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: : Dn: Bowmicz 1; Eorim, 2. © Cog.) teoa Dlerdnen, , Lim poansas , 2 20d rae . GF Chee, eos, p 295. 2x3 )) LITERATURA DE AUTORIA FEMININA Liicia Osana Zolin A critica feminista, surgida por volta de 1970 no contexto do feminismo, fez emergit uma tradicio literéria feminina até entio ignorada pela historia da literatura. Tomando como elemento norteador a bandeira do feminismo ¢, portanto, a ética da alteridade e da diferenca, muitos historiadores literdrios comegaram a resgatar ¢ a reinterpretar a producio literdria de autoria feminina, numa atitude de historicizagio que se constituiu como resisténcia 3 ideologia que historicamente vinha regulando o saber sobre a literatura. Trata-se de promover a desestabilizacio de paradigmas estabelecidos © saberes institufdos, como o de “essencialismo, homogeinizacio ¢ tuniversalismo que sustenta a institucionalizagio da literatura e que subjaz as nogdes vigentes de tradicio ¢ cinone literdrio, ao discurso crftico da historiografia literaria, as estratégias interpretativas € critérios de valoragio herdados ¢ legitimados na cultura patriarcal” (SCHMIDT, 1999, p. 36). O resultado do processo de questionamento dessas préticas que determinam a invisibilidade histérica da mulher, entendida como sujeito nao s6 da producio literaria, mas também da producio critica te6rica, aponta, como bem assinala Schmidt, para a territorializagio desse sujeito num espaco tradicionalmente entendido como sendo da algada masculina. Historicamente, o cénone literdrio, tido como um perene ¢ exemplar conjunto de obras-primas representativas de determinada cultura local, sempre foi constituido pelo homem ocidental, branco, de classe médivalta; portanto, regulado por uma ideologia que exclui os escritos das mulheres, das etnias no-brancas, das chamadas tninorias sexuais, dos segmentos sociais menos favorecidos etc Para a mulher inserir-se nesse universo, foram precisos uma ruptura e 0 antincio de uma alteridade em relagio a essa visio de mundo centrada no logocentrismo ¢ no falocentrismo. Ser 0 outro, 0 exeluso, o estranho ¢ préprio da mulher que quer penetrar no “sério" mundo académico ou literfrio. Nio se pode ignorar «uc, por motivos mioldgicos, antropol6gicos, sociol6gicos e histéricos, 2 mulher foi exchuida do mundo da escrita ~s6 podendo introduzir seu nome na histéria européia por assim dizer através de arestas e fiestas que conseguiu abrir através de seu aprendizado de ler ¢ eserever em conventos (LOBO, 1999, p. 5) © -——o(T)eonta LrteRARTA Essa exclusio da mulher do mundo da escrita, de que fala Lobo (1999a), fica mais bem esclarecida mediante o fragmento que destacamos a seguir, retirado do artigo “Feminismo activo”, publicado em 1911, do escritor e jornalista Jodo do Rio. Trata-se de uma amostragem da postura critica, extremamente discriminadora, em ‘relagio 4 literatura de autoria feminina, propria da ideologia reguladora da tradi¢io can6nica, essencialmente marcada pelo reptidio das diferencas: Eu sempre tive pelassenhoras que fazem literatura ~ um stemorado 1espeito. As relagbes com uma postsa so verdadeiros desastresimpossveis de remediar, mas que o glantio social obrien @ acorogoat. Quando a femme de les deta 0 verso ¢ embarafista por ovtras dependéncias da complicada arte de eserever, a8 telagGes passam calamidade. ..] Porque exevom ea seniors? Ning 0 Soube;ninguém 0 saberd. Com eran porue no tnham mas © que Jace, camo a Dugqueza de Dino. Mas es scree, exreve, exrvem: JOKO DO RIO 191, apad XAVIER, 1999. p19) Sio posicionamentos criticos como esse, moeda corrente na nossa tradicio literéria, que tem impulsionado a critica literdria feminista contemporinea a trabalhur, no sentido de desmascarar os prinefpios que tém fundamentado o cinone literario, seus pressupostos ideolégicos, seus c6digos estéticos € ret6ricos, tio marcados por preconceitos de cor, de raga, de classe social e de sexo, para, entio, desestabiliza-lo, reconstru‘-lo. que se observa, na verdade, é uma reacio impulsionada pela descoberta de que o valor estético da literatura candnica no reside apenas no proprio texto, mas em fatores como os acima arrolados, construidos em consonancia com os valores da ideologia patriarcal. A inten¢io € promover a visibilidade da mulher como produtora de um discurso que se quer novo, um discurso