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2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Aulat INTRODUCAO: CRIMINOLOGIA impr Area que se dedica a estudar essas questées & a Criminologia, uma ciéncia interaisciplinar que busca compreender o fendmeno do crime, analisando suas causas e consequéncias na sociedad, com finalidade de controle e prevencao. INTRODUGAO, Como estudante de Direito, vocé provavelmente jé se questionou sobre como entender e explicar 0 fenémeno da criminalidade. Ha séculos, as motivagdes que levam as pessoas a cometerem delitos s8o objeto de estudo das ciéncias sociais, e o préprio Direlto ocupa posi¢ao de protagonismo nessa investigacao, por raz6es ébvias: antes de tentar resolver um problema, é necessario conhecé-lo em seu contexto e complexidade. Area que se dedica a estudar essas questdes é a Criminologia, uma ciéncia interdisciplinar que busca compreender o fenémeno do crime, analisando suas causas e consequéncias na sociedade, com finalidade de controle e prevengio. Assim, esse sera nosso objetivo de estudo: conhecer a Criminologia, entendendo-a como a ferramenta importante que é para promover uma aplicagdo mais justa, democratica e eficaz do Direito, Porém, & importante reforcar que, para continuar desenvolvendo o pensamento critico, vacé deve estudar além do que elaboramos aqui, tudo ber? Entdo, vamos comecar! A CIENCIA CRIMINOLOGICA: O QUE E? Apesar das divergéncias doutrinarias, podemos conceituar a Criminologia como uma ciéncia auténoma, empirica, interdisciplinar, que busca investigar as causas e circunstncias em que os delitos so cometidos, avaliando os impactos do delito na sociedade e considerando como objetos de estudo quatro dimensdes da criminalidade: o crime, 0 criminoso, a vitima e 0 controle social do comportamento criminal (MOLINA, 2007). A\tarefa de explicar 0 fendmeno criminal esta de acordo com os objetivos do préprio Direito Penal, jé que é através dessa tarefa que se torna possivel a criag3o de medidas mais eficazes de controle e prevencao do crime. Mas a Criminologia ainda vai além, pois tem por objetivo auxiliar na intervencao do Estado sobre o delinquente, bem como avaliar criticamente os diversos modelos de resposta ao delito, apontando suas falhas e acertos e idealizando novas formas mais adequadas de controle do crime, Ou seja, ela ndo apenas ajuda a controlar e prevenir a criminalidade, como também busca garantir que os desviantes responderdo de forma justa e compativel com a dignidade humana, com 0 objetivo de reintegré-los & sociedade, Trata-se de uma ciéncia auténoma, isto , com funcdo, objetos e metodologias de investigagSo préprios. E como ciéncia empirica que se presta a ser, busca descrever a realidade através da andlise e observacao dos fatos e das relagdes sociais, fornecendo informacées dotadas de confiabilidade e validade acerca do fenémeno 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin criminal, No entanto, é importante levar em consideraco que a Criminologia ndo é uma ciéncia exata, mas sim social, e emprega metodologias préprias de seu campo de estudo. ‘Apesar das divergéncias doutrinarias, podemnos conceituar a Criminologia como uma ciéncia auténoma, empirica, interdisciplinar, que busca investigar as causas e circunstancias em que os delitos so cometidos, avaliando os impactos do delito na sociedade e considerando como objetos de estudo quatro dimensées da criminalidade: o crime, o criminoso, a vitima eo controle social do comportamento criminal (MOLINA, 2007). Atarefa de explicar 0 fendmeno criminal est de acordo com os objetivos do préprio Direito Penal, jé que é através dessa tarefa que se torna possivel a criagdo de medidas mais eficazes de controle e prevengao do crime. Mas a Criminologia ainda vai além, pois tem por objetivo auxiliar na intervengao do Estado sobre o delinquente, bem como avallar criticamente os diversos modelos de resposta ao delito, apontando suas falhas e acertos e idealizando novas formas mais adequadas de controle do crime, Ou seja, ela ndo apenas ajuda a controlar e prevenir a criminalidade, como também busca garantir que os desviantes responderao de forma justa e compativel com a dignidade humana, com 0 objetivo de reintegré-los a sociedade, Trata-se de uma ciéncia auténoma, isto é, com funcdo, objetos e metodologias de investigago préprios. E como ciéncia empirica que se presta a ser, busca descrever a realidade através da andlise e observacdo dos fatos € das relagdes sociais, fornecendo informagées dotadas de confiabilidade e validade acerca do fenémeno criminal. No entanto, é importante levar em considerago que a Criminologia nao é uma ciéncia exata, mas sim social, © emprega metodologias préprias de seu campo de estudo. Nesse sentido, a investigacao criminolégica pode se utilizar de diversos métodos de investiga¢ao cientifica. A principal metodologia que emprega, no entanto, é a indutiva: parte da observa¢ao de casos particulares reais para induzir compreensao sobre fenémeno criminal em um contexto macrossociolégico (PENTEADO FILHO, 2002). A Criminologia, ainda, ¢ interdisciplinar porque no se restringe ao Direito, mas possibilita, de forma coordenada e integrada, 2 formago de um didlogo entre diversas outras ciéncias, tals como a Medicina, a Psicologia, a Sociologia e a Histéria, de forma a reunir os conhecimentos necessarios para compreender as complexidades que se apresentam em todas as dimensdes do fenémeno criminal. Essas disciplinas se combinam para que o investigador criminol6gico adquira a extensa lista de conhecimentos e competéncias necessérias @ compreensdo da criminalidade. Diante do exposto, podemos afirmar que a Criminologia fornece um diagnéstico qualificado do fendmeno da criminalidade, observando-o de forma analitica e com rigor cientifico. Por meio da observagao e anilise critica do crime, de seus atores e do controle social da criminalidade, essa ciéncia possibilita a criagao de campanhas, programas, diretrizes e estratégias mais eficazes no combate ao crime, considerando as especificidades de cada entorno social e auxiliando os legisladores e os aplicadores do Direito a prevenir e reprimir a criminalidade, bem como recuperar 0 sujeito desviante de forma mais efetiva e com os custos sociais adequados a sociedade, 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Figura 1 | Crminologta, ce: Shutterstock VIDEOAULA: A CIENCIA CRIMINOLOGICA: O QUE E? Aula em video sobre os aspectos iniciais da Criminologia, expondo seu conceito, suas caracteristicas e seus objetivos no estudo do fenémeno criminal Para visualizar o objeto, acesse seu material digital DO DIREITO PENAL A CRIMINOLOGIA: CIENCIAS COMPLEMENTARES. ACriminologia nao é a nica ciéncia que se dedica ao estudo da criminalidade. O Direito Penal e a Politica Criminal, duas cléncias igualmente auténomas, também se ocupam em estudar o crime e a criminalidade. Porém, por perspectivas de andlise distintas. Direito penal © Direito Penal, por exemplo, é a ciéncia que determina, através das especificidades hist6rico-culturais de cada sociedade, quais comportamentos humanos serao entendidos como crimes, estabelecendo uma sangao penal para aqueles que os pratiquem. Ou seja, 0 Direito Penal ocupa-se do crime como norma: como conduta proibida pela lei e que, quando realizada, gera ao Estado a possibilidade de aplicagao da punigo penal. Assim, 0 Direito Penal preocupa-se em definir os crimes através de sua descrigao na norma legal, € 0 objeto de estudo da dogmitica penal é 0 préprio ordenamento juridico criminal. Criminologia 2sioar2022 17:28 te_w_221_ut_fun_erim A Criminologia, por sua vez, se ocupa do crime enquanto fato, isto é, nao se importa tanto com a descrigéo tipica do delito de acordo com a norma juridica, mas, sim, se interessa por entender e explicar as causas e consequéncias, sejam elas sociais, psicolégicas, politicas ou mesmo econémicas, que levam os individuos a cometerem delitos. Assim, para a Criminologia, o delito nao interessa apenas a nivel de comportamento individual, mas é compreendido como um problema que afeta toda a sociedade, Métodos de investigagao do Direito Penal e da Criminologia Os métodos de investigacao utilizados pelas duas ciéncias aqui abordadas também sao distintos. O Direito Penal utiliza-se do método dedutivo, partindo de hipéteses gerais, consideradas corretas e entendidas como normas juridico-penais pelo Direito, para deduzir as possivels consequéncias sociais que o cometimento do crime promoveu no caso concreto (PENTEADO FILHO, 2012). Diferentemente, a Criminologia, como visto anteriormente, costuma empregar a metodologia indutiva para explicar a criminalidade. Politica Criminal Ainda, hd a Politica Criminal, uma ciéncia penal que visa elaborar medidas de controle do fendmeno criminal. Ela se ocupa do crime como valor, isto é, como fenémeno que produ efeito negativo na sociedade, razo pela qual seu enfrentamento e prevengao sao seus objetivos fundamentais. As tr€s ciéncias expostas sao imprescindiveis na compreensao da complexidade do fendmeno criminal. Como bem ensina Cueva (1990, p. 316), tais matérias dependem mutuamente umas das outras para se fazerem compreender, jé que “... nao existe problema juridico-dogmstico que no requeira umn conhecimento de suas bases criminol6gicas”. Assim, tanto a Politica Criminal quanto a Criminologia so fundamentais para uma pratica juridica mais eficiente e baseada em aportes cientificos Fgura? | Poltica Criminal 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Fonte: Shutterstock, Ante todo 0 exposto, podemos compreender a Criminologia como uma das mais importantes ciéncias que auxiliam 0 Direito ~ mas que vai muito além, e independe dele para existir - na compreensio das especificidades do fenémeno criminal em cada entorno social e cultural, possibilitando a criago de tipos penais mais adequados as necessidades de cada pais e politicas criminais mais justas e comprometidas com o respeito a0 interesse coletivo. VIDEOAULA: DO DIREITO PENAL A CRIMINOLOGIA: CIENCIAS COMPLEMENTARES ‘Aula em video contextualizando as ciéncias penais (Direito Penal, Criminologia e Politica Criminal) e explicando a cooperacao entre elas, que atuam alinhadas a objetivos semelhantes na condugo do fenémeno criminal. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital AIMPORTANCIA DA CRIMINOLOGI UMA FERRAMENTA DE JUSTIGA. Tanto 0 crime quanto 0 Estado € 0 préprio Direito so construcées sociais. N3o sao entes ontol6gicos, encontrados na natureza para serem observados, mas fenémenos sociolégicos, titeis a organizacao da vida em sociedade, Desta forma, ainda que a problemética da criminalidade remonte aos primérdios da humanidade, € evidente que o crime nada tem de natural, no passando de um mandamento normativo que, em determinado contexto histérico-cultural, foi criado por um grupo de legisladores para perseguir finalidades que nao necessariamente correspondem aos interesses da coletividade. Afinal, como bem ensina Hirsch (2010, p. 37), 0 Estado no pode ser entendido apenas como resultado de um contrato social ou fruto da vontade popular. Ele deve ser conceituado como"... a condensaco material de uma relagao social de forca’, isto é: funciona absorvendo os conflitos e as demandas socials dos distintos grupos que vivem em uma mesma sociedade, sendo a atuacdo pratica dos agentes estatais 0 resultado dessa absor¢io de interesses, Assim, nesse jogo de poder politico, econémico e social, mesmo um Estado democratico pode, por vezes, ser instrumentalizado em favor de um ou mais grupos em detrimento de outros. Nesse contexto, 0 sistema e a legislago penal podem ser manipulados por aqueles que monopolizam as estruturas de poder (BARATTA, 1980). A qualidade democratica desse Estado poderé ser testada, justamente, pela avaliacao da capacidade que ele possui de proteger-se contra essas investidas, e, assim como o Direito Penal atua para garantir a justica ea lisura do processo penal, serd fungao da Criminologia denunciar a instrumentalizagao do Estado caso ela se concretize, assegurando a legitimidade do sistema e reclamando justi¢a. 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Figura 3 | Lepistagéo penal Fonte: shutterstock A Criminologia atua como ferramenta para 0 aplicador do Direito Penal, contextualizando os conhecimentos necessérios para a resolucao de causas mais complexas, que dependem de conhecimentos préprios de outras E, também, fundamental para o trabalho policial, ndo apenas porque torna a investigagao dos crimes mais eficiente, produzindo resultados mais seguros, mas porque oferece as ferramentas necessérias para a promogio do mapeamento da criminalidade em cada entorno social, possibilitando o planejamento da intervengio polical eficazmente e prevenindo a criminalidade. Esse auxilio preventivo, especialmente considerando o contexto de faléncia do sistema penitenciario brasileiro, 6 indispensavel na promocao da justiga social e no respeito a dignidade humana da populagao brasileira, 69 Reflita Em uma sociedade globalizada, conectada & internet, a Criminologia também se apresenta como ferramenta crucial para promover a seguranga cibernética, tanto do Estado, quanto das empresas privadas. Novamente, ela surge como opslo de prevencéo, promovendo seguranca através de uma analise interdisciplinar que compreende as especificidades da criminalidade cibernética e permite a formulagio de medidas efetivas de prevencao. Como se vé, a Criminologia é tendéncia na academia e no mercado de trabalho, e seus conhecimentos podem contribuir - ¢ muito! - para a construcio de uma lesislacio e uma oratica juridico-penal mais justa e democrética. Concordemos que, no Brasil, pafs que ocupa a 2* posi¢ao no ranking mundial de homicidios, com 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin uma das policias mais violentas (NODC, 2019) e a terceira maior populagio carceraria do mundo (UNISINOS, 2020), ndo hé como negar a urgente necessidade de atengo as causas e consequéncias da criminalidade. VIDEOAULA: A IMPORTANCIA DA CRIMINOLOGIA: UMA FERRAMENTA DE JUSTICA ‘Aula em video contextualizando a importncia da Criminologia na fiscalizagio da qualidade democratica do Estado como ferramenta de justica social Para visualizar o objeto, acesse seu material digital ESTUDO DE CASO Imagine que vocé, como advogado, 6 convidado para palestrar em um evento sobre violéncia doméstica, No entanto, quando o convite é feito pela coordenacao do evento, pedem para que sua exposigao ndo se restrinja apenas aos aspectos juridicos do tema, e que também aborde conhecimentos interdisciplinares sobre o fendmeno da violéncia contra @ mulher. A coordenacdo explica que essa abordagem é importante, principalmente, para despertar a consciéncia do piiblico sobre as mulheres em situacSo de violencia que possam estar em seus circulos de convivéncia, possibilitando a identificagdo dos ciclos de violéncia doméstica e o fortalecimento da rede de combate € revengao a ela. Vocé ainda é informado de que nesse evento, que acontece todos os anos, funciona um projeto de apoio a causa, o qual costuma receber diversas denuincias de parentes, amigos e até mesmo de vitimas de violéncia doméstica, que procuram por mais infor mages, apoio ou ajuda para prevenir que a Violéncia praticada evolua para niveis mals graves ou alcance sua expresso maxima no feminicidio. Nesse contexto, reflita e responda as seguintes questées: \Vocé saberia buscar, entre as ciéncias penais, aquela em que vocé encontraria as informacées interdisciplinares que a coordenago do evento pediu? Qual seria essa ciéncia e qual a sua Importancia no contexto da situacdo anteriormente exposta? Vocé consegue identificar qual é o papel da Politica Criminal, da Criminologia e do Direito Penal no enfrentamento a violéncia doméstica contra a mulher? RESOLUCAO DO ESTUDO DE CASO A ciéncia que pode fornecer as informagdes e os conhecimentos interdisciplinares necessarios para que a sua palestra ultrapasse os aspectos juridicos da violencia doméstica e do feminicidio é a Criminologia. Ela pode ser fundamental ao profissional do Direito em situagdes como a exposta, jd que pelos conhecimentos que ela aporta que vocé poderé, além de expor os aspectos juridico-penais da violéncia doméstica, discorrer sobre as. 2sioar2022 17:28 te_w_221_ut_fun_erim especificidades da violéncia que se pratica contra a mulher no mbito doméstico, explicando como ela se desenvolve e evolui, mostrando como identificar sinais em vitimas retraidas e apontando possiveis medidas de apoio e prevengtio que podem ser aplicadas, inclusive, pela prépria sociedade civil Nesse sentido, a Criminologia é a ciéncia que se preocupa em estudar as causas e consequéncias da violencia doméstica, buscando entender como ocorre o ciclo dessa violencia que, quando no rompido, pode manter a mulher em situag3o de abuso por uma vida intelra, a qual pode terminar, inclusive, nas maos do agressor. Ela também estuda a figura do agressor, buscando compreender suas motivacdes ¢ finalidades em uma sociedade patriarcal, bem como estudando formas de intervencdo mais eficientes para sua reintegracdo & sociedade e para a prevengio & violéncia doméstica. A vitima é igualmente objeto de interesse, e seu papel na dinémica do crime também é estudado, especialmente com 0 objetivo de protesao e prevengio, © Direito Penal e a Politica Criminal, como se sabe, so ciéncias penais e tém o crime por objeto de estudo. A Politica Criminal aproveita 0s aportes teéricos da Criminologia e do Direito Penal para idealizar e criar medidas praticas de intervencio, politicas puiblicas a serem aplicadas no ambito criminal para combater a violéncia doméstica, controlar e prevenir 0 delito e proteger a vitima. O Direito Penal, em contrapartida, é a ciéncia que, através do clamor social pela reprovabilidade acentuada da violéncla doméstica contra a mulher, definiré tal conduta como crime e determinara a punigdo a ser aplicada. Como se vé, as trés ciéncias atuam no enfrentamento & violéncia doméstica, porém cada uma se ocupa de questées distintas nessa problematica social tao complexa. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital 69 Saiba mais No artigo “O Papel da Criminologia na Definicao do Delito’, de Flavia Sanna, a autora contextualiza, de forma critica e aprofundada, a intima relacdo entre Direito e Criminologia, apontando a fungo imprescindivel que a ciéncia criminolégica apresenta em um dos momentos mais fundamentais do Direito: a definigo do delito. O texto aprofunda os ensinamentos da presente aula, e por isso, vale a pena conferir e fixar 0 conhecimento através do autoestudo. A pesquisa fol publicada na Revista da EMER] (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro). Sessdes de Cinema para entender mais sobre a Criminologi +O Senhor das Moscas": uma obra para refletir sobre a vida em sociedade, sobre a fragilidade da democracia e sobre o constante risco de manipulacio tirana, pautada no medo por um inimigo em ‘comum, que qualquer grupo que se preste a viver em sociedade est exposto. "O Senhor das Moscas" & sobre isso, ‘Apés um trdgico acidente de aviso, um grupo de jovens estudantes precisa se organizar para viver 0 naufragio em uma iha deserta, Nesse processo, os sobreviventes se dividem em dois grupos. Um, se orgariizou Ge forma Gemucratica, U UuUrG, Surge Ge UM Gindmnica Ge Viuiéncis € Imposigay Ge poder, 2sioar2022 17:28 te_w_221_ut_fun_erim utilizando do medo do desconhecido para controlar e manipular os demais. Ai, vocé jé pode imaginar a aventura reflexiva que essa obra vai te proporcionar. Ela vai contextualizar a complexidade da dindmica social para que, a partir dai, vocé possa deduzir a importancia da Criminologia nesse cenério todo: estudar a dinamica da criminalidade é se preparar para proteger a sociedade - ou 0 seu cliente - dos tiranos, que querem impor seus interesses individuals contra os direitos alheios, Se interessou? Entdo, nao deixe de assistir! "Seven: Os Sete Pecados Capitais’ esse & um dos cldssicos de cinema sobre investigacao policial e assassinatos em série, e & uma étima porta de entrada para compreender uma das vertentes de trabalho de um criminélogo: a pericia criminal. Com o auxilio da Medicina Legal, da Psicologia Forense e de tantas outras disciplinas, o perito criminal pode compreender toda a complexidade do crime concreto, analisando suas evidéncias de forma qualificada e extraindo observagbes seguras acerca dos fatos. No filme indicado, uma dupla de policiais protagonizaré o papel do crimindlogo, em busca de um serial killer de alta periculosidade, cujo modus operandi indica um padrao: se baseia nos sete pecados capitais previstos na Biblia. Vale a pena conferir! Aula2 OBJETOS: CRIMINOLOGIA A compreensdo aprofundada dos quatro objetos da Criminologia é fundamental para que o coperador do Direito passa iden ificar as caracter'sticas e a dindmica da criminalidade, melhor entendendo o funcionamento do préprio ordenamento juridico no qual ele atua. INTRODUGAO. ACriminologia é a ciéncia que investiga as causas e consequéncias da criminalidade, através da andlise de quatro dimensées do fenémeno criminal delito,o detinguente, a vitima e 0 controle social da criminalidade, € apoiando-se nesses quatro elementos que ela estuda a criminalidade, e & sobre eles que aprenderemos nesta aula. ‘A compreensdo aprofundada dos quatro objetos da Criminologia é fundamental para que o operador do Direito possa identificar as caracteristicas e a dindmica da criminalidade, melhor entendendo o funcionamento do préprio ordenamento juridico no qual ele atua. Porém, como em todo novo conhecimento que se adquire, é fundamental que vocé continue estudando além desta aula para poder fixar bem o contesdo e aproveitar todas as reflexes que a ciéncia criminolégica incita sobre o Direito, o crime e a prépria sociedade. O autoestudo é imprescindivel para 0 bom aproveitamento desses contetidos, entio, maos & obra! 