma crítica e reflexiva, através do diálogo, na busca da
transformação social.
O vídeo Andarilho da Utopia mostra relatos, depoimentos de amigos, familiares,
escritores que falam sobre a vida e a obra de Paulo Freire. Os relatos dão conta de
que Freire foi reconhecido mundialmente pela sua obra, tendo recebido um prêmio em
Washington em que leva o próprio nome de Freire aos melhores educadores reconhecidos
internacionalmente. Fala, ainda, da participação de Paulo Freire na Secretaria de Educação
de São Paulo e da criação do MOVA (Movimento de Alfabetização de Adultos) durante o
governo de Luiza Erundina.
No vídeo Paulo Freire Contemporâneo, temos um documentário a respeito da vida
e pensamento do notável educador brasileiro Paulo Freire. Através de relato histórico e
depoimentos temos neste material uma descrição de quem é Paulo Freire, sua história de
vida e sua principal obra: Pedagogia do Oprimido. O documentário mostra o início da vida
acadêmica de Freire e a opção pela Pedagogia e um novo método de alfabetizar. O vídeo
possui contribuições de pensadores contemporâneos e companheiros como Moacir Gadotti
que é hoje um dos especialistas na obra de Freire, além de mostrar o funcionamento do
Instituto Paulo Freire.
No vídeo acima o autor de Pedagogia da libertação afirma que não gostaria de

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 19 240
ser lembrado apenas como criador de um novo método de alfabetização, mas de ter
contribuído significativamente para um mundo com mais justiça social. Os vídeos são muito
significativos e devem ser objeto de divulgação e estudo da pedagogia libertadora de Paulo
Freire.
A conscientização tão propagada por Freire, trata-se de um compromisso histórico
com os povos oprimidos e nesse contexto encontramos os moradores das periferias que
fazem sua história como sujeitos da ação e que são oprimidos pelas condições de vida a
que são submetidos na sociedade capitalista. Freire convida-nos à conscientização critica
como compromisso histórico com os excluídos, como um compromisso com o mundo e
com o próprio ser humano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os escritos de Freire, a educação transforma e é capaz de transformar
os seres humanos na medida em que os capacita a agirem conscientemente sobre a
realidade objetivada, idealizando o que se pretende atingir, rompendo com as relações
opressivas de produção, superando barreiras que impedem a humanização do humano.
A metodologia dialógica de Freire nos leva a desenvolver o conhecimento no
exercício da práxis, de forma que distanciando-se do mundo para podermos admirá-lo.
Nessa concepção o ser humano deixa de estar numa posição ingênua e passa a produzir
seu próprio mundo, fugindo ao controle do opressor, fazendo com que as relações sociais
resultem em uma mudança estrutural da sociedade em que estamos inseridos.
Assim, a importância da metodologia empregada na Educação Popular, na
perspectiva de conscientização defendida por Freire, deve ter desenvolvido o suficiente
para penetrar na essência dos fenômenos materiais de maneira permanente.
Dessa maneira, Freire salienta que as relações do seres humanos se apresentam
de maneiras diversas, sendo que cada uma deve ser compreendida de uma forma própria
e respondida de maneira original. Não se pode responder a todas com respostas padrão,
pois isso é inexistente nas relações humanas. As respostas correspondem aos desafios e,
cada resposta transforma o mundo e a nós mesmos, sempre de maneiras diferentes.
Acreditamos que os objetivos deste trabalho que são de analisar e compreender o
pensamento de Freire e a aplicabilidade de sua pedagogia em uma proposta de projeto de
extensão considera-se atingidos ao propormos cursos, oficinas, workshops e evento em
forma de seminário de Educação.
O objetivo maior está voltado para a formação continuada dos educadores da
educação básica com o tema da pedagogia freireana, contemplado nesta discussão e que
deixam uma mensagem de comprometimento da extensão universitária com a formação
continuada e a importância desta para a transformação na sociedade, notadamente a da
população mais carente.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 19 241
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento
de Paulo Freire. Tradução de Kátia de Mello e silva. São Paulo, Cortez e Moraes, 1979. 53p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. SP: Paz e
Terra, 1998.

DICKMAMM, Ivo & Ivanio. Curso Primeiras Palavras em Paulo Freire. Disponível em http//
cursopppf2contatosite/login. Acesso de 04/03 a 09/04/2018.

Vídeo Paulo Freire: O andarilho da utopia. Programa 5.

Vídeo: Paulo Freire contemporâneo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5y9KMq6G8l8.


Acesso em 09/04/2018.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 19 242
CAPÍTULO 20
EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NA REDE
MUNICIPAL DE ENSINO DE UBERLÂNDIA

Data de aceite: 10/01/2022 por cada criança nestas resoluções, por meio
da observação dos modos que desenvolve
sua aprendizagem e sua interação, estratégias
Stella Santana da Silva Jacinto
perante uma determinada situação-problema,
Professora do Ensino Fundamental I da
Rede Pública Municipal de Ensino atuando um desafio. Esta é uma metodologia que apoia
no Núcleo de Educação das Relações e viabiliza momentos de discussão pautada
Etnicorraciais (NERER). Especialista em no permanente diálogo coletivo, no uso de
Gestão Pública Municipal pela Faculdade materiais concretos, que assegura os direitos a
de Negócios da Universidade Federal de uma formação acadêmica cidadã e de qualidade
Uberlândia. Graduação em Pedagogia/UNITRI; referenciada socialmente.
Orientadora de estudos Do Pacto Nacional pela PALAVRAS-CHAVE: Educação referenciada
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) socialmente Interdisciplinaridade, Materiais
CEMEPE/SME/PMU concretos, Resolução de problemas, Situação-
Ronaldo Alves dos Santos problema.
Professor do Ensino fundamental I e professor
de Matemática da Rede Municipal e Estadual ABSTRACT: Developing activities based on the
de Ensino, atuando no Núcleo do Ensino resolution of diversified problems provides the
Fundamental (NEF). Especialista em Saúde establishment of numerous relationships between
Mental e Atenção Psicossocial (Instituto Passo objects, actions, and events based on each child's
I), graduado em Normal Superior (UNIVALI SC) way of thinking. Therefore, it is necessary that
e Matemática (UNIP SC); professor formador teachers understand/consider the specific ways
do Pacto Nacional pela Educação (PNAIC). developed by each child in these resolutions,
CEMEPE/SME/PMU through the observation of the ways they develop
their learning and interaction strategies before
a certain problem situation, a challenge. This
Linha de trabalho: Experiências e Reflexões de is a methodology that supports and enables
Práticas Educativas e/ou de Caráter Inovador moments of discussion based on permanent
collective dialogue, the use of concrete materials,
which ensures the rights to a citizen and socially
referenced quality academic education.
RESUMO: Desenvolver atividades pautadas
KEYWORDS: Socially referenced education,
na resolução de problemas diversificados
Interdisciplinarity, Concrete materials, Problem-
proporciona o estabelecimento de inúmeras
solving, Problem-situation.
relações entre objetos, ações e eventos a partir
do modo de pensar de cada um. Sendo assim,
é necessário que professores/as entendam/
considerem os modos próprios desenvolvidos

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 20 243
CONTEXTO DO RELATO
As atividades desenvolvidas no ambiente escolar precisam adequar-se de forma a
sensibilizar o/a aluno/a para que esse/essa a tenha nas diferentes linguagens uma leitura
e interpretação da realidade. Para isso sente-se a necessidade de criar um ambiente
que desperte nos/as alunos/as interesse pelas diferentes disciplinas favorecendo o
desenvolvimento do letramento1 e numeramento.2
Letramento e numeramento precisam ser desenvolvidos em rede, ou seja, nas
diferentes disciplinas, e nas diversas áreas de conhecimento. Nessa perspectiva, é que o/a
discente ao planejar suas aulas, as mesmas devem estar relacionadas à prática social dos/
as alunos/as de forma a corroborar com a construção de uma leitura crítica de mundo, e
uma educação referenciada socialmente.
A interdisciplinaridade buscou conciliar os conceitos pertencentes às diversas áreas
do conhecimento a fim de promover avanços como a produção de novos conhecimentos
ou mesmo, novas subáreas, superando a fragmentação do conhecimento, a falta de uma
relação deste com a realidade do/a aluno/a e a fragmentação do conhecimento escolar.
Assim, o estudo das partes torna-se insuficiente, razão pela qual é preciso inter-relacionar
diferentes formas de ver o mundo para poder construir um conhecimento do todo. Isso
significa que é preciso ir além do copiar a matéria do quadro e fazer exercícios.
Por meio de ludicidades diversas as crianças não apenas vivenciam situações que
se repetem, mas aprendem a lidar com símbolos e a pensar simbolicamente, os significados
das coisas passam a ser imaginados por elas. Ao criarem essas analogias, tornam-se
produtoras de linguagens, criadoras de convenções, capacitando-se para se submeterem
a regras e dar explicações. (PCN, BRASIL, 2008, p. 35)
Nessa perspectiva de ensino e de aprendizagem, o/a professor/a torna-se um
mediador do conhecimento ressignificando o ato de ensinar, traduzido não apenas na
reprodução de atitudes, mas no sentido de colaborar com a formação integral do sujeito,
contribuindo para a sua criticidade e participação ativa na sociedade. O objetivo desta
proposta é dar sentido e significado à aprendizagem das diferentes disciplinas, que ainda
é apresentada em forma de sentenças, regras e símbolos, principalmente nas escolas
públicas, que nega, muitas vezes, outras formas de ler, interpretar e explicar o mundo.
Segundo Vergnaud 1998 implica na intervenção direta dos processos de ensino e
aprendizagem, uma vez que a apropriação desta teoria influenciará na mudança de suas

1 Letramento é a leitura e escrita como prática social que se constituem nos processos não só de um código, mas de
uma cultura escrita. É o modo como a sociedade organiza, escreve, aprecia e analisa o mundo e as experiências que
nele vive.
2 Segundo a professora da UFMG Maria da Conceição, numeramento é quando se quer caracterizar a atividade ma-
temática como prática social, que se constitui nos processos de apropriação não só de um código, mas de uma cultura
matemática. Contemplam números, operações, relações com o espaço e a forma, processos de medição, registro e
uso das medidas, estratégias de produção, reunião, organização, registro, divulgação, leitura e análise de informações,
mobilizando procedimentos de identificação e isolamento de atributos, comparação, classificação e ordenação. Nume-
ramento também pode ser denominado como alfabetização matemática ou letramento em matemática.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 20 244
práticas pedagógicas tal como cita Lima (2012):
Ele [Vergnaud]3 propõe um ensino voltado para uma ação consciente propícia
a explicação de como a criança aprende. E uma teoria que propõe a realização
de diferentes situações para a percepção do percurso do desenvolvimento
dos conceitos, assim como das estratégias que as crianças utilizam para
comprovar a sua aprendizagem. O papel do professor, nessa teoria, e o de
sistematizar e propor desafios as crianças, ampliando as dificuldades para
que elas evoluam no entendimento dos conceitos [...] a partir de dados reais
e não abstrato. (LIMA, 2012, p.3)

O estudo por parte da psicologia da Educação Matemática vem estruturando um


novo campo a ser investigado pelos/as professores/as, no qual a matemática, por exemplo,
deixa de ser uma ciência cujos processos de ensino estejam baseados na memorização e
passa a valorizar a construção cognitiva da criança mediante atividades que envolvam a
resolução de problemas.
A interação que a criança desenvolve perante uma determinada situação-problema,
está diretamente ligada à sua capacidade de definir as estratégias necessárias perante um
desafio. Desse modo Marconcin afirma que
[...] a compreensão e o significado atribuído pela criança a procedimentos
e representações matemáticas, o estabelecimento de relações entre
representações realizadas em diferentes sistemas simbólicos, os
conhecimentos e experiências anteriores da criança, e o uso/aplicação
do conhecimento matemático em situações cotidianas, constituem-se em
aspectos importantes para o processo de ensino e de aprendizagem da
matemática de modo que seja possível organizar atividades de ensino mais
apropriadas ao desenvolvimento do pensar matematicamente (MARCONCIN,
2009, p.10).

Atividades com objetivo apenas de treinar algoritmos ou de técnicas resolutivas,


não contribuem para a aquisição de um conhecimento mais amplo. Repetir atividades
consiste em exercício mecânico, repetitivo e com pouco valor cognitivo. O ensino por meio
da resolução de problemas tem um significado mais amplo, que seria o de promover a
compreensão de mundo, utilizando para isso as práticas sociais já trazidas do convívio
familiar e social.
Dentre as possibilidades que o ensino oferece, encontra-se a de mediante atividades
voltadas para a formação cidadã, na construção de um, sujeito crítico e consciente –
educação referenciada socialmente. Tais atividades devem possibilitar a compreensão do
contexto social e o resgate de valores.
O ensino que busca uma qualidade da educação referenciada socialmente, deve
eleger métodos e propor atividades nas quais os/as alunos/as possam pesquisar, ter
contato com o objeto de estudo, opinar, assumir responsabilidades, se posicionar, resolver
problemas e conflitos, refletindo sobre os caminhos tomados a partir de uma decisão. De
acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN 1998), a formação da cidadania faz-
3 Acréscimo feito para melhor compreensão do leitor.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 20 245
se antes de tudo pelo seu exercício, ou seja, os alunos aprendem a participar participando.
Assim, esse relato transcreve algumas situações vivenciadas por uma professora do
ciclo de alfabetização da Rede Municipal de Ensino de Uberlândia- RME/UDI, que ministra
atividades lúdicas, que desafiam cerca de trinta e dois alunos e alunas à solucionarem
problemas e manipularem o objeto de estudo.
A professora Rosa4 sempre questionou a escola, a forma de lidar com os conteúdos
tradicionalmente, os alunos e alunas enquanto receptores de conhecimento. Percebeu
então, a necessidade de uma metodologia dinâmica, de uma técnica atraente para
socialização dos conteúdos, oportunizar a criatividade, discentes participativos/as numa
perspectiva de construção do conhecimento. Surge uma mudança na maneira de pensar
e repensar a prática pedagógica, a escola – espaço privilegiado para a ampliação das
habilidades. Em meio aos seus anseios e pesquisas, a professora Rosa adota a Pedagogia
de Projetos5.
Aprende-se participando, vivenciando sentimentos, tomando atitudes
diante dos fatos, escolhendo sentimentos para atingir determinados
objetivos. Ensinar-se não só pelas respostas dada, mas principalmente
pelas experiências proporcionadas, pelos problemas criados, pela ação
desencadeada (Escola Plural, 1994).

DETALHAMENTO DAS ATIVIDADES


A professora supracitada, que ministra aula para alunos/as do 3° ano do ensino
fundamental, desenvolve atividades interdisciplinares. Em um primeiro momento, no ano
de 2009, embasada na teoria Piagetiana do operatório concreto, percebeu a necessidade
das aulas com materiais concretos. Tal teoria traz a importância do material concreto para
que o indivíduo consolide a conservação de número, substância, volume e peso, incluindo
conjuntos e organização lógica ou operatória. Nessa fase, já se compreende regras, a
conservação se torna possível, sem que, no entanto, possa discutir pontos de vistas para
que chegue a uma conclusão comum. Fase em que a criança está entre 7 ~ 11 anos de
idade, aproximadamente.
Nessa perspectiva, foi criado, entre outros, o projeto “Mercadinho”, que é um projeto
interdisciplinar que busca práticas cotidianas para a sala de aula, ou seja, desenvolver um
trabalho em rede e contextualizando à realidade dos/as alunos/as. Tal projeto experimenta a
vivência de uma realidade global que se inscreve nas experiências cotidianas do/a discente,
do/a docente e do povo. Articula saber, conhecimento, vivência, escola, comunidade, meio-

4 Para preservar a identidade da professora usamos o nome fictício Rosa


5 A Pedagogia de Projetos visa a ressignificação do espaço escolar, transformando-o em um espaço vivo de interações,
aberto ao real e às suas múltiplas dimensões, trazendo uma nova perspectiva para se entender o processo de ensino
– aprendizagem. Nesse processo, todo conhecimento é construído em estreita relação com os contextos em que são
utilizados, sendo impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais, pois a formação dos alunos não pode
ser pensada apenas como uma atividade intelectual. É um processo global e complexo onde o conhecer e o intervir no
real não se encontram dissociados.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 20 246
ambiente etc. Esse projeto tem a duração de 15 dias letivos, aproximadamente, o que
corresponde a 75 h/a.
O projeto Mercadinho contempla as disciplinas/conteúdos: Língua Portuguesa/
leitura- escrita (produções de textos) – oralidade; Matemática/sistema monetário- sistema
de medida- figuras geométricas espaciais (sólidos geométricos) – figuras geométricas
sólidas- as quatro operações; História e Geografia/a história do dinheiro- embalagens e
meio-ambiente- cidadania- consumismo- os comércios do bairro.
A professora considerando que a criança vive um processo contínuo de aprendizagem
(e, o/a discente também), que a escola consiste em local que possibilita encontrar caminhos
para transformação efetiva da realidade em que vive, observou entre outras possibilidades,
a de concretizar essas transformações por meio do ensino da matemática que tenha como
princípio a formação da cidadania, e que por isso incentiva a participação social no meio
em que o/a aluno/a vive e atua.
Dentre os vários olhares que a questão permite, um deles passa necessariamente
pelo ensino e pela aprendizagem, pois, uma das maneiras para se alcançar um elevado
nível de qualidade é aprimorar o conhecimento sobre estes processos de modo a torná-los
mais eficazes, no sentido de responderem as exigências do contexto atual.
Com base no exposto, verificou-se a importância de estudos e aplicabilidade voltados
ao campo conceitual, realizados por Vergnaud (1982; 1983). Este autor considera que o
conhecimento está organizado em campos conceituais e que o aprendizado ocorre a partir
do contato com estes campos, sendo necessário avaliar o tempo em que cada sujeito leva
para assimilação de tal conhecimento. Sua teoria trata dos processos de conceitualização
do real, permitindo o estudo de continuidades e rupturas entre o conhecimento, a partir do
seu conteúdo conceitual.
Com sua descoberta sobre teoria dos campos conceituais, Vergnaud (1982)
proporciona o entendimento de como as crianças constroem os conhecimentos matemáticos.
Assim, ressalta a importância de se aplicar em sala de aula, resultados de pesquisa -
atitude que refletirá diretamente na qualidade da educação referenciada socialmente que
tanto almejamos.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DO RELATO


Para Demo (2011, p. 41), compete ao professor ou a professora conduzir à
aprendizagem significativa, orientando o/a aluno/a permanentemente para expressar-se
de maneira fundamentada, exercitar o questionamento e formulação própria, reconstruir
autores, autoras, teorias e cotidianizar a pesquisa. Demo (2011, p. 13) ainda salienta que a
base da educação escolar é a pesquisa, e através dela é possível desenvolver na criança
o questionamento sistêmico e reconstrutivo da realidade. Essa reconstrução compreende o
conhecimento inovador e sempre renovado, tendo como base a consciência crítica. Dessa

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 20 247
forma, cria-se a sua própria interpretação, formulação pessoal, aprende a aprender e a
saber pensar.
Segundo Penin e Vasconcellos (1994; 1995 apud DEMO, 2011, p.9) “a aula que
apenas repassa conhecimento, ou a escola que somente se define como socializadora
do conhecimento, não sai do ponto de partida, e, na prática, atrapalha o aluno, porque
o deixa como objeto de ensino e instrução. Vira treinamento”. Foi nesta perspectiva que
a professora alfabetizadora percebeu a importância e a necessidade da vivência da aula
prática na construção e/ou aperfeiçoamento do conhecimento do/a aluno/a: “Sempre
busquei e aperfeiçoei os processos educativos. ”
Nota-se a necessidade de aliar educação à inovação, criatividade e modernização
na sala de aula, visando atingir uma geração cada vez mais informada, ativa e participativa,
onde a aula tradicional esta perdendo espaço e sendo alvo de muitas críticas, relata a
discente e, conclui que os conhecimentos prévios dos/as alunos/as devem ser valorizados,
pois são importantes na construção de estruturas mentais. Os mapas conceituais já
formados permitem descobrir e redescobrir outros conhecimentos.
Cada citação, cada relato pode ser comprovado através da inclusão/participação de
todos e todas discentes desta sala de alfabetização, da maneira de relacionar-se com a
realidade que os/as rodeia. Logo, esse relato de experiência demonstra a significância do
uso do material concreto, da ludicidade, da interdisciplinaridade, da pesquisa-ação como um
dos inúmeros tipos de investigação-ação, que contribuíram e contribuem significativamente
para uma educação referenciada socialmente levando os/as alunos/as que vivenciaram
e vivenciam aulas assim, em uma fase de tamanha relevância, são referenciadas entre
outras, em atividades como: Projeto Educanvisa6 (1º Lugar nos anos 2009 e 2010); Feira
Ciência Viva/UFU 20147 (1º Lugar na categoria Ensino Fundamental); II Maratona de
Matemática8 (1º Lugar em 2016).
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb, da escola em que o projeto
foi desenvolvido, atingiu a meta e cresceu nos últimos anos, mas não alcançou 6,0. Pode
melhorar para garantir mais alunos/as aprendendo, com um fluxo escolar adequado, mas
precisa da busca das aulas práticas que estabelece relações entre duas ou mais disciplinas,
6 O projeto Educanvisa prepara os profissionais de Educação da rede pública e de Vigilância Sanitária para que pos-
sam disseminar conceitos de saúde que tem relação direta com o trabalho da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), como a prevenção aos riscos associados ao consumo de medicamentos e de alimentos industrializados. O
objetivo do Educanvisa é conscientizar a comunidade local em relação aos riscos associados ao consumo de produtos
sujeitos à vigilância sanitária influenciado pela propaganda.
7 A Feira Ciência Viva é um evento anual realizado desde 1995 e faz parte da programação da Semana Nacional de
Ciência e Tecnologia, em Uberlândia, desde 2009. É uma realização da Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (IFTM) – Campus Uberlândia e da
Prefeitura Municipal de Uberlândia (PMU). <http://dica.ufu.br/index.php/dica- revistas>
8 A Maratona de Matemática é um evento anual promovido pela Prefeitura Municipal de Uberlândia, desde 2015, por
meio do Núcleo de Ensino Fundamental (NEF) da Secretaria Municipal de Educação (SME). A competição acontece no
Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz (CEMEPE), tem como objetivo estimular e promover
o estudo da Matemática entre alunos/as das escolas municipais de Uberlândia e, é uma atividade que se articula com
a prática pedagógica escolar e, se traduziu em um concurso de resolução de problemas envolvendo as operações
básicas: adição, subtração, multiplicação e divisão. http://cemepe.ntecemepe.com/publicacoes/boletim-informativo/edi-
coes-2016/ano-i-no-6-junho-julho- 2016/geral/iimaratonadematematicaestimulaoestudo

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 20 248
aulas dinâmicas, criativas, com o uso de material manipulável, como metodologia de todos/
as os/as docentes.

CONSIDERAÇÕES
Aulas com materiais concretos têm possibilitado que os/as estudantes estabeleçam
relações entre as situações experienciadas na manipulação de tais materiais e a abstração
dos conceitos estudados. Neste contexto, PAIS (2006) nos ajuda a compreender esta
situação ao afirmar que o uso de material concreto estende o pensamento abstrato e
caracteriza a aula como mais participativa e dinâmica.
Fazenda (2003, p. 85) ressalta o compromisso do educador interdisciplinar na
construção de uma política educacional que contextualize e historicize o processo vivido,
ou seja, que esteja baseado na atitude interdisciplinar de poder “rever o velho para torná-lo
novo ou tornar novo o velho”. Assim, encontrar sentido para um ser, um pertencer e um fazer
interdisciplinar está intimamente relacionado com o meio que nos cerca e perceber como
se processa esse encontro do eu (pessoal e social) no contexto da interdisciplinaridade é
compreender-se enquanto sujeito; sujeito que experiencia, sujeito que sente e pode vir a
fazer, dependendo, é claro, da sua relação com esse meio e das contribuições que dele
sofrer e nele, posteriormente, inferir.
Aulas como as ministradas pela professora exemplificada possibilitam a interlocução
entre diferentes segmentos da comunidade escolar como cooperadores, pelo pluralismo, pela
oportunização da consciência coletiva de responsabilidades e, por ter sido compartilhado
com outros profissionais da área e em diferentes espaços e momentos, é considerado um
trabalho em rede, até por possibilitar desenvolvimento de conteúdos em diferentes campos
do conhecimento e, campo conceitual, ou seja, de analisar toda estrutura que envolve o
pensamento ao se deparar com um problema, suas concepções e o tempo de assimilação,
aspectos esses imprescindíveis para o entendimento dessas estruturas.
Outra consideração relevante, é que atividades como as apresentadas podem criar
novos perfis de cientistas, desenvolver novas inteligências, abrir a Razão, oportunizar os
primeiros passos para a interação entre as pessoas, condição básica para a efetivação
de um trabalho interdisciplinar, que não há como ocorrer se não for em um regime de
coparticipação, reciprocidade, mutualidade, para que seja vivido e experieciado no “chão”
da sala de aula e exercido no cotidiano. Ou seja, contribuir para uma educação referenciada
socialmente.

REFERÊNCIAS
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e
quarto ciclo: Apresentação dos temas transversais / Secretaria da Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF, 1998.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 20 249
Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática.
Brasília: MEC/SEF, 2008.

Escola Plural. Proposta Político Pedagógica para Rede Municipal de Educação / Secretaria
Municipal de Belo Horizonte, 1994.

Pedagogia de Projetos. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 1994.

FAZENDA, Ivani C. (Org.). Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus, 2003.

LIMA, Rosemeire Roberta de. Campo multiplicativo: estratégias de resolução de problemas de


divisão de alunos do 4º ano do ensino fundamental em escolas públicas de Maceió. 2012. 126f.
Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Alagoas. Maceió 2012.

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iniciais do ensino fundamental. Curitiba: 2009. Disponível em: http://cev.org.br/biblioteca/principios-
subjacentes-as-praticas-pedagogicas-matematica- professoras-nas-series-iniciais-ensino-fundamental/

PAIS, Luis Carlos. Ensinar e Aprender Matemática. São Paulo: Autêntica, 1º. Ed. 2006. REVISTA
CIÊNCIA & TECNOLOGIA PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL.

Descobrindo a Ciência. Uberlândia: UFU/Museu Dica, Ano VI, Edição 2015, p.23. Revista
de divulgação científica do Museu Dica/UFU/SNCT 2014. <http://dica.ufu.br/index.php/dica-
revistas>Acessada em 25 de agosto de 2016.

VERGNAUD, Gérard. Teoria dos campos conceituais. In NASSER, L. (Ed.) Anais do 1º Seminário
Internacional de Educação Matemática do Rio de Janeiro. p. 1-26. 1993.

VERGNAUD, Gérard. A criança, a matemática e a realidade. Tradução: Maria Lucia Faria Moro. 1ª
ed. Curitiba – PR. Ed.UFPR. 2014.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 20 250
CAPÍTULO 21
GAMIFICAÇÃO E ENSINO DE LÍNGUAS

Data de aceite: 10/01/2022 um estudo que tem sido monolítico e arbitrário,


sempre autoritário, em aprendizagem significativa
e interativa.
Rosemary Lapa de Oliveira
PALAVRAS-CHAVE: Gamificação. Ensino de
Universidade do Estado da Bahia, campus I
https://orcid.org/0000-0003-1165-8265 línguas. Gramática. Aprendizagem ativas.

Risonete Lima de Almeida ABSTRACT: This text develops the game’s


Universidade do Estado da Bahia, campus II pedagogy idea to deal with an aspect of
https://orcid.org/0000-0003-0746-6439 knowledge that basic school has given relevance,
but has done so in a decontextualized way,
disconnected from the reality of the language
and current speakers. The main objective is to
RESUMO: Este texto desenvolve a ideia de
present a possibility of learning linguistic rules of
uma pedagogia do jogo para tratar de um
prestige normative grammar through the game
aspecto do conhecimento que a escola básica
structure, guided by the idea of ​​gamification,
tem dado relevância, mas o tem feito de forma
understood as the use of logic, aesthetics and
descontextualizada, desconexa da realidade
game mechanics, in non-game scenarios, with the
da língua e dos falantes da atualidade. O
objective of promoting engagement, motivation
principal objetivo é apresentar uma possibilidade
and behavior change. For this, reflections are
de aprendizagem de regras linguísticas da
raised about language teaching and the role
gramática normativa de prestígio através
given to the normative grammar teaching and this
da estrutura do game, guiado pela ideia de
new approach that has come to teaching that is
gamificação, compreendida como a utilização
gamification. Thus, theoretical issues related to
de lógicas, estética e mecânicas de jogos, em
gamification and grammar studies at school are
cenários que não são de jogos, com o objetivo de
debated. At the end, possibilities are presented
promover o engajamento, motivação e mudança
so that the objective presented here can be
de comportamento. Para isso, são levantadas
achieved, through the development of gamified
reflexões sobre o ensino de língua e o papel
classes, with the use of digital technologies or not,
dado ao ensino da gramática normativa e essa
that are able to transform a study that has been
nova abordagem que tem chegado ao ensino que
monolithic and arbitrary, always authoritarian, into
é a gamificação. Assim, são debatidas questões
meaningful learning and interactive.
teóricas ligadas à gamificação e aos estudos da
KEYWORDS: Gamification. Language teaching.
gramática na escola. Ao final, são apresentadas
Grammar. active learning.
possibilidades para que o objetivo aqui colocado
seja alcançado, através de desenvolvimento
de aulas gamificadas, com uso de tecnologias
digitais ou não, que deem conta de transformar

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 21 251
GAME START
A expressão em inglês que dá título a essa sessão é a que dá início aos jogos
eletrônicos, foco do presente texto que tem por objetivo apresentar uma possibilidade de
aprendizagem de regras da gramática normativa de prestígio, por alguns denominada culta
ou acadêmica, considerando que ela também deve ser aprendida pelo falante da língua.
Nesta abordagem, consideramos que a aprendizagem da norma gramatical, por alguns
considerada segunda língua para a maioria da população, para outros chamada de língua
de prestígio, ou seja, aquela que empodera falantes a dizerem por si de si, onde quer
que esteja, com quem quer que seja, não precisa ser maçante e descontextualizada da
realidade do falante da língua.
A proposta de gamificação é tornar esse aprendizado mais interativo, como nos jogos,
notadamente os eletrônicos. A Gamificação, segundo Ulbricht e Fadel (2014) compreende
a aplicação de elementos de jogos em atividades de não jogos. Ainda segundo essa autora,
embora a palavra tenha sido utilizada pela primeira vez em 2010 nessas circunstâncias,
pois para Navarro (2013), gamificação é uma tradução do termo gamification criado pelo
programador britânico Nick Pelling, em 2003, a sua ideia tem sido aplicada na educação
há muito tempo, seja através de premiações ou atividades com níveis de dificuldades que
se sucedem. Para Busarello, Ulbricht e Fadel (2014), esse termo apresenta o conceito de
estímulo ao pensamento sistematicamente como em um jogo, com o intuito de se resolver
problemas, melhorar produtos, processos, objetos e ambientes com foco na motivação e no
engajamento de um público determinado. O foco da gamificação é envolver emocionalmente
o indivíduo, utilizando mecanismos provenientes de jogos, favorecendo a criação de um
ambiente propício ao engajamento do indivíduo.
Para a elaboração dessa ideia, foi necessário o desenvolvimento de pesquisa
bibliográfica, estudando o que se tem feito e escrito no campo da gamificação,
intertextualizando com os estudos de gramática normativa da atualidade e de
gramaticalização, motivado por questões que envolvem a aprendizagem de regras que
o falante não usa cotidianamente, mas que precisa saber para ter acesso à atribuição de
sentidos a muitos textos já produzidos e para inserção aos bens de consumo do mundo
letrado.
Essas reflexões se justificam uma vez que o ensino de língua ainda hoje, a despeito
de todos os estudos a esse respeito, enfatiza a gramática teórico-normativa sob os moldes
de: conceituar, classificar, para, sobretudo, entender e seguir as prescrições. Tal ensino,
enfatizado até os anos 60, no Brasil, apresenta-se ainda hoje na maioria das escolas,
quase sempre desvinculado das atividades de leitura e produção textual.
Nas seções que se seguem, serão apresentadas questões relevantes para o
desenvolvimento da ideia sobre a gamificação da gramática, bem como reflexões empíricas
de propostas de trabalho envolvendo essa possibilidade.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 21 252
BUTTON SMASHING
Essa expressão é usada por jogadores de games eletrônicos quando é necessário
apertar várias combinações de teclas repetidamente para fazer uma certa ação. É o
‘ctrl+alt+delet’ nível hard. A expressão é aqui trazida para apresentar a metodologia
empregada e a abordagem dada ao fato apresentado, elaborando a diversidade de
abordagens aqui trazidas para dar conta da relação proposta entre games e gramática
normativa.
Mesmo os estudos sobre a gamificação, que podemos elencar como a mais nova
abordagem sobre o ensino e a aprendizagem, pouco (ou nada, de que se tenha notícia)
aborda uma possibilidade de tratamento mais reflexivo e contextualizado da língua. Assim,
a gramática toma o centro das aulas de língua portuguesa a ponto de, conforme conclui
Franchi (2006, p. 36): aceitar-se “por comodismo e muito sem refletir que a língua e a
gramática fossem mesmo um lugar de opressão e regra”.
Essa ideia desconsidera a gramática, conforme defende Franchi (2006, p. 99), como
“conjunto de regras e princípios de construção e transformação das expressões de uma
língua natural que as correlacionam com o seu sentido e possibilitam a interpretação” e a
incompletude da linguagem como característica de todo processo de significação.
O que se vê ainda é uma visão preocupantemente dicotomizada entre produção
de leitura e trabalho com gramática, como se ambos não girassem em torno do mesmo
processo. Segundo Franchi (2006, p. 34), as críticas direcionadas ao trabalho pedagógico
com a gramática não têm sido acompanhadas de reflexões para a elaboração de uma nova
mediação entre a teoria linguística e a prática pedagógica que redunde no pensamento
de que os conhecimentos concernentes à gramática normativa, tanto quanto outros
conhecimentos referentes à língua são de igual importância para uma produção de leitura.
Afinal, as palavras não significam em si. Elas significam porque têm textualidade,
ou seja, porque sua interpretação deriva de um discurso que as sustenta, que as provê de
realidade significativa. E sua disposição no texto faz parte dessa sua realidade (ORLANDI,
2001, p. 86). Concordando com Orlandi que as palavras só significam dentro de uma
textualidade, duas questões aparecem como fundamentais ao se levantar a discussão sobre
o estudo da gramática: a primeira é de que não se pode falar em produção de leitura sem
se falar de gramática, pois, concordando com Fiorin (2004, p. 9), estudiosos da linguagem
desenvolvem “uma série de teorias do discurso, em que se mostra que existe uma gramática
que preside à construção do texto”, a qual precisa ser ensinada aos estudantes para que
“possam, com mais eficácia, interpretar e redigir textos” (ibidem), conclui esse autor. E a
outra é de que ensinamos a gramática para que textos sejam lidos de forma mais ampla e
contextualizada, ou seja, o foco do ensino precisa ser a leitura.
Orlandi (2001, p. 64), concordando com Fiorin, ressalta que: “explicitar os mecanismos
de produção de sentidos inscritos no texto é uma maneira de tornar visível o modo como a

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 21 253
exterioridade (sujeito, história) está presente nele, é trabalhar sua historicidade”. Explicitar
esses mecanismos é, também, considerar as questões gramaticais. Na esteira das
discussões trazidas por Franchi (2006) sobre o tratamento dispensado ao texto através
da maneira de docentes conceberem gramática, nas salas de aula da atualidade, modo
geral, o que se percebe é um ensino descontextualizado da gramática e sempre de forma
maçante e massificadora, a despeito do que defende Bagno (2011, p. 20), em sua Gramática
Pedagógica do Português Brasileiro de que “não se deve fazer um ensino explícito, técnico
e taxionômico de gramática na educação básica”.
Aqui cabe salientar que o exercício de metalinguagem pode ser um dos modos
de abordagem da língua, no sentido de ampliação de conhecimento linguístico, um dos
sistemas de conhecimento propostos por Koch e Elias (2007) para o processamento
do texto. Mas de modo algum se quer defender que seja apenas esse, nem que essa
ampliação de conhecimento seja imposto ou se dê de forma acrítica e atemporal, prevendo
e fomentando um falante passivo que sequer existe.
O que se projeta com a gamificação da gramática é justamente a promoção da
autonomia, considerando que as normas impostas como de prestígio fazem parte de em
um jogo de regras rígidas e definidas fora do falante, alheias a ele e impostas a ele, mas
que são usadas por ele e que promovem a imposição por escolhas político-culturais.
Nesse sentido, uma gamificação da gramática pode vir a ser um aliado no sentido de fazer
perceber aos estudantes jovens, adultos e idosos como e por que as escolhas normativas
foram sendo feitas. A gramática, no entanto, não é aprendida dentro de uma sistemática de
aprendizagem acrítica e mecânica.
Nessa perspectiva, estudantes têm toda razão de achar que o estudo da gramática
é difícil, pois não é vista como uma forma de prática social, como nos ensina Fairclough
(2008, p. 91-104), que continua: “o discurso é uma prática, não apenas de representação do
mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significados”.
E, para que a ideia sobre a importância da gramática na análise de texto fique clara, ele
diz: Toda oração é multifuncional e, assim, toda oração é uma combinação de significados
ideacionais, interpessoais (identitários e relacionais) e textuais. As pessoas fazem escolhas
sobre o modelo e a estrutura de suas orações que resultam em escolhas sobre o significado
(e a construção) de identidades sociais, relações sociais e conhecimento e crença.
Diferente de uma aula que, segundo relata Fiorin (2004, p. 09) em suas pesquisas:
“consiste em responder a um questionário com perguntas que não representam nenhum
desafio intelectual ao aluno e que não contribuem para o entendimento global do texto”, a
gamificação da gramática pode fazer com que o sujeito da aprendizagem entenda a sua
língua em suas várias nuances, através de estratégias de desafios e objetivos alcançáveis
através de níveis de dificuldades sempre crescentes. A proposta da gamificação da
gramática prevê, como nos jogos, desenvolvimento de pensamento autônomo e perceptivo
sobre as questões da língua, objetivando ampliação de repertório linguístico.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 21 254
Segundo Alves, Minho e Diniz (2014), a lógica presente nos games tem sido usada
para área de formação escolar e profissional, entre outras áreas. Ainda segundo essas
autoras, o próprio Ministério da Cultura já reconhece os games como um produto audiovisual,
apoiando o desenvolvimento de ambientes gamificados, a exemplo do Geekgames, uma
plataforma online de aprendizado adaptativo que possibilita aos estudantes prepararem-
se para o Exame Nacional para o Ensino Médio (ENEM), através de desafios. “Os alunos
inscritos têm acesso a um diagnóstico e a um estudo personalizado que possibilitam
identificar suas limitações e acompanhar os avanços nas áreas a serem avaliadas pelo
ENEM” (ALVES, MINHO, DINIZ, 2014, p. 76). Sendo assim, a proposta de gamificar a
gramática torna-se uma ação factível e amplamente amparada não só teóricamente, mas
também institucionalmente.
A aplicação de elementos, mecanismos, dinâmicas e técnicas de jogos no contexto
fora do jogo, ou seja, na realidade do dia a dia profissional, escolar e social do indivíduo é
compreendida como gamificação, assim, gamificar a gramática não se restringe a elaborar
um software adaptado ao assunto. Não há necessidade de se atrelar o jogo eletrônico à
gamificação, uma vez que ela está mais para o campo da ideia do que do concreto. Sendo
assim, uma aula em sequência didática, em que as ações são exercídas por discentes e
mediada por docentes, apresentando níveis crescentes de dificuldades e com um objetivo
claro e anteriormente conhecido para o final como proposta de desafios, necessidade de
esforço físico e/ou mental e, até mesmo, frustração, mesmo sendo tudo feito com o corpo,
é gamificação.
Assim, é possível entender a gamificação como jogo e o jogo como uma atividade
inerente do instinto natural do ser vivo de se relacionar, se divertir e se preparar para
atividades mais complexas que poderão ser postas em prática futuramente, pois ela está
diretamente relacionada à sociedade e à consciência humana para existir, conforme nos
ensina Huizinga (1980). A experiência do jogar deve ser enriquecedora e interessante,
sobrepondo-se ao resultado alcançado, uma vez que o caminho percorrido durante as
horas investidas na atividade é um dos principais motivos pelo qual um jogo é iniciado,
desenvolvido com engajamento e finalizado.
No entanto, a gamificação deve ser identificada não só a partir da junção dos fatores
anteriormente apresentados, mas como forma de conseguir engajamento dos envolvidos
em uma determinada tarefa. De acordo com Kapp (2012), o game thinking, ou pensamento
baseado em estrutura e dinâmica dos jogos, é, provavelmente, o elemento mais importante
da gamificação, responsável por converter uma atividade do cotidiano em uma atividade
que agregue elementos de competição, cooperação e narrativa.
Conforme Alves, Minho e Diniz (2014), muitas ações gamificadas já estão em
andamento na vida moderna. Elas citam três experiências exitosas e ressaltam que em
nenhuma das experiências havia como meta uma recompensa material (financeira).
Todos objetivavam, continuam elas, a construção de um bem maior, a colaboração e o

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 21 255
compartilhamento entre pessoas. Nos três exemplos utilizados existem características
comuns que possibilitam a imersão e o engajamento das pessoas: desafio, metas, feedback,
premiação e, principalmente, práticas colaborativas e cooperativas.
Cada uma dessas características tem um papel importante no desenvolvimento
das atividades. O desafio é o elemento propulsor para motivar e engajar os jogadores,
estabelecendo objetivos que devem ser alcançados a curto, médio e longo prazo, mediante
as estratégias que mobilizam funções cognitivas e subjetivas. O sistema de feedback é
fundamental para subsidiar e retroalimentar o processo de engajamento dos jogadores,
informando seu percurso para alcançar os objetivos propostos.
As mensagens enviadas ao jogador têm o objetivo de redirecioná-lo no alcance dos
objetivos ou motivá-lo; as pontuações e scores comparativos são exemplos de feedback.
A premiação é a recompensa pela tarefa ou subtarefa realizada. Normalmente, elas são
ilustradas com medalhas, ‘novas vidas’ ganhas, entre outras possibilidades. As práticas
colaborativas e cooperativas compõem a mecânica que norteia os jogos e as ações
gamificadas.
Assim, gamificar a gramática, conforme apresentado neste trabalho, é torná-la
campo de aprendizagem empírica e mediada pela ideia de atividade que agregue elementos
de desafios, cooperação e narrativa.
Ainda sem a possibilidade de acesso a esse instrumento, uma vez que ainda
esteja no campo da ideia, uma forma de gamificar a gramática seria a mediação docente
fomentando o pensamento investigativo de seus e suas estudantes no sentido de construir
desafios para a elaboração de conceitos gramaticais a partir de observação da língua em
funcionamento. Afinal, não foi assim que nasceram as gramáticas?

BUFF
Essa expressão muito usada por gamers indica quando alguém dá alguma ajuda
para outro num jogo, o que pode se apresentar como uma magia de cura, auxílio, uma
vida, aumentar a força em um personagem ou grupo. Neste texto, essa palavra representa
as discussões advindas das reflexões produzidas sobre a possibilidade de um game que
aborde de forma lúdica o ensino da gramática normativa potencializar essa aprendizagem
e efetivamente oferecer mediação (ajuda) para essa aprendizagem.
É bem possível que diversas experiências nesse campo estejam acontecendo no
dia a dia das nossas escolas e que docentes nem se deem conta de que estão gamificando
a gramática. Este artigo objetiva dar um retorno e parabenizar a esses profissionais, ao
mesmo tempo em que deseja que mais profissionais se engajem nessa proposta.
É bem possível também que seja disponibilizado nos próximos anos um software
que ajude no processo de entendimento da gramática normativa, mas é sempre importante
lembrar que a gamificação não se restringe ao jogo eletrônico. É uma ideia que pode ser

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 21 256
desenvolvida numa sala de aula, usando papel, caneta, livros e, acima de tudo, atitude
investigativa fomentada e mediada por professores. Assim, novas perspectivas serão
lançadas para a aprendizagem da língua, no sentido de ampliar atribuições de significados
a textos orais e escritos guiados sempre por uma gramática, nem sempre a normativa, é
certo, mas sempre por uma gramática!
Uma discussão a respeito de uma metodologia ativa que considere a gamificação
como proposta de abordagem, notadamente, da língua na educação básica torna-se cada
vez mais urgente se pensamos que metade da população mundial que tem acesso à internet
usa-a para jogar. Ou seja, os jogos fazem parte da realidade dos sujeitos da aprendizagem
e esse mecanismo de aprendizagem tem sido sistematicamente desconsiderado como
aparato metodológico.
É certo que há ainda muito que se estudar a esse respeito, mas, diante do que já
foi produzido academicamente e o que vem ainda sendo produzido, é certo afirmar que
as ideias aqui propostas são produtivas, razoáveis e factíveis. Mesmo que não haja uma
formação específica para professores atuarem como gamesters, podemos pensar que a
ação do jogo e do brincar é da natureza do humano que a vem desenvolvendo desde que
a humanidade deu seus primeiros passos rumo à civilidade, quiçá antes! Então, nada mais
humano que acrescentar a metodologia ativa da gamificação para intensificar e deixar mais
significativas as aprendizagens.

REFERÊNCIAS
ALVES, Lynn Rosalina Gama; MINHO, Marcelle Rose da Silva; DINIZ, Marcelo Vera Cruz.
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ARAUJO, Wagner Santos. Avatares – Da natureza mítica aos processos de avatarização orientados
por procedimentos interativos, discursivos e literários: Diálogos. In: IPOTESI, Juiz de Fora, v.19, n.1, p.
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mar 2018

BAGNO, Marcos. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2011

BUSARELLO, Raul Inácio; ULBRICHT, Vania Ribas; FADEL, Luciane Maria. A gamificação e a
sistemática de jogo: conceitos sobre a gamificação como recurso motivacional. In: FADEL, Luciane
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FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília: Editora
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FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 12.ed. São Paulo: Contexto, 2004

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 21 257
FRANCHI, Carlos, NEGRÃO, Esmeralda Vailati e MÜLLER, Ana Lúcia. Mas o que é mesmo
“gramática”? São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

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Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/mod_resource//gamificacao.pdf. Acesso em 25 mar 2018

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ULBRICHT, Vania Ribas; FADEL, Luciane Maria. Educação Gamificada: valorizando os aspectos
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Tarcísio (Orgs.). Gamificação na educação. São Paulo: Pimenta Cultural, 2014.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 21 258
CAPÍTULO 22
LETRAMENTO INFORMACIONAL: O QUE
REPRESENTAM OS RISCOS NA INTERNET

Data de aceite: 10/01/2022 uso, com objetivo de favorecer a redução de


potenciais comportamentos de risco associados
aos perigos existentes. Resultados deste estudo
Josete Maria Zimmer
exploratório-descritivo, de cunho qualitativo,
Escola Estadual Fernando Nobre
http://lattes.cnpq.br/7912728096014521 sugerem formação de professores e discussão
na escola sobre riscos na Internet como uma
Maria de Fátima Serra Rios estratégia de sustentabilidade educacional,
Universidade Estadual do Maranhão articulando os alunos adolescentes aos valores
http://lattes.cnpq.br/9744742016051262 apreciados pela sociedade e cidadania.
PALAVRAS-CHAVE: Letramento Informacional;
letramento digital; web; prevenção de riscos.

RESUMO: O acesso à informação, aos novos


modos de aprender e de se comunicar, associados INFORMATIONAL LITERACY: WHAT
ao contato com o mundo da Web por parte dos REPRESENT RISKS ON THE INTERNET
adolescentes, requer das escolas a aquisição de ABSTRACT: Access to information, to new ways
letramento digital. Neste se inserem as atividades of learning and communicating, associated with
de formação do letramento informacional que adolescents’ contact with the world of the Web,
ultrapassam as competências de uso digital. Este requires schools to acquire digital literacy. This
artigo reflete sobre a discussão dos riscos aos includes information literacy training activities
usuários da Internet na perspectiva da prevenção that go beyond digital skills. This article reflects
de situações indesejáveis. Nesse sentido, a ótica on the discussion of risks to Internet users
dos alunos sobre o uso da Internet subsidiou as from the perspective of preventing undesirable
ações de projetos de orientação para alunos, que situations. In this sense, the students’ perspective
estudavam no Ensino Fundamental uma escola on the use of the Internet supported the actions
pública de tempo integral em Cotia, município of guidance projects for students who studied at
do Estado de São Paulo, Brasil. Os resultados a full-time public school in Cotia, a municipality in
foram obtidos por meio de sondagem diagnóstica the State of São Paulo, Brazil. The results were
por meio de questionário, com questões abertas obtained through a diagnostic survey through a
e grupos focais. O projeto desenvolvido levou questionnaire, with open questions and focus
a reflexões necessárias sobre a função social groups. The project developed led to necessary
da escola no desenvolvimento de letramento reflections on the social role of the school in the
informacional. Constatou-se que o acesso à development of information literacy. It was found
Web traz novas possibilidades e benefícios com that access to the Web brings new possibilities
novos modos de comunicação; porém, a escola and benefits with new modes of communication;
possui papel preponderante em assegurar however, the school has a preponderant role in
estratégias apropriadas para maximizar o seu ensuring appropriate strategies to maximize its

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 22 259
use, in order to favor the reduction of potential risk behaviors associated with existing hazards.
Results of this exploratory-descriptive study, of a qualitative nature, suggest teacher training
and discussion in schools about risks on the Internet as an educational sustainability strategy,
linking teenage students to the values appreciated by society and citizenship.
KEYWORDS: Informative Literature; digital literacy; web; risk prevention.

INTRODUÇÃO
Grandes mudanças e transformações da sociedade apresentam inúmeros desafios:
diversidade cultural, responsabilidade ética e social, globalização, instantaneidade
de informações, dentre outras. Nesse cenário, é cada vez mais presente a busca por
indivíduos proativos, que atuem de forma ética e segura, inclusive via Internet. Para isso,
as instituições familiares e escolares agregam valor no desenvolvimento das pessoas,
tanto para as questões de segurança em si, quanto para a percepção dos riscos a que
podem estar submetidos.
O risco não existe por si só, antes depende tanto da percepção, quanto da encenação
social da qual é objeto (BECK, 2008 apud BOSCO; FERREIRA, 2016, p. 236).
A definição de risco ainda não é consenso universal, entretanto, autores que
estudam o tema concordam em um conceito probabilístico, relacionado ao potencial de
perdas e danos, de acordo com Chamon e Chamon (2007). Assim, para efeito deste estudo,
considerou-se “risco” uma probabilidade de ocorrência de perda ou dano, associada à
consequência de um perigo, que por sua vez é compreendido como uma fonte, situação ou
fator com potencial para provocar perdas e danos.
Para Chamon e Moraes (2011, p. 251), por exemplo,
o risco aparece como um conceito em mutação, cuja principal matiz é a busca
do controle. Os sujeitos, em indústria potencialmente perigosa, reconhecem o
risco a partir da experiência do dia a dia, e o conformam segundo sua visão
de mundo. Os padrões e normas não são suficientes para lhes dar todas
as respostas necessárias ao tratamento das diversas situações de perigo,
e a busca de respostas consensuais é premente e presente na maioria das
atividades do cotidiano.

Na Internet, os riscos, segundo Miranda e Soromenho (2010), envolvem além dos


vírus, o cyberbullying; a perda da privacidade; a perda de segurança física; a recepção de
material pornográfico, xenofóbico ou de violência extrema; a visualização de conteúdos
embaraçosos; as fraudes online; a recepção de mensagens de ofertas e outras publicidades
não solicitadas; e até o aliciamento para o jogo a dinheiro online.
Portanto, a escola possui papel preponderante em assegurar estratégias apropriadas
para maximizar o uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), com
objetivo de favorecer a redução de potenciais comportamentos de risco associados aos
perigos existentes na rede mundial de computadores. E foi nessa direção que se inseriu o
trabalho que ora se apresenta neste artigo.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 22 260
Como no contexto educacional não se pode estudar riscos na Internet sem discutir
o seu uso sob a ótica dos alunos, e o que pode ser adequado ou não, foram considerados
estudos de Almeida e Valente (2011); Piconez e Nakashima (1998; 2013) que defendem
o acesso às TDIC na escola por meio de projetos consistentes, com objetivos claros e
articulados aos temas tratados nas disciplinas. Também foi necessário agregar o estudo à
formação permanente dos professores e estratégias para o conhecimento pedagógico do
uso das TDIC, com ênfase no Letramento Informacional (RIOS, 2018).

METODOLOGIA
Considerando-se a vivência em projetos de pesquisa realizadas em escolas
públicas com projetos de apropriação das tecnologias ao contexto escolar, o Grupo Alpha
de Pesquisa (diretório do CNPq/FEUSP), ao qual as autoras estavam vinculadas, atendeu
à solicitação da direção de uma escola estadual de tempo integral, que atende a faixa etária
de 10 a 16 anos, ou seja, do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, situada no município de
Cotia, São Paulo, Brasil, para formar professores e desenvolver a cultura digital.
Dentre as atividades de formação nessa escola, as autoras deste artigo elaboraram
um projeto em uma das oficinas obrigatórias no currículo do Ensino Fundamental, a Oficina
Orientação de Estudos. Tal projeto foi inserido no contexto da pesquisa-ação de Rios
(2018), na qual foi desenvolvido inicialmente um estudo diagnóstico, tendo como foco a
caracterização de usos que alunos (adolescentes) faziam da Internet; e, posteriormente, as
intervenções incluíram encontros semanais, em Grupos Focais (GATTI, 2005).
Trata-se, portanto, de uma pesquisa de natureza “qualiquantitativa” (FAZENDA,
2015), e exploratória, considerando que esta proporciona maior familiaridade com o
problema, a fim de torná-lo explícito, ou mesmo, para construir hipóteses ou diretrizes para
a ação. (TRIVIÑOS, 2009; GIL, 2002).
Este texto apresenta resultados da utilização de um questionário como técnica de
sondagem diagnóstica, que fornece informações obtidas em números e outros elementos
para a análise qualitativa (TRIVIÑOS, 2009; GIL, 2002).
Os questionários foram preenchidos de maneira a compreender os sinais, o
desenvolvimento e compreensão dos riscos na Internet. Muitas das questões permitiram
avaliar os pensamentos, sentimentos e comportamentos mais presentes sobre o uso da
internet. As perguntas abertas possibilitaram identificar a dinâmica familiar, social e cultural
que podem ser provocadoras do uso dependente e frequente da Internet.
No que se refere à temática deste artigo, foi solicitado aos alunos que indicassem
até três riscos que poderiam estar presentes ao utilizarem a Internet, em uma das
questões abertas do questionário. O instrumento para a coleta de dados foi construído
com o aplicativo do Google, denominado Formulário Google, sendo gerado um link que foi
enviado aos alunos via e-mail, e que foi postado, também, em um blog da escola, para os

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 22 261
alunos responderem durante o segundo semestre de 2016.
Os dados foram analisados e classificados de acordo com as aproximações entre
as palavras, expressões e frases apontadas pelos alunos. E as associações temáticas e
conceituais resultaram na organização de cinco classes.

RESULTADOS
Com base na pesquisa-ação de Rios (2018), passa-se a discorrer sobre alguns
resultados, que demonstraram a reduzida percepção pelos adolescentes dos riscos na
Internet, o que revela indícios do letramento informacional no contexto escolar.
Dos 218 alunos da escola, 69 responderam ao questionário, o equivalente à 32%
do corpo discente. A distribuição dos respondentes por ano escolar revela maior percentual
de respostas no sexto ano, que representa 36% das respostas; em seguida os alunos do
9º ano, com 26%; depois os do 8º ano, com 25%, e, por fim, os do 7º ano, com 13% das
respostas.
Com os 69 alunos respondentes foram totalizados 154 itens de respostas, mas três
alunos afirmaram que não sabiam quais os riscos na Internet e outros três disseram não
haver risco algum, restando 148 itens de respostas para a análise temática.
Dos 148 itens, obteve-se um total de 56 palavras, expressões ou frases distintas e
na análise temática desses itens agrupou-se os 56 itens em duas categorias, a de fatores
de perdas e danos e a de perdas e danos, subdivididas em cinco classes, conforme
discriminam as Tabelas 1 e 2.
As classes de fatores de perdas e danos estão relacionadas ao perfil psicológico do
internauta; ao conteúdo veiculado na Internet; e ao comportamento do aluno na Internet. As
classes de perdas e danos se relacionam aos equipamentos ou dispositivos e à integridade
do aluno (física e psicológica).
Procedendo-se na contagem das ocorrências dos itens, identificou-se que as três
principais categorias de itens apontados estavam relacionadas aos fatores de perdas e
danos, a saber: vírus (23%), hackers (16%) e conteúdos inapropriados (13%), conforme
Tabela 1.
Já entre os itens classificados como perdas e danos, os eventos com maior ocorrência
se relacionaram à integridade do aluno, a saber: riscos sexuais (8%), os relacionados à
agressão (7%) e à segurança pessoal e patrimonial (7%), conforme Tabela 2.
O vírus foi apontado por 23% dos alunos e 2% alunos indicaram as suas
consequências, em expressões relacionadas ao acesso a sites: “podem dar problema
técnico no computador”, “podem danificar o computador” e “podem dar problemas no
computador”.
Além do termo “hacker” usado por 16% dos alunos, seu conceito era percebido
como um risco da Internet nas expressões de outros dois alunos, a saber: “invasores da sua

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 22 262
conta”, “invasores da sua privacidade ou pessoas que podem ver suas coisas pessoais”.
Com esse entendimento, nove alunos indicaram riscos consequentes da ação invasiva de
hackers e que comprometem sua integridade, como: “pegar meu número de casa”, “pegar
seu e-mail”, “pegar suas coisas e postar”, “usar suas coisas”, “ver suas coisas pessoais”.
Ainda na classe dos fatores de perdas e danos no perfil psicológico do internauta
identificou-se a utilização de expressões: “gente doida”, “pessoas com más intenções”,
“pessoas estranhas” e “pessoas perigosas”.
Esses perfis também apontaram para perdas e danos que podem comprometer a
integridade do aluno, sendo indicados por 7% dos alunos aqueles relativos à segurança
física e patrimonial, a saber: ameaças, golpes, fraudes, “perder tudo”, ser roubado
e até sequestro, como enfatiza um aluno “tem o risco de me sequestrar”. Tais perfis
podem promover outros danos como o bullying, conceito incorporado por 7% dos alunos
respondentes, independentemente de como expressam, seja o termo cyberbullying, bullying
na Internet ou mesmo a expressão “zoar você”.
Para os adolescentes era um pouco confuso o conceito de risco. Entretanto, esses
perfis de internautas, indicados como riscos na Internet podem gerar perdas e danos,
tais como promover prejuízo à integridade na área sexual, categoria que obteve maior
ocorrência dos itens nessa classe. Nota-se que 8% alunos tinham clareza de que poderiam
sofrer assédio; um aluno usou a linguagem espontânea - “ser bolinado”, outros percebiam
que estavam vulneráveis ao estupro, ao perigo de prostituição, ao abuso infantil.
Na classe dos fatores de perdas e danos no conteúdo veiculado na Internet, 10% dos
alunos que apontaram itens relacionados à veracidade e autenticidade das informações,
viam o acesso a sites piratas ou páginas falsas, apontaram as propagandas enganosas,
indicaram especialmente as informações falsas, dentre elas o perfil falso, que põe em risco
a comunicação e riscos à integridade pessoal.
Quanto aos conteúdos impróprios, 13% dos alunos apontaram sites inapropriados,
sites não confiáveis que veiculam coisas maliciosas e impróprias para crianças e menores
em geral. Houve também a indicação de um conteúdo de forma mais genérica, como
“besteiras”, “coisas ruins”, “coisas feias” e “coisas que podem atrapalhar”.
Apenas 3% dos alunos indicaram alguns comportamentos pessoais como:
“curiosidade para entrar em site falso”, “entrar em sites estranhos”, “exposição exagerada”,
“fazer compras em sites desconhecidos”, “jogar em horas não permitidas” e “jogos
perigosos”, como os “que levam à morte”.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 22 263
Frequência
Classe Fatores de perdas e danos de ocorrência

Hackers, invasores da sua privacidade, pessoas que podem


16%
Perfil psicológico ver suas coisas pessoais, invasores de conta
do internauta Pessoas com más intenções, pessoas perigosas, pessoas
3%
estranhas, gente doida

Vírus 23%

Conteúdo impróprio: besteiras, coisas feias, coisas ruins,


sites que direcionam para besteiras, polêmica, anúncios que
Conteúdo
podem atrapalhar, sites inapropriados, sites não confiáveis, 13%
veiculado na
sites proibidos ou vídeos proibidos para menores, mensagens
Internet
maliciosas, coisas inapropriadas, coisas indesejáveis

Conteúdo falso: informações falsas, páginas falsas, perfil


10%
falso, propagandas enganosas

Compras em sites desconhecidos, curiosidade de entrar em


2%
Comportamento site falso, entrar em sites estranhos
do aluno na
Exposição exagerada 1%
Internet
Jogos que podem levar à morte e jogos perigosos 2%

Tabela 1 - Riscos na Internet para alunos do Ensino Fundamental, anos finais em uma escola pública
no Estado de São Paulo, segundo as classes dos fatores de perdas e danos
Fonte: RIOS, 2018

Frequência
Classe Perdas e danos de ocorrência

Pode dar problema técnico no computador ou pode danificar o


Equipamentos 2%
computador, pode dar problema no computador

Violência sexual: abuso infantil, sermos bolinados, assédios,


8%
estupro, ou prostituição

Agressão verbal: insultos, comentários arrogantes,


Integridade do 7%
cyberbullying ou “zuar você”
aluno
Segurança física: ameaças e sequestro 3%

Segurança patrimonial: fraudes, roubos, golpes, perder tudo 4%

Invasão da privacidade: pegar meu número de casa, pegar seu


e-mail, podem postar suas coisas, usar minhas coisas ou ver 6%
coisas pessoais

Tabela 2 - Riscos na Internet para alunos do Ensino Fundamental, anos finais em uma escola pública
no Estado de São Paulo, segundo as classes de perdas e danos
Fonte: RIOS, 2018

Embora tenha sido um referencial para subsidiar o projeto de orientação na escola,


foram (e são) necessários aprofundar estudos para estabelecer critérios para que os
adolescentes discutam o tema em questão. Compreendeu-se com as análises realizadas
que a Internet não é o problema. Em vez disso, o problema é o comportamento diante dela.
Por isso, a formação dos adolescentes deve sempre considerar os limites sociais, éticos e

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 22 264
legais, com a discussão sobre as consequências dos próprios atos.
Conforme Almeida e Valente (2011), a Internet precisa estar inserida e integrada aos
processos educacionais, agregando valor à atividade que o aluno ou o professor realiza.
Monteiro e Gomes (2009, p. 5612), lembram que:
A Internet traz novas possibilidades e benefícios, nomeadamente no acesso
ao conhecimento, na colaboração entre alunos e escolas, na inclusão social,
entre muitos outros aspectos que poderiam ser referidos. No entanto, é
necessário assegurar mecanismos e estratégias apropriados para que o uso
da Internet por parte das crianças e adolescentes seja feito maximizando
o seu potencial e minimizando a adoção de potenciais comportamentos de
risco associados ao uso dela.

A proposta de intervenção pedagógica para prevenir a exposição dos riscos


na Internet aos alunos e aos seus dispositivos deveria conter orientações precisas, um
trabalho dialógico e considerar também a formação continuada dos professores quanto ao
Letramento Informacional.
Desse modo, o trabalho com os adolescentes envolveu, além de discussões nos
grupos focais sobre o uso da Internet outras ações na escola, tais como a leitura da “Cartilha
Brincar, estudar e... Navegar com segurança na internet!”, que está disponível na Web
gratuitamente pela SaferNet Brasil. Vale destacar que, basicamente por meio do diálogo
permanente, a SaferNet Brasil conduz as ações em busca de soluções compartilhadas com
os diversos atores da Sociedade Civil, da Indústria de Internet, do Governo Federal, do
Ministério Público Federal, do Congresso Nacional e das Autoridades Policiais. Seu objetivo
é transformar a Internet em um ambiente ético e responsável, que permita às crianças,
jovens e adultos criarem, desenvolverem e ampliarem relações sociais, conhecimentos e
exercerem a plena cidadania com segurança e tranquilidade.
Com as estratégias temáticas nos grupos focais, foram trabalhadas com os
adolescentes, os riscos na Internet, oportunidade em que eles refletiram, discutiram,
desenharam e produziram em grupos resumos para postagem no blog da escola. Foram
estabelecidas orientações sobre os riscos na Internet reconhecidos pelos alunos, dentre
eles:

• Vírus, que provocam danos aos dispositivos, como programas que modificam a
operação normal de um computador, sem permissão e conhecimento do usuá-
rio. De acordo com Feitosa, Souto e Sadock (2008), os alunos podem ser orien-
tados para as formas de transmissão de vírus que são o compartilhamento de
arquivos por meio de e-mails, redes sociais, jogos online e rádio via internet.
Para isso, deve-se indicar antivírus e ensinar o uso adequado desses progra-
mas dos dispositivos, bem como o acesso a sites confiáveis.

• Também foi abordada a questão da presença dos hackers, ou melhor, dos “cra-
ckers”, que conforme Felizardo (2010), são pessoas experts em computado-
res com domínio em informática e programação; eles entendem muito sobre o

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 22 265
assunto, mas utilizam este conhecimento para o mal e invadem sistemas com
intenção de furtar senhas, agir de forma ilegal e sem ética alguma. Quanto a
esse fator, ainda há limitações para o entendimento acerca das ações preven-
tivas no âmbito da escola, pois, no Estado de São Paulo, existe o Programa
Escola Digital arquivado nas nuvens, com cadastramento de senha para toda a
população da escola. Esta é uma plataforma de busca que reúne objetos e re-
cursos digitais para apoiar os professores e os alunos nos processos de ensino
e aprendizagem.

• Outro tema de Letramento Informacional trabalhado com os adolescentes diz


respeito aos riscos dos conteúdos falsos e impróprios; orientação da busca
adequada na Internet; estudo e identificação de sites confiáveis e desenvolvi-
mento da análise crítica dos conteúdos em trabalhos escolares e nas áreas de
interesse dos alunos.

• O fator de risco das pessoas mal-intencionadas, com perfil psicológico indese-


jável – em que se deve orientar os alunos para o cuidado ao conhecer amigos
virtuais, e antes de qualquer coisa, verificar quem é a pessoa e quais amigos
ela se relaciona nas redes sociais, pois uma das principais características do
Cyberbullying, por exemplo, é o anonimato, como ressalta Felizardo (2010), e a
autora ainda complementa que depois vem injúria, difamação, ameaça, calúnia
e racismo.

• O fator de risco do comportamento “inocente” e descuidado dos alunos que


precisam ser orientados para o cuidado com as informações pessoais, como
nome, telefone, endereço e fotos. Deve-se ter atenção aos objetivos dos jogos
na Internet e cuidar com o acesso a sites inadequados. É necessário orientar,
também, sobre as consequências dos seus atos, como a apropriação de ideias
de terceiros, por exemplo, o plágio.

CONCLUSÕES
O diagnóstico apresentado neste artigo partiu da compreensão dos alunos acerca
da questão da segurança na Internet, especificamente aos riscos a que estão suscetíveis.
A classificação obtida a partir da análise dos dados oferecidos pelos alunos se configurou
como um subsídio às intervenções, a fim de que fossem adequadas às necessidades e aos
conhecimentos prévios discentes.
Na representação de risco para os alunos houve indicação dos fatores que podem
causar danos ou perdas (perigos) e das possíveis consequências da exposição a esses
determinados fatores (riscos propriamente dito).
Fato é que a análise dos dados revelou que riscos no uso da Internet são percebidos
pelos adolescentes respondentes da pesquisa e variam entre aspectos psicológicos de
terceiros, conteúdos veiculados na Internet e seus próprios comportamentos. Em especial,
os riscos são notados tanto em relação aos dispositivos, quanto à própria integridade

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 22 266
pessoal, implicando em riscos não só na internet, mas a partir dela e fora dela, como o
caso de riscos de sequestro, e até de morte, consequente de jogos perigosos.
Por isso, vale notar que a questão merece os cuidados da escola e uma intervenção
pedagógica segura e dialógica, tratando-se de adolescentes ávidos por descobertas e
curiosidades, sendo uma das primeiras ações nesse sentido a de estabelecer a reflexão
dos fatores que podem causar perdas e danos, a fim de tornar efetiva a intervenção.
Nessa perspectiva, foram desencadeadas ações pedagógicas na escola campo da
pesquisa no intuito de promover transformações que sejam sustentáveis para os desafios
que a sociedade enfrenta. Este artigo é, pois, uma contribuição que reflete na introdução do
letramento informacional na escola pública com fundamento em uma educação sustentável,
função social de toda escola.

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A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 22 268
CAPÍTULO 23
LUDICIDADE NA SALA DE AULA: SUPERAÇÃO DAS
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM UTILIZANDO
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Data de aceite: 10/01/2022 na realização de jogos, brinquedos e brincadeiras,


assim compreender os benefícios que o lúdico
pode proporcionar a aprendizagens das crianças
em sala de aula. Ressalta a necessidade de
Juscilene Andreia de Oliveira
novas práticas pedagógicas na escola e aos
Graduada em Pedagogia pela Universidade
educadores, e que esses, comprometidos com
Federal de Mato Grosso, Cuiabá. – UFMT
a formação de indivíduos, sejam capazes de
e graduada em Ciências Contábeis
pela Universidade de Cuiabá MT, pós- desenvolver, de forma contínua, mecanismos
graduação em Educação Infantil pela FAEL, e ações eficazes para a formação inicial dos
Professora da Educação Infantil I e Técnica alunos, dando-lhes mais autonomia no pensar,
de Desenvolvimento Infantil na Prefeitura ensinando-lhes a expressar suas próprias
Municipal de Cuiabá- SME ideias e opiniões, construindo sua visão sobre
http://lattes.cnpq.br/4882598533162462 o mundo em que ele está inserido. A revisão da
bibliografia proporcionou referências teóricas
Gilmar Dias
para as discussões acerca do tema, contribuindo
Matemático, Tecnólogo em Processos
para a análise dos dados, coletados através de
Gerenciais, Pedagogo pela UFPR, Boqueirão,
pesquisa de campo.
Mestre em Educação, Especialista em
Educação a Distância, Especialista em Adm. PALAVRAS-CHAVE: Dificuldades de
Financeira e Informatização e professor do Aprendizagem; Jogos; Brinquedos E
curso de Pedagogia e da Pós-Graduação da Brincadeiras; Educação Infantil.
FAEL
http://lattes.cnpq.br/1880389197804048
LUDICITY IN THE CLASSROOM:
OVERCOMING LEARNING DIFFICULTIES
USING GAMES, TOYS AND PLAY
RESUMO: O presente artigo pretende abordar ABSTRACT: This article aims to address the
a importância da ludicidade, para a superação importance of playfulness, to overcome learning
das dificuldades de aprendizagem na educação difficulties in early childhood education, which
infantil sendo este um desafio constante a ser is a constant challenge to be faced by formal
enfrentado pela educação formal. Pesquisamos education. We researched how games, toys and
como os jogos, brinquedos e brincadeiras podem games can contribute to the regular classroom
contribuir com a professora regular da sala, teacher, through an innovative project, to
através de Projeto inovador, para superação overcome the learning difficulties of adding and
das dificuldades de aprendizagem do conteúdo subtracting content. Thus, as an objective, it
de somar e subtrair. Assim, como objetivo, visa aims to solve the difficulties presented by the
sanar as dificuldades apresentadas pelos alunos students and promote the participation of the
e promover a participação da professora regente regent teacher in the realization of games, toys

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 269
and games, thus understanding the benefits that playfulness can provide to children’s learning
in the classroom. It emphasizes the need for new pedagogical practices in schools and
educators, and that these, committed to the training of individuals, are able to continuously
develop effective mechanisms and actions for the initial training of students, giving them more
autonomy in the thinking, teaching them to express their own ideas and opinions, building
their vision of the world in which they are inserted. The literature review provided theoretical
references for discussions on the topic, contributing to the analysis of data collected through
field research.
KEYWORDS: Learning Disabilities; Games; Toys and Pranks; Child education.

1 | INTRODUÇÃO
A educação é um processo amplo e complexo, que abrange diversos sujeitos em
diferentes modalidades de aprendizagem, distinguidos pelo jeito de aprender.
Essa pesquisa buscou entender como o lúdico pode ser um facilitador na
aprendizagem de crianças de 5 anos e sua não utilização pode ser a causa do crescimento
do número de alunos que ao saírem da educação infantil apresentam dificuldades de
aprendizagem, principalmente sem o domínio das quatro operações matemática, as
crianças estão matriculados em uma turma de educação infantil II.
A pesquisa tipo estudo de caso possibilitou acompanhar as atividades docentes e os
avanços dos alunos, no intuito de confrontar teoria e prática no âmbito escolar. Estruturei
minha investigação na sala de aula, com vinte e cinco alunos, sendo que desse total 10
alunos apresentaram defasagem na alfabetização.
Neste sentido, a investigação proposta neste estudo consiste em identificar e
detectar se as ações das práticas educativas, sobre ludicidade, cuja finalidade é superar
as dificuldades apresentadas pelos alunos e adequar seus conhecimentos ao ano escolar
em que estão matriculados, terão resultado satisfatório, onde todos os alunos atingirão as
metas propostas.
Essa pesquisa se ateve sobre como os jogos, brinquedos e brincadeiras podem
contribuir com a professora regular na solução de problemas de alfabetização de alunos
participantes de do projeto sobre ludicidade de uma escola municipal de educação infantil
O objetivo dessa pesquisa foi o desenvolver novas práticas pedagógicas para a
superação das dificuldades de aprendizagem, através de ações responsáveis e coerentes
que contribuam para a construção do sucesso escolar de um grupo de dez alunos com
dificuldades de aprendizagem e propor soluções para esse fenômeno.
Essa pesquisa se mostrou relevante pelo fato de considerar fundamental ao professor
a diversidade cultural dos alunos como ponto de partida para o trabalho educativo, no
sentido de valorização do conhecimento por ele trazido e da capacidade de aprendizagem
de cada um.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 270
2 | ALGUMAS ABORDAGENS SOBRE O BRINCAR
O brincar vem sendo discutido a partir de abordagens culturais que analisam o jogo
como expressão de cultura especificamente infantil, abordagem psicológica que vê o jogo
como forma de compreender melhor o funcionamento das emoções e das personalidades
das pessoas. E a abordagem educacional estuda as contribuições do jogo para educação,
o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças.
Além de transmitir conteúdos, impor regras, ajustar as crianças a lei da escola,
é preciso antes saber quem é o aluno, de onde vem? Qual o seu ritmo, seu estilo, suas
crenças, seus valores, seus hábitos e quais suas necessidades e crenças.
Segundo os PCNs: “Cabe ao educador, por meio da intervenção pedagógica,
promover a realização de aprendizagens com o maior grau de significado possível, uma
vez que esta nunca é absoluta.” (BRASIL, 1997, p. 38).
O educador deve procurar da melhor forma possível, contextualizando as disciplinas
com a vivência e cultura de cada criança, ajustando o educando com os demais alunos,
a rotina da escola deve antes de tudo procurar ir de encontro aos hábitos e costumes dos
seus alunos para melhor aproveitamento do processo ensino aprendizagem.
Kishimoto (1996) aponta as brincadeiras como processo assimilativo, que caracteriza
conduta livre, prazerosa, espontânea, meio através do qual a criança expressa sua vontade.
A manifestação da conduta lúdica demonstra o nível dos estágios do desenvolvimento
cognitivo, além de construir conhecimentos. Quando queremos saber alguma informação
sobre a criança é só entrar no seu mundo, mas para isso é preciso entrar na brincadeira
de forma alegre e livre dos preconceitos do adulto. A criança se socializa, fala, comunica,
cria, age e pensa brincando, elas gostam das aulas quando tem a possibilidade de brincar,
o horário do intervalo é como algo sagrada para criança, o tocar dos sinos é como se fosse
música aos seus ouvidos saem correndo numa louca vertigem que só a liberdade pode
proporcionar.
Kishimoto acrescenta o entendimento de Caillois (1958) que introduz novos
elementos característico do jogo: o seu caráter improdutivo e a incerteza. O jogo, nessa
perspectiva: “[...] não cria nem bens, nem riquezas, é uma ação voluntária da criança, um
fim em si mesmo, não pode criar nada, não visa resultado final. O que importa é o processo
em si de brincar que a criança se impõe” (1996, p.24).
A criança ao brincar não espera nada a não a pura e simples diversão, quando
perguntamos para uma criança “como foi a aula hoje”, se teve a presença do lúdico a
resposta será “ a aula hoje foi muito divertida”, muitas vezes só com a presença de simples
manuseio com balões seja para proporcionar a brincadeira, ou como atividades dirigidas.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 271
3 | SUPERAR AS DIFICULDADES É RESPONSABILIDADE DE TODOS
Uma das questões que vem sendo foco de estudiosos e educadores, está em
atender as crianças para que não sejam diagnosticadas precocemente como crianças
com “problemas mentais leves”, por apresentarem “problemas emocionais”, “distúrbios” ou
“dificuldade de aprendizagem”, levando muitos alunos ao fracasso escolar.
É na escola que se cria expectativa sociais e quando uma criança não apresenta os
resultados cognitivos esperados em sua maioria ela já é tachada de crianças com déficits
intelectuais reais que se confunde com crianças que veem de ambiente sócio-econômico
desprivilegiado, causando problema educacionais e, consequentemente, caracterizando a
deficiência mental leve.
A diferença entre deficiência mental leve e fracasso escolar vem sendo questionada,
por não se chegar a um consenso sobre ambas as dificuldades e quando é uma e não outra.
Antes mesmo de sofrerem um intervenção pedagógicas muitas crianças são colocadas em
salas de apoio, ou sala de superação, sem ao menos ter a chance de trabalho de forma
diferenciado, como a utilização de jogos por exemplo.
Os espaços educacionais precisam ser pensados e vistos de modo que favoreça a
ludicidade no seu dia a dia, isso conforme Andrade está distante da realidade das escolas
públicas, que segundo Andrade:
Ao analisarmos a forma como o brincar vem sendo tratado nas práticas
educacionais em geral e na Educação Infantil, identificamos questões que
apontam para a idéia de que as instituições educacionais organizam as suas
rotinas de modo a impedir ou restringir a manifestação lúdica.[...] (2011, p.15)

Por estes motivos de ausência de ludicidade na educação infantil da escola


pesquisada, este texto se não surtir efeitos imediatos, vai fazer com que os profissionais
possam refletir sobre sua prática docente.
A escola não vem cumprindo com o seu papel que é de adaptar, ajustar os alunos a
sociedade criando possibilidades de socialização no seu interior, respeitando a diversidade
existente tanto diversidade de raças, linguística e cultural. Num passado as pessoas eram
taxadas conforme sua capacidade imediata, aquelas que conseguiam se destacar tinha o
dom, muitos alunos eram visto como com problemas de aprendizagem ou até não tinha
dom para os estudos como explica Magda Soares:
A função da escola, segundo a ideologia do dom, seria pois, a de adaptar,
ajustar os alunos à sociedade, segundo suas aptidões e características
individuais. Nessa ideologia, o fracasso do aluno explica-se por sua
incapacidade de adaptar-se, de ajustar-se ao que lhe é oferecido. E de tal
forma esse conceito está presente na escola e internalizado nos indivíduos
que o aluno sempre culpa a si mesmo pelo fracasso, raramente pondo em
dúvida o direito da escola de reprová-lo ou rejeita-lo, ou a justiça dessa
reprovação ou rejeição. (1997, p.16)

Hoje isso tudo vem sendo muito debatido e discutido, mas em outros tempos a

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 272
escola não via a possibilidade de ser ela a responsável pelo fracasso ou sucesso do aluno.
Ou que ela também deveria agir de modo a contribuir para sua integração na escola, hoje
diferente do passado é levado em conta o tempo do aluno, sua história de vida, assim agir
de modo a facilitar e ser também responsável pela alfabetização e progresso contínuo dos
educandos.
Alguns trabalho ao se referir aos rótulos que muitas crianças recebem diante de
suas dificuldades na aprendizagem, Kishimoto faz uma importante observação:
[...] Os testes não descobrem nunca a natureza do atraso, nem permitem
interpretá-lo em absoluto; apenas dão a ilusão de uma causa de atraso.
Portanto, não podem proporcionar uma base para decidir que métodos devem
ser usados com diferentes crianças ou grupo de crianças para superar as suas
deficiências intelectuais. Inversamente a pretensão de que os testes estudam
fatores permanentes e, portanto, permitem prognóstico válidos significa que
os métodos dos testes difundem a idéia da inevitabilidade do atraso intelectual
e impedem, assim o desenvolvimento de métodos pedagógicos diferenciados
e com base científica para crianças atrasadas [...]. (2006, p. 91).

A imprecisão dos testes psicológico, levam a erros de julgamentos, na escola


pública, em sua maioria as crianças provêm de ambientes pobres de estímulos, cognitivos,
ninguém conversa com eles nem estimula seu raciocínio. Textos, livros, jornais e revistas
são praticamente ausentes no seu cotidiano. O professor na maior parte das vezes dedica
sempre a preparar seus alunos para satisfazer os comportamentos sociais e acadêmicos
socialmente aceitos.
O conhecimento é adquirido por um processo de natureza assimiladora e não
simplesmente registradora.
Prover condições que estimulem o desenvolvimento implica que o professor conheça
as capacidades de seus alunos e elabore as atividades a partir dessas informações que
segundo Kishimoto:
Devido à complexidade da inter-relação que envolve os aspectos afetivos e
cognitivos da aprendizagem, o mediador deve desenvolver com a criança
uma relação de respeito mútuo, de afeto e de confiança que favoreça o
desenvolvimento de sua autonomia. Um clima sócio-afetivo tranquilo e
encorajador, livre de tensões e imposições, é fundamental para que este aluno
possa interagir de forma confiante com o meio, saciando sua curiosidade,
descobrindo, inventando e construindo, enfim seu conhecimento. (2006, p.
95)

O professor deve respeitar o interesse do aluno e planejar suas aulas a partir do


interesses das crianças, ouvindo suas dúvidas, formulando desafios à capacidade de
adaptação infantil e acompanhando seu processo de construção do conhecimento.

4 | METODOLOGIA UTILIZADA NA PESQUISA


O presente artigo utilizou-se de pesquisa do tipo Estudo de Caso, com uma revisão

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 273
da bibliografia referente ao tema e com aplicação de instrumentos de coleta de dados
como entrevista, questionário e observação in loco. Os dados foram coletados utilizando-
se técnicas características da pesquisa qualitativa. A pesquisa de campo realizou-se em
uma escola pública municipal que se localiza Cuiabá/MT. Esta atende alunos da Educação
Infantil e 1º Ciclo do ensino fundamental.
O método conhecido como estudo de caso vem ganhando cada vez mais espaço
no contexto educacional. Trata se de um método que tem como objetivo tornar público
conhecimentos acerca de casos isolados.
Para isso, essa pesquisa foi do tipo estudo de caso. Conforme Vieira: “O estudo
de caso parte de um levantamento geral das condições e realidades específicas que se
apresentam ao pesquisador, quando ele se coloca diante do objeto de pesquisa”. (2012,
p. 28)
Acompanhamento sistemático de um caso individual, propõe geração de novas
teorias na maioria das vezes. A partir da compreensão de um caso específico tira-se
conclusões válidas para casos semelhantes. O estudo de caso, se faz necessário para
assim explicar os motivos que se pode encaixar o lúdico nas aulas da sala pesquisada
como um interessante facilitador para melhorar o nível de aprendizagem das crianças de 5
anos ao saírem da educação infantil rumo as séries iniciais do ensino fundamental. Vieira
resume que: “O objeto do estudo de caso, por seu turno, é a análise profunda de uma
unidade de estudo. Visa o exame detalhado de um ambiente, de um sujeito ou de uma
situação particular [...]” (2012, p.28)
Foram utilizados instrumentos de coleta de dados como entrevistas, questionários, e
observação In Loco. Os dados foram coletados também mediante análise de documentos,
utilizando-se técnicas características da pesquisa qualitativa. Foi feita uma análise
qualitativa dos dados coletados, mantendo o foco às informações individuais da professora
regente, que faz um período de sondagem para saber o nível de aprendizagem de cada
aluno e também foi realizada observações durante as aulas.
Sobre a técnica de observação Vieira:
Assim sendo, a etnografia consiste no método de estudos e de observações
voltado para a análise de grupos sociais. Para isso, utiliza-se de levantamentos
de dados e de observações acerca das características gerais e específicas do
grupo, permitindo comparações. Os estudos etnográficos valem-se, também,
das informações contidas em publicações censitárias e das pesquisas de
campo, além de vastas consultas aos materiais bibliográficos. ( 2012 p. 46 )

Assim obter uma descrição densa, mais completa possível, sobre o que um grupo
particular de pessoas ou crianças no caso a sala de aula, foco da pesquisa fazendo os
significado das perspectivas imediatas do que os alunos já sabem e de como aprendem.
Na entrevista, Vieira (2012) objetivo é extrair informações dos entrevistados para
que possa, assim, ser considerado fontes dos dados obtidos. A entrevista poderá ser por

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 274
quatro formas: Face a face; em grupos; por telefone e por correspondência.
Os questionários, entrevistas e as observações in loco foram aplicados à professora
regente da sala de aula pesquisada, e terão como base sua concepção sobre o que pensa do
lúdico como proposta de intermediação para superação das dificuldades na aprendizagem.
Também foi aplicado um questionário, entrevista e observação in loco para alguns pais.
Para entender como pensam e seus pontos de vista com relação ao nível de
aprendizagem das crianças, foram pesquisados as coordenadoras pedagógicas e a diretora
da escola para que seus pontos de vista possam trazer melhor embasamento e importância
na aplicação do projeto na obtenção de bom resultado para a pesquisa em questão. Foram
pesquisados o professor regente e também alguns alunos.
O método de análise dos dados coletados foi o dialético, Vieira (2012) sintetiza que
a análise de dados em pesquisa qualitativa identifica etapa importante que o pesquisador
ira seguir tais como redução de dados, isso servirá para não desperdício de tempo e
facilitando a compreensão da proposta a ser trabalhada para melhor aproveitamento dos
dados essenciais a pesquisa.
Com isso, podemos perceber que, o método dialético, é o que melhor se encaixa
para essa proposta de pesquisa, por permitir, uma análise mais completa e humana dos
dados que foram coletados.

5 | ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS


A pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (E.M.E.B.),
Ministro Marcos Freire em Cuiabá/MT.
Esta Escola oferece Educação Infantil e 1º Ciclo ensino fundamental e atende
aproximadamente 800 alunos, distribuídos em 34 classes, nos turnos matutino e vespertino.
Muitos profissionais colaboram para o seu funcionamento: diretor, e duas coordenadoras
pedagógica e professoras pedagogas, além de dois professores de Artes e dois professores
de Educação Física. Para área de Educação Infantil os professores tem especialização em
Educação Infantil. Também atua na Escola uma professora multifuncional e duas professoras
de apoio, para atender as crianças com dificuldade de aprendizagem, a multifuncional que
trabalha com alunos com necessidades educativas especiais. Além dos técnicos existem
também na escola 11 Cuidadora de Alunos especiais, esses pessoas acompanham as
crianças com necessidades especiais.
O primeiro contato com essa turma deu-se no início do 1º Bimestre, quando a
professora, já preocupada com os resultados após as avaliações diagnósticas de início do
ano do 1º bimestre, A professora fez avaliação individualizada, com as crianças juntamente
com a profissional multifuncional e também pelos relatórios de observação diária e
individualizada dos mesmos, constatou que umas 10 crianças apresentava problemas
vinculados à alfabetização. Ou seja, ao saírem da Educação Infantil, elas não estavam

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 275
aptas para seguir no ensino fundamental.
Com esse enfoque, a Escola sentiu a necessidade de se propor o Projeto jogos,
brinquedos e brincadeiras, aonde durante duas horas/aula semanais, sendo uma horas/
aula as segundas-feiras e uma horas/aula as terças-feiras. a A professora multifuncional
vem até a sala da professora regular e leva os 10 alunos com dificuldade para outra
sala, que é a sala da multifuncional trabalhar com os alunos portadores de necessidades
especiais. No segundo dia é proposto a aulas de uma hora com os jogos, para todos os
alunos da sala.
De acordo com o Projeto político-pedagógico da escola pesquisada: “A ludicidade
deve fazer parte da programação diária dos docentes em formas musicais, histórias, filmes,
jogos e brincadeiras nos trabalhos com educação infantil da escola”. (EMEB, 2016, p. 25).
Para a referida pesquisa, usaram-se três instrumentos diferentes: a entrevista e
o questionário para a professora e a observação in loco. A entrevista realizou-se com a
professora usando somente o diálogo, por meio de uma conversa informal. O questionário
foi elaborado na perspectiva de investigar os comportamentos, características e o
desenvolvimento da aprendizagem destes alunos com dificuldades. No mesmo sentido,
fez-se uma observação in loco, observando a professora e os alunos, em duas visitas
semanais, totalizando o período de seis horas, no turno vespertino.
A sala analisada pertence a Educação Infantil II. A turma tem vinte e cinco alunos,
com idades de 5 (cinco) anos. Essa classe é muito heterogênea no conhecimento e no
comportamento: enquanto há alunos que sabem muito, há alunos com muitas dificuldades
que precisam constantemente de uma atenção especial; enquanto há alunos quietos, há
outros barulhentos demais.
A primeira observação da classe foi realizada num dia de aula regular: os alunos
aguardam o início das aulas no pátio da escola. Ao soar o sinal, eles esperam a professora
em fila, na quadra onde é feita a acolhida com a orientação do diretor e coordenadoras de
alunos. Os professores vão chegando e se colocam em frente as filas com seus alunos,
após acolhida e oração proferido pela equipe gestora, cada professora vai caminhando em
direção as salas seguidos pelos seus alunos.
Alguns alunos estão inquietos, conversam sem parar, resistem em ocupar seus
lugares e levantam alguns questionamentos sobre onde devem sentar-se, o horário
da Educação Física que terão naquele dia, e quanto à ausência de um colega etc.
Após todos sentarem-se e as devidas explicações, os alunos realizam as atividades de
rotina: eles permanecem conversando por algum tempo, logo eles saem para pegar 0 1º
lanche, a Educação Infantil recebe dois lanches, um ao entrar pela manhã 7:15 e outro
ás 8:30, após lanche eles colocam os cadernos na mesa da professora, ela vai colando
atividades xerocadas nos cadernos, chama seus alunos que enquanto ela faz a colagem,
conversam, correm, falam, brigam e gritam, a professora continua seu trabalho de colagem
tranquilamente, não se incomodando com o barulho a algazarra causada pela falta do que

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 276
fazer das crianças.
Em seguida a professora explica como devem fazer a atividades coladas no caderno
de sala, alguns entendem, outros continuam sentados, mas não fazem, outros falam: -
professora não sei como fazer, ela briga e manda que faça, “que preguiça menino”, senta
e vai fazer, senão você fica sem recreio. Quem consegue fazer as atividades tenta ajudar
aqueles que não consegue, mas este logo desistia, a professora continua em seu lugar
cobrando que todos terminem, em seguida e faz novas colagem no cadernos, a próxima
atividade é de pintura de algum desenho animado, as crianças tem dúvida sobre de que
cor pintar o Mikei, então ela explica que cada um deve escolher a cor que mais gostam.
As crianças começam com alvoroço de novo, tem crianças rolando no chão, outras
brincam com brinquedos trazidos de casa, outras comem seus lanches e outras se juntam
no fundo da sala para brincar. A professora grita com eles, mas fazem de conta que
ninguém disse nada, a professora se irrita, grita, gesticula e nada das crianças ouvirem.
Toca o sino para o 2º lanche do dia, a professora manda que façam fila para buscar o
lanche, alguns entram na fila e outros continuam sentados, pegam seus lanches trazidos
de casa e comem, ali mesmo nos seus lugares, os outros vão em fila pegar o lanche, ai
voltam para sala com os pratos de comida na mão, entram na sala e se sentam nas suas
mesas, terminados de comer levam os pratos para cozinha, permanecem ali na sala em
meia a bagunça, esperando tocar o sino para saírem para o recreio. Soa o sino todos saem
na maior algazarra e alegria, correndo mais que podem para brincar no recreio.
Após recreio é dia da televisão, a professora coloca um desenho, muitas crianças
diz que já assistiu aquele desenho, elas se sentam no chão e ficam apenas alguns minutos
assistindo, como a maioria já viu, logo se dispersão, começam a conversar de outros
assuntos, enquanto isso a professora corrigi os cadernos e cola novas atividades, a certa
altura na sala, o barulho já se ouve nos corredores, a professora ameaça dizendo que vai
desligar a televisão, as crianças nem ligam, eles pedem a ela que troque o desenho, mas
ela diz que não tem outro e que da próxima vez trará outros desenhos.
A sala em análise não demonstra disciplina, as crianças ficam muito tempo sem ter
o que fazer, a professora não tem domínio sobre os alunos, muitos alunos fazem bagunça
por não terem o que fazer, muitas das crianças trazem brinquedos de casa e ficam por ali
pela sala, eles dizem não saber fazer alguma atividade e acabam passando o dia de aula, 4
horas com suas dúvidas, no final fecham os cadernos e vão para casa sem ter completado
a lição, em muitos cadernos a professora faz a correção e fecha o caderno, no outro dia a
cena se repete.
Numa quarta-feira é dia de aula de Educação Física, segue a rotina, acolhida na
quadra em seguida os alunos seguem a professora até suas salas. Neste dia a professora
regente, fica na sala dos professores fazendo o planejamento de aula da semana ”hora
atividade”, todos os professores tem um dia de “hora atividade” durante a semana, eles
planejam nesse dia o que vão aplicar durante a semana e também neste dia recebem pais

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 277
de alunos para conversarem, aqueles pais que queiram falar sobre seus filhos.
A professora de quarta já entra e falam com eles e eles a ouvem, ela manda que
sentem cada um em lugares de livre escolha, então entram e sentam nos lugares de
sempre. Ela manda que não tirem os caderno das mochilas, por que não vão precisar de
cadernos nesta aula. Ela distribui um pedaços de cabo de vassoura para fazer som, as
crianças sentam-se em circulo no chão e a professora ensina como cada um deve proceder,
esses alunos nem parece os mesmos da professora regente, nesta aula elas ouvem os
comando, tem bom comportamentos, ficam concentrados. Nesta aula eles tem participação
ativa, embora seja para todos seguir os toque feito pela professora, existem a liberdade e
autonomia, onde cada um produz o som a sua maneira, eles tem a oportunidade de sair
do convencional, a sula segue uma rotina divertida com material manipulável, ao mesmo
tempo em círculos eles olham cada um, conversam sobre os instrumentos e dão muitas
risadas quando alguém erra a batida do instrumento feito de cabo de vassoura.
De acordo com Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil:
“Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da
identidade e da autonomia. O fato das crianças desde muito cedo, poder se
comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde representar determinado
papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas
brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades
importantes, tais como a atenção, a imitação, a imaginação. Amadurecem
também algumas capacidades de socialização por meio da interação e da
utilização e experimentação de regras e papéis sociais”. (BRASIL, 1998, p.22)

Ao estarem em contato com uma aula de acordo com suas necessidades e


capacidades, que são aulas como esta de Artes, onde a professora guardou os cadernos
e propôs uma aula diferenciada, como se fossem brincar, ficaram em posição circular,
produzindo sons com cabos de vassoura cortadinhos em pequenos pedaços, as crianças
entraram em contato com seu mundo, o lúdico tem o potencial de causar interesse
e entusiasmo nas crianças, nessa aula, pude perceber seus entusiasmo, até por parte
daqueles mais agitados e briguentos.
Após essa atividade ela pede que voltem para seus lugares, mas que fiquem
sentados em silêncio, eles obedecem, estão felizes, concentrados, ela distribui folhas para
que eles pintem um desenho com instrumentos musicais.
Os relatos da professora enfatizam sua trajetória desde o início do ano nesta sala,
em como, nas primeiras semanas de aula se sentiu desestimulada ao encontrar na classe
crianças de níveis muito diferentes que era preciso atender simultaneamente, e que, para
poder atender com sucesso essas crianças com dificuldades, apesar das dificuldades
enfrentadas ela não mencionou nenhuma modificação nas estratégias de suas aulas.
Com esta sondagem, a professora relata que os alunos se encontram assim: 10
alunos conhecem as letras do alfabeto, mas não conhecem os valores sonoros (pré-
silábico), 2 alunos são silábico com valor sonoro. Não tem familiaridade com os números,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 278
para elas as expressões numéricas não têm significados. Diante deste resultado, é possível
notar quanto os alunos avançaram e o quanto são capazes de perceber seus próprios
avanços.
Os relatos mostram que a professora está encontrando algumas dificuldades sim,
principalmente quando, na ânsia de fazer o seu trabalho, não se consegue o resultado
esperado tão rápido. Reafirma essas declarações no questionário, e revela que com esta
sala ela tem enfrentado um turbilhão de emoções: euforia, cansaço, frustração, conquistas,
alegria, descobertas, dificuldades, enfim, mas os avanços na aprendizagem dos alunos e
seu recente entendimento sobre como eles aprendem, o que pensam e do que precisam
para seu aprendizado, estão enriquecendo sua prática pedagógica e oportunizando o seu
crescimento profissional.

6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aprendizagem não é feita de certezas, mas de inquietações, de crises e dúvidas
que nos projetam às novas descobertas. 
A qualidade da educação não pode depender somente da vontade de um ou outro
professor. É preciso a participação conjunta de todos os profissionais para tomada de
decisões sobre aspectos da prática didática, bem como sua execução.
É necessário que os profissionais estejam comprometidos, disponham de tempo,
vontade e de recursos para trabalhar. Os jogos, os brinquedos e as brincadeiras tem um
bom potencial para trabalhar com crianças, elas gostam muito, interagem, se comunicam
e aprendem os conteúdos, porque tomam conhecimento dos conceitos, na alfabetização
o profissional precisa deixar as crianças entenderem os conceitos seja de matemática,
português, história ou geografia. As brincadeiras também por agir cognitivamente,
emocionalmente faz com que a criança tenha autonomia e entenda e aprenda por si
mesmas.
Nas brincadeiras elas tem o domínio da linguagem simbólica, brincando a criança se
apropria de elementos da realidade imediata de tal forma a lhe atribuir novos significados,
isso ocorre por meio da imaginação e imitação da realidade.
Com essa pesquisa, podemos concluir que, na atuação do professor é necessário
que seja incorporado como característica essencial, a atenção especial para cada sujeito.
Observando atentamente os processos de ensino-aprendizagem identificamos sua evolução
ou ainda algumas dificuldades presentes. Quer também, não existem respostas prontas
ou receitas para educar, e sim reflexões e ações que possibilitam pensar em melhores
caminhos para nossos alunos.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 279
REFERÊNCIAS
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Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf . Acessado em: 11/02/2017.

______ LDB, Lei 9.396, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acessado em: 23/01/2017.

______. MEC. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais.
1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf . Acessado em: 28/02/2017.

BROUGÊRE, Gilles, Brinquedo e cultura. Revisão técnica e versão brasileira adaptada por Wajskop,
Gisele, São Paulo: Cortez, 1995. In: FREIRE Andrade Daniela Barros da Silva , Pedagogia da
infância educação e ludicidade. Cuiabá: UFMT, 2011.

CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990.

EMEB Ministro Marcos Freire. Projeto político-pedagógico - PPP. Cuiabá-MT, 2016.

ESTEVE. José M. A Terceira revolução educacional: a educação na sociedade do conhecimento. São


Paulo: Moderna, 2004. In: GIROTO, Juliana. O Psicopedagogo institucional: novas atitudes para
enfrentar as dificuldades de aprendizagem. Projeto de pesquisa, FAEL, 2015.

FERREIRO, Emília. Alfabetização em processo. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2001. In: GIROTO, Juliana.
O Psicopedagogo institucional: novas atitudes para enfrentar as dificuldades de aprendizagem.
Projeto de pesquisa, FAEL, 2015.

KISHIMOTO, Morchida Tizuko, Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 9. ed. São Paulo: Cortez,
2006.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1997.

VIEIRA, Jóse Guilherme Silva. Metodologia de pesquisa científica na prática. Curitiba: Fael, 2012.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 23 280
CAPÍTULO 24
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DE INCENTIVO
À LEITURA EM CRIANÇAS DE UM CENTRO
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Data de aceite: 10/01/2022 embora todos os entrevistados tenham a certeza


da importância desta leitura nos anos iniciais.
Nota-se que mesmo não fazendo uso frequente
Suelma Cláudia de Paiva Silva
da leitura na educação infantil, os entrevistados
Mestra em Ciências da Educação pela
Universidade Del Sol- Unades Faculdade de foram unânimes em afirmar que a criança, ao
pós-graduaçao e extensões universitarias. estar em contato com a leitura de histórias,
Assunção- Paraguay. Graduada em Pedagogia desenvolve oralidade, imaginação, criatividade e
pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) principalmente o gosto pela leitura.
PALAVRAS-CHAVE: Estratégias Pedagógicas.
Incentivo. Leitura. Crianças. Professor.

RESUMO: O presente estudo suscita questões ABSTRACT: This study raises questions about
a respeito das estratégias pedagógicas para pedagogical strategies to encourage reading
incentivar a leitura em crianças do Centro Municipal in children at the Municipal Center for Child
de Educação Infantil na cidade de Caldas Novas, Education in the city of Caldas Novas, Goiás,
Goiás, Brasil. A base teórica se pautou nos Brazil. The theoretical basis was based on the
pensamentos, ideias e reflexões de autores que thoughts, ideas and reflections of authors who
abordam o tema ressaltando a compreensão address the topic, emphasizing the understanding
das relações dos processos educacionais de of the relationships of the educational processes
aprendizagem e desenvolvimento, compreensão of learning and development, an understanding
esta que se afirma na subjetividade da pessoa that asserts itself in the subjectivity of the human
humana em compreender os erros cometidos person in understanding the mistakes made
como aprendizagem futura. O objetivo deste as future learning. The aim of this study was to
estudo centrou-se em investigar as estratégias investigate the pedagogical strategies aimed at
pedagógicas direcionadas ao incentivo da leitura encouraging reading for five-year-old children
para crianças de cinco anos de idade do Centro at the Teacher Zenilda Maria Lopes Municipal
Municipal de Educação Infantil Professora Zenilda Child Education Center in Caldas Novas,
Maria Lopes, em Caldas Novas, Goiás embasado Goiás, based on aspects of legal contexts and
nos aspectos dos contextos legais e das ações actions of the teachers when applying reading
dos professores ao aplicarem estratégias de strategies. Based on data analysis, the research
leitura. A pesquisa concluiu, a partir da análise concluded that many teachers hesitate to use
dos dados, que muitos professores hesitam em enriching strategies to instigate the pleasure
utilizar estratégias enriquecedoras para instigar of reading in five-year-old children. Thus, the
o prazer da leitura em crianças de cinco anos. study showed that a small number of teachers
Desta forma, o estudo evidenciou que um número frequently use reading of varied genres, although
pouco significativo de professores faz uso da all interviewees are sure of the importance of this
leitura de gêneros variados com frequência

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 281
reading in the early years. It is noted that even not making frequent use of reading in early
childhood education, respondents were unanimous in stating that the child, when in contact
with reading stories, develops orality, imagination, creativity and especially a taste for reading.
KEYWORDS: Pedagogical Strategies. Incentive. Reading. Kids. Teacher.

1 | INTRODUÇÃO
Na sala de aula, o professor pode estimular o hábito de ler, desenvolvendo atividades
positivas em relação aos livros, criando material agradável e funcional que atenda aos
interesses das crianças de cinco anos e que frequentam o Centro Municipal de Educação
Infantil (CMEI) Professora Zenilda Maria Lopes, e incentivar o gosto pela leitura.
Baseado no fato de que se o ambiente de leitura não é favorável em casa, deve ser
na escola onde o professor deve estimular o uso de materiais que sejam interessantes,
atraentes, variados tanto nos tópicos quanto nos conteúdos. As atividades lúdicas
seriam uma ótima opção, pois, através do lúdico é possível alcançar o prazer em ler, em
especial, para as crianças de cinco anos de idade onde atividades como jogar e brincar
são muito importantes, assim, essas ferramentas são estratégias constantes para resolver
problemas e aprender fatos novos em um universo de possibilidades e que abranjam tanto
o desenvolvimento motor quanto o cognitivo.
No presente estudo aplicou-se um questionário com perguntas abertas para
seis professoras que trabalham com crianças na faixa etária de cinco anos, além da
observação não participante. Desta forma, interconectados em um processo histórico e
contínuo procurou-se investigar que tipos de estratégias pedagógicas e metodológicas as
professoras do Centro Municipal de Educação Infantil Professora Zenilda Maria Lopes na
cidade de Caldas Novas, Go, Brasil, utilizam para trabalhar o momento da leitura com seus
alunos.
Este estudo partiu da necessidade de se repensar acerca da leitura na educação
infantil reconhecendo o quanto é importante que esta seja inserida nos anos iniciais para
incentivo e criação de elementos coesos e significativos para bem desenvolvê-la. Desta
forma, a aprendizagem da leitura é a base da escolaridade, já que é um dos instrumentos
que servem para apropriar novos conhecimentos e experiências. A ideia desta investigação
surge graças à observação feita no CMEI Professora Zenilda Maria Lopes, com crianças
de 5 anos de idade e professoras da dita instituição, uma vez que há uma falha das
estratégias utilizadas para fomentar a leitura, o que impede que a criança se sinta motivada
nas atividades que se referem a esta habilidade. Outro fator relevante é a participação
da família no processo de aprendizagem da leitura nesta fase. A família que deveria ser
a maior incentivadora da prática leitora é a que menos o faz, pois, seus membros estão
fechados em sua rotina diária em que a leitura não faz parte, desta forma, as crianças não
veem os leitores em suas próprias casas, ou seja, não existe esse precedente no ambiente

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 282
familiar.
Diante desta realidade, a questão problematizadora deste estudo é: Quais
estratégias pedagógicas e metodológicas as professoras utilizam para incentivar a leitura
voltada para crianças de 5 anos de idade? Assim, este estudo tem como objetivo investigar
as estratégias pedagógicas e metodológicas que as professoras utilizam para incentivar a
leitura em crianças de 5 anos de idade, do CMEI Professora Zenilda Maria Lopes. Têm-
se como objetivos específicos: Analisar, sob o viés dos autores pesquisados, o processo
de inteiração entre o leitor e o texto; observar os interesses literários das crianças pela
literatura fornecida; sensibilizar os professores sobre a importância da leitura em crianças
de 5 anos.

2 | PERSPECTIVAS CONSTITUCIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL


As perspectivas atuais acerca do cenário educacional nacional incluindo a primeira
infância, têm sido alvo de prioridades pelo governo, por órgãos internacionais e por
organizações não governamentais, este fato vem aumentando em todo o mundo. Em
detrimento da primeira Constituição, nos dias de hoje, a Educação Infantil, que compreende
o atendimento a crianças de zero a seis anos em creches e pré-escolas, o que comprova
que estas crianças têm é um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988. A partir
da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, a Educação
Infantil passa a ser definida como a primeira etapa da Educação Básica (BUJES, 2001).
O autor supradito afirma que vários estudos feitos por volta de 1980 indicaram a
essencialidade do ensino direcionado às crianças com 6 anos de idade sendo considerada
uma idade apropriada ao desenvolvimento cognitivo, da personalidade e das inteligências.
Até o ano de 1988 a criança com idade inferior a 7 anos não possuía acesso ao ensino
no Brasil. Desta forma, conforme salienta o autor, a nova constituição traz uma ótica
significativa voltando seus olhares para a Educação Infantil tratando a mesma como Direito
da criança, onde a família teria o ensino de seus filhos como opção e o Estado como
dever de ofertar educação de qualidade nessa etapa de ensino. Nesse momento há uma
releitura da educação, onde a etapa da educação infantil deixa de ser vista unicamente
como assistencialista passando a integrar a política Nacional de Educação.
A nova política educacional inseridas no artigo 205 da Carta Política de 1988,
trouxeram vieses compartilhados com a sociedade em geral, ou seja, o que preconizava
nas Constituições de 1824 e de 1891, em que abordava a educação em sentido geral,
deixou de ser secundário e passou a ser visto como obrigação e direitos. No entanto, ainda
há muito o que se fazer quanto ao cumprimento do supracitado artigo, as políticas públicas
de incremento e incentivo à uma educação de qualidade necessita de ações efetivas e
concentradas no ser humano, de outra forma, o que ficou assegurado pela Constituição
Federal ficará sem sentido. Será mais uma norma vazia e sem efetividade.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 283
2.1 LDB e Educação Infantil
O Brasil vive um momento histórico muito oportuno de reflexão e ação em relação
às políticas públicas voltadas ao público infantil. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), Lei nº 9.394 26 de dezembro de 1996, amparada pela Constituição Federal nos
artigos 205 a 214, tem como prerrogativa defender e assegurar a educação gratuita a todas
as pessoas de direito, sejam elas crianças, jovens ou adultos (LOPES, 1999).
Como entendimento, o artigo 4º, inciso IV advoga que as crianças de zero a seis
anos de idade têm asseguradas, na forma da lei, uma educação escolar e pública com
gratuidade, fato que não foi contemplado pela Constituição Federal, ou seja, o artigo 208,
inciso IV, prevê apenas o atendimento em creche e pré-escola para as crianças da idade
supracitada e não aborda a gratuidade da educação nesta fase.
Analisando o que está disposto no artigo 30 desta Lei, a Educação Infantil não
integra propriamente o domínio fundamental do ensino, por motivo de que na Educação
Infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento,
sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. Em
consequência, diante do sistema de direitos e garantias previstos na Constituição Federal
e pela Lei nº 9.394 /96 (LDB), concluímos que mesmo sem o caráter obrigatório para os
pais ou responsáveis, a creche e a pré-escola, correspondendo a deveres do Estado e da
família para com a educação, são etapas integrantes do ensino fundamental, tornando-se
secundário o disposto no artigo 30 da LDB (NOGUEIRA, 1991).
A família, sendo a base da educação, deve ser a primeira a motivar a criança em
sua entrada para a escola. Consciente do valor do papel educacional da família, deve-
se reconhecer a complexidade que é o exercício familiar no dia a dia. Com a novas
configurações familiares, implica-se em questionar quem é o provedor do sustento familiar,
em que horários e com quais recursos e suporte o faz, em um contexto atual de difícil
compatibilidade entre trabalho e família surge a Educação Infantil, tão necessária para o
molde familiar atual, por ser a continuação da educação recebida na família. Esse princípio,
afirmado tanto na Constituição Federal quanto na LDB, consta do mais importante
documento internacional de educação do século XX, a Declaração Mundial de Educação
para Todos (Jomtien/Tailândia, 1990), (LOPES, 1999).
Partindo do contexto sobre a importância da família na vida escolar da criança,
é necessário ela esteja inteirada com os objetivos da creche ou da pré-escola na qual a
criança está inserida. Como se dá o relacionamento aluno/aluno e aluno/escola, visualizar,
também os espaços disponíveis e os acervos pedagógicos, bem como as metodologias
que são utilizadas nesses espaços, outro ponto é a qualidade da merenda, quais princípios
e diretrizes orientam a ação da instituição, qual seu projeto pedagógico -, mas também
porque permite que a escola conheça e aprenda com os pais.
Segundo o Programa Nacional de Educação (PNE) de 2001, a articulação com a

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 284
família visa, mais do que qualquer outra coisa, ao mútuo conhecimento de processos de
educação, valores, expectativas, de tal maneira que a educação familiar e a escolar se
complementem e se enriqueçam, produzindo aprendizagens coerentes, mais amplas e
profundas.
Se o complemento entre as famílias e a escola tem seu foco no apoio à aprendizagem
e desenvolvimento dos alunos, então o envolvimento da família na educação deve ser
desenvolvido tanto no tempo como nos espaços escolares - nas diferentes atividades e
iniciativas que a escola gesta no campo extracurricular ou nos diferentes momentos da
vida cotidiana familiar. Ambos os tipos de envolvimento são essenciais para promover a
aprendizagem integral e sustentável de crianças e jovens ao longo do tempo. Embora a
família seja o primeiro e mais importante núcleo educacional, é necessário que a escola
aceite as tendências e demandas da família nuclear moderna, pois nos dias de hoje é
comum a família monoparental (Constituição Federal, artigo 226, § 4º), isto é, aquela em
que apenas um dos pais (homem ou mulher) é referência. No Brasil, quase um terço das
famílias é chefiado por mulheres. Há também famílias reconstituídas, na qual mulheres
e homens vivenciam novos casamentos e reúnem filhos de outras relações, famílias que
articulam em uma mesma casa vários núcleos familiares, famílias formadas por casais
homossexuais, entre outras (PICHON-RIVIÉRE, 2018).
Outro fator que deve ser levado em conta é a diferença social. No Brasil, as
desigualdades são extremas, em que milhões de crianças, saem de lares desestruturados
tornando-se alvos fáceis e com situações de risco, como drogadição e abandono parental.
Como as pesquisas do Instituto HighScope comprovaram que apenas o atendimento escolar
de qualidade produz resultados positivos sobre o desenvolvimento e a aprendizagem da
criança, nessa assertiva, é fundamental que essas crianças tenham acesso a experiências
educativas de qualidade nas creches e pré-escolas.
Os estudos sobre o cérebro vieram após pesquisas relacionadas à Educação
Infantil, um destes estudos foi o Projeto Perry (1962-1967) do Instituto HighScope
Education Research Foundation, em Michigan, nos Estados Unidos, sob orientação do
psicólogo do psicólogo David Weikart. Tal estudo teve como objetivo analisar se o acesso
à educação de alta qualidade poderia ter um impacto positivo em crianças pré-escolares
e nas comunidades onde viviam. Para isto, a investigação dividiu 123 crianças, em idade
pré-escolar com fatores de risco de fracasso na escola, em dois grupos, a saber: um grupo
entrou em um programa de pré-escola de alta qualidade com base na abordagem de
aprendizagem ativa do HighScope e um grupo de comparação que não recebeu educação
pré-escolar (ANFOPE, 2018).
Enfim, no Brasil a legislação educacional, que teve como marco legal a Constituição
Federal de 1988, juntamente com a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 do "Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA)"-, e a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 da "Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)”-. Além da importância dada à educação por

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 285
meio da legislação, as pesquisas internacionais e estudos brasileiros nacional específica
temos acesso a pesquisas internacionais e estudos nacionais indicam que o investimento
público na primeira infância pode beneficiar as crianças mais tarde.

2.2 Estratégias de incentivo à leitura na educação infantil


A escola é concebida como um local ideal para desenvolvimento de habilidades de
leitura e escrita e fazer com que as crianças aprendam a ler é um dos principais objetivos
no campo da pedagogia. Segundo Silva (2014) alguns estudos verificaram que as crianças,
que tiveram experiências familiares com a leitura, aprendem a ler e a escrever com pouca
dificuldade: para que as crianças adquiram o hábito da leitura, é importante envolvê-
las na sala de aula com livros que as motivem e, também, seria ideal que elas tivessem
uma imagem positiva de seu professor ou professora em relação à leitura. Para auxiliar o
processo de aprendizagem da leitura, seria apropriado que os textos fossem lidos em voz
alta e com mais frequência na sala de aula, sendo esta uma das estratégias.
Conforme descrevem Calkins e Bellino (1997) a leitura em voz alta seduz a criança,
ainda mais quando esta leitura é feita com mudança de entonação. Elas percebem na
voz do professor o interesse e a motivação pelo o que está sendo lido, desta forma, a
curiosidade e o incentivo em querer saber o final da história é despertado.
Algumas estratégias são citadas por Zappone (2007) inferindo que as crianças
aprenderão que esta prática é agradável. Portanto o autor sugere ações como leitura de
histórias infantis, sempre indagando, questionando e influenciando a criança a recontar o
que ouviu, modificar seu final sempre registrando a participação, o interesse pontuando o
desenvolvimento delas. Outra estratégia mencionada pelo autor é a criação de um cantinho
de leitura onde muitos centros infantis utilizam esta técnica para desenvolvimento da
leitura. Este espaço deve ser arejado, bem iluminado, silencioso para se evitar distrações
no momento da leitura e com prateleiras onde existam livros adaptados para os interesses
das crianças e outros relacionados aos temas que estão sendo tratados nas diferentes
Unidades Didáticas.
Para apresentar às crianças o mundo da leitura, Oliveira (2009) sugere formar
um círculo com as crianças e o professor ler com voz harmoniosa emprestando-a aos
personagens contidos na história, esta estratégia, como foi citado por Calkins e Bellino
(1997), entusiasma e incentiva os alunos.
Sem desfazer o círculo, o professor pode contar histórias auxiliadas por uma série
de recursos ou materiais como cartões com desenhos, fantoches, fotografias, ou seja,
qualquer recurso que produz nos alunos o prazer de ler.
O autor supramencionado evoca questões significativas como estratégia de ensino
na educação infantil, ele defende o uso de canções, rimas, repetições, utilizando a qualidade
da linguagem, sendo ela simples, natural e apropriada para a idade das crianças.
Em relação aos tipos de histórias, nota-se que há uma grande variedade de histórias

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 286
ou contos. Alguns estão mais próximos da realidade e outros vão além disso e alcançam a
ficção e mundos fantásticos. Alguns autores como Coelho (2012) dividem essas histórias
em contos maravillosos com personagens mágicos e mundos fantasiosos e imaginário
como a obra de Charles Dickens “Um Cântico de Natal (e outras histórias), Peter Pan”
de James Matthew Barrie”. Contos do cotidiano que são histórias que se aproxima dos
problemas reais costumando elucidar acerca dos valores e dos sentimentos. Há também
história de aventura, de ficção científica e do Realismo crítico-social que refletem sobre os
problemas da sociedade em busca de reflexão da criança, um exemplo é o livro “A Pequena
Vendedora de Fósforos”, de Hans Christian Andersen.
De acordo com Sisto (2018) há três momentos para realizar uma apresentação
impactante do livro a ser lido: pré-leitura, durante a leitura e pós-leitura. A sequência
didática inicia-se com (Solé, 1998) destaca que a pré-leitura a princípio é baseado na
motivação, o que ajudará a incentivar o interesse dos pequenos. O autor destaca que é
interessante mostrar a enorme importância de projetar a organização bem especificada da
apresentação desde o início, a autora também afirma que o professor, em cada instante,
deve dar ênfase ao especificar as atividades a serem realizada pós-leitura, dessa forma, as
crianças ficarão mais interessadas no conteúdo que será lido ou ouvido.
Enfim, o professor em todos os momentos deve agir como um guia para os alunos.

3 | METODOLOGIA
O presente estudo baseia-se em um estudo descritivo que visa conhecer as
características das crianças de 5 anos do CMEI Professora Zenilda Maria Lopes, além da
observação, da análise e da delimitação dos fatos que compõem o problema de pesquisa:
processos pedagógicos e metodológicos utilizados para incentivar a leitura. Por meio da
abordagem crítico-social fez-se uma reflexão sobre a realidade do processo educacional
de alunos a partir de uma análise situacional, onde é possível reconhecer o problema e
objetivar um plano de ação com projeções para o futuro.
A busca em bases documentais foi realizada em fevereiro de 2018 a agosto do
mesmo ano, a coleta de dados e a observação na instituição escolhida foram desenvolvidas
nos meses de setembro e outubro de 2018. A pesquisa bibliográfica realizou-se em bases
de dados como SCIELO, CAPES e artigos indexados em revistas que se relacionaram
com o tema, monografias e dissertações submetidas à avaliação. A pesquisa dos dados
coletados realizou-se no Centro Municipal de Educação Professora Zenilda Maria Lopes,
em Caldas Novas, Goiás. A população se compõe de todos os professores que atuam em
turmas de alunos com a idade de cinco anos e de crianças nesta faixa etária.
Nesta investigação, uma amostra representativa é considerada como aquela
que tem todos os elementos característicos da população – professores que atuam em
turmas de crianças com a idade de cinco anos e crianças de 5 anos de idade do CMEI

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 287
Professora Zenilda Maria Lopes. Foram incluídas nesta investigação cinquenta alunos e
seis professoras que atuam em turmas de alunos com a faixa etária de 5 anos. Portanto,
neste estudo utilizou-se a amostragem intencional com participação de cinquenta crianças
de 5 anos que foram selecionadas como medida representativa, para realizar uma análise
coerente das estratégias pedagógicas e metodológicas que os professores do CMEI
Professora Zenilda Maria Lopes utilizam para incentivar a leitura.
As técnicas e instrumentos de coletas de dados estão transcritas abaixo e, conforme
Gil (2002), esta fase tem a intenção de recolher informações previamente elaboradas sobre
o estudo incluindo o levantamento de várias fontes de dados.
Como primeiro momento, foi realizada uma pesquisa em bancos de dados de
trabalhos indexados e submetidos à aprovação como: artigos, dissertações, teses, estudos
originais e bibliográficos.
Posteriormente foi aplicado um questionário composto por nove perguntas abertas
aos sujeitos da investigação formado por professores que atuam em salas com alunos de
cinco anos e uma busca dos dados da escola pesquisada, e, logo, um estudo de exploração
e de investigação da realidade, cujo objetivo foi “proporcionar uma maior familiaridade com
o problema, com o fim de fazer mais explícita a construção da hipótese” (Gil, 2002, p.41).
Portanto, a investigação de campo contribuiu significativamente para se alcançar
os objetivos pretendidos. Para Lakatos e Marconi (2003, p. 21), o “questionário é um
instrumento de coleta de dados, que consiste em uma série ordenada de perguntas que
devem ser respondidas por escrito e sem a presença de pesquisador”. Para os propósitos
da coleta das informações, estabeleceu-se um questionário com perguntas subjetivas
aplicadas às professoras.

3.1 Coleta de dados


No primeiro momento houve uma conversa informal com a diretora da unidade
escolar a ser pesquisada, junto a isto foi pedida a autorização para que a pesquisa se
realizasse com os professores das turmas de alunos com cinco anos. A diretora foi receptiva
e confirmou a parceria da escola para a confirmação da coleta de dados. Logo após, a
diretora convidou os professores das turmas selecionadas para uma reunião onde foi
exposta a problematização junto aos objetivos a serem alcançados com a dissertação de
modo a conscientizá-las da importância de participação para a confirmação ou refutação da
hipótese feita previamente. Percebe-se em algumas professoras o interesse em colaborar
e outras não se mostraram interessadas, desta forma, da população da pesquisa foram
selecionadas seis professoras do CMEI que trabalham com crianças de cinco anos de
idade. Utilizou-se a pesquisa de campo desenvolvida pelo método indutivo, através da
técnica de observação direta, aplicação de questionário com perguntas abertas e fechadas,
constituída de 9 (nove) questões, sendo 4 (quatro) de múltipla escolha e 5 (cinco) abertas.
Após a coleta, os dados foram tabulados, analisados e interpretados e também

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 288
confeccionados os gráficos e a comparações da prática com a teoria de alguns autores
como: Kleiman, Smith e Lerner.
As questões levantadas procuravam responder a vários questionamentos, dentre
eles: tempo de atuação na área; frequência com que trabalha a leitura; como é incentivada
a leitura; que tipos de livros são mais interessantes pra incentivar a prática da leitura,
inclusive sugestões para melhorar a prática pedagógica dos docentes (Anexo A).

4 | ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


O presente estudo cujo percurso metodológico foi a entrevista norteou-se através
da aplicação de um questionário contendo 9 perguntas direcionados aos professores como
encontra-se exposto abaixo:
A primeira pergunta no questionário baseou-se em identificar a idade. Assim, apenas
uma professora respondeu, ela tem 44 anos. A pergunta seguinte foi sobre o gênero das
participantes. Como foi possível verificar, 100% dos entrevistados são do sexo feminino.

Gráfico 1 - Género
Fonte: Autoria da aluna (2021).

O Gráfico 2 mostra quanto tempo as professoras trabalham na alfabetização de


crianças de cinco anos. Segundo os dados coletados, 33% trabalham de 1 (um) a 5 (cinco)
anos e 67% de 5 (cinco) a 10 (dez) anos.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 289
Gráfico 2- Tempo de trabalho na alfabetização
Fonte: Autoria da aluna (2021).

A próxima pregunta quis saber se os sujeitos da pesquisa costumam contar histórias


para os alunos. Responderam que sim 83% e 17% responderam que quase sempre.

Gráfico 3- Você costuma contar histórias para seus alunos?


Fonte: Autoria da aluna (2021).

Foi possível verificar que a leitura é trabalhada diariamente. Quanto a quantidade

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 290
de alunos por sala na Educação Infantil, percebeu-se que todas têm de 10 a 15 alunos em
sua sala de aula.

Gráfico 4- Qual o número de alunos possui em sua sala?


Fonte: Autoria da aluna (2021).

4.1 Questionário com perguntas abertas (da entrevista)


A primeira pergunta relacionada à entrevista quis saber se o sujeito da pesquisa
utiliza somente a literatura infantil ou trabalha outros gêneros.
P1 - Não. Trabalho também histórias em quadrinhos, parlendas músicas.

P2 - Além da literatura infantil utilizo curtametragens com histórias que falam


sobre o valor da amizade e da importância da família e da escola.

P3 – Trabalho com revistas educativas. Tenho uma coleção da revista Recreio


em casa e a utilizo sempre que posso.

P4 - Sim, em minha sala eu e meus alunos usamos muito os jornais,


principalmente os Almanaques, revistas, panfletos.

P5 - Somente literatura infantil.

P6 - Trabalho com outros gêneros como receitas, contos de fadas, entre outros.

Como foi possível verificar, os professores apontaram várias opções de leitura o


que vai ao encontro do que mostra Maria dos Remédios na revista Educação (2012): “Se
pensarmos bem, vamos perceber que a poesia, histórias infantis, parlendas, sempre fez
parte do cotidiano das crianças”.
A próxima pregunta quis saber sobre a rotina em relação à leitura:
P1 - 2 vezes na semana de maneira diversificada.

P2 - Eu leio todos os dias com e para os alunos. Trabalho o autor e o ilustrador


todos os dias, no período vespertino temos o momento da leitura que começa

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 291
com música.

P3 – Realizo apenas a roda de leitura.

P4 - Primeiro apresento o livro, faço uma breve narrativa e, aí, a contação


acontece com a apresentação das ilustrações.

P5 - De vez em quando.

P6 - Pelo menos duas vezes na semana.

“É importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias e


escutá-las é o início da aprendizagem para ser leitor é ter um caminho de compreensão
do mundo”. Os sujeitos da pesquisa responderam qual estratégia de leitura utilizam para
incentivar a leitura, a saber:
P1 - Envolver a família todos os colegas teatro contar o que inventou ou
produziu.

P2 - Com fantoches, ilustração, mostrando as figuras, alternando a voz,


dramatizando.

P3 - Livros, dedoches e palitoches.

P4 - Incentivar o imaginário, aumentar a curiosidade e a vontade em aprender.

P5 - Avental de história, caixa de história.

P6 - Leitura de imagens, fantoches, avental pedagógico, dentre outros.

É importante que o professor utilize diversas estratégias para incentivar as crianças


ao gosto pela leitura, algumas delas estão refletidas nas respostas das pesquisadas e,
pode-se acrescentar a elas, a apresentação de diferentes produções textuais orais, escritas
e audiovisuais, além de momentos de brincadeiras que despertem a imaginação, a fantasia
e experimentação por meio da leitura e compreensão de textos.
Quanto à contribuição da literatura infantil para a aquisição da leitura, as professoras
responderam que:
P1 - Despertar o faz de conta muito necessário para o processo de
desenvolvimento.

P2 - Auxilia na aquisição dos recursos audiovisuais, interpretação e desenvolve


hipóteses de leitura e escrita.

P3 - Torna a leitura um ato prazeroso.

P4 - Sim, perguntam, criam e participam da história.

P5 - Contribui bastante nos aspectos visuais e auditivos.

P6 - Quando começa desde cedo o incentivo pela leitura, o aluno adquire o


gosto com mais facilidade.

Trabalhar a literatura infantil em sala de aula pode estimular e contribuir com o


processo de aquisição da leitura, assim, em contato com diversos textos, sejam eles
escritos, ouvidos ou visualizados (leitura de imagens) a criança passa a se interessar mais

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 292
pelo objeto.
A próxima pergunta foi se os alunos se sentem motivados no momento da leitura da
literatura infantil.
P1 - Sim participando na interpretação oral e dramatizando.

P2 - Prestando atenção, querendo ver as figuras e recontando.

P3 - Sim, interagindo com a professora.

P4 - Sim, perguntam, criam e participam da história.

P5 - Sim, pois se concentram e participam com recontos da história.

P6 - Sim, ficam empolgados contando e recontando a história, principalmente


se for contada de forma lúdica.

O livro não pode se tornar algo obsoleto e ultrapassado para a criança, ele deve
ser atemporal e a ela deve-se permitir uma maior aproximação para que possa tocá-lo,
folheá-lo, e senti-lo, de maneira que ela tenha um contato mais íntimo com o objeto do seu
interesse. A partir daí, ela começa a gostar dos livros, percebe que eles fazem parte de um
mundo fascinante, onde a fantasia apresenta-se por meio de palavras e desenhos.
A próxima e última pergunta foi sobre como o professor avalia os alunos no momento
da leitura.
P1 - Um momento prazeroso para eles. A participação individual de cada um.
O objetivo de formar leitores críticos e participativos futuramente.

P2 - Eles amam as histórias infantis, proporcionando a eles momentos


riquíssimos de muita aprendizagem, são excelentes espectadores.

P3 - Interessados.

P4 - Muito bons, sempre participativos e curiosos.

P5 - Avalio por meio da participação e interação e o reconto que eles fazem.

P6 - Pode ser avaliado de forma em observar se o aluno se sente motivado


e se recebeu algum incentivo. Demonstrar interesse pela história, ter uma
roda de conversa apresentando os principais pontos da história. Incentivar a
interpretação da história para tornar o aluno pensante.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) determinam,


desde 2009, que as instituições que atuam nessa etapa de ensino criem procedimentos
para a avaliação do desenvolvimento das crianças.
A pesquisa em si, proporcionou vários momentos desta descoberta à pesquisadora,
embora ela trabalhe no mesmo local onde foi realizada a pesquisa e conheça os sujeitos
que participaram da investigação, descobertas foram feitas. Quando um professor se nega
a ajudar ao pesquisador ela se nega ao novo que poderá auxiliá-lo em sua maneira de
expor sua aula.
Em relação aos resultados do Gráfico 1: este resultado vai ao encontro do que
mostra o Censo Escolar 2011, na revista educação: “em um universo de mais de 2,045

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 293
milhões de profissionais, 1,065 milhão são do sexo feminino”. Também pode-se verificar
que isso ocorre em diversos municípios do Estado de Goiás e também de outros estados.
De acordo com os dados representados no Gráfico 3, quando perguntado sobre se
as professoras costumam contar histórias aos alunos, houve um pouco de contradição ao
analisar as perguntas abertas, entretanto, algumas professoras sim, trabalham a contação
de histórias todos os dias, pois analisando os cadernos de planejamento das professoras,
percebeu-se que eles contemplam a leitura de uma história diferente para as crianças e
diariamente elas trabalham com o cantinho da leitura, onde as crianças podem manipular
livros, revistas, jornais, gibis conforme a sua preferência.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Remetendo ao que foi proposto nesta investigação, de acordo com a problematização
e o objetivo geral, em relação às estratégias pedagógicas que as professoras utilizam para
incentivar a leitura em crianças de 5 anos de idade do CMEI Professora Zenilda Maria
Lopes. Percebi em minhas observações e com o resultado das pesquisas, que alguns
professores ainda estão perdidos quanto as estratégias utilizadas no momento da leitura.
Alunos dispersos e sem motivação tornam sem eficácia o trabalho do professor, em
se tratando de Educação Infantil o caso torna-se mais complexo ainda, pois é nessa fase
que as crianças estão no ápice de sua curiosidade e cheias de questionamentos que os
adultos, por vivência e experiência, podem elucidar. E a responsabilidade do professor em
responder aos questionamentos e desvanecer a curiosidade dos pequenos é vital.
A literatura infantil foi o ponto de partida para as reflexões acerca dos recursos que
os professores podem utilizar como incentivo à leitura e na formação de novos leitores.
O professor tem o papel crucial na vida dos futuros leitores, pois ele é quem indicará
o caminho para o gosto da leitura, além de despertar na criança a imaginação e o prazer
pelo ato de ler.
Por meio da pesquisa, mais precisamente da análise das respostas, pode-se
perceber que ainda há professoras que não utilizam estratégias enriquecedoras para
instigar o prazer pela leitura em crianças de cinco anos, o que permite afirmar que nessa
fase a acriança já tenha as noções básicas de leitura, pois aos seis anos ela entra na
educação básica obrigatória.
Na pesquisa levantada com as professoras, ficou evidente que algumas utilizam a
leitura de gêneros variados com frequência, comprovando a importância desta leitura nos
anos iniciais. Referente à contribuição da literatura no processo de aquisição da leitura,
as pesquisadas foram unânimes em afirmar que a criança, quando entra em contato com
a leitura de histórias, desde cedo, desenvolve a oralidade, a imaginação, a criatividade e
principalmente o gosto pela leitura.
Entretanto, algumas professoras ainda se prendem ao tradicionalismo, ou seja,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 294
leem automaticamente e sem esperar o feedback da criança em relação à história ouvida.
Nesse ponto, há que se considerar o passado leitor do professor. Algumas disseram que,
quando pequenas, liam apenas para corresponderem às expectativas dos professores e da
família, e que em casa ninguém tinha o hábito da leitura, por isso a pouca motivação em ler.
Pode-se ressaltar que a Literatura Infantil contribui para a formação do leitor,
estimulando a curiosidade e instigando a produção de novos conhecimentos, constatou-se
que para que isso se torne realidade muitas professoras utilizam metodologias diversificadas
e muito criativas.
Esse trabalho proporcionou diversas formas de ponderar sobre as estratégias
pedagógicas utilizadas pelas professoras do CMEI Professora Zenilda Maria Lopes no
incentivo à leitura de crianças de cinco anos de idade, promovendo uma reflexão sobre o
uso de diversos textos, principalmente da Literatura Infantil e suas diferentes abordagens.
Enfim, na sociedade letrada em que se vive é primordial que o indivíduo saiba
dominar as habilidades tanto da leitura quanto da escrita. Na qual a língua é um fenômeno
social, cultural e dinâmico que muda de acordo com o contexto, em que a Literatura Infantil
só tem a acrescentar como instrumento de transformação da própria realidade.
Trabalhar a temática foi fascinante e enriquecedor, pois permitiu refletir sobre as
diferentes estratégias, ou a ausência delas, no trabalho cotidiano do professor em relação
ao momento da leitura.
As reflexões aqui apresentadas não são finitas, pois ampliam as possibilidades de
aprofundamento deste estudo de forma a especificar com mais detalhes as estratégias
pedagógicas utilizadas pelos professores da Educação Infantil para incentivar a leitura nas
crianças, especificamente as de cinco anos de idade.

REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Elisandra Leite; BARBOZA, Reginaldo José. A importância da parceria entre a família e a
escola para a formação e desenvolvimento do indivíduo. Revista Científica Eletrônica do Curso de
Licenciatura em Pedagogia. 3407-8000 –www.revista.br –www. faef.edu.br. Ano XVII – Número 30 –
janeiro de 2018.

ANFOPE. Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação. Grupo de


Estudos e Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer (LEPEL/FACED/ UFBA). Grupo de
Estudo e Pesquisa em Educação do Campo (GEPEC/FACED/ UFBA).2018.

BARROS, Miguel Daladier. Educação infantil: o que diz a legislação. Disponível em http://www.lfg.
com.br. 12 de novembro de 2008.

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discutindo práticas pedagógicas. 2. Ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2005.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica.


Resolução no 5, de 17 de dezembro de /2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil. Brasília: MEC, 2009.

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 295
BUJES. M. I. E. Infância e maquinaria. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

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DUARTE, N.; FONTE, S. S. D. Arte, conhecimento e paixão na formação humana: sete


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Escolar. UFMT. 2014

SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. Curitiba: Positivo, 2018.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Trad. Cláudia Schilling. 6. Ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

TEBEROSKY, Ana. Além da Alfabetização. Ed. Ática, São Paulo, 1996.

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perspectivas. In: Revista Teoria e Prática da Educação. Vol.3, n. 10, 2007

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Capítulo 24 296
SOBRE O ORGANIZADOR

AMÉRICO JUNIOR NUNES DA SILVA - Professor do Departamento de Educação da


Universidade do Estado da Bahia (Uneb - Campus VII) e docente permanente do Programa
de Pós-Graduação Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos - PPGESA
(Uneb - Campus III). Atualmente coordena o Núcleo de Pesquisa e Extensão (NUPE) do
Departamento de Educação da Uneb (DEDC7). Doutor em Educação pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), Mestre em Educação pela Universidade de Brasília
(UnB), Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela Faculdade Regional de
Filosofia, Ciências e Letras de Candeias (IESCFAC), Especialista em Educação Matemática
e Licenciado em Matemática pelo Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco
(CESVASF). Foi professor e diretor escolar na Educação Básica. Coordenou o curso de
Licenciatura em Matemática e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(Pibid) no Campus IX da Uneb. Foi coordenador adjunto, no estado da Bahia, dos programas
Pró-Letramento e PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa). Participou,
como formador, do PNAIC/UFSCar, ocorrido no Estado de São Paulo. Pesquisa na área
de formação de professores que ensinam Matemática, Ludicidade e Narrativas. Integra o
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática (CNPq/UFSCar), na condição de
pesquisador, o Grupo Educação, Desenvolvimento e Profissionalização do Educador (CNPq/
PPGESA-Uneb), na condição de vice-líder e o Laboratório de Estudos e Pesquisas em
Educação Matemática (CNPq/LEPEM-Uneb) na condição de líder. É editor-chefe da Revista
Baiana de Educação Matemática (RBEM) e da Revista Multidisciplinar do Núcleo de Pesquisa
e Extensão; e coordenador do Encontro de Ludicidade e Educação Matemática (ELEM).

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Sobre o organizador 297
ÍNDICE REMISSIVO

A
Adoção 179, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 265
Altas habilidades/superdotação 176, 177, 181, 187, 228, 229, 233
Aprendizagem 4, 5, 6, 7, 8, 21, 27, 28, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 50,
51, 57, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 86, 90, 94, 95, 98,
101, 102, 106, 108, 111, 142, 143, 145, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 155, 157, 158,
159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 177, 178,
179, 180, 186, 187, 189, 190, 192, 193, 194, 195, 197, 210, 217, 218, 230, 232, 233, 234,
243, 244, 245, 246, 247, 251, 252, 253, 254, 256, 257, 266, 269, 270, 271, 272, 273, 274,
275, 276, 279, 280, 281, 282, 285, 286, 292, 293
Aprendizagem ativas 251
Atividades em grupo on-line 176, 179, 180, 181
Autoestima 20, 21, 50, 51, 52, 156
Autorregulação 27, 28, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37

B
Brincadeiras 114, 117, 269, 270, 271, 276, 278, 279, 292
Brinquedos 114, 119, 150, 269, 270, 276, 277, 279

C
Charbonneau 77, 78, 80, 81, 82, 83, 84
Covid-19 1, 44, 60, 61, 65, 74, 177, 186, 187

D
Deficiência visual 85, 86, 90, 91, 92, 93, 94, 97, 101
Desafios 5, 24, 26, 63, 71, 72, 73, 85, 86, 101, 105, 109, 142, 143, 144, 145, 148, 149, 151,
153, 158, 159, 173, 186, 197, 215, 217, 229, 236, 241, 245, 254, 255, 256, 260, 267, 273
Descentralização 3, 212, 227, 230
Dificuldades de aprendizagem 57, 67, 74, 145, 148, 269, 270, 280
Direitos humanos 1, 2, 3, 6, 7, 8, 103, 104, 110, 220, 222, 224, 230, 232, 268

E
Educação 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 12, 13, 17, 19, 21, 29, 33, 36, 37, 42, 44, 56, 57, 58, 59, 60,
61, 62, 63, 64, 67, 68, 69, 70, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87,
88, 90, 91, 92, 93, 95, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111,
112, 113, 114, 115, 117, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Índice Remissivo 298
132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 149, 151,
153, 154, 155, 158, 159, 161, 166, 170, 173, 174, 177, 178, 179, 181, 185, 186, 187, 188,
189, 190, 191, 192, 193, 194, 196, 197, 208, 210, 211, 214, 215, 216, 217, 218, 227, 228,
229, 230, 231, 232, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 243, 244, 245, 247, 248,
249, 250, 252, 254, 257, 258, 267, 268, 269, 270, 271, 272, 274, 275, 276, 277, 278, 279,
280, 281, 282, 283, 284, 285, 286, 287, 291, 293, 294, 295, 296, 297
Educação de imigrantes 77
Educação em valores sociomorais 208, 211, 215, 216, 218
Educação especial 86, 90, 92, 99, 129, 131, 132, 142, 143, 151, 179, 187, 228, 229, 230,
232, 233, 234, 235, 236, 237
Educação geográfica acadêmica 85, 86
Educação inclusiva 85, 86, 91, 93, 98, 101, 142, 143, 145, 147, 151, 227, 228, 229, 230,
231, 232, 233, 234, 235, 236
Educação infantil 112, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 130, 133, 134, 137, 139, 140,
141, 269, 270, 272, 274, 275, 276, 278, 280, 281, 282, 283, 284, 285, 286, 291, 293, 294,
295, 296
Educação libertadora 139, 188, 190, 193, 196
Educação on-line 60, 61, 62, 63, 64, 67, 68, 70, 73
Enfrentamentos 125, 129, 142
Ensino-aprendizagem 32, 38, 39, 40, 41, 42, 57, 102, 106, 108, 142, 193, 279
Ensino de línguas 188, 189, 191, 193, 196, 197, 251
Ensino de Sociologia 102, 106
Ensino remoto 1, 8, 61, 64, 72, 76, 177, 178, 179, 185, 186
Ensino superior 2, 4, 7, 12, 13, 20, 21, 22, 27, 29, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 93, 101, 102, 107,
113, 134, 297
Escola Paranaense 77
Estágio supervisionado 102, 105, 109
Estimulação 25, 97, 148, 151, 198, 201, 205, 206, 207
Estudantes 4, 6, 13, 14, 18, 20, 21, 23, 24, 25, 29, 32, 34, 35, 36, 47, 52, 53, 54, 61, 64,
65, 67, 70, 71, 72, 85, 86, 89, 90, 92, 94, 95, 97, 98, 99, 102, 106, 107, 108, 109, 110, 115,
145, 149, 153, 155, 163, 164, 167, 171, 172, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 183, 185, 186,
187, 227, 228, 229, 230, 232, 233, 234, 249, 253, 254, 255, 256
Etnografia escolar 102

F
Fisioterapia 198, 199, 201, 205, 207
Formação 5, 6, 7, 12, 13, 61, 67, 68, 72, 73, 74, 80, 81, 82, 83, 85, 89, 90, 93, 94, 98, 102,
103, 104, 105, 106, 107, 109, 110, 111, 122, 123, 134, 135, 136, 139, 142, 143, 147, 148,

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Índice Remissivo 299
150, 152, 153, 154, 155, 156, 158, 159, 161, 173, 179, 187, 189, 191, 192, 196, 197, 199,
209, 211, 215, 224, 227, 228, 229, 230, 231, 232, 233, 234, 235, 236, 238, 241, 243, 244,
245, 246, 247, 255, 257, 259, 261, 264, 265, 268, 269, 292, 294, 295, 296, 297
Formação de professores 110, 111, 191, 196, 197, 227, 228, 229, 231, 232, 234, 235, 259,
297
G
Gamificação 251, 252, 253, 254, 255, 256, 257, 258
Gramática 192, 251, 252, 253, 254, 255, 256, 257, 258

H
História da educação 77, 79, 80, 83, 84, 119, 190
Homens na Pedagogia 112, 125

I
Idosos 2, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 108, 118, 254
Inclusão 4, 8, 29, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 99, 100, 101, 104, 142, 143, 144,
146, 147, 148, 150, 151, 152, 192, 202, 227, 228, 229, 230, 232, 233, 234, 235, 236, 237,
248, 265
Infância 57, 61, 74, 104, 113, 123, 157, 211, 217, 220, 223, 280, 283, 286, 296
Interculturalidade 188, 189, 192, 193, 196
Intergeracional 20, 24
J
Jogos 65, 114, 150, 159, 167, 180, 182, 185, 186, 212, 251, 252, 254, 255, 256, 257, 263,
264, 265, 266, 267, 269, 270, 272, 276, 279, 280, 296
Jogos eletrônicos 252

L
Letramento digital 73, 259, 268
Letramento informacional 259, 261, 262, 265, 266, 267

M
Materiais concretos 149, 243, 246, 249
Mercado de trabalho 22, 110, 112, 114, 115, 122, 126, 128, 129, 131, 133, 134, 135, 136,
137, 138, 139, 155, 158

P
Pedagogia freireana 188, 196, 238, 241
Pedagogo 79, 112, 114, 122, 127, 128, 132, 134, 135, 136, 138, 139, 141, 191, 269

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Índice Remissivo 300
Planejamento didático-pedagógico 60
Políticas públicas 19, 40, 56, 89, 138, 143, 151, 220, 223, 224, 227, 228, 229, 230, 233,
235, 236, 283, 284
Práticas de ensino 60, 63, 142, 144, 232
Prevenção de riscos 215, 259

Q
Qualidade de vida 21, 38, 40, 41, 43, 45, 46, 48, 50, 52, 53, 57, 58, 59, 201
R
Recurso didático tátil 85, 95
Redes sociais 17, 23, 70, 208, 209, 210, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 234, 265, 266, 268
Reflexões freireanas 238
Relações de gênero 112, 115, 118, 126, 134, 135, 137, 140, 141
Relações interpessoais 39, 43, 51, 65, 176, 180, 186, 213, 215
Resolução de problemas 156, 173, 243, 245, 248, 250
S
Saúde escolar 38
Situação-problema 243, 245
Sociedade da informação 1, 2, 3, 7, 8, 268

T
TEA 95, 179, 198, 199, 200, 201, 202, 205, 206, 229
Tecnologias da informação e comunicação 1, 4, 8
Teoria 10, 22, 37, 58, 67, 95, 140, 211, 212, 213, 218, 238, 239, 242, 244, 245, 246, 247,
250, 253, 267, 270, 289, 296
W
Web 208, 209, 259, 260, 265

A Educação enquanto instrumento de emancipação e promotora dos ideais humanos 2 Índice Remissivo 301
ORGANIZADORAS

Karla Cristina Silva Sousa


Francimar Oliveira Miranda de Carvalho

RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA:
consensos e dissensos de um programa em (co)formação

São Luís

2021
Copyright © 2021 by EDUFMA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

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Reitor
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EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO


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Bibliotecária Suênia Oliveira Mendes
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Gilmar Fava
Márcia Cordeiro Costa
Projeto Gráfico
Karla Cristina Silva Sousa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Residência pedagógica [recurso eletrônico]: consensos e dissensos de um programa em


(co) formação / Organizadora: Karla Cristina Silva Sousa. — São Luís: EDUFMA, 2020.

226 p.
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-86619-87-4 

1. Residência pedagógica. 2. Formação de professor – Política. 3. Didática. 4. Educação


básica. I. Sousa, Karla Cristina Silva.

CDD 370.71
CDU 371.13

Bibliotecária: Márcia Cristina da Cruz Pereira – CRB 13/418


SUMÁRIO

PREFÁCIO................................................ 7

Welessandra Aparecida Benfica

INTRODUÇÃO.............................................. 9

José Erimar dos Santos

A EXPERIÊNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBPROJETO RESIDÊNCIA


PEDAGÓGICA NAS ESCOLAS-CAMPO DE ENSINO MÉDIO NA CIDADE
DE SÃO BERNARDO-MA...................................... 13

Amanda Gomes Pereira


Ana Caroline Amorim Oliveira

RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: entrelaçando teoria e prática na


formação do professor de Biologia....................... 32

Edison Fernandes da Silva


Andréa Martins Cantanhede
Mara Vieira Marques
Manuel Rodrigues Laranjeiras Filho
Moebio Meneses Araújo Carvalho

CONSTRUÇÃO E VALORIZAÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL


DO(A) PROFESSOR(A) DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA NO CONTEXTO DO
PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA.......................... 52

Mariana Guelero do Valle


Alexsandra Câmara Paz Lindoso
Fredson da Costa Barbosa
Cristiane Costa de Carvalho

AS CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA PARA


FORMAÇÃO DOCENTE DO LICENCIANDO DO CURSO DE LINGUAGENS E
CÓDIGOS-LÍNGUA PORTUGUESA............................... 71

Eliane Pereira dos Santos


Maria Francisca da Silva
SOB O PRISMA DA DIDÁTICA: O Programa Residência
Pedagógica no Curso de Pedagogia da UFMA................ 89

Walkíria Martins

OXIGENANDO A SALA DE AULA: práticas criativas para o


ensino-aprendizagem de Química.......................... 107

Cícero Wellington Brito Bezerra


Hildo Antonio dos Santos Silva

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA LEITURA E NA ESCRITA: um


estudo de caso com alunos do programa residência
pedagógica da escola São Luís – Codó-Ma................. 122

Deusilene Costa Teixeira


Aziel Alves de Arruda

PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: experiências e desafios


na implementação do subprojeto do curso de Licenciatura
em Educação Física da Universidade Federal Do Maranhão
(UFMA).................................................. 141

Carina Helena Wasem Fraga


Francisca das Chagas Oliveira Elias
Lúcia Tereza Pinto Tugeiro
Luciana de Paula Silva

A IMPLEMENTAÇÃO DE METODOLOGIAS ATIVAS DE ENSINO NA


PERSPECTIVA DO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA DO
CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS NATURAIS/BIOLOGIA .... 162

Marcelo Soares dos Santos


Caio César Silva Lima

A RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA EM BIOLOGIA NO MUNICÍPIO DE


CODÓ, MA: relatos de casos, aprendizagens e reflexões... 184

Paulo Rodrigo Cruz dos Santos


Raimundo Francisco Oliveira Nascimento
Jayara de Sousa Lima
José Orlando de Almeida Silva

O NEOTECNICISMO, A BNCC E SUAS CONSEQUÊNCIAS NOS


SUBPROJETOS EM ENSINO DE FILOSOFIA DOS PROGRAMAS
RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA DE 2018-2020: breves aproximações
filosóficas............................................. 200

Diogo Silva Corrêa


Thiago Alvarenga Barbosa
Walmagson Rodrigues dos Santos

SOBRE OS AUTORES E AUTORAS.............................. 220


PREFÁCIO

Este é um livro tecido por muitas mãos. Partindo das


rendas do Nordeste, dos coloridos e tranças que compõem os
bordados nordestinos, ele vem até Minas Gerais. Olhando para
as montanhas das Gerais, traduzo e completo, com a beleza do
lado de cá, o cenário da intensa diversidade desses brasis
que se integram.
Ao ler, é possível entender que ele nasce das
experiências de um Programa de formação e se estende para
além dele, nas ações e vivências de autores, que se dedicaram
a elaborar subtemas dentro do que poderíamos nomear como a
grande temática que nos provoca: a formação e a co-formação
de professores e professoras para atuarem nas escolas do
Brasil.
O convite para prefaciar tais experiências começa
pela história de composição deste livro. A organizadora,
presente em momentos decisivos no Programa de Residência
Pedagógica, pode ser caracterizada como aquela professora que
nunca deixou nenhuma pergunta sem resposta, e sempre ajudou a
formatar o programa com seu conhecimento, solidariedade e
disponibilidade. Seria ingênuo tentar traduzir as inúmeras
participações de sucesso da Profª. Drª Karla Pádua durante a
Edição 2018-2020, do Residência pedagógica, sem cair em
reducionismos.
É necessário, contudo, dizer que os sujeitos que
trabalham na formação de professores no Brasil, agradecem as
intervenções, pois delas emergiram ideias e ações que se
traduziram, em metodologias, concepções e por fim, na
elaboração dessa obra que temos em mãos, a qual fomentará
reflexões e mudanças de práticas.
A escolha do título RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: consensos
e dissensos de um programa em (co)formação, leva-nos a

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refletir sobre a etimologia dos termos que completam o
sentido deste livro. O consenso revela concordância ou
uniformidade de opiniões, de pensamentos, de sentimentos e
crenças da maioria ou da totalidade de membros de uma
coletividade. Por outro lado, o dissenso é a controvérsia, o
desacordo, a desaprovação e a desarmonia. Ainda traz como
características, a desavença, o desencontro, a diferença, a
divergência e a disparidade.
Questionamos: como os autores e autoras dos diversos
textos que compõem este livro, trabalharam nessas
contradições em suas escritas?
As abordagens foram elaboradas na discussão sobre as
contribuições do Programa de Residência Pedagógica, passando
pelos significados desse programa nos diversos segmentos que
compõem a educação básica, seus desafios, a concepção de
Didática que permeou os subprojetos realizados, a relação
teoria e prática explícita nessa modalidade de co/formação de
professores, as identidades dos sujeitos nas diversas
disciplinas e campos do conhecimento, relatos de casos e
reflexões para, enfim , chegar-se às consequências de
políticas e documentos legais que fundamentam a educação na
atualidade, e que, muitas vezes, descaracterizam a luta em
busca por uma educação de qualidade socialmente referenciada.
Ler este livro nos permite entender que a contradição
ainda é a mais abrangente forma de percepção e denúncia da
realidade. E por ser a palavra, sempre tecnicamente incapaz
de traduzir o que o texto amplia em nós, reafirmo que as
autorias que encontramos aqui nos permite pensar e lutar por
uma educação que contemple a diversidade. Portanto, essa
leitura é urgente, necessária e transformadora.
Fim do verão!
Welessandra Aparecida Benfica (UEMG)
Belo Horizonte/MG

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INTRODUÇÃO

José Erimar dos Santos (UFERSA)

RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: consensos e dissensos de um


programa em (co)formação representa um marco importante na
discussão sobre formação de professores, não apenas no estado
do Maranhão, mas no cenário nacional, pois os conteúdos de
seus capítulos abordam a natureza dialética constitutiva
desse programa no cenário da política de formação de
professores(as), no Brasil, atualmente.
Forjado num cenário, cujas marcas são
superficialidades quando o assunto é a política de formação
de professores(as), o Programa de Residência Pedagógica soma-
se a outras temáticas e discussões da situação dos projetos e
proposições de formação docente em disputa no país, não
sendo, na área da Educação, no Brasil, uma discussão nova,
tendo surgido sob diferentes nomenclaturas. Se não fosse
assim, a proposta do Programa de Residência Pedagógica,
inicialmente, não teria sido apresentada à comunidade
educacional e à sociedade brasileira em forma de slides,
totalmente desarticulada com o Decreto Nº. 8.752 de 9 de maio
de 2016, que dispõe sobre a Política Nacional de Formação dos
Profissionais da Educação Básica, ainda em voga.
Essa querela constitui-se de uma batalha de
proposições de concepções, ideias, visões de mundo, ideologia
e projetos políticos em disputa por grupos que formam o
Estado brasileiro no atual contexto. Dessa forma, consensos e
dissensos assumem uma importância central na implementação,
discussão e efetivação desse programa de formação de
professores(as) no país.

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Consensos e dissensos são marcos da relação entre
mundo da vida (sistema de ações que levam ao consenso, ao
entendimento, pois estão calcados na ação comunicativa) e
mundo sistêmico (sistemas de ações estratégicas,
teleológicas), cuja marca se faz sentir também na política de
formação de professores. Por essa razão, já dizia Habermas
(2004, p. 48) “[...]os conflitos surgem da distorção na
comunicação, do mal-entendido e da incompreensão, da
insinceridade e da impostura”.
Apesar dessa natureza contraditória, o Programa de
Residência Pedagógica traz em seu bojo, do ponto de vista
operacional, isto é, da sua efetivação nas escolas-campo,
pelas mãos de docentes da universidade, discentes das
licenciaturas vinculadas e docentes da educação básica, uma
oportunidade ímpar e salutar na construção de propostas de
formação de professores(as), qual seja, a construção de um
arranjo territorial extremamente importante, mas ainda tão
escasso neste país ligado à formação docente, pois se
operacionaliza na constituição de subsistemas nacionais de
formação, dinamizados pela articulação entre as seguintes
esferas nacionais: Município, Estado e União.
Ao longo deste livro, os(as) leitores perceberão essa
relação territorial e a importância dessa constituição na
construção docente e na melhoria da Educação Básica. A partir
dos exemplos empíricos abordados por cada autor(a) nos
capítulos que seguem, perceberão que o Programa de Residência
Pedagógica, ao mesmo tempo que articula Universidade e
Escola, isso possibilita integração, ou seja, a construção de
uma relação não apenas objetiva entre professores(as) em
formação (licenciandos(as) dos cursos de licenciaturas),
discentes e docentes da educação básica, mas uma relação
subjetiva, e até intersubjetiva, construtora de um(a) docente
capaz de lidar com contextos, problemas e desafios, já que

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essa formação, a partir da residência pedagógica se dá junto-
com-o(a)-outro(a), ou seja, em (co)formação.
Com título sugestivo e conteúdo pertinente ao
contexto da formação de professores no país, na atualidade,
tomando o estado do Maranhão como recorte empírico e o
Programa de Residência Pedagógica como tema, o livro foi
escrito por docentes e licenciandos(as) da UFMA e docentes da
educação básica, experientes e comprometidos com a causa da
Educação neste estado brasileiro. Daí a riqueza das
abordagens teórico-metodológicas dos capítulos que priorizam,
na discussão do Programa de Residência Pedagógica: a formação
docente, sob a experiência da construção de subprojeto em
escola-campo; o entrelaçamento teórico e prático na formação
do(a) professor(a); a construção e valorização da identidade
profissional docente; as contribuições da residência
pedagógica para a formação docente; a didática e as práticas
criativas em sala de aula; a colaboração da residência
pedagógica na superação dos obstáculos de aprendizagem da
leitura e da escrita de alunos(as) das escolas; as
experiências e os desafios na implementação de subprojeto; o
uso de metodologias ativas de ensino no âmbito das ações do
Programa de Residência Pedagógica, bem como relatos de
experiências, aprendizagens e reflexões. Por fim, mas não
menos importante, o(a) leitor(a) encontrará neste livro,
também, análises e discussões sobre elementos teórico-
empíricos acerca do “neoprodutivismo e suas variantes”
(SAVIANI, 2013, p. 425), quais sejam: o neotecnicismo e a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e suas implicações nos
subprojetos de residência pedagógica e formação docente.
Ademais, as questões levantadas representam
contribuições importantes acerca dos consensos e dissensos da
natureza constitutiva do Programa de Residência Pedagógica.
Além disso, do ponto de vista teórico-empírico, as

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considerações apresentadas somam-se ao processo fundamental e
urgente de desvelamento das questões relativas à formação de
professores(as) no Brasil. Assim, esperamos que as discussões
apresentadas contribuam para o avanço da produção de
conhecimentos e da condução teórico-metodológica e empírica
em investigações no campo da política de formação de
professores(as).

REFERÊNCIAS

BRASIL. DECRETO Nº 8.752, DE 9 DE MAIO DE 2016. Dispõe sobre


a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação
Básica. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia
para Assuntos Jurídicos. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/decreto/d8752.htm. Acesso em: 8 set.2020.

HABERMAS, Jürgen. Fundamentalismo e terror - um diálogo com


Jürgen Habermas. In: BORRADORI, Giovanna (Org.). Filosofia em
tempo de terror: diálogos com Jürgen Habermas e Jacques
Derrida. Tradução de Roberto Muggiati. Rio de Janeiro: Zahar,
2004. p. 37-55.

SAVIANI. Dermeval. O neoprodutivismo e suas variantes:


neoescolanovismo, neoconstrutivismo, neotecnicismo (1991
2001). In: SAVIANI, Dermer val. História das ideias
pedagógicas no Brasil. 4. ed. Campinas/SP: Autores
Associados, 2013. (Coleção memória da educação). p. 425-442.

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A EXPERIÊNCIA DA CONSTRUÇÃO DO SUBPROJETO RESIDÊNCIA
PEDAGÓGICA NAS ESCOLAS-CAMPO DE ENSINO MÉDIO NA
CIDADE DE SÃO BERNARDO-MA

Amanda Gomes Pereira


Ana Caroline Amorim Oliveira

INTRODUÇÃO

O presente capítulo tem como objetivo refletir sobre


a experiência vivenciada na elaboração e construção da
execução do Subprojeto Residência Pedagógica proposto e
financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) do Curso de Licenciatura em Ciências
Humanas/Sociologia no Campus São Bernardo da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA). Inicialmente, iremos apresentar o
Programa Residência Pedagógica no contexto do debate
curricular nacional e sua relação com o Programa de Iniciação
à Docência (PIBID). Em seguida, iremos analisar sobre o
início da execução do subprojeto no campus São Bernardo, bem
como os projetos de intervenções escolares como proposta
metodológica de aplicação da lei nº 11.645/2008. E, por fim,
as considerações finais.
O Programa Residência Pedagógica surge, como uma das
“ações que integram a Política Nacional de Formação de
Professores” (CAPES, 2020), para promover a inserção dos
licenciandos no ambiente escolar, ainda durante a sua
formação universitária. Em contraposição ao estágio
curricular que ocorre nos períodos finais do curso, de forma
rápida, para cumprir a obrigatoriedade imposta pelo
currículo. O programa residência é inaugurado em meio às
críticas devido isso surgir provocando uma divisão de

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recursos financeiros, e de opiniões, com outro programa de
formação de professores para licenciandos que já existia
desde 2010, o Programa de Iniciação à Docência (PIBID).
O PIBID tem como alvo os licenciandos que estão no
início do curso superior para se inserirem na “[...]prática
com o cotidiano das escolas públicas de educação básica e com
o contexto em que elas estão inseridas” (BRASIL, 2018). Com o
intuito de “incentivar a formação de docentes em nível
superior para a educação básica e contribuir para a
valorização do magistério” conforme os dois objetivos
principais do programa. Enquanto o foco do Programa
Residência Pedagógica se dá em relação à reformulação do
estágio supervisionado, isto é, aos licenciandos que estão na
reta final do curso, através da imersão, regência e
intervenção na escola. Os objetivos do programa são:
I. Aperfeiçoar a formação dos discentes dos cursos de
licenciatura, por meio do desenvolvimento de projetos
que fortaleçam o campo da prática e que conduzam o
licenciando a exercitar de forma ativa a relação entre
teoria e prática profissional docente, utilizando
coleta de dados e diagnóstico sobre o ensino e a
aprendizagem escolar, entre outras didáticas e
metodologias;
II. Induzir a reformulação do estágio supervisionado
nos cursos de licenciatura, tendo por base a
experiência da residência pedagógica;
III. Fortalecer, ampliar e consolidar a relação entre
a IES e a escola, promovendo sinergia entre a entidade
que forma e aquelas que receberão os egressos das
licenciaturas, além de estimular o protagonismo das
redes de ensino na formação de professores;
IV. Promover a adequação dos currículos e das
propostas pedagógicas dos cursos de formação inicial
de professores da educação básica às orientações da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC)(BRASIL, 2018).

O programa Residência nasce no bojo de uma nova


reforma curricular na educação básica que novamente altera o
status da disciplina de Sociologia (e de Filosofia) no
currículo da educação básica. A trajetória da disciplina de
Sociologia no currículo da educação básica brasileira é
caracterizada por intermitências devido às disputas políticas

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e ideológicas que, ora a incluem no currículo, ora a retiram,
e, em outros momentos, a deixa inviabilizada através da
alcunha da “interdisciplinaridade e da transversalidade” do
currículo (ZANARDI, 2013; ROMANO, 2009; OLIVEIRA, 2014). Tal
reestruturação, que ficou conhecida como “reforma do ensino
médio”, recebeu o nome de Base Nacional Comum Curricular-
BNCC, por meio da lei nº 13.415/2017 e alterando a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº
9394/1996. A recente reforma do ensino médio não fortaleceu a
Sociologia enquanto disciplina ao estabelecer no art. 3º § 2º
que “A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino
médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de
educação física, arte, sociologia e filosofia” e, no artigo
4º que altera o artigo 36 da LDBEN, instituiu que:
O currículo do ensino médio será composto pela BNCC e
por itinerários formativos que deverão ser organizados
por meio da oferta de diferentes arranjos
curriculares, conforme a relevância para o contexto
local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a
saber: I- linguagens e suas tecnologias; II-
matemática e suas tecnologias; III-ciências da
natureza e suas tecnologias; IV- ciências humanas e
sociais aplicadas; V- formação técnica e
profissional(BRASIL, 2017)(grifos nossos)

O não diálogo com as entidades e instâncias


representativas, bem como, com os especialistas sobre uma
reforma desse porte na educação provocou diversas
manifestações contrárias a BNCC. Com relação às disciplinas
de Sociologia e de Filosofia, várias foram as manifestações
para que elas permanecessem nos currículos como conquistado
pela lei nº 11.684/2008. Apesar de, no documento final,
manterem as áreas de Sociologia e de Filosofia, os cursos de
licenciatura em Ciências Sociais, Sociologia e Filosofia,
compreenderam esse momento como um possível ataque aos seus
respectivos campos disciplinares.

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O Programa Residência teve como proposta a imersão de
um ano e meio dos estudantes nas escolas. Essa imersão
representou, nesse período, uma das consequências mais
exitosas do subprojeto implementado pelo Curso de
Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia do campus de São
Bernardo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Desde o
primeiro momento em que os licenciandos e licenciandas
tiveram a oportunidade de conhecer as escolas-campo, o
contato com realidades tão díspares provocou neles a reflexão
sobre as desigualdades quanto ao acesso e ao direito à
educação – como no caso de escolas sem estrutura física
adequada para realização das atividades docentes, onde os
banheiros eram precários e faltavam lâmpadas nas salas de
aulas e corredores –, assim como as dificuldades de acesso de
alguns povoados do município de São Bernardo/MA à sede da
cidade.
Todos esses elementos interferiram na realização do
subprojeto “Desafios da prática pedagógica: promovendo
tecituras de teorias, metodologias e práticas no ensino de
Sociologia” sendo partes constituintes dos reveses do
cotidiano docente e com as quais há necessidade de conviver e
driblar no exercício da profissão.
Como professores de Sociologia, é preciso adentrar
nesses espaços de maneira crítica, despindo-se dos anseios de
neutralidade e perspectiva puramente técnica. Outro ponto a
ser destacado se refere ao fato de como esses contextos
surgiram e interferiram no processo de execução do
subprojeto. Para tal, alguns aspectos do desenvolvimento do
subprojeto foram elencados com o intuito de oferecer críticas
construtivas ao Programa Residência Pedagógica e que possam
contribuir para futuras revisões.
Ao ser aberto o edital de seleção dos subprojetos do
Programa Residência Pedagógica pela Universidade Federal do

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Maranhão, o interesse dos docentes do nosso curso surge a
partir das experiências como supervisores de Estágio
Curricular Supervisionado e as dificuldades encontradas em
sensibilizar os estudantes sobre a importância dessa
experiência, conscientizando-os de que a mesma não deveria
ser vivenciada para cumprir uma mera formalidade.
Desse modo, ao surgir essa possibilidade,
concentramo-nos em elaborar uma proposta que fosse formativa
em amplos aspectos: conteúdo, metodologia, contextualização e
conscientização da necessidade de investir em uma boa
formação como docente. Além disso, havia o pressuposto
compartilhado de que se formar enquanto professor/a de
Sociologia requer um direcionamento específico, visto que a
desnaturalização das relações sociais e o estranhamento, são
cruciais para a construção de um olhar sociológico (LAHIRE,
2014).
Pelo fato de estarmos inseridos nas escolas do
município de São Bernardo/MA, assim como em escolas estaduais
de municípios circunvizinhos, tais como: Santa Quitéria do
Maranhão/MA e Magalhães de Almeida/MA, havia o conhecimento
prévio da realidade dessas instituições. No caso de São
Bernardo, devido ao fato do campus da UFMA estar localizado
nessa cidade, as instituições recebem vários projetos e
estagiários.
Existem apenas duas escolas da rede estadual de
ensino na sede, com anexos em povoados, que recebem a maioria
dos estudantes envolvidos em projetos e realizando estágios.
Devido aos horários dos turnos das aulas dos anexos, no
período noturno, torna-se inviável para os licenciandos e
licenciandas realizarem suas atividades – já que o curso de
licenciatura também é noturno.
Por isso, as parcerias com as instituições de ensino
de outros municípios são fulcrais no desenvolvimento das

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atividades regulares do curso. Cientes das complexidades
relacionadas à realização do projeto, elaboramo-lo para
contemplar as cidades de Santa Quitéria do Maranhão/MA e
Magalhães de Almeida/MA, ampliando as parcerias e diálogos
entre a universidade e as instituições de ensino dessas
cidades, democratizando o acesso às informações sobre as
atividades desempenhadas pela universidade na Região do Delta
das Américas.
No processo de elaboração do subprojeto de Sociologia
do campus São Bernardo, visitamos os centros de ensino: C.E.
Dionílio Gonçalves Costa (município de Magalhães de Almeida,
MA) e C.E. Cônego Nestor Cunha (município de São Bernardo,
MA). Assim, o subprojeto ao invés de atender apenas às
escolas que estão acostumadas com a realização de projetos de
ensino, pesquisa e extensão em seu cotidiano, contemplaria
centros de ensino alijados dessas oportunidades. Uma vez que
a UFMA possui estudantes dos municípios de Santa Quitéria do
Maranhão e de Magalhães de Almeida – bem como de Milagres do
Maranhão, Santana do Maranhão, Água Doce, Araioses e Tutóia –
a execução das ações ocorreria sem onerar discentes e a
universidade.
Uma oportunidade que enriqueceria a Região do Delta,
criando espaço para atitudes multiplicadoras voltadas para a
garantia e promoção do acesso à educação. Contudo, apesar de,
inclusive, as alunas e alunos selecionados serem oriundos
dessas três cidades, devido a falta de compreensão dos
contextos e especificidades de locais de uma política pública
pensada para ser aplicada no país inteiro, a proposta inicial
se tornou inviável segundo critérios da coordenação do
programa.
Para a CAPES, apenas as escolas localizadas na cidade de
São Bernardo, onde está situado o campus da IES, eram
habilitadas como escolas-campo, podendo receber, assim, as

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equipes do subprojeto. A partir do conhecimento dessa
condição, o subprojeto teve de ser remodelado e vários
desafios surgiram no decorrer do seu desenvolvimento.
O primeiro deles ocorreu no processo de seleção dos
professores da rede básica de ensino que atuariam como
preceptores das equipes. Como o edital exigia a formação em
Sociologia – e era de nosso conhecimento a existência de
profissionais que atuam nas escolas sem possuir a graduação
na área –, tivemos que nos adequar, criando alternativas
junto às instituições de ensino.
Além disso, pelo fato de uma das escolas-campo
escolhida estar localizada em povoado que fica a cerca de
20km de distância da sede do município, tivemos de contar com
a colaboração e parceria da Prefeitura Municipal de São
Bernardo para assegurar a realização das atividades por uma
das 3 (três) equipes de licenciandos e licenciandas do
subprojeto.
Esses são aspectos cruciais para elucidar a
necessidade de se garantir a adequação dos programas
nacionais aos contextos locais, garantindo a visibilidade dos
diferentes atores que compõem a realidade da educação básica
brasileira. Para contribuir para a formação de docentes de
maneira efetiva, como visa o programa, é preciso disseminar
essas práticas entre os educadores, favorecendo o
estabelecimento de uma educação como prática da liberdade,
transgressora (HOOKS, 2017).
Minhas práticas pedagógicas nasceram da interação
entre as pedagogias anticolonialista, crítica e feminista,
cada uma das quais ilumina as outras. Essa mistura complexa e
única de múltiplas perspectivas tem sido um ponto de vista
envolvente e poderoso a partir de que trabalhar.
Transpondo as fronteiras, esse ponto de vista
possibilitou que eu imaginasse e efetivasse práticas

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pedagógicas que implicam diretamente a preocupação de
questionar as parcialidades que reforçam os sistemas de
dominação (como o racismo e o sexismo) e ao mesmo tempo
proporcionam novas maneiras de dar aula a grupos
diversificados de alunos (HOOKS, 2017, p. 20).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
(BRASIL, 2000) e as Orientações Curriculares Nacionais para
Ensino Médio (BRASIL, 2006) na área de Ciências Humanas e
suas tecnologias destacam o quanto é imprescindível a
construção de conhecimentos contextualizados. Assim, pensando
em termos de formação dos discentes das licenciaturas,
futuros docentes, como estabelecer essa formação, deslocando-
os de suas localidades e dos seus espaços cotidianos?
Apesar desse questionamento, seguimos com o trabalho,
e conseguimos alcançar resultados exitosos. A experiência dos
estudantes nas escolas-campo dos povoados, e das
coordenadoras, permitiu aproximar a universidade de pessoas
que a visualizavam como um sonho distante e inacessível. Além
disso, permitiu dimensionar as desigualdades de acesso à
educação, mesmo em uma conjuntura de negações de direitos. Ao
permitir o trânsito dos discentes entre as três escolas-
campo, foi possível perceber os contrastes e conhecer os
limites no desenvolvimento das atividades.
Na primeira visita à escola-campo do Povoado
Coqueiro/São Bernardo-MA, uma licencianda, após conhecer as
dependências das escolas e perceber a precariedade dessa,
saiu do local chorando, angustiada com a situação que muitos
enfrentam para ter acesso ao ensino. Nesse sentido, a
desnaturalização da realidade, tão necessária às Ciências
Sociais, ocorreu naquela visita. Aquela discente acostumada
com um contexto escolar, pode perceber que mesmo a rede
pública, apesar de pública, produz exclusões.
Fassin (1999, p.34) destaca que:

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En la última década, en Francia, la palabra
desigualdades desapareció prácticamente del léxico
político y científico; fue reemplazada por el término
exclusión. Simultáneamente, los pobres se convirtieron
en excluidos. Este cambio de vocabulario no es
anecdótico. Por el contrario, es revelador de una
nueva representación del espacio social, de una nueva
topografía simbólica de la sociedad, que no concierne
únicamente al contexto francés, como he intentado
mostrarlo en outro artículo (1996b), en donde comparo
el caso de los Estados Unidos con el de América
Latina. El sociólogo francés Alain Touraine (1992)
afirma, por ejemplo, que hemos pasado de una sociedad
organizada vertícalraente, basada en una jerarquía que
daba lugar a desigualdades, a una sociedad
estructurada horizontalmente, con un interior
compuesto por los integrados y un extetior que reúne a
los excluidos.

Esse choque do olhar ao adentrar em contexto tão


distinto, e ao mesmo tempo adverso, demonstra esses processos
de exclusão levados à cabo no capitalismo tardio. Assim, em
uma região em que municípios possuem baixos Índices de
Desenvolvimento Humano (IDH), há localidades cujo acesso à
educação é precário e se relaciona com dinâmicas de exclusão
e produção de desigualdades.
Nesse caso em específico, essa vivência não
contribuiu apenas para a formação dessa licencianda como
docente, mas como docente de Sociologia. Sob essa
perspectiva, se há um papel destinado à disciplina
sociológica que justifique sua inserção na educação, é de,
justamente, contribuir “[...]para formar cidadãos um pouco
mais sujeitos de suas ações em um mundo social
desnaturalizado e um pouco menos opaco.” (LAHIRE, 2014,
p.59).
No período de observação, eles entrevistaram os
professores preceptores e se dedicaram à observação do
cotidiano da escola-campo – não apenas das aulas. Durante os
dias em que estivessem nelas, os discentes deveriam
acompanhar a rotina da secretaria, direção, cantina, pátio,
perpassando por todos os ambientes.

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Como um primeiro exercício etnográfico dos
residentes, os licenciandos e licenciandas foram convidados a
observar, participar e fazer parte do ambiente escolar,
percebendo os conflitos e dinâmicas de poder que envolvem
esse local. O entrecruzamento das categorias raça, classe e
gênero nas relações estabelecidas pelos atores que fazem
parte da instituição de ensino, tornando aquele espaço um
local de produção de saber e de reprodução de exclusões.
Nessa etapa do projeto, os residentes tiveram acesso
à direção da escola, algo distante para eles no período de
estágio. Eles tiveram a oportunidade de participar de Semana
Pedagógica das escolas-campo, que ocorre no começo do ano
letivo, tendo acesso ao planejamento anual das atividades.
Como relatado em momentos de compartilhamento das
atividades, durante as reuniões de equipe e no Seminário de
finalização do subprojeto, foi uma experiência única que
permitiu perceber a complexidade das ações vinculadas à
gestão escolar e ao planejamento escolar – tão imprescindível
e muitas vezes negligenciado durante a formação docente.

INTERVENÇÕES NA ESCOLA: experiências de execução da Lei nº


11.645/2008

O segundo momento do projeto consistiu na regência em


sala de aula pelos residentes, e, a intervenção nas escolas
através de projetos a partir da realidade escolar e, por fim,
a culminância.
O momento da regência foi caracterizado pela
dificuldade da execução da mesma, já que a carga horária da
disciplina de Sociologia se restringe a um horário de 50
minutos que deveria ser dividida pelos residentes, bolsistas
de PIBID e estagiários nas escolas.

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Na escola-campo localizada no povoado de Baixa Grande
foi necessário que os residentes também acompanhassem a aula
de Filosofia, já que o professor – preceptor ministrava as
duas disciplinas, isso para conseguirem completar a carga
horária exigida da regência. Cada um deveria ter no mínimo
100 horas de regência em sala de aula. Decidimos que as
regências seriam organizadas por duplas para que cada um
pudesse tanto ministrar, como também, avaliar o colega.
Uma situação particular ocorreu nesse momento: a
transferência de uma professora com formação em Sociologia.
Importante destacar que essa professora foi egressa da
primeira turma do Curso de Ciências Humanas/Sociologia do
Campus São Bernardo da UFMA e bolsista do PIBID. A única dos
três professores-preceptores com formação na área da
Sociologia.
A docente relatou uma grande dificuldade ao iniciar
em uma nova escola e não poder ministrar as suas disciplinas,
pois foi o momento da regência no qual ela deveria observar e
avaliar os residentes. Ela relatou a sua necessidade de criar
um vínculo com os estudantes, já que os mesmos estavam
assistindo somente as aulas dos universitários. Mas como
fazer isso sem prejudicar a carga horária da regência dos
mesmos?
Essas especificidades da realidade escolar de cada
município, onde os cursos estão instalados, não são
contempladas pelo edital do programa residência pedagógica.
Diante dessas dificuldades informadas à coordenação do
programa na instituição, foram realizadas alterações na
caraterização da regência.
Eles possibilitaram três maneiras de calcular esse
momento e divididos entre a preparação da aula e a regência:
a) 70% regência e 30 % preparação, b) 80% regência e 20%
preparação e c) 90% regência e 10% preparação. Essa adaptação

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à diversidade da realidade escolar no estado possibilitou que
os residentes não fossem prejudicados na execução do projeto.
Outro momento importante nessa etapa foi a elaboração
e execução das intervenções na escola. Ao longo do último ano
foram feitas duas intervenções com base na lei nº 11.645/2008
(Lei que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei
nº 9394/96) para incluir no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”) a partir da ausência
identificada pelos residentes sobre as temáticas dos povos
indígenas e do povo africano na disciplina de Sociologia, bem
como, no currículo de forma geral.
Tomamos como base o calendário escolar em que as
“datas comemorativas” ainda permanecem como referências das
atividades pedagógicas. Como, por exemplo, o mês de abril, no
qual se “comemora” o “Dia do índio” e, o mês de novembro em
que se celebra o “Dia da Consciência Negra”, respectivamente,
19 de abril, renomeado pelo movimento indígena como dia da
resistência indígena e, dia 20 de novembro, nomeado pelo
movimento negro como Dia da Consciência Negra. A partir
desses temas provocadores, realizamos rodas de conversa,
exibição de filmes, produção literária, musical, artística e
culinária com os estudantes das escolas.
Para a execução dessas intervenções foram realizadas
leituras antropológicas e sociológicas, nas reuniões semanais
com os residentes, sobre os povos indígenas e sua diversidade
cultural, linguística e étnica destacando o caráter da
existência e re-existência dos povos nativos criticando a
representação de uma caricatura do “índio” genérico e preso
no passado estático como, infelizmente, ainda é ensinado nas
escolas apesar da referida lei.
Além dos livros e artigos foram utilizados como
ferramenta metodológica e pedagógica filmes e documentários

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sobre os povos nativos, produzidos sobre eles e por eles, com
o intuito de possibilitar uma aproximação e sensibilização da
alteridade. Nesses momentos de discussão, a preocupação com o
lugar de fala dos povos nativos foi muito importante. Segundo
Ribeiro (2017) a importância de falar se dar pela
possibilidade de poder existir através da fala. O falar não
se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir.
“Pensamos lugar de fala como refutar a historiografia
tradicional e a hierarquização de saberes consequente da
hierarquia social.” (RIBEIRO, 2017, p.36-37).
Ribeiro (2017) reflete sobre o conceito lugar de fala
a partir do feminist stand point que nos serve, aqui nessa
reflexão, como chave analítica para compreender a
invisibilidade dos povos indígenas, enquanto sujeitos da sua
própria história que até pouco tempo era contada somente pelo
colonizador nos currículos escolares. Da mesma forma, os
povos africanos que vieram para o país na condição de
escravizados.
Dessa forma, utilizar nas atividades de intervenção
escolar vídeos nos quais os povos indígenas eram os
narradores de suas próprias histórias apresentando suas
versões acerca da “história” do Brasil, tentamos dar
visibilidade às vozes dos povos indígenas durante séculos
silenciadas.
O cinema foi entendido enquanto uma ferramenta
pedagógica fundamental, aliada à bibliografia especializada
referente ao tema, pois o recurso imagético possibilitou uma
aproximação sensorial, estética e de alteridade para os
residentes e estudantes das escolas. Não podemos deixar de
destacar o caráter híbrido do cinema que já nasce enquanto
indústria cultural e, portanto, inserido enquanto mercadoria
no sistema capitalista. Assim, os documentários e vídeos

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foram inseridos em uma análise crítica do audiovisual
(VIANNA; ROSA; OREY,2014).
O desenvolvimento das atividades referente aos povos
indígenas ocorreu nas três escolas. Uma escola solicitou que
a atividade acontecesse no campus para que os alunos pudessem
se sentir próximos da universidade, pois muitos nunca haviam
entrado no campus.
A professora acrescentou que, talvez assim, eles se
animassem para se inscrever no ENEM-Exame Nacional do Ensino
Médio (exame que possibilita a entrada no ensino superior
público e privado no país) já que muitos não se interessavam
em se inscrever, uma vez que entendiam o ensino superior como
algo distante da realidade deles.
A atividade se desenvolveu, primeiramente, com a
exibição dos vídeos da Tv Escola sobre os povos indígenas,
logo após uma breve explanação sobre o conteúdo do filme
direcionando o olhar dos estudantes para cenas dos
documentários; em seguida, aberto às perguntas dos
estudantes. Os residentes falaram sobre a diversidade
cultural dos povos nativos, levantaram questões e
problematizaram estereótipos e pré-conceitos em relação às
representações acerca dos povos nativos. E, por fim,
encerrávamos com o vídeo da música “Demarcação Já”
(RENNÓ,2017) O que gerava uma comoção ao exibi-lo devido às
imagens da diversidade dos povos nativos e sua luta pela
terra demarcada.
As atividades do mês de novembro foram organizadas
pelos residentes, estudantes e preceptores. Os estudantes
participaram de forma ativa da elaboração com produção de
dança, composição de música e poema, exposição de artes
africana feita pelos próprios, organização de livros sobre o
tema e culinária africana. Os residentes trabalharam sobre a
formação da sociedade brasileira, o mito da democracia racial

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e o racismo institucional, período esse durante as regências.
A apresentação da produção feita pelos estudantes culminou
com o encerramento tanto do projeto como do ano letivo nas
escolas.
As intervenções realizadas pelo subprojeto provocaram
alterações no espaço escolar e nos estudantes e professores-
preceptores. Na escola localizada no povoado Baixa Grande, a
roda de debates sobre os povos indígenas foi a primeira
atividade feita pela universidade que eles recebiam. O
povoado é distante e em torno de 20 km da sede do município.
O ensino médio funciona à noite conjuntamente com os
estudantes de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
As aulas eram constantemente canceladas devido à
falta de energia elétrica e falta de transporte dificultando
a realização das regências dos residentes. Diante desse
cenário, a realização de uma atividade “da universidade” fez
os alunos se interessarem mais na escola. Após essa primeira
atividade os estudantes, solicitaram aos residentes outras
rodas de conversa sobre temas que os incomodavam como
bullying na escola, homofobia e saúde mental. Esses debates
foram realizados pelos residentes, assistente social do
campus e pela profª Amanda Gomes.
Os residentes relataram que os estudantes estavam,
inicialmente, tímidos e envergonhados em participar da
atividade do Dia da Consciência Negra. No entanto, pouco a
pouco eles se empenharam na realização do projeto. Dedicaram-
se em horários fora da escola, criaram grupos de comunicação
nas redes sociais e, no dia da atividade, os estudantes foram
expansivos, declamaram, cantaram, apresentaram suas
produções.
Entretanto, essa atividade de cunho crítico recebeu
comentários racistas de professores e de estudantes que não
estavam participando do projeto. Isso demonstra a importância

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de que tais temas devem ser trabalhados com o conjunto do
corpo docente e ao longo do currículo escolar não se
restringindo a datas ou momentos específicos do calendário
escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A docência em uma cidade do interior representa um


desafio em muitos aspectos visto que, diferentemente de
outros lugares, a continuação dos espaços entre casa e
trabalho impossibilita que sejamos anônimos, mais um na
multidão e, desse modo, assumirmos uma postura blasé (SIMMEL,
1987). O espaço da cidade provoca vários encontros e
transitar por seus caminhos é conviver com os rebuliços,
diversidades, mas também as tensões.
Nesse sentido, realizar um subprojeto na área de
Sociologia (tocando em temas tão necessários no contexto
atual e que, por isso, provocam paixões) é saber aprender a
dialogar a partir de diferentes enfoques, aprendendo a fazer
com, a ensinar conjuntamente e perceber a importância de
programas como esse na formação dos licenciandos e
licenciandas, sem desconsiderar o impacto nas rotinas das
escolas-campo.
Nessa perspectiva, os objetivos do subprojeto foram
atingidos ao apontar a necessidade de criar alternativas que
promovam uma reflexão acerca do lugar ocupado pelo Estágio
Supervisionado Curricular no currículo das licenciaturas –
bem como de outras ações formativas que aproximem os
estudantes da realidade de trabalho da educação básica. Sob
esse prisma, as atividades que promoveram a aproximação entre
escolas-campo e universidade, reduzindo as distâncias,
demonstraram resultados positivos, visto que as alunas e

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alunos do Ensino Médio se sentiram mais integrados a uma
realidade até então inatingível.
Formar-se para a cidadania é um desafio, formar com,
acolhendo as diferenças e integrando as pessoas através da
garantia do direito ao acesso à educação se assemelha ao
esforço necessário para discernir com nitidez as formas de
caleidoscópio. Cabe a nós resistirmos aos ataques atuais
direcionados ao ensino público e, principalmente, a
disciplina da Sociologia, criando formas de permanecer em
constante diálogo com os atores e educadores da escola
pública.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n.º 11.645 de 10 de março de 2008. Altera a lei


n.º 9.394/1996 modificada pela Lei n.º 10.639 de 2003 que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
brasileira e indígena”.

BRASIL. Lei n.º 13.415 de 16 de fevereiro de 2017. Altera as


Leis n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de
junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de
maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de
1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e
institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de
Ensino Médio em Tempo Integral.

BRASIL. Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece


as diretrizes e bases da educação nacional.

BRASIL. Orientações Curriculares Nacionais para Ensino Médio.


Secretaria de Educação Básica. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria da Educação Básica, 2006.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio.


Secretaria de Educação Básica. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria da Educação Básica, 2000.

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BRASIL. Portaria GAB n.º 38, de 28 de fevereiro de 2018.
Institui o Programa de Residência Pedagógica.

BRASIL. Lei 11.684 de 02 de junho de 2008. Altera o art. 36


da lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a
Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos
currículos do ensino médio.

CAPES. Programa de Residência Pedagógica. Disponível em:


https://www.capes.gov.br/educacao-basica/programa-residencia-
pedagogica. Acessado em: 24 abr.2020.

RENNÓ, Carlos. Demarcação já. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=wbMzdkaMsd0. Acesso em: 20
jan.2020.

FASSIN, Didier. La patetización del mundo: ensayo de


antropología del sufrimiento. In: M. Viveros y G. Garay
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FONSECA, Claudia. Quando cada caso não é um caso. Trabalho


apresentado na XXI Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro
de 1998.

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LAHIRE, Bernard. Viver e interpretar o mundo social: para que


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(1996-2007): um estudo sobre a invenção das tradições.
Dissertação de Mestrado em Educação. Faculdade de Ciências e
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SIMMEL, Gerg. A metrópole e a vida mental. In. VELHO, O.G.
(org). O fenômeno urbano. 4.ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1987.

VIANA, Marger da Conceição; ROSA, Milton; OREY, Daniel Clark.


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resgate à diversidade cultural. Ensino em Re-vista, v.21,
n.1, p.137-144, jan./jun.2014.

ZANARDI, Gabriel Seretti. De Benjamin Constant à lei


11.684/08: uma breve trajetória das tentativas de inclusão da
disciplina no currículo da escola brasileira. Revista
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Universidade Federal do Paraná. v.1.n.2.ago. 2013.

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RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: entrelaçando teoria e prática
na formação do professor de Biologia

Edison Fernandes da Silva


Andréa Martins Cantanhede
Mara Vieira Marques
Manuel Rodrigues Laranjeiras Filho
Moebio Meneses Araújo Carvalho

INTRODUÇÃO

O processo de formação dos alunos dos cursos de


graduação, sobretudo das licenciaturas, envolve o
aprofundamento teórico-prático, como faces indissociáveis do
saber, minimizando fragmentações formativas e proporcionando
conectividade entre os diferentes componentes curriculares
(GATTI, 2010). As Diretrizes Curriculares para a formação do
professor (BRASIL, 2015) trazem sugestões de organização
curricular nos cursos de licenciatura incorporados nos seus
projetos pedagógicos que precisam ser flexíveis e dinâmicos
no delineamento do melhor percurso da formação.
Os cursos de licenciatura, de forma geral, sofrem com
grandes taxas de evasão por fatores relacionados à carreira
profissional, baixa remuneração, aviltamento do trabalho
docente e, nesse sentido, para fortalecer a formação inicial
e minimizar a evasão, o MEC criou programas de formação
inicial. Além disso, esses programas vêm contribuindo
demasiadamente na superação dessas fragmentações formativas,
promovendo a mobilização de saberes necessários na formação
do professor.

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Dentre os programas, surge a Residência Pedagógica
com caráter inovador quando leva o residente/licenciando a
vivenciar o ambiente escolar em todas as suas dimensões. No
município de Chapadinha, as escolas que receberam o programa
se aproximaram também da universidade em uma perspectiva
itinerante, pois nessas escolas se desenvolveram inúmeras
ações do âmbito acadêmico. A interação da escola com a
universidade se ampliou com o compartilhamento de estruturas
físicas, científicas e humanas, fomentando discussões sobre
as condições de ensino nas séries finais da educação básica,
sobretudo sobre o componente curricular biologia.
O programa e suas ações fortaleceram o processo de
popularização da Universidade, no entendimento da apropriação
coletiva e pública dessa instituição, desmitificando o
caráter privativo e restritivo que a universidade ainda
possui na cidade e região. Foi possível divulgar o curso, os
conhecimentos científicos produzidos e os serviços prestados
tanto na região, como em todo o Estado.
O programa fortaleceu a experiência no magistério dos
residentes e se tornou um campo de produção de conhecimentos,
tanto para os professores em formação quanto os profissionais
da educação. Na integração da escola com a universidade foi
possível rediscutir e refletir sobre os diversos aspectos
pedagógicos da experiência docente, oportunizando o
tratamento de problemas e produção de soluções a partir de
demandas diárias.
O subprojeto Licenciatura em Ciência Biológicas de
Chapadinha do programa Residência Pedagógica do Centro de
Ciências Agrárias e Ambientais (CCAA) da Universidade Federal
do Maranhão (UFMA) sumariza neste capítulo o nascimento, o
desenvolvimento e crescimento de um programa que ocorreu em
espaços diferentes, mas em tempos equivalentes.

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Aqui, a partir de observações e discussões no grupo
do Residência pedagógica, residentes, preceptores e docente
orientador, são relatadas experiências referentes às
atividades desenvolvidas e suas repercussões na formação
docente e no ensino de biologia nas escolas alvo do programa.

O PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA NA UNIVERSIDADE

O Centro de Ciências Agrárias e Ambientais oferece


quatro cursos de graduação, sendo o curso de Ciências
Biológicas a única licenciatura do campus. Esse “isolamento
pedagógico” é minimizado no contato com o ambiente escolar
que oportuniza aproximações, não somente com professores de
biologia experientes, como também a professores de outras
áreas do conhecimento, transversalizando-se pelos diversos
campos do saber.
Por outro lado, essa condição coloca o curso de
Biologia do CCAA/UFMA em uma posição confortável na
participação e editais destinados à área da educação que, em
sua totalidade, já nascem com anuência do Centro.
Internamente, o curso vem se consolidando como licenciatura
desde 2013, uma vez que esteve conjugado com o bacharelado
nos 7 anos anteriores, portanto é um curso relativamente
novo.
O núcleo de professores, estritamente ligados à
licenciatura, ou que combinam as duas linhas de pesquisa e
estudos (bacharelado e licenciatura) ainda é discreto, mas
vem se ampliando fortemente. Nesse sentido, as propostas e
programas para área de ensino são prontamente acolhidas e
muito bem particionadas de modo que ainda não gera
competitividade interna.
Os alunos do curso, via de regra, buscam estágios
extracurriculares e outras experiências profissionais,

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frequentemente, pela afinidade com as linhas de trabalho
desses professores. O interesse dos alunos por pesquisas e
trabalhos na área de educação tem sido proporcional ao
envolvimento desses professores com os temas educacionais.
O programa residência pedagógica em Chapadinha é
acolhido nesse contexto, havendo, portanto, uma adesão
instantânea de toda a comunidade ao programa. Os alunos se
mobilizaram rapidamente, pois a perspectiva de estar
professor em um tempo maior que o estágio obrigatório, de
aprofundar a experiência no magistério e de ser remunerado
para imersão na área de interesse foi bastante motivador ao
corpo discente, permitindo selecionar um público com alta
afinidade com a área de educação.
O Campus de Chapadinha, historicamente, tem sido
contemplado com bolsas de iniciação científica patrocinados
por agências de fomento, além de registrar um número bastante
expressivo de bolsas de outra natureza. Essa condição
efetivamente colocou à disposição do programa residência
pedagógica um grupo de alunos muito interessados em se
aprofundar no magistério.
Rapidamente, o programa alcançou relevância no Centro
e no curso de Ciências Biológicas, pois catalisou,
significativamente, o número de alunos com bolsas, ampliando
em curto/médio prazo a nota de avaliação do curso, alcançando
ainda, no mesmo ano, quatro estrelas do Guia do Estudante da
Editora Abril, em uma avaliação em que o máximo são cinco
estrelas.
A euforia de boas notícias e os impactos tão precoces
da elegibilidade, da aprovação e da implementação da proposta
desse subprojeto elevou a autoestima dos residentes, mas
trouxe também certa confusão teórica e prática de quais
seriam as atividades do residente pedagógico. Não seria ele
um tipo diferente de estagiário?

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Essa incerteza nasce no ambiente acadêmico, sobretudo
no meio discente. Os residentes que assumiram a vanguarda do
programa foram rápidos na distinção conceitual dos dois
personagens. Estagiário ou residente? Essas discussões
ocuparam as salas de aulas, os eventos de lançamento do
programa, as aulas inaugurais do semestre e várias atividades
promovidas pelo programa.
A movimentação dos residentes no trabalho de
apropriação de sua identidade de residente pedagógico no
âmbito acadêmico e futuramente na escola não foi ancorada na
expectativa de magnificar o status do residente para que não
fossem considerados “apenas” como estagiários. A experiência
desses alunos, durante o estágio de licenciatura, expôs-nos a
desconfortos e estigmas que os incomodavam, o que justifica o
esforço para validar essa identidade de residente,
colaborando assim na mitigação de problemas que surgirão no
desempenho de suas atividades.

O PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA NAS ESCOLAS CAMPO

O município de Chapadinha, com cerca de 79.675


habitantes (IBGE, 2020), possui três escolas de ensino médio
que atendem a um público de 2.900 alunos anualmente.
Aproximadamente 23% desses alunos participaram do programa
residência pedagógica nos anos de 2018/2019. As três escolas,
doravante chamadas de escolas A, B e C, localizam-se na
região central da cidade. São escolas mantidas pelo poder
público estadual, mas possuem características e histórias bem
diferentes.
As diferenças são explícitas, embora de modo
informal, porém teria um caráter formal se fossem
confrontadas cientificamente. Que diferenças são essas? A
resposta é quase, exclusivamente, de natureza social. É

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notório que há a segregação econômica e social dos alunos
matriculados nessas escolas.
A escola acomoda alunos oriundos de famílias com
menor poder aquisitivo econômico, porque são filhos de
moradores das regiões periféricas da cidade e da zona rural
do município. Alguns alunos acessam a escola diariamente e
percorrendo longos percursos, outros moram na casa de
parentes e/ou amigos (relato oral dos residentes que atuaram
nessas escolas). A escola “B” assume uma posição
intermediária e com um número de alunos matriculados muito
próximo ao número de alunos da escola “A”.
Os alunos da escola “B” compõem o que seria
equivalente à classe média da rede pública de ensino, numa
classificação social admitida neste texto, para fins de
caracterização didática e ilustrativa do público trabalhado
no âmbito do programa. A escola “C” seria equivalente, nessa
escala meramente ilustrativa, ao grupamento de alunos
pertencentes a uma classe social mais elevada. Muitos desses
alunos são egressos de escolas particulares e são alunos que
vislumbram terminar os estudos numa escola pública de renome.
A escola “C” mantém esse “status” e atrai uma parcela
“diferenciada” de alunos à medida que é categorizada por bons
índices de avaliação e um expressivo número de alunos
acessando o ensino superior. Talvez, por conta dessa
expressão de qualidade, refletida nos números da escola “C”,
essa tenha recebido um aporte maior de materiais, de empenhos
financeiros, doações etc. A estrutura da escola é equivalente
às melhores escolas particulares da cidade. Nos últimos dois
anos, a escola “C” passou à condição de escola integral e
isso contribui expressivamente para a elevação dos
investimentos estruturais e dos recursos humanos.
A implementação do ensino integral na escola “C”
produziu uma migração de alunos às escolas “A” e “B” que

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possuem números equivalentes de alunos, cada uma com cerca de
1.200 alunos matriculados em três turnos. O esvaziamento da
escola “C”, apesar das condições favoráveis dessa escola, foi
provocado por alunos que não podem ocupar os dois turnos do
dia, inteira e exclusivamente, com atividades de ensino. São
alunos com afazeres domésticos e que suplementam a renda da
família em negócios familiares ou no comércio local.
As escolas “A”, “B” e “C” receberam o programa com
muita expectativa. Os professores preceptores e já
capacitados para o exercício de suas atividades atuaram muito
eficientemente para tornar o ambiente o mais acolhedor
possível. O primeiro contato dos residentes ocorreu com o
corpo administrativo das escolas (diretores, supervisores,
coordenadores, segurança, limpeza e merendeiras).
Na fase de ambientação, os residentes fizeram uma
leitura minuciosa do ambiente e da estrutura administrativa
da escola. Tiveram acesso a documentos formais como projeto
político pedagógico, dados de censo escolar, indicadores,
dentre outros. Na etapa seguinte, os residentes iniciaram o
contato com as futuras salas de aulas. Houve, então, um
período de aproximação, de observação e preparação para a
etapa de regência.
Concomitantemente a isso, todos os integrantes do
programa se reuniram, semanalmente, nos encontros de estudos
pedagógicos. Nesses encontros, além de tratar de temas
específicos sobre a educação, tratava-se também das
experiências e vivências de cada residente em suas
respectivas salas de aulas. A apreensão crescia com o
encerramento da etapa de ambientação e o iminente início da
etapa de regência, contudo, algo ainda havia de ser
resolvido.
Na escola, os residentes receberam a identificação de
estagiários, perderam seus nomes e era quase consenso a ideia

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de que o professor preceptor tirou a sorte grande, pois ele
terá estagiários em todas as suas turmas e será pelo ano
todo. Os alunos acumulavam uma mistura de preconceito, de
desconfiança e expectativa, afinal nunca estiveram como
estagiários por tanto tempo.
Apesar disso, o residente tomou posse de sua
identidade, fizeram camisas, crachás mas, no ideário da
escola, a figura do residente já estava consolidada. São
meninos que não se formaram ainda, são nervosos, tímidos,
alguns até se sobressaem, mas sua função ali era substituir o
professor. Essa pecha depreciativa não foi aceita pelos
residentes. Eles anteviram esse problema e começaram a
trabalhar para divulgar suas identidades e popularizar o
programa.
Provocaram os preceptores, o docente orientador, as
escolas e juntos discutiram o programa em todas as suas
dimensões, sem criar conflitos com o estigma da crise de
identidade que estavam vivendo, conseguiram consolidar cada
conceito, cada etapa e objetivos do programa. Foi um momento
de apropriação e compartilhamento que ocupou reuniões de
estudos pedagógicos, eventos do calendário escolar, do
calendário da universidade, das secretarias estadual e
municipal de educação.
A estratégia era se fazer representar nesses eventos
para alcançar o público de interesse. Mesmo considerando a
resistência a esse ajuntamento coletivo, organizou-se o I
Encontro de Formação de Professores do Baixo Parnaíba que
potencializou a disseminação das ideias do programa no
município e nas cidades dos arredores. Esse, considerado como
primeiro problema dos residentes no programa, foi fortemente
combatido, apesar de muitos professores continuarem os
tratando como estagiários e não serem bem acolhidos nas salas
dos professores.

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Os professores lamentavam a perda de liberdade, a
invasão de privacidade. Não se podia conversar livremente nas
salas de professores porque havia sempre um estagiário no
canto da sala que poderia ouvir e compartilhar as conversas.
Apesar do desconforto, a direção das escolas estimulou o
convívio entre professores e residentes. Em uma tentativa de
minimizar tal problema, buscou-se um novo espaço na escola
para alojar os residentes. De certa forma, esse desconforto
foi importante para que os professores percebessem o trabalho
do residente, uma vez que ele permanecia muito mais tempo na
escola de que o estagiário, por exemplo, que estava sempre
presente nas escolas, mesmo em dias que não teria aulas.
A concepção do programa, a estrutura do calendário, a
divisão em etapas foi bastante conveniente, organizadas e
alocadas no tempo, de modo que o caminho para a esperada
etapa de regência, da imersão em sala de aula foram
pavimentados solidamente nos primeiros seis meses do
programa. A percepção do programa, o entendimento de cada
etapa, a predição de problemas, a preparação para o momento
mais intenso (fase de imersão) foi compartilhado com muita
clareza e cumplicidade de cada integrante do programa. As
reuniões de estudos pedagógicos foram muito importantes para
alcançar essa harmonia entre as etapas.
Os temas discutidos nessas reuniões eram propostos no
sentido de gerar as conexões e amarras necessárias para
fazerem com que cada etapa ocorresse com a máxima eficiência
e alcançasse plenamente seus objetivos.
Logo na primeira etapa do programa, surgiram as
primeiras dificuldades. A maior delas foi no planejamento do
tempo pelos residentes que precisariam preparar aulas,
participar de reuniões de estudos pedagógicos, idealizar e
implementar projetos de intervenção na escola, gerenciar
problemas na rotina de sala de aula, mediar conflitos,

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produzir relatórios e, ao mesmo tempo, cursar as disciplinas
da graduação.
Outro aspecto que surgiu como dificuldade foi o
domínio dos saberes específicos de alguns conteúdos das
ciências biológicas, esses minimizados previamente às
atividades de regência, com a produção de vídeos, micro
aulas, estudo de casos.

O RESIDENTE PROFESSOR DE BIOLOGIA

O programa residência pedagógica surge no CCAA como


uma espécie de broto do PIBID. Foi do laboratório de ensino
do CCAA/UFMA, onde os pibidianos se reuniam, que surgiram as
primeiras notícias do programa no CCAA. O PIBID já levava a
universidade para as escolas do município e viu na residência
pedagógica a oportunidade de ampliar a presença dos
licenciandos e da universidade em um número maior de escolas.
O histórico de sucesso e credibilidade do PIBID no Centro
agregou e difundiu facilmente a proposta da residência
pedagógica. Os candidatos aderiram ao recrutamento e estavam
convictos de que os selecionados assumiriam a condição de
professores de Biologia.
A proposta do programa residência pedagógica como
oportunidade para o desenvolvimento profissional aliado a uma
remuneração, por meio de bolsas fomentadas pela CAPES, gerou
grande adesão num contexto dos licenciandos pertencentes a
uma realidade de grande vulnerabilidade econômica e social.
Assim, ser selecionado e ser remunerado por uma agência de
fomento de tamanha notoriedade, honra e qualifica o residente
professor de Biologia.
Nesse momento, o residente está investido de
notoriedade e convicto de sua identidade e do papel na rede
de ensino estadual, ao lado dos melhores professores da

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região e do Brasil. Dentre os residentes, havia aqueles que
experimentariam o estágio e os que foram estagiários, e nesse
momento do exercício da residência, queriam assumir as salas
de aulas como professores de Biologia.
Estar na escola, ser parte da escola e fazer a escola
é participar de uma cultura. A cultura escolar congrega um
conjunto de normas que define conhecimento a ensinar e
condutas a seguirem, portanto, essas práticas permitem o
compartilhamento de conhecimentos.
É na escola que os estudantes se aproximam da cultura
científica e compreendem um conjunto de ações quando
envolvidos na atividade de investigação e divulgação de um
novo conhecimento sobre o mundo natural e o ensino de
Biologia que promove aproximações com a cultura escolar
cientifica respeitando as normas e práticas das duas culturas
(JULIA, 2001).
Inserir-se na cultura escolar, agora atuando em outro
papel, o de professor, foi desafiador no início das
atividades dos residentes, além de suas inquietações
emocionais, o olhar preocupado dos preceptores, dos
funcionários da escola, do docente orientador e o julgamento
informal dos colegas estagiários e residentes. Os mecanismos
informais de avaliação, muitas vezes, não esperavam o término
da aula para viralizar em uma cidade de encontros casuais e
obrigatórios, afinal quase todos se encontram numa mesma
padaria no final de tarde.
As reuniões de estudos pedagógicos proporcionaram
espaços de diálogos e reflexões sobre os problemas de salas
de aula, sobre temas correlatos à educação, pelas trocas de
experiências e vivências de cada residente em sala de aula.
Isso desencadeou o amadurecimento dos participantes.
A despeito da função primordial de ensinar a
aprender, os residentes/professores, bem como o sacerdote,

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como o psicólogo, como o médico, entenderam que haviam de
lhes confiar problemas de toda uma vida. Os residentes se
sentiam honrados, confiantes com a cumplicidade que germinava
tão precocemente.
As três escolas campo, apesar de possuírem história,
públicos e condições distintas, sempre apresentaram problemas
muito semelhantes. As diferenças estruturais e sociais não
pareciam como causadoras dos principais problemas que surgiam
em sala de aula.
Inicialmente, a falta de interesse dos alunos das
escolas, em participar das atividades educativas propiciadas
pelo programa residência, foi comum nas três escolas. Isso
provocou, a partir da auto avaliação, uma corrida intensa na
busca de estratégias que despertasse a atenção dos alunos.
Viu-se então a necessidade de apresentar novas formas
de analisar e construir conhecimentos sobre situações
cotidianas, uma vez que o ensino descontextualizado, apenas
com a apresentação de fatos e informações não funcionava no
entendimento do mundo natural e nesse sentido, outras
estratégias foram utilizadas, como por exemplo, a utilização
de espaços não formais de ensino, acesso ao lúdico.
As leituras e discussões mostravam que os problemas
recorrentes, e com maior força no comprometimento do ensino e
aprendizagem, não encontravam associação com as situações que
os residentes vivenciavam em sala de aula.
Isso ocorria, exceto a condição quase que
generalizada da inaptidão dos alunos ao letramento textual e
matemático. Esse cenário compõe o lamentável quadro do
analfabetismo funcional em nosso país, que se manifesta com
maior força na região nordeste, especialmente em populações
em vulnerabilidade social (HADDAD; SIQUEIRA 2015; SILVA;
SILVA, 2018).

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Imergir os alunos no mundo das ciências biológicas
conectando átomos, moléculas, organelas, células, tecidos,
sistemas, organismos, populações, comunidades, ecossistemas
que se integram formando um sistema vivo e inteligente, que
James Lovelock chamou de Gaia, parecia uma tarefa herculiana,
sobretudo quando se almejava conduzir o aluno a fazer essa
leitura de dentro do sistema como parte de Gaia.
É objetivo do ensino de ciências biológicas a
formação de pessoas que conheçam e reconheçam conceitos e
ideias científicas, aspectos da natureza da ciência e as
relações entre ciência, tecnologia, sociedade e meio
ambiente, a partir de aspectos internos e externos, a própria
ciência visando a alfabetização científica (SASSERON;
CARVALHO, 2011).
Alguns fatores que afetam a aprendizagem proposta por
Gomes (2018) foram facilmente evidenciados, mas não
sobreviviam a hora do lanche ou da popular merenda escolar.
Os residentes perceberam que muitos alunos iniciavam as
atividades de aula com muito desconforto alimentar. Por um
tempo curtíssimo pensou-se que após o recreio e ingestão da
merenda esse aluno assumisse a postura de estudante.
De fato, as escolas estão superlotadas de alunos, mas
pouquíssimos estudantes. Depois dos vinte minutos do recreio,
a merenda trazia um novo aluno para a sala de aula, aquele
personagem moribundo, alheio a aula, furtivo retornava
energizado, muito ativo, mas infelizmente era para amplificar
os sons das conversas, das brincadeiras e o desdém pela aula
ministrada.
Os residentes buscaram em si, a possível causa desse
problema, buscaram o parecer de professores de outras
disciplinas que atuavam nas mesmas turmas. Esses professores
ratificavam as mesmas dificuldades, relatando em alguns casos
a necessidade de intervenção médica e hospitalar que alguns

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colegas necessitaram para tratar as sequelas da vivência com
essas turmas.
Esse cenário gerou apreensão, medo e não estava
gerando a devida aderência do residente/professor à função de
ensinar a aprender. A estada no programa imputava-lhes a
missão de tratar problemas dessa natureza.
Na busca de soluções para os problemas encontrados em
sala de aula, os residentes usaram uma ferramenta que foi
sabiamente incorporada à proposta do programa, a intervenção
pedagógica. Inicialmente, o cumprimento dessa tarefa parecia
só mais uma atividade elencada nos compromissos do residente
com o programa.
Ninguém, até nesse momento, comentava sobre as
intervenções pedagógicas e esse tema foi suscitado mais pela
temporalidade do calendário. Contudo, os residentes
perceberam que essa seria uma importante estratégia e uma
oportunidade excelente de atender a esse compromisso do
programa e atacar o problema recorrente em praticamente todas
as salas de aulas e das três escolas campo.
O problema generalizado dos alunos com dificuldades
na leitura e interpretação de texto sucedia a um problema
basal e elementar que precisa ser resolvido antes mesmo dos
primeiros anos de vida escolar. Em uma consulta informal e
rápida em sala de aula a vultosa maioria dos alunos não
conseguia responder o porquê e para que estavam na escola.
Viu-se que o problema era bem maior que se pensava, tinha-se
uma geração de estudantes silenciados convidados a contar a
sua história.
Nesse sentido, os projetos de intervenção pedagógica
nascem com a missão de converter alunos em estudantes,
conferindo-lhes empoderamento, a partir das ideias de Freire
(2011), com a conquista da liberdade por indivíduos
subordinados a situações de dependências, qualquer que seja

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essa dependência, conferindo condições para que os indivíduos
se tornem responsáveis e atores principais de suas decisões.
Nesse sentido, os objetivos direcionados no
planejamento de ensino vislumbrava a interação dos alunos com
uma nova forma de ver o mundo e seus acontecimentos, podendo
modificá-los e a si próprio por meio de uma prática
consciente propiciada por sua interação cercada de saberes
associadas ao conhecimento da ciência.
Os residentes foram provocados a idealizarem um
projeto, construído com fundamentação teórica, com objetivos
claros e com metodologia apropriada para alcançar os
objetivos propostos. Todos foram estimulados a estabelecer
com muita clareza o que iriam fazer, onde e como fariam e
quais resultados esperariam.
Mas a pergunta persistia: o que fazer? Para responder
a essa pergunta e estabelecer uma proposta clara e motivadora
de intervenção pedagógica, os residentes foram estimulados a
pensar no que mais lhes causavam desconforto no exercício da
regência. Com isso, os residentes das três escolas campo
foram unânimes: era necessário resgatar ou produzir no aluno
a sua condição de estudante e, dessa forma, foram propostas
diferentes ações para alcançar esse objetivo.
Na escola campo “A”, as intervenções pedagógicas
foram majoritariamente produzidas para motivar os alunos.
Vale ressaltar que o ambiente físico dessa escola é muito
bom, com todas as salas climatizadas, excelente suporte
alimentar e de recursos humanos. O tempo na escola e em sala
de aula permitiu aos residentes fazerem uma leitura detalhada
do status motivacional dos alunos.
Sendo possível notar que, a maioria dos alunos, não
se percebiam como personagens de relevância nas suas famílias
e na escola. Não havia inquietação e nem o mínimo
planejamento com o futuro. O grande problema não era a falta

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de perspectiva ou o olhar restritivo ao horizonte de cada
dia, pois o problema era a dissintonia e o descomprometimento
com as responsabilidades dessa fase de suas vidas. Esse
problema foi se tornando maior porque envolvia, nessa escola,
alunos das séries finais da educação básica, 2º e 3º anos.
Diante desse cenário, os residentes implementaram as
propostas de intervenção pedagógica. Foram semanas de
palestras motivacionais, rodas de conversa, ministração de
aulas teóricas e práticas fora da escola e com especialistas,
sobretudo nas instalações do campus do CCAA, além da
implementação de projetos que envolviam jogos educativos
(Figura 1).
Essas intervenções pedagógicas foram pontuais e
acertaram dois grandes alvos: o status motivacional e o
desenvolvimento desses alunos. Em todos os projetos de
intervenção pedagógica dessa escola foi possível registrar
uma evolução do desenvolvimento dos alunos, com maior
participação nas aulas, com melhores notas e redução do
número de ocorrências envolvendo desvio de conduta do aluno.
Na escola campo “B”, os residentes detectaram três
grandes problemas: 75% das turmas alcançadas pelo programa
eram de alunos do 1° ano, e em fase de adaptação ao ensino
médio; a estrutura física da escola não produzia salas de
aulas sonoramente e termicamente confortáveis; a perturbação
sonora e desconforto térmico de salas sem climatização e
isolamento acústico se somavam à superlotação das turmas como
um terceiro problema.
O enchimento dessas turmas já foi mencionado
anteriormente, mas vale a pena reiterar que o excedente de
alunos nessa escola é de egressos da rede municipal de ensino
que rejeitaram compor as turmas de ensino integral da escola
“C” e que evitaram, socialmente estigmatizada, a escola “A”.
A estratégia dos residentes nessa escola foi muita precisa.

