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COPYRIGHT © 2006 BY EDITORA AVERCAMP LTDA. Ay Iral, 79 ~ oj. 35-B 4082-000 — Séio Paulo — SP Tel/Fax: (11) 5042-0567 F jail: avercamp@terra.com.br §i18 www.avercamp.com.br lnpresse no Brasil Printed in Brazil 1# edigho 2006 ja reimpressa 2! reimpressa }' relmpressdo 2012 Capa Editoragao Eletrénica Casa de Ideias TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Nenhuma parte deste livro podera ser reproduzida, sejam quais forem os meios empregados, sem a permissao, por escrito, da Editora. Aos infratores aplicam-se as sanc6es previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei n? 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Revisdo Martim Codax — textos e contextos fete livro contempla a Nova Ortografia da Lingua Portuguesa, de acordo fom o Decreto n° 6.583, de 29 de setembro de 2008. CIP - BRASIL. CATALOGACAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 8235p Hlarrelro, lraide Marques de Freitas, 1952 — Pratica de ensino e estagio supervisionado na formacao de professores/ Iraide Marques de Freitas Barreiro, Raimunda Abou Gebran.—Sao Paulo: Avercamp, 2006. Inclui Bibliografia ISBN 85-89311-37-6 ; 978-85-89311-37-3 1, Pratica de ensino. 2. Professores — Formagao. 3. Estagidrios (Educacgéo) 4. Programas de estagio. |. Gebran, Raimunda Abou, 1952 -. Il. Titulo. 06-2261 CDD-370.71 CDU-371.133 Nai TULO PRATICA DE ENSINO:? ELEMENTO ARTICULADOR DA FORMAGAO DO PROFESSOR 1.1 A Pratica de Ensino na formacao do professor — concepcoes e fundamentos Refletir sobre esta temética é tarefa desafiadora, até porque muito se tem estudado e publicado sobre ela ao se buscar cami- nhos favorecedores € esclarecedores da pratica docente que as- segurem uma formacao de qualidade aos professores e suas pra- ticas. Mas de quais praticas estamos falando? Qual 0 tratamento a ser dispensado a Pratica de Ensino no processo de formagao de professores? | Quais Ao 08 elementos constitutivos da pratica docente e qual a importancia do estagio supervisionado na for- macao dos professores e na construgao da identidade docente? _Para pensar na Pratica de Ensino como elemento articulador da formagao docente, “Tnecesséfio situé-la no debate atual da for macio de professores. mare eee 20 PRATICA DE ENSINO E ESTAGIO SUPERVISIONADO NA FORMAL, AQ DE, PROFESSORES A definicéo dos paradigmas formativos de professores pelos cursos de graduagao é de fundamental importancia para o ea avaliagéo mais apurada das concepgées de pratica de quem xXame Gferece a formacio. Isso pressupde a existéncia de um projeto pedagédgico articulado, com avaliagées € redimensionamentos fre- quentes, de modo a-assegurar-ag6es-mais comprometidas com 0 processo educativo e tornar o estdégio curricular um_componente fundamental na construcdo da identidade do professor, ultrapas- sando a visdo tecnicista. A identidade do professor é construfda no decorrer do exercicio da sua profissio, porém, é durante_a formacao_inicial que serao sedimentados, os pressupostos eas diretrizes presentes no curso formador, decisivos na construgéo ie seene ee agente © estagio curricular pode se constituir no locus de reflexio e formagio da identidade ao propiciar embates no decorrer das ag6es vivenciadas pelos alunos, desenvolvidas numa perspectiva reflexiva e critica, desde que efetivado com essa finalidade. O processo de reflexdo nao é unilateral, ele demanda propo- sigdes reflexivas do curso formador, dos docentes e dos alunos. Dessa forma, a identidade que o curso pretende legitimar devera ser explicitada nos paradigmas formativos e vivenciada na pratica formativa. Isso exige um exercicio constante de reflexdo a res- peito da problemética relacio entre teoria e pratica e na busca de alternativas para equacioné-la. A reflexio deve ultrapassar o plano da competéncia, no