You are on page 1of 9
Copyright © dos autores direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida rodos os direitos garantidos. s a ada, desde que levados em conta os direitos dos autores, ou arquivada, Grupo de Estudos dos Géneros do Discurso [GEGe] Questdes de Cultura e Contemporaneidade: 0 olhar obli iquo de Bakhtin, Séo Carlos: Pedro & Joao Editores, 2011. 304p, ISBN 978-85-7993-083-6 1, Bakhtin. 2. Cultura e lingua; gem. 3. Linguagem contemporaneidade. 4. Revolucao Bakhtiniana. 5. Rodas de Conversas Bakhtiniana. 6, Autores. I. Titulo, CDD - 410 Capa: Allan Tadeu Pugliese Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & Joao Rodrigo de Moura Brito & Valdemir Miotello & Hélio Marcio Pajew Conselho Cientifico da Pedro & Joao Editores: Augusto Ponzio (Bari/[télia); Joio Wan Roberto Leiser Baronas (UFSCar/Brasil); Nair F. Gurgel do Ameral (ONIR/Brasil) Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Dominique Maingueneau (Universidade de Paris XII); Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil), Pedro & Joao Editores Rua Tadao Kamikado, 296 Parque Belvedere www.pedrovjoaveditores.com br 13568-878 - Sao Carlos ~SP 2011 derley Geraldi (Unicamp/Brasil); Digitalizado com CamScanner o BAIXO CORPORAL NOS cARTUNS DE ANGELI ‘a carnavalizacio dos sentidos sob a otica bakhtiniana INTRODUCAO Angeli que recorrem ao baixo material corporal para tratar de diferentes temas relacionados a ideologia oficial. Para tanto, uti- lizaremos como fundamento tedrico as nocées de ideologia e carnavali- zagao postulados por Mikhail Bakhtin, procurando observar o recorte selecionado sob a perspectiva da cultura popular em detrimento da cul- | proposta desse trabalho é estudar o discurso de dois cartuns de tura oficial. Dessa forma, iniciaremos este artigo discutindo o que é a nogio de ideologia e de carnavalizacéo para os estudos bakhtinianos, seguido pelas andlises dos dois cartuns e finalmente pelas consideragées, finais. IDEOLOGIA E CARNAVALIZAGAO: PENSARES BAKHTINIANOS A ideologia para o Circulo de Bakhtin ¢ inspirada nos estudos de Karl Marx, que concebia a estrutura da sociedade constituida em dois planos, quais sejam, o da infra-estrutura e o da superestrutura, A infravestrutura Correspondia aos setores das forcas produtivas e as relacdes de produgao, ee * Mestranda do Programa de Pés-Graduacio Centro de Educagio e Ciéncias Humanas 4: (PPGCTS/CECH/UFSCar). FAPESP (processon- em Ciéncia, Tecnologia e Sociedade do 1a Universidade Federal de Sao Carlos 2010/03200-2). 95 Digitalizado com CamScanner Francis LAMPOGLIA? enquanto que a superestrutura abrangia as instancias juridico-politicas (tais como 0 Direito e 0 Estado) e ideoldgicas (como a religiao, a moral, entre outras). Além disso, Marx entendia a ideologia como ocultamenty da realidade social, um disfarce promovido pela classe dominante para obscurecer as contradicSes e a existéncia de classes sociais, com 0 intuit de legitimar e perpetuar seu poder. Ao entrar em contato com os estudos de Marx, Bakhtin resgata e re. formula alguns aspectos do trabalho de Marx, criticando a forma direta ¢ mecanica das relacées entre infra e superestrutura concebida pelos posi. tivistas da escola naturalista. “Se for necessdrio entender por causalidade a mecanicista, (...) entdo uma tal resposta se revela radicalmente mentiro- sa e contraditéria com os préprios fundamentos do materialismo dialétj- co” (BAKHTIN, 2006, p. 38). Para Bakhtin, essas relages se concretizam na linguagem. Inspirado no trabalho de Marx, Bakhtin e o Circulo concebem a ideo- logia em oficial e do cotidiano. A ideologia oficial é a dominante, que tenta promover uma concep¢ao tunica de producao de mundo. Essa ideo- logia abarca a moral, 0 direito, a religido, a arte e a ciéncia. Ja a ideologia do cotidiano “constitui o dominio da palavra interior e exterior desorde- nada e nao fixada num sistema, que. acompanha cada um dos nossos atos ou gestos e cada um dos nossos estados de consciéncia” (BAKHTIN, 2006, p. 121). E a ideologia dos encontros fortuitos, das conversas do dia- a-dia. As