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RENDICAO, FUGA E CONTRA-ATAQUE Traducio livre por Cristiane Figueiredo As armadilhas de vida organizam de modo ativo nossa experiéncia. Elas operam de maneira evidente e sutil para influenciar 0 modo como pensamos, sentimos e agimos. Pessoas diferentes lidam com essas armadilhas de diversas formas. Isso explica porque criangas criadas em um mesmo ambiente podem se tornar adultos tao diferentes. Por exemplo, duas criangas que tiveram pais abusivos podem se comportar diante do abuso de modos muito diversos. Uma se torna passiva, vitima atemorizada e se mantém dessa forma ao longo da vida. A outra crianga se torna abertamente rebelde ¢ desafiadora ¢ pode até deixar a casa cedo para sobreviver como uma adolescente nas ruas. Isso ocorre em parte por conta de termos temperamentos diferentes desde 0 nascimento — tendemos a ser mais assustados, ativos, extrovertidos ou timidos. Nosso temperamento nos impulsiona em certas diregdes. E isso em certa medida justifica porque escolhemos um dos pais para copiar ou servir de modelo posteriormente. Uma vez que uma pessoa com perfil abusador frequentemente se casa com outra com perfil de vitima, seus filhos terao ambos como modelos a serem possivelmente seguidos. A crianga pode copiar o pai/mae abusivo ou o vitimizado. 47 TRES ESTILOS DE ENFRENTAMENTO DAS ARMADILHAS DE VIDA: RENDICAO, FUGA E CONTRA-ATAQUE! Vamos observar trés individuos diferentes: Alex, Brandon e Max. Cada um possui a armadilha da Defectividade. No intimo, os trés se sentem falhos, indignos de amor e envergonhados. No entanto cada um lida com seus sentimentos de defectividade de formas inteiramente diferentes. Nés chamamos esses trés estilos de Rendigao, Fuga e Contra-ataque. ALEX: Ele se rende ao seu senso de defectividade. Alex é um estudante de 19 anos de idade. Quando vocé o encontra ele nao te olha nos olhos. Ele mantém sua cabeca baixa. Quando ele fala, vocé mal consegue escuté-lo. Ele enrubesce e gagueja, se coloca por baixo diante de outras pessoas ¢ constantemente pede desculpas. Sempre assume a culpa pelas coisas que dao errado, mesmo que elas nao tenham ocorrido por alguma falha sua. Alex sempre se sente por baixo ~ inferior aos demais ¢ ele constantemente se compara aos outros de maneira desfavoravel. Ele sente como se as pessoas fossem de alguma forma melhores. Eventos sociais sdo invariavelmente sofrides por conta disso. Em seu primeiro ano no ensino médio ele foi a algumas festas, mas ficou tao ansioso que foi incapaz de conversar com alguém. “Eu nao conseguia pensar em nada para dizer’, ele explica. Adiante, em seu segundo ano, ele nao foi a uma festa sequer, Alex comegou a namorar uma mulher que morava em seu alojamento. Ela o criticava todo o tempo. Seu melhor amigo também é bastante critico em relacao a ele. 1.Na Terapia do Esquema esses estilos de enfrentamento correspondem & manutengao/resignacao, evitagao e hipercompensacao. 48 Sua expectativa de que as pessoas serdo criticas com ele frequentemente corroborada. TERAPEUTA: Por que vocé se critica tanto? ALEX: Eu acho que prefiro fazer isso primeiro, antes que os outros facam por mim. Alex tem muitos sentimentos de vergonha. Ele enrubesce e anda com a cabeca baixa porque sente vergonha de si mesmo. Ele interpreta as situages em sua vida como provas continuas de sua defectividade, incapacidade de ser amado e sua falta de valor. ALEX: Eu me sinto como um rejeitado social. Nés estamos na metade do semestre e eu ainda nao conhego ninguém em nenhuma das minhas aulas. Outras pessoas sentam a minha volta e conversam, mas eu simplesmente sento ld como um “galo em um poleiro”. Ninguém fala comigo. TEI APEUTA: Vocé nunca fala com ninguém? ALEX: Nao. Quem iria querer falar comigo? Allex pensa, sente e se comporla como se fosse realmente defeituoso, imperfeito Essa armadilha permeia sua experiéncia de vida. Esse é 0 modo caracteristico do estilo de Rendigéo. A armadilha de vida se identifica com 0 que somos. Alex é bastante consciente de seus sentimentos de defectividade. Quando nos rendemos, distorcemos nossa viséo das situagdes para confirmar nossa armadilha de vida. Nés reagimos com fortes sentimentos toda vez que nossa armadilha ¢ ativada. Escolhemos parceiros e nos colocamos em situagées que reforgam nossa armadilha de vida, Nés mantemos a armadilha de vida. Alex consistentemente distorce ou percebe mal situagées de modo