Professional Documents
Culture Documents
Download
Download
RESUMO
Tema: enfoque das pesquisas realizadas nos últimos dez anos sobre terapia para os desvios fono-
lógicos. Objetivo: realizar análise dos estudos em terapia fonológica, nacionais e internacionais,
publicados a partir do ano de 2000, a fim de verificar as contribuições destes para a clínica fonoaudio-
lógica, além de apontar novas possibilidades em pesquisa. Conclusão: todas as pesquisas trazem
contribuições que podem ser adotadas como recursos na clínica fonoaudiológica. No entanto, não
foram encontrados estudos apontando o número médio de sessões necessárias para determinação
da alta fonoaudiológica nos casos de desvio fonológico, bem como abordagens globais, que dessem
conta de todos os aspectos que podem estar defasados nessas crianças, como processamento audi-
tivo, memória de trabalho, discriminação fonêmica, alterações de consciência fonológica e desenvol-
vimento da linguagem escrita.
aspectos de fala e escrita, sendo necessárias mais diferentes entre fonemas e o tipo de distinção.
pesquisas para confirmar estas hipóteses37. Sugere ainda, exemplos de pares mínimos para
Outro estudo teve o objetivo de investigar a cada contraste40. Trabalhos como este são extre-
possibilidade de ensinar habilidades de consciência mamente importantes, especialmente pela possi-
fonêmica para crianças em fase de pré-alfabeti- bilidade de serem utilizados didaticamente para
zação que apresentavam DF. A amostra constou de alunos de Fonoaudiologia que estejam iniciando no
42 crianças com idades entre quatro anos e quatro atendimento a pacientes, por apresentarem pouca
anos e seis meses, todas apresentando DF. Para prática no planejamento terapêutico e execução do
a metade das crianças, foi aplicado um programa mesmo, ou ainda, para o clínico que não conhece
envolvendo aliteração, segmentação, manipulação e deseja utilizar os modelos com base fonológica.
e síntese fonêmica e para a outra metade, foi apli- Quanto à estimulabilidade do som-alvo, uma
cado um programa de estimulação da linguagem. pesquisa objetivou verificar o desempenho nas
De modo geral, as autoras verificaram que o grupo produções corretas de três sujeitos com DF, antes
tratado com atividades de consciência fonêmica e após um ciclo de tratamento, quando tratados
mostrou mais avanços (com significância estatís- com fonemas-alvo estimuláveis e não estimulá-
tica) do que o grupo tratado com estimulação da veis, utilizando o Modelo ABAB-Retirada e Provas
linguagem. A conclusão do estudo mostra que é Múltiplas. Participaram do estudo três sujeitos: um
possível ensinar tarefas de consciência fonêmica (S1), tratado com um fonema-alvo estimulável, e
para as crianças em fase de pré-alfabetização, outros dois sujeitos (S2 e S3), que foram tratados
porém as atividades de manipulação e segmen- com fonemas-alvo não estimuláveis. Observou-se
tação são mais difíceis, pois apenas as crianças que o fonema-alvo estimulável provocou maiores
com melhor desenvolvimento cognitivo e mais ganhos no SF de S1 quando comparado às modi-
velhas conseguiram obter sucesso nestas tarefas. ficações provocadas pelos fonemas-alvo não esti-
Além disso, todas as crianças do estudo aprimo- muláveis nos SF de S2 e S3. Entretanto, as autoras
raram a fala38. colocam que novos estudos sobre as estratégias
Aplicando-se um programa de atividades de escolha dos fonemas-alvo são necessários, com
estimulando as habilidades de CF, tendo como uma amostra mais expressiva e maior número de
base teórica a hierarquia dos traços distintivos, sessões41.
foram tratadas quatro crianças com DF de seis a Especificamente, em relação à seleção das
oito anos de idade. O processo terapêutico teve palavras-alvo para terapia, os ambientes favoráveis
duração de 13 sessões de 30 minutos cada. Os consistem de contextos facilitadores à produção e
resultados mostraram que todos os pacientes apre- aquisição do segmento tratado42. Alguns autores42-46
sentaram evolução significativa após o término do estudaram a relevância destes contextos na facili-
programa, superando todos os processos fonoló- tação da produção correta e aquisição fonêmica por
gicos presentes e adquirindo os traços que estavam parte das crianças.
