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“ERA UMA VEZ...” PROVA PROJECTIVA PARA CRIANCAS. Teresa Fagulha* 1. Indicasées a. Dimensées avaliadas A prova “Era uma vez...” 6 uma situacdo projectiva que tem como objectivo descrever o modo como as criangas lidam com a ansiedade € com o prazer, emogdes fundamentais na organizagio dos proces- sos mentais ¢ na estruturagio desenvolvimento da personalidade. O processo de elaboragdo destas emogGes, num espago transicional centre a fantasia ¢ a realidade (Winnicott, 1971), configura a rede de intercdmbios ¢ relagdes significativas que a crianga estabelece com 0 seu mundo de objectos, externos ¢ internos. b. Populacdes-alvo £ uma prova para criangas entre os 5 € os 11 anos. 2. Historia ‘A prova “Era uma ver...” foi apresentada como dissertagao de doutoramento da autora & Faculdade de Psicologia ¢ de Ciéncias da Educagio da Universidade de Lisboa, em 1992. Em 1993, foi edita- do o material e respectivo Manual, que teve a 2." edicdo em 1997. ‘Tem sido divulgada em reunides cientificas, nacionais ¢ internacio- nais, ¢ utilizada em varias investigacdes em Portugal € numa tese de licenciatura na Universidade de Liége, com uma amostra de crian- gas belgas. Um capitulo sobre a prova foi incluido no Handbook of Cross-Cultural and Multicultural Personality Assessment, editado por Richard Dana, em 2000, Universidade de Lisboo. vatogroatss oySerwvae _nvangho Psiconscica 3. Fundamentacao teorica As técnicas projectivas baseiam-se no pressuposto de que quando se pede a um individuo que dé um significado a um estimulo relati- vamente ambiguo ou vago, a sua resposta reflectira as suas necessi- dades, experiéncias, sentimentos e processos de pensamento, 0 seu mundo interno. © conceito subjacente a este processo de criagio- interpretagao é designado por “hipétese projectiva”. Nesta hipétese, encontra-se implicita a nogao de que todo o in- dividuo vive, em certo sentido, num mundo nico de experiéncias. {As caracteristicas desse mundo ~ 0 modo como cada um o vivencia, € que € um produto combinado da individualidade propria e da in- fluéncia do meio ~ podem deduzir-se da observagao dos seus com- portamentos em condigées controladas, entre as quais as situagdes padronizadas das provas projectivas. A prova faz parte de um subconjunto destas situacdes, as provas tematicas, em que a resposta pedida é a criagao de uma histéria. Mais. especificamente, € pedido a crianga que complete hist6rias apresenta- das em formato de banda desenhada e que se referem a uma mesma personagem, menino ou menina, de acordo com o sexo da crianga. ‘A prova distingue-se de outras provas tematicas pelo facto de a resposta nao depender unicamente da verbalizacao. Para continuar a historia apresentada em cada cartao, a crianga comeca por escolher 3 entre 9 cenas desenhadas, que coloca em sequéncia € s6 entdo “con- ta” a historia que organizou. ‘As nove cenas desenhadas disponiveis para cada cartdo agrupam- se em trés categorias: trés cenas representam formas de resolugio da situagio, realisticamente adequadas. Sao designadas por cenas de Realidade. Trés cenas representam situagbes agradaveis, como con- traponto aos aspectos criticos da situacao apresentada no cartéo. Séo designadas por cenas de Fantasia. Trés cenas retratam situagdes em {que 0 aspecto critico surge acentuado. Sao designadas por cenas de Afligao. ‘A criagio destas trés categorias de cenas assenta na conceptu- alizagao de Winnicott sobre a “area transicional da experiéncia” (Winnicott, 1971), espaco potencial entre a fantasia e a realidade, onde as experigncias emocionais se podem elaborar de forma criati- va. Os episédios de vida da personage apresentados nos cartes da prova pretendem suscitar na crianga ansiedade e de prazet. A estrutura da prova foi organiza cionar condigdes para a elaboragio d Gao tem dois objectivos fundamentais der e descrever as caracteristicas des — objectivo de avaliagio psicolégies - a crianga a vivencia dessa elaboragie psic6logo — objectivo terapéutico sem Ena conceptualizagio de Winnica proporcionar & crianca as cenas dese Iher. Winnicott (1971) afirma que ‘ow imaginar. As cenas podem consid (brinquedos) que o psicélogo disponl que, através deles, a crianga expresse desejos ¢ fantasias. A crianga comus apoiada na relagao que entre ambos melhor controlo dos aspectos criticos vas ¢ subjectivas. Na prova “Era uma vez..”, as tos