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CARLO
GINZBURG

Nenhu
ma ilha
é uma
ilha
Quatro visões da
literatura inglesa

Tradução
Samuel Titan
OMPANH1A AS

LETR
AS

Copyright © 2000 by CariGGirtzbarg


Obra publicada coma aantribukaa do Ministério das Relações Exteriores da Itália
Sumário
Titulo original
Nessuna isola è un'isola Quattro sguardi sulla letteratura inglese

Capa
ledo Baptista da Costa Aguiar
Imagem de capa
Retrato de urn cartuxo (e. 1446) de Petrus Christus. Nova York,
Metropoiltan M use urna of Arts

Tradução ide termos ialtinos


Angélica Chiappetta
Wire remissivo
Luciano Marchiori

Preparação
Eu génio Vinci de Moraes
Paulo Werneck
Revisão
Isabel Jorge Cury
Denise Pessoa

Dados ltvieroacionais 3c C...7414,Wk511.11 na Publicaçáo IerF1


(Cimari Brasileira tIr.511)

&Imbu/1g., rb. i939-


Nenhuma ithd é Iiiiérarurá ingle-
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Buliu leitrratura inglese.
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L Critiiw likerária 7, Literatura J:ordssa CrFliü ► e interpre-


ta/ADI.Titulo. 1!. QUISr0 visões da literaturo

04-5895 _______________________________________ 1::DD-810.9

irxdice para eièrálogo sisiernliticca


1, Literatura inRless : #11:€-‘ória e critica e20,9

[2004]
Todos os direitos desta edição reservadas à
EDITORA SCIIWA RCZ
Rua Bandeira Paulista 702 ci. 32
04 53 2-002 São Paulo—SP
Telefone (11) 3707-3500
Pai (11) 3707-3501
www.companhiadasietras.com.br
Agradecimentos....................................................................... 9
Introdução ............................................................................ 11

I.0 Velho e o Novo Mundo vistos de Utopia.......................... 17


1 Identidade como alteridade................................................. 43
3............................................................................................E 64
m busca das origens ....................................................
4..............................................Tusitala e seu leitor polonês 91
..............................................................................................
Notas......................................................................................... 115
índice remissivo....................................................................... 139
Agradecimentos

Os quatro ensaios
que apresento aqui
foram lidos na Italian
Academy de Nova York,
em fevereiro e março de
1998. Agradeço a
Richard Brilliant o
convite para uma
temporada de pesquisa
na Casa Italiana, que ele
dirige. Passei dois meses
belíssimos em Nova
York.
Os temas de que
trata este livrinho
haviam sido objeto das
Conferências Clark que
proferi em Cambridge,
numa versão ligei-

9
ramente diferente, em
janeiro de 1998. Sou
grato a Amartya Sen e
a Emma Rothschild
por sua hospitalidade
no Trinity College.
Muitas pessoas me
ajudaram, de diversas
maneiras, em Cam-
bridge como em Nova
York; seria impossível
citá-las todas. Recorda-
rei apenas Franco
Moretti, com quem levei
adiante, em longas cami-
nhadas e conversas
noturnas, uma
discussão que já vem de
anos.

Los Angeles, junho de


1999

Na versão
italiana, corrigi erros,
modifiquei o texto aqui
e ali e acrescentei
algumas menções
bibliográficas nas
notas aos dois
primeiros capítulos. Agradeço a Adriano Prosperi pelas observa- introdução
ções e sugestões e a Grazia Cassaria pela preciosa assistência na
preparação do manuscrito.

Los Angeles, junho de 2002

Estes ensaios propõem uma visão não insular da literatura


inglesa em quatro capítulos ligados por um tema comum: a ilha,
real ou imaginária, evocada no título. Mas a unidade do livro não
é apenas (e talvez nem sequer principalmente) de ordem temática.
Um mesmo procedimento ou princípio construtivo tem guiado
sem que eu me desse conta de imediato— tanto minhas pesqui-
sas como o modo de apresentá-las. Tentarei analisar em retros-
pecto algumas de suas características.
Na origem, há sempre um achado proveniente das margens
de investigações inteiramente diversas. Foi o acaso, não a curiosi-
dade deliberada, que me fez dar com os comentários do bispo
Vasco de Quiroga à Utopia de Thomas More ou com a Defesa da
rima E Defenee of rpne] de Samuel Daniel, e assim por diante. Em
cada circunstância, tive a súbita sensação de ter encontrado al-
guma coisa, talvez até alguma coisa de relevante; ao mesmo
tempo, tinha consciência aguda da minha ignorância. Às vezes,
uma resposta relampejava: a intuição de uma afinidade morfoló-
gica entre Tristram Shandy e o Dicionário de Bayle, por exemplo.

