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Forros, escravos e engajamentos no mundo do trabalho maritimo no Atlantico luso: uma agenda historiogréfica JAIME RODF nnbeinos ow desertar Ihadores do mar para ganhar © mundo, exercer funcées de mn ‘em um porto distante quando a ocasiio se apresentasse (© registro dos tripulantes de navios mercantes feito em Portugal a partir de hos permite um conhecimento mais preciso acerca de quem eram os homens engaja~ dos na nawegicio entre © Reino e seus dominios. presenea de negtos trabalhando nas embarcagies nese period é relativimente eseasst ¢ foi objeto de um artigo pioncino de Mariana Candido, que contabilizou 97 navios que levam 230 escravos come tripulante centre 1767 © 1832, 0 que totaliza menos de 3% do universo de trabalhadores do mar Candido aponta hipéteses para explicar esse néimero apurentemente tio reduzido: Hiavia menos escravos e negtoslibertos emt Portugal do que no Bras ‘© que pode explicar @ menor mimero de ecrav0s em tripuligio dos navios que sifam de portos portugueses. Embora o nth eto seja pequena em comparagio com a tripulagio total, ees 2 Profsior de Histiris do Brasil, Departments de Hitris, Escls de Filosofia, Lets e Cid Homans, Universidade Fedenl de S80 Paulo, inessigidor do. Cento de Escwks Miticanos di ‘Universidade do Port (Cenup).Ageadeco 3 Coordemasio de Apereigoamenta de Pesal de Ni Supevir (Capes), Funda de Amparo 3 Pesquisas do Estads de Sio Palo (Fapesp) e 4 Fundacio de Apoio j Universidade Feral de Sto Paulo (FAP/Unifesp po apoio concedes ao projet de eura maitina no Antico (éclos XVI e XIX): sonoma exe, ios» honk 100 RO ste individuos desafiam-nos a reconsiderar a travessia€ analisae a escea Apesar de seu ntimero reduzido, negros ¢ mestigos chamavam a atengio de via jmtes de passags 1 por Lisboa no Setecentos ¢ no Oitocentos, Em meados do século. XVIII, 0s escravos representavam algo em torn de 5% da populagio lisboeta,o equi valente a nove ou 10 mil homens & mulheres, 0 que nao era despmezivel. A presenca hnegra na cidade mio se alterou nos anos 1820, a julgir por descrigdes de mundo do trabalho luso apés o regresso da Corte, Nos re 08 da Junta do Comiércio, encontramos matricalas de equipagens cujas embarcagSes zarparam de portos do Reino de Por al, onde 05 capities ¢ dons de na vios dispuntiam de um ndimer menor de marujos cativos para compor suas tripulagdes Fodavia,em esealas afficanas e alamericanas, marujos negros poderiam ser ineorporados is equipagens de navios carps dos dos portos reindis, se os eapities assim 0 dessjassem desse quadro, & possivel sondar a experiéneia dos trabalhadores forros ¢ esctavos no mar e as possbilidades advindas dai, Primeiramente,a maneira pela qual «ssi listas foram confeccionadhs merece alguns comentirios, Os registros portugueses a Junta do Comercio a mencionar os tripulantes nominalmente apareceram na década de 1760, Nas matriculas dos membros das equipagens, os individuos sio identificados Por nome, filiacio, cargo a bordo, naturalidade, idade, hi quanto tempo vinham embar cados,eventualmente pelo lugar onde moravam ¢ pelos sinaisfsicos estatura,cicatrizes, rosso ou magro de corpo, cor da pele © dos othos ete) Dados seriados como esses permicem estabelecer muitos eruizamentos. Por cls, podemos saber de onde provinham os marea ntes portugueses, bem como suas idades 108 dif ites graus da hier dle boro, fungdes e apartacias fisicas. Assim fa zendo, estaremos cumprindo uma agenda historiogritica. Como comentou Russel: Wood, 0s historiadorestém o dever de buscar individuos, “upos ¢ setores socias qu fundamentaram © império portugues, retiar os homens comuns do esquecimento 'vo ¢ do anonimato ¢ avaliar “a contribuigio dessas pessoas para a sociedade dos impérios e darghes o erédito que hi tanto thes & devide”.