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CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
COM ÊNFASE NO ABUSO
SEXUAL
Curso – EaD
(MÓDULO I)
1
Ficha Técnica
Coordenação do Curso
Conteudistas:
Portaria Enfam nº 32, de 2013.
2
Este material é de domínio e uso da Enfam. Fica proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, assim como a inclusão em qualquer sistema
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busca e apreensão do material e indenizações patrimoniais e morais cabíveis (arts. 101 a 110 da Lei n° 9.610/1998 - Lei dos Direitos Autorais).
3
MÓDULO I – UMA BREVE ANÁLISE HISTÓRICA, LEGISLATIVA E
DO DISCURSO JURISPRUDENCIAL
1
A história mostrará que a total ausência de sentimento da infância, em finais do
século XVI e início do XVII, prevalecia com a liberdade com que se tratavam as
crianças, as quais eram expostas a brincadeiras grosseiras e indecentes, associadas a
assuntos sexuais, o que é intolerável nos dias de hoje.
Dos séculos passados, quando a criança era tida como objeto sem valor, até o
contexto atual, o caminho percorrido pela sociedade, no que diz respeito ao campo da
sua proteção, elevando-a ao patamar de sujeito de direito, apresenta-se envolto em
contradições, vez que, ainda que tenha havido mudanças, observa-se, nos dias atuais,
práticas cuja herança vêm de muito longe.
2
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar.
Dizia-se que meninos brasileiros tinham sua iniciação sexual com as escravas
dos pais. Tal iniciação, obviamente, não considerava o consentimento das envolvidas,
pouco importando sua idade. O caráter lúbrico da escravidão existia na própria
organização hierárquica: para preservar a honra das moças de família − futuras
sinhazinhas −, os senhores estimulavam a iniciação sexual de seus filhos com as
escravas adolescentes. As esposas brancas eram usadas apenas para reprodução,
enquanto as escravas serviam para a satisfação dos verdadeiros desejos.2
1
In Caetana diz não: histórias de mulheres da sociedade escravista brasileira: trad; Pedro Maia Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005. No mesmo sentido: AZEVEDO, Elciene e FRANCOZO, Mariana. Caetana e Inácia:
duas histórias de mulheres na sociedade escravocrata. Cad. Pagu [online]. 2006, n.26, pp. 455-461. ISSN 0104-
8333. doi: 10.1590/S0104-83332006000100019.
2
PIRES, Thereza. 13 DE MAIO, Abolição da Abolição: ainda existem escravos no Brasil?
http://www.lunaeamigos.com.br/cultura/13demaio.htm. Acesso em 20/8/2009.
3
Já a corte amorosa no século XIX, em especial quando envolvia famílias ricas e
homens ricos, caracterizava-se pela franca permissividade na manutenção de relações
de natureza sexual entre crianças e adultos, sempre acobertadas pelo manto do
sacramento matrimonial.
“Se a jovem é rica – conta-nos Daniel Kidder – ‘está desde logo preparada para
a vida e o pai apresenta-lhe alguns de seus amigos, com a consoladora
observação: minha filha, este é teu futuro esposo’. O risco de um amor fora do
matrimônio levou um viajante a prever: ‘Se os homens e mulheres casam-se
com quem não amam, eles amarão aqueles com quem não se casam’. O
matrimonio entre moças e velhos confirma a tese. E não eram poucos a unir
mocinhas com homens quase senis. Muitas dessas uniões faziam pensar em um
grupo constituído por avô, filha e netos, quando eram marido, mulher e
rebentos. Indignados, os estrangeiros não se continham. Um deles, alarmado,
registrou: ‘Uma brasileira me foi indicada hoje que tem doze anos de idade e
dois filhos que estavam fazendo traquinagens a seus pés. Ela casou-se aos dez
anos com um rico negociante de sessenta e cinco, uma violeta primaveril presa
numa crespa rajada de neve. Mas as damas aqui se casam extremamente jovens.
Elas mal se ocuparam com seus bebês fictícios, quando têm os sorrisos e as
lágrimas dos reais”.3
A historiadora Tânia Quintaneiro assevera que, não raro, a menina branca das
famílias de posse entrava como objeto de barganha entre seu pai e algum senhor
provavelmente bem estabelecido, idoso ou mesmo seu parente próximo, que desejava
casar-se e ter filhos.4
3
História do amor no Brasil. 2. Ed. – São Paulo: Contexto, 2006, p.169.
4
Idem, p.170.
4
A impressão que permaneceu, no entanto, nos estrangeiros – e que certamente
integrou-se à tradição cultural brasileira −, é de que havia certa precocidade sexual nas
meninas do Novo Mundo, um interesse precocemente excessivo pelo sexo oposto.
Não se pode olvidar que a realidade anteriormente descrita teve lugar em fins do
século XIX e que o Código Penal de 1940 foi o primeiro a instituir a presunção de
violência para o crime de estupro praticado contra menores de 14 anos.
5
O Código Criminal do Império do Brasil de 1830 preceituava, no artigo 222 do Capítulo II - Dos crimes contra a
segurança da honra, Seção I, assim conceituava o crime de estupro: "Ter cópula carnal por meio de violência ou
ameaça, com qualquer mulher honesta. Pena de prisão por três a doze anos, e de dotar a ofendida". A pena
determinada neste artigo era bem severa, além de existir o cumprimento do castigo legal com a pena de prisão,
também admitia o cumprimento da obrigação civil de dotar a ofendida, ou seja, fazer o pagamento de um valor
arbitrado pelo juiz à ofendida, o que hoje equivale à indenização por perdas e danos (tanto moral quanto físico). No
Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, de 11 de outubro de 1890, no Título VIII - Dos crimes contra a
segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor, em seu Capítulo I - Da violência carnal,
versava o artigo 268: "Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta. Pena - de prisão cellular por um a seis annos.
Parágrafo 1º. Se a estuprada fôr mulher pública ou prostituta. Pena - de prisão cellular por seis meses a dois annos" e
no artigo 269: "Chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa, com violência, de uma mulher, seja virgem ou
não. (...) Já o Código Penal de 1940 traz no Título VI, que trata Dos crimes contra os costumes, no Capítulo I - Dos
crimes contra a liberdade sexual, dispõe o artigo 213 - "Constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência
ou grave ameaça. Pena - reclusão, de 06 a 10 anos. Parágrafo Único - Se a ofendida é menor de catorze anos. Pena -
reclusão, de 04 a 10 anos". Em razão do surgimento das Leis nº 8.609/90 (ECA) e nº 8.072/90 (Crimes Hediondos),
que agravaram a pena imposta no caso específico de ser o crime cometido contra menor de catorze anos, operou-se a
revogação do mencionado parágrafo. in: Evolução histórica do crime de estupro – doutrina e jurisprudência. Diva
Verushka Alves Pinheiro. http://www.geocities.com/imagice/doc0812.htm. Acesso em 16/8/2009.
5
“excesso de instrução para a tenra idade”, frequentemente provocava hesitação nos
Juízes.6
6
História do estupro. Violência sexual nos séculos XVI – XX. Trad. Lucy Magalhães. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1998. pp.90-91.
6
3. A construção do crime de estupro em tempos de liberdade sexual: uma
preocupante tendência jurisprudencial.
A comunidade jurídica tem sido surpreendida por uma série de decisões judiciais
relativas a crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes, conformando uma
tendência à absolvição dos acusados sempre que configurado um quadro de onde se
possa extrair algum consentimento da vítima, mesmo as de mais tenra idade. Em
comum, o cerne moral da questão, a discussão da interface entre o ato indigitado
criminoso e a moral sexual da vítima, a análise acerca de seu comportamento prévio, de
seu possível amadurecimento sexual, visando à caracterização de uma ausência de
vulnerabilidade e de uma aptidão para o consentimento que acabam por desconstituir a
própria essência criminosa do ato.
7
SZNICK, Valdir. Crimes Sexuais Violentos. p. 69, apud SOUZA, José Guilherme de, Vitimologia e violência nos
Crimes Sexuais − uma abordagem disciplinar, Porto Alegre, 1998, p.66.
7
No entanto, há fronteiras que se deve tomar por intransponíveis: a tutela da
integridade sexual física e psíquica de crianças e adolescentes é uma delas. Não transigir
com a defesa da dignidade sexual de seres humanos em desenvolvimento é o que
diferencia, em última instância, a civilização da barbárie.
8
Expressão tomada por empréstimo a STRECK, Lênio Luiz. Os crimes sexuais e o papel da mulher no contexto da
crise do direito: uma abordagem hermenêutica. Cadernos Themis. Gênero e Direito. Ano III, n. 3. Porto Alegre:
Themis assessoria jurídica e estudos de gênero, 2002. p. 135-164.
8
se em provocação ou estímulo à conduta criminosa – como, em outras modalidades, o
pouco recato da vítima nos crimes sexuais.
9
DIAS, Caio César Will. A análise da ofendida nos crimes contra a liberdade sexual e a dignidade da pessoa humana. Publicado em
5/7/2009 in www.webartigos.com. Acesso em 20/8/2009.
9
fatores que eufemizam a brutalidade do ato. O resultado: julgam-se os envolvidos, em
especial a vítima, não o crime.
Evidente adoção desse posicionamento repercute na jurisprudência pátria,
sobretudo nas hipóteses em que se possibilita ao julgador adotar conceitos de conteúdo
nitidamente subjetivo para fundamentar seu posicionamento e se revela especialmente
gravosa quando da análise das hipóteses de violência aduzidas no artigo 217-A do
Código Penal (introduzido pela Lei n. 12.015/2009), especialmente quando está em
debate a presunção de violência, pela menoridade da vítima.
Nesse sentido, não se pode anuir com a subversão da mens legis − qual seja, a
de preservar o normal desenvolvimento psicológico da pessoa menor de 14 anos de
idade pela presunção de que não seria capaz de lançar consentimento válido, maduro,
pleno e livre – a partir de argumentos tais como:
“se a menor era corrompida, tendo já mantido relações sexuais com outros
rapazes, o que em si destrói a presunção de violência, cessando a configuração
do crime de estupro em proveito da configuração de fornicatio simplex, há que
ser inocentado o acusado”; “o estupro com violência presumida não se
caracteriza com a simples conjunção carnal, sendo necessário que se positive
também que a vítima era honesta”; “de se afastar, portanto, a presunção de
violência se comprovadamente devassa a vítima de estupro, apresentando-se
com incrível desenvoltura para a prática sexual, antes e depois mantendo postura
de todo desajustada aos acontecimentos. Tanto mais havendo dúvida sobre a
efetiva virgindade pretérita, uma vez constatada pela perícia completa
cicatrização das lesões himenais uma semana após os fatos”; “tratando-se de
menores de 14 anos habituados às práticas homossexuais, que vendem seus
favores porque já despidos daquele mínimo de compostura prévia, daquela
honestidade relativa e daquela probidade de costumes, a qual fundamenta a lição
legal prevista no artigo 224, “a” do CP, a imoralidade do réu, pese a revolta que
desperta nas consciências bem formadas, não tipifica o crime de atentado
violento ao pudor”.10
10
como pobreza e desigualdade social, cultura, comportamento e estilo de vida, dentre
outras determinações que explicitam o fenômeno.
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Casos em que o agressor é o próprio ascendente da vítima ou exerce, em relação a ela, qualquer outro tipo de
autoridade parental, ou, mesmo, quando se vale de sua condição de tutor ou curador – v. art. 226, inciso II, do CPB.
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3. O consentimento de criança de cinco anos é irrelevante para a formação do
tipo penal, pois a proibição legal é no sentido de coibir qualquer prática sexual
com pessoa nessa faixa etária.
4. A violência presumida, prevista no art. 224, alínea a, do Código Penal, tem
caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal de proteção à liberdade
sexual do menor, em face de sua incapacidade volitiva.
5. Recurso provido para restabelecer a sentença de primeiro grau, sem o
aumento de pena previsto no art. 9º, da Lei 8.072/90, que afasto de ofício.
Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com fundamento na alínea a do
permissivo Constitucional, em face de acórdão do Tribunal de Justiça local, em
sede de apelação.
Informam os autos que (...), ora Recorrido, por constranger criança de cinco
anos de idade a permitir que com ela se praticasse os atos libidinosos de
apalpação da vagina e das nádegas e felação, foi condenado pelo Juízo da 1ª
Vara Criminal do Foro Regional de Sarandi, Comarca de Porto Alegre/RS, à
pena de nove anos de reclusão, em regime integral fechado, como incurso no art.
214, c.c. art. 224, alínea a, do Código Penal, agravada pelo art. 9º da Lei
8.072/90.
Em sede de apelação, a Defesa aduziu, preliminarmente, inobservância das
normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, no mérito, pugnou pela
absolvição por falta de provas ou pela desclassificação do delito, além de
afastamento da agravante do art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos.
No julgamento do apelo, a Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, por voto médio, condenou o Recorrido à pena de
dois anos de reclusão, concedido o sursis mediante condições durante quatro
anos, como incurso no art. 218, c.c. art. 226, inciso II do Código Penal, nos
termos do voto do relator. O revisor votou pela desclassificação para o art. 19 da
Lei de Contravenções Penais, condenando o réu a dois meses de detenção, e o
vogal pelo afastamento da agravante do art. 9º da Lei 8.072/90 e pelo
reconhecimento da tentativa, fixando a pena em quatro anos de reclusão. (...)
EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA): O recurso deve
prosperar.(...) O acórdão recorrido, confirmando a sentença monocrática,
entendeu restar "indubitável o constrangimento a que se submeteu a menor na
ação do réu, que movido por intensa lascívia, passava os dedos e lambia a
vagina da menor para satisfazer seus impulsos sexuais" (fl. 398), contudo,
afastou a configuração do crime de atentado violento ao pudor pelos seguintes
argumentos, in verbis : ‘Correção que faço é quanto ao tipo de delito, do qual
incorreu o recorrente, para, no final, encontrar uma pena justa. Defendo que se
deve punir o agente na medida de seu ato, de sua culpabilidade e que esta
punição seja necessária e suficiente para a reprovação pelo crime cometido.
Tem-se que encontrar a punição adequada, pois muitas vezes - e me parece a
12
hipótese em questão - o excesso de rigor da lei não faz justiça ao caso concreto.
E dentro deste raciocínio, definir qual é o papel do Poder Judiciário, qual é a
função dos tribunais, da jurisprudência. Penso que é dar à hipótese em
julgamento a justiça, porque, em contrário, para que, nos juízes, servimos? Se
for para enquadrar o fato ao tipo penal e sua respectiva pena, bastarão
funcionários burocráticos com alguma qualificação e um programa de
computador.[...] Aqui, ressalto, a ação, cometida pelo réu contra a vítima, não
teve um repercussão tão danosa que exigisse um punição exemplar. Ainda que
se afirme certo desgaste psicológico (as informações dos pais dão conta disso),
penso que ele se deve muito mais as atitudes dos adultos, tratando o assunto
com grande alarde, que propriamente à ação do agente. Esta se deu através de
toques em partes do corpo da ofendida e talvez o ato do cunilíngua. Tenho a
impressão que o dano psicológico não foi tão intenso, tão marcante que
determinasse, repito, um reprimenda rigorosa. A isto acrescento que a pena
para o crime de atentado violento ao pudor, dependendo da causa - e esta é
uma -, se mostra exagerada. Punir o recorrente com nove anos de reclusão em
regime integral fechado é injusto. Só trará desgraça a todos, sem que se possa
afirmar que alguém ou algo foi beneficiado. A punição, necessária, suficiente,
adequada, justa, do interesse de todos (réu, vítima e familiares, sociedade) é
aquela que, impondo restrições à liberdade do condenado, "não eternize ou
infernize a situação do apenado’.
De outra banda, e o sentido é de adequar a situação em julgamento à hipótese
legal, para se fazer justiça, embora a vítima contasse com tenra idade na época,
vou afastar a presunção de violência. Isto porque não existiu a violência real. A
vítima foi de espontânea vontade ao encontro do recorrente, atraída pelos
dizeres do acusado. A prática do ato libidinoso, deste modo, deu-se, vamos
assim dizer, com o consentimento da criança. Ela foi seduzida e não
violentada. Desta forma, inexistindo a violência real e afastada a presunção,
possível desclassificar a infração para aquela prevista no art. 218 do Código
Penal, porque presentes os requisitos da corrupção de menores. A ação,
registrada na denúncia, descreve ato libidinoso com uma criança que
evidentemente, não era corrompida. E ela teve o condão, a capacidade, de
corromper ou facilitar a corrupção do menor.’ (fls. 399/402)
Tem-se, portanto, que o único fundamento utilizado pela Corte gaúcha para a
desclassificação do crime, ao arrepio do comando legal, foi a injustiça da pena
cominada ao atentado violento ao pudor, que considerou excessiva para ser
aplicada ao caso concreto. Não é de se admitir qualquer interpretação da norma
legal tendente a minorar a sanção penal estabelecida para o grave crime de
atentado violento ao pudor, sobretudo na espécie, onde o crime foi praticado
contra uma criança de, frise-se, cinco anos de idade que, levada à igreja por sua
mãe para realizar atividades sociais, foi forçada a deixar que com ela se
praticasse atos libidinosos, justamente pelo monitor das atividades, a quem
caberia zelar por sua guarda.
13
Plenamente justificado o ‘grande alarde’ dos responsáveis pela menina que,
como qualquer membro médio da sociedade, encara essa forma de
criminalidade como das mais graves. Os crimes sexuais praticados contra
menores têm conseqüências gravíssimas para as vítimas e suas famílias,
comprometendo o normal desenvolvimento das crianças que tiveram o
infortúnio de sofrer tão hedionda agressão, somente, por serem inocentes.
Não pode o órgão julgador, como foi feito in casu, afastar a incidência do
tipo penal, por entender que a lei não é boa o suficiente para o caso
concreto. Afigura-se imprescindível que o tipo penal do art. 214 do Código
Penal, durante a sua vigência, seja efetivamente respeitado e aplicado,
posto que o legislador endereçou um comando, e não uma faculdade, ao
aplicador da lei.
Por oportuno, reproduzo o parecer ministerial da lavra da eminente
Subprocuradora-Geral da República Dra. Lindôra Maria Araújo, que bem
corrobora esse entendimento, in verbis: ‘Em primeiro lugar, qual legitimidade
detém o juiz para diante do caso concreto, entender que a lei não é boa o
bastante e, em conseqüência, afastá-la in casu, aplicando outra norma em seu
lugar? Goste ou não o magistrado, as normas existem no ordenamento jurídico.
O Direito Positivo existe para ser aplicado. Se há uma norma penal
incriminadora tipificando determinada conduta, essa norma há de ser aplicada.
Ainda que fosse possível tal operação pelo juiz, não estaríamos, de fato, diante
de um caso de maior gravidade, a pedir todos os rigores da lei? Ressalte-se que
a vítima é uma criança de 5 (cinco) anos, que foi induzida pelo recorrido, o
qual desempenhava a função de aconselhador em sua Igreja, a acompanhá-lo
à sala de brinquedos da referida Igreja, e lá teve sua calcinha retirada para a
prática dos atos libidinosos narrados na denúncia .’ (fl. 445).
Absurdo, também, afastar a violência presumida. Não há como inferir
qualquer consentimento válido de uma menina de cinco anos de idade por
ter, como consta dos autos, acompanhado espontaneamente o Recorrido à
sala de brinquedos da igreja.
De todo modo, a violência presumida, prevista no art. 224, alínea a, do
Código Penal, tem caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal
de proteção à liberdade sexual do menor de quatorze anos, em face de sua
incapacidade volitiva.
Assim, o consentimento é irrelevante para a formação do tipo penal,
porquanto a proibição legal é no sentido de coibir qualquer prática sexual
com pessoa nessa faixa etária.
Outra não foi a intenção do legislador, visto que sequer há previsão de tipo
alternativo em caso de consentimento.
Mais uma vez convém trazer à colação o excerto do parecer ministerial, que
esclarece a referida questão de forma impecável, litteris : ‘Além disso, o Des.
Relator também defendeu, igualmente para legitimar - se é que há como
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legitimar tal entendimento - a não-incidência do art. 224, a, do CP, que "a
vítima foi de espontânea vontade ao encontro do recorrente, atraída pelos
dizeres do acusado’, concluindo que, por isso, ‘a prática do ato libidinoso,
deste modo, deu-se, vamos assim dizer, com o consentimento da criança’.
O argumento chega às raias do absurdo! Como afirmar que uma criança de 5
(cinco) anos, que certamente ia à Igreja sozinha, mas provavelmente com seus
pais, agiu ‘de espontânea vontade, atraída pelos dizeres do acusado’? Será que
os Desembargadores esqueceram que estavam julgando o caso de um crime
praticado contra uma criança? Ou eles crêem fielmente que uma menina em
tenra idade possui correto entendimento da vida, possui, inclusive, a malícia de
perceber quando está sendo enganada? Será que eles acreditam que a menina,
naquelas circunstâncias (dentro da Igreja que freqüentava!), poderia ter
desconfiado da conduta do recorrido, e simplesmente ter se negado a
acompanhá-lo à sala de brinquedos, onde veio a sofrer os abusos?
E quanto ao ‘consentimento’? É crível que uma menina com tão pouca idade
possa consentir com a prática de ato sexual, ainda que diverso da conjunção
carnal? Com todo respeito ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, que representa o Poder Judiciário nacional de forma tão destacada,
parece-me que a decisão ora comentada, de sua 8ª Câmara Criminal, configura
uma verdadeira aberração jurídica. Não apenas por seus (esdrúxulos)
fundamentos jurídicos, mas pelo simples fato de tentar abrandar o apenamento
do recorrido, valendo-se, para tanto, de um artificial construção teórica de
desclassificação da infração penal praticada, indo em sentido diametralmente
oposto aos anseios da sociedade por justiça penal, e indo contra a própria lei.’
(fls. 446/447)
O acórdão recorrido afronta, assim, os anseios de justiça da sociedade,
desprezando o comando legal preconizado pela Lei dos Crimes Hediondos, que
inclusive incluiu em seu rol o atentado violento ao pudor.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para, cassando o acórdão
recorrido, restabelecer a sentença de Primeiro Grau que condenou o Recorrido
como incurso nos arts. 214, c.c. art. 224, alínea a, do Código Penal, em regime
integral fechado, nos termos do art.2º, § 1º da Lei 8.072/90. Outrossim, de
ofício, por incabível nos crimes de estupro ou atentado violento ao pudor sem
lesão corporal de natureza grave ou morte, AFASTO da condenação de primeiro
grau, ora restabelecida, O AUMENTO DE PENA PREVISTO PELO ART. 9º
DA LEI N.º 8.072/90, pois sua ocorrência implicaria violação ao princípio do
non bis in idem. É o voto” (STJ. Resp nº 714.979-RS. Relatora Ministra Laurita
Vaz. 5ª Turma. DJ 5.9.2005).
15
utilizado abertamente como instrumento para justificar a negativa de proteção. Confira-
se:
“O ora paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena de 8 anos e 7 meses de
reclusão pela prática de estupro contra menor de 14 anos de idade. O TJ deu
provimento à apelação da defesa, reduzindo a pena a 6 anos e 9 meses de
reclusão a ser cumprida integralmente no regime fechado, considerado o caráter
de hediondez desse delito, ainda que na forma de violência presumida. No HC,
alega-se não existirem elementos de convicção para condenação do paciente e
ainda se sustenta, subsidiariamente, falta de fundamentação à exasperação da
pena acima do mínimo legal; assim, pede-se sua absolvição. Para o Min. Celso
Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), um aspecto que merece
destaque prende-se a que, para boa interpretação da lei, é necessário levar em
consideração todo o arcabouço normativo, todo o ordenamento jurídico do País.
