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conceito e reconstrucGo historica Maria Isabel Moura Nascimento Wilson Sandano José Claudinei Lombardi Dermeval Saviani (orgs.) Dados Internacionais de Catalogagao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Instituigdes eseolares no Brasil: conccito ¢ reconstrugio histériew Maria Isabel Moura Nascimento... {et al.], (orgs.).- Campinas, SP: Autores Associados: Histepar; Sorocaba, SP; Unis 2007. = (Colegio meméria da educacao) ; Ponta Grossa, PR: UEPG, Outros organizadores: Wilson Sandano, José Claudinei Lombardi, Dermeval Saviani. Varios autores Apoio: CNPq Bibliografia ISBN 978-85-7496-194-1 1.Educagao — Brasil - Histéria 2. Escolas—Brasil 1, Nascimento, Maria Isabel Moura. II. Sandano, Wilson. TIT. Lombardi, José Claudinei. IV. Saviani, Dermeval. V. Série. 07-4789 CDD-371.00981 Indice para catdlogo sistematico: 1.Bra escolares: Edueagio: Histéria 371.00981 Instituigds Impresso no Brasil - agosto de 2007 Copyright © 2007 by Editora Autores Associados Ltda. Depésito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei n. 10.994, de 14 de de 20 de dezembro. dezembro de 2004, que revogou o Decreto-lei n. 1.8 de 1907. ‘Nenhuma parte da publicacdo poder ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja eletrénico, mecanico, de fotocdpia, de gravagao, ou outros, sem prévia autorizagéo por escrito da Editora. O Cédigo Penal brasileiro determina, no artigo 184: “Dos crimes contra a propriedade intelectual Violacao de direito autoral Art. 184, Violar direito autoral Pena —detengdo de trés meses a um ano, ou multa 1° Se a violacdo consistir na reprodugéo, por qualquer meio, de obra intelectual, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorizacdo expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na reprodugdo de fonograma e videograma, sem autorizagao do produtor ou de quem 0 represente: Pena = reclusio de um a quatro anos e multa.” SUMARIO APRESENTACAO. “ Maria Isabel Moura Nascimento, Wilson Sandano c José Claudinei Lombardi 19 Parte VEEREN r L._Instituicoes escouarts NO Brasit: CONCEITO 3 22 Parte Tema: “Instituigoes Escouares: Arquivos £ Fontes” 2. Os ARQUIVOS E FONTES COMO CONHECIMENTO DA HISTORIA DAS INSTITUIGOES ESCOLARES. . wove BL Maria Elisabeth Blanck Miguel 3._INSTITUCIONALIZAGAO DAS INSTITUICOES ESCOLARES: i a : Sérgio Castanho 4. POR UMA AMPLIACAO DA NOCAO DE DOCUMENTO ESCOLAR .. Diana Gongalves Vidal 34 Parte Tema: “Historia pas Instrrvicdes Escouares” 5. HISTORIA DAS INSTITUICOES ESCOLARES . . José Luis Sanfelice AS INSTITUICOES ESCOLARES NA Primeina Repvsuica: OU OS PROJETOS EDUCATIVOS EM BUSCA DE HEGEMONIA . . José Carlos Souza Araujo Te 4? Parte 7. HISTORIA DA EDUCACAO BRASILEERA (ESBOCO DA FORMACAO DO CAMPO). Carlos Monarcha 8. Os ESTUDOS SOBRE INSTITUIGOES ESCOLARES: ORGANIZAGAO DO ESPAGO E PROPOSTAS PEDAGOGICAS .. . Ewer Buffa 9. HISTORIOGRAFIA DAS INSTITUIGOES ESCOLARES: CONTRIBUIGAO AO DEBATE METODOLOG! Olinda Maria Noronha co Tema 10. INSTITUIGOES ESCOLARES: PRATICAS . 0.0... 000ee005 53 Parte InstiTuiGoes Esconares: Praticas & Etnias” Jorge Luis Cammarano Gonzalez “HistortocRaria DAs INsTITUIGOES ESCOLARES” 11. O Espaco CompartiLHADo DO GinAsio PARANAENSE & A CONSTRUGAO DA IDEIA DA ESCOLA GOMO “UM LUGAR” viseeseeeseeereeereeneeeeeneeenees Serlei Maria Fischer Ranzé 12, INSTITUICOES ESCOLARES! ETNIA E EDUCACAO ESCOLAR 2.22. ...s2e2 sss seeeee Teresa Jussara Luporini 13, ENia E EDUCAGAO ESCOLAR: UM BREVE BALANCO SOBRE © METODO DE ENSINO NO PROCESSO DE INSTITUGIONALIZAGAG DAS ESCOLAS PRIMARIAS NO BRASIL. « Analete Regina Schelbauer 14, EM BUSCA DA HISTORICIDAI Gilberto Luiz Alves AS PRATICAS ESCOLARES ... 5 95 151 165 177 193 209 229 APRESENTACAO HISTORIA DAS INSTITUICOES ESCOLARES Manta [sage Moura Nascimento™ Witson SANDANO** José CLavoiner Lombaroi*** O historiador que vem se dedicando 4 histéria das instituigdes esco- lares tem diante de si um longo processo de desafios definidos quan- do escolhemos o procedimento tedrico-metodolégico de abordagem. Des- sa escolha derivam duas possibilidades. Uma que referencia a permanéncia no plano das aparéncias. A outra que busca atentar para as multiplas deter- minagoes da realidade social. A escolha assumida ao priorizar a profundi- dade em detrimento da superficialidade defronta-nos com a perspectiva da andlise histérica. O tempo, para nossas pesquisas, é muito curto para que possamos absolutizar ou esgotar determinadas comprovagées. Mesmo diante das pos- sibilidades de erros, nao nos impedimos, por exemplo, de preservar e cata- logar as fontes que referenciem o estudo da histdria das instituigdes escola- res. E isto porque ponderamos que uma das marcantes caracteristicas do historiador da educagio é o enfrentamento de dificuldades, pois, mesmo que Professora do Programa de Pés-Graduacao em Educagao da Universidade Esta- dual de Ponta Grossa. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Histéria ¢ Socieda- de dos Campos Gerais-PR (Histeper). ** Doutor em educacao pela Uxiner. Coordenador ¢ professor do Programa de Pés- Graduagao em Educacao da Universidade de Sorocaba (Uxiso) e coordenador do GT Histeper-Sorocaba. ***Doutor em filosofia ¢ histéria da educagao pela Usicam?. Professor do Departa- mento de Filosofia ¢ Histéria da Educacao da Faculdade de Educagao da Unicast. Coordenador executive do Histepnr. viii INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL as “[...] condigdes de uma exposigao de conjunto da histéria que se desen- rola diante de nossos olhos encerram inevitavelmente fonte de erros; ora, isso nao impede ninguém de escrever a histdrias de nossos dias” nem impede o abandono do necessério rigor cientifico que a pesquisa em histéria da edu- cacdo demanda. A densidade do rigor também depende do investigador, ou em outros termos, é importante perceber que quem conduz 0 corte nao éa faca e sim quem a comanda. O historiador também nio “constréi a hist6- ria’, mas é ele quem vai determinar os caminhos de uma pesquisa produzi- da na perspectiva da apropriacdo desse processo. A histéria das instituigdes escolares é o tema de apresentacao desta coletanea, j4 que este € 0 compromisso de todos os pesquisadores presentes nas conferéncias que geraram este livro. Em todas as palestras proferidas nas duas Jornadas, evidenciou-se que a instituigo escolar é construida a partir da histéria dos homens, no processo pelo qual eles produzem socialmente as suas vidas. Esta coletanea apresenta os textos das conferéncias sobre o tema ins- tituigdes escolares no Brasil proferidas nas duas jornadas realizadas pelo Histepsr em 2005. A primeira jornada denominada “V Jornada do Histepsr’, foi realizada em Sorocaba no periodo de 9 a 12 de maio de 2005, na Univer- sidade de Sorocaba (Uniso), com o tema geral “Instituigdes Escolares Bra- sileiras: Histéria, Historiografia e Praticas”, Dando continuidade ao debate promovido pelo Histepur sobre 0 tema instituigdes escolares foi realizada na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no periodo de 7 a9 de novembro de 2005 a “VI Jornada do Histeper”, com 0 tema central “Recons- trugao Histérica das Instituigoes Escolares no Brasil”. Esses eventos vém marcando, em todos os seus acontecimentos, 0 compromisso em criar um espago académico que possibilite o intercambio entre os investigadores dos diversos grupos de pesquisa da histéria da edu- cacao do/no pais. Neste sentido, considerando as instituigGes escolares como importante objeto de andlise para a histéria da educagao, foram realizadas as jornadas do Histeper em 2005. Através desta coletanea, queremos dividir com o leitor o fruto deste trabalho, que resulta desses dois momentos diferenciados de encontros dos grupos de pesquisa do Histepar, 1. Florestan Fernandes (org,), Marx/Engels, 3. ed., S40 Paulo, Ed, Atica, 1989, p. 53 (Colegio Grandes Cientistas Sociais). «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. APRESENTACAQ xi O texto “As instituicdes escolares na Primeira Reptiblica: ou os pro- jetos educatives em busca de hegemonia’, de José Carlos Souza Araujo, bus- cou contribuir marcando seu eixe de reflexdo em torno das instituigdes es- colares como projetas historicamente manifestos e centrados em concepgdes antropolégico-educativas diversificadas. O autor afirma em seu texto, de forma muito significativa para as pesquisas de instituigdes escolares, que 0 ir além de sua materialidade revelada em edificios e para além de sua estru- turacdo organizativa (de carater espacial, administrativo ¢ pedagégico) con- figuram-se com orientagées diversas do ponto de vista ideativo. A quarta parte do , acontribuicdo de Carlos Monarcha, com 0 texto “Histéria da educagao brasileira (esbogo da formagio do campo)”, ro tr em que centrou sua preocupacdo em explanar a pratica de interpretar e re- interpretar o passado, No Brasil, que a partir dos anos de 1930, visava-se con- ferir um sentido a formacao social, aprofundando-se, com isso, a institucio- nalizacio dos “estudos brasileiros” e/ou “estudos sociais”, conforme terminologia de época. Identifica, também que nos érgios universitdrios — principalmente os organismos estatais recém-criados — iniciava-se o fend- meno polemicamente denominado de “fase cientifica” e/ou “era universitd- ria” das ciéncias humanas e¢ sociais, no Brasil, conforme formulagoes de Fernando de Azevedo ¢ Manoel Bergstrém Lourengo Filho. Em “Os estudos sobre instituigdes escolares: organizagao do espago € propostas pedagogicas”, Ester Buffa desenvolve a discussao sobre a histé- tia de institui¢ées escolares, falando dos trabalhos desenvolvidos principal- mente a partir dos anos de 1990, Ela identifica as caracteristicas marcantes da produgio académica relativa 4 nos: historia da educagao