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin O DELINQUENTE Anogao de punicao sempre existiu na histéria, jé que a conduta humana que se desvia dos padrées aceitos pelo corpo social também sempre foi uma realidade na vida em sociedade. Assim, a figura do delinquente € fato antigo, e sempre foi de interesse do Direito. A visio da sociedade e das cléncias penais sobre o individuo delinquente, no entanto, sofreu profundas modificagdes a0 longo dos tiltimos séculos. Entre os registros mais remotos sobre a histéria da criminalidade, na Pré-Histéria da Criminologia e perdurando até o periodo Classico (século XVII), 0 delinquente era considerado um pecador. Como ensina Madrid (2010, p. 37), no Ambito juridico, ha uma assungao histérica de correspondéncia entre dano e reparaco, e"[...] 0 delito tem sido entendido como um mal que exige compensaco", 0 delinquente era visto, 4 época, como um pecador que se utilizou de seu livre-arbitrio para, podendo fazer o bem, praticar o mal. Ou seja, ele representava um sujeito “impuro’, que devia dispor de um sacrificio para que pudesse alcangar a “salvacao” através da ‘purificacdo” de seu corpo e sua alma, Esse sacrificio era representado pela pena. Essa nogao sobre a figura do delinquente sé se modificou significativamente com a Escola Positivista do pensamento criminolégico, que vigorou durante o século XIK e inicio do século XX. Nesse periodo, correntes deterministas, pautadas por uma interpretacao biol6gica da criminalidade, compreendiam o delinquente no mais como pecador, mas sim como um sujeito anormal, acometido por alguma patologia biolégica ou psicolégica que, “naturalmente", favorecia que aquele individuo cometesse crimes Assim, a partir desse periodo, o delinquente nao mais foi entendido como alguém impuro, que precisava se sacrificar através de uma pena para alcancar a salvagio. Na verdade, ele passou a ser compreendido como um louco, anormal, um doente que nao era capaz de atuar de forma a seguir as regras sociais, pois sua “natureza genética” era delinquir. Fgura 1 | Deliquente 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Fonte: shutterstock Essa interpretacSo do delinquente foi superada ainda no século XX, concretizando-se na segunda metade do século com a Criminologia Critica, a qual passou a propor a compreensao da figura do criminoso de forma muito mais complexa. Afasta-se a interpretac3o determinista da criminalidade, colocando a figura do delinquente em segundo plano e compreendendo que o estudo dos demais objetos da Criminologia possula muito mais valor para explicar a criminalidade. 0 delinquente passa a ser entendido ndo como pecador, nem como doente, escravo de suas patologias, mas sim como um individuo comum, igual a qualquer outro, que se envolve na criminalidade por uma diversidade de razGes (SUMARIVA, 2018). Dessa forma, diante da compreensio de que a criminalidade vai muito além da pessoa do infrator, a Criminologia, sem deixar de consideré-lo, passa a interpreté-lo sempre de forma contextualizada, levando em conta as especificidades de cada caso concreto e sua relacdo com as demais dimensdes da criminalidade. ade que ele ndo passa de um ser Aviso atual da Criminologia sobre a figura do delinquente , porta humano comum, um sujeito real e fruto de seu espaco e tempo, e que pode deixar de cumprir a lei por uma variedade de motivos, os quais devem ser analisados caso a caso e de forma contextualizada, VIDEOAULA: O DELINQUENTE ‘Aula em video sobre a interpretago da figura do delinquente, de acordo com cada principal perfodo de evolucao do nensamento criminalégica 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Para visualizar 0 objeto, acesse seu material digital AVITIMA A compreensio criminolégica acerca do papel da vitima no fenémeno da criminalidade passou por trés periodos: 0 Periodo de Protagonismo, 0 Periodo de Neutralizacao e o Perfodo de Redescobrimento (PENTEADO FILHO, 2012). Periodo de Protagonismo Na Pré-Histéria da Criminologia, quando o sistema social de punigdo ainda era regido pela vinganca privada e imperava a Lei do Talio, a vitima possuia um papel fundamental no fendmeno criminal, pois era ela quem decidia a penalidade aplicavel ao criminoso, Tratou-se do Perfodo de Protagonismo da vitima no fenémeno criminal. Periodo de Neutralizacgéo Quando tal periodo acabou e o Estado passou a intervir nas relades delitivas, tomando para si o poder/dever de aplicar a punigdo aqueles que transgredissem as normas, teve-se o chamado Periodo de Neutralizagéo da vitima, ja que sua figura perdeu importancia na dinémica criminal. Esse cenario, no entanto, vem mudando, e a importancia do papel da vitima na dinamica criminal tem ganhado mais e mais espaco desde o advento da Segunda Guerra Mundial e as atrocidades presenciadas pelo mundo durante a ascensio do regime nazista na Alemanha O referido regime levou aos campos de concentracdo e a um dos genocidios mais impactantes da histéria, e 0 mundo - mas, principalmente, a Criminologia - se viu compelido a langar um novo olhar acerca da figura da vitima, Esse foi o Periodo de Redescobrimento da importancia da vitima na dindmica da criminalidade, dando origem a Vitimologia (estudo da vitima), Vitimologia Entre os fendmenos revelados pela Vitimologia, um dos aportes principais & a compreensiio dos processos de vitimizagao. Esses processos dizem respeito aos niveis de dano e sofrimento ocasionados as vitimas em raz das préticas delitivas, e so subdivididos em trés fases: + Vitimizagdo primaria: diz respeito aos prejuizos causados a vitima de forma direta pela pratica delitiva, como a lesao corporal provocada na vitima pela conduta criminosa; a perda de um bem, em razao da pratica de furto; etc. ago secundat :€ relativa ao sofrimento causado a vitima pelos érgaos publicos e pelo sistema de justia no momento da deniincia, durante sua apuracdo ou na ocasiso da punicgo pelo delito, como a vitima de estupro que é questionada pelo delegado. 2si0s2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin ago tercidria: refere-se aos danos causados a vitima pela reagao social negativa ao delito do qual ela foi paciente, como a vitima de estupro que é estigmatizada por seu grupo de amigos. Ainda, 0s conhecimentos aportados pela Vitimologia permitem evidenciar que determinados problemas sociais, que se relacionam com a criminalidade nem sempre poderao ser resolvidos pela intervengao inica e exclusiva sobre a figura do criminoso. Especialmente em crimes que envolvem violencia ou grave ameaca, os quais, costumam deixar marcas fisicas ou traumas psicolégicos nas vitimas, estas precisaro do apoio de programas e 6rgdos estatais que promovam sua protego e reparem o dano recebido, permitindo fazer-se justica adequadamente a cada caso concrete. Figura2 | ima Fonte: Shutterstock Por fim, o estudo da Vitimologia também é fundamental para possibiltar denincias sobre aspectos da criminalidade real que apenas as vtimas dos delitos poderiam fornecer.€ através dos relatos das vitimas, viabilizados pela Vitimologia referente & parcela de crimes que ocorreram de fato, mas que nunca chegaram 20 conhecimento dos érgios piblicos do Estado. Como se vé, o redescobrimento do papel da vitima trata-se de medida de fundamental importancia na compreenso de toda a complexidade do fendémeno criminal. VIDEOAULA: A ViTIMA. Aula em video apresentando aprofundamento sobre a compreensao, segundo cada periodo histérico, da figura da vitima, exemplificando a importancia de estudar seu papel na dindmica criminal e apontando as trés fases do processo de vitimizagao, reconhecido pela Criminologia, Para visualizar o objeto, acesse seu material digital 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin O DELITO E O CONTROLE SOCIAL Delito Para o Direito Penal, o crime é entendido como um fato tipico, iicito e culpdvel, Para a Criminologia, no entant © conceito utilizado para interpretar o crime nao € aquele dado pela dogmatica juridico-penal, Para a cléncia criminolégica, sera considerada como delito a conduta humana que apresentar: + Incidéncia massiva na sociedade: \3o & possivel considerar fato Isolado como crime. + Incid@ncia aflitiva do fato praticado na sociedade: a conduta desviada precisa causar sofrimento na vitima e gerar inseguranca na comunidade. + Persisténcia da incidéncia da conduta desviada no espaco e no tempo: a conduta deve ocorrer de maneira reiterada na sociedade que se est analisando, persistindo por significativo periodo e em um mesmo territério, + Razodvel consenso acerca da etiologia do delito e sobre as téc1 as de intervengdo: deve haver certo consenso social sobre a origem e as causas daquela conduta desviante, bem como acerca das possibilidades eficientes de intervengio. 