You are on page 1of 41
COLEGAO ESPIRITO DO NOSSO TEMPO DIRECAO DE NEIL R, DA SILVA 8. Capa de PINHORAP aa LIVRARIA ITATIATA LIMITADA Rua da Bahia, 916 — Fone 2.8630 Buzo Hoarzoxre LEWIS MUMFORD A CULTURA DEAS CD AUDI Traduca de New. R. pa Strva uns ana LASTEO ¢ EDITORA Citiaia Lorrapa, ee 2Jessee BRR eeeezerazians aR Rea ees “i Titulo do original norte-americano THE CULTURE OF CITIES * Copsright, 1938, by ‘Hasoover, Brace Axo Company, IN, 1961 Direltor de proprietade literaria da presente tadugho adgulridos pela Borden IPATIAIA Lacmana, ae Belo Horizonte, IMPRESSO NOS ESTADOS UNIDOS DO BRASH. ‘vansm 1A THE UNiEED #TATES OF BRAET, Jé no ano de 1915, ante 0 estimulo de Patrick Geddes, comecei o coligir 0 material que se incor porou neste livro, Tal coma os meus artigos livros até agora publicados sébre arquitetura, pla- nejamento de comunidades, habitagdo ¢ desenvolvi- mento regional, 0 presente estudo funda-se princi- palmente em observagées diretas, levadas a efeito em muitas regides diferentes, tendo como ponto de partida wm estudo detido de minka propria cidade ¢ regio — Nowa York ¢ seus arredores. Tenia éle, ao mesmo tempo, explorar de us modo mais unificado wm terreno até agora trabathodo segundo linkas diferentes for especialstas, e esta- belecer, tendo em vista a ocd" comunal, os principios bisicos sabre os quais 0 nosso ombiente humono — edificios, visinhancas, citades, regides — pode ser renovado. Certos aspectos de vida, aquéles que ordindriamente so tretados sob a égide da Utica, da religito ¢ da educacio, ficam para ser estudados noutra ocasido, Mesmo com 0 risco de uma ocasional repetigéo de conceitos, fui obrigodo & comparar neste volume fartes de ‘Technics and Civilization ; deve, porém, ficar evidente que as duas obras, embora independentes, sia complementores: cada wma delas busca explorar o que o mundo mo- derno pode guardar para a espécie humana desde que os homens de boa vortade tenkam aprendido @ subjugar os mecanismos bérbaros © « barbarie mecanicads que ora ameacam w pripria eaistencia da civilizagao. : LM. t cond oct ford) uty ' ean! on 6 SUMARIO INTRODUGKO Caviruio I PROTEGAO E A CIDADE MEDIEVAL 1. — Despindo 0 Mito Medieval... 2. A Necessidade de Pretegio |. : 3. = 0 “Aunento da Produgio 6’ da ‘Riguea Gs Seton Rests 8 Novos Paras Matos © Dominio da Igreia Os Servigos ‘da Guilda A. Domesticidade ‘Medieval’, Higiene ¢ Sade Principios do Planejamento de Cliades Sed Gone de Creve e Expert 0 Paleo © o Drama... = Que Derrudon a Cidade ‘Medieval? 8 Carfreio 11 — A CORTE, A PARADA, A CAPITAL Ne Bat, Lamioos, Tae Media © Territério ea Cidade... Os Instrumentos. de Coercia a A’ Gasera, Construtora de. Cidades ") A Teologia do. Pacer © ‘Movimento e 2. Avenida’ 1 A. Parada das "Vitrinae ‘A Nova Divindsde | = A Posigio do. Palicio 10. — Tnffutncia do Paldcio Sobre a Cidade 11. = 0 Quarto de Dormir ¢'0 Salio 12 = A Dasordem do Stpeaovomento Epes 18. (21) Nova York: Congestionamento “Tiimitado © COMPLEXO REGIONAL (22) Bxbigo de Planeiamento Regional (23) Agentes ‘do Desenvatvimento ‘Regional... (24) O'Vale do Tennessee savssesss A CIVILIZACAO BIOTECNICA (25) Novas Origens da Forma (26) Monumentos vs. Eaificios (2) O Novo Vernfeulo (28) Reabilitacio Urbana, A CIDADE E A REGISO (29) Zoneamento. Funcional (30) Novos ‘Tips Modernos "12...) G1) Cidades de Cintorio Verde 1.77 (2) Frankort-Romerstade: Ordem Biotécnica 240 2a 248 249 mm INTRODUCAO A cidade, tal como & encontrad: na Histéria, & ¢/ponto de maxima Qqneentragéo do vigor e da cultura Ae uma comunidade. £\y lugar onde vo concentrar-se osAaios emi- tidos por muitos ¥gcos separados de vida, com prgeites tanto fem eficigncia coma em significagio social. A” cidade € a forma ¢ 0 simbolo\de um conjunto integrado de relacses sociais: € a sede do tHuplo, do mercado, dy/cdrte de justica, da academia de ensino\ Na cidade,,os lens da civilizago encontram-se multiplicaddd e diversifitadge; & af que a expe igneia humana toma a {0 ‘exegiivels, de sim- bolos, de padrdes de conduta, de ordem. Bai que se encontram os produtos da fo; também ai, 0 ritual acaba por transformar-se no dhapfa ativo de uma sociedade plenamente diferenciada e consgitate de si mesma. As cidades sio um prodyéo @\terra, Refletem a saga- cidade do camponés 20 dom técnicamente, apenas prolongam a sua habilidag @ solo empregos pro- dutivos, em resguardar- Tanga, em regular as aguas que irrigam 6 seus campos, Yen formecer silos ¢ celeiros para as suas offheitas. As cidades Mo a tepresentagio dessa vida estavel qyé comeca na agricultura permanente: yma vida que se vive fom o auxilio de abrigos Dermanentes, de utilidades permaylentes tais como pomares, vinhedos « obras de itrigacio, o/de edificagées permanentes pars As fases da vida no campo contribuen\\para a faas cidades. Aquilo que sabem o pastor, o wade’ reiro ¢/f mineiro vem a ser transformado e “espitituald (da cidade em elementos durdveis da heranga humiga: idos € a manteiga de um, os foss0s, os diques, os tonk ripas de madeira de outro, os metais e as joias do ten iro, so finalmente convertidos em instrumentos de vida ervem de base para a existéncia econémica da cidade, coutribuem com arte e sabedoria para a sua rotina diéria. Den 13 capiruro 11 A CORTE, A PARADA, A CAPITAL. 1. — Na Esteira Luminosa da Idade Média ‘As instituigdes humanas nfo morrem como organismos é Fragmentos de cultura continuam vivendo muito depois que a sociedade que originalmente os sustinha desi- pareceu; muitas vézes, bem depois que deixaram de ser uma Feacdo racional a uma situagio ow a expressio de uma neces- sidade. A cultura do periodo medieval ainda estava ativs durante a Renascenga: os restos da cidade medieval encon- travam-se por téda parte. Algumas instituigées renovaram- se, adotando os costumes do seu tempo: o monaquismo adqui riu vida nova na organizagio militar da Companhia de Jesus; fenguanto isso, outras instituigées, como a universidade, acha- vam-se em hibernagio. No campo, ndo chegou a haver solugio de continuidade entre a construgéo gétiea e neo-gética. O construtor provin- iano inglés trouxe para o século dezoito estilos tradicionais de construgio que os cavalheiros educados, ignorantes da vida fora do set: circulo, comecavam 2 ressuscitar como decoracio € diversio, & maneira de Sir Horace Walpole. Até mesmo em o Novo Mundo, as antigas leis medievais do mercado con- finuavam vigorando nas cidade Ba Tom Tower, de Wren, em Oxford, gética ou neo- gética? Pode langar-se mio de razdes igualmente validas para chami-la de um ow de outro modo. Boa parte das nnovas construgées do século deressete, priticamente tédas as construgdes renascentista antes désse’ séeulo, tiveram lugar em Tuas medievais, dentro dos muros de cidades essencial- menie medievais, erigidos por oficios e guildas que eram ainda oranizadas dentro de moldes medievais. Ha igrejas, como © Oratoire, de Paris, que combinam as formas de construgic isieval cam as colunas renascentistas e contrafortes “goti- 0s”: © correspondents de pedra de combinagio, feita pee Rabelais, do mostsico medieval © di nova habitaggo rar i, na sua descricéo da Abadia de Telema. ‘Tais simbolos sic significativos, “Nenhuma generalizacio verbal, e menos cirda ‘expressées rigidas como “Renascentista”, ““Barroco” ou “Neo- clissico”, pode fazer justica a tédas ‘as variedades © gra dagdes de forma que assinalam o periodo de transigho. Nao hd duas cidades que mostrem exatamente a mesma coxabinacio de caracteristicas arquiteténicas, © fato € que apenas um punhado de pessoas, em qual- quer época, compée-se realmente dz contemporéneos dela. S6 muito lentamente, a massa do poro chega a corresponder 4s correntes que se’ entrectuzam nas classes dominantes ot nna lite intelectual; se isso é principalmente verdadeito mes- mo hoje em dia, era mio menos verdadeiro antes que a erudicio universal tivesse acelerado o progresso das coma- nnicagées. OQ que os historiadores so tentados a caracterizar ‘como tragos de uma era indica muito mais coisas a respeito dos seus pontos de vista pessoais ¢ da, sua estrutura de tefe- réncias do que a respeito dos fatos* objetivos. Para bem da clareza, talvez se deva adotar para a sociologia um con- junto de iérmos"paralelo a classificagio mendeliana dos ca- Tracteres biolégicos, em dominantés ¢ recessivos; e devem acres- centar-se mais dyas caracteristicas tds: a das sobrevivéncias ¢ das mutacdes: Em Roma, antes de Constantino, a Igreja Crista foi uma mutacéo; dentro da cifade, mal se tinha cons- cigucia de sua presenca; vivendo em criptas e catacumbas, nos arrabaldes, ocultava ela até mesmo a. sua presenca fisica, Na cidade medieval, 2 Igreja foi uma dominante: nenhuma parte da vida podia'deixar de dar-se conta da sua existéncia ¢ da sua influéncia. Nas grandes expitais do século dezes- sete, a Igreja tinha-se transformado 2m recessiva: era ainda uma presenca visivel imponente, mas nio mais uma fora social unificadora © dinmica, Na meépole de hoje, a Igreja € uma sobrevivéncia: a sua fora baseia-se em niimeros, ri- queza, organizagéo material, nfo na sua eapacidade de impri- mir as suas caracteristicas As atividades quotidianas dos ho- mens; pretende muita coisa, mas, a nio. ser pela repeticao © pela rotina, pouco contribui para a vida espiritual ative da cidade. Que € que “caracteriza” uma época? Principalmente, 0 caracteres dominantes ¢ 3 récessivos, pois contém a heranca ativa do passado e concentram as forcas bem sucedidas do presente. Mas as sobrevivéncias ocupam muitas vézes na cena visivel parte maior do que os dominantes ou 08 reces- 88 sivos: modificam ésses elementos no , as vézes retardam apresentagio, as vézes ganham férga nova, submetendo- se a0 processo de renovagio, »Sobrevivéncias de religides an as, pré-cristas, a crenga na magia, a renga em feiticaria, perduram ainda em varias camadas ‘da mentalidade moderna, imunes & ago germicida da. cigncia positiva: séo, na reax lidade, uma’ disposiggo automética contra uma base dema- sindo estreita de continuidade na heranga cultural. Pois néo foi parcialmente por intermédio do estimulo dos livros sobre sonhos mégicos, como 0 de Artemidorus Daldianus, que 0 Dr, Sigmund Freud i& as suas profundas descobertas psi- colégicas sobre a fungie dos sonhos? Com relagio as novas mutacées, muitas vézes isoladas, débeis, lutando mesmo para cexistit, so usualmente capazes de ter apenas um pequeno feito contemporéneo: a sua influéncia pode ser tio limitada como o foram as admiréveis perspectivas técnicas de Leo nardo ¢ o seu engenho inventivo, no século dezesseis — idéias que teriam sido ampliadas de muitos didmetros, tivessem apatecido no meio mais propicio do comégo do século dezenove. Entre os séculos quinze ¢ dezoito, tomou forma na Euro- pa um novo complexo de tragos culturais. Tanto forma ‘como conteiido da vida urbana foram transformados em con- sequéncia déle. O novo padrio de existincia brotava de uma nova economia, a do capitalismo mercantilista; de uma nova estrutura politica, a do despotismo centralizado ou da oligar- quia, cujas Tinhas foram inicialmente tracadas no mosteiro 10 exército. Mas, até 0 século dezessete, tdas essas modi- ficagées foram esporidicas e tentativas: restringiam-se a uma minoria; eram eficientes apenas em dados trechos; encon- travam-se em estado embrionétio, recebendo alimentagio de uma sociedade antiga, da qual irlam brevemente emergir com um forte brado. A fim de compreender a disciplina ea ordem da cidade pésmedieval, & preciso que se penetre mais a fundo na desintegragio da. sintese medieval. E neste passo, depois que se tenham levado na devida conta as escolhas dos homens © 0 desenvolvimento imanente das instituigGes, talvez seja preciso que se dé maior péso a um acaso super-poderoso: a Alevastagdo causada pela Peste Negra, no século quatorze. Pois a verdadeira Renascenca na vida européia, a grande época da deificagéo de cidades e dos triunfos intelectuais, tinka-se inieiado ‘dois séculos antes daquela ocorréncia, ¢ alingira a sua apoteose simbélica na obra de um Aquino, tum Alberto Magno, um Dante, um Giotto. % A chamada Renascenga, que se seguiu, no século quinze, achava-se antes em a natureza de uma crenca iluséria da parte dos seus contemporineos: por engano, tomaram a cauda brilhante do foguete que caia pela energia que originalmente © erguera no espago, Thorndike, alids, levantou com muita propriedade a questio de saber’ se nao houve uma queda geral da civilizagao © da produtividade cientifica, apés os séculos doze e treze. Cita éle 0 contraste existente na mente de Petrarca entre os dias felizes e confiantes da sua juven- tude, “quando nio havia necessidade de fechar as portas de escurecer ou de manter as muralhas em bom esta- do”, quando Petrarca estava em condigées de caminhar sb- inko pela noite, nas montanhas perto de Avinhéo, e a3 con- ligdes da sua vethice, quando aquel paisagem outrora paci- fica tornara-se infestada de assaltantes © .de lobos. Entrementes, dera-se a intervensio da peste; sucederam- se uma quebra de continuidade e uma redvicio da vitalidade, como aque ocorre depois de uma guerra exaustiva. Resul- taram desordens sociais: a propagagio da guerra e dos des- potismos militares, a supressio da jiberdade académica nas universidades, a estudada subordinagdo dos poderes espiti- tuais a0 interésse da autoridade temporal — algo semelhante ao que se est verificando na Alemanha, na Itélia e em vérias, outras partes da Europa, mais uma vez, em no330s di ‘A transformagio das universidades, de associagGes internacio- nrais de estudiosos que eram em organizagdes nacionalistas, ser- vis perante os novos dominadores, impermeaveis a “pensa- menios perigosos”, prosseguiu firmemente. Dentro de uns poucos séculos, todos os setores da vida social mostravam sinais de profunéa debilidade ou decadén- cia, No século quinze, de acérdo com von Below, deu-se ‘© inicio da jogatina organizada om casas fornecidas pela jcipalidade, E as mesmas tendéncias surgiram na Igreja, rio simplesmente com compra de pysiges © 2 venda de bén- ios, mas com o recrudescimento generalizado da supersti- suo.” A crenga na feitigaria, prosciita por Sio Bonificio no séeulo oito e tratada como crime pelas leis de Carlos Magno, recebeu a sangio final da Igreja em 1484, E. foi no século dezessete, assinalado pelo aparecimento de Galilea e Newton ¢ pelos