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© COLAPSO DO POPULISMO NO BRASIL Neste livro encontram-se os elemen- tos fundamentais para a compreensio da dependéncia estrutural, que caracte- riza a situagio brasileira na atualidade. Encontram-se os dados ¢ as interpreta- goes que permitem relacionar a dout na da “interdependéncia” com as novas formas de dependéncia politica e econd- mica, Nese contexto, 0 Golpe de Es tado de 1964 surge como a linha di séria entre a época da democracia po- pulisia e a nova etapa das relagdes de dependéncia externa do Bras Entretanto, para fundamentar melhor a sua anélise, Octavio Tanni reconstréi a perspectiva histérica em que se coloca ‘© periodo mais recente da crise politico ‘econémica brasileira. Em conseqiiéncia, descreve a formacdo, os desenvolvimen- tos € a crise do populismo, em suas di- ferentes variantes. Em. especial, descre- ve 0 funcionamento ¢ 0 colapso da de- mocracia populista.. Para isso, examina tanto as manifestacdes do nacionalismo como a politica de massas. E mostra ‘como 0 nascimento do “trabalhismo ru- ral” foi um dos pretextos para a liqui- Gago do governo de Goulart, Nessa se- gliéncia de fatos e relagdes, estuda a forma pela qual a esquerda se relacic- nava com a politica de massas. Em concomitincia com 0 exame des- ses problemas politicos, estuda as dife- rentes fases da industrializagao, além das O Colapso do Populismo no Brasil Colegio Octavio Janni RETRATOS DO BRASIL Volume 70 O Colapso do Populismo no Brasil 3 edigéo, revista civilizagao brasileira Exemplar N° 12°0 OBRAS DO AUTOR As Metamorfoses do Escravo (Apogeu e Crise da Escravatura no Brasil Meridional) — Difusio Européia do Livro — Sio Paulo,.1962. Industrializagao ¢ Desenvolvimento Social no Brasil — Editora Civilizagio Brasileira — Rio de Janeiro, 1963. Estado e Capitalismo (Estrutura Social e Industrializagio no Brasil) — Editora Civilizagao Brasileira — Rio de Janeiro, 1963. Imperialismo y Cultura de ta Violencia en América Latina — Siglo XXI Editores — México, 2# edigio, 1971. Sociologia da Sociologia Latino-Americana — Editora Civiliza- 40 Brasileira — Rio de Janeiro, 1971. Estado e Planejamento Econémico no Brasil (1930-1970) — Editora Civilizagéo Brasileira — Rio de Janeiro, 1971 Ragas ¢ Classes Sociais no Brasit — Editora Civilizacao Brasi- leira — Rio de Janeiro, 2* edigéo, revista ¢ modificada, 1972, Imperialismo na América Latina — Editora Civilizagéo Brasi- leire — Rio de Janeiro, 1974, A Formacao do Estado Populista na América Latina — Editora Civilizagio Brasileira — Rio de Janeiro, 1975, Desenho de capa: Douné Diagramacio: LEx CAULLIRAUX Direitos desta edicdo reservados a EDITORA CIVILIZACAO BRASILEIRA S.A. Rua da Lapa, 120 — 12° andar RIO DE JANEIRO 1975 Impresso no Brasil Printed in Brazil Nao é 0 caso inteirado em si, mas a sobre-coisa, a outra colsa. Joio Guimaries Rosa A meméria de Attilio Vitério Atilio Arturo Aménio meus irmidos, u m wv vi vit vut Prefécio & 1? edigao 1 Primeira Parte — Potitica & DESENVOLVIMENTO — 0 Sentido das Crises. 7 — Tensoes e Conflitos 13 — Fases da Industrializacao 23 — Desenvolvimento Agritio 37 Segunda Parte — PoPULISMO E NACIONALISMO — Getulismo ¢ Politica de Massas 53 — Politica de Massas no Campo 73 — A Esquerda ¢ as Massas 91 — Contradigdes do Desenvolvimentismo Populista 117 Terceira Parte — Potftica’ pe INTERDEPENDENCIA”” IX — 0 Golpe de Estado .129 X — A Dependéncia Estrutural 153 XI — A Ideologia dos Governantes 177 XI — Ditadura’ 189 Conclusio 205 Obras Citadas 215 XIIL. Populagdo presente, segundo ramo de ativi (1940-60) 9 XIV. Sindicatos rurais (1963) 89 XV. Greves operiirias no Brasil (1951 € 1952) 99 XVI. Greves operirias em Sao’ Paulo (1961 © 1962) 99 XVI. Motivos das greves operarias de 1952 100 Ord d d XVII. Distribuigdo da mao-de-obra (1940 ¢ 1950) 133 XIX. Evolugio do ensino (1940 © 1950) 133 rdem dos Quadros XX, Sakirio minimo em Sao Paulo (1940-64) 134 XXL. Inversies diretas dos Estados Unidos no Brasit (1897-1950) 157 XXII. Capitais estrangeiros investidos no Brasil (1950) 158 XXIII. Aplicagses de capitais estrangeiros no Brasil (1955-58) 162 XXIV. Investimentos ¢ financiamentos estrangeiros no Brasil (1955-61) 169 T. Golpes ¢ movimentos armados no Brasil (1922-64) 15 TI, Fatos histéricos relevantes (1910-67) 18 its no Brasil (1923-49) 21 real (1947-62) 31 V. Valor da producao industrial por Estado (1907-58) 34 VI. Agricultura: pessoal ocupado, tratores © arados (1950-1960) 41 VII. Taxas de urbanizago (1940-60) 58 VIII. Renda interna rural ¢ urbana per capita (1960) 60 IX. Custo de vida, salério e producdo industrial (1914-38) 62 X. Salirio minimo real (1952-63) 63 XI. Populacdo econémicamente ativa nas Américas (1950) 16 XIL. Composigao de mio-de-obra agricola (1950) 77 Prefacio 4 1°. edigao Nissre tivro examino as relagies mais importantes en- ‘tre processos politicos ¢ econémicos, para explicar a natu- reza da “crise brasileira” na década dos sessenta. Analiso os acontecimentos com a finalidade de esclarecer as condigoes nao econémicas da estagnacao e do progresso. Naturalmente a discussao lidar com os fatos em planos nacional ¢ inter- nacional. O populismo, que é um dos niicleos da discussao, € focalizado com uma estratégia politica de desenvolvimento econémico. No quadro dos acontecimentos hist6ricos que de- limitam a problematica da obra, destacam-se tanto a “Revo- lugdo” de 1930 como o golpe de Estado de 1964. Entretan- to, examino particularmente 0 periodo de 1945-67. No con- 1 junto, analiso a natureza da dependéncia esirutural, com a qual se debate 0 povo bra A fim de descrever os fatos de modo claro ordenado, devidi. desenvolver a andlise em trés partes. Na primeira, apre~ sento tanto as hipdteses principais como a descriglo do con- junto dos acontecimentos politicos ¢ econémicos, tomando-os a partir da Guerra Mundial de 1914-18. Désse modo, examino as mais importantes estratégias politicas de organizacio das atividades produtivas. Na segunda parte, fago a apresentacao dos acontecimentos € ideologias desenvoividos e debatidos no periodo posterior a 1930; em especial entre 1945 © 1964. Descrevo a natureza do nacionalismo, bem como o modo pelo gual éste se combina com o socialismo reformista. A discussio dos problemas politicos e econdmicos désse periodo conduzem a uma anélise das razdes do colapso do populismo, como estratégia politica de desenvolvimento. E na terceira parte, examino 0 Golpe de Estado de 1964, tanto em sua estrutura como em seus desdobramentos posteriores. Em particular, analiso a estratégia politica de organizagao das atividades pro- dutivas, configurada apés a crise simultinea do populismo € do socialismo reformista, como politicas de desenvolvimento. Nas conclusdes no apresento senéo algumas considera- ‘gdes gerais. Duas razbes me levam a esta decisdo. Primeiro, Procure’ por em evidéncia, sempre que necessério, as impli- cagdes tebricas € priticas dos problemas analisados. Segundo a parte mais importante das conclusdes ¢ de natureza propria- mente politica, e estas podem ser imediatamente compreendi- das pelo leitor, ao longo da obra. Esta obra foi escrita entre julho de 1966 ¢ outubro de 1967. As reflexes fundamentais, bem como os dados aqui reunidos, serviram de base para um curso sObre a “crise bra- siteica”, "nos cursos de pés-graduago promovidos pelo Insti- tute of Latin American Studies, da Columbia University, em New York, no periodo de fevereiro-maio de 1967. Por ésse motivo, o exame das questdes mais importantes esté apoiado em documentacao exaustiva. Alids, creio que todos os leitores poderdo beneficiar-se com a leitura de alguns documentos bé- sicos para a interpretacZo da realidade brasileira. Eu preferi fazer com que algumas persondlidades aparecessem segundo as suas préprias palavras, Em muitas ocasides, certos persona 2 ‘gens exprimem de modo bastante claro as posigSes ¢ atuacées dos grupos e classes sociais a que pertencem. Seria impossivel agradecer a todos aquéles que colabo- raram direta ¢ indiretamente para 2 realizacdo déste_livro. Menciono agora os meus Gabriel Cohn, Sebastiéo ‘mbes, Charles Wagley, Emic SimGo Sader ¢ Constantino I Guerra foi-me extremamente gentil, na preparagio wis. Quero também mencionar Eline Maria e Aurea Maria, que j4 acompanharam de perto vérias etapas do pre- paro desta obra. Sio Paulo, 11 de dezembro de 1967 OcTAVIO ANNE PRIMEIRA PARTE Politica e Desenvolvimento O Sentido das Crises As épocas fundamentais da histéria politica e econd- mica dos paises dependentes sio aquelas em que ocorrem upturasefraturais, de maior ou menor vito. As vézes a8 transformagées politicas e econdmicas implicam em rupturas parciais, ainda que internas e externas; outras vézes elas po- dem ser totais. Para interpretar a natureza e o sentido da ruptura — nao 36 como precohdico mas também como elemento bisico do desenvolvimento — € necessério conhecer as estruturas poli- tico-cconémicas globais e parciais. E preciso explicitar as rela- ‘96es entre as estruturas nacionais ¢ internacionais. O carster 7 parcial ¢ lento, ou total e dréstico, da ruptura esté ma depen- déncia dos encadeamentos entre ésses diferentes planos. Entre- tanto, a esséncia da ruptura que fundamenta 0 progresso esti no Ambito das estruuras de dominacio e de apropriacao, isto 6, das relagdes politicas © econdmicas basicas. Em suma, a ruptura que propicia o progresso pode ser de dois tipos. Ela é revoluciondria, ou total, quando altera os fundamentos estruturais da sociedade. Sempre implica na as~ censio de uma nova classe ao poder, realizando € simbolizando ‘© rompimento dréstico dos vinculos externos e com a socie- dade tradicional. A ruptura reformista, por outro lado, ocorre quando se alteram sdmente certos quadros institucionais, sem qualquer modificacdo estrutural basica. Implica na ascensio de ‘outras facgdes da classe dominante a0 poder, verificando-se a recomposigio das fOrcas politicas ¢ econémicas, O golpe de estado, na grande maioria dos casos, € uma teagio contra as solugGes revoluciondrias ou reformistas, em andamento ow pro- jetadas. Por isso, envolve a restauragio e o endurecimento, de fstruturas arcaicas. Isto 6, 0 golpe de estado sempre indligura um estilo de poder autoritério e implica na cristalizacao da estrutura de apropriagio. © desenvolvimento econdmico, social ¢ politico do Bra sil, simbolizado na industrializacéo acelerada, foi_o resultado de uma seqliéncia de rompimentos politicos ¢ econdmicos internos © externos. Grosso modo, ocorreram entre a Primeira Guerra Mundial eo Golpe de Estado de 1964. A democratizagio das relagdes politicas e sociais, a expansio do sistema educacional, ‘a conquista de direitos politicos e beneficios sociais, por parte das classes média e operiria, inclusive em certas regides agri- colas, além de outras transformagées institucionais importantes, foram a conseqiiéncia e componente da ruptura politico-eco- némica ocorrida nessa €poca. Os acontecimentos que assinalam etapas ¢ desdobramen- fos da ruptura das estruturas politico-cconémicas sio: as crises da cafeicultura; a politizacho dos setores jovens das forcas armadas em direcio diferente da tradicional; o aparecimento de reivindicagdes de operarios © setores sociais médios; o agra~ vamento dos antagonismos nas camadas dominantes; a Guerra Mundial de 1914-18; a crise do capitalismo mundial iniciada com 0 crack de 1929; a Guerra Mundial de 1939-45; a substi- & tuigéo da hegemonia da Inglaterra, da Alemanha e da Franca pelos Estados Unidos da América do Norte; 0 aparecimento da Unio Soviética (URSS), da China ¢ de