nesse periodo de consolidagao da pés-graduagao - é a denominada crise dos paradigmas teéricos. Das criticas as visées genéricas ¢ paradigmiaticas da educagao bra- sileira, que nao conseguiam abarcar sua complexidade e diversidade, mui- tos historiadores partiram para a proposta de pluralidade epistemoldgica e temitica, privilegiando o estudo de objetos singulares. Para Ester Buffa, temas como cultura escolar, considerados inclusive na sua materialidade — livros didaticos, disciplinas escolares, praticas edu- cativas, questoes de género, infancia, organizagao do espaco escolar e insti- tuigdes escolares -, tém sido privilegiados por nossos historiadores da edu- cagdo. A nova historia, a historia cultural, a nova sociologia, a sociologia francesa constituem as matrizes tedricas das pesquisas realizadas. O aspec- to positivo dessa tendéncia, que perdura ainda hoje, diz respeito 4 amplia- «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. APRESENTACAO xiii publicanas, propiciou as condigdes para a legitimagao do ensino secunda- rio € permitiu uma trajetéria ascendente para esse grau de ensino, Jd no texto “Instituicdes escolares: etnia e educagio escolar”, Teresa Jussara Luporini aborda as questoes que se referem as caracteristicas do pro- cesso educacional entre imigrantes, definido pelo isolamento em relagio a vida nacional no contexto histérico de afirmagao da nacionalidade brasileira, em que se constituiu a dinamica escolar, religiosa e sociocultural tendo como estrutura as condicoes de seu pafs de origem. Luporini art ula o momento histérico da imigragie (meados do século XIX ¢ inicio do século XX) ao contexto de constituigdo de escolas étnicas inseridas na realidade encontrada em terras brasileiras — em que nao havia uma rede de escolas que atendesse 4 forte tradicio cultural dos imi- grantes por educagio escolar, uma vez que o poder piblico sequer atendia as criangas brasileiras que viviam em regides urbanas, sendo dificilima a existéncia de escolas na zona rural e em regides proximas as que se instala- ram os imigrantes. A autora busca objetivar também as caracteristicas do cotidiano escolar da etnia polonesa relativa aos procedimentos didatico- pedagdgicos ¢ a formacao de professores em contraponto aos adotados, em discurso, pela politica educacional oficial do estado do Parana. Analete Regina Schelbauer com 0 texto “Etnia e educagao escolar: um Gado das escolas primarias no Brasil” busca identificar as aproximagoes por meio do que chama de “identidade com 0 tema sugerido”. Para isso, ela analisa a breve balango sobre o método de ensino no processo de institucional sua trajet6ria com a pesquisa em historia da educagio, que se tem construido a partir da compreensao da constitui¢do da escola primdria no Brasil entre as décadas finais do século XIX e inicio do XX. Isso tanto no que se refere aos debates acerea da importincia desse nivel de escolarizagao em meio as questées sociais, econdmicas e politicas que permeiam esse contexto, quanto as questdes voltadas ds priticas e concepgdes pedagagicas que sa0 adotadas no momento de constituicdo da escola primaria. A autora apos explanar sobre 0 que considera explicagdes iniciais, en- caminha a reflexao com base no mapeamento e discussio acerca do método de ensino no processo de institucionalizagao das escolas primirias no final do Império ¢ no periodo da Primeira Republica para atender criangas negras, mesticas, rfas e imigrantes no pais. Considera importante também ressaltar que nas tiltimas décadas, com abordagens e perspectivas diversas, surgiram tra- balhos significativos voltados ao estudo ¢ 4 pesquisa acerca da tematica. xiv INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL O texto “Em busca da historicidade das praticas escolares’, de Gilberto Luiz Alves, fecha a coletinea propondo ao leitor uma reflexao sobre prati- cas escolares, a partir da questao: 0 que sao as praticas escolares desenvolvi- das dentro das instituigdes sociais devotadas & educacao? O autor justificaa pergunta dada a constatacdo de os educadores nao terem clareza do que elas efctivamente sio. Considera que 9 motivo ¢ simples: ¢ raro constatar a preo- cupacdo de recuperar a historicidade das praticas escolares. Isso porque, segundo 0 autor, a demonstragio poderia comegar pelo reconhecimento da necessdria vinculacdo que existe entre essas praticas ¢ o trabalho. Isto é, es- sas praticas seriam expressdo, dentro da escola, do trabalho e, para nos re- ferirmos 4 forma concreta pela qual 0 trabalho se realiza dentro da escola, diriamos que as praticas escolares devem ser vistas como elementos do tra- balho didatico. Alves também afirma que isso nao basta, pois, além desse reconheci- mento, que parece Gbvio, ha que se distinguir, também, que 0 trabalho ga- nhou caracteristicas muito distintas, ao longo da histéria, por forga das determinagées dos diferentes modos de produgdo que matearam a existén- cia da humanidade. Ha que se reconhecer, ainda, que no interior do préprio modo de producao capitalista, dominante em nosso tempa, como decorrén- cia da alteragio da correlagao de forgas entre as diferentes classes e fracdes de classes, em distintos momentos de seu desdobramento, também as pra- ticas escolares ganharam configuragoes especificas. Campinas, maio de 2007 1° Parte “CONFERENCIA DE ABERTURA” CAPITULO * UM INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL CONCEITO E RECONSTRUGAO HISTORICA™ Dermevat Savianr™* 1. O CONCEITO DE INSTITUICAO A palavra “instituigfo” deriva do latim institutio, onis. Este vocébulo apresenta uma variacao de significados que podem ser agrupados em quatro acepcées: “1. Disposicao; plano; arranjo. 2. Instru¢io; ensino; educagao. 3. Criagdo; formacao. 4. Método; sistema; escola; seita; doutrina” (Torrtnna, 1945, p. 434). Na primeira acep¢ao aparece a idéia de ordenar, articular 0 que esta- va disperso. Na segunda acepgao é a propria idéia de educar que se faz pre- sente. £ nesse sentido que, em francés, a palavra instituteur (iustitutrice no feminino) significa aquele que ensina, a mestre ¢, mais especificamente, 0 professor primario, o que levou Frangois Mauriac, grande poeta e escritor francés, a exclamar: “Instituteur, de institutor, celui qui établit... celui qui institue I’humanité dans l'homme; quel beau mot” (Ropent, 1978, p. 1.013). A terceira acep¢ao refere-se tanto a construcao de objetos tal como se dana produgao técnica ou artistica, como a criagdo e formagio de seres vivos. Fi- nalmente, a quarta acep¢ao retém a idéia de coesio, de aglutinagdo em tor- * Este texto articula as conferéncias de abertura da V Jornada do Histeprr reali- zada em Sorocaba, de 9a 11 de maio de 2005 e da VI Jornada realizada em Pon- ta Grossa de 7 a 9 de novembro de 2005. ** Professor emérito da Unicamr. Coordenador geral do Histeper. 4_INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL no de determinados procedimentos (método); de determinados elementos distintos formando uma unidade (sistema); de certas idéias compartilhadas (escola, aqui, no sentido de um grupo de individuos reunidos em torno de um mestre ou orientagdo teérica, como nas expressées “escola filoséfica”, “escola de Frankfurt”, “escola dos Annales”); de uma crenga e rituais comuns (seita); ou de um conjunto coerente de idéias que orientam a conduta (dou- trina). Vé-se, a partir dessa breve incursao aa léxico da palavra, que a expres- sio “institui¢o educativa” soa como uma espécie de pleonasma, Com efei- to, a propria idéia de educagdo ja estaria contida no conceito de instituigdo, o que é ilustrado por escritos como o de Montaigne, De l’institution des enfants (idem, p. 1.014) e pela obra de Quintiliano, Institutio oratoria (ou De institutione oratoria), em doze volumes, que pode ser considerada um tratado da formacio do orador mas que, mais precisamente, como nos es- clarece Ferrater Mora (1971, p. 516), dentre os doze livros, “dois deles - 0 primeiro e o ultimo — tratam respectivamente da educacio do jovem e das condi¢ées morais do orador”. Mas “o grosso da obra est4 consagrado a esta- belecer minuciosamente as regras da retorica”. Em certo sentido podemos, pois, dizer que essa obra contempla, de modo unitario, as varias acep¢oes do termo “institui¢ado”, pois implica um plano, a instrugdo, o ensino e a for- magio, assim como um método, um sistema e uma doutrina em torno da retérica. De qualquer modo, a base dessa aparente diversidade de significados, a palavra “instituigdo” guarda a idéia comum de algo que nao estava dado e que é criado, posto, organizado, constituido pelo homem. Mas essa é ainda uma idéia muito geral, pois as coisas que o homem cria s4o muitas e dos mais diferentes tipos e nem todas podem ser consideradas como instituigao. Assim, além de ser criada pelo homem, a institui¢io apresenta-se como uma estrutura material que ¢ constituida para atender a determinada necessidade humana, mas nao qualquer necessidade. Trata-se de necessidade de cardter permanente. Por isso a instituigao é criada para permanecer. Se observarmos mais atentamente o processo de produgao de instituigdes, no- taremos que nenhuma delas € posta em fungdo de alguma necessidade transitéria, como uma coisa passageira que, satisfeita a necessidade que a justificou, € desfeita. Para necessidades transitérias ndo se faz mister criar instituicdes. Essas necessidades sao resolvidas na conjuntura nao deixando marcas dignas de nota na estrutura, Isto, obviamente, nado obstante o fato INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL 5 reconhecido e reiterado 4 exaustao de que as instituicdes, como todos os produtos humanos, por serem histéricos, nao deixam de ser, em ultima ins- tancia, também elas, transitérias. Mas sua transitoriedade se