métodos exatos na cidncias fisicas, que a perseguicao dos feiticeiros ganhou popularidade. Na realidade, alguns dos mais torpes criminosos, nesse particular, foram’ os pré- prios cientistas e filussofos cientificos: pessoas como Glanvill, ‘que, quase de um 56 félego, prediriam 0 triunfo da ciéncia g,2,gomplets transformasio’ do mundo fisco por meio da nica, 9 Da universulicade medieval & uniformidade barréca: do localismo medieval 20 centralismo barroco; do absolutismo de Deus © da Igreja Catélica 20 absolutismo do soberano temporal ¢ do Ustado Nacional — passaram-se quatro ou neo sceulos entre ésses fendmenos. Nao fagamos sombra i mutureva essencial dessa modificagio, referindo-nos tnica- mente is sims decorréncias estéticas: 0 desenterramento € a avalincio dos monumentos classicos, a descoberta de Platéo © Vilruvins, 0 culto das Cinco Ordens na arquitetura. Tais fatos die apenas uma chave superficial para o que se estava twussando, “As tendéncias fundamentals -da_nova ordem 86 ~° tornaram visiveis depois que a totalidade dos aspectos da Vila tinbarse separado do todo medieval e reunido sob uma rwovt bandeira, “Isso s6 veio a ocorrer no século dezessete Foi entao que as instituigdes de precursores, como Alberti ‘ornarum-se afinal manifestadas no estilo barroco de vida, ‘vo planejamento barroco, nos jardins barrocos ena cidade Darréca. Dado que tédas essas tendéncias foram afinal postas em vesi¢io de dominio na cidade barréca, preferi usar ésse térmo — ooriginalmente de desdém — como térmo de. descricéo social, no de limitada referéncia arquitetinica. O conceito do barroco, tal como tomou forma no séeulo dezessete, & par- ticularmente til, porque contém em si os dois elementos contraditérios dal época. Primeito, o lado matemitico, mer- cantil ¢ metédico, expresso ma perfeigio dos rigorosos tra- cados daz suas Tuas, nos delineamentos formais das suas cidades, nos seus projetos paisagisticos geométricamente orde- nnados. E, ao mesmo tempo, na pintura ena escultura do periodo, abrange éle o lado sensual, o rebelde, o anti-lissica, 9 anti-mecinico, expresso nas suas roupas, na sua vida sexual, no sea fanatismo religioso ¢ ma sua Entre os séculos dezesseis e dezenove, ésses dois elementos existiram lado a lado: 88 vézes, agindo separadamente, is Yéres contides de maneira tensa’ deutiy de uit lod mis amplo. Nese aspecto, podem considerar-se as formas do prit cipio da Renascenga, na sua pureza, como_proto-barrbcas, © as formas neo-clissicas, de Versalhes ¢ So Petersburyo, como barrdcas “‘recentes”’; a0 passo que até o romantismo dlesenidado e sem controle dos renovadores géticos poderia ser _paradoxalmente considerado como umm fase do. eapricho Inurroco, Nada disso faz sentido, quando se pensa no bar Foes como tim momento tinico no desenvolvimento do estilo vrqitetdnico, Mas a dilatagio do ‘térmo prosseguiu sem a parar durante a geraclo passada; e certa caracteristica vaga contraditéria do epiteto sanciona mais ainda ésse emprégo especial. Com referéncia & cidade, as formas renascentistas sio a mutagio, as formas barrécas sto as dominantes, e as formas neo-classicas 40 as sobrevivéncias, nessa complexa transformagio cultural, 2. — O Territério e a Cidade Desde 0 inicio da Tdade Média, dois poderes vinham disputando a tideranca, na Europa Ocidental: um era real, © outro municipal. Mesmo nos grandes dias das Cidades Li vres, havia partes da Europa em cue o poder real tinha-se consolidado mais rapidamente ¢ mantivera as prOprias cidades fem estado de vassalagem feudalista: a Inglaterra, a Aquitania, a Sicilia, @ Austria, Onde o poder real e imperial era mais fraco, como na Itilia Setentrional, a cidade aleangow a sua mais ‘completa independéncia como unidade politica. Mas, mesmo onde era forte, como em Aragéo, estava o poder real Tonge de ser absoluto; haja vista 6 juramento solene dos stiditos do Rei de Aragéo: ““Nés, que somos tio bons como 6s, juramos accitar-vos, a vis que nio sois melhor do. que ‘ns, como nosso rei ¢ soberano seahor, desde que observeis todas as nossas liberdades ¢ tidas as nossas Ieis; se nfo 0 fizerdes, porém, mio o faremos.” A consolidasio dos feudos dispersos ¢ a criagéo de ter- renos continuos de administragdo politica dentro de uma ‘estrutura claramente definida foi importante para o bem-estar das comunidades em causa. A verdadeira. questéo era saber se tal consolidagio haveria de ser feita em heneficio de vwna pequena classe privilegiada, ox se teria de ser conse- guida por meio, da livre unitio de cidades ¢ regides. Infe- Tizmente, as préprias cidades, como ja vimos, néo estavam imunes ‘is tentativas de uma vida predatéria e parasitéria, possibiitada pelo contréle dos armamentos militares: entre: garam-se i exploragio pela f6rga, tanto nos tervtrios pro prios como em aventuras imperialisticas mais remotas, a repe- tir, alternadamente, os erros politicos dos espartanos ¢ dos atenienses. As cidades mais fortes no raro tratavam de conquistar as suas vizinhas: mais fracas, quando nao por melhor propé~ sito, para suprimir um mercado rival: e em tempos de guerra, desde os fins do século doze, passaram a transferir grande soma de poder executivo a um agente especial, a Podesté, ue, por forca da emergéncia, foi libertada das pelas da lei » Em suma, para conquistar o dominio despético sdbre as suas vizinhas, as cidades consentiram em perder a sua Propria liberdade interna; 0 que é mais importante, perderam A situagéo moral contra outras formas de despotisme. Como ja indiquel, a tinica parte da Europa em que as corpora- ‘es civicas e o estado territorial foram unificados sem perda Ga liberdade civica foi a Confederagio Cantonal Suica ‘No principio da Idade Média, os grandes senhores feu- dais tinham conseguido aumentar os seus dependentes, cole- tar as suas rendas, e assegurar uma parcela médica de paz fe cde ordem em seus dominios, apenas por estarem em con- tinuo movimento de um feudo para outro. A cérte era um acampamento mével: a vigilincia ¢ 0 movimento eram 0 preco do poder. Isso valia tanto para reis como para nobres renores. Os ministros reais, os juizes reais, téda a apare- Ihagem de govémno e controle fiseal, eram essencialmente uma aparelhagem mével: a autoridade era mantida por meio da Fbealizagio pessoal. Durante o século quatorze, nas grandes ronarquias da Inglaterra e da Franga, ésse processo chegou 2 interromper-se. Os registros da corte, as listas, os livros os arquives, @ correspondéncia, para lo mencionar 08 pr prios oficiais, tinham-se tornado demasiado mumerosos © vo- Jumosos para se moverem. A medida que a populacdo © 0 territorio cresciam de tamanhto, a fiscalizago pessoal directa tornava-ce impossivel: fazia-se necessiria « administragio im- pessoal ¢ @ delegacio de autoridade. ‘Embora o movimento popular em prot do contréle par~ lamentar nio se _mantivesse com grande éxito a nfo ser ne Jnglaterra, o Estado moderno comecou a tomar forma no ‘steulo quatorze. As suas, caracteristicas so uma burocracia Permanente, cOrtes permarientes de justiga, arquivos © regis fros permanentes © edificagdes permanentes, mais ow menos fentralmente situados, para a condugio dos negécios oficiais. © processo. foi bem’ deserito por Tout. “Pelo reinado de Henrique II — observa Tout — 0 rei inglés ccntralirara tanta autoridade sob a sua jurisdicéo imediata que todos os homens de posses tinham ocasides freqiientes de procurar justiga ow solictar favores na cérte.” Bese movimento, ou Untes, essa estabilisagdo, verificou-se inicialmente na adminis- tragio financeira, que tinka a sua sede especial em Westmi- ister: gradualmente, foi estendida a todos os demais depar~ tamentes do Estado. Eo proprio processo tinha natureza reciproca: 2 centralizagio da autoridade necessitava da criagio da capital, 20 passo que a capital, dominando as vias prin- pais de ‘comércio ¢ movimentacio militar, era uma contri- do poderosa para a unificagdo do Estado. Note-se que a capital tinha um pepel social assim como tum papel politico a desempenhar. Na capital, 05 habitos, costumes ¢ linguajar provincianos eram fundidos ¢ re-con- densados & imagem da cérte real, na chamada imagem na- clonal — nacional por prescrigéo, mais que por origem. Foram hnevessirios séculos para efetivar uma unificagio mesmo em atividades extra-pestoais tai como 0 regulamento de pesos @ medidas: sem 1665 foi que Colbert propés “trazer a {otalidade do reino de sua majestade para dentro dos mesmos estatutos e para dentro do mesmo sistema de pesos e medi- das”. A. propria seguranga de vida e de propriedade nao fe seguiram muito rapidamente em todos os cantos do novo dominio nacional: ainda em 1553, nes Guides des Chemins de Fronce, havia anotagdes nos espagos,abertos, entre cidades de “brigandage” e “Floresta Perigosa”. ‘A. consslidagéo do poder na capital politica foi acom- pankada por uma pérda de poder e ce inicativa inos centros focais: o prestigio nacional equivalia & morte da liberdade municipal local. O préprio territério nacional passou a ser © clo de ligagdo entre diversos grupes, corporagoes, cidades: & nagio er uma sociedade abrangente em que se entrava desde 0 nascimento. Os novos teéricos da lei, como Gierke Gemonstrou, cram impelides a negar que 2S comunidades focais e 0s grupos corporativos tinkam existéncia prépria: a familia era o tinico grupo, fora do Estado, euja existencia fra considerada vilida em si mesma, 0 Gnico grupo que nio fexigia a benigna permissio do soberano para exereer as suas fungbes naturais. Uma ver que 0 poder politico estava assim consolidado, cs privilégios econémicos eram obtidos pelos individves, no da cidade, mas do principe; e podiam ser exercidos, via de regra, em qualquer parte do reino. Apés 0 séulo dezesseis, por conseguinte, as cidades que cresciam mais ripidamente fem populagio, area ¢ riqueza eram aquelas que abrigavam tuma corte real: a fonte do poder economico, Cérca de uina ‘Gizia de cidades alcangou ripidamenie um tamanho no atin- gido na Idade Média, nem por um punhado delas: com pouco, Londres tinha 250000 habitantes, Napoles 240000, ‘Milo mais de 200000, Palermo ¢ Roma, 100000, Lisboa, abrigo de uma grande monarquia, mais de 100000; assim, também, Sevilha, ‘Antuérpia e Amsterdio; a0 passo que Paris, em 1594, tinha 180 000. Enquanto os grandes estados do mundo moderno toma- yam forma, as capitais continuavam a monopolizar a popu- lagio. No século dezoito, entre as cidades com mais de 200.000 1 inchsivmse Moscou, Viena, Séo Petersburgo ¢ Palermo, en- tynanto que, ja ma’ casa dos 100000, achavam-se VarsSvia, Nerlim e Copenhague, Pelos fins do século dezoito, Napoles linha $33.930 habitantes, Paris cérea de 670000, Londres tmais de 800000; a0 passo que as cidades comerciais como Hiristol e Norwick, ow as cidades industriais ‘como Leeds, Manchester, Iserlofin e Paderborn, na sua maior parte, con. tinuavam pequenas: isto é com menos de cingienta mil’ habi- tantes, A cidade comercial de Hamburgo ¢ a cidade indus trial de Lio, ambas com sélidas fundagées medievais, ¢ uma vida econémvica continuada, séo as principais excegdes; pois ambas tinbam mais de 100000 habitantes ‘no inicio ‘do. séeul dezenove; mas, até entdo, ndo representavam as formas domi nantes de poder politico 'e financeito. Em contraste com 0 regime medieval, 0 poder € a popu- lagéo io se achavam mais desligados, dispersos, descentra- lizados. Apenas nos paises germinicos 0 tipo antigo de eco- nomia municipal chegou efetivamente a perdurar; e 0 eresc mento da Brandenburgo-Prussia, no século dezessete, modi ficou a forma das coisas mesmo ali. O estado crescia ‘a custa das partes componentes: a capital erescia fora de tda pro- porcio, relativamente as cidades provincianas, ¢, em ndo' pe- quena ‘medida, a> suas expensas. Embora as capitals natu- ais f6ssem geralmente situadas em pontos de especial van- tagem para o comércio ¢ a defesa militar — jé que tais ele- mentos entraram inicialmente na sua escolha — os gover- nantes barrocos concentrarain todos os poderes do Estado para confirn:ar essas vantagens. Onde havia falta de um centro natural, imitavam & distincia a colossal férca de vontade de Pedro o Grande, na fundagdo de Séo Petersburgo. Em resumo, a multiplicagio de cidades intetrompeu-se; a construgio de cidades jé nao era, para uma classe crescente dle pequenos artesios e mereadotes, um meio de obter liber- fade e seguranca. Era, antes, um meio de consotidar o pader politico no centro tinico, pésto diretamente sob o olhar eal e a evitar que tal desafio @ autoridade central. se levan- fasse noutra parte, em centros dispersos, mais dificeis de con- trokir. A época das cidades livres, com a sua cultura ampla- mente difusa e seus estilos relativamente democriticos de asso- cingto, cedeu lugar & época das cidades absolutas: uns poucos centros que eresceram desordenadamente, deixando as dentais vitlales 0 dieito ou de aceitar a estagnacio ou de iludircse eon estos desamparados de-imitagio, I.vi, orem, uniformidade — tiido isso séo produtos espe- isis de capital’ barréca; masa lei existe para confirmar a condisio e garantir a posigio das classes privilegiadas; x orden € uma ordem mecinica, baseada ndo no sangue, nem na vizinhanga, nem na afinidade de propdsitos e de afeisoes, mas na sujeigso a0 principe domivante; quanto & uniformi- dade — € a uniformidade do burocrata, com os seus gabi netes, os seus dossiers, a sua papelada, os'seus numerosos atti- ficios para regulamentar sistematizar a coleia de impostos Os meios externos de tornar obrigatério ésse padrio de vida pertencem 40 exército; a sua atma econdmica é a politica capitalista mercantil; e’as suas instituigées mais tipicas sio. 0 exército regular, a bélsa, a Durocracia ea cérte. Ha uma harmonia fundamental que penetra em tdas essas institu entre si, criam elas uma nova forma de vida social — a cidade barréca. 