63 Assimile Para a Criminologia, portanto, o crime é um fenémeno social grave e complexo, possuidor de multiplas facetas, que afeta 0 individuo de forma isolada (seja 0 criminoso ou a vitima), mas, principalmen’ que afeta toda a sociedade de forma muito negativa (SUMARIVA, 2018). Controle social Em razao dessa carga negativa, é evidente que o crime deve ser controlado para que seja possivel uma vida equilibrada em comunidade. Esse controle é exercido pelo Estado. Por mais antigo que seja, no entanto, 0 Estado, assim como o delito, nao é um ente natural. fruto de consenso social, e os poderes que Ihe sao concedidos pela sociedade - especialmente o poder punitivo - sé devem ser utilizados em favor dos interesses da coletividade. isso, contudo, nem sempre é a realidade, j4 que o Estado é composto por seres humanos que, por vezes, podem desvirtuar suas finalidades para perseguir interesses difusos, favorecendo certos grupos em detrimento de outros. Enesse intuito que 0 controle social também é objeto da Criminologia: ndo sé porque as formas de aplicacao do controle social impactam 0 fendmeno criminal, mas também porque, por vezes, no interior do Estado e no exercicio do seu poder punitivo, algumas condutas consideradas pela Criminologia como crime também podem ocorrer, sendo papel da Criminologia denuncid-las (PENTEADO FILHO, 2012), Fgura | Estado e seu poder punitive 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Fonte: Shutterstock Mas 0 interesse da Criminologia pelo controle social como objeto de estudo val muito além. Ele pode ser entendido como 0 conjunto de estratégias, instituigées e sangdes que visam submeter a vida em sociedade a padres socialmente aceitos pela coletividade e que se subdividem em dois sistemas: + Sistema de controle social informal: dé-se por meio das regras de conduta socialmente impostas aos individuos, do nascimento & morte, por grupos e instituigdes que compdem a sociedade. Exemplos: igreja, escola, familia. No entanto, quando os mecanismos do sistema informal sao insuficientes no controle e na Prevencao das condutas desviantes, atua o sistema de controle formal, + Sistema de controle social formal: ocorre por agéncias estatais, érgaos e instrumentos previstos do Poder Publico. Assim, diz respeito a atuago da Policia, do Poder Judiciério, do Ministério Puiblico, da Administragao Piblica e de quaisquer outros érgaos que integrem a atividade de controle social. Sdo nesses termos, portanto, que o crime e 0 controle social da criminalidade sao considerados como objetos de estudo da Criminologia, e é com base nessas definicdes que se deve observar e estudar 0 fendmeno da criminalidade, VIDEOAULA: O DELITO E O CONTROLE SOCIAL video visa aprofundar a perspectiva da Criminologia a respeito do crime enquanto objeto de estudo e, também, falar sobre o controle social, expondo exemplos de sua aplicagdo e importancia na compreensdo do fenémeno criminal, Para visualizar o objeto, acesse seu material digital 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin ESTUDO DE CASO Imagine que vocé, como advogado ou operador do Direito em qualquer outro cargo juridico, é procurado por um amigo que quer consulté-lo sobre o que fazer em relagdo a uma provavel situacdo de violencia doméstica, nna qual se encontra uma mulher muito préxima a ele, que aqui chamaremos simbolicamente de Maria, Esse sujelto conta que tem acesso ao ambiente doméstico de Maria esporadicamente, e que jé presenciou intimeras microagressées praticadas por seu conjuge Jodo contra ela, tais como ofensas verbais e ambientais, humithacées, diminuigdo do valor de Maria em razdo de seu género feminino, entre outras questdes. Seu amigo relata, também, que j presenciou situagao em que Jodo roubava o dinheiro que Maria recebe por trabalhos caseiros, e que ele tem um conhecido histérico de desvios dos rendimentos de Maria para sua conta, pelos quais, no entanto, nunca respondeu. (© amigo diz que Maria jé Ihe confessou que sabe que vive em um relacionamento abusivo, manifestando Intengdo de sair daquela situaco apés relatar um momento em que quase chegou a ser agredida por Jo3o, 0 que Ihe causou muito medo. No entanto, dias depois, conta que Maria apresentou ideais completamente diferentes sobre seu relacionamento, dizendo estar feliz e manifestando vontade de continuar nele. No entanto, seu amigo ndo tem certeza de que Maria esteja em seguranca, pois na Ultima vez em que visitou sua casa, Maria agia estranhamente e apresentava marcas nos bragos, que pareciam arranhdes e beliscoes. Quando questionada, conta seu amigo, Marla desconversou e logo pds fim ao encontro, Ele diz que Maria é fisioterapeuta, bastante religiosa e uma pessoa muito amigavel, que possuia virios circulos de amizade, mas que, recentemente, nao frequenta mais nenhum deles. Conta, ainda, que Jodo é seguranca privado, com hist6rico de abuso de dlcool e conhecido por ser uma pessoa explosiva e que tende a agressiio, Seu amigo pergunta a vocé como proceder nesse caso, pois teme que a vida de Maria possa estar em risco, ‘mas, a0 mesmo tempo, ndo se sente confortvel em fazer urna dentincia, porque acredita na sabedoria do ditado popular que diz que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Considerando a situacao exposta, reflita e responda aos seguintes questionamentos: Qual seria a melhor orientagao que vocé, como advogado, poderia dar a seu amigo? Vocé consegue identificar, no problema criminal apresentado, as quatro dimens6es da Criminologia? Qual é a importdncia de estudar o fendmeno criminal exposto considerando os quatro objetos de estudo da Criminologia? RESOLUCAO DO ESTUDO DE CASO Em primeiro lugar, € importante mencionar que a situagio exposta se trata de evidente caso de violencia doméstica patrimonial e psicolégica, duas condutas reconhecidas como fenémenos criminais pela Criminologia € definidas pela prépria legistacao brasileira como crime, conforme dispée o art. 5° da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006). Assim sendo, por se tratar de crime, vocé deveria orientar seu amigo a comunicar os fatos as autoridades uiblicas. Mas isso somente deve ser feito caso haja indicios de que a vida ou a integridade de uma mulher em aparente-sttrapiorde viol Orica posse estar eT Tis 2sioar2022 17:28 te_w_221_ut_fun_erim Isso porque a violencia doméstica, como violéncia machista que é, decorre de um longo processo de submissao da vitima ao poder do homem, e essa vitima jé se encontra fragilizada pela privagio de liberdade e de direitos em diversos ambitos da sua vida e das suas relacdes pessoais. Por isso, é muito importante que, ao tentar ajuda-ta, sejam respeitados 0 espago e a vontade da mulher. No entanto, é necessério lemibrar que o estudo da influéncia dos sistemas de controle social formal e informal 1na dinamica do crime, possibilitado pela Criminologia, permite observar que durante os abusos sofridos pela mulher no &mbito doméstico ou familiar, ou em suas relagdes intimas de afeto, apresenta-se um ciclo vicioso de violéncia, que costuma se repetir incessantemente, impossibilitando que a vitima possa sair daquela situagao or intimeras razdes. Por isso é téo importante entender que “em briga de marido e mulher, mete-se a colher, sim", Afinal, se o crime, como ensina a Criminologia, no é apenas um problema de importancia individual, mas algo que impacta negativamente toda a sociedade, a incid&ncia da violéncia doméstica contra qualquer mulher 6 um problema de todos e deve ser combatida Nao estando a vitima em risco, a melhor forma de ajudé-la é dando apoio e levando as informagées necessérias para que ela possa despertar consciéncia real sobre a situac30 de violncia em que se encontra e, a partir dai, ativamente peca ajuda ou denuncie. Essa é a importancia de se conhecer o papel da vitima no fenémeno da criminalidade, JA que a vitima interfere na dinamica criminal, intervir incentivando sua ago e defendendo o seu interesse e a sua proteso é a melhor forma de alcangar a justiga e a harmonia social que tanto a Criminologia quanto 0 Direito buscar. Assim, como se vé, os conhecimentos da Criminologia aportam muito valor 3 anélise criminolégica que o operador do Direito possa vir a precisar fazer em qualquer momento de sua carreira, No caso analisado, por se tratar de violéncia doméstica, os sistemas de controle informal, como a religido, a cultura familiar, a dinamica das amizades, entre outras quest6es, jé so naturalmente impactantes na manutengao dessa vitima no ciclo de violencia, Porém, o sistema de controle social formal também deve ser considerado, especialmente quando é preciso decidir sobre fazer ou nao uma dentincia no Brasil, pafs com hist6rico de vitimizagso secundaria de pessoas que sofrem violéncia doméstica, que perpassa uma série de falhas estruturais do sistema de justica brasileiro. Assim, antes da dentincia, é fundamental analisar as especificidades de cada caso para identificar se os riscos apresentados valem a pena e nao colocarao a vitima em situacao ainda mais desfavordvel e perigosa. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital 60 Saiba mais itura Complementar: + 0 Poder Simbélico, de Pierre Bourdieu 2sioar2022 17:28 te_w_221_ut_fun_erim Apesar da indispensabilidade da leitura do livro completo, recomenda-se investir, ao menos, no Capitulo Vill, intitulado A Forga do Direito: elementos para uma sociologia do campo juridico, entre as paginas 209 254, Aleitura é fundamental para aqueles que queiram aprofundar o pensamento critico e a forma de interpretar 0 Direito. Na obra, 0 autor tece interessante critica ao afastamento da ciéncia juridica de sua esséncia social, denunciando os prejuizos que a desconsideracao das demais ciéncias sociais, como a Sociologia e a Criminologia, ocasiona a justica do Direito e ao interesse social. Sesso de cinema para entender mais sobre a Criminologia: + Seven: Os Sete Pecados Capitais Esse 6 um dos cléssicos do cinema sobre investigagao policial e assassinatos em série, e é uma étima porta de entrada para compreender uma das vertentes de trabalho de um criminélogo: a pericia criminal. Com 0 auxilio da Medicina Legal, da Psicologia Forense e de tantas outras disciplinas, o perito criminal pode compreender toda a complexidade do crime concreto, analisando suas evidéncias de forma qualificada e extraindo observagées seguras acerca dos fatos. No filme indicado, uma dupla de policiais protagonizard o papel do criminélogo, em busca de um serial killer de alta periculosidade, cujo modus operandiindica um padrdo: basela-se nos sete pecados capitals previstos na Biblia, Aula3 A EVOLUGAO DAS PENAS A histéria da criminalidade apresenta uma série de perfodis distintos, com compreensées aiversas sobre a criminalidade e sobre as formas de puni¢o, e é a respeito disso que falaremos nesta aula. INTRODUGAO. Ainda que o crime seja um problema social antigo, nem sempre ele foi encarado pela sociedade e enfrentado pelo Estado da mesma forma como atualmente ocorre. A histéria da criminalidade apresenta uma série de periodos distintos, com compreensées diversas sobre a criminalidade e sobre as formas de punicdo, e é a respeito disso que falaremos nesta aula. ‘Aqui, aprenderemos sobre a evolugio das penas, para que possamos compreender como a ideia de punicéo se desenvolveu até a aplicagao do cércere punitivo. No entanto, para que o contetido seja efetivamente fixado para que vocé possa continuar aprofundando seu pensamento critico, é importante seguir estudando além do que abordaremos ao longos dos nossos estudos, certo? 