dissonante em relacio Aquele arraigado milenarmente na consciéncia e no inconsciente coletivos, inserindo-a na historiografia litera. No Brasil, como no exterior, a literatura de autoria ferninina, de até bem pouco tempo atras, néo existia efetivamente, isto é nao aparecia no cinone tradicional. Conforme observa Viana (1995, p. 168.9), as “Hist6rias Literdrias” de José Verfssimo e Silvio Romero “nos deixam a impressio de que ‘© mundo da literatura era povoado somente por homens”. Até mesmo A histéria da literatura brasileira, de Liicia Miguel Pereira, publicada em 1950, critica que se fez reconhecer no “estreito cfrculo dos literatos masculinos”, refere-se apenas a Jilia Lopes de Almeida, certamente por no considerar que as _demais escritoras da época tenham participagio na formacio da identidade nacional ou, simplesmente, por considerar suas obras inferiores em relacio aquelas modelares dos “homens letrados”. Do mesmo modo, as “Hist6rias” mais recentes referenclam a exclusio da mulher como sujeito participativo da historia. © novo lugar que a mulher passa a ocupar na sociedade em decorréncia do feminismo fee-se refletir (¢ nfo poderia ser diferente) nesse status quo. De um lado, a critica literdria, antes de dominio quase exclusivamente masculino, passou a ser praticada por mulheres; de outro, estas passaram a escrever mais como literatas, livres dos temores da rejeigio e do escéndalo, Nesse sentido, tem fundamental importincia o trabalho de resgate da producio literiria de autoria feminina, relegada ao esquecimento pela tradicio candnica sob o pretexto de consistir numa produigio de baixo valor estético em face da chamada alta literatura de autoria masculina. No Brasil, 0 resultado desse trabalho aponta para a descoberta de intimeras obras de escritoras do século XIX, que, apesar de sua qualidade estética, jamais foram citadas pela critica Na esteira desse trabalho de resgate da produgio literdria de autoria feminina vem o trabalho de revisionismo critico. Considerando que o cénone consiste numa instituicio capaz de determinar e indicar a literatuta representativa de determinada cultura, pode-se dizer que sua constituicio é uma decorréncia do discurso critico dessa cultura. No contexto da cultura literiria patriarcal, 0 sentido do candnico nele se insereve. Isso implica dizer que as obras af valorizadas sio aquelas que encerram os pressupostos consensuais do patriarcalismo (SCHMIDT, 1996). ‘Ao se dedicar a esse trabalho de resgate e reavaliagio de obras de autoria feminina, o ferminismo critico, erigido sobre 0 pensamento pés-estruturalista que busca desconstruir a neutralidade que supostamente marcaria a construgio do saber, revisita as categorias institufdas da critica literdria a fim de ampliar as perspectivas de anélise; submeté-las a um outro olhar, um olhar capaz de detectar € de desnudar particularidades a que a convengio masculina nunca esteve atenta, 276 A editora Mulheres publicou, em 1999, a antologia Bscritoras brasileira do século XIX, organizada pela professora Zahidé Lupinacci Muzart. O trabalho € resultado de um projeto desenvolvido por pesquisadoras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ¢ da Pundacio Casa de Rui Barbosa (FCRB), com o apoio do CNPq. As mais de 900 paginas dessa antologia revelam uma producio literdria ¢ jornalistica de 52 autoras, marcada por um vigor estético ¢ por uma atualidade surpreendentes, que, apesar disso, foi esquecida por todo um século, Hi que se compreender a critica feminista mediante a relagio cAnone x hist6ria-literéria- falocéntrica, numa perspectiva revisionista alicergada nos pressupostos da Estética da Recepcio: 1. Ahhistéra & qualificada a pattr de um olhar que retrocede no tempo de forma seletiva 2. Ela nio é exttica, nio ratfea ou coleciona 0 jf dado, numa tradigio canénica, mas altera-se constantemente numa revisio fenomenol6gica 3. Eh constitui-se de narrtivas que a todo momento compéem novos conjuntos literitios ¢ de interpretagio narrativa e historiogréfica (que analisa a propria histéria). Assim, o cSnone se enriquece e se desvia a cada época, a partir de releitura erticas ¢ sedimentagées temporais que ocorrem em funcio de acontecimentos poltcos, medangas sociol6gicas, mas principalmente de mudangas de mentalidades (LOBO, 1999, p. 45) © mesmo impulso que a revolugio cultural dos anos 