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FUNDACAO UNIVERSIDADE DE BRASILIA Reitor Lauro Morhy Vice-Reitor ‘Timothy Martin Mulholland Ebrrora UNIVERSIDADE DE BRASILIA Diretor Alexandre Lima ConsetHo Epiroriat, Presidente Elizabeth Cancelli Alexandre Lima, Estevio Chaves de Rezende Martins, Henryk Siewierski, Moema Malheiros Pontes, Reinhardt Adolfo Fuck, Sérgio Paulo Rouanet e Sylvia Ficher “eS pisucreca 2) see & spas we sg Robert Gilpin Sy Com a assisténcia de Jean M. Gilpin A economia politica das relagées internacionais Tradugdo Sérgio Bath Colegio Relagées Internacionais, Diregdo de Amado Cervo A UnB Equipe editorial: Severino Francisco (Supervisto editorial); Rejane de Meneses (Acompanhamento editorial); Maria Carla Lisboa Borba (Preparagaio de originais); Ticiana Imbroisi e Wilma Goncalves Rosas Saltarelli (Revisto), Fernando M. das Neves (Editoracio eletrénica); Rejane de Meneses € ‘Wilma Gongalves Rosas Saltaeli (indice); Evandro Salles (Capa), Elmano Rodrigues Pinheiro Supervisto grifica) Titulo original: The political economy of international relations Copyright © 1987 by Princeton University Press Copyright © 2002 by Editora Universidade de Br ia, pela tradugao Impresso no Brasit Direitos exclusivos para esta edig8o: Editora Universidade de Brasilia SCS Q. 02-BlocoC-N¢78 ayy 4 Ed, OK - 2¢andar sv 70300-500 Brasiia-DF Ole Tel (Oxx61) 226-6874 os Fax: (061)225-5611 ra@unb br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicaglo poderd ser armazenada, ‘ou reproduzida por qualquer meio sem a autorizagao por escrito da Editora. ha catalografica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasilia Gilpin, Robert G89 ‘A economia politica das relagtes internacionais / Robert Gilpin; tradugto de Sérgio Bath, ~ Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, 2002. 492 p.—(Colegao Relagdes Intemacionais) Tradugio de: The political economy of international relations ISBN 85.230-0669-9 1. Comércio intemacional. 2. Economia mundial, 3.Comeércio extemo. I. Titulo, cu3399 John Robert (in memoriam) Sumario ‘LASTA DE FIGURAS E TABELAS, 11 Prericio, 13 Intropucio, 19 \\Cartruto 1 ANATUREZA DA ECONOMIA POLITICA, 25 Os TEMAS DA ECONOMIA POLITICA, 28. AIMPORTANCIA DO MERCADO, 32, AS CONSEQUENCIAS ECONOMICAS DO MERCADO, 35 (Os EFEITOS DO MERCADO E AS REACOES POLITICAS, 39 Concwusho, 41 \ cartruvo 2 ‘Tarts IDEOLOGIAS DA ECONOMIA POLITICA, 43 ‘+ APERSPECTIVA LIBERAL, 45, >» APERSPECTIVA NACIONALISTA, 49 © A perspectiva MARKISTA, 53 (CRiTICA DAS DIFERENTES PERSPECTIVAS, 60 “TRES DESAFIOS A UMA ECONOMIA MUNDIAL DE MERCADO, 72 OCAPITALISMO DO BEM-ESTAR SOCIAL EM UM MUNDO DO CAPITALISMO INTERNACIONAL DESPROVIDO DE WELFARE, 79 Conctusio, 84 8 Robert Gilpin \\ CaPtruto 3 A DINAMICA DA ECONOMIA POLITICA INTERNACIONAL, 85 +# TEORIAS CONTEMPORANEAS DA ECONOMIA POLITICA INTERNACIONAL, 86 + AECONOMIA POLITICA DA TRANSFORMACAO ESTRUTURAL, 101 (Os MECANISMOS DA TRANSFORMACAO ESTRUTURAL, 112 ‘TRANSFORMAGAO ESTRUTURAL E CONFLITO ECONOMICO, 132, Conctusio, 137 CariruLo 4 O SISTEMA MONETARIO INTERNACIONAL, 139 AERA Do DINHEIRO EM esPéciE, 141 AERA DO DINERO “PoL{riCo”, 143 © PADRAO-ouRO cLAssico (1870-1914), 144 CO INTERREGNO ENTRE A LIDERANCA BRITANICA E A NORTE-AMERICANA (1914-1944), 149 O sistema De BRETTON Woons (1944-1976), 152 ODOLAR EA HEGEMONIA NORTE-AMERICANA, 155 ‘ONo-SISTEMA DE TAXAS FLEXIVEIS, 164 (O PROBLEMA DA COORDENAGAO DAS POLITICAS NACIONAIS, 173 ‘O GOVERN REAGAN E A COORDENACAO DE POLITICAS, 176 AS PERSPECTIVAS DA COORDENAGAO DE POLITICAS, 182 Conctusio, 190 Cariruto 5 A POLITICA DO COMERCIO INTERNACIONAL, 193 AIMPORTANCIA DO COMERCIO, 193, A TEORIA LIBERAL DO COMERCIO INTERNACIONAL, 195, ATEORIA NACIONALISTA, 202 Livre CoMERCIO VERSUS PROTECIONISMO, 206 O sisrema po Gatt, 214 ‘AS Novas QUESTOES COMERCIAIS, 228 ACONVERGENCIA DAS TEORIAS LIBERAL E NACIONALISTA, 245, ‘AS PERSPECTIVAS DE UM REGIME DE COMERCIO LIBERAL, 248 Conctusho, 253 Sumério Cariruto 6 AS EMPRESAS MULTINACIONAIS EO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, 257 ANATUREZA DAS MULTINACIONAIS, 259 AERA DAS MULTINACIONAIS NORTE-AMERICANAS, 265 O pais De ontaem, 268 Opals HosPeDEiRo, 272 ‘O Novo MULTINACIONALISMO, 279 Concwusko, 288 CapttuLo 7 O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E A QUESTAO DA DEPENDENCIA, 291 & APERSPECTIVA LIBERAL, 293 1 A PERSPECTIVA MARXISTA CLASSICA, 298 9A POsi¢AO Dos paises SUBDESENVOLVIDOS, 301. ¥ UMA AVALIAGAO DA ESTRATEGIA DOS PAISES EM DESENVOLVIMENTO, 318 (© PROCESSO DE CRESCIMENTO DESIGUAL, 330 Conctusio, 332 CapiruLo 8 A ECONOMIA POLITICA DAS FINANCAS INTERNACIONAIS, 335 ‘TRES PERIODOS DAS FINANCAS INTERNACIONAIS, 337 (OmeRcavo Do EuropdtAr, 344 (O PROBLEMA DA DiVIDA NA DECADA DE 1980, 347 Osussioio saponts A HEGEMONIA 00s EUA, 359 A ECONOMIA NICHIBEIE SUAS PERSPECTIVAS, 368 Conciusao, 370 \\carirero 9 ‘A TRANSFORMACAO DA ECONOMIA POLITICA GLOBAL, 373 ‘As MUDANGAS ESTRUTURAIS, 375 O PROBLEMA DA TRANSICAO, 392 Conctusio, 395 20 Robert Gilpin Cartruto 10 A ORDEM ECONOMICA INTERNACIONAL EMERGENTE, 397 7°O PROBLEMA DA LIDERANCA POLITICA, 398 O prosLema Dos austes, 415 —SNORMAS INTERNACIONAIS VERSUS AUTONOMIA NACIONAL, 423 {Un SISTEMA MisTO: COMPETICKO MERCANTILISTA, PLANEIAMENTO ECONOMICO E PROTECIONISMO SETORIAL, 429 Concwusio, 441 Bisuiocraria, 445 inpice, 475 Lista de figuras e tabelas Fig. 1. Desenvolvimento econdmico e hegemonia politica, 124 Fig, 2. O ciclo econémico mundial durante o governo Reagan, 168 ‘Tab. 1. Anulagto das leis marxistas pelo welfare state, 78 ‘Tab. 2. Balango comercial dos Estados Unidos em bilhées de délares corren- tes, 179 Prefacio Este livro é uma exposigto pessoal ¢ também uma sintese de certos temas recorrentes ¢ prevalecentes no campo da economia politica internaci- onal. Embora tenha procurado manter separados os elementos pessoal ¢ sin- tético, manifestei meu préprio ponto de vista em questdes selecionadas da economia politica internacional, como também incorporei idéias e teorias alhei- as mais relevantes para os temas desenvolvidos. Nenhum volume isolado poderia fazer justica a todos os trabalhos importantes a respeito desses te- ‘mas, mas procurei integrar aquelas contribuigdes que, em si mesmas ou por representar investigages mais amplas, ajudaram a esclarecer certos pontos criticos ou teéricos e nosso entendimento da realidade da economia politica internacional contempordnea. ‘Meu interesse pessoal sobre esses assuntos nasceu & medida que me pre- arava para participar de um seminério no Centro de Assuntos Internacionais da Universidade de Harvard, em junho de 1970. Tratava-se da apresentago inicial de estudos que foram eventualmente incorporados em Transnational Relations and World Politics (1972), coletinea concebida e editada por Robert Keohane € Joseph Nye. Esse volume de grande fertilidade transformou a disciplina das relag6es internacionais nos Estados Unidos e certamente mi- nha propria agenda de pesquisa. Os atores e 0s processos transnacionais que estavam integrando o mun- do € destocando a perspectiva das relagdes intemacionais tendo como foco 0s Estados eram 0 motivo implicito do seminério e do livro de Keohane-Nye. Acreditava-se que os atores transnacionais (por exemplo, as empresas multinacionais e os movimentos politicos), os objetivos assistencialistas e ou- tras metas internas, assim como as fontes nfio-militares de influéncia, tinham uma importincia cada vez maior na determinagao dos assuntos globais. Por isso, falava-se na necessidade de um novo paradigma para a disciplina. ‘Ao preparar minha contribuigfo para o seminério ~ sobre o papel das empresas multinacionais na cria¢ao desse novo ambiente internacional -, lem- brei-me constantemente da minha experiéncia como morador na Franga no w Robert Gilpin momento do ataque do presidente Charles de Gaulle contra as empresas nor- te-americanas que se apressaram a penetrar no recém-formado Mercado ‘Comum Europeu. Na Europa Ocidental, no Canada ¢ no Terceiro Mundo, De Gaulle e outros nacionalistas consideravam essas empresas gigantescos agen- tes do imperialismo expansivo norte-americano, ¢ ndo atores transnacionais neutros; mas o esforgo concertado de De Gaulle para expulsé-las do Merca- ‘do Comum foi impedido eficazmente pela recusa da Alemanha Ocidental em cooperar com essa posigo. Percebi, enti, que as empresas norte-america- nas e o fenémeno transnacional que representavam teriam sido destruidos se 08 alemdes ocidentais tivessem seguido a lideranga nacionalista francesa. ‘Assim, cheguei gradualmente a virias conclusdes de ordem geral. Por exemplo, que as empresas multinacionais eram efetivamenge manifestagdes do expansionismo norte-americano e que, portanto, no podiam ser separadas dos “objetivos mais amplos da politica externa dos Estados Unidos; que os vinculos de seguranca entre os Estados Unidos ¢ a Europa Ocidental facilitavam muito esse movimento expansionista; que a chamada Pax Americana proporcionava tum arcabouco politico para essas atividades econémicas e de outra natureza. Minhas idéias sobre o assunto foram fortemente influenciadas pela analise de E.H. Carr (1951) sobre o papel do poder britanico na difusio do livre comércio edo liberalismo econémico, sob a Pax Britannica. O paralelismo entre a expe- rigncia briténica no século XIX ¢ a norte-americana no século XX parecia pertinente. Embora naquele momento ndo o reconhecesse inteiramente, tinha retomado a uma concepgao realista da relagio entre a economia e a politica, ‘que desaparecera das obras norte-americanas no pés-guerra, devotadas quase inteiramente a preocupagdes de seguranca mais limitadas. ‘Minha vinculagdio explicita da economia com a politica, ea resultante and- lise da permuta implicita do compromisso militar norte-americano de defender a ‘Alemanha pela politica alema de defesa dos investimentos dos Estados Unidos no Mercado Comum, assim como o trade off semelhante com o Japo, provo- cou comentarios incisivos por parte de alguns participantes do seminario. Em 1970, os Estados Unidos estavam envolvidos na Guerra do Vietna, e qualquer pessoa que associasse a sua politica externa com a expansto econdmica inter- nacional era quase por definigao vista como marxista. Ora, eu tinha a certeza de que ndo era marxista, mas acreditava firmemente nessa vinculagdo. Portan- to, alguma formulago alternativa se fazia necesséria. A partir desse ponto, procurei esclarecer minha andlise das relagdes entre a politica ¢ a economia no campo internacional. ‘A principio, pouco sabia sobre o comércio internacional, as relagdes monetirias, etc. Com a ajuda de professores capacitados como Benjamin J. Cohen e William Branson, comecei a estudar economia, Voltei-me logo para Prefiicio as autores mais antigos de economia politica, como Friederich List, Jacob Viner J.B. Condliffe, e li também os trabalhos mais atuais de Albert Hirschman, Charles Kindleberger, Raymond Vernon e outros. A Woodrow Wilson School, com sua énfase na andlise econdmica, era ideal para esse esforgo de estudo individual. Embora discordasse de muitas das premissas politicas ¢ sociais dos trabalhos a que recorri, era profundamente grato & generosidade com que 0s meus colegas economistas me cediam seu tempo ¢ toleravam minha falta de sofisticagao técnica. ‘Meu livro U. S. Power and the Multinational Corporation (1975) foi © primeiro resultado dessa campanha para esclarecer minha propria posig&o intelectual, e para dar uma contribuicdo ao que ia assumindo a forma de uma disciplina especifica, o campo da economia politica internacional. Ali pude desenvolver o argumento do meu trabalho anterior, ao mesmo tempo em que abordava perspectivas importantes da economia politica: 0 liberalismo, o mar- xismo ¢ 0 realismo. Minha tese era a de que a expansdo das multinacionais norte-americanas s6 podia ser compreendida no contexto do sistema politico global instituido depois da Segunda Guerra Mundial. Manifestei minha pro- funda preocupago com o problema do declinio norte-americano, o qual re sultava da minha associa¢4io com Harold Sprout, um pioneiro da investigagao do declinio da Gra-Bretanha, ‘Meu crescente interesse pelo crescimento ¢ pelo declinio das grandes poténcias hegeménicas, e pelo significado desse fendmeno aparentemente ciclico para a dinamica das relagées internacionais, levou-me a escrever War and Change in World Politics (1981). Além de temas mais antigos, o livro dava especial atengo A teoria marxista (alias, quase-marxista) da dependén- cia, um novo tema que tinha penetrado na vida académica dos Estados Uni- dos no fim dos anos 1960 e na década seguinte, em boa parte como resposta & Guerra do Vietnd e ao interesse cada vez maior pelos problemas dos paises menos desenvolvidos. Embora aceitasse 0 ponto de vista dos teéricos da de- pendéneia, para quem a estrutura do mundo é hierérquica ¢ dominada pelas grandes poténcias, argumentei (seguindo a formula marxista cléssica) 0 fato de essa relagio levar a difusto das fontes de poder, a0 abalo do Estado hegemdnico e, eventualmente, & criago de um novo sistema de hegemonia. Assim, embora reconhecesse as teorias marxistas contemporineas