sen- tido estrito do aprender a refletir, e se posicionar como um ca- minho para a compreensio dos problemas e necessidades, dando sentido as ideias, 4 teoria. Valer-se da reflexio para formar professores nao significa valer-se somente das teorias, e sim, mediante o pensamento, submeter a realidade a uma praxis, a uma atividade, na qual a professor 21 Pratica de ensino: elemento articulador da formagao do agao ca reflexdo operem simultaneamente. Os caminhos que conduzem A praxis sio norteados pela teoria e pela consciéncia de que ela é determinante da praxis. E esta consciéncia que leva o homem a se apropriar da realidade mediante uma inten- cionalidade correspondente & realidade que ele deseja atingir, conhecer e transformar (KOSIK, 1976, p. 23). Assim, teoria e pratica so indissociaveis. Isso significa, pois, que a formacio inicial eo estagio devem pautar-se pela investigagao da realidade, por_uma pratica inten= cional, de modo que as ages sejam marcadas por processos re- flexivos ; entre os professores-formadores e os futuros_professo- — 2 caifi aps a TES, ao_exam inarem, questionarem e av aliarem_criticamente_¢ be seu fazer, 0 seu pensar e a sua pratica,_ ——_— eee 1.2 De quais praticas e teorias necessitamos? Os desafios e as buscas dos professores € alunos para atribui- rem significados aos contetidos ensinados e aprendidos iniciam- -se muito cedo. Nao raro, criangas nas séries iniciais do ensino fundamental questionam sobre como usarao € para que serve © que aprendem. Tais questionamentos ganham dimensées maiores quando elas séo confrontadas com os saberes disponiveis eletro- nicamente, tidos como mais eficientes e atraentes, mesmo sem entrar no mérito de se refletir sobre os processos formativos e informativos da informatica. Pode-se pensar que a intimidagao dos professores diante da modemnizacéo da sociedade e da informatizagéo decorre de lacunas na sua formagio inicial e da precaria formagao conti- nuada, tendo em vista que o professor € formado para repetir modelos e néo para produzir conhecimentos. As dificuldades 88 envolver uma pratica investi: que o_professor encontra em desenvolver uma pt vesti: gativa, favorecedora da vinculagio entre a teoria € a pratica, nao 22 PRATICA DE ENSINO E ESTAGIO SUPERVISIONADO NA FORMAGAO Dit PROFESSORES como produto ) acabado. A formagao inicial é 0 comego da busca de uma base para o exercicio da atividade docente. Concebida assim, deve assentar- ~se em Concepgoes ¢ praticas que levem A reflexdo, no sentido de promover os saberes da experiéncia, conjugados com a teoria, permitindo ao professor uma anélise integrada e sistematica da sua acdo educativa de forma investigativa e interventiva. Desse moda, “o sujeito toma sua propria agdo, seus préprios funciona- mentos psiquicos como objeto de sua observagio e de sua ana- lise; ele tenta perceber ¢ compreender sua propria maneira de pensar e agir” (PERRENOUD, 2001, p. 174). A aquisigio e a construgéo de uma postura reflexiva pres- supdem um exercicio constante entre a utilizagéo dos conheci- mentos de natureza teérica e prdtica na agdo e a elaboragao de novos saberes, a partir da acdo docente. A articulagao da relagao entre teoria e pratica é um processo definidor da qualidade da formagao inicial e continuada do professor, como sujeito auténo- sao intrinsecas a ele, elas decorrem da formagao que ele recebe mo na construgao de sua profissionalizagdo docente, porque lhe permite uma permanente investigagao e a busca de respostas aos fendmenos e as contradigGes vivenciadas. Sio os paradigmas de formacgdo que promovem e instigam praticas reflexivas nos pro- fessores; dificilmente o aluno conseguiré articular teoria e prati- ca, por si s6, quando estiver atuando como professor. Repensar as questdes apontadas tem levado ao desenvolvi- mento de reflexdes e pesquisas que indicam