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\Wlbnrdlbnee é« 1Jeus ‘aos Interaconace Ctaugnma Pago (CHP) Chars ars de Live SE, Bess a8 Cama Tht Scie Co ines rune Fn ne Bont copie: Mins Hane Cots Cosa eee: Sarin oo elk: dno Cet arene dpe: Fel Calon Pre pc: ena Cs Comedaganag: Dayo lr ng ae: che nips Sumario Pref sen se cavioio 1 Deus presente na solidariedade humana Introdusso. 1. Fundamentagio teoldglea : 2. Aexperiéncia cist de Deus sense 3. Experiéncia de Deus na atual sociedade cavinuzo 2 Deus desafiado pela razto. 1. A teologia como inteligéncia da £6 vnc 2. Almportineia da fllosofia para a teologia, 43. Teologiae ciencias religiosas. Ccavirono 5 Deus mistério de amor, os 1. O mistério na vida humana, 2. O mistério na Blosfia.ncrenn 3.0 mistério nas cléncias modernas 4.0 mistério de Deus. 5. Aféno mistério de Deus 6 A realizagao humana na entrega a0 mistério de Deus cavteute 4 Deus que sofre?. Introdu0 ener 1. Decepedo ou sofrimento? 2.Um sofrimento que brota do amor 3. A fundamentacio biblica 4. Compaixio evista e sociedade atval an aa 15 21 31 B88 56 37 59 63 nm 2 rey TT 73 2 86 CAPITULO 6 Deus de toda a humanidade? Aeznasio de povos, culturas e religides, a consciéncia ‘nédita de habitarmos um pequeno planeta no interior de ‘um imenso universo, 08 novos desafios ecolégicos postos a pré- pria sobrevivencia do género humano, o urgente imperativo de »os aceitarmos em nossas diferengas, de sermos todos colabora- dores na construgio de um futuro digno de ser vivido, de olhar- ‘mos para a diversidade como algo que nos enriquece e néo que ‘nos ameaea, de priorizarmos o didlogo e a miitua compreensio, oderd receber uma consistente justificacao por parte das reli i6es se, como procuraremos mostrar neste texto, elas invocam ecultuam, embora diversamente, o mesmo Mistério que chama- ‘mos Deus. Aqui esté o que nos motivou a escrever estas linhas, ‘Tentativas anteriores de maior aproximagao e de aceitacdo ‘miitua se limitaram mais as doutrinas e préticas religiosas das diversas tradigées, num arduo trabalho de dislogo inter-reli- ‘sioso, com frutos que ficaram aquém das expectativas. Diante esse fato, escolhemos propositadamente outro ponto de par ida, a saber, o dado antropotégico que habita todo ser humano 115 a0 ae perceber remetido a um Transcendente, a uma Realidade Ultima, a um Mistério da vida, embora diversamente captado, tematizado © cultuado nas diversas religides da humanidade Naturalmente este dado antropoldgico sera sempre objeto de in- texpretacées diversas, filosoficase religiosas, através das quais, ‘emergira mais nitidamente seu sentido profundo. Nossa leitura se situard no interior da fé cist Deveros de anteméo reconhecer no termo “Deus” apenas ‘uma palavra que nos indica uma vealidade inacessivel, j4 que nio pode ser objeto de nosso conhecimento pelo fato de nao ser uma realidade criada, finita, definivel. Dai surge o proble- rma, Jé que a8 diversas religides, em suas doutrinas, priticas e cultos, evocam sempre essa realidade transcendente, incapaz, » brota a questi: existe um tnico Deus, diversamente presente e expresso em todas elas, ou deve- riamos admitir a existéncia de uma pluralidade de divindades, correspondentes as diversas seligiSes da humanidade, pois todo, discurso sobre Deus se realiza sempre no interior das miltiplas, tradigSes religiosas, que, consequentemente, o apresentam com. representac6es diversas? Por outrolado, nao podemos admitir existéncia de uma plu- ralidade de deuses, pois as grandes religioes reconhecem em seu. Deus uma realidade que fundamenta, explica e domina a totalt- dade da realidade. Como tal, ela nio admite outras entidades que a despojariam de sua caracteristica de ser arelidade ultima que confore existéncia e inteigiblidade ao mundo eriado. Por outro lado, nao negamos que esta realidade transcendente, sempre de ser encerrada num con« imperfeitamente apresentada em nossas expresses humanas, estefa sujeita a um enriquecimento destas mesmas expresses 118 pelo contatoe pelo didlogo com outras tradigdesteligiosas, como vveremos mais adiante. Uma saida mais fécl para nossa questao seria admitir que as diversas religides nada sabem desta realidade transcenden- te por elas invocada e que, portanto, todas elas se equivalem, perdendo seu sentido a questio sobre a verdade de cada uma elas.' Desse