3. — Os Instrumentos de Coergao No crescimento do Estado moderno, 0 capitalismo, a técnica © a guerra desempenham uma parte decisiva; mas € impossivel atribuir um papel preponderante a um ou outro. Cada qual se desenvolven através le causas internas ¢ em resposta a. um meio comum; ¢ Estado desenvolveu-se jun- tamente com éles. Como nasceram as doutrinas modernas de poder politico absoluto? Por que o déspota politico emergiu tao ficilmente das concentragées de capital econdmico ¢ autoridade politica que tiveram lugar na cidade italiana do século quatorze, com mais de ume corporagio, mais de uma familia, a disputar a posigio? Como a moda do despotismo, criando grandes déspotas, como os Tudores, © peqeninas déspotas, como os governantes dos estados germénicos, propagou-se pela Europa — déspotas que tiveram os seus correspondentes, no. rare a suas origens, nos novos homens de negécios financistas? Existe outro nome para essa crenga erescente no poder abso- luto: poder-se-ia chani-la de ilusio da pélvora. © velho truismo de aue a pélvora provocou a ruina do feudalismo esti longe de ser verda¢eiro. Embora a indepe- déncia feudal nao pudesse resistir 4 centralizagio do poder fem monarquias nacionais, a pélvora teve o efeito de dar 0s aristocratas feudalistas um novo titulo de vida, prote- agendo-os contra a pressio das cidades muradas; pois a pil- vore fz crescer a ordem, a forea ¢ a mobilidade dos soldados profissionais — e a profissio das armas era a velha profis- sio do chefe feudal. Num sentido muito real, todavia, introdugio da pélvora no principio do século quatorze — 93 ‘upicle séeulo que solapou to numerosas instituigées medie- wily — foi como o dobre de finados das cidades livres, Até aquela época, a, seguranga tinha repousado princi- pulmente num artificio técnico muito simples — 0 foss0 « & mmuratha — defesa suficiente contra ob guerrezos_ asa tantes “que nfo conduziam quaisquer instramentos pesados se Sa, “Ta laa en tas inexpugndvel: j6 mesmo na época de Maquiavel, observava dle que as “cidades da Alemaisa do de tal modo. fort ficadas que ...reduzi-las seria tedioso dificil, pois isda tém os necessirios fossos © bastibes, artilharia ‘suficiente e sempre conservam no armazém péblico comida, bebida e com. bustivel para um ano.” Até © século quinze, a defesa tinha predomindncia em elagio ao ataque. © avangado tratado de Alberti sobre pla- nejamento de cidades, publicado apés a sua morte, nio mos trava confianga no canhio, e a nova arte de fortificagio esempenhava apenas um papel sem importincia. Alias, estava artilharia tio imperfeita e era empregada com tio pouca hasitidade que, como observa Guicciardini, o sitio de cidades era lento © incerto; e, até a invasdo francesa da Itilia, no reinado de Carlos VIII, com um niimero sem precedente de sokdados, 60 000, © com balas de canhio de ferto em ver de pedra, tudo a se deslocar numa velocidade até entio nio sonhada — até que isso aconteceu, as cidades achavam-se em pé de igualdade, ou melhor, mais que em pé de igualdade, com os grupos atacantes, A ‘partir de entio, as condigdes se inverteram: embora uma bala no explosiva, de pedra ou de ferro, que © canhéo do defensor pudesse utilizar, causasse mito poucos danos quanto atirada sobre uma companhia de hhomens, poderia.provocar consideraveis estragos quando em. pregada no assalto para abrir uma murafha ow derrubar ‘um teto, A nova artilharia do fim do século quinze tornon val- netiveis as cidades. Na tentativa para igualar as condigdes militares, as cida- sles, partir désse_ponto, foram compelidas 2 abandonar o set antigo sistema de muros simples, defendidos na sua maior pate por uma soldadesca de cidadios. Foram elas forcadas 8 contratar soldados, para que pudessem avangar e enfrentar « inimigo em combate aberto; e, apés a bem sucedida defesa le Miléo por Préspero Colonna, em 1521, foram forcadas a iotar_métodos novos de fortificasio que tinham sido ali ‘vorados pelos engenheiros militares. Essas novas fortifi- cagies eram muito mais complicadas que as antigas muralhas: tina reveling, ressaltos, bastides, em formagio a moda de ‘estréla, que permitiam tanto & artilharia como & infantaria armada abrir fogo sobre as fileiras das {orcas atacantes de qualquer lado onde pudessem aparecer. Levando 0s mosque- tes dos defensores até as posigdes mais avancadas, podiam tebricamente por a propria cidade, cuje circunferéneia estaria a mmuitas centenas de metros para trés, fora do alcance da mais poderosa arma do inimigo. Durante dois séculos, essas cengenhosas medidas de defesa pareceram prometer seguranca : ‘mas, como tantas outras formas de protecio militar, Iangaram uum terrivel encargo social aos ombros da populagdo prote- ida, acabaram sendo responsiveis, em muitas cidades, por aquelas condig6es sérdidas pelas quais a cidade medieval tantas vézes tem sido reprovada, Em lugar da muralha simples de tijolos, que um pedreiro construtor de casas comuns podia planejar ou erigir, era neces- sirio agora criar um sistema complicadc de defese que deman- ‘dasse grande conhecimento de engenharia e despesas enormes fem dinheiro, Tais fortificagées, dificsis de construir, eram ainda mais dificeis de alterar, a ndo ser a prego proibitive. ‘As velhas muralhas podiam ser estendidas, para abranger ura subirbio; no embaragavam o crescmento ea adaptacao naturais. Mas as novas fortificagées impediam a expansio lateral. Nos séculos dezesseis ¢ dezessete, as fortficagbes devem ter tido © mesmo efeito sdbre as finangas que a cons- trucio de vias subterraneas tem tido tantas vézes na metré- pole moderna: representavam um encatgo intoleravel para a ‘municipalidade e expunham-na a ajuda exorbitante do finan- cist. Mesmo sob um regime centralizado, como na Franga, 05 hhabitantes de Metz ofereciam gratuitariente os seus servigos, para que pudessem realizar com 25.000 libras obra que dé utr forma teri xstado SO000; ‘um, efreo vluntirio fugir a pesadas imposigées financeiras. speito do Enprégo freqdente de tribalhos forgados na Franga, 0 exsto social tigo era t2o pequeno. Despesas improdutivas de capital, cenergias que se desviam da producdo de bens de consumo, drenam os recursos de um povo, mesmo quando nfo tenham a sua expresso em térmos de dinheiro. Talver uma das grandes vantagens das cidades inglésas, depois do século dezes- seis, que ajudou a Inglaterra na corrida pela supremacia co- mercial, foi a de que s6 elas estavam livres dessas taxas cobradas de seus recursos. Nao menos desastrosos que 05 custos financeiros de cons- truséo eram 05 resultados diretos sdbre a prépria populacio. Ao pasio que a cidade antiga era dividida em quarteirdes € 95 pragas, e depois rodeadas por uma muralha, a cidad lemente fortific cago, © a eda Fees pal ga ite Ha ona dete He aan 3 ae ie fg ar seat poten Seo cs Za Hina "San erekenem nes de, pute earn sep aoe) OED fae burgués prudente que fdsse construir a Rininedorc tone Hal ee ee ce fre cidade fortificada: a cidade estendia-se, como Paris ee eid As fortificagdes no s6 fizeram afastar-se os subirbios, jardins © pomares para tio longe da cidade que 6. podiam Ser convenientemente alcangados pelas classes mais ricas que odiam dar-se ao luxo de ter cavalos: os espagos abertos dentro delas foram rapidamente cobertos de construgées, & medida que a populagdo era impelida da terra cireunjacente, or temor e desastre, ou por pressio do encerramento € do monopélio de terras. Bsse novo congestionamento.levou i destruigéo dos padrées medievais para espagos de construcdo, mesmo nalgumas das cidades que conservaram sua forma medieval e a preservaram por’ mais tem superpovon- melee pearatin fo ea ope 0 ae. séeulo dezessete: Stow nota em Londres que as comstrugées de pedra estavam sendo substituidas por edificagdes de estru- uuras de madeira, para poupar o expago ocupado pelas paredes de pedra, mais pesadas, e os prédios de quatro ¢ cinco pavi- ‘mentos tomavam o lugar dos de dois pavimentos. (A mudanga, da alvenaria para a construgéo de estrutura de ago teve lugar, nia cidade americana do fim do séeulo decenove, pela mesma Taio). Mas, no século dezessete, essas préticas. tornaram- : universais: a construgio sistematica de ‘prédios altos teve nicio — cinco ou seis andares de altura na. velha. Genebra cos em Patis, as vézes dex ow doze ei Edimburgo, do século dezessete. A. existéncia déstes corticos desafiava ‘08 elevados principios estéticos dos arquitetos ©. construtores, Ga mesma maneira pela qual o emprégo freqiiente dos corre~ ores de Versalhes como mictérios desafiava as exorbitantes pretensbes estéticas daquela cérte, Por volta do século dezesseis, as priticas dos engenheiros italianos dominaram a construgo de cidades. O tratado de Diirer sdbre fortificagées urbanas 56 dé ligeira atengio ci- dade em si mesma; ¢, na maioria dos outros livros planos sobre o assunto, a cidade é tratada como mero apéndice da forma militar: & por assim dizer, 0 espago “desocupado” que se deix. Leonardo da Vinci, como Palladio, tratou nos ‘Seus cadernos da cidade propriamente dia, sugeriu a separacio das vias para pedestres das artérias de tréfego pesado e chegow 2 ponto de isistir com o Duque de Milio na produgio em massa e padronizada de casas de trabalhadores. A. despeito, porém, dessas férteis sugestdes, a sua contribuigio a arte de Construir cidades permanece pobre minguada, em compa- fagio com o seu extraordindrio zélo por melhorar a arte Ga fortificagio e do ataque. & fécil vér onde tanto a opor- ‘tunidade como 2 energia criadora se excontravam. (© novo movimento acabou por encontrar o seu apogen nos tipos de fortificacso imaginados durante o século dezes- sete, sob 0 grade engenheiro Vauban — um método tio completo que exigia do exército ume nova arma, também ‘Sistematizada por Vauban, a dos mineiros © sapadores, para veneé-lo. Embora a arte da fortificagio tivesse acarretado sacrificios interminaveis, entrou em colapso tio logo tinha evo- fuido a sua forma final. O novo devlo de alcance melhorou © fogo de artilharia; a crescente mobilidade dos suprimentos, por meio de canais e de estradas, e a organizagio de um comissariado responsivel, deram impeto ao exército mével: fenquanto isso, © Estado territorial mesmo havia-se trans- formado na “Cidade” que tinha de ser defendida. 4, — A Guerra, Construtora de Cidades desenvolvimento intensivo da atte da fortificagéo trans- ppés @ importincia da construgio da arquitetura para a enge- nharia, do planejamento estético para os céleulos materia de piso, niimero e posicéo: prelidio as técnicas mais largas da maquina, Mas, especialmente, alterou 0 quadro urbano. do mundo de curto alcance da cidade medieval, com as suas distancias que se cobriam de uma caminhads, as suas vistas Fechadas, os seus espagos abertos, no mundo de largo alcance ” da politica tarréca, com 0 seu fogo de longa distincia ¢ os seus veiculos de todas, € 0 seu desejo crescente de ganhar ‘espago ¢ fazer-se sentida a distancia Boa parte das novas titieas de vida brotow de uum im- pulso no sentido da destruigéo: destruigéo de longo alcance. A piedade cristae a cupider capitalista combinaram-se para impelir os novos conguistadores através dos mares, para’ sa quear a India, © México e 0 Peru; enguanto que 0 novo tipo de fortificacéo, 0 novo tipo de exército, 0 novo tipo de oficina industrial, melhor ilustrados nos vastos arsenais € fabricas de armas, conspiravam para acabar com os modos telativamente cooperatives da cidade protegida. A protesio dew lugar a exploragéo desenfreada: em vez de segutanga, 0 homem ansiava por expansio aventureira e conquista, Eo proletariado doméstico era sujeito a formar um govérno ndo menos inexordvel ¢ autocritico que aquéle que reduziu a nada as civilizagées bitbaras da América do Norte © do. Sul A guerra apressou tédas essas transformagées; estabe- leceu o ritmo de desenvolvimento de tédas as demais insti- tuicées. Os novos exércitos regulares, grandes, poderosos ¢ respeitéveis, em tempo de paz nio menos que na guerra, transformaram a propria guerra de atividade espasmadica em continua. A necessidade de fdrcas guerreiras mais dispendio- ‘sis pds cs cidades nas mios de oligarquias onzendrias, que financiavam as_politicas melévolas dos governantes, viviam suntuosamente dos lucros € despojas, € procuravam dar vigor & sua posigio dando apoio ao despotismo decorrente. Numa crise econémica, as armas da soldadesca alugada podiam ser voltadas, aos primeiros sinais de rebeldia, contra os stiditos imiserdveis. (Os ingléses escaparam mais cedo que outros paises ao padrio barroco pagando na mesma moeda a0 seu déspota Stuart), Na Idade Média, 0 soldado féra obrigado a sua f6rca com o artesio, o mercador, 0 sacerdote: agora, na politica dos estados absolutistas, téda a lei tinha-se com efeito transformado em lei marcial. Quem quer que estivesse em condigdes de financiar 0 exército e o arsenal era capaz de tomar-se dono da cidade. Os tiros simplificaram a arte de governar: eram um meio répido de pér fim a um argumento embaragoso. Em vez de accitar as acomodacées comuns para garantir a sadia manifestagéo de diversidades de tempera- ‘mento, de interésse e de erenga, as classes dominantes podiam resolver-se com tais métodos de dar e de tomar: 0 seu yora~ Dulério reconhecia apenas 0 “tomar”. A bala, 0 canhao, © exéreito regular, ajudaram a produzir uma raga de gover- nantes que no reconheciam outra lei senfo a da sua propria vontade ¢ do seu capricho — aquela refinada raga de déspotas, ‘ora imbecis, ora talentosos, que elevaram as suspeitas e ilusdes do estado parandico a condicéo de ritual poliico. Os seus imitadores totalitirios de hoje, com ifusGes ndo menores, mas com capacidade maior de destruigio, ameacam agora a prépria existéncia da civilizagio mundial A transformagio da arte da guerra dew 20s governantes, barrocos uma vantagem enorme sobre os grupos e corpora- ‘e6es reais que constituiam uma comunidade. Féz mais do que outra férga nica qualquer para alterar a constituicdo da cidade. O poder passou 2 ser sindnimo de nimero. “A grandeza de uma cidade — observava Botero — é considerada como sendo nao o tamanho do sitio ou o circuito das mura- thas, mas a multidéo ¢ 0 mimero de habitantes e o seu poder.” © exército, reerutado para a guerra permanente, tornow- um fator novo no Estado e na vida da capital. "Em Paris f¢ Berlim, como em outros centros menores, dies. exércitos regulares eriaram uma exigéncia de fotmas especiais de habi- taco, j& que os soldados no podiam estar permanentemente aquartelados no seio da populagio sem provoca: um senso de agravo; haja vista 0 resultado de uma tentativa dessa ordem nas colénias inglésas da América do Norte. Os alojamentos do exército tiveram na ordem barréca quase o mesmo lugar que 0 mosteiro na medieval; ¢ os campos de paradas — 0 novo Campo de Marte, em Paris, por exemplo — eram to freqiientes nas novas cidades como 0 proprio Marte 0 era nna pintura renascentista. A rendigio de senticelas, a inst sio, os desfles, passaram a constituir um dos grandes ‘téeulos de massa para a pupulaca cada vez mais servil: 0 retinir do clarim, 0 bater do tambor, foram ruidos tio carac- teristicos dessa nova fase da vida urbana como 0 dobrar dos sinos o fora na cidade medieval. O tragado de grandes Viae Triwmphales, avenidas por onde podia marchar um exército vitorioso com 0 miximo efelto sobre 0 espectador, foi um asso inevitével no re-planejamento das novas capitais, nota- damente Paris e Berlin, Juntamente com os quartéis e campos de instrugio, que ‘ocupam sitios tio amplos nas grandes capitais, surgem os arsenais. No século dezesseis, um niimero extraordindrio de tais edificios foi erigido, Por volta de 1540, Francisco. 