You are on page 1of 8
5B A sociologia de Durkheim O que é fato social Com Precis4o 0 objeto, o métedo e as aplicacdes dessa nova ciércrn Imbuiclo dos prinetpios postvistas, Durkheim queria definir comm rie 80" a sociologla como ciéncia, estabelecendo seus prncipios linies pretmendo com as ¢ as de senso comum — os “achismos" — que nee Pretavam a realidade social de maneira vulgar e sem eriteros, si uma de suas obras fundamentals, As regras do métado sociologico, publicada em 1895, Durkheim definiu com clareza 9 objeto de ei logia — os fatos sociais De acordo com as ideias defendidas nesse trabalho, para o autor, 0 fate facial € experimentado pelo individuo como uma telidede Inc Gendente ¢ Preexistente. Assim, so ts as caracteriticas bisees moe Gistinguem os fatos socias. A primeira delas 6 a “coercao weil” ne fale: 2 forsa que os fatos exercem sobre os individuos, levando-os acon, ermaremse as regras da sociedade em que vivem, independentomegs seats wontade © escolha. Essa forca se manifesta quando o inaivah, J {otse coerctiva dos fatos sociais se toma evidente pelas “sangbes legals” ou “espontaneas” a que o individuo estésujeito qusnda, tenta {ebelarse contra ela. “Legals” slo as sangées prescitas pela socieas. dle, sob a forma de leis, nas quals se define a infragdo © se estabelese a enalidade correspondente. “Espontneas” s3o as que aflora ‘esposta a uma conduta considerada inadequada pot um grupo oo or uma sociedade. Multas de transito, por exemplo, teers Parte das coer. Goes legals, pois estéo previstas e regulamentadgs pela legislacac que [ful2 © téfego de veiculos e pessoas pelas vias publicas. Jd os alls, de reprovagao de que somos alvo quando comparecemos « ay local Cor} 2 Foupa inadequada constituem sangbes espontdneas. Embora nae codificados em lei, esses olhares tém 0 poder de condusir infrator Pane 9_Comportamento esperado, Durkheim da o seguinte exemplo doe sang6es espontaneas: Comte dew o nome de Sociologia a essa eloncta, mas Durkbeima foi um dos seus grandes te6ricos, Asoncen ¢ Dace gt te de uma familia de rabines. Inicio seus tetudosflosfices nascota Normal Superior ashi seyaee indo depois paraaAlemanha, Lec- Da dlvsio do vabalo social“ 8 Sear slosia am Bordeuscortmeira.céie- . métodosadiolésico, O.suiciclo, Fors ios desea cléncia criada bain Tratofer rméntaces da vida religidsa, Educaro ¢ logia, Sociologia:etiforofia 2 Listes ciologia (obra postuma). Se sou industrial, nada me profbe de trabalhar util zando processos ¢ técnicas do século passado; mas, se O hizer, terei a ruina como resultado inevitavel DURKHEIM, fie. 4s regras do metodo sociliae Sao Paulos Nacional, 1963 P.3 © comportamento desviante num grupo social pode nao ter pena- lidade previeta por lel, mas o grupo pode espontaneamente reagir c25- tigando quem se comporta de forma discordante em relacdo a deter venados valores e principios. A reacéo negativa da sociedade a certa iitade ou Comportamento é, muitas vezes, mais intimidadora do que srlel. Joner lixo no chao ou fumar em certos lugares — mesmo quan do nao proibidos por lei nem reprimidos por penalidade explicita Sao comportamentos inibidos pela reacdo espontanea dos grupos ave sizso oe opdem. Podemos observar ago repressora até mesms nos grupos que se formam de maneira espontanea como as gangues © as aebos", que acabam por impor a seus membros uma determinada linguagem, indumentaria e formas de comportamento. Apesar dessas fepras serem informais, uma infracao pode resultar na expulsio do membro insubordinado. ‘A “educacdo” — entendida de forma geral, ou seja, a educacao for- male a informal — desempenha, segundo Durkheim, uma importante tuvefa nessa conformagao dos individuos a sociedade em que vivem, a tonto de, apés algum tempo, as regras estarem internalizadas nos merr- pros do grupo e transformadas em habitos. O uso de uma determinada Tingua ou 0 gosto por determinada comida sao intemalizados no inc\- viduo, que passa a considerar tais hdbitos como pessoais. A arte tam- jem representa um recurso capaz de difundir valores e adequar as pes- cae a determinados habitos. Quando, numa comédia, rimos do com- portamento de certos personagens colocados em situagoes crticas a etamos aprendendo a nao nos comportarmos como ele. Nosso pro- prio ribo @ uma forma de sango social, na encenacdo ou mesmo dian te da realidade concreta. [re A segunda caracteristica dos fatos sociais é que eles existem e atuam sobre 