* Todivia,es s mesmos registros dos tripalantes sio muito menos detalhados quando s trata de anotar os dados sobre marinheiros escravos ou forros, eles também construtores CANDIDO, 2010.39 3 VENANCIO,2012,p.89;5A, 1992, 9 4 RUSSEL-WOOD, 2005.7 44. que 08 offi sobre forros.¢ © cozinheiro anos, embare nos satisfizerr descrevem 0 séeulo XVIIL colonia, sot cede nariz et (08 negros, sol A auséne vo por outn setemibrc lescrigio firagiidade Forros culiaridad: No cas dew »século 0 equi do do 1 mantenedores do império por meio de seu trabalho a bordo. Nos mesmos navios em {que 06 offcais brancos foram descritos detathacamente, ebtemos dades mais grosseiros| sobre forms ¢ escravos no ato da matricula, José Gongalves Rost, por exemple, preto form Rei de Po © corinheiro no Sio gal, era natural dt Costa di Mina, tinha mais de A anos, embarcava havia mais de 20,assnow em cruz e dele nio se fee descrigio alzunma.* Se ‘nos satisfizerms cont um olhar apresado sobre esses registros pouco miinuciosos quando ssbncia dos sinais identificadores pode ser entendia dlescrevent os marinheiros n como um modo de ver dos europeus, Mas & dificil crer que um portugués comum do século XVIII nao conseguisse descrever um homtem de cor negra, considerando a con~ vivencia cotidiana no Reino, as constantes viagens 3 Affica e a esceavidio nos dominios coloniais, sobrenido na América, Mas viajantes estrang sens por Lisbe 205 COM pass haviam sido capazes de distinguir Rosa,a prees fivorita de dona Maria T, como “beiguda de nariz eshorrachado” * Ao longo do século XIX, os aniincios de faga de escravos cos tumavatn ser bem mais detalhados e indicavam que 0% rancas enim capazes de deserever (os negros,sobretude quando se tratava dos seus escraves ni A auséncia de discriminagio dos trap icos nas matricnlas de equipagens soa como. ‘© cumprimento da vontade dos senhores de escravos. Eses, querendo substituir um cat vo por outto nas matriculas quando fosse conveniiente, nio queriam ver os tragos fisicos de seus escravos arrolados em um documento oficial, pois iso dificutaria a entrada de courts em viagens ururas dese as restrigdesimposts pelo Alvari com forga de lei de 19 de setembro de 1761, que restringiu o eifico de escravos para Portugal. Mas essa expli agi nio di conta de tudo, pois negros forros também no rivera os dados references i descrigio fisica preenchidos nas matriculas de marinheiros — 0 que talvez indique a ;econhecimento social da liberdade e da alforvia lidade da condigio deles ea falta de orros ¢ escravos arrolados nas listas de muatricula quase nunca tiveram suas ps cculiaridades fisicas descritas nos documentos. Vejamos, primeiram -gisttos informam sobre os forros. A amostragem inclu 62 homens nessa condligio, strados seus estados eivis ou os nomes de No caso dos pardos, raramente eram te seus pais. Para apenas tum deles hi dadas de filiagio ~ o portugues Manoel de Sena Viana, ntscido em Viana, 22 anos em 1767 ¢ quatro anos de trabalho maritimo.® Doze navies Arquivo Nacional de Tore do Tomo, Fano Junta do CComérci (doravante ANTT/JC) vr 1,830, 6 SANTOS, RODRIGUES ¢ NOGUEIRA, 1992 9.4, 167, wavia Sis La ANT T/C ve 1, 52 ww 80 +s i 5, pardos forros foram engajados como serventes a borelo, enquanto mais cinco no tiveram \ suas ocupagdes discriminadas. Cinco dentre eles eram portugue (de Lisboa, Porto, Calhandriz e Viana), um de Cabo Vente ¢ aris da América portuguesa (dois do Pati c estado ci tumt de Sio Jodo del Rei, Minas Gerais); ito nfo tiveram seus locals de nascimento re cembatea gistrados. Sete homens foram descritos fisicamente, enquanto para os demas esse dado ce nove 1 nto foi preenchido. Os cabetos frisados eram 0 trago fisiondmico nia chamativo para os forros, a fal esereventes,” a0 que se seyttia a cor trigueira e os olhos pardos como a cor de suas peles. sgriduados As estaturas variavam de ordiniria para mais ou para menos, Sua idades concentravan-s