define pelo tem- po histérico e nao, propriamente, pelo tempo cronoldgico e, muito menos, pelo tempo psicolégico. Mas, se as instituigdes sdo criadas para satisfazer determinadas neces- sidades humanas, isto significa que elas nao se constituem como algo pron- to e acabado que, uma vez produzido, se manifesta como um objeto que subsiste @ agdo da qual resultou, mesmo apds jd concluida e extinta a ativi- dade que o gerou. Nao, Para satisfazer necessidades humanas as instituigdes sio criadas como unidades de aco. Constituem-se, pois, como um sistema de praticas com seus agentes e com os meios e instrumentos por eles opera- dos tendo em vista as finalidades por elas perseguidas. As instituigdes sio, portanto, necessariamente sociais, tanto na origem, ja que determinadas pelas necessidades postas pelas relagdes entre os homens, como no seu pré- prio funcionamento, uma vez que se constituem como um conjunto de agen- tes que travam relagées entre sie coma sociedade a qual servem. Ainda, se as instituigdes surgem para satisfazer necessidades huma- nas, isto nao significa que toda e qualquer necessidade humana exige a exis- téncia de alguma instituicdo para ser atendida. Sendo o homem um “ser de caréncia’, desde sua origem ele move-se por necessidades, podendo-se, no limite, considerar o desenvolvimento da humanidade como sendo identifi- cado com 0 processo de satisfacdo das suas necessidades. se processo, no entanto, realiza-se, num primeiro momento, de forma espontanea, ou seja, aatividade desenvolve-se de mancira assistematica e indiferenciada, nao se distinguindo os seus elementos constitutivos. A partir de certo estagio de desenvolvimento, coloca-se a exigéncia de intervengdo deliberada, identifi- cando-se as caracteristicas especificas que diferenciam a atividade em ques- to das demais atividades as quais se achava ligada. £ a partir dai que deter- minada atividade se institucionaliza, isto é, cria-se uma instituigdo que fica encarregada de realiz4-la. Em suma, podemos dizer que, de modo geral, 0 processo de criagao de instituigdes coincide com o processo de institucio- nalizagéo de atividades que antes eram exercidas de forma nao institucio- nalizada, assistematica, informal, espontanea. A instituigao corresponde, portanto, a uma atividade de tipo secundaria, derivada da atividade primi- ria que se exerce de modo difuso e inintencional. Tendo em vista as caracte- risticas indicadas, as instituicdes necessitam, também, se auto-reproduzir, «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL 7) passem a deter 0 monop6lio exclusive do exercicio do trabalho pedagégico secundario. Na verdade, o que constatamos ¢ uma imbricago de institui- goes de diferentes tipos, nao especificamente educativas que, nem por isso, deixam de cuidar, de algum modo, da educagao. Assim, para além da insti- tuicdo familiar consagrada, pelas suas proprias caracteristicas, ao exercicio da educagio espontanea, vale dizer, do trabalho pedagégico primario, en- contramos instituigées como sindicatos, igrejas, partidos, associacées de diferentes tipos, leigas e confessionais, que, além de desenvolver atividade educativa informal, podem, também, desenvolver trabalho pedagdgico se- cundirio, seja organizando e promovendo modalidades especificas de edu- cacao formal, seja mantendo escolas em cardter permanente. E nao podemos perder de vista que a prépria familia, embora se dedicando precipuamente ao trabalho pedagégico primirio, portanto, nao institucionalizado, albergou durante um perijodo de tempo relativamente longo a instituicdo do precep- torado realizando, pois, trabalho pedagégico secundario. Contudo, em ma- téria de oferta de educa¢io formal, as instituigdes que se destacam nitida- mente entre as demais sao, sem duvida, a Igreja ¢ o Estado. 2. IDEIAS PARA A HISTORIA, A HISTORIOGRAFIA E A ANALISE DAS PRATICAS DAS INSTITUICOES ESCOLARES O tema central da V Jornada do Histeper girou em torno das insti- tuigdes escolares brasileiras, consideradas sob trés aspectos: sua histéria, sua historiografia e suas praticas. E claro que a distingio entre esses aspectos € apenas formal, pois incidem sobre um mesmo objeto, as instituigées esco- lares brasileiras, sendo, pois, objetivamente inseparaveis. Trata-se, contudo, de uma distingdo nao arbitrdria, mas logicamente necessdria, pois correspon- de ao caminho que o ser humano percorre para apreender a realidade ea reproduzir no plano do conhecimento. No entanto, convém abservar que a introdugio das prdticas entre os aspectos a serem considerados envolve uma mudanga no critério que orientou a enunciagdo do tema da Jornada, susci- tando questdes como: as prdticas, entao, ndo seriam abordadas em termos histéricos? Se a instituicao é, por definicado, uma unidade de agao, um siste- ma de praticas, como fazer histéria das instituigdes escolares sem conside- rar as suas praticas? 8 INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL Concedo que essas perguntas podem ser interpretadas como imper- tinentes, como produtos de uma mente que procura introduzir dificuldades onde elas nao existem, ou pelo menos, nao sao relevantes, Com efeito, pode- se considerar que a introdugao, ai, da no¢ao de prdticas teve o sentido de destacar esse aspecto, de chamar a ateng’o para a sua importancia. E esse destaque se justificaria diante do fato de que a histéria das instituigdes te- ria incidido mais sobre as formas de sua organizagao, a partir dos documen- tos que as instituiram ou as reformaram, ficando de lado, ou em segundo plano, a anilise das praticas por elas desenvolvidas. De qualquer modo, considerei util levantar esse problema, mesmo porque a introducao das praticas nas investigacées de cardter histérico- educacional traz uma série de questGes que precisam ser enfrentadas, a co- megar pela nocao de “cultura escolar” ou “cultura da escola’, que recorrente- mente aparece como correlato do conceito de “praticas escolares”. Por que se introduz, ai, o conceito de “cultura”? Que conceito geral de cultura esta particularizagio estaria supondo? Quais os seus pressupostos tedrico- filos6ficos? E possivel afirriar que a escola tenha uma cultura propria, dis- tinta das culturas das demais instituigées que convivem com ela em uma mesma formacao social? Qual o grau de autonomia dessa “cultura escolar” em relagdo a cultura vigente na saciedade em que esta inserida? Essas parti- cularizagées da nogao de cultura ndo estariam implicando a existéncia de uma multiplicidade de culturas no interior de uma mesma cultura? E 0 foco nas culturas particulares nao estaria mascarando as caracteristicas distinti- vas da cultura de uma sociedade considerada em seu conjunto, de determi- nada época histérica e, no limite, da propria humanidade? A vista das indagagdes formuladas, ocorre-me lembrar a seguinte adverténcia de Alvaro Vieira Pinto: A dupla realidade da cultura, de ser por uma de suas faces mate- rializada em instrumentos, objetos manufaturados ¢ produtos de us 9 corrente, e por outra de estar constituida por idéias abstratas, co.r- cepgdes da realidade, conhecimentos dos fendmenas e criagdes da imaginagao artistica, correlacionadas uma e outra face pelas respec- tivas técnicas, leva o pensador ingénuo a desorientar-se ao conceitud- la, pois tem dificuldade em utilizar 0 método necessario para chegar 4 formulagdo racional do plano cultural em totalidade [Pinto, 1969, p. 125]. INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL 9 E, logo adiante, chama a atengao para a dificuldade do pesquisador de lidar com a multiplicidade das manifestag6es culturais: A cultura aparece-lhe, no estado atual, como um infinite com- plexo de conhecimentos cientificos, de criagdes artisticas, de opera- goes técnicas, de fabricagdo de objetos, maquinas, artefatos ¢ mil outros produtos da inteligéncia humana, e nao sabe como unificar todo esse mundo de entidades, subjetivas umas e objetivas outras, de modo a dar a explicacao coerente que una num ponto de vista escla- recedor toda esta extrema e diversificada multiplicidade fidem, ibidem]. Evidentemente, ndo cabe aqui a discussio desse problema. As pergun- tas foram lancadas apenas a guisa de provocagao para nos alertar sobre os rumos que devemos imprimir 4s nossas investigagdes, assim como sobre a escolha das categorias de andlise com as quais nos aproximamos do objeto e expressamos o conhecimento que dele construimos. Para efeitos desta exposigao, a problematizagao efetuada tinha ape- nas 0 intuito de justificar que, neste item, optei por abordar a questao rela- tiva as instituigdes escolares tendo presente os trés aspectos do enunciado do tema central, a saber, a hist6ria, a historiografia e as praticas, considera- dos, porém, em conjunto ¢ nao nas suas particularidades, De modo geral, pademos considerar que processo de instituciona- lizagdo da educagao é correlato do processo de surgimento da sociedade de classes que, por sua vez, tem a ver com o processo de aprofundamenta da divisao do trabalho. Assim, se nas sociedades primitivas, caracterizadas pelo modo coletivo de produgao da existéncia humana, a educagao consistia numa agao espontanea, nao diferenciada das outras formas de agdo desen- volvidas pelo homem, coincidindo inteiramente com o processo de traba- Iho que era comum a todos os membros da comunidade, com a divisao dos homens em classes a educacdo também resulta dividida; diferencia-se, em conseqiiéncia, a educagdo destinada a classe dominante daquela a que tem acesso a classe dominada. E é ai que se localiza a origem da escola. A palavra “escola”, como se sabe, deriva do grego e significa, etimologicamente, 0 lu- gar do dcio. A educagio dos membros da classe que dispe de dcio, de lazer, de tempo livre passa a se organizar na forma escolar, contrapondo-se a edu- cacdo da maioria que continua a coincidir com 0 pracesso de trabalho. 