Cuba como nagies socialistas; a independéncia da India e das nagdes da Africa; © aparecimento do Egito e da Argélia, como nacdes indepen- denies. F dbvio que ésses acontecimentos estéo permeados de marchas ¢ contramarchas, realizados em agitagies revo- lucionarias ¢ reformistas, bem como em golpes ¢ contragol- pes. Tomando a referida época como um todo, no entanto, 6 inegavel que ela representa o periodo em que se realiza a ruptura parcial e relativamente lenta das estruturas politicas ¢ econdmicas internas e externas. Os desdobramentos ¢ as ten- déncias do desenvolvimento econémico, politico © social bra- sileiro, bem como das crises que o acompanham, somente se explicam pelo caréter ¢ pelas condigdes da ruptura verificada no periodo que medeia a Primeira Guerra Mundial e 0 Golpe de Estado de 1964. ‘A época da transico para uma economia industrial no Brasil, assinalando essa etapa crucial do desenvolvimento, pode ser simbolizada pela politica de massas, como padrio de orga- nizagfo politica e sustentagio do novo estilo de poder. A po- Iitica de massas — portanto, diferente da politica de partidos — € 0 fundamento da democracia populista, que se organizou pavlatinamente nas décadas que antecederam a mudanga re- pentina ocorrida a partir do Golpe de Estado de 19 de abril de 1964. Em conseqiiéncia da nova composigio do poder, racteristica do padrao populista de aco politica, floresceram atividades politicas ¢ culturais, criando-se uma cultura urba- na diferente e mais auténticamente nacional. Ao mesmo tem- po, -desenvolveram-se contradicées econdmicas, politicas e so- ciais e criaram-se organizagGes politicas de esquerda. A liguidagio do padrio getuliano ou populista de desen- volvimento econdmico social iniciou-se no Govérno de Jus- celino Kubitschek de Oliveira (1956-60), que associou de forma brilhante a politica de massas ¢ 0s compromissos cres- centes com o capital externo. Em conseqléncia, instaurou-se, de modo agudo, © antagonismo entre o padréo getuliano © também nacionalista de desenvolvimento, por um lado, ¢ 0 padrio de desenvolvimento associado © dependente, por ou- tro. Portanto, € na época do Govérno de Juscelino Kubitschek 9 de Oliveira que se criam as condigdes mais importantes para 8 futura liquidacdo do desenvolvimento nacionalista. © desenvolvimento econémico-social no Brasil, baseado no nacionalismo econémico, na Iuta por uma politica externa independente, na politica de massas e, a0 mesmo tempo, em compromissos crescentes com o capitalismo internacional, foi interrompido e conduzido para outra direco, por varias razdes. Em nivel econdmico, o mecanismo bisico de transigéo da politica de substituigao de importagdes & politica de associagio com capitais estrangeiros apoiou-se em processos tais como: iro, a deterioracao das relagdes de intercdmbio ocorre a0 mesmo tempo que surge a necessidade de evoluir para uma industrializagao de alto nivel técnico © organizatorio, para com- Petir com os outros centros de produce, em plano interna- ional, Segundo, a necessidade de expottar (ao mesmo tempo: produtos agricolas, extrativos ¢ manufaturados), inerente a essa transicao, exige a eliminagdo das defesas que permitiram a cria- 80 ¢ 0 funcionamento do setor industrial criado com a politica de substituicfo de importacdes. Terceiro — e em conseqién- cia — a necessidade de alto nivel técnico impde a associacdo erescente com as emprésas multinacionais, que controlam a produgdo (centros de pesquisa, laboratérios ete.) ¢ uso da tecnologia, indispensavel aos empreendimentos de ambito in- ternacionai. Em nivel politico, o desenvolvimento econdmico-social, configurado na democracia populista, foi interrompido e reori- ventado devido ao seguinte: Primeiro, o progress econémico estéve em vias de conduzir o Brasil & condigéo de uma potén- cia independente, com ascendéncia sobre paises da América Latina e Africa.” Segundo, a politica de massas ¢ o naciona- Jismo esquerdizante comecavam a ameacar 0 poder politico burgués, Terceiro, os Estados Unidos da América do Norte assumiram plenamente a lideranca do mundo capitalista e acer- taram uma espécie de ““Tratado de Tordesilhas”, um compro- misso técito com a Unigo Soviética, ficando a’ América La- tina sob sua égide. Em sintese, tomados em conjunto ¢ em seus desdobra- ‘mentos histéricos, os dilemas da sociedade brasileira podem ser configurados tedticamente pelas tensGes ¢ conflitos gera- dos na sucesso e coexisténcia de quatro modelos de desen- 10 volvimento: exportador, substituicdo, associado e socialista. Os trés primeiros exprimem modalidades diversas ¢ sucessivas (ainda que nao exclusivas) da dependéncia histérica e estru- tural que caracteriza a sociedade brasileis © modélo de exportagio de produtos tropicais e maté- rias-primas ¢ importaco de manufaturas & 0 que caracteriza a economia brasileira nas trés primeiras décadas do século XX. Esse padrio ja comecara a ser questionado na segunda metade do século anterior. No entanto, é com a Guerra Mun dial de 1914-18 © as crises da cafeicultura que éle sofre as niais drésticas flutuacdes. A Revolugdo de 1930 simboliza a liquidagio désse_ modelo, O modélo de substituigéo de importagdes de produtos ma. nufaturados — baseado inclusive na manipulagio de compo- nentes essenciais do anterior — desenvolve-se aceleradamente de 1930 a 1962. Flutua em varias direcdes e exige a recompo- sigdo das relagdes de produgdo e dos padrées de dominacio. Na forma em que foi pdsto em pritica, isto é, com base na Tuptura parcial com as estruturas arcaicas internas ¢ externas, trouxe consigo os elementos da sua propria negagio. A suces- sto de crises politicas, nesse periodo, indica o conflito crescente entre 0 nacionalismo desenvolvimentista e independente © a preservacdo de vinculos e compromissos com a sociedade tra- dicional © 0 sistema politico-econémico internacional. O Golpe de Estado de 19 de abril de 1964 assinala a transicdo efetiva para o modélo de desenvolvimento econémico associado. Implica na combinagio e reagrupamento de empré- sas brasileiras © estrangeiras, com a formag3o de uma nova concepgio de interdependéncia econémica, politica, cultural nillitar, na América Latina ¢ com os Estados Unidos. © modélo socialista foi durante algumas ocasiGes uma pos- sibilidade real. Elaborou-se desde os” primeiros anos do século XX, mas adquiriu perfil e estrutura posteriormente & Revolugéo de 1930, Entretanto, no foi levado A pratica, de- vido & forma pela qual as organizacdes de esquerda interpre- tavam o caréter € 0 sentido da industrializagao no Brasil. E inegével que em algumas ocasides criticas constitufram-se con- dig6es de tipo revolucionério, que as esquerdas nao souberam ou niio tiveram condigées para aproveitar. Finalmente, se passamos a outros aspectos do periodo, verificamos que’a época da industrializagio acelerada ocorrida i no Brasil engendrou alguns padrées politico-econémicos singu- Jares, Cada um déles envolve um modo especial de ruptura ¢ reintegragio com a sociedade tradicional e os sistemas inter“ nacionais. Assim, temos: a) 0 nacionalismo reformista, com base na democracia populista; ¢ b) a ditadura “tecnocrata”, com base na associagéo ampla com os setores externos. Esses ‘os dois pélos do que poderiamos denominar a “revolugéo brasileira”. As flutuagoes entre sses dois padrdes so alimen- tadas, por um lado, pelas lutas de esquerda; e, por outro, pelas Proprias contradigGes inerentes ao nacionalismo reformista Alids, a combinacao engenhosa da democracia populisia com uma politica de internacionalizacéo da cconomia brasileira exi- be claramente aquelas contradigoes. 12 Tensdes e Conflitos Og acontecimentos politices, econdmicos € socials ocortidos no Brasil no século XX — em especial a partir da Primeira Guerra Mundial — poem em evidéncia as tensies ¢ conflitos provocados com a transi¢do para uma civilizagio urbano-industrial. Em oposicdo a civilizagdo agriiria, que se havia constituido em quatro séculos de histéria, de atividades econémicas voltadas para o exterior e de relagdes, politicas circunscritas As cfipulas da “aristocracia” agraria ¢ da “elite dos etrados”, a eivilizagao urbano-industrial criada neste século organiza-se em outros padrdes politicos, econémicos e cultu- ais. E no século XX que o povo brasileiro aparece como ca- tegoria politica fundamental. Em particular, € depois da Pri- reira Guerra Mundial — e em escala crescente a seguir — que os selores médios ¢ proletérios, urbanos e rarais, come- 13 gam a contar mais abertamente como categoria politica. Por isso, pode-se verificar que a “revolugao brasileira”, em curso nesie século, € um processo que compreende a luta por uma participaggo cada vez maior da populacdo nacional no debate e nas decisoes politicas e econdmicas. O florescimento da cultura nacional, ocorrido em especial nas décadas de vinte a ingiienta, indica a criagio de novas modalidades da consci- éncia nacional. Nesse quadro € que se inserem os golpes, as revolug6es ¢ os movimentos que assinalam os fluxos ¢ re- fluxos na vida politica nacional. ‘Mas ésses acontecimentos no so apenas politicos nem estritamente internos. Bles so, em geral, manifestagies das relagdes, tensbes e conflitos que os sctores novos ou nascentes no pafs estabelecem com a sociedade brasileira tradicional © com as nagées mais poderosas, com as quais 0 Brasil esti em intereimbio. Por essas razdes, devemos tomar sempre em con- siderago que os golpes, as revolugées © os movimentos arma- dos ocorridos no Brasil desde a Primeita Guerra Mundial pre~ cisam ser encarados como manifestagdes de rompimentos poli- tico-econémicos, ao mesmo tempo internos © externos. As vé~ zes essas relagées no sao imediatamente visiveis; isto é nao podem ser comprovadas empiricamente de modo directo. Mas geralmente elas guardam vinculagdes estruturais verificdveis em plano histérico. Em iltima instincia, ésses rompimentos sio manifestagdes da ruptura politico-econémica que ‘marca 0 in- gresso do Brasil na era da civilizacao urbano-industrial. ‘Vejamos, pois, como se desdobram internamente as crises que assinalam 0s varios estégios da Tevolugdo brasileira. Em seguida, veremos como se desenfolam 08 acontecimentos inter nacionais, com os quais se vincula o proceso civilizatério bra~ sileiro, © perfodo que vai da Primeira Guerra Mundial a 1° de abril de 1964 esta repleto de movimentos armados, atos isola- dos de violéncia, greves, revoltas, golpes e revolugdes. A se- qiiéncia désses acontecimentos cresce numéricamente, se se acrescentam as situagdes tensas © os esquemas golpistas © revo- luciondrios esbocados pelos diferentes grupos politicos civis © militares. A relagio apresentada a seguir (Quadro 1), oferece uma imagem aproximada dos acontecimentos politicos e mi- litares registrados pela histéria das lutas sociais no pais. 14 QUADRO GoLres © MoviMeNtos ARMADOS NO BRASIL 1922-64 Data Centro de irradiagéo Composicio de forces 1922 Rio de Janeiro Mititar 1923 Rio Grande do Sul Civil-Mifitar 1924 So Paulo Militar 1924 Rio Grande do Sul 1924.7 Sie Paulo — Rio Grande do Sul 1926 Rio Grande do Sul 1930 Rio Grande do Sul 1932 Sio Paulo 1935 1937 1938 1945 Rio de Janeiro 1984 Rio de Janeiro 1955 Rio de Janeiro 1961 Rio — Brasilia 1964 Rio — Brasilia Militar Militar Civil Militar Civil Militar Civil-Mititar Civiteat Civil Militar Civil Militar Militar-Ci Mititar-civit Miticar-Civil Objetivo Contra as oligarquias do- ‘minantes; pela democra- tizagao do pais. Idem Idem Idem Idem, Forma-se a Colu: na Prestes. Dividir as forgas que combatiam a Colina Prestes. Deposigio do Pre ‘Washington