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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0000.21.045283-5/001 Númeração 0072721-


Relator: Des.(a) Evangelina Castilho Duarte
Relator do Acordão: Des.(a) Evangelina Castilho Duarte
Data do Julgamento: 27/05/2021
Data da Publicação: 27/05/2021

EMENTA: APELAÇÃO - ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO -


DECADÊNCIA - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - OTORGA UXÓRIA -
UNIÃO ESTÁVEL - DESNECESSIDADE. É de quatro anos o prazo
decadencial para se pleitear a anulação do negócio jurídico, nos ternos do
art. 178, CC. O art. 1.647, do Código Civil, é claro ao impor a outorga uxória
em caso da existência jurídica da sociedade conjugal, não podendo ser
imposta à união estável porquanto deve ser efetuada interpretação taxativa
por se tratar de regra restritiva à disposição de direitos.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.21.045283-5/001 - COMARCA DE SÃO


LOURENÇO - APELANTE(S): CARMEM LUCIA DE ALMEIDA DOS REIS -
APELADO(A)(S): GERALDO BASTOS LOPES NETO, MARIA IVANILDA
FONSECA BARROS, JEFFERSON BARROS GONCALVES, TATIANA
REGINA SANDY REIS, LAIZI FERNANDES DE BARROS, MARIA CELIA
TEIXEIRA, NEYDE GRILLO BARRAK

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO E AFASTAR, EM PARTE,
A DECADÊNCIA. E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO.

DESA. EVANGELINA CASTILHO DUARTE

RELATORA.

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DESA. EVANGELINA CASTILHO DUARTE (RELATORA)

VOTO

Tratam os autos de declaração de nulidade de negócios jurídicos com


pedido de ressarcimento de valores, ajuizada pela Apelante ao argumento de
que manteve união estável com o primeiro Apelado, Geraldo Bastos Lopes
Neto, de 2005 a 2015, e que na sua vigência o primeiro Apelado comprava e
vendia imóveis sem o seu conhecimento e sem a sua assistência.

Ressaltou que na partilha de bens realizada após o fim da união estável,


o primeiro Apelado sonegou a existência de quatro imóveis, os quais foram
vendidos aos demais Apelados, ocorrendo fraude no valor de R$
1.140.000,00, tendo direito à meação do referido valor.

Requereu, em tutela de urgência, a declaração de indisponibilidade dos


bens indicados na inicial e, ao final, a declaração de nulidade dos negócios
jurídicos que culminaram na alienação dos referidos bens ou,
subsidiariamente, a condenação dos réus ao pagamento de indenização no
valor de R$ 570.000,00.

Citados, os Apelados apresentaram contestação, arguindo preliminares


de ilegitimidade passiva e de impossibilidade jurídica do pedido, bem como
prejudicial de decadência.

No mérito, o primeiro Apelado alegou que o regime de bens que vigorava


entre o casal era o de separação total, ressaltando que as vendas foram
feitas durante a união estável, de boa fé.

A sentença recorrida, doc. 30, acolheu a prejudicial de decadência do


direito pleiteado, nos termos do art. 487, II, CPC/2015,

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condenando a Apelante ao pagamento de custas e honorários advocatícios


de sucumbência, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa,
suspensa a exigibilidade por ser a Apelante beneficiária da justiça gratuita.

A Apelante requer a cassação da sentença, doc. 32, alegando que o


prazo deve ser contado com a exclusão do dia do começo e inclusão do dia
do vencimento, devendo este, no caso de recair em feriados ou dias não
úteis, ser prorrogado para o primeiro dia útil subsequente.

Aduz que o dia 14 de outubro de 2017 foi um sábado, prorrogando-se


automaticamente o prazo para ajuizamento da ação para 16 de outubro de
2017, segunda feira, dia em que a ação foi proposta.

Acrescenta que, ao contrário do que afirmou o Magistrado a quo, a


Apelante trabalhou na imobiliária do primeiro Apelado entre agosto de 2008 e
dezembro de 2008, saindo do trabalho quatro anos antes da realização das
vendas.

Pugna pelo provimento do recurso, para que seja cassada a sentença.

Contrarrazões em docs. 39/42, pelo não provimento do recurso.

