You are on page 1of 168

A VIOLÊNCIA CONTRA

CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
COM ÊNFASE NO ABUSO
SEXUAL
Curso – EaD

(MÓDULO I)

1
Ficha Técnica

Coordenação do Curso

Ricardo Cunha Chimenti


Juiz Auxiliar/Enfam/STJ

Benedito Eugenio de Almeida Siciliano


Secretário Executivo/Enfam

Thaysa Lizita Lobo Silveira


Coordenadora Executiva do Curso

Fábio Costa Oliveira


Coordenador Executivo do Curso

Conteudistas:
Portaria Enfam nº 32, de 2013.

José Antônio Daltoé Cezar


Desembargador do TJRS
Cristiana de Faria Cordeiro
Juíza de Direito do TJRJ
Danielle Martins Silva
Promotora de Justiça do MPDFT
Patrícia Pimentel Chambers Ramos
Promotora de Justiça do MPRJ
Thiago André Pierobom de Ávila
Promotor de Justiça do MPDFT
Evelyn Eisenstein
Médica Pediatra e Professora Associada da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Marleci Venério Hoffmeister
Assistente Social do TJRS
Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams
Psicóloga e Professora Titular da Universidade
Federal de São Carlos

2
Este material é de domínio e uso da Enfam. Fica proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, assim como a inclusão em qualquer sistema
de processamento de dados, sem a prévia autorização. A violação do direito autoral é crime punido com prisão e multa (art. 184 do Código Penal), sem prejuízo da
busca e apreensão do material e indenizações patrimoniais e morais cabíveis (arts. 101 a 110 da Lei n° 9.610/1998 - Lei dos Direitos Autorais).

3
MÓDULO I – UMA BREVE ANÁLISE HISTÓRICA, LEGISLATIVA E
DO DISCURSO JURISPRUDENCIAL

Quatro coisas devem ser feitas por um


juiz: ouvir cortesmente, responder
sensatamente, considerar sobriamente e
decidir imparcialmente.
Sócrates

1. A história social da Infância.

Buscar desvelar o significado da palavra infância é tarefa aparentemente fácil.


No entanto, desvelar a história da infância em nossa sociedade já nos remete a um
esforço maior, haja vista ter esse tema tomado interesse e preocupação, a ponto de ser
relevante o seu debate somente por volta do século XIX, pois é a partir desta época que
se inicia a preocupação com a infância dentro de uma perspectiva tutelada.

Philippe Ariès, em sua obra intitulada “História Social da Criança e da Família”


(2006), sinaliza para a necessidade de um olhar especial para esse segmento, iniciando,
com isso, o despertar pelo interesse de pesquisas nesse campo. Até então, a criança não
era concebida em sua perspectiva histórica, razão pela qual se pode concluir ser tal fato
reflexo da incapacidade do adulto de assim concebê-la.

Em relação ao desenvolvimento da infância, a história refere que não havia


distinção de tratamento entre as faixas etárias e, até o século XVIII, a adolescência foi
confundida com a infância. A cada século, conforme referenciou Ariès, privilegiava-se
um período particular da vida humana, sendo a “juventude” priorizada no século XVII,
a “infância”, no XIX e a “adolescência”, no XX.

As crianças, na vida quotidiana, estavam sempre misturadas às figuras dos


adultos, acompanhando-os no trabalho, em reuniões e nos jogos. Pouco sentimento lhes
era dispensado, fato comum no período entre os séculos XIII e XVII, pois, devido à
fragilidade no trato, a mortalidade infantil se mantinha em elevado nível; assim, os
adultos tinham-lhes pouco apego afetivo.

A descoberta da infância, como bem descreve Ariès (2006), começou, sem


dúvida, no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na História da Arte e na
Iconografia dos séculos XV e XVI. O retrato de família predominante na Arte do século
XVII mostra esses sujeitos, antes inexistentes, formando parte do centro do mundo
familiar.

1
A história mostrará que a total ausência de sentimento da infância, em finais do
século XVI e início do XVII, prevalecia com a liberdade com que se tratavam as
crianças, as quais eram expostas a brincadeiras grosseiras e indecentes, associadas a
assuntos sexuais, o que é intolerável nos dias de hoje.

Dos séculos passados, quando a criança era tida como objeto sem valor, até o
contexto atual, o caminho percorrido pela sociedade, no que diz respeito ao campo da
sua proteção, elevando-a ao patamar de sujeito de direito, apresenta-se envolto em
contradições, vez que, ainda que tenha havido mudanças, observa-se, nos dias atuais,
práticas cuja herança vêm de muito longe.

A história, ocorrida em 1874, em Nova York, cuja criança é a menina Mary


Ellen, que sofria maus tratos por aqueles que deveriam protegê-la, é emblemática se
considerarmos a estratégia que fora utilizada para coibir a evolução desse maltrato: as
leis de proteção aos animais.

No Brasil, a história da criança deu sinais de significativa mudança com o


advento do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, por meio da Lei 8.069 de
1990, quando ressurge a cidadania da criança e do adolescente na agenda política da
nação, motivo pelo qual foi o Brasil o primeiro país da América Latina a adequar sua
legislação nacional aos termos da Convenção das Nações Unidas dos Direitos da
Criança.
A Doutrina da Proteção Integral traz, em seu bojo, a proposta de proporcionar
um tratamento jurídico diferenciado a crianças e adolescentes, dando origem, dessa
forma, a um Sistema de Garantia e Direitos, sendo que este representa a articulação e
integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil na aplicação de
instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e
controle para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente nos níveis Federal,
Estadual, Distrital e Municipal. Esse Sistema, conforme estabelecido pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA –, está dividido em três eixos: promoção, defesa e
controle.
A Constituição Federal, a partir do art. 227, promove, assim, o então “menor”,
fadado ao desrespeito, à delinquência, servindo apenas como mero objeto do sistema, a
uma nova categoria jurídica, tendo o Estado, a Sociedade em geral e a família o dever
de efetivar tal proteção quando estabelece que esses sujeitos têm o direito à vida, à

2
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar.

A Doutrina da Proteção Integral acima de tudo estabelece a proteção da criança e


do adolescente, pondo-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. Assim, a superação da visão menorista é
fundamental para que, de fato, compreendamos a criança como sujeito de direitos,
rechaçando qualquer outra posição.

Muito ainda há de obter novo significado nessa “história”, exigindo novas


formas de proceder, conduzindo-nos à efetiva garantia dos direitos da criança e do
adolescente. Precisamos conceber a importância de reconhecer o valor que a história
traz, para que possamos avançar em nossas ações.

2. Uma breve história da corte amorosa à brasileira: do período escravocrata


ao século XIX.

O entendimento das relações entre senhores e escravos perpassa,


necessariamente, pela análise do contato forçado, na intimidade doméstica e na
sexualidade. A historiadora norte-americana Sandra Lauderdale Graham, em
interessante obra sobre histórias de mulheres na sociedade escravocrata brasileira 1, traz
o questionamento relativo ao papel da sexualidade das escravas na trajetória de
aprendizado de papéis sexuais em um contexto tão fortemente marcado por relações
violentas.

Dizia-se que meninos brasileiros tinham sua iniciação sexual com as escravas
dos pais. Tal iniciação, obviamente, não considerava o consentimento das envolvidas,
pouco importando sua idade. O caráter lúbrico da escravidão existia na própria
organização hierárquica: para preservar a honra das moças de família − futuras
sinhazinhas −, os senhores estimulavam a iniciação sexual de seus filhos com as
escravas adolescentes. As esposas brancas eram usadas apenas para reprodução,
enquanto as escravas serviam para a satisfação dos verdadeiros desejos.2

1
In Caetana diz não: histórias de mulheres da sociedade escravista brasileira: trad; Pedro Maia Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005. No mesmo sentido: AZEVEDO, Elciene e FRANCOZO, Mariana. Caetana e Inácia:
duas histórias de mulheres na sociedade escravocrata. Cad. Pagu [online]. 2006, n.26, pp. 455-461. ISSN 0104-
8333. doi: 10.1590/S0104-83332006000100019.
2
PIRES, Thereza. 13 DE MAIO, Abolição da Abolição: ainda existem escravos no Brasil?
http://www.lunaeamigos.com.br/cultura/13demaio.htm. Acesso em 20/8/2009.

3
Já a corte amorosa no século XIX, em especial quando envolvia famílias ricas e
homens ricos, caracterizava-se pela franca permissividade na manutenção de relações
de natureza sexual entre crianças e adultos, sempre acobertadas pelo manto do
sacramento matrimonial.

Era comum o casamento acordado entre famílias de jovens meninas ricas


contando ainda com dez, doze anos de idade, e algum amigo do pai, de cinquenta,
sessenta anos de idade. A historiadora Mary Del Priore exemplifica a larga aceitação
desses “casamentos” em sociedade:

“Se a jovem é rica – conta-nos Daniel Kidder – ‘está desde logo preparada para
a vida e o pai apresenta-lhe alguns de seus amigos, com a consoladora
observação: minha filha, este é teu futuro esposo’. O risco de um amor fora do
matrimônio levou um viajante a prever: ‘Se os homens e mulheres casam-se
com quem não amam, eles amarão aqueles com quem não se casam’. O
matrimonio entre moças e velhos confirma a tese. E não eram poucos a unir
mocinhas com homens quase senis. Muitas dessas uniões faziam pensar em um
grupo constituído por avô, filha e netos, quando eram marido, mulher e
rebentos. Indignados, os estrangeiros não se continham. Um deles, alarmado,
registrou: ‘Uma brasileira me foi indicada hoje que tem doze anos de idade e
dois filhos que estavam fazendo traquinagens a seus pés. Ela casou-se aos dez
anos com um rico negociante de sessenta e cinco, uma violeta primaveril presa
numa crespa rajada de neve. Mas as damas aqui se casam extremamente jovens.
Elas mal se ocuparam com seus bebês fictícios, quando têm os sorrisos e as
lágrimas dos reais”.3

Os estrangeiros em trânsito pelo país horrorizavam-se com o fato de meninas


serem retiradas das escolas, sem a necessária educação, aos treze ou catorze anos, para
que pudessem assumir suas responsabilidades de mãe e esposa. Por esse motivo,
também imputavam às jovens meninas um precoce interesse sexual pelo sexo oposto
que, na verdade, advinha do trânsito imposto por suas próprias famílias, que as
entregavam ainda em tenra idade nas mãos dos maridos ricos ou bem mais velhos. Tal
fato ainda ocorre atualmente em várias cidades do interior do Brasil.

A historiadora Tânia Quintaneiro assevera que, não raro, a menina branca das
famílias de posse entrava como objeto de barganha entre seu pai e algum senhor
provavelmente bem estabelecido, idoso ou mesmo seu parente próximo, que desejava
casar-se e ter filhos.4

3
História do amor no Brasil. 2. Ed. – São Paulo: Contexto, 2006, p.169.
4
Idem, p.170.

4
A impressão que permaneceu, no entanto, nos estrangeiros – e que certamente
integrou-se à tradição cultural brasileira −, é de que havia certa precocidade sexual nas
meninas do Novo Mundo, um interesse precocemente excessivo pelo sexo oposto.

2.1 – O lento evoluir legislativo: da semente de proteção à integralidade da


defesa da dignidade sexual de crianças e adolescentes.

A grande questão que se coloca nessas circunstâncias é: como transmutar todo


um contexto de permissividade social ao contato sexual entre crianças e adultos para o
contexto oposto, de criminalização deste tipo de conduta?

Não se pode olvidar que a realidade anteriormente descrita teve lugar em fins do
século XIX e que o Código Penal de 1940 foi o primeiro a instituir a presunção de
violência para o crime de estupro praticado contra menores de 14 anos.

Até então, as descrições de crime de estupro constantes do Código Criminal de


1830 e do Código Republicano de 1890 não previam qualquer tipificação específica
para o crime praticado contra menores de catorze anos, tampouco traziam hipóteses de
agravamento de pena para tais situações.5

A conformação do conceito de “criança libertina” ou “criança provocadora”,


brilhantemente referida pelo sociólogo francês Georges Vigarello, não é exclusiva da
tradição cultural e jurisprudencial brasileira. Relata o autor que, em diversos processos
tramitados em Paris, no século XVIII, tendo por objeto violências sexuais praticadas
contra crianças e adolescentes, a persistência de dúvidas sobre o comportamento das
jovens vítimas, a interminável discussão sobre sua possível libertinagem, devassidão ou

5
O Código Criminal do Império do Brasil de 1830 preceituava, no artigo 222 do Capítulo II - Dos crimes contra a
segurança da honra, Seção I, assim conceituava o crime de estupro: "Ter cópula carnal por meio de violência ou
ameaça, com qualquer mulher honesta. Pena de prisão por três a doze anos, e de dotar a ofendida". A pena
determinada neste artigo era bem severa, além de existir o cumprimento do castigo legal com a pena de prisão,
também admitia o cumprimento da obrigação civil de dotar a ofendida, ou seja, fazer o pagamento de um valor
arbitrado pelo juiz à ofendida, o que hoje equivale à indenização por perdas e danos (tanto moral quanto físico). No
Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, de 11 de outubro de 1890, no Título VIII - Dos crimes contra a
segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor, em seu Capítulo I - Da violência carnal,
versava o artigo 268: "Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta. Pena - de prisão cellular por um a seis annos.
Parágrafo 1º. Se a estuprada fôr mulher pública ou prostituta. Pena - de prisão cellular por seis meses a dois annos" e
no artigo 269: "Chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa, com violência, de uma mulher, seja virgem ou
não. (...) Já o Código Penal de 1940 traz no Título VI, que trata Dos crimes contra os costumes, no Capítulo I - Dos
crimes contra a liberdade sexual, dispõe o artigo 213 - "Constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência
ou grave ameaça. Pena - reclusão, de 06 a 10 anos. Parágrafo Único - Se a ofendida é menor de catorze anos. Pena -
reclusão, de 04 a 10 anos". Em razão do surgimento das Leis nº 8.609/90 (ECA) e nº 8.072/90 (Crimes Hediondos),
que agravaram a pena imposta no caso específico de ser o crime cometido contra menor de catorze anos, operou-se a
revogação do mencionado parágrafo. in: Evolução histórica do crime de estupro – doutrina e jurisprudência. Diva
Verushka Alves Pinheiro. http://www.geocities.com/imagice/doc0812.htm. Acesso em 16/8/2009.

5
“excesso de instrução para a tenra idade”, frequentemente provocava hesitação nos
Juízes.6

Relata o autor que a defesa dos acusados concentrava-se em buscar, por


intermédio de provas testemunhais, incutir nos julgadores dúvidas acerca do
comportamento das crianças, de modo a desviar a análise da conduta criminosa para a
análise da culpabilidade comportamental da vítima.

No Brasil, a evolução legislativa constante do Código Penal de 1940 foi reflexo


de uma nova concepção da infância, considerada em seu contexto de fragilidade e
subjetivação (lento constituir dos sujeitos sociais “criança” e “adolescente”), a inspirar
um compartilhamento social do cuidado e da responsabilidade pela preservação do ser
em desenvolvimento.

Ao Código Penal de 1940, seguiu-se a Constituição Federal que erigiu, em seu


artigo 227, a defesa dos direitos das crianças e adolescentes ao patamar de prioridade
absoluta. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez (Lei n. 8.069/90), em
seus artigos 241, 244-A e 250, instituiu ostensiva tipificação para condutas relativas à
exploração sexual de crianças e adolescentes.

Ainda no plano positivo interno, a reforma instituída pela Lei n. 12.015/2009


modificou sensivelmente a disciplina do tema no Código Penal, em boa hora alterando a
nomenclatura do Título VI de “Crimes contra os Costumes” para “Crimes contra a
Dignidade Sexual”, além de inserir capítulo específico relativo aos crimes sexuais
contra vulnerável, seja na modalidade abuso sexual, seja na modalidade exploração
sexual. Ao instituir disciplina específica para os crimes sexuais praticados contra pessoa
vulnerável, tendo por parâmetro principal o limite etário de 14 (catorze) anos, referido
diploma revogou (expressamente) o disposto no artigo 224 do CPB.

Ainda que diante do reconhecimento legal da presunção de vulnerabilidade da


infância, a história da punição do estupro contra crianças no Brasil revela uma
insistência na cogitação da responsabilidade da criança-vítima, persistindo a referência
moral como obstáculo à apreensão da violência-fato. Algumas decisões judiciais
analisadas no curso deste trabalho evidenciam essa construção.

6
História do estupro. Violência sexual nos séculos XVI – XX. Trad. Lucy Magalhães. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1998. pp.90-91.

6
3. A construção do crime de estupro em tempos de liberdade sexual: uma
preocupante tendência jurisprudencial.

A comunidade jurídica tem sido surpreendida por uma série de decisões judiciais
relativas a crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes, conformando uma
tendência à absolvição dos acusados sempre que configurado um quadro de onde se
possa extrair algum consentimento da vítima, mesmo as de mais tenra idade. Em
comum, o cerne moral da questão, a discussão da interface entre o ato indigitado
criminoso e a moral sexual da vítima, a análise acerca de seu comportamento prévio, de
seu possível amadurecimento sexual, visando à caracterização de uma ausência de
vulnerabilidade e de uma aptidão para o consentimento que acabam por desconstituir a
própria essência criminosa do ato.

Na formulação de um conceito de costumes, Valdir Sznick refere-se a um


complexo de princípios éticos que constituem a moral sexual, cujo comportamento
uniforme é respeitado pela generalidade das pessoas honestas e que agem de boa-fé
dentro de um determinado ambiente e em uma determinada época7. Atualmente, uma
definição consistente de moral sexual representa imensa dificuldade. Isto porque é
inegável a rapidez com que se renovam os padrões de comportamento em sociedade – o
que inclui o padrão de comportamento sexual –, a qual busca adaptar-se e reestruturar-
se em um contexto de incessante exposição aos mais diversos tipos de mídia, de
movimentos sociais, de inovações tecnológicas e científicas que afetam rotineiramente a
vida dos indivíduos.

Nessas circunstâncias, torna-se cada vez mais difícil estabelecer-se um padrão de


conduta, inclusive sexual − objeto específico desta argumentação − que, atualmente,
demonstre ser adequado à moralidade média, aos costumes, aos hábitos e usos
socialmente aceitos porque o conteúdo desses conceitos não pode ser considerado
rígido. Oscila ao sabor das influências culturais, além de assumir facilmente o molde
que se lhe der o observador, em conformidade com seus tão pessoais princípios. É a
cultura, portanto, o elemento definidor do conteúdo do pudor − e não a lei: os ditos bons
costumes, a moralidade média, não permanecem estanques, variando com as
circunstâncias, o tempo e o local.

7
SZNICK, Valdir. Crimes Sexuais Violentos. p. 69, apud SOUZA, José Guilherme de, Vitimologia e violência nos
Crimes Sexuais − uma abordagem disciplinar, Porto Alegre, 1998, p.66.

7
No entanto, há fronteiras que se deve tomar por intransponíveis: a tutela da
integridade sexual física e psíquica de crianças e adolescentes é uma delas. Não transigir
com a defesa da dignidade sexual de seres humanos em desenvolvimento é o que
diferencia, em última instância, a civilização da barbárie.

O abusador sexual, presumivelmente, é alguém que não se enquadra no perfil


esperado de comportamento sexual em sociedade. Por isso mesmo, o primeiro contorno
evidenciado em um crime sexual é a conduta desviante do agressor, contrária ao pudor e
aos costumes.
Os crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes guardam, no
entanto, peculiaridades que merecem destaque e permitem compreender o porquê da
permissividade e aceitação social de sua ocorrência, inclusive no contexto da produção
de decisões judiciais.

4 - A vitimização infantil por abuso sexual: uma história de poder e violência.

A nova visão da infância, aquilatada a partir do Código Penal de 1940, no


entanto, não encontrou respaldo imediato no discurso judicial, até os tempos atuais,
permeado de preconceitos e discriminações contra as vítimas de estupro, inclusive as
crianças e adolescentes.

A objetificação8 das vítimas no crime de estupro (no sentido do seu não


reconhecimento como pessoas, sujeitos de direitos) não ocorre somente quando da
prática do crime e do tratamento das consequências que dele, porventura, advenham.
Ela é reiterada no discurso dos operadores do sistema de justiça criminal durante toda a
fase de colheita de provas − desde a fase inquisitorial até a fase judicial −, culminando
em sentenças que, em sua maioria, revelam o que efetivamente se encontra em
julgamento: não o fato criminoso, mas a conduta moral da vítima e do autor do crime.
Aliás, a discriminação ganhou, como aliado, o estudo da vitimologia, que o Código
Penal consagra em seu artigo 59, que dispõe que, ao concretizar a pena, dentre outros
quesitos, o juiz deverá analisar o comportamento da vítima. Já na exposição de motivos,
é possível constatar-se a tentativa de se beneficiar o réu: faz-se referência expressa ao
comportamento da vítima, erigido, muitas vezes, em fator criminógeno, por constituir-

8
Expressão tomada por empréstimo a STRECK, Lênio Luiz. Os crimes sexuais e o papel da mulher no contexto da
crise do direito: uma abordagem hermenêutica. Cadernos Themis. Gênero e Direito. Ano III, n. 3. Porto Alegre:
Themis assessoria jurídica e estudos de gênero, 2002. p. 135-164.

8
se em provocação ou estímulo à conduta criminosa – como, em outras modalidades, o
pouco recato da vítima nos crimes sexuais.

O estudo do comportamento da vítima, se tratado de forma consciente e sem os


exageros que têm sido muitas vezes observados, pode, porém, garantir o preceito
constitucional da individualização da pena. O que não se pode admitir é a transposição
de lugares no processo, levando a vítima à posição de criminosa e o criminoso à posição
de vítima. Entende-se por vítima aquele sujeito que não incorre em culpa; destarte,
tratar a vítima como criminoso é um erro inaceitável.9

Merece destaque a insistência com que menções ao “amadurecimento sexual”,


“experiência sexual pretérita da vítima”, ou, mesmo, a utilização das expressões
“criança prostituta” ou “criança sedutora” ainda frequenta o discurso jurisprudencial,
como se o reconhecimento de tais circunstâncias, em alguma medida, justificasse a
ocorrência dos crimes sexuais praticados. No mesmo sentido, a exigência de que a
vítima repita, à exaustão, por diversas e idênticas vezes, para os mais diversos atores da
rede social e do sistema de Justiça (escola, familiares, conselho tutelar, saúde, CREAS,
delegacia de polícia, Ministério Público e Judiciário), a história do abuso, sob pena de
ser considerada uma vitima mentirosa, não confiável, reforçando o estereótipo de que as
crianças tendem a mentir quando narram a ocorrência de abusos sexuais.

A questão primeira a atrair a atenção em uma violência de natureza sexual é a


falta de moral sexual, a conduta desviante, degradante do agressor que alcança tamanha
relevância que o sofrimento físico da vítima acaba sendo, em parte, negligenciado. E
uma pecha moral acaba unindo a vítima e o agressor porque expõe a intimidade de
ambos em um contexto de contato forçado permeado pela ideia de promiscuidade e
despudor. Assim, a análise do delito sexual quase sempre tende a unir seus
protagonistas, o que significa confrontar não somente a culpabilidade do agressor,
como, até mesmo, a própria existência do delito, com um profundo e detalhado exame
acerca da conduta da vítima − se ela observa ou não os preceitos de moralidade pública,
se é uma vítima adequada ao padrão de decência sugerido pela comunidade. A
insensibilidade à violência, a vergonha da vítima, a constante suspeita que recai sobre
seu consentimento − mesmo quando ameaçada ou traumatizada − e suas reações são

9
DIAS, Caio César Will. A análise da ofendida nos crimes contra a liberdade sexual e a dignidade da pessoa humana. Publicado em
5/7/2009 in www.webartigos.com. Acesso em 20/8/2009.

9
fatores que eufemizam a brutalidade do ato. O resultado: julgam-se os envolvidos, em
especial a vítima, não o crime.
Evidente adoção desse posicionamento repercute na jurisprudência pátria,
sobretudo nas hipóteses em que se possibilita ao julgador adotar conceitos de conteúdo
nitidamente subjetivo para fundamentar seu posicionamento e se revela especialmente
gravosa quando da análise das hipóteses de violência aduzidas no artigo 217-A do
Código Penal (introduzido pela Lei n. 12.015/2009), especialmente quando está em
debate a presunção de violência, pela menoridade da vítima.

Nesse sentido, não se pode anuir com a subversão da mens legis − qual seja, a
de preservar o normal desenvolvimento psicológico da pessoa menor de 14 anos de
idade pela presunção de que não seria capaz de lançar consentimento válido, maduro,
pleno e livre – a partir de argumentos tais como:

“se a menor era corrompida, tendo já mantido relações sexuais com outros
rapazes, o que em si destrói a presunção de violência, cessando a configuração
do crime de estupro em proveito da configuração de fornicatio simplex, há que
ser inocentado o acusado”; “o estupro com violência presumida não se
caracteriza com a simples conjunção carnal, sendo necessário que se positive
também que a vítima era honesta”; “de se afastar, portanto, a presunção de
violência se comprovadamente devassa a vítima de estupro, apresentando-se
com incrível desenvoltura para a prática sexual, antes e depois mantendo postura
de todo desajustada aos acontecimentos. Tanto mais havendo dúvida sobre a
efetiva virgindade pretérita, uma vez constatada pela perícia completa
cicatrização das lesões himenais uma semana após os fatos”; “tratando-se de
menores de 14 anos habituados às práticas homossexuais, que vendem seus
favores porque já despidos daquele mínimo de compostura prévia, daquela
honestidade relativa e daquela probidade de costumes, a qual fundamenta a lição
legal prevista no artigo 224, “a” do CP, a imoralidade do réu, pese a revolta que
desperta nas consciências bem formadas, não tipifica o crime de atentado
violento ao pudor”.10

Cuida-se de ilações que se estabelecem em detrimento da questão da violência


em si, entendida esta, nas palavras da Professora Doutora Maria Lúcia Pinto Leal,11
como sendo uma relação de dominação e força, imposta, historicamente, através de
um poder desigual entre adultos e crianças, homens e mulheres, brancos e pretos,
ricos e pobres. Essa diferença de poder é determinada por fatores multidimensionais
10
RTJSP 72/330, RT 534/344, RT 644/259, RT 647/278, in Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, v.I
tomo II − parte especial, Alberto Silva Franco, Rui Stocco e outros. p. 3028,3029, 3030,3031.
11
Fundadora e coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Violência, Tráfico e Exploração Sexual de Crianças,
Adolescentes e Mulheres – Violes/SER/UnB.

10
como pobreza e desigualdade social, cultura, comportamento e estilo de vida, dentre
outras determinações que explicitam o fenômeno.

O estupro, portanto, é um crime de poder, do poder de que se utiliza o agente


(que pode ser físico e/ou psicológico) para impor sua vontade à vítima. In casu, a
impotência da vítima, reforçada pela diferença etária, de desenvolvimento intelectual,
de força física e, em muitos casos, pela autoridade natural exercida pelo agressor e/ou
pela situação de dependência da vítima em relação a esse,12 não é devidamente
considerada como o meio eficaz e decisivo de que se vale o agente para a consecução do
crime. Mais uma vez, a discussão de fundo é perigosamente deslocada para a esfera dos
costumes, a finalidade da lei é contornada e a violência ao consentimento, in casu,
presumida pelo peculiar estágio de desenvolvimento mental e físico da vítima, assume
caráter meramente residual, a ser considerado quando da prática do ato resultarem
sequelas físicas visíveis e vestígios materiais a serem comprovados por meio de Laudo
de Exame de Corpo de Delito.

A oscilação permanece viva na jurisprudência, haja vista a constante necessidade


dos Tribunais Superiores voltarem ao tema, ora reconhecendo a necessidade de proteção
absoluta aos direitos sexuais e reprodutivos das pessoas em desenvolvimento, incluindo
sua integridade física e psíquica, ora relativizando a violência sexual de que tenham sido
vítimas. No sentido do primeiro posicionamento:

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR.


PERFEITA CONFIGURAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
CORRUPÇÃO DE MENORES. ALEGAÇÃO DE EXCESSO NA PENA
COMINADA. IMPOSSIBILIDADE. CRIME COMETIDO CONTRA
CRIANÇA DE CINCO ANOS DE IDADE. CONSENTIMENTO.
INEXISTÊNCIA. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. CARÁTER ABSOLUTO.
1. A desclassificação do tipo penal previsto no art. 214 do Código Penal, para o
crime de corrupção de menores (art. 218 do Código Penal), sob o mero
fundamento de "excesso de rigor" da pena cominada ao atentado violento ao
pudor, é decisão nitidamente contra legem, a merecer pronta cassação desta
Corte.
2. Afigura-se imprescindível que o tipo penal do art. 214 do Código Penal,
durante a sua vigência, seja efetivamente aplicado, posto que o legislador
endereçou um comando, e não uma faculdade, ao aplicador da lei, não podendo
o julgador afastar a sua incidência por considerá-la excessiva no caso concreto.

12
Casos em que o agressor é o próprio ascendente da vítima ou exerce, em relação a ela, qualquer outro tipo de
autoridade parental, ou, mesmo, quando se vale de sua condição de tutor ou curador – v. art. 226, inciso II, do CPB.

11
3. O consentimento de criança de cinco anos é irrelevante para a formação do
tipo penal, pois a proibição legal é no sentido de coibir qualquer prática sexual
com pessoa nessa faixa etária.
4. A violência presumida, prevista no art. 224, alínea a, do Código Penal, tem
caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal de proteção à liberdade
sexual do menor, em face de sua incapacidade volitiva.
5. Recurso provido para restabelecer a sentença de primeiro grau, sem o
aumento de pena previsto no art. 9º, da Lei 8.072/90, que afasto de ofício.
Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com fundamento na alínea a do
permissivo Constitucional, em face de acórdão do Tribunal de Justiça local, em
sede de apelação.
Informam os autos que (...), ora Recorrido, por constranger criança de cinco
anos de idade a permitir que com ela se praticasse os atos libidinosos de
apalpação da vagina e das nádegas e felação, foi condenado pelo Juízo da 1ª
Vara Criminal do Foro Regional de Sarandi, Comarca de Porto Alegre/RS, à
pena de nove anos de reclusão, em regime integral fechado, como incurso no art.
214, c.c. art. 224, alínea a, do Código Penal, agravada pelo art. 9º da Lei
8.072/90.
Em sede de apelação, a Defesa aduziu, preliminarmente, inobservância das
normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, no mérito, pugnou pela
absolvição por falta de provas ou pela desclassificação do delito, além de
afastamento da agravante do art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos.
No julgamento do apelo, a Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, por voto médio, condenou o Recorrido à pena de
dois anos de reclusão, concedido o sursis mediante condições durante quatro
anos, como incurso no art. 218, c.c. art. 226, inciso II do Código Penal, nos
termos do voto do relator. O revisor votou pela desclassificação para o art. 19 da
Lei de Contravenções Penais, condenando o réu a dois meses de detenção, e o
vogal pelo afastamento da agravante do art. 9º da Lei 8.072/90 e pelo
reconhecimento da tentativa, fixando a pena em quatro anos de reclusão. (...)
EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA): O recurso deve
prosperar.(...) O acórdão recorrido, confirmando a sentença monocrática,
entendeu restar "indubitável o constrangimento a que se submeteu a menor na
ação do réu, que movido por intensa lascívia, passava os dedos e lambia a
vagina da menor para satisfazer seus impulsos sexuais" (fl. 398), contudo,
afastou a configuração do crime de atentado violento ao pudor pelos seguintes
argumentos, in verbis : ‘Correção que faço é quanto ao tipo de delito, do qual
incorreu o recorrente, para, no final, encontrar uma pena justa. Defendo que se
deve punir o agente na medida de seu ato, de sua culpabilidade e que esta
punição seja necessária e suficiente para a reprovação pelo crime cometido.
Tem-se que encontrar a punição adequada, pois muitas vezes - e me parece a

12
hipótese em questão - o excesso de rigor da lei não faz justiça ao caso concreto.
E dentro deste raciocínio, definir qual é o papel do Poder Judiciário, qual é a
função dos tribunais, da jurisprudência. Penso que é dar à hipótese em
julgamento a justiça, porque, em contrário, para que, nos juízes, servimos? Se
for para enquadrar o fato ao tipo penal e sua respectiva pena, bastarão
funcionários burocráticos com alguma qualificação e um programa de
computador.[...] Aqui, ressalto, a ação, cometida pelo réu contra a vítima, não
teve um repercussão tão danosa que exigisse um punição exemplar. Ainda que
se afirme certo desgaste psicológico (as informações dos pais dão conta disso),
penso que ele se deve muito mais as atitudes dos adultos, tratando o assunto
com grande alarde, que propriamente à ação do agente. Esta se deu através de
toques em partes do corpo da ofendida e talvez o ato do cunilíngua. Tenho a
impressão que o dano psicológico não foi tão intenso, tão marcante que
determinasse, repito, um reprimenda rigorosa. A isto acrescento que a pena
para o crime de atentado violento ao pudor, dependendo da causa - e esta é
uma -, se mostra exagerada. Punir o recorrente com nove anos de reclusão em
regime integral fechado é injusto. Só trará desgraça a todos, sem que se possa
afirmar que alguém ou algo foi beneficiado. A punição, necessária, suficiente,
adequada, justa, do interesse de todos (réu, vítima e familiares, sociedade) é
aquela que, impondo restrições à liberdade do condenado, "não eternize ou
infernize a situação do apenado’.
De outra banda, e o sentido é de adequar a situação em julgamento à hipótese
legal, para se fazer justiça, embora a vítima contasse com tenra idade na época,
vou afastar a presunção de violência. Isto porque não existiu a violência real. A
vítima foi de espontânea vontade ao encontro do recorrente, atraída pelos
dizeres do acusado. A prática do ato libidinoso, deste modo, deu-se, vamos
assim dizer, com o consentimento da criança. Ela foi seduzida e não
violentada. Desta forma, inexistindo a violência real e afastada a presunção,
possível desclassificar a infração para aquela prevista no art. 218 do Código
Penal, porque presentes os requisitos da corrupção de menores. A ação,
registrada na denúncia, descreve ato libidinoso com uma criança que
evidentemente, não era corrompida. E ela teve o condão, a capacidade, de
corromper ou facilitar a corrupção do menor.’ (fls. 399/402)
Tem-se, portanto, que o único fundamento utilizado pela Corte gaúcha para a
desclassificação do crime, ao arrepio do comando legal, foi a injustiça da pena
cominada ao atentado violento ao pudor, que considerou excessiva para ser
aplicada ao caso concreto. Não é de se admitir qualquer interpretação da norma
legal tendente a minorar a sanção penal estabelecida para o grave crime de
atentado violento ao pudor, sobretudo na espécie, onde o crime foi praticado
contra uma criança de, frise-se, cinco anos de idade que, levada à igreja por sua
mãe para realizar atividades sociais, foi forçada a deixar que com ela se
praticasse atos libidinosos, justamente pelo monitor das atividades, a quem
caberia zelar por sua guarda.

13
Plenamente justificado o ‘grande alarde’ dos responsáveis pela menina que,
como qualquer membro médio da sociedade, encara essa forma de
criminalidade como das mais graves. Os crimes sexuais praticados contra
menores têm conseqüências gravíssimas para as vítimas e suas famílias,
comprometendo o normal desenvolvimento das crianças que tiveram o
infortúnio de sofrer tão hedionda agressão, somente, por serem inocentes.
Não pode o órgão julgador, como foi feito in casu, afastar a incidência do
tipo penal, por entender que a lei não é boa o suficiente para o caso
concreto. Afigura-se imprescindível que o tipo penal do art. 214 do Código
Penal, durante a sua vigência, seja efetivamente respeitado e aplicado,
posto que o legislador endereçou um comando, e não uma faculdade, ao
aplicador da lei.
Por oportuno, reproduzo o parecer ministerial da lavra da eminente
Subprocuradora-Geral da República Dra. Lindôra Maria Araújo, que bem
corrobora esse entendimento, in verbis: ‘Em primeiro lugar, qual legitimidade
detém o juiz para diante do caso concreto, entender que a lei não é boa o
bastante e, em conseqüência, afastá-la in casu, aplicando outra norma em seu
lugar? Goste ou não o magistrado, as normas existem no ordenamento jurídico.
O Direito Positivo existe para ser aplicado. Se há uma norma penal
incriminadora tipificando determinada conduta, essa norma há de ser aplicada.
Ainda que fosse possível tal operação pelo juiz, não estaríamos, de fato, diante
de um caso de maior gravidade, a pedir todos os rigores da lei? Ressalte-se que
a vítima é uma criança de 5 (cinco) anos, que foi induzida pelo recorrido, o
qual desempenhava a função de aconselhador em sua Igreja, a acompanhá-lo
à sala de brinquedos da referida Igreja, e lá teve sua calcinha retirada para a
prática dos atos libidinosos narrados na denúncia .’ (fl. 445).
Absurdo, também, afastar a violência presumida. Não há como inferir
qualquer consentimento válido de uma menina de cinco anos de idade por
ter, como consta dos autos, acompanhado espontaneamente o Recorrido à
sala de brinquedos da igreja.
De todo modo, a violência presumida, prevista no art. 224, alínea a, do
Código Penal, tem caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal
de proteção à liberdade sexual do menor de quatorze anos, em face de sua
incapacidade volitiva.
Assim, o consentimento é irrelevante para a formação do tipo penal,
porquanto a proibição legal é no sentido de coibir qualquer prática sexual
com pessoa nessa faixa etária.
Outra não foi a intenção do legislador, visto que sequer há previsão de tipo
alternativo em caso de consentimento.
Mais uma vez convém trazer à colação o excerto do parecer ministerial, que
esclarece a referida questão de forma impecável, litteris : ‘Além disso, o Des.
Relator também defendeu, igualmente para legitimar - se é que há como

14
legitimar tal entendimento - a não-incidência do art. 224, a, do CP, que "a
vítima foi de espontânea vontade ao encontro do recorrente, atraída pelos
dizeres do acusado’, concluindo que, por isso, ‘a prática do ato libidinoso,
deste modo, deu-se, vamos assim dizer, com o consentimento da criança’.
O argumento chega às raias do absurdo! Como afirmar que uma criança de 5
(cinco) anos, que certamente ia à Igreja sozinha, mas provavelmente com seus
pais, agiu ‘de espontânea vontade, atraída pelos dizeres do acusado’? Será que
os Desembargadores esqueceram que estavam julgando o caso de um crime
praticado contra uma criança? Ou eles crêem fielmente que uma menina em
tenra idade possui correto entendimento da vida, possui, inclusive, a malícia de
perceber quando está sendo enganada? Será que eles acreditam que a menina,
naquelas circunstâncias (dentro da Igreja que freqüentava!), poderia ter
desconfiado da conduta do recorrido, e simplesmente ter se negado a
acompanhá-lo à sala de brinquedos, onde veio a sofrer os abusos?
E quanto ao ‘consentimento’? É crível que uma menina com tão pouca idade
possa consentir com a prática de ato sexual, ainda que diverso da conjunção
carnal? Com todo respeito ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, que representa o Poder Judiciário nacional de forma tão destacada,
parece-me que a decisão ora comentada, de sua 8ª Câmara Criminal, configura
uma verdadeira aberração jurídica. Não apenas por seus (esdrúxulos)
fundamentos jurídicos, mas pelo simples fato de tentar abrandar o apenamento
do recorrido, valendo-se, para tanto, de um artificial construção teórica de
desclassificação da infração penal praticada, indo em sentido diametralmente
oposto aos anseios da sociedade por justiça penal, e indo contra a própria lei.’
(fls. 446/447)
O acórdão recorrido afronta, assim, os anseios de justiça da sociedade,
desprezando o comando legal preconizado pela Lei dos Crimes Hediondos, que
inclusive incluiu em seu rol o atentado violento ao pudor.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para, cassando o acórdão
recorrido, restabelecer a sentença de Primeiro Grau que condenou o Recorrido
como incurso nos arts. 214, c.c. art. 224, alínea a, do Código Penal, em regime
integral fechado, nos termos do art.2º, § 1º da Lei 8.072/90. Outrossim, de
ofício, por incabível nos crimes de estupro ou atentado violento ao pudor sem
lesão corporal de natureza grave ou morte, AFASTO da condenação de primeiro
grau, ora restabelecida, O AUMENTO DE PENA PREVISTO PELO ART. 9º
DA LEI N.º 8.072/90, pois sua ocorrência implicaria violação ao princípio do
non bis in idem. É o voto” (STJ. Resp nº 714.979-RS. Relatora Ministra Laurita
Vaz. 5ª Turma. DJ 5.9.2005).

No sentido da relativização da violência e da transferência da responsabilidade


pela ocorrência do crime para a vítima, merece destaque o recurso ao suposto papel
“educativo” e “informativo” da mídia na sexualidade de crianças e adolescentes,

15
utilizado abertamente como instrumento para justificar a negativa de proteção. Confira-
se:
“O ora paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena de 8 anos e 7 meses de
reclusão pela prática de estupro contra menor de 14 anos de idade. O TJ deu
provimento à apelação da defesa, reduzindo a pena a 6 anos e 9 meses de
reclusão a ser cumprida integralmente no regime fechado, considerado o caráter
de hediondez desse delito, ainda que na forma de violência presumida. No HC,
alega-se não existirem elementos de convicção para condenação do paciente e
ainda se sustenta, subsidiariamente, falta de fundamentação à exasperação da
pena acima do mínimo legal; assim, pede-se sua absolvição. Para o Min. Celso
Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), um aspecto que merece
destaque prende-se a que, para boa interpretação da lei, é necessário levar em
consideração todo o arcabouço normativo, todo o ordenamento jurídico do País.
A interpretação da lei não prescinde do conhecimento de todos os ramos do
Direito. Mas uma visão abrangente desse arcabouço facilita, e muito, o
entendimento, bem como sua interpretação. Em tal linha de raciocínio, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa ser analisado para enfrentar
essa questão, qual seja, a de se saber se o estupro e o atentado violento ao pudor
por violência presumida se qualificam como crimes e, mais, como crimes
hediondos. Conforme o art. 2º daquele Estatuto, o menor é considerado
adolescente dos 12 aos 18 anos de idade, podendo até sofrer medidas
socioeducativas. Assim, se o menor, a partir de 12 anos, pode sofrer tais
medidas por ser considerado pelo legislador capaz de discernir a ilicitude
de um ato infracional, tido como delituoso, não se concebe, nos dias atuais,
quando os meios de comunicação em massa adentram todos os locais, em
especial os lares, com matérias alusivas ao sexo, que o menor de 12 a 14
anos não tenha capacidade de consentir validamente um ato sexual. Desse
modo, nesse caso, o CP, ao presumir a violência por não dispor a vítima menor
de 14 anos de vontade válida, está equiparando-a a uma pessoa portadora de
alienação mental, o que não é razoável, isso em pleno século XXI.
Efetivamente, não se pode admitir, no ordenamento jurídico, uma contradição
tão manifesta, qual seja, a de punir o adolescente de 12 anos de idade por ato
infracional, e aí válida sua vontade, e considerá-lo incapaz tal como um alienado
mental, quando pratique ato libidinoso ou conjunção carnal. Ademais, não se
entende hediondas essas modalidades de crime em que milita contra o sujeito
ativo presunção de violência. Isso porque a Lei de Crimes Hediondos não
contempla tais modalidades, ali se encontra, como crimes sexuais hediondos,
tão-só o estupro e o atentado violento ao pudor, nas formas qualificadas. A
presunção de violência está prevista apenas no art. 224, a, do CP, e a ela a
referida lei não faz a mínima referência. E, sem previsão legal, obviamente não
existe fato típico, proibida a analogia contra o réu. Com esses argumentos, entre
outros, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem
para desconstituir a decisão que condenou o paciente como incurso nas penas do

16
art. 213 do CP, absolvendo-o sob o fundamento de que os fatos a ele imputados
não configuram, na espécie, crime de estupro com violência presumida. O Min.
Og Fernandes, o relator originário, ficou vencido em parte por entender, de
acordo com julgado da Terceira Seção do STJ, o reconhecimento da violência
presumida no caso, presunção essa tida por absoluta, só concedendo a ordem
para efeito de progressão de regime” (STJ. HC 88.664-GO, Rel. originário Min.
Og Fernandes, Rel. para o acórdão Min. Celso Limongi (Desembargador
convocado do TJ-SP), julgado em 23/6/2009).

A preservação dos direitos sexuais na infância e adolescência inclui o direito à


informação qualificada, à educação sexual, para que se possa cogitar do exercício livre e
consciente do direito de escolha e do consentimento para a prática do ato sexual.
Direitos sexuais são um elemento fundamental dos direitos humanos. Eles englobam o
direito à sexualidade, um veículo fundamental de comunicação e amor entre as pessoas.
Os direitos sexuais incluem o direito à liberdade e à autonomia e o exercício
responsável da sexualidade (Plataforma de Ação de Beijing, 1995).

Por isso, não se pode presumir, de forma absoluta, que crianças e adolescentes
tenham acesso generalizado e qualificado à informação sobre direitos sexuais e
exercício da sexualidade, a partir da mídia. Trata-se de uma tarefa comunitária, cultural,
a demandar também o envolvimento da família, da escola e do Estado. Para que se
possa falar em consentimento, seria necessário provar-se o acesso adequado à
educação/instrução formal sobre as temáticas em questão, considerando-se, ainda, as
especificidades de cada criança e adolescente. Trata-se, em última análise, do direito
que toda criança e adolescente tem de desenvolver uma autoproteção contra as
violações e explorações de natureza sexual. O objetivo do operador do Direito deve
ser o de implementar mecanismos para o combate ao abuso e exploração sexual de
crianças e adolescentes e não o de buscar subterfúgios legais para justificar a
conformação/adequação social dos abusos praticados, com fundamento em
generalizações que não se sustentam do ponto de vista teórico.

Até que o Estado Brasileiro possa garantir o pleno acesso à informação e à


educação para os Direitos Sexuais e Reprodutivos13 adequados às especificidades de
crianças e adolescentes, não é válido presumir que a mídia o faça, transferindo-se as
responsabilidades, tampouco utilizar-se dessa presunção de senso comum, desprovida

13
A Declaração dos Direitos Sexuais: Durante o XV Congresso Mundial de Sexologia, ocorrido em Hong Kong
(CHINA), entre 23 e 27 de agosto de 2000, a Assembléia Geral da WAS − World Association for Sexology) aprovou
as emendas para a Declaração de Direitos Sexuais, decidida em Valência, no XIII Congresso Mundial de Sexologia,
em 1997. Consulta em http://www.dhnet.org.br/direitos, acesso aos 19/9/2013.

17
de qualquer embasamento empírico ou teórico, para afastar a presunção legal de
violência e considerar a validade do consentimento. Não se pode presumir, em desfavor
da pessoa menor de 14 anos, que tal consentimento tenha sido emitido em condições de
autonomia e igualdade com o de um adulto. A presunção de paridade não pode se operar
em detrimento da proteção à imaturidade e à vulnerabilidade da infância. Nesse ponto
reside também a impropriedade de categorizar as vítimas como prostitutas e
experientes, quando, na verdade, trata-se de crianças prostituídas, seduzidas e
experimentadas por adultos.

Crianças e adolescentes têm direito a uma educação que respeite sua condição de
ser em formação, garantindo um desenvolvimento pleno e saudável; crianças e
adolescentes têm o direito a dizer não a toda forma de abuso e exploração sexual, seja
incesto, pornografia ou prostituição; crianças e adolescentes têm direito à integridade e
segurança sexual. É o que nos cabe fazer cumprir.

5. Questões submetidas à apreciação do Poder Judiciário


O Magistrado – independentemente de sua área de atuação – depara-se, cada vez
mais usualmente, com situações em que a prova versa sobre a ocorrência − ou não − de
violência sexual contra crianças e adolescentes.