1960, empenhada em destronar a autoridade do falo-etno-curo-centrismo, exerceu sobre os estudos criticos feministas pode ser observado em relacio & literatura de autoria feminina. As isoladas aparigoes de mulheres escritoras nos anos 1930 ¢ 1940 na lista de escritores consagrados dio lugar, nos anos 1970 1980, a uma explosio de publicagdes: Raquel de Queiroz ¢ Cecilia Meireles, ao serem reconhecidas nacionalmente, abrem as portas das editoras a outras escritoras, mas é Clarice Lispector quem “abre ‘uma tradicio para a literatura da mulher no Brasil, gerando um sistema de influéncias que se fara reconhecido na geragio seguinte” (VIANA, 1995, p. 172) Inserida nesse contexto de mudangas, a literatura brasileira agrega a si “outras” vozes. Na trilha de Clarice Lispector, surgem as hoje imortais da Academia Brasileira de-Eetras Ligia Fagundes Telles ¢ Nélida Pion, seguidas de muitas outras escritoras reconhecidas, como Lya Luft, Adélia Prado, Hilda Hilst, Patricia Bins, Sénia Coutinho, Zulmira Tavares, Marcia Denser, Marina Colassanti, Helena Parente Cunha e Judith Grossman, para citarmos apenas algumas. Tratasse de escritoras que, tendo em vista a mudanga de mentalidade descortinada pelo feminismo em relagio 4 condigio social da mulher, lancam-se no mundo da ficcfo, até entio genuinamente masculino, engendrando narrativas povoadas de personagens femininas conscientes, do estado de dependéncia e submissio a que a ideologia patriarcal relegou a mulher. Tendo detectado o fato de que a mulher sempre fora produtora de uma literatura propria, embora esta tenha permanecido por tanto tempo no limbo, criticos(as) feministas, a0 desempenharem a fungio de fazé-la emergir, reinterpretando-a e revisando os mecanismos dos pressupostos tedricos que a marginalizaram, tém-lhe perscrutado a trajet6ria com 0 objetivo de_descrevé-la, dando 1 conhecer suas marcas, suas peculiaridades em cada época especifica. E © que faz, por exemplo, a ensafsta norte-americana Elaine Showalter (1985). Em A literature of their own: British women novelists from Bronté to Lessing, ela entende que quando se debruga sobre os trabalhos dis escritoras, tomados coletivamente, pode-se perceber a recorréncia, de geracio para geracio, a determinados padrdes, temas, problemas e imagens. B 0 que ela chama de “female literary tradition” e que busca descrever, tomando como corpus a tradigio literéria feminina no romance inglés. Showalter (1985) argumenta que os grupos minoritérios acabam por encontrar formas préprias de expresso em relagio 3 sociedade dominante em que estio inseridos. No caso das mulheres escritoras, elas teriam construido uma espécie de subcultura dentro dos limites da sociedade regulada pela ideologia patriarcal. Noutras palavras, elas construiram sua tradigio literdria (que nfo € absolutamente inata a0, sexo biol6gico) a partir das relagdes, ainda em desenvolvimento, travadas com a sociedade maior em que se inserem. O cbjetivo de Showalter (1985), nesse sentido, é investigar as 277 ——-e€Tconta titerAnra maneiras pelas quais a autoconsciéncia da mulher traduziu-se na literatura por ela produzida num tempo ¢ espaco determinados ¢ como ela se desenvolveu. No entender da ensaista, todas as subculturas literirias, como a negra, a judia, a canadense, a anglo-indiana, a americana etc., percorrem trés grandes fases: a de imitagio © de internalizagio dos padrdes dominantes; a fase de protesio contra tais padres ¢ valores; ¢ a fase de autodescoberta, marcada pela busca da identidade propria. Adaptando essas fases 3s especificidades da literatura de autoria feminina, tem-se a fase feminina, a feminisia e a fémea (ou muilher), respectivamente. Nessa ordem de idéias, Showalter (1985) chama a literatura inglesa produzida no perfodo entre 1840 ¢ 1880 de _feminina, por caracterizar-se pela repeti¢io dos padrdes culturais dominantes, ou seja, pela imitagio ‘do modelo patriarcal, caso do romance Jane Eyre, de Charlotte B-onté, publicado em 1847; a fase feminista da literatura inglesa vai de 1880 a 1920 ¢ € marcada pelo protesto ¢ pela ruptura em relagio a ‘esse modelo; os romances de Virginia Woolf, Mrs. Dalloway (1925) e To the lighthouse (1927), poder ser citados como exemplo; a fase fémea, marcada pela autodescoberta e pela busca da identidade, inicia-se ainda na década de 1920 e estende-se até os dias atuais, sendo