You are on page 1of 107
Iberto da Costa e Silva sonhava es- crever este livro desde os seus 15 ou 16 anos, quando soube pela primeira ver de Francisco Félix de Souza, Daquela épo- ca até agora, juntou serenamente fragmentos da vida do mercador de escravos: noticias de documentos, testemunhos de contempora- neos, memérias intimeras vezes reconstruidas que se conservaram em Ajuda e Abomé, tex- tos de historiadores e varias imagens recolhi- das em suas viagens aquelas cidades. Munido da grande tarefa do historiador de reunir os fatos, ainda que insuficientes, contraditérios e lendarios, Alberto da Costa e Silva, pesquisador cuidadoso e analista percuciente, conferiu forma, coeréncia e rumo a historia e construiu uma ditosa nar- rativa em que busca recriar ou imitar 0 passado, aliando anos de uma vida dedica- da ao estudo da historia da Africa a co- mogao e as minticias de um relato esbocado durante tantos anos. Autor de classicos da historiografia afri- cana como A enxada ea langa e A manilha e 0 libambo, considerado pelo exigente critico Wilson Martins e por muitos outros *o maior africandlogo em lingua portuguesa’, Alberto da Costa ¢ Silva nos brinda, mais uma vez, com este Francisco Félix de Souza, mercador de escravos, em que encontramos as mes- mas qualidades, a mesma erudiga0, a mesma legitimidade com que concebeu toda a sua obra, centrada no mais vernaculo uso da lin- guagem, elemento diferenciador da sua arte do bem contar. Este primoroso retrato de Francisco Félix de Souza, pintado por Alberto da Costa e Silva, representa a realizacao de um sonho de menino, maturado pelos conhecimentos vastamente acumulados pelo autor ao longo de sua vida, e se soma, assim como a cole- 1dnea Um rio chamado Atléntico, & obra que corroborou seu nome junto Ho das malores a Ureldan Fratus Cline, Ce Ut dn ablragn do Jen auuwge tk Oe a an atleto pa coyta 1 WWE Rie, 18-6. 2004 rrr SOSSOO SAS SESESHESORSEESESESOH OD ODES SSECEEOEEDOES OE A ROITORA Ovi © 2004 by Alberto Vasconcellos da Costa ¢ Silva Direitos de edigio da obra em lingua portuguesa adquiridos pela Enrroaa Nova FRONTERAS.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma ‘parte desta obra pode ser apropriads ¢ estocada em sistema de anco de dados ow processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrbnico, de fotoedpia, gravagio ete, sem a permissio do detentor do copieraite. Eprroga Nova FRONTERAS.A, Rus Bambina, 25 — Botafogo ~ 2251-050 Rio de Jancito — RJ ~ Brasil ‘Tel: (21) 2131-IIL1 ~ Fax: (21) 2537-2659 fe ener eet ‘e-mail: sac@novaftonteita.com.br BbUER)—Borrora nk Univensinané po Es4D0 po Rio JANEIRO Rua Séo Francisco Xavier, S24 ~ Maracan ~ 20550-013 Rio de Janeiro ~ RJ ~ Brasil Tel. / Fax: (21) 2587-7788 / 2587-7789 herp: / /worw2.uer.br/eduer) coma eduerj@uerjbr CEP-Brasl, Catalogasio-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. S58F Silva, Alberto da Costa e Francisco Félix de Souza, mercador de eseravos / Alberto da Costa e Silva, = Rio de Janeiro : Nova Fron- keira: EAUER], 2004 Inclui bibliografia ISBN 85-209-1651-1 (Nova Fronteird) ISBN 85-751 1-065-9 (EAUER]) 1, Souza, Francisco Félix de, 1754-18492 2. Excravos — Comércio ~ Benim (Africa) ~ Historia, 3, Escravos — ‘Tritico ~ Histéria, . Titulo. DD 966.8301 DU 94(668.2) Prefiicio ‘ite livrinho no teria sido escrito sem Nina Rodrigues, Pierre Verger ¢ Robin Law, No entanto, sonhei escrevé-lo desde os meus 15 ou 16 , quando pela primeira vez soube de Francisco Félix de Souza. De 1946 1947 até agora, fui guardando, sem pressa, mas com um preciso destino, urlagos que sobraram de sua vida: noticias sobre um punhado de docu- (08; alguns testemunhos de contemporancos, que quase sempre o conhe- na yelhice; as memérias que dele se conservaram em Ajuda e Abomé, gadas pelo tempo e estropiadas ou reconstrufdas pelas sempre mudaveis Weniéncias e circunsténcias; as imagens que recolhi nas minhas viagens Jas cidades; € os varios pardgrafos que os historiadores contempora- ‘cle reservaram. Muito pouco — pensei mais de uma yez — para ir de fandagio para um livro. Mas logo me contrariei, pois, afinal, esta tarefa de quem escreve histéria: juntar o que se tem pot fatos, ainda que ificientes, eivados de fabulagées ou contraditérios, e procurar dar-lhes |, coeréncia, movimento e, se possivel, rumo, no vao intento de recriar imitar o passado. Na primavera de 1998, com muitas das paginas deste livro j4 com- las, quase que dele desisti, Estévamos, Robin Law e eu, hospedados em a de Edna G. Bay, em Atlanta, na Geérgia, e Law me contou que se slicaya, no momento, A figura de Francisco Félix de Souza, que, por coin- léncia, era também objeto de meus cuidados. Sobre ela, Law viria a escre- uum longo e excelente artigo, que traduzi, para publicagio no Brasil. havia mais, argumentei contra mim mesmo, motiyo para continuar a 6 Alberto da (Costa e Silva debrucar-me sobre esta personagem, quando dela estava tratando quem mais sabe, a meu juizo, da historia da Costa dos Escravos. Porém 0 meninote que continua dentro de mim protestout cada um de nés desenha com riscas diferentes o retrato de uma pessoa, ¢ ele no se dispunha a consentir que et abandonasse 0 esbogo que vinha tragando havia tantos anos. O que vemos — Iembrou-me esta banalidade — depende de como olhamos. E podemos até mesmo ver de forma iiiltipla, como aqueles artistas do barroco que; numa inesperada metéfora da Trindade, pintavam 0 Cristo com seus dois perfis, 0 da direita e o da esquerda, a se juntarem ao rosto que nos olha, ou como Clévis Graciano, que, a seguir a liso, pintou um auto-retrato com seu rosto a desdobrar-se de fiente ¢ de perfil, ou, ainda, como Paul Claudel, no set inesquecivel poema “Le Crucifix”, a contemplar, de modo distinto, mas confluente na sua comosio, primeiro de um lado e, depois, do outro, a cabeca de Jesus. Continuei, por isso, a fazer o meu retrato de Francisco Flix de Souza, tendo por fundo a paisagem de seu tempo — e este retrato aqui esti, neste pequeno livro, com 0 qual, na vethice, completo um dos sonhos acordados de minha adolescéncia, a dar razdio a Maquiavel, quando,” numa carta de 1513 a Soldetini, afirmou que “iascuno secondo Ia sua fantasia st overna”. Assim foi e assim seja. Rio de Janeiro, em 3 de dezembro de 2003. — Francisco Félix de Souza, Oleo de autor desconhecido, que figuava no galeria dos chachds, ‘om Ajudd. (Reproduzido de Le Pacte de sang au Dahomey, de Paul Hazoumé.) ste € © quarto de Francisco Félix de Souza. Nao repare nos descasca- dos ¢ nas manchas das paredes. Cuide da cama portuguesa, de madeira (nio sei se pau-ferro, jacaranda ou mogno), ressequida e fosca por i de verniz, de cera ou de dleo. Ha lascas neste torneado e falta um. igo naquela pinha ou carapeta, no alto do baldaquino que sustentava 0 liteito. O dono do feito jaz ao lado, sob uma campa em cuja cabecei- gue a imagem do santo de seu nome e devosio. Sepultaram-no como principe da terra. E dentro de casa, a daomeana. No que me dizem teria © seu quarto. Duas senhoras idosas zelam 0 timulo, Nao va um cabrito, uma gali- ui um rato entrar no cémodo, que é também santudrio. Nenhuma das se incomoda em espanar a pocira, mas uma e outra poem cuidado e 0 nos jarros de flores frescas junto a campa, que contrastam com outras, de plastico, ao pé do santo. As rosas de plistico vieram da Europa. jeito de arrumar em mo- ‘estes copos-de-leite ¢ estas palmas-de-santa-tita, também. Mas por via fasil. No golfo do Benim @ em outras partes da Africa, nao se cultiva- nem cortavam flores — 0 que se refletiria no parco vocabulario sobre nas linguas afticanas ¢ na austncia de perfumes feitos localmente.! « pedago do mundo, as flores no adornayam as casas, no alegravam tas, nem acompanhavam os enterros. Foram os comerciantes brasilei- © 08 ex-escrayos retornados do outro lado do Atlintico os primeiros a las flores, embora com parciménia e recato, parte de seu quotidiano. 