Pode ser que se cuide de pedido de indenização por danos morais decorrentes
de abuso sexual ou de falsa imputação de abuso sexual:

“AÇÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DA INSTAURAÇÃO DE


INQUÉRITO POLICIAL FUNDADO EM FALSA IMPUTAÇÃO DE CRIME
DE ABUSO SEXUAL CONTRA O PRÓPRIO FILHO E DO
DESPROPOSITADO AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE SUSPENSÃO DE
PÁTRIO PODER UTILIZANDO-SE DESTE FUNDAMENTO –
DEMONSTRAÇÃO DE NOTÍCIA DESVIRTUADA E INCOMPATÍVEL
COM A VERDADE DOS FATOS - DANO MORAL CONFIGURADO. 1-
Preliminar de nulidade da sentença, por violação ao princípio da identidade
física do juiz, afastada. 2- Demonstrado nos autos a imputação leviana, por parte
da genitora do menor, de prática de crime de abuso sexual pelo pai da criança,
com o objetivo de afastá-lo de sua convivência. 3- Abuso no direito de informar
às autoridades competentes a possível ocorrência de delito, bem como do direito
de ação, que atingiu, inegavelmente, a reputação do Autor, configurando dano
moral indenizável, que, no caso, foi bem mensurado, não merecendo
modificação. 4 - Recurso a que se nega seguimento, nos moldes do art. 557,
caput, do CPC”. (7a Câmara Cível. Apelação nº 0004160-83.2007.8.19.0207. 3a
Vara Cível da Regional da Ilha do Governador – Comarca da Capital. Apelante:

18
CONCEIÇÃO RIBEIRO: RICARDO LUIS FRANÇA. Relator: Des.
RICARDO COUTO DE CASTRODA SILVA. Apelado).

“DANO MORAL. Divulgação via e-mail, em nome da autora, de segredo desta


a respeito de abuso sexual sofrido na infância. Envio, ademais, de notícia falsa
de que o irmão da autora teria sofrido acidente no exterior. Indenização por dano
moral devida, nos moldes fixados na sentença. Conduta do réu que se mostrou
execrável. Ratificação dos fundamentos da sentença (art. 252, do RITJSP/2009).
Recurso desprovido”. (TJ-SP - APL: 9150943322007826 SP 9150943-
32.2007.8.26.0000, Relator: Luiz Antonio de Godoy - Data de Julgamento:
19/07/2011, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/07/2011).

“Apelação Cível. Responsabilidade Civil. Ação visando a compensação de


danos morais. Avó que, suspeitando que sua neta de um ano de idade, tenha sido
abusada sexualmente, levou-a ao Posto de Saúde para exame, que encontrou
vestígios de manipulação e ratificou a suspeita e encaminhou a menor para a
pediatria e esta para a ginecologista. Confirmada a existência de dilatação e
inflação na região e a suspeita de eventual abuso, a criança foi colocada sob o
abrigo do Conselho Tutelar e conduzida à FEBEM até a verificação dos fatos.
Insurgência da avó contra essa providência e alegação de dano moral, buscando
a obtenção de reparação. Inadmissibilidade. Ação regular da autoridade. Criança
que estava em poder da mãe biológica e não da autora (avó). Sentença de
improcedência confirmada. Recurso não provido”. (TJ-SP - APL:
994050778763 SP, Relator: Rui Stoco - Data de Julgamento: 08/03/2010, 4ª
Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 31/03/2010).

Pode ser o fundamento para pedido de suspensão ou destituição do poder


familiar:

“APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ABUSO


SEXUAL PELO GENITOR. SITUAÇÃO DE RISCO. Comprovação de
violação e infringência dos deveres inerentes ao poder familiar pela genitora,
ante os fundados indícios de foi conivente com o abuso sexual perpetrado pelo
pai contra a filha menor, deixando de protegê-la, restando configurada situação
grave de risco a autorizar a destituição do poder familiar. APELO
DESPROVIDO”. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (TJ-RS - AC: 70046252995 RS,
Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro - Data de Julgamento: 28/03/2012,
Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/04/2012).

“DESTITUIÇÃO E SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR. ABUSO


SEXUAL. MEDIDA DE PROTEÇÃO À FILHA. PROVA. 1. Nos casos de
abuso sexual, a palavra da vítima tem especial relevância, tendo a violência sido
corroborada pelos demais elementos de convicção. 2. Impõe-se a destituição do

19
poder familiar quando existem indícios veementes de que o genitor praticou atos
de violência sexual contra a filha. Incidência do art. 1.638, inc. III, do CCB. 3.
Como o filho não foi vítima de abuso sexual, mostra-se adequada a suspensão
do poder familiar, evitando o convívio dele com o genitor diante do seu péssimo
exemplo e absoluta incapacidade de exercer a função parental. 4. Como a filha
foi vitimada por um ambiente familiar doentio, impõe-se a aplicação da medida
de proteção prevista no art. 101, inc. V, do ECA. Recurso desprovido”. (TJ-RS -
AC: 70044974343 RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data
de Julgamento: 19/10/2011, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário
da Justiça do dia 24/10/2011).

Pode ser que se trate, ainda, de disputa de guarda, na qual o abuso sexual
surge como mote, seja autêntico, seja como falsa denúncia, caracterizadora de
alienação parental, nos termos da Lei 12.318/10, artigo 2º, parágrafo único, inciso VI:

“(...) DIREITO DE VISITAS. PAI. ACUSAÇÃO DE ABUSO SEXUAL.


PEDIDO DE SUSPENSÃO. SUSPEITA DE ALIENAÇÃO PARENTAL.
INTENSA BELIGERÂNCIA. PEDIDO DE REVERSÃO DA GUARDA.
1. Como decorrência do poder familiar, o pai não-guardião tem o direito de
conviver com o filho, acompanhando-lhe a educação, de forma a estabelecer
com ele um vínculo afetivo saudável.
2. A criança está vitimizada, no centro de um conflito quase insano, onde a mãe
acusa o pai de abuso sexual, e este acusa a mãe de promover alienação
parental.
3. As visitas estão estabelecidas e ficam mantidas pelo prazo de noventa dias,
mas sem a necessidade de supervisão, pois a acusação de abuso sexual não
encontra respaldo na prova coligida.
4. Transcorrido esse lapso de tempo, deverá ser reexaminada a ampliação do
sistema de visitação, pois o horário fixado mostra-se ainda bastante razoável e
permite o contato saudável entre o genitor e a criança, levando em conta a tenra
idade desta.
5. A mãe da criança deverá ser severamente advertida acerca da gravidade da
conduta de promover alienação parental e das graves conseqüências jurídicas
decorrentes, que poderão implicar inclusive na aplicação de multa e de
reversão da guarda.
6. A presente decisão é ainda provisória e poderá ser revista a qualquer
tempo, caso aportem aos autos elementos de convicção que justifiquem a
revisão do que está estabelecido, sendo facultado ao julgador de primeiro grau,
inclusive, redefinir os horários para o pai buscar e levar o filho para passear.
Recurso provido em parte”. (TJ/RS. AGRAVO DE INSTRUMENTO:
70053490074 Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do RS
Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves).

20
“AÇÃO CAUTELAR. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE VISITAS.
PROVIDÊNCIA LIMINAR. DESCABIMENTO. 1. Como decorrência do poder
familiar, tem o pai não guardião o direito de avistar-se com a filha,
acompanhando-lhe a educação e mantendo com ela um vínculo afetivo
saudável. 2. Não havendo bom relacionamento entre os genitores e havendo
acusações recíprocas de abuso sexual do pai em relação à filha e de alienação
parental pela mãe, e havendo mera suspeita ainda não confirmada de tais fatos,
mostra-se drástica demais a abrupta suspensão do direito de visitas. 3. Os fatos,
porém, reclamam cautela...” (TJ-RS - AG: 70050448828 RS, Relator: Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 24/10/2012, Sétima
Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/10/2012).

Por fim, não raro, tratar-se-á de processo criminal, em que é imputado ao réu
ou à ré crime contra a liberdade sexual ou em que a imputação é de denunciação
caluniosa diante de falsas acusações de crimes daquela natureza:

“PENAL E PROCESSUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ATOS


LIBIDINOSOS PRATICADOS PELO PAI CONTRA FILHA MENOR COM
NOVE ANOS DE IDADE. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR
INCOMPETENCIA DO JUÍZO E CERCEAMENTO DE DEFESA.
IMPROCEDÊNCIA. PROVA SATISFATÓRIA DA MATERIALIDADE E
AUTORIA. VALOR PROBANTE DO DEPOIMENTO VITIMÁRIO.
CRÍTICA DA DOSIMETRIA DA PENA. DUPLA INCIDÊNCIA DE
AUMENTO DA PENA PELO MESMO FATO (RELAÇÃO PARENTAL).
SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1 réu condenado por infringir o
artigo 214, combinado com 224, alínea a, e 226, inciso ii, do código penal, eis
que constrangeu a filha menor, com nove anos de idade, a submeter-se a
lambidas e carícias lascivas na genitália. 2 não há incompetência do juízo
quando a se trata de competência territorial, que é relativa e se prorroga quando
não excepcionada oportunamente. Também não há cerceamento de defesa no
indeferimento de exame de insanidade mental quando não revelado por parte do
agente indício de falta de compreensão do caráter ilícito do fato e de se
comportar conforme esse entendimento, máxime quando a defesa toma ciência
da decisão denegatória e não manifesta oportuna irresignação. 3 a palavra da
vítima sempre foi reputada relevante na apuração de crimes contra a liberdade
sexual, mas deve ser avaliada com maior prudência quando se trata de criança,
mais sujeita à influência de adultos mal intencionados e tendente a fantasias,
especialmente no campo da sexualidade. Justifica, contudo, a condenação
quando se apresenta lógica, consistente e amparada por outros elementos de
convicção, incluindo a confissão pormenorizada do réu perante a autoridade
policial. 4 provada por certidão de nascimento a relação de paternidade entre
algoz e vítima, não se pode negar que a ascendência paterna foi determinante
para que a filha se submetesse à concupiscência do pai, caracterizando a causa

21
de aumento do artigo 226, inciso ii, do código penal, absorvendo a agravante
genérica do artigo 61, alínea f, do mesmo diploma legal. 5 apelação
parcialmente provida”. (TJ-DF - APR: 47435720098070005 DF 0004743-
57.2009.807.0005, RELATOR: GEORGE LOPES LEITE, DATA DE
JULGAMENTO: 10/05/2012, 1ª TURMA CRIMINAL, DATA DE
PUBLICAÇÃO: 30/05/2012, DJ-E PÁG. 144).

“CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. DENUNCIAÇÃO


CALUNIOSA. ARTIGO 339 DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA
CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. PLEITO DE
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE COMUNICAÇÃO FALSA DE
CRIME OU CONTRAVENÇÃO. INVIABILIDADE. RÉ QUE DEU CAUSA
À INVESTIGAÇÃO POLICIAL IMPUTANDO AO SEU EX-MARIDO A
RESPECTIVA AUTORIA DE CRIME QUE SABIA SER ELE INOCENTE.
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Comete o delito previsto no artigo 339 do
Código Penal quem, sabendo da inocência de alguém, imputa-lhe cometimento
de crime e motiva instauração de investigação policial, de processo judicial,
instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de
improbidade administrativa; de outro lado, o objeto material da comunicação
falsa de crime, artigo 340 do Código Penal, é provocar a ação de autoridade,
comunicando-lhe a ocorrência de crime ou contravenção que sabe não se ter
verificado. A diferença entre os delitos é que, enquanto na denunciação
caluniosa o sujeito imputa a uma pessoa determinada ou determinável a prática
de crime de que a sabe inocente, na comunicação falsa o agente se limita a
comunicar falsamente a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se
ter verificado, sem acusar falsamente nenhuma pessoa. No caso concreto, a ré
imputou ao ex-marido a prática do crime de estupro de vulnerável, que teria sido
praticado contra a filha do casal, gerando investigação policial, fato que sabia
não ser verdadeiro, estando caracterizado o delito de denunciação caluniosa.
ISENÇÃO DA MULTA E DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. MATÉRIA A
SER ANALISADA PELO JUÍZO DE EXECUÇÃO. NÃO CONHECIMENTO
DO RECURSO NESSE PARTICULAR. RECURSO CONHECIDO EM
PARTE, E, NA PARTE CONHECIDA, NEGADO PROVIMENTO. Afigura-se
inviável a análise, por este órgão julgador acerca do pedido de isenção da pena
de multa e das custas processuais, porquanto trata-se de matéria afeta ao juízo de
execução. Perfilhando entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "A isenção
de custas, no processo penal, deve ser aferida pelo juízo da execução, porquanto
a expressão não significa ausência de condenação, mas, pura e simplesmente,
diferimento do pagamento por um determinado lapso temporal, dentro do qual
serão verificadas as condições econômicas do réu (art. 12 da Lei nº 1.060/50)."
[...] (TJ-SC - APR: 20130132053 SC 2013.013205-3 (Acórdão), Relator: Jorge
Schaefer Martins, Data de Julgamento: 14/08/2013, Quarta Câmara Criminal
Julgado, Data de Publicação: 02/09/2013 às 07:56. Publicado Edital de

22
Assinatura de Acórdãos Inteiro teor Nº Edital: 7161/13 Nº DJe: Disponibilizado
no Diário de Justiça Eletrônico Edição n. 1706 - www.tjsc.jus.br).

“APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO


PUDOR. GENITORA DAS VÍTIMAS QUE AUXILIA NO ABUSO SEXUAL
DE SEUS FILHOS, CHEGANDO A MANTER RELAÇÕES SEXUAIS COM
SEU PRÓPRIO FILHO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO DA
DEFESA. PRELIMINAR. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. REJEIÇÃO. AÇÃO PENAL INCONDICIONADA.
CRIME COMETIDO EM SITUAÇÃO DE PODER FAMILIAR E CONTRA
MENOR DE 18 (DEZOITO) ANOS. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO
AOS CRIMES DE ATENTATO VIOLENTO AO PUDOR E ESTUPRO. NÃO
ACOLHIMENTO. PALAVRA DAS VÍTIMAS. AUTORIA E
MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS. PEDIDO DE
RECONHECIMENTO DA COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL.
IMPOSSIBILIDADE. COAÇÃO IRRESISTÍVEL NÃO DEMONSTRADA
NOS AUTOS. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME DE
CORRUPÇÃO DE MENORES. ACOLHIMENTO. LEI Nº 12.015/2009.
ABOLITIO CRIMINIS. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA
CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE OS CRIMES DE ESTUPRO E
ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. POSSIBILIDADE. RECURSO
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APURADO MEDIANTE
AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA 1. Tratando-se de crime de
estupro praticada em situação de abuso de poder familiar e contra vítima menor
de 18 (dezoito) anos, o caso deve ser. Ainda que assim não fosse, como o
genitor das vítimas declarou-se juridicamente pobre e representou
criminalmente, descabido falar em ilegitimidade do parquet para figurar no pólo
ativo da ação penal, porquanto, nos termos do artigo 129 da constituição federal,
a promoção de ação penal pública é função institucional privativa do ministério
público. Essa titularidade, de acordo com o entendimento do superior tribunal de
justiça e do supremo tribunal federal, não é afastada pelo fato de existir
defensoria pública devidamente estruturada à disposição dos juridicamente
necessitados. 2. É pacífico na jurisprudência que, em crimes contra a dignidade
sexual, a palavra da vítima possui inegável alcance, já que cometidos quase
sempre sem a presença de testemunhas, desde que as declarações sejam seguras,
coerentes e corroboradas por outras provas. Inviável o acolhimento do pleito
absolutório quando as vítimas confirmaram que vinham sendo,
sistematicamente, abusadas sexualmente com o consentimento e auxílio da mãe
(recorrente), que em algumas oportunidades chegou a manter relações sexuais
com seu próprio filho. 3. A coação moral irresistível não restou demonstrada nos
autos. Ao contrário, restou esclarecido que, em algumas oportunidades em que
as crianças eram submetidas a abuso sexual, a recorrente determinava que o
corréu fizesse menos barulho, para não levantar suspeitas na vizinhança. 4. Com
a alteração trazida pela lei nº 12.015/2009, o estupro e o atentado violento ao

23
pudor passaram a compor um único tipo penal, de forma que tais condutas,
quando praticadas em um mesmo contexto fático, configuram crime único, e
quando - como é o caso dos autos - os crimes são cometidos de forma
sistemática, de forma que os subsequentes devam ser havidos como continuação
do primeiro, é possível o reconhecimento da continuidade delitiva (artigo 71 do
código penal). 5. O crime de ‘corromper ou facilitar a corrupção de pessoa
maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de
libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo’ (antigo artigo 218 do
código penal) não encontra correspondente após a alteração trazida pela lei nº
12.015/2009. Houve, portanto, abolitio criminis. 6. Recurso conhecido e
parcialmente provido para, rejeitando a preliminar de ilegitimidade do
ministério público, manter a condenação da recorrente nas penas do artigo 213,
caput, do código penal, reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de
atentado violento ao pudor e estupro praticados e absolvê-la do crime de
corrupção de menores, com fulcro no artigo 386, inciso iii, do código de
processo penal, restando a pena final fixada em 13 (treze) anos e 06 (seis) meses
de reclusão, no regime inicial fechado’. (TJ-DF - APR: 206276920088070003
DF 0020627-69.2008.807.0003, Relator: ROBERVAL CASEMIRO
BELINATI, Data de Julgamento: 28/04/2011, 2ª Turma Criminal, Data de
Publicação: 09/05/2011, DJ-e Pág. 220).

Diante de tais realidades, evidencia-se a imprescindibilidade de uma maior


preparação do Juiz para o manejo desses casos, especialmente para que – abandonando
preconceitos por vezes arraigados – o Magistrado se aproprie do maior número possível
de conhecimentos científicos e de informações abalizadas, para que se sinta seguro na
condução e julgamento dos processos que versam sobre violência (sexual) contra
crianças e adolescentes.

Ao somar a seus conhecimentos jurídicos determinados conceitos das áreas da


Psicologia, da Medicina, da Pedagogia e do Serviço Social, o juiz – mesmo aquele que
não conte com equipe técnica de apoio – terá condições de apreciar a prova oral de
maneira mais confortável, seja no que diz respeito à escuta dos adultos envolvidos, seja
na delicada missão de ouvir a criança ou adolescente vitimado.14

Decerto, a solução ideal para a escuta de crianças e adolescentes vítimas de


violência é o chamado Depoimento Especial, colhido com a ajuda de facilitador
(psicólogo, assistente social, pedagogo), evitando-se a revitimização.

14
Aqui, especial atenção às hipóteses em que a pessoa a quem se atribui a prática de violência sexual é, também,
destinatária de proteção especial, ou seja, se é um adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional.

24
Todavia, é possível que, em algum momento, ainda que “de surpresa”, o juiz se
veja na situação de presidir uma audiência em que a criança é ouvida sem o auxílio de
outros profissionais. E tal será a situação que o desafiará a recorrer aos conhecimentos
adquiridos através deste Curso.

E, para o magistrado que sempre tenha em auxílio equipe capacitada, o maior


conhecimento adquirido através deste Curso permitirá a melhor fundamentação de suas
decisões, sempre de alto impacto sobre a vida daqueles que buscaram sua jurisdição.

6. Mitos e Verdades.

Um breve “passeio” pelas decisões monocráticas ou colegiadas de nossos


Tribunais revela assertivas do gênero, grifadas para destaque:

“a palavra da vítima sempre foi reputada relevante na apuração de crimes contra


a liberdade sexual, mas deve ser avaliada com maior prudência quando se trata
de criança, mais sujeita à influência de adultos mal intencionados e tendente
a fantasias, especialmente no campo da sexualidade. Justifica, contudo, a
condenação quando se apresenta lógica, consistente e amparada por outros
elementos de convicção, incluindo a confissão pormenorizada do réu perante a
autoridade policial.”15

“No plano da autoria, os inúmeros relatos de profissionais que realizaram os


diversos laudos existentes nos autos, com a oitiva da vítima e de seu irmão,
também menor, não deixam pairar qualquer dúvida sobre a prática do crime. As
declarações da vítima não podem ser desprezadas sob a alegação de prova
isolada porque, embora de pouca idade, não significa que seja mentirosa ou
que tenha externado fantasias. A avaliação psicológica da criança atestou,
com segurança, a espontaneidade de suas declarações, demonstrando não estar
sendo induzida por quem quer que seja, em especial por sua genitora, a narrar os
fatos de modo a incriminar o recorrente. A narrativa do menor quanto aos fatos
foi com o uso de palavras simples e infantis e que ajudam a fornecem
credibilidade ao narrado. A palavra da genitora, pessoa que primeiro tomou
conhecimento do ocorrido, diante do comportamento estranho do menor,
também é outro ponto que não pode ser afastado como prova.”16

15
(TJ-DF - APR: 47435720098070005 DF 0004743-57.2009.807.0005, RELATOR: GEORGE LOPES LEITE,
DATA DE JULGAMENTO: 10/5/2012, 1ª TURMA CRIMINAL, DATA DE PUBLICAÇÃO: 30/5/2012, DJ-E
PÁG. 144).
16
APELAÇÃO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR PRATICADO POR ASCENDENTE. RECURSO
DEFENSIVO VISANDO ABSOLVIÇÃO, POR NEGATIVA DE AUTORIA. A ausência de lesões na vítima, fato
constatado no laudo pericial realizado, não afasta a possibilidade de existência do crime, eis que nem todo ato
libidinoso é não transeunte, e muitos não deixam vestígios, o que é a hipótese em concreto. RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO, na forma do voto do Relator. (TJ-RJ - APL: 2491 RJ 2009.050.02491, Relator:

25
“A prova nos crimes sexuais contra criança não autoriza a condenação
quando estribada exclusivamente no depoimento do infante, haja vista a
sugestibilidade, tendência à fantasia e incapacidade de compreensão dos
fenômenos humanos, especialmente nos assuntos da sexualidade. A
jurisprudência já consignou que fatores psicológicos tornam deficientes os
testemunhos infantis, a saber: a) a imaturidade orgânica do infante implica
a imaturidade funcional, ocasionando desenvolvimento psíquico
incompleto; b) a imaginação: atua de forma dúplice, como meio de defesa
(mentira defensiva ou interesseira) ou de satisfação de desejos (brinquedos
fantasiosos); c) sugestibilidade acentuada das crianças por volta dos cinco
anos de idade, atingindo o ápice em torno dos oito anos, quando entra em
declínio. Considerem-se, ainda, fatores morais que tornam testemunhos infantis
deficientes, cogitando-se de uma imaturidade moral. A moralidade não é um
fator inato, porém adquirido pela criança com base em estímulos ambientais e
pressões externas. De tudo se conclui que o testemunho infantil, malgrado as
sérias restrições que lhe são feitas, hão que ser analisadas dentro do contexto das
demais provas colhidas. 3 as incongruências nos depoimentos testemunhais
impedem um juízo de certeza acerca do cometimento do crime. Em casos de
dúvida quanto à autoria do delito, deve ser aplicado o vetusto, porém atual,
princípio do in dubio pro reo. Mantém-se a absolvição.”17

Como é fácil perceber, existem ideias preconcebidas a respeito da validade do


depoimento da criança, evidenciando preconceitos e desconhecimento, que se
perpetuam como lendas urbanas, tornando-se autênticos mantras, repetidos impensada
e automaticamente.

Existem mitos que povoam o imaginário popular acerca do abuso sexual de


crianças, de sua capacidade de narrar os fatos e da possibilidade de lhe serem incutidas
(falsas) memórias visando à incriminação de pessoas inocentes ou – ao revés – a
absolvição dos perpetradores da violência.

A fim de lançar luzes sobre esse campo de saber tão bypassado durante a
formação acadêmica dos Magistrados, segue quadro que aponta os mitos mais
difundidos e arraigados em nossa cultura, além daquilo que a ciência aponta como
verdadeiro.

DES. GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 27/5/2009, OITAVA CAMARA CRIMINAL, Data de
Publicação: 23/6/2009).
17
(TJ-DF - APR: 1622275020098070001 DF 0162227-50.2009.807.0001, Relator: GEORGE LOPES LEITE, Data de
Julgamento: 21/3/2012, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 16/4/2012, DJ-e Pág. 302).

26
MITO VERDADE

A maior parte das crianças possui Apenas 8% das crianças costumam faltar
imaginação fértil, portanto, quando se com a verdade quando o assunto é
queixam de estar sofrendo abuso sexual, vitimização sexual e, ainda, ¾ das
estão apenas fantasiando histórias. histórias inventadas pelas crianças são
induzidas por adultos.
Tal discurso tem sido responsável por
desacreditar a criança, silenciando sua
voz, culminando na legitimação de
experiências abusivas.

Se o abuso for verdadeiro, a criança Crianças não registram na memória o


lembrará o tempo, a duração ou o lugar tempo, a duração ou o lugar da
por longo tempo. ocorrência, como os adultos. Quanto
menor for a criança, maior a dificuldade
em armazenar fatos na memória.
Portanto, a inquirição deve ser bem feita
e realizada pouco tempo após o fato.

A criança, especialmente a de tenra idade, A criança dificilmente se esquecerá do


não se recordará da violência e crescerá abuso sofrido. Mesmo que não se recorde
emocionalmente sadia. com precisão, sofrerá suas consequências.
Os impactos do abuso sexual infantil
serão maiores tanto quanto forem mais
frequentes e prolongados.
Se a criança não possui marcas físicas, A maior parte dos abusos é sutil e vem
não houve abuso. disfarçada pela máscara do amor e da
amizade. Incapacidade de controlar suas
demandas sexuais (problema de
ajustamento sexual, preocupação com
assuntos sexuais, aumento das atividades
masturbatórias), mudanças súbitas e
extremas, tais como distúrbios
alimentares e afetivos, comportamentos
agressivos ou de autodestruição e

27
pesadelos, medo, perda de interesse pelos
estudos e brincadeiras, fugas de casa,
ideias suicidas e homicidas, uso de álcool
e drogas. Esses sintomas podem indicar a
ocorrência de abuso, ainda que não tenha
havido penetração (vaginal ou anal).

O abusador possui distúrbios emocionais Na maioria das vezes, o abusador não é


aparentes, de fácil reconhecimento. É uma pessoa psiquiatricamente perturbada,
uma pessoa pobre e mal encarada. mas alguém lúcido e consciente de seus
atos. Em geral, está acima da média, em
termos de características físicas,
intelectuais, de educação, de capacidade
de trabalho e quanto a relacionamentos
sociais e maritais.
Ofensores somente aparecem em lugares Embora alguns lugares ofereçam maior
ermos, escuros e perigosos. risco, devido à dificuldade de supervisão
pelos pais, não raro os abusadores se
aproximam de parques, praças, áreas de
lazer de shopping centers e outros locais
considerados seguros.
A homossexualidade está associada ao Os adultos homossexuais não abusam
abuso. mais de crianças do que os
heterossexuais.
O ofensor é sempre do sexo masculino. Aceitar que as mulheres abusem
sexualmente de crianças desafia
estereótipos poderosos acerca da
maternidade e das relações mulher-
criança. O público em geral percebe o
abuso perpetrado por mulheres como
menos danoso ou grave que o praticado
por homens, o que não é verdadeiro.
O abusador é um estranho. Mais de 50% dos abusos são cometidos
por membros da família. 85% a 90% dos

28
agressores são pessoas conhecidas das
crianças.
Se a criança se retrata é porque o abuso É fenômeno comum nas vítimas de abuso
não aconteceu. e decorre de fatores como novas ameaças
do abusador, medo de represálias, culpa,
separação da família, sofrimento dos pais
ou prisão do ofensor. A criança fica
confusa ou arrependida de ter revelado o
abuso. Muitas vezes, buscará corrigir,
deturpar ou minimizar a realidade
relatada.
Somente meninas são vítimas de abuso Estima-se que 1/3 das vítimas sejam do
sexual. sexo masculino, mas há dificuldade na
revelação porque há associação com a
ideia de homossexualidade.
Abusos só acontecem nos meios A violência sexual está presente em todos
desfavorecidos. os níveis socioeconômicos e se mostra
mais visível nas camadas mais pobres
porque há maior intervenção das
instituições de controle social.
O abuso é sempre denunciado A Síndrome do Segredo ou Lei do
imediatamente. Silêncio se instala por motivos variados:
medo do ofensor, temor da dissolução da
família, tentativas mal sucedidas de
denunciar, falta de evidências médicas.
A criança abusada tem um tipo físico As crianças podem ter as mais variadas
específico. características, dependendo do que o
abusador procura nas crianças que
aborda, bem como na sua acessibilidade.
Há ofensores que se interessam
exclusivamente por meninas, assim como
os que se interessam só por meninos. Mas
há os que abordam tanto umas como os

29
outros.
Só há abuso quando há penetração Os abusadores podem praticar sexo oral,
vaginal ou anal. carícias sexuais, masturbação,
exibicionismo, fazer fotografias ou filmes
da criança ou dos atos que com ela
pratiquem.
A criança abusada cooperou com o O abuso nem sempre envolve agressão
ofensor ou procurou se envolver com ele. física. O abusador tem outras estratégias
para seduzir a criança. As crianças
geralmente obedecem aos mais velhos,
especialmente quando eles possuem uma
posição de “poder” sobre elas.
A criança fica “danificada” para sempre. Existem vítimas particularmente
resilientes. A vida da criança pode
conhecer um futuro saudável e tranquilo,
a despeito do abuso sofrido, dependendo
de fatores como a intensidade e duração
dos abusos, da relação anterior de
amizade ou parentesco com o abusador,
do tipo de atos sofridos, do segredo
mantido, do apoio familiar e profissional
que teve, da punição que o agressor
recebeu.
Ofensores de crianças não fazem sexo Muitos(as) são casados(as), ou têm
com adultos. companheiros(as) com quem mantêm
atividade sexual regularmente.
Pedófilos são intratáveis. Embora não se possa falar de cura para a
pedofilia, os ofensores sexuais são
pessoas que necessitam de tratamento
tanto para prevenir a ocorrência de novos
abusos como até para evitar que o abuso
venha a ocorrer.

30
Só existe pedofilia no mundo moderno. A história da pedofilia e do abuso sexual
contra crianças é muito antiga. O que
ocorre hoje é que se pode contar com a
tecnologia a serviço da família, da
prevenção e dos cuidados com as
crianças.
Pedófilos sempre agem sozinhos. Pedófilos e abusadores podem formar
grupos ou redes, permutando
informações, negociando imagens e
fotografias. A internet tem sido um meio
de propagação da pornografia infantil.
Todo pedófilo foi abusado na infância. Alguns podem afirmar ter sofrido abuso
para justificar sua conduta. Um histórico
prévio de abuso sexual pode ter
acontecido em casos de pedofilia, mas
nem sempre.

31
A VIOLÊNCIA CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
COM ÊNFASE NO ABUSO
SEXUAL
Curso – EaD

(MÓDULO II)

32
MÓDULO II – CONCEITOS E DEFINIÇÕES.

1. Diferença entre abuso, exploração sexual e pedofilia.

Violência é uma prática que existe desde os primórdios da Humanidade e esse


termo é usado nas diferentes áreas e com diferentes significados por grupos de
especialistas como filósofos, antropólogos, juristas, advogados, políticos, médicos,
psicólogos e outros profissionais.

Neste trabalho, utilizaremos a definição da violência conforme estabelece a


Convenção dos Direitos da Criança (Convention of the Rights of the Child, United
Nations, General Comment 13 of article #19, The right of the child to freedom from all
forms of violence), aprovada em 18 de Abril de 2011 pelas Nações Unidas, que teve o
Brasil como signatário, com as seguintes premissas:

1- Nenhuma violência contra criança ou adolescente é justificável; toda violência


contra a criança ou o adolescente pode ser prevenida;

2- A questão dos direitos aos cuidados demanda uma mudança de paradigma para o
respeito e a promoção da dignidade, bem como da integridade física e
psicológica das crianças e adolescentes, com a percepção de “sujeitos de
direitos” e não somente como primariamente “vítimas”;

3- O conceito de dignidade requer que cada criança ou adolescente seja


reconhecido, respeitado e protegido como um sujeito de direitos e como um ser
humano único e de valor, com sua personalidade individual, necessidades
distintas, interesses e privacidade;

4- Os princípios legais dos direitos devem ser aplicados às crianças e adolescentes


assim como aos adultos;

5- O direito de as crianças ou adolescentes serem ouvidos e terem seus interesses e


pontos de vista respeitados sistematicamente tem peso em todos os processos de
decisão e o fortalecimento e a participação deverão ser centrais nos seus
cuidados, estratégias e programas de proteção;

6- O direito de as crianças ou adolescentes terem seus melhores interesses como a


principal consideração, em quaisquer assuntos em que estejam envolvidos ou
que os afetem, precisa ser respeitado, especialmente quando são vítimas da
violência, assim como em todas as medidas de prevenção;

33
7- A prevenção primária de todas as formas de violência é de máxima importância,
através de todas as medidas de saúde pública, educação, serviços sociais e outros
meios;

8- A família, incluindo a família de extensão, tem a responsabilidade primária


pelos cuidados, prevenção e proteção contra a violência. No entanto, reconhece-
se que, como na maioria dos casos a violência acontece no contexto familiar, a
intervenção e o apoio são necessários quando as crianças ou adolescentes se
tornam vítimas da opressão e sofrimento impostos pelos abusos ou gerados pela
violência na família;

9- A violência intensa e disseminada contra crianças ou adolescentes deve também


ser reconhecida quando ocorre em instituições públicas ou por quaisquer atores
em escolas, centros de cuidados, abrigos, custódias policiais e outras instituições
legais que pratiquem a tortura ou o assassinato de crianças ou adolescentes,
assim como a violência praticada por grupos armados ou forças militares.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência como o uso de força


física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um
grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano
psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação. Ela pode ser autoinfligida −
como no caso do suicídio e automutilações − ou interpessoal − como na hipótese da
violência na família ou na comunidade. A OMS também caracteriza a violência pelo
tipo de consequências que acarreta para o desenvolvimento humano, como a violência
física, emocional ou psicológica, sexual e a negligência.18

2. Definições de Maus-Tratos e Abusos contra Crianças e Adolescentes.


(Organização Mundial de Saúde e Sociedade Internacional para a Prevenção do Abuso e
da Negligência de Crianças e Adolescentes, Genebra, 1999).

Maus-Tratos.

Termos usados que definem todas as formas de maus-tratos físicos e/ou


emocionais, abuso sexual, negligência ou tratamento negligente ou, ainda, exploração
comercial ou qualquer outro tipo de exploração que resultem em danos reais ou
potenciais à saúde, desenvolvimento, sobrevivência ou dignidade, no contexto de uma
relação de responsabilidade, poder ou confiança.

18
World Health Organization. Global consultation on violence and health. Violence: a public health priority. Geneva:
WHO; 1996 (document WHO/EHA/ SPI.POA.2).

34
 Posição de responsabilidade, confiança ou poder: refere-se a indivíduos que,
em virtude de suas características (ex. idade, status, conhecimento, relação com
a criança ou forma organizacional) pode estar numa posição de poder em relação
à criança, que fica vulnerável. Esses são os indivíduos que são descritos na
definição dos maus-tratos ou abusos. Crianças são particularmente vulneráveis
frente àqueles que exercem autoridade sobre elas. Os maus-tratos não são
limitados à situação entre o pai e/ou a mãe e/ou guardião, mas inclui qualquer
pessoa depositária dos cuidados e do controle da criança e de quem a criança
deveria ter a expectativa do cuidado e proteção, em vez de danos ou maus tratos
(exemplos: profissionais que cuidam da criança, parentes ou professores). A
definição da pessoa numa posição de responsabilidade, confiança ou poder deve
levar em consideração:
- qualidades que indicam se o indivíduo é apropriado para prover a
supervisão adequada (exemplos: idade, maturidade, saúde mental,
treinamento);
- os tipos de interação com crianças que se espera do indivíduo como
resultado de seu papel ocupacional (exemplos: professores, profissionais
de saúde, médicos, enfermeiros, auxiliares);
- se é razoável esperar que a criança seja protegida pelo indivíduo que está
nessa posição de responsabilidade, poder ou confiança;
- a definição dos direitos dos pais, responsabilidades e situações nas quais
existem claros limites (exemplos: se a responsabilidade, poder ou
autoridade sobre a criança está comprometida ou afetada por ter − ou não
− a custódia sobre a criança, ou se o pai e/ou a mãe mora(m) na mesma
casa e/ou local considerado como residência familiar) e
- quais as expectativas que se aplicam aos membros familiares imediatos
ou mais próximos sem ser os pais e quais os direitos e responsabilidades
que se estendem a esses membros da família extensiva, em relação à
criança (exemplos: extensão de autoridade, força física ou influência
emocional que esta figura familiar exerce sobre a criança).

 Os principais tipos de abuso são classificados como violência física (ou


corporal); violência psicológica (ou emocional); abuso sexual (incluindo a

35
exploração comercial) e negligência (ou tratamento negligente ou
abandono).

 Tais tipos estão geralmente associados ou inter-atuantes ao longo do tempo,


e podem ser descritos como de caráter agudo (um episódio) ou quase
sempre crônicos (vários episódios) e sequenciais.

Violência física: resulta em danos físicos reais ou potenciais devido a uma


interação ou falta de interação, que deveria estar razoavelmente dentro do controle de
um dos pais ou de pessoa em posição de responsabilidade, poder ou confiança. Podem
existir episódios repetitivos ou um único incidente.

A principal diferença que deve ser feita nesta área é entre o ABUSO e a LESÃO
NÃO INTENCIONAL ou sinais e sintomas que mimetizam a lesão intencional, mas
que são, de fato, devidos ou facilitados por condições orgânicas presentes na criança.

A punição corporal ou “disciplina” é considerada por especialistas como sendo


violência física, pois é exemplo de força física (ou instrumental), usada com o intuito de
castigar, disciplinar, corrigir, ameaçar ou controlar o comportamento ou a conduta
impulsiva da criança ou adolescente.

Muitas vezes, tais castigos envolvem medidas punitivas de caráter emocional,


como você vai ficar sem jantar ou você vai ficar preso em casa ou no quarto escuro,
por exemplo. Geralmente, surgem devido à raiva ou desespero da pessoa que cuida ou
está responsável pela situação que a criança não compreende ou não respeita.

A punição corporal revela o abuso de poder, da força ou da dominância, podendo


causar graves ferimentos, cicatrizes físicas e danos ao desenvolvimento emocional e
mental, além de infringir os direitos humanos fundamentais de respeito à dignidade e
integridade física de qualquer criança ou adolescente, como cidadão.

O uso de qualquer objeto no intuito de punir, bater, agredir, queimar ou torturar é


sempre inaceitável e inapropriado, em qualquer idade.

Vale ressaltar, também, que há sinais de lesões que podem não ser visíveis, uma
vez que o choque pode ocorrer contra um objeto macio como um colchão ou travesseiro
e a criança vir a ser atendida por ter sofrido um súbito “desmaio”.

A violência psicológica ou EMOCIONAL refere-se à relação entre a pessoa que


cuida e a criança, na qual as interações são realmente ou potencialmente danosas para a

36
criança. Isto engloba interações que são inapropriadas, insuficientes ou inconsistentes,
em termos do desenvolvimento da criança, e inclui exposição a eventos traumáticos ou
que causam confusão na inter-relação emocional (ex.: violência familiar); o uso da
criança para a satisfação das necessidades psicológicas da pessoa que cuida; a corrupção
ativa da criança ou falta e/ou carência na promoção da adaptação social da criança
(exemplo: isolamento).

Essa forma de abuso não requer o contato físico entre a criança e a pessoa que
cuida ou é responsável pelo ato de abuso emocional. Não deixa “marcas ou vestígios
visíveis” como ferimentos no corpo da criança ou adolescente, mas podem causar
transtornos mentais, de comportamento e de conduta, incluindo os transtornos afetivos e
depressão, quando crônicos e repetitivos.

Inclui a falta ou a carência em prover um ambiente ou contexto que seja apropriado


para o desenvolvimento ou que sirva de apoio para a criança ou o adolescente.

Inclui também a falta de disponibilidade de uma pessoa de conexão ou vínculo


primário para que a criança possa desenvolver suas competências emocionais e sociais
de uma maneira estável e completa e de acordo com seus potenciais pessoais, dentro do
contexto ou da sociedade em que essa criança viva e se desenvolva.

Pode também haver atos contra a criança que causam ou têm grande probabilidade
de causar danos para a sua saúde e/ou seu desenvolvimento físico, mental, espiritual,
moral ou social. Tais atos devem estar dentro de um razoável controle dos pais ou da
pessoa que tem a relação de responsabilidade, confiança ou poder. Esses atos incluem a
restrição do movimento, padrões de menosprezo, denegrir, usar como bode expiatório,
ameaçar, assustar, discriminar, ridicularizar ou outras formas não físicas de tratamento
hostil ou de rejeição.

ABUSO SEXUAL: O abuso sexual contra crianças e adolescentes é um


problema de saúde pública que envolve aspectos psicológicos, médicos, sociais e
jurídicos. A complexidade do fenômeno exige intervenções adequadas e efetivas,
devido ao seu impacto negativo para o desenvolvimento cognitivo, emocional e
comportamental das vítimas (Habigzang, Koller, 2011)19.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (1999), o abuso sexual é definido como


o envolvimento de uma criança em atividade sexual que ele/ela não tem compreensão, é
19
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.

37
incapaz de dar consentimento informado ou para qual a criança não tem preparo, em
termos de desenvolvimento, para dar consentimento ou que viola as leis ou os tabus
sociais de uma sociedade. O abuso sexual em uma criança é evidenciado por uma
atividade entre uma criança e um adulto ou outra criança que, por idade ou
desenvolvimento, está em relação de responsabilidade, confiança ou poder e a atividade
tem a intenção de gratificar ou satisfazer as necessidades da outra pessoa. Isso pode
incluir, mas não limitar:

 a indução ou coerção da criança a se comprometer em qualquer atividade sexual


considerada ilegal;
 o uso explorador ou aproveitador da criança na prostituição ou em outras
práticas sexuais ilegais;
 o uso explorador ou aproveitador da criança em materiais ou performances
pornográficas.

É importante distinguir aqui o comportamento normativo, que é apropriado para


a idade, na descoberta corporal ou sexual, principalmente em adolescentes, do
comportamento que é abusivo.
O abuso sexual pode ter duas formas: sem contato físico (verbal, obscenidade ou
pornografia através do telefone ou meio digital, exibicionismo, voyeurismo) e com
contato físico (atos de penetração físico-genitais, sadismo e exploração comercial).

NEGLIGÊNCIA e/ou TRATAMENTO NEGLIGENTE: é a desatenção ou


omissão, por parte do cuidador, em prover, para o desenvolvimento da criança em todas
as esferas: saúde, educação, desenvolvimento emocional, nutrição, abrigo ou condições
de vida saudáveis e seguras, no contexto de recursos razoavelmente disponíveis para a
família ou pessoas que cuidam, e causa, ou tem grande probabilidade de causar, danos à
saúde e ao desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social da criança ou do
adolescente. Isto inclui o fracasso ou a deficiência na supervisão apropriada e no melhor
interesse de proteção possível da criança frente aos danos reais ou potenciais.

 Cuidador: refere-se a alguém que está num papel permanente ou temporário de


cuidados (exemplos: pai ou mãe, companheiro/a que mora junto, avô/avó,
padrasto/madrasta, pai e/ou mãe com tutela ou guardião legal, babá,
professor(a), ou líder de grupo recreativo). O termo “pessoa que cuida” é usado

38
neste documento para descrever um pai e/ou mãe, um membro familiar ou
qualquer outro indivíduo que cuide da criança, mesmo durante um curto espaço
de tempo (exemplos: empregado/a doméstico ou babá).

 Interações razoavelmente dentro do controle da pessoa que cuida:


Idealmente, nenhuma criança deveria sofrer danos físicos ou emocionais, tendo
em vista que todos os danos podem ser potencialmente evitados. No entanto,
algum dano pode ser o resultado de um conjunto de circunstâncias que não
podem ser evitadas, devido à propensão humana para o erro ou a inabilidade de
se preverem, com certeza, os efeitos danosos. Esse tipo de dano é referido como
não intencional ou acidental. O dano que ocorre como resultado da interação
ou da falta de interação da pessoa que cuida com a criança, quando existe o
controle sobre esta interação, é, então, denominado intencional ou não
acidental, mesmo quando não tenha havido a intenção de causar o dano. O
termo dano intencional tem a conotação de uma intenção deliberada de
machucar a criança. Mas o grau dessa deliberação pode variar e a intenção da
pessoa que cuida pode ser um assunto de discussão ou conjeturas que deverão
ser provadas através do sistema judicial. O dano ou ferimento que é denominado
de intencional pode resultar de uma punição deliberada e inapropriada ou
excessiva, mesmo quando a pessoa que cuida não tenha desejado machucar a
criança. A intenção de machucar pode ser atribuída à pessoa que, por exemplo,
coloca a criança numa imersão com água fervente. Rejeição da criança, falta de
conexões afetivas, ausência de conhecimento ou as consequências da
imaturidade ou problemas mentais e falta de controle que resulta em danos para
a criança, tudo isso pode ser difícil de ser aferido e avaliado, em termos de
intenção. A perda repetitiva de controle pode se tornar um evento previsível de
alguma extensão e, portanto, a indulgência com tal comportamento pode denotar
um grau de intenção.

 Dano: ou prejuízo que pode resultar quando existe a falta de proteção ou a


supervisão adequada às necessidades do desenvolvimento da criança, devido à
indiferença, rejeição, problemas de saúde, falta de conhecimento das
necessidades da criança ou uma inabilidade para cuidar da criança. Essa falta de
proteção ou supervisão pode resultar num estresse físico ou emocional, abuso
sexual ou exploração do menor. A diferença entre essa forma de negligência e

39
um evento realmente acidental pode ser difícil de ser estabelecida. A intenção
das ações da pessoa que cuida pode ter um impacto sobre a punição criminal
e/ou sobre as intervenções necessárias para a proteção da criança. No entanto, o
impacto sofrido pela criança é menos dependente da intenção do abusador.
Crianças que foram traumatizadas por falta de cuidados, por exemplo, podem ser
tão vulneráveis e prejudicadas como aquelas que sofreram maus tratos
intencionais (exemplo: a vulnerabilidade de crianças que padecem de fome ou
que sofrem ferimentos por falta de proteção ou por ignorância ou depressão é a
mesma de crianças que foram negligenciadas deliberadamente).

 O dano real ocorre quando a criança sofre prejuízos no seu desenvolvimento


físico, cognitivo e emocional, mesmo quando a evidência desse dano não é
detectável no tempo do incidente abusivo ou quando ocorre a negligência. Os
maus tratos nem sempre deixam marcas perceptíveis e, por tal motivo, quando
somente os sinais ou resultados físicos dos danos são considerados como casos
identificáveis, isso pode significar que muitas crianças serão deixadas sem
proteção.

 O dano potencial refere-se à ameaça do dano que pode acontecer quando existe
a falta de supervisão ou proteção adequada, em um cenário perigoso ou
inapropriado ao desenvolvimento da criança. É sempre importante considerar
que o impacto emocional de uma situação pode ser separado e ser diferente do
resultado físico. Estar num lugar ou situação de risco uma vez ou repetidas vezes
pode ter efeitos marcantes no desenvolvimento emocional ou no bem estar da
criança. Como o dano pode ser potencial em vez de real, pode ser que nem
exista ainda, aparentemente, mas quanto mais os riscos se repetem,
principalmente quando os eventos aumentam em severidade, mais provável será
que a criança ou adolescente irá sofrer danos permanentes emocionais e/ou
corporais.

Outros tipos de abuso:

INCESTO: é a relação sexual que ocorre entre parentes consanguíneos (pai/mãe


e filho/a, irmão e irmã, avô/a e neto/a, extensível a padrasto/madrasta e enteado/a e
filhos/as de outros casamentos) ou qualquer relação de caráter sexual entre um adulto e
uma criança ou adolescente com o qual o adulto tenha algum laço familiar direto − ou

40
não − ou mesmo numa relação de responsabilidade. A confiança e a inocência da
criança contra a autoridade e o poder do adulto fazem do incesto um crime previsto em
lei na maioria dos países, inclusive no Brasil.

