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2002018 Planeta Susterval- Imprimir Matria / PLANETA sustentavel As vésperas do vestibular, alunos do COC, em Sa0 Paulo, s80 apresentados & formaco do universo por meio de filme em trés dimensdes: a tecnologia estimula o aprendizado CONHECIMENTO PORTATIL O computador nao educa, ensina A tecnologia pode ser uma poderosa ferramenta para facilitar 0 aprendizado, mas nao pelas razées que muita gente acredita Por Monica Weinberg e Carlos Rydlewski Rovista Veja - 16/05/2007, ‘A semana passada foi diferente das outras para a classe da estudante Emeline Kunz Pereira, uma gaticha de 12 anos. Acostumados a assistir s aulas de porta aberta por falta de maganetas e a pisar num chao que hd anos carece de revestimento, os alunos da 6" série da escola estadual Luciana de Abreu, em Porto Alegre, empreenderam uma viagem aos cinco continents. Emeline sobrevoou as savanas africanas e ficou sem ar ao avistar pela primeira vez na vida a paisagem entrecortada pelos Alpes suicos. Filha de um zelador e de uma dona-de-casa, a menina, na realidade, nunca cruzou as fronteiras do Rio Grande do Sul, onde nasceu. A viagem da semana passada deu-se num ambiente virtual, por meio de uma pesquisa simples na internet, depois que a escola da estudante recebeu uma remessa de 100 laptops. Tornou-se com isso laboratério para uma experiéncia patrocinada pelo governo federal cujo objetivo (ainda distante) é presentear com um computador portatil cada uma dos 30 milhdes de criangas da rede publica Por enquanto, chegardo a apenas 1.000 estudantes de cinco escolas brasileiras, num projeto semelhante aos que estéo sendo testados numa dezena de outros paises em desenvolvimento. Eles tém em comum o mesmo caldo teérico: ao se distribuirem laptops a criangas pobres, acredita-se que elas ganhem uma ferramenta para descortinar novos - € mais promissores - horizontes na escola e em casa. Conclui a gaticha Emeline: "E incrivel 0 que a gente faz com esse computador nas aulas’. A chegada dos laptops as salas de aula de um ntimero imenso de escolas brasileiras traz ao pais uma questao sobre a qual educadores no mundo todo esto debrugados: como fazer dos computadores, que abriram a humanidade uma nova dimenséo de acesso as informagées e produgao de conhecimento, um instrumento para transformar a velha escola, praticamente congelada no tempo desde o século XIX? bepsplanetasustenave abril. com brinelpop_piiml 6 2002018 Planeta Susterval- Imprimir Matria Experiéncias recentes de paises onde as criangas ja usam a tecnologia para desbravar as matérias indicam que o efeito mais revoluciondrio dos computadores em sala de aula é 0 mesmo que os tornou imprescindiveis fora do ambiente escolar: sua capacidade de formar redes. Foi com a internet, a qual estao hoje conectadas mais de 1 bilhdo de pessoas em todo o planeta, que o computador deixou de ser um acessério para facilitar a execucao de operagées matematicas e se transformou numa ferramenta por meio da qual se faz a troca de idéias e so compartithados projetos de pesquisa que transcendem as fronteiras geograficas, Em equipes espalhadas por diferentes paises, os cientistas desvendaram em mutirao 0 genoma humano e conseguem mapear em tempo recorde virus como o da sars, a sindrome respiratéria aguda Para as escolas, ter os estudantes entrelagados por meio de redes virtuais 6 uma novidade - e um avango no aprendizado, como demonstram experiéncias (ainda isoladas) no mundo todo. Um bom exemplo vem do Japao. Estudar em rede ld tornou-se uma febre. Como ‘computador, as criangas dividem as etapas de um experimento de fisica e se langam em longos debates literarios. Tais atividades, previstas no curriculo, se dao entre milhares de estudantes de diferentes escolas. Aplica-se com isso no ambiente escolar uma das leis fundamentais da informatica, enunciada na década de 70 pelo americano Robert Metcalfe, pioneiro no uso da tecnologia para conectar as pessoas: quanto mais gente ligada a uma rede, maior 6 0 seu poder. Pesquisas feitas em escolas que adotaram o trabalho em rede comprovam as palavras de Metcalfe. Os estudos enfatizam dois efeitos positivos das comunidades virtuais. Primeiro, elas abrem uma nova dimensao ao exercicio intelectual, na qual as criangas sao incentivadas a desenvoiver rapidez de raciocinio para dar respostas on-line e a expor idéias diante de centenas de colegas virtuais. O segundo fato positivo que as redes ensinam a trabalhar em equipe. *Aprender a produzir em rede é um pré-requisito as criangas do século XXI", resume José ‘Armando Valente, do niicleo de informatica aplicada a educagao da Unicamp. 