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OS

ECONOMISTAS
CIP-Brasil. Catalogação-na-Publicação
Cámara Brasileira do Livro, SP

Bukhann, Nlkolai lvanovitch, 1888-1938.


B949e A economia mundial e o imperialismo / Nikolai l.
Bukharin ; tradução de Raul de Carvalho. - São
Paulo : Abril Cultural_ 1984.
(Os economistas)

1. Capitalismo 2. imperialismo 3. Rússia - Condi­


ções econômicas l. Titulo. Il. Série.

17. CDD-330. 150947


18. -330 .1220947
17. e 18. -321 .03
84-0436 17. e 18. -330 .947

Indices para catálogo sistemático:


l. Rússia : Capitalismo : Economia 330.l50947 (17.)
330.122o947 (18.)
2. Rússia : História econômica 330.947 (17. e 18.)
3. imperialismo : Ciência Política 321.03 (17. e 18.)
NIKOLAI l. BUKHARIN

A Economia Mundial e
o Imperialismo

Esboço Econômico

Tradução de Raul de Carvalho

@
1984
EDITOR: VICTOR CIVITA
'Ftulo original:

L'Économie Mondiale et Hmpérialisme

© Copyright desta edição, Abril S.A. Cultural.


São Paulo, 1984.

Direitos exclusivos sobre a tradução deste volume.


Abril S.A. Cultural_ São Paulo.
Nikolai lvanovitch BUKHARIN
(1888-1938)
NIKOLAI l. BUKHARIN

A Economia Mundial e
o lmperialismo*

Esboço Econômico

Tradução de Raul de Carvalho

' Trçduzido de BOUKHARINE. N. L'Économle Mondiale e! Flmpérialisme - Esqulse Économlque. Pa­


rís. Editions Socla|es lnlemaüonales_ 1928.
Sumário

Prólogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

PARTE PRIMEIRA

A Economia Mundial e o Processo de Internacionalização do Capital

CAP. l - A Noção de Economia Mundial. - 1. Oçimperialismo,problema da


economia mundial. - 2. A divisão internacional do trabalho. caso parti­
cular da divisão social do trabalho. - 3. Condições naturais e sociais da
divisão internacional do trabalho. - 4. O intercâmbio internacional dos
produtos, fenómeno necessário e regular. - 5. O mercado mundial de
mercadorias - 6. O mercado mundial do capital financeiro.- 7. A economia
mundial, sistema de relações de produção. - 8. Diferentes aspectos do esta­
belecimento dessas relações de produção. - 9. A economia social, em geral,
eaeconomia mundial (questão do agente da economia) . . . . . . . . : . . . . . . . . 17

CAP. ll - Desenvolvimento da Economia Mundial. - 1. Crescimento exten­


sivo e intensivo da economia mundial. - 2. Crescimento das forças pro­
dutivas da economia mundial. Técnica. - 3. Extração da hulha, do mi­
nério de ferro, do cobre, do ouro. Fundição do Íerro. - 4. Produção
dos demais produtos. - 5. Indústria dos transportes: estradas de ferro.
transportes marítimos. Telégraio e cabos submarinos. - 6. Desenvolvi- _
mento do comércio exterior. - 7. Migrações. - 8. Circulação do capital
e financiamento das empresas estrangeiras (atividade dos estabelecimen­
tos industriais e dos bancos). . . . . . . . . . . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

3
4 SUMÁRIO

CAP. lll - Formas de Organização da Economia Mundial. - l. Estrutura


anárquica da economia mundial. - 2. Sindicatos internacionais. - 3.
Trustes internacionais. - 4. Consórcios bancários internacionais. - 5.
Caráter das organizações capitalistas internacionais. - 6. lntemacionali-Hp_
nômicaedc1sjnte - -.--~ê7'73'77.~--
57

PARTE SEGUNDA

A Economia Mundial e o Processo de Nacionalização do Capital

CAP. lV - A Estrutura Interna das Economias Nacionais e a Política Alfande­


gãna. - 1. As "economias nacionais". ramificações dos laços econômi­
cos mundiais. - 2. Desenvolvimento dos monopólios. Cartéis e trustes.
- 3. Concentração vertical. Empresas combinadas. - 4. Papel dos ban­
cos e transformação do capital em capital financeiro. - 5. Bancos e con­
centração vertical. - 6. Empresas estatais e comunais. - 7. O conjunto
do sistema. - 8. Politica aduaneira do capital financeiro e expansão
capitalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 57

CAP. V - Mercado Mundial e Modificações das Condições de Escoamento.


- 1. Produção maciça e expansão além das fronteiras nacionais. - 2.
Fonnação dos preços no intercâmbio entre países de estrutura econômi­
ca diferente e fonnação do superlucro. - 3. Política colonial das grandes
potências e divisão do mundo. - 4. Política aduaneira das potências e
mercados. - 5. Agravamento da concorrência no mercado mundial e ex­
pansãocapitalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 73

CAP. Vl - O Mercado Mundial das Matérias-Primas e as Mudanças nas Con­


dições de Sua Aquisição. - 1. Desproporção da produção social. - 2.
Propriedade monopolista do solo e crescimento da desproporção entre a
indústria e a agricultura. - 3. Encarecimento das matérias-primas e es­
treitamento de seu mercado. - 4. Agravamento da concorrência no mer­
cado mundial de matérias-primase expansão capitalista . . . . . . . . . . . . . . 81

CAP. Vll -- Circulação Mundial do Capital e Modificação das Formas Econô­


micas de Entrelaçamento Internacional - 1. A superprodução de capital
e seu crescimento. - 2. As forças motrizes da exportação de capital. ­
3. Os cartéis e a exportação de capital. - 4. Exportação de capital e em­
SUMÁRIO 5

préstimos. - 5. Exportação de capital e tratados comerciais. - 6. Expor­


tação de capital e exportação de mercadorias - 7. Agravamento da con­
corrência pela posse das esferas de investimento de capital e de expan­
são capitalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 87

CAP. Vlll - A Economia Mundial e o Estado Nacional. - 1. A reprodução


do capital mundial e as raizes da expansão capitalista. - 2. A superpro­
dução dos produtos industriais, a subprodução dos produtos agrícolas e
a superprodução de capital, três aspectos de um mesmo fenômeno. ­
3. O conflito entre a economia mundial e os limites do Estado nacional.
- 4. O imperialismo, política do capital financeiro. - 5. A ideologia do
imperialismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

PARTE TERCEIRA

O lmperialismo, Reprodução Ampliada da Concorrência Capitalista

CAP. 1X- O imperialismo, Categoria Histórica. - 1. Concepção vulgar do


imperialismo. - 2. Papel da política na vida social. - 3. Metodologia
das classificações na Ciência Social. - 4. A época do capital financeiro,
categoria histórica. - 5. O imperialismo, categoria histórica . . . . . . . . . . 103

CAP. X - Reprodução do Processo de Concentração e de Ce tralização do


Capital íemwEscalaMundial. - 1. Concentração do capitâfCõntentra­
ção-do capital nas empresas individuais. Concentração do capital nos
trustes. Concentração do capital nas economias nacionais organizadas
/ (trustes capitalistas nacionais). - 2. Centralização do capital. - 3. Luta
das empresas individuais; luta dos trustes; luta dos trustes capitalistas na­
cionais. - 4. A expansão capitalista moderna_ caso particular da centrali­
zação do capital. Absorção das estruturas monotlpicas (centralização hori­
zontal). Absorção dos países agrários (centralização vertical, organização
combinada) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 109

CAP. Xl - Os Métodos de Luta, Visando ã Concorrência e ao Poder. - l.


Métodos de luta entre empresas individuais. - 2. Métodos de luta entre
trustes. - 3. Métodos de luta entre os trustes capitalistas nacionais. - 4.
Importância econômica do poder. - 5. Militarismo.- 6. Modificação
daestrutura dopoder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 115
SUMÁRIO

PARTE QUARTA

O Futuro da Economia Mundial e o lmperialismo

CAP. Xll - “Necessidade" do lmperialismo e do Superimperialismo. - 1.


Concepção da necessidade histórica. Necessidade histórica e marxismo
prático. 'Necessidade' histórica do imperialismo.- 2. A questão econô­
mica do superimperialismo (acordo entre os trustes capitalistas nacio­
nais). Possibilidade econômica abstrata de um truste universal. - 3.
Prognósticos concretos. Condições econômicas para a formação dos
monopólios e sua solidez. Internacionalização e nacionalização dos inte­
resses capitalistas. Importância da política imperialista para a burguesia.
- 4. A vitória sobre o imperialismo e a condição para a possibilidade
dessa vitória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 125

CAP. Xlll - A Guerra e a Evolução Econômica. - 1. Modificação da correla­


ção de forças econômicas entre os trustes capitalistas nacionais (importân­
cia crescente da América, desmoronamento dos pequenos Estados). ­
2. Economia mundial e "autarquia" econômica. A- 3. Modificação da es­
trutura dos trustes capitalistas nacionais (desaparecimento dos grupos in­
termediários, crescimento do poder do capital financeiro, acentuação da
ingerência estatal, monopólios de Estado etc.). Capitalismo de Estado e
agravamento da luta entre trustes capitalistas nacionais. - 4. O capitalis­
mo de Estadoeasclasses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 137

CAP. XIV - A Economia Mundial e o Socialismo Proletário. - 1. O capitalis­


ta e o operário, pólos das relações sociais. - 2. Antagonismo de classe e
solidariedade relativa de interesses. - 3. Interesses duráveis e interesses
passageiros. - 4. Relações ditas patriarcais entre o trabalho e o capital.
- 5. A classe operária e o Estado burguês. - 6. A classe operária e a
política imperialista do Estado burguês (lorrna relativa de "solidarieda­
de"). - 7. A classe operária e a guerra. - 8. A falência dos "acordos"
comoEstado burguéseorenascimento do socialismorevolucionário . . 153
CAPÍTULO l

A Noção de Economia Mundial

1. O imperialismo, problema da economia mundial. - 2. A divisão interna­


cional do trabalho, caso particular da divisão social do trabalho. - 3. Condi­
ções naturais e sociais da divisão internacional do trabalho. - 4. O intercâmbio
internacional dos produtos, fenômeno necessário e regular. - 5. O mercado
mundial de mercadorias. - 6. O mercado mundial do capital financeiro. - 7.
A economia mundial, sistema de relações de produção. - 8. Diferentes aspec­
tos do estabelecimento dessas relações de produção. - 9. A economia social
em geral e a economia mundial (questão do agente da economia).

A luta dos Estados nacionais, que é apenas a luta entre grupos da mes­
ma ordem da burguesia, não cai do céu. Não se poderia considerar esse
choque gigantesco como uma colisão de dois corpos no espaço material.
Muito pelo contrário, ela é condicionada pelo meio parücular em que vi­
vem e se desenvolvem os "organismos econômicos nacionais". Estes últi­
mos deixaram, há muito tempo, de ser um todo fechado, "economias isola­
das", à moda de Fichte ou de Tunin. Fazem parte de uma esfera infinita­
mente mais ampla: a economia mundial. Assim como toda empresa indivi­
dual constitui uma parte componente da economia nacional, cada uma des­
sas “economias nacionais" é também parte integrante do sistema da econo­
mia mundial. A partir dai - e do mesmo modo que consideramos a luta
entre empresas individuais como uma das manifestações da vida social eco­
nômica - é necessário encarar a luta dos corpos económicos nacionais an­
tes de tudo como uma luta entre as diversas partes concorrentes da econo­
mia mundial. Nessas condições, a questão do imperialismo, de sua defini­
ção económica e de seu futuro, passa a ser uma questão de apreciação das
tendências de evolução da economia mundial e das prováveis modifica­
17
18 A ECONOMlA MUNDIAL E O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

ções de sua estrutura interna. No entanto, antes de abordar essa questão_


devemos convir sobre o que entendemos por "economia mundial".
A produção dos bens materiais constitui o fundamento da vida social.
Na sociedade atual - que não cria simples produtos, mas mercadorias, is­
to é, produtos destinados à troca - o processo de üoca dos diversos pro­
dutos expressa a divisão do trabalho entre as unidades econômicas produ­
toras dessas mercadorias. Essa divisão do trabalho, ao contrário da que se
realiza nos limites de uma empresa isolada, é denominada, por Marx, divi­
são social do trabalho. E evidente que a divisão social do trabalho pode re­
vestir-se de formas diferentes: como, por exemplo, a divisão do trabalho en­
tre diversas empresas de um país; ou a divisão do trabalho entre os diver­
sos ramos industriais; ou, então, a divisão do trabalho entre as vastas subdi­
visões de toda a vida produtiva - que são a indústria e a agricultura; ou,
ainda, a divisão entre países representativos de sistemas econômicos especi­
ficos dentro do sistema geral etc.
Não há dúvida de que assim é possível esquematizar até o infinito e en­
tregar-se a variadas classificações de fomias, segundo as diferentes tarefas
detenninadas a cada pesquisa em curso. No momento, basta-nos ter em
conta que, ao lado de outras formas de divisão social do trabalho, existe a
divisão do trabalho entre economias "nacionais", a divisão do trabalho en­
tre países diversos, a que sai dos limites da economia nacional e constitui a
divisão internacional do trabalho.
As condições da divisão internacional do trabalho são de dois tipos:
em primeirolugar, as condições decorrentesda diversidadedo
meionaturalem que wersos organismosde produção;em se­
gundo lugar, as condições sociais derivadas da diferença dos níveis de "cul­
tura" e de estrutura econômica, e do grau de desenvolvimento das forças
produtivas.
Comecemos pelas primeiras.
"Comunidades diferentes encontram, em seu meio ambiente natural.
meios de produção diferentes, assim como meios de subsistência também di­
versos. Seu modo de produção, sua maneira de viver, os produtos que criam
serão, pois, diferentes. E essa diferença natural, aliás, que provoca a troca mú­
tua dos produtos - quando as comunidades entram em contato - e, a se­
guir, a transformação progressiva dos produtos em mercadorias. A troca não
está na origem da diferença entre as esferas de produção: ela põe em contato
as diferentes esferas e transfonna-as, assim, em ramos, mais ou menos depen­
dentes uns dos outros, de uma produção social total.”

' MARX. KARL. Le Capital. Livro Primeiro, t. ll. p. 251. Tradução de J. Molitor. Não nos referimos.
nos exemplos abaixo, aos países em que o produto mencionado é, em geral_ produzido. mas unicamen­
te aos países de onde é exportado.
A NOÇÀO DE ECONOMIA MUNDLAL i9

Assim, a diferença entre as esferas de produção é, aqui, o resultado de


condições naturais de produção. Não é difícil fundamentar essa tese. corr.
múltiplas ilustrações. Vejamos, por exemplo. as matérias vegetais: o café só
é cultivado sob determinadas condições climáticas. Ele é produzido, funda­
mentalmente, pelo B_rasi|,em parte pela América Central _e, em proporções
bem menores, pela Africa (Abissínia, colônias inglesas da Africa central, Áfri­
ca oriental alemã) e pela Asia (lndias holandesas, Índia inglesa, Arábia, pe­
nínsula de Málaca). O cacau só dá nos países tropicais. A borracha, cujo pa­
pel é muito importante na produção moderna, requer também certas condi­
ções climáticas que fazem d sua cultura o apanágio de alguns países (Bra­
sil, Equador, Peru, Bolívia, êuiana etc.). O algodão, que por sua importân­
cia na vida econômica ocupa o primeiro lugar entre todas as matérias fibro­
sas, cultiva-se nos Estados Unidos, na lndia inglesa, no Egito, na Asia me­
nor, nas possessões russas da Asia central. A juta, que ocupa o segundo lu­
gar, é exportada quase exclusivamente de um único país: a lndia inglesa.
Se examinarmos a produção de minerais, veremos o mesmo quadro, já
que aí se trata, de certa forma, das riquezas naturais do país. O carvão, por
exemplo, é exportado dos países que possuem ricas jazidas de hulha (Ingla­
terra, Alemanha, Estados Unidos, Austria etc.); o petróleo provém de paí­
ses em que existem terrenos petrolíferos (Estados Unidos, Cáucaso, Holan­
da, lndia, Romênia, Galícia); o minério é extraído na Espanha, na Suécia,
na França, na Argélia, na Terra Nova, em Cuba etc. O manganês é sobretu­
do fornecido pelo Cáucaso e pela Rússia meridional, pela lndia inglesa e
pelo Brasil; as jazidas de cobre encontram-se principalmente na Espanha,
no Japão, nas colônias britânicas da Africa do Sul e no sudoeste da África
alemã, na Austrália, no Canadá, nos Estados Unidos, no México, no Chile
e na Bolívia.
Qualquer que seja, porém, sua importância, as diferenças naturais das
condições de produção passam, cada vez mais, a segundo plano, em rela­
ção às diferenças que decorrem nos diversos países, do crescimento desi­
gual das forças produtivas.
"É necessário acentuar bem que as condições naturais só têm importância
relativa, no que diz respeito às relações de produção, ao comércio e ao trans­
porte; em outras palavras, seu alcance, negativo ou positivo, depende, em lar­
ga medida, do nível de "cultura" do individuo. Enquanto as condições natu­
rais (medidas na escala humana de espaço e tempo) podem ser consideradas
como valores constantes, o nível de cultura é uma variável e, por mais impor­
tantes que sejam as diferenças nas condições naturais dos países para a produ­
ção e para a circulação, as diferenças de cultura têm, relativamente, igual im­
portância - e somente a ação combinada dos dois fatores provoca o fenôme­
no da vida econômica.”