ausentes. Os pacientes ampliaram seu SF à medida Uma autora realizou um levantamento das
que melhoraram seu desempenho nas atividades pesquisas sobre a aquisição do fonema /r/ suge-
de CF39. rindo, a partir destes estudos, uma hierarquia de
palavras em relação ao padrão de facilitação linguís-
Cuidados na seleção dos alvos de tratamento tica. Estes padrões de facilitação foram divididos
Esta temática pode ser analisada sob diversos em 12 níveis hierárquicos, considerando a posição
prismas, pois se pode explorar a escolha dos sons- que o segmento ocupa na sílaba e na palavra, o
alvo ou das palavras-alvo, além disso, pode ser ambiente fonético antecedente e seguinte, a tonici-
considerado o contexto linguístico de determinado dade da sílaba em que o segmento está inserido e
som-alvo ou o quanto este é estimulável, ou seja, o número de sílabas das palavras. Assim, as pala-
a capacidade de repetição do fonema pela criança. vras mais favorecedoras (padrão 1) foram “peru” e
Alguns autores, ainda propõem listas de palavras “peruca”, devido ao /r/ estar antecedido de /i/ (reali-
possíveis de serem utilizadas em terapia. Deste zação fonética) e na sílaba tônica. As menos favo-
modo, atualmente são frequentes os estudos sobre recedoras estão no padrão 10, “zero” e “pérola”,
este tema no Brasil. são antecedidas pela vogal /ε/ e estão em sílaba
Em 2001 foi proposta uma lista de palavras-alvo postônica43.
que podem ser utilizadas no tratamento de crianças A partir dos pressupostos teóricos da pesquisa
com DF a partir da abordagem de pares mínimos. descrita anteriormente43, foi realizada uma análise
A autora propõe uma lista com todos os possíveis das palavras-alvo selecionadas para terapia, no
contrastes de fonemas consonantais do Portu- estudo de caso de um menino, apresentando DF,
guês, classificando-os quanto ao número de traços com seis anos e oito meses. Foi aplicado o modelo
O Modelo de Oposições Máximas foi modifi- de alterações foram determinantes para a escolha
cado quanto à seleção dos alvos de tratamento, dos sons-alvo /r/ x /l/ x /l/ x / / x /z/, na posição
procedimentos terapêuticos e estrutura da sessão. de onset medial. Além disso, as autoras optaram
Quanto ao primeiro item, faz-se necessária a reali- por realizar pequenas modificações na estrutura
zação de uma avaliação fonológica detalhada do da sessão terapêutica. Os resultados mostraram
SF da criança e uma análise por traços distintivos. que após dez sessões de fonoterapia, o sujeito
O intuito destas avaliações é selecionar fonemas adquiriu os fonemas trabalhados, exceto o /r/,
com os traços distintivos que o sujeito tenha difi- generalizando-os para outras posições na palavra,
culdade, atentando também neste momento para
para a mesma classe de sons e para outras classes
que as palavras-alvo tenham significado e, na
de sons. As autoras concluíram que a proposta
medida do possível, ambientes fonéticos contro-
mostrou-se efetiva, evidenciada pela melhora no
lados. Em relação aos procedimentos terapêuticos,
é realizada a linha de base a cada cinco sessões SF da criança17.
de estimulação do som-alvo até alcançar de 20 a É importante ressaltar os estudos que propõem
25 sessões. Quanto à estrutura da sessão, foi inse- modificações aos modelos terapêuticos existentes,
rido o Bombardeio auditivo e a criança deve atingir já que a vivência com os modelos é que mostra
80% de produções corretas na fase de imitação suas falhas e as possibilidades de mudança. Deste
para chegar à produção espontânea. Este modelo modo, o terapeuta deve ter liberdade para modificar
foi testado, em falantes do português brasileiro em o modelo adotado de acordo com suas experiên-
um menino com DF de seis anos e quatro meses, cias anteriores e, principalmente, com as necessi-
mostrando-se eficaz em relação à melhora na inte- dades de cada paciente.
ligibilidade da fala, propiciando ampliação do inven-
tário fonético da criança por meio da ocorrência de
generalizações¹¹. CONCLUSÃO
Utilizando o modelo citado anteriormente, foi
realizado um trabalho, cujo objetivo foi verificar A partir dos trabalhos apresentados pode-se
as mudanças fonológicas obtidas pelo tratamento concluir que, apesar do grande volume de estudos
utilizando a abordagem do ‘reforço’ ou ‘contraste’, na área de terapia fonológica, muito ainda pode ser
em sujeitos com diferentes gravidades do DF. A feito com o objetivo de reduzir o tempo de terapia
abordagem do ‘contraste’ utiliza dois sons-alvo fonoaudiológica para crianças com DF, conforme
que possuem valores opostos para o mesmo traço foi sugerido. Além disso, todas as pesquisas trazem
(mais marcado X menos marcado), enquanto a do contribuições que podem ser adotadas como
reforço considera o uso de sons-alvo com valores recursos na clínica fonoaudiológica.