Contra a sentença recorrida foram opostos embargos de declaração, cuja


decisão foi publicada em 21 de fevereiro de 2020, vindo o recurso em 16 de
março de 2020, no prazo legal, desacompanhado de preparo por ser a
Apelante beneficiária da justiça gratuita.

Estão presentes os requisitos para conhecimento do recurso, que recebo


em ambos os efeitos, nos termos do art. 1.012, do CPC/15.

A controvérsia dos autos reside em verificar a ocorrência da decadência


do direito da Apelante para, em seguida, apurara se há direito à meação.

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Os negócios jurídicos que a Apelante pretende sejam declarados nulos


são os contratos de compra e venda de imóveis celebrados entre o primeiro
Apelado e os demais Apelados, cujas escrituras foram devidamente
registradas, em 20 de junho de 2012, 17 de maio de 2012, 11 de setembro
de 2014 e 06 de julho de 2012.

Prescrição e decadência são dois institutos distintos que, embora


semelhantes, não podem ser confundidos.

Ora, se por um lado a prescrição é a perda da pretensão, ou seja, a


extinção da exigibilidade, em virtude da inércia do seu titular no período
determinado em lei, a decadência é a perda do poder que o agente tem de
influir na esfera jurídica do outro, a fim de que possa constituir, modificar ou
extinguir determinada situação jurídica subjetiva, sem que este último possa
se opor.

A grande diferença entre estes dois institutos é que a prescrição afeta o


direito de exigir e, portanto, exige relação jurídica anterior, e a decadência
afeta o exercício do direito, não dependendo de manifestação anterior da
contraparte.

É a lição de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery:

"Os prazos mencionados na lei para o exercício de pretensões que se


deduzem em juízo mediante ação constitutiva - positiva ou negativa, são de
decadência" (Novo Código Civil e legislação extravagante anotados. Revista
dos Tribunais. São Paulo. 2002. p. 88).

O termo inicial do prazo decadencial, que é de quatro anos, nos termos


do art. 178 do Código Civil, é a data em que se realizou o ato ou o contrato
que se quer anular.

É, também, a jurisprudência:

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"Dolo. Anulação pelos herdeiros do vendedor. Dies a quo. O termo inicial do


prazo para os herdeiros integrantes da classe dos colaterais ingressarem
com ação anulatória de contrato de compra e venda de imóvel, fundada em
vício de consentimento do vendedor do autor da herança, decorrente de dolo
dos compradores, é o dia da celebração do contrato, conforme o disposto no
CC 178 II". (STJ, 4.ª T, REsp 147729-MG, rel. Min. César Asfor Rocha, v.u.,
j. 18.6.2002). (NERY JR., Nelson. Código Civil. 5ª ed. revista, ampliada e
atualizada. p. 338).

"Prescrição quadrienal. Caso em que os irmãos analfabetos foram induzidos


à celebração donegócio jurídico através de maquiações, expedientes
astuciosos, engendrados pelo inventariante-cessionário. Manobras insidiosas
levaram a engano os irmãos cedentes que não tinham, de qualquer forma,
compreensão da desproporção entre o preço e o valor da coisa. Ocorrência
de dolo, vício de consentimento. Tratando-se de negócio jurídico anulável, o
lapso da prescrição é o quadrienal". (CC/1916 178 §9.º V b [CC 178 II]) (STJ,
4.ª T, REsp 107961 - RS, rel. Min. Barros Monteiro, m.v., j. 13.3.2001).

No caso dos autos, restou comprovado que ao menos três, dos quatro
negócios jurídicos cuja anulação se pretende, foram registrados entre 17 de
maio de 2012 e 06 de julho de 2012, ocorrendo, com relação a eles, a
flagrante decadência do direito de anulação.

Sendo assim, não é cabível a reforma da sentença com relação aos


negócios jurídicos firmados entre o primeiro Apelado e os Apelados Tatiana
Regina Sandy Reis, Maria Cecília Teixeira e Laizi Fernandes de Barros.

Já com relação ao negócio jurídico firmado entre o primeiro Apelado e a


Apelada Neyde Grillo Barrak, formalizado e registrado em 2014, deve ser
afastada a prejudicial de decadência, porquanto a ação

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foi ajuizada em 16 de outubro de 2017.