PEDOFILIA: A palavra pedofilia origina-se do grego (pedo ou paidos,


significando criança e filia, amizade, atração ou amor). É comum a imprensa, leigos e
mesmo profissionais considerarem a pedofilia como sendo um crime ou delito. Tal
visão é equivocada. A pedofilia é um transtorno que, muitas vezes, resulta em crime,
mas pode não resultar. A confusão consiste, então, em usar, como sinônimos, o
transtorno da pedofilia e o fenômeno do abuso sexual praticado contra crianças e
adolescentes.
A área de Saúde Mental considera a pedofilia como sendo um transtorno mental.
Entende-se por transtorno a existência de um grupo de sintomas que envolvem
comportamentos que desviam das normas, com sofrimento persistente ou intenso ou,
mesmo, uma incapacidade. As doenças mentais são identificadas, classificadas e
operacionalizadas de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais publicado pela Associação de Psiquiatria Americana, presentemente em sua 5ª.
edição (conhecida pela sigla do original inglês DSM-5 ou apenas DSM).

A pedofilia insere-se dentro das parafilias, caracterizadas no DSM por anseios,


fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos,
atividades ou situações incomuns ou bizarras e causam sofrimento significativo ou
dificuldades sociais na vida do indivíduo. Como diagnóstico, a pedofilia é um
transtorno psiquiátrico no qual pessoas com 16 anos ou mais se caracterizam por ter um
interesse sexual principal ou exclusivo por crianças pré-puberes (geralmente com menos
de 11 anos). Cabe mencionar, entretanto, que raramente se dá um diagnóstico de tal
transtorno a um adolescente, ainda que ele pratique abuso sexual.

Em sua versão mais recente do DSM-5, publicada em 2013, há uma


diferenciação entre a pedofilia e o transtorno da pedofilia. No primeiro caso, o indivíduo
pode ter atração sexual por crianças manifestada em fantasias sem, necessariamente,
engajar-se na prática sexual com elas e sem apresentar sofrimento clínico ou problemas
sociais decorrentes. No segundo caso, o indivíduo apresenta dificuldades em controlar
seus impulsos sexuais, vindo a transgredir as normas.
Apesar do avanço na pesquisa da área nas últimas décadas, ainda não se sabe,
ao certo, o que causa a pedofilia (supõe-se que sejam alterações neurológicas que

41
coexistam, frequentemente, com outras patologias ou transtornos psiquiátricos). Do
mesmo modo, não podemos, no momento, curar uma pessoa com pedofilia – no sentido
de que ele ou ela (sim, as mulheres também podem apresentar o transtorno, embora
menos frequentemente) deixe de sentir atração sexual por crianças. Apesar de não ter
cura, há tratamentos psicológicos e medicamentosos eficazes que auxiliam o indivíduo a
controlar seus impulsos sexuais e a não transgredir. Infelizmente, no Brasil há poucos
centros especializados no tratamento de tal transtorno, que precisa ser especializado e
utilizar técnicas baseadas em evidências.

Outra confusão comum é o fato de as pessoas pensarem que todo ofensor sexual
apresenta pedofilia. Na verdade, o oposto é verdadeiro. Ou seja, os especialistas
acreditam que, possivelmente, a maior parte dos abusos sexuais contra crianças e
adolescentes sejam praticadas por pessoas sem tal transtorno. Trata-se de indivíduos que
sentem atração sexual primariamente por outros adultos e que venham a praticar o delito
com a criança por uma combinação de fatores (histórico prévio de abuso sexual,
dificuldades de relacionamento, alcoolismo, baixo controle de impulsos, a facilidade ao
acesso e convívio com a criança, etc.)20.

ASSÉDIO SEXUAL: é a aproximação sexual indesejável que cria intimidação


no ambiente da escola ou trabalho, relacionado ao uso do poder ou da coerção, para se
alcançar a submissão ou favores sexuais em troca de melhoria das condições de
progresso acadêmico ou do emprego individual. O assédio sexual expõe, geralmente, as
mulheres, principalmente quando adolescentes, à humilhação e ao constrangimento,
criando situações de impasse devido à dependência escolar ou econômica. Convém
lembrar, entretanto, que meninos e homens também podem ser vítimas de assédio, seja
da parte de outros homens como de mulheres.

EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL: é a indução, coerção ou utilização


da criança ou adolescente no trabalho ilegal ou em outras atividades sexuais, para o
benefício de outras pessoas, incluindo a prática de atividades sexuais ilegais, como a
prostituição, práticas de pornografia ou o uso de materiais pornográficos, mediante
pagamento, qualquer outro benefício ou transação comercial, com finalidades lucrativas
ou comerciais, criando uma dependência e submissão ao poder econômico ou como
alternativa de sobrevivência e dominância.

20
Williams, L.C.A. (2012). Pedofilia: Identificar e prevenir. São Paulo: Editora Brasiliense.

42
É uma prática criminosa, considerada como abuso sexual e emocional, pois
humilha e representa uma ameaça à integridade corporal e psicossocial da criança ou
adolescente. Existem três formas primárias e que mantêm relação entre si: a
prostituição, a pornografia e o tráfico com fins sexuais. Outras formas são o turismo
sexual − frequente no Brasil − e os casamentos forçados, geralmente por motivos
religiosos − menos comum em nosso país. A exploração de menores constitui uma
violação fundamental do direito humano e do direito ao desenvolvimento da
sexualidade saudável de crianças e adolescentes.

Também é possível que existam formas de exploração sexual de crianças e


adolescentes sem conotação comercial em sentido estrito. É o que ocorre quando a
adolescente é induzida à prática sexual em troca de valores insignificantes (v.g., um
bombom), ainda que sem habitualidade, ou ainda em troca de comida ou da própria
hospedagem. Essas formas de exploração sexual também podem ser reconduzidas à
figura típica de exploração sexual prevista no art. 318-B do CP.

TRÁFICO OU TURISMO SEXUAL: é o recrutamento, transporte,


transferência ou o ato de albergar, asilar ou permanecer com a guarda de qualquer
criança ou adolescente, com a finalidade de exploração, prostituição ou qualquer forma
de comercialização sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas
similares de submissão ou encaminhamento para a remoção de órgãos.

Crianças ou adolescentes mais vulneráveis a esse tipo de abuso são de


segmentos mais empobrecidos da população ou mais marginalizados de um grupo social
e que sofrem exclusão devido a questões étnicas, religiosas, políticas ou econômicas.

Existem redes ilegais de recrutamento que prometem regalias e oportunidades de


migração para outras áreas da cidade, outros municípios ou Estados, ou, mesmo, para
outros países, como o tráfico internacional. Os serviços sexuais podem fazer parte do
pagamento e do ciclo vicioso de dívidas e dependência, inclusive do tráfico de drogas,
de armas ou como lavagem de dinheiro. As formas de coerção podem variar de simples
e falsas promessas a atos de violência, associadas a condições de trabalho sexual que
violam a dignidade e os direitos humanos, num ciclo vicioso difícil de ser rompido, com
consequências graves de transtornos comportamentais, de conduta, abuso de drogas e
risco suicida.

43
É importante diferenciar o turismo sexual − que também ocorre em várias
rodovias e hidrovias (rios da Região Norte) − do tráfico sexual, quando existe
deslocamento de cidades/municípios daqueles estrangeiros que estão em visita
temporária ao Brasil − principalmente em áreas turísticas −, além dos casos de crianças
ou adolescentes que viajam para outras cidades/municípios ou são levadas para o
exterior por brasileiros ou estrangeiros ou por meio das áreas fronteiriças do Brasil.

3. Crianças ou Adolescentes com Necessidades Especiais.

A violência é considerada, na literatura científica internacional, como sendo de


duas a três vezes mais frequente em crianças e adolescentes com algum tipo de
transtorno global do desenvolvimento, transtornos comportamentais e incapacidades ou
deficiências. Ocorre um aumento da vulnerabilidade devido à falta de compreensão da
realidade externa, inclusive de questões relacionadas à sexualidade, por imaturidade
emocional, intelectual ou do desenvolvimento e que contribui para uma maior exposição
e para a falta de proteção familiar ou social.

A desinformação geral leva a comportamentos socialmente inadequados, que


aumentam os preconceitos e a negação do problema das dificuldades das crianças e
adolescentes, que são mais dependentes e inseguras, com suas necessidades especiais.
Por isso, tal situação é considerada como sendo de dupla vulnerabilidade.

Como a credibilidade da pessoa com deficiência muitas vezes não é reconhecida,


pouco se valoriza seu testemunho sobre a agressão, tornando-se alvos fáceis para o
agressor. Para complicar a situação, agressores sexuais se aproveitam da vulnerabilidade
de suas vítimas, principalmente de crianças e adolescentes, e, no caso daqueles com
deficiência, desta desigualdade entre a vítima e o agressor, que é maior, ocorrendo mais
violência física entre meninos e mais violência sexual entre meninas. Os agressores
sexuais são reconhecidos, muitas vezes, como membros da família ou da vizinhança,
como pessoas com baixo nível de educação, com comportamentos antissociais e
transtornos de conduta que englobam um difícil controle de impulsos, surtos psicóticos
e uso de drogas − frequentemente álcool e cocaína.

O Estatuto da Criança e do Adolescente − ECA (Lei 8.069, de 1990) −, em seu


artigo 2º, ordena que, nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente o ECA às
pessoas entre 18 e 21 anos de idade.

44
Para o Brasil, por intermédio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e da
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, segundo
os critérios da ONU ratificados pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, (Brasília, 2007), considera-se que:

“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza


física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade como as demais
pessoas. Tipos de deficiência: física; auditiva; visual; intelectual; múltipla”.

É importante ressaltar que existem vários critérios médicos e psicológicos de


classificação das doenças, inclusive controversos entre si, sobre o que vem a ser
definido como deficiência mental ou intelectual, como um estado de funcionamento
significativamente inferior à média de QI (coeficiente de inteligência) < 70 e, quando
associado a prejuízos, abrange, pelo menos, dois fatores envolvidos no funcionamento
adaptativo: comunicação, cuidados pessoais, habilidades diárias, habilidades sociais,
autonomia, cuidados de saúde, segurança, aptidões escolares e capacidade para trabalho
e lazer, bem como utilização de recursos comunitários. Essa avaliação é realizada
segundo padrões de testes psicométricos, testes psicogenéticos e entrevistas, podendo os
diagnósticos ser conflitantes, até porque os limites podem ser tênues entre uma
deficiência ou retardo mental leve (QI = 50 a 70), moderado (QI= 35 a 49), severo (QI=
20 a 34) ou profundo (QI= <20), e a prática de habilidades diárias ou do desempenho
escolar.
Os atrasos do desenvolvimento podem ser divididos em cinco grandes áreas:
motor-visual, linguagem (cognitiva), motor-muscular, social e adaptativa. Os problemas
podem ser atrasos, desvios ou dissociação no desenvolvimento integrado, levando a
transtornos mentais, transtornos na comunicação, transtornos de aprendizado, paralisia
cerebral espástica ou extra-piramidal, transtornos da atenção/hiperatividade e
transtornos globais do desenvolvimento (ou do espectro do autismo).

Portanto, as deficiências poderiam ser classificadas em mentais (intelectuais) e


físicas (as incapacidades), inclusive visual e auditiva (surdez), e tantas outras doenças
crônicas e sistêmicas (cardiológicas, ósseas, etc), síndromes genéticas e cromossômicas
(síndrome de Down) e os transtornos do desenvolvimento global do espectro do autismo
− como síndrome de Tourette, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, e outras − e
paralisias, como no caso de paralisia cerebral e outras pós-traumáticas (hemiplegias,

45
quadriplegias e outras). Importante também lembrar que muitas doenças e/ou
tratamentos, inclusive cirurgias especializadas para remoção de tumores e/ou traumas
externos como acidentes, atropelamentos, afogamentos e outros, podem deixar uma
criança/adolescente “incapacitado” e com problemas cerebrais que podem também
acometer o desenvolvimento mental permanentemente. Todas essas crianças e
adolescentes são considerados como PNE, ou seja, pessoas com necessidades especiais,
sendo, portanto, o espectro bastante amplo, para a garantia dos direitos e proteção
social.
Atualmente, a Organização Mundial de Saúde usa a Classificação Internacional
de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde − CIF considerando as estruturas do corpo,
as funções mentais, as atividades e a participação e os fatores ambientais, englobando as
deficiências, as incapacidades e as limitações num só termo, que é mais utilizado e
definido como as deficiências que são problemas nas funções ou na estrutura do corpo,
tais como um desvio importante ou perda.

No item # 34 da ficha de notificação compulsória de violência e abusos,


encontra-se a questão:

- Possui algum tipo de deficiência ou transtorno?

E, no detalhamento da questão, segue-se:

- Qual o tipo de deficiência ou transtorno?

- Se a deficiência é física, mental, visual ou auditiva?

- Se o transtorno é mental ou comportamental?

Mesmo assim, temos poucos dados estatísticos brasileiros sobre a relação entre a
violência sofrida e qual o tipo de abuso sexual e o tipo de deficiência ou transtorno mais
frequente em meninos e em meninas. A literatura internacional apresenta, entretanto,
dados claros indicando que, quando a criança ou o adolescente apresenta uma
deficiência (seja mental, física, surdez, cegueira ou de qualquer outro tipo), há um
aumento significativo de risco de sofrer abuso sexual.

Na prática diária, encontramos crianças e adolescentes que foram violentados e


abusados, que, inclusive, procuraram assistência médica devido a lesões corporais ou
genitais, incluindo doenças sexualmente transmitidas − HIV-AIDS − e problemas de
gestação ou abortamentos em adolescentes, que sofrem outros atos agravando seu
estado mental ou comportamental ou, ainda, precipitando reações de choro, medo,
46
distúrbios de sono, depressão, angústia ou intensa hiperatividade pós-traumática,
inclusive com agravamento das incapacidades ou dissociações.

Como boa parte das adolescentes apresenta capacidade reprodutiva normal, a


gravidez é uma das grandes preocupações tanto dos pais como dos profissionais de
saúde que atendem essas adolescentes nos hospitais e unidades de saúde. No Brasil, o
Código Penal Brasileiro − Decreto-lei 2848 − define as circunstâncias nas quais o
aborto é permitido e prevê, também, a possibilidade do procedimento de esterilização
como método contraceptivo permanente em adolescentes com deficiências graves, mas
o tema permanece cercado por controvérsias e debates políticos e religiosos.

Atualmente, os conceitos de igualdade na diferença e de inclusão social


impulsionam vários programas de educação e acesso aos serviços de saúde, além da
proteção aos direitos de crianças e adolescentes com deficiências. É importante se
diferenciar igualdade como o tratamento igualitário para todos, incluindo pessoas
diferentes, do termo equidade, que é mais utilizado e se baseia na ideia de que pessoas
diferentes recebam tratamentos diferenciados e adequados às suas necessidades
especiais. São poucos os programas existentes para ensinar sobre a sexualidade
saudável, a prevenção de doenças sexualmente transmitidas, a prevenção da violência e
os relacionamentos sociais harmônicos ou sobre outros temas de educação em saúde,
com metodologias apropriadas − como a linguagem de Libras ou Braille ou, por
exemplo, as atividades teatrais compreensivas e não-discriminatórias −, para grupos de
crianças e adolescentes com deficiências.

Desde 10 de Junho de 1994, com a Declaração de Salamanca, na Espanha,


ocorreu uma mudança no paradigma da educação especial, ao reforçar a escola
inclusiva, que implica que o sistema educacional se adapte às singularidades das
pessoas com deficiência, independentemente do tipo ou nível de comprometimento. O
Plano Nacional de Educação − PNE Lei 18.172/2001 − e a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva de Educação Inclusiva, pelo Ministério da Educação,
em 2008, facilitaram o acesso à classe comum de crianças e adolescentes com
deficiências.
Esse aumento permitiu a frequência à escola, que deverá ter atividades
inclusivas programadas, mas, mesmo assim, tais crianças/adolescentes ainda sofrem
violências emocionais, como os estigmas, estereótipos e a depreciação, inclusive a
exposição a atos de vandalismo e abuso sexual por profissionais, nas escolas e

47
instituições ou abrigos, pessoas totalmente despreparadas para lidar com as
necessidades especiais de atenção e proteção dessa população com dupla
vulnerabilidade.

4. O abuso sexual extra e intrafamiliar.

Nos estudos sobre o fenômeno do abuso sexual, são encontrados basicamente


dois contextos diferenciados: o intrafamiliar e o extrafamiliar. O extrafamiliar pode ser
cometido por pessoas desconhecidas da vítima ou sem vínculo afetivo nem de
parentesco com ela. O intrafamiliar é o abuso que ocorre no âmbito familiar, com
pessoas próximas e com laços afetivos ou de parentesco, no qual o pai biológico,
padrasto, irmão, tios e avós são descritos como os principais abusadores (Araújo, 2002;
De Antoni, Yunes, Habigzang, Koller, 2011)21.

Quando o agressor tem ou mantém algum grau de parentesco com a vítima,


determina muito mais grave impacto psicológico do que na agressão sofrida por
estranhos. Trata-se de uma forma de violência doméstica que usualmente acontece de
forma repetitiva, sem que a criança tome, inicialmente, consciência do ato abusivo do
adulto, instaurando-se uma confusão entre papéis e funções, envolvendo, assim, a
quebra de confiança com as figuras parentais e/ou de cuidado, que, a princípio,
deveriam promover segurança, conforto e bem-estar psicológico (Furniss, 1993;
Pfeiffer, De Antoni e Koller, 2002; Pfeiffer e Salvagni, 2005)22.

O abuso sexual contra a criança e o adolescente é praticado mais frequentemente


por familiares do que por estranhos. Esse fato tem implicações não só para a rede de
proteção, pois, estatisticamente, o lar é um local perigoso para muitas crianças, como
também afeta a natureza e dinâmica do abuso sexual.

A criança é um ser sexualizado desde o nascimento, no sentido de que ela


apresenta comportamentos e sensações que, gradualmente, preparam-na para desfrutar
de uma vida sexual saudável no futuro. A criança e o adolescente passam por diversas
fases do desenvolvimento e maturação cerebral com influências hormonais, nutricionais
e psicossociais, que também repercutirão no desenvolvimento da sexualidade e
comportamentos na vida adulta. Entretanto, devido à imaturidade biológica, cognitiva e

21
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.
22
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.

48
emocional da criança, o desenvolvimento sexual é lento e gradativo. Se a criança sofrer
abuso sexual da parte de um membro da família (pai ou padrasto são os ofensores mais
comuns, mas cabe lembrar que as mulheres também podem praticar ofensas sexuais e o
fazem mais raramente), ela é inserida, de modo abrupto, na sexualidade do adulto −
sexualidade essa que ela está longe de compreender. O resultado imediato é de
confusão, nojo, vergonha, temor, medo e choque com a ruptura do vínculo de confiança
que ela tinha com tal cuidador. Há especialistas que afirmam que essa quebra de vínculo
de confiança é muito mais danosa do que o próprio ato sexual em si. Cabe, também,
lembrar que o abuso sexual pode ser fisicamente muito doloroso para a criança, que tem
uma genitália desproporcionalmente menor do que a do adulto.

A reação instintiva da criança é de achar que aquilo não está correto; entretanto,
ela é, com frequência, ameaçada para guardar segredo e não contar sobre o abuso a
qualquer pessoa, sendo isso − ou não − acompanhado de ameaças de retaliações. É
nesse sentido que o abuso sexual torna-se um segredo “muito bem guardado”, e clínicos
ouvem, com certa frequência, relatos de abuso sexual sofridos na infância sobre os quais
a pessoa faz a revelação pela primeira vez na vida adulta.

Uma das estratégias que o ofensor sexual utiliza, para manter o segredo, é
atribuir culpa à própria criança pelo abuso sofrido. Imagine a consequência de a criança
ou o adolescente ouvir de si mesma, rotineiramente, a mesma crítica: “Eu não presto”,
“Eu sou culpada por tudo isso”... Com a autoestima fragilizada, a criança também tem
que lidar com sentimentos de muita vergonha e de culpa. Tal culpa é maximizada pelo
fato de que ela pode vir a sentir prazer no ato sexual – o que não deveria ser
surpreendente, afinal todo ser humano é biologicamente preparado para vir a sentir
prazer com o sexo.

Outro grande complicador na dinâmica do abuso sexual intrafamiliar é o fato de


o ofensor ser uma pessoa que é amada pela criança. Isso faz com que ela tenha
sentimentos de ambivalência – não gosta do ato abusivo, mas gosta de quem o pratica, o
que é psicologicamente complexo, mesmo porque, cabe lembrar, o ofensor nem sempre
se comporta de modo abusivo – ele é, por vezes, carinhoso e atencioso com a criança,
até como tática de sedução.

A coerção é, pois, sutil e o falso consentimento da criança advém de seu parco


conhecimento sobre o assunto, da incapacidade de compreensão das atividades em que

49
se vê envolvida, que lhes são apresentadas, muitas vezes, como “brincadeiras” ou com
“valor educativo”23.

Finalmente a criança coloca na balança outros fatores: o que acontecerá quando


minha mãe descobrir? Será que o meu pai vai para a cadeia? Se ele for preso, a culpa
será minha.... Esse questionamento faz com que ela, com frequência, volte atrás e
renegue o abuso sexual relatado. Negar uma revelação prévia de abuso não é incomum e
isso traz desafios para o Judiciário, ao lidar com o abuso sexual intrafamilar. Outros
desafios se seguem: o abuso sexual raramente deixa marcas físicas e raramente é
testemunhado por outras pessoas. Assim sendo, especialistas consideram a palavra da
criança como sendo o principal aspecto a ser considerado no Judiciário.

Há estudos, na América do Norte, mostrando que o que ocorre no Judiciário está


associado ao prognóstico de saúde mental da vítima de abuso sexual. Quando pessoas
com histórico de abuso sexual foram entrevistadas na fase adulta, aquelas que
apresentavam melhores indicadores de saúde mental (ausência de depressão, por
exemplo) foram casos nos quais o ofensor sofrera uma condenação, validando, portanto,
a fala da criança; em segundo lugar, estavam os casos nos quais não houve uma
condenação, e os casos com pior prognóstico eram aqueles nos quais a pessoa, quando
criança, sequer fora ouvida no Judiciário.

5. Protocolo de Avaliação.

Toda criança ou adolescente que é atendido ou examinado, em qualquer serviço


de saúde, após algum acidente, intoxicação, traumas ou que apresente ferimentos
graves, cicatrizes antigas ou recentes, queimaduras ou fraturas, hematomas ou
equimoses, qualquer doença sexualmente transmitida ou comportamentos emocionais
dissociativos, deve ser avaliado(a) para a suspeita de violência intra ou extra familiar,
maus tratos ou de abuso sexual.

Existe a possibilidade de que não sejam diagnosticados sinais evidentes da


violência, mesmo existindo o abuso emocional ou sexual. Muitas vezes, a ameaça é
velada e a criança ou o adolescente apresenta reações ou comportamentos que não são
revelados objetivamente e fica com medo de revelar qualquer história e vir a sofrer mais
violência após a consulta.

23
SILVEIRA, Margareth Lizita Lobo. Sequelas psicológicas da Pedofilia. Revista Jurídica Consulex - Ano VI - nº
129, de 31 de maio de 2002.

50
A importância da entrevista e da história do evento traumático deve ser obtida
com cuidados e após o estabelecimento de uma relação de confiança e apoio com tempo
para esta revelação.

A revelação do ato em si − como, onde e quando ocorreu − e a descrição de


detalhes desse fato, muitas vezes é difícil para a criança ou adolescente e pode se dar em
etapas ou por meio de várias entrevistas ou consultas.

Muitas reações e respostas emocionais, que podem evoluir desde o choro até o
silêncio, acompanham o quadro clínico.

Um protocolo de avaliação dos casos de violência sexual deverá ser empregado


em todas as escolas, hospitais, serviços de emergência e unidades de saúde que lidam
com crianças e adolescentes e suas famílias.

6. Consequências do Abuso Sexual.

O abuso sexual é considerado um grave estressor, no sentido de causar danos


profundos ao desenvolvimento humano. Há farta documentação sobre o impacto do
abuso, não somente com base em casos clínicos, como em um número grande de
pesquisas psicológicas longitudinais que acompanham vítimas ao longo do seu ciclo de
vida.
Por suas peculiaridades, o abuso sexual deixa marcas que podem influenciar na
construção da identidade das suas vítimas e dificultar as interações sociais (Habigzang,
Koller, Azevedo, Machado, 2005). A experiência de abuso sexual na infância e
adolescência pode desencadear efeitos negativos para o desenvolvimento cognitivo,
afetivo e social das vítimas (Habigzang e Koller, 2011). Algumas crianças apresentam
efeitos mínimos, enquanto outras desenvolvem severos problemas emocionais e/ou
psiquiátricos (Runyon e Kenny, 2002). O abuso sexual também pode ocasionar
sintomas físicos (Sanderson, 2005)24.

A curto prazo, os principais efeitos documentados sobre a criança ou o


adolescente que sofre abuso sexual são: a) o fator mais específico (já que outros
sintomas não são exclusivos do abuso sexual) são alterações na sexualidade, seja pelo
fato de a criança apresentar um conhecimento sobre sexo não compatível com sua idade
cronológica, seja por comportamentos sexualizados ou excessivamente erotizados em

24
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.

51
relação a outras crianças ou a adultos e/ou pela masturbação excessiva em público; b)
alterações comportamentais súbitas a partir dos episódios abusivos (mudanças bruscas
de atitude − por exemplo, se a criança era alegre e expansiva passa a ficar arredia e
retraída); c) agressividade; d) tristeza, depressão ou ansiedade excessiva, sendo tal
quadro acompanhado por alterações no sono e alterações de apetite; e) baixa autoestima;
f) medo ou pesadelos; g) queda no rendimento escolar, problemas de atenção e
concentração. Nos casos graves, podem ocorrer também: h) fuga de casa; i) transtorno
de estresse pós-traumático (trata-se do quadro psiquiátrico mais associado à violência),
caracterizado por períodos involuntários de revivência da experiência traumática (na
criança, isso pode se manifestar por brincadeiras nas quais ela vivencia, novamente, o
abuso (exemplo: brinca com bonecos de forma sexualizada, imitando os
comportamentos do ofensor) e, paralelamente, esquiva-se ou evita a situação associada
ao trauma (medo de ir à casa do ofensor, por exemplo); j) dissociação, caracterizada por
uma fuga do estado de consciência no qual a criança pode comportar-se de modo
bizarro (exemplo: ficar deitada em posição fetal) ou, ainda, não se recordar do que
ocorreu; k) comportamentos autolesivos; l) depressão grave associada a ideias de se
matar ou tentativas de suicídio25.
As consequências do abuso sexual poderão variar em função do tipo de abuso, o
número de agressores, a duração da agressão, a relação existente com o agressor, a força
exercida no abuso, a idade em que se iniciou, a frequência e a participação da criança.
Quanto mais próximo da criança for o agressor, quanto mais duradouro for o abuso e
quanto mais cedo começar, na vida da criança, mais aumenta o risco de as vítimas
desenvolverem transtorno de estresse pós-traumático, transtornos dissociativos e
dificuldades em relacionamento sexual (Furniss, 1993; Aded, Dalcin, Moraes,
Cavalcanti, 2006)26.

Cabe notar que a criança pode ter vivenciado abuso sexual e não apresentar
sintomas (isso é muito importante para tranquilizar alguns pais). Quando isso ocorre, é
provável que os seguintes fatores de proteção estejam presentes: o abuso ocorreu uma
só vez, de forma não excessivamente violenta; não houve penetração; o ofensor não era

25
Williams, L.C.A. (2009). Introdução ao estudo do abuso sexual infantil e análise do fenômeno no município de
São Carlos. Em: L.C.A. Williams & E.A.C. Araújo.(Orgs.). Prevenção do abuso sexual infantil: Um enfoque
interdisciplinar. (pp.21-40). Curitiba: Juruá Editora.
26
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.

52
um membro próximo da família; a reação do cuidador foi apropriada (não culpou a
criança pelo ocorrido, procurou ajuda psicoterapêutica, denunciou o fato, etc.).

Quais os efeitos a longo prazo do abuso sexual? Ou seja, que sintomas um adulto
com histórico de abuso sexual pode apresentar? Esses são os mais frequentes: a)
problemas na área da sexualidade (desprazer ou desinteresse por sexo, medo/ansiedade
associados ao sexo ou promiscuidade e comportamento de risco a ele associado); b)
depressão recorrente; c) baixa autoestima; d) maior probabilidade de praticar ofensas
sexuais; e) maior probabilidade de apresentar transtornos psiquiátricos, como
bipolaridade; f) ideação ou tentativas de suicídio; g) problemas alimentares (aqui são
relatados casos de extremo: tanto anorexia quanto obesidade); h) maior vulnerabilidade
ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático; i) agressividade; j) evasão escolar e
problemas com atenção e concentração; k) dissociação; l) comportamentos
autolesivos.27

6.1. Detalhamento das consequências mais graves da violência sexual contra


Crianças e Adolescentes.

6.1.1 Depressão.

A depressão na infância e na adolescência pode se caracterizar por explosões de


raiva e irritabilidade. Embora possa ocorrer em todas as idades, os adolescentes são
particularmente vulneráveis às ideias e tentativas de suicídio.
O problema de se diagnosticar depressão na infância é que ela se apresenta de
forma diferenciada, de acordo com a idade da criança, e pode se originar de outras
causas que não sejam a violência e os maus tratos.

A depressão de crianças se caracteriza principalmente por:

1) o humor disfórico com alternâncias de humor;


2) a autodepreciação;
3) a agressividade ou a irritação;
4) os distúrbios do sono e da alimentação;
5) a queda no desempenho escolar;
6) a diminuição da socialização;
7) a modificação de atitudes em relação à escola e aos amigos;
27
Williams, L.C.A. (2009). Introdução ao estudo do abuso sexual infantil e análise do fenômeno no município de
São Carlos. Em: L.C.A. Williams & E.A.C. Araújo.(Orgs.). Prevenção do abuso sexual infantil: Um enfoque
interdisciplinar. (pp.21-40). Curitiba: Juruá Editora.

53
8) a perda da energia habitual, do apetite e/ou peso.

• Principais sintomas clínicos da depressão encontrados em crianças e


adolescentes:

– Fase Pré-verbal:
• Manifestações não verbais, como postura, expressão facial;
• Inquietação/ retraimento/ apatia;
• Recusa de alimentos;
• Perturbação do sono.

– Pré-escolar:
• Dores abdominais;
• Falhas de ganho de peso para a idade;
• Fisionomia triste ou de lamentação;
• Irritação;
• Diminuição do apetite;
• Agitação psicomotora ou hiperatividade;
• Transtorno de sono;
• Estereotipias.

– 2 a 5 anos:
• Dependência excessiva;
• Humor Irritável;
• Ansiedade de separação;
• Controle precário de impulsos;
• Diminuição de apetite;
• Agitação psicomotora e hiperatividade;
• Transtornos de sono.

– 6 a 12 anos:
• Tristeza e choro frequente;
• Lentidão de movimentos;
• Voz monótona e monossilábica;
• Baixa autoestima;
• Agitação psicomotora ou hiperatividade;
• Baixa do rendimento escolar;
• Pensamento suicida.

– 12 a 16 anos:
• Desesperança e perda de interesse;
• Dificuldade de concentração na escola;
• Insônia ou hipersonia;
• Transtornos alimentares;
54
• Uso abusivo de drogas;
• Risco de suicídio*.
*As ideias de suicídio ocorrem em todas as idades, em diferentes
intensidades, sendo mais frequentes durante a adolescência.

Quando a criança − ou o adolescente − procura ou é levada a um serviço de


saúde, com histórico de violência ou abuso, é muito importante que ela seja ouvida e
que seja dada atenção não só à sintomatologia apresentada naquele momento, mas,
também, aos seus sentimentos e aos da família, em relação ao que está acontecendo. O
entrosamento da equipe e a formação de uma rede interinstitucional efetiva são pontos
fundamentais a serem discutidos para o bom resultado do tratamento, pois, na maioria
das vezes, o apoio a essa criança ou adolescente envolve terapia familiar, farmacológica
e suporte social.

Critério diagnóstico – CID-10.


F32 - Episódio Depressivo
Critérios Gerais:
G1. O episódio depressivo deve durar, pelo menos, 2 semanas.
G2. Não houve sintomas hipomaníacos ou maníacos suficientes para satisfazer
os critérios para episódio hipomaníaco ou maníaco (F30) em qualquer época da vida do
indivíduo.
G3. Cláusula de exclusão mais comumente usada. O episódio não é atribuído ao
uso de substância psicoativa (F10-F19) ou a qualquer transtorno mental orgânico (no
sentido de F00-F09).

Síndrome somática:
(1) Marcante falta de interesse e prazer em atividades que são normalmente
agradáveis;
(2) Falta de reações emocionais a eventos ou atividades que normalmente produzem
uma resposta emocional;
(3) Alterações do horário de sono;
(4) Depressão pior pela manhã;
(5) Evidência objetiva de retardo ou agitação psicomotora marcante (observado ou
relatado por outra pessoa);
(6) Marcante perda de apetite;
(7) Perda de peso (5% ou mais do peso corporal, no último mês);
(8) Marcante perda de libido.

55
A. Os critérios gerais para episódio depressivo (F32) devem estar satisfeitos.

B. Pelo menos dois dos três sintomas seguintes devem estar presentes:
(1) humor deprimido em um grau que é definitivamente anormal para o
indivíduo, presente pela maior parte do dia e quase todos os dias, largamente não
influenciado pelas circunstâncias e mantido por, pelo menos, duas semanas;
(2) perda de interesse ou prazer em atividades que normalmente são agradáveis;
(3) energia diminuída ou fatigabilidade aumentada.

C. Um sintoma (ou sintomas) adicional(is) da lista seguinte deve(m) estar


presente(s), perfazendo um total de, pelo menos, quatro:
(1) perda de confiança ou autoestima;
(2) sentimentos irracionais de autorreprovação ou culpa excessiva e
inapropriada;
(3) pensamentos recorrentes de morte, suicídio ou qualquer comportamento
suicida;
(4) queixas ou evidências de diminuição da capacidade de pensar ou concentrar-
se, tais como indecisão ou vacilação;
(5) alteração ou atividade psicomotora com agitação ou lentidão (tanto subjetiva
como objetiva);
(6) qualquer tipo de perturbação do sono;
(7) alteração no apetite (diminuição ou aumento), com correspondente alteração
do peso.

6.1.2 Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

Conforme mencionado, uma das consequências de sofrer abuso sexual é o


possível desenvolvimento de Transtorno de Estresse Pós-Traumático − ou TEPT. Tal
grave quadro traumático ocorre, segundo o Manual que classifica as doenças mentais da
Academia Americana de Psiquiatria (DSM-5), após a pessoa sofrer um grave evento
real ou potencialmente traumático (como no caso da violência sexual). O transtorno
caracteriza-se por um conjunto de quatro grupos de sintomas: a) nova vivência do
evento traumático sob a forma de memórias recorrentes intrusivas, sonhos ou
flashbacks; b) evitação ou esquiva de locais, pensamentos ou sentimentos associados ao
evento traumático; c) cognições e humor negativos (por exemplo, desinteresse por
atividades, sensação de culpa desproporcional etc.); e d) superexcitação neurovegetativa

56
sob a forma de comportamentos autodestrutivos ou agressivos, distúrbios de sono, etc.
(American Psychiatric Association, 2013)28.

O critério de revivência traumática envolve lembranças intrusivas e recorrentes


que podem ocorrer sob a forma de sonhos aflitivos e pesadelos (Câmara Filho e Sougey,
2001). A manifestação de flashbacks é caracterizada pela sensação de a vítima sentir-se
como se estivesse revivendo o evento traumático no momento atual de sua vida. O
comportamento de esquiva, resultante de tais experiências, interfere nas atividades
cotidianas da pessoa. Percebe-se, ainda, o entorpecimento emocional, o qual pode ser
caracterizado pela dificuldade de o(a) paciente com TEPT expressar e ganhar afeto.
Sintomas de taquicardia, respiração ofegante, formigamentos, sudorese, tonturas, dores
abdominais, dentre outros, acompanham as lembranças traumáticas e a evitação
cognitiva e emocional do trauma. A hipervigilância, que é caracterizada como “estar em
guarda e atento” aos estímulos externos, coloca a vítima num estado persistente de
ameaça, em que o ambiente sempre é considerado como um lugar inseguro e
imprevisível. Por último, resposta de sobressalto, exagerada, também é comum nas
pessoas com TEPT, isto é, as vítimas facilmente se assustam com qualquer estímulo
(Câmara Filho e Sourgey, 2001)29.

A presença de sintomas de TEPT pode variar conforme a etapa do


desenvolvimento. Nesse sentido, crianças podem apresentar maiores sintomas de
reencenação do trauma (seja na brincadeira, seja no desenho), dificuldade de
concentração e de memória, enquanto que adolescentes podem apresentar uma
sintomatologia próxima à dos adultos e sentimentos de futuro abreviado (Perrin, Smith e
Yule, 2000)30.

A prevalência de TEPT em vítimas de abuso sexual infantil pode variar entre


20% e 70% dos casos. Em relação às vítimas sem o diagnóstico de TEPT, é importante
ressaltar que nem todas as crianças vítimas de abuso sexual desenvolvem sintomas ou
psicopatologias. A presença de fatores de proteção pode favorecer uma adaptação

28 American Psychiatric Association (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th Edition:
DSM-5. Washington: American Psychiatric Association.
29
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.
30
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.

57
positiva para algumas crianças vítimas, apesar de estarem expostas a um contexto de
significativa adversidade (Habigzang, Borges, Dell’Aglio e Koller, 2010)31.

- Especificadores usados para definir o início e a duração dos sintomas do


transtorno de estresse pós-traumático:
• Agudo: duração dos sintomas inferior a 3 meses;
• Crônico: os sintomas duram 3 meses ou mais;
• Com início tardio: 6 meses decorrentes entre o evento traumático e o início dos
sintomas.

- Outros sintomas:
• Os estímulos associados com o trauma são evitados;
• Evitação de pensamentos, sentimentos ou de conversa sobre o evento
traumático;
• Evitação de atividades, situações e pessoas que provoquem recordações do
evento;
• O indivíduo pode queixar-se de acentuada diminuição do interesse ou
participação em atividades anteriormente prazerosas;
• Sentimento de estar deslocado ou afastado de outras pessoas;
• Capacidade reduzida de sentir emoções (sexualidade);
• Sentimento de futuro abreviado;
• Sentimento de culpa (sobrevivência);
• Conflito conjugal, divórcio, perda do emprego.

- Outros Transtornos Associados:


• Transtorno do pânico;
• Agorafobia (medo de estar em ambientes abertos ou públicos);
• Transtorno obsessivo-compulsivo;
• Fobia social;
• Fobia específica;
• Transtorno de somatização;
• Transtorno relacionado ao uso de substâncias;
• Transtorno depressivo maior.

31
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.

58
Critério Diagnóstico – CID-10
F43.1 Transtorno de estresse pós-traumático

A. O paciente deve ter sido exposto a um evento ou situação estressante (de curta ou
longa duração) de natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, a qual,
provavelmente, causaria angústia invasiva em quase todas as pessoas.
B. Deve haver rememoração ou revivência persistente do estressor nos flashbacks
intrusos, memórias vividas, sonhos recorrentes ou em sentir angústia quando da
exposição a circunstâncias semelhantes ou associadas ao estressor.
C. O paciente deve evitar (ou preferir fazê-lo) circunstâncias semelhantes ou
associadas ao estressor − o que não estava presente antes da exposição ao estressor.
D. Um dos seguintes deve estar presente:
(1) incapacidade de relembrar, parcial ou completamente, alguns aspectos
importantes do período de exposição ao estressor;
(2) sintomas persistentes de sensibilidade e excitação psicológica aumentada
(não presentes antes da exposição ao estressor) mostrados por dois dos
seguintes:
(a) dificuldade em adormecer ou permanecer dormindo;
(b) irritabilidade ou explosões de raiva;
(c) dificuldade de concentração;
(d) hipervigilância;
(e) resposta de susto exagerada.

E. Os critérios b, c e d devem ser todos satisfeitos dentro de 6 meses do evento


estressante ou do final de um período de estresse (para alguns propósitos, um início que
dure mais de 6 meses pode ser incluído, mas isso deve ser claramente especificado).

• Diagnóstico Diferencial:
– Transtorno do humor;
– Transtorno de ansiedade;
– Transtorno do pânico;
– Transtorno depressivo;
– Transtorno estresse agudo;
– Transtorno obsessivo-compulsivo;

59
– Transtorno psicótico leve;
– Esquizofrenia;
– Delirium.

Os flashbacks do transtorno de estresse pós-traumático devem ser diferenciados


das ilusões, alucinações e perturbação da percepção.

Apesar de sanados os outros problemas clínicos, permanecem os danos


emocionais, devendo as crianças e adolescentes ser acompanhados com apoio
psicoterapêutico e social.

7. Repercussões da Violência e do Trauma Sexual.


As repercussões do trauma sexual observadas em vítimas de violência podem ser
descritas em três etapas de respostas emocionais ou sinais e sintomas comportamentais,
que estão associados aos danos físicos e corporais:

1) Fase de reação aguda: começa desde o episódio e se prolonga por dias ou


semanas, conforme se descreve a seguir:

• Ocorre uma reação passiva, controlada, de tristeza, apatia ou abatimento


profundo, ou;
• Ocorre uma reação ativa de raiva, medo, ansiedade, com ou sem choro;
• Pode, ainda, ocorrer desorientação, choque, terror, perda do controle e ruptura de
atividades normais de comportamento, como insônia, vômitos, irritabilidade ou
distúrbios na alimentação;
• Há regressão e a negação da realidade de dor e da perda de confiança vivenciada
ou o bloqueio do fato podem ser usados para minimizar a dor;
• Ocorrem sentimentos de vergonha, culpa, menos valia e autoflagelação, que são
comuns;
• Existe depressão, em todas as possíveis manifestações, relatada com maior
frequência.

2) Fase de fugas ou de tentativas de escapar da situação abusiva:

• Tentativas de “retornar às atividades de rotina ou escolares” são difíceis, pois a


criança ou o adolescente fica preocupada/o, ameaçada/o ou amedrontada/o com
tudo e todos à sua volta.
• Sentimentos de depressão e distúrbios de comportamento ou de aprendizado;

60
• Sentimentos ambivalentes ou medo de relatar o ocorrido, devido ao medo de
retaliações ou separações da família;
• Dificuldades de concentração, pesadelos, flashbacks (relembranças do fato
ocorrido), baixa autoestima, distorções da imagem corporal;
• Isolamento e retraimento, com silêncio e desconfiança, aliado a dificuldades de
comunicação, choros sem causa aparente, fugas de casa.
• Dificuldades de frequentar a escola ou recusas em retornar ao local do evento.

3) Fase de repercussões crônicas, descritas como síndrome pós-traumática:

• Sintomas crônicos como dores abdominais, “dores de cabeça”, “cólicas” ou


problemas menstruais podem ocorrer, principalmente em adolescentes;
• Distúrbios do apetite, como em casos de anorexia ou, ao contrário, com excesso,
levando ao sobrepeso ou obesidade;
• Distúrbios de comportamento, que podem variar de acordo com a etapa do
desenvolvimento mental e emocional da criança ou do adolescente, mas que
envolvem as várias expressões dos sentimentos de medo, culpa, vergonha, raiva,
desconfiança e inabilidades sociais, podendo chegar a gestos ou tentativas de
suicídio.
• Distúrbios sociais de conduta com hiperatividade, brigas frequentes,
comportamentos hiperssexualizados reativos e distúrbios sexuais futuros, com
ou sem uso de drogas ou álcool.
• Adolescentes do sexo masculino também são frequentemente abusados por
colegas mais velhos, por familiares ou adultos “conhecidos” e podem chegar ao
atendimento médico de emergência, por problemas mentais, como surtos
psicóticos, ou por problemas como lesões penianas ou anais, características de
doenças sexualmente transmitidas.
• É necessário especial atenção com adolescentes que tiveram relações
homossexuais, adolescentes que vivem nas ruas ou com aqueles que vivem em
instituições ou “abrigos”, ou, ainda, adolescentes com história abusiva
intrafamiliar ou que convivem em comunidades de alto risco para a violência.
• Também é preciso atenção redobrada às crianças e aos adolescentes com
necessidades especiais, sindrômicas, como, por exemplo, com síndrome de
Down, com problemas de deficiência mental ou crianças e adolescentes com

61
incapacidades físicas ou com dificuldades de fala ou outros problemas médicos
de natureza congênita.

8. Pistas para identificação de abusos contra crianças e adolescentes.

Abuso Físico

Indicadores físicos na Comportamentos da Características da família


criança e no adolescente criança e do adolescente agressora

Presença de lesões físicas, Muito agressivo ou apático, Oculta as lesões da


como queimaduras, hiperativo ou depressivo, criança, justificando-as de
hematomas, feridas e temeroso, com tendências forma não convincente ou
fraturas que não se autodestrutivas e ao contraditória. Descreve a
adequam à causa alegada isolamento, baixa criança como má ou
na história.
autoestima, tristeza. desobediente. Abusa de
Medo dos pais: alega álcool e drogas. Possui
Ocultação de lesões ou agressão dos pais. Relato de expectativas exageradas ou
cicatrizes antigas e não causas pouco viáveis às irreais acerca da criança.
explicadas. lesões. Fugas de casa. Defende uma disciplina
Problemas de aprendizado, severa, tem antecedentes
faltas frequentes à escola. de maus tratos na família.

Abuso Sexual

Indicadores físicos na Comportamentos da Características da família


criança e no adolescente criança e do adolescente agressora

Infecções urinárias, dor ou Comportamento sexual Oculta frequentemente o


inchaço nas áreas genitais inadequado ou sexualizado abuso. É muito possessiva,
ou anais; lesões de para a idade. negando à criança contatos
sangramento; secreções Brincadeiras sexuais sociais normais. Acusa a
vaginais ou penianas; agressivas. Não confia em criança de promiscuidade,
adultos. Fugas de casa. sedução sexual e de ter
doenças sexualmente
Regressão a estado de atividade sexual fora de
transmissíveis; dificuldade desenvolvimento anterior. casa.
de caminhar; Vergonha excessiva e Quase sempre culpa a
enurese; encoprese alegações de abuso. criança ou adolescente por
(dificuldade de controle Ideias e tentativa de comportamento
dos esfíncteres urinário e suicídio e autoflagelação. inadequado.
anal); queixas vagas do Abuso de álcool e drogas. Crê que o contato sexual é
tipo “dores de cabeça” ou forma de amor familiar.
“dores abdominais”. Alega existir outro
agressor para proteger
membro da família.

62
Abuso Psicológico

Indicadores físicos na Comportamentos da Características da família


criança e no adolescente criança e do adolescente agressora

Problemas de saúde como Comportamentos extremos Tem expectativas


obesidade, distúrbios do de timidez ou excessivamente altas e
sono e dificuldades na fala, agressividade, irreais sobre a criança.
comportamentos infantis, destrutividade, distúrbios Rejeita, aterroriza, ignora,
enurese noturna, dores de conduta e exige em demasia,
abdominais ou quadros de autoagressões. Problemas corrompe, isola. Descreve
dores somáticas. do sono. Isolamento, baixo a criança como diferente
conceito de si próprio, das demais.
abatimento profundo,
tristeza, ideia e tentativa de
suicídio, insegurança.

Negligência

Indicadores físicos na Comportamentos da Características da família


criança e no adolescente criança e do adolescente negligente

Padrão de crescimento Comportamentos extremos É apática e passiva, não se


deficiente, desnutrição, de hiper ou hipoatividade: importando muito com a
fadiga constante e pouca contínuas faltas ou atrasos situação da criança. Tem
atenção. Problemas físicos à escola ou ao médico, baixa autoestima e severo
e necessidades não Comportamentos infantis desleixo com a higiene.
atendidas. Vestimentas ou depressivos. Não se preocupa em
inadequadas ao clima ou Repetências ou evasão resolver as necessidades de
ao contexto. Falta de escolar. atenção da criança.
higiene corporal. Falta de Geralmente existe abuso
vacinação. de álcool ou drogas.

63
A VIOLÊNCIA CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
COM ÊNFASE NO ABUSO
SEXUAL
Curso – EaD

(MÓDULO III)

64
MÓDULO III – FLUXO DO ATENDIMENTO.

A violência sexual contra crianças traz consequências nefastas para o


desenvolvimento psíquico infantil, principalmente quando o abusador é um familiar
próximo.