sobre 0 sistema internacional, o objetivo do livro era ampliar a perspectiva realista da natureza e da dindmica desse sistema. presente volume incorpora esses temas ¢ alguns interesses mais anti- gos, e procura desenvolvé-los de forma mais sistematica. Prope em maior detalhe as trés ideologias da economia politica, examinando a forga e as limi- tagdes de cada uma. Embora saliente a énfase liberal na importincia da efi- a6 Robert Gilpin Prefiicio wv ciéncia do mercado, leva a sério a critica marxista a0 mercado global ¢ a economia capitalista. De modo geral, porém, o livro enfatiza a perspectiva realista ou do nacionalismo econdmico a respeito das relagBes de comércio, monetérias e de investimento, contrastando-a com as interpretagBes rivais da economia politica internacional. Os temas anteriores — a hegemonia econd- mica, a dinamica da economia mundial, a tendéncia da atividade econémica para transformar a estrutura do sistema politico internacional — sto explora- dos sob um novo angulo. Minha preocupacdo anterior com o declinio relativo do poder dos Estados Unidos, o papel dos fatores politicos na determinagao das relagdes econémi- cas intemacionais ¢ a natureza dindmica das forgas econémicas, ao modifi- car as relagdes politicas globais, ressurge mais adiante,.Outros elementos, contudo, aparecem pela primeira vez. Assim, acentuo 0 crescimento metedrico do Japao e seu desafio ao cardter liberal da ordem econdmica internacional. Dou atengao particular ao notivel deslocamento ocorrido no centro da eco- nomia mundial, do Atlantico para o Pacifico, nas tiltimas décadas do século XX. E avalio o sentido tanto da mudanga de posigao da Europa na economia ‘mundial como do seu recuo com relago aos principios liberais. As possiveis implicagdes desses eventos histéricos para a economia politica internacional constituem temas importantes, e prevejo uma economia mundial muito dife- rente daquela criada pela hegemonia dos Estados Unidos, no fim da Segunda Guerra Mundial. ‘Talvez. deva dizer uma palavra sobre o que este livro ndo é. Assim, ele no tenta propor novas teorias ou novas interpretagdes da economia politica internacional, nem pretende incorporar todos 0s temas ¢ escritos importantes de todos os que contribuiram para o campo em expansio da economia politi- a interacional. O livro no desenvolve nem sintetiza certas interpretagdes ¢ temas estabelecidos, os quais considero de importancia fundamental. Inte- resso-me especialmente pela avaliagdio do nosso conhecimento acumulado sobre 0 modo como a politica e a economia internacionais interagem ¢ se influenciam mutuamente. Essa abordagem, a qual acentua a importancia do sistema internacional, limita-o obviamente, porque o leva a dar atengo insu- ficiente a certos importantes fatores internos da conduta do Estado — sabe- mos, porém, que, isoladamente, nenhum livro consegue abordar a totalidade da matéria que pretende abordar. Dediquei pouca atengdo as relagdes econdmicas entre o Leste ¢ 0 Oes- migrago internacional e a utilizagdo de armas econémicas para alcan- ar objetivos politicos. Isso porque acredito que os ténues lagos comerciais (de investimento e monetérios) entre Leste € Oeste tém pouco efeito sobre a politica econdmica internacional; que as migrag0es internacionais tém pouca significagdo econdmica; € que as sangdes econdmicas € outros atos de beli gerdncia econdmica j4 foram examinados profundamente em alguns traba- Ihos recentes.' Assim, o presente estudo, que jé € bastante extenso, focaliza as atividades econdmicas “normais”, ou seja, as relagdes internacionais mo- netérias, comerciais e de investimento. * ‘Na preparagdo deste livro tive a sorte de contar com a assisténcia de algumas instituigdes, e € preciso que thes manifeste o meu reconhecimento. Assim, gostaria de agradecer o Centro de Estudos Intemnacionais ¢ a Escola ‘Woodrow Wilson de Assuntos Piblicos e Intemnacionais, da Universidade de Princeton, pelo generoso apoio recebido. A politica liberal de licenciamento adotada pela Universidade isentou-me das obrigagdes de ensino ¢ de ou- tras responsabilidades para poder devotar-me & minha pesquisa. Durante 0 outono de 1984, ensinei na Universidade Internacional do Japao, em Niigata, quando tive a extraordinéria oportunidade de aprender a respeito do Japao, esse pais fascinante. Gostaria de expressar aqui meus agradecimentos aos professores Chihiro Hosoya e Seigen Miyasato, assim como a outros cole- gas e estudantes dessa instituigto pioneira. Ao regressar do Japio, pude prosseguir minha pesquisa com o apoio financeiro da Comisso Educacional JapBo — Estados Unidos (Programa Fullbright) ¢ do Banco Sumitomo. Sem essa ajuda teria sido muito mais dificil completar um projeto que parecia intermindvel. presidente William Bowen, da Universidade de Princeton, gosta de citar seu mentor Jacob Viner, que defendia a abertura intelectual da univer dade e 0 valor da critica académica com estas palavras: “Nao hé limite para as tolices que qualquer um pode propor se refletir sozinho por muito tempo”. Gostaria de invocar essa sdbia caracterizagaio dos perigos da solidao intelec- tual ao agradecer a todos os que leram e criticaram os vérios rascunhos deste livro, ou que me deram algum outro tipo de ajuda. Kent Calder, Michael Doyle, Joanne Gowa, Robert Keohane, Atul Kohli, Helen Milner, M. J. Peterson, David Spiro e Mira Wilkins leram pelo menos parte do manuscrito e fizeram sugestdes valiosas; John Ikenberry promoveu a discussdo de partes do livro no seu coléquio sobre a economia politica. Meus assistentes de pesquisa, Elizabeth Doherty Michael Alcamo, foram muito iteis, salvando-me de inu- merdiveis erros. Elizabeth Pizzarello digitou a bibliografia; Sally Coyle, 0 indi- "Vide Cap. 3, nota 1 ce. Minhas secretérias durante toda a duragio do trabalho, Lenore Dubchek, Dorothy Gronet e Heidi Schmitt, merecem igualmente minha profunda grati dao. Finalmente, gostaria de agradecer a Elizabeth Gretz a excelente prepa- ragio final do texto. Durante trés verdes sucessivos prometi a minha esposa, Jean, um des- canso do seu trabatho como professora, ¢ levei-a a um dos mais belos lagos de Vermont, onde ela ficou presa, de manha até tarde da noite, ao manuscrito deste livro. Sua contribui¢do editorial e substantiva foi extraordinéria, e merece mais do que o agradecimento costumeiro com que os escritores contemplam o cénjuge. Sem a sua ajuda, este livro nunca seria escrito. Dedico-Ihe meu amor ‘emeu profundo agradecimento por participar das minhas pesquisas e da minha vida. . 18de novembro de 1986. Introducgado Houve uma transformagao importante na ordenagao econdmica intemacio- nal do pés-guerra, O sistema de liberalizagao do comércio, estabilidade moneté- ria interdependéncia econémica global instituido em Bretton Woods deixou de cexistir, € a concepgao liberal das relagdes econémicas internacionais desde meados dos anos 1970 vem sendo corroida. A difusio do protecionismo, os distirbios nos mercados monetérios ¢ financeiros ¢ a evolucdo de politicas econdmicas nacionais divergentes nas economias dominantes erodirant os fun- damentos do sistema internacional. Contudo, a inércia, esse fator poderoso na vida do homem, transportou até a década de 1980 as normas ¢ as instituigdes de uma ordem cada vez menos liberal. Que aconteceu com o sistema? Quais as implicagdes futuras do seu fracasso? E 0 que este livro se prope a explicar. Em um nivel mais genérico ¢ tedrico, este trabalho é parte de um acervo em expansio de pesquisas académicas sobre a economia politica das relagdes inter- nacionais. Ele presume que uma compreensio do comércio, das relagdes mo- netirias e do desenvolvimento econdmico exige a integracao da perspectiva teérica das disciplinas da economia e da ciéncia politica, Muitas vezes os temas das politicas piblicas sto vistos como se a economia pudesse ser considerada isoladamente da politica, ¢ vice-versa. Os acontecimentos dos iltimos anos do século XX esto obrigando os estudiosos das relagdes internacionais a focalizar as inevitdveis tensdes ¢ as interagdes continuas entre a economia € a politica. propésito deste trabalho é reduzir o hiato entre esses dois pontos de vista, Hé uma necessidade imperiosa de integrar o estudo da economia inter- ‘nacional com o estudo da politica internacional para aprofundarmos nossa ‘compreensiio das forgas em presenga no mundo. Muitos temas e muitas ques- ‘tes importantes ultrapassam a divisdo intelectual entre as duas disciplinas. As transformagdes ocorridas no mundo real fizeram com que a economia € a politica se tornassem mutuamente mais relevantes, em comparagéo com 0 passado, 0 que forgou a admissiio de que nosso entendimento tedrico das suas interages sempre foi inadequado, excessivamente simplificado e limita- do arbitrariamente pelas fronteiras impostas as duas disciplinas. 20 Durante toda a histéria, os fatores econdmicos tém desempenhado um papel importante nas relag6es internacionais. Na politica externa, os objeti ‘Vos, 0s recursos e os instrumentos econémicos foram sempre um elemento significativo nas disputas entre grupos politicos. E improvavel que nos tem- os homéricos o rosto de Helena tenha sido a razio fundamental para langar mil barcos a0 mar e motivar o rei Agamenon a sitiar Trdia — embora possa muito bem ter sido um fator contributivo. E mais provavel que o motivo crucial dos gregos tenha sido o desejo de controlar a lucrativa rota comercial que passava pelos Dardanelos. Séculos mais tarde, 0 Império Persa usou sua grande reserva de ouro para influenciar a politica externa dos estados menos importantes. No quinto século antes de Cristo, Atenas fechou os portos da liga de Delos a um aliado de Esparta, sua rival, que ¢ um dos primeiros casos registrados de guerra econdmica. A historia esté repleta de exemplos semelhantes, a testemunhar 0 papel do fator econémico nos assuntos interna- cionais; nesse sentido, pode-se dizer que a economia politica das relagdes internacionais sempre existiv. Embora ao longo da histéria os fatores politicos e econdmicos sempre tenham exercido uma influéncia reciproca, no mundo moderno essa interagao transformou-se de modo importante. Nos iltimos séculos cresceu a interdependéncia das economias nacionais, em virtude do aumento dos fluxos de comércio, do intercdmbio financeiro e tecnolégico. A percepgio piblica do contetido econémico das disputas politicas também aumentou, € as pes- soas podem (pelo menos pensam que podem) identificar mais facilmente as causas do descontentamento ou da euforia econémica em atos especificos de determinados grupos, no seu proprio pais ou no exterior (Hauser, 1937, p. 10-12). Ea expansio dessa consciéncia econdmica, assim como da demo- cracia politica, levou a uma percepgdo quase universal de que o Estado pode ser usado para produzir resultados econdmicos, e, em particular, para redistribuir a riqueza em favor de determinadas pessoas ou grupos (Bonn, 1939, p. 33). Assim, a distribuigao da riqueza, a praga do desemprego ¢ a inflagao sto vistas hoje como o resultado de agbes humanas, ¢ nfo como consequiéncia de leis econémicas imutéveis, o que leva a inevitavel politizagao dos assuntos econdmicos. Hé mudangas profundas subjacentes a esses acontecimentos. Desde 0 século XVI, 0 principio da organizagio da ordem politica internacional tem sido a primazia do Estado nacional. O Estado deslocou as formas pré-modernas de organizag2o politica, como a cidade-estado, a tribo e o império; simultaneamen- te, o mercado tornou-se o meio primério da organizaco das relagdes econdmi- cas, ¢ afastou outros meios de intercimbio: a reciprocidade, a redistribuiga0, 0 comand imperial. Essas duas formas opostas de organizacdo social, o Estado ‘moderno € 0 mercado, desenvolveram-se a0 mesmo tempo, nos iiltimos sécu- Jos, € sua interago reciproca tornou-se cada vez mais importante para o caré- tere para a dinimica das relagées internacionais. Essas mudangas na organizagio social ena consciéncia humana elevaram ‘0s temas econdmicos ao nivel mais alto das relagées internacionais. O bem- ‘estar econdmico dos povos e o destino das nagdes uniram-se intimamente ao funcionamento ¢ as conseqiléncias do mercado. Os estadistas modemos preo- ccupam-se com a direcdo dos fluxos financeiros, as mudangas inevitiveis nas ‘vantagens comparativas ¢ a distribuicdo internacional das atividades produti- -vas. No principio do século XX, Halford Mackinder, o reputado estudioso da -geografia politica, profetizou que a crescente sensibilidade dos estadistas a es- sas mudangas concentraria sua atengo na “disputa pela eficiéncia relativa” (Mackinder, 1962 [1904], p. 242). A despeito dessas mudangas, as duas disciplinas continuaram a estudar 08 eventos contempordneos mantendo separadas as esferas do Estado ¢ do mercado. Os motivos dessa especializagao académica sao apropriados ¢ com- preensiveis: a realidade social, da mesma forma que a realidade fisica, preci- sa ser fragmentada em pedacos manipulaveis para ser estudada, de modo a permitir 0 progresso do conhecimento teérico. No entanto, é necessério tam- bém reunir esses fragmentos individuais