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Eles perceberam o grau de maturidade do público e a
desintegração de turmas que ainda não havia conseguido
consolidar relacionamentos.
A medida apropriada e acertada pelos residentes dessa
escola foi de implementar jogos educativos. O público
acolheu, com muita intensidade, e respondeu excepcionalmente.
Os indicadores de avaliação qualitativa e quantitativa
mostraram os efeitos do antes e depois das intervenções
pedagógicas nas turmas trabalhadas pelo programa residência
pedagógica.
A escola “C” deveria ser o “El Dourado” dos
professores e foi para 40% das turmas trabalhadas pelos
residentes. A escola é muito bem conceituada na cidade e
recebe, tradicionalmente, alunos com melhor desempenho
escolar. A estrutura da escola é equivalente e, em algumas
áreas, superior às condições oferecidas pelas melhores
escolas da rede privada do município. Não obstante a isso,
60% das turmas sob a responsabilidade dos residentes
apresentavam graves problemas de comportamento e de caráter
motivacional. A rebeldia e falta de perspectiva com o futuro
era latente nessas turmas.
Além das palestras motivacionais, a apropriação
científica de conceitos biológicos, químicos e físicos
tiveram muito sucesso na tratativa dos problemas
diagnosticados nessa escola. Em destaque, ganha um parêntese
a estratégia de uma dupla de residentes de trazer os pais
para a escola. Esses residentes trabalharam na turma que
apresentou menor índice de aprendizagem e disciplina.
O dia a dia dos residentes nessa turma, assim como
ocorria em outras escolas, ocupou intensamente as conversas e
discussões das reuniões de estudos pedagógicos, de modo que
os residentes livremente escolheram essa estratégia, porque
não vislumbravam outro caminho naquele momento.

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Os pais ou responsáveis foram contatados um a um e
convidados para virem à escola e participar de um grupo
interativo do programa comunidade de aprendizagem. O
chamamento foi amplamente e anonimamente acolhido pelos pais
ou responsáveis.
À medida que os grupos de pais ou responsáveis
acolhiam a ideia de serem estudantes por um dia com seus
filhos, o comportamento dos alunos melhorou de forma
gradativa e substancial. Ademais, as propostas de apropriação
científica, de idealização e demonstração de experimentos
foram muito bem sucedidas, assim como as palestras
motivacionais.
Vale ressaltar que a estada do projeto PIBID nessa
escola teve um efeito sinérgico nas estratégias de mitigar os
problemas evidenciados pelos residentes, de modo que essas
experiências resultaram na I Convenção de Ciências Biológicas
realizada nessa escola. O sucesso e repercussão desse evento
foi tamanho que provocou outros professores da escola a
repetirem o evento nas suas áreas de atuação. E não demorou
para que um evento da mesma natureza fosse produzido nas
outras duas escolas campo.
Previamente à implementação dos projetos de
intervenção pedagógica, os residentes levaram para a sala de
aula palestrantes, professores simpatizantes, outros
integrantes do subprojeto e não economizaram na criatividade
para alcançarem os objetivos. Acompanhar as primeiras aulas
do turno vespertino era um desafio enorme tanto para os
alunos como para preceptores e docente orientador. Uma dessas
aulas foi marcadamente a mais convidativa para todos naquela
turma de 2° ano.
A aula era de genética, mais precisamente segregação
independente. O residente inicia a aula retratando a história
do desenho animado “Dragon Ball” e usa o caráter, presença e

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ausência de cauda dos personagens desse desenho, tão comum à
infância daquele público, para demostrar o princípio da
segregação independente.
Foi um momento espetacular. Atentos ao professor,
todos nós respondíamos aos seus comandos imersos de uma forma
tão profunda naquela aula que, infelizmente, foi interrompida
pelo esgotamento do horário.
O problema da identidade do residente já não era mais
um problema. Os residentes estavam intimamente envolvidos com
as escolas, sendo integrados e envolvidos profundamente no
calendário de atividades da escola, organizando e
participando de eventos. Esse nível de interação ocorreu em
um tempo que começou a marcar o prelúdio de uma despedida
saudosa.
O calendário foi consumindo o tempo de vida do
residente no programa, mas foi um tempo suficiente para
tornar os residentes excelentes professores de Biologia. A
certificação dessa excelência veio dos resultados obtidos nas
turmas onde atuaram, pela quantidade de materiais e dados que
foram produzidos e que comporão futuras publicações, pelo
reconhecimento das administrações escolares, dos preceptores,
dos professores da graduação e da docência orientadora, que
foi privilegiada com essa oportunidade de aprendizado. As
marcas e memórias dessa experiência seguirão os que dela
participaram. Uma experiência que foi nobre até para dizer
para pouquíssimos residentes que eles serviram muito bem ao
programa, mas que serão excepcionais em outras áreas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Define as Diretrizes


Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível

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superior (cursos de licenciatura, cursos de formação
pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura)
e para a formação continuada. Resolução CNE/CP.n. 02/2015,
de 1º de julho de 2015. Brasília, Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, seção 1, n. 124, p. 8-12, 2
de julho de 2015.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 39. ed. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 2011.

GATTI, B. A. Formação de professores no Brasil:


características e problemas. Educação & Sociedade, Campinas,
v. 31, n. 113, p. 1355-1379, 2010.

GOMES, M. M. Fatores que facilitam e dificultam a


aprendizagem. A Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v.
18, n. 14, 2018.

HADDAD, S.; SIQUEIRA, F. Analfabetismo entre jovens e


adultos no Brasil. Revista Brasileira de Alfabetização.
Vitória, v.1, n. 2, p. 88-110, 2015.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE)


Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-
estados/ma/chapadinha.html. Acesso em: 22 maio 2020.

JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista


Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 1, n. 1, p.
9-44, 2001.

SASSERON, L. N; CARVALHO, A. M. P. Alfabetização científica:


uma revisão bibliográfica. Investigações em Ensino de
Ciências, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 59-77, 2011.

SILVA, J. L.S.; SILVA, J. L. S. Povos minoritários: entre o


direito educacional indígena e o direito quilombola. Belém:
Cromos. 2018. 128p.

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CONSTRUÇÃO E VALORIZAÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL
DO(A) PROFESSOR(A) DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA NO
CONTEXTO DO PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA

Mariana Guelero do Valle


Alexsandra Câmara Paz Lindoso
Fredson da Costa Barbosa
Cristiane Costa de Carvalho

INTRODUÇÃO

A prática docente envolve uma série de saberes,


estes, provenientes de variadas fontes, com os quais os
professores estabelecem diferentes relações. Segundo Tardiff
(2014), o saber docente pode ser definido como um saber
plural, formado por saberes oriundos da formação profissional
e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais.
Os saberes experienciais são saberes construídos
pelos próprios professores no exercício de suas funções,
baseados no trabalho cotidiano e no reconhecimento do seu
ambiente de trabalho. Estes saberes emergem da experiência e
são por ela validados, formando um conjunto de representações
a partir das quais os professores interpretam, compreendem e
orientam sua profissão.
A autora Pimenta (1996), ao discutir a temática dos
saberes da docência, defende que o processo de formação de
professores e de construção da identidade profissional deve
estar sustentado em um conjunto de saberes que, por ela, são
definidos como: saberes da experiência, saberes do
conhecimento e saberes pedagógicos.

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A autora também dá certa ênfase ao saber da
experiência e o subdivide em dois, o primeiro referindo-se ao
saber dos alunos, que ao chegarem aos cursos de formação
inicial já trazem saberes provenientes de sua história de
vida e vivência escolar como alunos; e o segundo, como os
saberes dos professores, produzidos por eles a partir do
confronto com suas experiências práticas vivenciadas no
cotidiano escolar.
Segundo a autora, a mobilização dos saberes da
experiência constitui o primeiro passo para a construção da
identidade profissional docente. Dessa forma, mobilizar os
saberes e os conhecimentos que os envolvem é relevante no
sentido de poder contribuir tanto para a construção de uma
identidade docente, quanto à valorização da profissão
docente.
Acerca do conceito de identidade, cabe destacar que
consideramos a identidade como individual, mas ao mesmo tempo
coletiva, pois essa é construída no seio das relações sociais
e depende do reconhecimento e confirmação de outros atores
sociais para que seja assumida. Por ser construída
socialmente, pode mudar de acordo com as modificações sociais
sofridas pelos grupos tidos como referência, à medida em que
esses alteram as suas expectativas, valores e configurações
identitárias (SANTOS, 2002).
Nosso projeto buscou promover a mobilização de
diferentes tipos de saberes docentes, bem como sua relação
com a formação da identidade profissional do(a) professor(a)
de Ciências e Biologia. Para tal, buscamos promover ações que
garantissem aos alunos da residência Pedagógica do Curso de
Ciências Biológicas experiências de efetiva articulação
teoria e prática, a partir das ações realizadas nas escolas-
campo de ensino médio Centro de Ensino Benedito Leite (Escola
Modelo) e Centro Integrado do Rio Anil - CINTRA/IEMA e, de

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ensino fundamental, Unidade de Educação Básica José da Silva
Rosa.
No contexto específico do Curso de Ciências
Biológicas da Universidade Federal do Maranhão, São Luís,
buscamos por meio do Residência Pedagógica trazer
contribuições à construção da identidade do próprio curso,
visto que o mesmo surgiu a partir do desmembramento de um
curso em modalidade conjugada, trazendo ainda resquícios de
uma formação com ênfase no Bacharelado, o qual, muitas das
vezes, prioriza conteúdos específicos disciplinares em
detrimento da formação pedagógica dos futuros professores.
Em relação ao contexto das escolas-campo, buscamos
realizar a construção de alternativas em relação a recursos e
estratégias didáticos, já que uma das escolas, inclusive, não
possui laboratório de ciências.
Além disso, buscamos coletivamente contribuir para a
formação ampla, não apenas dos residentes, mas também dos
preceptores e docente orientadora, uma vez que tínhamos
sempre o cuidado e a atenção especial em relação ao exercício
do ouvir, refletir coletivamente e aprender uns com os
outros, a partir das leituras e também trocas de
experiências. Segundo Freire (2002, p.25) “Não há docência
sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar
das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de
objeto, um do outro”.
Foram realizadas reuniões coletivas no Departamento
de Biologia da Universidade Federal do Maranhão, entre
residentes, preceptores e docente orientador. Nas reuniões
discutíamos o andamento do Programa, socializávamos as
experiências nas escola-campo, traçávamos planejamentos e
fazíamos avaliações gerais.
Também realizávamos momentos de auto avaliação sobre
nossa atuação no programa e nas atividades desenvolvidas nas

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escolas-campo e análises reflexivas sobre a atuação do grupo
nas escolas-campo, bem como das situações que ocorrem no
âmbito escolar, quer seja sobre discentes ou gestão. Os
projetos desenvolvidos, no âmbito da Residência Pedagógica,
foram pensados e sistematizados em conjunto, durante as
reuniões dos Estudos Pedagógicos com a docente orientadora,
preceptores e residentes.
Além de outros momentos de reuniões entre os
residentes da escola-campo e os preceptores, no período de
ambientação, nos reuníamos com residentes, corpo docente e
administrativo da escola-campo. Finalizamos a etapa de
ambientação com reunião entre residentes, preceptores,
docente orientadora e gestor da escola-campo objetivando
apresentar as novas etapas do programa à gestão escolar.
A elaboração e socialização do plano de atividades
aconteceu durante reuniões dos Estudos Pedagógicos com a
Docente Orientadora, Preceptores e todos os residentes do
subprojeto. No primeiro momento, todo o grupo do subprojeto
Biologia reunia-se, tratava-se das pautas levantadas
previamente e, em seguida, o segundo momento era de reunião
por escola-campo, em que residentes e preceptor discutiam e
delineavam os planos de atividade.
Nas reuniões iniciais de planejamento das escolas-
campo foram definidos três grandes projetos a serem
realizados: Projeto Ciência, Tecnologia, Sociedade e
Ambiente, Projeto Saúde e Bem-estar e Projeto Diversidade e
Inclusão”, os quais foram posteriormente implantados levando
em considerações o calendário, perfil e demandas de cada
escola.
A organização do mapeamento dos residentes para
atuação da regência nas turmas foi um grande desafio, o qual
nos demandou bastante tempo e análise, uma vez que era
necessário conciliar as atividades dos residentes na IES com

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os horários de aula na escola-campo. Fato que não ocorreu
apenas uma vez, mas a cada mudança de período letivo na IES e
na escola-campo.
Na fase de imersão, houve diversas reuniões para
reflexões sobre organização do espaço da sala de aula
conforme atividades a serem desenvolvidas; calendário letivo;
plano anual; planejamento de aulas; atividades avaliativas a
serem elaboradas e aplicadas; composição de notas e processo
de recuperação paralela.
Em sala de aula, os residentes desenvolveram diversas
dinâmicas na tentativa de melhorar a abordagem dos conteúdos
trabalhados, bem como facilitar o aprendizado dos alunos
tendo como foco a articulação entre teoria e prática. A
partir das auto avaliações, foi identificado pelo grupo que
as regências com abordagens diferenciadas suscitaram a
criatividade dos residentes e ampliaram suas concepções sobre
a prática docente, bem como novos olhares sobre suas
identidades docentes. Aos alunos, tais dinâmicas lhes
proporcionam maior experimentação, entendimento, participação
e interação nas aulas.
Os residentes desenvolveram também projetos em
horários extracurriculares tais como o Clube de Leitura e o
Cine Ciência. Além disso, um dos grandes desejos almejados,
coletivamente, logo no início da implementação do Residência
Pedagógica, era o de conseguir realizar visitas a espaços
não-formais de ensino de São Luís e, com muito planejamento e
dedicação de todo o grupo, foi possível realizarmos visitas
ao Palácio dos Leões, Teatro Arthur Azevedo, Centro de
Pesquisa de História Natural e Arqueologia, Museu de
Embarcações e ao Parque do Rangedor.
Como exemplos de frutos desses projetos foram
produzidos cartazes, banners, álbuns seriados e a gravação em
vídeo de um jornal encenado pelos próprios alunos. As

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experiências advindas dessas experiências foram também
apresentadas em eventos científicos como o I Simpósio
Maranhense de Pesquisa e Ensino de Biologia – I SIMAPEB” e o
“IV Seminário de Iniciação à Docência - SEMID”.
A seguir serão apresentados com mais detalhes as
ações realizadas em cada uma das escolas-campo.

CENTRO DE ENSINO BENEDITO LEITE

O CE Benedito Leite (conhecida também como Escola


Modelo), é uma escola estadual de ensino médio de São Luís,
fica no centro da cidade e sua clientela é mista. Devido ao
bairro ser comercial, os alunos moram em diversas áreas da
cidade e procuram a escola por ficar próxima ao serviço dos
responsáveis, além daqueles que moram nas adjacências.
Na fase de ambientação (agosto a dezembro de 2018),
os residentes tinham como objetivo fazer o reconhecimento da
instituição e preencher o roteiro de caracterização
solicitado pelo programa. Para isso, fizeram visitas in loco
e entrevistas com a direção, coordenação, secretaria da
escola, professores, funcionários e com o Grêmio estudantil.
Tiveram acesso a documentos importantes como o
Projeto Político Pedagógico; como é feita a prestação de
contas; número total de alunos, classes, número de
professores e suas titulações, entre nomeados e contratados.
Atualmente, a escola apresenta uma diretora geral e dois
adjuntos, eleitos pelo processo da Gestão Democrática, duas
coordenadoras pedagógicas, quatro agentes administrativos,
dois zeladores, duas serventes e um vigilante. Além disso,
apresenta Conselho Fiscal e Colegiado Escolar.
Quanto ao Grêmio, foi relatado a realização da
gincana, ação social, organização de torneio interclasse,
eventos em datas comemorativas como Páscoa e dia do

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estudante. Atuaram na escola dez residentes do Curso de
Ciências Biológicas da UFMA os quais foram distribuídos nos
turnos matutino e vespertino em quatro salas de primeiro ano
e quatro salas de segundo ano, contemplando, aproximadamente,
260 alunos. Em fevereiro, foram feitas observações das aulas
da preceptora em suas turmas, sendo obrigatória a observação
de cinco aulas, alguns observaram até 13 aulas, sendo uma em
cada turma da preceptora, nos dois turnos.
Depois dessa etapa, os residentes formaram duplas ou
trios. Cada formação ficou com duas turmas e optaram para que
fossem no mesmo turno. Somente uma dupla escolheu uma turma
pela manhã e outra turma à tarde, entretanto, no segundo
semestre permaneceram somente na turma do vespertino, sem
prejuízo à carga horária do programa. Alguns escolheram as
turmas por afinidade, enquanto outros fizeram essa escolha de
acordo com seus horários disponíveis para conciliarem a
faculdade e demais compromissos individuais.
Nas primeiras aulas, os residentes demonstraram que
estudaram o assunto e como iriam envolver os alunos. Alguns
utilizaram o quadro e pincel, outros o datashow e outros
tiveram sua primeira aula com uma dinâmica. Cada formação
organizou sua turma conforme a metodologia utilizada. Apesar
de estarem com o nervosismo comum do primeiro dia de aula,
pôde-se observar a boa condução do início ao fim dos 50
minutos. Havia um revezamento.
Um residente fazia a chamada e observações, enquanto
o outro ministrava o conteúdo. Isso ajudava no tempo, uma vez
que era necessário escrever no quadro ou montar o equipamento
que seria utilizado. Além das aulas teóricas, foram aplicadas
dinâmicas e práticas em laboratório como introdução à
microscopia e observação, identificação e dissecação de peças
florais.

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Os alunos, por sua vez, sentiam-se à vontade para
interagirem com os residentes fazendo perguntas a respeito da
aula, entregando as atividades no prazo e sem lhes faltar com
respeito.
As aulas, atividades e avaliações eram elaboradas
pelos próprios residentes de acordo com o conteúdo
ministrado, devidamente agendado com as turmas. Caso o
residente tivesse dúvidas no assunto ou sobre como abordar,
era conversado com a preceptora para buscarem juntos as
melhores alternativas.
Todo o material produzido era enviado à preceptora
para verificar se estava de acordo com a série e/ou para
alguma possível correção. Havia uma reunião semanal na escola
entre a preceptora e os residentes para comunicados, troca de
ideias e planejamentos.
Após cada aula ministrada, a preceptora conversava
com o residente para que fizesse uma auto avaliação. Era
perguntado como o residente estava se sentindo e solicitava
que fossem destacados os pontos positivos e os pontos
negativos e como ele achava que poderia melhorar os pontos
negativos. Além disso, eles citavam as diferenças entre as
turmas que atuavam. Depois que as atividades e provas eram
aplicadas, faziam as correções, devolviam aos alunos e faziam
a recuperação paralela. Uma forma de ajudar na assimilação do
conteúdo, além de ser uma nova chance para aumentar a nota
sem a pressão do “período de provas”.
Durante o período letivo, conteúdos, faltas e notas,
inclusive as da recuperação eram lançadas no SIAEP (Sistema
Integrado de Administração de Escolas Públicas do Maranhão).
Cada formação ficou responsável pelas suas turmas utilizando
login e senha da preceptora a qual supervisionava e revisava
as informações antes do fechamento, tarefa de sua
responsabilidade.

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Na Escola Modelo, foram desenvolvidos quatro
projetos, sendo um piloto, ao longo do ano de 2019 e visitas
a espaços não formais. O projeto-piloto foi chamado nesta
escola de Clube de Leitura e teve o tema livre. Foi
realizado, no mês de maio, utilizando a carga horária da
disciplina em uma semana, totalizando duas aulas, nas quais a
primeira era feita a leitura de um texto elaborado pelo
próprio residente e na outra aula uma prática a respeito
desse tema.
Os assuntos abordados foram: “Ciência Forense”,
Métodos de Aprendizagem”, “Alimentos Transgênicos”,
“Proteínas: heroínas ou vilãs?” “Clonagem”. A prática de
“Ciência Forense” contou com a ajuda de uma perita em
Biologia na montagem da cena de crime no auditório da escola
e os alunos identificavam e seguiam as pistas para apontar o
suspeito de acordo com técnicas profissionais. Em “Métodos de
Aprendizagem” os alunos aprenderam como construir mapas
mentais a partir de um texto.
Em relação aos “Alimentos Transgênicos”, os alunos
puderam compreender sobre a importância da leitura de rótulos
dos alimentos, o valor nutricional de alimentos in natura e
como escolher os produtos no mercado levando em consideração
o custo-benefício. Sobre “Proteínas: heroínas ou vilãs?”, os
alunos tiveram a oportunidade de produzir uma cola a partir
do leite. E, sobre a “Clonagem” foi feito um júri simulado
para discussão do tema.
Em junho, foi desenvolvido o Projeto Diversidade e
Inclusão com os temas: “Tudo bem ser diferente”, “Gênero”, “A
Raposa e a Cegonha”, “Controle de Reprodução Humana”,
“LIBRAS”. Em “Tudo bem ser diferente”, foi demonstrado um
vídeo e a prática dividiu os alunos em trios, onde um estava
com os olhos vendados, outro com as mãos atadas e outro com o
fone de ouvido.

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A residente pediu que eles fizessem um desenho
conforme suas instruções e um deveria ajudar o outro. No tema
“Gênero”, foi passado um vídeo e feita uma discussão sobre o
assunto. Em “A Raposa e a Cegonha”, foi lido o texto e depois
foi feito um jogo onde cada equipe deveria fazer a mímica de
uma frase e a turma deveria descobrir. Para “Controle de
Reprodução Humana”, foi lido um texto e os alunos produziram
cartazes com métodos contraceptivos dando as explicações e
para “LIBRAS” foi exibido um vídeo e feito uma abordagem
sobre a importância dela no país.
Em agosto e setembro foi realizado o Projeto Saúde e
Bem Estar com palestras ministradas por psicólogos e depois
foram feitos atendimentos individuais para os alunos que
demonstraram interesse e necessidade. Em outubro, foi
desenvolvido o Projeto Ciência Tecnologia Sociedade e
Ambiente com os temas “O papel da sociedade nas relações
entre ciência, tecnologia e sociedade” com discussão do tema.
“As várias faces da globalização” com roda de conversa, “Os
reflexos da ação antrópica no meio ambiente” postagem de
fotos em redes sociais relacionadas ao tema e tiradas pelos
alunos. “Uma perspectiva integradora entre sociedade,
tecnologia e ambiente” com produção de cartazes.
Para finalizar as ações do Programa Residência
Pedagógica na Escola Modelo, foram feitas visitas em espaços
não formais próximos à escola permitindo que os alunos fossem
caminhando acompanhados pelos residentes, preceptora e outros
professores convidados.
Os espaços visitados foram o Teatro Arthur Azevedo,
Museu de História Natural e Arqueologia do Maranhão e o
Palácio dos Leões. Tudo isso contribuiu não só para maior
integração entre alunos, professores e residentes, mas também
para o melhoramento no rendimento escolar e valorização do
patrimônio cultural maranhense.

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CENTRO INTEGRADO DO RIO ANIL - CINTRA/IEMA

O Projeto “Residência Pedagógica” oferecido pela


instituição UFMA, foi pertinente aos universitários do Curso
de Biologia como para a escola, CINTRA/IEMA, onde estes
atuaram de forma bastante ativa e colaborativa no processo
pedagógico e de ensino dos alunos. Como Projeto Piloto foi
bastante aceito por toda a comunidade escolar, pois, o
envolvimento dos residentes vai além da sala de aula.... é
conhecer o plano político pedagógico da escola campo, a
direção, corpo técnico/administrativo, coordenação, corpo
discente e docente, participação de reuniões como semana
pedagógica, conselho de classe, reuniões de professores,
reuniões de pais de alunos etc.
A vivência é tamanha que até sobre a estrutura física
e fundação da Instituição há interação de todos. Para tanto,
a primeira fase dos residentes na escola é chamada de
“Ambientação” e tem essa finalidade de conhecer desde a
infraestrutura da escola, os espaços e funcionamento dos
setores.
A escola recebeu de braços abertos os residentes,
inclusive com uma sala única para estes se reunirem e
traçarem suas metas de atuação. Os residentes desenvolveram
suas atividades do 1º ano ao 3º ano do ensino médio,
distribuídos, conforme suas necessidades de horário, entre os
turnos matutino e noturno.
Para tanto, após a fase de ambientação, iniciou-se a
fase de “Imersão” subdividida em “Fase de Observação” e “Fase
de “Regência”, onde aquela tinha a finalidade de observar as
aulas do professor/preceptor durante duas semanas para
conhecer a turma em vários aspectos, comportamental,
cognitivo, participação, dentre outros; e, esta,

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caracterizada por aulas planejadas e ministradas pelos
residentes.
Antes da atuação dos residentes em sala de aula o
planejamento era fundamental e além de considerar o conteúdo
curricular da série, contextualizam com a realidade da
comunidade escolar. Ao longo da Regência várias atividades
foram desenvolvidas entre: revisão para o ENEM, aulas
práticas laboratoriais, júri-simulado, apresentação de
seminários, com utilização dos recursos oferecidos pela
escola campo.
Durante a regência, sempre o professor/preceptor teve
o cuidado de observar a atuação dos residentes, fazendo as
anotações devidas quanto aos pontos positivos e negativos,
mas, tendo a descrição de não julgar e nem os constranger
diante da turma, deixando-os à vontade na elaboração das
aulas, atividades, dinâmicas, práticas, escolhas de espaços
não formais para visitas, enfim.
Os residentes nesta etapa eram os “protagonistas”.
Acredito que o significado da “regência” é esse, vivenciar,
assumindo toda a direção da sala de aula como: chamadas dos
alunos, elaboração de provas, correção etc. acredito que a
residência pedagógica foi vivenciada de forma clara, objetiva
e atendida pelos residentes.
Projeto “Saúde e Bem-Estar” - visou contribuir com o
fortalecimento de questões relativas à promoção da saúde e
melhoria na qualidade de vida de jovens e adultos, inseridos
na educação básica. Além disso, estimulou nos educandos o
reconhecimento de possíveis alterações psicológicas, e,
consequentemente, a busca por ajuda profissional.
Essa experiência revelou a necessidade de mais ações
desse tipo, pois, um número significativo de alunos
apresentou alterações comportamentais nas palestras e
atividades envolvidas com os temas: transtorno de ansiedade,

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depressão, comportamento suicida, sedentarismo. A palestra
foi ministrada por uma psicóloga e por dois graduandos.
Projeto “Visita ao Parque Botânico da Vale – com uma
conotação ecológica no âmbito de preservação ambiental. Além
de fazer parte do conteúdo, os residentes demonstraram
facilidade em planejar aulas fora do espaço educacional –
articulada com os funcionários da Vale, previamente, se
obteve o sucesso nessa visita.
Os alunos registraram fauna e flora daquele espaço em
vídeos e fotos e anotações coerentes. Posteriormente,
confeccionaram banners (cada turma) apresentando na área de
vivência da escola campo para outros alunos. Além disso e,
sempre orientados pelos residentes, cada turma criou na
plataforma digital Instagram uma conta e adicionaram seus
registros coletados, com conceitos e legendas explicativas,
gerando, uma conta educativa, tornando-a pública;
Projeto Diversidade – levou os estudantes a
observarem as semelhanças e diferenças das pessoas quanto a
sua identidade, sua cultura, sua inserção social,
profissional, levando-os a respeitar essas diferenças,
contribuindo assim, para o exercício da cidadania. O projeto
Diversidade ocorreu em parceria com a própria escola campo,
uma vez que era o mesmo tema do projeto proposto pela
comunidade escolar na semana pedagógica.
Contudo, isso ocorreu só no turno noturno, já que os
demais aconteceram no turno matutino e para não haver
sobrecargas para as turmas. Em todas as atividades
desenvolvidas, os residentes tinham uma resposta dos alunos,
um feedback, geralmente apresentado em sala de aula, ou
auditório, ou até mesmo na área de vivência da escola campo.
Ao término do Projeto Residência Pedagógica na escola
campo, tivemos um momento de socialização na UFMA. Os
residentes, os preceptores e orientadora docente, além, do

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coordenador do curso de Estágio Licenciatura da UFMA estavam
presentes. Nesse momento, foi compartilhado as experiências
vivenciadas em cada escola, as angústias, os acertos, os
erros e as superações.
Destacamos o Residência Pedagógica como importante na
formação e consolidação daquilo que o estudante de
licenciatura em Biologia tem como objetivo profissional e de
vida, já que é algo irá poder lhe acompanhar para o resto de
sua vida. Pois: “o principal objetivo da Educação é criar
pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente
repetir o que outras gerações fizeram” Jean Piaget).

UNIDADE DE EDUCAÇÃO BÁSICA JOSÉ DA SILVA ROSA

Na UEB José da Silva Rosa, no período de ambientação,


os residentes foram apresentados pela preceptora ao corpo
docente e administrativo da escola e foi feita uma visita a
todas as dependências da escola. Foram também apresentados os
documentos da escola para que pudessem ser consultados e
analisados pelos residentes.
A etapa de ambientação foi finalizada com reunião
entre residentes, preceptora, docente orientadora e gestor da
escola-campo objetivando apresentar as novas etapas do
programa à gestão escolar. Ainda na fase de ambientação, os
residentes foram convidados a observar as aulas da preceptora
nas turmas de 6ºano e conhecerem os alunos da escola-campo.
A elaboração e socialização do plano de atividades
aconteceu durante reuniões dos Estudos Pedagógicos com a
Docente Orientadora e Preceptores, com todos os residentes do
subprojeto. No primeiro momento, todo o grupo do subprojeto
Biologia reunia-se, tratava-se das pautas levantadas
previamente e, em seguida, o segundo momento era de reunião
por escola-campo, onde residentes e preceptor discutiam e

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delineavam os planos de atividade. Quando oportuno, a docente
orientadora participava das discussões dos grupos das
escolas-campo.
A organização do mapeamento dos residentes para
atuação da regência nas turmas foi um grande desafio, o qual
nos demandou bastante tempo e análise, uma vez que era
necessário conciliar as atividades dos residentes na IES com
os horários de aula na escola-campo. Fato que não ocorreu
apenas uma vez, mas a cada mudança de período letivo na IES e
na escola-campo. Ao final, tudo foi solucionado de forma a
nenhum residente ser prejudicado.
Na fase de imersão, os residentes foram orientados
sobre: posturas didáticas em sala; organização do espaço da
sala de aula conforme atividades a serem desenvolvidas;
calendário letivo; plano anual; planejamento de aulas;
atividades avaliativas a serem elaboradas e aplicadas;
métodos avaliativos e composição de notas; processo de
recuperação paralela adotada pela rede municipal de ensino.
Os residentes foram também orientados pela preceptora quanto
ao treinamento para utilização do diário eletrônico (SISLAME)
e realização de registros de frequência de aluno, aula,
conteúdos e atividades trabalhados.
Em sala de aula, os residentes desenvolveram diversas
dinâmicas para melhorar a abordagem dos conteúdos
trabalhados, bem como facilitar o aprendizado dos alunos.
Foram realizados jogos diversos, construção de modelos
didáticos e atividades com enfoque construtivista.
As regências com abordagens diferenciadas suscitam a
criatividade dos residentes e ampliam suas visões e
experiências de abordagem de conteúdos didáticos, além de
proporcionar maior interação com os alunos. Aos alunos, tais
dinâmicas lhes proporcionam maior experimentação,
entendimento e participação e interação nas aulas.

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Os residentes, sob orientação e acompanhamento da
preceptora, participaram e atuaram também nas reuniões
pedagógicas de pais e mestres da escola, a fim de vivenciarem
e terem a experiência nesse processo.
Na UEB José da Silva Rosa os residentes
desenvolveram, simultaneamente às regências, projetos em
horários extracurriculares tais como: Clube de Leitura e Cine
Ciência. Além de promoverem visitas a espaços não-formais de
ensino e projeto interdisciplinar com Educação Física –
Projeto Saúde e Bem Estar. Este projeto foi elaborado pelos
residentes, em conjunto com a preceptora e, posteriormente,
apresentado aos demais residentes e docente-orientadora,
sendo, assim, aprovado.
O projeto foi desenvolvido em conjunto com o
professor de Educação Física da escola-campo. As atividades
físicas no Parque do Rangedor, com alunos das turmas de 6º,
7º, 8º e 9º anos, aconteceram na quadra poliesportiva, na
trilha ecológica e no espaço de convivência (onde realizou-se
um jogo chamado “Campo Minado da Nutrição” para abordagem
sobre alimentação saudável).
Realizamos visitas-técnicas ao Museu de Embarcações e
ao Parque do Rangedor com a finalidade de coletar informações
sobre esses espaços e identificar suas potencialidades
pedagógicas. Preparou-se um roteiro com informações técnicas
sobre os museus como horário de funcionamento,
acessibilidade, presença de visitas guiadas etc., além de
sugestões de atividades a serem desenvolvidas nestes espaços.
Foi feito todo um planejamento de logística de
organização para o deslocamento dos alunos da escola-campo
para os espaços não formais de ensino, tais como: elaboração
de ofícios para o setor administrativo dos espaços a serem
visitados; elaboração de comunicado de autorização para os
responsáveis dos alunos; meio de transporte para deslocamento

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entre os espaços; orientações sobre condutas seguras para o
deslocamento com alunos.
Como parte do Plano de Intervenção Pedagógica da
disciplina de Ciências, idealizou-se em conjunto com
residentes um projeto que visa incentivar a utilização do
acervo da biblioteca da escola pelos alunos, além do
incentivo ao hábito da leitura a fim de melhorar a capacidade
de interpretação dos alunos. Foram trabalhados textos de
divulgação científica além de temas transversais. Os
encontros aconteceram aos sábados com turmas de 6º e 7º ano.
Participamos de reunião de planejamento para
organização do “dia D da Educação”, que consiste numa
mobilização envolvendo toda a comunidade escolar,
simultaneamente em todas as escolas da rede municipal, com o
objetivo de apresentar os resultados da aprendizagem dos
alunos a partir da análise dos dados obtidos por meio do
Sistema de Avaliação Educacional de São Luís (SIMAE).
O Cine Ciência foi uma atividade idealizada pela
preceptora e desenvolvida em conjunto com residentes junto
aos alunos do 6° ano, com enfoque na ressignificação de
desenhos infantis, como por exemplo, “Show da Luna”, que
abordam alguns elementos presentes na Ciência - capacidade de
observação, elaboração de hipóteses, realização de
experimentos e o trabalho em equipe.
Acerca da socialização e divulgação das ações,
realizamos, na área de vivência da escola, uma exposição
sobre os objetos de estudo em Ciências e sobre o Programa
Residência Pedagógica. Houve também a participação e
apresentação dos relatos das experiências das atividades
desenvolvidas na escola-campo no “I Simpósio Maranhense de
Pesquisa e Ensino de Biologia – I SIMAPEB” (25 e 27/11/2019)
e no “IV Seminário de Iniciação à Docência - SEMID”
(06/12/2019).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo geral, as experiências adquiridas a partir


dos projetos desenvolvidos pelo do Residência Pedagógica
Biologia contribuíram para a mobilização de diferentes tipos
de saberes docentes, os quais não são constituídos a partir
de um conjunto de conhecimentos cognitivos já prontos, mas
sim construídos ao longo de sua carreira profissional.
Muitos dos residentes em suas auto avaliações
destacaram as contribuições do programa para suas formações,
na medida em que os possibilitou estarem em amplo contato com
seu futuro ambiente de trabalho, além de destacarem também a
variedade de experiências proporcionadas não somente dentro
de sala, mas também fora dela. Parte dos residentes fez
inclusive comparações entre as experiências vivenciadas no
estágio supervisionado e no Residência Pedagógica, destacando
que este último possibilitou uma vivência mais efetiva,
processual e que garantiu uma maior imersão e interação com o
ambiente escolar.
Por outro lado, a maior dificuldade elencada por
todos os residentes foi a de que carga horária de 440 horas
do Residência Pedagógica é excessiva e não é adequada para
uma licenciatura em tempo integral como é o caso do curso de
Ciências Biológicas da UFMA. Outro fator destacado foi o de
que duas das escolas-campo ficavam longe da universidade, o
que dificultava conciliar as disciplinas do turno integral da
graduação e atividades acadêmicas com as atividades da
Residência Pedagógica nas escolas.
Em relação à formação da identidade profissional
do(a) professor(a) de Ciências e Biologia, a maioria dos
residentes relatou que, pela primeira vez no curso, se
sentiram professores(as) de fato. Tais relatos se vinculam
tanto por terem que se responsabilizar por parte das aulas da

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disciplina nas escolas sob acompanhamento dos preceptores,
seja também pela forma com que era tratados e se sentiam
reconhecidos e valorizados pelos alunos e pelo grupo.
Compreendemos que o programa contribuiu com a
formação não somente dos alunos das escolas-campo e dos
residentes, mas também dos preceptores e docente orientadora,
embasados por uma perspectiva freiriana de não ser possível
constituir-se como professor(a)/educador(a) sem se reconhecer
como aprendiz.
Ao longo de todo o processo das experiências
vivenciadas, desde os estudos coletivos, planejamentos,
execução e avaliação das atividades foram criadas
possibilidades múltiplas de vivência de saberes e de
reformulação desses saberes, num processo dinâmico e
carregado de sentidos, significados e, sobretudo, esperanças
individuais e coletivas.

REFERÊNCIAS

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à


prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

PIMENTA, S. G. Formação de professores: saberes da docência e


identidade do professor. Revista. Fac. Educ., São Paulo, v.
22, n. 2, p. 72-89, jul./dez, 1996.

SANTOS, C. A construção social do conceito de identidade


profissional. Interacções, n.8, v.1, p.123-144, 2002.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional.


Petrópolis: Vozes, 2014.

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AS CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA
PARA FORMAÇÃO DOCENTE DO LICENCIANDO DO CURSO DE
LINGUAGENS E CÓDIGOS-LÍNGUA PORTUGUESA

Eliane Pereira dos Santos


Maria Francisca da Silva

INTRODUÇÃO

O Programa Residência Pedagógica no Curso de


Linguagens e Códigos Língua Portuguesa, no município de São
Bernardo, foi de relevância para a formação docente dos
licenciandos nos aspectos teóricos e práticos, contribuindo
para a [re] construção de saberes na universidade e nas
escolas campo. Logo no início do projeto, uma das
dificuldades foi distribuir os residentes nas escolas de
Ensino Médio, haja vista que no Município de São Bernardo só
temos duas escolas de Ensino Médio, apesar de suas extensões
em comunidades da região, não tínhamos como prover
deslocamento dos residentes da sede do município, nem
assegurá-los, o que sinalizamos como limitação do programa. A
alternativa encontrada foi inserir uma escola do Ensino
Fundamental no Programa.
Isso foi muito produtivo, pois os licenciandos
tiveram a oportunidade de passar pelos dois níveis de ensino,
por isso também, foi feita a organização dos residentes em
três grupos e a imersão nas escolas em forma de rodízio nas
modalidades de Ensino Fundamental e Médio.
O programa foi desenvolvido na Escola Municipal Nilza
Coelho Lima (Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano), no Colégio
Estadual de Ensino Médio Centro de Ensino Doutor Henrique

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Couto, e no Colégio Estadual de Ensino Médio Centro de Ensino
Deborah Correia Lima.
Essa inserção do residente na escola deu-se de forma
planejada, sistematizada e com acompanhamento tanto no espaço
acadêmico – pelo docente orientador da IES formadora, quanto
no contexto escolar – por um professor da escola com
experiência na área de ensino (Língua Portuguesa). Isso
favorece ao docente, em formação, uma caminhada alicerçada em
um olhar mais experiente, garantindo as intervenções
necessárias para o desempenho teórico e prático do futuro
professor.
Certo de que as atividades no ambiente escolar não se
restringem a regências em sala de aula, o Programa Residência
Pedagógica contemplou diferentes formas de ação do residente
na escola-campo. Assim, envolveram-se em diferentes
atividades tais como: oficinas temáticas, projetos de
intervenção pedagógica, recitais, elaboração de sequências
didáticas e planos de aula, mostra cultural, além das
regências em sala de aula e de muitos momentos de observação
sobre a dinâmica interacional entre os diferentes sujeitos no
contexto escolar, possibilitando diversas aprendizagens que
ultrapassam o campo epistemológico dos conteúdos
disciplinares, haja vista que permite um olhar sobre as
práticas sociais realizadas, confrontadas e socializadas
naquele espaço.
O ambiente escolar é de fundamental importância para
o desenvolvimento da prática docente, indispensável para a
formação profissional, por isso, a necessidade de se aliar
teoria à prática, atendendo às demandas de acordo com a
realidade educacional, mediante os desafios da escola.
O aprender a ser professor é reconhecido como um
saber profissional intencionado a uma ação docente nos
sistemas de ensino, não nascemos professores, nos tornamos

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com as vivências e experiências. Assim, a residência
pedagógica visa à preparação do licenciando para o mercado de
trabalho, promovendo uma reflexão sobre o exercício da
docência.
O foco da proposta do Programa Residência Pedagógica,
no curso de Linguagens e Códigos nas instituições de ensino
da Educação Básica contempladas, foi desenvolver competências
de leitura e de escrita a partir de metodologias dinâmicas,
alicerçadas nas inovações tecnológicas e nas orientações da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), dialogando com
conceitos teórico-metodológicos estudados no espaço
acadêmico. Desse modo, ancoramo-nos em Antunes (2003) que
sugere o ensino de leitura e escrita a partir de uma
abordagem interacional da linguagem, ou seja, contemplando o
ensino da língua em seus aspectos sociais.
Pensando o ensino de Língua Portuguesa enquanto
práticas sociais de leitura e de escrita. As metodologias de
ensino empregadas nas diferentes atividades, tais como
regências, oficinas, elaboração de sequências didáticas e
oficinas tiveram como eixo central os gêneros textuais/
discursivos. Conforme Bakhtin (2003[1979]) todo o ensino da
linguagem deve acontecer a partir dos gêneros discursivos.
Assim, foi necessário traçar metodologias para maior
eficácia no ensino de Língua Portuguesa, tendo os gêneros
discursivos como centro organizador. Nesse intuito recorremos
a conceitos teórico-metodológicos acerca das sequências
didáticas propostas por Schneuwly e Dolz (2011). Para
trabalhar gêneros da esfera literária os residentes buscaram
apoio em Cosson (2016). Tal desafio foi tomado pelo grupo de
residentes, coordenadora e preceptores como fios condutores
para desenvolvimento de ações alinhados às atividades dos
docentes da instituição.

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O viés interdisciplinar, da formação do Curso de
Linguagens e Códigos, propiciou uma ampla possibilidade de
inserção de práticas advindas de aporte teórico contemplado
nas diferentes disciplinas, sem desconsiderar a vivência de
cada sujeito em seus cotidianos educativos. Nos alinhamos a
Geraldi (2015), ao entender que na área de linguagens, a BNCC
mantém coerência com os PCNs, de quem é uma extensão, tanto
nas concepções teóricas advindas dos estudos da Enunciação,
no qual o sujeito é tido como constituído pelas práticas de
linguagem; quanto por tratar de elevar essas práticas à
posição de objeto e ao mesmo tempo de forma, pela qual a
aprendizagem de recursos expressivos a serem mobilizados se
dará.
Desse modo, delineia-se na BNCC, o princípio
metodológico USO-REFLEXÃO-USO, que orienta toda a proposta
curricular de Língua Portuguesa, contemplados no processo de
formação aqui apresentado. Os eixos de atuação dessa proposta
contemplam as áreas propostas pela BNCC, tais como,
apropriação do sistema de escrita alfabético/ ortográfico e
de tecnologias da escrita, oralidade, leitura, escrita.
Exercer a docência na Educação Básica é desafiador,
não basta apenas a formação na área específica, mais do que
isso, é preciso a busca por saberes que viabilizem a
construção de um professor pesquisador, capaz de relacionar
teoria e prática para reflexão e [re]construção de sua
práxis. O estágio se configura como esse espaço de integração
entre um curso e um campo profissional.
Sobre isso, Pimenta e Lima (2014, p. 199-200)
afirmam: “[...]Enquanto campo de conhecimento o estágio se
produz na interação dos cursos de formação com o campo social
no qual se desenvolvem práticas educativas”. É nesse contexto
que o futuro professor se torna um pesquisador, utilizando
conhecimentos adquiridos no espaço acadêmico para pensar a

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prática, refletir sobre as situações cotidianas da sala de
aula e da escola.
No estágio, a escola passa a ser o laboratório do
futuro professor. Nele, confronta conhecimentos, questiona,
refuta, amplia, compara, e acima de tudo vivencia situações
em um contexto real, visualizando e participando de
acontecimentos da rotina da escola em seu funcionamento
enquanto espaço vivo, constituído pela diversidade, por
conflitos, avanços e retrocessos, pela interação entre
diferentes grupos de pessoas. Só a inserção do licenciando no
contexto escolar lhe garante um diálogo entre teoria e
prática na formação docente, constituindo um processo
dialógico, e não uma ruptura, dicotomia.
Argumentando a favor do diálogo entre teoria e
prática, Pimenta e Lima (2014) concluem:
Portanto, o papel da teoria é oferecer aos
professores perspectivas de análise para
compreenderem os contextos históricos, sociais,
culturais, organizacionais e de si mesmos como
profissionais, nos quais se dá sua atividade
docente, para neles intervir, transformando-os.
Essa transformação do professor acontece no embate
entre teoria e prática (práxis), no laboratório de pesquisa
que é o contexto escolar enquanto espaço de observação-
reflexão e ação.
Ao se sentir parte desse espaço, o docente em
formação elabora estratégias, busca meios para resolver
problemas, descarta certas alternativas e orientações em
detrimento de outras que julgam ser mais eficazes para
determinadas situações. É esse movimento de reelaboração
pautado na teoria e na prática como sendo duas instâncias
necessárias e inseparáveis, que alimenta a construção da

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identidade do futuro professor em relação às práticas
educativas.
Entendemos aqui, as práticas educativas
significativas ancoradas em domínio de conhecimentos - quer
em áreas de especialidade, quer de natureza pedagógica; na
sensibilidade cognitiva - capacidade ampliada pela visão dos
conhecimentos em seus sentidos lógicos e sociais, em seus
contextos, aliados à compreensão das situações de
aprendizagem e dos que irão aprender; na capacidade de criar
relacionamentos didáticos frutíferos - ter repertório para
escolhas pedagógico-didáticas, saber lidar com as motivações
e as formas de expressão das crianças e jovens; e, por fim,
nas condições de fazer emergir atitudes éticas entre
interlocutores Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Médio (PCNEM,2000).
Tais práticas, que foram postas em ação pelos
licenciandos, pressupõem um trabalho com a linguagem e como
prática social, em todas as suas dimensões, advindos da
formação interdisciplinar propiciada pela formação do Curso
de Linguagens e a vivência do fazer didático da Educação
Básica.
O Residência Pedagógica proporcionou a complementação
do ensino e da aprendizagem a serem planejados, executados,
acompanhados e avaliados em conformidade com os currículos,
programas e calendários escolares, a fim de que se
constituíssem em instrumentos de integração, em termos de
intervenção prática, de aperfeiçoamento técnico-cultural,
científico e de relacionamento humano.
O Programa compreendeu atividades de observação,
pesquisa, reflexão, participação e regência, nas quais
contextualiza e transversaliza as áreas e os eixos de
formação curricular, associando teoria e prática (FAZENDA,
1991) no ato de tratar com as linguagens.

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A relevância pedagógica da integração UFMA/escolas-
campo através da Residência foi fator central, para ampliar a
relação de proximidade - do fazer teórico e metodológico da
formação em licenciatura do campo profissional de atuação.
Tomamos essas relações não como processos monológicos, mas
como efervescentes processos dialógicos, marcados por
memórias de quem habita o cotidiano da escola com ideia de
pertencimento e empatia pelos sujeitos que nela convivem.
O programa Residência Pedagógica contribui
efetivamente para a formação profissional, ao proporcionar ao
acadêmico bolsista uma gama de conhecimentos tais como a
oportunidade de visualizar e entender a realidade escolar,
seu funcionamento, a relação estabelecida entre alunos,
professores e família, possibilitando diversas aprendizagens
com os professores regentes nas escolas.
Alinhado ao que sugere Lima e Pimenta (2014) sobre a
formação docente, o Residência Pedagógica oportunizou o
fortalecimento de uma formação docente e científica. Na
relação de diálogo entre teoria e prática (práxis), os
licenciandos ampliaram conhecimentos sobre o ensino de Língua
Materna, tendo a (BNCC, 2018) como documento de amparo legal
e valor para nortear as metodologias de ensino de práticas de
leitura e de escrita de textos de diferentes esferas da
comunicação, visando contribuir com a qualidade de ensino na
escola campo, ao mesmo tempo em que ampliavam seu horizonte
de conhecimentos teórico-metodológicos.
As atividades desenvolvidas durante o percurso de
todo os dezoito meses do programa foram muito diversificadas
e produtivas, norteadas por saberes da experiência, do
conhecimento e pedagógicos (PIMENTA,1995). Nesse espaço de
escrita, fizemos um recorte de algumas atividades e
considerações para serem relatadas enquanto experiências das
ações desenvolvidas nas três escolas da rede pública de

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ensino, no município de São Bernardo - MA, contempladas pelo
Programa.

RELATO DAS EXPERIÊNCIAS: formação docente no Programa


Residência Pedagógica

O Programa Residência Pedagógica do Curso


Interdisciplinar de Linguagens e Códigos/Língua Portuguesa
aconteceu em três escolas da rede pública de ensino (em uma
de Ensino Fundamental e em duas de Ensino Médio), buscou a
compreensão dos sentidos e práticas construídos por
professores e alunos no ensino de Língua Portuguesa.
Tal proposta considerou a leitura um fator
fundamental para o aprimoramento da escrita dos alunos, o que
guiou um trabalho que integrasse os conhecimentos adquiridos
na abordagem interdisciplinar como recursos que subsidiaram
uma prática docente consciente e reflexiva no ensino de
Língua Portuguesa, na Educação Básica.
As práticas postas em ação pelos licenciandos, foram
alicerçadas em um trabalho com a linguagem como prática
social (BAKHTIN, 2016 [1979]), em todas as suas dimensões,
advindos da formação interdisciplinar propiciada pela
formação do Curso de Linguagens e a vivência do fazer
didático da Escola Básica.
Gatti (2013) sinaliza para a importância do
acompanhamento das instituições formadoras, redimensionando
as ações que não surtam efeitos positivos e encaminhem sempre
para uma reflexão teórico e prática (práxis) da atuação
docente. Durante a execução do projeto, a escola e a
Universidade se complementam e possibilitaram a existência de
uma práxis (relação dialética entre ação/teoria/ação).

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Dentre as muitas ações colocadas em prática tivemos,
observações semiestruturadas; regências, realização de
oficinas, projetos, apresentação de trabalhos científicos em
eventos, mostras culturais, dentre outras atividades de
formação no Curso de linguagens e Códigos-Língua Portuguesa.
Abaixo, apresentamos algumas das atividades realizadas
durante o Programa Residência Pedagógica nas escolas-campo,
organizados por projetos de intervenção e oficinas
itinerantes.

PROJETOS DE INTERVENÇÃO

No projeto, intitulado CANTINHO DA LEITURA:


Conhecendo o mundo por meio das histórias em quadrinhos, foi
aplicado na Escola Municipal Nilza Coelho Lima, com o intuito
de intensificar as práticas de leitura. Inicialmente, o
projeto foi pensado para as turmas de 8º e 9º ano, mas
despertou o interesse curiosidade de toda a escola, tendo,
portanto, como público alunos do 6º ao 9º ano. Partimos do
pressuposto de que ensinar leitura não é transferir/obrigar
esse conhecimento/ação, mas cativar para uma prática
prazerosa (FREIRE,1996).
Nesse projeto, os alunos participaram de rodas de
leitura de Histórias em Quadrinhos (doravante HQs), fizeram
suas próprias HQs, havendo, posteriormente um momento de
socialização das histórias produzidas. As atividades
possibilitaram a integração entre alunos de diferentes
turmas, despertando o gosto pela leitura desse gênero
textual, revelou talentos na linguagem visual (desenhos).
Esse tipo de atividade põe em diálogo teoria e
prática como sugerem Lima e Pimenta (2014), uma vez que os
licenciandos tiveram a oportunidade de vivenciar no contexto
escolar da Educação básica, atividades de leitura e produção

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textual de um gênero multissemiótico, trazendo para essa
situação de produção conhecimentos adquiridos no espaço
acadêmico sobre multiletramentos e aspectos multissemióticos
dos textos, discutidos por Rojo e Barbosa (2015).
Tais projetos integram conhecimentos do saber social,
acadêmico e pedagógico (TARDIF, 2000), no intuito de promover
conhecimento e mudança de posição frente às realidades
complexas da sociedade.
Outro projeto desenvolvido e de grande impacto na
integração comunidade e universidade foi: VOZES DE SÃO
BERNARDO: Redescobrindo as memórias do lugar onde vivo,
realizado na escola de Ensino Médio Centro de Ensino Doutor
Henrique Couto, tendo o objetivo de despertar nos alunos do
Ensino Médio, o interesse em revisitar as memórias do lugar
onde eles vivem por meio de entrevistas com moradores locais
que fazem uso do gênero memória para contar o que já viveram
naquele local.
O projeto buscou despertar nos alunos do Ensino Médio
a capacidade de ouvir e ler memórias literárias escritas
sobre fatos marcantes que aconteceram em seus povoados, bem
como fortalecer conhecimentos teórico-práticos dos acadêmicos
residentes, acerca de questões de leitura e de escrita no
contexto escolar da Educação Básica.
O projeto aconteceu a partir de diferentes etapas,
alinhando-se às orientações de Cosson (2016), segundo o qual
as atividades de leitura do texto literário devem ser
pensadas a partir de uma sequência de atividades que inicia
pela motivação do aluno para ler o texto até chegar na
interpretação.
Dentre as atividades realizadas, tivemos leitura e
análise de memórias literárias, visita dos alunos ao povoado
São Raimundo, próximo do município de São Bernardo-MA,
município no qual alguns dos alunos, da escola Centro de

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Ensino Doutor Henrique Couto, residem. Nessa visita foram
feitas entrevistas, roda de conversa para ouvir relato sobre
as memórias de alguns moradores. De volta à escola, os alunos
editaram vídeos para elaboração de um documentário e,
escreveram suas próprias memórias.
O projeto foi importante tanto para ampliação de
habilidades de leitura e de escrita quanto para a vida dos
alunos, que tiveram a possibilidade de ouvir histórias,
refletir sobre a valorização do outro, perceber diferenças
culturais, pela aquisição de novos saberes, quanto para o
reconhecimento do outro, de uma voz que expressa sua cultura,
suas experiências por meio das memórias literárias, criando
um ambiente de escuta, empatia, respeito e, acima de tudo de
valorização cultural (FREIRE, 1996).
Conforme as diretrizes da BNCC (2018), é preciso
colocar o aluno em contato com textos de diferentes campos,
dentre eles o campo artístico-literário, haja vista que
conforme a (BNCC, 2018, p. 496), uma das habilidades a serem
desenvolvidas no Ensino Médio é: “Fruir e apreciar
esteticamente diversas manifestações artísticas e culturais,
das locais às mundiais, assim como delas participar, de modo
a aguçar continuamente a sensibilidade, a imaginação e a
criatividade.”
Em meio a realização desses projetos tivemos, o
projeto de intervenção Artigo de opinião: escrever para
participar da vida pública, realizado na escola Centro de
Ensino Dr. Henrique Couto. O projeto surgiu como necessidade
da escola para colaborar com as atividades relativas às
Olimpíadas de Língua Portuguesa. Foi um projeto de
intervenção muito relevante para aproximação entre
Universidade e escola campo.
Os alunos do Ensino Médio participaram de oficinas de
produção textual do gênero artigo de opinião sobre o tema

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racismo. Depois parte desses textos foram apresentados em um
evento científico: “II Colóquio Interdisciplinar de
Literatura e Cultura Negra do Baixo Parnaíba: Territórios
culturais, ressonâncias literárias”, que aconteceu na
Universidade Federal do Maranhão – Campus São Bernardo, em um
simpósio temático voltado para experiências vivenciadas na
Educação Básica acerca do ensino de gêneros
textuais/discursivos. Os alunos da educação participaram, com
comunicações orais e resumos publicados no caderno de
programação do evento.
O projeto foi muito importante para evidenciar o
protagonismo juvenil dos alunos da Educação Básica, que
revelaram interesse e empolgação ao participarem ativamente
de um evento na Universidade. Durante a execução do projeto
os alunos tiveram acesso ao estudo da estrutura composicional
do gênero artigo de opinião, leram e discutiram textos acerca
de temáticas polêmicas, dentre elas o racismo.
As atividades foram centradas no desenvolvimento da
criticidade dos alunos, e da ética, no tocante ao respeito ao
outro em sua diversidade cultural e racial, buscando
desenvolver nos alunos da Educação Básica a habilidade:
“Analisar visões de mundo, conflitos de interesse,
preconceitos e ideologias presentes nos discursos veiculados
nas diferentes mídias, ampliando suas possibilidades de
explicação, interpretação e intervenção crítica da/na
realidade.” (BNCC, 2015, p. 491).
Antes de ser apresentado no evento, os textos dos
alunos passaram por uma série de revisões e re-escrita,
atendendo ao que sugere (ANTUNES, 2003) sobre as etapas de
escrita a serem seguidas no ensino da produção textual:
preparação, escrita, revisão, reescrita e divulgação.
Os projetos de intervenção foram atividades muito
produtivas tanto para os residentes quanto para os alunos da

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Educação Básica, possibilitando situações diferenciadas,
daquelas vivenciadas na sala de aula. Assim, contemplamos a
discussão de (GATTI, 2013), segundo o qual é preciso repensar
o estágio de formação docente, de modo a garantir de fato,
profissionais com habilidades para atuar nas mais diversas
situações que surgem no espaço escolar.
Em cada uma das três escolas foram realizados três
projetos. As atividades revelaram grande envolvimento,
colaboração, responsabilidade e competência dos residentes.
Os temas foram definidos conforme necessidades apontadas pela
escola. Desde a organização até execução, houve um trabalho
coletivo entre residentes, preceptor e docente orientador.
Além das experiências docentes, os projetos funcionaram como
laboratório de pesquisa científica, uma vez que geraram
muitos artigos resultados de relatos de experiências,
favorecendo a reação dialética entre teoria e prática.

OFICINAS ITINERANTES

Assim como os projetos, outra atividade de grande


relevância durante o programa foram oficinas de leitura e
produção textual. Ao todo foram realizadas duas oficinas em
cada escola. Essas oficinas aconteceram com atividade dentro
de eventos científicos organizados na UFMA no Curso de
Linguagens e Códigos - Língua Portuguesa.
Para a organização das oficinas, seguimos o ponto de
vista de (BAKHTIN, 2016[1979]) de que o estudo da linguagem
deve acontecer por meio dos gêneros discursivos. Portanto, os
projetos de intervenção e oficinas eram executados a partir
de uma sequência de atividades, tendo o gênero discursivo
como centro organizador.
As oficinas foram denominadas de itinerantes, pois,
embora tenham acontecido como parte integrante de eventos

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científicos, foram executadas nas escolas integradas ao
Programa. Por uma questão de espaço, das seis oficinas,
relatamos aqui, duas delas.
A oficina - Parodiando Ritmos, Reflexões e
Aprendizagens: Caminhos Possíveis - foi realizada na escola
de Ensino Fundamental Nilza Coelho Lima para alunos do 6º ao
9º ano do Ensino Fundamental. Suas atividades aconteceram de
forma interdisciplinar, com a colaboração de alguns alunos do
Curso de Música da UFMA - São Bernardo. “A
interdisciplinaridade surge como crítica a uma educação por
‘migalhas’, como meio de romper o encapsulamento da
Universidade e incorporá-la à vida uma vez que a torna
inovadora ao invés de mantenedora de tradições” (FAZENDA,
2002, p. 41).
Outra oficina, que destacamos neste relato, é a
oficina itinerante: Memórias do meu tempo de infância, que
aconteceu na escola Centro de Ensino Déborah Correia Lima,
fazendo parte da programação do I Simpósio de Linguagens e
Códigos e I Seminário de Estágio em Linguagens e Códigos,
evento que ocorreu na UFMA- Campus São Bernardo. Teve como
público alvo as turmas de 1º e 2º ano do Ensino Médio.
Entendemos aqui a narrativa como a qualidade estruturada da
experiência percebida e vista como relato, tendo por base as
vivências culturais de casa, da família, para dar voz no
contexto educacional. A linguagem narrativa é carregada de
sentidos, significações, relações dialógicas (BAKHTIN).
Outra oficina itinerante realizada foi Memórias do
meu tempo de infância, no Colégio Estadual de Ensino Médio
Centro de Ensino Deborah Correia Lima. Inicialmente, foi
realizado um estudo sobre o gênero memória literária,
estimulando os alunos a relatarem fatos de suas memórias,
relacionando-as à infância.

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Para isso, foram utilizados recursos como músicas,
brincadeiras e brinquedos que fizeram parte das memórias da
infância dos alunos. Durante a execução da oficina, tivemos
momentos de participação em brincadeiras infantis, confecção
de brinquedos com material de sucata, leitura de memórias
literárias e produção de texto – memórias.
Entendemos que o modelo de formação prática que
adotamos com a estrutura do RP revela, em linhas gerais, o
problema apontado por Tardif (2000) ao discutir as relações
entre saberes profissionais dos professores e conhecimento
científico, apresentando encaminhamentos de trabalho para o
desenvolvimento de uma epistemologia da prática profissional
docente que pode alterar os contextos da produção científica
no campo da formação de professores, inclusive questionando
as teorias do ensino e da aprendizagem no âmbito da docência
universitária.
Nesse contexto das oficinas, foi possível aliar os
conhecimentos advindos das noções de língua, texto, discurso,
gêneros discursivos, sequência didática e aplicá-los em
situações práticas de aprendizagem dos alunos e constituição
de um fazer docência no âmbito da Educação Básica maranhense.
Corroboramos assim, com Tardif (2000, p. 21), quando afirma
que ao não problematizarmos nossos saberes, elaboramos
teorias do ensino e da aprendizagem que só são suficientes
para os outros (alunos e professores), mas que não se aplicam
ao nosso próprio processo educativo - o que sinaliza para
distanciamento entre formação teórica e prática profissional.
Demonstramos com as oficinas e projetos de
intervenção que é possível superar o distanciamento entre
formação teórica e prática profissional através do trabalho
coletivo e engajados dos residentes, professores formadores e
apoio acadêmico, assegurado pela abertura da escola para que
tais ações fossem realizadas.

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A contribuição formativa advinda das experiências
vivenciadas, consolida como afirma Gligio e Lugli (2013), que
a concepção básica do Programa Residência Pedagógica, com
base nos documentos oficiais, era a de superar as limitações
dos estágios curriculares, superar o modelo predominante do
estágio como um contato episódico com as escolas para cumprir
um ritual de obrigatoriedade e transformar essa relação num
compromisso entre instituições formadoras, nos colocando por
meta a vinculação entre a formação inicial e continuada de
professores e gestores escolares, estabelecendo um diálogo
permanente entre as instituições formadoras e os sistemas de
ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ações do Programa Residência Pedagógica são


reconhecidas como produtivas pela gestão das escolas campo,
que destacam a importância do Programa para o desenvolvimento
de habilidades de leitura e produção textual dos alunos da
Educação Básica, destacam a importância do Programa na
aprovação Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a inovação
de metodologias, principalmente, no que se refere ao uso das
novas tecnologias.
Outro relevante impacto do Programa Residência
Pedagógica foi a produção científica por parte dos
residentes. Cada projeto, cada oficina, as sequências
didáticas, e até certos gêneros textuais trabalhados em
regências foram tema para produção e apresentação de artigos,
favorecendo aos alunos grande crescimento acadêmico
científico dentre de sua formação docente.
Foi notório o destaque do Residência Pedagógica nas
atividades de produção científica, como organização de
eventos na Institutos Educacionais Superiores (IES),

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apresentação de artigos dentro e fora da IES, mostra
culturais, recitais, dentre outras experiências de
socialização acadêmica que retroalimentou a relação
universidade/escola, agindo como residentes historicamente
situados (FREIRE,1996).
O programa contribuiu enormemente na formação docente
dos licenciandos, pois além de terem cumprido uma carga
horária de 440h horas foram acompanhados em todos os momentos
pela preceptora e docente orientadora. Os residentes levaram
para escola-campo inovação tecnológica e metodológica, com
atividades bem planejadas, muitas delas, envolvendo não
apenas os alunos participantes do programa, mas a escola como
um todo, como em atividades relativas aos projetos, recitais
e oficinas.

REFERÊNCIAS

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Paulo: Parábola, 2003.

BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. Tradução de Paulo


Bezerra. São Paulo: editora 34, 2016 [1979].

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Curricular (versão preliminar). 2015. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/início. Acesso em:
20 maio 2017.

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Nacionais Gerais da Educação Básica. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=dow
nload&alias=15548-d-c-n-educacao-basica-nova-
pdf&category_slug=abril-2014-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 18
mar.2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média


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Médio). Brasília: MEC, 2000.

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COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São
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FAZENDA, Ivani Catarina Arantes: A prática de ensino e o


estágio supervisionado. Campinas, SP: Papirus, 1991. (Coleção
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Editora UFPR, n. 50, p. 51-67, out./dez. 2013.

GERALDI, João Wanderley. O ensino de língua portuguesa e a


Base Nacional Comum Curricular. Revista Retratos da Escola,
Brasília, v. 9, n. 17, p. 381-396, jul./dez. 2015.

GIGLIO, Celia Maria Benedicto; LUGLI, Rosario Silvana Genta.


Diálogos Pertinentes na Formação Inicial e Continuada de
Professores e Gestores Escolares. A Concepção do Programa De
Residência Pedagógica na Unifesp. Cadernos de Educação.
FaE/PPGE/UFPel, 2013.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA Maria Socorro Lucena. Diferentes


concepções do estágio obrigatório. In: Guridi, Verônica
Marcela; PIOKER-HARA, Fabiana Curtopassi (orgs. Experiências
de ensino nos estágios obrigatórios. São Paulo: Editora
Alínea, 2014.

PIMENTA, Selma Garrido (org.). Saberes Pedagógicos e


atividade docente. São Paulo: Cortez, 1995.

ROJO, Roxane; BARBOSA, Jaqueline. P. Hipermodernidade,


multiletramentos e gêneros discursivos. São Paulo: Parábola,
2015.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos


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TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e


conhecimentos universitários. Elementos para uma
epistemologia da prática profissional dos professores e suas
consequências em relação à formação para o magistério.
Revista Brasileira de Educação, n.13, p.5-24, 2000.

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SOB O PRISMA DA DIDÁTICA: o Programa Residência
Pedagógica no Curso de Pedagogia da UFMA

Walkíria Martins

INTRODUÇÃO

A formação docente é um campo complexo para o qual se


verte diferentes áreas do saber (como a História, a Política,
a Filosofia, a Sociologia), as quais visam dar os seus
contributos à compreensão da profissionalidade e
profissionalização docente. Visto ser a formação docente
permeada por contínuos desafios, dilemas e conquistas que
ressoam no modo como o sujeito docente se percebe professor/a
no locus de trabalho e de como vivência a sua pessoalidade
(FOLLE et al., 2009).
Ao ser marcada por diferentes acontecimentos que
envolvem e direcionam a trajetória das professoras e dos
professores (HUBERMAN, 2000), a formação docente é um dos
temas que ocupa lugar central nas investigações realizadas na
área da Educação, “[...] estamos a assistir, neste início do
século XXI, a um regresso dos professores ao centro das
preocupações educativas” (NÓVOA, 2009, p. 2).
Nesse âmbito, as maiores referências investigativas
têm envolvido a compreensão sobre os conhecimentos da
profissão e as estratégias formativas. Ao mesmo tempo, os
estudos apontam que as temáticas que versam sobre a formação
didática dos docentes são pouco estudadas (ABRUCIO, 2016;
ROMANOWSKI, 2012). Ao pensarmos sobre essa questão,
precisamos destacar o que se refere à Didática e como ela se
relaciona com a formação. Com esse propósito, Alarcão (2006)
informa que a Didática.

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[...] tem um caráter de descoberta permanente sobre os
métodos, processos e técnicas que melhor coadunam com
os conteúdos a ensinar, os educandos a formar, as
situações reais do processo de ensino-aprendizagem e
os objectivos fins da educação. (ALARCÃO, 2006, p. 45)

Dessa compreensão, recordamos que a Didática é:


[...] uma disciplina autónoma porque utiliza vários
domínios do saber sem se identificar com nenhum deles
exclusivamente ao colocar-se interrogações que lhe são
próprias e ao encontrar para essas questões respostas
que só ela sabe dar.
Adquiriu já uma dimensão institucional ao ser aceite
pelas instituições como disciplina curricular e
científica ao ver reconhecido o seu estatuto de área
científica [...]. (ALARCÃO, 1991, p.307)

A Didática como ciência do ensino é anunciada pela


referida autora no seu tríptico didático: dimensão política,
dimensão formativa e dimensão investigativa. Essas são
dimensões que dialogam entre si, ao mesmo tempo que mantêm
resguardadas as suas especificidades. A dimensão formativa
diz sobre as atividades educativas e os processos formativos
de docentes (inicial e contínua) e dos discentes (nos espaços
formais e não formais de educação). Por isso, “[...] a
formação de professores representa um dos elementos
fundamentais através dos quais a Didática intervém e
contribui para a melhoria da qualidade do ensino” (GARCÍA,
1999, p. 23).
Portanto, e sob o prisma da Didática, partilhamos a
ideia que educar para a era planetária perpassa pela reforma
no modo de conhecer, pensar e ensinar (MORIN; MOTTA; CIURANA,
2003); de assumirmos a incontornável necessidade de
desenvolver processos formativos balizados pela partilha e
abertura a pontos de vista distintos, ao exercício reflexivo
e ao diálogo.
O que justifica para nós a validade de se primar por
uma maior integração entre aquilo que o/a pedagogo/a aprende

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na formação inicial e o que acontece no contexto pedagógico
das escolas.
A atuação prática desde o momento formativo aparece em
muitos estudos como essencial para criar melhores
docentes, além de tornar a formação um processo
contínuo ao longo da carreira. A permanente e melhor
articulação institucional entre a formação inicial, a
formação continuada e a vida escolar é vista hoje
pelos estudiosos como peça-chave para melhorar os
resultados dos professores. (ABRUCIO, 2016, p. 26)

Com vista a colaborar com essa perspectiva, emergem


vários projetos na esfera federal que visam contribuir com
uma maior articulação entre as Instituições de Ensino
Superior (IES) e as redes de ensino no país. Aqui damos
destaque ao Programa Residência Pedagógica (RP) que foi
instituído pela Portaria GAB nº 38/2018, com a finalidade de
apoiar “[...] na implementação de projetos inovadores que
estimulem a articulação entre teoria e prática nos cursos de
licenciatura, conduzidos em parceria com as redes públicas de
educação básica” (BRASIL, 2018, Art.1º).
O Documento realça a importância de se pensar e
implementar caminhos formativos que associem os conhecimentos
teóricos e práticos na formação inicial. O que num primeiro
momento poderia ser interpretado como algo óbvio, mas que
assume outra dimensão quando repousamos nosso olhar sobre o
espaço que a Didática tem ocupado na formação inicial, de
“[...] lugar secundário nas grades curriculares dos cursos de
pedagogia e nas licenciaturas, algo que também acontece no
campo da pesquisa”(ABRUCIO, 2016, p. 31).
Em recente pesquisa sobre os cursos de licenciatura
em Pedagogia, Pimenta et al. (2017) apontam que a Didática,
enquanto disciplina voltada a colaborar com a formação das
professoras e dos professores, “[...] comparece em apenas
6,64% da carga horária dos cursos” (PIMENTA et al.,2017,
p.26). Na sequência desses resultados, os pesquisadores
questionam sobre os problemas decorrentes “[...] da quase

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ausência dessa disciplina nos cursos de pedagogia que se
propõem formar professores” (PIMENTA et al., 2017, p.26).
Ao se deixar de “lado” os estudos empíricos que
fomentam e avaliam esses impactos na formação inicial dos
docentes, ficamos escassos de parâmetros que ajudam a pensar
sobre o conjunto de conhecimentos imperativos ao exercício da
docência, e que são intervenientes específicos da área da
Didática, visto que ela se presta ao estudo dos processos
pelos quais os docentes aprendem e desenvolvem suas
competências profissionais (GARCIA, 1999).
Nesse esteio, ressalta-se que o trabalho pedagógico
implica na necessidade de haver maior integração entre o
processo de formação inicial e os espaços escolares. Para os
quais a colaboração entre os sujeitos (autores e atores) se
revela estruturante das ações individuais e coletivas que se
dão no processo de ensino e de aprendizagem, os quais dizem
sobre o ser docente.
Visando contribuir com o debate sobre a formação
inicial do pedagogo e com a análise de propostas orientadas a
subsidiar a articulação das IES e escolas da Educação Básica,
apresentamos os resultados, a curto prazo, alcançados junto
aos estudantes do Curso de Pedagogia da Universidade Federal
do Maranhão (UFMA) que integraram o RP no seu primeiro ano de
implementação.

METODOLOGIA

Para avaliar o impacto do RP no desenvolvimento


profissional dos estudantes de pedagogia foi realizado um
estudo descritivo com abordagem qualitativa, por nos permitir
a análise de materiais escritos, identificando as
subjetividades dos sujeitos investigados. A investigadora
analisa o fenômeno de interesse (as ações individuais e nos

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grupos escolares nos quais estavam inseridos), explicitando-o
na perspectiva do discurso do sujeito autor do relato. Se
trabalha com os valores, as crenças, as opiniões e as
representações dos envolvidos no estudo. O que justifica sua
natureza qualitativa, “[...] de compreensão, significado e
acção em que se procura penetrar no mundo pessoal dos
sujeitos [...]” (COUTINHO, 2008, p. 7).
Indicada a abordagem metodológica, os dados arrolados
contemplam especificamente os registros individuais dispostos
nos relatórios finais. Na sua organização foram inseridos
(para além de uma ficha própria solicitada pela Capes):
registros do e-portfolio, planificações didáticas, projetos
de intervenção, avaliações das regências de sala de aula,
imagens, fichas de frequência, materiais referentes a
participação em eventos.
Na análise dos dados, empregou-se o método de análise
de conteúdo (AC) (BARDIN, 2014) com o auxílio do software
webQDA©, programa de apoio à análise qualitativa que permite
o exame de textos, vídeos, áudios e imagens num ambiente
colaborativo e com base na internet (COSTA; LINHARES; SOUZA,
2012). Com ele foi possível, por exemplo, a investigadora
cria categorias, codifica, filtrar e questionar os dados com
o objetivo de atender a finalidade do estudo.
Os benefícios do WebQDA residem principalmente na sua
interface intuitiva, mecanismos de armazenamento,
pesquisa e recuperação de dados, tudo isto num
ambiente distribuído que propicia a investigação
colaborativa. A aplicação socorrer-se-á de um sistema
de codificação que sustenta a geração de relações
entre os elementos dos dados. (SOUZA; PEDRO; MOREIRA,
2011, p. 2)

Com os dados organizados no software, procedeu-se a


AC. Ela incidiu sobre os relatos escritos dos estudantes que
integraram o Programa e iniciaram as ações nas escolas
parceiras no ano de 2019, buscando-se descobrir o verdadeiro
significado do escrito, a compreensão do que foi expresso

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inicialmente na primeira leitura (BARDIN, 2014). As
categorias emergiram a posteriori e analisadas por temáticas,
seguindo as fases de: i) Pré-análise: organização dos
materiais a serem analisados no software webQDA; ii)
Exploração: releitura dos registros, agrupamento em
categorias (definidas no decorrer das leituras) e codificadas
no software; e, iii) Tratamento dos dados: com o
reagrupamento das categorias, interpretações e inferenciais
(BARDIN, 2014; SOUZA; COSTA; MOREIRA, 2011).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Antes de seguirmos com o objeto desta seção, convém


informar alguns aspectos gerais referentes ao Programa. No
Memo. nº18-2018/UFMA são indicadas as quatro fases de
estruturação do RP: i) curso de formação de preceptores com
60h; ii) ambientação do residente na escola campo com 60h;
iii) imersão do residente na escola-campo com 320h; iv)
elaboração do relatório final do residente e socialização de
experiências com 60h. Elas são interligadas e totalizaram
500h, das quais ao estudante residente eram obrigatórias o
cumprimento de 440h (sendo, no mínimo, 100h dedicadas a
regência).
No Curso de Pedagogia/UFMA, o RP envolveu três grupos
de trabalho distribuídos em três escolas públicas da rede
municipal de São Luís/MA. Inicialmente, com o quantitativo
de: vinte quatro (24) estudantes de pedagogia; três (03)
professoras preceptoras das escolas parceiras; e, uma (01)
docente orientadora do Curso. Como aqui não é o nosso foco as
atribuições de cada sujeito e das entidades participantes do
RP, essas podem ser consultadas na Portaria GAB nº 45/2018
(BRASIL, 2018).

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Com o desenvolver das ações, houve algumas
substituições e desistências de estudantes. O quantitativo ao
final das ações em dezembro de 2019 é apresentado na Figura
1.
Figura 1 – Quantitativo de Sujeitos RP Pedagogia

Fonte: Da autora

Registramos que, para além das três preceptoras,


também contamos com a colaboração das professoras regentes
das escolas, que colocaram à disposição do Programa os
espaços das salas de aula para o desenvolvimento das ações de
investigação e regência. Condição que nos permitiu ter um
residente por sala e que lhes outorgou maior senso de gestão
pedagógica.
No seguimento e em função dos propósitos aqui
arrolados, para compor este estudo utilizamos os dados
dispostos na parte conclusiva do relatório final de cada
residente. Reconhecemos que ela é uma pequena parte do
relatório completo, mas, que ponderamos ser representativa
daquilo que cada um vivenciou.
Destarte, considerando a percepção dos 13 (72%)
residentes que entregaram o relatório no prazo final, da

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análise dos discursos emergiram 02 categorias e 09
subcategorias (Figura 2), indica-se ao lado de cada uma o
quantitativo de referências observadas. Os aspectos abordados
nas duas categorias foram previamente definidos a fim de
padronizar a análise e subsidiar as discussões em relação ao
objetivo indicado.

Figura 2 – Árvore de Categorias webQDA

Fonte: Da autora

Para melhor validar as informações apresentadas,


faremos uso dos escritos das três preceptoras; adotaremos na
indicação dos participantes a designação ER (estudante
residente) e PP (Professora Preceptora) seguidos de um número
que corresponde à ordem de enumeração dos sujeitos; e,
faremos uso dos registros escritos em seu original.

Categoria 1: Planificação didática

Com respaldo em nossas investigações, entendemos a


Planificação didática como um eixo de intercessão,
articulador do Currículo e da Didática, pois envolve a gestão
das orientações curriculares e as decisões didáticas do(s)

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docente(s) sobre a aula. A Planificação didática é uma das
dimensões do trabalho docente pois, envolve os modos de
pensar (na perspectiva da reflexividade), organizar e
registrar os conteúdos do currículo formal e informal, que
irão nortear as ações voltadas ao processo de ensino e de
aprendizagem (dimensão didática). Ao realçarmos esse
pensamento, reafirmamos os espaços de insurgência à uma
formação docente orientada por diálogos articuladores das
transgressões que os contextos pedagógicos evocam.
Com esse direcionamento e a partir das orientações
didáticas (individuais e coletivas) aos ER no decorrer do
Programa, evidenciou-se que este foi um momento de conflitos
cognitivos, de desestabilização aos ER, dada as dificuldades
(16 referências) vividas nesse processo, como podemos
observar em alguns registros:
ER3 – “A principal dificuldade técnica foi a ausência
de recursos financeiros para comprar materiais para
realização mais dinâmica das regências; com relação ao
meu trabalho docente, as maiores dificuldades foi a
construção dos objetivos de aprendizagens e adequação
dos conteúdos das aulas”.

ER9 – “Em relação às dificuldades encontradas, as


mesmas se deram no âmbito do domínio de sala de aula
[...]”.

A condução das atividades de sala de aula se revelou


oportuna para contornar as dificuldades, algumas de natureza
material/recursos para realizar atividades específicas, e,
outras próprias da imersão na docência, como as interações e
reações plurais que permeiam a comunicação em sala. Para além
de os motivar na mediação de situações de ensino focadas nas
necessidades de cada turma a partir das regências (08
referências), como observaram:
ER2 – “a cada atividade executada pelas crianças em
sala; a cada resposta correta e pensada pelos alunos
[...] o mais importante foi a participação da turma,

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mesmo aquelas crianças que apresentavam algum tipo de
dificuldade com [...]”.

ER5 – “Pelo fato das turmas serem bem heterogêneas


partimos da necessidade de motivar as crianças para
realização das atividades com uso de estratégias para
compreenderem que a sala de aula como espaço de
socialização e envolvimento com a aprendizagem”.

Dada a especificidade da monodocência na Educação


Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e seguindo
os princípios epistemológicos que versam sobre a religação
dos saberes, as planificações didáticas e as regências foram
orientadas pela articulação interdisciplinar (04 referências)
do processo de ensino.
ER3 – “Foi possível fazer relação direta com os demais
assuntos da Língua Portuguesa como separação de
sílabas, ordem alfabética, consoantes e vogais, além
de adição e subtração na matemática, artes [...]”.

ER9 – “Foi desafiador construir planificações


didáticas, de forma interdisciplinar, mas de grande
aprendizagem, no sentido de articularmos as áreas de
conhecimentos ao invés de fragmentá-las, como é comum
ocorrer no nosso sistema educacional”.

Ao adotarmos um itinerário interdisciplinar nas


Planificações didática, tínhamos como propósito fomentar o
exercício da autonomia (03 referências) docente, como nos
indica Contreras (2002) e Freire (2007), do sujeito que se
coloca na posição de ensinante e aprendente autor dos
processos de ensino e de aprendizagem. Sujeito da dodiscência
(numa referência freiriana) que conjuga as suas vivencias no
coletivo e no particular das situações e questões que emergem
do e em contexto, e que lhe permitem refletir sobre o que
fez, o como procedeu e o que fará a partir daquele ponto.
ER7 – “Nas regências tive total liberdade em pensar
atividades e utilizar métodos de acordo com a
realidade das crianças da minha turma, onde realizei
atividades e brincadeiras que envolviam a participação
de todos”.

ER13 – “A residente teve liberdade em utilizar métodos


o qual se sentia mais confiante [...]”.

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Essa percepção do ser sujeito autor docente, se
revela essencial para que haja caminhos distintos e
integrados sobre como pensar e promover a relação entre as
teorias e as práticas (09 referências), ou seja, para além
dos modos indicados nos livros didáticos (em referência aos
livros escolares das editoras).
ER9 – “o planejamento é pensado de forma processual,
articulado e intencionado, a sua flexibilização não
interrompe a cadeia de construção dos conhecimentos a
serem ensinados, pelo contrário, entrelaça os
conteúdos e a aprendizagem delas”

ER11 – “através da reflexão sobre nossa própria


prática que conseguimos desenvolver nossas atividades
e elaborar estratégias para favorecer a aprendizagem
dos alunos, a qual foi nosso maior objetivo”.

A partir da leitura horizontal destas subcategorias,


podemos inferir que as dificuldades ressaltadas por si, não
devem ser consideradas um aspecto negativo, mas, de extrema
importância na formação e exercício da docência. Algumas
dessas dificuldades vivenciadas serviram de ponto de partida
para os ER exercitarem a reflexividade e criarem
oportunidades de ricas aprendizagens, “as dificuldades
enfrentadas nas regências levaram-me a desenvolver
habilidades que outrora não acreditaria ser capaz [...]”
(ER1). Habilidades que também foram observadas quando da
“socialização de ideias para confecção de recursos
pedagógicos atraentes e inovadores; do melhor engajamento e
um novo olhar na prática de sala de aula contribuindo para a
formação docente” (PP2).

Categoria 2: Minha Formação

Essa dimensão envolve os dados que ajudam a analisar


a ideia de pertencimento a um lugar (a escola) e a uma

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profissão (de professor/a); diz sobre as reflexões
despoletadas pelos ER quando da imersão no contexto escolar
(orientado por diretrizes e normas, composto de diferentes
sujeitos e permeado por questões que, em sua maioria, estão
para além das teorias pedagógicas) e as relações que
conseguiram estabelecer com a sua formação inicial. Reunimos
nesse ponto alguns elos que incidem na experiência
contextual, intelectual e acadêmica dos ER.
Pois bem, é sabido que a formação docente na
contemporaneidade não se configura um tema “simplório”, dada
a complexidade, já referida por nós, de uma educação
orientada a “[...] fortalecer as condições de possibilidade
da emergência de uma sociedade mundo composta por cidadãos
protagonistas, consciente e criticamente comprometidos com a
construção de uma civilização planetária” (MORIN, MOTTA, &
CIURANA, 2003, p.98). Óptica que reforça a necessidade de
maior aproximação entre os espaços formativos e escolares, e
que ajuda a reafirmar o lugar de Programas (26 referências)
dessa natureza:
ER4 – “[...] um dos aspectos mais importantes em
relação à formação docente é proporcionar ao aluno de
pedagogia oportunidades para que desenvolva a
capacidade de relacionar teoria e prática docente.
[...]. O Programa contribuiu de forma construtiva e
significativa para meu processo formativo como futuro
professor da educação infantil”.

ER6 – “A experiência como bolsista do Programa


Residência Pedagógica ao longo desse 1 ano,
possibilitou a ampliação dos conhecimentos na área da
educação, uma vez que por meio dele, consegui
compreender melhor as problemáticas que envolvem a
escola pública maranhense e brasileira, de maneira
geral. [...]. Serei uma pedagoga diferenciada,
certamente, e muito disso, devo a este Programa”.

Embora seja reconhecida a importância das ações


viabilizadas por meio do Programa, não podemos esquecer que,
em educação (principalmente) não realizamos nada com êxito a
solo, isolados em nós mesmos. O que deixa evidente a

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necessidade de movimentos ascendentes de colaboração com
outros sujeitos, espaços, ..., daí o destaque dado ao papel
da escola (13 referências):
ER11 – “Foi a partir da vivência no chão da escola que
identificamos que conhecimentos nos faltam para lhe
dar com todo tipo de problemáticas inerentes ao
cotidiano escolar”.

ER13 – “O papel da escola nesse projeto foi de suma


importância contribuindo satisfatoriamente nas ações
pedagógicas e nas devolutivas das práticas reforçando
o papel formador que a escola possui. [...]. A minha
permanência na escola foi significativa e proveitosa
sendo um momento de aprendizagem dando oportunidade
estar de frente a realidade da escola, [...] e também
identificar minhas aptidões e interesses em relação à
escolha profissional, bem como, melhorar os aspectos
que tive mais dificuldades”.

Como mencionado, o exercício de reflexividade sobre a


docência, o lugar da prática e a formação estão
condicionados, atrelados ao envolvimento pessoal (individual
e no coletivo), com a intensidade das experiências com aquilo
que é e se torna objeto da aprendizagem (06 referências), a
profissionalidade de ser docente:
ER8 – “Eu cresci muito profissionalmente e como pessoa
senti o peso que os professores carregam nos ombros
[...]”.

ER9 – “pude realmente me ver no processo de ensino-


aprendizagem, como docente e não mais apenas uma aluna
de licenciatura, tendo em vista o meu papel de
instrumento mediador de aprendizagem”.

ER12 – “as experiências obtidas somaram para a


construção da minha identidade docente e ao contrário
de como iniciei no RP, sentindo-me despreparada para
lidar com a realidade escolar no exercício da
profissão docente, agora sinto-me preparada, ciente
dos desafios, mas com a vontade de vencê-los, sempre
refletindo sobre a minha própria prática pedagógica”.

Esses discursos nos levam a ressaltar aquilo que a


literatura já refere, que as aprendizagens sobre o ser
docente, a natureza da docência, a ação de ensinar, de pensar
e de dialogar sobre os conhecimentos da profissão exigem a
relação do eu e os outros (08 referências)

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ER1 – “tivemos oportunidade de estabelecer relações
não somente com os alunos, que é de grande
importância, mas também com todos aqueles que compõem
o espaço escolar. A vivência no espaço escola mudou a
forma como observamos o aluno, o professor, a gestão
escolar, pois conseguir perceber a escola como um
todo”.

ER11 – “O licenciando tem mais contato com os alunos,


com os professores, gestores, adquire um conhecimento
da escola mais profundo pois está em maior contato com
a instituição e pode vivenciar os desafios
característicos da escola pública”.

Os elementos apontados validam a relevância de se


“oportunizar aos alunos de pedagogia de conhecer a realidade
da escola pública” (PP3), com o RP os estudantes
“participaram mais ativamente das atividades da escola,
conheceram todos que compõe o ambiente escolar, a escolha de
um projeto significativo para as crianças, as reuniões com a
coordenadora, as formações sobre temáticas importantes como
educação especial” (PP1) se revelaram impares na mediação e
intervenção na formação de aprendentes em formação docente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É sabido que a educação envolve um emaranhado de


relações que estabelecemos com o outro, conosco, com o meio e
de como elas convergem com o processo de apropriação e
(re)elaboração do conhecimento. Nesse entremeio, a formação
no/com o mundo ancora-se em processos pessoais de
reflexividade que fomentam, tanto os saberes da docência
(PIMENTA, 2005), como o processo identitário do docente, o
seu sentimento de pertença a um “lugar”.
A investigação sobre a dimensão formativa da
Didática, nos permite inferir que a imersão no Programa, a
curto prazo, apresentou contributos significativos a formação
docente. Ao colocar os estudantes durante um longo período

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(um ano) na posição de sujeitos autores e atores da prática
realizada em sala de aula (as planificações didáticas) e da
sua profissionalidade (minha formação).
Nota-se que as inter-relações vivenciadas pelos
participantes nos diferentes momentos de orientação dos
trabalhos – as formações específicas, as discussões e as
partilhas de problemas semelhantes e singulares que emergiram
de cada contexto escolar (foram três escolas e dezoito salas
de aula) – ajudou-os na construção coletiva de conhecimentos.
Podemos dizer que o Programa permitiu criarmos condições
concretas (reais e não ideias) para os estudantes
experienciarem o processo formativo de “dentro” da profissão.
Com isso ressaltamos, a
[...] necessidade de devolver a formação de
professores aos professores, porque o reforço de
processos de formação baseadas na investigação só faz
sentido se eles forem construídos dentro da profissão
(NÓVOA, 2009, p. 5)

E, que o maior tempo de permanência dos estudantes de


pedagogia na escola deixe de ser uma excepcionalidade e seja
capaz de integrar-se a “rotina” formativa.
É certo também que, por ser um Programa em sua
primeira versão de oferta, há outras questões (que não foram
o foco deste estudo) que precisam ser revistas e
redimensionadas. Acredito ser mesmo essa uma característica
comum e presente em trabalhos que realizamos em Educação, de
estarmos sempre em movimento por uma utópica qualidade em
educação.
Por fim, precisamos sim revisitar a Didática em suas
diferentes dimensões (ALARCÃO, 2006). Para isso, refazemos o
convite da Professora Vera Candau nos anos 80, de colocarmos
a Didática em Questão na Pedagogia e nas Licenciaturas e
quiçá, nos aproximarmos de cenários investigativos e
formativos marcados por vínculos mais orgânicos com os

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espaços escolares e com as professoras e professores que lá
habitam.

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_____. Portaria GAB nº 45, de 12 de Março de 2018. Dispõe


sobre a concessão de bolsas e o
regime de colaboração no Programa de Residência Pedagógica e
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(Pibid). Disponível em:
https://www.capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/1
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OXIGENANDO A SALA DE AULA: práticas criativas para o
ensino-aprendizagem de Química

Cícero Wellington Brito Bezerra


Hildo Antonio dos Santos Silva

INTRODUÇÃO

[...] Só de fato por milagre é que os modernos métodos


de ensino ainda não liquidaram inteiramente a sagrada
curiosidade da pesquisa; pois essa delicada
plantazinha, além de certa estimulação, necessita,
sobretudo, de liberdade; sem esta, estiola-se e morre.
(Albert Einstein)

O cenário educacional brasileiro tem sido, desde a


publicação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9.394/96), palco de uma profusão de medidas
legais no que se refere ao aceso, permanência e busca da
qualidade em todos os níveis de escolarização. Dentro deste
caldeirão de inovações, citam-se: a Base Nacional Comum
Curricular, Programas de Formação de Professores PIBID,
Programa Residência Pedagógica (PRP), Plano Nacional de
Formação de Professores da Educação Básica, Sistema de
Seleção Unificada, Regulamentação da EAD, Expansão do Ensino
Superior, Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior,
Rede Universidade do Professor, dentre outras.
Mesmo assim, após muitas mudanças estruturais e
funcionais, e segundo resultados do último PISA (Programa
Internacional de avaliação do aluno), o Brasil figura ainda,
de forma vergonhosa, entre as 20 piores colocações no ranking
das três áreas (matemática, ciências e leitura) acompanhadas
pelo exame. [1] Não queremos com isso assinalar que as ações
anteriormente citadas, todas elas condensadas em um período
estreito da nossa história, tenham sido equivocadas. Antes,

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em nosso entendimento, trata-se de medidas acertadas e
positivas, porém bastante recentes, necessitando de ajustes,
estímulos e investimentos para a geração de frutos em tempo
certo. Anos de descaso e de precariedade na formação inicial
docente, cursos de licenciatura esquecidos das políticas
educacionais, estímulo governamental e político a uma
comercialização da educação e a um crescimento descontrolado
da Educação Superior, não poderão ser superados em pouco
tempo. Os verdadeiros frutos da educação se colhem em escala
de gerações.
De fato, há muito por fazer nos cursos de formação
docente e toda ação governamental, plano ou programa que
impacte estimulando reflexões e práticas pedagógicas,
oxigenando a sala de aula e fomentando experiências criativas
e exitosas, repercutirá, futuramente, na Educação Básica. Do
mesmo modo que não se pode prever a quantidade de sementes
que será produzida por uma única só que conseguiu germinar e
tornar-se árvore, imprevisível o impacto que um professor bem
gestado promoverá em gerações. Assim, há que estimular a
flexibilização, propiciando experiências curriculares
autodirigidas, distante da reprodução automática, vazia de
pensamento e de reflexão. Há que se aproximar do real,
ultrapassar os muros da universidade e conhecer toda
dinâmica, problemática e riqueza do cotidiano escolar.
Considerando que os conteúdos são melhor aprendidos
quando combinados teoria e prática, que o fazer docente deve
pautar-se no desenvolvimento de competências, a prática,
entendida como a repetição de uma ação com a finalidade de
aperfeiçoá-la, de torná-la tão leve e natural, a ponto de o
sujeito executá-la sem hesitações e com eficácia, deve ser
estimulada em todos os momentos dos cursos de formação.
Entretanto, se é a prática que conduz à perfeição, certamente
ela não o fará apenas com o consumo das horas. Há que se

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planejar, que se imprimir qualidade e eficácia nestas ações.
No caso dos licenciandos, a prática vai representar meios
para o desenvolvimento das competências necessárias ao
ensino, às intervenções seguras e eficientes, oportunizando-
os significar conceitos, aplicar leis, teorias e modelos
explorados nas disciplinas teóricas do seu curso.
O Ministério da Educação lançou o Programa de
Residência Pedagógica (PRP) por meio de edital (CAPES Nº
6/2018) com a finalidade de aperfeiçoar a formação prática
nos cursos de licenciatura, promovendo a imersão, ou a
residência, do licenciando na escola de educação básica a
partir da segunda metade de seu curso. Atualmente, participam
deste programa quase 200 instituições de Ensino Superior,
públicas e privadas, de todos os estados brasileiros. O
programa conta com mais de 35,7 mil bolsistas, dos quais 30
mil são os residentes de licenciatura, e os demais são
preceptores, docentes orientadores e coordenadores
institucionais.
Embora haja questionamentos sobre o título do
programa, há quem prefira a palavra imersão à residência, o
PRP é, inconteste, um programa que já nasceu grande e que
tem, em teoria e em prática, ingredientes para tornar-se o
diferencial e fazer a diferença nos cursos de formação
docente. De fato, o termo ‘residência’, inspirado a partir do
currículo de medicina, dá a conotação de experiência de
formação continuada, isto é, posterior à graduação. A palavra
imersão, além de indicar a aproximação Escola-Universidade,
objetivo do PRP, adequa-se também ao processo de formação
inicial, ou graduação. [2].
Outro aspecto positivo é que o PRP possui mecanismos
de acompanhamento e de avaliação dos seus integrantes, isto
facilita a gestão por parte de coordenadores, promove a
formação de um ambiente mais produtivo e participativo,

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através do comprometimento individual dos bolsistas e impõe
foco nos resultados. É, portanto, um Programa que exige que
se vá além dos momentos de observação e de regência de salas
de aula, que aproxima os bolsistas da realidade escolar,
promovendo uma melhor articulação entre a teoria acadêmica e
a sua prática social. O PRP, mediante os mecanismos de
avaliação, força os alunos experienciar mais cedo a realidade
que os aguarda profissionalmente, oportunizando-os as
correções necessárias e a aquisição de competências que os
farão excelentes profissionais. Em adição, trazendo para a
vida acadêmica esse cotidiano escolar quase totalmente
desconhecido por parte de professores e grupos de pesquisa,
renova os temas de discussão, direciona trabalhos e
pesquisas, imprimindo atualidade, aplicação e qualidade nas
produções acadêmicas.
Considerando tais aspectos, é que as atividades do
PRP-Química (UFMA) foram idealizadas e executadas. Aos
bolsistas, inseridos desde o primeiro momento no ambiente
escolar (Escola Básica), foram propiciadas oportunidades de
conhecerem a complexidade da prática docente em seu cenário
real. Instigados a realizarem observações sobre as diversas
situações escolares, dentro e fora da sala de aula, mapearam-
nas e, em acordo com as suas possibilidades, destacaram as
principais dificuldades e carências relativas ao ensino
aprendizagem de Química. Todos os bolsistas realizaram
regências e participaram de momentos de discussão, leituras e
de avaliação das suas intenções e ações pedagógicas.
Assim, com o dublo objetivo de contribuir para uma
efetiva formação docente (teórico-prática) dos alunos do
Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do
Maranhão (Campus de “Dom Delgado"), de modo a exercerem uma
docência com segurança e naturalidade, empenho e eficiência,

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e com a melhoria da Educação Básica, notadamente a pública, é
que as atividades a seguir relatadas foram executadas.

METODOLOGIA

Caracterização da Comunidade Escolar

As Escolas-campo apresentadas a seguir já tinham


parcerias com a Universidade, notadamente com a Coordenação
de Química, seja através da oferta de estágios curriculares
para nossos licenciando, de ambiente de estudos para os
TCC’s, ou ainda através das ações do PIBID.
A histórica Unidade Integrada Sotero dos Reis,
fundada em 1937, está localizada na Rua São Pantaleão, região
central de São Luís. Esta escola guarda uma história cheia de
riquezas e fatos que estão diretamente associados à história
de São Luís [3]. Atualmente integra um contingente de 799
alunos matriculados e um IDEB de 3,9. Deste total de alunos,
401 alunos do Ensino Médio foram atendidos pelo subprojeto de
Química do campus “Dom Delgado.
O Centro de Ensino de Tempo Integral Goncalves Dias
possui uma população estudantil de 686 alunos (2019) [4],
formada essencialmente de estudantes do Ensino Médio. Esta
escola está localizada no “Bairro de Fatima”, o qual possui
uma população composta majoritariamente por negros, e que se
caracteriza pelas manifestações culturais maranhenses.
A também histórica Escola Modelo Benedito Leite tem
registro das suas atividades desde 1900 no antigo prédio onde
funcionou a Faculdade de Farmácia e Odontologia, na Rua da
Paz. Posteriormente foi reinaugurada em 1948, no atual prédio
ao lado da Igreja Santo Antônio, centro da cidade. O público
desde escola vem dos diversos bairros da cidade [5].

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As Escolas trabalhadas dispõem de uma infraestrutura
básica (salas de aula, diretoria, sala de professores,
biblioteca, banheiros, cozinha, área de lazer, quadra de
esportes), suficientes para as atividades desenvolvidas.

Imersão nas Escolas-Campo

Antecedendo as visitas nas Escolas-campo, encontros


com os bolsistas foram realizados com a intenção de unir a
Equipe, apresentar o Programa Residência como um todo e o
subprojeto da Química, em particular. Assim, esgotadas as
dúvidas, ouvidas e anotadas as expectativas e contribuições
dos envolvidos, os bolsistas foram encaminhados e
acompanhados aos respectivos ambientes escolares.
A fase da ambientação foi sempre marcada por visitas
dos residentes e do orientador aos ambientes das Escolas,
ciceroneadas pelo preceptor(a) e direção escolar. Tais
encontros, além de atividades de observação, eram momentos de
reunião em que se discutiam as intenções e necessidades dos
residentes e as possibilidades e demanda das Escolas, rotinas
dos alunos, de modo que as experiências fossem úteis e
enriquecedoras para as partes envolvidas.
Conforme o desenho do projeto, todas as atividades de
observação e de intervenção foram realizadas em dupla de
residentes. Apenas nas atividades de regência em sala, que os
planejamentos e as ações eram individuais. Entretanto, todas
as ações eram previamente apresentadas e discutidas nas
reuniões regulares da Equipe. Para o cumprimento da carga
horária, os residentes puderam utilizar aulas de Química
teórica e as aulas de práticas experimentais empregando
principalmente materiais alternativos [6]
A avaliação do subprojeto de Química ocorreu de forma
dinâmica, através de formulários de avaliação, os quais eram

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preenchidos e encaminhados mensalmente. Através destas
fichas, bem como por meio do acompanhamento direto da
realização das atividades, os residentes eram avaliados pelos
preceptores e pelo orientador do subprojeto. O residente, em
contrapartida, também avaliava o preceptor e o orientador.
Esse procedimento de avaliação mútua seguia os seguintes
critérios: Acompanhamento dos(as) residentes pelo(a)
Preceptor(a); planejamento coletivo das ações a serem
realizadas na escola-campo envolvendo Preceptor (a) e
residentes; atuação do(a) seu/sua Preceptor(a); Conhecimento
da disciplina (o/a Preceptor/a demonstra estar preparado/a?);
interesse e disponibilidade no atendimento ao(a) residente
durante a semana na escola-campo; assiduidade e pontualidade
quanto ao horário de entrada e saída em nas atividades
previstas com os(as) residentes; participação nos estudos
pedagógicos realizados no Campus da UFMA.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os residentes de química foram orientados e


acompanhados em todas as etapas, desde os momentos de
inserção, ambientação e regência bem como nos momentos de
avaliações e intervenções, pelo preceptor na escola-campo, e
na UFMA pelo coordenador. Inseridos na temática e
problemática dos conteúdos para o ensino médio, do 1º ao 3º
ano, os residentes exercitaram de forma ativa e criativa,
articulados com o preceptor(a), de modo a desenvolver
habilidades e competências para uma prática pedagógica
transformadora.
Nos encontros regulares obrigatórios foram debatidos
os principais problemas encontrados na escola-campo, com o
preceptor e com os alunos sobre a metodologia a ser
empregada. Na universidade ocorreram reuniões mensais com o

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orientador, residentes e algumas vezes em conjunto com os
preceptores para apresentação e avaliação das atividades
desenvolvidas na escola-campo.
Os documentos oficiais debatidos na UFMA, e
discutidos posteriormente entre residentes e preceptores, que
orientam e disciplinam a escolarização nacional, conceitos
relativos aos conteúdos que foram tratados nas escolas-campo,
de modo a assegurar consistência e correção nas abordagens,
favorecendo a percepção de pontos centrais, modelos, teorias
e leis, os quais facilitaram o estudo. Pode-se citar como
exemplo o conteúdo abordado a “Distribuição de elétrons nos
subníveis”.
Os alunos estavam tendo dificuldades de entender o
conteúdo, e para sanara estas dúvidas os residentes
propuseram o emprego de um jogo para entendimento de forma
lúdica da distribuição eletrônica. Assim, foi construído
pelos residentes e aplicado aos alunos o diagrama de Linus
Paulin para entendimento da distribuição eletrônica a partir
de bolinhas construídas com massa de modelar (elétrons) e o
copinhos para café (subníveis) e cartas, confeccionadas com
cartolinas, para repensar os níveis de energia. Desta forma
os alunos entenderam com facilidade a construção do diagrama
de Linus Pauling, bem com a ideia de níveis e subníveis de
energia e o conceito orbital. Muitos experimentos, empregando
principalmente materiais alternativos, foram feitos com o
objetivo de promover uma melhor aprendizagem [7].

A Inserção e ambientação dos residentes no espaço físico


escolar

A inserção e a ambientação constituíram uma etapa de


integração com a rotina escolar e contato presente com os
alunos e o preceptor. Nesta fase o conhecimento das

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instalações da escola, tais como biblioteca, laboratórios,
diretoria, secretaria, as reuniões com a direção escolar e os
primeiros contatos com os alunos constituíram um momento
necessário para que se fizesse um levantamento da realidade
escolar, e posteriormente o plano de trabalho de cada aluno.
Na primeira reunião mensal um residente fez uma declaração
sobre este primeiro momento
O meu olhar para escola era como aluno. Agora voltei
para escola com o olhar de futuro professor. Neste
período de ambientação e conhecimento escolar foi
bastante proveitoso, pois pude conhecer um pouco da
organização, da sua estrutura, bem como pude conhecer
os funcionários, e o preceptor. Ele também nos
apresentou aos alunos das turmas, aos quais ele
ministraria as suas aulas e tivemos total liberdade
para realizar nossas observações e desenvolver
atividades iniciais.

As primeiras atividades de acompanhamento do


professor em sala de aula, preceptor, também foram bastantes
comentadas tais como: o planejamento anual da escola onde
todos os residentes foram apresentados à direção escolar, e
houve um comprometimento da administração escolar em apoiar
as atividades desenvolvidas pelo Programa Residência
Pedagógica da UFMA cada escola-campo.
Este compromisso foi mantido até o término do edital
deste Programa nas escolas-campo em que o subprojeto de
química atuou. Ainda nesta fase de ambientação e conhecimento
da realidade escolar os residentes puderam observar o
comportamento do preceptor e dos demais professores da
escola-campo. Em uma reunião mensal um residente faz uma
declaração sobre o comentário de um professor, durante o
intervalo na sala dos professores:

Só sei que não quero ser como aquele professor. Ele


disse que os alunos não querem aprender mesmo, e que
já fez a sua parte que foi dar sua aula. Talvez este
professor esqueceu dos seus alunos, e de ensiná-los de
maneira contextualizada e apenas repassa o conteúdo
como aprendeu

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Regência

A regência propicia ao residente observação,


pesquisa, planejamento, execução e avaliação [8]. Foi nesta
etapa que os residentes do subprojeto de química perceberam o
significado do ser professor, e se colocaram como
instigadores da reflexão dos seus alunos para que estes sejam
agentes de transformação de uma sociedade consciente dos seus
direitos e deveres, justa e fraterna.
Os residentes elaboraram seus planos de aula e
ministraram conteúdos sob acompanhamento do preceptor(a), os
residentes desenvolveram tarefas inerentes a atividade
cotidiana de professor tais como preencher diário de classe,
participar das reuniões periódicas do planejamento escolar, e
o convívio com os professores de outras áreas durante o
intervalo, na sala dos professores foram relatos sempre
positivos como momentos de aprendizado comentado pelos
residentes nas reuniões mensais.
Empregou-se a sequência didática como meio
facilitador do aprendizado dos alunos, os quais perceberam um
início meio e fim dentro de um conjunto de ações, como
questionário, jogos, e até uma maquete foi elaborado para
alguns modelos atômicos e a distribuição eletrônica. Houve a
intervenção dos residentes para melhorar o entendimento dos
alunos sobre o tema [7].
[...] a formação de professores não envolve só teoria,
mas tem a necessidade de uma experiência na prática,
pois é com a prática que se tem um aprimoramento.
Afinal, uma boa formação docente necessita de uma
relação afinada entre o conhecimento teórico e o
conhecimento prático, pois é só através dessa formação
composta por esses dois prismas que o professor
consegue tornar-se habilitado para atuar em sala.

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As aulas experimentais são maneiras participativas,
as quais envolvem os alunos, e que constituem estratégias de
ensino que pode contribuir para melhoria na aprendizagem de
química. Assim, estas atividades facilitam a compreensão do
conteúdo, e tornam as aulas teóricas mais fáceis de
compreensão. Promover a interação da escola como um todo,
buscando associar teoria e prática, este é o desafio dos
alunos aprenderem química.

Monitoria

A monitoria foi uma atividade marcante porque esta


foi a primeira aproximação com os alunos, e constituiu uma
ajuda mútua primeiro para os alunos porque sanavam suas
dúvidas geradas em sala de aula que muitas vezes por timidez
não perguntam ao professor, mas recorriam aos residentes.
Para os residentes porque esta atividade trouxe aproximação
maior com os alunos, e permitiu que os licenciandos se
sentissem mais à vontade para trabalhar a fase de regência.
Posteriormente a atividade de monitoria ganhou um significado
maior para as turmas do 3º ano do ensino médio, a qual foi
voltada para o ENEM. O aprendizado dos residentes ocorre
dentro e fora da sala de aula, e a presença deles nas escolas
mudam inicialmente eles mesmos, em seguida os alunos,
preceptores, e depois contagia a todo ambiente escolar.
Algumas atividades da residência foram desenvolvidas
na escola, mas em condição extra sala de aula. Dentre elas
podemos citar:
a) Reunião dos residentes com preceptor(a) sobre
definições das ações na escola;
b) Reuniões da direção escolar, e de planejamento
assistidas pelos residentes;

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c) Reativação do Laboratório de Ciências da Escola
(inserir novamente os alunos no contexto experimental da
Química, visto que o laboratório se encontrava fechado.

Atividade extraclasse e interdisciplinar:

Um dos residentes descreveu no seu relatório final


Um dos grandes desafios que o professor de Química
enfrenta atualmente é tornar esta matéria atrativa
para os alunos, pois os métodos de ensino tradicionais
não despertam interesse algum neles. Com base nisso
tivemos que propor maneiras diferentes que levasse os
alunos à participação.

a) Projeto “Fabrica de sonhos” da Escola Gonçalves


Dias ocorrido em 2019. Na ocasião foram realizados diversos
experimentos, jogos, oficinas, dentre outras atividades. Além
desta atividade foi realizada uma oficina de produção de
sabão. Nesta oficina os alunos da escola-campo descreviam as
reações que ocorriam em cada etapa do produto.
b) Debates em sala de aula sobre a consciência
ambiental com enfoque sobre o uso do amianto. Os residentes
faziam o papel de mediador das discussões, os alunos se
dividiam em grupos a favor e contra. Momento com participação
acalorada;
c) Participação no projeto da Escola Sotero dos Reis
denominado #MobilizaENEM - a participação se baseia em
incentivar os alunos a prestarem o exame, através de
palestras e seminários, bem como ministrar os chamados
“aulões” de revisão e resolução de Questões anteriores do
Exame. Esta mesma atividade ocorreu nas demais escolas-campo;
d) Realização da “Experimentoteca” - Tratou-se de uma
atividade dentro da feira de ciências em que os alunos da
escola-campo apresentam para comunidade escolar. Uma maneira

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de agora reforçar o que eles aprenderam em sala de aula e/ou
laboratório;

Socialização dos resultados

A Socialização dos resultados e experiências


pedagógicas ocorreram em diversos momentos:
I. Reuniões mensais para apresentação das atividades
desenvolvidas na escola-campo. Estas reuniões ocorreram no
ambiente da UFMA;
II. A apresentação de trabalhos em congressos tais
como:
a) IV Escola de Química de 11-13/11/2019.
b) Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) São
Luís - MA - 22 a 25 de outubro de 2019 2019;
c) Feira das Profissões do CCET novembro/2019
d) SEMID. 04-06/12/2019
III. Realização de feiras de ciências para toda
comunidade escolar, em todas escolas-campo. Nestas os
residentes prepararam os alunos para que estes apresentassem
os trabalhos para o público;

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A julgar pelas avaliações e discussões periódicas


ocorridas no âmbito do o subprojeto de química do campus “Dom
Delgado” o programa residência pedagógica proporcionou aos
residentes de química uma oportunidade de vivenciar o
ambiente escolar em todos os seus momentos: no convívio com
os alunos e preceptores, reuniões de planejamento escolar,
conselho de classe, dentre outros.
Além disso, a inserção dos licenciandos de química
permitiu que eles criassem vínculos com seus alunos

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possibilitando-os uma vivência real do papel de ser
professor. A presença dos residentes nas escolas mudou
inicialmente eles mesmos na forma de pensar a educação como
meio transformador.

REFERÊNCIAS

1. BERMÚDEZ, Ana Carla. Brasil cai em ranking mundial de


ciências e matemática e empaca em leitura. Disponível em:
https://educacao.uol.com.br/noticias/2019/12/03/brasil-cai-
em-ranking-mundial-de-ciencias-e-matematica-e-empaca-em-
leitura.htm?cmpid=copiaecola&cmpid=copiaecola. Acesso em:3
ago.2020.

2. FARIA, B. Juliana; Diniz-PEREIRA, Júlio E. Residência


pedagógica: afinal, o que é isso? Revista Educação Pública.
Cuiabá, v. 28, n. 68, p. 333-356, 2019.

3.A ESCOLA Digna (de) Sotero dos Reis. Disponível em:


https://www.educacao.ma.gov.br/a-escola-digna-de-sotero-dos-
reis/. Acesso em: 3 ago.2020.

4. ESCOLA ESTADUAL De Tempo Integral Glaucio Gonçalves.


Disponível em:
[https://www.melhorescola.com.br/escola/publica/centro-
educacional-de-tempo-integral-ceti-deputado-glaucio-goncalve
. Acesso em: 3 ago. 2020.

5.ESCOLA BENEDITO LEITE. Disponível em:


https://www.google.com/search?q=escola+digna+CENTRO+DE+ENSINO
+BENEDITO+LEITE&oq=escola+&aqs=chrome.0.69i59j69i57j69i59l2j6
9i60l2j69i61.7054j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
Acesso em: 3 ago.2020.

6. LIMA, Joacir, B., MARCIEL, Adeilton, P. Experimentos de


Química com materiais alternativos para a educação Básica.
São Luís:Edufma, 2011.

7. LIMA, Donizete F. A Importância Da Sequência Didática Como


Metodologia No Ensino Da Disciplina De Física Moderna No
Ensino Médio. Revista Triangular. v. 11, p151-162. jan./abr.
2018.

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120
8. SCALABRIN, I. C.; MOLINARI, A. M. C. A importância da
prática do estágio supervisionado nas licenciaturas. Revista
UNAR, São Paulo, v.7, n.1,2013.

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA LEITURA E NA
ESCRITA: um estudo de caso com alunos do programa
residência pedagógica da escola São Luís – Codó-Ma

Deusilene Costa Teixeira


Aziel Alves de Arruda

INTRODUÇÃO

O insucesso escolar vem sendo, por muitos anos,


objeto de estudo de vários pesquisadores que buscam
identificar fatores que condicionam as dificuldades de
aprendizagem de um indivíduo.
Nesse sentido, as capacidades de aprender de alunos
que apresentam dificuldades de aprendizado, a depender dos
fatores, podem ser comprometidas por questão que são da
escola e as que estão fora dela. Essas causas marcam de
maneira negativa a relação que esses indivíduos têm com a
escola. Em muitos dos casos, acabam desistindo de estudar por
perceber que não “conseguem” desenvolver algumas tarefas que
vê os colegas de turma desempenhando.
Em virtude disso, muitos estudiosos acreditam que
são várias causas que interferem no processo de escolarização
que acabam por contribuir para o analfabetismo ou para o não
aprendizado satisfatório. Nesta pesquisa, considerando os
vários fatores que colaboram para o não aprendizado adequado
na escola, optamos por elencar, o papel da família, da escola
e do professor, a fim de averiguar desde fatores externos à
escola - que incluem questões socioeconômicas – até fatores
que são próprias da prática escolar.
Desse modo, pressupomos que o aluno estando com fome,
ou passando por problemas de ordem financeira, pode

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apresentar uma grande possibilidade de não obter êxito na
aprendizagem, do mesmo modo se ele assiste aulas com um
professor sem objetivo educativo ou uma escola sem a
estrutura mínima necessário para o fazer pedagógico.
Sendo assim, é importante lembrar que não se deve
atribuir como único problema que leva a criança a não
desenvolver habilidades como leitura e escrita o de natureza
estritamente econômica, ou seja, quando a família vive em
situações socialmente desfavorecidas, mas também acontece em
situações de privilégios, sobretudo quando não há o incentivo
da família. Desse modo, em diversas circunstâncias o aprender
também fica comprometido, pois, além dos problemas
financeiros e de saúde a falta de estímulo por parte dos
responsáveis, podem também ser entraves para o aprendizado,
podendo ocasionar em um déficit no desenvolvimento do
educando.
Por outro lado, a família quando assume um papel de
empenho com acompanhamento das atividades escolares esse
aluno terá muito mais chance de ter sucesso na vida escolar.
Para Zuanetti et al, (2016), a linguagem escrita só
desenvolve quando existe uma imersão da criança no mundo
letrado, quando possui uma aproximação dessa criança com
livros e histórias por meio de seus pais ou da escola. Desse
modo, a relação entre aprender a ler e a escrever de modo
adequado é quase diretamente proporcional à participação dos
atores responsáveis pela criança.
Do mesmo modo, buscamos também apontar os fatores
internos da escola, tendo em vista que a escola tem como
principal o papel de possibilitar meios para que esse aluno
aprenda, pois a escola é uma instituição que deve manter o
cuidado de trabalhar com planos e projetos que levam para um
melhoramento das abordagens de alfabetização e de outros
temas do aprendizado infantil e inicial, objetivando o

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preparo dos professores para utilizar metodologias que levem
em consideração as diferentes realidades e indivíduos com
suas especificidades e com seu tempo de aprender. Não resta
dúvidas de que uma escola que considera esses aspectos tem
maiores possibilidades de apresentar um bom resultado do que
uma que dispensa esse tipo de análise.
Sendo assim, este estudo se justifica pela
necessidade de averiguar a maneira com que a escola aborda as
práticas que levam ao aprendizado da leitura e da escrita,
bem como compreender a importância que a família dá ao
processo de escolarização e, com isso, buscar as causas que
levam o alto índice de alunos com dificuldades no que se
refere à aquisição da leitura e da escrita nas escolas.

AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA LEITURA E NA ESCRITA:


algumas considerações

Pretende-se, com este capítulo, trazer o ponto de


vista de alguns estudiosos acerca das dificuldades de
aprendizado de leitura e de escrita apresentadas por alunos
dos anos iniciais do ensino fundamental da rede pública.
Também serão destacadas algumas das possíveis causas que
fazem com que essas dificuldades se tornam algo tão comum em
escolas inseridas em regiões desfavorecidas, destacando ainda
algumas medidas que procuram resolver no sistema educacional
brasileiro essas problemáticas.

Perspectivas teóricas acerca das dificuldades em aprender a


ler e escrever

A educação brasileira vem sendo, por muitos anos,


interesse de vários estudos voltados para as áreas da
psicologia, sociologia e pedagogia, por julgarem como um

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direito social, considerando-a como um instrumento
fundamental para uma emancipação sociopolítica. Pois, para
esses estudiosos um país que apresenta grande número de
analfabetismo é um país que aprisiona perspectivas, e que
somente por meio do conhecimento, o indivíduo possa ascender
enquanto cidadão crítico sendo capaz de questionar seus
direitos.
Desse modo, procurando superar as defasagens
educacionais que culminavam em uma grande massa de
analfabetos no país, fazem-se necessárias várias pesquisas,
que posteriormente tornaram-se em lutas que cobram a
obrigatoriedade no ensino, sua democratização e sobretudo que
seja gratuito, para que haja o aumento do acesso nas escolas
e que principalmente fosse ofertada uma educação de qualidade
para todos, pois a grande maioria da população brasileira
passou por muito tempo sem o direito de frequentar a escola.
Em vista disso, é conhecido que a problemática
envolvendo questões sociais e a educação não é algo tão
recente, pois não é de hoje que estamos enfrentando falhas no
ensino decorrentes das várias causas sociais e que têm feito
com que muitos tenham desistido do processo de aprendizagem
e, por consequência, abandonam a escola.
Durante esse processo de cobranças, que tem como
finalidade reivindicar para a população pobre um ensino
escolar de boa qualidade, o processo educacional vai passando
por algumas transformações.
Cagliari e Giovani (2015 p.22) frisam que “Lourenço
Filho (1897-1970) que era um psicólogo encontrou a escola com
os altos índices de reprovação na primeira série”. Os autores
ainda afirmam que, no intuito de reverter esse quadro o
psicólogo demitiu um grande número de professores que atuavam
na alfabetização, já que esses professores foram considerados
de não possuir uma boa preparação para atuarem na atividade

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escolar, e com finalidade de combater esses fracassos
escolares começa a se pensar em propostas nas quais, viraram
alvos de pesquisas para combater as reprovações.
Diante disto, vemos que problemas no sistema
educacional brasileiro sempre foram uma realidade recorrente
e precisam ser revistos para que possamos ter uma situação
melhor, com isso precisasse tentar entender esses obstáculos
para assim procurar maneiras que possam diminuir casos de
analfabetismo nas escolas públicas.
Contudo, o que pretendemos com este estudo é trazer o
foco para as dificuldades de aprendizagens culminadas pelos
fatores externos da criança, ou seja, fatores pertencentes o
seu convívio e que de certo modo estão dificultando para que
esse aluno alcance aquisição da capacidade de ler e de
escrever, mesmo estando no 4º e 5º ano do ensino fundamental,
uma vez que, não procuramos levantar uma abordagem no que se
refere aos fatores físicos e cognitivos, que também
apresentam uma ligação diretamente no processo de
aprendizagem e sim, trazer reflexões acerca dos fatores
ambientais que podem interferir negativamente no
desenvolvimento escolar desse educando.

Família e escola parceria para o desenvolvimento

É importante frisar que não basta apenas sancionar


leis, apostar em propostas inovadoras, que visam uma melhoria
para o ensino brasileiro, na finalidade de sanar com os
problemas educacionais do país, se não tiver uma pesquisa
mais avançada nos agentes motivadores do insucesso, uma vez
sabemos que muitas mazelas no sistema de ensino são causadas
por uma série de fatores responsáveis por esse quadro, mas
que, na verdade, não são muitos levados em considerações,
pois a maneira com que essas dificuldades são vistas é o que

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pode ou não ocasionar vários problemas no âmbito escolar.
Desse modo, precisa- se de um olhar de responsabilidade para
esse agravante, já que as dificuldades possuem um potencial
de transformar de maneira negativa o processo de ensino e
aprendizagem.
Assim, se houver uma ação em conjunto voltada para
esse problema, muda-se positivamente a realidade das escolas
públicas e da comunidade que depende de seu ensino. De acordo
com Meneghetti e Souza (2015), ao refletir acerca das
dificuldades, é possível perceber que a escola não consegue
sozinha acabar com esse problema, pois é fundamental que
todos, família, escola e comunidade, estabeleçam um
compromisso de responsabilidade.
Desse modo, focamos no entendimento de que se a
escola e a família não tiverem um real compromisso em
realizar as contribuições que lhes são atribuídas em prol de
garantir uma melhor aprendizagem do aluno, há grandes
possibilidade em se pensar em possíveis falhas. Isto é, sem
as motivações dos familiares nada trará muitos efeitos, pois
é, sem dúvidas, que com a participação da família na vida
escolar, em comunhão com os objetivos da escola, existe uma
grande chance de obtenção de resultados significativos.
Sobre isso, Souza (2009, p.15) afirma que:
É indispensável a participação da família na vida
escolar dos filhos, pois crianças que percebem que
seus pais e/ou responsáveis estão acompanhando de
perto tudo o que está acontecendo, que estão
verificando o rendimento escolar – perguntando como
foram as aulas, questionando as tarefas etc. – tendem
a se sentir mais segura e, em consequência dessas
atitudes por parte da família, apresentam melhor
desempenho nas atividades escolares.

Ainda de acordo com Souza (2009), é visto que sempre


procuremos pôr em foco a participação da família no ensino,
como um dos principais instrumentos para que o educando
consiga êxito na escolarização. Por outro lado, a sua omissão

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pode ocasionar seu insucesso. Levando para o entendimento de
que a família precisa compreender que quando a criança
apresenta dificuldades de aprendizagens, o acompanhamento
desse aluno deve se fazer mais cauteloso, assim, aumentando o
papel na participação em sua vida escolar, já que, nesses
casos, um acompanhamento familiar é fundamental para quebrar
barreiras que impedem a aprendizagem.
É sabido que, a primeira relação social que criança
convive é com sua família, sendo de grande responsabilidade o
papel que ela desempenha para que seu filho venha ter uma boa
convivência sócio afetiva, na medida em que for sendo
inserido na sociedade. E, segundo Pimentel (2016), é
obrigação dos pais participarem ativamente na vida de seu
filho, sobretudo a vida escolar. Traçar um diálogo com a
escola pode ajudá-los (família e a escola) a identificar
alguns problemas e mudanças de atitudes que podem afetar o
desenvolvimento escolar do educando.
Nesse sentido, é importante lembrar o que nos garante
a Constituição Federal (CF) de 1988, em seu artigo 205.
A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. (BRASIL,1988)

Logo, é bem notório os atores destacados pela lei


para quem são dirigidas as responsabilidades acerca do ensino
do educando. E sobre as responsabilidades que compete a
família, Souza (2009, p. 8) destaca que:
É importante que a família esteja engajada no processo
ensino- aprendizagem. Isto tende a favorecer o
desempenho escolar, visto que o convívio da criança
com a família é muito maior do que o convívio com a
escola. Na 5ª série isto se torna ainda mais
necessário, pois, o processo de transição pelo qual a
criança passa ao sair da 4ª série, pode causar
dificuldades no desempenho escolar.

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Desse modo, a família tem a obrigatoriedade de
orientar a criança sobre como é o espaço da escola,
preparando-a para essa nova realidade. Deve mostrar o quanto
que esse convívio escolar é importante para o seu
desenvolvimento e, com isso, propiciar o despertar o
interesse e encorajar ela em todas as etapas com que essa
criança venha passar dentro do âmbito escolar, o que possa,
com isso, deixar esse processo bem mais prazeroso em vez de
estressante.
Nesse sentido, o interesse da criança se dá mediante
a motivação que lhe é apresentada pelos adultos e, portanto,
é fundamental que os responsáveis saibam demostrar confiança
no que a criança produz, a ponto de ela perceber que é capaz
de aprender e de realizar determinadas tarefas. Por esse
motivo, temos o entendimento de que a família tem uma
influência bastante significativa na aprendizagem, sobretudo
quando a sua participação direciona positivamente.
Assim, o diálogo entre a escola e a família deve ser
contínuo, sobretudo para que a família também possa
participar desse novo mundo da criança. Dessa forma,
[...] é dever da administração da escola continuar a
incentivar e a apoiar todas as formas de participação
activa dos pais, quer organizados, quer
individualmente, num quadro de proximidade e de
transparência que reduza a burocracia e se revele, ou
venha a revelar, profícuo para o bom funcionamento da
escola. (GOUVEIA, 2009, p.96).

Com isso, percebemos o quanto a escola possui o


poder, em transformar para uma realidade para bem melhor para
àqueles que nela estão inseridos e que tanto precisa de seu
amparo. A escola precisa oferecer mais espaço para que a
família se faça presente no cotidiano escolar, bem como a
escola precisa exigir bem mais essa participação.

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CONTEXTO EDUCACIONAL DE UMA POPULAÇÃO SOCIALMENTE
DESFAVORECIDA

Até aqui, já sabemos que uma grande parte das escolas


públicas brasileiras apresentam um componente bastante comum
denominado, na década de 60 e ainda hoje, como dificuldades
de aprendizagem, que atualmente estão bastante em debates por
aqueles que possuem uma certa preocupação com os estudantes
do país, sobretudo por aqueles que vivem em situações de
vulnerabilidade.
Sobre esse aspecto, Arelaro (2005, p. 1.060) comenta
que
Em geral, esses pesquisadores se somam aos esforços
dos estudiosos do direito a educação, para demonstrar
que são os historicamente marginalizados – os negros,
as mulheres e os pobres que permanecem a margem do
sistema educacional e que têm o pior desempenho
escolar, toda vez que se procura aferir a qualidade
ofertada.

Além desses estudos em busca de um ensino de


qualidade, a educação ainda dispõe da globalização como
aliada, que com o advento das tecnologias resulta numa grande
massa de informação, bem como temos como base para que se
tenha uma melhoria das práticas em sala de aula, estudos
voltados para as novas propostas de ensino que foram muito
discutidas no século passado pelo movimento da escola nova
que buscavam reconstruir a educação pública.
Porém, mesmo com esses avanços as escolas públicas
brasileiras ainda apresentam um quadro alarmante de alunos
que manifestam dificuldades de aprender o básico, que é o ler
e o escrever, e quando trazemos essas questões para a
realidades de cidades pequenas do interior onde uma grande
parte de sua população é marginalizada, a situações sofre um
agravante.

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Gomes, (2004) comenta que o peso que o fator
sociocultural possui para o desenvolvimento do indivíduo, e
ressalta abordagem handicap (déficit) sociocultural, ou da
deficiência sociocultural, na qual defende que o meio
sociocultural-familiar é o grande responsável pelas
dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita.
Nesse sentido, buscamos com esse tópico destacar a
dimensão dos entraves educacionais em uma região socialmente
desfavorecida, nas quais as tecnologias não chegaram na sala
de aula focando no fator sociopolítico e nos problemas
sofridos pelas escolas que estão situadas na camada populares
de uma sociedade onde as desigualdades são gritantes que
chegam de um extremo ao outro, onde uns possuem a cidade como
donos em patrimônios e poder e outros sem ter o que jantar.
Uma sociedade injustamente organizada, em que as
pessoas são tratadas de forma desigual¬ – uns poucos
privilegiados vivendo à custa da maioria de
trabalhadores e desempregados, uns poucos ganhando num
mês o que a maioria leva anos para ganhar, só pode ter
consequências negativas e prejudiciais à formação do
ser humano(PILETTI, 2006, p.194).

Desse modo, é preciso que o setor público fique mais


atento para essa população carente, implementando políticas
voltadas que viabilize a universalização do ensino mediante a
uma boa alfabetização, oportunizando-os a serem participantes
atuantes na sociedade, pois a leitura é um caminho para a
democratização de uma sociedade. Soares, (2014) afirma que, a
possibilidade do ler e escrever, e sobretudo ir além com o
uso dessa leitura e escrita, faz com o indivíduo, venha
pertencer outra condição, seja ela cultural, social,
linguística cognitiva dentre outras.
E qual a posição da escola quanto a esses problemas
socioeconômico em que o educando está inserido? A escola
costuma ficar atentar as situações precárias apresentadas por
seus alunos?

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É quase que certo, em todos os casos em que se faz
essa indagação sobre o papel da escola no contexto social do
aluno, as respostas que são dadas pelos educadores, fica bem
claro que eles possuem o interesse e o intuito de que
mediante as suas funções aproximar o ensino para a
realidade, buscando compreender as dificuldades econômicas em
que seu aluno é submetido, fazendo empenho para tornar a suas
atividades inclusivas, destacando uma “preocupação” com os
que de fato são socialmente exclusos.
Nesse sentido a escola é muito mais importante para as
camadas populares que para as classes privilegiadas.
Para estas, ela tem, sobretudo a função de legitimar
privilégios já garantidos pela a origem de classe;
para as camadas populares, a escola é a instancia em
que podem ser adquiridos os instrumentos necessários à
luta contra a desigual distribuição desses privilégios
(SOARES, 2017, p.114).

A autora ainda sugere o que a escola deve fazer para


vitalizar adequadamente a sua direção, para que se empregue
meios progressistas em prol de um comprometimento em lutar
contra as desigualdades, garantindo assim as classes menos
favorecidas, a aquisição de conhecimento, com habilidades que
são fundamentais para uma melhor participação em sociedade em
mudanças.
Portanto, é preciso o enfoque na criança que está
inserida em um contexto social desfavorecido, pois é fato que
os grandes índices de analfabetismo ocorrem em famílias que
vivem realidade de pobreza, pertencentes a uma
contextualização bastante carente, onde são enorme as
desigualdades e que essas situações socioeconômicas acabam
que influenciando dificultosamente na aprendizagem, e uma das
maneira de solucionar esses problemas dentro da escola, é que
a própria escola leve para o conhecimento dos governantes
tais situações para que assim a o ensino da criança possa
ser visto com prioridade.

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PERCURSO METODOLÓGICO

O objetivo principal deste trabalho foi estudar


fatores que pudessem contribuir para identificar as
dificuldades de aprendizagem na leitura e na escrita que têm
sido apresentadas pelos alunos da escola municipal São Luís.
Os alunos investigados neste trabalho são participantes do
programa Residência Pedagógica e que, mesmo estando no 4º e
5º ano, não apresentavam um bom desempenho com a leitura e
com a escrita na época da pesquisa.
Para tanto, foi necessário, em primeiro momento,
fazer observações das práticas de leitura e de escrita dentro
no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, das turmas
do matutino da escola pesquisada. Essas observações ocorreram
durante a nossa residência no Programa Residência Pedagógica
e durante o estágio, desenvolvidos na escola investigada.
Nesse sentido, essa pesquisa é classificada em
descritiva e exploratória, e, para obter uma melhor
fundamentação teórica acerca da temática estudada neste
trabalho, foi feita uma revisão bibliográfica, na qual traz a
concepções de alguns autores, dentre eles destacam-se Gomes
(2004), Gotijo (2008), Piletti (2006), Ferreiro (1996) e
Soares (1995, 2014, 2017). Esses autores trabalham com as
dificuldades de leitura e escrita, além do papel do contexto
social e escolar para o desenvolvimento de habilidades e
aprendizado.

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LEITURA E ESCRITA NA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: olhando fatores

Este item trata da compreensão do processo de ensino


e aprendizagem na escola pesquisa, por meio das falas dos
(as) professores (as) que lecionam nos anos iniciais, acerca
de suas práticas pedagógicas, buscando entender a visão
desses profissionais sobre desenvolvimento da leitura e
escrita em suas abordagens.
Da mesma maneira, procura entender como que esses
educadores enxergam esse problema tão marcante em seu âmbito
escolar, a fim de descobrir as possibilidades de intervenção
que almejam para reduzir essas dificuldades, que tanto
prejudica a auto confiança de seus alunos. Do mesmo modo, o
capítulo traz a concepção da família acerca das dificuldades
de aprendizagens, procurando por meio da visão dos
responsáveis por esses alunos, compreender a importância que
dão para um acompanhamento familiar nas práticas que envolvem
suas contribuições na vida escolar do educando.
Conforme já referido neste estudo, por virtude de uma
inquietação que surgiu após constatar o alto número de alunos
que apresentavam dificuldades na leitura e na escrita na
unidade escolar São Luís, em que foram observadas durante uma
participação enquanto residente bolsista, nasceram alguns
questionamentos do que poderia estar ocasionando esses
déficits no aprendizado desses alunos.
Diante disso, surge a necessidade de pesquisar alguns
dos possíveis aspectos que facilitam para que as dificuldades
de aprendizagens prevaleçam no âmbito escolar. Desse modo,
focamos em pesquisar em fatores externos, os ambientes nos
quais o aluno faz parte para que possamos descobrir onde se
encontram as prováveis falhas. Segundo Bossolan (2011, p.28):
“Os problemas sociais ou ambientais que podem estar

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relacionados às dificuldades de aprendizagem estão presentes
na grande maioria das vezes em casa ou na escola”.
Pensando nisso, foi averiguado, na literatura
pertinente, os aspectos das dificuldades de aprendizagem, no
que tange à leitura e à escrita, bem como foi elaborada uma
análise da organização das práticas para o desenvolvimento da
leitura e da escrita da escola São Luís, e a partir daí, ser
capaz de entender o processo de ensino e aprendizagem da
escola.
Do mesmo modo, foi analisada ações familiares desses
alunos, compreender o que de fato pensam a respeito dessas
dificuldades e de, que modo têm consciência dessas
dificuldades, bem como, importância que dão para a vida
escolar de seu filho, o que estão fazendo de fato para
auxiliar o trabalho docente e juntos serem capaz de reduzir
na escola pesquisada o número de alunos que não sabem ler e
escrever.

A visão do(a) professor(a) acerca das dificuldades do aluno e


das práticas para desenvolvimento na aquisição da leitura e
da escrita na Escola São Luís

É observado que, para que o aluno tenha êxito no


processo de ensino e aprendizagem, é preciso que as
abordagens pedagógicas utilizadas pelo professor sejam
interativas fazendo com que o aluno se sinta parte daquele
momento, não deixando de procurar meios que facilitem a
aprendizagem, pois o fracasso de um aluno pode ser reflexo de
um sistema deficiente de práticas inovadoras, o que resulta
em uma instituição de ensino com baixos índices na
aprendizagem do alunado.
Segundo Cagliari e Giovani, (2015 p.29):

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As notas avaliam não apenas o desempenho do aluno, mas
também a do professor. A reprovação de um aluno é
também a reprovação de um professor e da escola porque
essa situação deveria ter sido evitada.

Desse modo, são as práticas utilizadas por uma


instituição e pelo próprio professor, que levam tanto para
desenvolvimento quanto para as dificuldades encontradas no
processo educativo como um todo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo proporcionou analisar a influência


que os fatores externos/ambientais possuem no desenvolvimento
de habilidades de leitura e de escrita de um indivíduo, tendo
esses fatores o poder de ocasionar as dificuldades de
aprendizagem. O estudo permitiu averiguar ainda como o fator
socioeconômico interfere, de algum modo, no aprendizado de 5
alunos da escola São Luís, participantes do programa
Residência Pedagógica.
Observou-se que as dificuldades em aprender a ler e a
escrever foi algo expressivo no âmbito da escola São Luís,
uma vez que a maneira com que a escola aborda o processo de
alfabetização não estimulava a criança ao gosto do
aprendizado, muito menos despertava o interesse e a
curiosidade pelo novo, carecendo urgentemente de uma mudança
das abordagens adotadas. Desse modo, pretendemos, por meio da
pesquisa de campo e da entrevista realizadas com as famílias
e os professores desses alunos, obter elementos importantes
para a discussão do aprendizado dos alunos investigados,
objetivando, com isso, futuras redução do número de alunos
que apresentam as dificuldades encontradas.
Assim, considera-se que este estudo possa contribuir
para o melhoramento das abordagens dos professores em geral,

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sobretudo da rede município de ensino da cidade Codó, no
objetivo de desenvolver no aluno e de maneira não tardia
aquisição da leitura e da escrita. Do mesmo modo, levar para
entendimento das famílias que é fundamental sua participação
na escolarização do educando, pois com o incentivo familiar a
chance de o aluno desenvolver é bem maior.
Com os dados da pesquisa, foi possível perceber que
escola procura se mostrar eficiente destacando diversos
métodos e recursos que auxiliam para o desenvolvimento na
aquisição na leitura e na escrita do educando, com a
pretensão de mudança no quadro em que o ensino se encontra.
Segundo o relato dos professores, uma das grandes causas por
esse quadro é a falta de incentivo por parte das famílias;
por outro lado, no relato dos familiares dos alunos, foi
possível observar que eles afirmam que a escola não costuma
criar momentos para falar acerca das dificuldades
apresentadas pelos educandos.
Como já mencionado anteriormente, para que se possa
obter uma possível medida de intervenção, apostamos que a
escola deveria formular um momento com as famílias que trata
especificamente os fins que visam abordar cada alunos com
suas dificuldades, pautando em determinados problemas e não
apenas teimando em utilizar método ultrapassado de diálogo,
com o qual se tem uma sala com várias famílias ao mesmo tempo
que vão somente para assinar os boletins de notas. Com isso,
os assuntos que se referem ao alto índice de alunos em
situações de não conseguirem aprender a ler e escrever não é
muito debatido entre as partes que devem se juntar para
ajudar o educando a sair do quadro de analfabeto.
Somando ao impasse escola e família temos um fator
que agrava ainda mais na situação desses alunos: é notório
que o cenário financeiro dessas famílias é de penúria
financeira e a situação econômica em que se encontram

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dificulta muito para que possam ter acesso a materiais
adequados de leitura e de escrita que a grande maioria das
pessoas têm. Apesar de lutas e conquistas em busca de
assegurar à educação para à população pobre, visando uma
universalização no ensino, esse público não possui um total
garantia de seus direitos, pois são visíveis as fraturas no
sistema educacional, com escolas nitidamente marginalizadas
pelo poder público.
Hoje, cumpre lembrar, o direito a educação é de todos
independentes de classe, devemos isso aos movimentos sociais
pela educação, que lutaram e lutam por um ensino público e
sobretudo que seja de qualidade para todos. De acordo com
Soares (2017, p. 106),
O processo de democratização do ensino, respostas às
reivindicações das camadas populares por mais amplas
oportunidades educacionais, concretizou-se em
crescimento quantitativo e diversificação do alunado.

Sabendo da prerrogativa que a escola possui na vida


social do aluno, é nesse momento que ela deve mostrar-se
adepta em amenizar esses obstáculos, no intuito de
transformar positivamente o futuro desse público. Quanto a
isso, Soares (2017) aponta que, uma escola transformadora é
pois uma escola consciente de seu papel político na luta
contra as desigualdades sociais e econômicas, e que, por
isso, assume a função de proporcionar as camadas populares,
através de um ensino consciente, instrumentos que lhes
permitam conquistar mais amplas condições de participação
cultural e política e de reivindicação social.
Porém, o que é percebido na realidade vivida dentro
do muro escolar é que essas propostas que visam melhorar o
ensino não estão em sua maioria sendo de fato efetivadas,
pois é comum encontramos um grande número de escolas públicas
dos anos inicias que estão com métodos defasados, que são, em

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suma, ineficiente, pautados na memorização assim como o
déficit de aprendizado se torna recorrente ocasionando alunos
com insucesso escolar.
É certo que existem três protagonistas nesse processo
de escolarização no qual o educando estar envolvido, a
escola, a família e a sociedade em geral, e juntos são
elementos fundamentais na vida de uma criança. Porém, o que
se observa na realidade é que esses elementos da formação dos
alunos acabam optando em não trabalhar de maneira conjunta, e
cumprem com as partes que lhes são atribuídas na medida do
possível transferindo suas responsabilidades a outros.
Conclui-se, desse modo, que a escola precisa rever
seus métodos de ensino, principalmente levar em consideração
o meio em que o aluno estar inserido e a família precisa
tratar da educação dos seus como algo importante e necessário
para a sua preservação dentro da sociedade. Apesar dos
desencontros nas falas dos participantes da pesquisa, fica
entendido que, a família acredita mais na escola do que a
escola acredita na família. Por outro lado, a família precisa
posicionar-se ativamente no processo de escolarização,
carecendo manter um vínculo ativo com a escola, enquanto
parte da comunidade escolar, em paralelo, temos uma sociedade
desigual, que só acarreta falta de oportunidade para aqueles
que se encontram à margem dos seus direitos.

REFERÊNCIAS

ARELARO, Lisete Regina Gomes. O ensino fundamental no Brasil:


Avanços, perplexidade e tendências. Educ. Soc., v.26, n.92,
p.1039 – 1066, especial. out. 2005.

BOSSOLAN, Marília. Dificuldades de aprendizagem: levantamento


bibliográfico e análise de estudos na UNICAMP. São Paulo;
Campinas, 2011.

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CAGLIARI, Luiz Carlos; GIOVANI, Fabiana. Letras e textos. São
Paulo: Paulistana, 2015.

FERREIRO, Emília. Com todas as letras. São Paulo:Cortez,1996.

GOMES, Maria de Fátima Cardoso. Sucesso e Fracasso Escolar.


In: GOMES, Maria de Fátima Cardoso. Coleção Veredas: formação
superior de professes. Módulo 6, v. 3. Belo Horizonte:
SEE/MG, 2004.

MENEGHETTI, Ana Cláudia F; SOUZA, Fernanda. Dificuldade de


aprendizagem escola, família e comunidade como grandes
aliados e Formação do autoconceito. Disponível em:
http://www.uniedu.sed.sc.gov.br/wp-
content/uploads/2017/10/TCC-Ana-Claudia-Figueiredo-
Meneghetti.pdf . Acesso em: 23 jun. 2020.

PILETTI, Nelson. Psicologia Educacional. 17.ed. São


Paulo:Ática,2006.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros.3.ed. Belo


Horizonte: Ed. Autêntica, 2014.

SOARES, M. Língua escrita, sociedade e cultura. Revista


Brasileira de Educação, Belo Horizonte, p. 5-16, set./dez.
1995.

SOARES, M. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. 18.


ed. São Paulo: Ed, Contexto, 2017.

SOUZA, M. E. do P. Família/Escola: a importância dessa


relação no desempenho escolar. Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE). Paraná, 2009.

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PROGRAMA RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: experiências e
desafios na implementação do subprojeto do curso de
Licenciatura em Educação Física da Universidade
Federal Do Maranhão (UFMA)

Carina Helena Wasem Fraga


Francisca das Chagas Oliveira Elias
Lúcia Tereza Pinto Tugeiro
Luciana de Paula Silva

INTRODUÇÃO

O Programa Residência Pedagógica, proposto no Edital


CAPES 06/2018 e instituído pela Portaria nº 38 publicada em
28 de fevereiro de 2018, teve por objetivo apoiar
Instituições de Ensino Superior (IES) na implementação de
projetos inovadores que promovessem maior articulação entre
teoria e prática nos Cursos de Licenciatura, por meio da
parceria entre IES e as redes públicas de Educação Básica.
Outro importante objetivo do Programa explicitado em
seu Edital diz respeito à indução da reformulação dos
estágios supervisionados nos cursos de licenciatura, tendo
por base a experiência da residência pedagógica.
Adicionalmente, o Programa prevê, ainda, a promoção da
adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos
de formação inicial de professores da educação básica às
orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
No âmbito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA),
a chamada pública voltada à apresentação de propostas de
Subprojetos de Residência Pedagógica ocorreu por meio Edital
Nº 39/2018 PROEN-UFMA, publicado no dia 12 de março de 2018.
Dessa forma, o Programa Residência Pedagógica foi
implementado na UFMA em diversos Cursos de Licenciatura em

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seus diferentes Campi, dentre os quais incluiu o Curso de
Licenciatura em Educação Física do Campus de São Luís. Como
exigência do Edital, cada Subprojeto do Programa contou
obrigatoriamente com a participação de um Coordenador
Institucional (professor da IES), um docente orientador
(professor da IES), no mínimo três professores de Escolas da
rede pública de Educação Básica (denominados preceptores do
Programa), e, no mínimo, 24 discentes regularmente
matriculados nos Cursos de Licenciatura da IES que tivessem
cursado o mínimo de 50% do curso ou que estivessem cursando a
partir do 5º período (denominados residentes do Programa).
Como proposta, o projeto seria desenvolvido com a
contribuição das Secretarias de Educação, bem como com as
Pró-Reitorias de Ensino das IES. O Programa previa, ainda,
ações integradas entre a Universidade e as Escolas-Campo no
intuito de prover fomento não somente voltado à formação
inicial, como também atuar na perspectiva da formação
continuada de professores da educação básica, participantes
do Projeto.
O Programa, conforme previsto em seu Edital, foi
dividido em diferentes etapas: (1) preparação dos discentes
para o início das atividades da residência pedagógica e
formação de preceptores na IES; (2) ambientação do residente
na escola e elaboração do Plano de Atividade do residente;
(3) imersão dos residentes na escola contendo o mínimo de 100
horas de regência de classe; (4) produção do relatório final;
e, (5) avaliação e socialização dos resultados.
O presente capítulo tem por objetivo relatar a
experiência em suas diferentes etapas de implementação do
Subprojeto do Programa Residência Pedagógica no Curso de
Licenciatura em Educação Física da UFMA Campus de São Luís.
Para tanto, serão descritas as experiências na IES, bem como
em cada escola participante do Subprojeto, procurando

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evidenciar possibilidades e desafios vivenciados nesse
processo de implementação. Espera-se que esse texto possa,
mais do que evidenciar as dificuldades enfrentadas, auxiliar
na proposição de estratégias e suscitar reflexões que possam
viabilizar a implementação de novos Programas voltados à
formação inicial e continuada de professores.

ETAPAS INICIAIS DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DO SUBPROJETO

Primeiramente, torna-se importante relatar os


desafios da adequação da proposta às exigências do Edital
CAPES 06/2018 considerando as necessidades e especificidades
do Curso de Licenciatura em Educação Física da UFMA. Com a
publicação do Edital do Programa Residência Pedagógica,
surgem diversas inquietações, críticas e questionamentos por
parte da comunidade acadêmico-científica.
A imposição de normas e de uma estrutura rígida
estabelecida no Edital do Programa, acabaram por
desconsiderar, entre outros aspectos, as diversidades dos
Cursos de Licenciatura pelo Brasil, além das especificidades
de cada área de formação. Isso fica evidente quando
observamos as notas das entidades em relação à Residência
Pedagógica, na manifestação das entidades educacionais sobre
a política de formação de professores anunciada pelo MEC.
A política de formação de professores definida de
forma impositiva pelo Ministério da Educação, sem
diálogo com as IES, com as entidades representativas
dos diversos segmentos dos profissionais da educação
básica e com os professores/as, representa mais um
grave retrocesso para a efetivação de um Sistema
Nacional de Educação e do Plano Nacional de Educação
que leve em consideração a necessária articulação
entre a formação inicial, formação continuada e
condições de trabalho, salário e carreira dos
profissionais da educação (Nota das Entidades, 2017).

Adicionalmente, o edital do programa tem como um dos


seus objetivos a adequação dos currículos e propostas

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pedagógicas dos cursos às orientações da BNCC, a qual se
apresenta, sobretudo em sua terceira versão, pautada no
desenvolvimento de competências e habilidades essenciais.
Considerando a natureza e especificidade do campo de
atuação do Curso de Licenciatura em Educação Física, que tem
como objeto de conhecimento a cultura corporal de movimento,
é importante que essas orientações não sejam direcionadas ao
desenvolvimento de habilidades técnicas desprovidas de
significado, que nos conduziriam ao neotecnicismo, com
práticas instrumentalizadas e padronizadoras. Torna-se
fundamental combatermos a proposta formativa de professores
que seja aligeirada, fragmentada e desprovida de sentido
pedagógico.
Nesse sentido, a BNCC não pode ser meramente um
instrumento de produção de práticas, voltada à formação
tecnicista e de pragmatismo utilitário (SILVA; CRUZ, 2018). A
BNCC precisa ser compreendida como um elemento de formação
básica em uma perspectiva crítica, analítica e propositiva, e
não apenas considerando a lógica de profissionalização de
maneira restrita do “saber fazer”, considerando que: “Ninguém
nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz
educador, a gente se forma, como educador, permanentemente,
na prática e na reflexão da prática” (FREIRE, 1991, p. 58).
Dessa forma, a atuação docente precisa estar
associada ao fortalecimento de uma práxis emancipadora,
direcionadas ao desenvolvimento de um projeto ético-político
que seja pautado em interesses coletivos (SILVA; CRUZ, 2018
p.?). Caso as orientações contidas na BNCC não sejam
implementadas com adequada problematização e criticidade,
perde-se, no campo específico da Educação Física, a
compreensão sobre o papel da diversificação e a ampliação da
cultura corporal de movimento para formação de cidadãos
críticos e agentes de transformação social.

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Por isso é que, na formação permanente dos
professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica
sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou
de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio
discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser
de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O
seu “distanciamento epistemológico” da prática enquanto
objeto de sua análise deve dela “aproximá-lo” ao máximo
(FREIRE, 2011, p.40).
Contudo, sabemos que a incorporação de propostas
pedagógicas progressistas, especificamente no campo da
Educação Física, se depara com desafios de diversas origens,
que vão desde a forma como tais práticas possam ser
implementadas ao cotidiano escolar, até questões mais
teóricas que dizem respeito às suas bases epistemológicas
(BRACHT, 1999).
É nesse sentido que centramos nossos esforços para
que o Subprojeto de Educação Física na UFMA fosse
implementado sob a ótica propositiva, em uma perspectiva de
criação de uma política crítica emancipadora, a partir da
qual os participantes em distintos níveis de atuação se
tornem agentes capazes de compreender a realidade em que se
encontram inseridos e, por isso, sejam capazes de modifica-
la. Nesse intuito, teoria e prática podem e devem ser
compreendidas como uma unidade, a partir da qual se
estabelece a intrínseca relação entre o processo de formação
inicial e de formação continuada.
Para tanto, o desenvolvimento das competências
previstas na BNCC, precisam ser compreendidas em uma
perspectiva mais ampla, de construção coletiva em dimensões
científicas, formativas e socioculturais. É imprescindível a
reflexão permanente sobre ação e na ação, para que nela não
seja preconizada uma perspectiva pragmática de formação

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docente a qual, de alguma forma, possa se desvincular da
formação emancipadora do docente (SILVA; CRUZ, 2018, p.?).

EXPERIÊNCIA DE IMPLEMENTAÇÃO DO SUBPROJETO NO CURSO DE


LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA DA UFMA

O Subprojeto do Programa Residência Pedagógica no


Curso de Licenciatura em Educação Física da UFMA, Campus São
Luís, contou com a participação de uma docente orientadora,
três preceptoras professoras de diferentes Escolas da rede
pública de Educação Básica de São Luís (denominadas, de
acordo com o Edital, de Escolas-Campo), e 25 residentes
(sendo um a mais do que previsto no Edital em função da
necessidade da substituição de um bolsista por colação de
grau). Dessa forma, nesse Subprojeto não tivemos bolsistas
voluntários, uma vez que não havia sido cadastrada a
possibilidade de inscrição deles no momento em que o
Subprojeto foi registrado. Em todas as Escolas-Campo, o
Programa foi implementado em turmas do Ensino Fundamental
séries finais e do Ensino Médio.
No âmbito institucional, os Subprojetos do Programa
Residência Pedagógica na UFMA foram implementados após
Reuniões entre todos os docentes orientadores, presidida pela
Coordenadora Institucional, com o objetivo de orientar sobre
os procedimentos e normas do Programa. Tais reuniões
ocorreram mensalmente ao longo de toda a vigência do
Programa, para a formalização de novas orientações
pertinentes a cada nova etapa, bem como para que as
dificuldades e desafios enfrentados em cada Subprojeto
pudessem ser socializados e discutidos.
No dia cinco de setembro de 2018 foi realizada a
primeira reunião, especificamente no Curso de Licenciatura em
Educação Física, entre as preceptoras e a docente

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orientadora, com a finalidade de apresentar as diretrizes do
Programa, os objetivos específicos do Subprojeto, orientar
como ele seria desenvolvido e elaborarmos em conjunto um
cronograma semestral. Nessa ocasião, foram agendadas as datas
para que a docente orientadora fosse a cada uma das Escolas-
Campo para que o Subprojeto do Programa Residência Pedagógica
da Educação Física fosse apresentado a cada direção escolar.
No dia seis de setembro de 2018 ocorreu a primeira
reunião na UFMA entre os residentes, preceptoras e docente
orientadora, na qual foram apresentadas as diretrizes do
programa, suas instruções normativas, além do Subprojeto da
Educação Física. As preceptoras foram apresentadas aos
residentes, iniciando, assim, um trabalho coletivo para
organização de oito residentes em cada Escola-Campo, conforme
determinado no Edital CAPES 06/2018. Dessa forma, durante
toda a vigência do Programa, reuniões na UFMA ocorreram
semanalmente entre os Residentes e a docente orientadora,
sendo que as preceptoras participaram dessas reuniões de
forma quinzenal.
Tais reuniões foram destinadas à realização das
seguintes atividades: (1) estudos dirigidos sobre normas do
Programa, diretrizes das diferentes versões da BNCC (com
discussão sobre as implicações dessas diretrizes), capítulos
de livros e artigos científicos (materiais que inicialmente
foram selecionados pela docente orientadora, e depois
escolhidos coletivamente); (2) planejamento das atividade na
Escola-Campo em diferentes fases do Programa; (3) elaboração
de um roteiro diagnóstico da Escola-Campo que possibilitasse
o conhecimento de seu funcionamento, de sua estrutura física
e organizacional; (4) elaboração um roteiro para observação
semiestruturada das aulas a ser utilizada nas fases de
Ambientação e Imersão nas Escolas-Campo, bem como o
desenvolvimento de um Diário de Campo; (5) acompanhamento do

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planejamento e execução das atividades de regência de classe,
com supervisão dos planos de aulas, projetos de ensino e
atividades de avaliação da aprendizagem dos alunos; (6)
realização de oficinas teórico-práticas destinadas à
formação, preparação e discussão das ações implementadas; (7)
discussão, avaliação e debate sobre as experiências
vivenciadas nos períodos de Ambientação e Imersão, buscando a
identificação de questões e, subsequente, resolução de
problemas práticos; (8) apresentação e discussão de
metodologias inovadoras que foram utilizadas pelos residentes
na fase das Regências.
Tais reuniões, que se desenvolveram durante toda a
fase de Ambientação e Imersão do Programa, tiveram a sua
implementação construída coletivamente, envolvendo a
participação não somente da docente orientadora, mas também
das preceptoras e de todos os residentes na estruturação de
todas as atividades realizadas. Um exemplo disso foi a
realização das Oficinas teórico-práticas realizadas com temas
definidos em conjunto por residentes e preceptores, a partir
da necessidade identificada pelos próprios residentes no
período de Imersão, com temas tais como “Lutas na Educação
Física Escolar”, “Rugby na Educação Física Escolar” e
“Taekwondo na Escola”.
A realização de tais reuniões na UFMA também
viabilizou, por meio da participação ativa das preceptoras,
uma oportunidade de formação continuada, e de diminuição do
distanciamento entre a IES e as Escolas da rede pública de
Educação Básica. Esse distanciamento também pôde ser reduzido
por meio do acompanhamento das atividades dos residentes pela
docente orientadora que foram realizados na forma alternada
diretamente nas Escolas-Campo.
Acreditamos que esse processo de desenvolvimento do
Programa, pautado em construções coletivas e atento às

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necessidades dos discentes, possibilitou a criação de um
ambiente formativo capaz de proporcionar vivências
significativas aos residentes, contribuindo efetivamente para
sua formação e que igualmente permite contribuir para ações
formativas direcionadas aos alunos da Educação Básica. Foi, a
partir de encontros direcionados ao diálogo e à reflexão
sobre estratégias pedagógicas e abordagens utilizadas em sala
de aula que foi viabilizada a discussão coletiva sobre as
dificuldades vivenciadas continuamente durante toda a
implementação do Programa, tornando possível a identificação
de desafios e, subsequente, resolução de problemas práticos.
Segundo Iza e Neto (2015) esse diálogo entre os protagonistas
no processo formativo torna-se crucial para legitimar os
saberes da ação pedagógica.
Durante a vigência do Programa, a IES promoveu a
realização de dois Colóquios Freirianos que proporcionaram
experiências formativas, contando com a participação dos
demais Cursos de Licenciatura participantes de programa. Ao
final do Programa, houve a realização do Seminário de
Iniciação à Docência (SEMID), com o intuito de promover a
socialização das atividades desenvolvidas ao longo dos
Programas Residência Pedagógica e PIBID, oportunizando a
troca de experiências entre os diferentes Cursos de
Licenciatura.
Adicionalmente, destacamos a participação dos
residentes deste Subprojeto no Seminário de Estágio do Curso
de Licenciatura em Educação Física, evento realizado
semestralmente com o objetivo de socializar as experiências
vivenciadas pelos discentes que realizaram Estágio
Supervisionado Obrigatório do Curso. Nessa oportunidade, os
residentes puderam socializar suas experiências no Programa
com os demais discentes do Curso, e relacioná-las aquelas
destinadas ao Estágio Supervisionado Obrigatório.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA DA IMPLEMENTAÇÃO DO SUBPROJETO NAS
ESCOLAS-CAMPO

Escola localizada no bairro Vinhais de São Luís

A inserção dos residentes na Escola-Campo localizada


no bairro Vinhais teve início com a apresentação do Programa
Residência Pedagógica para a Direção da escola e para a
Coordenação Pedagógica. Pode-se perceber que, ao longo do
desenvolvimento do Programa, novos conceitos foram
incorporados à responsabilidade da função de preceptora, como
orientar, acompanhar, avaliar, debater e dirigir a situação
do processo de ensino aprendizagem, o que deu nova
sistemática de trabalho, organização e planejamento na
dinâmica escolar com a presença dos residentes.
Nessa fase inicial, foi importante a visita às
estruturas físicas e funcionais da escola, bem como a
discussão sobre a realidade escolar, entendendo que não era a
ideal, mas que tínhamos que ousar acreditar e fazer o melhor
nas condições reais. Isso despertou nos residentes a
sensibilidade e a responsabilidade na condução das ações
pedagógicas, tornando menos impactante o choque com a
realidade prática.
Foram realizadas reuniões periódicas de planejamento
na escola, nas quais as decisões e adaptações foram baseadas
no diálogo coletivo, com apoio das coordenações da escola e
da Universidade. Assim, para realizarmos um trabalho de
experiências significativas para os alunos e para a escola
como um todo, além de aulas previstas, realizamos oficinas
com professores convidados; aulas temáticas, projetos como
“Xadrez na Escola”, “Cinema na Escola” e o “Festival de Jogos
de Salão”, além de um torneio de futsal e uma aula de campo

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no Parque Ecológico Itapiracó. A seguir, relataremos duas
dessas experiências:

Projeto Cinema na Escola: A escola, como espaço de plurais


relações sociais e de possível reprodução de determinados
comportamentos estereotipados, especialmente na adolescência,
é, também, principalmente um espaço de transformação e
crescimento social, que deve promover discussões sobre temas
como preconceitos, segregação racial, homofobia, conflitos
familiares, trabalho em equipe, liderança e protagonismo,
gênero e esportes, bullying, entre outros. Assim, decidimos
colocar em prática a sugestão dos residentes de aproximar a
arte cinematográfica da realidade dos alunos, por intermédio
da exibição de filmes sobre alguns temas supracitados.
Para isso, os alunos juntamente com os residentes
selecionaram e assistiram previamente os filmes: “Duelo de
Titãs” (2000), “Para sempre vencedor” (2008), “O menino que
descobriu o vento” (2019) e “Menina de ouro” (2004)”. O
objetivo foi promover o debate por meio de rodas de conversa
acerca das temáticas abordadas em cada filme nas aulas
subsequentes, levantando questionamentos e reflexões,
ressignificando a forma de compreensão dos alunos sobre as
problemáticas, tanto no momento da catarse como também sob a
forma de produção textual de cada filme.
Além dos debates e das discussões, os alunos
perceberam a importância de seus papéis diante de situações
conflituosas e do diálogo para promover meios de intervir
para mudar a realidade em questão, com mais atenção no olhar
em relação aos temas propostos em meio às convergências e
divergências de ideias.
Usar o cinema como proposta pedagógica nas aulas de
Educação Física proporcionou uma experiência diferenciada
para além das aulas dos conteúdos normalmente propostos pela

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BNCC, promovendo reflexões importantes que fazem parte do
contexto escolar e familiar. Os debates suscitaram a reflexão
dos alunos na medida em que os temas presentes nos roteiros
dos filmes guardam estreita relação com a realidade escolar,
o que contribuiu para o processo de formação dos alunos de
maneira envolvente, atenciosa e transformadora.
Padrão de beleza, para quem? Destacamos aqui uma
sequência de três aulas com discussões temáticas sobre padrão
de beleza com dinâmicas direcionadas ao terceiro ano do
ensino médio. A primeira abordagem foi realizada com
questionamentos sobre o que seria padrão de beleza, de onde
surge essa ideia, a quem interessa, como devemos compreendê-
la, como ela se configura entre os gêneros, e sua relação
histórica na sociedade. Na segunda aula, as questões foram
ampliadas sobre a própria visão de si e como enxergamos
nossos colegas de sala.
Para responder a essas questões, foram entregues a
cinco equipes algumas revistas para que selecionassem
figuras, fizessem montagens e colagens de seus “modelos
perfeitos” de homem e de mulher “ideais”. Na sequência, cada
equipe fez a apresentação de seus desenhos e justificativas
das identificações escolhidas e expostas no quadro branco.
Criou-se, então, um momento propício para reflexões críticas
sobre os estereótipos que levam a academias superlotadas,
possíveis doenças psicossomáticas advindas da ansiedade por
um corpo perfeito, cirurgias plásticas mal sucedidas, e uso
exacerbado de procedimentos estéticos.
Nessa mesma aula, foi feita uma dinâmica em que cada
aluno escreveu a descrição de sua identificação estética e
colou nas próprias costas. Eles, então, deveriam passear pela
sala, completando os cartazes das costas dos colegas com
outros adjetivos de identificação. Encerramos com a leitura
dos cartazes, e debate crítico sobre as ideias apresentadas.

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A última aula sobre esse tema foi inicialmente expositiva,
sendo abordados os conhecimentos acerca do papel dos corpos
na sociedade, os estereótipos e os padrões estabelecidos pela
indústria e pelo mercado da beleza.
Ampliamos, ainda, as considerações sobre preconceitos
relacionados à etnia, idade, sexo, e pessoas fora desse corpo
definido como “ideal”. A partir disso, foram feitas reflexões
que geraram um ambiente propício à quebra de determinados
paradigmas, questionamentos sobre nossas concepções, respeito
às diferenças, bem como aceitação e valorização da saúde
antes da beleza.

Escola localizada no bairro Centro de São Luís

Nessa escola, o Projeto Residência Pedagógica foi


implementado em um período em que aconteceram grandes
entraves estruturais em função de inúmeras reformas que
aconteciam no prédio. Mesmo diante de tais dificuldades,
dentro de suas possibilidades estruturais, a escola permitiu
que a inserção do projeto ocorresse em onze turmas,
perfazendo o número total de duzentos e quarenta alunos
participantes.
Os residentes iniciaram as vivências das dinâmicas
pedagógicas da escola como observadores, na fase da
ambientação prevista no projeto. Esta fase possibilitou aos
residentes vivenciarem as inconstâncias do dia a dia da
escola, devido às adaptações exigidas pela manutenção
estrutural em andamento.
Desta forma, os residentes puderam vislumbrar
estratégias que atendessem, não somente ao que estava
relacionado a deficiência do espaço físico, mas também a
reação às atividades vivenciadas pelos alunos e suas
necessidades para posterior elaboração da sua prática

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pedagógica na fase de regência. Havia, também, um espaço
bastante reduzido para desenvolver as atividades pedagógicas,
o que, embora criasse uma situação adversa, gerou uma
oportunidade de aprendizagem aos residentes, que tiveram que
criar estratégias para o seu fazer pedagógico, superando as
dificuldades encontradas.
Uma das primeiras dificuldades encontradas pelos
residentes nas aulas de educação física, especialmente no
ensino fundamental, foi a histórica relação da educação
física do “rola bola”, o que reforça a condição do “fazer por
fazer”, sem atribuir real significado à prática.
Adicionalmente, havia um histórico de atividades não
dirigidas em algumas turmas anteriores, ou seja, os horários
das aulas de Educação Física, muitas vezes, eram tidos como
um momento de atividades livres para os alunos, o que muitas
vezes criava uma condição de resistências às aulas propostas.
Também foi possível observar a tipificação sexual nas
práticas corporais, com notória preferência dos meninos para
o futebol, e das meninas para jogos de queimada. Essas foram
situações desafiadoras aos residentes, que aos poucos puderam
adaptar estratégias, gerando um crescente interesse dos
alunos por aulas mais diversificadas, o que se tornou
gradativamente mais favorável ao fazer pedagógico.
Outra dificuldade enfrentada pelos residentes diz
respeito à experiência que esses apresentavam em ministrar
aulas na Universidade para os próprios colegas, o que deixou
bastante evidente a falta de adequação no uso linguagem em
alguns momentos, tornando-a muito acadêmica ou excessivamente
complexa para os alunos. Com o decorrer do Programa, foi
possível observar notória melhora no uso da linguagem e,
também, das estratégias pedagógicas utilizadas. A seguir,
destacamos dois dos projetos desenvolvidos nessa Escola com a
participação ativa dos residentes.

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Projeto Interclasse de Futsal. Evento realizado com a
colaboração e participação dos residentes na quadra Sabará -
Cohab e na quadra do Núcleo de Esportes da UFMA. Destaca-se a
iniciativa e o envolvimento dos residentes na arbitragem,
organização, verificação da disponibilidade de espaços e
materiais utilizados, bem como na distribuição das
premiações, e em vivências que foram muito significativas
para o pleno desenvolvimento do projeto, atribuindo
expressivo significado aos alunos participantes, sendo que
muitos deles tiveram nessa experiência o primeiro contato com
o ambiente universitário.

Trilha no Parque do Itapiracó. Ação pedagógica que envolveu a


participação alunos do terceiro ano do ensino médio,
relacionada ao conteúdo de esportes de aventura.
Infelizmente, houve uma baixa participação dos alunos nesta
atividade em função das dificuldades de deslocamento em
horário alternativo às aulas. Contudo, os relatos dos
participantes evidenciaram a importância de vivenciar
aspectos que anteriormente haviam sido discutidos de forma
teórica em sala de aula.

Escola localizada no bairro Turu de São Luís

A Escola-Campo em questão apresenta uma ampla


estrutura física, porém precária, atendendo um público
bastante diversificado. A inserção do Programa se deu por
meio da apresentação dos residentes e da docente orientadora
à comunidade escolar, esclarecendo os servidores sobre a
importância do programa para a escola e para a formação
inicial dos residentes de Educação Física.
Na etapa inicial, além das observações, os residentes
foram estimulados a participarem ativamente para que pudessem

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se sentir mais pertencentes e estimulados junto à comunidade
escolar. Além da falta de materiais necessários para o
desenvolvimento das aulas de Educação Física, no início do
período destinado às regências, convivemos com uma
dificuldade adicional, a interdição da quadra poliesportiva
pelo corpo de bombeiros. A interdição da quadra esportiva
demandou o planejamento de novas ações pedagógicas, que foram
elaboradas em reuniões realizadas na UFMA e na própria
escola, sob orientação participativa da orientadora e da
preceptora.
As orientações, tanto nas reuniões de estudo, quanto
nos encontros pedagógicos da escola, eram direcionadas para
uma reflexão crítica do fazer pedagógico, com o intento de
proporcionar uma ação na prática permeada de
contextualizações ativas dos residentes, estimulando sua ação
– reflexão – ação durante a regência. Foram momentos em que
os residentes apresentaram dúvidas, as quais buscou-se
dirimir, refletindo de forma conjunta na busca por possíveis
soluções.
Dentre as ações pedagógicas realizadas, que trouxeram
impactos positivos na formação inicial dos residentes e no
desenvolvimento dos alunos da educação básica atendidos pelo
programa, destacam-se:

Projeto II Semana Cultural. Objetivou ações


multidisciplinares para a criação e difusão dos trabalhos da
comunidade escolar, por meio da improvisação, experimentação
e, consequentemente, da representação, construindo e a criar
novas possibilidades de movimento dentro de contextos
significativos. Os residentes puderam observar, colaborar,
avaliar e interagir no festival de talentos, nos jogos de
quadra e de salão cooperativos, no sarau cultural e na feira

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científica, estimulando uma vivência reflexiva e integral em
conjunto com os alunos do ensino fundamental e médio.
Regências por meio de oficinas, festivais e visitas
técnicas. Estimularam, tanto os residentes, quanto nossos
alunos a suplantarem mitos, preconceitos e dificuldades
perante diversos temas, como: “Educação Física, gênero e
sexualidade”, “Esporte e Drogas”, “relações interpessoais”,
badminton, e atividades de aventura.
Destacamos, ainda, a realização das seguintes
atividades: (1) visita técnica para a feira das profissões da
UEMA, ocasião na qual os residentes acompanharam alunos de
três turmas de terceiro ano de nossa escola à respectiva
feira e puderam refletir com os nossos alunos sobre as
profissões apresentadas na feira e suas possibilidades de
ação; (2) visita técnica para a UFMA, na qual foram
realizadas oficinas, festival de rugby e futsal com os alunos
do ensino fundamental e médio; (3) visita técnica para
Alcântara, onde realizamos trilhas interpretativas pela
paisagem histórica e ambiental de Alcântara e intercâmbio
esportivo com o IFMA – Campus Alcântara, com os alunos do
ensino médio; (4) visita técnica ao Parque do Itapiracó, onde
vivenciamos jogos cooperativos, jogos de handbeach e trilhas,
com todos os alunos atendidos pelo programa.
Nesse sentido, foi possível verificar a partir das
experiências relatadas nas três escolas participantes do
Subprojeto que o programa diminuiu distâncias entre a
entidade que forma e a que recebe o egresso da licenciatura,
estimulando o protagonismo das redes de ensino na formação de
professores.
As experiências vivenciadas nesse Programa permitiram
verificar inegáveis contribuições formativas a todos
envolvidos a partir do processo de sua implementação. Foi
possível verificar uma maior conexão entre as ações da

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Universidade e da Escola-Campo, assegurando a função social
da Universidade na formação e qualificação pedagógica
contínua dos professores da educação básica participantes do
Projeto.
Porém, para que esses laços se mantenham, é
necessário um diálogo constante entre essas instituições, não
apenas pelos preceptores, residentes e orientadores, mas
também dos gestores de ambas. Sem isso, as barreiras que
caíram no decorrer do programa, acabarão por reerguer-se.
Nossas escolas devem romper as barreiras entre os muros da
escola e o mundo, promovendo trabalhos coletivos, que
incentivem a ousadia, a emancipação, a autonomia, a
liberdade, o respeito à vida em democracia, o amor e a poesia
(FREIRE; SCAGLIA, 2009).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Programa Residência Pedagógica contribuiu na


redução do distanciamento entre teoria e prática na formação
curricular da Educação Física, que não podem mais serem
vistas como dicotômicas, mas sim como uma unidade
indissociável. Por meio dos vários projetos e das
experiências pedagógicas que foram desenvolvidas tanto no
âmbito da IES como nas Escolas-Campo, foi possível propiciar
aos discentes residentes a ampliação e a diversificação de
vivências que se articularam diretamente com aquelas
destinadas ao Estágio Supervisionado em nosso Curso. É
importante salientar que isso somente foi possível na medida
em que o Projeto pode oportunizar uma reflexão mais crítica
sobre a prática docente.
Adicionalmente, o Projeto promoveu maior conexão
entre as ações da Universidade e das Escolas da rede pública
de Educação Básica, propiciando não só uma formação

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qualificada aos licenciandos em sua formação inicial na
Educação Física, como, também, assegurando a função social da
Universidade na formação e qualificação pedagógica na
formação continuada de professores, com subsequente melhoria
da qualidade de ensino aos alunos da Educação Básica.
As vivências oriundas desse projeto oportunizaram
práticas pedagógicas orientadas à ampliação e diversificação
da cultura corporal de movimento, nas quais foram abordadas
as diversas manifestações dessa cultura, tais como ginástica,
a dança, o esporte, as lutas, entre outros. Foram
evidenciados avanços no desenvolvimento do repertório das
práticas corporais, reconstrução de conceitos, bem como a
maior autonomia e senso crítico a partir da vivência das
diversas formas de manifestação corporal.
Contrapondo-se a modelos tradicionais que se mostram
seletivos e excludentes, o programa implementado em uma
perspectiva crítica emancipadora permite que se identifique
no movimento humano e em suas diversas formas de manifestação
uma excelente ferramenta de intervenção capaz de viabilizar o
conhecimento da realidade social, política, econômica e
cultural em que os alunos se encontram inseridos.
Nesse sentido, o Programa fomenta ações que visam à
atuação comprometida do Professor de Educação Física Escolar,
tornando-o capaz de intervenções que produzam e desenvolvam
no aluno uma dinâmica cultural, por meio de ações criativas e
dotadas de significados.
É somente mediado por estratégias pedagógicas que
promovam maior atenção ao sujeito que se movimenta e aos
aspectos relacionados a sua cultura, que o Professor de
Educação Física poderá fazer da Escola um espaço de
socialização, que propicie a formação integral dos alunos.
Portanto, diante da sua incomensurável importância na
qualificação da formação dos discentes de diferentes

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Licenciaturas, é que ressaltamos a necessidade da
continuidade, aprimoramento e ampliação de programas de
formação inicial e continuada, como o Programa Residência
Pedagógica.
Especificamente, em relação ao Subprojeto do curso de
Educação Física em São Luís, os participantes foram unânimes
ao manifestar as extensas contribuições do Programa em suas
formações, apesar dos desafios muitas vezes enfrentados nessa
primeira experiência de implementação.

REFERÊNCIAS

BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação


física. Cadernos Cedes, v. 19, n. 48, p. 69-88, 1999. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32621999000100005

BRASIL. Edital CAPES 06/2018 que dispõe sobre a Residência


Pedagógica. Disponível
em:https://www.capes.gov.br/images/stories/download/editais/0
1032018-Edital-6-2018-Residencia-pedagogica.pdf. Acesso em:
29 jun.2020.

BRASIL. Portaria GAB nº 38, de 28 de fevereiro de 2018, que


Institui o Programa de Residência Pedagógica. Disponível
em:https://capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/28
022018-Portaria_n_38-Institui_RP.pdf. Acesso em: 29 jun.
2020.

IZA, D.F.V.; SOUZA NETO, S. Os desafios do estágio curricular


supervisionado em Educação Física na parceria entre
universidade e escola. Movimento, v. 21, n. 1, p. 111-124,
2015. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.46271.

FREIRE, J.B.; SCAGLIA, A.J. Educação como prática corporal.


São Paulo: Scipione, 2009.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à


prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.


Notas das entidades em relação a Residência Pedagógica.
Manifestação das entidades educacionais sobre a política de

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formação de professores anunciada pelo MEC. Disponível em:
http://www.anped.org.br/news/manifestacao-das-entidades-
educacionais-sobre-politica-de-formacao-de-professores-
anunciada , em 20/10/2017. Acesso em: 29 jun.2020.

SILVA, K.A.C.P; CRUZ, S.P. A Residência Pedagógica na


formação de professores: história, hegemonia e resistências.
Momento: diálogos em educação, v. 27, n. 2, p. 227-247, 2018.
DOI: https://doi.org/10.14295/momento.v27i2.8062.

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A IMPLEMENTAÇÃO DE METODOLOGIAS ATIVAS DE ENSINO NA
PERSPECTIVA DO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA DO
CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS NATURAIS/BIOLOGIA

Marcelo Soares dos Santos


Caio César Silva Lima

INTRODUÇÃO

O professor há muito tempo é considerado a figura


central na condução dos saberes ao longo do processo de
ensino-aprendizagem. Neste modelo, comumente denominado de
“ensino tradicional”, o educador é visto como o ponto fulcral
para a fundamentação do entendimento dos alunos (SIMON et
al., 2014; CAVALCANTE et al., 2018), habitualmente, não se
pressupondo que os estudantes possam atuar como agentes
ativos de sua própria aprendizagem, responsabilidade essa
geralmente atribuída e circunscrita unicamente aos
professores.
Este modelo tradicional se apresenta baseado em uma
hierarquia quase hermética e tem por característica regular a
aprendizagem com base em um padrão determinado pelas
expectativas sociais, em detrimento do desenvolvimento das
competências e habilidades próprias dos alunos.
Apesar da longevidade deste modelo tradicional e, da
clara importância histórica para o ensino de modo geral, este
arquétipo é alvo constante de críticas, as quais, além de
questionarem o papel do professor em relação à aprendizagem,
versam também sobre concepções didáticas e/ou pedagógicas
defasadas e estruturas curriculares dissonantes da atual
realidade dos estudantes.

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Além disso, outros aspectos e dimensões podem
contribuir para a manutenção de baixa aprendizagem,
constantemente associada a esse modelo (SIMON et al, 2014;
MORAN, 2015), como por exemplo, a falta de adequação de parte
significativa da formação dos novos educadores que,
essencialmente, valem-se de abordagens estabelecidas em
épocas e regimes os quais não mais representam as realidades
e demandas educacionais atuais.
Nas últimas décadas, esforços têm sido direcionados à
elaboração de modelos de ensino que não sejam fundamentados
apenas na transmissão de conteúdo, mas que incentivem o
desenvolvimento e o aprimoramento de competências e
possibilitem aos alunos estabelecerem relações entre o
conhecimento adquirido em sala de aula e o mundo real. Esses
modelos de ensino são pautados em novos paradigmas
educacionais que, além de contemplarem o dinamismo atual
proporcionado pelo surgimento e difusão da tecnologia,
consideram os cenários sociais e sua interrelação com a
aprendizagem.
Entre diversos modelos, o conjunto de propostas que
integram as Metodologias Ativas de Ensino – MAE, apresentaram
grande desenvolvimento nas últimas duas décadas, sendo
continuamente objetos de debates e de pesquisas na área da
educação (MAZUR, 1997; LASRY et al., 2008; FROTA, 2018).
Em linhas gerais, as MAE não são necessariamente um
modelo de ensino, mas sim um conjunto de sistemas, práticas e
metodologias baseadas em dois conceitos principais: o
primeiro aborda o aluno como um sujeito ativo e que deve ser
responsável e diligente na construção de seu próprio
conhecimento. Para tal, características como a criatividade,
imaginação, trabalho em equipe e comprometimento devem ser
estimulados.

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O segundo conceito fundamental é de que o arcabouço
curricular deve ser tão significativo e contextualizado
quanto à estratégia de ensino. Esses aspectos devem servir de
base para a proposição de metodologias que visam a estimular
a aprendizagem de forma autônoma e participativa,
principalmente a partir do entendimento e/ou solução de
problemas e situações cotidianas significativas (SIMON et
al., 2014; DICHEV; DICHEVA, 2017; ZHANG et al., 2017;
CAVALCANTE et al., 2018).
Na perspectiva dos estudantes, as MAE têm como
principais características o envolvimento deles no processo
de desenvolvimento das atividades que serão aplicadas. O
professor passa então a elaborar atividades que coloquem os
alunos em evidência, estimulando sua capacidade de
interpretação e o trabalho em equipe, fomentando,
principalmente, a curiosidade e a imaginação.
Já, em relação aos educadores, as MAE podem ser
vistas como um método que realoque o professor, na figura de
instigador das capacidades dos alunos, enquanto destaca e
evidencia suas próprias características. A partir dessas
concepções, os professores devem implementar conteúdos
curriculares que sejam relevantes, tanto para o entendimento
dos fundamentos das áreas do conhecimento trabalhadas, quanto
à formação de indivíduos críticos e capazes de compreender as
nuances e atuar de maneira ampla em uma sociedade em
constante transformação (NOVAK et al., 1999; LASRY et al.,
2008; DICHEV; DICHEVA, 2015).
Historicamente, as primeiras MAE foram apresentadas
por educadores e pesquisadores no final da década de 1960, em
países da América do Norte e Europa (NOVAK et al., 1999;
SCHMIDT, 2001). A partir de então, novas e diferentes
propostas de MAE foram elaboradas seguindo objetivos e
contextos diferentes. Como exemplo, algumas MAE surgiram com

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o intuito de gerar maior engajamento na resolução de
atividades, visando a alcançar a eficiência do trabalho em
equipes. Outras, objetivavam potencializar o entendimento de
conteúdos curriculares específicos, sendo posteriormente
expandidas para demandas mais abrangentes (BROWN, 2008;
ZICHERMANN; CUNNINGHAM, 2011).
Atualmente, e como característica geral, as MAE
apresentam sistemas flexíveis de operacionalização, o que
geralmente permitem se utilizar de diferentes abordagens
dentro de uma mesma opção metodológica (NOVAK et al., 1999;
BROWN, 2008; LASRY et al., 2008; DICHEV; DICHEVA, 2015;
FROTA, 2018). Essa característica, aliada à integração de uma
maior acessibilidade a tecnologias que conferem amplitude e
dinamismo ao processo de ensino-aprendizagem, proporcionam um
grande destaque às Metodologias Ativas de Ensino, tanto em
sua aplicação, quanto em se constituir em objeto de estudo
nos campos da educação e do ensino.

APRENDIZAGEM CENTRADA NO ALUNO E A RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA

Em 1972, o psicólogo Carl Rogers estabeleceu os


princípios do que viria a ser conhecido como Aprendizagem
Centrada no Aluno (ROGERS, 1972), que se constitui de um
conjunto de preceitos que visavam a repensar o modelo de
ensino adotado nas escolas convencionais.
Os princípios estabelecidos por Rogers são
reconhecidos e ratificados amplamente, como pode ser atestado
pela publicação em 1998 do Relatório da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI da UNESCO
(DELORS et al., 1998), onde se pontua que os fundamentos
“Aprender a Conhecer” e “Aprender a Fazer”, constituem-se em
dois dos quatro pilares da educação contemporânea. Apesar
disso, uma parte significativa da atual práxis didático-

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pedagógica se concentra na mera transmissão de conteúdos e de
suas codificações, pouco ou nada trabalhando na estimulação
da capacidade reflexiva e no embasamento da criação de uma
capacidade crítica dos discentes.
Um dos objetivos principais da Residência Pedagógica
do curso de Licenciatura em Ciências Naturais/Biologia foi
apresentar aos licenciandos uma prática docente que deveria
ir além da simples transmissão de conteúdo e ser
essencialmente centrada no aluno, enquanto ator ativo de sua
própria aprendizagem. Este exercício foi pautado na
elaboração e na condução de atividades e momentos de
aprendizagem que possibilitassem uma compreensão abrangente e
contextualizada dos temas trabalhados, permitindo assim aos
alunos, a integração ativa dos diversos saberes que compõem o
entendimento amplo desses temas.
Dessa maneira, no âmbito desta Residência Pedagógica,
foram elaboradas e implementadas diversas atividades a partir
da utilização de MAE, as quais foram selecionadas por
apresentarem como característica principal, o estímulo à
instigação e à responsabilização por parte dos alunos em
buscar o entendimento dos temas abordados.
Soma-se a isso, o fato dessas abordagens apresentarem
estruturas organizacionais flexíveis na viabilização e na
aplicação das atividades. Considerando tais características,
entre muitas outras, foram selecionadas as metodologias
Design Thinking – DT (BROWN, 2008); Problem-Based Learning –
PBL e High Quality Project-Based Learning – HQPBL (SCHMIDT,
2001; BARRET, 2017), como estrutura básica para a elaboração
e o estabelecimento das atividades em geral, além da
abordagem Numbered Heads Together – NHT (LEASA; COREBIMA,
2016; MCMILLEN et al., 2016), essa que foi empregada de
maneira mais pontual.

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Proposta inicialmente, a metodologia de Pedagogically
Sound Application of Technology – PSAT, não pode ser
utilizada como base para atividades neste projeto, pois se
mostrou, particularmente, de difícil implementação, uma vez
que a disparidade de acesso, tanto à rede, como a
equipamentos, no âmbito da escola, inviabilizaria a
participação efetiva de todos alunos, o que nos levou a
decidir pela não utilização dessa abordagem.
Particularmente, entendemos que este fato apresenta
grande relevância, pois, quando temos em conta o atual
“clamor” pela utilização acadêmica da tecnologia disponível,
muitas vezes são desconsiderados os aspectos inerentes às
condições de fragilidade socioeconômica a que grande parte
dos alunos vivenciam, assim como outros aspectos, como o
sucateamento e/ou a falta de aparelhamento e de acesso
adequados à utilização didático-pedagógica das tecnologias
nas escolas públicas.
Esses fatos contribuem ainda para que abordagens
pautadas na tecnologia não possam ser adequadamente
elaboradas e testadas em campo, o que também pode contribuir
negativamente com a formação de professores da educação
básica inseridos neste contexto. Adicionalmente, as
atividades baseadas na abordagem HQPBL também tiveram sua
utilização prejudicada, questões que serão tratadas adiante
neste texto.

O DESIGN THINKING

O DT pode ser entendido como um processo que estimula


a geração de ideias, de maneira individual ou entre grupos de
indivíduos de áreas multidisciplinares, tendo como objetivo
principal a resolução de problemas através de estratégias de
inovação. O DT se constitui, então, de uma ferramenta que

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visa à compreensão, à visualização e à descrição de problemas
complexos para, através da criatividade, auxiliar no
desenvolvimento de soluções efetivas (BROWN, 2008; CHEN et
al., 2018).
Esta MAE, apresentada por Tim Brown em 2009, requer
que, em cada uma de suas etapas, os participantes devem ser
estimulados a desenvolver o hábito de pensar na problemática,
antes da tomada de quaisquer outras medidas. Dessa forma,
visa-se à realização de discussões de ideias e posterior
apresentação de planos e metas, podendo abranger ainda
reformulações e reinício do processo a partir do resultado
das discussões conduzidas (ZHANG et al., 2017).
Para se aplicar os princípios do DT, deve-se seguir
cinco fases ou etapas que, em conjunto, são estruturadas para
se permitir a geração e o aprimoramento de ideias. O Quadro 1
mostra de maneira sucinta os componentes desta abordagem.

Quadro 1. Descrição das etapas e características da metodologia Design


Thinking
Etapas Estrutura e Objetivos Gerais

Onde ocorre a seleção de um problema, denominado de


Descoberta Desafio do Design. Este que deve ser escolhido de modo
a propiciar entendimento, ação, abordagem, bem como ter
uma definição clara.

Onde estimula-se debates acerca do problema escolhido,


Interpretação devendo se estimular o grupo a pensar sobre quais
planos seguir na abordagem do problema.

Onde se estabelecem os objetivos e os métodos de


abordagem do problema, ideias especificas podem ser
Ideação aceitas, negadas e/ou aprimoradas. O debate de ideias
advindas de todos os membros do grupo envolvido é
necessário para que se possa pensar de forma expansiva
e sem restrições.

Nesta devem ser experimentadas as ideias de abordagem


do problema, decididas na etapa anterior. Uma ou mais
ideias podem ser consideradas eficientes na abordagem
Experimentação do problema, e, portanto, devem surgir dúvidas sobre
qual delas se aplicar. Nesta fase, devem se elaborar
maneiras de se experimentar as ideias e as torná-las
tangíveis.
Testes Fase onde está derivado todo o tempo, discussões,

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ideias, experimentos, observações etc. que os
envolvidos no grupo dispenderam durante o processo de
Design. A etapa de Testes, também envolve planejar os
próximos passos, comunicar a ideia e os resultados do
processo à comunidade envolvida.

Fonte: (Autoria Própria, 2020)


O DT é pautado na prática de se solucionar problemas
específicos, delimitados pelo responsável por aplicar a
abordagem, podendo ser utilizado em diversas áreas. É uma
abordagem baseada em princípios como a criatividade, a
imaginação, a investigação e a inovação, objetivando
desenvolver soluções para problemas complexos e/ou criar
projetos para se alcançar maneiras efetivas de se abordar
problemáticas (BROWN, 2008; KNEUBIL; PIETROCOLA, 2017; ZHANG
et al., 2017; CHEN et al., 2018).
Neste projeto, optou-se por aplicar os conceitos do
DT em dois momentos distintos. O primeiro deles foi a fase de
elaboração dos planos de aula/regência, onde os fundamentos
do DT foram considerados para, na adequação da uma matriz
curricular vigente, e na elaboração de um sistema avaliativo
baseado em testes de compreensão, realizados de forma
individual e em grupos. O segundo momento de aplicação foi o
planejamento de eventos e na elaboração de atividades
extraclasse que envolvessem a comunidade escolar.
Apesar das regências de aula ocorrerem de maneira
individual, o grupo de residentes elaborou um calendário de
intervenções e o trabalho dos conteúdos em séries
semelhantes, de forma cooperativa e se pautando pelas etapas
do DT. Já, em relação às atividades avaliativas, essas se
constituíram tanto em momentos em equipe como resoluções de
problemas de forma individual, com as discussões sendo
conduzidas a partir de problemáticas atuais e baseadas em
preceitos científicos. A participação e a proatividade dos
alunos foram estabelecidas como os aspectos primordiais
destes momentos avaliativos, os quais integraram também

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alguns dos preceitos das demais MAE utilizadas nesta
Residência, como será exposto adiante.
Duas situações de aprendizagem, as quais envolveram
toda a comunidade escolar, foram elaboradas e conduzidas
unicamente a partir do preconizado pelo DT, sendo essas, a
produção de material didático para o apoio ao ensino de
física/astronomia e a organização de uma mostra científica.
Essas atividades contaram com a participação dos docentes das
escolas e a atuação dos residentes culminou na apresentação
de novos conceitos e ideias advindas do processo de DT, os
quais foram efetivamente utilizados na elaboração e na
condução destas atividades nas escolas-campo.
Considerando o processo de ensino-aprendizagem, a
utilização da abordagem do DT se mostrou efetiva para
subsidiar a compreensão ampla de fenômenos biológicos
trabalhados no âmbito desta Residência Pedagógica, uma vez
que houve melhoras perceptíveis em aspectos como a
compreensão e principalmente na contextualização dos
fenômenos abordados por parte dos alunos.
Outro fator importante é que o DT, através da
semelhança e do cumprimento de suas etapas sequenciais e
integradas, também proporcionou aos alunos e residentes um
melhor entendimento de como o processo de produção de
conhecimento científico deve ser realizado. Essa abordagem
auxiliou, entre outros aspectos, no desenvolvimento de um
pensamento crítico em relação à qualidade das fontes de
informação de cunho científico, o que, por sua vez, pode se
constituir em um fator importante ao processo formativo de
professores-pesquisadores que deverão pautar sua atuação na
área de Ciências e em seus diversos eixos tratados no ensino
fundamental.
Ponderamos ainda que, por se apresentar pautado no
trabalho em equipe, na elaboração de um entendimento em

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conjunto e, na livre argumentação e debate, essa abordagem se
mostra em consonância com os aspectos fundamentais para o
processo de aprendizagem, conforme preconizados em documentos
como os Parâmetros Curriculares Nacionais para ensino
Fundamental e Médio – PCN (1998), as Orientações Curriculares
Nacionais – OCEM (2006), e, mais recentemente, na
reformulação desses documentos que culminou com a produção da
Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2017).

O PROBLEM-BASED LEARNING E O HIGH QUALITY PROJECT-BASED


LEARNING

Em complemento à abordagem baseada no DT, foram,


inicialmente, escolhidas as metodologias baseadas no PBL e o
HQPBL, para que as etapas de Ideação e de Experimentação do
DT pudessem ser tratadas de uma maneira mais aprofundada e
efetiva.
A metodologia do PBL foi proposta em 1969 na
Universidade McMaster, no Canadá, sendo prontamente utilizada
em diversos países da Europa, mas implementada no Brasil
somente após trinta anos (SCHMIDT, 2001). Ao longo das
décadas, novas abordagens ou vertentes do PBL foram
elaboradas, sendo, em sua maioria, criadas para tratar de
temas ou fragilidades específicas. Além da estrutura central
desenvolvida, inicialmente, alguns autores também inseriram
novas características ou aprimoraram conceitos básicos do
PBL, como Barrows (1996); Schmidt (2001), Dochy e
colaboradores (2003), Hung (2006) e Helle et al., (2006).
De maneira geral, nesta MAE, o processo de
aprendizagem é visto como resultante do desenvolvimento da
compreensão derivada da resolução de problemas. O elemento
central é o indivíduo que deve ser estimulado a integrar
teoria e prática na condução de pesquisas, aplicando seus

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conhecimentos e habilidades para solucionarem questões, bem
como explorarem soluções dentro de um contexto específico de
aprendizado. Essa metodologia é pautada pelo incentivo às
competências e habilidades investigativas, à criatividade na
solução de problemas e à condução de momentos reflexivos
acerca das soluções encontradas (CAVALCANTE et al., 2018).
O PBL se fundamenta no princípio da aprendizagem
investigativa, com foco na elaboração de planos de ação e/ou
na criação de maneiras práticas que possam resolver os
problemas evidenciados. Uma das principais características
desta abordagem é a flexibilidade de adaptação a diferentes
contextos de ensino, o que tem possibilitado sua utilização
em várias áreas do conhecimento, como por exemplo, as
engenharias, a comunicação, as ciências da saúde, as ciências
sociais e as ciências naturais (BARROWS, 1996; DOCHY et al.,
2003; HUNG, 2006; BARRET, 2017). O Quadro 2 apresenta a
descrição resumida das etapas e respectivas características
que compõem a abordagem geral do PBL.

Quadro 2. Descrição das etapas e características da metodologia Problem


Based Learning
Etapas Estrutura e Objetivos Gerais

Visa-se a obtenção de conhecimento do estudante


Aprendizagem do como objetivo principal, além de estimular o
engajamento do aluno, possibilitar que este
Estudante obtenha novos conhecimentos de maneira
contextualizada.

Tem por objetivos: a) estimular o trabalho


cooperativo, a comunicação, a interação social e o
desenvolvimento de argumentação entre os alunos;
b) atribuir responsabilidade para cada estudante,
Grupos estimulando a percepção de que seu aprendizado
será também influenciado por seu engajamento e
pelas discussões conduzidas junto aos colegas.

O professor passa a ser um Facilitador da


Aprendizagem, no sentido que deve estimular os
alunos a estudar e pensar criticamente, além de
Tutoria guiar as discussões do grupo e discutir as
soluções apresentadas pelos alunos.

Problemas Devem ser propostos problemas contextualizados com

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Autênticos o cenário sociocultural dos alunos e/ou que
envolvam temas que possam ser respondidos de
várias maneiras, além de estimular o pensamento
crítico, estudos pessoais, análises empíricas e
interação entre o grupo.

Os problemas lançados devem também estimular os


estudantes a utilizarem-se de seus conhecimentos e
habilidades pessoais. É importante que os
problemas possam res relacionados, em maior ou
menor escala, cotidiano dos alunos, possibilitando
Conhecimentos & assim a compreensão e a interação na busca
Habilidades coletiva por soluções. O educador deve também
estar atento e perceber quais os temas que os
alunos, individualmente ou coletivamente,
apresentam maiores ou menores fragilidades em
relação a seu entendimento.

Processos que devem necessariamente estimular a


comunicação e o trabalho cooperativo. O educador
assume a função de avaliar o planejamento, a
Análise & execução e os resultados dos planos dos alunos
Resolução para resolver os problemas propostos e discutir as
vantagens e/ou vulnerabilidades dos métodos
propostos pelo grupo.

Fonte: (Autoria Própria,2020)


Em relação à estrutura para aprendizagem fundamentada
na HQPBL, essa se baseia na utilização de projetos conduzidos
pelos alunos, onde o docente assume o papel de orientador.
Essa abordagem compreende seis critérios, onde cada qual deve
estar pelo menos, minimamente, presente em um projeto para
que ele seja considerado de "alta qualidade". Esses critérios
compreendem um ponto de partida necessário para fornecer aos
alunos uma linha essencial, mas sem o compromisso de ser
muito abrangente. Os projetos de maior impacto na
aprendizagem e no desenvolvimento da compreensão global dos
alunos serão aqueles com a implementação de cada critério da
maneira mais efetiva possível (KOKOTSAKI et al., 2016).
Esses critérios compreendem: a utilização de desafios
intelectuais que proporcionam um sucesso mensurável na
realização de tarefas; a autenticidade dos projetos, a
elaboração de produtos acadêmicos potencialmente
compartilháveis; a colaboração entre diferentes atores; a
presença de um gerenciamento de projeto efetivo e
dimensionável; e, por fim, a determinação de momentos para a

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reflexão compartilhada sobre cada uma das etapas e do projeto
como um todo (KOKOTSAKI et al., 2016).
No âmbito desta Residência Pedagógica, optou-se por
implementar as metodologias do PBL e do HQPBL em uma escola
de ensino médio. Essa escolha foi baseada no que se tem
preconizado na BNCC, onde se tem norteado a realização de um
ensino contextualizado, indicando a apresentação de temas e
problemáticas que reflitam as características socioculturais
e naturais do meio em que os alunos estão inseridos, de forma
a promover o engajamento, o desenvolvimento do pensamento
crítico, dentre outras habilidades nos alunos (BRASIL, 2017).
Entendemos que alunos do ensino médio deveriam reunir
características que permitissem o entendimento e a execução
dessas abordagens de forma mais abrangente, bem como os
residentes atuantes nesse nível poderiam exercer as funções
de tutoria e de orientadores de projetos de maneira mais
efetiva.
Para a implementação das abordagens foram realizados
encontros de planejamento pedagógico com o preceptor,
residentes e membros da direção da escola. Após as discussões
carreadas, decidiu-se que a abordagem do PBL seria aplicada
principalmente como parte constituinte do sistema avaliativo
constante nas atividades de regência dos residentes e
integrada aos preceitos do DT.
Os planos de regência foram, então, elaborados
definindo problemas e questões que seriam abordados a partir
do PBL. A partir disso, por ocasião das atividades
avaliativas foram formados grupos onde eram propostas
problemáticas relacionadas aos temas curriculares trabalhados
nas áreas das Ciências Naturais, com os alunos incentivados a
elaborar maneiras de solucioná-los, enquanto os residentes
atuavam como tutores e guiavam as discussões dentro e entre
grupos.

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Já, a abordagem baseada em HQPBL, a qual seria
destinada principalmente aos trabalhos a serem apresentados
nas mostras científicas realizadas no município, não pode ser
implementada.
Após a realização dos encontros de planejamento na
escola e das reuniões no âmbito da coordenação da residência
pedagógica, foram expostas adversidades e objeções que
afetaram a exequibilidade dessa abordagem. Questões
relacionadas tanto à escola, como por exemplo, o baixo
comprometimento dos docentes, e a ausência de logística
mínima para a execução das etapas no âmbito escolar, como as
dificuldades externadas pelos residentes, principalmente em
entender e desempenhar o papel de orientador em projetos
acadêmicos.
Essas situações nos levam a questionar se os
problemas apresentados estão relacionados a uma aparente
complexidade do framework dessa abordagem por parte dos
residentes e dos docentes da escola ou, se as dificuldades
residem no entendimento inadequado da utilização e da
condução de projetos acadêmicos, questões essas que devem ser
melhor abordadas, objetivando-se a utilização dessa abordagem
de maneira efetiva.

A UTILIZAÇÃO DA ABORDAGEM NUMBERED HEADS TOGETHER

Assim como as outras metodologias aqui descritas, a


abordagem NHT baseia-se na resolução de problemas de modo
cooperativo, ao passo que também permite a avaliação do
desempenho individual dos indivíduos.
Diferente das proposições associadas ao PBL e HQPBL,
o NHT apresenta um caráter prático e lúdico facilmente
reconhecível pelos alunos. Essa abordagem se fundamenta no
planejamento e na aplicação de atividades onde o educador,

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através da proposição de desafios, avalia a aprendizagem dos
alunos em equipe. No NHT enfatiza-se a responsabilidade dos
membros de um grupo em realizar as tarefas como uma unidade,
estimulando os alunos a demonstrar suas capacidades e a
elaborar estratégias para resolver os problemas propostos
pelo professor (WORA et al., 2017).
Na perspectiva do educador, o uso da NHT pode
permitir que o profissional avalie dois aspectos principais:
1) o desempenho individual, que permite a verificação de
possíveis fragilidades específicas do entendimento de cada
aluno, além de sua criatividade e capacidade cooperativa; e,
2) a socialização do aluno ao participar de um grupo com
objetivo comum e seu envolvimento na resolução coletiva de
atividades, através do compartilhamento de ideias e da
interação social.
A NHT pode ser dividida em três etapas principais que
podem ser subdivididas conforme o planejamento e objetivos do
educador. Essa abordagem tem sido proposta como um método
baseado no esforço coletivo e tem recebido reformulações em
aplicações nas últimas duas décadas (MCMILLEN et al., 2016).
No Quadro 3, pode-se observar a estrutura geral de cada uma
das etapas para realização da NHT.

Quadro 3. Descrição das etapas e características da metodologia


Numbered Heads Together
Etapas Estrutura e Objetivos Gerais

O educador planeja os objetivos e a estrutura da


atividade onde irá usar a NHT. Necessariamente é
Elaboração uma atividade que deve incluir a participação
coletiva na resolução da atividade.

É realizada a divisão dos grupos conforme


critérios que podem ser pré-estabelecidos junto à
classe ou levando-se em consideração uma
homogeneização dos grupos a partir de avaliações
Organização prévias. Cada aluno dentro dos grupos receba um
número (que deve ser distribuído de maneira
aleatória) após o que o professor propõe problemas
e/ou questões. Os alunos devem reunir-se e

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discutir entre si para chegar a uma maneira de
resolver o que foi pedido. O professor deve
verificar se o grupo entendeu o que lhes foi
proposto e se estão discutindo para se chegar a
uma resposta.

Para a resolução, o professor sorteia um número e


o aluno com o número correspondente deve então
Condução representar o grupo e responder o que foi
solicitado.

Fonte: (Autoria Própria, 2020)


Os residentes e o preceptor decidiram por aplicar os
princípios dessa metodologia durante as regências, sendo os
princípios da NHT utilizados muitas vezes a partir de
adaptações do modelo original. Por exemplo, foram adicionadas
novas regras a fim de prolongar os momentos de discussão
entre os alunos sobre os problemas, regras para a
apresentação de respostas, dentre outras.
Além das regências, foram elaboradas pelos residentes
cinco atividades que envolviam toda a comunidade escolar,
divididos entre gincanas e dinâmicas envolvendo diferentes
turmas. Essas atividades foram baseadas em reformulações de
iniciativas já existentes na escola que, naquele momento, não
estavam em operação, além de serem apresentadas novas
atividades subsidiadas pelos princípios da NHT.
Como exemplo temos as Gincanas baseadas em conteúdo
das Ciências Naturais e de Matemática que se constituíram em
eventos distribuídos ao longo do ano escolar, além de
atividades realizadas em datas previamente escolhidas, como
as datas de aniversário de cientistas relevantes, onde os
temas trabalhados foram as principais contribuições destas
personalidades em prol da Ciência.
Consideramos a associação do NHT com as atividades
elaboradas na Residência Pedagógica por dois motivos
principais, as potencialidades desta metodologia em auxiliar
educadores (e licenciandos residentes) em acompanhar e
avaliar o desempenho individual e em equipe dos estudantes e

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a flexibilidade de integração com outros modelos didáticos e
MAE.
No primeiro caso, entendemos que a utilização da NHT
permitiu que os residentes, além de incentivar os alunos a
manifestar suas capacidades e a criar estratégias para
solucionarem os problemas propostos, poderiam também
verificar, sob supervisão do preceptor, quais atividades ou
estratégias se mostrariam efetivas no sentido de estimular o
engajamento dos estudantes. Enquanto a flexibilidade de
planejamento de atividades baseadas em NHT poderia também
permitir a integração com outras MAE, bem como de princípios
metodológicos diversos. De maneira ilustrativa, foram
utilizados os preceitos da Gamificação (ZICHERMANN;
CUNNINGHAM, 2011), da qual, em algumas atividades, foram
integradas concepções como o sistema de pontos e a premiação
simbólica dos grupos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para este projeto da Residência Pedagógica, optou-se


por embasar todas as atividades através de metodologias que
atendessem aos objetivos de apresentar aos residentes a
práxis docente como um processo contextualizado, contínuo e
dinâmico, onde cada um dos agentes envolvidos possui
responsabilidades distintas. Para tanto foram selecionadas
abordagens na forma de metodologias ativas de ensino,
fundamentadas em princípios como a criatividade, imaginação,
trabalho em equipe, desenvolvimento do pensamento crítico e
da argumentação.
Em linhas gerais, verificamos que a aplicação das MAE
selecionadas para esta Residência Pedagógica foram efetivas,
entretanto não em sua totalidade. Essa experiência nos

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possibilitou perceber qualidades e fragilidades em cada uma
das abordagens, assim como na integração conjunta dessas.
De maneira geral, a aplicação das MAE selecionadas
possibilitou um grande envolvimento dos alunos e o
estabelecimento de ações sinérgicas entre Residentes e
alunos. Os momentos de aprendizagem foram pautados por
trabalhos em equipe e pelo estímulo às discussões na
construção de argumentações coletivas. Essas atividades
subsidiaram satisfatoriamente um melhor entendimento dos
temas abordados por parte dos alunos, além de estabelecer uma
compreensão de que os conteúdos curriculares, vistos em sala
de aula também podem, e devem, ser contextualizados com os
eventos que ocorrem cotidianamente no “mundo real”.
Também foram evidenciadas dificuldades por parte dos
residentes e preceptores em trabalhar com as MAE,
principalmente em questões como a percepção em entender a
natureza e finalidades desse tipo de modelo e compreender
como utilizá-las para planejar, aplicar e analisar os
resultados de atividades pautadas por essas metodologias.
Levando-se ainda em consideração a maioria dos
residentes deste projeto apresentavam-se nos estágios finais
de seu percurso formativo, a abordagem desta residência, tal
como foi conduzida, permite-nos levantar questões sobre as
possíveis fragilidades do processo de formação docente, em
especial às questões relacionadas à utilização e compreensão
de abordagens metodológicas diferentes das quais estes
residentes tiveram contato, tanto em sua formação básica,
quanto em sua formação acadêmica.
Outro ponto a se destacar diz respeito às escolas-
campo, onde por vezes contatou-se que gestores e docentes se
apresentavam em parte reflexivos às proposições apresentadas,
seja pela falta de interesse ou pela não compreensão global

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dos pressupostos que compuseram o arcabouço teórico-prático
desta residência.
Apesar da efetividade das abordagens conduzidas,
entendemos que para a utilização com excelência de novos
modelos e métodos de aprendizagem, se faz necessária que tais
propostas sejam embasadas e conduzidas de forma contínua
durante o processo formativo dos futuros docentes.
É imprescindível que os licenciandos tenham contato
com novas concepções e abordagens didático-pedagógicas que
permitam contribuir com a aprendizagem dos alunos, mas que
também criem nos futuros docentes a percepção que o ensino
deve transformar os estudantes em agentes ativos na
construção de seu conhecimento, visando a criação de um
entendimento amplo e contextualizado, o que lhes permita
compreender e atuar como agentes transformadores de contextos
e demandas da sociedade da qual fazem parte.

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A RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA EM BIOLOGIA NO MUNICÍPIO DE
CODÓ, MA: relatos de casos, aprendizagens e
reflexões

Paulo Rodrigo Cruz dos Santos


Raimundo Francisco Oliveira Nascimento
Jayara de Sousa Lima
José Orlando de Almeida Silva
INTRODUÇÃO

O Programa Residência Pedagógica (RP) foi criado com


o objetivo de aprimorar a formação dos graduandos em cursos
de licenciatura; fortalecer, ampliar e consolidar a
integração entre as instituições de ensino superior (IES) e
as escolas; e viabilizar a concórdia entre o currículo de
formação inicial de professores da educação básica frente às
orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRAZIL,
2017; Portaria n° 38 de fevereiro de 2018). Para tanto, são
necessárias diversas estratégias, como o desenvolvimento de
atividades que incitem o licenciando a relacionar teoria e
prática docente, bem como a coleta de dados e o diagnóstico
da escola quanto ao ensino, aprendizagem e metodologias
didáticas utilizadas em seu espaço.
A formação inicial do graduando caracteriza-se como
um período formal no qual os processos de aprender a ensinar
e ser professor são formados de modo sistemático, com
fundamentos e contextos (MIZUKAMI apud NACARATO, 2008). A
formação inicial e a prática docente são temas recorrentes em
debates, tendo em vista as melhorias no processo ensino e
aprendizagem. Nesse sentido, tais objetivos referentes à
docência se renovam em programas de formação inicial, como o
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

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(PIBID) (COSTA; SILVA, 2019), e àqueles de formação
continuada (PERES et al., 2013).
A fluidez proeminente e a fugaz superficialidade de
informações que atravessa o dia a dia das pessoas, sobretudo
dos alunos, provoca no professor a necessidade de se
reinventar e a confrontar as exigências contemporâneas,
muitas dessas ainda desconhecidas. Esse fenômeno acolita o
desprestígio social e desvalorização da sua profissão em
vários aspectos (LEITE et al., 2018).
Em virtude dos novos cenários atuais, novos desafios
são impostos à educação no que tange às fontes de ensino,
metodologias, formas e modernas tecnologias a serem
utilizadas pelo educador em prol do educando (MORAES et al.,
2019). Diante do exposto, emerge a necessidade de métodos
inovadores de ensino-aprendizagem, definidos pela mudança de
foco do ato de ensinar para a prática de aprender, do
professor para o aluno, pela promoção da autonomia e o
prestígio do aprender a aprender (SOUZA; IGLESIAS; PAZIN-
FILHO, 2014).
Nesse sentido, dentre as diversas modalidades
didáticas, as aulas práticas e projetos se apresentam como os
mais adequados (KRASILCHIK, 2008). Para Smith (1975, apud
CARVALHO et al., 1998) a importância do trabalho prático é
inquestionável no contexto das disciplinas de ciências e
biologia. Desse modo, o ensino de biologia deve assimilar
teoria e prática, uma vez que, se aprende melhor praticando
(INTERAMINENSE, 2019).
Nesse cenário, o Programa Residência Pedagógica é
muito importante para a formação do licenciando, visto que
proporciona ao graduando maior contato com as escolas
públicas. Isso é necessário para que o mesmo tenha contato
com as múltiplas dimensões que compõem o ambiente escolar,
como documentos internos que regem a política da escola,

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preparação e acompanhamento discente pelo preceptor,
sobretudo na regência do residente em sala de aula. Portanto,
o presente trabalho teve como objetivos relatar as atividades
que foram realizadas nas escolas públicas de educação básica
no município de Codó, MA, pelos alunos residentes do Programa
Residência Pedagógicos em Biologia/Capes; e, inclusive,
discutir a importâncias destas atividades para a formação dos
licenciandos do curso de Licenciatura em Ciências
Naturais/Biologia, da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), do Campus de Codó.
O Programa Residência Pedagógica em Biologia, por
meio do projeto “Vivenciando e Refletindo sobre o Ensino de
Ciências Naturais na Escola”, foi realizado em três escolas-
campo e compreendeu duas etapas: Ambientação e Imersão do
residente.