10 INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL Vé-se, pois, que ja na origem da instituicdo educativa ela recebeu 0 nome de escola. Desde a Antigilidade a escola foi se depurando, se comple- xificando, se alargando até atingir, na contemporaneidade, a condigio de forma principal e dominante de educagao, convertendo-se em parametro e referéncia para se aferir todas as demais formas de educacao. Mas esta cons- tatagdo nao implica, simplesmente, um desenvolvimento por continuidade em que a escola teria permanecido idéntica a si mesma, conservando a mes- ma qualidade e se desenvolvendo tao-somente sob 0 aspecto quantitativo. As continuidades podem ser observadas, é claro, sem prejuizo, porém, de um desenvolvimento por rupturas mais ou menos profundas. Manacorda (1989, p. 14) assinala essa questdo quando aproxima os ensinamentos de Ptahhotep no antigo Egito, que datam de 2.450 a.C., de Quintiliano, que viveu na antiga Roma entre os anos 30 e 100 de nossa era. Constatando que o “falar bem” é o contetido ¢ o objetivo do ensinamento de Ptahhotep, Manacorda observa que ndo se trata, porém, do falar bem “em sentido estético-literdrio”, mas da “oratéria como arte politica do comando”, ou seja, nos termos de Quintiliano, “uma verdadeira institutio oratoria, edu- cacao do orador ou do homem politico”. E acrescenta: Entre Ptahhotep e Quintiliano passaram-se mais de dois miléni- os e meio, mais do que entre Quintiliano e nés; além disso, as civili- zagGes egipcia e romana sdo muito diferentes entre si. Nao obstante, acho que se pode legitimamente confirmat esta continuidade de prin- cipio na formagae das castas dirigentes nas sociedades antigas, ¢ ndo somente naquelas. Encontraremos as confirmagdes disto no decor- rer do estudo, mas devemos precisar agora que a continuidade e a afinidade nio vio além deste objetivo proclamado, a saber, a forma- ¢ao do orador ou politico, ¢ que a inspiragdo ¢ os contetidos, a téc- nica ¢ a situagio sero profundamente diferentes de uma sociedade para outra idem, p 14]. Constatagdo semelhante aparece no trabalho de Giovanni Genovesi: Substancialmente, desde a civilizagdo suméria e egipcia (3.238 - 525 a.C,) ¢ da chinesa 2.500 a.C, - 476 d.C.), a pratica do ensino se baseia sobre repeti¢des, sobre transcrigdes de textos ¢ sobre uma ri- gorosa memoriza¢io; todas intervencdes acompanhadas sistematica- mente de um largo uso de punigdes corporais. De principio, porém, «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 14 INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL, origens remontam ao antigo Egito. Tratar-se-ia, entao, de uma continuida- de na descontinuidade? Como os prdéprios autores langaram esses trés pontos a guisa de hi- poteses a serem verificadas, elas podem servir de sugesto tanto para a rea- lizagao de novas pesquisas como para a discussao teérica dos resultados das pesquisas jd desenvolvidas ¢ em desenvolvimento. Com efeito, nessas hipé- teses fazem-se presentes questées relativas seja a histéria das instituigdes escolares, seja 4 sua historiografia, seja, ainda, as praticas escolares. 3. INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL E A QUESTAO DA RECONSTRUGAO HISTORICA A VI Jornada do Histever realizada em Ponta Grossa, de 7 a 9 de novembro de 2005, manteve uma clara afinidade tematica coma V Jornada realizada em Sorocaba, de 9 a 11 de maio do mesmo ano de 2005, cujo tema foi “As instituigdes escolares brasileiras: histéria, historiografia e praticas”, Sea V Jornada se propds a abordar as institui¢ées escolares brasilei- ras de modo geral, sob os eixos da histéria, da historiografia e das praticas, a VI Jornada deu um novo passo, propondo-se a discutir a questo relativa A reconstru¢io histdrica das instituigdes escolares no Brasil. Por que recons- trugdo? O que se quer dizer com isso? Em 1998 a coordenacdo do Histepsr elaborou uma proposta de pes- quisa sobre a histéria da escola publica no Brasil, tendo por base a grande quantidade de documentos resultante do desenvolvimento do projeto nacio- nal “Levantamento e catalogagao de fontes primarias e secundarias da edu- cagao brasileira’, implantado em 1991, O novo projet, formulado visando & busca de apoio financeiro do Pronex, recebeu o titulo de “Reconstrugdo histérica da escola publica no Brasil”. Submetido 4 apreciagao de consulto- res externos, um dos consultores, visivelmente contrario a orientagdo que se procurou imprimir a proposta, questionou o titulo do projeto. Por que re- construcao? Indagou ele. Nao seria mais simples e direto dizer, simplesmente, histéria da escola publica? De fato, pelo senso comum, a pergunta, assim como a resposta sugerida, fazia todo 0 sentido. O projeto pretendia, efeti- vamente, tratar da histdria da escola publica no Brasil no periodo indicado, ou seja, de 1870 a 1996, No entanto, o consultor (ou consultora), na sua sofreguidao em demolir a proposta contra a qual levantou todo tipo de ob- INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL. 15 jegdo, nao se deu conta de que o referido titulo nao pretendia apenas nomear, no nivel do entendimento comum e corrente, o objeto da investigagdo. Bus- cava ele traduzir, desde a denominagio, a orientagdo tedrica preconizada. Com efeito, o item “referéncia te6rico-metodoldgica” registrava cin- co principios reguladores da investigagio historiografica. O primeiro deles foi assim enunciado: a) Cardter concreto do conhecimento histérico-educacional Considera-se que o conhecimento em geral ¢, especificamente, 0 conhecimento hist6rico-educacional configura um movimento que parte do todo cadtico (sincrese) e atinge, através da abstragdo (ana- lise), 0 todo concreto (sintese). Assim, o conhecimento que cabe a his- toriografia educacional produzir consiste em reconstruir, através das ferramentas conceituais (categorias) apropriadas, as relacdes reais que caracterizam a educagae como um fendmeno concreto, isto é, como uma “rica totalidade de relagies ¢ determinagoes nunierosas” (Marx, 1973, pp. 228-237). A histéria da educagdo brasileira vem sendo objeto de um razoavel niimero de investigacdes que, via de regra, a tomam como uma totalidade viva, empiricamente dada, formulando, atra- vés da anilise, algumas relagdes que iluminam determinados aspec- tos da realidade investigada, enunciados teoricamente mediante ca- tegorias simples, isto 6, gerais e abstratas. Partindo dat é possivel construir sistemas explicativos que, mediante categorias mais concre- tas, reproduzem no plano do conhecimento a realidade investigada. A luz desse principio se estara atento a exigéncia de se explicitar 0 grau em que o objeto da investigagdo, neste caso a escola publica brasileira, expressa a complexidade das relagdes e determinagdes pré- prias da sociedade brasileira ao longo de sua historia [Histepar, 1998, p. 46, grifos meus}. Eis af a razo do titulo. Ele queria deixar claramente sinalizada a con- cepcao de histéria e de conhecimento histérico adotada pelos seus propo- nentes. Queria deixar claro, desde 0 inicio, que o objeto do historiador nao é construfdo por ele, enquanto pesquisador. O que lhe cabe construir 6 0 co- nhecimento do objeto e nao o préprio objeto, E construir o conhecimento do objeto nao é outra coisa sendo reconstrui-lo no plano do pensamento. Essa concep¢ao foi formulada em suas grandes linhas em A ideologia alemda ¢ posta em pratica em O capital, tendo Marx dado apenas algumas 16 INSTITUICOES ESCOLARES NO_BRASIL indicagdes de cardter metodolégico nos Grundrisse, isto 6, nas notas que escreveu em prepara¢do para a redacio d’O capital. Nessas notas, Marx abordou, de forma concisa, a questio do méto- do. Considerando a economia politica uma ciéncia histérica, ja que estuda as leis de desenvolvimento da sociedade pela investigagao do funcionamen- to e transformagao das formas de produgio, delineou, no item “método da economia politica’, o caminho a ser percorrido no processo de producio do conhecimento pelo homem. O movimento global do conhecimento compreende dois momentos. Parte-se do empirico, isto é, do objeto tal como se apresenta a observacio imediata, tal como é figurado na intuigdo. Nesse momento inicial, o objeto écaptado numa visio sincrética, cadtica, isto é, ndo se tem clareza do modo como ele est4 constituido. Aparece, pois, sob a forma de um todo confuso, portanto, como um problema que precisa ser resolvido. Partindo dessa re- presentagdo primeira do objeto, chega-se, por meio da anilise, aos concei- tos, 4s abstracées, 4s determinagées mais simples. Uma vez atingido esse ponto, faz-se necessdrio percorrer o caminho inverso (segundo momento), chegando, pela via da sintese, de novo ao objeto, agora entendido nado mais como “a representagao caética de um todo”, mas como “uma rica totalidade de determinagdes ¢ de relagdes numerosas” (Marx, 1973, p. 229). Assim compreendido, 0 processo de conhecimento 6, ao mesmo tempo, indutivo e dedutivo, analitico-sintético, abstrate-concreto, logico- histérico. Nas palavras do proprio Marx, “o primeiro passo reduziu a plenitu- de da representacao a uma determinagio abstrata; pelo segundo, as deter- minagoes abstratas conduzem a reproducao do concreto pela via do pensa- mento” (idem, ibidem), O empirismo e, portanto, 0 positivismo limitam-se ao primeiro pas- so. Para essa tendéncia gnosioldgica, conhecer, fazer ciéncia, ¢ reduzir 0 com- plexo ao simples; é passar do particular ao geral; é chegar a conceitas gerais, por isso mesmo, simples ¢ abstratos, dotados, exatamente por causa de seu cardter abstrato, de validade universal. Inversamente, o racionalismo idealista limita-se ao segundo passo. Para essa tendéncia, em