em uma estrutura integrada da eco- nomia politica, mais ampla, para que se possa compreender toda a realidade politica e econdmica. Assim, este estudo desenvolve-se em dois niveis. No primeiro, consiste em uma averiguagto pritica da realidade da economia politica intemacional contempordnea, e busca entender como a interagio do Estado e do mercado esté transformando as relagdes internacionais nas tiltimas décadas do século XX. Indaga quais serdo as provaveis conseqiléncias quando o locus da “efi- ciéncia relativa” se deslocar da Europa Ocidental e dos Estados Unidos para © Japao e outras poténcias econémicas na Asia e no mundo em desenvolvi- mento, Em um segundo nivel, ¢ um estudo tedrico, e procura integrar as diferentes formas como os estudiosos tém concebido a economia politica i ternacional, de modo geral e em reas especificas, tais como 0 comércio, a moeda e os investimentos estrangeiros. Essa abordagem adota a premissa de que o estudo dos acontecimentos contemporaneos deve seguir em paralelo com o estudo das questdes teéricas, e por meio da discuss4o que segue pro- curaremos extrair implicacées para a ordem internacional emergente, econ: mica e politica. A evolugaio da economia politica internacional nas proximas décadas sera influenciada profundamente por trés desenvolvimentos importantes. O primei- ro €o relativo declinio da lideranga econémica, pelos Estados Unidos, da econo- 2 Robert Gilpin Introdugao 23 mia liberal internacional do pés-guerra. Com a redugiio do poder norte-ame- ricano, as forgas favordveis a interdependéncia econémica global ficaram na defensiva.' O segundo é a mudanga em andamento no Jocus central da eco nomia do mundo, do Atlantico para o Pacifico; nos anos 1970 0 fluxo de comércio por meio do Pacifico excedeu o do Atléntico. O terceiro é a cres- cente integracdo das economias do Japo e dos Estados Unidos, integragao esta que chegou a um grau sem precedentes para as nagdes soberanas. A crescente cooperagdo entre essas duas economias passou a ser um dos tragos predominantes da economia mundial contempordnea. Em termos de co- mércio, produgao ¢ finangas essas economias sio cada vez mais interdependentes. Com a politica econémica do governo Reagan ¢ a transfor- macdo dos Estados Unidos em pais devedor, a criagdo da. economia nichibei — nipo-norte-americana — deu-se com extraordinéria rapidez.? Ao representar 30% da produg4o mundial, esse vinculo por meio do Pacifico tomou o lugar preeminente da anterior relagdo entre os Estados Unidos ¢ a Europa Ociden- tal? Os fluxos comerciais macigos entre o Japo e os Estados Unidos, as alian- as entre as suas empresas multinacionais e a importincia do capital japonés nna economia norte-americana transformaram as relagdes entre os dois palses, de superior e subordinado, para uma parceria mais equilibrada. Em grande parte, a natureza, a dindmica ¢ a estabilidade dessa relago determinardo 0 ‘conjunto das relagdes econémicas globais. ‘A importéncia do vinculo nipo-norte-americana para as relagdes interna- cionais reside no fato de o délar ser a base da projecdo mundial dos Estados Unidos. Juntamente com a protego dada aos seus aliados japoneses ¢ euro- peus pelas armas nucleares norte-americanas, foi a funcaio do délar como principal moeda do sistema monetério internacional que consolidou o sistema de aliangas mundiais dos Estados Unidos, constituindo a base da hegemonia norte-americana. Com o délar lastreando o sistema monetério internacional, os Estados Unidos puderam combater no exterior, manter tropas em outros Kenneth Waltz (1979) analisa o papel do sistema politico internacional como um fator impor- {ante no desenvolvimento da interdependénciaecondmica. * Segundo The Economist (7 de dezembro de 1985, avaliagto do Japfo, p. 17), “essa economia onjunta os japoneses chamam de Nichibe,palavra composta com dois caracteres para ‘Jao’ (Nihon) € América (Beikoku, pals do aro2)". Nio pude verficar se os japoneses de fato usam ‘esse termo para se referir&crescenteintogragdo ene as duas economias, No entanto, como ela parece apropriada, vou usé-la neste livo, 0 fato deo ivro de Richard Cooper, The Economics of Interdependence: economic policy in the Atlantic Community, publicado em 1968 sob os auspicios do Consetho de Relagées Exteriores, ‘eque teve grande influtnea, dedicar-se quase exclusivamente is relacbestransatlinticas este~ ‘munha a mudanga profunda ocorrids nas décadas de 1970. 1980. paises e financiar sua posico hegemdnica sem impor um custo substancial a0 contribuinte, o que reduziria o seu padrao de vida. Esse papel crucial do délar, 0s “privilégios extravagantes” que conferia aos Estados Unidos — para usar ‘as palavras de Charles de Gaulle -, vem exigindo que um parceiro estrangei- ro ajude a apoiar o délar, Hoje, essa incumbéncia tem recaido nos japoneses, ‘com seus imensos investimentos nos Estados Unidos, cuja dependéncia fi- nanceira do Japio é um dos temas importantes deste livro, assim como a interdependéncia da economia Nichibei. ‘A estruturago descrita em seguida reflete esses objetivos préticos ¢ te6- ricos. Os trés primeiros capitulos indicam a perspectiva intelectual ¢ relacio- nam os t6picos tedricos a ser explorados. O Capitulo 1 define a natureza da economia politica internacional como a interagao do Estado com 0 mercado, € estuda o significado dessa relagdo. O Capitulo 2 avalia os trés pontos de vista (ou ideologias) prevalecentes sobre 0 carter dessa interagdo. O Capitulo 3 analisaa dindmica da economia politica internacional. Os capitulos seguintes voltam-se para temas substantivos. O sistema mo- netério internacional constitui o nexo necessério de uma economia internacio- nal que funcione com eficiéncia — matéria do Capitulo 4. Os Capitulos 5 ¢ 6 discutem 0 comércio internacional e as empresas multinacionais, temas cujo inter-relacionamento é cada vez maior. O Capitulo 7 trata da controvérsia so- bre 0 impacto da economia internacional no desenvolvimento econdmico sobre o bem-estar dos paises em desenvolvimento. O Capitulo 8 an: portancia crucial do sistema financeiro internacional ao associar as economias nacionais e seu papel fundamental na sustentagdo do desenvolvimento global, focalizando a ameaga que sua crescente vulnerabilidade traz a estabilidade econémica do mundo. Portanto, s4o capitulos que comecam com o dinheiro terminam com as finangas: o dinheiro facilita o funcionamento e a integragio do mercado global; o sistema financeiro esté implicado na dinémica da econo- mia, mas representa também o seu vinculo mais débil. (Os capitulos conclusivos avaliam os temas ¢ os problemas da economia ional no fim dos anos 1980. O Capitulo 9 analisa as mudangas oliticas, econdmicas e tecnolégicas que transformaram a economia mundial nas tltimas décadas. O significado dessas mudancas para as relagdes econd- micas internacionais é o tema do Capitulo 10, 0 qual avalia a importéncia cres- cente do mercantilismo, do regionalismo e do protecionismo setorial. Capitulo 1 A natureza da economia politica E a existéncia paralela ¢ a interago reciproca do Estado ¢ do mercado que cria, no mundo modemo, a “economia politica”; sem o Estado e 0 mercado essa disciplina nfo existiria. Ausente o Estado, 0 mecanismo dos pregos e as forgas do mercado determinariam o resultado das atividades econ6micas: esta- riamos no mundo puro do economista. Na auséncia do mercado, os recursos ceconémicos seriam distribuidos pelo Estado, ou um seu equivalente; estariamos ‘no mundo puro do cientista politico. Embora nenhum desses dois mundos possa exist de forma pura, a influéncia relativa do Estado e do mercado muda com ‘0 tempo e com as circunstancias. Portanto, os conceitos de “Estado” e “mer- cado” na anillise que segue so o que Max Weber denominou de “tipos ideais”. Aeexpresstio “economia politica” sofre de ambigiidade. Adam Smith e os economistas cléssicos a utilizaram com o sentido do que hoje chamamos de “cigncia econémica”. Mais recentemente, alguns estudiosos como Gary Becker, Anthony Downs e Bruno Frey definiram “economia politica” como a aplicag&o da metodologia da economia formal, ou seja, o chamado “modelo do ator racio- nal”, a todos os tipos de conduta humana. Outros usam a expressfio querendo referir-se ao emprego de uma teoria econémica especifica para explicar a con- duta social: os jogos, a ago coletiva e as teorias marxistas so trés exemplos. ‘A abordagem baseada na escolha publica inspira-se tanto no método como na teoria econémica para explicar o comportamento social. E outros ainda usam “economia politica” para indicar um conjunto de questdes geradas pela interagio das atividades econdmicas e politicas ~ questdes a ser exploradas com todos os métodos tedricos e metodoldgicos disponiveis (Tooze, 1984). Embora as abordagens & economia politica baseadas na teoria e no méto- do da economia sejam muito titeis, so ainda inadequadas para propiciar um 26 Robert Gilpin arcabougo abrangente e satisfatério para a investigagao académica. Os con- ceitos, as variaveis e as relagdes de causalidade nao foram ainda desenvo! das de forma sistemética: 0 fator politico e outros fatores ndo-econémicos so muitas vezes desprezados. Com efeito, uma metodologia unificada ou uma te- oria da economia politica exigiriam uma compreensio genérica do processo da mudanga social, incluindo-se af os modos como interagem os aspectos social, econdmico e politico da sociedade. Por essas razes uso aqui “economia poll ca” apenas para indicar um conjunto de questdes que devem ser examinadas com uma mistura eclética de métodos analiticos e perspectivas teéricas. Essas questdes so geradas pela interago do Estado e do mercado como « incorporagao da politica e da economia no mundo moderno. Elas investi gam de que forma o Estado e seus processos politicos conexos afetam a produgao e a distribuigdo de riqueza, assim como, em particular, o modo como as decis6es ¢ os interesses politicos influenciam a localizagao das atividades econdmicas ¢ a distribui¢do dos seus custos e beneficios. Inversamente, essas questées indagam também qual o efeito dos mercados e das forgas econdiit= “cas Sobre-wdistribuigdo do poder e do bem-estar entre os Estados ¢ outros atofes politicos, especialmente como essas forgas alteram a distribuigao internacional do poder politico e militar. Nem 0 Estado nem 0 mercado sao causa priméria; as relagdes causais entre eles sfo interativas, e na verdade ciclicas. Assim, as questdes a ser exploradas aqui focalizam as interagdes ‘miltiplas de meios muito diversos para ordenar e organizar as atividades hu- manas: 0 Estado ¢ 0 mercado. Essa formulagao certamente nao é original, ¢ ¢ pelo menos tio antiga quanto a distingao critica de Georg Hegel na sua Filosofia do direito (1945 [1821)), entre Estado e sociedade (economia). Outros autores propuseram definigdes semethantes. Charles Lindblom (1977), por exemplo, propée “in- teredmbio” ¢ “autoridade” como os conceitos fundamentais da economia politica, Peter Blau (1964) usa “intercambio” e “coerao”; Charles Kindleberger (1970) e David Baldwin (1971) preferem “poder” e “dinheiro”; Klaus Knorr (1973) emprega ‘poder” ¢ “riqueza”. Enquanto Oliver Williamson (1975) contrasta “mercados” ¢ “hierarquias”, Richard Rosecrance (1986) contrasta “mercado” e “territorialidade”, dois conceitos préximos dos esco- Ihidos por nds. Note-se que cada uma dessas visOes da economia politica tem seus préprios méritos. Charles Kindleberger observou (1970, p. 5) que tanto o orgamento do Es- tado como o mercado funcionam como mecanismos para a alocagto de recur- sos ¢ de produtos. Em um mundo exclusivamente politico, em que nao existisse o mercado, o Estado distribuiria os recursos disponiveis de acordo com scus objetivos sociais e politicos, decisdes que assumiriam a forma do orgamento A economia politica das relagbes internacionais 27 estatal. E em um mundo sem intervencao do Estado, em que s6 exista o merca- :do, este funcionaria na base dos pregos relativos das mercadorias ¢ dos servi- .g0s; as decis6es teriam a forma da busca do interesse individual. Assim, os ‘estudiosos da economia politica internacional devem procurar entender como ‘esses modos contrastantes de decidir e de organizar as atividades humanas se influenciam mutuamente, determinando, assim, resultados sociais. Embora o Estado ¢ o mercado sejam aspectos distintos do mundo moder- no, incorporando respectivamente a politica e a economia, é dbvio que nao podem ser separados de forma completa. Com efeito, o tema deste livro é 0 ‘seu inter-relacionamento. O Estado influencia profundamente o resultado das atividades do mercado ao determinar a natureza ea distribuigdo dos direitos de propriedade, assim como as regras que regulam a conduta econémica (Gerth € Mills, 1946, p. 181-182). A crescente percepedo de que 0 Estado pode influen- cciar as forgas do mercado, ¢ as influencia, determinando 0 seu destino em grau significativo, é um fator importante para explicar a emergéncia da economia politica, Por outro lado; proprio mercado é uma fonte de peder que influencia os resultados politicos. A dependéncia econdmica cria uma relaglo de poder que é fundamental na economia mundial contempordnea, Em suma, embora seja pos- sivel considerar a politica e a economia como duas forgas distintas, as quais determinam a feigo da época em que viveos, elas nfo funcionam de forma independente. Estado eo mercado tém procurado deslocar outras formas de organiza- ¢¢40 politica e econdmica no mundo moderno em virtude de sua eficiéncia na produgiio do poder e/ou da riqueza. Originarios do principio da Europa moder- nna, 0 Estado ¢ 0 mercado difundirani-se daquele recanto relativamente peque- no do globo para abranger uma frago substancial da humanidade. Hoje, muito poucas pessoas vivem & margem da sombra do Estado; e estas consideram a instituigaio de um Estado como um dos seus objetivos mais importantes, como testemunha a luta dos judeus, dos palestinos e de outros povos. Ao seguir um ritmo alternado, o mercado como modalidade de intercmbio também se ex- pandiu, ¢ trouxe um nimero cada vez maior de sociedades para a rede da interdependéncia econdmica A telago entre Estado € mercado, e especialmente as diferengas entre esses dois principios de organizagio da vida social, é um tema recorrente do rela histrica entre Estado e mercado é tema de intensa controvérsiaacadémica. Se os dois tiveram um desenvolvimento aui6nomo, se o mercado gerou o Estado ou 0 contritio, sto ‘questdes historcas importantes cuja solugdo ndo é relevante para o argumento apresentado neste livro. Qualquer que tenha sidoasua origem, o Estado eo mercado tém hoje uma existénc independente, uma l6gica propria e uma interasSo reefproca. 