AMBIENTAÇÃO DOS RESIDENTES NA ESCOLA CAMPO

As atividades da etapa de ambientação dos alunos


residentes nas escolas-campo foram realizadas no período de
16 de outubro de 2018 a 15 de janeiro de 2019, em três
escolas da rede pública estadual na área urbana do município
de Codó, MA. Em cada escola havia uma equipe composta por
oito alunos residentes e um preceptor, professor de biologia
da própria escola incumbido de acompanhar e orientá-los:
- Centro de Ensino Renê Bayma, localizada na rua Honorino
Silva, nº 959, bairro São Francisco. Alunos residentes:
Raimundo Francisco Oliveira Nascimento, Natália Cristina
Rodrigues da Silva, Maria do Carmo Gomes Brito Costa, Sabrina
Nunes Sales, Jailson Pinheiro Silva de Sales, Mayara Galvão
Pereira, Luís Eduardo da Conceição, Sthefane Sabrina Martins

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Morais. Professora preceptora: Josinalva Barbosa da Silva
Oliveira.
- Centro de Ensino Luzenir Matta Roma, localizada na rua Léa
Archer, s/n, bairro São Sebastião. Alunos residentes: Paulo
Rodrigo Cruz dos Santos, Irlan Rodrigues Pinto, Vanessa Luz
Aragão, Carlene dos Santos Barbosa, Liliane da Silva Vieira,
Elrilene da Cruz Pereira, Thays Cruz Freitas, e Mayara dos
Santos Silva. Professora preceptora: Simone de Sousa Bezerra,
que, posteriormente, saiu do programa por encerramento do seu
vínculo empregatício com a escola. Depois, a função de
preceptora nesta escola passou a ser exercida pela professora
Alaíde Lopes de Azevedo.
- Centro de Ensino Reitor Ribamar Carvalho, localizada na rua
Freire de Coimbra, bairro São Sebastião. Alunos residentes:
Jayara de Sousa Lima, Helena Melo dos Santos, Rita do
Nascimento Morais Silva, Rafael de Lima Machado, Rozinete
Guimarães de Pinho, Sarah Raquel Santos da Silva, Ueverson
Silva de Almeida, e Ideane Melo da Silva (Que depois foi
substituída, a pedido, porque estava em estado de gravidez de
risco. Em seu lugar entrou a residente Thaissa Fernanda Silva
e Silva). Professor preceptor: Keliton da Silva Vianna.
Posteriormente, as atividades nesta escola foram suspensas
por problemas de saúde com o professor preceptor, e, então,
realocadas para a escola Centro de Ensino para Jovens e
Adultos Lúcia Bayma, que está localizada na Rua Afonso Pena,
no bairro Centro, sob o acompanhamento e orientação do
preceptor professor Cláudio Roberto Rodrigues Caldas.
Na ambientação nas escolas campo, os residentes
fizeram a identificação e caracterização da estrutura física,
análise das relações interpessoais da comunidade e da
documentação escolar, como o Projeto Político Pedagógico
(PPP), regimento escolar, atas, livros de protocolo e de
ponto dos funcionários. Foram também analisadas as atividades

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que ocorreram em alguns espaços da escola, como laboratório,
sala de vídeo e biblioteca. Além disso, os residentes
participaram de reuniões de planejamento e acompanharam a
rotina da gestão escolar.
O diagnóstico dos prédios das escolas campo
forneceram informações relevantes sobre as condições de
trabalho de todos os funcionários e dos requisitos
estruturais para a aprendizagem dos estudantes. O
conhecimento dos espaços que as escolas possuem possibilitou
aos residentes planejarem melhor quais ambientes seriam
utilizados, para além da sua sala de aula. Locais como o
pátio, biblioteca, sala de informática e auditório são
ambientes apropriados para a construção de novos
conhecimentos, uma vez que, são espaços que compõem o
ambiente escolar (GOHN, 2006).
As condições de infraestrutura da escola, como
estrutura física e presença de espaços próprios e adequados
na instituição de ensino, são muito importantes para o
desenvolvimento com êxito do trabalho docente e, portanto,
estão diretamente relacionadas ao processo de ensino-
aprendizagem dos alunos (MONTEIRO; SILVA, 2015).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) (n.º 9.394/96), em seu artigo 12, impele às escolas,
consoante as normas comuns e as do seu sistema de ensino, o
dever de produzir e praticar sua proposta pedagógica, ou
seja, o seu Projeto Político Pedagógico (PPP) (BRASIL, 1996).
As análises dos PPP’s das escolas proporcionaram aos
alunos residentes o conhecimento das metodologias utilizadas
para a formação dos alunos como cidadãos conscientes e
críticos. Esse período, embora efêmero, foi fundamental para
entender os objetivos sociais e políticos das escolas, pois
esclareceu o intento subjacente no papel de cada
profissional.

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IMERSÃO NA ESCOLA CAMPO

As atividades de imersão nas escolas campo foram


realizadas no período de 16 de janeiro a 30 de novembro de
2019. Esta etapa foi dividida em três fases: Observação,
Intervenção e Regência em sala de aula.

Fase de observação

Na fase de observação, os alunos residentes


acompanharam o(a) professor(a) preceptor(a), em sala de aula,
para analisarem, sob alguns critérios, os seus aspectos de
planejamento, organização, metodologias de ensino, didática,
meios de avaliação da aprendizagem e a relação interpessoal
com seus alunos e demais profissionais da escola, como
professores, gestão escolar, secretários, zeladores e
segurança. A observação didática docente proporcionou aos
licenciandos a oportunidade de observarem seu futuro ambiente
de trabalho, metodologia e didática de um professor (PIMENTA;
LIMA, 2006).
Analisar a metodologia de ensino de um profissional
da educação em plena atividade é um exercício que transcende
a simples observação superficial da sua função, pois existem
particularidades intrínsecas ao seu ambiente de trabalho.
Nesse contexto, a observação possibilitou ao graduando
elaborar uma boa relação de ensino-aprendizagem na sala de
aula, bem como continuar a desenvolver uma identidade sólida
como futuro professor, através dos aportes da teoria e
prática (GARCÍA, 2006; ANDRÉ, 2012; NEVES, 2012; BIANCHI,
2016).
A ação de observação é importante porque possibilita
analisar e entender são as relações interpessoais e com o
ambiente ao seu redor (ARAGÃO; SILVA, 2012). Segundo Altet

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(2017), a observação é o único mecanismo adequado para
descrever, explicar e compreender as práticas de ensino.
Nesse contexto, a observação é uma ferramenta que permite
verificar a relação entre a teoria com a prática e introduz o
licenciando na realidade do seu ambiente de trabalho e o
coloca diante das dificuldades peculiares, para que possa
adquirir experiência mediante o estudo do exercício da
profissão por uma pessoa com mais experiência (NODARI;
ALMEIDA, 2012).
De acordo com Pimenta e Lima (2006), a formação do
professor ocorre pela observação e tentativa de reprodução
dessa prática modelar, como um aprendiz que aprende o saber
acumulado. Sendo assim, por meio das atividades produzidas
pelo professor preceptor, o aluno residente passou a se
reconhecer na carreira docente e a entender o funcionamento
de sua futura profissão.

Fase de Intervenção

Na fase de intervenção, caracterizada pelo auxílio ao


preceptor (a) durante as aulas, foram criados e realizados
muitos jogos, atividades lúdicas e experimentos práticos que
viabilizaram aos alunos das escolas campo uma aprendizagem
mais significativa. Dentre as atividades de intervenções,
foram realizados: jogo da memória, jogo de corrida,
caracterização dos grupos vegetais, prática sobre a erosão
hídrica do solo e confecção exsicatas.
O jogo da memória, realizado na escola Matta Roma,
possui 60 cartas feitas com papel cartolina envolvidas por
fita adesiva transparente, para proporcionar maior
resistência e, ao mesmo tempo, visibilidade. As cartas são
divididas em três classes – imagem, palavra e significado – e
precisam ser relacionadas de acordo com o conceito do

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conteúdo trabalhado com os estudantes durante o jogo.
Conteúdos básicos do 1º ao 3º ano da disciplina de Biologia
foram incorporados ao jogo. Neste jogo, vencia a equipe com a
maior quantidade de acertos.
O jogo de corrida, realizado na escola Matta Roma,
possui um dado, 66 cartas, uma tampinha de garrafa pet e um
tabuleiro com 35 casas, confeccionado com folha de cartolina.
As cartas possuíam questões com conteúdo estudados pelos
alunos do 1º ao 3º ano na disciplina de Biologia. Cada equipe
era representada por uma tampinha. Em cada casa, o instrutor,
aluno residente do jogo fazia uma pergunta para a equipe,
que, caso respondesse certo, avançava pelas casas do
tabuleiro, e, também, jogava o dado novamente. Contudo, caso
a equipe errasse a resposta, teria de passar a vez para a
outra equipe. Vencia o jogo a equipe que chegasse primeiro ao
final da pista.
A intervenção de caracterização dos grupos vegetais,
realizada na escola Matta Roma, foi uma atividade lúdica na
qual os alunos foram divididos em quatro grupos, onde cada um
representava um clado vegetal diferente (Briófitas,
Pteridófitas, Gimnospermas e Angiospermas). Os grupos
receberam quatro placas, cada uma com a uma ilustração de uma
planta de um dos diferentes clados vegetais. O instrutor,
aluno residente, do jogo ficava com as fichas, que continha
uma característica geral ou específica de cada clado vegetal.
Após a leitura da característica, cada grupo tinha de
identificar a qual clado vegetal se referia. Ao ser
confirmada a resposta como sendo certa, ergueria uma placa
com uma imagem correspondente e explicaria o caráter
mencionado. Cada ficha conquistada representava um ponto e,
no final do jogo, vencia o grupo com o maior número de
fichas.

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Estes tipos de jogos realizados pelos alunos
residentes com os alunos das escolas campo empregam as
habilidades cognitivas, como a atenção, percepção e memória
para o desempenho satisfatório do jogador. Além de melhorar
essas capacidades, eles também desenvolvem as habilidades
emocionais e sociais, pois beneficia a interação social e a
colaboração mútua (RAMOS et al., 2017).
Segundo Libâneo (2006), os métodos de ensino são
determinados como as várias ações, etapas, situações e
condições utilizadas propositalmente pelo professor em função
da aprendizagem dos alunos. Nesse contexto, o lúdico é muito
relevante para proporcionar um melhor conhecimento ao aluno,
visto que atividades como essas são atraentes para os
estudantes por despertarem a curiosidade e a motivação em
aprender (SANTOS, 2013).
A atividade prática sobre erosão hídrica do solo foi
realizada na escola Renê Bayma como complemento ao conteúdo
sobre ecologia ministrado pela professora preceptora. Para a
realização dessa prática, os alunos foram divididos em grupos
e tiveram o acompanhamento e orientação dos residentes. Cada
grupo fez a simulação de dois tipos de solos que foram
colocados em recipientes de garrafas pets, sendo um com grama
e outras plantas de pequeno porte e o outro sem vegetação.
Posteriormente, foi adicionado água na mesma quantidade aos
dois sistemas para a verificação das suas capacidades de
retenção. Como resultado do experimento, os alunos
constataram que os solos desprovidos de vegetação são os que
sofrem maior erosão hídrica.
A confecção de exsicatas, realizada na escola Matta
Roma, foi uma atividade que envolveu a participação dos
estudantes que, sob a orientação dos residentes, coletaram e
montaram amostras vegetais prensadas e secas. Essas amostras

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foram afixadas em cartolina e receberam etiquetas com
informações sobre local, data e nome do coletor.
Esta atividade possibilitou a discussão sobre a
importância de se conhecer e preservar a flora de uma região.
Para Sakane (apud FIDALGO; BONONI, 1984), o herbário é uma
coleção de plantas mortas, secas e montadas que servem como
documento para várias finalidades como, por exemplo, para o
diagnóstico da flora de certa área, para reconstituição do
clima de uma região, para avaliar a ação da poluição de
origem antrópica, dentre outras finalidades.

Fase de regência

Na fase de regência, os alunos residentes ministraram


aulas para os alunos das três escolas, Renê Bayma, Matta Roma
e Lúcia Bayma, sob o acompanhamento, supervisão e orientação
das respectivas preceptoras e preceptor. Nessa fase, muitas
experiências positivas foram adquiridas pelos residentes,
visto que, puderam participar de cada momento que compõem a
aula como um todo, desde o planejamento, ministração das
aulas para os alunos, avaliação e reflexão.
A construção do plano de sequência didática, plano de
aula e as aulas foram realizadas de forma individual pelos
alunos residentes, visto que, os profissionais em formação
possuíam preferências relacionadas à didática, organização do
espaço em aula, atividades lúdicas e interação com os alunos
e destes entre si.
Segundo Pacca (1992), o planejamento pedagógico é
entendido como a determinação dos objetivos, seleção e
localização de atividades dentro de uma sequência pedagógica
que conduz a aprendizagem. Para Schön (1993), um professor
profissional deve cultivar uma relação reflexiva com a
docência, ou seja, refletir sobre o seu trabalho para seguir

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em um regime de aprendizagem contínua. Nesse sentido, a
reflexão vinculada à ação constitui-se como uma importante
fonte para o aprendizado profissional do professor.
Segundo Garcia (1984), o ensino constitui-se como uma
ação intencional, que foi concebida pelo professor, como
mecanismo de interação com o aluno, com o objetivo de
facilitar a aprendizagem do estudante. Nesse sentido, o
período de regência dos residentes nas escolas campo foi
muito produtivo à sua formação profissional docente. À frente
da sala de aula, os residentes puderam exercitar, no ensino,
a teoria estudada durante sua formação acadêmica, no que se
refere a conhecimentos inerentes à Biologia, e aos saberes
voltados à didática, avaliação e função docente para a
sociedade.
Durante o exercício da regência, diferentes
metodologias de ensino foram empregadas na tentativa de
diversificar a rotina de aulas, visando a maior participação
dos alunos e, por consequente, sua aprendizagem. Leituras de
textos e resolução de exercícios do livro didático,
atividades lúdicas, discussão em equipes, grupo de
verbalização e de observação (GV/GO), debates com a sala de
aula em círculo, aula teórica expositiva e dialogada e
exibição de filmes com viés didático, foram algumas
metodologias de ensino utilizadas.
Nessa fase de regência, os residentes também
realizaram várias atividades práticas com os alunos das
escolas campo. Na escola Lúcia Bayma, por exemplo, foram
confeccionadas maquetes de células pelos próprios alunos após
serem ministrados assuntos referentes à Citologia, como,
tipos, organização, constituição e funções das estruturas e
organelas celulares (Figura 6). Com os alunos da escola Renê
Bayma, os residentes realizaram várias atividades práticas
utilizando o Laboratório de Biologia Geral da Universidade da

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Federal do Maranhão do Campus de Codó, tais como, observação
de células e tecidos de plantas e animais, observação dos
animais da coleção didática do Campus e uma prática sobre
divisão celular mitótica.
Dentre as metodologias mencionadas, aquelas que os
estudantes demonstraram maior satisfação, por meio da sua
participação e comentários, foram as atividades práticas de
laboratório, discussão em equipe e exibição de filmes. A
escolha do método de ensino leva em consideração os fatores
intrínsecos a complexidade do problema e as diferenças que
cada estudante possui, isto é, os seus conhecimentos prévios,
competências e experiências adquiridas desde a infância,
sabendo que estes elementos mudam a maneira de aprender de
cada indivíduo (FERRARI; SOUZA; DIAS, 2016).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Programa Residência Pedagógica em Biologia foi


muito importante para a formação dos alunos residentes, pois
proporcionou-lhes a observação e vivência in loco dos
ambientes da escola e do exercício da profissão de professor.
O Programa Residência Pedagógica buscou o
aprimoramento da formação docente por meio da necessária
articulação entre o que os alunos aprendem na universidade e
o que experimentam na prática da residência, considerando que
um dos aspectos mais importantes em relação à formação
docente é proporcionar ao aluno oportunidades para que
desenvolva a capacidade de relacionar teoria e prática
docente, para, assim, poderem refletir sobre sua prática
profissional.
A fase de observação proporcionou aos residentes
conhecer as práticas pedagógicas que são aplicadas no
contexto escolar, e depois, poderem planejar e elaborar novas

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ações a fim de auxiliar no processo de ensino-aprendizagem
dos alunos das escolas campo. Os jogos e atividades práticas
realizadas viabilizaram aos alunos das escolas campo a
criação de novas estratégias de aprendizagem e possibilitaram
a esses terem mais confiança em si mesmo.
As ações e atividades realizadas pelos alunos
residentes proporcionaram uma melhoria significativa no
índice de aprendizagem dos alunos das escolas campo, pois, os
tais alunos adquiriram mais conhecimento relativos à
disciplina Biologia, em virtude das diversas metodologias e
técnicas de ensino empregadas pelos residentes.

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199
O NEOTECNICISMO, A BNCC E SUAS CONSEQUÊNCIAS NOS
SUBPROJETOS EM ENSINO DE FILOSOFIA DOS PROGRAMAS
RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA DE 2018-2020: breves
aproximações filosóficas

Diogo Silva Corrêa


Thiago Alvarenga Barbosa
Walmagson Rodrigues dos Santos

INTRODUÇÃO

O saber filosófico, munido de toda a sua amplitude,


diversidade de temas, problemas, questões, capacidade de
relacionamentos com outras áreas de conhecimentos, saberes,
valores, crenças, costumes etc. É fundamental também nos
ambientes formais educacionais para estados com intuito
democrático em seus objetivos de cidadania.
Os estudos filosóficos, que têm presença nos níveis
de ensino formal de uma noção, oportunizam também opções
políticas de currículos (e de elementos mínimos para um
ensino), que projetam perfis de mentalidades de pessoas
(cidadãs e seus desafios políticos) por parte da organização
dos países pelo menos, ao que parece, devido a um
entendimento histórico, em sua larga dimensão no ocidente.
Nesse sentido, o texto abaixo se inicia com
entendimento de competência pessoal, ponto importante a ser
atrelado como formação educacional tendo como referencial o
futuro mercado de trabalho exposto no relatório sobre o
futuro da educação de uma comissão internacional presidida
por Jacques Delors.

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A partir da citação de alguns autores, é feita a
relação entre a influência desse termo do relatório
educacional (competência pessoal e suas correlações) e a
ideia de competência incluída e norteando o aprendizado na
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e isso permite uma
problematização no viés filosófico.
Por isso, é colocado, nesse texto, a interpretação de
duas abordagens filosóficas de pensadores com teorias
antagônicas. Após, deixar para a pessoa leitora algumas
questões voltadas para a importância da competência e suas
características neotecnicista na BNCC, em continuidade, faz-
se presente o problema da técnica como modo de controle
ideológico explicitado em Habermas, incluso numa esfera
pública de influência da primeira geração da Escola
Frankfurt.
Além disso, a forte inserção de elementos
neotecnicista em um contexto educacional de maior diversidade
de pensamento, cultural, política, étnica, social etc.
Características que amplamente se constituem no século XXI
pode levar a uma frágil formação cidadã e um restrito espaço
de pesquisa nos cursos de graduação em licenciatura no
Brasil, principalmente aqui em questão o ambiente do ensino
filosófico. O que pode permitir, por exemplo, a restrição do
livre pensamento, crítico, reflexivo, espectral etc.
Nos cursos de licenciatura em filosofia, perpetua-se
clausuras e assim fica entre a miopia e a visão limitada no
âmbito do conhecimento, tanto no ensino como na pesquisa.
Devido a isso, reforçamos a crítica com um relato
interpretativo sobre o Olho da Universidade do filósofo
Jacques Derrida, onde o referido pensador trata de um
problema filosófico da visão na universidade, desprezando a
possibilidade de criar, em meio às invisibilidades, a falta
de viver essas experiências, mantém e reduz apenas a

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cartilhas tecnicistas ou neotecnicistas nos espaços de ensino
formal. Começando pelo viés universitário que é o escopo do
texto filosófico supracitado.
Por fim, este capítulo então se dá em dois momentos.
No primeiro, a exposição do problema e das inconsistências
neotecnicistas presentes cerceando a amplitude filosófica,
identificando a presença desses aspectos na BNCC. Em seguida,
na mesma seção ainda, trata-se aqui do relatório Delors. Na
última seção as duas abordagens filosóficas partindo de
Habermas para Jacques Derrida.
Dos problemas no Ensino de Filosofia no Novo Ensino
Médio para a forte dimensão neotecnicista na BNCC. No artigo
intitulado O ensino de Filosofia e a reforma educacional: O
que fazer? Christian Lindberg, docente em filosofia da
Universidade Federal de Sergipe, pontua questões que
percebemos ter tido pertinência no que tange ao ensino de
Filosofia na BNCC e por extensão como norte na composição dos
subprojetos em Filosofia no Programa Residência Pedagógica.
Com isso partimos, na ocasião, de alguns relatos dele com a
seguinte passagem abaixo.
O primeiro item a ser destacado diz respeito às
unidades curriculares. Onde disciplinas (Biologia,
Física Química, Sociologia, História, Geografia,
Filosofia, Artes e Educação Física) serão diluídas em
grandes áreas – Ciências da Natureza e suas
tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
Será requerido do estudante que ele possua habilidades
e competências para o exercício da cidadania e para
desenvolvê-las no mundo do trabalho. (LINDBERG, 2020,
p. 1 - 2).

Tendo em vista essa primeira questão, acrescentou-se


outro elemento, com um certo destaque,
[...]por causa da lei nº 13.415/2017, a BNCC/EM, que,
caracteriza a Filosofia como estudos e práticas, algo
distinto da perspectiva disciplinar. Uma atividade de
protagonismo juvenil, por exemplo, pode ser
considerada uma atividade prática de caráter
filosófico. (LINDBERG, 2020, p. 2).

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Tratando-se, ainda, conforme abordou o referido
autor, sobre essa legislação educacional emergente, na época,
ressalta-se também a seguir.
A DCNEM é bastante objetiva no que se refere ao
caráter disciplinar. Ela afirma que o currículo por área de
conhecimento deve ser organizado e planejado dentro das áreas
de forma interdisciplinar e transdisciplinar, ou seja, não
existe mais, no caso das Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas, as disciplinas de História, Geografia, Sociologia
e Filosofia. Elas se articulam em torno das habilidades e
competências.
Este caráter interdisciplinar e transdisciplinar será
estabelecido através de diversos procedimentos
metodológicos, podendo ser criadas situações
pedagógicas mais colaborativas, que se articulem com o
interesse dos estudantes e valorizem seu protagonismo.
(LINDBERG, 2020, p. 2).

Lindberg (2020) ainda afirma que as competências para


a área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas estabelecem um
paradigma diferente do atual para o ensino da Filosofia.
Nesse sentido,
[...]essa configuração, além de diluir o caráter
peculiar da Filosofia na área denominada Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas, além disso, o que se
entende aqui bem mais grave, a informação que esta
legislação contempla apenas duas áreas da Filosofia:
Epistemologia e Ética e Filosofia Política, e mesmo
assim de forma sumária. (LINDBERG, 2020, p. 3).

E por fim, outro aspecto, esse mais conceitual, diz


respeito ao significado dos termos habilidades e
competências. Essa última característica, sendo umas das
principais desses apontamentos. Quando afirma que esses itens
são consequências de uma noção bastante difundida nos anos
90, mais precisamente após a publicação do relatório Jacques
Delors, habilidades e competências, segundo o autor aqui
abordado, dizem respeito à concepção pedagógica denominada de

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neotecnicista, onde está é compreendida como aquela que
capacita os estudantes, única e exclusivamente, ao manuseio
dos conhecimentos que lhes são dados.
Concluímos o relato deste pesquisador com uma
passagem que servirá para nossa seção final. Visto que,
[...]nesse sentido, o caráter crítico e criativo que a
educação pode permitir aos indivíduos é totalmente
podado, tornando-os apenas em sujeitos que operam
funções previamente determinadas por outrem.
(LINDBERG, 2020, p. 3).

Complementamos que “Essa retomada dos princípios


tecnocráticos, consubstanciados na prioridade concedida à
racionalidade técnica em detrimento da criticidade.” (NEIRA,
2018, p. 215).
Leva-nos a expor passagens do artigo intitulado
Incoerências e inconsistências da BNCC de Educação Física, do
professor da Universidade de São Paulo, Marcos Garcia Neira.
Este texto nos serve, pois, ao expor questões da
filosofia acima, tratamos também, no viés mais amplo, da
dimensão neotecnicista da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). Vale ressaltar que, conforme Neira (2018, p.216), a
BNCC institui-se como referência nacional para a
elaboração de currículos dos sistemas de ensino e das
propostas pedagógicas das escolas, o que nesse
sentido, alinha políticas e ações em torno da formação
de professores, avaliação e critérios de
infraestrutura para o desenvolvimento da educação.

E devido a isso, na linha de exposição que destacamos


acima Neira(2018) também afirma que para abarcar tantas
frentes, o documento recupera a tipologia dos conteúdos
proposta por Coll, isso se dá, quando coloca as aprendizagens
essenciais ou habilidades a serviço do desenvolvimento de
competências definidas, por exemplo, ‘‘como a mobilização de
conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades
(práticas cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores
para resolver demandas complexas da vida cotidiana’’. (NEIRA,

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2018, p. 216, apud Brasil, 2017, p. 8). Sendo que, por
conseguinte, a BNCC “[...]retoma a preocupação com a
eficiência do ensino anunciada pela vertente tecnocrática de
Tyler, expressando-a naquilo que Perrenoud define como
competências”. (NEIRA, 2018, p. 216).
Um especialista é competente porque simultaneamente:
(a) domina, com muita rapidez e segurança, as
situações mais comuns, por ter à sua disposição
esquemas complexos que podem entrar imediata e
automaticamente em ação, sem vacilação ou reflexão
real; (b) é capaz de, com um esforço razoável de
reflexão, coordenar e diferenciar rapidamente seus
esquemas de ação e seus conhecimentos para enfrentar
situações inéditas. (NEIRA, 2018, p. 216 apud
PERRENOUD,1999).

Diante deste quadro, que se apresenta bem


preocupante, e ainda se valendo de passagens de Neira,
percebe-se que, na tentativa de justificar sua opção, a BNCC
[...] afirma que a elaboração de currículos
referenciados em competências é uma tendência
verificada em grande parte das reformas implantadas
desde o fim do século passado, onde, o enfoque é
adotado pelas avaliações internacionais. (NEIRA, 2018,
p. 217).

O que se torna uma explicação bem insuficiente, pois,


não é de hoje que Lopes e Macedo (2011) chamam a atenção para
“[...]a perversidade da articulação, sob a batuta do mercado,
dos organismos internacionais, avaliações padronizadas e
currículos por competências”. (NEIRA, 2018, p. 217).
Além disso, ainda de acordo com Neira,
[...] encontramos a pretensão de indicar aprendizagens
essenciais para todos os alunos do Ensino Fundamental,
isso sendo em um país com dimensões continentais e tão
diversos como o nosso, nos leva a entender que a
própria definição dessas aprendizagens soa um tanto
arrogante. (NEIRA, 2018, p. 217).

E por fim, se questiona Neira, como pode alguém


arvorar-se o direito de dizer o que é essencial para o outro
saber? A justificativa coube em exatas duas linhas, nas quais

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se defende a ideia inverossímil de ‘‘igualdade educacional’’
(NEIRA, 2018, p. 217 apud BRASIL, 2017, p. 15).
Essas questões, neotecnicismo, educação a serviço
estritamente do mercado de trabalho, tendo em vista
princípios internacionais, podem ser percebidas no texto
acima mencionado por Lindberg. Por isso, no texto Da noção de
qualificação à noção de competência, da seção desse relatório
Delors, encontramos elementos no que tange a definição
tecnocrática de competências. Isso porque o texto inicia
afirmando que
[...]na indústria especialmente para os operadores e
os técnicos, o domínio cognitivo e do informativo nos
sistemas de produção, torna um pouco obsoleta a noção
de qualificação profissional. (DELORS et al, 1998, p.
93).

Entende-se como uma constatação desse relatório a


passagem que versa ser evidente que as qualidades muito
subjetivas, inatas ou adquiridas, muitas vezes denominadas
“saber-ser” pelos dirigentes empresariais, se juntam ao saber
e ao saber-fazer para compor a competência exigida. (DELORS
et al 1998, p. 93).
Nesse sentido, esse resultado do dossiê mostra como
as consequências voltadas para a educação são expressas por
parte dos organizadores desse estudo, onde, para esses, a
educação deve se transformar para itens práticos do fazer,
como sublinha a comissão, entre os diversos aspectos do
processo ensino e aprendizagem.
Não menos interessante o referido relatório continua
expondo que qualidades como a capacidade de comunicar, de
trabalhar com os outros, “[...]de gerir e de resolver
conflitos, tornou-se cada vez mais importantes. E que, esta
tendência torna-se, ainda mais forte, devido ao
desenvolvimento do setor de serviços” (DELORS et al, 1998, p.
93).

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O texto ainda avança ao afirmar que o progresso
técnico modifica, inevitavelmente, as qualificações exigidas
pelos novos processos de produção. Segundo o relatório,
“[...]as tarefas puramente físicas são substituídas por
tarefas de produção mais intelectuais, mais mentais, como o
comando das máquinas, a sua manutenção e vigilância”. (DELORS
et al, 1998, p. 93). Com isso, podendo ser incluídas também
tarefas de concepção, de estudo, de organização à medida que
as máquinas se tornam, também, mais “inteligentes” e que o
trabalho se “desmaterializa”. (DELORS et al, 1998, p. 93).
Já, em Reconhecer as competências adquiridas graças a
novas formas de certificação, o relatório expôs que jovens
não diplomados, não tendo nenhuma competência reconhecida,
não só se acham em situação de insucesso no plano pessoal
como estão também em situação de inferioridade prolongada
perante o mercado de trabalho. Por isso, segundo o texto, é
importante que as competências adquiridas, especialmente
durante a vida profissional, possam ser “[...]reconhecidas
pelas empresas, mas também pelo sistema educativo formal
incluindo o universitário”. (DELORS et al, 1998, p. 148).
E a presente seção conclui que existe a convicção de
que a concretização generalizada, sob diversas formas, deste
sistema de certificados, ao lado dos diplomas obtidos na
formação inicial, acabará por valorizar o conjunto de
competências e facilita a transição entre educação e o mundo
do trabalho. E o texto, por fim, afirma que “[...]estas
propostas são válidas tanto para os diplomados como para não
diplomados”. (DELORS et al, 1998, p. 148).
Este layout, que selecionamos, do relatório Delors,
nos mostra alguns aspectos sobre relações humanas e da
constituição de ser humano, juntamente com o âmbito de
competência pessoal, estarem em detrimento à manutenção de

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novas formas de atividades extremamente técnicas e úteis para
o mercado de trabalho voltadas para a prestação de serviços.
Levando em consideração um novo aspecto de dimensão
industrial a competência pessoal passa se fazer necessária,
segundo o presente relatório, a substituir a dimensão e
expressão qualificação profissional. O que aponta, e reforça,
para algumas consequências no viés de um entendimento
neotecnicista, demonstrando características semelhantes ao
pensamento e ânsia tecnicista de meados dos anos setenta do
século passado. Dando um significativo enfoque quando se
torna estritamente necessário basilar a formação educacional.
Isso nos leva ao retorno do problema filosófico da
técnica como ideologia problematizado por Habermas e, por
fim, a inserção de outras formas de pensamentos, não se
restringindo à racionalidade técnica, de herança re-flexiva
filosófica, como aponta o viés da desconstrução e filosofia
da espectralidade em Jacques Derrida. Que virão na próxima
seção deste texto.
Da técnica como ideologia política exposto por Jürgen
Habermas para outros horizontes de ensino em Jacques Derrida.
Partiremos agora para a exposição interpretativa de dois
pensadores da filosofia contemporânea, porém de vertentes
teóricos antagônicos, a saber, o filósofo alemão Jürgen
Habermas e o autor da desconstrução na filosofia, o pensador
franco magrebino Jacques Derrida. Nestes escritos a ideia é
mostrar como propostas educacionais podem emergir de modo
significativo tendo em vista os olhares e visagens também com
a cultura filosófica.
No caso de Jürgen Habermas, a presença tem como
contribuição a denúncia ainda em um viés marxista acerca do
problema da técnica, pois, como foi percebido na seção
anterior, as características apontadas nos documentos que
norteiam legislações educacionais são de cunho de um

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progresso técnico, com a visão estritamente do mercado ou de
anseios internacionais que nos levam a uma massa restrita a
formação de prestação de serviços.
O que denominamos aqui de um contexto de formação
educacional voltado para os princípios tecnocráticos. Por
isso, os escritos habermasianos têm uma relação para
evidenciar essa dimensão tecnocrática como um elemento de
dominação. Dando implicações para os possíveis sentidos que a
educação brasileira do século XXI corre o risco de adotar.
Em Técnica e Ciência como “Ideologia”, Jürgen
Habermas ainda se encontra como um teórico da primeira
geração da Escola de Frankfurt, pois encontramos em obras
como essas de meados dos anos sessenta um Habermas bem
atrelado às consequências teóricas no pensamento de Marx, se
restringindo a denúncia de um teor de dominação e exploração
na sociedade.
Sendo assim, o momento mais interessante de Habermas
com relação a esta Obra se encontra no texto de mesmo
nome, Técnica e Ciência como “Ideologia”. E é
importante frisar que nesse texto Habermas utiliza
interlocutores como Herbert Marcuse, Marx Weber e Karl
Marx. É justamente com relação a Marx que a base desse
texto vai se valer como uma abordagem. (CORRÊA, 2015,
p. 51).

O enfoque é com relação a um novo programa de


dominação na sociedade contemporânea, ou seja, a ideia de uma
denúncia crítica não se perde em Habermas. A grande novidade
é que analisando o advento do novo programa, evidenciado por
uma nova faceta do capitalismo, a teoria de Marx, pautado em
uma forma de exploração presente em uma época fica
comprometida.
Este novo programa para Habermas expressa uma nova
forma de dominação na sociedade, não por acaso, que desde o
último quartel ao século XIX, fazem-se notar nos países
capitalistas avançados duas tendências evolutivas, para o

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autor a primeira foi um incremento da atividade
intervencionista do Estado, que deve assegurar a estabilidade
do sistema e, a segunda, esta crucial e mote aqui dessa
investigação, uma crescente interdependência de investigação
técnica, que transformou as ciências na primeira força
produtiva(CORRÊA, 2015). E nesse sentido, impõe-se o foco da
técnica e da ciência como conceitos que se diferenciam, agora
no sistema capitalista, porque, nessa dimensão de uma leitura
marxista de Habermas, A ciência e a técnica se transformam na
primeira força produtiva (CORRÊA, 2015). Visto que, para
Habermas, por conta do exposto, O modo de produção e a força
de produção devem ser revistos como marcos reguladores de
toda a sociedade. Principalmente na forma como ele está a ser
operacionalizado e utilizado como modelo de sociedade
(CORRÊA, 2015).
A exposição desse entendimento deixa aqui algumas
relações com os efeitos neotecnicistas que foram
identificados na seção anterior, onde, a legislação
educacional advém de aspectos presentes no âmbito econômico.
Não é sem precedentes que é possível ler a constatação abaixo
como um acréscimo dos riscos vigentes.
Como variável independente, aparece então um
progresso quase autônomo da ciência e da técnica, do qual
depende de fato a outra variável mais importante do sistema,
a saber, o crescimento econômico. Cria-se assim uma
perspectiva na qual a evolução do sistema social parece estar
determinada pela lógica do progresso técnico-científico. A
legalidade imanente de tal progresso parece produzir as
coações materiais pelas quais se deve pautar uma política que
se submete às necessidades funcionais (CORRÊA, 2015).
Foi um entendimento, da época e por parte de Habermas
que o progresso técnico científico é a lógica que determina o
sistema social no atual momento, ele é o item categorial que

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perpetua a aparente liberdade humana. E por isso, desencadeou
um formato novo de dominação, isso porque ele penetra nas
relações de cunho político.
É o norte da intervenção estatal no mundo
contemporâneo. Resta saber se esse mundo atual daquele
período não é o momento em vigor, portanto, com os escritos
acima podem gerar fortes dúvidas à pessoa leitora.
Para que possamos, da identificação de um problema
como perspectiva filosófica, chegar a uma outra exposição
filosófica, com um maciço viés propositivo, partiremos de
algumas interpretações sobre, e principalmente, o livro O
Olho da Universidade de autoria do filósofo franco magrebino
Jacques Derrida.
O início dessa apresentação leva em consideração que
para tratarmos de subprojetos de ensino de filosofia, no
Programa Residência Pedagógica, estamos lidando com algumas
dimensões, a saber, a do ensino de filosofia no ensino médio,
mas também, a do ensino de filosofia nos cursos de graduações
em licenciatura, logo, outra dimensão educacional, e além
disso, da universidade em si mesma. Como espaço de formação
humana e, no caso de Derrida, de aberturas, elemento
importante quando tratamos de relações humanas e sociedade
nesse pensador.
Com isso, traremos as interpretações derridianas
presentes na tese de doutorado intitulada Considerações sobre
Derrida e a Universidade, de André de Barros Borges. Esse
texto mostra um significativo entendimento de Derrida e suas
perspectivas teóricas acerca da universidade, pois, ao tratar
de contribuições para o programa Residência Pedagógica,
partiremos, de Derrida, para questões sobre o ensino na
Universidade.
Por isso, no subtópico, dessa tese, denominado de A
Fidelidade de um Guardião, mais precisamente no capítulo

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sobre as Visões da Universidade: entre a barreira protetora e
o abismo. Debruça-se sobre “As Pupilas da Universidade – o
princípio de Razão e a ideia de Universidade” e ser um
importante texto de Derrida sobre a questão da instituição
universitária (BORGES, 2010, p. 80). Segundo o próprio
pesquisador esse texto foi apresentado primeiramente em
inglês, em 1983, como conferência inaugural para o
recebimento do título de Professor-at-large Andrew D. White,
concedido a Derrida pela Universidade de Cornell. (BORGES,
2010). Em que Derrida acentuou em sua conferência que,
naquele momento, ele estava muito envolvido com a direção do
Colégio Internacional de Filosofia em Paris. (BORGES, 2010,
p. 80). Devido a isso, fica o seguinte.
O contexto político para tal iniciativa era o de
eleição de um governo socialista na França em 1981 –
numa plataforma que incluía as propostas do Greph para
manter e estender o ensino da filosofia ao sistema
educacional francês. Essas propostas emergiram depois
de várias resistências às reformas, chamadas de
“Haby”, que incitaram os “Estados Gerais da
Filosofia”, ocorridos na Sorbonne, em junho de 1979. O
ativismo relacionado ao Greph e ao “Estado Geral”
ajudou a obstruir e a inverter as reformas propostas
pelo governo francês. Um comitê do governo foi posto
para investigar a possibilidade de uma faculdade
internacional de filosofia na França.

Diante disso, Borges também acrescenta que o texto


“As pupilas da Universidade – o princípio de Razão e a ideia
de Universidade” deve ser situado e lido a partir desse “pano
de fundo” (BORGES, 2010, p. 80), em que segundo o mesmo, no
qual a disciplina de Filosofia e as instituições
universitárias são tratadas por meio de investigação
filosófica e de ação prática.
Nos vários textos de Derrida desse período, a inter-
relação entre teoria e prática, pensamento e ato, filosofia e
ativismo, “básico” e “pesquisa”, é submetida a uma
interrogação desconstrutiva constante (BORGES, 2010, p. 80).
E com relação a isso, entram algumas explicações sobre

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Desconstrução. Item central no pensamento derridiano. É
estritamente necessário afirmar, como trata as leituras sobre
Derrida, que Desconstrução não é destruição nesse viés de
estudo derridiano.
Incide-se uma importante relação entre alguns termos
do pensamento de Jacques Derrida, como por exemplo,
Desconstrução, como a capacidade de diante das aporias do
pensamento, mesmo assim, ser capaz de criar, inventar, chegar
ao impossível. Logo, as ideias de desvios e deslocamentos são
características importantes no que tange à temática
desconstrutiva.
Tendo em vista isso, o contínuo movimento
desconstrutivo, de Derrida, no âmbito filosófico, tem uma
relação com os limites da tradição ocidental filosófica,
pautada em alguma racionalidade, em expressões reflexivas.
Isso acaba se estendendo para outras dimensões das relações
humanas.
Para não cair nesse jogo de termos restritos, tanto
no seu âmbito de palavras, como no seu aspecto de alcance,
Derrida trata de elementos que não são passíveis de
definições. Isso porque, os quase conceitos derridianos,
denominação dada aos termos usados pelo referido filósofo,
“provocam pensamentos e atitudes diferenciadas” (SOLIS,
HADDOCK-LOBO, CORRÊA: 2010, p. 494). Logo, a indefinição é
uma forma de sempre deixar aberto e por definir, bem como a
Indecidibilidade que leva sempre a ter liberdade para um
horizonte amplo de decisões.
É nesse sentido que um modo de pensar a desconstrução
é por meio da espectralidade. Aquele que advém como feixe de
iluminação incerta, desviada, quebrada. Com relação a isso, o
referido pensador tem como inspiração Hamlet. E conta
Derrida.

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Me interessei, por exemplo, pelo que chamo de efeito
de viseira no fantasma do rei, do pai de Hamlet. O
efeito de viseira diz respeito ao fato de que o
fantasma vê sem ser visto, por usar uma viseira.
Tentei, a partir daí, pensar o que é uma situação em
que a gente é olhado sem poder olhar, uma situação
espectral (DERRIDA, 1994, p. 3).

E para Derrida o espectro é uma incorporação


paradoxal, o devir-corpo, uma certa forma fenomenal e carnal
do espírito. torna-se, de preferência, alguma “coisa” difícil
de ser nomeada: nem alma nem corpo, e uma e outra. (DERRIDA,
1994, p. 29). E segundo ele A espectralidade foi o viés
estratégico da desconstrução. “Tratava-se de encontrar uma
categoria que resistisse às categorias filosófica”. (DERRIDA,
1994, p.3). A partir disso, percebe-se, que a desconstrução
derridiana, pode estar além, dos limites filosóficos do
pensar. Verificando assim, o quanto aquém, se dá,
perspectivas educacionais que se reduzem ou se limitam ainda
mais dentro de um estado de exercício de raciocínio. Algumas
restrições da racionalidade técnica e do neotecnicismo. Ainda
com relação a desconstrução e filosofia Borges afirma o
seguinte.
Em Papel-Máquina, Derrida distingue a filosofia da
desconstrução. Para ele, se o pensamento filosófico
possui estratégias e sistemas, a desconstrução, pelo
contrário, tenta abalar as estratégias e mostrar a
fraqueza de todo sistema que emite uma verdade. Em De
que amanhã, Derrida prefere afirmar que em todo
discurso há desconstrução e que o pensamento
desconstrutor não faz nada mais que liberar essa
desconstrução (BORGES, 2010, p. 68).

Segundo o texto de Borges, o pensamento da


desconstrução se dá buscando deslocamentos a partir do
incentivo aporético. E na escritura de Derrida, a aporia é
“aquilo que transcende seus próprios limites” (BORGES,2010,
p. 147). É nesse sentido que trazemos aqui, por meio das
interpretações derridianas, outras possibilidades de

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movimento do ser humano e assim outras ideias de organização
legislativa educacional.
É o que se apresenta quando adentramos na questão da
Visão da Universidade. Problematizando a questão da visão e
do conhecimento, pois, de uma forma mais geral, no texto “As
pupilas da Universidade”, Derrida reflete sobre o que
permanece invisível à visão da Universidade. Com alusão à
Metafísica de Aristóteles e, nesse aspecto, Derrida mostra
como, desde as primeiras linhas, “[...] a questão da vista é
associada à questão do conhecimento” (BORGES, 2010, p. 82).
Assim, a visão foi durante muito tempo considerada
como o sentido privilegiado do desejo de saber. Não
obstante, Derrida sugere que a noção de que somente o
saber-ensinar e o saber-aprender devam ser valorizados
não pode nunca ser “suficiente”. Na Universidade, nós
talvez necessitemos ouvir contrariamente, com o ouvido
do outro. Derrida sugere: deve-se saber fechar os
olhos para escutar melhor (BORGES, 2010, p. 82 apud
Derrida, 1999, p. 130).

E sendo assim, “[...] além do mais, por referência ao


De anima, de Aristóteles, Derrida se refere a uma antiga
distinção dos animais de olhos duros e secos, desprovidos de
pálpebras” (BORGES, 2010, p. 82 apud Derrida, 1999, p. 127),
e acentua o fato de que, constantemente, eles veem, segundo
essa pesquisa, que o “homem,” o “animal racional”, possui uma
espécie de élitro ou membrana tegumentária (phragma), que lhe
protege o olho e lhe permite, a intervalos regulares,
encerrar-se na noite do pensamento interior ou do sono
(BORGES,2010, p. 82 apud Derrida, 1999, p. 127). Diante dessa
passagem, a Universidade não deve ser um animal de olho duro,
insiste Derrida (BORGES, 2010, p. 82 apud Derrida, 1999, p.
128).
atento a uma série complexa de relações entre
vigilância, poder, controle, mestria, conhecimento e
desejo, que acompanham um olhar constante – tal como
no “homem da representação” heideggeriano: caricatura
do homem da representação, no sentido heideggeriano,
Derrida lhe atribuiria facilmente olhos duros,

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permanentemente abertos para uma natureza a dominar e,
se necessário, a violar, mantendo-a diante de si, ou
precipitando-se sobre ela como uma ave de rapina
(BORGES: 2010, p. 82 apud Derrida, 1999, p.137).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista aspectos finais deste artigo proposta,


deixa-se o entendimento de que, em certo momento do ensaio,
Derrida interroga a proposta kantiana “de que a Universidade
deve ser governada por uma ideia de razão, a de uma
totalidade do saber presentemente ensinável” (BORGES: 2010,
p. 82 apud Derrida, 1999, p. 130) e isso porque:

A singularidade da cena do ensinar, do aprender, do


escrever, do ler, mostra uma inevitável
“performatividade” a respeito do objeto de pesquisa e
também subverte a possibilidade de um ponto de vista
teórico que consiga a totalidade do campo. Assim
Derrida profere: “antes de preparar o texto de uma
conferência, devo preparar-me a mim mesmo para a cena
que me espera no dia de sua apresentação”. “Sinto-me
como um animal acuado que procura na escuridão uma
saída inencontrável”. (BORGES, 2010, p. 82 apud
Derrida, 1999, p. 128).

Assim, contrariando o desejo de alguns membros da


Universidade de Cornell, deve-se “abaixar a membrana,”
levantar a barreira, “ajustar o diafragma,” ou estreitar a
visão, precisamente para fazer justiça à visão da
Universidade em termos mais gerais (BORGES, 2010, p. 82). E,
não somente Cornell, mas a ideia de Universidade moderna se
encontra em um abismo (BORGES, ibid.).
Com isso, desde o Iluminismo, essa autoridade,
legitimidade e licença, concedida ao princípio da razão
(BORGES, id.), o que nos leva a perceber que a questão do
fundamento desse princípio é o próprio incontestável, o
intransponível, o aporético (BORGES, id.).
Nessa sequência de pensamento, avançamos, quando
paradoxalmente, alguém só pode “ver” (inspecionar) se

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abandonar a distinção convencional entre “visão” e “não
visão”. Essa duplicidade é o que caracteriza o guardião fiel
da Universidade. (BORGES, 2010, p. 88).
Essa estrutura dupla da reflexão, encontrada na
origem da Universidade, indica que devemos dar atenção às
formas até então irreconhecíveis, como ver, ouvir e pensar.
Se o universitário está, de fato, aberto à
possibilidade de um futuro além da soberania e da dominação,
ele deve se manter seguro, manter um olhar além, no piscar de
um olho, na passagem do tempo, uma responsabilidade única
pelo “que ele não tem e que ainda não existe. Nem sob sua
guarda, nem sob seu olhar” (BORGES, 2010, p. 88-89 apud
Derrida, 1999, p. 157).
Esse “duplo estar em guarda” questiona o corpo da
Universidade, suas origens ou fundações, sua visão, suas
tradições, seu futuro, seu “conhecimento”, seu ensino
(BORGES, 2010, p. 89). Deixa inquirições constantes também
aos projetos e programas educacionais como o Residência
Pedagógica, onde aqui a proposta que fica é incentivar o
pensamento nunca se restringir, possibilitando sempre
incertas aberturas para novas civilizações, inéditas
experiências humanas.

REFERÊNCIAS

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Universidade. Tese (Doutorado em Filosofia). Rio de Janeiro:
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2010.
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Educação: os rastros descolonizadores do bumba meu boi e do
tambor de crioula para as escolas brasileiras. In: DOS
SANTOS, Franciele Monique Scopetc; CORRÊA, Diogo Silva
(org.). Ética e Filosofia: Gênero, Raça e Diversidade
Cultural. Porto Alegre: Editora Fi. 2020.

TYLER, R. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto


Alegre: Globo; 1974.

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219
SOBRE OS AUTORES E AUTORAS

Alexsandra Câmara Paz Lindoso. Mestra em Ciência Animal na


Área de Produção Animal (UFPA). Graduada em Ciências com
Habilitação em Biologia (UEMA). Professora de Biologia
(SEDUC-MA), no Centro de Ensino Benedito Leite.

Amanda Pereira Gomes. Docente do Curso de Licenciatura em


Ciências Humanas/Sociologia-Campus São Bernardo da
Universidade Federal do Maranhão-UFMA. Professora Permanente
do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade-Pgcult
(UFMA) na linha de pesquisa Expressões e Processos
Socioculturais. Líder do Grupo de Pesquisa Epistemologia da
Antropologia, Etnologia e Política (CNPQ). Doutora em
Antropologia pela Universidade de São Paulo - USP (2018) com
área de concentração em etnologia indígena. Possui Mestrado
em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco
(2008). Graduação em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Maranhão-UFMA (2006)

Ana Caroline Amorim Oliveira. Coordenadora do subprojeto


durante o período de 2019-2020. Docente do Curso de
Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia-Campus São
Bernardo. Docente do Programa de Pós-Graduação em Cultura e
Sociedade-PGCULT da Universidade Federal do Maranhão-UFMA.
Doutora em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/
UERJ. Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz
de Fora/ UFJF. Bacharel em Ciências Sociais com habilitação
em Antropologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Coordenadora do Grupo de Estudos de Gênero e Educação Chita/
Gitã.

Andréa Martins Cantanhede. Licenciada e Bacharela em Ciências


Biológicas pela UFMA, mestre e doutora em Ciências Biológicas
formada pelo INPA, atualmente é professora do curso de
licenciatura em Ciências Biológicas do CCAA/UFMA ministrando
disciplinas relacionadas a prática pedagógica. Exerceu a
função de coordenadora de área do programa PIBID/CAPES.

Aziel Alves De Arruda. Possui graduação em Licenciatura em


Matemática pela Fundação de Ensino Superior de Olinda –
FUNESO (2000), graduação em Pedagogia pela Faculdade Entre
Rios do Píaui – FAERPI (2014), Especialização em
Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade Alfa
(2015), Especialização em Formação de Educadores pela
Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE (2000),
Mestrado EM Desenvolvimento de Processos Ambientais pela

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220
Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP (2008),
Doutorado em Ciências da Educação pela Universidade Autonoma
de Assunção (2015) Revalidado pela UFRJ. Atualmente é
professor Adjunto no curso de Pedagogia da Universidade
Federal do Maranhão – UFMA – Campus VII Codó.

Caio César Silva Lima. Licenciando em Ciências


Naturais/Biologia. Membro do Grupo de Pesquisa em Genética,
Evolução e Ensino de Ciências, atuando na área de Ensino de
Ciências e Evolução, com ênfase onde desenvolve trabalhos com
ênfase em avaliação de compreensões sobre Natureza da Ciência
e Investigação Científica.

Carina Helena Wasem Fraga. Professora Adjunto do Departamento


de Educação Física na UFMA. Coordenadora do Curso de
Licenciatura em Educação Física na UFMA (2016-2018). Docente
Orientadora do Programa Residência Pedagógica no Curso de
Educação Física da UFMA Campus São Luís (2018-2020). Pós-
doutorado na Escola de Educação Física e Esporte da USP.
Doutorado em Ciências da Motricidade da UNESP. Mestrado em
Ciências do Movimento Humano da UFRGS. Licenciatura Plena em
Educação Física da UFRGS.

Cícero Wellington Brito Bezerra. Possui graduação em Química


Industrial pela Universidade Federal do Maranhão (1992),
mestrado em Química Analítica pelo Instituto de Química de
São Carlos (1995) e doutorado em Fisico Química pelo
Instituto de Química de São Carlos (1999). Atualmente é
Professor Associado da Universidade Federal do Maranhão. Tem
experiência na área de Química, com ênfase em Campos de
Coordenação e planejamento de novos materiais, atuando
principalmente nos seguintes temas: interfaces, síntese e
caracterização de compostos de coordenação, catálise e
materiais avançado. Participa, na condição de orientador, dos
seguintes Programas: BioNorte, Programa de Pós-Graduação em
Ensino de Ciências e Matemática, Programa de Pós-Graduação em
Química.

Cristiane Costa de Carvalho. Mestra em Saúde e Ambiente pela


Universidade Federal do Maranhão. Graduada em Ciências
Biológicas pela Universidade Federal do Maranhão. Professora
de Biologia (SEDUC-MA) e Professora de Ciências na Rede
Municipal de São Luís na Unidade de Educação Básica José da
Silva Rosa.

Deusilene Costa Teixeira. Graduanda em Pedagogia da


Universidade Federal do Maranhão - UFMA– Campus VII – Codó –
Ma.

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221
Diogo Silva Corrêa. É professor de Filosofia (Assistente) da
Universidade Federal do Maranhão. Docente no Curso de
Licenciatura em Educação Física do Centro de Ciências
Humanas, Naturais, Saúde e Tecnologia (CCNHST), na cidade de
Pinheiro (Estado do Maranhão) e foi Docente Orientador do
subprojeto em Filosofia deste referido centro universitário.

Edison Fernandes da Silva. Licenciado e Bacharel em Ciências


Biológicas pela UFMA, Mestre e Doutor em Ciências do Solo
pela UFC e UNESP, atualmente é professor do professor do
Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, ministrando as
disciplinas de Zoologia de Invertebrados II, Paleontolgia e
Biologia do Solo. Exerceu a função de Docente Orientador do
Programa Residência Pedagógica no Subprojeto Licenciatura em
Ciências Biológicas do Campus de Chapadinha.

Eliane Pereira dos Santos. Possui graduação em Letras


Português pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), 2005;
Especialização em Língua Portuguesa pela Universidade
Estadual do Piauí (UESPI), 2006; Mestrado em Letras /
Linguística pela Universidade Federal do Piauí, 2013;
Doutorado em Letras Linguística pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), 2018. Professora Adjunta da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA), Campus - São Bernardo no Curso de
Linguagens e Códigos Língua Portuguesa. Líder do Grupo de
Estudo e Pesquisa sobre formação e prática docente de
línguas, práticas de linguagem e memórias do ensino de
espanhol no Maranhão - GEPFMEM

Francisca das Chagas Oliveira Elias. Professora da Rede


Estadual de Educação do Maranhão – SEDUC/MA e da Prefeitura
Municipal de São Luís/SEMED. Preceptora do Programa
Residência Pedagógica no Curso de Educação Física da UFMA
Campus São Luís (2018-2020). Especialização em Docência do
Ensino Superior da Universidade Cândido Mendes/RJ.
Licenciatura Plena em Educação Física da UFMA. Membro
integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagógicas em
Educação Física, GEPPEF na UFMA.

Fredson da Costa Barbosa. Especialista em Ciências da


Educação. Licenciado em Biologia pela Universidade Estadual
do Maranhão (UEMA). Professor na Rede Municipal de São Luís e
Professor de Biologia (SEDUC-MA), no Centro Integrado do Rio
Anil - CINTRA/IEMA.

Hildo Antonio dos Santos Silva. Graduado em Licenciatura


Plena em Ciências com Habilitação em Química pela
Universidade Federal do Piauí (1994). Doutorado direto em

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222
Química Analítica no Instituto de Química de São Carlos -
IQSC / USP (2001). Atualmente é professor adjunto da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Trabalha na área de
Química de coordenação e química de interface

Jayara de Sousa Lima. Filha do Pedreiro, Manoel Ferreira


Lima, e da dona de casa, Maria Lucilene Leite de Sousa,
nasceu em 03 de janeiro de 1999 na cidade de Timbiras, MA,
onde reside. Estudou toda a sua educação básica na rede
pública do município da mesma cidade. Fez a Pré-escola: na
Escola Hildene Mendonça; Ensino fundamental menor na escola
Paulino dos Santos; Ensino fundamental maior na Escola C. E.
F. Lourdes Coelho; e o ensino médio na Escola Estadual Newton
Neves, onde concluiu o 3° do ano em 2015. Desde 2016 é aluna
do curso de Licenciatura interdisciplinar em Ciências
Naturais/ Biologia, da Universidade Federal do Maranhão, no
Campus Codó.

José Orlando de Almeida Silva. Em 2008, formou-se em


Licenciatura em Ciências Naturais/Biologia, pela Universidade
Estadual do Maranhão (UEMA)/Campus de Caxias. De 2010 a 2012
fez mestrado em Zoologia na Universidade Federal do
Pará/Museu Paraense Emílio Goeldi. Trabalhou como professor
substituto na UEMA/Campus de Caxias e pelo Programa Darcy no
Campus de Coelho Neto. Foi professor substituto na
Universidade Federal do Maranhão/Campus de Chapadinha e
passou no concurso público para professor efetivo nesta mesma
instituição, na qual foi empossado em agosto do mesmo ano
para atuar no Campus de Codó, onde está até hoje. Em 2020,
foi aprovado na seleção de doutorado do Programa de Pós-
Graduação em Zoologia, pela Universidade Federal do
Pará/Museu Paraense Emílio Goeldi.

Lúcia Tereza Pinto Tugeiro. Professora da Rede Estadual de


Educação do Maranhão – SEDUC/MA e do Ensino Básico Técnico
Tecnológico do IFMA Campus Alcântara. Preceptora do Programa
Residência Pedagógica no Curso de Educação Física da UFMA
Campus São Luís (2018-2020). Especialização em Docência do
Ensino Superior do Instituto do Ensino Superior Franciscano.
Licenciatura Plena em Educação Física da UFMA.

Luciana de Paula Silva. Professora da Rede Estadual de


Educação do Maranhão – SEDUC/MA. Professora da Secretaria
Municipal de Esporte e Lazer de São Luís. Preceptora do
Programa Residência Pedagógica no Curso de Educação Física da
UFMA Campus São Luís (2018-2020). Licenciatura Plena em
Educação Física da UFMA.

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formação | organizadoras: Karla Cristina Silva Sousa| Francimar Oliveira
Miranda de Carvalho | ISBN: 978-65-86619-87-4

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Manuel Rodrigues Laranjeiras Filho. Licenciado em Ciências
Biológicas pela UESPI (Universidade Estadual do Piauí)
atualmente é professor do Ensino Médio no C.E.M. (Centro de
Ensino Médio) Dr. Otávio Vieira Passos onde exerceu a função
de Preceptor do Programa Residência Pedagógica no Subprojeto
Licenciatura em Ciências Biológicas do Campus de Chapadinha.

Mara Vieira Marques. Licenciada e Bacharela em Ciências


Biológicas pela UFMA-Chapadinha, atualmente é professora do
Ensino Médio no C.E.M. (Centro de Ensino Médio) Dr. Paulo
Ramos onde exerceu a função de Preceptora do Programa
Residência Pedagógica no Subprojeto Licenciatura em Ciências
Biológicas do Campus de Chapadinha.

Marcelo Soares dos Santos. Doutor em Genética e Biologia


Molecular, atua na área de Ensino de Ciências, Ensino de
Evolução e Produção de Materiais de Apoio Didático-
pedagógico. É Professor do curso de Licenciatura em Ciências
Naturais/Biologia-UFMA, onde foi coordenador de projetos de
Iniciação à Docência PIBID-CAPES (2011-2018) e do Programa de
Residência Pedagógica-CAPES (2018-2019).

Maria Francisca da Silva. Possui graduação em Letras Espanhol


pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), com Pós -
Graduação em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e
Literatura e Gestão do Trabalho Pedagógico pela UNINTER.
Mestre (2012) e Doutora (2017) em Letras Neolatinas/Espanhol
(Estudos Linguísticos) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ. Professora Adjunta e coordenadora do Curso
Linguagens e Códigos Língua Portuguesa, Campus UFMA, São
Bernardo /MA. Líder do Grupo de Pesquisa e Estudo sobre
Formação e Prática Docente de Línguas, Práticas de Linguagem
e Memórias do Ensino de Espanhol no Maranhão - GEPFMEM.
Pesquisadora no Grupo de Estudos Escrita e Produção de
Saberes – GEEPS.

Mariana Guelero do Valle. Doutora e mestra em Educação.


Licenciada em Ciências Biológicas. Professora adjunta do
Departamento de Biologia/UFMA. Coordenadora do Grupo de
Pesquisa em Ensino de Ciências e Biologia (GPECBio/UFMA).

Moebio Meneses Araújo Carvalho. Licenciado em Ciências


Biológicas pela UESPI (Universidade Estadual do Piauí)
atualmente é professor do Ensino Médio no C.E.M. (Centro de
Ensino Médio) Dr. Raimundo Araújo onde exerceu a função de
Preceptor do Programa Residência Pedagógica no Subprojeto
Licenciatura em Ciências Biológicas do Campus de Chapadinha.

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Paulo Rodrigo Cruz dos Santos. Filho de mãe dona de casa,
Maria Inalda da Cruz dos Santos, e pai pedreiro, Francisco
Ferreira dos Santos, nasceu em 26 de dezembro de 1997 na
cidade de Codó, MA, onde mora e concluiu a educação básica em
escolas da rede pública municipal (Pré-escola: Jardim São
José; Ensino Fundamental: Unidade de Ensino Municipal Santa
Filomena e Unidade Integrada Municipal Governador Archer) e
estadual (Ensino Médio: Centro de Ensino Colares Moreira).
Atualmente é graduando do Curso de Licenciatura em Ciências
Naturais/Biologia, pela Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), Campus de Codó, curso no qual ingressou em 2016.

Raimundo Francisco Oliveira Nascimento. Formou-se em


Licenciatura em Ciências Naturais/Biologia, pela Universidade
Federal do Maranhão (UFMA)/Campus de Codó. Ainda no ano de
2020, foi aprovado na seleção de mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Zoologia, pela Universidade Federal do
Pará/Museu Paraense Emílio Goeldi.

Thiago Alvarenga Barbosa. É Bacharel em Enfermagem pela


Universidade Federal do Maranhão, especialista em Docência do
Ensino Religioso na Educação Básica pelo Instituto de
Educação Antonino Freire, Licenciado em Filosofia com as
habilitações em Sociologia e Psicologia pela Universidade
Federal do Piauí, é professor efetivo da Secretaria de
Educação do Estado do Maranhão, com 13 anos de experiência na
Educação. Foi preceptor do Programa Residência Pedagógica na
Habilitação em Filosofia do Centro de Ciências Humanas,
Naturais, Saúde e Tecnologia (CCHNST) da Universidade Federal
do Maranhão (UFMA) em Pinheiro pela escola. Centro de Ensino
José de Anchieta.

Walkíria Martins. Doutoranda em Educação pela Universidade de


Aveiro-Portugal. Possui graduação em Pedagogia;
especialização em Docência do Ensino Superior e; em
Orientação Educacional, Supervisão e Gestão Escolar; mestrado
em Educação. É professora do Curso de Pedagogia da
Universidade Federal do Maranhão. Docente Orientadora do
Residência Pedagógica no Curso de Pedagogia. Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Formação de
Professores(as), atuando principalmente nos seguintes temas:
didática, metodologias de ensino, práticas pedagógicas e
educação a distância. Sua área de investigação concerne a
formação inicial e contínua de docentes; planificação
didática, as categorias gênero e sexualidade.

Walmagson Rodrigues dos Santos. É professor licenciado em


Filosofia e foi preceptor do Programa Residência Pedagógica
da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) no Centro de

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Ciências Humanas, Naturais, Saúde e Tecnologia (CCHNST), na
Habilitação em Filosofia pela escola Centro de Ensino Dom
Ungarelli (Pinheiro- Maranhão), possui licenciatura plena em
Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão, campus Dom
Delgado (Bacanga).

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COMISSÃO CIENTÍFICA
Adriana Regina de Jesus - UEL
Ana Flávia Nicolau Conrado - UEL
Andréa Maria Narciso Rocha de Paula - UNIMONTES
Andréia Cristina da Cruz - UEL
Ângela Maria de Sousa Lima - UEL
Angélica Lyra de Araújo - UEL
Arydimar Vasconcelos Gaioso - UEMA
Claudia Maria de Sousa de Lima - UEL
Claudiney José de Sousa - UEL
Geovani Jacó de Freitas - UFC
Helciane de Fátima Abreu Araujo - UEMA
Jamile Carla Baptista - UEL
Jaqueline Fabeni dos Santos - UEL
Jhonny Araújo - UEL
José Antonio Ribeiro de Carvalho - UEMA
Juarez Lopes de Carvalho Filho - UFMA
Leonardo Augusto de Campos - UEL
Lígia Wilhelms Eras - IFSC
Maria de Fátima Beraldo - UEL

CAPA/ILUSTRAÇÃO
Luan Carlos Nalin
FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DOCENTE NO PARANÁ
E NO MARANHÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da
Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Bibliotecária: Solange Gara Portello – CRB-9/1520

F723 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de


pandemia [livro eletrônico] / organizadores/as: Helciane de Fátima
Abreu Araujo...[et al.]. – Londrina : Madrepérola, 2021.
1 Livro digital : il.

Vários autores.
Inclui bibliografia.
Disponível em: http://www.uel.br/revistas/lenpes-pibid/pages/
publicacoes-lenpes-pibid-prodocencia.php
ISBN 978-65-87269-43-6

1. Professores – Formação – Paraná. 2. Professores – Formação –


Maranhão. 3. Educação. 4. Prática de ensino. 5. Pandemia de Covid-19,
2020-. I. Araujo, Helciane de Fátima Abreu.

CDU 371.13(816.2)

Os conteúdos dos textos publicados são de inteira responsabilidade dos/as autores/as.


DEDICATÓRIA

Ao líder camponês e sindical Manoel da Conceição Santos (1935-2021)


In memorian
SUMÁRIO

PRIMEIRA SEÇÃO
FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DOCENTE NO PARANÁ

PREFÁCIO ............................................................................................................ 11
Lígia Wilhelms Eras

APRESENTAÇÃO................................................................................................. 13
Ângela Maria de Sousa Lima; Angélica Lyra de Araújo

EDUCAÇÃO NA BARBÁRIE: A PANDEMIA E A CONSAGRAÇÃO DA


ESCOLA COMO CAMPO DE ENSINO-APRENDIZAGEM........................
26
Giovana Siqueira de Carvalho; Leonardo Augusto de Campo

TRABALHO DOCENTE E OS DESAFIOS AO ENSINO DE SOCIOLOGIA


NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO PARANÁ ........................................................ 37
Jorge Henrique Dias Fuentes

ATUAÇÃO DOCENTE EM TEMPOS DE PANDEMIA: REFLEXÕES


ACERCA DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO............................................... 54
Sandra Aparecida Batista

ATUAÇÃO DOCENTE EM TEMPOS DE PANDEMIA E OS DESAFIOS


PERANTE AS DESIGUALDADES SOCIAIS....................................................
70
Sandra Aparecida Batista

AS DESIGUALDADES NA ESCOLA E O IMPACTO DA PANDEMIA NA


EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE NA PERSPECTIVA DE DIRETORES E
PEDAGOGOS DA REDE ESTADUAL DO PARANÁ.....................................
86
Letícia Rodrigues de Souza Camargo; Jaqueline Ferreira

REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS ACERCA DO SISTEMA EDUCACIONAL


EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19: ENSINO REMOTO E
LÓGICAS DE AÇÃO............................................................................................
98
Denise Mariani Vieira Dias

A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NA REDE ESTADUAL


DO PARANÁ DURANTE A PANDEMIA E AS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS ACERCA DESSES PROFISSIONAIS................................................ 117
Jhonny de Araújo
OBSERVAÇÃO NO ESTÁGIO DA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS
SOCIAIS PRÉ-PANDEMIA E AS MUDANÇAS CAUSADAS PELA CRISE
SANITÁRIA: UM RELATO SOCIOLÓGICO.................................................. 134
João Lopes Pereira Teixeira

DO ENSINO MÉDIO ÀS SÉRIES INICIAIS: RELATOS DO ENSINO DE


SOCIOLOGIA....................................................................................................... 149
Bruna Padilha de Oliveira; Fabrizzia Christiane dos Santos

RAÇA, ETNIA E MULTICULTURALISMO: UM RELATO DE


EXPERIÊNCIA EM AULA REMOTA............................................................... 166
Ellen Pyles Pereira Alves; Fernanda de Abreu da Silva

RELATO DE EXPERIÊNCIA EM LONDRINA: AULAS REMOTAS


PROCESSO DE EXCLUSÃO (DIGITAL/RACIAL)......................................... 187
Nilda Rodrigues de Souza

RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE O EXERCÍCIO DA PEDAGOGIA


HISTÓRICO-CRÍTICA PARA O ENSINO REMOTO DE SOCIOLOGIA. 211
Amanda Caroline Bezerra de Melo

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A CONSTITUIÇÃO DA


DOCÊNCIA EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL............ 223
Adriana Regina de Jesus Santos; Daniella Caroline Rodrigues Ribeiro Ferreira;
Quenízia Vieira Lopes; Luiz Gustavo Tiroli

FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: UM OLHAR A PARTIR


DOS PRESSUPOSTOS DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA............. 242
Adriana Regina de Jesus Santos; Nathalia Martins Beleze; Thaise Pereira da
Silva

O MUNDO DIGITAL E A EDUCAÇÃO: REFLEXÕES INICIAIS ACERCA


DAS IMPLICAÇÕES DESTA NOVA CONFIGURAÇÃO.............................. 257
Henrique Fernandes Alves Neto

JUVENTUDES: SUAS RELAÇÕES COM O SABER E APRENDER............ 279


Fernando Giorgetti de Souza

CARACTERIZAÇÃO SOCIOLÓGICA DE JOVENS BENEFICIÁRIOS/AS


DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA EDUCAÇÃO DE LONDRINA-
PR............................................................................................................................ 307
Luís Gabriel Ramiro Costa
“LAVAR ROBOS”: PODER E GÊNERO NO DISCURSO DAS ALUNAS
DO CURSO DE INFORMÁTICA INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO
DO IFPR - CAMPUS LONDRINA.................................................................... 326
Rogério Martins Marlier; Cecília Avansini Rosa

VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL E A NECESSIDADE DE SUA


DISCUSSÃO NAS ESCOLAS.............................................................................. 346
Lorena Ingred Moreira Pio; Ana Flávia Nicolau Conrado

HISTÓRIA, MEMÓRIA E A CIVILIZAÇÃO DO CORPO: PENSANDO A


FORMAÇÃO DOCENTE.................................................................................... 366
Adrielen Amancio da Silva; João Fernando de Araújo; Martinho Gilson
Cardoso Chingulo; Adriana Regina de Jesus Santos; Maxwell Silva Costa

OS CONTÉUDOS DE SOCIOLOGIA/CIÊNCIAS SOCIAIS NO ENSINO


FUNDAMENTAL ABORDADOS ATRAVÉS DO ENSINO RELIGIOSO:
UMA ANÁLISE DOS DOCUMENTOS NORTEADORES............................ 379
Jaqueline Fabeni dos Santos

REFLETINDO SOBRE A HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-


BRASILEIRA A PARTIR DO LIVRO DIDÁTICO DE SOCIOLOGIA
(PNLD 2018).......................................................................................................... 408
Tamara Vieira

EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: DIÁLOGO COMO


EXIGÊNCIA RADICAL DA AÇÃO REVOLUCIONÁRIA, NA
PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE.................................................................. 428
Claudia Maria de Sousa de Lima; Adriana Salvaterra; Claudiney José de
Sousa

SEÇÃO 02

PANDEMIA, CURSOS DE LICENCIATURA E PRÁTICAS


CURRICULARES NO MARANHÃO: DESAFIOS E
DESCOBERTAS DO ENSINO REMOTO

APRESENTAÇÃO DA SEÇÃO 02...................................................................... 447


Helciane de Fátima Abreu Araujo; José Antonio Ribeiro de Carvalho

8
PRÁTICA CURRICULAR NOS CURSOS DE LICENCIATURA DA
UEMA: PESQUISA, INTERVENÇÃO E FORMAÇÃO ................................. 451
Ana Lúcia Cunha Duarte; Fabíola de Jesus Soares Santana

A PANDEMIA DA COVID-19 E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO: UM


ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA DA COMUNIDADE RURAL EM
PEDREIRAS – MA ............................................................................................... 467
Yunng Sousa Silva; Thomas Antônio Vieira de Sousa; Donizete Souza de
França; José Antonio Ribeiro de Carvalho

EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: O PAPEL DA FAMÍLIA NA


ENCRUZILHADA ENTRE OS ALUNOS E A ESCOLA ............................... 483
Adriana Brito dos Santos; Carlos Maycon Soares; Maria de Lourdes Silva
Santos França; Maria Deuzirene Alves de Souza; Maria Sílvia Pereira do
Nascimento; Marileia Oliveira Gomes Maia; Raimundo Nonato Américo da
Rocha; Rosirene Martins Lima

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E IMPACTOS NA EVASÃO DE


JOVENS NO MUNICÍPIO DE PARAIBANO/MA ......................................... 498
Andreza Quaresma dos Santos; Carla Coimbra; Daniela Sá Cruz; Geiliane
Alves da Costa; Nayara Leite de Sousa; Thaislane Sá; Amanda Gomes Pereira;
Poliana de Sousa Silva

PRÁTICAS CURRICULARES EM RELAÇÕES INTERÉTNICAS: AS


EXPERIÊNCIAS NA/DA LICENCIATURA INTERCULTURAL PARA A
EDUCAÇÃO BÁSICA INDÍGENA DA UEMA .............................................. 514
Marivania Leonor Souza Furtado; Leoilma Moraes Silva; Elson Gomes da
Silva

BLOG EDUCAÇÃO INCLUSIVA COMO INSTRUMENTO DE


DIVULGAÇÃO DE DIREITOS E METODOLOGIAS ATIVAS ...................
Cristiana Lima Rosa; Juliana Rodrigues Meneses; Larissa Alencar R. Elias; 528
Maria Oneide Silva Lima; Emmanuel de Almeida Farias Júnior

SOCIOLOGIA PARA QUÊ? - UMA ANÁLISE ACERCA DA DISCIPLINA


DE SOCIOLOGIA NO ENSINO REMOTO EM UM DENOMINADO
CENTRO DE ENSINO NO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA DO PARUÁ
– MA ...................................................................................................................... 544
Francisca das Chagas S. Araújo Oliveira; João Batista Cunha Pereira; José
Carlos da Silva; Matheus Rodrigues Nunes; Filipe da Cunha Gomes

EVASÃO ESCOLAR EM TURIAÇU-MA EM TEMPOS DE PANDEMIA


DA COVID-19: ALGUMAS REFLEXÕES ....................................................... 558
Elenice Ferreira Marques; Eunice Pinto Barbosa Gomes; Aldina da Silva Melo
A HOMOFOBIA E SEUS EFEITOS NA EDUCAÇÃO
Alderico Segundo Santos Almeida; Jackson Ronie Sá-Silva.............................. 575

RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE A DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA


EM TEMPOS DE PANDEMIA: O QUE PENSAM OS DISCENTES? ......... 608
Maria Daniela Silva Oliveira; Wanderson Castro de Sousa; Helciane de
Fátima Abreu Araujo

POR UMA QUESTÃO DE GÊNERO: O TRABALHO DOMÉSTICO E OS


DESAFIOS NO APRENDIZADO DE ALUNOS DE SOCIOLOGIA EM
UM CENTRO DE ENSINO EM CAXIAS – MA ............................................. 617
Lusiene Araújo da Conceição Dias; Filipe da Cunha Gomes

FESTEJO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS: MANIFESTAÇÕES


CULTURAIS E ORGANIZAÇÃO SOCIAL SANTARITENSE ..................... 632
Emanuelle de Maria Launé Santana; Érica Henrique Costa; Jaciene Rocha
Costa; Lorrana Kaline Mendes Campos; Nilcilene Muniz dos Santos; Mary
Joice Paranaguá Rios Rodrigues

O IMPACTO DA PANDEMIA DA COVID-19 NA SAÚDE MENTAL


DOS ESTUDANTES DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UEMA .... 646
Maria Fernanda Souza Gonzaga; Maria Eduarda Reis; Carlos Daniel
Trindade; Rosidete Lopes; José Antonio Ribeiro de Carvalho

A INFLUÊNCIA DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS NO


DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL NA COMUNIDADE
ESCOLAR............................................................................................................... 659
Ana Cristina de Sousa Silva; Ana Cristina Ribeiro Gomes; Jaciléia Pereira
da Silva; João Antônio Moreira França; Paloma Arrais Rodrigues; Thamires
Aparecida Pereira da Costa; Rosirene Martins Lima

SOBRE OS/AS ORGANIZADORES/AS............................................................ 683


PREFÁCIO

Um livro é um artefato material e uma inspiração para tornar


registradas as nossas marcas e impressões sobre o mundo. Esse é um
livro de inspiração humanista, reflexivo, crítico e de protesto. É um livro
de encontro profícuo de professores/as pesquisadores/as dos estados do
Paraná e do Maranhão, além de Mato Grosso e São Paulo, encontro de
mentes e emoções, sonhos e constatações, imaginação e criação, autorias e
experiências de se pensar a escola como uma possibilidade ativa de inovar
pensamentos, tecnologias, ações para todos.
Os textos buscam desvelar o sentido da contradição do começo ao fim
de sua composição, especialmente pela natureza das condições estruturais
que cercam o campo educacional e as sociabilidades de nosso tempo.
A contradição entre o encontro e o desencontro de um contexto
pandêmico que modificou profundamente as relações sociais e os modos
de aprender, mediados pelas tecnologias informacionais como uma
possibilidade e uma imprecisão.
A contradição do ensino marcada por uma lógica de desgaste público
da imagem de professores e professoras, de um movimento institucional-
estrutural de ações políticas restritivas às condições de trabalho docente,
da desvalorização dos conteúdos escolares e da estigmatização da
aprendizagem como algo não prioritário na disputa socioeconômica que
envolve nossos dias e que coloca em segundo plano o humanismo das
relações.
Enfim, a contradição que “esconde” as desigualdades sociais e que
insiste em negar oportunidades de vida melhores com gosto de realização,
não apenas pessoal, mas coletivos. De uma desigualdade que nega a
participação ativa e plena aos seus cidadãos e suas cidadãs quando reproduz
a pobreza, o desemprego, a violência, a não-qualificação profissional, o
preconceito, a não-democracia como padrões de normalidade, intocáveis
e indiferentes.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 11


De outro lado, é um livro marcado por resistência e esperança, quando
cuidadosamente extrai a matéria-prima essencial do métier docente: o
olhar analítico e inteligente em relação de alteridade.
Os textos de professores/as pesquisadores/as estrategicamente
pensam possibilidades didáticas de uma educação combatente às
contradições de nosso tempo: a elaboração de práticas e planos de
ensino humanizados; projetos de ensino e de pesquisa integrados entre
áreas disciplinares; a potencialidade do arsenal teórico-metodológico
educacionais na interpretação dos desafios contemporâneos que aciona um
“pensamento fora da caixa”; a análise de conteúdos dos livros didáticos para
uma educação democrática e antirracista; a operacionalização do estágio
docente num contexto de isolamento social; a análise de políticas públicas
educacionais em combate à evasão escolar e à pobreza; a educação de sentido
decolonial que viabilize espaços e vozes diversificadas e empoderadas na
escola e na sociedade como um movimento de ruptura e enfrentamento de
destinos únicos e desiguais no mundo.
É um convite aberto para que você, leitor e leitora, também estejam
presentes com uma leitura ativa em todos esses encontros didáticos-
pedagógicos, intelectuais e humanos em incessantes buscas de reconstrução
do espírito construtivo humanitário atrelados às relações de ensino.

Profa. Dra. Lígia Wilhelms Eras


Docente no IFSC/Campus Xanxerê
Pós-doutoranda pelo PPGSOC/UEL

12 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


APRESENTAÇÃO DA SEÇÃO 01

É como muita honra que organizamos a Coletânea “Formação e


atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de Pandemia”, junto
com a professora Adriana Regina de Jesus, neste momento coordenadora
do PPEdu/UEL (Programa de Pós-graduação em Educação) e com os/as
três professores/as Helciane de Fátima Abreu Araujo, José Antonio Ribeiro
de Carvalho e Arydimar Vasconcelos Gaioso, do curso de graduação em
Ciências Sociais, da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, de São
Luís.
A parceria do Departamento de Ciências Sociais, da Universidade
Estadual de Londrina, com projetos, eventos e programas do Ciências Sociais
da UEMA, persiste há mais de uma década. Neste período de muitas trocas
de conhecimentos, de experiências e de diálogos, já produzimos juntos/as
vários artigos, relatos, resumos expandidos para eventos relevantes, como
o ENESEB (Encontro Nacional sobre o ensino de Sociologia na Educação
Básica) e os GTs da SBS (Sociedade Brasileira de Sociologia).
Fruto dessa parceria, no presente texto apresentamos sínteses dos
artigos e dos relatos de experiências produzidos por licenciandos/as,
egressos/as da Licenciatura de Ciências Sociais, do PROFSOCIO/UEL, do
PPGSOC/UEL, de professores/as de Sociologia que atuam na Educação
Básica e de colaboradores/as de diversos projetos de ensino/pesquisa/
extensão do Departamento de Ciências Sociais, do Centro de Letras e
Ciências Humanas – CLCH, da Universidade Estadual de Londrina. Há
de se destacar a produção de um artigo por uma estudante do Ensino
Médio Integrado do IFPR/PR. Dentre eles, vinte e dois textos tratam de
atuações docentes em diferentes instituições de ensino públicas no Paraná
e um texto traz reflexões conjuntas das atuações docentes em escolas de
Educação Básica de São Paulo e Mato Grosso, porém refletindo acerca das
experiências de formação inicial na Universidade Estadual de Londrina,
Campus Londrina-Paraná.
Abrimos a seção com o artigo dos/as estudantes do Curso de
Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 13


Giovana Siqueira de Carvalho e Leonardo Augusto de Campos, intitulado
“Educação na barbárie: a pandemia e a consagração da escola como campo
de ensino-aprendizagem”. O trabalho apresenta a escola enquanto campo
de ensino-aprendizagem dos saberes historicamente construídos e como
importante espaço de socialização. Por meio de pesquisa bibliográfica,
evidenciam como a escola, mesmo diante de tantos desafios, cumpre
função chave na composição de uma cultura específica para juventudes.
Dialogando com o propósito dessa Coletânea, apresentam as problemáticas
da suspensão do ensino presencial em decorrência da pandemia da
Covid-19, a passagem abrupta para o ensino remoto e como tal contexto
desconsidera as particularidades e as diferentes realidades de cada estudante
A seguir, o artigo “Trabalho docente e os desafios ao ensino de
Sociologia na Educação Básica do Paraná”, do Mestre em Ciências Sociais
pela Universidade Estadual de Londrina – UEL e professor de Sociologia
da rede estadual em Colombo/PR, Jorge Henrique Dias Fuentes, debate a
situação do trabalho de professores/as de Sociologia diante da redução de
50% da carga horária semanal da disciplina de Sociologia em cada série do
Ensino Médio no Paraná, ocorrida em dezembro de 2020, em pleno período
de pandemia, sem a devida discussão com a classe docente. Situação esta
que afeta também o trabalho de professores/as de Arte e Filosofia, pela
Instrução Normativa nº 11/2020 que alterou a Matriz Curricular do Ensino
Médio intensificando o processo de precarização do trabalho docente no
Estado e colocando tais disciplinas novamente na condição de intermitentes.
Na sequência temos dois artigos da professora de Sociologia da Rede
Estadual, também egressa do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede
Nacional (PROFSOCIO), Sandra Aparecida Batista. Seu primeiro texto
“Atuação docente em tempos de pandemia: reflexões acerca das condições
de trabalho”, mostra as dificuldades anteriores à pandemia, sofridas pelo
corpo docente no Paraná, a exemplo da carga horária extraclasse; da baixa
remuneração; das desigualdades das condições de exercício da profissão;
da ausência de reconhecimento social e de valorização profissional. A
docente acentua que a precarização do trabalho da classe professoral no
Estado não é uma temática nova, mas se agrava com a pandemia. Justifica
esse agravamento pela imposição do Ensino Remoto Emergencial (ERE),

14 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


associado aos imperativos do capital, que transformam a educação e os/as
trabalhadores/as em mercadoria, resultando na sobrecarga da jornada de
trabalho; na intensificação dos mecanismos de extração do sobretrabalho;
na impossibilidade de desvincular a vida pessoal e profissional; na ausência
de participação nos processos decisórios, reduzindo assim o professor a
uma peça da engrenagem.
“Atuação docente em tempos de pandemia e os desafios perante as
desigualdades sociais”, é o segundo artigo da mesma docente da Educação
Básica, onde trata das rotinas alteradas e do fato dos/as profissionais da
educação necessitarem se reinventar devido às demandas do contexto
pandêmico. Sandra Aparecida Batista reflete sobre estes diferentes
desafios enfrentados pela classe diante do processo de intensificação da
precarização das condições e relações de trabalho. Também debate as
condições desiguais de acesso às aulas remotas e aos conteúdos escolares
por parte de estudantes, mostrando que o Brasil carece de políticas públicas
de inclusão digital e que as desigualdades sociais constituem um fator de
flagrante prática discriminatória.
Depois, temos o artigo “As desigualdades na escola e o impacto
da pandemia na educação: uma análise na perspectiva de diretores/as e
pedagogos/as da Rede Estadual do Paraná”, da graduada em Pedagogia pela
Faculdade Catuaí Letícia Rodrigues de Souza Camargo e da Professora
da Secretaria de Estado da Educação do Paraná Jaqueline Ferreira. Esta
última também Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”-UNESP/Marília. O analisa os impactos
do contexto social de desigualdades na aprendizagem de estudantes da
Educação Básica, mostrando como a escola pode trabalhar com eles/
as, especialmente diante do desafio eminente da evasão escolar. Ambas
destacam a relevância das instituições de ensino não ficarem alheias
às situações vivenciadas por eles/as. Em suma, analisam a realidade
educacional na pandemia na perspectiva de pedagogos/as e diretores/as
da rede estadual do Paraná, buscando compreender como a instituição
de ensino atua com alunos/as em situação de vulnerabilidade, pensando
alternativa de enfrentamento dessas dificuldades.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 15


O artigo “Reflexões sociológicas acerca do sistema educacional em
tempos de pandemia da Covid-19: ensino remoto e lógicas de ação”, da
bacharela e licenciada em Ciências Sociais pela UEL Denise Mariani Vieira
Dias, trata-se de uma discussão sociológica acerca da experiência docente
frente a pandemia da Covid-19 e como essa realidade pandêmica vem
alterando as lógicas de ação de atores/atrizes sociais que atuam na Educação
Básica do país. Para tal, conceitua a subjetividade de suas experiências
na relação com o contexto social, político, cultural e econômico desse
momento histórico. Entre os achados da pesquisa, mostra como a chegada
da pandemia modificou de forma integral a organização do sistema escolar.
“A precarização do trabalho docente na Rede Estadual do Paraná
durante a pandemia e as representações sociais acerca desses profissionais”,
é o artigo de Jhonny de Araújo, Mestre em Sociologia pelo PPGSOC/
UEL e docente de Sociologia na rede estadual do Paraná entre os anos de
2017 e 2019, período em que colhe parte dos dados para constituição do
referido texto. Seu trabalho apresenta uma reflexão sociológica em torno
das condições de trabalho docente nas escolas da rede pública durante
a pandemia de Covid-19, apresentando como esta afetou as já desiguais
condições educacionais das escolas públicas, intensificando a precarização
do trabalho docente. Debatendo o conceito de representação social, mostra
também como essa nova realidade transforma as relações estabelecidas
entre professores/as, estudantes e comunidade.
No decorrer da seção, oa/ leitor/a poderá apreciar o texto
“Observação no estágio da Licenciatura em Ciências Sociais pré-pandemia
e as mudanças causadas pela crise sanitária: um relato sociológico”, escrito
pelo licenciado em Ciências Sociais pela UEL João Lopes Pereira Teixeira.
Seu relato sociológico traz suas experiências enquanto estagiário no
curso de Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de
Londrina, escrito em dois momentos distintos. A primeira parte advém
de um relatório de estágio apresentado à disciplina de Estágio I em 2018,
presencial e pré-pandêmico, onde analisa o contexto escolar do IFPR/
Londrina, as aulas e a caracterização sociológica de estudantes do Ensino
Médio observados/as. E, a segunda parte do texto procura relatar outras

16 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


experiências enquanto estagiário no ensino remoto e no ensino híbrido
durante a pandemia, refletindo sobre as mudanças advindas com a crise
sanitária e como influenciaram nas realizações dos estágios II e III em
Sociologia em outra escola, dessa vez na Rede Estadual do Paraná.
Essa obra também é presenteada pelo texto da Professora de Sociologia
da Rede Estadual de Educação do Estado de São Paulo; doutoranda em
Sociologia pelo PPGS/UFSCar Bruna Padilha de Oliveira e pela Professora
de Pedagogia da Rede Estadual de Educação do Estado do Mato Grosso,
mestra em Educação da UFMT, Fabrízzia Christiane dos Santos, ambas
egressas da Licenciatura em Ciências Sociais na UEL. O texto “Do Ensino
Médio às Séries Iniciais: Relatos do ensino de Sociologia”, é um exercício
de reflexão sobre suas trajetórias enquanto professoras da rede pública,
tanto no âmbito do Ensino Médio quanto no âmbito da educação infantil/
fundamental. Ambas se propõem a realizar uma espécie de avaliação de
suas carreiras docentes em diálogo com seus processos de formação inicial
em Ciências Sociais, a qual, segunda elas, fundamenta uma identidade
pessoal e profissional. Do mesmo modo, mostram como suas atuações
como professoras de Sociologia da Educação Básica são reflexos de anos
de luta da sociedade civil para a consolidação desta disciplina no espaço
escolar. Mesmo cientes dos limites da educação para a transformação, com
base em desafios concretos vivenciados, reconhecem que ela é um passo
importante para a construção de uma sociedade mais justa, na formação
de pessoas críticas, que enxerguem as injustiças de modo desnaturalizado.
Na sequência temos o texto “Raça, etnia e multiculturalismo: Um
relato de experiência em aula remota”, da professora de Sociologia na Rede
Pública e Privada de Ensino do Estado do Paraná e mestra pela PROFSOCIO/
UEL Ellen Pyles Pereira Alves, em parceria com Fernanda de Abreu da
Silva, licenciada em Ciências Sociais e integrante do Programa Residência
Pedagógica. O referido relato, fruto de uma atividade colaborativa de
estágio curricular obrigatório numa escola da rede estadual do município
de Arapongas, destaca a relevância pedagógica e sociológica do contato
direto com a sala de aula e com o/a professor/a regente das turmas, quando
o/a licenciando/a tem a oportunidade de observar, vivenciar e pôr em

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 17


prática os conhecimentos adquiridos ao longo da trajetória acadêmica,
descobrindo na prática os desafios do ensino de Sociologia. Detalham uma
experiência enriquecedora, a partir de uma série de aulas sobre a temática
étnico-racial, com alunos/as do 2º ano do Ensino Médio, em um contexto de
ensino remoto devido à pandemia da Covid-19. Esta proposta de educação
antirracista, embasada nas Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, apresenta
possibilidades didáticas e metodológicas para trabalhar tal temática na
escola, considerando o amplo arcabouço teórico que a Sociologia dispõe
para refletirmos e discutirmos sobre raça, racismo, discriminação, estigma,
multiculturalismo, dentre outros conceitos que dialogam com a realidade
do cotidiano brasileiro.
Nilda Rodrigues de Souza, Professora de Sociologia da Rede Estadual
do Paraná e Doutora em Ciências Sociais pela UNESP/Araraquara, nos
presenteia com o texto “Relato de experiência em Londrina: Aulas remotas
processo de exclusão (digital/racial)”. A reflexão mostra como as aulas
ministradas remotamente, foram expulsando adolescentes do ensino
público, assim como precarizando mais a educação, uma vez que as aulas
remotas não abrangeram toda população estudantil. Seu texto mostra
o problema da evasão escolar, ampliada pela pandemia da Covid-19,
promovendo a intensificação do processo de exclusão digital, onde
educandos/as negros/as e mais pobres são os/as mais afetados/as.
O “Relato de experiência sobre o exercício da Pedagogia Histórico-
Crítica para o ensino remoto de Sociologia”, de Amanda Caroline Bezerra
de Melo, graduanda em Bacharelado e Licenciatura de Ciências Sociais pela
UEL, detalha o exercício concreto da Pedagogia Histórico Crítica em uma
aula de Sociologia via ensino remoto. Trata-se da experiência vivenciada
pela autora, enquanto estagiária da Licenciatura em Ciências Sociais, no
primeiro semestre letivo de 2020, em uma escola da Rede Estadual do
município de Cambé/PR, sob a co-orientação da Profa. Jaqueline Fabeni
dos Santos, professora de Sociologia regente da turma de Ensino Médio.
Amanda conta, em detalhes, o desafio da experiência de pôr em prática
um plano de aula e um texto didático no processo de construção do
conhecimento escolar, à luz do contexto pandêmico atual, permeado por
inúmeros desafios impostos aos/às profissionais da educação.

18 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Também dentro da perspectiva crítica, a Pós-doutora em Educação
pela Universidade Federal Fluminense Adriana Regina de Jesus Santos,
também organizadora dessa obra, em parceria com os/as pós-graduandos/
as do PPEDU/UEL Daniella Caroline R. R. Ferreira, Quenízia Vieira
Lopes e Luiz Gustavo Tiroli, nos brindam com o artigo “A formação de
professores e a constituição da docência em uma perspectiva histórico-
cultural”. Os/as autores objetivam debater o percurso histórico e social da
constituição da docência no Brasil, pelo viés da Teoria Histórico-Cultural,
mostrando o processo de ressignificação da formação docente, em busca
de uma formação humana que possibilite o melhor desenvolvimento da
prática pedagógica e, por consequência, contribua positivamente no
processo ensino aprendizagem no contexto brasileiro. Primando uma
prática docente humanizadora, numa abordagem qualitativa, o presente
estudo, fruto de uma revisão bibliográfica, é parte integrante do projeto de
pesquisa O campo do currículo e sua relação com a formação do pedagogo:
pressupostos e implicações no campo da docência, da gestão e da pesquisa da
Universidade Estadual de Londrina.
A mesma professora/pesquisadora Adriana Regina de Jesus Santos,
em parceria com as pós-graduandas do PPEDU/UEL, Nathalia Martins
Beleze e Thaise Pereira da Silva são autoras do artigo “Formação de
professores no Brasil: um olhar a partir dos pressupostos da Pedagogia
Histórico Crítica”, onde apresentam as contribuições da Pedagogia
Histórico Crítica para a formação de professores/as, evidenciando suas
contraposições às pedagogias do “aprender a aprender”, que valorizam os
conhecimentos espontâneos em detrimento dos conhecimentos clássicos e
científicos. Sinalizam, neste trabalho, a concepção de homem, de mundo,
de sociedade e, também, a função social da escola, de acordo com os
pressupostos da pedagogia em questão, pedagogia esta comprometida com
a classe trabalhadora.
O artigo “O mundo digital e a educação: reflexões iniciais acerca
das implicações desta nova configuração”, do professor de Sociologia no
IFPR e doutorando do PPGSOC/UEL Henrique Fernandes Alves Neto,
debate criticamente questões que permanecem após mais de um ano da

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 19


possibilidade legal do novo “regime” de ensino, baseado no ensino remoto
emergencial: o que são esses meios digitais ou mundo digital que passou a
ser o espaço primordial para o aprendizado? Qual é a postura subjetiva que
os/as estudantes devem ter frente a esse novo processo de aprender? Existe
uma reflexão profunda sobre as implicações na formação do ser humano
com esse deslocamento da Educação para estes meios? Como começar,
ou continuar a realizar uma educação emancipatória nesta conjuntura?.
São reflexões muito pertinentes de quem vivencia na realidade prática tais
desafios e reflete-as na tese de Doutorado em construção na Universidade
Estadual de Londrina.
O pesquisador, integrante do LENPES (Laboratório de Ensino,
Pesquisa e Extensão de Sociologia) e Mestre em Ciências Sociais pelo
PPGSOC/UEL, Fernando Giorgetti de Souza, traz contribuições críticas
muito atuais com o artigo “Juventudes: suas relações com o saber e
aprender”. Seu trabalho reflete sociologicamente sobre os/as jovens e suas
relações de saber, tendo em vista o protagonismo destes/as estudantes da
Educação Básica nas Ocupações das escolas públicas do Paraná em 2016.
Com o referido texto, o/a leitor/a terá acesso à uma seleção bibliográfica das
relações dos/as jovens com o saber, já reveladas em alguns estudos realizados
entre 2016 e 2018 nas Ocupações nas escolas paranaenses; e às falas das
próprias juventudes no processo de enfrentamento das desigualdades, com
destaque às diferentes formas de expressão de seus anseios relacionados
à educação pública e ao mundo do trabalho, no âmbito dessa importante
experiência político-pedagógica de mudança social.
O texto “Caracterização sociológica de jovens beneficiários/as do
Programa Bolsa Família na educação de Londrina-PR, de Luís Gabriel
Ramiro Costa, Mestrando em Sociologia no PPGSOC/UEL, traz o recorte
de uma reflexão oriunda de uma pesquisa com jovens beneficiários/as
do Programa Bolsa Família (PBF) no Ensino Médio de Londrina-PR, no
ano de 2017, cujo objetivo principal era investigar projetos e estratégias
advindas dos ganhos da educação para quebra do ciclo intergeracional
da pobreza. Desagregando informações produzidas pelo Estado e outras
coletadas diretamente com estudantes em escolas públicas, seu artigo

20 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


visa diagnosticar a caracterização sociológica de jovens beneficiários/as
na educação de Londrina-PR, de 16 a 17 anos, buscando compreender a
condição desse grupo na educação, assim como sua presença e experiência
na escola, indo além de informações produzidas pelo Estado.
Rogério Martins Marlier, professor de Sociologia do Instituto
Federal do Paraná, Campus Londrina – PR e Mestre em Ciências Sociais
pelo PPGSOC/UEL, em parceria com Cecília Avansini Rosa, estudante do
Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio do mesmo Instituto, trazem o
artigo “Lavar robôs”: poder e gênero no discurso das alunas do Curso de
Informática Integrado ao Ensino Médio do IFPR - Campus Londrina”. Os/
as autores/as nos ensinam que a pandemia de Covid-19 trouxe, além da
catástrofe sanitária, diversos problemas sociais, econômicos e políticos. Do
mesmo modo, nos alertam que não foi apenas a relação ensino/aprendizagem
que foi afetada pela utilização compulsória do ensino remoto no contexto
da pandemia da Covid-19, mas também a pesquisa, em especial, a que lida
com a área da educação. Diante da análise crítica desse cenário, relatam
os resultados de uma pesquisa realizada entre 2020 e 2021, que analisou
as desigualdades nas relações de gênero materializadas nos discursos de
um Grupo Focal Online (GFO) formado por alunas matriculadas no Curso
Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio (TINFEM) do IFPR
Campus Londrina.
O artigo “Violência de gênero no Brasil e a necessidade de sua
discussão nas escolas”, das mestrandas em Sociologia do PPGSOC, Lorena
Ingred Moreira Pio e Ana Flavia Nicolau Conrado, apresentam o número
de casos de violência de gênero que ocorrem no Brasil, ressaltando
principalmente os casos de violações que acontecem contra crianças e
adolescentes. O texto evidencia a necessidade da discussão de gênero nas
escolas, enfatizando o papel do Ensino em Sociologia e da escola nessa
discussão. Entre outros achados de pesquisa, demonstram que a Sociologia,
enquanto disciplina, propicia aos/às jovens o exame de situações que
fazem parte do seu dia a dia, imbuídos de uma postura crítica e atitude
investigativa. Por isso, ambas defendem que proporcionar a discussão de
gênero e sexualidade nas escolas é contribuir com a promoção e reprodução

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 21


de valores de igualdade, respeito e empatia à diferença, valores os quais
realmente são cruciais para uma sociedade dita democrática.
Na sequência, temos o artigo “História, memória e a civilização
do corpo: pensando a formação docente”, produzido pelos/as mestres/
as e mestrandos/as em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da UEL Adrielen Amâncio da Silva, João Fernando de Araújo,
Martinho Gilson Cardoso Chingulo e Maxwell Silva Costa, em parceria
com a coordenadora atual do PPEDU/UEL Adriana Regina de Jesus
Santos. O texto reflete acerca do processo constitutivo das representações
sociais e no seu seio o processo de civilização dos corpos, que como o/a
leitor/a verá no decorrer da discussão, foi algo preconizado na Idade Média,
principalmente pela Igreja, para controla-los e moldá-los, principalmente
o corpo feminino. Nessa perspectiva, desenvolvem reflexões sobre a
Memória e História, mostrando a importância de ter temáticas como essas
na formação docente, na intenção de promover uma educação que rompa
com estereótipos opressores sobre padrões de civilização dos corpos.
O artigo “Os conteúdos de sociologia/ciências sociais no ensino
fundamental abordados através do ensino religioso: uma análise dos
documentos norteadores”, da doutoranda em Sociologia do PPGSOC/UEL
e professora de Sociologia da rede estadual do Paraná Jaqueline Fabeni dos
Santos, traz uma reflexão sobre as relações que a religião e a religiosidade
estabelecem com a proposta e a prática da disciplina de Ensino Religioso,
desenvolvida nas escolas públicas da rede estadual do Paraná. Além de
refletir sobre as legislações específicas, a política curricular nos Anos
Finais do Ensino Fundamental e as potencialidades da disciplina de Ensino
Religioso, conta-nos suas experiências no debate das diversidades religiosas
na atuação docente como profissional formada na área das Ciências Sociais.
O artigo “Refletindo sobre a História e Cultura Africana e Afro-
Brasileira a partir do Livro Didático de Sociologia (PNLD 2018)”,
de Tamara Vieira, Mestra em Ciências Sociais pelo PPGSOC/UEL e
professora de Sociologia na Rede Estadual do Paraná, debate a relevância
da Lei nº 10.639/2003, nos livros didáticos da disciplina, sobretudo a
partir da obrigatoriedade do ensino de Sociologia e de Filosofia com a

22 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Lei nº 11.684/2008, tomando como amostra um livro selecionado para o
triênio 2018, 2019 e 2020. A pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico
e documental, reflete como os conteúdos de história e cultura africana e
afro-brasileira estão sendo inseridos na disciplina de Sociologia, a partir

dos livros didáticos distribuídos pelo Programa Nacional do Livro e do
Material Didático (PNLD).
Encerram essa seção, com chave de ouro, nesse ano do Centenário
de Paulo Freire, o artigo “Educação em Direitos Humanos: Diálogo como
exigência radical da ação revolucionária, na perspectiva de Paulo Freire”,
da mestranda em Educação pelo PPEDU/UEL Claudia Maria de Sousa de
Lima, da professora da UNESPAR e Doutora em Educação pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação da UEM Adriana Salvaterra e do Doutor
em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unicamp,
também Professor Adjunto, tanto da Universidade Estadual de Londrina
quanto da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/Apucarana,
Claudiney José de Sousa. Como bem afirmam os/as autores/as, é difícil
dissertar sobre educação e direitos humanos sem fazê-lo a partir de um
diagnóstico do tempo presente, ou seja, a partir da realidade brasileira, de
suas contradições, limitações, incongruências e desafios atuais. Mostram
que, à revelia do ambiente reacionário, autoritário e negacionista que
atualmente assola nosso país, as escolas e universidades brasileiras
continuam sendo um dos principais lócus de análise e de debate dessa
problemática, ratificando suas funções de guardiãs da necessária conquista
de intensas lutas do homem moderno e contemporâneo na tentativa de
fazer valer seus direitos fundamentais.
Os/as autores nos dizem que ao discutirmos a relação entre educação
brasileira e direitos humanos na atualidade, se faz necessário considerar os
acontecimentos recentes de descasos e desmandos com relação aos direitos
fundamentais, mas também os importantes documentos que garantem o
cumprimento destes mesmos direitos, assim como se faz imprescindível
rememorar o legado de grandes educadores que lutaram bravamente em
prol da humanização na educação como Paulo Freire (1921-1997), cujo
legado é sinônimo de resistência, luta, esperança e transformação.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 23


De certo modo, nesta obra coletiva “Formação e atuação docente no
Paraná e no Maranhão em tempos de Pandemia”, também rememoramos
produções científicas e experiências de formação/atuação, à luz dos dilemas
do cotidiano de diferentes realidades, mas todas primando pelo legado
da educação pública, da indissociabilidade teoria/prática, da parceria
universidade pública e Educação Básica, da defesa dos direitos humanos
e da luta por redução das desigualdades sociais, em suas mais variadas
dimensões e expressões concretas no contexto brasileiro.
Em tempos de pandemia da Covid-19, mais do que nunca, as lições
de Paulo Freire, especialmente as lembradas no texto dos/as professoras/
as Claudia Maria de Sousa Lima, Adriana Salvaterra e Claudiney José de
Souza sobre diálogo, tolerância, abertura para o debate, compromisso com a
defesa das diversidades e dignidade humana, precisam ser destacadas como
atitudes constantes no atual contexto brasileiro. Tratam-se de necessidades
urgentes, assim como uma nova ação educacional revolucionária, que, de
certo modo, pesquisadores/as e profissionais da educação de diferentes
escolas, universidades e municípios do Paraná tentam, cada um/a a seu
modo, explicitar nessa seção da Coletânea, mesmo tomados/as pelas
angústias, perdas, revoltas e dores provocadas pela gestão negacionista
dessa pandemia no Brasil, onde tantas vidas humanas foram injustamente
ceifadas.

Ângela Maria de Sousa Lima


Angélica Lyra de Araújo
PRIMEIRA SEÇÃO

FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DOCENTE NO PARANÁ


EDUCAÇÃO NA BARBÁRIE: A PANDEMIA E A CONSAGRAÇÃO
DA ESCOLA COMO CAMPO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Giovana Siqueira de Carvalho1


Leonardo Augusto de Campos2

INTRODUÇÃO

A favor do aumento da maioridade escolar, de crianças lapidando


sonhos na biblioteca e tomando banho de sol na Educação Física sob a
supervisão de professores muito bem remunerados, Sérgio Vaz (2016) tem
razão, tempos difíceis para a ignorância quando esses dias chegarem. Até
lá, a realidade é outra, sobretudo, em tempos pandêmicos. Qual o papel e
os desafios da escola frente às desigualdades acentuadas pela pandemia e
onde está o sucesso do problema escola + aluno? Este trabalho pretende
apresentar algumas considerações sobre essas questões à luz do olhar
investigativo da Sociologia.
A escola pode ser investigada a partir de diferentes abordagens
e com diferentes métodos de pesquisa, e as contribuições acerca de seu
papel, funcionamento, organização e etc. como já foram comentadas por
diversos autores. Na Sociologia, por exemplo: Durkheim vê na escola um
papel importante de socialização e manutenção das relações sociais, nesse
sentido “a educação perpetua e fortalece esta homogeneidade gravando
previamente na alma da criança as semelhanças essenciais exigidas
pela vida coletiva”. (DURKHEIM, 2011, p. 53). Já Weber, debruçado em
questões ligadas ao método sociológico reflete sobre a importância da
neutralidade do professor para encaminhar o aluno ao pensamento crítico;
“somente assim a conduta do professor estaria condizente com o processo

1
Graduanda de Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. Contato: giovana.
siqueiracarv@gmail.com.
2
Graduando da Licenciatura em Ciências Sociais, pela Universidade Estadual de Londrina. Orientando
de IC/PROIC, com a Profa. Ângela Maria de Sousa Lima. Contato: leonardoaugscampos@gmail.com

26 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de racionalização de nossa cultura” (CARVALHO apud LENARDÃO, 2020,
p. 11).
Como dito, existem diferentes maneiras de estudar a educação:
investigar metodologias de ensino-aprendizagem, debater o papel da
comunidade educacional, analisar políticas públicas educacionais dentre
outros olhares que se podem lançar sob a realidade multifacetada da
educação. Neste trabalho o problema está posto sobre a importância da
escola como campo de socialização e transmissão dos saberes historicamente
construídos. O debate que já despertava interesse em diferentes campos
ganhou ainda mais importância nos últimos anos com as transformações
no campo educacional e, agora, mais ainda com os reflexos da pandemia de
Coronavírus nas instituições de ensino.
Recentemente o número de instituições preocupadas em ofertar
cursos na modalidade à distância tem crescido a passos largos e é
acompanhado por um aumento no número de matrículas à distância – nas
instituições privadas a modalidade a distância detinha 91% das matrículas
até o Censo da Educação Superior de 2017 (SANTOS, 2019).

No Brasil, a modalidade EaD surgiu sem qualquer regulamentação ou


parâmetros de qualidade. Embora os seus primeiros passos e a oferta de
cursos tenham se dado nas instituições públicas, o boom expansionista
se deu via oferta privada e sem qualquer controle por parte do Estado.
(SANTOS, 2019, p. 55).

  Outro ponto importante é o número de adeptos a educação


domiciliar, ou homeschooling como alguns preferem chamar; “criada em
2010, a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) estima que
atualmente 5 mil famílias brasileiras sejam praticantes do homeschooling”
(PICHONELLI, 2019, p. 102). Esses dados refletem por um lado um
crescente movimento mercadológico na educação e por outro um debate
sobre o papel das instituições de educação no processo de socialização e
ensino-aprendizagem, debate este feito não apenas por aqueles que estudam
educação, mas por todos que integram o sistema educacional.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 27


Se em tempos comuns já são perceptíveis os problemas da retirada
da escola como elemento essencial à aprendizagem, em tempos pandêmicos
isso se evidencia ainda mais. A pandemia de Coronavírus, decretada nos
primeiros meses de 2020 com a Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020,
declara Emergência em Saúde Pública. Como consequência, o Ministério
da Educação (MEC), no dia 17 de março de 2020, de acordo com a
Portaria nº 343 se pronunciou acerca da substituição das aulas presenciais
por atividades à distância enquanto perdurar a situação da pandemia da
Covid-19 – a Portaria nº 343 que abarcava o sistema federal de educação,
recebeu ajustes e passou a incorporar toda a rede pública de ensino em todos
os níveis, afirmando ser necessário reorganizar as atividades escolares.
Em decorrência do cenário instituído, os Conselhos Estaduais
e Municipais de Educação lançaram boletins informativos para as
instituições de ensino sobre como reorganizar o calendário e proceder
diante da modalidade de ensino à distância. O Conselho Nacional de
Educação (CNE), deu o parecer favorável para o cômputo de atividades
não presenciais para cumprimento de carga horária anual. Com base nos
breves parâmetros apresentados, o artigo visa discutir a importância do
ambiente escolar para os processos de socialização e ensino-aprendizagem
dos indivíduos, considerando o espaço escolar como lugar de troca de
experiências e conhecimentos formais e informais sobre as diferentes
realidades em que os sujeitos se encontram inseridos.

A ESCOLA COMO CAMPO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Para pensar o papel da escola nos processos de ensino-aprendizagem


e sua função enquanto instituição formativa, bem como campo de
socialização dos sujeitos, é preciso compreender que “historicamente coube
à instituição escolar a guarda e a responsabilidade social pela transmissão
de conhecimentos” (WELTER; BRIGHENTI, 2014, p. 230). A transmissão
destes conhecimentos formais se dá dentro do ambiente singular da escola
e por meio da mediação dos docentes que, através de práticas pedagógicas
organizadas articulam os saberes historicamente construídos junto às

28 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


experiências trazidas à tona pelos estudantes em sala de aula (WELTER;
BRIGHENTI, 2014).
Os autores apontam que este papel atribuído à escola está em xeque
e que um dos maiores desafios da escola é a promoção da mediação entre
“sentidos individuais e significados, entre os conteúdos escolares e as
necessidades dos estudantes” (WELTER; BRIGHENTI, 2014, p. 231). Com
o rompimento abrupto nas relações intermediadas pela escola ocasionado
pela pandemia da Covid-19, essa dificuldade acabou sendo acentuada.
José Cláudio Monteiro, educador popular e professor de Geografia na
Escola Guilherme Dourado, Imperatriz – MA, chama a atenção para
alguns desafios do trabalho docente em tempos de pandemia (informação
verbal)3, dentre eles destacamos a impossibilidade de trabalhar com um
ensino contextualizado.
Se é tarefa da educação o esforço permanente de reflexão junto aos
estudantes sobre suas condições concretas para modificação da realidade
por meio da prática (FREIRE, 2005), é necessário considerar que o ensino
remoto não atende as especificidades da realidade dos sujeitos envolvidos
no processo de ensino-aprendizagem;

O ensino deve sempre respeitar os diferentes níveis de conhecimento que o


aluno traz consigo à escola. Tais conhecimentos exprimem o que poderíamos
chamar de a identidade cultural do aluno – ligada, evidentemente, ao
conceito sociológico de classe. O educador deve considerar essa “leitura do
mundo” inicial que o aluno traz consigo, ou melhor, em si. Ele forjou-a no
contexto do seu lar, de seu bairro, de sua cidade, marcando-a fortemente
com sua origem social [...] queremos uma pedagogia que, sem renunciar
à exigência do rigor, admita a espontaneidade, o sentimento, a emoção, e
aceite, como ponto de partida, o que eu chamaria de “o aqui e o agora”
perceptivo, histórico e social dos alunos. (FREIRE; CAMPOS apud
GASPARIN, 2012, p. 14).

3
Fala de José Cláudio Monteiro na palestra Desafios, dificuldades e potencialidades do Ensino Remoto:
Relatos de Experiências, realizada pela UEMASUL, em 1 de set. de 2020. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=agSPWxG3qjU&ab_channel=UEMASUL. Acesso em: 01 set. 2020.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 29


A dificuldade, no entanto, é que para o educador, com as aulas
em ambiente virtual, fica inviável a realização de um processo educativo
que considere “o aqui e o agora” de turmas superlotadas e em condições
desconhecidas - já que a realidade de cada estudante é particular. Cabe
dizer que a superlotação diz respeito não só ao número de estudantes por
turma, mas ao desconhecimento de quem são esses sujeitos que agora se
apresentam apenas como fotos ou blocos projetados por plataformas de
reuniões online.
Entre as diferentes contribuições da Sociologia da educação, é
possível dizer que para as teorias da socialização, tanto nos escritos de
Durkheim com seu olhar funcionalista sobre a escola, quanto em Bourdieu
e Passeron (1970) com suas teorias da reprodução, ou ainda a partir da
ideia de escola múltipla, a instituição escolar segue com papel central
no processo formativo dos sujeitos (DUBET; MARTUCCELLI, 1997).
Enquanto instituição, autores como Durkheim compreendem que a escola
cumpre um papel de socialização, em outras palavras “ela socializa os
atores com valores laicos e universais das sociedades modernas” (DUBET;
MARTUCCELLI, 1997, p. 258).
Enquanto aparelho, Bourdieu e Passeron (1970) apontam que
diferentemente do modelo anterior, a escola não é mais definida em termos
de integração social, mas de reprodução de uma série de crenças, valores e
conhecimentos que já circulam em sociedade. Bourdieu aponta, no entanto,
que essas reproduções acabam aumentando a reprodução de desigualdades
na medida em que privilegiam o conjunto de símbolos de determinada
classe (apud NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002). Ou seja, “o caráter universal
e neutro da cultura escolar é recusado” (DUBET; MARTUCCELLI, 1997,
p. 260).
O que se vê, no entanto, é que nas diferentes contribuições a escola
ganha importância especial ao conferir sentido a uma série de experiências
vivenciadas tanto dentro quanto fora de seus limites, constituindo, portanto,
não apenas uma instituição de sistematização de conhecimentos, mas um
lócus de sociabilidade importante para os sujeitos que a compõem. Dessa
forma, ao encontro de Gasparin, não se pode negar que as críticas à escola
são importantes, por vezes cumprem inclusive um papel de melhoria. No

30 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


entanto, “se isso é verdade, deve-se lembrar que a escola, em cada momento
histórico, constitui uma expressão e uma resposta à sociedade na qual está
inserida” (GASPARIN, 2012, p. 1).
Além disso, cabe dizer que as condições materiais se encontram
ainda mais precarizadas com o avanço da pandemia. A exemplo disso: as
dificuldades de conexão, a falta de espaço apropriado para os estudos, alunos
que com o agravamento da crise são colocados para realizar atividades
domésticas enquanto os pais passam o dia fora trabalhando, entre outros
desafios que impedem a permanência desses indivíduos em salas virtuais
para o estudo.
Tais aspectos levantados apontam para uma iminente desigualdade
social reforçada pelo uso das plataformas digitais, que não levam em
consideração a realidade material de muitos dos seus estudantes, retirando-
os do processo de ensino-aprendizagem ao não se considerar todas as
dificuldades de acesso. De acordo com Boaventura de Sousa Santos (2020),
a quarentena tem agravado ainda mais a condição de vulnerabilidade em
que as classes menos favorecidas já se encontram. Assim, o aspecto desigual
no acesso aos direitos básicos, afeta também o processo educacional.
Para Bourdieu (apud MARCHI; ROSSETO, 2018), o capital
cultural é adquirido em conformidade ao capital econômico que
determinado indivíduo possui e, igualmente, para aquele que não possui
capital econômico, também lhe é rejeitado o capital cultural (MARCHI;
ROSSETTO, 2018).

Quanto mais capital cultural a família adquirir, este impulsiona o nível


de aprendizagem que a criança já traz consigo, conhecimentos básicos,
elementares, que corroboram com a educação escolar. A negação do acesso
à cultura subtrai as condições de aprendizagem, logo, uma precisa da
outra. A desigualdade social não permite o ingresso da cultura nas famílias
desapropriadas do capital econômico, visto que, uma cultura nega a outra.
(MARCHI; ROSSETTO, 2018, p. 283).

Pode-se dizer, portanto, que “as classes sociais mais privilegiadas e


seus herdeiros têm, por condições histórica e socialmente estabelecidas,

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 31


maior facilidade de converter capital econômico em capital cultural”
(BARBIERI, 2018, p. 85).
Em A escola conservadora as desigualdades frente à escola e à cultura
Bourdieu ressalta que “não é suficiente enunciar o fato da desigualdade diante
da escola, é necessário descrever os mecanismos objetivos que determinam
a eliminação contínua das crianças desfavorecidas” (BOURDIEU, 2007a, p.
41). Nesse sentido e, considerando as diferenças discrepantes no montante
de capital econômico de diferentes parcelas da sociedade, deve-se encarar
que a falta de acesso aos meios para participação efetiva nos processos de
ensino-aprendizagem aumenta ainda mais as desigualdades educacionais.
Especialmente neste contexto se evidencia como diferentes tipos
de desigualdade se apresentam na realidade como complementares. As
dificuldades já existentes na educação tomam proporções ainda mais
alarmantes com a pandemia, “ainda que grande parte da população
brasileira tenha acesso à Internet, essa porção está concentrada nas regiões
urbanas e nas classes médias e altas, sobretudo no que se refere a uma
conexão rápida e a aparelhos de qualidade” (ALBRECHT, 2020, p.699).
Ressalta-se, no entanto, que mesmo que atendidas as condições de acesso
às tecnologias para acompanhamento de aulas remotas, as famílias que
possuem baixa escolaridade e capital cultural, ainda não teriam como
compensar a ausência da escola para seus filhos (VIRGINIO, 2020).
Coadunando com a perspectiva de que a educação consiste em
processos formais e informais que consideram a realidade do estudante,
Mészáros (2008) a compreende em termos de Paracelso, como a própria
vida. Isto é, o processo educacional compreende todos os elementos que
nos constitui enquanto sujeitos e a emancipação só é possível quando
estas são consideradas em termos mais amplos que rompam com a lógica
desigual do capital. Nesse sentido, aponta que;

As determinações gerais do capital afetam profundamente cada âmbito


particular com alguma influência na educação, e de forma nenhuma apenas
as instituições educacionais formais. Estas estão estritamente integradas na
totalidade dos processos sociais. Não podem funcionar adequadamente
exceto se estiverem em sintonia com as determinações educacionais gerais
da sociedade como um todo (MÉSZÁROS, 2008, p. 43).

32 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


O ensino à distância, portanto, acaba por corroborar com as
desigualdades sociais existentes, principalmente no acesso às tecnologias
que dificultam a inserção de classes menos favorecidas no processo de
ensino-aprendizagem. A situação pandêmica coloca desafios econômicos
e sociais na vida desses indivíduos, dificultando o acesso aos capitais nos
termos de Bourdieu (2007b; 2007c). Nesse sentido, ao invés de introduzir
no sistema educacional processos transformadores da realidade, a educação
adotada em tempos de pandemia reforça a lógica do capital dominante e
aumenta ainda mais o distanciamento entre classes sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das ponderações elencadas acima buscou-se apresentar


o papel basilar da escola nos processos de ensino-aprendizagem e na
socialização de jovens em idade escolar. É fato que as condições em que a
educação se desenvolve hoje decorrem de uma excepcionalidade causada
pela pandemia da Covid-19, entretanto, é fato também que as dinâmicas de
exclusão se desenrolam historicamente e afetam, principalmente, as classes
mais baixas da sociedade. Cumpre dizer que “a exclusão é uma relação
social, e não um estado ou posição ocupada na estrutura institucional de
uma determinada sociedade.” (GENTILI, 2009, p. 1062).
Dessa maneira, a exclusão não opera apenas quando afasta os
estudantes da escola, mas a partir de uma série de relações que quando não
retiram os direitos educacionais os concede de maneira restrita, constitui-
se assim o processo de exclusão includente (GENTILI, 2009);

Historicamente, negou-se aos pobres o direito à educação impedindo seu


acesso à escola. Hoje, esse direito é negado quando não lhes é oferecida
outra alternativa a não ser a de permanecer em um sistema educacional
que não garante nem cria condições para o acesso efetivo a uma educação
de qualidade, quando se limitam as condições efetivas de exercício desse
direito pela manutenção das condições de exclusão e desigualdade que se
transferiram para o interior do próprio sistema escolar. (GENTILI, 2009,
p. 1062).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 33


Assim, embora se apresentem projetos para realização de atividades
educacionais à distância, entende-se que, pela construção histórica
das desigualdades é insustentável a efetivação de processos de ensino-
aprendizagem que mantenham a mesma qualidade para todos os estudantes
– além disso, apesar de avanços no cumprimento de direitos básicos, o
direito a uma educação de qualidade para todos vem sendo minado há
tempos.
Nesse sentido, o artigo buscou evidenciar que a construção histórica
das desigualdades impossibilita a paridade no acesso à educação, mesmo
está sendo um direito fundamental. Além disso, mostrou-se que mesmo
aqueles com condições materiais ainda são afetados pela suspensão
do ambiente escolar já que ficam privados de um importante campo de
socialização e assimilação de conhecimentos. Em outros termos, o trabalho
apresentou as problemáticas da educação à distância para a constituição de
um conjunto de disposições internalizadas pelos sujeitos que compõem a
comunidade escolar.

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36 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


TRABALHO DOCENTE E OS DESAFIOS AO ENSINO DE
SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO PARANÁ

Jorge Henrique Dias Fuentes1

INTRODUÇÃO

Para o ano letivo de 2021, professores e professoras de Sociologia


do Paraná viram-se na obrigação de organizar o planejamento das aulas
considerando a redução, pela metade, da carga horária da Sociologia em
cada série do Ensino Médio. A redução da quantidade de aulas de duas para
uma aula semanal também foi sentida por professores de Arte e Filosofia,
que viram a carga horária semanal, das três componentes curriculares,
baixar de 100 para 50 minutos semanais em cada série do Ensino Médio
regular.
A Instrução Normativa nº 11/2020 que alterou a Matriz Curricular do
Ensino Médio regular paranaense e diminuiu a carga horária de Sociologia,
Arte e Filosofia, é etapa recente de um intenso processo de precarização
do trabalho docente promovido no Estado do Paraná. Este artigo objetiva
discutir as consequências do processo de precarização do trabalho docente
no ensino da Sociologia no Ensino Médio das escolas paranaenses e na
manutenção da disciplina em condição de intermitente.
Para dar conta de tal objetivo, tratamos inicialmente do conceito de
precarização do trabalho em geral e do trabalho docente em específico.
Em seguida, analisamos elementos do processo de precarização no
ensino público paranaense entre os anos de 2015 a 2020, e a partir disso,
experimentamos indicar algumas conclusões e consequências ao ensino de
Sociologia; dificuldade de institucionalização e sobre o desafio de superar a
condição de intermitência do saber sociológico na Educação Básica.

1
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Professor de Sociologia em
Colombo/PR. Contato: jorgehdfuentes@gmail.com

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 37


CONTEXTUALIZANDO A QUESTÃO DA PRECARIZAÇÃO DO
TRABALHO DOCENTE

A Sociologia passou a ser obrigatória no Ensino Médio em um


contexto de redefinição da regulamentação do trabalho em geral e do
trabalho docente em específico, com fortes indícios de precarização.
Assim, os docentes lidam com a fragilidade de uma disciplina que ainda
disputa espaços nos currículos em termos de carga horária e condições
de trabalho nas escolas. Entende-se por precário o trabalho fragilizado,
inseguro e incerto (KALLEBERG, 2009), marcado por contratos flexíveis,
pela redução de direitos trabalhistas e por condições inapropriadas de
trabalho (DRUCK, 2011). A precarização tem se configurado como
ação/movimento, um processo crescente e marcante no momento atual
do capitalismo mundializado de acumulação flexível e de mudança nos
modelos de organização do trabalho. Como processo em curso, tem
adentrado todos os setores da produção e de serviços, se alastrado sobre o
trabalho no serviço público, atingindo não só os servidores temporários/
terceirizados, como também aqueles ainda considerados estáveis. É o que
vem ocorrendo com o trabalho docente.
Segundo Dal Rosso (2008) e Druck (2011), há uma crescente
precarização do trabalho na produção e no setor de serviços e esses
processos aparecem também na organização do trabalho no ensino público
(LÜDKE; BOING, 2004; SAMPAIO; MARIN, 2004; e OLIVEIRA, 2004).
Dentre os aspectos que indicam elementos de precarização do trabalho
docente, vivenciados diariamente por professores da educação pública,
podemos citar: número elevado de estudantes por turma, o que inviabiliza
o ensino individualizado e promove o trabalho impessoal; precarização das
estruturas físicas das escolas; baixos salários, obrigando os professores a
assumirem maior quantidade de turmas, de escolas e até a trabalhar em
mais de um município com cargas horárias extensas, levando-os à exaustão
(FUENTES, 2015).
Além disso, ainda é elevada a quantidade de professores com
contratos temporários, sobretudo lecionando a disciplina de Sociologia.

38 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Também é perceptível a utilização, por parte dos governos, de dispositivos
legislativos, decretos e resoluções que retiram ou minimizam direitos
como o acesso à previdência e planos de saúde, flexibilização de contratos
de trabalho, substituição de mão-de-obra efetiva por trabalhador eventual2
e temporário (FUENTES, 2015). Com relação à retirada de direitos3,
também no Paraná, por meio de Resoluções (nº 113/2017; nº 15/2018; nº
02/2019), o governo diminuiu a quantidade de horas-atividades4 e alterou
a Matriz Curricular do ensino Médio diminuindo a carga horária semanal
das disciplinas de Arte, Filosofia e Sociologia.
Diante disso, há fortes indícios de que os paradigmas/princípios
de racionalização da organização do trabalho - taylorismo5 e toyotismo6
por exemplo - colonizam o trabalho docente e a organização da educação
pública, trazendo a este setor a mesma precarização crescente no setor da
indústria e dos serviços privados. Dal Rosso (2008) trabalha com a noção de
intensificação do trabalho como parte fundamental do atual momento do
capitalismo contemporâneo que foi se transformando conforme avançam
as formas de organização do trabalho na história. O autor (2008) define
a intensidade no sentido amplo, sendo tanto o aumento do esforço físico
e manual como também a intensificação do trabalho mental, relacional e
psíquico.

Chamamos de intensificação os processos de quaisquer naturezas que


resultam em um maior dispêndio das capacidades físicas, cognitivas e
emotivas do trabalhador com o objetivo de elevar quantitativamente ou
melhorar qualitativamente os resultados. (DAL ROSSO, 2008, p.23).
2
Professor eventual é uma das categorias de atuação docente no Estado de São Paulo. São aqueles que
eventualmente lecionam, substituindo professores faltantes.
3
Resolução n.º 113/2017 – Regulamenta a distribuição de aulas para professores do Quadro Próprio e
do Regime Especial/Temporários.
4
Parte da carga horária total de trabalho que o professor utiliza para preparação de aulas, correção de
avaliações, atendimento a pais, mães ou responsáveis pelos estudantes etc. A Lei nº 11.738/08 instituiu
o piso nacional do magistério e regulamentou, a nível nacional, que do total da jornada de trabalho
docente, um limite máximo de 2/3 poderá ser desempenhada em atividades com alunos, ou seja,
garante que no mínimo 1/3 seja destinada à hora-atividade/extraclasse.
5
Modelo de organização do trabalho criado por Fredrerick W. Taylor (1856-1915) que consiste na
implantação de métodos científicos de controle, gerência e organização do trabalho (DAL ROSSO,
2008).
6
Modelo de organização do trabalho criado por Taiichi Ohno (1912-1990), criador do Sistema Toyota
de Produção que se espalhou pelo mundo com a crise do modelo de produção em massa utilizado no
fordismo (DAL ROSSO, 2008, p.67).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 39


Dentre as consequências provocadas pela precarização do trabalho
em todos os setores, estão os impactos na saúde do trabalhador e da
trabalhadora. A flexibilização do trabalho, das metas e ritmos estabelecidos
para elevar a produtividade, fragilizam a segurança e a saúde no trabalho
(FRANCO, DRUCK, SELIGMANN-SILVA, 2010), elevando os riscos, os
casos de adoecimento e acidentes de trabalho.

É necessário considerar, ainda, que os tempos sociais do trabalho (ritmos,


intensidade, regimes de turnos, hora extra, banco de horas...) encontram-
se em contradição com os biorritmos dos indivíduos, gerando acidentes e
adoecimentos, destacando-se, internacionalmente, o crescimento de dois
grupos de patologias – o das LER/DORT e o dos transtornos mentais.
(FRANCO, DRUCK, SELIGMANN-SILVA, 2010, p. 232).

A pandemia da Coronavirus Disease 2019 (Covid-19) tem promovido


uma visível exponenciação desse processo de precarização do trabalho
em geral (SOUZA, 2021) e no trabalho docente em específico devido às
exigências excessivas, cobranças pelo alcance de metas (VIO, PASCOAL,
CAMARGO, FEIJÓ, 2020) e intensificação do teletrabalho para horários e
dias não-letivos (FERREIRA, BARBOSA, 2020).
As lutas nos serviços públicos têm conseguido manter um padrão de
regulação mínimo, preservando ainda alguns direitos de proteção. Contudo,
há elementos que demonstram o esforço do governo/estado em alterar essas
regulamentações, tanto a professores temporários como aos efetivos, tanto
nas condições de trabalho quanto nos currículos. Desta forma, a situação do
trabalho docente permanece em disputa acirrada a partir de princípios de
organização e controle do trabalho já consagrados na produção (FUENTES,
2015) que nem mesmo a pandemia da Covid-19 colocou trégua, visto que
persiste o processo de intensificação do trabalho, burocracia do controle e
precarização do currículo, promovendo a diminuição da carga horária de
disciplinas como Arte, Filosofia e Sociologia.

40 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


FACES DO PROCESSO DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
DOCENTE NO ESTADO DO PARANÁ

Como apresentado na parte inicial, a precarização do trabalho


docente funciona como processo/ação/movimento à medida que os
paradigmas de racionalização e flexibilização do trabalho colonizam as
políticas públicas de educação. Como ação/movimento, esse processo
se materializa por ferramentas legislativas e resoluções implantadas por
governantes7 que traduzem em suas práticas políticas o alinhamento aos
referidos paradigmas e aos programas neoliberais. Como processo, a
precarização do trabalho docente é dialética e se choca com as resistências
e lutas de trabalhadores e trabalhadoras da educação. Este tópico trata das
principais medidas que definem o processo de precarização do trabalho
docente na Educação Pública do Estado do Paraná8 no período entre 2015
a 2020. Esses elementos de precarização atingem o trabalho docente como
um todo e em alguns casos o trabalho com a Sociologia em particular.
Justifico a escolha do período a partir de 2015, pois foi a partir daí
que houve uma explícita intensificação das medidas de desmonte das
condições de trabalho que evidenciaram com mais velocidade o processo de
precarização do trabalho docente no Estado do Paraná9. Essa intensificação
pôde ser identificada tanto pelas políticas de desregulamentação do
trabalho e do currículo implantadas pelos governos no período, quanto
pelas mobilizações de resistência promovidas por trabalhadores e pelo
sindicato da categoria, que se intensificaram muito neste período10.

7
Beto Richa (PSDB) assumiu o governo do Estado do Paraná em 2011 e governou o Estado em dois
mandatos. Ratinho Junior (PSD) assumiu em 2018 como situação e continuidade do projeto do governo
anterior. PSDB, e mais recentemente PSD, na atualidade, são expressões partidárias que mantém, com
maior fidelidade, os programas e interesses da classe dominante brasileira e que traduzem em suas
práticas políticas os princípios e programas neoliberais de fragilização de direitos dos trabalhadores e
privatização dos serviços públicos.
8
Nosso recorte é na precarização do trabalho docente dentro do sistema público de Educação
paranaense.
9
Destaco que o desmonte da educação já dava sinais de intensificação em 2014 quando o governo se
negava garantir ⅓ de hora atividade e ameaçava o auxílio transporte. Em 2014, depois de 13 anos, os
professores deflagraram greve por seus direitos.
10
No período de 2015 a 2020 só não houve greve da categoria em 2018. Em 2015 e 2019 ocorreram 2
Greves em cada ano e em 2020 ocorreu uma greve de fome.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 41


O ano de 2015, primeiro ano do segundo mandato do governador
Beto Richa (PSDB), foi bastante emblemático e simbólico do processo de
precarização do trabalho aliado à violência do Estado. Antes mesmo do
início do ano letivo, ocorriam atrasos no pagamento do salário e acerto
salarial dos professores temporários que atuaram no ano anterior e no
pagamento de progressões11. Além disso, houve a implantação de uma
reorganização das escolas, promovendo superlotação de salas e fechamento
de turmas. Outro elemento do pacote de precarização do ano de 2015 foi a
retirada de direitos previdenciários, que para ser implantada dependia de
aprovação da Assembleia Legislativa. Após uma sequência de manobras12,
e sob muita violência policial, a medida foi aprovada no fatídico dia 29
de abril de 201513. Embora a mobilização dos trabalhadores tenha barrado
alguns retrocessos, a aprovação da retirada de direitos previdenciários
simbolizou o início de uma série de outras medidas de precarização.
Em 2016, o governo prosseguiu com a política de não atender os
compromissos de reajuste salarial e reposições inflacionárias, o que passou
a ser desde então, uma das principais dimensões da precarização do
trabalho docente no Estado, o congelamento e a perda salarial. No início
de 2017, o governo do Estado do Paraná publicou a Resolução nº 113/2017
que regulamentou a distribuição de aulas14 para o ano letivo. A referida
Resolução diminuiu a carga horária de hora atividade dos professores e
ainda penalizava docentes que saíram de licença no ano letivo anterior,
impedindo-os de assumirem aula complementar.
A Resolução (nº 113/2017) diminuiu, de 7 para 5, a quantidade
de aulas destinadas à hora-atividade na jornada de trabalho de 20 aulas
semanais, e de 14 para 10 horas-atividade, na jornada de 40 aulas semanais.
Em 2018, o governo atualizou a medida e publicou a Resolução nº 15/2018,

11
Quando o servidor público avança ou passa de um nível ou categoria para outro nível ou categoria
superior da carreira, adquirindo, geralmente, ganhos salariais.
12
Para garantir a aprovação do projeto o governo e sua base adotaram desde medida como declarar o
projeto urgente para, sem debate, acelerar sua aprovação; alteração do local de votação; utilização de
um imenso efetivo policial que cercou todo o quarteirão da Assembleia Legislativa, buscando evitar a
ocupação pelos manifestantes.
13
Segundo a APP-Sindicato, sindicato que representa os trabalhadores da educação no Paraná, mais de
200 pessoas ficaram feridas por tiro de bala de borracha e efeitos do gás lacrimogêneo.
14
Procedimento que antecede cada início do ano letivo em que professores, organizados em critérios
estabelecidos pela mantenedora (tempo de serviço, pontuações, títulos etc.), escolhem as aulas e escolas
em que desejam trabalhar.

42 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


com intuito de conter movimentos de resistência dos professores e atender
as legislações nacionais e estaduais que regulamentam que um terço
da carga horária seja destinado à hora-atividade. Para isso, o governo
empregou uma estratégia já utilizada em outros Estados15, que consiste em
transformar a jornada da tradicional hora-aula de 50 minutos em hora de
trabalho de 60 minutos16.
Na maioria dos sistemas educacionais públicos, professores são
contratados e contratadas em carga horária definida por quantidade de
aulas, que geralmente tem a duração de 50 minutos. É dessa forma, pois
a jornada de trabalho de professores nem sempre se resume em trabalho
durante um período de tempo, como por exemplo, oito horas diárias, e sim,
lecionar quantidades de aulas que são semanais ou mensais. O governo do
Estado, portanto, passou a considerar que professores realizarão mais 4
aulas de hora atividade em local de livre escolha, carga horária que não
é registrada na jornada oficial do trabalhador, dado que não precisa ser
realizada na escola não havendo qualquer controle sob sua realização.
A mesma Resolução nº 113/2017 penalizava professores que se
afastaram por meio de licença nos últimos cinco anos, com exceção
das licenças maternidade e adoção. Um professor ou professora que
se afastou da sala de aula para estudos ou para tratamento de saúde,
teve o desconto desse tempo no percentual de dias de efetivo exercício,
prejudicando sua classificação na ordem de assumir aulas extraordinárias17
ou complementares. Ao longo do ano de 2017 o Sindicato de Professores
do Estado conseguiu reverter a medida punitiva, que não foi mais aplicada
em 2018.
Como ocorreu em todo o período de análise, as ações do governo
foram acompanhadas de deflagração de greve dos trabalhadores da
educação. Durante a greve de 2017 o governo do Estado promoveu ainda
ações contra o direito de greve, ameaçando com lançamento de faltas e com
desconto de salários, além de pressionar os diretores das escolas a conter a
paralisação, que havia sido efetivamente acolhida pela categoria.
15
Em 2012 o governo de São Paulo já havia utilizado a mesma estratégia (FUENTES, 2015).
16
A estratégia foi mantida pela Resolução 2/2019 que atualmente regulamenta a distribuição de aulas
no Paraná.
17
Complementação de carga horária além daquela garantida no padrão de concurso.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 43


Já em 2018, o principal fator que exemplificou o processo de
precarização foi a diminuição dos salários pagos aos professores
temporários. Professores que atuam em regime especial, com aulas
temporárias, já possuem um contrato precário, marcado pela insegurança
e ainda possuem o salário mais baixo, correspondendo ao salário inicial
da carreira docente, sem direito a reajuste ou gratificação por formação ou
tempo de serviço. Ainda assim, o governo promoveu a diminuição no valor
da hora aula de R$ 15,73 para R$ 13,63, o que correspondeu a uma perda
de R$189,05 a cada 20 horas de trabalho18.
No ano de 2019, Carlos Roberto Massa Júnior - Ratinho Júnior (PSD)
- assumiu o governo do Estado e manteve o processo intenso de precarização
do trabalho dos funcionários públicos em geral e do trabalho docente em
particular. Em relação ao funcionalismo público como um todo, em 2019
além de não honrar com compromissos de reposição salarial, o governo
ainda aumentou a alíquota da contribuição previdenciária dos servidores,
de 11% para 14%, e no final do ano, quando as escolas organizavam as
matrículas para o próximo ano letivo, o governo implantou a política de
fechamento do ensino noturno, impedindo a maioria das escolas de abrirem
turmas de 1ª série do Ensino Médio no referido turno, com a intenção de
em três anos fechar completamente o ensino noturno. Além disso, foi a
partir de 2019 que a Secretaria de Educação do Estado passou a ser gerida
por um empresário19 do ramo de tecnologia com nenhuma experiência
com a Educação Pública.
Sob as mãos do empresário, as políticas educacionais ganharam
forte influência de paradigmas empresariais, o que pudemos observar nas
temáticas da Semana Pedagógica20 de 2019: uso pedagógico das avaliações
externas; liderança do professor e gestão da sala de aula. Além disso,
houve a implantação de mecanismos de avaliação externa - Prova Paraná -
controle curricular e gestão de resultados. A Prova Paraná é uma avaliação

18
A medida foi revista para 2020 e o valor da hora aula voltou a corresponder ao salário inicial da
carreira docente.
19
Renato Feder é CEO da Multilaser, empresa nacional do ramo de tecnologia e herdeiro da Elgin, mega
indústria do ramo de eletrodoméstico do Brasil e defensor declarado da política de Estado mínimo.
20
Semana Pedagógica é o nome da formação oficial para professores que ocorre nos dias que antecedem
o início do ano letivo.

44 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


diagnóstica preparada pela Secretaria de Educação e foi aplicada em três
momentos no ano de 2019 - uma prova em cada trimestre letivo. Entre
a aplicação de uma e outra prova, ocorreram reuniões pedagógicas para
discussão dos critérios avaliativos, organização curricular para adequação
dos Planejamentos dos professores aos critérios/descritores da Prova
externa, mesmo não sendo cobrado o conteúdo de todas as disciplinas.
Este fato chama a atenção para uma relação já identificada no Estado
de São Paulo (FUENTES, 2015) onde uma avaliação externa implantada
como diagnóstica, determina previamente a organização do currículo,
ou seja, “[...] vê-se uma inversão do processo, dado que é justamente o
mecanismo de avaliação (que deveria conferir aquilo que foi ensinado e
trabalhado) aquele que condiciona o currículo” (FUENTES, 2015, p. 87).
O ano de 2020 foi marcado pela pandemia de Covid-19. A partir de
meados de Março, as aulas presenciais foram suspensas, sendo adaptado
o ensino remoto no Estado, com aulas transmitidas na TV aberta,
pela internet em canais de streaming e utilizando plataformas de salas
virtuais. Foi um ano bastante difícil para estudantes e professores, dada
as dificuldades de manter o processo de ensino-aprendizagem de maneira
remota. Mesmo assim, o processo de precarização do trabalho docente não
perdeu intensidade.
Durante o primeiro ano pandêmico, intensificou-se o trabalho
e as exigências burocráticas do ensino remoto. Além disso, ao longo do
ano o governo ainda levou adiante uma política de militarização das
escolas públicas; alterou processo seletivo de professores temporários com
introdução de prova objetiva e diminuiu a carga horária das disciplinas de
Arte, Filosofia e Sociologia.
No correr do ano, o governo deu sequência ao programa que
transforma Escolas em Colégios Cívico-Militares21 elevando para 206
o número de escolas convertidas a esse modelo. Embora necessite da
aprovação da comunidade escolar para ser implantado, não houve um
debate aberto com a comunidade para apresentar o programa e/ou

21
No programa criado pelo governo do Paraná, a escola cívico militar possui gestão administrativa e
didático-pedagógica compartilhada por um diretor civil e um militar. Além disso, cada escola recebe de
2 a 4 militares da reserva para atuar na escola como monitores.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 45


possibilitar que favoráveis e contrários à conversão dos Colégios em cívico-
militares manifestassem suas posições. A consulta na maioria das escolas
ocorreu durante a pandemia da Covid-19 e foi promovida pela própria
mantenedora, parte interessada na aprovação do programa.
E já no fechamento do ano, na semana do Natal de 2020, fora já do
período letivo, o governo publicou uma nova Matriz Curricular para Ensino
Médio regular que promoveu a diminuição da carga horária semanal das
disciplinas de Arte, Filosofia e Sociologia em cada série. Sendo assim, cada
uma das três componentes curriculares passou a contar com uma aula
semanal em cada série do Ensino Médio regular no ano letivo de 2021.
Reafirmo que, embora as lutas e resistências nos serviços públicos,
diante do intenso processo de precarização do trabalho, têm conseguido
manter um padrão de regulação mínimo, preservando ainda alguns
direitos de proteção, há elementos que demonstram o esforço e o avanço
do governo/estado em alterar essas regulamentações, tanto nas condições
de trabalho quanto na organização curricular. Dessa forma, mantém-se
a posição de que a situação do trabalho docente permanece em disputa
acirrada a partir de princípios de organização e controle do trabalho, já
consagrados na produção.

PRECARIZAÇÃO E O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO PARANÁ

Tendo em vista as evidências apresentadas anteriormente, é


certo afirmar que o Estado do Paraná é campo de acelerado processo de
precarização do trabalho docente. Neste tópico, destacamos alguns possíveis
e evidentes efeitos da precarização do trabalho docente ao trabalho com o
ensino de Sociologia no Ensino Médio paranaense e suas consequências ao
processo de institucionalização da Sociologia no ensino básico.
Até aqui, já sabemos que pelo menos os dois últimos governos
estaduais buscaram promover uma expansiva política de precarização do
trabalho público - regulamentações do trabalho; descumprimento dos
compromissos de reposição salarial, pagamentos de avanços e progressões;
retirada de direitos previdenciários e aumento da alíquota previdenciária

46 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


dos servidores - e em particular do trabalho docente - precarização das
escolas; diminuição da hora-atividade; fechamento de turmas e turnos;
pedagogia empresarial; diminuição salarial de professores temporários; etc.
Somam-se a esse movimento geral de precarização, as questões
específicas do trabalho com a disciplina de Sociologia, que se tornou
obrigatória há pouco mais de 12 anos e que foi transformada em “estudos e
práticas”, junto com a Educação Física e a Filosofia, pela Lei nº 13.415/2017.
A atual conjuntura trouxe-lhe novos desafios para o processo intermitente
de consolidação no ensino básico.
Embora ainda em fase de refinamento de metodologias de ensino e
em processo de institucionalização na educação básica, presumo que o que
tem mais desafiado os professores no Ensino de Sociologia são os aspectos
que evidenciam o processo de precarização do trabalho docente, e ainda,
diminuição da carga horária semanal da componente curricular; elevado
número de aulas, alunos e escolas; estrutura física inepta das escolas; falta
de recursos didáticos; insegurança nos contratos de trabalho temporário;
insatisfação com os princípios taylorista-fordista e toyotista que adentraram
a educação.
Esses elementos apontam que a Sociologia no Ensino Médio está sob
um duplo desafio: a condição precária do trabalho docente na escola e a
condição precária da disciplina ainda em processo de institucionalização no
currículo da Educação Básica. Isso quer dizer que a luta pela manutenção
da Sociologia nas escolas ainda se mantém e nos desafia constantemente.
Como já indicado anteriormente, no final do ano de 2020 o governo
do Paraná promoveu alteração no currículo do Ensino Médio do Estado,
diminuindo a carga horária de aulas das componentes curriculares de
Arte, Filosofia e Sociologia, de duas para uma aula semanal, em cada série
do Ensino Médio regular. Assim, os professores dessas áreas iniciaram o
ano letivo com a metade da carga horária em cada série, o que levou estes
a assumirem o dobro de turmas, quantidade de alunos e quantidade de
escolas para completar sua jornada de trabalho. A medida é um retrocesso,
pois desde 2008 quando as disciplinas de Sociologia e Filosofia passaram
a ser obrigatórias, ambas contavam com a carga horária de duas aulas

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 47


semanais em cada série do Ensino Médio regular e profissional, a menor
carga horária até então.
A diminuição da carga horária das aulas de Sociologia pode ser
entendida como parte de um processo de intermitência da área, fruto
de interesses políticos e ideológicos. Está dentro do mesmo contexto de
transformação em “estudos e práticas” dado pela Lei do Novo Ensino
Médio (Lei nº 13.415/2017). Com status de estudos e práticas, a Sociologia
perde seu título de disciplina ou componente curricular, e passa a depender
inteiramente da vontade política de governos e dirigentes educacionais
ou da capacidade mobilizadora de professores, estudantes e comunidade
escolar em reivindicar o seu ensino dentro das escolas. Isso não deve levar
outro nome que não o de um novo estágio de intermitência.
Dentro desse processo de precarização do ensino de Sociologia,
outros elementos têm colocado desafios aos professores e professoras
de Sociologia e das demais áreas das Ciências Humanas. Dentre eles,
damos atenção aqui ao movimento Escola sem Partido e ao processo de
militarização das escolas.
Escola Sem Partido - ESP - é um movimento reacionário nascido
em 2004 e que passou a ter uma atuação mais efetiva a partir de 2014,
quando ocorriam os debates do Plano Nacional da Educação - PNE (Lei nº
13.005/2014) e é íntimo de uma forte ofensiva conservadora que assistimos
no Brasil a partir deste período (PENNA, 2016). Como movimento, o
ESP atua em duas frentes: 1) perseguição ideológica e censura a práticas
docentes rotuladas de “doutrinação ideológica”; 2) consultoria jurídica para
pais, mães e estudantes que resolvessem processar os professores pelo crime
da “doutrinação ideológica” e consultoria parlamentar para a implantação
de Leis municipais e estaduais instituindo as práticas de censura defendidas
pelo movimento22.
A capacidade de mobilização, aliada ao avanço do conservadorismo
nestes últimos anos, possibilitou, em diversos municípios e estados, a
indicação e tramitação de projetos institucionalizando as práticas do
movimento - criminalizar ações pedagógicas e conteúdos trabalhados em
22
No site do Movimento é possível acessar modelos de projetos de leis municipais e estaduais para
institucionalizar o movimento.

48 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


sala de aula nas mais diversas componentes curriculares. No Paraná, o
Projeto de Lei da ESP começou a tramitar em 2016, sendo derrotado na
Assembleia Legislativa no final de 2019 por uma margem relativamente
pequena - 27 versus 21 votos - se considerarmos que a votação ocorria no
momento de fragilidade e perda de apoio do movimento.
A partir de 2020, os projetos e legislações instituindo a ESP foram
um a um considerados inconstitucionais, o que fez diminuir a atuação do
movimento. Contudo, a ingerência da ESP deixou rastros na promoção
do ódio aos professores, colocando-os em uma posição de medo em
exercer o trabalho docente nas diversas áreas de formação (PENNA,
2016). Especialmente ao ensino de Sociologia restaram marcas e sequelas
pela direta criminalização do trabalho com conteúdos chave ao trabalho
sociológico: discussão de gênero e sexualidade, senso crítico, diversidade
cultural, intolerância religiosa, marxismo, etc.23 Embora nos falte vastas
evidências concretas acerca do medo em ensinar Sociologia no Paraná,
sabemos que o trabalho dos conteúdos sociológicos exigem liberdade para
ensinar, e estando os professores em um ambiente de ódio e controle sobre
o currículo, a prática docente fica prejudicada24.

O ESP censura a liberdade de pensamento e a reflexão crítica, itens caros ao


currículo da Sociologia. Em decorrência, alveja os direitos civis e, portanto,
o exercício pleno da cidadania, já que esta é afetada pela criminalização
do estímulo ao exercício dos direitos políticos. Também atinge os
Direitos Humanos, já que, por exemplo, condena o debate sobre gênero,
desconsiderando a realidade brasileira marcada pela misoginia e por altos
índices de violência contra a mulher. Por fim, coloca sob ameaça o professor
que abordar a participação política em atos públicos ou em movimentos
estudantis (FERREIRA, ALVADIA FILHO, 2017, p. 75).

23
O foco central da cruzada do movimento Escola sem Partido foi à tríade: “ideologia de gênero”,
“doutrinação ideológica” e “marxismo cultural”, rótulos facilmente aplicados aos conteúdos trabalhados
pela Sociologia no Ensino Médio.
24
Uma evidência desse ponto de vista ocorreu em meados de 2016, quando uma professora de
Sociologia foi suspensa do seu trabalho quando viralizou um vídeo onde seus alunos cantavam uma
paródia da música Baile de Favela, uma música funk bastante popular, cuja letra expunha a teoria de
Karl Marx. A professora só pôde retornar ao trabalho com acompanhamento pedagógico. Além disso,
há muitos relatos informais de estudantes gravando as aulas, responsáveis questionando conteúdo de
livros didáticos e até de lideranças políticas locais invadindo escolas.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 49


Como já mencionado anteriormente, o Estado do Paraná possui seu
próprio Programa de Colégios Cívico-Militares, contando com 206 escolas
convertidas ao programa. Nesse modelo, o diretor civil divide o posto com
um diretor militar. O primeiro se responsabiliza pelas questões pedagógicas
e o segundo pelas atividades cívico-militares e disciplinares. Além do
diretor militar, cada escola conta ainda com até quatro policiais militares
da reserva exercendo função de monitoria. A Matriz Curricular dos
colégios cívico-militares amplia a carga horária de Português e Matemática
e introduz disciplinas como a de Cidadania e Civismo.
Arrisco suspeitar que no mesmo ponto do currículo onde o ensino
de Sociologia sofreu ingerência da ESP, também sofre com o avanço das
Escolas cívico-militares. Tal suspeição se justifica porque ambas (ESP e
Escolas cívico-militares) são espectros da mesma onda conservadora e
autoritária que inunda a educação pública brasileira25 ou ainda duas faces
de um mesmo projeto conservador de sociedade, que coloca direitos sociais
e preceitos constitucionais fundamentais em risco (SANTOS, PEREIRA,
2018).
Tais aspectos do trabalho docente com a disciplina de Sociologia
impõem barreiras ao processo de institucionalização do seu ensino no
ensino básico. Mesmo após 12 anos da obrigatoriedade no Ensino Médio,
a Sociologia ainda não conseguiu se consolidar no currículo, vide a sua
situação no Novo Ensino Médio ou na Nova Matriz Curricular do Paraná.
Além disso, como vimos anteriormente, ações como o da Escola sem Partido
e o avanço das Escolas cívico-militares coadunam com a dificuldade da
sociologia se legitimar no ensino básico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os elementos indicados até aqui nos mostram que o trabalho com a


Sociologia no Estado do Paraná se encontra em um duplo desafio: ensinar
Sociologia em um contexto de crescente precarização do trabalho docente,
processo este que tem se intensificado nos últimos anos/governos; o ensino
25
Possui praticamente as mesmas personalidades políticas como defensoras.

50 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de uma componente curricular ainda nova no ensino médio, em fase de
institucionalização e disputa de espaços no currículo e que se encontra em
condição de intermitente diante de políticas governamentais: conversão
em estudos e práticas, diminuição da carga horária e ingerência dos
movimentos conservadores26.
Disso, podemos concluir que a atual conjuntura trouxe novos desafios
para o processo intermitente de consolidação da Sociologia no ensino básico
a ponto de que ensiná-la é um frequente trabalho de legitimação da área. Sem
encerrar a discussão, finalizamos este artigo com alguns questionamentos
que ainda necessitam de evidências e pesquisas: quais as consequências à
identidade e configuração da disciplina de Sociologia que essas condições
relatadas provocam? Quais as influências e consequências do medo de
ensinar Sociologia que os movimentos conservadores provocam? Quais as
consequências reais ao trabalho e ao ensino de Sociologia, provocadas pela
diminuição do número de aulas da matéria?

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n° 13.415, de 16/02/17. Altera as Leis nº 9.394, de 20/12/96, que


estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e nº 11.494, de 20/06/07, que
regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho
- CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 01/05/43, e o Decreto-Lei nº 236,
de 28/02/67; revoga a Lei nº11.161, de 05/08/05; e institui a Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da
União, Brasília, DF., 17 fev. 2017.

DAL ROSSO, Sadi. Mais trabalho!: a intensificação do labor na sociedade


contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008.

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Caderno CRH. Salvador, v. 24, nº. Espe 01, p. 37-57, 2011. Disponível em: http://
www.scielo.br/pdf/ccrh/v24nspe1/a04v24nspe1.pdf Acesso em Abril de 2021.

26
Estas conclusões também se aplicam ao Ensino de Filosofia no Ensino Médio.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 51


FERREIRA, Luciana Haddad; BARBOZA, Andreza. Lições de quarentena:
limites e possibilidades da atuação docente em época de isolamento social. In:
Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 15, e2015483, p. 1-24, 2020. Disponível em:
https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.15.15483.076 Acesso em Abril de 2021.

FERREIRA, Walace; ALVADIA FILHO, Alberto. A serpente pedagógica: O Projeto


Escola sem Partido e o ensino de Sociologia no Brasil. In: e-Mosaicos. Rio de
Janeiro, v. 6, nº. 12, p. 64-80, 2017. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.
br/index.php/e-mosaicos/article/view/30272/21433 Acesso em Abril de 2021.

FRANCO, Tânia; DRUCK, Graça; SELIGMANN-SILVA, Edith. As novas relações


de trabalho, o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho
precarizado. In: Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, vol. 35, n°122,
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KALLEBERG, Arne L. O crescimento do trabalho precário: um desafio global. In:


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LÜDKE, Menga; BOING, Luiz Alberto. Caminhos da profissão e da profissionalidade


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LIMA, Angela Maria de Sousa; MATTAR, Sandra Maria; FUENTES, Jorge


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OLIVEIRA, Dalila Andrade. A reestruturação do trabalho docente: precarização


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2004. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br acesso: Abril de 2021.

52 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


PARANÁ (Estado). Resolução nº 113 de 23 de janeiro de 2017. Regulamenta
a distribuição de aulas e funções aos professores do Quadro Próprio do
Magistério – QPM, do Quadro Único de Pessoal – QUP e aos professores
contratados em Regime Especial nas Instituições Estaduais de Ensino do
Paraná. Disponível em: https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 53


ATUAÇÃO DOCENTE EM TEMPOS DE PANDEMIA:
REFLEXÕES ACERCA DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO

Sandra Aparecida Batista1

INTRODUÇÃO

Os professores, sobretudo da Educação Básica já encontravam


dificuldades anteriores à pandemia, tanto pela carga horária extraclasse,
quanto pela remuneração e condições de exercício da profissão, em
fim ausência de reconhecimento social e de valorização profissional. A
precarização do trabalho da classe professoral não é uma temática nova,
com a pandemia ela se agrava.
A pertinência da temática justifica-se na medida em que a imposição
do Ensino Remoto Emergencial (ERE) associado aos imperativos do capital
transformam a educação e os trabalhadores em mercadoria, resultando na
sobrecarga da jornada de trabalho; na intensificação dos mecanismos de
extração do sobretrabalho; na impossibilidade de desvincular a vida pessoal
e profissional; ausência de participação nos processos decisórios, reduzindo
assim o professor a uma peça da engrenagem, a quem cabe apenas executar
programas de conteúdos padronizados, impostos de maneira autoritária,
o que compromete as condições de trabalho docente, levando inclusive ao
adoecimento.
Neste sentido, Menezes, Martilis e Mendes (2021) afirmam que
mesmo diante das limitações deste modelo,

As instituições propõem as suas próprias metodologias e transferem para os


professores uma ilusória autonomia de desenvolver o seu trabalho. Contudo,
o que se tem de fato, a partir dessa transferência – longe da possibilidade
de autonomia metodológica, principalmente em decorrência das restrições

1
Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (PROFSOCIO), Universidade Estadual de
Londrina – UEL, Londrina/PR – Brasil. Professora da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.
Contato: sandraaparecidabatista@hotmail.com

54 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de acesso democrático às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)
– é a responsabilização dos professores com a incumbência de solucionar
as limitações, carências e vulnerabilidades que impedem os discentes de
acessar o ensino remoto. (2021, p. 56).

Neste processo se aprofundam as desigualdades educacionais


devido à impossibilidade dos alunos oriundos, principalmente de classes
desfavorecidas economicamente de terem acesso ao ERE e a precarização e
intensificação do trabalho docente, sendo a segunda questão a problemática
de estudo deste trabalho. Portanto, além da sensação de insegurança que
invadiu todos os âmbitos de nossa existência, modificando as relações
interpessoais e sociabilidade os professores tem ainda as suas condições
de trabalho comprometidas. A fim de aprofundar esta problemática
discutiremos a questão da educação em tempos de pandemia, o ERE a
partir dos imperativos do capital e, ao fim a discussão sobre as condições
de trabalho docente.

EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA

As consequências da Covid-19 têm impactado os mais diversos


campos e aspectos da vida social. Afinal, trata-se de uma pandemia com
162 milhões de casos confirmados e de 3 milhões o número de mortes
em todo o mundo (WHO, 2021)2. Todos os setores da sociedade foram
afetados e não foi diferente com as escolas, logo após a confirmação dos
primeiros casos no país as atividades escolares presenciais foram suspensas
e instituído o ERE.
No ensino remoto predomina uma adaptação temporária das
metodologias utilizadas no regime presencial, de forma síncrona e
assíncrona, com aulas sendo realizadas nos mesmos horários do ensino
presencial, mediadas por plataformas digitais ou aplicativos, como Google
Classroom, Zoom, Google Meet, Skype, Teams (Microsoft) e WhatsApp,

2
Dados referentes ao início da segunda metade do mês de maio de 2021, uma vez que os dados são
atualizados constantemente em tal plataforma.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 55


entre outros (ALVES, 2020). Com relação ao ensino remoto Garcia et al
(2020) explicam que:

Ensinar remotamente não é sinônimo de ensinar a distância, embora


esteja diretamente relacionado ao uso de tecnologia e, nesse caso, digital.
O ensino remoto permite o uso de plataformas já disponíveis e abertas
para outros fins, que não sejam estritamente os educacionais, assim como a
inserção de ferramentas auxiliares e a introdução de práticas e inovadoras.
A variabilidade dos recursos e das estratégias bem como das práticas é
definida a partir da familiaridade e da habilidade do professor em adotar
tais recursos. (2020, p.5).

No entanto, o ERE foi imposto sem discussão com a comunidade


escolar professores, alunos e suas famílias. Tal modelo exige por parte de
alunos e professores o acesso aos recursos tecnológicos necessários. Sendo
o professor, o profissional responsável em auxiliar os alunos no acesso às
plataformas digitais, bem como replanejar as suas aulas, de modo a garantir
o acesso aos conteúdos escolares por parte dos alunos utilizando diferentes
estratégias e metodologias de ensino. Neste sentido, Abar e Faria (2015,
p. 264) argumentam que a atuação docente em ambientes virtuais de
aprendizagem “exige o repensar do fazer pedagógico, uma ressignificação
de seus saberes e de suas práticas educativas”.
Professores/as tiveram que se adaptar às novas metodologias, sem
qualquer adicional ao salário ou preparação técnica, sendo-lhes imposta a
reconfiguração de todo o seu programa de aula, bem como a readequação
da didática do ensino presencial para o virtual, o que inclui a aquisição de
equipamentos e planos de internets equivalentes.
Assim, entendemos que as condições mínimas deveriam ser
oportunizadas para então implantar o ERE, visto que muitas famílias
passaram a enfrentar diferentes problemas, como: desemprego, insegurança
financeira e emocional, medo de se contaminar ou perder alguém da
família, violência doméstica e demais condições que dificultam o acesso
aos recursos tecnológicos necessários e o devido acompanhamento da vida
escolar de seus filhos neste modelo de ensino. Entre as condições necessárias

56 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


consideramos o acesso ao ambiental virtual propiciado por equipamentos
adequados (e não apenas celulares), acesso à internet de qualidade, que
estivessem devidamente familiarizados com as tecnologias e, no caso
dos professores preparados e com condições adequadas de trabalho. No
entanto, conforme Saviani e Galvão (2021) afirmam:

Mesmo considerando todos esses limites, redes de ensino estaduais e


municipais, assim como diversas instituições públicas de ensino superior,
lançaram mão do “ensino” remoto para cumprir o calendário escolar e o
que se observou de maneira geral foi que as condições mínimas não foram
preenchidas para a grande maioria dos alunos e também para uma parcela
significativa dos professores, que, no mais das vezes, acabaram arcando com
os custos e prejuízos de saúde física e mental decorrentes da intensificação e
precarização do trabalho. (2021, p. 38-39).

Além das desigualdades observadas nas oportunidades aos alunos,


deve-se discutir a situação do professor durante a pandemia, visto que estes
profissionais, sobretudo da educação básica, já encontravam dificuldades
anteriores à pandemia. O trabalho docente, cuja realidade já era de
intensificação, exploração e tendência ao adoecimento, se agrava com a
pandemia (OLIVEIRA; PEREIRA; LIMA, 2017). O exercício da docência
diante de condições de trabalho inadequadas, atendimento a questões
organizativas e de orientação, o preparo de aulas e ao ensino remoto em si,
têm levado ao desgaste dos docentes, à exaustão e ao esgotamento da saúde.
(ALESSI et al, 2021).
A discussão sobre a imposição do ERE, das condições de trabalho
dos docentes e de acessos aos conteúdos escolares por parte dos alunos
neste período de pandemia é essencial a fim de demonstramos que este
modelo de ensino converge aos interesses do capital, onde a educação é
transformada em mercadoria.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 57


ENSINO REMOTO E OS IMPERATIVOS DO CAPITAL NA
EDUCAÇÃO

Com a pandemia entrou em vigor nas instituições de ensino da


educação infantil ao ensino superior o ERE permitindo aulas via plataformas
digitais institucionais ou plataformas privadas, sem, no entanto, assegurar
as condições de trabalho, processos decisórios democráticos, culminando
assim na precarização e intensificação do trabalho docente, onde interesses
privativos transformam a educação em mercadoria (SAVIANI; GALVÃO,
2021).
Neste modelo prevalece à lógica do controle, de implementação de
diferentes tecnologias e da padronização e sequenciação dos conteúdos
de forma autoritária, reduzindo assim os professores a meros executores,
afetando substancialmente suas condições de trabalho e a liberdade de
cátedra. Nesta linha de raciocínio Santos Neto e Araújo (2021) afirmam
que:

O EaD representa a subsunção completa da atividade docente aos


imperativos do capital, pois o educador não passará de um tutor ou apêndice
da máquina, aprofundando, assim, a divisão social do trabalho. Ele não
mais decidirá com seus educandos o conteúdo e a forma do processo de
aprendizagem e produção do saber. Será um mero consumidor dos tutoriais
e programas elaborados pelas grandes corporações que controlam as
instituições de ensino públicas e privadas. (2021, p.30-31).

A educação mediada pelo diálogo, em que alunos e professores


se assumem enquanto sujeitos da prática educativa é comprometida.
Desconsiderando as fragilidades e implicações do ERE, de que converge
para o que já vinha se encaminhando no Brasil em termos de eadização da
educação, o mesmo é apresentado como solução mágica para a superação
de todos os problemas educacionais na atualidade.
Na lógica neoliberal e de mundialização do capital prevalece a
privatização das políticas sociais, a desregulamentação das leis trabalhistas

58 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


e as relações sociais, econômicas e culturais são essencialmente marcadas
pelas mudanças tecnológicas, o que atravessa incessantemente todos
os aspectos da vida social e pessoal, mas, essencialmente, a educação.
(SOUZA, 2021).
Nesta discussão, não podemos deixar de mencionar as influências
de um dos representantes do capital internacional, o Banco Mundial (BM)
e da ordem de discurso neoliberal para a educação. Segundo Evangelista
(2020), as metamorfoses de trabalho e as contrarreformas educacionais
são orientadas pelos relatórios do BM, do Fundo Monetário Internacional
(FMI) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), que fundamentam a necessidade de adequação dos países às
transformações nos setores produtivos e de serviços.
Para Santos Neto e Araújo (2021), a alquimia que o capital financeiro
pretende realizar pela mediação da Educação a Distância (EaD) convergem
para:

A educação se transforma numa mercadoria que é negociada na bolsa


de valores e num mercado disputado pelas grandes redes educacionais
existentes no mundo. Mas a tentativa do capital de transformar a educação
em mercadoria encontra o entrave das trabalhadoras e dos trabalhadores,
bem como do movimento estudantil. (2021, p.32).

Assim, o quadro que se apresenta é de “[...] pressões pela generalização


da educação a distância, como se fosse equivalente ao ensino presencial em
função dos interesses econômicos privados envolvidos, mas também como
resultado da falta de uma verdadeira responsabilidade com a educação
pública de qualidade [...].” (SAVIANI, GALVÃO, 2021, p.39).
Na visão destes autores há uma “[...] tendência do processo de
conversão da educação em mercadoria, na esteira da privatização que
implica sempre a busca da redução dos custos, visando o aumento
dos lucros”. (SAVIANI, GALVÃO, 2021, p.39). Assim, “a pandemia do
coronavírus (Covid-19) consiste em uma oportunidade para que as grandes
corporações financeiras que detêm o monopólio do conhecimento das

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 59


novas tecnologias e o controle do universo cibernético sejam as principais
beneficiadas”. (SANTOS NETO; ARAUJO, 2021, p.31).
Estamos vivenciando um dos períodos de maior retrocesso,
consolidado a partir da ascensão ao poder de um projeto político de
austeridade, além de ultraconservador, coordenado por uma extrema-
direita reacionária, balizada pelo fundamentalismo religioso e pelo
irracionalismo. Tem-se, nesse cenário de obscurantismo e negacionismo,
o ataque sistemático à ciência, à pesquisa, à verdade histórica (acesso aos
fatos), ao saber socialmente elaborado e à universidade pública (DUARTE;
MAZZEU; DUARTE, 2020).
Além disso, outros elementos, advindos com o contexto neoliberal
e neoconservador emergem no cenário e trazem diversos impactos ao
trabalho docente. São eles: a imposição da falaciosa neutralidade no exercício
docente; a acusação aos professores de doutrinação ideológica; o professor
tido como mero instrumento/insumo no processo de ensino-aprendizagem;
o deslocamento do ensino para a aprendizagem/metodologia (conteúdo
sacrificado à forma); o recrudescimento dos tipos de censura, controle/
vigilância e monitoramento/avaliação (RAVITCH, 2011); a transferência
de centralidade da instituição educacional para as tecnologias e para outros
espaços, como o trabalho, igualmente considerados educativos (DUARTE,
2008).
Em razão da pandemia os retrocessos que vinham ocorrendo no
campo da educação se agravam. Há um discurso cientificista que coloca a
tecnologia como panacéia para todos os problemas educacionais, ignorando
os saberes docentes, a realidade social de cada estudante e, essencialmente
que a educação se constitui necessariamente com a relação interpessoal,
implicando, portanto, a presença simultânea dos dois agentes da atividade
educativa: o professor com seus alunos (SAVIANI, 2011).
Para Menezes, Martilis e Mendes (2021) “Ao fim e ao cabo, defender
o ensino presencial não quer dizer ser contra as tecnologias. Estas são
importantes e há muito têm sido inseridas como suporte didático-
pedagógico, mas como papel complementar e não central”. (2021, p. 58).
Assim, percebe-se que há uma tentativa de desqualificar a profissão e
a profissionalidade da categoria docente, cujas ações se refletem na acusação

60 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


aos professores de doutrinação ideológica, na desvalorização e ausência
de reconhecimento social e profissional, na centralidade nas ferramentas
tecnológicas em detrimento do professor, associados aos mecanismos de
controle e vigilância deste profissional. Para Menezes, Martilis e Mendes
(2021) há “[...] um processo gradativo de barbarização da educação no
Brasil. Nesse sentido, essas variáveis têm produzido efeitos corrosivos para
a saúde mental dos docentes”. (2021, p.54).
Neste contexto de pandemia em que os interesses dos capitalistas
convergem para a eadização da educação devemos nos manter atentos e
vigilantes da educação pública, contando com o apoio da sociedade, visto
que ainda “uma parte substancial da sociedade é diametralmente oposta ao
EaD e não considera tal modalidade como uma representação do espaço
escolar”. (SANTOS NETO, ARAUJO, 2021, p.32).
Para estes autores, o capital ainda não conseguiu destruir o imaginário
da classe trabalhadora e da sociedade, da educação relacionada ao espaço
escolar, isso favorece uma ação organizada que desperte para a necessidade
de se contrapor radicalmente à proposta do EaD, de modo a impedir os
avanços do capital na área na educação. (SANTOS NETO, ARAUJO, 2021).
Estas considerações são essenciais visto os diversos ataques
empreendidos nos últimos anos, especialmente aqueles praticados no
governo ilegítimo de Michel Temer e, mais recentemente, de Jair Bolsonaro,
onde o primeiro instituiu a Emenda Constitucional nº 95/2016, que
congelou os gastos com serviços sociais essenciais, como a educação, por
vinte anos, e o segundo apresentou o Future-se3, que se mostra como o
3
O nome do programa, por certo, expressando a improvisação e a pressa que marcou a confecção do
projeto, teve várias versões divulgadas. No vídeo de lançamento (17/7/2019) o título é: Future-se –
Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras. Já na minuta do projeto de lei de 19/7/2019, o
termo “Future-se” vai para o fim da frase e a palavra “Programa” é inserida no início: Programa Institutos
e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – Future-se. Na minuta do projeto de lei de 16/10/2019,
o nome é corrigido para: Programa Universidades e Institutos Empreendedores e Inovadores – Future-
se. Nas matérias publicadas na página do MEC, a marca ou o nome fantasia (Future-se) é usado,
quase sempre, isoladamente, mas há também casos em que outra nomenclatura é utilizada, como por
exemplo: Programa de autonomia financeira. Nas primeiras versões do nome, a expressão Institutos e
Universidades Empreendedoras e Inovadoras dava a impressão de que o programa pretendia fomentar
o empreendedorismo e a inovação apenas nas universidades, deixando os institutos numa situação
marginal. O lapsus linguae foi corrigido na minuta de 16/10/2019, mas, de alguma forma, revela o foco
principal da política do MEC: impor às universidades federais um amplo sistema de controle. (GIOLO,
2020, p.17).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 61


ataque mais grave na busca pela total mercantilização do ensino superior
público, sua financeirização e privatização (GIOLO; 2020). Antes da
pandemia vários ataques aos serviços sociais essenciais e aos trabalhadores
estavam em curso. Santos Neto e Araújo (2021) confirmam que:

A imposição do Ensino a Distância (EaD) e do trabalho remoto na esfera


da educação pública representa a destruição da educação presencial e
a economia de recursos com a educação. Nesse aspecto, o EaD está em
plena consonância com a Emenda Constitucional n° 95/2016 (PEC da
Morte), que retirou verba da educação e do Sistema Único de Saúde (SUS),
congelando os investimentos até 2036. O ataque aos direitos não cessou
com a Reforma Trabalhista e a Lei da Terceirização. Esse persiste por meio
da Medida Provisória (MP) n° 936, que institui o Programa Emergencial
de Manutenção do Emprego e da Renda e autoriza a redução de jornada
de trabalho e de salários, assim como a suspensão de contrato de trabalho
mediante acordo individual entre patrão e empregado, com a proposta
da Carteira Verde e Amarela (MP n° 905), aprovada no Congresso e que
tramita no Senado como PLV 4/2020, destacando-se ainda a PEC n° 10 ou
“PEC do Orçamento de Guerra”, que permite que o Banco Central aumente
significativamente o endividamento público, comprando e vendendo os
títulos que interessam ao sistema financeiro para salvar os capitalistas da
crise. (2021, p.32).

Portanto, o contexto de pandemia pode favorecer a destruição


da educação pública presencial e a inviabilização da mesma devido aos
cortes de recursos, que somados aos diferentes ataques aos trabalhadores
comprometem as condições de trabalho docente.

Os projetos de lei, o original e seu substituto, carregam nas tintas quando se trata de orientar as
atividades fins das Ifes para atenderam exclusivamente às demandas privadas, desenvolvendo produtos
(bens e serviços) apropriáveis pelas empresas e formando pessoas para atender ao mundo dos negócios.
O Future-se não reconhece nenhuma outra atividade válida no seio das instituições. Todas as atividades
que o Future-se pretende fomentar conectam-se, de alguma forma e diretamente, ao mercado e aos
interesses das empresas. A palavra empreendedorismo (ou empreendedor) aparece 11 vezes na
minuta-I e 16 vezes na minuta- -II; inovação (ou inovador): 39 e 44, respectivamente; pesquisa (com
conotação de pesquisa aplicada): 27 e 37, respectivamente; empresa: 15 e 13 respectivamente; startup:
4 e 8, respectivamente; empresa júnior: 2 vezes na última minuta. Por outro lado, a palavra sala de
aula não aparece uma única vez. O ensino, a extensão e a pesquisa básica são horizontes praticamente
ignorados. (GIOLO, 2020, p.46-47).

62 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE EM TEMPOS DE
PANDEMIA

Neste contexto de pandemia em que inúmeras problemáticas


sociais vem à tona, a situação dos professores não é exceção. Assim, é
preciso problematizar as condições de trabalho docente visto o esforço
permanente de pensar alternativas para a manutenção do processo de
ensino, mesmo diante a ausência de autonomia nos processos decisórios,
dos professores serem reduzidos a meros executores de propostas de
conteúdos padronizados e sequenciados de forma autoritária, em fim de
um modelo que prevalece à lógica de controle e vigilância, de precarização
e intensificação do trabalho docente.
No capitalismo, a liberdade de escolha dos trabalhadores é restrita,
pois eles ficam impossibilitados de pensar no seu processo de trabalho,
assim como de se apropriar dos frutos do mesmo. Portanto, o trabalhador é
reduzido a mais um elemento componente do processo produtivo.
Além destas condições, uma pesquisa do Gestrado (2020), aponta
que mais de 53% dos docentes pesquisados (cerca 15 mil professoras
e professores de todas as regiões do país, de redes municipais, estaduais
e federais), não tiveram nenhum tipo de formação para o uso de mídias
digitais para a docência, bem como apenas 28,8% dos docentes afirmaram
ter facilidade para o uso desses meios. É necessário atentar que 17% dos
pesquisados não possuem os meios necessários.
Isso ocorre porque a formação dos professores dificilmente
contempla a demanda por EaD, não existindo uma familiarização com as
plataformas digitais, cujas dificuldades foram sendo superadas pelo caráter
de emergência decorrente da pandemia. No entanto, além da dificuldade
em manejar distintas plataformas e, justamente nesse aspecto, entramos
num crucial aspecto da vida docente em quarentena: o rompimento dos
limites entre o pessoal e o profissional. (PALUDO, 2020).
A pesquisa da Nova Escola (2020), aponta que as plataformas mais
utilizadas pelos professores para contatar as famílias e alunos são, nessa
ordem, o WhatsApp, Facebook, por último o portal da instituição. Portanto,

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 63


as dimensões pública e privada se confundem, assim como os horários.
Nesta lógica, Menezes, Martilis e Mendes (2021) afirmam que:

A partir da imposição de adesão ao ensino remoto, exigiu-se o trabalho com


ferramentas e tecnologias de uso particular do conjunto de trabalhadores
da educação (fora despesas com contas de internet, luz, alimentação
etc.). Outro elemento para a discussão é que não há mais diferenciação
entre o espaço da casa e do trabalho. Assim, no home office, acentuam-
se: a indefinição de horários de trabalho, a invasão da privacidade
do trabalhador, a superexposição de sua imagem e apropriação pelos
empresários educacionais do conteúdo de suas aulas (aulas gravadas que
podem ser replicadas a qualquer tempo a um sem--número de estudantes).
(2021, p.50).

Assim, Paludo (2020) questiona sobre a perda da capacidade de


discernir o que é o espaço privado e o que é o espaço profissional tendo
em vista as condições de trabalho. “O notebook é ferramenta de trabalho, o
quarto é espaço de trabalho, o instagram é o meio de contato com alunos.
Serão os professores capazes de lidar de forma saudável essa tênue linha
entre vida privada e profissional? ”(2020, p.50).
Marx (2004) afirma que quanto mais o trabalhador produz, menos ele
vale, pois há uma supervalorização do mundo das coisas e uma depreciação
do mundo dos homens, estabelecendo-se uma relação reificada/coisificada
entre os seres sociais, uma vez que o vínculo social entre os homens se
transforma em uma relação social entre as coisas. O trabalho produz
mercadorias e faz do trabalhador uma mercadoria.
Nesta relação, tanto a educação como o trabalhador acabam se
tornando mercadorias. Laval (2019) afirma que a lógica imposta retrata
perfeitamente a instituição educacional como insumo, mercadoria,
empresa, o aluno como cliente/consumidor e o professor como provedor da
mercadoria educação. “Na esfera da educação, a recorrência ao teletrabalho
ou trabalho remoto resulta numa ampliação da expropriação do tempo de
trabalho docente, porquanto intensifica o trabalho [...].” (SANTOS NETO;
ARAUJO, 2021, p. 30).

64 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Os professores com vistas a garantir as condições objetivas e subjetivas
de suas existências, se submetem a situações cada vez mais precárias, sem
condições adequadas de trabalho, destituídos de direitos fundamentais e
mal remunerados. A Rede Brasil Atual (2020) aponta que os problemas
decorrentes na saúde das trabalhadoras e trabalhadores podem ser
inúmeros: auditivos, estresse, depressão, tendinite, tenossinovite, bursite,
epicondilite, síndrome do túnel do carpo, dedo em gatilho, síndrome
do desfiladeiro torácico, síndrome do pronador redondo, mialgia etc.
Portanto, além de afetar a saúde dos trabalhadores, o trabalho remoto
gera o desmantelamento e o enfraquecimento da organização da classe
trabalhadora devido ao aumento da individualização do trabalho, redução
das relações solidárias e coletivas no espaço de trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão sobre as condições de trabalho docente em tempos de


pandemia é essencial a fim de demonstrar que além da elevação da carga
de trabalho que se dá, ainda, em condições subjetivas desfavoráveis, uma
vez que muitas docentes têm que lidar com o ERE em meio a afazeres
domésticos e demandas familiares que associadas à vigilância e o controle
que podem se configurar em assédio; o uso constante das tecnologias
compreendidas como panaceia de todos os problemas educacionais,
ignorando as desigualdades sociais que impedem que todos os educandos
tenham o acesso à educação ampliam as possibilidades de adoecimento
físico e mental.
Com a pandemia as condições de trabalho docente que já se
encontravam comprometidas são agravadas devido à precarização e
intensificação do trabalho docente mediante a incorporação de novas
tecnologias, a ausência de liberdade de cátedra, a lógica de controle
e vigilância, enfim, a subsunção completa da atividade docente aos
imperativos do capital, que contribuem para que o educador se transforme
em um mero apêndice da máquina, aprofundando a divisão social do
trabalho.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 65


Observa-se, pois, a continuidade de uma ofensiva histórica de
perda da autonomia docente e liberdade de cátedra, a qual está prevista
no Artigo 206 da Constituição Federal de 1988 e no Artigo 2º da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996. O professor se
encontra coagido, submetido a constante vigilância e controle por parte de
gestores, familiares dos estudantes e, sobretudo, a empresários da educação
que capturam até a subjetividade do trabalhador (SHIROMA; MORAES;
EVANGELISTA, 2002).
A tecnologia que deveria ser usada para facilitar o trabalho docente,
com melhorias inclusive no processo de ensino e aprendizagem, visto
que desde a origem do ser humano, ela não é outra coisa senão extensão
dos braços humanos é apropriada pelos meios de produção, excluindo a
possiblidade de o trabalhador desfrutar da redução do tempo de jornada de
trabalho. Neste processo, “[...] a tecnologia se converta em instrumento de
submissão da força de trabalho a um tempo sem limite, conduzindo o ser
humano à exaustão.” (SAVIANI; GALVÃO, 2021, p.39).
Esta discussão é importante porque as condições de trabalho
docente incidem diretamente na aprendizagem dos alunos, não havendo
assim a possibilidade de se pensar numa educação de qualidade sem que
os profissionais da educação tenham condições de trabalho adequadas
para o exercício da docência mediante inclusive o reconhecimento social
e profissional.

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Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 69


ATUAÇÃO DOCENTE EM TEMPOS DE PANDEMIA E OS
DESAFIOS PERANTE AS DESIGUALDADES SOCIAIS

Sandra Aparecida Batista1

INTRODUÇÃO

Com a confirmação dos primeiros casos da Covid-19 no Brasil as


aulas foram suspensas, o que já vinha ocorrendo em outros países afetados
pela pandemia.   Comércios, indústrias e serviços em geral tiveram suas
rotinas alteradas e não foi diferente com as escolas, onde os profissionais
da educação tiveram que se reinventar devido às demandas do contexto
pandêmico. Desta forma, os professores passam a enfrentar diferentes
desafios, entre eles “[...] os interesses privatistas colocados para a educação
como mercadoria, a exclusão tecnológica, a ausência de democracia
nos processos decisórios para a adoção desse modelo, a precarização e
intensificação do trabalho para docentes [...]”. (SAVIANI; GALVÃO, 2021,
p.38).
Neste trabalho, priorizamos a questão dos desafios dos docentes
quanto às desigualdades sociais que se refletem nas condições desiguais de
acesso às aulas remotas e aos conteúdos escolares por parte dos alunos.
Serão tratadas também outras demandas dos professores como o uso de
diferentes ferramentas tecnológicas, estratégias e metodologias de ensino
neste contexto de pandemia.
A pertinência do tema justifica-se na medida em que a pandemia da
Covid-19 atingiu a educação em praticamente todo mundo, e seus impactos
serão sentidos a curto, médio e longo prazo. É necessária a compreensão
de que o Brasil carece de políticas públicas de inclusão digital e que as
desigualdades sociais constituem um fator que fomenta as desigualdades
de acesso aos bens tecnológicos e consequentemente o acesso, permanência
1
Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (PROFSOCIO), Universidade Estadual de
Londrina – UEL, Londrina/PR – Brasil. Professora da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.
Contato: sandraaparecidabatista@hotmail.com

70 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


e sucesso escolar. Pensar em educação em época de pandemia sem a
preocupação de que todos tenham o efetivo acesso à educação por meios
tecnológicos é uma flagrante prática discriminatória. Cardoso, Ferreira e
Barbosa (2020) entendem que:

[...] as decisões de oportunizar ensino à distância foram tomadas em inegável


caráter de urgência, porém, podem culminar em altos índices de reprovação
e baixa de desempenho de alunos menos favorecidos economicamente,
bem como não justifica que a urgência da situação enfrentada seja motivo
para transformar a educação de um direito de todos para o privilégio de
alguns. (2020, p.45).

As desigualdades escolares que já existiam antes da pandemia


tendem a se agravar justamente pela discrepante realidade socioeconômica
do país que coloca uma grande parcela de alunos, em especial da rede
pública de ensino e de classes desfavorecidas economicamente em
posição desfavorável, pela dificuldade de acesso à internet e às tecnologias
necessárias às aulas remotas.

ENSINO REMOTO EMERGENCIAL E AS SUAS CONTRADIÇÕES

A expressão Ensino Remoto Emergencial (ERE) passou a ser usada


como alternativa à Educação à Distância (EaD). No entanto, é preciso
diferenciar a EaD de ERE. A primeira é uma modalidade distinta oferecida
regularmente, diferentemente do ERE que é posto como um substituto,
excepcionalmente adotado neste período de pandemia, em que a educação
presencial se encontra suspensa.
No mais, não é prudente igualar o EaD, habitual e planejado, com
o ensino à distância emergencial, pois, ainda que este conte com um
planejamento emergencial, “o ensino remoto praticado atualmente [na
pandemia] assemelha-se a EAD apenas no que se refere a uma educação
mediada pela tecnologia. Mas os princípios seguem sendo os mesmo da
educação presencial”. (SANTOS; JACOBS, 2020, s/p).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 71


Neste sentido, Alves (2020, p. 358) explica que as práticas de educação
remota se caracterizam por constituírem “[...] atividades mediadas por
plataformas digitais assíncronas e síncronas, com encontros frequentes
durante a semana, seguindo o cronograma das atividades presenciais
realizadas antes do distanciamento imposto pela pandemia”. A transição do
ensino presencial para o ensino remoto é destacada por Barbosa, Viegas e
Batista (2020) que afirmarem que:

Nesse contexto, os protagonistas desta relação ensino aprendizado


“docentes” deparam-se com esse turbilhão de demandas a serem atendidas,
como: a capacitação para o domínio da nova ferramenta, aperfeiçoar e/ou
rever seus planejamentos de aula, face à nova metodologia proposta pelas
instituições. (2020, p. 267).

O ERE mesmo com as diferentes demandas que exige e de suas


contradições foi imposto desde a educação infantil ao ensino superior, o que
divide opiniões de docentes, especialistas, estudantes, movimentos sociais,
do poder público e da sociedade em geral. Há de se considerar o fato do
ERE não atinge um número significativo de alunos, que os professores e
estudantes não tem formação direcionada ao ensino remoto; os professores
possuem condições precárias de trabalho e os alunos de estudo, sem acesso
à internet e recursos tecnológicos necessários, em casas com muitas pessoas
e sem espaço específico e adequado de estudo, o que pode comprometer
a qualidade da aprendizagem. Assim, os docentes passam a enfrentar
diferentes problemáticas advindas da imposição do ERE, o que implica na
exclusão de alunos e alunas, provenientes principalmente de famílias que
mais sofrem com as consequências da pandemia.

AS DESIGUALDADES SOCIAIS E A EDUCAÇÃO

A ideia inicial de que a pandemia seria democrática, atingindo


igualmente a ricos e pobres foi desmascarada pela realidade atroz,
demonstrando que aqueles que têm acesso a bens e serviços de saúde

72 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


acabam, mais uma vez, se beneficiando. Dessa forma, descobriu-se que “o
Coronavírus não é democrático. Dependendo da sociedade e da sua forma
de organizar a vida social reproduz a lógica classista, excludente e seletiva
do capitalismo” (DORNELLES, 2020, p. 101). Na educação esta realidade
não é diferente, o que revela desigualdades nas condições de acesso ao ERE,
conforme as condições socioeconômicas das famílias. Alessi et al apontam
que:

Os fundamentos do capitalismo, de exploração da classe trabalhadora,


geram a desigualdade e assumem o discurso moralista de responsabilizar
indivíduos e grupos sociais por suas condições de existência, atassalhadas
pelas necessidades do capital. Os capitalistas transferem o ônus da crise
para a classe trabalhadora, ou seja, o encargo dessa tragédia humana para
quem mais sofre. (2021, p.19).

Assim, as desigualdades sociais são naturalizadas e os trabalhadores


que mais sofrem com a exploração no mercado de trabalho ainda são
responsabilizados por sua condição de existência, ignorando os mecanismos
que resultam as desigualdades sociais. No Brasil quando se analisam dados
como acesso à educação, a condições básicas de vida e distribuição de
renda, assim como a vulnerabilidade das diferentes classes sociais e de suas
clivagens de raça, etnia e gênero as desigualdades sociais são evidenciadas.
Para Sacavino e Candau (2020):

Vivemos em um país e num mundo marcados por contrastes e desigualdades


de recursos, oportunidades e direitos, onde cada vez mais uns poucos
concentram muitos bens e a grande maioria sofre escassez e exclusão. Não
se trata apenas de recursos econômicos, mas de outros aspectos e direitos,
como espaço de participação, voz ativa, poder de decisão, informação e
oportunidades de aprendizagem. (2020, p.123).

Com a pandemia da Covid-19 escancarou as enormes desigualdades


sociais presentes na sociedade brasileira e as inter-relações entre elas. Com
a suspensão das atividades educacionais presenciais e a imposição do ERE

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 73


as desigualdades de acesso às tecnologias de comunicação e informação
comprometem o acesso à educação. Neste contexto, a acessibilidade às
plataformas e dispositivos digitais constitui um componente fundamental
do direito à educação.
Segundo dados disponibilizados pela UNICEF (2020), no início
da pandemia no mês de março, no Brasil, 4,8 milhões de crianças e
adolescentes de 9 a 17 anos vivem em domicílios sem acesso à internet. A
pesquisa mostra, ainda, que, no país, 11% da população dessa faixa etária
não é usuária de internet, não acessam a rede nem em casa e nem em outros
lugares nos três meses que antecederam a entrevista. A exclusão é maior
entre crianças e adolescentes que vivem em áreas rurais (25%), nas regiões
Norte e Nordeste (21%) e entre os domicílios das classes D e E (20%).
Nessas condições de exclusão e vulnerabilidade, a vida digna depende
da efetivação dos direitos que garantam o acesso à conexão de internet,
que se torna também um componente do direito à educação (SACAVINO;
CANDAU, 2020). A instituição escolar está inserida na estrutura social
brasileira no contexto histórico de marginalização das necessidades da
grande maioria da população. Nas escolas públicas se encontra uma
parcela da sociedade que ainda está à margem do acesso e da efetivação
de seus direitos, sendo estes alunos, vindos de famílias em situações de
vulnerabilidade em relação à estrutura política e econômica.
Com uma parcela significativa de famílias excluídas do mercado
de trabalho, vivendo na informalidade em comunidades periféricas, o
fechamento das cidades e o isolamento social estabeleceu um estado de
calamidade que incluiu aproximadamente cem milhões de habitantes.
Muitas pessoas perderam suas formas de sustento, tendo de se isolar em
suas pequenas moradias insalubres (COUTO; COUTO; CRUZ, 2020). Não
demorou para que as desigualdades e as vulnerabilidades dessa população
fossem acompanhadas de uma visível exclusão digital, principalmente
naquelas famílias em que as crianças deveriam acessar as atividades
educacionais de forma virtual, o que fez com que a pandemia escancarasse
duas realidades distintas: a escola para rico e a escola para pobre no Brasil.
(MARTINS, 2020).

74 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Ainda sobre as desigualdades sociais e suas relações com educação
Boto (2020) relata que há estudantes, essencialmente no âmbito da educação
pública, que não possuem acesso à internet, ou não possuem computadores
em casa, assim como muitos alunos que sempre tiveram internet, por
exemplo, o reflexo da pandemia na economia pode fazer com que não
tenham mais acesso ao mundo virtual, devido a dificuldades financeiras.
Desde o começo do isolamento social no Brasil, os veículos midiáticos
têm apresentado várias notícias de crianças que vivem em comunidades
pobres tentando ter acesso à internet por meio de idas ao comércio local,
na casa de vizinhos ou até subindo em árvores na tentativa de se conectar à
internet. (MARTINS, 2020). Estas notícias além de reforçar a meritocracia,
de atribuir aos indivíduos a responsabilidade no acesso à educação, aos
conteúdos disponilizados em plataformas virtuais, o que é dever do Estado,
mascara as desigualdades e injustiças sociais. No Artigo 205 da Constituição
Federal de 1988:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida


e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (BRASIL, CF/88, Art.205).

Desta forma, o Estado tem a responsabilidade em garantir o direito


ao acesso à educação e de prover os meios necessários para que este direito
seja assegurado. No entanto, o que se observa é que as desigualdades
sociais são ignoradas e a responsabilidade do Estado em assegurar o direito
à educação é transferida aos próprios alunos e as suas famílias, que se
encontra em situação de vulnerabilidade social devido à pandemia.
Borba, Malheiros e Amaral (2014, p. 19) argumentam que o “Acesso
à informática em geral, e à internet, em particular, tem-se tornado algo tão
importante quanto garantir lápis, papel e livro para todas as crianças”. Estas
considerações são importantes devido ao fato de que o ERE não atinge um
número significativo de alunos participando ativamente das atividades
propostas, o que compromete o acesso à educação.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 75


Alves (2020, p. 360), aponta que “o contexto aqui apresentado torna-
se preocupante, pois mais uma vez, o processo que deveria ser prazeroso
e rico, torna-se estressante, desgastante e frustrante para os sujeitos do
processo de ensinar e aprender, incluindo nessa situação singular, os seus
pais”. É inegável que o ensino virtual durante a pandemia traz benefícios aos
estudantes que têm acesso, pois propicia a manutenção da rotina e estimula
a continuidade do processo de aprendizagem. A questão é que nem todos
os alunos possuem acesso aos aparatos necessários para acessarem aos
conteúdos on-line e este direito não foi assegurado pelo Estado. Cardoso,
Ferreira e Barbosa (2020) confirmam que:

O ensino emergencial à distância não tem capacidade para fornecer os


mesmos resultados da aprendizagem presencial, mas poderá diminuir os
prejuízos causados pela suspensão das aulas. Provavelmente, a perda de
desempenho será maior entre estudantes de baixa renda, pois além da
deficiência de acesso às tecnologias tendem a sofrerem mais os impactos
emocionais da crise financeira causada pela pandemia, bem como são
menos propensos a ter em casa um ambiente de aprendizado adequado,
como espaço silencioso, dispositivos que não precisam compartilhar
internet com boa velocidade e auxílio dos pais. (2020, p.42).

Desta forma, Cardoso, Ferreira e Barbosa (2020) retratam


diferentes situações de desigualdades, as quais incluem desde o ambiente
de aprendizado em suas casas; os impactos emocionais ocasionados pela
pandemia; à disponibilidade e o capital cultural destas famílias, o que tem
reflexos na forma de ensinar e no entendimento da importância destes
conteúdos escolares para a vida de seus filhos; situações de violência
doméstica; desemprego; fome e instabilidade financeira que atinge milhares
de famílias, o que impacta na deficiência de acesso as tecnologias e no
acesso aos conteúdos escolares.
Os alunos que não dispõe de recursos tecnológicos realizam
atividades impressas. No entanto, estes estudantes e/ou suas famílias
dependem de recursos financeiros para custear o deslocamento até às suas

76 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


escolas. Caso não tenham como arcar com estes custos serão mais uma vez
prejudicados. Neste sentido, Cardoso, Ferreira e Barbosa (2020) entendem
que,

[...] o ERE sem práticas inclusivas e alternativas tende a alimentar as


discrepâncias socioeconômicas e culminar em altos índices de reprovação
e baixa de desempenho de alunos menos favorecidos economicamente que
apresentem dificuldade de acesso às tecnologias necessárias à educação em
tempos de pandemia. O desafio, então, consiste não apenas em empreender
continuidade educacional através do ensino remoto, mas também
operacionalizar isso de forma igualitária. (2020, p.42-43).

Assim, o ERE mesmo não tendo a capacidade de fornecer os mesmos


resultados na aprendizagem que o ensino presencial é uma alternativa para
a manutenção do processo de ensino e aprendizagem e para salvar vidas,
devido à possibilidade do isolamento social. O que compromete este modelo
são as desigualdades de acesso aos recursos tecnológicos necessários,
principalmente aos alunos de classes desfavorecidas economicamente,
trazendo prejuízos à aprendizagem que podem culminar em reprovação,
evasão e abandono escolar. Segundo Dourado,

Todas essas questões se articulam às condições objetivas da população, em


um país historicamente demarcado por forte desigualdade social, que se
caracteriza pela apresentação de indicadores sociais preocupantes e, que
nesse sentido, carece de amplas políticas públicas incluindo, nesse processo,
a garantia de otimização nas políticas de acesso, permanência e gestão com
qualidade social na educação básica (2007, p. 5).

Estas políticas públicas são importantes para que os alunos de nível


socioeconômico baixo tenham o direito à educação assegurado. Para
Martins (2020)

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 77


A pandemia do coronavírus desvelou a face mais perversa da desigualdade
socioeconômica vivida mundialmente por milhares de pessoas. No campo
da educação, os desafios impostos ao acesso e permanência escolar foi
ainda mais impactante para famílias pobres que vivem em territórios de
vulnerabilidade, sem acesso às tecnologias para aulas virtuais. (2020, p.629).

Portanto, desconsiderando as desigualdades sociais presentes na


sociedade brasileira, o aumento crescente da informalidade, do desemprego
e que uma parcela significativa da população não possui acesso à internet,
celular e computador em suas casas foi imposto o ERE, em que o acesso à
educação é por meios virtuais.

ENSINO REMOTO EMERGENCIAL E DESIGUALDADES SOCIAIS:


DESAFIO DUPLO AOS DOCENTES

Para Oliveira (2020), as condições da educação em tempos de


pandemia apresentam um conjunto de fatores a serem considerados, como
o desigual acesso entre as diferentes classes aos recursos pedagógicos online,
bem como as desigualdades culturais ao considerar o computador e outras
ferramentas de ensino à distância enquanto capital cultural objetivado2.
Inúmeros intelectuais têm afirmado que a pandemia da Covid-19
trouxe mudanças sem precedentes para nossas vidas, evidenciando ainda
mais as desigualdades existentes em nossa sociedade como as de classe,
gênero e raça (MATTHEWMAN; HUPPATZ, 2020). Neste ponto, chama
a atenção também o aprofundamento das desigualdades educacionais,
principalmente no contexto do ensino remoto, que tem se colocado como
uma “saída” para a continuidade das atividades didático-pedagógica nos
mais diversos níveis de ensino.
Autores como Bourdieu e Passeron (2008), evidenciaram há décadas
a determinante influência do capital cultural familiar para o desempenho

2
Refere-se aos suportes materiais, como escritos, coleções de quadros, pinturas, monumentos
transmissíveis em sua materialidade jurídica e não constitui a condição da apropriação específica, isto
é, a possessão dos instrumentos que permitem desfrutar de um quadro é que, se limitando a ser capital
incorporado, são submetidos às mesmas leis de transmissão. (BOURDIEU, 1998).

78 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


dos estudantes nas escolas francesas. O acesso, consumo e familiaridade
com os bens culturais podem ser determinantes para o sucesso escolar
daquele aluno. A análise empreendida pelos autores aponta para um
aprofundamento das desigualdades sociais na escola, considerando-se
que, apesar desta instituição se apresentar como universal, ela representava
uma realidade de classe. Assim sendo, para alguns estudantes a escola
demarcava uma continuidade de seu habitus3 familiar e, para outros, não
apenas uma descontinuidade, como também um processo profundamente
violento. (OLIVEIRA, 2020). Bourdieu (1992) remete a questão da violência
simbólica4, um importante conceito abordado pelo autor.
Os apologetas do EaD recorrem o tempo todo ao discente ideal, ou
seja, o discente organizado e motivado para o aprendizado; responsável
pela realização das tarefas e obrigações de maneira autônoma; consciente
dos objetivos das atividades realizadas; disciplinado na divisão de seu
tempo; dotado de habilidades interativas com o mundo cibernético e com
excelente fundamentação teórica. Porém, a generalização dessa modalidade
de ensino ignora as condições objetivas dos estudantes que não possuem
acesso à internet, dentre outros problemas, como, por exemplo, a falta de
local adequado para estudo na residência, a ausência de equipamentos
necessários, como computadores, tabletes e celulares, entre outras diversas
dificuldades encontradas pelas filhas e filhos da classe trabalhadora.
(SANTOS NETO, ARAUJO, 2021).
Quanto a estas questões Menezes, Martilis e Mendes (2021) afirmam
que:

3
Sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar
como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores e organizadores de práticas e de
representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a intenção consciente
de fins e o domínio expresso das operações necessárias para alcançá-los, objetivamente “reguladas” e
“regulares” sem em nada ser o produto da obediência a algumas regras e, sendo tudo isso coletivamente
orquestradas sem ser o produto da ação organizadora de um maestro (BOURDIEU, 2009, p. 87).
4
Bourdieu (1992) entende a violência simbólica como a ruptura com todas as representações espontâneas
e as concepções espontaneístas da ação pedagógica. O autor alerta que esta violência ocorre de forma
dissimulada, sendo ocultas as relações de força que estão na base de seu poder. A ação pedagógica é
uma violência simbólica porque impõe, por um poder arbitrário, um determinado arbitrário cultural.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 79


As instituições propõem as suas próprias metodologias e transferem para os
professores uma ilusória autonomia de desenvolver o seu trabalho. Contudo,
o que se tem de fato, a partir dessa transferência longe da possibilidade de
autonomia metodológica, principalmente em decorrência das restrições de
acesso democrático às Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)
– é a responsabilização dos professores com a incumbência de solucionar
as limitações, carências e vulnerabilidades que impedem os discentes de
acessar o ensino remoto. (2021, p. 56).

Desta forma, os professores além de serem excluídos dos processos


decisórios de adoção e funcionamento deste modelo, da precarização e
intensificação do trabalho docente, o qual é controlado por diferentes
instrumentos, dos interesses privatistas colocados para a educação
como mercadoria, de utilizarem equipamentos de uso pessoal como:
computadores, celular e internet, em fim, de se reinventar profissionalmente
diante das demandas do ERE, que foi imposto também são responsabilizados
pelas dificuldades de acesso de seus alunos.
Diante destas situações, além dos docentes terem a responsabilidade
de gestão destas diferentes realidades sociais que associadas ao acúmulo
de atividades burocráticas, a condições de stress e desgaste emocional,
a necessidade de replanejar as estratégias e metodologias de ensino e
aprendizagem, de avaliação, também são responsabilizados de solucionar
as limitações, carências e vulnerabilidades que impedem os discentes de
acessar o ERE e das consequências acarretadas por tal exclusão. Dourado
(2007) explica que:

[...] faz-se necessário implementar políticas públicas e, entre essas, políticas


sociais ou programas compensatórios que possam colaborar efetivamente
no enfrentamento dos problemas socioeconômico culturais que adentram
a escola pública. Nessa perspectiva, a melhoria da qualidade do processo
ensino-aprendizagem deve envolver os diferentes setores a partir de uma
concepção ampla de educação envolvendo cultura, esporte e lazer, ciência e
tecnologia. (2007, p. 15).

80 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Portanto, as políticas públicas no âmbito educacional são eixo
fundamental para a qualidade da educação, e requerem detalhamento,
diagnóstico, visão sistêmica e recursos, de forma a nortear o sistema
educacional rumo a uma educação de qualidade, sendo parte essencial no
sucesso da educação.
Além das discrepâncias de acesso às tecnologias pelos alunos, há que
se levar em conta que muitos profissionais da educação também tiveram
suas vidas atingidas pela pandemia, além de que muitos não possuíam
contato ou habilidades com a tecnologia e, inesperadamente precisaram
planejar suas aulas virtuais e descobrir sobre o funcionamento das
ferramentas tecnológicas. Além disso, o engajamento dos alunos no ensino
à distância também tem sido um grande desafio. Manter o engajamento
dos estudantes em aulas presenciais já era um desafio, no ERE esse desafio
é potencializado pelas alterações emocionais causadas pelo isolamento
social, pelas péssimas condições de acesso às aulas remotas e pelo aumento
de elementos de distração ao alcance do aluno. Para Cardoso, Ferreira e
Barbosa (2020):

A pandemia de Covid-19 evidencia déficits sociais que sempre foram


conhecidos e demonstra potencial para agravar problemas educacionais
já existentes, exigindo uma capacidade de resposta rápida que nunca foi
característica intrínseca do Sistema educacional e ressaltando a necessidade
de uma efetiva priorização da educação sob uma perspectiva multifacetada.
(2020, p.45).

Assim, entendemos que a implementação do ERE no ensino básico


dos sistemas públicos sem os apoios necessários fere o direito à educação
e significa aprofundar as desigualdades socioeducacionais, segregando
os estudantes que mais necessitam da educação para terem chances de
mobilidade social. Pensando numa educação democrática e com equidade
social, torna-se urgente promover o acesso aos recursos tecnológicos
necessários neste contexto de pandemia.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 81


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a suspensão das aulas presenciais devido à pandemia


da Covid-19 e a implantação do ERE, que ocorreu de maneira imposta,
ou seja, sem discussão com alunos, suas famílias e com os profissionais da
educação e o agravamento das desigualdades sociais, que repercutem no
acesso aos recursos tecnológicos necessários no ERE, decidiu-se analisar os
desafios docentes nos tempos de pandemia.
Desse modo, apresentamos neste trabalho os desafios dos professores
perante as desigualdades sociais, devido à complexidade de se garantir a
aprendizagem de seus alunos por meio de aulas virtuais, o que já constitui
um desafio, associado a esta questão temos ainda a problemática de que
uma parte significativa destes alunos não dispõe dos recursos tecnológicos
necessários para acessar as aulas remotas e plataformas, onde são
disponibilizados materiais de estudo, exercícios e avaliações.
Assim, entendemos que o ERE constitui uma alternativa, mesmo
não alcançando os mesmos resultados do ensino presencial. No entanto,
todos os envolvidos precisam ter voz neste modelo e, principalmente
garantir os recursos tecnológicos para que todos, independente da
condição socioeconômica, tenham o direito à educação assegurado. Afinal,
neste contexto, o acesso aos recursos tecnológicos é a garantia do direito à
educação.

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Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 85


AS DESIGUALDADES NA ESCOLA E O IMPACTO DA
PANDEMIA NA EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE NA PERSPECTIVA DE
DIRETORES E PEDAGOGOS DA REDE ESTADUAL DO PARANÁ1

Letícia Rodrigues de Souza Camargo2


Jaqueline Ferreira3

INTRODUÇÃO

As desigualdades no Brasil são evidentes sendo de grande


importância analisar qual o impacto do contexto social na aprendizagem
dos alunos, como se dá o processo de ensino e aprendizagem com alunos
em situação de vulnerabilidade e como a escola pode trabalhar com eles,
pois são esses alunos que precisam de uma atenção maior, seja em relação
a aprendizagem ou em relação a evasão escolar. Assim é preciso que as
instituições de ensino não estejam alheias as situações vivenciadas pelos
seus alunos e como isso pode afetar suas vidas Além de como, atentar para
as dificuldades e sua relação com a evasão escolar. Os conceitos de equidade
e igualdade, são fundamentais nessa realidade, conceitos esses que estão
em consonância com a função social da escola.
Se essas análises são importantes no contexto da escola como
instituição social, cresce sua importância na realidade da pandemia
devido ao novo Coronavírus, que além de causar danos à saúde está
afetando diversas outras áreas, e uma dessas é a educação. Nesse sentido,
esse artigo pretende analisar a realidade educacional na pandemia na
perspectiva de pedagogos e diretores da rede estadual do Paraná, buscando
compreender como a instituição de ensino atua com alunos em situação de
vulnerabilidade, como é o processo de ensino e aprendizagem, quais são as
1
Este artigo é desdobramento do Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Pedagogia da Faculdade
Catuaí.
2
Graduada em Pedagogia pela Faculdade Catuaí. Contato: leticia.camargo5@hotmail.com
3
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina-UEL. Mestre em Ciências
Sociais pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- UNESP - Campus Marília.
Professora da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Professora da Faculdade Catuaí. Contato:
jaquelineferreira@escola.pr.gov.br

86 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


medidas e ações feitas para o enfrentamento dessas dificuldades, como está
sendo o processo de ensino e aprendizagem desses alunos nesse período de
pandemia, como é feito o acompanhamento, e a comunicação com esses
alunos e a suas famílias, na busca de compreender como essas situações
tem impactado na educação dessas crianças e adolescentes.

O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA

A escola tem um papel fundamental e de muita relevância na


sociedade, seu papel vai além de oferecer conhecimento científico. É na
escola, que os alunos entram em contato com outros indivíduos que não
fazem parte do seu convívio familiar, que são de contextos, religiões, etnia,
culturas e de configurações familiares diferentes.

A escola é uma instituição social de extrema relevância na sociedade, pois


além de possuir o papel de fornecer preparação intelectual e moral dos
alunos, ocorre também, a inserção social. Isso se dá pelo fato da escola ser
um importante meio social frequentado pelos indivíduos, depois do âmbito
familiar. [...] Entende-se que a escola é um espaço onde os indivíduos
começam a ter as relações para além da família, ou seja, passa a conviver
com pessoas de diferentes raças, cor, etnia, religião, cultura. (SILVA;
FERREIRA, 2014, p.7).

A escola deve ser um local no qual os alunos aprendam a respeitar


o que é “diferente”, e assim evitar muitos preconceitos e discriminações.
Contudo, as instituições de ensino são o reflexo da sociedade em que está
inserida, e as vezes acabam reforçando as desigualdades sociais existentes.
No entanto, a escola também pode ter o papel de questionar e até mesmo
fazer uma intervenção na sociedade. Com a proposta de formar os
alunos em sua totalidade, com uma visão mais crítica sobre o mundo e
torná-los cidadãos participativos, levando-os a ter papel fundamental na
transformação da sua realidade e busca por seus direitos.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 87


[...] sendo a escola fruto de uma determinada época, espaço e contexto
social que está posto e que a referência é importante que os agentes
educacionais reflitam sobre a Função Social da Escola Pública, porque
essa função não é um resultado ocasional da relação professor aluno, ela é
resultado de todo um contexto histórico-social. Por outro lado, não se pode
negar a especificidade da escola, ou seja, ela é única dentro dessa mesma
sociedade, pois ela ao mesmo tempo em que é fruto da sociedade posta,
pode ser capaz de questionar e inclusive intervir nessa sociedade já que ela
trabalha com a formação das novas gerações. (COELHO; ORZECHOWSKI
2011, p.16325).

É importante que os professores façam uma reflexão sobre o


papel social da escola, definindo sua perspectiva de formação, ou seja,
se vão formar indivíduos que vão ser inseridos e adaptados na sociedade
ou indivíduos que refletem sobre o mundo, suas vivências, sobre as
desigualdades sociais, as relações de poder existentes e sua forma de
interferir e transformar sua realidade.

AS DESIGUALDADES NA ESCOLA E O IMPACTO DA PANDEMIA


NA EDUCAÇÃO

No início do ano 2020 ocorreu o início de uma pandemia que é “a


disseminação mundial de uma nova doença e o termo passa a ser usado
quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se espalha por diferentes
continentes com  transmissão sustentada  de pessoa para pessoa.” (OMS
apud SCHUELER, 2020).
Essa pandemia começou devido ao novo coronavírus (nCoV) ou
Covid-19 (2019-nCoV), vírus que podem causar uma variedade de sintomas
e condições, desde um resfriado leve à uma doença mais grave e fatal e
altamente transmissível. Os casos começaram em Wuhan na China em
dezembro de 2019 e se espalharam pelo mundo rapidamente.
No Brasil, em março de 2020 vários setores começaram a tomar
medidas para evitar que o novo vírus se espalhasse. As medidas para conter
a contaminação em massa tiveram início; com isolamento social, vários

88 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


estabelecimentos foram fechados, horários foram reduzidos, necessidade
de manter distância entre os indivíduos, proteção do nariz e da boca com
máscaras, uso de álcool em gel para higienização das mãos, limitação de
pessoa em um mesmo ambiente, entre outras medidas. Muitos setores
foram afetados, e a educação foi um deles, com aulas suspensas por tempo
indeterminado.
Relatório realizado pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE)4, fez uma proposta para gestores
responsáveis pelos sistemas de educação na tomada de decisão nesse
período de distanciamento social, por meios alternativos, para minimizar
os prejuízos no processo de ensino e aprendizagem.

No Brasil, em março de 2020 as redes de ensino públicas e privadas


suspenderam temporariamente as aulas, em combate à pandemia do novo
coronavírus chamado de COVID-19. O relatório da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), propõe aos líderes
dos sistemas e organizações educacionais que desenvolvam planos para a
continuidade dos estudos por meio de modalidades alternativas, enquanto
durar o período de isolamento social, haja vista a necessidade de manter a
educação das crianças, jovens e adultos. (CORDEIRO, 2020, p.2).

Como foram interrompidas as aulas presenciais em todo o território


nacional, as redes públicas e privadas começaram a utilizar o ensino
à distância e a rede estadual do Paraná lançou mão de recursos como:
disponibilização de plataformas on-line, aulas ao vivo em redes sociais,
aulas gravadas disponíveis em canais específicos na televisão de cada
região, envio de materiais impressos aos alunos. Em situação parecida
países que interromperam as atividades escolares por um longo período
seja devido às guerras, crise de refugiados, desastres naturais e epidemias,
não conseguiram alcançar todos e as desigualdades sociais aumentaram.

4
Disponível em: http://idaam.siteworks.com.br/jspui/bitstream/prefix/1157/1/O%20IMPACTO%20
DA%20PANDE MIA%20NA%20EDUCA%c3%87%c3%83O%20A%20UTILIZA %c3%87%c 3% 83O
%20DA%20TECNOLOGIA%20COMO%20FERRAMENTA%20DE%20ENSINO.pdf

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 89


Em sentido similar, as experiências de países que interromperam o
funcionamento de escolas por longos períodos devido a situações de guerra,
crises de refugiados, desastres naturais e epidemias mostram que a escolha
do poder público em nada fazer, sob o argumento de que não é possível
chegar em todos, tende a exacerbar as desigualdades resultantes da situação
de emergência. (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020, p.3).

As desigualdades precisam ser levadas em consideração, não só entre


público e privado, estadual e municipal, mas entre os alunos da mesma
escola e sala. No Brasil somente 67% das residências possuem acessibilidade
à rede de internet, os que não têm acesso apontam que um dos motivos é o
valor muito alto e o outro é não saber como utilizar.

Uma das medidas cruciais para se pensar de maneira consistente a


introdução temporária de soluções de ensino a distância é a avaliação dos
recursos tecnológicos que já estão à disposição dos alunos ou que podem
ser rapidamente providos. E isso precisa ser feito levando em conta as
disparidades sociais no Brasil, que existem não só entre redes de ensino,
mas também entre alunos da mesma rede, escola ou, até mesmo, sala de
aula. Sobre acesso à internet, o Brasil tem hoje situação em que 67% dos
domicílios possuem acesso à rede, sendo esse percentual muito diferente
entre classes sociais: 99% para aqueles da classe A, 94% na B, 76% na C
e 40% na DE [...]. Para os domicílios que não têm atualmente acesso à
internet, o motivo mais apontado como o principal pelo não acesso é o alto
custo (27%), seguido do fato de os moradores não saberem usar a internet
(18%). (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020, p.9).