O tema é complexo, uma vez que identificar a autoria e a materialidade do abuso


sexual não é simples. A criança vítima de abuso sexual pode não apresentar sintomas
físicos, mas apenas psicológicos. Além disso, a violência sexual nem sempre é realizada
de forma agressiva, pelo contrário. As carícias, os beijos, o toque suave, promessas de
presentes, de atenção, trazem para a criança um sentimento dúbio, no qual ela própria
imagina ter consentido com o ato.

Por vezes, a violência sexual é praticada pelo pai ou padrasto, com a conivência
da mãe, que prefere não enxergar a realidade ou simplesmente tornar natural a situação.
Por comodidade, entende como natural o fato, chegando a justificá-lo. O pai ou padrasto
é, muitas vezes, o provedor do lar, responsável pelo sustento da família, e a
companheira, seja por interesses financeiros ou emocionais, prefere ignorar a situação,
imaginar que o filho ou filha está mentindo, ou, até mesmo, considerar o fato como
natural por entender que a vítima teria provocado a situação, etc. Muitas vezes se
estabelece um pacto de silêncio dentro da família.

Por sua vez, a violência sexual pode ter sido praticada por outros integrantes da
família, como o tio, o avô, o irmão mais velho, o companheiro da avó, um primo ou por
personagens extrafamiliares, como o professor, um funcionário da escola, um vizinho,
um amigo dos pais da criança, etc.

Quanto mais próximo o convívio da criança com o autor do abuso sexual, mais
difícil a revelação. Assim, conquanto sejam identificados indícios de ter sido aquela
criança vítima de abuso sexual (sexualidade exacerbada, medo de frequentar
determinado lugar, tristeza, retração), é possível que a criança não queira revelar o autor
do abuso sexual ou até indique pessoa diversa por ter recebido ameaças e orientações do
abusador.

A atuação do Ministério Público na proteção de crianças e adolescentes vítimas


de abuso sexual traz consequências muito graves em relação ao acusado, pois, além do
processo criminal que pode resultar na sua condenação e privação de sua liberdade,
também é facultado ao Ministério Público ingressar com a ação de afastamento do

65
agressor do lar − prevista no art. 130 do ECA −, representação administrativa prevista
no art. 249, suspensão ou destituição do poder familiar − prevista no art. 155 do ECA −,
além de ter opinião determinante nas Varas de Família contra ou a favor da suspensão
de visitação de um pai ou de uma mãe.

O princípio da proteção integral da criança e do adolescente exige a cooperação


das áreas do saber no resguardar da vítima, a fim de que haja o seu tratamento digno, no
respeito a sua integridade físico-psíquica, na sua proteção social e familiar, no
oferecimento de tratamento psicológico, na cooperação para a interrupção da violência,
etc. A condenação criminal do autor do abuso sexual é consequência de um sistema de
proteção articulado e bem feito, no qual a sociedade demonstra a desaprovação com a
conduta praticada.

O sistema de garantia de direitos na proteção da criança vítima de violência


sexual, assim, exige uma atuação conjunta, articulada entre as diversas áreas do saber.
Os professores e profissionais de saúde são os primeiros a participar do sistema de
garantias, pois a eles incumbe a tarefa de notificar as situações de abuso sexual ao
Conselho Tutelar (art. 13, art. 56, I, e art. 245, todos do ECA). Ao Conselho Tutelar
incumbe a tarefa de requisitar tratamento psicológico para a criança vítima (art. 136, I, e
art. 101, V), serviços públicos nas áreas de saúde e serviço social (art. 136, III, a, do
ECA) e, ainda, encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração
administrativa ou penal contra os direitos da criança ou do adolescente (art. 136, IV, do
ECA).

Num sistema de garantia de direitos que resguarda a integridade psíquica da


criança, esta não deve ser revitimizada, narrando para mais de um profissional diferente
as experiências sexuais pelas quais passou, pois se é constrangedor para qualquer
adulto, imagine para uma criança. Importante, dessa forma, estar atento ao princípio da
intervenção mínima, previsto no art. 100, parágrafo único, inciso VII, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, e ao princípio da intervenção precoce, previsto no art. 100,
parágrafo único, inciso VI, do mesmo diploma legal.

Quando se trata de crimes sexuais praticados sem a presença de qualquer


testemunha e sem deixar vestígios físicos, o relato da vítima é fundamental e uma
abordagem adequada, na escuta da criança, é uma prova extremamente relevante do
processo.

66
1. Fluxo de Atendimento da vítima de violência sexual.

O Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância − tem sinalizado que,
mesmo com os esforços do governo brasileiro e da sociedade em geral, direcionados
para enfrentar o problema sobre a violência, as estatísticas ainda apontam para um
cenário crítico e desolador em relação a crianças e adolescentes. Apenas por intermédio
de denúncia ao número do Disque Denúncia – 100 – chegam, a cada dia, uma média de
129 (cento e vinte e nove) casos de violência, dentre estas a psicológica e a física,
incluindo a sexual, e a negligência contra crianças e adolescentes, sendo que, a cada
hora, cinco casos de violência contra meninas e meninos são registrados no País,
lembrando que essa situação pode ser ainda mais grave se levarmos em consideração
que muitos desses crimes nunca chegam a ser denunciados.

Desse modo, conhecer o percurso que crianças e adolescentes vivenciam em


situações de abuso sexual é fundamental para que os profissionais possam planejar
estratégias para a qualificação dos fluxos da denúncia, evitando a revitimização
institucional, quando as vítimas têm que recontar as histórias de abuso várias vezes até
chegar ao sistema judiciário. Encurtar a rota crítica implica a redução dos danos à
criança e/ou adolescente e reafirma a perspectiva de garantia de direitos preconizada no
Sistema de Garantia de Direitos, uma vez que se constata que tal rota ou percurso se
apresenta de diferentes formas, dependendo do tipo de violência, da idade da vítima e da
gravidade da situação, bem como da organização e capacidade de articulação do
Sistema de Garantia de Direitos de cada região.

Esse percurso envolve diferentes profissionais da rede de proteção à criança, tais


como Conselho Tutelar, Delegacia Especializada, Instituto Médico Legal, Hospitais,
Escolas, CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), CRAS
(Centro de Referência de Assistência Social), dentre outros. A trajetória percorrida du-
rante o processo de revelação e notificação pode ser articulada, evitando, assim, a
fragmentação dos serviços e das próprias demandas da população usuária, garantindo,
desse modo, o princípio da integralidade e prioridade absoluta.

Considerando as peculiaridades das diferentes regiões do Brasil, as práticas e,


consequentemente, o fluxo para enfrentamento do abuso sexual contra a criança se
apresenta de diferentes formas. Na perspectiva de evitar-se a revitimização da criança
ou adolescente e diminuir o número de vezes em que ela tem de falar sobre o ocorrido,
profissionais e operadores do direito têm discutido alternativas como: 1) criação de um

67
Centro Integrado que atenda a criança ou o adolescente num espaço único em que os
profissionais possam trabalhar de forma articulada. Uma referência nesse sentido é o
trabalho desenvolvido no Rio Grande do Sul, denominado CRAI – Centro de Referência
no Atendimento Infanto-Juvenil (funciona dentro de um hospital público de Porto
Alegre). Esse centro reúne acolhimento da criança e adolescente por equipe
interdisciplinar; serviços periciais como o do DML – Departamento Médico Legal, a
polícia civil, que faz o Boletim de Ocorrência, enfim, tudo ocorre de forma integrada e
dando continuidade ao sistema de defesa e responsabilização; 2) produção antecipada de
prova: que prevê a oitiva da vítima, em juízo, o mais próximo possível da comunicação
do suposto abuso sexual. Tal oitiva (prova) poderá servir para todas as fases
processuais, evitando que a criança tenha que falar muito tempo depois.

A seguir, através de fluxograma exemplo32, apresentamos o caminho percorrido


nas diversas situações envolvendo a criança e o adolescente em situação de violência
sexual.

32
Publicado por WCF/Brasil- Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da
Infância e Juventude.

68
Direito ao Desenvolvimento
Sexual
Criança e/ou adolescente
em situação de abuso
Abuso sexual intrafamiliar contra sexual
criança e/ou adolescente praticado por adulto

Não Sim
Houve flagrante?

CIDADÃO(Ã),
PAIS E/OU CRIANÇA E/OU
PROFISSIONAL ou
RESPONSÁVEL ADOLESCENTE
INSTITUIÇÃO
Suspeitar do abuso Revelar o abuso
Suspeitar do abuso

Se houver necessidade de
PAIS E/OU atendimento médico de
RESPONSÁVEL urgência encaminhar
Levar para atendimento imediatamente para pronto
especializado no Sistema socorro médico ou posto de
de Saúde e SUAS CRIANÇA OU ADOLESCENTE, saúde
(Creas) CIDADÃO(Ã), AGENTE
PÚBLICO, PROFISSIONAL ou
Art. 87, III (ECA) INSTITUIÇÃO
CIDADÃO/AGENTE
Estabelecimento PÚBLICO Encaminhar para o serviço de
Notificar aos Conselhos atendimento especializado do
PROGRAMA de Diretrizes e Estadual e Municipal dos
ESPECIALIZADO DE Monitoramento SUAS (Creas) e SUS e
Direito da Criança e
ATENDIMENTO Adolescente comunicar ao Conselho Tutelar
Comunicar ao Conselho
Tutelar para
Art. 13 e 245 (ECA)
acompanhamento e
verificar a necessidade de CIDADÃO/AGENTE Se NÃO houver CIDADÃO/AGENTE
atendimento por PÚBLICO Conselho Tutelar ou se
programa social
Defesa de Direitos PÚBLICO Estabeleciment
Comunicar/Representar suas condições de Notificar aos Conselhos
Coletivos ao Ministério Público e/ou funcionamento são o de Diretrizes e
Estadual e Municipal do
Defensoria Pública inadequadas Direito da Criança e Monitoramento
Art. 88, II (ECA) Adolescente
Res. 75/01 (Conanda)
CRIANÇA OU
ADOLESCENTE, Se não houver
CIDADÃO(Ã), AGENTE CONSELHO CIDADÃO/AGENTE
PÚBLICO Defesa de
PÚBLICO, TUTELAR serviço de
PROFISSIONAL ou Requisitar serviço de Comunicar/Representar Direitos
INSTITUIÇÃO atendimento ao Ministério Público e/ou
Comunicar à Vara da atendimento especializado Coletivos
Infância e Juventude CREAS ou SUS especializado Defensoria Pública

Art. 262 ECA Art. 87, III (ECA)

CONSELHO TUTELAR
Requisitar serviço de
atendimento especializado
no município de referência
CREAS, SERVIÇO garantido o transporte
ESPECIALIZADO DE
ATENDIMENTO DO SUS
com o CONSELHO
TUTELAR
Avaliar a situação

Não Há efetivamente
Sim
indícios de abuso?
CONSELHO
SUAS (CREAS), TUTELAR
SUS E CONSELHO Encaminhar para
Assistência TUTELAR a Delegacia de
Jurídico M
Social Avaliar os motivos
Polícia
de suspeita

Educação Saúde CONSELHO TUTELAR


Requisitar atendimento à
criança e/ou
adolescente, pais e/ou
responsável e
Habitação Segurança suposto(a) abusador(a)
Art. 101 e 136 (ECA)

Trabalho
Garantido o direito à
proteção contra o 2 3
abuso sexual

69
01/06 15/11/2008 Instituto WCF/Brasil Associação Brasileira de Magistrados, Promotores Justiça e
Defensores Públicos da Infância e da Juventude
70
Com a revelação do abuso, o caminho a ser trilhado por essa vítima e, por
consequência, por sua família, é em direção à notificação do fato ocorrido, o que, em
sua grande maioria, perpassa o Conselho Tutelar, a Delegacia de Polícia, dentre outros.
Profissionais de diferentes áreas são acionados, de forma que suas intervenções são
direcionadas com o objetivo de proteção à vítima e de responsabilização do abusador.

2. Rede de atendimento.

Para uma efetiva proteção da criança e/ou adolescente vítima de violência


sexual, é imprescindível existir uma REDE articulada para atender a todas as
necessidades da família, considerando a complexidade do fenômeno da violência
intrafamiliar. Nesse sentido, a rede que se pretende nesse atendimento é a rede de
proteção que, conforme definiu o Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência
Sexual contra Crianças e Adolescentes, permite que novos parceiros se agreguem, tais
como instituições governamentais e não governamentais e a sociedade civil, ampliando
o espectro inicial de instituições e, portanto, de alternativas de intervenção,
considerando o princípio da Doutrina da Proteção Integral.

A rede, portanto, envolve um conjunto de ações integradas que compreendem os


três eixos do Sistema de Garantia de Direitos. Do eixo promoção, caracterizado pelos
serviços oferecidos à população, encontramos o atendimento oferecido pela Assistência
Social, Saúde, Educação, o Serviço de Atendimento Socioeducativo e o Serviço de
Acolhimento Institucional. Do eixo defesa, orientado pela garantia do acesso à Justiça,
as instituições são o Conselho Tutelar, a Segurança Pública, a Defensoria Pública, a
Justiça, o Ministério Público, a Ouvidoria e os Centros de Defesa. Por fim, o eixo
controle, que abarca a vigilância das ações públicas de promoção e defesa dos direitos
da criança e do adolescente que se efetivam por meio dos Conselhos de Direitos,
Conselhos Setoriais e Tribunais de Contas.

Para tanto, está previsto que a rede de atendimento deve:

 Dar visibilidade à violência praticada contra a criança e o adolescente, de forma


a estimular a notificação do caso;

 Dispor de profissionais capacitados acerca de temas sobre violência, de forma a


desenvolver trabalho integrado;

71
 Oferecer atendimento necessário às vítimas, aos autores da violência e às
famílias, de forma a contribuir com o rompimento do ciclo de violência, bem
como amenizar as sequelas dela resultantes.

 Atuar no monitoramento e acompanhamento dos casos, de forma a contribuir


para a diminuição da reincidência da violência.

 Propor ações voltadas para a prevenção da violência, fomentando a participação


da sociedade.

Nesse sentido, observa-se que, não raras vezes, os profissionais que estão na
ponta desses fluxos, inseridos na rede de proteção, necessitam estar devidamente
capacitados, de modo que o atendimento não se torne falho, acabando, por vezes, por
revitimizar a vítima.

2.1 Aspectos jurídicos de proteção da criança ou adolescente.

O presente tópico tem em mira a análise dos dispositivos legais que tipificam a
ação do agressor e a omissão dos profissionais ou responsáveis por estabelecimento de
atenção à saúde.

Da Prática de Sexo Vaginal, Anal ou outro ato libidinoso

Estupro

Art. 213 do CP. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é


menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2o Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Estupro de vulnerável

Art. 217-A do CP. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 (catorze) anos:

72
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4o Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de


vulnerável

Art. 218-B do CP. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de


exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la,
impedir ou dificultar que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

§ 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se


também multa.

§ 2o Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor
de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste
artigo;

Aumento de pena

Art. 226 do CP. A pena é aumentada:

I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais


pessoas;

II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão,


cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por
qualquer outro título tem autoridade sobre ela;

Os dispositivos foram trazidos para uma análise conjunta da legislação, na qual


se pode inferir, resumidamente, que:

O sexo vaginal, anal ou outro ato libidinoso praticado com menor de 14 anos é
punido com pena mínima de 8 anos, ainda que praticado sem qualquer tipo de
violência ou grave ameaça. O menor de 14 anos foi considerado absolutamente

73
incapaz de consentir com o ato sexual (art. 217-A do Código Penal) e recebeu expressa
proteção do ordenamento jurídico pátrio.

O sexo vaginal, anal ou outro ato libidinoso praticado com maior de 14 anos e
menor de 18 anos só é punível se praticado com violência ou grave ameaça,
conforme se verifica pelo disposto no art. 213, §1º, do Código Penal, ou em situação de
exploração sexual ou prostituição (art. 218 B do Código Penal).

É importante notar que o consentimento de menores de 14 anos para qualquer


prática sexual é nulo. O menino ou a menina de 12/13 anos, ainda que tenha experiência
sexual anterior, mesmo que tenha consentido com qualquer ato sexual, é vítima. O
Código Penal considera-o vulnerável. Quem pratica sexo anal, sexo vaginal ou sexo oral
com menores de 14 anos (0 a 13 anos), mesmo com o consentimento desses, é sujeito
ativo do crime de estupro de vulnerável e está sujeito à pena mínima de 8 (oito) anos,
que será aumentada da metade se o agente for ascendente, padrasto, madrasta, tio,
irmão, tutor, curador, preceptor ou alguém que, por qualquer outro título, tenha
autoridade sobre ela (art. 226, II, do Código Penal). Note-se que é muito comum o
crime contra crianças ser praticado no ambiente familiar, seja pelo pai, padrasto, tio,
irmão mais velho...

O novo dispositivo legal (art. 217-A do CP) sepultou a antiga discussão quanto à
presunção absoluta ou relativa da violência, aduzindo expressamente que o sujeito
passivo do crime é o menor de 14 anos, independentemente de sua percepção de vida ou
de seu comportamento.

Aliás, é importante ressaltar que a Lei 12.015/2009 deixou de tutelar os


“costumes”, algo que refletia a ideia de moral, para tutelar a dignidade sexual. O bem
jurídico protegido é a dignidade humana e a repulsa à coisificação do ser humano, que
não pode ser tratado como objeto de satisfação de outrem, subjugado aos seus
caprichos e violentado em seu corpo.

Quando se trata de menor de 18 anos, a ação é pública incondicionada (art.


225, parágrafo único, do Código Penal).

A prescrição dos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes,


com a alteração imposta pela Lei 12.650, de 2012, começa a correr da data em que a
vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se, a esse tempo, já houver sido proposta ação
penal (art. 111, inciso V, do Código Penal).

74
Outros tipos de abuso e exploração sexual.

Assédio sexual

Art. 216-A do CP. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou


favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico
ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função."

Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito)


anos.

Corrupção de menores

Art. 218 do CP. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a


lascívia de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

Art. 218-A do CP. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos,


ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer
lascívia própria ou de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de


vulnerável

Art. 218-B do CP. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de


exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la,
impedir ou dificultar que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

§ 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se


também multa.

§ 2o Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de
18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

75
II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as
práticas referidas no caput deste artigo.

Mediação para servir a lascívia de outrem

Art. 227 do CP. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:

Pena - reclusão, de um a três anos.

§ 1o Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o


agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador
ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:

Pena - reclusão, de dois a cinco anos.

§ 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.

§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

Rufianismo

Art. 230 do CP. Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de


seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1o Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o


crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,
companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem
assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 2o Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro


meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à


violência.

Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual

Art. 231 do CP. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém


que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída
de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

76
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa
traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou
alojá-la.

§ 2o A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário


discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,


companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por
lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se


também multa.

Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual

Art. 231-A do CP. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do


território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a


pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la,
transferi-la ou alojá-la.

§ 2o A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário


discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,


companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por
lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se


também multa.

77
Art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Produzir, reproduzir, dirigir,
fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou
pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1o Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de


qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas
referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.

§ 2o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime:

I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;

II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade;


ou

III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o


terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou
de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu
consentimento.

Art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Vender ou expor à venda


fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente. Oferecer, trocar,


disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive
por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro
que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou


imagens de que trata o caput deste artigo;

II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às


fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.

§ 2o As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1o deste artigo são puníveis


quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de
desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo.

78
Art. 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente. Adquirir, possuir ou
armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha
cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1o A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o


material a que se refere o caput deste artigo.

§ 2o Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar


às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-
A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por:

I – agente público no exercício de suas funções;

II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades


institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos
crimes referidos neste parágrafo;

III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou


serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material
relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder
Judiciário.

§ 3o As pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão manter sob sigilo o material


ilícito referido.

Art. 241-C do Estatuto da Criança e do Adolescente. Simular a participação de


criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de
adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de
representação visual:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda,
disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou
armazena o material produzido na forma do caput deste artigo.

Art. 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente. Aliciar, assediar, instigar ou


constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar
ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo


explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;

79
II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir
criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.

Art. 241-E do Estatuto da Criança e do Adolescente. Para efeito dos crimes


previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende
qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas,
reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente
para fins primordialmente sexuais.

Art. 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente. Submeter criança ou


adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à
exploração sexual:

Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa.

§ 1o Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo


local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no
caput deste artigo.

§ 2o Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização


e de funcionamento do estabelecimento.

Art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente. Corromper ou facilitar a


corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou
induzindo-o a praticá-la:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1o Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali
tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da
internet.

§ 2o As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso


de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1o da Lei no 8.072, de 25
de julho de 1990.

O bem jurídico tutelado, em todos os dispositivos citados, não tem o objetivo de


interiorização, pela juventude, de certos valores morais da conduta sexual, mas sim a
proteção contra estímulos inadequados à sua fase de crescimento, com repúdio à
exploração sexual.

Importante ressaltar que a política de atendimento aos direitos da criança e do


adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-
governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (art. 86 do
ECA).

80
E são linhas de ação da política de atendimento o oferecimento, pelo Poder
Público, de serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às
vítimas de negligência, maus tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão (art. 87, III
do ECA).

Anote-se que é obrigação dos estabelecimentos de saúde e educação comunicar,


à autoridade competente, a suspeita de ocorrência de abuso sexual (espécie de maus
tratos) praticado contra crianças e adolescentes, sob pena da prática da infração
administrativa prevista no art. 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assim
dispõe:

Art. 245 do ECA. Deixar o médico, professor ou responsável por


estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou
creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha
conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra
criança ou adolescente: Pena - multa de três a vinte salários de referência,
aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Além da comunicação, a recente Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013,


determina que os hospitais ofereçam às vitimas de violência sexual atendimento
emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos
agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, com o encaminhamento, se
for o caso, aos serviços de assistência social.

Segundo a referida Lei, o atendimento imediato, obrigatório em todos os


hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços:

I - diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais


áreas afetadas;
II - amparo médico, psicológico e social imediatos;
III - facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina
legal e às delegacias especializadas com informações que possam ser úteis à
identificação do agressor e à comprovação da violência sexual;
IV - profilaxia da gravidez;
V - profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis − DSTs;
VI - coleta de material para realização do exame de HIV para posterior
acompanhamento e terapia;

81
VII - fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre
todos os serviços sanitários disponíveis.

No tratamento das lesões, caberá ao médico preservar materiais que possam ser
coletados no exame médico legal, cabendo ao órgão de medicina legal o exame de DNA
para identificação do agressor, sempre que possível, e no caso de a criança ou
adolescente ter sido atendido há menos de 72 (setenta e duas) horas do abuso sexual.

O Decreto Presidencial nº 7.958, de 13 de março de 2013, por sua vez,


estabelece diretrizes para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual
pelos profissionais da área de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema
Único de Saúde – SUS e traça as competências do Ministério da Justiça e do Ministério
da Saúde para sua implementação, ressaltando que o atendimento às vítimas de
violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do
SUS observará as seguintes diretrizes:

I - acolhimento em serviços de referência;


II - atendimento humanizado, observados os princípios do respeito à dignidade da
pessoa, da não discriminação, do sigilo e da privacidade;
III - disponibilização de espaço de escuta qualificado e privacidade durante o
atendimento, para propiciar ambiente de confiança e respeito à vítima;

O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais da rede do SUS


compreenderá os seguintes procedimentos:

I - acolhimento, anamnese e realização de exames clínicos e laboratoriais;

II - preenchimento de prontuário com as seguintes informações:

a) data e hora do atendimento;

b) história clínica detalhada, com dados sobre a violência sofrida;

c) exame físico completo, inclusive o exame ginecológico, se for necessário;

d) descrição minuciosa das lesões, com indicação da temporalidade e localização


específica;

e) descrição minuciosa de vestígios e de outros achados no exame; e

f) identificação dos profissionais que atenderam a vítima;

III - preenchimento do Termo de Relato Circunstanciado e Termo de Consentimento


Informado, assinado pela vítima ou responsável legal;

82
IV - coleta de vestígios para, assegurada a cadeia de custódia, encaminhamento à
perícia oficial, com a cópia do Termo de Consentimento Informado;
V - assistência farmacêutica e de outros insumos e acompanhamento multiprofissional,
de acordo com a necessidade;
VI - preenchimento da Ficha de Notificação Compulsória de violência doméstica,
sexual e outras violências; e
VII - orientação à vítima ou ao seu responsável a respeito de seus direitos e sobre a
existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência sexual.

Insta ressaltar que a rede de atendimento do SUS deve garantir a idoneidade e o


rastreamento dos vestígios coletados.

A Portaria nº 528 do Ministério da Saúde, de 1º de abril de 2013, que define


regras para habilitação e funcionamento dos Serviços de Atenção Integral às Pessoas em
Situação de Violência Sexual no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) dispõe que
os Serviços de Atenção Integral à Saúde de Crianças e Atenção Integral à Saúde de
Adolescentes em Situação de Violência Sexual são compostos por estabelecimentos de
saúde que oferecem condições técnicas, ambiência e equipe multidisciplinar adequada
ao atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, tais como
unidades de atenção básica em saúde, serviços de urgências e emergências gerais,
UPA 24h, ambulatórios de especialidades clínicas, hospitais gerais e pediátricos.

Compete aos estabelecimentos de saúde que compõem os Serviços de Atenção


Integral à Saúde de Crianças e Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em Situação
de Violência Sexual realizar, em favor de crianças e adolescentes vítimas de violência
sexual:
I - acolhimento;
II - atendimento;
III - notificação compulsória institucionalizada;
IV - dispensação e administração de medicamentos para profilaxias indicadas
conforme as normas, regras e diretrizes técnicas do Ministério da Saúde;
V - referência laboratorial para exames necessários;
VI - referência para coleta de vestígios de violência sexual; e
VII - direcionamento, na rede do SUS, para acompanhamento psicossocial e
interface com estabelecimentos de referência, definidos na região de saúde.

Os estabelecimentos de saúde que compõem o Serviço de Atenção Integral à


Saúde de Pessoas em Situação de Violência Sexual, consoante determina a Portaria 528

83
do Ministério da Saúde, constituem portas de entrada do SUS e funcionarão, em
regime integral, 24 (vinte e quatro) horas por dia e nos 7 (sete) dias da semana,
sem interrupção da continuidade entre os turnos, sendo de competência do gestor
local de saúde a regulação do acesso aos leitos em casos de internação.

Os referidos estabelecimentos assegurarão a continuidade do cuidado e do


acompanhamento, incluindo-se a realização dos exames regulares, de acordo com os
protocolos clínicos em vigor.

A autoridade policial, assim que comunicada, deverá instaurar, de ofício, o


inquérito policial, para apurar o crime praticado, pois se trata de ação penal pública
incondicionada (vide art. 5º do Código de Processo Penal).

Quando o crime cometido deixa vestígios, é importante a realização do exame de


corpo de delito, na forma do art. 158 do Código de Processo Penal.

O ideal seria concentrar no próprio estabelecimento de saúde a perícia médico-


legal, bem como a escuta qualificada da vítima, evitando-se que tivesse que se deslocar
para uma Delegacia com a finalidade de fazer o registro da ocorrência criminal.

Nesse sentido, é muito importante uma atuação proativa do Ministério Público,


com vistas a instaurar inquérito civil público para tutela de direito difuso e coletivo,
com o objetivo de fiscalizar o cumprimento dos dispositivos legais acima mencionados
e a consequente estruturação da Rede de Atendimento.

3. Denúncia Criminal.

Como mencionado anteriormente, os crimes sexuais praticados contra menores


de 18 anos são crimes de ação penal pública incondicionada (art. 225, parágrafo único,
do Código Penal).

Dessa forma, a ação penal será promovida por denúncia do Ministério Público
(art. 24 do Código de Processo Penal). Assim, desde a reforma penal de 2009 (Lei
12.015), sendo a ação penal pública incondicionada, não se faz mais necessária a
representação do ofendido ou de sua família. Havendo suporte probatório mínimo para
lastrear a acusação penal (justa causa), em virtude do princípio da obrigatoriedade, deve
o Ministério Público promover a ação penal pública, que se inicia por meio da denúncia
criminal.

84
É importante para a propositura da ação penal verificar a existência desse
suporte probatório mínimo, ou seja, se há indícios suficientes de autoria e a existência
material da conduta típica, antijurídica e culpável. Conforme ensina Afrânio Silva
Jardim, “torna-se necessário ao regular exercício da ação penal a demonstração, prima
facie, de que a acusação não é temerária ou leviana, por isso que lastreada em um
mínimo de prova”.33

Tendo em vista que a simples instauração de um processo penal já atinge o


chamado status dignitatis do imputado, nas palavras de Renato Brasileiro de Lima,
“não se pode admitir a instauração de processos levianos, temerários, desprovidos de
um lastro mínimo de elementos de informação, provas cautelares, antecipadas ou não
repetíveis, que dê arrimo à acusação”.34

Não havendo justa causa (falta de suporte probatório suficiente para o início do
processo penal), deverá o juiz rejeitar a denúncia, com base no art. 395, III, do CPP,
hipótese na qual a decisão fará apenas coisa julgada formal. Logo, surgindo novos
elementos probatórios, nova peça acusatória poderá ser oferecida enquanto não extinta a
punibilidade. Todavia, iniciado o processo, não se pode admitir que o juiz determine sua
extinção sem a apreciação do mérito, por ausência de justa causa. Nesse caso, cabe ao
juiz proferir sentença de mérito absolvendo o acusado, com fundamento no art. 386,
incisos I, II, IV, V, VI ou VII, hipótese em que a decisão estará protegida pelo manto da
coisa julgada formal e material.

Assim, a rede de atendimento e proteção de crianças deve estar bem articulada


para, constatada a violência, zelar para que as provas do delito não se percam e possam
subsidiar a denúncia criminal.

Nesse sentido, importante relembrar a mencionada Lei nº 12.845/2013, que


dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência
sexual, determinando aos hospitais o dever de colher as informações que possam ser
úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual, bem como
preservar materiais que possam ser coletados no exame médico-legal.

Além das provas materiais, ainda que recomendável a realização de pedido de


antecipação de provas, previsto no art. 156, I do CPP, para a escuta da criança em Juízo,
sob o crivo do contraditório, uma avaliação psicológica da criança, com status de

33
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 97.
34
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013, p.172.

85
perícia psíquica, que conclua ter ocorrido a violência sexual sofrida é suficiente para a
propositura da ação penal. Não raro, essa avaliação psicológica, aliada a outros
elementos, é suficiente para embasar uma condenação criminal.

Por seu turno, a escuta da criança por intermédio do método do depoimento


especial em Juízo pode ser realizada antes da denúncia criminal, por meio de pedido de
antecipação de provas, ou após a denúncia criminal, durante o curso da ação penal.
Neste último caso, deve constar da própria denúncia criminal o pedido de oitiva da
criança.

Se, por acaso, o Ministério Público não propuser o pedido de antecipação de


provas ou a denúncia criminal no prazo legal (vide prazos no art. 46 do CPP), será
admitida ação privada (queixa proposta pelo ofendido), cabendo ao Ministério Público o
dever de zelar pela regularidade da ação penal. Nesse sentido, o Ministério Público pode
aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos
do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de
negligência do querelante, retomar a ação como parte principal (art. 29 do CPP).

A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas


circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa
identificá-lo, a classificação do crime e, via de regra, o rol das testemunhas. Importante
notar que o réu se defende dos fatos narrados e não da capitulação do crime. A sentença
deve guardar consonância com o fato delituoso descrito na denúncia ou queixa, podendo
o Magistrado atribuir-lhe definição jurídica diversa, de acordo com o art. 383 do CPP.

Por sua vez, insta ressaltar que, com a nova redação do art. 387, IV, do CPP (Lei
12.736/12), o juiz, ao proferir sentença condenatória, fixará valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo
ofendido. Assim, além dos requisitos previstos pelo art. 41 do CPP, deve constar, na
denúncia ou queixa, o pedido de condenação do acusado nos danos mínimos (morais e
materiais) causados pelo delito, com vistas a garantir o contraditório e possibilitar a
aplicabilidade do art. 387, IV, do CPP.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça frisa a necessidade de pedido


expresso pelo ofendido ou pelo Ministério Público, conforme decisões abaixo:

86
“DIREITO PROCESSUAL PENAL. REPARAÇÃO CIVIL DOS DANOS
DECORRENTES DE CRIME.
Para que seja fixado na sentença valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração, com base no art. 387, IV, do CPP, é necessário pedido expresso do ofendido
ou do Ministério Público e a concessão de oportunidade de exercício do contraditório
pelo réu. Precedentes citados: REsp 1.248.490-RS, Quinta Turma, DJe 21/5/2012; e
Resp 1.185.542-RS, Quinta Turma, DJe de 16/5/2011. REsp 1.193.083-RS, Rel. Min.
Laurita Vaz, julgado em 20/08/2013, DJe 27/8/2013”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. INFORMATIVO 528 de 23 de outubro de 2013 – QUINTA TURMA).

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL


PENAL. ROUBO MAJORADO. ARTS. 226 E 228 DO CPP. REPARAÇÃO CIVIL
MÍNIMA. ART. 387, IV, DO CPP. PEDIDO DO OFENDIDO OU DO ÓRGÃO
MINISTERIAL. LEGALIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO PLEITEOU A FIXAÇÃO
DE VALOR PARA A REPARAÇÃO DO DANO NA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE.
RESPEITADA A OPORTUNIDADE DE DEFESA AO RÉU. REVOLVIMENTO
FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 83/STJ. 1. A mais significativa inovação
legislativa introduzida pela Lei n. 11.719/2008, que alterou a redação do inciso IV do
art. 387 do Código de Processo Penal, possibilitou que na sentença fosse fixado valor
mínimo para a reparação dos prejuízos sofridos pelo ofendido em razão da infração, a
contemplar, portanto, norma de direito material mais rigorosa ao réu. 2. Para que seja
fixado na sentença o início da reparação civil, com base no art. 387, IV, do Código de
Processo Penal, deve haver pedido expresso do ofendido ou do Ministério Público e ser
possibilitado o contraditório ao réu, sob pena de violação do princípio da ampla defesa.
3. O acórdão a quo considerou suficientes as provas acerca da identificação dos
acusados e determinou, fundamentadamente, a autoria da conduta delituosa. A alteração
de tal entendimento implica revolvimento fático-probatório, a atrair a incidência da
Súmula 7/STJ. 4. Incidência da Súmula 83/STJ. 5. O agravo regimental não merece
prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o
entendimento assentado na decisão agravada. 6. Agravo regimental improvido.”
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental em Recurso Especial.
1383261/DF. 2013/0163456-0. Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior. Sexta Turma. Data
do Julgamento 17/10/2013. Data da Publicação 14/11/2013).

4. Indenização na esfera criminal (art. 387, IV do CPP).

O dever de indenizar a vítima, previsto na Reforma do Código de Processo Penal


de 2008 (Lei nº 11.719), está sendo timidamente aplicado. Tal indenização deve ser
analisada de forma holística, dentro do sistema legal como um todo.

Consta do art. 91, inciso I do Código Penal:


“Art. 91. São efeitos da condenação:
I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;”

Em complemento, consta da Lei de Execução Penal (Lei 7210, de 11/07/1984):

“Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não
podendo ser inferior a três quartos do salário-mínimo.
§1º O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

87
a-) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados
judicialmente e não reparados por outros meios;
(...)
d-) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do
condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas
letras anteriores;
Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na
medida de suas aptidões e capacidade.
Art. 39. Constituem deveres do condenado:
(...)
V – execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;
(...)
VII – indenização à vítima ou aos seus sucessores;
VIII – indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a
sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho;”

O art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei
11.719, de 20 de junho de 2008, estabelece que:

“Art. 387. O juiz, ao proferir a sentença condenatória:


(...)
IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os danos sofridos pelo ofendido;”

Verifica-se, pela interpretação sistemática dos artigos mencionados acima, que o


art. 387 dá exequibilidade a deveres já expressamente previstos no Código Penal35 e na
Lei de Execução Penal, a fim de que o dever de indenizar conste expressamente da
sentença criminal, com vistas a sua correta aplicação durante a execução da pena.

35
APELAÇÃO - Condenação - Atentado violento ao pudor em face de enteada menor. Recurso da defesa pugnando a
absolvição, sob o argumento da precariedade da prova. Subsidiariamente, persegue a reforma do regime prisional e a
retirada ou redução da indenização fixada a título de danos morais. Preambularmente, cumpre destacar a
inaplicabilidade das alterações trazidas pela lei 12.015/09, ao caso em apreço, uma vez que o quantum da pena não
foi alterado ao tipo penal em questão, malgrado alteração de sua nomenclatura jurídica, agora, estupro, bem como em
razão da nova figura típica disciplinada no artigo 217-A prever pena superior à prevista no antigo artigo 214, ambos
do Código Penal, traduzindo-se a novel legislação em mais gravosa ao apelante, pelo que se devem manter as normas
legais atinentes ao tema anteriores à reforma. Declarações da vítima, bem como depoimentos de outra testemunha,
sua mãe, em juízo, formando conjunto probatório seguro. A palavra da vítima merece total credibilidade, não tendo a
defesa conseguido fortalecer tese abraçada por seu defendente, que restou dissociada do restante do conjunto
probatório. Regime prisional fechado que se mostra consentâneo com a natureza do delito, destacando-se o
entendimento do STF, no sentido de que o estupro e o atentado violento ao pudor, mesmo nas suas formas básicas, ou
seja, em que não há lesão corporal de natureza grave ou morte, constituem crimes hediondos, nos termos do artigo 1º,
inciso V e VI, da Lei nº 8.072/90. A determinação de fixação de valor mínimo a ser pago à vítima a título de
reparação instituída pela lei 11.719/08 encontra aplicação nos crimes cometidos antes de sua vigência, por tratar-se de
norma de cunho processual. Tema que já era objeto do ordenamento, pois, nos termos do artigo 91, inciso I, do
Estatuto Repressivo, a sentença penal condenatória, transitada em julgado, possui, como um dos seus efeitos
genéricos, tornar certa a obrigação do agente criminoso de indenizar o dano causado pelo crime, traduzindo
verdadeiro título executivo judicial, tendo-se da lei superveniente que a mesma apenas visa afastar o penoso caminho
da liquidação da sentença penal condenatória, permitindo ao magistrado, ao fixar o quantum da indenização, tornar a
obrigação líquida, possibilitando-se à vítima, desde logo, fazer cumprir a decisão no juízo cível. Quantum arbitrado
que se mostra desproporcional especialmente em face da condição econômica do apelante, devendo, pois, ser
reduzida. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. Apelação
2009.050.04749. 8ª Câmara Criminal. Rel. Des. DENISE ROLINS LOURENCO Julgamento 15/10/2009).

88
Não se trata de uma nova regra de direito penal, embora haja entendimento nesse
sentido36, mas sim de regra processual, requisito da sentença, aplicável imediatamente37,

36
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. O primeiro Apelante restou condenado como incurso
nas sanções previstas no artigo 158, §1º, do Código Penal, enquanto o segundo Apelante o foi naquelas previstas no
artigo 158, §1º, e artigo 157, §2º, I e II, na forma do artigo 69, todos do Código Penal. Foram interpostos recursos de
apelação, em petições independentes para cada um dos denunciados. A defesa técnica do Apelante Reginaldo
pretende o afastamento da causa especial de aumento de pena referente ao emprego de arma de fogo, assim como a
declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo 387, IV, do CPP, para afastar a fixação do valor da reparação
do dano na sentença criminal. O Apelante Eduardo, a seu turno, através de sua defesa técnica, pretende,
preliminarmente, a nulidade da sentença, ao argumento de que o juízo seria incompetente, assim como por suposta
não observância do rito processual estabelecido na lei de regência. No mérito, pugna pela absolvição por atipicidade
da conduta ou por fragilidade probatória e, alternativamente, pretende o afastamento da causa especial de aumento
relativa ao concurso de pessoas e a fixação do regime semiaberto. Cuida a hipótese de dois crimes de roubo ocorridos
em Parada de Lucas, Rio de Janeiro e um crime de extorsão praticado na cidade de Belford Roxo, e assim, sendo as
penas previstas para ambos os crimes idênticas, não merece prosperar a preliminar de incompetência do juízo, na
medida em que, a teor do que dispõe o artigo 78, II, "b", do Código de Processo Penal, prevalecerá como competente
o juízo ao qual couber o julgamento do crime em que houver o maior número de infrações que, no caso concreto, é o
da Comarca da Capital. Também resta rejeitada a preliminar que pretende a nulidade da sentença por alegada
inobservância ao rito processual, na medida em que o douto Juiz sentenciante apenas corrigiu a tipificação jurídica
diante de um erro material ocorrido na capitulação dos fatos narrados na denúncia, sendo a hipótese de emendatio
libelli e, não, de mutatio libelli. Ao contrário do sustentado na denúncia, no sentido de que os Apelantes teriam
exigido da vítima certa quantia em dinheiro para a devolução de seu veículo, tipo Kombi, que foi objeto de crime de
roubo praticado no dia anterior, o conjunto probatório demonstrou que a iniciativa de entrar em contato com os
Apelantes para "negociar" a devolução do referido automóvel partiu da própria vítima, o que, a toda evidência, faz
com que inexista a violência ou a grave ameaça caracterizadora do crime de extorsão, sendo, portanto, atípicas as
condutas dos Apelantes. A não apreensão da arma de fogo não impede o reconhecimento da causa de aumento
correspondente, prevista no crime de roubo, sendo suficiente o fato de a vítima, quando ouvida em sede judicial (fls.
141/142), ter declarado que o segundo Apelante portava arma de fogo. Resta afastada a imposição de reparação dos
danos fixada na sentença, posto que a regra trazida pela Lei n° 11.719/08, que introduziu o parágrafo único do artigo
63 do Código de Processo Penal, tem natureza preponderantemente penal e só entrou em vigor 60 dias após sua
publicação, que se deu em 23.06.08, sendo, portanto, posterior ao fato em apuração. RECURSOS CONHECIDOS,
REJEITANDO-SE AS PRELIMINARES. NO MÉRITO, DÁ-SE INTEGRAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO
APELO E PARCIAL AO SEGUNDO PARA, NA FORMA DO ARTIGO 386, III, DO CPP, ABSOLVER OS
APELANTES QUANTO À IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 158, §1º DO CP,
ASSIM COMO PARA AFASTAR A IMPOSIÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS EM RELAÇÃO AO
SEGUNDO APELANTE, MANTIDA, NO MAIS, A DOUTA SENTENÇA. EXPEÇA-SE ALVARÁ DE
SOLTURA CLAUSULADO EM FAVOR DE REGINALDO CASTELO BRANCO FERREIRA. (TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 7ª Câmara Criminal. Apelação 0079924-77.2008.8.19.0001 (2009.050.03930) –
APELACAO. Rel. Des. MAURILIO PASSOS BRAGA - Julgamento: 29/09/2009).
37
Apelação. Art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal. Recurso defensivo com alegação de insuficiência de prova, e
pedido de absolvição e, subsidiariamente, de afastamento das causas de aumento do emprego de arma, por não ter
havido a apreensão da arma utilizada, e do concurso de agentes, por não ter sido provado; de redução da pena base
aplicada e adequação da pena de multa; de redução do quantum de majoração em razão das duas causas de aumento;
de fixação de regime prisional menos gravoso; e de afastamento da obrigação de indenizar. As declarações do
ofendido, desde que coerentes e firmes, são admitidas como elemento de convicção, em sede penal, principalmente
em crime contra o patrimônio, praticado, na maioria das vezes, sem a presença de testemunhas. Palavra da vítima e
prova testemunhal firmes, seguras, que dão certeza da autoria e das causas de aumento. A ausência de apreensão e
perícia da arma não impede o reconhecimento da causa de aumento de pena do inciso I do § 2º do art. 157 do C.P. A
fixação da pena base acima do mínimo está fundamentada na má conduta social e personalidade distorcida do
Apelante, que responde a diversos inquéritos policiais e ações penais, e está correta. Pena de multa fixada muito
acima do mínimo legal que é corrigida. Se estão presentes duas causas de aumento de pena, o aumento de pena de 3/8
(três oitavos) é o mais adequado. Sendo o crime de roubo com duas causas de aumento de pena e as circunstâncias
judiciais desfavoráveis, o regime prisional mais adequado é o inicialmente fechado. A obrigação de indenizar pelo
dano causado pelo crime é efeito da sentença condenatória. Art. 91, I do Código Penal. O art. 387, IV do Código de
Processo Penal determina apenas a fixação de valor mínimo para a indenização, sem prejuízo da liquidação para a
apuração do dano efetivamente sofrido, podendo o Apelante discutir o restante do valor no juízo cível. Recurso
parcialmente provido. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 8ª Câmara Criminal. Apelação
2009.050.02437. Rel. Des. ANGELO MOREIRA GLIOCHE - Julgamento: 19/08/2009).
APELAÇÃO - Condenação por crime de atentado ao pudor. Recurso do Ministério Público requerendo o
reconhecimento de continuidade delitiva e o caráter hediondo do delito. Apelação da defesa postulando a absolvição
e, subsidiariamente, que a pena-base seja fixada no piso legal e que a indenização a título de danos morais seja
reduzida. A palavra da vítima merece total credibilidade, não tendo, a defesa, conseguido comprovar a tese abraçada
por seu defendente, que restou dissociada do restante do conjunto probatório. Episódio criminoso que consistiu em
coação da moça a praticar com o segundo apelante felação e coito anal, atos estes cometidos no mesmo contexto de

89
que vem aperfeiçoar o sistema penal, dando efetividade ao art. 91, I, do Código Penal,
possibilitando a correta execução da sentença criminal no sistema penitenciário, para
fins do cumprimento do trabalho do preso e ressarcimento da vítima (art. 29, §1º, “a” e
art. 39 VII da LEP).
Note-se que o art. 387, IV, do Código de Processo Penal apenas determina ao
Juiz que fixe os danos mínimos38, aqueles visualizados de pronto, como os danos
materiais evidentes e comprovados durante o decurso da ação penal39, assim como os
danos morais referentes aos crimes praticados com violência ou grave ameaça, eis que

ação, para atingir a um mesmo fim, satisfazer a lascívia do réu. Crime único. Sentenciado que revela personalidade
voltada à prática de delitos contra a liberdade sexual, ostentando antecedentes em desabono, nada menos do que treze
anotações, inclusive com decretos condenatórios, estando, em dois deles, alcançada a definitividade, tudo levando a
inferir-se que a fixação de uma punição mais branda não iria satisfazer os objetivos primordiais na sanção penal.
Correta, pois, a pena básica em sete anos de reclusão, majorada em fase seguinte, por força da reincidência. A
natureza hedionda do crime está explicitada pelo legislador, no artigo 1º, inciso VI, da Lei nº. 8072/90, sendo que a
mera omissão sanável por via própria não pode representar qualquer prejuízo para a etapa executória. Merece
retoque, somente, a sentença para reduzir o quantum fixado para pagamento de indenização à ofendida a títulos de
danos morais, tendo em vista que se trata de taxista. Recurso do Parquet improvido. Recurso defensivo parcialmente
provido. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 8ª Câmara Criminal. Apelação 2009.050.04885. Rel
Des. DENISE ROLINS LOURENCO - Julgamento: 14/09/2009).
38
APELAÇÃO - Art. 157 § 2º, I e II do CP - Pena de 06 anos, 03 meses e 18 dias de reclusão e 16 dias-multa, regime
fechado e, ainda, a ressarcir os danos causados ao lesado no valor de R$ 1.400,00. Apelante em comunhão de ações e
desígnios com outro elemento, mediante grave ameaça exercida com emprego de uma faca e pela simulação de
emprego de arma de fogo, subtraiu certa quantia em dinheiro, uma carteira de identidade, um cartão de crédito, um
aparelho de telefone celular e um contra cheque, pertencentes à vítima. - Impossível a absolvição: materialidade e
autoria plenamente demonstradas pelo conjunto probatório. - Negativa do fato que é justificável, já que interrogatório
é meio de defesa. - E em sede de crimes contra o patrimônio a palavra da vítima tem especial relevância para embasar
o decreto condenatório. A vítima foi clara e precisa ao apontar o ora apelante como autor do delito: afirmou que este
a ameaçou com uma faca, inclusive encostando-a em sua barriga e que ficou com a mão por baixo da blusa de forma
a simular que estaria também armado. - Dosimetria da pena que não merece reparo: fixação da pena-base em 04 anos
de reclusão de 10 dias-multa, aumentada de 06 meses de reclusão e 2 dias-multa, pela reincidência (FAC fls. 36
condenação por tráfico de drogas), passando a 04 anos e 06 meses de reclusão e 12 dias-multa, acrescida de 2/5, em
razão das duas circunstâncias especiais de aumento de pena, tornando-se definitiva em 06 anos, 03 meses e 18 dias de
reclusão e 16 dias-multa. - Improsperável a alegação de ser incabível a reparação patrimonial fixada ex-officio pelo I.
Juiz: a vítima deverá ser reparada pelos prejuízos sofridos e, de acordo com a nova redação dada ao art. 387, IV do
CPP pela Lei 11.719/08, o Juiz deve fixar um valor mínimo para essa reparação. - Trata-se, pois, tão-somente, de um
valor mínimo que se revele suficiente para recompor os prejuízos evidenciados de plano na ação penal. - Manutenção
da sentença. - IMPROVIMENTO do APELO DEFENSIVO. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 4ª
Câmara Criminal. Apelação 2009.050.03599. Rel. Des. GIZELDA LEITÃO TEIXEIRA. Julgamento 21/07/2009).
39
APELAÇÃO - Art. 155 caput c/c § 2º do CP Pena de 10 dias-multa. Fixado o valor de R$ 80,00 para reparação dos
danos causados. - Apelante de forma livre e consciente, adentrou no estabelecimento comercial e subtraiu quantia de
R$80,00 de propriedade da vítima. - Materialidade e autoria sobejamente demonstradas pelo conjunto probatório. -
Incabível a aplicação do princípio da insignificância: não foi pequena a lesão praticada contra o bem jurídico. - E no
ordenamento jurídico brasileiro o referido princípio não pode ser invocado para afastar a tipicidade. - Em matéria de
crime contra o patrimônio, o pequeno valor já foi contemplado pelo legislador ao prever a hipótese de furto
privilegiado. - Improsperável o pleito de reconhecimento do furto privilegiado: o I. Juiz na aplicação da pena
reconheceu que a coisa subtraída era de pequeno valor. Fixou a pena-base em 01 ano de reclusão e 10 dias-multa. Na
2ª fase ante a primariedade do réu e o pequeno valor da coisa furtada, aplicou somente a pena de multa, restando o
ora apelante condenado a 10 dias-multa. A seguir, fixou o valor de R$ 80,00 para reparação dos danos causados à
vítima. - No que tange à gratuidade de justiça, o pagamento das custas processuais é consectário legal da condenação
prevista no art. 804 do CPP, cabendo eventual apreciação quanto à impossibilidade ou não de seu pagamento ao Juízo
da Execução. - Quanto ao prequestionamento, não se vislumbra ofensa a dispositivos de leis: o apelante foi
legalmente processado e positivada a conduta delituosa, foi justamente condenado. - Manutenção da sentença. -
IMPROVIMENTO do APELO DEFENSIVO (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 4ª Câmara
Criminal. Apelação 2009.050.06039. Rel. Des. GISELDA LEITÃO TEIXEIRA. Julgamento 20/10/2009).