idênticos para o mesmo traço. Assim, três sujeitos
com idade média de seis anos foram submetidos Não foram encontrados estudos apontando o
à terapia fonológica pelo modelo de Oposições número médio de sessões necessárias para deter-
Máximas Modificado, considerando-se a abor- minação da alta fonoaudiológica nos casos de
dagem do ‘reforço’ ou ‘contraste’, verificando-se desvio fonológico, bem como abordagens globais,
assim, as seguintes generalizações: para itens não que dessem conta de todos os aspectos que podem
utilizados no tratamento; para outra posição na estar defasados nessas crianças, como processa-
palavra; dentro de uma mesma classe de sons; e mento auditivo, memória de trabalho, discriminação
para outra classe de sons. O inventário fonético dos fonêmica, alterações de consciência fonológica e
três sujeitos estava completo após a terapia; porém, desenvolvimento da linguagem escrita.
o SF ainda encontrava-se incompleto para todos os Ressalta-se a preocupação da maioria dos
sujeitos. Após o processo terapêutico, observou-
autores com as crianças que apresentam DF grave
se evolução para todos os tipos de generalização
e/ou com fala ininteligível e processos fonológicos
estrutural analisados, de modo equilibrado entre os
inconsistentes e idiossincráticos. As soluções
sujeitos48.
apontadas para estes casos parecem estar sendo
O Modelo de Oposições Múltiplas6 recebeu
efetivas, embora ainda seja necessária a busca
uma proposta de modificação no tratamento de um
constante por novos recursos.
sujeito do sexo masculino, falante do português
brasileiro, com DF de grau moderado-grave e idade Por fim, salienta-se que o terapeuta deve atentar
de 6:6. A modificação consistiu em considerar os para o fato que crianças diferentes respondem de
traços distintivos alterados na escolha dos sons- maneira diferenciada às diversas abordagens apre-
alvo e na verificação das mudanças proporcionadas sentadas, sendo necessária cautela por parte do
pela terapia. Os traços que sofriam maior número clínico no planejamento terapêutico.
ABSTRACT
Background: focus on studies conducted over the last ten years on therapy for phonological disorders.
Purpose: to analyze the national and international studies on phonology, conducted from the year
2000, in order to check their contributions for the clinical treatments, while identifying new opportunities
in research. Conclusion: all analyzed studies bring out contributions that can be adopted as tools
for the speech clinic. The therapist should pay attention to the fact that different children respond
differently to the different approaches, so that therefore, caution should be taken clinician in treatment
planning. The report suggests research possibilities and aspects that could be more widely used in the
scientific work. However, no studies were found indicating the average number of sessions required in
order to determine the discharge in speech pathology cases, and global approaches, that could solve
all the issues that may be delayed in these children, such as auditory processing, working memory,
phonemic discrimination, phonological awareness and written language development.
20. Mota HB, Bagetti T, Keske-Soares M, 33. Dodd B, Crosbie S, McIntosh B, Holm A, Harvey
Pereira LF. A generalização baseada nas C, Liddy M, et al. The impact of selecting different
relações implicacionais em sujeitos submetido contrasts in phonological therapy. Int. J. Speech–
à terapia fonológica. Pró-Fono R. Atual. Cient. Lang Path. 2008; 10(5): 334-45.
2005;17(1):99-110. 34. Pagliarin KC, Keske-Soares M, Mota HB.
21. Barberena LS, Keske-Soares M, Mota H.B. Terapia fonológica em irmãos com diferentes graus
Generalização no tratamento com o /R/ em um caso de gravidade do desvio fonológico. Rev. CEFAC.
de desvio fonológico médio-moderado. Rev Soc 2009; 11(1): 20-4.
Bras Fonoaudiol. 2004; 9: 229-36. 35. Mota HB, Melo Filha MGC. Habilidades em
22. Pascoe M, Stackhouse J, Wells B. Phonological consciência fonológica de sujeitos após realização
therapy within a psycholinguistic framework: de terapia fonológica. Pró-Fono R. Atual. Cient.