Seria necessário flexibilizar a disponibilização da internet para


as classes mais vulneráveis, ao menos durante o isolamento social, para
oportunizar aos alunos acesso à rede, reduzindo ao menos um pouco a
desigualdade educacional. A mudança do ensino presencial para 100% à
distância causa preocupação, pois aumenta as desigualdades educacionais.

90 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


UMA ANÁLISE DA REALIDADE EDUCACIONAL NA PANDEMIA
NA PERSPECTIVA DE PEDAGOGOS E DIRETORES DA REDE
ESTADUAL DO PARANÁ

Na busca de compreender a realidade educacional na rede


estadual de ensino do Paraná durante a pandemia, realizamos uma
pesquisa de campo, com diretores e pedagogos que atuam em escolas
que possuem alunos em situação de vulnerabilidade, na busca de
compreender como se dá o processo de ensino e aprendizagem com
esses alunos. A escolha foi por trabalhar com uma amostragem por
acessibilidade ou conveniência.

Amostragem por acessibilidade ou por conveniência [...] O pesquisador


seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que estes possam, de
alguma forma, representar o universo. Aplica-se este tipo de amostragem
em estudos exploratórios ou qualitativos, onde não é requerido elevado
nível de precisão. (GIL, 2008, p.94).

A técnica utilizada para coletar dados, foi um questionário formatado


em plataforma digital. Buscava-se analisar as diferentes opiniões e pontos
de vista sobre o assunto, buscando compreender como cada profissional se
posiciona, ações adotadas em relação às vulnerabilidades de seus alunos e
o processo de ensino e aprendizagem.
A amostra se constituiu de 15 profissionais, sendo 04(quatro)
diretores e 11(onze) pedagogas. Dentre os diretores com formações
variadas, somente 1(uma) possuí atuação na escola como diretora por
um tempo de 05 (cinco) anos, todos os demais atuam na escola entre 18
(dezoito) e 20 (vinte) anos. Do universo de pedagogas entrevistadas, 05
(cinco) atuam na escola em questão entre 02 e 10 anos e 06 (seis) atuam
entre 10 e 20 anos. Salientamos o tempo de atuação para demonstrar que
possuem um conhecimento significativo da comunidade escolar da escola
em que atuam.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 91


Questionamos diretores e pedagogos sobre o processo de
comunicação com os responsáveis pelos alunos, segundo os mesmos
em linhas gerais a comunicação antes da pandemia ocorria por meio de
conversas ao telefone, reuniões de pais e quando necessárias reuniões
pontuais com os responsáveis.
Com a pandemia ocorreu uma mudança significativa nessa
comunicação que passaram a ter mais frequência, pois a partir da utilização
das tecnologias digitais, quando o aluno deixa de fazer suas atividades e
provas ou as faz sem muito critério, a instituição de ensino entra em contato
imediatamente. Além disso se os alunos não entram no classroom ou google
sala, “ferramenta on-line que tem a função de gerenciar conteúdos para as
escolas, distribuindo conteúdos, atividades e provas” (MORALES, 2020),
durante a semana os pais ou responsáveis são comunicados.
Apesar de a comunicação ter se tornado mais frequente, um dos
pedagogos entrevistado entende que ficou prejudicada pela ausência
do contato pessoal, uma vez que via de regra acontecem somente por
telefonemas ou por meio de um aplicativo de mensagens instantâneas
no celular, popularmente conhecido como WhatsApp. Na contramão
dessa percepção, outra pedagoga pesquisada entende que a comunicação
da escola com as famílias tornou-se mais pessoal, pois os pedagogos
disponibilizaram via de regra seu contato particular para a comunidade,
após observar que assim seria o meio mais eficaz na comunicação.
Vale ressaltar que alegam que apesar dessa intensificação da
comunicação pelos motivos apontados acima, persiste um problema já
presente antes da pandemia que são as famílias que não possuem celular, ou
a mudança de número de telefone celular constantemente e o não repasse
do novo número à escola, permanecendo assim na pandemia as mesmas
dificuldades já existentes anteriormente.
Outro ponto destacado nessa interação família escola, que entendem
como negativo é a não realização de eventos culturais que aproximavam as
famílias do cotidiano escolar. Também foi questionado como percebem as
vulnerabilidades sociais nesse período de pandemia. Todos os entrevistados
foram unanimes em afirmar que as vulnerabilidades já existentes se

92 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


potencializaram, passando por diversas situações. Passa inclusive pela
carência alimentar, com um número significativo de famílias que procuram
a escola em busca do kit alimento.
É grande o número de alunos que tiveram de se inserir no mercado
de trabalho para contribuir com a renda e o sustento da família, inclusive
com alunos menores em situação de subemprego e trabalho em situações
de risco em suas mais diversas configurações. Outros estão cuidando dos
irmãos para que os pais possam trabalhar.
Um elemento que nos chamou a atenção foi a fala de uma entrevistada,
que relata que além da potencialização das situações de vulnerabilidade,
outra variável presente na pandemia é a não percepção por parte da
equipe pedagógica de possíveis vulnerabilidades do aluno, haja visto que
quando as aulas eram presenciais ela observava um olhar, um choro, um
comportamento agressivo, que poderia ter um significado e ser um alerta
a possíveis situações de violência enfrentada pela criança e/ou adolescente
e que na pandemia, isso não se faz mais presente sendo que poucos alunos
se abrem.
A falta de recursos tecnológicos, como o celular e ou computador e
a internet também potencializa as diferenças. Isso tem um grande impacto
principalmente hoje nas aulas remotas. Muitas vezes a familia possuí um
único telefone celular que precisa ser dividido entre os alunos para fazer
as atividades da escola, ou por vezes o aluno tem cellular, mas não tem a
internet. Essa situação aumenta o fosso social entre os alunos.
A estratégias e ações da escola para enfrentar a questão da
vulnerabilidade social nesse período de pandemia e aula remota, são mais
diálogos e fazer o encaminhamento aos serviços sociais e psicológicos, bem
como sensibilizar o corpo docente para as diversas realidades presentes
entre seus alunos. Disponibiliza também os laboratórios da escola para a
realização das atividades, o que não necessariamente resolve o problema,
haja visto como relatado anteriormente muitos estarem trabalhando.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 93


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos ao longo da pesquisa a influência e o impacto do contexto


social na aprendizagem dos alunos em situação de vulnerabilidade.
Ao buscar estudar sobre o tema, foi observado que o contexto social
interfere na educação dos indivíduos. Que os alunos que se encontram em
uma situação mais desfavorável vão enfrentar mais barreiras e dificuldades
na escola, mas isso não é sinônimo de fracasso escolar, até porque o
próprio conceito de fracasso escolar precisa ser problematizado. É preciso
compreender esse processo para além da individualidade dos sujeitos, mas
sim como uma questão social, pois a exclusão escolar não acontece apenas
com os indivíduos que estão fora da escola, ela também ocorre dentro da
escola.
A educação brasileira passou por inúmeras transformações, mas a
desigualdade educacional continua presente em nossas escolas, os mais
vulneráveis não tinham acesso à educação, consequentemente não eram
permitidos que eles pudessem votar, por não serem alfabetizados. Ao longo
do tempo mudanças ocorreram, mas em certos momentos históricos o
objetivo era melhorar a mão-de-obra para as indústrias que começavam a
se instalar no país. O objetivo era formar trabalhadores capacitados para as
fábricas, não fazê-los cidadãos críticos e participativos e formá-los em sua
totalidade, perspectiva mais forte em um determinado período histórico,
mas que ainda se faz presente em nossos bancos escolares.
Educação pública como direito de todos constitui-se em uma
grande conquista, conquista essa que não ocorreu sem luta, no entanto
a desigualdade social é uma realidade brasileira, que não é tratada como
deveria, as políticas continuam mais voltadas para aqueles que possuem
mais capital econômico, para os que já nasceram com condições favoráveis
e que recebem apoio de todos os lados.
E nesse período de pandemia, foi observado que os que tinham
acesso aos equipamentos, materiais, melhor conexão de internet,
conseguem fazer as provas e atividades. E os que não já não possui esse
privilégio, não conseguem fazer suas atividades e provas. Além de, terem

94 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


que buscar emprego para complementar a renda da família, para que
possam ter condições básicas de vida.
No Brasil, nem todos tem acesso à internet, a um computador, celular,
então a desigualdade educacional (também social, econômico) vai aumentar
pós-pandemia. É necessário, que tenha equidade entre esses alunos, que
deem um apoio maior, suporte para que eles consigam se desenvolver. Por
mais que se fale sobre a igualdade, ela não vai conseguir que esses alunos
estejam tão preparados quanto os que já nasceram privilegiados.
A partir da perspectiva de pedagogos e diretores da rede Estadual
do Paraná podemos observar vários relatos de como as vulnerabilidades e
o contexto social causam um impacto na educação e na aprendizagem dos
alunos. Como, eles enfrentam barreiras todos os dias para que possam estar
na escola estudando, as dificuldades que lidam em casa e no dia-a-dia. A
escola tenta métodos para ajudar esses alunos, porém não é suficiente.
Relatam que os alunos não veem a educação como prioridade, pois
o mais importante para a família é conseguir um emprego, pois existem
questões objetivas urgentes para as quais precisam dar respostas. Que
chegam desmotivados na escola, cansados, tristes e com vários problemas
psicológicos, e ainda que sentem que o único refúgio deles é a escola, mas
infelizmente os problemas não saem quando entram nela.
A pandemia potencializou as vulnerabilidades, pois com os contatos
diários que os profissionais e funcionários tinham com os alunos podiam
enxergar se estavam passando por alguma situação mais delicada, nesse
momento isso não pode mais ser verificado, pois esses contatos diários
não acontecem mais. O processo de ensino e aprendizagem ficou ainda
mais complicado, pois acontecem de forma on-line, dificultando o acesso
a muitos desses alunos, as atividades são excessivas, muitos conteúdos,
pouco tempo de estudo, entrega de atividades em tempo muito curto,
outras atividades que não são as escolares que os alunos têm que realizar
responsabilidades que são encarregados, preocupações, entre outros.
E, ficou mais complicado ainda com a família perdendo seus
empregos, e agora seus filhos tendo que abandonar seus estudos para
trabalhar. Esses alunos perdem muito mais que a sua educação (não por
escolha), perdem as juventudes, em casos extremos perdem a vontade

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 95


de viver (como vimos em alguns relatos), e quando alguns têm filhos
acreditam e ensinam que a educação não é prioridade é isso vira um ciclo.
É necessária, uma reformulação na educação no país pós-pandemia, que
as políticas públicas sejam voltadas para atender melhor esses alunos, que
tenham condições de continuar estudando, e que a educação seja vista
como prioridade.

REFERÊNCIAS

COELHO, Nara; ORZECHOWSKI, Suzete Terezinha.  A função social da escola


pública e suas interfaces. 2011. Disponível em: https://educere.bruc.com.br/
CD2011/pdf/6443_3792.pdf. Acesso em: 27 ago. 2020.

CORDEIRO, Karolina Maria de Araújo. O impacto da pandemia na educação: a


utilização da tecnologia como ferramenta de ensino. A utilização da tecnologia
como ferramenta de ensino. 2020. Disponível em: http://idaam.siteworks.com.
br/jspui/bitstream/prefix/1157/1/O%20IMPACTO%20DA%20PANDEMIA%20
NA%20EDUCA%c3%87%c3%83O%20A%20UTILIZA%c3%87%c3%83O%20
DA%20TECNOLOGIA%20COMO%20FERRAMENTA%20DE%20ENSINO.pdf.
Acesso em: 04 out. 2020.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2008. 222 p. Disponível em: https://ayanrafael.files.wordpress.com/2011/08/gil-a-
c-mc3a9todos-e-tc3a9cnicas-de-pesquisa-social.pdf. Acesso em: 15 set. 2020.

MORALES, Juliana.  Como funciona o Google Classroom, app que pode ajudar
na quarentena: em tempos de Coronavírus, a ferramenta é uma mão na roda,
pois funciona como uma sala de aula virtual. 2020. Disponível em: https://
guiadoestudante.abril.com.br/estudo/como-funciona-o-google-classroom-app-
que-pode-ajudar-na-quarentena/. Acesso em: 15 set. 2020

SCHUELER, Paulo.  O que é uma pandemia?  2020. Disponível em:


https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/noticias/1763-o-que-e-uma-
pandemia#:~:text=Segundo%20a%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%2C%20
pandemia%20%C3%A9,sustentada%20de%20pessoa%20para%20pessoa.. Acesso
em: 04 out. 2020.

96 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


SILVA, Luís Gustavo Moreira da; FERREIRA, Tarcísio José. O papel da escola
e suas demandas sociais. Periódico Científico Projeção e Docência. v. 5, n. 2, p.
6-23, dez. 2014.Disponível em: http://revista.faculdadeprojecao.edu.br/index.php/
Projecao3/article/view/415. Acesso em: 26 ago. 2020.

TODOS PELA EDUCAÇÃO. Nota técnica: ensino a distância na Educação Básica


frente à pandemia da Covid-19. 2020. Disponível em: https://crianca.mppr.mp.br/
arquivos/File/publi/todos_pela_educacao/nota_tecnica_ensino_a_distancia_
todospelaeducacao_covid19.pdf. Acesso em: 04 out. 2020.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 97


REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS ACERCA DO SISTEMA
EDUCACIONAL EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19:
ENSINO REMOTO E LÓGICAS DE AÇÃO

Denise Mariani Vieira Dias1

INTRODUÇÃO

A educação escolar como processo formal institucional vive em


constantes mudanças. Essas mudanças ocorrem a partir dos contextos
sociais, econômicos e culturais presentes na sociedade local, podendo ser
alteradas as realidades que se encontram. É a partir desta perspectiva que
vemos uma transformação social decorrendo de um fenômeno biológico
presente no mundo inteiro em 2020, a Pandemia da Covid-19.
‘’A Covid-19 é uma doença causada pelo coronavírus que apresenta
um aspectro clínico variando de infecções assintomática e quadros graves’’2.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de 80% dos
pacientes infectados não possuem sintomas, ou seja, são assintomáticos,
e aproximadamente 20% dos casos requer tratamento hospitalar por
apresentarem sérias dificuldades para respirar. (BRASIL, Ministério da
Saúde, 2020).
Dessa forma, o estudo realizado pretende refletir a respeito das
experiências dos docentes de modo geral com a nova realidade pandêmica
frente ao sistema educacional, principalmente suas lógicas de ação frente as
relações entre professor-aluno, professor-escola, professor-professor e até
professor-instituições de modo geral.
Para tanto busca-se dialogar com Dubet (1994) na proposta da
Sociologia da Experiência e lógicas de ações, permitindo compreender a
realidade dos atores. A orientação das escolhas, da construção de sentidos
1
Artigo apresentado no XIV Seminário de Estágio e de Pesquisa de Ciências Sociais da Universidade
Estadual de Londrina, sob orientação da Profa. Dra. Ileizi L. Fiorelli Silva. Graduada em Ciências
Sociais (Licenciatura e Bacharelado). Contato: denise.diasvieira@uel.br
2
BRASIL, Ministério da Saúde. Corona Vírus. Brasília, 2020. Disponível em: https://coronavirus.saude.
gov.br/sobre-a-doenca#o-que-e-covid. Acessado em: 27/09/2020.

98 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


para fatos pessoais e sociais e da coerência das ações de um indivíduo
expressa a experiência social que Dubet nos ensina.
Também se aborda discussões desenvolvidas por cientistas sociais
através dos Boletins Nacionais da Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) no qual avaliam, desenvolvem
e traçam discussões sobre as relações sociais, educacionais e demais
problemas sociológicos em meio a pandemia.
Haja vista, vale ressaltar que não há um campo sólido de estudos
sobre o período de Pandemia da Covid-19, visto que essa realidade ainda se
encontra em movimento e com grande dinamicidade. Dessa forma, nota-se
a importância de desenvolver estudos críticos sobre como a educação tem
sido pensada em tempos de incertezas e crises.
Nesse sentido o objetivo geral da presente pesquisa está em identificar
a experiência social geral dos docentes do Brasil, através dos dados já
coletados pelos canais oficiais de comunicação brasileira, compreendendo
seu contexto social, emocional e econômico frente as transformações
sociais ocorridas através a instauração da pandemia da Covid-19. Nesse
sentido, busca-se contextualizar a situação pandêmica através dos dados
oficiais expostos pelo Ministério da Saúde e como isso tem impactado a
realidade social. Bem como, discutir sociologicamente como a pandemia
afetou o sistema educacional, levando em consideração as medidas de
restrição e proteção contra a Covid 19. Por fim, busca-se refletir acerca das
lógicas de ação docente frente a pandemia e como a situação da pandemia
afetou os profissionais da educação.
A proposta para metodologia de pesquisa é baseada no trabalho
sociólogo Dubet (1994) a partir da análise social das lógicas de ação,
permitindo um olhar atento as experiências dos atores. Para construção
metodológica do objeto de estudo utiliza-se um conjunto de abordagens
teóricas para discussão no campo científico.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 99


PANDEMIA DA COVID-19: UM PAÍS (DES)PREPARADO?

A Pandemia da Covid-19 tem sido um dos assuntos mais comentados


entre a população mundial. Aproximadamente 2.340.000.000 resultados
aparecem em uma simples pesquisa ‘’coronavírus’’ na plataforma Google,
possibilitando o acesso a milhares de informações e dados acerca dessa
situação social em que estamos vivendo.
No entanto, antes de desenvolver discussões e reflexões acerca de
como a realidade pandêmica tem afetado as relações sociais, é necessário
compreender o que é essa realidade e como se desenvolveu essa pandemia.
Para isso, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2020) do governo brasileiro
explica que:

Coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias.


O novo agente do coronavírus (nCoV-2019) foi descoberto em 31/12/19
após casos registrados na China. Os primeiros coronavírus humanos foram
identificados em meados da década de 1960. A maioria das pessoas se
infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida, sendo as crianças
pequenas mais propensas a se infectarem com o tipo mais comum do
vírus. Os coronavírus mais comuns que infectam humanos são o alpha
coronavírus 229E e NL63 e beta coronavírus OC43, HKU1. (BRASIL,
Ministério da Saúde, 2020, s/p).

O primeiro registro de casos ocorreu em dezembro de 2019 na China,


sendo identificado como pneumonia. Apenas no dia 29 de dezembro de
2019 foi identificado o código genético do coronavírus na China, onde os
casos já estavam em disseminação. No dia seguinte, 30 de dezembro de
2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) é notificada por excessos
de casos de ‘’pneumonia de causa desconhecida’’. Os casos começam a
ascender após o dia 05 de janeiro de 2020 quando 44 casos de ‘’pneumonia
de causa desconhecida’’ foram confirmados em Wuhan, na China. (BRASIL,
Ministério da Saúde, 2020, s/p).
Após essa notificação a OMS começa um processo de monitoramento
e controle dos infectados e desenvolve-se um estudo científico sobre o vírus.

100 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A partir disso, apenas em 21 de janeiro de 2020 a OMS divulga o primeiro
boletim epidemiológico que trata a doença como risco moderado, mudando
o posicionamento para risco alto em 28 de janeiro de 2020 e, em seguida,
em 30 de janeiro de 2020 declara Emergência Internacional causada pela
rápida e grave transmissão do coronavírus. (BRASIL, Ministério da Saúde,
2020, s/p).
A rápida transmissão do vírus alcançou 16 países até o dia 24 de
fevereiro de 2020, menos três meses após os primeiros casos e identificação
genética do vírus. No Brasil, o primeiro caso confirmado foi no Estado de
São Paulo, em 26 de fevereiro de 2020.
De acordo com o Painel Covid-193 (2020) do Centro de Ciência e
Engenharia de Sistemas (CSSE) da Universidade Johns Hopkins (JHU) até
o dia 02 de maio de 2021 acumula-se, desde o primeiro caso confirmado
em dezembro de 2019, cerca de 152.394.091 casos de pessoas infectadas
pelo vírus a nível global, sendo 14.725.975 apenas no Brasil, ocupando o
terceiro lugar com maior índice de contaminação. Dentro do índice de
casos confirmados já somam 3.196.127 de mortes a nível global, sendo
406.437 mortes apenas no Brasil.
Sendo a transmissão da Covid-19 rápida e sorrateira é essencial que
as medidas de contenção da transmissão sejam praticadas cotidianamente
para que a curva de crescimento acerca da contaminação seja achatada.
Um estudo realizado pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde
(NOIS), da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, com
pesquisadores da
USP, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), da Secretaria de
Estado da Saúde (SES) do Rio de Janeiro, do Instituto D’Or de Ensino e
Pesquisa e do Barcelona Institute for Global Health (ISGlobal), na Espanha
(BERNARDES, 2020, p.01) aponta que as medidas de isolamento em massa
são efetivas e contribuem para a contenção da transmissão.

3 Universidade Johns Hopkins. Painel COVID-19. Centro de Ciência e Engenharia


de Sistemas. Disponível em: https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/
bda7594740fd40299423467b48e9ecf 6 Acesso em: 02 maio 2021

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 101


No entanto, a medida deve ser adotada rapidamente para que a
curva de contaminação seja achatada. Para isso, Bernardes (2020) relata a
afirmação do estudo:

O trabalho constatou que a quarentena tem efeito. [...] No entanto, a


velocidade do efeito depende de quando ela foi feita, tanto em termos de
tempo quanto de quantidade de casos, porque se há um grande número
não detectado, a doença segue se expandindo exponencialmente na
comunidade. (BERNARDES, 2020, p.01).

É compreensível, então, que a responsabilidade para contenção


de transmissão do vírus seja do governo, uma vez que apenas o líder
governamental teria autoridade legal para decretar o fechamento total e a
quarentena social no país. No entanto, a realidade das autoridades brasileira
está distante da responsabilidade social e ética para contenção da Covid-19
no país.
Vale ressaltar que o Art. 23 da Constituição Federal (BRASIL,
C/F 1988, §2) aponta que ‘’cuidar da saúde e assistência pública [...] é
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios’’, sendo uma responsabilidade compartilhada. Podendo ser a
União com maior atuando no financiamento para Estados e Municípios do
que atendimento de fato. Porém, não é o que o atual líder político da nação
brasileira concorda. Camilla Veras Mota (2020), repórter da BBC News
Brasil em São Paulo faz o registro de uma deprimente fala do líder político
do Brasil onde mandou uma mulher que o questionava sobre o número de
brasileiros mortos pela pandemia ‘’cobrar seu governador’’.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 672 (ADPF
673), decisão do Supremo Tribunal Federal que incentivou a autonomia dos
Estados e municípios para adotarem medidas de controle da disseminação
da Covid-19 também foi motivo para posição irresponsável do mesmo líder.
Em uma rede social, aponta Mota (2020), o então representante político
distorce a decisão do STF e aponta que as ações de combate a pandemia
ficariam ‘’sob total responsabilidade dos Governadores dos Prefeitos’’.

102 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Enquanto Itália, com uma crise estupenda, adota medidas radicais
de isolamento social em todo território e, com sabedoria e tempo, consegue
achatar a curva de contaminação, o Brasil continua tendo aumento de casos
confirmados e, consequentemente mais mortes.
O objetivo da presente pesquisa não é tecer críticas acerca da atuação
do governo e dos governadores políticos do Brasil em relação à crise
causada pela pandemia da Covid-19, mas é inviável discutir essa temática
sem apontar pelo menos uma situação sobre a irresponsabilidade do maior
líder político da União. Em tempos de censura digital e fake news fica cada
vez mais difícil anexar e citar diretamente discursos e falas que apontam a
irresponsabilidade, ignorância e tolice de líderes governamentais.
Dessa forma, os desafios para sociedade brasileira crescem à medida
que o negacionismo dos governantes se acentua em relação a gravidade
e intensidade da pandemia, tentativas de desmonte e desmoralização
dos serviços públicos de saúde, crise econômica, desemprego crescendo
desenfreadamente, crise no sistema educacional e muita desvalorização da
ciência e das universidades.
É nesse contexto repleto de paradoxos que, de forma específica, nota-
se a importância de olhar sociologicamente para área da educação. Dando
ênfase na Educação Básica que também vem sofrendo enormes danos por
conta da má gestão governamental e com recursos escassos para manter o
sistema em funcionamento.

OS DESAFIOS DO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO EM


TEMPOS DE PANDEMIA

É evidente que a chegada da pandemia causada pelo novo Coronavírus


causou grande instabilidade e mudanças em praticamente todas as áreas
da sociedade, obrigando a todos repensarem suas formas de trabalhar e
continuar sua trajetória respeitando as novas medidas de segurança. Para
área da educação não foi diferente. As escolas e universidades tiveram que
serem fechadas, por tempo indeterminado, e o ensino migrou para as novas
tecnologias.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 103


No Brasil, os governos estaduais tiveram que adotar o ensino remoto
como uma alternativa para dar continuidade no calendário escolar e manter
o vínculo entre aluno, escola e família. As novas tecnologias ganharam um
espaço considerável na rotina dos estudantes que, por sua vez, tiveram que
reaprender a lidar com a rotina escolar. No entanto, essa nova realidade não
foi e não está sendo algo promissor e eficaz uma vez que as desigualdades
econômicas, sociais, informacionais e regionais (ALBRECHT, 2021) são
latentes na sociedade brasileira. Proponho-me a refletir sobre os desafios
que o sistema educacional tem enfrentado após a chegada da pandemia da
Covid-19.
As desigualdades educacionais não surgem com o advento da
pandemia, mas já estão inseridas na realidade brasileira há tempos. Strang
Silva (apud OLIVEIRA, 2021, p.1) aponta que há uma grande dificuldade
de acesso à educação infantil, principalmente por parte de famílias pobres.
Bem como o acesso aos anos finais do ensino médio e ao ensino superior
ainda não foram completamente universalizados no Brasil.
Essa falta de acesso acentua-se com a pandemia, uma vez que as
alternativas governamentais para manter as atividades escolares migram
para o ensino remoto e com atividades impressas. Nesse sentido, Albrecht
(2021) sugere a reflexão sobre como as desigualdades digitais estão
relacionadas com outros tipos de desigualdades. A implementação de
novas tecnologias após a chegada da pandemia da Covid-19 avançou
respeitosamente, ganhando muitas ações inovadoras e desenvolvendo
meios inteligentes para resolução prática de problemas do dia a dia.
No entanto, esse avanço tecnológico não trouxe a resolução para
a realidade de muitos indivíduos e, além disso, gerou mais problemas.
Aborda-se aqui a desigualdade social agravada pelo avanço das novas
tecnologias, das quais muitos grupos sociais e indivíduos não possuem
acesso e espaço. A educação, assim como outras áreas, também sofreu
mudanças após a chegada da pandemia e foi gravemente impactada com a
decisão de migração para o digital.
A partir das estratégias para contenção da disseminação do vírus,
o Estado notou a necessidade de intervenção nas instituições que maior

104 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


continham aglomeração em seu funcionamento, entre elas a educação.
O sistema educacional foi um dos primeiros setores a serem fechados,
incluindo desde a educação infantil até as universidades. Forçando um
novo plano de ação para manter as atividades em dia, a alternativa foi
migrar para educação remota, abraçado todos os educadores de surpresa,
sem estrutura física, emocional, didática e tecnológica para tal proposta.
No Estado do Paraná, as aulas foram encerradas a partir do dia 20
de março através do decreto estadual 4.258 que diz: ‘’as aulas em escolas
estaduais públicas e privadas, inclusive nas entidades conveniadas com o
Estado do Paraná, e em universidades públicas ficam suspensas a partir
de 20 de março de 2020.’’4 O Núcleo Regional de Educação de Londrina
(NRE Londrina) abrange 19 município, totalizando 122 escolas públicas e
3.307 turmas da rede estadual, sendo então 74.162 alunos matriculados5.
Dessa forma, podemos encontrar uma realidade complexa para, em pouco
tempo, mudar toda metodologia de ensino presencial da educação remota.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou, em
agosto de 2020, uma Nota Técnica sobre o ‘’Acesso domiciliar a internet
e ensino remoto durante a pandemia’’5 no qual traz dados importantes
que elucidam a desigualdade social e digital da população brasileira,
especificamente dos estudantes.
O estudo foi desenvolvido com referência de dados de 2018, o ano
mais recente para qual as informações estavam disponíveis, da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, permitindo
estimar a quantidade de estudantes, em diferentes níveis e ensino, que não
possuíam acesso domiciliar a internet em banda larga, sendo o principal
4
CURITIBA. Decreto nº4258, de 17 de março de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento
da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente ao Coronavírus. Curitiba.
Disponível em <https://leisestaduais.com.br/pr/decreto-n-4258-2020parana-altera-dispositivos-do-
decreto-n-4230-de-16-de-marco-de-2020-que-dispoe-sobre-asmedidas-para-enfrentamento-da-
emergencia-de-saude-publica-de-importancia-internacionaldecorrente-do-coronavirus-covid-19>
Acesso em: 27/09/2020.
5
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Consulta Escolas. Núcleo Regional de Educação de Londrina.
Disponível em: <http://www.consultaescolas.pr.gov.br/consultaescolas-
java/pages/templates/initial2.jsf;jsessionid=_0t6ydQbOc2iA4058Cd1zOSr_EJjW4vt20G6e3cw.s
seed75003?windowId=492&codigoNre=18&codigoMunicipio=> Acesso em: 27/09/2020 5 BRASIL.
Ministério da Economia. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada et al. Acesso domiciliar à internet
e ensino remoto durante a pandemia. Nota Técnica [s. l.], 2020. DOI http://dx.doi.org/10.38116/
ntdisoc88. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/200902_
nt_disoc_n_88.pdf. Acesso em: 12 fev. 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 105


meio de acesso para o ensino remoto no período de pandemia. Em seguida
expõe-se alguns dados importantes acerca do estudo.

Quadro 1 – População sem acesso à internet em banda larga ou 3G/4G em


seu domicílio – Brasil (2018)
População sem População sem acesso à internet e
acesso à internet banda larga ou
Nível ou etapa de e 3G/4G em casa Fonte dos
escolarização banda larga dados
Total Em
ou 3G/4G em (aprox..) de instituições
casa pessoas de ensino
PNAD
Cerca de 720
Pré-escola 14% a 15% Até 800 mil Contínua e
mil
CEB
Ensino PNAD
Fundamental – Cerca de 16% 2,40 milhões 2,32 milhões Contínua e
anos iniciais CEB
Ensino PNAD
Fundamental – Cerca de 16% 1,95 milhões 1,91 milhão Contínua e
anos finais CEB
PNAD
Cerca de 740
Ensino Médio Cerca de 10% Até 780 mil Contínua e
mil
CEB
PNAD
Graduação Cerca de 2% 150 a 190 mil 51 a 72 mil Contínua e
CES
PNAD
Pós-graduação
Menos de 1% Menos de 2 mil Cerca de mil Contínua e
– stricto sensu
GeoCapes
Da pré-escola a Todas as
12% 6 milhões 5,80 milhões
pós-graduação quatros
População em PNAD
Cerca de 17% 34,5 a 35,7 milhões
geral Contínua
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

De acordo com o Ipea (2020), assim como exposto no quadro


1, há no Brasil cerca de seis milhões de estudantes que não possuem
acesso domiciliar a internet banda larga ou 3G/4G, sendo 8,8 milhões de
estudantes de instituições públicas de ensino. Os principais estudantes
afetados são os do ensino fundamental, somando 4,35 milhões, sendo 4,23
milhões de escolas públicas. No ensino médio, avalia-se que, cerca de 780

106 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


mil adolescentes não possuem acesso ao serviço de internet, sendo 740 mil
de rede pública.
Ainda de acordo com o estudo do Ipea (2020) apenas 2,6 milhões dos
estudantes de escola pública, que estima-se ser 5,8 milhões, dispunham de
acesso ao sinal de rede móvel no celular, sendo aproximadamente 800 mil
estudantes que precisariam somente do chip eletrônico de dados móveis,
pois já possuem o aparelho eletrônico para acesso. Entretanto, quase 1,8
milhões de alunos das instituições públicas de ensino não possuem acesso
aos equipamentos eletrônicos e dependem exclusivamente de distribuição
social dos mesmos ou empréstimo de conhecidos. Além disso, ainda
teríamos aproximadamente 3,2 milhões de estudantes sem acesso, pois não
dispunham de sinal de rede móvel onde residem.
Dessa forma, nota-se a importância de refletir sobre o real
engajamento estudantil nessa nova modalidade de ensino. O acesso não
é democrático e a educação formal não está sendo desenvolvida, criando
um abismo entre o sonho para um futuro profissional que dependa da
formação escolar e o estudante que não consegue ter acesso ao ensino. A
verdadeira realidade sobre a educação está na resistência dos educadores,
na força interna daqueles que usam recursos próprios para disponibilizar
o acesso aos alunos, fazendo o impossível torna-se possível, motivando,
de forma poética, a não desistência dos alunos. De fato, os educadores são
os principais responsáveis por manter o sistema educacional funcionando,
sem a força e esperança desses atores a educação brasileira já teria sido
desmontada.
O contexto nacional acerca das ações governamentais para educação
não foi de encontro ao respeito as diferenças e, muito menos, trouxeram
soluções para o acesso em meio a tanta desigualdade social. O (des)
governo federal, através do Ministério da Educação (2020) (que teve quatro
ministros em um período de um ano e meio) lança a campanha publicitária
promovendo a manutenção do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
principal mecanismo para o acesso as universidades públicas do país, com
os dizeres: ‘’estude, de qualquer lugar, de diferentes formas, pelos livros,
internet, com a ajuda à distância dos professores’’. (BRASIL, Ministério da
Educação, 2020, p.01).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 107


A ação publicitaria não leva em conta a realidade de milhares de
estudantes: a falta de acesso a tecnologias. Como exposto anteriormente,
os números comprovam que a educação remota não é a solução para
continuidade do ensino na pandemia. Sobre a democratização do ensino e
a educação remota, Albrecht (2021) aponta:

Políticas em prol da democratização do ensino não podem ser efetivamente


desenhadas sem considerar as inter-relações entre os eixos de opressão e
a interação entre diferentes tipos de desigualdade, sobretudo no contexto
de uma pandemia, a qual afetará de forma incisiva os grupos mais
vulneráveis. O cerne da desigualdade encontra-se, portanto, nas barreiras
ao acesso e na limitação das escolhas por parte dos indivíduos. E um
sistema democrático se caracteriza justamente por um acesso igualitário as
decisões. Nesse contexto, a educação a distância jamais será uma panaceia
para o fortalecimento da educação face a COVID-19 enquanto as políticas
desconsiderarem as diferentes necessidades e dificuldades dos segmentos
que compõem a sociedade. (ALBERECHT, 2021, p.3).

Amurabi Oliveira (2021) traz o debate feito por Pierre Bourdieu


e Jean Claude Passeron através de A Reprodução de 1970 que buscava
‘’desvelar o mito liberal da meritocracia escolar’’. A compreensão acerca da
meritocracia escolar se encontra na imersão das desigualdades sociais na
escola que, apesar de se apresentar universal, mostra-se como uma realidade
de classe. A escola, então, para alguns estudantes torna-se a continuidades
de seu habitus familiar, mas para outros uma descontinuidade, um processo
de profunda violência. (OLIVEIRA, 2021, p.02).

As ideias que lastreiam a defesa da manutenção do ENEM e o retorno


imediato das aulas nas universidades públicas baseiam-se, justamente,
no pensamento que Bourdieu e Passeron buscavam combater. É um
pensamento que desconhece (ou ignora) que o ‘’sucesso escolar’’ não é
fruto simplesmente do ‘’mérito individual’’, mas sim reflexo de um conjunto
de condições subjetivas e objetivas para sua produção.’ (OLIVEIRA, 2021,
p.02).

108 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Para tanto, há que se desenvolver novas políticas educacionais pós
pandemia que garanta a educação pública de qualidade, abarcando o acesso
total dos estudantes e sua permanência na escola. É necessário um olhar
crítico sobre as decisões escrupulosas do governo a respeito da educação
básica e do acesso a ela. Não há respostas imediatas a problemas profundos
e de longo prazo. A situação educacional brasileira se mantém viva pela
resistência, resiliência e força dos seus educadores que, em hipótese alguma,
desistem de praticar seu ofício.

LÓGICAS DE AÇÃO DOCENTE EM CONTEXTO PANDÊMICO

A realidade social após a chegada da Covid-19 no Brasil foi


totalmente modificada, exclusivamente o setor da educação. Refletindo a
prática docente diante de uma mudança social drástica como este, é notório
que também houve mudanças a nível individual. Em relação aos docentes
do Núcleo Regional de Educação da cidade de Londrina-PR6, cerca de
39,4% dos docentes relataram
que não possuíam recursos materiais suficientes para executar
adequadamente sua função docente de forma virtual.
A pesquisa intitulada “Atividades escolares durante a pandemia e
condições de trabalho docente no Paraná”, organizada pela APP-Sindicato
Londrina (2020), também relata que dentro dos 60,6% dos docentes que
possuem as condições para desenvolverem as atividades de forma virtual,
quando questionados a respeito da plataforma google classroom, 93,5% não
receberam treinamento ou orientação para o uso.
A experiência individual e coletiva dos docentes perpassa a
sobrecarga de trabalho quando a vida pessoal e profissionais se misturam.
Ainda de acordo com a pesquisa realizada pela APP-Sindicato Londrina
(2020), 93,6% dos docentes tem trabalhado mais do que sua carga horária
semanal. Ou seja, a vida pessoal foi afetada pela realidade social decorrente
da Pandemia da Covid-19.
6
Associação dos Professores do Paraná, Londrina. Pesquisa: ‘’Atividades escolares durante a pandemia
e condições de trabalho docente no Paraná’’. Londrina, 2020. Disponível em: https://www.applondrina.
com/. Acesso em: 28 de maio de 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 109


Com isso é necessário pensarmos a respeito das experiências
dos docentes com esse novo formato de trabalho, principalmente suas
lógicas de ação frente as relações entre professor-aluno, professor-escola,
professor-professor e até professor-instituições de modo geral. A orientação
das escolhas, da construção de sentidos para fatos pessoais e sociais e da
coerência das ações de um indivíduo expressa a experiência social que
Dubet nos ensina que a experiência social é uma maneira de construir o
mundo. (DUBET, 1994).
Nesse sentido, necessita-se recorrer a teoria sociológica de Dubet
(1994) onde busca avançar nas discussões sobre a ação do ator social, não
apenas como um sujeito manipulado ou um sujeito integralmente livre.
Criando, então, uma relação entre ação social dos atores e suas experiências
como um trânsito entre subjetividade e o ser social, não podendo se limitar
apenas a uma análise.
Dessa forma, Dubet (1994) implica que a noção de experiência
social permite compreender a estruturação e combinação das lógicas de
ação como o mecanismo norteador para construção da vida e da trajetória
do indivíduo ou ator social.

A experiência social forma-se no caso em que a representação clássica


da <<sociedade>> já não é adequada, no caso em que os actores são
obrigados a gerir simultaneamente várias lógicas de acção que remetem
para diversas lógicas do sistema social, que não é então já um <<sistema>>,
mas a co-presença de sistemas estruturados por princípios autônomos. As
combinações de lógicas de acção que organizam a experiência não tem um
<<centro>>, elas não assentam sobre qualquer lógica única ou fundamental.
A experiência social, na medida em que a sua unidade não é dada, gera
necessariamente uma atividade dos indivíduos, uma capacidade crítica e
uma distância em relação a si mesmos. Mas a distância em relação a si,
aquela que torna o actor em sujeito, é, ela própria, social, ela é socialmente
construída na heterogeneidade das logicas e das racionalidades da ação.
(DUBET, 1994, p.94).

Sendo assim, a experiência social é capaz de trazer sentido as práticas


sociais, uma vez que suas lógicas de ação partem da individualização,

110 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


designando ‘’as condutas individuais ou coletivas dominadas pela
heterogeneidade de seus princípios constitutivos e pela atividade dos
indivíduos que devem construir o sentido de suas práticas no meio desta
heterogeneidade’’. (DUBET, 1994, p.15).
Esse conceito se divide em três compreensões essenciais para demais
condutas sociais. A primeira é a heterogeneidade dos princípios culturais
e sociais que organizam as condutas (DUBET, 1994, p.15), sendo referida
a construção da identidade social como uma experiência vivida pelo ator
e não o ser do ator (sua posição social). A segunda compreensão está na
distância subjetiva que os indivíduos mantem com o sistema (DUBET,
1994, p.16), isso porque a pluralidade de lógicas de ação é concebida como
um problema, produzindo o distanciamento social. E, por fim, a terceira
compreensão está no fato de que a construção da experiência coletiva
recoloca o conceito de alienação no cerne da análise sociológica (DUBET,
1994, p.17), com a baixa adesão a ideia da sociologia clássica que traça um
conflito social central, os indivíduos não podem mais serem guiados a uma
conduta determinante e padronizada, uma vez que suas lógicas de ação são
heterogêneas.
Pensar em experiência social e lógicas de ação em Dubet (1994) é se
desvincular, de forma geral, da ideia centralizada da sociologia clássica. A
composição do ‘’conjunto’’ social é, de acordo com Wautier (2003, p.181)
‘’uma justaposição de três grandes tipos de sistemas: comunidade, mercado
e sistema cultural’’, sendo cada um deles concebidos numa lógica própria.
A experiência social seria, então, a ‘’articulação aleatória entre essas três
lógicas’’. (WAUTIER, 2003, p.182).
A primeira lógica é a da interação, definida pelas relações e vínculos
do ator com a comunidade em que vive, pensada a partir da sociologia
clássica. De acordo com Wautier (2003, p.182) ‘’o ator é reconhecido na
medida em que ele está integrado [...] submissão pela interiorização de
valores institucionalizados através dos papéis’’. Quando olhamos para
realidade atual, modificada pela pandemia do novo coronavírus, percebe-
se que a lógica de interação dos atores mantém os vínculos a partir das
novas regras de conduta social.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 111


Em seguida, a segunda lógica está na estratégia, aonde o ator é
identificado através dos seus interesses num mercado. Não apenas no
sentido econômico, mas o ator passa de identidade vinculada a um papel
para o status, sendo reconhecido à medida que pode influenciar seu meio,
não sendo guiado pela integração, mas pela posição social que ocupa.

O que está em jogo na ação, neste caso, é o poder. Os atores vão definir
seus objetivos, escolher o que para eles é útil, enfrentar a concorrência
com os outros (pode ser pelo dinheiro, mas também competição política,
conquista amorosa) e vão desenvolver estratégias para influenciar os
outros, isto é exercer um poder. Nesta perspectiva, a ação coletiva é mais
mobilização que adesão, os movimentos sociais são uma ação racional
e não espontânea, e visam a exercer influência sobre o sistema político.
(WAUTIER, 2003, p. 183).

A terceira lógica, mais relevante para discussão aqui apresentada a


partir do contexto pandêmico, é a subjetivação. O ator passa de observante
para um sujeito crítico frente a um sistema de dominação e alienação. A
reflexão a partir dessa lógica está no sujeito e não na sociedade, no entanto
com difícil definição, conforme Dubet (1994). A lógica do sujeito não é
pensada de maneira determinista ou individualista, mas considerando suas
subjetividades a partir das suas experiências sociais, sem reduzir aos seus
interesses privados. Para isso, considera-se a cultura como o mecanismo
que o torna um sujeito crítico para sua fundamentação da ação, e não mais
as estruturas sociais.

A lógica da subjetivação, na sua referência ao sistema social, está associada


a uma postura crítica que denuncia a alienação e a dominação. A alienação
se estende como privação da capacidade de ser sujeito (Id, p.133) pela
reificação das relações sociais; entende-se como desencantamento que
esvazia a experiência social do seu sentido, através da racionalidade
instrumental.’’ (WAUTIER, 2003, p.184).

112 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


É compreensível, a partir da reflexão sobre a subjetivação como
lógica de ação que desenvolve e a criticidade do sujeito a partir das suas
experiências, não se restringindo ao individualismo, que a realidade da
pandemia da Covid 19 também alterou a experiência dos docentes. Pensar
na realidade dos professores com as modificações que foram exigidas, de
forma rápida e sem preparo prévio, é pensar em como os professores estão
vivendo frente as dificuldades que surgem.
Aula on-line, ensino remoto, atividades via computador, avaliações
através de questionário automático e muitas dificuldades de acesso à
banda larga. Tudo isso somando com o trabalho desenvolvido de dentro
de casa, com os filhos ao lado, conjugue também trabalhando em casa e
atividades domésticas para realizar. A realidade docente não apenas sofreu
modificações no formato de trabalhar, mas alterou a rotina e a subjetividade
dos professores.
A lógica de ação que permeia a criticidade através do intermédio
cultural fica isolada na mesma perspectiva em que os professores ficam
restritos aos seus lares. Sem possibilidade de gerar movimentos e novos
projetos para desenvolver uma educação crítica e acessível, os docentes se
veem restringidos a tentar, de forma quase divina, realizar o básico do seu
ofício.
A discussão aqui abordada sobre as diversas lógicas que surgem
a partir da experiência social de isolamento e restrição social não traz
uma resposta concentra, muito menos um direcionamento para criação
de teorias ou políticas públicas educacionais que melhorem a realidade
docente. Mas, de forma central e mais importante, busca refletir e apontar
caminhos para o olhar empático e social dos professores.
No entanto, vale-se questionar qual tem sido, ou melhor, se tem
sido desenvolvida políticas que assegurem condições dignas e acessíveis de
trabalho para os docentes. Uma vez, como mostrado no início do trabalho,
que há muitos docentes que não possuem conhecimentos para acessar e
utilizar as plataformas digitais que são usadas como sala de aula online. A
responsabilidade do Estado como mantenedor e gestor da educação não
deve se restringir apenas ao auxílio estudantil e estrutural as instituições
escolares, mas ao apoio e assessoramento periódico dos docentes.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 113


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a experiência social dos docentes frente ao contexto da


pandemia da Covid-19, através das profundas modificações de ensino,
não pode ser restringida apenas ao seu ofício como professor, mas deve-
se levar em consideração toda sua experiência e realidade social presente
em sua vida particular, colocando em discussão suas individualidades e
subjetividades em relação as práticas docentes e, também, ao seu papel de
transmitir criticidade e conhecimento.
A pandemia modificou toda estrutura social, exigindo o isolamento,
medidas protetivas e de contenção ao vírus, novos formatos de trabalho
e muitas mudanças de conduta pessoal. Essas modificações não alteram
apenas o sistema estrutural político de funcionamento social, mas alteram,
também, as lógicas de ação dos indivíduos, criando um ambiente de
confronto e desconforto, aonde as experiências sociais são alteradas à
medida que a pandemia se agrava.
Para tanto, conclui-se que a experiência docente em relação a
pandemia, no contexto brasileiro, está afetada a nível subjetivo, aonde as
relações não se modificam apenas na instituição escolar, mas, também, as
relações de interação do docente para com o outro. Essas modificações não
servem como justificativa para a omissão do governo brasileiro frente a
melhoria de condições de trabalho docente, mas são essenciais para que haja
uma intervenção sistemática que produza condições dignas de trabalho.
Portanto, é importante refletir sobre a posteridade, não apenas ao
presente momento. A situação brasileira em relação as condições docentes
e suas experiências frente a pandemia da Covid-19 deve ser avaliada e
estudada para, de forma emergencial, desenvolver políticas práticas e
aplicáveis que gerem melhores condições e estruturas financeiras, políticas,
pedagógicas e psicológicas aos docentes. A resistência dos professores da
educação brasileira em tempos de pandemia é o que fortalece a esperança
para um país mais justo, democrático e empático.

114 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


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pr/decreto-n-4258-2020-parana-alteradispositivos-do-decreto-n-4230-de-16-de-
marco-de-2020-que-dispoe-sobre-asmedidas-para-enfrentamento-da-emergenci-
a-de-saude-publica-de-importanciainternacional-decorrente-do-coronavirus-
covid-19 Acesso em: 27/09/2020.

OLIVEIRA, Amurabi. As desigualdades educacionais no contexto da pandemia


do COVID-19. A Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais
(ANPOCS), p. 1-5, 16 jun. 2021. Disponível em: http://anpocs.com/images/stories/
boletim/boletim_CS/Boletim_n85.pdf. Acesso em: 9 jun. 2021.

WAUTIER, Anne Marie. Para uma Sociologia da Experiência. Uma leitura


contemporânea: François Dubet. Sociologias, Porto Alegre, 2003, p. 174-214.
Universidade Johns Hopkins. Painel Covid-19. Centro de Ciência e Engenharia
de Sistemas. Disponível em: https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.
html#/bda7594740fd402994 23467b48e9ecf6 Acesso em: 02 maio 2021

116 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NA REDE
ESTADUAL DO PARANÁ DURANTE A PANDEMIA E AS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ACERCA DESSES PROFISSIONAIS

Jhonny de Araújo1

INTRODUÇÃO

No presente estudo efetuo uma reflexão sociológica sobre as condições


de trabalho docente nas escolas da rede pública durante a pandemia de
Covid-19. Com objetivo de aproximar tal reflexão da realidade, utilizo
como referência o caso da rede pública estadual do Paraná. Essa escolha
se deve em função da minha experiência enquanto professor temporário
nessa rede, mas também por tratar-se de objeto de pesquisa em outros dois
estudos de minha autoria (ARAÚJO, 2021a; ARAÚJO, 2021b).
Visando esse objetivo, utilizo a noção de representação social para
compreender como a passagem do ensino presencial ao ensino remoto pode
ter gerado transformações nas relações tradicionalmente estabelecidas entre
professor aluno e também entre sociedade e escola de maneira mais ampla.
A ideia que aqui exploro é a de que as novas condições de ensino remoto
postas pela necessidade de isolamento social podem alterar a representação
social que estudantes e sociedade possuem em relação à importância do
trabalho docente.
Nesse sentido, algumas possibilidades advindas com a nova realidade
causada pela pandemia são: a compreensão da importância do papel
desempenhado pela instituição escolar e pelos professores na formação e
responsabilização diária por milhares de crianças e adolescentes; o aumento
das taxas de evasão, agravado pelo crescente desinteresse pela escola; além
da impossibilidade de alguns estudantes participarem e realizarem as
atividades no novo formato devido à falta de acesso as ferramentas digitais
ou mesmo à internet. Essas ainda são questões que demandaram estudos
1
Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina. Atuação docente na rede estadual do
Paraná entre anos de 2017 e 2019. Contato: Jhonny.trf@gmail.com

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 117


futuros para que sejam compreendidas. Todavia, os efeitos desse conjunto
de mudanças já devem passar a ser considerados nas agendas de pesquisas
relacionadas à educação.
O que busco destacar é que em um cenário no qual o ensino remoto
foi estabelecido às pressas e precariamente nas escolas da rede pública,
a tendência é que esse novo contexto social seja marcado por algumas
mudanças. A primeira delas vai ao sentido de precarização do trabalho
dos professores. Outra possibilidade é a de que com a mudança na relação
entre professor aluno, a representação social que se tem desses profissionais
também seja reformulada nesse período.
Nesse caminho o exemplo da condição de trabalho dos professores da
rede pública estadual do Paraná ajuda a pensarmos a possível relação entre
a representação social dos professores e os recentes ataques às condições de
trabalho desses profissionais e das condições de ensino das escolas públicas
de maneira geral. Dessa forma, é preciso considerar o quanto os recentes
ataques à educação pública causados na educação pelos últimos governos
do Estado tem colaborado para um contexto de desvalorização do trabalho
docente, mas também para uma representação social na qual a própria
instituição escolar é concebida como algo secundário ou de importância
questionável. Tudo isso intensificado e acelerado pela pandemia e a adoção
do ensino remoto.
Em suma, essa reflexão sociológica envolve: as condições do trabalho
docente na rede pública, os novos desafios à educação postos pela pandemia
e o conceito de representação social para se pensar como essa noção pode
ser afetada pelas transformações ocorridas com a implantação do ensino
remoto. O exemplo da rede estadual do Paraná auxilia na compreensão
desse processo que, não se inicia com a pandemia, mas que pode vir a ser
por ela intensificado ou mesmo facilitado.

118 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


PANDEMIA E DESIGUALDADES NA ESFERA EDUCACIONAL

No início do ano de 2020 o mundo foi assolado pela pandemia da


Covid-19 causada pelo novo Coronavírus (Sars-Cov-2)2. Essa situação
colocou enormes e novos desafios à sociedade como um todo. Tais desafios
se mostraram complexos, pois, na tentativa de conter a disseminação
do vírus, as medidas adotadas acabavam por afetar e colocar em risco o
funcionamento de outros setores da sociedade. O conflito mais evidente
se dava acerca da relação entre a necessidade de isolamento social e a
manutenção da economia. Com isso, alguns setores e instituições sociais
tiveram mais ou menos facilidade de decretar o fechamento, a depender do
papel que desempenham.
No caso brasileiro especificamente essa preocupação maior com
a manutenção da economia, desconsiderando de um lado o potencial de
disseminação e a letalidade do vírus, também foi acompanhada pela falta
de soluções para a intensificação das desigualdades sociais e do aumento
do número de famílias em situação de pobreza e vulnerabilidades (DE
PAULA; ZIMMERMANN, 2021) isso especialmente por parte do governo
federal. Junto a esse cenário ocorre também uma espécie de secundarização
dos efeitos sociais gerados pela paralisação de atividades que não são
diretamente ligadas ao setor produtivo. O principal exemplo é o da escola
pública.
No caso da rede estadual de Ensino do Paraná, as instituições escolares
decretaram seu fechamento em função da pandemia de Covid-19 no dia 16
de março de 2020 por meio do Decreto nº 42303, ou seja, quarenta dias após
o início do ano letivo. Essa primeira medida ainda não indicava o tamanho
do desafio que se colocava no caminho da educação pública brasileira e
também na vida de milhares de jovens afetados por essa nova condição.
No entanto o caráter de tempo indeterminado da suspenção das aulas
naquele momento se mostrou justificado. Afinal, mais de um ano depois
2
Atualmente o número de mortos pela Covid-19 ultrapassa os 575 mil. Para informações atualizadas
acerca do número de contaminados, óbitos e vacinação contra a Covid-19 ver: https://covid.saude.gov.
br/. Acesso em 25 de agosto de 2021.
3
Disponível em: https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action= exibir&codAto=
232854&indice=1&totalRegistros=12&dt=21.2.2020.18.10.40.695 Acesso em 25 de agosto de 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 119


as atividades presenciais nas escolas seguem suspensas, o vírus continua
circulando, sofrendo mutações, adquirindo cada vez mais letalidade, e o
Brasil como um todo já passa das quinhentas e setenta e cinco mil mortes.
A imensurável magnitude da perda dessa quantidade de vidas é então
acompanhada pelo aumento da pobreza, pelo crescimento das taxas de
desemprego e pela ampliação na crise estrutural da saúde pública. Todavia
outra crise, talvez mais silenciosa, está agora instalada e tende a perpetrar
seus efeitos por muitos anos caso não haja uma forte mobilização do poder
público visando à solução do problema. Trata-se da crise da Educação
Básica pública.
A educação pública como um todo já enfrentava, antes mesmo
da pandemia diversas dificuldades ligadas à estrutura das escolas,
financiamento, formação de profissionais e desempenho dos estudantes.
Com a nova situação posta pala necessidade de isolamento, os sistemas
educacionais se viram diante da emergência de reestruturarem suas práticas
visando atender a nova demanda. Acontece que, grande parte das escolas
brasileiras já encontravam empecilhos para solucionarem as questões mais
elementares em condições normais. No contexto excepcional da pandemia,
as escolas passaram a lidar com essas questões, mas também com a
necessidade de se readequarem sua estrutura e organização para ofertarem
o chamado ensino remoto.
Uma transição nesses moldes, feita de modo emergencial, com
ausência de planejamento, financiamento e estrutura necessária, teve como
mérito a manutenção da oferta do direito à educação aos estudantes das
escolas públicas. Há também que se reconhecer o esforço dos profissionais
da educação para que as novas formas de ensino remoto fossem
estabelecidas. Porém, como se pode imaginar, a passagem de um ensino
presencial para um modelo remoto não se faz sem prejuízos nem mesmo
em condições ideais, no caso das escolas públicas, historicamente marcadas
por precárias condições, esses efeitos nocivos de um ensino a distância se
fazem ainda mais marcantes. No caso das disciplinas de Sociologia, Artes e
Filosofia, o impacto da Pandemia veio juntamente com a redução da carga

120 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


horária dessas disciplinas no Ensino Médio4. Essa redução prejudica os
estudantes da rede estadual na medida em que se diminuem conteúdos que
possuem papel fundamental na formação crítica dos indivíduos, além de
afetar também a preparação para o ENEM uma vez que as três disciplinas
continuam a fazer parte do conteúdo programático do Exame.
Essa condição precária da educação pública brasileira frente aos
desafios colocados pela pandemia de Covid-19 vem sendo exploradas por
alguns pesquisadores que abordam os efeitos das mudanças no formato
de ensino, bem como o aprofundamento das desigualdades educacionais,
estando estas muito associadas à ampliação da desigualdade social como
um todo. Pensando a influência dessa desigualdade social no âmbito escolar
Ximenes e Agatte (2011) citados/as por Oliveira e Pereira Junior (2020),
apontam que a desigualdade das estruturas escolares já se fazia presente
entre os públicos com diferença de renda. Nesse sentido, apontam que:

A que a desigualdade não é prerrogativa somente da distribuição de renda,


mas é fato percebido nas condições estruturais das escolas onde estudam
aqueles que vivem em situação de pobreza. Portanto, as condições de
oferta da educação remota não são as mesmas para todos. Pelo contrário,
elas refletem a oferta desigual dos nossos sistemas escolares em termos de
acesso a fatores como recursos tecnológicos, apoio pedagógico, suporte à
nutrição, entre outros (XIMENES; AGATTE apud OLIVEIRA e PEREIRA
JUNIOR, 2020, p. 722).

Se essas são algumas das condições gerais verificadas a respeito da


estrutura das escolas na oferta do ensino remoto, a condição de trabalho
daqueles que nele atuam profissionalmente não contribui para a melhora
desse quadro. Portanto, compreender as mudanças geradas na atividade
docente nesse período e as possíveis consequências desse processo faz parte
do entendimento das implicações gerais que passam a afetar a educação.

4
Instrução Normativa Conjunta nº 011/2020 - DEDUC/DPGE/SEED. Disponível em:
https://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2021-01/
instrucaonormativa_112020_curriculoem.pdf Acesso em 25 de agosto de 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 121


TRABALHO DOCENTE NA PANDEMIA

As novas dificuldades postas ao trabalho docente pela pandemia


são na verdade, se apresentam como uma espécie de continuidade e
acirramento da precarização do trabalho docente que vem ocorrendo nos
últimos anos. No Estado do Paraná esse processo vem se desdobrando nos
últimos anos e deixando pelo caminho a piora das condições de trabalho,
o fechamento de escolas, o aumento do número de alunos por turma, a
falta de concursos públicos, e também a ampliação da contratação de
profissionais temporários. Além disso, a violência policial5 também tem
sido uma das estratégias dos últimos governos para coibirem a reivindicação
dos professores por melhores condições de trabalho e de ensino.
Pensando a Educação Básica pública, a pandemia exigiu de cada
etapa, cada rede de ensino e cada escola uma estratégia para que o direito
a educação continuasse sendo ofertado. Por mais que as redes estaduais
tenham tomado medidas gerais, as diferentes realidades e necessidades
dos estudantes exigem que as escolas se adaptem e ofertem a educação em
diferentes formatos atendendo a necessidade de isolamento. No Estado
do Paraná inicialmente tentou-se a transmissão de aulas por canais de
televisão, todavia devido a baixa adesão dos estudantes e dificuldade de
monitoramento das atividades, optou-se pela realização das aulas via
plataforma Google Meet, além da disponibilização de materiais impresso
para os estudantes que não possuem acesso à internet ou as ferramentas
digitais.
Postas essas novas condições, assim como os estudantes os professores
também tiveram e continuam tendo que se adaptar. Tal adaptação não
passa somente pelo domínio das tecnologias, envolve também um novo
fazer didático, além de uma nova relação com os estudantes. Nesse cenário,
ambos precisam se reinventar. Privados ambos do espaço e da organização
escolar que colabora na estruturação tanto das práticas quanto dos papéis
desempenhados, os professores e os estudantes precisam refazer essas
relações no ambiente virtual.
5
Para maiores informações ver: https://www.applondrina.com/2020/04/28/29-de-abril-de-2015-o-dia-
do-massacre-contra-osas-servidoresas-promovido-pelo-governador-beto-richa-no-centro-civico-de-
curitiba-para-confiscar-a-previdencia-dos-trabalhadores-001/ Acesso em 25 de agosto de 2021.

122 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


De acordo com pesquisa publicada por Gestrado (2020), citado/a por
Oliveira e Pereira Junior (2020), um total de 37,7% dos 15.654 professores
que atuam em todas as etapas da educação básica pública, apontam que a
participação dos estudantes nas atividades diminui drasticamente com o
ensino remoto. Já, para outros 46,1% essa participação diminui um pouco.
Essa situação é mais problemática no Ensino Médio onde a participação dos
estudantes diminui drasticamente para 45,8% dos professores entrevistados.
Aliado a essa mudança no caráter das relações entre os agentes
envolvidos na atividade educacional, a intensificação da precarização do
trabalho docente que ocorre em função da pandemia desgasta ainda mais
esse profissionais. É preciso ainda destacar que ao mesmo passo em que
tal precarização é intensificada pela pandemia, em alguns casos a situação
pandêmica é apenas uma justificativa para a implementação de ideias de
ensino a distância que já vinham sendo defendidas por alguns grupos. (DE
SOUZA e EVANGELISTA, 2020).
Ainda na pesquisa apresentada por Oliveira e Pereira Júnior (2020)
podemos encontrar a percepção dos docentes em relação a três aspectos
do trabalho remoto: suporte institucional; recursos disponíveis; e por fim,
sobrecarga de trabalho. Uma primeira identificação feita pela pesquisa é a de
que numa comparação entre as etapas, o menor suporte institucional dado
aos docentes é encontrado nas séries iniciais com a taxa de 15%. A respeito
do acesso aos recursos tecnológicos que garantem o acesso, de acordo
com a resposta indicada pelos professores, a carência dessas ferramentas
é muito maior entre os estudantes do que entre os docentes, 66,2% e 17,4
respectivamente. Já a resposta quanto o aumento ou diminuição das horas
de trabalho dedicadas à preparação das atividades, 82,4% dos professores
indicaram haver de fato um aumento. (OLIVEIRA E PEREIRA JUNIOR,
2020, p. 731-732).
Especificamente no caso do Ensino Médio da rede estadual do
Estado do Paraná há ainda outro fator que interfere no cenário de piora
das condições de exercício da docência nas escolas. Trata-se do alto índice
de profissionais que possuem vínculo empregatício temporário, ou seja,
contratado por meio de Processo Seletivo Simplificado. Segundo dados

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 123


disponíveis no Laboratório de Dados Educacionais da Universidade
Federal do Paraná6 em 2019 esses profissionais de vínculo temporário
representavam 35% do total de professores que atuavam na etapa. Como
abordado por Souza (2016) em uma comparação entre as relações de
trabalho estabelecidas por professores efetivos e temporários no Estado do
Paraná:

Percebe-se que os professores temporários, apesar da conquista de muitos


direitos, ainda se encontram num quadro de precariedade laboral. Apesar
de não se poder restringi-la aos professores temporários, a comparação dos
referidos direitos, presentes nas variáveis, revela que, embora os professores
temporários (PSS) tenham os mesmos deveres dos professores efetivos
(QPM), o mesmo não ocorre em relação aos direitos (SOUZA, 2016, p.
259).

Nessa perspectiva o autor (2016) defende que nesse processo o que


ocorre é uma minimização dos direitos, o que “permite classificar o trabalho
do professor PSS como um trabalho precário, à luz da sua dimensão
objetiva” (p. 259). Essa precariedade é agrava por uma dimensão subjetiva
causada tanto pelo vínculo instável quanto pelas condições de trabalho.
Ainda sobre os as relações de trabalho estabelecidas pelos professores
temporários, Souza (2016) defende que: “o contrato temporário os coloca
ainda mais numa condição de desvantagem em relação às opções de que
dispõem os professores efetivos, criando uma fragmentação e hierarquia
entre os docentes” (2016, p. 35) o que dificulta o fortalecimento da categoria
profissional e o engajamento em interesses comuns.
Este cenário por si só já seria suficiente para ser tratado como um
desafio colocado a esses professores. Com a mudança do ensino presencial
para o remoto o tamanho do desafio aumenta e ganha novos contornos. O
que se tem como certo é que o professor da rede pública estadual do Paraná
a que vinha nos últimos anos sentindo os efeitos das medidas de caráter
violento e neoliberal das políticas aplicadas pelos governos Beto Richa e
que encontram continuidade na gestão do atual governador Carlos Massa,
6
Disponível em: https://dadoseducacionais.c3sl.ufpr.br/#/indicadores Acesso em 25 de agosto de 2021.

124 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


passa agora por um processo acelerado de mudança nas suas relações de
trabalho e piora das condições de exercício da profissão7.
Por fim, vale ressaltar que o pano de fundo para essas mudanças são
a redução dos investimentos na esfera educacional por meio da Emenda
Constitucional nº 95 que congela os investimentos em educação pelos
próximos 20 anos; a implantação da reforma do Ensino Médio instituída por
meio da Lei nº 13.415/17 e a crescente transformação de escolas estaduais
em escolas militares, projeto que afeta diretamente a lógica de uma escola
democrática e capaz e valorizar os saberes historicamente construídos e as
diversidades que marcam as juventudes.

REPRESENTAÇÃO SOCIAL DOS PROFESSORES

De acordo com Minayo (1995), ao tratarmos de representações


sociais estamos falando de imagens elaboradas acerca de uma determinada
realidade. Em outras palavras, são elaborações mentais que auxiliam
na compreensão e estruturação do mundo real. Tais representações são
aplicadas por indivíduos ao mesmo passo em que tendem a ser elaboradas
por grupos e também acerca dos próprios grupos.
Contudo, como atenta Monteiro, “ainda que algumas formas de
pensar da sociedade sejam abrangentes, cada grupo social converte a visão
comum ao todo social em uma representação particular, de acordo com
sua posição no conjunto da sociedade” (2006, p. 277). Essa compreensão
passa também pelo caráter dinâmico e contraditório das representações.
Isso significa que, por mais que nessa reflexão tratemos de representações
sociais num sentido mais amplo, os elementos que a embasam, o alcance e
a efetividade dessas representações precisam ser mais bem observados para
que possamos apontar as reais consequências destas para o todo social.
Feitas essas ressalvas, partimos da noção de que as representações
7
De acordo com o Sindicato dos Professores do Paraná (APP) “Desde o ano de 2017, o Estado do
Paraná vem calculando de forma ilegal a jornada da hora-atividade. No ano de 2018, por exemplo, a
SEED, por meio da Resolução n° 15/2018, impôs aos professores com cargo efetivo de 20 horas semanais
a obrigação de lecionar 15 horas-aulas regência (duas acima da Lei) e 9 horas-atividade (também duas
acima da Lei)”. Disponível em: https://appsindicato.org.br/app-sindicato-conquista-liminar-sobre-
direito-a-hora-atividade/ Acesso em 25 de agosto de 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 125


são criadas e transformadas de acordo com a realidade. Assim, pensando
o histórico e a realidade da figura do professor no Estado do Paraná,
podemos afirmar que este acompanha o mesmo histórico irregular e
repleto de percalços que se verifica na educação básica como um todo.
Por mais que nos últimos anos a educação pública tenha se aproximado
da universalização e alguns avanços como a Lei nº 11.738 que estabelece
o piso salarial dos professores, ainda assim a profissão o cenário geral no
qual se encontra a categoria não é diferente do que se viu historicamente.
Segundo Monteiro (2006), que por sua vez se baseia em Guimarães (2001),
a profissão de professor apresenta:

Algumas marcas históricas como: a desvalorização e proletarização do


professor, exercício eminentemente feminino, com caráter sagrado etc., que
constituem e contribuem para manter a identidade da profissão docente
como um “que-fazer” de baixa aspiração profissional, a ser desenvolvida
por pessoas generosas que, portanto, mesmo que “reconhecidamente”
merecedoras, se contentam com pouco (baixos salários, condições de
trabalho modestas) (GUIMARÃES apud MONTEIRO, 2006, p. 275).

Assim sendo, é perceptível que as historicamente precárias condições


dos sistemas de ensino público refletem também nas condições de trabalho
do professor. No entanto, indo além, é possível pensar como essa condição
de crise estrutural da educação de maneira geral tem afetado a representação
social que se têm desses profissionais e do papel desempenhado por eles.
No caso específico do trabalho docente, se faz relevante pensar em como
essa representação acerca desses profissionais e de sua atuação tem se
modificado nos últimos anos em função de mudanças contextuais. Cabe,
então, refletir mais diretamente como a pandemia com as novas relações
educacionais impostas podem ter afetado essa noção geral acerca dos
professores.
Como tratado anteriormente devido à condição de isolamento e da
necessidade de aplicação do ensino remoto a histórica relação existente
entre estudante/escola, professor/escola e professor/estudante foram
radicalmente modificadas. Essa situação pode fazer com que o movimento

126 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


que vinha ocorrendo nos últimos anos de desvalorização do papel do
professor – que se evidencia por meio dos ataques a educação além da
dificuldade na garantia de direitos – possa ocorrer de forma mais aligeirada
na medida em que não mais o exercem em seu modelo tradicional,
caracterizado pelo ensino presencial, condição que interfere diretamente
nas relações que se estabelece com os estudantes, com a comunidade e
consequentemente nas elaborações das representações sociais sobre esses
profissionais.
Tendo como exemplo o histórico dos professores que atuam na
rede pública estadual do Paraná percebe-se que as medidas de austeridade
e flexibilização do papel do Estado na garantia de direitos iniciada pelos
governos Beto Richa e que apresentam continuidade no atual governo
Carlos Massa, conduzem-nos a compreensão de que os professores tem
perdido cada vez mais força no enfrentamento desses ataques, força essa
que se reduz na medida em que a representação social dos professores passa
a ser marcada pela desvalorização profissional, podendo ainda em alguns
extremos adquirir o caráter de perseguição, como é perceptível em alguns
projetos como, por exemplo, o projeto intitulado “Escola Sem Partido”8.
Soma-se a esses elementos recrudescimento do conservadorismo
político nos últimos anos e que foi acentuado pela disputa eleitoral de
2018 tendo como principal representante deste movimento e o vencedor
daquele pleito e atual Presidente Jair Messias Bolsonaro que, durante sua
campanha reforçou essa ideia de perseguição e exposição de professores
que expressassem qualquer opinião ou concepção política divergente
daquela defendida por seus apoiadores.
Obviamente que nem todos os eleitores que elegeram Bolsonaro
possuem essa visão negativa acerca dos docentes e do exercício da profissão.
Porém, em alguma medida a eleição de um candidato com esse perfil e
essas ideias se choca diretamente com a defesa de uma educação pública
universal e de qualidade, que proporcione aos estudantes condições de
ensino e aprendizagem e aos professores condições de exercício do trabalho
docente com toda autonomia necessária.
8
O Programa Escola sem Partido trata-se de uma proposta de Lei que visa punir aqueles docentes que
expressem suas opiniões políticas durante as aulas. Por mais que se coloque como apartidário e defensor
da neutralidade, tal programa possui uma essência conservadoras e atua na tentativa de difundir uma
espécie de perspectiva educacional na qual a estrutura social não deve ser questionada.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 127


Outro ponto que fortalece a ideia de que a representação social
que se tem dos docentes e da escola tem caminhado para uma maior
desvalorização, é a implementação da reforma do Ensino Médio por meio
da Lei nº 13.415/17. Muitos estudos já refletiram acerca do potencial nocivo
que essa legislação possui no que tange a oferta da última etapa da educação
básica de forma universal, seja no acesso, seja na qualidade dessa educação.
(HORN e MACHADO, 2018; MOTTA e FRIGOTTO, 2017).
Para os professores do Estado do Paraná, a violência policial
deflagrada contra professores que manifestavam em Curitiba no dia
29 de abril de 2015, ainda se coloca como acontecimento que merece
ser destacado. Seja para tratarmos dos ataques sofridos pela educação,
mas também do significado que eles possuem e como as representações
sociais sobre os docentes se apropriam desses acontecimentos para serem
constantemente reelaboradas.
Além disso, a reforma do Ensino Médio não se coloca como única
medida que atualmente fere a educação pública e os docentes, pois, em plena
Pandemia o atual governador Carlos Massa e seu Secretário de Educação
Renato Feder colocaram em prática um projeto de militarização de mais
de 180 escolas da rede. Hoje o estado conta com mais de 200 escolas nesse
formato9.
Esse processo de militarização das escolas foi levado a cabo com a
participação e votação dos responsáveis pelos estudantes, dando a estes a
opção de decidirem pela militarização ou não das escolas. Das 216 escolas
selecionadas 172 aprovaram o modelo. Esse alto índice de adesão da
comunidade ao projeto das escolas militares também pode nos dar indícios
da atual situação da representação social que a sociedade possui tanto dos
professores, quanto das escolas e suas práticas. Todavia, é preciso ressaltar
também que essa percepção não possui relação apenas com a instituição
escolar, mas sim com todo um contexto de aumento do conservadorismo e
de propostas e soluções das questões sociais amparadas na violência policial
e no autoritarismo, do qual a eleição de Bolsonaro é o maior reflexo.
9
O Programa Colégios Cívico-Militares foi instituído por meio da Lei nº 20338 de 06 de outubro de
2021. Disponível em: https://leisestaduais.com.br/pr/lei-ordinaria-n-20338-2020-parana-institui-o-
programa-colegios-civico-militares-no-estado-do-parana-e-da-outras-providencias Acesso em 25 de
agosto de 2021.

128 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A nova realidade social estabelecida em 2020 em todo mundo pela


pandemia de Covid-19 colocou toda sociedade diante de um enorme
desafio, tudo isso de forma abrupta. Os governos dos diferentes países
buscaram lidar com a situação por meio do estabelecimento de medida
de distanciamento social e também com o investimento em ciência para a
produção de vacinas. No caso brasileiro, o governo federal não foi capaz de
aderir a nenhuma dessas medidas. Ao contrário, o Presidente Bolsonaro fez
questão de defender a volta das atividades em pleno período e explosão do
número de casos de mortes causadas pela doença10. Em alguns momentos
ele mesmo provocou aglomerações contrariando todos os protocolos
de biossegurança defendido por especialistas. Por mais absurdo que
possa parecer, Bolsonaro continua exercendo seu mandato e continua
colaborando para a disseminação de informações falsas11 e também, para
a inexistência de políticas sociais que sejam capazes de lidar de maneira
eficiente com a questão.
Se esse governo não foi eficiente no trato das questões mais
elementares e consensuais durante a pandemia – tal como a necessidade de
distanciamento e compras de vacina – naquelas esferas sociais que ficaram
relegadas ao segundo plano, a ausência de políticas públicas elaboradas em
função das condições pandêmicas é ainda mais preocupante. Esse é o caso
da educação pública.
Como a pesquisa realizada por Gestrado (2020) deixou evidente, as
redes de ensino ainda buscam maneiras de se adaptar a essa nova situação.
Assim, embora cada uma busque responder de maneira particular a
realidade na qual está inserida, a percepção geral é a de que ainda falta
muito em termos de estrutura e ferramentas para que as escolas possam
10
O posicionamento do Presidente Jair Bolsonaro encontra eco na Resolução n° 2, de 05 de gosto
de 2021 do Conselho Nacional de Educação que instituiu as orientações para o retorno das aulas
presenciais em todo país mesmo quando uma grande parte da população ainda não se encontra
totalmente imunizada. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-cne/cp-n-2-de-5-
de-agosto-de-2021-336647801 Acesso em 25 de agosto de 2021.
11
Há em andamento no Supremo Tribunal Federal o Inquérito n° 4.781 que trata da disseminação de
notícias falsas acerca dos membros do STF por grupos ligado ao Presidente Jair Bolsonaro. Tal inquérito
relaciona-se ainda a organização de atos antidemocráticos sob responsabilidade dos mesmos grupos.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 129


ofertar um ensino remoto capaz de preencher a lacuna que a falta da
educação no modo presencial tem deixado na vida das crianças e jovens.
Essa falta de estrutura e ferramentas interfere diretamente no trabalho
do professor. Por meio da ausência de suporte dado a esses profissionais
em relação a uso de metodologias e ferramentas que podem auxiliar no
ensino remoto; pela falta de recursos; pela sobrecarga de trabalho; ou pela
redução na participação dos estudantes, o trabalho docente passa pelo
mais acelerado processo de precarização que se viu nos últimos anos. Mas,
que diferentemente da pandemia, não pegou professores e pesquisadores
de surpresa, já que tal precarização por meio do ensino remoto é uma
possibilidade que paira na esfera educacional há algum tempo (DE SOUZA
e EVANGELISTA, 2020).
Junto com a precarização e a necessidade de adaptação desses
professores às novas formas de trabalho, essa categoria profissional
também terá de enfrentar nos próximos anos uma luta de caráter simbólico,
isso na tentativa de combater a representação social negativa que vem
se construindo nos últimos anos em torno da figura do professor. Os
ataques feitos pelo Presidente da República e seus apoiadores à categoria,
a violência policial que se manifesta na repressão das manifestações, e
também a implementação da reforma do Ensino Médio vinham alterando
essa representação social acerca dos professores. Com a pandemia, esse
jogo de forças e relações no qual se produzem as representações sociais foi
profundamente alterado.
As efetivas consequências desses novos acontecimentos juntamente
com a incorporação de antigas demandas ainda não podem ser apontadas.
No entanto, o que se enfatiza é a condição excepcional do trabalho docente
e da relação aluno e professor ou professor e sociedade devido à pandemia
e ao ensino à distância. Partindo dessa compreensão de uma nova situação
social, entende-se também que esse novo contexto é espaço onde podem
ser produzidas novas relações, mas também novos significados.
A nós professores e pesquisadores é imprescindível o envolvimento
nas lutas e debates que envolvem a defesa de uma Educação Básica pública
e de qualidade. É por meio dessas mesmas lutas que serão reelaborados os

130 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


significados de educação e do trabalho do professor. Tais significados devem
ser definidos tendo como uma de suas preocupações a formulação de uma
representação social do professor na qual a valorização desse profissional
e a atenção as suas condições de trabalho sejam tidas como fundamentais
a uma escola interessante ao estudante, mas também eficiente em termos
de universalização da aprendizagem dos conhecimentos historicamente
produzidos e claro, comprometida com a transformação social.

REFERÊNCIAS

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interior da Rede Estadual e o direito à educação. 131 p. Dissertação (Mestrado em
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dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
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BRASIL. Lei nº 11.738/08. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial
profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação
básica. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/
lei/L13415.htm Acesso em 25 ago 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 131


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PARANÁ. Lei nº 20.338 de 06 de outubro de 2020. Dispõe sobre Matriz Curricular


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PARANÁ. Decreto nº 4230 de 16 de março de 2020. Dispõe sobre


as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do Coronavírus – Covid-19.
Disponível em: https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 133


OBSERVAÇÃO NO ESTÁGIO DA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS
SOCIAIS PRÉ-PANDEMIA E AS MUDANÇAS CAUSADAS PELA
CRISE SANITÁRIA: UM RELATO SOCIOLÓGICO

João Lopes Pereira Teixeira1

INTRODUÇÃO

As primeiras seções deste trabalho fazem parte de um relatório de


Estágio realizado no Instituto Federal do Paraná (Campus Londrina) em
2018, e apresentado a disciplina de Estágio Supervisionado I do Curso
de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Além destas
seções, a última deste trabalho buscará refletir sobre minhas experiências
como estagiário, não mais nas mesmas condições de 2018, mas nas novas
condições que a pandemia do Covid-19 nos impôs.
A disciplina de Estágio Supervisionado I estava organizada da
seguinte maneira: a) quarenta horas para observações, pesquisas e
intervenções dentro da sala de aula. b) vinte horas para leitura e análises
dos materiais coletados na escola, como: projeto políticos pedagógicos,
regimentos da instituição, documentos oficiais do Ensino Médio, e entre
outros. c) trinta horas foram destinadas para encontros de orientações com
a professora supervisora. d) e por último, quinze horas ficaram reservadas
para a redação e elaboração do relatório final da disciplina, completando
cento e cinco horas como a carga horária da disciplina.
Um fato significativo é que de maneira conjunta com a disciplina
de Estágio Supervisionado I, participei como bolsista do projeto Residência
Pedagógica, com fomento da CAPES. Isto fez com que a instituição em
que eu realizasse o estágio, tivesse que estar também inscrita no projeto da
Residência Pedagógica, o que acabou limitando o número de escolas em que
poderia realizá-lo. Assim, a instituição que me acolheu como estagiário, foi
1
Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. Contato: joaolpt23@gmail.
com

134 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná, campus
Londrina, que possui em seu corpo docente o professor Rogério Marlier
como preceptor de bolsista do projeto. Portanto, as aulas de Sociologia do
professor Rogério, os estudantes com quem convivo, as horas na biblioteca,
os corredores do Instituto Federal do Paraná formam a minha experiência
de estágio presencial na Licenciatura em Ciências Sociais, e dão substância
as primeiras seções deste texto.
Além das vivencias enquanto estagiário no IFPR, outro objetivo
deste trabalho é refletir sobre outras experiências que tive enquanto
estagiário de Sociologia, não mais nas condições de 2018, com o ensino
presencial como estávamos acostumados. Mas, refletir sobre as novas
condições impostas pelo ensino remoto, consequência da situação
pandêmica que temos enfrentado. E de que maneira se configuram o
estágio remoto, e o híbrido realizados respectivamente em 2020 e 2021.

O CONTEXTO ESCOLAR

Na Constituição Brasileira de 1934 assegura-se pela primeira vez


o Direito a Educação como um direito inalienável a todos os cidadãos
brasileiros (ROMANELLI, 1999). Desde lá, todas as outras cartas magnas
de nosso país também buscaram garantir o direito a Educação. No
entanto, sabemos que a efetivação plena desse direito sempre esteve longe
de acontecer em nosso país. A possibilidade de oferta de uma educação
pública, gratuita e de qualidade envolvem uma série de elementos que
deveriam ser incorporados ou transformados no sistema educacional de
hoje, compreendendo como necessário, maiores investimentos, criação
de políticas públicas, melhores planos de carreiras aos profissionais,
reformulações nos projetos educacionais, maior autonomia. O que se vê
no contexto atual é um cenário totalmente inverso, instituições de ensinos
degradas, cortes em investimentos para a educação, desvalorização
da carreira docente, perseguições políticas e perca de autonomia das
instituições de ensino.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 135


Porém, assim como compreende Guzzo e Euzebios Filho (2005), o
sistema educacional é fruto de um processo histórico, que se configura por
meio das relações de produção e sociais que se dão em nossa sociedade de
classe antagônica. Ou seja, é necessário ao analisar o sistema educacional
compreender que ele se encontra dentro de um sistema maior, que é o sistema
capitalista. E que as dinâmicas do processo capitalista perpassam o sistema
educacional, configurando suas formas de organização e funcionamento.
A compreensão do sistema capitalista como um sistema que gera
concentração de riquezas e consequentemente desigualdades, nos faz
entender que a educação assume um papel significativo, podendo ajudar
na manutenção das desigualdades imposta pelo capitalismo, ou servir de
ferramenta para uma emancipação desse modelo de sociedade. Portanto,
é por esse motivo, que a educação se encontra no centro de uma constante
disputa política-ideológica.
O momento em que atravessa o Brasil é de forte influência neoliberal,
tanto no campo da economia como no quanto político. Sua influência no
campo da educação, se manifesta em forma de Projetos de Lei que visam
congelamentos de gastos para a educação pública, reformas que retiram
disciplinas do conteúdo obrigatório (como a Sociologia), e que permitem
pessoas não licenciadas possam dar aulas – “pessoas com notório saber”2,
o cerceamento da autonomia dos professores por meio do projeto “Escola
sem Partido”3,entre outras medidas tomadas por governos que se intitulam
neoliberais.

O INSTITUTO

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Pesquisa do Paraná é


uma instituição federal de ensino público e gratuito ligada ao Ministério

2
O notório saber está presente na MP nº 746/2016 e permite que pessoas sem a formação em
licenciatura possam ministrar aulas. Vide https://g1.globo.com/educacao/noticia/reforma-do-ensino-
medio-permite-aulas-de-profissionais-sem-licenciatura.ghtml.
3
Como se auto definem o Escola sem Partido é um movimento formado por estudantes e pais
preocupados com doutrinações políticas e ideológica nas escolas. Acreditam que as escolas não
deveriam tratar ou abordar temas como política, movimentos sociais a partir de alguma perspectiva
ideológica.

136 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


da Educação (MEC). Criada em 2008 a partir da Lei nº 11.892/2008, que
transformou a antiga Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná no
Instituto como conhecemos hoje, busca oferecer educação a nível superior,
básica e profissional. São 25 campis espalhados pelo Estado, que ao total
oferecem 43 cursos técnicos presenciais, 11 cursos técnicos à distância,
20 cursos superiores presenciais, e 4 cursos de especialização, sendo três
presenciais e um a distância.4
Em Londrina, o IFPR está dividido em duas unidades, a Dom Bosco
localizada na rua João XXIII nº 600, e a unidade Alagoas na rua Alagoas
nº 2001. Os cursos ofertados por elas consistem em: o Ensino Médio
Técnico Integrado em Informática ou em Biotecnologia; Cursos Técnicos
Subsequentes em Enfermagem, Massoterapia, Prótese Dentária e Saúde
Bucal; e os Cursos de Educação Superior em Tecnologia em Análise e
Desenvolvimento de Sistemas e Licenciatura em Biologia.
Antes do início do estágio pouco conhecia sobre o IFPR, sabia de sua
existência e pouco mais do que isso. Porém, desde meus primeiros contatos,
percebi que a realidade do Instituto era diferente de outras realidades, de
escolas públicas conhecidas por mim até então. Ela se destacou ao meu
olhar, pela forma que se estabelece as relações educacionais cotidianas no
instituto, a interação entre estudante professor, uma notável pró atividade
dos estudantes em se organizarem, a liberdade com que ocupam o espaço da
escola, e o incentivo à produção científica. Esse tipo de realidade caracteriza
o IFPR, porém, como “ex-pibidiano”5, sei que outras várias escolas públicas
de Londrina não possuem tal realidade.
É importante ressaltar que são instituições com formações bem
diferenciadas, atribuo a configuração da realidade do IFPR, ao fato de ser
uma instituição ligada ao governo federal, ou seja, que recebe fomentos
financeiro federais, que possuí um sistema de seleção próprio, e por ser
uma instituição em uma região central da cidade e com a maioria de seus
estudantes pertencentes a classe média brasileira.

4
Informações do site institucional do IFPR: https://reitoria.ifpr.edu.br/institucional/o-instituto/sobre-
o-ifpr/
5
Pibidiano é uma nomenclatura para se referir a estudantes de licenciatura que participam ou
participaram do PIBID, um projeto de iniciação a docência com fomento CAPES.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 137


O IFPR Campus Londrina terá uma nova sede, a construção do
novo prédio na região norte da cidade (terreno doado pela prefeitura do
munícipio) além de sediar os cursos que hoje se encontram na sede da
rua Alagoas (prédio alugado) vai oferecer mais cursos e mais vagas para
os estudantes de Londrina e região. Espera-se que as novas instalações
oferecerão uma estrutura de maior qualidade e com mais tecnologia.
Considero a estrutura do prédio da rua Alagoas, que é onde realizo
minhas observações com o professor Rogério Marlier, de boa qualidade.
A estrutura conta estacionamentos, quadra poliesportiva, laboratórios de
ciências e biblioteca, muitas escolas públicas como dito anteriormente não
desfrutam desses recursos, e precisam improvisar outros espaços para tentar
atender à suas demandas. Porém, em muitos instantes ouvi dos professores
e da equipe pedagógica o quanto a estrutura ainda não correspondia com
as necessidades e atividades realizadas no dia-a-dia da escola, e que estava
abaixo ainda dos padrões de outros campis de IFPR. Uma das grandes
demandas que será atendida com a construção da nova sede, é a presença de
um refeitório, e a oferta de merenda. Na sede da rua Alagoas, os estudantes
dos ensinos médios integral, que possuem carga horária integral, precisam
se deslocar entre as ruas e estabelecimentos próximos do instituto para
almoçarem, o que nem sempre é viável economicamente para muitos deles.
A localidade do Instituto (centro da cidade), e a existência de ingresso
por meio de um processo seletivo são fatores que fazem com que o público
dessa escola seja de estudantes oriundos da classe média. Porém, o que se
destaca no IFPR são suas políticas de inclusão social, hoje cerca de 80%
das suas vagas são cotas, sendo 55% cotas sociais, 20% cotas raciais, e 5%
cotas para indígenas, como apontado no Plano Político Pedagógico. Além
disso, a existência de bolsas-permanência torna a comunidade escolar mais
diversificada economicamente e socialmente.

AS AULAS E OS ESTUDANTES

A grande maioria de minhas observações foi realizada em uma


turma do 2º ano de Biotecnologia no período da manhã. As salas regulares

138 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


do Instituto comportam aproximadamente 40 estudantes, o que acredito
ser um bom número, talvez, um número maior do que este, atrapalhe
demasiadamente o processo de ensino. Durante as aulas de Sociologia
do professor Rogério me sento no fundo da sala para ter uma visão total
da sala e tentar captar toda a dinâmica da turma durante a aula. Nota-se
comportamentos variados durante o período de uma hora e meia que
constitui as aulas conjuntas do professor Rogério. Enquanto alguns se
demonstram entusiasmados com temáticas sociológicas, e buscam sentar-
se nos lugares mais próximos do quadro, outros procuram se ocupar
com outras coisas para mudar o foco de sua atenção. Uma questão que
tem gerado discussões nos estudos sobre educação é a figura do celular
em sala de aula. Muito mais popularizado hoje em dia, e de grande acesso
aos estudantes do IFPR, o celular se encontra muito presente no espaço
educacional da sala de aula. Assume em alguns momentos o caráter de
uma ferramenta importante para pesquisas e acessos, porém em grande
parte dos casos funciona como uma válvula de escape para estudantes, que
buscam estar em qualquer outro lugar que não seja na sala de aula.
Uma das grandes contribuições que tirei participando das aulas como
um observador externo, é que uma das maiores dificuldades no trabalho do
educador(a) consiste em garantir que a atenção dos estudantes não se perca
durante as exposições das aulas. Pude perceber em muitos momentos que
a dificuldade do ensino não estava no fato do educador(a) ter o domínio
do conteúdo ou não, mas em criar um ambiente em que os educandos
pudessem absorver o máximo dos conteúdos que estavam sendo expostos.
Em alguns momentos, durante as aulas e seminários das disciplinas
da licenciatura deste semestre, entramos nessa discussão. Sem entrar
muito nessa questão, que é área de estudo de muitos pesquisadores hoje
dia, apontamos, com base em análises pessoais e científicas, que o modelo
de educação configurado possuí diversos questionamentos sobre sua
qualidade e potencial. Por exemplo, muito se questiona sobre a organização
espacial de uma sala de aula, as quantidades de estudantes dentro de uma
mesma sala, as formas de avaliação, a maneira de graduação seriada etc.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 139


Assim como o professor Rogério, acredito que grande a maioria
dos educadores(as), desenvolve suas próprias estratégias para amenizar
os problemas estruturais do modelo educacional e garantir uma boa
experiência de ensino e aprendizagem para seus alunos. E, muitas vezes,
ao entrar em sala de aula para observar, busquei concentrar meu olhar para
captar esses diversos tipos de estratégias. Mesmo que em muitos momentos,
“perdesse” para uma soneca ou para o celular, o professor Rogério utiliza
muito do recurso audiovisual, com exibições de vídeos e músicas, é quase
que sua marca registrada na escola, os alunos chamam-no de professor
“rockeiro”. Mesmo que tome um tom de brincadeira e descontração em
alguns momentos, percebo que funciona muito bem para chamar suas
atenções e convidá-los a fazerem parte da aula.
Como cientista social de formação, o professor Rogério faz questão
de abordar conteúdo das três áreas das Ciências Sociais (Sociologia,
Antropologia e Ciência Política). O período de formação do Ensino Médio
no IFPR é de quadro anos, pelo fato de conter o Ensino Técnico Integrado.
Assim, a maneira em que o professor divide os conteúdos obrigatórios
durante os anos, se configura: a) no primeiro ano estão presentes conteúdos
como Introdução a Sociologia, Metodologia, Os Clássicos e Organização do
Trabalho. Temas referentes a disciplina de Sociologia. b) no segundo os
conteúdos são referentes a Ciência Política, Teoria Política, Contratualistas,
Teoria do Estado, Formas do Estado, Eleições e Cidadania. c) no terceiro
ano, com uma mistura de Sociologia com Ciência Política, Movimentos
Sociais, Estrutura e Estratificação Social e Desigualdades. d) No quarto
ano, os conteúdos são Cultura, Conceitos de Antropologia e Antropologia
Indígena, temas referentes a Antropologia.
Os estudantes do IFPR adquirem uma grande familiaridade com a
cientificidade. Por possuírem cargas horárias obrigatórias que devem ser
cumpridas no contraturno, se dividem entre os grupos de pesquisas dos
professores conforme as áreas de maiores interesses. Por exemplo, o grupo
do professor Rogério elaborou um questionário com intuito de analisar
as intenções de votos dentro do campus do Instituto, durante o período
das eleições. Nós, os estagiários tivemos oportunidade de acompanhar

140 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


as reuniões, e ajudar na elaboração da pesquisa, que foi conduzida pelos
próprios estudantes. Além dos grupos, a existência de bolsas para projetos
de iniciação científica ajuda a formar essa característica dos estudantes.
Nesse mesmo sentido, algo que me surpreendeu positivamente foi
de ter participado do VII Seminário Extensão, Ensino, Pesquisa e Inovação.
Esse ano o evento, que a cada ano possuí anfitriões diferentes, foi realizado
em Londrina, nos dias 16, 17, 18 e 19 de outubro, no Centro de Eventos
da cidade. O evento que é o mais esperado de todo ano pelos alunos e
professores, tem por objetivo promover o encontro de estudantes de todos
os campos do Instituto, e estimular a divulgações de trabalhos científicos
e trocas de experiências. O grupo de estagiários fez questão de participar
das diversas mesas, palestras e apresentações de trabalhos que compuseram
o evento. Conversamos com estudantes de outros campos do Instituto e
fizemos registros das vivências.
O fato da disciplina de Estágio Supervisionado I não prever em sua
ementa a realização de uma regência, fez com que ainda não pudéssemos
vivenciar a experiência de lecionar. Porém, no dia 20 de novembro de 2018,
junto das colegas de estágio, Jaqueline Vieira e Isabela Siqueira, realizamos
uma oficina com os estudantes do IFPR, chamada “A música e resistência
nas Américas negras”, ofertada no evento “Consciência Negra em Debate”.
A oficina teve uma duração de uma hora e meia, contou com duas partes,
uma teórica e uma prática. Na parte teórica, abordamos de forma histórica
e sociológica, a formação de gêneros musicais que se originaram de ritmos
africanos. Como por exemplo, o blues nos Estados Unidos, a Rumba
em Cuba e o Samba no Brasil, e que considerando suas especificidades,
possuem em comum o fato de serem resistência para culturas e etnias que
foram trazidas do território africano para trabalharem como mão de obra
escrava nas américas. O evento realizado no dia da Consciências Negra,
contou com palestras temáticas, intervenções artísticas dos estudantes,
exibições de filmes e oficinas.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 141


REFLEXÕES SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DE ESTÁGIO REMOTO E
HÍBRIDO

Diferentemente do relato de estágio vivenciado no IFPR em 2018,


nos encontramos no meio de um momento pandêmico, desde março de
2020 o Brasil convive com a presença da doença Covid-19 causada pela
transmissão do Coronavírus. Até o atual momento mais de 580 mil pessoas
já morreram por causa da doença no país. Com advento da pandemia
muita coisa mudou, vivenciamos uma nova forma de se organizar e de
se relacionar. Medidas de isolamento e distanciamento social permeiam
nossas vidas diariamente desde a chegada do vírus ao Brasil.6
Como medida de segurança as escolas e as Universidades foram as
primeiras instituições a suspenderem seus funcionamentos. Foram meses
de portas fechadas, nenhuma aula ou atividade escolar foi ministrada
durante esse período. Falando no caso do Paraná e mais especificamente
sobre a disciplina de Sociologia, após as medidas de suspensão e através de
esforços da Secretaria de Educação do Estado e dos municípios, a iniciativa
seguinte foi o chamado ensino remoto, isso para a Educação Básica. Os
alunos assistiriam aulas gravadas de cada disciplina pela internet ou pelo
canal de televisão, criado pela própria secretaria. Os(as) professores(as) que
lecionavam as aulas gravadas não eram os(as) mesmos(as) que os estudantes
estavam acostumados a terem em sala de aula. Eram professores(as)
distintos(as) escolhidos(as) pela Secretaria de Educação.
Aqueles(as) que não gravavam aulas deveriam exercer uma função
de acompanhamento e monitoria para seus estudantes. O que segundo
eles não funcionava nada bem, a participação nesse primeiro momento do
ensino remoto, tanto para acompanhar as aulas gravadas, como para fazer
as atividades disponíveis nessas aulas era muito baixa quando não, zero.
Neste momento a participação e acompanhamento das aulas no ensino
remoto não era obrigatória aos estudantes. Muitos deles passaram meses
desde a implementação do ensino remoto sem participar de uma aula se
quer.
6
Dados do painel de casos de doença pelo coronavírus (COVID-19) no Brasil, ver em https://covid.
saude.gov.br/.

142 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


O momento era muito conturbado, havia muita dúvida de todos,
estudantes, professores, membros da secretária, estagiários de como
se realizaria esse ensino remoto, era tudo muito novo. Além disso, a
baixa participação no ensino remoto está relacionada com a falta de
equipamentos, computadores e celulares para o acesso e participação nas
aulas e monitorias.
A fala de acesso a internet, ou a uma internet de qualidade foi um
dos grandes empecilhos ao funcionamento do ensino remoto, um número
enorme de estudantes e professores não dispunham ou não dispõem ainda
de uma rede de internet que garantisse um acesso satisfatório. Quem mais
sofria com isso, como relatam professores da rede foram estudantes das
zonas rurais que não tinham nem sequer a possibilidade de acessar uma
rede. Me lembro que uma das saídas para a participação destes estudantes
foi a elaboração de materiais físicos, exercícios e apostilas para que deveriam
ser buscados nas escolas, resolvidos e depois devolvidos a própria escola.
No meio deste momento turbulento, que era como todos nós,
agentes do processo de ensino e aprendizagem, nos referíamos ao ensino
remoto, me lembro bem dos acompanhamentos e observações de estágio
que fiz de forma remota. Nesse momento não havia mais somente as aulas
disponibilizadas pela Secretaria, as escolas se organizaram para que se seus
professores lecionassem, principalmente pela plataforma Google Meeting.
Bom, era meado de 2020, as Universidades também haviam retomadas as
aulas de maneira remota, tivemos a disciplina de Estágio Supervisionado II.
Não mais no IFPR, agora realizava estágio no 2º Colégio da Polícia Militar
do Paraná, no Jardim Leonor, zona leste de Londrina.
A primeira e única vez que havia ido à escola até então tinha sido para
colher as assinaturas dos responsáveis para concretizar a documentação
exigida para o Estágio Supervisionado II, depois disso naquele semestre
minha participação foi toda de maneira virtual. Acompanhava as aulas
do professor Diego Batista nas segundas-feiras pela manhã. Assim como
na realidade descrita um pouco acima, o número de participações era
baixíssimo, eram de 2 à a 5 estudantes que ingressavam na plataforma do
Google Meeting para assistirem as aulas de Sociologia do professor.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 143


Como forma de minha avaliação no estágio II, ministrei uma regência
com o tema “Cultura e Diversidade Cultural”, uma de minhas primeiras
experiências conduzindo uma aula, não como imaginava, em uma sala de
aula escolar, repleta de estudantes eufóricos e participativos como costumas
ser as salas do ensino médio. Mas em meu próprio quarto, na frente da tela
de um computador. O preparo exigiu tempo, como a elaboração de qualquer
aula. Elaborei slides para serem compartilhados com imagens e vídeos que
me ajudassem a explicar os conceitos de Cultura para a Antropologia e as
diversidades culturais existentes em nossa sociedade e nas mais diversas
sociedades. Na sala estavam presentes 3 estudantes, além do professor
Diego Batista e do professor Luiz Augusto Silva Ventura do Nascimento,
meu professor na UEL.
O ensino remoto é muito distinto do que estávamos acostumados,
estávamos distantes fisicamente, mas nos fazíamos presente pelas imagens
de cada um geradas na tela e interagíamos com elas. As aulas aconteciam
assim, todas de maneira virtual, cada um em suas casas, alguns ligavam suas
câmeras, outros não, o professor em destaque na tela dava sua aula enquanto
compartilhava os slides elaborados para aula. Não tinha mais giz, nem o
quadro, nem a conversa antes da aula começar, nem a explicação “olho no
olho”. Era uma nova realidade, que meses antes poucos acreditariam que
viveríamos, e que naquele momento já era uma realidade.
O estágio III, último de minha licenciatura, foi também realizado no
2º Colégio da Polícia Militar do Paraná junto ao professor Diego Batista.
Mas com supervisão da professora Ângela Maria de Sousa Lima. O período
de realização foi de fevereiro a junho de 2021 com participações ainda
de forma remota, via Google Meeting. As atividades incluíam leituras,
observações, orientações, preparação de materiais, planos de aula, e duas
regências acompanhado do professor de sala e da professora supervisora.
As regências são os momentos mais esperados do estágio, é sobre as minhas
experiências com essas duas regências do estágio III, que pretendo relatar
um pouco a vocês agora.
O tema e as datas de minhas duas regências foram previamente
definidos com o professor Diego no início do estágio. Seriam mais ao final

144 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


do semestre e o tema seria Sociologia Brasileira, Diego me propôs para que
eu explorasse em minhas aulas o sociólogo Gilberto Freyre tratando de sua
obra Casa Grande e Senzala, e os pensamentos Florestan Fernandes em seu
livro A Revolução Burguesa no Brasil. Comecei a organizar minhas aulas
com antecedência, logo depois da proposição busquei as duas obras na
biblioteca municipal e comecei a estuda-las queria levar trechos dos livros
para que os estudantes analisassem. Além disso utilizei de artigos, vídeos-
aulas e entrevistas para elaborar minhas aulas.
A primeira aula seria de Gilberto Freyre, e a segunda de Florestan
Fernandes. Alguns dias antes estava tudo pronto, professor Diego e
professora Ângela haviam aprovado e corrigido o plano de aula e os slides
que utilizaria na exposição. Quando vem a surpresa dessa experiência
de estágio, professor Diego me escreveu perguntando se eu teria alguma
objeção em ministras as regências na escola, de forma presencial no modelo
híbrido. Fiquei surpreso, uma mistura de sentimento me ocorreu naquele
momento, motivado em voltar a uma escola mas também receoso por conta
da doença, e afinal já tínhamos completado mais de um ano de isolamento
social. Minha resposta foi perguntar como o modelo híbrido funcionaria.
Era algo novo, aqui em Londrina as escolas públicas todas estavam
com suas aulas pelo sistema remoto naquele momento. E o 2º Colégio da
Polícia Militar se organizou para introduzir as aulas no modelo híbrido. A
volta as aulas presencialmente eram facultativas, quem não quisesse ir a
escola acompanharia pelo remoto, a mesma aula que aqueles que optaram
por voltar a estudar na escola. O número de estudantes por sala era limitado
de 8 a 10, mesmo se mais estudantes desejassem estar no presencial não
poderiam, deveriam acompanhar a exposição da aula pelo Google Meeting.
Então existia um rodízio você poderia ir uma semana inteira para escola e
na outra deveria acompanhar pelo remoto, isso, para que todos tivessem a
possibilidade de irem à escola.
Na sala funcionava da seguinte forma, as carteiras com número
reduzido de estudantes ficavam mais espaçada umas das outras, eram
necessários dois computadores, um computador correspondia ao quadro
interativo que a escola equipou todas as salas, é uma espécie de quadro touch

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 145


no qual se projetava os slides, e o interessante era que os slides projetados
ali na sala, era ao mesmo tempo compartilhado com para os que estavam
na plataforma do Google Meeting.
O outro computador com uma câmera compartilhava com os
estudantes em casa a imagem do professor, que tinha colado a sua roupa
um microfone que permitia ele interagir com os que não estavam na sala. E
duas caixinhas de som acopladas no quadro interativo possibilitava que os
estudantes fizessem perguntas. E dessa forma o professor, conseguia dar a
mesma aula para aqueles que estavam em sala, e para quem estava em casa.
Vale lembrar que a minha regência estava marcada para o mesmo
dia em que se voltou as aulas para o modelo híbrido, e Sociologia era a
primeira aula na segunda-feira em uma turma do terceiro ano do ensino
médio. Ou seja, minha regência sobre Casa Grande e Senzala de Gilberto
Freyre seria um teste também ao modelo híbrido. E como nem tudo sai
como desejamos, não consegui dar minha regência naquele dia, eu e
professor Diego tentamos conectar e ajeitar todos os equipamentos, mas
não sabíamos ao certo como fazer, foi difícil como quase tudo na primeira
vez, fazer com que tudo estivessem funcionando bem.
Foi preciso vir um técnico da escola nos ajudar a conectar tudo,
quando tudo ficou pronto para que a aula começasse, a internet da escola
toda caiu, fazendo com que todas as turmas ficassem sem aula na manhã
daquela segunda-feira. Na semana seguinte, retornei à escola, após uma
semana todos, estudantes, professores, estagiários já estavam um pouco
mais acostumados as ferramentas, e consegui dar minhas regências. Foi
interessante e desafiador lecionar Sociologia em uma situação como essa,
foi preciso concentração e um jogo de cintura para poder interagir com as
duas turmas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho é resultado de uma reflexão sobre uma trajetória de


formação em estágios de Sociologia. A escrita desse relato sociológico
buscou pensar a importância da realização de estágios na área da

146 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Licenciatura, e suas contribuições formadoras. Além disso, traçou-se uma
comparação sobre momentos distintos. A primeira parte consiste em um
relatório de estágio pré-pandemia, se descreve o contexto escolar, a escola,
e sobre as aulas e estudantes, da maneira que estávamos acostumados a
vivenciar.
Na segunda parte, o exercício é relatar as experiências de vividas
em um contexto pandêmico, primeiro com a suspensão das aulas, depois
retomada pelo modelo remoto, e posterior o modelo híbrido. O interesse
é em registrar as diferentes configurações e situações vividas por um
mesmo estagiário, este quem escreve, durante o processo de formação em
licenciatura em Ciências Sociais.
Nota-se o quão diferente foram os três estágios entre si, e o quanto
eles exigiram práticas e estratégias distintas para as realizações do ensino-
aprendizagem e da formação docente. O isolamento social fez com que
algumas práticas tivessem que ser abandonadas, outras foram readequadas e
novas surgiram. Acredito que as diferentes situações problemas vivenciadas
contribuíram para minha formação como docente de Sociologia e serão de
grande importância para a minha caminhada profissional. E espera-se que
este relato sirva de alguma maneira a outros estagiários, e ou como fonte de
um momento específico de nossa história.

REFERÊNCIAS

GUZZO, Raquel Souza Lobo; EUZEBIOS FILHO, Antônio. Desigualdade social


e sistema educacional brasileiro: a urgência da educação emancipadora. Escritos
Educ., Ibirité, v. 4, nº. 2, p. 39-48, dez. 2005. Disponível em <http://pepsic.
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-98432005000200005&lng=
pt&nrm=iso>. Acesso em 15 dez. 2018.

G1.GLOBO.COM. São Paulo: Reforma no Ensino Médio permite aulas de


profissionais sem licenciatura, c2016. Disponível em https://g1.globo.com/
educacao/noticia/reforma-do-ensino-medio-permite-aulas-de-profissionais-sem-
licenciatura.ghtml. Acesso 15 dez. 2018.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 147


INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ. Curitiba. Disponível em http://reitoria.
ifpr.edu.br/menu-institucional/institucional/. Acesso em 13 dez. 2018.

INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ. Projeto Pedagógico do Curso Técnico em


Biotecnologia. Londrina 2017. Disponível em file:///C:/Users/Marcos/Downloads/
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2018.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 22ª ed.


Petrópolis RJ: Editora Vozes. 1999.

148 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


DO ENSINO MÉDIO ÀS SÉRIES INICIAIS: RELATOS
DO ENSINO DE SOCIOLOGIA

Bruna Padilha de Oliveira1


Fabrizzia Christiane dos Santos2

INTRODUÇÃO

O presente texto é um exercício de reflexão sobre nossa trajetória


enquanto professoras da rede pública tanto no âmbito do Ensino Médio
quanto no âmbito da educação infantil/fundamental. Ambas as escritoras
tiveram sua formação inicial no curso de Ciências Sociais na Universidade
Estadual de Londrina (UEL) e possuem mais de 10 anos de experiência na
profissão docente da educação básica. Para tanto, elencamos responder a
seguinte pergunta: como essa formação inicial influenciou e se insere nas
nossas ações pedagógicas em diferentes momentos e ambientes escolares? 
O objetivo principal é realizar uma espécie de avaliação sobre nossa
carreira docente em diálogo com nossa formação inicial em Ciências
Sociais, a qual fundamenta uma identidade pessoal e profissional, já que a
perspectiva sociológica perpassa os sentidos que temos sobre nós mulheres,
negra e branca3, e se faz presente em nossas pesquisas na pós-graduação e
na atuação docente no sentido de uma educação pública transformadora.
Nossas atuações como professoras de Sociologia da educação
básica são reflexos de anos de luta da sociedade civil para a consolidação
desta disciplina no espaço escolar. Nos primeiros anos de magistério,
éramos cercados de jovens que perguntavam o porquê de ser professora
de Sociologia, ou ainda, Sociologia para quê? Como professoras iniciantes

1
Professora de sociologia da rede estadual de educação do estado de São Paulo; doutoranda em
Sociologia pelo PPGS/UFSCar; bolsista CAPES. Contato: brunapad@hotmail.com.
2
Professora de pedagogia da rede estadual de educação do estado do Mato Grosso; mestre em Educação
da UFMT. Contato: fabrizzia_santos@hotmail.com.
3
As categorias que se fazem presente na construção das identidades das professoras/ pesquisadoras
Bruna (branca) e Fabrizzia (negra) são marcadas pelas suas posições de gênero e raça, que definem suas
identidades, buscamos assim desnaturalizar posições e relações de poder, colocando a identidade negra
e feminina em primeiro plano.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 149


fomos movidas pelo desejo de não repetir modelos de educação que
silenciam e omitem violências, ou seja, que atuam como reprodutoras de
desigualdades sociais. Temos consciência dos limites da educação para
a transformação da sociedade, e iremos apontá-las a partir de nossas
experiências. Entretanto, reconhecemos que é um passo importante para
a construção de uma sociedade mais justa, ou pelo menos deve atuar
na formação de indivíduos críticos, a fim de que eles não enxerguem as
injustiças com naturalidade.
Dessa forma, o relato de experiência foi dividido em três subtítulos,
além desta introdução e das considerações finais: No primeiro - “Formação
acadêmica: das Ciências Sociais à Educação” - descrevemos brevemente
como se construiu nossa formação inicial como professoras da educação
básica (Sociologia/Pedagogia); nossa passagem por laboratórios de ensino,
pesquisa e extensão; bem como formações posteriores. No segundo -
“Docência em Sociologia na Rede Estadual de São Paulo: dos materiais
didáticos aos projetos interdisciplinares” - relatamos nossa experiência
como professoras de Sociologia da rede pública de ensino paulista, as
contradições e angústias vividas como iniciantes na carreira do magistério.
No terceiro - “Docência na Educação Infantil: planejamento das aulas e
visão de educação” - narramos nossa experiência na educação infantil/
fundamental e descrevemos como a perspectiva sociológica se faz presente
na práxis pedagógica como docente do Ensino Fundamental e professora
unidocente4.

FORMAÇÃO ACADÊMICA: DAS CIÊNCIAS SOCIAIS À EDUCAÇÃO

Ingressamos juntas no Curso de Ciências Sociais da UEL no ano de


2004, instituição que possui uma forte tradição na formação de professores,
com um corpo docente robusto que atua na Licenciatura no Departamento
desta área de conhecimento. A Sociologia ainda não era obrigatória no
currículo do Ensino Médio; entretanto, em Londrina, esta disciplina se

4
Professora formada e concursada com curso de Pedagogia e responsável pelo ensino de todos os
componentes curriculares no ensino fundamental I.

150 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


fazia presente no currículo escolar por conta de toda luta histórica nacional
e regionalmente, tanto pelo público acadêmico quanto pela sociedade civil
como um todo.
Uma das estratégias de luta e convencimento sobre a relevância da
Sociologia utilizada pelo departamento de Ciências Sociais da UEL foi a
organização de Laboratórios de Ensino de Sociologia desde a década de 1990.
Destes laboratórios, tivemos participação em dois deles durante a nossa
formação inicial, o GAES (Grupo de Apoio ao Ensino de Sociologia) e o
LENPES (Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de Sociologia)5. Estes
laboratórios que fizeram e fazem parte de toda nossa constituição reflexiva
sobre a prática docente, seja no exercício de produção de material didático
ou na participação de Semanas de Sociologia nas escolas da rede pública.
Estas atividades complementavam as aulas de Estágio Supervisionado da
Licenciatura e o contato com a comunidade escolar externa (SILVA; LIMA;
CARVALHO, 2013).
Outro Laboratório importante da UEL e que também impactou
a nossas jornadas como professoras e pesquisadoras foi o Laboratório
de Cultura e Estudos Afro-Brasileiros6 (LEAFRO). Seja na condição
de extensionista - realizando pesquisas e atividades relacionadas à
presença negra em Londrina e no Norte do Paraná, além  da elaboração
e desenvolvimento de ações voltadas à formação docente até atividades
educativas com crianças e jovens da cidade e entorno -, ou na condição
de ouvinte desses eventos organizados pelo mesmo, despertou em nós
uma sensibilidade e interesse por estas temáticas que depois se refletiram
tanto na nossa prática docente quanto nas escolhas de objetos de estudos
relacionados a esse tópico das relações étnico-raciais. 
Com a obrigatoriedade da Sociologia e da Filosofia no Ensino Médio
a partir do ano de 2008, o curso de Licenciatura em Ciências Sociais da

5
O projeto GAES foi reformulado e deu origem ao LENPES, este último criado em 2007 com o
financiamento do edital do Programa Universidade Sem Fronteiras da SETI - Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná. “O projeto [...] tentou estabelecer na universidade
um espaço acadêmico que tratasse a licenciatura nas Ciências Sociais como objeto científico de grande
importância. O projeto buscou entender e modificar as desigualdades educacionais, além de trabalhar
na formação inicial e continuada de professores” (SILVA; LIMA; CARVALHO, 2013, p.334).
6
Atualmente o Laboratório é coordenado pela Profa. Dra. Maria Nilza da Silva, formada e pós-graduada
em Ciências Sociais, já tendo atuado no ensino de Sociologia na graduação e pós-graduação.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 151


UEL, e de outras universidades brasileiras, se fortaleceram ainda mais
com o aumento da disseminação da produção de conhecimentos nesse
campo de conhecimento através de Encontros Estaduais e Simpósios sobre
o Ensino de Sociologia na Educação Básica. No Paraná foi organizado o
primeiro Simpósio Estadual no final do ano de 2008 e no âmbito nacional,
no ano seguinte, foi realizado o primeiro Encontro Nacional de Ensino
de Sociologia na Educação Básica (ENESEB), organizado pela Sociedade
Brasileira de Sociologia-SBS. Posteriormente, as secretarias estaduais
de educação abriram concursos para novos ingressantes no quadro de
magistérios que pudessem lecionar Sociologia.  
Nossa participação em atividades organizadas pelo LENPES
prosseguiu7, mesmo após a finalização da graduação (2008/2009), pois
ingressamos no Curso de Especialização em Ensino de Sociologia da UEL
no ano de 2010. Assim, participamos da organização de Semanas Temáticas
e Jornadas de Humanidades que foram realizadas em escolas da cidade e
região, ministrando oficinas e palestras para alunos do Ensino Médio. Esses
eventos tinham como objetivo promover o contato da universidade com as
escolas públicas e fomentar pesquisa e a prática no campo da Licenciatura
em Ciências Sociais (LIMA; ARAÚJO; SILVA, 2013). 
É importante destacar que nossa formação pedagógica e teórica,
tanto no âmbito do estágio supervisionado quanto no âmbito de nossa
participação nos Laboratórios de Ensino foram fundamentados pela
Pedagogia Histórico-Crítica difundida, entre outros autores, por Gasparin
(2005) e Saviani (2000).
A proposta pedagógica desenvolvida por Gasparin (2005) é
caracterizada por um processo que envolve prática-teoria-prática,
organizada em cinco etapas: 1) Prática Social Inicial do Conteúdo: que
podemos definir como um processo de sensibilização/ sondagem dos
conhecimentos prévios dos estudantes; 2) Problematização: na qual
lança-se questionamentos elaborados a partir da primeira etapa; 3)
Instrumentalização: que é o processo de transmissão e assimilação do
7
Este texto expressa parte dessa identidade enquanto professoras pesquisadoras vinculadas ao LENPES,
onde atuamos também na elaboração de estudos e produções acadêmicas sobre o Ensino de Sociologia,
por meio dos quais buscamos refletir constantemente sobre a presença da Sociologia na interpretação
da realidade vivida.

152 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


conhecimento científico (dos conteúdos); 4) Catarse: o processo de avaliação
e verificação de quanto a prática social inicial foi transformada e; 5) Prática
Social Final do Conteúdo: definida como a síntese do processo de ensino-
aprendizado. Ou seja, o retorno à Prática Social Inicial (conhecimento
imediato) de forma repensada pelo conteúdo através do exercício da
consciência crítica/ científica, isto é, a desnaturalização e problematização
de suas percepções de mundo.
Além disso, a proposta pedagógica do Estado do Paraná também
foi estruturada a partir desta perspectiva didática, a Pedagogia Histórico-
Crítica, e desta forma, entende a educação como uma socialização do
saber sistematizado e que busca a superação do senso comum. Neste
sentido, o processo de ensino-aprendizado deve ser conduzido de forma
contextualizada de modo a relacionar o cotidiano dos estudantes, a
realidade social/conhecimento empírico imediato, com o conhecimento
teórico-científico (num processo de reflexão crítica e de superação de um
para o outro).
Essa trajetória formativa na Licenciatura em Ciências Sociais na
UEL nos anos de 2004 a 2008/2009 fundamentou toda uma forma de ser,
sentir, pensar e agir de professoras/pesquisadoras. Isto se reflete na nossa
inserção no quadro de docentes da Secretaria Estadual de Educação do
Estado de São Paulo a partir do ano de 2011, através do concurso realizado
em 2010. Secretaria esta que tinha uma proposta pedagógica distinta em
comparação com a Secretaria de Educação do Estado do Paraná, base
de nossa formação no âmbito da graduação. Desta forma, tivemos que
aprender novos elementos para poder nos tornar professoras em São Paulo,
como por exemplo, realizar um curso de formação de ingressantes8 do qual
também fazia parte do processo de seleção dos novos docentes, constituído
por uma série de regras e códigos que deveriam ser assimilados para o
exercício de nossa profissão.

8
O Curso de Formação foi parte integrante do estágio probatório e tem por objetivo potencializar a
ação educadora dos professores da Rede Pública Estadual de Ensino Básico com estudos referentes
ao seu campo de atuação (estrutura da SEE-SP, gestão e às práticas pedagógicas fundamentadas pelo
Currículo Oficial do Estado de São Paulo). Ele foi constituído por duas fases, a primeira é composta de
conteúdo comum aos professores ingressantes e a segunda fase é específica para cada disciplina.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 153


Nossas experiências anteriores junto ao LENPES, dentre outros
espaços formativos citados, promovidos pelo departamento de Ciências
Sociais da UEL, conduziram uma série de enfrentamentos e ações reflexivas
sobre o nosso ofício no espaço institucional que acabamos nos inserindo,
seja em Ubatuba ou em Rio Claro, cidades nas quais atuamos como
professoras de Sociologia do Ensino Médio paulista.
O primeiro ano de profissão como professoras efetivas foi muito
desafiador, pois a Sociologia possuía apenas uma hora-aula na grade
curricular de cada uma das séries do Ensino Médio no Estado de São
Paulo e para completarmos a carga horária de 40 horas semanais, tivemos
que assumir 33 classes diferentes, fazendo uma média de 35 alunos por
classe. Éramos responsáveis pelo ensino-aprendizagem de mais 1000
alunos naquele ano. Com essa quantidade de turmas, a qualidade das
aulas era degradante, pois não tínhamos tempo suficiente para familiarizar
os estudantes para uma nova disciplina das quais eles não estavam
acostumados, sem pensar que era muito difícil fazer todo o processo de
prática-teoria-prática estimulado pela Pedagogia Histórico-Crítica e que
era base de nossa formação inicial9.
No ano seguinte, em 2012, o Governo Estadual de São Paulo ampliou
a carga horária para duas horas-aulas de Sociologia para as três séries do
Ensino Médio, com exceção do 2º ano noturno que permaneceu com uma
aula por semana. Uma vitória importante da legitimação desta disciplina
escolar.
Além disso, outra ação do governo estadual que favoreceu a disciplina
foi o Programa Rede São Paulo de Formação Docente - REDEFOR que
ofereceu aos professores da rede estadual de ensino, de todas as áreas do
conhecimento, a oportunidade de cursar uma especialização através de
convênios firmados com algumas Universidades do Estado de São Paulo:
a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP). A USP, em específico, ofereceu 285 vagas para o curso de
Especialização em Docência de Sociologia no Ensino Médio, pós-graduação
que ambas cursamos (AS PRÉ-INSCRIÇÕES..., 2011).
9
No próximo subtítulo do presente texto demonstramos um pouco da realidade do ensino de Sociologia
no estado de São Paulo.

154 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


  Ao ingressarmos neste curso de especialização oferecido pela
SEE-SP em convênio com a USP desenvolvemos trabalhos de conclusão
de curso (TCC) relacionados aos temas: cidadania (SANTOS, 2012b)10
e participação estudantil na gestão escolar (OLIVEIRA, 2012)11. Ao
mesmo tempo, ambas retomamos o curso de Especialização em Ensino de
Sociologia da UEL, pois não havíamos concluído em 2010, no qual uma
de nós desenvolveu uma reflexão sobre o material didático de Sociologia
distribuído aos estudantes do Ensino Médio da rede de ensino estadual de
São Paulo. (SANTOS, 2012a)12.
As escolhas dos temas de estudo para desenvolvimento dos TCC
foram motivadas por uma inquietude crítica com a nossa prática docente
e compromisso com a desnaturalização das desigualdades sociais, bem
como pela preocupação com a construção de uma docência que incentiva
a autonomia de pensar dos estudantes e que questione a precarização de
nosso trabalho.
Da mesma forma, esse impulso nos moveu para o ingresso em
programas de pós-graduação em Educação com o intento de desenvolver
pesquisas que também tinham como objeto de estudos nossa profissão.
Uma das presentes autoras pesquisou a política de escolas de tempo
integral implementada pela gestão do Governo de Geraldo Alckmin, de
forma a problematizar a questão da intensificação do trabalho docente a
partir de um recorte de gênero e que não foi considerada na formulação do
programa pelo governo13. A outra teve como objeto o papel da escola na
constituição das identidades étnico-raciais de jovens no Ensino Médio14.
10
Esse trabalho, basicamente, buscou entender o significado da cidadania no currículo de Sociologia do
Estado de São Paulo, e sua influência no sentido dado a referida disciplina no Ensino Médio.
11
O objetivo desse trabalho foi o de analisar a produção científica recente sobre a importância das
redes sociais, a exemplo do Facebook, como espaços de participação na gestão escolar, discutindo essa
participação á luz de determinantes gerais e históricos da política no país.
12
O trabalho analisa o material didático (apostilas) para o Ensino de Sociologia no Estado de São Paulo,
de 2009 a 2012, em diálogo com os critérios de avaliação de livros didáticos do Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD).
13
Título do trabalho é “O essencial é invisível aos olhos: a emulação à escola produtivista e a subsunção
das múltiplas jornadas das professoras no Programa de Ensino Integral de São Paulo” e está disponível
em: Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/151898>.
14
A dissertação está em processo de finalização e possui o título: “Rir para não chorar”?: relações étnico-
raciais no espaço escolar e seus significados nas construções identitárias de jovens nos anos finais do
ensino médio (2019-2020). A pesquisa de mestrado em educação foi orientada pelo Prof. Dr. Sérgio
Pereira dos Santos da UFMT.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 155


No contexto do impeachment da presidente Dilma, observamos
um crescimento do movimento conservador na sociedade brasileira,
demonstrada com uma série de acontecimentos que irão colocar novamente
a disciplina de Sociologia em cheque. O governo Temer instaurou a Medida
Provisória 746 (MP 746/2016), que posteriormente se tornou a Lei nº
13.415/2017, lei esta que fundamentou a flexibilização do currículo do
Ensino Médio e tornou a Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física
como disciplinas não obrigatórias, mas apenas “estudos e práticas” dessas
áreas de conhecimento. Esta lei não especifica a forma como devem ser
abordados os conteúdos dessas áreas de saber e deixou em aberto para que
professores não especializados pudessem assumir essas aulas, o que pode
comprometer a qualidade de ensino (FERREIRA; SANTANA, 2018). 
Além disso, tivemos em 2015 e 2016 propostas legislativas (PL) no
Congresso Nacional que defendiam o bordão “Escola Sem Partido” com
a justificativa de que professores praticam assédio ideológico com seus
alunos. Podemos citar o PL nº 867/2015, proposto pelo deputado Izalci
Lucas Ferreira (PSDB/DF); o PL nº 193/2016 escrito pelo senador Magno
Malta (PR/ES) e o PL nº 1411/2015 do deputado federal Rogério Marinho
(PSDB/RN) (FERREIRA; ALVADIA FILHO, 2017).
As práticas doutrinárias, segundo esse contexto, eram muitas vezes
relacionadas à disciplina de Sociologia quando se apresentava a teoria
marxista ou as teorias de gênero, por exemplo, para os estudantes do
Ensino Médio, e muitos de nós professoras/es fomos questionadas/os e
muitas vezes perseguidas/os por conta disso.
Toda essa conjuntura nos incitou a buscar alternativas para nos
manter atuantes na educação, porém, considerando uma instabilidade na
presença da disciplina de Sociologia, ambas cursamos uma graduação em
Pedagogia.  Com essa nova qualificação, uma de nós15 pode prestar um
novo concurso público, mas agora para atuar como professora do ensino
fundamental no Estado do Mato Grosso, local onde a política da carreira
docente é mais valorizada (salário maior, com perspectiva de aumento mais
rápida via progressão na carreira, além de ser respeitada a carga horária de
1⁄3 para o planejamento de aula, segundo a Lei do Piso (Lei nº 11.738/08).
15
Fabrizzia Christiane dos Santos.

156 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Além disso, a possibilidade de mudar para outra cidade poderia
ampliar as possibilidades de continuidade de estudo universitário, pois
havia o desejo de aprofundar o conhecimento sobre o  tema das relações
étnico-raciais. Posteriormente, isso se deu através da participação do
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (NEPRE)
da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e o ingresso no curso de
mestrado em Educação nesta mesma universidade. 
Nos próximos subtítulos descreveremos um pouco de nossas
experiências docentes, primeiro na rede estadual de ensino do Estado de
São Paulo no âmbito do Ensino Médio, e em segundo na rede estadual de
ensino do Estado de Mato Grosso no âmbito do Ensino Fundamental. Essa
exposição leva em consideração toda nossa formação como professoras/
pesquisadoras que foi constituída pelas instituições e projetos citados
até aqui, mantendo a centralidade da perspectiva sociológica em nossas
trajetórias.

DOCÊNCIA EM SOCIOLOGIA NA REDE ESTADUAL DE


SÃO PAULO: DOS MATERIAIS DIDÁTICOS AOS PROJETOS
INTERDISCIPLINARES

Como já apontado anteriormente, ao ingressarmos na carreira do


magistério no Estado de São Paulo, tivemos que passar por um curso de
formação e assimilar novas concepções pedagógicas prescritoras de nossa
prática naquele contexto que era pautada pela pedagogia das competências
de Perrenoud16. Além disso, tínhamos que nos adaptar a ministrar uma
aula por semana em cada uma das séries e com um número grande de
alunos no ano de 2011.
Era uma disciplina nova para os estudantes, mas de forma geral,
sentimos que nossas relações com eles eram permeadas por uma intensa
curiosidade, além do fato de sermos professoras jovens, o que causou
16
Autor de livros como “As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores
e o desafio da avaliação” (2002) e “As dez novas competências para ensinar” (2015) que trazem sua
preocupação com as competências num discurso que a nosso ver, pode embasar uma perspectiva de
educação empobrecedora e que culpabiliza os indivíduos pelo seu insucesso escolar.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 157


certa identificação com os mesmos. Além disso, buscamos desconstruir
uma relação de ensino aprendizagem baseada em processos tradicionais e
autoritários. Assim, nos baseamos em uma práxis dialógica, influenciadas
pela corrente Pedagógica Histórico-Crítica para construir nossa identidade
docente (SANTOS, 2012a).
Nesse período, vivenciamos muitas contradições entre nosso ideal de
uma educação transformadora e o contexto de nossa prática educacional,
na maioria voltada para uma função de reprodução social (GÓMEZ, 1998).
O currículo da educação básica do Estado de São Paulo era apostilado e
éramos constantemente constrangidos a utilizar esse material, apesar de
não ser obrigatório e sim um material complementar e de referência.
O governo estadual nesse período tinha uma concepção neoliberal,
na qual o problema da educação era justificado por uma má organização
e controle do sistema escolar, ou seja, era fundamentado por lógicas
administrativas e de mercado que tendiam a responsabilizar os professores
por maus resultados em avaliações externas ou internas17 (SANTOS, 2012a).
Assim, a produção desse material didático era uma das formas de
controle de nossa prática, a coação para utilização desse material era o
processo que determinava o conteúdo a ser trabalhado pelos professores,
já prescrito no Currículo Oficial do estado. O material foi produzido por
um grupo de especialistas da área e era dividido em quatro Cadernos do
Aluno e quatro Cadernos do Professor, um para cada respectivo bimestre
(SANTOS, 2012a). 
O Caderno de Alunos tinha a mesma estrutura do Caderno
do Professor, entretanto, não possuíam todo o conteúdo teórico do
segundo, havia trechos de textos curtos, sem dar muitos instrumentos
problematizadores para que os estudantes realizassem as atividades
propostas. Havia espaço para que o aluno fazer anotações, mas não existiam
textos explicativos de pesquisa e apoio; assim, os estudantes ficavam
dependentes das aulas expositivas do professor ou de outros materiais de
pesquisa (livros ou acesso à internet que eram inexistentes nesse momento).

17
Podemos citar o SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica, o SARESP – Sistema de Avaliação
de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo e o PISA - Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes.

158 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Desta forma, as habilidades de leitura e interpretação da realidade
social, por parte dos jovens ficavam comprometidas e dificultava a práxis
docente no sentido desnaturalização da sociedade. No ano de 2011, este
foi praticamente o único material disponível nas escolas para o Ensino
de Sociologia. Posteriormente, houve a aprovação do Plano Nacional do
Livro Didático (PNLD) em 2012, quando as escolas brasileiras passaram a
receber livros didáticos válidos por três anos consecutivos e que passaram
a ser utilizadas conjuntamente e que complementam as apostilas do estado
de São Paulo (SANTOS, 2012a).
Muitos estudantes resistiram ao uso deste material, nos questionavam
se era necessário levar para as aulas, perguntavam se valeria “visto”, e nós
professoras vivendo a contradição entre resistir ao processo de perda de
nossa autonomia, trabalharmos para a consolidação da disciplina, além
de todo o processo de precarização da profissão tendo que assumir 33
diferentes classes e ensinar e avaliar mais de 1000 alunos todo bimestre.
Muitas vezes acabamos por adotar práticas que não colaboram para a
construção da nossa emancipação como professoras e nem dos estudantes.
Diante disso, estivemos em constante negociação com esta estrutura
educacional, pois mesmo submetidos a um processo de reestruturação da
profissão docente que aviltava nossa autonomia18, como observada nesse
ensino apostilado, na qual somos executores de uma aula já pronta, não
deixamos de refletir sobre nossa práxis de forma crítica. Desta forma, sempre
estivemos envolvidos em ações que buscavam transformar essa realidade,
a partir de estudos realizados no âmbito acadêmico, ou na participação
em mobilizações sociais movidas, por exemplo, pelos sindicatos de nossa
categoria. 
Com o passar dos anos, o fortalecimento da Sociologia foi se
estendendo, seja a partir da familiarização dos estudantes, seja com a

18
Essa falta de autonomia muitas vezes foi um dos gatilhos que levam ao adoecimento de muitos
professores. Temos estreita relação com uma professora de Sociologia, com trajetória similar a nossa,
que passou por um processo de adoecimento psíquico, sendo necessário seu afastamento da sala de
aula para tratamento psicológico e psiquiátrico durante aproximadamente dois anos. Além da questão
do adoecimento, esses conflitos vividos impulsionaram muitos colegas a migrarem para outra rede
de ensino ou outras profissões. Destacamos esse caso próximo, mas conhecemos de perto outras
experiências semelhantes, e consideramos pertinente a realização de pesquisa sobre docentes de
Sociologia que adoecem, tiram licença ou mudam de profissão/área.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 159


produção e disseminação mais ampla de novos materiais didáticos a que
tivemos acesso. A partir do ano de 2012, passamos a ter duas horas-aulas
semanais por série, com exceção do 2º ano noturno que permaneceu com
uma hora-aula. Isto foi fundamental para o desenvolvimento de práticas
didáticas que tivessem tempo suficiente para serem conduzidas de forma
problematizadora e crítica. Ambas também nos inserimos em projetos
interdisciplinares conduzidos pelas escolas como forma de defender o
papel da disciplina na mediação do conhecimento, de modo que estudantes
estivessem conscientes da vida social e política na qual estavam inseridos.
Em Ubatuba, por exemplo, foi organizado o evento “Corta cabaça,
espalha a semente – I Encontro de Afrobrasilidades”19 em 2017 que teve
como objetivo a valorização da matriz africana e o favorecimento do
diálogo para o respeito à diversidade cultural e à tolerância. Este evento
foi fruto da organização de um grupo de estudos sobre relações étnico-
raciais, formado por professoras negras que tinham por objetivo reunir a
comunidade escolar para pensar sobre os sentidos de ser negra/o no Brasil.
A Sociologia foi à frente deste projeto que não se pautou numa
pedagogia de eventos pontuais, mas desenvolveu encontros durante o ano
para debates sobre as relações étnico-raciais, nos quais a ideia de desenvolver
outras atividades como visitas ao cinema, sarau, apresentações culturais e
palestras, estudos de textos, oficinas (de capoeira, de penteados, de dança,
inclusive em outros lugares da cidade), surgiu como forma de atuação em
que a reflexão/ação estavam o tempo todo assentadas na proposição do
grupo e na realidade vivida.
Em Rio Claro, um dos projetos interdisciplinares que um de nós
participou envolvia o incentivo de leitura e produção de texto, organizados
em forma de coletânea e que tinham como objetivo a valorização da
aprendizagem e a criatividade na produção em diferentes formas e
gêneros textuais dos alunos, de forma a incentivá-los no aprimoramento

19
Este projeto teve continuidade nos anos seguintes e em 2020 teve sua quarta seção, por conta da
pandemia ele foi realizado de forma remota. Não há registo sistematizado das ações, mas o Coletivo
Afrobrasilidades compartilhou alguns registros de reuniões, palestras, oficinas, através de fotos e vídeos
no Facebook. O I evento do Corta Cabaça foi divulgado também pela Fundação de Arte e Cultura
FUNDART – Prefeitura Municipal de Ubatuba. Conforme nota em jornal: https://fundart.com.br/
encontro-sobre-cultura-afro-brasileira-acontece-em-ubatuba-neste-fim-de-semana/). 

160 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de seus conhecimentos. A participação da disciplina de sociologia se deu,
principalmente, na problematização e debate de problemas sociais como a
violência e a desigualdade que serviam como fundamentação na escrita de
textos dissertativos, como o requerido em muitos vestibulares e no ENEM. 
A participação nesses projetos interdisciplinares foi fundamental
para nossa formação enquanto professoras/pesquisadoras do Ensino de
Sociologia, pois, se Sociologia era algo novo para os jovens, para nós, a
docência também era um lugar de novidade e de aprendizagem. Assim, a
perspectiva sociológica de desnaturalizar e problematizar a realidade social
foi base para nosso processo de tornar-se professoras.

DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PLANEJAMENTO DAS


AULAS E VISÃO DE EDUCAÇÃO

Como já indicamos anteriormente, ambas cursamos uma segunda


licenciatura em pedagogia como estratégia de sobrevivência na docência por
conta de toda incerteza na presença da Sociologia no currículo do Ensino
Médio. Atualmente, uma de nós, a Fabrizzia, é professora unidocente na
Secretaria Estadual de Educação do Estado de Mato Grosso desde 2018.
O concurso público para atuar como profissional da educação
envolvia além das fases de prova objetiva e dissertativa, também de prova
didática. Esta última, era composta além do desempenho de uma aula em
si, deveria apresentar um plano desta aula. Retomamos esse plano de aula,
pois a forma como foi construído foi influenciado por toda a trajetória de
formação acadêmica com passagem pelo curso de Licenciatura em Ciências
Sociais na UEL e atuação no LENPES e pelo LEAFRO. O Tema da aula
escolhido foi Diversidade Cultural e o título era “Cultura(s) Brasileira(s)”.
A metodologia utilizada tinha como modelo a concepção da Pedagogia
Histórico-Crítica, ou seja, essa transição do conhecimento imediato, sua
problematização, o contato com o conhecimento científico sobre essa
temática e a síntese desse processo.
A identidade enquanto professora, já na atuação docente nos anos
iniciais, sempre esteve fundamentada numa perspectiva sociológica de

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 161


desnaturalização e problematização da realidade, das aulas, dos conteúdos,
dos planejamentos, dos métodos. Assim, podemos afirmar que a Sociologia
se faz presente na atuação docente das seguintes formas: 1) No estudo
do Projeto Político Pedagógico e proposições sobre inserção de temas,
abordagens e projetos de relevância social; 2) Na proposição de questões
para as semanas temáticas voltadas para a diversidade cultural, buscando
refletir sobre o papel da escola em não reproduzir estereótipos sobre
populações indígenas, negras e outras “minorias”; 3) No planejamento das
aulas que problematiza os materiais didático, de modo a trazer métodos
de ensino/aprendizagem e contribuições de outras populações através da
etnomatemática, por exemplo; 4) Na mobilização de docentes e comunidade
escolar durante mobilizações dos profissionais da educação entendidas
como atividades de educação política; 5) Na organização de assembleias
periódicas com as crianças para avaliarmos juntas as aprendizagens e as
relações (relações que trazem temáticas como desigualdades, racismo,
violência de gênero, sexualidade, etc); 6) Na escuta e diálogo com as
crianças sobre as diversas questões que fazem todos os dias, sobre os mais
variados assuntos, possibilitando uma aprendizagem crítica e atuante.
Acrescentamos que esse ingresso como professora das séries iniciais,
mas com uma identidade a partir da atuação como professora de Sociologia,
a princípio, foi bastante conflituosa, pois era esperado um comportamento
de adequação, obediência e alienação politica que resultou em debates e
assédio moral na escola de ingresso. Atualmente, a perspectiva sociológica
nas séries iniciais se dá principalmente na seleção de conteúdos, abordagens
e materiais didáticos para as aulas remotas, no sentido de problematizar o
que, como, porquê do que se aprende, como se ensina, para quem e como.
Desse modo, a Sociologia está presente nos fundamentos da educação das
séries iniciais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto é muito significativo para nós, pois é um retorno


reflexivo sobre nossa formação, nossa profissão, e quem nos tornamos

162 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


como pessoas ao longo de nossas experiências profissionais em distintos
ambientes escolares. Recém completamos uma década como professoras/
pesquisadoras e desta forma, podemos fazer uma avaliação do quanto a
graduação em Licenciatura de Ciências Sociais e o Ensino de Sociologia
nos impactou, bem como algumas mudanças no cenário do ensino dessa
disciplina diante do contexto local e nacional.
Durante este período, desde nosso ingresso/conclusão até hoje,
vivemos a obrigatoriedade e implementação da Sociologia, os desafios
decorrentes como quadro de profissionais capacitados, carga-horária
mínima e material didático especializado. Além disso, mudanças no cenário
político nacional tiveram consequências para a permanência da Sociologia,
assim como de outras disciplinas, o que fez com que retornasse a luta pela
sua permanência da grade de ensino.
Não distante disso, nossas vidas pessoais e profissionais eram
influenciadas por tal realidade, de modo que nos aprofundamos nas
pesquisas e estudos da área, tentando nos aperfeiçoar como professoras,
mas também de pensar possibilidades de transformação da sociedade por
meio da educação.
Nesse contexto, optamos por nos manter na educação sempre
buscando formas de sobreviver materialmente. Diante da fragilização
do ensino de Sociologia, participamos de movimentos de defesa e
fortalecimento dessa disciplina na Educação Básica, além de termos
procurado outra graduação como estratégia de sobrevivência. Entendemos
que essas escolhas que constituem nossas identidades profissionais são
perpassadas pelos anseios que nos levaram à graduação em Ciências Sociais
e pela escolha profissional de ensinar Sociologia. Os objetos de pesquisa
delimitados durantes os estudos de pós-graduação mostram esse interesse e
preocupação, e mesmo tendo feito essa migração de atuação no âmbito das
séries iniciais como professora unidocente, a Sociologia continua presente
na práxis pedagógica.
Tentamos nessa avaliação de nossa trajetória, demonstrar como
o Ensino de Sociologia atravessa e nos afeta de diversas formas, nos
constituindo professoras/pesquisadoras. De certo modo, nossas identidades

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 163


são atravessadas pelos processos de constituição da identidade da Sociologia
no Ensino Médio e suas possibilidades nas séries iniciais. Além disso, nosso
relato passa a ser um registro histórico não só individual, mas coletivo da
história do ensino de Sociologia como disciplina escolar.

REFERÊNCIAS

AS PRÉ-INSCRIÇÕES para a segunda edição dos cursos da Rede São Paulo de


Formação Docente, REDEFOR, foram realizadas das 14hs do dia 06 de junho a
10 de julho de 2011. Escola de Formação. São Paulo. 2011. Disponível em: http://
www.escoladeformacao.sp.gov.br/portais/Default.aspx?tabid=2275 . Acesso em:
17 jul. 2021.

FERREIRA, Walace; ALVADIA FILHO, Alberto. A serpente pedagógica: o projeto


escola sem partido e o ensino de sociologia no Brasil. Revista e-Mosaicos, v.6,
nº.12, Ago.2017, p.64-80. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.
php/e-mosaicos/article/view/30272. Acesso em: 26 abr. 2021.

FERREIRA, Walace; SANTANA, Diego Cavalcanti de. A reforma do ensino


médio e o ensino de sociologia. Revista Perspectiva Sociológica, n.º 21, 1º sem.
2018, pp. 41-53. Disponível em: https://cp2.g12.br/ojs/index.php/PS/article/
view/1740/1248. Acesso em: 26 abr. 2021.

GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico–Crítica. 3.ed.


Campinas, SP: Autores Associados, 2005. 

GÓMEZ, Angel Ignácio Perez. As funções sociais da escola: da reprodução à


reconstrução crítica do conhecimento e da experiência. In: SACRISTÁN, José
Gimeno; GÓMEZ, Angel Ignacio Perez. Compreender e transformar o ensino.
Tradução Ernani F. da Fonseca Rosa. 4. ed. Artmed, 1998. p. 13-26.

LIMA, Ângela Maria de Sousa; ARAUJO, Angélica Lyra de; SILVA, Ileizi Luciana
Fiorelli. A contribuição do LENPES (Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão
de Sociologia) na formação de professores no ensino de sociologia. In: LIMA,
Ângela Maria de Sousa et. al. (Org.) Práticas e debates na formação de Professores
de Sociologia/Ciências Sociais. Londrina: UEL, 2013. p.338-342.

164 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


OLIVEIRA, Bruna Padilha de. As Redes Sociais como um novo lócus de
participação estudantil na gestão democrática da escola. 2012. 30 f. Trabalho de
Conclusão de (Especialização em Ensino de Sociologia). – Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2012.

SANTOS, Fabrizzia Christiane dos. Análises e apontamentos iniciais sobre


o material didático para o Ensino de Sociologia no Estado de São Paulo. 2012.
60f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ensino de Sociologia).
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012a.  

SANTOS, Fabrizzia Christiane dos. Significados e possibilidades da cidadania:


análise do currículo de Sociologia no Estado de São Paulo. 2012. 21f. Trabalho
de Conclusão de Curso (Especialização em Docência em Sociologia no Ensino
Médio). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012b.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 7ª ed.


Campinas, SP: Autores Associados, 2000.

SILVA, Ileizi Luciana Fiorelli; LIMA, Ângela Maria de Sousa; CARVALHO,


César Augusto de. LES (Laboratório de Ensino de Sociologia) e GAES (Grupo
de Apoio ao Ensino de Sociologia): primeiros laboratórios do departamento de
Ciências Sociais. In: LIMA, Ângela Maria de Sousa et. al. (org.) Práticas e debates
na formação de Professores de Sociologia/Ciências Sociais. Londrina: UEL, 2013.
p.331-337.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 165


RAÇA, ETNIA E MULTICULTURALISMO:
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA EM AULA REMOTA

Ellen Pyles Pereira Alves1


Fernanda de Abreu da Silva2

INTRODUÇÃO

O estágio curricular obrigatório constitui-se enquanto um


momento ímpar na formação de um educador ou educadora. É no
contato com a sala de aula e com o professor regente das turmas que o
licenciando ou licencianda tem a oportunidade de observar, vivenciar
e pôr em prática os conhecimentos adquiridos ao longo da trajetória
acadêmica, descobrindo também os desafios do ensino de Sociologia.
A experiência é ainda mais enriquecedora quando reconhecemos que,
para além de uma experiência unilateral, o estágio permite uma troca
entre todas as partes envolvidas: alunos, professor regente de turma e
licenciando.
Nesse relato de experiência, temos como objetivo apresentar
como se deu o processo de estágio curricular obrigatório ocorrido
entre setembro e novembro de 2020 no Colégio Estadual Emílio de
Menezes, localizado em Arapongas-PR, a partir de uma série de aulas
que abordaram a temática étnico-racial com alunos do 2º ano do
Ensino Médio, em um contexto de ensino remoto devido à pandemia
da Covid-19.
A escolha da temática se deu, primeiramente, por fazer parte
dos conteúdos estruturantes do 2º ano do Ensino Médio, e também
por sua importância, uma vez que é necessário problematizarmos a
herança colonial brasileira que se reflete nas relações raciais ainda hoje.
Adaptadas ao ensino remoto, essa série de aulas entram em consonância
1
Mestra em Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professora de Sociologia na
Rede Pública e Privada de Ensino do Estado do Paraná. Contato: eppyles@gmail.com
2
Graduanda em Ciências Sociais (licenciatura) pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Contato: fer_abreu_silva@hotmail.com.

166 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


com a proposta de uma educação antirracista, como preconizam as Leis
nº 10.639/03 e nº 11.645/08, que tornam obrigatório o Ensino de História
e Cultura Africana, Afro-Brasileira e Indígena na rede básica de educação.
Assim, buscamos demonstrar as possibilidades didáticas e
metodológicas para trabalhar tal temática em sala de aula, considerando
o amplo arcabouço teórico que a Sociologia dispõe para refletirmos e
discutirmos sobre raça, racismo, discriminação, estigma, multiculturalismo,
dentre outros conceitos que conversam entre si e com a realidade do cotidiano
brasileiro. Ainda que o formato de aulas remotas imponha desafios para a
docência, através do processo de estágio abriu-se a possibilidade de pensar
em conjunto novos procedimentos de ensino e aprendizagem a partir da
particularidade desse contexto, como relatamos a seguir.

DESCRIÇÃO DO CASO

Entre o conjunto de aulas planejadas para abordarmos a temática


étnico-racial, a primeira delas teve como objetivo apresentar alguns
conceitos introdutórios ao tema, como preconceito, discriminação,
segregação e estigma. Nesse primeiro momento, como prática social inicial
do conteúdo, utilizamos o vídeo “Preconceituoso” (PARAFERNALHA,
2m19s, 2016), disponível no youtube.
Nesse vídeo são retratadas algumas situações discriminatórias
que acontecem cotidianamente, como racismo, xenofobia, machismo,
lgbtfobia e gordofobia, as vezes em um tom que se pretende humorístico.
Perguntamos aos alunos o que eles acham que geram situações como aquelas
e por que elas ocorrem, visando estimular a participação e constatar o que
já conheciam sobre o tema. As respostas envolviam a questão do “lidar com
a diferença”.
Em seguida, introduzimos as definições de preconceito e de
estereótipo, procurando problematizá-los. O foco foi fazer com que os
alunos percebessem que a influência sociocultural dos estereótipos interfere
em como as identidades sociais são definidas. Para isso, projetamos três
imagens: uma mulher negra com o cabelo crespo, uma mulher negra

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 167


com dreads, e uma mulher branca que dirigia um micro-ônibus. Assim,
provocamos os alunos para que compartilhassem algumas concepções do
senso comum que são associadas a essas figuras. Alguns colegas de estágio
que assistiam também à aula contribuíram citando que, no imaginário
popular, cabelos com dreads são sujos, cabelos crespos são duros, e a famosa
expressão “mulher no volante, perigo constante”.
Assim, propomos a reflexão de que os preconceitos são
reproduzidos através do processo de socialização, a partir de diferentes
instituições sociais (meios de comunicação, família, etc), e influenciam
nossas escolhas, crenças, gostos e gestos, sendo internalizados em pessoas e
grupos. Para fazer uma ponte com a definição de preconceito, apresentamos
a definição de discriminação, estabelecendo uma relação de causalidade
entre um e outro. Tratando-se da discriminação, projetamos uma notícia
que exemplifica um caso de discriminação direta de gênero no mercado de
trabalho, e a exigência de fotos em currículos para entrevistas de emprego
como uma forma de discriminação indireta, velada. Após a utilização
desses exemplos, provocamos os alunos a pensarem quais grupos são mais
vulneráveis a sofrerem discriminações.
A partir disso, apresentamos o conceito de minorias sociais para
representar esses grupos, frisando que, não necessariamente representam
minorias numéricas, mas minorias políticas, que estão em situação de
desvantagem social em relação ao que se apresenta enquanto cultura
dominante. Projetamos imagens de passeatas do movimento feminista, do
movimento LGBTQIA+ e do movimento antirracista.
Em seguida, conectamos o conceito de minorias sociais com o de
segregação, ou seja, uma ação política que busca isolar indivíduos e grupos
considerados inferiores e indesejáveis, e é feita de maneira consciente e
institucional, baseada na ideia de superioridade de uma etnia, gênero, classe
social ou nacionalidade (SILVA et. al., 2013). Apresentamos brevemente o
caso do Apartheid3 ocorrido na África do Sul no século XX e a segregação
3
A legislação do país criou áreas restritas para negros e brancos, proibiu relações afetivas inter-raciais,
e designou locais de residência, trabalho e lazer segregados por raça. Além disso, banheiros e meios
de transporte também eram restritos de acordo com as categorias raciais. O regime segregacionista
que começou em 1948 só terminou em 1994 com a eleição de Nelson Mandela, o principal líder da
resistência ao Apartheid no país (SILVA, et al., 2013).

168 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


racial nos Estados Unidos4, para então provocarmos os alunos com a
seguinte pergunta: “E no Brasil? Vocês acham que tivemos segregação
institucionalizada ou não institucionalizada?”
Para auxiliar nessa reflexão, trouxemos uma imagem de um protesto
ocorrido em Paraisópolis-RJ no ano de 2019 (FUKUDA, 2019), quando 9
jovens foram mortos em uma ação da Polícia Militar em um baile funk. A
partir da imagem desse protesto, concluímos que a população periférica,
que em sua maioria é negra, acaba sofrendo de estigma ou estigmatização.
Assim, apresentamos o conceito de estigma como a caracterização de
um indivíduo ou grupo que não possui aceitação social plena, que é
considerado desviante ou ameaçador (SILVA et. al., 2013), apresentando
também o sociólogo canadense Erving Goffman como aquele que elaborou
o conceito em sua obra Estigma: notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada (1963).
Após as reflexões sobre preconceito, estereótipo, discriminações e
segregações, lançamos a pergunta “o que fazemos com tudo isso? ”, com
o propósito de demonstrar como os conceitos apreendidos podem ser
utilizados na prática social dos alunos. Apresentamos alguns artigos da Lei
nº 7.716 (BRASIL, 1989) que define os crimes resultantes de preconceito de
raça ou de cor, relacionando-os com o que ocorreu no apartheid sul-africano
e americano e demonstrando os avanços sociais atuais. Para além da lei,
convidamos os alunos a repensarem e desnaturalizarem os preconceitos
internalizados e superar os estereótipos; a estarem atentos a situações de
discriminação que ocorrem cotidianamente, não sendo coniventes com
elas; e a exercitarem o olhar sociológico sobre a estigmatização de grupos
sociais e sobre as posições que estes ocupam na sociedade.
Como prática social final dessa aula, fizemos uma espécie de “jogo de
pingue-pongue”, com diferentes tipos de discriminação (socioeconômica,
de orientação sexual, idade, gênero, nacionalidade, etnia, religiosa), no qual
os alunos davam um exemplo de um tipo de discriminação, e a professora,
em seguida, apresentava outro exemplo. Nesse momento, alguns alunos
4 Foi institucionalizada no começo do século XX nos mesmos moldes do apartheid sul-africano.
Institucionalmente, a população negra conquistou a lei de Direitos Civis aprovada em 1964, entretanto,
diferenças em qualidade de vida, oportunidades, educação, acesso a empregos de qualidade e saúde
ainda são formas de segregação não institucionalizada. (SILVA, et al., 2013).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 169


participaram ligando o microfone e contando situações cotidianas em que
reconheceram diferentes casos de discriminação.
Um outro momento da prática social final foi realizado através
de uma atividade elaborada no Google Forms, onde solicitamos que os
estudantes pesquisassem e escolhessem uma notícia que relatasse um caso
de discriminação. Em seguida, os alunos foram convidados a analisar
sociologicamente a notícia escolhida, utilizando os conceitos estudados
na aula. O objetivo final da atividade foi a elaboração de pequeno texto
em que os alunos conseguissem sintetizar a notícia e articulá-la com o
conhecimento sociológico.
Para tanto, elaboramos algumas perguntas para auxiliá-los na
construção desse texto, indagando 1) qual tipo de discriminação eles
conseguiram identificar (socioeconômica, religiosa, de gênero, orientação
sexual, cultural, étnica, de idade, de nacionalidade); 2) qual minoria social
estava envolvida na notícia; 3) quais estereótipos são socialmente construídos
em relação à essa minoria e se esse grupo sofre de estigmatização. Essas
perguntas serviram como uma espécie de roteiro, que foi desenvolvido no
texto final.
Na segunda aula relacionada ao tema, procuramos abordar os
aspectos socioantropológicos, em que discutimos com os estudantes como
as relações de preconceito e discriminação foram estruturadas, também
como as discussões e proposições científicas difundidas a partir das teorias
eugênicas colaboraram nesse processo. Vale ressaltar que as aulas foram
estruturadas a partir do livro didático “Sociologia em Movimento”, capítulo
5 “Raça, Etnia e Multiculturalismo”. (SILVA et al, 2013).
Para introduzirmos o assunto, na prática social inicial utilizamos
imagens da instalação “Assentamentos” (PAULINO, 2013), da artista plástica
Rosana Paulino5. A partir da apresentação das imagens, perguntamos aos
estudantes, como eles, a partir de suas vivências, conseguiam interpretar a
imagem. Pedimos para contribuírem, e assim eles fizeram.

5
Artista brasileira, nascida na cidade de São Paulo, doutora em Artes Plásticas pela Universidade
de São Paulo. “Suas obras têm ligação com as questões sociais, étnicas e de gênero, centralizando a
questão da posição da mulher negra na sociedade, os tipos de violência sofridos por esta população por
consequência do racismo e das marcas deixadas pela escravidão” (ALVES, 2020, p.118).

170 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Após essa contribuição, para instigar as reflexões, trouxemos a
seguinte pergunta para os estudantes: “como a chamada pseudociência
contribuiu para justificar o controle político social dos povos europeus
sobre outros povos? ”
Uma outra imagem intitulada “A ciência é a luz da verdade? ” Foi
projetada, agora da série “Atlântico Vermelho”, também da artista Rosana
Paulino (2016). A intenção era trazer luz à influência da ciência, no século
XIX, ao reforçar a hierarquia entre os povos e justificar a dominação
europeia sobre esses povos, tidos como inferiores.
Após essas primeiras problematizações e reflexões, apresentamos o
conceito de raça aos estudantes, que corresponde ao “grupo humano com
características próprias – físicas, psicológicas e culturais -, transmitidas
desde seus antepassados” (SILVA, 2013, p. 113). Tal conceito sustenta a ideia
de que existem indivíduos superiores e inferiores e fundamentou-se em
estudos do comportamento humano, que buscavam explicar as diferenças
sociais e culturais a partir das ciências naturais.
Após a apresentação do conceito de raça, apresentamos dois
teóricos das teorias eugênicas, o ensaísta francês Arthur de Gobineau
(1816-1882) e o médico italiano Cesare Lombroso (1835-1909). Em linhas
gerais, Gobineau (apud SILVA, 2013) propõe a ideia da existência de três
raças puras, branca, negra e amarela e que a mistura de raças ajudaria a
desenvolver as raças inferiores, porém degeneraria a raça branca. Para
ele, quanto mais miscigenada uma nação, mais degenerada e atrasada. O
Brasil, por ser um país miscigenado, seria um bom exemplo de atraso e
degeneração para Gobineau.
Já Cesare Lombroso (2006) entendia que as diferenças entre uma
pessoa honesta ou criminosa estaria relacionada com aspectos físicos, em
que alguns seriam mais aptos a desenvolver habilidades para determinadas
profissões do que outros. Algumas pessoas nasciam pré-dispostas a serem
criminosas e outras, honestas e bem-sucedidas. “Essa falsa ideia levou
muitos a acreditarem num certo determinismo dos caracteres biológicos,
herdados da natureza, sobre os traços da personalidade e da cultura”
(SILVA, 2013, p. 113).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 171


Assim, a difusão de tais ideais contribuiu para confirmar o racismo
como ação política e ideológica. Dentro disso, fizemos a seguinte pergunta
para os estudantes: “Quais as consequências dessas teorias para o Brasil? ”
Eles trouxeram algumas contribuições.
Na sequência, apresentamos a obra “A redenção de Cam” de
Modesto Brocos y Gómez6, produzida em 1895, com o objetivo de discutir
a influência de tais teorias no processo de formação do povo brasileiro.
Essa obra remete a ideia do embranquecimento, uma vez que podemos
perceber um certo embranquecer das gerações (uma avó negra, uma filha
parda e um neto branco). Assim, para o desenvolvimento do país, dever-se-
ia implementar leis que favorecessem a diminuição da população negra. A
ideia era que no Brasil, em 100 anos, a população passasse por esse processo
de embranquecimento, a partir de relações inter-raciais entre brancos e
negros e, também, ao incentivo à imigração branca, diminuindo assim, a
quantidade de negros no país, que, no final do século XIX, representava
cerca de 70% da população brasileira.
Nesse sentido, apresentamos a teoria proposta pelo sociólogo,
antropólogo e historiador pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987),
a Democracia Racial. Tal teoria foi proposta na obra “Casa, Grande e
Senzala” (1933) e propunha a ideia de que a mestiçagem era consequência
da convivência “salutar e democrática” entre as pessoas de raças diferentes,
por isso, no Brasil, existiria um convívio harmonioso entre as raças, não
havendo assim, espaço para ações discriminatórias e segregacionistas em
nossa sociedade.
Vale ressaltar aqui que, diante de um cenário mundial segregacionista,
tal teoria trouxe uma visão mais otimista para a sociedade brasileira. Já
que até a publicação de “Casa Grande e Senzala” em 1933 predominava
no país a ideia de que o atraso do Brasil se devia ao “mal da mestiçagem.
Acreditava-se, inclusive, num branqueamento progressivo da população.
Neste sentido, o projeto de imigração para o Brasil, desde a independência
do país, em 1822, visava trazer apenas populações brancas” (STRIEDER,
2000).
6
Artista espanhol e professor de desenho na Escola Nacional de Belas Artes - Enba, no Rio de Janeiro, a
partir de 1891. “A Redenção de Cam, 1895, um de seus quadros mais famosos, tem um caráter alegórico
e deve ser compreendido como uma alusão ao progressivo branqueamento da raça negra, dentro do
conceito de eugenia em voga no final do século XIX” (MODESTO, 2021).

172 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Pontuamos aqui o caráter otimista da Democracia Racial, porém,
é importante trazer que tal conceito contribuiu para mascarar a realidade
racista das estruturas do país, colocando o racismo como algo pontual
e individual (como pode ser percebido na Lei Afonso Arino de 1951
(BRASIL,1951), em que o racismo se torna contravenção penal no Brasil).
Após a explanação sobre a democracia racial, fizemos o seguinte
questionamento aos estudantes: “E aí, o Brasil é realmente uma democracia
racial em que todos possuem as mesmas oportunidades econômicas e
sociais?” E eles fizeram suas contribuições.
Assim, para problematizar essa realidade, trouxemos uma charge
sobre o Mito da democracia racial, produzida pelo artista brasileiro Carlitos.
Em seguida, apresentamos um conjunto de leis brasileiras que contribuíram
para estruturar o racismo no Brasil, conforme descrito a seguir:
• 1837 – Lei número 1, de 14 de janeiro de 1837. “São proibidos de
frequentar as escolas públicas: Primeiro: Todas as pessoas que padecem de
moléstias contagiosas. Segundo: os escravos e os pretos africanos, ainda
que sejam livres ou libertos” (FONSECA apud PASSOS, 2010, p. 2).
•1850 – (Lei nº 601, de 1850) Lei de Terras, que proibia aos negros a
aquisição da propriedade privada. Lei Eusébio de Queiroz – proíbe o tráfico
negreiro mas, não desmonta a estrutura para impedir que os ex-escravos
possuíssem propriedades privadas (BRASIL, 1850);
•1871 - Lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871: Lei do Ventre livre –
a criança filha de escravos deveria ficar com o senhor ou com o governo até
os 21 anos (BRASIL, 1871);
•1885 - Lei nº 3.270 de 28 de setembro de 1885: Lei do Sexagenário –
daria a alforria para o escravo com 60 anos, mesmo assim após essa idade o
escravo ainda ficaria mais 3 anos trabalhando em gratidão ao senhor. OBS.:
A expectativa de vida de um escravo era de 27 anos (BRASIL, 1885);
•1888 – Lei nº 3.353 de 13 de maio de 1888: A lei Áurea liberta o
escravo, mas não revoga as outras leis (acesso a educação e a propriedade
privada) (BRASIL, 1888);
•1890 – 1975 - Lei dos vadios e capoeiras. Código Penal – Decreto
nº 847, de 11 de outubro de 1890 – os que perambulavam pelas ruas, sem

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 173


trabalho ou residência comprovada, iriam para a cadeia. Bem como os
que estivessem jogando ou portando objetos relativos à capoeira (BRASIL,
1890).
Percebemos aqui que tais leis contribuíram para diversos problemas
sociais, dentre eles a favelização da população negra e o encarceramento
em massa. Mais de 70% da população brasileira era negra e se torna um
problema para o governo. Dessa maneira percebemos que a população
negra sofre um apagamento, um silenciamento, ficando a margem da
sociedade.
Caminhando para o final da aula, expusemos a visão do sociólogo
brasileiro Florestan Fernandes sobre a teoria de Gilberto Freyre. Na
obra “A integração do negro na sociedade de classes” de 1965, Florestan
Fernandes demonstra ser um MITO a ideia da democracia racial. Para ele,
o Brasil nunca teve um projeto de inclusão do negro na sociedade e essa
visão idealizada da Democracia Racial contribuiu para justificar a posição
inferior do negro na sociedade.
Para ilustrar essa realidade, trouxemos gráficos do relatório sobre as
desigualdades sociais brasileiras, produzido pela OXFAM Brasil em 2017.
O primeiro gráfico representava a diferença salarial entre brancos e negros,
e trazia que “entre pessoas que recebem até 1,5 salário mínimo, estão 67%
dos negros brasileiros, em contraste com menos de 45% dos brancos”
(OXFAM, 2017, p. 27). O outro gráfico apresenta a média de rendimento
segundo nível de escolaridade, por raça.
Para finalizar a aula, concluímos junto com os estudantes que negros
e pardos constituem a metade da população brasileira, mas representam
a grande maioria da população menos favorecida economicamente; a
população negra desempenha um papel importante na vida cultural e na
produção de riquezas no Brasil, porém, seu acesso a bens e serviços continua
a ser mínimo, se comparado a população branca; a tese da democracia
racial contribuiu para mascarar a realidade racista das estruturas sociais do
Brasil; as populações indígena, afrodescendente e mestiça continuam a ser
tratadas de maneira preconceituosa e desigual, confirmando as críticas de
Florestan Fernandes (1965) à questão racial no Brasil.

174 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Para encerrar, pedimos ainda que os estudantes pudessem contribuir
com o que aprenderam ao fim desta aula. Uma estudante colocou que
conseguiu perceber historicamente a questão da desigualdade social,
outro estudante acrescentou que o racismo foi algo pensado e planejado
indiretamente pelos governantes da época, na tentativa de tornar o Brasil
um país “mais avançado e branco”, por fim, outra estudante colocou que os
negros continuam sofrendo mesmo após a lei Áurea.
Assim, foi importante debater com os estudantes como tais teorias
contribuíram para estruturar os preconceitos raciais no Brasil, que o
racismo ainda é bastante enraizado e que é preciso nos conscientizar e lutar
contra qualquer forma de preconceito e discriminação ainda existente em
nossa sociedade.
A última aula planejada para abordarmos a temática étnico-racial
versou sobre os conceitos de etnia, multiculturalismo e Ações Afirmativas,
com o objetivo de desconstruir a visão preconceituosa do conceito de raça
e das teorias eugênicas, valorizando a diversidade cultural e combatendo
as desigualdades sociais, bem como formas de racismo, preconceito e
discriminação tão presentes em nossa sociedade.
Na primeira parte da aula, discutimos o conceito de etnia e
etnicidade, termos mais apropriados para identificar os diferentes grupos
humanos, não enfatizando características biologicamente herdadas, mas
considerando os processos históricos e culturais construídos por meio
da interação social. Além desses, apresentamos também o conceito de
Multiculturalismo, que, para a Antropologia, consiste na percepção da
sociedade “como uma convergência de diferentes culturas que, em vez de se
submeterem a um padrão único, misturam-se de modo original, formando
diversos mosaicos culturais” (SILVA, 2013, p. 121).
Pensar tais conceitos com os estudantes se torna importante, pois
se constitui meio de combater a ideia da homogeneidade cultural, o
etnocentrismo, as desigualdades, as diversas formas de racismo, preconceito
e discriminação social, além também de combater a xenofobia, fenômeno
muito presente na atualidade.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 175


Em seguida, para pensar formas práticas de valorizar outras
culturas e mecanismos de combate as diversas formas de discriminação
e desigualdades sociais, trouxemos o conceito das Ações Afirmativas,
que se constituem como medidas temporárias para eliminar ou reduzir
desigualdades acumuladas historicamente e que visam garantir as mesmas
oportunidades para as minorias sociais, além de compensar perdas causadas
pela discriminação e marginalização de determinado grupo.
Para exemplificar o que seriam as ações afirmativas, trouxemos três
exemplos. O primeiro deles consiste em um programa de trainee promovido
pela empresa Magazine Luiza, no qual o processo seletivo aceitava inscrições
somente de pessoas negras. O caso obteve bastante repercussão na mídia
e nas redes sociais, havendo alegações de “racismo reverso”. Procuramos
refletir com os alunos o objetivo do programa, que consistiu em uma
ação afirmativa, uma vez que o objetivo no mesmo envolvia a proposta de
trazer maior diversidade racial para a empresa. Além disso, os alunos já
possuíam aportes teóricos para analisar sociologicamente esse recorte da
realidade e problematizar a ideia de “racismo reverso” a partir dos conceitos
trabalhados nas aulas anteriores.
No segundo exemplo de Ação Afirmativa, tratamos das cotas de
gênero das eleições. Para tanto, realizamos uma breve retomada histórica
da participação feminina na vida política, que teve início a partir de 1932,
quando foi permitido o voto às mulheres casadas, mediante autorização
dos maridos, ou viúvas e solteiras que tivessem renda própria.
Somente na década de 1990 foi aprovada uma lei que instituísse a
obrigatoriedade de um percentual mínimo de candidaturas femininas nos
partidos ou coligações. Em 1995, o percentual estabelecido foi de 20%,
válido estritamente para Câmaras Municipais7. Em 1997, esse percentual
mínimo passou a ser de 20% para 30%, sendo estendido para Assembleias
Estaduais e para a Câmara de Deputados, ficando ainda de fora o Senado8.
O exemplo das cotas de gênero nas eleições foi escolhido com o
objetivo de suscitar a reflexão sobre a representatividade de gênero na vida
política, uma vez que mais de 50% da população brasileira é composta por
7
Lei nº 9.100, de 29 de setembro de 1995 (BRASIL, 1995).
8
Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. (BRASIL, 1997).

176 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


mulheres (IBGE, 2012), mas a participação feminina em cargos políticos
não acompanha essa proporção. Procurando dialogar com o cotidiano dos
alunos e refletir sobre a igualdade de representação política, demonstramos
que na Câmara de Vereadores da cidade de Arapongas, no mandato de
2017 a 2020, somente duas entre 15 cadeiras foram ocupadas por mulheres.
O terceiro exemplo a respeito das Ações Afirmativas consistiu
em uma explicação sobre como funcionam as cotas sociais e raciais na
Universidade Estadual de Londrina, uma vez que, no senso comum,
ainda há muita desinformação sobre esse sistema. No caso da UEL, do
total de vagas ofertadas no Processo Seletivo Vestibular, 20% são para
candidatos que estudaram em escola pública nos 4 últimos anos do Ensino
Fundamental e nos 3 anos do Ensino Médio. Outros 20% do total de vagas
são para candidatos autodeclarados negros que fizeram esse percurso em
colégios públicos. Totalizando os 45% de vagas para cotistas, somente 5%
são para candidatos autodeclarados negros independentes de ter estudado
em escola pública, privada, ou em ambas.
Dessa forma, procuramos frisar a concepção de que a universidade
pública é para todos, e que as cotas são mecanismos que visam corrigir
desigualdades no ensino superior, tanto no que diz respeito à classe social
quanto à diversidade racial dos estudantes que ocupam o espaço da
universidade. Ainda, procuramos relembrar que para a população negra o
acesso à educação foi negado diretamente (durante o período escravagista)
e indiretamente (no período pós-abolição), uma vez que não houveram
políticas públicas de reparação histórica, o que refletiu diretamente nas
estatísticas que versam sobre a média de rendimento salarial segundo nível
de escolaridade e raça.
Entendemos que a busca pelo reconhecimento de pessoas negras
na história, ciência, literatura, ao longo do tempo também faz parte
da luta pela sua inserção na sociedade brasileira e a igualdade social,
já que elas são frequentemente esquecidas dos livros de história, bem
como do conhecimento popular. Com o objetivo do reconhecimento
de personalidades negras na história do nosso país, no final da aula,
propusemos como prática social final do conteúdo uma atividade para os

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 177


estudantes. Estes deveriam pesquisar uma personalidade/figura pública
negra de destaque no Brasil (nas áreas da literatura, música, dramaturgia,
etc) e descrever sua biografia para que pudéssemos conhecê-la, além da
pesquisa os estudantes deveriam justificar a escolha dessa figura pública. A
apresentação da pesquisa poderia ser feita ao vivo pela plataforma de aula
on-line ou, para aqueles que não pudessem participar da aula, poderia ser
feito através da gravação de um vídeo para ser postado na plataforma de
ensino.
Na aula destinada às apresentações, os estudantes que optaram pela
apresentação ao vivo prepararam seus materiais e escolheram as seguintes
figuras públicas negras: a escritora Maria Firmina dos Reis, a jornalista
Glória Maria, o escritor Machado de Assis, a socióloga e vereadora Marielle
Franco, o deputado federal Hélio Fernando Lopes, o escritor Luís Gama,
Dandara dos Palmares e o músico Pixinguinha.
Os estudantes que optaram por gravar um vídeo e postar na
plataforma, apresentaram também importantes nomes da música, da
literatura, da política, do esporte e da história brasileira.
Importante ressaltar aqui que os estudantes escolheram as figuras
públicas negras que mais lhes chamaram a atenção e apresentaram suas
biografias, bem como as áreas em que se destacaram, seja na política, na
literatura, no jornalismo, na música, dentre outras áreas, enriquecendo a
aula com suas percepções e também dando visibilidade a uma diversidade
de pessoas que marcaram e ainda marcam a história do nosso país. Nesse
sentido, essa atividade contribuiu não só para percebermos a nova postura
dos estudantes frente aos conteúdos assimilados, mas também como
forma de valorizarmos o jovem estudante do Ensino Médio entendendo-o
“como sujeito com valores, comportamentos, visões de mundo, interesses
e necessidades singulares” (BRASIL, DCNs 2013, p.155) e que tem muito a
contribuir nas discussões em sala de aula.

178 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


METODOLOGIA

Ao pensarmos na sequência das aulas e em cada aula individualmente,


buscamos utilizar a metodologia da pedagogia histórico-crítica elaborada
por João Luiz Gasparin (2007). Vale ressaltar, que as Diretrizes Curriculares
do Estado do Paraná (2008) orientam que o ensino de Sociologia seja
estruturado a partir desta pedagogia, aprofundada por Demerval Saviani
(2013).
A didática proposta é estruturada em cinco passos, sendo o primeiro
deles a prática social inicial, quando identificamos o que o professor e os
alunos já sabem sobre o conteúdo, o que trazem de conhecimento prévio.
Dessa forma, através do diálogo, percebemos qual a vivência cotidiana do
conteúdo antes que ele seja ensinado em sala de aula, o que busca despertar
a curiosidade e desafiar os alunos a saberem mais.
Em seguida, levantamos os principais problemas postos pela
prática social inicial e que se relacionam com o conteúdo a ser tratado,
realizando uma discussão e conexão dos problemas com o conteúdo, o que
colabora para que os estudantes compreendam as razões e a importância
de se debruçar sobre aquela temática. Nesse passo, transformamos o
conhecimento em perguntas problematizadoras, levando em consideração
as dimensões conceituais, históricas, sociais, econômicas e políticas que
circunscrevem o tema.
A partir disso, instrumentalizamos os alunos apresentando o
conhecimento científico, formal. Através da mediação, os alunos podem
comparar o conhecimento de sua vivência cotidiana com o conhecimento
científico, apropriando-se deste. Assim, adentramos no processo de catarse,
quando há uma nova forma de entender a teoria e a prática social. Na
catarse, há uma nova postura mental que une o cotidiano e o científico, que
pode ser demonstrada ou expressa em uma avaliação formal ou informal,
com o objetivo de constatar que os alunos são capazes de traduzir o que
aprenderam até o momento.
No quinto e último passo, chamado de prática social final, os
educandos podem assumir uma nova postura prática, novas atitudes

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 179


fora da sala de aula, utilizando os conhecimentos científicos dos quais se
apropriaram. Dessa forma, atrelamos o conteúdo escolar a um compromisso
de levar ao cotidiano e ao convívio social os novos conteúdos científicos
que foram adquiridos em sala de aula, seja ela no formato presencial ou
remoto.
Com o objetivo de aguçar ainda mais o debate com os estudantes e
aproximá-los da realidade, procuramos utilizar em nossa didática a arte
em algumas de suas linguagens, entendendo que esta pode ser parceira da
Sociologia. Pensamos que essa parceria é muito rica para os estudantes,
uma vez que a arte nos torna mais sensíveis aos acontecimentos à nossa
volta, amplia a visão sobre a realidade em que estamos inseridos, além de
despertar uma maior consciência e capacidade de reflexão.
Entendemos que a escola possui não só a função de transmissora
dos conteúdos, mas que também precisa utilizar-se de métodos e estratégias
de construção das subjetividades, capacitando o estudante a interpretar
criticamente a sua realidade social, unindo teoria e prática na construção
do conhecimento. Nesse sentido, propusemos a parceria entre essas duas
áreas do conhecimento a fim de que o conteúdo “ganhe significado para o
aluno, de forma que aquilo que lhe parece sem sentido seja problematizado
e apreendido” (PARANÁ, DCEs-Artes, 2008, p. 28).

DISCUSSÃO COM REVISÃO DE LITERATURA

Pensando na temática escolhida e todo o planejamento que se seguiu


das aulas, seguindo a didática proposta por João Luiz Gasparin (2007),
entendemos que esta mediação pedagógica baseou-se na imaginação
sociológica proposta por Charles Wright Mills, ou seja, aquela que
consiste “na capacidade de passar de uma perspectiva para outra, e nesse
processo consolidar uma visão adequada de uma sociedade total e de seus
componentes” (MILLS, 1972, p. 41).
A imaginação sociológica implica em sair daquilo que nos é rotineiro
e desenvolver um olhar diferente para essas ações, procurando estranhar,
problematizar e desnaturalizar os fenômenos que compõem nossas rotinas.

180 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


E esse foi o objetivo proposto nesse conjunto de aulas aqui relatado e que
foi de encontro ao que nos orienta as OCNs (Orientações Curriculares
Nacionais – Sociologia, 2009) e, também as DCEs (Diretrizes Curriculares
Estaduais – Sociologia, 2008) para o Ensino Médio, em que preconiza que
o ensino da Sociologia deve pressupor;

[...] metodologias que coloquem o aluno como sujeito de seu aprendizado,


provocado a relacionar a teoria com o vivido, a rever conhecimentos
prévios e a reconstruir saberes. Espera-se que seja constante o exercício do
“estranhamento”, que leve os educandos a “desnaturalizar” (pré) conceitos
sobre os fenômenos sociais, compreendendo-os como construções
históricas, passíveis de sofrerem transformações (PARANÁ, DCE-
Sociologia, 2008, p. 94).

Nesse sentido, a partir do conjunto de aulas, possibilitamos aos


estudantes a compreensão de que estereótipos, preconceitos, estigmas,
discriminação, dentre outros conceitos estudados, não devem ser
naturalizados na sociedade, e sim questionados, problematizados, buscando
assim uma nova postura diante das diversas situações vivenciadas no dia a
dia.
Uma das singularidades da experiência de estágio em formato
remoto aconteceu na última aula, em que os alunos apresentaram a figura
pública negra de destaque na sociedade brasileira, escolhida por cada
estudante. Uma aluna optou por falar sobre o deputado federal Hélio Lopes
(PSL-RJ), conhecido por ser contrário às cotas raciais nas universidades
públicas, e enquanto apresentava, com a câmera ligada, pudemos ver que
um homem com aproximadamente 30-40 anos de idade estava ao seu lado,
acompanhando a apresentação.
A professora e teórica feminista estadunidense bell hooks argumenta
que, muitas vezes, abordar aspectos de raça, classe ou gênero no ensino, pode
tornar a sala de aula um ambiente incontrolável, pois “existe a possibilidade
de confrontação, expressão vigorosa das ideias e até de conflito” (2017, p. 55).
Nesse sentido, o formato remoto contribuiu para que essas possibilidades
de confrontação se expandam não só em relação aos alunos, mas também

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 181


para suas famílias, que nesse formato passam a também “fazer parte” da
sala de aula. Ainda que o homem que acompanhava a aluna não tenha
interferido na aula, foi uma espécie de confronto simbólico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo que o conflito seja uma possibilidade ao trabalhar temáticas


consideradas “polêmicas” na sociedade, do ponto de vista da licencianda,
a experiência contribuiu para perceber que a sala de aula também é um
ambiente recheado de contradições, as quais devem ser pacientemente
trabalhadas, sempre levando em consideração a Sociologia como ciência,
com seus métodos e respaldos científico-teóricos.
Realizar o estágio no formato remoto foi desafiador, uma vez que o
contato com os alunos fica limitado. Entretanto, também foi extremamente
gratificante perceber que a tecnologia pode ser uma aliada no ensino de
Sociologia, ao utilizar recursos visuais e digitais que tornam as aulas mais
interessantes para os alunos, mesmo em um contexto de crise sanitária que
influencia na saúde mental de estudantes e professores.
No ponto de vista da professora regente da sala, a experiência da
aula conjunta com a licencianda foi muito enriquecedora, uma vez que
possibilitou não só a experiência positiva de pensar e colocar em prática
novos procedimentos de ensino e aprendizagem, mas também a troca e
a parceria entre as duas. Nesse sentido, postura de respeito e humildade
se fazem necessárias, uma vez que o trabalho em conjunto requer o
comprometimento e a abertura para a conexão entre os sujeitos envolvidos
no processo de ensino, em que os saberes são colocados um a serviço do
outro, numa colaboração mútua, o que exige respeito.
Nesse processo ganha também os estudantes, já que na construção
do conhecimento, eles foram mobilizados a compreenderem de forma
mais questionadora a realidade social e incentivados a pensar formas mais
criativas de intervenção nessa mesma realidade, ampliando assim sua
capacidade de assimilação do conteúdo sociológico.

182 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


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FmMzYzOTkyNWVkYg. Acesso em: 06 nov. 2020.

186 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


RELATO DE EXPERIÊNCIA EM LONDRINA: AULAS REMOTAS
PROCESSO DE EXCLUSÃO (DIGITAL/RACIAL)

Nilda Rodrigues de Souza1

INTRODUÇÃO

A reflexão a seguir pretende fazer algumas considerações preliminares


sobre o contexto pandêmico a que educandos e educadores da rede pública
do Estado do
Paraná foram “obrigados2” a participar, e por meio de aulas
ministradas remotamente, expulsando adolescentes do ensino público,
assim como precarizando mais a educação.
A pandemia desencadeada pelo vírus Covid-19 ou Coronavírus
obrigou estados e municípios à adoção de medidas restritivas, a principal
foi a imposição de distanciamento social, que, dentre outras ações, implicou
na suspensão de atividades de ensino, restrições ao funcionamento do
comércio, das atividades culturais, da circulação e aglomeração de pessoas.
No âmbito da educação, a principal medida tomada foi a adoção de
atividades e aulas remotas não presenciais como modalidade de ensino.
Mas, a medida gerou problemas que residem no fato de que as aulas remotas
não abrangeram toda população estudantil como mostrou a propaganda
governamental inicialmente, ou seja, a evasão aumentou – e devido a esse
atropelamento, promovendo a intensificação do processo de exclusão
digital, cujos educandos negros e mais pobres e mais afetados.
Educandos mais pobres, sem recursos, são jogados num processo
excludente, que têm suas origens na área digital, socioeconômica, racial3
e educacional, provocando o aumento da evasão escolar. Por isso, a fim

1
Professora de Sociologia - SEED/PR, Doutora em Ciências Sociais-UNESP/SP. Contato: Indkain@
gmail.com
2
Uso das aspas se dá porque não houve nenhum tipo de consulta pública sobre como seria o processo
remoto na rede de ensino.
3
A palavra racial é usada no texto devido as condições históricas que colocaram a população negra em
condição de racismo, preconceitos e discriminação.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 187


de refletir sobre a situação em curso, serão usadas a contribuições teóricas
de autores como Pierre Bourdieu (habitus e espaço social), Norbert Elias
(processo civilizador e habitus social), Carlos Hasenbalg (desvantagens
educacionais e profissionais), Florestan Fernandes, entre outros.

A COVID-19 E A PANDEMIA: (IN)DEFINIÇÕES E ATUAÇÃO DE


LÍDERES NO BRASIL

No Brasil, situação da pandemia tem sido conflitante, perigosa e


preocupante para todos, uma vez que o presidente Jair Bolsonaro optou
em não enfrentar a batalha contra a covid-19. Até a data de produção desta
reflexão já tínhamos contabilizado um saldo aproximado (visto que há as
subnotificações) que ultrapassou a marca de 120 mil óbitos, de acordo com
o consórcio de veículos de imprensa. O número total de mortes reside em
mais 120.498. O país registrou casos confirmados da Covid-19 chegou a
3.846.965 contaminados (UOL, 2020).
Autoridades médicas que estavam a frente do Ministério da Saúde
foram afastadas ou pediram demissão, devido à “ingerência” do atual
presidente. Num primeiro momento, foram seguidas as orientações da
OMS (2020) que pedia isolamento social; atividades consideradas não
essenciais (escolas, universidades, bares, academias de treinamento físico
etc.) foram proibidas, para limitar a circulação das pessoas em ambientes
coletivos em que a transmissão se daria com muita facilidade; em seguida,
veio a recomendação para o uso de máscaras em ambientes nos quais as
atividades consideradas essenciais continuariam em funcionamento, mas
com os devidos cuidados: higienização (uso de álcool gel), distanciamento
social e controle da circulação das pessoas.
O imbróglio foi se ampliando porque o Presidente da República não
aceitou fechar as atividades produtivas por entender que isso afetaria a
economia do País (visto que as projeções mostravam queda no PIB4). As
autoridades médicas viram que seria um risco aceitar a situação imposta

4
A expectativa de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil para 2020 caiu de 2,3% para
2,23%, de acordo com o Boletim Focus, divulgado hoje (17) pelo Banco Central. Disponível no site:
https://www.metro1.com.br/noticias/economia/87703,mercado-reduz-projecao-de-aumento-do-pib-
2020-para-223.

188 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


pelo presidente, pelo fato de o sistema de saúde poder entrar em colapso,
pois não conseguiria atender uma grande leva um grande número de
pessoas contaminadas ao mesmo tempo e com sintomas graves motivados
pela Covid-19. Nesse sentido, entre março e maio dois ministros sucessivos
pediram demissão devido à ingerência por parte da cúpula do governo.
Com isso, o Ministério da Saúde tem, neste momento, um chefe interino
sem formação médica e de certa forma, com relações mais próximas às
determinações presidenciais.
Sobre a atuação de governadores e prefeitos como a educação foi
considerada atividade não essencial, a fim de continuar o ano letivo algumas
decisões foram colocadas em práticas para atendimento dos estudantes. O
próximo subtópico destacamos a atuação do governo estadual paranaense.

GOVERNO ESTADUAL DO PARANÁ, PANDEMIA E AS AULAS


REMOTAS

Mediante a crise política gerada pelas posturas tomadas pelo governo


federal diante da pandemia causada pelo Covid-19. Estados e municípios
tentaram não seguir as determinações do executivo e assim, recorreram ao
Supremo Tribunal Federal (STF) em que;

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, assegurou aos governos estaduais,


distrital e municipais, no exercício de suas atribuições e no âmbito de
seus territórios, a competência para a adoção ou manutenção de medidas
restritivas durante a pandemia da covid-19, tais como a imposição de
distanciamento social, a suspensão de atividades de ensino, restrições ao
comércio, à atividades culturais, à circulação de pessoas etc. A decisão do
ministro, a ser referendada pelo Plenário da Corte, foi tomada na “Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 672, proposta pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra atos
omissivos e comissivos do Poder Executivo federal, praticados durante a
crise de saúde pública decorrente da pandemia5 (BRASIL, SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL DE JUSTIÇA , 2020, s/p).
5
Ministro assegura que estados, DF e municípios podem adotar medidas contra pandemia. Disponível
em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441075&ori=1. Acesso em: 08
jul. 2020.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 189


Ao seguir as orientações do Supremo o Estado do Paraná tomou
decisões que levaram a suspensão das atividades de ensino em 20 de
março de 2020. Dessa forma, nessa parte apresentamos os documentos
que amparam legalmente as ações que visaram a implantação do ensino
remoto, sem que houvesse discussões com o Sindicato dos Professores e
com a comunidade escolar, no sentido de saber como estava o acesso as
tecnologias e as plataformas, tanto de educandos como de educadores.
O calendário escolar foi adequado com base na Resolução nº 12496
de 20 de abril de 2020, pela Secretaria Estadual de Educação (SEED),
ficando definido:

a) Estudo e Planejamento: 01/08/2020 e 12/09/2020; b) Fechamento do ano:


19/12/2020; Parágrafo Único - A carga horária utilizada para as atividades
mencionadas nos itens “a” e “b” não poderá ser utilizada para o cômputo
dos dias letivos e das 800 (oitocentas) horas mínimas para o estudante,
como determina a Lei n.º 9.394, de 1996; II - 1.º semestre: de 03/02/2020
até 17/07/2020; III - 2.º semestre: de 27/07/2020 até 19/12/2020, IV - Início
das atividades remotas: 06/04/2020; V - 1.º Trimestre letivo: de 05/02/2020
a 29/05/2020; VI -  2.º Trimestre letivo: de 01/06/2020 a 11/09/2020; VII
- 3.º Trimestre letivo: de 14/09/2020 a 18/12/2020; VIII - Término das aulas:
18/12/2020; IX -  Recessos para os estudantes: 20/03/2020 a 05/04/2020;
20/04/2020; 12/06/2020; 20 a 26/07/2020; X -  Férias para os estudantes:
21/12/2020 a 31/12/2020; XI -  Recessos concedidos aos professores nos
termos do Artigo n.º 32, Parágrafo único, da Lei Complementar n.º 103, de
2004: 20/03/2020 a 05/04/2020; 20/04/2020; 12/06/2020; 20 a 26/07/2020;
21 a 31/12/2020. (PARANÁ, SEED, 2020, s/p).

O Estado do Paraná suspendeu as atividades de ensino por 16


(dezesseis) dias; e em 06 de abril de 2020, deu início às atividades remotas,
com base em uma outra resolução de nº 1.016 - 03 de abril de 2020 (Regime
especial - aulas não presenciais) publicada no Diário Oficial nº. 10663 de 6
de abril de 2020. Nesse sentido, a súmula:

6
http://www.gncpedroaraujo.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/29/860/334/arquivos/File/RES_1249_
2020_GS_SEED_calendario_2020_adequado.pdf

190 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Estabelece em regime especial as atividades escolares na forma de aulas
não presenciais, em decorrência da pandemia causada pelo COVID-19.
[Republicação] O Secretário de Estado da Educação e do Esporte, no uso
das atribuições que lhe são conferidas pela Lei n.º 19.848, de 3 de maio
de 2019, considerando a Lei Federal n.º 13.979, de 6 de fevereiro de
2020, a Portaria n.º 356, de 11 de março de 2020, o Decreto Estadual n.º
4.320, de 20 de março de 2020, e a Deliberação do Conselho Estadual de
Educação n.º 01, de 31 de março de 2020, RESOLVE: Art. 1.º Estabelecer
no âmbito da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte – SEED, em
caráter excepcional, o regime especial para a oferta de atividades escolares
na forma de aulas não presenciais, em conformidade com o disposto na
Deliberação n.º 01/2020 – CEE/PR, exarada em decorrência da pandemia
causada pelo COVID-19. Parágrafo único. O regime especial previsto
no caput deste artigo tem início retroativo a 20 de março de 2020 e será
automaticamente finalizado por meio de ato do Governador do Estado
do Paraná que determine o encerramento do período de suspensão das
aulas presenciais ou por expressa manifestação do Conselho Estadual de
Educação do Paraná. (PARANÁ, SEED, 2020, s/p).

A súmula menciona as orientações legais que coordenaram o regime


de aula no quadro de pandemia. A agravante foi que não houve participação
das entidades que representava o coletivo de professores, em especial a
Sindicato dos Professores das Redes Públicas Estadual e Municipais do
Paraná (APP- sindicato). Assim ficou estabelecido

Art. 2.º Fica sob a responsabilidade da mantenedora da Rede Pública


Estadual de Ensino, a oferta das atividades não presenciais para o Ensino
Fundamental – anos finais e Ensino Médio. Art. 3.º As atividades escolares
não presenciais são aquelas utilizadas pelo professor da turma ou pelo
componente curricular destinadas à interação com o estudante por
meio de orientações impressas, estudos dirigidos, quizzes, plataformas
virtuais, correio eletrônico, redes sociais, chats, fóruns, diário eletrônico,
videoaulas, audiochamadas, videochamadas e outras assemelhadas. Art.
4.º As instituições de ensino da Rede Pública Estadual que ofertam Ensino
Fundamental – anos finais, Ensino Médio, Educação Especial e conveniadas
EJA – Fase I, EJA – Fase II, EJA – Ensino Médio e Profissionalizante,

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 191


ofertarão atividades escolares no formato não presencial, nos termos da
Deliberação n.º 01/2020 – CEE/PR. (PARANÁ, SEED, 2020, s/p).

A inserção dessas orientações foi muito conturbada, tendo em vista


que o formato de trabalho não foi apresentado antes da sumula deliberativa,
ou seja, os profissionais não tiveram acesso a nenhum projeto tecnológico
para implementação.

Art. 5.º As instituições de ensino da Rede Pública Estadual que ofertam


Ensino Fundamental – anos iniciais deverão manter a suspensão do
calendário escolar e propor calendário de reposição, conforme estabelecido
na Deliberação n.º 01/2020 – CEE/PR, garantindo o padrão de qualidade
do processo de ensino aprendizagem. Art. 6.º São atividades escolares não
presenciais: I - as ofertadas pela mantenedora e/ou pela instituição de ensino,
sob responsabilidade do professor da turma ou do componente curricular,
de maneira remota e sem a presença do professor e do estudante no
mesmo espaço físico; II - metodologias desenvolvidas por meio de recursos
tecnológicos, inclusive softwares e hardwares, adotadas pelo professor
ou pela instituição de ensino e utilizadas pelos estudantes com material
ou equipamento particular, cedido pela instituição de ensino, ou mesmo
público; III - as incluídas no planejamento do professor e contempladas na
proposta pedagógica curricular da instituição de ensino; IV - as submetidas
ao controle de frequência e participação do estudante; V - as que integram
o processo de avaliação do estudante. (PARANA, SEED, 2020, s/p).

Há situações que não aparecem nos artigos dispostos na súmula.


Por exemplo, ao citar que “ao manter a suspensão do calendário escolar
e propor calendário de reposição, conforme estabelecido na Deliberação
n.º 01/2020 – CEE/PR, garantindo o padrão de qualidade do processo de
ensino aprendizagem” (PARANA, SEED, 2020); sentiu-se por parte da
direção e de supervisores pedagógicos, grande pressão para a aceitação
de realidades e práticas que antes não eram aceitas em meio ao contexto
educacional, como apenas a devolução de atividades sem questionamento
da qualidade do material entregue pelo aluno. As orientações da escola
vieram no sentido de tangenciar e flexibilizar a participação do aluno no

192 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


processo, por exemplo atividades sem respostas ou com respostas incorretas
deveriam ser consideradas, a fim de manter a ideia de adesão total de
alunos ao ensino remoto. Sendo assim, diante da adoção de algumas destas
realidades e práticas, observa-se a não garantia do padrão de qualidade do
processo de ensino/aprendizagem.
Alunos que possuem condições, por diversos motivos, não estão
seguros e confortáveis com esse modelo imposto; as aulas remotas não têm
acontecido; e quando se busca seguir o planejamento que foi feito na escola,
no sentido de expor os conteúdos, assim como tirar dúvidas e interagir com
os alunos, não tem acontecido a interação que a aula remota exige, como é
deliberado ainda na resolução. Outrossim, o documento apregoa que:

Art. 7.º A Secretaria de Estado da Educação e do Esporte, como mantenedora


da Rede Pública Estadual de Ensino, disponibilizará vídeo aulas gravadas
pelos professores da rede utilizando os seguintes meios: I - TV aberta, com
transmissão ininterrupta de todas as disciplinas constantes no currículo de
cada ano/série; II - Aplicativo “Aula Paraná” gratuito para IOS e Android,
contendo material das aulas, com possibilidade de interação em tempo
real com um ou mais professores da turma na qual o aluno encontra-se
regularmente matriculado, mediante sincronia automática via plataformas
de gerenciamento de dados. § 1.º As videoaulas de que trata o caput deste
artigo serão disponibilizadas na forma de 5 (cinco) aulas diárias de 45
(quarenta e cinco) a 50 (cinquenta) minutos, de acordo com o currículo
da série/ano. § 2.º As videoaulas serão ministradas por professores da Rede
Estadual de Ensino, selecionados por meio de ato específico. Art. 8.º Para
a oferta de aulas não presenciais serão disponibilizados aos estudantes e
professores três (3) canais abertos com cobertura estadual, contemplando
cinco (5) aulas diárias, de quarenta e cinco (45) a cinquenta (50) minutos,
replicando a rotina diária de aulas de cada turma no seu contexto escolar,
respeitando a distribuição curricular de cada disciplina, dispostas da
seguinte forma: I - um canal para as aulas do 8.º e 6.º anos; 07/04/2020
RESOLUCAO 1016_060420.htm file:///C:/Users/user/Documents/
RESOLUCAO 1016_060420.htm 2/5 II - um canal para oferta das aulas
do 9.º e 7.º anos; III - um canal para o Ensino Médio, guardadas as suas
especificidades (PARANA, SEED, 2020, s/p).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 193


Num primeiro momento foi muito difícil o acesso a tal material.
Para alunos que acessaram os canais na televisão não havia compreensão
de como seria a interação do aluno. Por exemplo, o aluno deveria resumir
a aula ou apenas, reproduzir os exercícios apresentados nos canais? Onde
tirar as dúvidas? No caso do Ensino Médio, uma outra reclamação referente
as aulas foi por serem difíceis de compreensão e longas.

Art. 9.º Para garantir maior abrangência das aulas não presenciais, será
disponibilizado, sem custo para o usuário, o aplicativo “Aula Paraná” e seus
recursos, o qual deverá ser acessado durante o horário de disponibilização
das aulas, conforme Anexo I, da seguinte forma: I - os usuários, professores
e estudantes deverão baixar o aplicativo “Aula Paraná”, disponível para
Android e IOS; II - para acessar o aplicativo, o aluno deverá utilizar o seu
número do CGM (Cadastro Geral de Matrícula) e a senha será a data de
nascimento, com os quatro (4) dígitos do ano de nascimento. (PARANA,
SEED, 2020, s/p).

O aplicativo “Aula Paraná” foi disponibilizado, mas devido o acesso


era muito frágil, não suportava a quantidade informações, sem falar
que usava o pacote de conexão de dados da internet. A escola começou,
por iniciativa a usar canais não oficiais como WhatsApp para tentar se
comunicar e assim levar a informação. Porém, essa forma, trouxe um
acumulo de trabalho desproporcional.
Em nossa leitura, a preocupação maior está em consolidar o modelo
remoto do que assegurar um ensino de qualidade. A proposta do ensinar
remotamente, segundo Garcia et. al. (2020) não é sinônimo de ensinar
a distância, embora esteja diretamente relacionado ao uso de tecnologia
e, nesse caso, a digital. O ensino remoto permite o uso de plataformas
já disponíveis e abertas para outros fins que não sejam estritamente
os educacionais, assim como a inserção de ferramentas auxiliares. “A
variabilidade dos recursos e das estratégias, bem como das práticas, é
definida a partir da familiaridade e da habilidade do professor em adotar
tais recursos. Ensinar remotamente permite o compartilhamento de
conteúdo escolares em aulas organizadas por meio de perfis [ambientes

194 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


controlados por login e senha] criados em plataformas de ensino, como,
por exemplo, SIGAA e MOODLE, aplicativos como Hangouts, Meet, Zoom
ou redes sociais”.
Diante deste contexto, a professora se encontrou num processo
de experiência tenso e angustiante, pois o ensino não está seguindo as
normas de qualidade apregoada. Um outro agravante é que muitos alunos
estão deixando de participar das aulas por apresentarem dificuldades em
compreender e usar as plataformas e ferramentas auxiliares. As turmas
possuem entre 35 a 42 alunos cada sala; porém, há turmas em que que
destes, somente de 11 a 18 estão acessando as aulas; chegando ao extremo em
algumas em que outras turmas têm entre 5 a 8 alunos usando a plataforma
ou o aplicativo. Nas referidas turmas todos os alunos têm celulares e alguns
tabletes; porém, nesse momento em que a aula remota está sendo utilizada
como a principal modalidade de ensino, eles não o usam. A maioria por não
ter ADSL (tecnologia digital desenvolvida para permitir a comunicação de
dados em banda larga) e ao fato de os dados de celulares serem consumidos
de forma rápida7.
De certa forma, parte deste relato consiste em trazer à tona a situação
dos alunos, visto que poucos têm mais condições. O colégio atende
crianças e jovens de comunidades de baixa renda de determinada região de
Londrina. Por isso, o acesso dos alunos na plataforma do Google Classroom
revelou uma minoria de alunos negros que conseguiu se inserir no Ensino
Médio, mas não estão participando, mesmo tendo à disposição as atividades
impressas, que eles deveriam retirar no colégio, junto com o Kit merenda.
Para discutir o perfil e problemas dos alunos, no tópico a seguir
será feita a problematização, a qual traz algumas contribuições teóricas
fundamentais que ajudam na compreensão do processo de exclusão da
população negra e, ao mesmo tempo, debate a relevância da educação,
mesmo num quadro precário e de sucateamento, como importante
instrumento para diminuir as desvantagens acumuladas historicamente e
que são potencializadoras da reprodução das desigualdades raciais e sociais.
7
Mesmo com um quadro desfavorável, o Governo do Paraná alega que implantou ensino remoto para mais
de um milhão de alunos da rede pública. A Secretaria de Educação afirma que o programa é um sucesso por
atingir 99% dos estudantes; por outro lado, professores questionam a qualidade da aprendizagem. Disponível
em: <https://g1.globo.com/pr/parana/educacao/noticia/2020/07/08/ensino-remoto-no-parana-governo-fala-em-
sucesso-professores-questionam-qualidade-da-aprendizagem-dos-alunos.ghtml>.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 195


EXCLUSÃO DIGITAL DOS JOVENS NEGROS EDUCANDOS

O que é exclusão digital? Pode-se dizer que, segundo Almeida:

A exclusão digital pode ser vista por diferentes ângulos: pelo fato de um
aluno não ter um computador, por não saber utilizá-lo (não saber ler) ou
ainda por falta de um conhecimento mínimo para manipular a tecnologia
com a qual convive no seu dia-a-dia. De forma mais abrangente, podem ser
consideradas “excluídas digitalmente” pessoas com dificuldade até mesmo
de utilizar funções do telefone celular ou ajustar o relógio do “videocassete”;
observa-se, assim, que a exclusão digital depende das tecnologias e dos
dispositivos utilizados. Contudo, no contexto trabalhado, a exclusão digital
estará sendo conceituada como um estado no qual um indivíduo é privado
da utilização das tecnologias de informação, seja pela insuficiência de meios
de acesso, seja pela carência de conhecimento ou por falta de interesse
(ALMEIDA et al. 2005, s/p).

De acordo com o Painel TIC COVID-19/Centro Regional de Estudos


para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), Núcleo de
Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), em uma pesquisa sobre
o uso da internet no Brasil durante a pandemia do novo Coronavírus (2020),
esse meio virtual quase dobrou na última década. No período anterior à
pandemia, segundo dados da TIC Domicílios (2019), havia 127 milhões
de usuários da rede, o que correspondia a 74% da população brasileira.
No início da adoção do isolamento social como medida de contenção da
transmissão do novo Coronavírus, o IX.br, um dos maiores pontos de
troca de tráfego de internet do mundo e que é mantido pelo Núcleo de
Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), registrou um pico de
cerca de 13,5 terabits por segundo – evidência de que o tráfego da rede
atingiu um volume inédito no país. (BRASIL, CETIC, 2020).
No entanto, profundas desigualdades que marcam a sociedade
brasileira também se reproduzem no ambiente on-line, com menor
proporção de uso da internet em áreas rurais, entre indivíduos com menor
renda e escolaridade, bem como entre os mais velhos. Além disso, há

196 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


também desigualdades no acesso à internet de qualidade nos domicílios e
nos dispositivos utilizados para acesso à rede – para a maioria dos brasileiros,
o único dispositivo conectado é o telefone celular. O mesmo estudo revela
a permanência de um cenário de profundas desigualdades digitais. A
realização de atividades pela internet críticas para a vida cotidiana durante
a quarentena ainda ocorre em menor proporção nas faixas mais vulneráveis
da população, como aqueles com menor escolaridade e nas classes D E
(BRASIL, CETIC, 2020).
Mesmo com o aumento do tráfego de internet, as pessoas que
pertencem as camadas socioeconômica mais vulneráveis, como os
pertencentes a população negra estão dentro deste aumento? Quando se
remete a indivíduos de menir escolaridade logo ao se analisar os dados do
IBGE (2019), em que as informações sobre as condições de vida da população
brasileira pelo enfoque de cor ou raça são abordadas continuamente, por
meio dos resultados das pesquisas domiciliares, identifica-se que os mais
vulneráveis pertencem à população negra. A partir de 2018, considerando-
se a linha de US$ 5,50 diários, a taxa de pobreza das pessoas brancas era
15,4%, e de 32,9% entre as pretas ou pardas. Considerando-se a linha de
US$ 1,90 diários, a diferença também foi expressiva: enquanto 3,6% das
pessoas brancas tinham rendimentos inferiores a esse valor, 8,8% das
pessoas pretas ou pardas situavam-se abaixo desse patamar.
Os dados do IBGE reforçam que a quebra de mecanismos que levam
à reprodução das desigualdades raciais e sociais, como a implementação
de políticas reparativas (cotas sociais e raciais), ainda tem um longo
caminho a ser percorrido. Bourdieu salienta que a origem social em que
as características individuais são constituídas (as estruturas estruturantes e
estruturadas, o habitus) pode determinar a posição no meio social, seja no
campo profissional, seja no educacional. Uma vez que a população negra,
historicamente, manteve-se em uma posição social considerada inferior,
verifica-se que não obtive quantidades de capitais (acúmulo de forças
culturais, simbólicas, linguísticas, financeiras etc.) para competir com
aqueles que não estavam na mesma situação (como o grupo de senhores,
que se transformou em parte da elite branca). A educação é o campo que

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 197


os grupos desfavorecidos buscam construir um novo habitus para que as
próximas gerações tenham mais êxito social e econômico (apud SOUZA,
2017).
No caso da população negra, os prejuízos que dificultam a mudança
de posição social na sociedade brasileira decorrem do estilo de sobrevivência
imputado ao negro, visto que, após a oficialização da abolição, negou-se a
preparação para um estilo de vida individual que lhe constituísse a noção
de pessoa livre. Conforme, Bastide & Fernandes a transformação do negro
em homem livre ocorreu com o fim da escravização, mas a transformação
em trabalhador livre e assalariado se deu em condições em que houve um
processo de acomodação social inter-racial – ou seja, a transição lenta não
permitiu a formação de novas representações sociais sobre o negro como
agente de trabalho ou como empreendedor, tanto no seio da população
branca quanto no da população negra. A aceitação do negro em seus novos
papeis econômicos se subordinou e continuou a depender estreitamente da
concepção que os brancos e os próprios negros elaboraram a respeito do
status na nova ordem social (apud SOUZA, 2017).
Ianni, seguindo a trajetória da história social da população negra,
aponta que houve uma mudança jurídica, em que o negro se torna homem
livre, mas com um elemento não garantidor para ele concorrer em situação
de igualdade na sociedade capitalista, posto que, no período escravista,
o escravo se metamorfoseia em negro – ou seja, durante a escravização,
convenções entre senhores e escravos foram criadas. Tais convenções, no
entender desta pesquisadora, iriam sedimentar, após a abolição, as relações
sociais, num novo processo civilizador (apud SOUZA, 2017).
Nesse sentido, o escravo se metamorfoseou em negro, em mulato
ou em pardo enquanto o senhor em branco. Infelizmente, os personagens
se prolongaram nas pessoas fazendo parte de um processo civilizatório
que manteve o primeiro grupo em situação de desvantagem, pois as
discriminações já existiam legitimadas pelas regras e convenções em que
pesavam a etiqueta, pois eram maneiras de reforçar o lugar do escravo na
relação social, mantendo a distância social. Não foi por acaso que a cor da pele
foi selecionada cultural e socialmente como marca racial. Se as condições

198 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de convivência entre senhores e os escravos favoreciam a retenção de um
caráter físico que poderia, por sua natureza, exprimir simbolicamente
a distância entre as duas camadas sociais, não é menos verdade que a
própria dinâmica da sociedade de classes, que eles constituíam, dependia
estreitamente de um elemento que servisse como fonte de justificação e
de legitimação da conduta espoliativa e exclusivista dos senhores. A cor, a
qual indicaria agora, mais que uma diferença ou uma desigualdade social,
a supremacia de brancos, a inferioridade dos negros e o direito natural dos
membros daquelas de violarem seu próprio código ético, para explorar
outros seres humanos (IANNI, BASTIDE & FERNANDES, apud SOUZA,
2017).
Com o decorrer do tempo, a maioria da população negra foi
obrigada a ocupar as camadas inferiores, e com isso, teve que ceder
emoções, impulsos, comportamentos, em condição menos rigorosamente
regulamentados do que os das camadas superiores correspondentes, ou
seja, perpassando por constrangimentos que agem durante longos períodos
da história com ameaça física, miséria, fome, criminalização. A teoria
elisiana elucida que as violências deste tipo não levam à transformação
equilibrada dos constrangimentos exteriores em auto constrangimento. O
processo civilizatório não é irracional, o que torna possível se intervir na
sua orientação para que venha atender às necessidades da humanidade, seja
no nível individual seja no nível social. Elias, em sua análise, mostra que a
sociedade se constrói e elabora sua composição social (habitus) com base
em processos frutos das interpendências que ocorrem nas configurações
sociais (apud SOUZA, 2017).
Esses elementos teóricos de elisianos fomentam uma maior
compreensão sobre os imperativos que conformaram a tessitura social
brasileira, na qual pessoas - em especial, os negros - nesse processo
civilizatório, tiveram dificuldade em serem reconhecidos como indivíduos,
sendo lhes negadas a condição de ser humano, e em que, com o fim da
escravização, se iniciaria uma sequência processual como elemento da
identidade-eu, no sentido de se elaborar uma memória que os impelisse a
quebrar com o mores de subordinação e inferiorização, que marcaram sua
posição em sociedade (apud SOUZA, 2017).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 199


O ex-agente do trabalho escravo que se metamorfoseou em negro e
o processo civilizatório em curso promoveu um ajustamento racial que não
alterou o status social desse agente; pelo contrário, buscou marginalizá-
lo na ordem social em curso. Na transição do sistema escravista para o
capitalista, a “elite” brasileira recriou formas de ajustamento inter-racial
que reproduziriam o racismo, a discriminação e o preconceito. Ou seja,
um “novo” habitus social, em que a composição social dos indivíduos se
constituiria num solo onde brotariam as características pessoais mediante
as quais um indivíduo diferiria dos outros membros de sua sociedade (apud
SOUZA, 2017).
Não pode ser esquecido que a escola teve e tem um papel importante
na estruturação do habitus social. Estudos de Fernandes, Bastide, entre
outros, destacam que a população negra não foi atendida, ou seja, a educação
se constituiu como um campo de batalha para a permanência das crianças e
jovens negros, no pós abolição. Durante a fase que seria a das séries iniciais,
a convivência entre crianças brancas, negras e mestiças era tranquila; nas
fases seguintes, envolvendo os níveis secundário e o superior, as tensões
apareciam com uma força descomunal. Mesmo assim, a permanência de
uma criança negra na escola era marcada por desafios: primeiro, encontrar
uma; segundo: dentre ela, uma que o aceitasse. E quando ela se inseria, era
punida mais severamente pelos mestres; ouviam que “negro não precisava
ser doutor”; ocorriam brigas com colegas; preferência do professor pelos
alunos brancos, etc. Dessa forma, devido às barreiras, as famílias negras
muitas vezes eram indiferentes à escolarização de seus filhos (apud SOUZA,
2017).
Quando havia valoração da importância da escola para a mudança
de vida, as práticas discriminatórias nela, ou fatores fora dela – como
expectativas familiares ou níveis de aspirações culturalmente impostos
– permaneciam no fato de que, mesmo controlando pela origem social,
os negros abandonam a escola mais cedo que os brancos. Desse modo, as
chances de constituição do habitus, das estruturas estruturantes estruturadas
que permitem a incorporação das distinções e matrizes a partir do campo
(escolar) ficavam mais limitadas. Com menos qualificações educacionais os

200 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


negros entram no mercado de trabalho, disputando os níveis inferiores de
ocupações (apud SOUZA, 2017).
O padrão de segregação geográfica de brancos e negros explica parte
das desigualdades raciais. Tais resultados sugerem que, com relação às
possibilidades de mobilidade social ascendente, os negros estão presos a
um círculo vicioso, se comparados aos brancos sem capital, seja cultural,
linguístico ou artístico, que lhes oportunizem concorrer nos espaços
profissionais na alta hierarquia ocupacional. Por isso, como resultado da
discriminação racial no passado, cada nova geração de negros está em
posição de desvantagens, porque se origina desproporcionalmente de
família de baixa posição social. Mesmo que haja um controle da posição
social das famílias de origem, os filhos de pais negros acumularão menos
recursos competitivos que os filhos de pais brancos – incluindo níveis de
habilidade, educação e aspirações e a própria adscrição racial. Por outro
lado, uma vez que uma geração nova ou coorte de idade inicia o ciclo de
vida adulta, o racismo e a discriminação racial continuarão a interferir no
processo de mobilidade (HASENBALG apud SOUZA, 2017).
Entendemos que ao usar Pierre Bourdieu podemos discutir o habitus
como “princípios geradores de práticas distintas e distintivas”, e também
esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e
divisão e de gostos diferentes, de forma a entender como as origens sociais
condicionariam o sucesso ou insucesso no campo educacional bem como,
posteriormente, no profissional. Uma vez que os educandos são de origem
das camadas popular, ou seja, como aponta o Projeto Político Pedagógico
(PARANÁ, SEED, 2017, p. 35).

Apesar do município apresentar um desenvolvimento social além do


apresentado pelo País e mesmo pelo Estado, a região é marcada por uma
realidade das injustiças e desigualdades sociais, como o desemprego e a má
distribuição de renda – dentre outros problemas. Em relação à segurança,
a situação é crítica. O uso de drogas e a violência são frequentes dos
noticiários. A população enfrenta suas dificuldades, na maioria das vezes
sem muito questionar, carecendo de maior politização e representatividade
na luta por políticas públicas no campo social - principalmente, nas áreas

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 201


de segurança, saúde e educação. Na realidade a região é marcada por
carências de canais institucionais de intervenção popular na definição das
políticas públicas. Especificamente em relação às drogas, vale ressaltar que
as escolas periféricas são atingidas distintamente das escolas centrais, mas
que são tratadas da mesma maneira, quando a questão é caracterização e
investimentos.