90
danos presumidos (qualquer roubo, sequestro, homicídio ou estupro causa dor,
sofrimento e humilhação)40.

A vítima poderá solicitar a execução ou complementação da indenização no


juízo cível (art. 63 do CPP), mas já estará resguardado o seu direito no âmbito criminal.

O Estado, por deter o monopólio do jus puniendi, obrigado a garantir o direito


humano à vida segura no seu território, elaborar políticas públicas que garantam o
direito à segurança, além de ser responsável por exigir do preso o trabalho para fins de
ressarcimento à vítima (art. 29, § 1º, a, da LEP), tem o dever de zelar pelo
ressarcimento da vítima em relação aos danos causados por crimes praticados,
sobretudo violentos. Trata-se de dever indisponível do Estado.

O condenado, assim, está obrigado a trabalhar para indenizar a vítima dos danos
sofridos. Conquanto seja disponível para a vítima (que poderá ou não promover a
execução no juízo cível, além de promover a liquidação para apuração dos danos
efetivamente sofridos, majorando o valor do ressarcimento), é um dever do Estado
exigir do preso o seu trabalho para o pagamento da indenização. A indenização
mínima tem um aspecto híbrido: é disponível para a vítima, que pode ou não exercer
esse direito, mas é indisponível sob a ótica do Estado, que tem o dever de exigir do
preso o trabalho e a obrigação de fazer o depósito do numerário destinado ao pagamento
dos danos devidos à vítima. A obrigação principal e prioritária do pagamento do
ressarcimento à vítima é do condenado, devendo o Estado responder subsidiariamente,
caso o condenado não cumpra o seu dever legal.
A fixação desse valor mínimo pode ser considerada efeito secundário da
sentença criminal e seu requisito, a partir da vigência da Lei nº 11.719, de 20 de junho

40
LESAO CORPORAL CONTRA EX-COMPANHEIRA (VIOLENCIA DOMESTICA). LEI MARIA DA PENHA.
ABSOLVICAO. IMPOSSIBILIDADE. SUFICIENCIA PROBATORIA. EM CRIMESQUE ENVOLVEM
VIOLENCIA DOMESTICA, A PALAVRA COERENTE DA VÍTIMA MERECE ESPECIAL RELEVANCIA,
MAXIME QUANDO EM HARMONIA COM O LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO - LESOES
CORPORAIS E COM A PROVA TESTEMUNHAL, A QUAL REVELA QUE AS AGRESSOES FISICAS
SOFRIDAS POR ELA OCORRERAM DENTRO DE RESIDENCIA, SEM TESTEMUNHAS OCULARES, DE
MOLDE QUE E INVIAVEL O PLEITO ABSOLUTORIO, COMO TAMBEM O DESCLASSIFICATORIO PARA
A CONDUTA DESCRITA NO ART. 129, CAPUT DO CODIGO PENAL, POIS PRESENTE A VIOLENCIA
DOMESTICA, ELEMENTO DO TIPO DO SEU ART. 129, § 9. 2 - REPARACAO DE DANOS. EFEITO DA
CONDENACAO. A REPARACAO DE DANO A VÍTIMA E UM DOS EFEITOS DA CONDENACAO,
SENDO INQUESTIONAVEL O PREJUIZO SOFRIDO POR ELA, MORMENTE MORAL, NOS CASOS DE
VIOLENCIA DOMESTICA. INTELIGENCIA DOS ARTS. 91, I, DO CODIGO PENAL, E 387, IV DO CODIGO
DE PROCESSO PENAL. APELACAO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS.
1ª CAMARA CRIMINAL. APELAÇÃO 36346-2/213. PROCESSO 200902085411/URUACU. Rel. Des.
LEANDRO CRISPIM. ACORDAO 21/07/2009. DJ 397 DE 13/08/2009).

91
de 2008,41 e o ideal é que o Parquet faça o pedido de indenização na denúncia
criminal42.

O ofendido, em acréscimo, deve ser comunicado do resultado da sentença, além


dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, e respectivos
acórdãos que a mantenham ou modifiquem, na forma do art. 201, § 2º, do Código de
Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.690, de 9 de junho de 2008. Nesse
sentido, interessante mencionar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em
Mandado de Segurança interposto pelo Ministério Público:

41
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2008.050.06896. APELANTE: ALEXANDRE FRANÇA DOS SANTOS.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICOCO-RÉU 1: ANTONIO CARLOS ATHAIDECO-RÉ 2: CARLA OLIVEIRA
DA SILVAORIGEM: JUÍZO DA 4ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE DUQUE DE CAXIAS - TRIBUNAL
DO JURI. RELATOR: DES. MARCUS QUARESMA FERRAZ. Tribunal do Júri. Artigo 121, § 2º, inciso IV e § 4º
(vítima maior de 60 anos de idade), artigo 155, § 4º e artigo 211, na forma do artigo 69, todos do Código Penal. Pena:
25 (vinte e cinco) anos de reclusão, regime inicialmente fechado, e 60 (sessenta) dias-multa no valor unitário mínimo
legal, e, com base no artigo 494, inciso I, alínea "d", c/c artigo 387, inciso IV, ambos do Código de Processo Penal, o
pagamento da quantia correspondente a 100 salários mínimos para reparação de danos causados pelas infrações.
Apelo defensivo: a) anulação do julgamento, sob alegação de que o reconhecimento da qualificadora manifestamente
contrariou a prova dos autos; b) atenuação das penas; c) redução do valor da indenização. Há prova de que o ataque
homicida surpreendeu a vítima, a qual não teve possibilidade de reagir, pois não tinha motivo algum para suspeitar
das intenções do apelante. Segundo lição de Mirabete, "A surpresa da vítima pode qualificar o delito quando
efetivamente comprovado que o ato homicida é totalmente inesperado, impedindo ou dificultando a defesa,
encontrando-se esta circunstância na cognição e vontade do agente", destacando Cezar Roberto Bitencourt que "a
surpresa constitui um ataque inesperado, imprevisto e imprevisível; além do procedimento inesperado, é necessário
que a vítima não tenha razão para esperar a agressão ou suspeitar dela". Assim, a soberana decisão dos juízes leigos
não foi arbitrária, pois se baseou em uma das vertentes razoáveis e sérias do quadro probatório, e, portanto, deve ser
respeitada. Referentemente à dosimetria da pena, a maioria entendeu que a exasperação das penas bases dos três
crimes foi demasiada, considerando a fundamentação destacada na sentença, bem como a incidência da fração de 1/3
por força do § 4º, do artigo 121, do Código Penal, ficando vencido neste ponto o relator, que mantinha o quantum
estabelecido na sentença. No tocante a fixação da indenização, de acordo com a nova redação conferida ao artigo 387,
inciso IV, do Código de Processo Penal, é grande a dificuldade de, no processo penal, ter a efetiva comprovação do
valor dos danos sofridos pela vítima, ou pelos seus sucessores, principalmente quando esses sequer participaram do
feito como assistentes, como no presente caso. O juiz, na verdade, não dispõe de elementos suficientes de convicção
para aferir o valor da indenização, e, desse modo, é certo que deverá exercer esse novo atributo de forma muito
cautelosa, a fim de que não sejam praticadas injustiças, suprimindo do réu seus direitos fundamentais de exercício da
ampla defesa e contraditório. Em conseqüência, como bem determinou a nova disposição legal, o juiz deverá
restringir-se a fixação de um valor mínimo de indenização, e, assim, percebe-se com nitidez o exagero do quantum
fixado na sentença, que muito além das indenizações globais, integrais, fixadas nos juízos cíveis, que se utilizam de
todas as garantias atinentes ao devido processo legal para a correta fixação dessas indenizações, atribuiu o valor
elevadíssimo de 100 salários mínimos, forçando frisar que tanto o apelante como a vítima têm precária situação
financeira. Apelo parcialmente provido, para adequar as penas e fixar o valor mínimo da indenização na quantia
correspondente a quatro salários mínimos, mantidas as demais cláusulas da sentença. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
RIO DE JANEIRO. 8ª Câmara Criminal. Apelação 2008.050.06896. Rel. Des. Marcus Quaresma Ferraz. Julgamento
18/02/2009).
42
APELAÇÃO. Crime de roubo majorado pelo concurso de pessoas. Sentença condenatória. Apelo defensivo
buscando a absolvição por precariedade de prova. Impossibilidade. Prova oral contundente. Apelantes que, após
ingressarem em veículo de transporte alternativo – van, e arrecadarem os pertences dos passageiros, tentam evadir-se
após o motorista do veículo estacionar em frente a uma patrulha policial, vindo a serem presos por policiais e
populares momentos depois. Reconhecimento formal por parte dos lesados em sede policial. Conjunto probatório
firme e suficiente para a manutenção da censura penal estampada na sentença. Pedido de reconhecimento da
atenuante da confissão espontânea. Pena base fixada no mínimo legal. Descabimento de aplicação da pena aquém do
mínimo legal. Enunciado da Súmula 231 do E. STJ. Pleito de maior redução de pena pelo reconhecimento da
tentativa. Pena bem dosada. Fixação de quantum indenizatório. Ausência de pedido do beneficiário e de prova que
autorize a fixação do quantum indenizatório. Princípio da correlação. Violação do direito de defesa. Recursos a que
se dá parcial provimento. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 1ª Câmara Criminal. Apelação
Criminal nº. 2009.050.02023. Rel. Des. Marco Aurélio Bellizze. DJ 27/5/2009).

92
“Mandado de Segurança. Impetração ministerial contra omissão do juízo que
deixou de cumprir o disposto no artigo 201, § 2º, do CPP. Previsão legal para
intimação da vítima acerca da sentença condenatória. Descumprimento que
implica violação a direito líquido e certo, do titular da ação penal pública.
Direito à observância, pelo juízo, do devido processo legal. Segurança
concedida.
(...)
O § 2° do artigo 201 do CPP traduz, sob outro prisma, uma maior preocupação
com a vítima, sujeito processual cujo tratamento vem melhorando desde o
advento da Lei n° 9.099/95, que institui o Juizado Especial Criminal e lhe
atribuiu maior participação e atenção. Exemplos disso são os institutos da
composição civil (art. 74) e da suspensão condicional do processo (art. 89), em
que a efetiva reparação do dano constitui condição sine qua non para a
concessão do respectivo benefício. A Lei n° 9.099, aprimorando o olhar ao
ofendido, condicionou benesses previstas para o autor da conduta delitiva à
reparação do prejuízo suportado pela vítima. Justiça se faça, o Código Penal
também condiciona o sursis especial (art. 78, § 2o) e o livramento condicional
(art. 83, IV) à reparação do dano.
E, em última análise, uma satisfação do Estado, detentor do poder-dever de
garantir a segurança pública e a distribuição da justiça, àquele que, pelo menos
em tese, à vista da prova produzida durante o processo penal, mais sofreu com a
prática delitiva. É uma forma de manter o ofendido, sempre digno de respeito e
consideração, informado sobre a solução destinada à causa da qual participou
como fonte de prova. Antes de sujeito processual, a vítima figura, no entanto,
como detentor de um direito penalmente relevante, tutelado pelo ordenamento
legal e violado pela parte que ocupa o pólo passivo da ação penal. Pesa-lhe,
muitas vezes, o trauma da violência desmedida. Crime grave ou não, seja
condenatória ou absolutória a decisão, salutar a notícia do resultado do processo
ao ofendido. Daí a imperatividade da observância do dispositivo legal. 3. Por
tais fundamentos, pelo meu voto, concedo a segurança para determinar o
cumprimento, pelo juízo impetrado, do artigo 201, § 2º, do CPP.” (TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. 16ª Câmara de Direito Criminal. Mandado de
Segurança 99009280260-7. Praia Grande - Impetrante Ministério Público. Rel.
Des. Almeida Toledo. Julgamento 26/1/2010. Data do Registro 9/2/2010).

A preocupação com a vítima deve ser um dos marcos do direito penal


contemporâneo. O art. 387, inciso IV, do CPP, assim, está em plena vigência, e vem
atender à necessidade de ressarcimento da vítima de um crime.

Num Estado Democrático de Direito, está-se diante de uma política integral de


proteção dos direitos. Tal definição permite que se afirme que o dever de proteção
estatal não somente vale no sentido clássico (proteção negativa) como limite do sistema
punitivo, mas, também, no sentido de uma proteção positiva por parte do Estado.
93
5. A Prevenção do Abuso e da Exploração Sexual de Crianças.

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente trazem regras


de prevenção visando fortalecer a atuação da família, bem como trazer o
comprometimento da sociedade e do Estado na prevenção da violência e garantia dos
direitos infanto-juvenis.

Ressalte-se que, em favor de crianças e adolescentes, foi estabelecida prioridade


absoluta e uma atuação conjunta entre família, sociedade e Estado na garantia de seus
direitos (art. 227 da CF).

O art. 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que é dever de


todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do
adolescente.

Estudaremos, neste tópico, algumas infrações administrativas que têm por objeto
principal a prevenção a situações que possam deixar crianças e adolescentes em situação
de risco.

4.1. Omissão de Comunicação de Maus-tratos.

“Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de


atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à
autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita
ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente.
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de
reincidência”.

Vulnerável é a situação de crianças e adolescentes, pessoas humanas em


desenvolvimento, que dependem dos adultos para sobreviver e exercer seus direitos. A
violência nem sempre está nas ruas, mas, muitas vezes, na própria família. E os
principais profissionais envolvidos com crianças e adolescentes, que têm contato com o
universo familiar e podem perceber maus-tratos e violência doméstica, são os
professores e médicos que os atendem.

Segundo dados internacionais, trazidos pelo autor Tarcísio José Martins em sua
obra Estatuto da Criança e do Adolescente,43 na qual comenta estudo realizado pelas
autoras Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira Guerra,44 estima-se que 10% das
crianças com menos de 5 anos que são atendidas em pronto-socorros ou hospitais são

43
Tarcísio José Martins Costa. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 28.
44
Azevedo, Maria Amélia; Guerra, Viviane Nogueira. “Vitimação e Vitimização: questões conceituais”. In: Crianças
Vitimizadas. São Paulo: Iglu, 1989, p. 45.

94
vítimas de violência ou abuso físico, em todo o mundo: uma menina em cada cinco e
um menino em cada 10 são vítimas de abuso sexual antes dos 18 anos.

A experiência demonstra que as circunstâncias que envolvem a violência


doméstica trazem medo, vergonha e culpa para a família, contribuindo para que o
círculo familiar acabe por estabelecer um pacto de silêncio visando encobrir o
problema. Muitas mães, por conta do aspecto afetivo e/ou financeiro, preferem acreditar
em seus companheiros do que no relato da filha ou filho que sofreu abuso sexual.

É necessário que os médicos e professores tenham consciência do importante


papel que lhes cabe de zelar contra os maus-tratos sofridos por crianças e adolescentes,
comunicando o fato às autoridades competentes. O legislador de 1990 entendeu por bem
exigir legalmente tal comportamento desses profissionais, estabelecendo a regra no art.
13 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a previsão de infração administrativa
descrita no art. 245.
Há interesse jurídico da sociedade em coibir a violência doméstica na prevenção
e proteção contra abuso sexual e maus-tratos a crianças e adolescentes. O objeto jurídico
ou bem jurídico tutelado nessa infração é, portanto, “o bom tratamento da criança ou
adolescente”, no dizer de Edmundo Oliveira45, ou a “vida, a integridade física e a
incolumidade à saúde”, conforme expõe Wilson Donizeti Liberati.46
Trata-se de uma infração administrativa de tipo omissivo, ou seja, a vontade do
legislador é no sentido de que haja um comportamento ativo, comissivo do agente, para
que se faça a comunicação de maus-tratos, e é a falta dessa atitude que gera a infração,
ou seja, o comportamento negativo, omisso, do sujeito, que constitui infração.

45
Edmundo Oliveira Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Comentários Jurídicos e Sociais, 3ª ed.,
Coordenadores Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez, São Paulo: Malheiros, p. 734.
46
Wilson Donizeti Liberati. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 8ª ed., 2004, p. 268.

95
O sujeito ativo dessa infração é o médico, o diretor do hospital, o dono do
hospital ou qualquer responsável pelo estabelecimento de atenção à saúde; o professor,
o diretor da escola, o dono da escola ou qualquer responsável pelo estabelecimento de
ensino fundamental, pré-escola ou creche. Note-se que, em relação ao estabelecimento
de ensino, foram mencionados aqueles que lidam com a faixa etária até os 15 anos,
aproximadamente (ensino fundamental), não tendo sido incluído o ensino médio e os
cursos profissionalizantes, embora também seja recomendável a comunicação e muitos
autores incluam, entre os sujeitos ativos, os responsáveis por quaisquer
estabelecimentos que atendam a crianças e adolescentes.47

As entidades de acolhimento e de internação têm um tratamento específico, por


força dos dispositivos do art. 90 a 97 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Não importa se a escola ou o hospital é público ou privado ou se o médico é


particular ou vinculado a algum órgão público. Todos, tendo conhecimento de suspeita
ou confirmação de maus-tratos, devem fazer a comunicação. A obrigação decorre da
proteção integral estabelecida na Constituição Federal de 1988, que impõe que a
sociedade também participe da proteção de crianças e adolescentes.

O médico não pode alegar “segredo médico”, pois a comunicação é uma


imposição legal, e, portanto, um dever jurídico. O próprio Código de Ética Médica
restringe o segredo profissional quando este desrespeita o interesse e a integridade do
paciente, a sua saúde física ou psíquica, estando, também, obrigado, eticamente, a
denunciar o fato.48 Não pode ser imputado ao médico o crime previsto no art. 154 do CP
(violação de segredo profissional) porque esse crime envolve um elemento normativo:
sem justa causa. E não pode ser considerado injusto o que é obrigatório por força de lei.

Embora seja recomendado que todos os profissionais da saúde − como


enfermeiros, dentistas, psicólogos, conselheiros familiares, farmacêuticos, terapeutas
ocupacionais ou quaisquer outros que tenham atendido à criança ou ao adolescente –
façam a comunicação − e a maioria dos autores também os incluam como sujeitos
ativos da infração mencionada – tais profissionais não podem ser considerados sujeitos
ativos da infração, por ausência de previsão nesse sentido.

47
Hélio de Oliveira Santos em Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 3ª ed., Coordenadores Munir Cury, Antonio
Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez, São Paulo: Malheiros, p. 734.
48
Hélio de Oliveira Santos. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Coordenadores Munir Cury, Antonio Fernando do
Amaral e Silva, Emílio Garcia Mendez. São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 1996, p. 737.

96
De qualquer forma, é de todo recomendável que eles também façam a
comunicação, por força do princípio da proteção integral. Todavia, o dispositivo em
análise foi expresso ao mencionar médico, professor ou responsável por
estabelecimento de atenção à saúde e de ensino. Desde que o enfermeiro, o dentista ou
o psicólogo seja o responsável pelo estabelecimento de atenção à saúde, então, sim,
poderá responder como sujeito ativo. Caso contrário, a lei punitiva estaria extrapolando
os seus limites, em verdadeira violação do princípio da legalidade, já que não abriu
margem para a interpretação ampliativa, ao definir expressamente os sujeitos ativos da
infração.
A autoridade competente mencionada pela infração administrativa é o Conselho
Tutelar, conforme se verifica pelo disposto no art. 13 e no art. 56 do Estatuto. Assim,
desde que o profissional comunique ao Conselho Tutelar, não estará incorrendo na
infração administrativa. De qualquer forma, é de todo recomendável que, além do
Conselho Tutelar, a comunicação também seja encaminhada à Promotoria da Infância e
Juventude, na medida em que esta tem a função de zelar pela proteção de crianças e
adolescentes, além de fiscalizar a atuação do Conselho Tutelar, sem prejuízo de igual
comunicação à Delegacia de Proteção da Infância e Juventude ou à Delegacia mais
próxima, quando o profissional responsável verificar indícios de crime praticado contra
criança ou adolescente.
O sujeito passivo da infração é tanto o Estado quanto a criança ou adolescente
entregue aos cuidados do sujeito ativo.
O fato típico é a omissão do dever imposto em lei, ou seja, não comunicar à
autoridade competente os casos de maus-tratos contra a criança ou o adolescente de que
o sujeito ativo tenha conhecimento. Para que o dever de comunicar se configure, basta
que o sujeito ativo tenha conhecimento dos maus-tratos ou deles suspeite. Não se trata
de exigir dolo ou culpa do sujeito ativo. Deve-se verificar, apenas, se o profissional
tinha ou não conhecimento ou suspeitava dos maus-tratos.
Conforme expõe Hélio de Oliveira Santos,49 são situações de maus-tratos que
devem ser notificadas: abusos físicos, espancamentos, abusos sexuais, abandono,
negligência, maus-tratos psicológicos, intoxicações provocadas por medicamentos,
alimentos ou qualquer outra forma de envenenamento, privação alimentar, subnutrição,
estímulos distorcidos provocados por pais ou responsável com distúrbios comportamen-

Hélio de Oliveira Santos. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais – Coordenadores:
49

Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 734.

97
tamentais ou toxicomanias.

O art. 245 do Estatuto menciona suspeita ou confirmação de maus-tratos.

A infração se consuma com a não comunicação da autoridade competente em


tempo razoável, aferível diante das circunstâncias concretas. Em se tratando de defesa
de crianças e adolescentes, quanto antes a comunicação, melhor, haja vista a prioridade
de seus interesses.

4.2. Descumprimento dos Deveres Decorrentes da Autoridade Familiar.

“Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder


familiar ou decorrentes de tutela ou guarda, bem assim determinação da
autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em
caso de reincidência”.

O tipo previsto no art. 249 do Estatuto procura proteger crianças e adolescentes


do descumprimento do exercício da atividade de cuidado e proteção decorrente da
autoridade familiar dos pais, do tutor ou do guardião. Já existia tanto no Código de
Menores de 192750 como no Código de Menores de 197951 a possibilidade de aplicar
penalidade administrativa pelo descumprimento dos deveres inerentes à autoridade
familiar. O dispositivo foi ampliado para acrescentar a determinação da autoridade
judiciária ou do Conselho Tutelar.

A aplicação da pena administrativa prevista no dispositivo é independente das


demais sanções cabíveis, seja a destituição ou suspensão do poder familiar, sejam
sanções criminais ou civis. Não há bis in idem.

Quais são os deveres inerentes ao poder familiar?

O poder familiar (ou autoridade parental), consoante orientação conceitual da


moderna doutrina, traduz uma relação na qual pai e mãe, num colegiado, dirigem seus
esforços para proporcionar ao filho menor não emancipado todas as condições possíveis
e necessárias de criação e desenvolvimento de sua personalidade, numa atmosfera de
proteção, amor, carinho, assistência e responsabilidade.

50
Art. 72 do Decreto nº 5083, de 1º de dezembro de 1926, arts. 75 e 114 do Decreto 17.943, de 12 de outubro de 1927.
51
Código de Menores de 1979: art. 72. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrentes de
tutela ou guarda, bem assim determinação judicial sobre medida de assistência, proteção ou vigilância a menor. Pena – multa de até
três valores de referência, aplicando-se o dobro na reincidência.

98
Séculos foram necessários para que a noção de filho deixasse de ser tida como
objeto para alcançar-se a ideia de proteção. Na visão humanista da família, a concepção
ultrapassada do pátrio poder como um poder-sujeição do pai sobre o filho tornou-se
inadmissível. O filho deve ser visto como o destinatário principal da relação, da qual
também participa e interage, inclusive emitindo a sua opinião, 52 na condição de sujeito
de direito.

A moderna visão da autoridade parental53 exige que os pais se façam presentes


na vida de seus filhos. É preciso convívio, interação, troca de experiências, atenção e
responsabilidade por terem trazido ao mundo um ser humano que não pediu para nascer.

A educação do filho, como uma das facetas dos deveres decorrentes do poder
familiar, não consiste apenas na obrigação de zelar para que o filho receba instrução
escolar ou profissional. Consiste também na transmissão de valores morais e éticos.

Os pais são responsáveis pela formação de seus filhos, inclusive por atos ilícitos
por eles praticados. Não basta a educação formal, é preciso que o filho seja educado
para viver em sociedade, aprendendo a respeitar o próximo, a agir corretamente,
devendo ser repreendido por mau comportamento. Nenhuma criança nasce educada,
sendo necessário que ambos os pais, num esforço quotidiano, trabalhem para lhe formar
o caráter e infundir-lhe bons princípios.

O exemplo dos pais desempenha um papel relevante na formação psíquica do


filho, motivo pelo qual é deveras importante a participação de ambos na fase de seu
crescimento, ainda que os pais sejam separados.

O Código de Menores de 1927 permitia que os pais internassem seus filhos em


estabelecimento de educação como uma atitude de proteção (art. 36). É comum, hoje em
dia, que mães e pais procurem o Conselho Tutelar ou a Promotoria da Infância e
Juventude buscando a internação de seus filhos, sob a alegação de rebeldia ou falta de
limite. Tais razões não justificam a internação.

Muito mais do que bônus, a autoridade parental é um ônus, um dever jurídico


imposto aos pais na criação dos filhos visando à sua plena formação espiritual,
educacional e moral. Os filhos têm direito à convivência familiar e os pais, o dever de
educá-los no seio da família.

52
Art. 16, incisos II e V, da Lei 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
53
Patricia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos em “A moderna visão da autoridade parental na obra Guarda
Compartilhada, aspectos jurídicos e psicológicos”. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005.

99
A ausência de creches e escolas em horário integral dificulta o regular exercício
do poder familiar das famílias economicamente desfavorecidas quando, em razão da
pobreza e da necessidade de trabalho das mães, as crianças acabam institucionalizadas.
É preciso que a criança não fique abandonada na entidade de acolhimento e que seja
retirada pela família nos finais de semana.54

Com inovação à ordem jurídica anterior, foram estabelecidos, pela Constituição


da República Federativa do Brasil de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana,
o princípio da igualdade entre os cônjuges, o princípio da igualdade entre os filhos, o
princípio da paternidade responsável e o princípio da prioridade dos interesses das
crianças e adolescentes. Foram assegurados direitos iguais a todos os filhos, sejam eles
oriundos ou não do casamento, e igualdade entre o homem e a mulher no exercício da
paternidade e maternidade. Casados ou não, os pais têm o dever de assistir, conviver,
criar e educar os filhos menores.

Estabeleceu-se, ainda, que o Estado assegurará a assistência à família, na pessoa


de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito
de suas relações (art. 226, § 6º, da CF). O Estado, por força ainda do princípio da
proteção integral, deve intervir na relação decorrente da autoridade parental, para evitar
abuso dos pais e contribuir para que os atritos familiares sejam minimizados em prol da
criança. O legislador, ao criar o arcabouço principiológico de garantias para a criança e
o adolescente, fê-lo para permitir que o ser humano, em momento tão peculiar de
formação, estivesse protegido, e convocou a família, a sociedade e o Estado a
promoverem tal proteção.55

54
REPRESENTAÇÃO POR INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MENORES DEIXADOS EM ABRIGO. CONVIVÊNCIA
FAMILIAR DURANTE FINS DE SEMANA. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. MANUTENÇÃO. 1. Menores
deixados em abrigo que conta com amplo suporte, inclusive pedagógico, e mantem convívio com a mãe durante os finais de semana.
2. Mãe que comprovadamente não ostenta meios, sem o concurso do abrigo, para criar e educar os filhos. 3. Inexistência de
abandono, sendo que os direitos dos menores estão amplamente respeitados, falecendo interesse do Ministério Público no que tange
à adequação econômica de famílias à realidade social em que vivem. 4. Desprovimento do recurso. RECURSO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. (TJRJ. 0285850-89.2007.8.19.0001 - APELACAO . Quinta Câmara Civel. Rel. DES. ANTONIO SALDANHA
PALHEIRO - Julgamento: 24/08/2010).
Agravo de instrumento. Decisão agravada que entendeu que o processo de representação por infração administrativa ajuizado pelo
MP em face dos pais de dois menores não deveria ser inscrito no "Plano Mater". Ato Executivo TJ nº 4065, de 28/08/2009. Plano de
ação que é elaborado e executado pelo TJRJ e visa garantir às crianças e adolescentes uma convivência familiar e comunitária, tendo
como meta a inserção destes quer na família de origem, quer em família substituta. Genitora que não possui condição econômico-
financeira para sustentar os menores. Genitor em cumprimento de pena privativa de liberdade. Mãe que estuda e trabalha eventual e
temporariamente em diversas funções desde o ajuizamento da ação, sempre buscando os filhos durante os fins de semana, quando
lhes presta assistência afetivo-emocional. Menores que se encontram em abrigamento diferenciado que oferece educação e estrutura
para crianças e adolescentes e cuja mãe, pessoa de baixa renda, necessita trabalhar em tempo integral, não havendo apoio do pai.
Institucionalização que, em regra, deve ser temporária e excepcional, contudo, no caso concreto, em que pese a longa permanência
dos menores na instituição, tal medida acaba por atender o melhor interesse das crianças/adolescentes, já que só assim terão acesso à
educação e ao lazer, não sendo privados da convivência com a mãe, esta que manifesta interesse em conviver diariamente com os
filhos quando tiver condições para tanto. Recurso desprovido. (TJRJ. 0014916-88.2010.8.19.0000 - AGRAVO DE
INSTRUMENTO. Quinta Câmara Cível. Rel. DES. CRISTINA TEREZA GAULIA - Julgamento: 24/08/2010).
55
Roberto de Almeida Borges Gomes. “Aspectos Gerais da Investigação de Paternidade à Luz do Princípio Constitucional da
Proteção Integral”, in: Temas Atuais de Direito e Processo de Família, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 470.

100
É dever não só dos pais, mas de toda a família, da sociedade e do Estado,
“assegurar à criança e, ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão” (art. 227 da CF).
É comportamento ético-jurídico dos pais, como decorrência da responsabilidade
parental e interesse superior da criança, portanto, além de buscar garantir os direitos
acima mencionados, respeitar a integridade física e psíquica do filho e a figura parental
do outro genitor, não criar obstáculos para o acesso do outro genitor à criança, permitir
o convívio do filho com os avós e demais parentes, prestar o auxílio moral e material
necessário e o possível para o sustento do filho, amparar, proteger e se fazer presente na
vida da criança. Dos pais se exige muito mais do que simplesmente criar os filhos. É
necessário criá-los com amor56, ética e responsabilidade, preparando-os
satisfatoriamente para a vida adulta.
O pai ou mãe destituído do poder familiar não se exonera de seus deveres em
relação ao filho. Com a destituição do poder familiar, cessará o convívio e os poderes
em relação ao filho, mas os deveres persistem, como o dever de prestar alimentos.57
Afinal, somente com a adoção do filho por outrem é que os vínculos biológicos são
rompidos.
Nota-se, assim, que os deveres que decorrem da autoridade parental são amplos,
num rol não exaustivo, com vistas à proteção da integridade física, psíquica e espiritual
dos filhos.
Esses deveres mencionados no dispositivo são exigíveis dos pais biológicos,
ainda que a criança não tenha certidão de nascimento58 ou que não figure o nome do pai
ou da mãe na certidão de nascimento do filho (o reconhecimento da paternidade ou

56
Ementa: ECA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. DESCUMPRIMENTO DO DEVER INERENTE AO PODER FAMILIAR.
ADOLESCENTE QUE PRETENDE APROXIMAÇÃO COM O PAI. ABANDONO AFETIVO POR PARTE DO GENITOR.
INFRAÇÃO AO ART. 249 DO ECA CARACTERIZADA. CONDENAÇÃO QUE SE PÕE COMO DEVIDA. MULTA NO
MÁXIMO COMINADA. REDUÇÃO, PORÉM, QUE SE RECOMENDA PARA O MÍNIMO LEGAL. VALORAÇÃO DAS
DIRETRIZES BALIZADORAS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (TJRS. Apelação Cível Nº 70037322781, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Data de Julgamento: 12/08/2010. Publicação: Diário
da Justiça do dia 19/08/2010).
57
O Código de Menores de 1927 era expresso, afirmando: art. 41. “O juiz ou tribunal, ao pronunciar a suspensão ou a perda do
pátrio poder ou a destituição da tutela, fixará a pensão devida pelo pai ou mãe ou pessoa obrigada a prestação de alimentos.”
58
“REPRESENTAÇÃO CÍVEL – FALTA DE REGISTRO DE NASCIMENTO DE MENOR – MULTA – PAIS MISERÁVEIS –
INEXEQÜIBILIDADE DA NORMA. Revela-se inexeqüível a sanção do art. 249 do ECA sendo os pais miseráveis e porque se está
diante de um fato de ignorância social, comum na sociedade brasileira carente, qual a lei visa, na essência, orientar e educar.
Recurso não provido” (TJRJ – Processo nº 2004.004.00516, Conselho da Magistratura, por unanimidade, Relator Des. Paulo
Gustavo Horta, publicado em 05/10/2004, registrado em 12/11/2004).

101
maternidade poderá ser incidental no processo), dos pais registrados,59 dos pais
adotivos60 e dos pais separados, exerçam ou não a guarda da criança61.
Note-se, ainda, que os dirigentes de entidade de acolhimento, por força do
disposto no art. 92, parágrafo único, do Estatuto, são equiparados ao guardião, para
todos os efeitos de direito (hipótese de guardião legal), respondendo pela infração
administrativa.
São sujeitos ativos do dispositivo um ou ambos os pais, o tutor ou tutores, o
guardião ou guardiães.
O art. 249 do Estatuto exige o dolo ou a culpa no descumprimento dos deveres
decorrentes da autoridade familiar62. Assim, é necessário o elemento subjetivo do tipo: a
vontade livre e consciente (dolo) de descumprir os deveres decorrentes do poder
familiar, tutela ou guarda, ou não agir, no exercício destas funções, dentro do “cuidado
objetivo necessário” (culpa). Conforme leciona Damásio E. de Jesus63, para saber se o
sujeito deixou de observar o cuidado objetivo necessário é preciso comparar a sua
conduta com o comportamento que teria uma pessoa dotada de discernimento e de
prudência colocada na mesma situação. A imprudência, negligência e imperícia são
formas de manifestação da inobservância do cuidado necessário.

59
Pais registrados são aqueles que constam da certidão de nascimento da criança ou adolescente ainda que não sejam os pais
biológicos, posto que figuram legalmente como pais da criança. Quem declara conscientemente como seu filho de outrem, está
assumindo a paternidade da criança ou adolescente. É uma modalidade de paternidade socioafetiva, denominada “adoção à
brasileira”. Ninguém pode se beneficiar da própria torpeza para depois fugir à responsabilidade alegando não ser o pai ou mãe
biológico.
60
Durante o curso do processo de adoção, deferida a guarda provisória, os adotantes respondem a título de guardiães. Após a
prolação da sentença de adoção, respondem na qualidade de pais, detentores do poder familiar, independente da formalização da
certidão de nascimento.
61
INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA - Genitores representados pelo Ministério Público por infração ao artigo 249 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, sob alegação de descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar - Representação acolhida com
condenação dos genitores ao pagamento de multa - Infração caracterizada - Genitor que alega não haver desídia, tendo em vista que
a guarda do filho estava com a genitora, possuindo ele apenas o dever alimentar - Afastamento - Responsabilidade solidária do
genitor - Apelante que nunca se preocupou com o filho, assumindo postura omissiva frente às carências do adolescente - Multa que
deve ser expressa em salários de referência, a ser paga de forma parcelada em dez vezes - Recurso não provido. (TJSP. 0098840-
02.2010.8.26.0000. Apelação / Crimes Contra a Assistência Familiar. Relator (a): Martins Pinto. Comarca: Itapeva. Órgão julgador:
Câmara Especial. Data do julgamento: 27/09/2010. Data de registro: 05/10/2010. Outros números: 990.10.098840-9).
62
EMBARGOS INFRINGENTES. REPRESENTAÇÃO ADMINISTRATIVA. PODER FAMILIAR. ARTIGO 249 DO
ECA. AUSÊNCIA DE PROVAS.1. Não obstante a integridade física, psíquica e moral seja um direito fundamental
assegurado a todos os indivíduos, em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República
Federativa, ainda assim, no tocante à criança e ao adolescente, o constituinte originário afirmou no artigo 227 da Magna
Carta, ser dever da família assegurar os direitos ali elencados e colocou-os a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 2. O legislador, no artigo 249 do Estatuto da Criança e Adolescente, não
pretendeu impedir que os pais exercessem sua função de educadores e repreendessem os filhos quando necessário.3. De acordo com
a vasta prova existente nos autos, é indiscutível que a filha do embargado possui algumas deficiências, tendo, em alguns momentos,
crises de agitação psico-motora com hetero-agressividade e autoagressividade, com possíveis traços de autismo. 4. Demonstração de
serem os genitores da menor zelosos aos compromissos familiares, sempre demonstrando atitude atenciosa com os aspectos
relevantes a respeito da menor.5. Representado que demonstra ser pessoa de boa índole e pai amoroso, além de inexistir nos autos
prova de negligência dolosa ou culposa, bem como de ter a menor sofrido humilhação, vexame e/ou maus-tratos. 6. O Órgão
Ministerial não comprova descumprimento dos deveres inerentes ao pátrio poder, de forma que não se justifica a penalização
pretendida. Precedentes do TJ/RJ e TJ/RS.7. Recurso não provido. (TJRJ. 0241838-58.2005.8.19.0001 - EMBARGOS
INFRINGENTES. - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL. REL. DES. JOSE CARLOS PAES - Julgamento: 24/11/2010).
63
Damásio E. de Jesus. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 253.

102
Podemos mencionar, como conduta dolosa, todo e qualquer comportamento livre
e consciente de descumprir os deveres decorrentes da autoridade familiar, como agredir
a criança, física ou verbalmente, praticar abuso sexual, não matricular a criança ou o
adolescente na escola, abandoná-lo, não visitar o filho, fornecer-lhe bebida alcoólica,
cigarro ou qualquer substancia que cause dependência química, deixar de alimentá-lo,
não cuidar de sua saúde, de sua higiene etc.64
Nas hipóteses de abuso sexual, o pedido judicial para aplicação da multa poderá
ser acompanhado do pedido de afastamento do agressor do lar, na forma do art. 130 do
ECA, além da aplicação subsidiária da Lei Maria da Penha.
Note-se, ainda, que a representação por infração administrativa poderá ser
acompanhada de pedido de aplicação das medidas protetivas previstas no art. 129 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, tais como tratamento psicológico, tratamento
antidrogas etc.

4.3.Hospedagem de Criança ou Adolescente Desacompanhado.

“Art. 250. Hospedar criança ou adolescente desacompanhado dos pais ou


responsável, ou sem autorização escrita desses ou da autoridade judiciária, em
hotel, pensão, motel ou congênere.
Pena. Multa.
§ 1º Em caso de reincidência, sem prejuízo da pena de multa, a autoridade
judiciária poderá determinar o fechamento do estabelecimento por até 15
(quinze) dias.
§ 2º Se comprovada a reincidência em período inferior a 30 (trinta) dias, o
estabelecimento será definitivamente fechado e terá sua licença cassada”.

O art. 82 do Estatuto prevê que: “É proibida a hospedagem de criança ou


adolescente em hotel, motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado
ou acompanhado pelos pais ou responsáveis.”

Essa regra tem como finalidade a proteção da incolumidade física e prevenção


de abusos sexuais contra crianças e adolescentes. É importante que todos os
estabelecimentos deste tipo exijam documento de identificação de seus hóspedes antes
de aceitá-los, com a finalidade de proteção e prevenção. É necessário o cuidado com a
identificação antes da hospedagem.

64
“RECURSO DE APELAÇÃO. ECA. Condenação. Infração prevista no artigo 249, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Irresignação dos pais. Alegação de decisão contrária às provas dos autos. Requer a improcedência da representação ou, fixação da
multa em seu mínimo legal. Descumprimento dos deveres do pátrio poder caracterizado. Genitor que ensina o filho a dirigir veículo
automotor, ainda em tenra idade. Incentivo deliberado do pai a prática infracional. Conseqüências graves. Descumprimento dos
deveres inerentes ao pátrio poder. Pena corretamente aplicada. Negado provimento ao recurso”.
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ – 1ª Câmara Criminal – Recurso de apelação nº 92.988-4, Cascavel, Rel. Des. Clotário
Portugal Neto, ac. nº 12708, j. 26/10/2000).

103
É possível a hospedagem com autorização por escrito dos pais ou responsável.

Hospedar significa abrigar, aceitar como hóspede, não sendo necessário que a
hospedagem seja onerosa, posto que a infração também ocorrerá se a hospedagem for
gratuita.65
Haja vista o princípio da proteção integral, deverá o estabelecimento, por meio
da orientação do proprietário, inclusive dos sócios, em se tratando de pessoa jurídica,
bem como de todos os responsáveis pelo estabelecimento (dirigentes ou gerentes), zelar
para que a regra seja respeitada.

Assim, conquanto a pessoa jurídica ou o proprietário do estabelecimento seja o


responsável principal nessa infração, haverá responsabilidade subsidiária de todos os
responsáveis pelo estabelecimento, notadamente do gerente ou o responsável pelo
estabelecimento durante a infração.

São sujeitos passivos da infração crianças e adolescentes que tenham se


hospedado no estabelecimento sem autorização por escrito dos pais ou responsável ou
da autoridade judiciária e a própria sociedade.

Trata-se de infração formal, que se consuma com a simples conduta de hospedar


crianças ou adolescentes desacompanhados dos pais ou responsável ou sem autorização
escrita, sem qualquer necessidade de resultado material. Não é necessário que a criança
ou o adolescente hospedado tenha sido exposto a uma situação de violência, tendo em
vista que o que se pretende é a prevenção e controle dos pais e responsável.

Não importa, ademais, que adolescentes estejam autorizados a viajar para outras
Comarcas, consoante dispõe o art. 83 do Estatuto,66 uma vez que deverão, para se
hospedar, trazer consigo a autorização por escrito de seus pais, responsável ou da
autoridade judiciária.

Não importa também a aparência ou a “reputação” de crianças ou adolescentes,


considerando que a prostituição infantil deve ser combatida por toda a sociedade.

A recente Lei nº 12.038, de 1º de outubro de 2009, modificou o art. 250, para


possibilitar o fechamento definitivo do estabelecimento quando comprovada a
reincidência em período inferior a trinta dias, além de ter sua licença cassada.

65
Neste sentido Wilson Donizete Liberati em Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros. 8ª ed.,
2004, pp. 272-273.
66
Na opinião de Tarcísio José Martins Costa, em Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Belo Horizonte: Del Rey, 2004,
p. 463, “no mínimo, o artigo constitui um contrasenso, pois se o ECA, por um lado, libera a viagem de adolescente desacompanhado
para qualquer lugar do País, por outro, não poderia exigir autorização para que possa hospedar-se em hotéis ou pensões”.

104
Convém lembrar os acórdãos abaixo:
“INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. HOSPEDAGEM IRREGULAR.
ADOLESCENTE.
Trata-se de auto de infração lavrado pelo comissariado da infância e juventude contra
hotel, pelo fato de ter sido constatada a hospedagem irregular de adolescente
desacompanhada dos pais e sem autorização deles, por infringência do art. 250 do
ECA. No caso, questionou-se se pode a pessoa jurídica de Direito Privado responder
por infração administrativa disposta no ECA. Para a Min. Relatora, a
responsabilização das pessoas jurídicas tanto na esfera penal quanto na administrativa
é perfeitamente compatível com o ordenamento jurídico vigente. Para tanto, observou,
entre outras colocações, que a redação dada ao art. 250 do ECA demonstra claramente
ter o legislador colocado a pessoa jurídica no polo passivo da infração administrativa,
ao prever o fechamento do estabelecimento no caso de reincidência da infração, como
pena acessória à multa. Destaca que, se a finalidade da citada norma é dar proteção
integral à criança e ao adolescente, é fundamental que os estabelecimentos negligentes
sejam responsabilizados, sem prejuízo da responsabilização direta das pessoas físicas
envolvidas em cada caso. Por fim, observa que esse posicionamento promove uma
maior conscientização dos empresários e dirigentes da iniciativa privada na busca do
objetivo basilar disposto no art. 4º do ECA, cujo conteúdo é dever de todos”
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 622.707-SC, Rel. Min. Eliana Calmon,
julgado em 2/2/2010).

“ECA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. ECA, art. 250. Hospedagem de menor em


boate. Irrelevância da anterior condição do menor como prostituta para configuração
da infração em exame. Pena de multa em salários mínimos. Adequação e pertinência.
Apelo improvido” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL.
Apelação cível nº 70002039089. 2ª Câmara Especial Cível. Rel. Des. Breno Pereira da
Costa Vasconcellos, Julgado em 28/03/01).

“MENOR. HOSPEDAGEM EM ESTABELECIMENTO HOTELEIRO. art. 250 do


ECA Permitir o responsável pelo estabelecimento comercial a hospedagem de
adolescente de 17 anos, desautorizada ou desacompanhada de seus pais ou
responsável, configura a infração administrativa do art. 250 da Lei 8.065/90. A
intenção do legislador, certamente, foi dirigida para aquele que detém o poder de
fiscalização, pouco importa, no caso, a ‘vontade’ ou a ‘espontaneidade’ dos menores
diante desta circunstância, não faz com que a infração seja excluída. Recurso provido.
O Tribunal, à unanimidade de votos, conheceu do apelo e lhe deu provimento”
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS. 3ª Câmara Cível. Apelação cível 43313-
6/188. Comarca Goiânia. Rel. Des. Gercino Carlos Alves da Costa. Acórdão
04/11/1997. DJ 12693 de 01/12/1997. Livro 640).