28 Robert Gilpin discurso académico. De um lado, o Estado baseia-se nos conceitos da territorialidade, lealdade ¢ exclusividade, e tem 0 monopélio do uso legitimo da forga. Embora nenhum Estado possa sobreviver por muito tempo sem o ‘consentimento dos grupos sociais mais poderosos, ¢ ndo garanta os seus inte~ esses, os Estados gozam de graus de autonomia variados com respeito as sociedades das quais participam. De outro lado, o mercado fundamenta-se nos conceitos da integracdo funcional, das relagdes contratuais e da crescen- te interdependéncia de compradores e vendedores. E um universo composto principalmente por pregos e quantidades; o agente econdmico auténomo, que responde aos sinais dados pelos precos, tem uma base para a sua decisto. Para o Estado, as fronteiras territoriais sto necessérias para a unidade politi- cae a autonomia nacional. Para o mercado, ¢ imperativo eliminar todos os obstéculos politicos e de outra natureza ao funcionamento do mecanismo dos pregos. A tensio entre essas duas maneiras de ordenar as relagdes humanas, fundamentalmente distintas, afetou profundamente 0 curso da histéria mo- derna e constitu um problema crucial no estudo da economia politica? Essa concepeao da economia politica difere sutilmente da defini¢ao usa- da no meu livro anterior sobre o assunto, a qual definia a economia politica como “a interagdo reciproca e dinémica (...) da busca da riqueza e do poder” Gilpin, 1975, p. 43). Embora ambas focalizem os efeitos da relagdo entre “economia” e “politica”, a presente formulagdo salienta a organizagdo dessas atividades na Era Modena, enquanto 0 trabalho anterior acentuava o objeti- vo dessas atividades. Obviamente, essas concepcdes inter-relacionam-se. Conforme observado antes, os mercados constituem certamente um meio de conseguir ¢ de exercer o poder, ¢ o Estado pode ser usado (e é usado) para alcangar a riqueza. Estado e mercado interagem para influenciar a distribui- eto de poder e riqueza nas relagdes internacionais. Os temas da economia politica O confito entre a crescente interdependéncia técnica ¢ econdmica do mundo a continua compartimentalizagao do sistema politico, composto de Estados soberanos, é um motivo dominante dos trabalhos contemporéineos sobre a eco- nomia politica internacional.’ Enquanto poderosas forgas do mercado — 0 co- mércio, os fluxos financeiros € os investimentos externos — tendem a ultrapas- ¥ Os conceites de Estado e de mercado usados neste livo derivam primariamente de Max Weber (1978, v. I, p. 56, 82. passim). > O primeiro autor a abordarsistematicamente esse tema deve ter sido Eugene Staley (1938). A economia politica das relacdes internacionais 29 ser.as fronteiras nacionais, a escapar ao controle politico e a integrar as socie- ‘dades, a tendéncia dos governos é restringir, canalizar e fazer com que a ativi- dade econdmica sirva os interesses percebidos dos Estados e dos grupos pode- stosos que atuam no seu interior. A légica do mercado consiste em localizar as. ‘wtividades econémicas onde elas so mais produtivas ¢ lucrativas; a l6gica do {Estado consiste em capturar e controlar o processo de crescimento econdmico ade acumulagdo de capital (Heilbroner, 1985, p. 94-95). "Durante séculos, debateu-se sobre a natureza e as conseqiléncias do cho- “que das I6gicas do mercado e do Estado, que se opunham fundamentalmente. ‘Desde os primeiros pensadores modemos sobre a economia, como David Hume, ‘Adam Smith e Alexander Hamilton, até luminares do século XIX, como David Ricardo, John Stuart Mill e Karl Marx, €0s autores contempordneos, a opiniio steve sempre profundamente dividida a respeito da interago da economia da politica. As interpretagdes conflitantes representam trés ideologias funda- mentalmente diferentes, as quais discutiremos no préximo capitulo. O choque inevitivel cria trés temas genéricos inter-relacionados que pene~ tram as controvérsias histdricas no campo da economia politica intemacional. Todos se relacionam com o impacto do crescimento de uma economia do merca- do mundial sobre a natureza e a dindmica das relagdes internacionais.‘ E todos ‘podemos encontrar nos tratados dos mercantilistas do século XVIII, nas teori- fs dos economistas clissicos e neocléssicos dos tiltimos dois séculos, nos to- mos dos marxistas do século XIX e dos criticos radicais contemporineos do capitalismo ¢ da economia da globalizagao. Uma longa tradigdo teérica especulativa é crucial para o entendimento dos problemas contemporneos do comércio, das finangas e das relagdes monetdrias entre os paises. O primeiro tema tem a ver com as causas € os efeitos econdmicos e poli- ticos do surgimento de uma economia de mercado. Em que condigdes emerge ‘uma economia global altamente interdependente? Ela promove harmonia entre 08 Estados nacionais ou provoca conflitos entre eles? Seré necesséria a pre~ senga de um poder hegem@nico para assegurar que Estados capitalistas man- Obviamente, nem todos que trabalham no campo da economia politica interacional concorda- Flo com a escolha desses trés temas como os mais importantes. Muitos poderiam apresentar ‘outros temas, com bos razdo. Assim, por exemplo, 0s temas propostos excluem a formagdo € ‘a substincia da politica econdmica externa, Embora esse seja um assunto relevante, 0 foco principal do livro sto a estrutura, 0 funcionamento ¢ a interaeio dos sistemas econdmico & politico internacionais. Uma distingdo paralela pode ser feta (e éhabitualment feta) entre 0 cestudo da politica externa de determinados Estados e oestudo da teoria das relagdes interac ‘onais. Embora se trate de assuntos muito relacionados entre si eles propdem questBes tas, e baseiam-se em diferentes premissas. Gaddis (1982) e Waltz (1979) slo, respectivamente, cexcelentes exemplos de cada tipo de abordager, 30 Robert Gilpin tenham relagdes cooperativas ou poder essa cooperagao surgir espontanea- mente do interesse mituo? Sobre este ponto os tedricos de diferentes escolas de pensamento tém apresentado opinides profundamente conflitantes. (5 liberais em economia acreditam que as vantagens de uma divisto internacional do trabalho com base no principio das vantagens comparativas fazem com que 0s mercados surjam espontaneamente ¢ promovam a harmo- nia entre os Estados; acreditam também que as redes de interdependéncia econémica, que se encontram em expansfo, criam uma base para a paz ¢ para a cooperacdo no sistema de Estados soberanos, competitivos ¢ andrqui- cos. Por outro lado, os nacionalistas econémicos acentuam papel do poder na formagtio de um mercado e a natureza conflitiva das relagdes econdmicas internacionais; argumentam que a interdependéncia econ6mica precisa ter um fundamento politico, cria outra arena para o conflito entre os Estados, aumenta a vulnerabilidade nacional e constitui mecanismo que uma socieda- de pode usar para dominar outra. Embora todos os marxistas enfatizem 0 papel do imperialismo capitalista na criagdo de uma economia de mercado global, eles se dividem entre os leninistas, para quem as relagdes entre as economias de mercado sto pela sua natureza conflitivas, ¢ os seguidores de Karl Kautsky, o principal protagonista de Lenin, os quais acreditam que as economias de mercado (pelo menos as dominantes) cooperam na exploracao conjunta das economias mais fracas. A alegada responsabilidade do sistema de ‘mercado pela paz.e pela guerra, pela ordem e pela desordem, pelo imperialis- moe pela autodeterminagao esta implicita nesse tema importante, como tam- \bém a questio crucial de saber se a existéncia de uma economia internacional liberal exige a participago de uma economia hegemdnica para governar 0 sistema. © desafio aos Estados Unidos e a Europa Ocidental representado pelo Japiio e outras poténcias econémicas em ascensio, no fim do século XX, dramatiza a importancia dessa matéria. (© segundo tema relacionado com a economia politica internacional é 0 vineulo entre a mudanga econémica e a politica. Quais sao os efeitos sobre as relagdes politicas internacionais ¢ que problemas esto associados &s mudan- ‘52s estruturais no locus global das atividades econdmicas, nos principais seto- res da economia e nos ciclos da atividade econdmica? Vice-versa, de que modo 08 fatores politicos afetam a natureza ¢ as conseqiléncias das mudancas estru- turais nos assuntos econémicos? Assim, por exemplo, pode-se questionar se os, ciclos econdmicos e seus efeitos politicos so um fendmeno endgeno (interno) 0 funcionamento da economia de mercado ou se essas flutuagdes so devidas ‘a0 impacto de fatores exégenos (externos) sobre o sistema econdmico, tais ‘como guerras ou outros eventos politicos. E necessério também indagar se a instabilidade econdmica ¢ ou ndo a causa de certos distirbios politicos profun- A economia politica das relagdes internacionais aL dos, como a expansto imperialista, as revolugdes politicas e as grandes guerras dos iltimos séculos. ‘Assim, este livro interessa-se em parte pelos efeitos das mudangas eco- n6micas sobre as relagdes politicas intemnacionais. Essas mudangas pertur- bam 0 status quo internacional ¢ levantam problemas politicos de grandes ‘dimensdes: qual serd a base da nova ordem econmica, ¢ qual a nova lideran- {2 politica? Haverd um ajuste apropriado as novas realidades econémicas {por exemplo: novas relagdes monetérias ¢ comerciais)? Como se podera resolver 0 choque inevitavel da vontade de os Estados manterem sua autono- mia interna com a necessidade de regras internacionais que regulem tais mudangas? Esses aspectos da transi¢do entre épocas histéricas surgiram no- vamente com a difusto global de atividades econdmicas e as alteragdes pro- fundas nos principais setores econdmicos que ocorrem no fim do século XX. E importante pesquisar a relagdo entre essas mudangas estruturais ¢ a crise nna economia politica internacional. terceiro tema do livro € o significado, para as economias nacionais, de uma economia de mercado globalizada. Quais sto as conseqiléncias para 0 desenvolvimento econdmico, 0 declinio e o bem-estar de cada uma dessas so- ciedades? De que modo a economia de mercado mundial afetaré o desenvolvi- ‘mento dos paises menos desenvolvidos e o declinio das economias avangadas? Quais os seus efeitos sobre o bem-estar interno dos paises envolvidos? Como afetard a distribuigdo do poder e da riqueza entre as sociedades nacionais? funcionamento de uma economia mundial tender a concentrar a riquezae 0 poder ou, a0 contrério, contribuiré para a sua difusdo? Tanto os liberais como os marxistas tradicionais considera a integracio de uma sociedade na economia mundial como um fator positivo para o bem- estar interno € 0 desenvolvimento econémico. Para a maioria dos liberais, 0 comércio é um “motor do crescimento”; embora as fontes internas de desen- volvimento sejam mais importantes, 0 processo de crescimento beneficia-se ‘grandemente com os fluxos internacionais de comércio, de capital e de tecnologia produtiva. Os marxistas tradicionais acreditam que essas forgas externas pro- movem o desenvolvimento ao destruir as estruturas sociais conservadoras. Por outro lado, nos paises desenvolvidos como nos paises em desenvolvimento, os nacionalistas acreditam que a economia de mercado mundial prejudica a eco- nomia ¢ 0 bem-estar intemos. Para eles, 0 comércio , na verdade, um “motor de exploragao” dos seus paises, um fator de subdesenvolvimento—no caso das economias avangadas, uma causa do declinio econdmico. Essa controvérsia sobre o papel da economia mundial na distribuigao global da riqueza, do poder e do bem-estar constitui uma das questdes mais controvertidas e mais intensa- ‘mente discutidas da economia politica. 