A análise elisiana salienta que a sociedade se constrói e elabora


sua composição social (habitus social) com base em processos que são
frutos das interdependências que ocorrem nas configurações sociais.
Tais configurações conformaram a tessitura social brasileira, ao qual os
indivíduos - em especial, os negros - nesse processo civilizatório, tiveram
dificuldade de serem reconhecidos como indivíduos, sendo-lhes negada
a condição de ser humano. Com o fim da escravização se iniciou uma
sequência processual como elemento da identidade-eu, no sentido de
se elaborar uma memória que os impelisse a quebrar com o mores de
subordinação/inferiorização, que marcaram sua posição em sociedade,
reproduzindo um grau de incivilidade (apud SOUZA, 2017).
Ao propor entender o processo de (in) civilizatório dialogamos com
os estudos de Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Carlos Hasenbalg,
referentes às desigualdades sociais, econômicas e raciais no Brasil vimos
como os ex-agentes do trabalho escravo e do trabalho manual livre,
radicados na sociedade de castas (negros e mulatos) ingressavam no
novo processo com desvantagens insuperáveis. A desagregação do regime
escravocrata e senhorial operado no Brasil não garantiu aos antigos
agentes do trabalho escravo a assistência e a proteção na transição para
o sistema de trabalho livre, segundo ele. E os senhores foram eximidos
da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que
o Estado, a Igreja ou qualquer instituição assumissem encargos especiais,
que tivessem por objetivo prepará-los para o novo regime de organização
da vida e do trabalho. Nessa relação não houve alterações nas distinções
sociais de um grupo (negro) para outro (branco). Mesmo apresentando
resistência durante a escravatura, por parte dos negros, no sentido de mudar
as relações sociais, permaneceu um mores regido por valores, padrões,

202 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


convenções e etiquetas que identificam o negro como membro inferior na
sociedade (apud SOUZA, 2017).
Em suma, as desvantagens educacionais e ocupacionais dos
negros, retoma que eles, reforçaram mecanismos que restringem as suas
oportunidades à mobilidade e ascensão social; e que não são apenas da
herança escravista, mas refletem também as oportunidades desiguais de
ascensão social a abolição (SOUZA, 2017).
Ao se analisar o quadro que envolve educação, o IBGE (2019) em suas
pesquisas mostrou o crescimento do acesso à educação da população preta
ou parda tem se materializado desde a infância. Nesse grupo populacional,
a frequência das crianças de 0 a 5 anos de idade à creche ou escola aumentou
de 49,1% para 53,0%, entre 2016 e 2018. Por outro lado, 55,8% das crianças
brancas de 0 a 5 anos de idade frequentavam creche ou escola.
No entanto, ao se verificar a taxa de conclusão do ensino médio da
população preta ou parda (61,8%), que, embora tenha aumentado desde
2016 (58,1%), o IBGE (2019) informa que continua menor que a taxa da
população branca (76,8%). Essa taxa mede a proporção de pessoas com 3
a 5 anos acima da idade esperada de frequência no último ano do ensino
médio (de 20 a 22 anos de idade) e que concluíram esse nível. Portanto,
a educação, com o tempo, tem se tornado importante instrumento para
diminuir as desvantagens acumuladas historicamente.
Agora, com a pandemia, o ensino ou aula remota trouxeram
sérias questões para os grupos de pessoas que já enfrentavam um
quadro desfavorável, em especial os educandos negros do Ensino Médio.
Infelizmente, a experiência educacional no momento da pandemia, que
experimentamos em 2020, mostrou o alijamento dos educandos negros,
em especial das aulas, pois esses foram se dedicar a outras atividades para
ajudar no sustento da casa.
Com isso as desvantagens em educacionais ganham um novo
patamar, aprofundado pela pandemia, em que devido ao uso forçado e sem
planejamento do ensino remoto, a qual tem sido feito de forma atropelada,
sem preparo ou formação dos profissionais de educação, causando muita
confusão e desencontros. A seguir, destaca-se os relatos de experiência

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 203


referente a um colégio público periférico da cidade Londrina, localizada no
norte do estado do Paraná.

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

O colégio de atuação pertence à rede estadual de ensino. Ele oferta


as modalidades Ensino Fundamental, Médio e Profissional e se localiza no
município de Londrina/PR. Está sobre a jurisdição do Núcleo Regional de
Ensino-Londrina, cuja mantenedora é a Secretaria de Estado da Educação
do Paraná (SEED/PR). Os cursos ofertados são: Ensino Fundamental
Anos Finais do 6º ao 9º ano; Ensino Médio (1º ao 3º ano); (2) Técnicos
Integrados ao Ensino Médio; (3) Técnicos Subsequentes ao Ensino Médio –
(1) Técnico Integrado à Educação de Jovens e Adultos; e CELEM/Espanhol.
Atualmente, está com 45 turmas em funcionamento, sendo que os registros
mostram cerca de 1.195 alunos matriculados para 2020; o Ensino Médio
tem 615 alunos matriculados.
Em 2017, ao fazer parte da equipe multidisciplinar do colégio fez-se
uma pesquisa sobre perfil etnicorracial dos educandos do colégio. Foram
distribuídos vários questionários no ensino médio (matutino e noturno) e
cerca de 363 alunos devolveram com as respostas. O interessante que, 269,
ou seja, 74,12% dos alunos declararam possuir pele branca, enquanto 74
alunos, 20,38% parda e 20 alunos, 5,5% preta (PARANÁ, SEED-PR, 2018).
Por que informar esse recorte no relato? O fato de atuar no colégio há mais
de 11 anos permite-nos conhecer os adolescentes e jovens educandos, saber
que, no momento recortado, havia (ou há) a dificuldade de identificação
étnica. Porém, o fato de se abordar e problematizar nas aulas questão
racial no Brasil, causa desconfortos e os alunos mostram as dificuldades de
aceitação das origens étnicas, em especial a indígena e a negra.
A professora tem 20h semanais e ministra a disciplina de Sociologia
para o ensino médio e técnico em integrado ao ensino médio. Veja o quadro
abaixo com o número de alunos por sala atendidos:

204 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Tabela 1 - Número de alunos atendidos pela docente8
Ensino Médio/Alunos Técnico Integrado ao Ensino Médio
Ano/Modalidade
matriculados por turma Alunos matriculados por turma
1 ano 42 45
2 ano 33 34 35 27
3 ano 35 35 37
Fonte: SOUZA (2020)

Ao começar o ano letivo de 2020, estava atendendo em torno de 323


alunos. Com a fechamento das aulas presencias e inserção, sem consulta
à comunidade escolar, das aulas remotas, a quantidade de alunos de
frequência diária caiu drasticamente; ou seja, os registros mostram que
só 111 alunos acessam a plataforma classroom realizando as leituras e as
atividades postadas de Sociologia. Observa-se que os acessos do Ensino
Médio são: a turma de 1 ano apresenta 14 alunos frequentado; nos segundos,
somente 42 alunos acessam; e nos terceiros anos, 23 alunos. Já no Técnico
Integrado ao Ensino Médio: no primeiro, 22 alunos, e no segundo ano, há
10 alunos com frequência.
Não se tem 50% de participação; por isso, não se pode dizer que o
Estado do Paraná é referência no ensino remoto, como alega a propaganda
veiculada nos meios digitais e escritos, pelo governo. Dessa forma, ao
analisar o contexto, compreende-se que vários fatores contribuem para a
baixa adesão dos educandos. O primeiro foi que não houve uma consulta
por parte dos gestores da Secretaria Estadual de Educação (SEED), sobre
organização, acesso e orientações no sentido de validar o projeto de ensino
remoto. No primeiro mês, abril, pais, filhos e educadores foram pegos de
surpresa. O governo lançou a resolução, fez lives e tutoriais. Foram muitas
informações difusas, e que se modificam a cada duas semanas.
A SEED comprou um aplicativo, o Aula Paraná, que ficou certo
tempo instável para ser usado, a priori, no celular. Logo, veio a orientação
para ser usada a plataforma que do Google, o classroom. Depois de acessar
8
O fato de ter um padrão de 20h e a escola ter várias turmas, a carga horaria se fecha a partir de uma
escolha. Esse ano escolhemos trabalhar apenas com 2 primeiros anos (sendo que outros professores
atendem outras turmas de 1 (3), 2 (1) e 3 (1) anos). No relato é trazido o contexto apenas das turmas
que atendemos.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 205


a este, seria pelo aplicativo. Em princípio, todo o acesso foi possibilidade
por um e-mail, o @escola.pr.gov.br, que é do Google Education. Até então,
apenas os docentes tinham-no; agora, todos os alunos também têm o
e-mail, e isso é o que os faz ter acesso ao método.
Apesar de aplicativos e plataformas apresentarem problemas, a SEED
coloca videoaulas em canais abertos de TV. As aulas do Ensino Médio eram
transmitidas no canal 74. Lá, os professores tutores faziam as questões,
respondiam-nas e pediam para que os alunos anotassem no caderno para
mostrarem ao professor quando voltarem as aulas presenciais.
No entanto, estas não retornaram ainda; com isso, a exigência de uso
regular ficou à cargo da plataforma classroom. Nesse ínterim, os que não
tinham acesso ao aplicativo, à plataforma e nem à televisão teriam que ir à
escola pegar atividades impressas junto com o Kit merenda. Mas, os poucos
que pegaram não as fizeram e não retornaram, pois queriam algo mais fácil,
pelo fato de não ter a aula presencial.
Fechou-se o 1º trimestre (a partir de 2020, todas as escolas estaduais
passaram a usar o modelo trimestral); alguns alunos começaram a
aparecer no aplicativo e depois na plataforma. Ao iniciar-se o 2º Trimestre,
foi disponibilizado o Meeting (um recurso dentro do classroom) para,
finalmente, a aula remota ser possível. O problema é que os alunos que
apareceram trouxeram as suas dificuldades e dos colegas, ou seja, que muitos
não tinham um computador, ou que quem possuía não sabiam utilizá-lo
(saber digitar) e precisava da ajuda dos pais ou responsáveis, ou seja, total
falta de um conhecimento mínimo para manipular a tecnologia com a qual
convive-se no dia-a-dia. Também não sabiam usar as funções do telefone
celular ou do tablet, por isso, os pedagogos e diretores começaram a atender
presencialmente os alunos, orientando-os como usar seus celulares e outros
equipamentos.
Com isso, observa-se forte presença da exclusão digital (ao necessitar
usar os equipamentos, tem-se a falta de conhecimento de tecnologias e
de dispositivos). Com isso, educandos negros, que já enfrentam diversas
adversidades (como as desvantagens acumuladas historicamente), tem mais
essa situação (ensino remoto) como obstáculo. A maioria dos educandos

206 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


do colégio são negros e pardos. Suas famílias são das camadas populares, e
são força de trabalho assalariada, informal (em atividades produtivas legais
e ilegais, como o comércio de drogas ilícitas), ou estão desempregados.
Nestes meses de trabalho remoto, ao fazer a verificação de presenças
e postagens de atividades diárias na disciplina de atuação, constata-se que
a maioria dos alunos negros não estão acessando a tecnologia, em especial
os dos segundos e terceiros anos. Ao se fazer o conselho de classe (reunião
feita entre docentes, direção e equipe pedagógica), quando questionados
sobre a ausência dos educandos, em especial de negros e pardos, as
informações dos pedagogos são as seguintes: muitos não tinham recursos
eletrônicos que aceitavam a tecnologia da plataforma e dos aplicativos; e
que as videoaulas da SEED eram muito difíceis devido à falta de contato
com o docente da disciplina. Somando ao quadro a necessidade de inserção
em trabalhos precários para ajudar nas despesas de casa, visto que os
responsáveis perderam empregos9 na pandemia.
Contanto, a pandemia de Covid-19 ou Coronavírus, ao se estabelecer
no País, tende a intensificar o complicado processo civilizatório em curso,
que já promoveu um ajustamento racial não alterador do status social
da maioria da população negra; pelo contrário, buscou marginalizá-
lo na ordem social, visto que reforçou as formas de ajustamento inter-
racial reprodutoras de racismo, de discriminação e de preconceito.
(SOUZA, 2017). Com isso, fica a preocupação sobre o futuro das sofridas
gerações de adolescentes negros em situação de exclusão (educacional,
digital, econômica, etc.), aliado ao desmonte, à precarização e à falta de
investimento em geral no sistema público de ensino. O ano letivo de 2020
poderia ter sido cancelado; ou poderia ter sido abertos outros canais de
conversas com pessoas que estão no chão da escola para se pensarem novas
formas de como se organizar a retomada do ensino sem excluir quem mais
dele precisa.
9
Desde o início da pandemia, no mês de março, até o final de julho, Londrina fechou 6.627 vagas
de emprego com carteira assinada. Os dados são os mais recentes do Novo Caged (Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados). Comércio e serviços foram os setores mais afetados. O grande número
de desligamentos se concentra no mês de abril, com saldo negativo de 3.867 vagas. O período coincide
com o primeiro fechamento do setor produtivo, decretado pela prefeitura entre 20 de março e 20 de
abril, em função da pandemia do novo Coronavírus. De março a julho foram 19.494 admissões e
26.121 demissões na cidade (REDELUME, 2020). 

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 207


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia acarretou sérios problemas para a população em geral.


O cenário político não conseguiu organizar e alinhar as ações de combate
à mesma. O Estado do Paraná não abriu canais para dialogar com a
comunidade escolar a fim de construir o processo de ensino remoto; assim,
impôs um com muitos problemas, sem levar em conta as diversas situações
que englobam as vulnerabilidades socioeconômicas que os educandos
das escolas de “periféricas” pertencem. Com isso, a exclusão tem o sido
acirrada. A jornada de trabalho de docentes, pedagogos e diretores e outros
profissionais foi triplicada.
Antes, nas aulas presenciais, os educandos apresentavam defasagens
como as de mal domínio da escrita, da leitura e da interpretação textual.
Agora, na preocupação com o processo de ensino remoto, a situação torna-
se mais precária; não apenas a exclusão digital centraliza a pauta, mas a
exclusão escolar também tem seus índices aguçados, visto que a evasão
escolar está elevada.
Em resposta, os gestores da SEED querem obrigar os docentes a
usar o meeting com frequência, com ameaças de lançar faltas no ponto
docente. A repercussão dessa medida autoritária foi contestada por todos
no dia seguinte; o secretário da educação fez um vídeo informando que não
haveria punição, caso não ocorresse o uso da ferramenta. Enfim, essa é a
situação em andamento.
Reforça-se, com o título do capítulo, que a proposta de trabalho visou
socializar um relato de experiência em que a docente, de certa forma, está
como protagonista. O relato traz questões que foram deixadas sem explorar
pela natureza do trabalho, mas que podem ser revistas em outro momento.

REFERÊNCIAS

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brasileira.  JISTEM J.Inf.Syst. Technol. Manag. (Online),  São Paulo, v. 2,  nº.
1,  p. 55-67, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S180717752005000100005&lng=en&nrm=iso. Acesso 25 Ago.  2020. 

208 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


BRASIL. CETIC. Painel TIC COVID-19: Pesquisa sobre o uso da Internet no
Brasil durante a pandemia do novo coronavírus - 1ª edição: Atividades na Internet,
Cultura e Comércio Eletrônico. Agosto de 2020. Disponível em: https://cetic.br/
pt/publicacao/painel-tic-covid-19-pesquisa-sobre-o-uso-da-internet-no-brasil-
durante-a-pandemia-do-novo-coronavirus-1-edicao/ Acesso 20 ago. 2020.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: Ministro assegura que estados,


DF e municípios podem adotar medidas contra pandemia. Disponível em https://
portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441075&ori=1.
Acesso 08 jul. 2020.

BRASIL. IBGE. Desigualdades Sociais por cor ou raça no Brasil. Estudos e Pesquisas.
Informação Demográfica e socioeconômica. Nº.41, 2019. https://biblioteca.ibge.
gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf Acesso 20 ago. 2020

GARCIA, Tania (et. al.). Ensino remoto emergencial. Rio Grande do Norte:
EDUFRN, 2020. Disponível no site. https://www.progesp.ufrn.br/storage/
documentos/J6dXTu40BhFMBwqOKhecGy4zeozuC9qaV9gE2Kt0.pdf. Acesso 10
ago. 2020

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coronavírus). 7 de julho de 2020. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.
php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875. Acesso
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PARANA.SEED. Resolução Seed nº 1.016 - 03/04/2020 - Regime especial - aulas


não presenciais. Publicado no Diário Oficial nº. 10663. Disponível em: http://www.
educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-05/
resolucao_1016_060420.pdf Acesso em 20 abr. 2020

PARANA. SEED. Mural Descritivo. Equipe Multidisciplinar. 2018.

PARANÁ- SEED PR. Projeto Político Pedagógico. 2017. http://www.


ldapolivalente.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/168/arquivos/File/
ProjetoPoliticoPedagogicoPPPColEstadualPolivalenteEFMPLondrinaCompleto.
pdf Acesso 20 Set 2020.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 209


REDELUME. Desemprego e pandemia: Londrina fecha 6,6 mil postos de trabalho.
Disponível em:https://redelume.com.br/2020/09/14/londrina-fecha-mais-de-7-
mil-postos-de-trabalho-durante-a-pandemia/ Acesso 20 Set 2020

SOUZA, Nilda. Ações Afirmativas em universidades públicas brasileiras: uma


análise sobre a implantação das cotas raciais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais).
São Paulo. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de
Ciências e Letras. Campus Araraquara: 2017, 245 f.

UOL. Coronavírus: Brasil tem 904 mortes em 24h e ultrapassa 120 mil óbitos.
https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/08/29/
coronavirus-mortes-e-infectados-29-de-agosto-de-2020.htm Acesso 30 ago. 2020

210 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE O EXERCÍCIO DA
PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA PARA O ENSINO
REMOTO DE SOCIOLOGIA

Amanda Caroline Bezerra de Melo1

INTRODUÇÃO

A ementa da disciplina de Estágio Supervisionado em Ciências


Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) prevê a observação
do ambiente educacional, por meio do acompanhamento de aulas de
Sociologia da rede pública de ensino básico. A partir disso, também está
previsto o desenvolvimento de planos de aulas e regências, as quais devem
ser ministradas nas turmas em que o/a discente realiza o acompanhamento
(UEL, 2010). Todavia, em razão do fechamento das escolas em março
de 2020, devido à pandemia de Covid-19, a disciplina teve sua estrutura
adaptada às novas condições de ensino remoto.
Através do Decreto nº 4230 de 16 de março de 2020, o governo do
Paraná determinou a suspensão das aulas presenciais em escolas públicas
da rede estadual de ensino e nas Universidades Estaduais, a partir do dia 20
de março de 2020. Logo após o decreto, o Conselho Estadual de Educação
do Paraná (CEE) regulamentou o regime especial de ensino remoto no
Estado, pelo período em que vigorasse a suspensão das aulas presenciais,
com objetivo de compor o período letivo do ensino básico e superior. No
caso da UEL, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) aprovou a
retomada do calendário acadêmico, pelo uso do ensino remoto emergencial,
a partir de 29 de junho de 2020 (AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DO PARANÁ,
2020; PARANÁ, 2020; FELIX, 2020; LIVORATTI, 2020).
No que diz respeito aos estudantes do sétimo período do curso de
Ciências Sociais da UEL, a aprovação do retorno às atividades por ensino
remoto emergencial significou uma adaptação da matriz curricular do curso
1
Graduada no Curso de Ciências Sociais da UEL (Licenciatura e Bacharelado). Contato: amanda.
melo1496@gmail.com.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 211


à nova realidade, especialmente para a disciplina de Estágio Supervisionado
II. Para a disciplina, a nova matriz implicou: no cumprimento de trinta
horas síncronas de observações e/ou intervenções em aulas de Sociologia
ministradas pelo ensino remoto, com estudantes do Ensino Médio; na
elaboração de um plano de aula, com a reconfiguração do texto didático
em recurso audiovisual e a construção de dois instrumentos de avaliação
adequados à internet; na realização de uma regência entre os meses de
outubro a dezembro de 2020, para os estudantes de Ensino Médio que o
estagiário/a está realizando o acompanhamento (LIMA, 2020).
A partir do contexto descrito, este trabalho tem por objetivo relatar
minha experiência sobre o exercício da Pedagogia Histórico-Crítica para o
ensino remoto de sociologia, durante a regência realizada sob a disciplina de
Estágio Supervisionado II de licenciatura em Ciências Sociais, no primeiro
semestre letivo de 2020. Primeiro, foi descrita a metodologia empregada
para a elaboração do plano de aula. Após, foi relatada a experiência ocorrida
na regência que ministrei para os terceiros anos do Ensino Médio de uma
escola na cidade de Cambé, Paraná. Por último, foi feita uma reflexão a
respeito da efetividade da Pedagogia Histórico-Crítica na construção do
conhecimento escolar, ante o contexto atual e os desafios impostos aos
profissionais da educação.

METODOLOGIA

A preparação do plano de aula para a realização da regência foi feita


sob a metodologia de ensino elaborada por João Luiz Gasparin, em “Uma
didática para a Pedagogia Histórico-Crítica” (2005). Nesta abordagem
metodológica, a proposta de didática foi baseada no fundamento teórico-
metodológico do materialismo histórico-dialético, com foco na produção
do conhecimento a partir da prática. Assim, o método consiste na
prática como ponto de partida, seguida da ascensão à teoria e regresso à
prática como práxis. Um plano de aula ideal, dentro dessa perspectiva,
se divide em: i. prática social inicial do conteúdo; ii. problematização;
iii. instrumentalização; iv. catarse; v. prática social final do conteúdo
(GASPARIN, 2005).

212 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A prática social inicial do conteúdo consiste em uma preparação do
aluno para a construção do conhecimento escolar, através de um contato
inicial com o tema que será estudado. O procedimento prático recomendado
por Gasparin (2005) é que o professor inicie as atividades apresentando aos
alunos o conteúdo que será trabalhado no decorrer da aula, juntamente
com os objetivos geral e específicos que se pretende alcançar. Feito isso, o
docente deve estabelecer um diálogo com os estudantes sobre o conteúdo
a ser trabalhado, o qual deve ser conduzido de maneira que permita
identificar se a vivência do conteúdo é próxima ou distante no cotidiano
e desafiar os alunos, para manifestar sua curiosidade a respeito do tema
(GASPARIN, 2005; GASPARIN; PETENUCCI, 2012).
A problematização, enquanto segundo passo, representa a transição
entre a prática e a teoria. Enquanto a prática social inicial consiste na
tomada de consciência da realidade e de suas relações com o conteúdo
a ser desenvolvido, a problematização envolve o questionamento dessa
realidade e também do conteúdo. Primeiro, deve-se identificar os principais
problemas postos no passo anterior, sucedido da discussão sobre eles, com
base no que os alunos já sabem. Após, é feita a explicitação do conteúdo
que será trabalhado em dimensão social, histórica, econômica, política,
ideológica etc. Tanto a identificação dos problemas como a explicitação
do conteúdo são feitas a partir de questões problematizadoras preparadas
previamente pelo professor (GASPARIN, 2005).
A instrumentalização envolve a confrontação dos alunos com o
conteúdo, por meio da apresentação sistemática do mesmo pelo professor
e a ação intencional dos alunos de se apropriarem desse conhecimento
(GASPARIN, 2005). A procedimentalidade da instrumentalização se dá
através de “ações docentes adequadas o conhecimento científico, formal,
abstrato, conforme as dimensões escolhidas na fase anterior; [...] neste
processo usa-se todos os recursos necessários e disponíveis para o exercício
da mediação pedagógica” (GASPARIN; PETENUCCI, 2012, p. 10).
Enquanto que na instrumentalização a construção do conhecimento
é mediada pela análise, na catarse a operação fundamental é a síntese.
Neste quarto passo, permite-se que os estudantes manifestem o que foram

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 213


capazes de assimilar durante os passos realizados até então (GASPARIN,
2005). Segundo Gasparin (2005), a catarse representa a síntese do aluno,
refletindo sua nova postura mental e o novo grau de conhecimento a que
chegou, que pode ser expressado por uma avaliação formal ou informal,
sob forma oral ou escrita (GASPARIN; PETENUCCI, 2012).
A prática social final representa a transposição dos objetivos da
unidade de estudo, das dimensões e dos conceitos instrumentalizados da
teoria para a prática. Neste momento, o professor mantém um diálogo com
os alunos à luz dos novos conceitos, com foco na definição de estratégias
para o uso significativo do conteúdo nas operações sociais práticas. A
realização da prática se dá em dois momentos: i. uma nova atitude prática,
manifesta nas intenções de como o aluno levará à vida cotidiana os novos
conhecimentos científicos adquiridos; ii. uma proposta de ação focada no
compromisso dos alunos para com a prática social. A previsão de trabalho
pode ser desenvolvida individualmente ou em grupo (GASPARIN, 2005;
GASPARIN; PETENUCCI, 2012).
A partir do que foi dito, este relato diz respeito à experiência vivida
pela autora durante uma regência realizada para os alunos dos terceiros
anos do ensino médio de uma escola na cidade de Cambé, Paraná. O
plano de aula foi elaborado sob a metodologia de Gasparin (2005), com
o tema de “Direitos civis, políticos e sociais: as relações entre público e
privado no Brasil”. O objetivo geral foi a compreensão da relação entre
público e privado no Brasil, através do conceito de “homem cordial” de
Sérgio Buarque de Holanda (1995b), tendo em vista observar como se
articulam os direitos civis, políticos e sociais na sociedade brasileira. Os
objetivos específicos forma: a. levantar um questionamento a respeito do
“jeitinho brasileiro”, de forma a apreender o nível de compreensão em
relação ao assunto; b. apresentar o personagem Zé Carioca e relacionar
com o princípio da cordialidade e do “jeitinho brasileiro” desenvolvido por
Sérgio Buarque de Holanda; c. analisar como se dá a relação entre público e
privado no Brasil, através das contribuições de Sérgio Buarque de Holanda
e Raymundo Faoro, permeado por uma perspectiva sócio-histórica; d.
discutir como os direitos civis, políticos e sociais se articulam na sociedade

214 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


brasileira, conforme descrito por Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo
Faoro (apud MELO, 2020).
A regência foi realizada em 29 de outubro de 2020, às 11h00, através
de ensino remoto por Google Meet. Além dos estudantes dos terceiros anos
do ensino médio, a aula foi acompanhada pelos graduandos da disciplina
de Estágio Supervisionado II do curso de Ciências Sociais da UEL, a
professora orientadora da disciplina e a professora supervisora de estágio.
A descrição da experiência do ensino remoto de Sociologia e da adaptação
do plano de aula será descrita a seguir.

A EXPERIÊNCIA DO DIA 29 DE OUTUBRO DE 2020

Na manhã do dia 29 de outubro de 2020, aproximadamente às 11h00,


recebi o link para acesso à sala virtual em que ocorreria a aula. Prontamente,
a professora supervisora explicou para os alunos como funcionaria a
dinâmica da aula naquele dia. Aproveitei a oportunidade para informar os
estudantes que a regência também seria acompanhada pelos meus colegas
de turma. Após feitas as considerações, dei início à aula.
Como prática social inicial de conteúdo, introduzi aos alunos
o personagem do Zé Carioca, por meio da reprodução de um vídeo
selecionado no YouTube2. O alvo da atividade era apreender o que os alunos
entendiam por jeitinho brasileiro. Para estabelecer o diálogo, elaborei três
perguntas referentes ao vídeo reproduzido relativas ao que eles entendiam
por jeitinho brasileiro, se pensavam que o personagem do Zé Carioca
representava a realidade do brasileiro e como imaginavam que as pessoas de
outros países achavam que é o Brasil (FERREIRA 2012; VENTURA, 2018).
Houve algumas afirmações do jeitinho brasileiro estar associado às ações
que o brasileiro toma para conseguir as coisas de maneira fácil. Os alunos
chamaram a atenção para o caráter malandro do personagem Zé Carioca,
como também o fato de que o mesmo não representa a figura do brasileiro.
Por fim, afirmaram que a maneira como os estrangeiros enxergam o Brasil
é semelhante ao apresentado no vídeo: o país do samba e do futebol.

2
BRAZIL MUSIC ONLINE. Alô, Amigos! - Tico Tico no Fubá [1942]. 2019. (3m22s). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=mPVyiln578g&t=1s. Acesso em: 08 out. 2020.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 215


Depois da reprodução vídeo e da realização da sondagem inicial,
o passo da problematização seria realizado através do texto didático
convertido em slides, o que exigia o compartilhamento de tela. Porém,
repentinamente, meu notebook parou de funcionar. Sob o risco de perder
a dinâmica estabelecida ao início da aula, recorri às anotações que havia
feito sobre o conteúdo em um caderno e dei continuidade ao restante da
regência oralmente, em modo de fórum.
Curiosamente, o evento fortuito serviu de apoio para a própria
problematização do conceito de jeitinho brasileiro. Como parte da
explicação, perguntei aos alunos o que eles entendiam por “gambiarra”
e em seguida fiz referência à situação em que a aula estava sendo dada,
como de uma “gambiarra tecnológica”. Através disso, consegui demonstrar
como a gambiarra, enquanto derivativo do jeitinho brasileiro, representa
o modo próprio da população brasileira em lidar com os problemas. Feito
isso, continuei com a explicação do jeitinho brasileiro como relacionado
a uma solução criativa para burlar regras e normas, retomando a figura
do personagem do Zé Carioca como associada à malandragem, esperteza
e a um indivíduo avesso ao trabalho (HOLANDA, 1995b; PRADO, 2016;
FERREIRA, 2012; VENTURA, 2018).
Consoante à noção de jeitinho brasileiro, abordei o conceito de
homem cordial Holanda (1995b). Evidenciei como o autor concebe o
homem cordial como representante do típico indivíduo brasileiro, cuja
maior consequência é a incapacidade de dissociar os interesses privados da
esfera pública (HOLANDA, 1995b; SILVEIRA, 2005; AVELINO FILHO,
1990). Como elemento de ligação entre o personalismo típico do homem
cordial e a natureza das relações entre público e privado no Brasil, fiz uso do
conceito de “gambiarra” para representar como funciona a política eleitoral
brasileira. Em coincidência com o fato de que houveram eleições municipais
em 2020, perguntei aos alunos se já ouviram promessas de campanha de
candidatos a vereadores e/ou prefeitos. Os alunos participaram ativamente,
relatando casos que observaram, principalmente, em seu bairro. Demonstrei
como a inclinação do brasileiro em votar na figura política que lhe oferece
mais benefícios ou cuja aparência mais lhe agrada, reflete o personalismo a

216 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


que Holanda se refere. Neste contexto, associei o período eleitoral como o
momento da “gambiarra política”.
Após, relatei como Raymundo Faoro interpreta as relações entre
público e privado no Brasil como fruto de uma herança patrimonialista,
cujo predomínio das vontades particulares resultou em um descaso com os
assuntos da esfera pública. Como forma de explicar o caráter personalista
do patrimonialismo, questionei aos alunos se eles conheciam a figura
de Getúlio Vagas, amplamente conhecido como o “pai dos pobres”. Este
exemplo serviu de base para explicar como o populismo arraigado na Era
Vargas estava ligado ao personalismo identificado por Raymundo Faoro,
cuja maior consequência era a ocupação de cargos com base na confiança
pessoal que merecem os candidatos (FAORO, 2001; HOLANDA, 1995a;
SILVEIRA, 2005; CAMPANTE, 2003; COSTA, 1992; COSTA, 2014).
Antes de prosseguir com a dinâmica pela qual a aula estava sendo
dada, consegui enviar o arquivo com os slides do texto didático à uma
colega de turma, para que a mesma pudesse fazer o compartilhamento de
tela. Assim, pude fazer uso do material audiovisual para explicar como no
Brasil há um distanciamento do Estado dos interesses da nação. Em razão
de a primazia das vontades particulares ter provocado um mal-entendido
da democracia no Brasil, apresentei a superação do colonialismo e da
cordialidade, aliado à construção da cidadania e da defesa da coisa pública,
como caminho para a construção do Estado democrático de direito e
redução das desigualdades (HOLANDA, 1995b; COSTA, 1992; COSTA,
2014; SILVEIRA, 2005; FAORO, 2001; WAIZBORT, 2011).
Por fim, terminei a problematização com um trecho da canção
Apesar de você de Chico Buarque (1970). Perguntei aos alunos se alguém
conhecia o artista e lhes informei que o mesmo era filho de Sérgio Buarque.
Expliquei que enquanto Sérgio Buarque procurou em sua teoria analisar
o comportamento social que explicasse o avanço do populismo da Era
Vargas, Chico Buarque protestou, em forma de música e poesia, contra a
opressão que a sociedade vivia durante a ditadura militar. Conclui com a
afirmação de que ambos buscaram colaborar com a formação de um Estado
que combata as desigualdades e sociais.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 217


Como prática social final, realizei oralmente com os alunos um
exercício do vestibular sobre o conceito de cordialidade em Holanda
(1995b). A atividade me fez perceber que a aula realizada em formato de
fórum virtual foi bem sucedida no desenvolvimento dos conceitos e na
apreensão dos alunos. De fato, a experiência foi capaz de prover reflexões
importantes tanto sobre o uso da metodologia da Pedagogia Histórico-
Crítica, como também as formas de a adaptar para a realidade do ensino
remoto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto pandêmico trouxe consigo vários desafios prática


docente. Em um curto espaço de tempo, professores da rede pública e
privada de ensino precisaram se adaptar a uma modalidade de ensino
que representou um campo desconhecido para muitos. Neste contexto, é
natural que haja um questionamento se a realidade emergente tornará os
antigos métodos de ensino ultrapassados. Em minha experiência com o uso
da Pedagogia Histórico-Crítica, pude perceber que, principalmente para o
ensino remoto, a metodologia ainda se mantém efetiva na construção do
conhecimento escolar.
Segundo Gasparin e Petenucci (2012, p. 2), “grande parte dos
problemas enfrentados pela área educacional é o excesso de informações
[...]” e a apresentação superficial do conteúdo. Uma das grandes vantagens
da concepção lógica dialética disposta na Pedagogia Histórico-Crítica é a
possibilidade oferecida ao professor de superar o senso comum que impera
no ambiente educacional. O conhecimento é construído na interação entre
o sujeito e o objeto, neste caso entre o aluno e o conteúdo, através de ações
socialmente mediadas pela figura do professor. Assim, os conteúdos são
tratados como uma necessidade pessoal e social, dando a oportunidade aos
alunos de se apropriarem dos conhecimentos com sentido para suas vidas
(GASPARIN; PETENUCCI, 2012).
Embora o ambiente virtual implique em mudanças capazes de
influenciar a dinâmica básica de ensino, a começar pelo distanciamento

218 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


imposto entre professores e alunos, alunos e o ambiente escolar, o tratamento
do aluno como protagonista no processo de produção de conhecimento
ainda é uma ferramenta efetiva na construção do saber. Na experiência que
vivenciei, os problemas técnicos culminaram em uma aula construída a
partir da ampla participação dos alunos no desenvolvimento dos conceitos.
Ao trazer os alunos para o debate, como forma de garantir a dinâmica da
aula, pude perceber que a apreensão do conteúdo foi muito mais ampla
do que talvez teria sido no plano original e que os alunos conseguiram se
apropriar do conhecimento gerado.
É certo que os problemas técnicos que enfrentei representam um
dos vários desafios impostos pela modalidade de ensino remoto. Porém,
mesmo com os impasses, a metodologia da Pedagogia Histórico-Crítica
ainda conseguiu ser efetiva na construção do conhecimento, a partir da
união entre teoria e prática. Portanto, considerando o contexto atual e os
desafios impostos aos profissionais da educação, reitero que a formação do
pensamento crítico, através da participação ativa dos alunos no processo de
apresentação e discussão do conteúdo, ainda se constitui em uma estratégia
efetiva na construção do conhecimento escolar.

REFERÊNCIAS

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16 mar. 2020. Disponível em: https://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/
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Estado, v. 9, nº. 3, Brasília, set.-dez. 2014, p.821-840.

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Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 221


WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque de
Hollanda, Raízes do Brasil, 1936. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, nº.
76, Rio de Janeiro, jun. 2011, p. 39-62.

222 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A CONSTITUIÇÃO DA
DOCÊNCIA EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

Adriana Regina de Jesus Santos1


Daniella Caroline R. R. Ferreira2
Quenízia Vieira Lopes3
Luiz Gustavo Tiroli4

INTRODUÇÃO

Em meio a sociedade contemporânea, muito tem se discutido sobre


as práticas docentes, a fim de analisar o seu processo, sua trajetória e
avanços no campo da educação. Resgatar o percurso histórico e social da
constituição da docência no Brasil é o foco norteador deste trabalho, bem
como o de trazer possíveis reflexões pelo viés da Teoria Histórico-Cultural
para a ressignificação desta formação docente, em busca de uma formação
humana que possibilite o melhor desenvolvimento da prática pedagógica
e, consequentemente, contribua positivamente no processo ensino
aprendizagem, utilizando-se dos melhores métodos para que os objetivos
desejados sejam alcançados, possibilitando a construção e reconstrução do
conhecimento cotidianamente.
Isto posto, questiona-se: de que maneira a Teoria Histórico-Cultural
pode contribuir para repensar a constituição e a prática docente no contexto
1
Pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Doutora em Educação pela
Pontifícia Católica de São Paulo. Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da
Universidade Estadual de Londrina. Contato: adrianatecnologia@yahoo.com.br
2
Doutoranda pelo programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina
(UEL). Possui Mestrado em Educação (2018-2019) pelo programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Linha de Pesquisa: Docência: Saberes e Práticas. Formação
de Professores. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) (2017).
Contato: daniellacarolinef@gmail.com.
3
Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), mestra em Linguística
pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), especialista em Inspeção Escolar pela Universidade
do Tocantins (UNITINS) e Pedagoga pela Faculdade Educacional da Lapa (FAEL). Exerce o cargo de
Pedagoga / área Orientação Educacional do Instituto Federal do Tocantins (IFTO). Contato: quenizia@
gmail.com.
4
Mestrando em Educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Bacharel em Administração
pelo Centro Universitário Filadélfia (UNIFIL). Acadêmico do curso de Direito da Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Contato: luiz.gustavo.tiroli@uel.br.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 223


brasileiro? Para tanto, o presente artigo tem como objetivo refletir acerca da
constituição da docência no Brasil e sobre a ressignificação da formação de
professores a partir de balizas teóricas alicerçadas na perspectiva Histórico-
Cultural para uma prática docente humanizadora.
O método adotado é o indutivo. A abordagem é qualitativa. A
técnica de pesquisa empregada é a revisão bibliográfica, tendo como
parâmetro os estudos dos seguintes autores: Leontiev (1978); Mello (2000);
Nóvoa (1995); Saviani (1997, 2005); Tardif (2014); Vygotski (1998), entre
outros. O presente estudo é parte integrante do projeto de pesquisa O
campo do currículo e sua relação com a formação do pedagogo: pressupostos
e implicações no campo da docência, da gestão e da pesquisa da Universidade
Estadual de Londrina.
Na consecução do objetivo acima delineado, o capítulo se divide em
três seções. A primeira discorre sobre a constituição da docência no Brasil e
os aspectos legais envolvidos no processo do fazer e ser professor. A segunda
seção visa discutir a formação docente no Brasil a partir de uma perspectiva
histórica e institucional, resgatando as principais concepções pedagógicas
que nortearam a formação de professores no país ao longo das quadras
históricas, tais como Lancasterianismo, o Escolanovismo, o Tecnicismo e
a Pedagogia Crítica. Por fim, a terceira seção tece considerações sobre as
contribuições da Teoria Histórico-Crítica para a formação de professores
em uma perspectiva crítica, reflexiva e humanizadora.

A CONSTITUIÇÃO DA DOCÊNCIA NO BRASIL

Falar sobre a constituição da docência remete-nos inicialmente a


imaginar como foi o percurso inicial desses professores, isto é, como os
professores de diversas áreas adquiriram tais funções atribuídas à profissão
docente. Destaca-se que entre a diversidade de formação dos professores,
identificamos áreas diferenciadas em que esses profissionais atuam, como,
por exemplos, professores das séries iniciais, com formação específica em
Licenciatura em Normal Superior ou Pedagogia; e professores formados em
cursos de licenciaturas para atuação nos demais níveis de ensino, inclusive

224 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


com atuação no Nível Superior. Diante do exposto, surge o questionamento:
Como é registrado o percurso da constituição da docência no Brasil?
A constituição da docência relaciona-se diretamente à Carta
Fundamental dos brasileiros, hoje a Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, que traz, entre outros assuntos, o capítulo Da Educação,
da Cultura e do Desporto, com atualizações desde a instituição da primeira
constituinte, outorgada em 1824, diferentemente da Constituição vigente
que foi promulgada.
De acordo com a Constituição vigente, a Educação é um direito
de todos e dever do Estado e da família, e “será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho” (BRASIL, 1988). Para que o previsto pela legislação vigente
ocorra, faz-se necessário recursos humanos especializados para auxílio na
demanda. Assim, a constituição da docência, isto é, o seu percurso, segue
a linha das legislações vigentes, que possuem como base a Constituição
Federal da época correspondente.
A profissão docente surge da exigência social. A constituição da
docência possui características do contexto histórico, sendo influenciada
pelos fatores econômico, político e social. A Lei n.º de 15 de outubro de
1827, que “Manda criar escolas de primeiras letras em todas as cidades,
vilas e lugares mais populosos do Império, a serem instituídas em todas as
cidades, vilas e lugares mais populosos” (BRASIL, 1827), de acordo com
as necessidades, dispõe, em seu artigo 6º, as atribuições necessárias para a
profissão docente, descrevendo:

Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética,


prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de
geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral
cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados
à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do
Império e a História do Brasil (BRASIL, 1827).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 225


De acordo com o preceituado pela Lei anteriormente citada, verifica-
se que o aspecto religioso relaciona-se diretamente com as atribuições
designadas aos professores, uma vez que sua atuação deve ser guiada
em conformidade com as concepções doutrinárias do período, além de
descrever os elementos básicos da atuação docente, quais sejam, o ensino da
língua nacional e das operações básicas de matemática e de geometria. Essa
afirmativa, quanto a influência da religiosidade na prática docente, pode
ser ratificada nas palavras de Nóvoa (1995) ao assegurar que a instituição
da profissão de professor estabeleceu-se primeiramente como uma função
acessória das atividades desenvolvidas nas comunidades religiosas, não
sendo necessário possuir especialidade para ocupação dessa função. De
acordo com o referido autor, a função docente era exercida por religiosos
ou leigos de origens diversas.
Com o passar dos tempos, conforme disposto por Nóvoa (1995),
a função do professor foi ganhando diretrizes norteadoras, quase todas
advindas de outros indivíduos que não necessariamente atuavam na função
educacional, “configurando um corpo de saberes e de técnicas e um conjunto
de normas e de valores específicos da profissão docente” (NÓVOA, 1995,
p. 15), que demarcavam estratégias de ensino, influenciadas pelo contexto
religioso. No entanto, conforme a prática docente realizava-se, e seguindo
um instinto profissional, os professores adaptavam-se à missão de educar e
nem sempre seguiam as regras convencionadas, o que gerou uma ruptura
de parte dessas normas e valores impostos.
Destaca-se que, o Estado interveio e contribuiu para que a função
exercida pelo docente se tornasse uma atividade profissional e não mais
uma mera função subordinada às atividades da comunidade religiosa.
Nóvoa (1995, p. 17) relata que;

A partir do final do século XVIII não é permitido ensinar sem uma


licença ou autorização do Estado, a qual é concedida na sequência de
um exame que pode ser requerido pelos indivíduos que preencham um
certo número de condições (habilitações, idade, comportamento moral,
etc.). Este documento constitui um verdadeiro suporte legal ao exercício
da actividade docente, na medida em que contribui para a delimitação do

226 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


campo profissional do ensino e para a atribuição ao professorado do direito
exclusivo de intervenção nesta área.

Assim, com a instituição das normas básicas para atuação na


carreira docente, cria-se um perfil básico desse profissional, uma vez que,
para ingresso na atividade, o indivíduo deveria possuir as características
requeridas para tal exercício, que também traziam influências da conjuntura
política do período, o que podemos considerar como a profissionalização
do exercício de professor.
De acordo com o Imbernón (2016), para se exercer a profissão
de professor são necessários três elementos fundamentais, que são:
compromisso, contexto e conhecimento. Nessa linha, o autor testifica que,
como era considerado anterior ao século XX, a figura do professor deve ser
como a de um mestre, sendo àquele que possui sabedoria e humanidade
para educar, com paciência necessária, os que precisam de instrução.
Considera-se que um dos principais marcos para a instituição da
docência no Brasil a instauração dos cursos de licenciaturas que, segundo
Pimenta e Anastasiou (2005), ocorreu em 1934, na Universidade de São
Paulo, e tinha como o intuito disponibilizar aos bacharéis os conhecimentos
pedagógicos necessários para o desenvolvimento das atividades de docência.
A realização das atividades do professorado constavam pré-
estabelecidas no Decreto-Lei n.º 1.190, de 4 de abril de 1.939 (BRASIL,
1939), como as aulas teóricas, práticas de laboratório, bem como as
atividades de seminários, carecendo de realização conforme orientações
deliberadas. Desta forma, os docentes recebiam uma base norteadora
das atividades a serem desenvolvidas na ministração das disciplinas, na
Faculdade Nacional de Filosofia, cujo conteúdo programático deveria ser
elaborado pelo professor. Nos dias atuais, o contexto não está tão diferente
do que ocorria em 1939, visto que ainda são pré-estabelecidas algumas
das atividades que devem ser realizadas pelos professores, que podem ser
encontradas nas normativas dispostas pelo Governo destinadas à educação.
A área educacional envolve muitas questões, que podem gerar
conflitos, e atores, conforme relatado por Nóvoa (1995), e entre esses

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 227


atores o professor pode ser considerado uma peça fundamental que,
em muitos momentos da história, incluído os dias atuais, é apontado
como uma ameaça para o planejamento e as propensões dos demais
envolvidos no processo educacional. Esse deve ser um dos motivos pelo
qual a luta por reconhecimento e valorização dessa profissão perdura na
contemporaneidade.
Mudanças significativas na educação ocorreram com a instituição da
LDB vigente, a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu
as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, entre as quais foram definidas
algumas ações que estão vinculadas diretamente ao trabalho da docência.
Faz-se necessário uma consideração de que as atividades do professor
são influenciadas pelo contexto em que esse se encontra. Outrossim,
cada um pode comportar-se de uma forma distinta, de acordo com a sua
personalidade e/ou individualidade, e em conformidade com o ambiente
inserido. À vista disso, é inegável reconhecer que o trabalho docente seja
influenciado pelo contexto, e que, de certa forma, as ações do professor não
são totalmente suas responsabilidades. Essa foi uma realidade do passado e
continuar sendo assim nos dias atuais, conforme podemos testificar na fala
de Imbernón (2016, p. 37) ao descrever que:

[...] Em cada momento e em cada época histórica houve uma forma de ver
o trabalho do professor (tradicional, revolucionário, religioso, conservador,
autoritário, artista, divulgador…). Os componentes da profissão docente
foram sempre os mesmos (escola, crianças, cadernos, tarefas, aulas, lousa
etc.), mas não a escala de valores usada para determinar as prioridades.
Cada um é diferente e as épocas marcam os homens e as mulheres; também
marcam a forma de ver a educação e o magistério. No entanto, isso não é
culpa de uma profissão.

O exercício do professor e a reflexão daquele fez com que novas


atribuições fossem repensadas, transformadas e/ou instituídas legalmente.
Por isso, não basta possuir conhecimentos, é necessário saber compartilhá-
lo, além de transformar a prática em conhecimento, de acordo com a
realidade do contexto, uma vez que as mudanças são cotidianas. Portanto,

228 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


é necessário o exercício ininterrupto da prática e da reflexão sobre as ações
na função docente. Corrobora com essa afirmação as palavras de Tardif ao
proferir que,

Finalmente, os próprios professores, no exercício de suas funções e na


prática de sua profissão, desenvolvem saberes específicos, baseados em seu
trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. Esses saberes brotam
da experiência e são por ela validados. Eles incorporam-se à experiência
individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer
e do saber-ser. Podemos chamá-los de saberes experienciais ou práticos
(TARDIF, 2014, p.38-39).

Analisando-se a história, é perceptível que a profissão de professor


não trilhou caminhos fáceis. Foi a partir da constatação da atuação docente
necessária que surgiu a institucionalização da profissionalização e valorização
da carreira. As lutas para reconhecimento de sua profissionalização e
valorização da carreira são constantes desde o surgimento dessa função.
O trabalho em si do professor não pode ser considerado incomplexo:
possuir saberes, compartilhá-los com diferentes grupos e ainda lidar com as
circunstâncias dos contextos econômico, social e político requer a detenção
de diversas habilidades, além de possuir conhecimentos diversificados. As
mudanças são constantes na caracterização da profissão docente. Por isso,
os professores devem estar em constante aperfeiçoamento, temática que
abordaremos a seguir.

A FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL: PERSPECTIVAS


HISTÓRICAS E INSTITUCIONAIS

A formação de professores foi preconizada por Comenius, ainda


no século XVII. A primeira instituição voltada à formação docente foi
criada por São João Batista de La Salle em 1684. Entretanto, a exponencial
necessidade de formar professores se deu a partir da valorização da
escolarização ao final da Revolução Francesa (XVIII) (SAVIANI, 2005, p.
12).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 229


Neste contexto, conforme Saviani (2005), surge a Escola Normal
Superior para preparar professores para o magistério no ensino secundário
e a Escola Normal com vistas a formar docentes para ensino primário.
Itália, França, Alemanha e Estados Unidos foram, ao longo do século
XIX, instituindo suas respectivas escolas normais voltadas à formação de
professores.
No Brasil, destacam-se quatro concepções pedagógicas educacionais
que direcionam a educação e a formação docente: I) Lancasterianismo;
II) Escolanovismo; III) Tecnicismo; e IV) Pedagogia crítica. O objetivo
do presente capítulo consiste em discutir a formação de professores e
propor a perspectiva histórico-crítica como uma alternativa ao modelo
que historicamente foi consolidado no que diz respeito à formação de
professores no território nacional. Assim, nesta seção, discorre-se sobre um
resgate histórico acerca da formação docente para contextualizar a discussão
em torno da formação docente e suas possibilidades de ressignificação por
meio das premissas da Teoria Histórico Cultural que se dará na próxima
seção.
Adentrando na primeira fase histórica, no Brasil, a metrópole
portuguesa impedia que se instaurasse na colônia centros de estudos
especializados ou Universidades. Assim, somente após a independência,
no contexto da discussão sobre a organização da estrutura escolar popular
é que emerge a primeira legislação conhecida como Lei das Escolas de
Primeiras Letras em 15 de outubro de 18275.
A norma adotou o método lancasteriano que consistia em valorizar
os conhecimentos dos alunos com melhor desenvolvimento, colocando-
os para ensinar um grupo de dez alunos sob a orientação de um inspetor,
suprindo a falta de professores que foi uma marca do século XIX no Brasil.
Mais adiante, em 1834, a descentralização atribuiu a responsabilidade
do ensino e da formação de professores para as províncias. Na esteira dessa
determinação, a Província do Rio de Janeiro decide implantar em Niterói
a primeira Escola Normal do Brasil em 1835. A criação e o fechamento

5
A norma estabeleceu que “[...] os Professores que não tiverem a necessária instrução deste ensino, irão
instruir-se em curto prazo e à custa dos seus ordenados nas escolas das capitais”. Além disso, “[...]os
castigos serão os praticados pelo método Lancaster” (BRASIL, 1827).

230 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de Escolas Normais ocorreu durante todo o período imperial atingindo
estabilidade somente em 1870, “quando se consolidam as ideias liberais
de democratização e obrigatoriedade da instrução primária, bem como de
liberdade de ensino” (TANURI, 2000, p. 64).
Com o advento da República, São Paulo se destaca no cenário
nacional ao estipular que não se pode ter um ensino regenerador e eficaz
sem uma sólida formação docente6. Assim, foi instituída a Escola-Modelo
que visava preparar o aluno para o exercício do magistério na prática,
sem preocupações com a formação teórica sistemática. Diversos Estados
da federação enviam seus professores para estagiar nestes centros de
ensino que se tornaram referências nacionais. Entretanto, a década de
1930 é marcada pelo movimento escolanovista, que denunciava o modelo
antecessor como fortemente marcado pelo domínio da técnica e carente de
reflexões teóricas que pudessem potencializar a ação pedagógica propondo,
assim, a profissionalização da docência.
Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo são precursores do
movimento que representa a segunda fase histórica da concepção
educacional e da formação docente, o escolanovismo. A centralidade do
processo de ensino e aprendizagem é descolada do professor para o aluno,
para tanto, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova apregoavam que
a formação do professor deveria ocorrer no Ensino Superior, elemento
fundamental para o desenvolvimento da educação nacional, pois “desde
o início do século 19 até os anos 30, a formação docente era restrita a
escola normal a qual preparava o docente das ‘primeiras letras’” (CURY,
2005, p. 4).
Na exposição de motivos do Decreto 3.810, de 19 de março de
1932 fica demonstrado as críticas às Escolas Normais da época, para
7

tanto, propõem-se o modelo ideal, ou seja, três modalidades de cursos: a)


cursos com fundamentos profissionais; b) cursos específicos de conteúdo

6
“Considerando que, sem professores bem preprados, praticamente instruidos nos modernos processos
pedagogicos e com cabedal scientifico adequado ás necessidades da vida actual, o ensino não póde ser
regenerador e eficaz” (SÃO PAULO, 1890).
7
“As nossas escolas normaes soffrem egualmente desse vício de constituição. Pretendendo ser, ao
mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional, falham lamentavelmente aos dous
objectivos” (TEIXEIRA, 1932).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 231


profissional; e c) cursos de integração profissional. Neste contexto, a Escola
Normal passa a ser denominada de Escola de Professores.
Com o advento da Universidade do Distrito Federal, a Escola de
Professores foi incorporada formando a Escola da Educação, semelhante
à ocorrida em São Paulo com o Instituto de Educação em relação à USP.
Em 1939, surgem os primeiros cursos de pedagogia com foco em formar
professores para os cursos normais, enquanto que os cursos de licenciatura
formam docentes para as disciplinas específicas do ensino secundário.
Avançando na história, o golpe militar de 1964 gerou transformações
na educação brasileira. Em 1968, houve a modificação do Ensino Superior
e em 1971 a alteração do ensino primário e médio que passaram a ser
denominados primeiro e segundo grau (SAVIANI, 2005). As Escolas
Normais foram desaparecendo em detrimento da criação da Habilitação
Específica de 2.º grau pela Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 19718 que
instituiu as Diretrizes e Bases para o ensino de 1.º e 2.º graus. Entretanto,
não havia mecanismos efetivos que garantisse a reciclagem dos professores,
como também não havia integração interdisciplinar, surge a terceira fase, o
tecnicismo que apregoava a superação da pedagogia nova em detrimento
da ascensão da neutralidade científica, sendo baseado nos princípios de
racionalidade, produtividade e eficiência.
A racionalidade educacional da época estava atrelada ao atendimento
das necessidades do mercado, haja vista que o Brasil encontrava-se em
uma fase do capitalismo periférico associado a subordinação ao grande
capital internacional. A formação de professores passou a ser atrelada ao
domínio da técnica com vistas a produção de resultados verificáveis, haja
vista que visa formar “indivíduos capazes de contribuir para o aumento da
produtividade da sociedade” (ALBERTO; PLACIDO; PLACIDO, 2020, p.
1660).
Assim, o período é tido como o “[...] período áureo do tecnicismo
no Brasil, tanto a pesquisa como os programas de formação/seleção
8
“Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério: a) no ensino de 1º grau,
da 1ª à 4ª séries, habilitação específica de 2º grau; b) no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação
específica de grau superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura de 1º grau obtida em
curso de curta duração; c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em curso
superior de graduação correspondente a licenciatura plena” (BRASIL, 1971).

232 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de professores passam a valorizar os aspectos didático-metodológicos,
sobretudo as tecnologias de ensino, nomeadamente os métodos e técnicas
especiais de ensino” (FIORENTINI; SOUZA JUNIOR; MELO, 1998, p.
313).
A busca pela formação de mão-de-obra qualificada voltada ao
mercado de trabalho reduz a instituição escolar a reduto de transmissão dos
conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade. Assim, não
haveria espaço para o desenvolvimento do pensamento crítico, reflexivo,
participativo e propositivo, tanto para o ensino regular quanto para a
formação de professores que deveriam ser hábeis na técnica de transmitir
o conteúdo útil a realização das tarefas por parte dos alunos egressos no
trabalho para o qual eram formados.
Na perspectiva tecnicista alicerçada na ideologia liberal, o professor
não é convidado a refletir sobre a prática docente. A redução do professor
a operacionalizador do ensino corrobora com a visão de que o docente não
necessita de “[...] uma base teórica e prática fortemente fundamentada em
princípios filosóficos, históricos, metodológicos; os seus atributos pessoais
passam a ser valorizados em detrimento da formação profissional” (ARCE,
2001, p. 262).
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o advento
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.º 9.394/96, a
formação docente passou a ser obrigatoriamente vinculada ao Ensino
Superior, entretanto, por falha de técnica legislativa, autorizou-se a
formação de professores para a Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental em nível médio9. Assim, para Saviani (2005), os avanços
esperados foram frustrados, justamente pela possibilidade de se admitir a
formação de professores na modalidade Normal.
Desde o movimento escolanovista, sustenta-se que a centralização
do processo de ensino e aprendizagem em torno do aluno e a formação
crítica e reflexiva demanda que os professores sejam formados pelo Ensino
Superior, no intuito de terem contato com leituras, reflexões e discussões
9
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso
de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação
infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade
normal (BRASIL, 2017).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 233


que permitissem expandir o repertório acadêmico e cultural que possa ser
instrumento de uma ação docente consciente diante dos alunos. Entretanto,
o país, em que pese ter modificado três vezes a redação desse artigo10, não
estipulou, ao menos, um prazo para que todos os professores atuantes
buscassem a formação acadêmica adequada ao exercício do magistério.
Desta forma, discorrido sobre os aspectos históricos da formação
docente no Brasil, destaca-se a Teoria Histórico-Cultural proposta por L. S.
Vygotsky que será apresentada na terceira seção deste capítulo, no intuito
de perquirir as interfaces entre a proposta da teoria histórico social na
formação de professores em uma perspectiva crítica e reflexiva quanto a
prática docente e discorrer sobre uma a quarta concepção de formação de
professores no Brasil, fase marcada pelo advento das pedagogias críticas.

PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO


CULTURAL PARA A FORMAÇÃO DOCENTE

Esta seção apresenta as compreensões e reflexões de autores que


estudam pelo viés da Teoria Histórico-Cultural tais como: Vygotsky (1998),
Mello (2000), Leontiev (1978), entre outros que contribui com a temática
a fim de orientar e possibilitar reflexões para uma possível ressignificação
docente. Para compreender a formação docente é necessário compreender
o seu desenvolvimento humano, seu contexto social e cultural, premissa
principal da Teoria Histórico Cultural onde Vygotsky elaborou muitos
conceitos para compreensão do desenvolvimento humano, até os dias
atuais, suas contribuições elucidam e colaboram para as pesquisas e para a
formação do ser humano e consequentemente do professor.
A Teoria de Vygotsky (1998) ampara-nos para pensarmos novas
perspectivas e modificações no trabalho do professor que consiste em um
mediador entre o conhecimento e o aluno. Enfatizamos que essa teoria não
tem como objetivo instruções didáticas e manuais a serem percorridos, mas
caminha no viés de transformação e reflexão para o professor enquanto
suas práticas.

A redação original é de 1996, a primeira modificação do dispositivo se deu por meio da Lei n.º 12.796,
10

de 2013 e a última alteração supracitada ocorreu por intermédio da Lei n.º 13.415, de 2017.

234 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Entendemos que a partir do conhecimento socialmente construído na
interação entre o homem e o meio em qual vive, não podemos desconsiderar
a abordagem Histórico Cultural, o autor elucida que o processo da
aprendizagem se constitui por meio da transformação que o homem faz da
natureza, e nesse processo de humaniza e ocorre uma transformação social.
Com base nessa teoria compreendemos que a formação docente não pode
desconsiderar que os conhecimentos são historicamente construídos.
As relações sociais proporcionam caminhos necessários para o
desenvolvimento humano, neste sentido, a escola encontra-se em um espaço
e lugar na vida humana, onde a mesma garante condições ao homem de
se apropriar-se do mundo. Ou seja, a escola tem papel fundamental tanto
no desenvolvimento das funções psíquicas quanto na articulação entre
os velhos e novos conhecimentos, entre conceitos cotidianos e conceitos
científicos, por meio da mediação do professor. Nesse viés, Saviani ressalta
algo importante sobre o objetivo do trabalho educativo na escola, como o
de:

[…] o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo


singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um
lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados
pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de
outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas
para atingir esse objetivo (SAVIANI, 1997, p. 17).

Dessa maneira, é notório a importância da educação e da formação


docente no processo de humanização, pois a escola é a fonte de transmissão
dos conhecimentos histórica e socialmente acumulados ao longo do tempo.
Esse entrelaçamento entre educação e humanização, é apontado por Mello
(2000, p.63):

[…] entendemos que o processo de humanização se dá como processo


de educação, seja aquele realizado assistematicamente em todas as
modalidades da prática social dos homens, seja aquele processo

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 235


sistematizado, necessariamente marcado pela intencionalidade através da
apropriação do conhecimento sistematizado, não-cotidiano. Em outras
palavras, entendemos a educação como acesso à possibilidade máxima de
apropriação do gênero humano, do máximo de humanidade desenvolvida
social e historicamente […]

Assim, entende-se que é por meio da educação que o ser humano se


desenvolve e se torna humano, e quanto maior for o acesso deste aos bens
historicamente produzidos, maior será a possibilidade de apropriação do
gênero humano. De acordo com Heller (2008, p. 113), “o homem, enquanto
ser humano-genérico, não pode conhecer e reconhecer adequadamente o
mundo a não ser no espelho dos demais”. Não se trata de repetição, mas de
evidenciar que o desenvolvimento histórico se sobrepõe ao biológico.
Para Leontiev (1978, p. 273) “[…] quanto mais progride a
humanidade, mais rica é a prática sócio-histórica acumulada por ela,
mais cresce o papel específico da educação e mais complexa é a sua tarefa”.
Compreender a importância dessa afirmação redimensiona o trabalho
intencional do professor na escola. O autor defende que “[…] esta relação
entre o progresso histórico e progresso da educação é tão estreita que se
pode sem risco de errar julgar o nível geral de desenvolvimento histórico
da sociedade pelo nível de desenvolvimento do seu sistema educativo
[…]” (LEONTIEV, 1978, p. 273). E, como tem nos apontado a Teoria
Histórico-Cultural, sem experiências vividas, sem aprendizagem, não há
desenvolvimento humano.
Outra questão relevante discutida é a relação sociais e suas trocas
e experiências constituídas ao longo do tempo. De acordo com Leontiev,
“[…] a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos
do mundo circundante por meio de outros homens, isto é, num processo
de comunicação com eles”. E acrescenta, “[…] a criança aprende a atividade
adequada. Pela sua função, este processo é, portanto, um processo de
educação” (LEONTIEV, 1978, p. 272).
O que se supunha que já era dado ao nascer, como a fala, o
pensamento, a imaginação e outras funções, na realidade é aprendido
pela criança por meio de sua constante atividade social e somente depois

236 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


passa a ser interna e pessoal. Por isso que Leontiev (1978) afirma que o
processo de desenvolvimento humano é um processo de educação. É à luz
desse referencial que ousamos pensar a educação dos professores e futuros
educadores, onde devemos buscar uma reflexão acerca de nossas ações
e pensarmos o quanto a escola é um lugar das ações intencionalmente
planejadas, com vistas à promoção da humanização.
Consideramos que nos últimos anos o pensamento de Vygotsky tem
contribuído para a educação de vários países, inclusive no Brasil, trazendo
reflexões significativas para a educação e o trabalho docente dos professores,
mudando suas concepções principais, e suas concepções de homem e
sociedade onde pode-se dizer que o sujeito é autônomo, ativo em todo o seu
processo de desenvolvimento de acordo com o contexto social e cultural que
o mesmo vive, fazendo com que essa realidade se transforme e se engendra
a outras, possibilitando ações que promovem a conscientização do sujeito
por meio da reelaboração de sentidos e significados, transformando-se a si
e ao contexto ao seu redor.
Assim, compreendemos que não se pode negar que Vygotsky
construiu sua teoria, fornecendo tanto à psicologia como à educação,
contribuições originais e de grande significativa neste viés, sugerindo um
novo paradigma que possibilita olhar o sujeito de um modo diferente
a partir de uma interação e mediação em todo o seu processo de seu
desenvolvimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerar a Teoria Histórico-Crítica para uma análise sobre a


constituição da docência é iniciar pelo ponto de partida, analisando-se as
diferentes formas em que se deu a instituição da profissão do professor, bem
como do seu desenvolvimento, observando-se e estabelecendo interligação
entre o contexto, o estabelecimento e o aperfeiçoamento dessa profissão.
Apreende-se que, de acordo com o nível de atuação da função
docente, exige-se um perfil específico para o desenvolvimento laboral do
professorado. Sondando-se a realidade dos dias atuais e estabelecendo-se

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 237


uma comparação com o passado, percebe-se que, apesar das diferentes
exigências, o Estado manteve continuamente a organização regulamentar
da atuação docente e que esta foi influenciada pelos aspectos históricos do
contexto em que se estabelecia.
Na formação e atuação da profissão do professor todos os
conhecimentos adquiridos no seu percurso de vida, sejam conhecimentos
adquiridos da própria natureza ou aqueles adquiridos nos contextos social
e cultural, são essenciais para a sistematização dos saberes como um todo,
que serão utilizados em sua prática profissional e poderão contribuir de
forma significativa com o desenvolvimento de todos os envolvidos no
processo educacional, em outras palavras, subsidiará o desenvolvimento
de uma sociedade mais crítica e participativa, uma vez que o professor é
considerado um mediador entre os conhecimentos e o receptor desses.
Nesse contexto, é imprescindível considerar a abordagem
Histórico Cultural tanto na instituição da profissão docente como no
desenvolvimento desta, haja vista que os conhecimentos historicamente
construídos são alicerces para o desenvolvimento humano, o que nessa
conjuntura do trabalho do professor possibilita uma melhor vinculação dos
conhecimentos teoricamente estruturados com a práxis pedagógica.

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Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 241


FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL:
UM OLHAR A PARTIR DOS PRESSUPOSTOS DA
PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Adriana Regina de Jesus Santos1


Nathalia Martins Beleze2
Thaise Pereira da Silva3

INTRODUÇÃO

As discussões em torno da temática “formação de professores” são


diversas no cenário educativo. Essas, são baseadas em diferentes referenciais
teóricos, com abordagens amplas e distintas. No entanto, em nossa análise,
coloraremos em evidência a pedagogia histórico-crítica, como uma
possibilidade para o delineamento da formação docente no Brasil, tendo
em vista que, os demais posicionamentos que perpassam esta questão,
afetam diretamente à educação básica, uma vez que, a precariedade da
última, é resultado, também, de uma formação de educadores inconsistente
e acrítica.
A Pedagogia Histórico-Crítica teve sua gênese no final da década de
1970 com Dermeval Saviani; instigado pelas necessidades contextuais que
permeavam a sociedade com o clima cultural, político e pedagógico que se
instaurou na crítica à política educacional – visto que a Pedagogia oficial
era orientada pelo regime militar. As intempéries impulsionaram a busca
de uma alternativa que propusesse uma teoria pedagógica que fosse crítica,
mas não reprodutivista.

1
Pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Doutora em Educação pela
Pontifícia Católica de São Paulo. Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da
Universidade Estadual de Londrina. Contato: adrianatecnologia@yahoo.com.br
2
Mestra e Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Londrina. Contato: nathaliamartins@uel.br
3
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina. Atualmente é professora
da Rede Municipal de Londrina e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEL.
Contato: thaise.nessi@gmail.com

242 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Afinal, os modelos de educação que orientavam a ação docente até
o presente período foram fundamentados em pedagogias tradicionais,
escolanovistas, tecnicistas e crítico-reprodutivistas, expressas como
aparelhos ideológicos do Estado e da escola dualista, pois “as teorias em
questão são reprodutivistas no sentido de que chegam invariavelmente à
conclusão de que a educação tem a função de reproduzir as relações sociais
vigentes.” (SAVIANI, 2013, p. 78).
Contrapondo esta lógica, a Pedagogia Histórico-Crítica compreende
a escola como uma possibilidade de transformação social por meio do
acesso ao saber sistematizado, produzido historicamente pelo conjunto
de homens, por meio do qual ocorrerá a humanização dos indivíduos.
Essa pedagogia tem suas bases filosóficas, político-sociais, históricas e
econômicas no materialismo histórico-dialético, assim como em reflexões
marxistas que contemplam autores como Gramsci, Vigotski, Lênin e
Engels. A partir dessas referências, a Pedagogia Histórico-Crítica pensa a
escola enquanto um espaço de resistência e de luta da classe trabalhadora
contra o poder dominante.
A centralidade da pedagogia em questão está no conhecimento
científico. Trata-se do eixo principal da prática pedagógica que percebe
professores e alunos como agentes sociais que se diferenciam no ponto de
partida do processo educativo em relação ao conhecimento.
Enquanto na pedagogia tradicional os educandos são considerados
como indivíduos abstratos, na Pedagogia Histórico-Crítica, os alunos são
vistos como sujeitos concretos constituídos por uma multiplicidade de
relações, que são estabelecidas no contexto social, político, econômico e
cultural no qual estão inseridos. Dessa forma, o que interessa ao aluno
diz respeito às “condições em que se encontra e que, por vezes, ele não
escolheu”. Portanto, nega-se a ideia de que o aluno pode fazer tudo à sua
própria escolha, contrapondo às “pedagogias negativas” do aprender a
aprender.
Por essa lógica, a formação de professores deve ser pensada a partir
das condições objetivas de vida dos alunos, a fim de que estes possam estar
preparados para atuar na prática social. Para isso, os conteúdos precisam

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 243


ser organizados de forma intencional e efetiva, favorecendo a compreensão
da realidade e das relações sociais.

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A PRÁTICA SOCIAL:


CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA PEDAGOGIA HISTÓRICO
CRÍTICA

Observamos no contexto da formação de professores no Brasil, que


a prática social, ancorada na lógica do capital, não se materializa, tornando
a atuação dos educadores insustentável, pois essa é, muitas vezes, baseada
em práticas vazias, que vislumbram apenas o preparo dos sujeitos para o
mercado de trabalho, tendo como foco, então, a educação profissional e
técnica, atendendo às demandas do sistema capitalista. Vázquez (1968),
discorre sobre a prática social, afirmando que:

O objeto da atividade prática é a natureza, a sociedade ou os homens reais.


A finalidade dessa atividade é a transformação real, objetiva, do mundo
natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana. E o
resultado é uma nova realidade, que subsiste independentemente do sujeito
ou dos sujeitos concretos que a engendraram com sua atividade subjetiva,
mas que, sem dúvida, só existe pelo homem e para o homem, com ser social
(VÁZQUEZ, 1968, p. 194).

Considerando tais afirmativas, as tendências progressistas são


fundamentais para o entendimento do papel da educação formal na
sociedade capitalista, chamando a atenção para a importância da
transmissão do conhecimento científico produzido social e historicamente
pelo conjunto de homens. Por meio da apropriação deste conhecimento,
o sujeito terá meios de contestar a lógica do capital, percebendo as
contradições presentes no meio em que vive. Snyders (2005, p. 102) ilustra
a questão:

244 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Escola não é o feudo da classe dominante; ela é terreno de luta entre a classe
dominante e a classe explorada; ela é o terreno em que se defrontam as
forças do progresso e as forças conservadoras. O que lá se passa reflete a
exploração e a luta contra a exploração. A escola é, simultaneamente,
reprodução das estruturas existentes, correia de transmissão da ideologia
oficial, domesticação – mas também ameaça à ordem estabelecida e
possibilidade de libertação.

Embora a escola seja um espaço privilegiado para a luta contra as


mais diversas formas de alienação, sabemos que a educação ainda não tem
se apropriado desse trabalho. Nesse sentido, o esvaziamento da formação de
professores é, também, um projeto da classe dominante para fortalecer os
referenciais teóricos que enaltecem as pedagogias do “aprender a aprender”
e, dessa forma, contribuem para a manutenção da estrutura social vigente.
Esses referenciais, num primeiro momento, se revelam como progressistas,
e, por isso, acabam seduzindo muitos profissionais, em todos os níveis de
formação.
Esse estudo apoia-se na concepção de que a escola é um lugar de
socialização do saber sistematizado, em que o processo de aprendizagem
é o centro da práxis educativa. Para Lukács (1978), a práxis educativa
constitui uma das “posições teleológicas secundárias”, consideradas pelo
autor como aquelas peculiares às interações entre os seres humanos. No
entanto, quando o foco da formação de professores está em referenciais
que pautam o “saber fazer, conhecer, conviver, e ser”, percebemos na prática
educativa, os impactos dessa instrução como, por exemplo, a valorização
de atividades secundárias, que, por vezes, evidenciam apenas as datas
comemorativas, ressaltando as festividades e esvaziando, por conseguinte,
as atividades que permeiam o currículo escolar.
Para Saviani (2011, p. 24);

[...] Não é demais lembrar que este fenômeno pode ser facilmente
observado no dia-a-dia das escolas. Dou apenas um exemplo: o ano letivo
começa na segunda quinzena de fevereiro e já em março temos a semana
da revolução, em seguida a semana santa, depois a semana das mães, as

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 245


festas juninas, a semana do soldado, do folclore, a semana da pátria, jogos
da primavera, semana das crianças, semana do índio, semana da asa, etc., e
nesse momento já estamos em novembro. O ano letivo se encerra e estamos
diante da seguinte constatação: fez- se de tudo na escola, encontrou-se
tempo para toda espécie de comemoração, mas muito pouco tempo foi
destinado ao processo de transmissão-assimilação de conhecimentos
sistematizados. Isto quer dizer que se perdeu de vista a atividade nuclear da
escola, isto é, a transmissão dos instrumentos de acesso ao saber elaborado.
É preciso, pois, ficar claro que as atividades distintivas das semanas, acima
enumeradas, são secundárias e não essenciais à escola. Enquanto tais são
extracurriculares e só tem sentido na medida em que possam enriquecer as
atividades curriculares, isto é, aquelas próprias da escola, não devendo em
hipótese nenhuma prejudicá-las ou substituí-las.

Ainda nesta perspectiva, Duarte (2003, p. 38) acrescenta;

[...] Se o conhecimento mais valorizado na escola passa a ser o conhecimento


tácito, cotidiano, pessoal, então o trabalho do professor deixa de ser o de
transmitir os conhecimentos mais desenvolvidos e ricos que a humanidade
venha construindo ao longo de sua história. O professor deixa de ser
um mediador entre o aluno e o patrimônio intelectual mais elevado da
humanidade, para ser um organizador de atividades que promovam o que
alguns chamam de negociação de significados construídos no cotidiano dos
alunos.

Sendo assim, Sacristán (2005) afirma que a escola é permeada por


práticas pedagógicas muito mais relacionadas a uma tradição presente no
dia a dia da organização escolar, repetidas ano após ano, e que são colocadas
em ação sem, ao menos, termos noção do que e do porquê estarmos
realizando-as.
Nesse contexto, as escolas fortalecem a lógica do capital, com
mediações que não incentivam a criticidade e a emancipação dos sujeitos.
Pelo contrário, colocam em evidência as questões cotidianas que, baseadas
no senso comum, não trazem a cientificidade dos conteúdos que foram
construídos historicamente pela humanidade, corroborando para que a

246 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


prática educativa dos professores aconteça de forma superficial e limitada
às questões emergentes da contemporaneidade. Desse modo, as práticas
educativas ficam centradas em datas comemorativas como: festa junina, dia
das mães, dia dos pais, dia da água, dia do índio, entre outras datas que são
celebradas durante o ano letivo de forma pontual.

CONHECIMENTO CIENTÍFICO COMO CONDIÇÃO PARA


EMANCIPAÇÃO HUMANA

O acesso aos conhecimentos caracteriza-se como condição de


humanização, e, na Pedagogia Histórico-Crítica, tal afirmativa fica evidente,
uma vez que, por meio do ato educativo, a humanidade é intencionalmente
produzida no sujeito. Corroborando com essa ideia, Martins (2013)
acrescenta:

Aos seres humanos não basta a mera pertença à espécie biológica nem o
contato com a sociedade pelas suas bordas. Para que se constituam como
tal (seres humanos) precisam apropriar-se da vasta gama de produtos
materiais e intelectuais produzida pelo trabalho dos homens ao longo da
história. (MARTINS, 2013, p. 24).

Diante desse aspecto, Saviani percebe a necessidade de compreender


a educação permeada pelo seu desenvolvimento histórico e, assim, a
possibilidade de articular uma proposta pedagógica que faz menção à
Teoria da Curvatura da Vara, enunciada por Lênin. Saviani revela, por meio
desta metáfora, que a vara está torta para o lado dos movimentos da Escola
Nova e, dessa forma, o raciocínio tende a ser que apenas o que é novo
pode apresentar aspectos positivos, enquanto à pedagogia tradicional, são
delegados apenas os defeitos.
Sendo assim, a Pedagogia Histórico-Crítica se empenha na defesa
da especificidade da escola, isto é, atribui a esta instituição a função
educativa, ligada à questão do conhecimento e do saber sistematizado. É

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 247


por meio desses aspectos, aliados ao caráter historicizador e crítico, que se
caracterizam a pedagogia proposta por Saviani (2013).
Nessa perspectiva, a teoria pedagógica histórico-cultural valoriza
o conhecimento científico como uma premissa para a decodificação
da realidade, pois, sem conhecimento a ser ensinado, não existe ato
educativo. E, dessa forma, o professor faz um papel ilustrativo na escola,
desvalorizando sua função social, sua formação e as condições objetivas
para a materialização do seu trabalho. Martins (2010, p. 28) aponta que, “a
valorização docente exige o reconhecimento da: “[...] formação e o trabalho
do professor em toda sua complexidade, como fundamentalmente,
condição para a plena humanização dos indivíduos, sejam eles alunos,
sejam professores”. Nesse sentido, afirma Saviani (2000, p. 32);

[...] se não partirmos para um plano de emergência lúcido, corajoso,


arrojado, que sinalize o empenho efetivo em reverter a situação de
calamidade pública em que se encontra o ensino dos diferentes graus em
nosso país, as proclamações em favor da educação não passarão de palavras
ocas, acobertadoras da falta de vontade política para enfrentar o problema.
E, nesse diapasão, avançaremos século XXI adentro, ampliando ainda
mais o já insuportável déficit histórico que vem vitimizando a população
brasileira em matéria de educação.

É preciso ressaltar que, para a Pedagogia Histórico Crítica, o


ser homem torna-se humano a partir da apropriação da cultura e dos
conhecimentos que foram produzidos historicamente, ou seja, o que
chamamos de conhecimentos clássicos, pois permaneceram ao longo do
tempo. Assim, a constituição biológica do homem, não implica sua efetiva
humanização, é preciso que este compreenda o mundo comum, que foi
transformado por meio do trabalho. Como tal, o trabalho é responsável
pela atividade humana capaz de propiciar ao sujeito a apropriação das
capacidades objetivas constituídas pelas gerações que o antecederam.
De acordo com Saviani (2011), a educação se situa no campo do
trabalho não material, em que são representados mentalmente os objetos,
como conhecimentos, conceitos, ideias, hábitos, habilidades etc. Isto é,

248 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


consiste na produção do saber, algo que é imaterial. Nessa perspectiva,
a educação se situa na modalidade do trabalho não material, na qual o
produto não se separa do ato de produção; assim, não há espaço entre a
produção e o consumo. Esse movimento pode ser percebido em uma aula,
em que a produção feita pelo professor e o consumo realizado pelos alunos
acontece de maneira concomitante.
Nesta análise, a categoria trabalho é fundamental, tendo em vista
o entendimento de que a intencionalidade que o professor atribui às
mediações do conhecimento científico realizadas em sala de aula é um
aspecto que traduz o trabalho, pois, a nosso ver, dá-se na materialização da
práxis. Dessa forma, professor e estudante executam o trabalho: o professor
no desenvolvimento das mediações; e o aluno, por sua vez, no momento em
que se apropria dos conhecimentos que foram construídos historicamente
pelo conjunto de homens. Além disso, apoiamo-nos em Saviani (2011, p.
13), quando ressalta que “[...] o trabalho educativo é o ato de produzir,
direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.”
Considerando tal afirmativa, fica evidente que, ao mencionar à
produção direta e intencional, o autor sinaliza a preocupação da pedagogia
histórico-crítica com o trabalho pedagógico que, por sua vez, precisa ser
planejado, organizado, contendo uma finalidade. Essa pedagogia contrapõe
as teorias que valorizam os conhecimentos práticos na formação de
professores em detrimento dos teóricos, por exemplo, a teoria do professor
reflexivo. Nessa abordagem, a “[...] formação de professores deveria, ao
invés de concentrar-se no domínio de teorias científicas, voltar-se para
o saber experiencial do professor” (DUARTE, 2003, p. 618). No entanto,
contestamos essa abordagem, por entendermos que não existe prática sem
teoria. Ainda nesse sentido, Duarte (2003, p. 619-620) afirma que:

[...] de pouco ou nada servirá a defesa da tese de que formação de professores


no Brasil deva ser feita nas universidades, se não for desenvolvida uma
análise crítica da desvalorização do conhecimento escolar, científico, teórico,
contida nesse ideário que se tornou dominante no campo da didática e
da formação de professores [...]. De pouco ou nada servirá mantermos a

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 249


formação de professores nas universidades se o conteúdo dessa formação
for maciçamente reduzido ao exercício de uma reflexão sobre os saberes
profissionais, de caráter tácito, pessoal, particularizado, subjetivo etc. De
pouco ou nada adiantará defendermos a necessidade de os formadores de
professores serem pesquisadores em educação, se as pesquisas em educação
se renderem ao “recuo da teoria”.

Assim como a teoria do professor reflexivo, existem outros exemplos


de teorias disseminadas atualmente, que reforçam os princípios do “aprender
a aprender”. A pedagogia da Infância, por exemplo, defende que a escola
deve priorizar as necessidades e os interesses dos alunos, estimulando suas
potencialidades e respeitando as especificidades e individualidades de cada
um. Por essa lógica, a prática educativa fica reduzida aos interesses dos
alunos, sendo o processo educativo, portanto, direcionado pelos mesmos, o
que na perspectiva da pedagogia histórico-crítica, não favorece o trabalho
educativo intencional como uma produção direta e mediata.
É importante ressaltar que, com essa crítica, não desconsideramos
os interesses e as necessidades dos educandos. No entanto, fundamentados
pela teoria histórico-cultural e pela pedagogia histórico-crítica, acreditamos
que, ao criar novas necessidades e interesses nos alunos, estaremos
promovendo “em cada indivíduo singular, há humanidade já realizada
coletivamente” (SAVIANI, 2013). Nesse sentido, reforçamos que, de acordo
com essa abordagem, a humanidade não é uma condição genética, mas
sim, transmitida pela cultura.
Dessa forma, cabe à educação a tarefa de proporcionar um trabalho
educativo que humanize e emancipe os sujeitos. Para tanto, Saviani (2013)
caracterizou a natureza e a especificidade da educação, afirmando que a
mesma está situada no trabalho não-material, que, por sua vez, se trata
da produção de ideias, conceitos, valores, isto é, o conjunto da produção
humana. Logo, “[...] o ato de dar aula é inseparável da produção desse ato e
seu consumo” (SAVIANI, 2013, p. 13) e, assim, a educação coincide com a
etapa histórica do processo de transição em que as relações sociais passaram
a prevalecer sobre as naturais, trazendo à tona o mundo cultural e o saber
produzido pelo homem. Destarte, Leontiev (1978, p. 282-283) assinala que:

250 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


O homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade. [...]
Só apropriando-se delas no decurso da sua vida ele adquire propriedades
e faculdades verdadeiramente humanas. Este processo coloca-o, por assim
dizer, aos ombros das gerações anteriores e eleva-o muito acima do mundo
animal.

Por essa lógica, Vigotski (2006) afirma que é o ensino que promove
desenvolvimento, contrapondo a teoria piagetiana, por exemplo, que
naturaliza as etapas do desenvolvimento humano. Porém, não é qualquer
ensino que possibilitará a apropriação dos saberes que foram produzidos
pelas gerações anteriores. Nesse sentido, chamamos a atenção para a
importância de se compreender a relação entre qualidade e quantidade.
De acordo com Martins (2012, p. 217) [...] a “quantidade” de
aprendizagens qualifica o desenvolvimento, à mesma medida que a
“quantidade” de desenvolvimento qualifica a aprendizagem”. Entretanto,
reiteramos que existe distinção qualitativa entre as apropriações. Por isso, a
importância da seleção de conteúdos, pois, estes, ao nosso ver, possibilitarão
a qualidade do desenvolvimento psíquico dos sujeitos.
Considerando tais assertivas, entendemos que, ao colocar o foco na
transmissão dos conhecimentos clássicos e sistematizados, contribuiremos
para uma atividade educativa comprometida com a consciência,
humanização e emancipação dos sujeitos, tornando inseparável a relação
entre conteúdo e forma. (MARTINS, 2012, p. 216).
Assim, entendemos forma como o modo pelo qual o professor
possibilita o contato do estudante com um determinado conteúdo, tendo
em vista que o conteúdo poderá ser demonstrado de diferentes formas,
isto é, “[...] essa transformação da forma não significa necessariamente
uma transformação do conteúdo, porque a forma possui as suas próprias
exigências e sua eficácia particular.” (SALES, 2009, p. 71). Nessa perspectiva,
o professor realiza as mediações, tendo em vista “[...] a necessidade de
articular os conteúdos escolares com a realidade e os interesses práticos
dos alunos e a busca de realizar um ensino comprometido com as classes
trabalhadoras [...].” (MARTINS, 1996, p. 78).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 251


A partir dessa proposição, reiteramos nossa contraposição às
pedagogias do “aprender a aprender”, que nos levam a acreditar que, muitas
vezes, os problemas presentes no contexto educativo como as dificuldades
de aprendizagem, a indisciplina, a fala de interesse, o fracasso escolar, e
o baixo desempenho dos alunos nas inúmeras avaliações institucionais, é
culpa dos educandos, de suas famílias ou até do próprio professor.
Tais percepções nos possibilitam afirmam que o professor é uma
figura indispensável no processo de ensino e aprendizagem, uma vez
que, por meio da mediação do mesmo, os alunos poderão elevar o seu
desenvolvimento, conseguindo formas mais sofisticadas de abstração e
apropriação do conhecimento científico. De acordo com Arnoni (2012, p.
67), a mediação consiste na “[...] relação pedagógica que se estabelece entre
professor e aluno no decorrer da prática educativa, quando o professor
desenvolve o conceito junto aos alunos por meio da linguagem, trata-se da
questão pedagógica da aula na educação escolar.”
O termo expressa uma relação de contradição entre professor e aluno,
visto que eles se encontram em diferentes planos de conhecimento acerca
do conceito a ser aprendido. Essa diferença é nomeada pela autora como
mediato e imediato, e é responsável pelo movimento da aula (ARNONI,
2012).
O mediato não supera o imediato, quem o faz é a mediação, pois, a
força inerente à superação não se manifesta nos pólos da relação, o imediato
e o mediato, ela é uma propriedade da mediação. Portanto, a mediação não
se restringe a uma relação pautada na negação e no reflexo, ela é, sobretudo,
o modo pelo qual se realiza a superação. (ARNONI, 2012, p. 9).
Para tanto, acreditamos que, a partir das premissas da pedagogia
histórico-crítica, fundamentada no materialismo histórico-dialético,
poderemos vislumbrar uma formação de professores que considere a
necessidade de compreender o fenômeno educativo no cenário atual,
identificando os principais tipos de saberes que devem compor a prática
de todo educador.
Nesse sentido, Saviani (2016), aponta que, o primeiro deles é o saber
atitudinal, que se caracteriza como uma categoria que abrange o domínio

252 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


dos comportamentos e experiências que perpassam o trabalho educativo.
Nessa perspectiva, o autor destaca que “trata-se de competências que se
prendem à identidade e conformam a personalidade do educador, mas que
são objetos de formação tanto por processos espontâneos como deliberados
e sistemáticos.” (SAVIANI, 2016, p. 12).
O saber crítico-contextual, por sua vez, está relacionado ao
entendimento das condições sócio-históricas que designam o ato educativo.
Para tanto, “espera-se, que o educador saiba compreender o movimento da
sociedade, identificando suas características básicas e as tendências de sua
transformação” (SAVIANI, 2016, p. 12), atendendo, também, as necessidades
dos sujeitos envolvidos. Assim, a formação do educador deverá contemplar
o saber destacado, a fim de que tenha a compreensão do contexto no qual
está inserido e do qual irá desenvolver o trabalho educativo. Os saberes
específicos, por sua vez, os saberes específicos compõem as disciplinas
que apresentam o conhecimento socialmente produzido e constituem os
currículos escolares.
O saber pedagógico inclui os conhecimentos produzidos pelas
Ciências da Educação e são sistematizados nas teorias educacionais. Busca
articular os fundamentos que norteiam a educação com as orientações
acerca do trabalho educativo. Esse tipo de saber propicia a base para a
construção da identidade do educador, uma vez que o define como um
profissional diferente dos outros profissionais, especificando o seu trabalho
no campo educacional.
Por fim, o saber didático-curricular “compreende os conhecimentos
relativos às formas de organização e realização da atividade educativa no
âmbito da relação educador-educando”. Dessa forma, esse tipo de saber
contribui para que o educador tenha o domínio do saber fazer, uma vez
que contempla, não apenas os procedimentos didático-pedagógicos, como
também o trabalho pedagógico e suas especificidades.
Nesse contexto, o conjunto de saberes se faz necessário como um
direcionamento às práticas pedagógicas realizadas no espaço da escola, tendo
em vista que os mesmos saberes, além de estarem presentes na formação
dos educadores, deverão orientar a organização e o funcionamento dos
currículos escolares.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 253


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto neste trabalho, consideramos que os


conhecimentos clássicos são de extrema relevância para a materialização
do trabalho educativo. Portanto, a seleção desses conteúdos, é o que
proporcionará aos alunos uma educação para a emancipação, por meio da
compreensão da realidade e o desenvolvimento da consciência. Como já
destacamos anteriormente, a realidade é complexa, portanto, para captá-la
é entendê-la para além da aparência, é necessário um olhar para a totalidade
e para todos os atravessamentos contraditórios da prática social.
Isto posto, defendemos um trabalho de formação com os professores,
articulado aos pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica e da Teoria
Histórico Cultural, a fim de que, dessa forma, os educadores tenham
conhecimento dos aspectos teóricos e filosóficos, e, assim, possam ser
subsidiados em sua prática, podendo mediar o conhecimento científico
com intencionalidade, fomentando o trabalho educativo no chão da escola.
Portanto, sabe-se da complexidade da tarefa que os professores têm
no processo de ensino-aprendizagem, tendo em vista um contexto sócio
histórico marcado por desigualdades sociais, injustiças e retrocessos no
âmbito político. É nesse cenário, entretanto, que nosso trabalho na escola
se insere, e é aí que reside nosso desafio acerca das possibilidades que a nós
se apresentam, e também das que se tornam possíveis, por meio da luta e
da resistência.

REFERÊNCIAS

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o aspecto ontológico da aula. Revista Educação e Emancipação, Maranhão, v.5,
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e aprendizagem. 10ª.ed. São Paulo: Ícone, 2006. p. 103-117.

256 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


O MUNDO DIGITAL E A EDUCAÇÃO: REFLEXÕES INICIAIS
ACERCA DAS IMPLICAÇÕES DESTA NOVA CONFIGURAÇÃO1

Henrique Fernandes Alves Neto2

“Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais,


em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação
e comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, por
instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino, de
que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017”
(MEC, 2020, Art. 1º).

INTRODUÇÃO

Iniciamos este texto com a epígrafe acima, pois é a partir dela que,
desde 2020, estamos vivendo uma conjuntura educacional inédita para
muitos dos que atuam no processo ensino de ensino e aprendizagem. Este
é o artigo 1º da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, que dispõe sobre
a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto
durar a situação de pandemia da Covid-19. Desde a promulgação deste
decreta, várias estratégias foram adotadas pelas instituições de ensino
superior, escolas de ensino médio de nível federal, estadual e municipal,
pelas instituições de educação fundamental e infantil: ensino remoto,
atividade pedagógica não presencial, ensino remoto emergencial, educação
à distância na pandemia, educação híbrida, atividades assíncronas, e muitas
outras nomenclaturas utilizadas. Todas elas têm em comum a intenção
de continuar com ações de ensino e aprendizagem neste novo contexto
desafiador para a Educação em geral.

1
Uma parte deste texto foi apresentando em um artigo no 20º Congresso Brasileiro de Sociologia, no ano
de 2021, intitulado O Universo Digital e suas metodologias para o Ensino de Sociologia: configurações
dos trabalhos recebidos nos GTs do Eneseb, com autoria minha e de Lígia Wilhelms Eras e Fernanda
Feijó.
2
Mestre em Ciências Sociais (UEL). Professor de Sociologia no IFPR. Doutorando em Sociologia no
PPGSOC UEL. Contato: henriqueaneto@hotmail.com.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 257


Passado mais de um ano da possibilidade legal deste novo “regime”
de ensino, ainda algumas questões permanecem: o que são esses meios
digitais ou mundo digital que passou a ser o espaço primordial para o
aprendizado? Qual é a postura subjetiva que os(as) estudantes devem ter
frente a esse novo processo de aprender? Existe uma reflexão profunda
sobre as implicações na formação do ser humano com esse deslocamento
da Educação para estes meios? Como começar, ou continuar a realizar uma
educação emancipatória nesta conjuntura?
Na tentativa de responder alguns desses questionamento, separamos
o texto em quatro partes, buscando explorar e compreender: a) o mundo
digital para onde a educação provisoriamente (?) foi deslocada, as suas
características e configurações; b) as subjetividades mobilizadas neste
novo contexto educacional; c) a ausência de uma preocupação com a
formação humana, ocupando este vácuo com técnicas de otimização da
aprendizagem; d) estratégias que possibilitem uma educação emancipatória
e não bancária.

O MUNDO DIGITAL PARA ALÉM DO COTIDIANO

Nesta segunda década do século XXI, é muito difícil encontrar


alguém que não tenha contato com algum objeto do mundo digital.
Por mundo digital queremos dizer o espaço não material de troca de
informações e relações sociais acessado por equipamentos eletrônicos,
conectados ou não há internet. Estamos falando, portanto, de relógios
de pulso com visores digitais até os smarth watch – uma nova febre de
gadgets intitulado de weareble (traduzidos como vestíveis); de celulares
que “apenas” fazem ligações, até aqueles aparelhos que servem de controle
para drones; de carros que necessitam de motoristas, até aqueles que são
controlados por inteligências artificiais; de computadores que utilizamos
para atualizar as nossas redes sociais, até aqueles que calculam e processam
rotas de foguetes. Poderíamos citar vários exemplos aqui, contudo, a ideia
é: nosso cotidiano é permeado pelo mundo digital.
Com a pandemia ocasionada pelo SarS-CoV-2, mais uma esfera da
nossa vida foi tomada, de uma vez, por este novo espaço de relações sociais:

258 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


a educação. Conforme iniciamos o nosso texto, o Ministério da Educação
(MEC) do Brasil autoriza, a partir de março de 2020, a substituição das
aulas presenciais por aquelas mediadas por tecnologias da informação
e comunicação. Começa aí uma corrida para adaptar a educação para o
digital. A despeito de todas as nomenclaturas criadas para categorizar este
período de emergência, citadas anteriormente, o ponto em comum é que,
de uma hora para outra, todos tornaram-se produtores e consumidores de
conteúdos digitais educacionais, fazendo deste processo, o único/principal
caminho de ensino e aprendizagem.
Assim, é importante compreendermos melhor o que é este mundo
digital no qual estamos mergulhados. Tentaremos esboçar uma breve
explanação sobre, tendo como referência autores que se debruçam sobre
essa temática: a) Shoshana Zuboff (2018) e o conceito de capitalismo
de vigilância; b) Nick Srnicek (2017) com o conceito de capitalismo de
plataforma; e c) o domínio dos algoritmos. Iniciemos com a ideia de Zuboff.
Em 2018, Shoshana Zuboff lançou um livro resultado de
investigações que vinha realizando desde 1990, intitulado A era do
Capitalismo de Vigilância; além deste texto, um artigo que ela publicou
em 2015 foi traduzido e publicado no livro Tecnopolíticas da vigilância,
publicado pela Editora Boitempo, em 2018. O artigo é intitulado como Big
Other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de
informação. A partir destes dois textos, poderemos compreender esta nova
etapa do capitalismo que se desdobra juntamente com o mundo digital.
O primeiro ponto a se destacar é que não podemos considerar, ou
tomar essas expressões, principalmente a ideia de big data, como algo
resultado de um inevitável processo de progresso que assola e varre a vida
humana. Pelo contrário, temos que pensar o big data como produto de
relações socias, tecidas e estabelecidas pelos Humanos. Assim, a tecnologia,
e todas as suas expressões, deixam de ocupar um pedestal, como se fossem
neutras, isentas e, quase, divinas.
Para tirar a tecnologia daí Zuboff (2018) apresenta um segundo
ponto fundamental: desde 1980, vivemos em uma realidade mediada por
computadores. Essa mediação por computadores exige, portanto, que tudo

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 259


possa ser identificado, registrado, computado e lido. Zuboff (2018) afirma
que há um processo de textualização eletrônica que caracteriza todas as
coisas, até aquelas que não era visíveis ou notadas.
Este cenário novo, criado a partir da mediação por computadores,
transformando tudo em textos eletrônicos, implica em um novo contexto
de trabalho: agora, o que importa não é mais tanto a divisão do trabalho,
mas sim a divisão do aprendizado deste trabalho. O que está em pauta
agora é a dominação do ato de aprender tal ação, e não mais no ato de ter
o posto ou não.
E por que tudo isso importa? Porque as maiores empresas da
atualidade se pautam na possibilidade do aprendizado de comportamentos,
transformados em texto, e que criam perfis para vender publicidade.
Estamos falando da Google, do Facebook, do Instagram, do Twitter, a Apple,
da Microsoft, e de todas as empresas agregadoras de dados comportamentais.
O que essas empresas fizeram foram encontrar um novo tipo de
mercado para continuar com a lógica de acumulação do modo de produção
capitalista. Ou seja, segundo Zuboff (2018), o capitalismo ganha novos
contornos a partir da mediação por computadores, a ponto de que ela
intitule essa nova etapa de capitalismo de vigilância.
Mas como este capitalismo de vigilância atua? Zuboff (2018) retira de
algumas declarações de Hal Varian, economista-chefe da Google, 4 ações
fundamentais desta nova etapa do capitalismo: extração e análise de dados;
monitoramento; personalização e experimentos contínuos. Estes são os
passos que enriquecem as empresas agregadoras de dados, ou as chamadas
por Morozov (2018), como Big Tech.
Existem 5 principais fontes de obtenção de dados, segundo apresenta
Zuboff (2018): 1) os dados derivados de transações econômicas; 2) os
dados oriundos da internet das coisas; 3) os dados governamentais e
corporativos; 4) os dados de câmeras de vigilância privada e pública e 5) os
dados que são resultados de uma forma não mercantil de produção social,
o cotidiano. Todos esses dados são obtidos por processos de digitalização.
Principalmente o último, que tornou-se a maior fonte de dados possíveis. O
nosso cotidiano, ou o que ficou conhecido como small data, é o que compõe
grande parte do big data:

260 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Esses dados são adquiridos, tornados abstratos, agregados, analisados,
embalados, vendidos, analisados mais e mais e vendidos novamente.
Esses fluxos de dados foram rotulados pelos tecnólogos de “data exhaust”.
Presumidamente, uma vez que os dados são redefinidos como resíduos,
a contestação de sua extensão e eventual monetização é menos provável.
(ZUBOFF, 2018, p. 31 e 32).

Zuboff (2018) percebe e expõe de forma muito clara o que acontece


com todos nós: por utilizarmos cada vez mais coisas que são mediadas por
computadores, cada vez mais nossos comportamentos são transformados
em textos que são processados e transformados em dados, e este, utilizados
pelas empresas agregadoras, como elas bem entendem, porque nós, que
somos a fonte desses dados, não entendemos que os rastros digitais que
deixamos na internet, também fazem parte de nós ao considerar que nosso
rastro é resto, resíduo, excesso, não cobramos um controle sobre eles.
E como esses dados são extraídos? Zuboff (2018) afirma que,
justamente por esse desligamento e distância que temos com nossos dados,
eles tão obtidos através de um processo unidirecional, não como um
relacionamento. Como se não houvesse nenhuma relação passíveis de ser
imputada entre nós e as empresas. Há uma ausência de reciprocidade e uma
justificativa de “dividendos” que domina o discurso de que, se entregamos
os dados, é porque queremos algo em troca.

Em primeiro lugar, as receitas dependem de ativos de dados apropriados por


meio de ubíquas operações automatizadas. Essas operações constituem uma
nova classe de ativos: os ativos de vigilância. [...] Esses ativos de vigilância
atraem investimento significativos que podem ser chamados de capital de
vigilância. A Google, até agora, triunfou no mundo em rede através da
construção pioneira dessa nova forma de mercado, que é uma variante
radicalmente descolada e extravagante do capitalismo de informação, que
identifico como capitalismo de vigilância. (ZUBOFF, 2018, p. 40 e 41).

Este capital de vigilância tem duas funções: monitorar os


comportamentos e personalizar os resultados. E são esses dois movimentos

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 261


que diferenciam esta nova etapa do capitalismo. Em termos de comparação,
Zuboff (2018) utiliza a ideia de Big Brother de um lado e Big Other de outro.
No primeiro caso, reina a ideia de uma panóptico, exemplo bem conhecido
utilizado por Foucault. No segundo caso, a vigilância não está centrada em
um único ponto, ela está em todos os lugares. Agora, tudo é abrangido pela
computação, o que significa que tudo é transformado em texto e, portanto,
que tudo pode se transformar em dados. Hoje, segundo Zuboff (2018),
quem domina os meios de modificação de comportamento é quem domina
realidade.
A autora ainda resgata a ideia de Karl Polanyi, de que as economias
de mercado do século XIX e XX se estruturaram em torno de 3 ficções
de mercadoria: o trabalho, a terra e o dinheiro. Foi transformando essas
três coisas em mercadoria é que o capitalismo sobreviveu nos séculos
anteriores. Zuboff (2018) complementa com a ideia com o século XXI
tendo com ficção de mercadoria o comportamento. Desta forma, o novo
mercado lucra com a possibilidade de modificação do comportamento de
pessoas e das coisas.
Para endossar as ideias de Zuboff (2018), resgatamos o conceito
de “capitalismo de plataforma” de Nick Srnicek, explanado na sua obra
“Platform capitalism” de 2017. Nesta obra, Srnicek (2017) procura
caracterizar este novo contexto em que o capitalismo se encontra. Segundo
ele, a centralidade dos dados que marca a atual conjuntura. Contudo,
estes dados não são obtidos no vácuo, através de fórmulas matemáticas
ou linhas de códigos, ao contrário disso, é necessária uma infraestrutura
que possibilite essa extração. Srnicek afirma que, da mesma forma que o
petróleo precisa de um conjunto de ferramentas, conhecimentos técnicos,
investimento, leis etc., os dados também necessitam. Mas o que são esses
dados? Do mesmo modo que Zuboff (2018) se preocupa em definir, temos
a seguinte explicação de Srnicek:

No todo, isso significa que a coleção de dados hoje depende de uma vasta
infraestrutura para capturar, gravar e analisar. O que é gravado? Em poucas
palavras, devemos considerar os dados como a matéria-prima que deve ser
extraída, e as atividades dos usuários como a fonte natural dessa matéria-

262 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


prima. Assim como o petróleo, dados são um material que deve ser extraído,
refinado, e utilizados em variadas formas. Quanto mais dados tivermos,
mais usos poderemos fazer deles. (SRNICEK, 2017, p. 23).3

Na busca pela maior quantidade de dados possíveis, as plataformas


digitais tornaram-se uma alternativa viável para monopolizar a extração
e análise deles. O que são plataformas? São “infraestruturas digitais que
possibilitam dois ou mais grupos interagirem entre si”4 (SRNICEK, 2017, p.
25), portanto, elas são as intermediadoras entre usuário, desenvolvedores,
publicitários, produtores, fornecedores, e todos aqueles que estão envolvidos
no processo de acesso a um serviço/produto. Como exemplo, podemos
pensar na empresa brasileira Ifood, que é um aplicativo que gerencia
entrega de comida. Ela não possui nenhuma cozinha, mas através da sua
plataforma, possibilita que usuários encontrem ofertas de alimentação
de forma mais rápida; os restaurantes se cadastram na plataforma para
oferecer seus pratos e, por fim, os entregadores buscam estar no aplicativo
para fazer entregas.
Segundo Srnicek (2017), existem 5 tipos de plataformas digitais:
a) plataforma de publicidade, como Google e Facebook, que recolhem os
dados dos usuários, processam e analisam, com o objetivo final de produzir
campanhas mais certeiras; b) plataforma de nuvem, que, como o nome
diz, são aquelas que oferecem serviços de nuvem; c) plataforma industrial,
composta por empresas que produzem a infraestrutura (hardware e
software) para o mundo digital; d) plataformas de produtos, por exemplo,
Spotify, Deezer, Netflix, que são aquelas plataformas que oferecem o acesso
a serviços de forma digital; e a) plataformas enxutas, ou lean platforms, da
qual a Ifood é um exemplo, como a Uber e o Airbnb também são.
A partir dessas categorias e tendo como referência a conjuntura
atual, podemos identificar em quais destas plataformas a educação na
3
“Altogether, this means that the collection of data today is dependente on a vast infrastructure to sense,
record, and analyse. What is recorded? Simply put, we should consider data to be the raw material that
must be extracted, and the activities of users to be the natural source of this raw material. Just like oil,
data are a material to be extracted, refined, and used in a variety of ways. The more data onde has, the
more users can make of them.” (SRNICEK, 2017, p. 23).
4
“What are plataforms? At the most general level, plataforms are digital infrastructure that enable two
or more groups to Interact.” (SRNICEK, 2017, p. 25).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 263


pandemia está presente: nas plataformas de publicidade, nas de produtos
e também nas de nuvens. Segundo o levantamento realizado pelo grupo
de pesquisadores Educação Vigiada, antes da pandemia, grande parte das
Instituições de Ensino Superior utilizavam os serviços de e-mail do Google.
Com a pandemia, as outras ferramentas do pacote GSuite foram oferecidas
“gratuitamente” pela empresa: Google Drive, Google Sala de Aula, Google
Meet, dentre outras. Ora, de acordo com Srnicek (2017), o objetivo da
plataforma Google, sendo uma plataforma de publicidade, é se valer dos
dados para, após criar uma identidade algorítmica dos seus usuários, poder
oferecer produtos de maneira mais certeira. A questão que surge é: qual a
intensidade e profundidade da extração de dados dos processos de ensino
e aprendizagem realizados nesta plataforma? Ao utilizar essas plataformas,
para onde vão e para que são utilizados os dados? Essa nebulosidade,
ou opacidade, é algo presente em todas as plataformas que preenchem o
cotidiano do século XXI.
Para desvelar as plataformas, Srnicek aponta cinco características
principais: a) “em vez de ter que construir um mercado do zero, uma
plataforma fornece a infraestrutura básica para mediar entre grupos
diferentes” (2017, p. 25)5; b) as plataformas digitais dependem, e são efeito,
do “efeito de rede”, ou seja, quanto mais pessoas usam a plataforma, mais
ela se torna valiosa e importante. Este processo causa uma tendência
a monopolização do setor; c) as plataformas utilizam a estratégia do
“subsídio cruzado: um braço da empresa reduz o preço de um serviço ou
bem (inclusive fornecer gratuitamente), mas outro braço aumenta os preços
para compensar essas perdas” (p. 26)6, é o caso, por exemplo, do Facebook,
que é grátis para usar, mas pago para impulsionar publicidade; e, por fim, d)
as plataformas vendem-se como atrativas e espaços onde a interação pode
ocorrer livremente, porém, as regras de utilizadas, o desenvolvimento, e as
interações com o mercado, são de controle do dono desta plataforma. Sobre
este último ponto, no 1º semestre de 2021, após vários casos de bloqueios de
5
“Rather than having to build a marketplace from the ground up, a platform provides the basic
infrastructure to mediate between different groups.” (SRNICEK, 2017, p. 25).
6
“[...] third characteristic – platforms often use cross-subsidisation: one arm of the firm reduces the
price of a service or good (even provid it for free), but another arm raises prices in order to make up for
these losses.” (SRNICEK, 2017, p. 26).

264 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


contas no Twitter, de vídeos apagados no Youtube, de postagens deletadas
no Facebook, o tema sobre liberdade de expressão ganhou força, agora
pensando se as empresas privadas (plataformas digitais) poderiam cercear
as manifestações dos usuários.
A partir deste último ponto, podemos avançar e encontrar as
discussões realizadas em torno dos algoritmos que, na visão de alguns
pesquisadores, é um dos pontos nevrálgicos da atual conjuntura. Para
isso, as contribuições Sérgio Amadeu da Silveira (2019) são fundamentais,
uma vez que nesta obra, ele tece algumas reflexões em torno do domínio
dos algoritmos e os impactos na ação política em contextos democráticos.
Logo no início, o autor define o que entende por algoritmos: “[...] são
rotinas finitas e logicamente encadeadas que realizam tarefas a partir de
informações que recebem” (SILVEIRA, 2019, p. 12). A simplicidade dessa
afirmação nos ajuda, mais uma vez, a desvelar esse termo que, por cada
vez estar mais presente no cotidiano e no senso comum, pode tornar a sua
significação vaga e confusa. Considerar que algoritmos são rotinas que
buscam resolver tarefas, explicitam uma dimensão que parece escapar da
utilização usual do termo: são os humanos que constroem essas rotinas
para resolver tarefas que eles consideram importantes.
Mais à frente no texto, Silveira (2019) afirma que esse domínio dos
algoritmos, presentes nas plataformas e que estruturam o capitalismo de
vigilância, é o momento mais esperado pela corrente positivista do século
XIX. Ao resgatar as ideias de Auguste Comte sobre a lei dos três estados,
o estado positivo, dominado pela compreensão e racionalização científica,
seria o ponto final da história da Humanidade. Hoje, com a utilização cada
vez mais dos algoritmos, podemos dizer que estamos mais próximos dessa
esperança comtiana. O domínio dos algoritmos acentua uma organização
racional, científica e matemática da vida social. Essa racionalização, ainda
na esperança de Comte, teria um certo tom de neutralidade e objetividade,
contudo, este é o ponto para problematização.
Gillespie Tarleton, em um texto de 2018, busca desvendar a
relevância dos algoritmos para a atual conjuntura e, neste processo, aponta
caminhos possíveis para uma utilização alternativa, ou fora do capitalismo

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 265


de vigilância, dos algoritmos. Segundo ele, devemos observar as aplicações
políticas dos algoritmos para, a partir daí, traçar novas possibilidades. São
elas: a) padrões de inclusão, portanto, o que será considerado um dado para
o algoritmo analisar; b) ciclos de antecipação, em outras palavras, a criação
de um conjunto de dados grandes, amplo e variado o suficiente para os
algoritmos trabalharem; c) avaliação de relevância, ou seja, os critérios que
serão utilizados para o algoritmo entender o que é importante ou não; d)
objetividade, ou como é vendida a ideia de neutralidade dos resultados
obtidos pela mediação algorítmica; e) a prática a partir dos dados obtidos;
e f) produção de público calculados (p. 98). Segundo ele, portanto, ao
observar essas aplicações política de perto, poderemos compreender a
profundidade dessa inovação tecnológica.
Langdon Winner, em um texto publicado em 1986, afirma: os
artefatos têm política. Ou seja, todo e qualquer artefato tecnológico é
imbuído de política, seja na sua utilização e aplicação na materialidade, ou,
e mais importante, na sua concepção. Neste texto, Winner (1986) apresenta
o impacto da construção de pontes baixas dentro da cidade de New York,
com vistas a impedir o trânsito de ônibus, e estes, mais utilizados por pessoas
negras e pobres da cidade; outro exemplo é a utilização de maquinários
agrícolas e o subsequente aumento do desemprego nos Estados Unidos.
Assim,

As coisas que denominamos ‘tecnologias’ são modos de construir ordem


em nosso mundo. Muitos equipamentos e sistemas técnicos importantes
na vida cotidiana contêm possibilidades de ordenar a atividade humana de
muitas maneiras diferentes. Consciente ou inconscientemente, deliberada
ou inadvertidamente, sociedades escolhem estruturas para tecnologias
as quais influenciam de forma duradoura como as pessoas trabalham,
comunicam, viajam, consomem e assim por diante. No processo pelo
qual decisões estruturantes são tomadas, diferentes pessoas estão situadas
diferentemente e possuem níveis desiguais de poder, bem como níveis
desigualdade de consciência. (WINNER, 1986, p. 206).

266 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Os algoritmos, portanto, são uma forma de construir ordem no
mundo. Na aparência, uma ordem mais racional, objetiva, neutra, exata,
certeira. Na essência, a depender dos seus criadores. Até o momento,
hegemonicamente, os algoritmos das plataformas atendem ao capitalismo
de vigilância, executado, principalmente, na obtenção de superávit
comportamental.
Enfim, este é um desenho do mundo digital ao qual estamos
vinculados de forma cada vez mais intensa e profunda. Como dito acima,
é neste contexto que a educação em tempos de pandemia se encontra. Será
que existem implicações subjetivas no processo de ensino e aprendizagem
nessa nova realidade? Vejamos isso no próximo tópico.

O EU EM UMA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO

É possível imaginar, e até esperar, um impacto na esfera subjetiva/


individual em decorrência das transformações tecnológicas acima
destacadas. Ao começar a utilizar as plataformas digitais, principalmente
aquelas intituladas de redes sociais, e observar de maneira curiosa o seu
funcionamento, as luzes de atenção acendem: os efeitos sonoros escolhidos,
as cores utilizadas para notificações, os botões fáceis e amigáveis com
funções de compartilhar, curtir e reagir, a timeline infinita, o movimento
de rolar a tela para baixo com apenas a ponta do polegar o dedo indicador,
as indicações de amigos, sugestões de conteúdos semelhantes, propagandas
que invadem a tela do celular por alguns microssegundos, enfim tudo
parece estranhamente calculado. Já investigamos como que as técnicas são
aplicadas para obtenção a nossa maior atenção e atuação nas redes. Porém,
qual são os impactos na subjetividade dos usuários? Especificamente, como
isso afeta a nossa percepção de eu? E, consequentemente, quais são os
valores, princípios, e estados físicos, mentais e sociais, que a educação deve
inculcar nas crianças desta sociedade?
Paula Sibilia discute isso de maneira profunda e delicada. Segundo
a autora (2019), um dos pilares da nossa identidade são as lembranças
das coisas que vivemos, fazemos, compartilhamos e experienciamos. Não

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 267


só lembrar, mas também narrar esse conjunto de momentos e situações
compõe isso que chamamos de eu. Neste sentido, a construção da identidade
que associo ao eu também passa pela compreensão dos outros sobre mim.
Portanto, o processo identitário é um encontro da nossa individualidade
com uma coletividade em específico.
Em uma sociedade em rede, pautada no capitalismo de vigilância,
algumas etapas desse processo foram potencializadas, a ponto de impactarem
no resultado final da construção do eu. O clamor por ser cada vez mais
ativo, em uma sociedade que preza a todo momento pelo desempenho
(HAN, 2015) e que lucra com a mineração do nosso comportamento nas
redes sociais, exige que registremos o eu a todo momento. Através de fotos,
textos, vídeos, somos instigamos a mostrar tudo aquilo que consideramos
que somos. A capacidade de narrar, e de lembrar, passa pelas postagens e os
rastros digitais (BRUNO, 2012) que deixamos no mundo digital. Segundo
Sibilia:

Mas não se trata só disso: esses rastros do vivido tampouco se acumulam


‘dentro’ das entranhas mais profundas de cada um, nem no empoeirado
porão da memória nem no fundo do coração. Em vez disso, agora, essa
substância que nos conforma parece ter se tornado uma espécie de capital
que se deve administrar com o propósito prioritário de mostrá-lo. Por isso,
o que importa para verificar a sua existência – ou, então, a sua irrelevância
– é, precisamente que os outros tenham acesso ou não a essas informações,
para além de que seja algo de ocorrido e que, portanto, integre a história
real de cada indivíduo. (SIBILIA, 2019, p. 207).

O deslocamento do eu para fora, como vimos antes, faz parte do


processo. Contudo, a questão está em depositar as memórias em plataformas
digitais, e entrar em contato com os coletivos ali presente. O problema está
no ponto que já destacamos anteriormente: os algoritmos de Big Techs
utilizam isso como superávit comportamental. Neste sentido, no limite, se
o eu é a capacidade de lembrar e narrar, isso, agora, está no controle destas
redes sociais, as quais aceitamos, sem ler, os termos de compromisso.

268 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Porém, outro fenômeno está presente: esse clamor por postar, mostrar
e compartilhar, ou, em outras palavras, esse excesso de transparência da
intimidade (HAN, 2017), faz a nossa vida parecer se passar em um exame
(HAN, 2018). E neste exame digital, algumas coisas mudam. Segundo
ele, o agir implica em algo novo. Sempre que alguém age também é um
nascimento. Como fica, portanto, a ação no século XXI? Automática. E se
é automática, não vem nada novo daí. Se não há nascimento, também não
há morte. O que existe é um tempo de morto-vivo. Se somos mortos-vivos,
como não há morte e nascimento, também não há política e metafísica. Em
essência, o pensamento político discute e dialoga com o nascimento (política
é práxis), já o pensamento metafísico tem como base a mortalidade. Em
um tempo de morto-vivo, estamos passando por uma etapa pós-política e
pós-metafísica7.
Este impedimento do agir por processos automáticos cria
consequência na vida dos indivíduos. Hoje, uma vida intangível é a tônica.
Não que a materialidade estivesse abandonada, pois isso é impossível,
uma vez que é a nossa relação com as coisas materiais que garante a
sobrevivência – inclusive, é a falta de certas condições materiais que gera
mortalidade. Han (2018) reitera a característica intangível da vida com os
aparatos digitais, pois a nossa mão, que antes era marca registrada da ação
no mundo, está atrofiada. As mãos estão murchas pelos aparatos digitais.
Todas as habilidades que, ao longo da história da sobrevivência humana,
desenvolvemos, estão sendo esquecidas pelo não uso, ou uso repetitivo de
apenas algumas funções. Como tudo gira em torno de informações, que
são intangíveis, não precisamos lidar com coisas materiais. Um exemplo
marcante deste processo são os aplicativos para comprar e vender ações na
bolsa. As propagandas destes aplicativos apresentam o sonho capitalista de
enriquecer apenas com toques na tela do celular. Ou seja, a produção de
riquezas, antes centrada na transformação da natureza material, agora está
direcionada para a manipulação de informações com as pontas dos dedos.
A mão está subtraída aos dedos.
7
Essa condição da pós-política é muito bem identifica por Sabrina Fernandes (2019). Ela explica
como o cenário político brasileiro, a partir de Junho de 2013, passa por consequências inspiradas pelo
discurso pós-político. Este discurso tem nuances: arquipolítica, parapolítica, metapolítica, ultrapolítica
e despolitização. Neste sentido, é possível compreender o avanço personalidades antidemocráticas,
radicais, antiliberais e neoliberais.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 269


Pode-se considerar que, neste sentido, o ser humano está liberto de
algumas necessidades vitais para utilizar seu tempo e força vital para outras
atividades. Contudo, Han (2018) alerta para o imperativo neoliberal e da
sociedade do desempenho (HAN, 2015), que fará com que todo tempo seja
tempo de trabalho, bem como o indivíduo se cobre e se esforce para tal.
Essa sociedade do desempenho, marcada pela positividade e a exigência do
ser, faz com que todos se esgotem na necessidade de ser transparente, de
aparecer em todos os cantos, de se afirmar em todas as dimensões. Neste
caminho, a mão que está diminuída aos dedos, agora sofre com uma atrofia
dos dedos.
Somos coagidos a comunicar a todo momento. Essa comunicação,
mediada por aparatos digitais, reitera e desenvolve a lógica do capital.
Quanto mais acelerada é a circulação da comunicação, mais o capital
circula – como vimos no tópico anterior. E ele circula porque, em um
mundo digital, os dedos contabilizam. Se antes a mão podia escrever, agora,
que estamos com os dedos atrofiados, o que conseguimos é somente contar.
Tudo é resumido em números. Tudo é enumerável. Todas as relações
sociais são sequências numéricas que podem ser mensuradas a partir da
linguagem do desempenho e da eficiência. E essa linguagem coaduna com
o imperativo neoliberal: tudo é tempo de trabalho.
O rolar da tela e o teclar em aparatos digitais, que se torna uma
prática incessante e sem fim – lembre-se do scroll e das telas infinitas dos
feeds dos aplicativos -, exaure a força vital dos indivíduos. Retomando: não
produzimos nada de novo, e não morremos, somos mortos-vivos rolando
telas de aparelhos eletrônicos.
Com a identidade controlada pelas Big Techs e a condição de mortos-
vivos, Rodríguez (2019) levanta uma hipótese, a partir das reflexões de
Michel Foucault, Erving Goffman e Gilles Deleuze: na mudança de uma
sociedade disciplinar para uma sociedade do controle, a constituição da
individualidade passa por uma transformação, levando à concepção de
dividual. A construção da identidade passa por mecanismos de controle
e vigilância e são estes que ganham novos contornos a partir do mundo
digital. Se antes predominava a concepção de panóptico, ou seja, uma única

270 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


pessoa consegue vigiar todas, neste novo contexto, todos observam todos,
originando o sinóptico. Como o self, constituído pelas identidades pessoais e
sociais, desenvolve teatralidades e performances para ser reconhecida pelos
outros personagens em cena, fazendo com que o self, neste sentido, seja
produto da cena, e não causa dela, a alteração na arquitetura de vigilância
implica em novas formatações do indivíduo.
Segundo Rodríguez (2019), são 3 principais mudanças observáveis:
a) a autovigilância, presente tanto no panóptico quanto no sinóptico, altera
sua meta, pois se antes era algo interior, com as redes sociais e o capitalismo
de vigilância, aquilo que expomos começa a ter um valor agregado maior ao
que se reserva na intimidade; b) a subjetividade, que antes poderia ser algo
interiorizado, agora é reforçada a sua dimensão exterior e desenvolvida no
curso de uma ação social; e c) como consequência do aumento de registros
individuais, exposições, novas arquiteturas e novas teatralidades, surge um
novo tipo de sujeito, caracterizado pelo dividual:

Numa primeira definição, seria possível dizer que o dividual é tudo aquilo
que constitui os indivíduos, mas não enquanto indivíduos, e sim como um
tipo de duplo, ou partes de si mesmo que são compartilhadas por outras
regiões dividuais, relacionadas com indivíduos. Essa dividualidade está
conformada por afetos que não são individuais nem coletivos, mas que são
sim imediatamente digitais. Parece-nos que essa definição se ajusta em boa
medida aos modos de subjetivação nas redes sociais, modos que alteram
a relação entre o individual e o coletivo, redefinindo o íntimo e o privado.
(RODRÍGUEZ, 2019, p. 189).

A manifestação mais evidente deste fenômeno são os perfis, elemento


básico de qualquer rede social. Em todas as plataformas, há a necessidade
de criação de um perfil para poder participar das relações sociais tecidas
naquela rede. O perfil é a transformação de uma individualidade em
dividual. É através do perfil que o superávit comportamental é obtido, dados
extraídos, analisados, processados, alimentando a inteligência de máquina
e criando produtos para o mercado futuro. O perfil é tão dinâmico quanto
as relações digitais precisam ser. O perfil é vago e superficial na medida em

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 271


que os contatos e interações nas plataformas precisam ser. O perfil é flexível
para poder acompanhar as tendências de assuntos, temas e conteúdos que
circulam nas plataformas. O perfil potencializa ao máximo o processo
performativo de criação do self. Em tempos pandêmicos de Covid 19, são
os perfis que estabelecem nossas relações sociais.
Isto posto, desenhado este cenário digital e os impactos na
subjetividade, podemos avançar em uma reflexão da seguinte ordem:
como pensar o processo educacional neste cenário? Quais são as propostas
educativas para um contexto digital? Vamos ao próximo tópico.

A FALTA DA QUESTÃO ANTROPOLÓGICA NA EDUCAÇÃO


CONTEMPORÂNEA

As discussões que envolvem educação são acompanhadas, na


maioria das vezes, de termos como pedagogia, pedagógico, aprendizagem,
didática e ensino. Daí, originam-se propostas de abordagens, produções de
materiais, estratégias de ensino e até concepções sobre a função/atuação
do aluno diante do processo. Contudo, parece que falta algo. Assim como
afirma Charlot (2020), os discursos contemporâneos sobre educação estão
ausentes de uma reflexão antropológica profunda. Ao que parece, a ideia,
implícita ou explícita, de ser humano está ausente do debate atual sobre
educação.
Fazendo um resgate histórico e filosófico sobre as ideias em torno
da educação, Charlot (2020) identifica duas propostas clássicas: pedagogia
tradicional e nova pedagogia. Analisando-as através da lente que percebe a
existência de uma dialética entre o desejo e a norma, Charlot (2020) afirma
que, ainda que distantes e trilhando caminhos distintos, ambas propostas
estavam preocupadas com qual ser humano formar. Vejamos duas citações
que as caracterizam e as diferem:

Antropologia oferece, assim, uma versão positiva de uma natureza humana


dupla: se a educação tem por função disciplinar no homem sua natureza
inicial, selvagem, corrompida, dominada pela paixão e pelo capricho, é para

272 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


que ele possa ascender à forma superior de humanidade, a do espírito, da
razão, da alma liberta do pecado ou do cidadão republicano. A disciplina
é a vertente repressiva daquilo que, em sua vertente ‘realização’, dá acesso
a ápice da humanidade (a Razão e a República, ou, na versão religiosa, a
salvação). (CHARLOT, 2020; p. 32).

Se a citação acima caracteriza essa pedagogia tradicional, a que segue


abaixo caracteriza as novas pedagogias:

A Antropologia que funda ou sustenta essas pedagogias é como inversa


em relação àquela que desenvolvem as pedagogias tradicionais. Nestas, a
natureza humana é corrompida e a educação deve submeter a criança à ação
da disciplina. Naquelas, como escreveu Montessori, somente ‘a natureza
pode ditar o método da educação’ (1959, p.63) e ‘nossa vida social é muitas
vezes o obscurecimento progressivo e a morte da vida natural que existe
em nós’ (1958, p. 251). O educador cristão ou republicano luta contra a
corrupção natural da criança, enquanto o professor da nova educação
protege suas potencialidades naturais: a concepção de natureza humana é
invertida, mas a referência antropológica e essencialista a uma natureza do
homem permanece fundamental. (CHARLOT, 2020; p. 41).

A primeira citação diz respeito à pedagogia tradicional, uma


concepção de educação presente desde o século XVIII, com representantes
de peso, como Émile Durkheim, Immanuel Kant, a proposta dos Jesuítas,
e, inclusive mais antigo, presente até em Platão. Em síntese, conforme bem
descrito na citação, a pedagogia tradicional pressupunha um respeito à
norma estabelecida pelo meio social, diminuindo as vontades particulares
e “humanas”. Este processo é realizado pela disciplina rígida, capaz de tirar
os humanos da sua condição de animal e elevá-lo a uma condição superior.
Assim, neste tipo de educação, o objetivo final era alcançar um outro nível,
diferente daquele ao qual todos os seres humanos estão submetidos quando
nasce. A vida humana, portanto, era uma construção, através da disciplina
e incorporação da norma, de uma outra vida – social até.
Seguindo um outro caminho, temos a proposta da nova pedagogia
localizada em um tempo mais próximo do atual, especificamente, na

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 273


metade do século XX em diante. Com representantes como Maria
Montessori, John Dewey, Célestin Freinet e Jean-Ovide Decroly, a nova
pedagogia busca privilegiar o desejo, ou melhor, a natureza sobre a norma.
Através do desenvolvimento natural da criança espera-se que, ao entrar em
contato com o social, e este estabelecendo suas regras, é possível alcançar
um estado pessoal diferente daquele ao qual se nasce. Ao invés de uma
educação centrada na disciplina, essa proposta busca o amor, o respeito, a
paciência e no valor da experiência os instrumentos de aprendizagem.
Como foi dito anteriormente, ambas propostas possuem um objetivo
final, uma meta para qual a educação deve ser orientada, pois espera-
se um certo tipo de ser humano como resultado do processo. Contudo,
segundo Charlot (2020), não é isso que temos nos discursos pedagógicos
contemporâneos. Há um silêncio antropológico ensurdecedor.

Os novos discursos contemporâneos sobre educação falam-nos de um


homem vazio, sem história, sem conteúdo, sem contexto, sem mundo. Esse
indivíduo neural, comunicando e conectado à máquina, efetivamente, não
tem mais razão de ser, e pode sair da cena da evolução, pois um pós-humano
pode fazer mais – portando, na lógica do desempenho: melhor. Bem
entendido, não é mais necessária uma pedagogia contemporânea para esse
não ser humano. A dificuldade é que ainda não estamos lá, a ‘singularidade’
e o pós-humano ainda não foram realizados e nossos filhos ainda são
humanos – inclusive quando vivem sua humanidade na solidão superlotada
de seus smartphones. Para gerenciar no cotidiano os desejos dessas crianças,
os nossos, nossas normas e as da nossa sociedade, remendamos a educação,
híbrida e, muitas vezes, contraditória. (CHARLOT, 2020, p. 168).

Uma vez que não há uma concepção antropopedagógica nestes


discursos, o que povoa as discussões sobre educação na atual conjuntura são
técnicas, estratégias, “modos”, “maneiras” para atingir uma aprendizagem
satisfatória. Charlot (2020) afirma que a neurociência começa a ganhar um
espaço forte na pedagogia, através dos estudos da neuroeducação, porém,
se podem ajudar com dados e mapeamentos do cérebro, quase não auxiliam
no processo de real de aprendizagem, uma vez que estas pesquisas analisam

274 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


o cérebro, e não a pessoa que aprende. Da mesma forma, as “invenções”
oriundas do meio digital e da cibercultura também carecem de um sentido
antropológico, já que consideram que precisamos apenas distribuir mais
informações para as pessoas; assim, há um embate entre os chamados
professores de informação e professores do saber8.
Fazendo coro a esse discurso vazio, estão as métricas e estatísticas
em torno da “qualidade da educação”, que mensuram e estabelecem dados
vazios de sentido, apenas para estabelecer políticas públicas educacionais
que, nem sempre, estão preocupadas com a melhora na qualidade da
educação9. E, por fim, os discursos transhumanistas e pós-humanistas que,
como os nomes já indicam, propõe uma superação do humano, mas com
uma simbiose profunda com as máquinas. Neste sentido,

O homem contemporâneo é o do desempenho e da concorrência, e sua


educação não será outra coisa além de uma mistura de práticas educacionais
improvisadas e práticas de aprendizagem manipuladas pelas neurociências
e as técnicas digitais. Nessa perspectiva, a única coisa que pode fazer a
antropologia é celebrar a diversidade humana, pelo menos enquanto ainda
o permitir a globalização. (CHARLOT, 2020, p. 180).

E como escapar deste cenário desenhado por Charlot? Ele consegue


perceber uma saída através de uma análise teórica-filosófica de uma série
de autores, como Philippe Descola​, Jean-Marie Schaeffer​, Hannah Arendt​
, Heidegger, Jan Patočka​e Peter Sloterdijk​. Segundo Charlot (2020) uma
nova questão antropológica deve ocupar o discurso contemporâneo da

8
“O professor de informações é aquele que enumera longas listas, mais ou menos técnicas, que
o aluno deve memorizar, pelo menos até o momento da avaliação: tipos de animais, de relevos ou
nebulosidades, múltiplas fórmulas, datas e eventos minuciosamente detalhados, formas de atividades
econômicas etc. Esse profissional está historicamente morto, embora seu fantasma continue a
assombrar os estabelecimentos escolares: nenhum professor pode, hoje em dia, rivalizar com o Google
na coleta de documentos, gráficos, imagens, fotografias, vídeos etc. [...] Além disso, o saber é mais
do que informação: é um conjunto de informações articuladas, hierarquizadas, ordenadas, às vezes
sistematizadas e que permitem responder a uma questão, resolver um problema, entrar em um universo
de significado e sentido. Em um mundo cada vez mais saturado de informações, é do professor do saber
que vamos precisar, capaz de gerir a informação de forma eficaz, de construir e transmitir o sentido, de
incentivar e apoiar nos jovens uma mobilização para aprender que se estenda além da simples coleta de
informações. ” (CHARLOT, 2020; p. 114).
9
Para mais informações: MELIM e MORAES, 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 275


educação, substituindo esse silencio e as alternativas vazias. Essa questão
é apresentada a partir de duas frentes: a) a especificidade humana de ser
aberta para o mundo, portanto, não fechada em si mesma, porém sempre
com possibilidades de mudanças; e b) a produção de um mundo humano
“artificial”. Apresentar às crianças estas duas dimensões, poderia resgatar o
sentido perdido da educação, e, quem sabe;

Isso vale a pena quando o que se aprende apresenta sentido, ajuda a


compreender o mundo, a vida, as pessoas ou, simplesmente, porque enfrentar
um desafio intelectual permite sentir-se inteligente e digno de ser amado.
Nesses dois últimos casos, aprender, se mobilizar intelectualmente, é fonte
de prazer – não o prazer da facilidade, mas o da humanidade. Aprender
= Atividade intelectual + Sentido + Prazer: essa é a equação pedagógica
fundamental no ser humano. A memorização, quando é necessária, vem
depois. (CHARLOT, 2020, p. 316).

Este sentido e o prazer que o ato de aprender pode envolver e


desenvolver será desenvolvimento a partir de uma reflexão que ele em conta
as características e especificidades humanas. Como dito anteriormente,
as estratégias e as propostas em prática no século XXI, ao que parecem,
esquecem de considerar o Humano, na sua materialidade, nas suas
contradições, inserido em uma formação social específica, ou seja, um ser
humano concreto. Um dos possíveis caminhos para nos aproximar deste
modelo de educação utópico seja voltar os olhos, mais uma vez, para as
discussões do patrono da educação brasileira, Paulo Freire (2011) e a sua
defesa de uma educação dialógica, que vence a intitulada educação bancária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mundo digital avançou como uma grande onda, arrastando tudo e


a todos que estava em seu caminho. Todas as relações sociais foram alteradas
com o toque do digital. A velocidade destas transformações foi tão alta
que as instituições sociais, sem como os chamados intelectuais orgânicos,

276 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


não tiveram tempo para refletir e propor alternativas de conservação,
manutenção, resistência ou mudança de duas estruturas. Neste sentido,
os agentes e agências de cada uma dessas instituições, viram-se perdidos,
sendo levados por essa onda de inovação.
A educação e, por sua vez, a escolarização, também foi afetada. Tanto
na sua dimensão subjetiva quanto objetiva. A pandemia causada pelo novo
coronavírus foi a “brecha” para fazer avançar o digital sobre este espaço
que, até então, parecia ser intocável, uma vez que o caráter humano da
educação é a sua marca e seu diferencial. Contudo, após um ano e alguns
meses (momento em que este texto é escrito), vimos que o mundo digital
pode se tornar uma realidade permanente na educação brasileira.
Como podemos “surfar” nessa onda? Ou, como podemos fazer
com que este contexto valorize e potencialize uma educação dialógica,
mais moldes propostos por Freire (2011)? Este é um desafio aberto e que
várias pesquisadoras e pesquisadores, professores e professoras, estão se
debruçando para encontrar saídas. Não há resposta definitiva, apenas a
certeza de que, pautados na preocupação de uma educação emancipatória,
conseguiremos utilizar este vento a nosso favor.

REFERÊNCIAS

BRASIL. MEC. Portaria nº 343, de 17 de março de 2020. Disponível em: https://www.


in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376.
Acesso em: 01 jun. 20201.

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contemporânea. São Paulo: Cortez, 2020.

FERNANDES, Sabrina. Sintomas Mórbidos: a encruzilhada da esquerda brasileira.


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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 277


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HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. Petrópolis, RJ: Editora


Vozes, 2018.

MELIM, Juliana Iglesias; MORAES, Lívia de Cássia Godoi. Projeto neoliberal,


ensino remoto e pandemia: professores entre o luto e a luta. Germinal: Marxismo
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MOROZOV, Evgeny. Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São
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RODRIGUEZ, Pablo Esteban. Espetáculo do Dividual: Tecnologias do eu e vigilância


distribuída nas redes sociais. In: BRUNO, Fernanda et al. (Ed.). Tecnopolíticas da
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SILVEIRA, Sergio Amadeu da. Democracia e os códigos invisíveis: como os


algoritmos estão modulando comportamentos e escolhas políticas. São Paulo:
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ZUBOFF, Shoshana. Big Other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma


civilização da informação. In: BRUNO, Fernanda … [et al.]. Tecnopolíticas da
vigilância: perspectivas da margem. São Paulo: Boitempo, 2018.

278 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


JUVENTUDES:
SUAS RELAÇÕES COM O SABER E APRENDER1

Fernando Giorgetti de Souza2

Eu tô aqui pra quê?/ Será que é para aprender?/ ou será que é pra sentar,
me acomodar e obedecer?/ Tô tentando passar de ano pro meu pai não me
bater/ sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever [...].
(Gabriel Pensador, 1995)3

INTRODUÇÃO

Esse trabalho objetiva uma reflexão sobre os jovens e suas relações


de saber, tendo em vista o protagonismo deles nas Ocupações das escolas
públicas do Paraná em 2016. A abordagem inicial é constituída de
apontamentos básicos sobre a construção das relações de saber e aprender4
na perspectiva sociológica da educação, segundo as discussões de Bernard
Charlot (2000, 2001), Bernard Lahire (1997) e Pierre Bourdieu (1998).
A segunda parte é fruto de uma seleção bibliográfica das relações dos
jovens com o saber, já reveladas em alguns estudos realizados entre 2016 e
2018 nas Ocupações nas escolas paranaenses. A terceira parte é dedicada ao
espaço de fala das juventudes, de suas inquietações, sobre o enfrentamento
às desigualdades e possibilidades de superação, ou seja, proporciona
a oportunidade de expressão dos anseios e aspirações relacionadas à
educação e ao mundo do trabalho, bem como de suas angústias, frutos da
relação com seus pares, familiares e professores.
1
Esse artigo é fruto de uma releitura e reescrita do texto “Juventudes e suas relações com o saber e
aprender” com trechos, parágrafos e citações selecionadas, reorganizadas e sintetizadas, do terceiro
capítulo da Dissertação de Mestrado “O protagonismo juvenil nas Ocupações de duas escolas estaduais
do NRE/Londrina: análise sociológica”, defendida em 2019 no Programa de Pós Graduação em
Sociologia da UEL.
2
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina-UEL. Colaborador no Laboratório
de Ensino, Pesquisa e Extensão de Sociologia da UEL-LENPES, pesquisando temas sobre juventudes,
Sociologia no Ensino Médio, políticas educacionais, etc. Contato: nandogiorgetti@gmail.com
3
Trechos selecionados da música “Estudo Errado” de Gabriel Pensador.
4
A escolha dessa temática, surgiu durante o Curso de Disciplinas Especial do Mestrado, originando o
Projeto de seleção para o Curso Regular, e consequentemente a Dissertação Final.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 279


A CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES DE SABER E APRENDER

O saber e o aprender apesar de serem parecidos e sinônimos, são dois


termos distintos. Segundo Charlot (2000) aprender é uma questão muito
mais ampla do que apenas se apropriar de um saber, como um conteúdo
de pensamento. Pensando nisso, na relação com o saber, o sujeito mantém
uma relação mais ampla com o mundo do que com própria relação do
saber, pelo fato dessa ação se confrontar em uma pluralidade de relações,
não apenas cognitivas, mas culturais, sociais, econômicas e políticas.
Mannheim (1985, p. 95) defende a ideia que “a juventude não
se apresenta progressista nem conservadora por natureza, mas é uma
potencialidade que está pronta para qualquer nova orientação.” Quanto ao
aprendizado, aponta Sader (2008, p. 16), “aprende-se a todo momento, mas
o que se aprende depende de onde e de como se faz esse aprendizado”.
Essa associação do pensamento de Mannheim (1985) sobre a
potencialidade dos jovens com o de Sader (2008) acerca “do que, onde e como”
se dá o aprendizado, é uma chave para a leitura e compreensão sociológica
da sociedade. Isso porque, os resultados dos processos educativos dentro
e fora da escola, produzem e reproduzem ao mesmo tempo, sujeitos com
disposições para convergirem com as regras e hierarquias de dominação e
sujeitos com disposições para questioná-las, buscando formas de mudança,
de libertação dos modos de dominação social e educacional.
Na verdade, em determinados períodos os estudantes, docentes e
agentes, criam condições para a emergência de novas humanidades e modos
de humanizar as relações sociais, todavia, nem sempre esses momentos de
resistências são possíveis, devido à complexidade do processo, da lógica
capitalista e do projeto de sociedade que tem sido empregado.
Em resumo, neste contexto, na ideia de Charlot (2000) em sua relação
com o saber, o sujeito se relaciona com o mundo desigual estruturado por
relações sociais, com os outros e consigo mesmo, considerando o tempo e
espaço e o contexto em que esteja situado. Assim, “o eu e o outro” perpassam
a ideia de meras entidades na relação com o saber.

280 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Quando atribuído “o eu” aos estudantes e “o outro” aos seus pais e
professores, se observa o desafio das juventudes em superarem as explicações
do mundo preexistente, os determinismos e fatalismos impostos, bem
como as missões que lhe são atribuídas.
Segundo Charlot (2000), os jovens estudantes ocupam lugar social
na história, esperam um futuro melhor, e em consequência disso, precisam
se atentarem aos momentos de decisões cruciais, afim de romperem com
a lógica dominante e fugirem do conformismo, por vezes impregnado no
discurso alheio.
As juventudes e a relação de saber se relacionam aos estudos
da Sociologia da Educação, tendo em vista os diferentes espaços de
socialização, as formas de reprodução e o protagonismo dos sujeitos. É
importante lembrar, segundo Tardif e Raymond (2000), que os saberes não
são inatos. São socializados pelas instituições e por meio das interações dos
sujeitos, as identidades são construídas.
Por isso, ao elaborar uma Sociologia do Sujeito, Bernard Charlot
(2001) apresenta o conceito de continuidade/descontinuidade e aponta
as múltiplas faces dos pensamentos dos jovens que chegam na escola com
conhecimentos apreendidos no cotidiano, ou seja, com uma relação de
saber em construção, estabelecida nos diferentes espaços de convívio. Para
ele, o(s) saber(es) dos jovens “não se constroem a partir do nada, mas a
partir de relações com que eles já construíram. Não se vai à escola para
aprender, mas para continuar a aprender”. (CHARLOT, 2001, p. 149).
Nessa mesma esteira, Dayrell (2001) destaca que os saberes acontecem
no cotidiano, e os estudantes, sujeitos socioculturais já chegam à escola, um
ambiente de socialização polissêmico, com multiplicidade de sentidos, com
diversidades culturais e experiências vivenciadas, cada um dentro de suas
possibilidades, “reflexo dos desenvolvimentos cognitivos, afetivo e social,
evidentemente desiguais, em virtude da quantidade e qualidade de suas
experiências e relações sociais, prévias e paralelas à escola.” (DAYRELL,
2001, p. 140).
Apesar de terem algo em comum, os grupos de jovens não são
homogêneos e há de se considerar uma maior heterogeneidade em suas

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 281


expressões e opiniões, uma multiplicidade de sentidos, de diversidades
culturais, de ideologias, de valores, devido as suas especificidades. Conforme
notado por Jeolás, Paulilo e Capelo (2017, p. 12), ao se relacionarem entre
si, essas “juventudes” são constituídas de “muitos grupos juvenis que
constroem diferentes formas de pertencimentos e manifestações.”
Nesse sentido, a escola é o lugar em que se ordenam e reordenam os
saberes dos jovens, ou seja, se desenvolvem para além do senso comum,
dialogados de forma criativa com o saber escolar e o científico, em
tentativas de promover uma significação/ressignificação dos saberes até
então apreendidos.
No que se referem ao sucesso escolar, Lahire (1997) e Bourdieu (1998)
destacam a influência do capital cultural e da família, intrinsicamente ligados
às relações constituídas pelos jovens. O sucesso escolar segundo Lahire
(1997), é observado de acordo com o ponto de vista do conhecimento, da
ordem moral doméstica, material e cognitiva e das formas de autoridades
familiar.
Além de apontar a coerência das disposições sociais com os princípios
de socialização de cada um dos indivíduos, o sociólogo adverte que mesmo
sendo parecidas ou idênticas as práticas são “distribuídas entre indivíduos
sociais particulares de maneira muito diferentes. ” (LAHIRE, 1997, p. 36).
Para Charlot (2000, p. 45), apesar de sua singularidade e do fato
de ser “dotado de um psiquismo regido por uma lógica específica”, o
indivíduo ocupa ao mesmo tempo uma posição na sociedade e se relaciona
socialmente. Já Lahire (1997) destaca a configuração social, exemplificando
a ligação em múltiplos elos com a família, vizinhos, colegas de trabalho em
relações de interdependências, compreendidas “através de seus produtos
cristalizados, na forma de disposições específicas de se comportar, sentir,
agir e pensar. Da mesma forma, as crianças estão relacionadas com outros
seres sociais que nem sempre pertencem à constelação familiar. ” (LAHIRE,
1997, p. 40).
De acordo com Norbert Elias (1995), a compreensão de um indivíduo
acontece quando se conhece os seus anseios e projetos e isso depende das
experiências vividas e das relações com outras pessoas. Nesse sentido,
expõe Charlot (2000, p. 67),

282 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A família é espaço de vida, célula econômica (de produção ou consumo) e
grupo afetivo do qual uma das principais funções é a de educar. A empresa
dedica-se à produção; a igreja, à atividade espiritual; mas elas contribuem
também para formar indivíduos. A função da escola é instruir, mas ela
participa da educação e é também um espaço de vida.

Conforme se percebe, cada instituição tem sua função na


socialização, assim, o aprendizado ocorre em diferentes momentos da
história, não apenas na escola, sendo as relações de saber marcadas pelos
locais, pelas mediações, por pessoas e fenômenos. Em relação ao saber, no
entendimento de Charlot (2000), dependendo da motivação o aprendizado
pode ser frágil, devido à pouca interação e relação do estudante com o
mundo, descontextualizada, sem objetivação e argumentação, contribuindo
pouco para a formação.
Alguns exemplos de saber frágil, ocorrem quando se estuda apenas
para aprender conteúdos, não tirar nota baixa, escapar da violência dos
pais ou responsáveis, para satisfazer o ego, agradar familiares, professores,
e alguém mais, ou até mesmo quando o saber se limita apenas à finalidade
de uma profissão. Esse saber, com uma finalidade, remete ao conceito
weberiano de ação social do indivíduo, com um fim racional, cujas ações
são determinadas “por expectativas no comportamento tanto de objetos
do mundo exterior como de outros homens, e utilizando essas expectativas
como “condições” ou “meios” para o alcance de fins próprios racionalmente
avaliados e perseguidos” (WEBER, 1984, p. 141).
Essa ação de estudar visando um objetivo é muito comum em nossa
sociedade meritocrática, cujos considerados “melhores” estudantes terão
a possibilidade de alcançar as melhores oportunidades. Assim, “aprende-
se porque se tem oportunidades de aprender, em um momento em que
se está, mais ou menos, disponível para aproveitar essas oportunidades; às
vezes, entretanto, a ocasião não voltará a surgir: aprender é, então, uma
obrigação (ou uma “chance” que se deixou passar). ” (CHARLOT, 2000, p.
68).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 283


AS RELAÇÕES COM O SABER JÁ REVELADAS EM ESTUDOS SOBRE
OCUPAÇÕES NAS ESCOLAS DO PARANÁ

Essa seção, traz uma seleção de produções científicas que possibilitam


o estudo de determinados legados histórico-culturais, e permitem traçar
significativas relações com os diferentes saberes, revelados especificamente
em estudos sobre o movimento estudantil, nas Ocupações das escolas
públicas do Paraná em 2016. Essa reflexão sobre o protagonismo dos jovens
permite o questionamento de quais as lições ajudam a melhor compreendê-
los? Quais os legados das Ocupações para os estudantes brasileiros e
paranaenses?
De acordo com Campos, Medeiros e Ribeiro (2016), o movimento
estudantil já está colhendo frutos tais como a fundação de grêmios escolares,
as mudanças nas dinâmicas da sala de aula com a maior participação dos
estudantes, e o empoderamento dos estudantes e seus pais em relação a
atuação da gestão escolar, sem contar as experiências obtidas nas ações
desenvolvidas.
De fato, a escola se tornou um ambiente democrático durante
as Ocupações. Isso mostra que os jovens compreenderam a força do
movimento estudantil, o poder do protagonismo, a importância da
autonomia nas tomadas de decisões e ações, a criticidade, o diálogo, a
valorização da escola, o respeito ao outro, a preocupação com as políticas
educacionais em trâmite, etc. Para alguns estudantes essa foi a primeira
oportunidade direta de protagonismo político, portanto, deixa um legado
significativo para essa e futuras gerações.
A resistência e a rebeldia juvenil, vieram à tona. Os jovens puderam
interagir, defendendo uns aos outros, inclusive aqueles com quem
não tinham afinidades, estreitaram laços fraternos, compartilharam,
trabalharam e dividiram tarefas, enfrentaram a polícia, os grupos
conservadores, os políticos, os jornalistas, etc., reivindicaram e expuseram
suas opiniões sobre os motivos da Ocupação nas diferentes arenas políticas,
mobilizando a sociedade com oportunidade de voz nas Câmaras Municipais,
na Assembleia Legislativa, nos veículos de comunicação, mostrando a força
do movimento estudantil.

284 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Houve o engajamento de movimentos sociais, da comunidade
escolar, de entidades privadas, dos estudantes universitários, de artistas,
de profissionais liberais, e de demais grupos da sociedade, participando
nas Ocupações, se solidarizando com a causa, doando alimentos, fazendo
o trabalho logístico de distribuição e troca de alimentos. Aliás, quem
participou contribuiu com o que podia.
As ministrações nas Oficinas das Ocupações foram alinharam aos
temas sobre o cotidiano juvenil, no debate sobre identidades, minorias,
desigualdades sociais, racismo, homofobia, feminismo, machismo,
sociedade conservadora, luta de classe, políticas educacionais e outros
temas recorrentes às juventudes.
Com esse protagonismo juvenil, foi possível ver uma nova face da
escola, mais democrática, cidadã, participativa. No campo universitário
fomentou discussões e pesquisas, enriquecendo mais a biblioteca disponível
sobre o tema, com monografias, artigos, dissertações, teses, livros, etc.
Os estudantes demonstraram seu sentimento de pertença. Para
exemplificar isso, em uma escola da Zona Oeste de Londrina, após
receberem o pedido de reintegração de posse do Colégio manifestaram5
com pesar e consciência limpa, dizendo que durante as três semanas de
Ocupações só fizeram o bem, zelando, estudando e exercendo o direito
de protesto como cidadãos, lutando por melhorias na educação. Mesmo
após saberem sobre o processo de desocupação do Colégio, os jovens se
mostraram animados em prosseguir na luta, protestando contra a Reforma
do Ensino Médio.
Dentro deste percurso, Flach6 e Schlesener7 (2017), fizeram uma
análise da conjuntura das Ocupações nas escolas paranaenses, abordando
a força, a criticidade, a organização e resistência, em oposição ao Governo
Federal, em prol do debate e esclarecimento da população e motivação
5
Manifesto do Diretório de Comunicação do CEEP Professora Maria do Rosário Castaldi em Londrina-
PR, publicado na página do Facebook Ocupa Castaldi em 26 out. 2016.
6
Simone Fátima Flach é Doutora em Educação – UFSCar. Pós-Doutoranda em Educação na
Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Docente do Departamento de Educação e do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa - PR.
7
Anita Helena Schlesener é Doutora em História - Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora
aposentada de Filosofia Política e de Estética da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Docente do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), Santo Inácio,
Curitiba - PR.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 285


dos parlamentares em relação as propostas da MP nº. 746/20168 e PEC nº.
55/20169.
Para elas, o lema “Ocupar e Resistir”, usado pelos estudantes
das Ocupações demonstra a expressão de protesto contra as ações
governamentais, uma ação objetivando proteger o futuro da educação
brasileira, um dos direitos sociais fundamentais. Além disso, contribui para
a formação de futuros dirigentes compromissados em defender as classes
populares, o movimento estudantil contribui para a formação crítica e
consciente da realidade.
Segundo essas pesquisadoras, nessa formação educacional, social e
política, os jovens enxergam possibilidades contra as opressões e nutrem
esperanças de outra forma de sociabilidade. O desenvolvimento no âmbito
político, social e intelectual nos estudantes participantes das Ocupações
segundo elas é incomensurável, por ser esse um momento histórico contra
as arbitrariedades do governo, um marco na história do Movimento
Estudantil brasileiro.
No que se refere a cobertura midiática, Lavoratti10 et al.
(2017), apontam a mídia tradicional tendenciosa, criminalizando e
desqualificando o movimento de Ocupações nas escolas, mas ao mesmo
tempo, ressaltam a importância dos meios de comunicação alternativos,
do caráter democrático na cobertura cotidiana. As autoras ao destacarem a
importância da mobilização dos jovens nas Ocupações das escolas, notam a
interação deles com a comunidade escolar e sociedade civil, resultando em
quebra de paradigmas e alavancada do pensamento crítico.
E mais, apontam inúmeras lições sobre as Ocupações, tais como,
a participação dos estudantes, a preocupação de seus pais, o apoio
dos professores e universitários, a solidariedade, a cumplicidade, a
8
A Medida Provisória 746/2016 foi votada rapidamente (cinco meses) e aprovada pelo Congresso
Nacional, foi convertida na Lei nº. 13.415/2017 alterando a Lei nº. 9394/96 que estabelece as Diretrizes
e Bases da Educação Nacional.
9
O Projeto de Emenda Constitucional nº. 55/2016 do Senado congela os gastos sociais em 20 anos,
afetando a educação, saúde, e seguridade social. Ao ser aprovada passou a ser a Emenda Constitucional
nº. 94.
10
O artigo “As ocupações de estudantes secundaristas nas escolas estaduais do Paraná: uma análise a
partir da cobertura do jornal ‘Gazeta do Povo’” escrito por Cleide Lavoratti, Professora do curso de
Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) em parceria com os Estudantes do
Curso de graduação em Serviço Social da referida Universidade.

286 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


voluntariedade nas campanhas de doações de alimentos e organização
de bazares, a mobilização dos estudantes na organização de oficinas, a
coletividade, o engajamento nas atividades realizadas, e o uso da mídia
alternativa na visibilidade do movimento.
Em sua dissertação11 Melo (2017), questiona de que maneira
as mediações comunicativas da cultura fazem parte do protagonismo
dos estudantes nas Ocupações. Ademais, busca compreender como as
mediações culturais se relacionam com as práticas sociais cotidianas, se
preocupando também com a compreensão dos jovens além dos muros
escolares, e com a formação identitária deles.
Melo (2017) percebe a diversidade do modo de ser jovem se
entrelaçando às práticas cotidianas do colégio, gerando práticas sociais
expressas no eixo comunicação, cultura e política. Seu trabalho contribui
para questioná-los o que representa esse engajamento, de que maneira
articularam a comunicação e como se organizavam coletivamente. No
entendimento da autora,

As práticas analisadas como as mais recorrentes e simbólicas aos sujeitos


da pesquisa foram categorizadas como orgulho da história do colégio;
engajamento político; equidade de gênero; expressão artística. Para que
elas alcancem expressividade, os estudantes as comunicam por variados
processos comunicativos, que trazem, em sua materialidade, não só o
caráter instrumental entre a forma e o conteúdo, mas, principalmente, as
mediações comunicativas da cultura: tecnicidade; socialidade; ritualidade;
institucionalidade. (MELO, 2017, p. 180).

Não obstante, contrariando a opinião de parcela da sociedade, que


estigmatizam e consideram os estudantes participantes das Ocupações
contraventores, vagabundos e subversivos, incapazes de tomarem decisões,

11
Patrícia Goedert Melo é Mestra em Comunicação, na linha de pesquisa em Comunicação, Educação
e Formações Socioculturais pela Universidade Federal do Paraná (PPGCOM/UFPR). Especialista em
Comunicação Audiovisual pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Bacharel em
Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e
bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda, pela Universidade
Tuiuti do Paraná.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 287


Pohl (2016)12 aponta que os jovens, demonstram um pensamento de mundo
ordenado e interesse ativo pelo aprender.
A questão da tomada de consciência nas Ocupações das escolas em
2015 e 2016, é vista por Silva e Mei (2017)13, ao destacarem a relevância das
manifestações culturais e a contribuição das mídias radicais nas atividades
dos estudantes. De acordo com Mei (2013), a mídia radical baseada na
cultura popular – essencial para a oposição – expressa as aspirações do
povo, se manifestando nas músicas e danças.
Como mídia radical de acordo com Silva e Mei (2017, p. 12975), se
encaixam “trabalhos de grafite em outdoors, volantes e cartazes, podendo
chegar à produção autônoma de conteúdo informativo. Downing traz o
conceito da “chama lenta”, definindo que esse tipo de conteúdo não visa
apenas o consumo rápido da informação, mas serve como um convite à
mudança econômica ou política.”
Embora os meios de comunicações de massa segundo Silva e Mei
(2017, p. 12974) insistissem durante as Ocupações em mostrar a escola
pública “sucateada, violenta, frequentada por alunos desinteressados e
desmotivados, oriundos de famílias problemáticas”, ao contrário disso,
o espaço escolar foi reconfigurado sendo lócus de conquista de antigas
demandas dos estudantes, porque além da educação formal, foram por eles
desenvolvidas, planejadas e geridas inúmeras atividades culturais.
Neste sentido, o pesquisador e a pesquisadora, destacam a
importância de se ressaltar a horizontalidade dos novos movimentos
dos secundaristas. Como saldo positivo, elas notam o afloramento da
consciência política, inclusive por parte dos contrários as Ocupações, e
percebem ainda, a participação ativa de pais e mães manifestando em favor
de ensino público de qualidade.

12
Relato do Mestrando em Ciências Sociais David Pohl, disponível no Artigo “Jovens que ocupam:
uma conversa sobre saberes.” Refere-se ao Trabalho apresentado como requisito parcial de avaliação
de Disciplina do Curso de Mestrado, Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade Estadual de
Londrina, Londrina, 2016.
13
SILVA, João Paulo de Souza da; MEI, Danielle Scheffelmeier. O que aprendemos das Ocupações
nas escolas em 2015 e 2016 ? Artigo apresentado no IV Seminário Internacional de Representações
Sociais, Subjetividade e Educação – SIRSSE e no VI Seminário Internacional sobre Profissionalização
Docente - SIPD/CÁTEDRA UNESCO, UFPR, Curitiba, 2017, Disponível em: http://educere.bruc.com.
br/arquivo/pdf2017/23034_11802.pdf. Acesso em: 23 jan. 2019.

288 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Conforme argumentam ainda Silva e Mei (2017), a qualidade
da educação não depende apenas das teorias educacionais por mais
democráticas que sejam, porque o sucesso escolar está intrinsicamente
ligado ao engajamento dos atores sociais, da boa infraestrutura das escolas e
da valorização dos profissionais na implementação da proposta curricular.
Sobre a BNCC, Silva e Mei (2017, p. 12983) advertem que,

Sem políticas articuladas em torno de todas essas questões, a BNCC corre


o risco de se transformar em mero currículo mínimo, abrindo caminho
para que esse mínimo acabe se tornando o máximo de conteúdo oferecido
à imensa maioria dos estudantes brasileiros, e pior ainda, descolado da
verdadeira função social da escola expressa no Art. 205 da Constituição
Federal.

Nesta perspectiva, os jovens nas Ocupações defenderam a educação


como direito de todos, dever do estado, promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, objetivando o desenvolvimento pleno do ser
humano, e o preparo para o exercício de cidadania e ao mesmo tempo a
qualificação para o mundo do trabalho.
A propósito, Polli14 et al. (2018), pesquisam as novas insurgências
e resistências sociais urbanas, através da análise de alguns discursos
realizados pelos atores sociais do movimento Ocupa Paraná, e do grupo
Desocupa Paraná, ligados ao MBL, dos representantes do estado e dos
veículos de comunicação de massa.
Para Polli et. al. (2018), as mídias sociais inovaram nesse movimento,
devido a rápida articulação e estratégia dos manifestantes, tanto dos
apoiadores quanto dos opositores. No caso do “Ocupa Paraná”, na relação
entre os secundaristas e universitários, ambos foram fortalecidos no
movimento.
Entretanto, o estado intimidou e reprimiu os jovens, buscando
deslegitimar o movimento ameaçando estudantes, professores, diretores,
14
O artigo “Novas insurgências e a luta do movimento “Ocupa Paraná” foi elaborado por Simone
Polli, Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), e pelos discentes Aline
Holanda, Gustavo Machado e Luana Vedovello, do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 289


para que se findasse as Ocupações através inclusive de medidas jurídicas
e punitivas aos participantes. Além disso, houve protestos de grupos
contrários as Ocupações nas escolas segundo Polli et al. (2018), com
características fascistas, na defesa de pautas conservadoras, foram
intolerantes, contenciosos, violentos, desrespeitando as diversidades.
Esses estudos sobre as Ocupações nas Escolas Estaduais do Paraná
ressaltam diferentes relações de saber, inclusive a práxis, que é o saber na
prática, na construção de uma escola democrática. Após essas discussões, na
seção seguinte, serão apresentadas as inquietações de jovens participantes
das Ocupações, as desigualdades, as angústias, os sofrimentos, as
possibilidades de sucesso escolar objetivando a transformação da realidade
cotidiana.

JUVENTUDES: AS INQUIETAÇÕES REVELADAS, DESIGUALDADES


E POSSIBILIDADES

Para compreender a mobilização, as aspirações, as práticas dos


estudantes, dentro do processo de aprendizagem15, desde o saber informal
ao conhecimento escolar, é essencial a discussão sobre desigualdades e
possibilidades, relacionadas aos conceitos de relações dos jovens com o
aprender e saber (CHARLOT, 2000, 2001), da herança e do capital cultural
(BOURDIEU, 1998), do sucesso/insucesso escolar e dos patrimônios e
disposições (LAHIRE, 1997).
Nesse sentido, a proposta é uma discussão sociológica das
inquietações juvenis, de suas relações de saber, compilando ideias,
singularidades, afim de observar a multiplicidade de sentidos atribuídos
por esses jovens às políticas direcionadas às escolas no Brasil, em 2016, ou
seja, uma oportunidade de interação e de aproximação com as práticas e
com o modo com que apreendem os saberes teóricos.
Os participantes das Ocupações nas escolas - atores socioculturais
-trouxeram à tona suas experiências, tendo oportunidade de fala,

15
As diferentes experiências de aprendizagem podem ser apreendidas de modo informal ocorrendo
fora do ambiente escolar e de modo formal obtidas no ambiente escolar.

290 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


desvelando suas inquietações16, suas opiniões acerca das relações sociais,
as aspirações acadêmicas e profissionais, possibilitando compreender em
seus apontamentos e ações, suas reflexões em relação a Reforma do Ensino
Médio.
Para tanto, há relatos de suas experiências cotidianas relacionadas ao
modo como lidam com os saberes, com o senso comum e com os saberes
científicos, bem como suas aspirações em relação a continuidade dos
estudos na universidade.
Para alguns jovens, as angústias, são decorrentes das relações
familiares, e em consequência disso, há um descontentamento com
seus pais/responsáveis, por desmotivá-los e forçá-los à seguirem uma
determinada carreira profissional, uma vez que, está incutida na mentalidade
de uma parcela da sociedade brasileira a ideia de que Medicina, Direito e
Engenharia, propiciam status e retorno financeiro.
Segundo o relato de um estudante que escolheu estudar Artes
Cênicas, o discurso familiar foi contestador, dizendo ser melhor escolher
algo que dê lucro do que satisfação pessoal. Apesar da opinião familiar
contrária, o estudante se mantém firme na posição de estudar o que gosta,
o que lhe dá prazer, porque a sua felicidade não está na escolha da profissão
segundo a orientação dos pais, mas na sua autonomia de decisão.
Em suas escolhas os estudantes encontram problemas de recursos
financeiros, de pais separados, falta de apoio no processo seletivo do
vestibular, enfrentam ainda o estigma e o desprezo por escolherem Cursos
da área de Ciências Humanas (História, Ciências Sociais, Filosofia, Artes,
etc.), tendo às vezes, alguns pais criticando, inclusive dizendo que esses
Cursos são escolhidos geralmente por “maconheiros e comunistas”.
Nesse aspecto, os jovens concordam entre si haver uma visão
equivocada das pessoas em relação aos estudantes dos cursos da área de
Ciências Humanas. Por outro lado, outra questão observada é a indecisão
dos jovens em relação às suas aspirações, à continuidade dos estudos, e
a falta de apoio em suas decisões. De acordo com Lahire (1997), os pais
16
Aqui sintetizamos as experiências e falas de um grupo de jovens participantes das Ocupações de
Escolas Estaduais pertencentes ao Núcleo Regional de Educação de Londrina, contidas em nossa
dissertação, preservando suas identidades, sem perder de vista a essência e autenticidade dos discursos
revelados.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 291


também são responsáveis por proporcionar meios para que seus filhos
obtenham o sucesso escolar.

Famílias fracamente dotadas de capital escolar ou que não o possuem de


forma alguma (caso de pais analfabetos) podem, no entanto, muito bem,
através do diálogo ou através da reorganização dos papéis domésticos,
atribuir um lugar simbólico ou um lugar efetivo ao “escolar” ou à “criança
letrada” no seio da configuração familiar” ... é preferível ter pais sem capital
escolar a ter pais que tenham sofrido na escola e que dela conservem
angústias, vergonhas, complexos, remorsos, traumas ou bloqueios. Na
incapacidade de ajudar os filhos, os pais sem capital escolar também não
tendem a comunicar-lhes uma relação dolorosa com a escola e com a
escrita. (LAHIRE, 1997, p. 344-345).

Assim, na tentativa de interferirem na decisão e escolha dos jovens,


pais e familiares resistem colocando mais obstáculos do que facilidades.
De certo modo, porque são desprovidos de capital cultural e de capital
econômico, e estão “fadados” a não acreditar nas escolhas de seus filhos.
Nessa perspectiva, lembramos o questionamento de Lahire (1997)
sobre os pais que não transmitem o capital cultural aos filhos: “o que dizer
ainda de pais que dispõe de muitas qualidades (do ponto de vista das
exigências escolares), mas que, perturbados por um divórcio não conseguem
organizar uma ordem familiar estável necessária para pôr em ação algumas
práticas escolarmente rentáveis para os seus filhos?” (LAHIRE, 1997, p. 30).
Para Lahire (1997, p. 25) “os pais podem, igualmente, controlar as
situações de socialização nas quais estão colocados os filhos, para evitar
que não degringolem.” Quantos às escolhas de seus filhos, sem generalizar
porque nem sempre os pais estão certos e querem forçá-los a seguirem
opiniões diferentes, entretanto, às vezes, acabam surpreendidos com
atitudes típicas das juventudes, realizadas “às escondidas”, ou provocadoras
contrárias aos valores até então ensinados no lar. A respeito desse fato, nas
palavras de Zago (2000, p. 35),

292 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


[...] a mobilização familiar voltada para as atividades escolares dos alunos,
as práticas de socialização e a transmissão de valores, o apoio sistemático
de um professor, a demanda escolar relacionada à atividade profissional,
o tipo de trajetória social e escolar, entre outras situações, podem tornar-
se fatores escolarmente rentáveis na definição de percursos singulares com
características distintas das de colegas da mesma idade e origem social.

Segundo os apontamentos de Paul Singer (2011),

[...] o mundo em que vive a atual coorte dos jovens é o resultado de uma
evolução histórica que as coortes de seus pais e avós construíram. A
história sempre é feita por coortes. Embora elas se misturem em festas
ou comemorações cívicas, nas famílias e no trabalho, a história, em cada
período, é o resultado de coortes de adultos e velhos que desfrutam de
poder político e/ou econômico, sendo desafiadas e denunciadas por coortes
de jovens que deles dependem. (SINGER, 2011, p. 28).

Neste sentido, quando pensam em romper com essa dinâmica


conservadora, os jovens são tachados de rebeldes, de anarquistas, de
subversivos e até mesmo de marginais. Em linhas gerais, esse é o pensamento
de muitos pais em relação ao futuro dos filhos, quando arbitrariamente
querem forçá-los a seguir tal profissão ou carreira, ou se realizarem
obrigando-os a cursarem determinado curso, a seguirem uma carreira, que
não puderam no passado.
Através desse pequeno relato, é possível entender como acontece a
relação com o saber em ambientes de socialização fora do espaço escolar e
que de certo modo influencia muitos os jovens na hora da escolha de um
curso universitário. Isto é, se estes realmente conseguem escolher estudar,
pois conforme as pesquisas, a evasão escolar acontece com frequência
durante o Ensino Médio devido o mundo do trabalho. Os jovens, de acordo
com Dayrell (2001), ingressam muito cedo no mundo do trabalho. Em suas
experiências, se constituem,

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 293


[...] como indivíduos concretos, expressões de um gênero, raça, lugar e papéis
sociais, de escalas de valores, de padrões de normalidade. É um processo
dinâmico, criativo, ininterrupto, em que os indivíduos vão lançando mão
de um conjunto de símbolos, reelaborando-os a partir de suas interações
e opções cotidianas. [...] podem personificar diferentes grupos sociais, ou
seja, pertencem a grupos de indivíduos que compartilham de uma mesma
definição de realidade, e interpretam de forma peculiar os diferentes
equipamentos simbólicos da realidade. Assim, apesar da aparência de
homogeneidade, expressam a diversidade cultural: uma mesma linguagem
pode expressar múltiplas falas. (DAYRELL, 2001, p. 142).

Segundo Motta e Frigotto (2017), baseados nos dados da PNAD-


IBGE (BRASIL, 2015)17, cerca de 56,7% dos jovens, com idade até 19 anos,
oriundos das camadas populares concluíram o Ensino Médio. Para os
pesquisadores,

Ainda que esses jovens vençam o gargalo da passagem do Ensino


Fundamental para o Ensino Médio e concluam o Ensino Médio profissional,
passam a compor a amarga estatística da maior taxa de desemprego. A
falácia de estimular o Ensino Médio para qualificar para o trabalho depara-
se com a falta de emprego no mercado de trabalho para a quase totalidade
desses jovens. (MOTTA; FRIGOTTO, 2017, p. 362).

Outro problema recorrente do mundo do trabalho, são os baixos


salários e às duras jornadas, submetidos à rotatividade nas empresas
terceirizadas ou aos empregos informais, que de certo modo, dificultam o
prosseguimento dos estudos nas universidades.
Nessa esteira do mundo do trabalho, Kuenzer (2005) fala sobre o
processo de “exclusão includente” - comum nos Estados neoliberais - e que
marginalizam os jovens trabalhadores por não possuírem uma profissão,
ou por não terem adquirido certas competências e habilidades na educação
formal, exigidas pelo mercado de trabalho, sendo culpabilizados como não
empregáveis, pela falta de saberes técnicos e especializados.
17
Cf. BRASIL. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Síntese de Indicadores 2015. Brasília:
IBGE, 2015. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98887.pdf. Acesso em:
30 ago. 2021.

294 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Além disso, há exceção, mas, jovens nas camadas populares sofrem
devido suas escolhas de cursos e profissões por não terem capital econômico
e por não terem adquirido, no âmbito familiar o capital cultural.
A escola segundo Ceccom, Oliveira e Oliveira (1982), é vista
principalmente pelas pessoas de menor poder aquisitivo, como uma escada
para subir na vida, para ascensão social. Embora haja uma insatisfação com
ela, aspiram instrução, melhorias de vida, melhores empregos e salários.
Com base nessa constatação, o sucesso escolar é uma oportunidade para
“compensar as desigualdades de dinheiro, de importância e de posição
social.” (CECCOM; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1982, p. 18). Segundo
Nogueira (1995, p. 11-12),

A marcante tipicidade das condutas das classes médias que - embora


guardando certa diversidade sobretudo entre as frações mais equipadas
em capital cultural e aquelas mais equipadas em capital econômico - têm
como traço central e mais característico o fato de atribuírem à escola um
lugar central em seus projetos de futuro, que são construídos a mais longo
prazo (em contraposição ao curto horizonte temporal próprio das camadas
populares), e, com esse fim, mobilizarem amplos recursos (em tempo,
energia e meios financeiros) postos a serviço de uma elevada “ambição
escolar”.

Como bem observado por Lahire (1997), as posições sociais dos


filhos não é uma herança ou capital cultural, passada de uma geração a
outra, porque depende dentre outras circunstâncias da disposição dos
pais/responsáveis em supervisionar os filhos, viajar com eles dando-lhes a
oportunidade de conhecer outros países, povos, histórias, visitar museus,
etc., o que para as camadas populares é bem difícil.
Paixão (2007) entende que as famílias das camadas populares têm
menores chances para escolher a escola de seus filhos, sendo obrigadas a
matriculá-los seguindo as regras do sistema público de ensino, diferente das
famílias de classe média e da elite, que podem escolher escolas de acordo
com o projeto pedagógico mais adequado ao projeto familiar.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 295


Em virtude dessa realidade, “é possível, trabalhar com a hipótese
de que as consonâncias entre socialização na escola e socialização entre
camadas populares são menores que nos demais grupos sociais. ” (PAIXÃO,
2007, p. 43).
E mais, segundo Nogueira (2004, p. 134),

as posses econômicas conseguem reparar, em boa parte, os prejuízos dos


atrasos e dos acidentes ocorridos no percurso escolar. Isso porque essas
famílias dispõem de meios de luta contra o insucesso escolar, através de
estratégias variadas de compensação e de reparação, capazes de remediar
ou, ao menos, de atenuar os efeitos nefastos do fracasso.

Consequentemente, de acordo com Charlot (2000), não basta “ser


filho de” para herdar o capital cultural, é preciso muito trabalho e muita
atividade prática, e nesse sentido se os pais forem ausentes, o sucesso
escolar fica muito mais difícil para os jovens. Dentro desse ponto de vista, a
ausência de disposições, os procedimentos cognitivos e comportamentais,
segundo Lahire (1997; 2012), dificultam a resposta dos estudantes em
relação as exigências escolares.
Embora destaque “a solidão” das crianças provenientes de classes
sociais menos abastadas na escola, ele entende esse problema se acentuar
em alguns casos, considerando uma “dupla solidão”, além da dificuldade
de aprendizado no contexto escolar, a falta de interação no contexto
extraescolar, devido seus familiares não possuírem as disposições e
competências necessárias para ajudá-los nas tarefas.
Quando o estudante se encontra nesse dilema da dupla solidão entre
escola e família, “somente as intervenções exteriores podem tirá-las das
suas contradições. Sob este ponto de vista, podemos dizer que, realmente,
algumas têm mais sorte do que outras, porque terão um apoio extrafamiliar
que não é comum, ou um apoio escolar particularmente eficaz.” (LAHIRE,
2012, s/p).

296 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Como se observa, segundo aponta Lahire o fator social18 é importante,
e a família está no centro do problema, nas causas do sucesso ou do fracasso
escolar.
Entretanto, apesar da herança do capital cultural de certo modo, ser
determinante para o sucesso escolar dos jovens, é importante considerar
suas experiências e individualidades, bem como o papel e influência
positiva de professores conseguirem, mudar a trajetória negativa de algum
estudante.
Dentro desse contexto, retomando a fala de uma estudante, já
decidida de seu Curso, aponta ser a sua escolha não pelo dinheiro, mas por
amor, fazer o que gosta para evitar frustações. Declara seu encantamento
com a Sociologia no Ensino Médio e com o trabalho do professor. Apesar de
sua família insistir para ela estudar Pedagogia, alegando ser uma abertura
para várias oportunidades, mesmo com as críticas, quer estudar Ciências
Sociais. Ao serem questionados sobre suas aspirações na escola, sobre o
currículo escolar, quando relacionam os conteúdos escolares aprendidos,
divergem em suas opiniões, sendo alguns contrários ao conteúdo da
educação formal, argumentando ser parte desse conhecimento inútil, por
não ter relação com a vida cotidiana.
Embora haja os favoráveis que o currículo escolar deve ser
direcionado pelo governo19, há quem conteste, entendendo a importância
do ensino e do saber multidisciplinar, inclusive das Disciplinas de Sociologia
e Filosofia contra a doutrinação e alienação. Nesse embate, surge também
a concordância sobre os conteúdos apresentados, porque além de fazer
sentido na vida deles, precisam ser bem contextualizados. Para exemplificar
isso, um estudante critica o uso de muitas fórmulas na Matemática e a falta
de contextualização com o cotidiano, mas lembra a habilidade do professor
de Física ensinando através de exemplos ocorridos na sala de aula, dizendo
ser mais fácil o aprendizado.
Durante as Ocupações havia um currículo agendado para as
Oficinas e quando eram canceladas por algum motivo, os estudantes
18
LAHIRE, Bernard. O fator social. Revista Educação. São Paulo, 30 abr. 2012. Entrevista concedida a
Lúcia Müzzel. Disponível em: http://www.revistaeducacao.com.br/o-fator-social/ Acesso em: 13 ago.
2018.
19
Em alusão as mudanças propostas de Reforma do Ensino Médio.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 297


ficavam chateados, fato que demonstra o interesse deles em participar, em
aprender. Os jovens trazem alguns depoimentos sobre o protagonismo
deles, porque querem uma escola melhor, querem participar do Projeto
Político Pedagógico – PPP, pois são sujeitos ativos na educação, almejam
uma escola de qualidade, gostam de participar nas Ocupações e trabalham
coletivamente para o bem comum.
Esse protagonismo dos jovens, nos remete ao pensamento de Freire
(2011) do ser humano ser o sujeito e não objeto da educação, apreendendo
a realidade, desvelando soluções para transformá-la. Diante dessa
explicação ontológica do ser, fica evidente a relação do jovem com o saber-
fazer, como sujeitos no processo de aprendizagem. Segundo Gohn (2011),
ao compreender a realidade social, propostas são realizadas buscando
melhorias na qualidade do ensino.
Conforme Gohn (2016), o contexto escolar é importante espaço de
participação para a construção de agendas das políticas públicas. Neste
contexto, os movimentos sociais para Gohn (2011, p. 336), “representam
forças sociais organizadas, aglutinam as pessoas não como força-tarefa
de ordem numérica, mas como campo de atividades e experimentação
social, e essas atividades são fontes geradoras de criatividade e inovações
socioculturais. ”
Assim, o movimento estudantil demonstrou sua força muito mais
com a qualidade das ações do que com a quantidade de participantes,
apesar de ter uma quantidade expressiva de jovens. Conforme se percebe,
são múltiplas faces e olhares sobre um grupo de estudantes. Cada um com
sua singularidade e respostas diferentes para o enfrentamento da realidade
cotidiana. Mesmo diante das dificuldades nas Ocupações, houve elementos
sociológicos em favor do bem comum da coletividade. Além disso, eles
demonstraram o espírito de solidariedade, a união e cooperação voluntária
nos trabalhos, deixando de lado as diferenças pessoais e as “rixas”, se unindo
no mesmo propósito, aprendendo a conviver com o outro.
A Ocupação das escolas constitui-se um processo radical em que
os jovens tiveram aprendizados diferenciados. Não havia divisão por
gênero e quando se comunicaram, supriram a necessidade um do outro,

298 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


distribuindo e redistribuindo, socializando produtos de limpeza, higiene
pessoal e alimentos.
Os estudantes se ajudaram bastante e quando havia excedentes de
determinados produtos, repartiam com outros que não possuíam e se
houvesse a necessidade de determinado tipo de alimento, eles trocavam
entre si para poder diversificar o cardápio, etc. Havia uma organização nas
Ocupações. Os estudantes se dividiram em setores por habilidades, um
cuidava do esporte, do social, da limpeza, e assim por diante. Em seus relatos
citam a ajuda externa de por parte de alguns professores trazendo colchões,
doando alimentos e orientando algumas de suas ações. Os universitários da
UEL, também ajudaram nas Oficinas, fazendo cartazes e oficinas.
A mediação dos professores e de pessoas ligadas aos coletivos
e movimentos sociais é essencial para que os jovens se vinculem aos
conteúdos e as práticas e para que façam o certo. As lideranças dos Grêmios
Estudantis interagiram nas redes sociais e durante as Ocupações os
estudantes acessavam o Facebook para ver as postagens, saber as novidades,
mas evitavam postar devido as comunicações nos grupos do WhatsApp
serem mais sigilosas e direcionadas.
Os estudantes participantes fizeram bilhetes e entregaram para
a vizinhança e para os pais afim de instruí-los acerca do motivo das
Ocupações. Entretanto, apesar da proibição dos pais e responsáveis, em um
dos dias da Ocupação, passaram pela escola 256 estudantes. Para eles, a
retaliação parte de dentro dos muros da escola, por parte da direção, que
trancou o colégio, tirou o papel higiênico, desligou a água, e parte de fora
da escola.
Isso porque a tensão foi muito grande. Havia uma luta em
movimento e era muito difícil para certa parcela da sociedade entender
que as reinvindicações em pauta eram para o bem comum da sociedade
e não para determinado partido político. Diante desses apontamentos, é
importante apreender a relação dos jovens com o saber, a questão da herança
e do capital cultural, das diferenças e singularidades em um determinado
grupo de estudantes. A propósito, a Ocupação durou dezessete dias e os
jovens só saíram de uma escola quando o movimento em outras escolas

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 299


já havia terminado e porque a diretora disse que a polícia retiraria eles no
dia seguinte. Para preservar suas identidades e não aparecerem nos jornais
locais sensacionalistas, decidiram desocupar a escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme se observa, essa pesquisa tem sido realizada dentro de


uma perspectiva sociológica da educação, abordando a construção das
relações de saber e aprender do saber e protagonismo de estudantes do
Ensino Médio do Paraná, nas Ocupações das escolas públicas em 2016. É
possível compreender algumas diferenças da atuação dos jovens na escola,
se comparadas as atividades de educação formal nas quais tendem a serem
mais passivos, com as atividades realizadas nas Ocupações das escolas
públicas do Paraná, em 2016.
Durante o movimento os jovens se engajaram na construção do
currículo democrático na prática, debatendo temas contemporâneos,
trazendo para a escola manifestações culturais, a participação de
movimentos sociais, de universitários de diferentes campos de saber,
artistas, profissionais liberais, isto é, uma nova face a escola. Sem contar
as experiências sociais e políticas, com destaque para o protagonismo, a
formação e participação na arena política, o engajamento, a comunicação
no cenário midiático e nas redes sociais, o empoderamento, a criticidade, o
diálogo com a sociedade civil.
Em relação à construção de saberes, os jovens deixam evidente
em suas falas, suas inquietações, o enfrentamento às desigualdades e
possibilidades de superação, oportunidade de expressão dos anseios e
aspirações relacionadas à educação e ao mundo do trabalho, bem como
de suas angustias, frutos do relacionamento com seus pares, familiares e
professores. É evidente que os jovens querem conectar os saberes com as
atividades práticas, objetivando o sucesso escolar. Para tanto, precisam
serem valorizados no ambiente escolar, e principalmente do apoio de seus
pais e familiares em suas escolhas.

300 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Esses relatos possibilitam a oportunidade do ecoar das vozes juvenis
e a compreensão da importância que eles dão em poderem escolher
estudar e trabalhar naquilo que se realizam, ao invés de se conformarem e
seguirem o curso daqueles que trabalham apenas para ganharem dinheiro
e consumirem, porque felicidade não tem preço. Nesses recortes de falas, a
preocupação foi sintetizar alguns pontos importantes discutidos em alguns
trabalhos sobre o protagonismo juvenil nas Ocupações, principalmente das
escolas do Paraná.
Em suma, os jovens têm uma relação com o saber, querem aprender
na escola, são bem-sucedidos quando gostam de determinada disciplina e
quando são motivados. Possuem aspirações e opiniões, mas nem sempre
podem expressar e seguir determinados caminhos, pois, alguns deles
são censurados, pela sociedade, pelos professores, pais e amigos. Há
outras pesquisas abordando o movimento estudantil, com argumentos
semelhantes e outras preocupações importantes para o debate acerca da
relação dos jovens e as políticas educacionais, que dada a complexidade do
tema, poderão serem acrescentadas em trabalhos futuros.

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306 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


CARACTERIZAÇÃO SOCIOLÓGICA DE JOVENS BENEFICIÁRIOS/
AS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA
EDUCAÇÃO DE LONDRINA-PR

Luís Gabriel Ramiro Costa1

INTRODUÇÃO

As informações discutidas neste texto partiram de uma pesquisa


com jovens beneficiários/as do Programa Bolsa Família (PBF) no Ensino
Médio de Londrina-PR, no ano de 2017, cujo objetivo principal destinou-
se investigar projetos e estratégias advindas dos ganhos da educação
para quebra do ciclo intergeracional da pobreza. A partir deste tema
geral, há outras abordagens e análises, uma delas é o recorte deste texto
de compreender a caracterização sociológica do grupo na educação,
desagregando informações produzidas pelo Estado e aquelas coletadas
diretamente com estudantes em escolas públicas.
O elo do PBF com jovens ocorre pelo acompanhamento da
frequência escolar, estendendo no propósito da quebra do ciclo
intergeracional da pobreza, por um desenho focalizado nas famílias
em situação de extrema pobreza e pobreza para garantia de maiores
oportunidades com o acesso à educação. A proposta refere-se as novas
gerações de crianças e adolescentes de 6 e 15 anos quando devem estar
matriculadas e com frequência mínima de 85% e, a jovens, vistos pela
faixa de 16 e 17 anos, devem estar matriculados e com 75% de frequência
escolar (BRASIL; MDS, 2009; BRASIL; CIDADANIA, 2020)”publisher-
place”:”Brasília”,”title”:”Guia para acompanhamento das Condicionalidades
do Programa Bolsa Família”,”type”:”book”},”uris”:[“http://www.
me nd el e y. c om / d o c u me nt s / ? uu i d = a c c 3 9 d 0 e - a a 0 d - 4 d c e - af 6 b -
8fc17cf00591”]},{“id”:”ITEM-2”,”itemData”:{“ISBN”:”9788560731831”,”a
1
Universidade Estadual de Londrina; Graduando em Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura)
e mestre pelo Programa de Pós Graduação em Sociologia (PPGSOC/UEL) pela mesma instituição.
Contato: luisgabrielramiro@gmail.com;

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 307


bstract”:”O Ministério da Educação, por seu próprio atributo e natureza,
formula e implementa ações que objetivam ampliar o acesso, a permanência
e a melhoria do processo de escolarização. No que diz respeito ao acesso,
que corresponde ao processo de efetivação da matrícula, nos últimos 20
anos a política educacional obteve avanços significativos quanto ao Ensino
Fundamental. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad.
Este desenho fortalece o direito de acesso à educação e fundamenta
em leis como o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a Constituição Federal
de 1988 (BRASIL; CIDADANIA, 2020), que juntas aos programas como o
antigo Bolsa Escola, além do próprio PBF, atuaram e atuam para uma maior
presença de setores populares na educação. A frequência escolar das novas
gerações é um dos principais objetivos dos Programas de Transferência
Condicionada (PTCs), que se ampara nas políticas educacionais a fim de
viabilizar o propósito da quebra do ciclo intergeracional da pobreza via
educação (BRASIL; CIDADANIA, 2020).
É por meio deste cenário que as discussões realizadas aqui visam
compreender a caracterização sociológica de jovens beneficiários/as na
educação de Londrina-PR. No município, com base nas informações do
ano de 2017, no mês de março, 16.498 eram famílias beneficiárias o que
equivale a 8,23% do total da população. A média de acompanhamento no
mesmo ano de crianças, adolescentes e jovens de 6 a 17 anos beneficiárias
ficou em 14.902 e, deste total, 1.962 eram jovens de 16 a 17 anos (BRASIL;
CADUNICO, 2017). Este texto caminha para compreender a condição
desse último grupo na educação, a sua presença e experiência na escola,
indo além de informações produzidas pelo Estado.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para atender os objetivos deste texto, os procedimentos metodológicos


baseia em uma abordagem combinada – qualitativa/quantitativa (FLICK,
2009) na direção de apurar a caracterização de sujeitos. Há uma interpretação

308 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de informações oriundas do Sistema Presença2 sobre a frequência escolar de
estudantes beneficiários/as na educação e entrevistas realizadas em escolas
públicas. As duas fontes ajudam a compreender o grupo acompanhado nas
escolas e especificam a condição de como são caracterizados tanto pelo
Estado, como também, no contexto de pesquisa3, de conhecê-los através da
sua própria condição.
Tais informações trazem elementos importantes quando se investiga
diversas fontes (FLICK, 2009) que deriva de uma pesquisa maior “Situação
e Trajetória Escolar de Beneficiários/as do Programa Bolsa Família no
Ensino Médio e a Perspectiva de Ascensão Social via Escolarização (2017)”,
reunindo informações coletadas junto ao Núcleo Regional de Educação e
Secretaria Municipal de Educação de Londrina e de duas escolas públicas
situadas em regiões diferentes do município.
As duas escolas públicas selecionadas resultam dos critérios de
i) região (centro e bairro); ii) quantidade de beneficiários/as (maior e
menor) e iii) Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e
rendimento do ensino fundamental e médio (maior e menor). Por esses
critérios chegou-se nas escolas estaduais Verde de Sá, situada na região
central, com 51 anos de funcionamento e 1695 matrículas, sendo dessas
9% de beneficiários/as e, Marinho Azul, da região sul, que funciona a 21
anos contando com 363 matrículas, sendo dessas 30,3% de beneficiários/
as. A coleta de informações ocorreu por um questionário de perguntas
fechadas e abertas aplicado a jovens beneficiários/as e não beneficiários/as
no Ensino Médio e entrevistas individuais semiestruturada aberta4 apenas
2
Acompanha a frequência escolar de estudantes bolsistas do Programa Bolsa Família por meio do
Ministério da Educação (MEC) desde 2004. De início acompanhava a faixa etária de 6 a 15 anos.
Em 2007, com a implantação do Benefício Jovem Variável (BVJ), passa acompanhar também a faixa
etária de 16 a 17 anos (BRASIL; MDS, 2009; BRASIL; CIDADANIA, 2020)por seu próprio atributo e
natureza, formula e implementa ações que objetivam ampliar o acesso, a permanência e a melhoria do
processo de escolarização. No que diz respeito ao acesso, que corresponde ao processo de efetivação da
matrícula, nos últimos 20 anos a política educacional obteve avanços significativos quanto ao Ensino
Fundamental. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad.
3
A pesquisa passou pelo Comitê de Ética e obteve um parecer favorável, ficando acordado o respeito a
liberdade de preservar a identidade de participantes e escolas que se apresentam por nomes fictícios.
4
O questionário tem algumas perguntas de múltipla escolha. Alguns dos resultados apresentado
neste texto são de perguntas com mais de uma resposta, sendo que a análise das informações tem o
objetivo de verificar sua variação. Os grupos analisados não são equivalentes e o objetivo não é realizar
uma análise estatística, mas descritiva da realidade vivenciada por cada grupo. As entrevistas foram
realizadas apenas com jovens beneficiários/as que responderam o questionário.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 309


com o primeiro grupo. A análise do material neste texto é descritiva, indo
no sentido de tirar proveito para compreender a caracterização de uma
parcela das juventudes na Educação Básica.

JOVENS POBRES E A ATUAÇÃO DO ESTADO PELO PBF NA


EDUCAÇÃO

O tema central do PBF na educação é a frequência escolar de


condicionar o acesso das novas gerações à escola, se destacando nos últimos
anos como uma das propostas de fortalecimento escolar. Neste percurso
incluiu a faixa etária de 16 a 17 anos entendida como jovens, etapa esta
de Ensino Médio de particularidades. Sposito e Souza (2014) discutem a
evolução de matrículas nesta etapa de ensino na última década, em especial
a partir de 2008, com variações anuais negativas de anos anteriores, ficando
em 0,1 (8.272.159) e subindo em 2009 para 0,8 (8.337.160). Nas variações
seguintes os resultados se mantiveram abaixo desses percentuais e houve
uma redução de matrículas.
A presença e matrícula escolar centro do PBF é em grande fruto
de sua contribuição mostrada por pesquisas, mas, no ensino médio, entre
jovens, é difícil afirmar, apesar de estudos estatísticos levantados por
Thomazinho (2019)possivel- mente reduzindo as inúmeras dimensões da
desigualdade educacional enfrentadas por seus beneficiários. Partindo-se
da ideia de que o direito à educação pressupõe a garantia de algo comum
e, portanto, igual para todos, adotou-se a concepção de desigualdade
educacional de Marcel Crahay (2002 em medir efeitos do BVJ quando
atestam que entre jovens de 16 a 17 anos há efeitos de escolher a possibilidade
de trabalhar e estudar, sendo maior para o sexo masculino e filhos mais
novos do domicílio (CHITOLINA; FILHO, 2016 apud THOMAZINHO,
2019)possivel- mente reduzindo as inúmeras dimensões da desigualdade
educacional enfrentadas por seus beneficiários. Partindo-se da ideia de
que o direito à educação pressupõe a garantia de algo comum e, portanto,
igual para todos, adotou-se a concepção de desigualdade educacional de
Marcel Crahay (2002. Há efeitos encontrados também aos jovens que

310 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


nem trabalham e nem estudam “nem-nem”, a qual o Programa contribuiu
para uma maior chance de engajarem no mercado de trabalho, elevando a
participação escolar e reduzindo o abandono de meninos de 15 a 17 anos
da área urbana, apesar de elevar as chances de meninos da área rural entre
6 a 14 anos repetirem de série (VASCONCELOS apud THOMAZINHO,
2019)possivel- mente reduzindo as inúmeras dimensões da desigualdade
educacional enfrentadas por seus beneficiários. Partindo-se da ideia de que
o direito à educação pressupõe a garantia de algo comum e, portanto, igual
para todos, adotou-se a concepção de desigualdade educacional de Marcel
Crahay (2002.
Thomazinho (2019)possivel- mente reduzindo as inúmeras
dimensões da desigualdade educacional enfrentadas por seus beneficiários.
Partindo-se da ideia de que o direito à educação pressupõe a garantia
de algo comum e, portanto, igual para todos, adotou-se a concepção de
desigualdade educacional de Marcel Crahay (2002 reconhece a importância
do Programa no aumento do acesso à escola, mesmo que pequeno, evitaria
que esse grupo não estaria frequentando esse lugar, mas considera que:

É possível que o impacto no nível individual dos alunos seja positivo,


mas como alunos que antes não estavam na escola passam a frequentá-
la, e pode-se supor que eles tendam a ter desempenho abaixo do médio
da escola, o efeito sobre o desempenho da escola pode ser negativo
(THOMAZINHO, 2019, p. 55)possivel- mente reduzindo as inúmeras
dimensões da desigualdade educacional enfrentadas por seus beneficiários.
Partindo-se da ideia de que o direito à educação pressupõe a garantia
de algo comum e, portanto, igual para todos, adotou-se a concepção de
desigualdade educacional de Marcel Crahay (2002.

Viana et. al (2015)”editor”:[{“dropping-particle”:””,”family”:”Ronc


a”,”given”:”Antonio Carlos Carusno”,”non-dropping-particle”:””,”parse-na
mes”:false,”suffix”:””},{“dropping-particle”:””,”family”:”Alves”,”given”:”Lu
iz Roberto”,”non-dropping-particle”:””,”parse-names”:false,”suffix”:””}],”id
”:”ITEM-1”,”issued”:{“date-parts”:[[“2015”]]},”page”:”151-177”,”publishe-
r”:”Fundação Santilha”,”publisher-place”:”São Paulo”,”title”:”O PNE e o

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 311


Bolsa Família”,”type”:”chapter”},”suppress-author”:1,”uris”:[“http://www.
mendeley.com/documents/?uuid=f91e5514-97fd-40ae-901c-afab99d9a
29a”]}],”mendeley”:{“formattedCitation”:”(2015 exibem a contribuição
em nível de aluno, individual do que de escola, ou seja, o estudante tem
dificuldades na educação, apesar dos avanços nos últimos anos de acesso,
também identificados por Sposito e Souza (2014) nas matrículas no Ensino
Médio, com aumento de jovens de 15 a 17 anos nesta modalidade de ensino,
havendo algumas contradições referentes a persistência de problemas de
fluxo e progressão. O ponto de vista encontra na atuação do Estado sob as
novas gerações na educação, no propósito da garantia do cumprimento a
condicionalidade em educação que traria a contribuição na permanência
escolar e obtenção de maiores oportunidades que gerações anteriores
(BRASIL; CIDADANIA, 2020).
As maiores oportunidades de acesso à escola de segmentos
vulneráveis, visam o aumento do capital humano5, significando dizer que
o desenvolvimento da educação alinha com o mercado. As leituras como
de Pires (2013)são\napresentadas algumas considerações, fundamentadas
em trabalhos científicos, que\nproblematizam a efetividade das
condicionalidades em educação presentes no Programa\nBolsa Família
(PBF destacam a importância de considerar o capital dos indivíduos com
base no seu nível de formação, uma vez que o capital humano estabelece
desigualdade por mérito. Isto aparece nas discussões de Sposito e
Corrochano (2005) sobre os PTCs a jovens, quando destacam dificuldades
e iniciativas a esse público, já que podem ser considerados atores do
desenvolvimento e sentirem responsabilizados pelo fracasso.
As autoras demonstram que a noção de jovens nas políticas tem
sua origem na violência, sobretudo nos centros urbanos, atravessada
pelo desemprego no final da década de 1990, o tempo livre vistos como
perigosos, propícios para condutas criminosas ligadas ao tráfico etc. A

5
[...] entende que as diferenças nas capacidades adquiridas pela mão de obra ao longo do tempo são
tributárias dos investimentos feitos no trabalho, entendido como capital. Como qualquer tipo de
investimento, aquele realizado em si mesmo deve proporcionar um retorno futuro para seu proprietário.
É nesse ponto que entra a educação dentro da Teoria do Capital Humano, que passa a ser concebida
como um bem intermediário, portanto investimento, cujo consumo promoveria o incremento de um
conjunto de habilidades e destrezas, formadoras de capital humano (PIRES, 2013, p. 516).

312 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


concepção de juventude como problema é recorrente na modernidade
(ABRAMO, 1994), em meio ao comportamento “anormal” de delinquência,
contestação em relação à ordem social e o Estado utiliza de políticas,
marcadas para controlar através da escola e grupos socioeducativos,
condição que ajuda compreender resultados do PBF na educação com base
no acompanhamento da frequência escolar de jovens.
O tema é discutido por Dayrell (2007), em meio a mudança no
controle que está disperso na sociedade e afeta a escola e socialização das
juventudes, expondo dificuldades de afirmação social mediante ao aumento
das matriculas no ensino médio e as novas experiências sociais de grupos
excluídos historicamente do processo educacional do país (SPOSITO;
SOUZA, 2014). Os resultados de PTCs e também do PBF as novas gerações
na educação, incorporam aspectos presentes no final da década de 1990 e
início de 2000 mencionados por Sposito e Corrochano (2005), acerca da
ambiguidades na obrigatoriedade da frequência escolar, através da condição
de “vulnerabilidade” de grupos excluídos precocemente da escola, levando
a distorção idade-série e enfatizando a relação conflitiva com a instituição.

Em muitos casos, o retorno à escola é computado no programa de forma


burocrática, funcionando apenas como mais um controle a ser estabelecido
sobre os jovens, pouco interferindo na real interação que esses segmentos
mantêm com a instituição escolar (SPOSITO; CORROCHANO, 2005, p.
162).

Em síntese, as discussões da atuação do programa na educação


em contato com as novas gerações, apresentam desafios da quebra
intergeracional e a saída da pobreza, pois envolve questões da própria
contemporaneidade no caso dos jovens (ABRAMO, 2014; DAYRELL,
2007). Os estudos identificam isso nos resultados de presença e desempenho
de beneficiários na educação (THOMAZINHO, 2019). Feijó e Pires (2015)
implantada pelo governo federal, em 2003, que visa combater a pobreza.
Destina-se a famílias com renda per capita igual ou inferior a R$ 140,00.
O desenho do PBF busca enfrentar a pobreza ar-ticulando ações em dois

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 313


períodos temporais. Em curto prazo, transferir renda diretamente às
famílias, atuando na redução da chamada pobreza absoluta. Em longo
prazo, combater a chamada transmissão intergeracional da pobreza, por
meio de condicionalidades vincu-ladas à saúde e, sobretudo, à educação.
Em relação à educação, é exigida frequência escolar mínima de 85% para as
crianças entre 6 e 15 anos de idade, e 75% para adolescentes en-tre 16 e 17
anos de idade. O pressuposto deste entendimento, que vincula transferência
de renda com exigência de frequência escolar, é que as crianças e jovens, ao
entrarem cedo no mercado de trabalho, diminuiriam a sua escolaridade
e reduziriam drasticamente suas chances de sair da pobreza quando
adultas. Este artigo visa compreender como se esta-belece a relação entre
frequência escolar e saída da pobreza, de acordo com os pontos de vista dos
próprios titulares das famílias beneficiárias pelo PBF, residentes na região
sul do município de Campinas (SP por entrevistas com mães beneficiárias
em Campinas-SP, destacam que os jovens têm dificuldades em cumprir a
condicionalidade por conta da bolsa não ser diretamente a eles. Ao entender
as experiências de jovens pobres em situação de exclusão na educação,
Dayrell e Jesus (2013) afirmam a questão da renda mínima, no intuito de
oferecer autonomia ao jovem e possibilidade de frequentar à escola. Diante
disso, o atendimento de setores populares pelo Estado nos últimos anos,
exibe uma mudança no perfil estudantes que acessam à educação no Brasil,
condição essa que reitera e apresenta novas questões (DAYRELL, 2007;
SPOSITO; SOUZA, 2014).

CARACTERIZAÇÃO SOCIOLÓGICA DE JOVENS BENEFICIÁRIOS/


AS EM LONDRINA-PR: DE INFORMAÇÕES GERAIS A ESPECÍFICAS

As questões que estão na presença de jovens na educação e o desenho


do PBF, se apresentam no acompanhamento em nível do município
de Londrina-PR, situado na região sul do Brasil. Os dados expressam
que em 2017 - 9,23% das famílias beneficiárias estavam cadastradas do
Cadastro Único e havia 500.701 habitantes de acordo com o Censo de 2010
(BRASIL; CADUNICO, 2017). No mesmo ano, em relação a população

314 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


total, 8,23% das famílias eram beneficiárias do programa e inseriam no
acompanhamento e registro da frequência escolar de crianças, adolescentes
e jovens na educação (BRASIL; CADUNICO, 2017).
Esse tipo de acompanhamento no mês de maio de 2017 abrangeu
15.473 de crianças e jovens de 6 a 17 anos, representando 97,60% das
informações registradas no período e ficando acima da média nacional de
91,07% (BRASIL; CADUNICO, 2017). A condição de jovens neste cenário
é importante, pois descumprem mais a condicionalidade em relação a
faixa etária de 6 a 15 anos. Em alguns meses, ficam acima do percentual de
frequência para faixa etária, com aumento do descumprimento ao longo
do ano.

Gráfico 1 - A condição de frequência da faixa etária de 16 a 17 anos em


Londrina, 2017

Fonte: elaborado pelo autor (2017) adaptado de “relatório motivo de baixa frequência
escolar em Londrina-PR”, referente ao ano de 2017.

O alto percentual de frequência abaixo entre jovens comparado a


faixa etária de 6 a 15 anos, exibe uma média anual em números absolutos
em que dos 1.881 acompanhados, 1.499 tiveram frequência acima e 435
abaixo, ou seja, 23% em média tiveram problemas para estar na escola e
os motivos recorrentes é o desinteresse e desmotivação pelos estudos. Este
indício traz a dificuldade de acesso ao direito à educação num local que parte
não frequentam regularmente a escola durante o ano de 2017. É necessário

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 315


reconhecer o ciclo de vida marcado por uma maior individualização,
de responsabilidades as juventudes contemporâneas num contexto de
distância da escola em relação a condição juvenil6 (DAYRELL, 2007).
Dayrell (2007, p. 1116) afirma, de acordo com François Dubet e José
Machado Pais, que “estaríamos assistindo uma passagem da sociedade
disciplinadora para uma sociedade de controle” via reconstrução da
escola. Junto a este contexto, a caracterização de uma parcela da juventude
brasileira de jovens beneficiários/as na educação durante os meses de 2017
em Londrina-PR, leva ao acompanhamento da frequência escolar e menor
cumprimento da condicionalidade, principalmente nos últimos meses do
ano, além do mais, as informações detalhadas de não acompanhados tem
dificuldades de focalização quando se descumpre a condicionalidade.
A presença na educação também envolve o atraso escolar constatado
por Viana et al. (2015)”editor”:[{“dropping-particle”:””,”family”:”Ronca”
,”given”:”Antonio Carlos Carusno”,”non-dropping-particle”:””,”parse-na
mes”:false,”suffix”:””},{“dropping-particle”:””,”family”:”Alves”,”given”:”Lu
iz Roberto”,”non-dropping-particle”:””,”parse-names”:false,”suffix”:””}],”id
”:”ITEM-1”,”issued”:{“date-parts”:[[“2015”]]},”page”:”151-177”,”publishe-
r”:”Fundação Santilha”,”publisher-place”:”São Paulo”,”title”:”O PNE e o
Bolsa Família”,”type”:”chapter”},”suppress-author”:1,”uris”:[“http://www.
mendeley.com/documents/?uuid=f91e5514-97fd-40ae-901c-afab99d9
a29a”]}],”mendeley”:{“formattedCitation”:”(2015 em que beneficiários/
as obtém menores percentuais no término do ensino fundamental em
relação a não beneficiários/as. A menor renda do primeiro público é um
forte indicador de impacto na escolarização e uma das causas na chance
de abandono, evasão, desinteresse pela escola, dado que se junta a outros
quando situa o/a jovem no Ensino Médio, representado, por exemplo, a
fatores internos e externos da escola (SPOSITO; CORROCHANO, 2005;
SPOSITO; SOUZA, 2014).
Quando Sposito e Souza (2014) acusam a redução de matrículas
nos últimos anos do Ensino Médio, mesmo com a contribuição de políticas
6
“Refere-se ao modo como a sociedade constitui e atribui significado a esse momento do ciclo da vida,
no contexto de uma dimensão histórico-geracional, mas também à sua situação, ou seja, o modo como
tal condição é vidada a partir dos diversos recortes referidos às diferenças sociais – classe, género, etnia,
etc” (DAYRELL, 2007, p. 1108).

316 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


educacionais e de pobreza, tem questões na expansão do ensino quando
um novo público avança em relação as gerações anteriores excluídas dos
processos escolares. Dayrell (2007) reconhece a mesma situação num
espaço que passa a conviver com experiências culturais que transcendem
seus muros, de jovens pobres mostrarem suas experiências. Os resultados
de (baixa) frequência e casos em descumprimento da condicionalidade
a este grupo, emergem em um contexto onde o acompanhamento da
frequência tem cada vez mais atribuições à escola no aumento de demanda,
além de haver uma exclusão mais sutil de grupos em situação de pobreza
(DAYRELL, 2007).
O atendimento a demanda revelam a condição de jovens a qual há
interpretações que vão além de registros, números, situadas nas experiências
vividas no cotidiano escolar enquanto “espaço complexo de interações, com
demarcações de identidades e estilos, visíveis na formação dos diferentes
grupos, que nem sempre coincidem com aqueles que os jovens foram fora
dela (DAYRELL, 2007, p. 1120)”. A visão em duas escolas de Londrina-PR,
agrega o entendimento de compreender ainda mais a caracterização do/a
jovem “beneficiário/a”, indo além da proposta do acompanhamento Estatal
quando se entende a concepção de um grupo na escola.
Nas escolas, a caracterização de jovens beneficiários/as parte
da aproximação com jovens não beneficiários/as entrevistados por
questionário, exibindo especificidades do primeiro grupo por ser maioria
não branca, confirmando a relação da pouca renda com a cor. Os dois grupos
cursavam o Ensino Médio e técnico. O primeiro morava mais distante da
escola, havendo um deslocamento na maioria dos casos à escola de centro,
no sentido de procurar outras escolas para atingir objetivos educacionais,
por outro lado, na escola de bairro, moravam próximo, situando uma relação
de segregação escolar que afetam em parte as oportunidades vivenciadas
em Londrina-PR no ano de 2017.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 317


Tabela 1 - Caracterização de jovens beneficiários/as e não beneficiários/as
do Programa Bolsa Família na educação, Londrina-PR, 2017
Jovens* Beneficiários/as (30) Não Beneficiários/as (45)
Verde de Sá (21 - 70%) Verde de Sá (33 - 73,3%)
Escola
Marinho Azul (9 - 30%) Marinho Azul (12 - 26,7%)
Manhã (28 - 93,3%) Manhã (35 - 77,8%)
Turno
Noite (2 - 6,7%) Noite (10 - 22,2%)
Masculino (12 - 40%) Masculino (22 - 48,9%)
Sexo Feminino (17 - 56,7%) Feminino (22 - 48,9%)
Outro (1- 3,3%) Outro (1- 2,2%)
Brancos (11 - 36,7%)
Brancos (15 - 33,3%)
Preta (6 -20%)
Preta (8 -17,8%)
Parda (8 – 26,7%)
Cor Parda (17 - 37,8%)
Indígena (1 – 3,3%)
Indígena (1 – 2,2%)
Amarela (3 – 10%)
Amarela (4 – 8,9%)
Não autodeclara (1 – 3,3%)
15 a 17 anos (93,4%) 15 a 17 anos (33 - 73,3%)
Idade
18 ou mais (2 - 6,7%) 18 ou mais (12 - 26,7%)
Ensino Médio (22 - 73,3%) Ensino Médio (31 - 68,9%)
Etapa escolar
Ensino Técnico (8 -26,7%) Ensino Técnico (14 - 31,1%)
Próximo (9 - 20%)
Próximo (7 - 23,3)
Mais ou menos próximo - (23
Distância da escola Mais ou menos próximo (6 - 20%)
- 51,1%)
Longe (17 - 56,7%)
Longe - (13 - 28,9%)
Pai e Mãe (11 - 36,7%) Pai e Mãe (24 - 53,3%)
Apenas pai (3 - 10%) Apenas pai (2 – 4,4%)
Origem familiar/
Apenas mãe (10 - 33,3%) Apenas mãe (12 – 26,7%)
mora
Avó/avô (5 - 6,7%) Avó/avô (3 - 6,7%)
Outras pessoas (1 - 3,3%) Outras pessoas (4 - 8,9%)
Pai - ensino fundamental
incompleto (11 - 24,4%)
Pai - ensino fundamental incompleto (6 - 20%) Mãe - ensino médio completo
Escolaridade pais e
Mãe - ensino fundamental incompleto (12 - 40%) (12 - 26,7%)
responsáveis**
Responsável - ensino médio completo (4 - 13,3%) Responsável - ensino
fundamental incompleto (4 -
8,9%)
Respostas múltiplas
Pai (2 - 5,9%) Pai (2 - 4,1%)
Mãe (0 - 0%) Mãe (4 - 8,2%)
Avó/ô (0 - 0%) Avó/ô (1 - 2%)
Parente com/no
Irmã/o (5 - 14,7%) Irmã/o (8 - 16,3%)
ensino superior
Outros (22 - 64,7%) Outros (27 - 55,1%)
Não Tenho familiares com ensino superior Não Tenho familiares com
(5 - 14,7%) ensino superior (7 - 14,3%)
* A seleção de jovens para participação na pesquisa ocorreu de modo aleatório e obtiveram liberdade para
participarem, além de contar com não beneficiários/as para não expor os grupos de beneficiários/as. No
período da noite houve pouca participação porque estudantes esqueceram os documentos de autorização
dos pais e responsáveis. Os dados não têm a pretensão de fazer análises estatísticas robustas, aprofundadas,
apenas descrever a condição de um grupo na educação.
** Representa apenas as primeiras respostas que obtiveram mais quantidades.
Fonte: Pesquisa de campo - 2017

318 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A aproximação entre grupos ajuda na caracterização de jovens
beneficiários/as que estavam em cumprimento da condicionalidade
e frequentavam à escola. As principais diferenças estão na cor que
assinalaram ser preta, parda, indígena, amarela, em que, juntas, é maior
a estudantes de pouca renda, como também o sexo, a qual as moças são
maiores, principalmente no primeiro grupo, expondo uma condição a
ser vista se rapazes descumprem mais a condicionalidade e estão fora da
escola. Além do mais, o primeiro grupo estuda majoritariamente em região
diferente que moram e inserem em uma distribuição desigual diante do
deslocamento daqueles que estudam principalmente na escola de centro.
A origem social, com quem moram, expressa um maior arranjo
familiar de ambos os grupos para pai e mãe (11 - 36,7% e 24 - 53,3%), seguido
apenas com a mãe (10 - 33,3% e 12 - 26,7%) maior entre beneficiários/as
e situa o perfil da família beneficiária de responsabilidade da mãe. O pai
desses jovens tem uma escolaridade de ensino fundamental incompleto (6
- 20% e 11 - 24,4%), a mãe está nessa situação com maior percentual para
12 (40%) e 11 (24,4%) dos casos. As informações alinham ao perfil dos
familiares responsáveis que receberam o benefício no país em 2018, com
baixa escolaridade e famílias com arranjos uniparentareis/monoparentais
na figura principalmente da mãe (88%) (CHAVES et al., 2018).
A baixa escolaridade de familiares aparece nos dois grupos
pesquisados e o pai tem menores percentuais que a mãe entre beneficiários/
as com a predominância do ensino fundamental incompleto. Isso leva a
informação de pessoas próximas estar no ou com Ensino Superior, havendo
maior percentual de respostas a outras pessoas e pouca entre familiares
próximos (79,4% das respostas), justificando ainda mais a posição de que
os jovens, em especial, beneficiários/as, são os primeiros a prolongar a
escolarização, já ocorrendo por estarem no Ensino Médio.
Os achados aproximam em partes aos resultados de pesquisa de
Dayrell e Jesus (2013), quando discutem a exclusão de jovens de 15 a 17 anos
do ensino médio no Brasil, a qual a baixa escolaridade de familiares é maior
para as mães em relação ao pais com curta trajetória. Os jovens pesquisados
em Londrina-PR, apontaram o cenário de serem os primeiros a chegarem

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 319


ao Ensino Superior e Ensino Médio, como visualiza de modo mais presente
na escola da região Sul onde as famílias com baixa escolaridade é maior.
Essas informações são detalhadas e reiteradas nas entrevistas apenas com
grupos de beneficiários/as.
As análises de entrevistas com 18 jovens beneficiários/as exibem
que 13 estudavam na escola de centro Verde de Sá e 5 na escola de bairro
Marinho Azul. O grupo estava na etapa escolar do Ensino Médio regular
e Ensino Técnico/Profissionalizante, muitos moravam em outros locais,
especialmente quem estudava na escola centro e, no caso da escola de bairro,
residiam próximo e faziam apenas o Ensino Médio. O dado demonstra
realidades específicas de proximidade e os motivos que levam estudar em
cada local, além de experiências do grupo no interior de cada escola.