a busca de novos paradigmas formativos de professores no que diz respeito as praticas desenvolvidas nas universidades, com contribuicdes no campo teérico e no dos estdgios, mostrando novas perspectivas aos cursos de formagio de professores, Neste contexto, a for- magao inicial ocupa lugar impar para uma docéncia de qualida- nN a Prética de ensino: elemento articulador da formagao do professor de, pautada numa perspectiva investigativa, tendo a pesquisa como principio cientifico e educativo, como caminho metodo- ldgico para a formagio docente. Assim, investigar a realidade pressupde uma prdtica orientada também pela formagio em pesquisa, pois ela “exerce um papel extraordinério na articula- gAo entre o conhecimento adquirido ou construido e a pratica docente” (MACIEL, 2004, p. 100). Lizete Maciel (2004), professora na Universidade Estadual de Maringé, relata o quanto foi relevante 0 trabalho com projetos de Iniciagéo 4 Pesquisa Pedagégica, desenvolvidos por alunos da gra- duacdo, no perfodo de 1999 a 2001, como parte das atividades das disciplinas de Metodologia e Pratica de Ensino Médio — mo- dalidade normal. O objetivo era levar os alunos a construirem posturas investigativas na pratica pedagégica, tendo a pesquisa como um dos condicionantes da reflexao. A autora aponta os ca- minhos e as dificuldades encontradas na consecugio da proposta, devido a falta da prética investigativa dos alunos para identificar e problematizar o que é observado, e articular os conhecimentos com a pratica docente, situagdo que foi se modificando no de- correr do trabalho. Os depoimentos dos alunos sao elucidativos ao explicitarem 0 processo de sua formacao, por meio da pesquisa e seus signi- ficados, e as articulagdes que passaram a fazer entre a teoria e a pratica. A autora demonstra como as dificuldades dos alunos foram sendo elaboradas e superadas, de modo que o pensar e 0 repensar sobre a pratica pedagdgica, entre os alunos, terminou por fornecer as bases necessarias para dar significado pesquisa na formacdo do professor como profissional. Ela ressalta, ainda, que “a pesquisa desenvolyida durante a formagao daré, com cer- teza, subsidios para o desenvolvimento de outros projetos dessa natureza quando estiverem atuando como professores” (MA- 24 PRATICA DE ENSINO E ESTAGIO SUPERVISIONADO NA FORMACAO DE PROFESSORES CIEL, 2004, p. 108). E na elaboracdo desse saber-fazer que se constréi a autonomia docente. A medida que o professor torna seu cotidiano fonte de investigagao, buscando elementos para a sua formagao ¢ a dos alunos, ele imprime, inclusive, necessidades e significados 4 sua formacao continuada, Demo (2004), ao discorrer sobre 0 futuro do professor na “universidade, reafirma que a formacio inicial é determinante para 0 rompimento das praticas da reprodugdo. Nesse processo, é fundamental 0 papel dos professores-formadores ao favorecer e oferecer caminhos que levem A reconstrugaio de conhecimen- tos. A universidade que apenas reproduz conhecimento é des- necessaria, afirma. O aluno nao a frequenta para assistir aulas e reproduzi-las, e sim para reconstruir conhecimentos, partindo dos j4 existentes, o que depende do seu esforco e da orientagdo do professor. Para 0 autor, “estaria implicado af nado apenas © progresso da ciéncia, mas igualmente da cidadania, em particular daquela ci- dadania que seria especifica da escola e da universidade, ou seja, fundada na reconstrucéo do conhecimento, com qualidade for- mal e polftica” (DEMO, 2004, p. 118). Para Maciel (2004, p. 110), “a pesquisa provoca no aca- démico certa desestruturagao de suas certezas, pois enfrentar uma situagéo concreta que precisa ser refletida nio pode ser buscada simplesmente na reprodugao de ideias”. O aluno é instigado a procurar respostas para os problemas que estdo a sua frente, ou seja, a refletir e a