que apresenta um novo estigio de autoconscigncia na década de 1960, caso de The bloody chvmber (1979), de Angela Carter. O termo female (fémea) contrapde-se a male ¢ se afasta do aspecto relacional (masculino ¢ feminino) contido no conceito género para centrar-se no dado biol6gico. Assim, female significa simplesmente do sexo feminino. Essas categorias nio sio, absolutamente, rigidas, mas misturam-se, de tal modo que € possivel encontrar todas elas presentes na obra de uma mesma escritora a princes de Clive (1678), de Madame de Lafayette; Ljane Eye (1847) © Shiny (1849), de Charlore Bronté; The mill on the las (1860) © Middlemarch (1871), de George Eloi: Valentine (1832) © Lilie (1833), de Georg: Sand Protesto contra os valores €|Mrs. Daloway (1925) e To the lighthouse (1927), de 0s padres vigentes: Virginia Wool, Pilgrimage (1915, em folhetim; 1967, como romance), de Dorothy Richardson; The hot! (1927), de Elizabeth Bowen; A convidada (1943), de Simone de Beauvoir. “The Hoody chamibir (1979) © Wise cilden (1991), de Angela Carter; Strange meting (1971), de Susan Hil Fase femea (ou mulher) | Autodescoberts ‘The clr puple (1982), de Alice Walker; The sees frat) Buscade identdade propria | jay (2001), de Doris Lessing; The pickup (2001), de Nadine Gordimer; Les armoies vides (1984), Ce quis disent ou rien (1977), La femme geleé (1981), de Annie Ernau. Fase feminina Imitagio ¢ internalizagio dos (feminine) valores e padres vigentes Fase feminista (feminist) Defesa dos direitos e dos valores das minorias ‘Quadro 1. Fases da tradigio literdria de autoriafeminina, segundo Showalter (1985) Na literatura francesa, os romances de Madame de Lafayette (1634-1693), sobretudo La princesse de Clive (1678), ¢ os de George Sand (1804-1876), Valentine (1832) ¢ Léa (1833), poderiam ser citados como representantes da fase femtinina; o romance A convidada (1943), de Simone de Beauvoir, como exemplar da fase feminista e os romances de Annie Ernaux (1904 — ), Les armoires vides (1984), (Ce qu's disent ou rien (1977), La femme geleé (1981), como tipicos da fase femea. Na literatura brasileira, esse percurso da trajet6ria da autoria feminina, descrito por Showalter (1985), sofre algumas modificagdes no que tange 4 cronologia. A pesquisadora carioca Elédia Xavier, no ensaio “Narrativa de autoria ferninina na literatura brasileira: as marcas da trajet6ria" (1998), seleciona algumas autoras ¢ obras tomadas como marcos representativos de cada uma das etapas referidas. A feminina teria se iniciado com a publicagio de Ursula (859), de Maria Firmina dos Rei ‘um dos primeiros romances brasileiros de autoria feminina, ¢ se estendido até 1944, quando Clarice Lispector inaugura sua produgio literdria com a publicacio de Ferto do coragio selvagem. De modo geral, a obra clariceana estrutura-se em torno das relagdes de géne*o que trazem a tona as diferencas sociais cristalizadas entre os sexos, as quais cerceiam quaisquer possibilidades de a mulher atingir sua plenitude existencial, Trata-se, portanto, de a escritora inaugurar uma nova fase na trajetéria da literatura brasileira de autoria femninina no Brasil — feminita, na terminologia de Showalter ~ marcada pelo protesto e pela ruptura em relagio aos modelos e valores dominantes. Fase essa que, uma vez inaugurada, contou com muitas outras representantes, conforme veremos mais adiante, ¢ estendeu- se até 0s anos 1990, quando comecam a surgir romances escritos por mulheres que se caracterizam por nio mais fazer das relagGes «le género o dado determinante dos dramas narrados, inaugurando a fase fémea, em que se pode vislumbrar a representacio de uma nova imagem feminina, livre do peso da tradico patriarcal Tendo em vista 0 recorte proposto por Xavier (1998, 2002), passemos a perscrutar algumas obras representativas da trajet6ria da literatura de autoria feminina no Brasil, buscando salientar como se processa, no ambito da historia narrada, cada uma das fises referidas, Podemos tomar como representantes genuinos da fase jéminina, de intenalizagéo dos valores vigentes, cujas obras sio marcadas pela reduplicagio da tradicZo, tanto no que se refere as questdes éticas ¢ ideolégicas, como no que tange as estéticas, os romances Ursula (1859), de Maria Firmina dos Reis; A intrusa (1908), de Jilia Lopes de Almeida; ¢ A sucssora (1934), de Carolina Nabuco. O