Luiz Recuperar posigoes no poder federal dente A Alianga Nacional Li bertadora tenta derrubar areas. Golpe de Estado: cria- Gio do Estado Novo. A Asio Integralisia ten= ta derrubar Vareas. Deposigio do ditador Varga: Deposigo do Pres. Var- gas: suicidio de Vargas &: a chek de Oliveira. Reniincia do Pres. Tinio ‘Quadros. = Deposigio do Pres. Joao Goulart, 15 Fm diversos casos, ésses acontecimentos politicos ¢ mil tares vinculam-se, complementam-se e desdobram-se em vie rios planos. Por essa razio, € possivel e conveniente focalizé los conjugadamente. Sao fatos que se polarizam em témno de algumas tendéncias marcantes, Até 1945, 05 acontecimentos politicos esto abertamente vinculados & necessidade de reduzir 0 poder politico e eco- némico dos seiores agrétio-exportadores ¢ importadores. Na base déstes interésses esté a cafeicultura, como atividade econémica preponderante. Assim, por um lado, estabelece-se 0 conflito entre as oligarquias tradicionais € os setores urbanos nascentes, tais como a classe média, a burocracia civil e mili- tar, os incipientes grupos de empresétios industriais e 0 pro- Ietariado nascente. Por outro lado, as lutas politicas esto relacionadas com 0 confronto entre os diferentes projetos de modernizagto, democratizagao e desenvolvimento econdmico. Na base désses confrontos esto, no entanto, as contradigses entre a economia agririo-exportadora e a economia industrial em formacao. Esses confrontos séo 0 fulcro dos acontecimen- tos até 1945, Em boa parte, o fenentismo simboliza essa etapa da vida nacional. No que éle tem de explicito, bem como no que apre- senta de caético ¢ contraditério, ésse movimento politico e ideo- J6gico exprime alguns aspectos importantes da época. O tenen- tismo formou-se com base nas seguintes condigdes ‘e fat6res: urbanizacdo; crescimento da classe média; “revolucdo nas ex- pectativas” da classe média, paralela ao seu crescimento quan. Uitativo, 0 que provoca o conflito entre a propensio a consumir € os rendimentos exiguos; contradicdes entre as estruturas nas- centes; resultantes das transformagoes econémico-sociais e as estruturas vigentes, em geral rigidas; desdobramento novo da pritica habitual ¢ tradicional de militarizagéo das decisoes e agoes politicas; incapacidade de os governantes © grupos do- minantes modificarem as instituigdes, ampliando o debate e a articipagdo dos grupos sociais em formagio e conservando 0 mando ou o contréle da situacio; necessidade de transformar © liberalismo formal, inerente & “democracia patrimonial”, em Jiberalismo efetivo, Em suma, as lutas politicas travadas a’par- tir de 1922 esto relacionadas com a necessidade de consti tuir-se um sistema cultural e institucional adequado as exigén- clas da civilizagéo urbano-industrial em formagao. 16 A partir do final da Segunda Guerra Mundial, ésse qua- dro se modifica, tornando-se mais complexo. Ja estavam for- madas, entio, as condigdes institucionais, econémicas e poli- ticas para o desenvolvimento do setor industrial. A propria derrubada do Govérno de Getiélio Dornelles Vargas reflete os conflitos de interésses ¢ as Iutas que transcendem o ambito nacional, Entre 1945 ¢ 1964 entram em cena, em escala bem maior que antes, as massas assalariadas em’ geral. A partir do Golpe de Estado contra Getilio Vargas ¢ 0 Estado Novo, ‘em 29 de outubro de 1945, 0 processo politico brasileiro abran- ge amplamente os operirios, os setores médios da sociedade © grupos de trabalhadores agricolas. Isto significa que entram em jogo as aspiragdes de bem-estar social de um proletariado cada vez mais numeroso, ao lado de uma classe-média numé icamente crescente, Além disso, colocam-se de modo jamais conhecido antes as reivindicagdes dos trabalhadores agricolas, em varias regides do pais. E ainda nesse periodo que se mul- tiplicam os grupos politicos de esquerda; e a juventude uni- versitéria impée-se ainda mais, como forga politica ativa © or- ganizada. Essas sio as linhas gerais das crises que assinalam as dife- rentes manifestagdes da ruptura politico-econémica que acom- panha a formagao do capitalismo industrial no Brasil. Os con- teidos mais importantes désses acontecimentos reaparecem nos capitulos posteriores. Entretanto, ése quadro de acontecimentos politicos nio se completa a nao ser quando acompanhamos o desenrolar dos fatos politicos internacionais. Bles afetam dircta e indiretamen- te @ histéria nacional. Correspondem is manifestagées da Tuptura politico-econdmica ocorrida externamente. E impor- tante considerar, neste ponto, que a sociedade brasileira no realizou sendo operagdes timidas e ambiguas, no sentido de encaminhar ¢ realizar as rupturas externas. O govérno de Ge- tGlio Vargas féz tentativas nessa direcio. E 0 Govérno de Janio Quadros, que também compreendeu o dilema, no soube conduzir as operagdes politicas que tornariam a politica exter- na independente um fato. Por essa razio, a ruptura polttico- econémica externa, que funciona positivamente no processo de desenvolvimento econdmico do Brasil, € principalmente 0 re- sultado das crises e flutuagdes do capitalismo mundial. 17 ‘As crises do capitalismo internacional, tomadas em plano politico, estiio simbolizadas nas duas Guerras Mundiais. Com a Guerra Mundial de 1914-18, a crise econémica iniciada em 1929 e a Segunda Guerra Mundial de 1939-45, verificam-se profundas e dristicas modificagdes na forma pela qual as na- ‘gdes hegemdnicas se relacionam com as col6nias ¢ os patses de- pendentes. Assim, éses acontecimentos séo em maior ou me- nor escala também responséveis pelos fatos mencionados no Quadro 11. QUADRO IL Faros Histéeicos RaLevantes wee oo Aen ra ooo we Rectal Tow en Eek ge Bika BES Sas sar, re Seat ii Rete snnten EEE Bis bematesettee BS lugio Brasil. (Também revolugdes ¢ gol- we " pes_em outros paises da América Fach sys cue Mant BBD en acer aaers.o 1947 Independéncia nc a ieee Oe 2 Eel bn ea, Bee Ee, bes 1958 Guerra de Libertgio Vie’ e Franca 1359 Revolusio Sora Cub 1962 Independencia, e | Bet Gasten Vietcong © Estados Unidos ‘© Em 1971 essa guerra contioua. 18 Af esto algumas das manifestagbes das crises mundiais que envolvem, no caso particular do Brasil, os rompimentos politicos e econémicos estruturais, abrindo novas perspectivas 8 sociedade brasileira. Note-se que ésscs acontecimentos s6 se tram positives porque compreendem as lutas entre as nagdes hegeménicas ¢ 0 enfraquecimento de umas em face das outras. Assim & que com relaco ao Brasil, a hegemonia da Inglaterra € questionada de fato pela Alemanha, a Franca e, depois, os Estados Unidos da América do Norte. E 6 éste pais que, a0 final, alcanca a supremacia, em face daquelas nagdes ¢ dos paises do “Terceiro Mundo”. Para os Estados Unidos, a Amé- ica Latina representa um interésse especial no Ambito do mundo. subdesenvolvido. Entretanto, enquanto nao se decide a disputa entre as grandes poténcias e enquanto os Estados Unidos nio consoli- dam o seu pred abrem-se perspectivas as coldnias © as nagbes dependentes. Nesse contexto € que ocorre uma ctapa importante, talvez decisiva, da industrializagio do Brasil. A transiggo para uma sociedade urbano-industrial, amplameate dinamizada a partir da Primeita Guerra Mundial, dependeu bastante das ‘contradig6es ¢ crises havidas no ambito interna- cional. Em perspectiva histérica, essa tendéncia foi examinada cuidadosamente por Alan K. Manchester, nos seguintes tér- mos: A Alemanha foi a primeira rival a ameacar s@riamente posigfo da Inglaterra. Jé em 1873 tonelagem transporiada pela ‘Alemanba estava ameacando deslocar os Estados Unidos, ‘que ‘mantinham o terceiro Ingar entre as nages que comerciavamn com © Brasil, Ao mesmo tempo, o cbnsul inglés em Santos (uma base ddos ingléses) lamentava que a tripulagdes alemis féssem melhor treinadas ¢ fizessem melhor figura, além de ser muito mais s6- brias que as suas rivaisinglésas, Para seu abortecimento, os arma. dores ‘comesavam a preferir navios alemies ¢ noruegieses, pois ‘que corriam ruméres' de que éles cuidavam melhor doo carrega ‘Mentos ¢ cobrevam menores fretes. Em 1685 a tonelagem alema pera o Brasil rivalizava com a francesa; ¢ af por 1912 era & se: funda depois da inglésa. © cataclismo de 1914 eliminou 2 Alemanha como rival, na repiblica sulamericana; e preparou caminho para outro com Petidor, que venceria onde Outros falbaram. Até 1914, ox Estados Unidos’ aunca heviain sido um competidor pelo predominio eco: 19 ndmico nos mercados, nos transportes ou investimentos brasi- leiros. (..-) ‘A Inglaterra, todavia, aunca féz questio de manter a sua supremacia anterior na area das exportagies brasileiras. Ela esta Ya" fundamentaimente interessaza no Brasil como um mercado para manufaturas inglésas, e no como pals fomecedor de ma- Aérias-primas. (.-.) ‘Assim, a despeito dos alarmes ocasionais formmalados pelos cénsules britinicos, 0¢ Estados Unidos figuravam como um com- petidor menor, para a Inglaterra, até a Guerra Mundial, Nesta ‘casio suplantou a Gri-Bretanha’ como principal fornecedor para ‘2 fepibliea sulamericana. A incapacidade da Inglaterra para manter a sta posigio tradicional, nos anos posteriores a 1914, fra simplesmente o resultado natural das condigdes da gustra. Para os britinicos, ésse eclipse temporirio retificado em momento oportuno. Em conseqiiéncia, a uta real pela suprema- cia ocorteu depois de 1918. (...) De fato, ao final de 1929 03 Estados Unidos estavam riva- Hizando com’ a Inglaterra, com sucesso, nos mercados brasileiros de compra ¢ venda. Por outro lado, na area dos transportes maritimos © investimentos, a preeminéncia britinica ainda esta- vva bisicamente intocada, Em 1926 a tonelagem dos navios com bandeira britiniea era quase duas vézes maior do que a sua com- petidora mais préxima, a Alemanka. Quanto 20s investimentos, Gra britiniea metade dos estimados dois bilhdes e quinhentos mi thes de délares do capital estrangeiro investido no Brasil até 1929, Em 1927 havia quatro vézes mais capitais briténicos do ‘que americanos investidos no Brasil, E uma vez ¢ mela a mais do que 0 capital externo combinado. Em dois dos trés tradicio- nals campos de alividades dos interésses britGnicos na repablica cana, a Inglaterra era ainda predominante no fim dessa Assim, pouco a pouco, o Brasil passa da area da libra esterlina para a firea do délar. Essa tendéncia vai acentuar-se depois de 1930. Alids, hé indicios de que interésses norte-ame- 1, Alan K. Manchester, British Preeminence_in Brazil, Its Rise aml Decline — A Study in European Expansion, The University of North Carolina Press, Chapel Hill, 1933, pags. 329, 332, 333-4, 334 © 336, 20 ricanos estiveram implicados na pripria Revolugio de 30. Se- gundo pesquisas realizadas por Jordan M. Young: © Govérno dos Estados Unidos entrou. no cenério militar ‘a0 fim da campanha, pois que em 22 de outubro o Departamento de Estado decidiu embargar a venda de armas e munigées para as forgas rebeldes?. Outros aspectos do andamento posterior déste destoca- mento do Brasil no sistema mundial serio focalizados nos capi- tulos posteriores, conforme as exigéncias da andlise. Por ora, convém mencionar mais uma informagio: a relagio das co- iadas pelas nagdes mais interessadas na “saide eco. isto 6, particularmente na estabilidade financeira do Brasil (Quadro Tit) QUADRO IL MIssOES Inctésns ¢ AMESICANAS NO BRAS Ano Pais Chefia 1923 Inglaterra Edwin Montage 9st Inglaterra Otto F, Niemeyer ae Estados Unidos Morris 1. Cooke 1999 Estados Unidos Joh Abbink A substituigao das misses inglésas pelas missoes norte- americanas assinala o fim da hegemonia britinica nas relagdes econémicas externas do Brasil. Simultineamente, os norte- amerieanos empenham-se em ampliar a sua participagéo nos 2 Jordan M. Young, The Brazilian Revolution of 1930 and the After- ‘math, Ruigers: University Press, New Brunewiek, New Jersey, 1967, pigs. 65-6. 