10 <> Alberto da Costa ¢ | Para os da terra, uma extravag’ncia a mais. Para os chegados do Brasil, mais um modo de marcar a diferenga. Ainda hoje, uma casa de descendentes de brasileiros distingue-se das demais, entre outras particularidades, por pos- suit um jardim, um canteiro de flores e por exibi-las, cortadas, num jarro sobre a mesa, Forgoso era ser distinto também apés a morte. Se no cré no que afirmo, olhe pela janela. Vera o pequeno cemitério, quase um quintal dos mortos, em que esto enterrados os Souza, seus parentes por afinidade e alguns de seus agregados e amigos. Em tudo semelhante a um campo-santo de cidadezinha brasileira, as cruzes encimam as campas caiadas de branco, com lipides ¢ imagens protetoras. Faltam jazigos ¢ mausoléus dos tipos que vi em outra necrépole de brasileitos na Africa — pois brasileiro, tanto para portugueses quanto para africanos, era no s6 0 nascido no Brasil, mas | igualmente quem no Brasil trabalhara ou vivera, Estou a lembrar-me de Mogimedes (hoje Namibe), com os restos dos que para la emigraram do Recife, a partir do “mata-marinheiro” que acompanhou a Revolugio Praieira. E com lipides com dizeres como estes: “Aqui jazem os restos mortées / de / Anna Clara de Souza Guimaries / natural de Pernambuco / nasceu a 24 agosto de 1806 / falleceu a 26 d'agosto de 1885 / e seus netos / Jo%o da Costa Mangericio / natural de Pernambuco / nasceu a 18 de janeiro de 1854 / falleceu a 22 de marco de 1884 / Joaquim A. d'Oliveira Luzo / natural de Pernambuco / nasceu a I d’outubro de 1867 / falleceu a 15 abril de 1890.” Ou como estes: “Aqui jaz / Manoel José da Costa / nascido em Pernambuco / a 6 de novembro de 1848. / E fallecido n'esta villa / a8 de margo de 1906. / Filho de / José Joaquim da Costa / e de D. Francisca Alexandrina / da Silva e Costa.” Na mesma cidade, h4 um outro cemitério, bem diferente, com sepul- turas de pedra, qualificadas por Gilberto Freyre como afro-cristas.? Nao passam, em regra, de uma lapide vertical, com cerca de um metro de altura. No alto, vé-se uma cruz de desenho complicado (a de Avis, a de Sao Jorge _ ou a trilobada) ¢, embaixo, relevos de figuras humanas (uma Madona a amamentar 0 Menino, um grupo de pessoas a olhar-nos de frente, uma familia em roupas domingueiras) ou de instrumentos de trabalho (um mar- telo, uma enxada, um serrote), tudo pintado em cores vivas, em azuis, ver melhos, verdes ¢ amarelos. Nesse tiltimo caso, transplantou-se para a lépide a antiga norma de colocar sobre a tumba as insignias do oficio do motto. Francisco Féic de Souza, mercador de escravos <>? LL | o costume registrado, na metade do século XVII, pelo capuchinho anni Antonio Cavazzi de Monteccticolo, na sua Descrigio bistérica dos wés is do Congo, Matamba ¢ Angola:’ punham-se sobre os timulos dos nobres cadeira, 0 arco, as flechas ¢ outros objetos de seu uso; sobre os dos hous, caveiras de feras para um cagador, citara ou tambores para um mui- , martelo ¢ bigorna para um ferreiro. No cemitério visitado por Gilber- Preyte, diante de cada Iapide, havia um pequeno recipiente, para reco- , nao flotes, mas oferendas ao defunto: a bebida e a comida de praxe em parte da Africa tradicional. Para esse campo-santo, onde nio se entet- juin os patrées brancos, iam os seus ex-escravos ¢ servigais, bem como os Jeanos cristianizados. Se o defunto era importante, podia merecer sepul- ainda mais requintada: um bloco alto, encimado por imagem de santo dele proprio, de pé ou sentado. Bste tiltimo tipo de monumento funeratio, embora muito mais sole- © As vezes, mais barroco, é freqiiente no sul da Nigéria, O cimulo rema- por uma grande escultura em cimento colorido, com a figura do mor- derivaria, ao que se pensa, da influéncia brasileira, dos sepulcros de more que se encomendavam em Salvador, Rio de Janeiro, Recife, Lis- oui Porto, ¢ que se véem em Ajudé, Mosimedes ou Lagos, com inscri- a dizer-nos, em portugues, francés ou inglés, que Francisco, George, nuel Joaquim, Ifigénia, Angelina ou Cirilo nasceram na Paraiba, em Minas ais, em Pernambuco ou na Bahia, ou que voltaram do Brasil no ano tal, se o retorno a Africa representasse um novo nascimento. Quem passa pela frente do cemitério de Ikoyi, em Lagos, tem logo te dos olhos, sobre um soco alto, a figura em cimento de uma senhora luda, A imagem desta que foi, conforme me afiangou um de seus netos, \ rica de um brasileiro, ¢ encantadora em seu realismo ingénuo € litico. vestida de verde branco, pano-da-costa sobre os ombtos, turbante worado, reldgio de pulso de ouro ¢ sandélias nos pés, ela parece conver- feliz, com a morte: Para uma estitva como esta, cm tamanho natural, moldada em ci- © fiesco sobre um arcabougo de varinhas de ferro, nfo haveria espago nectopole semidoméstica dos Souza, espremida, a bem dizer, num dos do casatio, 0 Singbomey, no “Quartier Brésil”, um dos bairros “bra- ros" da cidade, chamada pelos da terra Glehue (Glehué, Gléhoué, Gléwhé, lewe, Grégous, Grigwe ou Gregoy). 12 <> Alberto da Costa e Silva Ajudé era o nome do reino — na realidade, HuedA (ou Xweda) —, com capital em Savi, Sabee, Sahe ou Xavier, a que Glehue pertencia, mas a palavra acabou por aplicat-se 4 cidade. B foi nesta Ajud4, Ajuda, Uidé, Juda, Juda, Ouidah, Whydah ou Fida, e neste bairro, e neste local que tiveram fim, em 8 de maio de 1849, os dias africanos de Francisco Félix de Souza, © que nfo sabemos com certeza é quando, como e onde comegaram. Sua descendéncia assegura que veio ao mundo em 4 de outubro de 1754 — e foi a4 de outubro de 1954 que se comemorou o seu segundo centendrio.! Um comerciante inglés, Thomas Hutton, que com ele tratou pessoalmente, o tem, contudo, por 14 anos mais novo e € possivel que tenha ouyido do proprio Francisco Félix que este chegou a Africa em 1792 com 24 anos de idade.5 Nesse caso, seria de 1768. Nasceu em Salvador, como ele prdprio deixou claro — “Digo eu Francisco Felis de Souza natural da cidade da Bahia e Rezidente neste Porto de Ajudé (...)” — na carta de alforria de uma escrava, em 1844.6 Nao era, portanto, natural do Rio de Janeiro, como muitas vezes se sugerit,” nem da Ilha Grande,’ nem portugués de nascimento.? Tampouco era espa~ nhol, com propriedades em Havana, como afirmaram dois britinicos que teriam comerciado com ele! e como o proprio Francisco Félix insinuaria, numa ou noutra conversa, para dar-se ares de importincia.!! Era baiano, conforme declarou expressamente,!? Ainda que, como os demais brasileiros até 1822, stidito do rei de Portugal. De seus pais ¢ avés, tudo ignoramos. Certas tradigdes familiares fa- zem-no filho ou neto de portugués ¢ de india do Amazonas, que podia ser também uma cabocla ou cafuza. H4 quem o diga branco! ou o tenha por mulato! € com costela escrava. Mulato claro. Ou mestigo indefinido — para mim, o mais provavel. Nem sequer falta quem aceite as fantasias genealdgicas de seus descendentes ¢ reivindique como seu antepassado 0 governador-geral Tomé de Sousa.!5 Em Salvador, aprendeu o suficiente para tornar-se depois guarda- livros do almoxarife ¢ escrivao do entreposto e forte portugués de Ajud’. E talvez tivesse estudado mais do que para isso. Pelo menos foi o que con- cluiu Pierre Verger, apés examinar uma reclamagio redigida, em 1806, por Francisco Félix contra os atropelos causados pelas autoridades da Cidade do Cabo ao comandante do bergantim Canoa. No texto, escreve Verger, revelam-se “suficientes e sdlidas nogdes do direito das pessoas e um perfei- 13 Francisco Félix de Souza, mercador de escravos conhecimento das leis”.16 Nao tinha razio, portanto, o negreiro ‘ophilus Conneau (mais conhecido como Theodore Canot), quando o jou analfabeto e dele disse que era incapaz de ler uma fatura? A meméria familiar registra que Francisco Félix chegou 4 Africa em 88, como comandante da fortaleza de So Joao Batista de Ajudé.!® Ou antes, em 1779.9 A Archibald Ridway,2° 0 proprio Francisco Félix in dito que em 1793, um ano depois do consignado por Thomas ton?! As mis linguas da época diziam que foragido ou prosctito — e ce num relatério britinico de 1821 como “um renegado... banido dos is” 22 Por haver desettado do Exército, segundo Canot. Por crime ltico, tendo, por isso, de escolher entre o chrcere ¢ © exilio, como afirma dlerick E. Forbes.24 Por moedeito falso e agitador, conforme Edouard 28 Ou simplesmente — sugeriu Richard Burton’® — como um labrego aipira a aventurar-se mundo afora. Na familia, corre a historia de que 11 sido capitao-de-fragata27 ou comandante de navio negreiro,?® mas hum dos europeus que o visitaram — varios deles oficiais de marinha menciona o fato ou relata uma s6 conversa sobre temas do mar. Thomas litton apresentou um motivo mais prosaico: Francisco Félix fora pata a josta como secretério do forte portugués em Ajud’2? E, em nossos dias, ne Verger retomou a idéia ¢ insistiu em que Francisco Félix seguiu para Aftica como funcionatio da Coroa, ainda que funciondrio menor: simples jiintela-livros do almoxarife ¢ escrivio do forte. Por comprovante, apresen- {i um documento emitido no Rio de Janeiro, em 9 de abril de 1821, no ‘qui se comunica & Junta Provis6ria do Governo da Provincia da Bahia que tel de Portugal, “atendendo a stiplica que fez subir a Sua Real Presenga cisco Félix de Souza, que por muitos anos tem servido com préstimo jo na fortaleza de Sao Joao Baptista de Ajucé na Costa da Mina”, dé-The jeenga para se recolher a essa Cidade da Bahia, trazendo consigo aquela Jurte de seus escravos que se julgarem préprios de seu servigo pessoal” %° Leio ¢ releio 0 documento. Nao encontro nele nada que demonstre Wer gaido Francisco Félix de Souza de sua terra para ir ocupat, numa das ‘artes mais insalubres da Africa, um emprego reles numa feitoria despreza- tli do império portugués. Parece-me muito mais provavel que tenha sido ‘Mvegimentado para o cargo quando ja no golfo do Benim, fosse como ‘fomereiante, profugo ou deportado, As duas tiltimas hipéteses casam me- com a confissio que fez = mas talyez gostasse de multiplicar as ver 14 <> Alberto da Costa e Silva sdes das lendas que o cercaram em vida — ao missiondrio metodista Thomas Birch Freeman.