duas ideologias influenciam-se mutuamente, sendo que o nas- cimento da ideologia se da no cotidiano e sua cristalizacao se realiza na oficial, sendo esta Ultima a que orienta a primeira. Conforme Bakhtin (2006), “os sistemas ideoldgicos constituidos da moral social, da ciéncia, da arte e da religiao cristalizam-se a partir da ideologia do cotidiano, exercem por sua vez sobre esta, em retorno, uma forte influéncia e dio assim normalmente 0 tom a essa ideologia” (BAKHTIN, 2006, p. 121). Bakhtin ainda refuta a ideologia como falsa consciéncia, compreetr dendo-a como a expresso de uma tomada de posigéo determinada (MF OTELLO, 2005). Além disso, a ideologia é fruto da interacao social e est@ em constante transformagao, sendo tais relagdes mediadas pela palav™% que é “o indicador mais sensivel de todas as transformagées socials (BAKHTIN, 2006, p. 40). Portanto, as duas ideologias - a do cotidiano e a oficial - relacionam” Se por meio da palavra, e é no embate entre as duas que se concretiz® * 96 Digitalizado com CamScanner realidade social. 7 mesma contradicao pode ser navalizacao discutida por Bakhtin. Entretanto, a Nogao di aval n , 0 zack visa inverter os valores relativamente c i aaa ‘onsolidados de cada i ara promover sua renovacao. Os valores elevados, advi " chet ra pron , advindo: oficial, sao confrontados com a cultura popular da praca pt i am xo corporal. Praga publica, do bai- a fest ici a Sendo ‘ Oficial a consagracao de valores ¢ hierarquias estabil ; za das, © carnaval surge como 0 seu inverso, invertendo as hierarqui: 7 abolindo temporariamente a opressao dos dominantes sobre a ' dos. Ratificando isso, Bakhtin nos diz que oso notada na nogio de car- 20 contrério da festa oficial, o camaval era o triunfo de uma espécie de | ragdo tempordria da verdade dominante e do regime eine provis6ria de todas as relacSes hierdrquicas, privlégios, regras e tabus tn venta festa do tempo, a do futur, das allemanciase renovagiex O punha-se a toda perpetuacao, a todo aperfeicoamento e regulamentacéo, apontava para um futuro ainda incompleto (BAKHTIN, 1987, p. 09) : Dessa forma, 0 carnaval celebra a inversio das hierarquias e dos valo- res, caracteristica essa que desencadeia a nogdo de carnavalizacao traba- thada por Bakhtin, j& que todos os simbolos e formas da linguagem car- navalesca estao carregados de sentidos de alternancia e renovagao, da relatividade das verdades e das autoridades no poder. Tal linguagem, que denominamos de carnavalizagao, caracteriza-se, essencialmente, “0 contrario”, das permuta- e do traseiro, e pelas diver- coroamentos e des- al das coisas “a0 avesso”, do baixo (“a roda”), da face stis, degradacbes, profanagoes, IN, 1987, p- 10). (... pela légica origins gdes constantes do alto € sas formas de parédias, trave tronamentos bufdes (BAKHTI eo destronamento do que ¢ superior, ilizado na ideologia oficial, efetuado s da censura exterior, Essa inversao de valores envolv daquilo que esté relativamente estabi em geral por meio do riso, que “berta né® — do medo do sagrado, yx interior, , : - a do grande censo . eae do pasado, {do poder, medo ancorado no esP! da interdicao autoritaria, 1). Ao mesmo : urow ” (BAKHTIN, 1987, p: 81). Ae Tito humano ha milhares de an05 en cultura popular, 80 ele tempo, os valores da ideologi@ do co! Digitalizado com CamScanner i ‘alizagao dos val vados, construindo assim o efeito de carnavalizagao Ores, come veremos nas anilises a seguir. A IS O AVESSO DO AVESSO: ANALISE DO CORPU! DIENAL INTERNACIONAL DE ARQUITETURA ORGANICA a VTS = = Aldéia 6 boal Agora, como moradia, ou acho muito aportado! FIGURA 1 - Charge de Angeli postado em: ARQUITETANDO ou nao... , 10 set 2007. Disponi. vel em: . Acesso em: 08 set. 2011, Nesta charge, produzida por Angeli e postado no blog “Arquitetando ou nao...” no dia 10 de setembro de 2007, ha o destronamento do elevado em favor do baixo material corporal. A arquitetura organica, que tem como um dos principais precursores Frank Lloyd Wright, preconiza um estilo arquitet6nico que reflete o habitante e seu modo de