aque obtiv ha faixa dos 20 anos, exceto por dois de 39 e um de 17. Dois deles eram msinimamente Affica: se Tetrados ou desenbistas,ji que assinaram as respectivas matriculas. Quatro dente exes ho um do Co! mens eram marinheiros inexperientes:trs de primeita viagem e umn que embarcava pela (um da Bal segunda ver. Os demas tinhiam entre ts ¢ dezanos de vida no mar,o que nio les vale Santos, $i ppora subir na hicrarquia,j4 que nenhum deles foi além de servente. Nos navios portugue- em Brag sea cor da pele, confundida com a condicio social, funcionava como impedimento pra 08 tragos nnegros ¢ pardos ascendorem na carteira maritima maritima: firisado”. Pa Tabela 1. Idades dos forros em navi " Bens nae Nee pretes, : Node pretos ros. O para Bieri forrasregistados| —'°® 280° sorrocreistrados dados de st anos ou menos 1) De36a40ano: 3 24 anos Ch De 152 19 anos 5) Dedta4s anos 3 verdiano Fi De 202.25 anos 10 De 45a 50anos 2 fortos assin. (De 26 a 30 anos 7) De55a 60.an0s 1 As ida De 31.235 anos 2) Mise 60 anos forro mais nt” em ver de “escrivio" tend em mente a ditingio aponeala cute ese cagos velho foi « Dor Anténio Grexério de Freas, para quem ecrsao cs “oficial de Fazenda encatrogad da rece screvent trabalho navios mereantes“debaino 4h diesiouda sobrecarga”. Entre suas fungdes esta « de “ter ua livro dio (..) no quale ete o» apres, parelos ¢ vitals do avo; as izes que se estas descaregam, on 1 Marien omnes dos pastas, os tes, ¢ dictos por eles devs, ool da equipagem com as respectivas into LE respeia 3 desposs dl vigem”. FRECTAS, 1855, p18 Sai joie WW Avi otras ee 0 do texto © ex tos. tel, sl indigo em respect nero, foram retradsde documentos contidon em Relic de eguipens de nave pase 13. Read Porto, Pari ¢ peles L 103 Vamos contrapor os dados dos forros pardos aos dos negros na mesina cond ‘io. Dos 42 pretos forros dos quais pude coletar dados, nenhum teve registrado seu estado civil e apenas um teve assinalado os nomes do pai ¢ da mie." Cinco del embarcaram como cozinheitos, cinco eram mogos, 23 engajaram-se como serventes € nove nit tiveram a funcio a bordo registrada. Nesse caso, como no dos patdos bre a ocupacio no sugere que esses homens fossem mais graduados do que serventes, Seguramente, cram marinheitos comuns, assim como os que obtiveram 0 registro de serventes. Os pretos forros haviany nascido sobretudo na Africa: sete eram de Angola, um de Benguela, outro de Bissau, sete de Cabo Verde, ‘um do Congo nove da Costa da Mina, Nove eram naturais da América portuguesa (am da Bahia, dois da Paraiba, dois de Per nambuco,erés do Rio de Janeiro e um de Santos, Sio Paulo), enquanto trés exam nascidos no Reino (dois em Lisboa e um » Braga). Para quatro homens nio hi informagio acerea da naturalidade, Quando aos travos fisicos, sabemos apenas como era Josio Roiz, de 20 anos ¢ seis de vivencia ‘maritima: de “esatura menos de ordiniria,rosto comprida, nariz longo, cabelo preto frisado”. Para os 41 restantes no se mencionaram sinais fsicos, execto a cor a pel O gran de conbecinn ento formal da escrita nio era diferente do dos pardos for tos. O paraibano Antonio Soares, de 20 an €3.5 de experiéneia no mar, ao ler os ddados de sua matricula feitos pelo escrevente,"tudo jurou e assinou”, O angolano de 24 anos Christovio da Silva, Manoel da Luz des Anjos (natural de Bissau) ¢ 0 cabo- verdiano Francisco Lopes, os dois diltimos de 18 anos ¢ todos embarcados em uma viagem de Lisboa a Bissau em 1767, também assinaram seus re istros."