mado se desvalorizariam enquanto tais, a saber, enquanto procuram exprimis, mesmo imperfeitamente, 0 mis: trio subjacente a suas crengas e priticas. Mas a questi de fun- do permanece: como posso falar de uma realidade Fundante se nada sei sobre a mesma. Seriam, portanto, as religiSes meras criagies da mente humana, representagdes aleatérias carentes de substancia, solugoes imaginadas para as questdes que o ho- ‘mem nao consegue responder? Ou serd este enfoque da questi, essencislmente antropo- lbgico, um beco sem safda, por nio levar em consideragao que a religito resulta da acao do transcendente no homem: é, portanto, resposta a uma interpelacao anterior, que é experimentada ein- terpretada no interior da propria tradicao religiosa, que vé nesta asto prévia do transcendente sua propria razio de ser. Veremos, ‘que esta agao divina, por ser divina, é captada somente pela fé, isto é, pelo acolhimento do transcendente atuante em nés. f a {€ que nos proporciona a possibilidade de interpretarmos corre tamente essa acdo divina e de nos dirigitmos verdadeiramente a Deus. Consequentemente, as ciéncias humanas nada podem dizer da acio divina, pois apenas aleangam 0 que resulta desta agonas pessoas. Hck, Gad Has Mary Names. eta New Religone Pura. London: Mac milla, 1960. 117 sta verdadejé nos indica que nossa reflexao nio pode aconte- cer num horizonte neutro (existe?), numa perspectiva meramente antropoldgica, numa base comum de cunho racional, mas devers inevitavelmente se ealizar teologicamente, a saber, no interior de uma tradiio de (, em nosso caso, daf¢ crista, Eo desafio maior «que nos é proposto diz respeito&capacidade da visto cist da rea- lidade para explicar,justificare integra em sa Te as religides: a busca constante do ser humano de uma realidade transcendente que lhe forneca o sentido ditimo de sua existéncia, ‘Vamos dividir nossa reflexio em trés partes, Primeiramente, veremos por que 0 ser humano se encontra voltado para uma realidade que Ihe € necessiria, embora consista num mistério para ele, Depois, numa segunda parte, examinaremos como a cexperigncia deste mistério nele atuante é recebida, tematizada e cexpressa numa linguagem particular, que vem a constituir wma tradicio religiosa, Numa dltima parte, examinaremos se a re- presentagio crista de Deus € de tal modo universal que poderia abrigar em sua compreensio as representacées presentes etn ou- tras religides. Naturalmente esta parte 6 estritamente teolégi a, a que se desenrola no interior da fé crist’, mas justficaria a afirmagao de um Gnico Deus de toda a humanidade, 1. A origem da questo sobre Deus no ser humano © Concilio Vaticano I, em sua declaragao sobre as RelagSes da Igreja com as Religides nao Cristas (Nostra Aetate), afirma: 115 msc Ams a “Por meio de religides diversas procuram os homens uma res- ‘posta aos profundos enigmas para a condicao humana’. E ent ‘mera alguns: “Que é o homem, qual 0 sentido e o fim de nossa vida, que é bem e que é pecado, qual a origem dos sofrimentos qual a sua finalidade, qual o caminho para obter a verdadeita felicidade, que é a morte, o julgamento e a retribuigdo apés a ‘morte ¢, finalmente, que é aquele supremo e inefével mistério que envolve nossa existéncia, donde nos originamos e para 0 (qual caminhamos"? Este texto aponta para o que chamamos de base antropolégica ara a existéncia das religides. Essas tiltimas, na diversidade G2 ‘suas doutrinas, praticas, cultos, se encontram voltadas para uma realidade fundamental que oferece tanto uma visio explicativa de tudo 0 que constitui a complexa e diver ‘membros como também orientacbes especificas para sew com Portamento nesta sua existéncia, A presenca de religides € tao antiga como a prépria humanidade. Esta realidade fundamental ‘que estd na base de tudo o que existe e que, portante, nao pade ser uma realidade limitada, finita, objeto do nosso conhecimen- to ¢ da nossa liberdade; se faz, entretanto, presente na conscién- ia humana, quando esta se depara com situacdes-limite diante das quais o ser humano nao consegue entender ou dominar, ida vida de cous Assim, ao tomar consciéncia de que toda a realidade é contin- ‘gente, existe e poderia nao existir, existe e deixa de existir, o ser Jhumano percebe a auséncia de uma razao suficiente na propria realidade, De certo modo, toda ela aponta