vida, valori- zando o uso dos materiais da regido em que 0 edificio é construido (FLORIO; TAGLIARI, 2009, p. 99). Segundo Wright (1910, p. 2) “A arqui- tetura organica nao pode se impor em parte alguma desde fora”, ou seja, ha 0 rompimento da idéia de uma construgao pré-estabelecida. Neste tipo de arquitetura inclui-se 0 conceito metaférico formulado por Wright de “casa como a forma de um gitino” em que “o corpo principal da resi- déncia, composto pela sala e cozinha, seria fixo, eniquanto que a ala dos dormitérios poderia expandir na extremidade” (FLORIO; TAGLIARI, 2009, p. 99). Tal conceito nos remete & uma consideravel parcela das casas feitas no Brasil, em que a construgdo de cémodos anexos a casa (0s popu- larmente conhecidos como “puxadinhos”) sio uma realidade fruto 42 necessidade e das condicées financeiras dos moradores, A arquitetura orgénica, elaborada para atender As necessidades 40 habitante, visando uma forma tacional de moradia, ¢ aqui rebaixada. Do alto do corpo, do cérebro, de onde ela se origina, a arquitetura organic Temovida para 0 baixo do corpo, marcando um movimento circular. Ta! 98 Digitalizado com CamScanner movimento indica que “(...) ha paixo do corpo e ee uma permutagao permanente do alt ; (..), [em que] reencontramo-I altoe do outros movimentos elementares do palhaco: o traseite mane en damente em ocupar o lugar da cabeca, e a cabeca nae insiste obstina- TIN, 1987, p. 309-310). Nota-se, entao, que ha Poe estudos de Bakhtin sobre o baixo material cor; on ean ae charge de Angeli coletada para esse estudo, jd he 3 cha nee wae oe reminiscéncias da cultura popular do rebaixamento, hes Se época da Idade Média e do Renascimento, " observada desde a Ao enfocar ° enna de saida do corpo ~e nao a superficie do corpo, que instiga o sentido de acabamento ~ evoca-se a légica artistica da ima- gem grotesca, que “(...) ignora a superficie do corpo e ocupa-se apenas das saidas, das excrescéncias, rebentos e oriffcios, isto é, unicamente da- quilo que faz atravessar os limites do corpo e introduz ao fundo desse corpo” (BAKHTIN, 1987, p. 277). O inacabamento da parte corporal a- pontada na charge dialoga com 0 nao-acabamento da arquitetura organi- ca, que nao ha uma estrutura pré-estabelecida e que se molda conforme as condicdes de seus moradores. A comparagao entre 0 baixo corporal ¢ a arquitetura organica produz o rebaixamento desta ultima, dado que a yma rejeita o baixo corporal, cujos sentidos apontam criticando um estilo arquiteténico onforme as condi- cultura oficial mode: para a degradacio, grosseria e injtiria, que parte de um ambiente pequeno para ramificar-se Ges e necessidades dos moradores. O exagero em se fazer do anus de um homem uma moradia para ou- tros seres humanos configura numa caracteristica do estilo grotesco tra- balhado por M. Bakhtin, marcando também um outro uso para 0 anus, sutra significagdo para as pessoas que morariam nele - manos para dejetos dos mesmos. eos “puxadinhos’, nascidos no coti- se elaborar uma arqui- ia de influéncia entre da por Bakhtin, Da ma cri- assim como uma 01 rebaixadas da condigao de seres hu Com isso, nota-se, entao, aqui qu diano, influenciam a ideologia oficial ao ponto de s tetura caracteristica deste estilo, ratificando a idéi ideologia do cotidiano & ideologia oficial preconizada ee mesma forma, tal arquitetura 6 carnavalizada, constituin ticaaumaformadesemorar Outro exemplo de carnavalizagao enc’ tada em 24 de dezembro de 2008 no Blog ntra-se na charge a seguit, POS “Receptor de idéias”: 99 Digitalizado com CamScanner PRAZERES DENATAL . Dn, me kL ~ Agora ‘vocés vao ver como se escangalha um velhinho! FIGURA 2 Charge de Angeli postado em: FROEDE, Ricardo. Receptor de idéias. 24 dez 2007. Disponivel em: . Acesso em: 13 set. 2011 MIOTELLO, V. Ideologia. In. BRAIT, B. Bakhtin: conceitos-chave. So Paulo: Contexto, 2005. WRIGHT, F.L. A soberania do individual: a arquitetura organica. 1910, In; CASTELNOU NETO, AMN. Arquitetura e Cidade contemporanea. Disponivel em: . Acesso em: 13 set, 2011. Digitalizado com CamScanner

You might also like