Ressalte-se que, com relação a esse negócio jurídico, não se operou o


prazo decadencial previsto no art. 1.649 do Código Civil, porquanto a
sentença que declarou extinta a sociedade conjugal foi proferida em 14 de
outubro de 2015, doc. 2, f.15, sendo a ação ajuizada em 16 de outubro de
2017, segunda feira, primeiro dia útil após o termo final do prazo decadencial.

Sendo assim, deve ser afastada a prejudicial de decadência com relação


ao negócio jurídico celebrado entre o primeiro Apelado e a Apelada Neyde
Grillo Barrak.

Por disposição expressa do art. 1.013, §4º, CPC/15, é possível


prosseguir no julgamento.

Para validade do negócio jurídico, é necessária a presença de agente


capaz, objeto lícito, possível, determinado, ou determinável e forma prescrita,
ou não defesa em lei. Ausente um dos requisitos legais, o negócio jurídico
poderá ser invalidado.

Mister salientar que, conforme artigos 1.647 e seguintes, do Código Civil,


a outorga uxória ou a autorização do cônjuge se faz necessária em casos de
alienação de bens imóveis.

O art. 1.647, do Código Civil estabelece que nenhum dos cônjuges pode,
sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, alienar
ou gravar de ônus real os bens imóveis.

Dessa forma, qualquer dos cônjuges pode pretender a anulação dos atos
praticados sem autorização do outro nos casos previstos na lei.

É o posicionamento deste egrégio Tribunal:

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"APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINAR - AUSENCIA DE DIALETICIDADE -


REJEITADA - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE AVAL - REGIME DE COMUNHÃO
PARCIAL DE BENS - OUTORGA UXÓRIA - OBRIGATORIEDADE -
INOBSERVÂNCIA - NULIDADE DA GARANTIA - SENTENÇA MANTIDA -
RECURSO NÃO PROVIDO.

- "Embora a repetição, nas razões de apelação, dos argumentos utilizados na


petição inicial ou na contestação não seja a melhor técnica processual, tal
circunstância, por si só, não deve conduzir ao não conhecimento daquele
recurso. Deve-se aferir se o apelo impugna, de forma fundamentada, a
sentença" (STJ - AREsp: 1181943 GO 2017/0256204-0, Relator: Ministra
ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Publicação: DJ 13/12/2017).

- A prestação de aval em cédula de crédito bancário sem autorização do


cônjuge, casado sob o regime de comunhão parcial de bens, inquina o ato de
nulidade, tornando-o ineficaz, não havendo de se cogitar de anulação parcial
para resguardar a meação do consorte prejudicado, nos termos da Súmula nº
332, do STJ.

- Preliminar rejeitada. Recurso não provido. Sentença mantida". (TJMG. Ap.


1.0514.13.005091-7/001 . Relatora: Desa. Mariângela Meyer. 10ª CACIV.
DJe. 24.04.2018).

Todavia, no caso em exame inexiste casamento formalizado, mas união


estável, não havendo como vincular terceiros que desconhecem sua
existência, pois não decorre de instrumento público, mas da vontade dos
contraentes.

Sobre o assunto, é a lição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves:

[...] considerando que a união estável é uma união de fato, sem a


necessidade de registro público, não há como vincular terceiros,

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motivo pelo qual a outorga não pode ser exigida em nome da proteção do
adquirente de boa-fé, resolvendo-se o problema entre os companheiros,
através da responsabilidade civil.

[...]

Essa desnecessidade de outorga na união estável se justifica por diferentes


razões. Primus, porque se tratando de regra restritiva à disposição de
direitos, submete-se a uma interpretação restritiva, dependendo de expressa
previsão legal. Secundus, pois a união estável é uma união fática, não
produzindo efeitos em relação a terceiros. Tertius, e principalmente, em face
da premente necessidade de proteção ao adquirente de boa-fé, que veio a
adquirir o imóvel sem ter ciência (e não há como se exigir dele) que o
alienante havia adquirido o imóvel na constância da união estável. Por tudo
isso, se um dos companheiros aliena (ou onera) imóvel que pertence ao
casal, mas que está registrado somente em seu nome, sem o consentimento
de seu parceiro, o terceiro adquirente, de boa-fé (subjetiva) está protegido,
não sendo possível anular o negócio jurídico. No caso, o companheiro
preterido poderá reclamar a sua meação, através de ação dirigida contra o
seu companheiro/alienante, mas nada podendo reclamar do terceiros.