7 FRIEDRICH, Ernst. Geographic des Velthandels und Weltuerkehrs lena, Gust. Fischer. p. 7.
20 A ECONOMlA MUNDlAL E O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

As jazidas de hulha. por exemplo, podem representar um "capital mor­


to" se as condições técnicas e econômicas para sua exploração não estão
presentes; por outro lado, as montanhas que, no passado, constituíam um
obstáculo às relações entre os indivíduos, os pântanos que prejudicavam a
produção etc., perdem, por meio de técnica altamente desenvolvida, seu
sentido negativo, graças aos túneis, aos trabalhos de drenagem etc.
Mais importante ainda para nós, porém, é o fato de a desigualdade de
desenvolvimento das forças produtivas criar diversos tipos econômicos e di­
versas esferas industriais, alargando, desse modo, a divisão internacional
do trabalho sobre uma base social. Queremos referir-nos à diferença exis­
tente entre os países industriais, que importam produtos da agricultura e ex­
portam produtos manufaturados, e os países agrãrios, que exportam produ­
tos agrícolas e importam produtos da indústria.

“Toda divisão do trabalho - desde que apresente certo nível de desenvol­


vimento e tenha por condição a troca das mercadorias - fundamenta-se na
distinção entre a cidade e o campo. Pode-se dizer que toda a história econó­
mica da sociedade se resume nesse movimento altemativo.”

A distinção entre a "cidade" e o “campo" e o movimento altemativo


que, antigamente, se efetuava no quadro de um único país, reproduzem­
se, agora, num plano consideravelmente mais amplo. Sob esse ângulo de
apreciação, países inteiros, notadamente os países industriais, representam
a cidade - e as regiões agrícolas, o campo."A divisão internacional do tra­
balho coincide aqui corn a divisão do trabalho entre os dois principais ra­
mos do conjunto da produção social, a indústria _ea agricultura, e constitui
o que se chama a divisão geral do trabalho** E fácil convencer-se disso
quando se examina a relação entre as regiões que produzem os produtos
da indústria e as ligadas aos produtos da agricultura.
O trigo candial, é cultivado principalmente no Canadá, nas regiões
agrícolas dos Estados Unidos, na Argentina, na Austrália, nas lndias, na
Rússia, na Romênia, na Sérvia, na Hungria. O centeio é exportado princi­
palmente da Rússia. A came é fornecida por Austrália, Nova Zelândia, Esta­
dos Unidos (regiões agrícolas), Canadá (cuja produção é particularmente
elevada), Argentina, Dinamarca, Holanda etc. O gado é geralmente expor­

3 MARX, Karl. Op. ciz., t. ll. p. 251-252.


" "Se se considera apenas o trabalho em si mesmo, pode-sc designar a divisão da produção social em
seus grandes ramos - tais como a agricultura, a indústria etc. - como divisão do trabalho em geral; a
repartição desses ramos da produção em espécies e variedades, como divisão do trabalho em particu­
lar; e a divisão do trabalho no interior de urna olicina, como divisão do trabalho em detalhe." (Marx)
A NOÇÃO DE ECONOMIA MUNDlAL 21

tado dos países agrícolas da Europa para os países industrializados. Os pnn­


cipais produtores na Europa são Hungria, Holanda, Dinamarca, Espanha,
Portugal, Rússia e os países balcãnicos. A madeira é fornecida por Suécia,
Finlândia, Noruega, Rússia setentrional e, em parte, por certas regiões da
antiga Austria-Hungria; as importações do Canadá começam igualmente a
desenvolver-se.
Se fonnos enumerar agora os países que exportam produtos manufa­
turados, veremos que são os paises industriais mais desenvolvidos do mun­
do. Os tecidos de algodão são lançados no mercado, em primeiro lugar, pe­
la Inglaterra. Vêm, a seguir, Alemanha, França, ltália, Bélgica etc. e, entre
os países de além-mar, os Estados Unidos. Os tecidos de lã são produzidos
para o mercado mundial por Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, Bélgica
etc. Os artefatos de ferro e de aço são fabricados principalmente na Inglater­
ra, na Alemanha e nos Estados Unidos, paises que alcançaram o mais alto
grau de industrialização; chegam, em segundo lugar, a Bélgica, a França e
a Austria-Hungria. Os produtos químicos são fabricados pela Alemanha,
que ocupa o primeiro lugar, seguida por Inglaterra, Estados Unidos, Fran­
ça, Bélgica e Suíça.
Existe, assim, uma repartição especifica das forças produtivas do capi­
talismo mundial. As duas principais subdivisões do trabalho social passam
por uma linha que separa dois tipos de países - e o trabalho social acha­
se dividido no plano internacional.
A divisão internacional do trabalho está expressa no intercâmbio inter­
nacional.

"Os produtores só entram em contato social por meio da troca dos produ­
tos de seu trabalho, e é nesse intercâmbio que se manifestam os caracteres so­
ciais especificos de seus trabalhos individuais. Em outras palavras: os traba­
lhos individuais só se revelam como elos do conjunto do trabalho social por
meio das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por
intermédio destes, entre os produtores.”

O trabalho social do mundo, em seu conjunto, está dividido entre paí­


ses. O trabalho de cada país em particular toma-se parte do conjunto do
trabalho social por meio da troca que se realiza no plano mundial. Essa in­
terdependência dos países no terreno da troca não é absolutamente casual,
ela é a condição necessária da evolução social ulterior, mediante a qual a

5'MARX, Karl. Op. cit., t. l, p. 57.


22 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇAO DO CAPITAL

troca internacional se torna um fenómeno regular da vida social econômi­


ca. Esta estaria literalmente deslocada de seu eixo se a América e a Austrá­
lia deixassem de repente de exportar seu trigo candial e seu gado; se a In­
glaterra e a Bélgica deixassem de exportar seu carvão, a Rússia, seu trigo e
suas matérias-primas, a Alemanha. suas máquinas e seus produtos quími­
cos industriais; a India, o Egito e os Estados Unidos, seu algodão etc. Em
contrapartida, os países produtores de produtos agrícolas ficariam paralisa­
dos também se os mercados viessem repentinamente a fechar-se. Isso é
particularmente certo para os países de "monocultura", que produzem,
por assim dizer, um único produto (por exemplo, o café no Brasil, o algo­
dão no Egito etc.). Ver-se-á, pelos exemplos abaixo, quanto a troca interna­
cional é hoje necessária para assegurar o andamento normal da vida econô­
mica. Na Inglaterra, no primeiro terço do século XIX, as importações de tri­
go destinadas a complementar a quantidade necessária ao consumo só al­
cançavam 2,5%; hoje elas alcançam cerca de 50% (são mesmo de 80%,
no que diz respeito ao trigo candial); para a carne, são de quase 50%; de
70% para a manteiga; de 50% para os queijos etc.°
Lekssis estima que, no que diz respeito aos produtos manufaturados
belgas, o mercado exterior tem a mesma importância que o mercado inter­
no. Na Inglaterra, o mercado interno mal absorve o dobro dos produtos
manufaturados, dos artefatos metalúrgicos e do carvão destinados à expor­
tação. Na Alemanha, o mercado interno tem uma importância quatro vezes
e meia maior que o mercado extemoÍ
Segundo Ballod, a Inglaterra importa 3/4 e mesmo 4/5 da quantidade
de carne que consome; a Alemanha importa cerca de 24 a 30% do trigo,
cerca de 60% da forragem e 5 a 10% da came.”
Poder-se-ia multiplicar esses exemplos ao infinito. Há, nesse processo
de intercâmbio, uma relação de mercado regular entre uma multidão
de unidades econômicas dispersas nos pontos geográficos mais afastados.
A divisão mundial do trabalho e a troca internacional implicam, nessas con­
dições, a existência de um mercado mundial e de preços mundiais.
Os preços nos dias atuais não são unicamente detenninados pelos cus­
tos de produção inerentes a uma produção dada, local ou nacional. Essas
particularidades locais e nacionais desaparecem_ em larga medida_ dentro
do nivel regulador dos preços mundiais que, por sua vez, influem sobre de

° HARMS, Bemhard. WoIkswinscha/I und WeIlwinscIra/t. Versuch der Bcgrunrfung einer IVelriuirscha/rs­
fehre. lena, Gusl. Fischer, 1912 p 176
7ZIVERKING, G. Politiquc Commercialc Exrérieure. São Petersburgo_ 1908. Lilrrairc Hcltling, 1905
" BALLOD. C. Grundriss der Slatistik p IIH.
A NOÇÁO DE ECONOMIA MUNDIAL 23

terminados produtores. certos países e certas regiões. Esse fenómeno fica


particulannente evidente se tomarmos produtos como o carvão e o ferro. o
trigo candial e o algodão, o café e a lã. a came e o açúcar etc. Tomemos a
produção de cereais. As condições de produção são aqui extremamente va­
riadas: no entanto, as diferenças de preços não são muito sensíveis.
Para o período de 1901-08, o preço (em marcos) de uma tonelada
era o seguinte:

Mercado Centelo Czzgra¡ Sorgo


Viena ................ 146 168 149
Paris ................ 132 183 149
Londres ............. 132 139 138
Nova York ........... 132 141 149
Alemanha ............ 155 183 1631

1 CORAD, J. "Getreldenpreise". ln: Handwõrterbuch der Staatswissenschaften.

As condições de produção do trigo candial, na Inglaterra e nos Esta­


dos Unidos, são bem diferentes. Os preços, no entanto, são praticamente
os mesmos nos mercados de Londres e de Nova York (139 e 141 marcos
por tonelada), pelo fato de que, pelo oceano Atlântico, o imenso fluxo de
trigo candial americano se derrama ininterruptamente na Inglaterra e na Eu­
ropa ocidental.
E possível verificar o movimento e a fomiação desses preços mun­
diais, consultando-se as cotações das Bolsas de comércio dos principais
mercados: Londres, Nova York, Berlim. Aí, as variações dos preços mun­
diais são anotadas diariamente, as notícias do mundo inteiro são centraliza­
das e, desse modo, levam-se em conta a oferta e a procura mundiais.
O intercâmbio internacional repousa sobre a divisão internacional do
trabalho. Não se deve crer, porém, que ela se efetua apenas nos limites
que lhe atribui essa divisão. Os países não trocam apenas produtos de natu­
reza diferente, mas também produtos similares. Tal país, por exemplo, po­
de exportar para outro não apenas mercadorias que este último não pro­
duz, ou produz em ínfima quantidade - mas pode também exportar suas
mercadorias fazendo concorrência à produção estrangeira. A troca interna­
cional, nesse caso, tem fundamento não na divisão do trabalho _ que im­
plica a produção de valores mercantis de natureza diversa - mas unica­
mente na diferença dos custos de produção, na diferença dos valores indivi­
24 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE lNTERNAClONALlZAÇÃO DO CAPITAL

duais (para cada país) que, na troca internacional, se resumem no trabalho


socialmente necessário em todo o mundo.”
A economia realizada sobre os meios de pagamento, isto é, sobre as
remessas de ouro, mostra até que ponto os diversos países aproximaram­
se uns dos outros no processo de troca.

“Se, em relação a um pais qualquer, se somar, de um lado, o montante


das entradas e das saidas de ouro_ e. de outro, a exportação e a importação
de mercadorias. constatar-se-á que o valor total das remessas de ouro quase
nunca chega a alcançar sequer 5% do valor das remessas de mercadorias. E
bom notar, a esse respeito. que a balança comercial é apenas parte do balan­
ço de pagamentos de um país."'°

Do mesmo modo que o mercado mundial das mercadorias se forma


na esfera da circulação mercantil, o mercado mundial do capital-dinheiro
encontra sua expressão na igualização internacional da taxa de juros e da
taxa de descontos. Assim, o próprio fator financeiro também tende a contri­
buir para que a conjuntura econômica de qualquer país isolado seja substi­
tuída pela conjuntura mundial.
O exemplo do mercado das mercadorias mostra-nos que atrás das rela­
ções de mercado escondem-se as relações de produção. Toda ligação en­
tre os produtores, no processo de troca, supõe que os trabalhos particula­
res de cada um já foram totalizados no conjunto do trabalho social. Assim,
atrás da troca, temos a produção; atrás das relações objetos-mercadorias se
escondem as relações entre as pessoas que as produzem. Se os vínculos es­
tabelecidos no processo de troca não têm caráter acidental, isso significa
que nos encontramos diante de um sistema estável de relações de produ­
ção, que forma a estrutura econômica de dada sociedade. A partir daí, po­
demos definir a economia mundial como um sistema de relações de produ­
ção e de relações correspondentes de troca, que abarcam o mundo em sua
totalidade.
Não se deve crer, no entanto, que essas relações de produção se esta­
belecem unicamente no processo de troca.

"A partir do momento em que, dessa ou daquela fonna, os homens traba­


lham uns para os outros, o trabalho adquire forma social""

" Ê evidente que, no primeiro caso, a dllerença entre custos de produção tem igualmente um papel a
desempenhar. Ela exprime, entretanto, o lato de se produzirem produtos de naturem diversa; no segun­
do caso, ela não o exprime.
'° WOLF. Julius. "Das Internationale Zahllungswesen". Lelpzlg. 1913. p. 62. Int Verófjentlichungen des
Mitteleuropãíschen Wirtscha/Lsuereínsln Deutschland. Fascículo XIV.
" MARX, Karl. Op. cit., p. 55-56. O grilo é nosso.
A NOÇÃO DE ECONOMIA MUNDIAL 25

Em outras palavras: qualquer que seja a forma, direta ou indireta, assu­


mida pela relação entre os produtores, a partir do momento em que ela se
estabelece e adquire forma estável, já se pode falar da criação de um siste­
ma de relações de produção, isto é, do crescimento (ou da formação) de
urna economia social. Nesse particular, a troca aparece como urna das
mais primitivas formas de expressão das relações de produção. A vida eco­
nômica moderna, em sua extrema complexidade, conhece formas, muito
diferentes por sua natureza, que dissimulam essas relações. Se, por exem­
plo, na Bolsa de Valores de Berlim se compram ações de uma empresa
americana, uma relação de produção se estabelece entre o capitalista ale­
mão e o operário americano. Se uma cidade russa faz um empréstimo jun­
to aos capitalistas de Londres e paga os juros correspondentes, acontece o
seguinte: parte da mais-valia que exprime a relação entre o operário e o ca­
pitalista inglês transfere-se ã municipalidade da cidade russa, que, por sua
vez, remete para a Inglaterra, sob a forma de juros, parte da mais-valia au­
ferida pela burguesia dessa cidade e que expressa a relação de produção
entre o operário e o capitalista russos. Dessa maneira se estabelece uma li­
gação tanto entre os operários quanto entre os capitalistas dos dois paises.
Como já mencionamos anteriormente, a circulação do capital-dinheiro,
que toma proporções sempre maiores, desempenha papel particularmente
importante. Pode-se ainda assinalar toda uma série de formas de ligações
econômicas: a emigração e a imigração como circulação da força de traba­
lho; a transferência de parte do salário dos operários emigrados (remessa
de dinheiro para seu país de origem); a criação de empresas no exterior e a
remoção da mais-valia obtida; os lucros das companhias marítimas etc. Te­
remos ainda oportunidade de voltar a esse assunto. Por enquanto, limitar­
nos-emos ã constatação de que a economia mundial encerra todos esses fe­
nômenos econômicos que têm finalmente por base as relações entre as pes­
soas no processo de produção. De modo geral, todo o processo da vida
econômica mundial de nossos dias consiste em produzir mais-valia e em re­
parti-la entre os diversos agrupamentos da burguesia, com base em uma re­
produção sempre mais intensa das relações entre duas classes: o proletaria­
do mundial e a burguesia mundial.
A economia mundial é uma das formas da economia social em geral.
Por economia social, a Economia Política entende antes de tudo um siste­
ma de empresas individuais ligadas entre si pela troca. Sob esse ponto de
vista, é claro que a economia social não implica em absoluto a existência
de um agente econômico dirigente de todo o conjunto das relações econô­
micas. A Economia Política não tem em vista uma espécie de "unidade te­
leológica" racional "diretora", mas sim, e antes de tudo, um sistema inorga­
nizado de empresas, sem direção econômica coletiva racional, em que as
leis econômicas são as leis anárquicas do mercado e da produção que lhe
26 A ECONOMlA MUNDIAL E O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

está submetida. É por esse motivo que nenhum elemento pode servir de si­
nal constitutivo determinante para a compreensão da economia social em
geral, e da economia mundial em particular.

"Até aqui, os organismos econômicos nacionais não puderam exercer uma


influência geral reguladora sobre o mercado internacional, onde, até agora, a
anarquia domina soberanamente, já que se trata do palco de hostilidades on­
de se defrontam os interesses nacionais"

(isto é, os interesses nacionais das classes dominantesi” Nem por isso, en­
tretanto, a economia mundial deixa de ser economia mundial. '3

'3' STAHLER. Paul. Der Girouerkehr. sefne Entwickfung und intemationafe Ausgestaltung. Leipzig.
1909. p. 127.
“ Essas observações referem-se a opiniões falsamente difundidas sobre a natureza da economia mun­
dial. Kalver, por exemplo_ propõe a expressão economia de mercado mundial (Weltrnarktwimchaft).
Segundo Harms, somente os tratados internacionais autorizam a utilização do termo "economia mun›
dial" em sua aplicação à epoca presente. De acordo com Kobatsch (ver sua obra- La Politique Écono­
mique Intemationafe. Paris, Ed. Giard et Briére, 1913), uma economia mundial pressupõe forçosamenr
ie um Estado mundial. A expressão “economia mundial" implica em iim de contas. uma classificação
baseada na amplitude dos laços económicos. e de modo algum na diferença dos meios de produção
Eis por que é um absurdo criticar os marxistas (como faz Han-ns), por verem por trás da economia capi­
talista tão-somente a economia socialista. sem se darem conta da economia mundial. Harms confunde
classificações que se relacionam a coisas muito diferentes,
CAPÍTULO ll

Desenvolvimento da Economía Mundial

1. Crescimento extensivo e intensivo da economia mundial. - 2. Cresci­


mento das forças produtivas da economia mundial. Técnica. - 3. Extração
da hulha, do minério de ferro, do cobre, do ouro. Fundição do ferro. - 4.
Produção dos demais produtos. - 5. indústria dos transportes: estradas de
ferro, transportes marítimos. Telégrafo e cabos submarinos. - 6. Desenvolvi­
mento do comércio exterior. - 7. Migrações.- 8. Circulação do capital e li­
nanciamento das empresas estrangeiras (atividade dos estabelecimentos indus­
triais e dos bancos).