* Os demas forvos assinaram em cruz ou o espace foi deixado em branco, As idades dos embarcados nessa categoria mostraram ser bem mais variada € remeterum a possbilidades que os rexistros permitem apenas entrever. O preto forro mais jovem que encontrei foi o servente Bris Lopes, caboverdiano de 14 anos que fez sua primeira viagem do Rio de Jancito a Lisboa em 1776." © mais © paraibano Francisco Pedro, de inacreditiveis 81 anos, 60 deles 1 Mattcuas das Equip 1767, navi N.S Pedude das Chagas), ANTT/JC tio 118 32 Maiculs das Equipagens dos Nav jutho de 1767, navio N. ; de Comci, Si fo Sie Jo Bayi; 7/6 ets Sip Pada Gonzales. ANTTAC, ive 1 1 43¥ @ Keto 38, 8 13 "Redigio da galera N a Sano Antonia gu wl ANTT/JC, Relages de exuipagens den 60 | yarn engajado em navios de longo curso sem obter qualquer ascensio profissiona. A Nio pude saber desde quando ele era forro, mas Francisco provavelmente vivew cesta grande parte de sua vida como escravo. E escravos nilo costumavam mudar de scider fungio a bordo, exceto indo de mogos a serventes, marinheitos ov, quando mui ou be cozinheiros emt navios mercantes Fran Em termos etirios,a maior concentragio de homens pretos forts emt navi so emai situa-se ma fea entre 15 ¢ 25 anos (15 homens), seguida pea fuixa entre 26 e 33 an cram (10 homers). Para outros seis homens, as idades no forant informadis. Com os dados cas Je que disponho, a faixa dos 20 aos 30 anos, tal com entre os pardos forroseraa que N concentrava 6 maior nimero de tabalhadores © representava quase-a metade dos re isto gistros (17 homens). © trabalho no mar, 20 que tudo indica, era exercdo por homens A jovens, enquanto eram fortes 0 bastante para suportar cans, longas horas de servigo buainor clio e um tempo diltado de sas vidas a bordo © em condides muitas vezes ins serve! De ides variiveis, esses homens também acumulavam tempos diferentes na r vida maritima, Trés deles cram de priniira vingem, trés de segunda, um jf tinha forter feito és viagens e outro embarcara mais de 20 vezes, embora sito ssibamos em Pore quanto tempo, Os demais acumsulavamn de win a 60 anos de experiéncia, O tempo aica Je experigncia maritima concentrava-se entre um © dezanos (23 homens) © poucos da an jonseyuiam suportar mais do que isso sem comprometer sta satide (nove homens Porte com tempo de engajamento de seis anos até mais de 20). Esses dados indicam que a exer Vida Gil dos trabalhadores nos graus mais baixos da marinhagem, comumente oct anos. Quase 3/4 dos preto forrs tinham case tempo de experiéncia de trabalho no mar ¢ poucos conseguiam suportar a faina por mis tempo ~ o que torna ainda nai u nnrivel a histéria do velho Francisco Pedro, & Quanto aos excravos, Candido afirma que as istas de matric registam 230 A homens em um universo de 8.441 tripulantes." Colhi uma amostra de 102 deles, a Bi fim de analisar © perfil desse contingent y ‘ sbo fe Janeiro, 2! ty i ANTTUIC, Retagiies suppers at - pansapeiros, A Mago I,Cana& N audar de is Iusos os dados aa que ae +s insalu da mais i 105 A julgar pela amostragem, os escreventes nio se interessavam pelos dados sobre © estado civil dos marinheiros escravos. Uma hipdtese para isso era que, em caso de te, morte 04 pagamento de guro,a mulher ou companheita nio seria avisada ou beneficiada, mas sim © senhor do eseravo, Apenas © escrave portugués Antonio Franco, easado com Anna Franca, teve © dado sobre o estado civil preenchido, Os cdemais deveriam compartilhar a experiéneia comum a pessoas nessa condigio socal: cram solteiros aos olhos da Ipteja, mas nada os inspedia de ter companheiras nos lo- cais para onde eventualmente retornavam, entre uma viagems maritima ¢ outr Ne sgistro dos eseravos em Portugal do século XVII nenhum merece © re ipag A bono, os escravos cumpriam fungdes manuais em postos hicrarquicament agistro de filiagio nas matriculas de equipagens. baixos, ral como ocorria com os fortos. Eram calafates (um caso), cozinheiros ou |. maneebos (nove) ou grumetes (quateo). independentemente de suas idades ¢ experiéncia no trabalho. De acordo com os locais de nascimento, a escravidkio maeitina era alimentada fortemente pelo trifico afficano, Ainda que esse comércio tenha side proibido em Portugal em 1761, nos circuitos da navegacio