1 féz erguer onze arsenais © paidis de pélvora: a mesma coisa foi levada adiante, em ritmo mais vivo ou mais lento, em tédas as dewais capitais, Os soldados, como Sombart mos- trou, sio puros consumidores; mesmo quando em agio, sio rias. "Nao foi por acaso que Newton, o fisico, tormou-se chefe da moedagem, ou que os mercadores de Londres ajudaram fundar a Real Sociedade ¢ levaram a efeito experiéncias em fisica, Essas di substituiveis Por trés dos interésses imediatos do novo capitalismo, com o seu amor abstrato ao dinheiro ¢ ao poder, teve lager Juma mudanca em téda a estrutura conceptual. Fa primeira delas foi uma nova concepgio de espago. Um dos ‘grandes triunfos da mentalidade barréca foi organizar o espago torn lo continuo, reduzi-lo & medida e a ordem, estender os limites de grandeza, abrangendo o extremamente remoto eo extre~ mamente pequeno; finalmente, associar 0 espago ao movi. mento, Essas transformag6es foram formuladas inicialmente pelos pintores ¢ arquitetos, a partir de Alberti, Brunelleschi e Uceel. Jo, Enquanto os realistas flamengos, trabathando num meio de adiantadas indtstrias de fiagéo, tinham aguda percepgio de espago, ficou para os italianos do século quinze organizar o espago em linhas matematicas, dentro de dois planos, a mol. dura do primeito plano ¢ a da linha do horizonte. "Nao se limitaram éles a correlacionar a distancia com a intensidade de colorido ¢ a qualidade da luz, mas como movimento de corpos através da terceira dimensio projetada, Essa apro- ximagao de linhas e sélidos até entio nio relacionados, dentro da moldura retangular barréca — no que se distingue dos limites freqiientemente irregulares da pintura medieval —— foi contemporinea da consolidagio politica do tertitério den- tro da estrutura cocrente do Estado. Mas 0 desenvolvimento a linha reta uniforme de consirugées, como meio de expri- ‘mir © movimento uniforme, teve lugar’ pelo menos um sceulo antes da construgéo de fachadas verdadeiras em avenidas visualmente sem limites. De igual forma, o estudo de perspectiva derrubou a muralha limitrofe, cotendeu a distiutia para 0 horizonte © concentrou a atengéo nos planos afastados, muito antes que @ muralha f6sse abolida como earacteristica do planejamento urbano. Foi ésse um prefaicio estético as grandes avenidas de estilo barréco, que tinham, quando muito, um obelisco, um arco ou um edificio isolado, onde iriam concentrar-se os raios convergentes das linhas de cornijas e dos limites do pavimento, A perspectiva longa e a vista para dentro do espago —— esas ccaracteristicas tipicas do planejamento barréeo foram desco. bertas inicialmente pelo pintor. O ato de passagem & mais importante que © objeto alcangado: ha interésse mais pro- iplinas mecanicas eram, na realidade, inter. rtrd em fundo no primeiro plano do Palicio Famesse do que na fachada desajetada que coroa a colina. A nova janela. renas- centista é decididamente, uma moldura de quadro; © a pin- tura renascentista, uma janela imaginaria, que, na cidade, faz com que se esqucga a monotonia de patio que uma abertura real iia revelar. Se os primeitos pintores demonstraram a matemitica cartesiana antes de Descartes, no sea sistema de coordenadas, @ sentido geral de tempo igualmente tornou-se mais matema tico. A partir do século dezesseis, ¢ reldgio doméstico difun- iu-se entre as classes superiores. "Mas, ao passo que 0 espaco barréco convidava ao movimento, a viagem, conguistada pela velocidade — haja vista os primeiros carros a. vela ¢ os veloci- pedes — 0 tempo barréco no tinka dimensées: era um conti- uo, de momento para momento. O tempo exprimia-se no como algo cumulative ¢ continuo, mas como algo. disjuntive deixava de ser a existéncia. O costume social da época bar= roca é a mods, que muda a cada ano; e, no mundo da moda, uum novo pecado foi inventado —o da nao se estar em dia com cla, O sew instrumento pratico foi o jornal, que trata de “acontecimentos” do dia a dia, dispersos e logicamente incon eruentes, sem nenhuma conexio fundamenta lafora o Jato de serem contempordneos. Se, nas formas especiais, os imoxielos epetitivos assumiram um novo significado — colunas nas fron- itarias dos prédios, fileiras de homens em desfile — no tempo, a énfase permanece na novidade. Quanto 20 culto arqueol6- sgico do passado, era, evidentemente, no uma recuperacio da Historia, mas uma negagdo da Histéria, A Historia verda- deira no pode ser recuperada. As abstracées de dinheiro, perspectiva espacial ¢ tempo mecinico forneceram a estrutura que abrangia a nova vida. Progressivamente, a experiéncia foi-se reduzindo apenas aque Jes elementos que eram capazes de ser destacados do todo © medidos em separado: os contadores convencionais tomaram © lugar dos organismos. O que era real era o que fazia parte Gaquela experiencia que no deixave residuos melancélicos; ¢ nada que ndo se pudesse exprimir em térmos de sensagses visuais, ¢ ordem mecinica no valia a pena de exprimir-se. Na arte, perspectiva e anatomia; na moral, a casuistica dos jesuitas; na arguitetura, as proporgées fixas das Cinco Ordens} ¢ na cons- ‘trugio de cidades, 0 plano geométrico complicado, Tais slo as novas formas, ‘io me interpretem mal. A época da analise abstrata foi uma donc de brihante cwlarcnont.inieeceal 0 nove sistema de tratar de fragmentos matemiticamente ani tm ver de tratar de totais, proporcionou os prmeiros meios coleivos inteligiveis de abordar faces totaes bin hea to Gilde ordem como a eontabilidade de partdss dobeedeen comércio, Nas ciencias naira, o mélods da aharnee even A descoberta de unidades que podiam ser eompletaets inven Ligadns, sonente porgue cram desmembradue'e fragoentines © ‘que se yanhou em capacdade de pensamento sigumatics & gm previsio precisa de aeontecimentos fisies iia justi se no séoulo dezenove, numa série de. poderosos progress cs teenie Na sociedade, porém, o hibito de pensar em térmos de abstracdes operou de forma desastrosa. A nova ordem estabele- cida nas ciéncias fisicas era limitada em demasia para Geserever ‘ou interpretar fatos sociais, e, até o século dezenove, o proprio desenvolvimento legitimo da andlise estatistica desempenhou equeno papel no pensamento sociolégico. Homens mu- Iheres reais, corporagées ¢ cidades verdadeiras, eram tratados Pela lei e pelo govémo como se féssem corpos imaginarios; 20 Passo que ficgées arrogantes como Direito Divino, Governo Absoluto, Estado, Soberania, eram tratados coma se féssem ealidades. Libertad do seu sentimento de dependéncia da corporagso e da vizinhanga, © “‘ndividuo emancipado” era dissociado © deslocado: um dtomo de férca, a procurar rude- mente aguilo que a férca podia dominar. Com a busca de poder financeiro e politico, a nogo de limites desapareces — limites em nimeros, limites em riqueza, limites em creseimento de populacéo, limites em expansio urbana; pelo contrario, Passou a predominar a expansio quantitative, O mercador nio pode ser demasiado rico ¢ 0 Estado no pode possuir demasiado territério; a cidade nfo pode tomnar-se demasiado grande. Botero, contempordneo désse desenvolvimento, percebeu as suas consegiiéncias. “Os fundadores de cidades — disse ale — eonsiderando que as leis e a disciplina civil no podiam ser facilmente conservadas ¢ guardadas onde enxameava uma vigorosa multidéo de pessoas. (pois as multiddes realmente eriam e provocam confusdo), limitaram 0 niimero de cidadios além do qual supunham que a forma e a ordem do govérno, que Procuravam conservar dentro das suas cidades, nao pudessem mais ser mantidas. Mas os romanos, supondo que o poder (sem © qual uma cidade no pode ser mantida por muito tempo) consiste, na sua maior parte da multidio de pessoas, Jutavam por todos os métodos ¢ meios que podiam para fazer grande 0 sew pais.” 104 No desejo de ter mais siiditos — isto &, de mais came para canh3o, mais vaeas leteiras para pagar impostos © alu- gaéis — os desejos do Principe coiacidiam com os dos capi- talistas que estavam 4 procura de mercados maiores © mais, concentrados. A politica do poder © a economia do. poder seiorgavam-se mittuamente. As eidedes eresciam: os alugueis subiam; os impostos aumentavam. Nenhum désses resultados foi obra do acaso. 6. — O Movimento e a Avenida Ja que estou tratando de uma época de abstragées, propo- ‘homme a acompanhar o seu estilo. Tratarei da parte antes de discutir © todo. Primeiro, a avenida; depois, as. instituie 6s e edificagses separadas; 5 depois disso a cidade, como linidade estética, se no uma unidale social completa, A avenida & o simbolo mais importante e fato capital, no que diz respeito & cidade barrdcs. Nem sempre era pos sivel planejar tda uma cidade nova go estilo bartéco ; mus, no tracado de meia déria de novas avenidas ou num bairto novo, © sew cardter podia ser requintado. Na evolugio linear da planta da cidade, o movimento de veiculos de roda desempe- nnhow papel critioo; e a geometrizasio geral do espago, ta0 caractetistica do periodo, teria sido inteiramente sem funcio, no houvesse facilitado 6 movimento do trifego ¢ dos trans- portes, 20 mesmo tempo que servia como manifestagio do sen- tido dominante de vida. Foi durante 0 século dezesseis que 5 carros © carrocas tiveram uso mais generalizado dentro das cidades, Isso foi, parcialmente, o resultado de melhora- mentos téenicos que, substituiram a antiga roda sdlida pela roda construida de partes separadas — cubo, arco, raios — e ‘uma quinta roda acrescentada para facilitar ‘as voltas A introdugéo de veiculos de roda sofreu resisténcia, pre- cisamente como sofreu resisténcia a da estrada de ferro, tres séculos depois. Evidentemente, néo eram as ruas da cidade medieval adaptadas, nem em tamanho nem em articulacio, para ése tipo de trifego. Na Inglaterra, conta-nos Thomas, fizeram-se protestos vigorosos, ¢ ficou assentado que, se 03. cartos dos cervejeiros tivessem permissio para entrar nas ras, © calgamento nfo poderia ser conservado; a0 passo que, na Franca, o parlamento solicitou do re, em 1563, que proibisse a entrada de veiculos nas ruas de Paris — ¢ 9 mesmo impulso cchegou a mostrar-se uma yer mais no século dezoito. Nao obstante, © novo espirito em voga na sociedade estava do lado dos transportes répidos. A aceleragio do movimento ¢ a 105 conquista de espago, 0 desejo febril de “chegar a alguma parte”, cram manifestagdes da contagiosa ambigio de poder. “O mundo — como observou Stow quando a’ moda estava dominando em Londres — corre sobre rodas.” Massa, velo- cidade © tempo eram categorias do esférgo social, antes que estivesse formulada a lei de Newton, movimento em Tinka teta a0 longo de uma avenida nfo ‘era meramente uma economia, mas um prazer especial: trazia para dentro da cidade o estimulo ¢ a animagao do movimento Tapido, que até entio s6 0 cavaleiro tinha conhecido, 20 galo- par pelos campos ou através da floresta de caca, "Era pos sivel aumentar estéticamente ésse prazer por meio da dispo- sigio regular de edificios, com fachadas simétricas © cornijas uniformes, cujas Linhas horizontais tendiam para o mesmo Ponto distante para o qual o préprio veiculo estava-se ditt gindo. Na caminhada, 0 olhar corteja a variedade, mas em Titmo mais acelerado, @ movimento exige repetigdo das unida- des que se ho de ver: sémente assim é que a parte individual, a medida que se desloca velozmente, pode ser recuperada ¢ Feconstituida. © que seria monotonia, para uma’ posigto fixa ou mesmo numa procissio, torna-se um correspandente necessirio 20 ritmo de andar dos cavalos répidos. Acentuando as exigéncias do trafego sobre rodas, que se tornaram urgentes no século dezessete, nao desejo deixar de lado uma necessidade caracteristi taco militar. Alberti, que é em todos os sentidos o principal expoente teérico da cidade barréea, distinguia entre ruas prin cipais € subordinadas. As primeiras, dava éle o nome —e 0 nome ¢ importante — de viae militares, ou tuas militares: Tequeria que féssem retas. Quem quer que tenha conduside uma batalhio de homens através de uma cidade irregular mente urbanizada sabe da dificuldade de conduzi-los em ordem marcial através das stias curvas ¢ sinuosidades, principalmente quando as préprias ruas do so planas: inevitivelmente, © individuo sai_doalinhamento e as colunas apresentam uin aspecto desordenado. Para tirar o maximo efeite de uma parada, a exibigio maxima de ordem e de vigor, ¢ necessirio que 0 corpo de tropa tenha uma praca aberta out uma avenidade lenge e sem interrupgses. Os novos planejadores de cidades tinham as necessidades do exército constantemente em vista; Palladio secundou Alberti. “Além de observar que as vias serio curtas ¢ conve: ‘ientes, se planejadas em linha reta, e tio largas que os cavas Jas e carros no sejam embaragados uns pelos outros a0 se encontrarem, Palladio diz que “‘as vias serio mais convenien- 106 tes se férem feitas iguais por téda parte; vale dizer, que nao haja_nelas lugares onde os exératos nfo possam’ marchar facilmente”. Essa rua desmesurada e uniforme, que iria tor~ nar-se tio perniciosa para o desenvolvimento de vizinhancas nas cidades novas, ¢ que iria fazer crescerem tanto as despesas, tinha uma base puramente militar. A definigio que Palladio dew posteriormente a avenida militar & igualmente significativa: distinguia-as do tipo no militar mostrando que passavam pe'o centro da cidade leva vam de uma cidade a outra, e que ‘“servem ao uso comum de todos os passantes, para ditigir carros ou passar exércitos em marcha.” Por isso mesmo, Palladio tratou apenas das ruas militares, porque as