A interpretação da lei não prescinde do conhecimento de todos os ramos do
Direito. Mas uma visão abrangente desse arcabouço facilita, e muito, o
entendimento, bem como sua interpretação. Em tal linha de raciocínio, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa ser analisado para enfrentar
essa questão, qual seja, a de se saber se o estupro e o atentado violento ao pudor
por violência presumida se qualificam como crimes e, mais, como crimes
hediondos. Conforme o art. 2º daquele Estatuto, o menor é considerado
adolescente dos 12 aos 18 anos de idade, podendo até sofrer medidas
socioeducativas. Assim, se o menor, a partir de 12 anos, pode sofrer tais
medidas por ser considerado pelo legislador capaz de discernir a ilicitude
de um ato infracional, tido como delituoso, não se concebe, nos dias atuais,
quando os meios de comunicação em massa adentram todos os locais, em
especial os lares, com matérias alusivas ao sexo, que o menor de 12 a 14
anos não tenha capacidade de consentir validamente um ato sexual. Desse
modo, nesse caso, o CP, ao presumir a violência por não dispor a vítima menor
de 14 anos de vontade válida, está equiparando-a a uma pessoa portadora de
alienação mental, o que não é razoável, isso em pleno século XXI.
Efetivamente, não se pode admitir, no ordenamento jurídico, uma contradição
tão manifesta, qual seja, a de punir o adolescente de 12 anos de idade por ato
infracional, e aí válida sua vontade, e considerá-lo incapaz tal como um alienado
mental, quando pratique ato libidinoso ou conjunção carnal. Ademais, não se
entende hediondas essas modalidades de crime em que milita contra o sujeito
ativo presunção de violência. Isso porque a Lei de Crimes Hediondos não
contempla tais modalidades, ali se encontra, como crimes sexuais hediondos,
tão-só o estupro e o atentado violento ao pudor, nas formas qualificadas. A
presunção de violência está prevista apenas no art. 224, a, do CP, e a ela a
referida lei não faz a mínima referência. E, sem previsão legal, obviamente não
existe fato típico, proibida a analogia contra o réu. Com esses argumentos, entre
outros, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem
para desconstituir a decisão que condenou o paciente como incurso nas penas do
16
art. 213 do CP, absolvendo-o sob o fundamento de que os fatos a ele imputados
não configuram, na espécie, crime de estupro com violência presumida. O Min.
Og Fernandes, o relator originário, ficou vencido em parte por entender, de
acordo com julgado da Terceira Seção do STJ, o reconhecimento da violência
presumida no caso, presunção essa tida por absoluta, só concedendo a ordem
para efeito de progressão de regime” (STJ. HC 88.664-GO, Rel. originário Min.
Og Fernandes, Rel. para o acórdão Min. Celso Limongi (Desembargador
convocado do TJ-SP), julgado em 23/6/2009).
Por isso, não se pode presumir, de forma absoluta, que crianças e adolescentes
tenham acesso generalizado e qualificado à informação sobre direitos sexuais e
exercício da sexualidade, a partir da mídia. Trata-se de uma tarefa comunitária, cultural,
a demandar também o envolvimento da família, da escola e do Estado. Para que se
possa falar em consentimento, seria necessário provar-se o acesso adequado à
educação/instrução formal sobre as temáticas em questão, considerando-se, ainda, as
especificidades de cada criança e adolescente. Trata-se, em última análise, do direito
que toda criança e adolescente tem de desenvolver uma autoproteção contra as
violações e explorações de natureza sexual. O objetivo do operador do Direito deve
ser o de implementar mecanismos para o combate ao abuso e exploração sexual de
crianças e adolescentes e não o de buscar subterfúgios legais para justificar a
conformação/adequação social dos abusos praticados, com fundamento em
generalizações que não se sustentam do ponto de vista teórico.
13
A Declaração dos Direitos Sexuais: Durante o XV Congresso Mundial de Sexologia, ocorrido em Hong Kong
(CHINA), entre 23 e 27 de agosto de 2000, a Assembléia Geral da WAS − World Association for Sexology) aprovou
as emendas para a Declaração de Direitos Sexuais, decidida em Valência, no XIII Congresso Mundial de Sexologia,
em 1997. Consulta em http://www.dhnet.org.br/direitos, acesso aos 19/9/2013.
17
de qualquer embasamento empírico ou teórico, para afastar a presunção legal de
violência e considerar a validade do consentimento. Não se pode presumir, em desfavor
da pessoa menor de 14 anos, que tal consentimento tenha sido emitido em condições de
autonomia e igualdade com o de um adulto. A presunção de paridade não pode se operar
em detrimento da proteção à imaturidade e à vulnerabilidade da infância. Nesse ponto
reside também a impropriedade de categorizar as vítimas como prostitutas e
experientes, quando, na verdade, trata-se de crianças prostituídas, seduzidas e
experimentadas por adultos.
Crianças e adolescentes têm direito a uma educação que respeite sua condição de
ser em formação, garantindo um desenvolvimento pleno e saudável; crianças e
adolescentes têm o direito a dizer não a toda forma de abuso e exploração sexual, seja
incesto, pornografia ou prostituição; crianças e adolescentes têm direito à integridade e
segurança sexual. É o que nos cabe fazer cumprir.
Pode ser que se cuide de pedido de indenização por danos morais decorrentes
de abuso sexual ou de falsa imputação de abuso sexual:
18
CONCEIÇÃO RIBEIRO: RICARDO LUIS FRANÇA. Relator: Des.
RICARDO COUTO DE CASTRODA SILVA. Apelado).
19
poder familiar quando existem indícios veementes de que o genitor praticou atos
de violência sexual contra a filha. Incidência do art. 1.638, inc. III, do CCB. 3.
Como o filho não foi vítima de abuso sexual, mostra-se adequada a suspensão
do poder familiar, evitando o convívio dele com o genitor diante do seu péssimo
exemplo e absoluta incapacidade de exercer a função parental. 4. Como a filha
foi vitimada por um ambiente familiar doentio, impõe-se a aplicação da medida
de proteção prevista no art. 101, inc. V, do ECA. Recurso desprovido”. (TJ-RS -
AC: 70044974343 RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data
de Julgamento: 19/10/2011, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário
da Justiça do dia 24/10/2011).
Pode ser que se trate, ainda, de disputa de guarda, na qual o abuso sexual
surge como mote, seja autêntico, seja como falsa denúncia, caracterizadora de
alienação parental, nos termos da Lei 12.318/10, artigo 2º, parágrafo único, inciso VI:
20
“AÇÃO CAUTELAR. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE VISITAS.
PROVIDÊNCIA LIMINAR. DESCABIMENTO. 1. Como decorrência do poder
familiar, tem o pai não guardião o direito de avistar-se com a filha,
acompanhando-lhe a educação e mantendo com ela um vínculo afetivo
saudável. 2. Não havendo bom relacionamento entre os genitores e havendo
acusações recíprocas de abuso sexual do pai em relação à filha e de alienação
parental pela mãe, e havendo mera suspeita ainda não confirmada de tais fatos,
mostra-se drástica demais a abrupta suspensão do direito de visitas. 3. Os fatos,
porém, reclamam cautela...” (TJ-RS - AG: 70050448828 RS, Relator: Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 24/10/2012, Sétima
Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/10/2012).
Por fim, não raro, tratar-se-á de processo criminal, em que é imputado ao réu
ou à ré crime contra a liberdade sexual ou em que a imputação é de denunciação
caluniosa diante de falsas acusações de crimes daquela natureza:
21
de aumento do artigo 226, inciso ii, do código penal, absorvendo a agravante
genérica do artigo 61, alínea f, do mesmo diploma legal. 5 apelação
parcialmente provida”. (TJ-DF - APR: 47435720098070005 DF 0004743-
57.2009.807.0005, RELATOR: GEORGE LOPES LEITE, DATA DE
JULGAMENTO: 10/05/2012, 1ª TURMA CRIMINAL, DATA DE
PUBLICAÇÃO: 30/05/2012, DJ-E PÁG. 144).
22
Assinatura de Acórdãos Inteiro teor Nº Edital: 7161/13 Nº DJe: Disponibilizado
no Diário de Justiça Eletrônico Edição n. 1706 - www.tjsc.jus.br).
23
pudor passaram a compor um único tipo penal, de forma que tais condutas,
quando praticadas em um mesmo contexto fático, configuram crime único, e
quando - como é o caso dos autos - os crimes são cometidos de forma
sistemática, de forma que os subsequentes devam ser havidos como continuação
do primeiro, é possível o reconhecimento da continuidade delitiva (artigo 71 do
código penal). 5. O crime de ‘corromper ou facilitar a corrupção de pessoa
maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de
libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo’ (antigo artigo 218 do
código penal) não encontra correspondente após a alteração trazida pela lei nº
12.015/2009. Houve, portanto, abolitio criminis. 6. Recurso conhecido e
parcialmente provido para, rejeitando a preliminar de ilegitimidade do
ministério público, manter a condenação da recorrente nas penas do artigo 213,
caput, do código penal, reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de
atentado violento ao pudor e estupro praticados e absolvê-la do crime de
corrupção de menores, com fulcro no artigo 386, inciso iii, do código de
processo penal, restando a pena final fixada em 13 (treze) anos e 06 (seis) meses
de reclusão, no regime inicial fechado’. (TJ-DF - APR: 206276920088070003
DF 0020627-69.2008.807.0003, Relator: ROBERVAL CASEMIRO
BELINATI, Data de Julgamento: 28/04/2011, 2ª Turma Criminal, Data de
Publicação: 09/05/2011, DJ-e Pág. 220).
14
Aqui, especial atenção às hipóteses em que a pessoa a quem se atribui a prática de violência sexual é, também,
destinatária de proteção especial, ou seja, se é um adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional.
24
Todavia, é possível que, em algum momento, ainda que “de surpresa”, o juiz se
veja na situação de presidir uma audiência em que a criança é ouvida sem o auxílio de
outros profissionais. E tal será a situação que o desafiará a recorrer aos conhecimentos
adquiridos através deste Curso.
6. Mitos e Verdades.
15
(TJ-DF - APR: 47435720098070005 DF 0004743-57.2009.807.0005, RELATOR: GEORGE LOPES LEITE,
DATA DE JULGAMENTO: 10/5/2012, 1ª TURMA CRIMINAL, DATA DE PUBLICAÇÃO: 30/5/2012, DJ-E
PÁG. 144).
16
APELAÇÃO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR PRATICADO POR ASCENDENTE. RECURSO
DEFENSIVO VISANDO ABSOLVIÇÃO, POR NEGATIVA DE AUTORIA. A ausência de lesões na vítima, fato
constatado no laudo pericial realizado, não afasta a possibilidade de existência do crime, eis que nem todo ato
libidinoso é não transeunte, e muitos não deixam vestígios, o que é a hipótese em concreto. RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO, na forma do voto do Relator. (TJ-RJ - APL: 2491 RJ 2009.050.02491, Relator:
25
“A prova nos crimes sexuais contra criança não autoriza a condenação
quando estribada exclusivamente no depoimento do infante, haja vista a
sugestibilidade, tendência à fantasia e incapacidade de compreensão dos
fenômenos humanos, especialmente nos assuntos da sexualidade. A
jurisprudência já consignou que fatores psicológicos tornam deficientes os
testemunhos infantis, a saber: a) a imaturidade orgânica do infante implica
a imaturidade funcional, ocasionando desenvolvimento psíquico
incompleto; b) a imaginação: atua de forma dúplice, como meio de defesa
(mentira defensiva ou interesseira) ou de satisfação de desejos (brinquedos
fantasiosos); c) sugestibilidade acentuada das crianças por volta dos cinco
anos de idade, atingindo o ápice em torno dos oito anos, quando entra em
declínio. Considerem-se, ainda, fatores morais que tornam testemunhos infantis
deficientes, cogitando-se de uma imaturidade moral. A moralidade não é um
fator inato, porém adquirido pela criança com base em estímulos ambientais e
pressões externas. De tudo se conclui que o testemunho infantil, malgrado as
sérias restrições que lhe são feitas, hão que ser analisadas dentro do contexto das
demais provas colhidas. 3 as incongruências nos depoimentos testemunhais
impedem um juízo de certeza acerca do cometimento do crime. Em casos de
dúvida quanto à autoria do delito, deve ser aplicado o vetusto, porém atual,
princípio do in dubio pro reo. Mantém-se a absolvição.”17
A fim de lançar luzes sobre esse campo de saber tão bypassado durante a
formação acadêmica dos Magistrados, segue quadro que aponta os mitos mais
difundidos e arraigados em nossa cultura, além daquilo que a ciência aponta como
verdadeiro.
DES. GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 27/5/2009, OITAVA CAMARA CRIMINAL, Data de
Publicação: 23/6/2009).
17
(TJ-DF - APR: 1622275020098070001 DF 0162227-50.2009.807.0001, Relator: GEORGE LOPES LEITE, Data de
Julgamento: 21/3/2012, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: 16/4/2012, DJ-e Pág. 302).
26
MITO VERDADE
A maior parte das crianças possui Apenas 8% das crianças costumam faltar
imaginação fértil, portanto, quando se com a verdade quando o assunto é
queixam de estar sofrendo abuso sexual, vitimização sexual e, ainda, ¾ das
estão apenas fantasiando histórias. histórias inventadas pelas crianças são
induzidas por adultos.
Tal discurso tem sido responsável por
desacreditar a criança, silenciando sua
voz, culminando na legitimação de
experiências abusivas.
27
pesadelos, medo, perda de interesse pelos
estudos e brincadeiras, fugas de casa,
ideias suicidas e homicidas, uso de álcool
e drogas. Esses sintomas podem indicar a
ocorrência de abuso, ainda que não tenha
havido penetração (vaginal ou anal).
28
agressores são pessoas conhecidas das
crianças.
Se a criança se retrata é porque o abuso É fenômeno comum nas vítimas de abuso
não aconteceu. e decorre de fatores como novas ameaças
do abusador, medo de represálias, culpa,
separação da família, sofrimento dos pais
ou prisão do ofensor. A criança fica
confusa ou arrependida de ter revelado o
abuso. Muitas vezes, buscará corrigir,
deturpar ou minimizar a realidade
relatada.
Somente meninas são vítimas de abuso Estima-se que 1/3 das vítimas sejam do
sexual. sexo masculino, mas há dificuldade na
revelação porque há associação com a
ideia de homossexualidade.
Abusos só acontecem nos meios A violência sexual está presente em todos
desfavorecidos. os níveis socioeconômicos e se mostra
mais visível nas camadas mais pobres
porque há maior intervenção das
instituições de controle social.
O abuso é sempre denunciado A Síndrome do Segredo ou Lei do
imediatamente. Silêncio se instala por motivos variados:
medo do ofensor, temor da dissolução da
família, tentativas mal sucedidas de
denunciar, falta de evidências médicas.
A criança abusada tem um tipo físico As crianças podem ter as mais variadas
específico. características, dependendo do que o
abusador procura nas crianças que
aborda, bem como na sua acessibilidade.
Há ofensores que se interessam
exclusivamente por meninas, assim como
os que se interessam só por meninos. Mas
há os que abordam tanto umas como os
29
outros.
Só há abuso quando há penetração Os abusadores podem praticar sexo oral,
vaginal ou anal. carícias sexuais, masturbação,
exibicionismo, fazer fotografias ou filmes
da criança ou dos atos que com ela
pratiquem.
A criança abusada cooperou com o O abuso nem sempre envolve agressão
ofensor ou procurou se envolver com ele. física. O abusador tem outras estratégias
para seduzir a criança. As crianças
geralmente obedecem aos mais velhos,
especialmente quando eles possuem uma
posição de “poder” sobre elas.
A criança fica “danificada” para sempre. Existem vítimas particularmente
resilientes. A vida da criança pode
conhecer um futuro saudável e tranquilo,
a despeito do abuso sofrido, dependendo
de fatores como a intensidade e duração
dos abusos, da relação anterior de
amizade ou parentesco com o abusador,
do tipo de atos sofridos, do segredo
mantido, do apoio familiar e profissional
que teve, da punição que o agressor
recebeu.
Ofensores de crianças não fazem sexo Muitos(as) são casados(as), ou têm
com adultos. companheiros(as) com quem mantêm
atividade sexual regularmente.
Pedófilos são intratáveis. Embora não se possa falar de cura para a
pedofilia, os ofensores sexuais são
pessoas que necessitam de tratamento
tanto para prevenir a ocorrência de novos
abusos como até para evitar que o abuso
venha a ocorrer.
30
Só existe pedofilia no mundo moderno. A história da pedofilia e do abuso sexual
contra crianças é muito antiga. O que
ocorre hoje é que se pode contar com a
tecnologia a serviço da família, da
prevenção e dos cuidados com as
crianças.
Pedófilos sempre agem sozinhos. Pedófilos e abusadores podem formar
grupos ou redes, permutando
informações, negociando imagens e
fotografias. A internet tem sido um meio
de propagação da pornografia infantil.
Todo pedófilo foi abusado na infância. Alguns podem afirmar ter sofrido abuso
para justificar sua conduta. Um histórico
prévio de abuso sexual pode ter
acontecido em casos de pedofilia, mas
nem sempre.
31
A VIOLÊNCIA CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
COM ÊNFASE NO ABUSO
SEXUAL
Curso – EaD
(MÓDULO II)
32
MÓDULO II – CONCEITOS E DEFINIÇÕES.
2- A questão dos direitos aos cuidados demanda uma mudança de paradigma para o
respeito e a promoção da dignidade, bem como da integridade física e
psicológica das crianças e adolescentes, com a percepção de “sujeitos de
direitos” e não somente como primariamente “vítimas”;
33
7- A prevenção primária de todas as formas de violência é de máxima importância,
através de todas as medidas de saúde pública, educação, serviços sociais e outros
meios;
Maus-Tratos.
18
World Health Organization. Global consultation on violence and health. Violence: a public health priority. Geneva:
WHO; 1996 (document WHO/EHA/ SPI.POA.2).
34
Posição de responsabilidade, confiança ou poder: refere-se a indivíduos que,
em virtude de suas características (ex. idade, status, conhecimento, relação com
a criança ou forma organizacional) pode estar numa posição de poder em relação
à criança, que fica vulnerável. Esses são os indivíduos que são descritos na
definição dos maus-tratos ou abusos. Crianças são particularmente vulneráveis
frente àqueles que exercem autoridade sobre elas. Os maus-tratos não são
limitados à situação entre o pai e/ou a mãe e/ou guardião, mas inclui qualquer
pessoa depositária dos cuidados e do controle da criança e de quem a criança
deveria ter a expectativa do cuidado e proteção, em vez de danos ou maus tratos
(exemplos: profissionais que cuidam da criança, parentes ou professores). A
definição da pessoa numa posição de responsabilidade, confiança ou poder deve
levar em consideração:
- qualidades que indicam se o indivíduo é apropriado para prover a
supervisão adequada (exemplos: idade, maturidade, saúde mental,
treinamento);
- os tipos de interação com crianças que se espera do indivíduo como
resultado de seu papel ocupacional (exemplos: professores, profissionais
de saúde, médicos, enfermeiros, auxiliares);
- se é razoável esperar que a criança seja protegida pelo indivíduo que está
nessa posição de responsabilidade, poder ou confiança;
- a definição dos direitos dos pais, responsabilidades e situações nas quais
existem claros limites (exemplos: se a responsabilidade, poder ou
autoridade sobre a criança está comprometida ou afetada por ter − ou não
− a custódia sobre a criança, ou se o pai e/ou a mãe mora(m) na mesma
casa e/ou local considerado como residência familiar) e
- quais as expectativas que se aplicam aos membros familiares imediatos
ou mais próximos sem ser os pais e quais os direitos e responsabilidades
que se estendem a esses membros da família extensiva, em relação à
criança (exemplos: extensão de autoridade, força física ou influência
emocional que esta figura familiar exerce sobre a criança).
35
exploração comercial) e negligência (ou tratamento negligente ou
abandono).
A principal diferença que deve ser feita nesta área é entre o ABUSO e a LESÃO
NÃO INTENCIONAL ou sinais e sintomas que mimetizam a lesão intencional, mas
que são, de fato, devidos ou facilitados por condições orgânicas presentes na criança.
Vale ressaltar, também, que há sinais de lesões que podem não ser visíveis, uma
vez que o choque pode ocorrer contra um objeto macio como um colchão ou travesseiro
e a criança vir a ser atendida por ter sofrido um súbito “desmaio”.
36
criança. Isto engloba interações que são inapropriadas, insuficientes ou inconsistentes,
em termos do desenvolvimento da criança, e inclui exposição a eventos traumáticos ou
que causam confusão na inter-relação emocional (ex.: violência familiar); o uso da
criança para a satisfação das necessidades psicológicas da pessoa que cuida; a corrupção
ativa da criança ou falta e/ou carência na promoção da adaptação social da criança
(exemplo: isolamento).
Essa forma de abuso não requer o contato físico entre a criança e a pessoa que
cuida ou é responsável pelo ato de abuso emocional. Não deixa “marcas ou vestígios
visíveis” como ferimentos no corpo da criança ou adolescente, mas podem causar
transtornos mentais, de comportamento e de conduta, incluindo os transtornos afetivos e
depressão, quando crônicos e repetitivos.
Pode também haver atos contra a criança que causam ou têm grande probabilidade
de causar danos para a sua saúde e/ou seu desenvolvimento físico, mental, espiritual,
moral ou social. Tais atos devem estar dentro de um razoável controle dos pais ou da
pessoa que tem a relação de responsabilidade, confiança ou poder. Esses atos incluem a
restrição do movimento, padrões de menosprezo, denegrir, usar como bode expiatório,
ameaçar, assustar, discriminar, ridicularizar ou outras formas não físicas de tratamento
hostil ou de rejeição.
37
incapaz de dar consentimento informado ou para qual a criança não tem preparo, em
termos de desenvolvimento, para dar consentimento ou que viola as leis ou os tabus
sociais de uma sociedade. O abuso sexual em uma criança é evidenciado por uma
atividade entre uma criança e um adulto ou outra criança que, por idade ou
desenvolvimento, está em relação de responsabilidade, confiança ou poder e a atividade
tem a intenção de gratificar ou satisfazer as necessidades da outra pessoa. Isso pode
incluir, mas não limitar:
38
neste documento para descrever um pai e/ou mãe, um membro familiar ou
qualquer outro indivíduo que cuide da criança, mesmo durante um curto espaço
de tempo (exemplos: empregado/a doméstico ou babá).
39
um evento realmente acidental pode ser difícil de ser estabelecida. A intenção
das ações da pessoa que cuida pode ter um impacto sobre a punição criminal
e/ou sobre as intervenções necessárias para a proteção da criança. No entanto, o
impacto sofrido pela criança é menos dependente da intenção do abusador.
Crianças que foram traumatizadas por falta de cuidados, por exemplo, podem ser
tão vulneráveis e prejudicadas como aquelas que sofreram maus tratos
intencionais (exemplo: a vulnerabilidade de crianças que padecem de fome ou
que sofrem ferimentos por falta de proteção ou por ignorância ou depressão é a
mesma de crianças que foram negligenciadas deliberadamente).