4.4.Venda ou Locação de Programação Inadequada.

“Art. 256. Vender ou locar a criança ou adolescente fita de programação em


vídeo, em desacordo com a classificação atribuída pelo órgão competente.
Pena – multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários de referência; em caso de
reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento do
estabelecimento por até 15 (quinze) dias”.

105
O objeto da norma, novamente, é o interesse do Estado em tutelar a integridade
psíquica de crianças e adolescentes, com o intuito de proteger a criança e o adolescente
da violência, do abuso de cenas de sexo e de outros comportamentos que prejudicam o
seu desenvolvimento moral e psíquico.67 O dispositivo deve ser integrado pelo
documento do Ministério da Justiça que atribui a classificação da programação a ser
vendida ou locada. A venda ou locação, portanto, deve ser precedida da análise do
Ministério da Justiça.
Dispõe o art. 77 do Estatuto: Os proprietários, diretores, gerentes e funcionários
de empresas que explorem a venda ou aluguel de fitas de programação em vídeo
cuidarão para que não haja a venda ou locação em desacordo com a classificação
atribuída pelo órgão competente.
O sujeito ativo é, em regra, o comerciante, aquele que vende ou faz a locação de
programação em desacordo com a classificação atribuída pelo Ministério da Justiça. A
responsabilidade não é direcionada apenas às pessoas jurídicas, mas às pessoas físicas
diretamente envolvidas, como os proprietários, diretores, gerentes e funcionários das
empresas que explorem a venda ou aluguel de fitas de programação audiovisual, haja
vista a interpretação sistemática, conjugada com o disposto no art. 77 do Estatuto.

A cessão gratuita do material não foi tipificada pela lei.

O sujeito passivo da infração é a criança ou o adolescente que adquiriu ou


alugou a obra audiovisual em desconformidade com a lei.

Conforme expõe René Ariel Dotti,68 enquanto o ilícito previsto no art. 255
atinge um número indeterminado de crianças ou adolescentes, a infração ora comentada
alcança um número limitado. Naquela existe o dano coletivo, nesta, o dano individual.

A infração administrativa se consuma com o ato de comércio.

O DVD, embora não tenha sido mencionado pelo dispositivo, está incluído na
norma legal, pois a vontade do texto legal certamente foi abranger qualquer tipo de
programação audiovisual (decorrência da interpretação extensiva ou analógica). A
Portaria do Ministério da Justiça também inclui o DVD.69

67
Wilson Donizeti Liberati em Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 2004, 8ª ed., p. 277.
68
Em Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Coordenadores Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral e Silva, e
Emilio Garcia Mendez. São Paulo: Malheiros, 2ª ed, p. 758.
69
Portaria 1597, de 2 de julho de 2004, estabelecendo critérios e procedimentos da classificação indicativa de obras audiovisuais
destinadas a cinema, vídeo e DVD, e Portaria 1.344, de 7 de julho de 2005, alterando a Portaria anterior.

106
4.4. Comercialização de Revistas e Periódicos de Maneira Irregular.

“Art. 257. Descumprir obrigação constante dos arts. 78 e 79 desta Lei:


Pena – multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários de referência, duplicando-se a pena
em caso de reincidência, sem prejuízo de apreensão da revista ou publicação”.

O art. 257 do Estatuto deve ser complementado pelos artigos 78 e 79 da mesma


Lei, que assim dispõem:

“Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a


crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com
advertência de seu conteúdo.
Parágrafo único – As editoras cuidarão para que as capas que contenham
mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.

Art. 79. As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não


poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas
alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e
sociais da pessoa e da família”.

O objeto da norma, novamente, decorre do interesse do Estado em tutelar a


integridade psíquica de crianças e adolescentes, com respeito aos valores éticos e sociais
da pessoa e da família, evitando o contato visual com imagens e publicações obscenas e
pornográficas que, a toda evidência, são inapropriadas para pessoas em
desenvolvimento. Certamente, a banalização do sexo e a exposição vulgar do corpo não
trazem benefícios para a população infanto-juvenil.

107
O sujeito ativo da infração são as editoras, o comerciante (lojas, livrarias ou
bancas de jornal), os distribuidores e até mesmo veículos de publicidade, como, por
exemplo, o responsável por publicações em outdoors,70 haja vista a proteção integral e a
intenção do legislador de proteger crianças e adolescentes do contato visual com
material impróprio para a idade. Todos os agentes envolvidos são responsáveis,71 uma
vez que a regra busca salvaguardar os interesses de crianças e adolescentes. Limitar a

70
“ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. ANÚNCIO. A PUBLICIDADE INSERE-SE NA CATEGORIA GENÉRICA
DE PUBLICAÇÃO E SUBORDINA-SE ÀS NORMAS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, CUJA OFENSA
ENSEJA A RESPECTIVA SANÇÃO.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 2002.004.00491, originários da 1ª Vara da Infância e Juventude da
Comarca da Capital, em que é apelante Mídia Rio-RJ Publicidade Exterior Ltda e é apelado Ministério Público.
ACORDAM os Desembargadores que compõem o Conselho da Magistratura, por unanimidade de votos, rejeitou-se a preliminar e,
no mérito, em negar provimento ao recurso.
A apelante foi responsável pela divulgação dos “outdoors”, objeto do auto do presente auto de infração, e, neste aspecto, é parte
legítima para figurar no pólo passivo da demanda.
A interpretação dos artigos 78 e 257 da Lei 8.069/90 deve ser feita no sentido de alcançar a mens legislatoris, atendo ao princípio da
Proteção Integral à Criança e Adolescente.
Portanto, o termo publicações, presente no art. 78 do ECA, abrange, sem dúvidas, os referidos “outdoors” que veicularam imagem e
mensagens pornográficas.
Desta forma, considerando que a apelante é responsável pela veiculação destes cartazes, impõe-se sua responsabilidade pelo
conteúdo divulgado.
No mesmo sentido manifestou-se a Douta Procuradoria de Justiça, em parecer emitido a fls. 84/91, que aqui transcrevemos
parcialmente e que, na forma regimental, integra os fundamentos deste acórdão:
“Em tais circunstâncias, é de se concluir que as disposições dos arts. 257 e 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente objetivam a
proteção dos menores de todo material que estimule a sexualidade precoce, e são direcionadas a todos aqueles que tornem
comerciáveis as publicações ali referidas, sendo certo que qualquer outra interpretação tornaria ineficaz a norma legal.
De fato, caso a punição prevista no art. 257 fosse destinada apenas às editoras, ficariam impunes todos aqueles que, recebendo o
material impróprio ou inadequado, contendo mensagens pornográfica, sem a embalagem determinada em lei, ainda assim o
comercializassem.
Nem se argumente, de outro lado, que os outdoors não se incluem nas publicações a que se referem os dispositivos legais em
questão. Na verdade, publicação é o ato ou efeito de publicar, cujo sentido é tornar público, vulgarizar, divulgar, espalhar, propalar
(cf. Novo Dicionário Aurélio, 1ª ed., Editora Nova Fronteira, p. 1165).
Destarte, é impossível limitar o contexto das normas legais aqui examinadas a revista e jornais, valendo ressaltar que a veiculação de
imagens e dizeres do conteúdo pornográfico ou obsceno, em cartazes de imagens e dizeres de conteúdo pornográfico ou obsceno,
em cartazes de grande porte, como outdoors e busdoors, espalhados por toda a cidade, livremente expostos e atingindo enorme gama
de olhares, entre os quais os de crianças e adolescentes, com maior razão inserem-se nas disposições legais acima referidas, até
porque, em tais casos, é impossível a proteção da embalagem opaca prevista em lei”.
Rejeita-se, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva.
A apelante tem o dever de fiscalizar a harmonia dos anúncios que divulga com o ordenamento jurídico e responder por sua omissão
no cumprimento desse dever.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, com o intuito de protegê-los, determina que as revistas contendo material impróprio ou
inadequado a crianças e adolescentes sejam comercializadas em embalagens lacradas e aquelas que contenham mensagens
pornográficas, ou obscenas, sejam protegidas por invólucro opaco (Lei 8.069/90, art. 78 e parágrafo único).
A apelante, na divulgação de diversos outdoors espalhados pela cidade, mostrou anúncio de cartão telefônico destinado ao chamado
“tele-sexo” com imagem e mensagens considerados impróprias para menores.
Apesar da apelante não ser responsável pela confecção do material, a ela atribui-se a tarefa de divulgação pela cidade e, desta forma,
impõe-se sua responsabilidade pelo conteúdo.
A foto da modelo, em trajes e pose sensual, em conjunto com a frase publicitária do produto: “Já deu umazinha hoje?”, “Tele! Card
– o cartão do tesão”, não são condizentes com a proteção das crianças e adolescentes, garantida constitucionalmente.
Esses anúncios são impróprios ou inadequados para crianças e adolescentes, e como conseqüência, a empresa que promove a
divulgação, ainda que se limite à colagem dos referidos outdoors em diversos pontos da cidade, deveria ter respeitado às normas do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Estes cartazes tem dimensões enormes, são acessíveis à população e pode, facilmente e sem qualquer obstáculo, ser visto pelo
público infanto-juvenil.
Desta forma, a autuação sofrida pela apelante não configura censura e nem fere a liberdade de informação amparada pela
Constituição Federal, vez que se mantém integro seu direito de informar.
E a multa, levando-se em consideração o poderio econômico do apelante e sua conduta reincidente, foi aplicada em consonância
com os critérios legais.
Por estes motivos, rejeita-se a preliminar e, no mérito, nega-se provimento ao recurso”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE
JANEIRO. Conselho da Magistratura. Processo nº 2002.004.00491. Classe “D”. Rel. Des. Milton Fernandes de Souza).
71
“AUTO DE INFRAÇÃO – JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – ART. 78 DA
LEI Nº 8.069/90 – LEGITIMIDADE PASSIVA O art. 78 da Lei nº 8.069/90 deve ser interpretado de modo a atingir todos as
pessoas envolvidas na comercialização de revistas e publicações com material impróprio ou inadequado a crianças, ou seja, a
editora, como comerciante atacadista, e a banca de venda de jornais e revistas, como varejista. APELO IMPROVIDO”.
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0024.02.619469-6/001(1). Rel. Des. NILSON REIS. Publicação
03/12/2004).

108
norma apenas às editoras esvaziaria o sentido de proteção buscado pelo legislador.72 As
disposições dos artigos 78 e 257 do ECA objetivam a proteção de crianças e
adolescentes de todo material que estimule a sexualidade precoce. São, portanto,
direcionados a todos aqueles que tornem comerciáveis as publicações ali referidas,
sendo certo que qualquer outra interpretação tornaria ineficaz a norma legal.73

Sujeito passivo da infração administrativa é a coletividade de crianças e


adolescentes potencialmente expostos visualmente aos apelos eróticos das revistas e
publicações, bem como os adultos que se sintam constrangidos com tal exposição.

O tipo administrativo consiste, quanto ao art. 78, em comercializar revista e


publicações contendo material impróprio ou inadequado à criança ou ao adolescente
sem embalagem lacrada e sem a advertência de seu conteúdo (caput do art. 78 do
ECA). Quando o material impróprio ou inadequado estiver na capa da revista ou
publicação, é necessário que, além da embalagem ser lacrada, seja também opaca, de
modo que a criança ou adolescente não visualize a mensagem da revista ou publicação
(parágrafo único do art. 78 do ECA). A obrigação de proteger a capa da revista com
embalagem opaca é da editora, mas a proibição da comercialização do produto se
estende a todos,74 sendo imputada a infração administrativa ao comerciante, não cabível
a denunciação da lide ao editor.75
Em relação ao art. 79, em se tratando de revistas e publicações destinadas ao
público infanto-juvenil, o cuidado do legislador não se limitou à embalagem, mas
também ao conteúdo, de modo que proibiu ilustrações, fotografias, legendas, crônicas
ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, proibindo, ainda, o
desrespeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (família em sentido
estrito).76

72
Para Valter Kenji Ishida em Estatuto da Criança e do Adolescente, São Paulo: Atlas. 5ª ed., p. 451, o comerciante não responde,
mas apenas o editor, citando neste sentido TJSP, Ap. 34940-0/3, Rel. Cunha Bueno.
73
Elisabeth de Moraes Cassar em parecer do Ministério Público no processo 2002.004.00491 – p. 86.
74
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E PROCESSO CIVIL – INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – COMERCIALIZAÇÃO DE
MATERIAL ERÓTICO DESACOMPENHADA DAS CAUTELAS LEGAIS – LEGITIMIDADE PASSIVA DO COMERCIANTE – PLEITO DE
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA LANÇADO POR PESSOA JURÍDICA EM SEDE DE APELAÇÃO – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE
DIFICULDADE FINANCEIRA. Cabe ao comerciante exercer a vigília e adotar as providências necessárias para que a exposição à
venda de materiais impróprios ao universo infanto-juvenil atenda as restrições legais atinentes à proteção da criança e do
adolescente. O requerimento de assistência judiciária, formulado em fase recursal, por pessoa jurídica, deve vir acompanhado da
prova de incapacidade patrimonial para suportar as despesas processuais, sob pena de indeferimento. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
MINAS GERAIS. Processo nº 1.0024.02.619372-2/001(1). Rel. Des. MOREIRA DINIZ. Publicação 19/04/2005).
75
AUTO DE INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – BANCA DE REVISTA – EXPOSIÇÃO DE REVISTAS IMPRÓPRIAS SEM A
DEVIDA EMBALAGEM OPACA – DENUNCIAÇÃO DA LIDE – INADMISSIBILIDADE. A denunciação da lide, pelo infrator, às
várias editoras e distribuidoras, imputando-lhes a responsabilidade pela distribuição das revistas e material irregularmente exposto, é
situação que não se insere em nenhuma das hipóteses previstas no art. 70 do Código de Processo Civil. A eventual responsabilidade
das editoras e distribuidoras não enseja a obrigação legal ou contratual de indenizar em ação regressiva. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0024.03.064572-5/001(1). Rel. Des. WANDER MAROTTA. Publicação 16/03/2005).
76
Vide exposição feita no item 4.VIII. Enredos eróticos, de homossexualismo, de poligamia, poliandria, que aviltem a dignidade
humana, de estímulo à violência, ao terrorismo, ao racismo, ao aborto, à prostituição e etc, estão proibidos.

109
No conceito de publicação, podemos citar quaisquer periódicos, livros, jornais,77
revistas, inclusive outdoors.78 Note-se que, apesar de os outdoors não se encontrarem à
venda, o ato de “comercializar” se inicia com a exposição do produto, primeiro passo
para que a venda da revista anunciada se concretize.79 Destaca-se, ainda, que o verbo
“publicar” significa tornar público, permitir o acesso ao público. E, se é vedada a
exposição de tal espécie de fotografia em capa de revista nas bancas de jornal, muito
maior razão haverá para a proibição de exibição da mesma fotografia em tamanho
maior, como é feito no outdoor.
Note-se que não se trata de censura, posto que, se a revista erótica ou
pornográfica for embalada corretamente, poderá ser livremente comercializada. Quando
o conteúdo é impróprio ou inadequado, a embalagem deve ser lacrada, com a
advertência de seu conteúdo. Quando a própria capa contiver mensagens pornográficas
ou obscenas, a publicação deverá ser comercializada com embalagem opaca, ou seja,
sem deixar atravessar a luz, não transparente.
E qual seria o material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes,
mencionado no art. 78, caput, do Estatuto? Certamente todo e qualquer material que
não respeite os valores éticos e sociais da pessoa e da família (art. 221, inciso IV, da
CF). São publicações que contêm, sobretudo, mensagens pornográficas e obscenas,
propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio
ambiente ou que aviltem a dignidade da pessoa humana.
E qual o significado de mensagens pornográficas e obscenas? O Dicionário
Aurélio define como pornografia figura(s), fotografia(s), filme(s), espetáculo(s), obra
literária ou de arte, etc., relativos a, ou que tratam de coisas ou assuntos obscenos ou
licenciosos, capazes de explorar o lado sexual do indivíduo.

77
“ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. PUBLICAÇÃO. EMBALAGEM.
1 – O Estatuto da Criança e do Adolescente, com o intuito de protegê-los, determina que as revistas contendo material impróprio ou
inadequado a crianças e adolescentes sejam comercializadas em embalagens lacradas com advertência de seu conteúdo (Lei
8.069/90, art. 78).
2 – Nestas circunstâncias a veiculação de anúncios com mulheres nuas e mensagens eróticas, enquadra-se como imprópria ou
inadequada para crianças e, como conseqüência, o jornal que a veicula deve ser comercializado em embalagem lacrada, com
advertência de seu conteúdo.”
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. CONSELHO DA MAGISTRATURA. PROCESSO Nº 2001.004.00444.
CLASSE “D”. RELATOR: DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA)
78
“ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Fotografia de nu feminino exibida em outdoor. Exibição visual de
material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes, com mensagem pornográfica. Violação do disposto no art. 78,
parágrafo único do ECA. Incidência do art. 257 do mesmo diploma legal. Auto de infração lavrado pela fiscalização. Decisão de
primeiro grau que acolhe a autuação e impõe multa à infratora. Recurso ao qual se nega provimento.”
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. CONSELHO DA MAGISTRATURA. PROCESSO Nº 2003.004.00459. REL.
PESTANA CABRAL. Publicado no D.O. em 30/10/2003. Parte III, fls. 85.)
79
Renata Pereira S. Graça Mello em parecer do Ministério Público do Rio de Janeiro às fls. 73/75 do processo nº 2000.710.005380-
1 da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.

110
É dever de todos, da sociedade e do Estado, impedir que crianças e adolescentes
aceitem a banalização do sexo e a exposição vulgar do corpo, haja vista a proteção
psicológica necessária a um crescimento saudável.

Toda vez que a ilustração contiver um estímulo sexual, que a nudez revelar um
convite ao sexo, que as palavras sejam utilizadas para fomentar a curiosidade sexual,
estaremos diante de uma mensagem pornográfica ou obscena.

É preciso imaginar uma situação que cause constrangimento, que a publicação


não possa estar exposta numa reunião familiar, na presença de crianças pequenas e
senhoras de idade, num ambiente escolar, numa festa infantil etc.

De acordo com o entendimento de Roberto João Elias,80

“Numa sociedade cada vez mais permissiva, talvez seja difícil identificar o que sejam
mensagens pornográficas ou obscenas. Entretanto, os critérios que nos devem nortear
são aqueles aceitos num ambiente familiar normal, onde os princípios éticos sejam
difundidos”.

A maioria dos psicólogos é unânime em afirmar ser inadequado e prejudicial


estimular eroticamente crianças e jovens. Crianças não podem estar expostas a fotos e
cenas eróticas, pois não se encontram prontas a experimentar sensações ligadas à fase
adulta. Estudos da psicologia indicam que a erotização precoce traz prejuízos éticos, de
aprendizagem e emocionais.
A criança estimulada a imitar a sexualidade adulta é levada a uma excessiva
excitação, que pode diminuir seu interesse e sua capacidade para pensar, para se sentir
capaz, para se desenvolver gradativamente e para ter noções de sua identidade. Uma
criança erotizada na infância vai deslocar para a sexualidade toda a sua afetividade. Ao
chegar na adolescência, quando os impulsos conduzem naturalmente à sexualidade, essa
criança poderá lidar com questões sexuais de maneira precipitada e patológica. Há um
momento característico do desenvolvimento biológico e psíquico para que satisfações
de ordem sexual aconteçam de modo natural e espontâneo.

Despicienda é a distinção entre material pornográfico e erótico. A finalidade da


norma é evitar a sexualidade precoce. O nu artístico de uma estátua, o nu científico em
obras de medicina, o biquini na praia, e demais situações fora de um contexto sexual,
certamente não podem ser consideradas pornográficas. A questão será definir o
contexto, a finalidade da revista, a busca do prazer sexual.

80
Em Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 1994, p. 54.

111
A respeito do assunto, convém serem transcritos os arestos abaixo:

“INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. COMERCIALIZAÇÃO DE PERIÓDICO


CONTENDO MATERIAL IMPRÓPRIO ÀS PESSOAS EM FORMAÇÃO, SEM
AS CAUTELAS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
Comete infração administrativa, periódico que estampa fotografias de mulheres
nuas, exibindo exuberantes dotes físicos em poses eróticas, comercializando-as
sem as cautelas do caput do art. 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
porque despertada precocemente a sexualidade nas pessoas em formação, sendo
potencialmente prejudicial a elas. Recurso improvido” (TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE GOIÁS. Apelação Cível 11-9/288, Conselho Superior da
Magistratura 16.09.96, Rel. Des. João Canedo Machado).

“Apelação visando reforma da sentença que julgou procedente auto de infração


em face da revista Sexy. Apreensão da mesma, por estar em desacordo com o
parágrafo único do art. 78 c/c art. 257 do ECA. Hipótese que exige exame de caso
a caso. Publicação que exibe na capa fotos consideradas obscenas de mulheres
nuas, com nádegas e seios a mostra, em posições que revelam convite ao sexo.
Impossibilidade de sua comercialização sem embalagem opaca e lacrada.
Desprovimento” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. Apelação
349/2004. Rel. Des. João Carlos Pestana de Aguiar Silva. Publicada no DO, Parte
III, 10 de agosto de 2004).

A infração se consuma com a exposição da revista ou publicação com a


finalidade de comercialização.

Por fim, não há litispendência entre processos judiciais referentes a uma mesma
edição de uma publicação, comercializada em lugares diversos. A cada exemplar, ainda
que da mesma edição, corresponde uma infração diferente.

4.5. Entrada e participação irregular de crianças e adolescentes em diversões e


espetáculos.

“Art. 258. Deixar o responsável pelo estabelecimento ou o empresário de observar


o que dispõe esta Lei sobre o acesso de criança ou adolescente aos locais de
diversão, ou sobre sua participação no espetáculo:
Pena – multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários de referência; em caso de
reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento do
estabelecimento por até 15 (quinze dias)”.

O objeto da norma decorre do interesse do Estado em tutelar a integridade física


e psíquica de crianças e adolescentes. Não somente os aspectos psicológicos são
protegidos pela norma, mas também a saúde e a segurança.

Os responsáveis por estabelecimentos de diversão, espetáculos e empresários


(em responsabilidade solidária) devem zelar pelo cumprimento das normas de proteção
a crianças e adolescentes.

112
A norma é direcionada ao responsável pelo estabelecimento (pessoa física ou
jurídica),81 inclusive ao gerente,82 locador83 ou locatário84 do imóvel, e ao empresário
responsável pela diversão, bem como ao responsável pelo espetáculo (sujeitos ativos).

O tipo administrativo infracional deverá ser integrado, seja por outros


dispositivos legais, seja por portaria ou alvará do Juizado da Infância e Juventude,
expedido na forma do art. 149 do Estatuto.
Além da pena de multa, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento
do estabelecimento por até 15 (quinze) dias.85
Quanto à entrada de criança ou adolescente nos locais de diversão:

a) Acompanhada(o) dos Pais ou Responsável.


Em regra, quando a criança ou o adolescente está acompanhada(o) de seus pais
ou responsável, pode ingressar em qualquer estabelecimento. Essa regra decorre do
direito à liberdade de ir e vir e da responsabilidade dos pais, decorrente do poder
familiar.
81
“ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Apelação. Multa por infração ao art. 258 do ECA. Preliminar de
ilegitimidade passiva bem afastada. O responsável pelo estabelecimento onde se realiza o evento é solidariamente responsável com
o empresário que o promove pela inobservância das normas do Estatuto, que digam respeito ao acesso de criança ou adolescente aos
locais de diversão, ou sobre sua participação no espetáculo. Irrelevância do fato de ter cedido o espaço para terceiros de quem
poderá, se for o caso, exigir o ressarcimento pelos danos que venha a sofrer em razão de sua sanção. No mérito, comprovada a
infração, com a presença de adolescentes desacompanhadas nas dependências do clube, em ambiente e horário inadequados, sem
que para isto estivesse autorizada pelo Juizado da Infância e da Adolescência, agindo em desacordo com a autorização contida no
alvará expedido, impunha-se a procedência da representação. Aplicação de multa de acordo com os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, considerando as circunstâncias do evento. Recurso desprovido”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE
JANEIRO. PROCESSO 2003.004.00793. CLASSE “D”. Rel. Fernando Cabral. Decisão em 7/04/2004).
82
“INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. ART. 258 DO ECA. MULTA COMINADA AO RESPONSÁVEL PELO
ESTABELECIMENTO: GERENTE. RECURSO. IMPUGNAÇÃO. A multa deve ser cobrada do proprietário do estabelecimento.
Improcedência. Decisão confirmada. A conduta prescrita no art. 258 do eca foi imputada pelo legislador ao responsável pelo
estabelecimento ou seu proprietário. Se, no momento da lavratura do auto de infração, apurou-se que havia um menor no local e que
sua presença resultou da omissão do gerente no controle da idade dos freqüentadores, e do gerente a responsabilidade pelo
pagamento da multa. Segredo de justiça. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. Processo 151084700, Cascavel –Vara da
Infância e da Juventude, acórdão nº 2719, 7ª Câmara Cível, por unanimidade, Rel. Des. Accacio Cambi, julgado em 08/06/2004)
83
“Recurso de Apelação. Auto de infração. Show musical intitulado “Skol Rio 2004”. Ingresso e permanência de adolescente
desacompanhado dos pais ou responsável legal, sem o devido alvará autorizativo. Sentença a quo que julgou procedente o auto
infracional. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. A locação da área para o produtor do evento não desonera a
responsabilidade do locador perante o Juizado da Infância e Juventude. Manifesta violação do art. 258 do ECA, que trata sobre a
inobservância da lei quanto o acesso de criança ou adolescente aos locais de diversão. Manutenção do decisum. Apelo desprovido”
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO – Conselho da Magistratura – Processo nº 2004.004.00616 – Rel. Carpena
Amorim – publicado em 21/09/2004, registrado em 20/10/2004).
84
“APELAÇÃO CÍVEL – AUTO DE INFRAÇÃO – MENOR – BEBIDA ALCOÓLICA – ESTABELECIMENTO SUBLOCADO
PARA FESTA – FALTA DE VIGILÂNCIA POR PARTE DO PROPRIETÁRIO – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. Se
menores de 18 anos são encontrados em casa noturna, consumindo bebida alcoólica, o fato constitui crime, além de infração
administrativa. O proprietário que subloca estabelecimento para realização de festa é responsável por infrações ali cometidas, por
faltar a seu dever de vigilância” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0720.01.002018-1/001(1). Rel.
Des. WANDER MAROTTA. Publicação 03/03/2005).
85
“Apelação. Omissão de responsável por estabelecimento comercial. Entrada de menor em local restrito por portaria emanada do
juízo da infância e juventude. Pena pecuniária e fechamento do estabelecimento. Irresignação. Cabimento em parte, tão-somente
para reduzir a suspensão das atividades. Provimento parcial do recurso. 1. A omissão pura do responsável ou proprietário do
estabelecimento, que não toma as devidas cautelas na fiscalização da entrada de menores em local restrito por Portaria do Juízo da
Infância e Juventude da Comarca, é suficiente para impor as penalidades atinentes. 2. Em caso de reincidência, a autoridade
judiciária pode determinar o fechamento do estabelecimento por até 15 (quinze) dias. “In casu” havendo prova nos autos de que o
proprietário já havia deixado de observar as normas legais anteriormente, tenha sido condenado em sentença transitada em julgado,
impõe-se considerá-lo reincidente. No entanto, convém determinar a suspensão das atividades por 07 (sete) dias, e não ao máximo,
uma vez que a reincidência é provada pela decisão de autoridade judiciária abarcada pela coisa julgada, e não pela ocorrência de
várias infrações. Como sé há prova nos autos de uma condenação anterior, devidamente transitada em julgado, não há que se
considerar a quantidade da agravante ao máximo, mas sim, eqüitativamente.” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ – 1ª
Câmara Criminal – Recurso de apelação nº 116.973-7, Cascavel, Rel. Des. Oto Luiz Sponholz, ac. nº 14298 – j. 25/04/2002).

113
A respeito do tema, interessante ser transcrita a posição de Edson Sêda, 86 que
analisa o conteúdo do poder familiar, previsto no art. 229 da Constituição Federal, no
sentido de que o poder de pais e mães resulta do dever social de garantir que as crianças
por eles geradas sejam devidamente assistidas, criadas e educadas, cabendo aos pais se
autodeterminarem:
“É um poder porque a lei faculta ao pai e à mãe escolherem como farão a
assistência, a criação e a educação dos filhos.
Formas diferentes serão escolhidas para assistir, criar e educar os filhos, segundo
os pais sejam conservadores ou liberais, sofisticados ou simples e, evidentemente,
nos limites de suas posses, segundo sejam pobres ou ricos. E assim por diante.
O princípio básico é o de que cabe aos pais se autodeterminarem quanto a essa
assistência, criação e educação dos filhos”.

Todavia, a regra da livre entrada de menores de 18 anos acompanhados de seus


pais ou responsável não é absoluta. Exceções estão expressamente previstas no Estatuto
da Criança e do Adolescente, bem como aquela prevista no art. 80,87 que trata a respeito
de casas de jogos e bilhar88, assim como a previsão expressa da infração prevista no art.
255.
Ademais, dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 75:

“Art. 75. Toda criança e adolescente terá acesso às diversões e espetáculos


públicos classificados como adequados à sua faixa etária”.

Há quem defenda que a classificação indicativa é mera diretriz informativa, e


que, acompanhados de seus pais, crianças e adolescentes podem ingressar em quaisquer
diversões ou espetáculos.

Todavia, defendemos posicionamento diverso. Consoante evolução do direito de


família, a autoridade absoluta do pater familias foi mitigada. O pátrio poder
concentrado no pai não somente evoluiu para um colegiado entre pai e mãe, mas passou
a receber interferência direta do Estado e da própria sociedade. Muito mais que poder, a
autoridade parental é um dever.

86
Edson Seda em Construir o Passado. Série Direitos da Criança. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 30 e pp. 47-48.
87
Art. 80. Os responsáveis por estabelecimentos que explorem comercialmente bilhar, sinuca ou congênere, ou por casas de jogos,
assim entendidas as que realizem apostas, ainda que eventualmente, cuidarão para que não seja permitida a entrada e a permanência
de crianças e adolescentes no local, afixando aviso para orientação do público.
88
“ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE – ESTABELECIMENTO QUE EXPLORA JOGOS DE SINUCA, BILHAR E
CONGÊNERES – PROIBIÇÃO DA ENTRADA E PERMANÊNCIA DE MENORES – ARTS. 80 E 258 DO ECA. O simples
ingresso e a permanência do menor no estabelecimento que explora jogos de sinuca e de bilhar, independentemente de estar ou não
dele participando e ainda que acompanhado pelos pais, configura o tipo infracional descrito no art. 80 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ensejando a aplicação da sanção correspondente (art. 258, ECA)”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS.
Processo nº 1.0024.03.914386-2/001. Rel. Des. NEPOMUCENO SILVA. Publicação 06.09.2005).
“MENOR – ENTRADA E PERMANÊNCIA EM ESTABELECIMENTO EXPLORADOR DE JOGO DE SINUCA – AUSÊNCIA
DE ALVARÁ – INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – ART. 258 DO ECA. Verificada a prática infracional, impõe-se a penalidade
administrativa”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0024.03.914386-2/001. Rel. Des. MANUEL
SARAMAGO. Publicação 17/06/2005).

114
É dever de todos zelar pelo respeito aos direitos de crianças e adolescentes. O
respeito pela formação psíquica, a não exposição à temática sexual precoce, a garantia
de um ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes,
são deveres que decorrem da maternidade e paternidade responsável. No ambiente
familiar, dentro de critérios de razoabilidade, os pais (casados ou separados) são os
senhores da educação dada aos seus filhos. Todavia, em ambiente público, as normas da
coletividade devem preponderar.

Haja vista os princípios previstos na Constituição Federal e no Estatuto da


Criança e do Adolescente, não é permitida a entrada de crianças e adolescentes em casas
noturnas com shows eróticos e de sexo explícito, casas de prostituição, locais onde haja
o consumo de drogas, etc., independentemente de estarem ou não acompanhados de
seus pais.

Por certo que não estaria sendo observado o que dispõe a Lei sobre o acesso de
criança ou adolescente aos locais de diversão. Responderiam, no caso, os pais, pela
infração administrativa prevista no art. 249 e o estabelecimento, pela infração
administrativa prevista no art. 258, se não for hipótese específica do art. 255. Um só
fato constituindo mais de uma infração administrativa.89

b) Desacompanhada(o) dos Pais ou Responsável.

Quanto à entrada e permanência de menores de 18 anos desacompanhados, em


diversões ou espetáculos, será necessária a autorização do Juizado da Infância e
Juventude, por intermédio de portaria ou alvará, nos locais mencionados pelo art. 149,

89
“PROCEDIMENTO AFETO À JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – EXPOSIÇÃO AGROPECUÁRIA – EVENTO
ARTÍSTICO-MUSICAL – UNICIDADE DE ALVARÁ – AUTOS DÚPLICES – NULIDADE INEXISTENTE – MEDIDAS SEM
FUNDAMENTAÇÃO – APLICAÇÃO DE MULTA EM DUPLICIDADE – ‘BIS IN IDEM’ – AUTUADO NÃO CIENTIFICADO
NO ATO – CERCEAMENTO DE DEFESA – NULIDADE – INOCORRÊNCIA – VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA
E DO ADOLESCEN-TE – ECA, ART. 258 – MENORES DESACOMPANHADOS DOS PAIS OU RESPONSÁVEL LEGAL –
ALVARÁ JUDICIAL – DESOBEDIÊNCIA – REITERAÇÃO – ELEVAÇÃO DA MULTA. 1. O argumento do autuado não pode
prosperar, porquanto as infrações ocorreram em dias diversos, culminando na lavratura de autos distintos. O alvará teve por objeto
evento que abrangeria quatro dias, revelando teratologia, data venia, sob a ótica jurídica, do bom senso e da razoabilidade, imaginar
que todas as infrações porventura deflagradas nesse lapso gerariam a lavratura de apenas um auto. Axiomático, pois, que cada fato
(ocorrência) enseja a lavratura de auto individualizado, objetiva e subjetivamente. 2. A portaria editada pelo Juízo da Vara da
Infância e da Juventude, no uso de suas atribuições legais, conta, assim como o alvará judicial, com a necessária motivação fático-
jurídica. 3. A hostilizada sentença não multou os pais dos menores, apenas encaminhou cópia dos autos ao Ministério Público.
Ademais um só fato pode culminar em mais de uma infração administrativa sem, com isso, traduzir bis in idem. A espécie sob
comento biparte-se subjetivamente no descumprimento de dever atinente ao poder familiar (em tese) e na negligência de empresário
promotor de eventos (em concreto), cujas condutas são tipificadas no ECA (arts. 249/258). 4. O autuado não foi cientificado porque
não se encontrava no local do evento, quando da lavratura do auto de infração, circunstância que não o abala, pois, alie-se à robustez
do caderno probatório, o fato de que o múnus público exercido pelo comissário lhe confere presunção de veracidade. Assim, não
restaram afrontados os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que ele (o autuado) participou, efetivamente, de todas
as fases do procedimento apuratório. 5. Restou configurada a infração de natureza administrativa tipificada no art. 258, disciplinada
através de portaria e mediante alvará judicial, pois, naquele evento, foram encontrados, de madrugada (tipo objetivo), adolescentes
(menores de 18 e maiores de 16 anos) desacompanhados dos pais ou representante legal (sujeito passivo), sendo o apelante (sujeito
ativo), que permitiu a ocorrência (elemento subjetivo), o responsável pela infração, cuja reincidência justifica a elevação do
‘quantum’ da multa, respeitado o teto legal”.

115
inciso I, do Estatuto, desde que não sejam impróprios, haja vista que o poder do
Magistrado é limitado pelas regras e princípios de proteção às crianças e aos
adolescentes previstos na legislação. O art. 149, inciso I, do Estatuto, menciona: “a)
estádio, ginásio e campo desportivo; b) bailes90 ou promoções dançantes;91 c) boate92 ou
congêneres;93 d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;94 e) estúdios
cinematográficos, de teatros, rádio e televisão.”
Menores de 10 (dez) anos somente poderão ingressar e permanecer nos locais de
apresentação ou exibição quando acompanhados dos pais ou responsável (parágrafo
único do art. 75).

90
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MENORES DE 14 ANOS. ENTRADA E PERMANÊNCIA EM BAILES
E DESFILES DE RUA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LEI Nº 8.069/90 – art. 149, I e II. 1. Adstrita a portaria que proíbe
entrada e permanência de menores de 14 anos em bailes carnavalescos e folias de rua, após as 20 horas desacompanhados de pais ou
responsável à norma contida na Lei n. 8.069/90, art. 149, I e II, não há vez para acoimá-la de ilegal ou abusiva ou causadora de
constrangimento ilegal quanto à liberdade de ir e vir. 2. Recurso a que se nega provimento. (SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 10.600 – MARANHÃO Quinta Turma Relator: Min.
Edson Vidigal. Data do Julgamento: 16 de dezembro de 1999).
91
Menor – Infração administrativa – Presença de adolescentes em local que se realizava promoção dançante – Ausência de alvará
judicial – Imposição de multa – Necessidade – Recurso improvido.
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO – Apelação Cível nº 68.581-0/8– Comarca de Campinas – Rel. Des. Gentil Leite – j.
18/01/01).
92
“ECA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRESENÇA DE MENOR EM DANCETERIA. EVIDENCIADA A PRESENÇA DE
MENOR DE DEZESSEIS ANOS EM DANCETERIA, DESOBEDECENDO A DETERMINAÇÃO JUDICIAL QUE DISPÕE O
CONTRÁRIO, FICA CARACTERIZADA A INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA, PREVISTA NO ARTIGO 258 DA LEI
FEDERAL Nº 8.069/90. APELO IMPROVIDO”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. APELAÇÃO CÍVEL
Nº 70002714657, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, RELATOR: DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, JULGADO EM
22/08/01).
“ECA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. PERMITIR O INGRESSO DE MENORES DE 16 ANOS EM CASA NOTURNA A
DESPEITO DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL EM CONTRÁRIO CONFIGURA A INFRAÇÃO PREVISTA NO ART-258 DO
ECA. APELO DESPROVIDO. (5FLS.)” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. APELAÇÃO CÍVEL Nº
70002527349, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, RELATOR: DES. MARIA BERENICE DIAS, JULGADO EM 15/08/01)
93
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – INFRAÇÃO – AUSÊNCIA DE ALVARÁ – ENTRADA E
PERMANÊNCIA DE ADOLESCENTES EM BARES CONSUMINDO BEBIDAS ALCÓOLICAS – RECURSO IMPROVIDO.
“A presença de menores em bailes onde há exploração de venda de bebidas alcoólicas sem o devido alvará permissivo, constitui
infração ao artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ensejando a aplicação das sanções contidas no artigo 258 do mesmo
diploma legal”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0034.01.001480-0/001(1). Rel. Des. ALVIM
SOARES. Publicado em 12/05/2005).
94
“Lei: ECA 258 – ESTABELECIMENTO COMERCIAL – FLIPERAMA – ADOLESCENTE – PRESENÇA PERMITIDA –
APLICADA A PENA DE MULTA E, POR SER REINCIDENTE, FOI DETERMINADO O FECHAMENTO DO
ESTABELECIMENTO POR 15 DIAS – ADM – APLICABILIDADE DO ART. 258 DO ECA E DA PORTARIA 2/87 DO JUÍZO
DE OSASCO – RECURSO NÃO PROVIDO. O AUTO DE INFRAÇÃO NÃO DEIXA MARGEM A DÚVIDAS QUANTO À
VENDA DE FICHA AO MENOR SEM QUE LHE PEDISSEM DOCUMENTOS. ADEMAIS, SUBSISTE SUA
RESPONSABILIDADE, POR NÃO DESCARACTERIZAR A PERMISSÃO DE ENTRADA OU PERMANÊNCIA DOS
MENORES, O FATO DE TER AFIXADO NO LOCAL PLACA DE ADVERTÊNCIA.” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO
PAULO – Código: 10600 Matéria: ESTABELECIMENTO COMERCIAL Recurso: AC 14149 0 Origem: OSASCO Órgão: CESP
Relator: LAIR LOUREIRO Data: 13/02/92).
“AUTO DE INFRAÇÃO – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – PRESENÇA DE MENORES EM
ESTABELECIMENTO COMERCIAL – EXPLORAÇÃO DE DIVERSÃO ELETRÔNICA – ACESSO INADEQUADO –
AUTUAÇÃO – NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO – INOCORRÊNCIA – MULTA – REINCIDÊNCIA – REDUÇÃO
INVIÁVEL. Correta a lavratura do auto de infração lavrado por comissário de menores, que surpreende menores de 18 anos
desacompanhados de pais ou responsável, em dependências onde haja exploração de diversões eletrônicas. Se o responsável pelo
estabelecimento comercial de diversões eletrônicas não observa as regras legais de acesso e permanência de menores ao local onde
se exploram tais atividades, pertinentes se mostram a lavratura de auto de infração e a cominação de multa administrativa. O art. 149
do ECA é claro ao estabelecer que a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhados dos pais ou responsável,
em casa que explore comercialmente diversões eletrônicas, só é permitida nos casos em que a autoridade judiciária disciplinar a
respeito através de portaria, ou diante da existência de alvará concessivo para tanto. Assim, diante da inexistência de portaria
expedida pelo Juizado da Infância e da Juventude disciplinando a matéria, torna-se evidente a necessidade do alvará, ao contrário do
que alega a apelante. Relembre-se, por fim, que a Lei nº 8.069 não protege apenas os menores abandonados, mas sim, toda e
qualquer criança até doze anos de idade e adolescente entre doze e dezoito anos de idade. Comprovada nos autos a reincidência,
com vários processos já julgados além de outros em andamento contra o mesmo estabelecimento, não se mostra abusiva a fixação da
multa no máximo legal” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0145.03.059778-8/001(1). Rel. Des.
GOUVÊA RIOS. Publicado em 04/02/2005).

116
c) Venda de Bebidas Alcoólicas para Menores de Idade.

A venda de bebidas alcoólicas a menores de idade é infração administrativa,


conforme interpretação sistemática dos artigos 81, II, e 258 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. A norma do art. 81 é genérica e foi completada pela infração
administrativa prevista no art. 258. O responsável pelo estabelecimento ou empresário,
ao vender bebida alcoólica para menores de idade, deixa de observar o que dispõe o
ECA (art. 258). Não seria razoável punir unicamente o funcionário que entrega a bebida
por uma infração penal e permitir o lucro do empresário, sem qualquer punição.

Neste sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“INFRAÇÃO. CASA DE ESPETÁCULOS. PERMISSÃO DO INGRESSO DE


MENORES DESACOMPANHADOS. FORNECIMENTO DE BEBIDA
ALCOÓLICA A MENOR DE IDADE. INFRINGÊNCIA AOS ARTS. 81,
INCISO II E 28, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO
RECORRIDO. SÚMULA 283 DO STF. DIVERGÊNCIA NÃO
DEMONSTRADA.
1. A ausência de impugnação dos fundamentos do acórdão recorrido, os quais são
suficientes para mantê-lo, enseja o não-conhecimento do recurso, incidindo,
mutatis mutandis, o enunciado da Súmula 283 do STF.
2. In casu, as razões recursais revelam a ausência de impugnação da questão
atinente à infração decorrente da permanência de menores de dezoito anos,
desacompanhados de responsável, nas dependências de casa de espetáculos,
fundamento no qual se baseou a Corte de origem para manter incólume o Auto de
Infração Administrativa lavrado por Comissários de Menores da 2ª Vara da
Infância e Juventude de Maceio-AL, ante a infringência aos preceitos contidos no
art. 81, II c/c arts. 249 e 258, do Estatuto da Criança e do Adolescente, além do
descumprimento das Portarias nºs 015/2001 e 026/2002.
3. A admissão do Recurso Especial pela alínea “c” exige a comprovação do
dissídio na forma prevista pelo RISTJ, com a demonstração das circunstâncias que
assemelham os casos confrontados, não bastando, para tanto, a simples transcrição
das ementas dos paradigmas.
4. Agravo regimental desprovido”.
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal
de Justiça AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 864.035 – AL (2006/0144000-4).
RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX. AGRAVANTE: BOITE LATIM SUPER
POSSE LTDA BOATE ARENA DANCE. ADVOGADO: ABDON ALMEIDA
MOREIRA E OUTRO(S). AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
Data do Julgamento 11/03/2008. Data da publicação 31/3/2008).

d) Responsabilidade Solidária do Responsável pelo Estabelecimento e Empresário.

A responsabilidade pela entrada e permanência de menores de 18 anos, de


maneira irregular, nos locais de diversão, é solidária entre o responsável pelo
estabelecimento e pelo empresário.

117
Na solidariedade, cada um dos coobrigados responde pelo integral cumprimento
da prestação. Nas obrigações solidárias, a não convocação dos demais obrigados
solidários não gera qualquer invalidade da relação processual.95

De qualquer forma, deverá sempre ser levado em consideração o princípio da


boa-fé objetiva e estar assegurado o direito de regresso. Não raro, existe contrato entre o
dono do estabelecimento e o empresário que loca o espaço para festas ou outros
eventos. O dono do estabelecimento, por força da solidariedade prevista, arca com a
multa da infração administrativa, mas, por força do contrato firmado, tem o direito de
ser integralmente ressarcido pelo empresário.96

Por fim, demais comentários sobre os artigos aqui mencionados, além de um


estudo mais aprofundado sobre o tema das infrações administrativas, poderão ser
acessados no livro Curso de Direito da Criança e do Adolescente (RAMOS, Patricia
Pimentel de Oliveira Chambers. In Parte III do Curso de Direito da Criança e do
Adolescente, Aspectos Teóricos e Práticos, Coord. Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade
Maciel, Ed. Saraiva, 6ª edição, 2013).

95
Cristiano Chaves de Farias. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 3ª ed., p. 191.
96
Auto de Infração. Pedido julgado procedente. Permanência de adolescente em show realizado no Estabelecimento autuado, que
não possuía alvará para tal desiderato. I – O fato de a Apelante ter locado o seu espaço para a realização do um evento não a exime
da infração a ela imputada. Tanto o responsável pelo Clube como o Empresário devem obedecer à Lei nº 8.069/90 (ECA). Exegese
de seu artigo 258. Contrato de locação prevê o ressarcimento por eventuais ocorrências decorrentes de autuação da Vara da Infância,
da Adolescência e do Idoso. Infração administrativa que não prevê a intervenção de terceiro. Preliminares de ilegitimidade passiva e
de chamamento ao processo que não merecem prestígio. II – O fato de a Carteira de Identidade portada pela Adolescente ser ou não
grosseiramente falsificada se mostra desinfluente, pois ela ingressou nas dependências da Autuada sem que ninguém lhe exigisse
qualquer documentação. III – Recorrente que deveria melhor fiscalizar os shows realizados em seu estabelecimento, mesmo cedido
em locação, já que é a responsável pelo que ocorre no local, até porque a responsabilidade pelo cumprimento do ECA é solidária. IV
– Conduta da Apelante se subsume aquela prevista no artigo 258 da Lei nº 8.069/90 por não possuir Alvará para a permanência de
criança e adolescente em suas dependências. V – R. Sentença acolhendo o Auto de Infração, ultimando por aplicar a sanção
pecuniária mínima, que não merece reparo. Precedentes deste Colendo Sodalício, como transcritos na fundamentação. VI – Recurso
que se apresenta manifestamente improcedente. Aplicação do caput do art. 557 do C.P.C. c.c. art. 31, inciso VIII do Regimento
Interno deste E. Tribunal. Negado Seguimento (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 4ª Câmara Cível. Apelação
2009.001.32467. Rel. Des. Reinaldo P. Alberto Filho. DJ 16/06/2009).