*! Contou-lhe que chegara 4 Africa tio pobrezinho de Deus, que recolhia, para manter-se, os cauris que a gente da terra deixava na base dos fetiches. Sua condigao de foragide ou desterrado nao lhe vedaria, alias, © servigo na fortaleza, Bem sabemos nio ser incomum, na Costa e na Con- tracosta, dada a falta de gente capaz. de atender as necessidades coloniais, 0 assumirem degredados papéis importantes ¢ até mesmo fungdes piblicas. Basta lembrar os destinos afticanos de alguns dos sentenciados ao desterro por envolvimento na Inconfidéncia Mineira: Tomas Anténio Gonzaga, por exemplo, foi logo nomeado, na Ilha de Mogambique, promotor do juizo da fazenda de defuntos e ausentes. A mim, parece-me estranho que um homem ja entdo prdspero e sem- pte mio aberta se tivesse dado ao risco ¢ ao incémodo de dirigit uma peti- ¢4o ao rei apenas para que esse Ihe permitisse descer os seus escravos na Bahia, sem pagar dizeitos, Talvez a parte sobre escravos da stiplica que fez subir a Sua Majestade fosse ancilar 4 principal, a de que se lhe autorizasse — o que nao deixa de ser esdrixulo — a deixar um posto abandonado pela Cotoa ¢ do qual havia cuidado por iniciativa prépria, sem receber qualquer soldo, ou ainda — o que tenho por mais provavel — que se permitisse, em paga dos servisos prestados na fortaleza, o regresso A sua terra, da qual certa malfeitoria o obrigara a ir-se. (Se houvesse, semelhante ao de exclamagio, um ponto de dtivida, com ele eu terminaria este periodo. Nio afirmo; especulo, Com a mesma falta de evidéncias de quem pensa o contrério.) No forte, o seu nome aparece pela primeira vez num livro de termos € procuragdes, que o tenente Carlos Eugénio Corréa da Silva’? ali consul- tou em 1865: Francisco Félix de Souza assina como tabeliio um poder, datado de 1803, em que um oficial manifesta a vontade de receber os seus soldos na Corte, em vez de em Ajuda. Esse documento nio substitui, con- tudo, um texto, nfio encontrado até agora, do qual conste quando Francis- co Félix deu inicio ao trabalho na feitoria, ou que nos indique quando chegou pela primeira vez a chamada Costa dos Escravos. Em 1788 — repito —, dizem os Souza de Ajud. Ou 1789, confor- me um documento, em poder da familia, que data desse ano a sua chegada a Anexd, Anecho, Aného ou Popé Pequeno (no atual Togo). Parece muito mais provavel que sé tenha descido na Costa em 1792 ou 1793, mas 1) Francisco Flix de Souza, mercador de escraves | seguramente, como ditetor ou comandante do forte portugues, pois se chamou, entre 1782 e 1795,4 Francisco Anténio Fonseca e Aragio We pot sucessores, até 1803, Manoel de Bastos Varela Pinto Pacheco ¢ ly interinos, José Ferreira de Araitjo e José Joaquim Marques da Graga. Se seu primeizo destino na Africa foi a fortaleza de Sio Joiio Batista, nam as tradigées que Francisco Félix de Souza dela pronto se afastaria também da cidade de Ajuda, chamando, para substitui-lo, um irmao, Inacio, euja presenga na Costa nao hA registro. Segundo outra hist6ria, ele teria Vido o emprego a Jacinto José de Souza, de quem, ao que se alega, seria \bém irmao.5 Francisco j4 se encontrava, porém, a servigo no forte um. antes da nomeagao de Jacinto. Este foi designado diretor da feitoria fevereiro de 1804 e motreu menos de um ano depois.3* Francisco — iese em Ajuda —, ofuscado pelos grandes lucros do comércio de escra- , teria desistido, em pouco tempo, do emprego na fortaleza e se encami- jhado para Badagry (Badagre, Badagri, Badagris, Agbadagry, Agbadarigi ui Agbethegte), onde instalou um entreposto negreiro chamado Adjido (ou Ajido)2” 16 <> Alberto da Costa ¢ Silva Notas 1 Como sugere Jack Goody em The Culture of Flowers (Cambridge: Cambridge University Press, 1993). A idéia desse livro nasceu em Goody da auséncia de flores no dia-a-dia africano. Em toruo de alguns timules afro-cristies, Salvador: Livraria Progresso Editora / Universidade da Bahia, s.d. [1959]. Trad., notas e indices do Pe. Graciano Maria de Leguzzano, Lisboa: Junta de Investigacées do Ultramar, 1965, y. I, p. 127. De uma espécie de santinho, distribuido durante as festividades, consta, embaixo do retrato de Francisco Félix de Souza, a seguinte inscrigao: “200% anniversaire de naissance de Don Francisco Félix de Souza, Chacha, 1754- 1954.” Carta de Thomas Hutton a seu tio, W.M. Hutton, escrita em Cape Coast ¢ datada de 7 agosto de 1850, em [Tim Coates], King Guezo of Daborney, 1850- 52; the Abolition of Slave Trade on tke West Coast of Africa, Londres: The Stationary Office (Uncovered Editions), 2001, p. 96. Documento que estava, em 1945, em poder de Hilério de Souza, em Ajuda, € que foi transcrito pelo entéo comandante do forte portugués de S. Joo Batista de Ajudé, capitio Carlos de Serpa Soares, em "O forte de S, Joto Ba- tista de Ajuda”, nos n° 11-12 do v. 64 (1948) do Bolerim da Sociedade de Geogra- fia de Lisboa, E nascido no Rio dizem-no Theodore Canot [Adventures of an African Slaver, conforme a versio de Brantz. Mayer, Nova York: Dover, 1969 (a I* ed. é de 1854), p. 262], Bazile Féris (La Cite des Esclaves, Paris: Archives de Médecine Navale, 1879), A.B. Ellis (“History of Dahomi”, em Ewe-Speaking Peoples, Londres, 1880, p. 307) ¢ Nina Rodrigues, que se louva nos dois anteriores [Os africanos no Brasil, revisio e prefacio de Homero Pires, Sio Paulo: Com- panhia Edicora Nacional (Brasiliana), 1932, p. 45]. Como escreveu, sem citar a fonte, Hugh Thomas, The Slave Trade: the History of the Adlantic Slave Trade: 1440-1870, Londres: Picador, 1997, p. 696. Hipétese que parece aceitar Luis Henrique Dias Tavares, nas notas a 3* ed, de O negro na Babia, de Luis Viana Filho, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 124. Francisco Felix de Souza, mercador de escravos <7 Inited Kingdom Parliamentary Papers, Report of the Selected Comittee on the Coast of West Africa, 1842 [SCWCA], Minutes of Evidence, 2286-7, Capt. Henry Seward; e Richard Drake, Revelations of Slave Smuggler, “Massachusetts, 1860, cit. por Robin Law, “A carreira de Francisco Félix de Souza na Africa Ocicental (1800-1849)”, Topoi, n° 2 (2001), p. 13. ‘Thomas Hutton em carta a seu tio, W.M. Hutton, de 7 de agosto de 1850, loc, cit., p. 96. Como ja afirmava, sem citar suas fontes, JF, de Almeida Prado, “A Bahia e fy suas relagdes com 0 Daomé”, em O Brasil ¢ 0 colonialismo europe, Sto Paulo: Companhia Editora Nacional (Brasiliana), 1956, p. 139-140. Como Feéris, La Cote des Esclaves. Como Ellis, “History of Dahomi”. Como Simone de Souza, La Famille De Souza du Bénin-Togo, Cotonu: Editions du Bénin, 1992, p. 23-24. Fluo e refluxo do tnfico de escravos entre 0 gofo do Bonin ¢ 4 Babie de Todos os Santos, des stoulos XVIL ao XIX, trad. de Tasso Gadzanis, Sio Paulo: Corrupio, 1987, p. 460, © documento esté no Arquivo do Estado da Bahia, 142, f. 165. Adventures, p. 262 © 264. Norberto Francisco de Souza, “Contribution a histoire de la famille de Souza”, Fides Daboméennes, Porto-Novo, v. XIII (1955), p. 17-21. Data apresentada, entre outras, por Simone de Souza, La Famille De Souza, p. 16. “Journal of a Visit to Dahomey”, New Monthly Magazine, n° 81 (1847), p. 195, cit. por Robin Law, “A carreira de Francisco Félix de Souza”, p. 13. Carta de Thomas Hutton a seu tio, W.M. Hutton, escrita em Cape Coast datada de 7 agosto 1850, em King Guezo of Dahomey, p. 96. Sir GR. Collier, “Report upon the Coast and Settlements of West Aftica”, 27 dezembro 1821, Public Record Office Londres, FO 84/19, apud Law, “A catreira de Francisco Félix de Souza”, p. 14. Aadventures, p. 262. Daboney and the Dabomans, Londres, Frank Cass, 1966 (a I* ed. ¢ de 1851), vil, p. 106-107. 18 << Alberto da Costa ¢ Silva 25 Le Dahomey: bistoire, géograpbie, moeurs, coutumes, commerce, industrie, expéditions frangaises (1891-1894), Paris: Hennuier, 1895, p. 22. 26 A Mission to Gelele, King of Dahome, ed. por C.W. Newbury, Londres: Routledge and Kegan Paul, 1966 (a I* ed. é de 1864), p. 78. 27 Norberto Francisco de Souza, “Contribution a l'histoire”. 28 Simone de Souza, La Famille De Souza, p. 17. 29 Carta de Thomas Hutton a seu tio, W.M. Huttton, escrita em Cape Coast e datada de 7 agosto de 1850, loc. cit, p. 96. Verger, Flixo ¢ refluxo, p. 462, no qual transcreve documento do Arguivo do : Estado da Bahia, 122, f 48. 31 Cit. por LA. Akinjogbin (Dahomey and its Neighbours, 1708-1818, Cambridge at the University Press, 1967, p. 198), que transcreve trecho da p. 251 de originais de Freeman existentes nos Methodist Missionary Archives, Lon- dres, Box 4: West Aftica, Biographical. 32 Carlos Eugénio Corréa da Silva, Uma viagenn ao estabeleimento portuguts de Sio Joao Batista de Ajndé na Costa da Mina em 1865, Lisboa: Imprensa Nacional, 1866, p. 77. 