O desenvolvimento dos laços econômicos internacionais e, em conse­


qüência, o desenvolvimento do sistema das relações de produção, através
do mundo, podem realizar-se de duas maneiras: os laços internacionais po­
dem expandir-se amplamente, englobar regiões que até então ficavam à
margem do ciclo da via capitalista - e, nesse caso, temos um desenvolvi­
mento extensivo da economia mundial; ou esses laços se desenvolvem em
profundidade, multiplicam-se, concentram-se - e temos então um desen­
volvimento intensivo da economia mundial. Concretamente, o desenvolvi­
mento histórico da economia mundial opera-se simultaneamente nessas
duas direções, enquanto seu desenvolvimento extensivo se faz principal­
mente por meio da política de conquistas coloniais das grandes potências*
A extraordinária rapidez de expansão da economia mundial, no decor­
rer destes últimos decênios, foi provocada pelo surpreendente desenvolvi­
mento das forças produtivas do capitalismo internacional. Prova disso é o
progresso técnico. A principal conquista técnica dessas últimas décadas fo­

' "A divisão do trabalho no selo da sociedade, no período manulaiurcirci, é amplamente facilitada pela
expansão do mercado mundial e pelo sistema colonial, que entram na esfera de suas condições gerais
de existência." (MARX, K. Le Capital. t. ll, p. 254.) isso também é verdadeiro para nossa época.
27
28 A ECONOMlA MUNDIALE O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

ram os procedimentos encontrados para produzir energia elétrica e transmi­


ti-la a distância. A transmissão a distância da energia elétrica permitiu, em
certa medida, libertar-se do lugar em que é produzida e utilizar suas forças,
antes absolutamente inacessiveis. Trata-se, em primeiro lugar, da utilização,
para a fabricação da energia elétrica, da força hidráulica, da hulha "bran­
ca" que hoje, com a hulha "negra", transformou-se no principal fator da
produção industrial. Assim, fizeram sua aparição as turbinas hidráulicas, ge­
radoras de energia, em proporções até então desconhecidas. A eletrotécni­
ca exerceu igualmente influência muito forte sobre o desenvolvimento das
turbinas a vapor. Basta mencionar a iluminação elétrica e a aplicação dos
processos eletrotécnicos à moldagem dos metais etc. Da mesma forma, os
motores de combustão interna adquiriram, na atividade econômica, influên­
cia considerável. O desenvolvimento dos motores a gás ganhou poderoso
impulso desde que se conseguiu, industrialmente, utilizar os gases dos al­
tos-fornos. Os óleos minerais também passaram a ser fontes de energia. Ê,
antes de tudo, o caso do petróleo e da gasolina. Os motores Diesel passa­
ram a ter aplicação geral e tendem a eliminar a máquina a vapor, transfor­
mada em valor obsoleto.? A aplicação da queima do ferro, as múlüplas des­
cobertas realizadas no domínio da Química, mais particularmente em maté­
ria de colorantes, a revolução operada na técnica dos transportes (tração
elétrica, tração automóvel), a telegrafia sem fio, o telefone, e assim por
diante, completam o quadro geral do desenvolvimento da técnica, ao mes­
mo tempo rápido e febril. Jamais, como hoje, a justaposição de ciência e in­
dústria conheceu triunfos maiores. A racionalização da produção assumiu a
forma de uma íntima colaboração entre as ciências abstratas e as realiza­
ções práticas. As grandes usinas estão dotadas de laboratórios especiais, a
profissão de “inventor" está em via de formação, organizam-se centenas
de sociedades científicasque estudam todas as questões que surgem.
Pode-se fazer um juízo do desenvolvimento da técnica pelo número
de patentes de invenção concedidas. A quantidade de patentes anualmen­
te outorgadas modificou-se da maneira seguinte. (Ver Tabela, p. 29.)
Cresce, paralelamente aos progressos da técnica, o montante dos pro­
dutos da indústria extrativa e dos produtos elaborados. As cifras mais signifi­
cativas, nesse sentido, são fornecidas pela indústria pesada, dado que, em
seu desenvolvimento, as forças produtivas submetem-se ininterruptamente
a novas modificações no quadro da produção do capital fixo e, mais parti­
cularmente, de sua parte constante. O crescimento da produtividade do tra­
balho social efetua-se de tal forma que uma parte sempre maior desse tra­
balho passa a consagrar-se às operações preparatórias da produção dos

2 MATSCHOSS, Konrad. "Grundrtss der technlschgeschichtlichen Entwicldung". ln: Die Tcchnlk in XY


Jahrhunderr. Publicado por A. Miethe. v. l.
DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA MUNDLM 29

Estados Unidos Alemanha Inglaterra França


1840 473 1900 8 784 1860 69 21 310 1850 1 687
1860 4 778 1905 9 600 1880 87 30 300 1880 6 O57
1880 13 917 1910 12 100 1900 13 170 1900 10997
1900 26 439 1911 12 640 1905 14 786 1905 11 463
1907 36 620' 1912 13 030-” 1903 1o 22ml* 1907 12 6804

l
MULHALL The Dictionary of Statistics p 439_ WEBB New Dictionary of Statistics p. 450.
2 WEBB. Opfcit _Statistisches Jahrbuch fur das Deutsche Reich
3 MULHALL e WEBB
4 lbid

meios de trabalho. Uma parte cada vez mais restrita do trabalho social é,
em contraposição. consagrada à produção dos artigos de consumo - e é
essa a razão por que a massa específica destes últimos, como valores de
consumo, aumenta desmesuradamente. No plano econômico, esse proces­
so traduz-se. sobretudo. pelo aumento da composição orgânica do capital
social. pelo crescimento sempre mais intenso do capital fixo, em relação ao
capital variável, e pela redução da taxa de lucro. Ora, se no capital, decom­
posto em parte constante e parte variável, produz-se um incessante aumen­
to relativo de sua parte constante, esta, por sua vez, faz igualmente surgir
um crescimento desigual do valor de seus componentes. Se se decompõe
o capital constante em capital fixo e capital circulante (é a este último que,
em geral. se relaciona o capital variável), descobre-se a tendência a um
crescimento mais intenso do capital fixo. Aí, em suma, se manifesta uma
mesma lei, segundo a qual (nas condições de uma crescente produtividade
do trabalho) as operações preliminares de produção (a produção dos
meios de trabalho) devem absorver uma parte sempre maior de energia
social?
Explica-se assim a formidável expansão assumida pela indústria extrati­
va e pela indústria metalúrgica. Se, de modo geral, pode-se avaliar o grau
de industrialização de um pais segundo o índice de seu desenvolvimento
econômico, a importância da indústria pesada define o nível de desenvolvi­
mento econômico nos paises industrializados. Eis porque o surto das forças
econômicas do capitalismo mundial encontra sua expressão mais nítida na
expansão desses ramos industriais.

4*Marx foi o primeiro a descobrir claramente essa lei e a apresentar uma análise brilhante de suas mani­
festações, em seu estudo sobre as causas da queda da taxa de lucro (ver Le Capital. t. Ill, cap. l). Na
pessoa de Bõhm-Bawerk, que considera toda a teoria de Marx como um castelo de cartas. a Economia
Politica burguesa de ho'e plagia com ardor, embora tomando o culdado de mascarar a "fonte". certos
aspectos dessa teoria. É o caso da teoria de Bõhm-Bawerk sobre "os caminhos desviados da produ­
ção", teoria que não passa de formulação plorada da Iel de Marx sobre a lonnação da composição or­
gânica do capital.
30 A ECONOMIA MUNDIAL E o PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO0o CAPITAL

PRODUÇÃO MUNDIAL:

Hulha Mlnérío de _ferro


Ano (em milhões Ano (em milhões
de toneladas) de toneladas)
1850 82.6 1850 11 500
1875 283 1860 18 000
1880 344,2 1880 43 741
1890 514,8 1890 59 560,1
1900 771,1 1900 92 201,2
1901 793,2 1901 88 052,7
1902 806,7 1902 97 134,1
1903 883,1 1903 102 016,9
1904 889,9 1904 96 267,8
1905 940,4 1905 117 096,3
1906 1 003,9 1906 129 096,3
1907 1 095,91 191o 139 536.83
1911 1 155,59

u a em Cobre ern of"? (em


Ano mGílhsarfzs
de Ano milhare(s de Ano miga:: de
toneladas) toneladas) esterünas )
1850 4 750 1850 52 1850 12
1975 14 119 1880 156,5 1880 22
1900 41 086 1900 561 1900 52
1901 41 154 1901 586 1905 78
1902 44 685 1902 557 1906 83
1903 47 057 1903 629 1907 85
1904 46 039 1904 654 1908 91
1905 54 804 1905 751 1909 93
1906 59 642 1906 774 1910 94
1907 61 139 1910 891 1911 95
1911 64 898 1911 893,8 1912 96
_ _ 1912 1 018,6 1913 93
_ _ 1913 1 005,94 1914 915

1 JURASCHEK. "Bergbaustaüslik". ln: Handw. d. Staarswíssenschaften.


2 Calculado segundo Statíst. Jahrb. d. D. R. 1913. Os números são menos convincentes por terem sido
tomados, no tocante à Ásia, à Africa e à Australia, dados de 1910.
3 JURASCHEK Op. ci!, O último ano foi calculado segundo Star. Jahrb. elc.
° JURASCHEK. "Elsen und Elsenlndusme". ln: Stal. Jahrb. etc.
5 Statesmank Year-Book. 1915; JURASCHEK. Op. cn.; MULHALL. loc. clt.

No decurso de 60 anos (a partir de 1850), a produção da hulha au­


mentou, pois, mais de 14 vezes (1320%); o minério de ferro, mais de
DESENVOLVIMENTO DA ECONOMlA MUNDIAL

12 vezes (1 113%); o ferro gusa, 13 vezes (1 26%). O cobre, mais de 19


vezes (1 834%); o ouro. mais de 13 vezes (1 218%).*
Se se passa, a seguir. ao exame dos demais produtos, e. em particular,
dos artigos de consumo produzidos para o mercado mundial. ver-se-á que
o aumento de sua produção pode expressar-se da seguinte maneira:

PRODUÇÃO MUNDIAL

T1190(em Algodão (em Açúcar (em


Ano milhões de Ano milhares de Ano milhara de
toneladas) fardos) tonelada)
1881/89 60 1884/90 8 591 1880 3 670
1900 67 1890/96 10 992 1895 7 830
1905/07 90 1896-1902 13 521,6 1904/05 11 797
1908 87 1902/08 16 049,6 1907/08 14 125 ,
1909 96.9 1911/12 20 529,9 1911/12 13 2703-"
1910 99.1 1912/13 19 197,9 1912/13 15 404 .
1912 105.6 1913/14 20 914,6 1913/14 16 081
1913 109,5 1914/15 19 543,51 1914/15 13 2522
1914 100,1 - - - ­
Cacau (em Café (em Borracha (em
Ano milhões de Ano milhões de Ano milhões de
toneladas) toneladas) - toneladas)

_ _ 1375 513 _ ' __­


1895/99 82 1892 710 1900 '_50
1900/04 119 1903 1 168 1901/02 .S57
1907 149,9 1905/06 1 000 1902/04 57
190a 193,6 1906/07 1 500 1906/07 72"
1909 205,2 1908 1 100 - ­
1910 2163 - - - ­
' Vestnik Finansov. 1915. n.° 19 e n.° 39 (números referentes ao algodão). Os dados sobre o trigo can­
dial são lomecidos por Friedrich e pelo Vestník Finansou. n.° 15.
2 MULHALL e WEBB. Statesman's Year-Book. 1915.
3 FRlEDRlCH. Op. cit.
4 lbid.

Assim, pode deduzir-se que, no espaço de 30 anos (de 1881/89 a


1914), a produção de trigo cresceu 1,6 vez (ou 67%); a do algodão, 2,2 ve­
zes (ou 127%); a do açúcar (açúcar de beterraba e açúcar de cana), mais
de 3,5 vezes, isto é, 261% etc.
4 Vestnik Flnansov. 1915. n.° 6. O ouro exerce a função de meio circulante. Como ressalta do quadro
acima, sua extração cresce sensivelmente, apesar do imenso papel do crédito e das economias de
meios de circulação em geral.
32 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE lNTERNAClONALlZAÇÃO DO CAPITAL

São dados que dispensam comentários. lmensas quantidades de pro­


dutos saem do processo de produção e penetram nos canais da circulação.
Ora, anteriormente, a capacidade do mercado não tinha condições de ab­
sorver sequer a centésima parte do que hoje absorve o mercado mundial.
Este último, aliás, não pressupõe apenas certo nível de desenvolvimento da
produção, no sentido estrito da palavra. Ele pede ainda, como condição
material necessária, uma indústria de transportes desenvolvida. Antes de tu­
do porque, quanto mais desenvolvidos estão os meios de transporte e
quanto mais rápido e intensivo é o movimento das mercadorias, tanto mais
acelerada se toma a integração dos mercados locais e nacionais, assim co­
mo o crescimento do organismo único de produção da economia mundial.
Os transportes elétricose os transportes a vapor desempenham hoje, na vi­
da econômica, essa função. Na metade do século passado, a extensão das
redes ferroviárias era de 38 600 quilômetros; em 1880, essa cifra já alcança­
va 372 mil quilômetros?” A partir de então, as vias férreas cresceram com
uma rapidez surpreendente:

Final de 1880 (em km) Final de 1911 (em km)


Europa 223 869 338 880
América 331 417 541 028
Asia 33 724 105 O11
Austrália 18 889 32 401

Total 617 285 1 057 809¡

“ Statist. Jahrb. f. d. D. R., 1913.

Assim, em 20 anos, de 1890 a 1911, a extensão das ferrovias cresceu


1,71 vez (ou 71%).
A mesma evolução pode ser constatada se se examina o crescimento
da marinha mercante. E necessário observar que o transporte marítimo de­
sempenha papel excepcional, dado que, por essa via, se efetua a circula­
ção intercontinental das mercadorias ("comércio transat|ântico"). Mesmo
na Europa, graças a suas tarifas relativamente módicas, sua importância é
imensa (basta ver, como exemplo, a circulação de mercadorias entre o mar
Negro e o mar Báltico). As cifras abaixo dão uma idéia do crescimento da
marinha mercante:

5Prof, WIEDENFELD. "E|senbahnslaüsiik". ln: Handw. d. Siastsw.


DESENVOLVIMENTO DA ECONOMlA MUNDIAL

Aumento de Aumento de
187201907 185001907

Frota inglesa 184% 10b°b


~ alemã 281 “.13 166%
francesa 70% 96'313
norueguesa 645711 7%
Japonesa 1 0779;. 529:#

1 LECARPENTIER_ G. Commerce Maritime ct Marine Marcliande. Paris_ 1910. p. 59.

Em correspondência, a indústria de construção naval desenvolveu-se


durante os últimos anos da forma seguinte (em toneladas):

1905 2 514 922 1910 1 957 853


1906 2 919 763 1911 2 550 140
1907 2 778 O88 1912 2 901 769
1908 1 833 286 1913 3 332 882
1909 1 602 057 1914 2 852 7531

l Statesmans Year-Book. 1915. Op. cit.

Segundo Harmsf de 1899 a 1909, portanto no espaço de 10 anos


apenas, a capacidade de transporte da marinha mercante mundial aumen­
tou 55,6%. Esse avanço considerável permitiu interligar os organismos eco­
nômicos de vários continentes e revolucionar os métodos pré-capitalistas
nos rincões mais afastados do globo, acelerando, ao mesmo tempo, em me­
dida extraordinária, a circulação mundial das mercadorias.
O avanço impetuoso dessa última não tem, entretanto, apenas essa ex­
plicação. Na realidade, o movimento de conjunto do mecanismo capitalista
é bem mais complexo, já que a circulação das mercadorias e a rotação do
capital não implicam, necessariamente, um deslocamento de mercadorias
no espaço.

