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09/06/2018

Metodologia do Antigo Testamento


Aula 5
Como Ler o Antigo Testamento?

A BÍBLIA E SEU CONTEXTO

Por: Profa. Rosângela Gonçalves

Exegese, releituras e sentido


A exegese é um exercício de interpretação, de ouvir
o texto e perceber o seu sentido. Cada pessoa
carrega uma série de pré-concepções em sua
cosmovisão. Estes “prés” são formados
principalmente por elementos da cultura e da
linguagem. No caso da exegese bíblica, ao nos
aproximarmos de um texto ainda temos um outro
“pré”: o dos postulados dogmáticos. Estes
postulados interferem não apenas no intérprete do
texto, como estiveram presentes também no
momento de redação do texto, através dos “prés”
do próprio autor.

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Todo trabalho com o texto consiste numa relação de


diálogo no qual a cultura, a linguagem e a ideologia do
intérprete está em constante diálogo com a linguagem, a
cultura e a ideologia do autor do texto. Assim, o texto
bíblico é produto de um contexto histórico e sociológico.
Ele deve ser lido como uma peça literária cuja
composição teve o propósito inicial de comunicar uma
mensagem para seu primeiro público leitor, esta intenção
inicial permite que o texto seja atualizado e também
traga uma mensagem para os dias atuais.

Devido ao encontro do texto com sua polissemia, a


possibilidade de chegarmos ao sentido original do
texto fica realmente no campo do provável, da
hipótese. Hipóteses são férteis, carecem de provas,
mas a ciência trabalha justamente com graus de
probabilidade e não com verdades acabadas. As
hipóteses são justamente a principal ferramenta de
trabalho.

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• O texto final estrutura o último nível de releitura e deveria ser


o ponto de partida de uma exegese que contempla o todo de
uma obra (REIMER: 963). Entender o texto como um todo é
trabalhar em perspectiva sincrônica. Estudá-lo em blocos
menores é trabalhar em perspectiva diacrônica.

• Ao ser transmitido, o texto passa por releituras, que por sua


vez podem sofrer mudanças de sentido, se o grupo de suporte
que fez a releitura é diferente do grupo do qual a tra-dição é
originária. Isto acontece, por exemplo, quando o dito é
profético mas o texto foi redigido por sacerdotes, como
aconteceu com Amós, Oséias, Zacarias, etc.

Elementos do método histórico-crítico


Delimitação do texto - é a determinação da perícope que será
analisada. Perícope é o trecho do texto hebraico ou grego
completo de sentido em si mesmo. O texto precisa ter “começo,
meio e fim”. Esta delimitação no AT pode ser identificada pela
marcação de fim de parágrafo no próprio texto hebraico;

Sincronia – aproximação ao texto que trabalha com a ordem


estabelecida no cânon cristão, na sequência histórica mais lógica
de acontecimentos e tende a datar os livros ao invés das
perícopes. É o formato mais adequado para analisar apenas as
frases ou palavras isoladas. Muito usada no método histórico-
gramatical.

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Diacronia - realiza o processo de desmontagem do texto para


verificar seu processo de composição. Para isto fará uso da Crítica
Literária, da Crítica de Gênero e do Sitz im Lebe. estabelece a
estrutura básica do texto, analisa o vocabulário, a sintaxe e o estilo
e o texto numa perspectiva linear e temporal.

Crítica Textual – avalia as mudanças realizadas no texto a partir de


seus continuados processos de cópias. Tenta descobrir mudanças
acidentais ou intencionais a fim de se chegar a um provável “texto
original”. Normalmente é feita no processo de tradução com o uso
dos léxicos, analíticos e dicionários e também com o Manual da
Bíblia Hebraica, que nos traz a crítica textual dos antigos
massoretas. Este trabalho só é possível em língua portuguesa com
o uso do aparato crítico da Bíblia Hebraica.

Crítica Literária - avalia a consistência/integridade do texto,


se é unitário ou compósito. Se for compósito, o estudo
diacrônico tenta reconstruir sua composição primária. A
diferença da crítica literária e da crítica textual é que crítica
compara os materiais externos e a crítica literária compara o
texto dentro de si mesmo ou com outros textos bíblicos de
mesma época.

Crítica de Gênero e do Estilo Literário – fará a comparação


da perícope com textos de outras naturezas (legais, poesias,
narrativas históricas: sagas de heróis, de cidades, etc). Há
uma variedade de gêneros e estilos literários diferenciada no
AT.

Sitz im Leben – é a determinação do contexto vital. Textos com


semelhanças estruturais podem ter surgido de circunstâncias
semelhantes ou tentam responder a estas situações. Sugere
existência de contexto original comum.

Crítica da Tradição – determina o substrato de tradição que


caracteriza aquele texto, o tópoi.

Crítica da Redação – tentativa de compreender as características


de cada redator a partir das mudanças do material que foi a base
do texto, resultando na colocação literária (Sitz im der Literatur) e
análise do escopo do texto derivado de sua autoria. Que tipo de
leitura da Bíblia estamos acostumados a fazer?