33° Simone de Souza, La Famille De Souza, p. 16. “4 E nio 1793, como esti em Akinjogbin, Dakomey and its Neighhonrs, p. 217. CE Verger, Fluxo e refluxo, p. 234, 265, 266, 268, 285 e 286, com documentos que mostram que Francisco Anténio Fonseca e Aragio ainda era responsi vel diante da Coroa portuguesa pelo estabelecimento de S, Joo Batista de Ajudé, quando da embaixada que Agonglo, rei do Daomé, envio A Bahia ¢ a Lisboa em 1795. 35 Como assevera Augusto Sarmento, Portugal no Daomé, Lisboa: Tavares Car- doso & Inmio, 1891, p. 59. 8 Arquivo do Estado da Bahia, 141, f 200; ¢ 159, f 156v, conforme Verges, Fluxo ¢ refluxo, p. 245. Norberto de Souza, “Contribution”, p. 18. adagry, no extremo sudoeste da atual Nigéria, j4 tinha mais de meio século de importincia como centro exportador de escravos. As trans- ages por que passara o que fora menos que um vilarejo subordinado ‘Apa dever-se-iam, segundo a hist6ria oral da cidade,! a um branco, tido brasileiro, Huntokonu. Seu timulo, uma placa de cimento protegida por cabana de canigo e sapé, era, até h4 pouco tempo —e cteio que con- Win a sé-lo —, carinhosamente preservado e respeitado, contando com os jidos permanentes de um velho guardiao. Esta é a honra dada a quem se por fundador da cidade. O forasteito recebia os nomes de George ¢ Freemingo. Comerciante, sede na Costa do Ouro (atual Gana), mantinha fortes vinculos com a 4eza do Daomé (Danxomé, Dangomé, Daomei, Dahomé, Dahomey Dahomy’ e viajava freqiientemente ao longo do litoral, cujas dificulda- he faziam menotes aos seus canoeiros crus (ou krus). A cadeia de violén- desatada pelo expansionismo do Daomé aconselhou-o a buscar refii- imais a sudeste. O rei de Apa indicou-the o destino, Badagry, e Ia, num ehamado Hunto — donde a alcunha de Huntokonu —, o mercador iu sua nova casa ¢ estabeleceu uma feitoria, Acompanharam-no mui- telugiados das guerras daomeanas, entre os quais varios nobres, Um. por causa de uma disputa sucess6ria, assassinou-o. De acordo com as jgdes, em 1620, embora quem as registrou prefira colocar a historia (0 mais de cem anos depois, a fim de que possa coincidir com a chega- costa das tropas do Daomé. = i & s g ou Os golfos do Benim e de Biafra Francisco Félix de Souza, mercador de escravos <> 21 Tera sido realmente assim, caso, como propés de modo convincente Robin Law, sejam uma sé pessoa Huntokonu ¢ 0 aventureiro holandés Hendrik Hertogh.? Mudaram-no, nas tradigdes, para brasileiro, talvez por- que, quando essas tomaram feicio definitiva no século XIX, os brasileiros dlominavam 0 trafico na Area, e brasileiro era quase sinénimo de mercador dle escrayos. Na boca do povo no se apagou, porém, a pista da palavra Freemingo, ébvia corruptela de “flamengo”, sinénimo popular de “holan- dés” na lingua portuguesa, Law, embora lembrando que, no idioma gum, Iunto significa capitio de navio, sugere que Huntokonu possa set a forma local que tomou © nome Hertogh.) E no seria — pergunto — George, Ge-or-ge, corruptela de Hertogh? © holandés entrow ao servigo, na Africa, da Companhia das Indias Ocidentais em 1716.4 Em 1727, comandava o estabelecimento da Companhia em Ajudé, quando esta decidiu feché-lo, por haver 0 comércio ali se tornado dificil, apds a conquista da cidade pelo Daomé. Hertogh instalou, entao, um novo entreposto em Jaquim (Jakin, Jaqin, Jaquiin, Jaquem, Jaqueen, Jékin ou Djékin), onde continuow suas atividades de eficientissimo negreito ¢ desen- yolvew 0 comércio ao longo das lagoas, furos, esteiros e canais que acompa- nham o litoral, desde o cabo S. Paulo até o reino do Benim.5 Suas canoas nao 86 traziam esctavos, mas também outras mercadorias, como tecidos ¢ marfim. Penso que o éxito comercial de Hertogh se deveu sobretudo a sua eapacidade de afticanizar-se. Falava e agia no jeito da terra, com a empafia de chefe, a comandat 0s seus soldados, pois mantinha tropas préprias, e a sua flotilha de almadias, com remadores contratados na Costa do Ouro. Caminhava ao longo das praias e das ruas precedido por tambores ¢ acom- panhado pelos que Ihe entoavam loas. Ao afticanizar-se, no se deseuropeizou: manteve o aprego pelo con- forto, o luxo ¢ 0s simbolos de riqueza europeus. O seu entreposto em Jaquim = isto nos diz Robert Durand, 0 primeiro tenente do navio negreiro Diligent, que conr ele esteve em 1731 — era uma bela casa, suntuosamente mobiliada e nela havia de tudo o que se podia obter na Holanda. Em seu estabelecimento contava com artesdos de todo tipo e até mesmo com miisi- 08 para tocar para ele.6 © que Durant nio nos conta é se tocavam a euro- pin ow a africana, Hertogh tinha, como os chefes africanos, 0 gosto do poder ¢ a cora- gem dle por ele arrisear a vida, Aborreceu vezes sem conta os seus supervisores 22 <> Alberto da Costa e Silva do Castelo da Mina, ao insistir em trabalhar sem 0 conselho ou a orienta- gio deles e em entender-se diretamente com a Companhia na Holanda,” Deu acumtlados motivos de rancor a Agaja (também conhecido por Trudo), © abo, akbosu, dadé, daadaa ou rei daomeano, nio s6 ao obstinadamente tentar coligar contra ele os chefes que o soberano do Daomé havia derrotado ¢ aqueles que o temiam, mas também ao procurar atrair para essa alianga as armas de Oi6, de Akim e até mesmo do novo poder axante.® Suas intrigas ¢ maquinagGes acabaram por despejar sobre ele e seu companheiro de tramas, © rei de Jaquim, a fiiria de Agaja. Em abril de 1732, as tropas daomeanas desabaram sobte a cidade, matando quem viam pela frente, estivesse ou no armado, e queimando e destruindo tudo. O rei conseguiu escapar nas canoas de Hertogh. © holandés refugiou-se em Apa, na margem meridional da laguna costeira a oriente do lago Nokoué. Ali foi bem recebido pelo régulo, que detestava os daomeanos, € em pouco tempo transformou o lugar no mais, importante centro do comércio negreiro a Leste de Ajuda. Hertogh demorou-se em Apa apenas quatro anos. Em 1736, com o consentimento do rei, saiu de mudanga, com suas tropas pessoais, agrega- dos, escravos e tambores, para um vilarejo na outra margem da laguna, cha- mado Gbadagblé ou Agbethegre (a “fazenda de Agbethe”). Donde Agbadarigi ¢ Badagry. Badagry ficava ao lado da desembocadura do rio Yewa, que lhe fornecia agua potivel e Ihe assegurava facil acesso ao interior e A escravaria produzida pelo reino de Oid. Escravos ¢ outras mercadorias chegavam-lhe também, de leste ¢ do oeste, pelo sistema de lagoas, furos ¢ canais paralelo a costa. O vilarejo cresceu rapidamente. Para ele no tardaram em vir, deslo- cados de suas plagas pelas guerras ou atraidos pelas potencialidades do comércio, grupos de diversas origens, cada qual com seu chefe e a formar uma espécie de baitro independente. Ajudado por eles, Hertogh tepetia em Badagty 0 éxito de Apa. Logo no ano seguinte ao de sua chegada, estabele- ceu uma espécie de filial em Epe, ao sudeste do lago Nokoué, ¢ dos dois empérios competi duramente com Ajuda. Nao the deu, contudo, a vida tempo para mais nada: foi assassinado numa tocaia, em abril de 1738. Ja se escreveu, baseado num relatério francts do mesmo ano, que Hertogh teria morrido em 1737, durante um ataque do Daomé a Badagty.? O texto teria por base um boato falso. Outros documentos deixam claro, Francisco Felix de Souza, mereador de escravos <> 23 com efeito, que sua morte sé se deu varios meses mais tarde. Matou-o um principe da familia real de Ajud4, chamado Dave, a menos que dave seja um titulo nobilidrio (0 “filho de Da” ou do ret), um titulo que corresponderia mais tarde ao do chefe do bairro Ahoviko, um dos trés em que se congrega- vam os refugiados de Ajudé.!° Quem sabe se Hertogh néo foi assassinado a mando de Agaja, que o odiaya ¢ tinha todos os motivos para isso? Ou teria sido 0 crime cometido por instigagao do rei de Apa, contra quem Badagry, liderada por Hertogh, se rebelara? O que consta ¢ que Dave se insurgiu contra holandés, por este lhe ter recusado 0 posto de cabeceira de um dos distritos da cidade, precisamente o de Ahoviko.!! Os documentos da época tatificariam, assim, a histéria tradicional de Huntokonu. Falecido Hertogh, nao durou muito o entreposto da Companhia das {ndias Ocidentais em Badagty. Menos de quatro anos depois, a feitoria era abandonada.” Incapazes de conquistar a confianga de Agaja, os holan- deses desinteressaram-se pela area. Badagry continuou, entretanto, a manter ¢ até mesmo a ampliar a sua posicao de importante mercado, nio s6 para 0 comércio transatlintico, mas também para o que se processava, com inten- sidade crescente, ao longo das lagunas e canais que a ligavam a Lagos, Hjebu ¢ Benim. E passou a abrigar outros traficantes, e em numero tal, que alguns tos baitros da povoagao passaram a ser conhecidos pela nacionalidade dos hegreitos que neles predominavam.! Seus chefes também se identificavam por seus parceiros de comérci © jengen que regia 0 bairro Awhanjigo, por exemplo, era, num determinado momento, o “chefe francés”, e 0 akran do bairro Tjegba, o “chefe portugués”. Isto, repito, num determinado mo- mento, porque podiam mudar-se, e mudavam, ao longo das décadas, as parcerias.