5 efeitos do computador na educagdo crescem exponencialmente quando seu uso ultrapassa as fronteiras da escola - e nesse ponto a idéia do governo federal de distribuir laptops para que as criancas levem para casa 6 acertada. Uma pesquisa conduzida pela OCDE (organizacao que retine paises da Europa e os Estados Unidos) revelou que os melhores estudantes de 41 paises sao aqueles que cultivam o habito de utilizar 0 computador em casa O estudo esclarece as razdes. Uma delas é que esses alunos dedicam 30% mais tempo aos estudos, atraidos por aulas virtuais como as que da 0 professor brasileiro Soleiman Dias - na Coréia do Sul. Como os professores coreanos, ele reserva uma hora do dia para tirar diividas e propor desafios on-line, "Os alunos participam mais das aulas virtuais do que das tradicionais", constata Dias. Outro impacto positivo dos computadores em casa é que eles ajudam a aproximar os pais da vida escolar, fator decisivo ao bom resultado académico. Dé-se de forma simples: a familia passa a ter acesso as ligdes por meio de paginas da escola na internet. Serd assim na casa da familia Pereira, em Campinas. O filho, Victor, de 9 anos, em breve passara a trazer um laptop da escola, noticia que emocionou sua mae, a costureira Sonia: "Ter um computador em casa era um sonho de todos hpstplanetasusterivelabi.com brfinepop_ritm! 26 2002018 Planeta Susterval- Imprimir Matria nés". Victor estuda numa das escolas da Fundagao Bradesco, que iniciou em setembro um projeto semelhante ao piloto do governo federal. A primeira experiéncia de uso da tecnologia como ferramenta de ensino deu-se com as maquinas concebidas pelo psicdlogo americano Burrhus Frederic Skinner, programadas para fazer perguntas que ganhavam complexidade a cada resposta correta. Acreditava-se que 0 reflexo condicionado pela tal maquina estimularia o aprendizado Com a exploséo dos computadores na década de 70, o assunto ressurgiu na contramao do que pregava Skinner: a nova corrente de entusiastas da tecnologia, encabegada pelo doutor em matematica Seymour Papert, defendia a tese de que caberia as criangas programar as maquinas - e no o contrario. Elas aprenderiam por si mesmas, num processo que relegava aos professores papel de meros coadjuvantes de uma infindavel exploracdo virtual. "A tecnologia substituira a escola que conhecemos", pregava Papert. 0 radicalismo sugerido pelo matematico nao vingou, o que nao o impediu de influenciar especialistas como 0 americano Nicholas Negroponte, ‘Ambos participaram da criagdo dos laptops escolares que chegaram a Porto Alegre, Seu maior chamariz em relagao aos concorrentes, que também ambicionam conquistar as salas de aula brasileiras, é 0 prego: na casa de 350 reais (confira os dois tipos de laptops: XO e Classmate) Os especialistas costumam estar de acordo sobre um ponto basico: 0 computador pode, sim, dar contribuigées relevantes a sala de aula, mas tudo depende de como se faz uso da tecnologia. A experiéncia internacional mostra que projetos parecidos com o que o governo brasileiro quer implantar as vezes sao desastrosos, Nos Estados Unidos, por exemplo, escolas que distribuiram laptops as criangas voltaram atrés por ter chegado a uma concluséo desanimadora. O alto investimento nao havia contribuido para a melhora no desempenho dos estudantes. Pior: os alunos perdiam tempo em navegagées por sites de redes de fast-food, em chats e ainda tentavam driblar 0s filtros de seguranca para acessar paginas pornograficas. Em escolas brasileiras, jé se viu coisa semelhante. A principal causa do fracasso de tais programas é a falta de preparo dos professores. Diz a psicdloga Afira Ripper, discipula de Seymour Papert no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT): "Esta provado que o ‘computador ndo surte efeito na classe de um mau professor". A psicéloga remete a uma questéo-chave para o sucesso de um programa como esse no Brasil: como tirar proveito dos laptops em escolas cujos professores mal conseguem formar estudantes capazes de concluir as operagées fundamentais da matematica? As experiéncias brasileiras de levar compuladores as escolas piiblicas até entéo, foram um fiasco. Elas esbarraram em dificuldades basicas. A antropéloga americana