primeiro reduplica os valores patriarcais, através de seu estilo gético-sentimental, enquadrado nos padrées romfinticos. A autora pde em cena a frigil donzela sendo disputada entre o mocinho ¢ o vilio. A protagonista Ursula, simbolo de pureza e de bondade, objeto de desejo de dois homens: o virtuoso Tancredo, a quem ama, ¢ © poderoso e o ctuel Fernando. Com a morte da mie, Tancredo protege a desvalida 6rfi da vilania de Fernando, levando-a para a protegio de um convento, onde permanece até o casamento. Na safda da igreja, Fernando assissina o marido e rapta a noiva, que, conseqiientemente, enlouquece ¢ morre. Nesse tipico romance da fase feminina, tudo é construido de acordo com a mais estrita ideologia patriarcal, em que a mulher no tem voz, nem vez; a maior arma de que dispoe para atingir seus objetivos € o pranto. Em A inirusa, Jélia Lopes de Almeida cria um universo ficcional em que o final feliz € dado pela revelagio da beleza e do encanto de uma auténtica “rainha do lar”. Argemiro, um advogado de sucesso, promete & esposa no leito de morte que jamais se casaria novamente. contrata, ento, uma governanta para gerenciar a casa, com quem nio quer ter nenhum contato; estando cle presente, cla deve desaparecer de suas vistas. Apesar de sua invisibilidade, um dado fundamental na narrativa, ela vai conquistando Argemiro pelos servicos prestados: a casa esti sempre impecivel, a comida, deliciosa, a filha, antes rebelde, passa a aprender as prendas domésticas e a comportar-se como uma senhorinha. Ele nio conhece o sujeito de tudo isso, mas est completamente seduzido, até que tem que fazer uma viagem e, entio, sua sogra, desconfiada de que alguma coisa pudesse estar acontecendo, demite a governanta. No seu retorno, quando tem que acertar as contas com ela, vé 0 set Tosto © se rende a seus encantos. Esse desfecho ratifica plenamente a ideologia patriarcal; Argemiro nio se rende, propriamente, aos atributos da mulher, tomada como individuo, mas aos atributos dos servicos prestados por ela, somados & sua beleza. A sueessora, de Carolina Nabuco, inscreve-se no mesmo momento da trajet6ria da literatura de autoria feminina dos romances referidos acima. Apesar de o conflito da protagonista ser psicolégico, implicando um texto mais elaborado desse ponto de vista, a autora nio se esquiva de reproduzir af os valores dominantes na sociedade patriarcal. Tendo sido criada no campo, Marina é trazida, apés 0 casamento, para um espaco urbano, passando a viver num ambiente prenhe da presenca da prinieita esposa de seu marido, cujo simbolo maximo esté no retrato pintado a dleo na parede da sala, Sew papel na casa resumia-se em dar continuidade a vida dela. Até que, ao final da narrativa, o contlito € resolvido quando Marina se descobre gravida. E, portanto, por meio de um atributo biolégico, 0 da reproducio, que ela consegue exorcizar o fantasma da primeira esposa, que eta estérl. A obra de Clatice Lispector significa, na trajet6ria da literatura de autoria feminina no Brasil, um. momento de ruptura com a reduplicacio dos valores patriarcais que caracteriza a fase feminina que ilustramos acima, Pode-se dizer que ela inaugura outra forma de narrar dentro de um espago wadicionalmente fechado & mulher. Trata-se do marco inicial da fase feminista. Chamé-la de feminista nio significa, contudo, que as obras que nela se inserem empreendam uma defesa panfletéria dos direitos da mulher. Significa, apenas, que tais obras trazem em seu bojo criticas 279 @® ——-o(Teorta urremknra contundentes aos valores patriarcais, tornando visivel a repressfo ferninina nas priticas sociais, numa espécie de conseqiiéncia do processo de conscientizacio desencadeado pelo feminismo. E 0 que acontece na coletinea de contos Lagos de famifia (1960). E, no entanto, seu valor estético, assim como © da obra clariceana como um todo, é indiscutivel. Sio narrativas que questionam, por meio de discurso irdnico, o modelo patriarcal em que a mulher fica reduzida ao que o espago privado pode Ihe proporcionar. Um exemplo € 0 conto “Amor”, em que Ana, a personage central, depois de uma juventude intensa, enquadra-se no “destino de mulher”, ou seja, no cotidiano doméstico, até que a imagem de um cego mascando chieletes no bonde desencadeia nela um irremediaivel processo de autoconhecimento. Trata-se de uma espécie de “vertigem” de