2 Robert Gilpin Esses trés temas — as causas ¢ 0s efeitos da economia de mercado global, a relago entre as mudangas econdmica e politica, o significado da economia mundial para as economias internas - constituem as mais importantes éreas de interesse do livro. Naturalmente, nem todos os aspectos desses temas sero examinados aqui em detalhe: pretendo concentrar-me naqueles tépicos espec ficos que esclarecem os problemas da economia mundial contemporanea. ‘No restante deste capitulo discutiremos a natureza do mercado, suas con- seqiléncias econdmicas, sociais e politicas, assim como as respostas politicas a esses efeitos. E nos capitulos subseqdlentes estudaremos o papel do Estado na sua tentativa de controlar as forgas do mercado. No entanto, antes de consi- derar a temética teérica implicada nessa interagdo, ¢ sua relevancia para a compreensdo de assuntos tais como 0 comércio, a relagdes monetirias € 0 investimento extemno, devemos fazer a seguinte pergunta sobre 0 foco desse ‘mercado: por que enfatizé-lo como o ponto crucial da vida econémica moderna em vez de focalizar, por exemplo, o capitalismo, o advento da industrializagdo ‘ou o impacto da tecnologia cientifica? A importincia do mereado Nosso estudo da economia politica tem como foco o mercado e suas rela- ges com o Estado porque na nossa época a economia de mercado mundial é critica para as relagGes internacionais; até mesmo nas sociedades socialistas a chave para o debate econdmico ¢ o papel atribuido as forgas internas e exter- nas do mercado. No seu estudo clissico sobre a transformagao da sociedade moderna Karl Polanyi disse: (..) fonte e matriz do sistema [econdmico e politico moderno] era a auto- regulagem do mercado. Foi essa inovagto que criou uma civilizagto especi a. O padrio-ouro era simplesmente uma tentativa de estender ao campo {internacional o sistema interno de mercado; o sistema do equilfbrio de poder era uma superestruturaerigia sobre o padro-ouro e que em parte funciona ‘vapor meio dele; o proprio Estado liberal era uma criagdo do mercado auto- regulado. A chave para. sistema institucional do século XIX [assim como ddanossa época] so as leis que governam a economia de mercado (Polanyi, 1957,p.3). Por outro lado, Karl Marx acentuava a importéncia do capitalismo ou do modo de produgo capitalista como um fator exclusivo, e criativo, do mundo moderno. Segundo Marx e seu colaborador Engels, os tragos que definem 0 capitalismo (e que aceito) sAo a propriedade privada dos meios de producto, a A economia politica das relagdes interns 33 ‘existéncia de trabalho livre ou assalariado, o lucro como motivagao ea tendén- cia para acumular capital. Sdo essas caracteristicas que dio ao capitalismo 0 ‘seudinamismo, e, por sua vez, o cardter dindmico do sistema capitalista trans- fermou todos os aspectos da sociedade moderna. Conforme Gordon Craig de ‘xou claro, a natureza revolucionéria do capitalismo reside no fato de, pela pri ‘meira vez, 0 instinto de acumulagdo da riqueza ter se incorporado ao proceso pprodutivo; o que mudou a face do globo foi a combinagao desse sistema econd- tmico com 0 desejo de adquirir riqueza (Craig, 1982, p. 105-106). ‘Nao ha davida de que é correta essa caracterizagao da natureza dinamica do capitalismo, e do seu impacto: é 0 espirito agressivo do capitalismo aquisitivo que da vida ao sistema de mercado (Heilbroner, 1985). Mas foi o mercado que Jiberou inicialmente essas forcas do capitalismo, e depois as canalizou. .Ocapitalismo exerce sua influéneia profunda nas relagbes sociais eno sistema __politico por meig do mecanismo de mercado. O mercado ¢ o intercdmbio co- ‘mercial unificam o universo econédmico; no entanto, nfo se pode falar de um modo internacional de produgo capitalista/A despeito da emergéncia da em- presa multinacional ¢ das finangas interacionais, a produgo e's finangas ‘ainda tém uma base nacional, e, apesar da maior interdependéncia econdmica, poucas economias esto completamente integradas na economia mundi Alem disso, nas ultimas décadas do século XX o bloco socialista, o qual ndo privilegia ‘o mercado, aumentou sua participagdo no mercado global. Portanto, o mercado global nao se confunde com o sistema capitalista, e é bem maior. O dinamismo do sistema capitalista deve-se precisamente ao fato de, esti- mulado pela motivagao do lucro, o capitalista precisar competi para sobreviver ‘em uma economia de mercado competitiva. A comy io elimina os ineficientes, premia a inovagdo e a eficiéncia e promove a racionalidade. Na auséncia de ‘um mercado, o capitalismo perde sua criatividade ¢ seu vigor essencial (McNeill, 1982). As caracteristicas préprias do modo capitalista de produgio, conforme definidas pelos marxistas, ndo teriam levado aq progresso econémico sem o estimulo da competigao no mercado. No entanto, na presenga do mercado, até mesmo as firmas nacionalizadas precisam lutar para manter-se lucrativas ¢ com- petitivas. Assim, o advento do socialismo nao deve alterar necessariamente essa dindmica subjacente, desde que continue a haver a competigo ou um seu ‘equivalente funcional. John Rawls lembra-nos que “nao ha um vinculo essenci- al entre a utilizagio do mercado livre e a propriedade privada dos meios de producao” (Rawls, 1971, p. 271). O capitalismo nao esta associ iado necessaria~ ‘mente ao sistema de trocas no mercado. ‘Assim, 0 conceito de “mercado” & mais amplo do que o de “capitalismo”. Aeesséncia de um mercado, a qual definimos adiante com maiores detalhes, € 0 papel central dos pregos relativos na tomada de decisdes para a alocagao de am Robert Gilpin recursos. A esséncia do capitalismo, como dissemos anteriormente, é a pro- priedade privada dos meios de produgto e a existéncia de trabalho livre. Teori- camente, um sistema de mercado poderia set composto por atores piblicos ‘com forga de trabalho sem liberdade, como no conceito de socialismo de mer- cado. O papel crescente do Estado e dos atores piblicos no mercado criou ultimamente uma economia mista de empresa piblica e privada. Na pritica, porém, o mercado tende a vincular-se ao capitalismo internacional. Em suma, o sistema de intercdmbio no mercado e o modo de produgao capitalista sto coisas distintas, embora haja uma conexao estreita entre elas, ¢ algumas vezes sejam mencionadas neste livro indiferentemente. O termo “‘ca- pitalismo” é ambiguo demais para ser usado como uma categoria analitica. Com efeito, existem muitas variedades de capitalismo, gs quais funcionam de ‘maneira diferente. Seré a Franca, por exemplo, genuinamente capitalista, com ‘90% do seu setor financeiro e boa parte da sua indistria pesada em m&os do Estado? Como classificar o capitalismo japonés, com o papel to importante atribuido ao Estado na orientago da economia? O mundo contempordneo esté composto em grande parte de economias mistas, forgadas a competir entre si no contexto internacional. Outros pesquisadores identificaram 0 industrialismo, a sociedade industrial c/ou o desenvolvimento da tecnologia cientifica como caracteristicas da vida econémica moderna.’ O desenvolvimento da tecnologia industrial e o da cién- cia modema séo obviamente importantes para a prosperidade e para o carter do mundo moderno. Nao se pode explicar a Revolugdo Industrial ¢ o advento da cigncia moderna simplesmente como uma resposta as forgas do mercado; sem a tecnologia baseada na ciéncia, a moderna economia do mercado nfo teria podido progredir tanto. Osavangos cientificos dos séculos XVII e XVIII que instituiram os alicer- ces da indistria e da tecnologia modemnas no podem ser explicados s6 por motivos econémicos. A ciéncia é uma criagdo intelectual resultante da curiosi dade humana e da tentativa de compreender o universo. Contudo, sem uma demanda por maior eficiéncia ¢ novos produtos, o estimulo para explorar a cciéncia € para desenvolver inovagdes tecnolégicas seria muito menor. Embora © progresso cientifico aumente o suptimento potencial de novas indiistrias novas tecnologias, ¢ 0 mercado que produz a demanda necesséria para que cessas tecnologias sejam criadas. Assim, o papel crucial do mercado, ao organi- zat e a0 promover a vida econdmica, justifica nosso enfoque no mercado, as- sim como as implicagdes da interdependéncia econdmica nas relagées interna- cionais. ¥ Goldiorpe (1984, cap. 13), Giddens (1985) ¢ Rostow (1975) representam essas posigBes. A economia politica das relacdes internacionais 35 ——— rEErEr—ErErEIOIorrv—c—vrvvs O conceito de mercado, ou de interdependéncia econdmica, & ambiguo, havendo muitas definigdes diferentes.* Neste livro usaremos a definiglo de interdependéncia econémica do Oxford English Dictionary, favorecida por Richard Cooper: interdependéncia é “o fato ou condigéo da dependéncia reci- ‘proca; a miitua dependéncia” (Cooper, 1985, p. 1196). Além disso, como Robert Keohane e Joseph Nye (1977) observaram, a interdependéncia econémica pode referir-se a uma relagdo de poder, isto é, a0 que Albert Hirschman (1945) chama de “interdependéncia de vulnerabilidade”. A expresstio pode significar também interdependéncia de sensitividade, ou seja, a pronta interago das mu- dangas nos pregos ¢ nas quantidades em diferentes mercados nacionais. ‘Embora em teoria esses diferentes sentidos se possam distinguir facil- mente uns dos outros, na realidade isso nem sempre acontece. A nto ser adverténcia em contrario, uso “interdependéncia” no sentido de “dependén- cia métua, embora nao igual”. Aceito a interdependéncia econdmica como tum fato ou condigio, mas nao concordo com muitas das suas alegadas con- seqiiéncias econdmicas e politicas. Se por aumento da interdependéncia econdmica se pretende indicar o fun- cionamento da “lei do prego tinico” — isto é, 0 fato de os bens idénticos tende- rem ater 0 mesmo prego, entdo, a interdependéncia global alcangou um nivel sem precedente, No entanto, as conclusées a que podemos chegar no slo Sbvias, Embora examinemos neste livro a integra¢ao dos mercados nacionais em uma economia global interdependente e em expansto, questionaremos tam- bém alguns dos efeitos que se atribui a essa crescente interdependéncia no campo das relagdes internacionais. A interdependéncia ¢ um fenémeno a ser estudado, no um conjunto pronto de conclusdes a respeito da natureza e da indica das relagdes internacionais. As conseqiléncias econémicas do mercado Embora “mercado” seja um conceito abstrato, a economia de mercado pode ser definida como aquela em que bens ¢ servigos so intercambiados na base de pregos relativos; no mercado as transagdes sio negociadas e os pre- ‘gos determinados. Nas palavras de um economist, sua esséncia é “a forma- ‘do de um prego, mediante a negociagdo entre os que vendem ¢ os que com- pram” (Condliffe, 1950, p. 301). Em termos mais formais, mercado é “o con- junto de qualquer regitio onde compradores ¢ vendedores se encontram com tal liberdade que os pregos das mesmas mercadorias tendem a se igualar rapida- 7 Cooper (1985, p. 1196-1200) apresenta uma excelente anlise desses virios sentido. 36 Robert Gilpin ‘mente © sem dificuldade” (Cournot, citado em Cooper, 1985, p. 1199). Suas caracteristicas especificas dependem do grau de abertura e da intensidade da competi¢do. Os mercados diferem entre si no concemente a liberdade que tém 0s participantes de nele ingressar, ¢ também na medida em que compradores € vendedores podem influenciar individualmente os termos desse intercdmbio. ‘Assim, um mercado perfeito ou auto-regulado é aquele que esté aberto a todos 608 interessados potenciais, e no qual nenhum vendedor ou comprador pode determinar os termos desse intercimbio. Embora nunca tenha havido nenhum mercado perfeito a esse ponto, este é 0 modelo implicito no desenvolvimento da teoria econémica. ‘A economia de mercado representa um afastamento significative dos trés tipos mais tradicionais da economia de troca. Embora nenhuma dessas formas de intercdmbio tenha existido de forma exclusiva, uma delas sempre tendeu a predominar. O sistema econdmico que mais prevaleceu ao longo da historia, e que ainda é caracteristico de muitas economias menos desenvol das, é 0 intercémbio localizado, muito restrito em termos do escopo geografi co ¢ da cesta dos bens oferecidos. O segundo tipo de intercémbio é 0 das economias comandadas, como as dos grandes impérios historicos da Assiria ¢, em grau muito menor, de Roma; que ¢ também a dos paises socialistas de hoje. Nessas economias planificadas, a produgdo, a distribuigao e o prego das mercadorias tendem a ser controlados pela burocracia govemamental. O ter- ceiro tipo € o do coméreio por meio de grandes distancias, com mercadorias de alto valor, como as caravanas que cruzavam a Asia e a Africa, principais centros desse intercémbio. Embora com um comércio geograficamente exten- so, envolvia s6 um pequeno niimero de bens (condimentos, sedas, escravos, metais preciosos, etc.). Por muitas razdes, os mercados tendem a deslocar as. formas mais tradicionais de intercambi ‘Um dos motivos da primazia