Juliane Remold dedicou dois anos a observagao de trinta escolas brasileiras equipadas com computador e tragou um cenério desolador. A metade das maquinas acumulava pé nos laboratérios porque careciam de manutengao ou eram ignoradas pelos professores, que muitas vezes ndo sabia sequer ligar 0 equipamento. O restante dos computadores, mesmo em uso, servia apenas as burocraticas aulas de informatica. Outra barreira que merece atengdo no caso brasileiro é a falta de seguranga oferecida aos computadores pelas escolas piiblicas, alvos freqiientes de roubos e assaltos. No colégio Luciana de Abreu, de Porto Alegre, tem-se uma idéia mais concreta do problema. Como a maioria hpstplanetasusterivelabi.com brfincpop_printm! 2002018 Planeta Susterval- Imprimir Matria das classes ndo tem maganetas nas portas, os 100 novos laptops testados pelo colégio passam a noite trancados na sala do diretor, Iron Rodrigues. "Vou apelar para a ajuda da Secretaria de Educacao", desabata o diretor. Um detalhe: parte dos computadores deveria ser levada pelos alunos para casa, conforme prevé o projeto. Mas os pais resistem a idéia. Como os filhos andam de énibus, eles temem que os laptops (fabricados em verde fosforescente) despertem o interesse dos ladroes. ‘Sao dados que evidenciam a complexidade do projeto. Olhar para as solugdes encontradas em outros paises e (mais raramente) no Brasil pode ser esclarecedor. O primeiro ponto que aproxima os casos de sucesso é 0 investimento na formagao e no treinamento de um time de profissionais capaz de incorporar os computadores a vida escolar. Em paises como o Canada, leva-se 0 assunto tao a sério que as universidades oferecem uma especializagao para isso. As escolas canadenses contratam pelo menos um desses profissionais, encarregado de organizar a biblioteca de software (sim, no Canada toda escola publica tem uma do género) e orientar os professores sobre 0 uso do ‘computador em cada disciplina. Essa e outras bem-sucedidas experiéncias enfatizam ainda a idéia de que o computador pode funcionar como poderoso motivador ao aprendizado, Afinal, ele traz a sala de aula uma linguagem com a qual os estudantes estado familiarizados - e adoram. Um dos trunfos de escolas européias e americanas foi ter programado as maquinas para dar respostas imediatas: os alunos sao avisados no momento exato em que cometem um erro ou acertam. As respostas instantdneas, dizem as pesquisas, incentivam mesmo os mais desinteressados da classe a seguir com a exploragao virtual: eles se sentem como num jogo, Quando bem usados, os computadores também t8m contribuido, de forma decisiva, para despertar o interesse pela leitura, Depois que os livros ganharam formato digital - com imagens animadas e recursos sonoros - bibliotecas de escolas, como as da Coréia do Sul, passaram a receber 20% mais estudantes. Nenhuma experiéncia, contudo, encanta tanto os estudantes quanto a de embarcar numa viagem virtual simulada pelo computador. Nesse caso, 0s softwares oferecem (literalmente) 0 céu. Permitem que as criangas aprendam geografia ao "sobrevoar" os diversos relevos e vegetagdes do planeta. Tornam possivel que elas enxerguem o interior de uma célula em seus microscépicos detalhes, numa projegao em 3D. Executam experiéncias com substancias téxicas - sem que seja necessdrio tocd-las. Os estudantes manipulam liquidos inofensivos, ¢ o computador faz a simulagdo. Sem ele, tais tarefas acabariam excluidas do curriculo - e a aula de ciéncias seria menos atraente. No caso brasileiro, a simulagao 6 um recurso que pode abrir a alunos pobres oportunidades intelectuais que dificilmente teriam ao longo da vida escolar. Por meio do computador, estudantes de medicina na Amazénia recebem imagens on-line de uma cirurgia de alla complexidade realizada na Universidade de Sdo Paulo. Em ainda raras escolas puiblicas do pais, os estudantes aprendem sobre a era medieval ao embrenhar-se num passeio em 3D pelos corredores do Louvre, em Paris. Eles tém a sensagao de tocar as roupas de época ¢ de estar diante de um quadro de Giotto. Resume o especialista Claudio de Moura Castro: "0 computador pode democratizar 0 acesso as informagées" ‘Ao se distribuirem laptops a estudantes brasileiros, dé-se a eles um btpplnetasustentavel ari com brinapop prin! 2002018 Planeta Sustervl- Imprimir Matria bilhete de entrada a um gigantesco banco de dados digital. E como se ali estivessem armazenados 40 bilhes de