§ Francisco Félix de Souza teria chegado a Badagry para ser mais um cle seus traficantes de escravos. Procurava escapar dos controles impostos pelo rei do Daomé ao comércio em Ajuda e aproveitar-se das novas opor- unidades surgidas nos Jitorais que corriam para leste. Como os outros, aspirava a ter barraco proprio, a receber diretamente do interior os escra- vos que forneceria aos navios negteiros ¢ a com eles negociar sem peias. Alguns de seus colegas tinham ambisio de poder. Como Hertogh, gue passara — isto creio — toda a estada na Africa a usar a Companhia das Indias Ocidentais para construir um dominio pessoal, de soba ou chefe africano, Outros sonhayam repetit a faganha daquele Joo de Oliveira, es- 24 << Alberto da Costa ¢ Sib cravo liberto que tetornara do Brasil por volta de 1733, para dedicar-se ao comércio negteiro, e que tivera tamanho éxito, que abrira, com recursos de seu bolso, dois novos embarcadouros ao comércio transatlintico: Porto Novo e Lagos.!6 E havia ainda aqueles que, além de comerciantes de escra- vos, tinham © gosto das aventuras militares ea vocagio de caudilho, como Ant6nio Vaz Coelho, um negro livre que também viera do Brasil, a fim de exercer 0 tréfico, e que, com seus homens armados de fuzil e suas canoas de guetta dotadas de canhies de eixo — os primeiros que conheceu a Cos- tal? —, dominou, na segunda metade do século XVIII, boa parte das lagu- has préximas ao que vitia a ser conhecido como Porto Novo. Diz-se de Francisco Félix de Souza que passou trés anos em Badagry. Depois, tetia regressado, via Lagos, ao Brasil.® Na Bahia, viveu durante algum tempo — pouco — e talvez — quem sabe? — escondido. Pois, af pot 1800, de novo desembarcava na Africa, Nao se teria instalado em Ajuda, mas, sim, no Pop6 Pequeno, onde Comalangi (ou Comlagan), © régulo da ilha de Gliji (ou Glidji), Ihe concedeu terras para um entreposto, a que chamou também Adjido, Ajido ou ento Ajudo ou Ajuda — jé se disse que por contragao de “Deus me ajuda” 2° Em Anex6, o brasileiro seguiu 0 exemplo de Anténio Vaz Coelho, que tecera o seu poder mediante matriménios com mulheres das grandes familias do novo teino de Alada (ou Ardra). Francisco Félix casou-se com Jijibu (ou Djidgiabu), filha de Comalang’, e dela teve um filho, que consi- derava 0 seu cagula, Isidoro, em 2 de fevereiro de 18022! Ou alguns anos mais tarde, em 1808, segundo outra fonte2” Ja se disse que Jijibu — fluen- te em portugués, porque educada, desde os oito anos de idade, como alguns outros meninos e meninas da nobreza afticana daquele tempo, em Salvador — seria a segunda mulher de Francisco Félix, pois este teria desposado antes uma tia dela, de quem era vitivo23 O ramo togolés da familia Souza conta, no entanto, uma outra histéria: Jijibu nao seria mae de Isidoro, mas, sim, sua mulher, ¢ Isidoro teria nascido no Brasil, de mie brasileira, e, meni- no de seis a oito anos, acompanhado o pai, em 1800, a Africa.# Talvez nfo tenha havido a primeira estada na Costa e s6 por volta de 1800 Francisco Félix tenha realmente saido da Bahia. Jé com 46 anos de idade — ou com 32, se estava certo Thomas Hutton25 Teria ido dire tamente para Badagry, de onde, apés alguns desacertos comerciais, se mu- Francisco Tlie de Souza, mereador de eseravos SS 25 dou, primeiro, para Popd Pequeno e, depois, para Ajuda, onde obteve o emprego no forte portugués?S Ja se argumentou que em 1797 ainda nfo se encontrava a servico da fortaleza de Sao Jo&o Batista, pois naquele ano 1A esteve, em embaixada ao rei do Daomé, o padre baiano Vicente Ferreira Pires, ¢ a este nao escaparia 4 presenga de um conterrineo, ainda que funciondrio menor, no estabeleci- mento portugués.®” Mas baiano era o que nfo faltava em Ajudé e em outros pontos da Costa dos Escravos, e baianos devem ter sido muitos daqueles "mulatos e pretos cristZios americanos” sob custédia do dadd — e “america- hos” chamavam ento os portugueses aos nascidos ou criados no Brasil —, que Ihe prestaram as informagées preciosas sobre as instituigdes ¢ os costu- mes do DaomEé incluidas no interessantissimo relato de sua embaixada.28 Se Prancisco Félix por 14 andasse, niio mereceria mengio do padre Ferreira Pires, ao contrario do que se dea com aquele pardo, “natural da América Portuguesa”, de nome Niza, que morava junto ao forte de Sio Jorge da Mina e possuia no porto de Acra “uma grande casa de negécio”, mais importante do que as feitorias inglesa, holandesa e dinamarquesa.”° E pos- sivel, porém, que quando o padre andou por Ajuda, Francisco Félix ainda he achasse a imaginar o seu futuro, na Salvador a que regressara ou de onde sairia pela primeira vez para a Africa. © que se tem por evidente € que o baiano, deportado, foragido ou por vontade propria, j4 se encontrava na Costa, em Badagry ou em Anexd, hos primeiros anos do século, a dedicar-se ao comércio de escravos. E pos- sivel que a empresa nfo the haja ido bem, e que ele se tenha visto obrigado Aaceitar uma colocago modesta na fortaleza de Sao Joao Batista de Ajuda.2° Algum tempo depois, em 1804, quem talvez. fosse seu irmao, Jacinto José le Souza, assumiria a governanga da fortaleza, para falecer menos de um ano mais tarde.*! A rea era particularmente insalubre ¢ a maioria dos recém-chegados ‘morria em poucos meses, Segundo os assentamentos de 1695 a 1722 da Royal African Company, de cada dez homens que desembarcavam na Afri- 4 Ocidental, seis morriam durante o primeiro ano, ¢ dois, entre © segundo © 0 sétimo.*? B isto o que também nos dizem as inscrigSes nos témulos da fortaleza de Sio Batista de Ajuda, do campo-santo dos administradores alemiies em Duala e de outros cemitérios europeus que visitei na Africa. Francisco Félix era mais resistente ou teve mais sorte do que o seu presuntivo 26 <> Alberto da Costa e Silva iemfo. Talvez ja viesse do Brasil imunizado contra a febre amarela. Mas nfo © venceram tampouco as disenterias e a malaria (a Plasmodium falciparum, freqiientemente fatal), nem 0 atacaram a doenga do sono, 0 verme-da-Guiné, a cegueira dos rios ou a xistossomose. Manteve-se em boa satide até a velhice. Morto Jacinto José de Souza, assumiu a diregao da fortaleza 0 almoxarife Francisco Xavier Rodrigues da Silva. A partir dessa época ou, melhor, de [806, no se encontraram vozes nos arquivos. O periodo que se seguiu deve ter sido de descaso e desptezo pelo estabelecimento por parte das autoridades portuguesas. © abandono s6 nio foi completo, porque cuidaram do forte Francisco Félix de Souza e 0 tambor da antiga guarni- g40, da qual, além deste, s6 teriam restado os pragas recrutados localmen- te. Chefe, ainda que informal, da feitoria — num documento encontrado por Pierre Verger nos arquivos baianos, ele se diz. escrivio ¢ comandante do forte?S —, e sem praticamente ter de prestar contas 4 Coroa, que a tinha quase esquecido, Francisco Félix passou a usar a fortaleza como se fosse sua, Ja conhecia, contudo, as limitagdes que o tei do Daomé impunha a expan- so da presenga de um mercador independente, Teriam sido esses cons- trangimentos que o levaram a instalar novamente um entreposto no Popd Pequeno, onde também pés, em Ajido, uma segunda casa. E pequena a distincia entre Anexd ¢ Ajuda: quase nao dei por ela, todas as vezes que a percorri de automéyel. Francisco Félix podia cobri-la facilmente em menos de um dia, de canoa, pela laguna litordnea, ou de rede. E isto sem pressa, como sabemos pot um agente da Companhia Holandesa das {ndias Ocidentais, P. Eytzen, que, em 1717, saiu de madrugada de ‘Ajuda, para estar seis horas depois em Pop6 Grande; dali, apés um demora- do repouso, retomou o trajeto as sete da noite, chegando a Anexé as cinco da madrugada, sem alterar a vagareza da marcha, recomendada pela escuri~ dio6 Sempre de rede. Com os punhos presos a uma vara longa ¢ forte, cujas pontas se apoiavam em rodilha na cabega de dois homens — enquanto pelo menos outros dois Ihes acompanhavam 0 passo répido, para reyezd-los, se cansa- dos —, e podendo estar coberta por mosquiteiro ou cortinado, a rede sul- americana fora adotada naquela parte da Africa como meio de transporte, exclusivo da nobreza (no Daomé, do rei) e dos brancos de condigio.*7 $6 beasileiros, europeus e alguns afticanos retornados do Brasil nela se deita- vam para dormir, Pelos da terra, a rede era usada apenas em viagens e pas- Francisco Felice de Souza, mercador de escravos «27 seios. Como no Brasil, nela se venciam grandes estirdes, cémoda e indolen- temente, e quase sem sentir calor. Os solavancos, quando os carregadores estugavam 0 passo ou ensaiavam o corer, no seriam maiores do que os de um burro em chouto ou os de um carro puxado a cavalo numa estrada irregular. A vocagio de Francisco Félix de Souza nfo era a de escrevente ou guarda-livros. Permaneceu fiel a fortaleza de Sio Joo Batista de Ajuds, porque comandé-la Ihe conferia protegio e prestigio. J4 que estava na Afri- ca, cabia-lhe procurar enriquecer, no que constava ser o mais lucrativo dos negécios da época. Tinha por meta seguramente a de repetit o destino de tantos outros que, desde o inicio do trifico de escravos africanos, se trans- feriram dos portos de compra para os de venda e fizeram fortuna como intermediarios e armazenadores. 