do real que se colocam disposs claboragao e comunicagio das suas € das pelas situagoes de vida da persom Estas situagoes tém uma caracteristi cartes) ou agradavel (2 cartes). Oss agradaveis apresentados na prova ss da personagem (cartio V) e um pas existe a possibilidade de conviver ea Sendo, geralmente, experiéncias de ¢ conflito e ansiedade se a insegurang forem intensas, desencadeando na © frustragoes. Do ponto de vista diagnéstico, € ¢a pode experimentar 0 prazer que ’ sentimentos de confianga, competéng mais apta a enfrentar as inevitaveis si (Klein, 1972). A culpabilidade intens conduzir A supressio dos desejos. Ne ressuposto de que quando Sado a um estimulo relati- 5 reflectira as suas necessi- sos de pensamento, 0 seu ‘este processo de criagio- rojectiva”. s nogdo de que todo o in- ido Ginico de experiéncias. como cada um o vivencia, dualidade propria e da in- observagao dos seus com- ntre as quais as situagdes destas situagdes, as provas asao de uma historia. Mais mplete hist6rias apresenta- e se referem a uma mesma o.com o sexo da crianga. tematicas pelo facto de a aliza¢ao. Para continuar a siga comega por escolher 3 sequéncia e s6 ento “con- nara cada cartio agrupam- stam formas de resolugio jo designadas por cenas de Ses agradaveis, como con- apresentada no cartio. So pas retratam situagdes em o designadas por cenas de snas assenta na conceptu- sicional da experiéncia” e a fantasia ¢ a realidade, m elaborar de forma criati- presentados nos cartdes da prova pretendem suscitar na crianga as experiéncias emocionais de ansiedade e de prazer. A estrutura da prova foi organizada com o objectivo de propor- cionar condigées para a elaboragao dessas emogdes. Esta organiza~ do tem dois objectivos fundamentais ¢ interligados: permitir enten- der e descrever as caracteristicas dessa elaboracdo em cada crianga = objectivo de avaliagao psicolégica ~ e, simultaneamente, fornecer 4 crianga a vivencia dessa elaboracdo no contexto da relagio com 0 psicélogo - objectivo terapéutico sempre presente na avaliacao. E na conceptualizagao de Winnicott que se fundamenta a ideia de proporcionar a crianca as cenas desenhadas para manipular ¢ esco- Iher. Winnicott (1971) afirma que “brincar é fazer” e nao s6 pensar ‘ou imaginar. As cenas podem considerar-se equivalentes dos objectos (brinquedos) que o psicélogo disponibiliza na entrevista lidica, para que, através deles, a crianga expresse 0 seu mundo de sentimentos, desejos e fantasias. A crianga comunica esse mundo ao psicdlogo e, apoiada na relagao que entre ambos se estabelece, pode aceder a um melhor controlo dos aspectos criticos das suas experiéncias, objecti- vvas e subjectivas. Na prova “Era uma vez...”, as cenas desenhadas so os elemen- tos do real que se colocam a disposicio da crianga para facilitar a elaboragao ¢ comunicagio das suas experiéncias emocionais, evoca- das pelas situagoes de vida da personagem apresentadas nos cartes. Estas situagdes tém uma caracteristica essencialmente ansiogénea (5 cartoes) ou agradavel (2 cartdes). Os acontecimentos potencialmente agradaveis apresentados na prova sio: a celebragao do aniversério dda personagem (cartdo V) e um passeio & praia com os pais, onde existe a possibilidade de conviver com outras criangas (cartao Ill). Sendo, geralmente, experiéncias de prazer, podem ser vividas com conflito e ansiedade se a inseguranga emocional e a culpabilidade forem intensas, desencadeando na crianga associagées a perigos ¢ frustragoes. Do ponto de vista diagnéstico, é relevante entender se a crian- a pode experimentar 0 prazer que sustenta o desenvolvimento de sentimentos de confianga, competéncia ¢ identidade, que a tornam ‘mais apta a enfrentar as inevitaveis situagdes de conflito e frustracio (Klein, 1972). A culpabilidade intensa e 0 medo da decepgao podem conduzir a supressdo dos desejos. Nestas circunstancias, o objectivo & ‘rnp 001s oxteny AVALIAGKO PsiCoLdCICA fundamental € combater a ansiedade e culpabilidade, mesmo que tal exija a rentincia ao prazer, Nesta Optica, a reacgdo negativista face & expectativa de prazer pode constituir um alerta para a eventualidade de um desenvolvimento psicolégico desajustado ou mais gravemente perturbado (Klein, 1969/1932). (Os medos ¢ ansiedades que se observam nas crianeas, e que elas ‘manifestam com mais facilidade do que os adultos, sio experién-

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