ruas nao milifares devem ser reguladas segundo os mesmos principios das vias militares, e quanto mais parecidas forem, “mais recomenddveis sero”. Em vista da importincia do exército para as classes dominantes, néo & de admirar que 0 trafego militar {Gsse 0 fator determinante do novo planejamento de cidades, desde a primeira mutagio, ‘em Alberti, até a sobrevivéncia final, no tragado dos buleva res de Haussmann, em Paris, « © efcito estético das colunas regulares ¢ da linha reta de soldados & realgado pela regularidale da avenida: a linha de marcha ininterrupta contribui muito para 2 demonstracio de 4f6rga, ¢ um regimento que assim se movimenta dia impres- so de que itrompera através de uma muralha sem perder 0 passo. Tal é, de certo, exatamente a crenca que o soldado ¢ ‘© Principe desejam infundir na populagio: ajuda-os a manté-la fem ordem sem chegar a um exercicio verdadeiro da f6rca, que sempre contém a possibilidade desagradavel de que o exército possa ser levado de vencida. Mais ainda, em russ inregulares, mal pavimentadas, com grande quantidade: de pe- dras soltas ¢ lugares de esconder, as formagdes espontineas de pessoas no treinadas levam vantagem sObre uma soldadesca adestrada: 03 soldados néo podem atirar pelas esquinas nem podem proteger-se contra tijolos deixados ait do alto de cchaminés, diretamente acima das suas cabegas; precisam de espago para fazer manobras. Nao foram as antigas ruas mediaveis de Paris um dos tiltimos reftigios das liberdades utbanas? Nao admira que Napolefio IIT sancionasse a des- truicéo das ruas estreitas ¢ de cu-de-sacs, ¢ 0 arrasamento de bairros inteiros, para criar amplos bulevares: era essa a melhor protegio possivel contra alaques partidos de dentro. Para governar apenas pela coercio, sem consentimento afei- soado, € preciso que se disponha de eenério urbano apro- pride, 107 Na cidade nova ou nos acréscimos formais feitos aos centros antigos, 0 edificio a demarcagéo para a avenida, ea avenida ¢ esssencialmente um campo de manobras, um legar ‘onde podem reunir-se espectadores, nas calgadas o nas jane- Jas, para assistir as evolugées, aos exercios © as marcha trie knfais do exército — © ficar devidamente atemorisados intimidados. As construgées erguem-se a cada um dos latlos, rigidas ¢ uniformes, como soldados em sentido: os soldadh uniformizados marcham pela avenida em fora, erétos, formall zados, repetivos — uma construgio cldssica’ em movimento, O espectador permanece fixo; a vida marcha diante déle, sem a sua licenga, sem a sua assisténcia: pode ele utilizar-se dos ‘thos, mas, se deseja abrir a béca ot sair do seu lugar, o melhor que faz € pedir licenga primeiro, copcNi tidade medieval, as classes superiores e as classes infe- iores tinham-se amontosdo juntas, nas ruas, no mereado, tal como o faziam na catedral: os ricos podiam andar a cavalo, mas tinham de esperar que 0 pobre, com a sua trowxa ou ¢ mendigo cexo, a se arrastar com a’ bengala, saisse do’ cami sho. Agora, com o desenvolvimento da larga avenida, a dis. sociagio entre as classes superiores ¢ inferiores toma forma na propria cidade, Os ricos conduzem: Os ricos rolam pelo eixo da grande avenida; os pobres esto afastados do centro, na sarjeta: e, finalmente, uma, faixa especial é destinada aos pedestres, a calgada. Os ricos olham, 8 pobres admiram: a insoléncia esmaga o servilismo, A parada quotidiana dos poderosos torna-se um dos dramas capi- fais da cidade barréca! uma vida falsa, de vigor, brilhantismo © gastos, é assim oferecida ao entregador de carnes que condiz ‘uma cesta 4 cabeca, a0 mercador aposentado que saiu para um passeio, & dona de'casa elegante que visita as lojas em busca de pechinchas © novidades, & multid’o vadia de marginals em tdas as graduagées de urbanidade esfarrapada e acabada miséria — correspondendo aos clientes da Roma Imperial. “Atencio para as carmuagens!”” — exclamava Mercier, no seu Tableau de Paris do século dezoito. — “Bis que ver 0 médico vestide de préto no seu carrinho, o mestre de baile no seu cabriolet, o mestre esgrimista no seu diable —e 0 Prin. cipe atris de seis cavalos a galope, como se estivesse em campo aberto... As rodas ameacadoras’ dos ricos arrogantes correm tao rapidamente como sempre por sdbre pedras manchadas com o sangue das suas vitimas infelizes."" Nao se imagine ‘que © perigo estivesse sendo exagerado: na Franga, a dilic séncia Introduzida no século dezessete, maton mais” pess sons, anualmente, do que a estrada de ferro, que sucedeu 108 a dla, Essa aceleragio do ritmo da vida, ésse répido movi- ‘mento, ésses excitamentos e perigos superficiais, representa- vam a douradura psicolégia da amarga pilula da disciplina politica autocrética, Na cidade hacréca, podia-se dizer: “As carruagens movernese depressa””; tal como o povo diz na Itélia fascista dos dias atuais: “Os trens corre no hordtio.”” Havia apenas uma situagio desejavel, nesse despotismo: cra a dos ricos. Era para éles que fora feita a avenida, que se aplainava o calgamento € que se acrescentaram molas € almofadas a0 veiculo de rodas; era para protegé-lo que os foldados marchavam. Possuir cavalo e carruagem era. sinal indispensivel de éxito comercial ¢ social; possuir um esté- bbulo inteiro era sinal de fartura. No século dezoito, os estabulos e cocheiras invadiram os Dairros menos aristocréticoe das capitais, por tras das largas arenidas e pragas suntuosas, levando para 1g 0 cheiro mal-sadio de palha ¢ excrementos, Se néo havia mais galos a cantar na aurora, o patear incan~ sivel de um cavalo de alia linhagem podia ser ouvido a noite, pelas janelas dos fundos: @ homem a cavalo tinha tomado posse da cidade. 7. — A Parada das Vitrinas sft Parade mit teve osu contapartida feminin na capital: a parada das lojas. O situal de despesas enormes pastou a tomar una. parcsla sempre. mafor de tempo e de esférgo de vida; os gastos competivivos afetavam tédas as classes; pois “‘o mestno orgulho florescente ditou novos méto- dos de’ vida para 0 povo, ¢ a0 passo que os cidadios mais pobres esforcam-se para viver como os ricos, os ricos como $98 fidalgos, os fidalgos como a nobreca, ¢ a nobreza esforga-se por exceder em brilho, no admira cue érescam todos os comér- ‘ios suntudtios.” No perfodo barroco, as leis suntuérias me- diaveis, que regiam o vestir ¢ 0 gastar de cada classe de acérda’ com a ‘tradicao, passaram a no ser de bom-ton, mesmo quando nao féssem efetivamente alijadas dos livros de regras. © luxo, em ver de caracterizar festas e celebragées piiblicas especiais, passou a ser uma conveniéncia de todos os dias. Luxo competitive, Gastar mais era mais importante que gastar bastante, Q velho mercado aberto, embora no desaparecesse das cidades do Mundo Ocidental, restringiu-se a partir daf prin Gipalmente ao fornecimento de provisées: simente nos bairros mais pobres, como o mercado dos Judeus, em Whitechapel, € que se podia ainda comprar uma vestimenta, um par d2 109 calsas, wo um fogdo, expostas numa carroga aberta; todavia, em Faris, mais ciosa dos seus hibitos mediaveis do que have, tia de aparecer na superficie, as lojas de departamentos do século dezenove forem obrigados a abric barracas na ria, pelo menos nas vizinhangas da classe média inferior. Os mercvdos onde se reunia o povo néo tinham mais lugar 16 nove tragade uurbano: os citeulos ¢ estrélas dos novos projetos com o sare estionamento do tréfego sdbre rodas, nio tinham lugar para Fegateios e pechinchadas. A loja 20 ar livre, por onde salam os produtos da oft inst nos fundos, tendia ‘também a desaparecer: 9 novo tipo de {ois tomou forma por trés das vitrinas, grandemente amplas pep Para cobsir tOda a frente e servir como centro de exibicdo, Ksforso algum foi poupado para decorar com bom gosto oy interiores, particularmente com os comodidades mais em mode. Dotar uma casa de pasto de janelas de vidro plano, de treme sspelhados, de lampedes de vidro, vinte e cinco’ castiqais © seis grandes salvas de prata, e pintar 0 teto, entalhar as co. funas ¢ dourar os lampedes, custava soma’ considerdvel. sosttime, observa, Daniel Defoe, em The Compleat English Tradesman, que “os comerciantes dispendam dois trgos da sua fortuna ra preparasio das suas lojas...& de ‘menor ‘mportancia gastar duas, trés ou mesmo cinco mil libras.” © mercado de exibigio de artigos ja prontos, antes que produzidos pelo velho sistema de encomendas, existia dende algum tempo; a partir do século dezessete, gradualmente foie propagando por téda parte, acelerando 0 ritmo de venda dando énfase 4 atrastio visual do compradot. © dia espe- cial de feira perdurava no ambiente rural; mas, na cidade comercial, todos os dias tendiam a ser de feira. Comprar « Tender tornara-se no meramente um comércio’ incidental, transferéncia dos bens do produtor para 0 consumidor: pascorr 3 Se uma das preocupagées principais de todas as classes: “Tr ao mercado” continuo a ter por fundamentos as neces, sidades domésticas; “fazer compras” era ima acupasdo menos gente, mais frivola. Fazer compras proporcienava, exch, {tagio: servia como ocasiio especial para que a dona de casa se vestisse, saisse, exibisse a sua pessoa. “Tenho ouvide contar — dizia Defoe, ainda evidentemente espantado por uma tal pritica — que certas damas, e estas também pessoas de grande pompa, tém tomado as suas care Teagens ¢ passado uma tarde inteita na Rua Ludgete, ou em Covent Garden, apenas para divertir-se indo de uma’a outra loja de mereadorias, para olhar as sédas e tagarclar © zombar «las comerciantes, nio tendo tanto como a menor ocat! hnenos a intengio de comprar qualquer coisa,” v0 A medida que o mercado permanente tomava forma, tanto © produtor como 0 consumidor tendiam a tornar-se mais and. nimos: o intermediério & que ganhava fama, conhecendo. de antemo as pequeninas exigéncias do comprador ou manipu Jando 0 seu gésto © 0 seu juizo. Para evilar artiscar-se no escuro, uma nova, patrona e compradora assum 0 controle do mercado: a Senhora Moda. Mais uma vez, tenho de citar 0 inestimivel Defoe: ““Todes os alfaiates inventam modos, os modistas estudam modelos novos, os teceldes fazem tecidos com belas e alegres figuras, e equipam-se de uma ampla variedade, para estimular a fantasia; 0 fabricante de carmuagens imagina méquinas rovas, cadeiras, berlindas, ara- has, ete, tudo para espicasar a fantasia e a vaidade desned da dos fidalgos. ...O. marceneiro faz o mesmo em materia de méveis, a ponto de levar as alegres senhoras a tal excesso de Tolice que elas precisam ter as suas casas mobiladas do novo todos os anos; tudo o que tena tido mais de um ano deve sor chamado de velho, ¢ deixar que os seus apotestos delicados sejam_vistos por uma pessoa de qualquer ‘projecio mais de duas vézes € tide por ordindtio e mesquinho, © dinheito era o bem supremo: os costumes do mercado io se confinavam as lojas. Vicomte d'Avench, cuja his. {ria da propriedade fornece documentagio inestimével sabre artigos © pregos, bem soube tratar di matéria. “Foi no. pase sado, sob 0 antigo regime, desde fim da Idade Média até a Revolugfo, quando a forga nio ocupava lugar destacado quardo a opinido piblica pouca coisa valia, que 0 dinheiro dominou na Franca. Quase tudo podia ser comprado, poder ¢ honrarias, colocagdes cvs e militates, e a prépria nobreza, ccujos titulos eram insepardveis do terreno em que se baseavam. Era necessirio ser rico para tomar-se alguém, e se 0 favor de tum principe vez por outra distinguia um homem pobre, ern certo que, do mesmo golpe, fé-lo-ia ico, ja que a riqueza era a conseqiiéncia costumeira do poder.” A vida, mesmo a vida aristocratica, exprimia-se mas facil- mente em mos de comecio ¢ inher. "Nama. bomiia ral do século dezesses, dirigida aos homens em servigo, ol ele doe, Sees op ee oo de Tvoca de Assuntos Humanos, que consiste (por assim dizer) inteiramente de meteadorias, de comprar e vender, ‘muito certo que haja todos os costumes, condigdes, ¢ oficios ‘convocados a razio de dez libras por Cabesa para aparecer, com dinheiro € bens sempre prontes, para manter o mercado mundane,” A vida era justamente iso. A torto e a diteito, por comércio, ou roubo, ou corrupgio ptiblica, ou empreendimento m Hi: A craps panroca (0 MEcaNtco B © SENSUAL fois maciniits 3, SmpuRGiS da "dlatdncta “visual e 6 dsactnnivenge? goo 2s, mectalet, da etepcciya Stccansagtonue” 20, fcmonpen, Agu eddy MONG, Mercado: tranicdo entre © mercado medleval, « o Fistejae My Aventda "ao citcale ebertos Guy. maishan, Bewley, © 9 Regatie, Lina nitride datos. diode Mngt’ J tgett penis tele, 6 otro do tude Tada" da ene: ait beetem Eeraa SE uEys Ee oStem tebnittmantacareainda ye caeeada Palla r fanaa ecpecate ayesha eae fFungbes pensoata @ Couais SEMUSEN A DIRETTAD Tato dn Ronascenca: mamaa orem de daserho Soageen GEER Sebaao, eine un cicble apere6 deanna “Seavertontet 69" trktego 8 “uuariirbeniersulacea! yoa.se east SRO REMI galeria seat do arto para quadsos do covatate: ‘Se removal “ao nala Geslinada a tha "SSmlUS“EOE, gO Saralete: sioeultle's Eussomp)_Contrabaancande » macnico com o sepa, Vetus inl Bei Veloce nine ead Reps se Babee, a8 Dismms) © dormltseia narrteo. 0 moe ata rk nate, eth, pete, cama at Hover ragga at feonsda “a" tondas “ateron fonaas meodatiranse novaa Variagéen ecétie, incisive See aberton Tora m2 Ht: A CIDADE BARRACA () 4 vipa axtanre wiagnitcon (Euine), As" garruagene pebllens, augerias ‘por Passat mmentadaa; aa boss astradas guardavan ‘Telford e Macadam; por ise, Gheangborta por daa conserves mux tmaporcancla. “4m it, "Ponies finha’g/ 900 arcow na gua, contre 1-010" carruagene e100 ccdsiihes no eed (do cave, A asausEoa) Balle em Vereaines: o erotiemo transpesto Ealt Sepwencuar "e Taponente’ Gaisntara: eed tema, Suulede Se inno, “enfase na separaglo da ecpentancidade.e rudera® dns “ctscree Infetcres"- “Gortesia? etuacte do" prirltsia, tmaginagto ‘eracigress, She toe tog manors a vida.” Corte! atitads labieintse pare eee senual' diferenge entre & abordager de tin aitinal pores Sandee Sor bas agousueiro (Ae gm, A numer) ‘Teatro Sen. Carlo, Népoles: modéie. d6 muitos i fas’ eat Se oer ie st wetrtin.D tasvy seman ete Se clsets,sueriores cra "um aiogo deta’ faser-boa firara ‘on etelton teairoe aa Tedlia um dos primelros fol 0 Teatro Olimplcg, em Viseuan, ‘ojeiado por Pailadio o erlgido por Soxtogsis om Ue Canmpentaes Goltontro a Tereie ‘pata a Corte eo eamabslocimente das ‘cnmmtaee SASS nome permet, fran cunsirntera do daseni ‘pont Sto ‘Dopular na glaterra, Gata pateosioto SPAY amlagn Garcons, Londres, in de uma eee de, retanin ‘Depoia de "tempordriamente “tanidon, eaparecarats, sob"o. suis ns infree “do ‘pargue do" dlveresen Se fim do. secilo esetovee gue Se, ‘um prolongamento” da ‘Feirarinteradclonsie, “No” pottenie” pelos! Einahy a egnan ay rg, tte a deste da Wn de” of Belg “empecializado @ a forma urbana’ Gessa ‘mutagto ‘barroca,’ Heth, Bladen: Baden, Monte Casio, Saratane ae 43 financeiro, era preciso que se tivesse dinheiro: “‘rapina, avae reza, gastos”, faziam da vida “mesquinho artificio de artess0, cozinheiro ou mogo de estrebaria”. © sonéto de Wordsworth era uma prova provada. Nas grandes capitais, demasiado grandes para que as pes- soas conhecessem 0s seus vizinhos, os padrées do mercado pas- saram_geralmente a ter predominancia. Por meio da franca exibicéo, procuravam as pessoas criar impressio decisiva quanto a sua posigo na vida, 0 seu gésto, a sua prosperidade: todo individio, téda classe, mostrava 0 que era, A moda por assim dizer, 0 uniforme da época, ¢ as pessoas bem edu- cadas usavam ése uniforme, em casa ou ma rua, com a mesma ddisciptina do soldado, na sua parada militar.’ Veneza esta- belecera o ritmo, ao ditar as modas pessoais, gragas ao encanto das suas cortesis; Paris assumiu ésses deveres no século dezes- sete; € desde entao, téda capital nacional serviu como modélo para o resto do pais, Faria parte das fungées econdmicas da capital, do ponto de vista dos grandes fabricantes e importa ores, desacreditar os produtes locais, que variaewm em wodélo, em car, em material, em contextura, em decoragées, de acordo com a tradigGo local, ¢ por em circulagdo aquéles que se usevam na capital. Estilos mancirosos metropolitanos solaparam as sobriedades do artesanato, assim como anularom as tradicio- ais preferéncias ou idiosincrasias de fabricante e fregués. Certos indicios désse estado ja se tinkam mostrado da- ramente no século dezessete, pois ‘Stow vé-se em dificuldades para “responder as acusagées désses homens que acusam Londres da pérda e decadéncia de muitas (ou da maioria) das cidades antigas, cidades corporativas mercados dentro déste eino, ...Quanto aos retalhistas, por conseguinte, e aos arte- sos manuais, nfo & de admirar que abandonem as cidades do campo e dirijam-se para Londres; pois nfo 6 a cérte & hoje em dia muito maior e mais galante que nos tempos passados ++ .thas também para ter as mesmas ocasides, por conseguinte, 05 cavatheiros de todos os condados fogem e acodem a cidade, aquéles mais jovens dentre éles para ver e mostrar vaidade, 05 mais velhos para poupar o custo e 0 dever de hospitali- dade © cuidaro doméstico.” A competigfo no terreno da moda, que foi a vida do comércio barroco (€ continua sendo 0 set legado principal para o capitalismo mais recente) foi também, em grande parte, a morte das indistrias costumeiras das cida des provinciais, que, afinal, se viram forgadas a produzir para © mercado anénimo distante, ou perder intelramente as suas indistrias. O efeito que isso teve pode observar-se mo n0ss0 sistema no regional de produgio e distribuigo, até a época us atual. Os economistas fregtientemente inclinam-se a confundir ésse fato com os efeitos naturais da especializagao regional, Nessa economia, a centralizagio da capital bartéea, que inpticava em clevadas despesas de transporte, transformou-se cm especial virtude, “A grandeza da cidade de Londres au- menta muito considerivelmente 0 Comércio Interno, pois, dado que a Cidade é o centro do nosso comércio, assim todas as ‘manufaturas so para aqui trazidas e daqui distribuidas de novo para todo o pais. ..." ““Quantos milhares — volta a excla- mar Defoe, em outro lugar — poderia mesmo dizer quantas centenas de milhares de homens e cavalos sio empregados na condugio ¢ re-condugéo para e a partir de Londres dos produ- tos da Inglaterra e dos artigos importados de paises estran- geiros; e quantos désses continuariam de pé e ainda desejariam Regociar ...se esta grande cidade fésse dividida em quinze cidades ..."e estivessem situadas em lugares tio numerosos, diferentes ¢ distanciados uns dos outros, que 0 campo, dentro de um raio de 20 ou 30 milhas, seria suficiente para elas e capaz de abastecé-las, ¢ onde todo pérto importaria os seus bens do estrangeiro.” Bisse Gitimo trecho & uma explanacéo sucinta da diferenca centre a economia medieval urbana e a economia barréca do Estado: nio se poderia oferecer melhor. Mas, em térmos de energia social e vida cultural, 0 que Defoe tomava por um logio era, na realidade, um indicio perigoso, A capital militar, como agente provocador de uniformi- dade e padronizagio, nos uniformes anuais da moda, no menos que nos uniformes da soldadesca, foi uma contribuigdo neces- séria para a padronizaggo mecinica que possibilitou a mecani- zacio posterior de todo 0 processo de produgio. E, tal como na frontaria regular dos novos palécios de Sio Petersburgo, vvé-se, por baixo dos ornamentos, 0 esqueleto despido da fi brica’ paleotécnica, na clegucia formal do planejamento da cidade barréca, nota-se j4 a temivel subdivisio mecinica da cidade industrial, Observesse que as transformacées criticas verificaram-se inicialmente sob a iorma de drama, exibicao ¢ luxo: foi essa a especifica contribuigio barréca. Um derradeiro resultado remoxo das tendéncias que dis- uti deve ser assinalado: a evolucéo do desfile gente vestida de acérdo com a moda para um tipo especializado de cidade. Embora os balnedrios e estacées de dguas aonde as pessoas iam por razdes de satide nunca tivessem deixado de existir, no século dezoito ésses velhos recantos ganharam vida nova, ‘quando as pessoas comegaram a encaminhar-se em massa para us les, por uma nova razio: exibigio em moda. O- desfile (Corso) passou a ser nfo simplesmente o fundamento, mas a propria razio da existéncia de uma nova espécie de cidades: Bath, Margate, Brighton, Ostend, depois Baden-Baden, Carls- dad, Travemiinde, a Riviera, Saratoga Springs. Tais eram os Tugares onde se reuniam os elegantes: encontravam-se em ordesn, para exibir-se na estacio devida, as vézes a pretexto de pro ccurar saiide, mas também para gozar 2 vida, desembaragados de quaisquer ligagdes visiveis com o comércio a indistria, ‘ocupagées que ja enchiam as capitais de vis6es, ruidos e odores desagradaveis. Ali, todos os prazeres tipicamente barrocos po diam ser encontrados : particularmente jogos, roupagens, namo- eos, misicos, as vézes teatro. Essas niovas cidades cram, com’ efeito, cOrtes menores, governadas por um principe eleito por éle mesmo, especialista. em vestimentas ¢ maneiras, déspota da moda — 0 almofadinha, Téda uma cidade cos- ftumava erescer em torno dessa parada, € os negécios de novo se acumulavam dentro dela e tomavam precedéncia sobre a ortesia; tanto que Atlantic City, por exemplo, tipica vulga- Fizagio retardada do estilo de vida barroco, é, em seus deta- Thes, um prolongamento da Broadway, da Quinta Avenida, di ‘Market Street, nfo. mais descansado’ que as primeiras, ditt ‘ilmente mais maritimas em carter que o altimo. 8. — A Nova Divindade A. ciséo da igreja medieval pds em liberdade 0s “ions” que féram de novo polarizados na cidade barréca, 8 pos- sivel enquadrar © processo numa imagem concreta, se se con- siderar como cada elemento da antiga estrutura foi apro- priado por vma instituico, wma seita ou um grupo especial ‘Acompanhemos o desmembramento: os protestantes apodera ram-se do pillpito do pregador ¢ fizeram déle 0 centro das Stas novas capelas, onde nao havia imagen esculpida a compc- tir com 0 rosto do orador, nem rico cerimonoal a desviar fa atengio da sua voz insistente, A aristocracia dominou 0 Pintor © 0 arquiteto: a arte foi transportada para saldes ¢ galerias especiais, e, para tomar o mais fécil processo, umm nova pintura da cavalete tomou o lugar do afresco mural. Os anjos ¢ santos tornaram-se em Bacos e Gracos; inicialmente, fs rostos seculares de papas, cortestos, homens de negécios, rodeavam a Sagrada Imagem; cabaram fazendo-a desapare eer. O céro, que outrora entoara hinos a Deus, foi transpor- tado para o salio de concerto ou para um balcio na sala de dangas: 0 festival religioso transformou-se na mascarada da cérte, para celebrar um mascimento ou um casamento mundano; 16 1 passo que o drama, deixando os pérticos das igrejas, onde ‘0 clero e 05 membros das guildas tinham outrora encenado ‘os seus mistérios e autos morais, fei confiado 2 atores profi- cionais, sob © patrocinio da nobrezs: os seus primeiros cen~ , promiscuos, estio nos arrabaldes da cidade. O salio aroquial, com o seu complemento de um clero pelo menos ormalmente celibatario, transformorse no aristoeritico clube tnaseulino do. século dezenove — exclusive, monistico, até ‘mesmo ostensivamente sibarita: 0 Carlton, o Reform e’ seus inmitadores. Finalmente, a nave, o lugar simples de reunides, trans- formou-se na bélsa. Nao se imagine que éste éltimo € um esenfreado paralelo imaginério: no século dezessete, os cor- retores faziam o seu comércio em 2 nave de So Paulo, ¢ os cambistes de dinheiro simplesmente puseram 03 representantes de Cristo para fora do templo — até que, afinal, o mau cheiro tornou-se demasiado intenso para ser suportado mesmo por uma igreja venal. O plano nag utiizado de Wren, para | reconstrugao de Londres apés 0“incéndio, reconhecia ele- fantemente essa nova ordem de vida, Nao deu éle o sitio Gominante a Séo Paulo: planejou as novas avenidas de ma- neira a dar essa honra ao Royal Stock Exchange. Essa decomposigio analitica da igreja deu a cada insti tuiggo uma oportunidade especial para florir por direito proprio. Do lado positive, foi ésse outro testemunho da cla- Fifleagio visual e da especializagZo inteligente de funcées que caraclerizou a ordem barréca.. ‘Todas essas instituigies havi- famse tornado desligadas da igreja, porque wma vida e um ferescimento novos estavam contides nela: néo teria existido tum Shakespeare, se a Igreja tivesse conservado o contrédle do Grama, € nenhum dos grandes retratos de Rembrandt, se éle tivesse continuado 2 pintar os batides retratos de grupos dos ignitivios complacentes das guildss. Mas ésses varios frag entos de arte ¢ cultura eram disrersos com relagio 4 poptt- Jagéo como um todo: dispersos ¢ postos fora do seu alcance ‘Apenas na corte do Principe, aquelss partes uniam-se de novo, para beneficio exclusive daqueles que detinbam © poder. ‘Vimos 0 que foi feito da catedral medieval, Mas que foi feito do seu Deus? Neste ponto, a transformasio so pode ser relembtada em térmos de blasfémia, O governante absoluto por direito divino usurpou o lugar da Divindade ¢ reclamou as, suas honras; chegou mesmo a dizer-se Le Roi Soleil, arvo- gando-se supersticiosamente 0 mito de um Fara ou de um Alexandre. Em o novo culto, o papel da Virgem Maria, a mais poderosa intercessora junto do trono celestial, era assu- ur | mido pela amante do rei. Os principes ¢ potestades do novo Céu, indispensdveis a0 seu regime, eram 0s cortesios que se acotovelavam em volta do trono do Monarca a proclamar a sua gléria. © paralelo nfo estéve ausente nem mesmo das mentes mais piedosas, no século dezessete. “Quem quer — dizia La Bruyére — que considere que o semblante do rei é a suprema felicidade do cortesio, que éste passa a vida olhando para éle € ao alcance dos seus ols, compreenderd até certo onto como ver Deus constitui a gléria ¢ a felicidade dos santos.” Lacaios ‘etrados escreviam tratados para provar a direta figagio do “éspota com o céu, para sustentar a sua_onipo- téncia, para pregar obediéncia As suas ordens divinas. Quando tais racionalizagdes no chegavam ao nivel das exigéncias exor- bitantes do monarca, éle podia até, como Jaime I da Ingla- terra, exercitar a mao eserevendo'o neceisirio elogio de si mesmo. “© principe — de acdrdo com Castiglione, que escre- veu 0 tratado classico sobre 0 Cortesio — deve ser muito generoso e espléndido, e dar a todos os homens sem reservas, porque Deus, como diz 0 ditado, é 0 tesoureiro do, principe Eeneroso.” A cornucépia da fortuna devia, com efeito, ser Jnexaurivel, dada a velocidade com que era esvaziada na cérte: ‘Avenel informa que um dos grandes ballets de Versalhes, do {qual participaram cento e cingiienta pessoas, custou cem mil francos. Essa demanda de fundos ilimitados contagiou tédas as camadas da sociedade, e foi a chave da politica econémica do Estado absolutista. Quando os impostos ndo forneciam meios suficientes para o principe e seus fAmulos, recorria éle & pilha~ gem: reinos distantes, no caso de Filipe da Espanha, ou fmosteiros mais préximos, para Henrique VITI; quando tais ‘coisas nao bastavam ainda, dle roubava ao pobre os seus vin- tens, « fim de cumular de ouro os que j& eram ricos. Dat téda a politica de licences e patentes: precisava-se de uma rpermissio especial, para euja obtengio tinha-se de pagar, até para construir uma casa, © crescimento de uma burocracia para atender a essas exighncias e incentivar a distribuicgo da. privilégios acrescen- tou-se aos énus da comunidade: 0 Departamento de Circunlo- cucéo foi um meio adequado de cuidar dos dependentes e de seus filhos mais novos: de Sio Petersburgo até Whitehall, era éle um apanigio inevitivel da sociedade da classe superior. “Nunca a burocracia foi levada a tamanho grau de exagéro, extravagincia ¢ aborrecimento — escreveu Mercier. — Nunca ‘os negécios exigiram tanto, desde a criagio désse exército de us meirinhos que so mos negécios 0 que os infantes so no ser- vigo militar. Referéncias, regulamentos, registros, formalida~ des de téda_ sorte, multipticaram-se com tamanha’ profusio ¢ t80 pouco discernimento.” Finalmente, tudo chegou a éste ponto: um pafs inteiro era governado para proveito de algumas dezenas de familias, o1 algumas centenas, que possuiam uma boa parte da terra — quase a metade, na Franca, no séeulo dezoito — ¢ que se apoiavam no erescimento natural da indtistria, do comércio € dos aluguéis urbanos. 