Exigir, destarte a anuência do companheiro para a prática de atos por


pessoas que vivem em união estável é desproteger, por completo, o terceiro
de boa-fé. Assim, estando o bem registrado em nome de apenas um dos
companheiros, lhe será possível aliená-lo ou onerá-lo, independentemente
da outorga do outro companheiro. Neste caso, fica assegurado ao
companheiro prejudicado o direito de regresso contra o convivente que
dilapidou patrimônio comum. (...)". (ROSENVALD, Nelson . CHAVES,
Cristiano. Curso de direito de família, 2012, 4ª ed., Ed. Juspodivm, pág.
359/361).

Ora, anular negócio jurídico celebrado sem outorga uxória do


companheiro significa desamparar o terceiro de boa-fé, que sequer

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teve ciência a respeito da existência da união estável.

Ademais, o art. 1.647, do Código Civil, é claro ao impor a outorga uxória,


em caso da existência jurídica da sociedade conjugal, não podendo ser
imposta à união estável porquanto deve ser procedida interpretação taxativa
por se tratar de regra restritiva à disposição de direitos.

É o posicionamento deste egrégio Tribunal:

"APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DE TERCEIRO - ANULAÇÃO DE


CONTRATO DE COMPRA E VENDA - AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA -
UNIÃO ESTÁVEL - DESNECESSIDADE. O art. 1.647 do Código Civil,
estabelece que a outorga uxória é necessária como requisito de validade dos
negócios jurídicos que importem alienação de bens imóveis, imposição de
ônus reais sobre bens imóveis, bem como prestação de fiança ou aval.
Entende-se por outorga uxória a autorização dada por um dos cônjuges ao
outro, para praticar certos atos. A disposição legal acerca da necessidade de
outorga uxória se aplica apenas nas hipóteses em que há casamento, nada
prevendo o dispositivo legal sobre a sua necessidade nas hipóteses de união
estável. Para que sejam revogados os benefícios da justiça gratuita
anteriormente deferidos, é necessário que a parte contrária comprove que a
situação de miserabilidade da parte beneficiária tenha se alterado". (TJMG.
Ap. 1.0534.15.000576-5/001. 18ª CACIV. Relator: Des. Arnaldo Maciel. DJe.
08.03.18).

Sendo assim, no caso dos autos, não pode ser declarada a nulidade do
negócio jurídico firmado entre o primeiro Apelado e a Apelada Neyde Grillo
Barrak, considerando que a outorga uxória não era exigível.

Ressalte-se, ainda, que o pedido de ressarcimento dos prejuízos

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suportados pela Apelante em razão da sonegação da existência dos quatro


imóveis pelo primeiro Apelado, os quais foram vendidos aos demais
Apelados, não pode ser acatado, porquanto a partilha dos bens do casal foi
objeto de ação judicial, sendo proferida sentença homologatória em 14 de
outubro de 2014.

A impugnação da sentença que homologou a partilha realizada em


comum acordo pelo casal dependeria da anulação do ato judicial, o que não
pode se dar por meio da presente demanda.

Sendo assim, deve ser julgado improcedente o pedido inicial.

DIANTE DO EXPOSTO, dou parcial provimento ao recurso apresentado


por CARMEM LÚCIA DE ALMEIDA DOS REIS, para afastar a prejudicial de
decadência com relação ao negócio jurídico formalizado entre o primeiro
Apelado e a Apelada Neyde Grillo Barrak, e julgar improcedentes os pedidos
iniciais.

Condeno a Apelante ao pagamento de custas e honorários recursais, que


arbitro em 5% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §11,
do CPC/15, suspensa a exigibilidade por estar amparada pelos benefícios da
justiça gratuita.

DESA. CLÁUDIA MAIA - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. ESTEVÃO LUCCHESI - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO E


AFASTARAM, EM PARTE, A DECADÊNCIA. E JULGARAM
IMPROCEDENTE O PEDIDO."

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