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin A EVOLUCAO HISTORICA DA PUNIGAO Estado, guiado por leis as quais todos os cidadaos encontram-se submetidos, foi a forma encontrada pela humanidade para viver em sociedade de maneira harménica e equilibrada. Isso porque, conforme ensinam os autores contratualistas, tais como Thomas Hobbes (apud MADRID, 2010), hd uma tendéncia humana natural 3 guerra e & pulsdo destrutiva, sendo necessario que um pacto social, que legitima a criagdio de um Estado soberano, garanta 0 freio da violéncia inata através da aplicacao do seu poder de punir. Mas a ideia de punicao, no entanto, nao surgiu com o poder de punir do Estado moderno. © registro histérico mais antigo da sociedade ocidental sobre os sistemas puritivos remete ao periodo de vinganca privada, quando ainda nao havia a intervengio do Estado nas relagdes interpessoais e a aplicagao de penalidade por eventuais condutas delitivas ficava a cargo da vitima, De inicio, ndo havia qualquer regulamentaco social sobre as disputas que se travavam, de forma que a puni¢So aplicada, por vezes, ndo tinha qualquer relacdo com o dano original sofrido pela vitima. Nessa dindmica, familias e comunidades inteiras lutavam até 0 exterminio, Lei de Talido Nesse sentido, a primeira evoluco no sistema punitivo veio com a Lei do Taligo, que nao retirou a vinganca do Ambito privado, mas determinou regras minimas para o castigo. Além disso, a pena nao poderia mais ser escolhida de forme arbitréria e desproporcional. Um dos principios da gestdo da qualidade ¢ “focar a qualidade no cliente’, ou seja, ofertar um produto ou servico que satisfaga as necessidades e com atributos de qualidade que agregam valor. O cliente é a peca-chave do sistema de qualidade, e por isso as empresas comprometem a garantir um bom atendimento ou ofertar 0 produto conforme especificado, como também a possibilidade de superar as suas expectativas. Figura 1 | Originalmente, a Le de Talido aparece no cédigo babildnico de Hamurabl 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Fonte: Wikipedia, Vinganga Divina Outro sistema punitivo muito difundido nas mais diversas partes do mundo e que teve vigéncia em concomitancia com o periodo de vinganca privada (e até mesmo apés ele) & 0 perfodo da vinganga divina. Na Idade Média, por exemplo, esse sistema apresentou importancia fundamental na organizago social da cultura ocidental, vinculando diretamente a lei penal aos principios e valores da religido catdlica e popularizando a aplicagdo das penas de suplicio. Sobre a vinganga divina, Farias JUnior (1996, p. 24) ensina’ tribunais. 0 escopo era o de conter a criminalidade, mas por mais aterradores que fossem os castigos e os suplicios infligidos contra os delinquentes, por mais ostensiva que tenha sido a pretensa exemplaridade das execugdes das penas corporais e infamantes, nunca houve eficaz efeito inibitério ou frenador da criminalidade. 66 Avinganga divina, que também era publica, foi potencializada com o uso de juizes e 60 Reflita Nesse periodo, a ofensa a outro que ocasionava dano e gerava a obrigacdo de reparaco era entendida, acima de tudo, como uma ofensa aos deuses, a0 poder divin. Assim, quem cometia um delito estava em “divida’ com a sociedade e “impuro” perante os deuses, e era mediante 2 execucdo da pena que esse pecador alcancaria a “salvagao". O afastamento da vinganca divina, com a formaggo do Estado moderno e a concentrago do poder punitivo exclusivamente nas mos ¢ no interesse do soberano, readequou, uma vez mais, a forma de interpretar a unico. Com a tomada de autonomia do Estado em relagdo ao monopélio da religido, as penas, que jé costumavam ser puiblicas, tornaram-se estratégias politicas com o objetivo de repreender e exemplificar, mostrando a sociedade que aqueles que transgredissem as regras teriam o mesmo destino, Nessa época, a privacao de liberdade ndo era uma forma objetiva de punicdo, sendo o cércere punitivo a modalidade que se configurou apenas com a revolugo das penas do Estado moderno. VIDEOAULA:A EVOLUGAO HISTORICA DA PUNIGAO Aula em video, de aprofundamento, acerca dos principais periodos de evolugao das penas, quais sejam: 0 Periodo de Vinganga Privada, o Periodo de Vinganca Divina ¢ o Periado de Vinganca Publica, 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Para visualizar 0 objeto, acesse seu material digital O SURGIMENTO DA PENA DE PRISAO. Privagao da liberdade A privacSo de liberdade como modalidade punitiva possuiregistros histéricos nas mais diversas épocas e sociedades, No entanto, tais registros costumam retratar a medida de encarceramento do sujeito delinquente como uma acd temporal, proviséria, que visa apartar aquele individuo do convivio social até que possa efetivamente cumprir sua condenagio. Nesse sentido, conforme ensina Bittencourt (2011, p. 28) acerca da privacao de liberdade no periodo de 1700 a 1280 a.C,, na sociedade Suméria: 6 6 Na antiguidade, os infratores eram mantidos encarcerados até que saisse o julgamento que a eles seria imposto; penas que, naquele periodo, eram destinadas aos castigos fisicos. Os infratores eram tratados de maneira desumana, passando por torturas e humilhacées, como por exemplo, tomando-se o que previa 0 “Cédigo de Hamurabi" (baseado na Lei do Taligo). Cato de aprisionar com o carater de pena em si mesma, tal como atualmente, ocorre em grande parte dos sistemas penais de todo o mundo. € uma criagSo recente, e sé veio a concretizar-se em 1791, como estabelecimento do Cédigo Penal Francés, que, pautado pelos valores e ideais iluministas e influenciado pela Revolugao Francesa, inspirou-se nos autores da Escola Cléssica do pensamento criminolégico, revolucionando a forma de punir da modernidade. Aplicagao de suplicios ‘Antes da revoluco das penas que deu origem ao cércere punitivo, a prética punitiva mais comum da sociedade ocidental era a aplicagdo de suplicios: uma modalidade de castigo fisico e penas capitais que ocorriam em praca publica. Porém, diante de um contexto de crise econémica e social, em uma Europa que apresentava aumento nos indices de pobreza e criminalidade, experienciava inimeras guerras e disputas religiosas e ja demonstrava interesse em reformular todo 0 seu sistema, rompendo com o absolutismo e instaurando uma nova forma organizacional do Estado, esse espetculo de execusao piiblica deixava de surtir 0 efeito desejado na massa social, sendo encarado pelo povo e pelos intelectuais burgueses da época como uma manifestagio de "raiva itracional” do soberano, surgindo assim a necessidade de reformulac3o do sistema penal. Movimento Criminolégico Classico 2sioar2022 17:28 te_w_221_ut_fun_erim © movimento criminol6gico classico, que se guiava pelos ideais iluministas, acreditava que 0 uso da razao contra o antigo regime absolutista era a soluc3o para colocar fim & selvageria e a violéncia. Nesse sentido, a justificativa do cdrcere como principal modalidade punitiva se dava pela defesa de seu cardter "humanizador" da unico de Estado, que deixaria de instrumentalizar 0 corpo e a vida humana. Essa é a jé apresentada perspectiva "humanista" ou “pietista” sobre o surgimento da prisao, H4, contudo, outra forma de interpretar a hist6ria de criagao do cércere, a qual desmonta a vertente que aponta para o suposto "humanismo” da privacao de liberdade. Essa perspectiva é chamada de “disciplinar” (ou disciplinaria, em espanhol) e surgiu apenas no século XX, com os aportes criticos da obra de Michel Foucault (2001). Tal perspectiva de surgimento do carcere ser nosso assunto no bloco a seguir. VIDEOAULA: O SURGIMENTO DA PENA DE PRISAO ‘Aula em video sobre o hist6rico de surgimento do cércere punitive, apresentando a pena de suplicio ea perspectiva “humanista" para a interpretacao da privacao de liberdade. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital O CARCERE DESDE UMA PERSPECTIVA DISCIPLINAR De acordo com a perspectiva humanist sobre o surgimento da pristio, como visto, esta deveria ser interpretada como um grande progresso da humanidade, j4 que sua aplicagao substituiu um sistema que se pautava pela violencia e pela morte como punigo por um sistema que se limita a recolher os criminasos no interior de suas muralhas. Foucault (2001), em sua obra Vigiar e Punir, no entanto, apresenta perspectiva de interpretacdo distinta acerca d mma e revela que o surgimento da prisSo, na realidade, nao parece ter nada de "humanista’. autor propée interpretar o cdrcere, em suas fungées e sua cria¢o, através de uma perspectiva disciplinar, entendendo-o como um dos mais importantes instrumentos do Estado para, de acordo com os interesses dos grupos no dominio do poder, controlar e submeter a populacao & disciplina. Assim, tal perspectiva defende que, ainda que o crcere, a primeira vista, pareca uma forma de punigo mais humana e justa quando em comparacdo a cultura dos suplicios, ele nao deixa de ser tao cruel quanto. Com o cércere, 0 que ocorre é que se deixa de punir apenas 0 corpo do apenado para atingir, também, sua “alma” (assim entendida como as subjetividades do individuo apenado). © que muda com o surgimento do carcere unitivo, portanto, é apenas a relacdo castigo-corpo. A producdo de sofrimento, contudo, continua sendo ‘objetivo aa pena. 2si0s2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Figura2 | Cércere, Ainda, a criagdo do carcere promove a despersonalizacao da aplicagdo da puni¢go. O carrasco é substituldo por uma equipe especializada, que nao se confunde em nada com aqueles que possuem a posse direta do poder de unir do Estado, e se translada o espetdculo da pena de sua execugo em praca puiblica para dentro das muralhas do cércere. Ambas as medidas so muito convenientes a possiveis interesses escusos, jd que impedem que a sociedade possa apontar responséveis por eventuais danos ocasionados pelo poder punitivo do Estado e, ainda, impossibilitam que a sociedade fiscalize a “humanidade” da execucao da pena. Pela perspectiva disciplinar, a pena privativa de liberdade é compreendida n3o como uma investida humanitdria e influenciada pelos ideais iluministas e crist3os, mas sim como uma estratégia de poder, que serve ao capitalismo e cujo principal objetivo é 0 remanejamento do poder de punir do Estado, visando torné-lo mais eficaz, regulamentado e detalhado. Nesse sentido, o cércere punitivo serve & légica