com passagens pelo Reino a pre africana continuava ostensiva.A Affica era 0 local de nascimento de 43 dos escravos da amostra. Em seguida, 0 grupo de excravos mais numetoso eta o dos naseidos em Portugal, oito homens. Ui baiano ¢ um natural de Goa completavan a lista dos eseravos negros engajados nas embarcagdes lusas Tabela 2. Naturalidade dos escravos embarcados em navios lusos | Node teipuantes Ne detripulantes (oolcenacionn | PERRIS ac racinema | etait Benguela 2 t Bee com sei A excegio de Joo Ferreira, “ako © refeito do corpo", sobre © qual nio sabemos onde nasceu e que havia 20 anos erabalhava no mar no “exercicio de mancebo",” todos os outros escravos no foram descritos fisicamente nas mat caulas das equipagens dos navios. Os escravos sequer esc viamn seus nomes:a frequéncia de assimaruras deles é ainda menor do que a verificads entre os forros, Em geral,o campo da assinatura no esti pr hido ow a notagio informa de que o escravo“assina em eruz”.A tmica excegio reveladora do inimo dos escreventes para com a matricula dos ativos:o pando Antonie Rodrigues de Faria, de 24 anos, escravo do capitio do Santa Rosie Senhor do Banfi na rota Lisboa-Luanda, assinou seu nome, Seguind a totina,o eserevente anotou que ele sssinara em cruz, mas.a assinatura logo abaixo desmente ess inscrigio. Que importincia teria a alfabetizagio dos escravos & dos forros? Historiadores tém. idado com a circulagio desses homens pelos dominios lasos e a forma pela qual eles Podiam expulhar rumores noticias indesefivels para os senhores, tas como .s leis sobre 2 escravidio editadas em Portugal na Spoca pombalina, conforme destacou Venancio. Na Paraiba, a0 reprimir uma revolta em 1773, as aucoridades descobrinam que negros livres e alfabetizados com ocupagdes manuais formarum wm grupo para debater, entre ‘outros assuntos, as leis promulgadas naqucles anos.” alfabetizagio de escravos ¢ fort0s nos dominios lusos era reduzida, mas os poucos que detinham essa habilidade, se asin © desejassem, tiveram chances de potencializar sew papel de linha de transmissio de informagdes que no convinham 4 ordem escrivista, sobretudo na condigio de mat nheiros. Os autores de Gidades nayeas destacaram a forma pela qual os portos maritimos foram articulados culturalmence pela experiéncia dk narujos:"Navios, conveses e por tos constituiram expagos improvisados de comunicagdes, gestagdes de culturas éenicas, ctiagio de linguagem e percepedes politicas originais”. A partir de bata, ros ¢ lagoas thas cidades negras, muitos eseravos se engajavamn em atividades atlintieas e iam parar cern lugares distantes, Os auto ntaram ainda para o Fito de que, nos antincios de fagas publicados em jornais durante a primeira metade do século XIX, era comum os senhores alertaren os oficiais“para nio receber escravos fgitivos comio marinheiros ou cembarcados, mats reiteragio desses apelos indica que os mestres dos navios nio eran iio sensiveis a esses reclanios”.®" Na capital portuguesa, lugares como © Bairro Alto, 7M das Equipage do Navi, 3/7 17657 avi Sos: Re de Portugal ANTT Cie 1 is atin ses dos Navios, 3/6/1767. ANTT/C, fv 2, 8.3 19 VENANCION pcg. 11 € 169;SILWA op dip 136 ")FARIAS, GOMES, SOARES ¢ ARAUIO, 2 Altius, ifere que mais faciseas, quatro ue ele s de 107 Alfama.a Mouratia € 0 Cais do Sodré da primeira metade do século XIX cram espagos diferentes da cidacle convencional, Ali, havia girias proprias e era sobretudo de noite a fadistas marialvas, tou tnais se notavamt as fromteiras entre a boémia e a sociedad respeitivel, Prostiutas, os, olecinos, vagabundos ¢ marinheitos tinham os seus mundos identemente das caractersticos: “Mantinham uma convivéncia aberta entre si indeps Origens sociais de cada um”.