0s individuos independentemente de sua vontade ou de sua ade- sfo.consciente, sendo, assim, “exteriores aos individuos”. Ao nascermos 46 encontramos regras sociais, costumes e leis que somos coagidos 2 aceitar por meio de mecanismos de coercao social, como a educacio, Nao nos ¢ dada a possibilidade de opinar ou escolher, sendo assim inde. endentes de nés, de nossos desejos e vontades. Por isso, 0s fatos sociais so a0 mesmo tempo “coercitivos” e dotados de existéncia exterior as consciéncias individuais. A terceira caracteristica dos fatos sociais apontada por Durkheim 6 a ‘generalidade”. £ social todo fato que é geral, que se repete em todos os individues ov, pelo menos, na maioria deles; que ocorre em distintas £S2%%Al todo sociedades, em um determinado momento ou ao longo do tempo. Por fem ques ‘essa generalidade, os acontecimentos manifestam sua natureza coletiva, S*”™#h que se sejam eles 0s costumes, os sentimentos comuns ao grupo, as crengas ou tepete na 05 valores. Formas de habitacdo, sistemas de comunicac3o e a moral ™A##0rla dos + existente numa sociedade apresentam essa generalidade. eee | A objetividade do fato social j.___Identificados e caracierizadoyos “fatos sociais”, Durkheim procurou 7 delinir 0 método de conhecimento da sociologia. Para ele, como para os . -positvistas de maneira geral, a explicagao cientifica exige que o pesqul. . = : -Sador estabielega e mantenha certa distincia e neutralidade em relaeto oy 20 fatos, procurande preservar a objetividade de sua an . j [Segundo Durkheim, para que o sociélogo consiga apreender a reali- q +dade dos fatos, sem distorcé-los de acordo com seus desejos e interesses ppartculares, deve deixar de lado suas prenocbes, isto 6, valores e sent j nt0s Pessoais em relacdo aquilo que esté Sendo estudado. Para ele, do que nos mobiliza — nossas simpatias, paixSes e opinides —, di ta o conhecimento verdadeiro, fazendo-nos confundir o que vemos aguilo que queremos ver. Essa neutralidade em face da realidade, Htio valorizada pelos positivistas, pressupde 0 ndo-envolvimento afetivo, pu de qualquer outra espécie, entre o cientista e seu objeto. Levando as uiltimas consequéncias essa progosta de distanciamento gnitivo entre o cientista e seu objeto de estudo, assumido pelas ciénci- as naturois, Durkheim aconselhavaosociSlogo a encararos fatos socials ro “COIs, isto ° -¢ fn 2 6 0 célculo Deve 0 soci6logo manter- envolvidos. Tais opiniées, lizos de valor individuals, podem servir de indicadores dos fatos soci- is, mas mascaram as leis de organizagio social, cuja racionalidade s6 é eSsivel a6 cientista. Para levar essa racionalidade ao extremo, Durkheim ropde o exercicio da divida metédica, ou seja, a necessidade do cien- tsa ree sempre sobre a veracidade e objetividade dos fatos estuda~ dos, procurando anular, sempre, a influéncia de seus desejos, interesses preconceitos. Para identificar 0s fatos sociais entre os diversos acontecimentos da vida, Durkheim orienta 0 sociélogo a ater-se aqueles acontecimentos mais gerais e repetitivos e que apresentem caracteristicas exteriores co- muns. De acordo com esses critérios, sao fatos sociais, por exemplo, os Crimes, pois existem em toda e qualquer sociedade e t€m como caracte- ristica comum provocarem uma reaco negativa, concreta e observavel da sociedade contra’quem os pratica, a que podemos chamar de “pena- lidade”. Agindo dessa forma abjetiva e apreendendo a realidad por suas caracteristicas exteriore a cas, 0 socidlogo se exime de opinides, assim como prescinde da opi- niao —Sempre contradit6ria e subjetiva — a respeito dos fatos que estio sendo estudados. ras, distinguindo=se dos acon- ent ela que ajuda a distinguir 0 essen- cial do fortuito e aponta para a natureza sociolégica des fendmenos. Suicidio Durkheim estudou profundamente 0 suicido, utlizando nesse traba~ tho toda a metodologia defendida e-propagada por ele. Considerou-o fato social por sua presenca universal em toda e qualquer sociedade e por suas caracteristicas exteriores e mensurdveis, completamente inde- endentes das razdes que levam’cada suicida a acabar com a propria vida. Assim, apesar de uma conduta marcada pela vontade individual, o suicidio interessa ao socidlogo por aquilo que tem de comum e coletivo e que, certamente, escapa 3s consciéncias individuais dos envolvidos — do suicida edos que o cercam. Para Durkheim, a prova de que o suietd depende de leis sociais e ndo da