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Semiótica – analisa o simbolismo/significado das palavras, o


código dentro do texto. Todo texto é construído sobre um
sistema sígnico determinado e faz sentido, primariamente,
no contexto de sua linguagem e cultura. Em termos de Bíblia
precisamos levar em consideração a distância entre autor e
leitor (tempo, espaço, cultura e língua). O estudo da
semiótica especifica a aplicação dos conceitos de sincronia
[que trata o texto como um conjunto de elementos que
interagem simultaneamente] e diacronia [que estuda o texto
como o resultado de uma evolução ao longo de um grande
período de tempo]. Neste sentido, as referências por
excelência para a análise semiótica são os comentários
rabínicos.

Aproximações dos textos bíblicos


É possível ler de forma neutra um texto que não foi escrito de forma
neutra? É possível ler sem ideologia um texto carregado de ideologia
ou de várias? O que em geral é feito é uma aproximação ao texto já
determinada por percepções pré-estabelecidas, principalmente pela
homilética do segmento religioso ao qual estamos ligados, isto é, a
forma de pregar sobre o texto. Isso acaba impedindo o texto de falar
por si mesmo e priva a liberdade do texto, obrigando-o a funcionar
com um depósito de argumentos em favor de nossos pressupostos.

O processo de delimitação do texto


Os títulos e divisões de nossas Bíblias não constam no texto
original. Eles podem trazer ao texto dois tipos de
complicações: a quebra da unidade textual ou o agrupamento
de unidades que deveriam estar separadas. Os autores bíblicos
deixaram alguns indícios de início e término destas perícopes.
Cabe ao exegeta, selecionar o trecho sobre o qual vai trabalhar,
ou seja, a perícope. Não se deve fazer exegese de palavras
isoladas ou de versículos isolados, pois o selecionar palavras
ou versículos obriga a retirada do texto do seu contexto
literário, por consequência de seu contexto histórico, de
gênero, e de intencionalidade. Estabelecer sobre qual perícope
se vai trabalhar é processo anterior à tradução.

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El ementos pri mários na delimitação da perícope


a) Tempo e espaço – (I) período de tempo no qual o episódio
narrado esta concentrado bem como localização física do
episódio (2 Sm 11:1; 2 Rs 4:38). (F) (2 Sm 19:40; Nm 20:29; 1
Rs. 10:25; Gn.32:22);

b) Personagens – (I) introdução de novos personagens, aumento


do número deles ou surgimento de personagens ocultos podem
ajudar a delimitar a perícope (Ex.2:1 e 2 Rs 4:42). (F) (Mc. 1:45);

c) Argumento – a mudança de assunto, introdução de um


interlocutor fictício, etc. (Rm. 7:13;11:1). O narrador interrompe
exposição para fazer observações que dão sentido ao relato;

d) Anúncio de tema – “amarração” do próximo tema ao assunto


que ora finaliza

e) Título – em algumas passagens os autores bíblicos


deixaram títulos delimitadores de novas perícopes (Is
21:1,11,13);

f) Vocativ os/novos destinatários – A nova pessoa a


quem a palavra está sendo dirigida como nos oráculos
proféticos (Os 5:1; Jl 1:13);

g) Introdução ao discurso ou ruptura do diálogo –


introdução da fala de um personagem (Jó 6:1;8:1) ou o
protagonista finaliza a narrativa;

h) Mudança de estilo – o texto pode sofrer uma


ruptura quando são mesclados dois tipos diferentes de
exposição (Jz 5:31).

A tradução do texto
A tradução é a transmissão da mensagem do texto
original para o nosso idioma. Quando se traduz já se opta
por interpretar. Comparar com versões já existentes em
português pode ajudar. A tradução pode ser:

1. Formal: quando respeita a forma linguística do texto


original. A versão fica mais pesada e repetitiva, e as ideias
ficam articuladas de forma pouco usual na nossa língua.
Traduzir palavra por palavra não levando em conta as
particularidades de cada língua não significa fazer uma
tradução formal.

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Exemplo: 1Sm 25,22

‫ֱֹלהים לְ אֹּיְ בֵ י ָדוִ ד וְ כֹּה י ִֹּסיף ִאם־אַ ְש ִאיר‬


ִ ‫ֲשה א‬ ֶׂ ‫כֹּה־ ַיע‬
‫ֲש ר־לו ֹּ עַ ד־הַ ב ֶֹּׂקר מַ ְש ִתין ְב ִקיר׃‬ֶׂ ‫ִמ כָל־ א‬
Trad. Literal: “Assim faça Deus aos inimigos de Davi e assim
continue, se eu deixar, de todo o que é dele, até amanhã, um
mijador de muro”-

Trad. Formal: “Assim aja Deus com os inimigos de Davi e o faça


ainda mais, se eu deixar com vida, até amanhã, algo de tudo o
que pertence a ele, mesmo um só varão.”

ii. Funcional: quando objetiva superar as dificuldades do


leitor atual em compreender a Bíblia, mudando estruturas
de frases e usando palavras mais simples. Exemplos: BLH,
BV, EP e Bíblia Fácil.

Exemplo:
Trad. Funcional: “Que Deus me castigue se até amanhã, ao
amanhecer, ficar viv o ainda que seja um só dos seus
homens!”.

Um Exercício:

Delimite início e fim das perícopes dos textos


abaixo, elencando quais e lementos justificam
sua delimitaçã o (use como base os e lementos
listados em 1.4. a e b). Gn 39:1-6a; 2 Sm 16:5-14;
2 Rs. 4:1-7; Is. 21:1-10; 45:1-7

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