21 programas econémicos brasileiros. Assim, a estabilidade finan- ceira e a participacio de capitais estrangeiros na economia na- cional-so pontos importantes nas recomendacdes apresentadas nos relatétios finais das comissdes mistas Brasil-Estados Uni dos, em 1942 ¢ em 1949.8 Alias, em 1942, os norte-america- nos’ jé ensaiavam uma politica de negécios destinada a con- tornar o nacionalismo econémico florescente em alguns paises latino-americanos. Em 1938, 0 Govérno de Cardenas havia nacionalizado a indistria petrolifera mexicana. E no mesmo ano 0 Govérno de Vargas criara 0 Conselho Nacional do Pe- tréleo, com dbvia inclinagao nacionalista.* * 3._A Missdo Cooke no Brasil, relut6rio dirigido a0 Presidente dos Esta- dos Unidos da América pela Miso Técnica Americana enviada 10 Brasil, Fundagio Getilio Vargas, 1949. Report of the Joint Brazil-Uni ‘ted States Technical Commission, Department of State, Rio de Janeiro, Brazil, February, 7, 1949. Octavio Gouvéa de Buthées, 4 Margem de Um Relardrio (Texto das conclusées da Comissio Mism Brasileiro-Ame- ricana de Estudos Econémicos — Missio Abbiak), EdigSes Finan ceiras S.A. Rio de Janeiro, 1950. 4. W.deuerlein y E. Hannan, Déiares en la América Latina, tad. de Javier Marquez, Fondo de Cultura Econémica, México, 1944; a ‘pri- meira edigio em inglés € de 1941. George Wythe, Indusiry in Latin America, ‘Columbia University Press, New York, 1945, Sdbre 0 na- Cionalismo brasileiro no setor petrolifero: Gabriel Cohn, Peirdleo ¢ Nacionalismo, Difusio Européia do Livro, Sio Paulo, 1968, 22 Il Fases da Industrializacao E iyeckver. que a indusriatizagio no Brasil ocorreu 20 acaso das flutuagdes. das relagdes externas. As condigies eco- ndmicas, sociais e politicas intervas, que foram as bases efetivas dos surtos de desenvolvimento industrial, sSmente puderam set dinamizadas devido As oscilagSes e rupturas havidas nos vin- culos do Brasil com a Inglaterra, a Alemanha, a Franca, os Estados Unidos e outras nagoes. a Por essa razSo, a histéria da industrializacao no Brasil 40 mesmo tempo a histéria das relagdes com os paises que desempenham papéis hegeménicos. Em verdade, os progressos da produgio fabril colocam em confronto e em’ encadeamento 23 @ histéria nacional ¢ a histéria universal. A hist6ria brasileira, mais ima vez, funde-se e ilumina-se na historia de capita. lismo. Em boa parte, aquela € fungio desta, Nesse sentido é que se pode reconstruir as etapas da for magfo do setor industrial, como micleo din’imico do desenvol- vimento econdmico nacional. As fases de evolugdo désse se- tor no se constroem senéo como modos especificos de rela- cicnamento entre a economia brasilcira e os sistemas econd: micos externos, com 03 quais o Brasil se acha ligado, em cada fase. Assim, distinguem-se trés estdgios principais no desen- volvimenio industrial do Pais. A primeira ctaps da formagao do setor industrial no Bri sil desenvolve-se no interior de uma economia de tipo colonial. Até 1930, a vida econémica em funcionamento no Pais esté organizada segundo 0 modélo “exportador”. A cafeicultura predominante nas atividades produtivas nacionais € definindo a feigdo da cstrutura ccondmica brasileira como uma fungio do setor exportador, simboliza 0 padro de desenvolvimento nacional nesse es"igio, Sio as crises ¢ fiutuagdes do sctor ca- feeiro que abrei perspectivas diversas & economia do Pais, criando incentivos & producao artesanal e fabril. Quando os Fecursos produzidos no stor cafeeiro nao sao suficientes para atender & procura de manufaturas ttadicionalmente impor a- das, as unidades artesanais € fabris instaladas dinamizam-se, para atender ao menos parciaimente Aquela procura. Em ccn- seqiiéncia, ocupam-se melhor as emprésas existen'es ¢ coms- ‘cain a criar-se novas. Essa €poca excepcionalmente crucial para a formacio do setor industrial no Brasil foi examinada por Caio Prado Junior, Roberto C, Simonsen ¢ Celso Furtado, alémr das contribuigses de historiadores. socidlogos e cientis as politicos. Trata-se de uma explicagio das condicdes c efeitos do mecanismo de socia- lizacdy das perdas do setae cafeciro. Uma interpretagao.bri- Ihante désse proceso de dinamizacdo ¢. em box parts, de cria~ io do setor industria! foi formulada por Celso Furtado. Exp sintese, 0 processo funciona do seguinte modo. A crise da cafeicultura (a de 1929, por cx.) como as crises tipicas as economias colorsais, vem’ de fora. Apatece como uma queda rs luctos dos cafeicultores. Surgo como uma redugio do consumo ou uma baixa no: presos externos (o que da no 24 mesmo), produzindo uma diminuigao brusca nos lucros dos plantadores de café. Para evitar que éles abandonem as cultu- ras, © govérno realiza a depreciagio da moeda nacional, As- jim, em térmos de moeda brasileira, os cafeicultores continuam: ‘a receber aproximadamente 0 mesmo volume de renda mone- téria, Désse modo ameniza-se a queda nos scus lucros, o que Ihes permite manter as plantacdes. Ao mesmo tempo, como € 6bvio, reduz-sc a capacidade importadora do Pais, devido ao alto custo relativo do cambio. Em conseqiéncia, criamse timulos novos para o incipiente setor secundério (indtstrias de transformacao) da economia brasileira. © fato de que 4 produgdo de café tenha continuado a ex- pandirse depois da crise ¢ a circunstancia de que os cafciculto Fes se tivessem habituado aos planos de defesa dirigidos pelo go- vérno, respondem em boa parte pela manutensio da renda mo- netiria do setor exportador. Ao produtor de café pouco the in- sava que a acumulagio de estoques f0sse financiada com ‘empréstimos externos ou com expansio de crédito. A decisko do ‘continuar financiando, sem recursos externos, a acumulagio de estoques, qualquer que f6sse a repercussio sObre a balanca de ppagamentos, foi de conseqiéncias que na época no. se podi suspeitar, “Mantinha-se, assim, a procura' monetéria em nivel relativaments elevado no setor exportador. Esse fato, combina- do ao encarecimento brusco. das imporiagées (conseqiiéncia da depreciagio cambial), & exisitncia da capacidade ociosa em al- ‘gumas das indistrias ‘que trabalhavam para o mercado interno © a0 fato de que ja existia no Pals um pequeno micleo de indis- tias de bens de capital, explica a répida ascensio da produgio industrial, que passa a ser © fator dindmico principal no proces. 80 de ctiagdo de renda'. 1. Celso Furtado, Formacdo Econémicu do Brasil, Editdra Fundo de Cuttura, Rio de Janeiro, 1959, pigs. 207-250; citagho das pags. 234-5. © probiema das relagdes dindmicas entre o setor colonial, ou externo, ea difere ‘das estruturas econdmicas e socials (repionais ou na: cionais) tem sido objeto de estudos receates. Quanto a0 aparecimento fe expansio dos micleos indusiriais em diferentes regides do. Brasil, bem como sébre o cardter das relagées entre a cidade © o campo, con’ sultar: Indcio Rangel, Introducéo ao Estudo do Desenvolvimento. Eco némico Brasileiro, Livraria Progresso Edit6ra, Salvador, 1987; Gilberto Paim, Industriaizacdo e Economia Natural, Instituto Superior de Esti dos Brasileiros, Ri Econdmiien ¢ Evolusi Paulo, 1968. Ainda tuagies das’ importagdes © © aparecimento do. setor industrial. bras 25 E nessa época ¢ dessa forma que ocorre a metamorfose do capital agrdrio em capital indusirial. Ainda que ésse pro- ‘cess no seja tinico, na primeira época da industrializacio os capitais aplicados no setor fabril so origindrios do setor ca- feeiro. Direta e indiretamente, a cafeicultura alimenta o esté- gio inicial da industrializacao. E claro que depois ésse proceso se torna mais complicado. Comecam a entrar capitais externos ¢, também, capitais obtidos nas poupancas internas, além da- queles produzidos pelo café. Em todos os casos, no entanto, a cafeicultura € 0 estcio titimo dos negécios. Se € verdade que f diferenciagao da economia nacional esté em parte inspireda na conviecdo empresarial de que nem todo o capital deve ficar sujeito aos riscos da economia cafceira, também é verdade que a cafcicultura € uma referéncia sempre segura. A experitncia acumulada em témo dessa atividade, além do engajamento do poder piiblico nela, ao lado dos vinculos ¢ da confianga ob- tidos no exterior, sempre deram ao setor cafeciro+o cariter de o grande “fiador”. Por isso, direta ¢ indiretamente 0 ca- pital agricola estd na base dos primeitos surtos.de industriali- zaco. Em suma, em ambito estrutural, o capital agricola é © fundamento do capital industrial. Em ambito conjuntural, no j6g0 imediato e cotidiano dos empreendimentos ¢ dos empre- endedores, houve outras fontes de capital para o setor indus- trial, Entretanto € importante nao confundir os dois planos, tomando-os numa dimensao tnica A segunda etapa do desenvolvimento industrial no Brasil consiste na aplicagéo de medidas destinadas a propiciar a diver- sificagdo ¢ a expansdo do sector. Neste contexto € que se colo- cam a Revolucao de 1930, 0 Estado Novo instituido em 1937, o getlimo e suas variants, « democracia populist, etc. Ext Jinhas gerais, ésse estdgio situa-se entre 1930 ¢ 1964. E a Epoca da implantagio do modéto “substituiggo de importagdes”. As experiéncias de Vargas € 0 seu padrao de atuaco marcam profundamente essa fase. Tanto assim € que o modélo da Co- missio Econémica para 2 América Latina (CEPAL), em sua primeira fase (1948-56), € em boa parte uma codificagao das experiéncias desenvolvimentistas do México, da Argentina, fo, consullat: J. Souza Martins, Empresirio ¢ Emprésa na Biografia Yo Conde Matarazzo, Edigho do Ynstiuto Je Ciéncias Socais, Rio de janeiro, 1967. 26 do Brasil ¢ algumas outras nagdes do Continente, Segundo re- lata Raul Prebisch, sugerindo algumas das dificuldades.poli- ticas & consolidago de um toca politica geral, outra medida a que o Govéeno atribuii grande importincia refere-se A atragSo dos em presdrios estrangeiros que, com a sua técnica e o seu capital, po- ‘deci presiar valiosa ajuda na construgo do nosso parque in- dustrial, So condigdes essencinis de uma politica do estimulo 0 capital estrangeiro a estabilidade politica, cambial € mone- tiria. (...) Fato de grande importincia ocorrido em 1986 foi © renas: ccimento do interésse dos capitalisas estrangeiros pelo desenvol ‘vimento industrial do Pais, Fsse renascimento deve-se principal: mente ao clima de confianga que 0 névo Govérno conseguiu esta belecer no Exterior. A. verdade & que hoje se transformou inteira- mente 0 conceito em relagéo 20 Brasil, © nosso Pais esté ocupan- do © primeiro lugar como mercado ‘para capitais estrangeiros', Quer para supric as divisas necessérias ao financiamento dos projetos governamentais, quer para prestat apoio & emprésa pti: vada nacional na oblencéo de empréstimos externos, promoveram 185 auloridades responsiveis yérias modalidades de ‘agio, atentas, ccontudo. para as perspectivas do nosso Balango de Pagamentos, ‘a médio © longo prazos, de modo a evitar um endividamento ex- ferno a elas desproporcionado, ‘Uma duquelas modalidades de ago consistin em atrair in- vestimentos estrangeiros diretos, através da concessao de incentivos a0 estabelecimento de certas industrias — a automobilistica, por exemplo. Em outros casos, recorremos a entidades oficiais de crédito, internacionais ou nacionais — Banco Internacional de 4. Juscelino Kubitschek de Oliveira, Mensagem ao Congresso Nacional, de Janeiro, 1957, pigs. 246-7 © 248. 