a que reforcem a armadilha. Sua visio das situagdes nao é acurada: ele sente que as 49 pessoas o estao atacando ou humilhando mesmo quando elas nao estao. Ele tem um forte vie para interpretar eventos como provas de sua defectividade, exagerando 0 negativo e minimizando o positive. Ele é ilégico. Quando nos rendemos, nés continuamente interpretamos mal as pessoas e os eventos de modo a manter nossas armadilhas de vida. Crescemos acostumados a certos papéis e a certas formas de sermos percebidos. Se nés crescemos em uma familia em que somos abusados, negligenciados, gritam conosco, nos criticam constantemente ou somos subjugados entao esse é 0 ambiente que nos parece mais confortével. Apesar de ser pouco ou nada saudavel, muitas pessoas procuram e/ou criam ambientes que sintam como familiares e semelhantes aqueles onde foram criados. A esséncia da Redensao é de alguma forma manejar sua vida de modo que vocé continue a repetir os padroes de sua infancia, Alex cresceu em uma familia que o criticava e humilhava, um padrao tipico de origem da armadilha da Defectividade. Como adulto, ele se comporta de modo a garantir que ele acabard sendo criticado e humilhado. Ele escolhe parceiros e amigos que so muito criticos a seu respeito. Ele age de forma envergonhada e se desculpa excessivamente. Ele se critica diante dos outros. Quando as pessoas séo agradaveis com ele, se distancia e de alguma maneira enfraquece o relacionamento. Alex tenta manter o status quo. Quando 0 ambiente se torna muito acolhedor, ele altera a situagdo para que possa voltar aquele estado “confortével” de vergonha e rejeicao. Se ele se sente superior ou igual por um momento, de algum modo ele manipula a aco para retornar a uma posigao inferior. A Redencao inclui todos os padres autodestrutivos que seguimos repetindo dia apés dia. Sao todas as formas nas quais reproduzimos nossa experiéncia infantil. Nés ainda permanecemos aquela crianca, passando pelas mesmas dores antigas. A Redengao estende nossa infancia através da nossa vida adulta. Por essa razao isso frequentemente nos conduz a sentir uma falta de esperanga na mudanga. Tudo © que 50 sabemos ¢ a armadilha de vida, da qual nunca conseguiremos escapar. E um ciclo autoperpetuador. BRANDON: Ele foge de seu sentimento de defectividade. Brandon tem 40 anos de idade e nunca teve um relacionamento mais préximo com alguém. Ele gasta a maior parte de seu tempo livre jogando conversa fora com seus colegas pelos bares da vizinhanga. Brandon fica confortével com relacionamentos casuais e amigaveis, mas onde nada muito particular é discutido. Brandon é casado com uma mulher que nao faz contato com seus sentimentos. Ela est’ muito ocupada com manter as aparéncias, Ela est4 mais interessada em ser casada do que em ser casada com o Brandon em particular. Ela tem amigas intimas e préximas, mas nao espera maior aproximacao de Brandon. Ela quer ter um homem apenas para preencher © papel convencional de esposa. Seu relacionamento ¢ baseado em papéis tradicionais e nao em verdadeira intimidade. Eles raramente confiam um no outro. Brandon foi um alcodlatra durante toda sua vida adulta, Mesmo que sua familia e amigos sugiram os Alcodlicos Anénimos, ele os ignora. Ele insiste que nao 6 um alcodlatra — alega que bebe apenas socialmente e que ele tem controle sobre sua bebida. Além de beber no bar de seu bairro, ele tende a beber também em situagdes sociais quando esté rodeado de pessoas que ele sente que so melhores que ele. Brandon tornou-se depressivo, o que originalmente o trouxe para a terapia Mas diferente de Alex, ele nao estava em contato com sua armadilha de vida. Ele gastou boa parte de sua vida se esforgando para ndo entrar em contato com ela Quando ele iniciou a terapia pela primeira vez, ele estava apenas vagamente consciente de seus sentimentos de defectividade. Quando perguntamos a ele como se sentia em relagdo a si mesmo, ele negou ter sentimentos de baixa autoestima ou 51 vergonha. (Mais tarde na terapia ses. sentimentos apareceram muito intensamente). Tivemos que lutar contra sua Fuga de todas as formas. Quando pedimos a ele que escrevesse seus pensamentos negativos como tarefa de casa, ele nao o fez. Ele questionou: “Por que pensar sobre essas coisas? Elas apenas me fazem sentir pior.” Quando solicitamos que fechasse seus olhos e se visse como crianga, ele disse “Nao consigo ver nada. Minha mente esté em branco.” Ou ele via uma