28 << Alberto da Costa e Silva ‘Notas, 1 6 T. Ola Avosch, A Short History of Badagry, Lagos, 1938, p. 10-12; ¢ Nigeria Magazine, n° 38, Lagos, 1952, p. I71 ¢ 173. “Trade and Politics behind the Slave Coast: the Lagoon Traffic and the Rise of Lagos, 1500-1800", The Journal of African History, Cambridge, v. 24 (1983), n° 3, p. 341. Robin Law, loc. cit. e The Slave Const of West Africa, 1550-1750, Oxford: Clarendon Press, 199I, p. 311, nota 4; ¢ ainda “A Lagoonside Port on the Eighteenth-Century Slave Coast: the Early History of Badagry”, Canadian Journal of African Studies, v. 28 (1994), n° I, p. 39. Sobre a trajetdria de Hertogh, v. Albert van Dantzig, Les Hollandsis sur la Cite de Guinée a D époque de Uessor de PAshanti et du Dabomey, 1680-1740, Paris: Société Francaise d’Outre Mer, 1980, p. 229-242. Ver também o testemunho sobre ele de um contemporineo, o capitio negreiro William Snelgrave, A New “Account of Some Parts of Guinea and the Slave Trade, Lonclres: Frank Cass, 1971 (a I’ ed. € de 1734), p. 149-152. Robin Law, “Trade and Politics behind the Slave Coast”, cit, p. 340-342. Robert Harms, The Diligent: a Voyage Through the Werlds of the Slave Trade, New York: Basic Books, 2002, p. 236. Johannes Menne Postma, The Dutch in the Atlantic Slave Trade, Cambridge: Cambridge University Press, 1992, p. 100. Robin Law, The Slave Coast of West Africa, cit., p. 293, 295-7, 310-313 e 316. “Akinjogbin, Dabomey and its Neighbours, p. 106, tendo por fonte “Enregistrement des rapports des capitaines au long course”, 3 de fevereiro de 1738, Archives Departementales, Nantes, B. 4587. Law, “A Logoonside Port”, p. 39 ¢ 42 Van Dantzig, Les Hollandais sur la Cite de Guiné, p. 242; ¢ Law, “Trade and Politics”, p. 313. Van Dantzig, ob. cit, p. 131; ¢ Law, “Trade and Politics”, p. 342. AB, Aderibighe, “Early History of Lagos to about 1850”, em Lagos: the Development of an African City, org. por AB. Aderibighe, Longman Nigeria, 1975, p. LL. Francisco Félix de Souza, mercador de escravos ~~ 29 C.W. Newbury, The Western Slave Coast and its Rulers, Oxford: Clarendon Press, 1961, p. 47; nota 1; Caroline Sorensen-Gilmour, “Slave Trading on the Lagoons of South West Nigeria: the Case of Badagry”, Identifying Enslaved Africans: the ‘Nigerian’ Hinterland and the African Diaspora, trabalhos aptesentados ao seminirio de vero organizado na Universidade de York, North York, Canadi, julho de 1997, p. 262. Sorensen-Gilmour, “Slave Trading on the Lagoons of South West Nigeria”, p. 262. Clado Ribeiro de Lessa, Crinica de uma embaixada luso-brasileira d Costa d’Africa em fins do séeulo XVIIL, incluindo 0 texto da viagem de Africa em o Reino de Dakomé escrita pelo padre Vicente Ferreira Pires no ano de 1800 ¢ até o presente inédita, Sio Paulo: Companhia Editora Nacional (Brasiliana), 1957, p. 196; ¢ Verger, Fluxo ¢ reflexo, p. 195, 211, 264 e 539. Archibald Dalzel, The History of Dakomy, an Inland Kingdom of Africa, Compiled from Authentic Memoirs, 2° ed., com introd. de J.D. Fage, Londres: Frank Cass, 1967 (a I’ ed. é de 1793), p. 169. Paul Marty, Fiude sur Pislam au Dakomey, Paris: Emest Leroux, 1926, p. 122; Paul Hazoumé, Le Pacte de song au Dahomey, Paris: Institut d'Ethnologie, 1937, p. 28, nota I; Robert Comevin, Histoire du Togo, Paris: Berger-Levrault, 1962, p. 123; eRobert Comevin, Histoire du Dahomey, Paris: Berger-Levraule, 1962, p. 268. ‘Thomas Hutton em carta a set tio, escrita em Cape Coast em 7 de agosto de 1850 (loc. cit, p. 96), afirma que, apés ti@s anos de servigo na Fortaleza de So Joao Batista de Ajudé, Francisco Félix teria retornado ao Brasil. Como asseverou David Ross, “The First Chacha of Whydah: Francisco Felix de Souza”, Oru, n° 2 (1969), p. 19. Mas o principe de Joinville disse, em 1843, que Francisco Félix tinha 43 anos de Ajuda. Marty, rude sur Uslam au Dabomey. p. 122. Norberto de Souza, “Contribution”, p. 18. Marty, ob. cit, p. 18. Almeida Prado, “A Bahia ¢ as suas relagdes com 0 Daomé”, p. 205-206. Simone de Souza, La Famille De Souza, p. 42, Carta de 7 de agosto de 1850 a seu tio, W.M. Hutton, p. 96. Sarmento, Portugal no Daomié, p. 59; ¢ Verges, Fluxo ¢ refluxo, p. 245. 30 << Alberto da Costa e Silva 27 Antonio Olinto, Brasileiros na Africa, 216. 2* ed., Rio de Janeiro: GRD, 1980, p. 28 Vinge de Africa em 0 Reino de Dabomé, obra publicada por Clado Ribeiro de Lessa, em Crénica de uma embaixada luso-brasileira a Costa d’Afriea em fins do séeselo XVII, incluindo 0 texto da Viagem de Africa em o Reino de Dabomé, p. 86. 29 Viagem de Africa, p. 25. 8° Conforme a tradicio anotada por Sarmento, Portugal no Daomé, p. 59. 31 Arquivo do Estado da Bahia, 159, f. 156 v., apud Verger, Fluxo ¢ refluxo, p. 245. 32 KG. Davies, “The Living and the Dead: White Mortality in West Africa, 1684-1732”, Race and Slavery in the Western Hemisphere: Quantitative Studies, ong. Stanley L. Engerman e Eugene Genovese, Princeton: Princeton University Press, 1975, p. 83-98. 33 Arquivo do Estado da Bahia, 143, £ 167, apnd Verger, Fhixo ¢ refluxo, p. 245. 34 Uma viagem, p. 78; e Sarmento, Portugal no Daomé, p. 59. 35 Arquivo do Estado da Bahia, 142, f. 165, apud Verges, Fhexo ¢ rf 36 0, p. 460. NLL. Gayibor, “Toponymie et toponymes anciens de la Céte des Esclaves”, em Toponymie historique et glossonymes actuels de Vancienne Cite des Escaves (XV XIX® S), Lomé: Presses Universitaires du Bénin, 1990, p. 31. 37 No inicio do século XVIII, 0 capitio William Snelgrave (A New Account, p. 17) observou que a rede era o meio de transporte habitual dos grandes da terra ¢ dos europeus de condigio, Ver também John Atkins, A Voyage 10 Guinea, Brasil and the West Indies, Londres: Frank Cass, 1970 (a I? ed. é de 1735), p. 112. uando morei na Nigéria, ouvi de varios descendentes de ex-escravos reyornados do Brasil que seus antepassados trouxeram consigo, es- fondido, um saquinho de ouro em pé. E que os menos afortunados desem- eavam em Lagos com os instrumentos de seu oficio ¢ alguns rolos de tubaco, mantas de came-seca e barriletes de cachaga, para com eles reiniciar A vida. B provavel que tenha sido também assim, com seu contrabando de Hiiwo ou o seu tanto de Fumo e jeribita, que alguns dos traficantes brasilei- 10s instalados no golfo do Benim comegaram os seus negécios. Nio foi este, porém, ao que parece, o caso de Francisco Félix de Souza. A menos que estivesse mentindo, quando disse ao reverendo Thomas Birch Freeman! que chegara 4 Costa sem um tostio e que foram de indigén- ii 0s seus primeitos dias afticanos — confissiio corroborada por um paré- jiafo de Theophilus Conneau, no qual se afirma que Francisco Félix come- Gou sua carreira a softer privagdes e toda a sorte de problemas? Outro fontemporaineo, o comandante Frederick E, Forbes, foi menos enfatico, ‘por’m claro: Francisco Félix era am homem pobre, quando desceu na Africa Que ele tenha, de inicio, como declarou, conseguido sobreviver com 08 biizios que furtava dos santuarios dos deuses, nao é de estranhar-se. Os alimentos cram muito baratos naquela parte do litoral.t Numa das ‘Humerosissimas barracas cobertas de palha do grande mercado de Ajuda, tecebia-se da vendedora, abrigada sob o teto de palha ou sentada num borete atras do trempe com seu tacho quente, um naco de carne salpica- gf malagueta contra dois ou trés cauris, Custava outro tanto um bocado 32 <> Alberto da Costa ¢ Sih de pasta de inhame, semi-envolto num pedago de folha de bananeira e encimado por lascas de peixe seco. E talvez se obtivesse por uma sé conchinha um acard. Como péde, porém, esse pobretio tornar-se, em curto tempo, um mercador de escravos? Nao se adquiriam cativos sem ouro ou um bom su- primento de cauris, a moeda de melhor curso naquela parte do litoral, ¢ tecidos de algodio, ¢ veludos, e damascos, ¢ ls, ¢ sedas, e tabaco baiano, e aguardentes, ¢ atmas de fogo, ¢ pélvora, € contatia, € facas, € catanas, ¢ manilhas, ¢ vasilhame de cobre ¢ lato, produtos que, na maioria dos casos, no custavam barato em sua origem e viam o prego aumentado pelos riscos ¢ as distincias do transporte até o golfo do Benim. Das Maldivas vinham, por exemplo, cauris, ¢ de Birmingham, espingardas, e da China, sedas, e da de vidro. Em geral, pagava-se um pu- India, algodées, e de Veneza, contas nhado de esctavos com um pacote formado por varias dessas merces, e nio era incomum que navios de varias nacionalidades, antes de comegar a nego- ciar em terra, transacionassem entre si, 0 negreiro baiano trocando com 0 inglés tabaco por artigos de cobre. A composicio dos pacotes variava de regio para regio e de porto pata porto ¢ softia alteragoes de tempos em tempos. A demanda em cada ponto da Africa era exigente ¢ volivel: um tipo de tecido em grande voga num determinado momento poderia ser recusado meses depois. Em 1846, por exemplo, o responsavel pelo Consu- lado da Franga em Salvador, Pierre Victor Mauboussin, indicava que um pacote corrente no golfo do Benim para a compra de um escravo podia constar de um barril de pélvora, uma espingarda, um rolo de fumo mais uma ou duas pegas de tecido.