para o que a chamo & existéncia, Embora distinta do que a explica a se encontea YVATICANO TL None Aetates 1 19 toda voltada para o que a explica. Desse modo, o temo “Deus”, {uo frequente nas diversas religibes, apenas indica ser ele aquele sem 0 qual nada existe, Ele se encontra subjacente-As causas na- tturais e aos eventos histéricos, jé que toda a realidade foi criada do nada e tem a marca da contingéncta Esta argumentacao de uma metafisica tardia ¢ hoje eritica- 4a como uma “funcionalizagao" da ideia de Deus, que concebe Deus numa transcendéncia sem relagao com a historia, que usa categorias hauridas da natureza material para indicar alguém que é pessoa, que ¢ liberdade, que € poténcia, enfim, que atua.” De fato, o Deus da Biblia esta presente e atuante nos eventos, assume caracteristicas novas sem perder sua Wdentidade, nao se prende a compreensées fixas e estéticas, pois se revela como li- berdade. Entretanto, a necessidade da reflexdo metafisica per- rmanece; sem ela criaremos novos pseudoabsolutos, como nos demonstra a recente hist6ria do Ocidente, vitima de totalitaris- mos utdpicos. Enquanto transcendente & realidade criada, Deus nao pode ser alcangado pela razio, levando 0 ser humano a voltar-se para ‘este transcendente através de um ato livre que constituird omi- ‘leo de sua religito. Este transeendente, por ser tal, s6 poder ser acessivel através da experiencia pessoal mediada e expressa nos simbolos sagrados, que constituem as tradigoes religiosas. ‘Observemos que essa tomada de consciéncia da contingéncia de toda a realidade nao constitui propriamente uma prova da exis- téncia de Deus, pois, conesber este transcendente como Deus, 2 LEHMAN, K Kicliche Dgmtkundbiiches Gotteshil ne RATZINGER, Sigh Di Page nach Gt, reburg etd, 973, 9. 113-126 “KREINER, Danie ii Gate, der wes wormed, em wi Got gen. Frebburg: Herder, 2006, p. 483-487 120 Dios AHIMA NDE mL Implica js uma perspecivacrista de leitura, jf que a rao lt alo chega! Cutra via de acess ao transcendente, qu levardo ser huma- noe coloctra questo sabre uma realidade que osuperae que ‘io pode se objeto de seu conhecimento e de sua Vontade, vem a sera propria extrutura tlie subjacente ao seu concer € a0 seu querer pos, o corhecere querer bjetos fino, perecbe o sueto que tal s d, devido a um dinamismo daintelgdnca ¢ da vontade qu ultrapasen tis objets; dinamlamo ete vlta do para um infnito de possiblidadescognoscitva evolitivas Portanto, todo conhecimento do fnito se eallza através de uma negisto,sendo a ideia do infnito imanente 20 sor humana. Sendo assim, ete se percebe como sempre voltado para um inf- nit inalcangvele que nto se deixa dipor nem tematicr. Bsa conscéncia atemica do mistério nto pode se eonsiderada uma experitncia de Deus, a nto ser por aqueles qu jf detém uma vist religiosa? Mas sentir-aevotado para um horiznteinaleangéve, mat que o anmpanha sempre, desprta no oer buzaano a qustio do Infinit tranacendentee da insufciénca radeal de seu mundo; fatores qu se encontrar no Amago des diversas trades ral ota. Também esta via de aceeso a Deus € hoje também eit ads, pois Deus nto pode ser reduzid a apenas o horizonte de seu conhecer e querer, que ndoexplicariao dominio eberano ¢ © BOUILLARD, H.Teanseendens und Gott os Glaubens In BOECKLE, F: KAU MANN, EX (Hg) bristicerGaub tn modernerGeelschaf 1. Freiburg: et ae, 1981, p 108-49, MARION, 1 Le ci par evr, Pare: Parole Silence, 2000, 55-74 PANNENBERG W.Sematsce Theale. GotingnsVendenheck, 1988. 128s; RAHINER,X.Grandharedes Gabon Preburg Header 1978 p18. me livre de Deus sobre o mundo criado, sem falar que, confinada na subjetividade, nada diria sobre a mais ampla realidade do mun- do criado, da intersubjetividade e da universalidade * Outro fator que levard o ser humano a se colocar a questao ‘sobre Deus tem origem na busca por sentido em sua vida. A pers- ectiva aqui é de cunho mais pessoal, existencial e mesmo pré- tico. Nao se trata propriamente de uma prova para a existéncia de Deus, pois alguém pode subjetivamente achar sentido em sua vida negando simultaneamente que Deus exista, Outra questao € se esta sua opsao consegue justificar-se diante de possiveis objecées, pois ela, do ponto de vista objetivo, pode apresentar inverdades, deformacses ou mesmo suposigées que a desqualifi- cam. Entretanto, a questio do sentido iltimo de sua vida impoe- -se a qualquer ser humano que se detenha nesta questio.