bondade que a faz refletir acerca da legitimidade da organizacio de sua vida cotidiana. O automatismo do movimento de mascar praticado pelo cego faz. com que se dé conta do automatismo em que est mergulhada na sua rotina de dona de casa exemplar. Ela vé descortinar diante de si outras realidades que a rota doméstica a impede de conhecer. No entanto, entre o mergulho nas paixdes que se abrem com essa revelacio € sua “felicidade” cotidiana, cla opta, nfo sem dilemas interiores, pela seguranca desta tltima, metonimizada pela figura do filho, a quem aperta com violencia, como quem se agarra a0 confortvel mundo pequeno-burgués, apesar de nio ser mais a mesma. Seguindo na trilha dessa nova maneira de narrar inaugurada po" Clarice Lispector, muitas outras eseritoras brasileiras passam a trazer 3 tona em seus textos literdrios a problemética da mulher inscrida em uma sociedade regulada pela ideologia patriarcal. E 0 caso, por exemplo, de Lya Luft, cujas personagens femininas dos romances da década de 1980 aparecem enredadas nos “lagos de familia”, acabando sempre vencidas pelo sistema. Como bem avalia Xavier (2002), apesar de estar em, decadéncia, a ordem patriarcal impede qualquer forma de transcendéncia por parte da mulher; a familia é retratada como instituigio falida, geradora de conflitos, mas é, tragicamente, um beco sem saida. Daf o cariter caricato~que ela apresenta. E de imagens ¢ situagées que acentuam, pela deformagio, as priticas sociais que se compdem romances como A parceras (1980), A asa esquerda do anjo (1981), Reuniao de familia (1982), Quarto fchado (1984) e Exitio (1987). Na mesma linha, estio as narrativas de Patricia Bins, autora de Antes que 0 amor acabe (1984), cujos romances primam por retratar os dramas existenciais de mulheres flagradas em situacio-limite, para quem o mundo perde © sentido, desencadeando um processo de despojamento das méscaras sociais, num processo de individuago, Também Marcia Denser, em Diana cagadora (1986), constr6i uma coletinea de contos cuja disposicio retrata a crescente degradagio da protagonista, uma jornalista inteligente e independente que, numa tentativa de subversio das regras opressoras do sistema, adota uma postura de cagadora, mas acaba sempre derrotada. Isso porque, a0 buscar se encontrar através de relagdes eréticas efémeras © ocasionais, freqtientemente esbarra nas armadilhas que permeiam a trajet6ria das mulheres liberadas dos anos 1980, inscridas numa sociedade estruturada sob os alicerces tradicionais. Em “O vampiro da Alameda Casabranca”, por exemplo, na falta de companhia melhor, passa a noite com um poeta pedante ¢ desinteressante a pretexto de assistir a um bom filme, a0 qual se seguiram sessGes de leitura, uma festa regada a iguarias e bebidas importadas, cocaina e pessoas exéticas, para se fechar com um previsivel ¢ doloroso ritual de sexo. Ao acordar foge, nauseada; apés tomar café numa padaria, dorme num banco de jardim, onde é assaltada. Por fim, sem a bolsa, sem as chaves, ‘com frio e precisando de um banho, dé ao taxista, “suspirando”, 0 endereco do “vampiro”. A narrativa de Sénia Coutinho também faz parte da chamada fase feminista da narrativa brasileira de autoria feminina. A temética constante de sua obra, presente em Atire em Sofia (1989), & a da mulher maduta, vinda do interior, sozinha na cidade grande, tentando realizar-se como individuo. Suas personagens sio construfdas como vitimas da cisio entre os valores patriarcais, ou o “destino de mulher”, e as grandes transformag6es dos anos 1980 que abrem caminho para a mulher realizar sua “vocagio de ser human”. A condigio feminina, ow a discriminagio social da mulher, constitui-se, também, numa espécie de tema recorrente na obra de Nélida Pifion, De uma forma ou de outra, ele € retomado em cada uma das narrativas que compéem sua produgio litersria, sempre cle maneira critica e contestadora, capaz de incomodar o pensamento ideolégico, calcado nos ideais do patriarcalismo. No entanto, 280 como acontece na ficgio das demais escritoras referidas, evita cair na defesa panfletéria ou partidaria do sexo feminino, contaminando sua obra artistica com as tintas da ideologia. Em vez disso, ela aborda 0 tema pondo em cena figuras femininas inseridas em situages que fazem eclodir essas discussdes, seja por meio dos questionamentos das prOprias personagens