O dano potencial refere-se à ameaça do dano que pode acontecer quando existe
a falta de supervisão ou proteção adequada, em um cenário perigoso ou
inapropriado ao desenvolvimento da criança. É sempre importante considerar
que o impacto emocional de uma situação pode ser separado e ser diferente do
resultado físico. Estar num lugar ou situação de risco uma vez ou repetidas vezes
pode ter efeitos marcantes no desenvolvimento emocional ou no bem estar da
criança. Como o dano pode ser potencial em vez de real, pode ser que nem
exista ainda, aparentemente, mas quanto mais os riscos se repetem,
principalmente quando os eventos aumentam em severidade, mais provável será
que a criança ou adolescente irá sofrer danos permanentes emocionais e/ou
corporais.
40
não − ou mesmo numa relação de responsabilidade. A confiança e a inocência da
criança contra a autoridade e o poder do adulto fazem do incesto um crime previsto em
lei na maioria dos países, inclusive no Brasil.
41
coexistam, frequentemente, com outras patologias ou transtornos psiquiátricos). Do
mesmo modo, não podemos, no momento, curar uma pessoa com pedofilia – no sentido
de que ele ou ela (sim, as mulheres também podem apresentar o transtorno, embora
menos frequentemente) deixe de sentir atração sexual por crianças. Apesar de não ter
cura, há tratamentos psicológicos e medicamentosos eficazes que auxiliam o indivíduo a
controlar seus impulsos sexuais e a não transgredir. Infelizmente, no Brasil há poucos
centros especializados no tratamento de tal transtorno, que precisa ser especializado e
utilizar técnicas baseadas em evidências.
Outra confusão comum é o fato de as pessoas pensarem que todo ofensor sexual
apresenta pedofilia. Na verdade, o oposto é verdadeiro. Ou seja, os especialistas
acreditam que, possivelmente, a maior parte dos abusos sexuais contra crianças e
adolescentes sejam praticadas por pessoas sem tal transtorno. Trata-se de indivíduos que
sentem atração sexual primariamente por outros adultos e que venham a praticar o delito
com a criança por uma combinação de fatores (histórico prévio de abuso sexual,
dificuldades de relacionamento, alcoolismo, baixo controle de impulsos, a facilidade ao
acesso e convívio com a criança, etc.)20.
20
Williams, L.C.A. (2012). Pedofilia: Identificar e prevenir. São Paulo: Editora Brasiliense.
42
É uma prática criminosa, considerada como abuso sexual e emocional, pois
humilha e representa uma ameaça à integridade corporal e psicossocial da criança ou
adolescente. Existem três formas primárias e que mantêm relação entre si: a
prostituição, a pornografia e o tráfico com fins sexuais. Outras formas são o turismo
sexual − frequente no Brasil − e os casamentos forçados, geralmente por motivos
religiosos − menos comum em nosso país. A exploração de menores constitui uma
violação fundamental do direito humano e do direito ao desenvolvimento da
sexualidade saudável de crianças e adolescentes.
43
É importante diferenciar o turismo sexual − que também ocorre em várias
rodovias e hidrovias (rios da Região Norte) − do tráfico sexual, quando existe
deslocamento de cidades/municípios daqueles estrangeiros que estão em visita
temporária ao Brasil − principalmente em áreas turísticas −, além dos casos de crianças
ou adolescentes que viajam para outras cidades/municípios ou são levadas para o
exterior por brasileiros ou estrangeiros ou por meio das áreas fronteiriças do Brasil.
44
Para o Brasil, por intermédio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e da
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, segundo
os critérios da ONU ratificados pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, (Brasília, 2007), considera-se que:
45
quadriplegias e outras). Importante também lembrar que muitas doenças e/ou
tratamentos, inclusive cirurgias especializadas para remoção de tumores e/ou traumas
externos como acidentes, atropelamentos, afogamentos e outros, podem deixar uma
criança/adolescente “incapacitado” e com problemas cerebrais que podem também
acometer o desenvolvimento mental permanentemente. Todas essas crianças e
adolescentes são considerados como PNE, ou seja, pessoas com necessidades especiais,
sendo, portanto, o espectro bastante amplo, para a garantia dos direitos e proteção
social.
Atualmente, a Organização Mundial de Saúde usa a Classificação Internacional
de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde − CIF considerando as estruturas do corpo,
as funções mentais, as atividades e a participação e os fatores ambientais, englobando as
deficiências, as incapacidades e as limitações num só termo, que é mais utilizado e
definido como as deficiências que são problemas nas funções ou na estrutura do corpo,
tais como um desvio importante ou perda.
Mesmo assim, temos poucos dados estatísticos brasileiros sobre a relação entre a
violência sofrida e qual o tipo de abuso sexual e o tipo de deficiência ou transtorno mais
frequente em meninos e em meninas. A literatura internacional apresenta, entretanto,
dados claros indicando que, quando a criança ou o adolescente apresenta uma
deficiência (seja mental, física, surdez, cegueira ou de qualquer outro tipo), há um
aumento significativo de risco de sofrer abuso sexual.
47
instituições ou abrigos, pessoas totalmente despreparadas para lidar com as
necessidades especiais de atenção e proteção dessa população com dupla
vulnerabilidade.
21
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.
22
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.
48
emocional da criança, o desenvolvimento sexual é lento e gradativo. Se a criança sofrer
abuso sexual da parte de um membro da família (pai ou padrasto são os ofensores mais
comuns, mas cabe lembrar que as mulheres também podem praticar ofensas sexuais e o
fazem mais raramente), ela é inserida, de modo abrupto, na sexualidade do adulto −
sexualidade essa que ela está longe de compreender. O resultado imediato é de
confusão, nojo, vergonha, temor, medo e choque com a ruptura do vínculo de confiança
que ela tinha com tal cuidador. Há especialistas que afirmam que essa quebra de vínculo
de confiança é muito mais danosa do que o próprio ato sexual em si. Cabe, também,
lembrar que o abuso sexual pode ser fisicamente muito doloroso para a criança, que tem
uma genitália desproporcionalmente menor do que a do adulto.
A reação instintiva da criança é de achar que aquilo não está correto; entretanto,
ela é, com frequência, ameaçada para guardar segredo e não contar sobre o abuso a
qualquer pessoa, sendo isso − ou não − acompanhado de ameaças de retaliações. É
nesse sentido que o abuso sexual torna-se um segredo “muito bem guardado”, e clínicos
ouvem, com certa frequência, relatos de abuso sexual sofridos na infância sobre os quais
a pessoa faz a revelação pela primeira vez na vida adulta.
Uma das estratégias que o ofensor sexual utiliza, para manter o segredo, é
atribuir culpa à própria criança pelo abuso sofrido. Imagine a consequência de a criança
ou o adolescente ouvir de si mesma, rotineiramente, a mesma crítica: “Eu não presto”,
“Eu sou culpada por tudo isso”... Com a autoestima fragilizada, a criança também tem
que lidar com sentimentos de muita vergonha e de culpa. Tal culpa é maximizada pelo
fato de que ela pode vir a sentir prazer no ato sexual – o que não deveria ser
surpreendente, afinal todo ser humano é biologicamente preparado para vir a sentir
prazer com o sexo.
49
se vê envolvida, que lhes são apresentadas, muitas vezes, como “brincadeiras” ou com
“valor educativo”23.
5. Protocolo de Avaliação.
23
SILVEIRA, Margareth Lizita Lobo. Sequelas psicológicas da Pedofilia. Revista Jurídica Consulex - Ano VI - nº
129, de 31 de maio de 2002.
50
A importância da entrevista e da história do evento traumático deve ser obtida
com cuidados e após o estabelecimento de uma relação de confiança e apoio com tempo
para esta revelação.
Muitas reações e respostas emocionais, que podem evoluir desde o choro até o
silêncio, acompanham o quadro clínico.
24
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.
51
relação a outras crianças ou a adultos e/ou pela masturbação excessiva em público; b)
alterações comportamentais súbitas a partir dos episódios abusivos (mudanças bruscas
de atitude − por exemplo, se a criança era alegre e expansiva passa a ficar arredia e
retraída); c) agressividade; d) tristeza, depressão ou ansiedade excessiva, sendo tal
quadro acompanhado por alterações no sono e alterações de apetite; e) baixa autoestima;
f) medo ou pesadelos; g) queda no rendimento escolar, problemas de atenção e
concentração. Nos casos graves, podem ocorrer também: h) fuga de casa; i) transtorno
de estresse pós-traumático (trata-se do quadro psiquiátrico mais associado à violência),
caracterizado por períodos involuntários de revivência da experiência traumática (na
criança, isso pode se manifestar por brincadeiras nas quais ela vivencia, novamente, o
abuso (exemplo: brinca com bonecos de forma sexualizada, imitando os
comportamentos do ofensor) e, paralelamente, esquiva-se ou evita a situação associada
ao trauma (medo de ir à casa do ofensor, por exemplo); j) dissociação, caracterizada por
uma fuga do estado de consciência no qual a criança pode comportar-se de modo
bizarro (exemplo: ficar deitada em posição fetal) ou, ainda, não se recordar do que
ocorreu; k) comportamentos autolesivos; l) depressão grave associada a ideias de se
matar ou tentativas de suicídio25.
As consequências do abuso sexual poderão variar em função do tipo de abuso, o
número de agressores, a duração da agressão, a relação existente com o agressor, a força
exercida no abuso, a idade em que se iniciou, a frequência e a participação da criança.
Quanto mais próximo da criança for o agressor, quanto mais duradouro for o abuso e
quanto mais cedo começar, na vida da criança, mais aumenta o risco de as vítimas
desenvolverem transtorno de estresse pós-traumático, transtornos dissociativos e
dificuldades em relacionamento sexual (Furniss, 1993; Aded, Dalcin, Moraes,
Cavalcanti, 2006)26.
Cabe notar que a criança pode ter vivenciado abuso sexual e não apresentar
sintomas (isso é muito importante para tranquilizar alguns pais). Quando isso ocorre, é
provável que os seguintes fatores de proteção estejam presentes: o abuso ocorreu uma
só vez, de forma não excessivamente violenta; não houve penetração; o ofensor não era
25
Williams, L.C.A. (2009). Introdução ao estudo do abuso sexual infantil e análise do fenômeno no município de
São Carlos. Em: L.C.A. Williams & E.A.C. Araújo.(Orgs.). Prevenção do abuso sexual infantil: Um enfoque
interdisciplinar. (pp.21-40). Curitiba: Juruá Editora.
26
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.
52
um membro próximo da família; a reação do cuidador foi apropriada (não culpou a
criança pelo ocorrido, procurou ajuda psicoterapêutica, denunciou o fato, etc.).
Quais os efeitos a longo prazo do abuso sexual? Ou seja, que sintomas um adulto
com histórico de abuso sexual pode apresentar? Esses são os mais frequentes: a)
problemas na área da sexualidade (desprazer ou desinteresse por sexo, medo/ansiedade
associados ao sexo ou promiscuidade e comportamento de risco a ele associado); b)
depressão recorrente; c) baixa autoestima; d) maior probabilidade de praticar ofensas
sexuais; e) maior probabilidade de apresentar transtornos psiquiátricos, como
bipolaridade; f) ideação ou tentativas de suicídio; g) problemas alimentares (aqui são
relatados casos de extremo: tanto anorexia quanto obesidade); h) maior vulnerabilidade
ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático; i) agressividade; j) evasão escolar e
problemas com atenção e concentração; k) dissociação; l) comportamentos
autolesivos.27
6.1.1 Depressão.
53
8) a perda da energia habitual, do apetite e/ou peso.
– Fase Pré-verbal:
• Manifestações não verbais, como postura, expressão facial;
• Inquietação/ retraimento/ apatia;
• Recusa de alimentos;
• Perturbação do sono.
– Pré-escolar:
• Dores abdominais;
• Falhas de ganho de peso para a idade;
• Fisionomia triste ou de lamentação;
• Irritação;
• Diminuição do apetite;
• Agitação psicomotora ou hiperatividade;
• Transtorno de sono;
• Estereotipias.
– 2 a 5 anos:
• Dependência excessiva;
• Humor Irritável;
• Ansiedade de separação;
• Controle precário de impulsos;
• Diminuição de apetite;
• Agitação psicomotora e hiperatividade;
• Transtornos de sono.
– 6 a 12 anos:
• Tristeza e choro frequente;
• Lentidão de movimentos;
• Voz monótona e monossilábica;
• Baixa autoestima;
• Agitação psicomotora ou hiperatividade;
• Baixa do rendimento escolar;
• Pensamento suicida.
– 12 a 16 anos:
• Desesperança e perda de interesse;
• Dificuldade de concentração na escola;
• Insônia ou hipersonia;
• Transtornos alimentares;
54
• Uso abusivo de drogas;
• Risco de suicídio*.
*As ideias de suicídio ocorrem em todas as idades, em diferentes
intensidades, sendo mais frequentes durante a adolescência.
Síndrome somática:
(1) Marcante falta de interesse e prazer em atividades que são normalmente
agradáveis;
(2) Falta de reações emocionais a eventos ou atividades que normalmente produzem
uma resposta emocional;
(3) Alterações do horário de sono;
(4) Depressão pior pela manhã;
(5) Evidência objetiva de retardo ou agitação psicomotora marcante (observado ou
relatado por outra pessoa);
(6) Marcante perda de apetite;
(7) Perda de peso (5% ou mais do peso corporal, no último mês);
(8) Marcante perda de libido.
55
A. Os critérios gerais para episódio depressivo (F32) devem estar satisfeitos.
B. Pelo menos dois dos três sintomas seguintes devem estar presentes:
(1) humor deprimido em um grau que é definitivamente anormal para o
indivíduo, presente pela maior parte do dia e quase todos os dias, largamente não
influenciado pelas circunstâncias e mantido por, pelo menos, duas semanas;
(2) perda de interesse ou prazer em atividades que normalmente são agradáveis;
(3) energia diminuída ou fatigabilidade aumentada.
56
sob a forma de comportamentos autodestrutivos ou agressivos, distúrbios de sono, etc.
(American Psychiatric Association, 2013)28.
28 American Psychiatric Association (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th Edition:
DSM-5. Washington: American Psychiatric Association.
29
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.
30
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.
57
positiva para algumas crianças vítimas, apesar de estarem expostas a um contexto de
significativa adversidade (Habigzang, Borges, Dell’Aglio e Koller, 2010)31.
- Outros sintomas:
• Os estímulos associados com o trauma são evitados;
• Evitação de pensamentos, sentimentos ou de conversa sobre o evento
traumático;
• Evitação de atividades, situações e pessoas que provoquem recordações do
evento;
• O indivíduo pode queixar-se de acentuada diminuição do interesse ou
participação em atividades anteriormente prazerosas;
• Sentimento de estar deslocado ou afastado de outras pessoas;
• Capacidade reduzida de sentir emoções (sexualidade);
• Sentimento de futuro abreviado;
• Sentimento de culpa (sobrevivência);
• Conflito conjugal, divórcio, perda do emprego.
31
Skorupa, Marcia Regina. Efeitos psicológicos em vítimas de abuso sexual após audiências criminais com e sem
depoimento especial. Dissertação de Mestrado. Curitiba, 2013.
58
Critério Diagnóstico – CID-10
F43.1 Transtorno de estresse pós-traumático
A. O paciente deve ter sido exposto a um evento ou situação estressante (de curta ou
longa duração) de natureza excepcionalmente ameaçadora ou catastrófica, a qual,
provavelmente, causaria angústia invasiva em quase todas as pessoas.
B. Deve haver rememoração ou revivência persistente do estressor nos flashbacks
intrusos, memórias vividas, sonhos recorrentes ou em sentir angústia quando da
exposição a circunstâncias semelhantes ou associadas ao estressor.
C. O paciente deve evitar (ou preferir fazê-lo) circunstâncias semelhantes ou
associadas ao estressor − o que não estava presente antes da exposição ao estressor.
D. Um dos seguintes deve estar presente:
(1) incapacidade de relembrar, parcial ou completamente, alguns aspectos
importantes do período de exposição ao estressor;
(2) sintomas persistentes de sensibilidade e excitação psicológica aumentada
(não presentes antes da exposição ao estressor) mostrados por dois dos
seguintes:
(a) dificuldade em adormecer ou permanecer dormindo;
(b) irritabilidade ou explosões de raiva;
(c) dificuldade de concentração;
(d) hipervigilância;
(e) resposta de susto exagerada.
• Diagnóstico Diferencial:
– Transtorno do humor;
– Transtorno de ansiedade;
– Transtorno do pânico;
– Transtorno depressivo;
– Transtorno estresse agudo;
– Transtorno obsessivo-compulsivo;
59
– Transtorno psicótico leve;
– Esquizofrenia;
– Delirium.
60
• Sentimentos ambivalentes ou medo de relatar o ocorrido, devido ao medo de
retaliações ou separações da família;
• Dificuldades de concentração, pesadelos, flashbacks (relembranças do fato
ocorrido), baixa autoestima, distorções da imagem corporal;
• Isolamento e retraimento, com silêncio e desconfiança, aliado a dificuldades de
comunicação, choros sem causa aparente, fugas de casa.
• Dificuldades de frequentar a escola ou recusas em retornar ao local do evento.
61
incapacidades físicas ou com dificuldades de fala ou outros problemas médicos
de natureza congênita.
Abuso Físico
Abuso Sexual
62
Abuso Psicológico
Negligência
63
A VIOLÊNCIA CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
COM ÊNFASE NO ABUSO
SEXUAL
Curso – EaD
(MÓDULO III)
64
MÓDULO III – FLUXO DO ATENDIMENTO.
Por vezes, a violência sexual é praticada pelo pai ou padrasto, com a conivência
da mãe, que prefere não enxergar a realidade ou simplesmente tornar natural a situação.
Por comodidade, entende como natural o fato, chegando a justificá-lo. O pai ou padrasto
é, muitas vezes, o provedor do lar, responsável pelo sustento da família, e a
companheira, seja por interesses financeiros ou emocionais, prefere ignorar a situação,
imaginar que o filho ou filha está mentindo, ou, até mesmo, considerar o fato como
natural por entender que a vítima teria provocado a situação, etc. Muitas vezes se
estabelece um pacto de silêncio dentro da família.
Por sua vez, a violência sexual pode ter sido praticada por outros integrantes da
família, como o tio, o avô, o irmão mais velho, o companheiro da avó, um primo ou por
personagens extrafamiliares, como o professor, um funcionário da escola, um vizinho,
um amigo dos pais da criança, etc.
Quanto mais próximo o convívio da criança com o autor do abuso sexual, mais
difícil a revelação. Assim, conquanto sejam identificados indícios de ter sido aquela
criança vítima de abuso sexual (sexualidade exacerbada, medo de frequentar
determinado lugar, tristeza, retração), é possível que a criança não queira revelar o autor
do abuso sexual ou até indique pessoa diversa por ter recebido ameaças e orientações do
abusador.
65
agressor do lar − prevista no art. 130 do ECA −, representação administrativa prevista
no art. 249, suspensão ou destituição do poder familiar − prevista no art. 155 do ECA −,
além de ter opinião determinante nas Varas de Família contra ou a favor da suspensão
de visitação de um pai ou de uma mãe.
66
1. Fluxo de Atendimento da vítima de violência sexual.
O Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância − tem sinalizado que,
mesmo com os esforços do governo brasileiro e da sociedade em geral, direcionados
para enfrentar o problema sobre a violência, as estatísticas ainda apontam para um
cenário crítico e desolador em relação a crianças e adolescentes. Apenas por intermédio
de denúncia ao número do Disque Denúncia – 100 – chegam, a cada dia, uma média de
129 (cento e vinte e nove) casos de violência, dentre estas a psicológica e a física,
incluindo a sexual, e a negligência contra crianças e adolescentes, sendo que, a cada
hora, cinco casos de violência contra meninas e meninos são registrados no País,
lembrando que essa situação pode ser ainda mais grave se levarmos em consideração
que muitos desses crimes nunca chegam a ser denunciados.
67
Centro Integrado que atenda a criança ou o adolescente num espaço único em que os
profissionais possam trabalhar de forma articulada. Uma referência nesse sentido é o
trabalho desenvolvido no Rio Grande do Sul, denominado CRAI – Centro de Referência
no Atendimento Infanto-Juvenil (funciona dentro de um hospital público de Porto
Alegre). Esse centro reúne acolhimento da criança e adolescente por equipe
interdisciplinar; serviços periciais como o do DML – Departamento Médico Legal, a
polícia civil, que faz o Boletim de Ocorrência, enfim, tudo ocorre de forma integrada e
dando continuidade ao sistema de defesa e responsabilização; 2) produção antecipada de
prova: que prevê a oitiva da vítima, em juízo, o mais próximo possível da comunicação
do suposto abuso sexual. Tal oitiva (prova) poderá servir para todas as fases
processuais, evitando que a criança tenha que falar muito tempo depois.
32
Publicado por WCF/Brasil- Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da
Infância e Juventude.
68
Direito ao Desenvolvimento
Sexual
Criança e/ou adolescente
em situação de abuso
Abuso sexual intrafamiliar contra sexual
criança e/ou adolescente praticado por adulto
Não Sim
Houve flagrante?
CIDADÃO(Ã),
PAIS E/OU CRIANÇA E/OU
PROFISSIONAL ou
RESPONSÁVEL ADOLESCENTE
INSTITUIÇÃO
Suspeitar do abuso Revelar o abuso
Suspeitar do abuso
Se houver necessidade de
PAIS E/OU atendimento médico de
RESPONSÁVEL urgência encaminhar
Levar para atendimento imediatamente para pronto
especializado no Sistema socorro médico ou posto de
de Saúde e SUAS CRIANÇA OU ADOLESCENTE, saúde
(Creas) CIDADÃO(Ã), AGENTE
PÚBLICO, PROFISSIONAL ou
Art. 87, III (ECA) INSTITUIÇÃO
CIDADÃO/AGENTE
Estabelecimento PÚBLICO Encaminhar para o serviço de
Notificar aos Conselhos atendimento especializado do
PROGRAMA de Diretrizes e Estadual e Municipal dos
ESPECIALIZADO DE Monitoramento SUAS (Creas) e SUS e
Direito da Criança e
ATENDIMENTO Adolescente comunicar ao Conselho Tutelar
Comunicar ao Conselho
Tutelar para
Art. 13 e 245 (ECA)
acompanhamento e
verificar a necessidade de CIDADÃO/AGENTE Se NÃO houver CIDADÃO/AGENTE
atendimento por PÚBLICO Conselho Tutelar ou se
programa social
Defesa de Direitos PÚBLICO Estabeleciment
Comunicar/Representar suas condições de Notificar aos Conselhos
Coletivos ao Ministério Público e/ou funcionamento são o de Diretrizes e
Estadual e Municipal do
Defensoria Pública inadequadas Direito da Criança e Monitoramento
Art. 88, II (ECA) Adolescente
Res. 75/01 (Conanda)
CRIANÇA OU
ADOLESCENTE, Se não houver
CIDADÃO(Ã), AGENTE CONSELHO CIDADÃO/AGENTE
PÚBLICO Defesa de
PÚBLICO, TUTELAR serviço de
PROFISSIONAL ou Requisitar serviço de Comunicar/Representar Direitos
INSTITUIÇÃO atendimento ao Ministério Público e/ou
Comunicar à Vara da atendimento especializado Coletivos
Infância e Juventude CREAS ou SUS especializado Defensoria Pública
CONSELHO TUTELAR
Requisitar serviço de
atendimento especializado
no município de referência
CREAS, SERVIÇO garantido o transporte
ESPECIALIZADO DE
ATENDIMENTO DO SUS
com o CONSELHO
TUTELAR
Avaliar a situação
Não Há efetivamente
Sim
indícios de abuso?