29 Reconstrusio ¢ Desenvolvimento, Export-Import Bank of ‘Washington, o Instituto Mobiliare Tlaliano, 0 Assurance Crédit de France e varias outras — mediante a abertora de créditos ban- ccérios a favor do Banco Nacional do Deseavolvimento Econ6mi- €0, ou por éle garantidos. No levantamento de recursos estran- seiros, nio raro se apelou para o seller's credit, ov seja, a con cessio, pelos fornecedores de maquinaria, de créditos a curto © édio’ prazos, garamtidos ou no pelo govérno do pals exporta- dor. Neste particular, os resultados tm sido satisfatérios, em relagio aos projetos ¢m curso. Para 80 milhées de délares regis trados em 1955 na Superintendéncia da Moeda e do Crédito, co- ‘mo capital de empréstimo, registramse 302 e 261 milhdes, em 1956 e 1957, respectivamente. Em 1958, tais registros se eleva ram ao nivel’ de 397 milhes. Quanto as inversBes diretas, as cle fras elevaram-te em 31 milhSes de délares em 1955, 2/56 em 1956, 109 em 1957 ¢ 104 em 19585. Em resultado das varias etapas apresentadas sumariamen- te, em especial da politica deliberada de substituicio de im- portagdes, formou-se no Brasil um setor industrial vigoroso. ‘Além da’ sua importncia especifica, éle € importante como nicleo motor, pelos seus efeitos dindmicos sobre os outros se- tores da economia e devido ao tipo de complementariedade que se estabelece entre os componentes do sistema como um todo. Uma imagem do andamento da industrializagéo e do funcionamento dos outros setores da economia apresenta-se no Quadro IV. A medida que se desenvolve a industrializacio e se dife- rencia a estrutura econémica nacional, o Estado se torna cada vez mais importante. Torna-se 0 centro maximo das decisozs, no plano interno, Por meio de favores fiscais, empréstimos, assisténcia téenica € como avalista, o poder piiblico € as agén- 5. Juscelino Kubitschek de Oliveira, Mensagem ao Congress Nacio- nnal, Rio de Janeiro, 1959, pags. 100-101. Alguns dos efeitos distorcivos da forma pela qual’ se realizou a industrializacio brasileira foram apon- tados por Inicio Rangel, A Inflacdo Brasileira, Tempo Brasileito, Rio de Janeiro, 1963; e José Carlos Pereira, Estrutura ¢ Expansdo da In- disiria em Sao Paulo, Companbia Editéra Nacional, Sio Paulo, 1967. 30 QUADRO IV Invices bo Proouto REAL 1947-62 (Base: 1949 = 100) Setor 1947 1949 1951 1983 1985 1987 1959 1961 1962 Agricul. ura 89.5 1000 102.2 111,7 Ingus- tra 814 1090 1185 1352 162.3. 1832 240.7 293.4 gio, SH 3000 1179 1190 1435 1602 1859 2088 Gover. no 95,3 100.0 1049 110.0 1158 1210 1269 1331 ‘Trans- 29.8 1385 148, 1679177, Comun' cages 79.5 100.0 IRS 137.8 1524 1669 1887 240.0 2562 Fonte: Centeo Jas Contas Nucionais — Fundagio Getilio Vargas, Cf. Revista Brasileira de Economia, Ano 17, n° 1, Rio de Janeito, Margo de 1963, pig. 14. ciae governamentais orientam e incetivam os investimentos pioneiros ou de complementacao. Aligs, 0 govérno ji estava participando amplamente das decisoes e dos encargos na época do predominio do padrao exportador. A cafeicultura engajou ‘em graus crescentes o poder piiblico na economia nacional Tomadas em conjunto, as participagdes das instituigdes governamentais no campo econdmico podem ser classificadas em dois grupos. Correspondem a duas orientagdes distintas. Em parte, representam duas fases sucessivas na evolugdo do intervencionismo governamental. Entretanto, € importante con- siderar que elas coexistem, assim como coexistem as “ambi agiiidades” no estrutura econdmica brasileira. 3 Na primeira fase, que corresponde a uma orientagio per- feitamente configurada, o Estado age em fungio da nevestidade de preservar certos niveis de renda e emprégo em setores determi- nnados da produzio. le atta como regulador da produgio e etia instrumentos de defesa de setores com nivel de renda ameagado por desajustes ou crises geradat interna ou externamente. Os Tns- tituios do Café, do Sal, do Pinko. do Cacau, do Mate, do Agicat € do Alcool so todos entidades criadas com 0 objetivo precip de defender os setores das oscilagies bruscas da renda e 0 em prégo provocadas por distirbios surgidos na area da produgdo ou da comercializagio, © caso mais notivel. pela sua importancia, no conjunto da economia nacional, € 0 do setor cafeeiro, Neste, 6s instrumentos formuladas pelos Greios dos cafeicultores e pos- tos em pratica pelos governantes foram se refinando continua: mente, dada a alla importincia do setor para a preservagio dos niveis de emprégo ¢ renda também para a economia nacional co- mo um todo. (...) Na segunda fase o EstaJo ingress ativamente nas diversas esferas da vida econdmica. colaborando, incentivando ¢ realizan- do a eriagio da riqueza. Nesta fase, destacam-se a Companti Sideriirgica Nacional, a Superintendéncia do Plano de Valoriza- ‘go da Amazinia, a Companhia Hidrelétrica do Vale do Sio Francisco, a Comissio do Vale do Sio Francisco, © Banco do Notdeste do Brasil, a Petrobras. a Eletrobris, a Superintendéncia do Desenvolvimento do Nordestc. 0 Banco Nacional do. Desen- volvimento Econémico, © Plano Salte, 0 Programa de Metas, 0 Plano Trienal. Em graus variiveis de sucesso, todos asses em- preendimentos foram postos em pritica com objetivo diferente aquele que inspirou a fase anterior. Agora os governantes estio empenhados emsprogramas setoriais, resionais ou mesmo globais de desenvolvimento. Estimulaca pelss tenses internas ¢ exter nas do sistema, o Estado assumiu fungdes mais amplas, destina- ddas a dinamizar ¢ orientar as expansées dos fOrgas produtivas! © Octavio Ianni, Estado ¢ Capivulisno, Edivéra Ch Rio de Janeiro, 1965, jes. 43 ¢ 47. Outta analise sdbre ‘os papeis de- sempenhados pelo Estado no descavolvimento eeonémico | brasileiro (bem como sdbre modelos politicus do descavolvimento. nacional) en contram-se em: Helio Jaguaribe, O Nacionalismo na twalidade Bra- fileira, Invtitito Superior de Esiudos Brasileiros (ISEB), Rio de Ja- .' 1958; do mesmo auior: Devenvolvimema Eeondmico ¢ Desen- volviinento Politica, Editéex Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1962 32 Cada fase corresponde ao predominio de um ou outro padrio de politica econdmica, Basicamente, na primeira o Es- tado desenvolve uma atuagao eminentemente conservadora, 20 Passo que na seguinte a sua atividade € reformista ¢ dinami- zadora, Todavia, a participacdo crescente do poder piiblico na economia, bem como a modernizacao das téenicas de diagnds- tico, formulagio, execucio © controle da economia nio avan- sam a ponto de possibilitar o dominio e a eliminacdo das desi gualdades ¢ distorgdes estruturais, A forma pela qual se veri- fica © desenvolvimento econémico nacional pode ser eviden- ciada em varios planos. A inflagéo por exemplo, como técnica de poupanga monetiria forcada, abre uma pista A andlise das relagdes de classe € do cariter da reprodugao do capital. O @xodo rural-urbano, por outro lado, coloca outros problemas, revelando dimensdes sociais ¢ humanas da industrializacdo e da urbanizacio no Brasil Se observarmos 0 Quadro V, teremos uma idéia da evo- lugfio industrial, conforme as suas’ manifestagdes regionais, Ve- rificamos que 0 progresso econdmico nem & homogéneo aem tende necessariamente para a homogentizacio da economia nacional. Ao menos a tendéncia para harmonizaglo dos in- dices de desenvolvimento nao € visivel nas etapas realizadas. E note-se que os dados cobrem meio século de atividades eco- némicas: 1907, 1920, 1938 © 1958. Em plano politico, as ‘tendéncias indicadas por ésses dados econémicos permitem com- preender melhor 0 aparecimento ¢ a sustentacio de liderancas ‘estaduais" bem marcadas, Esta observagio pode scr verda- Geira em particular nos casos dos Iideres populistas Leone! Brizola, com hase no Rio Grande do Sul, ¢ Miguel Arraes, com base em Pernambuco. Em verdade ésse quadro indica progressos ¢ regressées, quando tomamos 0 conjunto dos dados. Entretanto, se obser- varmos melhor as tendéncias expressas, verificamos o predo- minio progressivo de wm centro sobre os outros centros. E evi dente a hegemonia de So Paulo sObre os outros Estados do Pais. Coma poto de crescimento, Sao Paulo menos difunde que atrai o bencficios da industrializacdo, Ha uma espécie de colomal'sme ierno ue os programas nacionais © regionais niio puceram limiter. As atividades da maioria das agéncias egionais, eriadas especialmente para e-timular as economias 33 QUADRO Vv Vator px Propucio INDUSTRIAL POR ESTADO Dist igo percentual Estado 1907 192019381958 ito Federal co BM ORD So Paulo 65 MS 432 S80 Rio Grange do Sul... 189 TLD 10.77 67 Td 66 49°42 3A 430 SS 56 40068 28 2 28 15 fetes 2 MN 06 ‘Amazonas : 20° Ot 03 Santa Catarioa sass 20 19 21 Biigos, asvcieeeaeyexeey 10 os Maranhio 0707 02 SERIE eee ese OH AD 02 Mato Groso 6.2... os 02 03 Chit legge OF | OS 06 Paraiba ee leceseeceeees 04 el 06 Goits . 02 on 03 Pinu... ce OL OR ot Rio Grande do Norte of 06 03 Espirito Santo a1 07 02 ‘Tora, 100.0% 100,0% 100,0% 100.0% Fonte: J. Jobim, Brazil in the Makine, The MacMillan Co., New York, 1943; IBGE, Produgdo Industrial Brasileira, 1958, Quadro or8- nizado’ por ‘Juarez Rubens Brandio Lopes, Desenvolvimento ¢ ‘Mudanca Social, Companhia FditOra Nacional, S. Paulo, 1968, pig. 10. 34 Jocais, nao conseguiram diminuir os efeitos regressivos ineren- tes A concentragéo e centralizacao do capital. Talvez 05 pro- gramas tenham inclusive facilitado 0 predominio do Centro-Sul, com centro em Sao Paulo, Esta € uma das conseqiiéncias do caréter do desenvolvimento industrial em curso no Pais. £ ‘mesmo uma resultante inevitével da forma pela qual ocorre a sucesso das etapas de expansdo do setor industrial. Vejamos, agora, numa sintesc, 0 progresso como um tod: Examinada de ‘uma perspectiva historica, a industrializa- 0 ovorrida no Brasil j4 permite algumas revelagdes muito olaras: @. A ruptura parcial ¢ a recomposi¢ao (sucessiva'e altér- nadamente) das relagSes politicas e econdmicas com a sociedade tradicional © com os sistemas externos. . A frustragao das tentativas de implantagéo de um mo- délo de desenvolvimento econémico auténomo. © A combinago dos modelos exportador, substituicao: € associado, ou internacionalista, num sistema eco- némico heterogéneo e contraditério. d. A participagéo crescente do Estado no comando do proceso econdmico, ¢. A transformagéo da regitio Centro-Sul (com centros nas cidades de Séo Paulo, Rio de Janeiro ¢ Belo Ho- rizonte) em niicleo hegeménico na economia nacional, 1. A formagéo dos movimentos de massa, como estrutu- ras politicas ¢ ideoldgicas de sustentacdo do poder po- litico orientado para o desenvolvimento industrial 35 Iv Desenvolvimento Agrario No momento em que se eriam os primeiros nicleos do setor industrial, instala-se 0 antagonismo entre a cidade € 0 campo. Se é verdade que a génese do setor industrial esti no setor agririo, que um se desdobra no outro, isto mio significa Que as suas relagées sejam harménicas e° sempre posilivas. Nem podem ser assim, ji que as alteragdes da estrutura eco- némica afetam as relagdes de produco e as relagoes de poder. As préprias condigdes técnicas da reprodugao do capital so di- versas, favorecendo ritmos distintos na realizagdo do circuito do capital Em toto caso, em cada estigio do desenvolvimento in- dustrial ocorr sim padrao determinado de encadeamento entre 37 fa cidade e o campo, entre a sociedade agréria © a sociedade industrial. A forma pela qual se realizam o capital ¢ sua re- artigo, a circulacdo de trabalhadores no mercado de mao-de- -obra, as condigées técnicas e organizatérias da produgio, o ‘acesso aos instrumentos de poder — tédas essas stio implica- g5es do relacionamento ¢ dos antagonismos entre 0 setor agré- tio eo setor industrial . Entretanto, convém insistir na dependéncia reciproca ¢ crescente de ambos. Devido a propria dinamica da vida eco- némica, politica e social, a cidade € 0 campo sio levados a ‘empenhar-se na resolugéo ou na acomodagio das suas contra- digoes. E preciso ter em mente ndo sdmente os efeitos mul- tiplicadores de um setor sObre.o outro, mas a complementari- dade inerente A organizacdo econdmica. A interdependéncia entre as atividades econdmicas dese penhadas por vim pals agricola e-oUto pals industial fPenos estreia nem" profinca que. a intrdependéncia. das ativi- dade ceondmicts agrcolas e industals dentro. de um mesmo a Essa_interdependéncia pode ser demonstrada em vatios planos. Em capitulo anterior, vimos como se estabelecem as relagées dindmicas e, ao mesmo tempo, de negatividade, entre a cafeicultura e 0 setor industrial nascente, Além disso, 0s dados apresentados no quadro IV, no mesmo capitulo, reve- Jam que a agricultura ctesceu 77%, entre 1949 © 1962. Se excluimos os produtos de exportaga0, cujo valor real cresceu sdmente 27% naqueles anos, constatamos que a producio para consumo interno aumentou 90%. Note-se, ainda, que & popu Taco brasileira cresceu cérca de 40% entre 1950 ¢ 1960; ¢ quase 80% entre 1940 © 19608, Portanto, o setor agrério 1, PeiKang Chang, Agriculira e Industrializacién, trad. de Juan F. Noyola_y Edmundo Flores, Fondo de Cultura Econdmica, México, 1951, pag. 284. 