Quadro 2 – Caracterização de jovens beneficiários/as na educação,


Londrina-PR, 2017
i Escola iii Idade Série iii iv v vi vii

Estuda e mora Mãe EMC, pai


1º EM
J1 V. SÁ F 15 anos Norte com pai, mãe e ESC e irmão Não Não
regular
irmão parou no EM
Mãe e Pai EMI
1º EM Estuda e mora
J2 V. SÁ M 17 anos Norte e irmão parou Não Não
regular com pai e mãe
no EF
Estuda e mora Mãe EMC e irmã
J3 V. SÁ F 17 anos 3º EF/ADM Norte Não Não
com mãe e irmã está na creche
Estuda e mora
J4 V. SÁ F 17 anos 3º ET/ADM Sul  Pai e mãe EFI Não Não
com a mãe
Estuda/trabalha e
J5 V. SÁ M 17 anos 3º ET/ADM Sul Avó e mãe EFI Não Sim
mora com a avó
Estuda/trabalha Mãe e pai e mãe
J6 V. SÁ F 17 anos 3º ET/ADM Norte e mora com EMI e irmã está Não Não
bisavós no ES
Estuda/trabalha
4º Pai EMI e irmão
J7 V. SÁ F 18 anos Norte e mora com pai e Não Não
magistério está no EF
irmão
1º EM Estuda e mora
J8 V. SÁ M 15 anos Norte Mãe e pai EMC Não Não
regular com pai, mãe
Estuda e mora  Mãe não tem ES
2º EM
J9 V. SÁ F 16 anos Norte com mãe e e irmãos estão Não -
regular
irmãos no EF
Sim, por
Estuda/trabalha e Pai EMI e mãe conta de
J10 V. SÁ F 18 anos 2º ET/ADM Norte Não
mora com pai EFC  funcionário
da escola

320 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Estuda e mora Mãe e pai EFI e
3º EM
J11 V. SÁ F 17 anos Leste com mãe e irmãos pararam Não Sim
regular
irmãos os estudos 

2º EM Estuda e mora Sim,


J12 V. SÁ M 16 anos Leste  Mãe e Pai EFI Não
regular com mãe e irmã desmotivação

Estuda e mora
2º EM Mãe EMC e pai
J13 V. SÁ F 16 anos Leste com pai, mãe e Não Não
regular EFI
irmã
Pai EMI e irmãos
M. 2º EM Estuda e mora
J14 F 17 anos Sul pararam os Não Não
AZUL regular com pai e irmãos
estudos 
Estuda e mora Pai EMI e irmãos
M. 2º EM
J15 M 15 anos Sul com mãe e pararam os Não Sim
AZUL regular
padrasto estudos
Mãe EFI,
Estuda/trabalha Sim, por
M. 2º EM padrasto EMC
J16 M 16 anos Sul e mora com mãe, desmotivação Não
AZUL regular e irmã parou os
padrasto e irmãos e trabalho
estudos 
M. 2º EM Estuda e mora
J17 M 17 anos Sul Avó EFI Não Não
AZUL regular com avó
Estuda e mora
M. 2º EM
J18 F 16 anos Sul com pai, mãe e Mãe e pai EFI Não Não
AZUL regular
irmãos
Ensino Fundamental completo EFC; Ensino Fundamental incompleto EFI; Ensino Médio
completo EMC; Ensino Médio incompleto EMI; Ensino Superior (ES); Ensino Superior  
completo (ESC)
i) Jovens; ii) Sexo; iii) Local de moradia/região; iv) Estuda e mora; v) escolaridade familiares; vi) Pensou em parar os
estudos; vii) Participa de projetos indicados pelo CRAS;

FONTE: Pesquisa de campo - 2017

Além de frequentar à escola, alguns trabalhavam, principalmente


os que estavam no Ensino Técnico, sendo poucos nas respectivas áreas de
estudo, uma condição presente na escola Verde de Sá. Na escola Marinho
Azul, apenas um jovem trabalhar, os demais somente estudavam ou
faziam cursos técnicos e projetos socioeducativo que ocorrem no próprio
bairro que moram. Os projetos foram menos apontados por estudantes da
escola de centro, enfatizando mais o trabalho, curso técnico e levando a
entender que as propostas socioeducativas estão mais relegadas aos bairros
(SPOSITO; CORROCHANO, 2005).
Há, também, uma configuração familiar heterogênea (nuclear,
monoparentais etc.) confirmando resultados do questionário, quando
moram com pais, mães, avós e irmãos. A escolaridade dos familiares
também é baixa, mas como singularidades em relação ao questionário da
situação de irmãos mais velhos que pararam os estudos e abandonaram a

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 321


escola, além de serem os primeiros a prolongarem a escolarização, inclusive
em relação aos irmãos. Isso faz pensar ainda mais as maiores especificidades
de caracterização do grupo na educação e suas condições em Londrina-PR.
A caracterização sociológica de jovens beneficiários/as no município
traz experiências especificas. O grupo descumpre mais a condicionalidade
em educação com motivos recorrentes de desinteresse e desmotivação
pela escola, manifestando desafios de permanência escolar que situam no
universo da condição juvenil na contemporaneidade e as mudanças na escola
(DAYRELL, 2007). As experiências de presença na educação, expressam que
moram em famílias heterogêneas, especialmente monoparentais de baixa
escolaridade e, possivelmente, a primeira geração a continuar na escola, no
Ensino Médio, Técnico e de chegar no Ensino Superior, além de estarem
num contexto de morarem longe da escola que estudam, caracterizando
dificuldades nas oportunidades educacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do texto de compreender a caracterização sociológica de


jovens beneficiários/as do PBF em Londrina-PR, com base nas informações
gerais e específicas, reitera e alinha a algumas condições que vem
acontecendo nos últimos anos na educação brasileira, onde a escola passa
a receber um novo público oriundo de gerações anteriores que estavam
historicamente excluídas do processo de educação (SPOSITO; SOUZA,
2014). Isso não significa dizer que desapareceram os desafios de presença
escolar, pois algumas dessas questões adentraram a escola e apresentam
particularidades a grupos populares como é o caso de jovens beneficiários/
as na dificuldade de cumprimento da condicionalidade e estar na escola.
Esse grupo acompanhado recentemente, atravessa um momento
de declínio das matrículas no Ensino Médio, em meio as dificuldades de
presença de abandono e evasão escolar. A realidade no contexto local,
mesmo com boas taxas de acompanhamento e frequência acima, traz
dificuldades no cumprimento e baixa taxa de frequência a esses grupos,

322 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


justificando o desinteresse e desmotivação pelos estudos como principais
motivos. As informações exibem uma caracterização de jovens pelo Estado,
pelo acompanhamento mensal das novas gerações indicando pontos de
mudanças ocorridas na sociedade nos últimos anos e o papel da escola
(DAYRELL, 2007).
As experiências dos sujeitos na escola, se percebem por um grupo
com dificuldades de presença e vivência por conta da renda e outros
marcadores exibidos na caracterização oriundas de famílias heterogêneas,
monoparentais, de baixa escolaridade, com casos de irmãos que pararam
os estudos, além de estudarem longe da residência que moram. A
caracterização indica experiências sociais encontradas na frequência
escolar e une as particularidades do contexto da educação brasileira,
enquanto grupo que avançou a geração anterior por estar no Ensino Médio
e Técnico-Profissional.
Os resultados de uma parcela da juventude brasileira na educação,
expõe a condição que são beneficiários da universalização da Educação
Básica e do aumento das matrículas do Ensino Médio, além de contribuições
do PBF na sua trajetória educacional. Apesar dos resultados, é importante
reconhecer o quanto essas políticas ainda encontram desafios em contribuir
para que novas gerações consigam sair da condição de pobreza pela
educação, pois marcadores como renda, região, escola, geração, origem
familiar ainda afetam trajetórias educacionais no Brasil. Essas são questões
que na educação ainda se fazem presentes ao entender a caracterização das
novas gerações populares no contexto brasileiro das escolas (DAYRELL,
2007; SPOSITO; CORROCHANO, 2005) e que afetam a quebra do ciclo
intergeracional da pobreza.

REFERÊNCIAS

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Cidade: Editora Página Aberta, 1994.

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educar para a equidade. São Paulo: Fundação Santilha, 2015. p. 151-177.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 325


“LAVAR ROBOS”: PODER E GÊNERO NO DISCURSO DAS ALUNAS
DO CURSO DE INFORMÁTICA INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO
DO IFPR - CAMPUS LONDRINA

Rogério Martins Marlier 1


Cecília Avansini Rosa 2

INTRODUÇÃO

A pandemia de Covid-19 trouxe, além da catástrofe sanitária,


diversos problemas sociais, econômicos e políticos. A adoção de medidas
de isolamento social gerou diversas consequências para a sociedade e o
setor da educação foi um dos mais atingidos. Com as escolas fechadas, os
profissionais desta área precisaram se adaptar à utilização das tecnologias
informacionais como ferramentas de trabalho. Não foi apenas a relação
ensino/aprendizagem que foi afetada pela utilização compulsória desses
aparatos, mas também a pesquisa, em especial, a que lida com a área da
educação.
Dessa forma, este artigo relata os resultados de uma pesquisa
realizada entre 2020 e 2021, no auge da pandemia de Covid-19 no Campus
da cidade de Londrina do Instituto Federal do Paraná (IFPR)3. A intenção
desta pesquisa foi analisar as desigualdades nas relações de gênero
materializadas nos discursos de um Grupo Focal Online (GFO) formado
por alunas matriculadas no Curso Técnico em Informática Integrado
ao Ensino Médio (TINFEM) do IFPR campus Londrina. Diante disso,
procuramos compreender, nos discursos das alunas da área de Tecnologia
da Informação (TI), os processos estruturadores de um imaginário
depreciativo para/sobre as mulheres e se eles agem como limitadores das
possibilidades profissionais destas estudantes.
1
Professor orientador da pesquisa. Docente de Sociologia do Instituto Federal do Paraná – Campus
Londrina - PR, Mestre em Ciências Sociais pela UEL. Contato: rogerio.marlier@ifpr.edu.br.
2
Estudante do Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal do Paraná - Campus
Londrina - PR. Contato: ceci.avansini@gmail.com.
3
Esta pesquisa integrou o projeto “Uma análise sociopolítica dos estudantes dos Cursos Técnicos
Integrados ao Ensino Médio no campus Londrina do IFPR” e o seu resultado foi apresentado como
Trabalho de Conclusão de Curso do TINFEM no campus Londrina do IFPR em 2021

326 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


ASPECTOS METODOLÓGICOS

O trabalho trata-se de uma pesquisa aplicada e exploratória, de


abordagem qualitativa, onde foi realizada uma pesquisa de campo, através de
um GFO, pelo qual o discurso das estudantes foi coletado e, posteriormente,
analisado para compreender se existe ou não um desestímulo ao estudo de
TI.
Primeiramente, foram desenvolvidos o problema de pesquisa e a
hipótese. Logo após, a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética do IFPR
e à Plataforma Brasil, para que fosse aprovada. Em seguida, aconteceu a
revisão bibliográfica e a escolha das participantes, que foram selecionadas
dentro das quatro turmas do TINFEM. As participantes assinaram termos
de consentimento e assentimento para participarem do estudo. As alunas
menores de idade também foram autorizadas pelos pais, que assinaram um
termo de consentimento livre e esclarecido. Em seguida, foram realizados
o levantamento e a revisão bibliográfica, através da leitura de textos que
contribuíram para a construção da pesquisa.
Foram selecionadas oito estudantes, duas de cada ano do curso
(primeiro, segundo, terceiro e quarto). Apesar da seleção de oito alunas,
apenas sete participaram da pesquisa, pois uma delas não conseguiu
entregar os documentos no prazo solicitado. Devido a esse acontecimento,
o GFO contou com apenas uma estudante do primeiro ano. Das sete alunas,
duas eram maiores de idade, e a faixa etária variou entre 15 e 18 anos. Para
preservar a identidade das participantes, elas foram identificadas como
“aluna 1”, “aluna 2”, “aluna 3”, “aluna 4”, “aluna 5”, “aluna 6” e “aluna 7”.
Grupos focais on-line sofrem de muitas limitações comparados com
os grupos focais presenciais, visto que, a essência de um grupo focal está
nas interações verticais e horizontais que ocorrem entre os participantes.
Gestos, olhares, risadas, momentos de silêncio são carregados de sentidos
e possibilitam ao mediador, uma possibilidade mais abrangente de analisar
os sentidos produzidos na reunião.
Um grupo focal pode ser definido como uma técnica de pesquisa
qualitativa com o objetivo de gerar uma discussão focalizada dentro de

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 327


um grupo sobre um tema proposto pelos pesquisadores aos participantes
(CARDANO, 2017). O grupo é pequeno, de 6 a 10 pessoas e um mediador.
Além disso, pode ser natural, quando se forma naturalmente, sem
necessidade de agrupar os indivíduos, ou artificial, quando o mediador
seleciona as pessoas e as junta no grupo focal (CARDANO, 2017).
Já os grupos focais on-line podem ser síncronos, realizados através de
aplicativos de mensagens instantâneas ou salas de chat, ou assíncronos, que
acontecem por meio de fóruns ou painéis de discussão online (FOX, 2019).
Para recolher os depoimentos das estudantes, foi realizado um GFO síncrono
com a finalidade de extrair dos discursos, um grau de espontaneidade que
mostrasse melhor as contradições e atos falhos que desnudam melhor as
estruturas imaginárias e ideológicas. Nos GFOs síncronos, as interações
são mais imediatistas e dinâmicas, mais próximas de uma conversa do que
com a comunicação escrita tradicional, geralmente, cheios de oralidades
e informalidades, que podem incluir emoticons, abreviações, acrônimos
populares, marcas de pontuação etc. (FOX, 2019). Enquanto isso, as
mensagens nos GFOs em tempo não real (geralmente postadas em fóruns
online) costumam ser mais longas e reflexivas, e o grau de interação entre
os participantes é menor. Os dados resultantes costumam parecer mais
formais e menos espontâneos (FOX, 2019).
Para Fox (2019), os grupos focais online apresentam algumas
qualidades em relação aos grupos focais presenciais, entre elas: facilitam
maior controle e igualdade para os participantes, já que, online, há menos
pressão social. Além disso, virtualmente, o participante pode interromper
sua participação a qualquer momento, sem que o pesquisador saiba o
motivo. Os GFOs também facilitam as confidências dos participantes
devido à “invisibilidade” do ambiente on-line, que faz com que os membros
se sintam menos inibidos, facilitando revelações de si mesmo (FOX, 2019).
O senso de anonimato ainda torna o GFO um ambiente adequado para a
discussão de temas considerados tabus, permitindo que os participantes
expressem suas opiniões detalhadamente. Conjuntamente, GFOs facilitam
o alcance de grupos de difícil acesso e participação, pois possibilitam que
o pesquisador tenha acesso às comunidades que, por conta de restrições

328 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de saúde, mobilidade ou tempo, seriam difíceis de envolver na pesquisa
(FOX, 2019). Por fim, os grupos focais online são mais econômicos, já que
os custos com espaço e transporte são reduzidos. Além disso, a coleta de
informações é mais rápida e poupa-se o tempo da transcrição dos dados
coletados, já que a captura é automática e precisa.
Fox (2019) também afirma que muitas das questões éticas em grupos
focais on-line são compartilhadas com os grupos focais presenciais, e podem
surgir dificuldades, como: obter consentimento, já que, virtualmente,
pode ser difícil garantir o consentimento formalizado e assinado pelos
participantes. Nessa pesquisa, os termos de consentimento e assentimento
foram enviados para a estudantes e responsáveis por e-mail. Em seguida,
elas imprimiram, preencheram, digitalizaram e enviaram por e-mail para
a pesquisadora4, com exceção de uma estudante, que, por não possuir
impressora em casa, precisou receber os documentos em mãos. Garantir a
identidade do participante também não é uma tarefa tão simples, já que não
existe um método infalível para a verificação de seus dados. Nesse estudo,
garantir a identidade das participantes não foi um problema, já que elas e
a pesquisadora já se conheciam e conviviam no ambiente escolar, sendo
necessário apenas conseguir seus números de celular para estabelecer
contato on-line. Outro problema possível é o conflito, já que, por conta
do senso de anonimato já citado que o ambiente online oferece, existe
maior possibilidade de os participantes usarem um linguajar inadequado
e ofensivo, com xingamentos e ofensas. O conflito de ideias, por mais que
enriqueça as discussões, não deve desrespeitar nenhum dos envolvidos e
cabe ao mediador pensar em estratégias para evitar essas situações. Fox
(2019) acrescenta que o pesquisador deve sempre estar atento à aflição nos
participantes, tarefa que virtualmente não é tão simples devido à falta de
sinais visuais. É necessário estar atento ao comportamento dos integrantes e
conhecer técnicas não-verbais usadas para expressar emoções. É importante
que o pesquisador provenha informação sobre segurança online durante
a realização do GFO, como sobre os perigos do compartilhamento de
informações na internet. Por fim, para Fox, o mediador precisa saber que
4
No grupo de pesquisa foi decidido que o grupo focal seria mediado sem a participação do orientador,
com o intuito de garantir mais espontaneidade das alunas e tornar o ambiente menos constrangedor.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 329


não conhecerá as condições sob quais cada participante se encontrará no
momento de realização do grupo focal online. Por isso, é válido recomendar
que os indivíduos estejam em um local privado e sem distrações durante a
ocorrência do GFO síncrono.
Uma importante pauta para a realização de GFOs é a escolha do
espaço on-line que irá hospedá-lo (FOX, 2019). O aplicativo escolhido
para a realização do grupo focal on-line neste estudo foi o WhatsApp. Este
aplicativo pode ser classificado como um sistema que desempenha a função
de mídia, já que media a comunicação entre mais de um usuário através da
Internet. Os dispositivos de entrada, como monitores tácteis, microfones
e câmera possibilitam que o usuário aja sobre a interface da aplicação,
enquanto dispositivos de saída, como monitor e alto-falante, permitem
que o usuário perceba as reações do sistema e participe passivamente da
interação (BARBOSA; SILVA, 2011). A interface do WhatsApp é simples:
ao entrar no aplicativo, o usuário se depara com uma tela repleta de
grupos e conversas que o permitem se comunicar com outros usuários.
Ele deve selecionar a conversa que deseja participar naquele momento
clicando nela por meio da tela touch screen. Ao ser redirecionado para a
página da conversa, através do teclado do celular, é possível digitar o texto
e enviá-lo ao clicar no botão de envio. É na interface onde se encontram
os affordances, ou seja, ícones para o envio de emoticons, áudio, vídeos,
fotos, mensagens e documentos e todos os outros símbolos do aplicativo.
Como a interface do aplicativo é simples, seu manuseio torna-se rápido,
descomplicado e eficiente, fazendo com que seja uma boa opção a ser
considerada na realização de GFOs. Além disso, também por causa de sua
interface simples, o WhatsApp é caracterizado como um sistema acessível,
já que não é necessário o conhecimento aprofundado das funções do celular
para utilizá-lo.
Um grupo focal online só pode ser entendido através do conjunto
de textos, palavras, enunciados, emojis (imagens que se relacionam a
sentimentos), enfim, tudo aquilo que se transforma em discurso. Por isso, é
necessária uma metodologia que permita a compreensão do discurso como
um conjunto de elementos simbólicos que não só é para a comunicação,

330 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


mas também produz sentidos e reproduz ideologias. Pensando nisso, a
metodologia escolhida para a análise do grupo focal foi a da Análise do
Discurso.
A Análise do Discurso (AD) de linha francesa é um método
desenvolvido por Michel Pêcheux que visa entender como um discurso
produz sentidos e significados em determinadas condições de produção
(ORLANDI, 2000). A AD utiliza conceitos da psicanálise, da linguística
e do marxismo e confronta os sentidos do discurso com a sua formação
histórica, refletindo sobre as posições do sujeito/autor (ORLANDI, 2000).

Em uma proposta em que o político e o simbólico se confrontam, essa nova


forma de conhecimento coloca questões para a Linguística, interpelando-a
pela historicidade que ela apaga, do mesmo modo que coloca questões para
as Ciências Sociais, interrogando a transparência da linguagem sobre a
qual elas se assentam. Dessa maneira, os estudos discursivos visam pensar
o sentido dimensionado no tempo e no espaço das práticas do homem,
descentrando a noção de sujeito e relativizando a autonomia do objeto da
Linguística (ORLANDI, 2000, p.16).

O discurso é entendido a partir da sua formação discursiva que está


inserida na formação ideológica. A formação ideológica é entendida por
Pêcheux enquanto “conjunto complexo de atitudes e de representações que
não são nem ‘individuais’ e nem ‘universais’, mas que se relacionam mais
ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas em relação às
outras” (PÊCHEUX; FUCHS, 1997, p.166).
Uma formação ideológica pode compreender uma ou mais formações
discursivas, elemento que permite compreender a relação entre ideologia e
produção de sentidos, que se constitui através de interdiscursos e define o
que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada numa conjuntura
dada (HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 2020, p.26). Assim, as palavras
podem mudar de sentido ao passar de uma formação discursiva para outra.
As formações discursivas determinam;

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 331


o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um
sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a partir
de uma posição dada numa conjuntura dada: o ponto essencial aqui é que
não se trata apenas da natureza das palavras empregadas, mas também (e
sobretudo) de construções nas quais essas palavras se combinam […] as
palavras “mudam de sentido” ao passar de uma formação discursiva a outra
(HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 2007, p.26).

O interdiscurso é responsável por determinar as formações


discursivas, ele é o todo complexo com dominante de formações discursivas.
É através do interdiscurso que o funcionamento da ideologia acontece. O
interdiscurso constitui aquilo que determina o discurso do sujeito e, no
processo discursivo, é reinscrito no próprio sujeito (SIQUEIRA, 2017b) Ele
é aquilo que já foi dito e esquecido e determina o processo de sustentação,
dizendo o que é ou não relevante para a constituição do discurso. A
memória, por exemplo, é definida como interdiscurso, através dela, uma
fala que já foi usada em outro lugar e situação, influencia a forma como vai
ser usada em outro momento.
O interdiscurso mostra que o discurso só funciona por estar
intimamente associado à sua historicidade e dessa forma enraizado nas
formações discursivas. O “todo complexo com dominante” significa que
o interdiscurso se insere no complexo das formações ideológicas, onde
se constrói os sentidos e a visão de mundo dos indivíduos (TABOSA;
MARLIER, 2012).
De acordo com a AD, todo discurso compreende uma ideologia, ou
seja, a totalidade das formas de consciência social, que legitima o poder da
classe dominante e expressa o espírito revolucionário da classe dominada
(ORLANDI, 2000). Devido às ideologias, surgem os esquecimentos
ideológicos, que Pêcheux divide em dois tipos: o esquecimento ideológico,
que é inconsciente e faz com que o sujeito tenha a impressão de que origina
tudo o que fala e o esquecimento da enunciação, que faz o sujeito acreditar
que pensa tudo aquilo que fala.
Não é possível pensar em análise sem pensar em dispositivos
analíticos. É importante, nessa pesquisa, ressaltar dois deles: paráfrase e

332 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


polissemia. Esses dois recursos, juntos, são responsáveis por fazer com que
haja movimentação e significação do discurso. A polissemia diz respeito à
multiplicidade de sentidos de uma palavra ou discurso. A paráfrase, por sua
vez, é o mesmo significado interagindo de diferentes formas nele mesmo,
através de diferentes enunciados. Dessa forma, percebe-se que, enquanto a
paráfrase trabalha com o “mesmo”, a polissemia trabalha com o diferente,
em uma relação dicotômica (ORLANDI, 2000).

Essas são duas forças que que trabalham continuamente o dizer, de tal
modo que todo discurso se faz nessa tensão: entre o mesmo e o diferente.
Se toda vez que falamos, ao tomar a palavra, produzimos uma mexida na
rede de filiação dos sentidos, no entanto, falamos com palavras já ditas. E é
nesse jogo entre paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o diferente, entre
o já dito e o a se dizer que os sujeitos e os sentidos se movimentam, fazem
seus percursos, (se) significam (ORLANDI, 2000, p. 36).

Uma vez que o objeto de estudo desta pesquisa são os discursos e


representações sobre as relações de gênero dentro do Curso Técnico em
Informática Integrado ao Ensino Médio do IFPR - Campus Londrina, é
importante os compreender inseridos em todo o contexto social e histórico
que produz e fundamenta os sentidos, dando a impressão de naturalidade,
homogeneidade e transparência da linguagem.

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO DISCURSO DO GRUPO FOCAL

O IFPR - Campus Londrina possui 12 cursos e 854 estudantes


matriculados. Desses, 292 compõem os cursos “Técnico em Biotecnologia
Integrado ao Ensino Médio” e “Técnico em Informática Integrado ao
Ensino Médio”. (INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ, 2021).
Nessa pesquisa, o enfoque é dado para o curso Técnico em Informática
Integrado ao Ensino Médio, composto por 144 estudantes que frequentam
a instituição no período vespertino. Ao delimitar o universo que compõe o
curso, percebe-se que as meninas são minoria: 35 estudantes matriculadas,
que compõem 24,3% do total dos alunos.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 333


Analisando as informações apresentadas, percebe-se que no IFPR
- Campus Londrina, as mulheres são minoria dentro dos cursos de
Informática. Além disso, observa-se um desânimo e desinteresse de muitas
estudantes quando falam sobre suas experiências na área. Nesse sentido,
entende-se o gênero enquanto uma característica crucial na escolha de
profissões e áreas de interesse.
A observação desta primeira evidência sobre a desigualdade de
gênero atinge o cotidiano das alunas matriculadas no TINFEM de maneira
muito impactante. Diante disso, surgiu a vontade de estudar essas relações
a fundo, e, consequentemente, a necessidade da realização de uma pesquisa
de campo para aprofundar o estudo. Dessa forma, em 2019, foi realizado um
grupo focal de teste na modalidade presencial, para conhecer e aperfeiçoar
o funcionamento da metodologia. Diferente do online, o primeiro grupo
foi natural, e participaram meninas que faziam parte de um grupo religioso
organizado por estudantes no colégio. A ideia de realizar um grupo focal
online surgiu ainda em 2019, antes do início da pandemia de Covid-19
e do isolamento social, e tornou-se ainda mais importante dentro desse
contexto, que só reforçou a importância das ferramentas virtuais no
desenvolvimento de pesquisas acadêmicas.
Em 2020 começou a preparação do GFO. As perguntas5 selecionadas
foram as mesmas do grupo focal presencial, e a princípio, seriam dezoito.
5
Questionário utilizado na realização do GFO:
Por que vocês escolheram estudar informática?
Quais eram as disciplinas que vocês mais gostavam no ensino fundamental?
Quais eram as disciplinas que vocês menos gostavam no ensino médio?
Vocês foram estimuladas?
Quais fatores foram mais decisivos para vocês escolherem o Tinfem?
Vocês gostam de estudar informática?
Vocês já se sentiram desestimuladas a estudar matemática, informática, etc?
Em seu colégio há mais meninas ou meninos no curso? Por que vocês acham que os números são esses?
Vocês já notaram diferença no tratamento que os professores têm com as meninas e com os meninos?
Vocês já notaram diferença no tratamento que os alunos têm com as meninas e com os meninos?
Qual o seu sentimento em relação a essas situações?
Esse sentimento influencia no seu aprendizado?
Vocês já sentiram que um menino entendia mais de programação do que vocês mesmo que estivessem
na mesma sala?
Você já escutou piadas que inferiorizam mulheres que estudam ou atuam na área de T.I?
Vocês pretendem trabalhar na área de T.I.?
Se a resposta for não, indique qual área você tem mais interesse de trabalhar ou estudar depois de
formada:
Vocês acham que há machismo dentro no colégio?
O que vocês acham que poderia ser feito para mudar essa realidade?

334 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Com o rumo da conversa algumas perguntas foram excluídas, reformuladas
ou incluídas. A técnica de grupos focais online permite essas alterações,
que são necessárias para que os participantes sintam-se à vontade para se
expressar. Por fim, foram selecionadas oito estudantes, duas de cada ano do
curso (primeiro, segundo, terceiro e quarto), para garantir diferentes visões
e experiências. Apesar da seleção de oito alunas, apenas sete participaram
da pesquisa, pois uma delas não conseguiu entregar os documentos no
prazo solicitado.
Sendo assim, dia 05/03/2021 foi realizado o grupo focal online,
através do aplicativo WhatsApp, visando recolher o discurso das estudantes
acerca das relações de gênero no IFPR - Campus Londrina. Seu início foi às
20 horas e a duração foi de aproximadamente 60 minutos. Primeiramente,
as meninas foram relembradas sobre como aconteceria o grupo. Em
seguida, foi apresentada a primeira pergunta para iniciar a discussão, que
começou a partir daí. Ao longo do andamento do grupo, as perguntas
foram articuladas de acordo com o rumo da conversa. As participantes
utilizaram recursos de texto, áudio e emojis e figurinhas para responder, e
interagiram entre si durante todo o andamento da pesquisa. Foi perceptível
o uso da linguagem coloquial, ou seja, informal, nas falas das participantes,
que utilizaram abreviações, gírias e vícios de linguagem.
Na primeira pergunta “Por que vocês escolheram estudar informática?
”, de maneira geral, as estudantes evidenciaram que a influência familiar foi
um fator importante para a escolha do curso. Em seguida, a maior parte das
meninas disse não se arrepender da escolha, mas não gostar do curso. Três
estudantes se arrependem da escolha. A aluna 2, quando questionada sobre
o arrependimento da escolha do curso, diz “eu não gosto do curso, mas
não me arrependo”. Logo em seguida, muda sua resposta, e diz concordar
com a aluna 1, que falou “me arrependo do curso, mas pelo menos tem
pessoas legais”. A aluna 7 também concorda com essa frase, e a aluna 4
diz “gosto muito das pessoas que eu conheci nesse curso, mas não gostei
tanto da informática”, o que demonstra que, de modo geral, apesar de se
arrependeram da escolha por cursar informática, as estudantes gostam
das pessoas que conheceram dentro da instituição. Ainda foi relatado que,

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 335


no início do curso, havia interesse pela área de informática, mas que ele
se perdeu ao longo dos anos, o interesse pela programação diminuiu. As
participantes disseram que a dificuldade foi um fator importante para a
perda de interesse, e que a falta de suporte e ajuda dos professores contribui
para isso. Foi relatado que, talvez, as meninas não sintam menos interesse,
mas que o tratamento diferenciado por parte de professores e a falta de
incentivo as desanime. Uma participante afirmou sentir que os professores
já esperam que os meninos sejam naturalmente bons em programação e
que as meninas tenham dificuldade.
A aluna 1 relatou que acredita que as meninas sentem mais
dificuldade que os meninos, e que isso já é algo esperado, pois existe um
estereótipo de que o campo da informática é masculino. Dessa forma, a
visão de que mulheres sentem mais dificuldade em programação do que
homens, é comum e naturalizada. A aluna 2 também cita esse estereótipo,
dizendo que ele faz com que meninas percam o interesse pela informática.
Nos relatos, uma estudante, que participou do projeto de robótica
dentro da instituição, disse que, além das meninas serem minorias, eram
tratadas com falta de respeito e atitudes machistas. Os meninos participantes
do projeto as mandavam “lavar os robôs”, remetendo às atividades de
lavar louça ou roupa, geralmente associadas às mulheres. A estudante
ainda expôs que, ao contar sobre os ocorridos para um dos professores
responsáveis, ao invés de tomar alguma atitude para melhorar a situação,
ele sugeriu que a estudante deixasse de fazer parte da robótica, pois ela
sempre relatava atitudes machistas no projeto. A participante disse que,
depois desse acontecimento, saiu da robótica e nunca mais se interessou
pela área. Analisando essa situação, nota-se, através do dispositivo analítico
da paráfrase, que, a expressão “lavar robôs”, relaciona-se com “lavar a
louça” ou “lavar as roupas”, parafraseando essas expressões, que expressam
atividades comumente vistas como femininas, trabalhos de mulher. A
sentença apenas reforça os estereótipos existentes, uma vez que assujeita
meninas enquanto incapazes de exercer atividades na área da programação.
O enunciado ainda deixa bastante claro o processo de precarização social,
em que, por conta da sociedade patriarcal, mulheres são excluídas de

336 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


diversos cenários. A precarização social é um fenômeno que se relaciona
com o questionamento a respeito da qualificação das mulheres em relação
à ocupação que assumem (HIRATA et al, 2009).
Seguindo a conversa, as alunas alegaram sentir diferença no
tratamento que meninas e meninos recebem dos professores. A aluna 7
disse já ter reparado que constantemente os professores tratam meninas
como menos capazes de programar. Elas também afirmaram se sentir mais
confortáveis em procurar professoras do que professores para tirar dúvidas.
As estudantes também disseram perceber diferenças no tratamento de
alunos com professoras. Segundo elas, as professoras de informática são
muito desrespeitadas, e os alunos agem como se soubessem mais do que
elas. Também disseram que, para conseguir respeito, uma professora
precisa ser “carrasca” e se impor bem mais do que um professor. A aluna
2 ainda diz “[...] pra [sic] mim elas já devem ter passado por isso desde a
faculdade e pelo menos nunca vi nenhuma rebater”.
Quando indagadas sobre o motivo pelo qual o ramo da Tecnologia
da Informação é visto como de domínio masculino, as estudantes não
souberam explicar a origem desse pensamento. Essa resposta demonstra
que a ideia de exclusão das mulheres dos cursos de informática já estava
presente na cabeça das participantes. Isso acontece através de um processo
de violência simbólica, onde a vítima (estudantes mulheres do campo da
informática), sem perceber, reconhece o que lhe é imposto pela ideologia
dominante.
Continuando a discussão, ao serem questionadas sobre o porquê
do número de estudantes homens e mulheres matriculados no curso de
informática do IFPR ser tão desigual, as alunas expressaram acreditar que
isso acontece, pois, o domínio da informática é divulgado como masculino,
o que faz com que meninas sintam medo de se envolver. Também citaram
que a falta de referências femininas na área afasta as mulheres.
As alunas 1 e 4 utilizam a palavra medo para expressar uma possível
causa do afastamento das meninas da informática. Medo é um substantivo
que expressa mais de um sentido. Nesse caso, não se relaciona com o terror
e o pânico causados pela consciência do perigo, mas com a apreensão, o
receio de cursar informática. O que é temido não é a violência física, mas a

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 337


violência moral, a exclusão, as piadas, a falta de credibilidade, etc. Podemos
classificar esse medo como violência simbólica, uma vez que ele existe
inconscientemente, e as estudantes, muitas vezes, sequer sabem explicar.
Uma vez que o discurso dominante está imposto e naturalizado, não existe
tempo para reflexão e questionamentos.
Em seguida, as meninas relataram acreditar que a visão da área da
Informática como masculina não é recente, e o afastamento de meninas
não só desse campo, mas das ciências exatas no geral, começa na infância.
A aluna 3 utiliza os jogos como exemplo, e diz que, na infância, existiam
mais opções de jogos no computador voltados para meninos. Também
foi exposto que, enquanto meninos são incentivados a jogar jogos online,
brincar com pistas de carrinho onde você precisa montar trajetos, resolver
labirintos, jogar xadrez ou damas, etc, as meninas são incentivadas a
brincar de bonecas, de casinha, de cozinhar e até mesmo de limpar a casa.
Essas brincadeiras, consideradas “de menina”, diferente das brincadeiras
“de menino”, não estimulam o raciocínio lógico, o que pode fazer com que
cada vez mais as meninas não se interessem pelas ciências exatas, já não
existe estímulo na infância, ao contrário do que acontece com os meninos.
As estudantes ainda afirmam que essa falta de estímulo influencia as
decisões futuras, pois é na infância que as crianças moldam seus interesses,
e uma vez que não são estimuladas, as meninas passam a não gostar de
matemáticas e da área de exatas, sentem que não são capazes de entender
essas disciplinas, e não optam por elas na escolha de um futuro curso ou
profissão.
Logo após, as participantes disseram acreditar que se as meninas
fossem estimuladas a estudar Informática e Matemática desde a infância,
talvez elas se interessassem mais pela área, e, consequentemente,
conseguissem diminuir a desigualdade e aumentar a visibilidade dos feitos
das mulheres. Ainda afirmaram ser importante apresentar às meninas
referências femininas no campo da programação, principalmente dentro
do colégio, para incentivar as estudantes. Também disseram sentir falta
de apoio e suporte da escola, além de políticas e ações que exponham e
conscientizem a comunidade escolar sobre a desigualdade de gênero.

338 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Por fim, todas as alunas expuseram acreditar que existe machismo
no IFPR. Também falaram que não tem interesse em seguir uma carreira
relacionada à Informática, com exceção da aluna 5, que pretende seguir
carreira na área.

CARACTERÍSTICAS DA FORMAÇÃO DISCURSIVA PATRIARCAL

De maneira geral, no início do grupo focal, as estudantes expuseram


expressões que são importantes para entender a violência simbólica, ou seja,
a legitimação do discurso dominante que as impede de seguir na profissão.
No final, mesmo com a exposição de discursos críticos e conscientes acerca
da desigualdade de gênero, elas ainda reforçaram o discurso dominante
sobre a exclusão da mulher na área da Informática ao demonstrar que
suas escolhas profissionais não levam em conta a área. Isso se deve à força
do discurso dominante masculino que gera uma violência simbólica
irremediável, provocando a legitimação constante do discurso masculino e
gerando, como consequência, a perda gradual do interesse pela Informática
como é inclusive relatado pela aluna 1 no início do grupo focal: “[...] antes
tinha bem mais interesse em tentar, com os anos isso foi abaixando”.
O sociólogo Pierre Bourdieu, em seu livro “A Dominação
Masculina” (2011), observa que a desigualdade de gênero na sociedade,
onde os homens detêm a maior parte do capital, seja ele social, financeiro
ou cultural, já está tão naturalizada na vida das pessoas que muitas
vezes deixa de ser pensada e debatida, não sendo objeto de reflexão. De
acordo com essa lógica, mulheres são julgadas como incapazes de ocupar
determinados cargos, recebem menores salários mesmo quando ocupam
os mesmos cargos que homens, etc. Por conta desse sistema enraizado e
normalizado na sociedade, as mulheres (dominadas) aplicam aquilo que
as domina, já que seus pensamentos e suas percepções estão organizados
de acordo com a estrutura vigente de dominação (BOURDIEU, 2011,
p. 23). Essa conformidade, inclusive, abre espaço para interpretações
antagônicas, fazendo com que mulheres se alicercem sobre os esquemas de
percepção dominantes e tenham uma percepção negativa do próprio sexo
(BOURDIEU, 2011, p. 24).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 339


Os dominados aplicam categorias construídas do ponto de vista dos
dominantes às relações de dominação, fazendo-as assim ser vistas como
naturais. O que pode levar a uma espécie de autodepreciação ou até de
autodesprezo sistemáticos (BOURDIEU, 2011, p. 46). Segundo Bourdieu
(2011), o que ocorre nessas situações onde as mulheres se autodepreciam e
autodesprezam, é um processo de violência simbólica: violência cometida
com a cumplicidade de quem sofre e de quem pratica, em que muitas
vezes os envolvidos não têm consciência do que sofrem ou exercem. A
violência simbólica não é física, mas moral e psicológica, e se apoia na já
citada cumplicidade dos indivíduos, que reconhecem as imposições que
são determinadas e posicionam-se no espaço social de acordo com elas.
Seguindo a lógica de Bourdieu (2011), entende-se que, o fato das
mulheres serem minoria da na área de Tecnologia da Informação já está
naturalizado na sociedade, e não se questiona essa conjuntura. As mulheres,
mesmo se interessando por essa área, não sentem que pertencem a esse
espaço, já que ao longo da história são julgadas como incapazes, inaptas.
Algumas aceitam a dominação que lhes é imposta e migram para outras
áreas do conhecimento, consideradas mais “femininas”, como Pedagogia,
Enfermagem e Serviço Social, que, no imaginário de algumas pessoas,
estão relacionadas ao cuidado e a relações maternais, como é esperado que
façam.
No grupo focal, as estudantes manifestaram uma certa consciência
de como a força do discurso patriarcal provoca a desigualdade de
gênero e mostraram o seu descontentamento quanto a isso. Porém, ao
mesmo tempo que existe essa consciência, paradoxalmente, os discursos
enfatizam o desânimo de continuar estudando na área. Isso mostra a força
do interdiscurso na formação discursiva. Para compreender o discurso
produzido nos grupos focais é necessário entender primeiro o processo
histórico de constituição do objeto de análise, observando-se assim a
estrutura do pré-construído que forma o interdiscurso.
É importante ressaltar na questão do pré-construído, que a sua
característica fundamental é a separação entre pensamento e objeto de
pensamento, na qual a pré-existência do objeto de pensamento implica

340 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


numa “[...] discrepância entre dois domínios de pensamento, de tal modo
que o sujeito encontra um desses domínios como o impensado de seu
pensamento, impensado este que, necessariamente pré-existe ao sujeito. ”
(PÊCHEUX, 1995, p.102).
Pêcheux (1995) ressalta que a noção de pré-construído mostra a
discrepância na qual os elementos são pensados anteriormente, em outro
lugar ou independentemente. A discrepância se dá entre o elemento
que é pensado antes e o sujeito autônomo que “dá conta de seus atos”. A
“autonomia” é relativa, pois ela está associada com as condições históricas
e sociais provocadas pelo processo de socialização, isto é, ensinadas
continuamente pela sociedade, condicionando suas escolhas. Assim, se
torna importante compreender o processo de silenciamento das mulheres
na Informática.
A história da Informática se deu paralelamente ao avanço das ciências
e da Matemática. Essa relação aconteceu, pois, os cientistas, engenheiros e
matemáticos, que realizavam cálculos complexos que demandavam muito
tempo, e, em um primeiro momento, os computadores surgem para facilitar
esse trabalho (SCHWARTZ et. al., 2006).
Quando os primeiros computadores começaram a ser utilizados para
a realização desses cálculos, entendeu-se que essa seria uma área de atuação
feminina, já que as mulheres, na época, já tinham a função de realizar
cálculos para os cientistas, a diferença é que agora elas teriam a ajuda de
computadores (SCHWARTZ et. al., 2006). Por isso, muitas mulheres foram
pioneiras nesses estudos. No entanto, as contribuições femininas foram aos
poucos, apagadas da história da informática.
Esse apagamento, que diz que “a omissão da mulher na história da
computação perpetua o mal entendimento da mulher como desinteressadas
ou incapazes nesta área” (LIGHT apud SCHWARTZ et. al., 2006, p.
257), comprova que a ciência é extremamente importante para as classes
dominantes, pois oferece recursos para que elas mantenham seu poder
sobre as classes dominadas. Assim, dar às mulheres visibilidade apresenta
uma ameaça ao domínio masculino nas ciências e na Informática, já que
isso quebraria a hegemonia dos que estão no poder.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 341


A visão androcêntrica do campo científico, não só afastou as mulheres
das ciências e dificultou a participação feminina, mas também as manteve
fora das condições favoráveis para o reconhecimento (SCHWARTZ et
al, 2006). Por conta da Formação Discursiva Patriarcal, as mulheres são
socialmente precarizadas, ou seja, excluídas em diferentes dimensões. A
precarização social está diretamente ligada à precarização do emprego e do
trabalho, questionando a qualificação das mulheres no âmbito da ocupação
que assumem (HIRATA et al, 2009).
Assim, cria-se uma soberania masculina na área de Tecnologia da
Informação, que potencializa as desigualdades de gênero na área. Além
disso, a exclusão feminina é notável e interfere diretamente no exercício da
cidadania das mulheres, que ficam por fora das universidades e da pesquisa,
tendo suas conquistas desmerecidas e suas descobertas pouco divulgadas.
No IFPR, assim como em outras instituições de ensino e empresas
de informática, o reflexo da violência simbólica que assujeita meninas e
mulheres enquanto desqualificadas para a área é claro: mesmo que um dia
já tenham sido maioria, hoje em dia elas são a menor parte dos estudantes
e trabalhadores da área (SILVEIRA, 2018), e isso não acontece por falta
de interesse, mas por falta de incentivo, espelho de uma estrutura onde
o homem a partir da formação discursiva dominante está em posição
de superioridade, considerado mais apto para exercer profissões como
programador, desenvolvedor, cientista da computação, etc.
Conforme a Informática ganhou importância e reconhecimento,
as mulheres foram excluídas do ambiente. Além disso, as descobertas
femininas na tecnologia, ao longo do tempo, são cada vez mais esquecidas
e apagadas, o que pode ser visto como fruto da violência simbólica, que
se apoia na ordem vigente de dominação e atribui todas as conquistas aos
homens, reforçando a ideia de incapacidade das mulheres de contribuírem
para a ciência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo já tendo sido maioria um dia, atualmente, as mulheres são


minoria nos cursos de Informática, e, no IFPR - Campus Londrina, a

342 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


realidade não é outra. Ao longo da história, essa ideia foi cada vez mais
reforçada, através de uma ideologia dominante que sujeita mulheres
enquanto não qualificadas para atuar na área, deixando para elas as profissões
como professora e enfermeira, que, muitas vezes, se relacionam com um
cuidado quase materno, comumente associado às mulheres. Ao serem
automaticamente associadas a essas profissões ditas femininas, mulheres
são excluídas de outros campos, como o da Tecnologia da Informação.
Dessa forma, cria-se uma soberania masculina na área, potencializando as
desigualdades de gênero.
Essas desigualdades são fruto de uma formação discursiva
patriarcal calcada no processo de dominação masculina que impede que
mulheres adentrem espaços considerados “masculinos”. As estudantes
do TINFEM, através de seus discursos, demonstraram ter naturalizada a
formação ideológica dominante que as distancia da área, uma prova desse
distanciamento é o fato de que, com exceção de uma aluna, nenhuma delas
pretende seguir uma carreira relacionada à Informática. Essa naturalização
se concretiza em suas formações discursivas através da violência simbólica,
onde, a ideologia patriarcal se dissemina e se enraíza.
As desigualdades de gênero ficam claras nos discursos das estudantes
no grupo focal online, pois eles estão estruturados em formações discursivas
patriarcais que operam silenciando as mulheres a colocando-as em certas
posições e tirando de outras. A sensação de inferioridade observada no
grupo focal é reflexo das relações de poder no âmbito institucional, e, por
isso, torna-se importante entender e desconstruir discursos que distanciam
as mulheres da informática, de modo a contribuir para o fim da desigualdade
de gênero na área.

REFERÊNCIAS

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Humano-Computador. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. 10ª ed. 2011. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 2011.

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CARDANO, Mário. Manual de pesquisa qualitativa: a contribuição da teoria da
argumentação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

FOX, Fiona. Encontros nos espaços virtuais: Conduzindo grupos-foco on-line. In:
BRAUN, Virginia; CLARKE, Victoria; GRAY, Debra. Coleta de dados qualitativos:
um guia prático para técnicas textuais, midiáticas e virtuais. Petrópolis, RJ: Vozes,
2019. p.317-342.

HAROCHE, C. PÊCHEUX, M. HENRY, P. A semântica e o corte saussuriano:


língua, linguagem, discurso. In: BARONAS, Roberto Leiser. (org.). Análise
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Campinas: Editora da UNICAMP, 1995.

PÊCHEUX, M.; FUCHS, C. A Propósito da Análise Automática do Discurso:


atualização e perspectivas (1975). In: GADET F.; HAK, T. (orgs.) Por uma Análise
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Péricles Cunha. Campinas: Unicamp, 1997.

SCHWARTZ, Juliana, et al. Mulheres na informática: quais foram as pioneiras?


Cadernos Pagu, Campinas, v.27, p.255-278, jul./dez., 2006. Disponível em: https://
www.scielo.br/j/cpa/a/6yHmd8vmB3gm9TxtdjRS4Gm/?lang=pt. Acesso em: 19
jan. 2021.

SILVEIRA, Evanildo da. Como as mulheres passaram de maioria a raridade nos


cursos de informática. BBC. São Paulo, 2018. Disponível em: https://www.bbc.
com/portuguese/geral-43592581. Acesso em: 14 mai. 2018.

344 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


SIQUEIRA, Vinicius. Formação discursiva e interdiscurso – Michel Pêcheux.
Colunas Tortas. 2017. Disponível em: https://colunastortas.com.br/formacao-
discursiva-e-interdiscurso-michel-pecheux/. Acesso em: 5 mar. 2021.

TABOSA, Luciana Pereira; MARLIER, Rogério Martins. O sentido da


criminalização: análise discursiva de uma manifestação indígena noticiada pelo
Jornal Folha de Londrina. Identidade Científica: Presidente Prudente, SP, v. 3, p.
48-58, 2012.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 345


VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL E A NECESSIDADE
DE SUA DISCUSSÃO NAS ESCOLAS

Lorena Ingred Moreira Pio1


Ana Flavia Nicolau Conrado2

INTRODUÇÃO

Nesse artigo iremos analisar, através de um panorama diversificado


de dados coletadospelo MMFDH3 (2018) e pelo IPEA4 (CERQUEIRA et.al.,
2017), o número de casos de violência de gênero que acontecem no Brasil,
com o objetivo de ressaltar a importância do debate qualificado sobre
gênero no âmbito educacional. A violência de gênero tratada em nosso
artigo parte da concepção proposta por Cruz (2015, p.5), que enfatiza que a
violência de gênero é uma das;

expressões das relações de poderentre masculinos e femininos que objetiva


manter as relações de desigualdade e de subalternidade entre homens e
mulheres ou entre quem se comporta e apresenta performances atribuídas
ao gênero feminino. (2015, p.5).

Neste contexto, o artigo enfatiza os casos de violações que


acontecem com crianças e adolescentes, questionando os grupos de direita
e conservadores, especialmente aqueles vinculados a grupos religiosos,
como o PSC (Partido Social Cristão), o PSL (Partido Social Liberal) e os
movimentos que gravitam em torno do Escola sem Partido, que usam o
argumentoem torno da defesa dos valores das famílias para refutar a ideia
da existência da discussão de gênero nas escolas.

1
Graduada em Ciências Socias, especialista em Ensino Sociologia e mestranda em Sociologia pela
UniversidadeEstadual de Londrina (UEL). Contato: lorenamoreira1403@gmail.com
2
Graduada em Ciências Sociais e mestranda em Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL). Contato: anaflaviaconrado@gmail.com
3
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
4
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

346 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


De acordo com Louro (2007), para estes grupos, as discussões sobre
gênero representam uma maneira subversiva de ameaçar e perverter os
valores e conceitos ligados a família tradicional e às identidades religiosas.
Desse modo, iremos problematizar e questionar sobre qual é o modelo de
família que defendem, já que, tanto do ponto de vista teórico, como pontuado
por Saraceno e Naldini (1997), sobre a existência uma multiplicidade de
significados para família, quanto do ponto de vista empírico, existem
diversos formatos e estruturas compreendidos no interior do conceito
de instituição familiar, especialmente no cenário contemporâneo, que
falar sobre um formato tradicional de família implica na redução da
complexidade dos fenômenos sociais.

VIOLÊNCIA DE GÊNERO - QUEM SÃO AS MAIORES VÍTIMAS NO


BRASIL?

O mundo social se constrói com base nos princípios da divisão de


gênero baseado no determinismo biológico - masculino e feminino, que
estão diretamente enraizados no patriarcado, subordinando a mulher
a partir dos princípios androcêntricos, que por conseguinte acabam
justificando e naturalizando a dominação dos homens sobre as mulheres
(BOURDIEU,2003) De acordo com Fraser (2001), o androcentrismo seria,
então:

a construção autoritária de normas que privilegiam características


associadas com a masculinidades, e ao lado disto está o sexismo cultural: a
desvalorização e depreciação aguda de coisas vistas como “femininas” (não
apenas mulher). Essa depreciação é expressada em um rol de punições
sofridas pelas mulheres, incluindo agressão sexual[...], violência doméstica,
trivialização, coisificação [...], depreciação em todas as esferas da vida
quotidianas [...]; exclusão ou marginalização em esferas públicas e corpos
deliberativos, negação de plenos direitos legais e proteções iguais (2001,
p.260).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 347


O que queremos enfatizar é que o androcentrismo por vezes acaba
sendo institucionalizado em nossa sociedade e a reprodução do machismo
se vê investida da objetividade do senso comum, estando intimamente
impregnado nas práticas sociais, que consequentemente acabam sendo
naturalizadas de maneira simbólica, como normas culturais que privilegiam
os homens (BOURDIEU, 2003), como também pontua, Nancy Fraser
(2001):

normas culturais enviesadas de forma injusta contra alguns são


institucionalizadas no Estado e na Economia, enquanto as desvantagens
econômicas impedem participaçãoigual na fabricação da cultura em esferas
públicas e no cotidiano. O resultado é frequentemente um ciclo vicioso de
subordinação cultural e econômica (2001, p.234).

Essas práticas de machismo através do androcentrismo tem refletido


diretamente e diariamente em nossa sociedade. Os dados do IPEA5 (2017),
analisados por Cerqueira, Coelho e Ferreira, chamam a atenção para a
gravidade doproblema de violência de gênero no Brasil, dado que em 2014
foram registrados pelo SINAN6 20.085 casos de estupro, e pela Secretaria
de Segurança pública, 47.646 ocorrências de estupro. Não obstante, os
dados apontam que os homens foram os agressores em 94,1% dos casos
de estupro, e as mulheres representaram apenas 3,3% dos casos. O que
mais chama atenção nos dados é que de acordo com as notificações
registradas, 50,9% dos estupros acontecem com crianças até 13 anos, e
40,3% dos estupros coletivos também são representados por criança. E no
que se refere ao vínculo entre as vítimas e os autores de estupro, os dados do
IPEA (2017) apontam que 40,0% dos estupradores das crianças pertenciam
ao círculo familiar próximo - pai,padrasto, tio, irmão e avô.
Ainda no que diz respeito às violações sexuais empreendidas por
familiares e pessoas próximas à família, segundo dados do Dossiê Mulher
2019 do Instituto de Segurança Pública (ISP/RJ), somente em 2018, no
estado do Rio de Janeiro, houveram pelo menos 758 crianças que sofreram
5
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
6
Sistema de Informação de Agravos de Notificação.

348 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


estupro no âmbito das relações domésticas e familiares, sendo 436 vítimas
do pai ou padrasto. No total, 4.543 mulheres foram vítimas de estupro em
todo o estado, correspondendo a 71,6% dos casos de crime de natureza
sexual, e a residência foi o principal local de ocorrência, representando
71,9% dos casos (3.265). Ou seja, de cada dez estupros ocorridos no estado
em 2018, sete foram praticados no ambiente doméstico.
Cabe ressaltar que esses dados estão registrados de acordados com as
denúncias feitas,no entanto, de acordo com o Atlas da Violência (2018), se
90% dos estupros que realmente acontecem fossem registrados, o número
no Brasil seria entre 300 mil a 500 mil a cada ano. Porém, “tendo em vista
o tabu engendrado pela ideologia patriarcal, faz com que as vítimas, em
sua grande maioria, não reportem a qualquer autoridade o crime sofrido”
(CERQUEIRA et al., 2018, p.56). Além disso, o fato de grande parte dos
estupros serem cometidos contra crianças e adolescentes na faixa etária
de até 13 anos e serem cometidos por pessoas extremamente próximas faz
com que estes algozes se aproveitem desta situação de confiança bem como
da vulnerabilidade desta categoria social, obstaculizando a verbalização
e denúncia da situação de violência. O medo de questionar a autoridade
familiar, o sentimento de culpa e mesmo as ameaças são elementos
presentes na dificuldade em proceder aos mecanismos e instituições
oficiais de proteção, culminando no fenômeno extremamente preocupante
da subnotificação.
Outra forma de violência de gênero comum no cenário nacional
é o feminicídio, conceito que surgiu em 1970 através do movimento
feminista, que tinha a intenção de nomear as mortes de mulheres devido
a sua condição social de ser mulher. O conceito de feminicídio evidencia
o desencadeamento de violências (físicas, visuais, verbais ou sexuais) que
resultamna morte de mulheres (ROMIO, 2018).

o feminicídio fala sobre o extremo fim do continuum de terror anti-


mulher que inclui uma variedade de formas de violências e abusos físicos
e verbais, como o estupro, a tortura, escravidão sexual (particularmente na
prostituição), incestos e extrafamiliar, abuso sexual de crianças, violência
física e emocional, assédio sexual (por telefone, nas ruas, no trabalho, e na

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 349


escola), mutilação genital (clitoridetomia, excisão, infibulação), operações
ginecológicas desnecessárias (histerectomias gratuitas), heterossexualidade
forçada, esterilização forçada, maternidade forçada (pela criminalização
da contracepção e do aborto), psicocirurgia, negação de alimentos para
mulheres em algumas culturas, cirurgias estéticas e outras mutilações em
nome da beleza. Sempre que estas formas de terrorismo resultam em morte,
eles se tornam feminicídios (CAPUTI; RUSSEL apud ROMIO, 2018, s/p).

De acordo com Waisefiszh (2015), entre os anos de 1980 e 2013,


106.093 mulheres foram mortas por serem mulheres: em 2010 foram
registrados 5 espancamentos a cada 2 minutos, já em 2013 registrou-se
1 feminicídio a cada 90 minutos – o disque 1807 registrou cerca de 179
denúncias relatos de agressão por dia. No entanto, apenas em 2015 a Lei do
Feminicídio (13.104/2015)8 foi sancionada no Brasil.
Na arena da esfera pública a mulher também é alvo de violência
simbólica, dado que os estereótipos ligados a feminilidade, como a
sensibilidade, fraqueza, delicadeza, por vezes é utilizado como argumento
para justificar o domínio dos homens na esfera do trabalho produtivo e
a maior presença das mulheres na esfera das atividades domésticas. No
entanto, esteargumento é apenas ideológico, esta divisão sexual do trabalho
vai muito além das capacidades e diferenças físicas (MITCHELL, 1967).
Esta divisão está ligada diretamente com as relações pré-estabelecidas
socialmente e historicamente entre os sexos (HIRATA; KERGOAT, 2007).
No Brasil, conforme os estudos de Medeiros e Pinheiro (2018) com
apoio dos dados daPnad9 e do IBGE10 em torno das horas semanais gastas
entre homens e mulheres, conforme suas jornadas semanais de trabalho
pago (produtivo) e não pago (doméstico/reprodutivo) gastos, foi possível
identificar que a população adulta, de maneira geral, gasta mais tempo no
7
“Por meio de ligação gratuita e confidencial, esse canal de denúncia funciona 24 horas por dia, todos
os dias da semana, no Brasil e em outros 16 (dezesseis) países: Argentina, Bélgica, Espanha, EUA (São
Francisco e Boston), França, Guiana Francesa, Holanda, Inglaterra, Itália, Luxemburgo, Noruega,
Paraguai, Portugal, Suíça, Uruguai e Venezuela. Além de registrar denúncias de violações contra
mulheres, encaminhá-las aos órgãos competentes e realizar seu monitoramento, o Ligue 180 também
dissemina informações sobre direitos da mulher, amparo legal e a rede de atendimento e acolhimento
(Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, 2017).
8
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62399/feminicidio-lei-n-13-104-de-9-de-marco-de-2015
9
Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios.
10
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

350 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


trabalho pago, em torno de 14 horas a 25,7 horas semanais. No entanto,
de fato, os homens exercem cerca de 13 horas a mais que as mulheres
no âmbito do trabalho pago e, no trabalho não pago, acontece o inverso.
Nele, as mulheres dedicam 17 horas a mais que os homens, representando
sobrecarga laboral.
Porém, ao somar os dois tipos de trabalho (produtivo e reprodutivo)
as mulheres assumem a carga horária de 41,21 horas semanais em torno
dos trabalhos, enquanto os homensdedicam 37,88 horas. Ou seja, no Brasil
as mulheres dedicam cerca de aproximadamente três horas a mais que os
homens somando o trabalho pago e o não pago - fazendo com que elas
acumulem uma dupla ou tripla jornada de trabalho, significativamente
maior em relação aos homens11.
Não obstante, a comunidade LGBTQIA+ - Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais ou Transgêneros, Queer, Intersexual, Assexual e o “+” que
engloba todas as outras orientações sexuais, identidades e expressões
de gênero - também é vítima das desigualdades de gênero, através da
homofobia e/ou transfobia. Cabe a nós, então, primeiramente ressaltar
que, apesar de gênero e sexualidade se relacionarem não têm o mesmo
significado (LOURO, 2007).
Porém, apesar dessas diversas orientações sexuais e identidades de
gênero, a heteronormatividade e a heterossexualidade são vistas como norma
social, podendo acarretar diversas formas de opressões e discriminação,
efetivadas através de práticas homofóbicas. De acordo com Fraser (2001),
a comunidade LGBTQIA+ é vista pela cultural e valorativa sociedade que
privilegia os heterossexuais, como uma sexualidade menosprezada, logo,

[...] gays e lésbica sofrem de heterossexismo: a construção autoritativa de


normas que privilegiam heterossexuais. Ao lado disso, está a homofobia, a
desvalorização cultural da homossexualidade. Ao terem sua sexualidade
desacreditada, os homossexuais estão sujeitos à vergonha, molestação,
discriminação e violência, enquanto lhes são negados direitos legais e
11
Importa destacar que estas representações a respeito do cuidado enquanto categoria naturalmente
feminina implica muitas vezes em violência simbólica, tanto em relação a meninas e mulheres que não
reproduzem tais papéis socialmente atribuídos quanto em relação a meninos e homens que confrontam
a norma e reproduzem práticas consideradas “femininas”.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 351


proteção igual [...], gays e lésbicas também sofrem de injustiças econômicas
sérias, podem ser sumariamente despedidos de trabalho assalariado e têm
os benefícios de previdência social baseados na família negados (FRASER,
2001, p. 257-258).

No Brasil em 2017, foram registradas pelo MMFDH (2018), através


do disque 10012, 1720 denúncias relacionadas a práticas homofóbicas,
nas quais 1219 denúncias eram discriminação, seguido por violência
psicológica, com 918 denúncias e, em terceiro, estava a violência física
com 547 denúncias. Não obstante, de acordo com Queiroga (2018), os
dados divulgados pela ONG Transgender Europe, o Brasil está em 1º lugar
como o mais que mais mata transexuais, uma vez que, entre 1º de outubro
de 2017 e 30 de setembro de 2018, foram mortos/as 167 transexuais. As
entrevistas foram feitas em 72 países, dentre eles México, que ficou em 2º
lugar com 71 vítimas e EUA em 3º lugar com 28 vítimas. Entretanto, apesar
dessealto índice de violência contra a comunidade LGBTQIA+, no Brasil a
homofobia, só passou a ser criminalizada em 2019.
Portanto, com base nos dados apresentados, podemos observar que
a construção de gênero em nossa sociedade é consequência de diversas
práticas discriminatórias que afetam, principalmente, as mulheres e a
comunidade LGBTQIA+, privilegiando o homem branco e heterossexual.
Logo, os indivíduos que são considerados machistas, misóginos,
homofóbicos e transfóbicos, também são reflexo da construção de gênero
baseada no determinismo biológico estruturado na cultura patriarcal,
baseada na heteronormatividade e heterossexualidade.

12
“O serviço pode ser considerado como “pronto socorro” dos direitos humanos pois atende também
graves situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, acionando os
órgãos competentes, possibilitando o flagrante. O Disque 100 recebe, analisa e encaminha denúncias de
violações de direitos humanos relacionadas aos seguintes grupos e/ou temas: Crianças e adolescentes,
pessoas idosas, pessoas com deficiência, pessoas em restrição de liberdade, população LGBT, população
em situação de rua, discriminação ética ou racial,tráfico de pessoas, trabalho escravo, terra e conflitos
agrários, moradia e conflitos urbanos, violência contra ciganos, quilombolas, indígenas e outras
comunidades tradicionais, Violência policial (inclusive das forças de segurança pública no âmbito
da intervenção federal no estado do Rio de Janeiro), Violência contra comunicadores e jornalistas e
violência contra migrantes e refugiados (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos,
2017).

352 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


DISCUSSÃO DE GÊNERO NAS ESCOLAS X VALORES DA FAMÍLIA
– QUAIS VALORES?

Atualmente, no Brasil, falar em discussão de gênero nas escolas tem


causado um grandeestrondo em nossa sociedade. Desde 2010, os discursos
conservadores baseados no fundamentalismo religioso têm tomado força
no debate público (MIGUEL, 2016). No entanto, esse fundamentalismo
impõe uma verdade religiosa que anula qualquer possibilidade de debate.

Ativos na oposição ao direito ao aborto, a compreensões inclusivas da


entidade familiar e a políticas de combate à homofobia, entre outros
temas, os parlamentares fundamentalistas se aliam a diferentes forças
conservadoras (MIGUEL, 2016, p.593).

A força do discurso conservador da bancada evangélica acabou


trazendo visibilidade para o Movimento Escola Sem Partido (MESP),
que acusa as escolas e o professores de doutrinação ideológica, que
se vinculou a esta bancada de modo instrumental, alterando suas pautas
iniciais. O MESP foi criado em 2004, pelo advogado Miguel Nagib, e seu
programa teveapoio de grupos da direita, que diziam estar preocupados com
uma contaminação política ideológica nas escolas brasileiras (MIGUEL,
2016). Os objetivos fundamentais na gênese domovimento orientavam-se
pela necessidade da neutralidade valorativa dos professores e pelarepulsa
a qualquer debate de caráter político nas escolas que pudesse influenciar os
estudantes.
O movimento defende uma educação neutra com base nos princípios
da primazia dos valores familiares em relação aos conteúdos educacionais
– reivindicando que os professores e as professoras não devam aplicar
nenhum conteúdo que seja contrário aos valores dos pais dos/as alunos/
as. Todavia, o movimento passa a ganhar força e visibilidade no momento
em que se vincula a partidos e grupos conservadores, especialmente de
base religiosa, que já travavam o debate em torno da suposta existência
da “ideologia de gênero”, especialmente no contexto das discussões sobre

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 353


os planos nacionais de educação mais recentes, a partir do ano de 2004.
Portanto, o MESP, também ancorado das manifestações contra a “ideologia
de gênero”, ganhou ainda mais apoio e visibilidade quando passou a
focalizar as guerras culturaisem torno do debate sobre gênero.
De acordo com Luís Miguel (2016);

O receio da discussão sobre os papéis de gênero cresceu com iniciativas


para o combate à homofobia e ao sexismo nas escolas e foi encampado
como bandeira prioritária pelos grupos religiosos conservadores [...]
preocupação central dos conservadores religiosos é com a educação (e,
em menor medida, com os meios de comunicação de massa). Entende-
se que as crianças seriam as mais vulneráveis à “ideologia de gênero”, que
impediria a consolidação da identidade masculina ou feminina (2016, p.
597-599).

No Congresso Nacional, segundo Miguel (2016) há sete projetos de


leis contra a “doutrinação” ou “ideologia de gênero”. Dois desses projetos
(PL 7180/2014 13/PL 7181/201414) são de autoria de Erivelton do PSC
(Partido Social Cristão), que está ligado diretamente a Assembleia de
Deus e também está na frente parlamentar Evangélica. Os dois projetos
determinam que, “os valores de ordem familiar [têm] precedência sobre
a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual
e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino
desses temas” (MIGUEL, 2016, p.604).
A primazia dos valores da “família”15 é o que fundamenta as duas
propostas do Deputado Erivelton Santana e dos demais projetos de lei
mobilizados pelo Escola sem Partido. No entanto, não existe uma maneira
universal e homogênea de estrutura familiar. De acordo com Saraceno
e Naldini (1997) - existe uma variedade de discursos que definem o que é
família: discursos religiosos, morais, legais, culturais, tradicionais e os das
políticas sociais, sendo assim, a família pode ser uma multiplicidade de
experiências e relações sociais
13
Disponívelem:https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606722
14
Disponível em: https://www.camara.leg.br/sileg/integras/1231877.pdf
15
Uma família genérica, não ancorada na diversidade dos formatos familiares efetivamente existentes.

354 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A família, portanto, é um grupo social heterogêneo, composto pela
somatória de indivíduos diferentes, não apenas pelo seu sexo ou/e pela
sua idade, mas também pela sua própria individualidade e personalidade
(CARLOTO, 2005), sendo ela um dos mais importantes contextos
organizacionais (MACEDO, 2008), onde a diferença sexual é tida como
uma base que se estrutura nas diversas e diferentes relações de poder entre
homens e as mulheres. Sendo assim, família e gênero estão interligados,
resultando em uma relação hierárquica de valores e responsabilidade, mas
cuja diversidade pode ser observada diante da multiplicidade dos formatos
familiares existentes em nosso meio social.
À luz dessa concepção homogênea e genérica de família, que
garantiria a construção daidentidade dos indivíduos por meio da proteção
dos valores que lhes seriam próprios, questionamos a sacralidade da
instituição familiar enquanto espaço de proteção e segurança à luz dos
dados obtidos em relação a múltiplas formas de violência. Ao analisar os
dados concedidos pelo MMFDH (2018), no ano de 2017, observamos que
foram feitas 130.224 denúncias para o disque 100, em torno de violações
de direitos humanos que afetam crianças e adolescentes, cometidas
especialmente por pessoas do próprio círculo familiar.
Ao que corresponde ao perfil das vítimas, temos 47,85% que
correspondem ao sexo feminino e 40,29% representando o sexo masculino
e 11,95% que preferiram não se identificar. Dentro desse universo foi
delimitada a faixa etária 0-17 anos, que correspondem as crianças e os
adolescentes, não obstante, também foram encontradas recém-nascidos e
nascituros vítimasde violações.
As violações apresentadas pelo MMFDH (2018) foram: negligência
(38%), violência sexual (13%) violência física (21%), violência psicológica
(25%) e de exploração do trabalho infantil (4%), posto que, ao identificar
os suspeitos - e ao somar todas pessoas que compõem uma família não só
o pai, mãe e irmãos, mas também os parentes próximos, temos 151.345
denúncias. Portanto, 74% das vítimas identificam/acusam pessoas da família
como os principaissuspeitos. Não obstante, a maioria dos casos acontecem
na casa da vítima (25%) ou na casa dosuspeito (50%).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 355


Dessa maneira, o que se pretende evidenciar ao apresentar os dados
fornecidos pelo MMFDH (2018), é que a instituição familiar também
possui não apenas desigualdades no seu interior como pode ser espaço
de violência e sujeição. Ao mesmo tempo em que o modelo de família
apresentado como ideal é aquele vinculado aos valores dos conceitos
cristãos, como uma família sagrada, como um lugar acolhedor que não
pode ter seus princípios questionados pelos educadores em sala de aula,
quando este modelo é analisado à luz dos dados materiais, das evidências
empíricas, produzidas e sistematizadas por nossas instituições, percebemos
quede fato a família pode também ser um lugar de opressão, que produz e
reproduz práticas discriminatórias, tanto no ambiente doméstico quanto
em outras instituições sociais (escola, igreja, etc).

CONCLUINDO: A IMPORTÂNCIA DA DISCUSSÃO DE GÊNERO


NAS ESCOLAS

O desafio posto pela contemporaneidade à educação é de tê-la como


base para a construção de sociedades mais igualitárias, onde solucionaria
problemas de desigualdades decorrentes da história e estrutura nos fazendo
aludir a aspectos esperançosos e otimistas que ela pode proporcionar, e
as mudanças que pode trazer as estruturas, e além disso é o de garanti- la,
contextualizadamente, como direito humano universal e social inalienável
(BRASIL, DCNs-Educação Básica, 2013).
Porém, em alguns campos na sociologia a escola vem sendo
problematizada como instituição que muitas vezes reforça padrões de
desigualdade, em contradição a sua proposta. Isso porque, como Bourdieu
(1966) já apontava que o campo educacional, a escola, abriga reprodução
de desigualdades quando diz que as atitudes dos membros das diferentes
classes sociais, pais ou crianças e, muito particularmente, as atitudes a
respeito da escola, da cultura escolar e do futuro oferecido pelos estudos
são, em grande parte, a expressão do sistema de valores implícitos ou
explícitos que eles devem à sua posição social.

356 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Assim como, evidenciado nos tópicos acima, as violências de gênero
se encontram na estrutura social e perpassam por diversas instituições
sociais, como a família, trabalho e sendoassim, a escola. Quando o Estado
reforça o paradigma do integralismo como elemento de coesão social,
esta prática também irá conduzir a construção de discursos oficiais e
neste sentido, a educação como mais um fio condutor de uma dinâmica
social integralista, se converteu homogeneizante (MONTEIRO, 2014).
Nos coloquemos, então, de frente a escola como esse espaço sociocultural
elucidado por Dayrell (1990) como:

um espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente,


por um conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar a ação
dos seus sujeitos. Cotidianamente, por uma complexa trama de relações
sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e conflitos,
imposição de normas e estratégias individuais, ou coletivas, de transgressão
e de acordos. Um processo de apropriação constante dos espaços, das
normas, das prática se dos saberes que dão forma à vida escolar (1990, p. 2).

Nesse sentido podemos então afirmar que a escola enquanto


instituição social reflete osvalores no quais ela mesma está inserida. Porém,
a escola também é umas das responsáveis por

[...]construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o


desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (BRASIL, DCNs-Educação Básica, 2013, p.16-17).

Sendo assim, uma sociedade que produz tantas violências de gênero


fundamentadas no patriarcado, no machismo etc., como exemplificadas
já nos tópicos anteriores desse artigo, também irá expor esses sujeitos
ali presentes, por meio da escola, a esses fundamentos. Com isso
compreendemos que o ambiente sociocultural escolar não é linear, a relação

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 357


entre sujeitose instituições não se explica em si mesma: o problema não se
reduz nem apenas sujeitos, nem apenas à escola (DAYRELL, 2007).

Na frequência cotidiana à escola, o jovem leva consigo o conjunto de


experiências sociais vivenciadas nos mais diferentes tempos e espaços
que, como vimos, constituem uma determinada condição juvenil que vai
influenciar, e muito, a sua experiência escolar e os sentidos atribuídos a ela.
Por outro lado, a escola que ele frequenta apresenta especificidades próprias,
não sendo uma realidade monolítica, homogênea. Podemos afirmar que
a unidade escolar se apresenta como um espaço peculiar que articula
diferentes dimensões. Institucionalmente, é ordenada por um conjunto de
normas e regras que buscam unificar e delimitar a ação dos seus sujeitos.
(DAYRELL, 2007, p.118).

Ao enfatizarmos a dimensão sociológica dos estudos contemporâneos


sobre as gênero e educação podemos observar que essa é interceptada por
inúmeras dimensões sociais, culturais,econômicas e políticas, tornado esse
debate fundamental para descontruir preconceitos e combater violências.
Então, é necessário questionarmos quais são os valores relacionados à família
os grupos que se mobilizaram em torno dessas pautas estão exprimindo em
seus projetos de lei, uma vez que, de acordo com os dados apresentados,
os maiores casos de violações contra crianças e adolescentes, dentre elas a
violência sexual, acontecem dentro da própria residência da vítimas ou na
residência dos/as suspeitos/as, tendo como suspeitos de pessoas da família.
O estranhamento e a desnaturalização, de acordo com Moraes e
Guimarães (2010 ) sãoos dois princípios epistemológicos fundamentais da
pesquisa e do ensino das Ciências Sociais.O estranhamento pode decorrer
da admiração, mas também do espanto, decorrente da surpresa com o
desconhecido. Estranhar, por conseguinte, é;

Espantar-se, é não achar normal, não se conformar, ter uma sensação de


insatisfação perante fatos novos ou do desconhecimento de situações e
de explicações que não se conhecia. Estranhamento é espanto, relutância,
resistência. Estranhamento é uma sensação de incômodo, mas agradável

358 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


incômodo, as agradável incômodo – vontade de saber mais e entender tudo
–, sendo, pois, uma forma superior de duvidar. Ferramenta essencial do
ceticismo (MORAES; GUIMARÃES, 2010, p.46).

A desnaturalização acontece perante aquilo que é considerado


natural, cotidiano, parte da vida dos indivíduos enquanto práticas e formas
de pensar. Assim, as práticas discriminatóriasde gênero, como por exemplo
o machismo, a homofobia, o sexismo, a lesbofobia, a transfobia, etc., são
naturalizadas, uma vez que parte da sociedade ainda compreende que os
fenômenos sociais, especialmente aqueles vinculados ao sexo biológico ou
ao gênero, têm origem natural. No entanto, a partir de estudos científicos,
próprios do campo das Ciências Sociais, percebemos que os fenômenos
são construídos socialmente e historicamente produzidos e reproduzidos,
tendo como resultado, o que chamamos de relações sociais (MORAES;
GUIMARÃES, 2010). É necessário ressaltar que a sociedade e as relações
sociais estão em constante mudança, a partir das decisões e dos interesses
humanos (MORAES; GUIMARÃES, 2010). Partindo dos princípios da
desnaturalização e do estranhamento, é possível afirmar que:

a vida em sociedade é dinâmica, em constante transformação; constitui-


se de uma multiplicidade de relações sociais que revelam as mediações
e as contradições da realidade objetiva de um dado período histórico. É
representada por um conjunto de ações que se caracterizam pela capacidade
de alterar o curso dos acontecimentos, e provocar transformações no
processo histórico. (MORAES; GUIMARÃES, 2010, p.47).

Portanto, as propostas contra a discussão de gênero no ambiente


escolar acabam impedindo o combate ao preconceito, violência física e
psicológica que ocorrem dentro de várias intuições sociais, devido ao
argumento de preservar a estrutura familiar tradicional na formação moral
das crianças e dos adolescentes. Ou seja,

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 359


[...]Ao vetar do vocabulário escolar os termos “gênero” e “orientação
sexual”, o projeto impede que vastos setores do conhecimento produzido
na sociologia e na psicologia cheguem ao ensino. A meta é evitar qualquer
questionamento da percepção naturalizada dos papéis sexuais. Com isso,
fica impedido o combate a formas recorrentes de violência ocasionada por
gênero, dentro e fora da instituição escolar, culminando no feminicídio e no
assassinato de gays, lésbicas e travestis (MIGUEL, 2016, p. 607).

Alexandre Barbosa Pereira (2016), nos chama atenção que além de


refletir sobre as relações no cotidiano escolar pelo aparato institucional
que mobiliza a transmissão e/ou reprodução de conhecimentos e de
relações sociais, temos também que destacar as ações que os estudantes
empreendem como forma de assimilação e/ou de resistência. É
necessário também levar em consideração que a instituição escolar se
apresenta como um espaço de reclusão e de contenção dos jovens, tanto
pelas práticas disciplinares que impõe quanto pela forma que o seu espaço
ocupado tende a assumir. Nela, tenta-se ditar, pelo corpo, um ritmo social
(PEREIRA, 2016). As escolas muitas vezes:

Fecham-se, portanto, à vida externa e ao cotidiano, impedindo qualquer


forma de diálogo com quem deveria ser o principal motivo de sua
existência: os estudantes. Assim, ao negar o mundo dos jovens, a escola
nega a si mesma (PEREIRA, 2016, p. 129).

Nesse aspecto, queremos chamar atenção para uma educação que


parta da realidade social das/os alunas/os e, mais do que isso, uma educação
que parta realmente da realidade social em que estamos inseridos, tendo
em vista que somos sujeitos plurais, com vivências diferentes e com idade,
sexo, orientação sexual, gênero, classe e origem social diferentes.
Dessa maneira, nós somos sujeitos heterogêneos e, portanto, é
necessário que a escola considere toda essa diversidade cultural existente
no ambiente escolar e, fundamentalmente, olhar para os/as alunos/as como
sujeitos socioculturais. Uma vez quem, assim como afirma Dayrell:

360 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Os alunos chegam à escola marcados pela diversidade, reflexo dos
desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social, evidentemente desiguais, em
virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e relações sociais,
prévias e paralelas à escola. O tratamento uniforme dado pela escola só
vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens sociais dos alunos
(DAYRELL,1990, p. 5).

Falar sobre de gênero nas escolas, portanto, é pensar justamente nessa


heterogeneidade de indivíduo, e, mais do que isso, receber uma educação
que compreenda o mundo de forma crítica. É, ainda, aprender sobre a
sociedade plural em que vivemos, ter contato com a multiplicidade de
visões de mundo e, principalmente, a construção de empatia pelo próximo,
respeitando-o em sua diferença, ao mesmo tempo, consequentemente, em
que esses valores serão reproduzidos, garantindo uma sociedade mais justa
e livre de qualquer preconceito.
Nosso objetivo nesse trabalho foi ressaltar a importância da discussão
de gênero das escolas e questionar valores e fundamentos de grupos
conservadores que cooperam para que violências de gêneros continuem
acontecendo de maneira naturalizada, sabemos que a Sociologia enquanto
disciplina tem papel importante para propiciar aos jovens o exame de
situações que fazem parte do seu dia a dia, imbuídos de uma postura
crítica e atitude investigativa, além de despertar no aluno a sensibilidade
para perceber o mundo à sua volta como resultado da atividade humana
(MORAES, 2010).
Para isso compreendemos também a importância da formação
docente e da formação continuada dos educadores, não podemos atribuir
as ações sexistas, machistas e discriminatórias que atravessam a instituição
escolar como responsabilidade total de educadores, pois esses, muitas
vezes, também não estão totalmente preparados para profissionalmente
para tal problematização e combate a essas discriminações em sala de aula.
A questão de gênero deve ser tratada de maneira democrática dentro das
políticas e dos currículos educacionais. Por isso, proporcionar a discussão de
gênero e sexualidade nas escolasé contribuir com a promoção e reprodução

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 361


de valores de igualdade, respeito e empatia à diferença, valores os quais
realmente são cruciais para uma sociedade dita democrática, como a nossa

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Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 365


HISTÓRIA, MEMÓRIA E A CIVILIZAÇÃO DO CORPO:
PENSANDO A FORMAÇÃO DOCENTE1

Adrielen Amâncio da Silva2


João Fernando de Araújo3
Martinho Gilson Cardoso Chingulo4
Adriana Regina de Jesus Santos5
Maxwell Silva Costa6

INTRODUÇÃO

Entender o processo constitutivo das representações sociais não é


uma tarefa fácil. Todavia, é de fundamental importância para que possamos
perceber a complexa teia de relações que estrutura e faz funcionar toda
a sociedade. Por meio das representações sociais, a sociedade revela suas
ideologias, premissas, valores e práticas. No seio dessas representações,
encontra-se o processo de civilização dos corpos, que como veremos no
decorrer da discussão foi algo preconizado na Idade Média, principalmente
pela Igreja, para controlar e moldar os corpos, principalmente o feminino.
Tendo essas discussões como parte da nossa formação docente,
consideramos relevante o debate sobre a temática para que possa contribuir
para questionarmos a concepção do corpo feminino como justificativa para
a naturalização do assédio e da violência. A necessidade de se discutir essa

1
Uma primeira versão desde escrito foi publicada nos Anais da XVIII Semana de Educação - I
Congresso Internacional de Educação: contextos educacionais: formação, linguagens e desafios – I
Encontro de Egressos do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEL - 11 a 14 de nov. de 2019,
da Universidade Estadual de Londrina, Paraná, Brasil.
2
Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UEL. Contato: adrielen.
amancio@gmail.com.
3
Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UEL. Professor de
Educação Infantil na Prefeitura Municipal de Jaboti- PR. Contato: joaofernandojbt@hotmail.com.
4
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UEL. Contato:
cardosochingulo@gmail.com.
5
Doutora em Educação (Currículo) pela PUC de São Paulo e Pós-doutora em Educação pela
Universidade Federal Fluminense. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEL e do
Departamento de Educação. Contato: adrianatecnologia@yahoo.com.br.
6
Mestrando em Educação Musical pelo Programa de Pós-graduação em Música da UFMG. Contato:
maxwell.uemg@gmail.com.

366 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


questão, se concretizou a partir de uma reportagem publicada no site do
Governo Federal, no ano de 2017, que retratava sobre as consequências
físicas e emocionais sofridas pelas vítimas. Esse debate também foi
complementado a partir dos dados disponíveis no Relatório “Violência
doméstica durante a pandemia de Covid-19,” publicado pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública em abril de 2020.
Nessa perspectiva, desenvolvemos nesse trabalho reflexões sobre
a memória e história, dialogando com a civilização do corpo na Idade
Média, para em seguida, tecermos considerações sobre os reflexos dessas
representações na contemporaneidade. A partir disso, reforçamos a ideia de
se pensar a importância de ter temáticas como essas na formação docente,
levando em consideração a docência das professoras e professores que tem
como intenção promoverem uma educação que rompa com estereótipos
opressores sobre padrões de civilização dos corpos.
Nesse sentido, objetivamos refletir sobre a importância de entender o
papel que a história e a memória desempenham nas representações sociais,
principalmente quando falamos da civilização dos corpos, dialogando
sobre como essas temáticas podem e devem ser concretizadas na formação
docente. É importante enfatizar que mesmo tendo como principal foco
a formação em Pedagogia, a nossa discussão também abarca todas as
licenciaturas, visto que elas também desenvolvem uma formação docente.
Isto posto, metodologicamente, esta produção trata-se de um estudo
teórico de caráter bibliográfico, que conforme nos apresentam Lakatos e
Marconi (1992), é um dos primeiros e principais passos para uma pesquisa
científica. Para o desenvolvimento desse aporte teórico, elencamos sobre
a memória e a história como um processo histórico, vinculando essas na
construção do imaginário social contemporâneo com relação a civilização
do corpo.
Nas discussões apresentamos uma reportagem publicada no site
do Governo federal no ano de 2017 sobre assédio7. Atualmente, essa
reportagem não consta mais no mesmo site, visto que a “Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres” (SPM) foi extinta do atual governo, porém
7
A reportagem atualmente está disponível em: https://www.soma-ne.com.br/2017/03/assedio-afeta-
saude-fisica-e-emocional-das-mulheres/. Acesso em: 22 abr. 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 367


esse tema pode ser considerado muito atual, principalmente quando
elencamos a discussão ao Relatório sobre a violência doméstica durante a
pandemia da Covid-19.

HISTÓRIA, MEMÓRIA E A CIVILIZAÇÃO DO CORPO

Para iniciarmos essa discussão é preciso saber que história e memória


não são sinônimos. Para explicar essa ideia Motta (2003) retrata que antes
mesmo de questionarmos os transmissores de determinada lembrança é
preciso saber que em uma sociedade há várias memórias. Em meio a isso,
é interessante pensar sobre quem e o porquê se quer lembrar determinada
situação, já que as memórias mudam conforme o tempo passa, e conforme
as demandas do presente, a sua importância também varia com o tempo.
A memória está sempre em evolução, em um movimento dialético
da lembrança e do esquecimento. A memória é vista como processo
de rememorações, fruto do trabalho de refazer, com as ideias atuais, as
experiências e imagens do passado. Deste modo, busca-se por um esforço,
que une a educação nesse processo, se reconstruir o passado por meio das
realidades presentes, isto significa também, que a memória se configura
como sendo um registro – corporal, documental e afetivo – determinado
pelo exercício de lembrar e, ao mesmo tempo, selecionar o que se pretende
esquecer. Sua importância também se dá por constituir as experiências,
afetos, práticas e saberes que os sujeitos/grupos se ocupam em preservar, por
esse motivo, ela é importante para determinados grupos sociais, a medida
em que a partir dela, a memória viabiliza uma organização das experiências
com o mundo e as suas devidas reparações (BOSI, 1994; ALBERTI, 2005;
CANDAU, 2018).
A memória se torna a vida, que é carregada pelos grupos vivos. Já
história, por sua vez, é a reconstrução daquilo que não existe mais, uma
representação do passado. A memória é sempre atual e se alimenta de
lembranças, enquanto a história, por meio de uma operação intelectual,
precisa de uma análise e de um discurso crítico (NORA, 1993). Mesmo

368 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


estando cientes de como é complicado construir história, Motta (2003) nos
mostra que há a possibilidade de estarmos construindo apenas memórias.
Apesar de estarem vinculadas uma à outra, principalmente porque a
memória é uma fonte histórica para a História, ainda sim verificamos que
essas duas são diferentes. E isso não deslegitima suas importâncias para
o desenvolvimento da sociedade, pois é por meio delas que conseguimos
retornar ao passado, conhecer, ou pelo menos ter uma noção, de como
foram sendo constituídas nossas origens.
Motta (2003) nos apresenta divisões dessa memória que pode ser
individual, coletiva e nacional. A memória individual pode ser caracterizada
como aquela em que os indivíduos se recordam no sentido literal, físico, ou
melhor, para que ela se concretize enquanto fato social é preciso que seja
passada verbalmente para alguém. Quando se fala em memória coletiva a
autora reforça que há uma multiplicidade de memórias coletivas, pois elas
pertencem a um determinado grupo, assegurando coesão e solidariedade
aos seus componentes. E a memória nacional vem como unificadora e
integradora, ela procura harmonizar e escamotear os conflitos. Assim ela
está diretamente ligada aos elementos constitutivos da memória. E esses
elementos reiteram que a memória é um fenômeno socialmente construído.
Sua construção não implica somente lembrar, mas também esquecer,
ou seja, a amnésia social (MOTTA, 2003). Ao fazer a escolha do que deve
ser lembrado, há aqueles fatos que também são esquecidos. Mas, quando
falamos de grupos sociais, devemos estar cientes que existem projetos de
esquecimento, coisas e fatos não devem ser lembrados, sob pena de ser
ameaça a unidade de um determinado grupo.
Assim, percebemos quão importante é a memória e a história dentro
da sociedade, pois a memória, apesar de ser modificada ao longo do tempo,
pode ser considerada matéria prima da história, uma vez que conhecer a
história é lidar inevitavelmente com as memórias. Pensando nisso, qual
história realmente tem sido retratada em nossas instituições de ensino?
Como os movimentos sociais, o processo de lutas contra a marginalização,
tem sido ensinado? Quem são considerados protagonistas na construção
da sociedade?

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 369


Refletir sobre essas questões é o primeiro passo para entendermos
como se dá o processo da própria construção da história, enquanto matéria
registrada, que ficará para gerações futuras. Isso também nos leva a refletir
sobre o processo formativo, ou seja, sobre como a formação docente tem
propiciado possibilidades de rompimento com estereótipos e exclusões
construídos historicamente no imaginário social, principalmente sobre o
feminino e o masculino.
Nesse sentido, ao olhar sobre o papel da história e da memória na
civilização do corpo (na maioria das vezes o corpo feminino) na sociedade
atual, é interessante sabermos sobre a abordagem e representação do corpo
feminino na Idade Média. Os dados históricos que Le Goff e Truong (2006)
apresentam nos ajudam a entender sobre as heranças que ficaram dessa
época, assim como, nos ajudam a pensar sobre a figura da mulher no meio
desse processo de civilização do corpo.
Por isso é importante entender com a sociedade medieval a Igreja
se dedica a controlar o corpo, na verdade se perpetua um olhar negativo
em relação ao corpo, que surge com os gregos, com a ideia de que o corpo
é receptáculo da alma, e esta, se salva ao ser libertada do corpo físico. Este
olhar cria regras de comportamentos que entra nos domínios da vida social
e privada, estabelece padrões e impõe modos de se viver. “O cristianismo
instituído e a sociedade da corte nascente vão ‘civilizar o corpo’ através da
instituição das boas maneiras.” (LE GOFF; TRUONG, 2006, p.133).
Com essa ideia de que era preciso civilizar o corpo, são criadas regras
de comportamentos que vão influenciar como a sociedade deve se portar em
ambientes privados e públicos, como por exemplo, em práticas alimentares,
boas maneiras, questões sobre o nu e o vestido, sobre o banho, entre outras
situações que antes eram tidas como normais, mas com as intervenções
a Igreja começam a ser consideradas pecaminosas e que precisavam ser
modificadas.
Dentre essas questões aparece a nudez. Na Idade Média não há
o pudor com o corpo, a nudez não era um problema, pois nas famílias,
todos os membros dormiam juntos. Essa proibição da nudez começa a
ser destacada com a igreja, com argumentos que enfatizavam que o “estar

370 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


nu” pode trazer a cometer pecados de luxúria. “[...] mesmo no estágio do
casamento, o nu permanece uma situação perigosa. E a representação de
cônjuges nus em um leito pode ser percebida como um sinal de luxúria.”
(LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 140).
O corpo feminino tem um destaque diferenciado, pois segundo Le
Goff e Truong (2006) a nudez feminina no início da era moderna passa a
ser retratada como algo religioso, tendo como exemplos Eva e Adão, que no
início do século XIV e XV eram vistos como algo divino. Após isso, Eva nua
passa a ser vista como uma figura pecaminosa. Com isso a figura de Maria,
mãe de Jesus, começa a ser comparada a figura de Eva, ou seja, de lado a
Eva, a tentadora e pecadora, de outro surge Maria, a redentora. “É a beleza
sagrada diante da beleza profana.” (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 143).
As regras de comportamento, sobretudo com a expressão de “civilizar
o corpo”, são heranças que permanecem fortemente impregnadas no
imaginário social. Esse enfoque é dado ao corpo feminino, principalmente
quando se fala no que esse corpo feminino deve ou não vestir; deve ou não
deve se portar; deve ou não deve sentir; deve ou não deve falar. Um dos
exemplos mais marcantes que podemos citar é sobre como a vestimenta tem
se tornado forma de culpabilizar vítimas de crimes, como assédio moral e
sexual. Assim, pensar a relação existente entre o corpo feminino, memória
e história, percebemos que as mulheres acabaram se tornando reféns de
uma sociedade que, além de torná-las invisibilizadas diante da história,
colocou seu corpo como objeto que sempre precisou ser controlado.
Quando olhamos para os registros históricos vamos analisando
que esse corpo não apenas foi controlado, mas conseguimos ver que ele
também foi silenciado e apagado desse movimento histórico. Quase como
se as mulheres não tivessem feito parte da construção e desenvolvimento
da sociedade.
Nesse sentido, no próximo tópico apresentamos uma discussão
sobre uma pesquisa desenvolvida em 2017, sobre assédio, além dos dados
complementados em 2020 sobre a violência doméstica durante a pandemia
da Covid-19, como explicado na metodologia, e traremos considerações
sobre como é importante ter essas temáticas do cotidiano, sendo vinculadas

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 371


a uma relação histórica e fundamentada pela teoria, para entendermos o
próprio desenvolvimento da sociedade, assim como para pensarmos em
práticas docentes que consigam ter um olhar crítico para questões tão
naturalizadas.

A CIVILIZAÇÃO DOS CORPOS E SUA REPRESENTAÇÃO NA


SOCIEDADE ATUAL: PENSANDO A FORMAÇÃO DOCENTE

Ao retomar a nossa discussão inicial sobre história e memória,


percebemos que o tempo todo guardamos memórias e por meio dessas,
fazemos a história. Quando Le Goff e Truong (2006) apresentam sobre a
nudez feminina, revelando-nos que essa é tida como um ato de luxúria,
leva-nos também a refletir sobre como essa tradição ainda é reproduzida
atualmente, principalmente quando retratamos não apenas a nudez em si,
mas a forma como essa figura feminina está vestida.
Ao observar essa pesquisa: “Cerca de 99,6% das mulheres já foram
assediadas na rua. Mais de 80% escolhem rotas e roupas diferentes para
fugir do constrangimento”, vemos que as questões sobre o corpo feminino,
ainda hoje tem grande influência sobre as regras de comportamento e da
nudez descritas por Le Goff e Truong (2006). E quando também olhamos
para o Relatório sobre Violência doméstica durante a pandemia de
Covid-19 percebemos que “[...] os casos de feminicídio cresceram 22,2%,
entre março e abril deste ano, em 12 estados do país, comparativamente ao
ano passado8.”
Ao analisar essas duas informações e fazer uma relação com os
estudos apresentado, observamos que a nossa sociedade ocidental, em que
a grande maioria da população é cristã, coloca o corpo feminino, como algo
que precisa ser contido, controlado e punido. A justificativa dessa violência,
muitas vezes, recai sobre as vítimas, pelo modo como estavam vestidas,
pelas formas como provavelmente estavam “provocando” o agressor, pela
maneira em que se expressam, ora por serem livres, ora por serem muito
8
Comentário da reportagem publicada em 01/06/2020 - 14:34 Por Letycia Bond - Repórter da Agência
Brasil - São Paulo. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-06/
casos-de-feminicidio-crescem-22-em-12-estados-durante-pandemia. Acesso em: 22 abr. 2021.

372 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


quietas. A justificativa sempre é uma maneira de diminuí-las diante da
sociedade.
Autores como Londa Shiebinguer (2001); Betina Lima (2013), Osada
e Costa (2006), Fox Keller (2006), dentre outras pesquisadoras feministas,
discutem sobre essas questões, e nos mostra que ao longo do percurso que
as mulheres seguem até chegar na sua carreira profissional, muitas delas,
para poderem ter credibilidade no trabalho, e até mesmo para serem aceitas
como profissionais, foi preciso mudar totalmente o estilo de vida. Ou
seja, apagar a feminilidade presente nas roupas, em atitudes, no modo de
falar e até mesmo de se portar diante de profissionais homens para deixar
prevalecer uma masculinidade. Muitas mulheres precisaram obscurecer
seu sexo para serem aceitas e não passarem por assédios morais e sexuais.
Isso nos mostra que nem mesmo os ambientes acadêmicos fogem
dessa lógica de exclusão. Mas, é necessariamente importante também relatar
que as mulheres não se mantêm em silêncio em meio a esses processos.
Assim como vimos, ao produzir e relatar esse movimento da história
precisamos sempre colocar seus protagonismos diante dessa sociedade
violenta, machista e misógina. Como exemplos, destacamos a força que os
movimentos feministas desempenham no mundo contra todas as formas
de opressão e não apenas contra as mulheres, mas é também colocado no
centro desse movimento de luta as várias pautas que se interseccionam com
as temáticas de gênero, assim como questões étnico-raciais, classe sociais,
sexualidade, educação, equidade, amor livre, entre outros.
Vemos dessa maneira o ecoar da importância de estudos que
contribuam na mudança não apenas dessa realidade, mas da própria
história, da própria ciência, da maneira como vemos, analisamos e
refletimos o passado. Destacamos também a relevância das pesquisas que
mostrem como as mulheres são capazes de serem femininas (ou masculinas,
ou não binárias, isso irá depender da forma como essas mulheres desejam
ser e estar nesse mundo, sem serem obrigadas a seguirem um padrão) e
serem profissionais de excelência nas mais diversas áreas. Pois, enquanto
os registros da história continuarem mostrando as mulheres apenas como
seres passivos da sociedade e não como também contribuidora da sua

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 373


construção, a história continuará reforçando a ideia de que elas não podem
ter “voz e nem vez”.
O processo da civilização do corpo, como visto no tópico anterior,
teve um enfoque diferencial para as mulheres e acrescentamos também que
as crianças, atualmente, acabam passando por esse processo no ambiente
escolar. Entretanto, a tentativa de controlar os corpos não se inicia na escola.
Ela não é a instância primeira que controla e priva a expressão corporal
das crianças. Antes de adentrar a escola, a criança se encontra inserida nas
instâncias sociais, como a família e a igreja, e esse meio cria regras, dita
comportamentos e estabelece padrões. Todas essas influências tornam o
corpo da criança;

Uma espécie de retrato ou radiografia do social, no qual a infância é


concebida como uma construção social, cultural, política e histórica. O
corpo, independentemente do recorte etário, mas, sobretudo, na infância,
pode ser concebido como um objeto concreto de investimento coletivo,
suporte de ações, signos e marcas sociais, motivo de reunião e de distinção
pelas práticas e discursos que suscita (SILVA, 2010, p. 218).

Nesse sentido, a criança também passa pelo processo de civilização


do corpo. A sociedade dita desde a cor da roupa até os comportamentos
tidos como adequados para as meninas e para os meninos. É nesse processo
que se inicia a civilização do corpo. Essa civilização perpassa a infância e se
encontra estabelecida em todas as outras etapas etárias.
E como na maioria das vezes serve para controlar, nem sempre é
um processo positivo, uma vez que não acolhe os sujeitos que não aceitam
ser civilizados ou que não se encaixam nos padrões estabelecidos. É nessa
divergência entre a autonomia do sujeito em decidir como se vestir e se
comportar contrapondo os comportamentos e padrões estabelecidos
culturalmente e impostos pela sociedade, que surgem processos de
discriminação, preconceito e exclusão. Nessa perspectiva, nossa discussão
se desloca para a formação docente, destacando que é importante
olharmos para a história, para a memória e para a civilização do corpo,

374 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


para compreendermos e pensarmos em possibilidades de contribuir na
construção do respeito e na valorização da diversidade.
Por isso a importância de levar essas temáticas para sala de aula,
principalmente na formação inicial docente. Como pode ser observado,
o nosso texto, se apresenta como uma proposta concreta de como essas
temáticas podem e precisam ser discutidas e trabalhadas na universidade.
Isso pode ser observamos pelo próprio movimento da escrita do texto, pois
nós apresentamos sobre o que é história e memória, assim como sobre
a civilização do corpo, e esse movimento nos ajudou a questionar sobre
a representação que o corpo tem na sociedade atual, por meio de dois
dados apresentados, um sobre assédio e outro sobre violência doméstica
e finalizamos com uma ligação aos corpos infantis, que acabam também
passando por esse processo de civilização para se ter corpos quietos e
contidos.
Nesse sentido, nós, enquanto professoras e professores precisamos
sempre, adaptar essas temáticas para se trabalhar o respeito ao outro, ao
corpo do outro, as ideias do outro, assim como o respeito ao nosso próprio
corpo. A melhor maneira de fazer esse movimento é disponibilizar diferentes
registros históricos, contextualizar esses registros e dar a possibilidade
dessas e desses futuros profissionais refletirem e fazerem uma conexão com
a contemporaneidade.
Fazer essa análise, esse estudo, e uma intervenção, quando necessário,
é uma das formas de dar visibilidade a grupos que nem sempre estão em
discussões na formação docente. É uma forma dessas e desses futuros
profissionais perceberem como podem modificar sua prática entendendo
o movimento histórico. É entender a importância de saber o “outro lado
da história” e de sempre ter o respeito, a ética, o comprometimento, a
generosidade e a vontade da revolução como parte central em tudo que
realizamos.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 375


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das considerações tecidas até aqui, pode-se concluir que a


formação docente, enquanto também espaço de formação humana e cidadã,
precisa discutir essas questões tão latentes sobre a história das mulheres,
sobre a civilização dos corpos, sobre o papel da história e da memória para
entendermos as construções sociais que se cristalizam no imaginário das
pessoas. Isso contribuirá para que o quadro de desigualdades possa ser
discutido e pensado em novas proposições de mudanças.
Não há como conceber a formação docente sem proporcionar
debates que fazem parte da nossa constituição enquanto sujeitos, ou seja,
da nossa história humana. Assim, quando estudamos e compreendemos
esse movimento histórico, somos capazes de interpretar com mais clareza
os movimentos sociais que lutam pela justiça social; as críticas dispostas
nas formas de controle corporal, como mostramos no decorrer do texto
e como as concepções e estereótipos são fortalecidos e naturalizados pelo
também movimento histórico que se constitui na memória.
Ao retomarmos o nosso objetivo, que foi refletir sobre a importância
de entender o papel que a história e a memória desempenham nas
representações sociais, principalmente quando falamos da civilização
dos corpos, dialogando sobre como essas temáticas podem e devem ser
concretizadas na formação docente, verificamos que trazer temáticas como
essas, na formação docente, podem contribuir para uma desconstrução
de concepções preconceituosas e machistas que está impregnada no
imaginário social e que acabamos por reproduzir em nossa prática docente.
Enfatizamos ainda que é preciso mudar o olhar que se tem sobre
as mulheres, assim como também das próprias crianças, lhes dar voz, lhes
permitir uma nova existência. Isso tudo é importante para que o corpo não
seja tido como uma prisão, um fardo ou até mesmo como um motivo para a
violência. Não há como conceber os corpos das mulheres como justificativa
de acentuar o machismo como algo normal.
Por isso, é preciso trabalhar a ideia do respeito ao próprio corpo
e ao corpo do outro, para que as mulheres, assim como as crianças, não

376 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


aceitem a ditadura da beleza, amem seus corpos, sintam-se livres para se
vestirem e agirem como quiserem. Esse processo, por mais difícil que possa
parecer, nos dá a possibilidade de questionarmos certos padrões, assim
como de pensarmos em práticas mais inclusivas. Todo movimento exige de
nós comprometimento, pois assumir essa postura se torna um processo de
revolução diária.

REFERÊNCIAS

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das Letras, 1994.

Brasil. Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19. Fórum Brasileiro


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378 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


OS CONTÉUDOS DE SOCIOLOGIA/CIÊNCIAS SOCIAIS NO
ENSINO FUNDAMENTAL ABORDADOS ATRAVÉS DO ENSINO
RELIGIOSO: UMA ANÁLISE DOS DOCUMENTOS NORTEADORES

Jaqueline Fabeni dos Santos1

INTRODUÇÃO

Esse artigo representa o trabalho final apresentado para a disciplina


Sociologia das Religiões ministrada pelo professor Dr. Fábio Lanza e que
compõem a grade (currículo) do programa de Mestrado e Doutorado em
Sociologia da Universidade Estadual de Londrina. Durante todo o segundo
semestre de 2019 fomos apresentadas às leituras que constituem a chamada
Sociologia das Religiões, da herança clássica de Marx, Weber e Durkheim
até autores contemporâneos que estudam a influência do fenômeno
religioso na esfera política da América Latina.
Ao final, como proposta de avaliação fomos convidados a desenvolver
uma reflexão sobre as relações que a religião e a religiosidade poderiam
estabelecer com nossos objetos de pesquisa, justamente por isso o presente
artigo pretende analisar a disciplina de Ensino Religioso, presente nos
currículos do Ensino Fundamental no estado do Paraná, como um
desdobramento do Ensino de Sociologia e como um potencial meio para
o desenvolvimento da imaginação sociológica proposta por Mills (1982).
No Estado do Paraná pela resolução de distribuição de aula de
2019 N.º 4.639/2019 editada pela SEED/PR, considera que tendo como
referência, o artigo 6.º da Deliberação n.º 01, de 2006, do Conselho
Estadual de Educação – CEE/PR, na ausência de professores concursados
para a disciplina Ensino Religioso poderão assumir a disciplina professores
das seguintes áreas de formação Filosofia, História, Sociologia, Geografia
ou Pedagogia, respeitando essa ordem estabelecida. Como é possível
1
Jaqueline Fabeni dos Santos especialista em Ensino de Sociologia, Mestra em Ciências Sociais e
doutoranda em Sociologia do Programa de Pós-Graduação da UEL –PR. Professora da rede estadual
do Paraná. Contato: jaquelinefabeni@gmail.com

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 379


perceber o profissional da área das Ciências Sociais é o terceiro em ordem
de prioridade na escolha das aulas, logo essa disciplina, frente a continua
diminuição de turmas do Ensino Médio noturno, tem se tornado campo de
atuação dos professores de Sociologia, que passam a ter contato com um
nível de escolarização desconhecido, o Ensino Fundamental.
Assim, o profissional de Ciências Sociais que durante toda a sua
formação não teve contato com o Ensino Fundamental, desconhece as
especificidades ligadas a essa etapa de escolarização, gradativamente tem
sido impelido, por questões estrutural e econômicas, a atuar nesse segmento.
Justamente por isso, o presente artigo tem como pretensão apresentar as
potencialidades que a disciplina de Ensino Religioso possui no processo de
desenvolvimento da chamada desnaturalização, conceito base de atuação
da disciplina de Sociologia no Ensino Médio e quais seriam os documentos
e conteúdos que norteiam a estrutura da disciplina no Paraná e como eles
potencialmente se aproximam das Ciências Sociais.

O ENSINO RELIGIOSO COMO ESPAÇO PARA A ALTERIDADE

Ao lançarmos um olhar mais atento ao espaço escolar, é possível


perceber como se constitui, de maneira heterogênea, as manifestações
religiosas entre adolescentes e juventudes. Por isso, não é tarefa simples,
dentro do aspecto formal, com normas e regras curriculares, tratar dos
fenômenos religiosos, fazendo interfaces com as relações cotidianas entre
os sujeitos, de maneira a enfatizar o respeito às diversidades religiosas.
Nesse sentido, é importante ver como os agentes envolvidos
nesse cotidiano, sejam eles alunos, professores, diretores, pedagogos e
funcionários, se constituem como indivíduos socioculturais pertencentes
a uma determinada classe social, a uma determinada geração, a culturas
distintas. É na escola onde o encontro desses sujeitos singulares acontece,
que se compartilha o cotidiano e as representações sobre ele. A proximidade
com este “outro” pode desencadear situações de conflito, de violências e
de marginalização. Mais complexo ainda, é dizer que na escola também se
aprende a ser discriminador, preconceituoso, apenas tolerante em relação à
cultura e ao credo, ou mesmo ao não credo do outro.

380 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Sendo isso, na realidade, o incentivo ao respeito, às diversidades
culturais, à alteridade, representa um dos grandes desafios enfrentados
por essa instituição na atualidade. Por isso, cabe a escola a tarefa de
problematizar tais questões, pois somente assim estaria cumprindo com
sua função de formar cidadãos mais conscientes politicamente, mais
emancipados, menos etnocêntricos, menos preconceituosos. Como coloca
Dayrell:

Acreditamos que a escola pode e deve ser um espaço de formação ampla


do aluno, que aprofunde o seu processo de humanização, aprimorando
as dimensões e habilidades que fazem de cada um de nós seres humanos.
O acesso ao conhecimento, às relações sociais, às experiências culturais
diversas podem contribuir assim como suporte no desenvolvimento
singular do aluno como sujeito sociocultural, e no aprimoramento de sua
vida social. (DAYRELL, 1996, p.26).

Assim, seria necessário trazer para o ambiente escolar a perspectiva


cultural dos conhecimentos, incorporando as experiências e as vivências
trazidas pelos alunos como um recurso para a reflexão, na busca por uma
convivência escolar cotidiana que valoriza a diversidade e o respeito. Pois,
a escola tem como função central colaborar para o pleno desenvolvimento
humano de seu aluno e ao negar sua bagagem social a escola está
desconsiderando que “é a cultura que fornece ao indivíduo os sistemas
simbólicos de representação da realidade e, por meio deles, o universo de
significações, um a interpretação, dos dados do mundo real. ” (OLIVEIRA,
1992, p. 27).
Caberia à esta instituição a função de construir relações cotidianas
nas quais a interação com o outro, portador de conhecimentos e práticas
culturais particulares e distintas, se torne um elemento relevante. Ou seja,
ampliar a capacidade de respeito e de convivência em grupo, visto que esse
é, segundo a Psicologia Histórico Cultural, um dos elementos centrais para
o pleno desenvolvimento humano. Tal concepção teórica tem Vygotsky um
de seus principais representes. Como coloca Oliveira;

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 381


Vygotsky tem como um de seus pressupostos básicos a ideia de que o ser
humano se constitui-se enquanto tal na relação com o outro social. A cultura
torna-se parte da natureza humana num processo histórico que, ao longo
do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento
psicológico do homem (1992, p.24).

Nesse sentido, podemos entender que o homem é uma espécie


biológica que só se desenvolve dentro de um grupo social, sendo assim a
herança cultural trazida pelos alunos para a escola deve ser encarada como
potencializadora do desenvolvimento desses. Entretanto, comumente, não
é o que acontece na maioria das instituições escolares. Muitas costumam
encarar os adolescentes e jovens de uma maneira homogeneizada,
desconsiderando as singularidades da vivência cultural que trazem ao
ambiente escolar. Em outras palavras:

Reduz os sujeitos a alunos, apreendidos, sobretudo pela dimensão


cognitiva. O conhecimento é visto como produto, sendo enfatizados os
resultados da aprendizagem e não processo. Essa perspectiva implementa
a homogeneidade de conteúdos, ritmos e estratégias, e não a diversidade.
(DAYRELL, 1996, p.140).

Normalmente ao desconsiderar a totalidade das dimensões


humanas, ou seja, sem priorizar a diversidade social e cultural do aluno,
as práticas pedagógicas homogeneizantes colaboram efetivamente para a
manutenção das desigualdades sociais, ao tratar como iguais indivíduos
particulares. Como consequência direta desse tratamento, que desconsidera
a diversidade, podemos perceber a dificuldade em lidar com situações de
conflito e de preconceito ligadas à homossexualidade, à raça e à religião.
De todos os temas mencionados anteriormente poderíamos dizer
que um dos mais delicados se refere à questão da religião no ambiente
escolar. A intolerância religiosa é algo presente no cotidiano da escola,
praticada entre os alunos e, em certos casos, pelos próprios professores, que
acabam se tornando um exemplo negativo para a formação dos estudantes,
ao discriminar pessoas que professam uma fé diferente da sua.

382 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Ao refletirmos sobre o assunto, seria possível dizer que um dos
espaços, hoje institucionalizados no Ensino Fundamental, mais prováveis
para a discussão da alteridade religiosa no ambiente escolar seria na
disciplina de Ensino Religioso, que teoricamente deveria ser orientada no
sentido da promoção do respeito e da convivência das diferentes crenças.
Contudo, não é isso que acontece. Ela continua sendo uma disciplina
marginalizada, desmerecida ou ainda se tornando espaço para o ensino
confessional da doutrina do professor e/ou da escola, justamente por isso o
Ensino Religioso gera tantas polêmicas e contradições entre os educadores,
especialmente da Sociologia/Ciências Sociais.
Para entendermos porque tal assunto gera tantos embates, é
importante fazer uma retomada da própria história da disciplina de Ensino
Religioso em nosso país, que foi alvo de disputas entre a igreja e o Estado,
a primeira visando garantir novos adeptos e o segundo tendo o ideal de
laicidade ameaçado pela constituição dessa disciplina na rede pública.
Desde o período colonial o ensino religioso está presente no
Brasil. Foi com a vinda dos jesuítas ao nosso país, por volta de 1550, que
vivenciamos as primeiras tentativas de organizar tal disciplina, que assumia,
como coloca Dantas (2002), um caráter eminentemente doutrinário, cujo
objetivo era a conversão dos povos “gentios” ao catolicismo, práticas que
eram apoiadas através de acordo da Igreja Católica com o Rei de Portugal.
Essa situação se manteve até o governo de Marques de Pombal em
1759 expulsar a ordem jesuíta dos territórios português, sob a acusação de
ameaçar o poder do Estado. Com isso houve o rompimento do monopólio
do sistema de educação pelos jesuítas e se estabeleceu os princípios de
um ensino laico. Com o advento da república, a capacidade da igreja
influenciar as decisões do Estado e o sistema de ensino se tornou cada vez
mais fragilizada e a ideia de proposta de educação laica tem nesse período
sua origem e fortalecimento. Sendo assim:

A Igreja não é mais vista como uma fonte possível de legitimação do poder
do Estado, mas ‘como força política contrária aos interesses do Estado e
da sociedade [...] A tendência é de rejeitar a Igreja como instituição social’
(FAUSTO, 1984, p. 276).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 383


Essa situação de conflito perdura até que em 1890 um decreto
separa definitivamente a igreja do Estado. Cabe a essa instituição procurar
mecanismos para se manter influente no cenário nacional. A estratégia
adotada passa a ser a educação dos filhos da elite, através de colégios
confessionais. Somente durante a revolução de 1930 a igreja conseguirá
influenciar novamente as decisões políticas e a esfera estatal. Como
consequência disso, em 1937, será aprovado um artigo na nova constituição
do período que reestabelece o Ensino Religioso no país da seguinte forma:

O ensino religioso  poderá  ser contemplado como matéria do curso


ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá,
porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de
frequência compulsória por parte dos alunos (Apud DANTAS, 2002, p. 51).

Com a LDB de 1961 serão estabelecidos novos princípios de


regulamentação do Ensino Religioso, cuja nova redação é:

O Ensino Religioso constitui disciplina dos horários normais das escolas


oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado sem ônus para os cofres
públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele,
se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. 1º parágrafo –
A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo
de alunos. 2º parágrafo – O registro dos professores de ensino religioso
será realizado perante a autoridade religiosa respectiva. (Apud CAETANO,
2007, p. 74).

Duas coisas chamam a atenção no texto: o caráter facultativo e


o descompromisso do Estado em arcar com as despesas referentes a
essa disciplina. Como consequência direta, temos a marginalização dos
profissionais que a ministram, além de uma desvalorização da importância
da mesma. Percebemos assim, a contradição que marca a existência do
Ensino Religioso, um Estado laico permite que exista tal disciplina, mas
ao mesmo tempo não assume os gastos com ela, talvez na tentativa de
preservar aspectos da laicidade.

384 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Essa realidade só irá se transformar, em partes, com o desenvolvimento
de um dos primeiros documentos que nortearam a estrutura da disciplina
de Ensino Religioso no Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Ensino Religioso (PCENER), documento construído de maneira coletiva
por membros de diversas matrizes religiosos e entregue ao Ministério da
Educação em 1997. Tal documento representa uma importante tentativa de
se estabelecer princípios para a disciplina que não fossem baseados em um
proselitismo e que estabelecesse o objeto e as bases epistemológicas para
sua presença no ambiente escolar.
O documento estabelece o histórico do Ensino Religioso em nosso
país e busca e como potencialmente a disciplina pode ser um espaço no
ambiente escolar capaz de socializar de diferentes conhecimentos, sendo o
fenômeno religioso um conhecimento presente nas mais diversas culturas
e épocas, sendo por isso necessário objeto de reflexão.
O PCENER irá influenciar aprovação da Lei. nº 9.475/97 que
determina o retorno do Ensino Religioso aos currículos do Ensino
Fundamental sob a responsabilidade do Estado e a estabelece como uma
disciplina cujo conteúdo é primordial para formação cidadão ao promover
o respeito à diversidade religiosa, evitando a prática do proselitismo em sala,
cabendo aos sistemas de ensino a determinação dos conteúdos que serão
ensinados, além de determinar a formação e a admissão dos profissionais
da área. Como podemos ver a seguir:

O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação


básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade
cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º
Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição
dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a
habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão
entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a
definição dos conteúdos do ensino religioso. (BRASIL, Redação dada pela
Lei nº 9.475, de 22/07/1997, s/p).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 385


Por se tratar de uma lei bastante generalista, dá margem para que cada
Estado se organize da forma que julgar mais adequada, como consequência
direta temos uma grande variedade de propostas para a organização e
implementação do Ensino Religioso no cotidiano escolar. Muitas vezes as
propostas implementadas em cada estado são completamente divergentes,
como é o caso dos estados do RJ e SP. No Estado de São Paulo a proposta
para o Ensino Religioso busca preservar a o princípio de laicidade do estado.
A seleção dos conteúdos curriculares foi elaborada a partir de uma parceria
da Secretária de Educação com a Universidade de Campinas. Como coloca
Guimbelli:

O modelo adotado em São Paulo parece se adequar às exigências do


princípio da laicidade. Afinal, lembra mesmo a perspectiva francesa de um
discurso “sobre” o religioso, que cultiva um afastamento mesmo quando o
traz para a sala de aula (GUIMBELLI, 2007, p. 5).

Já no Estado do Rio de Janeiro o Ensino Religioso apresenta


um caráter confessional, sendo necessário ensiná-lo não só no Ensino
Fundamental, mas também durante o Ensino Médio. O ensino confessional
caracteriza-se da seguinte forma:

O que caracteriza esse modelo “confessional” é a definição de conteúdos e a


habilitação docente de acordo com as confissões religiosas. Assim, partindo
das demandas dos alunos, estes seriam contemplados de acordo com a
religião declarada por eles ou por seus responsáveis (GUIMBELLI, 2007,
p. 6).

Assim, no estado do Rio de Janeiro2, cabe às autoridades religiosas de


cada credo credenciar os profissionais habilitados para a docência, sendo
na teoria necessário um professor e um representante de cada religião
em cada estabelecimento de ensino. Somente assim se poderia cumprir o

2
Para o texto final da dissertação, estou coletando informações sobre como se dá o Ensino Religioso no
Pedro II, pretendo apresentar no texto final as particularidades dessa instituição em relação às demais
escolas que seguem literalmente a proposta do estado.

386 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


que estabelece a proposta do estado. Entretanto, não é o que acontece. Na
prática, existe uma predominância de profissionais ligados à igreja católica
e, em segundo lugar, a predominância das igrejas evangélicas, quase não
existindo representantes de outras religiões.
Com esses exemplos, é possível perceber como a disciplina até então
estava descentralizada e fragmentada, não existindo uma proposta que de
fato a faça cumprir com suas potencialidades, que seria a problematização
da diversidade religiosa, a fim de gerar posturas de respeito e de convivência
pacífica entre os diferentes credos.
Contudo, essa realidade, possivelmente, tende a se transformar com
a aprovação da Base Nacional Comum do Ensino Fundamental (2018),
que estabelece uma estrutura para o Ensino Religioso, que passa a estar
presente em todos os anos do Ensino Fundamental, a disciplina passa a
compor a área de Ciências Humanas. Tal inclusão é marcada por grandes
polêmicas e inúmeros são os indícios de que a fé política – religiosa dos
elaboradores do documento tenham de alguma forma predominado sobre
a lógica curricular, como coloca Cunha (2016).

O ENSINO RELIGIOSO E A NOVA BNCC

A proposta de Ensino Religioso presente na Base Nacional Comum


Curricular BNCC-Ensino Fundamental (2018) é em sua essência baseadas
em conteúdos que almejam a construção de uma visão de alteridade e
respeito ao outro, elementos e conceitos próprios das Ciências Sociais,
buscando desenvolver no aluno a capacidade de percepção da relação
indivíduo e sociedade por meio do elemento religioso. Isso se torna clara
ao lermos o trecho a seguir:

O Ensino Religioso busca construir, por meio do estudo dos conhecimentos


religiosos e das filosofias de vida, atitudes de reconhecimento e respeito
às alteridades. Trata-se de um espaço de aprendizagens, experiências
pedagógicas, intercâmbios e diálogos permanentes, que visam o
acolhimento das identidades culturais, religiosas ou não, na perspectiva da

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 387


interculturalidade, direitos humanos e cultura da paz. Tais finalidades se
articulam aos elementos da formação integral dos estudantes, na medida
em que fomentam a aprendizagem da convivência democrática e cidadã,
princípio básico à vida em sociedade. (BRASIL, 2018, p.437).

Assim, ao desenvolver uma perspectiva intercultural o aluno seria


capaz de perceber a existência da diversidade cultural, rever posicionamentos
etnocêntricos e ser capaz de perceber através do estudo das religiões como
as realidades sociais são fruto de construções sociais, ou seja, ser capaz da
desnaturalização da vida em sociedade por meio do fenômeno religioso.
Potencialmente temos construído um espaço no Ensino Fundamental
para introdução de conceitos primários das chamadas Ciências Sociais
(Sociologia, Ciência Política e Sociologia), isso fica ainda mais pertinente
quando consideramos as seis competências que a disciplina de Ensino
Religioso deve desenvolver em seus alunos, vejamos a seguir (BRASIL,
2018, p .437):

1.Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos


religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos,
estéticos e éticos. 2. Compreender, valorizar e respeitar as manifestações
religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes
tempos, espaços e territórios. 3. Reconhecer e cuidar de si, do outro, da
coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida. 4.Conviver
com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e
viver. 5.Analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da
cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e
do meio ambiente.6. Debater, problematizar e posicionar-se frente aos
discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho
religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício
da cidadania e da cultura de paz. (BRASIL, 2018, p. 437).

Em cada uma das habilidades e competências propostas para a


disciplina do Ensino Religioso poderíamos elencar um conteúdo das
Ciências Sociais que dariam conta de instrumentalizar o aluno para
compreender o fenômeno religioso da forma como está sendo proposto

388 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


no documento. Claro que, seria muito mais fácil que os conceitos das
Ciências Sociais fossem ensinados em uma disciplina específica, contudo
frente as ameaças que a própria Sociologia vem sofrendo no Ensino Médio
tal realidade é uma grande utopia. O que vemos ao nos voltarmos para a
BNCC do Ensino Religioso (2018) é a possibilidade de a partir do tema
fenômeno religioso, construir em nossos alunos os conceitos que serão
fundamentais para a compreensão da Sociologia em uma etapa posterior
de aprendizagem.
Será apresentado a seguir as unidades temáticas, objetos de
conhecimento e as habilidades que devem ser desenvolvidas durante os
anos iniciais do Ensino Fundamental na disciplina de Ensino Religioso.

Quadro 1 - Grade de ensino religioso para 1º ano do ensino fundamental


(EF01ER01)  Identificar e acolher
as semelhanças e diferenças
entre o eu, o outro e o nós.
(EF01ER02)  Reconhecer que o seu nome
Identidades e o das demais pessoas os identificam e os
e alteridades diferenciam.
(EF01ER03)  Reconhecer e respeitar as
Imanência características físicas e subjetivas de cada um.
e transcendência (EF01ER04)  Valorizar a diversidade de
formas de vida.
(EF01ER05)  Identificar e acolher
sentimentos, lembranças,
memórias e saberes de cada um.
Manifestações Sentimentos, lembranças,
(EF01ER06)  Identificar as diferentes
religiosas memórias e saberes
formas pelas quais as pessoas manifestam
sentimentos, ideias, memórias, gostos e
crenças em diferentes espaços.

Fonte: (BRASIL, BNCC ENSINO RELIGIOSO, 2018, p.442-443).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 389


Quadro 2 - grade de ensino religioso para 2º ano do ensino fundamental

(EF02ER01) Reconhecer os diferentes


O eu, a família espaços de convivência.
Identidades e
e o ambiente de (EF02ER02) Identificar costumes,
alteridades
convivência crenças e formas diversas de viver em
variados ambientes de convivência.
(EF02ER03) Identificar as diferentes
formas de registro das memórias
pessoais, familiares e escolares (fotos,
Memórias e símbolos músicas, narrativas, álbuns...).
(EF02ER04) Identificar os símbolos
presentes nos variados espaços de
convivência.
(EF02ER05) Identificar, distinguir
e respeitar símbolos religiosos de
Símbolos religiosos
distintas manifestações, tradições e
instituições religiosas.
(EF02ER06) Exemplificar alimentos
considerados sagrados por diferentes
culturas, tradições e expressões
Manifestações religiosas Alimentos sagrados religiosas.
(EF02ER07) Identificar significados
atribuídos a alimentos em diferentes
manifestações e tradições religiosas.
Fonte: (BRASIL, BNCC ENSINO RELIGIOSO, 2018, p.444-445).

390 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Quadro 3 - Grade de ensino religioso para 3º ano do ensino fundamental
(EF03ER01)  Identificar e respeitar os
diferentes espaços e territórios religiosos de
Identidades e Espaços e territórios diferentes tradições e movimentos religiosos.
alteridades religiosos (EF03ER02)  Caracterizar os espaços
e territórios religiosos como locais de
realização das práticas celebrativas.
(EF03ER03)  Identificar e respeitar
práticas celebrativas (cerimônias,
orações, festividades, peregrinações, entre
outras) de diferentes tradições religiosas.
Práticas celebrativas
(EF03ER04)  Caracterizar as práticas
celebrativas como parte integrante do
Manifestações conjunto das manifestações religiosas de
diferentes culturas e sociedades.
religiosas
(EF03ER05)  Reconhecer as indumentárias
(roupas, acessórios, símbolos, pinturas
Indumentárias corporais) utilizadas em diferentes
manifestações e tradições religiosas.
religiosas (EF03ER06) Caracterizar as indumentárias
como elementos integrantes das identidades
religiosas.
Fonte: (BRASIL, BNCC ENSINO RELIGIOSO, 2018 p.446-447)

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 391


Quadro 4 - Grade de ensino religioso para 4º ano do ensino fundamental
(EF04ER01)  Identificar ritos presentes no
cotidiano pessoal, familiar, escolar e comunitário.
(EF04ER02) Identificar ritos e suas funções em
diferentes manifestações e tradições religiosas.
(EF04ER03)  Caracterizar ritos de iniciação
Ritos religiosos e de passagem em diversos grupos
religiosos (nascimento, casamento e morte).
Manifestações (EF04ER04)  Identificar as diversas formas de
expressão da espiritualidade (orações, cultos,
religiosas gestos, cantos, dança, meditação) nas diferentes
tradições religiosas.

(EF04ER05)  Identificar representações


religiosas em diferentes expressões artísticas
Representações (pinturas, arquitetura, esculturas, ícones,
religiosas na arte símbolos, imagens), reconhecendo-as como
parte da identidade de diferentes culturas e
tradições religiosas.
(EF04ER06)  Identificar nomes, significados
Crenças religiosas e representações de divindades nos
Ideia(s) de contextos familiar e comunitário.
e filosofias de
divindade(s) (EF04ER07)  Reconhecer e respeitar as ideias
vida de divindades de diferentes manifestações e
tradições religiosas.
Fonte: (BRASIL, BNCC ENSINO RELIGIOSO, 2018, p.448-449).

392 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Quadro 5 - Grade de ensino religioso para 5º ano do ensino fundamental:
(EF05ER01)  Identificar e respeitar
acontecimentos sagrados de diferentes
Narrativas religiosas
culturas e tradições religiosas como
recurso para preservar a memória.
(EF05ER02) Identificar mitos de criação em
diferentes culturas e tradições religiosas.
(EF05ER03)  Reconhecer funções e
Mitos nas tradições
mensagens religiosas contidas nos mitos
religiosas
de criação (concepções de mundo,
natureza, ser humano, divindades, vida e
morte).
Crenças religiosas (EF05ER04)  Reconhecer a importância
e filosofias de vida da tradição oral para preservar
memórias e acontecimentos religiosos.
(EF05ER05)  Identificar elementos
da tradição oral nas culturas e
religiosidades indígenas, afro-
Ancestralidade e
brasileiras, ciganas, entre outras.
tradição oral
(EF05ER06)  Identificar o papel dos
sábios e anciãos na comunicação
e preservação da tradição oral.
(EF05ER07) Reconhecer, em textos orais,
ensinamentos relacionados a modos de
ser e viver.

Fonte: (BRASIL, BNCC ENSINO RELIGIOSO, 2018, p.450-451).

Os Anos Iniciais do Ensino Fundamental atendem alunos com


idade entre 6 e 10 anos, os professores que trabalham com esse público
possuem licenciatura em Pedagogia e são responsáveis não apenas pelos
conhecimentos ligados a disciplina de Ensino Religioso como também
as demais disciplinas que compõem a área de Ciências Humanas, ao
analisarmos os objetos de conhecimento e as habilidades que o aluno
deve desenvolver é possível notar que é necessário ao professor um
formação bastante consistente na área das Ciências Sociais , pois o nível
de complexidade dos temas é considerável sendo necessário um domínio
dos conceitos da ciências de referência para com isso realizar o processo
de transposição didática de maneira relevante sem perder a precisão
conceitual.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 393


As propostas do 1º, 2º e 3º estão focadas no desenvolvimento da
percepção por parte da criança do “eu” e do como ele está inserido em uma
coletividade, ou seja, visa elaborar de maneira primaria a discussão base da
Sociologia a relação indivíduo e sociedade, ao propor que a criança percebe
a família e a escola como espaços sociais e de memória. Somente após essa
construção é apresentado aos alunos o fenômeno religioso, visto a partir da
noção de multiculturalidade e como elemento de construção de identidades
por meio dos territórios sagrados, celebrações e indumentárias.
Para o 4º e 5º ano vemos a busca por desenvolver no aluno um olhar
sobre a sua religiosidade considerando a percepção dos ritos nas instituições
sociais que está diretamente inserido: família, escola e comunidade.
Esse processo de olhar para o próprio cotidiano permite uma postura de
estranhamento da realidade, ao entender os processos relacionados ao
“eu” é possível compreender e respeitar o “outro”. Além disso, vemos uma
tentativa de mostrar a função social da religiosidade, ao abordar temas
como: narrativas religiosas, mitos de origem e ancestralidade religiosa,
o aluno é levado a perceber como a religião constitui um elemento de
integração do grupo permitindo o desenvolvimento e a manutenção da
identidade e da memória social.
A proposta da BNCC de Ensino Religioso (2018) para os primeiros
anos do Ensino Fundamental é bastante ousada, ao introduzir indiretamente,
por meio da temática religiosidade, conceitos básicos da Ciências Sociais
tais como socialização, instituições sociais, identidade, diversidade cultural
e memória; que deveram ser elaborados de maneira adequada levando em
consideração o nível de desenvolvimento próprio de cada a idade. Essa
proximidade com as disciplinas de Sociologia e Antropologia irá exigir
uma maior formação dos professores pedagogos.
Tal ligação direta com a área das Ciências Sociais continua nas
propostas direcionadas aos Anos Finais do Ensino Fundamental, a seguir
será apresentada as unidades temáticas, objetos de conhecimento e
habilidades para os 6º,7º,8º e 9º anos:

394 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Quadro 6 - Grade de ensino religioso para 6º ano do ensino fundamental:
(EF06ER01)  Reconhecer o papel da tradição
escrita na preservação de memórias,
Tradição escrita:
acontecimentos e ensinamentos religiosos.
registro dos
(EF06ER02) Reconhecer e valorizar a diversidade
ensinamentos
de textos religiosos escritos (textos do Budismo,
sagrados
Cristianismo, Espiritismo, Hinduísmo, Islamismo,
Judaísmo, entre outros).
(EF06ER03)  Reconhecer, em textos escritos,
ensinamentos relacionados a modos de ser e viver.
(EF06ER04)  Reconhecer que os textos
Crenças religiosas Ensinamentos escritos são utilizados pelas tradições
e filosofias de vida da tradição religiosas de maneiras diversas.
escrita (EF06ER05)  Discutir como o estudo e a
interpretação dos textos religiosos influenciam
os adeptos a vivenciarem os ensinamentos das
tradições religiosas.
(EF06ER06) Reconhecer a importância dos mitos,
ritos, símbolos e textos na estruturação das diferentes
Símbolos, ritos e crenças, tradições e movimentos religiosos.
mitos religiosos (EF06ER07) Exemplificar a relação entre mito, rito
e símbolo nas práticas celebrativas de diferentes
tradições religiosas.
Fonte: (BRASIL, BNCC ENSINO RELIGIOSO, 2018, p.452-453).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 395


Quadro 7 - Grade de ensino religioso para 7º ano do ensino fundamental:
(EF07ER01)  Reconhecer e respeitar
as práticas de comunicação
com as divindades em distintas
Místicas e manifestações e tradições religiosas.
espiritualidades (EF07ER02)  Identificar práticas de
espiritualidade utilizadas pelas pessoas
em determinadas situações (acidentes,
doenças, fenômenos climáticos).
Manifestações
religiosas (EF07ER03)  Reconhecer os
papéis atribuídos às lideranças
de diferentes tradições religiosas.
(EF07ER04)  Exemplificar líderes
Lideranças religiosas religiosos que se destacaram por
suas contribuições à sociedade.
(EF07ER05)  Discutir estratégias
que promovam a convivência ética e
respeitosa entre as religiões.
(EF07ER06)  Identificar princípios
éticos em diferentes tradições religiosas
Princípios éticos e
e filosofias de vida, discutindo como
valores religiosos
podem influenciar condutas pessoais e
práticas sociais.
Crenças religiosas (EF07ER07) Identificar e discutir o papel
e filosofias de vida das lideranças religiosas e seculares na
defesa e promoção dos direitos humanos.
Liderança e direitos
(EF07ER08)  Reconhecer o direito à
humanos
liberdade de consciência, crença ou
convicção, questionando concepções e
práticas sociais que a violam.
Fonte: (BRASIL, BNCC ENSINO RELIGIOSO, 2018, p.454-455).

396 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Quadro 8 - grade de ensino religioso para 8º ano do ensino fundamental
(EF08ER01)  Discutir como as crenças
e convicções podem influenciar
Crenças, convicções e escolhas e atitudes pessoais e coletivas.
atitudes (EF08ER02)  Analisar filosofias de vida,
manifestações e tradições religiosas
destacando seus princípios éticos.
(EF08ER03)  Analisar doutrinas das
Doutrinas religiosas diferentes tradições religiosas e suas
concepções de mundo, vida e morte.
(EF08ER04) Discutir como filosofias de vida,
Crenças religiosas tradições e instituições religiosas podem
e filosofias de influenciar diferentes campos da esfera
vida pública (política, saúde, educação, economia).
(EF08ER05) Debater sobre as possibilidades
Crenças, filosofias de
e os limites da interferência das
vida e esfera pública
tradições religiosas na esfera pública.
(EF08ER06)  Analisar práticas, projetos e
políticas públicas que contribuem para a
promoção da liberdade de pensamento,
crenças e convicções.
(EF08ER07)  Analisar as formas de uso
Tradições religiosas,
das mídias e tecnologias pelas diferentes
mídias e tecnologias
denominações religiosas.
Fonte: (BRASIL, BNCC ENSINO RELIGIOSO, 2018, p.456-457).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 397


Quadro 9 - Grade de ensino religioso para 9º ano do ensino fundamental:
(EF09ER01) Analisar princípios e orientações
para o cuidado da vida e nas diversas tradições
religiosas e filosofias de vida.
Crenças religiosas Imanência e
(EF09ER02) Discutir as diferentes expressões de
e filosofias de vida transcendência
valorização e de desrespeito à vida, por meio da
análise de matérias nas diferentes mídias.

(EF09ER03) Identificar sentidos do viver e do


morrer em diferentes tradições religiosas, através
do estudo de mitos fundantes.
(EF09ER04) Identificar concepções de vida e
morte em diferentes tradições religiosas e filosofias
de vida, por meio da análise de diferentes ritos
Vida e morte
fúnebres.
(EF09ER05) Analisar as diferentes ideias de
imortalidade elaboradas pelas tradições religiosas
(ancestralidade, reencarnação, transmigração e
ressurreição).

(EF09ER06) Reconhecer a coexistência como


uma atitude ética de respeito à vida e à dignidade
humana.
(EF09ER07) Identificar princípios éticos
Princípios e
(familiares, religiosos e culturais) que possam
valores éticos
alicerçar a construção de projetos de vida.
(EF09ER08) Construir projetos de vida assentados
em princípios e valores éticos.

Fonte: (BRASIL, BNCC ENSINO RELIGIOSO, 2018, p.458-459).

Como é possível perceber o que marca as propostas para os anos


finais do Ensino Fundamental é a continuidade em construir uma
perspectiva multicultural e de respeito em relação às diferentes religiões.
Para o 6º ano, o professor responsável pela disciplina deve abordar a
diversidade cultural, promover um olhar sobre a alteridade religiosa e
reverter posturas etnocêntricas através do estudo dos diversos textos,
ritos e mitos das mais variadas tradições religiosas, revelando uma grande
proximidade com uma abordagem antropológica do fenômeno religioso.
Para o 7º ano, o documento propõe abordar como as místicas religiosas
se configuram como norteadora das ações cotidianas e das práticas sociais
de cada indivíduo, revelando a importância da religião enquanto uma

398 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


instituição social, além disso, leva o aluno a refletir sobre a importância dos
líderes religiosos como promotores dos direitos humanos, da liberdade e
respeito as diferentes crenças religiosas.
Nas propostas para o 8 º e 9º, vemos a continuidade dessa perspectiva
de tratar a religião como um fenômeno social que podem influenciar
atitudes pessoais e escolhas coletivas, constituindo-se como base para a
construção de projetos de vida e projetos políticos dentro da sociedade.
Ou seja, deixar claro para os alunos as influências que os diferentes campos
religiosos podem exercer sobre a esfera pública (política, saúde, educação,
economia), como o fenômeno religioso é perpassado por interesses
econômicos e políticos. Vemos claramente nesses dois anos, uma tentativa
de trazer aos alunos conceitos básicos da Ciência Política e Filosofia,
através da discussão da religiosidade. Assim, é necessário discutir noções
como direitos, esfera pública, esfera privada, participação política, Estado,
Governo, ética, vida, morte e felicidade; para assim dar conta da concepção
construída para a disciplina de Ensino Religioso.
Ao analisar a Base Nacional Comum para o Ensino Religioso
(2018), vê-se que a proposta é organizada de tal maneira que os conteúdos
selecionados e a própria justificativa para implantação da disciplina se
embasam nos princípios que norteiam as Ciências Sociais, fato que talvez
justifique o profissional dessa área ser um dos habilitados para lecionar tal
disciplina.
Nesse sentido, é interessante apresentar de que maneira está se
organizando a implementação da disciplina de Ensino Religioso no
Estado do Paraná, se a proposta curricular está próxima de um modelo
confessional ou de um modelo mais laico para o ensino, e, sobretudo, quais
os profissionais que a ministram hoje, buscando abarcar nossa preocupação
inicial que é perceber os espaços de atuação do cientista social no Ensino
Fundamental e, sobretudo, dos saberes dessas ciências na formação dos
adolescentes.
Para orientar a atuação dos professores em sala de aula o Paraná
publicou em 2018 O Referencial Curricular do Paraná: Princípios, Direitos
e Orientações documento que começa a ser discutido e conhecido pelo

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 399


corpo docente do estado somente em 2019 e a partir do ano de 2020 é
divulgado entre os professores do estado o chamado CREPE ( Currículo
da Rede Estadual Paranaense) para o Ensino Fundamental Anos Iniciais
e Anos Finais, orientação curricular elaborada como síntese do primeiro
documento e que busca dar conta das mudanças propostas pela nova
BNCC .

O ENSINO RELIGIOSO NO PARANÁ

A seguir será apresentado o documento que atualmente deve


orientar a prática dos professores do estado do Paraná em sala de aula,
o Referencial Curricular do Paraná: Princípios, Direitos e Orientações
(2018), documento que apresenta uma significativa semelhança em ralação
ao conteúdo apresentado na BNCC (2018), podemos dizer que há pouco
espaço para regionalidades e especificidades da realidade escolar do Estado,
estando em grande parte reproduzindo o que é colocado em esfera federal.
Para as propostas destinadas ao 1º, 2º e 3º a referência do Paraná
amplia as unidades temáticas, objetos de conhecimento e objetivos de
aprendizagem em relação ao que é proposto na BNCC (2018). Temos uma
preocupação nas unidades temáticas de considerar as quatro matrizes de
formação da identidade cultural do estado são elas: Indígena, Ocidental,
Africana e Oriental. No que se refere aos objetos de conhecimento
temos acrescentado os seguintes temas: Lugares Sagrados, Organizações
Religiosas, Símbolos Religiosos, Festas Religiosas, Rituais e Linguagens
Sagradas; juntamente com essa ampliação dos objetos de conhecimentos os
objetivos de aprendizagem são ampliados no sentido de discutir cada um
desses temas na perspectiva da diversidade cultural e estranhamento do
cotidiano religioso de cada aluno, para com isso construir uma postura de
respeito e convivência comunitária.
Nas propostas destinadas ao 4º e 5º ano não vemos grandes
diferenças em relação ao documento da BNCC (2018), conservando as
unidades temáticas, objetos de conhecimento e objetivos de aprendizagem.
O grande diferencial é novamente a preocupação em considerar, as quatro

400 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


matrizes de formação da identidade cultural do estado e a manutenção dos
novos temas nos objetos de conhecimento: Festas Religiosas, Organizações
Religiosas e Linguagens Sagradas. De um modo geral é possível notar que
para os primeiros anos do Ensino Fundamental o documento do Estado
do Paraná reproduz em grande parte e sem significativas alterações o que
está sendo proposto no documento federal, preservando a estrutura e
sequenciamento da base nacional.
Na proposta destinada ao 6º ano, o documento do estado reproduz
em grande parte o que é colocado no documento federal, acrescentando
o aspecto das quatro matrizes de identidade do estado e novos objetos
de conhecimento: Alimentos Sagrados e Lugares, Espaços e territórios
religiosos; todos tendo como referencial maior a construção de uma visão
baseada na diversidade cultural e construção do respeito a alteridade
religiosa. Para o 7º ano, vemos a reprodução integral do documento federal
acrescentando apenas a preocupação com as matrizes de identidade do
estado e a introdução, nos objetivos de aprendizagem, dos aspectos legais
relacionados a liberdade de crença e direitos humanos.
Por último, temos as propostas destinadas para o 8º e 9º e novamente
é possível perceber a fidelização do documento estadual com o documento
federal, não existindo grandes alterações. A preocupação com as quatro
matrizes identidade é preservada, buscasse dar destaque as festas e
manifestações religiosas regionais, ressaltar a questão da temporalidade
religiosa e seus diversos calendários e por último discutir de maneira mais
aprofundada as religiões ligadas a imanência e transcendência.
Com o objetivo de padronizar operacionalizar a ação docente e os
conteúdos que são trabalhados em sala de aula o Estado do Paraná apresenta
aos professores o chamado CREP (Currículo da Rede Estadual do Paraná,
2020), que busca supostamente considerar principalmente as especificidades
da rede estadual paranaense, abrindo espaço para que as características de
regionalidades sejam inseridas e pensadas por cada realidade escolar. Na
prática, vemos um documento que engessa a elaboração do PTD (Plano de
Trabalho Docente) e faz com que o professor perca a autonomia em decidir
a ordem dos conteúdos ou mesmo a introdução de novos temas de acordo

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 401


com as necessidades dos alunos e o contexto de sala de aula.
No que se refere a disciplina de Ensino Religioso no estado do Paraná
temos o CREP destinado aos Anos Iniciais, em sua versão preliminar, com
uma proposta curricular que vai do 1° ao 5°, já o CREP destinado aos anos
finais do fundamental apresenta uma proposta que contempla apenas os 6°
e 7° do fundamental não seguindo as orientações da nova BNCC que inclui
a disciplina em todos os anos dessa etapa da escolarização. O presente
artigo pretende analisar as propostas destinadas aos 6° e 7°, visto que o
CREP de Ensino Religioso para os Anos Iniciais ainda está sendo elaborado
e reelaborado.
Na apresentação do documento é possível perceber um esforço em
estabelecer uma identidade para a disciplina de Ensino Religioso como
sendo “em seu formato escolar, tem como objeto de estudo o conhecimento
sobre o fenômeno religioso (sagrado). Espera-se que os (as) educandos
(as) desenvolvam a compreensão da diversidade cultural e religiosa a
partir de pressupostos éticos e científicos” (PARANÁ,2021, p.6), sendo
papel do professor partir da realidade dos alunos para a problematização
e desconstrução de posturas de preconceito e discriminação, pressupostos
muito semelhantes ao que conhecimento das Ciências Sociais e a disciplina
escola de Sociologia almeja.
O fenômeno religioso é abordado em seus aspectos políticos,
históricos e econômicos e culturais através de uma análise científica e ética
que se afasta de um ensino confessional, como é ressaltado de forma clara
no trecho a seguir:

Ainda que não haja uma neutralidade absoluta por parte dos (as)
professores (as), pois também estão inseridos no universo cultural religioso,
é fundamental ter em evidência que o Ensino Religioso não é um espaço
de ensino confessional de tal forma que deve ser tratado conforme sua
natureza escolar, como área de conhecimento (PARANÁ, 2021, p.7).

Justamente por isso é reforçado no documento a necessidade da


formação específica do professor da disciplina em Ciências Humanas
que investigam o fenômeno sagrado em seu caráter científico, para que

402 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


posturas mais cidadãs e de respeito a alteridade e a diversidade religiosa
sejam desenvolvidas.
No que se referem aos conteúdos propostos na organização
curricular para os 6° e 7º anos vemos a reprodução do que já foi apresentado
na discussão sobre a BNCC (2018) e o Referencial Curricular do Paraná:
Princípios, Direitos e Orientações (2018). O diferencial do CREP (2021)
é a busca por desenvolver uma aproximação do professor com a proposta
pedagógica que norteou a elaboração desses documentos oficiais que é a
chamada Pedagogia das Competências e Habilidades, correlacionando as
habilidades especificas do Ensino Religioso com as competências gerais
que a BNCC busca desenvolver.
Assim, o professor em seu PTD deve organizar a sua prática a partir
da estrutura: Unidade temática, objetos de conhecimento, orientações de
conteúdos e objetivos de aprendizagem (habilidades). Como no exemplo
abaixo, retiro da proposta para o 6° ano:

Quadro 10 - Grade de ensino religioso para 6º ano do ensino fundamental


CREP:
Objetivos de
Objetos de Orientações de
Unidade temática aprendizagem Trimestre
conhecimento conteúdos
(habilidades)
PR.EF06ER.n.6.1
Textos Sagrados Identificar a
Escritos. Tradição diversidade de
Crenças Religiosas
oral e ancestralidade. textos sagrados,
e Filosofias de Vida Tradição escrita:
Contação de como livros,
(contemplando as registro dos
História. Arte pinturas, imagens,
Quatro Matrizes: ensinamentos 1°
sagrada. Os Símbolos vitrais, esculturas,
Indígena, sagrados nos TRIMESTRE
comunicam. quadros, construções
Ocidental, textos orais e
Mandalas nas arquitetônicas, ou
Africana e escritos.
diversas religiões. seja, diversas formas
Oriental)
Princípios éticos nos de linguagens orais
textos sagrados. e escritas, verbais e
não verbais.
Fonte: PARANÁ, CREP, ENSINO RELIGIOSO, 2021, p.16.

O documento representa principalmente uma orientação para a


transposição das chamadas competências e habilidades em conteúdos

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 403


da ciência de referência. Se por um lado tal esforço pretende facilitar a
prática docente, representa também um engessamento da ordem e seleção
dos conteúdos propostos, realidade que se aplica as demais disciplinas do
Ensino Fundamental e não apenas para o Ensino Religioso.
De um modo geral é possível perceber que o CREP mantém a o
tom proposto pela BNCC (2018) ao tomar o sagrado e suas manifestações
com o objetivo de estudar e problematizar as diferentes questões que os
envolvem, abrindo uma possibilidade para os licenciados em humanidades,
principalmente os cientistas sociais, em fazer com que os alunos possam
compreender e respeitar a diversidade religiosa e, desse modo, construir
uma atitude de cidadãos que colaborem para a superação das desigualdades
étnico-religiosas. Para que isso seja possível, os conteúdos estruturantes
das Ciências Sociais são essenciais processo de desconstrução e de
desnaturalização sobre o fenômeno religioso e as diferentes religiões

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os documentos estaduais que estão norteando as práticas


educacionais na atualidade, se caracterizam de modo geral, por uma
significativa limitação da a autonomia do professor em sala de aula.
Além disso, é possível notar como reproduzem de maneira acrítica as
mudanças propostas pela BNCC (2018), sendo possível atribuir a eles as
mesmas críticas atribuídas a Pedagogia das Competências e Habilidades,
de transformar o conhecimento científico em um mero instrumento
desconsiderando sua historicidade o que leva a uma formação superficial
e generalista que não habilita a criança e o jovem a ter uma autonomia de
leitura da realidade social, capaz de questionar as estruturas vigentes.
Embora caiba parte dessas ressalvas ao que é proposto para a
disciplina de Ensino Religioso, visto que a sua própria presença no
currículo seja fruto de uma onda conversadora, é importante ressaltar
como ela se caracteriza como um campo de possibilidades em aberto pois
permite uma brecha para a presença da sociologia e o desenvolvimento da
imaginação sociológica, no sentido proposto por Mills (1982), já desde o
Ensino Fundamental.

404 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


O conhecimento das Ciências Sociais seria um dos caminhos
possíveis para cumprir a proposta para o Ensino Religioso no Paraná,
contribuindo, desde os Anos Iniciais do Ensino Fundamental para a
formação de pontos de vista menos etnocêntricos entre os adolescentes,
aproveitando a presença, bastante significativa, de professores formados
em Ciências Sociais atuando nessa etapa de escolarização.
Faz necessário desenvolver pesquisas que olhem para esse campo
de atuação dos profissionais das Ciências Sociais, sendo importante por
meio de entrevistas com os professores que atuam na disciplina de Ensino
Religioso, levantar como essas práticas têm sido desenvolvidas, quais os
materiais didáticos adotados e quais as principais dificuldades/desafios
enfrentados por eles em sala de aula, para com isso, elaborar políticas de
formação continuada e introduzir por meio da temática religiosidade os
conceitos bases da Ciências Sociais.

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Acesso 15 out 2013

SILVA, Ileizi Luciana Fiorelli. Fundamentos e metodologias do ensino de

406 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Sociologia na Educação Básica. In: HANDFAS, Anita; OLIVEIRA Luiz Fernandes
de; RIBEIRO, Adélia Maria M. (orga.). A Sociologia vai à escola: história, ensino e
docência. Rio de Janeiro, Quartet: FAPERJ, 2009.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 407


REFLETINDO SOBRE A HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA
E AFRO-BRASILEIRA A PARTIR DO LIVRO DIDÁTICO DE
SOCIOLOGIA (PNLD 2018)

Tamara Vieira1

INTRODUÇÃO2

A organização de um sistema escolar em um Estado reflete dado


contexto sócio histórico, além de expectativas frente aos estudantes
inseridos no processo de escolarização. Sendo assim, nos é permitido
localizar em um mesmo contexto intervenções sobre a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) como a Lei nº 10.639/2003,
ao indicar a obrigatoriedade dos conteúdos de história e cultura africana
e afro-brasileira. Esta lei foi revogada em virtude da ausência referente à
questão indígena, assim a Lei nº 11.645/2008 acrescenta a obrigatoriedade
do ensino da história e da cultura indígena.
Dentre outras modificações em curso neste período, citamos a
obrigatoriedade do ensino de Sociologia e de Filosofia a partir da Lei nº
11.684/2008, ao incluir o inciso IV no Artigo 36 da LDB (Lei nº 9.394/1996),
o que nos permite delimitar nosso interesse nas páginas a seguir, assim, nos
deteremos sobre as possibilidades de inserção por parte da disciplina de
Sociologia dos conteúdos de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira,
bem como de sua problematização nas páginas dos livros didáticos da
disciplina, a partir de uma amostra de um livro selecionado para o triênio
2018, 2019 e 2020.

1
Mestra em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais/UEL, com
licenciatura plena em Ciências Sociais/UEL, atualmente está como professora da rede pública do
Núcleo Regional de Londrina/PR. Contato: tamaravieira87@gmail.com
2
Este texto constitui um recorte e adaptação de minha dissertação de Mestrado em Ciências Sociais,
defendida em 2020, sob o título: VIEIRA, Tamara. Livros didáticos de Sociologia do PNLD/2018:
como são problematizadas a história e a cultura africana e afro-brasileira? Dissertação (Mestrado em
Ciências Sociais). Universidade Estadual de Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2020.

408 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Devemos informar que a pesquisa desenvolvida foi de cunho
bibliográfica, onde, os documentos selecionados foram analisados a partir
da ótica da análise de conteúdo, assim, o corpus documental foi delimitado
por meio da constituição do problema de pesquisa: Como os conteúdos
de história e cultura africana e afro-brasileira estão sendo inseridos na
disciplina de Sociologia, a partir dos livros didáticos distribuídos pelo
Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) para o triênio
2018, 2019 e 2020?
Assim, para o desenvolvimento da análise de conteúdo os
procedimentos foram desenvolvidos em etapas, na pré-análise, que
compreende a fase de organização por meio da seleção dos documentos
a serem analisados, ou seja, a formação do corpus documental entendido
como “conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos
aos procedimentos analíticos” (BARDIN, 2004, p. 90).
Tendo ciência da amplitude de materiais que abarcam o conceito
documentos, reiteramos que os documentos utilizados são produções
textuais que compreendem duas naturezas: normatizações e livro
didático. Partindo das orientações de Cellard (2008), para a seleção e
desenvolvimento da análise documental aplicadas à etapa da pré-análise,
observamos o contexto de produção dos materiais analisados, os autores
envolvidos em sua produção, bem como sua autenticidade, confiabilidade
do texto e sua natureza, já que tanto os livros didáticos quanto as normas
referentes ao ensino dos conteúdos de história e cultura africana e afro-
brasileira, são distintos no que diz respeito aos seus objetivos e ao seu papel
frente à educação.
Na sequência, temos a exploração do material, que segundo
Bardin (2004), constitui uma fase “longa e fastidiosa”, ou seja, “consiste
essencialmente de operações de codificação, desconto ou enumeração,
em função de regras previamente formuladas” (BARDIN, 2004, p. 95). No
que diz respeito às normatizações legais, observamos as orientações em
relação a inserção dos conteúdos de história e cultura afro-brasileira por
parte da disciplina de Sociologia, o que levou a elaboração de categorias de
análise que auxiliaram na organização das informações presentes nos livros
didáticos, bem como no desenvolvimento da análise dos dados obtidos.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 409


No que tange ao livro didático, devemos informar que não nos
detemos sobre seu todo, já que nosso objeto de análise se restringe à
obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira.
Para tanto, recorremos à seleção dos trechos, recorremos às palavras como
unidade de registro, estas são denominadas por Bardin (2004) de palavras
plenas, por constituírem palavras portadoras de sentido, neste caso, o
sentido atribuído a elas permitiu que identifiquemos onde e como estão
sendo inseridos os conteúdos referentes a história e cultura africana e afro-
brasileira. Foram identificadas as seguintes unidades de registro: negro/a,
preto/a, pardo/a, branco/a, cor da pele, afrodescendente, africano/a,
racismo, discriminação e preconceito racial, étnico-racial, teorias sociais
racistas, escravos/escravidão. E ainda devemos informar que a unidade de
contexto com a qual trabalhamos foram as orações.
Neste sentido, ao entender que a educação, ao mesmo tempo em
que expressa uma perspectiva sobre o processo de ensino aprendizagem,
está inserida em dado contexto sócio histórico que interfere e modifica
as políticas públicas educacionais devemos tecer considerações sobre
modificações no que tange a disciplina de Sociologia a partir da Reforma
do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017) e ao estabelecimento da Base
Nacional Comum Curricular – BNCC (2018). O que trará mudanças no
currículo da Educação Básica, e no caso do nosso problema de pesquisa,
atingindo a obrigatoriedade da Sociologia enquanto disciplina (ou
componente curricular), pois de acordo com a Reforma, a Sociologia passa
a ser denominada de práticas e estudos, juntamente com Sociologia, Arte
e Educação Física, neste sentido perde seu status de disciplina escolar,
consequentemente, de componente curricular, o que pode dar margem a
interpretações. Deste modo, devemos aguardar e observar como os Estados
construíram o Novo Ensino Médio, no tocante a formação geral básica e no
estabelecimento dos itinerários formativos, neste caso de Linguagens e suas
tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
Já ao que diz respeito aos conteúdos, em especial, os da parte
diversificada, de acordo com a Reforma (BRASIL, Lei nº 13.415/2017) os
mesmos serão orientados pela Base Nacional Comum Curricular (2018),
deste modo, sobre os conteúdos de história e cultura africana, afro-brasileira

410 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


e indígena na BNCC se restringem aos estudos literários (Linguagens e
suas tecnologias) e em Ciências Humanas, observamos sua inserção na
competência 6, assim, perdendo sua extensão em todas as disciplinas do
currículo (ou áreas do conhecimento).
Deste modo, entendemos que nossa pesquisa se encontra limitada
pelo contexto histórico e social, o que não inviabiliza nosso intento nas
linhas a seguir, por outro lado, nos mostra que a constituição de um sistema
educacional no âmbito nacional é algo que está em constante movimento.

MAPEANDO OS CONTEÚDOS REFERENTES À


OBRIGATORIEDADE DO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA
AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA

Se nos voltarmos ao passado e observamos a trajetória dos conteúdos


de história e cultura africana e afro-brasileira, poderemos observar que na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei nº 9.394/1996)
afirmava que os currículos;

[...] devem ter base nacional comum, a ser complementada [...] por uma
parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da
sociedade, da cultura, da economia e dos educandos [dentro da gama de
conteúdos de base comum constam] o estudo da história e cultura afro-
brasileira e indígena. (BRASIL, Lei nº 9.394/1996).

Podemos observar a partir da citação que já constava a necessidade


de inserção dos conteúdos, não se referindo ao desenvolvimento de uma
disciplina escolar nova, ou que estes conteúdos devam se restringir às
disciplinas de Educação Artística, Literatura ou História, mas que os
mesmos devem fazer parte de todas as disciplinas que compõem o currículo
da Educação Básica.
Mediante a alteração na LDB (Lei nº 9.394/1996), pela Lei nº
10.639/2003 ocorre à elaboração e instituição das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Resolução nº 01/2004), tendo

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 411


parecer favorável do Conselho Nacional de Educação (Parecer nº 003/2004),
pois tais conteúdos propunham a reeducação sobre as relações étnico-
raciais brasileiras mediante a “divulgação e produção de conhecimentos, a
formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos
de seu pertencimento étnico-racial” (BRASIL, Parecer nº 003/2004, p. 2).
O Parecer CNE/CP nº 003/2004 indicava que o ensino de história e
cultura africana e afro-brasileira seja norteado pelos seguintes princípios:
consciência política e histórica da diversidade; fortalecimento de identidades
e de direitos e ações educativas de combate ao racismo e a discriminações
(BRASIL, Parecer nº 003/2004). A partir desses pressupostos podemos
observar as seguintes temáticas: Educação das Relações Étnico-Raciais;
História da África; História Brasileira - O Negro na Formação da Sociedade
Brasileira e Cultura Africana e Afro-Brasileira, o que pode ser observado
no Quadro 01.

Quadro 1. Temas elencados a partir do Parecer nº 003/2004


TEMAS CONTEÚDOS PROPOSTOS
Educação das relações construção histórica e social dos conceitos de raça e etnia e da
étnico-raciais expressão étnico-racial; educação das relações étnico-raciais.
iniciativas e organizações negras, incluindo a história dos
quilombos, a começar pelo de Palmares, e de remanescentes
História Afro-
de quilombos; datas significativas para cada região e localidade
Brasileira
serão consideradas, em especial 13 de maio, 20 de novembro e
21 de março.
deve ser articulada com a história dos afrodescendentes no Brasil;
ao papel dos anciãos e dos griots como guardiões da memória
História Africana histórica; núbios e egípcios, como civilizações que contribuíram
decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; lutas
pela independência política dos países africanos.
Promover diálogo entre diferentes sistemas simbólicos e
estruturas conceituais; construções e pensamentos produzidos
em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro;
Cultura Afro-Brasileira
destacará o jeito próprio de ser, viver e pensar manifestado
tanto no dia a dia, quanto em celebrações como congadas,
moçambiques, ensaios, maracatus, rodas de samba, entre outras.
as contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais;
as universidades africanas Tambkotu, Gao, Djene que floresciam
Cultura Africana no século XVI; as tecnologias de agricultura, de beneficiamento
de cultivos, de mineração e de edificações trazidas pelos
escravizados, bem como a produção científica, artística.
Fonte: Produzido pela autora, em 2018 a partir do Parecer nº 003/2004.

412 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


O levantamento destes temas contribui de forma significativa na
leitura e na identificação dos conteúdos referentes à história e cultura
africana e afro-brasileira e educação das relações étnico-raciais, a serem
observadas nos livros didáticos, neste caso, de Sociologia aprovados pelo
Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) 20183.
Além da identificação destes conteúdos, devemos frisar que as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
(BRASIL, Resolução nº 01/2004) ao abordar os objetivos da Educação das
Relações étnico-raciais e do Ensino de História e Cultura Africana e Afro-
Brasileira, pontuam que os mesmos não constituem em responsabilidade
apenas das escolas, mas do sistema de ensino e da sociedade, por isso, a
participação de:

Art. 5º [...] grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros, instituições


formadoras de professores, núcleos de estudos e pesquisas, como os Núcleos
de Estudos Afro-Brasileiros, com a finalidade de buscar subsídios e trocar
experiências para planos institucionais, planos pedagógicos e projetos de
ensino. (BRASIL, Resolução nº 01/2004, p. 20).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações


Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana marcam a importância da participação de agentes externos, ao
contribuírem com informações aos docentes, já que estes devem lidar
não com um único saber, mas com saberes diversos que são produzidos
e transmitidos de múltiplas formas. Por isso, devem ser considerados e
3
Faremos uso do termo PNLD 2018, entretanto, devemos observar que o Edital para inscrição, escolha
e seleção das obras por parte dos professores e professoras foi lançado em dezembro de 2015, e o ano
2018 se refere ao período de início de uso dos livros que ocorrerá no triênio de 2018, 2019 e 2020.
Observamos ainda que a partir do Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017, ocorreu a unificação
das ações de aquisição e distribuição de livros didáticos e literários, anteriormente contempladas pelo
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).
Com nova nomenclatura, o Programa Nacional do Livro e do Material Didático – PNLD também teve
seu escopo ampliado com a possibilidade de inclusão de outros materiais de apoio à prática educativa
para além das obras didáticas e literárias: obras pedagógicas, softwares e jogos educacionais, materiais
de reforço e correção de fluxo, materiais de formação e materiais destinados à gestão escolar, entre
outros. PNLD. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12391:pnld .
Acesso em: 17 jun. 2019.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 413


respeitados enquanto conhecimento (QUIJANO, 2005). Lembrando que a
inserção dos conteúdos curriculares referentes à história e à cultura africana
e afro-brasileira visa à desconstrução de preconceitos, tanto na seleção de
conteúdos, quanto em sua realização em sala de aula, na interação estudante
e professor e daquele com os colegas de sala. Pois, não podemos perder de
vista que,

embora as conquistas no plano legal tenham coibido manifestações de


racismo, no plano real elas são insuficientes para criar as condições de
possibilidade de acesso dos negros à riqueza produzida socialmente.
Instrumentalizar a sociedade e a escola para enfrentamento da questão
racial é medida urgente e necessária [...]. (XAVIER; DORNELLES, 2009,
p. 578).

Deste modo, devemos “interrogar as práticas escolares e ampliar


nossa capacidade de pensar o papel da educação” (XAVIER; DORNELLES,
2009, p. 584), o que se propõe a realizar a partir da identificação de como
os conteúdos exigidos pela Lei nº 10.639/2003 estão sendo abordados nos
livros didáticos de Sociologia, aprovados pelo Edital do PNLD 2018.
Os conteúdos dos livros didáticos a serem analisados nos permitem
elencar os conteúdos nos seguintes eixos: Cultura, Sociedade, Poder e
Cidadania, e identificar os seguintes temas: Família; Trabalho; Culturas
e Identidades sociais e culturais; Religião; Cidadania, Política e Estado;
Movimentos sociais; Educação e Escola; Juventude; Globalização;
Desigualdades sociais; Etnicidade e Multiculturalismo; Gênero e
Sexualidades Meio Ambiente. De acordo com as Orientações Curriculares
Nacionais de Sociologia – OCNs (2006) podem ser abordados segundo os
mesmos pressupostos metodológicos por meio de três recortes: conceitual,
temático e teórico, os quais devem ser:

tomados como mutuamente referentes, isto é, rigorosamente seria impossível


trabalhar com um recorte sem se referir aos outros. O que é possível fazer
é tomar um deles como “centro” e os outros como referenciais (Silva, 1986)
[...] Entende-se também que esses recortes se referem às três dimensões

414 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


necessárias a que deve atender o ensino de Sociologia: uma explicativa ou
compreensiva — teorias; uma linguística ou discursiva — conceitos; e uma
empírica ou concreta — temas. (BRASIL, OCNs/2006, p. 117).

E ainda, a proposta de organização de conteúdos da disciplina deve


considerar a interdisciplinaridade, principalmente entre as três áreas do
conhecimento que compõem as Ciências Sociais: Antropologia, Ciência
Política e Sociologia, norteados pela desnaturalização e estranhamento. Ou
seja, os processos de reflexão frente à sua prática por parte do professor e da
professora, no que diz respeito aos conteúdos de história e cultura africana
e afro-brasileira, nos remetem aos princípios epistemológicos que orientam
o processo de ensino e aprendizagem da Sociologia enquanto disciplina
escolar, quais sejam, a desnaturalização e o estranhamento. O primeiro
destes papéis se contrapõe à naturalização de construções sociais, pois;

Perde-se de vista a historicidade desses fenômenos, isto é, que nem sempre


foram assim; segundo, que certas mudanças ou continuidades históricas
decorrem de decisões, e essas, de interesses, ou seja, de razões objetivas e
humanas, não sendo fruto de tendências naturais. (BRASIL, OCNs/2006,
p. 106).

Após desnaturalizar os fenômenos, a proposta das Orientações


Curriculares Nacionais (2006) é de que os estudantes passem para uma
segunda forma de análise, ou seja, o estranhamento, no qual devemos
observar;

[...] que os fenômenos sociais que rodeiam a todos e dos quais se participa
não são de imediato conhecidos, pois aparecem como ordinários, triviais,
corriqueiros, normais, sem necessidade de explicação, aos quais se está
acostumado, e que na verdade nem são vivos. (BRASIL, OCNs/2006, p.
106).

Tais perspectivas podem ser colocadas em prática a partir da


escolha de um processo de mediação pedagógica, onde os saberes das

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 415


Ciências Sociais, reunidos na disciplina Sociologia, serão comunicados
aos estudantes, o que permite o uso de recursos e estratégias didáticas que
visam contribuir com o processo de ensino e aprendizagem. Deste modo,
frisamos, que apesar de nosso interesse sobre o livro didático, o mesmo não
deve ser tomado como único recurso.
Sendo assim, podemos dizer que os conteúdos tornados obrigatórios
visam incorporar a justa participação dos povos indígenas, africanos e
afro-brasileiros na “formação da população brasileira” (BRASIL, Lei nº.
11.684/2008), “resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica
e política, pertinentes à história do Brasil” (BRASIL, Lei nº. 11.684/2008),
propondo uma perspectiva de educação antirracista e rompendo com a
percepção eurocêntrica do conhecimento. Para que assim, os estudantes
não percebam apenas as contribuições de africanos enquanto mão de
obra compulsória, mas estes enquanto humanos que transitam entre as
condições de vítimas e/ou agressores em um processo orientado ora pela
violência da colonização e ora com a violência do racismo. Pois, a inserção
dos conteúdos curriculares referentes à história e à cultura africana e afro-
brasileira visa à desconstrução de preconceitos presentes no contexto
escolar e social mais amplo.
Nos voltando ao Edital do Programa Nacional do Livro Didático,
que será identificado ao longo deste texto como PNLD 2018, foi publicado
em dezembro de 2015 (Edital de Convocação nº 04/2015). O mesmo é
identificado com o ano de referência de 2018, por ser o início do triênio do
uso do livro didático destinado ao Ensino Médio.
Devemos informar ainda que o Programa em 2017 sofreu alterações
a partir do Decreto nº 9.099/20174, dentre os quais se torna Programa
Nacional do Livro e do Material Didático, mantendo as mesmas siglas.
Como o edital e os livros analisados aqui não foram tocados pelo Decreto,
manteremos a menção ao PNLD na condição de Programa Nacional do
Livro Didático. Mesmo assim, devemos contextualizar tal mudança na
conjuntura política após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, pois
4
Para maiores informações verificar: OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de; CAIMI, Flávia Eloisa.
PNLD: memórias, tensões e desafios. Revista História Hoje, v. 7, n. 14, dez. 2018. p. 5-20. CAIMI, Flávia
Eloisa. Sob nova direção: o PNLD e seus desafios frente aos contextos político-educativos emergentes.
Revista História Hoje, v. 7, nº. 14, p. 21-40, dez. 2018.

416 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


terão efeitos significativos no desenvolvimento de avaliação e distribuição
dos livros para a Educação Básica. Neste sentido, devemos informar que os
dados que seguem correspondem a normatização estabelecida Decreto nº
7.084/2010.
O Edital aponta critérios a serem observados e cumpridos pelas
Editoras ao submeter uma obra ao Edital, passando por duas etapas de
avaliação. Na pré-análise, são observados elementos da estrutura editorial e
especificações técnicas. Na avaliação pedagógica, realizada por professores
e professoras da área, selecionados a partir da inscrição no Sistema
Integrado de Monitoramento, Execução e Controle do MEC (Simec), na
categoria “livros”, a partir dos critérios apontados pelo Edital de inscrição e
seleção dos avaliadores.
Vejamos o que o Edital aponta como elementos a serem observados
no livro didático. Assim, se de um lado deve apresentar as informações
corretas e atualizadas, contribuindo com o trabalho docente, por outro lado,
deve contribuir com o processo de ensino-aprendizagem do/da estudante
junto ao desenvolvimento de suas habilidades, bem como a sua capacidade
reflexiva (BRASIL, Edital de Convocação 04/2015, p. 32).
Dentro de sua função de mediador do processo de ensino-
aprendizagem, o livro didático deve inserir temáticas que o auxiliem no
desenvolvimento de suas potencialidades, como abordar a sociedade
brasileira em suas páginas, onde, ciente da potência do processo de
escolarização no sentido da formação cidadã, compete ao material a
promoção positiva da imagem da mulher, abordar a temática de gênero
e o combate à homo e transfobia e toda forma de violência, bem como a
promoção da educação e cultura em direitos humanos, voltada ao respeito
e valorização da diversidade, promovendo de forma positiva a imagem de
afrodescendentes e dos povos do campo e inserindo a cultura e história
afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros a partir da visibilidade de
suas tradições, valores e conhecimentos, e consequentemente, abordar a
temática das relações étnico-raciais, do preconceito, da discriminação
racial e violências correlatas (BRASIL, Edital de Convocação 04/2015, p.
32).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 417


Para abordar todos estes temas, no Edital PNLD 2018 são indicadas
normatizações que devem ser observadas por autores, autoras e editoras.
Abaixo, frisamos apenas as alterações introduzidas na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996). Vejamos:

Lei nº 10.639/2003 – obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-


Brasileira”. Lei nº 11.645/2008 – obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Lei nº 11.684/2008 – inclui a Filosofia e
a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do Ensino Médio.
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, Resolução nº 2, de
30 de janeiro de 2012 e Parecer CNE/CEB nº 5/2011. Parecer CNE/CP nº
3, 10/03/2004 e Resolução CNE/CP nº 01 de 17/06/2004 – Aborda assunto
relativo às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. (BRASIL, Edital de Convocação nº 04/2015, p. 33).

No que diz respeito à avaliação pedagógica, nos detemos nas


informações apontadas pelo Guia de Livros Didáticos de Sociologia
(2018), onde em suas primeiras linhas somos informados que o processo
de avaliação dos livros didáticos constitui um processo que inicia com o
lançamento do Edital de Convocação nº 04/2015, onde são estabelecidos os
critérios de avaliação das obras, estabelecidos pela Coordenação Geral de
Materiais Didáticos (COGEAM/MEC).
No Edital de 2018 a instituição responsável pela avaliação
pedagógica das obras de Sociologia, foi a Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), sob responsabilidade do Prof. Dr. Michel
Nicolau Netto, compondo a comissão técnica a Profa. Dra. Anita Handfas
(UFRJ) e coordenação pedagógica o Prof. Dr. Sávio Machado Cavalcante
(UNICAMP).
Referente aos critérios avaliativos de Sociologia no PNLD 2018, os
mesmos foram orientados pelos seguintes princípios:

418 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


1. Assegurar a presença dos conteúdos das três áreas que compõem as
Ciências Sociais: Antropologia, Sociologia e Ciência Política. 2. Respeitar
o rigor teórico e conceitual. 3. Realizar a mediação didática. 4. Contribuir
para a apreensão do conhecimento sociológico pelo estudante. 5. Garantir
a autonomia do trabalho pedagógico do professor. (BRASIL, Guia do Livro
Didático, 2017, p. 8).

Estes princípios já constavam no Guia no PNLD 2015 e expressam,


a busca pela adequação dos saberes científicos das Ciências Sociais em
saberes escolares. Os mesmos foram retomados ou observados pela
avaliação pedagógica, ao serem inseridos no questionário de avaliação.
Somados a estes, há outros critérios. Estes foram apresentados no Edital,
quais sejam: se houve o cumprimento da legislação vigente (Critérios de
Legislação); se houve o uso correto das referências teóricas e conceituais
(Critérios Teóricos Conceituais).

ANÁLISE DE CONTEÚDO: SOCIOLOGIA (2016)

Observamos que mesmo com a independência política do Brasil


frente a Portugal, ainda somos orientados por um saber-poder que entende
o negro enquanto inferior e ao mesmo tempo, identificado como um risco
aos membros da sociedade. Por isso, a constituição de novas amarras para
a garantia de seu banimento social, o que se realiza a partir do racismo. E
para a superação desta perspectiva é necessária uma mudança frente ao
paradigma saber-poder, sendo identificada a educação como espaço de
engendramento da mudança, possível, por exemplo, pela obrigatoriedade
da Lei nº 10.639/2003, posteriormente modificada pela Lei nº 11.645/2008,
o que garantiu a obrigatoriedade dos conteúdos de História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígenas nos livros didáticos, bem como em todos os
conteúdos das disciplinas que compõem o currículo da Educação Básica.
E, para a realização desta normatização, cabe aos professores e
professoras e equipes pedagógicas, somarem ao acesso destes novos
conteúdos mudanças de postura frente a estes conhecimentos, bem como

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 419


aos sujeitos aos quais fazem referência, ao restituí-los a condição de
portadores de saberes. Neste sentido, entendemos que

[...] a legislação corrobora com a nossa hipótese de que a escola, munida de


um currículo descolonizado, que eduque para as relações étnico-raciais que
compõem a sociedade brasileira, ocupa uma posição privilegiada e inclusive
estratégica para a desconstrução do imaginário racista que permeia nossas
interações sociais [...]. (COSTA, 2017, p. 25).

Bem como o movimento de “revisar os currículos das licenciaturas


e o material didático distribuídos nas escolas parece ser fundamental”
(COSTA, 2017, p. 27) em consequência do entendimento da abrangência
do racismo enquanto violência que se encontra além das relações sociais, na
condição de racismo institucional. Assim, como apontado por Wellington
Narde Navarro da Costa (2017), entendemos a Lei nº 10.639/2003 enquanto
Ação Afirmativa frente a sua capacidade de mobilização e diante da grande
quantidade de sujeitos atingidos por ela, ao intervir no campo político-
pedagógica ao identificar e reconhecer a necessidade de rompimento com
a perspectiva eurocêntrica de saber e processo de aprendizagem.
Sendo assim, devemos nos voltar ao livro didático Sociologia
(MOTIM; BRIDI; ARAÚJO, 2016), sob autoria de Silvia Maria de Araújo,
Maria Aparecida Bridi e Benilde Lenzi Motim, apresenta os conteúdos
de História e Cultura Afro-Brasileira nos seguintes capítulos: 2. Viver em
sociedade: desafios e perspectivas, 4. O sentido do trabalho, 6. A cultura e
as suas raízes, 7. Sociedade e religião, e, 11. Juventude: uma investigação da
sociedade, distribuídos ao longo dos três anos do Ensino Médio5.
Podemos identificar quais os conteúdos são apresentados no livro
didático de Sociologia selecionado para análise, vejamos: (a) desigualdade
étnico-racial: inserção no mercado de trabalho e diferenças salariais;
diversidade étnica e multicultural e interseccionalidades; (b) trabalho:
escravidão, etapas de desenvolvimento do trabalho, trabalho assalariado; (c)
5
Para maiores informações no tocante ao desenvolvimento da metodologia ler: VIEIRA, Tamara. Livros
didáticos de Sociologia do PNLD/2018: como são problematizadas a história e a cultura africana e
afro-brasileira? Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Universidade Estadual de Londrina,
Centro de Letras e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2020.

420 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


racismo: discriminação e preconceito étnico-racial; racismo identificação
das cores pretos, pardos e brancos; teorias sociais racistas; democracia racial;
escravidão, raça. (d) violência urbana: intolerância religiosa às religiões de
matriz africana e homicídios de jovens negros. (e) relações étnico-raciais:
teorias sociais racistas; raça e etnia; democracia racial e etnocentrismo. (f)
cultura (expressões culturais): capoeira; sincretismo religioso e movimento
hip-hop.
O que permite observarmos que a inserção do africano em nossa
história ocorreu por meio do trabalho, na condição de escravo, o africano
contribuiu com a constituição de nossa sociedade e do nosso território.
Entretanto, a obra não problematiza essa condição de forma plena, no
que diz respeito ao que levou a escolha do trabalho escravo por parte dos
colonizadores, e ainda, na seleção de africanos para isso. O que pode ser
justificado pelo fato de ser uma temática do campo da história, entretanto,
tal desenvolvimento contribuiria no entendimento da escravidão enquanto
um sistema orientado em uma concepção própria de trabalho.
Como já apontado, anteriormente, o africano desponta na história
brasileira na condição de escravo. Neste sentido, o mesmo não tem uma
história ou cultura anterior. E na condição de escravo, são pontuadas
ações de resistência, por outro lado, na sua condição de escravo, não são
apresentadas suas contribuições, nem citado a extensão e importância de
suas atividades para a sociedade. Deste modo, sua apresentação se faz na
medida em que pontua o modo cruento da instituição do trabalho, este
marcado pelo acesso a direitos com sua abolição na forma compulsória.
No que diz respeito a desigualdade, observamos que o entendimento
dela se faz dento de um sistema de relações interdependentes. Deste modo,
ao nos restringir sobre a desigualdade étnico-racial, devemos fazê-lo
inserindo outros elementos como o sexo (gênero e orientação sexual), a
classe (renda) e o grau de instrução escolar, o que terá efeito, especificamente
no acesso ao mercado de trabalho e consequentemente orientará o valor do
salário a receber.
No caso da obra Sociologia (MOTIM; BRIDI; ARAÚJO, 2016), o
trabalhou levou a temática do racismo, entretanto, devemos frisar que as

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 421


autoras preferiram nomear tal violência enquanto “discriminação racial”,
expressa nos limites ao acesso ao mercado de trabalho, bem como na
diferença entre salários, o que se origina enquanto resultado do processo
abolição do trabalho escravo.
No livro didático (MOTIM; BRIDI; ARAÚJO, 2016), observamos a
escolha em não nomear o racismo, o mesmo foi abordado no campo de
mais uma desigualdade social, por outro lado, a escolha de usar o termo
“negro” enquanto substituto para “preto” o que descaracteriza a questão
política frente a origem da categoria e sua ressignificação do termo “negro”
por parte dos movimentos negros, bem como, pode gerar confusões no que
diz respeito as cores preto e pardo usadas para identificação por parte do
IBGE.
E sobre formas de combate ao racismo, o livro Sociologia (MOTIM;
BRIDI; ARAÚJO, 2016) fala em Políticas Afirmativas, situa a importância
da educação no combate, apesar de não problematizarem a temática.
No caso da violência urbana, a obra Sociologia (MOTIM; BRIDI;
ARAÚJO, 2016) nos chama a atenção as altas taxas de homicídios de
jovens negros ocorridos no Brasil, resultado da ausência de direitos como
educação, saúde e cultura, o que tem consequências na inserção no mercado
de trabalho, por outro lado, expressam a vontade destes jovens de ter acesso
a bens de consumo.
Ainda no campo da violência urbana, inserimos neste campo a
intolerância religiosa, em especial, a que atinge as religiões de matriz
africana. O que reflete no campo da cultura, pois nega elementos africanos.
No que diz respeito ao campo da cultura, foi identificado exemplos de
expressões cultuais na obra Sociologia (MOTIM; BRIDI; ARAÚJO, 2016),
e estes estão relacionados à resistência por parte de africanos e afro-
brasileiros, como a capoeira, hip-hop e sincretismo religioso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tivemos o intento de contribuir com as pesquisas e reflexões


sobre um projeto de educação antirracista e democrático. Assim,

422 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


buscamos identificar como os conteúdos de história e cultura africana e
afro-brasileira estão sendo inseridos na disciplina de Sociologia, bem
como vem sendo desenvolvida a educação das relações étnico-raciais na
Educação Básica. Esta observação foi restringida à leitura de um dos livros
didáticos, aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
para o triênio 2018, 2019 e 2020, sendo eles: Sociologia (MOTIM; BRIDI;
ARAÚJO, 2016), selecionado dentre 5 obras aprovadas, pois se tratou de
uma das obras mais compradas no PNLD.
Nos detendo sobre os resultados obtidos de acordo com os objetivos
específicos, seguidos da verificação do problema, observamos que o
livro analisado respeita as normatizações legais a partir da inserção de
conteúdos referentes a história e cultura afro-brasileira. Assim, no âmbito
da elaboração dos livros didáticos, há avanços a serem desenvolvidos no
que diz respeito à identificação dos saberes trazidos e produzidos pelos
africanos e afro-brasileiros, bem como o desenvolvimento da reeducação
as relações étnico-raciais por meio da desnaturalização da escravidão e
informação sobre as teorias raciais, estas, em especial, no que diz respeito
ao branqueamento da população a longo prazo, resultado da imigração
europeia, o que nos levaria ao debate sobre a democracia racial e nossa
dificuldade em reconhecer a existência do racismo em nossas relações
sociais.
Neste sentido, tais informações contribuiriam com a decomposição
da dinâmica desigual de poder estabelecida entre negros e brancos,
onde o segundo desaparece, assim, nos restringimos a questão do negro
no debate sobre as relações étnico-raciais, o que dificulta o processo de
reeducação das nossas relações étnico-raciais. Assim, devemos observar
que o avanço do conservadorismo atinge significativamente a identificação
e o reconhecimento de outros sujeitos portadores de saberes, em uma
tentativa de retomada da perspectiva etnocêntrica do saber estabelecido
pela colonialidade do saber. Corremos o risco de abandonar reflexões
frente ao processo de colonização, escravidão e ao processo de abolição
do trabalho escravo e suas consequências ainda hoje no que diz respeito
à situação de abandono da população negra por parte do Estado. São

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 423


situações que precisamos entender dentro de uma perspectiva do biopoder,
onde ao garantir a vida dos seus cidadãos o Estado faz a gestão da vida dos
mesmos.
Sendo assim, apesar da inserção dos conteúdos de história e cultura
africana e afro-brasileira por parte dos livros didáticos, de forma geral,
salientamos a fuga ou desconforto em lidar com o racismo e suas origens,
bem como com a dificuldade em nomear os não-brancos o que nos leva a
não problematização das relações étnico-raciais em prol de um educação
antirracista. Ao propor romper com a colonialidade do saber, assim, como
afirmado anteriormente, há muito ainda a ser feito para a inserção da
educação das relações étnico-raciais brasileiras no âmbito escolar, além
do movimento de retorno ao continente africano, o que contribuirá com
o entendimento do sistema escravista inserido no Brasil, e auxiliará no
rompimento da perspectiva eurocêntrica de saberes que limita ou mesmo
impede o reconhecimento e o movimento de fala dos afro-brasileiros no
espaço de saber que constitui a escola.
Frente a estas observações nos questionamos: como a Reforma do
Ensino Médio e a instauração do Novo Ensino Médio e o estabeleciemento
de uma Base Comum de conteúdos continuará avançando frente a inseção
dos conteúdos de história e cultura africana e afro-brasileira nas áreas do
conhecimento? E ainda, como as areas de conhecimento poderão trabalhar
de forma interdisciplinar para abordar a educação das relações étnico-raciais
em prol da superação de uma violência estrutural com a qual os estudantes,
brancos e negros, encontraram no mercado de trabalho, por exemplo?
E por fim, o protagonismo jovem no Novo Ensino Médio nos permitirá
refletir de forma profunda as relações étnico-raciais e reconhecermos as
formas em que o racismo se apresenta em nossa sociedade?

REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 3ª ed. Lisboa, Portugal: Edições, nº 70,


2004.

424 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


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de 10 de março de 2004. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
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e Africana. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/res012004.
pdf. Acesso em: 06 mar. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução


nº 01, de 17 de junho de 2004. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
res012004.pdf. Acesso em: 06 mar. 2019.

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art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas
obrigatórias nos currículos do ensino médio. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11684.htm. Acesso em: 06 mar. 2019.

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BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Base Nacional Comum Curricular


- Ensino Médio. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-
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mar. 2019.

BRASIL. Decreto nº9.099, de 18 de julho de 2017. Dispõe sobre o Programa


Nacional do Livro e do Material Didático. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9099.htm. Acesso em: 28 ago. 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 425


BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis n º 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei
nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967;
revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm. Acesso
em: 28 ago. 2021.

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modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino
a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/
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Educação. Edital de Convocação 04, de 14 de dezembro de 2015. Edital de
Convocação para o Processo de Inscrição e Avaliação de Obras Didáticas para o
Programa Nacional do Livro Didático PNLD 2018. Disponível em: http://portal.
mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=39561-
pnld-2018-edital-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 23 mar. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.


Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l9394.htm. Acesso em: 20 abr. 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei


no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2003/L10.639.htm. Acesso em: 06
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426 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


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XAVIER, Maria do Carmo; DORNELLES, Ana Paula Lacerda. O debate


parlamentar na tramitação da Lei 10.639/2003: interrogando o papel da escola na
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Paulo, v. 11, nº. 2, jul./dez. 2009, p. 569-586.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 427


EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: DIÁLOGO COMO
EXIGÊNCIA RADICAL DA AÇÃO REVOLUCIONÁRIA, NA
PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE

Claudia Maria de Sousa de Lima1


Adriana Salvaterra2
Claudiney José de Sousa3

Uma vez mais quero afirmar que não há dicotomia entre


diálogo e ação revolucionária. Não há uma etapa para o
diálogo e outra para a revolução. Ao contrário, o diálogo é
a própria essência da ação revolucionária. (FREIRE, 1980, p.
42).

INTRODUÇÃO

Difícil dissertar sobre educação e direitos humanos sem fazê-lo a


partir de um diagnóstico do tempo presente, ou seja, a partir da realidade
brasileira, de suas contradições, limitações, incongruências e desafios
atuais. Como afirma Bittar (2018, p. 14), sem falar do “enfraquecimento da
democracia, crise de representatividade política [...] neoconservadorismo,
ampliação das desigualdades socioeconômicas, aumento do autoritarismo,
insegurança generalizada”. Como tudo isso atravanca a complexa e delicada
experiência de democratização de nosso país e tem sérias implicações no
processo de ensino e aprendizagem, é fundamental que nos debrucemos,
mesmo que brevemente, sobre estes problemas, no sentido de lançar
algumas luzes sobre o delicado tema a que nos propomos desenvolver.

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina -
UEL. Contato: claudialima_401@hotmail.com .
2
Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Maringá. Professora Adjunta do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR/
Apucarana. Contato: adrianasalvaterra19@gmail.com
3
Doutor em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unicamp. Professor Adjunto
do departamento de filosofia da Universidade Estadual de Londrina - UEL e do colegiado de Pedagogia
da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/Apucarana. Contato: claudineyuel@hotmail.com.

428 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Nosso objetivo é refletir que, à revelia do ambiente reacionário,
autoritário e negacionista que atualmente assola nosso país, as Escolas
e universidades brasileiras continuam sendo um dos principais lócus
de análise e de debate dessa problemática, ratificando suas funções de
guardiãs da necessária conquista de intensas lutas do homem moderno e
contemporâneo na tentativa de fazer valer seus direitos fundamentais.
Ao discutirmos a relação entre Educação Brasileira e Direitos
humanos na atualidade, se faz necessário considerar os acontecimentos
recentes de descasos e desmandos com relação aos direitos fundamentais,
mas também dos importantes documentos que garantem o cumprimento
destes mesmos direitos. Significa também rememorar o legado de grandes
educadores que lutaram bravamente em prol da humanização na educação,
dentre eles Paulo Freire (1921-1997), cujo legado é sinônimo de resistência,
luta, esperança e transformação. Rememoramos textos e autores que
precisam ser constantemente revisitados, relidos, reinterpretados por
milhões de cidadãos que os tomam à luz dos dilemas de seu dia a dia, de
seu entorno, de sua realidade, de sua situação, de seu contexto de luta e
singularidade – assim como faremos a partir da temática da educação que
tanto nos impacta neste momento.
Dois documentos básicos subsidiarão a problematização do tema a
que nos propomos, são eles: a Declaração dos Direitos Humanos (2005)
e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2018). Estes
documentos fornecem as matrizes normativas dessa questão e estão aí para
mostrar que não nos faltam leis claras e contundentes, senão eficácia em
sua aplicação. Percebemos que a falta de diálogo, tolerância, abertura para
o debate, compromisso com a defesa da diversidade e dignidade humana
tem sido atitudes constantes no atual contexto brasileiro. Por isso, nos
propomos a analisar a problemática da violação dos direitos humanos
vinculando-as às discussões propostas por Paulo Freire. Daremos ênfase
às noções de dialogicidade, radicalismo e ação revolucionária permanente,
da forma como são abordadas nas obras Pedagogia do Oprimido (2005) e
Conscientização (1980).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 429


IMPACTOS DA AUSÊNCIA DE UMA EDUCAÇÃO EM DIREITOS
HUMANOS NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Em um país como o nosso, que aprendeu tardiamente a importância


de fazer valer os direitos humanos fundamentais, que ainda hoje vive
precariamente o reconhecimento da diversidade nas diferentes esferas
sociais, escolas e universidades precisam urgentemente se configurar
enquanto campo fértil para debates, diálogos, confrontos, vivências
democráticas, enfrentamentos e resistências. Todavia, vivenciamos
cotidianamente a materialização de políticas públicas que afrontam
deliberadamente os direitos humanos, impondo barreiras (diretas e
indiretas), dificultando e, por vezes, impedindo acesso ao conhecimento
complexo, científico, filosófico, elaborado e sistemático – que é direito de
todos os cidadãos. Recém-saído de um regime militar, nosso país ainda
convive com a sombra do autoritarismo.

[Nosso país] ainda flerta com a cultura autoritária da ditadura [...] a cultura
da violência [que] contamina os espaços de sociabilidade e as formas de
integração social e bloqueia o desenvolvimento de condições dialógicas
de interação simbólica de mais elevado nível de entendimento. (BITTAR,
2018, p. 15).

Vemos que as lutas, as conquistas e os discursos sobre direitos


humanos e diversidade em escolas e universidades se encontram hoje
desacreditados, sem legitimidade. Com isso, a educação emancipatória
também se vê seriamente comprometida. O desmonte das universidades,
o autoritarismo que assombra as escolas públicas (muitas militarizadas) e o
desrespeito à diversidade desmotiva, enfraquece e amedronta intelectuais,
professores, estudantes, pesquisadores, artistas, enfim, aqueles(as) que
são os(as) principais articuladores(as), promotores(as), divulgadores(as),
protagonistas da luta em função dos direitos básicos da pessoa.
Sabemos que a erradicação da fome, da pobreza extrema, das
péssimas condições de moradia, saúde e transporte, enfim, a diminuição das

430 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


persistentes desigualdades sociais, ainda são conquistas distantes em nosso
país. Por isso, diante de todas estas carências, constatamos que a Educação
Básica gratuita, laica, universal e de qualidade, bem como o acesso ao
Ensino Superior, acabam sendo vistos quase como um privilégio. Contudo,
a discussão que propomos neste texto vai exatamente na contramão desta
visão e mostra que o acesso e a permanência nestas instituições, sobretudo
no Ensino Superior público, de qualidade, laico, acessível a todos, é condição
necessária para a formação de indivíduos que passam a exigir, fiscalizar e
fazer cumprir as necessidades básicas de existência.
Ao propor esta problemática nos vemos envoltos em outras questões
emergentes: como garantir que escolas e universidades também não sejam
elitistas, que não se transformem em novas formas de segregar, discriminar,
de favorecer grupos hegemônicos? Como pensar e viabilizar uma educação
para todos (brancos, negros, ricos, pobres, indígenas, camponeses, idosos,
comunidade LGBTQIA+, quilombolas, migrantes)? Como garantir que
uma política de direitos humanos e diversidade seja pauta constante nos
meios educacionais e nas agendas governamentais? Que espaços temos hoje
reservados para estas discussões? Como viabilizar ações nas salas de aula,
nos projetos políticos pedagógicos, nos planos de ensino, nas atividades
culturais, nos projetos de pesquisa, ensino e extensão, para superar as atuais
políticas públicas implementadas?
Cumpre destacar que em um país de cidadania pouco consolidada
como o nosso, precisamos tanto de emprego, alimento, moradia, transporte
e saúde quanto de educação de qualidade; precisamos de espaços onde
circulem o conhecimento científico e filosófico, o saber sistemático, a
transparência das ideias, o diálogo, a crítica, a reivindicação. Nossa sede e
fome de informação e conhecimento não são menos prioritárias que a sede
e a fome biológicas.
Neste cenário, a Educação, em qualquer dos seus níveis e
modalidades (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio,
Técnico, Tecnológico, EJA, Ensino Superior, Educação Informal) deve ser
encarada como prioridade tanto quanto outros direitos fundamentais. Por
isso, nos causa estranheza o discurso do governo atual de que a prioridade

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 431


passará a ser a Educação Básica em detrimento do Ensino Superior. Como
pensar a qualidade do ensino básico sem pensar, por exemplo, na qualidade
das licenciaturas, nos investimentos em programas de iniciação à docência,
em programas de iniciação à pesquisa, em bolsas de estudo que garantam a
boa formação de professores e pesquisadores?
Para avançarmos neste debate, é importante trazermos para a
discussão a questão do direito à educação e a diversidade expressa no
Artigo 2º da Declaração dos Direitos Humanos:

Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades


estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja
de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião pública ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.
(DUDH, 2005, Artigo 2º, p. 4).

Quem é esse sujeito de direitos a que se refere a Declaração?


Percebemos que o texto é cuidadoso no sentido de não restringir a um grupo,
uma classe, um conjunto de pessoas. Deixa abertura para legislar e eliminar
inclusive futuras discriminações não contempladas explicitamente no texto.
Essa precaução se justifica no sentido de que a luta por direitos humanos
e diversidade na educação é uma construção histórica, permanente; um
processo nunca acabado. Muitos não compreendem esta radicalidade da
Declaração quando é enfática na expressão “qualquer condição”, seja étnico-
racial, territorial, cultural, de orientação sexual, religiosa, de opção política,
nacionalidade, físico-individual, geracional. Todos os seres humanos estão
igualmente implicados, uma vez que gozam da mesma dignidade. Neste
particular, é singular a contribuição do grande representante do Movimento
Escolanovista no Brasil, Fernando de Azevedo (1894 – 1974) ao definir
Educação enquanto “veículo da cultura e da civilização” (AZEVEDO, 1944,
p. 11), sendo assim, propagadora dos princípios civilizatórios.
Vemos que, para fazer valer os direitos humanos e o respeito à
diversidade, não basta o mero acesso a esses direitos. É insuficiente estar
ciente de que existem, saber que estão simbolizados em documentos,

432 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


que tem uma origem histórica determinada. É preciso hoje uma cultura
e uma educação dos direitos humanos, de forma que o saber a respeito
destes direitos se converta no seu próprio exercício, na sua vivência
diária. Precisamos de um ambiente que favoreça a análise crítica de suas
propostas. Nesse processo de saber/fazer/vivenciar, escolas e universidades
tem papel fundamental. A universidade, por exemplo, ancorada no tripé
ensino, pesquisa e extensão, configura-se como espaço privilegiado para
a efetivação do que rezam a Declaração Universal de Direitos Humanos
(2005) e o Plano Nacional de Direitos Humanos (2018) e, desta forma,
podem manter o vínculo estrito com a educação básica e a sociedade em
geral.
No Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2018, p. 11),
encontramos as cinco dimensões que orientam a formação dos sujeitos de
direitos e a construção de uma cultura de direitos humanos:

Apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos


humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local;
afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura
dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; formação de
uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo,
social, ético e político; desenvolvimento de processos metodológicos
participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais
didáticos contextualizados; fortalecimento de práticas individuais e sociais
que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da
defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações. (2018,
p. 11).

Ao versar sobre a contribuição do Ensino Superior na educação


em direitos humanos, o referido documento enfatiza que “a universidade,
como criadora e disseminadora de conhecimento, é instituição social
com vocação republicana, diferenciada e autônoma, comprometida com a
democracia e a cidadania (2018, p. 24). Para ilustrar o papel da Educação
Básica na disseminação dessa cultura a que se refere o Plano, apresentamos
as seis primeiras de suas vinte e sete ações programáticas:

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 433


1. Propor a inserção da educação em direitos humanos nas diretrizes
curriculares da educação básica; 2. integrar os objetivos da educação em
direitos humanos aos conteúdos, recursos, metodologias e formas de
avaliação dos sistemas de ensino; 3. estimular junto aos profissionais da
educação básica, suas entidades de classe e associações, a reflexão teórico-
metodológica acerca da educação em direitos humanos; 4. desenvolver
uma pedagogia participativa que inclua conhecimentos, análises críticas e
habilidades para promover os direitos humanos; 5. incentivar a utilização
de mecanismos que assegurem o respeito aos direitos humanos e sua prática
nos sistemas de ensino; 6. construir parcerias com os diversos membros da
comunidade escolar na implementação da educação em direitos humanos.
(BRASIL, PNEDH, 2018, p. 33).

Acreditamos que ao se referir à educação em direitos humanos, o Plano


Nacional de Educação em Direitos Humanos (2018) não alude a qualquer
educação. Não é a educação que legitima os interesses mercadológicos do
sistema neoliberal, mas a educação que é base para a efetivação das garantias
constitucionais e a promoção da diversidade, que ao mesmo tempo reforça,
atualiza, discute, dissemina esses próprios princípios que a norteiam.
Uma escola e uma universidade que viabilizam espaços de compreensão,
tolerância, criticidade, abertura ao diálogo, convivência com as diferentes
expressões culturais, religiosas, étnicas. Instituições que são espaços para
pesquisas sobre cada uma destas temáticas, incentivo a produções de
diferentes níveis e categorias (projetos de pesquisa, financiamentos, projetos
de extensão e ensino, semanas culturais e científicas, enfim, eventos de
diferentes naturezas, interesses e modalidades).
Assim, toda atitude que atente contra qualquer destas práticas
democráticas com relação à educação atenta também contra os direitos
humanos e o respeito à diversidade, provenham elas dos órgãos públicos,
da sociedade civil ou dos próprios indivíduos. Infringem estes direitos,
sobretudo por conta das implicações claramente negativas no processo de
ensino e aprendizagem.
Citemos apenas alguns dos exemplos do que aqui nos referimos
no sentido de mostrar como a ausência de políticas públicas sérias nesse

434 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


sentido, não só deixa de promover a cultura dos direitos humanos como
atenta diretamente contra eles: desmonte da educação pública por meio
de bloqueios orçamentários e contingenciamentos; falta de manutenção e
de investimentos em espaços físicos; falta de transparência na gestão dos
recursos públicos; militarização de escolas; propostas de privatização;
desrespeito à autonomia universitária; cortes de bolsas de estudo;
alinhamento a políticas externas para desenvolvimento da ciência e da
tecnologia que não atendem aos interesses do país; falta de diálogo com
gestores, reitores e representações docentes e discentes; descaso com a
pesquisa e o desenvolvimento científico; falta de programas sérios de
inclusão e de combate à exclusão social, étnica e racial; tomadas de decisões
arbitrárias, apressadas, autoritárias, que ignoram a participação popular;
disseminação de pensamentos negacionistas dentro dos próprios órgãos
máximos da educação brasileira.
Diante disso nos perguntamos: quais as motivações para ensinar,
aprender, pesquisar, discutir num cenário como este? Quando não temos
recursos físicos, técnicos e instrumentos básicos para o trabalho, quando
não temos programas de incentivo, financiamento e transparência, o
saber fica seriamente comprometido. Qual a intencionalidade deste
sucateamento das escolas e universidades e da falta de políticas sérias de
inclusão, diversidade, pesquisa, extensão, financiamento? Pensamos que
não pode ser outra a intenção senão a de minar deliberadamente as bases
do ensino e da aprendizagem emancipadora. Uma forma explícita de
barrar o acesso aos instrumentos que possibilitam a crítica a este próprio
governo antidemocrático. Acerca desta realidade, se faz necessário que os
profissionais da educação mantenham a Esperança, do verbo “esperançar”,
como aponta Paulo Freire (1992).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 435


O OLHAR DE PAULO FREIRE SOBRE A EDUCAÇÃO EM DIREITOS
HUMANOS: DIÁLOGO, PRÁXIS EDUCACIONAL, RADICALISMO E
AÇÃO REVOLUCIONÁRIA

Os desafios da sociedade dos séculos XX e XXI colocaram no centro


dos debates universais os temas da tolerância e do diálogo. O fenômeno
da globalização econômica, os horrores das guerras civis, as novas formas
de desigualdades sociais geradas pelo neoliberalismo, a reinvenção de
totalitarismos e autoritarismos são fenômenos que engendram também
seu avesso. Assistimos ao fortalecimento de movimentos sociais como
feministas, LGBTQIA+, por igualdade racial, ambientalistas, estudantis,
operários, enfim, novas formas de lutar, resistir e denunciar as situações de
opressão.
É neste cenário que Paulo Freire (2005) também inova ao mostrar
que estávamos esgotados não só das práticas opressoras, mas também das
teorias dos opressores. Em tom de denúncia e anúncio apresenta a proposta
de uma pedagogia dos oprimidos, feita com os oprimidos. Uma práxis
educacional que se converte em ferramenta poderosa de conscientização
e prática da liberdade. Uma nova arma para as lutas contemporâneas, que
fecunda e alimenta uma infinidade de outros quefazeres educacionais – de
forma exemplar a educação em direitos humanos.
No limite que o presente ensaio impõe, focalizaremos a discussão na
análise de algumas categorias propostas por Paulo Freire e que, no nosso
entendimento, o trazem para o debate da educação em direitos humanos:
diálogo, radicalismo e ação revolucionária.
A categoria da dialogicidade, em Freire, é mais do que uma discussão
sobre a relação educador/educando ou sobre a indissociabilidade ensino/
aprendizagem para pensar a realidade brasileira e latino-americana. Da
maneira profícua e original como é abordada em suas obras, é alçada ao
nível das questões antropológicas clássicas; coloca-se ao lado dos debates
universais sobre a educação em direitos humanos, está à altura das discussões
políticas em prol da paz, dos debates sobre tolerância, democracia,
igualdade social, enfim, ao lado de todos os grandes e emergentes temas da

436 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


atualidade. Torna-se uma robusta filosofia do diálogo e da tolerância e está
em pé de igualdade com eminentes intelectuais da literatura e da filosofia
contemporânea e ativistas sociais que travaram e travam lutas em prol dos
direitos humanos.
Em Pedagogia do Oprimido (2005), obra escrita durante o seu
exílio no Chile, e em Conscientização (1980) Freire fala da importância
do radicalismo na luta em favor da educação humanizadora. Mas, para
explicarmos este conceito no contexto em que a discussão foi feita precisamos
primeiramente falar de sua diferença em relação ao que hoje chamamos
de posição reacionária, conservadora, dogmática, antidemocrática,
também considerada radical, embora num outro sentido bem diverso.
Qual a diferença? Freire afirma que o revolucionário humanista é radical
quando permanece fiel à sua causa, a seu propósito. Radical porque, frente
às constantes mudanças da realidade social revivifica sua utopia e sua
esperança a cada dia; nunca as perde de vista; nunca as abandona.

Somente podem ser proféticos os que anunciam e denunciam,


comprometidos permanentemente num processo radical de transformação
do mundo, para que os homens possam ser mais. Os homens reacionários,
os homens opressores não podem ser utópicos. Não podem ser proféticos e,
portanto, não podem ter esperança (FREIRE, 1980, p. 28).

Para a concepção histórico-dialética, da qual Freire partilha,


poderíamos dizer que tudo está em permanente transformação. Muda o
tempo, o lugar, a circunstância, a luta, o mundo e o homem. Mas Freire
admite que alguma coisa permanece: a causa humanista, a utopia, o
sonho, a esperança, o compromisso com a justiça social. Parece paradoxal,
mas neste caso, o que permanece é razão de ser daquilo que muda. De
certa forma, uma espécie de dialética é aplicada à própria discussão da
transformação social em seu pensamento. Na concepção antropológica
de Freire só podemos falar de permanência como condição da mudança.
Mas, quando é que a permanência pode ser entendida como condição de
mudança, de transformação?

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 437


Sabemos que o reacionário também muda. A diferença é que, por não
ter visão utópica e esperançosa, não permanece na causa, não é um radical
no sentido freiriano. Conforme muda o tempo, o lugar, a circunstância,
a luta, muda também sua causa. Pode, no passado, ter lutado ao lado dos
oprimidos e agora fala em favor dos opressores. Enquanto operário tinha
um sonho de justiça social, que morreu porque hoje é um empresário bem
sucedido. Na penúria vivia amargurado com seu deus, mas hoje o exalta
e glorifica porque tem prosperidade. Sua crença oscila, assim como seus
propósitos e seus comportamentos – não tem uma conduta, um princípio,
um compromisso. Em poucas palavras, falta radicalidade, aderência a um
projeto de fundo. Não tem, neste caso, um autêntico projeto humanista; não
está comprometido com a ação revolucionária. O que é a história bíblica de
Jó senão uma lição de radicalismo no sentido freiriano? Na prosperidade e
na carência Jó manteve sua fé, sua fidelidade a um propósito.

O radical, comprometido com a libertação dos homens, não se deixa prender


em “círculos de segurança”, nos quais aprisione também a realidade. Tão
mais radical, quanto mais se inscreve nesta realidade para, conhecendo-a
melhor, melhor poder transformá-la. (FREIRE, 2005, p. 28).

Santos (2018, p. 38) refere-se a essa ausência de radicalismos em


nossa sociedade como resultado da diminuição de alternativas e de um
mal-estar generalizado da civilização, que levam ao conformismo.

[...] o mal-estar para mim é a impossibilidade do radicalismo, é o


conformismo sufocante em que nos encontramos hoje, um conformismo
que promove a apatia e, obviamente, recusa e reprime a rebeldia. Nossas
instituições criam conformistas e, para mais, conformistas incompetentes.
(2018, p. 38).

Como são produzidos os inconformismos? Pensemos nesta


problemática a partir de uma metáfora. O agricultor retira as ervas
daninhas da plantação, mas não o faz de qualquer maneira. A sabedoria

438 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de anos de trabalho ensinou que é mais prudente que realize a atividade de
forma cuidadosa. As plantas bem maduras e carregadas de sementes não
podem ser retiradas da mesma forma que as demais. Um golpe desastrado
de sua foice pode deitar a planta intrusa e indesejada, mas fazer com que a
sementeira se espalhe pelo chão, alastrando a praga por um espaço ainda
maior.
Assim como a sementeira das ervas daninhas, os opressores de nosso
tempo também sabem que o sangue dos ativistas sociais, dos intelectuais
orgânicos, dos oprimidos, dos marginalizados, dos mártires e de todos os
que lutam e lutaram por justiça social, fazem brotar o sonho da revolução,
da mudança, da transformação. Por isso, articulam formas alternativas
de criar conformismos. Freire sempre manifestou inquietação com o fato
óbvio de que opressores conhecem essa lição melhor do que os oprimidos.
Por isso, falou da urgência de uma nova pedagogia, de uma nova educação;
a educação dos que não sabem do poder que tem para fecundar o chão.
Contudo, Freire nos traz uma nova lição. Não a lição da vingança contra
os que subjugam, violam direitos e promovem a exclusão, mas uma lição
de vida e libertação, que se faz por meio do diálogo. Sempre manifestou
sua tristeza e indignação com o fato de muitos oprimidos, por não terem
vivenciado plenamente a educação libertadora e a verdadeira experiência
democrática, sonharem os sonhos dos opressores.

Há [...] em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma


irresistível atração pelo opressor. Pelos seus padrões de vida. Participar
destes padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem,
a todo custo, parecer com o opressor. Imitá-lo. Segui-lo. Isto se verifica,
sobretudo, nos oprimidos de “classe média”, cujo anseio é serem iguais ao
“homem ilustre” da chamada classe “superior”. (FREIRE, 2005, p. 55).

Freire esclarece também o caráter pedagógico, criador e libertador


da ação revolucionária. A que revolução se refere? Em sua concepção, a
educação é o caminho mais viável para uma revolução não sangrenta em
nossa sociedade. Não precisamos de armas; podemos fazer a revolução com
diálogo e um giz na mão. “Cada vez nos convencemos mais da necessidade

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 439


de que os verdadeiros revolucionários reconheçam na revolução, porque um
ato criador e libertador, um ato de amor. (FREIRE, 2005, p. 92). Em outro
momento complementa: “a revolução tem, indubitavelmente, um caráter
pedagógico que não pode ser esquecido, na razão em que é libertadora ou
não é revolução. (FREIRE, 2005, p. 154).
Qual seria, portanto, na visão de Freire, o caráter revolucionário da
educação em direitos humanos na sociedade brasileira? Primeiramente,
é preciso dizer que sua proposta de uma educação problematizadora
desmistifica a ideia de que bastam belos e retóricos textos, planos, resoluções,
decretos, declarações e leis sem uma verdadeira práxis educacional.
Precisamos de atitude que não dissocie teoria e prática, homem e mundo,
pensar e fazer e nem mesmo um antes e um depois da revolução. Revolução
que se faz com a prática do diálogo, que alimenta cotidianamente a utopia
da sociedade verdadeiramente democrática. A revolução a que se refere é
um processo constante de denúncia e anúncio, orientados por uma firme
utopia. Em Conscientização afirma que “o utópico não é o irrealizável; a
utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar,
o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura
humanizante. Por esta razão, a utopia é também um compromisso histórico”.
(FREIRE, 1980, p. 27).
Em várias de suas canções o compositor e cantor brasileiro
Antônio Carlos Gomes Belchior (1946-2017) nos dá a dimensão da
práxis freiriana e da urgência da ação revolucionária permanente. Em
“Voz da América” (1979), fala de sua música como de uma atividade
que ultrapassa a dimensão da poesia e ganha aspecto prático: “Cantar,
como quem usa a mão para fazer um pão, colher alguma espiga”.
Em “À palo seco” (1976) diz: “E eu quero é que esse canto torto
feito faca, corte a carne de vocês”. Fiori (2005, p, 19), por sua vez, fala da
palavra, no ato educativo libertador freireano, como de um “comportamento
humano, significante do mundo, [que] não designa apenas as coisas,
transforma-as [...]. Assim considerada, a semântica é existência e a palavra
viva plenifica-se no trabalho”. Este parece ser o verdadeiro sentido do
diálogo que se converte em ação revolucionária permanente. “Por isto é

440 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


que, numa visão dinâmica e não estática da revolução, ela não tenha um
antes e um depois absolutos, de que a chegada ao poder fosse o ponto de
divisão” (FREIRE, 2005, p. 155). Neste sentido, as obras de Paulo Freire
são Declarações em favor da vida, da paz, da justiça social, dos direitos
humanos. São obras concretas. O autor pensou em escrever como quem
usa a mão para construir o conhecimento novo, a sociedade nova.
Hoje precisamos de novas formas de resistência e enfrentamento; de
novos combates em favor da vida, em favor dos direitos humanos, já que as
tecnologias de repressão também são outras. Se mudam, em cada época e
contexto, os modos de reprimir, devem mudar também as formas de resistir.
O opressor contemporâneo não se preocupa mais com o modelo artesanal
de fazer a limpeza do campo (para nos referirmos à metáfora acima). Há
procedimentos mais viáveis, com resultados bem mais efetivos: pulverizar o
herbicida e matar a semente antes mesmo que possa germinar. Pulverizar o
medo, a conivência, a ignorância, o conformismo, a adequação aos padrões
estabelecidos são hoje formas extremamente perigosas e devastadoras
de violação dos direitos humanos. São as ditas práticas “limpas, legais,
normais” de opressão. O novo opressor compreende a importância de
matar o sonho, enrijecer, entristecer, calar.
Há quem acredite que não há lugar mais adequado para o exercício
destas novas técnicas de opressão do que a escola e a universidade. É o
que pensam, por exemplo, os que advogam o modelo das escolas cívico-
militares ou outras estratégias de alinhamento da educação ao mercado
e às novas formas de autoritarismo. Uma das características centrais das
estratégias de militarização das escolas é o pouco ou nenhum espaço para
o diálogo horizontal entre os sujeitos da educação: gestores, professores,
estudantes, funcionários, comunidade. O rígido modelo piramidal
e hierárquico dessa proposta de ensino exige adaptação, controle de
comportamentos, cumprimento de normas disciplinares que não se
justificam, regras impostas e nada consensuais, a busca de rendimentos
avaliados apenas quantitativamente, o castigo, a punição. Uma proposta
que impede a circulação da informação, a transparência, a criatividade, a
espontaneidade, a crítica, a contestação, a democracia.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 441


Anísio Teixeira (1900-1971), desde o início do século XX já falava
da total discrepância entre autoritarismo e educação. Uma prática que
só pode resultar, segundo o autor, do absoluto desconhecimento da
plasticidade tão característica da inteligência e da ação humanas. Práticas
que demonstram desconfiança, menosprezo, desconsideração, descrédito
com relação às possibilidades humanas de transcendência, emancipação,
autonomia, humanização, socialização e ressocialização (que não podem
ser dissociadas da relação dialética entre erros e acertos, próprias do ensino/
aprendizagem).