118
A VIOLÊNCIA CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
COM ÊNFASE NO ABUSO
SEXUAL
Curso – EaD

(MÓDULO IV)

119
MÓDULO IV
DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Noções Introdutórias

O sistema jurídico nacional não define quando, onde e quantas vezes uma
criança/adolescente vítima de violência sexual deverá ser ouvida. Atualmente, prevalece
a prática de que o depoimento acerca do fato aconteça sucessivas vezes – não raras as
situações as quais isso ocorre em sete oportunidades – circunstância reveladora de
evidente vitimização secundária, diante da exposição demasiada, que poderá se
apresentar como mais danosa do que o próprio sofrimento decorrente do abuso.

É comum que a constatação da violência ocorra, inicialmente, na escola, no


sistema de saúde ou, ainda, por pessoa de confiança da criança/adolescente. Nesse
cenário, os depoimentos se iniciam nesses ambientes, oportunidade em que a criança ou
adolescente relata o assunto. Advém, em seguida, a intervenção dos conselhos tutelares.
Em continuidade, o sistema de perícia ou avaliação médico-legal poderá ser acionado
para, após, novo relato ser realizado perante a autoridade policial. Não são raras as
vezes em que o Ministério Público, antes de oferecer a denúncia, entende oportuna nova
avaliação e/ou depoimento da criança ou adolescente, para extirpar possíveis
imprecisões. Por sua vez, na fase judicial, podem ser determinadas novas avaliações ou
perícias, mostrando-se indispensável que a criança/adolescente seja compelida a prestar
novo depoimento, desta vez com a participação do juiz, do promotor de justiça e do
advogado de defesa.
O presente módulo visa a analisar os problemas relacionados à ouvida de
crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais, ressaltando a relevância de que se
realize por intermédio de profissional especialmente capacitado nas técnicas da
chamada “oitiva especial com redução de danos”.

A oitiva de crianças e adolescentes possui especificidades que recomendam um


procedimento diferenciado. De um lado, o depoimento reiterado possui o risco de se
tornar um novo fator de sofrimento psicológico à vítima do crime (que é chamado de
revitimização), em razão do constrangimento e do estresse que lhe são inerentes. Nesse
contexto, embora a manifestação da vítima seja de extrema relevância probatória, o

120
certo é que a criança/adolescente é, antes e acima de tudo, sujeito de direitos. Agregue-
se a esse cuidado o fato de que se trata de crimes extremamente graves, em relação aos
quais a eficiência da Justiça Penal possui relevante valor.

Usualmente, nesses crimes, a palavra da vítima é das fontes de prova mais


relevantes, sendo necessário assegurar que as informações prestadas sejam fidedignas,
sem o risco de que perguntas indutivas pelo inquiridor comprometam a idoneidade da
prova e/ou possibilitem situações de pressão sobre a criança ou o adolescente. Ademais,
a metodologia de produção da prova em juízo é vinculada por princípios constitucionais
relacionados ao contraditório e à ampla defesa.

Neste módulo, o capacitando terá uma visão panorâmica do referencial


normativo da oitiva especial de crianças e adolescentes, bem como sobre sua relevância
tanto para a proteção dos interesses das crianças e adolescentes quanto para a própria
eficiência da prestação jurisdicional.

1. Referencial Normativo

Estabelece a Recomendação n. 33/2010 do CNJ:

[O CNJ] RESOLVE RECOMENDAR aos tribunais:


I – a implantação de sistema de depoimento vídeogravado para as crianças e os
adolescentes, o qual deverá ser realizado em ambiente separado da sala de
audiências, com a participação de profissional especializado para atuar nessa
prática;
a) os sistemas de vídeogravação deverão preferencialmente ser assegurados
com a instalação de equipamentos eletrônicos, tela de imagem, painel remoto
de controle, mesa de gravação em CD e DVD para registro de áudio e imagem,
cabeamento, controle manual para zoom, ar-condicionado para manutenção
dos equipamentos eletrônicos e apoio técnico qualificado para uso dos
equipamentos tecnológicos instalados nas salas de audiência e de depoimento
especial;
b) o ambiente deverá ser adequado ao depoimento da criança e do adolescente
assegurando-lhes segurança, privacidade, conforto e condições de acolhimento.
II – os participantes de escuta judicial deverão ser especificamente capacitados
para o emprego da técnica do depoimento especial, usando os princípios
básicos da entrevista cognitiva.
III – o acolhimento deve contemplar o esclarecimento à criança ou adolescente
a respeito do motivo e efeito de sua participação no depoimento especial, com
ênfase à sua condição de sujeito em desenvolvimento e do conseqüente direito
de proteção, preferencialmente com o emprego de cartilha previamente
preparada para esta finalidade.

121
IV – os serviços técnicos do sistema de justiça devem estar aptos a promover o
apoio, orientação e encaminhamento de assistência à saúde física e emocional
da vítima ou testemunha e seus familiares, quando necessários, durante e após
o procedimento judicial.
V – devem ser tomadas medidas de controle de tramitação processual que
promovam a garantia do princípio da atualidade, garantindo a diminuição do
tempo entre o conhecimento do fato investigado e a audiência de depoimento
especial.

A despeito da Recomendação acima, o certo é que o ordenamento jurídico


brasileiro ressente de regras específicas quanto ao procedimento para ouvir crianças e
adolescentes. O que há de concreto é a existência de projeto de lei sobre o tema (PL n.
4.126/2004), aprovado pela Câmara dos Deputados, e, em seguida, remetido ao Senado
Federal (PLC n. 35/2007). O referido texto acabou por ser incorporado, com alterações,
ao projeto de novo CPP (PLS n. 156/2009). Após essa tramitação, contudo, o texto
retornou à Câmara dos Deputados e, desde 2010, encontra-se paralisado (PL
8045/2010).

Apesar da inexistência de regulamentação legal, os diversos princípios previstos


na Constituição, em Tratados Internacionais e, ainda, no próprio Estatuto da Criança e
Adolescente, condicionam a interpretação sistemática das regras processuais penais,
para determinar a necessidade de um procedimento diferenciado para a oitiva de
crianças e adolescentes, destinados a evitar a revitimização da criança e do adolescente
e maximizar a efetividade da Justiça Criminal, tanto para proteger o eventual réu
inocente quanto para assegurar a adequada punição do eventual culpado. Vejamos:

1.1. Constituição Federal


Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
[...]
§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual
da criança e do adolescente.

A Constituição Federal estabelece dois vetores que condicionam a interpretação


sistemática do tema: as crianças devem ser respeitadas e protegidas e não podem ser

122
tratadas com nenhuma forma de opressão. Todavia, também há uma diretriz de que é
necessária a punição da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes.

1.2. Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (Decreto nº


99.710/1990).

Artigo 3º
1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições
públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades
administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente,
o interesse maior da criança.

Artigo 12
1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a
formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões
livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se
devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e
maturidade da criança.

2. Com tal propósito, se proporcionará à criança, em particular, a


oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que
afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante
ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais da
legislação nacional.

Consoante se pode notar dos dispositivos acima, a proteção dos interesses da


criança97 possui como destinatário, também, os tribunais. Esse conceito abarca a
oportunidade de ser (a criança) ouvida em processo judicial ou administrativo e, nesse
caso, o depoimento pode ser realizado diretamente ou por intermédio de representante
ou órgão apropriado.

Artigo 19
1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas,
administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança
contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento
negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a
criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de
qualquer outra pessoa responsável por ela.

2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado,


procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de
proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas
encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção,
para a identificação, notificação, transferência a uma instituição,
investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima
mencionados de maus tratos à criança e, conforme o caso, para a
intervenção judiciária.

97
Para os efeitos da convenção internacional, consideram-se crianças os menores de 18 anos.

123
Esse preceito revela uma obrigação de proteção eficiente também por meio da
Justiça Criminal. Trata-se do chamado “princípio da proteção penal eficiente”.

Artigo 34
Os Estados Partes se comprometem a proteger a criança contra todas as
formas de exploração e abuso sexual. [...]

Artigo 39
Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para estimular a
recuperação física e psicológica e a reintegração social de toda criança
vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou abuso; tortura ou
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; ou conflitos
armados. Essa recuperação e reintegração serão efetuadas em ambiente
que estimule a saúde, o respeito próprio e a dignidade da criança.

A situação de fragilidade e os abalos psíquicos de uma inquirição inadequada


devem ser considerados na oitiva de crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais.
A todos os participantes da rede de atendimento, em especial ao Poder Judiciário, cabe a
missão de minimizar as possíveis consequências negativas que o depoimento pode
gerar.

1.3. ECA – Lei n. 8.069/1990.

Todos esses princípios de proteção à dignidade, proibição de tratamentos


vexatórios ou constrangedores, dever estatal de oitiva da criança e de necessidade de
punição adequada dos crimes praticados contra crianças e adolescentes também estão
expressamente previstos no Estatuto da Criança e Adolescente. Conferir:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de


negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais.

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: [...]

II - opinião e expressão; [...]

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade


física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a

124
preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e
crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente,


pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Art. 28. [...]


§ 1o Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente
ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de
desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e
terá sua opinião devidamente considerada. (Redação dada pela Lei nº
12.010, de 2009) [...]

1.4. Oitiva especial como uma tendência internacional.

A oitiva especial de crianças e adolescentes, por intermédio de profissionais


devidamente capacitados, mediante técnicas não indutivas, ainda na fase das
investigações, é uma tendência seguida por diversos países. Apesar de essas disciplinas
estrangeiras não serem cogentes no Brasil, devem ser observados os princípios
fundamentais idênticos sobre os quais elas se fundamentam.

Merecem ser conferidas algumas referências:

França – CPP, art. 706-52 e 706-53.


Itália – CPP, art. 398.5-bis.
Portugal – CPP, art. 271.
Espanha – LECrim, art. 433.3.
Argentina – CPP Federal, art. 250-bis.
Diversos estados nos EUA.

Em dezembro de 2011, o Parlamente Europeu e o Conselho da Europa editaram


a Diretiva 2011/92/EU, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de
crianças e a pornografia infantil, na qual houve uma recomendação específica sobre a
oitiva especial de crianças e adolescentes. No ponto, estabelece o art. 20, itens 3 e 4,
dessa Diretiva que:

3. Sem prejuízo dos direitos da defesa, os Estados-Membros tomam as


medidas necessárias para garantir que, no inquérito relativo aos crimes nos
artigos 3.º a 7.º:

a) A audição da criança vítima do crime se realize sem demoras


injustificadas logo após a denúncia dos fatos às autoridades competentes;
b) A audição da criança vítima do crime se realize, se necessário, em
instalações concebidas ou adaptadas para o efeito;

125
c) A audição da criança vítima do crime seja feita por profissionais
qualificados para o efeito ou por seu intermédio;
d) Sejam as mesmas pessoas, se possível e adequado, a realizar todas as
audições da criança vítima do crime;
e) O número de inquirições seja o mais reduzido possível e as inquirições
sejam realizadas apenas em caso de estrita necessidade para efeitos da
investigação e do processo penal;
f) A criança vítima do crime seja acompanhada pelo seu representante legal
ou, se for caso disso, por um adulto à sua escolha, salvo decisão
fundamentada em contrário no que se refere a essa pessoa.
4. Os Estados–Membros tomam as medidas necessárias para garantir que,
no inquérito sobre qualquer dos crimes referidos nos artigos 3.º a 7.º, todas
as audições da criança vítima do crime ou, se for caso disso, da criança que
testemunhou os atos, possam ser gravados por meios audiovisuais, e que as
gravações possam ser utilizadas como prova no processo penal, de acordo
com as regras previstas na legislação nacional.

1.5. Questões éticas ligadas à participação de psicólogos e assistentes sociais


na oitiva judicial de crianças e adolescentes.

Em um período inicial, os Conselhos Federais de Psicologia (CFP) e Serviço


Social (CFESS) resistiram à possibilidade de seus profissionais, psicólogos e assistentes
sociais, participarem da oitiva especial de crianças e adolescentes em juízo.

Essa postura inicial assumida pelos Conselhos acima citados foi formalizada por
meio de Resoluções. O CFESS expressou, na Resolução nº 554/2009, o posicionamento
de não reconhecer como atribuição ou competência de assistentes sociais a inquirição de
crianças e adolescentes, vítimas de violência sexual, no processo judicial. No mesmo
sentido, a Resolução n. 10/2010 do CFP, em síntese, apresentava como argumento o
fato de que toda oitiva da criança em juízo poderia causar um abalo psicológico e que
não seria papel do psicólogo colaborar com esse possível agravamento da situação da
vítima.
Tais posicionamentos não refletiam o entendimento de um volumoso e
expressivo grupo de pesquisadores, clínicos e profissionais forenses, sendo criticado
formalmente pela Sociedade Brasileira de Psicologia e demais segmentos
representativos da sociedade.

A decisão da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará suspendeu os efeitos


da Resolução n. 554/2009 do CEFSS em todo o território nacional. Da mesma forma, a
eficácia da Resolução n. 10/2010 do CFP foi sustada pela Justiça Federal do Rio de
Janeiro, no âmbito de uma ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal

126
(processo n. 2012.51.01.008692-4). Atualmente, assistentes sociais e psicólogos não
podem ser punidos por participarem da oitiva especial de crianças e adolescentes.
Apesar de usualmente se referir a psicólogos e assistentes sociais, os
conhecimentos necessários para a construção das técnicas de oitiva especial de crianças
e adolescentes são transdisciplinares, recolhendo colaborações da psicologia, serviço
social, pediatria, psiquiatria, pedagogia e outras áreas de conhecimento. Após a
construção e validação das técnicas de oitiva especial, elas podem ser aplicadas por
quaisquer profissionais que recebam adequado treinamento.

2. Visão Panorâmica dos problemas relacionados à oitiva especial de crianças e


adolescentes vítimas de crimes sexuais.

As principais questões relacionadas à oitiva de crianças e adolescentes vítimas


de crimes sexuais em juízo podem ser assim sintetizadas: (i) risco de revitimização pelo
Sistema de Justiça; (ii) relevância da oitiva para assegurar a eficiência da jurisdição
criminal; (iii) problemas relacionados à fidedignidade das informações prestadas pela
vítima; (iv) necessidade de respeito aos demais princípios relacionados à produção da
prova. Vejamos cada um desses pontos:

2.1. Revitimização

Inúmeros estudos indicam que a oitiva em juízo de crianças e adolescentes


vítimas de crimes sexuais pode eventualmente tornar-se um fator de agravamento do
sofrimento já experimentado, tornando-as novamente vítimas de outra forma de
violência. As principais razões para essa revitimização são as seguintes:

Tratar a criança como mero objeto de prova e não como sujeito de direitos;

Ambiente hostil da audiência (conflitos entre os atores jurídicos);

Postura inquisitiva dos atores jurídicos e o constrangimento gerado;

Risco de a vítima ser também acusada por seu comportamento (perguntas


hostis pela defesa, ainda que indeferidas, em seguida, pelo magistrado);

Culpa (aceitação da sedução pela vítima);

Imposição de responsabilidade excessiva à vítima pela condenação do


agressor (stress emocional, medo da dissolução da família, permanência de
vínculos emocionais com o agressor);

Medo de retaliações pelo agressor;

127
O estresse de ter novo contato com o agressor nos corredores do Fórum;

O estresse de falar sabendo que o agressor a está ouvindo, na sala de


audiências;

Dor da memória (repetidos novos interrogatórios).

Muitas crianças e adolescentes querem falar, mas precisam de um ambiente


acolhedor. Desconsiderar a palavra da vítima é uma forma de desrespeito, de restrição à
liberdade de expressão, sendo um fator de revitimização.
Durante a oitiva, é necessária a criação de um vínculo de confiança entre a
criança/adolescente e o entrevistador, a fim de que a vítima possa se sentir segura.

2.2. A relevância da eficiência da Justiça Criminal.

Como visto, a eficiência da punição dos agressores de crianças e adolescentes é


um princípio constitucional que condiciona a interpretação das normas
infraconstitucionais. A responsabilização do agressor é uma forma de proteção à criança
vítima, bem como às demais crianças, vítimas potenciais.

A finalidade preventiva da sanção criminal é explicada pelas diversas teorias das


penas, para as quais a sanção penal possui a finalidade de prevenção geral (direcionada
a todas as pessoas da sociedade) e de prevenção especial (direcionada à pessoa que
praticou a infração penal). Conferir quadro esquemático:

Positiva: reforçar a vigência da norma

Prevenção Geral Negativa: intimidação coletiva

Negativa: inocuização (durante a segregação)

Prevenção Especial Positiva: comunicação individual do erro

oferta de condições de ressocialização

Para se atingir essa meta de eficiência na Justiça Criminal, é necessário que se


proteja o réu inocente de eventuais acusações falsas, bem como que se assegure que o
réu culpado seja efetivamente punido.

128
Na consecução desse desiderato é importante que as informações prestadas pela
vítima sejam submetidas a um filtro de idoneidade, para se evitar a indução às respostas,
identificar os sinais característicos de informações falsas e assegurar a compreensão de
sentido da fala da vítima criança ou adolescente. Vejamos:

2.3. Idoneidade da prova.

Existem técnicas de oitiva especial que podem maximizar a fidedignidade das


informações colhidas no depoimento de crianças e adolescentes. Vejamos alguns desses
riscos:

2.3.1 Falsas memórias

Todas as pessoas podem ter dificuldades ao acessar sua memória. Exemplos:

Atribuição errada: confusão entre o que viu e o que outros disseram (e o


imaginado).

Distorção: reeditar o passado com fundamento em sensações presentes.

Esses problemas são especialmente sensíveis no caso de oitiva de crianças e


adolescentes vítimas de crimes sexuais. É possível que sucessivas oitivas, por familiares
ou profissionais, venham implantar informações na memória da criança, a qual poderá
passar a repeti-las como se fossem a verdade que os inquiridores desejam receber
(contaminação da memória).

Esse quadro é especialmente preocupante quando há alienação parental, ou seja,


quando um dos genitores procura afastar emocionalmente a criança do outro genitor,
interferindo em sua formação psicológica, a exemplo da apresentação de informações
depreciativas e que desqualifiquem a conduta do genitor e que podem ser assumidas
pela criança como verdadeiras. Ademais, a riqueza de imaginação e a fragilidade da
memória infantil tornam essencial o uso das técnicas corretas de oitiva, segundo os
critérios desenvolvidos pelas ciências sociais.

2.3.2 Negativas falsas.

É possível que a criança ou adolescente negue falsamente o crime ocorrido.


Isso pode ocorrer porque ela está constrangida pelo ambiente judicial, ainda está
emocionalmente abalada pelo crime e não deseja reviver a dor da memória, ou, ainda,

129
em razão da chamada “síndrome do segredo”, segundo a qual a vítima está ligada
emocionalmente ao agressor por um pacto de confidencialidade e não quer prejudicá-lo.

2.3.3 Afirmações falsas.

Em determinados casos, a vítima pode realizar uma afirmação apenas para


agradar o inquiridor e não se colocar em posição de conflito com ele. Quando a vítima é
repetidamente interrogada, ela pode assumir que a resposta anteriormente dada não foi
interpretada como a “resposta correta” pelo inquiridor, passando a tentar “adivinhar”
qual seria a resposta que o inquiridor gostaria de receber.

Em outras situações, quando o inquiridor formula perguntas fechadas (que já


contêm uma afirmação a ser confirmada), isso poderá induzir a vítima a apenas
confirmar a hipótese já levantada pelo inquiridor, sendo uma pergunta indutiva. A
técnica correta de oitiva de crianças e adolescentes é primar pela realização de
perguntas abertas e não indutivas.

Exemplo de perguntas indutivas (são perguntas “fechadas”, para as quais a


criança/adolescente só consegue dizer sim ou não, afirmar ou negar como alternativas
de resposta):

Inquiridor: o réu passou a mão no seu corpo?

Criança: foi...

Inquiridor: é verdade que ele também colocou o “pipiu” dele na sua


“checheca”?

Criança: é verdade sim...

Inquiridor: ele fez isso várias vezes?

Criança: foi, várias vezes...

Resultado: possível condenação de um inocente.

Exemplo de perguntas não indutivas (são perguntas “ abertas” em que a


criança/adolescente pode fazer uma “narrativa” livre-espontânea do ocorrido, como um
relato na sua resposta):

Inquiridor: conte-me como era o seu relacionamento com o seu


padrasto.

Criança: [narrativa livre]

130
Inquiridor: Alguma vez ele fez alguma coisa que você não gostou?

Criança: [narrativa livre]

Inquiridor: sobre aquilo que você falou [recuperar a fala da vítima


sem acrescentar novas informações], conte-me um pouco mais sobre
como isso aconteceu.

Resultado: um espaço de fala à vítima sem induções e uma prova mais


fidedigna.

2.4 Metodologia probatória.

Para a produção da prova apta a subsidiar uma decisão condenatória, é


necessário o respeito a diversos princípios constitucionais e legais que conferem
legitimidade ao processo. Os principais desses princípios são:

Ônus da prova da acusação: no processo penal, o ônus primário pela


comprovação da acusação é do Ministério Público, que deve superar a
presunção de inocência com provas idôneas.

Ampla defesa e contraditório: as partes possuem o direito de participarem


da produção da prova em juízo, produzindo a sua prova e fazendo perguntas
às testemunhas trazidas pela parte adversa.

Imediatidade do juiz com as fontes de prova: no processo penal, sempre que


possível, a prova deve ser produzida na presença do magistrado, para que
este colha suas impressões pessoais sobre a prova.

Devido processo legal: a restrição de direitos das partes deve estar prevista
em lei.

Esses princípios estão materializados em diversas normas infraconstitucionais


que constituem o quadro normativo dentro do qual se insere a oitiva especial de crianças
e adolescentes. Cite-se abaixo as principais normas a respeito do tema:

A vítima deve ser ouvida sempre que possível (CPP, art. 201).

Menores de 14 anos não prestam compromisso (CPP, art. 208).

O juiz deve indeferir perguntas “que puderem induzir a resposta, não


tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já
respondida” (CPP, art. 212, caput).

Regra geral de que as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente


à testemunha e sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá
complementar a inquirição (CPP, art. 212) e a possibilidade de restrição
dessa regra, à luz do princípio da prioridade absoluta de proteção integral à
criança e ao adolescente (CF/1988, art. 227, caput).

131
A inquirição de testemunhas por videoconferência deve contar com a
presença do réu na sala de audiências (CPP, art. 217, caput).

É possível a produção antecipada de provas consideradas urgentes e


relevantes (CPP, art. 156, I, e art. 225). Conferir: “Art. 225. Se qualquer
testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice,
inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz
poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe
antecipadamente o depoimento”.

O STJ considera válida a determinação de produção antecipada de prova


para colheita do depoimento especial de crianças e adolescentes (STJ, 5ª
Turma, HC 128.135/RS, rel. Min. Laurita Vaz, j. 10/9/2013).

2.5. Produção Antecipada de Provas.

Verifica-se de suma importância a mudança de mentalidade na apuração dos


crimes aqui tratados, de forma a garantir o respeito à criança/adolescente vítima. Para
tanto, é imprescindível que sua oitiva se realize o quanto antes, por pouquíssimos
profissionais (devidamente capacitados), o que proporcionará efetividade aos princípios
da intervenção mínima e da intervenção precoce, previstos no art. 100 do Estatuto da
Criança e do Adolescente.

O pedido de produção antecipada de prova perante o juízo competente para


conhecer de eventual ação penal é um dos meios legalmente previstos para garantir a
observância dos princípios acima destacados. Após a notificação da violência, ou seja,
tendo a criança/adolescente relatado pelo menos uma vez o ocorrido, pode o Ministério
Público, dispondo de elementos suficientes, ajuizar a referida medida cautelar.
Respeitado o contraditório e a ampla defesa, poderá o depoimento antecipado informar
o inquérito policial, procedimentos administrativos perante o conselho tutelar, ações
cíveis como destituição do poder familiar, guarda, alimentos, adoção, etc., a fim de
dispensar a necessidade de novas oitivas nessas instâncias de atuação.

A medida, prevista no art. 156, inciso I, do Código de Processo Penal, objetiva


que a criança seja, desde logo, ouvida em Juízo e, de preferência, por meio do
depoimento especial, atendendo ao disposto na Recomendação nº 33 do CNJ.

Nessa linha de raciocínio, oportuno transcrever as ementas de julgados do


Superior Tribunal de Justiça:

132
“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTUPRO DE
VULNERÁVEL. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. CARÁTER DE
URGÊNCIA DEMONSTRADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. HABEAS
CORPUS DENEGADO.
1. A produção antecipada de provas está adstrita àquelas hipóteses consideradas
de natureza urgente pelo Juízo processante, consoante sua prudente avaliação
em cada caso concreto.
2. Na hipótese em apreço, como se verifica da leitura das razões do acórdão
recorrido, a aplicação da medida encontra-se devidamente justificada, ante a
necessidade de proteção à vítima - "criança com dez anos de idade na época do
fato" e a "possibilidade de esquecimento dos fatos pelos possíveis traumas
psicoemocionais sofridos e pelo próprio decurso do tempo, sem prejuízo de
influências ocasionadas por pressões no âmbito familiar".
3. Habeas corpus denegado.” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Processo HC 240227/DF. Habeas Corpus 2012/0081742-5. Rel. Ministra
Laurita Vaz. Quinta Turma. Data do Julgamento 14/08/2012. Data da
Publicação DJ 23/8/2012).

“HABEAS CORPUS. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL.


INCOMPETÊNCIA DO JUIZO. INEXISTÊNCIA. FIXAÇÃO POR LEI
ESTADUAL DA COMPETÊNCIA DAS VARAS DA INFANCIA E
JUVENTUDE PARA JULGAMENTO DO FEITO. POSSIBILIDADE
RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRODUÇÃO
ANTECIPADA DE PROVAS. CARÁTER DE URGÊNCIA
DEMONSTRADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA HABEAS CORPUS
DENEGADO.
1. O Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, ao estabelecer a organização e divisão judiciária,
pode atribuir a competência para o julgamento de crimes sexuais contra
crianças e adolescentes ao Juízo da Vara da Infância e Juventude, por
agregação, ou a qualquer outro Juízo que entender adequado.
2. A produção antecipada de provas está adstrita àquelas hipóteses
consideradas de natureza urgente pelo Juízo processante, consoante sua
prudente avaliação em cada caso concreto.
3. Na hipótese em apreço, como se verifica da leitura das razões do acórdão
recorrido, a aplicação da medida encontra-se devidamente justificada, ante a
necessidade de proteção à vítima – criança com apenas seis anos de idade na
época do fato – e a “possibilidade concreta do esquecimento e bloqueio de
detalhes dos fatos, providência natural do ser humano submetido a traumas”.
Precedente.
4. Ordem de habeas corpus denegada.”
(Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 218.135 – RS
(2011/0215769-1). Min. Laurita Vaz. Quinta Turma. Data do Julgamento
10/9/2013).

133
“APELAÇÃO CRIME. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA
COM 12 ANOS DE IDADE. MEDIDA CAUTELAR DE PRODUÇÃO
ANTECIPADA DE PROVAS. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE.
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. REJEIÇÃO. Uma vez que a
constitucionalidade de lei e ato normativo que prevê a competência do Juizado
da Infância e da Juventude para processar e julgar os crimes de abuso sexual
praticados contra vítima criança ou adolescente foi firmada em incidente de
inconstitucionalidade, não há falar em nulidade do feito por incompetência do
juízo. (POR UNANIMIDADE). MÉRITO 2. REQUISITOS. Faculta-se ao
magistrado singular, inclusive de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a
ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da
medida. Caso concreto em que o pedido vem amplamente fundamentado nesses
requisitos, não se podendo falar em inépcia da inicial. Urgência que se
evidencia pela possibilidade de o transcurso do tempo prejudicar a
memória da criança, de tenra idade, salientando-se a grande importância
dos detalhes, nessa espécie de crime; a relevância decorrendo do fato de
que tais delitos são praticados, geralmente, sem testemunhas oculares,
despontando, o depoimento da vítima, como prova essencial. Necessidade,
adequação e proporcionalidade que decorrem da pouca idade da menor -
12 anos -, devendo privilegiar-se o momento presente, onde ainda íntegra
sua lembrança, utilizando-se a sistemática do Depoimento sem Dano para
prevenir prejuízos psicológicos, não havendo qualquer possibilidade de
prejuízo à defesa, pela colheita antecipada da prova. Petição inicial que
atende plenamente aos requisitos legais. Demonstração dos requisitos
ensejadores da providência. Deferimento da medida. 3. SISTEMÁTICA DO
DEPOIMENTO SEM DANO. A sistemática do chamado "depoimento sem
dano", com a ouvida das vítimas através de profissionais da área social e
psicológica, tem fundamento e empresta concretude à proteção integral da
criança e do adolescente ditada pela Constituição Federal e pelo ECA.
Prevalência do direito fundamental das crianças e adolescentes à proteção, em
detrimento do direito fundamental a um processo mais célere. Princípio da
ponderação dos direitos fundamentais em conflito. Entendimento que aceita
temperamentos, devendo a necessidade da ouvida pela sistemática do
"depoimento sem dano" ser aferida no caso concreto. Precedente deste Órgão
Fracionário. Hipótese que aconselha indubitavelmente a inquirição da ofendida
pelo sistema especializado, na medida em que se trata de menina de apenas 12
anos de idade, que, ao que parece, foi constrangida à prática de atos libidinosos
diversos da conjunção carnal. Decisão monocrática reformada. PRELIMINAR
REJEITADA, POR UNANIMIDADE. APELO PROVIDO, DEFERINDO-SE
O PEDIDO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, CONFORME
REQUERIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, COM A OUVIDA DA
VÍTIMA ATRAVÉS DO SISTEMA DO DEPOIMENTO SEM DANO, POR
MAIORIA”. (Apelação Crime Nº 70042655654, Oitava Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Fabianne Breton Baisch, Julgado em
01/6/2011, Publicado no Diário da Justiça de 6/10/2011).

134
A preocupação com o bem-estar da criança e do adolescente deve ser o foco
principal da atuação dos diversos atores, garantindo-se a prova criminal, com respeito à
integridade e à dignidade da criança e do adolescente. O depoimento da vítima é uma
prova com bastante relevância, que poderá ser complementada com outros elementos
probatórios, como a perícia médica e o depoimento de outras testemunhas. Deve ser
garantido o tratamento de saúde e o tratamento psicológico da criança, evitando-se, ao
máximo, o seu acolhimento. Quem deve ser afastado do ambiente familiar é o agressor,
na forma do art. 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com aplicação subsidiária
da Lei Maria da Penha.

Assim, nas hipóteses de violência, não basta a punição criminal, a aplicação de


penalidades administrativas e o afastamento do agressor. É preciso que a criança ou
adolescente receba tratamento adequado por parte do Poder Público, sinta-se protegida e
confortada. O acompanhamento dessa família pelos órgãos de assistência do Município
se faz importante, visando a verificar o restabelecimento psíquico da criança vítima,
além da prestação do apoio necessário aos seus familiares.

Os governantes precisam assumir as responsabilidades expressamente previstas


na legislação e garantir à população infanto-juvenil o regular funcionamento dos
serviços incumbidos da sua proteção.

Relembre-se que a Constituição Federal de 1988 fez inserir, no art. 227, o


Princípio da Prioridade Absoluta, e reconheceu ser dever da família, da sociedade e do
Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

3. Jurisprudência relativa ao tema do depoimento especial de crianças e


adolescentes.

Os Tribunais têm sido chamados a se manifestar sobre a admissibilidade da


oitiva especial de crianças e adolescentes, conforme a Recomendação n. 33/2010 do
CNJ. Inúmeros precedentes têm reconhecido a relevância desse método probatório.
Nesse sentido, importante destacar os precedentes sobre o tema:

“HABEAS CORPUS. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL.


INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. INEXISTÊNCIA. FIXAÇÃO POR LEI
ESTADUAL DA COMPETÊNCIA DAS VARAS DA INFÂNCIA E
JUVENTUDE PARA JULGAMENTO DO FEITO. POSSIBILIDADE
RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRODUÇÃO

135
ANTECIPADA DE PROVAS. CARÁTER DE URGÊNCIA DEMONSTRADO.
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. HABEAS CORUPUS DENEGADO.
1. O Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, ao estabelecer a organização e divisão judiciária,
pode atribuir a competência para o julgamento de crimes sexuais contra crianças e
adolescentes ao Juízo da Vara da Infância e Juventude, por agregação, ou a
qualquer outro Juízo que entender adequado.
2. A produção antecipada de provas está adstrita àquelas hipóteses consideradas de
natureza urgente pelo Juízo processante, consoante sua prudente avaliação em cada
caso concreto.
3. Na hipótese em apreço, como se verifica da leitura das razões do acórdão
recorrido, a aplicação da medida encontra-se devidamente justificada, ante a
necessidade de proteção à vítima – criança com apenas seis anos de idade na época
do fato – e a “possibilidade concreta do esquecimento e bloqueio de detalhes dos
fatos, providência natural do ser humano submetido a traumas”. Precedente.
4. Ordem de habeas corpus denegada. (STJ, 5ª Turma, HC 128.135/RS, rel. Min.
Laurita Vaz, j. 10 /9/2013).

“PROCESSO CIVIL. PROVA. PERÍCIA. 1) INTIMAÇÃO DE ASSISTENTES


TÉCNICOS. NECESSIDADE. 2) FILMAGEM DE ENTREVISTA.
REQUERIMENTO DA PARTE INDEFERIDO. 3) DISTINÇÃO DO CHAMADO
DEPOIMENTO SEM DANO.
1- De acordo com precedentes desta Corte, na perícia psicológica os assistentes
técnicos devem ser previamente intimados para entrevista do perito judicial com o
menor.
2- Não tem a parte direito de exigir a filmagem ou a gravação da entrevista pericial
com o menor, assinalando-se que já dispõe, a parte, da presença do seu assistente
técnico no ato.
3- A pretendida filmagem ou gravação de entrevista pericial com o menor não se
confunde com o chamado "depoimento sem dano", objeto da Recomendação CNJ
nº 33, de 23.11.2010, ato judicial, reservado à opção do Juízo, ante a necessidade,
ao seu prudente arbítrio e sem imposição das partes, para efeito de formação de
convicção necessária ao julgamento.
4- Recurso Especial provido em parte, apenas para determinar a intimação dos
assistentes técnicos, mantido o indeferimento de filmagem ou gravação da
entrevista pericial com os menores”. (STJ, 3ª Turma, REsp 1324075/PR, rel.
Ministro Sidnei Beneti, julgado em 05/6/2012, DJe 03/10/2012).

“HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. GAROTO DE ONZE


ANOS DE IDADE OBRIGADO À FELAÇÃO. ALEGAÇÃO DE
CERCEAMENTO DE DEFESA. NEGATIVA DE PERÍCIA TÉCNICA E DE
OITIVA DA VÍTIMA POR VIDEOCONFERÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA.
NECESSIDADE DE OBEDIÊNCIA À ORDEM DE PRODUÇÃO
PROBATÓRIA ESTABELECIDA NO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1 - Paciente preso preventivamente por infringir o artigo 217-A do Código Penal,
por haver constrangido garoto de onze anos a praticar sexo oral, pretendendo a
defesa ouvir o ofendido por videoconferência e realizar perícia técnica em imagens

136
de vídeo captadas do local do fato pouco depois do ocorrido, onde aparece uma
mão que poderia ser do agressor da criança.
2 - Em casos de violência sexual, causador de traumas e sofrimento físico e
psicológico de grande intensidade, especialmente quando a vítima é criança, deve o
Juiz, tanto quanto possível, preservar a sua integridade moral, consoante a
Recomendação nº 33 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ - e a Resolução nº 10
do Conselho Federal de Psicologia, evitando a revitimização. Atendendo a essas
recomendações o Tribunal de Justiça instituiu o Serviço de Atendimento a Famílias
em Situação de Violência - SERAV/TJDFT - para ouvir o ofendido preservando a
sua dignidade. Assim, a oitiva direta da vítima pelas partes ou pelo Juiz, seja em
audiência ou por videoconferência, só deve ser admitida em hipóteses restritas,
quando sobejar dúvida invencível na versão dos fatos colhida pelos profissionais
especializados no depoimento sem dano. Portanto, a negativa da prova requerida
pela defesa não configura, prima facie, constrangimento ilegal sanável em habeas
corpus.[...]”. (TJDFT, Acórdão n.621796, 20120020188552HBC, Relator:
GEORGE LOPES LEITE, 1ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 20/9/2012,
Publicado no DJE: 01/10/2012. Pág.: 137).

“APELAÇÃO CRIMINAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR COMETIDO


POR ASCENDENTE COM PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. CONTINUIDADE
DELITIVA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRELIMINARES. NULIDADE
DA DECISÃO QUE DETERMINOU A OITIVA DA VÍTIMA PELO SERVIÇO
PSICOSSOCIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA.
IMPUGNAÇÃO AO RELATÓRIO PSICOSSOCIAL. REJEIÇÃO.
ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.
AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS.
APLICAÇÃO DA PENA. EXCLUSÃO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DA
CULPABILIDADE E DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONFISSÃO
ESPONTÂNEA. RECONHECIMENTO. AFASTAMENTO DE AGRAVANTE
GENÉRICA. BIS IN IDEM. RECURSO CONHECIDO, PRELIMINARES
REJEITADAS, E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A realização do denominado depoimento sem dano, que busca promover a
proteção psicológica de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e permitir
a realização de instrução criminal tecnicamente mais apurada, com a viabilidade de
coleta de prova oral em atenção ao princípio da verdade dos fatos, é consentâneo
com as balizas da proteção integral da criança e do adolescente e com o princípio
da dignidade da pessoa humana, o que justifica a oitiva da vítima pelo Serviço
Psicossocial, reduzindo a exposição da ofendida aos danos decorrentes do delito.
2. Não há falar em cerceamento de defesa, uma vez que o princípio do devido
processo legal e seus corolários - do contraditório e da ampla defesa -, foi
preservado, haja vista que a Defesa teve ciência do laudo e de seu conteúdo e não
houve qualquer impugnação ou pedido de complementação da prova produzida.
[...]”. (TJDFT, Acórdão n.549054, 20080610001390APR, Relator: ROBERVAL
CASEMIRO BELINATI, Revisor: SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª
Turma Criminal, Data de Julgamento: 10/11/2011, Publicado no DJE: 23/11/2011).

“HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA COM 10 ANOS


DE IDADE. MEDIDA CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE
PROVAS. REQUISITOS. Faculta-se ao magistrado singular, inclusive de ofício,
ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida. Caso concreto em que o pedido vem amplamente
137
fundamentado nesses requisitos, não se podendo falar em inépcia da inicial.
Urgência que se evidencia pela possibilidade de o transcurso do tempo prejudicar a
memória da menor, salientando-se a grande importância dos detalhes, nessa espécie
de crime; a relevância decorrendo do fato de que tais delitos são praticados,
geralmente, sem testemunhas oculares, despontando, o depoimento da vítima,
como prova essencial. Necessidade, adequação e proporcionalidade que decorrem
da pouca idade da ofendida - 10 anos à época dos fatos -, devendo privilegiar-se o
momento presente, onde ainda íntegra sua lembrança, utilizando-se a sistemática
do Depoimento sem Dano para prevenir prejuízos psicológicos, não havendo
qualquer possibilidade de prejuízo à defesa, pela colheita antecipada da prova.
Petição inicial que atende plenamente aos requisitos legais. Demonstração dos
requisitos ensejadores da providência. Constrangimento ilegal inexistente.
ORDEM DENEGADA, POR MAIORIA”. (TJ/RS, Habeas Corpus nº
70048680714, Oitava Câmara Criminal, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado
em 13/6/2012).

“CORREIÇÃO PARCIAL. CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL.


OITIVA DA VÍTIMA MENOR DE IDADE. UTILIZAÇÃO DO MÉTODO DO
DEPOIMENTO SEM DANO. Embora inexista obrigatoriedade na adoção do
método do Depoimento Sem Dano para a inquirição de vítimas menores de idade,
tanto não justifica, por si só, o indeferimento da postulação ministerial apresentada
em primeiro grau. Na espécie, proceder à inquirição da ofendida, criança com sete
anos de idade, mediante o referido método, valoriza a aplicação do princípio da
busca da verdade real, que deve ser observado no processo penal a fim de que a
prestação jurisdicional ocorra em sua integralidade. Ademais, o deferimento do
pedido formulado pelo requerente encontra eco no ordenamento jurídico pátrio,
que expressamente preconiza a necessidade de privilegiar a proteção integral das
crianças e adolescentes. Inteligência do art. 227 da Constituição Federal e dos arts.
1º, 3º e 4º da Lei nº 8.069/90. Precedentes. Por fim, a pretensão ministerial vem
referendada pelo Conselho Nacional de Justiça, que editou recomendação aos
Tribunais para a criação de serviço especializado para a inquirição de crianças e
adolescentes vítimas de violência, nos mesmos moldes já existentes no Rio Grande
do Sul” (Recomendação nº 33/2010). CORREIÇÃO JULGADA PROCEDENTE,
POR MAIORIA. (TJ/RS, Correição Parcial Nº 70048662415, Sétima Câmara
Criminal, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 24/5/2012).

“COSTUMES. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ‘DEPOIMENTO SEM


DANO’. A sistemática do chamado "depoimento sem dano", com a ouvida das
vítimas através de profissionais da área social e psicológica, tem fundamento e
empresta concretude à proteção integral da criança e do adolescente ditada pela
Constituição Federal e pelo ECA. Prevalência do direito fundamental das crianças
e adolescentes à proteção, em detrimento do direito fundamental a um processo
mais célere. Princípio da ponderação dos direitos fundamentais em conflito.
Entendimento que aceita temperamentos, devendo a necessidade da ouvida pela
sistemática do "depoimento sem dano" ser aferida no caso concreto. Precedente
deste Órgão Fracionário. Hipótese que aconselha indubitavelmente a inquirição da
ofendida pelo sistema especializado, na medida em que se trata de menina de tenra
idade, que, ao que parece, foi constrangida à prática de atos libidinosos diversos da
conjunção carnal. Decisão monocrática reformada. Correição parcial julgada
procedente, a fim de determinar que a ouvida da vítima, nos autos do processo nº
001/2.11.0136208-0, seja procedida através do "projeto depoimento sem dano", por
maioria”. (TJ/RS, Correição Parcial Nº 70048541585, Oitava Câmara Criminal,
Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 16/5/2012).

138
4. Síntese das vantagens da oitiva especial de crianças e adolescentes

As vantagens da oitiva especial de crianças e adolescentes podem ser assim


sintetizadas:
- ambiente menos hostil (evitar-se revitimização);

- menor risco de memórias falsas ou repostas induzidas;

- possibilidade de participação das partes e contato do juiz com a


produção da prova;

- registro rigoroso da entrevista em filmagem, para possível


aproveitamento em outros processos;

- redução do número de entrevistas e rapidez na colheita (no caso de


produção antecipada de prova);

- melhor compreensão do conflito familiar (se precedida de entrevistas


preliminares);

- possibilidade de incremento constante da eficiência pela capacitação


dos entrevistadores.

5. Como trabalhar nas comarcas que não possuem apoio de equipe


multidisciplinar.
Diante de tudo o que já foi descrito a respeito do depoimento especial, não resta
dúvida de que a criança e o adolescente devem ser ouvidos de maneira diferenciada, o
mais brevemente possível, o menor número de vezes (se possível, uma única vez!),
preferencialmente sob a forma de “produção antecipada de prova”.

Mas e se as condições de trabalho do juiz não são as “ideais”? Ainda que o


Conselho Nacional de Justiça, por intermédio da Resolução nº 94, de 2009, estabeleça a
existência de Coordenadorias da Infância e da Juventude, no âmbito do Poder
Judiciário, com atribuição, inclusive, para “dar suporte aos magistrados, aos servidores
e às equipes multidisciplinares”, a realidade de muitos juízes, no país, é a de total
isolamento na hora de decidir uma questão tão delicada. Quando há equipe técnica, esta
é raramente completa, e se o é, encontra-se assoberbada. Muitas vezes, as equipes são
vinculadas exclusivamente a determinados juízos (infância e juventude, família),
deixando o juiz das demais competências numa autêntica posição de “pedinte’,
dependente dos “favores” dos colegas das outras varas.

“Resolução nº 94, de 27 de outubro de 2009

139
Determina a criação de Coordenadorias da Infância e da Juventude no âmbito dos Tribunais
de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas
atribuições conferidas pela Constituição da República, especialmente o disposto no inciso I,
§4º, art. 103-B;

CONSIDERANDO a prioridade das políticas de atendimento à infância e juventude,


preconizada pelo art. 227 da Carta Constitucional;
CONSIDERANDO a necessidade de coordenação da elaboração e execução das políticas
públicas, no âmbito do Poder Judiciário, relativas à Infância e Juventude;

RESOLVE:

Art. 1º Os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, no prazo de 180 (cento e
oitenta dias), deverão criar no âmbito de sua estrutura organizacional, Coordenadorias da
Infância e da Juventude como órgãos permanentes de assessoria da Presidência do Tribunal.
Art. 2º As Coordenadorias da Infância e da Juventude terão por atribuição, dentre outras:
I - elaborar sugestões para o aprimoramento da estrutura do Judiciário na área da infância e
da juventude;
II - dar suporte aos magistrados, aos servidores e às equipes multiprofissionais visando à
melhoria da prestação jurisdicional;
III - promover a articulação interna e externa da Justiça da Infância e da Juventude com
outros órgãos governamentais e não-governamentais;
IV - colaborar para a formação inicial, continuada e especializada de magistrados e
servidores na área da infância e da juventude.
V - exercer as atribuições da gestão estadual dos Cadastros Nacionais da Infância e
Juventude.
Art. 3º As Coordenadorias da Infância e da Juventude serão dirigidas por magistrado, com
competência jurisdicional ou com reconhecida experiência na área.
Parágrafo 1º A Coordenadoria da Infância e da Juventude poderá contar com a colaboração
ou assessoria de outros magistrados, sem dispensa da função jurisdicional.
Parágrafo 2º A Coordenadoria da Infância e da Juventude deverá contar com estrutura de
apoio administrativo e de equipe multiprofissional, preferencialmente do quadro de
servidores do Judiciário.
Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro Gilmar Mendes”.

Uma primeira alternativa que se propõe é o juiz se valer da “rede” local, em


busca de profissionais de serviço social e psicologia, especialmente que possam auxiliá-
lo na produção de pareceres técnicos e – até mesmo – no momento da colheita da prova.

Os Conselhos Tutelares, os CRAS (Centros de Referência de Assistência


Social), a Saúde, a Educação, o Ministério Público, os Centros de Defesa da Criança, a
Defensoria Pública devem estar preparados para acolher a criança vítima, evitando que
percorra uma via crucis desnecessária, seguindo um fluxograma que a conduza a repetir
sua história o menor número de vezes possível, recebendo, de maneira coordenada,
atenção profissional nos diferentes níveis a que faz jus.

O Sistema de Garantias de Direitos pressupõe a existência de uma rede de


atenção regionalizada, sob a responsabilidade primária dos municípios.

140
Da mesma forma que deve haver uma articulação entre os órgãos executivos de
proteção à criança, também é oportuna a comunicação e a integração entre os diversos
juízos, perante os quais uma mesma situação de abuso/violência/exploração seja objeto
de análise.

Primeiro, porque viabiliza a uniformidade das decisões, especialmente aquelas


que dizem respeito ao “destino” da criança-vítima: guarda a um dos genitores ou à
família extensa, vedação de visitas, acolhimento institucional...

Segundo, porque evita a malfadada revitimização, através da repetição, pela


criança, das circunstâncias do abuso a um sem-número de profissionais.

E, por fim (mas sem esgotamento das benesses), porque a própria criança nota
que existe desconhecimento a respeito das medidas que foram/estão sendo adotadas por
outros órgãos. Esse proceder confunde a vítima e a leva a crer que terá de percorrer os
corredores do Fórum por um tempo indeterminado, gerando resistência e frustração,
para dizer o mínimo.