elaborar, A elaboragao prépria, como assinala Demo (2004, p. 120-121), “é condicao essencial da inovagdo prépria, porquanto somente muda 0 que se elabo- ra”. Esta elaboragao (condicao para se atribuir sentido a teoria e a pratica, e definir caminhos) “é condigdo imprescindivel no processo de aprendizagem, tanto no professor que se faz autor, Prdtica de ensino: elemento articulador da formagio do professor 2 quanto no aluno que precisa do esforgo reconstrutivo para se fazer pesquisador”. Nao cabe somente 4 escola romper com as teorias lineares que sustentam o modelo tradicional do ensino, caracterizado pela transmisséo de contetdos, informagées, etapas igidas de ensino e aprendizagem. Mas € nesse contexto, também, que se vistumbra a formagio do profissional reflexivo, pautado pelas teorias que reconhecem o papel ativo e dindmico do aujeito na construcio de seu proprio conhecimento e desenvolvimento. A propésito, Pimenta e Lima (2004, p. 43) afirmam que: [...] o papel das teorias é iluminar e oferecer aneteumnenitos € es- quemas para a anilise e investigagéo que permitam questionar as praticas institucionalizadas e as agées dos sujeitos e, ao nese tempo, [colocé-las] em questionamento, uma vez que as teorias sio explicagdes sempre provisérias da realidade. Tais praticas ndo se constituem em fenémenos isolados, e air no compartilhamento de relagées em outros Ainbitos da socie- dade e de suas instituig6es, intermediadas por um sistema de valores coletivos, as quais orientam os fins da educagio. Nesse sentido, o estdgio, nos cursos de formagio de pr: destaca-se como via fundamental ao “possibilitar _que_os futuros professores compreendam a complexidade das praticas insti tos fi0 preparo para a insercao profissional” (PIMENTA; LIMA, 20 p. 43). Nao é possivel desejar que o professor cular priticd investigativa se sua formagao nao priorizou a investigagao a partir da anilise, da reflexdo, da critica e de novas maneiras de se educar. Entretanto, as politicas atuais de formacao de professores, em consonancia com as orientagées de organismos internacionais, ao 26 PRATICA DE, INO E ESTAGIO § ERVISIONADO NA FORMACAO DE PROFESSORES valorizarem os indicadores educacionais, pouco tém contribuido para a superagdo do modelo tradicional de formacao de profes- sores, calcado na separagao entre teoria e pratica. 1.3 Estagio: tedrico, pratico oufleérico-pratico?) A busca pela compreensao da relago entre teoria e pratica nos cursos formadores e 0 sentido da pratica docente dos pro- fessores, os estudos e as criticas acerca do ensino calcados em modelos reprodutivistas, a aprovagao da Lei de Diretrizes ¢ Ba- ses da Educagao Nacional (LDB) n. 9.394/96 e as regulamenta- Soes para adequar a formagao dos professores representam um Conjunto significativo de alteracdes no campo da formagaéo de professores. O Parecer CNE/CP 28/2001, ao estabelecer a du- ragao e a carga hordria dos cursos de Formagao de Professores da Educacio Basica, em nivel superior, recoloca o estagio na pauta de discuss6es, tendo em vista 0 aumento do ntimero de horas para a sua realizagio. Se considerarmos, como objetivo principal do estégio, levar o aluno a vivenciar a realidade educacional em que atuard, ele se afasta da concepcio corrente — classificado cgi a parte pratica do curso — na medida em que pressupde uma investigacao critica dessa realidade. De modo geral, os estagios tém se constituido de forma bu- rocratica, com preenchimento de fichas e valorizagio de ativi- a que envolvem observacio, participagdo e regéncia, des- providas de uma meta investigativa. Dessa forma, por um lado se reforga a perspectiva do ensino como imitag4o de modelos sem privilegiar a andlise critica do contexto escolar, da forinieds de professores, dos processos constitutivos da aula e, por outro reforgam-se praticas institucionais nao