Se admitirmos que a teoria da inteligência é a da sua incapacidade para


dirigir-se a si mesma, naturalmente subordinaremos à autoridade coercitiva
a ação humana. Repontam, então, as rebeldias e revoltas, por isso mesmo
que a teoria é compressora. Mas, aceita a tese, a iniciativa humana se exerce
no sentido de melhorar o sistema de autoridade ou de melhorar a educação,
para a conformidade desejadas. (TEIXEIRA, 2000, p. 94).

Entendemos, portanto, que a nova lição de vida e paz de Paulo Freire


ensina formas alternativas de luta e resistência. O diálogo ao invés da arma;
a problematização e não o vitimismo; a utopia da existência social comum
e não o sonho do individualismo neoliberal. A justa indignação de cada
dia toma lugar da rebeldia sem causa. Denúncia e não sensacionalismo
jornalístico que ofende, julga antecipadamente. Anúncio da humanização
e não da violência à mão armada. Enfim, fazer a revolução não sangrenta é
fazê-la sempre, a cada dia. Todos juntos, um pouco de cada vez.
A mensagem deste grande educador nos faz agora ver como um todo
e mais claramente que a grande revolução de um ou de alguns poucos dias
é fraca demais, é insuficiente para dar conta da complexidade do nosso
tempo. Precisamos entender que ela acontece agora enquanto escrevemos
este texto; ocorreu há pouco quando estávamos nas ruas reivindicando
mudanças; ocorrerá amanhã quando estivermos novamente em nossas salas
de aula, aprendendo e ensinando juntos a construir o novo conhecimento
e a nova sociedade.

442 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do triste cenário descrito não podemos deixar de perguntar


a respeito das perspectivas para um futuro menos caótico em termos
educacionais para nosso país. Não podemos nos esquecer também de
alguns programas que coadunam com as exigências dos direitos humanos
e diversidade, que ainda resistem em nosso país como: ProUni (Programa
Universidade para Todos); PROIC (Programa de Iniciação Científica);
PIBID (Programa de Iniciação à Docência); Fies (Fundo de Financiamento
ao estudante do ensino superior); PNLD (Programa Nacional do Livro e do
Material Didático; Pnaes (Programa Nacional de Assistência Estudantil);
PBP (Programa de Bolsa Permanência); Proext (Programa de Apoio à
Extensão Universitária),; RP (Programa de Residência Pedagógica).
Ainda temos programas, ações e Iniciativas que resultaram de
intensas lutas de movimentos sociais, estudantis, de professores e políticos
comprometidos com a causa da educação. Todos com algumas deficiências
e limitações, mas elaborados com o claro propósito de viabilizar a
democratização do acesso e permanência de pobres, negros, indígenas,
quilombolas, comunidade LGBTQIA+ e trabalhadores nos bancos das
escolas e universidades.
O que cada uma desses programas nos mostram é que devemos manter
vivo o sonho de uma escola e uma universidade vibrantes, democráticas e
cidadãs, que possam cada vez mais incluir e viver intensamente a diversidade
e o respeito às diferenças. Lembram-nos da importância de nos mantermos
firmes no sentido de preservar estas conquistas de anos de lutas e ver nelas
um estímulo para continuarmos resistindo.
Conforme afirma Michel Foucault (1994, p. 240), “as relações
de poder são relações de força, de enfrentamentos, então, sempre são
reversíveis. Não há relações de poder que sejam completamente triunfantes
e cuja dominação seja incontornável”. Não existe poder sem resistência,
sem transgressão; não existe poder que não ocasione uma luta pela
transformação. A flagrante violação dos direitos humanos em nosso país
hoje coloca em questão o seu reverso, sua própria contradição. Faz renascer

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 443


ainda mais vibrante o desejo de luta, de resistência, de ação revolucionária,
de enfrentamento em cada um de nós, professores e estudantes do ensino
básico e superior, comprometidos(as) com a causa da educação libertadora.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Fernando. A Cultura Brasileira: introdução ao estudo da cultura no


Brasil. São Paulo: Cia. Ed. Nacional; IBGE, 1944.

BELCHIOR, Antônio Carlos Gomes. À palo seco. Rio de Janeiro: Polygram, 1976,
3:01.

BELCHIOR, Antônio Carlos Gomes. Voz da América. Rio de Janeiro: Warner


Music Group, 1979. 3:01.

BITTAR, Eduardo C. B. Democracia e políticas públicas de direitos humanos: a


situação atual do Brasil. Revistausp, São Paulo, nº. 119, p. 11-28, out./nov./dez.
2018.

BRASIL, Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. 3ª reimpressão


simplificada, Ministério dos direitos Humanos, Brasília: 2018.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. 2ª ed. São Paulo:


Edipro, 2005.

FIORI. Ernani Maria. Aprender a dizer a sua palavra (Prefácio). In.: FREIRE,
Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução do


pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez e Moraes, 1980.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do


Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

444 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


FOUCAULT, Michel, Poder e saber. Entrevista com S. Hasumi gravada em Paris.
13 de out. 1977. Revista UMI. Dez. 1977, p. 240-256. In: FOUCAULT, M. Dits et
écrits. Paris: Gallimard, 1994. v. 3, p. 399-414.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Na oficina do Sociólogo Artesão. Seleção, revisão


e edição de Maria Paula Meneses e Carolina Peixoto, São Paulo: Cortez, 2018.

TEIXEIRA, Anísio. Pequena Introdução à Filosofia da Educação: a escola


progressiva, ou, a transformação da escola. 6ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 445


SEÇÃO 02

PANDEMIA, CURSOS DE LICENCIATURA E PRÁTICAS


CURRICULARES NO MARANHÃO: DESAFIOS E DESCOBERTAS
DO ENSINO REMOTO
APRESENTAÇÃO

“A vida é o combate, que os fracos abate,


que os fortes e os bravos só pode exaltar”.

Nada mais oportuno do que Gonçalves Dias, para pensarmos sobre


os desafios que a pandemia da Covid-19 nos impõe a cada dia. As palavras
do poeta nos ajudam a refletir sobre as experiências sistematizadas nos
artigos e relatos reunidos nesta Coletânea, produzidos, a partir da parceria
proposta pela equipe de professores da Universidade Estadual de Londrina
– UEL. Este tipo de intercâmbio é imprescindível ao iniciar esta etapa
de produções acadêmicas como um valioso estímulo para o exercício da
formação do professor pesquisador.
O Maranhão é um estado que apresenta uma riqueza cultural
constituída pela sua diversidade geográfica, histórica, econômica, social
e política. Entretanto, os conflitos sociais são objetos de análises, que
chamam atenção para a investigação dessas contradições (re)produzidas
nas estruturas da sociedade e de maneira difusa nas relações sociais. A
questão da educação é bastante complexa e envolve discussões que são
tratadas pelos diversos autores deste dossiê. É uma articulação de ideias
e das análises que estão relacionadas aos vários campos de suas vivências
pedagógicas.
Reunimos, neste dossiê, artigos sobre temas que emergiram
mediante especificidades do contexto local, reflexões sobre as vivências nos
últimos 12 meses com os cursos de licenciaturas e outros cursos que se
apresentaram no enfrentamento com a questão da pandemia da Covid-19,
além de relatos dos discentes de suas experiências com as componentes
curriculares Práticas I, II e III no curso de Ciências Sociais Licenciatura, do
Programa Ensinar Formação de Professores.
Com muito empenho, trouxemos as contribuições de docentes dos
cursos de Pedagogia e de Letras, também do Programa Ensinar, do curso

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 447


de Licenciatura Intercultural Indígena da UEMA, de discentes do curso
regular de Ciências Sociais da UEMA e de um egresso do curso de Ciências
Sociais e atualmente do Programa de Mestrado Profissional em Educação
da UEMA, o que demonstra a pluralidade e interdisciplinaridade do
trabalho. Estes novos olhares de diversos temas abordados proporcionam
significativas reflexões e exigem de nós uma postura crítica, diante dos
problemas apresentados na dimensão dos espaços escolares e não escolares
com suas devidas peculiaridades.
No conjunto de textos destaca o artigo Prática Curricular nos cursos
de licenciatura da UEMA: pesquisa, intervenção e formação, por se tratar
de um detalhamento da elaboração da proposta deste tema, desde a sua
origem e implantação nos currículos como um componente curricular
na UEMA. Todo este processo é analisado a partir das exigências legais
e das políticas educacionais do ensino superior, direcionadas pelo MEC,
no fortalecimento das licenciaturas. São apresentadas as resoluções
específicas e as experiências que ocorreram e que estão se processando na
implementação das práticas de intervenção nos currículos dos cursos de
licenciaturas.
Há também um destaque para os desafios que surgiram nessa
caminhada, e os possíveis que surgirão na medida em que a dinâmica do
processo exige grandes reflexões e discussões para a consolidação desta
proposta. Tudo isso é tratado sob a perspectiva histórica crítica, como um
resultado de uma dialogicidade que envolve diversos agentes sociais na
formação de docentes desta universidade.
Nessa segunda seção da obra, apresentamos artigos e relatos -
sistematizados pelos discentes, sob a orientação dos docentes – das
experiências com as componentes curriculares Práticas dos cursos de
Licenciatura do Programa Ensinar dos pólos de Santa Inês, Pedreiras, Santa
Luzia, Santa Luzia do Paruá, Loreto, Paraibano, Turiaçu e Santa Rita e dos
alunos de Ciências Sociais do curso regular de São Luís.
As questões levantadas sobre o ensino de Sociologia são relevantes
em vários polos de atuação do Programa Ensinar, principalmente ao dar
visibilidade às percepções dos(das) alunos(as) com relação ao processo de
aprendizagem e de temáticas diversas. Ressaltamos, também, os assuntos

448 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


relacionados ao ensino de Sociologia, o papel da família, à discussão de
gênero, os impactos da pandemia na saúde mental dos alunos de Ciências
Sociais e ao meio ambiente na experiência do ensino remoto durante a
pandemia do Coronavírus e a evasão escolar.
O exercício com as práticas no início do curso foi presencial, mas, com
a pandemia, houve uma readequação do planejamento, ocasionada pelas
restrições do isolamento social como uma quebra do processo. Os recursos
tecnológicos passaram a ser utilizados com a finalidade da retomada do
trabalho que sofreu alterações na relação professor e alunos. O encontro
em sala de aula e o acompanhamento das práticas nessa modalidade de
ensino antes obedecia a um calendário de atividades nos polos (campus
em outros municípios) nos finais de semanas, com encontros intervalares.
Com a pandemia, as atividades passaram a ser realizadas em sua totalidade
de maneira virtual e, dessa forma, foi sendo alterada a operacionalização
dos objetivos que passaram a ter outra desenvoltura de atividades com as
novas ferramentas na prática investigativa e de intervenção.
Aos docentes foram oferecidos cursos de treinamentos, promovidos
pela universidade, antes da retomada dos trabalhos para a continuidade
das práticas. Foi uma etapa de preparação para se lidar com esta nova
modalidade de ensino. É importante ressaltar o momento de sensibilização,
entre todos, do desafio que a pandemia nos envolveu/envolve. Mesmo com
todas as dificuldades e o comprometimento da continuidade das práticas
foi possível a construção deste dossiê. São resultados significativos de
outras licenciaturas que tratam das manifestações culturais, relações de
experiências de práticas interétnicas na Licenciatura Intercultural Indígena
da UEMA, e, da contundente reflexão sobre a homofobia e seus efeitos na
educação.
Apesar de todos os embates que enfrentamos por esta nova
situação, é pertinente que possamos contribuir de maneira significativa
com as pesquisas e reflexões relacionadas às Ciências Sociais. Apesar das
dificuldades, foi possível dar continuidade a este trabalho, que tem se
apoiado na ampla discussão em defesa do papel da universidade pública.
Enfatizamos que esta vem sofrendo diversas ameaças, sobretudo, no atual
contexto político da sociedade brasileira. A política neoliberal tem cerceado

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 449


a conquista da participação na produção de conhecimentos, pautados nas
práticas democráticas. Contudo, a resistência tem conseguido transcender
a essas ameaças constantes e lutando para preservar a memória de
educadores como Paulo Freire, que vem nos inspirando com a sua valiosa
reflexão sobre a pedagogia da autonomia e da esperança.
A parceria entre a UEMA e a UEL vem se fortalecendo a partir
dos eventos realizados com a participação das professoras Ângela Maria
de Sousa Lima e Angélica Lyra de Araújo, que têm estreitado os laços
de trabalhos e como um grande incentivo para a elaboração dessa obra.
Essas experiências conjuntas estão com a perspectiva de continuidade de
novos trabalhos que possam gerar uma ampliação de conhecimentos das
Ciências Sociais, dialogando com as práticas educativas e com um olhar de
criticidade e desnaturalização das relações de poder, que dificultam a nossa
conquista de uma sociedade mais democrática. Esperamos que a leitura
deste trabalho seja provocativa para todos aqueles que trilham em busca de
uma melhor compreensão das políticas públicas de educação, das questões
sociais do Maranhão e da sociedade contemporânea brasileira.
Ressaltamos, na elaboração deste trabalho, a participação de
docentes e discentes de outros cursos de licenciatura desta universidade.
Estes resultados advêm das experiências de práticas como componentes
curriculares e das reflexões acadêmicas na área da educação. O Programa
Ensinar, em sua modalidade, envolve esses diversos cursos, que estão
articulados aos cursos regulares da UEMA. Apesar da especificidade
do projeto, este diálogo entre os docentes e a coordenação do programa
são fundamentais para implementações de ações baseadas na proposta
dos projetos pedagógicos com a preocupação da prática investigativa na
formação docente. Neste modo, agradecemos estas relevantes contribuições
para esta Coletânea, como um fortalecimento e reconhecimento das
licenciaturas no campo da pesquisa.

Profa. Dra. Helciane de Fátima Abreu Araujo


Prof. Ms. José Antonio Ribeiro de Carvalho

450 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


PRÁTICA CURRICULAR NOS CURSOS DE LICENCIATURA DA
UEMA: PESQUISA, INTERVENÇÃO E FORMAÇÃO1

Ana Lúcia Cunha Duarte2


Fabíola de Jesus Soares Santana3

INTRODUÇÃO

A Prática como Componente Curricular (PCC) é planejada na


elaboração do projeto pedagógico de cada curso de licenciatura e seu
acontecer dá-se desde o início da duração do processo em articulação
intrínseca com o estágio supervisionado e com as atividades de trabalho
acadêmico, concorrendo, conjuntamente, para a formação da identidade
profissional de professor de Educação Básica. Considera ainda o novo
paradigma das Diretrizes Curriculares Nacionais sobre a formação de
professores e suas exigências legais voltadas para um padrão de qualidade
nos cursos de licenciatura.
Desse modo, a prática curricular desenvolve atitudes investigativas,
reflexivas e atuantes frente à complexidade da realidade educacional.
Além disso, cria espaço para o exercício da capacidade de pesquisar o
fato educativo, estimulando o estudante à reflexão e à intervenção no
cotidiano da prática pedagógica investigativa, promovendo a integração
entre estudantes. Pode também socializar experiências que contribuam
para a iniciação científica, por meio da prática da pesquisa em educação,
1
Constam, neste capítulo, as parte do texto das Orientações para as Práticas como Componentes
Curriculares dos Cursos de Licenciatura disponibilizadas a todos os professores efetivos e/ou seletivados
da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA e elaboradas pelas autoras deste capítulo, em janeiro
de 2018, a partir da solicitação da Coordenação Geral do Programa Ensinar de Formação Docente da
UEMA, considerando o início da oferta do componente no âmbito do Programa e a necessária formação
dos docentes que desenvolveriam as atividades de orientação do referido componente curricular.
2
Professora Adjunto do Departamento de Educação e Filosofia, Centro de Educação, Ciências Exatas
e Naturais da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Doutora em Educação pela Universidade
de Brasília (UNB). Contato: anaduarte@professor.uema.br
3
Professora Adjunto do Departamento de Letras da Universidade Estadual do Maranhão, Centro de
Educação, Ciências Exatas e Naturais da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Doutora em
Letras, área de concentração Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Contato:
fabiolasantana@professor.uema.br

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 451


no sentido de fortalecer e articular os saberes para a docência na busca da
formação da identidade do professor.
O processo formativo do professor com a prática reflexiva e
investigativa visa construir o saber e o fazer como tarefa interativa, presente
na significação social da profissão, na reflexão e na investigação da atividade
profissional, valorizada pela pesquisa individual e coletiva, no sentido de
fortalecer e articular os saberes da docência na formação da identidade do
professor.
Entre as ações desenvolvidas pelo estudante no âmbito da prática
curricular investigativa, destaca-se a participação em atividades voltadas
à pesquisa, à reflexão e à intervenção em situações problemas sociais,
educacionais e pedagógicas. Portanto, adotou-se a pedagogia de projetos
como estratégia para desenvolvimento das atividades estabelecidas para a
prática como componente curricular nos cursos de licenciatura da UEMA.
Apresenta-se a seguir três tópicos distintos que abordam: 1) a
legislação sobre a prática curricular na formação de professores para
Educação Básica a partir dos referenciais legais que norteiam esse
componente curricular na construção do projeto pedagógico dos cursos
de licenciatura; 2) concepção de prática investigativa como componente
curricular nos cursos de licenciatura da UEMA, destacando a distribuição
das 400h em três dimensões de 135h e 3) a metodologia utilizada na
organização das etapas da investigação, a saber: elaboração do projeto e
instrumentos de investigação; levantamento dos dados e informações,
elaboração do relatório de pesquisa e apresentação oral em forma de
seminário.

A LEGISLAÇÃO SOBRE A PRÁTICA CURRICULAR NA FORMAÇÃO


DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

A Lei de Diretrizes e Bases Nacional da Educação (LDB), nº


9.394/1996, no Art. 43 - inciso III, estabelece como finalidade da Educação
Superior o incentivo ao “trabalho de pesquisa e investigação científica,
visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão

452 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do
meio em que vive”. Nesse contexto, para melhor compreensão da formação
de professores, busca-se a definição do que garante o exercício o qual,
estará materializado pela Licenciatura que se constitui em uma licença, ou
seja, uma autorização, permissão ou concessão dada por uma autoridade
pública para o exercício de uma atividade profissional, em conformidade
com a legislação.
Assim, o inciso XIII, do Art. 5, da Constituição Federal de 1988
assegura o livre exercício profissional, atendendo as qualificações
profissionais que a lei estabelecer. Nesse sentido, a qualificações profissionais
está na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), Lei nº
9.394/96, no seu Art. 62, parágrafo 4º, que determina: “A União, o Distrito
Federal, os Estados e os Municípios adotarão mecanismos facilitadores de
acesso e permanência em cursos de formação de docentes em nível superior
para atuar na Educação Básica pública. (Incluído pela Lei nº 12.796, de
2013).”
Ainda, no âmbito da LDB nº 9.394/1996, encontra-se pontos
referentes a autonomia universitária destacados no Art. 53, quando
recomenda que, no exercício de sua autonomia, são asseguradas às
universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições:

I - Criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação


superior previstos em lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando
for o caso, do respectivo sistema de ensino; II - Fixar os currículos dos seus
cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes.

Diante da relevância da formação profissional de docentes, percebe-


se a exigência primordial na associação entre teoria e prática como bem
ressalta o Art. 61 da LDB nº 9.394/96, demarcando a possibilidade do
fortalecimento da articulação entre a teoria com a prática, valorizando a
pesquisa individual e coletiva, conforme consta no inciso II – “a associação
entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação
em serviço”. (Incluído pela Lei nº 12.014, de 2009).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 453


Então, torna-se necessário entender a prática como o próprio modo
como as coisas vão sendo feitas, cujo conteúdo é atravessado por uma teoria.
Nesse sentido, a prática se consiste no momento pelo qual se busca fazer
algo, produzindo alguma coisa que a teoria procurará conceituar, significar
e com isto administrar o campo e o sentido dessa atuação.
No processo de elaboração das diretrizes curriculares para a
formação de professores para a Educação Básica brasileira, o contexto
trouxe a necessidade de promover a educação de qualidade social,
consequentemente, a formação de professores, não como uma justaposição
de etapas fragmentadas, mas reforçando a concepção de escola voltada para
a construção consciente e ativa. No tocante à prática curricular nos cursos de
licenciatura, ela não deve ser vista como uma cópia e nem reflexo da teoria.
Defende-se que a prática é o modo como as coisas vão sendo realizadas,
atravessadas por uma teoria. Desse modo, a realidade é construída pela
prática e pela teoria em movimento.
Importante situar a concepção e o entendimento do papel da prática
como componente curricular e do estágio supervisionado, resguardando
a especificidade de cada um e sua necessária articulação, bem como a
necessária supervisão desses momentos formativos, a caracterização dos
mesmos como parte obrigatória da formação tal como delineado no Parecer
CNE/CP nº 28/2001 e reforçado nos Pareceres CNE/CES nº 15/2005 e nº
02/2015.
O Parecer CNE/CP nº 02/2015 da Resolução CNE/CP nº 02/2015
que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial
e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica ratifica
o Parecer CNE/CP nº 28/2001, que distingue a prática como componente
curricular do estágio supervisionado:

A prática como componente curricular é, pois, uma prática que produz


algo no âmbito do ensino. Sendo a prática um trabalho consciente [...]
de apoio do processo formativo, a fim de dar conta dos múltiplos modos
de ser da atividade acadêmico-científica. Assim, ela deve ser planejada
quando da elaboração do projeto pedagógico e seu acontecer deve se
dar desde o início da duração do processo formativo e se estender ao

454 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


longo de todo o seu processo. Em articulação intrínseca com o estágio
supervisionado e com as atividades de trabalho acadêmico, ela concorre
conjuntamente para a formação da identidade do professor como
educador. Esta correlação teoria e prática é um movimento contínuo entre
saber e fazer na busca de significados na gestão, administração e resolução
de situações próprias do ambiente da educação escolar. A prática, como
componente curricular, que terá necessariamente a marca dos projetos
pedagógicos das instituições formadoras, ao transcender a sala de aula
para o conjunto do ambiente escolar e da própria educação escolar, pode
envolver uma articulação com os órgãos normativos e com os órgãos
executivos dos sistemas. Com isto se pode ver nas políticas educacionais e
na normatização das leis uma concepção de governo ou de Estado em ação.
Pode-se assinalar também uma presença junto a agências educacionais
não escolares tal como está definida no Art. 1º da LDB. Professores
são ligados a entidades de representação profissional cuja existência
e legislação eles devem conhecer previamente. Importante também é o
conhecimento de famílias de estudantes sob vários pontos de vista, pois
eles propiciam um melhor conhecimento do ethos dos alunos. (Grifo nosso)

O Parecer CNE/CES nº 15/2005 ratifica essa compreensão, ao


afirmar que;

[...] a prática como componente curricular é o conjunto de atividades


formativas que proporcionam experiências de aplicação de
conhecimentos ou de desenvolvimento de procedimentos próprios ao
exercício da docência. Por meio destas atividades, são colocados em uso,
no âmbito do ensino, os conhecimentos, as competências e as habilidades
adquiridos nas diversas atividades formativas que compõem o currículo
do curso. As atividades caracterizadas como prática como componente
curricular podem ser desenvolvidas como núcleo ou como parte de
disciplinas ou de outras atividades formativas. Isto inclui as disciplinas
de caráter prático relacionadas à formação pedagógica, mas não aquelas
relacionadas aos fundamentos técnico-científicos correspondentes
a uma determinada área do conhecimento. Por sua vez, o estágio
supervisionado é um conjunto de atividades de formação, realizadas sob
a supervisão de docentes da instituição formadora, e acompanhado por
profissionais, em que o estudante experimenta situações de efetivo exercício

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 455


profissional. O estágio supervisionado tem o objetivo de consolidar e
articular as competências desenvolvidas ao longo do curso por meio das
demais atividades formativas, de caráter teórico ou prático. (Grifo nosso)

O referido Parecer destaca ainda que:

As disciplinas relacionadas com a educação que incluem atividades de


caráter prático podem ser computadas na carga horária classificada
como prática como componente curricular, mas o mesmo não ocorre
com as disciplinas relacionadas aos conhecimentos técnico-científicos
próprios da área do conhecimento para a qual se faz a formação. Por
exemplo, disciplinas de caráter prático em Química, cujo objetivo seja
prover a formação básica em Química, não devem ser computadas como
prática como componente curricular nos cursos de licenciatura. Para este
fim, poderão ser criadas novas disciplinas ou adaptadas as já existentes,
na medida das necessidades de cada instituição. (Grifo nosso).

Na formação docente, a relação teoria e prática deve ocorrer por


meio de múltiplas maneiras, conforme o que foi estabelecido,

[...] uma concepção de prática mais como componente curricular implica


em vê-la como uma dimensão do conhecimento, que tanto está presente
nos cursos de formação nos momentos em que se trabalha na reflexão sobre
a atividade profissional, como durante o estágio nos momentos em que se
exercita a atividade profissional. (BRASIL, PARECER CNE/CP nº 09/2001,
p. 23).

A partir dessa perspectiva, distingue-se, de um lado, a prática


como componente curricular investigativo e, de outro, a prática de ensino
desenvolvida no estágio obrigatório definidos em lei. A primeira é mais
abrangente, contemplando dispositivos legais a partir do entendimento
que se constitui numa prática que produz algo no âmbito do ensino, sendo
um trabalho consciente cujas diretrizes se nutrem do Parecer CNE/CP nº
09/2001, devendo ser uma atividade flexível quanto aos outros pontos de
apoio do processo formativo.

456 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


No Parecer CNE/CP nº 02/2015, aprovado em 9 de junho de 2015,
sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e
Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, destaca-
se que é importante apreender os processos e, sobretudo, situar a concepção
e o entendimento do papel da prática e do estágio supervisionado como
componentes curriculares, resguardando a especificidade de cada um e sua
necessária articulação, bem como a necessária supervisão desses momentos
formativos, a caracterização dos mesmos como parte obrigatória da
formação tal como delineado no Parecer CNE/CP nº 28/2001 e reforçado
no Parecer CNE/CES nº 15/2005.
Em 2009, a UEMA, por meio da Resolução nº 890/2009 – CEPE/
UEMA, uniformiza a concepção e os procedimentos de prática curricular,
do estágio curricular obrigatório e das outras formas de atividades
acadêmico-científico-culturais nos cursos de licenciatura. Nesse dispositivo
normativo, já se previa o caráter de;

[...] iniciação à pesquisa, sendo à aberta extensão, pela via do ensino


não formal, ou seja, o trabalho de pesquisa pode desencadear uma ação
extensionista na comunidade, caracterizada por uma intervenção em
ambientes escolares ou não-escolares.

Em um dos últimos encontros, iniciado em 2015, para a discussão


sobre a organização curricular dos cursos de licenciatura da UEMA,
optou-se por uma compreensão da prática como componente curricular
a partir de três dimensões: sociopolítica, educacional e escolar. A partir
da discussão da organização dos currículos das licenciaturas, no âmbito
da Universidade Estadual do Maranhão, por meio da Resolução n°
1.264/2017 – CEPE/UEMA, foram estabelecidas as Diretrizes Curriculares
dos Cursos de Licenciatura da UEMA, adequadas as nossas singularidades
institucionais e fundamentadas no que preconizam a Resolução CNE/CP
nº 02/2015 e o Parecer CNE/CP nº 02/2015. Conforme o estabelecido pela
Resolução n° 1.264/2017 – CEPE/UEMA, Art. 2º, os currículos dos cursos
de licenciatura da UEMA serão constituídos de:

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 457


I - núcleo de estudos de formação geral, das áreas específicas e
interdisciplinares, e do campo educacional, seus fundamentos e
metodologias, e das diversas realidades educacionais; II - núcleo de
aprofundamento e diversificação de estudos das áreas de atuação
profissional, incluindo os conteúdos específicos e pedagógicos, priorizadas
pelo projeto pedagógico dos cursos, em sintonia com os sistemas de ensino,
que, atendendo às demandas sociais, oportunizará outras possibilidades;
III - núcleo de estudos integradores para enriquecimento curricular,
compreendendo a participação em várias atividades.

A prática como componente curricular deve manter uma intrínseca


relação com os estágios supervisionados, mas também com todos os demais
componentes curriculares. Deve ser norteada por temáticas específicas,
considerando o conjunto de saberes dos núcleos I e II, previamente
apontadas no projeto pedagógico de cada curso, como estabelece o Artigo
7º, da Resolução n° 1.264/2017 – CEPE/UEMA. Antecede ainda o estágio
supervisionado e pressupõe uma tripla função: ensino, pesquisa e extensão.

PRÁTICA INVESTIGATIVA NOS CURSOS DE LICENCIATURA DA


UEMA: UMA ENGRENAGEM QUE TEM DADO CERTO

Por esse motivo, a Prática como Componente Curricular (PCC)


indica necessariamente a marca dos projetos pedagógicos das instituições
formadoras e produz algo no âmbito do ensino, podendo ser entendida
como, de acordo com Souza Neto e Silva (2014, p. 897-898),

uma estratégia para a problematização e a teorização de questões pertinentes


ao campo da educação e à área de ensino de..., oriundas do contato
direto com o espaço escolar e educacional e com o espaço das vivências e
experiências acadêmicas ou profissionalizantes; e (b) um mecanismo para
viabilizar a integração entre os diferentes aportes teóricos que compõem a
investigação científica e os campos de conhecimento em educação e ensino
de [...].

458 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


No planejamento dessas atividades práticas, importante considerar,
como sugere o Parecer CNE/CP nº 02/2015, a;

[...] articulação entre os sistemas de ensino e instituições educativas de


modo a propiciar vivências nas diferentes áreas do campo educacional,
assegurando aprofundamento e diversificação de estudos, experiências e
utilização de recursos pedagógicos.

Para fornecer orientações sobre possibilidades de organização da


PCC nos currículos dos cursos de licenciaturas, é necessário considerar
estudos que enfatizem esse aspecto, pois a PCC é uma prática que produz
algo sobre o ensino que se realiza em espaços educativos. Portanto, visa a
garantir uma sólida formação teórico-prática para os futuros professores.
É necessário também que a PCC se articule às teorias ensinadas durante o
curso, ou seja, proporcione pensar para que, como e o que fazer nos espaços
educativos com o aprendido. Assim, conforme Souza Neto e Silva (2014, p.
898),

[…] as 400 horas da prática curricular, que foram acrescentadas nos


currículos dos cursos de formação de professores, não podem nem devem
ser vistas como uma estratégia para buscar equilíbrio na relação teoria prática
nas disciplinas, mas devem ser pensadas na perspectiva interdisciplinar,
buscando uma prática que produza algo no âmbito do ensino e auxilie na
formação da identidade do professor como educador.

De acordo com os autores, a PCC deverá estar voltada para “[...]


procedimentos de observação e reflexão, o registro das observações
realizadas e a resolução de situações problema” (SOUZA NETO; SILVA,
2014, p. 898), devendo esses procedimentos estarem direcionados para
processos educativos. Desse modo, a PCC somente poderá ser elaborada e
realizada como ação interdisciplinar.

A interdisciplinaridade, junto da articulação entre teoria e prática, tem


sido pensada como uma das relevantes possibilidades para a superação

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 459


da fragmentação que se instalou no âmbito educacional. Porém, essa
interdisciplinaridade abarca a interpenetração de método e conteúdo entre
disciplinas que trabalham, conjuntamente, determinado objeto de estudo.
Tal integração ocorre durante a construção do conhecimento, de forma
conjunta, desde a apresentação do problema. Assim, a PCC implica também
uma nova visão de currículo (SOUZA NETO; SILVA, 2014, p. 898-899).

Na UEMA, conforme o estabelecido pela Resolução n° 1.264/2017 –


CEPE/UEMA, Art. 3º, § 2º:

Os cursos de licenciatura da UEMA terão, no mínimo, 3.255 horas de


efetivo trabalho acadêmico, em cursos com duração de, no mínimo, oito
semestres ou quatro anos, conforme o estabelecido: I - prática como
componente curricular, de 405 horas, distribuídas até o início da segunda
metade do curso;

Em nossa IES, equivalem a 09 (nove) créditos de 45 horas cada,


distribuídas do segundo ao quinto período do curso, e estão assim
designadas: Prática Curricular na Dimensão Político-Social (135h), Prática
Curricular na Dimensão Educacional (135h) e Prática Curricular na
Dimensão Escolar (135h).

CONCEPÇÃO DE PRÁTICA INVESTIGATIVA COMO COMPONENTE


CURRICULAR NOS CURSOS DE LICENCIATURA DA UEMA

A prática, como componente curricular, faz parte de todos os projetos


pedagógicos dos cursos licenciatura da UEMA, sempre na perspectiva
de transcender a sala de aula e buscar atender um conjunto de temáticas
de pesquisa diversas e de interesses dos estudantes futuros professores,
pode ainda, fazer articulação com os órgãos normativos e com os órgãos
executivos dos sistemas de ensino. Com isto, se pode ver nas políticas
educacionais e na normatização das leis uma concepção de governo ou de
Estado em ação. É fundamental que haja tempo e espaço para a prática,

460 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


como componente curricular, desde o início do curso. A seguir, apresenta-
se como foi organizado o componente curricular nos cursos de licenciatura
na UEMA:
a) Prática Curricular na Dimensão Político-Social - 135 horas
A Prática Curricular na Dimensão Político-Social visa orientar
e fornecer a formação dos saberes da docência por meio de ferramentas
didático-pedagógicas para que possam realizar práticas curriculares
contextualizadas e interdisciplinares, a partir de conteúdos que demonstrem
a dimensão político-social da educação. Esta prática deverá proporcionar
a compreensão das funções sociais e políticas da educação, da escola como
instituição social inserida em uma comunidade, além da contextualização
das problemáticas sociais, culturais e educacionais, desenvolvidas por meio
de projetos educacionais temáticos a partir de questões cientificamente
relevantes das práticas curriculares em uma visão interdisciplinar e
multidisciplinar.
b) Prática Curricular na Dimensão Educacional – 135 horas
A Prática Curricular na Dimensão Educacional tem o intuito
de contribuir na formação dos saberes da docência, considerando as
concepções sobre a significação social da profissão, a relevância da atividade
docente e no espaço pedagógico do professor. Essa prática deverá permitir
a organização da ação docente voltada para sua atuação, na direção do
ensino, da pesquisa e da extensão, possibilitando também conhecer as
metodologias de ensino desenvolvidas pelos professores na Educação
Básica, na busca da construção da identidade do ser professor, na sociedade
atual. Essa prática curricular deve ser desenvolvida na visão interdisciplinar
e multidisciplinar por meio da construção e desenvolvimento de projetos
educativos temáticos.
c) Prática Curricular da Dimensão Escolar – 135 horas
A Prática Curricular na Dimensão Escolar visa contribuir com a
formação dos saberes da docência, considerando a dimensão democrática
e participativa na escola como ambiente da formação social do indivíduo
cidadão para o exercício consciente da cidadania, devendo abordar a escola
a partir da diversidade que deve fundamentar o projeto pedagógico, na

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 461


sua estrutura, organização e dinâmica administrativa-técnico-pedagógica,
buscando por meio da construção e do desenvolvimento de projetos
educativos que contemple a igualdade de condições para o acesso e a
permanência na escola; a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e
de concepções pedagógicas; o respeito à liberdade e o apreço à tolerância;
a valorização do profissional da educação; a gestão democrática do ensino
público; a garantia de um padrão de qualidade; a valorização da experiência
extraescolar; a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas
sociais, o respeito e a valorização da diversidade étnico-racial, entre outros,
constituem princípios vitais para a melhoria e democratização da gestão e
do ensino.

METODOLOGIA UTILIZADA NA ORGANIZAÇÃO DAS ETAPAS DA


PRÁTICA INVESTIGATIVA

A partir do caráter investigativo que permeia toda a concepção da


prática como componente curricular, permite ensejar no contexto dos
cursos de licenciatura da UEMA a construção de uma identidade do
professor reflexivo e atuante na sociedade, articulada com as outras formas
de Atividades Teórico-Práticas (ATP), como o Estágio Supervisionado e as
demais disciplinas, mediantes ações educativas integradas, que estreitam o
vínculo universidade-comunidade.
As atividades tanto podem ser desenvolvidas em instituição de ensino
como em outros espaços educacionais credenciados. Para a consecução
da PPC, entende-se que as metodologias propostas podem considerar os
seguintes procedimentos como:

a) Revisão da literatura da temática escolhida;


b) Visitas aos espaços educacionais com vistas a investigação ou
desenvolvimento de atividades pedagógicas (levantamento de
dados, documentos legais), quais sejam: estudo do planejamento
de ensino do período correspondente a etapa do desenvolvimento

462 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


das práticas com vistas a interdisciplinaridade; levantamento da
realidade estudada; leitura e análise do Projeto Político Pedagógico
da Escola; leitura do Regimento Interno da Escola; leitura dos
projetos desenvolvidos pela escola.
c) Observação de diferentes dimensões da prática educativa;
reflexão; registros de observações realizadas e resolução de
situações-problema;
d) Observação e reflexão sobre a prática educativa com a possibilidade
de utilização de tecnologias de informação;
e) Levantamento e análise de materiais e livros didáticos;
f) Levantamento e análise de documentos relativos à organização do
trabalho na escola;
g) Coleta e análise de narrativas orais e escritas de profissionais da
educação, estudantes e pais ou responsáveis pelos alunos da escola
básica;
h) Estudos de caso delineados a partir dos desafios encontrados
no contexto escolar relacionados a: questões de ensino e de
aprendizagem; projetos educativos; articulação entre profissionais
e diferentes setores da escola; relação família e escola; formação
continuada de professores e de gestores da escola básica.
A prática curricular investigativa tem como objetivo articular
diferentes conjuntos de conhecimentos, saberes e experiências que serão
adquiridos e vivenciados pelos estudantes em diferentes tempos e espaços
no transcorrer do curso, de maneira a aprofundar a compreensão da
prática educativa em contextos distintos. Deverá, portanto, atender às
especificidades de cada curso de licenciatura da UEMA. A distribuição da
carga horária do componente curricular é, assim, a organização para efeito
de registro e de acompanhamento pelos professores.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 463


Distribuição da carga horária de Prática Curricular nos Cursos de
Licenciatura da UEMA

Elaboração
Prática Pesquisa/ Elaboração Apresentação
do projeto e
Curricular Levantamento do relatório do relatório
Períodos instrumentos
Investigativa de dados de pesquisa de pesquisa
de investigação

Prática
Curricular
Investigativa 2º 45 h 45h 30h 15h
Político-Social
Prática
Curricular
Investigativa 3º 45 h 45h 30h 15h
Educacional
Prática
Curricular
Investigativa 4º 45 h 45h 30h 15h
Escolar
Fonte: RIBEIRO, Joaires Sidney dos Santos et al (2015).

A estrutura dos projetos das práticas como componentes curriculares


é simples e atende aos principais itens dos projetos de pesquisa, a
saber: problema a ser investigado, justificativa, objetivos, metodologia,
fundamentação teórica, cronograma e referências. O professor orienta a
elaboração do projeto definido pelos estudantes. Em seguida, os estudantes,
em grupo, fazem os levantamentos dos dados nos espaços educacionais,
além de pesquisa bibliográfica. Após essa fase, os grupos organizam, em
sala de aula, os dados e elaboram o relatório com os achados da pesquisa.
Na fase final, são apresentados os resultados da pesquisa no Seminário das
Práticas dos Cursos de Licenciatura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização da prática curricular investigativa, nos cursos de


licenciatura, tem como foco a pesquisa. Observa-se que a forma como foi
organizada nos PPC tem apresentado resultados positivos e animadores, ao

464 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


nosso ver, porque envolve os estudantes e os sistemas de ensino e a própria
comunidade na discussão dos assuntos e temáticas que, por muitas vezes,
não são lembrados ou considerados nos currículos dos cursos de formação
de professores. Talvez esteja aí, a contribuição dessa proposta da prática, a
oportunidade para o investigar, conhecer e refletir a respeito da dimensão
político social, da dimensão educacional e da dimensão escolar no processo
de formação de professores para a Educação Básica. Tem sido uma
experiência exitosa, para os professores, e também para os coordenadores
dos cursos de licenciatura da UEMA.
A desenvolver um componente curricular, nas licenciaturas, como
a prática permite aos professores que atuam nos cursos de licenciatura
constatar o quanto é imprescindível a realização das investigações em forma
projetos e depois os estudantes empolgados com os seus relatórios e análises
dos dados. Muitos estudantes têm apresentado em eventos científicos seus
relatórios de pesquisa fruto dos projetos de prática.
O mais difícil durante esse processo tem sido o planejamento dos
professores para elaboração em um tempo muito curto dos projetos com
os estudantes, pois exige um planejamento detalhado de acompanhamento
das etapas de orientação, são elas: elaboração do projeto, levantamento
dos dados e informações e elaboração do relatório para apresentação no
seminário de prática no final do semestre letivo.
Considera-se que houve avanços expressivos na experiência da
prática investigativa nos cursos de licenciatura na UEMA. Formar vai além
de ensinar e aprender. É preciso buscar alternativas para os currículos
dos cursos de formação de professores. Estamos tentando construir uma
formação melhor com os professores para a Educação Básica.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de


dezembro de 1996. Brasília, DF: 2007.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 465


BRASIL. Parecer CNE/CP n.º 9, de 8 de maio de 2001. Disponível em: http://portal.
mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/009.pdf. Acesso em: 19 out 2016.

BRASIL. Parecer CNE/CP nº. 28, de 8 de maio de 2001. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/028.pdf. Acesso em: 19 out 2016.

BRASIL. Parecer CNE/CES nº 15, de 2 de fevereiro de 2005. Disponível em: http://


portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/015.pdf. Acesso em: 15 dez 2017

BRASIL. Parecer CNE/CP n.º 2, de 9 de junho de 2015. Disponível em: http://


portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/002.pdf. Acesso em: 15 dez 2017.

BRASIL. Resolução CNE/CP n.º 2, de 1º de julho de 2015. Disponível em: http://


portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/002.pdf. Acesso em: 15 dez 2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:


Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/ Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 06 dez 2020.

RIBEIRO, Joaires Sidney dos Santos et al. Relatório da Comissão de práticas


curriculares, estágio supervisionado e atividades teórico-práticas designada pela
Portaria n° 10/2015 – CECEN/UEMA. São Luís, 2015.

SOUZA NETO, Samuel de; SILVA, Vandeí Pinto da. Prática como componente
curricular: questões e reflexões. Revista Diálogo Educacional, v. 14, nº. 43, p. 889-
909, set./dez. 2014.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO. Resolução CEPE/UEMA n°


1.264, de 6 de junho de 2017. Diretrizes Curriculares dos Cursos de Licenciatura
da UEMA.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO. Normas Específicas de


Dimensão Prática do Estágio Curricular Obrigatório e das atividades acadêmico/
científico/culturais nos Cursos de Licenciatura da UEMA, aprovadas pela
Resolução nº 890/2009 – CEPE/UEMA.

466 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A PANDEMIA DA COVID-19 E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO:
UM ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA DA COMUNIDADE
RURAL EM PEDREIRAS - MA

Yunng Sousa Silva1


Thomas Antônio Vieira de Sousa2
Donizete Souza de França3
José Antonio Ribeiro de Carvalho4

INTRODUÇÃO

Considerando as implicações geradas nos últimos meses pela


pandemia da Covid-19 em todas as áreas de atuação humana, incluindo,
é claro, a educação, em seus diferentes níveis, buscamos entender como os
alunos de uma turma multisseriada, numa comunidade rural em Pedreiras
no interior do Maranhão, se adaptou ao sistema de aula remota que a Escola
A, com todas as suas dificuldades, adotou para tentar minimizar os efeitos
negativos causado pela pandemia.
Antes de aprofundar sobre as dificuldades e as estratégias adotadas
pela Escola A do povoado5, referente à educação remota de caráter
emergencial, buscamos entender: o que é a Covid-19? Como ela provocou
uma crise sanitária jamais imaginada para os nossos dias e como essa
pandemia fez com que atividades econômicas, sociais, políticas e culturais

1
Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Centro de Estudos Superiores de Pedreiras – CESPE,
Acadêmico de Ciências Sociais Licenciatura / Programa Ensinar de Formação de Professores. Pedreiras,
MA Brasil 65725-000. Contato: yunngsilsa@aluno.uema.br.
2
Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Centro de Estudos Superiores de Pedreiras – CESPE,
Acadêmico de Ciências Sociais Licenciatura / Programa Ensinar de Formação de Professores. Pedreiras,
MA Brasil 65725-000. Contato: thomasvieira@aluno.uema.br
3
Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Centro de Estudos Superiores de Pedreiras – CESPE,
Acadêmico de Ciências Sociais Licenciatura / Programa Ensinar de Formação de Professores. Pedreiras,
MA Brasil 65725-000. Contato: dony08franca@gmail.com
4
Professor da Componente Curricular de Prática na Dimensão Educacional, e-mail: josearc5@yahoo.
com.br
5
Comunidade Rural localizada no município de Pedreiras – MA distância de 7Km do centro da cidade.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 467


fossem prejudicadas pelo distanciamento físico utilizado para se evitar a
infecção do novo Coronavírus?
O distanciamento físico foi uma das medidas adotadas em todo
o mundo para tentar conter o avanço do novo Coronavírus. O uso de
máscaras, de álcool em gel a 70% e a lavagem correta e constante das
mãos, além do distanciamento, são uma série de medidas para evitar a
propagação do vírus e que surpreendeu muitos por não terem como hábito
o uso desses equipamentos e o gesto de lavar as mãos constantemente, por
mais necessário que seja para se evitar este e outros tipos de doenças.
Na educação, em seus muitos níveis de atuação, não foi diferente,
apesar das medidas de higienização e proteção com uso de equipamento
individual, a princípio, a paralisação total das instituições de ensino foi
adotada, afetando o processo escolarização. Só depois de várias tentativas,
a educação ganha um novo formato, o ensino remoto e possibilitando a
retomada parcial de suas atividades.
Portanto, cabe ao presente artigo, analisar as nuances deste tema no
que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem, num momento em
que os rumos e diretrizes da educação estão se redesenhando, ganhando
novo formato de caráter emergencial imposto pela situação pandêmica em
que vivemos. Assim, tentaremos num primeiro momento compreender
como a Covid-19 se tornou um problema mundial. Em um segundo
momento abordaremos a situação da educação frente a pandemia do novo
Coronavírus. E, por fim, refletir sobre a pandemia da Covid-19 e os desafios
da educação a partir de um estudo realizado na turma multisseriada de 4º
e 5º ano da Escola A, em uma comunidade rural.

A PANDEMIA DA COVID-19

A Covid-19, doença causada pelo novo Coronavírus, também


conhecido por SARS-CoV2. Tem esse nome a partir de partes da sua
estrutura assemelhar-se as coroas da realeza, do latim, corona. É parte
de uma família de vírus que causam desde resfriados leves a infecções
respiratórias graves como a MERS-CoV, conhecida como Síndrome

468 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Respiratória do Oriente Médio e a SARS-CoV conhecido como Doença
Respiratória Aguda Grave.
A Covid-19 desafia governos e causa pânico no mundo inteiro
por trazer uma realidade que não se imaginaria nos dias de hoje. O alto
grau de contaminação do novo Coronavírus fez de um surto inicialmente
identificado em Wuhan na China, em dezembro de 2019 e que se espalhou
rapidamente por outros países e em seguida identificada em outros
continentes, passando a ser classificada pela Organização Mundial da
Saúde – OMS, como pandemia.
Em Genebra, no dia 11 de março de 2020, numa Conferência de
imprensa, o diretor da OMS, Tedros Adhanom disse que a organização
está acompanhando a situação do vírus pelo mundo e da preocupação com
os níveis de contágio, além dos cuidados de se usar a palavra pandemia.
Tedros Adhanom, diretor da OMS fala que:

[...] Da OMS, realizamos uma avaliação permanente deste surto e estamos


profundamente preocupados tanto com os níveis alarmantes de propagação
e gravidade, como com os níveis alarmantes de inação. Por essas razões,
concluímos que Covid-19 pode ser considerada uma pandemia. (OMS,
2020).

E segue:

[...] “Pandemia” não é uma palavra a ser usada levianamente ou


imprudentemente. É uma palavra que, usada indevidamente, pode provocar
medo irracional ou dar origem à ideia injustificada de que a luta acabou,
resultando em sofrimento e morte desnecessários. (OMS, 2020).

Pandemia que, segundo o Dicionário Online de Português (2020),


pela junção das palavras “pan” (todo, tudo) e “demos” (povo) significa
“o povo inteiro” e que a Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, classifica
como “[...] a disseminação mundial de uma nova doença e, que, o termo
passa a ser usado quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 469


espalha por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa
para pessoa [...]” (SCHUELER, 2021). Segundo Ana Carolina Correia, do
site de notícias Conexão UFRJ, é confirmado pela Organização Mundial da
Saúde – OMS e que a referida organização ainda acrescenta que, pandemia
é a disseminação global de uma doença nova, indicando que um vírus se
espalhou por mais de um continente (CORREIA, 2020).

A EDUCAÇÃO E O NOVO CORONAVÍRUS

Com as proporções que a pandemia da Covid-19 alcançou,


instituições educativas no mundo inteiro, nos seus diferentes níveis,
suspendem suas atividades. Crianças, adolescentes, jovens e adultos,
envolvidos diretamente com a educação, ficam sem sua rotina diária de
se deslocarem, permanecerem e executarem suas atividades, nas escolas,
faculdades, universidades e outras instituições educacionais pelo mundo.
No Brasil esse distanciamento tem causado um impacto seríssimo
no desenvolvimento educacional em seus diferentes níveis, principalmente
entre de crianças e adolescentes, com o fechamento temporário das escolas.
Segundo Mahoney (2002), a escola um dos ambientes colaborativos que
reúne uma diversidade de conhecimentos, atividades, valores e regras que
facilitam no desenvolvimento humano e na aprendizagem.
Com o fechamento das escolas devido o avanço da pandemia, o
ensino presencial é afetado e a maneira de retomar, ainda que parcialmente
as atividades educativas, foi utilizar mecanismos e tecnologias que
possibilitaram a comunicação e transmissão dos conteúdos utilizados no
processo de ensino e aprendizagem entre professores e alunos. Para esse
retorno, o uso da Tecnologia de Informação e Comunicação – TIC, foi
fundamental para que essas atividades pudessem ser retomadas.
Quanto ao conceito de Tecnologia da Informação e Comunicação,
Moran (2012), diz que TIC é a área que utiliza ferramentas tecnológicas
com o objetivo de facilitar a comunicação e o alcance de um alvo comum.
Segundo Vieira (2011), ela pode ser utilizada para tratar a informação,
auxiliando o usuário a alcançar um objetivo especifico.

470 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Considerando os conceitos e aplicações da TIC na educação, as
escolas buscaram, com o uso dessas ferramentas, manter suas relações
sociais, “[...] essencial para o desenvolvimento, inter-relação, e articulação
entre escola – professor – aluno [...]”, de acordo com Santinello (2013, p.
20), de maneira a dar continuidade às atividades escolares. Vale salientar
que não se tinha imaginado usar as TICs de uma maneira tão abrangente
na educação mesmo nesse cenário de pandemia.
No ensino tradicional, o uso dessa tecnologia não deve simplesmente
ser inserida antes de se fazer um planejamento para que esse ensino
seja virtualizado. No cenário da pandemia, com o isolamento social
e o fechamento das escolas, essa tecnologia assume o lugar do espaço
escolar, da sala de aula, com o ensino remoto, o que permite aos alunos e
professores a troca de informações. Não é uma troca ou uma substituição
de ambientes, mas um recurso utilizado na educação de forma emergencial
para minimizar os efeitos da pandemia no processo educacional.
Confundido como educação à distância, o ensino remoto
emergencial, modelo de retomada das atividades educacionais no contexto
que estamos vivendo, deixou comunidades escolares preocupadas quanto
a qualidade do ensino que seria passado aos milhões de estudantes de
diferentes níveis de escolaridade e situações sociais no Brasil. A palavra
“remoto” faz referência à condição de distanciamento geográfico que
professores e alunos enfrentam para evitar a disseminação do vírus.
Como, então, garantir aos estudantes da Educação Básica o acesso
à educação em tempos de pandemia por meio dessas tecnologias? A
Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 205, estabelece que:

[...] a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (BRASIL, CF/88, Art. 205).

Desse modo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,


Lei nº 9.394/1996 (LDB/1996) define os moldes da Educação Básica e de
como ela vai ser aplicada e a utilização do ensino à distância nessa etapa

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 471


da educação. Assim, a LDB/1996 (BRASIL, 1996, p. 23) destaca que a
educação à distância pode ser aplicada em dois contextos, o primeiro para
a complementação da aprendizagem, ou seja, “o Ensino Fundamental deve
ser presencial, entretanto, pode-se aplicar a educação a distância como
complemento no acréscimo das atividades para os alunos”. No segundo
contexto, o uso dessa modalidade de ensino em situações emergenciais.
Porém, a LDB/1996 não diz como essas aulas devem acontecer, isso fica a
cargo do sistema de ensino.
Em relação ao Ensino Médio, no Artigo 36, a LDB/1996 (BRASIL,
1996, p. 26) destaca que “o currículo pode ser ofertado em diferentes
arranjos curriculares, dependendo do contexto local ou das diferentes
situações ou possibilidades de trabalho dos sistemas de ensino”. Nessa
vertente, nota-se que a uma abertura maior para o ensino a distância
para o Ensino Médio, tendo a possibilidade de estabelecer convênio com
instituições de ensino a distância para a criação e realização de cursos e
até mesmo estabelecer uma educação presencial mediada por tecnologias.
No que tange ao Artigo 80, na LDB/1996 (BRASIL, 1996, p. 50), “o poder
político deve prever e incentivar o desenvolvimento da educação a distância
em todos os níveis e modalidades de ensino em todo o território nacional”.
Como visto, essa modalidade de ensino é permitida principalmente em
situações emergenciais.
Paulo Freire (1983) nos alerta sobre o papel da educação e de como
o homem é o sujeito da sua própria educação. Segundo Freire, sentimos a
necessidade de nos reinventarmos no sentido de trazer para o ambiente
educacional modelos, processos de possibilitem a integração de todos nos
processos educacionais. Na perspectiva de Freire:

Ai de nós educadores, se deixarmos de sonhar sonhos possíveis [...]. “Os


profetas são aqueles ou aquelas que se molham de tal forma nas águas de
sua cultura e da história do seu povo, que se conhecem o seu aqui o seu
agora e, por isso, podem prever o amanhã que eles mais do que adivinham,
realizam.” As oportunidades das pessoas estarão condicionadas ao manejo
do conhecimento, os futuros possíveis se orientarão pela educação.
(FREIRE, 1999, p.27).

472 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A responsabilidade do professor aumentou, não só a do professor,
mas também dos alunos e dos pais e responsáveis no processo de educação.
Promover educação em uma situação dita normal já é por si só um enorme
desafio. Fazer isso no contexto de uma pandemia requer um tipo de
comprometimento que só verdadeiros educadores são capazes de realizar,
no seu íntimo e na prática, o tipo de ação pedagógica que tem impacto
direto e imediato na sociedade.

CONTEXTO DA PESQUISA

CARACTERIZAÇÃO DA LOCALIZAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO

A presente pesquisa foi realizada em uma escola rural, localizada no


município de Pedreiras, interior do Maranhão. A referida escola funciona
nos turnos matutino e vespertino e atende estudantes de comunidades
vizinhas ao povoado rural além dos estudantes da própria comunidade. A
comunidade onde se localiza a escola é formada, na maioria, por famílias
que vivem da agricultura familiar, exercendo a função de agricultores e
criadores de animais de pequeno porte como aves, suínos e caprinos, em
seus quintais e ou sítios. O povoado é constituído de pequenos sítios, sendo
que a maioria dos habitantes mora em propriedade própria.

CARACTERIZANDO O CAMPO DE ESTUDO

A escola A, da comunidade rural, é uma escola pública e rural que foi


fundada no ano de 1985, no governo do prefeito Pedro Barroso de Carvalho
Neto, para atender a demanda da própria comunidade e das comunidades
vizinhas quanto à educação de crianças e adolescentes. A Escola conta com
98 (noventa e oito) alunos divididos em 2 turnos (matutino, vespertino) na
modalidade de ensino multisseriado de 1º ao 9º, conta com 18 funcionários
entre professores, administrativo e serviços gerais. Funciona em prédio

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 473


próprio, água de poço artesiano, energia elétrica da rede pública, esgoto
sanitário por fossa e destinação do lixo por queima. Em sua estrutura, existe
4 salas de aula, 6 computadores adquiridos por meio do Programa Nacional
de Tecnologia Educacional (ProInfo), cozinha que oferece alimentação
para os alunos e pátio para recreação.
A LDB/1996, em seu Artigo 28, destaca que, na oferta de Educação
Básica para a população rural, os sistemas de ensino devem promover
adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e
de cada região. Ainda de acordo com LDB/1996, a Educação Básica para o
campo, deve:

[...] I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais


necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar
própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola
e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona
rural. (BRASIL, 1996, p. 21).

Apesar da LDB/1996 indicar como deve ser ofertado a Educação


Básica para a população rural em suas respectivas comunidades, no referido
povoado rural essa modalidade de ensino não é aplicada. A Escola A está
inserida na modalidade organizacional de classes multisseriadas, como diz
Silva, (2011, p. 33), oferecida nas regiões mais empobrecidas e com baixa
densidade demográfica.
Little (2005), citado por Parente (2014), afirma que:

A multisseriação existe em alguns contextos, quais sejam: em escolas


localizadas em regiões pouco povoadas, afastadas e/ou de difícil acesso;
em escolas que compreendem um conjunto de salas de aula em várias
localidades, formando um cluster; escolas localizadas em regiões cuja
população está em declínio e que, inicialmente, não eram multisseriadas.
(LITTLE apud PARENTE, 2014, p.64).

Segundo Parente (2014):

474 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A escola multisseriada, como opção de organização que atende a um
número reduzido de sujeitos, num espaço pequeno e com poucos
profissionais, pode ser caracterizada como política de democratização do
acesso à educação, ainda que tenha relegado a segundo plano as necessárias
opções pedagógicas (PARENTE, 2014, p.58).

Mais do que buscar as diferentes razões sociais, culturais, econômicas


e estruturais que explicam a aplicação dessa modalidade na escola da
comunidade, devemos nos atentar para o êxodo que acontece quando os
jovens, em idade de estudar o Ensino Médio e trabalhar preferem migrar
para a cidade que ficar na comunidade.
A escola do povoado aderiu ao sistema multisseriado à medida
que as condições socioeconômicas, com os moradores podendo fazer a
aquisição de veículos automotores, geográficos, as melhorias das estradas
que ligam o povoado à sede, as políticas públicas educacionais, programas
como Caminho da Escola, que oferece transporte coletivo para estudantes,
favoreceram a saída desses estudantes da comunidade. Em suma, o sistema
multisseriado aplicado na comunidade, assim como eu outras partes do
Brasil, é produto de uma necessidade específica, oferecer educação para
democratizar o acesso.

RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS

Análise do Projeto de pesquisa

Referente à pesquisa, que deu embasamento para a construção


deste artigo, verificou-se que os objetivos foram: analisar as principais
dificuldades no processo de ensino e aprendizagem frente à problemática
da pandemia da Covid-19; identificar os impactos causados pela adesão
do ensino remoto para pais, alunos e professores da comunidade; apontar
os desafios enfrentados por professores e alunos em consequência do
distanciamento físico; descrever como é recebido, pelos envolvidos
no processo de ensino aprendizagem, o modelo de aula remota como

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 475


alternativa para dar continuidade ao processo de educação escolar; relatar
as dificuldades dos pais de alunos ao administrarem as tarefas escolares
ofertadas a partir do ensino remoto.
Assim, a pesquisa se deu numa turma multisseriada de 4º e 5º
ano, formada por 13 alunos, divididos entre: a) 4º ano com 08 alunos:
05 meninos e 03 meninas; b) 5º ano com 05 alunos: 04 meninos e 01
menina. Com idade média de 11,5 anos de idade, estes alunos têm como
responsáveis familiares que trabalham no campo ou na cidade e alguns não
são alfabetizados.

Análise das Entrevistas

No dia 17 de março de 2020, os órgãos governamentais de saúde e


a educação recomendaram a paralisação das atividades escolares. Meses
depois dessa paralisação, a Escola A retoma suas atividades sob orientação
da Secretaria Municipal de Educação do Município de Pedreiras - SEMED.
A orientação dada pela Secretaria é de que as aulas seriam remotas com a
utilização das TICs, para que, por meio dessa paralisação e do isolamento, a
disseminação do vírus fosse controlada. Assim, se preservaria a integridade
física de alunos, professores e demais profissionais da educação.
Em entrevista com a então diretora da Escola A, percebe-se as
dificuldades que professores, alunos e a própria direção tiveram quanto à
utilização das tecnologias para o ensino remoto. Ao retomar as atividades
por meio do ensino remoto, a comunidade escolar do povoado se deparou
com dificuldades acerca do acesso à infraestrutura de internet. Para que
as aulas, de caráter emergencial (ensino remoto), pudessem ser colocadas
em prática, era necessário ter um sinal de internet de boa qualidade que
atendesse alunos e professores.
O acesso à internet no povoado rural se dava apenas através de
telefonia celular e via rádio. Durante a pandemia, uma empresa privada
passou oferecer o serviço de internet por cabo óptico à comunidade, mas,
logicamente, nem todos puderam arcar com a adesão e manutenção desses
serviços, sendo necessários equipamentos de rede adequados ao tipo fibra
ótica e compatíveis com a velocidade oferecida.

476 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Diante dessas complicações, notou-se que parte do corpo docente da
escola relatou as dificuldades quanto ao uso das TICs no desenvolvimento
das aulas. Para muitos, além do manuseio dessas tecnologias, outro
problema era estar de frente a uma câmera explicando o conteúdo, pois,
não era comum que professores da referida escola gravassem aula. A cada
falha técnica, metodológica e ou de desenvoltura do docente, a gravação era
reiniciada e reiniciada, até que a vídeo aula fosse suficientemente objetiva.
(Relato da gestora, em março de 2021).
Somando-se a isso, outra grande dificuldade constatada foi o
acesso dos alunos à internet e às plataformas para o acompanhamento das
aulas oferecidas. Era preciso ainda equipamentos como computadores,
smartphones ou tablets para esse acompanhamento. Isso gerou um
desconforto nas famílias, pois muitas não dispunham, nem poderiam
fazer aquisição dos meios tecnológicos, um dos motivos seria o alto valor
econômico, às vezes, incompatíveis com a situação econômica das famílias
do povoado.
Em se tratando da turma multisseriada de 4º e 5º ano, a tecnologia
utilizada para as aulas remotas foi inicialmente o aplicativo de conversa
WhatsApp. Ao utilizar esse aplicativo, a professora viu a facilidade que alguns
alunos, com acesso à internet, ou por dados móveis da telefonia celular ou
por fibra óptica, tinham em relação ao uso do mesmo. Assim, as postagens
com o conteúdo das aulas eram feitas na expectativa de um feedback dos
alunos. Esse retorno dos alunos não aconteceu como esperado. Dentre os
alunos com acesso à internet, apenas uma, como relata a professora, dava
retorno às atividades enviadas por meio do aplicativo. Esse retorno só foi
possível pelo acompanhamento que essa aluna recebia dos pais, que tinham
certo conhecimento com o uso do aplicativo.
De acordo com a professora que participou da pesquisa, a maior
dificuldade dos alunos foi justamente o acompanhamento adequado dos
pais nas atividades extraclasse. Essa dificuldade é acentuada quando,
mesmo com o acesso e o conhecimento do aplicativo de conversa por parte
dos alunos, os pais não tinham conhecimento técnico e do conteúdo das
aulas, além dos horários em que esses pais estavam nas suas atividades
laborais.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 477


Vale ressaltar que boa parte dos pais e ou responsáveis por esses alunos
não era alfabetizada. Ou trabalhavam na agricultura familiar em pequenos
sítios, ou em seus próprios quintais, ou ainda na cidade em atividades
diversas. Em ambos os casos, os horários para que pais ou responsáveis
acompanhassem esses estudantes nas suas atividades escolares, geralmente
não eram compatíveis para o desenvolvimento dessas atividades, deixando
sem o devido suporte técnico (uso do aparelho e ou aplicativo) e didático
(conhecimento do conteúdo abordado).
O ensino remoto foi recebido com certa desconfiança entre os pais.
A adaptação dos alunos não foi exatamente como esperada, por motivos já
citados. A coordenação pedagógica e a diretoria da escola buscaram, então,
uma maneira mais prática para atender aos alunos, conforme a realidade
local. Como a experiência com a turma multisseriada de 4º e 5º ano não
alcançou os resultados esperados, foi adotada uma metodologia diferente
do que se havia proposto com o uso das TICs. Essa turma passou, então,
a utilizar cadernos de atividades confeccionados na própria escola de
acordo com o material escolar e os livros didáticos, otimizando o conteúdo
para o modelo de apostila, de modo mais compacto e com linguagem de
fácil compreensão, para que os alunos pudessem absorver o conteúdo
apresentado nesse material.
Dessa forma, exemplares desses cadernos de atividades foram
impressos na própria escola, depois que a direção, utilizando recursos de
programas federais como o Programa Dinheiro Direto na Escola - o PDDE,
programa criado no ano de 1995, no governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso, com a finalidade de prestar assistência financeira às
escolas, contribuindo com a manutenção e melhoria da infraestrutura
física e pedagógica (FNDE, 2017) - adquiriu uma impressora que atendesse
a demanda de atividades a serem impressas, não só para essa turma em
específico, mas para todas as turmas da escola.
A professora da sala multisseriada do 4º e 5º ano, nos relatou que
um dos métodos de avaliação considerados pela instituição foi, além da
participação desses alunos - com todas as dificuldades apresentadas pela
situação imposta pela pandemia da Covid-19 e do acompanhamento,

478 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


muitas vezes falho, dos pais ou responsáveis - foi a devolutiva das atividades
impressas que disponibilizadas aos alunos de 15 em 15 dias. As notas eram
atribuídas de acordo com o desempenho dos alunos na realização dessas
atividades e tinham como parâmetro as notas obtidas antes da paralisação
das aulas presenciais (Relato da professora, colhido em fevereiro de 2021).
Observando o esforço de uma família em particular, a diretora nos
relatou que fez a doação de seu equipamento de internet de rede de dados
móveis para essa família, pois a mesma havia adquirido novo equipamento
de fibra óptica para acesso a rede de computadores, a internet, quando
uma prestadora de serviços de internet instalou na comunidade os cabos e
estabeleceu a conexão via fibra. Essa família, com 06 filhos matriculados na
escola, sendo um deles com deficiência cognitiva, apesar das complicadas
condições financeiras, morando um pouco mais distante da área mais
povoada da comunidade e da problemática da pandemia, se esforçou ao
máximo para garantir a permanência dessas crianças na escola. (Relato da
Escola A, colhido em março de 2021).
A diretora considerou não somente a necessidade financeira dessa
família, mas o esforço fora do padrão (para a comunidade), por observar
que o pai da família, sendo lavrador, busca uma realidade diferente para
os filhos e, sabiamente, aposta na educação escolar para alcançar tais
mudanças, uma realidade dura que ele não deseja aos filhos. Essa percepção
que a diretora da escola teve, a levou doar esses equipamentos de internet
(antena e roteador para conexão via 4G com operadora de telefonia móvel e
um chip 4G). Além desse gesto da doação de equipamentos, a diretora nos
relatou que ajudou essa família na aquisição de um aparelho smartphone em
seu nome, dividindo em prestações “suaves” para que esse pai conseguisse
pagar o aparelho e que, em dado momento, a própria diretora assume essas
prestações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente a artigo destaca algumas dificuldades da educação frente


a pandemia da Covid-19. O processo de ensino e aprendizagem na Escola

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 479


A, na zona rural da cidade de Pedreiras – MA, é analisado a partir dessa
problemática, num estudo minucioso, das condições que profissionais da
educação, estudantes e familiares dessa comunidade escolar enfrentam.
Considerando a temática abordada e o contexto no qual este trabalho
foi desenvolvido, destacamos os esforços que nos levaram não somente a
elucidar uma ótica perfeitamente válida de observação de como a pandemia
da Covid-19 afetou o sistema de ensino, mas como essa comunidade escolar
se adaptou aos novos métodos de ensino, ainda que para uso emergencial,
o chamado ensino remoto, mostrando como desenvolveu seu próprio
método a partir das peculiaridades da comunidade.
Notoriamente, essa situação de pandemia é algo inesperado.
Segmentos da sociedade e governos não estavam preparados para algo
tão agressivo e prolongado. Logo, não se tinha um plano de contingência
para lidar com os diversos problemas que surgiram frente ao cenário
preocupante que a pandemia provocou.
As políticas públicas voltadas para a informatização das escolas,
como o ProInfo, que promovem não somente aos alunos, mas todos os
profissionais da Educação Básica, o uso pedagógico das TICs, se mostraram
ineficazes no sentido de subsidiar conhecimento técnico necessário para
operar não somente computadores, mas outros dispositivos com tecnologias
similares, por falta de manutenção desses equipamentos e de contratação
de profissionais que poderiam auxiliar na utilização destes.
De acordo com a pesquisa realizada na Escola A, percebeu-se a
grande dificuldade dos alunos para o uso das tecnologias nas atividades
escolares, no acesso à rede de computadores, no uso dos aplicativos e
programas utilizados no ensino remoto, e na compreensão e entendimento
dos conteúdos aplicados nas aulas que se acentua com o distanciamento
físico e social. Notou-se as dificuldades dos pais e ou responsáveis em
acompanhar esses alunos nas atividades escolares, devido à falta de tempo
ou por não serem alfabetizados, assim como a problemática das gravações
de aulas e a necessidade de elaboração de conteúdos de fácil entendimento
dos alunos, além da sobrecarga de trabalho que os professores tiveram
nesse período.

480 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Em síntese, pode-se considerar que para a educação, a pandemia
revelou o que muitos dizem ter apenas aumentado: as grandes distâncias
sociais; a problemática das infraestruturas de escolas; dificuldade de acesso
à internet nas comunidades rurais; o analfabetismo, as dificuldades na
formação dos profissionais da educação. Ainda, trouxe à tona, a resiliência
desses profissionais no sentido de buscarem meios alternativos para a
garantia da permanência dos alunos no processo de escolarização.

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Disponível em: http://seer.abed.net.br/index.php/RBAAD/article/view/233/111 .
Acesso em: 22 fev 2021.

482 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: O PAPEL DA FAMÍLIA
NA ENCRUZILHADA ENTRE OS ALUNOS E A ESCOLA1

Adriana Brito dos Santos2


Carlos Maycon Soares3
Maria de Lourdes Silva Santos França4
Maria Deuzirene Alves de Souza5
Maria Silvia Pereira do Nascimento6
Marileia Oliveira Gomes Maia7
Raimundo Nonato Américo da Rocha8
Rosirene Martins Lima9

INTRODUÇÃO

As Instituições de Ensino enfrentam enormes desafios referentes


às novas modalidades de ensino devido às dificuldades causadas pela
pandemia com a necessidade de distanciamento e isolamento social. Em
meados de março de 2020, as redes públicas e privadas suspenderam suas
atividades e, com o prolongamento desse isolamento, mais de 120 dias sem
atividades presencias nas escolas, várias questões emergiram: Qual o papel
da escola nesse cenário? Seria possível cumprir os dias e horas letivos em
tempos de emergência sanitária? A escola tem que cumprir a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC)? Essas questões mobilizaram as redes, umas
mais ágeis e outras menos, a reorganizarem suas atividades e iniciarem a
oferta de ensino remoto.

1
O presente trabalho trata-se da experiência de pesquisa remota desenvolvida no âmbito da Disciplina
de Prática na Dimensão Escolar do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Estadual
do Maranhão.
2
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: adriana.santos1106@gmail.com.
3
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: carlosfmaycon99@gmail.com.
4
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: lourdesfranca2@gmail.com 
5
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: deuzireneasouza@gmail.com.
6
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: silvia.loreto2014@gmail.com. 
7
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: marileiaogm@gmail.com.
8
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: nonatoamerico-1@hotmail.com.
9
Profa. do Programa de Pós Graduação Socioespacial e Regional - DCS-UEMA. Contato: rosirenelima@
professor.uema.br.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 483


Nesse contexto, os sistemas educacionais buscaram se adaptar e
travar uma batalha a fim de garantir uma equidade e consequentemente
que todos os alunos tivessem acesso às aulas. Cabem ressaltar alguns pontos
importantes para a realização desses trabalhos remotos como, acolhimento
dos pais ou responsáveis, redes de internet, interação entre escola, aluno e
família, acessibilidade entre as ferramentas disponibilizadas. Para que os
estudantes tivessem esse direito garantido, as redes de ensino precisaram
fazer o mapeamento dessas crianças e adolescentes, bem como os quais
acessos eles têm disponíveis e os recursos necessários, para então elaborar
as propostas pedagógicas. A partir disso, as redes e escolas visualizaram as
condições para pensar em quais plataformas, mídias, estratégias e materiais
digitais ou impressos poderiam ser ofertados para eliminar as barreiras que
impediam os trabalhos pedagógicos remotos.
Percebe-se que a inclusão digital é um dos maiores problemas e
desafios encontrados. As escolas não possuem ferramentas necessárias para
a demanda, pois acolhe alunos com dificuldades financeiras e estruturais e
em vários contextos de vulnerabilidade, dificultando assim a sua inclusão
e permanência. Neste cenário, com frequência, houve a expressão de
várias resistências por professores e gestores, manifestadas através de
questionamentos e queixas ou ate ainda com expectativas de apresentação
de soluções mágicas de aplicações imediatas causando certa decepção e
frustração.
No entanto, as redes enfrentam dificuldades imensas: falta estrutura
para o trabalho dos professores; a maioria deles não tem formação ou se
sentem despreparados para trabalhar nessas condições; os alunos têm
dificuldade de acesso à internet e faltam condições para acompanhar esse
processo. Isso ao se considerar apenas as condições educacionais que são
agravadas pela pobreza, fome, falta estrutura de moradia, água encanada,
energia, incertezas quanto ao futuro, medo da morte.
Entretanto, o que a escola deveria fazer nesse momento? Cumprir
o currículo e a BNCC como se nada tivesse acontecendo? Qual é a nossa
função social? Em meio a esse cenário, os profissionais da educação,
em trabalho remoto, têm vivido o drama de cumprir com a sua função

484 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


e assegurar a educação para milhões de brasileiros. Profissionais que
também sofrem com os medos que nos cercam. Escutando suas narrativas,
constatamos que as redes educacionais ainda não refletiram seriamente
sobre o que a educação e a escola podem fazer nesse momento: podem as
escolas contribuir para minimizar os estragos causados pela Covid-19 ou
devemos manter a escola como sempre foi?
A escolha do tema veio através da emergência de discussões no âmbito
do desenvolvimento da Disciplina de Prática na Dimensão Educacional,
quando precisaríamos elaborar um projeto de pesquisa a ser executado
nas escolas. Devido à suspensão das atividades presenciais em função
da pandemia da Covid-19, que obrigou a adoção do ensino remoto para
dar continuidade aos processos educativos – ao calendário escolar, veio à
tona a necessidade de adaptar o projeto, agora orientado para essa nova
situação do ensino remoto. Visto que há vários obstáculos para inclusão
digital dentro das instituições de ensino, esse tema nos chamou atenção,
enquanto estudantes de Ciências Sociais, para alertar a sociedade que no
âmbito escolar não há lugar para individualidade, mas sim um lugar onde
se constrói um mundo melhor por meio da coletividade.
Dito isso, a proposta e execução do projeto de pesquisa teve como
o objetivo compreender como ocorreu a implantação e implementação
do ensino remoto e verificar o tempo e as metodologias utilizadas e as
dificuldades encontradas para a continuação do calendário escolar com
as aulas remotas nas escolas municipais de Ensino Fundamental pela qual
denominamos escola “A” localizada na zona urbana, escola “B” localizada
no povoado Buritirana, zona intermediária da cidade e na escola “C”
localizada no povoado Lagoa Nova na zona rural, no município de Loreto.
Para atender aos objetivos dessa pesquisa, considerando essas
afirmações, elegemos como instrumentos de coleta de dados: a observação
participante remota, a análise documental e a entrevista síncrona e
assíncrona. Os procedimentos da coleta de dados ocorreram no contexto
remoto (online) da escola, mais precisamente em ferramentas disponíveis
(WhatsApp). Cabe ressaltar que a entrevista remota foi, desde o início, um
importante auxílio para identificar o problema a ser investigado; os demais

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 485


instrumentos somaram uma riqueza de detalhes, que indica as reações e a
receptividade dos sujeitos em relação ao tema pesquisado; que ao final da
pesquisa constituiu em um elemento importante para a análise dos dados,
bem como, para a compreensão do contexto em que está sendo realizado
esse estudo.
Foram realizadas com o propósito de colhermos dos pesquisadores
de forma remota, suas opiniões sobre o referido tema, inclusão digital na
escola, quais as perspectivas e as experiências vividas em sala online. As
entrevistas remotas visaram obter informações qualitativas, de modo a
verificar como está acontecendo o processo de inclusão desses alunos em
suas casas e sua respectiva aprendizagem.
Após a pesquisa bibliográfica partimos para a parte prática através
do estudo de caso, que foi realizado nas Escolas Públicas de Ensino
Fundamental “A”, zona urbana, Ensino Fundamental “B”, zona intermediária
e Ensino Fundamental “C”, zona rural, todas de Ensino Regular, sendo
entrevistados professores, diretores e alunos do Ensino Fundamental,
atendidos nas referidas instituições. Considerando a queixa dos professores
e as informações sobre as dificuldades da implantação das aulas remotas,
iniciou-se a coleta de dados referentes ao processo. Os mesmos apontaram
que a adoção do método tem afetado negativamente o processo educacional,
com destaque para os prejuízos ocasionados aos docentes, que tentam
administrar problemas relacionados à falta de organização do trabalho
com escassez de materiais e ferramentas disponibilizadas.
Diante dessa situação, os alunos com problemas de conexão ou
acesso às ferramentas ficam a maior parte do tempo sem participar das
atividades, apenas como participantes de grupos de WhatsApp. Sendo que
a ideia é manter o vínculo dos estudantes com a escola e garantir uma rotina
mínima de estudos neste momento de isolamento social. É importante
ressaltar como era a situação de aula presencial, para que haja uma
comparação de como era e como está sendo no formato da aula remota,
só assim é possível fazer uma análise e compreender as queixas e satisfação
de todos envolvidos. De acordo com os dados coletados, percebemos que
na área pedagógica é preciso repensar a prática docente, com estratégias
diferenciadas para a realização das atividades remotas.

486 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Na área cultural, constatou-se uma barreira entre os alunos que tem
acesso as ferramentas digitais e os que possuem dificuldades financeiras
para alcançar essa nova modalidade de ensino, não socialização e um
distanciamento entre os mesmos, que são agrupados de acordo com
suas qualificações e dificuldades. Percebemos características semelhantes
como a pouca comunicação entre eles e o sentimento de desqualificação,
isolamento e até a necessidade de mais envolvimento da família.
A legislação e os textos pesquisados para esse trabalho sobre
educação digital deixam bem claro que renovação pedagógica exige, em
primeiro lugar, que a sociedade e a escola adaptem-se aos novos tempos.
Em segundo, que o professor, que é considerado o agente determinante da
transformação da escola, deve ser preparado adequadamente para gerenciar
o acesso às informações e conhecimentos por parte dos alunos.
Percebemos que nem todos os professores estão preparados para
ministrar aulas remotas e isso pode ocasionar resistências de alguns às
inovações educacionais, ao considerarem que a proposta de uma educação
para todos é válida. Porém, impossível de ser concretizada, levando em
conta o número de alunos e as circunstâncias em que se trabalha nas
escolas da rede pública de ensino. Demonstra-se, mais do que nunca, que
os professores devem capacitar-se, acreditar e, principalmente, aceitar a
inclusão digital, tornando, assim, as aulas remotas um ambiente propício à
construção do conhecimento.
Portanto, como ambiente inclusivo, a escola deve ter como principal
desafio o sucesso de todos os alunos, sem exceção, procurando se reinventar
sempre que o modo de ensino se tornar ineficaz ou ultrapassado com sua
forma de aprendizagem, fazendo com que os alunos nunca percam sua
vontade de aprender e ainda incentivem uns aos outros a não desistirem.

REFERENCIAL TEÓRICO

Quando se fala em inclusão na educação é impossível não se lembrar


do patrono da Sociologia da Educação, Émile Durkheim, o qual se tornou
professor para mudar a forma de ensino. Ele via que a maneira de ajudar a

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 487


sociedade seria se tornando professor, sendo um agente transformador. Ele
não fez métodos pedagógicos, mas ensinou aos professores como melhorar
a forma de conduzir o aprendizado, para sair da educação individualista e
introduzirem a educação em que favorece a todos. “Através da educação, o
‘ser individual’ transforma-se em ser social.” (DURKHEIM apud FILLOUX,
2010, p. 15).
Maria Teresa Eglér Mantoan é pedagoga e doutora em Educação.
Seus estudos relativos à inclusão escolar são pioneiros e precursores dessa
ideia na educação brasileira. Esse é o tema sobre o qual tem escrito e
trabalhado nos últimos dez anos em sua carreira acadêmica e profissional.
Escreveu inúmeros livros e artigos científicos, dedica-se intensamente a
propagar a educação escolar como direito indispensável e incondicional
de todos os alunos, sem discriminações e restrições de qualquer tipo, em
todos os níveis de ensino. (MANTOAN, 2015, p. 21).
Como afirma Mantoan:

Há diferenças e há igualdades – nem tudo deve ser igual, assim como


nem tudo deve ser diferente. Então, como concluí Santos (1995) é preciso
que tenhamos o direito de sermos diferentes quando a igualdade nos
descaracteriza e o direito de sermos igual quando a diferença nos inferioriza.
(SANTOS apud MANTOAN, 2015, p. 21).

A falta de recursos direcionados para a educação, antes e durante


a pandemia fez com que alunos fossem afastados do ambiente escolar.
A cientista política Andressa Pellanda comenta sobre este assunto em
entrevista no site Radis Fiocruz: “as políticas adotadas para a educação,
como a implantação de educação remota mediada por tecnologias, foram
pensadas de forma alheia a essa desigualdade, sem trazer caminhos de
solução para os problemas estruturais. E elas não deram certo” (PELLANDA
apud STEVANIM, 2020, s/p).
Segundo Andressa Pellanda (apud STEVANIM, 2020), ainda durante
a pandemia, o Brasil não investiu o necessário na formação de professores,
seja por meio da realização de atividades remotas ou para a reabertura das
atividades presenciais com segurança e em condições higiênicas adequadas.

488 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Acrescenta ainda que tanto docentes quanto discentes, mesmo que sejam
atores nucleares do direito à educação, não foram ouvidos por boa parte
das instituições escolares no processo decisório acerca das medidas a serem
implementadas e sobre quais políticas emergenciais seriam necessárias
a cada contexto, o que acentuou mais ainda as iniquidades e a exclusão
escolar.
Em consonância a isso, Relatoria Especial da Organização das
Nações Unidas (ONU) para o direito à educação também avalia o cenário,
apontando que o Brasil é um “mau exemplo” de política pública no setor de
educação para responder à epidemia. Em nota, o Relatório sobre o impacto
da Covid-19 na educação, apresentado na  44ª Sessão do Conselho de
Direitos Humanos da ONU em Genebra, em 3 de julho de 2020, apontou que
as medidas de austeridade e cortes orçamentários no sistema de educação
pública enfraqueceram a gestão da crise educacional e garantiram que a
capacidade de todas as pessoas de fornecer proteção. (STEVANIM, 2020).
O educador e escritor Paulo Freire, que sempre buscou a educação
inclusiva e discutiu sobre a exclusão que existe no meio escolar diz que:

A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática


da dominação, implica na negação do homem abstrato, isolado, solto,
desligado do mundo, assim também na negação do mundo como uma
realidade ausente dos homens. (FREIRE, 2002, p. 70).

Muitos acreditam que a educação tem uma fórmula exata de como


deve ser aplicada, isso acontece porque ao propagar a eficácia alcançada
através dos métodos padrões de educação, forma-se a ideia de que somente
este modo de educação é o correto, um exemplo: não existe uma só forma
de ensinar uma criança a ler ou somente uma forma de ensinar a andar de
bicicleta, pois as relações humanas vão muito além disso, e não cabem em
um único método de ensino, devido à diversidade humana.
Em um texto, intitulado “O fracasso da educação inclusiva sob o
ponto de vista de Andreozzi”, publicado em 20 de outubro de 2015, por
Jussineide de Lima e demais autores, vimos que:

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 489


A sociedade atual tem estabelecido à ideia da relação humana dentro de
um dito padrão de normalidades. Esta padronização tem acarretado
sérios problemas sociais, educacionais e humanos. Todavia esta tem
sido a forte marca do discurso moderno, que muitas vezes deixa o senso
de universalidade necessário para a vida em sociedade. A diversidade
existente nas relações humanas necessita da visão da multiplicidade e da
universalidade como caráter de urgência e de revisão dos padrões sociais.
Dentro disto predispõe que a sociedade precisa reviver não padrões de
moral, mas, sobretudo de respeito às individualidades e especificidades da
pessoa humana. (LIMA, 2015, s/p).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Uma das escolas-campo eleita para a pesquisa foi à escola municipal


A, situada na zona urbana de Loreto - MA, instituição que possui o
maior contingente de estudantes dentre as escolas municipais, atendendo
discentes residentes na zona urbana e rural. Durante a pesquisa, analisando
os aspectos estruturais, observou-se que é uma escola bem estruturada
para aulas presenciais, possuindo em suas dependências salas devidamente
ventiladas, com quadros brancos, biblioteca com um acervo significativo
para atender ao alunado e aos docentes, sala de informática e de recursos
multifuncionais.
Ainda que possua uma estrutura regular, os equipamentos não
possuem quantidade e conectividade necessárias para ofertar com
qualidade aulas remotas síncronas ou mesmo produção de recursos para
aulas online ou assíncronas. O ano letivo, segundo gestores, docentes e
discentes foi adaptado às necessidades de acordo com as possibilidades e
recursos disponíveis, não sendo possível executar as aulas de forma online,
mas em aplicação de conteúdos e atividades para não haver evasão, atrasos
e impasses ainda maiores no contexto de pandemia. Além disso, o início
do período de quarentena, em 17 de março de 2020, acarretou uma série
de preocupações acerca das providências que seriam tomadas para não
comprometer a oferta das aulas.

490 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Como estratégia, os órgãos de regulamentação e fiscalização do
estado do Maranhão, orienta a retomada das aulas de forma remota, sendo
realizado levantamento das necessidades como acesso à internet na escola
e nas residências dos estudantes, observando o tipo de conectividade,
como Wi-Fi, acesso com dados móveis ou ausência desses recursos. Como
seguimento, os estudantes que possuíssem acesso à internet teriam aulas
remotas e aos demais seria disponibilizado atividades impressas na escola.
A partir do levantamento, a principal ferramenta de estudo passou a ser o
WhatsApp, onde cada sala possuiria um grupo para a disponibilização dos
conteúdos, atividades e demais informes. Além disso, os professores fariam
uso do Google Sala de Aula (Classroom), para postagem dos planejamentos.
Dessa forma o ensino remoto foi adaptado de modo que os
professores fariam o envio das atividades para os grupos na segunda-feira
tendo a devolutiva dos alunos na sexta, para que assim pudessem dispor
de intervalo de tempo para sanarem as dúvidas e fazerem as devidas
correções. Essa maneira temporária foi a melhor forma encontrada em
caráter emergencial para que não houvesse atraso no calendário escolar
e para que não paralisasse o ensino, haja vista que a região é carente,
atende um público significativo de estudantes em vulnerabilidade social,
principalmente os estudantes da zona rural que não teriam acesso à internet
ou mesmo à energia elétrica.
Ademais, no quesito formação docente, não havia um preparo inicial
ou contínuo para o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs) ou demais recursos necessários a uma prática pedagógica adequada
ao ensino remoto. Dentre as dificuldades encontradas nessa adaptação, o
relato dos docentes exprime o sentimento de despreparo, falta de recursos
como celular, notebook ou computador adequado, além de ambiente
apropriado para Home Office.
Na zona intermediária o campo de pesquisa foi à escola “B”, situada
no povoado Buritirana (a 28 km de Loreto), que não dispõe de cobertura de
operadoras de telefonia, tendo apenas Wi-Fi em poucos estabelecimentos
comerciais e algumas residências. A pesquisa foi executada presencialmente
e através de redes sociais para contato com o gestor escolar, dois docentes,

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 491


sendo um dos anos iniciais do Ensino Fundamental e outro dos Anos Finais.
Também foram entrevistados três estudantes e dois pais/responsáveis,
sendo um do povoado Buritirana e outro da reserva Itapecuru.
Na Zona Rural a escola de Ensino Fundamental “C” foi outro
campo de pesquisa, sendo esta localizada no povoado Lagoa Nova (a
aproximadamente 24 km de Loreto-MA). Por ser na zona rural, a escola
não possui estrutura para as aulas online, não tendo equipamentos nem
internet. Para os docentes, existe o impasse referente ao recebimento
das atividades nos prazos estabelecidos, sendo que a escola imprime as
atividades, determinando a entrega pelos pais/responsáveis em 15 dias, já
recebendo uma nova demanda de atividades a serem executadas.

DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS PROFESSORES

Durante esse período os professores da escola de Ensino Fundamental


A, apontaram como principais dificuldades a falta de comprometimento
dos estudantes na devolutiva das atividades e a falta de acompanhamento
e assistência dos pais/responsáveis: “devido o desinteresse dos alunos
e também dos pais que não ajudam seus filhos”. Foi questionado sobre a
estrutura da escola para oferecer essa nova forma de ensino, a resposta foi
“acredito que nosso sistema não tem hoje estrutura para um ensino caso for
preciso um distanciamento, devido salas pequenas para um grande número
de aluno”. Também falaram sobre essa nova experiência e a sua adaptação
com o novo modo de ensino o professor disse que “acredito que adaptação
eu diria ainda está acontecendo devido até mesmo os educadores agora que
estão começando uma fase de adaptação com esse novo modelo de ensino”.
(Relatos colhidos em 15/09/2020, por WhatsApp)
A gestora escolar também falou sobre a estrutura da escola “através
dos grupos de WhatsApp já existente na escola e para os alunos que não
tem acesso à internet é oferecida o cronograma das atividades impresso
seguindo todas as orientações da OMS. ” Relatou as dificuldades na
execução das aulas remotas, mencionado que “as mais diversas possíveis,
como: falta de tecnologia, família carentes, falta de incentivo da família, o

492 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


novo para ambos os lados família e escola. ” Além disso, não há a segurança
de que o estudante tenha a mesma aprendizagem que na sala de aula,
isso principalmente em relação aos alunos com necessidades educativas
especiais: “se funciona ainda não podemos afirmar, aliás em nenhuma
modalidade, mas estamos tentando integrar a todos neste novo contexto
dentro das nossas possibilidades”. E quanto a essa nova experiência trouxe
que “tem sido a cada dia uma nova descoberta, mas descobrir que sou
capaz de lidar com essas tecnologias, pois hoje neste contexto do indivíduo
está trabalhando isolado tendo que se virar só sem ter o técnico para
auxiliar, descobrir que não importa o tempo somos capazes de aprender,
nos redescobrir, de recomeçar a qualquer tempo.” (Relatos colhidos em
17/09/2020, por WhatsApp).
Na escola “B”, povoado Buritirana, com as respostas obtidas do
diretor e dos professores, verificou-se que as maiores dificuldades dessa
modalidade de aulas online é a falta de uma Internet de boa qualidade, a
capacitação para os professores lidarem com esse período da melhor forma
e com um ensino de qualidade, já que muitas famílias não têm condições de
dar suporte aos filhos nas atividades, seja por falta de tempo, seja por pouca
ou nenhuma escolaridade.
Na escola “C”, segundo relato docente, os estudantes não têm
aproveitamento nas disciplinas, sendo a falta de internet o principal
motivo, a maioria está achando que é algum tipo de brincadeira o momento
atual vivido, não tendo consciência dos motivos da paralisação das aulas
presenciais e da gravidade do contexto atual. Sem a orientação direta dos
professores e pela ausência de recursos essenciais ao ensino, a aprendizagem
dos estudantes se mostra inteiramente comprometida, ainda que os pais
incentivem, e auxiliem como podem. Todas essas questões fazem parte
de um movimento colaborativo entre toda a comunidade escolar, sendo
imprescindível a educação como um topo, mas mais ainda nesse novo
contexto e nas novas formas de ensino.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 493


DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS ALUNOS

Acerca das apreensões apontadas pelo público estudantil, o relato


prevalece:

Está sendo um período complicado devido essa pandemia no mundo, sem


aulas presenciais. Na minha opinião, não tem tanta aprendizagem nessas
aulas online devido a maior parte dos alunos não entender o assunto
determinado. Mas não podemos desistir, e sim tentar. “Percebe também
que a aprendizagem não é a mesma que nas aulas presenciais “não, nem se
compara”. A diferença é enorme, pois em aulas presenciais o aluno tem um
acompanhamento melhor e com mais aprendizagem. (Relatos colhidos em
15/09/2020, por WhatsApp).

Ao mais, relatou-se que os professores ficaram à disposição para tirar


as dúvidas. “Ficou sim, mas a explicação de aulas presenciais não é como
uma via internet. A aprendizagem não é a mesma”. Há ainda a preocupação
com o ingresso no Ensino Médio “[...] porque em quase 1(um) ano foram
poucas aprendizagens, além de não ter chegado nem a metade do livro
para poder ir para a série seguinte. Na minha opinião temos que estar
preparados e com bastante assuntos novos aprendidos e concluídos”. Foi
relatado um problema que afeta bastante esses alunos dentro da sala de
aula, que são os conflitos familiares e a falta de acompanhamento dos pais.
(Relatos colhidos em 15/09/2020 por WhatsApp).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da realização do trabalho que se pautou em pesquisa


bibliográfica e estudo de caso, foi possível alcançar os objetivos propostos
de analisar a implantação e implementação do processo de aulas remotas
nas escolas municipais. Foi feita uma análise sobre os desafios e dificuldades
dessas aulas remotas; em que medida está preparado o corpo docente para
auxiliar seus alunos e, principalmente a aceitação dos alunos com essa nova

494 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


forma de estudo. Percebeu-se que a forma de ensino presencial é muito
mais eficaz quando alunos e professores reconheceram que mesmo com
todas as dificuldades encontradas no dia-a-dia na sala de aula é mais fácil
para detectar as dúvidas sobre os conteúdos abordados.
A legislação e os textos pesquisados para a elaboração desse
trabalho sobre educação digital e aulas remotas deixam bem claro que
renovação pedagógica exige, em primeiro lugar, que a sociedade e a escola
adaptem-se aos novos tempos e busquem qualificações para executar de
forma satisfatória os objetivos. O professor, que é considerado o agente
determinante da transformação, deve ser preparado adequadamente para
gerenciar o acesso às informações e as novas tecnologias, passando esses
conhecimentos para os alunos.
Nesse sentido, ressalta-se que apesar da escola não ser capaz de
sozinha efetuar transformações sociais, é ela quem pode estabelecer os
primeiros procedimentos para a inclusão digital. Portanto, a escola como
espaço inclusivo, deve considerar como seu principal desafio, o sucesso
de todos os alunos, sem nenhuma exceção. O envolvimento da família
nesse processo de implantação das aulas remotas é uma necessidade e de
muita importância. A família deve ser orientada e motivada a colaborar e
participar das aulas, promovendo desta forma uma interação maior com o
educando. Os pais e familiares dos alunos com dificuldades em manuseio
das ferramentas digitais necessitam de informações sobre a natureza e
extensão da excepcionalidade; quanto aos recursos e serviços existentes
para a assistência, implantação e implementação das mesmas, e quanto ao
futuro que se reserva ao uso delas.
Percebemos que nem todos os professores estão preparados para essa
evolução e inovação da educação digital, e isso pode ocasionar resistências
de alguns às inovações educacionais, como o uso de ferramentas digitais, ao
considerarem que a proposta de uma educação para todos é válida, porém
impossível de ser concretizada, levando em conta o número de alunos e as
circunstâncias em que se trabalha nas escolas da rede pública de ensino.
Demonstra-se, mais do que nunca, que a Secretaria de Educação
deve ofertar capacitação aos professores para que eles possam desenvolver

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 495


um trabalho digno e sejam capazes de acreditar e, principalmente, aceitar
essa nova forma de ensinar, tornando, assim, a sua metodologia atrativa à
construção do conhecimento para todos os alunos. Pois, sem preparação é
impossível alcançar esse objetivo.
A participação dos pais no incentivo dos estudos de seus filhos se
tornou essencial mais do que nunca. A família está sendo a principal base
durante a pandemia. Desta forma, acredita-se que enquanto a família e
a escola trabalharem juntos para que a aula remota funcione, os alunos
superarão as dificuldades, e se manterão focados nos estudos mesmo no
período difícil que vivemos.
Portanto, a escola como espaço inclusivo deve considerar como seu
principal desafio, o sucesso de todos os alunos, sem nenhuma exceção,
procurando se reinventar sempre que o modo de ensino se tornar ineficaz
ou ultrapassado com sua forma de aprendizagem, fazendo com que os
alunos nunca percam sua vontade de aprender e ainda incentivem uns aos
outros a não desistirem.
À priori, foi feita a separação das tarefas entre os membros do
grupo para que houvesse mais chances de conseguir informações que
fosse satisfatória para nossa pesquisa. O maior desafio para esse projeto foi
realizar as pesquisas e como chegar até a direção, professores e alunos das
escolas, pois a pandemia elevou as dificuldades para realizar as entrevistas
presenciais, mas usamos a tecnologia a nosso favor no qual foram realizadas
via WhatsApp.
A pandemia mostrou que precisamos nos reinventar a cada dia,
seja na sociedade, na escola ou na família. Para o professor, a descoberta
principal é que ele precisa sempre se reinventar. Para o aluno, que ele precisa
continuar sua formação, mesmo que seja em outro formato. A escola, por
sua vez, constata e adota estratégias pedagógicas jamais imaginadas.

496 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


REFERÊNCIAS

ANDREOZZI, Maria Luiza. O fracasso da educação inclusiva sob o ponto de


vista de Andreozzi. In: Revista Educação e Subjetividade, ano 1, nº. 2, p. 43-75,
1º. Semestre. 2015. Ver em: https://www.webartigos.com/artigos/o-fracasso-da-
educacao-inclusiva-sob-o-ponto-de-vista-de-andreozzi/136812. Acesso em: 15
jan 2021.

FILLOUX, Jean-Claude. Émile Durkheim. Recife: Ed. Massangana, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LIMA, Jussineide de. et.al. O fracasso da educação inclusiva sob o ponto de vista
de Andreozzi. Publicado em 20 de outubro de 2015 por Jussineide de Lima.
2015. Disponível: https://www.webartigos.com/artigos/o-fracasso-da-educacao-
inclusiva-sob-o-ponto-de-vista-de-andreozzi/136812 Acesso em: 22 dez 21.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér, Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer?
São Paulo: Summus, 2015.

STEVANIM, Luiz Felipe. Vivemos uma crise dentro da crise. Avalia a cientista
política Andressa Pellanda. RADISFIOCRUZ, 03 de agosto de 2020. Disponível no
site https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/entrevista/vivemos-uma-crise-
dentro-da-crise. Acesso em: 15 jan 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 497


DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E IMPACTOS NA EVASÃO
DE JOVENS NO MUNICÍPIO DE PARAIBANO/MA

Andreza Quaresma dos Santos1


Carla Coimbra2
Daniela Sá Cruz3
Geiliane Alves da Costa4
Nayara Leite de Sousa5
Thaislane Sá6
Amanda Gomes Pereira7
Poliana de Sousa Silva 8

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade compreender quais são os


impactos na comunidade escolar do município de Paraibano/MA após o
fechamento do turno noturno do Centro de Ensino A. No desenvolvimento
do trabalho, procurou-se observar os seguintes objetivos específicos:
identificar os elementos que levaram ao fechamento da escola no período
noturno; verificar quais foram os impactos para os alunos, professores
e comunidade escolar; investigar para onde foram os estudantes que
estudavam na escola. Outro ponto que foi avaliado refere-se ao fato de

1
Discente de Ciências Sociais Licenciatura pelo Programa Ensinar, Polo Paraibano. Contato:
andrezaquaresma17@gmail.com
2
Discente de Ciências Sociais Licenciatura pelo Programa Ensinar, Polo Paraibano. Contato:
carlabeatrizsc@yahoo.com.br
3
Discente de Ciências Sociais Licenciatura pelo Programa Ensinar, Polo Paraibano. Contato:
danielasa2506@gmail.com
4
Discente de Ciências Sociais Licenciatura pelo Programa Ensinar, Polo Paraibano. Contato: yela-
geila@hotmail.com
5
Discente de Ciências Sociais Licenciatura pelo Programa Ensinar, Polo Paraibano. Contato:
nayaraleite161113@gmail.com
6
Discente de Ciências Sociais Licenciatura pelo Programa Ensinar, Polo Paraibano. Contato:
tdesasantossousa@gmail.com
7
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro PPCIS/UERJ. Docente do
Programa Ensinar. Contato: agpereiramg@gmail.com (Autora).
8
Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Piauí PPGS/UFPI. Contato: polianasousabb@
hotmail.com (Orientadora / Coautora).

498 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


mensurar se tiveram desistências e problemas para a comunidade escolar
da cidade decorrente desse fechamento.
Para que se compreenda as dificuldades acerca do processo de ensino-
aprendizagem, se faz necessário obter uma apreensão o que é aprender.
Para isso, é necessário entender as etapas que envolvem esse processo de
obtenção de conhecimento. Assim, dentro desse contexto, é importante
que essa compreensão seja encarada como uma etapa indispensável para
que se processe o entendimento de como as dificuldades de aprendizagem
podem ser superadas, pois para que se tenha um bom conhecimento sobre
as intempéries de um processo é importante que se entender as nuances
acerca daquela realidade. Nesse sentido, Freire (2001)9 afirma que a arte de
aprender é algo bastante exigente e usa a leitura como exemplo.

Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante. Ninguém


lê ou estuda autenticamente se não assume, diante do texto ou do objeto da
curiosidade a forma crítica de ser ou de estar sendo sujeito da curiosidade,
sujeito da leitura, sujeito do processo de conhecer em que se acha. Ler
é procurar buscar criar a compreensão do lido; daí, entre outros pontos
fundamentais, a importância do ensino correto da leitura e da escrita. É
que ensinar a ler é engajar-se numa experiência criativa em torno da
compreensão. Da compreensão e da comunicação. (FREIRE, 2001, p. 261).

A leitura aqui é abordada, mas deve levar-se em consideração que ela


é apenas um pequeno campo de atuação dos educadores que, no quesito
aprendizagem, possuem um campo mais amplo e vasto de atuação. Desse
modo, tal fato implica em conhecer os desafios que são encontrados ao
longo do caminho, bem como as dificuldades que serão encontradas no
percurso e que representam um enorme desafio – não apenas para a escola
ou para os professores, mas para a sociedade em geral.
Por abranger essa visão, é necessário que haja uma conjuntura de
ações que visem diagnosticar as causas que têm gerado essas problemáticas
para que em seguida possam ser traçados objetivos a fim de promover ações,

9
FREIRE, Paulo. Carta de Paulo Freire aos professores. Estudos Avançados 15 (42), 2001. Disponível
em: https://www.scielo.br/pdf/ea/v15n42/v15n42a13.pdf Acesso em 01 out 2020.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 499


e/ou políticas educacionais, que sejam eficazes e possibilitem ao sistema
educacional combater os entraves que se colocam ao desenvolvimento de
uma educação de qualidade. Freire (2001) salienta um ponto importante,
ao afirmar que as dificuldades precisam ser trabalhadas desde os primeiros
anos da criança na escola:

Se nossas escolas, desde a mais tenra idade de seus alunos se entregassem


ao trabalho de estimular neles o gosto da leitura e o da escrita, gosto que
continuasse a ser estimulado durante todo o tempo de sua escolaridade,
haveria possivelmente um número bastante menor de pós-graduandos
falando de sua insegurança ou de sua incapacidade de escrever. [...] Se
estudar, para nós, não fosse quase sempre um fardo, se ler não fosse uma
obrigação amarga a cumprir, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes
de alegria e de prazer, de que resulta também o indispensável conhecimento
com que nos movemos melhor no mundo, teríamos índices melhor
reveladores da qualidade de nossa educação (FREIRE, 2001, p. 267).

Nessa visão apontada pelo escritor e educador, ele volta a abordar


a questão da leitura, pois essa, segundo ele, esta não se relaciona apenas
a capacidade cognitiva de compreender letras em formas de palavra, mas
está atrelada a leitura do mundo, a adoção de uma postura crítica perante
a sociedade. Nesse sentido, Freire (2001), reconhece a ausência da leitura,
ou pouco domínio sobre ela, como um fator da falta de estímulo que pode
ser determinante para que muitos jovens, ao perceberem a importância da
mesma, tendem a perder a motivação em estar em sala de aula e sentir o
peso do atraso escolar – com alguns desistindo até mesmo dos estudos.
Os fatores aqui citados fazem relação a um pequeno ponto do que foi
apontado por Freire (2001)10 acerca da associação e de como um processo
incompleto de obtenção da leitura pode influenciar para que, no futuro,
o jovem já sem estímulo acabe desistindo dos estudos e, assim, possa
aumentar ainda mais os índices de evasão escolar, distorção idade-série e
reprovação – sendo estes os grandes desafios para a melhoria do campo e
das estatísticas educacionais.
10
FREIRE, Paulo. Carta de Paulo Freire aos professores. Estudos Avançados 15 (42), 2001. Disponível
em: https://www.scielo.br/pdf/ea/v15n42/v15n42a13.pdf Acesso em 01 out 2020.

500 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


As dificuldades de aprendizagem, especialmente entre os jovens,
é uma temática que exige bastante atenção, tanto das escolas, famílias,
como da sociedade em geral – e especialmente do poder público que ao
observar o aumento dos índices das estatísticas de forma negativa, assiste o
fracasso de todos os programas públicos por ele criados e também a perda
de recursos, sejam de ordem humana ou financeiros, quando as suas ações
não trazem o retorno esperado. Nessa conjuntura, é importante frisar que
estudos acerca das causas relativas às dificuldades de aprendizagem se fazem
urgentemente necessário, devendo-se observar que o sistema educacional
brasileiro contempla diversas regiões com as mais variadas situações e
problemas específicos que acabarão necessitando de medidas diferenciadas
(o que também irá requerer um planejamento mais pluralista).
As dificuldades de aprendizagem, principalmente relacionada aos
estudantes mais jovens, podem ser consideradas um processo de larga escala
e com uma cronologia bastante longa. Sob esse prisma, faz-se necessário
frisar que inúmeros fatores são responsáveis por essas dificuldades, pois
compreende-se que embora a aprendizagem tenha seu ponto crucial
definido no período de alfabetização, este é um processo que deve ser
olhado como um todo.
Outro fator de grande incidência que se observa como presente nos
municípios de pequeno porte é a necessidade que o jovem tem de adentrar
no mercado de trabalho cada vez mais cedo. Tal fato ocorre às vezes porque
o mesmo tem a necessidade de ajudar no sustento da família, colocando em
segundo plano o processo de aprendizagem. Assim, percebe-se o fato de
que são crianças e/ou adolescentes, que devido à baixa condição econômica
das famílias, precisam contribuir para o sustento da unidade familiar.
Geralmente trabalham durante o dia e a noite vão para a escola.
Com isso, o tempo que deveria ser vivido em atividades extraclasses
fica comprometido e as atividades de aprendizagem – dentro e fora do
ambiente escolar – não ocorrem da forma ideal, ficando os estudantes
fatigados e fadados ao abandono escolar ou até mesmo a reprovação.
Lahire (2014)11 ao desenvolver sua análise sobre a importância do ensino
11
LAHIRE, Bernard. Viver e interpretar o mundo social: para que serve o ensino da Sociologia? Revista
de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 45, nº. 1, 2014, p. 45-61.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 501


de Sociologia na Educação Básica destaca o fato de que, os trabalhadores,
inseridos em suas rotinas de trabalho, muitas vezes não conseguem perceber
os poderes que incidem sob sua vida cotidiana. Desse modo, desigualdades
são reproduzidas e não apreendidas pelos sujeitos mais vulneráveis desse
processo. Dessa forma, Lahire (2014) aponta que essas ocupações por
necessidade, como atividades que ocupam seu tempo e suas energias,
acabam refletindo de forma negativa na tomada de consciência crítica:

Investidos em suas diversas ocupações comuns, familiares ou profissionais,


lúdicas ou culturais, os atores das sociedades diferenciadas têm finalmente
apenas uma visão extremamente limitada de um mundo social complexo. A
divisão social do trabalho obriga, e eles consagram seu tempo e sua energia
a atividades tão circunscritas e localizadas, que dificilmente têm tempo
e meios de recompor os quadros mais gerais nos quais estão inseridos.
(LAHIRE, 2014, p. 58).

Ao abordar tal temática, Bernard Lahire (2014), estabelece um


diálogo com seu antecessor nos estudos acerca dos fatores envolvidos na
obtenção do sucesso escolar, o sociólogo Pierre Bourideu (2003)12 analisa
o sucesso obtido por alguns estudantes das camadas baixas e o fracasso de
seus colegas como vinculado aos capitais culturais adquiridos durante as
suas trajetórias de vida dos exitosos.

P. Por que razão a Sociologia constitui um problema particular? – Por quê?


Porque desvela coisas escondidas e por vezes recalcadas como a correlação
entre o sucesso escolar, que é identificado com a “inteligência”, e a origem
social ou, melhor, o capital cultural herdado da família. São verdades que os
tecnocratas, os epistemocratas – quer dizer um bom número dos que lêem
a Sociologia e dos que a financiam – não gostam de ouvir. (BOURDIEU,
2003, p. 24).

Assim, é crucial salientar que os aspectos já citados se constituem


como um vasto campo de atuação cujas estratégias precisam ser adotadas
12
BOURDIEU, Pierre. Uma ciência que incomoda. In: Questões de Sociologia. Lisboa: Fim de Século,
2003 [1980]. p. 23-39.

502 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


a fim de que os educandos possam ter sua atenção voltada apenas para o
processo de ensino-aprendizagem. Ao observar com mais clareza, chega-
se à percepção que quanto mais a sociedade for carente de condições
igualitárias de acesso às oportunidades, mais difícil será a missão de fazer
com que esses alunos se dediquem apenas aos estudos.
Outro fator que pode ser mencionado é a desmotivação de alguns
estudantes em relação a escola. Isso acontece por inúmeros fatores que
podem ser considerados de forma direta e indireta da ação da própria
escola, gerando uma insegurança para o sistema que, na verdade, deveria
estar atento em promover e dar ênfase a motivação dos seus alunos.
Segundo Júnior et al (2018, p. 65),13 “partindo do pressuposto
que o produto final é a aprendizagem e a aquisição de habilidades e
competências, todo processo pedagógico neces­ sita de elementos que
possibilitem a verificar esses pontos”. Essa verificação passa pela existência
de um processo de ensino-aprendizagem que seja voltado para a superação
de todos os obstáculos que possam atrapalhar a obtenção do conhecimento
pelo aluno. Nessa perspectiva, é necessário frisar que nem sempre a
desmotivação do aluno virá por carências de aprendizagem, mas, como já
abordado, poderão existir outros elementos causadores de um afastamento
e perda de incentivo aos estudos.
Jovens que moram em comunidades da zona rural das cidades às
vezes passam por situações complicadas. Por exemplo, muitos deles passam
o dia ajudando os pais nas lavouras e, às vezes, precisam se deslocar para
a cidade sendo transportados por veículos inadequados. Isso implica em
um desgaste físico e mental para os mesmos que varia de acordo com a
realidade em que o eles estão inseridos.
O estudo no turno da noite tem sido um motivo de constante
preocupação para os órgãos educacionais, pois há uma compreensão sobre
a baixa qualidade do ensino ofertado nesse horário e quanto ao rendimento
dos educandos desse período em relação aos demais estudantes dos outros
horários.
13
JUNIOR, José Alfredo Olívio. Experiência docente com o conteúdo lutas no sistema estadual de
São Paulo: luta para todos e luta para alguns. In: PASQUALOTO, Bruno Bohm (org) et. al. Trabalhando
com lutas na escola: perspectivas autobiográficas de Professores de Educação Física / Organização
de Bruno Bohm Pasqualoto, Fernando Paulo Rosa de Freitas, Andreia Cristina Metzner e Alexandre
Janotta Drigo – São Paulo: CREF4/SP, 2018.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 503


Embora cumpra um papel fundamental de assegurar o direito à educação
para os estudantes que trabalham ou que, por alguma outra razão, não
podem frequentar as aulas no período diurno, o Ensino Médio noturno
consolidou-se, de modo geral, como um ensino de baixa qualidade
(INSTITUTO UNIBANCO, 2016, p.2)14.

Ao seguir essa linha de raciocínio observa-se que a escola precisa ser


um local bastante atrativo para que o aluno possa ter seu ânimo renovado.
Os dados apresentados a partir da pesquisa do Instituto Unibanco (2016),
por outro lado, expõem uma realidade que cada vez mais contraria tal fato,
pois é importante frisar que não são apenas os alunos tendem a chegar
cansados ou desmotivados, mas também os professores, que geralmente
possuem outra matrícula ou outro tipo de trabalho. Dessa forma, as
limitações quanto ao comprometimento do ensino ficam evidente.

O elevado percentual de matrículas no turno da noite chama a atenção


e preocupa, porque os indicadores mostram que o desempenho desses
estudantes tende a ser pior em comparação ao dos que frequentam o
período diurno. Dados do questionário do aluno do Saeb 2013 tabulados
pelo Instituto Unibanco indicam que o percentual de jovens do noturno
que já abandonaram a escola pelo menos uma vez (16%) é três vezes maior
do que no diurno (5%). (INSTITUTO UNIBANCO, 2016, p.01).

Ao apontar esse conjunto de problemáticas, se faz necessário


observar a visão de cada aluno e professor em relação às suas realidades,
pois elas são bastante variadas. Nesse ponto, Caporaline (1991, p. 41)15 faz
um alerta específico em relação às expectativas desses alunos: “o aluno da
escola noturna busca numa sala de aula um pouco mais de educação, uma
educação de boa qualidade, e que atenda aos seus interesses”.
Sobre essa busca torna-se iminente frisar que a escola deve
proporcionar meios para ser um ambiente atrativo para que, assim, o aluno

14
UNIBANCO, Instituto. Gestão: um em cada três alunos do Ensino Médio estuda à noite. Aprendizagem
em foco. nº 1. maio, 2016.
15
CAPORALINI, M. Bernadete Santa Cecília. A transmissão do conhecimento e o ensino noturno.
Campinas-SP: Papirus,1991.

504 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


possa manter o interesse em voltar e focar de forma ainda mais centrada nos
seus estudos. A mesma autora, citada acima ainda reforça essa tese quando
afirma que “se o conteúdo desenvolvido, se a transmissão de conhecimentos
não se processa de forma a lhes servir de instrumental para a vida, eles
podem ser levados a abandoná-la.” (CAPORALINE, 1991, p. 41).
Nessa perspectiva, devem surgir propostas significativas direcionadas
para ações que vão além do simples fato de atrair os alunos para os bancos
tendo por meta apenas expor números quantitativos. Esses estudantes
precisam ser levados em consideração e não apenas contados em cifras,
só assim a escola poderá fazer com que estes permaneçam e assim possam
superar as dificuldades que lhe serão impostas pela realidade de suas vidas.
Marques (2007, p. 102)16 defende que “é preciso que a escola seja
uma ferramenta para o jovem conhecer melhor a própria comunidade e
a sociedade para poder participar efetivamente como protagonista de sua
história”. Somente após um conhecimento do direcionamento de ações
voltadas para o enfrentamento do problema será possível ofertar meios
para que os alunos possam superar as dificuldades que serão vivenciadas
no decorrer de sua jornada escolar e para que esses não desistam no meio
do caminho – apesar das inúmeras pedras.

ANÁLISE DOS DADOS

Ao se analisarem os fatores que acabam por tornar o processo de


ensino aprendizagem mais dificultoso, compreende-se que estes são
provenientes de diversas circunstâncias que afetam o cotidiano de toda
uma sociedade. É cada vez mais comum se perceber que esses fatores são
gerados por inúmeras situações que ocorrem não apenas no cotidiano
escolar, mas que acontece em sua grande maioria no seio familiar, bem
como nas vivências que a sociedade impõe aos seus cidadãos. É importante
destacar que a sua própria cultura pode ser um fator diferencial no interesse
da criança pela escola, como também o seu histórico familiar, em como

16
MARQUES, Maria Ornélia da Silveira. Juventude, escola e sociabilidade. In: PIMENTA, Selma
Garrido (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2007.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 505


seus pais dão a importância devida à escola, pois até mesmo a ausência
da família no seio escolar pode ser considerada uma ciência determinante
nesse processo.
Além disso, há que ser levado em consideração o fato de que o estado
do Maranhão possui sua população habitando majoritariamente a zona
rural até a década de 90 e as dificuldades relacionadas à oferta da Educação
Básica nesse contexto. A pandemia do novo Coronavírus (enfrentada por
todo mundo) demarcou ainda mais as dificuldades de formação de pais e
mães que, sem o conhecimento devido, não se sentiram aptos a auxiliarem
seus filhos. Outro ponto está ligado ao fato de que muitos municípios
maranhenses ainda possuem uma população significativa de adultos que
não sabem ler e escrever, tendo o parco domínio na assinatura do próprio
nome.
A cidade de Paraibano/MA está inserida dentro dessa realidade
educacional, considerando que as dificuldades encontradas na pesquisa
com os alunos que estudam no turno noturno corroboram com os exemplos
citados acima e se configuram como obstáculos significativos no processo
de aprendizagem.
Assim, hipóteses vêm a sugerir que as dificuldades encontradas são
comuns em relação ao fato de os alunos matriculados nesse turno serem
jovens, em sua imensa maioria, da faixa etária dos 15 aos 20 anos, jovens
e adolescentes que trabalham durante o dia e estudam a noite. Por esse
motivo, o caso se torna ainda mais agravante quando existem alunos que
residem na zona rural e além do trabalho se deparam com uma viagem,
nem sempre nas condições ideais, que se torna muito cansativa. O objetivo
do presente trabalho será abordar a partir dos relatos dos estudantes e
professores, em diálogo com diversos autores que exemplificam através
de seus estudos e conceitos as problemáticas existentes e que dificultam o
processo de ensino aprendizado.
Conforme os professores ouvidos, uma das principais dificuldades
encontradas no Ensino Médio noturno, é a bagagem trazida por esses
alunos: “a dificuldade mais comum é a questão do conhecimento prévio

506 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


que vem fragmentado de outras escolas, aí não dá para fazer um trabalho
adequado.” (Professora de Ensino Médio, 19/11/2019, Paraibano – MA)17.
Esse aspecto chama a atenção para o fato de que as dificuldades
também fazem parte de uma trajetória de adversidades relacionadas ao
ensino que corroboram com os dados sobre os problemas dos alunos do
Ensino Fundamental brasileiro. Somada ao cansaço físico do trabalho,
dificuldades de deslocamento, os desafios enfrentados na trajetória de
ensino também se acumulam com essas inúmeras problemáticas que
repercutem no processo de ensino aprendizagem e como elas se configuram
como obstáculos ao desenvolvimento educacional dos alunos. O Ensino
Médio é a fase em que os alunos estão na adolescência. Fase essa que, a
depender da condição financeira da família, pode inserir o adolescente de
forma prematura no mercado de trabalho e, assim, ser esse um agente que
irá dificultar a sua permanência na escola ou até mesmo o seu desempenho
educacional.
As dificuldades de aprendizagem se constituem como um tema
relevante e isso fica explícito quando se compreende que a formação de
uma sociedade capaz de vivenciar seus valores é algo primordial para a
evolução cultural de um povo em todos as esferas, sejam sociais, políticas
e cognitivas. Para a formação de sociedade mais justa e equilibrada é
indispensável que seus cidadãos tenham desenvolvido de forma satisfatória
todos os processos que envolvam o processo de ensino, pois quando a
escola não logra êxito nesse processo a sociedade em geral sofrerá as más
consequências dessa não formação adequada. Essas problemáticas precisam
ser analisadas a fundo e assim contribuir no meio educacional como um
todo, que se preceitue que este não é apenas um problema da escola e/ou
do professor, mas sim um problema que afetará a formação cultural, social,
econômica e política de um povo.
É importante verificar como os diversos poderes podem e devem
auxiliar no combate as dificuldades existentes. Sobre o município de

17
Informações coletadas mediante a autorização prévia da instituição de ensino para realização da
pesquisa e assinatura do termo de consentimento por parte dos entrevistados.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 507


Paraibano/MA, os dados vêm demonstrar uma alarmante situação que
revelam que há muito que se fazer18.
A escola estudada pertencente à Rede Estadual de Educação,
possuindo 611 alunos matriculados no Ensino Médio. Desses, 184 alunos
são matriculados no turno matutino, 238 alunos no turno vespertino e
os que são sujeitos do presente trabalho totalizam 189 alunos no turno
noturno19.
No dia 25 de agosto de 2020, às 14h30 (terça-feira), foi realizada uma
visita domiciliar com uma professora, que atuou na escola durante o tempo
que foi realizada a pesquisa de campo do referido projeto. Esse contato teve
por intuito compreender as razões (motivos) que levaram ao encerramento
das aulas que ocorriam no turno noturno na escola. (Relatos colhidos em
agosto de 2020).
Segundo o relato da professora, essa mudança ocorreu por conta
do PROGRAMA EJAI (Educação de Jovens Adultos e Idosos) que estava
sendo executado na Escola João Furtado Brito. Isso ocasionou a migração
de alguns professores que atuavam no Centro de Ensino A e, assim,
também aconteceu com os alunos dos 1º anos que faziam parte da nossa
pesquisa desde o início no ano de 2019. A professora também nos relatou
que essa mudança, segundo a sua percepção, não resultou em déficit de
aprendizado para os estudantes, levando em consideração que estes tiveram
a oportunidade de acelerar os tempos de estudo através desse programa.
(Relatos colhidos em agosto de 2020).
Com o objetivo de se compreender quais são e como podem ser
combatidas as dificuldades de aprendizagem, a migração dos alunos para
a outra escola se pautou em dados qualitativos e pesquisas bibliográficas
a fim de se possibilitar uma maior capacidade de explorar o conteúdo
proposto, além de evidenciar as principais causas que vem a incidir nessas
dificuldades.
18
Um exemplo é que apenas 77 alunos de um total de 283, ou seja, 28% demonstram aprendizado
adequando em Português do 5º ano do Ensino Fundamental. Quando a avaliação é de Matemática essa
porcentagem cai para 20% de um total de 283 alunos do 5º ano, apenas 55 tem aprendizado adequado
(PROVA BRASIL 2017, INEP).
19
A escola possui um alto índice de aprovação em que dos 611 alunos matriculados 86,7% (527 alunos)
foram aprovados, 9,4% (58 alunos) abandonaram os estudos e 4,4% (28 alunos) foram reprovados.
(CENSO ESCOLAR/INEP, 2018).

508 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Foram utilizados dados20 dos alunos do 1º ano do turno noturno.
Com base nas informações da direção da escola, essa turma apresenta
os maiores índices de dificuldades de aprendizagem e evasão escolar. Os
perfis desses alunos, em geral, são de pessoas que residem e trabalham na
zona rural da região, localidades afastadas da escola e que necessitam do
transporte escolar para acesso e permanência. Mesmo tendo ciência de que
esses fatores não são determinantes para os baixos índices de aprendizagem,
influenciam, pois se compreende que além de ter que trabalhar nas lavouras
durante o dia para buscar o sustento das famílias, esses alunos ainda terão
o desgaste proporcionado pelo trajeto e condições precárias do veículo de
transporte escolar.
A pesquisa adentrou no campo de pesquisa escolar ao explorar
os conceitos e estudos através de citações de alguns autores que tratam
especificamente sobre os tipos de dificuldades que serão encontradas no
cotidiano escolar desses jovens, sendo de suma importância se diagnosticar
as causas antes de as combater. As citações exploradas demonstram uma
busca por um conhecimento que objetiva considerar essas dificuldades em
aprendizagem como um campo em que se requer maiores cuidados, pois é
fator preponderante na formação de um meio social que afetará a vida de
todos.
Nota-se que essa situação ainda não é um assunto de interesse dos
órgãos gestores de forma geral e isso fica nítido quando se conclui que os
problemas sempre são os mesmos, só muda de escola ou região. Portanto,
deveriam ser executadas políticas mais eficazes de combate às dificuldades
de aprendizagem – muito embora existam alguns desses programas de
combate a esses problemas, estes não tenham sido eficazes na busca de
soluções necessárias.
A falta de políticas que se considere verdadeiramente eficazes limitou
a busca da presente pesquisa concluindo-se que o caminho para desvendar
as dificuldades é fácil de trilhar, já não podendo ser dito o mesmo quando
se trata de soluções que se apresentem capazes de se modificar essas

20
Essas informações foram colhidas na Escola A, no período de março a dezembro de 2019
na escola, durante os intervalos das aulas, com autorização previa da direção da escola para
realização da pesquisa e dos alunos, através da assinatura no Termo de Consentimento.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 509


realidades. Este fato acaba por gerar uma sensação de incapacidade pelos
professores.
A pesquisa trata de metodologia predominantemente qualitativa,
escolhendo esse tipo de abordagem por entendê-la como a mais apropriada
a esse tipo de análise, cujo objetivo não é obter uma expressividade
numérica sobre o objeto de estudo em questão, mas a profundidade de
compreensão do grupo estudado (MAY, 2004). Os sujeitos que constituem
a pesquisa são 02 (dois) alunos, sendo uma aluna de 17 anos e um aluno de
18 anos de idade.
Além disso, foram entrevistados 02 (dois) professores, sendo um
formado em Letras e a outra em Biologia, bem como o Coordenador
Pedagógico da escola. As entrevistas aconteceram na Escola A no turno
noturno no dia 19 de novembro de 2019. Foi também realizado um
questionário com 25 alunos do 1º ano noturno, em que desses eram 17
meninas e 08 meninos. Tal questionário foi aplicado em sala de aula com
metodologia de leitura e respostas.
A pesquisa de campo ocorreu no período de 11 de setembro a 19
de novembro de 2019, com visitas à Escola A, sempre no turno noturno,
em que foi realizado um questionário presencial com os educandos. Em
outro momento, realizamos uma entrevista com 02 alunos, 02 professores
e 01 coordenador pedagógico. Assim sendo, procederam entrevistas e
questionários com a direção da escola, como também com os estudantes
e professores do 1º ano do turno noturno, em que foram levantadas
informações sobre idade, quais dificuldades encontradas, renda da família
e necessidade de trabalho.
Devido à paralisação das aulas por causa da pandemia da Covid-19,
modificou-se a pesquisa, tendo ocorrido uma conversa com o gestor da
escola em que foi possível abordar questões acerca dos alunos que migraram
da escola antiga para um novo prédio. Ele informou sobre a criação de um
aplicativo “google classroom” em que foram ministradas as aulas de forma
virtual, possibilitando aos alunos que possuíam acesso a rede de internet
que pudessem acompanhar as aulas e ainda foi disponibilizado o laboratório
da escola para que os alunos tivessem acesso à internet.

510 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


No caso, os alunos que possuíam acesso em casa, outra ação proposta
foi a disponibilização de um chip com 26 gb de internet para os mesmos.
Alguns elementos destacados foram apontados durante a pesquisa pelos
entrevistados: os alunos que cursavam o 1º ano do Ensino Médio na
Escola A em 2019, atualmente estão cursando a 2ª etapa do EJAI em outra
escola. Dessa forma, as aulas foram iniciadas de forma remota no dia 26
de março de 2020, como destacado anteriormente, como todo o quadro de
funcionários sendo deslocado para a nova escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho oportunizou uma compreensão mais


aprofundada acerca das dificuldades de aprendizagem e como estas
representam verdadeiros empecilhos no processo de ensino-aprendizagem.
Além disso, buscou-se apresentar possíveis caminhos na resolução da
problemática, proporcionando dessa maneira um aprendizado adequado
para os estudantes. Nessa perspectiva, é importante salientar que as ações
adotadas irão ser essenciais para o sucesso do aluno na escola, pois a
preocupação com o sucesso escolar compete não apenas a instituição de
ensino, mas a todo sistema educacional, garantindo a permanência desse
aluno na escola.
Nesse sentido foi diagnosticado a importância de manutenção de
políticas que possam garantam o entusiasmo e a atenção dos estudantes
elevada, no que se diz respeito aos que cursam o Ensino Médio e estudam no
turno noturno. Assim, a pesquisa constatou que os mesmos, especialmente
os da zona rural, tem sofrido bastante por inúmeros motivos que tornam
ainda mais desafiadores todo o processo educacional.
Geralmente são jovens que precisam trabalhar durante do dia,
principalmente nas lavouras, e ao final do dia se deslocam até a cidade,
onde, muitas vezes, encontram percursos que dificultam seu acesso. O
transporte também, por vezes, não é o adequado e isso atrapalha. Concluiu-
se, portanto, a importância de um trabalho e a criação de políticas que
valorizem o aluno e que batalhe em prol da superação do que o desmotive
e o afaste da escola.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 511


REFERÊNCIAS

ANDRADE, C. D. de. Uma pedra no meio do caminho: Biografia de um poema.


Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1967.

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Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 513


PRÁTICAS CURRICULARES EM RELAÇÕES INTERÉTNICAS:
AS EXPERIÊNCIAS NA/DA LICENCIATURA INTERCULTURAL
PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA INDÍGENA DA UEMA

Marivania Leonor Souza Furtado1


Leoilma Moraes Silva2
Elson Gomes da Silva3

INTRODUÇÃO

No Maranhão são identificados, oficialmente, nove povos indígenas


cuja população total é de 35.272 pessoas, segundo dados do IBGE de 20104.
Não mais vistos como alvos de políticas civilizatórias, mas formalmente
entendidos, a partir da Constituição de 1988, como integrantes do processo
civilizatório brasileiro, os povos indígenas do Maranhão apresentam
demandas específicas por políticas públicas, que devem respeitar suas
características históricas e diversidade cultural.
Dentre as políticas específicas a que os povos indígenas têm direitos,
a educação escolar, manifesta-se como uma das principais reivindicações
em contexto interétnico. Antes utilizada como estratégia de dominação,
através da catequese e civilização, sobretudo nos períodos colonial e
imperial, a partir do período republicano a escola nas aldeias passa a
ser um veículo de socialização de conhecimentos visando à participação
dos indígenas na comunhão nacional brasileira. Atualmente, com a
promulgação da Constituição de 1988, a educação escolar indígena deve
atender aos critérios de especificidade e pluralidade que caracterizam os
povos indígenas do Brasil.

1
Professora Doutora, do Departamento de Ciências Sociais da UEMA e Coordenadora da LIEBI.
Contato: marivaniafurtado@yahoo.com.br
2
Professora Mestra, do IFMA e Docente Formadora da LIEBI. Contato: leoilma.silva@ifma.edu.br
3
Professor Mestre Docente Formador da LIEBI. Contato: e.gomes_20@hotmail.com
4
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Os indígenas no Censo Demográfico
2010: primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. Rio de Janeiro. 2012. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf

514 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


No Estado do Maranhão, de forma geral, a escola é reivindicada
pelos nove povos indígenas que disputam este território e têm suas terras
inseridas em 18 municípios maranhenses, compreendendo um total de 280
aldeias em 16 terras indígenas. Em cada uma das aldeias indígenas a escola
se faz presente como uma instituição mediadora entre mundos distintos e,
na maioria das vezes, como expressão da relação de domínio e sujeição que
tem pautado a história de assimetrias entre os povos indígenas e a sociedade
envolvente neste Estado e em todo continente “americano”.
Com representações e significados distintos a cada experiência
de contato interétnico desses povos, a presença da instituição escolar,
atualmente, pode ser interpretada pelas palavras do Prof. Alderico
Guajajara: “a escola é para nós como se fosse uma ponte. Nela nós podemos
passar pro mundo de lá e voltar trazendo pro nosso mundo informação pra
defender nosso povo”. (apud FURTADO, 2009).
Embora entendida como uma estratégia para defesa dos direitos
indígenas, a presença da escola nas aldeias pode levar ao oposto dessa
expectativa e reverter-se em novos e ressignificados processos assimilativos
e colonizadores, pois o protagonismo de não indígenas assumindo essa
importante instituição nas aldeias do Maranhão tem sido verificado5.
Articulados em esferas organizativas e em diálogo com mediadores
e representantes do poder público, os indígenas no Maranhão têm, a partir
das atribuições determinadas a cada ente governamental, reivindicado a
sua qualificação para assumir o processo de escolarização das aldeias em
todos os níveis.
Como resultado desse processo, a UEMA iniciou em julho de 2016
um projeto pioneiro no Estado, a Licenciatura Intercultural para a Educação
Básica Indígena-LIEBI. Tal proposta assim se justifica:

Surge, portanto, da demanda apresentada pelos indígenas em fóruns


específicos, e tem na participação de especialistas, gestores e cidadãos
comprometidos com os direitos dos povos indígenas, uma resposta
positiva ao chamado histórico para uma reparação de direitos já pactuados.
(UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO, 2015, p. 14).
5
Segundo dados da SEDUC/MA de 2019 mais da metade, de um total de proximadamente mil docentes
atuando nas escolas das aldeias, não são indígenas.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 515


A LIEBI objetiva formar professores indígenas, nas áreas das Ciências
da Natureza, Ciências Humanas e Ciências da Linguagem. Pretende
também criar condições teórico-metodológicas e práticas para que os
professores indígenas possam se tornar agentes efetivos na construção e
reflexão do projeto político-pedagógico, planejamento e gestão da escola
em que atuam. (PAULA; FURTADO, 2018).
O desenho curricular do Curso prevê a sua realização em dois
momentos formativos: Formação Geral e Formação Específica além de se
desenvolver em tempos Universidade e tempos Comunidade, atendendo a
modalidade da pedagogia da alternância e da formação em serviço. Realiza
os tempos Universidades na sede de São Luís e os tempos Comunidades
nas aldeias indígenas, com o acompanhamento da equipe de monitores. Os
tempos Universidades são realizados no período de férias escolares: janeiro/
fevereiro e julho/agosto. Das dez etapas previstas para sua integralização o
Curso, já realizou oito, sendo que a nona etapa do Tempo Universidade
prevista para acontecer em julho/agosto de 2020 não ocorreu devido a
pandemia da Covid 19.
O Curso conta, atualmente, com 66 discentes matriculados e
frequentes, sendo estes(as) oriundos(as) de quatro etnias do Maranhão:
Kanela, Krikati, Gavião/Pukobyê e Tenetehar/Guajajara. Após a conclusão
da Formação Geral ocorrida em 2017, os(as) cursistas selecionaram suas
áreas de Formação Específica que se iniciou em 2018. Ficaram assim
distribuídos: 15 discentes na área de Ciências da Natureza, 21 discentes na
área de Ciências Humanas e 30 discentes na área de Ciências da Linguagem.
A LIEBI assume como princípio político e pedagógico o
fortalecimento das línguas, tradições e visões de mundo de cada povo e
tem a interculturalidade como fundamento teórico norteador de todas
as relações de formação e atuação da docência indígena. Desta forma,
os componentes curriculares devem contribuir para que os professores
indígenas sejam inseridos nos contextos de trabalho dentro e fora das
aldeias. Nesse sentido, vamos apresentar as experiências da realização
das Práticas Curriculares no Curso da Licenciatura Intercultural para a
Educação Básica da UEMA.

516 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


PENSAMENTOS ORIGINÁRIOS E PENSAMENTO OCIDENTAL
COMO PROPOSTA DAS PRÁTICAS CURRICULARES:
EXPERIÊNCIAS DA TURMA DE CIÊNCIAS DA LINGUAGEM DA
LIEBI

As Práticas Curriculares, aqui em análise foram desenvolvidas com a


Turma de Ciências da Linguagem da LIEBI. Nessa turma estudam cursistas
das etnias Krikati, Gavião, Kanela e Tenetehar/Guajajara. Tinha como
objetivo pedagógico oportunizar aos/às cursistas o exame da expressão
do que é a escola indígena hoje e a sua realização efetiva como instituição
diferenciada. Ressaltando que a necessidade das escolas nas aldeias
caminha com o temor desta aproximação, devido aos arranjos inerentes
ao pensamento ocidental, que conflitam com os do pensamento originário
destes povos.
O cursista João Kanela (2019), ao falar sobre a conduta do índio na
escola, grifa que “este é muito tímido e isso é um problema”. Cita que eles
são assíduos e demonstram querer aprender. Mas, a forma da escola branca,
com horários e rotinas rígidas, e disciplinas fracionadas, ditando o que tem
e não tem que ser ensinado, para caber num calendário, dificulta o trabalho
com a expressão cultural, porque eles têm um ritmo diferente. E, completa
que “as Práticas Curriculares têm ajudado no processo de apreensão da
organização e potencial da escola nas aldeias, tanto para eles como para os
estudantes, família e comunidade envolvida, porque os projetos trabalhados
ofertam uma reflexão sobre o que eles têm como escola e do que deve ser
feito pra que ela se torne, em essência, diferenciada”. (Relato colhido em
janeiro, de 2019).
Bergamaschi e Silva (2007) reiteram o desafio de modificar a escola
branca que vai para os índios. Mas, que isto já é intuído por eles, pela
forma como vêm se apropriando dela e buscando transformar sua situação,
mesmo sob seguidos entraves da sociedade exterior.
As Práticas Curriculares ofertadas pela LIEBI constituem-se, também,
mecanismo de intervenção política nos espaços escolares indígenas, porque
repensa o dado, o visto e superficial aos olhos, a fim de colocar em debate o

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 517


movimento dos mecanismos mais profundos e antagônicos, que, reunidos,
compõem o aparente e historicamente escamoteado, fruto da invisibilidade
da questão indígena, que impera ainda no sistema escolar brasileiro.
Nesse sentido, a declaração da cursista Ana Gavião sobre o trabalho
da disciplina realizado na escola da sua comunidade, tem como arremate
que a sua história tem diferentes faces: uma é a de como surgiu seu povo, os
seres místicos presentes nas narrativas ditas pelos anciões da aldeia; outra
é a ocorrida na vida dos indígenas até chegarem aqui, no hoje, contada por
seus idosos e repetida pelas lideranças, docentes e discentes índios, mas
sem muita difusão; e a outra é a do olhar do branco, que a coloca em livros
e mídias.
Ao avaliarmos a produção do discente Melquias Guajajara, cursista
da LIEBI, observamos que os trabalhos da disciplina ajudam na reflexão
do que adveio na vida dos indígenas com a colonização: a submissão
cristã e política, os conflitos e massacres, a resistência... E mesmo tendo
diversos modos de ser expresso como cada povo indígena nasceu e resistiu
até o momento, ainda domina a visão dos colonizadores. Dessa forma, é
importante que os índios pesquisem, registrem e divulguem sua história,
a partir da sua visão. Logo, as demais disciplinas do curso auxiliam neste
processo, inclusive nas atividades de Práticas Curriculares, que sempre
requerem a leitura e análise do material das outras matérias.
Assim pensada de forma interdisciplinar, as Práticas Curriculares
possibilitam a superação da apartação entre as vivências escolares dos(as)
discentes indígenas de suas realidades sociolinguísticas e culturais, ao
tempo em que permite o protagonismo dos sujeitos indígenas na construção
do conhecimento intercultural. Neste sentido, a formação de professores
indígenas, para uma escola indígena diferenciada, precisa exercitar a
intensa conexão entre os conteúdos escolares e a realidade experienciada, a
fim de consolidar os saberes instruídos.
Na atividade sobre diálogo intercultural e intercientífico, a acadêmica
Deusina Krikati esboça a preocupação que os docentes indígenas devem ter
com a presença da sua cultura na escola, inclusive em material didático
próprio que, de modo inclusivo, consinta o diálogo interdisciplinar com os

518 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


conteúdos formais, para que os colegiais se reconheçam na língua e história
tradicional, e isso facilite a aquisição e diálogo com o mundo exterior.
Com efeito, as falas dialogam com Kusch (1999), que enseja a reflexão
de uma ciência elaborada a partir de um viver, um pensar originário dos
povos indígenas, vivenciado e sentido no estar sendo, cotidiano da aldeia
que orienta a produção de tal pensamento. E reforça: não se atentar para
esta expressão robustece uma educação adulterada.
Isso aponta que a escola indígena, vivida e experimentada na
comunidade, onde ritos, modos e tempos são particulares a cosmovisão
destes povos, que produzem sua ciência a partir de uma dinâmica
própria de ler o mundo, precisa da fagocitose com a escola branca e suas
convenções eurodescendentes, pois, ainda que dois organismos distintos
não possam insistir conviver na mesma estrutura, existe a oportunidade da
transformação.
Pelo exposto, as disciplinas de Práticas Curriculares no curso da
LIEBI ressaltam, através do seu alcance político, a interdisciplinaridade
com as demais do curso, o valor e a presença da cultura indígena na escola
da aldeia, bem como sua publicação e interseção com a cultura ocidental.
Para tanto, dentre os elementos cogentes ao seu desenvolvimento está o
de trabalhar a relação intercultural em seus vários aspectos, inclusive na
validação do pensamento originário como ciência, justaposto à ciência
ocidental, para a prática de uma escola diferenciada; visto que os processos
de ressignificação desta escola indicam ser viável agrupar os caracteres da
cultura do “outro”, sem deslegitimar e despossar os aspectos da cultura
tradicional.
Assim, Tassinari (2001) alerta para a necessidade de analisar os
projetos de educação formal, tomando a ideia de fronteira, a fim de
apreender até onde a escola pode ir, no contexto dos povos indígenas, visto
que já praticam uma educação tão legítima quanto à da escola.
Dito isso, uma vez que a LIEBI prima pela formação de professores
indígenas protagonistas, grifamos que estes são/serão incitados à reflexão
e ação, por estarem inseridos no debate sobre o que é de licitude científica,
os espaços de aprendizagem e formação, a compreensão de alteridade e a

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 519


mudança de uma escolarização da imobilidade e indiferença; posto que,
aduz Bergamaschi e Silva (2007, p. 130), carecemos de “[...] tentativas
concretas de transformar a ‘educação escolar para índio’ em ‘educação
escolar do índio’”.

OS DESAFIOS DO ENSINAR E AÇÕES DE PESQUISAS NO


CONTEXTO DA LIEBI: AS EXPERIÊNCIAS DAS PRÁTICAS
CURRICULARES NAS TURMAS DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA
NATUREZA

Pensar a experiência de ensino das práticas curriculares, no contexto


da LIEBI, não se constitui tarefa simples, mediante o desafio da construção
de uma prática docente que vise a constante vigilância e reflexão do próprio
ato de ensinar. Diante dos efeitos da violenta história de contato desses
grupos com o conhecimento do mundo dos brancos, a prática de ensino
revela em si as possibilidades, dificuldades e desafios em torno de uma ação
que, em seu projeto, seja distanciada do caráter homogeneizador e, acima
de tudo, pensada a partir dos múltiplos saberes e vivências desses agentes.
No que se refere ao ensino de Práticas Curriculares, aqui em especial
nas turmas de Ciências da Natureza e Ciências Humanas da LIEBI, o
primeiro desafio e questionamento que se põe é: como pensar a dinâmica
da interculturalidade e o que podemos, inclusive, compreender como
diálogo interétnico no contexto da experiência desenvolvida com grupos
indígenas que possuem saberes diferentes e situados em áreas distintas de
conhecimento, como os mencionados acima?
Além disso, também se questiona de que maneira ensejar uma troca
de aprendizagem que garanta resultados positivos, à medida que as Práticas
Curriculares sejam pensadas a partir do aporte cultural de cada grupo
étnico, pontuando por consequência os significados que eles mesmos dão
a essas práticas?
Na perspectiva de Jacinta Guajajara (Relato colhido em janeiro de
2019): “a Prática Curricular para indígenas é importante para ajudar na
construção de uma educação que seja realmente de acordo com o olhar dos

520 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


indígenas, e essas discussões que são colocadas nas pesquisas só ajudam no
aprendizado para agir em comunidade”. Muitas atividades no transcurso da
disciplina envolveram não apenas projetos, mas intervenção dos indígenas
em suas comunidades, uma Prática que vai além da sala de aula e está
diretamente ligada com o reforço da valorização das próprias identidades.
No contexto dos relatos em torno das pesquisas dos(as) cursistas,
desenvolvidas no âmbito das Práticas Curriculares, podemos depreender
o exercício da interculturalidade que, segundo Candau (2012, p. 10),
“fortalece a construção de identidades dinâmicas, abertas e plurais, assim
como questiona uma visão essencializada de sua constituição, potenciando
os processos de empoderamento, assim como estimula a construção de
uma relativa autonomia”.
No que tange a prática violenta do processo educacional para povos
indígenas, sabemos que os efeitos da colonização impossibilitaram que suas
“práticas de ensino” relacionadas aos seus saberes tradicionais, tivessem
espaço dentro do universo educacional. A partir disso, temos como
resultado, segundo Novatino (2006, p. 208), “a imposição de um processo
escolar que destruiu conhecimentos milenares, guardados na memória
coletiva de cada povo”.
No contexto da educação escolar indígena, como já enfatizamos,
a escola para esses povos faz parte de um projeto que, para além de ser
caracterizado como assimilacionista e civilizatório, possui as suas “formas
sutis de homogeneização em face de uma retórica do respeito à diferença”
(COELHO, 2008, p. 22). Isso se expressa quando os indígenas relatam
sobre a introdução de conteúdo ocidentais que são apenas traduzidos para
a língua materna.
Com o intento de colocar em questão esse lugar de homogenização
da política educacional indigenista, diversos projetos de pesquisa no âmbito
da disciplina de Práticas Curriculares foram pensados pelos indígenas
com o objetivo de atenuar efeitos trazidos pelo processo de colonização,
assumindo também uma prática de reforço na valorização das próprias
identidades. A exemplo disso, apontamos as atividades desenvolvidas
pelos(as) cursistas: Conrado Krikati, Ruth Kanela, Evandra Guajajara e
Maria José Guajajara no âmbito desta disciplina.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 521


O cursista da LIEBI Conrado Krikati desenvolveu sua atividade
sobre o estudo da língua Crê hcateh Jarcwa e sua importância para o povo
Krikati. Discutiu como é estudada na escola e falada na comunidade,
trazendo uma análise sobre as variações linguísticas que estão presentes na
língua. Apresentou nessa atividade a importância do ensino para crianças
como forma de manutenção e reprodução dos saberes da língua materna
em contraposição a exclusividade do ensino da Língua Portuguesa.
De outra maneira, a cursista Evandra Guajajara tratou em sua
pesquisa sobre a importância dos cantos associados ao que eles revelam
sobre a memória dos mais velhos, e a necessidade de repasse para os mais
novos:

Seu Pedro Nicolau conta que ele aprendeu ouvindo os mais velhos cantar.
Quando era mais jovem ele teve um sonho onde uma pessoa chegou até ele
e o cobriu com um lençol branco, e disse que tinha que cumprir sua missão
de cantor e repassar para frente tudo que aprendeu. A partir daquele sonho
foi que ele começou a criar seus cantos, representando os animais, pássaros
do campo e da mata, diz que se alegra quando ver os jovens cantando nas
festas, e de ver que teve contribuição para aquele acontecimento (Relato
colhido em janeiro de 2019).

Abordando questões relativas a poluição do meio ambiente, a


cursista Ruth Kanela6 desenvolveu sua pesquisa sobre o lixo nas aldeias.
Como forma de diminuir o lixo em sua aldeia, desenvolveu um projeto
que visava orientar os indígenas sobre a importância de manter sua aldeia
limpa, através de palestras. Relatou que houve uma diminuição do acúmulo
de lixo na comunidade:

Organizamos palestras com o objetivo de expor a importância da coleta de


lixo, e que isso seria um trabalho coletivo voltado para pensar a preservação
da saúde do povo anela, para questionar, até mesmo os hábitos de consumo
de produtos industrializados” (Relato colhido em janeiro de 2019).

6
Cursista da turma de Ciências da Natureza.

522 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Como podemos notar, estes povos sustentam as suas alteridades
graças a estratégias próprias, das quais muitas envolvem a ação de educar
na forma dos indígenas. De acordo com Meliá (2000), continua havendo
nesses povos uma educação indígena que permite que o modo de ser e a
cultura venham a se reproduzir nas novas gerações, mas também que essas
sociedades encarem com relativo sucesso situações novas.
Nesse campo de disputa entre conhecimentos universalizantes e
as especificidades dos saberes indígenas, as estratégias de resistência são
expressas muitas vezes na própria interação desses grupos com agentes
externos. Para Frédéric Barth (2000), quanto mais o grupo eleva seus
contatos, maior a possibilidade da sua identidade se reforçar e a manutenção
da fronteira passa a ser fundamental à sobrevivência indentitária. Um
exemplo disso, dá-se quando os indígenas traçam estratégias para
manutenção da língua materna, mesmo em face de uma escola pensada
por brancos, como vimos nas pesquisas relatadas.
Para Bourdieu & Passeron (2013, p. 54), “a educação é considerada
como processo através do qual se opera no tempo a reprodução do arbitrário
cultural, pela mediação da produção do hábito produtor de práticas”. Este
arbitrário cultural exprime mais completamente os interesses dos grupos e
classes dominantes.
Ainda que, por vezes, o polo dominante possa assumir uma postura
democrática, há que se ressaltar a manutenção da estrutura do diálogo
pautada em indivíduos situados em campos semânticos diferentes, os
riscos das arbitrariedades e o constante desafio da prática docente no
sentido de atenuar distâncias no diálogo intercultural em sala de aula, se
faz imperativo, sobretudo nesse contexto de relações interétnicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício da Disciplina Práticas Curriculares junto aos cursistas


indígenas da LIEBI prioriza a valorização das memórias, tradições e saberes
ancestrais das suas etnias, bem como a reprodução destas narrativas e o
diálogo delas com o conhecimento ocidental. Além disso, essa disciplina

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 523


objetiva a afirmação das identidades das etnias inseridas no Curso e a
qualificação das suas escolas indígenas, no contexto da interação com a
sociedade envolvente. Para isso, busca constituir parceria entre os saberes
ocidentais e os indígenas. Pretende, portanto, reforçar essa aliança de
conhecimentos na luta pelos direitos dos povos indígenas inseridos na
LIEBI.
Todavia, é preciso relembrar que a escola foi objeto de imposição
aos indígenas desde a colonização brasileira, sob a pretensão de catequizá-
los, civilizá-los e utilizá-los como mão de obra barata, por meio da
inculcação do trabalho na perspectiva europeia. Porém, mesmo com os
prejuízos impostos, historicamente, pela escola aos indígenas, é relevante
destacar como eles têm aprendido a conviver com ela, atravessando vários
paradigmas sobre esta relação, e, hoje, em muitos casos, a exigindo e a
recriando como objeto de enfrentamento.
Importa ainda acentuar que a escola ocidental imposta aos indígenas
ordena e fragmenta o conhecimento, e fortalece a ideia de formação de uma
identidade nacional, cujo processo confronta os projetos educativos desses
povos, pautados numa unidade educativa: isto é, a reciprocidade como base
econômica, a etnia, a rede de parentesco e terra como território educativo e
a ancestralidade simbólica manifesta nos mitos e rituais realizados.
A execução de um currículo escolar que priorize e se aproxime dos
modos de vida de cada etnia no qual se insere colabora para a reafirmação
das pertenças étnicas, mesmo sob processo acentuado e turbulento de
diálogo com a sociedade nacional. Atualmente, a inserção das escolas nas
aldeias, apesar de requerida por muitas etnias, como mecanismo mais
elaborado e pujante de organização e luta, não ocorre sem contendas e
constradições.
Na fala dos graduandos da LIEBI, ao longo da disciplina de Práticas
Curriculares, é nítida a noção de escola indígena que têm, inclusive ao
abordarem a ideia de projeto identitário a ser atingido em suas comunidades.
Para eles, a presença da instituição em suas aldeias, ainda que reivindicada
e inclusa numa dinâmica ampla de disposição e demandas, ocorre mediada
por disputas. Ao tempo em que desejam a instituição escolar, como

524 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


imprescindível ao entendimento intercultural, forçosa a relação com a
sociedade exterior, olham-na com desconfiança, pela ameaça ao modo de
vida tradicional; porque, ao se tratar de um incurso ao seu território, sendo
tal instituição, originalmente, alheia às suas pertenças, a narrativa desta
relação mostra que, historicamente, tem trazido prejuízos às expressões
próprias de educação e língua. Assim, é compreensível avaliarem sua
instalação, bem como a percepção de que algumas etnias não almejam,
nem permitem a instituição escolar em suas comunidades.
Como afirma Tassinari (2001, p. 50), a escola indígena pode ser
contemplada, num olhar teórico, como lugar de fronteira, sendo este
“um espaço de circulação, articulação e permuta de conhecimentos, bem
como de incompreensões e ressignificação identitária dos submergidos
neste processo: índios e não índios”. E, como espaço de interação de
mundos diferentes, as diferenças interétnicas sobrevêm e obtêm contornos
contemporâneos, onde conhecimentos e técnicas, emergentes de tradições
diversas, podem ser trocadas e, com isso, reelaboradas.
O desenvolvimento das Práticas Curriculares na LIEBI, enquanto
processo, pode ser entendido como passos iniciais para se efetivar uma
educação escolar nas aldeias mais plural, com a participação indígena
assumindo todo o protagonismo na construção de uma escolarização
específica, diferenciada, intercultural e bilíngue. Almeja-se, portanto,
favorecer diálogos entre saberes construídos em bases distintas, entretanto,
sem que haja a hierarquização entre os conhecimentos ocidentais sobre os
conhecimentos indígenas.

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PAULA, Aldir Santos de; FURTADO, Marivania Leonor Souza. O Curso


de Licenciatura Intercultural para a Educação Básica Indígena no Estado do
Maranhão. Articulando e construindo saberes. Goiânia, v.3, nº.1, p. 63-78, 2018.

526 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


TASSINARI, Antonella Maria Imperatriz. Escola indígena: novos horizontes
teóricos, novas fronteiras de educação. In: SILVA, Aracy Lopes da; FERREIRA,
Mariana Kawail Leal. Antropologia, História e Educação. São Paulo: Global, 2001.

UEMA. Universidade Estadual do Maranhão. Projeto do Curso de Licenciatura


Intercultural para a Educação Básica Indígena. São Luís: Mimeo, 2015.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 527


BLOG EDUCAÇÃO INCLUSIVA COMO INSTRUMENTO DE
DIVULGAÇÃO DE DIREITOS E METODOLOGIAS ATIVAS

Cristiana Lima Rosa1


Juliana Rodrigues Meneses2
Larissa Alencar R. Elias3
Maria Oneide Silva Lima4
Emmanuel de Almeida Farias Júnior5

INTRODUÇÃO

O título em si já nos remete a uma reflexão quanto a ação blog Educação


Inclusiva, decorrente da problemática “A falta de acompanhamento por
profissionais qualificados na área e falta de informações por parte das
famílias dos deficientes”, diagnosticada através do Projeto de Pesquisa
Educação Inclusiva, realizado no ano de 2019, por Ana Paula Silva da
Cruz, Jéssica Rodrigues Araújo, Maria Oneide Silva Lima, Milleyde Neves
de Sousa e Patrícia da Costa Lima, discentes do Curso de Ciências Sociais
Licenciatura, Polo Santa Luzia/MA, Universidade Estadual do Maranhão-
UEMA. As mesmas elegeram o Colégio de Ensino Fundamental A para
realização da pesquisa.
O Blog Educação Inclusiva é um canal com a exposição de legislação,
metodologias ativas direcionadas à Educação Inclusiva, bem como relatos
de experiências, entrevistas, artigos, cartilhas entre outros, sugestões
e contatos, onde acontecerá a interação do público envolvido como:
coordenadores, gestores, professores, psicólogos, assistentes sociais, alunos,
famílias e simpatizantes.
1
Discente do Curso de Ciências Sociais Licenciatura. Polo Santa Luzia - MA - Universidade Estadual do
Maranhão-UEMA. Contato: crislimarosa6@gmail.com
2
Discente do Curso de Ciências Sociais Licenciatura. Polo Santa Luzia - MA - Universidade Estadual do
Maranhão-UEMA. Contato: julianahrodrigues1@gmail.com
3
Discente do Curso de Ciências Sociais Licenciatura. Polo Santa Luzia - MA - Universidade Estadual do
Maranhão-UEMA. Contato: lariialeencar4@gmail.com
4
Discente do Curso de Ciências Sociais Licenciatura. Polo Santa Luzia - MA - Universidade Estadual do
Maranhão-UEMA. Contato: Oneyde.lima@gmail.com
5
Orientador. Professor DCS/PPGCSPA/CCSA-UEMA. Contato: emmanuelfarias@professor.uema.br

528 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


O referido blog tem por objetivo incentivar os profissionais na busca
por metodologias ativas direcionadas à educação inclusiva; mostrar e
incentivar as famílias de alunos com deficiências a lutar e assegurar vossos
direitos, como por exemplo: o direito de participarem e estarem inseridos
nas salas de aulas regulares, bem como na sala do AEE-Atendimento
Educacional Especializado, assegurar o direito de estarem participando
de uma Educação de fato Inclusiva; incentivar coordenadores, psicólogos,
assistentes sociais, gestores escolares e familiares dos deficientes a busca por
metodologias ativas e recursos inclusivos, planejamento de aprendizagem,
todos juntos com o propósito em prol de busca por igualdades de
oportunidades e a valorização das diferenças humanas.
Segundo Mantoan (2001), a Educação Inclusiva pode ser entendida
como uma modalidade especializada no aluno e dedicada à pesquisa
e ao desenvolvimento de novas maneiras de ensinar, adequadas a
heterogeneidade dos aprendizes e compatível com os ideais democráticos
de uma educação para todos.
Nos últimos anos, observamos um debate amplo relativo à
temática inclusão social, o que causou um maior interesse pela busca
de conhecimentos teóricos e metodológicos sobre o assunto. É válido
mencionar que tal temática possui marcos legais no decorrer de sua história
no que se refere à consolidação de direitos, como adiante se ver na tabela:

Tabela 1 - Linha do tempo da consolidação de Direitos Sociais


1994 2006 2008 2015 2018
Após dez anos
Declaração de Convenção das
A inclusão Lei Brasileira de da Política
Salamanca. Nações Unidas
escolar foi Inclusão (LBI). O Nacional de
Promovida pela sobre o direito
formalizada país estabeleceu Educação
Unesco afirmou o das pessoas com
no Brasil legalmente as Especial, o censo
consenso de que a deficiência. O
por meio condições de escolar apontou
inclusão é um meio Brasil assume o
da Política implementação que o número
para combater atitudes compromisso de
Nacional de do sistema de matricula
discriminatórias garantir as pessoas
Educação educacional na Educação
e construir com deficiência
Especial na inclusivo em Inclusiva chegou
comunidades acesso ao ensino
Perspectiva todos os níveis e a 1,2 milhão um
acolhedoras. fundamental médio
Inclusiva. modalidades. aumento de 70%
inclusivo e gratuito.
desde 2008.
Fonte:https://fundacaotelefonicavivo.org.br/noticias/como-a-educacao-inclusiva-tem-
avancado-no-brasil/

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 529


Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica, organizado
por Cruz e Monteiro (2019), a taxa de atendimento passou de 46,8% em
2007 para 85,9% em 2018, as estatísticas, as conquistas legais direcionam
para avanços na modalidade da educação inclusiva brasileira, entretanto
ainda há um campo a ser preenchido no que se refere à concretização das
mesmas, há uma mudança significativa. Porém, cresce os desafios no que
se refere à qualificação dos profissionais, recursos para política educacional
em questão, acessibilidade. Trata-se de um processo contínuo de inclusão
escolar.
Raquel Franzim (2019), coordenadora da área de educação do
Instituto Alana, comentou os dados obtidos pela pesquisa “O que a população
brasileira pensa sobre educação inclusiva” em entrevista intitulada “Como
a educação inclusiva tem avançado no Brasil”, cedida à Fundação Telefônica
Vivo. Segundo essa entrevista, o IBGE mostra que 6,7% da população
brasileira tem algum tipo de deficiência. Cerca de 3,5 milhões são crianças
de até 14 anos. Dados do Censo Escolar de 2010 mostram que quase 30%
dessa população está fora da escola. Observa-se, portanto, que apesar de
existir uma série de políticas públicas e marcos legais que promoveram o
avanço da Educação Inclusiva, o número de crianças que permanecem fora
das escolas ainda é alto, ou seja, apesar do número de alunos incluídos em
sala de aula regular terem aumentado desde 2008, precisa-se ainda de que,
além das escolas estarem preparadas para receber os alunos, os professores
estejam capacitados para exercer a atividade e assim trazer segurança para
os pais e familiares dos alunos com deficiência.
De acordo com Gotti (2019), apenas 44,2% das escolas urbanas do
país são acessíveis para pessoas com mobilidade reduzida, na zona rural
17,9%. Ainda conforme Cruz e Monteiro (2019), no Anuário Brasileiro da
Educação Básica (2019) as salas de recursos multifuncionais para o AEE-
Atendimento Educacional Especializado estão presentes em apenas 31,5%
das escolas urbanas e 17,9% das rurais.
Observa-se defasagem quanto ao atendimento nas salas do AEE-
Atendimento Educacional Especializado. Essa modalidade de ensino
é fundamental para os deficientes, pois é o ambiente onde se identifica,

530 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade; trabalha as
especificidades de cada educando que necessita da inclusão. Funciona
como um recurso de vital importância para a inclusão escolar.
Segundo Gil (2017, s.p.);

A Constituição Federal no artigo 205 define a educação como um direito


de todos, que garante o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício
da cidadania e a qualificação para o trabalho. Estabelece a igualdade de
condições de acesso e permanência na escola como um princípio. Por
fim, garante que é dever do Estado oferecer o atendimento educacional
especializado (AEE) preferencialmente na rede regular de ensino.

Quanto a Educação Inclusiva a nível estadual, Carvalho e Souza


(2015, p. 76) relatam que:

[...] os serviços de Educação Especial na rede pública estadual de ensino


do maranhão foram oficializados em 1969, já na rede pública municipal
de ensino da capital, São Luís, os serviços foram instalados em 1993 no
contexto da política nacional “Educação para Todos” período em que já se
discutia a inclusão [...].

O Conselho Estadual de Educação do Maranhão publicou a


Resolução Nº 291/2002 – CEE, que estabeleceu normas para Educação
Especial na Educação Básica do sistema de ensino do Estado do Maranhão
e estabelecendo outras providências (MARANHÃO, 2002).
Desde então, existe uma luta constante para que de fato aconteça a
inclusão e não apenas a integração das pessoas com deficiência no contexto
educacional estadual, percebe-se que a política de Educação Inclusiva, vem
se fortalecendo ainda que de forma gradativa, sabemos que é um processo
árduo que requer comprometimento da comunidade escolar e sociedade
como um todo.
Os desafios da implementação da Educação Inclusiva nas escolas, que
apesar de já existirem leis e decretos legitimados desde a década de 1990,
perduram até os dias atuais. Ingressar e manter alunos que necessitam de

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 531


Educação Especial, obter participação ativa de pais e responsáveis e que os
professores estejam capacitados para exercer seu trabalho, são dificuldades
existentes no âmbito educacional.

Dentre tais desafios, destacamos a formação dos professores como campo


de investigação e reflexão. Historicamente, a formação de professores
direcionada para a educação especial, voltada apenas ao ensino dos alunos
com deficiência, baseou-se na vertente médico pedagógica. (JANNUZZI;
MENDES apud DIAS; ROSA; ANDRADE, 2015, p. 453).

Os investimentos na formação continuada dos professores, as


ideias inovadoras, o apoio tecnológico, o lúdico no processo de ensino,
socialização, são ferramentas que auxiliam na construção de uma escola
inclusiva.

OS DIREITOS SOCIAIS E A PRÁTICA EDUCACIONAL

Pensamos no Blog Educação Inclusiva como opção para


trabalharmos esta problemática, tendo em vista a necessidade da inclusão
para o desenvolvimento dos deficientes, assim como a capacitação dos
profissionais para trabalharem com a inclusão, também pela a necessidade
de informação por parte dos familiares, o Blog é um canal onde o público
envolvido luta em prol de melhorias. Abaixo descrito o público que fez
parte do respectivo blog. Neste município existem: 54 escolas que recebem
alunos com deficiência; 246 alunos com deficiência na sede e na zona rural
do município de Santa Luzia/MA. Desses: 24 estudam no Colégio Ensino
Fundamental.

532 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Gráfico 1 – Escolas que recebem alunos com deficiência

Existem 11 salas do AEE no município. Destas, 06 na zona urbana


– 01 Colégio de Ensino Fundamental A, e 05 na zona rural. 20 professores
que trabalham na sala do AEE no município, desses 04 trabalham no
Colégio de Ensino Fundamental A. 84 cuidadores/professores de apoio que
cuidam dos alunos com deficiência no turno que estão inseridos na sala
de aula regular, dessas 18 trabalham no Colégio de Ensino Fundamental
A. 57 professores que trabalham no Colégio de Ensino Fundamental A,
desses 12 recebem alunos com deficiência; 24 famílias que tem filhos com
deficiências estudando no Colégio de Ensino Fundamental A6.
Percebemos a necessidade da criação do Blog Educação Inclusiva, um
canal com a exposição de legislação para levar o conhecimento a todos que
o busque, metodologias ativas direcionadas a Educação Inclusiva, relatos
tde experiências de profissionais, de familiares e de deficientes, entrevistas,
artigos, cartilhas, entre outros, bem como sugestões e contatos que possam
ajudar, instruir e tirar dúvidas do público no momento oportuno.
São várias as inovações relacionadas à Educação Inclusiva, como
por exemplo: o acesso à educação e o direito à aprendizagem que são
garantias constitucionais e dever do Estado e da família, são direitos e
deveres previstos a todos os brasileiros. De acordo com o Observatório da
Educação do Ensino Médio e Gestão:

6
Informação disponível no site: https://inclusivacao.blogspot.com/2021/03/santa-luzia-ma-e-
educacao-inclusiva.html

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 533


Ao falar da Educação Inclusiva, é crucial resgatar o histórico de lutas,
conquistas e estudos que consolidaram essa estratégia pedagógica como um
modelo de avanço educacional. Ao longo da década de 90, a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e
movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas com deficiência se
mobilizaram em torno desse tema, resultando na publicação de importantes
documentos. Desde a  Declaração de Salamanca  (1994) até a  Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Organização
das Nações Unidas (ONU) em 2006 e incorporada à Constituição federal,
na forma da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), em 2015, um amplo cobertor
legal se formou para amparar o combate à  segregação e ao capacitismo.
[2020?, s.p.]

Entre outras que foram e são importantes para a história da Educação


Inclusiva no Brasil e no mundo, essas inovações e benefícios que muitas
pessoas com deficiências não tinham como direitos e acabavam por serem
excluídas socialmente, por este motivo se faz necessário o conhecimento
sobre todos estes direitos e deveres para que a educação ofertada seja
realmente inclusiva. E, é possível perceber que essa educação mesmo que
lentamente, chegou ao município de Santa Luzia/MA, como se ver a seguir.
A Alfabetização em Libras, no município de Santa Luzia/MA,
conforme entrevista com Danielle Oliveira da Silva Almeida, professora da
Educação Infantil e uma das ex-alunas de Libras:

Alfabetização em Libras que se deu início com um casal que veio de Goiânia
para Santa Luzia/MA no ano de 2000: Wisley e Irenir Vilela – anciãos do
Salão do Reino, trabalhavam voluntariamente com a alfabetização dos
surdos na cidade para aos que não conheciam a língua brasileira de sinais.
Depois de 10 anos de trabalho voluntário, somente em 2010 o município
de Santa Luzia/MA passou a ofertar Libras no Colégio Deuris de Deus na
Educação Básica.  A inclusão deu-se a partir do ingresso dos alunos nas
salas regulares de ensino e tinha acesso a todo o conteúdo trabalhado, e
logo as demais escolas passaram a se adaptar e ofertar Libras. Hoje em
Santa Luzia já existe cursos de libras ministrados por Ricardo Barros, Alane
Batista. (Relato colhido em 20 de fevereiro de 2021)7.
7
Relato publicado no site: https://inclusivacao.blogspot.com/2021/03/relato-de-inclusao-edacacional.
html

534 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


De acordo com Gil (2017), em 1999, o “Decreto nº 3.298 dispõe sobre
a Política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência”. A
Educação Especial é definida como uma modalidade transversal a todos os
níveis e modalidades de ensino.
Consequentemente, diante de tais considerações a relevância do
presente artigo no fato de que servirá para esclarecer o entendimento e
apropriação dos direitos das pessoas com deficiência, o conhecimento da
realidade da Educação Inclusiva, e consequentemente, a construção de
um olhar mais preciso a respeito do assunto abordado, através do Blog
Educação Inclusiva, redimensionando assim, novas posturas e práticas de
trabalho voltadas para esta etapa de ensino. O levantamento de dados da
pesquisa teve como base o enfoque qualitativo e quantitativo será descrito
de forma expressa pela equipe, de modo como as informações vinham
sendo coletadas.
Tendo como base o levantamento de informações repassados pelo
Colégio de Ensino Fundamental A, podemos destacar algumas deficiências
confirmadas por laudos médicos que a escola possui: Atraso de linguagem
e hiperatividade; Mielo meningocele  e Hidrocefalia; Hiperatividade
e Agressividade; Dificuldade de Aprendizagem e concentração; CID
10 G40 – Epilepsia; Síndrome de Down; Síndrome de Down e retardo
mental moderado; Surto psicótico; déficit de atenção; Déficit de Atenção e
Hiperatividade; Retardo Neuropsicomotor; Transtorno do desenvolvimento
psicológico; Autismo; Distúrbio de Comportamento; retardo; Atraso
Neuropsicomotor e de linguagem; Dislexia; Alexia e Epilepsia; Transtorno
Hipercinético; Hipotelorismo Ocular; desenvolvimento Neuropsicomotor;
dificuldade de aprendizagem;
Segundo a entrevista com a coordenadora da Educação Inclusiva
do Município de Santa Luzia/MA, a Sra. Samia Raquel Feitosa Conceição
Araújo:

Nosso município enfrenta muitas dificuldades em vários eixos da política


pública, no eixo educação temos: Falta de cursos ofertados para a área; Falta
de carga horaria maior para a disciplina de Educação Inclusiva nos cursos
de magistério e superior; Falta reforma e construção para aumentar as

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 535


salas do AEE no município; Falta de eventos educacionais para reflexão do
tema; Precisamos de mais psicólogos, assistentes sociais, e psicopedagogos
dentro das escolas ou na rede de ensino; Falta de um centro de reabilitação
de crianças e jovens com deficiência; Falta de investimento dentro das
escolas em suas estruturas físicas, pedagógicas e atitudinais para um melhor
atendimento desses alunos; Falta de sensibilização de alguns profissionais
com a educação inclusiva. São tantos os problemas que enfrentamos
para garantir o acesso, permanência e aprendizagem dos alunos inclusos,
precisamos também de mais apoio para desenvolver nosso plano de ação,
embora tudo isso acreditarmos em nosso trabalho e na importância da
inclusão. (Relato colhido em 19 de novembro de 2019).

O Plano de Ação tinha como objetivo: expandir as informações e a


comunicação entre a família, professores e alunos, fazendo com que todos
tenham acesso prático a Educação Inclusiva, promovendo momentos de
interação de forma lúdica entre alunos e professores, principalmente neste
período de pandemia do novo Coronavírus (Covid-19); ampliar acesso à
informação dos direitos que lhes são assegurados por lei, tendo em vista
que a maioria não tem os devidos conhecimentos sobre Educação Inclusiva;
incentivar os professores a busca por qualificações específicas, bem como
metodologias ativas, que futuramente possa vir servir de plataforma para as
instituições que recebem alunos com deficiência.
Tivemos participação ativa de mães, professores e comunidade
através dos conteúdos coletados e postados no Blog. Em uma das entrevistas
com a Sra. Maria Veras Lima, mãe de uma criança que faz parte do Colégio
de Ensino Fundamental A, nos comentou sobre o seu desenvolvimento em
sala de aula e sobre a importância de um acompanhamento específico:

[...] tem deficiência sobre o  CID  10 – Q 05 Mielomeningocele é o


tipo mais comum e também a mais grave de espinha bífida, e  CID  10 -
G91  Hidrocefalia, ela usa uma válvula – DVP – Derivação Ventricular
Peritonial para drenar o líquido da cabeça, fez 30 cirurgias. A Inclusão
Educacional aconteceu no Colégio de Ensino Fundamental A – Santa Luzia/
MA e apesar de todo o receio por parte de toda a família foi maravilhoso
para ela, esse é o segundo ano que ela estuda, foi bem recebida, existe uma

536 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


parceria entre a escola e família, as necessidades da aluna foram atendidas
com muita eficiência dentro desse processo de inclusão. (Relato colhido em
10 de março de 2021)8.

O relato completo da Sra Maria Veras Lima faz parte de uma das
guias de nosso Blog, Relatos e Experiências. Evidencia-nos que apesar de
todos os avanços em relação à Educação Inclusiva nas escolas, existe ainda
uma insegurança por parte de familiares e responsáveis, e o quanto o papel
das instituições é importante para que essa inclusão aconteça de forma
segura e agradável, pois existem normas que estabelecem a obrigatoriedade
de as escolas promoverem a inclusão de pessoas com deficiência no ensino
regular e prover as medidas de adaptação necessárias. E a Srª. Maria Veras
Lima afirma que a possibilidade de hoje sua filha ter participação ativa em
sala, faz com que ela venha desenvolvendo um bom desempenho:

[...] tem um desempenho gradativo, porém satisfatório, tem muita força de


vontade, disciplina, motivação, espalha sorriso por onde passa de forma
a conquistar todos com sua alegria. Queríamos muito que ela estudasse,
porém não nos sentíamos seguros com tal possibilidade, por vários motivos,
foi uma conquista que tem feito dela uma criança mais feliz9.

O processo de criação do blog foi intenso e desafiador, pois nos


causou insegurança no início, mas, com união e empenho da equipe,
colaboração do orientador Emmanuel Farias, da representante da ONG
UMEL Alline Almeida Rodrigues Costa, dos profissionais envolvidos na
inclusão do Colégio de Ensino Fundamental A e da Secretaria de Educação,
das mães que aceitaram nos ajudar com relatos e experiências, foi possível
superar os desafios e concretizar o plano de ação que objetivava a criação
do blog.
A representante da ONG UMEL, Alline Almeida Rodrigues Costa,
nos conta o objetivo da ONG:
8
Relato publicado no site: https://inclusivacao.blogspot.com/2021/03/relato-de-inclusao-edacacional.
html
9
Relato publicado no site: https://inclusivacao.blogspot.com/2021/03/relato-de-inclusao-edacacional.
html

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 537


A UMEL tem por objetivo lutar por maior assistência e acompanhamento
as famílias, aumentando o acesso à informação e à itens fundamentais para
a promoção e Reabilitação de crianças Autistas com Microcefalia, Paralisia
cerebral e Síndrome de Down e etc. Na UMEL a Educação Inclusiva ou
Inclusão Social acontece de forma natural, pois tratamos todos por igual e
os atendimentos de acordo com a necessidade de cada criança, ainda não
estamos fazendo acompanhamento individual com psicopedagogo, esse é
mais um projeto a ser desenvolvido no instituto “ADOTE UMA CRIANÇA”
ajude no seu desenvolvimento e aprendizagem. (Relato publicado no Blog
Educação Inclusiva, em 10 de março de 2021)10.

O enfoque mais abordado pelas professoras, coordenadoras e


Psicóloga durante a gravação de seus vídeos, foi a importância do uso de
metodologias ativas principalmente durante esse período de ensino remoto.
De acordo com o relato da Professora Iolanda Lopes da Silva Pereira,
colhido em 19 de novembro de 2020, a coordenação da escola apresenta
ferramentas online que possam auxiliar o professor nesse processo de
adaptação dos conteúdos para os alunos. Ressalta também a importância
da participação da família durante essa adaptação.
O uso das metodologias ativas engloba o aluno como o protagonista
do processo educacional. Segundo José Morán, “a maior parte do tempo
– na educação presencial ou a distância – ensinamos com materiais e
comunicações escritas, orais e áudio visuais, previamente selecionados
ou elaborados” (MORAN, 2015, p.17). São muito importantes, porém
a melhor forma de aprender é combinando e equilibrando atividades,
desafios e informação contextualizada.
Quando se usa as metodologias ativas a intenção é que os alunos
possam ser construtores do próprio saber, ao invés de serem espectadores e
consumidores de conhecimentos, pois o processo de ensino aprendizagem
requer uma posição dos professores como mediadores do conhecimento,
tornando os alunos não mais passivos, mas ao contrário, tornando-os ativos
nesse processo de ensino aprendizagem que se faz “[...] pela inter-relação
entre educação, cultura, sociedade, política e escola, sendo desenvolvida[s]
10
Relato publicado no site: https://inclusivacao.blogspot.com/2021/03/experiencia-da-presidente-da-
umel.html

538 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


por meio de métodos ativos e criativos, centrados na atividade do aluno
com a intenção de propiciar a aprendizagem” (ALMEIDA, 2018, p. 17).
Durante a construção do nosso blog percebemos que tanto a escola
quanto os professores continuam executando o trabalho de uma maneira
onde o aluno continue sendo envolvido em suas atividades, mesmo durante
esse período que vivemos atualmente. Contudo, as metodologias foram
adequadas à realidade de cada aluno em seu ambiente de casa, televisão,
computador e celulares começaram a ser ferramentas importantíssimas
nesse processo. Porém, permanece o manuseio também de material didático
impresso, em formas de apostilas, entregue pelos próprios professores aos
pais dos alunos.
A professora Iolanda Lopes da Silva nos relatou, em 12 de março de
2021, que “essas metodologias se dão de uma forma dinâmica, pois não
podemos ficar alheios ao trabalho pedagógico de uma forma única”. Ao
divulgarmos o link de acesso, obtivemos uma ótima experiência, recebemos
elogios, comentários positivos como também opiniões sobre a temática em
questão, e os desafios enfrentados, o que ratificou nosso pensamento em
relação à importância de se ter algo voltado para essa política de inclusão.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 539


Grafico 2 - Quantidade de acessos e de comentários

Fonte: https://inclusivacao.blogspot.com

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos argumentos expostos foi possível perceber o quão


importante foi a criação e a execução do plano de ação, o qual se deu por meio
do Blog Educação Inclusiva, ressaltando e dando visibilidade a essa temática
de extrema relevância. Pois o Blog foi planejado com o intuito de expandir as
informações e a comunicação entre a família, professores e alunos, fazendo
com que todos estes tenham acesso prático a educação inclusiva, que é uma
educação almejada não somente para aqueles alunos com deficiência, mas
para abranger a todos sem distinção, promovendo momentos de interação
de forma lúdica entre alunos e professores principalmente neste período de
pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
Entre as informações que foram disponibilizadas no Blog está a
abordagem das metodologias ativas que são de suma importância para

540 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


a aprendizagem ativa dos educandos, promovendo um aprendizado
participativo se opondo a maneira de ensinar na qual o educando assume
uma postura passiva e o educador assume uma postura autoritária, nos
remetendo a um ensino antiquado, abrindo novos caminhos para um novo
olhar do processo de ensino aprendizagem.
Focando na temática Educação Inclusiva pela ótica da educação
ofertada aos alunos com deficiências, buscamos ampliar acesso à informação
sobre os direitos que lhes são assegurados por lei, tendo em vista que a
maioria não tem os devidos conhecimentos sobre a questão legislativa
acerca do tema. Mediante a execução, obtivemos resultados esperados como
a ótica social acerca da temática abordada, com a participação e interação
das mães, profissionais da educação, simpatizantes que se manifestaram e
contribuiu por meio de comentários, estes e outros aspectos contribuíram
positivamente para a construção e execução do Blog Educação Inclusivas.
Concluímos nosso relatório com a afirmação de ter alcançado
os nossos objetivos. Conseguimos uma ação positiva com a criação e
aplicabilidade do Blog Educação Inclusiva. Ressaltamos que todas as
informações coletadas, como as entrevistas e vídeos, foram feitas de forma
virtual. Foram tomadas todas as devidas prevenções de modo a não ocorrer
contaminação do vírus da Covid-19.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de. Apresentação. In: BACICH, Lilian;


MORAN, José (orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma
abordagem téorico-prática [recurso eletrônico]. Porto Alegre: Penso, 2018, p. 14-21.
e-PUB. Disponível em: https://curitiba.ifpr.edu.br/wp-content/uploads/2020/08/
Metodologias-Ativas-para-uma-Educacao-Inovadora-Bacich-e-Moran.pdf.
Acesso em: 31 out 2021.

CARVALHO, Mariza Borges Wall Barbosa de; SOUZA, Andréa de Jesus Lemos.
Formação de professores na perspectiva da educação inclusiva e os planos de
educação.  Educação e Fronteiras, Dourados, v. 5, nº. 14, p. 73-83, mar. 2015.
Disponível em: https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/educacao/article/view/3773.
Acesso em: 31 out 2021.

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CRUZ, Ana Paula, et al. Projeto de Pesquisa Educação Inclusiva realizado no
Colégio Dehon Ensino Fundamental. Curso de Ciências Sociais - Licenciatura,
Universidade Estadual do Maranhão - UEMA, 2020.

CRUZ, Priscila; MONTEIRO, Luciano (orgs). Anuário Brasileiro da Educação


Básica. São Paulo: Editora Moderna, 2019. Disponível em: https://www.
todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/302.pdf. Acesso em: 31 out 2021.

DIAS, Marian Ávila de Lima e; ROSA, Simone Conceição; ANDRADE, Patrícia


Ferreira. Os professores e a educação inclusiva: identificação dos fatores necessários
à sua implementação. Psicologia USP [online]. 2015, v. 26, nº. 3, p. 453-463.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-656420140017. Acesso em:   31 out
2021

FRANZIM, Raquel. Como a educação inclusiva tem avançado no Brasil.


Fundação Telefônica Vivo. 03 de dezembro de 2019. Disponível em https://
fundacaotelefonicavivo.org.br/noticias/como-a-educacao-inclusiva-tem-
avancado-no-brasil/. Acesso em: 31 out 2021.

GIL, Marta. A legislação federal brasileira e a educação de alunos com deficiência.


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542 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


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source=google&utm_medium=cpc&utm_campaign=11358183974&utm_
c o nt e nt = 1 2 8 4 5 4 6 8 7 5 4 0 & u t m _ t e r m = e d u c a % C 3 % A 7 % C 3 % A 3 o % 2 0
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Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 543


SOCIOLOGIA PARA QUÊ? - UMA ANÁLISE ACERCA DA
DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA NO ENSINO REMOTO EM UM
DENOMINADO CENTRO DE ENSINO NO MUNICÍPIO DE
SANTA LUZIA DO PARUÁ-MA

Francisca das Chagas S. Araújo Oliveira1


João Batista Cunha Pereira2
José Carlos da Silva3
Matheus Rodrigues Nunes4
Filipe da Cunha Gomes 5

INTRODUÇÃO

A experiência de pesquisa a ser descrita neste artigo, esteve


diretamente condicionada à reflexão de que a perspectiva sociológica é
instrumento para a compreensão das problemáticas sociais, principalmente
para aquelas que afetam as interações nos diferentes espaços. Para tanto, nos
apoiamos na reflexão proposta por Giddens (2005) ao apontar a necessidade
de, enquanto sociólogos, posicionarmos nosso ponto de vista dentro
de um exercício reflexivo onde devemos nos libertar da “imediatidade
das circunstâncias pessoais e apresentar as coisas num contexto mais
amplo”(2005, p. 24), ou seja, devemos considerar as situações sociais para
além do empiricamente imediato, correlacionando tais situações, com os
acontecimentos que ocorrem em escala global e que produzem efeitos e
significações nas relações sociais.
1
Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA, licenciada em
Pedagogia pela IBERLAAR, especializada em Psicopedagogia pela Faculdade de Teologia Hokemãh -
FATEH. Contato: fran.sousa09@hotmail.com.
2
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA. Contato:
joaobatistacunhapereira27@gmail.com.
3
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Maranhão -UEMA. Contato:
jsilvacarlos2016@gmail.com.
4 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA. Contato:
matheusnunes.mn8@gmail.com
5
Graduado em Ciências Sociais pela UEMA, mestre em Cartografia Social e Política da Amazônia,
doutorado em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor substituto vinculado
ao Departamento de Ciências Sociais e Filosofia do Centro de Estudos Superiores de Caxias - CESC/
UEMA. Contato: filipecunha1992@gmail.com

544 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


É com base na reflexão apresentada anteriormente, que propomos
no presente texto, analisar os resultados de uma experiência de pesquisa
realizada no contexto de um componente curricular6 no curso de licenciatura
em Ciências Sociais. Tal experiência foi desenvolvida no segundo semestre
do ano de 2020, quando no contexto da disciplina remota “Prática como
Componente Curricular na Dimensão Educacional”7, estivemos nos
apropriando de discussões epistemológicas sobre como pensar a formação
do licenciando em Sociologia mediante a necessidade de incorporar a
dimensão prática reflexiva no cotidiano do futuro professor de sociologia,
por meio da realização de atividades práticas, que nos termos de Bourdieu
(1998), estiveram estruturadas em um “pensar relacional” onde a teoria e a
prática se articulam em um mesmo plano reflexivo.
O curso do mencionado componente curricular, veio nos
proporcionar alguns desafios. Tais desafios dizem respeito às restrições
para a realização de atividades para além dos muros físicos da academia
em período de pandemia ocasionada pela Sars-CoV-2 ou Covid-19,
popularmente chamada de novo coronavírus. Sinalizando assim, a
necessidade de apropriação de procedimentos de pesquisa a serem
operacionalizados em período de medidas restritivas para a prevenção
contra o Coronavírus, notadamente legitimadas por decretos oficiais que
paralisaram atividades nos espaços escolares, bem como paralisações
de demais atividades consideradas não essenciais por decisões oficiais,
mediante o acionamento de medidas impositivas como “isolamento social”,
“distanciamento social” e “quarentena”.
Nesse contexto, por entender que a Sociologia poderia nos oferecer
respostas para o momento em que estávamos vivenciando, focando no
espaço escolar, propomos a execução do projeto de pesquisa intitulado
“Sociologia para quê? Uma análise da visão dos alunos acerca da disciplina
de Sociologia”, que buscava investigar a percepção de alunos de terceiro ano
referido a um Centro de Ensino Público, que neste artigo será classificado

6
Disciplina Prática Curricular na Dimensão Educacional
7
Esta disciplina teve andamento no curso de graduação em Ciências Sociais, o qual é mantido pelo
Programa Ensinar, idealizado pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA no município de
Santa Luzia do Paruá – MA.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 545


como Escola A8, acerca da disciplina Sociologia, relacionando tal proposta
com o cotidiano enfrentado em período pandêmico. A sua execução
permitiu acesso a um conjunto de percepções acerca da Sociologia bem
como os desafios e dificuldades enfrentadas a partir naquele contexto, visto
que as aulas de Sociologia ofertadas pelo se encontravam na modalidade
remota.

PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS E OS DESAFIOS DA PESQUISA


SOBRE O ENSINO REMOTO DE SOCIOLOGIA NA PANDEMIA

Para a realização da pesquisa, buscamos problematizar a relação


sociologia e aulas remotas mediante a construção de questionários que nos
oportunizassem o levantamento de percepções dos alunos do 3º ano do
Ensino Médio acerca das aulas remotas. Nesse sentido, propomos debates
sobre as desigualdades sociais exposta de forma escancarada por meio
da pandemia da Covid-19, privilegiando, nesse contexto, os efeitos que a
comunidade escolar vinha enfrentando mediante o reordenamento das
atividades escolares para plataformas digitais, uma vez que, nos termos de
Furlin (2020, p.683-684):

A pandemia nos impôs um isolamento social, sem nenhum preparo prévio,


fazendo com que profissionais da educação e estudantes tivessem que lidar
com questões materiais e emocionais, tendo que, ao mesmo tempo, se
reinventar como docente, discente, e também nas outras tantas posições
de sujeito que cada pessoa ocupa no seio das famílias e no mercado de
trabalho.

Dessa forma, buscamos compreender as reflexões sobre a oferta


da disciplina de Sociologia em aulas virtuais, partindo da importância de
fazermos a observação sobre essas reflexões já que o Ensino Médio no qual
a disciplina é ofertada compõe-se por alunos com estruturas financeiras
distintas, bem como referidos a contextos sociais que dificultam acesso às
8
Esta classificação se justifica por questões éticas de pesquisa, portanto, ao longo das reflexões incritas
neste trabalho será utilizada a classificação Escola A ou Escola.

546 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


plataformas digitais por meio das quais as aulas são compartilhadas. Tal
situação foi decisiva para que nos organizássemos de forma a assegurar
uma quantidade considerável de alunos em nossas atividades, visto que
nem todos possuíam acesso a computadores ou a smartphones, que são os
principais meios de acesso às plataformas de ensino.
Para o alcance do que viemos a propor na pesquisa, realizamos
investimento em levantamento de bibliografias por meio de artigos
científicos e demais produções que nos possibilitaram pensar a Sociologia
em contexto escolar, o que nos impôs o desafio de pensar o contexto escolar
mediante os efeitos da pandemia. Além do mais, realizamos o levantamento
de bibliografias que nos convidaram a problematizar as condições de
pesquisa em contexto pandêmico, uma vez que os instrumentos de pesquisa
comumente acessados estavam impossibilitados em face ao período de
paralisação de aulas presenciais.
Dessa forma, buscamos nos apropriar de procedimentos
metodológicos para realizar nossa pesquisa nos ambientes por via dos
quais o Escola A passou a interagir com seus alunos. Nesse sentido, nos
valemos da denominada ciber-praxiografia, que nos termos de Lacerda e
Ramalho (2020, p.20) consiste na “[...] análise de um fenômeno, cenário,
política ou movimento a partir da observação dos atores envolvidos como
sujeitos inseridos em campos de práticas”. À medida em que conseguimos
estabelecer contato com os gestores e a professora responsável pela
disciplina de Sociologia, buscamos acessar os espaços virtuais por via dos
quais a professora interagia com seus alunos.
Nesse contexto, foi feito uso das plataformas digitais utilizadas pela
escola, como por exemplo, Zoom, Google Meet, Discord e Google Sala de
Aula para que pudéssemos observar o cotidiano de aulas oferecidas no
formato remoto e, assim, pudéssemos interagir com os alunos durante as
aulas de Sociologia. É interessante ressaltar a dificuldade em conseguir
a participação de todos nas atividades que passamos a desenvolver, que
consistiram em realizar debates sobre o contexto em que vivenciávamos
o período pandêmico e as possibilidades analíticas que a Sociologia nos
permite construir.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 547


Diante da mencionada dificuldade, buscamos nos apropriar da
aplicação de questionários online por meio da plataforma de formulários
do Google Forms. O questionário, mesmo sendo passível a críticas devido
as críticas sobre o seu uso nas pesquisas realizadas nas Ciências Sociais,
como bem aponta Bourdieu em “A opinião pública não existe” (1987), foi
uma das estratégias encontradas para garantir a inserção dos alunos que
buscavam participar de nossas atividades, que eram combinadas às aulas
de Sociologia. Dessa forma, prosseguir no uso do questionário na presente
pesquisa, consistiu em uma decisão estratégica para garantir a viabilidade
da pesquisa que foi realizada de maneira remota.
O uso do aplicativo de mensagens WhatsApp também foi necessário
para aproximar a nossa interação com alunos e professora com a qual
estabelecemos contato, principalmente para o compartilhamento dos
endereços eletrônicos de nossos questionários elaborados mediante os
debates que iam de desenvolvendo nas aulas em que pudemos participar.

RELATOS DA EXPERIÊNCIA SOBRE O ESTUDO ACERCA DA


SOCIOLOGIA EM CONTEXTO REMOTO

Pressupostos teóricos

Para elaborar um relato de experiência é necessário visar os


resultados que se enquadrem no campo do objetivo do trabalho, é
indispensável delimitar uma base teórica que se estabeleça de acordo com
o tema proposto, para isso, é essencial apresentar um referencial teórico.
Ele serve de base para o desenvolvimento do trabalho, além de esclarecer
conceitos que facilitarão a assimilação da experiência, assim como também
estabelece um contexto histórico do objeto de pesquisa.
Tal relato de experiência sustenta-se na concepção dos alunos acerca
da disciplina de Sociologia no Ensino Médio, fez-se necessário sabermos o
histórico da disciplina de Sociologia no contexto remoto e como está sendo
ministrada.

548 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Em suma, a Sociologia é uma ciência relativamente nova em
relação às outras ciências, teve seus indícios no final do século XVIII e
no início do século XIX, mas só obteve sua consolidação como Ciência
da Sociedade no final do século XIX em circunstância de duas grandes
Revoluções: a Revolução Industrial9 e a Revolução Francesa. Essas
revoluções consolidaram o capitalismo que transformou algumas pessoas
em alienadas e mudou o pensamento acerca da fé e da razão. Desse modo,
podemos dizer que a Sociologia nasceu da necessidade de refletir a respeito
de uma sociedade que estava passando por grandes transformações sociais.
Desta forma, desde sua formação como ciência, a Sociologia tem
colaborado para amplificar o conhecimento dos homens sobre sua própria
existência, explicando as relações humanas que fundamentam as relações
sociais.

A Sociologia é o estudo da vida social humana, dos grupos e das sociedades.


É um empreendimento fascinante e irresistível, já que seu objeto de estudo
é o nosso próprio comportamento como seres sociais. A abrangência do
estudo sociológico é extremamente vasta, incluindo desde a análise de
encontros ocasionais entre indivíduos na rua até a investigação de processos
sociais globais (GIDDENS, 2005, p. 24).

Dessa forma a Sociologia enquanto ciência é essencial para a


capacitação do pedagogo, em razão que o processo educativo é a socialização
entre duas gerações que, se eficaz, poderia favorecer a sociedade.
Faz-se relevante ressaltar que os relatos vivenciados no decorrer do
projeto são fundamentais na formação do aluno em Sociologia, à medida
que cada relato traz uma visão acerca da problemática da pesquisa. Josso
(2010), no livro Experiências de vida e formação define o conceito de
formação “[...] como atividade de um indivíduo em relação consigo mesmo,
com o seu meio humano e natural no seu percurso de vida”. (2010, p. 245).
Dessa maneira, compreende-se que a Sociologia nos permite
construir reflexões sobre uma sociedade que se apresenta a partir de
9
Período marcado pelo grande avanço tecnológico onde desencadeou profundas mudanças econômicas
e sociais na Inglaterra e posteriormente em todo o mundo.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 549


distintas problemáticas sociais cujas saídas encontram-se contextualmente
tensionadas. Além do mais, a referida disciplina abaliza-nos a oportunidade
de uma nova construção diante de uma sociedade forjada em molduras
rigidamente estabelecidas, permitindo, nesse sentido, interpretar ações
de sujeitos ou grupos que buscam ressignificar ou estabelecer rupturas no
interior de espaços sociais onde novos significados sugerem novas nuances
a relações sociais que sofrem constantemente influências de relações locais
e globais.
Ao longo de sua história, a Sociologia enfrentou rupturas acerca
de seu uso nos currículos na educação brasileira, consequentemente,
averiguar seu histórico permite auxiliar na compreensão dos eventos
sociais representativos ao longo do seu ensino.
Observa-se, portanto, que o papel do sociólogo é esmiunçar
curiosamente os fatos que estão a sua volta, assim elenca Berger (1994,
p. 29) “o sociólogo é alguém curioso”, pois visualiza os acontecimentos
de várias formas vista pela sociedade em um único ângulo, essa postura
pode ser explicitada nas aulas de Sociologia com a finalidade de aguçar
a curiosidade dos alunos, destarte, pode-se dizer que aí está a primeira
verdade revelada pela Sociologia - as coisas não são o que parecem ser.
(BERGER, 1994, p. 32-33).
Por conseguinte, surge a necessidade de se fazer a pergunta: “Para que
serve a Sociologia? ” Seus estudiosos, os sociólogos, se encarregam de tudo
que diz respeito às relações humanas, tendo então um campo riquíssimo
em objetos de estudo, todavia, a visão de um sociólogo é marcada pela
contraposição do que pode observar ao seu redor, inquietando-se com as
primeiras impressões dos fatos que por ele são investigados.
Outro fator importante para ser estudado neste projeto é conhecer
quem são os alunos que frequentam as aulas de Sociologia no Ensino
Médio. Tomazi e Lopes Junior (2004), despertam a curiosidade por meio
da seguinte problematização: “Quem são nossos alunos”?! Essa inquietação
não pode passar despercebida, sendo necessária uma análise sociológica
dentro desse campo de investigação sendo que o objeto de estudo são os
próprios alunos que vem passando por um longo processo de modificações

550 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


levando em consideração a cultura de consumo presente na sociedade
brasileira.

A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS ACERCA DA DISCIPLINA DE


SOCIOLOGIA EM CONTEXTO DE PANDEMIA

As informações relatadas nos gráficos seguintes dizem respeito


às turmas do 3º ano do Ensino Médio, matutino e vespertino, referente
à disciplina de Sociologia oferecida pela Escola A, em Santa Luzia do
Paruá - MA. Formulou-se questionários, estes foram constituídos a partir
de perguntas fechadas as quais foram desenvolvidas diante do cenário
pandêmico no qual viam-se as necessidades do ensino remoto, então,
obedecendo as medidas de segurança da OMS, utilizamos plataformas
digitais para aplicação dos mesmos, obtendo os seguintes resultados:

Gráfico 1 – Quantitativo de alunos entrevistados por turno

Fonte: dados coletados pelos pesquisadores, 2021

O gráfico acima representa a quantidade de alunos dos turnos


matutino e vespertino que responderam aos questionários propostos. Sendo
que haviam, inicialmente, 107 alunos matriculados nestes turnos, porém
apenas 31 encontravam-se presentes, resultando em uma porcentagem de

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 551


64,5% no turno vespertino, e 35,5% no turno matutino, ambos os turnos
responderam os questionários.

Gráfico 2 – Dificuldades encontradas no ensino remoto durante a pandemia


da COVID-19

Fonte: dados coletados pelos pesquisadores, 2021

Diante dos resultados mostrados no gráfico, observamos que o


enfretamento social neste novo modelo de ensino veio a contribuir com a
evasão escolar, a baixa frequência e até mesmo dificuldades na realização
de atividades. Percebeu-se também, que a maioria dos entrevistados
apresentou que no decorrer do processo de ensino remoto foram
enfrentados problemas de conexão com a internet, visto que durante as
aulas ocorriam quedas com a conexão, comprometendo o entendimento do
conteúdo exposto pela professora e até mesmo a falta de aparelhos celulares.
Por outro lado, haviam alunos, principalmente da zona rural,
que não possuíam nenhuma possibilidade de participarem das aulas na
modalidade virtual, pensando nisso, foram estabelecidas estratégias através
da Secretaria de Educação do Estado do Maranhão (SEDUC), como
por exemplo, a Busca Ativa Escolar, que é um dos programas que visam
resgatar os alunos dispersos e ao mesmo tempo acolher os que estavam
impossibilitados ao acesso do ensino.
Para tanto foram estabelecidas estratégias como o “Caderno de
reposição” para este público de alunos. Mesmo com as tentativas e o
esforço por parte da escola, notou-se um percentual mínimo de alunos que
acessaram atividades de ensino oferecidas virtualmente.

552 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Gráfico 3 – Avaliação do ensino remoto na disciplina de sociologia

Fonte: dados coletados pelos pesquisadores, 2021

Mediante questionamentos os alunos puderam avaliar de que


forma o ensino remoto estava sendo posto. Portanto, foi constatado que
nem todos os alunos que responderam estavam satisfeitos com essa nova
modalidade, fazendo-nos entender que preferiam o ensino presencial visto
que tanto o acesso quanto o entendimento dos conteúdos eram obtidos
com maior facilidade, sendo que estes correspondem a um percentual de
61,3%, enquanto 38,7% avaliaram o ensino remoto positivamente.
É interessante ressaltar que, conforme aponta Furlin (2020), as
desigualdades de acesso aos meios que garantem a participação tanto
do professor quanto dos alunos em atividades remotas, não foi pauta de
um debate extensivo com estes agentes, o que explica a crítica que esta
modalidade de ensino vem sofrendo mediante o aprofundamento das
desigualdades entre aqueles que possuem acesso a bens tecnológicos e
aqueles que não possui condições mínimas para acessarem plataformas
digitais, em seus termos:

Não houve um debate público sobre as desigualdades de recursos técnicos


e de acesso à internet e à informação por parte dos estudantes e, inclusive,
de professores/as, além da realidade de preparação desses profissionais para
enfrentar uma realidade imposta. (FURLIN, 2020, p. 683).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 553


Gráfico 4 – Como os alunos percebem a contribuição da sociologia para a
compreensão dos fenômenos sociais

Fonte: dados coletados pelos pesquisadores, 2021

A partir dos dados obtidos foi possível identificar que a maioria dos
alunos percebem a importância da Sociologia, bem como a sua contribuição
para a construção do pensamento crítico e reflexivo para o bem comum
da sociedade, e ainda esta mesma disciplina tem contribuído tanto nas
ações individuais quanto nas coletivas. Além disso, foi constatado que um
percentual de alunos, que mesmo estando em seu último ano do Ensino
Médio, não assimilaram a relevância da Sociologia na construção social.

Gráfico 5 – A participação do estado nas políticas educacionais no contexto


do ensino remoto

Fonte: dados coletados pelos pesquisadores, 2021

554 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


O ano de 2020, por conta da pandemia da Covid-19, trouxe consigo
uma série de desafios nas esferas da saúde, economia e educação, esta por
sua vez buscou meios de subsistir diante desse complexo global. O governo
do Estado do Maranhão adotou medidas educacionais com o objetivo de
dar suporte à nova modalidade de ensino no contexto remoto, distribuindo
chips com internet, contribuindo deste modo com a facilitação do acesso
dos alunos às salas de aula virtuais. Contudo, constatamos nesta pesquisa
que apesar da distribuição de chips com internet nem todos os alunos
tiveram acesso aos chips e havendo ainda necessidades de distribuição de
aparelhos celulares ou tablets como suporte por parte do estado a esse novo
cenário social.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

É de extrema importância que disciplina Sociologia seja ensinada


no ensino médio, porque traz à sala de aula a possibilidade de construção
de debates acerca das relações e ações sociais, permitindo que os alunos
entendam o mundo de uma maneira diferente. Através deste relato de
experiência, foi possível identificar a principal contribuição da disciplina
para o desenvolvimento do aluno, para a formação de um cidadão crítico e
questionador, sendo um sujeito consciente, entendendo o outro com suas
características e diferenças.
No andamento da pesquisa realizada identificamos um grande
problema imposto por esse período pandêmico, que foi a perda do vínculo
dos alunos com a escola, mas também percebermos o esforço por parte
dos professores através das suas metodologias e manuseio das plataformas
digitais para manter esse discentes na sua jornada estudantil. Entretanto,
é preciso considerar os desníveis vivenciados pela comunidade escolar
mediante a realização de atividades remotas, visto que, conforme aponta
Furlin (2020, p. 685), a pandemia veio aprofundar as “[...] desigualdades de
condições e de acesso ao direito da educação de qualidade [...]”.
A partir da Lei nº 9.394/96, que define a construção da cidadania do
educando como um dos principais objetivos do Ensino Médio, podemos

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 555


entender a importância da Sociologia no Ensino Médio, levando em
consideração que suas principais contribuições são o conhecimento
sociológico, explorar, identificar, relatar, classificar e interpretar/explicar
todos os fatos sobre a vida social, permitindo ao discente incorporar a
multiplicidade da realidade social.
Portanto, no curso da pesquisa, pudemos estabelecer as ideias
básicas da importância da disciplina de Sociologia, tendo o professor como
mediador desse conhecimento, com uma perspectiva diferente, capaz
de criar abordagens únicas e inovadoras, tendo como foco levar a uma
formação crítica do aluno. Também é importante enfatizar a importância
da vida cotidiana na sala de aula, como forma de mobilizar os alunos e
tornar a Sociologia uma disciplina prazerosa mais próxima da realidade
dos alunos.

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Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 557


EVASÃO ESCOLAR EM TURIAÇU-MA EM TEMPOS DE PANDEMIA
DA COVID-19: ALGUMAS REFLEXÕES

Elenice Ferreira Marques


Eunice Pinto Barbosa Gomes
Aldina da Silva Melo

INTRODUÇÃO

No Brasil o tema da evasão escolar tem sido amplamente discutido


por diversos estudiosos das Ciências Humanas às Sociais. É fato que toda
instituição de ensino, seja da Educação Básica e/ou superior, está exposta
a possíveis evasões. Contudo, nota-se um certo agravamento em tempos
de crises, a exemplo da mais recente crise mundial provocada pelo Sars-
Cov-2. Ora, analisando o cenário atual, de modo mais específico o cenário
brasileiro, percebe-se o quão afetada tem sido o setor educacional, desde
janeiro de 2020, quando é decretado pelas autoridades políticas e sanitárias
estado pandêmico no Brasil.
Dessa forma, alguns questionamentos são pertinentes nesta pesquisa,
a saber: Quais causas podem ser apontadas como potenciais da evasão
escolar? Quais as consequências da evasão na sociedade brasileira? Como a
pandemia da Covid-19 tem agravado e impactado o sistema de ensino? Ela
tem provocado um crescimento do índice de evasão escolar?
Nesse sentido, compreendendo ser a evasão escolar um problema
social ainda frequente no cenário educacional brasileiro, este trabalho
se justifica alinhando as dimensões da teoria e da práxis. Pretende
somar aos estudos teóricos sobre tal temática no Brasil, tendo, no caso
deste trabalho, a especificidade de tratar da realidade do Maranhão
a partir do estudo de campo realizado no Escola Pública Estadual A
, instituição escolar do município de Turiaçu.
O presente estudo visa identificar e trazer algumas reflexões sobre
causas que levaram estudantes ao abandono escolar, bem como os efeitos

558 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


negativos decorrentes desse fenômeno no processo de formação do
indivíduo como cidadão bem instruído.
Dito isso, este trabalho está organizado em duas partes, além das
considerações finais. Na primeira parte apresenta-se o estado de arte da
temática da evasão escolar, refletindo sobre conceitos, causas e consequências
desse fenômeno. Já na segunda parte abordam-se os resultados do estudo de
caso realizado sobre a evasão escolar na escola pública estadual de Ensino
Médio A, da cidade de Turiaçu, estado do Maranhão.

CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA EVASÃO ESCOLAR: PANORAMA


INICIAL

A recorrência da evasão escolar já era presente na realidade das


instituições educativas brasileiras da rede pública e privada antes mesmo
de ser decretado estado pandêmico no Brasil provocado pelo Novo
Coronavírus (SARS-CoV-2), também conhecido como Covid-19.
Diante do novo contexto social vivenciado em função da pandemia da
Covid-19 a problemática da evasão escolar tornou-se ainda mais agravante.
Muitos chefes de família perderam suas fontes de renda, em grande maioria
os trabalhadores informais, comprometendo o sustento familiar dessa
classe. E, por consequência, a educação passou a ser ofertada no modelo
remoto, fazendo uso de plataformas digitais e sites. Ora, se por um lado
o ensino remoto foi opção viável para o campo da educação em tempos
de pandemia e isolamento social, por outro lado tornou-se extremante
complicado o prosseguimento dos estudos para muitos estudantes de
famílias brasileiras empobrecidas.
Segundo relatos de professores e estudantes da rede de ensino
público do Maranhão, dentre as dificuldades enfrentadas no ensino
remoto, os estudantes tiveram que lidar com problemas como falta de
computador, não acesso à internet, não acesso à energia elétrica, falta de
espaço físico adequado para estudo, dentre outros elementos necessários
nesta modalidade de ensino.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 559


A evasão escolar pode ser apontada como um campo de pesquisa
sobre o qual intelectuais de todo o mundo têm se debruçado. É preciso
considerar que este campo de estudo tem evidenciado uma problemática
que se reproduz por uma série de determinantes e condicionantes sociais.
Recorrentemente, evasão escolar tem sido associada como sinônimo
de fracasso escolar do estudante e da própria instituição de ensino. Mas,
efetivamente, ao que nos referimos quando tratamos de evasão escolar?
Como a temática tem sido trabalhada e analisada nas diferentes áreas do
conhecimento?
Conforme Riffel e Malacarne (RIFFEL; MALACARNE apud SILVA
FILHO; ARAUJO, 2017, p. 37), evasão é “[…] o ato de evadir-se, fugir,
abandonar; sair, desistir; não permanecer em algum lugar”. E Machado
(2009, p. 36) complementa, ao afirmar que “tratar da evasão é tratar do
fracasso escolar; o que pressupõe um sujeito que não logrou êxito em sua
trajetória na escola”.
Ora, a evasão escolar é um fenômeno que tem inquietado
pesquisadores e estudiosos, e tem afetado diferentes camadas sociais
se concentrando mais na faixa etária dos 15 anos de idade, quando da
passagem do Ensino Fundamental para o Ensino Médio, como mostram
os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020)
referentes ao ano de 2019:

Das 50 milhões de pessoas de 14 a 29 anos do país, 20,2% não completaram


alguma das etapas da Educação Básica, seja por terem abandonado a escola
antes do término desta etapa, seja por nunca a terem frequentado. Nesta
situação, portanto, havia 10,1 milhões de jovens, dentre os quais, 58,3% de
homens e 41,7% de mulheres. Considerando-se cor ou raça, 27,3% eram
brancos e 71,7% pretos ou pardos. Além disso, deste total, 9,8 milhões já
haviam frequentado escola anteriormente e 300 mil nunca frequentaram.
[…] O marco do abandono precoce à escola se dá aos 15 anos: nessa idade,
quando em geral se entra no Ensino Médio, o percentual de jovens quase
dobra em relação à faixa etária anterior, passando de 8,1%, aos 14 anos, para
14,1%, aos 15 anos. Os maiores percentuais, porém, se deram a partir dos
16 anos, chegando a 18,0% para pessoas com 19 anos ou mais (IBGE, 2020).

560 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Sabe-se que é por meio da educação que é possível transformar a
sociedade como também tornar-se um sujeito autônomo e com pensamento
crítico. Logo, os dados demonstrados pelo IBGE (2020) são alarmantes
pois apontam para uma porcentagem considerável de jovens que entram
nos índices da evasão escolar.
De acordo com o Art. 205, da Constituição Federal (BRASIL,
1988), “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. E, como assegurar tal direito em um momento
que fez-se necessário o emprego do ensino remoto em caráter emergencial?
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) também
corrobora nesse debate ao afirmar que:

O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante


a garantia de: I- a Educação Básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos
17 (dezessete) anos de idade, está organizada da seguinte forma: a) pré-
escola; b) Ensino Fundamental; c) Ensino Médio. (BRASIL, LDB/96, Art.
4º).

Assim, nota-se que a educação é uma responsabilidade que requer


participação de todos abrangendo em seu processo desde a instituição
governamental à familiar. E Freire (1981, p. 10) afirma que “estudar não é um
ato de consumir idéias, mas de criá-las e recriá-las” e demanda persistência
e atenão. Ora, no cenário educacional, o aluno é representado como elo
que mais requer atenção nessa engrenagem, elo importante, embora fique
a mercê da massificação imputada pelo poder dominante. Ainda, segundo
Freire (1981, p. 81), “é preciso superar o condicionamento do pensar falso
sobre si e sobre o mundo”, sendo a educação escolar fundamental nesse
processo.
Segundo dados do Censo Escolar de 2007 divulgado pelo INEP, a
evasão escolar entre jovens é alarmante nos países da América do Sul. O
Brasil tem a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países
com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 561


Muito embora fatores econômicos sejam apontados como um dos
elementos que levariam à evasão escolar, vale considerar os estudos de
Bourdieu e Passeron (1975) e Cunha (1997), nos quais os teóricos afirmam
que a causa da evasão pode ser derivada de fatores internos, por exemplo:
emocionais, cognitivos, psicológicos e constatam que a escola é responsável
pelo sucesso ou fracasso dos alunos, principalmente daqueles pertencentes
as classes sociais mais empobrecidas.
Para Aranha (2009, p. 1), “os maiores dilemas enfrentados pelos
jovens, na atualidade, no Ensino Médio, são turmas lotadas – chegam
a 50 alunos por sala –, conteúdos extensos e específicos e professores
despreparados para lidar com o estágio de desenvolvimento dos alunos”.
O cenário educacional apresentado, de superlotações e desestruturação,
contribui para que o processo de ensino-aprendizado se encontre em
condições comprometedoras, no que diz respeito a sua eficácia, tanto
por docentes e discentes quanto no que se refere à estrutura física, sendo
elementos que levariam à evasão escolar.
Para Rumberger (apud SILVA FILHO; ARAÚJO, 2017, p. 42), a chave
de compreensão e solução da evasão é encontrar as causas do problema,
mas essas causas de forma análoga a outros processos do desempenho
escolar têm influência de um conjunto de fatores atrelados ao estudante e
sua rede de convívio: família, escola e comunidade em que vive. Em relação
aos motivos que levam à evasão escolar, Ferreira (apud SILVA FILHO;
ARAÚJO, 2017, p. 44) destaca que;

estes podem ser classificados ainda de acordo com os seus fatores


determinantes: a escola (não atrativa, autoritária, com professores
despreparados, insuficientes, com ausência de motivação); o aluno
(desinteressado, indisciplinado, com problema de saúde, gravidez); os pais
ou responsáveis (não cumpridores do pátrio poder, desinteressados em
relação ao destino dos filhos); e o social (trabalho com incompatibilidade
de horário para os estudos, agressão entre os alunos, violência em relação
a gangues, etc.

562 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Pode-se sugerir que a união entre todos os envolvidos da comunidade
escolar é uma boa estratégia para combater a evasão escolar. E diversas
ações podem ser implementadas para aumentar o interesse dos alunos nos
estudos, sendo necessário que o gestor monitore essas ações durante todo o
ano letivo, e não apenas no período de matrículas. Esse acompanhamento
permite que a instituição estabeleça ações preventivas de combate à evasão,
sobretudo em tempos de crises sociais e sanitárias, a exemplo da Covid-19.
O atual cenário de pandemia da Covid-19 desencadeou uma
realidade caótica no setor financeiro atingindo muitas famílias brasileiras,
afetando o campo da educação e levando vários estudantes à evasão pela
não condição de arcar com os custos extras gerados pela modalidade então
implantada de ensino remoto de emergência.