CONSELHO
SUAS (CREAS), TUTELAR
SUS E CONSELHO Encaminhar para
Assistência TUTELAR a Delegacia de
Jurídico M
Social Avaliar os motivos
Polícia
de suspeita
Trabalho
Garantido o direito à
proteção contra o 2 3
abuso sexual
69
01/06 15/11/2008 Instituto WCF/Brasil Associação Brasileira de Magistrados, Promotores Justiça e
Defensores Públicos da Infância e da Juventude
70
Com a revelação do abuso, o caminho a ser trilhado por essa vítima e, por
consequência, por sua família, é em direção à notificação do fato ocorrido, o que, em
sua grande maioria, perpassa o Conselho Tutelar, a Delegacia de Polícia, dentre outros.
Profissionais de diferentes áreas são acionados, de forma que suas intervenções são
direcionadas com o objetivo de proteção à vítima e de responsabilização do abusador.
2. Rede de atendimento.
71
Oferecer atendimento necessário às vítimas, aos autores da violência e às
famílias, de forma a contribuir com o rompimento do ciclo de violência, bem
como amenizar as sequelas dela resultantes.
Nesse sentido, observa-se que, não raras vezes, os profissionais que estão na
ponta desses fluxos, inseridos na rede de proteção, necessitam estar devidamente
capacitados, de modo que o atendimento não se torne falho, acabando, por vezes, por
revitimizar a vítima.
O presente tópico tem em mira a análise dos dispositivos legais que tipificam a
ação do agressor e a omissão dos profissionais ou responsáveis por estabelecimento de
atenção à saúde.
Estupro
Art. 213 do CP. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A do CP. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 (catorze) anos:
72
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor
de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste
artigo;
Aumento de pena
O sexo vaginal, anal ou outro ato libidinoso praticado com menor de 14 anos é
punido com pena mínima de 8 anos, ainda que praticado sem qualquer tipo de
violência ou grave ameaça. O menor de 14 anos foi considerado absolutamente
73
incapaz de consentir com o ato sexual (art. 217-A do Código Penal) e recebeu expressa
proteção do ordenamento jurídico pátrio.
O sexo vaginal, anal ou outro ato libidinoso praticado com maior de 14 anos e
menor de 18 anos só é punível se praticado com violência ou grave ameaça,
conforme se verifica pelo disposto no art. 213, §1º, do Código Penal, ou em situação de
exploração sexual ou prostituição (art. 218 B do Código Penal).
O novo dispositivo legal (art. 217-A do CP) sepultou a antiga discussão quanto à
presunção absoluta ou relativa da violência, aduzindo expressamente que o sujeito
passivo do crime é o menor de 14 anos, independentemente de sua percepção de vida ou
de seu comportamento.
74
Outros tipos de abuso e exploração sexual.
Assédio sexual
Corrupção de menores
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de
18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;
75
II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as
práticas referidas no caput deste artigo.
Rufianismo
76
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa
traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou
alojá-la.
77
Art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Produzir, reproduzir, dirigir,
fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou
pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
78
Art. 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente. Adquirir, possuir ou
armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha
cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda,
disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou
armazena o material produzido na forma do caput deste artigo.
79
II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir
criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.
§ 1o Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali
tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da
internet.
80
E são linhas de ação da política de atendimento o oferecimento, pelo Poder
Público, de serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às
vítimas de negligência, maus tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão (art. 87, III
do ECA).
81
VII - fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre
todos os serviços sanitários disponíveis.
No tratamento das lesões, caberá ao médico preservar materiais que possam ser
coletados no exame médico legal, cabendo ao órgão de medicina legal o exame de DNA
para identificação do agressor, sempre que possível, e no caso de a criança ou
adolescente ter sido atendido há menos de 72 (setenta e duas) horas do abuso sexual.
82
IV - coleta de vestígios para, assegurada a cadeia de custódia, encaminhamento à
perícia oficial, com a cópia do Termo de Consentimento Informado;
V - assistência farmacêutica e de outros insumos e acompanhamento multiprofissional,
de acordo com a necessidade;
VI - preenchimento da Ficha de Notificação Compulsória de violência doméstica,
sexual e outras violências; e
VII - orientação à vítima ou ao seu responsável a respeito de seus direitos e sobre a
existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência sexual.
83
do Ministério da Saúde, constituem portas de entrada do SUS e funcionarão, em
regime integral, 24 (vinte e quatro) horas por dia e nos 7 (sete) dias da semana,
sem interrupção da continuidade entre os turnos, sendo de competência do gestor
local de saúde a regulação do acesso aos leitos em casos de internação.
3. Denúncia Criminal.
Dessa forma, a ação penal será promovida por denúncia do Ministério Público
(art. 24 do Código de Processo Penal). Assim, desde a reforma penal de 2009 (Lei
12.015), sendo a ação penal pública incondicionada, não se faz mais necessária a
representação do ofendido ou de sua família. Havendo suporte probatório mínimo para
lastrear a acusação penal (justa causa), em virtude do princípio da obrigatoriedade, deve
o Ministério Público promover a ação penal pública, que se inicia por meio da denúncia
criminal.
84
É importante para a propositura da ação penal verificar a existência desse
suporte probatório mínimo, ou seja, se há indícios suficientes de autoria e a existência
material da conduta típica, antijurídica e culpável. Conforme ensina Afrânio Silva
Jardim, “torna-se necessário ao regular exercício da ação penal a demonstração, prima
facie, de que a acusação não é temerária ou leviana, por isso que lastreada em um
mínimo de prova”.33
Não havendo justa causa (falta de suporte probatório suficiente para o início do
processo penal), deverá o juiz rejeitar a denúncia, com base no art. 395, III, do CPP,
hipótese na qual a decisão fará apenas coisa julgada formal. Logo, surgindo novos
elementos probatórios, nova peça acusatória poderá ser oferecida enquanto não extinta a
punibilidade. Todavia, iniciado o processo, não se pode admitir que o juiz determine sua
extinção sem a apreciação do mérito, por ausência de justa causa. Nesse caso, cabe ao
juiz proferir sentença de mérito absolvendo o acusado, com fundamento no art. 386,
incisos I, II, IV, V, VI ou VII, hipótese em que a decisão estará protegida pelo manto da
coisa julgada formal e material.
33
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 97.
34
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013, p.172.
85
perícia psíquica, que conclua ter ocorrido a violência sexual sofrida é suficiente para a
propositura da ação penal. Não raro, essa avaliação psicológica, aliada a outros
elementos, é suficiente para embasar uma condenação criminal.
Por sua vez, insta ressaltar que, com a nova redação do art. 387, IV, do CPP (Lei
12.736/12), o juiz, ao proferir sentença condenatória, fixará valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo
ofendido. Assim, além dos requisitos previstos pelo art. 41 do CPP, deve constar, na
denúncia ou queixa, o pedido de condenação do acusado nos danos mínimos (morais e
materiais) causados pelo delito, com vistas a garantir o contraditório e possibilitar a
aplicabilidade do art. 387, IV, do CPP.
86
“DIREITO PROCESSUAL PENAL. REPARAÇÃO CIVIL DOS DANOS
DECORRENTES DE CRIME.
Para que seja fixado na sentença valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração, com base no art. 387, IV, do CPP, é necessário pedido expresso do ofendido
ou do Ministério Público e a concessão de oportunidade de exercício do contraditório
pelo réu. Precedentes citados: REsp 1.248.490-RS, Quinta Turma, DJe 21/5/2012; e
Resp 1.185.542-RS, Quinta Turma, DJe de 16/5/2011. REsp 1.193.083-RS, Rel. Min.
Laurita Vaz, julgado em 20/08/2013, DJe 27/8/2013”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. INFORMATIVO 528 de 23 de outubro de 2013 – QUINTA TURMA).
“Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não
podendo ser inferior a três quartos do salário-mínimo.
§1º O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:
87
a-) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados
judicialmente e não reparados por outros meios;
(...)
d-) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do
condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas
letras anteriores;
Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na
medida de suas aptidões e capacidade.
Art. 39. Constituem deveres do condenado:
(...)
V – execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;
(...)
VII – indenização à vítima ou aos seus sucessores;
VIII – indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a
sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho;”
O art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei
11.719, de 20 de junho de 2008, estabelece que:
35
APELAÇÃO - Condenação - Atentado violento ao pudor em face de enteada menor. Recurso da defesa pugnando a
absolvição, sob o argumento da precariedade da prova. Subsidiariamente, persegue a reforma do regime prisional e a
retirada ou redução da indenização fixada a título de danos morais. Preambularmente, cumpre destacar a
inaplicabilidade das alterações trazidas pela lei 12.015/09, ao caso em apreço, uma vez que o quantum da pena não
foi alterado ao tipo penal em questão, malgrado alteração de sua nomenclatura jurídica, agora, estupro, bem como em
razão da nova figura típica disciplinada no artigo 217-A prever pena superior à prevista no antigo artigo 214, ambos
do Código Penal, traduzindo-se a novel legislação em mais gravosa ao apelante, pelo que se devem manter as normas
legais atinentes ao tema anteriores à reforma. Declarações da vítima, bem como depoimentos de outra testemunha,
sua mãe, em juízo, formando conjunto probatório seguro. A palavra da vítima merece total credibilidade, não tendo a
defesa conseguido fortalecer tese abraçada por seu defendente, que restou dissociada do restante do conjunto
probatório. Regime prisional fechado que se mostra consentâneo com a natureza do delito, destacando-se o
entendimento do STF, no sentido de que o estupro e o atentado violento ao pudor, mesmo nas suas formas básicas, ou
seja, em que não há lesão corporal de natureza grave ou morte, constituem crimes hediondos, nos termos do artigo 1º,
inciso V e VI, da Lei nº 8.072/90. A determinação de fixação de valor mínimo a ser pago à vítima a título de
reparação instituída pela lei 11.719/08 encontra aplicação nos crimes cometidos antes de sua vigência, por tratar-se de
norma de cunho processual. Tema que já era objeto do ordenamento, pois, nos termos do artigo 91, inciso I, do
Estatuto Repressivo, a sentença penal condenatória, transitada em julgado, possui, como um dos seus efeitos
genéricos, tornar certa a obrigação do agente criminoso de indenizar o dano causado pelo crime, traduzindo
verdadeiro título executivo judicial, tendo-se da lei superveniente que a mesma apenas visa afastar o penoso caminho
da liquidação da sentença penal condenatória, permitindo ao magistrado, ao fixar o quantum da indenização, tornar a
obrigação líquida, possibilitando-se à vítima, desde logo, fazer cumprir a decisão no juízo cível. Quantum arbitrado
que se mostra desproporcional especialmente em face da condição econômica do apelante, devendo, pois, ser
reduzida. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. Apelação
2009.050.04749. 8ª Câmara Criminal. Rel. Des. DENISE ROLINS LOURENCO Julgamento 15/10/2009).
88
Não se trata de uma nova regra de direito penal, embora haja entendimento nesse
sentido36, mas sim de regra processual, requisito da sentença, aplicável imediatamente37,
36
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. O primeiro Apelante restou condenado como incurso
nas sanções previstas no artigo 158, §1º, do Código Penal, enquanto o segundo Apelante o foi naquelas previstas no
artigo 158, §1º, e artigo 157, §2º, I e II, na forma do artigo 69, todos do Código Penal. Foram interpostos recursos de
apelação, em petições independentes para cada um dos denunciados. A defesa técnica do Apelante Reginaldo
pretende o afastamento da causa especial de aumento de pena referente ao emprego de arma de fogo, assim como a
declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo 387, IV, do CPP, para afastar a fixação do valor da reparação
do dano na sentença criminal. O Apelante Eduardo, a seu turno, através de sua defesa técnica, pretende,
preliminarmente, a nulidade da sentença, ao argumento de que o juízo seria incompetente, assim como por suposta
não observância do rito processual estabelecido na lei de regência. No mérito, pugna pela absolvição por atipicidade
da conduta ou por fragilidade probatória e, alternativamente, pretende o afastamento da causa especial de aumento
relativa ao concurso de pessoas e a fixação do regime semiaberto. Cuida a hipótese de dois crimes de roubo ocorridos
em Parada de Lucas, Rio de Janeiro e um crime de extorsão praticado na cidade de Belford Roxo, e assim, sendo as
penas previstas para ambos os crimes idênticas, não merece prosperar a preliminar de incompetência do juízo, na
medida em que, a teor do que dispõe o artigo 78, II, "b", do Código de Processo Penal, prevalecerá como competente
o juízo ao qual couber o julgamento do crime em que houver o maior número de infrações que, no caso concreto, é o
da Comarca da Capital. Também resta rejeitada a preliminar que pretende a nulidade da sentença por alegada
inobservância ao rito processual, na medida em que o douto Juiz sentenciante apenas corrigiu a tipificação jurídica
diante de um erro material ocorrido na capitulação dos fatos narrados na denúncia, sendo a hipótese de emendatio
libelli e, não, de mutatio libelli. Ao contrário do sustentado na denúncia, no sentido de que os Apelantes teriam
exigido da vítima certa quantia em dinheiro para a devolução de seu veículo, tipo Kombi, que foi objeto de crime de
roubo praticado no dia anterior, o conjunto probatório demonstrou que a iniciativa de entrar em contato com os
Apelantes para "negociar" a devolução do referido automóvel partiu da própria vítima, o que, a toda evidência, faz
com que inexista a violência ou a grave ameaça caracterizadora do crime de extorsão, sendo, portanto, atípicas as
condutas dos Apelantes. A não apreensão da arma de fogo não impede o reconhecimento da causa de aumento
correspondente, prevista no crime de roubo, sendo suficiente o fato de a vítima, quando ouvida em sede judicial (fls.
141/142), ter declarado que o segundo Apelante portava arma de fogo. Resta afastada a imposição de reparação dos
danos fixada na sentença, posto que a regra trazida pela Lei n° 11.719/08, que introduziu o parágrafo único do artigo
63 do Código de Processo Penal, tem natureza preponderantemente penal e só entrou em vigor 60 dias após sua
publicação, que se deu em 23.06.08, sendo, portanto, posterior ao fato em apuração. RECURSOS CONHECIDOS,
REJEITANDO-SE AS PRELIMINARES. NO MÉRITO, DÁ-SE INTEGRAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO
APELO E PARCIAL AO SEGUNDO PARA, NA FORMA DO ARTIGO 386, III, DO CPP, ABSOLVER OS
APELANTES QUANTO À IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 158, §1º DO CP,
ASSIM COMO PARA AFASTAR A IMPOSIÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS EM RELAÇÃO AO
SEGUNDO APELANTE, MANTIDA, NO MAIS, A DOUTA SENTENÇA. EXPEÇA-SE ALVARÁ DE
SOLTURA CLAUSULADO EM FAVOR DE REGINALDO CASTELO BRANCO FERREIRA. (TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 7ª Câmara Criminal. Apelação 0079924-77.2008.8.19.0001 (2009.050.03930) –
APELACAO. Rel. Des. MAURILIO PASSOS BRAGA - Julgamento: 29/09/2009).
37
Apelação. Art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal. Recurso defensivo com alegação de insuficiência de prova, e
pedido de absolvição e, subsidiariamente, de afastamento das causas de aumento do emprego de arma, por não ter
havido a apreensão da arma utilizada, e do concurso de agentes, por não ter sido provado; de redução da pena base
aplicada e adequação da pena de multa; de redução do quantum de majoração em razão das duas causas de aumento;
de fixação de regime prisional menos gravoso; e de afastamento da obrigação de indenizar. As declarações do
ofendido, desde que coerentes e firmes, são admitidas como elemento de convicção, em sede penal, principalmente
em crime contra o patrimônio, praticado, na maioria das vezes, sem a presença de testemunhas. Palavra da vítima e
prova testemunhal firmes, seguras, que dão certeza da autoria e das causas de aumento. A ausência de apreensão e
perícia da arma não impede o reconhecimento da causa de aumento de pena do inciso I do § 2º do art. 157 do C.P. A
fixação da pena base acima do mínimo está fundamentada na má conduta social e personalidade distorcida do
Apelante, que responde a diversos inquéritos policiais e ações penais, e está correta. Pena de multa fixada muito
acima do mínimo legal que é corrigida. Se estão presentes duas causas de aumento de pena, o aumento de pena de 3/8
(três oitavos) é o mais adequado. Sendo o crime de roubo com duas causas de aumento de pena e as circunstâncias
judiciais desfavoráveis, o regime prisional mais adequado é o inicialmente fechado. A obrigação de indenizar pelo
dano causado pelo crime é efeito da sentença condenatória. Art. 91, I do Código Penal. O art. 387, IV do Código de
Processo Penal determina apenas a fixação de valor mínimo para a indenização, sem prejuízo da liquidação para a
apuração do dano efetivamente sofrido, podendo o Apelante discutir o restante do valor no juízo cível. Recurso
parcialmente provido. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 8ª Câmara Criminal. Apelação
2009.050.02437. Rel. Des. ANGELO MOREIRA GLIOCHE - Julgamento: 19/08/2009).
APELAÇÃO - Condenação por crime de atentado ao pudor. Recurso do Ministério Público requerendo o
reconhecimento de continuidade delitiva e o caráter hediondo do delito. Apelação da defesa postulando a absolvição
e, subsidiariamente, que a pena-base seja fixada no piso legal e que a indenização a título de danos morais seja
reduzida. A palavra da vítima merece total credibilidade, não tendo, a defesa, conseguido comprovar a tese abraçada
por seu defendente, que restou dissociada do restante do conjunto probatório. Episódio criminoso que consistiu em
coação da moça a praticar com o segundo apelante felação e coito anal, atos estes cometidos no mesmo contexto de
89
que vem aperfeiçoar o sistema penal, dando efetividade ao art. 91, I, do Código Penal,
possibilitando a correta execução da sentença criminal no sistema penitenciário, para
fins do cumprimento do trabalho do preso e ressarcimento da vítima (art. 29, §1º, “a” e
art. 39 VII da LEP).
Note-se que o art. 387, IV, do Código de Processo Penal apenas determina ao
Juiz que fixe os danos mínimos38, aqueles visualizados de pronto, como os danos
materiais evidentes e comprovados durante o decurso da ação penal39, assim como os
danos morais referentes aos crimes praticados com violência ou grave ameaça, eis que
ação, para atingir a um mesmo fim, satisfazer a lascívia do réu. Crime único. Sentenciado que revela personalidade
voltada à prática de delitos contra a liberdade sexual, ostentando antecedentes em desabono, nada menos do que treze
anotações, inclusive com decretos condenatórios, estando, em dois deles, alcançada a definitividade, tudo levando a
inferir-se que a fixação de uma punição mais branda não iria satisfazer os objetivos primordiais na sanção penal.
Correta, pois, a pena básica em sete anos de reclusão, majorada em fase seguinte, por força da reincidência. A
natureza hedionda do crime está explicitada pelo legislador, no artigo 1º, inciso VI, da Lei nº. 8072/90, sendo que a
mera omissão sanável por via própria não pode representar qualquer prejuízo para a etapa executória. Merece
retoque, somente, a sentença para reduzir o quantum fixado para pagamento de indenização à ofendida a títulos de
danos morais, tendo em vista que se trata de taxista. Recurso do Parquet improvido. Recurso defensivo parcialmente
provido. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 8ª Câmara Criminal. Apelação 2009.050.04885. Rel
Des. DENISE ROLINS LOURENCO - Julgamento: 14/09/2009).
38
APELAÇÃO - Art. 157 § 2º, I e II do CP - Pena de 06 anos, 03 meses e 18 dias de reclusão e 16 dias-multa, regime
fechado e, ainda, a ressarcir os danos causados ao lesado no valor de R$ 1.400,00. Apelante em comunhão de ações e
desígnios com outro elemento, mediante grave ameaça exercida com emprego de uma faca e pela simulação de
emprego de arma de fogo, subtraiu certa quantia em dinheiro, uma carteira de identidade, um cartão de crédito, um
aparelho de telefone celular e um contra cheque, pertencentes à vítima. - Impossível a absolvição: materialidade e
autoria plenamente demonstradas pelo conjunto probatório. - Negativa do fato que é justificável, já que interrogatório
é meio de defesa. - E em sede de crimes contra o patrimônio a palavra da vítima tem especial relevância para embasar
o decreto condenatório. A vítima foi clara e precisa ao apontar o ora apelante como autor do delito: afirmou que este
a ameaçou com uma faca, inclusive encostando-a em sua barriga e que ficou com a mão por baixo da blusa de forma
a simular que estaria também armado. - Dosimetria da pena que não merece reparo: fixação da pena-base em 04 anos
de reclusão de 10 dias-multa, aumentada de 06 meses de reclusão e 2 dias-multa, pela reincidência (FAC fls. 36
condenação por tráfico de drogas), passando a 04 anos e 06 meses de reclusão e 12 dias-multa, acrescida de 2/5, em
razão das duas circunstâncias especiais de aumento de pena, tornando-se definitiva em 06 anos, 03 meses e 18 dias de
reclusão e 16 dias-multa. - Improsperável a alegação de ser incabível a reparação patrimonial fixada ex-officio pelo I.
Juiz: a vítima deverá ser reparada pelos prejuízos sofridos e, de acordo com a nova redação dada ao art. 387, IV do
CPP pela Lei 11.719/08, o Juiz deve fixar um valor mínimo para essa reparação. - Trata-se, pois, tão-somente, de um
valor mínimo que se revele suficiente para recompor os prejuízos evidenciados de plano na ação penal. - Manutenção
da sentença. - IMPROVIMENTO do APELO DEFENSIVO. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 4ª
Câmara Criminal. Apelação 2009.050.03599. Rel. Des. GIZELDA LEITÃO TEIXEIRA. Julgamento 21/07/2009).
39
APELAÇÃO - Art. 155 caput c/c § 2º do CP Pena de 10 dias-multa. Fixado o valor de R$ 80,00 para reparação dos
danos causados. - Apelante de forma livre e consciente, adentrou no estabelecimento comercial e subtraiu quantia de
R$80,00 de propriedade da vítima. - Materialidade e autoria sobejamente demonstradas pelo conjunto probatório. -
Incabível a aplicação do princípio da insignificância: não foi pequena a lesão praticada contra o bem jurídico. - E no
ordenamento jurídico brasileiro o referido princípio não pode ser invocado para afastar a tipicidade. - Em matéria de
crime contra o patrimônio, o pequeno valor já foi contemplado pelo legislador ao prever a hipótese de furto
privilegiado. - Improsperável o pleito de reconhecimento do furto privilegiado: o I. Juiz na aplicação da pena
reconheceu que a coisa subtraída era de pequeno valor. Fixou a pena-base em 01 ano de reclusão e 10 dias-multa. Na
2ª fase ante a primariedade do réu e o pequeno valor da coisa furtada, aplicou somente a pena de multa, restando o
ora apelante condenado a 10 dias-multa. A seguir, fixou o valor de R$ 80,00 para reparação dos danos causados à
vítima. - No que tange à gratuidade de justiça, o pagamento das custas processuais é consectário legal da condenação
prevista no art. 804 do CPP, cabendo eventual apreciação quanto à impossibilidade ou não de seu pagamento ao Juízo
da Execução. - Quanto ao prequestionamento, não se vislumbra ofensa a dispositivos de leis: o apelante foi
legalmente processado e positivada a conduta delituosa, foi justamente condenado. - Manutenção da sentença. -
IMPROVIMENTO do APELO DEFENSIVO (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 4ª Câmara
Criminal. Apelação 2009.050.06039. Rel. Des. GISELDA LEITÃO TEIXEIRA. Julgamento 20/10/2009).