reflexivas, presentes ase tnidades formadoras de professores e nas escolas da educagao basica, que concebem 0 estagio como o momento da pratica e de Pratica de ensino: elemento articulador da formacao do professor 27 aprendizagens de técnicas do bem-fazer. Tais concepgoes evi- denciam problemas existentes na formagio do profissional do- cente, explicitados pela dissociagdo entre pratica e teoria. A insergio do aluno na realidade que se pretende investigar, e na qual atuaré como profissional, s6 é possivel mediante a inten- cionalidade dos cursos formadores e do estagidrio. A formagio de professores e sua pratica ndo podem mais ser consideradas executoras de modelos, de decisées alheias, e sim capazes de analisar, decidir, confrontar prdticas e teorias, e produzir novos conhecimentos referenciados ao contexto histérico, escolar ¢ educacional. Para tanto, requer-se que o professor consiga di- mensionar 0 alcance das suas acées, da sua prdtica na sala de aula, a importdncia das praticas coletivas e institucionais, ou seja, pressup6e que ele tenha clareza para agir e intengao de intervir e modificar. Para Sacristin (1999, p. 33), a intencionalidade é condigao necessdria para a aco, e compreender este elemento dindmico e motor é fundamental para qualquer educador. “As ages que se empreendem em educagiio, tanto individuais como coletivas, nao poderiam ser entendidas se nao se considerar a que condu- zem, para que se realizam”. A aio, prépria dos sujeitos, refere- -se aos seus modos de agir e pensar, suas concepgées de mundo, de conhecimento, enquanto a pratica é institucionalizada e ex: pressa a cultura ea tradicdo das instituigdes. Tendo em vista qu a acio docente envolve, ao mesmo tempo, priatica e acdo, ela nao} pressupde somente o “saber-fazer”; os motivos desencadeante da agdo devem representar um desejo, uma intengdo, uma neces sidade do sujeito, mediada pelos sistemas de valores coletivos ¢ pelos compromissos que orientam a educagao. Sacristan (1999, p. 47) reconhece que os caminhos que levam a acao a se consubstanciar em uma pratica nem sempre sao retos € 28 PRATICA DE ENSINO E ESTACIC SUPERVISIONADO NA FORMACAO DE PROFESSORES evidentes, para quem a executa. Portanto, a relagao teoria-pratica seria insuficiente para se entender a aciio, se ela nao contemplar a inclinagdo (a ética) para agirmos individual e coletivamente. Este terceiro elemento que ndo se manifesta somente nos componentes cognitivos da consciéncia dos sujeitos, nem na conduta observavel da agao, representa a nossa intengao na escolha de alternativas e tomada de decisées, realizadas em determinadas situagdes ade- quadamente avaliadas. A acao docente nao pode ser considerada somente sob o ponto de vista instrumental, pois, entre o conheci- mento € a acao, existe a mediagao do sujeito, a sua subjetividade. Nessa perspectiva, 0 estagio coloca-se como tedrico-pratico e nao como teérico ou pratico, devendo possibilitar, aos estagiérios, melhor compreensio das praticas institucionais e das agoes pra- ticadas pelos profissionais, como maneira de preparar os futuros professores. Como jé indicamos, a pratica docente é constituida por um conjunto de saberes que vao além dos conhecimentos especificos, tanto no que se refere as praticas dos professores, quanto as metas dos cursos que os formam. Assim, a teoria coloca-se como elemento importante na formagao docente ao pro- piciar variados pontos de vista para uma a¢do contextualizada, mecanismos de andlises para que os professores compreendam os contextos histéricos, sociais, culturais, organizacionais e a si préprios, como profissionais. Considerando que a relagdo teoria-pratica no se efetiva so- mente por meio dos conhecimentos cognitivos, e que nossas praticas nem sempre sio coerentes, a formacao dos professores deve pautar-se por contetidos e atividades no