imagem de uma foto dele em crianga, desprovida de emogao. Quando o perguntamos sobre seu pai abusivo, ele i tia que nao sentia nenhuma raiva. “Meu pai era um bom homem"”, ele dizia. Brandon tenta escapar de seus sentimentos de defectividade. Com a Fuga, nés evitamos pensar sobre a armadilha de vida. Nés tiramos isso de nossa cabeca. Também fugimos de sentir nossa armadilha de vida. Quando os sentimentos so gerados, nos os amortecemos. Usamos drogas ou comemos excessivamente ou limpamos compulsivamente ou nos tornamos apegados demais ao trabalho (workaholic). E evitamos entrar em si ituages que possam minimamente ativar nossa armadilha de vida. Na realidade, nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos ocorrem como se a armadilha nunca tivesse existido, Muitas pessoas fogem de areas inteiras da vida quando se sentem vulneraveis, ou sensibilizadas. Se vocé tem a armadilha da Defectividade, como Brandon, vocé pode evitar qualquer relacionamento interpessoal mais intimo, impedindo que qualquer pessoa se aproxime demais de vocé. Se vocé tem a armadilha do Fracasso, vocé pode evitar © trabalho, tarefas escolares, promogées ou se engajar em novos projetos. Se vocé tem a armadilha da Exclusao Social, voc pode evitar grupos, festas, reunides, convengdes. Se vocé tem a armadilha da Dependéncia, vocé pode evitar todas as situacdes que te requeiram ser independente. Vocé pode ter fobia de ira locais puiblicos sozinho. E natural que a Fuga se torne uma das formas de lidar com nossas armadilhas de vida. Quando uma armadilha é ativada, somos invadidos por sentimentos 52 negativos - tristeza, vergonha, ansiedade e raiva. Somos impelidos a fugir dessa dor. Nés nao queremos encarar 0 que realmente sentimos porque isso ¢ deprimente demais de sentir. A desvantagem da Fuga é que nunca superamos a armadilha. Como nés nunca confrontamos a verdade, nés ficamos emperrados. Nao podemos mudar aquilo que no admitimos ser um problema. Em vez disso, mantemos os mesmos comportamentos ¢ relacionamentos autodestrutivos. Na tentativa de seguir a vida sem sentir dor, nés tiramos de nés mesmos a chance de modificar as coisas que nos causam essa dor. Quando fugimos, barganhamos conosco mesmos. Nao sentiremos dor a curto prazo, mas a longo prazo sofreremos as consequéncias de ter evitado 0 assunto ano apés ano. Quando mais evita, mais Brandon se afasta daquilo que mais deseja - amar e ser amado pelas pessoas que realmente o conhecem. Amor é aquilo que foi negado a Brandon em sua infancia Com a Fuga nés abrimos mao de nossa vida emocional. Nés nao sentimos. Apenas seguimos entorpecidos - incapazes de experimentar 0 verdadeiro prazer, a verdadeira dor. Porque evitamos confrontar os problemas, frequentemente acabamos ferindo aqueles que estio préximos a nés. E também ficamos mais vulneraveis as terriveis consequéncias das adigdes como dlcool e drogas. MAX: Ele contra-ataca para lidar com seu sentimento de defectividade. Max ¢ um corretor da bolsa de valores de 32 anos. Aparentemente ele autoconfiante e seguro de si. Na verdade, ele é esnobe. Tem um ar de superioridade. E bastante critico em relagao aos outros e raramente reconhece alguma falha em si mesmo, 53 Max procurou a terapia porque sua esposa estava ameacando deixé-lo. Ele insistia que todos os problemas eram por causa dela. TERAPEUTA: Entao sua esposa estd bastante aborrecida com vocé? MAX: Na minha opinido, ela é a responsével por todos os problemas. Ela aumenta as coisas de forma desproporcional e ainda demanda muito de mim. E ela quem precisa estar em terapia Na verdade, Max escolheu uma mulher bastante passiva, que se auto sacrificava e o idolatrava. Ao longo dos anos ele foi se tornando tao abusivo verbalmente e egoista que ela finalmente decidiu que ou eles iniciavam uma terapia ou ela o deixaria Max cria situagdes onde ele sempre sai por cima. Escolhe amigos ¢ funcionérios que © bajulam ao invés de desafié-lo e confronté-lo. Ele gosta de se sentir superior. Ele investe boa parte de sua energia tentando alcangar prestigio e status. Ele manipula e utiliza as pessoas de todas as formas para atingir seus objetivos, Ele tentou dominar a terapia também. Questionou nossas credenciais, abordagem, competéncia, nivel de sucesso e idade. E ficou nos relembrando todo 0 tempo de quao bem sucedido ele era. Quando dissemos a ele que achavamos que ele estava tratando mal sua esposa, ele ficou furioso. Ele insistia que