90
danos presumidos (qualquer roubo, sequestro, homicídio ou estupro causa dor,
sofrimento e humilhação)40.
O condenado, assim, está obrigado a trabalhar para indenizar a vítima dos danos
sofridos. Conquanto seja disponível para a vítima (que poderá ou não promover a
execução no juízo cível, além de promover a liquidação para apuração dos danos
efetivamente sofridos, majorando o valor do ressarcimento), é um dever do Estado
exigir do preso o seu trabalho para o pagamento da indenização. A indenização
mínima tem um aspecto híbrido: é disponível para a vítima, que pode ou não exercer
esse direito, mas é indisponível sob a ótica do Estado, que tem o dever de exigir do
preso o trabalho e a obrigação de fazer o depósito do numerário destinado ao pagamento
dos danos devidos à vítima. A obrigação principal e prioritária do pagamento do
ressarcimento à vítima é do condenado, devendo o Estado responder subsidiariamente,
caso o condenado não cumpra o seu dever legal.
A fixação desse valor mínimo pode ser considerada efeito secundário da
sentença criminal e seu requisito, a partir da vigência da Lei nº 11.719, de 20 de junho
40
LESAO CORPORAL CONTRA EX-COMPANHEIRA (VIOLENCIA DOMESTICA). LEI MARIA DA PENHA.
ABSOLVICAO. IMPOSSIBILIDADE. SUFICIENCIA PROBATORIA. EM CRIMESQUE ENVOLVEM
VIOLENCIA DOMESTICA, A PALAVRA COERENTE DA VÍTIMA MERECE ESPECIAL RELEVANCIA,
MAXIME QUANDO EM HARMONIA COM O LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO - LESOES
CORPORAIS E COM A PROVA TESTEMUNHAL, A QUAL REVELA QUE AS AGRESSOES FISICAS
SOFRIDAS POR ELA OCORRERAM DENTRO DE RESIDENCIA, SEM TESTEMUNHAS OCULARES, DE
MOLDE QUE E INVIAVEL O PLEITO ABSOLUTORIO, COMO TAMBEM O DESCLASSIFICATORIO PARA
A CONDUTA DESCRITA NO ART. 129, CAPUT DO CODIGO PENAL, POIS PRESENTE A VIOLENCIA
DOMESTICA, ELEMENTO DO TIPO DO SEU ART. 129, § 9. 2 - REPARACAO DE DANOS. EFEITO DA
CONDENACAO. A REPARACAO DE DANO A VÍTIMA E UM DOS EFEITOS DA CONDENACAO,
SENDO INQUESTIONAVEL O PREJUIZO SOFRIDO POR ELA, MORMENTE MORAL, NOS CASOS DE
VIOLENCIA DOMESTICA. INTELIGENCIA DOS ARTS. 91, I, DO CODIGO PENAL, E 387, IV DO CODIGO
DE PROCESSO PENAL. APELACAO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS.
1ª CAMARA CRIMINAL. APELAÇÃO 36346-2/213. PROCESSO 200902085411/URUACU. Rel. Des.
LEANDRO CRISPIM. ACORDAO 21/07/2009. DJ 397 DE 13/08/2009).
91
de 2008,41 e o ideal é que o Parquet faça o pedido de indenização na denúncia
criminal42.
41
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2008.050.06896. APELANTE: ALEXANDRE FRANÇA DOS SANTOS.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICOCO-RÉU 1: ANTONIO CARLOS ATHAIDECO-RÉ 2: CARLA OLIVEIRA
DA SILVAORIGEM: JUÍZO DA 4ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE DUQUE DE CAXIAS - TRIBUNAL
DO JURI. RELATOR: DES. MARCUS QUARESMA FERRAZ. Tribunal do Júri. Artigo 121, § 2º, inciso IV e § 4º
(vítima maior de 60 anos de idade), artigo 155, § 4º e artigo 211, na forma do artigo 69, todos do Código Penal. Pena:
25 (vinte e cinco) anos de reclusão, regime inicialmente fechado, e 60 (sessenta) dias-multa no valor unitário mínimo
legal, e, com base no artigo 494, inciso I, alínea "d", c/c artigo 387, inciso IV, ambos do Código de Processo Penal, o
pagamento da quantia correspondente a 100 salários mínimos para reparação de danos causados pelas infrações.
Apelo defensivo: a) anulação do julgamento, sob alegação de que o reconhecimento da qualificadora manifestamente
contrariou a prova dos autos; b) atenuação das penas; c) redução do valor da indenização. Há prova de que o ataque
homicida surpreendeu a vítima, a qual não teve possibilidade de reagir, pois não tinha motivo algum para suspeitar
das intenções do apelante. Segundo lição de Mirabete, "A surpresa da vítima pode qualificar o delito quando
efetivamente comprovado que o ato homicida é totalmente inesperado, impedindo ou dificultando a defesa,
encontrando-se esta circunstância na cognição e vontade do agente", destacando Cezar Roberto Bitencourt que "a
surpresa constitui um ataque inesperado, imprevisto e imprevisível; além do procedimento inesperado, é necessário
que a vítima não tenha razão para esperar a agressão ou suspeitar dela". Assim, a soberana decisão dos juízes leigos
não foi arbitrária, pois se baseou em uma das vertentes razoáveis e sérias do quadro probatório, e, portanto, deve ser
respeitada. Referentemente à dosimetria da pena, a maioria entendeu que a exasperação das penas bases dos três
crimes foi demasiada, considerando a fundamentação destacada na sentença, bem como a incidência da fração de 1/3
por força do § 4º, do artigo 121, do Código Penal, ficando vencido neste ponto o relator, que mantinha o quantum
estabelecido na sentença. No tocante a fixação da indenização, de acordo com a nova redação conferida ao artigo 387,
inciso IV, do Código de Processo Penal, é grande a dificuldade de, no processo penal, ter a efetiva comprovação do
valor dos danos sofridos pela vítima, ou pelos seus sucessores, principalmente quando esses sequer participaram do
feito como assistentes, como no presente caso. O juiz, na verdade, não dispõe de elementos suficientes de convicção
para aferir o valor da indenização, e, desse modo, é certo que deverá exercer esse novo atributo de forma muito
cautelosa, a fim de que não sejam praticadas injustiças, suprimindo do réu seus direitos fundamentais de exercício da
ampla defesa e contraditório. Em conseqüência, como bem determinou a nova disposição legal, o juiz deverá
restringir-se a fixação de um valor mínimo de indenização, e, assim, percebe-se com nitidez o exagero do quantum
fixado na sentença, que muito além das indenizações globais, integrais, fixadas nos juízos cíveis, que se utilizam de
todas as garantias atinentes ao devido processo legal para a correta fixação dessas indenizações, atribuiu o valor
elevadíssimo de 100 salários mínimos, forçando frisar que tanto o apelante como a vítima têm precária situação
financeira. Apelo parcialmente provido, para adequar as penas e fixar o valor mínimo da indenização na quantia
correspondente a quatro salários mínimos, mantidas as demais cláusulas da sentença. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
RIO DE JANEIRO. 8ª Câmara Criminal. Apelação 2008.050.06896. Rel. Des. Marcus Quaresma Ferraz. Julgamento
18/02/2009).
42
APELAÇÃO. Crime de roubo majorado pelo concurso de pessoas. Sentença condenatória. Apelo defensivo
buscando a absolvição por precariedade de prova. Impossibilidade. Prova oral contundente. Apelantes que, após
ingressarem em veículo de transporte alternativo – van, e arrecadarem os pertences dos passageiros, tentam evadir-se
após o motorista do veículo estacionar em frente a uma patrulha policial, vindo a serem presos por policiais e
populares momentos depois. Reconhecimento formal por parte dos lesados em sede policial. Conjunto probatório
firme e suficiente para a manutenção da censura penal estampada na sentença. Pedido de reconhecimento da
atenuante da confissão espontânea. Pena base fixada no mínimo legal. Descabimento de aplicação da pena aquém do
mínimo legal. Enunciado da Súmula 231 do E. STJ. Pleito de maior redução de pena pelo reconhecimento da
tentativa. Pena bem dosada. Fixação de quantum indenizatório. Ausência de pedido do beneficiário e de prova que
autorize a fixação do quantum indenizatório. Princípio da correlação. Violação do direito de defesa. Recursos a que
se dá parcial provimento. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 1ª Câmara Criminal. Apelação
Criminal nº. 2009.050.02023. Rel. Des. Marco Aurélio Bellizze. DJ 27/5/2009).
92
“Mandado de Segurança. Impetração ministerial contra omissão do juízo que
deixou de cumprir o disposto no artigo 201, § 2º, do CPP. Previsão legal para
intimação da vítima acerca da sentença condenatória. Descumprimento que
implica violação a direito líquido e certo, do titular da ação penal pública.
Direito à observância, pelo juízo, do devido processo legal. Segurança
concedida.
(...)
O § 2° do artigo 201 do CPP traduz, sob outro prisma, uma maior preocupação
com a vítima, sujeito processual cujo tratamento vem melhorando desde o
advento da Lei n° 9.099/95, que institui o Juizado Especial Criminal e lhe
atribuiu maior participação e atenção. Exemplos disso são os institutos da
composição civil (art. 74) e da suspensão condicional do processo (art. 89), em
que a efetiva reparação do dano constitui condição sine qua non para a
concessão do respectivo benefício. A Lei n° 9.099, aprimorando o olhar ao
ofendido, condicionou benesses previstas para o autor da conduta delitiva à
reparação do prejuízo suportado pela vítima. Justiça se faça, o Código Penal
também condiciona o sursis especial (art. 78, § 2o) e o livramento condicional
(art. 83, IV) à reparação do dano.
E, em última análise, uma satisfação do Estado, detentor do poder-dever de
garantir a segurança pública e a distribuição da justiça, àquele que, pelo menos
em tese, à vista da prova produzida durante o processo penal, mais sofreu com a
prática delitiva. É uma forma de manter o ofendido, sempre digno de respeito e
consideração, informado sobre a solução destinada à causa da qual participou
como fonte de prova. Antes de sujeito processual, a vítima figura, no entanto,
como detentor de um direito penalmente relevante, tutelado pelo ordenamento
legal e violado pela parte que ocupa o pólo passivo da ação penal. Pesa-lhe,
muitas vezes, o trauma da violência desmedida. Crime grave ou não, seja
condenatória ou absolutória a decisão, salutar a notícia do resultado do processo
ao ofendido. Daí a imperatividade da observância do dispositivo legal. 3. Por
tais fundamentos, pelo meu voto, concedo a segurança para determinar o
cumprimento, pelo juízo impetrado, do artigo 201, § 2º, do CPP.” (TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. 16ª Câmara de Direito Criminal. Mandado de
Segurança 99009280260-7. Praia Grande - Impetrante Ministério Público. Rel.
Des. Almeida Toledo. Julgamento 26/1/2010. Data do Registro 9/2/2010).
Estudaremos, neste tópico, algumas infrações administrativas que têm por objeto
principal a prevenção a situações que possam deixar crianças e adolescentes em situação
de risco.
Segundo dados internacionais, trazidos pelo autor Tarcísio José Martins em sua
obra Estatuto da Criança e do Adolescente,43 na qual comenta estudo realizado pelas
autoras Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira Guerra,44 estima-se que 10% das
crianças com menos de 5 anos que são atendidas em pronto-socorros ou hospitais são
43
Tarcísio José Martins Costa. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 28.
44
Azevedo, Maria Amélia; Guerra, Viviane Nogueira. “Vitimação e Vitimização: questões conceituais”. In: Crianças
Vitimizadas. São Paulo: Iglu, 1989, p. 45.
94
vítimas de violência ou abuso físico, em todo o mundo: uma menina em cada cinco e
um menino em cada 10 são vítimas de abuso sexual antes dos 18 anos.
45
Edmundo Oliveira Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Comentários Jurídicos e Sociais, 3ª ed.,
Coordenadores Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez, São Paulo: Malheiros, p. 734.
46
Wilson Donizeti Liberati. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 8ª ed., 2004, p. 268.
95
O sujeito ativo dessa infração é o médico, o diretor do hospital, o dono do
hospital ou qualquer responsável pelo estabelecimento de atenção à saúde; o professor,
o diretor da escola, o dono da escola ou qualquer responsável pelo estabelecimento de
ensino fundamental, pré-escola ou creche. Note-se que, em relação ao estabelecimento
de ensino, foram mencionados aqueles que lidam com a faixa etária até os 15 anos,
aproximadamente (ensino fundamental), não tendo sido incluído o ensino médio e os
cursos profissionalizantes, embora também seja recomendável a comunicação e muitos
autores incluam, entre os sujeitos ativos, os responsáveis por quaisquer
estabelecimentos que atendam a crianças e adolescentes.47
47
Hélio de Oliveira Santos em Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 3ª ed., Coordenadores Munir Cury, Antonio
Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez, São Paulo: Malheiros, p. 734.
48
Hélio de Oliveira Santos. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Coordenadores Munir Cury, Antonio Fernando do
Amaral e Silva, Emílio Garcia Mendez. São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 1996, p. 737.
96
De qualquer forma, é de todo recomendável que eles também façam a
comunicação, por força do princípio da proteção integral. Todavia, o dispositivo em
análise foi expresso ao mencionar médico, professor ou responsável por
estabelecimento de atenção à saúde e de ensino. Desde que o enfermeiro, o dentista ou
o psicólogo seja o responsável pelo estabelecimento de atenção à saúde, então, sim,
poderá responder como sujeito ativo. Caso contrário, a lei punitiva estaria extrapolando
os seus limites, em verdadeira violação do princípio da legalidade, já que não abriu
margem para a interpretação ampliativa, ao definir expressamente os sujeitos ativos da
infração.
A autoridade competente mencionada pela infração administrativa é o Conselho
Tutelar, conforme se verifica pelo disposto no art. 13 e no art. 56 do Estatuto. Assim,
desde que o profissional comunique ao Conselho Tutelar, não estará incorrendo na
infração administrativa. De qualquer forma, é de todo recomendável que, além do
Conselho Tutelar, a comunicação também seja encaminhada à Promotoria da Infância e
Juventude, na medida em que esta tem a função de zelar pela proteção de crianças e
adolescentes, além de fiscalizar a atuação do Conselho Tutelar, sem prejuízo de igual
comunicação à Delegacia de Proteção da Infância e Juventude ou à Delegacia mais
próxima, quando o profissional responsável verificar indícios de crime praticado contra
criança ou adolescente.
O sujeito passivo da infração é tanto o Estado quanto a criança ou adolescente
entregue aos cuidados do sujeito ativo.
O fato típico é a omissão do dever imposto em lei, ou seja, não comunicar à
autoridade competente os casos de maus-tratos contra a criança ou o adolescente de que
o sujeito ativo tenha conhecimento. Para que o dever de comunicar se configure, basta
que o sujeito ativo tenha conhecimento dos maus-tratos ou deles suspeite. Não se trata
de exigir dolo ou culpa do sujeito ativo. Deve-se verificar, apenas, se o profissional
tinha ou não conhecimento ou suspeitava dos maus-tratos.
Conforme expõe Hélio de Oliveira Santos,49 são situações de maus-tratos que
devem ser notificadas: abusos físicos, espancamentos, abusos sexuais, abandono,
negligência, maus-tratos psicológicos, intoxicações provocadas por medicamentos,
alimentos ou qualquer outra forma de envenenamento, privação alimentar, subnutrição,
estímulos distorcidos provocados por pais ou responsável com distúrbios comportamen-
Hélio de Oliveira Santos. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais – Coordenadores:
49
Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral e Silva e Emílio Garcia Mendez. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 734.
97
tamentais ou toxicomanias.
50
Art. 72 do Decreto nº 5083, de 1º de dezembro de 1926, arts. 75 e 114 do Decreto 17.943, de 12 de outubro de 1927.
51
Código de Menores de 1979: art. 72. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrentes de
tutela ou guarda, bem assim determinação judicial sobre medida de assistência, proteção ou vigilância a menor. Pena – multa de até
três valores de referência, aplicando-se o dobro na reincidência.
98
Séculos foram necessários para que a noção de filho deixasse de ser tida como
objeto para alcançar-se a ideia de proteção. Na visão humanista da família, a concepção
ultrapassada do pátrio poder como um poder-sujeição do pai sobre o filho tornou-se
inadmissível. O filho deve ser visto como o destinatário principal da relação, da qual
também participa e interage, inclusive emitindo a sua opinião, 52 na condição de sujeito
de direito.
A educação do filho, como uma das facetas dos deveres decorrentes do poder
familiar, não consiste apenas na obrigação de zelar para que o filho receba instrução
escolar ou profissional. Consiste também na transmissão de valores morais e éticos.
Os pais são responsáveis pela formação de seus filhos, inclusive por atos ilícitos
por eles praticados. Não basta a educação formal, é preciso que o filho seja educado
para viver em sociedade, aprendendo a respeitar o próximo, a agir corretamente,
devendo ser repreendido por mau comportamento. Nenhuma criança nasce educada,
sendo necessário que ambos os pais, num esforço quotidiano, trabalhem para lhe formar
o caráter e infundir-lhe bons princípios.
52
Art. 16, incisos II e V, da Lei 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
53
Patricia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos em “A moderna visão da autoridade parental na obra Guarda
Compartilhada, aspectos jurídicos e psicológicos”. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005.
99
A ausência de creches e escolas em horário integral dificulta o regular exercício
do poder familiar das famílias economicamente desfavorecidas quando, em razão da
pobreza e da necessidade de trabalho das mães, as crianças acabam institucionalizadas.
É preciso que a criança não fique abandonada na entidade de acolhimento e que seja
retirada pela família nos finais de semana.54
54
REPRESENTAÇÃO POR INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MENORES DEIXADOS EM ABRIGO. CONVIVÊNCIA
FAMILIAR DURANTE FINS DE SEMANA. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. MANUTENÇÃO. 1. Menores
deixados em abrigo que conta com amplo suporte, inclusive pedagógico, e mantem convívio com a mãe durante os finais de semana.
2. Mãe que comprovadamente não ostenta meios, sem o concurso do abrigo, para criar e educar os filhos. 3. Inexistência de
abandono, sendo que os direitos dos menores estão amplamente respeitados, falecendo interesse do Ministério Público no que tange
à adequação econômica de famílias à realidade social em que vivem. 4. Desprovimento do recurso. RECURSO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. (TJRJ. 0285850-89.2007.8.19.0001 - APELACAO . Quinta Câmara Civel. Rel. DES. ANTONIO SALDANHA
PALHEIRO - Julgamento: 24/08/2010).
Agravo de instrumento. Decisão agravada que entendeu que o processo de representação por infração administrativa ajuizado pelo
MP em face dos pais de dois menores não deveria ser inscrito no "Plano Mater". Ato Executivo TJ nº 4065, de 28/08/2009. Plano de
ação que é elaborado e executado pelo TJRJ e visa garantir às crianças e adolescentes uma convivência familiar e comunitária, tendo
como meta a inserção destes quer na família de origem, quer em família substituta. Genitora que não possui condição econômico-
financeira para sustentar os menores. Genitor em cumprimento de pena privativa de liberdade. Mãe que estuda e trabalha eventual e
temporariamente em diversas funções desde o ajuizamento da ação, sempre buscando os filhos durante os fins de semana, quando
lhes presta assistência afetivo-emocional. Menores que se encontram em abrigamento diferenciado que oferece educação e estrutura
para crianças e adolescentes e cuja mãe, pessoa de baixa renda, necessita trabalhar em tempo integral, não havendo apoio do pai.
Institucionalização que, em regra, deve ser temporária e excepcional, contudo, no caso concreto, em que pese a longa permanência
dos menores na instituição, tal medida acaba por atender o melhor interesse das crianças/adolescentes, já que só assim terão acesso à
educação e ao lazer, não sendo privados da convivência com a mãe, esta que manifesta interesse em conviver diariamente com os
filhos quando tiver condições para tanto. Recurso desprovido. (TJRJ. 0014916-88.2010.8.19.0000 - AGRAVO DE
INSTRUMENTO. Quinta Câmara Cível. Rel. DES. CRISTINA TEREZA GAULIA - Julgamento: 24/08/2010).
55
Roberto de Almeida Borges Gomes. “Aspectos Gerais da Investigação de Paternidade à Luz do Princípio Constitucional da
Proteção Integral”, in: Temas Atuais de Direito e Processo de Família, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 470.
100
É dever não só dos pais, mas de toda a família, da sociedade e do Estado,
“assegurar à criança e, ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão” (art. 227 da CF).
É comportamento ético-jurídico dos pais, como decorrência da responsabilidade
parental e interesse superior da criança, portanto, além de buscar garantir os direitos
acima mencionados, respeitar a integridade física e psíquica do filho e a figura parental
do outro genitor, não criar obstáculos para o acesso do outro genitor à criança, permitir
o convívio do filho com os avós e demais parentes, prestar o auxílio moral e material
necessário e o possível para o sustento do filho, amparar, proteger e se fazer presente na
vida da criança. Dos pais se exige muito mais do que simplesmente criar os filhos. É
necessário criá-los com amor56, ética e responsabilidade, preparando-os
satisfatoriamente para a vida adulta.
O pai ou mãe destituído do poder familiar não se exonera de seus deveres em
relação ao filho. Com a destituição do poder familiar, cessará o convívio e os poderes
em relação ao filho, mas os deveres persistem, como o dever de prestar alimentos.57
Afinal, somente com a adoção do filho por outrem é que os vínculos biológicos são
rompidos.
Nota-se, assim, que os deveres que decorrem da autoridade parental são amplos,
num rol não exaustivo, com vistas à proteção da integridade física, psíquica e espiritual
dos filhos.
Esses deveres mencionados no dispositivo são exigíveis dos pais biológicos,
ainda que a criança não tenha certidão de nascimento58 ou que não figure o nome do pai
ou da mãe na certidão de nascimento do filho (o reconhecimento da paternidade ou
56
Ementa: ECA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. DESCUMPRIMENTO DO DEVER INERENTE AO PODER FAMILIAR.
ADOLESCENTE QUE PRETENDE APROXIMAÇÃO COM O PAI. ABANDONO AFETIVO POR PARTE DO GENITOR.
INFRAÇÃO AO ART. 249 DO ECA CARACTERIZADA. CONDENAÇÃO QUE SE PÕE COMO DEVIDA. MULTA NO
MÁXIMO COMINADA. REDUÇÃO, PORÉM, QUE SE RECOMENDA PARA O MÍNIMO LEGAL. VALORAÇÃO DAS
DIRETRIZES BALIZADORAS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (TJRS. Apelação Cível Nº 70037322781, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Data de Julgamento: 12/08/2010. Publicação: Diário
da Justiça do dia 19/08/2010).
57
O Código de Menores de 1927 era expresso, afirmando: art. 41. “O juiz ou tribunal, ao pronunciar a suspensão ou a perda do
pátrio poder ou a destituição da tutela, fixará a pensão devida pelo pai ou mãe ou pessoa obrigada a prestação de alimentos.”