Promoting change in a child with persisting speech 2009; 21 (2): 119-24.
difficulties. Int. J. Lang. Comm. Dis. 2005; 40 (2): 36. Bernhardt B, Major E. Speech, language and
189-220. literacy skills 3 years later: a follow-up study of early
23. Holm A, Crosbie S, Dodd B. Treating inconsistent phonological and metaphonological intervention.
speech disorders. In: Dodd D. Differential diagnosis Int. J. Lang. Comm. Dis. 2005; 40 (1): 1-27.
and treatment of children with speech disorder. 37. Denne M, Langdown N, Pring T, Roy P. Treating
London: Whurr, 2005. children with expressive phonological disorders:
24. McIntosh B, Dodd B. Evaluation of Core does phonological awareness therapy work in
Vocabulary intervention for treatment of inconsistent the clinic?. Int. J. Lang. Comm. Dis. 2005; 40 (4):
phonological disorder: Three treatment case studies. 493–504.
Child Lang. Teach. Ther. 2008; 25(1): 9-30. 38. Hesketh A, Dima E, Nelson. Teaching phoneme
awareness to pre-literate children with speech
25. Bowen C, Cupples L. Parents and children
disorder: a randomized controlled trial. Int. J. Lang.
together (PACT): A collaborative approach to
Comm. Dis. 2007; 42 (3): 251-71.
phonological therapy. Int. J. Lang. Comm. Dis.
1999; 34(1), 35-83. 39. Spíndola RA, Payão LMC, Bandini HHM.
Abordagem fonoaudiológica em desvios fonológicos
26. Bowen C, Cupples L. PACT: Parents and
fundamentada na hierarquia dos traços distintivos e
children together in phonological therapy. Adv.
na consciência fonológica. Rev CEFAC. 2007; 9(2):
Speech–Lang. Path. 2006; 8(3): 282-92.
180-9.
27. Lancaster G, Keusch S, Levin A, Pring T, Martin 40. Mota HB. Pares mínimos: os contrastes
S. Treating children with phonological problems: fonológicos do Português Brasileiro. Pró-Fono.
does an eclectic approach to therapy work?. Int. J. 2001; 13(1):98-106.
Lang. Comm. Dis. 2009; 29:1-12.
41. Mota HB, Keske-Soares M, Busanello AR,
28. Hesketh A, Adams C, Nightingale C, Hall R. Balardin JB. Modificações no sistema fonológico
Phonological awareness therapy and articulatory provocadas por fonemas-alvo estimuláveis e
training approaches for children with phonological não-estimuláveis. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol.
disorders: a comparative outcome study. Int. J. 2006; 11(3):181-7.
Lang. Comm. Dis. 2000; 35 (3): 337-54. 42. Keske-Soares M, Mota HB, Pagliarin KC,
29. Dodd B, Bradford A. A comparison of three Ceron MI. Estudo sobre os ambientes favoráveis à
therapy methods for children with different types of produção da líquida não-lateral /r/ no tratamento do
developmental phonological disorder. Int. J. Lang. desvio fonológico. Rev. soc. bras. fonoaudiol. 2007;
Comm. Dis. 2000; 35 (2): 189-209. 12(1): 48-54.
30. Crosbie S, Holm A, Dodd B. Intervention for 43. Gonçalves CS. Variáveis lingüísticas facilitadoras
children with severe speech disorder: A comparison na reabilitação fonológica das líquidas não-laterais
of two approaches. Int. J. Lang. Comm. Dis. 2005; [Tese]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade
40 (4): 467-91. Católica do Rio Grande de Sul; 2002.
31. Keske-Soares M, Brancalioni AR, Marini C, 44. Checalin MA. Estudo do Papel do Contexto
Pagliarin KC, Ceron MI. Eficácia da terapia para Facilitador, segundo diferentes abordagens
desvios fonológicos com diferentes modelos teóricas, na aquisição do r-fraco por crianças com
terapêuticos. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2008; 20 desvio fonológico [Dissertação]. Santa Maria (RS):
(3): 153-8. Universidade Federal de Santa Maria; 2008.
32. Wren Y, Roulstone S. A comparison between 45. Blanco-Dutra AP. A aquisição das fricativas /f/,
computer and tabletop delivery of phonology /v/, /S/ e /Z/ por crianças com desvio fonológico
therapy. Int. J. Speech–Lang. Path. 2008; 10(5): [Tese]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade
346-63. Católica do Rio Grande do Sul; 2009.
doi: 10.1590/S1516-18462011005000003
RECEBIDO EM: 17/03/2010
ACEITO EM: 07/09/2010