do mercado na formagio do mundo moderno €0 fato de ele obrigar a reorganizacdo da sociedade, para que possa funcionar mais adequadamente, Como Marx percebeu claramente, quando surge um mercado ele se torna uma forga poderosa para a transformagdo social, Vale a pena citar uma autoridade no assunto: Quando o poder econdmico é redistribuido por aqueles que abragam 0 ideal produtivo, sua influéncia como compradores, investidores e empregadores é considerada capaz de modificar 0 resto da sociedade. O passo critico no estabelecimento de um momento do mercado ¢ a alienagdo da terra e do ‘trabalho. Quando esses componentes fundamentais da existencia social sen- tema influéncia do mecanismo dos pregos, a diregdo social transfere-se para ‘08 determinantes econémicos (Appleby, 1978, p. 13-15). a7 A economia politica das relacdes intern: Na auséncia de limites sociais, fisicos e de outra natureza, a economia de rercado tem uma qualidade din&mica e expansiva. Tende a provocar 0 desen- ‘véWvimento econémico, a expandir-se territorialmente e @ abranger todos os jentos da sociedade. Estados ¢ grupos de interesse procuram restringir 0 igonmmeno do ‘mercado porque ele tem a capacidade potencial de exercer idihia pressio considerivel sobre a sociedade; os esforgos para controlar os mer- dos levam ao surgimento da economia politica das relages internacionais. ‘Trés caracteristicas da economia de mercado sao responséveis pelo seu ‘Ginamismo: 1) 0 papel critico dos pregos relativos na troca de bens ¢ de ‘ervigos; 2) a importincia fundamental da competigo como determinante da onduta individual e institucional; e 3) a importincia da eficiéncia na determi- nagfo da capacidade de sobrevivéncia dos atores econdmicos. Delas decor- trem todas as profundas conseqléncias do mercado para a vida econdmica, social e politica. ‘A economia de mercado promove o crescimento por razées estiticas ¢ dindmicas. O mercado aumenta a alocasio eficiente dos recursos existentes. CO crescimento econémico existe porque 0 mercado promove uma redistribuigo de terra, trabalho e capital, orientando-os para aquelas atividades mais compe- titivas. E como as forgas competitivas do mercado obrigam o produtor a inovar ¢ levam a economia a niveis cada vez mais altos de tecnologia ¢ eficiéncia produtiva (para que possam prosperar ou meramente sobreviver), o mercado promove dinamicamente inovagdes tecnolégicas ¢ de outros tipos ¢ expande, assim, 0 poder e a capacidade da economia, Embora tanto os aspectos estati- ‘c0s como os dinamicos dos mercados tenham ao longo da histéria contribuido para o crescimento econémico, o fator dindmico adquiriu importincia decisiva com o advento da ciéncia modema, base da tecnologia de produgao. ‘A economia de mercado tende a expandir-se geograficamente, ultrapassar fronteiras politicas ¢ incorporar uma parte cada vez maior da populagio do globo (Kuznets, 1953, p. 308). A demanda por recursos ¢ m&o-de-obra mais baratos faz com que se difunda o desenvolvimento econémico (H. Johnson, 1965b, p. 11-12). Com o tempo, uma parte crescente da periferia econémica é atraida para a Orbita do mercado. As razBes dessa tendéncia expansionista incluem as eficiéncias de escala, o aperfeigoamento dos transportes ¢ 0 au- ‘mento da demanda. E 0 que Adam Smith tinha em mente quando afirmou que tanto a divisdo do trabalho como o crescimento econdmico dependem da esca- la do mercado (Smith, 1937 [1776], p. 17). Para aproveitar esse aumento da eficigncia e reduzir os custos, os atores econémicos procuram expandir a ex- tensfo e a escala do mercado. Outra caracteristica da economia de mercado a tendéncia para incorpo- rar todos os aspectos da sociedade as relagdes de mercado, Por meio dessa 38 Robert Gilpi A economia politica das relago« 39 “comercializagdo”, todas as facetas da sociedade tradicional so trazidas para a 6rbita do mecanismo dos pregos. A terra, a forga de trabalho e outros chama- dos “fatores de produgdo” passam a ser mercadorias, a ser intercambiadas, sujeitas 20 jogo das forgas do mercado (Heilbroner, 1985, p. 117). De forma ‘mais crua, pode-se dizer que tudo tem o seu prego; como um amigo economista costuma dizer, “o valor de uma coisa é o seu prego”. Em conseqiléncia, os mer- cados tém um impacto profundo e desestabilizador na sociedade, porque dissol- ‘vem as estruturas tradicionais e as relagdes sociais (Goldthorpe, 1978, p. 194). ‘Tanto no nivel interno como no internacional, o sistema de mercado tende também a criar uma divisto hierérquica de trabalho entre os produtores, ba- seada principalmente na especializagao e no que os economistas chamam de lei das vantagens (ou custos) comparativas. Em consequéncia das forgas do mercado, a sociedade (interna e internacional) é reordenada sob a forma de um centro dindmico e uma periferia dependente. O centro caracteriza-se princi- palmente pelos niveis mais avangados de tecnologia ¢ de desenvolvimento ‘econdmico; a periferia depende do centro, pelo menos inicialmente, como um ‘mercado para suas exportagdes de produtos bisicos ¢ como fonte de técnicas produtivas. No curto prazo, a medida que o centro cresce ele vai incorporando Aisua rbita uma parte cada vez maior da periferia; no longo prazo, contudo, em conseqiéncia da difusdo da tecnologia produtiva e do processo de cresci- mento, novos centros tendem a formar-se na periferia, tornando-se niicleos alteativos de crescimento, Essa tendéncia para a expansio do centro ¢ 0 surgimento de novos niicleos tem consequéncias profundas para a economia e paraapolitica Friedmann, 1972). ‘Aeconomia de mercado tende também a redistribuir a riqueza e as ativi- dades econémicas entre as sociedades e no seu interior. Embora todos se beneficiem, em termos absolutos, a medida que enriquecem com a participa- ‘plo na economia de mercado, alguns ganham mais do que outros. Ha uma ‘endéncia para que os mercados, pelo menos inicialmente, concentrem a rique- za em determinados grupos, classes ou regides. Os motivos sto muitos: as economias de escala, a renda dos monopélios, os efeitos das externalidades positivas (transferéncias de uma atividade para outra), as vantagens do apren- dizado ¢ da experiéncia e muitas outras eficiéncias que produzem um ciclo caracterizado por “dar mais a quem tem mais”. No entanto, subseqlentemen- te, os mercados tendem a difundir a riqueza por todo o sistema, em razio da transferéncia de tecnologia, das mudancas nas vantagens comparativas € ou- tros fatores. Em certas sociedades pode haver também um circulo vicioso de declinio a depender da sua flexibilidade e da capacidade de ajustar-se &s mu- dangas. Mas o crescimento e a difusto da riqueza nao ocorre de forma homo- zgénea em todo o sistema; tende a concentrar-se naqueles novos centros ou iiicleos de crescimento em que as condigdes silo mais favoriveis, Em conse- ‘qBéncia, a economia de mercado tende a promover um processo de desenvol- viento irregular nos sistemas intemo e internacional. Deixada a seus préprios impulsos, uma economia de mercado tem efeitos dos sobre a natureza ¢ a organizagdo das sociedades, assim como sobre ‘es relagdes politicas entre elas. Embora muitas dessas conseqlléncias possam ‘set benéficas, e desejadas por uma sociedade, outras contrariam os desejos € 08 interesses de grupos ¢ Estados dotados de poder. Assim, a tendéncia resul- tante é a de que os Estados intervenham nas atividades econémicas para pro- mover os efeitos que os beneficiam e para reduzir os que Ihes so prejudici Os efeitos do mercado ¢ as reacdes politicas No universo abstrato dos economistas, a economia e outros aspectos da sociedade existem em esferas separadas. Os economistas propdem a hipétese de um universo teérico composto de atores auténomos € homogéneos, os quais tendem a maximizar vantagens, sio livres e capazes de reagir as forgas do mercado em termos do que entendem seja seu auto-interesse. Assumem 0 fato de as estruturas econdmicas serem flexiveis e os comportamentos mu- darem automaticamente e de forma previsivel em fungo dos sinais emitidos pelos pregos (Little, 1982, cap. 2). Como se ndo existissem classes sociais, lealdades étnicas e fronteiras nacionais. Quando Ihe perguntaram certa vez 0 que faltava no seu clissico livro de texto, 0 economista Paul Samuelson, ganhador do Prémio Nobel, teria respondido: “a luta de classes”. O que correto, embora ele pudesse ter acrescentado, sem exagero indevido e sem violar 0 espirito do seu livro, “ragas, Estados nacionais ¢ todas as outras divisées politicas e sociais”. De acordo com os economistas, a esséncia da economia ¢ de suas impli- cages para a organizagio politica e social esté contida no que Samuelson qualificou de “mais bela idéia” da teoria econémica, a saber: a lei das vant ‘gens comparativas de David Ricardo. Esse simples conceito implica a orga- nizagdo da sociedade internacional e das sociedades nacionais em termos de eficiéncia relativa. Implica uma divisdo universal do trabalho baseada na es- pecializagdo, em que cada patticipante se beneficia de acordo com a contri- buigao que dé ao conjunto. E um mundo em que a pessoa mais humilde ¢ a nagdo com menos recursos podem encontrar um nicho de prosperidade. Por baixo do crescimento e da expansio do mercado e da interdependéncia eco- ‘némica presume-se uma harmonia fundamental de interesses entre os indivi- duos, 08 grupos ¢ as nagdes. 40. Robert Gilpin A economia politica das relagdes internacionais a No mundo real, dividido em muitos grupos ¢ Estados, freqtlentemente conflitantes, os mercados tém um impacto diferente daquele proposto pela teoria ‘econdmica, e provocam poderosas reagdes politicas. As atividades econdmicas afetam diferentemente o bem-estar politico, social e econdmico de varios grupos ¢ Estados. O mundo real é um universo de lealdades exclusivas, muitas vezes contrastantes, ¢ de fronteiras politicas em que a divisto do trabalho ¢ a distri- ‘buigdo dos seus frutos sto determinadas tanto pelo seu poder e sua sorte como pelas leis do mercado e do mecanismo dos pregos. Com freqiiéncia a premissa de uma harmonia fundamental de interesses no se sustenta, ¢ 0 crescimento € a expansio dos mercados em um mundo social e politicamente fragmentado tém conseqiiéncias profundas para a natureza ¢ o funcionamento da politica internacional. Quais so essas conseqiéncias que provocam reagdes politicas? ‘Uma conseqiléncia da economia de mercado para a politica nacional e internacional sfo os efeitos altamente perturbadores sobre a sociedade; a intro- dugao das forgas do mercado e do mecanismio dos pregos em uma sociedade tende a sobrepor-se as instituigdes e as relagées sociais da tradig&o, ¢ até mesmo a dissolvé-las. A competi¢ao da eficiéncia expulsa os ineficientes € ‘obriga todos a se adaptar a novos habitos. Como jé notamos, os mercados tm uma tendéncia inerente para expandir-se e atrair tudo para a sua érbita, Novas demandas so estimuladas constantemente, novas fontes de suprimento so procuradas. Além disso, os mercados estio sujeitos a distirbios e flutuagdes, ciclicas sobre 0s quais a sociedade pode ter pouco controle; a especializagao e as dependéncias resultantes aumentam a vulnerabilidade a eventos imprevis- tos. Em suma, 0s mercados constituem uma fonte poderosa de transformagao social e politica e provocam reagdes igualmente importantes, & medida que as sociedades tentam se proteger contra as forgas que desencadeiam (Polanyi, 1957). Portanto, nao ha Estado, por mais liberal, que permita a manifestagdo plena e livre das forgas do mercado. ~Piutra conseqténcia da economia de mercado ¢ o fato de ela afetar signi- ficativamente a distribuig&o de riqueza e de poder entre as sociedades e dentro de cada uma. Teoricamente, todos podem aproveitar as oportunidades do mer- cado; na pratica, porém, os individuos, os grupos ¢ as nagdes tém dotes desi- guais, ¢ estio em situagdes diferentes para beneficiar-se dessas oportunida- des. Assim, o aumento da riqueza e a difusdo das atividades econdmicas em ‘um sistema de mercado tendem a ser desiguais, o que favorece alguns atores ‘do que outros. Por isso os Estados procuram orientar as forgas do merca- do de modo a que tragam beneficios a seus cidadaos, e disso resulta, pelo menos no curto prazo, uma distribuicdo desigual da riqueza ¢ do poder entre os, participantes daquele mercado ¢ a estratificago das sociedades na economia politica internacional (Hawtrey, 1952). oP nes Outra conseqiiéncia importante da economia de mercado, no que se re- fere aos Estados, é em decorréncia do fato dea interdependéncia econdmica criar uma relagdo de poder entre grupos e sociedades. Os mercados no so politicamente neutros; criam poder econdmico, o qual um ator pode usar contra ‘outro. A interdependéncia provoca vulnerabilidades que podem ser explora- das e manipuladas. Nas palavras de Albert Hirschman, “o poder de interrom- per as relagdes comerciais e financeiras com qualquer pais (...) € a causa fiindamental da posigao de influéncia ou de poder que um pais adquire com relagdo a outros” (Hirschman, 1945, p. 16). Portanto, em graus variados, a interdependéncia econdmica estabelece