decorrer dos esta- gios que discutam 0 contexto da formagao e da atuagio profis- sional, as dimensées éticas e politicas do trabalho do professor, ‘os fundamentos da educagio, da agio docente e a identidade ee a 29) Pratica de ensino: elemento articulador da formagio do professor Para Brzezinski (2002), no processo de formagao da identi: de, nada é coletivo e social sem a vivéncia dos aspectos subjetivo e objetivo de cada individuo. Segundo Castells (apud BRZE- ZINSKI, 2002, p. 8-9), [...] todos os componentes necessarios para a construgio da identidade, quer seja pessoal, quer seja coletiva, sio processados pelos sujeitos e pelos grupos sociais que reorganizam sightheadns conforme a influéncia das tendéncias sociais e dos projetos cul- turais, enraizados na sociedade. As representagGes sociais sao: [...] instrumentos cognitivos de apreensio da realidade e de orientagdo das condutas; as representagdes dos professores po- dem ser consideradas como meios a partir dos quais eles estrutu- ram seu comportamento de ensino e da aprendizagem (CHAR- LIER apud BAILLAUQUES, 2001, p. 37). Ou seja, representar algo permite ao sujeito um comporta- mento em relagdo ao objeto representado, quer se afastando dele e o ressignificando, quer legitimando-o. Nesse sentido, o estdgio constitui-se em espago para se tra- balhar com as representagées dos formandos acerca do papel do professor e dos alunos, vistos ainda como agentes an na relacéo com o conhecimento. O trabalho com histérias de vida e a atividade sobre as memérias tém se mostrado funda- mentais no resgate das experiéncias de professores, que, por sua vez, auxiliam-nos a reverem seus valores, praticas . ages, a refletirem sobre os contetidos trabalhados e a reexaminarem a relacao estabelecida entre alunos, pais € colegas, como pessoas e profissionais. 30 PRATICA DE ENSINO E ES’ TAGIO SUPERVISIONADO NA FORMAGAO DE PROFESSORES O estagio, como possibilidade de superagao dos modelos de reprodugéo — concebido como atividade teédric ‘ es ‘a e instrumen- talizador da praxis — tem contado com contrib res que se pautam pelos principi a Aneel ! Principios da formagio do profissional reflexivo, mobilizador de saberes profissionais. A seguir, trata- remos da formagéo de professores, baseados nesses peluttbine privilegiando autores que concebem a reflexdo numa Derepectiva ampliada. Ou seja, aqueles que consideram que refletir somente sobre 0 trabalho docente na sala de aula & insuficiente para se compreender os elementos que condicionam a pratica profissio- nal. Assim, eles ampliai as_anélises ao incorpora: condi- cionantes estruturais a is do trabalho do professor, que transcendem a sala de aula, fundamentais para a compreensao da atuacao so- cial do docente, ou seja, da docéncia como pratica social, 1.4 Formacdo de professores e pratica docente A formagio ea profissionalizagio de professores sio temiati- cas que se intensificam nos anos 1990, no quadro das reformas educativas, associad ; las As novas exigéncias geradas pela reorgani- zacao da produgao e da globalizagio da economia. As Ppropostas de cunho emancipatério darao a ténica as reformas educacio- nais, ao enfatizarem que “novos tempos requerem nova quali- dade educativa, implicando mudangas no curriculo, na gestao educacional, na avaliagéo dos sistemas e na pio Rtistonsliettin dos professores” (LIBANEO, 2002, p. 60). E neste contexto embora talvez néo em fungao dele — e mais pelo reconheri.. mento do papel fundamental dos professores na melhoria do ensino —, que as investigagées acerca das praticas de formacao de professores ganharao relevancia, predominando aquelas que concebem 0 ensino como atividade reflexiva, adotadas em di- ferentes paises, inclusive no Brasil. Pratica de ensino: elemento articulador da formacio do professor 31 Antes de nos atermos ao impacto e a