® Nao bastava ter em mios esses bens na hora de receber os escravos: era comum adiantat-se 0 pagamento contra a futura entrega da mercadoria humana, ou seja, que se cedessem esses ¢ outros artigos em confianga aos reis, régulos, chefes e comerciantes da terra ¢ aos negociantes mugulmanos que a freqiientavam, a fim de que com eles fossem adquitir cativos no inte- rior. Alimentava 0 tréfico um complexo e requintado sistema de crédito, cada elo a fazer © pagamento prévio de escravos que tinham de ser obtidos em feiras proximas ou distantes e muitas vezes ainda néo haviam sido obje- to de preia. E provavel que Francisco Félix de Souza se tenha beneficiado desse sistema de crédito. Comegou por prestar pequenos servigos a este ou a aquele Francisco Felix de Souza, mereador de escravos 33 Mercador europeu ou brasileiro e logo thes ganhou a amizade ou, a0 me- Nos, a confianga. Havia, ao que parece, na ampla rede de servigos fotmada tin fungio do trafico, quase sempre um lugar a mais para auxiliares, prepostos © parceitos menores. Este agenciava a compra de cativos; aquele cuidava da feguransa dos depésitos de mercadoria humana; aquele outro adquitia para tla alimento ¢ agua, que nem sempre se obtinha na vizinhanga; e havia em mantivesse rogados, capoeiras e currais de gado mitido, para abasteci- Mento dos barracdes ¢ dos barcos negreiros, bem como quem fornecesse ou Hontratasse as canoas, com os seus remeiros, para levar os escravos da praia pura os navios. Alguns instalavam-se em pequenas aldeias, junto a0 oceano OW no correr da linha de lagunas, furos e canais que corre paralela 3 costa, Mit esperanga de fazer um pequeno comércio de escravos com os batéis ¢ as faleotas que, despregando-se dos navios, iam recolher de vilarejo em vilarejo O8 cativos disponiveis. Presumo que Francisco Félix nao tivesse dificuldades em aprender idiomas, de modo que, algum tempo depois de chegar a Badagry ou Popd Pequeno, talvez.jé falasse o mais comum na terra.” Nao referem os relatos slos europeus que com ele trataram em que lingua se entendiam; se nao em Portugués, provavelmente em francés e em inglés, idiomas que deve ter che- fiiclo a compreender bastante bem, sendo neles capaz de expressar-se. As tindigdes colocam, contudo, entre os seus servidores um intérprete para 0 fianeés ¢ outro para o iorubano.§ E indicam que, no inicio pelo menos, Dosso-Yovo the traduzia o que falavam os fons.? ‘Ao chegar & Africa, Francisco Félix s6 devia comunicar-se em portu- ues, mas, como esta era a lingua franca do comércio naquela parte da Cos- ff no tardou em tornar-se, por ter aprendido um ou mais dos falares do frupo ghe, um excelente intermedisrio de negdcios, a servigo tanto dos ven- edlores nativos quanto dos navios que chegavam do Brasil ou da Europa. 6 possivel também que se tivesse feito rapidamente conhecido ¢ apreciado pela “integridade inflexivel e indiscutivel” com que “conduzia todas as OperagSes comerciais” de que se encarregava — conforme escreveu um con- femporineo, que tinha tudo para nao Ihe ser simpatico, comandante que ei da marinha de guerra briténica, Sir Henry Huntley.!° Gragas aos vinculos familiares que formou com Comalang’, que tal- ‘ver Ihe entregasse escravos para vender em seu nome, ¢ ao emprego que veio 8 obter no forte portugués de Ajudé, fortaleceu-se a sua posigdo de inter- 34 <> Alberto da Costa e Silva mediario comercial. Negociava escravos para outros, mas com os ganhos de seu agenciamento comecou pouco a pouco a fazer operagdes por conta propria. E a guardar os seus poucos escrayos num depésito préximo ao litoral, 4 espera do melhor momento para vendé-los aos navios. A fim de evitar que as febres ¢ as diarréias causassem estragos nas tripu- lagdes, 08 comandantes dos barcos negreiros procuravam parar 0 menor tem- po possivel em cada porto.!! Neste, porque se estava no dia seguinte de uma guerta na yizinhanga, os mais afortunados podiam encher 0 porio, em vinte dias, Naquele, um capitio exultava, se lograva fazé-lo apés dois meses de estadia.!2 © mais comum, porém, seria a embatcagio ter de ancorar em varios lugares, antes de completar 0 suprimento. E. muitos navios ficavam meio ano ou mais A espera de inteirar a carga, a se arrastar pelo litoral, a comprar aqui dez rapazes, ali mais vinte ¢ acola mais trinta, Cada parada representava per- das de vidas, tanto entre a marujada quanto entre a escravaria. Quem dispu- sesse de um bom niimero de escravos armazenados junto a um embarcadouro tinha condigées, por isso, de vendé-los a um melhor prego: a um prego em boa parte determinado pela nsia do capitio de fechar a carga e partir. Francisco Félix nio demorou em aprender este ¢ outros truques do negdcio com os que, saidos do Brasil, se voltaram em eficientissimos inter- medisrios nas transagdes entre o golfo do Benim e as Américas, especial mente a Bahia, de onde a maioria provinha. Alguns eram africanos manu- missos, que, nfo encontrando espago para progredir no Brasil ou saudosos de seus pagos, haviam regressado 4 Africa, mas se deixaram ficar no litoral, em vez. de seguir para as suas terras de origem, Outros — brancos, caboclos, cafuzos, mulatos ou negros —, conhecedores da Costa como tripulantes de barcos negreiros, tinham decidido nela ficar. Outros ainda para 14 haviam viajado com 0 propésito de se instalarem como agentes ou representantes dos grandes importadores, quase todos portugueses, que dominavam 0 co miércio de escravos na Bahia, ou como sécios de empresas familiares, nas quais um irmao, primo ou cunhado ficava no Brasil € 0 outro na costa africana. Uns poucos, fossem afticanos ou crioulos, tinham feito viagens, ainda escravos ou, na maioria dos casos, jé libertos, para a costa da Africa, com 0 objetivo de adquitir cativos para seus senhores ou ex-senhores, ¢ depois 14 se fixado como agentes dos antigos amos ou a cometciar por conta propria, E nao faltayam aqueles, brancos ou mestigos, que safam em busca da fortuna ou para quem a vida era ditada pelo gosto da aventura. Francisco Felice de Souza, mercador de esravos <> 35 A repetir os langados portugueses cabo-verdianos, que se tornaram veis, a partir do ultimo tergo do século XV, na Senegimbia e nos Rios Guiné, tiveram eles comportamentos contrastantes.!4 Alguns se africani- am ou teafricanizaram inteiramente. Outros transformaram-se em verda- jos centauros culturais: afticanos entre africanos, europeus ou europei- Jos quando em contato com europeus. E havia ainda os que, embora iestres em lidar com a gente da terra, nfio cederam a seus costumes € se jrdaram brasileiros. Um exemplo destes iltimos foi aquele Joao de Oli- ina, que abriu, por conta prépria, dois noves embarcadouros de escravos Ws navios baianos: o primeiro, em Semé, teria comegado a operar antes de 758 e tomaria o nome de Porto Novo; o segundo, instalou-o, antes de 1765, fiw ilha onde ficava a cidade-estado de Onim, Eko ou Lagos.!$ Nesses lo- fais, ele constrain barracdes para abrigar os escravos e montou todos os “sorvigos para vigid-los, alimenté-los e conduzi-los, de canoa, para os navios. ‘Hi, contudo, quem atribua a um portugués, Eucaristus de Campos, 0 haver iniciado, em 1752, 0 trafico em Porto Novo ¢ o ter dado o nome a cida- lel Esse Eucaristus de Campos talvez nao fosse um reinol, mas, sim, um daqueles “portugueses brasileiros”, que jA se distinguiam, na Costa, dos portugueses europeus, conforme indicaria a mengio que fez aos Brazilian Poringuese, em 1773, Robert Norris.!7 Se Eucaristus foi quem abriu Porto ‘Novo ao trifico, a Joo de Oliveira se deveriam 0 aparelhamento ¢ a expan- slo do embarcadouro. Joo de Oliveira fora, meninote, levado a ferros para Pernambuco. Em 1733, j& homem feito, embarcou em Salvador de volta para o golfo do Benim. Bia entao ainda escravo,® pois foi da Africa que mandou ao antigo senhor a soma para pagar sua alforria. B de crer-se que tenha regressado 4 Costa muni- to dle recursos por seu dono, a fim de comerciar em nome dele, As relacdes entre ambos deviam ser, por sinal, especiais, pois, quando o ex-amo faleceu e sus vitiva se viu necessitada, Oliveira passou a enviat-lhe socorro regularmente “© com liberalidade, Jé entio exportava escravos nio s6 por Porto Novo, mas também por outros embarcadouros ¢ era respeitado como um grande naquela parte da Costa, tanto pelos da terra quanto pelos