14
Mas não sabia qual era a pergunta. Somente a nero ensaistico.2 Como recorda Jean Starobinski, a própria
etimo-
pesquisa permitiu formulá-la. logia da palavra "ensaio" (do latim medieval
Não sei se retroceder a partir do final, da solução, é um hábito exagium,"balança")
associa essa forma literária à necessidade de submeter
corriqueiro no trabalho intelectual. Tenho a impressão de que, no alguma
meu caso, essa propensão se acentuou com o tempo, por motivos coisa a verificação' Mas o termo sempre oscila entre teste
tanto objetivos como subjetivos. endea-
vour, como na passagem famosa de Mo ntaigne: "Enfin, cette
Começo pelos primeiros, ligados às imposições do gênero fricas-
ensaistico que tenho praticado na última década quase exclusiva- sée que je barbouille icy n'est qu'un registre des essais de ma
vie"
mente. Como observou Adorno, o ensaio (Ensaios tu, 13).1 Trata-se de uma ambigüidade eloqüente,
ainda
torna se verdadeiro ao longo de seu percurso. ( ...1 Seus conceitos
-
que não isolada: basta pensar no termo italiano prova.
Nenhuma
são iluminados por um terminus ad quem oculto ao próprio ensaio, verificação pode ser tida por definitiva: a propósito do
não por um terminus a quo evidente.' , • ensaio,
Adorno adverte que a"auto-relativização é imanente à sua
._) forma".5
Nessa e noutras passagens, AdOrno sublinha o elemento não O andamento tortuoso, caprichoso e descontínuo do ensaio
dedutivo que.é próprio ao gênero ensaístico. Para quem lê um poderia parecer incompatível com o rigor de um teste. Mas
talvez
ensaio, a meta, o terminus ad quem de um percurso em geral tor- essa mesma flexibilidade tenha êxito em captar configurações
tuoso, é por definição desconhecida, donde a surpresa que acom- que
tendem a escapar às malhas das disciplinas institucionais.
panha a leitura dos melhores espécimes dessa forma literária. Para Talvez
quem escreve, porém, a meta é conhecida, muitas vezes antes que seja instrutiva a divergência entre Quentin Skinner e este
se comece a escrever. Supor que possa ser conhecida antes mesmo autor a
propósito do gênero a que pertenceria a Utopia de Thomas
do início da pesquisa significa exasperar as possibilidades propi- More
ciadas pelas características formais do ensaio. É o que julgo ter (capítulo 1). Seria possível objetar que a Utopia constitui um
caso
feito, mesmo que não de caso pensado. especial, tratando-se de um dos raros textos que inauguraram
Mas serão estes ensaios genuínos? Quem pensar na tradição um
género literário. Mas eu me pergunto por qual motivo uma
majoritariamente inglesa, inaugurada por Addison e Lamb — polê-
uma conversa urbana e cosmopolita, elegante e informal, sobre mica à primeira vista técnica sobre a dignidade da rima,
temas que muitas vezes são meros pretextos —, negará o atributo que
irrompeu na Inglaterra elisabetana (capítulo 2), foi
a estas páginas tão pouco ligeiras, carregadas de observações eru- treslida a
ditas. Mas quem identificar a espinha dorsal do gênero ensaístico ponto de se ignorarem suas raizes continentais, a começar
por
na linha que vai de Montaigne a Diderot e além não se assustará Montaigne. Seria fácil encontrar muitos casos do mesmo
com a presença de notas de rodapé. A erudição domina as discus- teor. Na
partida de xadrez da pesquisa, as majestosas torres
disciplinares se
12 sões entre amigos nas quais se reconhece a origem remota deslocam implacavelmente em linha reta; o gênero
do gê- ensaistico, ao
contrário, move-se como o cavalo, de modo imprevisível,
saltando
de uma disciplina para outra, de um conjunto textual para
outro.'
Mas minhas preferências subjetivas também entraram na
construção dessas investigações. Há vinte anos, num ensaio
inti-
tulado "Sinais", lancei uma hipótese, "obviamente
indemonstrá-
ver, sobre a origem da narração que suscitou o interesse de
alguns