acerca do espaco que lhes eservado na sociedade, seja por ineio de um discurso irénico que, ao retratar a mulher enredada nas relagdes de género, desperta c leitor para o absurdo de certas leis sociais que regulam 0 comportamento feminino. Esse € 0 caso de “I love my husband”, um de seus contos mais conhecidos, em que ela poe em discussio o bindmio linguagem do senso-comumlinguagem da mulher. A narrativa inicia-se com a narradora-protagonista enumerando as agdes_praticadas diariamente no Ambito do lar, que concorrem para o sucesso da vida exterior do marido, com a intengio aparente de convencer a si propria € a0 leitor de seu amor por ele ¢ de seu ajustamento a0 ideal burgués de casamento. No entanto, a certa altura da narrativa, ela se rebela diante da afirmagio do marido de que ela pertenceria s6 a ele, nem mesmo a si propria. Tal rebelio se dé por meio de tum delirio no qual, através de sucessivas metéforas, proclama sua liberdade ¢ afirma seu poder de dominagéo. Mas, ao final, retorna o seu posto de “rainha do lar", numa atitude que remete 3 impoténcia da mulher numa sociedade erigida sobre os valores da cultura patriarcal. Em A repiiblica dos sonhos (1984), Nélida Pifion, 20 narrar a saga do imigrante Madruga no Brasil, num certo sentido, natra também a hist6ria da emancipacio feminina, Tal historia, embora nio seja explicitamente declarada, aparece diluida ao longo do romance, em que estio retratadas as trajetérias das varias geragoes de mulheres que se fizeram presentes na vida do protagonista: a avd, a mic, a esposa, as filhas, as noras ¢ a net. As trajet6rias dessas figuras femininas acabam por constituir um grande painel em que se podem vishumbrar as personagens principais, Eulilia, Esperanga e Breta, Tepresentando os diversos estigios por que passout a mulher até atingir 0 grau de emancipacio que a vemos desfrutar em meados dos anos 1980, o momento presente da narrativa. So personagens que, guardadas as diferengas impostas pelo momento hist6rico em que estio inseridas, sio semelhantes entre si, principalmente no que s¢ refere aos atributos da insubordinacio e da ndo-estagnacio, num auténtico didlogo com a ideologia dominante que marginaliza a mulher. A anilise da evolucio de suas trajet6rias, segundo uma ordem cronol6gica, leva-nos a reconhecer, no conjunto, a mesma logica que marcou a trajet6ria das conquistas sociais da mulher no sé&ilo passado, viabilizadas pelo movimento feminista. Dito de outra forma, o modo como Eulélia, Espetanca ¢ Breta foram Construfdas nos convida a fazer associagSes com o percurso historico da mulher, galgado nos limites do século XX, rumo a sua emane'pacio; pelo menos a emancipagio que pode ser atribuida a ela nos anos 1980, Se, no caso de Eulélia, o marido ¢ o pai haviam-Ihe explicado a vida segundo a cartilha da ideologia patriarcal, dai a retragio © a modéstia de seu comportamento, marcado, em face das incongruéncias das relagbes de género, mais pela resisténcia que pela acio, sua fills, Esperanga, nio Se contentou com as meias verdades, Em nome do sonho de viver a plenitude da vida, abdicou do conforto da casa paterna e lutou vorazmente por isso. Os frutos dessa Iuta ela nio os pode colher, mas os deixou de heranga a sua filha Breta, uma escritora que nao se deixa enredar pelas relagbes de género, conseguindo fazer-se respeitar em sua individualidade. Em razio da representagio de uma figura feminina como Breta, cujos conflitos em que aparece enredada no encontram suas origens na dominagio masculina apregoada pelo sistema patriarcal, autoriza-nos a pensar A repiblica dos sonhos como sendo um romance que jé integra a fase femea da trajet6ria da literatura de autoria feminina no Brasil. Se, através de personagens como Eulslia e Esperanca, Pifion poe em discussao os padrées ¢ os valores patriarcais, ao por em cena uma personagem como Breta cla es toma por superados, inaugurando uma nova forma de representar a mulher. Adélia Prado, embora seja mais conhecida como poetisa, € autora de diversos romances que sempre trazem como protagonists mulheres, cujas trajet6rias so permeadas por crises existenciais desencadeadas pela ndo-adequacic aos valores apregoados pela ideologia dominante. Também em O ‘omen da mio seca (1994), a personagem central, AntOnia, encontra-se emergida em questionamentos acerca de imposigdes que oprimem sua