importancia do conceito de reflexividade no Brasil, vamos situ4-lo brevemente, para com- preendermos a sua insergiio e aceitagao nas nossas politicas educa- cionais. Conforme Libaneo (2002, p. 59), o movimento do pensar, ou o desenvolvimento das competéncias do pensar, iniciou-se no final dos anos 1970, nos Estados Unidos, ao se defender a ideia de que cabe a escola desenvolver a qualidade do pensar nos alunos e professores. Este movimento inovou quando propés o desenvol- vimento das competéncias do pensar que levam 4 reflexao, para além das competéncias relacionadas aos conhecimentos especifi Gos, Como reconhece 0 autor, atribuir escola a responsabilidade pelo desenvolvimento da capacidade do pensar e do refletir nao é novidade; “o que muda é a énfase no curriculo e na metodologia de ensino, na construgiio de estratégias intencionalmente planeja-_ das” (Idem, p. 60). Donald Schén (2000, p. 25), pesquisador americano, foi o principal formulador do conceito de reflexdo ao valorizar a ex-- periéncia e a reflexao na pratica. Baseou-se nos pressupostos de John Dewey, no filésofo Michael Polanyi, no conhecimento t4- 0) formulado por Luria e cito (conhecimento mobilizado na elegeu, como referéncia fundamental, os ateliés de arquitetura como espaco concreto da sua prética, enquanto professor, para pensar sobre o ensino e o aprendizado, de modo a facilitar a aqui- sicdo do talento artfstico entre os alunos. Partindo da sua pratica e observando a de outros profissionais, Schén conclui que as dificuldades para se desenvolver capacida- ivas nos cursos de formagao de professores devem-se as concepgées de_conhecimento e as _estruturas dos fi <5: concep sos Ce existentes nas universidades, em que se privilegiam a aquisicao dos conhecimentos e, posteriormente, a sua aplicagSo. Para Wes Bae ft . a 0 exercicio da pratica deve ser desenvolvido desde o inicio da 34 PRATICA DE ENSINO E ESTAGIO SUPERVISIONADO NA FORMACAO DE PROFESSORES vem da pratica, mas no é exclusivo dela, como entende Schén (1997, p. 132), assim como a reflexdo na acao deve ter seu raio ampliado para além da sala de aula. O conhecimento ticito, mo- bilizado no decorrer da ago, nao € suficiente para responder as situacdes que extrapolam a rotina da sala de aula, onde os profes- sores criariam novos caminhos e solugdes por meio da reflexdo na agio (PIMENTA; GHEDIN, 2002, p. 20). Nos anos 1990, as eriticas a Schén levaram a uma ampliagéo do conceito de reflexividade e de pesquisas sobre a formagio de professores com énfase na pratica docente, no sentido de com- preendé-la numa perspectiva articulada entre teoria e pratica. A partir de entio, no Brasil, buscaram-se novos enfoques e paradig- mas que pudessem melhor explicar a pratica docente e os sabe- res pedagégicos, presentes no contetido escolar a ser ensinado e a ser aprendido, Nessa perspectiva, ampliou-se 0 foco de anilise, com o resgate do “papel do professor, destacando a importancia de se pensar a formag’o numa abordagem que v4 além do aca- démico, envolyendo o desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissio docente” (NUNES, 2001, p. 28). Dessa forma, a profissio docente passa a ser entendida nao sé como um conjunto de competéncias e técnicas; o professor comeea a ser considerado na sua totalidade, de modo que o seu jeito de ser (o pessoal) tem a ver com as suas qualidades profissionais, tornando-se mesmo sua grande determinante. Apesar das diferencas teéricas entre os estudiosos do tema, acerca dos caminhos que levam as mudangas na pratica do- cente, todos concordam que o definidor principal da agdo é o pensamento — a reflexdo. Bem, mas se a reflexdo individualizada e restrita 4 sala de aula nao responde a pluralidade da sociedade e 4 complexidade da for- macao dos professores, do ensino e da educagao em geral, de que on Pratica de ensino: elemento articulador da formagao do professor 3 reflexdes e de quais praticas necessitamos? Para a superagao destes limites, é necessario conceher e trabalhar com a pratica numa pers; pectiva critica, ampliada e articulada entre teoria € pratica, na qual, a partir da compreensio do contexto histérico- social, seja possivel ao professor, identificar o potencial “Nesse sentido, Pimenta e Ghedin (2002, p. 24) aig tment [...] que o saber docente nao ¢ formado apenas da pratica, sendo’ também nutrido pelas teorias da educagao. A teoria tem im- portancia fundamental na formagéo dos docentes, pois dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma agao contextuali- zada, oferecendo perspectivas de andlise para que os professores compreendam os contextos histéricos, sociais, culturais, organi- zacionais e de si préprios como profissionais. Desse modo, a reflexdo esta referenciada ao processo coleti- vo, no individualizado e circunscrito 4 sala de aula, valorizando as praticas coletivas na escola e fora dela, com a comunidade. O lugar e o papel da teoria na pratica dos professores, no modo como sao formados, dificilmente sao identificdveis quando nos re- portamos as suas declaragées, como: “a pratica se faz na pratica” ou “na pratica, a teoria é outra”, indicando a dissociagéo entre am- bas e até mesmo o descarte da teoria. Como transformar as teo- tias em saberes docentes e clarificar 0 seu papel na reflexdo, nos cursos de formagio de professores, de modo que os profissionais construam praticas intencionais? Sabemos que, historicamente, os estagios curriculares tém sido associados A pratica de ensinar. Tam- bém nfo sao recentes os discursos e as proposigées formativas que destacam a importancia da vinculagao entre teoria e pratica. No campo de formagao de professores (e das prdticas), par- tilhamos das ideias dos autores que, ao se contraporem aos pra- ticismos da agio docente, defendem que as prdticas devem ser E ESTAGIO SUPERVISIONADO NA FORMACAO DE PROFESSORES nutridas pelas teorias, num Processo de ir e vir, que conduz A agdo-reflexdo-agao, na qual teoria e pratica vao se constituindo, modificando-se e interferindo no real. Para tanto, a formacdo de professores deve se pautar por paradigmas orientados por um en- sino critico, de modo que a pratica docente seja decorrente nao sé da com) do dos processos de ensino-aprendizagem, como também do contexto social em que ela acontece. / “aA compreensao do contexto social mais amplo e dos caminhos que conduzem As préticas reflexivas deve ser posta como possibili- dade a ser construfda e elaborada nos cursos de formacio, de modo a levar os alunos a explicitarem o seu pensamento e as suas atitu- des. O pensamento reflexivo ea capacidade investigativa ndo se desenvolvem €spontaneamente, eles precisam ser instigados, culti- vados e requerem condi¢ées favoraveis para o seu surgimento. Este favorecimento deve estar nos cursos de formacao inicial e continuada de professores. Isso porque, se quisermos que os professores trabalhem numa abordagem reflexiva, que desenvol- vam 0 pensamento, planejem ages e estratégias que levem os alunos a refletirem, a estruturarem suas ideias, a atribuirem sig- nificados, a confrontarem opinides, a compreenderem suas agdes e atitudes no contexto de sala de aula e fora dela, € preciso que a formagao dos professores preencha tais quesitos; que seja igual- mente competente. E reconhecido, atualmente, como determinante positivo da pratica docente, um conjunto de saberes que vai além dos conhe- cimentos especificos, tanto no que se refere as praticas dos pro- fessores, quanto as metas dos cursos de formagao de professores, com a finalidade de incitar os alunos a desenvolverem reflexées e atitudes sistematizadas, préprias de um professor reflexivo.

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