13
teóricos da literatura (Terence Cave, Christopher Prendergast, de Quiroga, leitor de Luciano e Thomas More; Thomas More, lei-
Antoine Compagnon). A própria idéia de narração — conjectu- tor de Luciano; George Puttenham e Samuel Daniel, leitores de
rava eu — talvez tivesse nascido numa sociedade de caçadores, a Montaigne; Sterne, leitor de Bayle; e assim por diante. Em cada um
fim de se transmitir por meio de traços infinitesimais um evento desses casos, procurei analisar não a reelaboração de uma fonte,
que não se podia testemunhar diretamente: "Alguém passou por mas algo mais vasto e fugidio: a relação da leitura com a escrita, do
ali". Com esse modelo venatório (ou, se projetado no futuro, divi- presente com o passado e deste com o presente.
natório), que defini como "paradigma indiciário", eu tentava con-
ferir sentido a meu modo de pesquisa, inserindo-o numa pers-
pectiva histórica longuíssima e mesmo plurimilenar.7 Retorno
àquele ensaio, que desde então tem continuado a alimentar sub-
terraneamente o meu trabalho, porque a hipótese sobre a origem
da narração ali formulada também pode lançar luz sobre as nar-
rativas históricas — voltadas, ao contrário das outras, para a
busca da verdade, e contudo modeladas, em cada uma de suas
fases, por perguntas e respostas elaboradas de forma narrativa.'
Ler a realidade às avessas, partindo de sua opacidade, para não
permanecer prisioneiro dos esquemas da inteligência: essa idéia,
cara a Proust, parece-me exprimir um ideal de pesquisa que ins-
pirou também estas páginas.'

Comecei a praticar o oficio de historiador examinando textos não literários (sobretudo processos da Inquisição) com auxilio dos
instrumentos interpretativos desenvolvidos por estudiosos como Leo Spitzer, Erich Auerbach, Gianfranco Contini.'" Era talvez inevitável
que, mais cedo ou mais tarde, eu acabasse por me ocupar também de textos literários. Mas essa nova experiência de pesquisa levou em conta
as lições aprendidas no passado. Com o moleiro friulano Domenico Scandella, dito Menocchio, condenado à morte pela
Inquisição por causa de suas idéias, aprendi que o modo como um ser humano reelabora os livros que lê é muitas vezes imprevisível."
Numa perspectiva semelhante, abordei Vasco

14 15
1. 0 Velho e o Novo Mundo
vistos de Utopia

O sucesso é uma força capaz de cegar. Diante da extraordiná ria fortuna


da Utopia, os estudiosos tentaram situar o livro de Thomas More em seu
contexto histórico. Contudo, as alternativas mais ou menos convincentes que
por muito tempo dominaram a discussão medieval ou renascentista, jeu

d'esprit ou reflexão política séria, e assim por diante acabaram por deixar

de lado as dimensões múltiplas de um texto facetado e fugidio.


Num ensaio bastante conhecido, Quentin Skinrier seguiu outro
caminho. Ele parte do "conteúdo geral do livro", anunciado "desde o frontispício,
que reza assim: De optimo reipublicae statu cheque nova insula Utopia. O tema
em pauta não é apenas, nem sequer principalmente, a nova ilha de Utopia, mas
'a melhor forma de Estado" ", Esclarecido esse ponto, Skinner sugere