2. Revisia Brasileira de Economia, Ano 17, n® 1, Rio de Janeiro, mar- 0 de 1963, pig. 15. IBGE, Anudrio Estatistico do Brasil, 1965 pig. 33. 38 apresentou sintomas de transformagiio ou desenvolvimento que no podem ser menosprezados. E verdade que nesse mesmo periodo o produto real do setor industrial cresceu 216%. Entretanto, convém lembrar que essa € a época de intensa mobilizagio de recursos e in- centivos — piiblicos e privados, internos e externos — para a dinamizagao e diversificacao do setor industrial, Nesse sen- tido, o “confisco cambial” foi um instrumento de transferéncia, Para o setor industrial, de parte dos recursos criados com a ex- Portagio cafecira, Além disso, é importante considerar que 0 Titmo € © vulto da reprodugio do capital agrario sio necessi- riamente diversos do industrial. As condigdes naturais, as flu- tuagées. sazonais, sdo limites que nunca ou raramente afetam © setor industrial, Por isso, 0 tempo de realizacio do circuito do capital industrial € menor. E também o volume de capital mobilizado pode ser maior, devido as condigdes organizatérias das emprésas, Em suma, o capital industrial dispde de condig&es melhores para reproduzir-se, o que o leva a adquirir vanta- ‘gens crescentes sdbre o capital agririo. Essas condicées estru- turais da reprodugdo do capital, nos dois setores bisicos da €csnomia, nio podem ser menosprezadas, quando queremos compreender a situacio brasileira. Assim 0 atraso relativo do setor agrério niio deve ser tomado como indicative da auséncia de progresso ou, sequer, de transformagées significativas. © éxodo rural, pot exemplo, nao € um fato unilateral, decorrente da atragio exercida pela cidade ¢ pela indiistria, Ble esté relacionado também com as mudancas das condigées técnicas e socials da produgao em al- gumas regides agricolas. Embora s6 parcialmente se pudesse fazer entre nds a veti- ficagdo da racionalizagio das culturas e da mecanizagio do tra- batho agricola, nio se pode deixar de concluir pela existéncia dda interdependéncia, em algumas regies de nosso Pais, entre 0 4x0d0 rural e 0 progresso técnico processado na agricultura. (...) De modo que as inovagies nas téenicas de preparasdo & cultura da terra, benificiamento e transporte dos produtos a ‘colas € © forte aumento vegetativo da populaso rural, atuat 39 famente na sentido de estinular 9 Gxado rural em nosso Entretanto, podemos langar mao de outro indicador. Um exame detalhado do setor agrério revela que aumenta conti- nuamente 0 uso de fertilizantes, tratores, etc. S20 fatos indica- tivos da modernizagio do proceso produtivo na agriculiura. Juntamente com as condigdes do exodo rural, os dados rela- tivos a0 aumento do uso de tratores na agricultura brasileira demonstram a expansio do capitalismo no campo. Em outros térmos, continua a desenvolver-se a interdependéncia entre os setores industrial e agricola. £ verdade que ésse processo nao € uniforme nem universal, na sociedade agraria brasileira. En- tretanto, éle se revela perfeitamente delineado nos Estados de Sio Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espirito Santo e outros. _Nesses Estados, 0 crescimento da quantidade de tratores utilizados ocorreu simulténeamente a Teducio ou a estabilizago relativa da populag3o ocupada na agricultura, Alias, mesmo nos Estados do Nordeste, em que as estruturas arcaicas de produgdo so mais evidentes, verifi- ca-se uma discreta difusdo de tratores. Se bem que nessa regido © uso de arados aumenta muito mais rapidamente, por ser um instramento agricola mais acessivel A grande massa de agricul- tores, dos pontos de vista financeiro e técnico. ‘As tendéncias indicadas por ésses dados (Quadro VI) podem ser concretizadas ainda mais. Ha certos desenvolvimen- tos da sociedade agréria, em algumas regides do Pais, que re- velam progressos ¢ transformacoes profundas na emprésa capi- talista criada no campo. E 0 que mostra Paulo Schilling, em estudo sobre a expansao do capitalismo agriirio do Rio Grande do Sul © arroz, com sua cultura em grande escala, inicion no Rio Grande 0 tipo de exploracao agricola denominada pelos. norte- americanos plantations. Foi o inicio da penetrag3o capitalista no 3. José Francisco de Camargo, Frods Rural no Brasil, Boletim n. 1, Faculdade de Ciencias Fcondmicas e Administativas, Universidade de Sio Pauto, 1957. 40 QUADRO VI Aamicunruna: Prssost Ocurano, Tearones © ARabos Dados numéricos Unidader da Pessoal ocupado —_‘Tratores Arados Federacto 1980 1960 1950 19601950” 1960 Rondonia 4.678 doses 8 " 7 Acre 1590528938 36 33 8 Amazonas 80.705 166.259 1024 B 32 Roraima 2.444 3 2 1 un 2 Pari DVRS 3298153319 202 Aman 2.785 4198 6 23 14 33 Maranhio 368.625 988011641180 118 206307 335.187 2059499 1.403 Cea’ 498803 816.720 3236.35 Rio Grande do Nove 234.737 296.494 172461 30s Paraiba 41s Sa6797 62 SBE 3 eu Pernambuco 879.844 1.258479 142-999 3.902 SRB Alagoss 274.985 36439035296 2.683 5.608 Sergipe » 154721 2433964596 666, Bahia 1282771 LASTITL 8257S 4.647 5.294, M.Gerais 11868657 276.27 76) 5004 73968 95.040 ‘Aimorés 33.276 176.646 — 8 4 a Espt Santo 272992 259.041 58490 1.656. 2.458 R. de Janeiro 276730 240.853 457 1.469 12020 12.314 Guarabara “16.541 1893758123258 171 Sho Paulo 1.531.664 1.683.038 3.819 28.101 224.947 286.580 Santa Ca. farina 370.912.619.989 414.049 41.029 81.259, Parani. 507.607 1.276.854 280 4.996 30.405 324 Rio Grande do Sul 1.071.404 1.277.390 2245 16675 312.001 440.467 Mato Grosso 86279 184340 SO 997 11h «S386 Goiss 209.334 492.745 891.299 «1973 G3 D. Federal — 238 = 7 = 3 prasit. —10.996.834 15,521,701 8372 63.493 1.031.930 Fonte: Servico Nacional de Recenseamento. Ct. Anwirio Estatistico do Brasil, 1965. pig. 90 41 ‘campo rio-grandense. Rela primeira vez, foram empregados gran- ces capitais, assalariados em grande escala, méquinas agricolas © modernos métodos de cultivo. Processou-se verdadeiro rush, amo 20 campo, pois, como iria verificar-ss com 0 trigo, ox la- voureiros de arroz, em sua grande maioria, nfo eram agricul- ) ores tradicionais, mas citadinos de tOdas as profissoes. ( ‘A producio de trigo do Esiado, priticamente estacion: 14.009 toneladas em 1922 © 162.488, esi 1946, subi, nos ii times dez anos, em ritmo acelerado, atingindo 992.230 t. em 1956 (cal cifra representa a produgio total, inclusive a retengio- para semente, cérca de 10%, € 0 consumo focal das zonas pro- dutoras, onde exisiem dezens de pequenos moinhos no con- trolados pelo 8.£.T.). Como explicar essa progressio tio riipida, inédita no Brasil, tmlvez no mundo? Como foi possivel sextuplicar, em apenas dez anos, a produsio de trigo, enfrentande condigizs de todo ad- versas, quer no terreno agrondmico quer no econdmico? Homens de espirito pioneiro, mais capital e crédito, mais @ cigncia agronémica, mais dezenas de milhares de colas, mais a capacidade do nosso campesinato — ontem peso de fazenda. hoje tatorista e mectnico — fizeram ésse proditio. Continuando a transformaco iniciada pelo arroz, 0 trigo revo- luciona hoje 0 campo gaicho. A penetraco capitalista no cam- po é uma realidad: vitoriosa. © capital aplicado na lavoura de trigo, entre méquinas. instalagdes, lavouras feitas com recursos prdprios (sem financiamento), terras préprias ete, deve andar pela cifra de 10 bithdes de cruzsires. O parque de miquinas agricolas, tratores e ceifa-tritha automottizes, € de cérea de 10.000 uunidades. O niimero de plantadores, segundo o censo realizado pelo Ministério da Agricultura, em 1957, era de 131.000, 957% dos quais pequenos produtores. O niimero de assala Javoura mecanizada atinge também algmas dezenas de milhares'. 4, Paulo Schilling. Trigo, ISEB, Rio de Janeiro, 1959, pigs. 23-4 ¢ 26-7 do mesmo autor: Crise Econdmica no Rio Grande do Sul, Die fusio de Cultura Técnica, Parto Alegre, 1961, 42 Naturalmente ésses dados precisam ser tomados como in- dicativos de tendéncias. Numa visio de conjunto da sociedade agréria brasileira, quanto & organizacdo da produgao, devemos ° considerar que coexistem técnicas ¢ instituigdes tradicionais a0 lado de organizagdes modernas. Numa pesquisa exploratér destinada @ avaliar o desevolvimento tecnologico da agricul- tura nacional, Ruy Miller Paiva e William H. Nichols cheg ram a conclusio de que o Pais pode ser dividido em trés re~ sides principais: a) regio de agricultura extensiva e de mé- todos em geral primitivos; b) regido de agricultura intensiva fe de métodos em geral primitivos; e c) regio de agricultura de carter mais empresarial ¢ de métodos mais racionais, Neste lltimo grupo incluem-se dreas do Centro-Sul do Pais, com os seguintes caracteristicos: A agricultura nesta tltima classe € mais empresatial no. sen- tido de que o agricultor depende menos dos recursos naturais de Seu proprio estabelecimento. O lavrador compra maior volume de adubos, méquinas, combustiveis, rages, vacinas etc. para po- der produrir, assim ‘como € obrigado a acompanhat ‘com mais ‘Cuidado as exigéncias dos precos e dos mercados para poder ven- der com lucro © que produz’, Portanto, as estruturas agrétias ndo sio nem absoluta. mente rigidas nem absolutamente fechadas. Do ponto de vista do desenvolvimento econémico, baseado na industrializagio, a sociedade agriria deveria sofrer mudangas mais dristicas ¢ ace- leradas. De fato, o descompasso entre 0 setor agririo primérto € 0 setor secundério provocavam e provocam atritos ¢ deseas- tes no plano da economia global. Entretanto, ¢ conveniente observar que as estruturas agrétias ndo séo aut6nomas ¢ imu- nes as mudancas, Em realidade, clas sio integradas a estrutu- as mais amplas, nacionais e internacionais. Esto. ésses vine 5. Ruy Miller Paiva ¢ William H. Nichols, “Estégio do Desenvol- vimento Ténico da Agricultura Brasileira’, Revista Brasileira de Eco. nomia, Ano 19, n° 3, Rio de Janeiro, 1965, pags. 27-53; eitagio da pis, 61. Uma ‘anilise de carater histérico, sébre a expressio do ca: pitalismo no campo, foi reulizada por José’ César A. Gnaccarini, For- magdo de Emprésa'e Relaroes de Trabalio no Brasil Rural, MS, Sia Paulo, 1966. 