9. — A Posigéo do Palacio A construgéo de cidades, no sentido formal, era_uma corporificagéo do drama e do teme predominantes que toma~ ‘vam forma na cérte: era, com efeito, um aformoseamento coletivo da vida e dos gestos do palicio.” O palécio tinha duas faces. Do lado urbano, vinham as rendas, as tributos, 03 impostos, 0 contréle do exército e contrdle dos érgéos do Estado; do campo os homens ¢ mulheres bem constituidos, bem exercitados, bem alimentados e bem sexuados, que forma- vam o corpo da cérte € que recebiam as honrarias, os emolu- mentos € os percalgos que o rei magnnimamente lhes concedia. Poder e prazer, uma ortem séca e abstrata ¢ uma sensuali- dade resplandecente, eram 0s dois pélos dessa vida. Marte e Vénus eram as divindades presidentes, até que Vuleano afinal atirou a sua engenhosa réde de ferro do utilitarismo sObre as suas formas concupiscentes. ‘A cérte era um mundo em si mesmo; mas um mundo no qual t6das as duras realidades da vida eram mostradas numa Iente de dimiunigio ¢ ampliadas édas as suas frivolidades. prazer era um dever, o écio, um servigo; e 0 trabalho bo- nesto, a forma mais vil de degradagio. Para que se tornasse real na cérte barréea, cra necessirio que um objeto ou uma fungio _mostrassem as caracteristicas de exitica inutilidade. AAs mais poderosas todas d'agua do século dezessete © as grandes bombas hidrdulicas que se contavam entre os. seus ‘mais importantes progressos técnicos, eram usadas meramente para fazer funcionar as fontes dos Jardins de Versalhes. A bomba a vapor de Fischer von Evlach, a primeira empregada na Austria, néo foi aplicada a uma mina, mas nos jardins do Palacio Belvedere, em Viena; ¢ aquéle’ significative agente de producto que foi a miquina automética aleangou 0 seu pri- ‘meiro grande éxito aplicado a fabricagéo de botdes (a méquina de estampar), de espartithos (0 tear estreito automitico), e de uniformes’ do exército (a primeira méquina de costura). 19, } ritual da cérte era uma tentativa para confiar 0 faz-de- conta do poder absoluto por meio de um drama especial Nao conheco melhor retrato désse ambiente, ou demonstragio mais plena das suas ilusGes narcéticas, que 0 panegitico pro- nunciado por Nicholas Breton: “Oh, a galante vida da Corte, onde tantas sio as possi- lidades de contentamento, como se na terra estivesse o Paraiso do Mundo: a majestade’ do soberano, a soberania do Conse- tho, a honra dos Lordes, a beleza das Ladies, a atencio dos oficiais, 4 cortesia dos cavalheiros, os servigos divinos da manhie do anoitecer, os discursos espirituosos, cults, nobres © agradiveis que se ouvem todo o dia, a veriedade de espiritos ¢ a profundeza do juizos, os delicados manjares, suavemente preparados e habilmente servidos, os vinhos delicados ¢ as frutas raras, como excelente miisica ¢ vores adordveis, mascaradas © dramas, dangas e cavalgadas; diversidades de cagas, deliciosa para 0s propésitos do cagador; e charadas, perguntas e respos- tas; poemas, histOrlas e estranhas invengdes de engenho, para espantar 0 cérebro de bom entendimentos; baixela rica, jéias preciosas, delicadas proporgées € altos espiritos, carruagens prencipescas, cavalos magnificos, edificacdes reais ¢ arquite- ura rara, doces criaturas e prazer civil; e a cdrte amorosa que pie 0 espirito no regago do prazer, tanto que, se eu fosse fazer déle 0 elogio todo 0 dia, pouco haveria dito quando chegasse a noite.” ‘Nio é preciso que se reduzam as contrapartidas da realidade: a bérra do vinho, 2 conversacio insulsa que pas- sava por sutil, os filhos no desejados que ultrapassaram as barreiras dos anti-concepcionais em moda, conhecidos a partit do século dezesseis nas classes superiores da Franga e da Italia. Haverla ainda suficiente plausibilidade no retrato, mesmo que as notas amargas féssem Ievadas em conta. O distico escrito sébre a porta da Abadia de Telema, de Rabe- leis, cia. “Face 0 Que Quiseres.” Solve us porttes do palicio, havia um lema adicional: “Enguanto Agradar 20 Principe”. preciso, porém, acrescentar um fato que é muito freqitentemente deixado & parte, na concepgio dessa vida barréca, cerimoniosa e sensual. ‘O sew ritual era tio ente- Giante que verdadeiramente enfadava as pessoas a ponto de distrai-las. A rotina digrla do Principe e do cortesio era comparavel 4 do operdrio da Ford numa oficina de monta- Rem: todos os seus detalhes eram tracados e fixos, tanto para ‘9 soberano como para o seu séquito. Desde o momento em que se abriam os olhos do Principe até 0 altimo momento, fem que a sua amante deixava o seu quarto, encontrava-se lc, por assim dizer, na linha de montagem. 120 ‘Talver ésse tGdio penetrante responda no s6 pela elabo- ada frivotidade como pelo elemento de estranha © vaga perfidia, tal como as travessuras de escolares que tivessem sido mantides sob confinamento demasiado rigoroso na_poli- tica barréca do Estado, Grande parte das conjuragoes © cnti-conjuragées complicadas era obra dos enfadados vir- twoses da diplomacia, para os quais nada era melhor do que prolongar 0 proprio’ jogo. Com certeza, o eterno ficar de Pe, curvar-se, esperar, inclinar-se — de que Taine dew um retrato inesquecivel ma sua descrigio do antigo regime — deve ter funcionado a contrapélo dos homens ¢ mulheres bem nutridos. Pouco admira que divertimentos espetaculares de- sempenhassem papel tio grande nas suas vidas. TInielizmente, as prOprias distragies da cérte transforma ram-se em deveres. © desempenbo. do lazer impunha novos sacrificios. O jantar de gala, o baile, a visita formal, como ferain encarados pela atistocracia e por aquéles que, apos 0 século dezessete, a imitavam, proporcionavam satisfayio ape- nnas Aqueles para os quais a forma & mais importante que (© conteido. Uma parte mio pequena da vida descrita em Feira de Voidades © O Vermelhe ¢ 0 Negro, num extremo do século dezenove, ¢ por Proust no outro extremo, consis- tia em fazer visitas e “fazer a cirte”: formalidades.| Proust observou que foi no tempo de Luis XIV que uma séria modi- ficagio se verificou na vida da aristocracia, que outrora tivera responsabilidades ativas, deveres importantes, interésse sérios: as tinicas questées tratadas com seriedade moral eram as que diziam respeito as manciras, E, em tantos outros seto- res da vida a cOrte barréca antecpava, nesse passo, 0 ritual e a reasio psiquica da metrépole do século vinte. Opressio semelhante; tédio semelhante; igual tentativa de buscar refi gio nas “distragies”, da opressio titénica que se transformara fem rotina ¢ da rotina que se tomara uma apressio insupor- avel. 10. — Influéncia do Palécio Sébre a Cidade Percebe-se a influéncia da cérte barrdca sobre a cidade fem quase todos os aspectos da sua vida — ela € mesmo mie de muitas das novas instituigSes que a democracia mais tarde reclamou para si, Nao hé tipo paralelo de intercurso centre 0 castelo e 0 mercado de ciedade medieval; quando ito, a influéncia exerceu-se na diresio oposta: a aristocracia, feudal passou a ser urbana. Gragas a0 patrocinio aristoctitico, o teatro tomou a sua forma moderna, em Londres, Paris'e cidades menores: 0 m salio especial em que os membros da platéia sio dispostos conforme a sue posisio capacidade de pagar, ¢ na qual das suas posigSes fixas, passam a ser espectadores passives do drama que é visto, por assim dizer, através da vitrina trans- pparente, revelada por uma cortina que se abre. Gracas 20 desejo principesco de trazer para casa despojos de conquistas vestrangeiras ¢ de adquirir pela compra de patrocinio © que ‘no podia ser obtide pelas armas, as grandes colecées de arte que formam 0 Museu Vaticano, 0 Louvre e a Galeria Nacional tiveram 0 seu ponto de partida.E, bem no momento fem que a misica estava deixando os limites da casa — como resultado, sem divida, da crescente distincia, em educaséo, costumes’ e gos0s, entre o senhor da casa e ‘seus servidores — cla ganhou existéncia independente na orquestra. barréca: a partir de entdo, a sala de concértos comeca a aparecer. ‘Uma por uma, essas novas instituigGes assinalam a sua existincia no novo ‘tragado de cidades. Ora um teatro nacio- nal em Népoles, ora um salo de concertos em Viena, ora uum museu¢ galeria em Londres. Vez pot outra, surgem sobre auspicios privados; as vézes, com apoio real ow muni- cipal; mas sempre seguindo a imagem tracada inicialmente pela ‘cérte. Talver a. primeira caracteristica barréea a set aberta 20 pitblico e devidamente incorporada 4 cidade tenha sido © parque: © novo equivalente dos campos de diversio 2.08 terrenos de jogos, que eram menores na cidade medievat. © grande parque natural, conservado no coracéo da cidade, continua sendo talvez a maior contribuigéo do. perfodo bar- roco da construgio de cidades, feita a moderna existéncia urbana. Mesmo aqui, porém, 0 espirito da época se confir- mou. Quando a Coroa planejou o Regent's Park, em Lon- dres, 0 préprio parque foi apreciado como um artificio para aumentar 0 valor terreno das propriedades vizinhas, perten- centes & Coroa, Foi pelo lado do prazer ¢ da recreagio que a corte mostrou-se_mais prédiga. Os jardins de prazer, tal como Ranelagh Gardens, em Londres, no século dezessete, ¢ Vaux- hall e Cremorne Gardens, no dezoito, foram uma tentativa para levar os prazeres do palacio a comunidad, a prego razod- vel por cabeca: o equivalente francés foi o Bal Masqué, © paralelo germanico, 0 mais doméstico ¢ ordenilich Beer Garden. Tais jardins de prazer foram populares no periodo barroco e populares continuaram sendo em Nova York, que os adotou, até a Guerra Civil. Consistiam de um grande prédio central onde se podiam realizar bailes e saraus, e ‘onde podiam dar-se grandes festas; ¢ de jardins e bosques 12 conde as pessoas podicm passar uma noite agradivel, a comer, deber, namorar, amar, olhar fogos de artificio © lanternas- magicas. As gangorras ¢ os carrosséis apareceram ai; igual- mente, no inicio do séeulo dezenove, 0 aristocratico amor 4 velocidade surgiu sob a forma da popularissima promenade ‘Adrienne, ou montanha-tussa. Com 0 tempo, antigas marcas elegantes do gosto barrOco desapareceram; a comesar, talvez, has grandes feiras internacionais, formas mais rudes de diver~ fimento, distragGes mais perigosas — como a Roda de Fer- ris* —- tomaram a dianteira: sbmente brilho ostensivo permaneceu numa Coney Island, Mas o ponto de origem € tao claro como © caminho da decadéncia. Se o jardim do prazer crescea num dos ramos da vida barréca, 0” museu — ofiginariamente a propria esséncia da vida aquisitiva — erescet no outro ramo. A principio, 2 museu feve por origem a curiosidade cientifica, como nas cole~ goes de Aristételes, por exemplo: ¢ depois da era alexandrina QO saber, 9 ‘‘museum” foi relegado 2 condicéo de colecéo de reliquias de santos — um osse, um dente, uma nédoa fie sangue — tas igrejas medievais. Mas as’ colegdes dos fmuseus, no sentido modemo, comegaram com as, coleybes de imoedae e inserigées, que tinham tomado forma ja no século Gquinze, na Talia; estas anteciparam de alguns anos as colesSes fe historia natural de um. von Netteshyn, um Paracelso ou um ‘Rgricola. Alids, os escritos do_dltimo foram decisivos para jndusir © Eleitor Augusto da Saxénia a formar as_colecées que, desde enti, vieram a constitair 0 museu de Dresden. Essa busca desordenada de curiosidades, maravilhas ¢ ‘espécies teve lugar em téda parte da Europa: foi uma pri rmitiva “economia de colegio” da mente. Adquirir pelo pro- ppésito de adquitir era proprio de espirito da época: 0 des- File de curiosidades do museu era uma espécie de correspon- dente erudito do desfile de vitrinas; na sta forma primit foi principalmente outro exemplo de cxibigiv de vaidade, Na transformacio désses gabinctes de curiosidades, désses gabi- nnetes de moedas, désses gabinetes de estampas, em edificios liblicos independentes, a cérte € a aristocracia desempenha- Tam papel preponderante. Mas a abertura do Museu Bri- ‘tinico em 1759, por doagéo de Sir Hans Sloane, foi um marco em matéria de cultura popular; pois, quando as mos- tras deixaram de ser meramente uma satisfacio privada do proprietario, passaram a ter a. possibilidade de se transforma- rem em meio de edueacio piiblica () Rode-gigante, inventada por G..W. Ferris (N. do T.) 3 A meio caminho entre o prazer ¢ a curiosidade, situa-se | iltima dadiva da cérte: o jardim zoolégico. A manu tengo de animais selvagens, especialmente os mais exéticos, trazidos do estrangeiro, j4 era um atributo dos reis, em plea Idade Média; costumavam as yézes ser usados em paradas, como os anithais dos circos itinerantes do sécilo dezenove. © aumento dessas colegdes de animais vivos, a criagio de acomodagies permanentes e de locais de exibicio para éles, teve lugar como parte do mesmo movimento de cultura cien: tufica © aquisitiva que erion 0 museu. Tal como o museu, serviam de apropriado destino para os troféus do explorador € do cacador. Era esta uma nova contribuigio para a cida- de: um simbolo daquele estado indémito que 0 homem muito facilmente compromete, quando procura a presenga confor- tadora da sua propria espécie na cidade. As atitudes diver tidas do macaco, a imperturbabilidade do hipopétamo, os movi- mentos dgeis e alegres dos ledes marinhos — tédas essas coisas, se ndo punham o cidadio em contacto com a natureza, pelo ‘menos tinham um efeito repousante sobre o ego urbano super- excitado: davam um prazer comum 20 adulto € 4 criangt ‘Até mesmo sovadas reliquias barrécas tais como 0 urs0 da ‘arino ou o macaco do tocador de realejo serviam como sin- gular toque de graca animal, entre as muralhas tristes das Fuas do século dezenove. Seré por acaso que ésses simbolos indiatvos da vida na cre eram usuaimente presiidos por um italiano? LL. — 0 Quarto de Dormir e 0 Saldo ‘A influéncia da cSrte, que foi poderosa na cidade em geral, no o foi menos nos hébites domésticos; ou, pelo menos nas casas das classes médias e das suas’ superiores ‘econdmicas. Aj, os habitos da cdrte, tanto os bons como os maus, tiveram predominfo, Do lado’ mau naquele novo des- potismo doméstico que teve a sua fonte no mimero enorme Ge pessoas destituidas que se amontoavam nas capitals, para vender 0s seus servigos por ninharias. Q lado bom ‘foi o aperfeigoamento estético dos costumes, talvez um tanto in- ‘Inenciado pelo novo conhecimento das formas suaves € per- feitas da civilizagdo chinesa; e, acima de tudo, a propaga io da intimidade dentro do lar — fato que detr nascimento um novo eédigo de habitos sexuais, dando requintes as pre- Timiares das relagées sexuais ¢ tendendo a ampliar © periodo dle juventude amorosa de ambos os sexos. O prdprio verbo corivjar, teferente aquele j6go preliminar que inclui a exi- hhigi