toneladas de papel - 6 toneladas por habitante do planeta. Nem tudo se presta ao enriquecimento intelectual, como se sabe, mas a parte util desse mundo virtual representa um novo modelo para a educagao. ‘Antes da internet, aceitava-se a idéia de que a leitura de uma boa bibliografia dava aos estudantes 0 "dominio da matéria". Com as novas informagées acumuladas dia a dia na rede, o desafio é outro: tornou-se vital desenvolver a habilidade de achar o que se precisa em meio a esse universo de exploracdo aparentemente limitado. O acesso ao computador 6, portanto, basico - e 0 fato de o governo cogitar fazé-lo chegar a milhGes de estudantes, em tese, é bom. Mas restam questées praticas a enfrentar ao investir num projeto que encareceria em 40% os gastos oficiais com os estudantes da rede piiblica, A primeira delas é concentrar esforgos para elevar o nivel dos professores. So assim o ensino brasileiro tera chance de deixar a rabeira nos rankings internacionais - e os laptops poderao ampliar o horizonte de criangas pobres como Emeline Pereira e seus colegas de Porto Alegre. Um laptop contra a pobreza © computador que pode levar o mundo digital a quase todas as salas de aula tem um pai - 0 americano Nicholas Negroponte. Ha menos de dois anos, ele surgiu com uma idéia que conquistou o interesse mundial: fabricar um laptop para ser usado por estudantes em paises pobres cujo custo fosse de 100 délares. Esse valor, hoje pouco mais de 200 reais, um décimo do prego de um aparelho similar vendido nas lojas, tornaria vidvel a criagdo de projetos para o uso em massa desses equipamentos em salas de aula. © impacto causado pela apresentacéo do protétipo dessa nova maquina deveu-se, em parte, ao curriculo e a credibilidade do autor do antncio. Nicholas Negroponte é co-fundador do lendario Media Lab, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). O equipamento, batizado de XO, 6 uma pequena maravilha tecnoldgica. O verdadeiro foco de Negroponte, no entanto, nao esta nos circuitos eletrénicos, mas no uso que tera Uma das principais inovagées do laptop esta na forma como é feita a relagéo entre a maquina e quem a utiliza, Desde o langamento do pioneiro Macintosh, da Apple, em 1984, 0s computadores funcionam como uma metafora de uma mesa de trabalho, onde ficam textos, pianithas, documentos. No XO, a interface privilegia a conexao entre os usuarios. Assim que é ligado, 0 laptop mostra todos os aparelhos das imediagdes que esto funcionando em rede. Negroponte sustenta ainda que, quanto mais precaria a escola, mais relevante se torna 0 uso dos laptops: "0 XO amplia o tempo de aprendizado do aluno, na medida em que pode ser usado em casa e em outros lugares. Isso favorece a educagao, que 6 a principal forma de combatermos a pobreza em todo o mundo". © uso de computadores em escolas é um sonho antigo de Negroponte. Em 1981, ele eo sul-africano Seymour Papert, matematico e educador, uma espécie de Jean Piaget do mundo digital, instalaram experimentaimente aparelhos Apple II, um dos primeiros computadores pessoais, em uma escola na periferia de Dacar, no Senegal. Em 2001, foi a vez do Camboja. “Usamos notebooks para ligar escolas, cujo acesso era tao dificil que ninguém conseguia visité-las no periodo de chuvas", diz o cientista, ‘Animado com essa experiéncia, Negroponte e sua mulher, Elaine, hpstplanetasusterivelabi.com brfinepop_ritm! ‘2092015 Planeta Sustervel- Imprimir Maria criaram a organizacao One Laptop per Child (OLPC, sigla em inglés de Um Laptop por Crianga). A entidade é mantida por mais de uma dezena de patrocinadores, entre os quais gigantes como 0 Google, a AMD, a Nortel ¢ 0 Citigroup. desafio da produgo de uma maquina de 100 délares ainda ndo foi vencido e depende, sobretudo, da escala de fabricacao. Hoje o aparelho custaria 175 délares. De qualquer forma, mesmo com o prego acima do previsto, Negroponte acredita que o custo-beneficio justifica a adogao dos portateis nos colégios. Ele explica: "Em menos de um ano, o valor do XO baixard para 150 délares. Considerando as despesas de conexao e 0 fato de que 0 equipamento tem vida ittil de cinco anos, o gasto mensal por aluno seria de 3 a 4 délares. Existe uma forma melhor de gastar 3,50 délares em um més?*. i Abril copyright @ 2007, Editors Abril 5.8, - Todos os direitos reservados, All rights reserved. htpplanetasustentvel abi. com be fnepop_prinim

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