vontade dos sujeitos,estava na regular dade com que variavam as taxas de suicidio de acordo com as altemancias das condicdes historicas. Ele verificou, por exemplo, que as taxas de stiicdio aumentavam nas sociedades em que havia aaceitagdo profunda dde uma {6 religiosa que prometesse a felicidade apés a morte. £ sobre fatos assim concretos e dbjetivos, geais e coletivos, cuja natureza social se evidencia, que 0 socidlogo deve se debrucar. Com 0 auxilio de estatisticas, mostra em seguida Durkheim que o suicidio € com certeza um fato social na medida em que, em todos os pafses, a taxa de suicidios stein s¢ mantém constante de um ano para 6 out: A longo | prazo, ainda por cima, a evolugao dos suicidios se incre. FE ‘ve em curvas que tém formas similares para todos os pa- t tbes cla Europa. Os desvios entre regioes © pales sao igualmente constantes, IALLEMENT, Michsel. Historia das kdtiassocildgicas Petropolis: Vozes, 2003. p 218, + Sociedade: um organismo em adaptagdo Para Durkheim, soci 36 explleara ‘fexTedade como també Asocie- dade, como todo organismo, apresenta estados que podem ser conside- fados estados “normals” ou “patol6gicos”, isto é, sauddveis ou doentios. Durkheim considera um fato social como “normal” quando se encon- sgeneralizado pela sociedade ou quando desempenha alguma func30 E linporante para sua adaptacao ou sua evolucdo. Assim, por exemplo, ‘firma que 0 crime normal ndo apenas por ser encontrado em toda ¢ quer sociedade e em todos os tempos, mas também por representar ifato social que integra as pessoas em tomo de determinados valores. inindo 0 criminoso, os membros de uma coletividade reforcam seus incipios, renovando-os, O crime tem, portanto, uma importante fun- social. ‘A generalidade” de um fato socal, sto! sua unanimidade, 6 garan- ja de normalidade na medida em que representa o consenso social, a tade coletiva, ou 0 acordo de um grupo a respeito de determinada sto. Diz Durkheim: .. para saber se 0 estado econémico atual dos povos europeus, com sua caracteristica auséncia de organiza- 40, € normal ou nao, procurar-se-a nb passado o que lhe deu origem. Se estas condigdes s4o ainda aquelas em que atualmente se encontra nossa sociedade, é porque a situ- gio é normal, a despeito dos protestos que desencadeia, DURKHEIM, Emile. As regras do metodo soctologico. op. cl, p. 57 “Fartindo, pois, do principio de que o objetivo maximo da vida social é€ iMnover a harmonia da sociedade consigo mesma e com as demais soci- fs, e que essa harmonia € conseguida por meio do consenso social, a do organismo social se confunde com a generalidade dos aconte- Quando um fato pe em risco a harmonia, 0 acordo, o consen- ‘portanto, a adaptagao e a evolucao da sociedade, estamos diante de jntecimento de carter mérbido e de uma sociedade doente Eontecimentos mais gerais de uma determinada sociedade e que reflete A “generalidade” de um fato social representava, para Durkbeim, 0 consenso social ea vontade coletive ‘Aquilo que (poe em risco a barmoniae © consenso representa um estado mérbido da saciedade. eee 05 valores e as condutas aceitas pela maior parte da populacio. “Patolé ‘81c0” € aquele que se encontra fora dos limites permitidos pela ordem social e pela moral vigente. Os fatos patolégicos, como as doencas, si0 considerados transit6rios e excepcionais, =... O que sunpreende ainda em sua trajetéria intelects- al néo é 36 a referide Fecundidade, mas sobretudo 2 relativa mocidade com que produziu 2 maior parte de sua obra. Fora para'Bordeaux a0s 30 anos incompletos e, no decorrer de uma década, jf havia feito o suficie: te para se tornar.o mais notavel soci6logo francés, de- pois que Comte criara a disciplina. RODRIGUES, José Albertine. Duekietn ‘io Paulo: Atcs, 1981, p14 A consciéncia coletiva ‘Toda a teoria sociolégica de Durkheim pretende demonstrar que os fatos sociais tém existéncia propria e independem daquilo que pensa e faz cada individuo em particular. Embora todos possuam sua “conscién- ) dos sentimentos comuns a média dos membros de uma mesma socieda- !4n.,4- de” que “forma um sistema determinado com vida propria” (p. 342). “ A COfSETBRRIATEOIEHa n’o se baseia na conscién- cia de individuos singulares ou de grupos especificos, (vs ea pon SSE. eves ria, segundo Durkheim, 0 “tipo psfquico da socieda- de", que nao seria apenas o produto das consciéncias individuais, mas algo diferente, que se imporia aos individuos e perduraria