um modo de abordar a complexidade do texto de More. Se a Utopia


é um exemplo de um gênero bem conhecido da teoria politica

17
renascentista, mais valerá começar, antes do texto de More, pelos quam elegans". A terceira edição retornou à versão original. A pala-
postulados e convenções que caracterizam o gênero em seu con- vra festivus — que por ora traduzirei como "jocoso, agradável"
junto. não parece condizer com a austera tradição da filosofia política à
qual, segundo Skinner, pertenceria a Utopia. Na verdade, como
Skinner observa que diversas passagens da Utopia de More tentarei mostrar, a Utopia de More é uma árvore que pertence a
remontam ou aludem a textos largamente lidos pelos humanistas uma floresta de género bem diferente, Segundo penso, tanto os
e ligados às discussões sobre a melhor forma de Estado — entre dois adjetivos, "nec minus saiuta ris quam festivus", como sua rela-
eles o Dos deveres [De officiis) de Cícero. More, segundo Skinner, ção mútua vinculam-se a uma tradição diversa daquela sugerida
demonstra que, "se a virtude constitui a única nobreza verdadeira, por Skinner.'
pode ser contraditório limitar-se a subscrever a justificativa tradi-
Seria de pensar que, ao sublinhar a importância da palavra fes-
cional da propriedade privada".' Analogamente, os argumentos de
tivus, eu não faça outra coisa senão seguir o convite de Lewis a não
Platão em prol da abolição da propriedade privada mostrariam a
tomar o livro de More are grand sérieux, como fez a maior parte dos
incoerência da tradição humanística baseada em Cícero.
leitores 'modernos.' Penso, ao contrário, que quem quiser entender
A presença de ecos de Cícero e Platão na Utopia de More é ine-
o significado complexo da Utopia sempre deve ter em mente seu
gável; mas, feitas as contas, a argumentação de Skinner não me
lado sério e mesmo terrível. Minhas conclusões serão diferentes das
parece muito convincente. Em um plano geral, Skinner certa-
mente tem razão ao exigir que os textos do passado sejam lidos em de Lewis; mas o caminho que seguirei correrá por perto do que ele
uma ótica contextuai. Mas é de questionar se a Utopia de More ca- sugeriu há tanto tempo. Também eu partirei das epístolas e dos
be por inteiro no género da teoria política renascentista que se ocu- documentos incluídos nas primeiras edições da Utopia, escritos
pa de definir a melhor forma de Estado. A estratégia contextuali- por Thomas More e por seus amigos e conhecidos.'
zante de Skinner parte do título da Utopia, que, entretanto, ele cita
de forma curiosamente incompleta. O titulo integral da primeira
2
edição, publicada em Louvain por Dierk Martens em fins de 1516,
diz o seguinte:
A primeiríssima edição saiu aos cuidados de Erasmo. Por

Libellus vere aureus nec minus salutaris quatn festivus de optimo rei-- meio de seu epistolário, podemos acompanhar, quase dia a dia, o
publicar statu, leque nova insula Utopia.- modo como recolheu (e presumivelmente submeteu a revisão) as
[Livrinho verdadeiramente áureo, não menos útil que agradável, epístolas introdutórias, acrescentou notas para esclarecer ou
sobre a melhor forma de Estado e a nova ilha de Utopia]. comentar passagens obscuras e recomendou o livro a humanistas
de peso como Guillaume Budé, que em seguida escreveu uma
Na segunda edição, publicada em Paris, em 1517, as palavras longa epístola, incluída na segunda edição.' Voltaremos a esse
" nec 'ninas salutaris qUi2,11fiwivus» tornaram-se "non minus utile envolvimento intimo de Erasmo como projeto. Vejamos, antes de

i8 19
mais nada, que aspecto tinha a primeira edição da Utopia, o
pequeno in-quarto publicado em Louvain no ano de 1516.6
A página de rosto exibia um mapa rudimentar de Utopia,
intitulado Utopiae Insulae Tabula (kl). A página seguinte conti-
V T O P T AP t N 5 V t. AÍ T ARVLA,
nha o alfabeto utopiano, um poema em língua utopiana e a corres-
pondente versão latina, Tetrastichon vernacula Utopiensiwn lingua
(fig.2). Seguia -se um outro poema em utopiano:"Seis versos sobre
a ilha de Utopia escritos por Anemólio, poeta laureado, sobrinho
de Hitiodeu por parte de irmã" (Hitlodeu é o viajante a quem se
deve a descrição das leis e dos costumes da ilha, no segundo livro
da Utopia de More). Eis o texto:

Os antigos me chamaram Utopia [Lugar Nenhum] por meu isola-


mento; agora sou émula da República de Platão> e talvez a supere: de
fato, o que ela traçou apenas com palavras [deliniavitl, eu mostrei
[praestiti] com as pessoas, os bens, as ótimas leis, de tal modo que
mereço ser chamada de Eutopia [Lugar Feliz].

Deliniavit"," praestiti": a República de Platão é sobrepujada


pela Utopia de More, assim como uma descrição pitoresca é ven-
cida pela realidade. Mas a Utopia de More não é uma descrição
também? Sim, mas se trata de uma descrição que comunica a quem
a lê a sensação de ter estada lá. O texto que, na primeira edição, vem
logo a. seguir, a epístola que Pieter Gillis, primeiro-secretário da
cidade de Antuérpia, endereçou a Jerome Busleyden, preboste da
igreja de Aire, insiste com ênfase nesse ponto:

Há poucos dias, caríssimo Busleyden, enviou-me o famoso Thornas


More [...] a ilha de Utopia, até agora por poucos mortais conhecidas
mas tão digna ou mais até do que a platónica de que todos desejem
conhecê-la, sobretudo por ter sido por homem tão eloqüente de tal
modo reproduzida, ornamentada, lançada sob nossos olhos, que

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