"E no interior do ciclo do capital e da metamorfose das mercadorias -- que


constitui uma de suas partes integrantes - que se opera a transformação ma­
terial dos produtos do trabalho social. Essa mudança pode exigir o desloca­
mento de produtos, de um para outro lugar. As mercadorias podem, entretan­
to circular sem realmente mudar de lugar ~ e o transporte de produtos não
acarreta, forçosamente, a circulação das mercadorias e, nem mesmo, uma tro­
ca direta dos produtos. Uma casa que A vende a B circula como mercadoria,

5 HARMS, B. Op, cit., p. 126.


34 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE lNTERNAClONALlZAÇÃO DO CAPITAL

mas não se desloca. Mercadorias móveis, como o algodão e o minério de fer­


ro, mesmo permanecendo nos respectivos depósitos, não deixam de circular
pelo fato de serem vendidas, recompradas e revendidas, infinitamente, por es­
peculadores. O que se coloca não é a coisa em si - é o título de propriedade'
“Atualmente, processos desse tipo operam-se, em escala imensa, em conse­
qüência do desenvolvimento de uma fomia mais abstrata de capitalismo, do
anonimato do capital, do crescimento dos títulos de valores - expressão cien­
tífica da forma atual de propriedade, do crescimento do capitalismo 'acioná­
rio' (Liefmann) ou do capitalismo 'financeiro' (Hilferding). O nivelamento das
cotações das mercadorias e de toda espécie de valores mobiliários faz-se por
meio do telégrafo (ver a atividade das Bolsas de Valores e das Bolsas de Co­
mércio). A rede telegráfica desenvolve-se a ritmos tão febris quanto os meios
de transporte. A extensão dos cabos submarinos que ligam os diversos conti­
nentes é um fato particulamiente importante. Em fins de junho de 1913, con­
tavam-se 2 547 cabos (hoje, contam-se 2 583), representando 515 578 quilô­
metros de 60.3 Assim, o comprimento dos cabos submarinos se iguala ã meta­
de da extensão da rede ferroviária (que, em 1911, era de 1 O57 805 quilôme­
tros). Cresce, assim, a estrutura econômica do capitalismo mundial, essencial­
mente elástico, cujas peças, em conjunto, reagem incessantemente urnas so­
bre as outras, a menor alteração de uma delas tendo repercussões sobre o
conjunto das demais.
"Até aqui, examinamos as condições técnicas e econômicas da economia
mundial. Passemos, agora, ao exame de seu processo. Como já vimos, a tro­
ca é a expressão mais primitiva da ligação econômica na economia comercial:
ligação que as cotações mundiais traduzem, hoje, em escala internacional. O
transporte internacional de mercadorias, o 'comércio mundial', é a expressão
externa desse fenômeno. Embora os dados que se têm em mãos não possam
pretender uma exatidão completa, nem assim deixam de ser o reflexo fiel da
incessante tendência da esfera do mercado mundial a ampliar-se."
Comércio exterior (total das
&POÚGÇÕCSe ÍMPOTÍGÇÕCS)dos Aumento em % do comércio exterior.
PÚWÚPUÊPOÍSCSdO mundo (em de 1891 a 1910, segundo os países
milhões de marcos)

Importações Exportações
1903 101 944 000 Estados Unidos 78 77
1904 104 951 900 Inglaterra 43 52
1905 113 100 600 Alemanha 105 107
1906 124 699 600 França 25 54
1907 133 943 500 Rússia 100 85
1908 124 345 400 Países-Baixos 110 90
1909 132 515 000 Bélgica 105 84
1910 146 800 300 Índia 75 62
1911 153 870 0001 Austrália 35 74
China 64 79
Japão 30o 2332
' St. Jahrb. f. d. D. R. p. 39; The Statesmank Year-Book.
2 HARMS. Op. clt., p, 212.
DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA MUNDIAL 35

Em oito anos, portanto, de 1903 a 1911, as operações do comércio in­


ternacional aumentaram 50%, cifra verdadeiramente impressionante. Ora,
na medida em que o pulso da vida econômica e o desenvolvimento das for­
ças produtivas se aceleram. a internacionalização da economia toma-se
mais ampla e mais profunda. Eis por que W. Sombart erra totalmente em
sua teoria ao sustentar a tese dos "efeitos mortais das ligações internacio­
nais". O mais paradoxal dos economistas contemporâneos trouxe, assim,
muito tempo antes da guerra, certo tributo à ideologia impenalista que ten­
de para uma "autarquia" econômica e para a fomiação, em escala imensa,
de um amplo sistema capaz de bastar-se a s¡ mesmo.” Sua teoria consiste
em generalizar o fato de o escoamento dos produtos manufaturados no
mercado interno, na Alemanha, ter crescido mais depressa que sua exporta­
ção. Daí, Sombart faz uma dedução estranha sobre os efeitos mortais do
comércio exterior ern geral. No entanto, mesmo admitindo-se, como judi­
ciosamente observa Harms,1° que a tendência ao escoamento dos produtos
manufaturados no mercado interno predomina sobre a tendência a seu es­
coamento no mercado exterior (o que Sombart afirma, apoiando-se unica­
mente nas estatisticas alemãs), é impossível, de outro lado, deixar de ver as
crescentes importações de matérias-primas e trigo. Elas constituem a condi­
ção necessária do comércio interno dos produtos manufaturados, da venda
interna das mercadorias, já que, graças a essas importações, o país não tem
necessidade de empregar forças produtivas na produção de matérias-pri­
mas e de gêneros alimentícios. Só depois do exame dos dois lados do inter­
câmbio internacional e da distribuição das forças produtivas, em todos os
domínios da produção social, é que se pode passar a deduções precisas. As
tendências da nova evolução favorecem, no mais alto grau, o desenvolvi­
mento dos canais internacionais de intercâmbio (e, em conseqüência, de to­
dos os outros canais): de um lado, pela industrialização, em ritmo surpreen­
dente, dos paises agrários e semi-agrãrios, e pela criação, nesses paises, da

7 MARX, K. Le Capital. t. V, p. 255-256.


i”St. Jahrb. j. d. D. R. p. 39; The Statesmank Year Book.
9 Sombart, que durante a guerra tomou-se um imperialista enfurecido, está longe de ser um fenômeno
isolado. O estudo dos problemas econômicos ligados à economia mundial permite destacar duas ten­
dências: uma otimista, outra que aspira, antes de tudo, a consolidar a força interna que luta em prol do
poder da potência imperialista. Daí decorre uma atenção maior às questões ligadas ao mercado inter­
no. Ver, por exemplo, a obra do PUDOR, Dr. Heinrich. "Weitwirtschaft und lnlandproduktion". ln:
Zeitschrift für die gesamte Staatswissenschaft. Publicado por K. Bucher. Ano 71. 1915, caderno 1: "De­
vemos aspirar a uma economia mundial alemã apenas na medida em que nossa produção, nossa indús­
tria, absorva um número sempre maior de mercados estrangeiros e exclua a concorrência estrangeira.
Sem dúvida, o comércio mundial passa igualmente por um desenvolvimento paralelo. O essencial, po­
rém, é a produção interna" (p. 147-148).
'° HARMS. Op. cit., p. 202, nota de rodapé; ver, Igualmente, SCHILDER, S. Eniwicklungstendenzen
der Wellwinschaft. Berlim.
36 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

necessidade e da demanda de produtos agrícolas esüangeiros; de outro Ia­


do, pela intensificação, por todos os meios, da política de exportação dos
cartéis (dumping). A expansão dos laços comerciais internacionais passa as­
sim a ligar a passos rápidos, e sempre mais solidamente, as diferentes par­
tes da economia mundial: soldam-se os domínios isolados, nacional e eco­
nomicamente, de modo sempre mais estreito; e desenvolve-se, em ritmo
sempre mais acelerado, em sua nova forma superior, não-capitalista, a ba­
se da produção mundial.
Se a circulação das mercadorias exprime uma "mudança material" no
organismo social e econômico do mundo, a circulação internacional da po­
pulação expressa sobretudo, em compensação, um deslocamento do princi­
pal fator da vida econômica: a força de trabalho. Da mesma forma que,
nos limites de uma economia nacional, a distribuição da força de trabalho
entre os diversos ramos da produção é regulada pela taxa de salários que
tende ao mesmo nível no quadro da economia mundial, o nivelamento das
diferentes taxas de salário faz-se regular por meio das migrações. O imenso
reservatório do No_voMundo capitalista absorve o excedente de população
da Europa e da Asia, desde os camponeses pauperizados, rejeitados pela
economia rural, até o "exército de reserva" dos desempregados da indústria
urbana. Assim se estabelece, no mundo inteiro, uma concordância entre a ofer­
ta e a procura de "mão-de-obra", nas proporções desejadas pelo capital.
Para dar uma idéia, no aspecto quantitativo, desse processo, citaremos
alguns dados:

Número dos emigrantes para Números dos estrangeiros


os Estados Unidos na Alemanha

1904 812 870 1880 276 O57


1905 1 026 499 1900 778 737
1906 1 10o 735 191o 1 25o 8732
1907 1 285 349
1914 1 218 480'

l LEWIN, D. Der Arbeitslohn und die soziale Entwickelung. Berlim, 1913. p. 141; FlLlPPOV, J. L'Émi­
gration. p. 13. O último dado é retirado de The American Year-Book. 1914. p. 385.
2 LEWIN. Op. cit., p. 141.

O número de emigrantes da Itália era, em 1912, 711 446; da lnglater­


ra e da Irlanda, 467 762; da Espanha (em 1911), 175 567; da Rússia,
127 747 etc.” À expansão definitiva- que intervém quando os operários
rompem com seu país e adquirem uma segunda pátria - acrescenta-se a
emigração temporária para os trabalhos sazonais. Em parte, a emigração
italiana reveste esse caráter, da mesma forma que o êxodo para a Alema­

l' Statistisches Jahrbuch für das Deutsche Reich etc.


DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA MUNDIAL 37

nha dos trabalhadores russos ou poloneses na época dos trabalhos agrico­


las etc. Esses fluxos e refluxos da mão-de-obra constituem um dos fenôme­
nos do mercado mundial do trabalho.
Encarada como um dos pólos do regime de produção capitalista, a cir­
culação da força de trabalho tem sua correspondência na circulação do ca­
pital, que constitui o outro pólo. E da mesma forma que no primeiro caso a
circulação se faz regular pela lei do nivelamento internacional da taxa de sa­
lários, no segundo caso produz-se um nivelamento internacional da taxa de
lucro. Na vida económica contemporânea, a circulação do capital - ordina­
riamente designada, no que toca ao pais fornecedor de capital, sob o nome
de exportação - é regulada pela lei do nivelamento internacional. E sob in­
dícios tais que permitem a alguns autores (como, por exemplo, Sartorius
von Waltershausen) qualificar o capitalismo moderno de capitalismo expor­
tador. No momento, vamos limitar-nos a indicar as formas principais e a
amplitude aproximada da circulação internacional dos capitais, que repre­
senta um dos elementos essenciais da internacionalização da vida econômi­
ca e do desenvolvimento da economia mundial. A exportação de capital
tem duas formas principais: 1) como capital-juro; 2) como capital-lucro.
Podem distinguir-se ainda diferentes formas e variedades no contexto
dessa classificação. Num primeiro plano, os empréstimos governamentais e
municipais. O formidável crescimento do orçamento do Estado, provocado
tanto pelas complicações ocorridas, de maneira geral, na vida econômica,
como pela milítarízação de toda a economia nacional, suscita, para cobrir
as despesas, uma necessidade sempre crescente de empréstimos externos.
Por outro lado, o desenvolvimento das grandes cidades exige a execução
de uma série de trabalhos (construção de ferrovias eletrificadas, instalação
de iluminação elétrica, tipos diversos de canalização, serviço de limpeza pú­
blica, aparelhagem de aquecimento central, telégrafo e telefone, adaptação
dos matadouros etc.) cuja execução necessita de grandes quantidades de
dinheiro. Quase sempre, elas são obtidas por meio de empréstimos exter­
nos. A segunda forma de exportação de capitais é o sistema de "participa­
ção". Um estabelecimento industrial, comercial ou bancário de um pais A é
proprietário de ações ou de obrigações num pais B. A terceira forma é o fi­
nanciamento de empresas estrangeiras, a fomiação de capital visando a
um objetivo preciso: um banco financia uma empresa estrangeira, fundada
por outro estabelecimento ou por ele mesmo, ou então uma empresa in­
dustrial financia sua própria filial, à qual dá a forma de uma sociedade autó­
noma; ou, ainda, uma sociedade financeira especial financia certas empre­
sas estrangeiras.” A quarta forma é a abertura, sem objetivo preciso, de cré­
ditos que os grandes bancos de um pais concedem aos bancos de outros
paises. (É a forma a que se recorre quando se trata de “financiamento".)
l” No que concerne a essas companhias, consultar LIEFMANN, R. Beteillgungs- und Finanzierungsge­
sellschaften. 2.” ed., lena, Gustav Fischer, 1913.
38 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

Enfim, a quinta forma: a compra de ações estrangeiras etc., com o objetivo


de revenda (ver a atividade dos bancos emissores). Diferentemente das de­
mais, essa forma não estabelece uma relação durável de interesses.
Assim, por diferentes canais, os capitais de uma esfera nacional trans­
bordam para outras esferas, cresce a interpenetração dos capitais nacio­
nais, intemacionaliza-se o capital. Ele aflui para fábricas e minas estrangei­
ras, plantações e ferrovias, companhias marítimas e bancos: amplifica-se,
cede ao país de "origem" parte da mais-valia que, ai, poderá circular em
forma independente, acumula o que resta dessa mais-valia, alarga perma­
nentemente a esfera de seus investimentos, cria uma rede sempre mais es­
treita de dependência internacional. As cifras abaixo dão, em base quantita­
tiva, urna idéia desse processo.
França¡

Capitalfmpcés ¡nvçnqo Natureza dos Investimentos


"o estraggmgãg bmw” (em milhõesdefrancos)

RÚSÍa 9-10 1. Empresas comerciais 995,25


Inglaterra 1/2 2. Propriedades
fundiárias 2 183,25
Bélgica e Holanda 1/2 3. Bancos e companhias
de seguro 551
Alemanha 1/2 4. Estradas de ferro 4 544
Turquia, Sérvia, Bulgária 1/2 5. Minas e indústrias 3 631
Romênia e Grécia 3-4 6. Transportes
marítimos, portos
etc. 461
Áustria-Hungria 2 7. Empréstimos
governamentais e
outros 16 553,50
Itália 1-1 1/2 8. Diversos 936
Suíça 1/2
Espanha e Portugal 3 1/2
Egito e canal de Suez 3-4
Argentina, Brasil e México 2 1/2-3
Canadá e Estados Unidos 1/2
China e Japão l
Tunísia e colônias francesas 2-3

Total 30.35 1x22 Total 29 3553

l Dados de 1902.
2 HARMS. Op. cít., p. 228-229; lSSAlEV. L'Économle Mondlale. p. 82-83.
3WALTERSHAUSEN, Sartorius von. Das uolkswirtschaftliche System der Kapltalanlage im Auslande.
p. 56.
DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA MUNDIAL 39

Leroy-Beaulieu calculava. em 1902. em 34 bilhões de francos” o total


dos capitais franceses investidos em empresas e empréstimos no exterior.
Esse total atingia, em 1905, 40 bilhões de francos. O valor global (segundo
o curso oñcial) dos títulos cotados na Bolsa de Paris era, em 1904, de
63,99 bilhões de francos, em valores franceses. e de 66,18 bilhões de fran­
Inglaterra

Emissão inglesa de valores


Capitais ingleses investidos estrangeiros (estradas de
no estrangeiro, em 19H ferro estatais, empréstimos
para ocploração de minas e
para diversas corporações)
Em libras esterlínas Em milhões de libras

Estados Unidos 668 O78 000 1392 49,9


Cuba 22 700 000 1393 29,9
Filipinas 8 202 000 1394 52,2
México 87 334 000 1395 55,2
Brasil 94 330 000 1396 56,1
Chile 46 375 000 1397 47,4
Uruguai 35 255 000 1393 59,3
Peru 31 896 000 1399 43,2
Outras regiões da América 22 517 000 1900 24,2
Rússia 38 388 000 1901 32,6
Turquia 18 320 000 1902 57,7
Egito 43 753 O00 1903 54,3
Espanha 18 808 000 1904 65,3
Itália 11 513 000 1905 102,6
Portugal 8 134 000 1906 61
França 7 1907 539
Alemanha 6 061 000 1903 121,9
Outras regiões da Europa 36 317 000 1909 121,9
1910 132,7'
China 26 809 000
Outros invesñmentos no
estrangeiro 61 907 000

Total l 347 473 000


Colônias inglesas e
India 1 554 152 000

Total geral 2 901 625 000

1 HARMS, B. Op, clt., p. 235.

13L'Économiste Français, 1902. ll, p. 449 (citado por Sartonus).


40 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇAO DO CAPITAL

cos em valores estrangeiros. Já em 1913, ele atingia 64,104 bilhões de fran­


cos para os primeiros, e 70,761 bilhões de francos, para os segundos.”
Em 1915, os capitais ingleses investidos nas empresas estrangeiras e
coloniais elevavam-se, segundo as declarações de Lloyde George, a 4 bi­
lhões de libras esterlinas.
Quanto à Alemanha, os dados relativos ã emissão de valores estrangei­
ros, admitidos segundo a cotação das Bolsas alemãs, indicam uma redução
destes (segundo o Stat. Jahrb. f. d. D. R. de 1913, o valor nominal dos titu­
los cotados era, em 1910, de 2,242 bilhões de marcos; em 1911, de 1,208
bilhão, e, em 1912, de 835 milhões de marcos). Essa redução aparente da
exportação de capitais explica-se, entretanto, pelo fato de que os bancos
alemães praticam, em forma crescente, a compra de valores nas Bolsas es­
trangeiras, particulannente nas de Londres, Paris, Antuérpia e Bruxelas, as­
sim como pela "mobilização financeira do capital", em conseqüência da
previsão da guerra. O total dos capitais investidos no exterior alcança, apro­
ximadamente, 35 bilhões de marcos.
Cabe ainda mencionar o capital belga, cuja carteira exterior se eleva a
2,75 bilhões de francos.
Eis o quadro de distribuição dos capitais alemães e belgas investidos
no estrangeiro.

Alemanha Bélgica
(Em milhões de marcos) (Em milhões de marcos) (Em milhões de francos)
Argentina ' 92,1 Luxemburgo 32 EstadosUnidos 145,6
Bélgica 2,4 México 1039 Holanda 70
Bósnia 85 Holanda 81,9 França 137
Brasil 77,6 Noruega 60,3 Brasil 143
Bulgária 114,3 Áustria 4021,6 Itália 166
Chile 75,8 Portugal 700,7 Egito 219
Dinamarca 595,4 Roménia 948,9 Alemanha 244
China 356,6 Rússia 3453,9 Argentina 290
Finlândia 46,1 Sérvia 152 Congo 322
Grã-Bretanha 7,6 Suécia 355,3 Espanha 337
Itália 141,9 Suíça 437,6 Rússia 441
Japão 1290.4 Espanha 11,2 Diversos 338'
Canadá 152,9 Turquia 978,1 Total: 2,75bllhões
Cuba 147 Hungria l506,3

1 HARMS. Op. cit., p. 242; SCHILDER. Enlwicklungstendenzen der Weltwlrnschaft.

“l WALTERSHAUSEN, Sartonus von. Op. cit.