[...] o Ensino Remoto de Emergência (ERT) é uma mudança temporária


para um modo de ensino alternativo devido a circunstâncias de crise.
Envolve o uso de soluções de ensino totalmente remotas para o ensino
que, de outra forma, seriam ministradas presencialmente ou como cursos
híbridos, e, que, retornarão a esses formatos assim que a crise ou emergência
diminuir ou acabar. O objetivo nessas circunstâncias não é recriar um
sistema educacional robusto, mas fornecer acesso temporário a suportes e
conteúdos educacionais de maneira rápida, fácil de configurar e confiável,
durante uma emergência ou crise (HODGES et. al., 2020, p. 6).

A Covid-19 é um vírus contagioso, tendo afetado mais de 200 países


em todo o mundo e levando a Organização Mundial da Saúde a declarar o
surto como uma pandemia mundial. A Covid-19 foi descoberta em 2019
e em aproximadamente dois anos ceifou a vida de mais de 4 milhões de
pessoas em todo o mundo. No Brasil esse número chega a mais de 500 mil
pessoas mortas segundo dados do Consórcio de Veículos de Imprensa.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em
dezembro de 2019 houve a primeira transmissão comprovada do novo
coronavírus (SARS-CoV-2) em Wuhar, na China. O vírus da Covid-19
pertence ao subgênero Sarbecovírus da família Coronaviridae e é o
sétimo coronavírus conhecido a infectar seres humanos. É uma infecção

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 563


respiratória aguda causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2), que apresenta
um aspecto clínico variando de infecções assintomáticos às sintomáticas,
podendo levar a quadros leves e graves, ocasionando a morte.
Para a OMS a maioria dos infectados pela Covid-19, cerca de
80%, pode ser assintomático ou olingossintomático (poucos sintomas), e
aproximadamente 5% pode necessitar de suporte ventilatório. Os sintomas
apresentados por esse vírus podem variar de um resfriado a uma síndrome
gripal aguda. Tosse, cansaço, febre e dor de garganta são geralmente
caracterizados como sintomas leves enquanto perda de paladar e olfato,
dificuldade de respirar, dor ou pressão no peito e perda de fala e movimento
são tidos como sintomas graves.
A Covid-19 tem afetado toda a sociedade em diferentes partes do
mundo. E um dos setores afetados diretamente é o da educação com a
suspensão presencial das aulas, o que elevou o índice de evasão escolar.
No Brasil a idade apontada como crítica para a evasão escolar no Ensino
Fundamental se concentra mais ou menos nos 13 anos de idade. A
proporção de jovens na escola chega a 97%, contudo essa proporção caí
quando se trata de jovens de 16, 17 e 18 anos como foram apresentados
nos dados do IBGE. Após os 18 anos a queda volta a ser suave, o que nos
leva a apontar que o pico da evasão escolar acontece entre os 14 a 18 anos
de idade.
Segundo o IBGE (2020), em 2019, quase 75% dos jovens de 18 a 24
anos estão atrasados ou abandonaram a vida escolar.

564 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Tabela 1 – Pessoas de 18 a 24 anos

Fonte: IBGE (2020)

Outro elemento a considerar nas reflexões sobre evasão escolar e


Covid-19 é que a pandemia agravou a dificuldade financeira já enfrentada
por estudantes pertencentes a famílias empobrecidas que enfrentam
cotidianamente os altos índices de desigualdade social no Brasil. O
jornalista Ribamar Martins dá ênfase a problemática, afirmando que;

são vários os relatos de estudantes sem equipamentos ou conexão à internet,


famílias em situação econômica cada vez mais frágil, professores com
crescentes dificuldades em manter os alunos engajados nas aulas remotas
e pais tanto ansiosos quanto temerosos pela perspectiva da volta às aulas
presenciais — marcada em alguns estados brasileiros para agosto de 2021.
(MARTINS, 2020, p. 4).

O resultado dessa combinação é que cresce o temor entre educadores


e pesquisadores de que as circunstâncias impostas pela pandemia façam
com que mais estudantes simplesmente desistam da escola neste ano,
engordando as estatísticas de evasão escolar no Brasil.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 565


“ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL A” E O ENFRENTAMENTO À
EVASÃO ESCOLAR EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19

Turiaçu é uma cidade brasileira do estado do Maranhão localizada a


244 km da capital São Luís. Foi fundada em 11 de julho de 1870.

Figura 1: Praça principal da cidade de Turiaçu-MA.

Fonte:https://maranhao-br.blogspot.com/2019/10/turiacu-maranhao-perola-do-litoral-
tem.html?spref=pi

Localizada à margem esquerda do Rio Carapanaí, Turiaçu foi


colonizada em 1679 por portugueses numa missão jesuítica de São
Francisco Xavier da ordem Companhia de Jesus. A missão estava voltada
para a catequização indígena na região. Turiaçu torna-se cidade em 1870
por meio da Lei Provincial n° 897, de 11 de julho de 1870. (MARTINS,
1959).
Atualmente Turiaçu é formada por 126 comunidades, dentre as
quais uma comunidade quilombola. O processo de formação e ocupação
das terras do município de Turiaçu é tão antigo quanto o do Maranhão.
Segundo o escritor Martins (1959, p. 6), “a formação do território turiense
se inicia durante os vintes primeiros anos após a formação do estado do
Maranhão (Criado em 1621 e consolidado no ano de 1624, com a posse do

566 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


primeiro governador Francisco Coelho de Carvalho)”.
Turiaçu vem de tury = facho e assu = grande, ou seja, o termo
significa “Facho grande” e assim ficou conhecido por seus moradores. A
população atual do município de Turiaçu é de 33.933 habitantes, sendo
17.626 homens e 16.307 mulheres. Desse total, 10.931 pessoas moram na
Zona Urbana e 23.002 estão na Zona Rural (IBGE, 2010).
Segundo Costa Filho (2012), em relação a história da Educação em
Turiaçu, pode-se afirmar que seu início foi desde os primórdios do período
colonial, desenvolvendo-se no mesmo contexto da história da educação
brasileira, a partir do século XVII, sendo os padres jesuítas os primeiros
educadores.
Atualmente o sistema educacional da rede de ensino de Turiaçu é
formado por diversas Instituições de Ensino Básico, dentre elas podemos
destacar o Escola Pública Estadual A, escola sobre a qual as reflexões acerca
da evasão escolar propostas neste artigo tem Partido.

Figura 2: Fachada da Escola Pública Estadual A.

Fonte:https://www.educacao.ma.gov.br/escola-digna-muda-vida-de-quase-1-400-
estudantes-em-turiacu/

O Escola Pública Estadual A é uma instituição de Educação Básica


que fica localizado no centro da cidade de Turiaçu – MA. É uma escola
estadual que oferta o Ensino Médio completo. É composta por uma equipe

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 567


de multiprofissionais formado por: diretores, pedagogo, professores,
educadores capacitados no Atendimento Educacional Especializado,
vigilantes, dentre outros profissionais.
O Escola Pública Estadual A é uma das escolas mais antigas de
Turiaçu. Foi construída em 1948, na administração municipal do interventor
Humberto Borgneth. Posteriormente, a escola teve sua fundação validada
pelo governo estadual. Segundo Costa Filho (2012, p. 5), a história da
fundação desta escola inicia-se da seguinte maneira:

Estando no Governo da República o General Eurico Gaspar Dutra, depois


Marechal, foi estabelecido um plano escolar em que o Maranhão era
contemplado com a construção de diversos grupos escolares, um dos quais
foi construído na sede do município, embora em local impróprio, pois que
dá aos fundos para a rampa de desembarque, em 1948. Continua o autor:
Finda a construção, o Governo do Estado fez nele instalar a unidade escolar
adequada […]. (COSTA FILHO, 2012, p. 6).

Em 11 de março de 1987, pelo Decreto Estadual de nº 10.374, foram


criadas várias escolas de 1º grau no Estado, passando a haver uma integração
entre os alunos do Ensino Fundamental e Médio, recebendo então o nome
de Unidade Integrada de 1º Grau Dr. Paulo Ramos e da 1ª a 8ª série do
município de Turiaçu. Posteriormente, reconhecida através da Resolução
nº 323/93-CEE (apud COSTA FILHO, 2005, p. 7).
Segunda a direção escolar, em 2016, a escola passou por mais uma
reforma, que durou dois anos, sendo concluída apenas em 2018. Foram
reformadas todas as salas como também foram construídas novas salas com
estruturas climatizadas. Atualmente, a Escola Pública Estadual A comporta
em sua estrutura física: 10 salas de aulas, 1 sala de informática, 1 sala de
professores; 1 sala da direção, 3 banheiro do sexo masculino e 3 do sexo
feminino, 2 banheiros adequados a alunos com deficiência ou mobilidade
reduzida (sendo um do sexo feminino e outro do sexo masculino), 1
cozinha, 1 dispensa, 1 biblioteca, 1 quadra esportiva e 1 área externa.
Quanto à gestão da escola, é organizada como geral e auxiliar,
coordenação pedagógica e pessoal do apoio. Na secretaria da escola há

568 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


também dois agentes administrativos. Em relação aos professores, o diretor
da escola, ressalta em entrevista realizada em junho de 2021, que “todos são
formados em suas áreas de ensino, apenas um deles que ainda não concluiu
formação em nível superior, que é o caso do professor de Educação Física”.
Quanto aos sexos dos professores, são eles do sexo feminino e masculino,
em sua maioria mulheres, com faixa etária na média de 30 a 60 anos. Ainda
sobre os professores vale ressaltar que apenas dois não residem nesta cidade.
A escola disponibiliza o Ensino Médio regular e EJA. Com o cenário
atual, decorrente em função da pandemia do Covid-19, em 2020 a escola foi
fechada e foi adotado o ensino remoto. Nesse processo de adaptação a essa
nova e inesperada modalidade de ensino, foram feitas buscas ativas, bem
como disponibilizado materiais impressos de apoio (apostilas, avaliações,
etc.) aos estudantes com dificuldade de acesso à internet ou que não tinham
computador e aparelho celular ou tablets.
Ainda em 2020 a Escola Pública Estadual A atendeu em média
1091 alunos, sendo estes do sexo feminino e masculino, alunos de AEE,
tais como cadeirantes, surdos e outros e alunos da zona rural, 90% destes
do turno vespertino. Segundo entrevista com a direção da escola realizada
em junho de 2021, vale ressaltar que integram o quadro de professoras
duas profissionais em regime de trabalho de contrato com formação em
pedagogia e especialização em Libras.
Importante destacar a AEE e ensino em Libras ofertados na escola
pois possibilita a inclusão dos alunos portadores de deficiências ou
necessidades especiais. De fato, lembra o Programa Nacional de Educação
(PNE) como também as normativas da nossa Constituição Federal (1988)
no Art. nº 208, é dever do Estado com a educação a garantia de:

I - Educação Básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)


anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que
a ela não tiveram acesso na idade própria; (Inciso com redação dada pela
Emenda Constitucional nº 59, de 2009). II - Progressiva universalização
do ensino médio gratuito (Inciso com redação dada pela Emenda
Constitucional nº 14, de 1996) III- Atendimento educacional especializado
aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino
(BRASIL, CF/88, Art. 208).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 569


Quanto ao deslocamento dos alunos à escola, este dá-se em ônibus
escolares que transportam alguns alunos da zona rural. Segundo o diretor
da escola, são inúmeras dificuldades enfrentadas com relação às estradas
do município, além de problemas com a manutenção dos ônibus escolares.
Nessa perspectiva, pode-se considerar a necessidade de políticas públicas
voltadas a essa problemática, no intuito de possibilitar aos alunos um
transporte público de qualidade como também estradas viáveis de tráfego
para que os ônibus transitem transportando os estudantes de suas casas para
a escola e vice-versa. No caso da realidade de Turiaçu, a falta de estradas
trafegáveis pode ser apontada como um dos fatores que tem ocasionado a
evasão escolar na Escola Pública Estadual A.
Um ponto crucial a ser destacado neste estudo trata-se do quadro
de alunos evadidos na escola no ano de 2020, ano em que foi decretada
pandemia da Covid-19 em nosso país. Em entrevista com o diretor da
escola, perguntou-se qual o índice de alunos(as) que evadiram durante o
ano de 2020. Segundo o diretor, “o maior índice ocorrido foi no 3° ano
noturno, foram um total 20 alunos, sendo que no EJA foi somente 1 aluno
que evadiu. No matutino foram 7 alunos”. (Entrevista realizada em junho
de 2021).
Além da problemática das estradas e transporte escolar, a Covid-19
pode ser apontada como grande ocasionador da evasão escolar na Escola
Pública Estadual A. fechamento da escola; não acesso à internet; falta
de computadores, tablets ou aparelho celular para acesso as plataformas
digitais usadas no ensino remoto; ambiente inadequado para estudo e
isolamento social; podem ser apontados como potenciais agravantes da
elevação da evasão escolar em Turiaçu.
Em março de 2021, o Ministério da Educação (MEC), lança o
Programa Brasil na Escola. Tal Programa tem como objetivo combater a
evasão escolar nos anos finais do ensino fundamental. Segundo José Barreto
Júnior, secretário adjunto do MEC, “o programa tem a função de planejar
e desenvolver ações estratégicas para evitar o abandono, a evasão escolar
e a repetência dos estudantes, entre o 6º e o 9º do Ensino Fundamental”
(BARRETO JR, apud BERALDO, 2021, s/p).

570 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


É perceptível que a educação brasileira na sua atual conjuntura enfrenta
grandes problemas, entre eles, a evasão e o abandono escolar que atinge
todos os âmbitos educacionais e modalidades de ensino, com destaque para
a evasão na Educação Básica, que se configura como tema desse estudo
(SILVA et al, 2020, p. 1011).

Em tempos de crises como a da pandemia da Covid-19 há um índice


elevado de alunos que evadiram da escola no Brasil, e o número se agrava
quando adentramos a região nordeste do país. Segundo o IBGE (2020), “no
Nordeste, três em cada cinco adultos (60,1%) não completaram o ensino
médio. Entre as pessoas de cor branca, 57,0% tinham concluído esse nível
no país, enquanto essa proporção foi de 41,8% entre pretos ou pardos”.
Em Turiaçu, o número de estudantes evadidos da escola também tem
uma maior concentração entre as pessoas autodeclaradas pretas e pardas e
pertencentes as classes menos favorecidas economicamente.
Nota-se que em 2020 as causas da evasão escolar em Turiaçu
advieram da modalidade de ensino ofertadas aos alunos no período do
isolamento social, além da falta de recursos financeiros e tecnológicos
destes estudantes, o que vem a contribuir na soma dos quase 16% de taxa
de analfabetismo no estado do Maranhão.
Segundo a direção da escola, como medida de combate à evasão
escolar na Escola Pública Estadual A foram feitas buscas ativas no intuito
de fazer com que os estudantes evadidos retornem à escola. Nesse sentido,
vale dizer que é necessário também metodologias por parte dos professores
para que estes educandos permaneçam em sala de aula, em especial nesse
novo contexto pandêmico.
Fato é que é inegável o crescimento da evasão escolar em Turiaçu
durante a pandemia da Covid-19. E este é fator preocupante porque além
de influenciar no desenvolvimento cognitivo e intelectual do aluno, reduzir
suas possibilidades de inserção social e no mundo do trabalho, bem como
no Ensino Superior, trazendo consequências alarmantes.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 571


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A evasão escolar é um problema social que atinge todo o Brasil,


e tem causado grande impacto para o país. Este fenômeno foi agravado
drasticamente, especialmente, durante a crise da pandemia da Covid-19,
que tem obrigou o sistema de ensino se reinventar emergencialmente, criar
e adequar em curto espaço de tempo novas metodologias e modalidades
de ensino.
A realidade da evasão escolar durante a pandemia se tornou ainda
mais perceptível e agravante no Nordeste, no caso deste trabalho, sendo
possível observar esse fenômeno em cidades maranhenses, como foi o
caso de Turiaçu. Contudo, percebe-se que apesar de ser uma questão que
demande grande responsabilidade, sobretudo, dos órgãos governamentais,
a escola pode realizar algumas ações para minimizar a desistência escolar
pelos estudantes, a exemplo de promover ações sociais que aproxime a
família da escola no intuito que essas acompanhem e incentivem seus filhos
quanto à sua formação estudantil, além das buscas ativas.
Ademais, faz-se mister a parceria entre professores, coordenadores e
diretores nesse processo de combate à evasão. Logo, aos educadores caberia
elaborar aulas mais atrativas e viáveis, sobretudo que possibilite participação
dos estudantes nas aulas durante o ensino remoto, com o intuito destes não
perderem o vínculo com a escola e não sejam tão impactados negativamente
pela pandemia.
Para o combate à evasão escolar pode-se sugerir ser necessário a
construção de uma rede de apoio dentro e fora da instituição envolvendo
governo, profissionais da educação e famílias. Dessa forma, talvez, consiga-
se reduzir tal índice que foi fortemente elevado com a pandemia da
Covid-19.

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574 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A HOMOFOBIA E SEUS EFEITOS NA EDUCAÇÃO1

Alderico Segundo Santos Almeida2


Jackson Ronie Sá-Silva3

INICIANDO O DIÁLOGO

No Brasil, nos últimos cinco anos, aproximadamente, percebemos uma


crescente onda de violência de todos os tipos, manifestada, principalmente,
por meio das redes sociais, que foi potencializada no período de campanha
eleitoral para presidente da República no ano de 2018, protagonizada por
um candidato que se assume de extrema direita e que propaga o ódio,
o fascismo, o autoritarismo, a perseguição, o preconceito, o racismo, a
misoginia, a homofobia e o desrespeito às instituições democráticas, tendo
influenciado milhões de eleitores/as com tal postura.
Mas, entendemos que, por um lado, essas manifestações violentas
não são de agora; são frutos de um processo histórico e sociocultural,
que ganharam força, porque aquele/a que antes estava reprimido/a pelo
politicamente correto agora se sente à vontade para ser livre em suas

1
A investigação qualitativa documental educacional que gerou os dados deste texto faz parte do projeto
de pesquisa intitulado “A discussão da homossexualidade em livros de Sexualidade e Educação Sexual”,
financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do
Maranhão (FAPEMA), Edital nº 002/2019 – UNIVERSAL, Processo nº UNIVERSAL – 00918/2019.
A dissertação intitulada “(Entre) linhas e discursos: Estudo sobre homossexualidade e homofobia em
livros de Sexualidade e Educação Sexual do Ensino Médio em escolas públicas de São Luís, Maranhão”,
foi escrita pelo professor Me. Alderico Segundo e orientada pelo Prof. Dr. Jackson Ronie e publicada
em: <https://www.ppge.uema.br/wp-content/uploads/2021/07/disserta%C3%A7%C3%A3o-definitiva-
Segundo-mesclado-3_compressed.pdf>
2
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do
Maranhão (UEMA). Especialista em Gênero e Diversidade na Escola. Sociólogo e professor. Membro
do grupo de estudos e pesquisas em Educação, Sexualidade e ensino de Ciências - GPENCEX/UEMA.
Contato: aldericossegundo.profissional@gmail.com
3
Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Pós-Doutor em
Educação pela Faculdade de Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Professor do Departamento de Biologia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Professor do
Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Maranhão (PPGE / UEMA).
Líder do Grupo de Pesquisa Ensino de Ciências, em Saúde e Sexualidade (GP-ENCEX / UEMA).
Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do
Maranhão (FAPEMA). Contato: prof.jacksonronie.uema@gmail.com

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 575


convicções, tendo como ponto de apoio a figura “mitológica” que governa
o país.
De acordo com o Relatório intitulado “Mortes violentas de Lgbt+
no Brasil” (2019), produzido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), 420
(quatrocentos e vinte) pessoas LGBTQIA+ morreram no Brasil em 2019
vítimas da homo-bi-lesbo-transfobia4. Ainda segundo o coordenador da
pesquisa, o antropólogo Luiz Mott et al (2019), ocorreram 320 (trezentos
e vinte) homicídios que correspondem a setenta e seis por cento dos casos
(76%) e 100 (cem) suicídios que correspondem a vinte e quatro por cento
(24%). Uma pequena redução de seis por cento (6%) em relação a 2018,
quando se registraram 445 (quatrocentos e quarento e cinco) mortes, um
quantitativo recorde desde que o GGB iniciou esse banco de dados no ano
de 2000.
Ainda, segundo o Relatório anteriormente citado, a cada 20 horas
uma pessoa LGBTQIA+ é barbaramente assassinada ou se suicida vítima
da LGBTfobia5, o que confirma o Brasil como campeão mundial de
crimes contra as minorias sexuais O contexto da pandemia parece ter
agravado a situação. Quando no Boletim de nº 2, divulgado em 2020 pela
Agência Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), informa que o
Brasil apresentou aumento de 90% no número de casos de assassinatos à
comunidade LGBTQIA+ em relação ao mesmo período de 2019.
No dia 13 de junho de 2019 o Supremo Tribunal Federal entendeu
que, especificamente, a homofobia e a transfobia enquadram-se no artigo 20
da Lei nº 7.716/1989, que criminaliza o racismo. No entanto, alguns críticos
e militantes da causa LGBTQIA+ afirmam que isso não é o suficiente,
tendo em vista que este tipo de injúria não se enquadra no Código Penal,
com punições mais específicas e que entenda o que seja homo-bi-lesbo-
transfobia.
Numa perspectiva jurídica constitucional, Barroso (2011) lembra
que não possibilitar às pessoas a oportunidade de vivenciar sua orientação
4
É entendido pelos movimentos sociais LGBTQIA+ as especificidades das violências contra essa
comunidade, tais como lesbofobia é o entendimento de agressões contra mulheres lésbicas, transfobia
para pessoas transexuais e travestis, bifobia para bissexuais e homofobia para homens gays.
5
Termo geral usado, em específico, nesse relatório, para se referir aos atos violentos de qualquer ordem
à comunidade de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, assexuais, queers e afins.

576 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


sexual (gênero ou identidade gênero) em todos os seus desmembramentos
é privá-las de uma das dimensões que dão sentido à sua vida. Ou seja,
nos parece que a inserção da homofobia e da transfobia, como crimes de
racismo, não atende à especificidade da demanda de toda uma comunidade
LGBTQIA+, levando em consideração suas orientações sexuais, identidades
de gênero e vivências.
O segundo artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos
afirma que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos neste documento e sem distinção de qualquer “espécie, seja
de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948, p. 4). E, de
acordo com nossa Constituição Federal de 1988, em seu art. 3º, que dispõe
sobre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre
eles, no inciso IV fala em promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Na educação, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (2017)
é um documento normativo que define ações de aprendizagens essenciais
para Educação Básica, assegurando os direitos de aprendizagem em
conformidade ao Plano Nacional de Educação – PNE (2014). E é orientada
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/1996),
em que a formação humana e construção de uma sociedade justa é
visionada, fundamentando-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica (DNE). A BNCC (2017) ainda possui competências e
habilidades que asseguram uma formação cidadã e de exercícios éticos aos/
às estudantes (BRASIL, 2017). Porém, o documentado excluiu os termos
‘orientação sexual’ e ‘homofobia’ para discussão no ambiente escolar, dando
a entender que os/as cidadãos/cidadãs sejam educados/as para a lógica
heteronormativa (CUNHA; SÁ-SILVA, 2018).
Já o Programa Escola sem Partido (Lei nº 867/2015), proposto
pelo Deputado Izalci (PSDB/DF), que deveria ser incorporado à LDB nº
9394/1996, a princípio considerado inconstitucional pelos defensores
da Educação do Brasil, limita o/a professor/a em sala de aula, afirmando

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 577


que as intenções nas aulas é doutrinar politicamente e ideologizar os/as
educandos/as, deliberando a pais, mães, funcionários/as da educação e
comunidade a autonomia de reclamar para as Secretarias de Educação os
que fogem ao que o projeto propõe (SÁ-SILVA; SILVA, 2018).
Enquanto há projetos que visam o retrocesso e o silenciamento,
que enaltecem a heterossexualidade, há outros que respeitam a diferença
e que, por meio da educação, problematizam assuntos transversais da
sexualidade, como o “Escola sem Homofobia”. Foi um projeto que teve
apoio da Secretaria de Educação Continuada/Ministério da Educação,
que objetivou produzir, apresentar e formar professores/ies/as, estudantes
e comunidade escolar sobre a homossexualidade, de caráter defensivo da
diversidade de orientação sexual. O documento iniciou-se no governo
do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em parceria com instituições
não-governamentais, sistematizado com mais detalhes no governo
da ex-presidenta Dilma Rousseff, sendo denominado erroneamente e
ignorantemente de “Kit gay” ou “Kit anti-homofobia”. Muitos foram as
fakes news6 disseminadas na população brasileira, e foi então que a pressão
dos conservadores e da bancada religiosa da Câmara Nacional proibiu a
divulgação e distribuição do material (ALMEIDA; BEZERRA, 2018).
Então, por que, mesmo com a existência de leis específicas que
juridicamente ordenam punição para crimes como a homofobia, o número
de agressões contra essa população continua? Por que o/a agressor/a não
tem medo das consequências de seus atos violentos? Por que o desejo de
matar é tão forte?
Talvez não consigamos responder, aqui, a subjetividade de um/a
agressor/a potencialmente assassino/a, pois é um universo dolorido de
invadir e investigar, mas passível de análise e observação por parte não só
da Psicologia, mas da Sociologia, Antropologia e demais Ciências Humanas
e Sociais.

6
Fake News são notícias incoerentes com a realidade, que difamam, humilham e resultam em
preconceitos e violência.

578 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


SOBRE MARCAS, ESTEREÓTIPOS E ESTIGMAS

Desde a nossa concepção ao desenvolvimento no útero, nossos corpos


são marcados. E a primeira coisa que os pais querem saber é o sexo do bebê,
se é “menino” ou “menina”. Compramos o enxoval, geralmente, associando
cores e imagens ao que é dito como masculino ou feminino e pensamos no
nome seguindo a mesma lógica. Mas, afinal, o que é masculino? O que é
feminino? O que determina? Quem determina? Nossos corpos e nossa vida
parecem ter um destino, uma programação antes mesmo de abrirmos os
olhos e enxergarmos o mundo. Tudo está definido. Tudo está marcado, mas
que marcas são essas? O que, supostamente, elas mostram? De acordo com
Guacira Lopes Louro (2000, p. 61):

As marcas devem nos “falar” dos sujeitos. Esperamos que elas nos indiquem
- sem ambiguidade - suas identidades. Gênero? Sexualidade? Raça?
Aparentemente seriam evidentes, “deduzidos” das marcas dos corpos.
Teríamos apenas de ler ou interpretar marcas que, em princípio, estão lá,
fixadas, de uma vez e para sempre.

Essas marcas geram desconfortos quando os sujeitos não se percebem


dentro delas. Quando esse universo marcado está em desajuste com sua
maneira de falar, de vestir, de andar, de ver o mundo. As marcas que nos
deixam quando pensam por nós, antes mesmo de nascermos, causam, por
vezes, frustrações e grandes decepções. Marcas que geram feridas e que
demoram para cicatrizar. Estigmas que ficam para o resto de uma vida e
que causam, de maneira violenta, às vezes, até uma autoagressão.
Portanto, os valores e os modelos de conduta produzidos na escola
e transmitidos por ela, tanto por meio dos conteúdos da educação formal
(currículo), como através da interação cotidiana com estudantes, pessoal
de apoio, administrativo, direção/supervisão pedagógica, professoras
e professores (prática de ensino), parecem encarnar as crenças, os
preconceitos, as discriminações, as desigualdades, os estigmas que são
comuns em nossa sociedade.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 579


Por exemplo, será que um simples gesto de afeto como andar de
mãos dadas nos corredores da escola ou um selinho entre casais do mesmo
gênero é bem visto por todos os atores e atrizes que compõem o cenário
da escola? De acordo com Almeida (2014), aos homossexuais são restritos
os banheiros da escola para esses “encontros”: “os banheiros nos mostram
aquilo que não pode ser visualizado nas salas de aula ou nos corredores
na hora do intervalo. É no banheiro que registramos a demonstração mais
clara e espontânea da Sexualidade e Orientação Sexual”. (ALMEIDA, 2014,
p.19).
Essas práticas, tendem a se repetir, quando em fase adulta, gerando
ainda mais estigmas nos sujeitos homossexuais, como o da promiscuidade.
De acordo com Raposo e Teixeira (2013, p.97) “os banheiros garantem
privacidade e anonimato, ainda que em ambientes públicos, permitindo
assim transgressões e manifestações de impulsos sexuais. Destas
possibilidades nascem fantasias e receios […]”. Os banheiros, nessa
perspectiva, mais do que simples lugares destinados às necessidades
fisiológicas, naturais do ser humano, é um espaço no qual se transgride. As
autoras continuam:

Os banheiros são espaços de alta densidade simbólica para a investigação


das relações de gênero e sexualidade no contexto público e escolar.
Materializam e expressam concepções e práticas de cuidado do corpo e do
meio ambiente - já que são locais de depósito das excreções – marcadas por
significados de sexo e gênero: como são arquitetados e organizados? Como
são usados? Quem os mantém limpos? Tais questões sugerem reflexões
que articula gênero, sexualidade, corpo e educação (RAPOSO; TEIXEIRA,
2013, p. 1).

Entretanto, embora o banheiro seja espaço de “refúgio”, ele também é


um espaço de agressão. Se fizermos uma visita rápida às escolas, poderemos
observar, nas paredes, nas carteiras, nos bancos e nos banheiros, palavras
como “viado”, “bicha”, “qualira”, “gayzinho”, “sapatão”, “traveco”, pinchadas,
ao se referirem às “identidades estigmatizadas” ou marcadas, e ilustram
as relações de desigualdade social dentro do espaço escolar, a partir das

580 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


diferenças entre as pessoas (estudantes, professore/as, funcionários, etc.)
que nela se encontram.
A grosso modo, percebemos, a partir de nossas vivências como
profissionais da educação e pesquisadores, que “máscaras” parecem ser
criadas dentro do espaço escolar, onde se finge que a educação é igual para
todos e todas; no entanto, ela (a educação) é utilizada como ferramenta
de construção e reprodução das “normalidades” e dos padrões existentes
em nossa sociedade. E o que é ser normal? Qual a condição para ser aceito
dentro da sala de aula ou nos corredores da escola? Ser diferente não é
o comum? Ou será que temos que ser como robôs, iguais até mesmo na
aparência e função?
Podemos refletir, nesse sentido, sobre a formação naturalizada
que algumas/alguns professoras e professores têm ao discutir sobre
homossexualidade em sala de aula. Mas teria culpa todos/as eles/elas?
Acreditamos que não, trata-se de pessoas que trazem consigo toda
uma formação e vivência cultural conservadora e/ou uma formação
fundamentalista religiosa. Valores, esses, adquiridos dentro do seio familiar
e que, por uma questão de ordem moral e princípios tradicionalistas,
acabam fazendo parte de práticas educacionais de muitos professores e
professoras. Uma questão que pode ser entendida pela sociologia por meio
do habitus:

O habitus, que é princípio gerador de respostas mais ou menos adaptadas


às exigências de um campo, é produto de toda a história individual, bem
como através das experiências formadoras da primeira infância, de toda
história coletiva da família e da classe; em particular, das experiências em
que se exprime o declínio da trajetória de toda uma linhagem e que podem
tomar a forma visível e brutal de uma falência ou, ao contrário, manifestar-
se apenas como regressões insensíveis (BOURDIEU, 2003, p.131).

O habitus funciona, portanto, como esquema de ação, de percepção,


de reflexão, encarnado no corpo e na mente, de forma durável e com o
contorno de disposições permanentes por meio de gestos, posturas, formas
de ver o mundo, de classificar a si próprio e seus pares por meio de suas

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 581


próprias classificações. É algo adquirido nas estruturas sociais e históricas
de cada um dos campos e de cada um dos agentes e decorrente delas.
Nesse propósito, o habitus apresenta-se ao mesmo tempo como social
e individual, reportando a sistemas de classificações, que são evidenciados
pelas posições sociais, nos quais, a estrutura objetiva de distribuição dos
bens materiais e simbólicos, na sociedade, ocorre, fundada em parâmetros
de desigualdade. Essas classificações é que podem conceber os estereótipos
e os estigmas dentro da escola, quer seja entre os/as colegas de turma quer
seja por meio das práticas de ensino.
Sobre isso, Bourdieu e Passerón (1992, p.20) consideram que “toda
ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto
imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural” e a violência
simbólica ocorre toda vez que se impõe um significado como legítimo e
verdadeiro. Já Guacira Lopes, em seu artigo Corpo, Escola e Identidade, ao
se reportar à autora bell hooks, abre a discussão considerando que;

[...] as teorias educacionais e as inúmeras disciplinas que constituem os


cursos de formação docente pouco ou nada nos dizem sobre os corpos
- dos estudantes ou dos nossos. Com exceção da Educação Física, que
faz do corpo e de seu adestramento o foco central de seu agir, todas as
demais áreas ou disciplinas parecem ter conseguido produzir seu “corpo
de conhecimento” sem o corpo. No “sagrado” campo da educação não
apenas separamos mente e corpo, mas, mais do que isso, suspeitamos
do corpo. Aparentemente estamos, nas escolas e universidades, lidando
exclusivamente com ideias e conceitos que de algum modo fluem de seres
incorpóreos. (apud LOURO, 2013, p. 60).

Na obra de Michel Foucault (1987), Vigiar e Punir é possível


perceber as inúmeras estratégias e técnicas inventadas para esquadrinhar
os corpos, para conhecê-los e escolarizá-los; para produzir gestos, posturas
e movimentos educados, cristãos, civilizados, urbanizados, dóceis; para
construir hábitos saudáveis, higiênicos, adequados, dignos.
Na verdade, nos textos antigos é possível perceber, explicitamente, o
quanto o corpo “fala” sobre a alma, o quanto ele está implicado e envolvido

582 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


na sua construção (e também na construção da inteligência, da razão,
enfim, na construção do sujeito). “Uma postura reta”, diz um antigo texto
marista, supõe muito mais do que uma forma de posicionar as costas ou os
membros ao longo do corpo, ela é indicativa de uma “retidão de caráter.”
(LOURO, 2008, p. 93).
Nesse sentido, a autora Fátima de Freitas (2011) diz que a educação
conservadora e seu modelo de ensino perpetuam todas as diferenças,
principalmente a de gênero, tendo como maior prejudicada – a mulher,
por ser considerada frágil e inferior ao homem. Contudo, nós acreditamos
que tudo o que for feminino ou que foge do aspecto biofísico masculino é
descartado nesse tipo de educação (gays afeminados, travestis, mulheres
trans, drag queens, crossdress, etc.).
Diante desse processo de estigmatização e discriminação social que
afeta diretamente os sujeitos homossexuais, a escola aparece como “um
espaço de transformação e de redenção social” (SILVA, 1994, p. 30). Esse
autor abre uma reflexão de como a própria escola, com suas normas, rotinas
e ambiências, produz e reproduz concepções e lógicas discriminatórias da
sociedade. Assim, a escola é um dos locais onde as pressões e vigilâncias se
manifestam mais visivelmente, por se tratar de um espaço onde as relações
de poder sobre questões de gênero/sexualidade, raça/etnia, entre outras, e
se reproduzem.
Romper com esse tipo de educação é um grande desafio, pois implica
criar novas concepções das relações de gênero, pautadas na equidade.
Como diz Scott (1995, p.73), “as categorias gênero e etnia são cruciais para
a escrita de uma nova história, que inclui as narrativas dos oprimidos e
das oprimidas e uma análise da natureza de sua opressão, a fim de que se
possam compreender as desigualdades existentes”.
Portanto, é preciso, sim, compreender que culturalmente essas
desigualdades e as características conservadoras, fundamentalistas
e violentas estão enraizadas no sistema educacional brasileiro e que
representam um dos grandes entraves de uma educação escolar que seja
acolhedora, emancipatória, reflexiva, crítica e para a diversidade.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 583


Muitos estudantes sofrem por apelidos, devido ao formato do corpo,
pelo gingado diferente, por serem calados/as ou muito expressivos/as, e são
essas questões que construirão um adulto que, em alguns casos, tem medo
da sociedade. De acordo com Sá-Silva (2012), por meio de funcionários,
professores e professoras, que em seus discursos reverberam estigmas,
preconceitos e agressões, podem tornar o ambiente escolar num local
indesejável a quem precisa da educação e procura por ela. Então, como
tornar esse espaço agradável para a população minorizada7 e marginalizada,
como os/as homossexuais?
Reconhecendo os fundamentos das diferentes áreas de conhecimento
e a necessidade de pensar a Educação como campo formativo, a sexualidade
e suas diferentes experiências e expressões são características constituintes
de uma formação para o pleno desenvolvimento da pessoa e seu exercício
para a cidadania. É feliz o trabalho que empreende as pessoas que organizam
e as autorias que propõem olhares por outras perspectivas (TAKARA,
2020).
A educação sexual é o processo humano pelo qual as pessoas
compartilham conhecimentos relacionados ao sexo e à sexualidade:
ao afeto, ao prazer, ao sentimento, ao autoconhecimento e aos valores
construídos sócio historicamente. Acontece nos mais variados espaços de
aprendizagem, formal e informalmente, planejada ou não planejada, pois,
como seres humanos sexuados a educação está sempre presente, mesmo
que se fiquemos calados/as quando o assunto é sexo ou sexualidade.
“A coragem, como a violência e o silêncio, como a força e a ordem,
está do lado de vocês [...]; desejo que inventem novos e frágeis usos para
seus corpos vulneráveis. É por amá-los que os desejo frágeis e não corajosos.
Porque a revolução atua através da fragilidade” (PRECIADO, 2019, p. 136).
Transgredir como prática de ensino é uma tática de ensino que
convida quem aprende a reconhecer os traumas, os preconceitos, os limites
e as dificuldades impostas por esse sistema. Bell Hooks (2013, p. 273) propôs
7
Aqui temos um entendimento de que não cabe o termo minorias, mas reflitmos que as comunidades
de pessoas negras, LGBTQIA+, indígenas, campesinas, em situação de rua, mulheres, entre outros/as/
es são comunidades minorizadas, ou seja, reduzidas a uma minoria que na realidade não existe, pois,
aqui no Brasil, representam mais da metade da população. Portanto, é o discurso do opressor branco,
elitizado e masculinizado que marginaliza o que não pertence ao seu padrão.

584 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


a educação como tarefa de criar coletivamente “[...] esquemas para cruzar
fronteiras, para transgredir”. Desse modo, educação para as sexualidades
é o conjunto de práticas que vêm dialogar sobre sexo, orientação sexual,
discursos, poder, opressão e direitos humanos e sexuais, compreendendo o
ser humano para além dos aspectos biológicos (FURLANI, 2011).
Produzir modos de vida a outros perpassa a difícil tarefa de
reconhecer que esse sistema inferioriza, silencia e fragiliza. Caso venha
de outros campos do saber, saiba que seu papel também é pedagógico. Ser
outro modo de viver no mundo corrobora com tantas outras formas de
vida que não têm referências para se compreender como vida possível.

ESCOLA X HOMOFOBIA

As relações interpessoais que se dão em nosso contexto histórico-


social, político e cultural brasileiro são caracterizadas como processos
relacionados a disputas em torno de redes de significados, sistemas de
disposições, quadros institucionais, saberes, metodologias e cotidianidades
que se constituem ao sabor da heteronormatividade.
Essa categoria pode ser entendida como a existência de uma
hierarquia das sexualidades em que a heterossexualidade ocupa a posição
superior, a mais privilegiada; e as outras formas de viver a sexualidade são
consideradas, na melhor das hipóteses, incompletas, acidentais e perversas
e, na pior, patológicas, criminosas, imorais e destruidoras da civilização
(BORRILLO, 2010). De acordo com Roger Rios (2007), o heterossexismo
(heteronormatividade) também pode ser entendido como um sistema
onde a heterossexualidade é institucionalizada como norma social, política,
econômica e jurídica, não importando se de modo explícito ou implícito.
Uma vez institucionalizada, a heteronormatividade manifesta-se em
instituições culturais e organizações burocráticas, tais como a linguagem e
o sistema jurídico. Isso acarretará, de um lado, superioridade e privilégios
a todos/as aqueles/as que se adequam a ou se encaixam em tal parâmetro;
e, de outro, violências (homofobia) a pessoas homossexuais e até mesmo a

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 585


heterossexuais que venham a se afastar dos padrões e regras impostos para
a heterossexualidade.
Nossa sociedade não é apenas heterossexual, mas marcadamente
heteronormativa (BUTLER, 2010; RIOS, 2007). Nos livros didáticos,
o caráter heteronormativo das relações sociais está presente nos
padrões de representação de gênero e o de organizações familiares,
nos discursos sobre afetos e na ausência do tema diversidade sexual. A
heteronormatividade impõe um silêncio, não existem corporificações para
além do binarismo de gênero, por isso não se fala de homossexualidade,
bissexualidade, transgêneros ou transsexuais (BUTLER, 2010). O silêncio
é a estratégia discursiva dominante, tornando nebulosa a fronteira entre
heteronormatividade e homofobia.
Paralelamente ao cenário de violência explícita contra as pessoas
LGBTQIA+ que temos acompanhado pela mídia, é frequente nas escolas e
em outros espaços sociais um outro tipo de violência, dita simbólica, tão ou
mais devastadora que a agressão física, uma vez que atinge a autoestima e,
por conseguinte, os direitos mais básicos do ser humano, como o respeito,
a confiança e a autodeterminação.
Judith Butler, na adolescência, foi caracterizada como a fora dos
padrões por não seguir regras, sendo que, na escola, mesmo considerada
inteligente e indagadora de professores/ies/as, não tinha a credibilidade do
diretor, visto que costumava desviar o caminho da escola e não atendia às
ordens. A penalidade para suas ações foi sua retirada do ambiente escolar
para que não se tornasse uma delinquente, segundo o gestor. Nas aulas
particulares, descobriu, construiu e desconstruiu temas que para sua idade
não costumavam ser problematizados. Uma garota incomum tornou-se
uma adulta questionadora, determinada e aguda nas suas escritas, tendo a
fama de questionamentos mais significativos que suas respostas ou soluções
(LOURO, 2013).
Uma vez que notarmos as características dadas a Judith, em
sua vida escolar e em seus comportamentos, percebemos as vozes da
heteronormatividade guiando os sujeitos sociais, e que não diferem de
muitos outros milhões de casos no Brasil e internacionalmente. As meninas

586 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


precisam “aprender a se comportar como meninas, falar como meninas
e andar como meninas” são os argumentos mais escutados e ditos por
instituições sociais que demarcam muito, assim como a família.
Dessa forma, as ideias de fragilidade, de submissão, delicadeza são
perpetuadas por longos anos na vida das mulheres. Para os homens isso
não é diferente, caso saiam do perfil sério, do comportamento centrado,
das áreas profissionais ligadas às exatas, das vestimentas, do modo de falar
e caso apresentem sentimentalismo, delicadeza, postura flexível, seu rótulo
não será outro que não seja homossexual. Vejamos o que Cunha (2019, p.
72) fala a respeito disso:

Gestos, vestimentas, maquiagem, jeito de falar de muitos homens gays são


características significadas como marcas e percebidas como femininas,
terminam por denunciar os homossexuais sobre sua sexualidade. Essas
marcas classificam e reduzem o sujeito que passa a ser visto de forma
negativa e inferior pela sociedade, uma vez que marcas culturais os
distinguem dos sujeitos considerados normais – os heterossexuais – e se
configuram em “marcas de poder”.

Entendemos que as diferenças existem, que a realidade de um/uma


não é igual à do/da outro/outra, que os desejos, as vontades de seguir e
serem o que quiserem existem e devem ser obedecidas, porque somos
sujeitos livres, vivendo numa sociedade livre, então nos perguntamos: por
que tantos estereótipos? Por que esses discursos são tão reforçados? Onde
que são renovados? Cadê as instituições que podem discutir sobre equidade
de gênero, sobre respeito às orientações sexuais, sobre o direito de viver sob
suas escolhas? A escola, como formadora cidadã, está se posicionando em
que discurso?
Os sujeitos vivem suas sexualidades de diversas formas, relacionando-
se com pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto ou com nenhum/a
parceiro/a. As identidades de gênero não se relacionam diretamente com a
identidade sexual, visto que os indivíduos são e vem de culturas diferentes
e de constantes transformações, permitindo que as escolhas de orientação
sexual sejam livres (CUNHA, 2019).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 587


Por muitos anos, as pessoas LGBTQIA+ foram perseguidas e
criminalizadas, sendo forçadas a viver na clandestinidade, na marginalidade
das cidades, nos guetos; vistas como pessoas doentes e que contaminavam
e disseminavam a imoralidade e a perversão; esse estigma se deu mais forte
nos anos 1980 com a epidemia da AIDS.
Uma das principais conquistas das pessoas homossexuais foi a retirada
do termo “homossexualismo”, em 1990, e do termo “transexualismo”, em
2019, pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Entretanto, essas pessoas,
por meio do ativismo político, continuam lutando por sua visibilidade, pelo
respeito, por mais direitos e pela sua segurança.
Amplamente situamos todos os casos de discriminação e preconceito
contra pessoas LGBTQIA+ como homofobia. No entanto, essa categoria
passa por frequentes discussões e controvérsias teóricas (JUNQUEIRA,
2007). Nesse sentido, o que entendemos por Homofobia? Algo patológico
psiquiátrico, social, cultural, psicológico, sociológico? Um fenômeno
individual, coletivo ou institucional? E do ponto de vista acadêmico, ainda
é válido empregar o conceito de homofobia? O conceito de homofobia
deveria ser ressignificado, abandonado, substituído ou, quem sabe, pensado
em conjunto com outros conceitos?
Num primeiro momento, segundo Junqueira (2007), a homofobia
foi encarada como algo patológico/psiquiátrico, mas ela reduziu a
responsabilidade individual para as consequências do preconceito e
reconhece o comportamento discriminatório como imutável e inevitável,
encorajando, portanto, as pessoas agressoras a alegarem insanidade mental
ou problemas psicológicos.
Ainda segundo o autor (2007) anteriormente citado, os estudos
críticos de gênero vão compor o discurso político do ativismo e movimento
LGBTQIA+, onde a homofobia passa a representar um símbolo de
reivindicação por direitos e compreensão do preconceito a que essas pessoas
são submetidas (anos de 1960 e 1970). Numa perspectiva da Psicologia,
Sussal (1988) estabelece que a homofobia é:

588 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Uma manifestação cultural e social, que pode ser comparada ao racismo
ou ao antissemitismo. As relações homofóbicas mais violentas provêm, em
geral, de indivíduos que lutam contra seus próprios desejos homossexuais.
A violência irracional contra gays é o resultado da projeção de um sentido
insuportável de identificação inconsciente com a homossexualidade, de tal
modo que o homossexual colocaria o homofóbico diante de sua própria
homossexualidade experimentada como tolerável. A violência contra os
homossexuais seria apenas a manifestação do ódio de si mesmo ou, melhor
dizendo, da parte homossexual que a pessoa teria vontade de eliminar.
Sendo assim, a homofobia seria uma disfunção psicológica, resultante de
um conflito mal resolvido durante a infância e que provocaria uma projeção
inconsciente contra pessoas supostamente homossexuais. Esse mecanismo
de defesa permitiria reduzir a angústia interior de se imaginar em via de
desejar um indivíduo do mesmo sexo (SUSSAL, 1988, p. 203-214).

Já, numa perspectiva sociocultural, de acordo com Borrillo (2010),


nossa sociedade – moderna, elitista, escravocrata, capitalista, neoliberal,
americanizada, embranquecida, fundamentalista religiosa, neofascista – é,
também, androcêntrica, e afirma que, em grupos marcados pela dominação
masculina, a homofobia organiza a vigilância de gênero. Para este autor
(2010), existe uma lógica binária de construção da identidade sexual em
que a mulher está oposta ao homem, assim como o homossexual está
ao heterossexual. A identidade sexual masculina é, então, construída de
maneira a negar o feminino e rejeitar a homossexualidade.
Ele segue sua análise considerando que a homofobia é um elemento
constitutivo da identidade masculina e que sexismo e homofobia são faces de
um mesmo fenômeno social, sendo assim, “a homofobia – e, em particular,
a masculina – desempenha a função de policiamento da sexualidade ao
reprimir qualquer comportamento, gesto ou desejo que transborde as
fronteiras impermeáveis dos sexos” (BORRILLO, 2010, p.90). Dessa forma,
acreditamos que a homofobia produz efeitos diretamente relacionados a
estratégias do biopoder:

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 589


Por meio da temática do biopoder, Foucault percorre duas linhas de forças
envolvidas na produção de subjetividades: De um lado, o poder totalizante,
o qual cria aparatos estatais capazes de governar populações, levando a um
processo crescente de massificação e burocratização da sociedade; de outro,
complementar a esse poder, encontram-se as técnicas individualizantes,
consistentes em saberes e práticas destinadas a dirigirem os sujeitos de
modo permanente e detalhado. O conceito de biopoder mostra-se relevante
para a compreensão da sociedade atual, pois permite evidenciar a ação das
duas linhas de forças, tendo em vista a importância assumida pelas ciências
biomédicas e pela biotecnologia nas últimas décadas. Desde o período
histórico retratado aqui, o qual se estende do século XVII ao início do
século XX, os saberes e as técnicas de manipulação da vida conheceram um
vertiginoso desenvolvimento. Desenvolvimento que requer instrumentos
de análise aptos a elucidar seus riscos e benefícios (CAMILO; FURTADO,
2016, p. 41).

Nesse sentido, falar de homofobia significa, portanto, falar de


medo; não o medo patológico individual, a que o termo “fobia” se refere,
mas a produção social de insegurança e temor. Para Batista (2003), este
processo produtivo se dá através de discursos e práticas cotidianas,
justificando e legitimando políticas públicas de repressão e extermínio
contra determinadas populações (índios, negros, judeus, mulheres,
homossexuais).
O medo, então, atravessa a construção das performances de
gênero8 e provoca um esvaziamento de espaços públicos, pois marca os
encontros, a circulação na cidade e a existência em alguns territórios como
perigosos e inadequados – para determinadas pessoas. Torna-se, assim,
um atravessamento muito potente na produção de existir e produz efeitos
8
As performances, diz Butler (2010), são capazes de inverter as distinções e binaridades – entre elas,
a de “interno/externo”, “pessoal/social” ou “natural/cultural” – e obrigam a repensar nossas premissas
psicológicas para compreender o humano em sua sexualidade ou “identidade”, ao mesmo tempo que
revelam o caráter performativo do gênero ao considerar a instabilidade de masculino e feminino. Ao
compreendermos que as identidades não são fixas e estáveis, permitimos, ainda, com que os sujeitos
sejam reconhecidos em sua agência, admitindo sua capacidade de subverter e desafiar as estruturas de
poder que lhes regem. Vale acrescentar, ainda, que essa “inadequação” das categorias não é fruto de um
tempo “pós–moderno”, como se costuma dizer; pode até ser que o seja também, mas, mais do que isso,
é o tempo que vivemos hoje que permite que reavaliemos a necessidade de construir universalidades
como por tanto tempo a ciência ocidental o fez; não porque o mundo fosse dividido em categorias
estáveis, mas porque os olhos do pensador o eram.

590 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


no mundo. De acordo com Batista (2003, p. 86), “sociedades assombradas
produzem políticas histéricas de perseguição e aniquilamento [...] a
consciência do exagero dos rumores não diminuiria a intensidade da
repressão”.
Por isso, podemos perceber, por meio das notícias em jornais, por
exemplo, que a homofobia segue agindo diariamente em nossa sociedade
que está “assombrada” pelos inúmeros casos de violência contra a população
LGBT e também contra a própria população heterossexual, a exemplo do
rapaz que levou 4 (quatro) tiros ao beijar seu companheiro em um bar
no estado da Bahia9; ou da travesti Dandara que foi brutalmente linchada
no Ceará10; entre outros tantos exemplos que afetam, inclusive, pessoas
heterossexuais, como no caso do pai e filho que estavam abraçados e foram
“confundidos” como um casal homoafetivo numa festa no interior de São
Paulo, onde o pai teve parte da orelha decepada11.
Nesse sentido, de acordo com Cassal e Bicalho (2011, p.85), “a
homofobia não se traduz apenas no desconforto individual. Precisamos
levar em consideração sua produção coletiva”. Portanto, a homossexualidade
e seus efeitos (homofobia, por exemplo) existem por conta das relações de
poder. É o que Foucault (2015, p.114) aponta:

Nas relações de poder, a sexualidade não é o elemento mais rígido, mas


um dos dotados da maior instrumentalidade: utilizável no maior número
de manobras, e podendo servir de ponto de apoio, de articulação às mais
variadas estratégias.

Sendo assim, o medo da homofobia se espalha como um dado natural


e reafirma as estratégias do biopoder. Pelo medo e para “proteção”, crianças
9
HOMEM LEVA 4 TIROS APÓS BEIJAR COMPANHEIRO EM BAR NA BAHIA, Catraca livre, 2017.
Link: <https://catracalivre.com.br/cidadania/homem-leva-4-tiros-apos-beijar-companheiro-em-bar-
na-bahia>
10
APÓS AGRESSÃO DANDARA FOI MORTA COM TIRO DIZ SECRETÁRIO ANDRÉ COSTA, G1/
Globo, 2017. Link: http://g1.globo.com/ceara/noticia/2017/03/apos-agressao-dandara-foi-morta-com-
tiro-diz-secretario-andre-costa.html
11
CONFUNDIDOS COM CASAL GAY PAI E FILHO SÃO AGREDIDOS NO INTERIOR NO
INTERIOR DE SP HOMEM PERDEU PARTE DA ORRELHA. Uol Notícias, 2011. Link: https://
noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2011/07/19/confundidos-com-casal-gay-pai-e-filho-
sao-agredidos-no-interior-de-sp-homem-perdeu-parte-da-orelha.htm

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 591


aprendem desde a infância a não parecerem homossexuais. Adolescentes
e/ou adultos procuram consultórios psicológicos por conta de sua
homossexualidade. Famílias se preocupam com a/o jovem LGBTQIA+ que
sai sozinha/o. E políticas autoritárias de controle social se estabelecem em
nome de um ‘bem maior’ (BATISTA, 2003). Assim, como não falar sobre
educação sexual nas escolas? Porque o assunto é visto como “ideologia” e de
acordo com a bancada fundamentalista do Congresso Nacional brasileiro,
ensina os estudantes a serem homossexuais, incita à prática precoce do
sexo, entre outras hipóteses equivocadas.
A homofobia, pois, tem uma dimensão também institucionalizada.
Portanto, daquilo que vimos refletindo até aqui, fica evidente que a escola,
que é a instituição-parte da sociedade, seja afetada por ela (homofobia).
O poder exercido pela instituição escolar agrupa os alunos pelo que, de
maneira suposta, são e, principalmente, pelo que podem vir a ser. Tal
instrumento institucional estigmatiza-os numa condição de desvio do
padrão de aluno ideal (FOUCAULT, 2005).
As pessoas que compõem o espaço escolar são influenciadas pelo
modo de pensar e de se relacionar da/na sociedade, ao mesmo tempo em
que a influenciam, contribuindo para suas transformações. Nesse contexto,
o discurso de meritocracia, o discurso de escolha, as “brincadeiras”, a visão
patológica são questões, ainda, relacionadas ao sujeito homossexual e que
impactam de forma cruel e perversa, ferindo a identidade desse sujeito.
Então, ao identificarmos o cenário de discriminações e preconceitos, vemos
no espaço da escola as possibilidades de ela contribuir para a transformação
desse processo de reprodução da homofobia.

PENSANDO NUMA EDUCAÇÃO PARA DIVERSIDADE

De acordo com Paulo Freire (2007), a educação é instrumento de


transformação do mundo e das próprias pessoas. A educação reconhece,
portanto, a presença do oprimido e do opressor, ao passo que convida-nos
a essa libertação, inicialmente pela libertação do opressor que reside em
cada um de nós, ou seja, “a transformação da educação não pode antecipar-

592 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


se à transformação da sociedade, mas esta transformação necessita da
educação” (FREIRE, 2007, p. 84).
Nesse sentido, a escola deveria ser um espaço socializador dos
conhecimentos e saberes universais, um local de articulação entre o ato
político e o ato pedagógico; onde as culturas plurais são incorporadas no
currículo e a avaliação não serve para subjugar os/as estudantes. Um espaço
para obter informações sobre o desenvolvimento da prática pedagógica,
para a reformulação e intervenção dessa prática e dos processos de
aprendizagem. Há uma relação, então, de ensino-aprendizagem entre
professores/as e os/as estudantes, sendo estes últimos sujeitos mais ativos e
críticos de sua realidade social.
Sujeitos são construídos e desconstruídos em minutos, horas, dias,
meses, anos; dessa maneira, suas identidades também são “cambiantes,
mutáveis, instáveis, porosas, líquidas, etéreas” (SÁ-SILVA, 2018, p. 15).
Qualquer tentativa de padronização de sujeitos, por ações “educativas”,
despertará uma força de resistência, tal qual fazem os movimentos sociais,
por exemplo. No entanto, janelas se abrirão, janelas que “mostrarão
possibilidades diversas de ensinar e aprender e que se desdobrarão em
outras entradas e saídas, fluxos que indicarão rumos ainda não pensados
por aqueles e aquelas que lidam dia a dia com o ensino e a aprendizagem”
(SÁ-SILVA, 2018, p. 16).
Pensar educação é refletir, também, sobre as nossas práticas
pedagógicas, é saber de qual educação estamos falando, em qual tempo, a
qual espaço nos referimos. Sobre isso, trago as reflexões apresentadas por
Sá-Silva (2018, p. 16):

Pedagogias corretivas produzem pedagogias que não deixam corrigir.


Pedagogias padronizantes potencializam pedagogias errantes. Pedagogias
do certo e do errado inflam pedagogias relativizantes. A pedagogia vista
como a ação de condução dos sujeitos deve ser repensada. Conduzir pra
quê? Direcionar por quê? Qual o sentido de homogeneizar as pessoas?
Educação para a padronização? Educação para a docilidade estigmatizante?
Educação para a exclusão? Educação para a inclusão excludente? Educação
para o exercício da separação? Educação para reforçar as distinções entre

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 593


as classes sociais? Educação para o reforço das desigualdades econômicas,
sociais e culturais? Educação para uma vida misógina, racista, homofóbica,
xenofóbica? Quais educações estamos (re)produzindo?

Devemos pensar que a educação seja, sobretudo, uma ferramenta


utilizada dentro de um olhar para o diferente, para o contraditório, para o
não comum, para aquilo que seja “inadequado”, para a diversidade. Pensar
que ela seja a chave fundamental para o rompimento de uma polaridade que
nos cerca, principalmente em dias atuais no Brasil, onde estamos divididos
em extremos: “certo-errado”, “normal-anormal”, “bom-mau”, “inteligente-
burro”, “esforçado-desinteressado”, “lúcido-louco”, “esquerda-direita”,
“homem-mulher”, “hetero-homo”, “científico-senso comum”, “flamengo-
contra todos” etc.
Reconhecemos, porém, que a escola tem uma antiga tradição
normatizadora e homogeinizadora que precisa ser revista. O ideal de
homogeneização leva a crer que os/as estudantes negros/as, indígenas,
transexuais e homossexuais devem se adaptar às normas e à normalidade,
por meio da repetição de imagens, linguagens, contos e repressão aos
comportamentos “anormais” (ser um menino afeminado ou que brinca de
boneca, por exemplo); comportamentos, estes, considerados “desviantes” à
integração ao grupo, passando da minimização à eliminação das diferenças
que, carregadas de estigmas e estereótipos, são vistas, na maioria das vezes,
como defeitos. Dentro desse sistema educacional tradicional conservador,
espera-se, pois, que o/a discriminado/a (o/a diferente) se esforce e se adapte
às regras, para que seja tratado/a como “igual”. Nessa visão, “se o aluno for
eliminando suas singularidades indesejáveis, será aceito em sua plenitude”
(CASTRO, 2005, p.217).
Quando a escola não oferece possibilidades concretas de legitimação
das diversidades (nas falas, nos textos escolhidos, nas imagens veiculadas
na escola etc.), o que resta aos alunos e alunas, senão a luta cotidiana para
adaptarem-se ao que esperam deles/as ou conformarem-se com o status
de “desviante” ou reagirem aos xingamentos e piadinhas, configurando-se
como indisciplinados, ou, como resultado final, abandonarem a escola?

594 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Ao falar de educação para a diversidade, é preciso contextualizar
os saberes científicos, a fim de que se possam adotar práticas de ensino
que rompam com os cânones teóricos metodológicos e pedagógicos,
chancelados sob a égide da perspectiva teórica, fundamentada no modelo
quantitativo e cartesiano ou modelo matematizado. É preciso que se
compreenda que, quando fazemos a crítica a esse tipo de modelo, não
queremos negar sua contribuição para o fazer científico, mas reconhecer os
limites que ele comporta para nossas pesquisas e estudos.
Dessa forma, a educação para a diversidade pensa a construção de
uma nova pedagogia, de uma nova educação, levando em consideração
que a educação escolar é marcada por políticas que – historicamente –
produziram a exclusão de pessoas em função de suas diferenças, muitas
vezes consideradas como anormais pela ciência.
Compreender a diferença e a diversidade enquanto possibilidade da
existência e experiência humana, para além dos cânones científicos, implica,
também, desconstruir aquilo que já foi naturalizado, com base no discurso
acadêmico. É compreender que esse tipo de discurso é produto da própria
experiência humana, portanto, sua produção é carregada de cultura.
Então, a educação para a diversidade nos possibilita (re)pensar
sobre nossas práticas de ensino; pensar as Ciências e a Educação enquanto
ferramentas que geram políticas e comportamentos sociais que resultam
em exclusões, marginalizações e sofrimentos.
A escola, por seus propósitos, pela obrigatoriedade legal e por
abrigar distintas diversidades (de origem, de gênero, sexual, étnico-racial,
cultural etc.), torna-se, então, responsável por construir caminhos para a
eliminação de preconceitos e de práticas discriminatórias. Educar, para
a valorização da diversidade não é tarefa apenas daqueles/as que fazem
parte do cotidiano da escola; é responsabilidade, também, da família, da
sociedade, do Estado. É nesse sentido que nos parece conveniente que haja
a contribuição positiva da educação não-formal e informal no processo de
diálogo sobre a diversidade.
Assim, refletimos que, em determinados momentos, seja na
autonomia escolar ou através de documentos regidos pelo Estado, as

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 595


escolas construirão, e já construíram, dois modelos de currículos: um
currículo pautado nas ideias doutrinadoras e conservadoristas, que visa
ser conteudista e de preparação apenas para o mercado, deixando lacunas
no conhecimento; e um outro currículo que contemple culturas, sujeitos,
espaços sociais, orientação sexual, inclusão e práticas de respeito, formando
pessoas não apenas para um mercado de trabalho, mas preparando
cidadãos/cidadãs que pratiquem alteridade uns/umas com os/as outros/
outras/outres (ALMEIDA; BEZERRA, 2018).
De acordo com Trilla (2008), há muito, a pedagogia vem tentando
realizar essa tarefa com mais ou menos rigor. Em muitos casos, a distinção
entre os diversos tipos de educação se realizou com o mero acréscimo
de um adjetivo à palavra “educação”: educação familiar, educação moral,
educação infantil, educação autoritária, educação física etc. Segundo Trilla
(2008), foi só a partir do último terço do século XX que os rótulos “educação
não-formal” e “educação informal” começaram a se fixar na linguagem da
pedagogia. Portanto, o que seria a educação não-formal e informal e por
que elas nos ajudam na compreensão da educação para diversidade?
De acordo com Coombs (1975, p. 27), a educação formal
compreenderia “o sistema educacional altamente institucionalizado,
cronologicamente graduado e hierarquicamente estruturado que vai
dos primeiros anos da escola primária até os últimos da universidade”; a
educação não formal é “toda atividade organizada, sistemática, educativa,
realizada fora do marco do sistema oficial, para facilitar determinados tipos
de aprendizagem a subgrupos específicos da população, tanto adultos como
infantis”; e a educação informal, “um processo, que dura a vida inteira, em
que as pessoas adquirem e acumulam conhecimentos, habilidades, atitudes
e modos de discernimento, por meio das experiências diárias de sua relação
com o meio”.
Com isso, um planejamento escolar é ideal para se fazer um
trabalho de problematização com alunos/alunas sobre as questões da
homossexualidade. O planejamento precisa ser reflexivo, processual para
atender às expectativas e inserir discussões necessárias. Ele deve estar
voltado para a educação, o ensino, estudantes, professor/professores,

596 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


disciplinas, conteúdos e para a escola em sua totalidade. Toda essa conexão
torna o trabalho docente e escolar diferencial na sociedade (PADILHA,
2001).
O planejamento também não pode seguir por um padrão/norma
em todas as escolas, embora existam materiais que norteiam um trabalho
semelhante. Ele deve estar voltado para a cultura local, para as falas,
modos de agir, para os símbolos, que são específicos de cada escola e que
configuram o trabalho docente e pedagógico de cada professor/professora.
Se no planejamento a discussão de sexualidade, para questões de higiene
corporal e saúde, já estão inseridos, ótimo, mas não pode parar nesse ponto.
É necessário romper com a indiferença e negação para com pessoas que
frequentam o espaço escolar, discutindo, também, identidade de gênero
e sexualidade, bem como a orientação sexual dos/das estudantes, duma
maneira que não fira a dignidade humana, mas que seja democrática e ética
(LIMA; PEZZI, 2019).
Quando o silêncio impera no espaço escolar, frente à problematização
da homossexualidade e de outros assuntos ligados a gênero e sexualidade, o
lugar de opressão, preconceito e discriminação se configura. As violências
existem e os números representam isso. Muitos/muitas estudantes estão
submetidos a situações de homofobia na escola pela falta de atenção e
de respostas a determinadas perguntas, gerando medo, culpa, ansiedade,
exclusão, advindas pelo incentivo da família, escola, religião e Estado
(JUNQUEIRA, 2009).
Madureira e Branco (2015) explicam que o combate aos mecanismos
excludentes, e que são presentes, muitas vezes, de maneira sutil no interior
escolar, serve para criar estratégias de intervenção e tornar as pessoas
sensibilizadas ao cuidado do/a outro/a no sentido de acolhimento.
Assim, as disciplinas entram como um meio de intervenção, uma vez
que podem estar associadas aos saberes conservadoristas e às relações de
poder, a partir de suas hierarquizações de conteúdo, fazendo-se necessário
(re)pensar os objetivos. Uma disciplina que não se atente apenas a conteúdos
específicos, mas que trate temas transversais e multidisciplinares, tende a
propiciar saberes que estão além da sala de aula, conectando com a realidade

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 597


dos/as estudantes, as suas práticas e orientações sexuais (BARROS; COSTA,
2012).
No Brasil, observamos que o processo de descentralização da
educação não descentralizou, de fato, o poder no interior das escolas. Esse
poder continua nas mãos do/a diretor/a ou gestor/a, que o monopoliza, faz
a pauta das reuniões dos conselhos e colegiados escolares, não a divulga
com antecedência; eles/as que autorizam o que será desenvolvido dentro da
escola como atividade extraclasse; eles/as que determinam o que será lido
em suas bibliotecas etc. A comunidade externa, mães e pais, não dispõem
de tempo e muitas vezes nem avaliam a relevância de participarem ou de
estarem presentes. Além disso, usualmente, esses pais e mães não estão
preparados/as para entender às questões do cotidiano das reuniões, tais
como as orçamentárias ou sobre assuntos “polêmicos”, como sexualidade e
educação sexual (ALMEIDA; BEZERRA, 2018).
O Supremo Tribunal Federal - STF tomou uma decisão salutar em
relação ao Projeto Escola Sem Partido e às falácias de ideologia de gênero,
ambos inventados e espalhados pela bancada conservadorista e por
pessoas que não entendem o papel social da educação. Nesse sentido, o
STF derrubou as duas ideias, enfatizando que o direito à igualdade, direito
à liberdade de ensinar, aprender, pesquisar e divulgar o pensamento e
assuntos necessários a este são importantes para a formação e exercício da
cidadania, sendo que é direito do Estado abordar conteúdos de gênero e
sexualidade nos espaços formais de ensino (ANDES, 2020).
É, nesse contexto, que os movimentos sociais organizados, em
particular, o movimento LGBTQIA+ e os feministas, são fundamentais
para o despertar da comunidade nessas questões sociais sobre gênero,
sexualidade e homofobia. Os movimentos sociais têm um papel de tornar
esse sujeito “passivo” em sujeito ativo na participação política, econômica,
cultural e social de sua realidade, de seu bairro, comunidade, cidade, escola
etc.
Os movimentos são elementos e fontes de inovação e mudanças
sociais, eles detêm um saber, decorrente de suas práticas cotidianas,
passíveis de serem apropriadas e transformadas em força produtiva. Os

598 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


movimentos sociais são elementos fundamentais na sociedade moderna,
agentes construtores de uma nova ordem social e não agentes de perturbação
da ordem, como descrevem as antigas análises conservadoras escritas nos
manuais antigos, ou como ainda são tratados na atualidade por políticos
tradicionais (GOHN, 2010).
Assim, esses movimentos podem suscitar que os projetos políticos
escolares sejam construídos coletivamente, rompendo assim com o controle
que é exercido pela direção ou gestão da escola, garantindo, portanto, que
os princípios democráticos e a equidade sejam respeitados. Entretanto, a
escola não pode jogar simplesmente a total responsabilidade para a família,
tampouco a família para a escola. O diálogo deve acontecer de maneira
coletiva.
A concepção de educação que a sociedade, inclusive a própria escola,
precisa ter é uma educação voltada para os compromissos éticos, críticos,
a fim de que haja cidadãos e cidadãs que compreendam as culturas, para
viabilizar a formação de sujeitos que respeitem a si e aos outros nas dimensões
plurais e políticas. O sentido educacional é a aprendizagem, e o foco deve
ser a/o estudante, para que o aguçamento das habilidades e competências
direcionem para uma realização enquanto sujeito, independentemente de
suas escolhas.
Dessa forma, a Educação Sexual, como parte do currículo, não
deve se atentar apenas às temáticas de saúde, como Infecções Sexualmente
Transmitidas (ISTs), cuidado com o corpo, uso de preservativos, pelo
contrário, precisa fazer um discurso com aspectos culturais, sociais e
políticos de outros temas como a homossexualidade, enfatizando o respeito
por si, pelo/pela outro/outra, sem aconselhamento individual e psicológico,
mas que atenda às necessidades reais que os/as alunos/alunas vivenciam
(MAIA; RIBEIRO, 2011).
Trabalhar assuntos de gênero, sexualidade, como a homossexualidade,
não é fácil, principalmente quando o público advém de processos
heteronormativos, mas também não é impossível. Os questionamentos
iniciais, vindos da leitura de um texto ou pelo compartilhamento de
casos, faz-se necessário para chamar a atenção. Explicar que histórica,

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 599


cultural e politicamente as pessoas são diferentes, facilita ainda mais essa
compreensão.
Contudo, o/a professor/professora não pode se atentar apenas
a isso, é necessário que busque mais, que promova atividades – debates,
discussões em grupo, aulas de campo, pesquisas, leituras – que inove no
desenvolvimento dessas atividades, com o intuito de agregar todos e todas,
para que nenhum ou nenhuma possa se perder em pensamentos, devido as
ideias normativas que insistem em resistir.
É importante que o/a professor/a dê continuidade a sua formação,
buscando informações que ampliem seu conhecimento para um contexto
plural e voltado para seus/suas educandos/educandas, compreendendo as
diferenças que existem e a forma de como melhorar as relações quanto a
essas diferenças. O Estado e a universidade precisam ser parceiros nessas
formações, assumindo um compromisso coletivo em prol de uma educação
para a diversidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto teve por objetivo fazer uma reflexão teórica e de vivência
sobre a relação entre os efeitos da homofobia e a educação, particularmente
tendo a escola como lócus do processo de discriminação, exclusão,
marginalização, marcas e estigmas causado às pessoas homossexuais.
Esta reflexão, exposta aqui, é o início do nosso processo de construção da
pesquisa documental do projeto maior intitulado A discussão dos temas
“homossexualidade” e “homofobia” em livros de Sexualidade e Educação
Sexual, coordenado pelo Prof. Dr. Jackson Sá-Silva, que envolveu a
orientação de uma dissertação de Mestrado Profissional em Educação,
a construção de um protótipo educacional em formato e-book e três
pesquisas de iniciação científica.
Apresentamos, também, por meio de uma reflexão profunda,
encaminhamentos para se desenvolver uma educação que respeite e acolha
a diversidade existente nos espaços escolares. O que chamamos aqui de
educação para a diversidade pode ser realizado por qualquer professora e

600 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


professor de qualquer campo do conhecimento. E a fim de orientar esses
profissionais, nossa equipe de pesquisa se debruçou em produzir algumas
propostas pedagógicas para se discutir a homossexualidade e homofobia
nas escolas junto à estudantes do Ensino Médio.
Esse produto, intulado Curta Diversidade, fruto do Mestrado
Profissional em Educação da Universidade Estadual do Maranhão, tem
como princípio ajudar as/os profissionais da educação nesse debate que
é mais do que urgente no nosso país, palco de tantos processos violentos
e assassinos contra a população que denominamos, aqui, de LGBTQIA+
(Lésbicas, gays, bissexuais, queers, intersexos, assexuais e outras).
Portanto, acreditamos que a homossexualidade é uma construção
sociocultural que não se encaixa e não pode ser avaliada apenas dentro de
uma lógica biomédica e religiosa. Esses dois campos, de acordo com nossa
pesquisa, reforçam a homofobia e colaboram para que pessoas homofóbicas
externem suas atitudes violentas e criminosas sem o menor pudor de fazê-las.
Concluímos acreditando que a educação é um instrumento poderoso
no combate à homofobia, que pode e deveria envolver a família, a sociedade,
a comunidade escolar, pesquisadoras e pesquisadores das universidades e
institutos de educação. Um trabalho interdisciplinar que requer dedicação
e criatividade, como por exemplo, no uso do cinema, teatro e linguagens.
Homofobia tem cura, homossexualidade não!

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Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 607


RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE A DISCIPLINA DE
SOCIOLOGIA EM TEMPOS DE PANDEMIA:
O QUE PENSAM OS DISCENTES?

Maria Daniela Silva Oliveira1


Wanderson Castro de Sousa 2
Helciane de Fátima Abreu Araujo3

INTRODUÇÃO

Esse trabalho traz uma reflexão sobre a percepção dos alunos do


Ensino Médio quanto ao ensino da disciplina Sociologia em tempos de
pandemia do Covid-19. O texto foi sistematizado baseado em relatos
de experiências obtidas a partir da execução do componente curricular:
Prática na Dimensão curricular dos dicentes do curso de Ciências
Sociais - Licenciatura do Programa Ensinar Formação de Professores, da
Universidade Estadual do Maranhão, em 2020.
A proposta inicial buscava a realização de um levantamento das
particularidades e dificuldades vivenciadas pelos alunos do 1º e 3º ano
do Ensino Médio do Instituto Estadual de Educação Ciência e Tecnologia
do Maranhão – IEMA, escola da rede pública estadual de tempo integral,
localizada no município de Santa Inês - MA.
Beaud (2000, p. 30) afirma que “o problema de pesquisa é o conjunto
construído em torno de uma questão principal, pelas hipóteses de pesquisa
e pelas linhas de análise que permitirão tratar o assunto escolhido,
permitindo organizar o plano de trabalho”.
Partindo desse ponto de inquietação, surgiram, no decorrer da
pesquisa outras questões que justificam este estudo, a saber: quais os
1
Discente de Ciências Sociais Licenciatura, UEMA. Contato: mayra.oliveira2201@gmail.com
2
Discente Ciências Sociais licenciatura, pela UEMA, Bolsista PIBIC/UEMA. Contato:
w-andersoncastro@hotmail.com
3
Orientadora. Doutora em Sociologia, professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa
de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia da Universidade Estadual do Maranhão
e diretora do curso de Ciências Sociais Licenciatura do Programa Ensinar. Contato: helcianearaujo@
hotmail.com

608 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


aspectos mais importantes na relação Sociologia e Ensino Médio? Como
estes grupos de alunos relacionam a importância da Sociologia tanto no
espaço escolar como familiar? Existe relação entre sociologia e mercado de
trabalho? Para os alunos, a disciplina é importante no currículo? O ensino-
aprendizagem da disciplina com a utilização de novas tecnologias por conta
da pandemia Covid-19 foi prejudicado?
A princípio, buscávamos compreender como os alunos do Ensino
Médio se relacionam com os saberes sociológicos. Por saberes sociológicos
entende-se, especificamente, os conhecimentos do campo das Ciências
Sociais ensinados nas aulas de Sociologia no Ensino Médio da escola básica
brasileira.
É importante perceber que esta pesquisa não teve o objetivo de
compreender qual a opinião dos alunos a respeito da disciplina Sociologia
na Educação Básica e que argumentos sustentam essa opinião, apenas. Mas,
para muito, além disso, teve o intuito de acompanhar a rotina dos alunos
com essa disciplina, percebendo como eles se relacionam com ela e os
reflexos disso na formação desses jovens.
A Sociologia iniciou seu processo de institucionalização como
ciência em meados do século XIX, sendo caracterizada com uma ciência
da modernidade, surgida da necessidade de melhor compreender e
interferir nas mudanças decorrentes do novo estágio de desenvolvimento
do capitalismo que abalou de forma contundente a sociedade europeia,
impondo novos valores, hábitos, crenças, formas de governo e relações
sociais. Em 1887, a Sociologia foi reconhecida como tal – uma ciência –
pela Universidade de Bordeaux na França, na Faculdade de Educação, onde
foi determinado que os currículos dos cursos de Pedagogia naquele ano
passariam a ter Sociologia (SILVA, 2007).
A Lei nº 9394/96, Diretrizes e Bases da Educação Nacional, evoca
o ensino da Sociologia como disciplina ligada diretamente ao conceito de
cidadania, contudo, só com a Lei da Obrigatoriedade, nº 11.684, de 2 de
junho de 2008 (BRASIL, 2008), que alterou a Lei de nº 9394/96, o ensino
das disciplinas Sociologia e Filosofia tornou-se obrigatório em todas as
escolas públicas e privadas do país (MARANHÃO, 2017).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 609


Nas Diretrizes Curriculares Estadual do Maranhão (MARANHÃO,
2014), a Sociologia aparece como componente curricular obrigatório
no Ensino Médio e corrobora diretamente com a abordagem curricular
histórico-crítica da rede estadual, ou seja, a prática social dos estudantes
é o ponto de partida e de chegada de todo trabalho pedagógico. Um olhar
crítico sobre o contexto da escola, sua localidade, município, estado e nação.
A presente pesquisa, de acordo com Minayo (2014), busca questões
muito específicas, preocupando-se com o nível de realidade que não pode
ser mensurado e quantificado. Atua-se com base em significados, motivos,
aspirações, crenças, valores, atitudes e outras características subjetivas
próprias do humano e do social que correspondem às relações processos ou
fenômeno e não podem ser reduzidas a variáveis numéricas. Gil (2002, p.10)
considera que “há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto
é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do
sujeito que não pode ser traduzido em números”.

INSTRUMENTOS PARA COLETA DE DADOS

As coletas de dados foram realizadas por meio de formulários


eletrônicos (utilizando a ferramenta Google Formulários) com aplicação
de questionário estruturado com cinco questões direcionadas aos alunos,
com o objetivo de verificar a percepção dos discentes sobre a Sociologia. Os
dados coletados foram tabulados por meio de programa como o Microsolf
Excel e Microssolf Word.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Esta pesquisa foi aplicada de forma online (Google formulário) no


período de 01/10/2020 a 01/11/2020 para os alunos do 1º e 3º ano do Ensino
Médio. Estimavam-se uma participação de aproximadamente 80 alunos.
Entretanto, devido a problemas de conectividade, falta de acesso a rede de
internet, o questionário foi respondido por 20 alunos, trabalhamos, então,

610 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


com esses dados como amostragem, seguindo a orientação de Fonteles
(2010, p.57).

Tradicionalmente, o objetivo de todo projeto de pesquisa é, a partir do


estudo de uma amostra, fazer inferências para uma determinada população.
Logo, para que a inferência estatística seja válida, é necessário que a amostra
selecionada seja representativa da população de onde foi retirada, de
maneira que os resultados encontrados sejam os mais fidedignos possíveis.

Referindo a idade e série dos alunos a pesquisa apresentou os


seguintes índices; dos 20 entrevistados, seis alunos são do 1º ano do Ensino
Médio e 16 do 3º ano. Referente ao sexo, 16 alunos apresentaram identidade
do gênero feminino e seis do gênero masculino. Questionados sobre o
acesso a rede de dados 80% dos alunos, equivalente a 16 alunos, possui
acesso a internet e 20 %, quatro alunos, não tem acesso a internet.
Sobre o tipo de conexão tivemos os seguintes dados: 47% dos alunos
entrevistados, que equivale a nove alunos, possuíam a conexão através da
rede 3G/4G; 33%, que representa os seis alunos, utilizam o Wi-fi e 20%,
cinco alunos, não utiliza nenhum tipo de conexão.
Em tempos de tecnologia o uso de aparelhos que nos permitem
acessar vários programas e redes sociais são bem comuns. E baseado
em nossos dias atuais 50% dos alunos usam o aparelho celular para o
acompanhamento de suas atividades escolares. Um número menor,
representando 20% equivalente a 2 alunos, não utiliza nenhum tipo de
equipamentos.
Perguntados sobre o ensino da Sociologia na escola, 65% dos alunos,
equivalente a 13 entrevistados, declararam-se satisfeitos com o ensino da
disciplina, 25% cinco dos alunos afirmaram estarm muitos satisfeitos e
15%, três alunos, estavam um pouco satisfeitos.
Podemos constatar que a quantidade da carga horária da disciplina é
um elemento definidor desse grau de satisfação. Segundo os entrevistados,
a disciplina é trabalhada uma vez por semana com carga horária de duas
horas semanais. Todos os entrevistados foram unânimes ao afirmarem que
o tempo é muito curto para se abordar todos os conteúdos programáticos.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 611


O termo gostar é algo bem relevante quando se trata de uma
disciplina, pois nem todos os temas trabalhados são satisfatórios a todos.
O estudo realizado aponta que 50%, ou seja, 10 dos alunos entrevistados,
responderam que não gostam dos temas apresentados em sala de aula, mas
33%, equivalente a seis alunos, responderam que sim e 17%, quatro alunos,
responderam que gostam em partes.
Perguntados sobre quais os principais temas trabalhados em sala
na disciplina de sociologia, os entrevistados apontaram os seguintes:
Relações de trabalho; Estado Democrático de Direito; Sociologia em
Tempos Modernos; Movimentos Sociais; Desigualdade Social; Sociedade e
Cidadania; e os Principais Sociólogos.
Endagados sobre como estes temas são trabalhados em sala de
aula, a pesquisa nos revelou que, na concepção dos alunos, a questão da
forma de trabalhar de cada professor influência muito na participação e
aprendizagem dos alunos: “Aulas dinâmicas, leitura, diálogos e debates
entre os alunos, apresentações de seminários e filmes”, destacou a aluna
B.C.S de 15 anos.
Buscando ouvir a opinião do aluno sobre como a Sociologia pode
nos ajudar a entender as relações de convivência entre os indivíduos no
meio familiar e escolar? Observamos que para eles essa questão é muito
importante. Para compreendermos qual a visão dos alunos a respeito da
Sociologia e as relações de convivência entre os indivíduos. São alunos que
estão descobrindo sua linha de pensamento e obtivemos respostas bem
elucidativas, como:

Sim, ajuda a entender que as relações entre os indivíduos no meio familiar


não é algo do acaso, mas de uma herança cultural, certos hábitos são
herdados, não surgem do nada. Isso nos ajuda a entender que a sociologia
nos mostra que existem essas relações diferentes e devemos a compreender
cada indivíduo. (J.S.T.F, 16 anos. Relato colhido em 2º sem/2020).

Questionados sobre como a Sociologia pode ajudar a compreender


as relações de trabalho, chamou atenção, a percepção de um dos alunos:

612 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Essa questão de relação de trabalho é algo muito importante para todos
os profissionais, trabalhar em grupo ou liderar um grupo exige muito
conhecimento a respeito de como cada indivíduo se comporta. Muitas
pessoas ainda não conseguem distinguir se a sociologia tem relação com o
mercado de trabalho, esquecem que cada profissão está ligada a ela. (M.G.S,
15 anos) (J.S.T.F, 16 anos. Relato colhido em 2º sem/2020).

Outro entrevistado respondeu que: “a Sociologia pode nos ajudar


a compreender, através do estudo do convívio entre empregadores e
empregados e suas relações e como se dá o processo de dominação e
exploração do capital sob o trabalhador” (A.C.S.F, 16 anos. Relato colhido
em 2º sem/2020).
Buscamos trazer a percepção dos discentes a respeito da
obrigatoriedade do ensino da disciplina. A Lei Federal nº 11.684, de
02 de junho de 2008, incluiu a Filosofia e Sociologia como disciplinas
obrigatórias nos currículos do Ensino Médio. Após a reforma do ensino
médio aprovada em 2016, as disciplinas: Português, Matemática, Educação
Física, Artes, Filosofia, Sociologia e Inglês tornaram-se obrigatórias.
Em sua opinião, a disciplina de Sociologia deve continuar sendo
obrigatória em sala de aula? Nas instituições de ensino, dispor da disciplina
de Sociologia como algo obrigatório é visto por muitos como essencial,
mas também muitos discordam, levando essa questão para nossa pesquisa,
obtivemos respostas satisfatórias, como a do entrevistado abaixo:

Sim, a partir da Sociologia consegui abrir meu campo de visão a respeito


de muitos assuntos importantes e atuais que muitas pessoas se recusam a
falar sobre por se tratar de opinião própria acabamos nos abstendo e não
conseguimos formular e expressar a nossa linha de pensamento, tornando
assim pessoas guiadas apenas por pensamentos de outras pessoas. A
sociologia nos ajuda a formar e expressar nossas opiniões (F.G.S.P, 16 anos.
Relato colhido em 2º sem/2020).

A sociedade tem enfrentado grandes desafios quando se trata de


educação, com a atual situação presente em tempos de pandemia Covid

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 613


19. A educação teve que se adaptar a novos protocolos de saúde imposto
pelas autoridades competentes. No ambiente escolar, a Portaria MEC n.º
544 (BRASIL, 2020) de 16 de junho de 2020, autorizou a substituição das
aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de
pandemia do novo Coronavírus.
Sabendo dos desafios e dificuldades para se colocar em prática esse
novo método de ensino, perguntamos aos entrevistados se a maneira
utilizada pela escola para dar continuidade aos estudos da disciplina tem
sido satisfatória. A aluna entrevistada, assim se manifestou:

Obter um conhecimento satisfatório de 100% em tempos de pandemia é


algo bem difícil, manter uma concentração por horas tem sido um desafio
tanto para os discentes, quanto para os educadores e as respostas que
obtivemos a respeito da questão apresentada a cima foram as seguintes: em
parte sim, mas é algo que não se torna 100% já que manter a concentração
tem sido um desafio para todos. (M.C.S, 16 Anos. Relato colhido em 2º
sem/2020).

Desafios todos nós temos enfrentado durante essa pandemia que


afetou todo o planeta e as principais dificuldades descritas pelos alunos
foram: 1) conseguir compreender os trabalhos sem ter um contato próximo
entre alunos e professor, dificultando assim um debate mais prazeroso; 2) o
fato de estar por trás de um aparelho tecnológico impede uma concentração
maior.
Portanto, notamos que a pandemia da Covid-19, afetou diretamente
os alunos no diz respeito ao ensino da sociologia de forma remota. Fato
este que ficou evidente nas falas dos participantes da pesquisa, vários
fatores contribuíram para a não adpatação desses alunos ao modelo de
enino remoto (falta de equipamentos; ausência de sinal de internet e/ou
pouca qualidade, falta de um espaço para estudos etc.). Ainda fica evidente
que a concentração dos alunos nas aulas nesse período também foi um
desafio para os que conseguiam se concetar as aulas, para esses discentes o
contato em sala de aula ainda é a “melhor” forma de se assegurar uma boa
concentração e assimilação de conteúdos.

614 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através desse estudo objetivamos contribuir cientificamente com as


pesquisas do campo da educação, da Sociologia e do ensino de Sociologia,
revelando elementos que nos ajudam a compreender como os alunos
do Ensino Médio se relacionam com os saberes sociológicos. Como
apresentado na pesquisa, para a grande maioria dos alunos entrevistados
o ensino da Sociologia deve continuar sendo obrigatório no Ensino
Médio, pois a Sociologia ajuda a compreender a sociedade na qual estamos
inseridos.
Os resultados apresentados nessa pesquisa colaboraram, entre outras
coisas, para um planejamento afinado com as necessidades e interesses dos
discentes do Ensino Médio em relação à disciplina de Sociologia, que vale
ressaltar, serão descobertos através das falas dos próprios alunos e com o
objetivo de potencializar as relações que estabelecem com estes saberes,
garantindo que ela alcance os sentidos que a levam para o currículo da
escola básica.

REFERÊNCIAS

BEAUD, Michel. Arte da tese: Como preparar e redigir uma tese de mestrado ou
doutorado, uma monografia ou qualquer outro trabalho universitário. Tradução
de Glória de Carvalho Lins. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. 176 p.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases


da Educação Nacional. Brasília: Presidência da República,1996.

BRASIL. Lei nº 11.684/2008. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional,


para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos
do Ensino Médio. Brasília: Presidência da República, 2008.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 615


BRASIL. Ministério da educação. Portaria nº 554, de 16 de junho 2020. Dispõe
sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto
durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19, e revoga as Portarias
MEC nº 343, de 17 de março de 2020, nº 345, de 19/03/2020, e nº 473, de 12 de
maio de 2020. Brasília, 2020.

FONTELLES, M.J et.al. Metodologia da pesquisa: diretrizes para o cálculo do


tamanho da amostra. Revista Paraense de Medicina. V.24 (2). abril-junho. 2010.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

MARANHÃO. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares Estaduais


Gerais. 3ª. ed. São Luís, 2014.

MARANHÃO. Escola Digna: Caderno de Orientações Pedagógicas. Sociologia


como componente curricular. Secretaria de Estado da Educação. São Luís, 2017.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa


em saúde. 14ª ed. São Paulo: Hucitec, 2014.

SILVA. M.E.T. Trajetórias da Sociologia Brasileira: considerações históricas. V 8.


Nº2. Natal: UFSE, 2007.

616 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


POR UMA QUESTÃO DE GÊNERO: O TRABALHO DOMÉSTICO E
OS DESAFIOS NO APRENDIZADO DE ALUNOS DE SOCIOLOGIA
EM UM CENTRO DE ENSINO EM CAXIAS – MA

Lusiene Araújo da Conceição Dias1


Filipe da Cunha Gomes 2

INTRODUÇÃO

Este artigo baseia-se em discussões realizadas a partir da execução


do Projeto de Pesquisa intitulado “Por uma questão de gênero: o trabalho
doméstico e os desafios no aprendizado de alunos de Sociologia referidos a
um Centro de Ensino Público, aqui compreendido como Centro de Ensino
A3, no município de em Caxias-MA”.
O desenvolvimento do mencionado projeto foi estruturado no
contexto da disciplina “Prática como Componente Curricular na Dimensão
Escolar”4 e, traz para discussão, os resultados de uma investigação realizada
junto a estudantes de segundo ano do Ensino Médio no Centro de Ensino
A no município de Caxias - Maranhão. Tal investigação foi guiada pela

1
Graduanda em Ciências Sociais pelo Centro de Estudos Superiores de Caxias da Universidade Estadual
do Maranhão – CESC/UEMA. Contato: lubythanks@gmail.com
2
Docente da Universidade Estadual do Maranhão, Centro de Estudos Superiores de Caxias –
CESC/UEMA, Mestre em Cartografia Social e Política da Amazônia pela Universidade Estadual do
Maranhão – UEMA, doutorando em Sociologia, pela Universidade Federal de Pernambuco. Contato:
filipecunha1992@gmail.com
3
Neste texto, Centro de Ensino A ou escola diz respeito a uma classificação que compreende questões
éticas na pesquisa, seguindo, portanto, na ocultação do nome do Centro de Ensino público no município
de Caxias, Maranhão, onde a pesquisa foi realizada.
4
Sob orientação do Prof. Me. Filipe da Cunha Gomes, a disciplina de Prática como Componente
Curricular na dimensão escolar, ofertada no âmbito do Curso de Ciências Sociais da Centro de Estudos
Superiores de Caxias (CESC-Universidade Estadual do Maranhão) foi iniciada em março de 2020, mas
paralisada devido ao contexto de isolamento social. Foi reiniciada de maneira remota entre os meses de
setembro a novembro. A proposta da disciplina permitiu a articulação dos componentes curriculares
já acumulados, procedimentos metodológicos ancorados em tecnologias remotas com situações
concretas e analisadas para além dos muros da universidade, o que abre caminhos para a construção de
uma trajetória acadêmica apoiada em um pensar relacional onde a teoria e a prática estejam em uma
mesma base reflexiva (BOURDIEU, 1998).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 617


proposta de articular às aulas remotas5 de Sociologia, um debate que
refletisse as questões de gênero em tempos de confinamento ocasionado
pela pandemia de Covid-19.
Nesse sentido, considerando a atual conjuntura gerada pelo período
pandêmico que veio se alastrando no país a partir de fevereiro de 2020 e,
considerando as questões sociais advindas com o impacto deste momento,
notou-se a crescente sobrecarga de trabalho doméstico mediante a
presença maciça dos familiares dentro dos lares, acarretando um acúmulo
de atividades que são exercidas majoritariamente pela força feminina, isto
devido aos resquícios da cultura patriarcal que ainda é marcante no seio
familiar, político e social.
Os resquícios da visão patriarcal buscam reificar ser a mulher
a responsável pela organização e harmonia do lar, cabendo a ela o zelar
pela limpeza, cuidados com a alimentação e manutenção do ambiente
constantemente. Desse modo, percebe-se que este quadro tem se estendido
e afetado o cotidiano de crianças, jovens e adultas, inclusive atenuado no
aprendizado de alunos, pois ora ou outra necessitam se ausentar das aulas,
que são exclusivamente remotas, para atenderem as demandas exigidas no
ambiente familiar.
Desta maneira, este artigo persiste na reflexão sobre a desigualdade
de gênero no que tange a execução dos trabalhos domésticos em perspectiva
aos desafios enfrentados durante a pandemia, considerando reflexivamente,
as remodelações que a escola tem sofrido para a oferta de aulas em meio
a pandemia do novo Coronavírus. Ressalta-se ainda, que este debate não
pode estar dissociado da reflexão sobre as conquistas de mulheres nas
diversas áreas, bem como a luta por emancipação política e intelectual,
desconstruindo percepções errôneas da contemporaneidade e o papel da
mulher na sociedade.
Sob essa perspectiva, aponta-se que as inquietações para a proposição
desta temática acompanharam a dinâmica da conjuntura social atual que
o país enfrenta com a Pandemia do Coronavírus e o Decreto instaurado
5
De acordo com a Portaria n.º 506, de 30/03/2020, publicada pela Secretaria de Estado de Educação
do Maranhão, as aulas remotas deveriam ser adotadas por toda rede de ensino básica afim de dar
prosseguimento à carga horária escolar. Tecnologias de Informação e Comunicação passam a ser
adotadas para a oferta de aulas classificadas como não presenciais.

618 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de calamidade pública sancionado na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de
2020 feito pela Portaria n° 356, de 11 de março de 2020, em que houve
a necessidade do afastamento de todas as atividades laborais em que
apresentasse aglomeração ou que não fosse emergencial, deixando como
prioridade os setores comerciais de supermercados e farmácias.
Salienta-se, ainda, que a situação compreendida pelo Estado e
órgãos sanitários oficiais a partir de categorias como “isolamento social”,
“distanciamento social” e “período de quarentena” afim de controlar a
proliferação do vírus causador da pandemia, tem ocasionado efeitos às
relações sociais e para o próprio indivíduo. De acordo com Costa (2020),
órgãos que tratam da condição feminina na sociedade têm alertado, diante
das mencionadas situações, para o acirramento de casos de violência contra
as mulheres, considerando o lar enquanto um pretenso espaço de “[...]
medo e abuso para mulheres e crianças [...].” (COSTA, 2020, p.252).
Assim, a pesquisa que está articulada à construção da presente
discussão, que visa discorrer acerca das relações de gênero, considerando
o espaço doméstico e os impactos vivenciados pelos alunos da turma
de segundo ano do Ensino Médio do Centro de Ensino A no período
pandêmico; apresentará os fatores que interferem a produção intelectual
e científica dos alunos bem como esclarecer os níveis de desigualdades de
gênero no ambiente familiar e ainda demonstrará as condições enfrentadas
por alunas no período da pandemia dentro do lar.
Para tanto, a investigação se apoiou em procedimentos
metodológicos que se articularam à execução de uma pesquisa qualitativa
de caráter exploratório. Quanto ao objeto de estudo foi constituído em
pesquisa bibliográfica, no qual fez usos de leituras e ideias de teóricos
que trabalham temáticas sobre desigualdade de gêneros, feminismo e o
trabalho doméstico como marcantemente feminino na pandemia e, ainda,
por meio do estabelecimento de relações com alunos em dois momentos,
antes do período de pandemia (início de março/2020) e durante o período
de pandemia (setembro a novembro).
Desta maneira, o método de abordagem utilizado foi o dialético e o de
procedimento adotado foi a Ciber-Praxiografia, que nos termos de Lacerda

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 619


e Ramalho (2020, p. 21), possibilita “[...] a análise de um fenômeno, cenário,
política ou movimento a partir da observação dos atores envolvidos como
sujeitos inseridos em campos de práticas”. Nesse sentido, a pesquisa esteve
posicionada para a observação de alunos de segundo ano considerando suas
relações inseridas em seus respectivos ambientes. Para tal procedimento,
aproveitaram-se os espaços virtuais para a coleta de entrevistas.
As técnicas de pesquisa, relacionadas à coleta de dados foi de
documentação direta extensiva e intensiva através de uma redação
construída pelas próprias estudantes, demonstrando a sobrecarga de
trabalho doméstico feminino concomitante aos estudos no momento
da aplicação das aulas remotas e aplicação de perguntas referente ao
isolamento social e o impacto dele na vida estudantil das alunas. Para tanto,
foi utilizado como instrumento de coleta de dados, a plataforma Google
Meet e o aplicativo de mensagens WhatsApp.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A inserção no Centro de Ensino A

Com a inserção no campo de pesquisa, buscou-se estabelecer


interlocuções com os demais sujeitos sociais participantes desta construção
de conhecimento. Desta forma, após o encontro com a direção, teve um
primeiro contato com a professora titular da disciplina de Sociologia,
que acolhera de forma bastante receptiva a presença da acadêmica
antecipando o conteúdo trabalhado, a postura dos alunos na sala de aula
e a disponibilidade para ajudar no que necessitar para o desenrolar das
atividades propostas no projeto de pesquisa executado.
Em contato com os alunos, mediante o exercício da aula pela docente,
pouca percepção foi notada, haja vista ter ocorrido somente um encontro
em sala e o outro encontro ter sido interativo com as demais salas no pátio
em apresentação alusiva ao Dia Internacional da Mulher. Em oportunidade
a este dia, a professora requereu ajuda para ficar à frente da sala de aula

620 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


enquanto finalizava as atividades da apresentação, assim debateu-se acerca
da política e, de forma breve, os alunos contribuíram com argumentações.

Contexto pandêmico na pesquisa

Para início de conversa, antes de adentrar no projeto de fato, é preciso


dividir dois espaços sociais temporais no ano de 2020: antes da pandemia
e na pandemia. A sociedade seguia sua vida costumeiramente cumprindo
com as atividades profissionais, de lazer e pessoais, era uma conjuntura
social considerada normal e com a chegada da pandemia mudou-se não
somente o curso da vida como também a mentalidade e a forma de ver o
outro.
Assim, anterior a este período já havia um projeto proposto
inicialmente sobre a construção da pesquisa etnográfica tendo como foco
o diário de campo como ferramenta de pesquisa, buscando nesse sentido,
oferecer elementos para que alunos da turma de segundo ano do Centro
de Ensino A em Caxias - MA refletissem sobre a construção da identidade
aluno-pesquisador. Esta proposta surgiu no cerne das discussões escolares,
presenciais, antes da chegada da pandemia do Coronavírus e o decreto
instaurado de calamidade pública sancionado em 11 de março de 2020,
em que houve a necessidade do afastamento de todas as atividades laborais
em que apresentasse aglomeração ou que não fosse emergencial, deixando
como prioridade os setores comerciais de supermercados e farmácias.
Já iniciada a fase de observação e com um olhar direcionado para
esta proposta de pesquisa etnográfica, a partir do conteúdo relacionado
à Unidade Dois (tratava de discussões sobre a política) do livro didático,
seria trabalhado a inserção das mulheres dentro da política da região e
utilizando o diário de campo descrever esta trajetória da ascensão feminina
e suas múltiplas realidades no meio político. Porém, a conjuntura social e
sanitária mudou e os tempos já são outros. O cumprimento da quarentena
e o confinamento para o controle da pandemia, trouxe diferentes efeitos
sociais para a humanidade dentre os quais destaca-se o aumento de
violência doméstica, e, muitas vezes, com desfecho em feminicídio.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 621


Diante deste quadro pandêmico e atentando aos efeitos sociais,
destacando a condição feminina nesse contexto, percebeu-se a necessidade
de caminhar por outro percurso analítico que pudesse convidar os alunos a
refletir sobre tal temática. Sob este viés seguiu-se um novo tema ancorado
na seguinte proposta: “Desigualdade de gênero: A sobrecarga de trabalho
doméstico durante a pandemia e os desafios no aprendizado dos alunos
no Centro de Ensino A em Caxias-MA”. O que permitiu relacionar os
debates ocorridos na disciplina Prática Curricular na Dimensão Escolar
com a problematização das questões escolares referidas à disciplina de
Sociologia, não perdendo de vista a prática reflexiva de estar no ambiente
escolar identificando suas dificuldades e estratégias tecidas no período
contingencial de aulas remotas.
Frente a este replanejar de rotas a partir do chamado “novo normal”,
os alunos e professores depararam-se com as dificuldades no acesso
remoto das aulas, alunos sem acesso à internet; sem aparelhos móveis ou
com aparelhos ruins para assistirem as aulas; a demanda de atividades no
lar paralelas à execução das aulas, como limpar a casa; cozinhar ou outro
trabalho doméstico; a falta de um espaço tranquilo; a presença maior
dos familiares dentro de casa provocando rupturas no silêncio, elemento
fundamental para obter um bom estudo; a redução do horário por conta da
limitação do próprio aplicativo que exige tempo para o término da aula; o
feedback negativo dos alunos nas leituras dos textos e entregas das tarefas
desenvolvidas foram fatores que contribuíram para a pouca participação
durante as aulas e a aplicação do projeto. A modalidade remota uniu as
turmas de 2º ano, o que poderia corresponder a uma quantidade de 60
alunos em plano virtual, porém esta estimativa não se concretizou, pois,
segundo a professora, o máximo de alunos não excedeu a 13 presenças.
Diante disso, as atividades arroladas para a realização do projeto
e pesquisa tiveram um retorno moroso, a exemplo da devolução de um
texto dissertativo solicitado sobre a percepção da condição feminina na
sociedade, fazendo com que houvesse a necessidade de retornar a aula
remota para frisar a importância da temática trabalhada no contexto
educacional e social e assim, resgatar o interesse do aluno para a finalização

622 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


da proposta repassada, dos alunos que participaram, apenas 11 retornaram
as atividades.
Destaca-se a acessibilidade da professora para com a discente de
Ciências Sociais, que deixara seu contato telefônico à disposição caso
necessitasse, inserindo-a no grupo de WhatsApp da turma para facilitar a
interação virtual com os alunos no intuito de aproximar a interação. Com as
atividades entregues e a sobrecarga do aparelho móvel da acadêmica houve
ainda a perca dos dados, porém como a professora exigiu que enviasse a ela
também as tarefas, pois valeu como nota atributiva, estes dados logo foram
recuperados possibilitando assim o andamento nas análises de dados do
projeto de pesquisa.

A SOBRECARGA DE TRABALHO DOMÉSTICO NA PANDEMIA E O


CONTEXTO EDUCACIONAL

Neste recorte foram verificados os dissabores desencadeados


com a promulgação do decreto oficial instaurado de calamidade pública
sancionado na Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, feito pela portaria
n° 356 de 11 de março de 2020 frente à pandemia do Corona Vírus. O
isolamento social acirrou diversas questões sociais e referente à condição
feminina consolidou o pensamento de que a desigualdade de gêneros
ainda é maçante e real, não raro muitas mulheres neste período obtiveram
sobrecarga de trabalho doméstico provando que os resquícios da cultura
patriarcal interferem no modo de viver e se relacionar em muitos lares.
Melo (2021) corrobora da seguinte maneira este discurso: “a
pandemia expôs de forma contundente a realidade do trabalho doméstico:
afazeres domésticos e cuidados” (MELO, 2021, p.2). Assim, sendo, mais uma
vez às mulheres são aprisionadas dentro do lar, e agora sem escapatórias,
pois afugentam de algo maior e que não dão a elas liberdade, nem que seja
temporária. É um vírus que vindo de outro país se alastrou e cercou a todos,
e como exigência e decreto estabelecido de calamidade pública na saúde,
todos foram imbuídos desta missão que é ficar em casa.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 623


Destaco um momento observado na fala da aluna 01,6 ao ser
convocada a dizer sobre as vivências tidas no período da pandemia durante
o ensino de aulas remotas paralelas à execução das tarefas domésticas:

ALUNA 01: Durante essa quarentena tudo fica mais difícil dentro de casa,
pois aumenta a sujeira, temos que lidar com os parentes. Esse tempo tá mais
sobrecarregado, pois não temos tempo suficiente pra lidar com tudo que
seria, limpar a casa sem a ajuda de ninguém, fazer a comida, é muita coisa
pra fazer sozinha, e ainda tem que sobrar tempo pra fazer as atividades que
nessa idade seria o mais importante. Mas apesar das dificuldades tentamos
fazer tudo certo, encaixando uma coisa na outra, e com tudo isso ainda
temos que aguentar os parentes que não fazem nada gritando no nosso
ouvido que não fazemos nada, que está errado, que não sabemos fazer
nada direito (Relato colhido em 10 de novembro de 2020).

Esta passagem retoma as lembranças do caminhar trágico que


foram as conquistas de cada direito adquirido pelas mulheres, pois é neste
entremeio pandêmico que se fortalece a ideia de que a mulher ainda é a
responsável em grande escala pelos afazeres domésticos e cuidados com
o lar e os familiares. Mais adiante, a aluna 027 reforça ainda esta ideia “[...]
não estou conseguindo aprender como na sala de aula presencial. É
preciso limpar a casa constantemente, as louças, as roupas e o cozimento
de alimentos” (Relato colhido em 10 de novembro de 2020).
Contribuindo ainda para esta discussão, os alunos ao serem
questionados se exercem alguma atividade doméstica no momento das
aulas remotas, obteve-se o seguinte gráfico:

6
A fim de manter em sigilo o nome da aluna que cedeu o depoimento, optaremos por mencioná-la
como aluna 01.
7
A fim de manter em sigilo o nome da aluna que cedeu o depoimento, optaremos por mencioná-la
como aluna 02.

624 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Gráfico 1 – Atividades domésticas no momento das aulas remotas

Fonte: dados coletados pela pesquisadora (2020)

Apesar do gráfico demonstrar uma estimativa propensa a igualdade


de percentual na realização das atividades domésticas no momento das
aulas remotas, observa-se nas falas que os alunos por serem do turno
vespertino executam as tarefas domésticas no turno matutino (como
mesmo especificaram), haja vista a demanda ser maior neste horário
ficando com tempo livre no contraturno. Seguindo esta linha de raciocínio,
ao serem questionado se estão conseguindo conciliar o estudo durante o
período de pandemia, responderam:

Gráfico 2 – Conciliação dos estudos na pandemia

Fonte: dados coletados pela pesquisadora (2020)

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 625


Os dados apontam que a maioria dos questionados, está conseguindo
conciliar os estudos nesta pandemia e outros com certas dificuldades. A
conciliação advém da realização das atividades domésticas serem feitas
mais pela manhã visto que a tarde (horário das aulas) serem menos
desempenhadas, mas deve-se levar em consideração a importância do
estudo no contraturno para o cumprimento das ações estabelecidas
pelos professores; e isto os alunos explicitaram nas redações não estarem
cumprindo com a demanda exigida; e as alunas que apontaram estudar com
dificuldades atribuíram o fator doméstico como central no desenvolvimento
estudantil. Observou-se que há o desejo de ascensão social e a busca no
crescimento intelectual, todavia exige o manejo das diversas funções que
executa diariamente para a concretude deste desejo.

A DESIGUALDADE DE GÊNERO AINDA EXISTE?

Neste tópico, foi discutido o enquadramento de funções pela


condição de ser mulher e cumprir com todas as questões obrigatórias ao
sexo feminino no período pandêmico e o desenvolvimento de atividades
intelectuais que precisam de um espaço silencioso e tranquilo para que
haja o fluir delas. Esta carga é estabelecida às estudantes principalmente do
sexo feminino, no período pandêmico, que face ao confinamento se sentem
obrigadas a dividirem as atividades domésticas com suas mães. Com isto
elas precisam equilibrar-se diante das diversas facetas que exigem o papel
social destinado a elas. Fato evidente no gráfico que se segue:

626 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Gráfico 3 – Participação nos trabalhos domésticos

Fonte: dados coletados pela pesquisadora (2020)

Através da demonstração gráfica compreende-se que são as


mulheres que executam a tarefa de manter a casa limpa, a comida feita e
tudo que envolve cuidados com o lar que é dividido com a mãe, ao passo
que se precisam cumprir com as tarefas domésticas comprometendo o
aprendizado, visto que necessitam do contraturno para estudarem, e é neste
período matutino que aparecem mais atividades no lar, não esquivando os
outros turnos também.
Coadunando com este momento, Perez (2001) estabelece que as
mulheres, ao ficarem recatadas no lar e ao homem à tarefa de manutenção
dos alimentos e provisão financeira, elas foram condicionadas a exercerem
todos os papéis domésticos sendo responsáveis pela maioria das horas
trabalhadas:

[...] as mulheres, generosamente, cuidam das crianças, dos idosos, dos


enfermos, desdobrando-se em múltiplos papeis. Esquecidas de si mesmas,
acabam por postergar um debate que se faz urgente: a divisão desigual das
responsabilidades da família, a injustiça de sozinha, ter de dar conta de um
trabalho de que todos usufruem (PEREZ, 2001, p.51).

Estabelecer esta divisão de trabalho, bem como a jornada e definir


quem iria executá-lo foi uma conseqüência dependiosa da “fragilidade”
feminina, ao passo que deveria ficar em casa protegida, cabendo ao homem

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 627


o sustento, deu vazão a toda conjuntura de servidão doméstica. No intuito
de confirmar ainda mais a desigualdade social entre gêneros e esclarecendo
quem tem o inteiro domínio da situação, a tabela abaixo explicita mais
detalhes:

Tabela 1 – Familiares e colaboração com as atividades domésticas


ALUNOS QUANTIDADE DE COLABORAÇÃO NAS
FAMILIARES ATIVIDADES DOMÉSTICAS
ALUNA 01 03 02
ALUNA 02 04 02
ALUNA 03 05 05
ALUNA 04 14 02
ALUNA 05 05 02
ALUNA 06 07 04
ALUNA 07 02 02
ALUNO 08 04 02
ALUNA 09 06 03
Fonte: dados coletados pela pesquisadora (2020)

Nota-se nesta tabela a massiva participação feminina na colaboração


das atividades domésticas, mesmo que dentro de casa haja outros familiares
presentes, o que não é um fator de diminuição de atividades, mas pelo
contrário elas aumentam a proporção em que o número de familiares é
frequente. De acordo com Vieira, Garcia e Maciel (2020):

A desigual divisão de tarefas domésticas, que sobrecarrega especialmente


as mulheres casadas e com filhos, comprova como o ambiente do lar é
mais uma esfera do exercício de poder masculino. Na maioria das vezes,
a presença dos homens em casa não significa cooperação ou distribuição
mais harmônica das tarefas entre toda a família, mas sim o aumento do
trabalho invisível e não remunerado das mulheres. Durante o isolamento
social, seja em regime de home office, seja na busca pela manutenção de
uma fonte de renda no trabalho informal, o trabalho doméstico não dá
folga. Pelo contrário, aumenta à medida que há mais pessoas passando mais
tempo em casa (VIEIRA; GARCIA; MACIEL, 2020, p. 3).

628 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Autores contemporâneos confirmam a ideia de que existe o poder
masculino sobre o feminino quando dividem o mesmo espaço físico-
estrutural. E acrescentam que a presença dos homens permanente dentro
dos lares aumenta o trabalho invisível e não remunerado das mulheres, e
o trabalho sobrecarrega ainda mais quando estas são casadas e com filhos.
Neste contexto, além de cumprirem com as atividades do lar, existem
mulheres que lidam com os trabalhos de fora, home Office, como exemplo
professoras, palestrantes, vendedoras, marketing digital e outras profissões
que podem ser feitas em casa diante desta pandemia. Há ainda outro
público que são aquelas que precisam lidar com todas estas funções e ainda
estudarem.
Desta maneira, esta carga estabelecida às estudantes compromete os
estudos e impregnam a ideologia da desigualdade nas relações de gêneros,
uma vez que se sentem obrigadas a assumirem papéis que poderiam ser
distribuídos igualmente evitando a sobrecarga de trabalho e esse abismo
que separa as relações de gêneros nos mais variados aspectos quer sejam
econômicos, culturais, políticos ou sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A possibilidade de pensar sobre as situações enfrentadas por


mulheres na conjuntura da pandemia em detrimento a tantas atividades
a executar dentro do lar e fora dele, no contexto de uma disciplina de
prática curricular, demonstra a importância de se trabalhar as questões
de desigualdades de gêneros que ainda são muito marcantes e exercitar a
dimensão prática no curso de graduação antes de efetivar a profissão em si.
Induz despertar olhares diferenciados para as causas sociais que são
emergentes e que necessitam de intervenções gradativamente, para isto
com aportes teóricos fundamentados inserir na sociedade estas percepções
que muitas vezes se tornam invisíveis pela falta de conhecimento. É
preciso relativizar, sair do poder de fala e dar a esse público condições
de sobressaírem de um discurso marginalizado e serem atuantes de suas
próprias histórias.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 629


A compreensão de ser mulher no contexto pandêmico é, pois está
imerso num emaranhado de sentimentos que exigem várias habilidades e
manejos em lidar com as mais diversas situações. E, ainda, contar com os
silêncios e as vozes renegadas diante de um pedido de ajuda, ou mesmo
serem invisibilizadas, ou viverem de forma submissa ao poderio masculino
por relações conflituosas para que haja sua satisfação em detrimento da
diminuição da identidade feminina, ora já conquistada com muitas lutas e
sofrimentos no decorrer da história.
Os desafios tidos frente a esta realidade compactuam com um
universo de extremas desigualdades, não raro é ver mulheres em situações
humilhantes, trabalhos com salários mais baixos, profissões que dependem
da afirmação masculina para exercerem determinados papéis como se a
todo o momento dependessem do homem para aprovarem seu desenvolver
na estrutura social e ainda nas tomadas de decisões quer sejam num traje,
corte de cabelo ou modo de ser.
Nos relatos destes alunos pode-se perceber que ainda existem
desigualdades nas relações de gêneros, principalmente no que tange a
divisão de tarefas domésticas. Uma vez que se pensara ter vencido estas
lutas na história da humanidade, elas ainda são presentes no contexto
atual. Portanto, as instituições de ensino devem desmitificar a atenuante
desigualdade de gênero sob todos os aspectos e construir políticas
afirmativas que enfrentem esta crucial divisão propondo marcos diferentes
na vida de mulheres invisibilizadas socialmente.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 2ª.ed. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil
1998. Tradução Fernando Tomaz (Português de Portugal).

BRASIL. Portaria nº 356, de 11 de março de 2020. Disponível em: https://www.


in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-356-de-11-de-marco-de-2020-247538346.
Acesso em 23 jul 2021.

630 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


COSTA, Patrícia Rosalba Salvador Moura. Violências Contra Mulheres em Tempos
de Covid-19. In: GROSSI, Miriam Pillar. TONIOL, Rodrigo (organizadores).
Cientistas Sociais e o Coronavírus. São Paulo: ANPOCS, Florianópolis: Tribo da
Ilha, 2020. p. 252-255.

LACERDA, Ana; RAMALHO, Laís. Guia de Pesquisa na quarentena: obstáculos


e possibilidades para as Ciências Humanas e Sociais em isolamento social.
Laboratório de Humanidades Digitais (dhlab) da PUC-Rio e Laboratório de
Metodologia (LabMet) do Instituto de Relações Internacionais (IRI)/PUC-Rio.
2020.

MELO, Hildete Pereira de. A vida das mulheres em tempos de pandemia. Abril
2020 Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/16797.pdf.
Acesso em 30 mar 2021.

PEREZ, Lícia. Os desafios para o século XXI. In: GALEAZZI, I.M.S. (org) Mulher
e Trabalho. Publicação Especial do Convênio da Pesquisa e Desemprego na Região
Metropolitana de Porto Alegre (PEDRMPA) v. 1, 2001. p. 51-53.

SEDUC. PORTARIA N° 506, de 30 de março de 2020. Disponível em:https://www.


educacao.ma.gov.br/files/2020/03/Portaria-n%C2%BA-506-2020-Regulamenta-
Resolu%C3%A7%C3%A3o-CEE-n%C2%BA-94-2020.pdf. Acesso em 26 jul 2021.

VIEIRA, Pâmela Rocha. GARCIA, Leila Posenato. MACIEL, Ethel Leonor Noia.
Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela?
Rev. Bras. Epidemiol. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepid/a/
tqcyvQhqQyjtQM3hXRywsTn/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 02 abr 2021.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 631


FESTEJO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS: MANIFESTAÇÕES
CULTURAIS E ORGANIZAÇÃO SOCIAL SANTARITENSE

Emanuelle de Maria Launé Santana1


Érica Henrique Costa2
Jaciene Rocha Costa3
Lorrana Kaline Mendes Campos4
Nilcilene Muniz dos Santos5
Mary Joice Paranaguá Rios Rodrigues6

INTRODUÇÃO

O presente trabalho está vinculado ao Programa Ensinar curso de


Letras - Licenciatura, da Universidade Estadual do Maranhão, na linha de
pesquisa Manifestações Culturais e Organização Social Santaritense - Festejo
do Sagrado Coração de Jesus (Carema), que tem seu surgimento através de
uma promessa e hoje é tradição para comunidade de Santa Rita, durando
mais de 80 anos.
Esta pesquisa norteia seu objetivo geral, em buscar na história do
festejo, o surgimento e sua importância cultural e social; caracterizando-
1
Graduanda em Letras Licenciatura Língua Portuguesa, Língua Inglesa e suas Literaturas do Programa
de Formação de Professores – ENSINAR da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Contato:
emanuellesantana@aluno.uema.br
2
Graduanda em Letras Licenciatura Língua Portuguesa, Língua Inglesa e suas Literaturas do Programa
de Formação de Professores – ENSINAR da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Contato:
ericacista2@aluno.uema.br
3
Graduanda em Letras Licenciatura Língua Portuguesa, Língua Inglesa e suas Literaturas do Programa
de Formação de Professores – ENSINAR da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Contato:
jacienecosta@aluno.uema.br
4
Graduanda em Letras Licenciatura Língua Portuguesa, Língua Inglesa e suas Literaturas do Programa
de Formação de Professores – ENSINAR da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Contato:
lorranacampos@aluno.uema.br
5
Graduanda em Letras Licenciatura Língua Portuguesa, Língua Inglesa e suas Literaturas do Programa
de Formação de Professores – ENSINAR da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Contato:
nilcilenesantos@aluno.uema.br
6
Professora da Universidade Estadual do Maranhão UEMA. Diretora dos Cursos de Letras/CECEN/
UEMA e Diretora do Curso de Letras do Programa de Formação de Professores – ENSINAR/UEMA.
Coordenadora da Escola de Aplicação UEMA/SEDUC. Doutoranda em Ciências da Educação pela
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa. Contato: maryriosmary@hotmail.com

632 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


se, metodologicamente, como uma pesquisa de campo com abordagem
exploratória, do tipo de estudo de caso etnográfico. Os métodos utilizados
para a produção de dados foram: levantamento bibliográfico, uso de
diferentes fontes primárias, entrevistas semiestruturadas com membros
da comunidade. A análise dos dados foi do tipo interpretativo, baseado na
noção de descrição. As categorias teóricas centrais utilizadas neste trabalho
foram: “Areias de Santa Rita” (OLIVEIRA, 2017) e “O Sagrado Coração de
Jesus.” (MUNIZ, 2017).
Para compreender o histórico de Santa Rita - MA, pode-se orientar
através da Lei Federal nº 1.329 de 1905, a construção da estrada de ferro
São Luís-Teresina, a qual foi responsável por impulsionar nossa produção
agrícola e facilitar seu escoamento. [...] Foi devido à intensificação das
obras que o povoamento ao longo da linha férrea aumentou [...] (MUNIZ,
2017, s/p); surgindo assim o bairro Carema, que é pertencente à cidade de
Santa Rita do Estado do Maranhão.
Na mesma época do início da construção da estrada de ferro São
Luís - Terezina, algumas famílias se mudaram para o bairro Carema, assim
como José Bonifácio Muniz e sua esposa Hormígida Cabral Muniz que
também se estabeleceram na comunidade. (MUNIZ, 2019).

Dos oito filhos que tiveram, quatro já haviam nascido com grande dificuldade
e muitas dores [...]. Após engravidar do quinto filho em 1938, D. Hormígida
se entregou de vez à fé no Sagrado Coração de Jesus e fez a promessa de
que se tivesse um parto normal e sem grandes dores, todos os anos lhe
renderia homenagem mandando celebrar uma missa na capela que haveria
de construir e fariam uma grande Festa. Suas preces foram atendidas. [...].
Começava assim uma tradição que em 2019 (quando atualizo este texto
escrito em 2017) alcança 80 (oitenta anos) anos. Sempre no último sábado
do mês de julho o Povoado Carema, edificado às margens da Ferrovia São
Luís-Teresina, no município maranhense de Santa Rita, recebe o maior
evento religioso da região, o festejo em homenagem ao Sagrado Coração de
Jesus. (MUNIZ, 2019, s/p).

Em busca de identificar, neste trabalho, as origens das manifestações


culturais da cidade de Santa Rita, procurando investigar os aspectos

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 633


históricos e culturais de sua comunidade; apresenta-se uma perspectiva
de pesquisa de campo, incluindo a isso, o planejamento, a execução e sua
finalização. A ida ao campo ocorreu no período de novembro de 2019 e
foi concluída em novembro do mesmo ano, no bairro Carema; localizado
na cidade de Santa Rita. O estudo em questão envolveu a família Muniz e
parte da população idosa residente do bairro Carema, sendo que os dados
foram coletados através de entrevistas com a utilização de questionários.
A pesquisa desenvolveu-se a partir destes questionamentos:
Como surgiu festejo do Sagrado Coração de Jesus (Festejo de Carema)?
Qual a importância desse festejo para a localidade? Como a estação
ferroviária contribuiu para a comunidade e para o festejo? Entre outros
questionamentos. Todos esses surgiram com a finalidade de obter respostas
a tais perguntas, buscando melhorar o entendimento da história dessa
manifestação cultural.
Posto isso, o festejo do Sagrado Coração de Jesus, que a princípio
era algo restrito tão somente de uma família; com o passar de alguns
anos considerou a necessidade de um local maior para participação da
comunidade nos eventos religiosos, ocorrendo assim à construção de uma
igreja no lugar da capela.
Juntamente com a maior participação da comunidade, surgiram
as vendas de comidas típicas em barracas ao redor da igreja, que só
aumentavam a cada ano. Em um dado momento, inicia-se um inchaço no
local, no qual as proximidades da igreja não têm mais espaços suficientes
ao grande quantitativo de barraqueiros, dando-se a mudança de local do
evento festivo.
Durante os 9 (nove) dias do mês de julho são realizadas novenas
diárias (onde acontece no último sábado do referido mês), batizados e
procissão. Ocorre também o ponto alto do evento, que é concretizado em
“uma grande arena de show com capacidade para mais de 30 mil pessoas”.
(MUNIZ, 2017).
Com base nessas informações, analisar a importância da
manifestação cultural de Carema, e como esse movimento está organizado
socialmente na comunidade e no município de Santa Rita, é compreender
a origem de um povo; de uma cultura idetitária. A partir do relato da

634 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


origem histórica do movimento cultural de Carema (O Festejo do Sagrado
Coração de Jesus), verificam-se os elementos que estão presentes na sua
formação e os motivos que transformaram esta data em festa religiosa
marcante. É imprescindível a análise dos motivos que separam a festa
religiosa da dançante, identificando como essas exteriorizações culturais
influenciam historicamente e economicamente na comunidade de Carema
e, igualmente, no município de Santa Rita do Maranhão.
Assim, este artigo está organizado da seguinte forma: primeiramente,
a introdução, que descreve em relação a esta pesquisa, as motivações, as
origens dos problemas, as questões e os objetivos, que levaram ao interesse
de desvelar o festejo. A posteriori, os suportes teóricos e bases históricas;
que oferecem apontamentos e fundamentos aos argumentos trazidos neste
estudo. A metodologia, que detalha sobre o passo a passo da coleta de
dados. Depois os resultados, considerações e discussões sobre os achados
em campo.
Expõem-se os dados obtidos pela comunidade de Carema e
município de Santa Rita do Maranhão. Após, relata-se o motivo da
alteração de data do festejo em 2018; o início e fim da participação da igreja
na lucratividade. A partir disso, são coletados e descritos, registros do
início do festejo, findando-se com as considerações finais, que registram os
principais resultados obtidos e as contribuições esperadas por esta pesquisa.
As referências das literaturas lidas e analisadas são citadas e ademais,
colocaram-se apêndices com questionários, usados no levantamento de
informações.

SUPORTES TEÓRICOS E BASES HISTÓRICAS

“Quando os portugueses aqui chegaram, no início do século XV, estas


terras já eram habitadas por várias nações indígenas, com seus hábitos, sua
cultura e sua fé”. (MARVÃO, 2002, s/p). Segundo Oliveira (2017), muitas
comunidades maranhenses existem desde os primórdios da colonização
europeia, mas antes dessa origem e da africana, também, já existiam na
região uma grande população indígena.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 635


[...] as margens do rio Itapecuru eram cercadas por aldeias de índios das
mais diversas tribos: tupis, gês, tapuyos, caicazes, uruatis...sobre essas etnias,
alguns moradores de Areias relatam que chegaram a conhecer, por volta
dos anos sessenta do século passado, residindo na povoação uma senhora
conhecida como Raimunda Tapuya e que esta relatava, que a aldeia de sua
família ficava localizada nas margens do Igarapé Caremas [...]. (OLIVEIRA,
2017, p. 13).

Os primeiros moradores do município de Santa Rita do Maranhão


vieram de Itapecuru- Mirim, onde formaram pequenas vilas de pescadores
nas margens do rio Itapecuru, entre elas o povoado de Areias. Outros
tantos vieram por mar, chegados da Europa, desembarcaram no Porto das
Gabarras, localizado entre os municípios de Rosário e Anajatuba, fixaram
residência. Com o aumento da população, as pessoas foram adentrando
as matas da região e formaram novos povoados. “Em 1920 a Ferrovia São
Luís- Teresina foi finalmente inaugurada, após 20 anos de espera [...]”
(OLIVEIRA, 2017, p. 28).
Com a construção da ferrovia, houve maior crescimento
populacional na região, a formação de vilas de operários às margens de
ferrovia, constituídas das mais importantes para a formação do município
Santa Rita, que são Carema, Cajueiro e Recurso. (MARVÃO, 2002).
Entre essas vilas as margens da Ferrovia São Luís - Teresina, Carema
foi umas das que mais se destacaram no setor econômico. Diante disso,
através das pesquisas de documentos e relatos do povoamento dessa
região, mostrou-se que povos indígenas, europeus e dos negros trazidos da
África, contribuíram para as práticas culturais e saberes tradicionais que
representam a herança do município de Santa Rita, em específico Carema.
O município Santa Rita, o qual comunidade Carema está localizada,
é rico em manifestações culturais, onde os modos de viver tradicionais
ainda são muito presentes. Dessa forma, uma das manifestações culturais
preservada em Carema são os festejos religiosos, representados pelas festas
de devoção aos santos católicos. Esses festejos são cobertos de um caráter
sagrado e ao mesmo tempo profano, visíveis na religiosidade, nas danças,

636 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


comidas e bebidas, elementos que fazem parte do meio de relações de
trocas e da construção de intimidade com os santos.
As manifestações apresentam características relacionadas a um
povo de uma determinada região, que se reconhecem a partir da relação
que estabelecem com a terra, em um espaço que se misturam parentesco,
território, ancestralidade e práticas culturais específicas. Assim, Carema
- Santa Rita, manifesta-se expondo sua cultura e tradições religiosas para
demarcar sua identidade diante dos demais povos maranhenses.
Segundo Oliveira (2017), as primeiras famílias a residir na região
de Areias, povoado próximo a comunidade Carema; foram Guilhon,
Cerqueira, Sousa, Martins, Muniz, Alves e Carvalho. Ao longo do
tempo, essas famílias foram formando sua identidade local, através de
seus costumes e religiosidade. De acordo com relatos de moradores da
comunidade Carema, a família Muniz teve grande influência na origem do
Festejo de Carema, pois através de uma promessa feita por D. Hormígida
Muniz ao santo Sagrado Coração de Jesus, foi dado início a festividade da
Religião Católica, que no começo era somente uma celebração familiar e
depois passou ter participação de grande parte da comunidade.

METODOLOGIA

Este artigo teve por finalidade realizar uma pesquisa aplicada, uma
vez que utilizou conhecimento da pesquisa fundamental para resolver
problemas. Para um melhor tratamento dos objetivos e melhor apreciação
deste trabalho, observou-se que é classificado como pesquisa exploratória.
Mesmo assim, foi necessária a utilização de pesquisas bibliográficas, no
momento em que se fez uso de materiais já elaborados: livros, artigos
científicos, revistas, documentos eletrônicos; enciclopédias na busca e
alocação de conhecimento sobre os motivos que geram a participação da
comunidade no festejo religioso do Sagrado Coração de Jesus (Carema),
correlacionando tal conhecimento com abordagens já trabalhadas por
outros autores.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 637


A abordagem do tratamento da coleta de dados da pesquisa
documental foi qualitativa, pois se buscou fonte direta para coleta de dados,
interpretação de fenômenos e atribuição de significados por meio da opinião
dos entrevistados com questões abertas. O problema direcionou a pesquisa
com o propósito na área da importância do festejo para a comunidade
de Carema, a história do seu surgimento e o que motivou a separação do
festejo Sagrado Coração de Jesus da festa dançante. Os questionários foram
produzidos com a finalidade de buscar informações sobre a origem do
festejo em Santa Rita e na comunidade Carema.
O presente trabalho tem como objetivo geral apresentar a
compreensão dos motivos que geram a participação da comunidade nos
festejos religiosos; auxiliando na percepção sobre o consumo de bebida
alcoólica nestes eventos, com a finalidade de resguardar as tradições
culturais que deram origem as manifestações religiosas no munícipio de
Santa Rita do Maranhão.

RESULTADOS: CONSIDERAÇÕES E DISCUSSÕES

Desde a chegada dos portugueses na costa brasileira, há registros de


festividades religiosas e devoção aos santos católicos. Tendo em vista, que a
construção de uma cultura está repleta de elementos e significados que vão
identificar esse povo como pertencente a uma determinada comunidade ou
região, assim, diferenciando-os de outras comunidades, surge a formação
de uma identidade cultural.
Diante disso, moradores da comunidade Carema, desde muitos anos,
passam de uma geração a outra a tradição do ato de fé em agradecer suas
graças recebidas por meio de festas religiosas, missas, procissões, novenas,
bailes e batizados. A família Muniz, já citada anteriormente, inicia o festejo;
pois prometeu agradecer ao santo sagrado coração de Jesus todos os anos
pela graça atendida (a família até hoje reside em Carema).
As primeiras missas ocorreram em uma capela da família, a qual
fizera a promessa; ou seja, os moradores eram somente convidados. A
organização da missa que acontecia no festejo era sempre organizada por

638 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Homírgida Cabral Muniz. Ao passar dos anos, com a ajuda da comunidade,
foi construída a capela de Carema e a partir de então, a missa passou a
ser celebrada na igreja católica com a organização de alguns moradores
também.
Assim, o festejo começa a deixar de ser mais reservado e desenvolve-se
com o envolvimento de outras pessoas, tornando-se um evento tradicional
local. As festividades aconteciam sempre após as celebrações religiosas no
próprio largo da igreja, como: parques de diversões, festa social de cantores
e banda local. Esse evento era sempre gratuito para todos que quisessem
prestigiar a festividade da localidade.

A festa é uma prática social que faz parte do cotidiano das pessoas desde
os tempos mais remotos da humanidade. No Brasil, se transformou em
referência cultural nacional, uma vez que festejamos para pedir proteção,
para celebrar a vida em agradecimento às bênçãos recebidas e, também,
comemoramos nascimentos, batizados, casamentos, aniversários, novas
conquistas, dentre outras formas de expressão festiva e devocional.
(IBRAHIM KATRIB, 2016, p. 28-29).

Um dos aspectos observados nos festejos é o poder de socialização


que essa festa traz aos moradores, pois há um grande fluxo de pessoas das
comunidades próximas, outras cidades e até outros estados, além de haver a
mistura de culturas para complementar o evento. Essa última característica
do festejo é de fundamental importância para a comunidade caremense e
também aos moradores mais antigos. Através de relatos de algumas pessoas
que residem há bastante tempo no bairro, afirmam que esses valores e a
mistura de cultura são de grande relevância para uma população.

Desde criança participo desse festejo e antes a igreja recebia convidados


santos para participar da festividade do Sagrado Coração de Jesus. E um
dos convidados era o São Benedito da casa do forno, esse ficava durante
todo o festejo e depois voltava para seu lugar de origem. (Maria Telma,
Relato colhido em 14 de novembro de 2019)7.
7
Depoimento colhido presencialmente de uma moradora Maria Telma, do Bairro Carema, no dia 14 de
novembro de 2019, coletado por autoras do artigo).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 639


O São Benedito da casa do forno é um santo de cultura africana,
conhecido como “o santo protetor dos negros”, dessa forma a dança
tambor de crioula está ligada diretamente ao santo, já que há relatos que
a manifestação se originou para a devoção ao consagrado e essa cultura
também faz parte da comunidade de Carema, pois essa expressão cultural
pertence a todo o estado desde a sua colonização. Após as festividades
religiosas, acontece à festa social, uma tradição que faz parte de todos os
festejos da região.
Essa festa iniciou no quintal da família, depois passou a acontecer
no largo da igreja católica; tempos depois passou a acontecer na rua
devido à grande quantidade de pessoas. Mas no ano de 2009, por questões
de segurança, deixou de ser na rua e passou a ser em uma arena Club
Caremense, próxima à igreja. (Informações obtidas de um membro da
família Muniz e participante do evento católico, moradora do Bairro
Carema, coletados em novembro de 2019).
Segundo relatos de moradores e participantes da organização do
evento (14 de novembro de 2019) a festa social tomou uma grande dimensão
que começou a ser uma extraordinária atração econômica para Carema e
todo o município. De acordo com a pesquisa realizada (14 de novembro
2019), alguns comerciantes relataram que quando ocorre o festejo de
Carema é o período que mais faturam. O festejo também traz benefícios
para a estrutura física da comunidade, pois como recebem muitos visitantes
nesse período, a gestão municipal investe na acessibilidade das ruas para
atender melhor o grande número de pessoas.
Dessa forma, os organizadores da festa social perceberam a
importância de mostrar a diversidade cultural presente no local, como
forma de deixar claro aos visitantes a identidade da comunidade. Assim,
durante a semana, segundo relatos colhidos no bairro de Carema, em
14 de novembro de 2019, de um dos organizadores da festa, nos últimos
anos passou a existir a noite cultural do festejo e nessa ocasião há diversas
apresentações de danças, como: bumba boi, tambor de crioula, dança
country, quadrilha, dança portuguesa e cacuriá. Enriquecido por diversas
modalidades de apresentação, o festejo atrai um maior número de público.

640 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Nesse sentido, a pesquisa permitiu perceber o que movimenta e
sustenta essa prática cultural de Carema, que é a necessidade de recriação
de mecanismo para manter viva a tradição desse grupo social sem perder a
sua identidade. A coleta de dados da pesquisa foi aplicada aos moradores da
comunidade de Carema e município, idosos e integrantes da família Muniz
(14 de novembro de 2019). Esses foram os grupos prioritários pesquisados,
por possuir mais representatividade para o desenvolvimento e aplicação
dos questionários.
Muitas informações obtidas tiveram consenso entre si, tendo
em vista que a pesquisa foi feita de forma individual, através de 3 (três)
tipos de questionários como instrumento de levantamento de dados de
forma presencial. Salienta-se ainda, que para resguardar a identidade
dos participantes, neste artigo, todos são identificados por informantes
da família Muniz, informantes da comunidade; município e informantes
membros da igreja de Carema.

DADOS OBTIDOS PELA COMUNIDADE DE CAREMA E MUNICÍPIO

Os moradores que respoderam ao questionário sobre a manifestação


cultural, o festejo de Carema (O Sagrado Coração de Jesus), eram
participantes com divisão de 50% do sexo masculino e 50 % do sexo
feminino. Ao serem solicitados para responderem com sim, não ou bem
pouco, sobre seu conhecimento da origem do festejo de Carema, os dados
obtidos revelam que 27% conhecem bem pouco, 72% não conhecem e 0%
conhecem. (Pesquisa feita pelo grupo, na cidade de Santa Rita/Centro, nas
datas de 14 a 28 de novembro de 2019).
A participação efetiva da população no festejo de Carema revela
que 63% participam bem pouco, 9% participam e 27% não participam. A
opinião da população do município a respeito do aumento do movimento
da economia da cidade na época que ocorre o festejo: 18% bem pouco, 81%
sim e 0% não. (Dados obtidos pelo grupo e pesquisadores desse artigo, na
cidade de Santa Rita/Centro, nas datas de 14 a 28 de novembro de 2019).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 641


Diante do que foi apresentado, pode-se confirmar que a maioria da
população santarritense, possui pouquíssimo conhecimento da origem
do festejo de O Sagrado Coração de Jesus - Carema, a participação dessa
população durante os 9 (nove) dias do festejo é razoável e em grande
parte concordam que o festejo movimenta a economia da cidade. Assim,
os lojistas locais podem confirmar o aumento das vendas nesse período,
além da presença de outro setor muito lucrativo que é a concentração de
barracas no local da festa social.
Os comerciantes trabalham intensamente durante os 9 (nove) dias
de festejo, por isso determinaram um dia após a conclusão das festividades
para comemorarem a finalização, momento que ficou conhecido como “A
festa dos barraqueiros”. Dessa maneira, a economia também se torna mais
ampla durante o festejo, devido a grande participação de pessoas vindas de
outras cidades e estados, de acordo com relato de uma moradora do bairro
de Carema, muitas pessoas dessa comunidade têm familiares em outras
partes do país e escolhem o período do festejo para rever a família, amigos
e participar da comemoração católica.
Na coleta de informações de alguns membros da igreja - O Sagrado
Coração de Jesus em Carema – (realizadas em novembro do ano de 2019)
buscou-se responder questões como: O que motivou a mudança da data
do festejo no ano de 2018? Qual a participação da igreja na lucratividade
do festejo? A igreja possui algum registro do início do festejo em Carema?

MOTIVO DA ALTERAÇÃO DE DATA DO FESTEJO EM 2018

De acordo com os membros da igreja católica de Santa Rita, segundo


informações colhidas no dia 14 de novembro de 2019, por membros do
grupo autor desse artigo, o festejo religioso - O Sagrado Coração de Jesus,
não estava sendo comemorado conforme o calendário do culto religioso
da igreja, período esse em que ocorrem cerimônias, festas e solenidades no
catolicismo.
A ideia inicial era começar as missas desde a data de Corpus Christi
(11 de junho), até o festejo (O Sagrado Coração de Jesus) de Carema (27 de

642 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


junho), segundo o calendário litúrgico, como ocorreu no ano 2018, com o
apoio da comunidade. A família Muniz responsável pelo festejo procurou o
padre responsável pela paróquia da cidade para mudar a data novamente,
pois segundo relatos de um dos familiares da família Muniz, a participação
das pessoas diminuiu devido a mudança de data, o que poderia acabar com
esse evento que já vinha acontecendo há mais de 8 (oito) décadas. O Padre
solicitou para que eles procurassem a população e todos juntos decidissem
a melhor forma. O grupo de pessoas procuradas concordou com a mudança
e fizeram um abaixo assinado autentificado em cartório, que alterava a data
do festejo para antiga, de 19 a 27 de julho.
No início do festejo, o lucro era dividido para igreja e a família. Com
o passar dos anos e por conta do aumento dos participantes, a festa social
passou a ser alheia as festividades da igreja. Sendo assim, a instituição
religiosa recebe apenas doações dos fiéis da região e de vendas de comidas
durante o festejo. (Informações obtidas por moradores entrevistados e
também pelo Padre da paróquia de Santa Rita, em Santa Rita, Ma, no dia
14 de novembro de 2019). 8
Apenas em 1978, a igreja de Santa Rita (Santa Rita de Cássia) se
tornou paróquia, assumindo apenas registros de batizados referentes ao
município de Santa Rita do Maranhão. Portanto, não há nenhum registro
histórico do festejo de Carema até então. (Informações obtidas pela
secretária da paróquia de Santa Rita e moradora do bairro de Carema
entrevistadas de modo presencial, em Carema/Santa Rita, Ma, no dia 14 de
novembro de 2019).9

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta pesquisa foi analisar a importância de uma das


principais manifestações culturais da comunidade Carema e como esse
movimento está organizado socialmente no município de Santa Rita.
Referente ao dito, a problemática que impulsionou o artigo, foi à mudança

8
Participação da igreja na lucratividade do festejo
9
Registros do início do festejo

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 643


de data da festa religiosa do Sagrado Coração de Jesus para o mês de junho,
um mês antes de quando ocorria a festa social, que justamente acontecia na
data anterior por ser o mês em que se concretizou a promessa da Família
que originou o festejo.
Ao terminar a pesquisa, foi observado que o movimento cultural - O
Festejo do Sagrado Coração de Jesus tem grande aceitação da comunidade
Carema e município de Santa Rita. Assim, através do estudo realizado foi
possível determinar que além da socialização entre famílias e amigos, o
evento proporciona uma influência significativa nas lucratividades dos
comerciantes da comunidade de Carema e município de Santa Rita.
É possível identificar, também, que os motivos que levaram a
mudança de data do festejo foram apenas uma organização do calendário
festivo da igreja católica e depois; através de reuniões com a comunidade
entrou-se em um acordo e fizeram um documento em cartório registrando
a data do festejo para o último fim de semana do mês de julho, como já
ocorria há anos.
Assim, a análise final da pesquisa, foi que a separação da festa
religiosa da festa social poderia acabar com a tradição do evento e em
termos culturais é de fundamental importância à valorização do festejo
como manifestação identitária da comunidade em questão, para que as
pessoas desse grupo reconheçam sua terra e tradição com orgulho.

REFERÊNCIAS

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Brasileiro de 2010.


Rio de Janeiro: IBGE, 2012. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ma/
santa-rita/panorama. Acesso em: 12 nov 2019

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das práticas festivo-devocionais na área de abrangência da Usina Serra do Facão
- Goiás/Minas Gerais. Revista Brasileira de História das Religiões, 2016. Vol.24
Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/RbhrAnpuh/article/
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644 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


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Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 645


O IMPACTO DA PANDEMIA DA COVID-19 NA SAÚDE MENTAL
DOS ESTUDANTES DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UEMA

Maria Fernanda Souza Gonzaga1


Maria Eduarda Reis 2
Carlos Daniel Trindade3
Rosidete Lopes4
José Antonio Ribeiro de Carvalho5

A QUESTÃO DE PESQUISA

O trabalho investigativo “O impacto da pandemia da Covid-19 na


saúde mental dos estudantes do curso de Ciências Sociais da UEMA”delimitou
como sujeitos da pesquisa os discentes do curso de Ciências Sociais da
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), englobando licenciatura
(matutino/noturno) e bacharelado (matutino).
O trabalho surgiu da compreensão de que a educação foi uma
das áreas mais prejudicadas pela pandemia da Covid-19 no Brasil. Com
a impossibilidade de realizar ensino presencial, o ensino remoto foi
adotado para minorar as complicações e atrasos no ano letivo acadêmico.
A exaustão causada pelo medo da doença, o luto por vidas perdidas e o
desassossego com a imprevisibilidade do futuro atingiram grande parcela
da sociedade brasileira. No caso dos educandos, esse sentimento de
incerteza era potencializado pela possibilidade do não aproveitamento do
conteúdo pedagógico e pelo receio de perder o ano letivo, contribuindo
para estimular negativamente a saúde mental dos estudantes.

1
Graduada em Ciências Sociais – Licenciatura pela Universidade Estadual do Maranhão; Contato:
mfernandagonzaga@gmail.com
2
Graduanda do 5º período do curso de Ciências Sociais – Licenciatura pela Universidade Estadual do
Maranhão; Contato: reism1067@gmail.com
3
Graduando do 5º período do curso de Ciências Sociais – Licenciatura pela Universidade Estadual do
Maranhão; Contato: pereira.danieltrindade@gmail.com
4
Graduanda do 5º período do curso de Ciências Sociais – Licenciatura pela Universidade Estadual do
Maranhão. Contato: rosamermaind@gmail.com
5
Professor do Departamento de Ciências Sociais – DCS/UEMA, Componente Currícular de Prática na
Dimensão Educacional. Contato: josearc5@yahoo.com.br111

646 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


De acordo com dados do Ministério da Saúde (2020), o Brasil
possui 4.915.289 casos confirmados e 146.352 mortes pela Covid-19. Já em
estatísticas globais, divulgadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
o país é o terceiro mais atingido pela doença em número de casos e óbitos
(VEJA, 2020). Enquanto no Maranhão, segundo dados do Ministério da
Saúde, foram mapeados 176.283 e identificadas 3.817 mortes, com uma
taxa de letalidade de 4,8%, o estado encontra-se em 11º lugar no ranking
dos mais atingidos pela pandemia do vírus Sars-cov-2. (Ministério da
Saúde, 2020).
De acordo com as recomendações gerais de “Saúde Mental e Atenção
Psicossocial na Pandemia Covid-19” (2020), da Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ), avalia-se;

Que entre um terço e metade da população exposta a uma epidemia pode vir
a sofrer alguma manifestação psicopatológica, caso não seja feita nenhuma
intervenção de cuidado específico para as reações e sintomas manifestados.
Os fatores que influenciam o impacto psicossocial estão relacionados a
magnitude da epidemia e o grau de vulnerabilidade em que a pessoa se
encontra exposta no momento. (FIOCRUZ, 2020).

Vincula-se ao panorama da pandemia, o aumento de problemas


psicológicos na comunidade estudantil observado em todo o país por
entidades universitárias, demonstrando que essa parcela da população
estaria mais suscetível a patologias psicológicas, devido ao estresse e às
exigências do Ensino Superior. Portanto, foi necessário dimensionar, de
forma delimitada, o impacto da pandemia no cotidiano e na saúde mental
da comunidade do curso de Ciências Sociais (UEMA).

HIPÓTESE

Nesta pesquisa, buscou-se compreender como os discentes do curso


de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) estão
lidando com as consequências da pandemia para a saúde mental. Quais

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 647


as implicações do ensino remoto na saúde mental dos discentes durante
a pandemia? Havia relação entre um possível agravamento de problemas
psicológicos na pandemia e os índices de evasão do curso de Ciências
Sociais no período de 2020.1?
Devido ao panorama social estabelecido pela pandemia do Sars-
cov-2 (COVID-19) com repercussões nas dimensões econômicas, sociais e
afetivas, bem como através de estatísticas obtidas na literatura especializada
que apontam a necessidade imperativa de ações de saúde fisiológica e
psicológica em contextos de grandes crises humanitárias. Dessa forma, é
fundamental identificar impactos, tendências e mudanças na saúde mental
dos estudantes do curso de Ciências Sociais da UEMA, em virtude dos
efeitos do isolamento social e de todo contexto gerado pela pandemia
causada pela pandemia da Covid-19. Ressalta-se que o levantamento será
realizado através de pesquisa qualitativa e quantitativa em formulário
anônimo.

METODOLOGIA

O método aplicado foi a revisão sistemática de literatura especializada,


consistindo na busca por referências bibliográficas sobre a temática saúde
mental, além de aplicação de questionários com os estudantes do curso de
Ciências Sociais da Universidade Estadual do Maranhão. A investigação
foi de caráter qualitativa e quantitativa com a elaboração de formulários
anônimos, preservando a identidade dos discentes. A relevância de
perguntas subjetivas também é imprescindível, pois é preciso interpretar os
números de forma sociológica e subjetiva.
De acordo com Mirian Goldenberg (2005), a integração da
pesquisa quantitativa e qualitativa possibilita que o pesquisador realize
uma intersecção entre as conclusões apreendidas, resultando em maior
confiabilidade dos dados obtidos, garantindo que não são produto de um
procedimento específico ou de alguma situação particular. Dessa forma,
o pesquisador não se circunscreve somente ao que será coletado em uma
entrevista, podendo adotar os seguintes métodos de pesquisa: entrevistar

648 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


repetidamente, aplicar questionários, investigar diferentes questões em
diferentes ocasiões, utilizar fontes documentais e dados estatísticos.
Para Goldenberg (2005), o método de pesquisa contemporâneo em
evidência nas ciências sociais propõe uma interdependência entre técnicas.
Em grande medida, os pesquisadores das Ciências Sociais consideram,
atualmente, que não existe uma única técnica, um único método apropriado
para recolher os dados amplamente na realização das pesquisas. Portanto,
os pesquisadores estabelecem que é notável;

uma interdependência entre os aspectos quantificáveis e a vivência


da realidade objetiva no cotidiano. A escolha de trabalhar com dados
estatísticos ou com um único grupo ou indivíduo depende das questões
levantadas e dos problemas que se quer responder. (GOLDENBERG, 2005,
p. 62).

É o andamento da pesquisa que habilita as técnicas e os procedimentos


necessários para as respostas que se deseja conhecer. Sendo assim, cabe a
cada pesquisador definir os procedimentos de coleta de dados que sejam
mais adequados para o seu objeto delimitado a partir dos problemas de
pesquisa.

O interacionismo simbólico destaca a importância do indivíduo como


intérprete do mundo que o cerca e, consequentemente, desenvolve métodos
de pesquisa que priorizam os pontos de vista dos indivíduos. O propósito
destes métodos é compreender as significações que os próprios indivíduos
põem em prática para construir seu mundo social. Como a realidade social
só aparece sob a forma de como os indivíduos veem este mundo, o meio
mais adequado para captar a realidade é aquele que propicia ao pesquisador
ver o mundo através “dos olhos dos pesquisados”. (GOLDENBERG, 2005,
p.27).

A partir da delimitação feita pela equipe, é possível associar o tema


“O impacto da pandemia da Covid-19 na saúde mental dos estudantes do
curso de Ciências Sociais da UEMA” com a proposta do interacionismo

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 649


simbólico que busca compreender a concepção que os indivíduos têm dos
fenômenos sociais, nesse caso a saúde mental na pandemia da Covid-19,
para estabelecer o objeto essencial da pesquisa sociológica.

REFERENCIAL TEÓRICO

Diversos autores abordam o tema de saúde mental e sobre como


tal situação implica no desempenho de atividades cotidianas. Zygmunt
Bauman (1925-2017), sociólogo polonês criador das categorias sociedade
líquida e amor líquido presentes na obra Amor Líquido: Sobre a Fragilidade
dos Laços Humanos (2004), aponta em suas obras as ideias centrais estão
entrelaçadas com a realidade de incerteza e fugacidade. Diante da análise
das criações de Bauman (2004), pode-se fazer uma alusão com a pandemia
da Covid-19, onde é possível refletir sobre a situação atual.
Pessoas perderam a si dentro de uma nova realidade, sobretudo jovens
estão tendo de se readaptar à sociedade, com isso as relações interpessoais
diminuíram, dando espaço para o desenvolvimento de problemas de saúde
mental. Para ele, a modernidade e as relações sociais são frágeis, fugazes e
maleáveis, como os líquidos, em que Bauman (Apud ROCHA, 2019, s/p)
afirma “escolhi chamar de modernidade líquida a crescente convicção de
que a mudança é a única coisa permanente e a incerteza, a única certeza”.
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2020) ressalta que desde
sempre a quarentena é considerada algo discriminatório, onde existem mais
dificuldades para determinados grupos sociais do que para outros. Existem
grupos em maiores situações de vulnerabilidade que precede a quarentena
e que durante a mesma se torna mais grave. No livro “A cruel pedagogia do
vírus” (2020), Boaventura denomina esses grupos como sul, isso porque,
para ele, o sul não corresponde a um espaço geográfico, mas um espaço
político, social e cultural, metaforicamente condizem às injustiças causadas
em decorrência da exploração capitalista. Dessa forma, ele pretende
demonstrar e instigar a análise da quarentena partindo da perspectiva
daqueles citados na obra, ditos como menos favorecidos. (SANTOS apud
NEXO JORNAL, 2020).

650 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Boaventura de Sousa Santos (2020) cita grupos como as mulheres,
onde, em muitos casos, a quarentena pode ser considerada perigosa. As
mulheres são, geralmente, as responsáveis pelos cuidados dentro e fora de
suas famílias. As ocupações das mulheres vão desde o cuidado familiar até
os grandes cargos empresariais, todavia, postas em quarentena elas são
sujeitas ao convívio familiar direto, tendo mais contato com seus maridos
e filhos. De acordo com Santos (2020), em algumas cidades chinesas, o
índice de divórcio aumentou durante o confinamento e há uma suspeita do
machismo ser o causador de crises conjugais, além da violência doméstica
ser um grande impasse nesse período.

O aumento do número de divórcios em algumas cidades chinesas durante a


quarentena pode ser um indicador do que acabo de dizer. Por outro lado, é
sabido que a violência contra as mulheres tende a aumentar em tempos de
guerra e de crise - e tem aumentado agora. Uma boa parte dessa violência
ocorre no espaço doméstico. O confinamento das famílias em espaços
exíguos e sem saída pode oferecer mais oportunidades para o exercício da
violência contra as mulheres (SANTOS apud NEXO JORNAL, 2020, s/p).

A lista desenvolvida por Santos (2020) engloba mulheres e idosos. Tal


levantamento pretende dar mais visibilidade à exclusão social, às injustiças
e às discriminações. No entanto, para os grupos dominantes, o sentimento
de desamparo até então desconhecido passou a ser presente, mesmo que
em menor intensidade se comparado às assimetrias de recursos para os
grupos subalternizados;

A lista dos que estão a sul da quarentena está longe de ser exaustiva.
Basta pensar nos presos e nas pessoas com problemas de saúde mental,
nomeadamente depressão. Mas o elenco selecionado mostra duas coisas.
Por um lado, ao contrário do que é veiculado pela mídia e pelas organizações
internacionais, a quarentena não só torna mais visíveis, como reforça a
injustiça, a discriminação, a exclusão social e o sofrimento injusto que elas
provocam. Acontece que tais assimetrias se tornam mais invisíveis em face
do pânico que se apodera dos que não estão habituados a esse sofrimento.
(SANTOS apud NEXO JORNAL, 2020, s/p).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 651


Em “Ansiedade, depressão e estresse em estudantes universitários: o
impacto da Covid-19” (DIAS; MAIA, 2020), estudo feito por pesquisadores
da PUC-Campinas, é possível ter acesso a opinião de jovens e adultos
universitários sobre o período pandêmico, a influência na saúde mental
e o desenvolvimento de transtornos psicológicos. O estudo foi feito em
dois grupos, sendo um constituído por 460 pessoas entre 14 e 20 anos, e
outro grupo formado por 159 pessoas com idade entre 20 e 40 anos. De
forma comparativa ao período que antecede a pandemia da Covid-19, foi
aplicado um questionário sociodemográfico sobre escalas de ansiedade,
depressão e estresse desenvolvidas pelos estudantes segundo autoavaliação
dos mesmos.
Por consequência, foi obtido resultado significativamente mais
elevado de problemas de saúde mental em relação ao período normal. Com
isso, acredita-se que a pandemia teve um impacto negativo na vida dos
estudantes universitários e os pesquisadores ressaltam;

Em suma, este estudo realça, pelos seus resultados, a necessidade de estar-


se atento aos efeitos psicológicos desta pandemia, para que as respostas
subsequentes, no âmbito da saúde mental, possam ser oportunamente
asseguradas. (DIAS; MAIA, 2020, p.07).

Esse estudo destaca que a pandemia implica em consequências


negativas para a saúde mental dos estudantes de graduação observados no
estudo, reforçando assim a necessidade da continuação da investigação no
tema e a atenção para perceber as reações em decorrência desse período tão
diferente e desafiador. (DIAS; MAIA, 2020).
É possível ainda compreender, a partir das contribuições do célebre
sociólogo francês Émille Durkheim, na obra Sociologia e Educação (2013),
a relação intrínseca entre os sistemas educativos e as organizações sociais.
Neste sentido, a educação para uma vida de costumes acaba por ser uma
construção social. Ambos são produtos de uma vida comum refletindo seus
anseios e necessidades (DURKHEIM, 2013, p. 48). De acordo, então, com a
premissa inicial - de que a educação necessita de um “encontro face a face”

652 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


entre jovens e adultos, para que estes exerçam ações sobre os primeiros
-Durkheim empreende um observar sobre a natureza desta ação educativa
(DURKHEIM, 2013, p. 50).
Sendo assim, em meio ao contexto da pandemia da Covid-19, nota-
se que os estudantes foram privados da “socialização metódica das novas
gerações”, que é vista por Durkheim como uma atividade necessária para o
homem, haja vista que a escola seria um instrumento imprescindível para
a transmissão de aptidões inerentes à vida social. Para além disso, é na
escola que são despertados os valores fundamentais para o sentimento de
pertencimento na sociedade.
Dessa maneira, propiciar “a troca de ideias e sentimentos entre os
cidadãos” é uma das principais tarefas educacionais, pois não somente
se aplica aos estudantes como também aos professores. De acordo com
Durkheim, essa formação é que “possibilita a existência da sociedade e
evita a manipulação da educação e a arbitrariedade da “vontade pessoal”
(DURKHEIM, 2013, p. 63). Então, essa relação é mostrada como validadora
de princípios fundamentais e fiadora do ensino escolar (DURKHEIM,
2013).
Portanto, além dos problemas sociais e subjetivos que ganharam
magnitude com o advento da pandemia. A restrição do convívio social,
principalmente o escolar visto que é uma das organizações mais presentes
no cotidiano dos universitários, também é fundamental para que se tenha a
“anomia social”, observada em nosso estudo. Caracterizada como elemento
causador de graves transtornos de aprendizagem e psicológicos durante a
pandemia.
Os autores Dardot e Laval (2016) analisam que esse novo sujeito
que tenta se adequar às crises deve encontrar sua verdade no veredito do
sucesso, submetendo-se a regimes de verdades que dirão se a gestão de si
está sendo bem feita. Esses atuais regimes de verdade são a perpétua crise
financeira, de segurança, de educação, e atualmente a crise sanitária. E a
gestão dessas crises diz respeito a uma nova configuração da política que
coloca essas crises como natural. Então, a nova pedagogia ensina a viver
dentro dessas crises. O sujeito neoliberal é o gestor de crises.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 653


E dentro desses novos regimes de verdade, o desempenho é
precisamente a verdade. O sujeito que dentro dessas crises conseguir
desempenhar bem suas funções, atingir seus objetivos, é a garantia de
que ele é está no caminho certo, independente das formas que foram
desempenhadas na supressão dessas crises. Esse novo regime de verdade
visto como um dispositivo, ou seja, um conjunto de prática, técnicas,
prescrições, que, segundo Foucault (2000), produz efeitos patológicos ao
quais todos estão inclusos.
Dardot e Laval (2016) mostram que uma literatura clínica
atualmente mostraria sem dificuldades as novas patologias aos quais os
sujeitos estão sendo diagnosticado. Síndrome de Burnout, tédio, depressão,
ânsias, insônia, falta de atenção são as mais citadas. Essas novas patologias
convergem ao ponto em comum: “podem se referir ao definhamento dos
quadros institucionais e das estruturas simbólicas nos quais os sujeitos
encontravam seu lugar e sua identidade” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 361).
Esse definhamento é causado principalmente pela destruição dessas
instituições clássicas da sociedade moderna como o trabalho, a escola,
da família, em substituição maciça das instituições pela empresa, ou da
transformação das instituições pela empresa. As instituições funcionado
pelo modelo empresarial, tem a legitimidade de reger as regras de identidades
sociais. É a partir da lógica da eficácia e da competição que toda instituição
participa da normatividade que são analisadas as possíveis consequências
negativas para aprendizagem e a saúde mental dos estudantes do curso de
Ciências Sociais da UEMA na dimensão socioeducativa.

ANÁLISE DE DADOS

O questionário quantitativo e qualitativo foi aplicado a 22 alunos


com faixa etária entre 19 e 33 anos do curso de Ciências Sociais da UEMA
durante os dias 20 a 28 de outubro de 2020, através de formulário digital
na plataforma Google Forms. Dentre os 22 alunos que responderam ao
questionário, 72,7% são do sexo feminino e 27,3% são sexo masculino.
Correspondem a 13,6% alunos do 7° (sétimo) período.

654 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A porcentagem decrescente no número de respostas obtidas foi:
pessoas na faixa etária de 21 anos, cujo a porcentagem é de 31,8. Pessoa na
faixa etária de 23 anos, na qual a porcentagem é de 22,7. Pessoas na faixa
etária de 22 anos, a qual a porcentagem correspondeu a 9,1. As demais faixas
etárias corresponderam a 4,5%. (Dados colhidos em pesquisa quantitativa
realizada em outubro/2020).
De acordo com os dados obtidos a partir do formulário endereçado
aos graduandos de Ciências Sociais - UEMA, 81,8% considerou que a
pandemia foi negativa para a sua saúde mental, ao contrário dos 13,6% que
alegam que não foi negativa para a saúde mental. Sobre percepção de algum
sintoma, cerca de 72,7% responderam que identificou algum sintoma ou
agravamento durante o período de pandemia. Já 27,3% respondeu que não
percebeu nenhum sintoma incomum na sua saúde mental. (Dados colhidos
em pesquisa quantitativa realizada em outubro/2020).
A ansiedade, sintoma que foi identificado pelos alunos corresponde
a 18,8% e pode ser considerado o maior e mais grave sintoma mental que
a pandemia acarretou. Dentre as perguntas feitas como: “de que forma a
pandemia da Covid-19 influenciou no seu desempenho na graduação em
Ciências Sociais?” Os alunos se manifestaram bastante desmotivados e com
dificuldades de concentração nas aulas remotas.
Assim como, ao serem questionados sobre alguma interferência no
aprendizado nas disciplinas ofertadas durante a pandemia, os educandos
se mostraram negativos, afirmaram que as aulas têm se tornado mais
cansativas, nada produtivas e que fatores emocionais e psicológicos estão
interferindo bastante nos seus aprendizados.
Sobre a questão de concentração em período escolar, 86,4% dos
alunos responderam que estão com algum tipo de dificuldade em prestar a
atenção durante as aulas. Já 13,8% não observaram nenhuma mudança. A
respeito de continuar estudando e terminar a graduação, 81,8% se sentiram
desmotivados prosseguir durante a pandemia e 18,2% não sentiram
desmotivação. Ao se referirem à ajuda e suporte oferecido pelo curso de
ciências sociais, 54,5% consideraram regular o suporte oferecido do curso.
(Dados colhidos em pesquisa quantitativa realizada em outubro/2020).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 655


Para Boaventura Sousa Santos (2020), existem grupos em maiores
situações de vulnerabilidade que precede a quarentena e que durante a
mesma se torna mais grave. No ensaio “A cruel pedagogia do vírus” (2020),
Santos denomina esses grupos como “sul”, isso porque, para ele o sul não
corresponde a um espaço geográfico, mas sim um espaço político, social e
cultural. Metaforicamente, condizem as injustiças causadas em decorrência
da exploração capitalista. Dessa forma, ele pretende demonstrar e instigar
a análise da quarentena partindo da perspectiva daqueles citados na obra,
ditos como menos favorecidos. (SANTOS, 2020).
A partir das implicações da narrativa de Santos (2020), podemos
notar que os sujeitos da pesquisa, os graduandos em Ciências Sociais da
Universidade Estadual do Maranhão, localizado na região nordeste do
Brasil, estão inseridos no contexto político, social e cultural do grupo “sul”,
em que é partilhado um conjunto de epistemologias próprias das áreas
periféricas do país e do mundo. (SANTOS apud NEXO JORNAL, 2020).
Sendo assim, os resultados da pesquisa são consequências das
condições materiais e das relações socioculturais estabelecidas por nossas
epistemologias, haja vista que a mudança repentina e radical do cotidiano
desse grupo social estabeleceu sintomas e reações de manifestações
psicopatológicas adversas que produzem implicações futuras como o
agravamento da saúde mental dos educandos de Ciências Sociais - UEMA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os aspectos mencionados e os dados apresentados


nesse trabalho, entende-se que os discentes do curso de Ciências Sociais
da UEMA sentiram-se afetados psicologicamente com a pandemia do
Covid-19. Uma grande parte dos alunos que participaram do estudo,
alegou aumento de ansiedade e dificuldade de concentração, declarando
desinteresse pelas aulas remotas que foram oferecidas pela universidade.
A nova realidade em que o mundo vive agora afetou os alunos em
suas relações interpessoais e comunicativas, fazendo com que tais relações
diminuíssem por conta da pandemia. É possível mencionar o apontamento

656 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


de Bauman (2004), que sugere que as relações da modernidade são
frágeis e maleáveis como líquido. Adaptando isto para nossa atual
vivência, tais afastamentos decorrentes da pandemia contribuíram para o
desenvolvimento de doenças psicológicas.
Vale ressaltar que estudo se deu apenas em um único curso ensinado
na UEMA e o questionário foi oferecido a pouco mais de 20 alunos.
Se considerarmos que o estudo fosse feito com uma amplitude maior
abrangendo ao menos 90% de todo o corpo discentes que estão ligados
à instituição, teríamos, em grande medida, um número maior de pessoas
com problemas psicológicos já estabelecidos e/ou em desenvolvimento.
(Dados colhidos em pesquisa quantitativa realizada em outubro/2020).

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658 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A INFLUÊNCIA DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS
NO DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL
NA COMUNIDADE ESCOLAR

Ana Cristina de Sousa Silva1


Ana Cristina Ribeiro Gomes2
Jaciléia Pereira da Silva3
João Antônio Moreira França4
Paloma Arrais Rodrigues5
Thamires Aparecida Pereira da Costa6
Rosirene Martins Lima7

INTRODUÇÃO

A pandemia do novo Coronavírus (Covid-19) surgiu na China em


dezembro de 2019 e se expandiu pelo mundo especialmente a partir de
fevereiro de 2020, atingindo praticamente todos os países e municípios
do planeta, infectando mais de 100 milhões de pessoas. De acordo com
a Folha Informativa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e
Organização Mundial da Saúde (OMS), até fevereiro de 2021 terá cerca de
2,5 milhões de mortos.
Uma das reflexões que este momento de crise humanitária de saúde
mundial enseja, diz respeito a estreita relação entre a crise ambiental e a
fragilidade da espécie humana diante de agentes transmissores de doenças.
À medida que a ação antrópica se torna mais impactante ao equilíbrio
da vida na Terra, catástrofes ambientais costumeiras se avolumam
aprofundando velhos problemas e causando novos, como é da Covid-19,
que vem causando a morte de centanas de milhares de pessoas em todo o
mundo.
1
2
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: anacristinassilva54@gmail.com
3
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: cristinaloreto01@gmail.com
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: leia93231@gmail.com
4
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: joaovidap@gmail.com
5
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: palomaarrais206@gmail.com
6
Discente do Curso de Ciências Sociais de Loreto-MA. Contato: thamirescosta123@outlook.com
7
Profa. do Programa de Pós Graduação Socioespacial e Regional - DCS-UEMA. Contato: rosirenelima@
professor.uema.br

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 659


Diante da avassaladora contaminação e mortes produzidas pela
Covid-19, as medidas adotadas por todos os países atingidos têm sido o
chamado isolamento social no sentido de conter a disseminação do virus
e procedimentos de cunho epidemiológico de atendimento à saúde. No
geral, o debate e os procedimentos adotados pelos diferentes mais países
tem se dado em relação à forma de transmissão e cuidados para a prevenção
da contaminação, ou seja, voltado para as consequências.
Contudo, outras vozes têm se preocupado em aprofundar o debate
para além do fenômeno em si e buscado refletir sobre as origens de tal
problema. Estudiosos e especialistas têm defendido a ideia de que a pandemia
do novo Coronavírus resulta da ação descontrolada da sociedade sobre os
ecossistemas. Leff (2020) e Svampa (2020) alertam sobre a destruição de
todos os seres da Terra. “A gente não fez outra coisa nos últimos tempos
senão despencar. Cair, cair, cair”. (KRENAK, 2019, p. 21).
Como assinalado anteriormente a pandemia tem provocado diversas
mudanças no comportamento de todas as sociedades. Dentre estas, a adoção
de medidas de prevenção e isolamento para evitar a propagação do vírus a
fim de controlar o número de vítimas e permitir que os sistemas de saúde
suportem atender toda a demanda. Tais mudanças foram sentidas de forma
drástica em todos as atividades e camadas sociais, mas na comunidade
escolar ocorreu de forma muita brusca e profunda, obrigando-a adotar o
ensino remoto, se valendo das tecnologias de informação, para garantir
em alguma medida a continuidade dos processos educativos. Tal situação
colocou também a necessidade de se refletir sobre as causas, consequências
e lições que, porventura, podem ser aprendidas dessas experiências.
É neste contexto que se insere o presente trabalho, desenvolvido
no âmbito da disciplina de Prática na Dimensão Escolar do Curso de
Licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão. Apresenta uma
reflexão preliminar sobre a influência da pandemia do novo Coronavírus
no despertar da consciência ambiental na comunidade escolar, cujos
objetivos são: analisar as percepções de estudiosos sobre a problemática em
questão, de ambientalistas e da comunidade escolar acerca da influência
da pandemia no despertar da consciência ambiental; captar e comparar as

660 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


percepções de filósofos, biólogos e militantes sobre a causa ambiental, bem
como de alunos do Ensino Fundamental, Médio e Superior sobre os efeitos
da pandemia e a necessidade de um maior cuidado com o meio ambiente;
identificar aspectos comuns e divergentes nas percepções de cada indivíduo
e grupo entrevistado a fim de verificar até que ponto o grau de instrução
define a possibilidade e qualidade da percepção e, por fim, averiguar
se a pandemia trará como efeito uma maior consciência ambiental da
população, especialmente no ambiente escolar.
A metodologia empregada contemplou entrevistas e pesquisa
bibliográfica sobre a percepção de estudiosos e da sociedade em geral sobre
a influência da pandemia no desenvolvimento de uma maior consciência
ambiental/ecológica na sociedade brasileira/mundial. Em razão da
pandemia foram realizadas entrevistas online por meio do aplicativo
de WhatsApp. O critério para a escolha dos informantes considerou o
envolvimento com o debate e também o vincula com a comunidade escolar.
Dentre eles, três doutores em Biologia, professores do Instituto Federal –
IFMA de São Raimundo das Mangabeiras – MA, três ambientalistas sobre
suas percepções enquanto estudiosos/militantes da área ambiental; dois
filósofos sobre suas percepções acerca de como estão entendendo a pandemia
como um recado para mudança de comportamento socioambiental;
estudantes de três turmas, de três diferentes instituições e níveis de ensino:
Escola Abraão Martins - Ensino Fundamental, Escola Paulo Freire - Ensino
Médio, e no Ensino Superior o IFMA São Raimundo das Mangabeiras - 5º
período Biologia, sobre suas percepções acerca da influência da pandemia
na relação homem/natureza, no despertar da consciência ambiental.
O texto está organizado da seguinte forma: na Introdução expõe-se
o problema, objetivos e metodologia; no item 2 trata-se ainda que de forma
sucinta, da relação entre a pandemia da Covid-19 e o meio ambiente; no
item 3 apresenta os reflexos da pandemia sobre a consciência ambiental,
a partir dos resultados das entrevistas com os diferentes segmentos
envolvidos com a temática ambiental; no item 4, alguns apontamentos para
a importância da educação ambiental e nas considerações finais aponta-
se possíveis continuidades da reflexão e ações, envolvendo tais segmentos
participantes da pesquisa.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 661


A PANDEMIA DA COVID-19 E MEIO AMBIENTE

A pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), disseminada em


todos os continentes habitados, em todos os países e regiões do mundo,
trouxe inúmeros impactos negativos à população mundial: prejuízos
econômicos a pessoas, empresas e governos; alta demanda ou colapso nos
sistemas de saúde; confinamento de milhões de pessoas com aumento de
casos de ansiedade, depressão e outros problemas psicológicos; paralisação
do ano letivo em escolas e universidades de todo o planeta. Cabe, porém,
ressaltar que, a despeito de toda a negatividade trazida pelo vírus, há o
aspecto da consciência ambiental, que, se multiplicado, por meio da
educação ambiental, trará resultados positivos para a humanidade.
Trata-se da reflexão que esse fenômeno impõe a todos com relação ao
modelo de desenvolvimento de exploração ilimitada dos recursos naturais,
com consequente destruição da natureza, dos biomas (fauna e flora), dos
habitats. Essa relação predatória do meio ambiente é uma das causas do
surgimento dessa e de outras pandemias já enfrentadas, bem como de
catástrofes ambientais que já ocasionaram inúmeras mortes e prejuízos,
além de colocar em risco a própria vida no planeta, como nos alerta Ailton
Krenak:

A conclusão ou compreensão de que estamos vivendo uma era que pode


ser identificada como Antropoceno deveria soar como um alarme nas
nossas cabeças. Porque, se nós imprimimos no planeta Terra uma marca tão
pesada que até caracteriza uma era, que pode permanecer mesmo depois
de já não estarmos aqui, pois estamos exaurindo as fontes da vida que nos
possibilitaram prosperar e sentir que estávamos em casa, sentir até, em
alguns períodos, que tínhamos uma casa comum que podia ser cuidada
por todos, é por estarmos mais uma vez diante do dilema a que já aludi:
excluímos da vida, localmente, as formas de organização que não estão
integradas ao mundo da mercadoria, pondo em risco todas as outras formas
de viver — pelo menos as que fomos animados a pensar como possíveis, em
que havia corresponsabilidade com os lugares onde vivemos e o respeito
pelo direito à vida dos seres, e não só dessa abstração que nos permitimos
constituir como uma humanidade, que exclui todas as outras e todos os
outros seres. (KRENAK, 2019, p. 34).

662 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


A socióloga Maristela Svampa8 afirma que a disseminação do
Coronavírus está relacionada ao modelo de desenvolvimento levado a
cabo pelo sistema capitalista neoliberal predatório, cuja ampliação das
formas de uso indiscriminado da natureza destruiu o habitat de diversas
espécies de animais, que acabaram por transmitir vírus aos humanos. No
mesmo sentido, Enrique Leff (2020), em texto na Revista Digital Amazônia
Latitude, confirma que o extrativismo completamente descontrolado entrou
no metabolismo da biosfera e produziu o transbordamento do vírus que,
espalhado através do comércio e do turismo como agências de valorização
do capital, foi modificado e transformado em patógenos mortais à vida
humana.
Corroborando com essa tese da relação predatória homem/natureza
como a causa fundamental da pandemia do novo Coronavírus, quatro
pesquisadores de Universidades da Paraíba publicaram um artigo na
Revista Brasileira de Educação Ambiental, intitulado “Elos e flagelos na
relação sociedade-natureza: em busca da conscientização ambiental para
preservar a vida” em que afirmam que as pesquisas iniciais sobre o novo
Coronavírus tinham como hospedeiro animais silvestres e pelo fato de a
sociedade interferir nos ecossistemas e entrar em contato com tais espécies
torna-a cada vez mais vulnerável aos vírus (RUIYUN et al., apud ARRUDA
et al., 2020). “Tais processos ocorrem sempre em detrimento da cobertura
vegetal, do percurso natural dos rios, do relevo e do solo, fatores estes que
influenciam diretamente no clima, consequentemente, em todas as formas
de vida existentes no planeta” (RUIYUN et al., apud ARRUDA et al., 2020).
Doenças zoonóticas que são transmitidas aos humanos pelos
animais, têm sido cada vez mais recorrentes em todo o planeta, como
resultado da mais drástica e profunda destruição dos ecossistemas e dos
habitats, conforme Mesquita:

O Programa de Meio Ambiente da ONU, em seu site, alerta: “As doenças


transmitidas de animais para humanos estão em ascensão, à medida que
o mundo continua a ver uma destruição sem precedentes de habitats
selvagens pela atividade humana. “As doenças zoonóticas que surgiram ou
8
Entrevista concedida em 08/04/2020 à Revista IHU online.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 663


ressurgiram recentemente são: Ebola, gripe aviária, síndrome respiratória
do Oriente Médio (MERS), vírus Nipah, febre do Rift Valley, Síndrome
Respiratória Aguda Súbita (SARS), vírus do Nilo Ocidental, doença do
vírus Zika e, agora, o Coronavírus. Todos eles estão ligados à atividade
humana. ” [...] Inger Andersen, diretora do Programa Ambiental da ONU
declarou: “A natureza está nos enviando uma mensagem com a pandemia
de coronavírus e a atual crise climática. Nunca houve tantas oportunidades
para os patógenos passarem de animais selvagens e domésticos para as
pessoas”. Ela concluiu explicando que 75% de todas as doenças infecciosas
emergentes vêm da vida selvagem. Nossa erosão contínua de espaços
selvagens nos trouxe desconfortavelmente perto de animais e plantas que
abrigam doenças que podem saltar para os seres humanos (MESQUITA,
2020, s/p, Site: Mar Sem Fim).

O World Wildlife Fund (WWF, 2020) – Fundo Mundial da Natureza,


uma das mais relevantes Organizações não governamentais de defesa do
meio ambiente produziu um documento, intitulado Pérdida de Naturaleza
y Pandemias (Perda da natureza e pandemias) em que também destaca
a intrínseca relação entre a destruição da natureza e o surgimento da
pandemia do novo Coronavírus, ao dizer que as zoonoses causam cerca de
um bilhão de casos de doenças e milhões de mortes a cada ano e que estas
poderão representar a maior ameaça para a saúde da população mundial
no futuro. (SUÁREZ et al, 2020, p.10).
No mesmo documento, a WWF alerta para o acelerado processo de
extinção de espécies animais que contribui para um desequilíbrio ambiental
e, consequentemente, o surgimento de zoonoses, destacando que o planeta
perdeu 60% das populações de vertebrados em cerca de 40 anos (1970-
2014). Reforça que a preservação dos sistemas naturais reduz a transmissão
de doenças, uma vez que os patógenos são “diluídos” entre a diversidade
de espécies, chamado efeito de diluição (SUÁREZ et al, 2020, p.10). O
documento aponta ainda os principais mecanismos que contribuem para
a propagação de doenças infecciosas, consequências das ações humanas
predatórias, a saber:

664 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Aumento dos criadouros de espécies vetores de doenças; Difusão
amplificada de espécies hospedeiras; Manter as espécies selvagens em
cativeiro em contato próximo umas com as outras; Transferências de
patógenos entre espécies; Perda de espécies e populações de predadores;
Mudanças genéticas induzidas por humanos em vetores de doenças ou
patógenos (como a resistência do mosquito a pesticidas ou o surgimento de
bactérias resistentes a antibióticos); Contaminação ambiental por agentes
de doenças infecciosas (SUÁREZ et al, 2020, p.05 e 10) (tradução nossa)

REFLEXOS DA PANDEMIA SOBRE A CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

Diante dessa situação que assola a humanidade a continuidade de


nossa espécie aqui na Terra coloca-se em xeque. Nesse sentido, cabem
profundas e fundamentais reflexões, que devem necessariamente resultar
num compromisso mais forte e seriamente assumido por todos (indivíduos,
empresas, ONGs, governos...) para a preservação do meio ambiente e
garantia do equilíbrio da vida no planeta, que terá como saldo a saúde de
todos. Nos alerta o Papa Francisco (2015, p.87) “Tudo está interligado,
como se fossemos um. Tudo está interligado, nessa Casa Comum”. Em sua
Carta Encíclica Laudato Si (Louvado Sejas), sobre o cuidado com a Casa
Comum Francisco, propõe uma nova visão humana acerca da natureza.
Propõe o conceito de Ecologia Integral nos termos a seguir:

Quando falamos de «meio ambiente», fazemos referência também a uma


particular relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto
impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como
uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela
e compenetramo-nos [...] Não há duas crises separadas: uma ambiental e
outra social; mas uma única e complexa crise sócio-ambiental. As diretrizes
para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza,
devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza
(PAPA FRANCISCO, 2015, p. 87).

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 665


Arruda et al (2020, p. 287) chamam a atenção sobre a urgente
necessidade de se agir de forma clara e determinada para garantir a
conservação de todas as formas de vida por mais tempo na terra. Nesse
sentido, é preciso quebrar vários paradigmas, desconstruir muitos conceitos
e passar por mudanças mais profundas de comportamento que envolvam os
três pilares: desenvolvimento econômico; preservação do meio ambiente; e
as novas formas de se viver em sociedade.
Assim, esforços conjuntos e articulados precisam ser feitos a fim
de dar maior visibilidade à questão ambiental, a fim de atingir o objetivo
maior que é manter a natureza preservada e equilibrada. Em WWF
afirma-se que para “evitar a recorrência de novas e terríveis pandemias
no futuro, é essencial redobrar os esforços a fim de parar a perda de
biodiversidade e lutar contra as mudanças climáticas, já que dessa luta
depende a saúde de nosso planeta e, portanto, nossa própria sobrevivência”
(SUÁREZ et al, apud WWF, 2020, p. 10). (Tradução nossa).
Nesse sentido, na última década se desenvolveu um movimento
global denominado One health (27) que defende que a saúde dos seres
humanos está intimamente ligada a vida de animais e também ao meio
ambiente, sendo reconhecida por inúmeras organizações internacionais,
especialistas e pesquisadores que recomendam como imprescindível uma
abordagem multidisciplinar como forma de enfrentamento dos problemas
que são gerados envolvendo todas as dimensões do ambiente de vida e
de trabalho, as populações, animais domésticos e selvagens e diferentes
ecossistemas. (SUÁREZ et al, 2020). (Tradução nossa)
Para o presente trabalho, optamos por fazer um questionário por
meio do WhatsApp em razão da pandemia e em dias diferentes, conforme
disponibilidade dos informantes. Foram selecionados da comunidade
escolar três diferentes níveis de ensino (Fundamental, Médio e Superior),
a fim de captar e comparar as diferenças entre as percepções. No Ensino
Fundamental selecionou-se o 9º ano da Escola Abraão Martins - Loreto -
MA (5 alunos entrevistados), no Ensino Médio o 3º ano da Escola Paulo
Freire - Loreto - MA (4 alunos entrevistados) e no Ensino Superior o 5º
período do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do Instituto

666 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Federal do Maranhão (IFMA) Campus São Raimundo das Mangabeiras
- MA (3 alunos entrevistados). É importante ressaltar que as Instituições
de Ensino mencionadas foram consultadas sobre a possibilidade de
participação nesta pesquisa, razão de serem aqui nomeadas.
Já os outros atores sociais que, por sua própria formação e atuação,
possuem conhecimento técnico, científico e refletem sobre a relação
homem/natureza, foram selcionados: 3 biólogos, 3 ambientalistas e 2
filósofos da cidade de Loreto-MA. A ideia de incluir esse público foi captar
visões mais precisas e amplas, no sentido de captar como a sociedade
extraescolar está sendo influenciada pela pandemia na possível alteração
do seu pensamento e comportamento ambiental, ou seja, consciência
ambiental. A seguir, apresenta-se descrição das questões:
A primeira pergunta do questionário: “você considera que a ação
humana impacta o equilíbrio da natureza (vida animal e vegetal) em
qual nível? A) Alto; B) Médio; C) Baixo; D); Não impacta”. 100% dos
entrevistados responderam a letra A) Alto, tanto entre os alunos quanto
entre os “especialistas”, o que denota que há uma compreensão geral de
que as ações humanas têm forte impacto no equilíbrio ambiental. Logo,
apresenta consenso entre os entrevistados.
Apesar de parecer bastante óbvia, a primeira pergunta fez-se
necessária pela análise do momento atual em que vivemos, no Brasil e no
mundo, uma situação em que muitos insistem em negar os efeitos da ação
humana sobre o equilíbrio da natureza. Os negacionistas preferem atribuir
às catástrofes ambientais, mudanças climáticas ou mesmo surtos de pragas e
doenças, a ciclos naturais normais e inevitáveis, que não têm interferência/
influência de ações antrópicas.
A segunda pergunta: “Considerando que cerca de 70% das doenças
humanas são zoonóticas (transmitidas por animais), você acredita que
a destruição da natureza e dos habitats aumenta a proliferação dessas
doenças? Por quê? ”. 100% dos entrevistados responderam SIM. Entre os
alunos do Ensino Fundamental, uma (1/5) aluna destacou o desmatamento,
as queimadas e a poluição por agrotóxicos como causadores de doenças
com a contaminação de pessoas e animais, doenças pulmonares e origem

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 667


de bactérias que contaminam animais e posteriormente os humanos.
Dois quintos (2/5) dos alunos destacaram que a destruição da natureza
força os animais silvestres migrarem para a cidade ou suas proximidades e
transmitem as doenças para os humanos.
Entre os alunos do Ensino Médio, dois quartos (2/4) dos alunos
disseram que a destruição dos habitats deixa os animais silvestres sem
lar e eles se aproximam das cidades, entram em contato e transmitem
as doenças para os humanos. Um quarto (1/4), o que corresponde a um
aluno, destacou que a destruição da natureza trará grandes prejuízos para a
humanidade, especialmente as doenças.
Já para os 3 (três) alunos entrevistados do Ensino Superior do curso
de Ciências Biológicas, a destruição dos habitats leva os animais silvestres
a se aproximarem dos humanos e assim transmitirem as doenças das
quais são portadores. Destes, um aluno citou a consequente competição
por recursos naturais (alimento). Outro mencionou que a destruição dos
habitats causa desequilíbrio ambiental, com eliminação de predadores
naturais dos agentes transmissores.
Analisando as respostas dos três grupos de alunos sobre essa
questão, observa-se que todos têm uma compreensão bastante aproximada
no que se refere à influência da destruição da natureza na saúde humana.
Entrevistados de todos os grupos deram a mesma justificativa, de que a
destruição de habitat provoca a aproximação de animais contaminados dos
seres humanos, transmitindo as doenças.
Direcionando a mesma pergunta ao grupo de “especialistas”(3
biólogos, 2 filósofos e 3 ambientalistas), recebemos as seguintes respostas:
todos os biólogos consideram que a aproximação entre os seres humanos e os
animais silvestres, portadores de patógenos, também os animais domésticos
e silvestres, ocasiona a transmissão das doenças e que tal aproximação é
causada pela degradação ambiental, que provoca desequilíbrio na fauna e
flora. Entre os filósofos, um mencionou a destruição dos ecossistemas como
fator que provoca a propagação dos vírus. Outro ressaltou o desequilíbrio
causado pelo uso exagerado dos bens da natureza.

668 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Dois terços (2/3) dos ambientalistas destacaram que a destruição
dos biomas e habitats faz os animais vetores de doenças, se aproximarem
das regiões habitadas por pessoas e causam a transmissão. Outro falou que
a disputa entre as espécies por espaço devido à destruição dos habitats
provoca um processo chamado “Especiação”, que ocasiona o surgimento
ou alterações de vírus e bactérias, tal como a do Coronavírus.
De modo geral, observa-se uma compreensão aproximada entre os
três grupos de “especialistas”, naturalmente os biólogos e ambientalistas
com visões mais técnicas e científicas e os filósofos com ideias mais
abrangentes, questionamento do “sistema” para além dos fatos isolados.
Na essência, as respostas, tanto de alunos como de especialistas, são
convergentes e bastante parecidas, dando a entender que em todos os níveis
de escolaridade e especialidades há uma sensibilidade quanto aos efeitos
negativos da destruição da natureza para a saúde humana.
A terceira pergunta foi: “Você acredita que o surgimento do novo
Coronavírus (Covid-19) tem alguma relação com a destruição da
natureza pela ação humana? Por quê? “. Dentre os 05 alunos do Ensino
Fundamental, 03 responderam SIM. Um destacou as pragas e bactérias
transmissíveis geradas pela destruição do meio ambiente, outro citou o
fato dos agentes transmissores da Covid-19 serem os morcegos e devido
a destruição da natureza, foram para a cidade e infectaram os humanos.
Outro aluno ressaltou que os humanos desmatam, invadem o ambiente dos
animais e contraem os vírus. 02 alunos responderam NÃO.
Todos os alunos entrevistados do Ensino Médio, 100% (4/4)
responderam SIM. 03 mencionaram que a destruição do meio ambiente
provoca o contato dos animais contaminados (1 citou o morcego) com os
humanos, causando as doenças. 01 aluno citou também o consumo dos
morcegos em forma de alimento, como causador do Coronavírus. Do
universo do Ensino Superior, 2/3 dos entrevistados responderam SIM.
Destes, um aluno cita a falta de empatia dos humanos com a natureza,
ao desmatarem, caçarem e consumirem animais silvestres (vetores).
Outro aluno respondeu NÃO, pois, segundo ele, o fato da Covid
ser doença zoonótica não garante que a destruição da natureza seja a causa.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 669


Para o mesmo, num ambiente equilibrado a transmissão também poderia
ocorrer.
Analisando as respostas dos alunos, observa-se que 75% dos
entrevistados consideram que haja uma relação entre a destruição da
natureza e o surgimento do Coronavírus, enquanto 25% acreditam
que essa relação NÃO existe. Para aqueles que responderam SIM, a
fundamentação foi semelhante à questão 2, atribuem o aparecimento da
Covid-19 à destruição de habitats e consequente aproximação de animais
transmissores (o morcego) dos humanos. Já entre os 3 que responderam
NÃO, 2 não deram qualquer justificativa (alunos do Ensino Fundamental)
o outro do Ensino Superior disse que não observa essa relação, denotando
seu pragmatismo típico de muitos que estão inseridos na ciência.
Do universo dos Especialistas, os 03 biólogos entrevistados
responderam SIM. Citaram que há vários Coronavírus na natureza,
inclusive o causador da Covid-19, que estava em morcegos que passaram
a ter contato com humanos, devido à crescente urbanização decorrente
da invasão humana, esse vírus pode ter tido o seu ciclo natural alterado e
alcançou outros seres, como o homem, que não estava com o organismo
preparado para combatê-lo. Outro falou que em alguns países como a
China é comum a comercialização de animais silvestres para alimentação
(prática cultural). Porém, isso pode estimular o tráfico desses animais,
causando a quebra do equilíbrio ecológico.
O desequilíbrio dos nichos ecológicos pode ocasionar mutações
gênicas em microrganismos que são importantes patógenos para animais
e humanos. O terceiro biólogo ressaltou que caso esta interação fosse
reduzida ou nula, as chances de transmissão para os seres humanos seria
muito baixa.
A resposta dos 02 filósofos entrevistados foi divergente já que
01 respondeu que SIM, e associou a destruição da natureza à ideia
antropocêntrica do ser humano de ser ele o centro da natureza, que tudo
gira em torno de si e existe para satisfazer suas necessidades egoístas, de
busca de riquezas em detrimento da proteção à natureza. Segundo ele, “nós
humanos não fazemos falta na biodiversidade”. Outro respondeu que NÃO
SABIA.

670 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Dentre os 03 ambientalistas, 2/3 responderam SIM e 01 disse que
ainda é um fenômeno em investigação. Citaram que com a destruição dos
habitats dos animais silvestres, o ciclo da doença acabou se espalhando
atingindo o ser humano. Outro disse que o equilíbrio entre os sistemas
é fundamental para a manutenção da vida criada e também para a vida
humana. A pandemia revelou a doença do planeta agora estendida para a
humanidade.
De modo geral, observa-se que entre os 20 entrevistados (12 alunos
e 8 especialistas) houve uma divisão quanto a associarem o surgimento
do Coronavírus à destruição ambiental. 75% (15) responderam que SIM,
3 (15%) responderam NÃO, 1 respondeu que não sabia (5%) e 1 disse
que ainda está em investigação (5%). Logo, essa relação não é consensual,
mesmo entre aqueles que estão cursando ou já fizeram Curso Superior. Isso
demonstra a necessidade de que maiores e mais aprofundadas discussões
acerca dos efeitos negativos das ações humanas contra o meio ambiente
ocorram em nosso país.
A quarta pergunta e também central do questionário, teve uma
formulação diferente para os dois públicos (alunos e especialistas), definindo
o “lugar de fala” de cada um, como partícipes para os alunos (visão interna)
e como observadores para os especialistas (visão externa). Desse modo,
para os alunos foi perguntado “A pandemia do novo Coronavírus mudou
sua maneira de enxergar a natureza e lhe despertou para a necessidade
da preservação ambiental (Consciência Ambiental)? ”.
Todos alunos do Ensino Fundamental (9º ano) 100% responderam
Sim, 3/5 destacaram a necessidade de preservar a natureza para evitar
o desequilíbrio e surgimento de doenças e pragas, enquanto que 100%
dos alunos do Ensino Médio responderam sim. 2/4 disseram que as
informações recebidas diariamente contribuem para a consciência da
importância de preservamos a natureza para evitarmos prejuízos à ela e a
toda a humanidade. Entre os alunos do Ensino Superior, 2/3 responderam
que sim. Um dos alunos ressaltou que é necessário a construção de uma
consciência ambiental universal, que ainda não existe. Outra aluna disse
que além do problema da Covid-19, lhe provoca à conscientização o risco

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 671


de extinção de várias espécies. Um aluno respondeu que não, pois a seu ver
o vírus não tem relação com a preservação ou destruição da natureza.
De modo geral, 91,7% (11/12) dos alunos entrevistados responderam
que a pandemia do novo Coronavírus influenciou positivamente no
despertar da sua consciência ambiental. Isso denota que entre eles há
uma forte associação entre a preservação do meio ambiente e a garantia
do equilíbrio da natureza da saúde da humanidade. Entre os três níveis
de ensino, há bastante similaridade nas visões, naturalmente com
argumentação mais técnica e aprofundada dos alunos do Ensino Superior,
mas seguindo a mesma linha argumentativa dos níveis Fundamental e
Médio.
Como destacado anteriormente, a quarta pergunta foi também
aplicada aos especialistas, porém com uma reformulação, a fim de que
emitissem uma opinião sobre a sociedade em geral, elaborada da seguinte
forma:
“Você como biólogo/filósofo/ambientalista acredita/avalia
que a pandemia do novo Coronavírus mudou a maneira das pessoas
enxergarem a natureza e as despertou para a necessidade da preservação
ambiental (Consciência Ambiental)? ”.
Os 03 biólogos entrevistados avaliam que poucas mudanças na
consciência ambiental das pessoas realmente aconteceram. Um avalia que
essa pandemia talvez nos levará a refletir ainda mais sobre a necessidade de
conservação e preservação ambiental dos ecossistemas. Para eles, embora
tenha havido redução dos impactos ambientais com a desaceleração
econômica causada pela pandemia, se não houver mudanças no modo da
produção capitalista, iremos voltar novamente aos dados alarmantes em
relação às questões ambientais.
Um dos biólogos falou que novos estilos de vida e sentimentos de
empatia foram despertados, etc. Porém, nada muito relacionado à questão de
preservação ambiental. Ressalta que a consciência ambiental ainda precisa
ser estimulada, com discussões mais específicas e conversas mais diretas.
Destacou um segundo biólogo, que é uma mudança parcial, pois muitas
pessoas ainda têm dificuldade de entender que o consumo ou convivência
com animais silvestres é a causa da proliferação de novas doenças.

672 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


Dentre os dois filósofos, um acredita que tenha mudado, mas entende
que seja necessário que essa mudança de consciência se demonstre em
ações práticas de cuidado com a natureza, tais como denunciar queimadas,
não votar naqueles que incentivam politicamente o desmatamento. O outro
acredita que não tenha mudado. Dos 03 ambientalistas, 2/3 disseram que
NÃO e 1/3 disse que SIM. Um deles acredita que não, porque as agressões
à natureza permanecem iguais, ressaltou que são necessários investimentos
em políticas públicas para a preservação da natureza, para um ambiente
saudável e equilibrado. Disse também que é necessária uma sensibilização
e incorporação de novos hábitos de cuidado com o meio ambiente. Já um
segundo respondeu que acredita que sim, pois a pandemia evidencia a
concretude de vários cenários e alertas de estudos de mudanças climáticas
recentes. Um outro avalia que esta reflexão não ficou em evidência, nas
grandes mídias não existem uma conexão entre os fatos (destruição da
natureza e pandemia); deu-se destaque a outros elementos.
De modo geral, entre os 08 especialistas entrevistados, 06 (75%)
responderam que NÃO houve mudanças significativas na consciência
ambiental da população em geral por influência da pandemia de
Coronavírus, embora algumas mudanças de comportamento benéficas ao
meio ambiente e forçadas pelo isolamento social tenham ocorrido, mas
que devem ser passageiras. Um entrevistado respondeu que sim, mas vê
a necessidade da mudança de pensamento se converter em mudança nas
ações práticas em defesa da natureza.
Avaliam que há dificuldade da população em relacionar a ação
humana contra a natureza como causa da Covid-19, bem como com
outras doenças zoonóticas. A grande mídia também não colabora nesse
sentido, não pautando essa discussão em seus veículos de comunicação
de massa. Logo, nota-se que esse é o campo de atuação, para realmente
provocar mudanças reais e definitivas na consciência e práticas ambientais
da população, realizando a educação ambiental tanto nas escolas, como
para a sociedade em geral.
A quinta pergunta direcionada aos alunos e especialistas foi a
seguinte: “Na sua opinião, poderão surgir outras pandemias que

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 673


colocarão em risco a continuidade da espécie humana caso não
haja mudança no comportamento ambiental da população mundial
para preservar a natureza?” Todos os 20 entrevistados (12 alunos e 8
especialistas) responderam SIM (100%). Os alunos do Ensino Fundamental
3/5 alunos avaliam que a população deve ter consciência e tomar atitudes de
preservação da natureza, evitando desmatamento e consequente “invasão”
de animais transmissores na cidade.
Dentre os alunos do Ensino Médio, 2/4 acrescentaram que se não
houver mudanças de pensamento/comportamento do homem em relação
à natureza a situação irá piorar. Entre os 03 alunos do Ensino Superior,
um acrescentou que o negacionismo de alguns diante das possíveis
consequências das ações contra a natureza é grave, e que poderão surgir
várias pandemias. Outro disse que não necessariamente será um vírus a
meaçar a continuidade da espécie humana.
Para os especialistas, no caso os 03 biólogos, um destacou que
somente políticas de preservação da biodiversidade poderão evitar novas
pandemias. Um segundo mencionou que a natureza mostra sinais de
exaustão diante das ações humanas, tão maléficas ao meio ambiente.
A medida que o homem avança na destruição ambiental, a reação da
natureza, em consequência dessas ações, se torna mais danosa ao homem.
Outro destaca que existem vírus e microorganimos patogênicos em grande
quantidade, mas os animais silvestres são reservatórios de muitos que
nós humanos não temos imunidade, por isso há possibilidade de outras
pandemias. Entre os 02 filósofos, um disse que podem surgir doenças
até piores que a Covid-19. Entre os 03 ambientalistas foi ressaltado a
urgência da mudança de comportamento ambiental para evitar que novas
doenças acometam as atuais e futuras gerações.
Logo, conclui-se que é consenso entre todos os entrevistados que se
não ocorrerem mudanças no comportamento da população mundial na
sua relação com o meio ambiente, surgirão outras doenças epidêmicas,
pandêmicas, especialmente pela destruição dos habitats dos animais
portadores de patógenos contra os quais o ser humano não possui
imunidade, fazendo-os migrarem para regiões habitadas. Essa perigosa

674 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


aproximação poderá voltar a desencadear muitas outras doenças de grandes
proporções.
A sexta e última pergunta aplicada aos entrevistados foi “Quais
suas sugestões de mudança de comportamento da população mundial
na relação com o meio ambiente, para evitar novas pandemias ou
catástrofes ambientais? ”
Os alunos do Ensino Fundamental foram unânimes sobre a
necessidade da preservação da natureza (evitando desmatamento,
queimadas, poluição); 01 aluno citou as prevenções sanitárias em locais
públicos e privados para evitar doenças, catástrofes e mortes. Dentre os
alunos do Ensino Médio todos citaram a necessidade da preservação
ambiental, com mudança de comportamento em larga escala, evitando
agressões à natureza e prevenindo as mudanças climáticas. 01 aluno falou
da necessidade de evitar consumo exagerado de energia e água.
Conforme entrevista com os alunos do Ensino Superior, apenas 01
aluno citou a Educação Ambiental, e 02 mencionaram a autoconscientização
sobre a importância dos ecossistemas e da vida de modo geral, como: parar
a produção e descarte incorreto do lixo e esgoto, parar o desmatamento de
áreas verdes, reduzir o uso de recursos naturais, mudar hábitos alimentares,
parar a caça irregular (que não seja para a subsistência). Alem disso, é
necessário a restauração das áreas degradadas, preservação mais ampla das
matas ciliares, conservação da biodiversidade dos biomas e investimento
em tecnologia voltada para o meio ambiente e não queimar o lixo.
Em se tratando dos especialistas, no caso os 03 biólogos,
concentraram-se nas sugestões, conforme exposto a seguir: I - Educação
Ambiental a fim de promover a formação de cidadãos engajados com a
ideia de consciência planetária, II – Mudanças em relação aos hábitos
vinculados aos modos de produção capitalista, III - Políticas públicas
capazes de proteger as florestas tropicais e inibir o comércio e tráfico de
animais selvagens e IV - Manter áreas nativas como ambientes naturais sem
muita interação com populações de seres humanos.
Os filósofos apontaram a educação como meio para transformar essa
realidade. Um citou melhorar a forma da abordagem do tema ambiental

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 675


nas escolas. Outro sugeriu mudanças profundas na formação educacional,
hoje direcionada à busca do resultado, lucros, ganhos (independente
dos meios), destacou que o processo educacional deve ser pautado no
desenvolvimento de valores contrários aos apregoados pela sociedade
capitalista, que incentiva a exploração e destruição da natureza.
Já os ambientalistas se preocuparam mais em dar sugestões novas
atitudes no sentido de promover mudanças efetivas. Um dos entrevistados
falou da necessidade da população criar novos hábitos de cuidado com
meio ambiente (coleta e separação do lixo); da Educação Ambiental como
instrumento de transformação nos diversos espaços (família, escola,
comunidade, etc), e da importância da revisão do Padrão de Consumo
individual e coletivo, diminuindo a demanda por recursos naturais. Outro
cita a necessidade da reeducação de todos, começando pelas atitudes
individuais e chegando aos grandes processos econômicos. Não adianta
mudança no micro, se não há esta intencionalidade no macro. A base é a
compreensão de que o ser humano é parte deste grande sistema vivo e se ele
morrer morreremos juntos.
Logo, as sugestões de mudanças no comportamento da humanidade
na sua relação com o meio ambiente foram ricas e variadas. Entre os
alunos de todos os níveis (Fundamental, Médio e Superior) predominaram
sugestões mais práticas e objetivas, como evitar desmatamento, poluição e a
consequente invasão dos animais às regiões habitadas. Entre os especialistas,
predominaram sugestões relacionadas à Educação Ambiental, a repensar
o modelo econômico adotado, a mudanças nos padrões de consumo, as
alterações no próprio formato do ensino (muito voltado para fazê-los se
encaixar e a reproduzir o sistema falho e destruidor da natureza).

PANDEMIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Toda crise é, acima de tudo, uma oportunidade para repensar, mudar


de comportamento, a fim de superá-la e evoluirmos perante as adversidades.
Desse modo, o momento atual e futuro são de busca de soluções, para
a construção de uma relação mais respeitosa e saudável entre homem e
natureza. Els Lagrou defende que:

676 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


a grande rede que conecta humanos e não humanos é a causa e a solução
para o problema. Diz que vivemos, em escala planetária, um problema
em comum; logo sua solução também terá de ser comum. Virá da troca
interdisciplinar e internacional de informações, mas virá sobretudo do
que podemos aprender de outras tradições de pensamento que não se
construíram sobre a separação dualista entre natureza e cultura. (LAGROU,
2020, p. 5).

A autora ressalta que não é pelo fato da ingestão por parte dos
humanos, de carne determinados animais como suínos, aves e até morcegos
a origem das doenças e das pandemias que se espalham pelo planeta,
afetando a população mundial. A causa das doenças, dos problemas
ambientais e das pandemias no passado não muito distante das pandemias
contemporâneas se deve a forma como a sociedade produz seu alimento
e como nesse processo destrói as florestas, habitat dos animais silvestres
que desalojados do seu habitat natural se misturam com os humanos e
assim os vírus que antes viviam nesses animais se espalham e contaminam
os humanos. Para Lagrou, trata-se de uma insurgência dos animais, das
plantas e de Gaia.
Diversos pesquisadores, pensadores, militantes da causa ambiental
e especialmente estudantes de diferentes níveis de ensino (Fundamental,
Médio e Superior), a percepção dessa “lição” que a natureza está nos
passando e se já houve influência real no seu pensamento/comportamento
em relação à natureza, reforçando sua consciência ambiental. Consciência
essa que deve ser instigada nos espaços de ensino/aprendizagem formais e
informais (na escola, meios de comunicação, campanhas, palestras...) por
meio da Educação Ambiental.
Souza (2020) argumenta que a Educação Ambiental deve se
constituir de espaços e oportunidades de interações entre os indivíduos,
pois contribuem, dessa forma, para propiciar engajamento nas atividades de
grupo, nas ações coletivas. Com isso, o espaço da escola se transforma num
centro de múltiplas atividades e teia de relações colaborativas orientadas
para a emancipação dos aprisionamentos imposto pela sociedade de
consumo. Tal orientação de uma Educação Ambiental multidimensional

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 677


ser inserida em em todas as modalidades de ensino, já que que se projeta no
presente e no futuro, visando transformações sociais de alcance para toda
a comunidade.
Tal modalidade de educação consta na Legislação Brasileira, que
garante a inclusão cuja definição na Lei nº 9.795/99, em seu Artigo 1º;

são os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem


valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes competências voltadas
para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial
à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, Ministério da
Educação e do Desporto, 1999).

Segundo Medeiros et al (2011), as instituições de ensino esboçam uma


certa consciência da necessidade de trabalhar sobre as questões ambientais
sendo apresentadas muitas iniciativas desenvolvidas envolvendo a temática
ambiental incorporada nos programas de educação como tema transversal
dos currículos de todos os níveis de ensino de modo que abarcam prática
educativa de forma ampla. O autor chama a atenção ainda que no ano de
1997 o Ministério da Educação apresentou uma nova proposta curricular
chamada de Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s, na qual o meio
ambiente figura como um tema transversal nos currículos do Ensino
Fundamental, isto é, de 1ª a 8ª séries.
Rodrigues e Costa (apud SILVA, 2012) conceituam educação
ambiental como um processo permanente onde tanto os indivíduos quanto
a comunidade tomam consciência do seu contexto ambiental e incorporam
um conjunto de conhecimentos, habilidades, valores e experiências que
os tornam capazes de se situar e agir individualmente ou coletivamente
na procura por soluções para os problemas ambientais do presente e do
futuro. É, somente através de um novo olhar despertado por ações de
conscientização ecológica que conseguiremos mudar o pensamento e,
principalmente, o comportamento da população, para que uma convivência
mais equilibrada e harmoniosa entre o homem e a natureza seja enfim
alcançada.

678 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A grande pergunta geradora desse trabalho (há influência da


pandemia do novo Coronavírus no despertar da consciência ambiental na
comunidade escolar?) foi respondida pelos 12 alunos entrevistados dos 3
níveis de ensino (Fundamental, Médio e Superior) em sua grande maioria
disseram que sim, ou seja, que há essa influência, que se sentem provocados
a mudar seu comportamento na relação com a natureza.
Porém, entre os especialistas entrevistados (biólogos, filósofos
e ambientalistas), que lançaram uma visão externa sobre como notam
essa influência na sociedade em geral, essa percepção é contrária, de que
rigorosamente não ocorre essa influência, especialmente porque os meios
de comunicação de massa (fonte primária de informações da maioria da
população) não fazem a relação entre a ação humana sobre a natureza e o
surgimento da Covid-19 e outras doenças.
Considerando a “margem de erro” da pesquisa, bem como a percepção
inversa dos “especialistas” entrevistados, abre-se a possibilidade de que as
respostas dos alunos tenham sido uma indução do próprio questionário
e da maneira como foi construído. Desse modo, uma conclusão possível
é que as pessoas, em sua maioria, não conseguem relacionar muitos
problemas que enfrentamos e que são consequências das ações humanas
de destruição da natureza, como tal, a menos que sejam provocados e
instigadas a refletirem, e isso se faz com Educação Ambiental, tanto nos
ambientes formais (como a própria escola) quanto informais (pelos meios
de comunicação, organizações e movimentos sociais).
Identificamos na pesquisa bibliográfica a constatação científica da
influência da
destruição da natureza no surgimento do Coronavírus e outras
doenças. Portanto, para evitá- las é necessário mudança na consciência
ambiental e no comportamento da população na sua relação com a
natureza. Os resultados alcançados por esse trabalho dão pistas para ações
efetivas que venham a contribuir para que as mudanças de pensamento
sentidas pela maioria dos alunos pesquisados, se estendam para o restante
da comunidade escolar e para a sociedade em geral.

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 679


Para tanto, é fundamental ações de Educação Ambiental dentro
do ambiente escolar, mídias sociais, através dos meios de comunicação,
envolvendo toda a sociedade numa profunda reflexão que nos faça repensar
o próprio modelo econômico adotado, que se assim continuar, nos levará
a enfrentar novas doenças zoonóticas, epidemias, pandemias e catástrofes
ambientais que ameaçará, ou mesmo causará, o fim da espécie humana na
Terra.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto, Lei nº. 9.795, de 27 de abril de


1999. Dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política Nacional de Educação
Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do
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682 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


SOBRE OS/AS ORGANIZADORES/AS

ÂNGELA MARIA DE SOUSA LIMA


Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP;
Mestra em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná - UFPR;
Especialista em Sociologia para o Ensino Médio e Graduada em Ciências Sociais
pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Fez estágio de Pós-doutorado no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá
(UEM), na Linha de Pesquisa Políticas e Gestão em Educação. Foi coordenadora
do Prodocência (CAPES) na UEL. Ocupou o cargo de Pró-reitora de Graduação
da UEL/PR no período de 2014 a 2016. Atua na Área de Metodologia e Prática de
Ensino de Sociologia, no Curso de Graduação em Ciências Sociais (Licenciatura e
Bacharelado); no Curso de Pós-Graduação PPGSOC/UEL (Mestrado e Doutorado
em Sociologia), na linha de Pesquisa: Desigualdades, Cidadania e Cultura, no
Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (PROFSOCIO) e na
Especialização “Ensino de Sociologia”, todos do Departamento de Ciências
Sociais. Coordenou o PPGSOC de 2019 a 2021. É colaboradora no LENPES/
UEL (Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de Sociologia) e no GEDUC/
UEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Básica e Superior). Integrante
do FOPE (Fórum Permanente das Licenciaturas da UEL) e do NDE (Núcleo
Docente Estruturante) no Departamento. É professora associada e Supervisora de
Estágio Curricular de Sociologia nas escolas públicas de Ensino Médio. Contato:
angellamaria@uel.br

ANGÉLICA LYRA DE ARAÚJO


Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho - Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara (2016); Mestre em
Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (2007); Especialista
em Comunicação Popular e Comunitária (2004); Graduada em Ciências Sociais
(licenciatura e bacharel) pela Universidade Estadual de Londrina (2002), Graduada
em Pedagogia, pela UNINTER (2020) e Mestranda do PPEDU-UEL. Possui
experiência como Professora de Sociologia, Metodologia Científica e Elaboração
e Análise de Projetos para o Ensino Médio e Pós-Médio da Rede Estadual de
Educação. Atua no Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional, do
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina e
participa como Colaborada do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de
Sociologia (LENPES). Contato: lyradearaujo@gmail.com

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 683


ADRIANA REGINA DE JESUS
Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutorado
em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-Doutorado
em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Docente do Departamento
de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Londrina. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual de Londrina. Coordenadora dos Programas
de Educação da Região Sul do Estado do Paraná - FORPRED. Líder do Grupo
de Pesquisa: Currículo, Formação e Trabalho Docente. Avaliadora do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Contato: adrianar@uel.br

JOSÉ ANTONIO RIBEIRO DE CARVALHO


Possui graduação em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal do
Maranhão (1982) e mestrado em Administração pela Universidade Federal de
Santa Catarina (2001). Tem o parecer Nº65/90 do Ministério Educacional da
Educação (MEC) de professor Especialista de Sociologia. Atualmente é professor
Assistente IV da Universidade Estadual do Maranhão e Foi orientador de iniciação
científica da Universidade Federal do Maranhão. Foi diretor do Curso de Ciências
Sociais Bacharelado e do Curso de Ciências Sociais Licenciatura entre 2015 e
2018. Atuou como sub-coordenador do Programa de Iniciação à Docência -
PIBID. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: Sociologia da Educação, Gestão Pública,
Religião Afro-brasileira, Política Cultural e Discriminação, e Segurança-Pública.
Atualmente é professor de Práticas curriculares na dimensão política e social,
educacional e escolar. Supervisor de estágio em Ciências Sociais Licenciatura. Foi
sub-coordenador do programa “Residência Pedagógica” na área de Sociologia, na
UEMA. Contato: josearc5@yahoo.com.br

HELCIANE DE FÁTIMA ABREU ARAUJO


Graduada em comunicação social bacharelado e ciências sociais bacharelado pela
Universidade Federal do Maranhão -UFMA; mestre em Políticas Públicas, pela
UFMA; doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará; professora
adjunta IV da Universidade Estadual do Maranhão, lotada no Departamento
de Ciências Sociais, em São Luís; professora permanente do Programa de Pós-
Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia. Atualmente atua como
diretora do curso de Ciências Sociais Licenciatura do Programa Ensinar Formação
de Professores da UEMA. Como pesquisadora, tem realizado estudos sobre memória

684 Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia


e narrativas de grupos camponeses e mulheres quebradeiras de coco babaçu sobre
suas trajetórias e lutas sociais face a implantação de megaempreendimentos e
avanço do agronegócio e da agroindústria na Amazônia e na região ecológica do
babaçu. Contato: helcianearaujo@hotmail.com

ARYDIMAR VASCONCELOS GAIOSO


Doutora em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia; professora do
Departamento de História e Geografia do Centro de Estudos Superiores de
Caxias da Universidade Estadual do Maranhão; professora do Programa de Pós-
Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia – PPGCSPA/UEMA.
Contato: arydimargaioso@professor.uema.br

Formação e atuação docente no Paraná e no Maranhão em tempos de pandemia 685

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