de argticia e encanto, bem como de paixto fisiea, moa- tra o quanto a nossa vida erética deve as priticas da cérte: 2 palavra foi cunhada em fins do século dezesseis. ‘A alteragio na constituigGo da estrutura doméstica mani- festourse de varias maneiras,” Primeiro, pelo gradual divércio entre a casa, desde entio transformada'em lugar para comer, para receber , de im modo seeundétio, para criar filhos, ¢ Er iocal de trabalho. As trés fungGes de producio, venda € Consumo estavam, agora, separadas em trés diferentes ins tituigdes, tris diferentes ‘conjuntos de edifieagées, tr8s partes istintas da cidade. © transporte para o lugar de trabalbo fe de volta déle era, antes de tudo, um privilgio dos_ricos mnereadores das grandes cidades: simente no séeulo dezenove, Jnfiltrou-se mas demais classes da cidade, ©, em vez de ser jum privilégio, tornow-se um dnus penoso. Como resultado de a casa doméstica transformar-se exclusivamente em orga nnizagio de consumo, a dona de cast perdeu 0 contacto que tinha com os negécios do mundo exterior: transformou-se fem especialista em assuntos dométicos ou em especialista em ssuntos sexuzis, algo de eserava, um pouco de cortes’, ou, mais freqientemente, talvez, num pouco das duas coisas. Beste entio, a “casa privada” passou a existir: privada em relocdo aos negécios. todas as partes passaram a partilhar cada vez mais dessa intimidade. ‘© crescimento da domesticidade significou parcialmente fo enfraquecimento do interésse piblico entre os cidadios da ‘classe média, especialmente entre as seitas religiosas excluidas. Entre as classes médias, havia uma tendéncia natural para ‘substituir os negécios piblicos pela vida privada. Destituido Gas suas liberdades, incapaz muitas vézes de até votar em seus oficiais municipais ou de tomar parte nos negécios ofi- Gais da sua cidade, a nio ser quando designado pelo Prin- pe, era natural que os interésses do cidadio se transfer Sem, on que se tornassem mais restritos. Se fésse membro de ma seita religiosa proscrita, como o eram muitos membros ddos claeces mereantes, 0 inrentivo era maior ainda, Para usar tuma expressao vitoriana: as classes médias comegaram pensar apenas para si mesmas Para contrabalancar a falta de verdadeiro trabalho domés- tico, um novo tipo de trabalho foi inventado para ocupar os fociosos € enriquecer © ritual de consumo exagerado, Refiro- me ao cuidado do mobiliério. Os méveis do lar medieval ‘eram equipamentos : cadeiras para sentar, camas em que dormir, fcones diante dos quais rezar — so isso, e nada mais. O mobilidrio € realmente uma re-invengio do periodo barréco; pois, por mobiliério, entende-se equipamento initil € super- Sa SSIS: : i : : requintado: vasos delicados para espanar, embutidos © madei fas preciosas para polir, pecas de metal para manter bri Tando, cortidas para serem sacudidas linpas, bricabraques € priméres para serem lavados. A exibigéo era mais impor. fante que a fungio; e 0 cuidado do mobiliitio ocupava 0 tempo que outrora se dedicava a tecer tapecarias, a bordar Foupas, & preparagio de tteis conservas domésticas, de per- fumes © de coisas mais simples. Bsses novos encargos foram iniligidos as donas de casa e 4 criadagem, no mesmo mo. mento em que a forma da propria casa havia-se alterado, multiplicando © mimero de cimaras privadas a serem supe. das de lenha, carvdo e égua, ¢ elevando a altura das mora. dias, de dots lances de escadas para cinco, com um abaixo fo solo. Até 0 séeulo dezessete, pelo menos no Norte, a constru- so ¢ a calefacio mal tinham progredide o suficiente para Permitir 0 arranjo de uma série de quartos privados na mora~ Gia, Agora, porém, uma separacio de fung6es verificava-se dentro da casa, assim como dentro da cidade em seu todo. © espago torou-se especializado, cémodo por comodo. Na Inglaterra, seguindo 0 modélo das grandes casas, a coziaha foi separada do quarto de despéjo, onde se fazia o trabalho de limpeza; © as varias fung6es ‘sociais da cozinha foram tomadas pela sala de estar e pela saleta. A sala de jantar separou-se do quarto de dormir; e, embora, no século dezes- sete, 0 quarto de uma dama servisse ainda como sala de recep- s6es para os seus convidados, ficasse ou nfo ficasse a cama numa alcéva, no século dezoito uma sala especial para reu- niées e palestras, a sala de recepsées, ou salao, passou a existir. E os cémodos no mais davam uns para os outros: eram agrupados 0 longo do corredor, como casas numa rua. A. necessidade de intimidade produziu ésse érgio especial de cireulagio piiblica. A intimidade era_o novo Iuxo dos bem educados; sé gradualmente, os criados © assistentes da casa e os trabalha- Gores industriais tiveram vislumbres dela. Mesmo nas casas requintadas do século dezenove, a criadagem muitas vézes dormia na cozinha ou num abrigo junto dela, oa em dormi- térios comuns. Ora, a intimidade fora reservada, no periodo- medieval, aos solitétios, as pessoas sagradas que buscavam Tefugiar-se dos pecados ¢ das afligées do mundo exterior; apenas os senhores e as damas podiam sonhar com tal coisa, outros térmos. No séeulo dezessete, cla serviu para. a satis. facdo do ego individual. O quarto’ da dama passou a ser tum boudoir, literalmente um lugar onde se fica & vontade; 16 « cavalheiro tinha 9 seu gabinete ou a sua biblioteca, igual- mente invioléveis; e em Paris, podia ter até mesmo o seu proprio quarto de dormir. Pela primeira vez, nio era apenas ‘uma cortina, mas uma ‘porta, que separava cada membro- individual da casa de todos os demais membros, Intimidade, espelhos, quartos aquecidos: tais coisas trans- formaram inteiramente 0 ato de amor de ocupagio sazonal ‘em oeupagéo do ano inteiro, outro exemplo de regularidade barrdca. No quarto aquecido, o corpo nao precisava ocultar- se sob um cobertor: 0 erotismo visual aumentava 0 efeito dos estimulos técteis; o prazer do cerpo nu, simbolizado por Ticiano, Rubens e Fragonard, fazia parte daquela expansio dos sentidos, que era decorrente de uma alimentagio mais generosa, do uso mais livre de vinkos ¢ licéres fortes, das roupas ¢ dos perfumes mais extravagantes do perioda. O naméro e a cérte criaram os movimentos de suspense e incer- teza, de caricias e de retiradas, que serviam de antidoto contra a saciedade: tais préticas compensavarn 0 habito de viver em @. Aquéles Iuxuriosos homens e“mulheres nunca se sen- tiam to & vontade como quando estavam na cama. As da- mas recebiam na cama as suas visitas; os estadistas ditavam da cama a sua correspondéncia; uma corrente oculta de inte- rrésses eréticos impregnava, destarte, a casa inteira, ora obscena, fora brutal, ora romantica, vez por oxtra terna — com todas as nuangas, desde 9 quarto de dormir de Julieta at& aquéle fem que Joseph Andrews quase perdeu a virtude. As neces- sidades privadas do quarto de dormir penetraram até mesmo no jardim: a casa de verio, 0 templo do amor, ou o mais aristocratico labirinto, composto de sabes elevadas — lugares afastados dos olhares cutiosos onde néo se ouviam nem mes- ‘mo passos admonitérios dos eriados. Enquanto isso, outras alteragGes téenicas, hesitantemente, penetravam na casa de morada. A invencia da privada, por Sir John Harrigton, em 1596, constituia um importante aper- feiggamento sanitirio da casa; mas a moda no se propagou rapidamente: pois até mesmo’ privada séca interior 36 foi introduzida na Franga no século decoito, como novidade in- slésa; a0 paso que o Palicio de Versathes, construido sem que se olhassem despesas, no tinha nem mesmo as comodi- dades de um castelo medieval: empregavam-se cSmodas. por- tateis, sdbre rodss. Antes da invengio da descarga e do tubo ‘de exaustio para a privada, a condugéo da manilha de esgéto para trds da casa quase anulava as vantagens do novo melhoramento: haja vista a preocupacio dos ingléses, durante 0 século dezessete, com “‘esgotos estragados”. Com wz (D RECEYTA = DESPESA (Be sino) Pall, da, Royal Bachange, Londres, 0 aparecimento da ho “de otician.Internacionaia’ como aaitelas “aue’ ae “sevetvorath Be gees, Ef rules Seats Stn feat, arte doa jomais metrepeltance ainda’ € delicada a Toticlas Ansmouas, {a0 omer, A nequansa) Interior do Banco de Tpgletsent. A. trans descmpennat ain sarigoe‘Sitvon- pectin G2°TUtp e ncumulagdo. do avacera, services econtmicee¢ encantamento SSoltlagh "Edita soda iabo"a io: Sina smbieaenci revlon cuvrao, 2 ouMerA) Primitive Joie, de deparamsntoe de Face ‘ath dis The Penole Tatler, Govt, om cautor, ha vise mormesidcl BroGos mais altos para © consumidor iia nti, (u aamio) O pactio ante gs vitinas amplag¢,envidradaa, Mestinads ao Somérelo em iE “litre eli aot 12s CIDADE BARROCA, (8) PARIS: A ORDEAL CARTRSIANA a invengio eotéenica da privada, surgiu outra pritica dire tamente tomada de empréstimo 20s chineses: o emprégo do papel higiénieo — mais importante para a higiene doméstica FavGue © papel de paredes, que aparecex mais ou menos 20 mesmo tempo. Com téda a sua luxurlante exibigfe, a cidade barréca nfo suportara uma inspecsio rigorosa em matéria de padrdes hhigiénigos e sanitarios: a cidade medieval tipiea era mais salu- bre, Muito embora 0 corpo fdsse agora celebrado em poemas f pinturas, ou sistematicamente investigado na fisiologia, as pessoas daquele periodo nio faziam caso de conservé-lo tio Finpo como o fizera a cultura anterior. Telvez por causa dos penigos da sifiis, 0 banho medieval comesara a deixar de veer no. séeulo’ dezesseis; até mesmo entre os judeus, dos wqueconservassem mos seus guetos 03 ais tio plenamente harmonizados com as pri- SSnitérias mosaicas, 0 banho ritual que se_costumava evar a efeito na Sinagoga — o Mikveh — foi. suspenso Gasante a Renascenga. 08 novos batistas podiam insistir na Smersdo total; mas parece que Ihes bastava uma experiéncia pela vida inteira. ‘Talver 0 prego cada ver mais alto da agua quente tivesse algo a ver com essa queda, pelo menos entre a gente comm; Se que se poderia concluir da escasséz, de madeira combas, coins visinhanga imediata das cidades maiores. Mas 0 fate, em’ si mesmo, @ fora de divida. Em 1387, havia 29 fankeiros em Frankfort; em 1530, néo havia sequer um Ne séeulo dezessete, apés uma interrupsée, o banho foi outra Jee introduzid, como importagio do estrangeiro, um luxo, Mer meio de renovar o corpo apés um ato de libertinagent; ian 05 chamados banhos turcos ou russ0s. Quase imediata- mente, porém, éses banhos transformaram-se ¢ prazer ¢ casas de encontros: bagnig voltava a sige Frorneas oriundas da falta de asseio tal como a variola flores- com nase perioda; e, com 0 superpovoamento das cidades, Satume de dgua, que fora suficiente quando se instalaram So aquedistos, no sécilo dezesseis, mostrou-se totalmente #su- Gidekte Uma vez que ésses aquedutos io eram, muitas ‘{eres, nem renovados nem prolongados, os habitantes da cidade SSotummavam ter uma quantidade muito menor de agua per Capita, no. século dezoito, do que tinham tido dois ou, trés Selits antes, Quando 0 banheiro, afinal, penetrou na habi- tagio do século dezessete, a0 som dos hinos a0 progresso mecanico que ento se entoaram, s6 um antiquério retardado feria capaz de reconhecer que Johann Andreae havia designa- 130 do uma tal dependéneia fore coda Ws apartamentos, nae Cidade ideal, Cristiandpoly e que alg comodos,inham ide comuns, nas melhores casas de burgo ay comun argo da Alemanha, na Idade 12. — A Desordem do Superpovoamento Especula- tivo Quando se fala do novo padrio de domesticidade, 0 que Se menciona so apenas as mcradias das classes média « superior, Mesmo elas) os novos requintes, 0 novo Taxa dla intimidade, 03 novos ornatos sensuais, 36 ; Grnatos sersuais, s6 penetraram len- tamente. Av mudanga foi assinalads na decoragio, dos tetos die madeira para os tetos de estuque, das paredes apaincladas vera as pares revestidas de papel do mobilrio pesado ¢ tustoso de earvalho para as pegas mais deliced ode bird dap mctves glee para cs motes. came, thai ripidamente do que nas partes mais essenciais da estru- tara "A mudange de dimensies, 0 novo sentido de espao, 1 elevagdo do teto nos climas setenttionais — uma inovagio librada de Vanbragh —graduslmente produsiram uma ‘ordem interna que correspondiz as novas avenidas barrécas, lo exterior. _Mas essa expansiio das habitagées da classe superior {82- se as expensas das moradias da chasse inferior? se uma. se ‘largava, @ outra tornava-se mais apertada. superpovoa~ mento ¢ a especulagéo imobiliéria eram os vermes ruinosos que careomiam até © coraséo da linda flér barréca: junta mente com éles, dé-se o aumento dos valores imobilidrios, ise itia solidifiear a conseqiiente depressio fisiea e dar-lhe forma permanente. Alguns dos proprios principes barrocos io deixaram de dar-e conta dos perigos do superpovoamento yois © movimento tver o seu ino nas eats jn, séeulo quinze: em Piers Plownian, encontra-se a observagio de qu Xo ds tia ves on inncanies ass ea truiriam tanto; Robert Crowley escreveu um vigor metee daqueks que Bisa bit ages __Todavis, a interrupgio do congestionamento de constra- cies tn cdsde ob teria 8 ponsivel we as foreas que vinham langando gente dentro da cidade tivessem sido controladas iu fontes se as condiges econémicas do campo tivessem sido mcthoradas, se a indistria provinciana tivesse sido posta em pé de igualdade com a da capital, se tivessem sido fundadas novas cidades © reparadas e ampliadas as velhas, se as. clas- ses superiores tivessem sido privadas do seu monopdlio da 13 se destitavam a alojar uma sO familia — pritica que itia SEenar-se quase universal, em todas as cidades em crescimento Timi os trés séculos seguintes, Em 1593, um ato do Par- seas Goservava que “grandes males didriamente crescem ‘prvenentamm em 1azdo de se atravancarem as casas com fami- Gar iversas, abrigarem-se pensionistas e converterem-se gran: es neon varias moradias, ¢ de se exigit a edificagio de fnovos edificios em Londres ¢ Westminster.” ‘E quace desnecessirio: dizer que tais proclamasées ¢ edits Gegam em Tgram eapazes de curar a dor do paciente, | Na vaeiG em gue os esforgos pare profbir as construgies foram Tredice cdidos, sem remover as causas do congestionamento, ere dles apenas para intensificar os males jé existentes: SReTee cinguéle continvavam subindo, enquanto desciam, 2° Meigdes de vida: eram vicios pbs que podiam se5 co condigees (inp bencficios particulares. As Casas dos, V

You might also like