DESENVOLVIMENTO DA ECONOMlA MUNDIAL 41

Os Estados Unidos, que importam capitais em quantidades considerá­


veis, exportam, por sua vez, em fortes proporções, para a América Central
e do Sul, para o México, para Cuba e para o Canadá.

"Os fundos de Estado de Cuba foram os primeiros a atrair a atenção dos


capitalistas americanos. Os americanos possuem, em Cuba, vastas planta­
ções. A iniciativa americana participou, ativamente, do desenvolvimento da
República mexicana, principalmente no que se refere à construção e à explo­
ração das ferrovias do pais. E, pois, natural que os empréstimos externos a 4
e 5% (cujo total é de 150 milhões de dólares) se situem nos Estados Unidos.
Também no mercado americano estão colocados os empréstimos externos a
4% das Filipinas. Os Estados Unidos investiram mais de 550 milhões de dóla­
res no Canadá e mais de 700 milhões no México etc." 15

Mesmo países como Itália, Japão e Çhile desempenharam papel ativo


nesse imenso deslocamento de capitais. E claro que a tendência geral do
movimento é indicada pela diferença nas taxas de lucro (ou nas taxas de ju­
ros): quanto mais desenvolvido é um país, tanto mais baixa é ali a taxa de
lucro, da mesma forma que é mais intensa a “reprodução" do capital e
mais violento o processo de eliminação. E, inversamente, quanto mais ele­
vada é a taxa de lucro, mais fraca a composição orgânica do capital, e mais
fortea demanda de capital, tanto mais intensa é sua força de atração.
Assim como a circulação internacional de mercadorias iguala os preços
locais e nacionais, por meio dos preços mundiais, as migrações tendem,
por sua vez, a nivelar as diferenças nacionais, mediante os salários dos ope­
rários assalariados, enquanto a circulação do capital tende a igualar as ta­
xas nacionais de lucro. Trata-se, nada mais, nada menos, de uma das leis
gerais do modo de produção capitalista, no quadro de sua nova amplitude
mundial.
E necessário deter-nos aqui na forma de exportação do capital, traduzi­
da na "participação" em empresas estrangeiras e no financiamento destas.
As tendências do desenvolvimento capitalista à concentração revestem, no
quadro da economia mundial, as mesmas formas de organização que no
quadro da economia nacional: as tendências à limitação da livre concorrên­
cia, mediante organização de monopólios, atuam cada vez mais nitidamen­
te. Ora, é justamente no processo de organização de monopólios que a par­
ticipação e o financiamento têm papel muito importante. Se se examinar a
“particípação" e seus diferentes níveis, tendo em conta o montante de
ações adquiridas, pode-se avaliar a maneira como se prepara, por etapas,
o processo de fusão total. Um número limitado de ações assegura a partici­
pação na assembléia dos acionistas; um número significativo delas permite

'5BOGOLIEPOV, M. "Le Marché Américain". In: Vestnlk Flnansou. n.° 39, 1915.
42 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE [NTERNAClONALlZAÇÃO DO CAPITAL

o estabelecimento de relações estreitas (pode tratar-se de uma exploração


comum de novos métodos industriais, de patentes. de mercados etc.) - e
dai o surgimento de certa comunidade de interesses. Se as ações ultrapas­
sam 50% da emissão total, a participação dá lugar ã fusão completa. Em su­
ma, acontece freqüentemente que se criem filiais, sob o nome de socieda­
des particulares, cujas ações são depositadas na “Matriz".'° É um fenôme­
no que se encontra freqüentemente quando se trata de ligações intemacio­
nais. Para esquivar-se aos efeitos das restrições legislativas de um pais es­
trangeiro, e para aproveitar as vantagens de que se beneficiam os indus­
triais dessa nova "pátria", procede-se à fundação de filiais, sob a forma de
sociedades anônimas independentes.

"Assim, a fábrica de celulose Waldhof, em Mannheim, possui [agora seria


mais justo dizer que possuía] uma filial russa em Pemov; a fábrica de tintas
Carl Schlenk A. G. (Nuremberg) tem uma filial americana, assim como a Var­
ziner Papier-Fabrik, sua filial americana, a Hammerwill Papier Co.; a maior fá­
brica de arame do continente, a Westfãlische Drahtindustrie, conta com uma
filial em Riga etc. Em compensação, companhias estrangeiras têm suas sucur­
sais na Alemanha e em outros países. Mencionemos a Companhia Maggi
(Kempttal, Suíça), corn suas filiais em Kissingen e em Berlim (Alemanha) e
em Paris (Compagnie Maggiet Société des Boissons Hygiéniquesl”
"Em 1903, a fimia americana Westínghouse Electric Co (Pittsburg) fundou
urna sucursal nos arredores de Manchester (Inglaterra); em 1902, o truste
americano de fósforos Diamond Matsch Co., por meio de uma participação
crescente, absorveu, em Liverpool, uma empresa que deveria transformar-se
em sucursal da firma americana. São numerosas as fábricas suíças de chocola­
tes e confeitos, as fábricas de sabão, as usinas metalúrgicas e as fiações ingle­
sas, as empresas de construção mecânica e as usinas metalúrgicas americanas
etc. existentes em idêntica situação."

Não se deve, entretanto, acreditar que se detém aí a participação em


empresas estrangeiras. Há, na realidade, "participações" de todos os tipos
e em grande número, desde a posse de uma quantidade relativamente res­
trita de ações, sobretudo quando a empresa em questão (comercial, indus­
trial ou bancária) "participa", simultaneamente, em vários estabelecimen­
tos, até a posse da quase totalidade das ações. Para a sociedade interessa­
da, o mecanismo de "participação" consiste em emitir ações e obrigações,
visando a ter os meios necessários para a aquisição das ações dos demais
estabelecimentos. Liefmann distingue três aspectos dessa “substituição de
ações" e os classifica segundo o objetivo visado pela sociedade interessada
nessa substituição: 1) "sociedades de investimento de capital" (Kapitalanla­

'° LIEFMANN, R. Beteiligungs- und Finanziemngsgesellschafren. p. 47-48. Cabe mencionar que, em


cenas condições, o controle assim como a fusão podem operar-se mesmo que o número das ações seja
inferior a 50%.
” LIEFMANN, R. Op. clt, p. 49.
DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA MUNDIAL 43

gegesellschaften), quando a "substituição das ações" se realiza com o obje­


tivo de tirar dividendos de estabelecimentos mais lucrativos e mais amsca­
dos; 2) "sociedades de interceptação de ações" (Effektenübemahmegesell­
schaften), que têm por fim colocar ações de empresas que, juridicamente ou
na prática, não podem ser vendidas ao público; 3) "sociedades de contro­
le" (Kontrollgesellschaften), quando as ações de certos estabelecimentos
são adquiridas, retiradas da circulação e, em seu lugar, emitem-se ações da
sociedade de controle que assim adquire certa influência sobre esses estabe­
lecimentos, sem nada trazer-lhes de seu próprio capital. O fim procurado,
por esse meio, é justamente a conquista dessa influência e desse controle,
isto é, a penhora efetiva sobre os estabelecimentos em questão.
No conjunto desses casos, as ações substituídas são dadas como já
existentes. Se elas se constituem pela primeira vez, estaremos então diante
de uma operação de financiamento - e seus agentes, como já vimos, po­
dem ser bancos, empresas industriais e comerciais ou, ainda, "estabeleci­
mentos financeiros" especializados. Se o financiamento é feito por estabele­
cimentos industriais, trata-se, geralmente, da fundação de filiais no exterior,
dado que nesse caso, normalmente, se procede ã constituição de um capi­
tal por ações.
"Essas empresas financeiras podem abarcar vasto campo de atividade. A
empresa de mecânica Orenstein Koppel-Arthur Koppel A. G., por exemplo,
fundou 10 filiais, as mais importantes das quais se encontram na Rússia, em
Paris, Madri, Viena, Johannesburgo (Transvaal); a firma Kõrting e irmãos, de
Hanóver, conta com filiais na Austria, Hungria, França, Rússia, Bélgica, itália
e Argentina; numerosas fábricas alemãs de cimento têm filiais na América; fá­
bricas de produtos químicos possuem sucursais na França e Inglaterra. O fi­
nanciamento, por estabelecimentos estrangeiros, das empresas norueguesas
destinadas ã fabricação de azoto assume amplitude considerável. Os capitalis­
tas noruegueses, franceses e canadenses constituíram a Norsk Hydro Elektrisk
Kvãlstofaktieselskab (Sociedade Norueguesa do Azoto e de Energia Hidrelétri­
ca), que, por sua vez, criou duas sociedades anônimas em que participa, igual­
mente, o capital alemão. Na indústria eletrotécnica, a internacionalização da
produção alcançou seu nível mais alto. A firma Siemens Halske tem suas em­
presas na Noruega, na Suécia, no Transvaal e na Itália, e possui filiais na Rús­
sia, Inglaterra e Austria; a célebre Allgemeine Elektrizitãtsgesellschaft (abrevia­
damente A. E. G.) possui filiais em Londres, Petrogrado, Paris, Gênova, Esto­
colmo, Bruxelas, Viena, Milão, Madri e Berlim, em cidades da América
etc.; idêntica atividade é desenvolvida pela Thomson-Houston Co., e sua sub­
sidiária, pela General Electric Company, pela Singer Manufacturing Com­
pany, pela Dunlop Pneumatic Tyre Co. etc."'8

"l LIEFMANN, R. Op. cit., p. 99-104. E evidente que o financiamento pode não se limitar as filiais. As­
sim, em 1912, a firma Knopp financia (em associação com as fimias Vladimir Soloviev e Kraft Irmãos)
a Manufacture de la Caspienne (sociedade anónima), a qual adquiriu os bens de um estabelecimento,
hoje liquidado, fundado no Daguestão pelo industrial moscovita Rechetnikov, pelo banqueiro siberiano
Petrokokino e pelo Banque de Paris et des Pays-Bas (Bideuyie Viedomosti. 15, IV, 1915).
44 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE INTERNACIONALILAÇÁO DO CAPITAL

É desnecessário dizer que os grandes bancos desempenham papel par­


ticularmente importante no financiamento das empresas estrangeiras. Basta
lançar um olhar sobre a atividade desses estabelecimentos de caráter nacio­
nal para dar-se conta da potência de suas ligações internacionais. O balan­
ço da Société Générale de Belgique, para 1913, avalia o montante de seus
valores nacionais em 108 332 425 francos e em 77 889 237 francos o de
seus valores estrangeiros. Este último capital está investido em empresas,
em empréstimos etc., nos mais diversos paises: Argentina, Áustria, Canadá,
Nova Caledônia, Rússia etc. etc.”
São particularmente precisas as estatísticas relativas ã atividade dos
bancos alemães. Enumeramos, a seguir, os dados fornecidos sobre os prin­
cipais bancos da Alemanha, os quais controlam, inteiramente, as operações
bancárias desse pais.

“DlE DEUTSCHE BANK - 1) Fundou o Deutsche Ueberseeische Bank,


que possui 23 filiais: 7 na Argentina, 4 no Peru, 2 na Bolívia, 1 no Uruguai, 2
na Espanha, 1 no Rio de Janeiro; 2) fundou (em associação com o Dresdner
Bank) a Anatolische Eisenbahngesellschaft (Sociedade da Estrada de Ferro
Otomana da Anatólia); 3) em associação com a Wiener-Bank-Verein, adqui­
riu as ações da Betriebsgesellschaft der Orientalischen Eisenbahnen; 4) fun­
dou a Deutsche Treuhandgesellschaft; 5) tem participação no Deutsch-Asiatis­
che Bank, em Xangai; 6) participa no Bank für Orientalische Eisenbahnen,
em Zurique; 7) tem participação na Banca Commerciale ltaliana (Milão); 8)
participa na Deutsch-Atlantische, Ost-Europãische, Deutsch-Niederlandische
Telegraphengesellschaft; 9) participa na Schantung-Bergbau e na Schantung­
Eisenbahngesellschaft; 10) tem parte (em associação com firmas turcas, aus­
triacas, alemãs, francesas, suíças e italianas) na Companhia do Império Oto­
mano da Estrada de Ferro de Bagdá; 11) fundou a Ost-Afrikanische Gesells­
chaft; 12) tem participação no Deutsch-Ost-Afrikanische Bank; 13) em conjun­
to com firmas suíças e alemãs, participa do Zentral-Amerika Bank (que seria
mais tarde a Aktiengesellschaft für überseeische Bauuntemehmungen; 14) par­
ticipa do banco Güterbook, Horwitz 8: Co. (Viena); 15) tem participação na
firma Ad. Goerz (Minas de Berlim e de Johannesburgo).
“DlSKONTO-GESELLSCHAFT - 1) participa na Deutsche Handels- und
Plantagengesellschaft der Südseeinseln e na Neu-Guinea Kompagnie; 2) fun­
dou (em associação com o Nord-Deutsche Bank) o Brasilianische Bank für
Deutschland, com cinco filiais; 3) tem participação, com outros bancos, no
Deutsch-Asiatische Bank; 4) participa no banco Ernesto Tomquist (Buenos Ai­
res) e no banco Albert de Bary et Co. (Antuérpia); 5) participa na Banca Com­
merciale ltaliana; 6) fundou (em associação com o Norddeutsche Bank) o
Bank für Chile und Deutschland, com 8 filiais; 7) fundou (em associação corn
a firma Bleichrõder) a Banca Generale Romana de Bucareste (6 filiais); 8)
tem participação (com várias finnas) no Banque Internationale de Bruxelles;

'9 La Vle Internationale. t. V, 1914. n.” 5, p. 449 (publicado pelo Office Central des Associations Interna­
Iionales. Bruxelas).
DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA MUNDIAL 45

9) participa na Schantung-Eisembahnges e na Schantung Bergbauges., assim


como em uma série de estabelecimentos _do ramo telegráfico; 10) fundou a
Otavi-Minen- und Eisenbahngesellschaft (Africa); 11) fundou a Ost-Afrikanis­
che Eisenbahngesellschaft; 12) tem participação no Deutsch-Ost-Afrikanische­
Bank; 13) fundou (em associação com a finna Bleichrõder) uma empresa búl­
gara e a Norddeutsche Bank, o Kreditna Banka. de Sofia; 14) fundou (com a
Casa Woennann, de Hamburgo) o Deutsche Afrika-Bank; 15) participa na
General Mining and Finance Corporation Limited_ de Londres; 16) fundou
(em associação com outras firmas) a Kamemn Eisenbahngesellschaft; 17) esta­
beleceu, em 1900, urna filial em Londres; 18) em associação com Krupp, fi­
nanciou a Grosse Venezuela Eisenbahn; 19) como membro do consórcio ban­
cário Rothschild, participou em empréstimos de Estado, de ferrovias etc., e de
outras empresas na Austria-Hungria, na Finlândia, na Rússia e na Romê­
nia".2°
a
E análoga a atividade desdobrada por outros bancos alemães: o Dres­
dner Bank, o Darmstãdter Bank, a Berliner Handelsgesellschaft, o
Schaffhausenscher Bankbverein e o National Bank für Deutschland, que
contam com filiaiscomuns em todos os países do mundo.”
E evidente que os bancos alemães não são os únicos a dedicar-se a
uma atividade assim intensa no exterior. Um simples confronto de dados de­
monstraria que a Inglaterra e a França, nesse plano, marcham à frente. En­
quanto os bancos de além-mar, de capital alemão, eram 13, em 1906 (com
70 sucursais e um capital de 100 milhões de marcos), a Inglaterra contava,
em fins de 1910, com 36 bancos coloniais com sucursais em Londres, e com
3 538 agências inglesas no exterior, além de 36 outros bancos ingleses, com
2 O91 sucursais no exterior. Em 1904/05, a França já possuía 18 bancos es­
trangeiros e coloniais, com 104 sucursais; a Holanda, 16 bancos de além­
mar, corn 68 sucursais etc. Certos bancos franceses demonstram o mesmo vi­
gor econômico em suas relações com as colônias e corn o "exterior". Assim,
o Crédit Lyonnais dispunha, em 1916, de 16 sucursais no exterior e de 11
outras na Tunisia e em Madagascar; a Société Générale e o Crédit lndustriel,
embora contem apenas corn uma sucursal própria em Londres, possuem,
ern compensação, grande número de filiaisno exterior.”
A "participação" - tanto quanto o financiamento,encarado como no­
va fase de "participação" - caracterizam a marcha da ininterrupta integra­
ção da indústria num sistema único de organização. Os tipos recentes de

2° Dr. RIESSER. Dle Deutschen Grossbanken und fhre Konzentratlon ln Zusammenhang mit der
Entwicklung des Gesamtwfrtschaft in Deutschland. 4.' ed., 1912. p. 354.
1' Consultar, em Riesser, a rubrica: "Die gemelnsamen Tochlergesellschaften der deuischen Kredltban­
ken zur Pflege überseelscher und auslãndlscher Geschaftsbezfehungen" na obra mencionada acima, à
página 371 et seqs.
71Ibid., p. 375. Deve-se assinalar o rápido desenvolvimento dos bancos alemães: 4, em fins de 1850; 6.
com 32 sucursais, em 1903; 13, com 70 sucursais em 1906.
46 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE lNTERNAClONALlZAÇÃO DO CAPITAL

monopólios capitalistas, em suas formas mais centralizadas, como os trus­


tes, são apenas formas de "sociedades de participação" ou de "financia­
mento", na medida em que estas: 1) detêm, em maior ou menor grau,
uma situação de monopólio, sob o presente regime de propriedade capita­
lista; 2) são consideradas e classificadas, sob o ponto de vista da circulação
dos títulos de valor, como a expressão específica da propriedade capitalista
de nossa época.
O desenvolvimento do processo da economia mundial, apoiado no
crescimento das forças produtivas, tem, assim, como resultado não apenas
o estreitamento das relações de produção entre os diferentes países, a multi­
plicação e a consolidação das relações capitalistas em geral, mas ainda o
surgimento de novas formações econômicas, novas formas econômicas,
desconhecidas nas épocas precedentes do desenvolvimento capitalista.
Os esboços do processo de organização que caracteriza o desenvol­
vimento da indústria, nos quadros econômicos nacionais, configuram­
se, com relevo cada vez mais definido, no plano das relações da econo­
mia mundial. E do mesmo modo que o incremento das forças produtivas
sobre a base capitalista das economias nacionais chegou até a formação
dos cartéis e dos trustes nacionais, o crescimento das forças produtivas do
capitalismo mundial acarreta, cada vez mais imperiosamente, a necessida­
de de acordos de âmbito internacional entre os grupos capitalistas nacio­
nais desde suas formas mais elementares até a forma centralizada do trus­
te internacional.
Examinaremos essas formações econômicas no capítulo seguinte.
CAPÍTULO III

Formas de Organização da Economia Mundial

1. Estrutura anárquica da economia mundial. - 2. Sindicatos internacionais.


- 3. Trustes internacionais.- 4. Consórcios bancários internacionais.- 5.
Caráter das organizações capitalistas internacionais. - 6. Internacionalização
da vida econômica e dos interesses capitalistas.