ultima instancia, nada existe fora do pensamento. Assim, 6 0 pensamento que constitui o homem real, o que significa que tam- bém o mundo sé é admitido como real, enquanto concebido: «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 18 INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL concepgao ultrapassada, ligada a visio moderna, com sua “metafisica do sujeito”? Nao é Marx um autor do século XIX, marcado pelo paradigma do racionalismo iluminista, amplamente contestado em nossa época, delimitada pelo linguistic turn’? De fato, esta amplamente difundido, nos dias de hoje, o enquadra- mento de Marx como um autor enclausurado nos limites da modernidade, equiparado a Comte, Spencer, Darwin e outros representantes do século XIX, cujo pensamento girava, ainda, no ambito das aporias enunciadas por Kant. Mas é exatamente essa espécie de lugar-comum de nossa época que precisa ser discutido. A meu ver, esse enquadramento de Marx nos limites da modernida- de é um equivoco gnosiolégico, isto é, cientifico e filoséfico, embora nao se possa negar que seja um acerto ideoldgico. Esclaregamos esse enunciado, sem duivida, polémico. E mais ou menos consensual o entendimento de que a filosofia mo- derna foi inaugurada com Descartes. A duivida metdédica, por ele lancada no Discurso do método e radicalizada nas Meditagées, coloca em questao todos os conhecimentos anteriores para instaurar, sobre a experiéncia subjetiva da diivida, a verdade inabalavel do cogito: se tudo eu posso pér em diivida, ha algo do qual nado posso duvidar, a saber, que eu duvido. Ora, se eu duvido, eu penso; e se eu penso, eu sou; eu existo (cogito, ergo sunt). E Descartes ira descrever 0 eu pensante como res cogitans, uma coisa que pensa, por oposi- ao a res extensa. O sujeito é, portanto, uma substancia que se define pelo pensamento; uma substancia espiritual, indivisivel, unitaria (individuo), por oposi¢io 4 substancia material que pode ser dividida ao infinito. Di que se instituiu, a partir dai, a “metafisica do sujeito”, entendida por muitos como sendo a caracteristica definidora do pensamento moderno. Efetivamente, dessas duas nogées cartesianas derivaram as duas cor- rentes basicas constitutivas da filosofia moderna: o racionalismo e o empi- se-ia “Linguistic turn” &um termo téenico-filoséfico que pode ser traduzido por“giro lingiiistico” ou “virada lingiiistica”. Expressa uma tendéneia para a qual se teria consumado, na segunda metade do século XX, uma mudanga de paradigma pela qual a linguagem, em lugar do pensamento, passa a ser o objeto privilegiado da investigagio filoséfica, Demarea, assim, a passagem da filosofia moderna, defi- nida como uma metafisica da consciéncia ou do sujeito, para a filosofia contem- pordnea em que o papel da filosofia passa a ser a andlise da linguagem. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 22_INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL tras dos fendmenos (positivismo légico e filosofia da linguagem). Alias, si- nal dessa forga da matriz kantiana ¢ a denominagio de escolas neokantianas atribuida aos grupos organizados no interior desses dois tltimos movimen- tos filoséficos. E, curiosamente, uma das tematicas que toma corpo nessas corren- tes e se insinua também no interior do pensamento atual que, de forma ge- nérica e um tanto imprecisa, tem sido chamado de pds-moderno, é a do solipsismo. Presente em Kant, mais explorado por Schopenhauer e aborda- do por Sartre, tal tema ocupa um lugar importante no positivismo légico, especialmente em Carnap e Wittgenstein. Este dedica ao tema algumas pro- posicdes do Tractatus, em especial aquelas da série 5.6. Esta, a proposi¢ao de mimero 5.6, tem o seguinte enunciado: “Os lintites de minha linguagem de- notam os limites de meu mundo” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 111), Por sua vez, ade ntmero 5.62 faré mengao explicita ao solipsismo: Esta observagio da a chave para decidir da questio: até onde o solipsismo é uma verdade. O que o solipsismo nomeadamente acha é inteiramente correto, mas isto se mostra em vez de deixar-se dizer. Que o mundo ¢ 0 meu mundo, isto se mostra porque os limites da linguagem (da linguagem que somente eu compreendo) denotam os limites de meu mundo [idem, ibidem]. Sartre, por sua vez, fard a seguinte consideragao: Uma psicologia que pretendesse ser exata e objetiva, como o “behaviorismo” de Watson, teria, em suma, que adotar o solipsismo como hipétese de trabalho. Nao se tratard de negar a presenga, no campo de minha experiéncia, de objetos que nds poderiamos nomear “entes psiquicos”, mas somente de praticar uma espécie de epoqué no que se refere a existéncia de sistemas de representagdes organizadas por um sujeito e situadas fora de minha experiencia [Sanrre, 1943, p. 284]. Finalmente, observo que 0 construtivismo, palavra tao difundida hoje no campo pedagégico, é de matriz kantiana, conforme explicitamente o re- conheceu Piaget, sua fonte origindria. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 24 INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL novo entendimento da objetividade que se beneficiou da incorporacao de todos os elementos criticos desenvolvidos no seio da filosofia moderna. A guisa de conclusao, eu ousaria afirmar que esse entendimento cri- tico da objetividade resulta uma conquista que a historiografia ndo pode recusar, sob pena de se inviabilizar como empreendimento cientifico. Isto pode ser ilustrado pela categoria do “anacronismo’, chave analitica da qual nenhum historiador abre mao. Ora, como considerar essa categoria se o his- toriador é visto como um prisioneiro de sua prépria época, incapaz de ace- der ao passado, captando-o na sua especificidade, nas suas caracteristicas préprias, isto é, sendo capaz de reconhecé-lo na sua objetividade? Como falar em anacronismo se nossas andlises expressam sempre e necessariamente os pontos de vista a partir dos quais abordamos os nossos objetos de investi- gagdo? 5. PARA A RECONSTRUCAO HISTORICA DAS INSTITUICOES ESCOLARES BRASILEIRAS Ap6s 0 longo detour do item anterior em que procurei situar a ques- to relativa a uma concepgio de objetividade, critica e atual, que esté pres- suposta na idéia de reconstrucao histérica, retomemos © tema central rela- tivo as instituicdes escolares. Propor-se a reconstruir historicamente as instituigdes escolares bra- sileiras implica admitir a existéncia dessas instituigdes que, pelo seu cardter durdvel, tém uma historia que nds ndo apenas queremos como necessitamos conhecer. A partir do conceito de instituigdo, de modo geral, e de instituicdo educativa, em particular, tal como exposto no inicio deste texto, nds pode- mos caracterizar os elementos basicos constitutivos da institui¢ao escolar para efeitos de sua reconstrugio histérica. Justino Pereira de Magalhaes (2004, pp. 133-169) propde um esque- ma figurativo das institui¢des escolares envolvendo trés aspectos: a materia- lidade (0 instituido), a representacio (a institucionalizagao) ¢ a apropria- gao (a instituigdo). Interpretando livremente o esquema, é possivel considerar que, por materialidade, se esta entendendo a escola instalada (0 instituido) em sua visibilidade mais imediata, envolvendo as condigées fisicas no seu aspecto INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL 25 arquitetOnico (0 prédio) com seus equipamentos, incluido o material dida- tico, e sua estrutura organizacional. Seria, digamos, assim, a materialidade- continente, ou seja, o suporte fisico das praticas educativas. A representa¢ao traduziria 0 sentido atribuido ao papel desempenhado pela instituic¢do escolar, envolvendo a tradigao (memérias), a bibliografia selecionada, a prefiguragio (planejamento) das agdes, os modelos pedagdgi- cos, os estatutos, o curriculo e a disposi¢ao dos agentes encarregados do fun- cionamento institucional. Seria, por assim dizer, a materialidade-contetido enquanto antecipacao ideal daquilo que devera constituir a atividade pré- pria da instituigdo. A apropriagdo, por sua vez, corresponderia 4 materialidade-contetido em ato, compreendendo as praticas pedagégicas propriamente ditas median- te as quais se realizam as aprendizagens entendidas como incorporacao do idedrio pedagégico, definindo-se a identidade dos sujeitos ¢ da instituigao @ seus respectivos destinos de vida. Mas essa ossatura triddica foi obtida por um pracesso de abstragao relativamente As instituigdes historicamente existentes que comportam di- ferentes tipos ¢ formas. Assim, sera necessario, na andlise das institui¢des, correlaciond-las com as condig6es sociais nas quais emergiram segundo contextos histérico-geograficos determinados. Levando isso em conta, um eixo importante de articulagdo das anilises sera dado pelo publico-alvo. Ou seja, trata-se de formular a questio: a quem se destina a instituigdo que es- tou me propondo a reconstruir e que resultados ela pretende atingir com a agdo empreendida? A busca de informagées sobre 0 alunado sera, pois, um elemento importante na reconstrugdo histérica das instituigdes escolares, uma vez que, além de ajudar na definicdo do perfil institucional, traré, tam- bém, indicagdes importantes sobre sua relevancia social. Essa questio pode ser ilustrada com o livro de Maria Luiza Marcilio, Histéria da escola em Sao Paulo e no Brasil. Diz ela: “o sujeito que quis sur- preender em minhas anilises foi o aluno” (Marcio, 2005, p. xv). E 0 livro inicia-se com a seguinte constatagdo: “No ano da expulsdo dos jesuitas do Brasil (1759), os alunos dos colégios, seminarios e missdes da Companhia de Jesus estavam muito longe de atingir 0,1% da populagao brasileira” (idem, p. 3). Esse simples dado ja é altamente revelador do alcance das instituigdes escolares na histéria da educacao brasileira do periodo colonial. Assim, tomando como eixo analitico referencial o publico-alvo, ca- beria reunir todo tipo de informagées como matéria-prima para a recons- 26 INSTITUICOES ESCOLARES trugio historica das instituigoes escolares, dando vida a ossatura triddica antes sugerida, Penso que se poderia formular um programa amplo relativo a recons- trucdo histérica das instituigdes escolares no Brasil, a partir dos Grupos de Trabalho e dos Programas de Pos-Graduagao, em ambito nacional, Tratar-se-ia de se proceder a um mapeamento geral das instituigoes escolares. De posse dessa informacao preliminar, poder-se-ia mobilizar a proposta da “monografia de base como idéia diretriz da dissertagao de mes- trado” (Savini, 1991). O primeiro passo nessa dire¢ao consistiria na formu- lagdo, a partir das idéias aqui lancadas, de um projeto com uma base teéri- ca, diretrizes metodoldgicas ¢ procedimentos investigativos comuns. O passo seguinte implicaria a implementagao desse projeto envolvendo os mestrandos na produgio de dissertagdes que se converteriam em monogra- fias de base cobrindo as diferentes formas ¢ tipos de instituicdes escolares. Estimo que, desenvolvendo-se sistematica e persistentemente um programa dessa natureza ao longo de uma ou duas décadas, teriamos preduzide um material valiosissimo para a reconstrugao histérica das instituigdes escola- res brasileiras. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Bacisar, Etienne (1995). A filosofia de Marx. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. Baupetot, Christian & Estaster, Roger (1971). L’écale capitaliste en France. Pa- ris, Francois Maspero, Bourntru, Pierre & Passeron, Jean-Claude (1975). A reprodugiio: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro, Francisco Alves. Ferrater Mora, José (1971). Diciondrio de filosofia, Buenos Aires, Sudamerica, tI Gexovest, Giovanni (1999). Pedagogia: dall’empiria verso la scienza. Bologna, Pitagora. HeceL, Georg Wilhelm Friedrich (1970). Filosofia de Ja historia. Barcelona, Zeus. Histepsr (1998). Projeto “Reconstrucao histérica da escola priblica no Brasil”. Campinas, Faculdade de Educagio da Unica. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 32 _INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL Farge, referindo-se aos arquivos judicidrios por ela pesquisados na Franga, diz que, além da leitura de fatos ali inscritos, reveladores da posi- go de cada um dos interrogados ou das testemunhas, trazem ao leitor a “sen- sa¢do de, enfim, apreender o real. Endo mais de examinar através da narra- do sobre, do discurso de. Assim nasce o sentimento ingénuo, mas profundo, de rasgar um véu, de atravessat a opacidade do saber e ter acesso, como apds uma longa viagem incerta, ao essencial dos seres e das coisas” (1989, p. 14, trad. livre). Para Farge, nado importa se os fatos que se tornam conhecidos sao verdades ou mentiras; 0 que importa é que eles esto ali registrados por al- gum motivo. Cabe ao pesquisador questionar e descobrir qual é esse moti- vo. Certamente, o trabalho com as fontes em um arquivo inspira tais senti- mentos, mas também impulsiona a descoberta dos porqués das informagées ali contidas. O questionamento da educagio escolar, quer pelo aspecto das politi cas educacionais, quer pela cultura escolar, leva o pesquisador & escola, po. ser esse um espaco concreto de realizacao de todo um sistema de transmis- sio e de construgao do saber. Assim foi que empreendi, com um grupo de alunas, uma pesquisa so- brea educacao de Tijucas do Sul, municipio situado a 62km de Curitiba. Na minha percep¢do, naquele momento ingénua, seria possivel chegar ao local, levantar as fontes e escrever a histéria da educagao do municipio. A escolha do local deveu-se ao fato de a Pontificia Universidade Catélica do Parana manter, ali, um campus, com trabalho implantado na area de educagado co- munitaria. No entanto, as fontes nao estavam nas escolas, mas sim guardadas pela Secretaria de Educagao do municipio, Embora nio estivessem preservadas na sua totalidade, foram disponibilizadas. Ao final do periodo em que ld estive- mos, as Secretarias de Educacao e de Cultura haviam feito um esfor¢go no sen- tido de organizar todas as fontes disponiveis sobre a educacao escolar, dando inicio ao arquivo municipal. Do acervo constavam, além dos documentos, alguns méveis escolares, como carteiras, tinteiros, mata-borrées, eo que con- seguiram levantar de material capaz de testemunhar o passado escolar. A medida que analisvamos os documentos, descobriamos a organi- zacao escolar municipal regida por leis e normas estaduais e federais que interferiam na vida das escolas e, sobretudo, na vida dos alunos que as fre- qlientavam. O projeto inicial foi, entao, por for¢a do material levantado, OS ARQUIVOS £ FONTES COMO CONHECIMENTO DA HISTORIA... 33 reorientado para o estudo da histéria das escolas rurais municipais de Tijucas do Sul, uma vez que a maioria dos dados se referia a elas. O material constava de levantamentos estatisticos, relatérios de melhorias nas escolas, atualizacao de cadastros de prédios escolares, levan- tamentos patrimoniais, testes seletivos, pareceres, decretos, relacdo de pro- jetos, requerimentos, memorandos, cadastros de estabelecimentos, oficios, cartas e documentos de prestacdo de contas, além de relatérios de trabalhos junto a Secretaria da Cultura do municipio. O sistema escolar havia sofrido modificagées no ano de 1996 por forga da implantagao do processo de nuclearizagdo. No perfodo anterior 4 nuclearizacdo, a maioria das escolas oferecia o ensino multisseriado: consis- tindo de varias turmas em uma tinica sala de aula com uma professora, as séries eram divididas por fileiras de alunos de acordo com o grau de apren- dizagem e 0 quadro negro era dividido em partes; essas escolas situavam-se em localidades distantes da sede do municipio. O processo de nuclearizagao consistiu na fusdo de diversas escolas em uma, ou seja, varias escolas foram extintas transferindo seus alunos para uma unidade escolar e, com isso, as classes multisseriadas com um unico profes- sor, praticamente, naquele municipio, deixaram de existir. O ensino passou a ser oferecido em classes unisseriadas, o que lhe propiciou, segundo os de- poimentos de professores ¢ alunos, maior qualidade. Com essa mudanga, os alunos dos lugares mais distantes passaram a ir para a escola servindo-se do transporte escolar oferecido pela prefeitura municipal. Apesar dos depoimentos favordveis ao novo modelo educacional, o que pudemos verificar é que houve um transplante do modelo de escola urbana para a zona rural, evidenciado pelo fechamento de muitas das escolas, pela implantagio do pracesso de nuclearizacao delas, centralizando-as na sede do municipio, e pelo deslocamento dos alunos para a Area mais central da cida- de. A histéria das escolas rurais passou a ser a histéria das escolas urbanas. Foi ainda possivel compreender 0 modo como tais escolas, embora sob normas e leis estaduais e federais, interpretavam as recomendagées e sugest6es de modo bastante peculiar, dando-lhes um carter especial e, quan- do da vivéncia delas, faziam-no de maneira especifica e original. Transfor- madas em projetos, cada escola preparava temas conforme os compreendia. Em determinada data, todas safam em desfile para exibi-los 4 cidade. Ou, entao, envalviam a populagao do municipio na concretizagao do que plane- javam. As fotografias que registraram os eventos testemunhavam a origina- lidade e as diferentes percep¢Ges que cada escola tinha sobre o mesmo tema. 34 INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL Na pesquisa descrita anteriormente, em linhas gerais, o objeto origi- nal pensado foi modificado pelos dados encontrados e optamos pela histd- ria das escolas rurais em fungao da implantagao de uma nova politica, no caso, a nuclearizacao. Tal como recomenda Marrou (1954), 0 historiador nao pode contentar- se com uma visdo fragmentaria e superficial, ele deve procurar um saber mais longo, que va além daquele do periodo ou do fato estudado; ou inserido num contexto mais amplo, conforme Le Goff (2005). A histéria das escolas do municipio s6 teve significado quando compreendida & luz das politicas edu- cacionais. Esse fato nao impediu a visibilidade das particularidades de cada escola, ao concretizarem suas percepgoes diferenciadas de um mesmo tema. Outro exemplo significativo de que é possivel conhecer a histéria das instituigdes escolares em arquivos que ndo sejam somente os propriamente escolares foi o estudo da Escola de Professores, hoje Instituto de Educacao do Parana “Prof, Erasmo Pilotto”. A pesquisa nao objetivava a instituisdo, mas sim a Escola Nova, seu inicio, consolidagdo e expansdo no Estado. No entanto, cheguei até a Escola de Professores, sua organizagao e praticas es- colares levada pela leitura dos livros de autoria do seu idealizador, o profes- sor Erasmo Pilotto. Eles entéo se mostraram fontes para o conhecimento da historia daquela instituicdo. Buscando, anteriormente, no Instituto de Educagdo, nada encontrei que pudesse auxiliar-me a compreender a educa¢do no perfodo de 1920 a 1961. Porém, nas suas obras, estavam retratados os planos de organizacao; os principios que os orientaram; as metodologias; as orientagdes aos pro- fessores; as atividades propostas aos alunos; 0 processo de seletividade de- les segundo o nivel de inteligéncia e cardter, apontado nos testes e nas ob- servacées dos professores; as propostas de um estudo de pedagogia mais aprofundado oferecido aos considerados melhores € que seriam preparados para dar continuidade 4 proposta. Nesse caso, esse estudo mais avancado era proporcionado pela Esco- la Superior de Pedagogia, desenvolvida no