capities de navios ¢ comer- tantes vindos de Portugal e do Brasil. A estes amparava, nfo s6 providen- cianelo para que pudessem completar com rapidez os seus negdcios, mas tam- hém os protegendo — tinha gente armada a seu servigo — contra os assaltantes #, muitas vezes, os desmandos dos chefes locais 36 <> Alberto da Costa e Silva A ajuda a ex-senhora seria remetida para Pernambuco em numeritio, usando Oliveira comandantes dos navios negreiros como correio, Ou en- to, em escravos, uma vez que foram em escravos as esmolas com que auxi- liou, durante os 37 ou 38 anos que viveu no golfo do Benim, diversas conftatias religiosas no Brasil. Foi também gracas em parte as contribuigdes que mandou da Africa que se levantou a capela maior da igteja de Nossa Senhora da Imaculada Conceigaio dos Militares, em Pernambuco. Pois 0 comerciante de gente era um bom catélico. E alegou ter sido por desejar © convivio dos que tinham a sua fé e “morrer assim com todos os sactamen- tos da Igreja” que decidiu retorar ao Brasil e fixar-se na capital baiana. Penso, com Pierre Verger,? que, embora a sua vida na Africa tivesse sido um completo éxito, ele se abrasileirara a tal ponto que lA jamais se sentira em casa ¢, durante toda a sua estada, sonhara com 0 tegresso. Sabemos esse pouco sobre Jodo de Oliveira — e que, além de mos- trar em cada face trés escarificagdes em linha reta (a marca abadja meta dos iorubas), era alto e corpulento, de cabeca pequena ¢ redonda, fronte alta, olhos pequeninos, nariz achatado, boca grande ¢ labios grossos —, por- que, logo apés sua chegada a Bahia, em 1770, jA um tanto calvo e de barba © cabelos brancos, foi preso, sob acusagao de contrabando. Sé the seria reconhecida a inocéncia mais de um més depois, quando Ihe foram devolvi- dos os bens que lhe tinham sido confiscados ¢ 69 dos 79 negros que trou- xera — quatro dos quais no eram escravos, mas, ao que parece, enviados do olagin ou rei de Lagos —, pois os demais haviam morrido. Francisco Félix de Souza no deve ter conhecido sequer de vista Joao de Oliveira, que passou o resto da vida na obscuridade de sua casa, na Praia, préxima a igreja do Pilar, a cujas missas e oficios — tenho por certo — niio faltava, E talvez s6 tenha ouvido a sua histéria e a de outros como ele jA com os pés na Africa. Conta-se que, recém-chegado a Ajudé, Francisco Félix fez-se logo amigo de um outro Oliveira, um mulato que, apesar do sobrenome usado por seus descendentes, nao tinha sangue portugués. Era este, Nicolas, 0 ptimogénito de quem comandara, entre 1775 ¢ 1786, 0 forte francés em Ajuda, Joseph Ollivier de Montaguére. Sua mae, Sophie, era, por sua vez, filha de um outro francés ou de um holandés com uma nativa, Avressi Médélé, Segundo as tradigées da familia Oliveira, cujo cabega é até hoje o chefe do “Quartier Ganvé” 2? Nicolas e seu irmio Jean-Baptiste, apés as primeiras Francisco Filizc de Souza, mercador de ecravos > 37 1, aprendidas com missiondtios catélicos, teriam sido mandados pelo para completar a educagio na Franga2! Quando, porém, Joseph Ollivier omou de vez para a sua terra, nao se fez acompanhar nem pela mulher m pelos filhos. Levou a esposa a Abomé, onde a pés sob os cuidados do Kpengla. Sophie torou-se uma das numerosas mulheres do soberano e ransmitida como atributo real a seus sucessores2 O mais provavel & ) a0 deixar Joseph © pais, todos os seus bens no Daomé tenham passa- } eomo era de praxe quando do falecimento ou partida de um estrangei- ou da morte de um daomeano, para as mos do rei — e entre esses bens yam suas mulheres.** Sophie tornou-se, assim, uma abosi ou esposa teal ¢, it condigao, herdada por Agonglo e Adandozan, passou de rei a rei Em 1797, os franceses abandonaram o forte de Saint-Louis de Gregoy. Ainparados pela mie, ¢ tendo-Ihes talvez. sido devolvida pelo dadé, como fwntas vezes sucedia, parte do patriménio paterno, os irmios Ollivier se Haviam tornado comerciantes de relevo, € 0 mais velho, Nicolas, fora inves- filo como cabeceira por Agonglo, Era um homem de prestigio, quando tonheceu Francisco Félix, ¢ talyez nao Ihe tenha escapado que valia a pena, pos a desativacao do forte francés, acercar-se de um funciondrio da feitoria Portuguesa. Consta que o hospedou ¢ Ihe deu ligdes de como comereiat em teravos. E é possivel que, por essa época, em virtude dos lagos de amizade @ interesse que formara com os portugueses, brasileiros ¢ ex-escravos aftica- Hos retornados do Brasil, comegasse a ser conhecido mais como Oliveira do fue como Ollivier.25 Nao é de descartar-se, porém, que o aportuguesamento tlo nome sé se tenha verificado bem mais tarde, com a incor filhos 4 comunidade brasileira. Mm ‘poragao de seus 38 «> Alberto da Costa ¢ Silva Notas Cit. por LA. Akinjogbin, Dabomey and its Neighbours, p. 198. Canot, Adventures, p. 262. Dabomey and the Dakomans, v. I, p. 106. Veja-se Robert Norris, Memoirs of the Reign of Bossa Abadee, King of Dakomy, an Inland Country of Guiney, Londres: Frank Cass, 1968 (a I* ed. 6 de 1789), p. 145. Rosemary Arnold, “Separation of Trade and Market: Great Market of Whydah”, em Karl Polanyi, Conrad M. Arensberg e Harry W. Pearson (org.), Trnde and Market in Early Empires: Economies in History and Theory, Glencoe, Ilinois: The Free Press, 1957, p. 178-179; e Karl Polanyi, em colaborasio com Abraham Rotstein, Dabomey and the Slave Trade, Seattle: University of Washington Press, 1966, p. 91-92. Ubiratan Castro de Aratijo, “1846: um ano na rota Bahia—Lagos: neg6cios, negociantes e outros parceiros”, em Lentifying Enslaved Africans, p. 456. Canot, Adventures, p. 263, Casimir Agbo, dito Alidji, Histoire de Ouidah du XVE au XX° stele, Avignon: Les Presses Universelles, 1959, p. 196 e 197. Simone de Souza, La Famille De Souza, p. 33. Seven Years’ Service on the Slave Coast of Western Africa, Londres, 1850, v. I, p. 113-124, Em Verger, Fluxo ¢ rfluxa, p. 463-466. Sobre a mortalidade entre as tripulagdes de navios negreiros franceses ¢ ingleses no século XVIII, ver Stephen D. Behrendt, “Crew Mortality in the Transatlantic Slave Trade in the Eighteenth Century”, Slavery and Abolition, v. 18, n° [ (1997), p. 49-71. Como ocorreu com Theophilus Conneau ou Theodor Canot (Adventures, p. 263) em Ajuda. Gragas a Francisco Félix de Souza, ele recebeu naquele prazo 480 escravos. Ver 0 quadro com as médias de tempo passado por navios negreitos nos litorais afticanos em David Eltis e David Richardson, “Productivity in the Transatlantic Slave Trade”, Explorations in Economic History, n° 32 (1995), p. 477-478. a “ a“ Francisco Félix de Souza, mercador de escraves. 39 Sobre os langados, Alberto da Costa e Silva, A manilha ¢ 0 libambo: « Africa e a tseravidio, de 1500 a 1700, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 229-270. Sobre Joao de Oliveira, Arquivo Histérico Ultramarino (Lisboa), docu- mentos da Bahia 3528, 8245, 8246, 8247 ¢ 8249; Clado Ribeiro de Lessa, Crénica de wna embaixada luso-brasileira a Costa d’Africa, p. 196; Pierre Verger, Bahia and the West Coast Trade (1549-1851), Ibadan: The Institute of African Studies / Ibadan University Press, 1964, p. 24; Fluxo e refluxo, p. 195, 211, 264, 527-528 e 539-540, notas 18 ¢ 19; Os libertos: sete camtinbos na liberdade de sscravos na Bahia do sécwlo XIX, Salvador / §. Paulo: Corrupio, 1992, p. 9-18 ¢ 101-106; Law, “Trade and Politics behind the Slave Coast”, p. 343; Bellarmin Coffi Codo, “Les ‘Brésiliens’ en 'Aftique de fOuest: hier et au- jourd’hui”, em Identifying Ensloved Africans, p. 429-4305, A. Akindélé e C. Aguessy, Contribution a Pétude de Ubistoire de V'Ancien Royaume de Porto-Nove, Dacar, Mémoires de l'Institut Frangais d’Afrique Noire, 1953, p. 1719. Memoirs, p. 78. Verger, Os liberos, p. 9; Robin Law e Kristin Mann, “West Africa and the Adlantic Community: the Case of the Slave Coast”, William and Mary Quarterly, 3* série, v. LVI (1999), n® 2, p. 317. Babia and the West Coast, p. 214; Flixo ¢ reflux, p. 487. Casimir Agbo, Histoive de Ouidah, p. 217. Simone de Souza, La Famille De Souza, p. 18. Simone de Souza, La Famille De Souza, p. 18-19; Robin Law e Kristin Mann, “West Africa and the Atlantic Community”, p. 317; Edna Bay, Wives of the Leopard: Gender, Polities and Culture in the Kingdom of Dabomey, Charlottesville: University of Virginia Press, 1998, p. 167; Edna Bay, “Aguda and Abomey: Francisco Félix de Souza and the Forging of a Cultural Alliance with the Kingdom of Dahomey”, texto apresentado no coléquio “Aguda: Aspects of Afro-Brazilian Heritage in the Bight of Benin”, realizado em Porto Novo, Repiiblica do Benim, de 26 a 30 de novembro de 2001, p. 7-8. O padre Vicente Ferreira Pizes a encontrou, em 1797, como mulher de Agonglo, mas a diz filha de Ollivier de Montaguére (Viagem de Africa, p. 86). Dalzel, The History, p. 175; Pires, Viagem de Africa, p. 114. Bay, Wives of the Leopard, p. 167. Hazoumé, Le Pacte de sang, p. 31, nota 4

You might also like