A economia mundial de nossa época caracteriza-se por uma estrutura


econômica profundamente anárquica. Pode-se comparar, sob esse ângulo,
a estrutura da presente economia mundial com a estrutura típica das econo­
mias nacionais até o inicio do século XX, enquanto o processo de organiza­
ção, tão claramente definido nos anos finais do século XIX, ainda não modi­
ficara seriamente, mediante a contração de seus contornos, "o livre jogo
das forças econômicas" - desembaraçadas, até essa época, de toda e
qualquer limitação. Essa estrutura anárquica do capitalismo mundial revela­
se, com a máxima clareza, por meio de duas circunstâncias: as crises indus­
triais mundiais e as guerras.
Laboram em erro os economistas burgueses, segundo os quais a su­
pressão da livre concorrência e sua substituição pelos monopólios capitalis­
tas podem pôr fim às crises industriais. Esquecem que a atividade econômi­
ca de cada país - a economia nacional - repousa hoje sobre a economia
mundial. A economia mundial não constitui simples soma aritmética de eco­
nomias nacionais - da mesma fomia que a economia nacional não é a so­
ma das economias individuais de um Estado. Tanto num como noutro ca­
so, o elemento essencial é a ligação, a influência de um meio particular ­
a que Rodbertus chamava "comércio econômico" -, sem o qual não exis­
te nem "conjunto real", nem "sistema", nem economia social, mas tão-so­
mente unidades econômicas dispersas. Eis por que, mesmo admitindo-se
que a livre concorrência seja inteiramente eliminada nos limites das econo­
47
48 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE ÍNTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

mias nacionais, as crises industriais não desapareceriam, dado que conti­


nuariam a existir as ligações caoticamente estabelecidas entre esses cor­
pos econômicos. Ou, em outras palavras: visto que a estrutura anárquica
da economia mundial persistiriasem modificações'
O que foi dito acima, em relação às crises industriais, é igualmente váli­
do para as guerras. Na sociedade capitalista. a guerra é, na realidade, ape­
nas um dos métodos de concorrência capitalista, na medida em que esta úl­
tima se trava na esfera da economia mundial. A guerra é, pois, a lei imanen­
te de uma sociedade chamada a produzir sob a pressão das leis cegas do
mercado mundial que se desenvolve caoticamente - e não de uma socie­
dade capacitada para reger, conscientemente, o processo de produção.
No entanto, apesar da estrutura geralmente anárquica da economia
mundial contemporânea, o processo de organização acusa, ai, progressos
que se traduzem, notadamente, no desenvolvimento dos sindicatos indus­
triais, dos cartéis e dos trustes internacionais. Daremos, inicialmente, uma
visão rápida dessas formações, ainda muito recentes.
Nos TRANSPORTES, os principais cartéis são os seguintes (sem falar,
é claro, das modificações provocadas pela guerra): 1) Seiling Shipowners
Documentary Committee (companhias marítimas inglesas, alemãs, norue­
guesas e dinamarquesas); 2) lntemaüonale Segelschiffahrts-Konvention (na­
vios ingleses, alemães, dinamarqueses, noruegueses e suecos); 3) Baltic
and White Sea Conference, englobando 60 a 70% da tonelagem do mar
Báltico e do mar Branco (alemães, franceses, holandeses, ingleses, espa­
nhóis, belgas, dinamarqueses, noruegueses, suecos, russos e finlandeses);
4) lntemationaler Küstenschiffahrtsverband, Altona; 5) Nordatlantischer
Dampferlinienverband (alemães, americanos, belgas, franceses e austría­
cos); 6) lntemational Mercantil Marine Company, ou Morgan Trust (consti­
tuído, principalmente, de americanos, ingleses e alemães); ern fins de
1911, esse consórcio dispunha de 130 navios comerciais, deslocando
1 158 270 toneladas. Além desses cartéis, de iipo mais ou menos elevado,
existem vários acordos importantes que regulam o frete, os rebaixamentos
de preços' etc. ' _
INDUSTRIA EXTRATIVA E METALÚRGICA: 1) lnternationales Trâ­
gerkartell (abrangendo sindicatos do aço da Alemanha, da Bélgica e da
França); 2) lntemationales Schienenkartell (fábricas de material rolante ale­
mãs, inglesas, francesas, belgas, americanas, espanholas, italianas, austría­
cas e russas); 3) Internationale Stahlkonvention (truste americano do aço,

l Mesmo os economistas burgueses começam a compreende-lo. Eis o que diz Goldsiein: "Que os car­
téis e os trustes não estejam em condições de suprimir as crises é o que ressalta do fato de o truste do
aço - em cujas mãos se encontra, incluidas as empresas filiais,90% da produção de aço dos Estados
Unidos - só ter podido explorar pela metade a capacidade de rendimento de suas usinas etc".
(GOLDSTEIN, l. M. Les Syndicats Industriais et les Trusls et Ia Politique Économique Actuelie. 2.' ed.,
Moscou, 1912. p. 5.) Consultar igualmente TUGAN-BARANOVSKY. Les Crises lndustrielles.
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL 49

Bethleem Steel Co. e firma Krupp); 4) Internationale Bleikonvention (arti­


gos de chumbo alemães, australianos, belgas, americanos, mexicanos e in­
gleses); 5) Deutsch-Oesterreichischer Stahlgussverband; 6) Deutsch-Englis­
che Ferromanganeisen-Konvention; 7) Internationale Vereinigung von Fer­
rosiliziumwerke (Noruega, Suécia, Tirol, Bósnia, Sabóia e Alemanha); 8) In­
temationales Metallplattensyndikat (Alemanha e Austria); 9) Vereinigung
des Zinkplattenfabrikanten (Inglaterra e América, de grande Influência no
mercado mundial); 10) Internationale Zinkkonvention (alemães, belgas,
franceses, italianos, espanhóis, ingleses e americanos, representando 92%
da produção européia); 11) lntemationales Zinkhüttenverband (alemães,
franceses, belgas e ingleses); 12) lntemationales Drahtgeflechiekartell (ale­
mães, belgas, franceses e ingleses); 13) lntemationales Abkommen der
Kupferdrahtziehereien; 14) Deutsch-Englische Schraubenkonvention; 15)
lntemationales Emaillekartell (Alemanha, Austria-Hungria, França, Suíça e
Itália); 16) lntemationales Turbinensyndikat (composto sobretudo de ale­
mães e suíços); 17) Vereinigte Dampfturbinengesellschaft (A. E. G. alemã,
General Electric Co. americana etc.); 18) Automobiltrust (Motor Trade As­
sociation, abrangendo quase todas as principais empresas de construção de
automóveis da Europa); 19) Russich-Deutsch-Oesterreichisches Syndikat
für Landwirtschaftliche Gerãte; 20) Internationale Veireinigung von Eisewa­
renhãndlerverbanden (Alemanha, Inglaterra, França, Austria-Hungria, Suí­
ça e Bélgica); 21) Intemationaler Verband der Korsettschliessen und Fe­
demfabriken (que agrupa a quase totalidade das principais fábricas).
Na indústria da PEDRA e da ARGILA, contam-se 6 grandes cartéis in­
ternacionais. _
Na indústria ELETRICA, já vimos que está muito avançado o processo
de internacionalização da produção. Isso explica a existência de amplos
acordos internacionais. Os mais importantes são os acordos estabelecidos
entre: 1) A. E. G. alemã, a General Electric Co. americana e a Companhia
anglo-francesa Thomson-Houston, que dispõem de toda uma rede de esta­
belecimentos nas diversas partes do mundo; 2) lntemationales Galvanoste­
ginsyndikat; 3) Verkaufstelle Vereinigtes Glühlampenfabriken (Alemanha,
Áustria-Hungria, Suécia, Holanda, Itália e Suiça). Existe ainda toda uma sé­
rie de acordos especiais entre bancos, visando ao financiamento das empre­
sas elétricas etc. _
Na indústria QUIMICA, o processo internacional de "cartelização" ad­
quiriu grande amplitude em vários ramos especiais. Os cartéis mais impor­
tantes são: 1) lntemationales Chlorkalkkartell (Alemanha, França, Bélgica,
Inglaterra e Estados Unidos); 2) lntemationales Leimkartell (fábricas de co­
la na Áustria-Hungria, Alemanha, Holanda, Bélgica, Suécia, Dinamarca, Itá­
lia; em Londres, estabelecimento comercial); 3) lntemationales Boraxkartell
(Alemanha, Estados Unidos, França, Austria-Hungria e Inglaterra); 4) Inter­
naüonales Verband der Seidenfãrbereien (sindicatos de tintureiros alemães,
50 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE [NFERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

suíços, franceses, italianos, austríacos e americanos); 5) lntemationales Kar­


bidsyndikat (abrangendo todas as empresas européias); 6) lntemationales
Pulverkartell; 7) Deutsch-Oest Superphosphatkariell; 8) Kartell der Bel­
gisch-Hollãndischen Oleinproduzenten; 9) lnt. Verkaufsvereinigung für
Stickstoffdünger (fábricas de azotatos alemãs. norueguesas, italianas e suí­
ças); 10) lntemaüonales Kerosinkartell (Standard Oil Co. e companhias rus­
sas); 11) Verband Deutsch-Oesterreichisch-ltalienischer Kipsgerber und
Kipshãndler; 12) lnt. Salpetersyndikat (Salitre); 13) lnt. Koalinverkaufsyndi­
kat (austro-a|emão); 14) Europãische Petroleum Union (alemães, ingleses,
suíços, holandeses, belgas, austríacos, dinamarqueses, americanos, petrolei­
ros da Ásia Menor).
No domínio TÊXTlL, os acordos internacionais atingem, sobretudo, os
ramos especializados: 1) The international Federation of Master Cotton
Spinners and Manufacturs Associations (representantes da indústria euro­
péia continental e americana); 2) Deutsch-Oest. Kravattenstoffkartell; 3) ln­
tem. Samtindustriesyndikat (compreendendo todas as manufaturas de velu­
do alemãs e francesas); 4) Kunstseide-Verkaufskontor (manufaturas alemãs
e belgas de seda artificial); 5) lnt. Cotton Mills Corporation (Estados Unidos
e outros paises da América); 6) Konvention der Deutschen und schweizeris­
chen Seidencachenezfabrikanten; 7) Verband der Deutsch-Schweiz. Cache­
nez- und Cravattenfabrikanten; 8) Oesterr. Deutsches Jutekartell; 9) lnt.
Verb. Kratzenfabriken (Alemanha, Luxemburgo, Bélgica, Holanda, Áustria­
Hungria, Suécia, Noruega, Dinamarca e países balcânicos); 10) lnt. Nãhsei­
de-Konvention (empresas austríacas, belgas, russas, espanholas e ingle­
sas); 11) lnt. Vereinigung der Flacks- und Werggamspinner (compreenden­
do quase todas as principais fiações de algodão da Europa); 12) lntematio­
nales Kartell der Schappespinner.
Na indústria do VIDRO e da PORCELANA, o mais importante cartel é
o Europãischer Verband der Flaschenfabriken (sindicato de fabricantes de
garrafas, com ramificações em quase todos os países). Existem ainda vários
cartéis do vidro e da porcelana.
Na indústria do PAPEL, contam-se 7 grandes cartéis internacionais.
Conhece-se ainda uma dezena de acordos em 6 diferentes ramos da
indústria: marcenaria, produtos de borracha, de cortiça, cacau etc?
Além dos cartéis acima mencionados, há uma centena de trustes inter­
nacionais (fusão e controle). Vamos limitar-nos à indicação de alguns dos
mais importantes dentre os que exercem influência mais forte no mercado
mundial.

2 Fizemos o levantamento dos cartéis internacionais na obra de Hanns, já citada, nas páginas 254 e se­
guintes. Transcrevemo-lo aqui assim como as informações contidas nesse livro sobre os trustes e os con­
sórcios bancários internacionais; sobretudo porque, pelo que sabemos, nada a esse respeito foi publica­
do ern língua russa.
IDRMAS DE ORGANILRÇÁO DA ECONOMIA MUNDIAL 51

Temos assim a Standard Oii of Nau-Jersey que. em 1910, possuia as


ações de 62 companhias (entre as quais a Anglo-American Oil Co., a
Deutsch-Amerikanische Petroleumgesellschaft, a Romana Americana) e es­
tava ligada a grande número de empresas e companhias (holandesas, ale­
mãs, francesas, suecas, italianas, russas. suiças, etc.).3 Esse truste "contro­
la" ainda a Amalgamated Copper Company, que procura conquistar o mo­
nopólio da indústria do cobre. Vêm, a seguir, a United States Steel Corpo­
ration, a mais importante "sociedade de controle" do mundo; a Relsmüh­
len- und Handelsaktiengesellschaft, de Bannen, com a participação de capi­
tais de firmas estrangeiras no montante de 6 039 344 marcosf' a lntematio­
nale Bohrgesellschaft; a Nobel Trust Company; vários trustes intemacio­
nais, na indústria da nafta; o truste da banana, fundado por Boston Fruit
Co. e Tropical Trading and Transport Co.; o truste da carne; o truste das li­
nhas de coser, presidido pela firma inglesa J. and P. Coats Ltd.; a Société
Centrale de la Dynamite; a Cie. Générale des Conduites d'Eau (Liege),
que "controla" empresas em Utrecht, Barcelona, Paris, Nápoles, Charleroi
e Viena; o Tmst Métallurgique Belge-Français etc.5
Por trás desses trustes e cartéis estão, geralmente, as empresas que os
financiam, bancos principalmente. Esse processo de internacionalização ­
que tem no intercâmbio internacional sua mais primitiva forma e, no truste
internacional, seu mais elevado nivel de organização - provoca uma inter­
nacionalização muito intensa do capital bancário que, por meio do financia­
mento de estabelecimentos da indústria, se transforma em capital industrial
e constitui assim uma categoria especial de capital financeiro.
O capital financeiro é, sem nenhuma sombra de dúvida, a mais pene­
trante forma de capital - justamente a que, como a natureza, sofre do que
antes se chamava o horror vacui e sente a necessidade de cobrir cada "va­
zio", não importa se se encontra em regiões "tropicais", “temperadas" ou
"polares", desde que o lucro transborde em quantidade suficiente. Para
ilustrar a “ajuda" amigável que os grandes bancos nacionais se outorgam
reciprocamente, passamos a reproduzir alguns exemplos relativos à funda­
ção de vastos consórcios de bancos internacionais.
Em 1911, em Bruxelas, foi fundado um truste financeiro, a Société Fi­
nanciere des Valeurs Américaines, para financiamento de empresas amen­
canas. Em sua fundação, tomavam parte: Deutsche Bank e Warburg Co.
(Hamburgo), Société Générale, de Bruxelas, Banque de Bruxelles, Banque
de Paris et des Pays-Bas, Société Générale pour Favoriser Plndustrie Natio­
nale (Paris), Société Française de Banques et de Dépôts, Banque Française
pour le Commerce et l'lndustrie, Kuhn Loeb Co. (Nova York) etc., isto é,

3 LlEFMANN. Op. cit., p. 249 et seqs.


4lbid., p. 275.
5 KOBATSCH. Op. cit.; LIEFMANN. Op. cit.; HARMS. Op. cit.
52 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE lNTERNACÍONALlÍJÃÇÃO DO CAPITAL

os principais bancos do mundo.° Parte integrante do truste financeiro indica­


do acima, o Deutsche Bank funda, por sua vez, em associação com a
Schweizerische Kreditanstalt e com a firma Speyer-Ellisen, Aktiengesells­
chaft für ueberseeische Bauuntemehmungen (sociedade anônima para
construções de além-mar), sucursais em vários paises para a venda de pe­
tróleo; estabelece ligações com a companhia russa Nobel, e participa intima­
mente da Union Européenne du PétroleÍ No decorrer dos últimos anos,
um consórcio bancário (Consortium Constantinopel) constituiu-se, em Bru­
xelas, para financiar empresas de Constantinopla. Tomaram parte em sua
fundação: Deutsche Bank, Schaffhausenscher Bankverein, Nationalbank,
Société Générale (Paris), Banque de Paris, Comptoir National, Schweizeris­
che Kreditanstalt, Bank für Elektrische Untemehmungen. Na Bélgica, fun­
da-se um banco voltado especialmente para as ferrovias - Banque Belge
des Chemins de Fer - com a ajuda do Banque de Paris et des Pays-Bas e
de Wiener Bankverein, Schweizerische Kreditanstalt, Société Générale des
Chemins de Fer Economiques, Deutsche Bank, Dresdner Bank etc., na rea­
lidade um consórcio bancário internacional. Citemos ainda um exemplo:
no sindicato industrial russo Prodamet, "trabalhavam" 4 grupos de bancos
"nacionais": o grupo russo (Banque Commerciale d'Azoff, Banque de
Commerce Internationale de Saint-Pétersbourg, Banque Russe pour le
Commerce Extérieur, Banque Russe-Asiatique e Banque de Commerce de
Varsovie), o grupo francês (Crédit Lyonnais, Banque de Paris et des Pays­
Bas, Société Générale), o grupo alemão (Deutsche Bank, Bank für Handel
und lndustrie e Dresdner Bank) e o grupo belga (Crédit Général, em Liege,
Société Générale de Belgique, Nagelmãrkers Fils, em Liégel”
Não se creia que estamos diante de casos excepcionais. Toda a vida eco­
nômica está cheia de exemplos semelhantes. Empresas coloniais, exporta­
ção de capitais para outros continentes, construção de estradas de ferro e em­
préstimos govemamentais, transportes urbanos e fábricas de armas, minas
de ouro e plantações de borracha - tudo está estreitamente ligado à ativida­
de dos consórcios bancários internacionais. Os laços econômicos internacio­
nais possuem ramificações infinitas, passam por milhares de ramais, para
centralizar-se, afinal, em acordos estabelecidos entre os principais bancos do
mundo, que estendem seus tentáculos sobre todas as partes do globo. O ca­
pitalismo financeiro mundial e o domínio internacionalmente organizado dos
bancos é um dos fatos imutáveis da realidade econômica.
Não se deve, entretanto, exagerar a importância das organizações in­

° LIEFMANN. Op. clt., p. 174.