através das geragoes. Divisio do trabalho socal, um saspecto da soldariedsde organica ‘em Durkheim. (Desenho de W. Heath Robinson (1872-1944)) 86_Asooaiosa cissc Morfologia social: as espécies sociais Durebetm Para Durkheim, a sociologia deveria ter ainda por objetivo comparar — “7*Aitauw as diversas sociedades. Constituiu assim o campo da mefolagiasoclal, m4 ou seja, actaseificapho: aig numarnitidarreferéncia as “°° m0 Sor especies estudadas em REncia,utiizada também em “A e#PeCtes Outros estudos te6ricos, tem sido considerada errdnea uma vez que todo es ‘comportamento humano, por mais diferente que se apresente, resulta da ae expressio de caracteristicas universais de uma mesma espécie. Durkheim considerava que todas as sociedades haviam evolutdo a par tirda horda, a forma social mais simples, igualitéria, reduzida a um ¢inico segmento em que os individuos se assemelhavarn 20s atoms, isto 6, se apresentavam justapostos e iguais. Desse ponto de partida, foi posstvel uma série de combinagdes das quais originaram-se outras espécies sociais. identiicaveis no pasado e no presente, tais como 0s clas e as tribos. Para Durkheim, 0 trabalho de classiticagao das sociedades — como tudo ‘© mais — deveria ser efetuado com base em apurada observacio exoeri mental. Guiado por esse procedimento, estabeleceu a passagem da solidari= ‘edade mecénica para a solidariedade organica como 0 motor de transfor- magao de toda e qualquer sociedad. E, Solidariedade mecanica.e splidariedade organica B Solidariedatde sviec’nica, para Durkheim, “ered 3 ig rela. ot Baedominava oe socieda, dugg. s¢.: ipré-capitalsiag ‘onde os Individyos se, Inte Pica oA ACT CT ites pefidie’ "itgaes ata s Z doem geral dries 6 duets cial lacdo aidvilze ¢lo.trdbalie! Seta Al 7 abit & itncia coletivl exeibe Agu td seu" ways ferddes: ‘Asolidariedade organica€ tpica da acelerada divisio do trabalho social, segundo Durkheim A scons nt Dumoay 8% Dado 0 fato de que as sociedades variam de estagio, formas diferentes de organizacao social que tornam possivel'defini.. las como *inferiores” ou “superiores", como o cientista classifica os fatos normais e os anormais em cada sociedade? Para Durkheim a normalidade s6 pode ser entendida em funcao do estagio social da Sociedade em questo: apresentando + do ponto de vista puamente biol6gico, 0 que é ‘normal para o selvagem nao 0 sempre para o civilizado, e vice-versa, DURKHEIM mile. As regras do metodo sacioligico, op. cl. p. 52. E continua: {Um fato social nao pode, pois, ser acoimado de nor- ‘mal para uma espécie social determinada senao em rela ‘$20 com uma fase, igualmente determinada, de seu de- senvolvimento. DURKHEIM, Emule. As regras do méiado soctolégco, op, cit. p. 52. Durkheim e a sociologia cientifica ~ Durkheim se distingue dos démalé positivistas porque suas idias ultra. passaram 2 reflexdo filoséficae chegaram a constituir um todo organizado @ sistématico de pressupostosteéricos e metodol6gicos sobre a sociedade. O empirismo positivista, que pusera os filésofos diante de uma realidade social a ser especulada, transformou-se, em Durkheim, numa rigorosa postura empirica, centrada na verificagao dos fatos que po- deriam ser observados, mensurados e relacionados por meio de da- dos coletados diretamente pelo cientsta, Encontramos em seus est dos um inovador e fecundo uso da matemiatica estatistica e uma inte- grada utilizagao das anélises qualitativa e quantitativa. Observagao, mensuraco € interpreta¢do eram aspectos complementares do méto- do durkheimiano: Para a elaborago dessa postura, Durkheim procurou estabeleceros limi- tes e as diferencas entre a particularidade e a natureza dos acontecimentos filosdficos, histéricas, psicolégicos e sociolégicos. Elaborou um conjunto ‘coordenado de conceitos e de técnicas de pesquisa que, embora norteado por prineipios das ciéncias naturals, guiava o clentisia para o discemimento de um objeto de estudo préprio e dos meios adequados para interpretd-lo. Anda que preocupado com 2s leis geras capazes de explicar a evo- lugtio das sociedadles humanas, Durkheim ateve-se também as particula- ridades da sociedade em que vivia, aos mecanismos de coesdo dos pe- {quenos grupos e & ormacio de sentimentos comuns resultantes da con- vivéncia social. Distinguiu diferentes instancias da vida social e seu pa- pel na organizacdo social, como a educacio, familia e a religiéo. 88_A scco1cay ciseca

You might also like