da nova ordem econémica dominante, na medida em que: + Concede mais importancia aos delitos econémicos. + Reduz 0 custo econémico da aplicagéo da pena + Produz o resultado desejado de segregar os individuos apenados da sociedade, de forma muito mais eficiente que o sistema do suplicio. No entanto, a eficiéncia do carcere como medida capaz de controlar e prevenir a criminalidade jamais se comprovou cientificamente. Na verdade, ao contrério, estudos do século XX ja apontavam a faléncia do sistema carcerdrio e de seu ideal ressocializador (RIVERA BEIRAS, 2017). Mesmo sendo evidente a faléncia desse sistema, contudo, 0 carcere punitive continua sendo a principal forma de pun in nn Rrasil e-em tantns nutes Fstadas.da muinda. levanda-nas inevitavelmente.a indagar: qual serd afinal, a finalidade da manutengdo desse sistema falido como principal modalidade punitiva em pleno século 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin XxI? Nao ha resposta tinica e correta a questionamento tao complexo, No entanto, a partir dos nossos estudos, em breve vocé podera tirar suas préprias conclusdes sobre as entrelinhas do sistema penal VIDEOAULA: O CARCERE DESDE UMA PERSPECTIVA DISCIPLINAR ‘Aula em video sobre a interpretagao do surgimento do cdrcere punitivo, bem como de suas funcdes e finalidades, através de uma perspectiva critica e disciplinar. Para visualizar o objeto, acesse seu material digital ESTUDO DE CASO Imagine que vocé, como jurista que jé conhece a importancia da Criminologia para explicar a criminalidade, se depara com um debate entre dois colegas sobre a verdadeira interpretagao acerca do surgimento, das fungoes € da finalidade do cdrcere punitivo. De um lado, um dos colegas levanta a perspectiva humanista para defender seu ponto de vista, argumentando que a cultura punitiva dos suplicios, vigente antes do cércere, era muito mais desumana, e que a privacdo de liberdade como pena, além de respeitar a dignidade humana, possui a finalidade de prevencao especial fundamental a0 impedimento da criminalidade: a ressocializacao do apenado, para que, uma vez solto, ele néo volte mais a cometer crimes. Do outro lado, o segundo colega defende que a prova mais evidente da desumanidade e faléncia desse sistema a propria experiéncia brasileira, que jd aplica o cércere punitivo ha mais de um século e, até agora, sé experienciou um aumento nos indices de criminalidade e de morte em razao de seu funcionamento, sendo de conhecimento popular que a priséo, no Brasil, mais se configura como uma “escola do crime" do que como um ambiente que busca a “reintegragio social" do apenado. Considerando o debate exposto e as informacGes factuais a seguir aduzidas, refit 1.0 sistema penitenciério brasileiro alberga 668.135 mil pessoas, estando preparado para atender apenas 455.113 mil presos, e por isso apresenta indice de superlotagao de quase 200% de ocupacao (DEPEN, 2020). 2. A legislagao juridico-penal brasileira, por determinagées constantes no Cédigo Penal, na Lei de Execucao Penal e, até mesmo, na prépria Constituigao Federal, dispde de regras minimas para o tratamento dos presos € a execucSo da pena privativa de liberdade, Essas regras envolvem o direito a satide, & higiene, alimentacdo, & educacdo, ao trabalho e ao lazer. Ainda, dispde que os apenados devem ser recolhidos, em regra, em celas individuais, respeitando um limite minimo de 6 metros quadrados para cada pessoa (BRASIL, 1984). A realidade fatica, no entanto, apresenta-se completamente diferente. A maioria das unidades penitencigrias do pals sequer 2sioar2022 17:28 te_w_221_ut_fun_erim possui vagas disponiveis para trabalho e educagio dos detentos (DEPEN, 2020), e qualquer outro direito dos apenados fica impossivel de ser garantido quando a lotago carceréria os obriga a habitar celas completamente insalubres e sem 0 espaco minimo necessario para a garantia da vida humana (ORNAL, 2019). 3. A desumanidade das condigdes carcerérias é tamanha que o Brasil ja foi, inclusive, internacionalmente reconhecido por violar 0s direitos humanos dos detentos (OEA, 2018), e o préprio Supremo Tribunal Federal, em decisdo de 2015, pelo julgamento da ADPF n. 347, reconheceu que a realidade do sistema prisional brasileiro se configura como um “Estado de Coisas Inconstitucional’, em razo da violagao massiva e estrutural de direitos fundamentais (STF, 2015). Apesar das duas decisdes, no entanto, nenhura medida significativa para melhorar as condigdes de vida dentro do sistema penal foi tomada pelo Poder Publico. Observando os dados citados e analisando o tema criticamente, sem deixar de considerar os aportes de Criminologia, qual das duas perspectivas de interpretacao do surgimento, das fungées e das finalidades do carcere melhor se enquadra para explicar a realidade carcerdria brasileira? Por qué? RESOLUCAO DO ESTUDO DE CASO Em primeiro lugar, importante recordar que a Criminologia, como ciéncia social, ndo se prope a gerar resultados absolutos e inquestionavels sobre a criminalidade. Isso porque tal tarefa seria impossivel, j& que o crime ea criminalidade sdo fendmenos sociais que se adaptam de acordo com o espaco € o tempo e variam em suas caracteristicas, considerando a cultura da sociedade em que se inserem. Assim, diante de tal discussso, no hd necessariamente uma resposta totalmente correta e outra totalmente errada. Existem duas perspectivas distintas de interpretagao de um momento histérico e de um fato social, a qual também variard de acordo com as crengas e experiéncias de cada investigador criminal Porém, o ato de analisar, de forma critica e contextualizada, os fatos e os fendmenos sociais e criminais permite revelar as possivels inconsisténcias que essas perspectivas venham a apresentar. € por isso que, para auxiliar no debate dos colegas, voc , que ja conhece a Criminologia e ambas as perspectivas de interpretagao do carcere, deveria incentivar os envolvidos a realizarem uma andlise critica dos dados sobre a realidade do sistema penal brasileiro, tirando suas préprias conclusbes acerca de qual das duas perspectivas de interpretagio de seu surgimento mais se adequa a realidade pratica E 05 fatos falam por si s6. A experiéncia carceréria brasileira ndo apenas desrespelta as regras que dispde em sua prépria lei como, em realidade, parece apresentar intencao completamente oposta & declarada funcao “ressocializadora” da pena, principal argumento na defesa da “humanidade” do cércere punitivo. Observar relatos e dados sobre a realidade didria experlenciada pelos individuos privados de liberdade no Brasil permite evidenciar que, ainda que a condenasao daqueles sujeitos ndo comporte castigos corporais ou uma pena de morte, as condicées nas quais eles so mantidos privados de sua liberdade, no fim, so cruéis, violentas, torturantes e desumanas, assim como as penas de suplicios também eram. Assim, ainda que a perspectiva humanista ndo esteja totalmente errada ao interpretar a criagio do cércere como uma medida que "humanizou’ a forma de aplicar a pena - afinal, a opco anterior era o esquartejamento ‘em praga publica! evidente, especialmente considerando os dados sobre a realidade carcerdria brasileira, 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin que o sistema penitencidrio no possui nada de “humano” em sua constituigdio ou em suas fungdes. O fato que resulta de mais de um século de funcionamento do carcere punitivo no Brasil ndo é uma sociedade mais saudavel e equilibrada, mas sim uma sociedade doente, com indices de criminalidade cada vez mais altos, e que continua enviando milhares de brasileiros, todos os anos, a experiéncia de uma privagao de liberdade profundamente desumana, e majoritariamente por razes patrimoniais (40,91% dos presos cumprem pena por crimes patrimoniais) (DEPEN, 2020). Como se vé, 0s fatos apontam indubitavelmente 3 adequacdo da perspectiva disciplinar para compreender 0 cércere punitivo, e possuir essa consciéncia é fundamental para qualquer aplicador do Direito que, por vezes, & parte desse proceso despersonalizado de aplicagao do poder punitive do Estado. Afinal, se voce vai ajudar a enviar alguém ao cércere, o minimo que pode fazer para realizar essa tarefa da forma mais justa possivel é conhecer a realidade desse sistema Para visualizar 0 objeto, acesse seu material digital 69 Saiba mai Leitura Complementar: + Vigiar e Punir, de Michel Foucault ‘Sem sombra de duividas, essa obra é a leitura mais indispensdvel quando se fala em compreender 0 contexto histérico, as finalidades e os interesses por tris da criagio e ampla disseminacao do carcere como principal modalidade punitiva, justamente, por se apresentar como uma forma mais “humanitéria" de punir, 0 autor, importante nome da Criminologia Critica, revolucionou a histéria da puni¢éo com a obra aqui indicada, em que tece uma critica repleta de fundamentos - e, mais importante, cheia de questionamentos - acerca do papel do cércere punitivo como instrumento & disposigo do Estado e dos grupos que detém o monopélio do capital e dos cargos de poder. O livro pode ser encontrado na biblioteca institucional, Sessio de cinema para aprender mais sobre C inologi +0 Experimento de Aprisionamento de Stanford Esse filme € ideal para quem quer entender mais sobre a dinamica do carcere e os impactos da privagio de liberdade dentro de uma instituigdo total (isto é, em uma instituigdo disciplinar, que visa o controle social), causados tanto nos encarcerados quanto nos agentes penitencisrios Na referida obra, 24 estudantes do sexo masculino so selecionados para participar de um experimento social realizado pela Universidade de Stanford, nos EUA. experimento consiste na simulagdo de um ambiente prisional, onde os participantes so subdivididos em dois grupos (presos e policiais) e devem se 2sioar2022 17:28 te_w_221_ut_fun_erim manter no papel designado durante todo o experimento, O objetivo do professor de Psicologia de Stanford que prope o experimento é curioso: comprovar que os tracos de personalidade dos prisioneiros € guardas so a principal causa dos comportamentos abusivos - e criminais - entre eles. Vocé ja imagina que esse experimento no deve ter dado muito certo, ndo é? Confira a obra para entender melhor o desfecho dessa hist6ria, vocé no se arrepender! Aula4 ACRIMINOLOGIA E A EVOLUCAO HISTORICA NO BRASIL Conhecer a Criminoiogia e compreender a evolugéo do pensamento criminoldgico é importante para melhor entender a propria ciéncia juridica e suas funcGes e finalidades. INTRODUGAO Conhecer a Criminologia