58
“REPRESENTAÇÃO CÍVEL – FALTA DE REGISTRO DE NASCIMENTO DE MENOR – MULTA – PAIS MISERÁVEIS –
INEXEQÜIBILIDADE DA NORMA. Revela-se inexeqüível a sanção do art. 249 do ECA sendo os pais miseráveis e porque se está
diante de um fato de ignorância social, comum na sociedade brasileira carente, qual a lei visa, na essência, orientar e educar.
Recurso não provido” (TJRJ – Processo nº 2004.004.00516, Conselho da Magistratura, por unanimidade, Relator Des. Paulo
Gustavo Horta, publicado em 05/10/2004, registrado em 12/11/2004).
101
maternidade poderá ser incidental no processo), dos pais registrados,59 dos pais
adotivos60 e dos pais separados, exerçam ou não a guarda da criança61.
Note-se, ainda, que os dirigentes de entidade de acolhimento, por força do
disposto no art. 92, parágrafo único, do Estatuto, são equiparados ao guardião, para
todos os efeitos de direito (hipótese de guardião legal), respondendo pela infração
administrativa.
São sujeitos ativos do dispositivo um ou ambos os pais, o tutor ou tutores, o
guardião ou guardiães.
O art. 249 do Estatuto exige o dolo ou a culpa no descumprimento dos deveres
decorrentes da autoridade familiar62. Assim, é necessário o elemento subjetivo do tipo: a
vontade livre e consciente (dolo) de descumprir os deveres decorrentes do poder
familiar, tutela ou guarda, ou não agir, no exercício destas funções, dentro do “cuidado
objetivo necessário” (culpa). Conforme leciona Damásio E. de Jesus63, para saber se o
sujeito deixou de observar o cuidado objetivo necessário é preciso comparar a sua
conduta com o comportamento que teria uma pessoa dotada de discernimento e de
prudência colocada na mesma situação. A imprudência, negligência e imperícia são
formas de manifestação da inobservância do cuidado necessário.
59
Pais registrados são aqueles que constam da certidão de nascimento da criança ou adolescente ainda que não sejam os pais
biológicos, posto que figuram legalmente como pais da criança. Quem declara conscientemente como seu filho de outrem, está
assumindo a paternidade da criança ou adolescente. É uma modalidade de paternidade socioafetiva, denominada “adoção à
brasileira”. Ninguém pode se beneficiar da própria torpeza para depois fugir à responsabilidade alegando não ser o pai ou mãe
biológico.
60
Durante o curso do processo de adoção, deferida a guarda provisória, os adotantes respondem a título de guardiães. Após a
prolação da sentença de adoção, respondem na qualidade de pais, detentores do poder familiar, independente da formalização da
certidão de nascimento.
61
INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA - Genitores representados pelo Ministério Público por infração ao artigo 249 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, sob alegação de descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar - Representação acolhida com
condenação dos genitores ao pagamento de multa - Infração caracterizada - Genitor que alega não haver desídia, tendo em vista que
a guarda do filho estava com a genitora, possuindo ele apenas o dever alimentar - Afastamento - Responsabilidade solidária do
genitor - Apelante que nunca se preocupou com o filho, assumindo postura omissiva frente às carências do adolescente - Multa que
deve ser expressa em salários de referência, a ser paga de forma parcelada em dez vezes - Recurso não provido. (TJSP. 0098840-
02.2010.8.26.0000. Apelação / Crimes Contra a Assistência Familiar. Relator (a): Martins Pinto. Comarca: Itapeva. Órgão julgador:
Câmara Especial. Data do julgamento: 27/09/2010. Data de registro: 05/10/2010. Outros números: 990.10.098840-9).
62
EMBARGOS INFRINGENTES. REPRESENTAÇÃO ADMINISTRATIVA. PODER FAMILIAR. ARTIGO 249 DO
ECA. AUSÊNCIA DE PROVAS.1. Não obstante a integridade física, psíquica e moral seja um direito fundamental
assegurado a todos os indivíduos, em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República
Federativa, ainda assim, no tocante à criança e ao adolescente, o constituinte originário afirmou no artigo 227 da Magna
Carta, ser dever da família assegurar os direitos ali elencados e colocou-os a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 2. O legislador, no artigo 249 do Estatuto da Criança e Adolescente, não
pretendeu impedir que os pais exercessem sua função de educadores e repreendessem os filhos quando necessário.3. De acordo com
a vasta prova existente nos autos, é indiscutível que a filha do embargado possui algumas deficiências, tendo, em alguns momentos,
crises de agitação psico-motora com hetero-agressividade e autoagressividade, com possíveis traços de autismo. 4. Demonstração de
serem os genitores da menor zelosos aos compromissos familiares, sempre demonstrando atitude atenciosa com os aspectos
relevantes a respeito da menor.5. Representado que demonstra ser pessoa de boa índole e pai amoroso, além de inexistir nos autos
prova de negligência dolosa ou culposa, bem como de ter a menor sofrido humilhação, vexame e/ou maus-tratos. 6. O Órgão
Ministerial não comprova descumprimento dos deveres inerentes ao pátrio poder, de forma que não se justifica a penalização
pretendida. Precedentes do TJ/RJ e TJ/RS.7. Recurso não provido. (TJRJ. 0241838-58.2005.8.19.0001 - EMBARGOS
INFRINGENTES. - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL. REL. DES. JOSE CARLOS PAES - Julgamento: 24/11/2010).
63
Damásio E. de Jesus. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 253.
102
Podemos mencionar, como conduta dolosa, todo e qualquer comportamento livre
e consciente de descumprir os deveres decorrentes da autoridade familiar, como agredir
a criança, física ou verbalmente, praticar abuso sexual, não matricular a criança ou o
adolescente na escola, abandoná-lo, não visitar o filho, fornecer-lhe bebida alcoólica,
cigarro ou qualquer substancia que cause dependência química, deixar de alimentá-lo,
não cuidar de sua saúde, de sua higiene etc.64
Nas hipóteses de abuso sexual, o pedido judicial para aplicação da multa poderá
ser acompanhado do pedido de afastamento do agressor do lar, na forma do art. 130 do
ECA, além da aplicação subsidiária da Lei Maria da Penha.
Note-se, ainda, que a representação por infração administrativa poderá ser
acompanhada de pedido de aplicação das medidas protetivas previstas no art. 129 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, tais como tratamento psicológico, tratamento
antidrogas etc.
64
“RECURSO DE APELAÇÃO. ECA. Condenação. Infração prevista no artigo 249, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Irresignação dos pais. Alegação de decisão contrária às provas dos autos. Requer a improcedência da representação ou, fixação da
multa em seu mínimo legal. Descumprimento dos deveres do pátrio poder caracterizado. Genitor que ensina o filho a dirigir veículo
automotor, ainda em tenra idade. Incentivo deliberado do pai a prática infracional. Conseqüências graves. Descumprimento dos
deveres inerentes ao pátrio poder. Pena corretamente aplicada. Negado provimento ao recurso”.
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ – 1ª Câmara Criminal – Recurso de apelação nº 92.988-4, Cascavel, Rel. Des. Clotário
Portugal Neto, ac. nº 12708, j. 26/10/2000).
103
É possível a hospedagem com autorização por escrito dos pais ou responsável.
Hospedar significa abrigar, aceitar como hóspede, não sendo necessário que a
hospedagem seja onerosa, posto que a infração também ocorrerá se a hospedagem for
gratuita.65
Haja vista o princípio da proteção integral, deverá o estabelecimento, por meio
da orientação do proprietário, inclusive dos sócios, em se tratando de pessoa jurídica,
bem como de todos os responsáveis pelo estabelecimento (dirigentes ou gerentes), zelar
para que a regra seja respeitada.
Não importa, ademais, que adolescentes estejam autorizados a viajar para outras
Comarcas, consoante dispõe o art. 83 do Estatuto,66 uma vez que deverão, para se
hospedar, trazer consigo a autorização por escrito de seus pais, responsável ou da
autoridade judiciária.
65
Neste sentido Wilson Donizete Liberati em Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros. 8ª ed.,
2004, pp. 272-273.
66
Na opinião de Tarcísio José Martins Costa, em Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Belo Horizonte: Del Rey, 2004,
p. 463, “no mínimo, o artigo constitui um contrasenso, pois se o ECA, por um lado, libera a viagem de adolescente desacompanhado
para qualquer lugar do País, por outro, não poderia exigir autorização para que possa hospedar-se em hotéis ou pensões”.
104
Convém lembrar os acórdãos abaixo:
“INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. HOSPEDAGEM IRREGULAR.
ADOLESCENTE.
Trata-se de auto de infração lavrado pelo comissariado da infância e juventude contra
hotel, pelo fato de ter sido constatada a hospedagem irregular de adolescente
desacompanhada dos pais e sem autorização deles, por infringência do art. 250 do
ECA. No caso, questionou-se se pode a pessoa jurídica de Direito Privado responder
por infração administrativa disposta no ECA. Para a Min. Relatora, a
responsabilização das pessoas jurídicas tanto na esfera penal quanto na administrativa
é perfeitamente compatível com o ordenamento jurídico vigente. Para tanto, observou,
entre outras colocações, que a redação dada ao art. 250 do ECA demonstra claramente
ter o legislador colocado a pessoa jurídica no polo passivo da infração administrativa,
ao prever o fechamento do estabelecimento no caso de reincidência da infração, como
pena acessória à multa. Destaca que, se a finalidade da citada norma é dar proteção
integral à criança e ao adolescente, é fundamental que os estabelecimentos negligentes
sejam responsabilizados, sem prejuízo da responsabilização direta das pessoas físicas
envolvidas em cada caso. Por fim, observa que esse posicionamento promove uma
maior conscientização dos empresários e dirigentes da iniciativa privada na busca do
objetivo basilar disposto no art. 4º do ECA, cujo conteúdo é dever de todos”
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 622.707-SC, Rel. Min. Eliana Calmon,
julgado em 2/2/2010).
105
O objeto da norma, novamente, é o interesse do Estado em tutelar a integridade
psíquica de crianças e adolescentes, com o intuito de proteger a criança e o adolescente
da violência, do abuso de cenas de sexo e de outros comportamentos que prejudicam o
seu desenvolvimento moral e psíquico.67 O dispositivo deve ser integrado pelo
documento do Ministério da Justiça que atribui a classificação da programação a ser
vendida ou locada. A venda ou locação, portanto, deve ser precedida da análise do
Ministério da Justiça.
Dispõe o art. 77 do Estatuto: Os proprietários, diretores, gerentes e funcionários
de empresas que explorem a venda ou aluguel de fitas de programação em vídeo
cuidarão para que não haja a venda ou locação em desacordo com a classificação
atribuída pelo órgão competente.
O sujeito ativo é, em regra, o comerciante, aquele que vende ou faz a locação de
programação em desacordo com a classificação atribuída pelo Ministério da Justiça. A
responsabilidade não é direcionada apenas às pessoas jurídicas, mas às pessoas físicas
diretamente envolvidas, como os proprietários, diretores, gerentes e funcionários das
empresas que explorem a venda ou aluguel de fitas de programação audiovisual, haja
vista a interpretação sistemática, conjugada com o disposto no art. 77 do Estatuto.
Conforme expõe René Ariel Dotti,68 enquanto o ilícito previsto no art. 255
atinge um número indeterminado de crianças ou adolescentes, a infração ora comentada
alcança um número limitado. Naquela existe o dano coletivo, nesta, o dano individual.
O DVD, embora não tenha sido mencionado pelo dispositivo, está incluído na
norma legal, pois a vontade do texto legal certamente foi abranger qualquer tipo de
programação audiovisual (decorrência da interpretação extensiva ou analógica). A
Portaria do Ministério da Justiça também inclui o DVD.69
67
Wilson Donizeti Liberati em Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 2004, 8ª ed., p. 277.
68
Em Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Coordenadores Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral e Silva, e
Emilio Garcia Mendez. São Paulo: Malheiros, 2ª ed, p. 758.
69
Portaria 1597, de 2 de julho de 2004, estabelecendo critérios e procedimentos da classificação indicativa de obras audiovisuais
destinadas a cinema, vídeo e DVD, e Portaria 1.344, de 7 de julho de 2005, alterando a Portaria anterior.
106
4.4. Comercialização de Revistas e Periódicos de Maneira Irregular.
107
O sujeito ativo da infração são as editoras, o comerciante (lojas, livrarias ou
bancas de jornal), os distribuidores e até mesmo veículos de publicidade, como, por
exemplo, o responsável por publicações em outdoors,70 haja vista a proteção integral e a
intenção do legislador de proteger crianças e adolescentes do contato visual com
material impróprio para a idade. Todos os agentes envolvidos são responsáveis,71 uma
vez que a regra busca salvaguardar os interesses de crianças e adolescentes. Limitar a
70
“ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. ANÚNCIO. A PUBLICIDADE INSERE-SE NA CATEGORIA GENÉRICA
DE PUBLICAÇÃO E SUBORDINA-SE ÀS NORMAS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, CUJA OFENSA
ENSEJA A RESPECTIVA SANÇÃO.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 2002.004.00491, originários da 1ª Vara da Infância e Juventude da
Comarca da Capital, em que é apelante Mídia Rio-RJ Publicidade Exterior Ltda e é apelado Ministério Público.
ACORDAM os Desembargadores que compõem o Conselho da Magistratura, por unanimidade de votos, rejeitou-se a preliminar e,
no mérito, em negar provimento ao recurso.
A apelante foi responsável pela divulgação dos “outdoors”, objeto do auto do presente auto de infração, e, neste aspecto, é parte
legítima para figurar no pólo passivo da demanda.
A interpretação dos artigos 78 e 257 da Lei 8.069/90 deve ser feita no sentido de alcançar a mens legislatoris, atendo ao princípio da
Proteção Integral à Criança e Adolescente.
Portanto, o termo publicações, presente no art. 78 do ECA, abrange, sem dúvidas, os referidos “outdoors” que veicularam imagem e
mensagens pornográficas.
Desta forma, considerando que a apelante é responsável pela veiculação destes cartazes, impõe-se sua responsabilidade pelo
conteúdo divulgado.
No mesmo sentido manifestou-se a Douta Procuradoria de Justiça, em parecer emitido a fls. 84/91, que aqui transcrevemos
parcialmente e que, na forma regimental, integra os fundamentos deste acórdão:
“Em tais circunstâncias, é de se concluir que as disposições dos arts. 257 e 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente objetivam a
proteção dos menores de todo material que estimule a sexualidade precoce, e são direcionadas a todos aqueles que tornem
comerciáveis as publicações ali referidas, sendo certo que qualquer outra interpretação tornaria ineficaz a norma legal.
De fato, caso a punição prevista no art. 257 fosse destinada apenas às editoras, ficariam impunes todos aqueles que, recebendo o
material impróprio ou inadequado, contendo mensagens pornográfica, sem a embalagem determinada em lei, ainda assim o
comercializassem.
Nem se argumente, de outro lado, que os outdoors não se incluem nas publicações a que se referem os dispositivos legais em
questão. Na verdade, publicação é o ato ou efeito de publicar, cujo sentido é tornar público, vulgarizar, divulgar, espalhar, propalar
(cf. Novo Dicionário Aurélio, 1ª ed., Editora Nova Fronteira, p. 1165).
Destarte, é impossível limitar o contexto das normas legais aqui examinadas a revista e jornais, valendo ressaltar que a veiculação de
imagens e dizeres do conteúdo pornográfico ou obsceno, em cartazes de imagens e dizeres de conteúdo pornográfico ou obsceno,
em cartazes de grande porte, como outdoors e busdoors, espalhados por toda a cidade, livremente expostos e atingindo enorme gama
de olhares, entre os quais os de crianças e adolescentes, com maior razão inserem-se nas disposições legais acima referidas, até
porque, em tais casos, é impossível a proteção da embalagem opaca prevista em lei”.
Rejeita-se, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva.
A apelante tem o dever de fiscalizar a harmonia dos anúncios que divulga com o ordenamento jurídico e responder por sua omissão
no cumprimento desse dever.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, com o intuito de protegê-los, determina que as revistas contendo material impróprio ou
inadequado a crianças e adolescentes sejam comercializadas em embalagens lacradas e aquelas que contenham mensagens
pornográficas, ou obscenas, sejam protegidas por invólucro opaco (Lei 8.069/90, art. 78 e parágrafo único).
A apelante, na divulgação de diversos outdoors espalhados pela cidade, mostrou anúncio de cartão telefônico destinado ao chamado
“tele-sexo” com imagem e mensagens considerados impróprias para menores.
Apesar da apelante não ser responsável pela confecção do material, a ela atribui-se a tarefa de divulgação pela cidade e, desta forma,
impõe-se sua responsabilidade pelo conteúdo.
A foto da modelo, em trajes e pose sensual, em conjunto com a frase publicitária do produto: “Já deu umazinha hoje?”, “Tele! Card
– o cartão do tesão”, não são condizentes com a proteção das crianças e adolescentes, garantida constitucionalmente.
Esses anúncios são impróprios ou inadequados para crianças e adolescentes, e como conseqüência, a empresa que promove a
divulgação, ainda que se limite à colagem dos referidos outdoors em diversos pontos da cidade, deveria ter respeitado às normas do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Estes cartazes tem dimensões enormes, são acessíveis à população e pode, facilmente e sem qualquer obstáculo, ser visto pelo
público infanto-juvenil.
Desta forma, a autuação sofrida pela apelante não configura censura e nem fere a liberdade de informação amparada pela
Constituição Federal, vez que se mantém integro seu direito de informar.
E a multa, levando-se em consideração o poderio econômico do apelante e sua conduta reincidente, foi aplicada em consonância
com os critérios legais.
Por estes motivos, rejeita-se a preliminar e, no mérito, nega-se provimento ao recurso”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE
JANEIRO. Conselho da Magistratura. Processo nº 2002.004.00491. Classe “D”. Rel. Des. Milton Fernandes de Souza).
71
“AUTO DE INFRAÇÃO – JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – ART. 78 DA
LEI Nº 8.069/90 – LEGITIMIDADE PASSIVA O art. 78 da Lei nº 8.069/90 deve ser interpretado de modo a atingir todos as
pessoas envolvidas na comercialização de revistas e publicações com material impróprio ou inadequado a crianças, ou seja, a
editora, como comerciante atacadista, e a banca de venda de jornais e revistas, como varejista. APELO IMPROVIDO”.
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0024.02.619469-6/001(1). Rel. Des. NILSON REIS. Publicação
03/12/2004).
108
norma apenas às editoras esvaziaria o sentido de proteção buscado pelo legislador.72 As
disposições dos artigos 78 e 257 do ECA objetivam a proteção de crianças e
adolescentes de todo material que estimule a sexualidade precoce. São, portanto,
direcionados a todos aqueles que tornem comerciáveis as publicações ali referidas,
sendo certo que qualquer outra interpretação tornaria ineficaz a norma legal.73
72
Para Valter Kenji Ishida em Estatuto da Criança e do Adolescente, São Paulo: Atlas. 5ª ed., p. 451, o comerciante não responde,
mas apenas o editor, citando neste sentido TJSP, Ap. 34940-0/3, Rel. Cunha Bueno.
73
Elisabeth de Moraes Cassar em parecer do Ministério Público no processo 2002.004.00491 – p. 86.
74
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E PROCESSO CIVIL – INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – COMERCIALIZAÇÃO DE
MATERIAL ERÓTICO DESACOMPENHADA DAS CAUTELAS LEGAIS – LEGITIMIDADE PASSIVA DO COMERCIANTE – PLEITO DE
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA LANÇADO POR PESSOA JURÍDICA EM SEDE DE APELAÇÃO – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE
DIFICULDADE FINANCEIRA. Cabe ao comerciante exercer a vigília e adotar as providências necessárias para que a exposição à
venda de materiais impróprios ao universo infanto-juvenil atenda as restrições legais atinentes à proteção da criança e do
adolescente. O requerimento de assistência judiciária, formulado em fase recursal, por pessoa jurídica, deve vir acompanhado da
prova de incapacidade patrimonial para suportar as despesas processuais, sob pena de indeferimento. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE
MINAS GERAIS. Processo nº 1.0024.02.619372-2/001(1). Rel. Des. MOREIRA DINIZ. Publicação 19/04/2005).
75
AUTO DE INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – BANCA DE REVISTA – EXPOSIÇÃO DE REVISTAS IMPRÓPRIAS SEM A
DEVIDA EMBALAGEM OPACA – DENUNCIAÇÃO DA LIDE – INADMISSIBILIDADE. A denunciação da lide, pelo infrator, às
várias editoras e distribuidoras, imputando-lhes a responsabilidade pela distribuição das revistas e material irregularmente exposto, é
situação que não se insere em nenhuma das hipóteses previstas no art. 70 do Código de Processo Civil. A eventual responsabilidade
das editoras e distribuidoras não enseja a obrigação legal ou contratual de indenizar em ação regressiva. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0024.03.064572-5/001(1). Rel. Des. WANDER MAROTTA. Publicação 16/03/2005).
76
Vide exposição feita no item 4.VIII. Enredos eróticos, de homossexualismo, de poligamia, poliandria, que aviltem a dignidade
humana, de estímulo à violência, ao terrorismo, ao racismo, ao aborto, à prostituição e etc, estão proibidos.
109
No conceito de publicação, podemos citar quaisquer periódicos, livros, jornais,77
revistas, inclusive outdoors.78 Note-se que, apesar de os outdoors não se encontrarem à
venda, o ato de “comercializar” se inicia com a exposição do produto, primeiro passo
para que a venda da revista anunciada se concretize.79 Destaca-se, ainda, que o verbo
“publicar” significa tornar público, permitir o acesso ao público. E, se é vedada a
exposição de tal espécie de fotografia em capa de revista nas bancas de jornal, muito
maior razão haverá para a proibição de exibição da mesma fotografia em tamanho
maior, como é feito no outdoor.
Note-se que não se trata de censura, posto que, se a revista erótica ou
pornográfica for embalada corretamente, poderá ser livremente comercializada. Quando
o conteúdo é impróprio ou inadequado, a embalagem deve ser lacrada, com a
advertência de seu conteúdo. Quando a própria capa contiver mensagens pornográficas
ou obscenas, a publicação deverá ser comercializada com embalagem opaca, ou seja,
sem deixar atravessar a luz, não transparente.
E qual seria o material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes,
mencionado no art. 78, caput, do Estatuto? Certamente todo e qualquer material que
não respeite os valores éticos e sociais da pessoa e da família (art. 221, inciso IV, da
CF). São publicações que contêm, sobretudo, mensagens pornográficas e obscenas,
propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio
ambiente ou que aviltem a dignidade da pessoa humana.
E qual o significado de mensagens pornográficas e obscenas? O Dicionário
Aurélio define como pornografia figura(s), fotografia(s), filme(s), espetáculo(s), obra
literária ou de arte, etc., relativos a, ou que tratam de coisas ou assuntos obscenos ou
licenciosos, capazes de explorar o lado sexual do indivíduo.
77
“ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. PUBLICAÇÃO. EMBALAGEM.
1 – O Estatuto da Criança e do Adolescente, com o intuito de protegê-los, determina que as revistas contendo material impróprio ou
inadequado a crianças e adolescentes sejam comercializadas em embalagens lacradas com advertência de seu conteúdo (Lei
8.069/90, art. 78).
2 – Nestas circunstâncias a veiculação de anúncios com mulheres nuas e mensagens eróticas, enquadra-se como imprópria ou
inadequada para crianças e, como conseqüência, o jornal que a veicula deve ser comercializado em embalagem lacrada, com
advertência de seu conteúdo.”