existéncia; as imposigdes da lei de Deus, mais especificamente, consistem no ponto fundamental de suas crises. No entanto, apés passar por um longo periodo de caréncia ¢ de opressio que a paralisava, ela triunfa, inscrevendo o romance na fase 281 inet da literatura eserita por mulheres. Sendo a narratva toda dividida em partes, as quis se abrem Sempre com epigrafes, em sua maioria, biblicas, é sintomético, no dltimo segmento, o fato de a epigrafe que o anuncia ser de Guimaries Rosa, sugerindo o batismio de uma nova mulher: “Toma, filha de Cristo, senhora dona: compra um agasalho para esta que vai nascer, defendida es, ¢ que deve se chamar apenas Felicia Laudes AntOnia” (PRADO, 1994, p. 157), anunciando 0 suecesot dy Protagonista (antes chamada AntOnia Travas Felicia Laudes) em relagio & busca de sua identidade, 20 encontro consigo mesma, livre de amarras, de imposigGes e de conflitos interiores. (Os romances de Lya Luft publicados na década de 1990 também colocam em cena personagens femininas cujo desfecho de seus confltos apontam para uma satda em que as relagSes de genero nto Sho gras Centra, Em A sentnela (1994), a autora retrta uma personagem feminina que conseawe desfazer os ns de sua existncia ¢ encontrar uma saida que Ihe confere a to sonhada plenitede cxistencial. Depois de uma infancia e adolescéncia permeada de angristias e sofrimentos, + rarradora éncontra set: norte, inaugurando, no presente da narrativa, uma tecelagem. Paralelamente a0 ato de {ecer 0s fios para montar as tapecarias, ela vai tecendo sua identidade de modo a libertarece das ginamas de gencro, acetando as préprias escolhas eas escolhas do filo, Emn O pont ego (1999), Luft fiz uma explicit condenacio do patriarcado. O romance ¢ narrado por um menino que se recta a Grrseer Para nio integrar o desagradavel mundo dos adultos. Em certo momento, sua mie, tendo sido sempre submissa, adaptada 4 ideologia dominante, resolve abandonar a casa, pondo wm fim Zaduela rota de opressio que vinha cumprindo, O menino, agora na companhia do pai, banaliea os \alores androcéntricos, numa atitude de desconstrucio da familia patriaeale, conseqientemente de Construgio de uma identidade desvinculada dos arquétipos do patriarcalismo, Fase Urol (1858), de Maria Frmina dos Res; fla (1902) A rasa (1908), de Jala Lopes Feminina _ |de Almeids; A sucesora (1954), de Carolina Nabuco; Dedlao de uma amiga (1850), de Neda Gfeminine) | Floresta; . Narcisa de Vilar, de Ana Luisa de Azevedo Castros Romances ¢ contos de Clarice Lispector tis como: Pet de cragioselagem (1943), Cidade dada (1949), Lage deft (1960), Una prendzage on Oso os prazeres (1969); As pari (1980, Fase Teminista [4 st eiqerd do ani (1980), Reunizo de fia (1982), Quarto fad (1984), de Lya Luft Diane (feminis) uate (1986), de Maria Densr; teem Sofa (1985), de Sénia Coutinho; A mulher no epile (285), doze coms cdo vrmelo (1988), de Helena Parente Cunha; Mulhers de Tjazoppo (1987), de Marilene Felinto; Acasa da patio (1972), de Nélida Pion; Fate Fémea [A repiblics dssonhas (1984), de Nida Pion; O homem da do sea (1998, de Adin Prado; Trainer |A seminela (1994) e O pono cg (1959), de Lya Lut; romances de Patrclg Melo, us cane Gfonale) Elegio da mentira (1998) ¢ Inferno (2000); fias de fami (1990), de Zulmira Ribeiro Tavares Quadro 2. A trajetéria da literatura de autora feminina no Brasik obras representativas Rumos Dante desse pequeno panorama da trajetGria da literatura de autora eminina no Brasil, pode-se dizer que, se as vozes femininas, assim com as vozes das minorias étnicas e sexual, eatveoen por meee nPS silenciadas no ambito social e, conseqientemente, na literatura, o final do séeulo XX Be Tain? Consideravel reviravolta nesses dominios: o reconhecimento institucional da existencia da literatura escrita por mulheres como objeto legitimo de pesquisa, No fentanto, resta 20 Entre cles proprios, nos limites das reunides académicas, dos grupos de trabalho & dos semarnn ue se debrucam sobre a temitica “Mulher e Literatura”, mas também nae salos de aula, numa atitude de renovagio ¢ nio de perpetuagio de ideologias hegem@nicas, como a patiarel REFERENCIAS BOBO, ks Literatura de autora feminina na América Latina, Rev. Mulher¢ Lieratura, Rio de Janeiro, 1998, Pispontvel em: Acesso cn: 17 jun, 1999s 7 @ LOBO, L. 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