interior da propria Escola de Pro- fessores. Essa ndo tinha organizagao formal, mas materializava-se nas pro- postas de estudos de obras mais avangadas de pedagogia, de autores escolhidos, Os melhores alunos entravam, entdo, em contato com o que era considerado o melhor da predugao cultural humana. E foi nas obras de Pilotto que procedi ao resgate do trabalho no Ins- tituto Pestalozzi, escola particular de cardter experimental que funcionava «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 36_INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL Pilotto buscou os principios mais gerais, as categorias maiores, os valores que poderiam articular, em ultima instancia, as idéias fundamentais da teoria subsididria da proposta vivida na Escola de Professores e, tal como Marrou, procurou, além da poeira dos fatos, uma ordenac¢io inteligivel. No entanto, nas atividades do quotidiano da Escola, as agdes concretizavam-se e mostravam-se enquanto valores que s6 encontrariam significado se com- preendidos nos contextos social, histérico e cultural. Outro exemplo ¢ resultado parcial do estudo das politicas educacio- nais da rede municipal de ensino de Curitiba e de sua repercussao nas esco- las de ensino fundamental, entio chamado de ensino primiario. A Prefeitura de Curitiba criou, a partir do Grupo Escolar da Vila Ledo, o Centro Experimental Papa Jodo XXIII, depois chamado Centro Educacio- nal Comunitario “Papa Joao XXIII” (12 de setembro de 1963), instalando ali © primeiro centro de educacao comunitaria da cidade. Para compreender 0 significado de “educacgao comunitdria’, nuicleo da proposta educacional implantada, as alunas, bolsistas do programa de Ini- ciagdo Cientffica do Pisic/PR, procederam a uma ampla investigagao que solicitou o levantamento dos Planos de Educagao a partir de 1968, O primeiro Plano foi elaborado pelo Instituto de Pesquisa e Planeja- mento Urbano de Curitiba (Ippuc). Com o intuito de compreender as pro- postas que o nortearam, foi necessdrio buscar dados referentes & urbaniza- ¢4o da cidade que justificassem as propostas contidas no Plano de Educac¢io, principalmente aquelas referentes 4 educa¢ao comunitaria. Assim, foram coletados dados referentes ao primeiro plano de urba- niza¢do, que representou a primeira tentativa de ordenagao da cidade en- quanto um conjunto: o Plano Agache, de 1943, elaborado pelo urbanista francés Donat-Alfred Agache, a quem se atribui a criagdo do termo “urba- nismo”, Esse Plano foi aplicado apenas em parte no que se referiu as redes vidria e de esgoto. Reexaminado em 1962, sua nova versio foi aprovada em 1966 e dentre as diretrizes basicas' encontrava-se a oferta de equipamentos comunitdrios. 1. As diretrizes basicas eram: a hierarquizagio do sistema vidrio, o zoneamento de use do solo, a regulamentagdo dos loteamentos, a renovagio urbana, a preser- vacio ¢ revitalizagdo dos setores histdricos tradicionais e a oferta de servicos ptblicos e equipamentos comunitirios. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 38 INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL Curitiba, levam-me a conceituacao ampliada de arquivo escolar. As fontes das quais foram coletados os dados nao estavam nas escolas, mas nos pla- nos de desenvolvimento urbano. Acredito que, para compreender melhor o que as fontes comunicam, se faz necessdrio que elas mesmas sejam conside- radas dentro de sua histéria ¢ em um contexto mais amplo, pois a compreen- sao da historia das instituigdes escolares guarda uma profunda inter-relacio. com a histéria do contexto no qual tais instituicdes se situam. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS. Coritipa. Plano de Educagao, 1968. Farce, A. (1989). Le goat de l’archive. Paris, Editions du Seuil. Le Gorr, J. (1994). “A historia do quotidiano”. In: Aries, P.; Dusy, G. & Le Gore, J. Historia e nova historia. Trad, de Carlos da Veiga Ferreira. Lisboa, Editorial Teorema. ——. (2005). Histéria e meméria. Campinas, Editora da Unicamp. Marou, H. I. (1954). De la connaissance historique. Paris, Editions du Seuil. O CAPITULO * TRES INSTITUCIONALIZAGAO DAS INSTITUICOES ESCOLARES FINAL DO IMPERIO E PRIMEIRA REPUBLICA NO BRASIL Serco CasTANHO* E necesséria movimentar-se no ambito de dois princtpios: 1) 0 de que nenhuma sociedade assume ericargos para cuja solugao ainda nao existam as condigdes necessdrias e stificientes, ou que pelo nrenos nao estejam em vias de aparecer ese desenvolver; 2) ade que nenhumea saciedade se dissolve e pode ser substituida antes de desenvolver e completar tadas as formas de vida implicitas nas suas relacées. Gramsct, 1968, p. 45 titulo deste trabalho, tal como me foi proposto pelo Grupo de Estu- dos e Pesquisas “Histéria, Sociedade e Educagio no Brasil” (Hisreper), apresenta desde logo dois problemas: o que é institucionaliza- Gao e o que sao instituig6es escolares. Institucionalizagao, como 0 proprio nome denotativo de agdo deixa entrever, € um processo social, algo que se desenrola no tempo e no espago de uma sociedade. Trata-se do processo pelo * Mestre e doutor em educagao pela Unicamr. & professor de historia da educagao na graduagdo ¢ pés-graduacio da Faculdade de Educacio da Unicame ¢ pesqui- sador de histéria da educacao vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas 6 primeito seeretério municipal de Cultura de Campinas. E titu- lar da cadeira n. 35 (Patrono: Roland Corbisier) do Instituto Histérico, Geogr4- fico ¢ Genealdgico de Campinas. Autor ¢ co-autor de livros, capitulos de livros c¢ artigos em revistas especializadas. A0_INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL qual se formam ou se desenvolvem instituigdes sociais. No nosso caso, ins- tituigdes escolares, um caso especifico de instituigdes sociais, Alguém mais afeito ao rigor terminolégico poderia objetar: como institucionalizar instituigées, isto 6, como formar algo que por defini¢ao ja estd formado? A resposta ao paradoxo estd na equivocidade do termo “ins- tituigdes”, Esse termo tem-se aplicado na pratica teérica dos educadores, em especial na dos historiadores da educagao, com o sentido préprio de lugar social especializado na fun¢io educativa e também com o sentido derivado de unidade ou estabelecimento educacional. No sentido préprio, trata-se de lugar social dotado de permanéncia, ou estabilidade, cercado de reconheci- mento em sua missio, mantido por recursos materiais e humanos delimi- tados, normatizado externa ¢ internamente e, enfim, sustentado por valo- res, idéias e comportamentos que, no seu conjunto, constituem a cultura institucional, no caso, a cultura escolar. No sentido derivado, trata-se daquilo que usualmente se designa como tal ¢ qual escola. A confusdo esté em que também no sentido mais geral se usa o termo “escola”. Para nao nos perdermos em longas discussGes conceituais e termino- légicas, digamos que o que se pretende com esta comunicagio é verificar como, no periodo indicado, ou seja, final do Império e Primeira Republica no Brasil, a educagao torna-se progressivamente uma pratica institucional- escolar, isto é, realizada na instituigdo que historicamente se especializou na tarefa educativa, a saber, a escola. O processo de institucionalizagao escolar da-se no decorrer do Im- pério brasileiro, observadas as especificidades dos niveis e modalidades edu- cacionais. H4, com efeito, a par de uma profunda arritmia social nesse pro- cesso, de jeito que diferentes camadas da sociedade praticam formas diversas de educacao, também ritmos diferentes, marcando a institucionalizagao es- colar nos diversos niveis e modalidades em que se realiza, Tentarei, com os devidos cuidados que essas dessincronias impéem, propor o quadro histé- rico em que se da tal processo. Antes, porém, tentemos explorar um pouco mais a questo da insti- tui¢do escolar ou, como prefere Justino Magalhaes, da “instituigao educati- va". De fato, instituigao educativa €é um termo mais amplo e abrange nao apenas a escola como a conhecemos no seu evolver histérico, mas também outras formas societais duradouras em que se desenrola o processo de trans- missao cultural. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 44 INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL sua maioria concordes em que, apesar da intensa atividade legislativa pro- vincial nesse nivel, a realizag4o efetiva foi pouca. Sobre essa fiiria legiferante, nunca é demais revisitar os classicos tra- balhos de Primitivo Moacyr = A instrugdo e o Império (1939, 1940a), cujos trés volumes tratam do periodo de 1823 a 1889, ou seja, da Constituinte de 1823 a Proclama¢ao da Republica em 1889, e A instrugio ¢ as provincias (1939, 1940b), que, também em trés volumes, abarca 0 periodo de 1834, ano da edigdo do Ato Adicional, a 1889, ano da Proclamagao da Republica — ou pesquisas recentissimas como a de Ananias (2005), que aborda desde a le- gislagdo paulista sobre a instrugdo publica de 1834, ano da reforma consti- tucional e sua descentralizacio educacional, até 1868, ano da edicao da lei provincial n. 54 que promoveu ampla reforma no ensino, centrada na pri- vatizagao. Segundo Xavier (1980), a escolarizacado elementar ampliada, que se autodenominava “educa¢ao popular” no discurso das elites liberais do sé- culo XIX, nao se revestia do cardter de uma necessidade pratica, reduzindo- se, assim, a uma proclamagao ideoldgica. A classe dominante no Brasil pés- Independéncia ndo tinha a educagao popular entre seus objetivos reais ¢, portanto, suas proclamagdes dobravam-se “as exigéncias ideolégicas nasci- das do momento critico e decisivo por que passava” (idem, p. 132). Diferente era a situag4o no tocante ao ensino superior: “Este, de fato, em especial no que se refere aos cursos juridicos, representava um interesse real e uma necessidade premente na complementagao do rompimento com a Metrépole. Era inconcebivel que o novo Estado Nacional no estivesse em condi¢ées de formar o pessoal para compor os seus quadros dirigentes [...]” (idem, ibidem). A mesma autora refere-se 4 importincia que teve, no periode impe- rial, o ensino secunddrio. Comparando-o —juntamente com o superior — a0 primario, afirma: O mesmo abandono nio sofreram os ensinos secundario ¢ supe- rior. O primeiro cresceu, naturalmente dentro dos limites que the conferiam a sua finalidade primordial —a de ser um curso de base aos estudos superiores — gracas a iniciativa particular, na imitagdo dos modelos oficiais. O modelo oficial por exceléncia foi o Colégio D, Pedro Il, criado na Corte em 1836, cuidadosamente montado e destinado a servir de padrdo de ensino secundario [idem, p. 134]. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. AB INSTITUICOES ESCOLARES NO BRASIL mam-se aos projetos politicos das oligarquias locais, cada vez mais imbutdos da necessidade de uma educagdo priméria para as classes populares. Apesar dos anseios de renovacao estimulados pelo advento do regime republicano, que geraram um breve “entusiasmo pela edu- cacao” voltado para a alfabetizagao capaz de habilitar os eleitores a0 direito de voto, percebe-se muito mais uma continuidade do que uma ruptura com as iniciativas tomadas no final do Império, no que tan- ge ao desenvolvimento institucional do Ensino Normal [idem, p. 69]. E ainda Kulesza quem observa, jA adentrando o periodo republicano, a predominancia do modelo institucional de Escola Normal adotado pela oligarquia paulista: A medida que o regime se estabilizava no plano federal em dire- go & chamada “politica dos governadores”, cujo ingrediente basico consistia em assegurar 0 dominio das oligarquias nos Estados, as Escolas Normais orientavam-se, de forma crescente a partir da vira- da do século, pela estruturacio adotada em Sao Paulo. Nesse Estado, o modelo adotado estava baseado em escolas anexas, que serviram de embrido aos futuros grupos escolares e que constitufram uma fonte importante da propria clientela da Escola Normal. A valorizagao cres- cente da pratica profissional e a adaptagdo da formagao geral ao con- texto local, ensaiadas em Sio Paulo, sdo caracteristicas comuns en- contradas nas Escolas Normais de todo o pais por volta de 1910 [idem, p. 69]. O certo é que a institucionalizagao dessa modalidade se fortalece a partir da década de 1870, evidenciando “o papel das escolas normais no desenvolvimento quantitativo ¢ qualitative do ensino primdrio” (Tanuri, 2000, p. 66). Um marco foi a Reforma Leéncio de Carvalho (decreto n.7.247, de 19/4/1879), que autorizou o governo central a criar ou subsidiar Escolas Normais nas provincias. Embora nada de pratico tivesse resultado dessa autorizagao, seu significado, no nivel ideoldgico, é indiscutivel. Uma das conseqiéncias no plano da elaboracao tedrico-ideolégica foi a representada pelos Pareceres de Rui Barbosa, de 1882, gerados pela anali- se, a cargo do jurista e homem publico baiano, exatamente do decreto de Leéncio de Carvalho. A importancia desses pareceres esta nessa elaboracdo tedrico-ideoldgica, pois, no nivel das realizacdes imediatas, com 0 arquiva- «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 52_INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL ges de artes e oficios que na Coldnia se estabeleceram na esteira do regi- mento lisboeta (Fonskca, 1986). Um fato importante a destacar é que, apesar de o sistema econémico predominante nao incentivar a prepara¢do para os oficios em larga escalae como um dever estatal, este acabou surgindo no século XIX, em decorrén- cia da discreta, mas persistente, amplia¢do da produgdo manufatureira. Nao, porém, como politica governamental, mas como decorréncia de acces “benemerentes” no ambito da sociedade civil. Surgiram assim “sociedades civis, com vistas a amparar 6rfaos e ao mesmo tempo propiciar a oferta de aprendizagem das artes e dos oficios” (Santos, 2000, p. 209). Foram sociedades civis que fundaram escolas e colégios para o ensi- no académico e também liceus especificos para artes ¢ oficios na segunda metade do século XIX, desenvolvendo o processo de escolariza¢ao que ve- nho rastreando neste trabalho. A Sociedade Propagadora das Belas Artes, criada por nobres, burgueses e membros da burocracia estatal no Rio de Janeiro em 1857, chamou a si a administra¢ao do primeiro Liceu de Artes e Oficios na capital do Império, efetivamente inaugurado em 1858. O curso destinava-se a individuos livres, sendo vedado a escravos. Nao possuia ofi- cinas préprias para aulas praticas, o que s6 veio a ocorrer no inicio do regi- me republicano. Identicamente, em Sao Paulo, a Sociedade Propagadora da Instrugio Popular, de 1873, instalou em 1874 o curso primério gratuito com aulas noturnas e, em 1882, também com aulas noturnas, o Liceu de Artes ¢ Ofi- cios de $40 Paulo, Ambas as entidades, com o passar do tempo, comegaram a receber doagées e subsidios do poder publico. Além dos liceus de artes e oficios do Rio de Janeiro ¢ de Sio Paulo, foram criados outros em provincias diversas, nas seguintes datas, e manti- dos pelas seguintes sociedades: Salvador, 1872, Associagdo Liceu de Artes e Oficios; Recife, 1880, Sociedade dos Artistas Mecanicos e Liberais; Maceié, 1884, Associa¢do Protetora de Instru¢ao Popular; e Ouro Preto, 1886, Socie- dade Artistica Ouropretana (cf. quadro em Cunua, 2000, p. 122, acrescido de nota de rodapé em que alude a criacdo, ainda no Império, de liceus congéneres na cidade mineira de Serro, em 1879; em Florianépolis, em 1883; eem Manaus, em 1884). Esse quadro permaneceu até o fim do Império. Com a Republica as coisas comegam a mudar. E a educacao profissional, que tinha um cardter de “formag¢ao compulséria” na medida em que se voltava para Orfaos e des- «a You have either reached a page thatis unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 54. INSTITUIGOES ESCOLARES NO BRASIL O fato é que, a partir da Republica e, mais fortemente, apds a Revo- lugdo de 1930 — e, no bojo desta, com a legislag¢ao conhecida como Reforma Capanema, que incluiu, entre outras disposigées interessantes para a edu- cacao profissional, o decreto-lei que criou o Servi¢o Nacional de Aprendi- zagem Industrial (Sewat) ¢ a Lei Organica do Ensino Industrial, ambos de 1942 -, a educagao profissional sera cada vez mais atrelada ao setor priva- do, embora 0 Estado a encampe como dever, cada vez mais escolarizada e cada vez mais mantida, embora como modalidade apartada, enlagada a edu- cagio geral. Em conclusio: a institucionalizagao das instituigdes escolares real- mente foi um fenémeno que caracterizou fortemente a quadra final do sé- culo XIX ea inicial do século XX, muito embora com antecedentes que re- montam ao periodo colonial. FONTES, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Auves, Gilberto Luiz (2001). A produgiio da escola pitblica contempordnea, Cam- po Grande, Ed. UFMS; Campinas, Autores Asociados. Awantas, Manricéia (2005). A legislagdo da instrucao piiblica primdria na Provincia de Sao Paulo (1834-1868): fontes e historiografia. Tese (Doutorado em Educa- gio) — Faculdade de Educagaio, Unicamp, Campinas. Antunna, Helddio C, G, (1976). A instrugio piiblica no Estado de Sao Paulo: a reforma de 1920. Sio Paulo, Faculdade de Educagaio, USP. Bastos, Maria Helena C, (1999).“A formagao de professores para o ensino mtitua no Brasil: 0 Curso Normal para professores de primeiras letras do barao de Gérando (1839)”. In: Bastos, M. H. C. & Faria Frrio, L. M. de (orgs.). 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Desses, somente vinte haviam sido construidos para abrigar escolas e, na avaliagdo de Azevedo, eram mal planejados: sem ilumina¢ao apropriada, circulacao conveniente, ambientes de recreio e instalagées higiénicas compativeis com os ideais da educa¢do sadia. Cabia-lhe a tarefa de criar e desenvolver um plano coorde- nado de edificagGes escolares (AZEVEDO, 1930, p. 94). Efetivamente, foram edificados, entre 1927 e 1930, nove prédios, numa média de dois prédios por ano, dentre eles as Escolas Argentina, Estados Unidos, Uruguai, Anténio Prado Jr. e Normal. Se o inventario dessa materialidade reforcava o entendimento da es- cola como o local de manuseio de objetos e freqiiéncia de espacos, deixava- nos insatisfeitos na medida em que conheciamos pouco os usos feitos desses materiais e lugares e os dispositivos de modelacao de praticas que eles colo- cavam em circulagdo. Pensar a escola na sua materialidade era, para nds, investigar os fazeres cotidianos ¢ as relagdes pedagégicas, nio como simples correspondéncias a leis e normas, mas como estratégias e taticas postas em jogo no dia-a-dia escolar. O desafio que se apresentava, entio, era perceber que, uma vez entregues as escolas e manuseados/freqiientados por alunos e professores, esses materiais e espacos assumiam novos significados, muitas vezes nio previstos nos investimentos do poder ou nos ditames da reforma. Os vestigios desse consumo ativo, como diria De Certeau (1994), emergiam em matérias de jornais, artigos de divulgacao em revistas peda- gégicas e fotografias, dentre outras fontes, permitindo compreender a escola como lugar de constante conflito entre as imposigées de modelos e as sub- vers6es, ainda que sutis, instaladas cotidianamente. 5. Orecenseamento deveria ser refeito a cada cinco anos, Os dados recolhides ser- viriam para a revisio da planta cadastral de cada distrito ¢ para a criagdo de novas escolas ou paraa melhora da localizagao das ji existentes, quando necessario (Let & REGULAMENTO DE ENSINO. Artigo 91 a 95, pp. 172-173).

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