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. CONSELHO DA MAGISTRATURA. PROCESSO Nº 2001.004.00444.
CLASSE “D”. RELATOR: DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA)
78
“ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Fotografia de nu feminino exibida em outdoor. Exibição visual de
material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes, com mensagem pornográfica. Violação do disposto no art. 78,
parágrafo único do ECA. Incidência do art. 257 do mesmo diploma legal. Auto de infração lavrado pela fiscalização. Decisão de
primeiro grau que acolhe a autuação e impõe multa à infratora. Recurso ao qual se nega provimento.”
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. CONSELHO DA MAGISTRATURA. PROCESSO Nº 2003.004.00459. REL.
PESTANA CABRAL. Publicado no D.O. em 30/10/2003. Parte III, fls. 85.)
79
Renata Pereira S. Graça Mello em parecer do Ministério Público do Rio de Janeiro às fls. 73/75 do processo nº 2000.710.005380-
1 da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital.
110
É dever de todos, da sociedade e do Estado, impedir que crianças e adolescentes
aceitem a banalização do sexo e a exposição vulgar do corpo, haja vista a proteção
psicológica necessária a um crescimento saudável.
Toda vez que a ilustração contiver um estímulo sexual, que a nudez revelar um
convite ao sexo, que as palavras sejam utilizadas para fomentar a curiosidade sexual,
estaremos diante de uma mensagem pornográfica ou obscena.
“Numa sociedade cada vez mais permissiva, talvez seja difícil identificar o que sejam
mensagens pornográficas ou obscenas. Entretanto, os critérios que nos devem nortear
são aqueles aceitos num ambiente familiar normal, onde os princípios éticos sejam
difundidos”.
80
Em Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 1994, p. 54.
111
A respeito do assunto, convém serem transcritos os arestos abaixo:
Por fim, não há litispendência entre processos judiciais referentes a uma mesma
edição de uma publicação, comercializada em lugares diversos. A cada exemplar, ainda
que da mesma edição, corresponde uma infração diferente.
112
A norma é direcionada ao responsável pelo estabelecimento (pessoa física ou
jurídica),81 inclusive ao gerente,82 locador83 ou locatário84 do imóvel, e ao empresário
responsável pela diversão, bem como ao responsável pelo espetáculo (sujeitos ativos).
113
A respeito do tema, interessante ser transcrita a posição de Edson Sêda, 86 que
analisa o conteúdo do poder familiar, previsto no art. 229 da Constituição Federal, no
sentido de que o poder de pais e mães resulta do dever social de garantir que as crianças
por eles geradas sejam devidamente assistidas, criadas e educadas, cabendo aos pais se
autodeterminarem:
“É um poder porque a lei faculta ao pai e à mãe escolherem como farão a
assistência, a criação e a educação dos filhos.
Formas diferentes serão escolhidas para assistir, criar e educar os filhos, segundo
os pais sejam conservadores ou liberais, sofisticados ou simples e, evidentemente,
nos limites de suas posses, segundo sejam pobres ou ricos. E assim por diante.
O princípio básico é o de que cabe aos pais se autodeterminarem quanto a essa
assistência, criação e educação dos filhos”.
86
Edson Seda em Construir o Passado. Série Direitos da Criança. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 30 e pp. 47-48.
87
Art. 80. Os responsáveis por estabelecimentos que explorem comercialmente bilhar, sinuca ou congênere, ou por casas de jogos,
assim entendidas as que realizem apostas, ainda que eventualmente, cuidarão para que não seja permitida a entrada e a permanência
de crianças e adolescentes no local, afixando aviso para orientação do público.
88
“ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE – ESTABELECIMENTO QUE EXPLORA JOGOS DE SINUCA, BILHAR E
CONGÊNERES – PROIBIÇÃO DA ENTRADA E PERMANÊNCIA DE MENORES – ARTS. 80 E 258 DO ECA. O simples
ingresso e a permanência do menor no estabelecimento que explora jogos de sinuca e de bilhar, independentemente de estar ou não
dele participando e ainda que acompanhado pelos pais, configura o tipo infracional descrito no art. 80 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ensejando a aplicação da sanção correspondente (art. 258, ECA)”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS.
Processo nº 1.0024.03.914386-2/001. Rel. Des. NEPOMUCENO SILVA. Publicação 06.09.2005).
“MENOR – ENTRADA E PERMANÊNCIA EM ESTABELECIMENTO EXPLORADOR DE JOGO DE SINUCA – AUSÊNCIA
DE ALVARÁ – INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – ART. 258 DO ECA. Verificada a prática infracional, impõe-se a penalidade
administrativa”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0024.03.914386-2/001. Rel. Des. MANUEL
SARAMAGO. Publicação 17/06/2005).
114
É dever de todos zelar pelo respeito aos direitos de crianças e adolescentes. O
respeito pela formação psíquica, a não exposição à temática sexual precoce, a garantia
de um ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes,
são deveres que decorrem da maternidade e paternidade responsável. No ambiente
familiar, dentro de critérios de razoabilidade, os pais (casados ou separados) são os
senhores da educação dada aos seus filhos. Todavia, em ambiente público, as normas da
coletividade devem preponderar.
Por certo que não estaria sendo observado o que dispõe a Lei sobre o acesso de
criança ou adolescente aos locais de diversão. Responderiam, no caso, os pais, pela
infração administrativa prevista no art. 249 e o estabelecimento, pela infração
administrativa prevista no art. 258, se não for hipótese específica do art. 255. Um só
fato constituindo mais de uma infração administrativa.89
89
“PROCEDIMENTO AFETO À JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – EXPOSIÇÃO AGROPECUÁRIA – EVENTO
ARTÍSTICO-MUSICAL – UNICIDADE DE ALVARÁ – AUTOS DÚPLICES – NULIDADE INEXISTENTE – MEDIDAS SEM
FUNDAMENTAÇÃO – APLICAÇÃO DE MULTA EM DUPLICIDADE – ‘BIS IN IDEM’ – AUTUADO NÃO CIENTIFICADO
NO ATO – CERCEAMENTO DE DEFESA – NULIDADE – INOCORRÊNCIA – VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA
E DO ADOLESCEN-TE – ECA, ART. 258 – MENORES DESACOMPANHADOS DOS PAIS OU RESPONSÁVEL LEGAL –
ALVARÁ JUDICIAL – DESOBEDIÊNCIA – REITERAÇÃO – ELEVAÇÃO DA MULTA. 1. O argumento do autuado não pode
prosperar, porquanto as infrações ocorreram em dias diversos, culminando na lavratura de autos distintos. O alvará teve por objeto
evento que abrangeria quatro dias, revelando teratologia, data venia, sob a ótica jurídica, do bom senso e da razoabilidade, imaginar
que todas as infrações porventura deflagradas nesse lapso gerariam a lavratura de apenas um auto. Axiomático, pois, que cada fato
(ocorrência) enseja a lavratura de auto individualizado, objetiva e subjetivamente. 2. A portaria editada pelo Juízo da Vara da
Infância e da Juventude, no uso de suas atribuições legais, conta, assim como o alvará judicial, com a necessária motivação fático-
jurídica. 3. A hostilizada sentença não multou os pais dos menores, apenas encaminhou cópia dos autos ao Ministério Público.
Ademais um só fato pode culminar em mais de uma infração administrativa sem, com isso, traduzir bis in idem. A espécie sob
comento biparte-se subjetivamente no descumprimento de dever atinente ao poder familiar (em tese) e na negligência de empresário
promotor de eventos (em concreto), cujas condutas são tipificadas no ECA (arts. 249/258). 4. O autuado não foi cientificado porque
não se encontrava no local do evento, quando da lavratura do auto de infração, circunstância que não o abala, pois, alie-se à robustez
do caderno probatório, o fato de que o múnus público exercido pelo comissário lhe confere presunção de veracidade. Assim, não
restaram afrontados os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que ele (o autuado) participou, efetivamente, de todas
as fases do procedimento apuratório. 5. Restou configurada a infração de natureza administrativa tipificada no art. 258, disciplinada
através de portaria e mediante alvará judicial, pois, naquele evento, foram encontrados, de madrugada (tipo objetivo), adolescentes
(menores de 18 e maiores de 16 anos) desacompanhados dos pais ou representante legal (sujeito passivo), sendo o apelante (sujeito
ativo), que permitiu a ocorrência (elemento subjetivo), o responsável pela infração, cuja reincidência justifica a elevação do
‘quantum’ da multa, respeitado o teto legal”.
115
inciso I, do Estatuto, desde que não sejam impróprios, haja vista que o poder do
Magistrado é limitado pelas regras e princípios de proteção às crianças e aos
adolescentes previstos na legislação. O art. 149, inciso I, do Estatuto, menciona: “a)
estádio, ginásio e campo desportivo; b) bailes90 ou promoções dançantes;91 c) boate92 ou
congêneres;93 d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;94 e) estúdios
cinematográficos, de teatros, rádio e televisão.”
Menores de 10 (dez) anos somente poderão ingressar e permanecer nos locais de
apresentação ou exibição quando acompanhados dos pais ou responsável (parágrafo
único do art. 75).
90
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MENORES DE 14 ANOS. ENTRADA E PERMANÊNCIA EM BAILES
E DESFILES DE RUA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LEI Nº 8.069/90 – art. 149, I e II. 1. Adstrita a portaria que proíbe
entrada e permanência de menores de 14 anos em bailes carnavalescos e folias de rua, após as 20 horas desacompanhados de pais ou
responsável à norma contida na Lei n. 8.069/90, art. 149, I e II, não há vez para acoimá-la de ilegal ou abusiva ou causadora de
constrangimento ilegal quanto à liberdade de ir e vir. 2. Recurso a que se nega provimento. (SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 10.600 – MARANHÃO Quinta Turma Relator: Min.
Edson Vidigal. Data do Julgamento: 16 de dezembro de 1999).
91
Menor – Infração administrativa – Presença de adolescentes em local que se realizava promoção dançante – Ausência de alvará
judicial – Imposição de multa – Necessidade – Recurso improvido.
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO – Apelação Cível nº 68.581-0/8– Comarca de Campinas – Rel. Des. Gentil Leite – j.
18/01/01).
92
“ECA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRESENÇA DE MENOR EM DANCETERIA. EVIDENCIADA A PRESENÇA DE
MENOR DE DEZESSEIS ANOS EM DANCETERIA, DESOBEDECENDO A DETERMINAÇÃO JUDICIAL QUE DISPÕE O
CONTRÁRIO, FICA CARACTERIZADA A INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA, PREVISTA NO ARTIGO 258 DA LEI
FEDERAL Nº 8.069/90. APELO IMPROVIDO”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. APELAÇÃO CÍVEL
Nº 70002714657, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, RELATOR: DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, JULGADO EM
22/08/01).
“ECA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. PERMITIR O INGRESSO DE MENORES DE 16 ANOS EM CASA NOTURNA A
DESPEITO DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL EM CONTRÁRIO CONFIGURA A INFRAÇÃO PREVISTA NO ART-258 DO
ECA. APELO DESPROVIDO. (5FLS.)” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. APELAÇÃO CÍVEL Nº
70002527349, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, RELATOR: DES. MARIA BERENICE DIAS, JULGADO EM 15/08/01)
93
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – INFRAÇÃO – AUSÊNCIA DE ALVARÁ – ENTRADA E
PERMANÊNCIA DE ADOLESCENTES EM BARES CONSUMINDO BEBIDAS ALCÓOLICAS – RECURSO IMPROVIDO.
“A presença de menores em bailes onde há exploração de venda de bebidas alcoólicas sem o devido alvará permissivo, constitui
infração ao artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ensejando a aplicação das sanções contidas no artigo 258 do mesmo
diploma legal”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0034.01.001480-0/001(1). Rel. Des. ALVIM
SOARES. Publicado em 12/05/2005).
94
“Lei: ECA 258 – ESTABELECIMENTO COMERCIAL – FLIPERAMA – ADOLESCENTE – PRESENÇA PERMITIDA –
APLICADA A PENA DE MULTA E, POR SER REINCIDENTE, FOI DETERMINADO O FECHAMENTO DO
ESTABELECIMENTO POR 15 DIAS – ADM – APLICABILIDADE DO ART. 258 DO ECA E DA PORTARIA 2/87 DO JUÍZO
DE OSASCO – RECURSO NÃO PROVIDO. O AUTO DE INFRAÇÃO NÃO DEIXA MARGEM A DÚVIDAS QUANTO À
VENDA DE FICHA AO MENOR SEM QUE LHE PEDISSEM DOCUMENTOS. ADEMAIS, SUBSISTE SUA
RESPONSABILIDADE, POR NÃO DESCARACTERIZAR A PERMISSÃO DE ENTRADA OU PERMANÊNCIA DOS
MENORES, O FATO DE TER AFIXADO NO LOCAL PLACA DE ADVERTÊNCIA.” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO
PAULO – Código: 10600 Matéria: ESTABELECIMENTO COMERCIAL Recurso: AC 14149 0 Origem: OSASCO Órgão: CESP
Relator: LAIR LOUREIRO Data: 13/02/92).
“AUTO DE INFRAÇÃO – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – PRESENÇA DE MENORES EM
ESTABELECIMENTO COMERCIAL – EXPLORAÇÃO DE DIVERSÃO ELETRÔNICA – ACESSO INADEQUADO –
AUTUAÇÃO – NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO – INOCORRÊNCIA – MULTA – REINCIDÊNCIA – REDUÇÃO
INVIÁVEL. Correta a lavratura do auto de infração lavrado por comissário de menores, que surpreende menores de 18 anos
desacompanhados de pais ou responsável, em dependências onde haja exploração de diversões eletrônicas. Se o responsável pelo
estabelecimento comercial de diversões eletrônicas não observa as regras legais de acesso e permanência de menores ao local onde
se exploram tais atividades, pertinentes se mostram a lavratura de auto de infração e a cominação de multa administrativa. O art. 149
do ECA é claro ao estabelecer que a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhados dos pais ou responsável,
em casa que explore comercialmente diversões eletrônicas, só é permitida nos casos em que a autoridade judiciária disciplinar a
respeito através de portaria, ou diante da existência de alvará concessivo para tanto. Assim, diante da inexistência de portaria
expedida pelo Juizado da Infância e da Juventude disciplinando a matéria, torna-se evidente a necessidade do alvará, ao contrário do
que alega a apelante. Relembre-se, por fim, que a Lei nº 8.069 não protege apenas os menores abandonados, mas sim, toda e
qualquer criança até doze anos de idade e adolescente entre doze e dezoito anos de idade. Comprovada nos autos a reincidência,
com vários processos já julgados além de outros em andamento contra o mesmo estabelecimento, não se mostra abusiva a fixação da
multa no máximo legal” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Processo nº 1.0145.03.059778-8/001(1). Rel. Des.
GOUVÊA RIOS. Publicado em 04/02/2005).
116
c) Venda de Bebidas Alcoólicas para Menores de Idade.
117
Na solidariedade, cada um dos coobrigados responde pelo integral cumprimento
da prestação. Nas obrigações solidárias, a não convocação dos demais obrigados
solidários não gera qualquer invalidade da relação processual.95
95
Cristiano Chaves de Farias. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 3ª ed., p. 191.
96
Auto de Infração. Pedido julgado procedente. Permanência de adolescente em show realizado no Estabelecimento autuado, que
não possuía alvará para tal desiderato. I – O fato de a Apelante ter locado o seu espaço para a realização do um evento não a exime
da infração a ela imputada. Tanto o responsável pelo Clube como o Empresário devem obedecer à Lei nº 8.069/90 (ECA). Exegese
de seu artigo 258. Contrato de locação prevê o ressarcimento por eventuais ocorrências decorrentes de autuação da Vara da Infância,
da Adolescência e do Idoso. Infração administrativa que não prevê a intervenção de terceiro. Preliminares de ilegitimidade passiva e
de chamamento ao processo que não merecem prestígio. II – O fato de a Carteira de Identidade portada pela Adolescente ser ou não
grosseiramente falsificada se mostra desinfluente, pois ela ingressou nas dependências da Autuada sem que ninguém lhe exigisse
qualquer documentação. III – Recorrente que deveria melhor fiscalizar os shows realizados em seu estabelecimento, mesmo cedido
em locação, já que é a responsável pelo que ocorre no local, até porque a responsabilidade pelo cumprimento do ECA é solidária. IV
– Conduta da Apelante se subsume aquela prevista no artigo 258 da Lei nº 8.069/90 por não possuir Alvará para a permanência de
criança e adolescente em suas dependências. V – R. Sentença acolhendo o Auto de Infração, ultimando por aplicar a sanção
pecuniária mínima, que não merece reparo. Precedentes deste Colendo Sodalício, como transcritos na fundamentação. VI – Recurso
que se apresenta manifestamente improcedente. Aplicação do caput do art. 557 do C.P.C. c.c. art. 31, inciso VIII do Regimento
Interno deste E. Tribunal. Negado Seguimento (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 4ª Câmara Cível. Apelação
2009.001.32467. Rel. Des. Reinaldo P. Alberto Filho. DJ 16/06/2009).
118
A VIOLÊNCIA CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
COM ÊNFASE NO ABUSO
SEXUAL
Curso – EaD
(MÓDULO IV)
119
MÓDULO IV
DEPOIMENTO ESPECIAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Noções Introdutórias
O sistema jurídico nacional não define quando, onde e quantas vezes uma
criança/adolescente vítima de violência sexual deverá ser ouvida. Atualmente, prevalece
a prática de que o depoimento acerca do fato aconteça sucessivas vezes – não raras as
situações as quais isso ocorre em sete oportunidades – circunstância reveladora de
evidente vitimização secundária, diante da exposição demasiada, que poderá se
apresentar como mais danosa do que o próprio sofrimento decorrente do abuso.
120
certo é que a criança/adolescente é, antes e acima de tudo, sujeito de direitos. Agregue-
se a esse cuidado o fato de que se trata de crimes extremamente graves, em relação aos
quais a eficiência da Justiça Penal possui relevante valor.
1. Referencial Normativo
121
IV – os serviços técnicos do sistema de justiça devem estar aptos a promover o
apoio, orientação e encaminhamento de assistência à saúde física e emocional
da vítima ou testemunha e seus familiares, quando necessários, durante e após
o procedimento judicial.
V – devem ser tomadas medidas de controle de tramitação processual que
promovam a garantia do princípio da atualidade, garantindo a diminuição do
tempo entre o conhecimento do fato investigado e a audiência de depoimento
especial.
122
tratadas com nenhuma forma de opressão. Todavia, também há uma diretriz de que é
necessária a punição da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes.
Artigo 3º
1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições
públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades
administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente,
o interesse maior da criança.
Artigo 12
1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a
formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões
livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se
devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e
maturidade da criança.
Artigo 19
1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas,
administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança
contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento
negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a
criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de
qualquer outra pessoa responsável por ela.
97
Para os efeitos da convenção internacional, consideram-se crianças os menores de 18 anos.
123
Esse preceito revela uma obrigação de proteção eficiente também por meio da
Justiça Criminal. Trata-se do chamado “princípio da proteção penal eficiente”.
Artigo 34
Os Estados Partes se comprometem a proteger a criança contra todas as
formas de exploração e abuso sexual. [...]
Artigo 39
Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para estimular a
recuperação física e psicológica e a reintegração social de toda criança
vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou abuso; tortura ou
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; ou conflitos
armados. Essa recuperação e reintegração serão efetuadas em ambiente
que estimule a saúde, o respeito próprio e a dignidade da criança.
124
preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e
crenças, dos espaços e objetos pessoais.
125
c) A audição da criança vítima do crime seja feita por profissionais
qualificados para o efeito ou por seu intermédio;
d) Sejam as mesmas pessoas, se possível e adequado, a realizar todas as
audições da criança vítima do crime;
e) O número de inquirições seja o mais reduzido possível e as inquirições
sejam realizadas apenas em caso de estrita necessidade para efeitos da
investigação e do processo penal;
f) A criança vítima do crime seja acompanhada pelo seu representante legal
ou, se for caso disso, por um adulto à sua escolha, salvo decisão
fundamentada em contrário no que se refere a essa pessoa.
4. Os Estados–Membros tomam as medidas necessárias para garantir que,
no inquérito sobre qualquer dos crimes referidos nos artigos 3.º a 7.º, todas
as audições da criança vítima do crime ou, se for caso disso, da criança que
testemunhou os atos, possam ser gravados por meios audiovisuais, e que as
gravações possam ser utilizadas como prova no processo penal, de acordo
com as regras previstas na legislação nacional.
Essa postura inicial assumida pelos Conselhos acima citados foi formalizada por
meio de Resoluções. O CFESS expressou, na Resolução nº 554/2009, o posicionamento
de não reconhecer como atribuição ou competência de assistentes sociais a inquirição de
crianças e adolescentes, vítimas de violência sexual, no processo judicial. No mesmo
sentido, a Resolução n. 10/2010 do CFP, em síntese, apresentava como argumento o
fato de que toda oitiva da criança em juízo poderia causar um abalo psicológico e que
não seria papel do psicólogo colaborar com esse possível agravamento da situação da
vítima.
Tais posicionamentos não refletiam o entendimento de um volumoso e
expressivo grupo de pesquisadores, clínicos e profissionais forenses, sendo criticado
formalmente pela Sociedade Brasileira de Psicologia e demais segmentos
representativos da sociedade.
126
(processo n. 2012.51.01.008692-4). Atualmente, assistentes sociais e psicólogos não
podem ser punidos por participarem da oitiva especial de crianças e adolescentes.
Apesar de usualmente se referir a psicólogos e assistentes sociais, os
conhecimentos necessários para a construção das técnicas de oitiva especial de crianças
e adolescentes são transdisciplinares, recolhendo colaborações da psicologia, serviço
social, pediatria, psiquiatria, pedagogia e outras áreas de conhecimento. Após a
construção e validação das técnicas de oitiva especial, elas podem ser aplicadas por
quaisquer profissionais que recebam adequado treinamento.
2.1. Revitimização
Tratar a criança como mero objeto de prova e não como sujeito de direitos;
127
O estresse de ter novo contato com o agressor nos corredores do Fórum;
128
Na consecução desse desiderato é importante que as informações prestadas pela
vítima sejam submetidas a um filtro de idoneidade, para se evitar a indução às respostas,
identificar os sinais característicos de informações falsas e assegurar a compreensão de
sentido da fala da vítima criança ou adolescente. Vejamos:
129
em razão da chamada “síndrome do segredo”, segundo a qual a vítima está ligada
emocionalmente ao agressor por um pacto de confidencialidade e não quer prejudicá-lo.
Criança: foi...
130
Inquiridor: Alguma vez ele fez alguma coisa que você não gostou?
Devido processo legal: a restrição de direitos das partes deve estar prevista
em lei.
A vítima deve ser ouvida sempre que possível (CPP, art. 201).
131
A inquirição de testemunhas por videoconferência deve contar com a
presença do réu na sala de audiências (CPP, art. 217, caput).
132
“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTUPRO DE
VULNERÁVEL. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. CARÁTER DE
URGÊNCIA DEMONSTRADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. HABEAS
CORPUS DENEGADO.
1. A produção antecipada de provas está adstrita àquelas hipóteses consideradas
de natureza urgente pelo Juízo processante, consoante sua prudente avaliação
em cada caso concreto.