uma dependéncia hierérquica e cria relagdes de poder entre os grupos ¢ as sociedades nacionais. Ao reagir a essa situago, os Estados procuram aumentar a sua prépria independén assim como a dependéncia dos demais. Uma economia de mercado traz. beneficios e custos para os grupos ¢ para as sociedades. De um lado, a especializagao e a divisto do trabalho promovem o crescimento da economia ¢ 0 aumento da riqueza dos que parti- cipam do mercado. Embora esses beneficios no se distribuam de forma igualitéria, de modo geral todos ganham em termos absolutos. Assim, poucas sociedades procuram fugir & participacdo no sistema econémico mundial. De outro lado, porém, a economia de mercado imp3e também custos econdmi- cos, sociais e politicos a determinados grupos e sociedades, de forma que, em termos relativos, alguns se beneficiam mais do que outros. Por isso, os Esta- dos procuram proteger-se ao limitar os custos que incidem sobre eles ¢ sobre os seus cidadios. No mundo contemporaneo, a disputa entre grupos ¢ Estados, a propésito dessa distribui¢do de vantagens e custos, tornou-se um dado importante das relagdes internacionais. Conclusio ‘As preocupagées principais deste livro sto com o impacto da economia de mercado global sobre as relagdes entre os Estados, e 0 modo como estes pro- curam influir nas forgas do mercado para maximizar suas vantagens. Implicitos nessa relagio entre Estado ¢ mercado, ha trés temas interligados, importantes para o estudante de politica. O primeiro é 0 modo como a interdependéncia no mercado afeta a politica internacional e é afetada por ela, particularmente pela presenga ou pela auséncia de uma lideranga politica. O segundo tem a ver com a interagdo das mudangas econdmicas e politicas, a qual provoca uma intensa competigao entre os Estados pela localizagdo global das atividades econdmi- cas, em particular nos micleos de maior importancia da industria modema. a Robert Gilpi eet iin Oterceiro 60 efeito do mercado mundial sobre o desenvolvimento econémico eeeceMegdente esforgo dos Estados para controlar ow pelo menos para ter cnfgaes de inluenciar a eas ou 08 regimes qu governam o comico, 0 investimento externo & oi ne internacional, assim como out in . es ras apaentemente tenics do comérioe das Snangas vor mais hé temas politicos que influenciam profundamente o poder, a inpondéncia ‘¢ o bem-estar dos Estados, Assim, embora 0 comércio possa ae peeficio miituo para o comprador ¢ para 0 vendedor, todos os Estados pretendem que seus ganhos sejam desproporcionalmente maiores do que @ vantage que o comércioIhes traz; e querem utilizar a tecnologia para obter 0 Ttaor aeréscimo de valor sua contribuiglo & divisfo internacional do trabalho. forma, todos 0s Estados querem ter influéncia no processo decisorio Edamesma Tjatema monetario internacional, Em todos os segmentos dos cara econdmios internacionais, 0s temas econémicos e politicos entrela- vamos pesquisadores ¢ outros individuos diferem, contudo, a respeito dana- tureza dessas relagBes entre 0s temas econémicos e politicos. Embora pos- ‘anos identificar muitas posig&es distintas, quase todas tendem a recair em tras perspectivas, ideologias ou escolas de pensamento contrastantes: 0 libe~ taligmo, onacionalismo eo marxismo. No proximo capitulo vamos svalaras forgas ¢ os limites de cada uma delas. Em particular, estudaremos o desafio funamental do nacionalismo, especialmente do marxismo, com respeito as perspectivas de persistncia da economia internacional liberal do pés-guera Capitulo 2 Trés ideologias da economia politica Nos iltimos 150 anos, rés ideologias dividiram a humanidade-o liberalis- mo, o nacionalismo ¢ 0 marxismo. Este livro entende por “ideologias” o que Heilbroner (1985, p. 107) chama de “sistemas de pensamento e de crengas ‘com 0s quais [os individuos ¢ os grupos) explicam (...) como funciona o seu sistema social, e que principios ele testemunha”. O conflito entre essas trés atitudes morais e intelectuais tem girado em torno do papel e do significado do mercado na organizagao da sociedade e da economia. Por meio de uma avaliagdo dos pontos fortes e das fraquezas dessas ide- ‘ologias é possivel iluminar o estudo da economia politica intemacional. A forga de cada uma dessas perspectivas serd aplicada a discussdes posteriores de temas especificos, tais como comeércio, investimento e desenvolvimento. Em- bora meus valores pessoais sejam os do liberalismo, o mundo em que vivemos sugere uma melhor descrigdo com as idéias do nacionalismo econémico e, ocasionalmente, também do marxismo. O ecletismo pode nfo levar & preciso, tedrica, mas as vezes € 0 tnico caminho disponivel. As trés ideologias citadas diferem em um amplo cardapio de perguntas, como as seguintes: qual o significado do mercado para o crescimento econémi- co e para a distribuigao da riqueza entre grupos ¢ sociedades? Qual deveria ser © papel dos mercados na organizagao da sociedade nacional e internacional? Qual o efeito do sistema de mercado sobre os temas relacionados com a guer- rae a paz? Essas perguntas, ¢ outras semelhantes, so fundamentais para a ‘economia politica internacional. Essas trés visdes ideoldgicas diferem profundamente no modo como con- cebem as relagdes entre sociedade, Estado ¢ mercado, e talvez nfo seja um exagero afirmar que todas as controvérsias no campo da economia politica internacional podem ser reduzidas as diferengas na maneira de interpretar 2 Robert Gilpin eee O terceiro é0 efeito do mercado mundial sobre o desenvolvimento econémico € © conseaiente esforgo dos Estados para controlar ou pelo menos para ter condigSes de nfluenciar as regras ou 0s regimes que governam 0 comércio, 0 investimento externo eo sistema monetirio internacional, assim como outros aspectos da economia politica internacional. Por tris dos temas aparentemente ‘técnicos do comércio ¢ das finangas internacionais ha temas politicos que influenciam profundamente o poder, a independéncia e 0 bem-estar dos Estados. Assim, embora o comércio possa trazer beneficio miituo para 0 comprador ¢ para o vendedor, todos os Estados pretendem que seus ganhos sejam desproporcionalmente maiores do que a ‘vantagem que o comércio Ihes traz; e querem utilizar a tecnologia para obter 0 maior acréscimo de valor & sua contribuigdo & divislo internacional do trabalho. E da mesma forma, todos os Estados querem ter influéncia fio processo decisério das regras do sistema monetério internacional. Em todos os segmentos dos assuntos econémicos intemacionais, os temas econdmicos e politicos entrela- gam-se. ‘Os pesquisadores e outros individuos diferem, contudo, a respeito da na- tureza dessas relagdes entre os temas econémicos e politicos. Embora pos- amos identificar muitas posig&es distintas, quase todas tendem a recair em trés perspectivas, ideologias ou escolas de pensamento contrastantes: 0 I ralismo, onacionalismo e o marxismo. No préximo capitulo vamos avaliar as, forgas € 0s limites de cada uma delas. Em particular, estudaremos o desafio fundamental do nacionalismo, especialmente do marxismo, com respeito as perspectivas de persisténcia da economia internacional liberal do pés-guerra, Capitulo 2 Trés ideologias da economia politica Nos iltimos 150 anos, trés ideologias dividiram a humanidade —o liberalis- ‘mo, o nacionalismo ¢ o marxismo. Este livro entende por “ideologias” o que Heilbroner (1985, p. 107) chama de “sistemas de pensamento e de crengas com 0s quais [os individuos e os grupos} explicam (...) como funciona o seu sistema social, ¢ que principios ele testemunha”. O conflito entre essas trés tudes morais ¢ intelectuais tem girado em tomo do papel e do significado do mercado na organizagao da sociedade e da economia. Por meio de uma avaliagio dos pontos fortes e das fraquezas dessas ide- ologias é possivel iluminar 0 estudo da economia politica internacional. A forga de cada uma dessas perspectivas serd aplicada a discussdes posteriores de temas especificos, tais como comércio, investimento e desenvolvimento. Em- bora meus valores pessoais sejam os do liberalismo, o mundo em que vivemos sugere uma melhor descrigao com as idéias do nacionalismo econémico e, ‘ocasionalmente, também do marxismo. O ecletismo pode nfo levar & preciso, te6rica, mas és vezes ¢ 0 tinico caminho disponivel. As trés ideologias citadas diferem em um amplo cardapio de perguntas, ‘como as seguintes: qual o significado do mercado para o crescimento econémi- coe para a distribuigdo da riqueza entre grupos ¢ sociedades? Qual deveria ser © papel dos mercados na organizagao da sociedade nacional e internacional? Qual o efeito do sistema de mercado sobre os temas relacionados com a guer- Tae a paz? Essas perguntas, ¢ outras semelhantes, so fundamentais para a ‘economia politica internacional. Essas trés visbes ideoldgicas diferem profundamente no modo como con- cebem as relagdes entre sociedade, Estado e mercado, ¢ talvez nfo seja um exagero afirmar que todas as controvérsias no campo da economia politica internacional podem ser reduzidas as diferengas na maneira de interpretar “ Robert Gilpin A economia politi das relagdes internacional 45 cssas relagdes. O contraste intelectual tem mais do que simples interesse histgrico. O liberalismo econémico, o marxismo ¢ 0 nacionalismo econdmico tubeistiam com forga total no fim do século XX, ao definir as perspectivas confitantes que as pessoas tém com respeito as implicagdes do sistema de rereado para as sociedades nacionais ¢ a internacional. Muitos dos temas aque eram controvertidos nos séculos XVIII e XIX voltaram a ser debatidos intensamente- , if importante compreender a natureza ¢ 0 conteiido dessas ideologi contrastantes da economia politica. Uso o termo “ideologia”, em vez de “teo- fa porque cada posicHo implica um sistema de crengas abrangentearespeito da paurera da sociedade e dos seres humanos, ssemelhando-se assim a0 que ‘Thomas Kuhn denominou de “paradigma” (Kuhn, 1962). Como Kuhn demons- trou os compromissos intelectuais sao defendidos com tenacidade e raramente odem ser afastados pela légica ou pela evidéncia contréria, Isso se deve a0 fato de esses compromissos ou ideologias pretenderem anunciar descrigdes cientfieas do modo como o mundo funciona, embora constituam também posi- des normativas sobre 0 modo como o mundo deveria funcionar. ‘Embora muitas “teorias” tenham sido elaboradas para explicar a relagao daeconomia com a politica trés delas adquiriram importancia especial etém tidg uma influéncia profunda tanto na pesquisa como na politica. Ao simplifi car uma realidade bem mais complexa, podemos dizer que 0 nacionalismo econémico (ou mercantilismo, como foi conhecido originalmente), o qual se esenvolveu partir da prética dos governantes no principio da histéria moder- 1¢ e advoga o primado da politica sobre a economia. E essencial- mente uma doutrina que privilegia o Estado e afirma o fato de o mercado dever estar Sujeito aos interesses estatais. Argumenta serem os fatores poli- ticos determinantes das relagdes econémicas, ou pelo menos deveriam determiné-las. Quanto ao Tiberalismo, que emergiu do Iluminismo nos livros de ‘Adam Smith, entre outros, foi uma reago ao mercantilismo ¢ incorporou-se economia ortodoxa. O liberalismo presume que, pelo menos do ponto de vista ideal, politica ¢ economia ocupam esferas separadas. No interesse da eficien- cia do desenvolvimento e da soberania do consumidor, os mercados devem fancionat livres de interferéncia politica. O marxismo, que surgiu em meados do sezulo XIX como uma rea¢do contra o liberalismo e a economia clissica, sustenta set & economia a condutora da politica. Os conflitos politicos nas ccem da luta entre as classes sociais a propésito da distribuigao da riqueza, 6 cessatfo quando o mercado e a sociedade de classes forem eliminados. ‘Comona nossa época tanto o nacionalismo como o marxismo se desenvolve- ram em reagd0 a0s objetivos da economia liberal, meu exame ¢ avaliago dessastés ideologias comegard com o liberalismo econémico. nna, presumm ‘A perspectiva liberal Alguns estudiosos afirmam nao existir uma teoria liberal da economia po- litiga, porque o liberalismo distingue a economia da politica e entende que cada esfera funciona de acordo com regras e légica préprias.' Mas esse ponto de vista é em si mesmo uma posi¢ao ideolégica, ¢ os tedricos do liberalismo preo- ‘cupam-se tanto com os assuntos politicos como com os econ6micos. Assim, podemos falar de uma teoria liberal da economia politica, teoria esta que esti explicita ou implicita nos seus escritos. Por tris das teorias liberais da economia e da politica ha um conjunto de valores politicos ¢ econémicos, os quais no mundo modemo tém surgido reunidos (Lindblom, 1977). A teoria econdmica liberal esta comprometida com o livre mercado ¢ com um minimo de intervengao estatal, embora, conforme vamos mostrar mais adiante, varie a énfase relativa nessas duas idéias, De seu lado, a teoria politica liberal tem um compromisso com a igualdade a liberdade individu- ais, embora também possa haver uma diferenga de énfase. Aqui estamos inte- ressados primordialmente no componente econémico da teoria liberal A perspectiva liberal da economia politica esté incorporada na disciplina da economia como ela se desenvolveu no Reino Unido, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, Desde Adam Smith até os contemporaneos, os pensado- res liberais tém compartilhado um conjunto coerente de premissas e crengas sobre a natureza dos seres humanos, a sociedade e as atividades econdmi- cas. O liberalismo ja assumiu muitas formas — tivemos o liberalismo clissico, neoclissico, keynesiano, monetarista, austrfaco, das expectativas racionais, etc. Essas variantes incluem desde as que priorizam a igualdade e tendem para a democracia social, e aceitam o intervencionismo estatal para aleangar seus objetivos, até aquelas que enfatizam a liberdade a néo-intervengao governa- ‘mental, a custa da igualdade social. No entanto, todas as formas do liberalismo econdmico esto comprometidas com o mercado e com o mecanismo dos pre- 0s como o meio mais eficiente de organizar as relagdes econémicas intemas € intemnacionais. Com efeito, oliberalismo pode ser definido como uma doutrina e ‘um conjunto de principios para organizar e administrar uma economia de mer- cado, de modo a obter o maximo de eficiéncia, crescimento econémico e bem- estar individual. 