43 culos que estabelecem as condigées de mudanga tanto quanto de estabilidade. lids, a tenacidade das estruturas agrarias tradicionais — tanto as econdmicas como as politicas — decorrem muito mais do fato de que o mundo rural esté profundamente determinado pelo padrao exportador, como padrio de organizacao da eco- nomia, Em outros térmos, os atritos e desencontros entre 0 funcionamento do setor agrario ¢ 0 funcionamento do setor in- dustrial néo dependem apenas das singularidades de cada um, Em plano conjuntural, dependem do jégo ¢ conflito de inte- tésses relativos & apropriagio e reproducdo do capital. Em plano estrutural (¢, portanto, propriamente histérico) as con- tradigbes entre ambos so governadas pelo fato de que o sector agrario ainda é profundamente determinado pelo modélo ex- portador. O segmento agrério da sociedade nacional continua voltado para o exterior, como area mais importante de realiza- do do capital. Além do mais, os centros de decisio — rela- tivamente ao mundo rural no Brasil — continuam a operar de fora pata dentro; isto é, localizam-se no exterior’, Em cer- to sentido, o setor agrério brasileiro ainda se encontra domina- do pelo “padrio cotonial”, ao passo que o setor industrial pre~ cisou reformular ésse padrdo, para firmar-se. Mais ainda, 0 setor secundério sdmente pode criar-se, em decorréncia do en- fraquecimento histérico — devido a crises, guetras, revolucdes, etc. — do sistema colonial do capitalismo. F nese quadro que estdo as razdes do antagonismo entre a cidade eo campo. Mas é nesse mesmo quadro que se encontram os fundamentos da con- ciliacdo © integragdo entre © mundo rurat ¢ 0 mundo urbano- industrial, Esses sio os motivos principais por que a sociedade agré- ria no se moderniza na escala indispensivel a algumas exigen- cias do desenvolvimento industrial. Mas é importante constatar que o desenvolvimento industrial, que depende e exige mudan- Gas sociais no mundo agrario, ¢ um determinado. Trata-se do desenvolvimento industrial que implica num “projeto” de desen- volvimento econémico global, de tipo independente, Portanto, 6 Elemenios importantes para a compreensio das condigies de_ma- rnutencio do carater “colonial” da afeicultura brasileira encontram-se tna obra de Cid Silveira, Café: Um Drama na Economia Nacional, Editéra Civilizasio Brasileira, Rio d2 Janeiro, 1962 44 trata-se do modélo de industrializagio que se pés em pritica entre 1930 ¢ 1964. Em especial, do modélo getuliano, que dependia de uma redefinigdo crescente das relagoes externas ¢ com a sociedade tradicional. E nessa época que se manifestam os primeiros sinais de organizagao politica dos trabalhadores agricolas. As tenses € 0s conflitos inerentes as relagdes de producio espoliativa, vigentes no campo, nao puderam mais ser controladas pelas técnicas tradicionais de favores, pressaes e violéncias. Ai sur- gem as associagées, ligas © sindicatos de trabalhadores. agri ‘colas.,Uma das primeiras organizagées foi criada em Pernambu- €o, em 1955. Em 1963, é promulgado o Estatuto do Traba- thador Rural. Vinte anos antes, em 1943, havia sido promulga- da a Consolidacdo das Leis do Trabalho cujo alvo principal € 0 setor industrial, Em ambos os casos, as relagdes de tra balho sio formalizadas em térmos conseqiientes com 0 mercado de trabalho capitalista, no espitito do modélo getuliano, com base no populismo, Entretanto, quando 0 modélo de desenvolvimento auténo- ‘mo comecou a ser abandonado, em especial a partir da politica econdmica posta em pratica ‘com 0 Govérno de Juscelino Kubitschek de Oliveira, 0 padrao colonial de organizagio do setor agtério brasileiro’ passou a conjugar-se, em ndvo estilo, com o padrio “‘internacionalista” de desenvovimento econd- 0. De certo modo, reencontram-se a sociedade rural e a so- Ciedade industrial, ‘estabelecendo-se novos compromissos com 98 setores externos. Nesse contexto, os antagonismos entre a cidade ¢ 0 campo sio minimizados. Isto nao significa que as contradigdes sio climinadas. Significa sdmente que se reduz a profundidade dos antagonismos entre a cidade © 0 campo, iA que a industrializagio nao esté mais vinculada a um “pro- jeto” de desenvolvimento nacional ¢ auténomo, Nao se coloca mais @ necessidade de rompimentos exlernos ¢ internos dris- ticos, pois que se redefine a dependéncia estrutural. Esses fatos © as relagdes que éles revelam sio importan- tes para uma discussio correta do problema crucial da refor- ma agréria, Inclusive, indicam porque se problema tem sido colocado de modo ambiguo ou confuso, Em certos casos é um falso problema. Se nio, vejamos. © balanco dos projetos apresentados no Congreso Na- cional e dos debates realizados ali ¢ na imprensa, suscitam varias questdes importantes. De um lado, e em plano mais geral, o debate coleca em confronto ¢ antagonismo duas posi- ‘gbes bisicas: 2) A reforma agréria como uma técnica de socializagio do processo produtivo. Esta interpretagio implica na adocao “do parcelamento da propriedade latifundiéria, como instrumen- to “revoluciondrio”, pois que quebraria ou reduziria o poder dos grandes proprictarios nas regides mais arcaicas. Essa po- sigdo no se interessa pelo outro lado da -proposta, que. impli- caria na ctiago de grandes contingentes de pequenos propric- térios. No primeiro momento, éles so “revolucionérios", em suas Jutas pela posse da terra’ e enfraquecimento do poder econmico e politico dos latifundidtios. Mas no segundo mo- mento serdo inevitivelmente conservadores, devido & relacao de propriedade que substitui a anterior. A ‘posse da terra es- gotard as motivacdes politicas anteriores. Trata-se de uma pro- Poxigéo tipica do socialismo reformista. Ela esti apoiada no pressuposto de que a estatizagao crescente da economia, ¢ cer- tos tipos de reformas sociais, poderiam conduzir o Pais a uma ‘organizagao econémica e politica socialista. b) A reforma agraria encarada como técnica de raciona- lizagdo da economia agricola. Neste caso, 0 que se busca 6 a “modernizacdo” das relacdes de trabalho, com o abandono dos padres espoliativos tradicionais, simbolizados no “vale”, no “barracio", na violéncia fisica, etc. Pretende-se alterar as con- digdes de tensio ¢ conflito nas relagdes de producio. Associ do a &ste objetivo, pretende-se que a reforma agritia propicie a ampliagdo do mercado interno para o sttor industrial, Ali ésses dois alvos (relacées de producdo formalizadas ¢ mercado interno efetivo) podem ser alcancados assim que 0 Estatuto do Trabathador Rural for aplicado, Nesse sentido, a reordenagio dos fatdres da producdo, com o objetivo de aumentar a pro- dutividade da emprésa agricola, no depende exclusivamente da reforma agriria. Depende da aplicacio efetiva ¢ integral de padrio propriamente capitalista de ofdenagio das relagoes de produgao. 46 © desenvolvimento industrial & uma condigio neceseria, mas no suficente, para a reforma ¢ 0 prostesso agricola, des. de que a reforma eo progresso se refiram 4 mecanizasio da agricultura © & organizagGo de grandes empréses agricolas. O desenvolvimento industrial € uma condiglo necessiria, porque a ‘aquinaria agricola, os frlilizantes quimicos e outros elementos € instrumentos necessirios para a agricultura moderna devem ser proporcionados pela indistria moderna. Além disso, 36 um aumento apreciivel da renda da populagto — fesultante da ex- ppanséo industrial e comercial — pode aumentar, ainda que em escala decrescente, a procura ‘de produtos agricclas e estimular prosressos na agricultira. Mas 0 desenvolvimento industrial em 5i nfo € suficiente para induzir & reforma agréria, E necessério contar, simultineamente, com outras condiges —¢ mesmo an- teriormente i prépria reforma agréria — para levar-se a cabo modangas efetivas. Entre as diversas condigdes, as mais impor- tantes so as melhoras nos transportes, a consolidagio das em- présas agricolas ¢ a regulamentagéo legal da redistribuigéo da {erra.. Assim, a organizagéo da agricultura, em grande ‘escala, torna:se uma realidade’, Alids, deixando-se de lado a reforma como técnica socia- Jizadora, preconizada pelo socialismo reformista, alguns alvos da reforma esto sendo (ou podem ser) obtidos por outros meios. Além da legislacdo trabalhista para o meio rural, que € um elemento névo, a ser aplicado em maior ou menor escala, favorecendo e forcando a mercantilizagdo efetiva das relagbes de producto, destacam-se ainda os seguintes fatos e processos reais: as migracGes rurais-urbanas; a ampliacio das zonas de influéncia e dominio dos centros industrializados; 0 crescimento dos meios de comunicacio e informacio; o aumento do con- sumo de méquinas, ferramentas, fertilizantes, etc. nos estabe- lecimentos agricolas; a ao discreta ou dréstica da Superin- tendéncia para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), 7. Pei-Kang Chang, Agricultura e Industrializacion, citado, pigs. 280. a da Companhia Hidrelétrica do Vale do Sao Francisco (CHEVF), da Comissio do Vale do So Francisco, da Co- missio Mista da Bacia do Uruguai-Paraguai, o Departamento Nacionat de Obras Contra as Sécas (DNOCS), o Plano de Va- lorizagdo Economica da Amazénia (SPVEA), 0 Banco do Nor- deste do Brasil (BNB), a construgdo de estradas como a Be- Jém-Brasilia, etc. Neste sentido, © debate s6bre os problemas relacio- nados com a reforma agréria as vézes foi confuso ou ambiguo. Raramente o debate estéve apoiado no exame objetivo do pro- cesso de reproducdo do capital, das condicdes técnicas e insi- tucionais de funcionamento da sociedade ¢ da economia agré- rias, dos antagonismos e das continuidades entre © setor pri- métio ¢ os setores secundérios e tercidrio, etc, Em geral, a “questio agréria” era colocada em térmos fundamentalmente politicos, sem a anilise correlata dos fatores e condicdes eco- némicas € sécio-culturais. Enfim, propunham-se rupturas mais ‘ou menos dristicas com a, “sociedade tradicional”, essencial- mente colonial, sem as cortespondentes rupturas necessérias ¢ correlatas no Ambito das relagdes externas. Tanto eram assim que Celso Furtado se viu obtigado a argumentar em detalhe, relativamente & questio da reforma agrdria na mais importan- te “regido problema”, isto 6, no: Nordeste. Disse éle: Na economia da caatinga, a divisio da terra seria o tito de misericérdia na economia, inclusive com a possivel liquidacio minagfo da renda da terra. Se fizéssemos isso na caatizga, 96s, 1 despovoatiamos, desorganizanso completament® a economia da regido, 0 que seria grave érro. Dadas as condigSes ecolégicas da caatinga ¢ dado o tipo de téenica que ali se utiliza, a subdi- visio das terras viria despovod-la porque nenhum homem pode subsistir na caatinga com uma propriedade pequena, mesmo média. Uma propriedade de 25 hectares, na regio, sdmente pro- Vida de uma tomada de gua pode subsistir. A unidade de produso na csatinga, para subsistiy, precisa ser relativaments Brande, rois as terras so pobres e, de certo modo, tém.de com- Pensar em quantidade sua deficiéncia qualitativa. (...) No agreste, se os senhares o percorrerem, encontrardo terras exiremamente subdivididas. Quatquer reforma agriria nessa. te: io implicaria desde logo em aelutinar tais unidades, © agreste € mais pobre, em certos aspectos técnicas, do que o sertio. E ‘outro Angulo do problema, sébre o qual no me posso estender Nese agreste, um homem para sobreviver, produzindo ‘lgodi rio pode ter menos de 10 hectares. Dez hectares para algodiio, © mais 10 hectares para manter o gado, se quiser ter algim animal como fonte ve traci. Uma unidade produtiva no agreste deve ter em média 20 hectares, a que, no caso, corresponde a uma grande propriedade. (...) A reforma aeriria, a, no se fari pela divisio da terra, mas, a0 contrério. pela agiutincio das pequenos sitios. Sea foperasio se deve Tazer pondo pars for © proprielério, latifun- idrio’ ou nao, € um problema politico — e x opedo por uma forma ou por oulra nio compete 40 economisia™ Dessa forma, 0 problema crucial da sociedade xa de sor apenas e fundamentalmente a reforma agriria. En- quanto setor de produgio inserido numa economia de tipo ca- pitatista, 0 progresso da agricultura esti na dependéncia da expansio das téenicas capitalistas no campo. Quando se toma ‘© modo capitalista de produgéo como dado, o problema da uti- lizagiio mais racional da terra depende muito mais da forma pela qual a producdo agricola se realiza no mercado. E, se- cundariamente, das relagoes de produgdo, tecnologia, etc.” As- sim, 0 fulero ‘da questo agréria no Brasil continua a ser a sobrevivéncia © a persisténcia do padrao colonial de organiza- $40 da produciio. A medida que 0 péso relativo dos estimulos dos mercados nacional e internacional variarem, poderaio ocor- fer modificagées nas estruturas econdmicas ¢ politicas no Bra- sil rural. Em certo plano, pois, a sociedade agriria é dupla- mente dependente: esté subordinada a centros de decisio ex- ternos as funcdes, ja predominantes, do setor industrial. 