2. Na hipótese em apreço, como se verifica da leitura das razões do acórdão
recorrido, a aplicação da medida encontra-se devidamente justificada, ante a
necessidade de proteção à vítima - "criança com dez anos de idade na época do
fato" e a "possibilidade de esquecimento dos fatos pelos possíveis traumas
psicoemocionais sofridos e pelo próprio decurso do tempo, sem prejuízo de
influências ocasionadas por pressões no âmbito familiar".
3. Habeas corpus denegado.” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Processo HC 240227/DF. Habeas Corpus 2012/0081742-5. Rel. Ministra
Laurita Vaz. Quinta Turma. Data do Julgamento 14/08/2012. Data da
Publicação DJ 23/8/2012).
133
“APELAÇÃO CRIME. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA
COM 12 ANOS DE IDADE. MEDIDA CAUTELAR DE PRODUÇÃO
ANTECIPADA DE PROVAS. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE.
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. REJEIÇÃO. Uma vez que a
constitucionalidade de lei e ato normativo que prevê a competência do Juizado
da Infância e da Juventude para processar e julgar os crimes de abuso sexual
praticados contra vítima criança ou adolescente foi firmada em incidente de
inconstitucionalidade, não há falar em nulidade do feito por incompetência do
juízo. (POR UNANIMIDADE). MÉRITO 2. REQUISITOS. Faculta-se ao
magistrado singular, inclusive de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a
ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e
relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da
medida. Caso concreto em que o pedido vem amplamente fundamentado nesses
requisitos, não se podendo falar em inépcia da inicial. Urgência que se
evidencia pela possibilidade de o transcurso do tempo prejudicar a
memória da criança, de tenra idade, salientando-se a grande importância
dos detalhes, nessa espécie de crime; a relevância decorrendo do fato de
que tais delitos são praticados, geralmente, sem testemunhas oculares,
despontando, o depoimento da vítima, como prova essencial. Necessidade,
adequação e proporcionalidade que decorrem da pouca idade da menor -
12 anos -, devendo privilegiar-se o momento presente, onde ainda íntegra
sua lembrança, utilizando-se a sistemática do Depoimento sem Dano para
prevenir prejuízos psicológicos, não havendo qualquer possibilidade de
prejuízo à defesa, pela colheita antecipada da prova. Petição inicial que
atende plenamente aos requisitos legais. Demonstração dos requisitos
ensejadores da providência. Deferimento da medida. 3. SISTEMÁTICA DO
DEPOIMENTO SEM DANO. A sistemática do chamado "depoimento sem
dano", com a ouvida das vítimas através de profissionais da área social e
psicológica, tem fundamento e empresta concretude à proteção integral da
criança e do adolescente ditada pela Constituição Federal e pelo ECA.
Prevalência do direito fundamental das crianças e adolescentes à proteção, em
detrimento do direito fundamental a um processo mais célere. Princípio da
ponderação dos direitos fundamentais em conflito. Entendimento que aceita
temperamentos, devendo a necessidade da ouvida pela sistemática do
"depoimento sem dano" ser aferida no caso concreto. Precedente deste Órgão
Fracionário. Hipótese que aconselha indubitavelmente a inquirição da ofendida
pelo sistema especializado, na medida em que se trata de menina de apenas 12
anos de idade, que, ao que parece, foi constrangida à prática de atos libidinosos
diversos da conjunção carnal. Decisão monocrática reformada. PRELIMINAR
REJEITADA, POR UNANIMIDADE. APELO PROVIDO, DEFERINDO-SE
O PEDIDO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, CONFORME
REQUERIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, COM A OUVIDA DA
VÍTIMA ATRAVÉS DO SISTEMA DO DEPOIMENTO SEM DANO, POR
MAIORIA”. (Apelação Crime Nº 70042655654, Oitava Câmara Criminal,
Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Fabianne Breton Baisch, Julgado em
01/6/2011, Publicado no Diário da Justiça de 6/10/2011).
134
A preocupação com o bem-estar da criança e do adolescente deve ser o foco
principal da atuação dos diversos atores, garantindo-se a prova criminal, com respeito à
integridade e à dignidade da criança e do adolescente. O depoimento da vítima é uma
prova com bastante relevância, que poderá ser complementada com outros elementos
probatórios, como a perícia médica e o depoimento de outras testemunhas. Deve ser
garantido o tratamento de saúde e o tratamento psicológico da criança, evitando-se, ao
máximo, o seu acolhimento. Quem deve ser afastado do ambiente familiar é o agressor,
na forma do art. 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com aplicação subsidiária
da Lei Maria da Penha.
135
ANTECIPADA DE PROVAS. CARÁTER DE URGÊNCIA DEMONSTRADO.
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. HABEAS CORUPUS DENEGADO.
1. O Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, ao estabelecer a organização e divisão judiciária,
pode atribuir a competência para o julgamento de crimes sexuais contra crianças e
adolescentes ao Juízo da Vara da Infância e Juventude, por agregação, ou a
qualquer outro Juízo que entender adequado.
2. A produção antecipada de provas está adstrita àquelas hipóteses consideradas de
natureza urgente pelo Juízo processante, consoante sua prudente avaliação em cada
caso concreto.
3. Na hipótese em apreço, como se verifica da leitura das razões do acórdão
recorrido, a aplicação da medida encontra-se devidamente justificada, ante a
necessidade de proteção à vítima – criança com apenas seis anos de idade na época
do fato – e a “possibilidade concreta do esquecimento e bloqueio de detalhes dos
fatos, providência natural do ser humano submetido a traumas”. Precedente.
4. Ordem de habeas corpus denegada. (STJ, 5ª Turma, HC 128.135/RS, rel. Min.
Laurita Vaz, j. 10 /9/2013).
136
de vídeo captadas do local do fato pouco depois do ocorrido, onde aparece uma
mão que poderia ser do agressor da criança.
2 - Em casos de violência sexual, causador de traumas e sofrimento físico e
psicológico de grande intensidade, especialmente quando a vítima é criança, deve o
Juiz, tanto quanto possível, preservar a sua integridade moral, consoante a
Recomendação nº 33 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ - e a Resolução nº 10
do Conselho Federal de Psicologia, evitando a revitimização. Atendendo a essas
recomendações o Tribunal de Justiça instituiu o Serviço de Atendimento a Famílias
em Situação de Violência - SERAV/TJDFT - para ouvir o ofendido preservando a
sua dignidade. Assim, a oitiva direta da vítima pelas partes ou pelo Juiz, seja em
audiência ou por videoconferência, só deve ser admitida em hipóteses restritas,
quando sobejar dúvida invencível na versão dos fatos colhida pelos profissionais
especializados no depoimento sem dano. Portanto, a negativa da prova requerida
pela defesa não configura, prima facie, constrangimento ilegal sanável em habeas
corpus.[...]”. (TJDFT, Acórdão n.621796, 20120020188552HBC, Relator:
GEORGE LOPES LEITE, 1ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 20/9/2012,
Publicado no DJE: 01/10/2012. Pág.: 137).
138
4. Síntese das vantagens da oitiva especial de crianças e adolescentes
139
Determina a criação de Coordenadorias da Infância e da Juventude no âmbito dos Tribunais
de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas
atribuições conferidas pela Constituição da República, especialmente o disposto no inciso I,
§4º, art. 103-B;
RESOLVE:
Art. 1º Os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, no prazo de 180 (cento e
oitenta dias), deverão criar no âmbito de sua estrutura organizacional, Coordenadorias da
Infância e da Juventude como órgãos permanentes de assessoria da Presidência do Tribunal.
Art. 2º As Coordenadorias da Infância e da Juventude terão por atribuição, dentre outras:
I - elaborar sugestões para o aprimoramento da estrutura do Judiciário na área da infância e
da juventude;
II - dar suporte aos magistrados, aos servidores e às equipes multiprofissionais visando à
melhoria da prestação jurisdicional;
III - promover a articulação interna e externa da Justiça da Infância e da Juventude com
outros órgãos governamentais e não-governamentais;
IV - colaborar para a formação inicial, continuada e especializada de magistrados e
servidores na área da infância e da juventude.
V - exercer as atribuições da gestão estadual dos Cadastros Nacionais da Infância e
Juventude.
Art. 3º As Coordenadorias da Infância e da Juventude serão dirigidas por magistrado, com
competência jurisdicional ou com reconhecida experiência na área.
Parágrafo 1º A Coordenadoria da Infância e da Juventude poderá contar com a colaboração
ou assessoria de outros magistrados, sem dispensa da função jurisdicional.
Parágrafo 2º A Coordenadoria da Infância e da Juventude deverá contar com estrutura de
apoio administrativo e de equipe multiprofissional, preferencialmente do quadro de
servidores do Judiciário.
Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro Gilmar Mendes”.
140
Da mesma forma que deve haver uma articulação entre os órgãos executivos de
proteção à criança, também é oportuna a comunicação e a integração entre os diversos
juízos, perante os quais uma mesma situação de abuso/violência/exploração seja objeto
de análise.
E, por fim (mas sem esgotamento das benesses), porque a própria criança nota
que existe desconhecimento a respeito das medidas que foram/estão sendo adotadas por
outros órgãos. Esse proceder confunde a vítima e a leva a crer que terá de percorrer os
corredores do Fórum por um tempo indeterminado, gerando resistência e frustração,
para dizer o mínimo.
141
As instalações físicas dos prédios da Justiça não são – salvo raras exceções –
acolhedoras. Muitas serventias contam com espaços exíguos para a espera por
audiências, ocasionando encontros indesejáveis de vítimas e abusadores ou daquelas
com familiares que – em decorrência da denúncia de abuso intrafamiliar – polarizaram-
se em favor de uma ou de outra “parte”, situação ainda hoje muito frequente na rotina
forense.
Deve ser proporcionada sala de espera distinta para a criança, para que fique
confortável e tranquila até o momento do início da audiência.
1
CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem dano – Uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos
processos judiciais. Ed. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2007.
143
Considerando que o momento processual do depoimento é uma audiência de
instrução, na qual estão envolvidos vários agentes – Juiz, Promotor de Justiça e
Advogado –, é importante que o técnico atente para os seguintes aspectos práticos,
evitando-se, assim, divergências quanto à forma de condução e desenvolvimento do ato
judicial:
11. estudo prévio das principais peças do processo, de forma a conhecer a trajetória do
depoente, identificar os estímulos que ele já teve para falar sobre o fato;
12. identificar o objeto específico do depoimento (nada impede que o técnico busque,
se for o caso, auxílio com o Juiz antes do início da audiência), estabelecendo, de
antemão, o foco das perguntas que serão inicialmente realizadas;
13. ter ciência do tipo de processo no qual está sendo realizado o depoimento (criminal,
cível, carta precatória, ato infracional, etc.);
14. observar a dinâmica das alegações, tais como: quem registrou a ocorrência
policial?; fatores de proteção; litígios – há indicação de que o depoente estaria sob
coerção ou coação para o depoimento em relação aos maus tratos/abuso sexual?;
15. estabelecer um protocolo mínimo com o depoente, mantendo um contato breve e
prévio com o Juiz que presidirá a audiência, bem como, em sendo possível,
mostrar-lhe a sala de audiências na qual será o seu depoimento visto e observado
pelos agentes jurídicos;
16. compreender o estágio de desenvolvimento cognitivo do depoente, observando o
nível de entendimento que possui de tempo (quando), lugar (onde), identificação
(quem), assim como está o desenvolvimento de sua linguagem;
17. compreender o estágio de desenvolvimento emocional do depoente, percebendo
como ele se sente em relação a si próprio, bem como quais os cuidados que
dispensa para consigo. Tais informações, em regra, evidenciam o tipo de ligação
que o depoente tem com as pessoas com quem convive, em quem ele confia, e
permitem identificar se ele está ou não sob proteção, bem como qual a sua ligação
com o possível agressor;
18. compreender o estágio de desenvolvimento social do depoente, sua interação com o
ambiente familiar, escolar e com amigos;
19. compreender o estágio de desenvolvimento físico do depoente, observando os
aspectos físicos e a aparência pessoal que possui em relação à denúncia de
144
agressão, negligência, etc., não descurando dos resultados médicos juntados ao
processo.
Muito importante para que o depoimento seja o mais fidedigno possível é que
ele se inicie com um relato aberto, permitindo que o depoente, com suas próprias
palavras, relate os momentos de sua vida, assim como preste as primeiras informações
sobre o assunto investigado.
20. as perguntas abertas, como O que aconteceu quando você ficou com seu tio
enquanto seus pais viajavam?, são aquelas que preferencialmente devem ser
utilizadas durante o depoimento da criança/adolescente, pois permitem que o relato
seja apresentado segundo a visão que a vítima possui sobre o fato investigado,
afastando, de antemão, qualquer possibilidade de haver indução a uma resposta pré-
elaborada;
21. as perguntas fechadas – como seu tio a beijou na boca quando ficou sozinho com
você?, embora excepcionalmente possam ser admitidas no decorrer da instrução,
devem, sempre que possível, ser evitadas, uma vez que sugerem claramente a
prática de uma ação proibida e condenada - abuso sexual −, que só podem ser
respondidas pela confirmação ou negação, “sim” e “não”.
99
FURNISS, Tilman. Abuso Sexual da criança, Uma abordagem Interdisciplinar. Porto Alegre: Artes Médicas,
1993.
145
É exatamente nesse tipo de indagação que se fragiliza o depoimento da
criança/adolescente – na maior parte dos casos, injustificadamente – pois,
inexistindo vestígios materiais da infração investigada, a alegação da defesa é sempre de
que o depoente ainda é uma pessoa em estágio de desenvolvimento, sem completo
conhecimento dos assuntos que está a detalhar, e que, por não possuir opinião própria
sobre o que aconteceu − tanto assim que não conseguiu pormenorizá-la − optou por
incorporar a versão do adulto (inquiridor) à sua, mediante a verbalização de uma única
palavra, o “sim”.
Para que não seja a pergunta fechada a única responsável pela versão
apresentada pela criança/adolescente, sugere Furniss (1993) que, logo após a sua
realização, seja ela seguida de outra pergunta aberta, como forma de permitir que
também o depoente possa ter a oportunidade de relatar com suas palavras e outras
formas de expressão, como, por exemplo, os gestos, tal qual a sua visão do fato
investigado.
Conclui Furniss (1993, p. 197) ser inviável que apenas um tipo de inquirição seja
realizado durante o depoimento, sendo necessária uma constante mudança entre os
diferentes modos de questionamento.
A criança quer ser ouvida. E o juiz precisa estar preparado porque – além de
responder – a criança pode querer fazer perguntas, inclusive sobre o processo, como: o
que vai acontecer com (o Fulano)? Se eu disser (isso ou aquilo), o que acontecerá?
Até mesmo nos casos em que for proporcionado o Depoimento Especial, deve
ser dada à criança a oportunidade de conhecer a sala de audiência e o juiz, assim como
devem ser disponibilizadas informações por meio de cartilha, folheto, para que a criança
tire suas principais dúvidas e se sinta acolhida, confortável e confiante.
EC – Entrevista Cognitiva.
100
Lamb, M. E., Hershkowitz, I., Orbach, Y. & Esplin, P.W. (2008). Tell me what happened: Structured investigative
interviews of child victims and witnesses. Wiley: Chichester.
148
(http://nichdprotocol.com/nichdbrazil.pdf), sendo que os estudos sobre sua
validação à nossa cultura já se iniciaram por um grupo de pesquisadores da
Universidade Federal de São Carlos, SP (Laprev), Universidade Tuiuti do
Paraná (PR) e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (RS).
149
a/o qual teme a presença do suposto abusador que, via de regra, é intimidativo,
causando à vítima/testemunha maior insegurança e medo.
Nessa etapa do acolhimento, não são abordados os fatos ocorridos que ensejaram
o processo criminal; entretanto, para que se possa realizar uma intervenção adequada,
no momento da audiência, é importante que se esclareça com a criança/adolescente qual
é a linguagem que ele/ela utiliza para nomear as partes íntimas do seu corpo.
Importante, ainda, que se esclareça à criança/adolescente que lhe será dada a
possibilidade de poder optar pela presença ou não do acusado em sala de audiência.
150
uso de perguntas abertas, obter esclarecimentos e detalhamento do relato e possibilitar
múltiplas recuperações – lembrando que os questionamentos ocorrem de forma
interativa com os agentes jurídicos.
151
Acolhimento final: consiste em realizar o fechamento da entrevista
fornecendo o resumo das informações obtidas, discutindo tópicos neutros.
Etapa Objetivos
• Personalizar a entrevista
• Construir um ambiente acolhedor
1.Construção do Rapport • Discutir assuntos neutros
• Explicar os objetivos da entrevista
• Transferir o controle para o entrevistado
3. Narrativa livre
• Obter o relato livre da testemunha, sem interrupções
152
De igual modo, a tabela abaixo retrata formas eficientes de indagações que bem
elucidam explicações já detalhadas neste módulo:
Abertas Permitem que a pessoa que está O que você viu quando entrou
respondendo dê mais na loja?
informações
101
STEIN, Lilian M. e cols. Falsas Memórias. Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e Jurídicas. Porto
Alegre: Artmed, 2009.
153
7. Não acompanhar o que a testemunha disse recentemente.
8. Não permitir pausas.
9. Interromper a testemunha quando ela está falando.
10. Não fazer o fechamento da entrevista.
154
Não projetar “rótulos estereotipados” sobre a situação da violência sexual ou dos
fatos ocorridos;
155
Abordando, em especial, o processo de trabalho do assistente social do
Judiciário, caracteriza-se por ser uma atividade especializada de assessoria judicial, que
visa a desvelar as manifestações da questão social, oferecendo, dessa forma, elementos
que possam contribuir para a decisão judicial. Nesse sentido, o conhecimento
especializado do assistente social pode contribuir, em diferentes áreas do Direito, nos
mais variados procedimentos jurídicos. Sua ação profissional, no entanto, exige
capacidade teórica e competência técnica para decifrar a realidade e vislumbrar novas
alternativas que ampliem e aperfeiçoem sua intervenção profissional, razão pela qual
torna-se um profissional autônomo, com liberdade para direcionar sua intervenção.
156
A VIOLÊNCIA CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES,
COM ÊNFASE NO ABUSO
SEXUAL
Material Complementar
157
Para Reflexão
Os desgastes emocionais e o reflexo psicológico da atuação do magistrado e
demais profissionais no encaminhamento das ações que envolvem violência
contra crianças e adolescentes
158
Quanto ao trabalho judiciário no enfrentamento do abuso sexual, há a
possibilidade de um desgaste emocional alto, não apenas em decorrência do tema – uma
violação grave dos direitos da criança –, mas também pela complexidade e
especificidade do assunto (sua natureza privada e potencialmente traumática). Isso exige
um trabalho de atuação do magistrado que seja compartilhado com a equipe,
envolvendo outros profissionais da área psicossocial. Quando não há uma equipe de
apoio capacitada, o desgaste emocional do magistrado pode ser grande, gerando estresse
ocupacional e até mesmo burnout.
Avaliação de Auto-cuidados
(Graham-Bermann, 2001)
CUIDADOS FÍSICOS
1.Alimentar-se regularmente (3 refeições ao dia) ( )
2.Ter uma alimentação saudável ( )
3. Fazer exercícios físicos regularmente ( )
4. Ir ao médico quando necessário ( )
5. Ir ao médico para prevenção ( )
6. Tirar tempo para repousar quando ficar doente ( )
7. Receber massagem ( )
8. Fazer alguma atividade física agradável (dançar, correr, nadar,
159
caminhar, etc. ( )
9. Ter relações sexuais com o companheiro(a) ( )
10. Dormir o suficiente ( )
11. Vestir roupas que você aprecia ( )
12. Tirar férias ( )
13. Ter um dia de folga ou viajar nos fins de semana ( )
14. Desligar-se propositalmente do telefone, celular ou internet ( )
CUIDADOS PSICOLÓGICOS
15. Fazer auto-reflexões ( )
16. Fazer psicoterapia se quiser ou se for necessário ( )
17. Escrever um diário ( )
18. Ler coisas não relacionadas ao trabalho ( )
19. Engajar-se em atividades nas quais você não é um especialista ( )
20. Esforçar-se para diminuir o estresse em sua vida ( )
21. Refletir sobre suas experiências prévias (ouvir seus próprios
pensamentos, crenças e sentimentos) ( )
22. Deixar que os outros conheçam diferentes aspectos de si mesmo ( )
23. Engajar seu intelecto em uma nova área (museu, teatro, eventos
culturais, cinema, etc.) ( )
24. Aceitar ajuda de outra pessoa ( )
25. Ser curioso(a) ( )
26. Dizer não à responsabilidade extra quando possível ( )
CUIDADOS ESPIRITUAIS
27. Dedicar um tempo à reflexão ( )
28. Dedicar um tempo para contemplar a natureza ( )
29. Descobrir um lado espiritual ou comunitário ( )
30. Ficar aberto(a) à inspiração ( )
31. Apreciar seu otimismo e esperança ( )
32. Importar-se com aspectos não materiais da vida ( )
33. Tentar às vezes não ter controle de tudo ( )
34. Ficar aberto(a) à coisas que não conhece ( )
35. Meditar ( )
160
36. Rezar ( )
37. Cantar ( )
38. Passar tempo com crianças ( )
39. Ter experiências de deslumbramento ( )
CUIDADOS PROFISSIONAIS
40. Fazer uma pausa durante o dia de trabalho (ex., no almoço) ( )
41. Fazer uma pausa para “bater papo” com colegas de trabalho ( )
42. Dispor de tempo para completar tarefas ( )
43. Estabelecer limites apropriados com funcionários e colegas ( )
44. Equilibrar sua agenda, tentando completar tarefas sem se
sobrecarregar ( )
45. Dispor seu espaço de trabalho de modo confortável ( )
46. Receber consultoria sempre que necessário ( )
47. Negociar suas próprias necessidades (horário, etc.) ( )
48. Ter um grupo de apoio constituído por colegas e demais
profissionais ( )
49. Desenvolver uma área de interesse profissional não relacionada ao
seu trabalho diário ( )
161
Referências Bibliográficas / Bibliografia Sugerida
BRAUNER, Maria Claúdia Crespo (Org.). Violência sexual intrafamiliar: uma visão
interdisciplinar: contribuições do direito, da antropologia, da psicologia e da medicina.
Pelotas: Delfos, 2008.
CAMARGO, Rodrigo Oliveira de. A face "procedimental" do depoimento sem dano. In:
Boletim Ibccrim, v. 19, n. 227, p. 10-11, out. 2011.
CÉZAR, José Antonio Daltoé. Depoimento sem Dano: uma alternativa para inquirir
crianças e adolescentes nos processos judiciais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007.
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LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013.
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163
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Brasília, DF: UNICEF; Rio de Janeiro: USU Ed. Universitária, 2ª ed., 2002.
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Law”: uma reflexão em face da atribuição da autoria de delitos sexuais por
adolescentes e a nova redação do art.217 do CP. In: Boletim Ibccrim, v. 17, n. 205, p.
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WILLIAMS, L.C.A, Padovani, R.C, Araujo, E.A.C, Stelko-Pereira, A.C., Ormeño, G.R,
Eisenstein, E. (2009). Fortalecendo a Rede de Proteção da Criança e do Adolescente.
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World Health Organization (2003) Guidelines for Medical-Legal Care for Victims of
Sexual Abuse Geneva, WHO.
164
World Health Organization, International Society for Prevention of Child Abuse and
Neglect (2006) Preventing Child Maltreatment, a Guide to taking action and generating
evidence. Geneva, WHO/ISPCAN.
165