*' Muito provavelmente, os marinheitos valian-se da lin guagem eserita ou da oralidade, evavam para locais como esses as noticias dos dominios ultramarinos © as faziam circular nos meios populares ntre Os escrayos a cor no variava mais do que Forros eram pard pretos © « isso, Dos 102 homens da amostra, 84 tiveram a cor de suas peles assinalidhs ~ os de ais 18 podiam ser de qualquer item da gradagdo pouco variada que encontramos dias matriculas de tripulantes das dlkimas décadis do século XVIII, Un mulato fai inscrito: o servente Paulo da Silva, de 28 anos ¢ naturalidade especificada, Dos ‘quatro pardos, sibemos que um era lisboeta e sobte os demais nio temos a informa ‘0 do local do nascimento, Considerada a naturalidade, 05 79 marinheitos escravos pretos da amostra exam predominantemente afticanos, Havia apenas sete portugueses © um soteropolitano (natural de Salvador, Bahia). Tabulando-se as informagdies sobre as idades desses homens, ¢ maior concentra Jo situava-se na faixa entre 15 ¢ 30 anos (61 homens) Tabela 3. Idades dos escravos em navios lusos ide escravos| Nedeescravos ee od ey anos ou menos 4) De 36a 40 ano De 152 19 anos 10] Dea1 a45 anos De 20025 anos | 29) De46 a 50ano: zi De 26.30 anos 22) De S$.a 60 anos De 31.235 anos 4) Mais de 60 anos Asim como ocorria com os forros, os escravos engajados no trabalho maritimo cram jovens, com forte concentragao na faixa até os 30 anos (84% dos escravos & (64% dos foros), Quanto a0 tempo de embarque, um indicador da experiéncia ma- ritima, esse se mostrou mais equilibrado: 27 homens tinham entre seis e 13 anos de 108 exp, jéncia,a faixa na qual se situa a maior concentragio, Muitos eram marinheiros de primeira viagem ou cont pouca ex nia. Os eseravos mais experientes eran Tabela 4. Escravos ¢ tem engajamento em navios mercantes Experiéncia maritima Ne de escravos registrados Primeira viagem 1 aSanos 2% 6a10an0s 18 1a 15an0s 9] 16a 20 anos 5 Mais de 20 anos al (Os dados sobre 0s escravos demonstram um divisio equitativa, meio a homens experientes ¢ outros com vivéncia de embarcados de até cinco anos, muitos dos quais marinheiros de primeira viagem, Em ans easos,em ver de indicat teinpo de engajamento, remete-se 4 quantidade de viagens feitas pelos marujos com expres sbes do tipo “trés viagens neste navio”, “embarca pata Lisboa a primeira ver © tem navegado para a colénia” ea embarcou trés vezes para a Bahia”. Embora denotem cexperiéncia, as expressdes impossibiliam ‘uma estimativa mais precisa sobre o tempo de embanque desses trabalhadores, ainda que servissem para a avaliaga¢ os responsi es homens no tabalho. veis por engajat ¢ Por fim, hhamar a atengio para as fontes ustdas neste texto, ou sejay as matriculas de equipagens de navios,e para as quest®es que se podem langar em uma anilise. Busquei, aqui. a presenga de marinheiros negros, na condigio de escravos ou fortos, nascidos na Affica, no Reino de Portu al ou nos dominios portugueses na América, Dessa preocupagio inicial, pretendo seguir abordando a earscterizagio do grupo de marinheiros engajados nas embarcagées mercantes, independentemente de sua origem gu condigio social, até para poder discutir a presenga dos escravos ett meio a0 Conjunto dos erabalhadores nessa atividade Pelas matriculas das equipagens, podemos perceber intimeras questies que per Ineiam 0 universo do trabalho no mar e cabe aqui citar algumas delas. 1) Que di ferengas havia em relagio 4 nomenclatura dos cargos a bordo (particularmente os peupados pelos marinheiros comuns); 2) que contetidos inseritos nos registros in dicam a experiéneia dos embarcados (tempo, niimero de viagens, perteneimento is snopanhias rota ¢ se hy gistros de le dor impacto < no traball cede morad fisica quant que pode res (defeit posigdes mm periéncia,e dade de qu a média e dos homer matricula urinheiros reempo expres: io do nte de 1 109 companhias de comércio); 3) qual era 0 tempo médio das vi ns conforme cada rota € se havia especial iagio dos tripulantes em rotas espectficas: 