e compreender a evolucao do pensamento criminolégico é importante para melhor entender a prépria ciéncia juridica e suas fungdes e finalidades, Porém, como 0 Direito e a Criminologia sto cigncias socials que apresentam caracteristicas e problem: -as distintas de acordo com cada espa¢t mpo que se analisa, é fundamental que possamos estudar, de forma direcionada, a Criminologia e suas questées considerando especificamente 0 Ambito brasileiro. Sendo a Criminologia uma ciéncia ainda pouco valorizada na América Latina, e considerando que a prépria tradigao juridico-penal brasileira remete a pratica europela, ¢ evidente que as obras estrangelras sa0 fundamentals & compreenso da problemética geral da criminalidade. Porém, é preciso ir mais a fundo no tema para entender, em profundidade, as problematicas que envolvem a experiéncia especifica da sociedade brasileira e, assim, poder pensar solucdes mais eficientes para o pais. E sobre isto que trataremos na presente aula: a evolugdo da Criminologia no Brasil. Vamos comecar? ESTUDANDO A CRIMINOLOGIA DESDE O “SUL GLOBAL” Estudar a Criminologia, 0 Direito e a sociedade de forma geral desde o “sul global” é entender que se estuda desde uma sociedade pés-colonial, cuja histéria de formacao encontra-se marcada por indmeros episédios de exploragio, de genocidios e de destruigao, realizados em nome da razio e do progresso da humanidade. Como ensina Boaventura de Souza Santos (2006, p. 37), 0 "sul global” pode ser entendido como uma'"..] metéfora de sofrimento humano causada pelo capitalismo”, considerando © capitalism como, sociologicamente, ele se apresenta: um sistema econdmico que surgiu como evolugao do antigo sistema mercantil europeu e que, durante sua vigéncia, legitimou o desenvolvimento do “norte global” em detrimento da exploracao do “sul global’ 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin 60 Reflita ‘Conhecer a Criminologia desde o “sul global” é, portanto, buscar a emancipagao social dos conhecimentos produzidos exclusivamente pelo “norte global" e que, por tantas vezes, se preocupam apenas com a pratica social e politica que interessa aos integrantes daquelas sociedades, ao mesmo tempo em que ignoram os gravissimos problemas ocasionados pela difusso da “civilizaglo" europeia pelo resto do mundo ~ sendo 0 Brasil, sem duwvidas, um dos paises mais afetados. Criminologia no Brasil Ahist6ria do Brasil j8 comeca marcada por um crime: 0 genocidio da populacao indigena, a primeira das trés ragas que compGem o pais. Além da exploracao dos recursos naturais brasileiros, 0 exterminio de aproximadamente trés milhées de nativos (BRASIL, 2021) corresponde ao primeiro epis6dio - de muitos - de genocidio cometido pela Europa contra 0 povo do Brasil Diz-se 0 primeiro porque nao foi o tinico, jé que se soma ao genocidio indigena o inicio de um projeto que, conforme ensina Abdias Nascimento (2076, p. 42), 6 0..] maior de todos os escdndalos do caminho do progresso”: a escravizag3o dos povos negro-africanos. Esse empreendimento de explorac3o humana absolutamente cruel e desumano tornou-se fonte de acumulacdo de riquezas de fundamental importéncia & Europa, e 0 Brasil ocupou lugar de destaque nessa industria, sendo o pais que mais recebeu escravos. A escravidéo, 0 genocidio inaigena e a exploragao dos recursos naturais do territ6rio brasileiro pela Europa somam-se, conforme a historia se desenrola, ao imperialismo norte-americano e 4 consequente exploragdo do Estado brasileiro pelo monopélio de poder que o sistema capitalista coloca nas mdos do ‘norte global”. Assim, falar a partir de um dos paises do “sul globat”, como é 0 caso do Brasil, é compreender, como investigador e parte dessa sociedade, quais estruturas de exploraso e dominac3o compéem histérica, cultural e politicamente esse Estado. Estudar o crime ea criminalidade no Brasil é entender o papel que as instituicdes e estruturas de poder internas e externas desempenham em relagio aos problemas sociais brasileiros. & entender que o racismo, o machismo e a desigualdade econémica sao realidades sociais no Brasil, e que & impossivel obter resultados satisfatérios e veridicos sobre a criminalidade no pais se nao se considerar como essas questdes intervém no resultado delitivo. € compreender a “marginalizacao" do Brasil no jogo politico e econémico internacional, e interpretar os impactos que isso também traz & dindmica criminal. £ isso, portanto, que se deve considerar ao estudar a Criminologia e qualquer outra ciéncia social desde o “sul global” Figura | Criminologia no Bras 2si0s2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin ce: Shutterstock VIDEOAULA: : ESTUDANDO A CRIMINOLOGIA DESDE 0 “SUL GLOBAL” Aula em video sobre a perspectiva pés-colonial para compreender e aplicar os conhecimentos criminolégicos 20s paises do “sul globat" Para visualizar o objeto, acesse seu material digital O PENSAMENTO CRIMINOLOGICO NO BRASIL: PRIMEIROS CONTORNOS Ohistérico de evolucao das penas no Brasil se inicia profundamente vinculado a legislago europela. Isso Porque, como colénia, o Brasil restou submetido as leis portuguesas por 230 anos. Durante esse periodo prévio 2 legislago propriamente brasileira, portanto, vigoraram no territério brasileiro as Ordenagées Afonsinas (1447- 1521), Manuelinas (1521-1603) e Filipinas (1593-1830), Tais diplomas determinavam formas de puni¢o préprias do periodo absolut € previam penas que iam desde castigos corporais até penas patrimoniais, ou mesmo penas capitais. A pena atuava causando sofrimento fisico no condenado, e ainda se previam regras de direito penal de carter privado, sendo facultado a vitima de certos delitos a determinacdo das penas aplicdvels ao desviante. 6d Importante! S6 eram considerados como “seres humanos", ou como “cidadios” para fins de protecio da legislago partiigiiesa vigente. no Rrasil_ns prénrins nortugueses seis descenrientes eas demais etiranetis mie anti se encontravam, Era ao homem branco e dono do capital, que vinha exterminando os nativos, 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin escravizando os negros e explorando um territério tomado a forca, que a protecao legislativa se destinava, Amparando-se em uma interpretagao completamente equivocada do cristianismo, Portugal manteve todo um sistema desumano funcionando por décadas no Brasil, justficando, através da lel, o genocidio e a escravidao das outras duas ragas que habitavam 0 territério brasileiro, Sistema juridico-penal brasileiro Atradi¢o juridico-penal brasileira jé surgiu profundamente contaminada pelo patriarcalismo, que impunha valores pautados pela convencao religiosa e propagava 0 machismo; pelo racismo, que possibilitava a construgdo do “império europeu” através da exploraco humana; e, consequentemente, pele profunda desigualdade econémica, em um Estado que se construiu, durante séculos, investindo ativamente no acimulo do capital - e do poder ~ nas maos do mesmo grupo. é assim também que o sistema juridico-penal brasileiro se construiu como um aparato de represséo violenta, cujo objetivo primeiro foi investir no controle dos corpos negros e indigenas, disciplinando a mao de obra e prevenindo a resistencia e a fuga dos escravos. Ou seja, o sistema penal surgiu no Brasil para garantir a manutengao da ordem dominante. Afinal, como bem ensina Foucault (1979, p. 8), a principal atribuicao de poder do sistema penal ndo esté na proibicdo das condutas delitivas, e sim na capacidade de gestdo da vida social: esa sé como uma forca que diz no, mas que, de fato, permeia, produz coisas, induz a0 prazer, gera saber, produz discurso, Se deve consideré-lo como uma rede produtiva que cruza todo 0 corpo social muito mais que uma instdncia negativa que tem por 66 © que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que este no fungdo reprimir Assim foi que o sistema penal brasileiro surgiu € atuou, em um primeiro momento, para controlar a vida dos grupos vulneraveis e para o melhor interesse do empreendimento mercantil portugués. Esse sistema foi criado para difundir 0 medo e desarticular as resisténcias, ocupando um papel central na naturalizagao da tese de “subalternidade" do negro e do indio (FLAUZINA, 2008). (© pensamento criminolégico aplicado ao Ambito brasileiro, portanto, se confundia com os aportes europeus durante a vigéncia da colonizagao portuguesa, que justificavam penas corporais cruéis e que s6 viriam a ser questionados apés a independéncla do Brasil do monopélio de Portugal. VIDEOAULA: O PENSAMENTO CRIMINOLOGICO NO BRASIL: PRIMEIROS CONTORNOS 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin Aula em video sobre os primeiros contornos do sistema penal e das tendéncias criminolégicas no Brasil Para visualizar o objeto, acesse seu material digital O SURGIMENTO DA PRISAO NO BRASIL Ao se tornar independente de Portugal, em 1822, 0 Brasil apresentou seu primeiro sistema penal genuinamente nacional. Porém, diferindo de diversos paises da América Latina, que conquistaram suas independéncias por meio de movimentos populares, a independéncia brasileira foi uma revolugao de carter conservador, visando manter 0 status quo social (BUENO, 2020). Assim € que, mesmo apés a declaracdo da independéncia do Brasil, o pafs se manteve organizado sob o regime monérquico, e sua base econdmica se pautou pela manutengao do trabalho escravo. A ordem dominante foi, portanto, mantida, justamente porque as elites burguesas - que nesse momento eram, definitivamente, brasileiras - estavam todas unidas sob o mesmo objetivo: garantir que seus privilégios permanecessem. Desta forma, as legislag6es imperiais no inovaram na tendéncia criminolégica racista que ja vinha sendo aplicada Constitui¢ao e Cédigo Criminal do Brasil ‘A Constituigao (BRASIL, 1824) langou para fora do espectro de cidado brasileiro aqueles sujeitos entendidos pelas elites detentoras do poder do Estado como mercadoria, mantendo como objetivo do Império o mesmo projeto colonial de explorasao do trabalho escravo. © Cédigo Criminal (BRASIL, 1830), na mesma direcdo, determinou que, ainda que em todos os demais Ambitos do Direito 0 escravo fosse considerado como um objeto, para os fins do Direito Penal ele seria imputavel, devendo responder pelas condutas criminais que realizasse. Ademais, 0 referido diploma trazia uma diviséo profundamente segregadora na aplicaco das penas. Aos idadaos" brasileiros, representados pelas elites brancas, eram destinadas diversas garantias surgidas por influéncia do movimento libera-iluminista, tais como a aboli¢éo