7lbid., p. 456486.
9 ZAGORSKY. Syndicats et Trusts. p. 230. Menclonamos apenas os acordos econômicos lntemaclonals
privados. Supomos estar o leltor ao corrente dos tratados entre Estados que exercem papel económico
muito importante (como a União Postal Internacional, a Convenção das Estradas de Ferro etc.).
FORMAS DE ORGANIYAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL 53

temacionais. Sua influência, confrontada com a imensidade da vida econô­


mica do capitalismo mundial, não é tão poderosa quanto, à primeira vista,
se poderia imaginar. Muitas delas (trata-se, nesse caso, dos sindicatos e dos
cartéis) constituem, unicamente, acordos relativos à repartição dos merca­
dos (Rayonierungskartelle); em toda uma série de outras subdivisões da
produção social, abarcam apenas ramos industriais muito especializados (é
o caso, por exemplo, de um dos mais poderosos sindicatos - o sindicato
das garrafas) e muitas delas têm pouca solidez. Somente os acordos interna­
cionais baseados num monopólio natural dão prova de maior estabilidade.
Mesmo assim, existe a tendência a um incessante crescimento dessas orga­
nizações internacionais, o que não se pode deixar de ter em conta quando
se faz a análise do desenvolvimento da economia mundial moderna?
Procuramos acompanhar as principais tendências do desenvolvimento
da economia mundial, desde a simples troca comercial até a atividade dos
consórcios bancários internacionais. Dentro da multiplicidade e da comple­
xidade de suas formas, esse desenvolvimento em curso constante constitui
um processo de internacionalização da vida econômica, de aproximação
entre os diferentes pontos geográficos do desenvolvimento da economia,
de nivelamento dos elementos capitalistas, e de antagonismo crescente en­
tre a propriedade concentrada da classe capitalista e o proletariado mun­
dial. Daí não decorre, entretanto, que a evolução social tenha entrado nu­
ma era de coexistência mais ou menos harmoniosa dos Estados "nacio­
nais". Internacionalização da vida econômica não significa intemacionaliza­
ção dos interesses capitalistas. Um economista húngaro faz essa constata­
ção, com muita justeza, a propósito de uma obra do pacifista inglês Nor­
man Angell.
"Este (Norman Angell) só esquece uma coisa: a existência das classes, tan­
to na Alemanha como na Inglaterra. O que, para o conjunto do povo, pode
ser supérfluo, inútil - até mesmo prejudicial-, pode ser profundamente lu­
crativo para certos grupos (grandes linancistas, cartéis, burocracia etc.)."l°

Pode-se, evidentemente, estender essa interpretação a todos os Esta­


dos, dado que, ao menos sob um ponto de vista puramente cientifico, não
há dúvidas sobre sua estrutura de classes. Eis por que somente podem crer
na possibilidade de uma fusão harmoniosa dos grupos capitalistas nacionais,
numa "unidade superior" do capitalismo mundial, os que não percebem

9 Sartorius von Waltershausen estima ser dos mais limitados o papel das organizações lntemacionais.
Consultar a obra citada, p. 150. Não parece provavel a formação e a existência de sociedades lntema­
cionals com direção centrallmda da produção. É evidente, no entanto, que acordos podem vlr a con­
clulr-se entre as grandes uniões naclonals a fim de dellmltar os "mercados": Harrns desenvolve um pon­
to de vista diametralmente oposto.
'° SZABO, Envin. "Kneg und Wirtschaftsverlassung". ln: Archlv für Sozlalwlssenschafr und Sozlalpolitlk.
Publicado por Jatfé, t. 39, fasciculo 3, p. 647-648.
54 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE lNTERNAClONALlLAÇÃO DO CAPITAL

as contradições do desenvolvimento capitalista e tomam beatamente a in­


ternacionalização da vida econômica por uma Internationale der Tatsa­
chen, ou, em outras palavras, a internacionalização anárquica por uma in­
ternacionalização organizada. Na realidade, tudo se passa com dificuldades
infinitamente maiores do que o imaginam os otimistas oportunistas. A inter­
nacionalização da vida econômica pode agravar - e agrava, no mais alto
grau - o antagonismo reinante entre os diferentes grupos nacionais da bur­
guesia. Na realidade, o desenvolvimento do intercâmbio internacional não
implica, de forma alguma, um crescimento da “solidariedade” dos grupos
que exercem esse intercâmbio. Ele pode, ao contrário, ser acompanhado
pelo crescimento da mais dura concorrência e por uma luta sem quartel. O
mesmo se passa com a exportação de capital. Ainda nesse domínio, estamos
longe de uma "comunidade de interesses". Ai, também, a concorrência pela
posse das esferas de investimento de capital pode tomar-se feroz. Num úni­
co caso afinna-se a solidariedade de interesses. É quando se trata da co-parti­
cipação e do co-financiamento - isto é, quando se estabelece, graças à pos­
se comum de títulos de valor, uma propriedade coletiva dos capitalistas de di­
ferentes paises de um mesmo e único objeto. Fonna-se, então, efetivamente
uma "lntemacional dourada"," em que não há somente similitudeou para­
lelismo, mas unidade de interesses. Paralelamente a esse processo, entretan­
to, o desenvolvimento econômico cria, automaticamente, uma tendência in­
versa ã nacionalização dos interesses capitalistas. E a sociedade, colocada to­
da ela sob o tacão do capital mundial, paga, entre tormentos espantosos, en­
volta no sangue e na ignomínia, seu tributo a esse antagonismo.
A avaliação das perspectivas do desenvolvimento só é possível se se to­
mar por ponto de partida a análise de todas as tendências fundamentais do
capitalismo. E se a internacionalização dos interesses capitalistas exprime
apenas um lado da internacionalização da vida econômica, torna-se tam­
bém indispensável conhecer o outro lado que ela contém: isto é, o proces­
so de nacionalização dos interesses capitalistas, que traduz mais expressiva­
mente a anarquia da concorrência capitalista no quadro da economia mun­
dial, conduz às comoções violentas e às catástrofes, a um imenso desperdi­
cio de energia, e coloca imperiosamente na ordem do dia o problema da
organização de novas formas de vida social.
Somos levados, assim, a fazer a análise do processo de nacionalização
do capital.

'l Que pensam os ldeólogos da burguesia contemporânea dessa "Intemaclonal dourada" (na medida,
bem entendido, em que não se trata de opor as "camadas superiores" as "camadas |nferiores"), é o
que mostram as seguintes palavras de Sartorlus: "A 'Internacional dourada' jamais poderá constituir
um Ideal para o homem que possui urna pátria e acredita que, nessa pátria, mergulham as raizes de sua
existência" (Op. cit., p. 14). Isso demonstra que é relativamente débll o processo de internacionalização
dos interesses capitalistas.
PARTE SEGUNDA

A Economia Mundial e o Processo de


Nacíonalízação do Capital
CAPÍTULO IV

A Estrutura Intema das Economias Nacionais


e a Política Alfandegãria

1. As "economias nacionais", ramificações dos laços econômicos mun­


diais. - 2. Desenvolvimento dos monopólios. Cartéis e irustes. - 3. Concen­
tração vertical. Empresas combinadas. - 4. Papel dos bancos e transforma­
ção do capital em capital financeiro. - 5. Bancos e concentração vertical. ­
6. Empresas estatais e comunais. - 7. O conjunto do sistema. - 8. Politica
aduaneira do capital financeiro e expansão capitalista.

Como vimos precedentemente, a economia mundial oferece o aspec­


to de uma rede imensa, tecída de um emaranhado de laços econômicos os
mais diversos, baseados nas relações de produção encaradas em sua ampli­
tude mundial. Esses laços econômicos, que ligam entre si o conglomerado
das economias individuais, comprimem-se e tomam-se mais densos desde
que passamos a examinar as economias nacionais no contexto da econo­
mia mundial, isto é, os laços econômicos existentes nos limites das unida­
des do Estado. Dessa constatação não se depreende, de forma alguma,
que o principio estatal desempenha uma espécie de papel criador específi­
co, fazendo surgir, do interior de si mesmo, as próprias fonnas da vida eco­
nômica nacional. Não se trata tampouco de qualquer espécie de harmonia
preestabelecida entre a "sociedade" e o "Estado". Sua explicação toma­
se, por isso, bem mais fácil. O próprio processo de constituição dos Estados
modernos, como fonna politica determinada, engendrou-se segundo expe­
riências e necessidades econômicas. O Estado desenvolveu-se sobre deter­
minada base econômica e constituiu-se apenas como a expressão de rela­
ções econômicas. A coesão estatal configurou-se assim tão-somente como
expressão da coesão econômica. A economia nacional sofria e continua a
sofrer, como toda forma viva, um processo interno incessante de transfigu­
ração. Os movimentos moleculares que, paralelamente, acompanhavam o
57
58 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE NACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

desenvolvimento das forças produtivas modificavam constantemente a posi­


ção dos corpos econômicos, ainda isolados uns dos outros: isto é, influíam
sobre o relacionamento dos elos dispersos da economia mundial em forma­
ção. Nossa época engendra relações excepcionais. A destruição total das
antigas formas econômicas conservadoras, iniciada com o aparecimento
dos primeiros embriões do capitalismo, é, entretanto, uma realidade indis­
cutivel. Ao mesmo tempo, no entanto, essa eliminação orgânica de concor­
rentes mais frágeis, no contexto das economias nacionais (ruína dos peque­
nos ofícios, desaparecimento das formas intermediárias, desenvolvimento
da grande indústria etc.), cede lugar, em nossos dias, a um período crítico
de luta violenta entre colossais adversários no mercado mundial. Suas cau­
sas devem ser procuradas, antes de tudo, nas transformações internas que,
introduzidas na estrutura dos capitalismos nacionais, conduziram a convul­
sões profundas em suas relações.
Em primeiro plano, essas modificações manifestam-se por meio da for­
”mação e da expansão extraordinariamente rápida dos monopólios capitalis­
tas: cartéis, sindicatos industriais, trustes, consórcios bancários*
Constatamos a força desse processo em âmbito internacional. Ora, es­
sa força é infinitamente maior no quadro das economias nacionais. Como
veremos adiante, é precisamente a cartelização nacional da indústria que
constitui um dos principais fatores de aglutinação nacional do capital.
O processo de organização dos monopólios capitalistas é a seqüência
lógica e histórica do processo de concentração e centralização. Assim como
sobre os destroços do monopólio feudal nasceu a livre concorrência dos ar­
tesãos, que levaria ao monopólio da classe capitalista sobre os meios de
produção, também no interior da classe dos capitalistas a livre concorrência
cede lugar, cada vez mais, à limitação da concorrência e à formação de gi­
gantescas economias que monopolizam a totalidade do mercado nacional.
Essas economias não poderiam ser encaradas, de forma alguma, como fe­

' Não podemos, neste livro, entregar-nos a uma explicação pormenorizada das diferenças existentes en­
tre essas fonnas; dada a tarefa que aqui nos atribuimos, basta assinalar que não vemos diferença de
principio entre o cartel e o truste, já que este último constitui, a nosso ver_ uma forma mais centralizada
de um mesmo e único objeto. Todas as tentativas (puramente fonnais) (ver, por exemplo, HElLMANN.
Eduard. Ueber lndluiduallsmus e Solldarismus in der Kapitalistischen Konzentrution. Archives Jaffé. t
39. fasciculo 3) de estabelecer uma diferença de principio entre o truste "autocrático" e o sindicato (ou
cartel) "democrático" em nada modificam a essência das coisas, que decorre do papel dessas organiza­
ções na economia social. Dai não se depreende_ porém, que nada os diferencia - e, sob esse ângulo
de apredação, é bom estabelecer essa diferença. De toda maneira, entretanto. ela não conáste em
opor um principio "democrático" a um principio "autocratico". Ver a esse respeito o livro de HlLFER­
DlNG. Le Capital Finander. Em síntese, essa diferença traduz-se no fato de que. "inversamente à for­
mação dO-SUUSÍOS. a cartelização não traz consigo o desaparecimento dos antagonismos entre as empre­
sas isoladas que aderem ao cartel". (HlLFERDlNG. "Organlzaüonsmacht und Staatsgewalt". ln; Neue
Zeit. Ano 32, L ll, p. 140 et. seqs.)
A ESTRUTURA INTERNA DAS ECONOMIAS NACIONAIS E POLÍTICA ALFANDEGÁRIA 59

nômenos “anormais” ou "artificiais", produtos de estímulos do Estado ­


como, por exemplo, os direitos aduaneiros, as tarifas ferroviárias, os prê­
mios, as encomendas ou subsídios governamentais etc. Sem dúvida, todas
essas "causas" contribuíram para acelerar o processo, mas não constituí­
ram - e muito menos constituem - sua condição necessária. Na realida­
de, é certo grau de concentração no domínio da indústria que se configura,
nesse quadro, como a condição sine qua non. Com efeito, quanto mais de­
senvolvidas são as forças produtivas de um país tanto mais poderosos são
os monopólios. Papel especial desempenhou, nesse sentido, o sistema de
sociedades anônimas - que facilitou o investimento de capital na produ­
ção e fez surgir empresas de amplitude sem precedentes. Fica, assim, mais
fácil compreender por que o movimento de "cartelização" tem à sua dian­
teira os dois países - Estados Unidos e Alemanha - que, com uma celeri­
dade febril, ocuparam os primeiros lugares no mercado mundial.
Os Estados Unidos são um exemplo clássico do desenvolvimento eco­
nômico moderno. A mais centralizada forma dos monopólios - os trustes
- deitou, ali, raízes profundas. O quadro abaixo dá clara idéia da formidá­
vel potência econômica dos trustes - e, sobretudo, dos trustes mais impor­
tantes - assim como do processo de seu desenvolvimento.
Segundo os dados de Moody, foi o seguinte o crescimento dos trustes,
no período 1907/08. (VerTabela p. 60.)
Segundo o Poors Manuel of Corporations e o Poors of Railroads de
1910, o segundo dado do total eleva-se, mesmo, a 33,3 bilhões de dóla­
res.? Desde 1900, a parte dos trustes na produção nacional já era muito ele­
vada; atingia, na indústria têxtil, 50% da produção global; 54% na vidraria;
60% na indústria do livro e do papel; 62% na alimentação; 72% na indús­
tria de bebidas alcoólicas; 77% na metalurgia (excluídos o ferro e o aço);
81% na indústria química; 84% na produção de ferro fundido e de açof* A
partir dai aumentou sensivelmente, dado que o processo de concentração
e de centralização se opera, nos Estados Unidos, em ritmo prodigioso.
"Apenas alguns homens, conhecedores do desenvolvimento recente da or­
ganização financeira da grande indústria e dos ramos comerciais, podem ter
idéia clara da gigantesca concentração e do domínio de que são objeto as
grandes empresas combinadas e diferenciadas que, freqüentemente, abran­
gem forças produtivas que desbordam dos limites de uma economia nacional
isolada."