6. Utilização da técnica correta: Aspectos importantes a serem considerados na


tomada de depoimento especial de uma criança ou adolescente.
A tomada de depoimento de uma criança ou adolescente vítima ou testemunha
de abuso sexual não é tarefa fácil. Diferentemente de estar ouvindo um adulto, a escuta
da criança ou de um adolescente, especialmente vitimado pela violência sexual, exige
do profissional, além do preparo técnico, um preparo emocional, haja vista a
necessidade de se entender o contexto sobre a violência sexual e as consequências que
dela advêm. Tem-se que a maior compreensão em relação à dinâmica do abuso sexual
sinaliza para a importância de uma escuta adequada da criança, de modo que o ciclo de
abusos seja rompido.

Os preparativos para a tomada do depoimento de uma criança ou adolescente


vítima de violência, no sistema de justiça, começa por uma comunicação da realização
desse ato de forma adequada – uma cartilha informativa, por exemplo – devendo o
servidor público que a realizar ter conhecimento de como o depoimento irá se operar,
para prestar todas as informações necessárias ao responsável.

Importante também que seja sugerido, quando da notificação, o


comparecimento, com alguma antecedência, ao horário estipulado – sugere-se um
intervalo de 30 (trinta) minutos.

141
As instalações físicas dos prédios da Justiça não são – salvo raras exceções –
acolhedoras. Muitas serventias contam com espaços exíguos para a espera por
audiências, ocasionando encontros indesejáveis de vítimas e abusadores ou daquelas
com familiares que – em decorrência da denúncia de abuso intrafamiliar – polarizaram-
se em favor de uma ou de outra “parte”, situação ainda hoje muito frequente na rotina
forense.
Deve ser proporcionada sala de espera distinta para a criança, para que fique
confortável e tranquila até o momento do início da audiência.

As salas de audiência dão um tom de extrema formalidade, à qual a criança não


está habituada, fator que contribui para sua (natural) inibição para falar do abuso a
estranhos. Muitas vezes, o juiz (togado) tem assento em plano mais elevado, ampliando
sua distância em relação à vítima, ao invés de aproximá-la.

Na hipótese de escuta da criança na sala de audiências, deve ser proposta a


reorganização do espaço físico, para que juiz, promotor e defensor (advogado) ocupem
o mesmo plano da criança. Se conveniente, o magistrado pode repassar seus
conhecimentos, brevemente, ao promotor e ao defensor, a fim de que sejam evitadas
perguntas impertinentes ou ofensivas.

O acusado ou outras pessoas que possam influenciar no depoimento devem ser


mantidos fora da sala, devendo ser garantida a permanência, no ambiente (mas fora do
alcance visual da criança), de pessoa da confiança da vítima, preferencialmente
“estranha” aos fatos.

O depoimento deve ser filmado, registrando-se em CD ou DVD, para uso em


ulteriores oportunidades. A criança deve ter conhecimento de que a audiência está sendo
registrada dessa forma.

Embora, algumas vezes, a criança tenha sido previamente preparada para se


deparar com as “autoridades” presentes na audiência, o inverso não ocorre: advogados
fazem perguntas impertinentes, indutoras. O mesmo pode ocorrer em relação ao
Ministério Público. Diante de nosso sistema de colheita da prova testemunhal, de nada
adianta, para a criança que ouviu um despautério, saber que aquela pergunta “não
valeu” porque o juiz posteriormente a indeferiu.

É indispensável que profissionais da área técnica, como assistentes sociais,


psicólogos, pedagogos ou outros, estejam capacitados, para que possam realizar uma
escuta com redução de dano. Todo técnico que vier a ter contato com a tarefa de escutar
142
a criança/adolescente, assim como o magistrado que vier a presidir a audiência – pois se
trata de um trabalho interdisciplinar −, para que possa se preparar, no intuito de realizar
um trabalho mais eficiente tanto em relação ao bem-estar do depoente antes, durante e
após a sua escuta como também no que se refere à qualidade do relato que venha a ser
realizado, deverá observar os seguintes aspectos:

1. compreender a dinâmica do abuso sexual (síndrome de adição e segredo) e da


violência doméstica, para passar ao depoente a ideia de que a responsabilidade pelo
que vier a ocorrer, em virtude de seu relato, não é dele, procurando-o afastar do
sentimento de culpa pelo ocorrido;
2. ter treinamento em técnicas específicas de coleta de testemunho;
3. apresentar disponibilidade, intencionalidade para o trabalho interdisciplinar;
4. estar atento acerca do desconforto no momento do depoimento (utilizar técnicas de
compreensão e apoio). Estar sensível à emoção do depoente, ao choro, não
rejeitando as suas emoções e experiências;98
5. procurar saber acerca do perfil do possível abusador e/ou funcionamento da família
em que o depoente está inserido;
6. estar familiarizado com as normas legais que disciplinam questões como o abuso
sexual e as implicações legais: Constituição Federal, Estatuto da Criança e do
Adolescente, Códigos Penal e Civil, Códigos de Processo Penal e Civil;
7. possuir conhecimento doutrinário acerca de temas como exploração sexual e
trabalho infantil;
8. observar o intervalo de tempo decorrido entre o provável evento abusivo e o
momento do depoimento judicial, tendo presentes questões de memória;
9. conhecer as políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente, bem como
quais as formas de encaminhamento visando ao acesso da família e da criança e à
consequente proteção (a trajetória da criança e da família diante de uma
comunicação de abuso sexual);
10. avaliação (autoavaliação) do técnico quanto ao seu próprio sentimento para manejar
situações de abuso sexual, adequando seu vocabulário, tornando-o adaptado a ouvir
a criança;

1
CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem dano – Uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos
processos judiciais. Ed. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2007.

143
Considerando que o momento processual do depoimento é uma audiência de
instrução, na qual estão envolvidos vários agentes – Juiz, Promotor de Justiça e
Advogado –, é importante que o técnico atente para os seguintes aspectos práticos,
evitando-se, assim, divergências quanto à forma de condução e desenvolvimento do ato
judicial:

11. estudo prévio das principais peças do processo, de forma a conhecer a trajetória do
depoente, identificar os estímulos que ele já teve para falar sobre o fato;
12. identificar o objeto específico do depoimento (nada impede que o técnico busque,
se for o caso, auxílio com o Juiz antes do início da audiência), estabelecendo, de
antemão, o foco das perguntas que serão inicialmente realizadas;
13. ter ciência do tipo de processo no qual está sendo realizado o depoimento (criminal,
cível, carta precatória, ato infracional, etc.);
14. observar a dinâmica das alegações, tais como: quem registrou a ocorrência
policial?; fatores de proteção; litígios – há indicação de que o depoente estaria sob
coerção ou coação para o depoimento em relação aos maus tratos/abuso sexual?;
15. estabelecer um protocolo mínimo com o depoente, mantendo um contato breve e
prévio com o Juiz que presidirá a audiência, bem como, em sendo possível,
mostrar-lhe a sala de audiências na qual será o seu depoimento visto e observado
pelos agentes jurídicos;
16. compreender o estágio de desenvolvimento cognitivo do depoente, observando o
nível de entendimento que possui de tempo (quando), lugar (onde), identificação
(quem), assim como está o desenvolvimento de sua linguagem;
17. compreender o estágio de desenvolvimento emocional do depoente, percebendo
como ele se sente em relação a si próprio, bem como quais os cuidados que
dispensa para consigo. Tais informações, em regra, evidenciam o tipo de ligação
que o depoente tem com as pessoas com quem convive, em quem ele confia, e
permitem identificar se ele está ou não sob proteção, bem como qual a sua ligação
com o possível agressor;
18. compreender o estágio de desenvolvimento social do depoente, sua interação com o
ambiente familiar, escolar e com amigos;
19. compreender o estágio de desenvolvimento físico do depoente, observando os
aspectos físicos e a aparência pessoal que possui em relação à denúncia de

144
agressão, negligência, etc., não descurando dos resultados médicos juntados ao
processo.

A apreensão desses quatro últimos aspectos práticos – estágios cognitivo,


emocional, social e físico – remete o técnico para o acolhimento final, o momento
depois da audiência, no sentido de orientar a pessoa de confiança do depoente, em sendo
necessário, a buscar auxílio na rede de atendimento.

Muito importante para que o depoimento seja o mais fidedigno possível é que
ele se inicie com um relato aberto, permitindo que o depoente, com suas próprias
palavras, relate os momentos de sua vida, assim como preste as primeiras informações
sobre o assunto investigado.

Nesse momento, prima-se por um mínimo de interferência no relato, mesmo


que seja por um período de tempo mais longo do que aquele que os juízes estão a
esperar quando ouvem outros tipos de pessoas durante as instruções processuais − daí
porque é necessário que o magistrado tenha paciência, sendo esta um requisito
indispensável para esse tipo de trabalho.

Feito o relato aberto, certamente ainda existirão indagações a serem esclarecidas,


com o que o técnico facilitador poderá começar a fazer perguntas ao depoente. Seguindo
o referencial teórico de Furniss (1993), são basicamente quatro os tipos de pergunta
utilizados durante o depoimento especial99:

20. as perguntas abertas, como O que aconteceu quando você ficou com seu tio
enquanto seus pais viajavam?, são aquelas que preferencialmente devem ser
utilizadas durante o depoimento da criança/adolescente, pois permitem que o relato
seja apresentado segundo a visão que a vítima possui sobre o fato investigado,
afastando, de antemão, qualquer possibilidade de haver indução a uma resposta pré-
elaborada;
21. as perguntas fechadas – como seu tio a beijou na boca quando ficou sozinho com
você?, embora excepcionalmente possam ser admitidas no decorrer da instrução,
devem, sempre que possível, ser evitadas, uma vez que sugerem claramente a
prática de uma ação proibida e condenada - abuso sexual −, que só podem ser
respondidas pela confirmação ou negação, “sim” e “não”.

99
FURNISS, Tilman. Abuso Sexual da criança, Uma abordagem Interdisciplinar. Porto Alegre: Artes Médicas,
1993.

145
É exatamente nesse tipo de indagação que se fragiliza o depoimento da
criança/adolescente – na maior parte dos casos, injustificadamente – pois,
inexistindo vestígios materiais da infração investigada, a alegação da defesa é sempre de
que o depoente ainda é uma pessoa em estágio de desenvolvimento, sem completo
conhecimento dos assuntos que está a detalhar, e que, por não possuir opinião própria
sobre o que aconteceu − tanto assim que não conseguiu pormenorizá-la − optou por
incorporar a versão do adulto (inquiridor) à sua, mediante a verbalização de uma única
palavra, o “sim”.
Para que não seja a pergunta fechada a única responsável pela versão
apresentada pela criança/adolescente, sugere Furniss (1993) que, logo após a sua
realização, seja ela seguida de outra pergunta aberta, como forma de permitir que
também o depoente possa ter a oportunidade de relatar com suas palavras e outras
formas de expressão, como, por exemplo, os gestos, tal qual a sua visão do fato
investigado.

22. as perguntas de escolha, como ele a beijou na boca ou no pescoço?, da mesma


forma que as perguntas fechadas, sugerem pelo menos uma possibilidade de que a
ação proibida tenha ocorrido, pelo que, igualmente, deverá ser intercalada com
outros métodos de inquirição.
23. as perguntas hipotéticas, como se seu tio grande tivesse beijado a sua sobrinha na
boca, deveria ela contar isso para seu papai? permitem que o técnico abra espaços
para novas perguntas, no sentido de permitir que a criança consiga, ainda que de
modo incipiente, relatar seu entendimento sobre o que está sendo investigado.

Conclui Furniss (1993, p. 197) ser inviável que apenas um tipo de inquirição seja
realizado durante o depoimento, sendo necessária uma constante mudança entre os
diferentes modos de questionamento.

Dentre as perguntas inadequadas ou comportamentos impróprios, pode-se citar:

1- Chamar a criança ou adolescente de “senhor” ou “senhora”;


2- Não permitir o “tempo” da criança, interrompendo-a ou apressando-a;
3- Utilizar vocabulário que a criança não tem condições de compreender, ainda que
tenha de estar contido na denúncia, por exemplo, “lascívia”, “concupiscência”,
“libidinosos”, “genitália”;
4- Mentir para a criança, declarando que o teor de seu depoimento não influenciará o
resultado do processo, por exemplo;
146
5- Creditar à criança algum comportamento que a culpabilize pelo abuso sofrido: Por
que você não pediu ajuda?, Por que você não contou para ninguém naquela época?,
Você costuma falar mentiras?, Que roupa você estava usando naquele dia?.

A criança quer ser ouvida. E o juiz precisa estar preparado porque – além de
responder – a criança pode querer fazer perguntas, inclusive sobre o processo, como: o
que vai acontecer com (o Fulano)? Se eu disser (isso ou aquilo), o que acontecerá?

Até mesmo nos casos em que for proporcionado o Depoimento Especial, deve
ser dada à criança a oportunidade de conhecer a sala de audiência e o juiz, assim como
devem ser disponibilizadas informações por meio de cartilha, folheto, para que a criança
tire suas principais dúvidas e se sinta acolhida, confortável e confiante.

7. Intervenção da Equipe Técnica na Metodologia do Depoimento Especial.

Estudos têm apontado não existir um único modo de realizar a entrevista


investigativa, sendo que os principais modelos foram desenvolvidos por profissionais
que buscaram aprimorar suas próprias maneiras. No entanto, todos apresentam em
comum a forma de condução, destacando a importância de acolhimento do entrevistado
e o estabelecimento de empatia que o ajude a falar sobre o ocorrido, a permissão de
relato livre como uma das técnicas que garante a obtenção de relatos com maior número
de informação e com mais detalhes, melhorando a qualidade da prova.

Os protocolos de entrevista privilegiam o uso de perguntas abertas, em


detrimento de perguntas fechadas, visando a diminuir a possibilidade de
sugestionabilidade. De forma indispensável, estes protocolos prevêem a áudio-gravação
da oitiva e a observação da condução da entrevista por outros profissionais com a
atribuição de garantir a abordagem de perguntas juridicamente relevantes. Dentre os
Protocolos de Entrevistas investigativas mais utilizados estão:

 EC – Entrevista Cognitiva.

 RATAC – Rapport, Anatomy Identification, Touch Inquiry, Abuse scenario and


Closure.

 NCAC – The National Children’s Advocacy Center.

NICHD – Protocolo de entrevista investigativa estruturada no National Institute


of Child Health and Human Development − O Protocolo NICHD foi
desenvolvido pelo psicólogo Michael Lamb, atualmente Professor da
147
Universidade de Cambridge, e colaboradores, em um esforço de aplicar os
conhecimentos de ponta produzidos na área de desenvolvimento infantil à área
forense100. Trata-se do Protocolo de oitiva de crianças mais pesquisado no
mundo, com resultados comprovados e robustos de sua eficácia. Por exemplo,
estudos realizados com grandes amostras nos Estados Unidos, Canadá, Suécia e
Israel mostraram que, após intensa capacitação quanto ao uso do Protocolo, por
profissionais diversos, houve ausência de perguntas sugestivas nas entrevistas
em que foi utilizado.

O Protocolo é composto pelas seguintes etapas: a) Introdução, na qual são


explicadas às crianças as regras da entrevista, dando exemplos práticos para
entender-se o que seria, por exemplo, uma mentira ou não; b) Estabelecimento
de Rapport, no qual o entrevistador conversa com a criança sobre, por exemplo,
coisas que ela gosta de fazer; c) Treino de Memória Episódica, no qual a
criança aprende a prática narrativa (esse componente é essencial, na medida em
que ele ensina a criança a responder a perguntas abertas com o máximo grau de
detalhamento, fato que as crianças (e adultos) não têm o hábito de fazer. Tal
treino é realizado com temas envolvendo atividades prazerosas, como, por
exemplo, Conte-me tudo o que aconteceu no seu aniversário; d) Transição
para as questões primordiais (exemplo: Quero falar sobre porque você veio
aqui hoje) – nessa fase, há grande probabilidade de ocorrerem revelações de
abuso sexual, em livre evocação de memória, apenas com questões abertas; e)
Investigação do(s) Incidente(s) com questões abertas seguidas por específicas,
separando os incidentes e explorando-os; f) Intervalo para o entrevistador se
organizar e verificar que informações novas precisam ser coletadas; g)
Obtenção de informações que ainda não foram mencionadas pelas crianças;
h) Informações sobre a revelação; i) Encerramento; j) Tópico Neutro
(pergunta-se à criança o que ela vai fazer quando sair dali).

O Protocolo foi desenvolvido para entrevistar crianças a partir dos 4


(quatro) anos, mas recentemente tem sido usado com sucesso com crianças de 3
(três) anos, sendo que há uma versão para crianças com deficiência. O Protocolo
NICHD já se encontra traduzido em versão de português do Brasil

100
Lamb, M. E., Hershkowitz, I., Orbach, Y. & Esplin, P.W. (2008). Tell me what happened: Structured investigative
interviews of child victims and witnesses. Wiley: Chichester.

148
(http://nichdprotocol.com/nichdbrazil.pdf), sendo que os estudos sobre sua
validação à nossa cultura já se iniciaram por um grupo de pesquisadores da
Universidade Federal de São Carlos, SP (Laprev), Universidade Tuiuti do
Paraná (PR) e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (RS).

Para a abordagem dos profissionais perante o Depoimento Especial, foi adotada


a técnica de ENTREVISTA COGNITIVA (EC), uma vez que seu principal objetivo está
em obter melhores depoimentos, ricos em detalhes e com maior qualidade e precisão de
informação. Além disso, esse protocolo é reconhecido como uma excelente ferramenta
para minimizar a revitimização, diminuindo as chances de sugestionabilidade, bem
como sua utilização permite que os depoimentos obtidos sejam tão completos quanto
possível, primando pelo respeito às condições cognitivas e psicológicas da pessoa
entrevistada.

Segundo estudiosos da EC, ela envolve uma abordagem organizada em torno de


cinco etapas, cada qual com seus fundamentos e objetivos específicos, quais sejam:
construção do rapport, recriação do contexto original, narrativa livre, questionamentos
e fechamento. Trabalhos em curso no Brasil têm adequado tais etapas desenvolvendo
uma metodologia que prevê o uso da EC com vídeo-gravação em sala especial, trabalho
interdisciplinar, de forma interativa com a sala de audiência onde o magistrado, o
promotor de justiça e o advogado manifestam-se oportunamente. Trabalhos realizados
em Porto Alegre e em Recife, por exemplo, desenvolvem, de forma positiva, a seguinte
metodologia:

 Acolhimento inicial: abrange as etapas da construção do rapport,


personalização da entrevista, construção de um ambiente acolhedor,
discussão de assuntos neutros, explicação dos objetivos da entrevista.

No momento do acolhimento, o técnico facilitador recebe a criança ou


adolescente, devidamente acompanhado, os quais chegam com antecedência de 30
(trinta) minutos da hora da audiência. A primeira ação interventiva do técnico, quando
da chegada dessa criança ou adolescente ao judiciário, é no sentido de evitar o encontro
com o suposto abusador, o qual, possivelmente, está circulando pelas dependências do
Fórum, especificamente diante da sala de audiência, aguardando o momento de seu
início. Evita-se, nesse momento, um primeiro abalo emocional da criança/adolescente,

149
a/o qual teme a presença do suposto abusador que, via de regra, é intimidativo,
causando à vítima/testemunha maior insegurança e medo.

Passado esse momento, que pode ser chamado de protetivo, realizam-se os


esclarecimentos acerca da metodologia do DE e da realização da audiência. Explica-se
em que consiste o depoimento especial, quais seus objetivos e o papel do técnico nesse
processo; quem são as outras pessoas que participarão desse momento, como o juiz, o
promotor de justiça e os serventuários da justiça, explicando-lhe o papel destes. Mostra-
se-lhe a sala de audiência e a sala do depoimento, os equipamentos de áudio e vídeo,
bem como o local onde ficará a criança/adolescente com o técnico; apresenta-se, quando
é possível, o juiz à criança/adolescente. É o momento utilizado para tranquilizar a
criança/adolescente, transmitindo-lhe segurança e confiança.

Nessa etapa do acolhimento, não são abordados os fatos ocorridos que ensejaram
o processo criminal; entretanto, para que se possa realizar uma intervenção adequada,
no momento da audiência, é importante que se esclareça com a criança/adolescente qual
é a linguagem que ele/ela utiliza para nomear as partes íntimas do seu corpo.
Importante, ainda, que se esclareça à criança/adolescente que lhe será dada a
possibilidade de poder optar pela presença ou não do acusado em sala de audiência.

O momento do rapport oportuniza a aproximação do técnico com o magistrado


antes do início da audiência, de forma a realizar um protocolo mínimo e, com isso, fazer
algumas combinações prévias a respeito do estado geral da criança/adolescente e de
suas condições para depor, sinalizando que, em sendo identificada alguma contra-
indicação para a realização dessa escuta, é o momento de se fazer tal referência.

Na sequência da etapa do acolhimento, dando continuidade à atuação do técnico


facilitador com a criança e/ou adolescente, inicia-se a etapa do depoimento
propriamente dito:

 Depoimento propriamente dito: abrange as etapas da recriação do contexto


original, nas quais se busca restabelecer mentalmente a conjuntura em que a
situação de violência ocorreu.

É o momento de se obter o relato livre da testemunha, sem interrupções. É,


também, a etapa do questionamento na qual se busca sejam formuladas perguntas
compatíveis com o nível de compreensão da testemunha. Pretende-se, ainda, priorizar o

150
uso de perguntas abertas, obter esclarecimentos e detalhamento do relato e possibilitar
múltiplas recuperações – lembrando que os questionamentos ocorrem de forma
interativa com os agentes jurídicos.

Em relação ao depoimento propriamente dito, a intervenção do técnico


facilitador já ocorre dentro da sala do depoimento especial. Ou seja, quando se inicia a
audiência, no momento em que o sistema de áudio e vídeo é ligado, permanece, na sala
do depoimento especial, apenas o técnico e a vítima criança/adolescente, a qual está
ciente do procedimento utilizado. A vítima fica com um microfone de lapela em sua
roupa, o técnico facilitador também tem um microfone e um ponto de escuta no ouvido.
Tanto o microfone quanto o ponto servem, também, para estabelecer uma relação de
diálogo com o magistrado e os outros profissionais que estão na sala de audiência.
Dessa forma, evita-se que a criança ou o adolescente escutem perguntas ou
questionamentos inadequados, possibilitando ao profissional filtrar estas
inconveniências. A audiência somente tem início com a autorização verbal do
magistrado.

O técnico deve respeitar o ritmo da criança ou adolescente, bem como a forma


pela qual escolheu iniciar o relato, de modo que não seja interrompido. Quando a
criança ou adolescente termina seu relato ou, até mesmo, apresenta dificuldades de
lembrar-se de alguns fatos, há a intervenção do técnico que, a partir das informações da
criança/adolescente somadas a fatos vertidos da peça processual, inicia a fase de
questionamentos.

A criança ou adolescente vai interagindo nesse diálogo, sem a intervenção do


magistrado ou de qualquer outro profissional que esteja na outra sala de audiência. No
momento em que se percebe que a criança ou adolescente já esgotou o assunto sobre a
situação de violência, tendo o técnico facilitador encerrado seus questionamentos,
pergunta-se ao juiz se tem ainda alguma colocação. Nesse momento, se necessário, há
perguntas elaboradas pelo promotor de justiça e pelo defensor do acusado. Se a criança
ou adolescente ainda não havia verbalizado aquela questão, intervém, de forma a
retomar com ela sobre a indagação realizada a partir da sala de audiência. Esgotadas as
dúvidas e interesses decorrentes de um processo-crime, a audiência é encerrada, quando,
então, realiza-se o acolhimento final.

151
 Acolhimento final: consiste em realizar o fechamento da entrevista
fornecendo o resumo das informações obtidas, discutindo tópicos neutros.

Com o equipamento já desligado, o técnico facilitador agradece a participação


da criança ou do adolescente, referindo que sem a presença dela/dele não poderia ter
realizado a audiência. Ressalta, ainda, que suas contribuições foram muito importantes
para que o juiz tomasse sua decisão. Pergunta como a criança ou o adolescente está se
sentindo e procura conversar sobre outros assuntos, de modo a levar à descontração.

De forma a visualizar mais claramente as etapas até aqui referidas, apresenta-se


o quadro a seguir, com resumo das etapas da EC. Vejamos:

Etapa Objetivos

• Personalizar a entrevista
• Construir um ambiente acolhedor
1.Construção do Rapport • Discutir assuntos neutros
• Explicar os objetivos da entrevista
• Transferir o controle para o entrevistado

2. Recriação do contexto original • Restabelecer mentalmente o contexto no qual a


situação ou crime ocorreu
• Recriar o contexto ambiental, perceptual e afetivo

3. Narrativa livre
• Obter o relato livre da testemunha, sem interrupções

• Realizar o questionamento compatível com o nível de


4. Questionamento compreensão da testemunha
• Priorizar o uso de perguntas abertas
• Obter esclarecimentos e detalhamento do relato e
possibilitar múltiplas recuperações

• Realizar o fechamento da entrevista


• Fornecer o resumo das informações obtidas
5. Fechamento • Discutir tópicos neutros
• Estender a vida útil da entrevista

152
De igual modo, a tabela abaixo retrata formas eficientes de indagações que bem
elucidam explicações já detalhadas neste módulo:

Tipo de pergunta Definição Exemplo

Abertas Permitem que a pessoa que está O que você viu quando entrou
respondendo dê mais na loja?
informações

Propiciam que o entrevistado Era manhã, tarde ou noite


Fechadas responda apenas “sim/não” ou quando o crime aconteceu?
escolha uma alternativa
Você viu o rosto do assaltante?
Ele foi agressivo? O que ele
Várias questões colocadas falou?
Perguntas múltiplas simultaneamente

Expressam, implícita ou Tendo em vista que o Borracha


explicitamente, a opinião do é um bandido foragido e, no
Tendenciosas/ sugestivas entrevistador, conduzindo a momento do fato, estava nas
testemunha a uma determinada imediações, você não acha que
resposta ele possuía algum envolvimento
com o crime?

Então você está me dizendo que


viu aquele seu vizinho no local
Confirmatória/ inquisitiva Procuram confirmar aquilo que do crime? (quando a testemunha
foi dito ou uma hipótese falou apenas que a pessoa no
levantada pelo entrevistador local do crime lembrava o
vizinho).

Ao realizar a tomada de depoimento especial de uma criança/adolescente


utilizando-se de técnicas de entrevista investigativa, é preciso ficar atento para não
incorrer nos dez erros mais comuns que os entrevistadores forenses cometem, conforme
especifica a literatura101. São eles:

1. Não explicar o propósito da entrevista.


2. Não explicar as regras básicas da sistemática da entrevista.
3. Não estabelecer o rapport.
4. Não solicitar o relato livre.
5. Basear-se em perguntas fechadas e não fazer perguntas abertas.
6. Fazer perguntas sugestivas/confirmatórias.

101
STEIN, Lilian M. e cols. Falsas Memórias. Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e Jurídicas. Porto
Alegre: Artmed, 2009.

153
7. Não acompanhar o que a testemunha disse recentemente.
8. Não permitir pausas.
9. Interromper a testemunha quando ela está falando.
10. Não fazer o fechamento da entrevista.

Vale ressaltar que, ao final da audiência, a partir do contato com o responsável,


busca-se conhecer o tipo de acompanhamento social e/ou psicológico que a
criança/adolescente acessa ou acessou, frente ao ocorrido, bem como a rede assistencial
de apoio à família, como um todo. Também se investiga a configuração familiar e a
vinculação estabelecida dessa família com o suposto abusador. Importante frisar que tais
informações dão subsídios para que se possa compreender a dinâmica e a estrutura das
relações familiares visando a uma intervenção profissional mais abrangente, que vai
além da tomada de depoimento especial.

Sabe-se que a criança ou o adolescente não está livre de reviver o sofrimento


implicado nesse tipo de abordagem, mas não podemos olvidar que esse tipo de
abordagem vem se configurando como um passo à frente na situação atual, devendo
estar em constante aprimoramento.

8. Oitiva de Crianças ou Adolescentes portadores de Necessidades Especiais.

Durante a entrevista ou escuta/oitiva de crianças/adolescentes portadores de


deficiência ou necessidades especiais que foram abusadas ou sofreram qualquer tipo de
violência, é importante avaliar a situação tanto do agravo/dano causado como da falta de
proteção ou do abandono que vinha acontecendo e que culminou no episódio a ser
investigado:

 Identificar o tipo da deficiência e classificar usando os critérios do CIF ou CID-


10 ou DSM-IV;

 Determinar se a deficiência irá intervir ou criar obstáculos de compreensão


durante a entrevista;

 Avaliar o impacto da violência sexual no(s) comportamento(s) que estão sendo


apresentado(s) pela criança/adolescente;

 Permitir um tempo extra e necessário durante a entrevista para avaliação da


criança/adolescente e/ou membro da família de convivência;

154
 Não projetar “rótulos estereotipados” sobre a situação da violência sexual ou dos
fatos ocorridos;

 Registrar ou gravar a entrevista com todo o respeito e adaptação necessária à


deficiência apresentada, com a descrição objetiva dos dados relatados pela
criança/adolescente;

 Complementar os dados da entrevista com os dados obtidos durante o exame


médico pediátrico/clínico, ginecológico, neurológico ou psiquiátrico ou de
acordo com o desenvolvimento psicológico e a maturidade da
criança/adolescente;

 Encaminhar para acompanhamento e tratamento médico e/ou psicoterapêutico e


apoio familiar e/ou aconselhamento psicossocial necessário;

 Procurar suporte de profissionais da área de Educação Especial – por exemplo,


realizar a oitiva da criança surda com um interprete de LIBRAS – Língua
Brasileira de Sinais.

9. Avaliação pericial no contexto da violência: possibilidades e limites na


intervenção.

Inicialmente, vale ressaltar que a intervenção do profissional, seja da área do


Serviço Social, seja da Psicologia, da Pedagogia, dentre outras, numa abordagem de
escuta por meio do Depoimento Especial, difere de uma abordagem derivada de um
processo pericial. O primeiro tem o foco da intervenção direcionado à evidência
baseada na memória dos fatos, de maneira que o relato seja o mais fiel e detalhado.
Assim, direciona a intervenção buscando saber: O que aconteceu? Se aconteceu? Quem
praticou? Quando? Como? Onde?

Em relação à perícia técnica, do ponto de vista social, são observadas a situação


de violência, a relação existente entre as crianças/adolescentes com seus pais ou
responsáveis, a violência propriamente dita, a vulnerabilidade existente e a resposta da
família às intervenções propostas. Do ponto de vista psicológico, avaliam-se as questões
comportamentais da vítima, sinais e sintomas de danos psicológicos. Em ambas as
situações periciais, ao final, é emitido um parecer, faz-se indicações ou contra-
indicações, de forma a subsidiar a decisão do magistrado e, por conseguinte, romper o
ciclo da violência.

155
Abordando, em especial, o processo de trabalho do assistente social do
Judiciário, caracteriza-se por ser uma atividade especializada de assessoria judicial, que
visa a desvelar as manifestações da questão social, oferecendo, dessa forma, elementos
que possam contribuir para a decisão judicial. Nesse sentido, o conhecimento
especializado do assistente social pode contribuir, em diferentes áreas do Direito, nos
mais variados procedimentos jurídicos. Sua ação profissional, no entanto, exige
capacidade teórica e competência técnica para decifrar a realidade e vislumbrar novas
alternativas que ampliem e aperfeiçoem sua intervenção profissional, razão pela qual
torna-se um profissional autônomo, com liberdade para direcionar sua intervenção.

A perícia social é um processo de trabalho de competência do assistente social e,


quando determinada, tem por finalidade conhecer e interpretar a realidade social dos
sujeitos envolvidos e emitir um parecer. Em uma situação de violência sexual infantil,
por exemplo, serão avaliados os seguintes aspectos:

 Dinâmica familiar: interação pais-criança; papeis familiares; relacionamento


com álcool e droga pelos adultos da família;

 Trabalho/vida econômico-financeira, capacidade de manter as necessidades


básicas da criança;

 Vida sócio-comunitária: relacionamento com amigos, escola, vizinhos,


atividades na comunidade, envolvimento com justiça, polícia.

 Planos e propósito de vida que incluem a criança.

 Relação de segurança: quem, dentro do contexto de relações da criança, poderá


fazer a sua proteção.

Num processo pericial, o assistente social direciona sua intervenção de forma a


desvelar a realidade social em suas mais variadas expressões, como saúde, educação,
moradia, família, emprego, segurança, cultura, doença, violência, dentre outras, nas
quais estão inseridos os sujeitos. Dessa forma, a contribuição do Serviço Social nesse
campo sociojuridico possibilita desenvolver novas alternativas de intervenção,
garantindo aos requerentes o acesso à justiça, com vistas ao atendimento de seus
direitos e ao exercício de sua cidadania.

156
A VIOLÊNCIA CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
COM ÊNFASE NO ABUSO
SEXUAL

Material Complementar

157
Para Reflexão
Os desgastes emocionais e o reflexo psicológico da atuação do magistrado e
demais profissionais no encaminhamento das ações que envolvem violência
contra crianças e adolescentes

O trabalho geralmente é uma de nossas principais fontes de satisfação pessoal e


de prazer. Dedicamos a ele grande parte do nosso dia, sendo um contexto no qual
podemos exercer a criatividade e obter relacionamentos gratificantes com colegas e
pessoas com quem interagimos. No entanto, o trabalho pode também causar problemas
de saúde quando o profissional não conhece estratégias para lidar com os riscos com
que se depara.

Quando há um descompasso entre as exigências do trabalho e os recursos que a


pessoa tem para gerenciá-las, é utilizada a expressão estresse ocupacional. Cabe
lembrar, contudo, que a palavra estresse nem sempre tem uma conotação negativa.
Utilizamos a palavra estresse simplesmente para descrever como nosso corpo e mente
reagem aos eventos que nos sucedem. Por vezes, nossas reações aos eventos são
negativas, ocasionando dor de cabeça, náusea, problemas de memória ou concentração e
preocupação excessiva. No entanto, nossa reação pode ser de energia, foco, curiosidade
e motivação para enfrentar desafios. Quando isso acontece utilizamos o conceito
estresse positivo para descrever tais formas de reação.

Entretanto, aqui queremos lembrar as situações e os contextos nos quais o


estresse se manifesta de modo negativo. Há, inclusive, uma expressão para descrever o
adoecimento por estresse ocupacional – o burnout, expressão caracterizada por
desânimo e tristeza, característicos de depressão, gerando falta de envolvimento com o
trabalho, faltas e atrasos frequentes, excesso de visitas ao médico e
farmacodependência. Por lidar excessivamente com o sofrimento humano, certos tipos
de trabalho e ocupação colocam o profissional em risco para o burnout, sendo isso
também descrito pela literatura por fadiga de compaixão.

São muitos os desafios associados à carreira de um magistrado. Além do peso da


responsabilidade em tomadas de decisões que afetam inúmeras pessoas, há a sobrecarga
de trabalho gerando uma rotina estafante, um ambiente nem sempre sereno para a
condução das atividades, o alto volume de documentos e processos a serem
examinados, a sobrecarga de papéis, a falta de estrutura e a ausência, por vezes, de um
grupo psicossocial de apoio.

158
Quanto ao trabalho judiciário no enfrentamento do abuso sexual, há a
possibilidade de um desgaste emocional alto, não apenas em decorrência do tema – uma
violação grave dos direitos da criança –, mas também pela complexidade e
especificidade do assunto (sua natureza privada e potencialmente traumática). Isso exige
um trabalho de atuação do magistrado que seja compartilhado com a equipe,
envolvendo outros profissionais da área psicossocial. Quando não há uma equipe de
apoio capacitada, o desgaste emocional do magistrado pode ser grande, gerando estresse
ocupacional e até mesmo burnout.

Para evitar isso, é sugerido o exercício abaixo, considerando o reflexo sobre


atividades que são comprovadamente testadas para aumentar o bem estar pessoal.
Quando estamos bem com a nossa saúde física e mental, estamos preparados para a
busca de soluções viáveis a superar os desafios profissionais. Da mesma forma, é
possível sentir prazer com o nosso trabalho diário. A palavra exercício é proposital, pois
não se trata de um instrumento validado. Ele foi desenvolvido pela Profa. Sandra
Graham-Bermann, da Universidade de Michigan, para profissionais que lidam com
situações de trauma humano.
Responda às questões abaixo para fazer uma estimativa de como está a sua
qualidade de vida. Anote 1 para “nunca/quase nunca”, 2 para “ocasionalmente” e 3 para
“frequentemente/sempre”. O importante não é estabelecer um escore total, mas que você
reflita sobre situações que estão adequadas e inadequadas e como pode melhorar sua
qualidade de vida.

Avaliação de Auto-cuidados
(Graham-Bermann, 2001)

CUIDADOS FÍSICOS
1.Alimentar-se regularmente (3 refeições ao dia) ( )
2.Ter uma alimentação saudável ( )
3. Fazer exercícios físicos regularmente ( )
4. Ir ao médico quando necessário ( )
5. Ir ao médico para prevenção ( )
6. Tirar tempo para repousar quando ficar doente ( )
7. Receber massagem ( )
8. Fazer alguma atividade física agradável (dançar, correr, nadar,

159
caminhar, etc. ( )
9. Ter relações sexuais com o companheiro(a) ( )
10. Dormir o suficiente ( )
11. Vestir roupas que você aprecia ( )
12. Tirar férias ( )
13. Ter um dia de folga ou viajar nos fins de semana ( )
14. Desligar-se propositalmente do telefone, celular ou internet ( )

CUIDADOS PSICOLÓGICOS
15. Fazer auto-reflexões ( )
16. Fazer psicoterapia se quiser ou se for necessário ( )
17. Escrever um diário ( )
18. Ler coisas não relacionadas ao trabalho ( )
19. Engajar-se em atividades nas quais você não é um especialista ( )
20. Esforçar-se para diminuir o estresse em sua vida ( )
21. Refletir sobre suas experiências prévias (ouvir seus próprios
pensamentos, crenças e sentimentos) ( )
22. Deixar que os outros conheçam diferentes aspectos de si mesmo ( )
23. Engajar seu intelecto em uma nova área (museu, teatro, eventos
culturais, cinema, etc.) ( )
24. Aceitar ajuda de outra pessoa ( )
25. Ser curioso(a) ( )
26. Dizer não à responsabilidade extra quando possível ( )

CUIDADOS ESPIRITUAIS
27. Dedicar um tempo à reflexão ( )
28. Dedicar um tempo para contemplar a natureza ( )
29. Descobrir um lado espiritual ou comunitário ( )
30. Ficar aberto(a) à inspiração ( )
31. Apreciar seu otimismo e esperança ( )
32. Importar-se com aspectos não materiais da vida ( )
33. Tentar às vezes não ter controle de tudo ( )
34. Ficar aberto(a) à coisas que não conhece ( )
35. Meditar ( )

160
36. Rezar ( )
37. Cantar ( )
38. Passar tempo com crianças ( )
39. Ter experiências de deslumbramento ( )

CUIDADOS PROFISSIONAIS
40. Fazer uma pausa durante o dia de trabalho (ex., no almoço) ( )
41. Fazer uma pausa para “bater papo” com colegas de trabalho ( )
42. Dispor de tempo para completar tarefas ( )
43. Estabelecer limites apropriados com funcionários e colegas ( )
44. Equilibrar sua agenda, tentando completar tarefas sem se
sobrecarregar ( )
45. Dispor seu espaço de trabalho de modo confortável ( )
46. Receber consultoria sempre que necessário ( )
47. Negociar suas próprias necessidades (horário, etc.) ( )
48. Ter um grupo de apoio constituído por colegas e demais
profissionais ( )
49. Desenvolver uma área de interesse profissional não relacionada ao
seu trabalho diário ( )

Instruções para a pontuação:

Some o número de pontos atribuídos em cada item e veja o escore total:


De - Auto-cuidados praticas com alta frequência (Excelente!)
De - Auto-cuidados praticados com frequência moderada (Está bom,
mas pode melhorar!)
De - Auto-cuidados praticados com baixa frequência (Mudanças são
necessárias para cuidar-se mais!

161
Referências Bibliográficas / Bibliografia Sugerida

American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental


Disorders (DSM-4) 4ª.Ed, Arlington/VA, American Psychiatric Publishing, 2000.

AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane N. de A. Infância e Violência


Doméstica: fronteiras do conhecimento. São Paulo: Cortez, 2000, 3ª edição.

BASTOS, O; Attianezi, M; Moura, MP: Violência contra pessoa com deficiência


intelectual in Taquette, S: Mulher Adolescente/Jovem em Situação de Violência, 2ª. Ed ,
Rio de Janeiro, Ed UERJ: 135-143, 2012.

BITENCOURT, Luciane Potter. Vitimização secundária e depoimento sem dano. In:


Revista da Ajuris: doutrina e jurisprudência, v. 35, n. 110, p. 267-288, jun. 2008.

BRANDÃO, Paulo Roberto de Sousa. Princípio da legalidade: a garantia da proteção


integral às crianças vítimas de abuso sexual - breve reflexão sobre o depoimento sem
dano. In: Revista da Esmape, v. 15, n. 31, p. 375-397, jan./jun. 2010.

BRAUNER, Maria Claúdia Crespo (Org.). Violência sexual intrafamiliar: uma visão
interdisciplinar: contribuições do direito, da antropologia, da psicologia e da medicina.
Pelotas: Delfos, 2008.

CAMARGO, Rodrigo Oliveira de. A face "procedimental" do depoimento sem dano. In:
Boletim Ibccrim, v. 19, n. 227, p. 10-11, out. 2011.

CANEZIN, Claudete Carvalho; PEROZIM, Ana Carolina Benassi. Do crime de abuso


sexual praticado contra crianças e adolescentes e o depoimento sem dano. In: Revista
IOB de Direito Família, v. 11, n. 57, p. 118-139, dez./jan. 2009/2010.

CÉZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento sem Dano: uma alternativa para inquirir
crianças e adolescentes nos processos judiciais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007.

COHEN, Claudio. Incesto em Infância e Violência Doméstica: fronteiras do


conhecimento. São Paulo: Cortez, 2000.

DOBKE, Veleda. Abuso sexual: a inquirição das crianças: uma abordagem


interdisciplinar. Porto Alegre: Lenz, 2001.

FÁVERO, Eunice Teresinha. Depoimento sem dano: metodologia, polêmicas e


questões técnicas e éticas sobre a participação do assistente social. In: Serviço social &
sociedade, v. 29, n. 95, p. 189-202, set. 2008.

GLAT, R: Saúde Social, Deficiência e Juventude em Risco. Relatório da Consultoria


Técnica em educação sexual, sexualidade, juventude, deficiência, depoimentos, inclusão
social, Rio de Janeiro, Banco Mundial, 2004.
162
GRAHAM-BERNANN, S. (2001). Oficina dada no III Congresso Internacional de
Crianças Expostas à Violência Doméstica, London, Canadá, Junho/2001. Traduzido e
Adaptado por Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams com autorização da autora.

GRANDJEAN, E. (1998). Manual de Ergonomia: Adaptando o trabalho ao homem.


4ed. Porto Alegre: Bookman.

HOFFMEISTER, Marleci Venério. Entre quatro paredes: a intervenção profissional do


Assistente Social na tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes em
situação de abuso sexual. Porto Alegre: Lumen Juris, 2013.

Krug, E.G, Dahlberg, L.L, Mercy JÁ, Zwi, AB e Lazano, R. (2002). World Report on
Violence and Health. Genebra: World Health Organization.

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013.

Lipp, M. E. N. (2005). Stress no trabalho: Implicações para a pessoa e para a empresa.


Em: F. P. N. Sobrinho, & I. Nassaralla. Pedagogia Institucional: Fatores humanos nas
organizações. (pp.). Rio de Janeiro: Zit Editora.

LEITE, Carla Carvalho. Depoimento sem dano: a inquirição de crianças e adolescentes


vítimas de abuso sexual. In: Revista do Ministério Público / Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro, n. 28, p. 07-14, abril/jun. 2008.

Lidchi, V. (2010) Maus tratos e proteção de crianças e adolescentes: uma visão


ecossistêmica. Rio de Janeiro, Instituto NOOS.

MACIEL, Kátia Regina Maciel. Curso de Direito da Criança e do Adolescente. São


Paulo: Saraiva, 2013.

MENEGAZZO, André Frandoloso. Depoimento sem dano: o olhar interdisciplinar na


compreensão do delito e o respeito à dignidade da pessoa humana na inquirição de
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. In: Ciência Jurídica, v. 25, n. 159, p.
261-281, maio/jun. 2011.

MURTA, S. G. & Troccóli, B. T. (2004). Avaliação de intervenção em estresse


ocupacional. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20 (1), 39-47.

PAULO, Beatrice Marinho. Da possibilidade de participação do psicólogo na


inquirição de crianças. In: Revista brasileira de direito das famílias e sucessões, v. 13,
n. 24, p. 56-64, out./nov. 2011.

POTTER, Luciane. Depoimento sem dano: uma política criminal de redução de danos.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

163
RIZZINI, IRENE. A criança e a lei no Brasil revisitando a história (1822-2000).
Brasília, DF: UNICEF; Rio de Janeiro: USU Ed. Universitária, 2ª ed., 2002.

RAMOS, Patricia Pimentel de Oliveira Chambers. A moderna visão da autoridade


parental na obra Guarda Compartilhada, aspectos jurídicos e psicológicos. Porto
Alegre: Equilíbrio, 2005.

SARAIVA, João Batista Costa. O “depoimento sem dano” e a “Romeo and Juliet
Law”: uma reflexão em face da atribuição da autoria de delitos sexuais por
adolescentes e a nova redação do art.217 do CP. In: Boletim Ibccrim, v. 17, n. 205, p.
12-13, dez. 2009.

SILVEIRA, Margareth Lizita Lobo. Sequelas psicológicas da Pedofilia. Revista


Jurídica Consulex - Ano VI - nº 129, de 31 de maio de 2002.

SKORUPA, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após


audiências criminais com e sem depoimento especial. Dissertação de Mestrado.
Curitiba, 2013.

SHINE, Sidney. Abuso Sexual de Crianças em Direito de Família e Psicanálise,


organizado por Giselle Câmara Groeninga e Rodrigo da Cunha Pereira. Rio de Janeiro:
Imago, 2003.

TUPINAMBÁ, Roberta. A oitiva informa da criança como meio de prova no âmbito do


direto de família: limites e interdisciplinaridade. In: PEREIRA, Tânia da Silva;
OLIVEIRA, Guilherme de (Orgs.). Cuidado e vulnerabilidade. São Paulo: Atlas, 2009,
p. 372-381.

WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque; ARAÚJO, Eliane Aparecida


Campanha. Prevenção do abuso sexual infantil: um enfoque interdisciplinar. Curitiba:
Juruá, 2009.

WILLIAMS, L.C.A. (2012). Pedofilia: Identificar e prevenir. São Paulo: Editora


Brasiliense.

WILLIAMS, L.C.A.; Laterza, N, Eisenstein, E. Trauma craniano violento: uma revisão


de literatura (2013) Jornal de Pediatria.

WILLIAMS, L.C.A, Padovani, R.C, Araujo, E.A.C, Stelko-Pereira, A.C., Ormeño, G.R,
Eisenstein, E. (2009). Fortalecendo a Rede de Proteção da Criança e do Adolescente.
São Carlos, LAPREV.

World Health Organization (2003) Guidelines for Medical-Legal Care for Victims of
Sexual Abuse Geneva, WHO.

164
World Health Organization, International Society for Prevention of Child Abuse and
Neglect (2006) Preventing Child Maltreatment, a Guide to taking action and generating
evidence. Geneva, WHO/ISPCAN.

1° Seminário Nacional de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos de Pessoas com


Deficiências, Brasília, 2010 accessível em
http://www.unfpa.org.br/Arquivos/Seminario_Nacional_Saude.pdf

Brasil. Presidência da República. Secretaria Especial de Direitos Humanos.


Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência,
Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, Brasília, Presidência da
República, 2007.

Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, Coordenadoria Nacional de


Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, CORDE, Brasília, 2008, accessível em
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/publicacoes/convencao-sobre-os-direitos-
das-pessoas-com-deficiencia.

Lei Federal 7853 de 24 de Outubro de 1989, Direito das Pessoas Portadoras de


Deficiência, accessível em http://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7853.htm .

Organização Mundial de Saúde, Classificação Internacional de Funcionalidade,


Incapacidade e Saúde, CIF accessível em
http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/bgt_cif_0.pdf .

165

You might also like