dos castigos corporais e cruéis. No entanto, a0 seguimento negro escravizado, tais garantias, resultantes da evolugao “humanista’ da pena, nao se aplicavam. ‘Aos grupos sociais marginalizados, mantinham-se os castigos corporais, as torturas e as penas de morte. Carcere no Brasil Quando o cércere passou a vigorar no Brasil, com a criacao da Casa de Correcio do Rio de Janeiro, em 1850, essa tendéncia ndo mudou, e, em um primeiro momento, s6 tinham direito ao encarceramento 0s “orasileiros livres", representados por uma sé raga: a branca, ‘Assim & que, em vez de se apresentar como uma evolugo da pena influenciada pelos ideals de “liberdade, igualdade e fraternidade” da Revolugdo Francesa, na experiéncia brasileira, o cércere punitivo surgi como um instrumento de segregacao racial 2sioar2022 17:28 ta_w221_u1_fun_etim Quando 0 cércere punitive comecou a ser direcionado, também, ao seguimento negro, as marcas deixadas pela tradic3o juridico-penal racista nao foram superadas, e a prisdo passou a ser instrumentalizada para o controle da massa negra, composta por escravos libertos. Como expée criticamente Evandro Duarte (1998, p. 210): 6 6 [.] © desmando senhorial val sendo substituldo por uma pratica policial que transforma a policia urbana no novo supervisor, agora, do Estado, que era constitulde de senhores proprietérios. A rua passa a integrar a periferia da propriedade privada desses senhores, um espaco cotidianamente dominado por suas ordens; novos lugares de “escraviddo" sao criados. Na mesma medida em que os quilombos urbanos eram confundidos com coletivos criminais, tarnbém as prises se tornavam reunides de ‘escravos fugidos e capturados. Assim € que, na experiéncia brasileira, o cdrcere punitivo e o sistema penal surgiram e se desenvolveram conscientes do papel que desempenhavam na manutengao do status quo que privilegiava os interesses das elites dominantes, bem como da fungao de controlar e disciplinar os corpos negros e socialmente vulnerdveis. Esses impactos ainda podem ser sentidos, nao sé no sistema penal e penitenciério, mas em todos os ambitos da vida social no Brasil. & (ONSTITUICAO OvdINSROD Fonte: Shutterstock, Caro estudante, vocé compreendeu como o PDCA pode contribuir para as certificagées ISO? Anorma € totalmente construfda a partir da metodologia do POCA, entender esses conceitos iré auxiliar nos processos de certificacdo, ou simplesmente gerir os sistemas de qualidade de forma eficaz. 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin VIDEOAULA: O SURGIMENTO DA PRISAO NO BRASIL Aula em video sobre o surgimento da prisdo no Brasil Para visualizar o objeto, acesse seu material digital ESTUDO DE CASO Analisar a ctiminalidade desde o "sul global" é, como visto nesta aula, compreender os impactos que a evolucao hist6rica, cultural e politica de um Estado pés-colonial ocasiona nas problematicas sociais e criminais do pats. Assim, para melhor compreender as diferencas entre o “norte global” e 0 "sul global", considere as informagées a seguir: 4. Europa: atualmente, caracteriza-se como uma das regiées mais pacificas do mundo, porém o continente apresenta uma série de paises onde o problema criminal ainda figura como grave questo social + 0 Reino Unido, composto por Inglaterra, Escécia e Pats de Gales, é uma das regiGes mais perigosas da Europa. Entre as cidades de maior risco, estao Londres, Birmingham e Manchester, e 0s principais delitos cometidos sao crimes patrimoniais, tals como roubo ¢ furt , € crimes de terrorismo. Com relaco aos homic{dios e a violencia, a regiao tem enfrentado um incremento na criminalidade, sustentando, atualmente, indice de 1,2 homicidios intencionais a cada 100.000 habitantes (GBM, 2018), + Altalia é outra das regides mais perigosas da Europa, figurando entre as principais cidades com maior indice de criminalidade Roma, Napoles e Catania. Os crimes mais cometidos so delitos patrimoniais, vandalismo e atos de terrorismo. A Italia ainda apresenta alto indice de violéncia sexual; porém, em se tratando de homicidios e de violéncia, o indice de incidéncia é to somente de 0,6 a cada 100.000 habitantes (GBM, 2018). 2. América Latin: ‘onfigura-se, atualmente, como a regio mais violenta do mundo (LISSARDY, 2019), apresentando alto indice de criminalidade nas mais diversas regides. + AVenezuela é um dos paises mais perigosos da América Latina, sendo o mais violento na América do Sul Entre os crimes cometidos, estdo principalmente os delitos patrimoniais e os crimes relacionados a drogas. Porém, 0 indice mais dramatico ¢ relativo ao nimero de homicidios e de crimes violentos: 56,8 homicidios intencionais a cada 100.000 habitantes, de acordo com pesquisa de 2017 (GBM, 2018). + 0 Brasil € 0 segundo pais mais violento da América do Sul, estando entre os delitos mais cometidos os crimes patrimonials e relacionados a drogas. Com relacao aos homicidios e & violéncia, o Brasil carrega o numero de 30,5 mortes a cada 100.000 habitantes, conforme pesquisa de 2017 (GBM, 2018). De acordo com as informagdes expostas sobre a criminalidade na Europa e na América Latina, refita e responda: vocé consegue identificar as principais diferengas entre os problemas criminais nos paises europeus e aqueles constantes na realidade latino-americana? Aponte as principais justificativas para essas diferencas na criminalidade em cada entorno social exposto. 2504/2022 17:23 d_wl_221_a_fun_erin RESOLUCAO DO ESTUDO DE CASO Para alcangar conclusGes satisfatérias sobre o fendmeno da criminalidade em qualquer sociedade, fundamental realizar andlises que permitam a comparagao entre realidades diversas. Ndo para que um caso sirva de solugo a0 outro, mas sim para que, na comparago, se encontrem semelhancas, sinergias € diferengas. Assim, toda comparagao deve ser felta de forma contextualizada e critica, e quando se faz isso considerando os dados sobre os quatro paises apresentados na situagdo-problema, 0 antagonismo entre as realidades da criminalidade no “norte global" e no “sul global" fica ainda mais evidente. Isso porque a Europa ja apresentou indices de homicidio intencional e violéncia bastante similares aqueles hoje encontrados na realidade k 1o-americana; porém, na era pés-maderna, o continente foi capaz de livrar-se dessa tradicao de violéncia, alcancando o status de uma das regiées mais seguras do mundo (LISSARDY, 2019). Nao € apenas por coincidéncia, no entanto, que a conquista europeia relativa & reduco dos indices de criminalidade se desenvolva, justamente, enquanto essa mesma Europa extermina, explora e rouba fora de seu territério, nas col6nias. Na verdade, é com 05 recursos obtidos através desse empreendimento colonial, o qual, como visto, foi to letal para tanta gente, que a Europa consegue enfrentar a miséria, a desigualdade e tantos outros problemas sociais que apresentava no pasado. Os problemas pés-coloniais deixados pela intervencao exploratéria e desumana da Europa nos demais paises do mundo, portanto, no devem ser interpretados levando-se em consideracao a realidade europeia - ou de quaisquer outros paises do “norte” - como solugao dos disturbios criminais. Afinal, muitos dos problemas das demais regibes do mundo derivam do contexto histérico, social, cultural, econdmico e politico deixado pela intervensao europeia, Se na Europa, atualmente, s80 0s crimes patrimoniais ¢ 0 terrorismo, entre outros delitos que nao envolvem a violencia, aqueles que compéem a criminalidade, e havendo isso ocorrido apés um histérico de séculos de exploracao europela das demais regides do mundo, é evidente que nao é apenas nas solucbes apresentadas a0 contexto europeu e dos demais paises do “norte global” que sociedades como o Brasil encontrardo a saida para 05 seus problemas criminais. © Brasil apresenta problemas pés-coloniais préprios do contexto de explorago do "sul global’, tais como o trafico de drogas e 0 crime organizado, que se envolve profundamente com a desigualdade abismal da sociedade brasileira e se reflete muito significativamente nos indices de violéncia do pals (SENADO FEDERAL, 2019), ‘Ainda que a Europa também apresente como problema criminal o alto indice de delitos patrimoniais, esse dice costuma ser interpretado de forma relacionada a problemas de turismo e imigracao, razdo pela qual 0 continente considera uma grave questao criminolégica 0 controle da imigracao (ARROYO, 2019). No Brasil, 0 controle da imigragao sequer é lembrado quando se reflete sobre os problemas criminais importantes do pais, © alto indice de delitos patrimoniais é evidentemente resultado da desigualdade social, e quianda se_analisa a histéria da Rrasil de forma critica resta clarn quie.a racisma.restitante. das marelas do. periodo colonial, ainda impacta a criminalidade. 2sioar2022 17:28 te_w_221_ut_fun_erim Por todo 0 exposto é que se faz importante compreender os problemas criminais brasileiros de forma critica e consciente de que se estuda um pafs do “sul global’, impactado por séculos de explorago colonial e que nao pode ser comparado com os paises do "norte" sem a devida contextualizacio, Para visualizar o objeto, acesse seu material digital 69 Saiba mi Leitura Complementar: + Corpo Negro Caido no Chao: 0 Sistema Penal e o Projeto Genocida do Estado Brasileiro, de Ana Luisa Pinheiro Flauzina A tese de mestrado de Ana Lulsa Flauzina é uma verdadeira obra de investigagdo critica sobre o contexto e as caracteristicas do surgimento da pena de prisio no Brasil e a evolucso do sistema penal. Nessa obra, a autora destrincha os Ultimos 500 anos da historia do Brasil a partir de um viés critico e pés-colonial, revelando os interesses manifestados pelas ages estatals no projeto penal do Brasil, que apontam para o racismo como elemento fundamental de constituiggo da figura do delinquente na realidade brasileira REFERENCIAS Aula BARATTA, A. Criminologia y Dogmatica Penal: Pasado y Futuro del Modelo Integral de la Ciencia Penal. In: Revista Delito y Sociedad, n. 13, Barcelona, ES: Universitat Auténoma de Barcelona, 1980. Disponivel em: bnttps//papers.uab cai/artile/view/v13-baratta. Acesso em: 9 ago. 2021. BRASIL. Decreto-Lei n. 2848, de 07 de dezembro de 1940. Cédigo Penal. Brasilia, DF: Presidéncia da Republica, 1940, Disponivel em: http://www planalto.gov.br/ccivil 03/decreto-lei/del2848compilado htm, Acesso em: 8 ago. 2021 CUEVA L. M. Metodologia y Ciencia Penal. Granada: Universidad de Granada, 1990. HIRSCH, J. Teoria Materialista do Estado. Rio de janeiro: Revan, 2010. 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