0 termo “liberal” usado neste livro no sentido europeu, isto, significando 0 compromisso om o individualismo, o live mercado e a propriedade privada. Essa ¢ perspectiva predomi- ante na maioria dos economistas norte-americanos ena discipina da economia conforme & ‘ensinada nas universidades dos Estados Unidos. Assim, a despeito de diferengas importantes ‘as suas idéias politcase te6ricas, tanto Paul Samuelson como Milton Friedman sfo conside- ‘ados aqui como representantes da tradigio liberal norte-americana. “6 Robert Gilpin ‘A premissa do liberalismo econémico é a idéia de que um mercado surge de forma espontnea para satisfazer as necessidades humanas, ¢ que, uma vez que comece a funcionar, 0 faz de acordo com sua propria légica interna. O homem é, por natureza, um animal natural, ¢, portanto, os mercados desen- volvem.se naturalmente, sem uma diregao central, Nas palavras de Adam Smith, “transportar, vender ¢ trocar” sfo atividades inerentes & humanidade. Para facilitar o comércio e melhorar seu bem-estar, as pessoas criam mercados, meios de pagamento e instituigGes econdmicas. Assim, no seu estudo sobre a organizagdo econdmica de um campo de prisioneiros de guerra, R. A. Radford (1954) mostra como mesmo nas condigdes mais extremas surge espontanea- mente um mercado complexo ¢ sofisticado para satisfazer as necessidades ‘humanas; mas a sua descrigdo mostra também a necessidade de alguma forma de governo para policiar esse sistema primitivo de mercado? ‘A rationale do mercado € 0 aumento da eficiéncia econdmica, a maximizagio do crescimento da economia e, portanto, a melhoria do bem- estar humano. Embora os liberais acreditem que a atividade econémica au- menta também o poder e a seguranga do Estado, argumentam que 0 objetivo primordial dessa atividade é beneficiar os consumidores individuais. Sua de- fesa fundamental do livre comércio € da abertura dos mercados é que eles aumentam a gama de bens ¢ servigos disponiveis ao consumidor. ‘A premissa fundamental do liberalismo é a nogo de que a base da socie- dade é 0 consumidor individual, a firma, a familia, Os individuos comportam-se de forma racional e procuram maximizar ou satisfazer certos valores 20 me- nor custo possfvel. A racionalidade s6 se aplica ao sentido da conduta, 20 esforco feito, no ao resultado. Assim, se um objetivo nao é aleangado por causa da ignordncia ou alguma outra causa, para os liberais isso ndo invalida premissa de que os individuos agem sempre na base de um calcul do custo/beneficio, dos fins com relagdo aos meios. Finalmente, 0 liberalismo sustenta que o individuo continua a perseguir um objetivo até que um equil brio seja alcangado no mercado, ou seja, até que os custos associados com a realizagio desse objetivo igualem as vantagens decorrentes, Os economistas liberais tentam explicar 0 comportamento econdmico e, em certos casos, a conduta humana de modo geral, com base nessas premissas individualistas © racionalistas (Rogowski, 1978). © liberalismo presume também que exista um mercado em que os indivi- duos tém informagao completa e, portanto, podem selecionar o curso de ago que thes traz mais beneficios. Produtores ¢ consumidores individuais sero muito sensiveis aos sinais dos pregos, e isso criard uma economia flexivel, em que 7? “Agradego a Michael Doyle ter chamado minha atencdo para esse interessante artigo. A economia politica das relagdes internacionais a7 qualquer mudanga nos pregos relatives provoque uma mudanga corresponden- te ma estrutura da produgdo, do consumo ¢ das intituigdes econdmicas; estas ‘itimas seriam 0 produto e no a causa do comportamento econdmico (Davis ¢ North, 1971). Além disso, em um mercado genuinamente competitivo, os ter- mos de intereimbio sio determinados de forma exclusiva pela oferta e pela demanda, € nao pelo exercicio do poder e pela coergao. Se as trocas sio volun térias, ela satisfazem os dois lados, " A disciplina académica da “economia”, ou seja, a economia como ¢ ensi- nada na maioria das universidades norte-americanas (que os marxistas cha- mam) de ‘economia ortodoxa ou burguesa), é considerada a ciéncia empirica da ‘maxi vizagao da conduta. O comportamento humano é tido como: governado porum ‘conjunto, ‘de “leis” econdmicas, impessoais e politicamente neutras. Assim, economia ¢ politica podem ser separadas em esferas distintas. Os governos no devem intervir no mercado, exceto nos casos em que este ultimo falhe Coan 1965), ou entio para proporcionar um bem puiblico, ou coletivo (Olson, ‘A economia de mercado ¢ governada principalmente pela lei da demanda (Becker, 1976, p. 6). Essa “lei” (ou, se preferitmos, essa premissa) afirma que 4s pessoas comprario mais de um bem se o seu preco relativo cair, e menos se ele subir, Da mesma forma, as pessoas tenderio a comprar mais se sua renda relativa aumentar, e menos se ela diminuir. Qualquer desenvolvimento que mude ° Prego telativo de um bem, ou o rendimento relativo de um ator, criaré um estimulo, positive ou negativo, para adquirir (ou produzir) mais ou menos desse ‘bem. Essa lei tem ramificagdes profundas em toda a sociedade. Embora haja algumas excegdes a esse simples conceito, ela é fundamental para o fun: ona. men ope 0 éxito de um sistema de mercado. 10 Las lo da oferta, a economia liberal entende que os indivi r suem seus interesses cm um universo marcado pola scasere pelos Tes disponibilidade dos recursos — uma condigo fundamental e inescapsvel da existéncia humana. Toda decisao implica um custo de oportunidade, uma op- g4o entre os usos alternativos dos recursos disponi (Samuelson, 1980, ° 27), A ligdo fundamental da economia liberal é que there is no such thing a a free lunch, ow seja, “todo almogo tem o seu prego” — para obter algo precisamos ceder alguma coisa em troca. . - liberalismo afirma também que a economia de mercado tem uma estabi- lidade inerente, e mostra uma forte tendéncia para o equilibrio, pelo menos no longo prazo. Esse “conceito de equilibrio auto-imposto e autocorrigivel, alcan- ado pela contraposigao de forgas em um universo racional” é crucial para a renga dos economistas no funcionamento do mercado e nas leis que 0 gover- nam (Condliffe, 1950, p. 112). Se um mercado se desequilibra em razio de a Robert Gilpin tal como uma mudanga nas prefertncias do consumer Jo, 0 mecanismo dos pregos 0 reconduziré oportu- mecha ett de equilibrio: pregos © quantidades tomario a Teequiiprar-se. Portanto, uma mudanga, seja na. oferta seja na demanda, de om tent provocaré mudangas no prego desse bem, A téenica mais importante da andife-vonémica moderna a esttica comparativa, baseia-se nessa premissa, vadéncia para o equilibrio sistémico: ssa liberal € que a competigio no mercado de produtores & congynajoreseria no longo Prazo uma harmonia fundamental de seus interes- ses aqul superar qualquer contlitotemporéro, A motivagdo do auto-interes- Seale atoresindividuais aumentaréo bem-estar social, porque conduz a uma aximizago da eficiéncias algun fator ex6gen0, deque ha uma te Ouira premi € 0 crescimento econdmico xpsultante creat todos, Em conseqiléncia, todos tendem a ganhar om ta vse conjunto da sociedade, mas, é preciso acrescentat, nem ios ganhardo na mesma proporcio, porque hi diferengas na produtivi dade individual. Sob o regime do livre intercdmbio, a sociedade em geral mai ga, porém 0s inividuos serfo recompensads de avordo com a sua Produividede marginal com a sua contribuigao relativa para o produto social Trutmente, hje a maioria dos economistasliberais acredita no progresso, defi quase sempre emo © aumento da riqueza per capita, Afrmam que @ cress setto de uma economia que funcione regularmente ¢ linear, gradual € conto (Meier Baldwin, 1963, p. 7), desenrolando-se conformeo que uy cetnamista denominou de “curva de crescimento em equilibrio padrlo, 40 Massachusetts Insite of Technology”. Embora acontesimentos politicos © outs natureza — guerra, revolugbes ¢ desastres naturais ~ possam prejudicar dratcamente essa curva de crescimento, a economia refomard sempre & tm model estvel de desenvolvimento, determinadoprincipalmente pelos menos da popula, ds eeurss eda produtvidade, Alm disso, os Iiberais ‘owes a conexdo necessaria entre o processo de crescimento econémico € x ercats poltcns,taiscomo as guerra ¢oimpeialsmo; esses males politicos aftame podem ser afas pelasatvidades econdmicas, mas sdo causados eSeanatmente por fatores Politicos, e nfo econdmicos. Assim, por exemplo, 05 liberais ndo acreditam que tenha havido qualquer relagdo de causalidade entre 0 Pro do capitals no fim do séoulo XIX e, de outro lad, os suas imeratigmo, depots de 1870, e a Primeira Guerra Mundial, Para os liberais a sntado por David Ricardo. Consiste em um o ica comparativa foi inve nsiste en cee aan om no qual é introduzida uma variavel exogena, Ome mercado em estado de equa, cana dome ‘o novo estado de equilibrio. Como de modo geral ‘essa forma de andlise no do daar exe, es eid cane do pre ‘ma das mudangas na economia, A economia politica das relacdes internacionai 9 ‘economia é progressiva, enquanto a politica retrocessiva; eles concebem 0 progresso de forma distinta da politica, com base na evolugao do mercado. ‘Com base nessas premissas € nesses compromissos, os economistas mo- demos elaboraram a ciéncia empirica da economia. Nos tiltimos dois séculos, deduziram as “leis” da conduta de busca da maximizagao, tais como a teoria das vantagens comparativas, da utilidade marginal e a teoria quantitativa do dinheiro. Ouvi de Arthur Lewis 0 comentério de que os economistas desco- brem novas leis & razio de uma a cada quarto de século ~ “leis” que sto a0 mesmo tempo contingentes e normativas. Elas presumem a existéncia do “ho- mem econémico”, racional e maximizador, uma variedade da espécie Homo sapiens que tem sido relativamente rara na histéria, existindo apenas naqueles perfodos em que as condigdes Ihe eram favordveis. Além disso, essas leis $80 normativas, porque preserevem como uma sociedade precisa se organizar e ‘como as pessoas se devem conduzir para maximizar 0 aumento da riqueza Tanto os individuos como as sociedades podem violar essas leis, mas a custo de sua eficiéncia e produtividade, Hoje, existem as condigdes necessérias para 0 funcionamento de uma economia de mercado, e 0 compromisso normative com © mercado estendeu-se desde o seu nascedouro, no Ocidente, para abarcar uma poredo cada vez maior do globo terrestre. A despeito de alguns fracassos, 0 mundo moderno tem caminhado na diregao da economia de mercado e de ‘uma interdependéncia econdmica global precisamente porque os mercados so ‘mais eficientes do que outras formas de organizagaio econdmica (Hicks, 1969). Em esséncia, os liberais acreditam que o comércio ¢ 0 intercémbio econd- mico constituem uma fonte de relagdes pacificas entre as nagSes, porque os beneficios reciprocos do comércio e da interdependéncia em expansfo entre as economias nacionais tenderdo a promover entre elas relagdes cooperativas. Enquanto a politica tende a dividir, a economia une os povos. Uma economia internacional liberal ser uma influéncia moderadora sobre a politica interna- cional a criar lacos de interesse comum e um compromisso com 0 sfatus quo. No entanto, ¢ importante voltar a enfatizar que embora em termos absolutos todos ganhem (ou possam ganhar) em um regime de livre comércio, em termos telativos esses ganhos serdo diferentes. E & exatamente a questo dos ganhos relativos e da distribuigdo da riqueza gerada pelo mercado que criow as doutti- nas rivais do nacionalismo econdmico e do marxismo. A perspectiva nacionalista Da mesma forma que o liberalismo, o nacionalismo econdmico sofreu va- rias metamorfoses durante os iltimos séculos, e seus rétulos também muda- ram: mercantilismo, estatismo, protecionismo, a escola histérica alema e, mais

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