8, Cel Furtado. A Operncdo Nondeste, ISEB, Rio de Janeiro, 1959, pies, $7 © 59-60. SEGUNDA PARTE i Getulismo Populismo e Politica de Massas e Nacionalismo A\ roitica de massas foi a vida e @ morte do modéio getuliano de desenvolvimento econdmico. Durante uma das €lapas mais importantes das lutas pela industrializacao no Bra- sil (1914-64) criaram-se as condig6es institucionais, politicas ¢ culturais minimas para a consolidagdo de uma civilizagao prd- iamente urbano-industrial. Nesses anos — em especial depois de 1945 — as massas comecaram a participar em algumas decisses politicas ¢ na formulagao dos alvos do progresso na- cional. Em consegiéncia, estraturam-se mais dois modelos de desenvoivimenio, No jogo entre os diferentes grupos ¢ classes sociais, durante cingiienta anos, constatam-se bisicamente ‘quatro modelos de desenvolvimento € organizagio da economia brasileira. a) O mais antigo e a0 mesmo tempo o mais conservador 0 modélo exporiador. Implica na hegemonia do setor agrico- 53 Ja, segundo relagdes de producio ¢ técnicas de acumulagdo tra- dicionais. Tem a sua contrapartida necessiria na_importagio de manufaturas. Envolve a dependéncia externa, devido a co- mercializagao internacional da parte principal do café. Portanto, 08 centros da politica econdmica no Brasil esto localizados no estrangeico. Na época do predominio désse padrao de orga- nizagéo da economia nacional, 0 poder politico & exercido pela burguesia agrario-comercial, cujos micleos mais fortes ¢ organi zados situam-se nos Estados de Sio Paulo ¢ Minas Gerais. Os grupos jnteressados na manutencdo dessa politica econémica, € da estrutura de poder conveniente & mesma, sofreram uma derrota séria com a vitéria da Revolugdo de 1930; mas nao foi uma derrota total b) Em seguida, e em decorréncia da inadequagio do pa- rio exportador para atender as exigéncias crescentes ¢ mul- tiplicadas da economia ¢ da sociedade nacionais, constitui-se © modélo substituigdo de importacdes. Trata-se de encontrar uma combinagao positiva e dindmica com o setor agrério, en- cadeando as exigncias de divisas com as exigéncias de investi- mentos destinados a atender ao mercado interno, Esse padrao envolve a reformulacio dos vinculos externos e com a socieda- de tradiconal. Com base na politica de massas c no dirigismo estatal, estabelece gradagdes nas rupturas estruturais indispen- siveis & sua execucio, Fundamenta a politica externa indepen- dente ¢ implica auma doutrina do Brasil como poténcia autd- noma. Os elementos fundamentais désse padrio politico-eco- némico estéo consubstanciados na democracia populista desen- volvide depois de 1945. Esse é 0 modélo getuliano. c) Em concomitancia, ¢ em decorréncia do confronto entre os modelos exportador ¢ de substituicdo, constitui-se 0 modélo de desenvolvimento ¢ organizagio da economia que preconiza a associacdo de capitais © interésses politicos ¢ militares nacio- nais ¢ estrangeiros. Imptica na internacionalizagao crescente do setor industrial, ao lado do car‘iter fundamentalmente interna cionalista do setor agririo tradicional. Em certa medida, 0 mo- délo internacionalista — cu de associaco ampla — é um dos resultados inevitéveis do confronto € das contradigdes entre os dois anteriores. Em certo sentido, é a restauragio do modélo inicial — como padrio colonial — em térmos novos. Trata-se 54 de um produto dos desenvolvimentos politicos e econdmicos internacionais e nacionais. No jégo ¢ contradigio dos interésses das classes © grupos sociais em luta pelo poder e pela formu- Jago da politica econdmica, surge necessariamen’e 0 padrio de desenvolvimento combinado. E a sua implantacio exige a liquidagéo da democracia populista, como estrutura politica nacional, tanto quanto a destruigao da ideologia e pritica da doutrina de independéncia econdmica e politica. & uma com- binaggo nova entre os setores agrario e industrial, no ambito da reproducio ampliada do capital, Este modélo seré exami- nado em seis aspectos mais importantes na terceira parte desta obra. 4) © outro modélo de desenvolvimento nacional 0 so- cialista, Resulta dos confrontos e antagonismos entre as classes € grupos sociais. Em certo grau, ésse padrio constitui-se em ‘concomitincia com o modélo substituicdo, Em certas ocasiées estiveram mesmo confundidos, ou associados taticamente. Essa identificagio decorria do fato de que ambos eram, realmente, ainda que em gradagoes diversas, negagdes possiveis dos outros dois; isto é, implicavam na negagao dos modelos tradicionais de exportagiio e de associagdo internacional. Muitas vézes, 0 in- tervencionismo estatal, as tentativas de planificacao econdmica, as priticas da politica de massas, o reformismo, 0 florescimento cultural e politico, etc, foram encarados como pré-requisitos ou mesmo conquistas de tipo socialisa, Esse € 0 quadro ao mesmo tempo tedrico ¢ histérico em ‘que devemos inserir ¢ estudar a politica de massas como com- Ponente fundamental do padrao getuliano de desenvolvimento econémico. No progresso da industrializacio — em especial © estdgio de 1945-61 — a politica de massa ¢ um clemento crucial. Vejamos agora como ela se caracteriza. A combinaio dos interésses econdmicos ¢ politicos do proletariado, classe média e burguesia industrial é um elemen- to importante do getuliano. Essa combinacio efetiva e titica de interésses destina-se a favorecer a criagdo e expansio do setor industrial, tanto quanto do setor de servigos. Em conco- mitincia, criam-se instituigdes democriticas, destinadas a ga- rantir © acesso dos assalariados a uma parcela do poder. Na verdade, criam-se as condigées de luta para uma participagio 55 maior no produto, Em plano mais largo, trata-se de uma com- binacdo de foreas destinada a ampliar ¢ acelerar os rompimen- tos com a “sociedade tradicional” € os setores externos pr-do- minantes. Em verdade, foi com base no nacionalismo desen- volvimentista, como niicleo ideoldgico da politica de massas — em que se envolvem civis € militares, liberais © esquerdis- tas, assalariados ¢ estudantes universitérios — que se verifi- ca’a interiorizagao de alguns centros de decisio imporiantes para a formulagio ¢ execucao da politica econdmica. A cres- cente participagio do Estado na economia é, ao mesmo tempo, uma exigéncia ¢ uma conseqiléncia désse programa de nacio- nalizagio das decisoes. E nesse contexto ue se situam as conquistas das classes assalariadas, em especial do protetariado. Em 1940 cria-se 0 tegime de saldrio minimo, A partir de 1943, a Consolidacao day Leis do Trabalho aparece como o instrumento mais impor- tante do intercimbio de interésses entre assalariados e empre- sirios. Em 1963, transforma-se em lei o Estanuto do Traba- thador Rural, como elemento névo no desenvolvimento da po- litica de massas, quando © populismo vai ao campo. Esse intercimbio entre as classes foi exccutado com efi caicia, em boa parte ao menos, devido ao peleguismo, Trata-se «le uma prética incrente A estrutura da legislacao trabalbista, Mantinham-se os sindicatos operdrios € dos setores médias de- pendentes do Ministério (inicialmente, Ministério do Trabalho, Indiistria e Comércio, depois, apenas Ministério do Trabalho) pelo controle dos recursos financeiros exercidos por é&te. O ‘mpésto sindical — importincia equivalente ao salirio de um dia de trabalho, em cada ano — criado pelo govérno, deposi- tado e controlado pelo Ministério do Trabalho, ¢ a fonte dos recursos financeiros do sindicato'. Ai esté um’ dos elementos mais importantes do peleguismo. Acresce que os dirigentes sin- dicais sao eleitos, em geral, com base na anuéncia ¢ fiscaliza- gio do Ministétio, isto é do Govérno. Nessas con os sindicatos ¢ seus dirigentes reduzem-se a instrumenios de ma- nobras politicas as vézes totalmente alheias aos interésses dos assalariados. Ou entio, as lideranas operirias ¢ comer: 1. Comolidacao das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n® 5.482, de 8 de maio de 1943, arts, $78-595. 56 séo obrigadas a formular uma linha de atuacio politica con- gruente, de alguma forma, com os interésses governamentais, Como vemos, a formalizagdo das relagbes de trabalho, nos tér- mos em que é feila — tanto na Consolidagie d, eis do Tra- balho como no Estatuto do Trabathador Rural — implica na delimitagio e contréle das condigdes de atuacdo politica das classes assalariadas. Outro elemento importante para a compreensio da estru- tura da politica de massas ¢ a composicio rufal-urbana do pro- fetariado industrial. Ai esté um dos fatdres da inexperiéncia politica dessa parte do povo brasileiro. Com as migragozs in- ternas, no sentido das cidades e dos centros industriais — par- ticularmente intensas a partir de 1945 — aumenta bastante ¢ rapidamente 0 contingente relativo dos trabalhadores sem qual- quer tradicao politica. O seu horizonte cultural esta profun- damente mareado pelos valéres e padrées do mundo rural. Neste, predominam formas patrimoniais ou comunitirias de or- ganizagéo do poder, de lideranca ¢ submissao, etc. Em par- ticular, 0 universo ‘social ¢ cultural do trabalhador agricola Gsitiante, parceiro, colono, camarada, agregado, pelo, volan- te, etc.) est delimitado pelo misticismo, a violéncia ¢ 0 con formismo, como solugdes tradicionais. Esse horizon’e cultural modifica-se na cidade, na indistria, mas de modo lento, parcial © contraditorio. Na definigo da situagio e das relagBes do opericio com fa fabrica, a maquina, 0 capalar, ogerente, etc. persisiem ele- ‘que se’ interpéem entre pessoas e as coisas. Por i380, a definigio do outro nio é politica, Segundo a conotagio pata a qual tendem as relagBes entre ven- dedor e comprador de f6rga de trabalho?. 2. Octavio lanni, Estado e Capitalismo, citado. pag. 159. Também: Getavio Ianni, Paulo Singer, Gabriel Cohn e Francisco C. Weffort, Politica ¢ Revolupio Social’ no Brasil, Bditdra Civilizagso Brasileira, Rio de Janciro, 1965, esp. Caps. III ¢ IV. Lutz Pereira, Trabatho ¢ Desenvolvimento no Brasil, Difusfo Européia do Livro, Sio Paulo, 1965; Juarez Brandzo Lopes, Sociedade Industrial no Brasil, Difusio Européia do Livro, So Paulo, 1964; Eunice Ribeiro Durham, Mieracdo, Trabalho ¢ Familia, So Paulo, 1966, MS; Geraldo Samo, Viramundo, documentirio.cinematogrifico, Sio Paulo, 1965. 57

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