nés nao conseguiamos compreender seus sentimentos. E que nés deveriamos estar dispostos a marcar sessées quando ele quisesse porque ele era uma pessoa muito importante. Quando nés negamos, ele novamente se tornou raivoso. Ele sentia que ndo estava tendo o tratamento especial que ele julgava merecer. Max nao faz contato com sua armadilha de vida mas ela tem tudo a ver com ele, Ao se sentir superior, Max experimenta © oposto do que ele sentia quando crianga. Ele esta tentando ser o mais diferente possivel da crianga desvalorizada que seus pais o fizeram sentir que ele era. Poderiamos dizer que ele passa a vida inteira 54 tentando manter aquela crianga 4 margem e a reagir aos ataques daqueles de quem ele espera ser criticado e abusado. Quando Contra-atacamos, tentamos disfargar a armadilha de vida por convencer a nés mesmos ¢ os outros que o oposto é a verdade. Nés s ntimos, agimos € pensamos como se fossemos especiais, superiores, perfeitos, infalfveis. Nos apegamos a essa personalidade desesperadamente. O Contra-ataque se desenvolve porque cle oferece uma alternativa a ser desvalorizado, criticado ¢ humilhado. E uma saida para aquela terrivel vulnerabilidade. Nossos contra-ataques nos ajudam a enfrentar. No entanto quando esses ataques se tornam muito extremos, frequentemente se voltam contra nés e acabam nos ferindo. Contra-ataques podem parecer saudaveis. De fato, muitas das pessoas que admiramos socialmente est4o “contra-atacando” — alguns sao artistas de cinema, astros do rock ¢ lideres politicos. Mas ainda que eles se encaixem bem com os padrdes sociais e sejam bem-sucedidos aos olhos das outras pessoas, eles geralmente nao esto em paz consigo mesmos. Eles frequentemente se sentem defeituosos ou sem valor internamente. Eles barganham com esses sentimentos de inadequacao colocando a si mesmos em sittiagdes onde conseguirao o aplauso da plateia. Ganhar esse aplauso & na realidade uma tentativa de compensar o profundo sentimento de nao valem & pena. Eles podem contra-atacar através do disfarce de suas falhas com sucesso antes que sejam descobertos e colocados para baixo. Nossos contra-ataques nos isolam. Nos tornamos to voltados para parecer perfeitos que paramos de nos importar com quem fica ferido no caminho. Continuamos a contra-atacar, ndo importa 0 quanto isso custe a outras pessoas. E hd limites para certos efeitos negativos. Eventualmente as pessoas nos deixam ou nos retaliam de alguma forma, Nossos contra-ataques também vao de encontro & intimidade verdadeira. Nés perdemos a habilidade de confiar, de nos deixarmos vulneraveis e de nos 55 conectarmos em um nivel mais profundo. Nés encontramos alguns pacientes que prefeririam perder tudo - incluindo seu casamento, a relagdo com alguém que amam —ao risco de ficar vulneravel. Eventualmente, independente de quao perfeito nés tentemos ser, vamos falhar em alguma coisa. Aqueles que contra-atacam nunca aprendem a lidar com a derrota. Eles nao assumem a responsabilidade por suas falhas nem reconhecem suas limitagées. No entanto, quando ocorre um contratempo mais sério, 0 contra-ataque ndo resiste e¢ entra em colapso. Quando isso acontece, eles frequentemente desmoronam e ficam bastante deprimidos, No intimo, aqueles que contra-atacam sdo geralmente muito frageis. Sua superioridade é facilmente esvaziada. Eventualmente pode ocorrer uma avaria na armadura (proteco) e parece que o mundo inteiro vai desmoronar. Nesses momentos, a armadilha de vida se reafirma com uma enorme forca ¢ 0 sentimento original de defectividade, privagao emocional, exclusao ou abuso retornam. Todos os trés homens ~ Alex, Brandon e Max ~ tem a Defectividade como sua principal armadilha de vida. Bem no fundo, os trés se sentem sem valor, incapazes de serem amados e falhos. Ainda que cada um lide com seus sentimentos de defectividade de maneiras completamente diferentes. Alex, Brandon e Max sdo relativamente “tipos puros”. Cada um utiliza um dos estilos de enfrentamento primérios. Na realidade esses tipos puros sao raros. A maioria de nés utiliza uma combinagéo de Rendigio, Fuga e Contra-ataque. Precisamos aprender a modificar esses estilos de enfrentamento de modo a superar nossas armadilhas de vida e nos tornarmos saudaveis novamente. © préximo capitulo mostra como confrontar suas armadilhas de vida efetivamente sem se render, sem fugir e sem contra-atacar. 56 57

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