4) quais so os re ristros de letramento, 0 grau de letramento em cada embarcagio e que importincia iso andamento dhs vi perceptiveis no gra ado comparamos oficiais ¢ marinheitos comuns e se hi alguma telagio entre idade ¢ letramento;6) quais cram os locais de habitagio mais conuns dos marinheiros em Lisba quanto i naturalidade, como se distribufam os homens do mar, de forma geral e de acordo com o lugar de ot jzem:; 8) qual era a idade média "0 inicio do engajamento dos homens no mundo do trabalho maritino;9) qual foi © impacto da saida de homens jovens engajados no trabalho maritimo nas diferentes ws do Reino; 10) qual era o gra de mobilidade espacial antes do engajamento no trabalho maritimo, considerando dados como local de nascimento, de casament ede moradia no momento da matricula; 11) quantos navies traziam eseravos a bordo © quanto esse montante representava no total da navegagio; 12) qual é a ordem de inscricio dos tripulances nas matriculas, conforme a hierarquia & o preenchimento do niimero de homens necessirios is tarefas do navio; 13) 0 que nos diz a descrigac fisica quanto a diferenciago entre brancos e negros e, na amostragem dos brancos, 0 que podemos deduzir sobs 0s efeitos da profissio inscritos no corpo dos trabalhado- rs (defeitos fisicos, comprimento do cabelo, tatuagens e ©):14) de que forma eram rransnitidos oy nomes familiares, considerindo que nio havia regra para se adotar © sobrenome do pai ou da mie; 15) qual era a ¢ Posigdes mais elevadas ma tripulagio, ou a ascensio profissional no est li periéncia, sim 3 formagio © a0 nascimento; 16) a presenga constante de homens da Jo na mesma tripulagio pode ser compreendida como indicador de uma vivéncia comunitiria que interferia no recrutamento das tripulagéex; 17) possbil dade de quantificar desergies ou fugas de marinheiros depois da matricula: 18) qual * média etiria dos tripulantes e se & possivel verificar se hi um equilibrio nas idades dos homens que desempenhavam servigos bracais na mesma enburcagio: 19) a“eor morena” ou “trigueira” que aparece na descrigio fisica refere-sv ao rosto ¢, portanto, 6 um sid fisico da experiéncia profissional, on indica a ais do que isso: 20) qual © significado da expressio “maritimo de profissio”;21) qual @a paleta de cores usicha no campo reservado a descrigio fisica dos homens; qual & 0 sentido de apresentar festemunhas que corroborem as informagdes dadas ao escreverite no momento da matricula; 23) formas de batizar as embarcagdes e seus significados devotos. E na busca de respostas a esas indagagdes que a pesquisa prosseguita no JENA Referéncias CANDIDO, Mariana P. “Different Slave Journeys: Enslaved African Seamen on Board ofPortuguese Ships, ¢. 1760-18205". Slavery & Abolition, vol. 31, 1 Pittsburgh, 2010, p. 395-409. FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Fhivio dos Santos; SOARES, Carlos Eugenio. ARAUJO, Carlos Eduardo M. de. Cidades ngnts:afticanos, crioulos & espagos uurbanos no Brasil escravista do séeulo XIX. 2" ed. So Paulo: Alameda, 2008. RODRIGUES, Jaime. “Unt sepulero grands, amplo e fando: stvide alimentar no Addintico,séculos XVI ao XVIIE". Re Histériv. 168, Si Paulo, jun, 2013, p. 325-350, RUSSELL-WOOD, A. J. R. Ecraos e itherios no Brasil colonial. Rio. de janeito Givilizacio Brasileira, 2005, SA Victor de, Lishou no liberalismo, Lishoa: Livros Horizonte, 1992, SANTOS, Piedade Braga; RODRIGUES, ‘Teresa; NOGUEIRA, Margitida Si Lishoa seecentsta vista por estangeiros. Lishoa: Livros Horizonte, 1992, sILv) fo ilustrada (1 107-149, Luiz Geraldo. “Esperanga de liberdade: interpretagées populares da aboli Histsra, ¥. 144, Sio Paulo, jun. 2011, p. VENANCIO, Renato Pinto, Ca asil.séculos 18 ¢ 19. Sto Paulo: Alameda/Belo Horizonte, Fapemiig, 2012. vos do 1 circulagio dos escravos entre Port | |

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