* termo “sentido” tem a ver com algo que tenha valor, bem, recompensa, enfim, em que valha a pena investir a prépria vida, ois somos seres livres com capacidade de moldarmos nossa propria existéncia, de construirmos nossa prépria biografia, de configurarmos nossa pessoa. & nossa liberdade pressupde um sentido que a leve a desencadear suas oprdes, e que nao consista itados, efémeros, com os quais lidamos continuamente em nossa vida cotidiana, Ao r tiltimo, a peso ‘ara substitutivos nos sentidos parciais, li um, Estar direcionado a Deus como sentido altimo deve impl car a totalidade da realdade, que nao identifique Deus com o jé existente, que respeite sua liberdade e sua soberania. O sentido LEHMANN, art p.293, KREINER, ope 87-500, m DS BEIODNA MEALS ADE? lltimo implica a totalidade da existéncia que, exatamente, cons- Litui o que oferecem as religiées. Flas podem ser bem diferentes, ‘mas oferecem, sem divida, uina visio da realidade que ilumina © orienta nossa caminhada por este mundo, Neste ponto ndo podemos evitar a pergunta: o dinamis- ‘mo para uma realidade transcendente, fundamento de toda a realidade contingente, presenca misteriosa em todo conhecer querer humanos, sentido diltimo da existéncia humana, est realmente presente nas varias tradig6es religiosas, embora diversamente expresso? Reconhecem clas sua caractertstica de mistério inalcangavel por ser transcendente, a saber, rea- lidade situada num ambito que ndo pode ser atingido pelos bumanos, como sao os demais ambitos deste nosso mundo, A dificuldade para uma resposta convincente est no fato da inacessibilidade desta realidade ‘ltima em si mesma, jé que 8 religides a mencionam sempre no interior de suas proprias tradig6es, portanto, diversamente, Entretanto, aqui nao busca- ‘mos provar se tratar de uma mesma realidade (veremos isto ‘ais adiante), mas sim de um dinamismo presente no ser hu mano, que tende para o que aqui caracteriz, ¥ dade dltima transcendente, Este fato ndo nos impede de examinarmos algumas das principais tradicdes religiosas da humanidade para verificar a verdade deste dinamismo, A presenga de uma realidade dltima, caracterizada como Deus, aparece claramente nas trés religides abradmicas, no judafsmo, no cristianismo e no islamismo. Jé 0 hhinduismo aparece como politeista, embora certa ordenacio € hierarquia das divindades apontem para um Senhor soberano ou para um principio essencial, que pouco significam para seus 133 a fais, 2° O budismo afirma nao existir o atman, jé que toda reali dade é vazia de si, mas reconhece um Absoluto que 86 pode ser expresso negativamente, mas no considerado como divino por carecer de qualquer caracteristica pessoal.** Jé as religides afri- ccanas reconhecer um Deus supremo, criador e mestre do cosmo, responsével pelo sistema sociale religioso, bem como garantia do sentido da vida para os homens.” Naturalmente nao preten- demos afirmar estar as voltas com 0 mesmo Deus, presente nas varias tradigées, com diversos nomes, mas apenas demonstrar ‘que a busca do ser humano por uma realidade ttima se manifesta realmente nas principais tradicdes religiosas. 2. O mistério revelado nas diversas tradigées religiosas Deus nao é uma realidade deste mundo, caso contrério, nao seria Deus. Sua transeendéncia o identifica com 0 mistéro, & © Deus escondido, como jé constatamos na propria Biblia. En- quanto € subjacente a toda a realidade, ele a sustém e funda- ‘menta, mas ndo se encontra como parte da mesma. Embora se ‘manifeste indiretamente como meta do dinamismo presente e atuante nas faculdades humanas ou como realidade implicada za busca humana por um sentide ultimo, Deus, em si mesmo, mantém sua transcendéncia. Embora no consigamos desig- né-lo como desejariamos, sua presenga-auséncia repercute “” VARENO, Art. Diu dans Phindoulsme In: POUPARD, Dionne dtr igions Bais, PUR 1983, , SOA: "On trouve done, ds Vigne ice es dieu sont, sites sujet dun Soigneat Saurerain vara sts mae ions existentelloe dn Principe esetiel Ie radon Ibid, p 510 thd ts 104 fortemente em nossa vida, impedinde que nos instalemos no jé conhecido ¢ conquistado, pois € um Deus sempre mir. F ainda mais, Desde que reconhecamos em Deus uma liberdadeinfnta,

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