7 lbid. Consultar igualmente RENARD, Georges e DULAC, A. A. L'Éuolution lndustrielle et Agricole De­
puis Cent CinquanteAns. Paris_ 1912. p. 204. _
3 GOLDSTElN, l. Les Syndicats Industriais, Les Trusts et La Politique Economlque Contemporalne.
Moscou, 1912. p. 51,
" PHlLlPPOWlCH, Eugen von. “Monopole und Monopolpolltik". ln: Grünberg's Archlu für die Ges­
chichte des Soziallsmus und der Arbeiterbewegung. Ano 6, 1915. Fascículo l, p. 158.
60 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE NAC|ONALlZAÇAO DO CAPITAL

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A ESTRUTURA INTERNA DAS ECONOMIAS NACIONAIS E POLÍTICA ALFANDEGÁRLA 61

Não podemos fazer, neste trabalho, por falta de espaço, sequer uma
simples enumeração dos trustes principais, existentes nos diferentes ramos.
Limitamo-nos a indicar que_ à frente do movimento, operam 2 trustes imen­
sos - o do petróleo (Standard Oil Co.) e o do aço (United States Steel
Corporation). Eles correspondem a 2 grupos financeiros: o grupo Rockefel­
ler e o grupo Morgan.
Na Alemanha, observa-se um movimento semelhante do grande capi­
tal. Em 1905, as estatisticas oficiais mencionavam 385 cartéis nos diversos
ramos da produçãos" O Dr. Tschierschky, conhecido teórico e organizador
do movimento de "canelização" na Alemanha, avalia entre 550 e 600 o
número dos cartéis alemãesF Os mais importantes são 2 sindicatos indus­
triais: o Sindicato da Hulha do Reno e da Westfália (Rheinisch-Westfãlis­
ches Kohlensyndikat) e o Sindicato do Aço (Stahlwerksverband). Segundo
dados de Raffalovitch, o primeiro produziu, em 1905, na bacia de
Dortmund, 85 milhões de toneladas de hulha, enquanto os demais produ­
tores reunidos (isto é, os que não pertencem ao sindicato) produziram ape­
nas 4,9%, ou 4,2 milhões.7 Em janeiro de 1913, a produção de hulha des­
se sindicato elevava-se a 92,6% da produção total da bacia do Rhur e a
54% da produção nacional. O Sindicato do Aço elevou a 43/44% sua par­
te na produção do país. O Sindicato do Açúcar (refinarias), que engloba 47
empresas, alcança cifras muito elevadas (70% da venda interna e 80% das
vendas no exterior).3 O truste da eletricidade (formado pelos trustes Sie­
mens-Schukert e A. E. G.) representa 40% de toda a energia produzida
etc.
Nos demais países, os sindicatos não têm essa amplitude. Considera­
do, porém, em sentido absoluto - e não em confronto com os Estados
Unidos e a Alemanha - o processo de "sindicalização" é, em cada um de­
les, muito importante.
Na França, há grande número de sindicatos industriais na metalurgia,
na indústria do açúcar, na vidraria, na indústria do papel, na indústria do
petróleo, nas indústrias têxtil e química, na extração da pedra etc. Os mais
importantes são o Comptoir de Longwy, que vende quase todo o ferro fun­
dido fabricado na França; o Syndicat du Sucre, cuja hegemonia no merca­
do é quase completa; a Société Générale des Glaces de Saint-Gobain, que,
igualmente, exerce monopólio quase integral etc. E necessário mencionar
ainda toda uma série de sindicatos agrícolas, com relações estreitas com as

5 LIEFMANN. Kanelle und Tmsts.


° TSCHIERSCHKY. Kane/l und Trust. Leipzig, 1911. p. 52.
7 RAFFALOVlTCH, A. "Les Syndlcats et les Cartels en Allemagne en 1910". ln: Revue lntemationale
du Commerce, de Hndustñe et de la Banque, n.° de 30 de Julho de 1911.
9Ver SAINT-LÉON, Martin. Carlels et Trusls. 3.' ed., Paris, 1909. p. 56.
62 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE NAClONALlZAÇÃO DO CAPITAL

associações rurais? assim como grandes uniões na indústria dos transpor­


tes. Três companhias marítimas (Compagnie Génêrale Transatlantique,
Messageries Maritimes e Chargeurs Réunis) abrangem 41,25% de toda a
marinha mercante francesa.”
Na lnglaterra, onde por largo tempo e por múltiplas razões foi muito
fraco o movimento de formação dos monopólios, apesar da grande concen­
tração industrial, a formação dos trustes na esfera da indústria (amalgama­
tions, associations, investment trust) fez imensos progressos nos últimos
anos. O livre-câmbio inglês pertence ao dominio da História (veremos a se­
guir que, mesmo em relação ã política econômica externa, a livre concor­
rência, isto é, a política de livre-câmbio, passa cada vez mais a segundo pla­
no). Somente por ignorância se citaria a Inglaterra, hoje, como a encarna­
ção de um regime econômico especifico. Vamos enumerar, a titulo de
exemplo, alguns trustes: o do cimento de Portland (Association Portland
Cement Manufactures), representando 89% da produção nacional; os trus­
tes do aço; os trustes das bebidas alcoólicas; os trustes das manufaturas de
tapeçarias (98% da produção de tapetes e outros materiais decorativos do
pais); o truste da fabricação de cabos (The Cable Makers' Association, com
cerca de 90% da produção); o truste do sal (Salt Union, aproximadamente
90% do total); The Fine-Cotton Spinners and Doublers' Truste (que contro­
la, efetivamente, a totalidade da produção inglesa); o truste da tintura e la­
vagem de roupas (Bleachers Association e The Dyers' Association, quase
90% da produção); Imperial Tobacco Company (cerca da metade da pro­
dução total) etc.”
Na Austria, os cartéis principais são: o Sindicato das Hulheiras da Boê­
mia, com 90% da produção do pais; o Sindicato das Fábricas de Tijolos e
Ladrilhos, cuja produção alcança 400 milhões de coroas (contra 40 mi­
lhões apenas dos demais produtores); o Sindicato da Siderurgia; os sindica­
tos existentes na indústria do petróleo (Galícia, 40% da produção) e nas in­
dústrias têxtil, do açúcar, do papel etc.
Mesmo num pais atrasado e pobre em capitais, como a Rússia, o nú­
mero de trustes e de sindicatos de tipo superior ultrapassa a centena, de
acordo com os dados de Goldstein. Além disso, existe uma série de acor­
dos locais, de tipo menos desenvolvido. Mencionemos os principais?? na in­
dústria da hulha, o Produgol (que abarca 60% da produção da bacia do
Donetz); na metalurgia, 19 sindicatos, os mais importantes dentre os quais

9 SAlNT-LÊON, Martin, Op. cit., p. 89 et. seqs.


"JLECARPENTIER, G. Commerce Maritime et Marine Marchande. Paris_ 1910. p. 165.
l' LEVY,Hemiann. Monopoly and Competition. Londres, 1911. p. 222-267.
'Z Os dados são tirados da obra de KAFENHAUS, L. Les Syndicais dans Flndustne Métallurgique;
GOLDSTEIN. Op. cit.; ZAGORSKY. Op. clt.
A ESTRUTURA INTERNA DAS ECONOMIAS NACIONAIS E POLÍTICA ALFANDEGÁRlA 63

são o Prodameta (88/93%), o Krovlia (60% da folha de zinco), o Prodwa­


gon (que abrange 14 entre as 16 empresas da construção); na indústria da
nafta, 4 companhias associadas que têm em mãos quase o total da produ­
ção. E mencionemos ainda o Sindicato do Cobre (90%), o Sindicato do
Açúcar (100%), o acordo dos fabricantes de tecidos, o truste do fumo
(57/58%), o Sindicato dos Fósforos etc.
Na Bélgica, os sindicatos industriais acham-se extremamente desenvol­
vidos. Inclusive os paises novos, como o Japão, engajam-se nas fileiras dos
monopólios capitalistas. Os antigos modos de produção do capitalismo en­
contram-se, em conseqüência, radicalmente transfonnados. Pelos cálculos
de F. Laur, num total de 500 bilhões de francos de capitais investidos nas
empresas industriais de todos os paises do mundo, 225 bilhões - ou seja,
quase a metade - cabem aos cartéis e trustes. (Por paises - e não obstan­
te os dados se situarem abaixo da realidade - esse capital decompõe-se
da seguinte maneira: América, 100 bilhões de francos; Alemanha, 50 bi­
lhões; França, 30 bilhões; Austria-Hungria, 25 bilhões etc.)” Esses dados
destacam a transfonnação completa dos antigos elementos da produção no
interior dos países, o que não deixa de acarretar modificações profundas
em suas relações.
No entanto, as coisas não se limitam a um simples processo de organi­
zação no interior de ramos industriais isolados. Estes passam por ininterrup­
to processo de aglutinação num só sistema, de transformação em organiza­
ção única.
Ern primeiro lugar, esse processo opera-se por meio da criação de em­
presas combinadas, isto é, de empresas que abarcam a produção das maté­
rias-primas e dos produtos industriais, acabados ou semi-acabados etc. Ele
pode englobar - e engloba - os mais diversos ramos da produção, dado
que esses ramos, em maior ou menor grau, são colocados, direta ou indire­
tamente, em mútua dependência sob o efeito da moderna divisão do traba­
lho. Se, por exemplo, um truste elabora, ao lado de determinado produto
essencial, um derivado qualquer, passa a aspirar, em seguida, ã conquista
do monopólio desse ramo da produção - o que, por sua vez, impele, co­
mo resultado, ã produção, em base de monopólio, dos produtos que pode­
riam substituir esse derivado. A seguir, é a produção das matérias-primas
que, por seu turno, se transforma em objeto dessa mesma cobiça, e assim
por diante. Criam-se, dessa fonna, combinações dificeis de entender à pn'­
meira vista, tais como a união das indústrias dos metais e do cimento, do
petróleo e da glicose etc.” Essa concentração e centralização verticais da

“ GOLDSTEIN. Op, cit. p. 5.


l*NAZAREVSKY. Op. cit., p. 354 et seqs
64 A ECONOMlA MUNDIALE O PROCESSO DE NACIONALIIAÇÁO DO CAPITAL

produção, contrariamente à concentração e centralização horizontais realiza­


das em certos ramos da produção, significam, de um lado, redução da divi­
são social do trabalho (pois fundem, numa única empresa, o trabalho antes
repartido entre várias) e, de outro, estimulam a divisão social do trabalho
no contexto da nova unidade de produção. Considerado na escala social,
todo processo tende assim a transformar o conjunto da economia nacional
em uma única empresa combinada, por meio de um vínculo de organiza­
ção que entrelaça a totalidade dos ramos da produção.
' O mesmo processo opera-se ainda em larga medida, pela penetração
do capital bancário na indústria e pela transfonnação do capital em capital
financeiro.
Já vimos, nos capítulos precedentes, o imenso alcance da participação
financeira nas empresas industriais. Ora, aí está precisamente uma das fun­
ções dos bancos modernos.

"Uma parte sempre maior do capital industrial não pertence aos industriais
que o põem em circulação. Contam com esse capital apenas por intermédio
do banco que, em face deles, representa os proprietários do dito capital. O
próprio banco, por outro lado, é obrigado a engajar na indústria uma parte
crescente de seus capitais. O resultado é que o banco se transforma, cada vez
mais, num capitalista industrial. Esse capital bancário, isto é, esse capitaI-dí­
nheiro - que é assim efetivamente transfonnado em capital industrial- eu o
chamo de capitalfinanceiro?”

Por meio de diversas formas de crédito, de retenção de ações, de obri­


gações e de partes de fundador, o capital bancário opera desse modo co­
mo organizador da indústria - e essa organização do conjunto da produ­
ção do país é tanto mais poderosa quanto o é, de um lado, a concentração
industrial e, de outro, a concentração dos bancos. Esta última adquiriu, por
sua vez, proporções consideráveis. Que se julgue por alguns exemplos: na
Alemanha, 6 bancos exercem efetivamente o controle das operações ban­
cárias: Deutsche Bank, Diskontogesellschaft, Darrnstadter Bank, Dresdner
Bank, Berliner Handelsgesellschaft e Schaffhausenscher Bankverein, cujos
capitais alcançavam, em 1910, a cifra de 1 trilhão e 122,6 bilhões de mar­
cos.” A multiplicação desses bancos no interior da própria Alemanha dá
uma idéia da rapidez com que se desenvolveu sua potência (os dados com­
preendem o estabelecimento principal, as filiais, as caixas de depósito, as
agências de câmbio, as constantes "participações" nos bancos anônimos

'-"HILFERDING, Rudolph. Le Capital Flnancler.


'5 SOMBART, W. Dle Deutsche VoUrswirLscha/tlm XIX Jahrhundert. 3.' ed., Berlim, 1913. Cap. X. Se­
gundo lnfomiações recentes do Vorwõrts, a Dlskontogesellschaft já absorveu o Schajfhausenscher
Bankverein.
A ESTRUTURA INTERNA DAS ECONOMIAS NACIONAIS E POLÍTICA ALFANDEGÁRIA 65

alemães). Esses números evoluíram da seguinte maneira: 42, em 1895; 48,


em 1896; 80, em 1900; 127, em 1902; 194, em 1905; 450, em 1911.” O
total desses estabelecimentos cresceu, portanto, 11 vezes no espaço de 16
anos
Na América, 2 bancos têm o monopólio em suas mãos: o National
City Bank (Rockefeller) e o National Bank of Commerce (Morgan). Deles
depende, sob múltiplas formas, uma infinidade de empresas industriais e
de bancos ligados entre si.

“Tem-se uma idéia aproximada da amplitude das operações bancárias dos


grupos Rockefeller e Morgan quando se sabe que, em 1908, o primeiro tinha
como clientes - cujas reservas guardava em seu poder - 3 350 bancos do
pais ou de outros países e o segundo abarcava 2 757 bancos. Sem eles, ne­
nhum outro truste pode formar-se. E o 'monopólio da produção dos mono­
pólios' (monopoly of monopoly making)."1°

A essa ligação econômica específica entre os bancos e os diferentes ra­


mos da produção corresponde um modo particular de direção superior de
uns e de outros: os representantes da indústria administram os bancos e vi­
ce-versa. Jeidels conta que, em 1906, os 6 bancos alemães acima mencio­
nados possuíam 751 postos nos conselhos de administração das socieda­
des anônimas industriais.” Em compensação, nos conselhos de administra­
ção desses bancos, figuram 51 representantes da indústria (segundo os últi­
mos dados, concernentes a 1910).
Quanto à América, o fato seguinte é característico. Da lista apresenta­
da ao Senado, por ocasião do debate do projeto de lei sobre o melhora­
mento das operações bancárias (Comissão La Folette), em 1908, depreen­
de-se que 89 pessoas ocupam mais de 2 mil cargos de diretores em diferen­
tes empresas industriais, companhias de transportes etc.; e que, por outro
lado, Morgan e Rockefeller guardam, sob seu controle direto ou indireto, a
quase totalidade dessas empresas.”
Devemos mencionar ainda o importante papel que desempenham as
empresas estatais e comunais incluídas no sistema geral da economia nacio­
nal. As empresas do Estado estendem-se principalmente a uma parte da in­
dústria extrativa do país. (Na Alemanha, em 1909, de 309 minas de car­
vão, com uma produção de 145 milhões de toneladas, 27 estavam em
mãos do Estado e abrangiam uma produção de 20,5 milhões de toneladas,

'7 RlESSER. Die Deutschen Grossbanken. Anexo VIII,p. 745.


1°NAZAREVSKY. Op. cit., p. 362.
'° PARVUS ("primeira maneira"); Der Swat, die Industria und der Sozlallsmus. p. 77; RlESSER. Op.
cit. Suplemento, p. 651.
2°RlESSER. Op. cit., p. 501.
66 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE NACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

num valor de 235 milhões de marcos.) Caberia acrescentar ainda as minas


de sal, os minérios etc. A receita proveniente de todas essas empresas esta­
tais alcançava, em 1910, 349 milhões, e a receita liquida, 25 milhões."
Vêm a seguir as ferrovias (a organização comercial privada das estradas de
ferro só existia na Inglaterra e, mesmo assim, desapareceria no início da
guerra), os Correios e Telégrafos etc., assim como a exploração florestal.
As empresas comunais de grande importância econômica correspondem
principalmente aos serviços de água, às usinas de gás, às usinas elétricas e
ao conjunto de suas ramificações.” Os poderosos bancos do Estado in­
cluem-se igualmente no sistema geral. São múltiplas as formas de interde­
pendência dessas empresas públicas e das empresas econômicas privadas,
como são numerosos, no conjunto, seus laços econômicos - mas é eviden­
te que o crédito exerce o papel principal. Estabelecem-se relações estreitas
na base do chamado sistema misto, em que dada empresa se compõe de
elementos "públicos" e de elementos privados (em geral, trata-se da partici­
pação dos grandes monopólios)..Esse sistema está presente, com bastante
freqüência, na esfera das explorações comunais. O caso do Reichsbank é
particularmente curioso. Esse banco, de imensa influência econômica na
Alemanha, acha-se tão intimamente ligado à vida econômica privada que,
ainda hoje, se discute se é um simples estabelecimento anônimo ou uma
instituição do Estado e se tem caráter juridico público ou privado.”
Todas as peças desse sistema, organizado em larga escala (cartéis, ban­
cos, empresas do Estado), são objeto de incessante processo de integração.
Tal processo acentua-se na medida em que se desenvolve a concentração
capitalista. A "cartelização" e a formação de empresas combinadas estabe­
lecem, em seguida, uma comunidade de interesses entre os bancos que as­
seguram seu financiamento. Por um lado, os bancos têm interesse em ver
o fim da concorrência entre as empresas que eles financiam. Por outro la­
do, qualquer acordo entre os bancos facilitaa aglutinação dos grupos indus­
triais. Quanto às empresas do Estado, tornam-se cada vez mais dependen­
tes dos grandes grupos industriais e financeiros, e vice-versa. Assim, as dife­
rentes esferas do processo de concentração e de organização estimulam-se
mutuamente e fazem surgir forte tendência à transformação de toda a eco­
nomia nacional numa gigantesca empresa combinada sob a égide dos mag­
natas das finanças e do Estado capitalista: uma economia que monopoliza

7' NAZAREVSKY, Op. cit., p. 362.


27RIESSER. Op. cu., p. 501.
Z' BAUMGART. V. Willy. Unsere Reichsbank. lhre Geschlchte und lhre Verfassung. Berlim, 1915. A im­
portância do Estado, como organizador da Indústria, cresceu slngulannente durante a guerra. Tratare­
mos disso mais adiante, quando examlnarmos o futuro da economia nacional e mundial.
A ESTRUTURA INTERNA DAS ECONOMlAS NACIONAIS E POLÍTICA ALFANDEGÁRIA 67

o mercado mundial e toma-se condição necessária da produção organiza­


da em sua forma superior não-capitalista.
No decorrer dos últimos anos, o capitalismo mundial, o sistema de pro­
dução mundial, adquire, assim, o aspecto seguinte: alguns corpos econômi­
cos organizados e coerentes (grandes potências civilizadas) e uma periferia
de paises retardatários ainda sob regime agrário ou semi-agrário). O proces­
so de organização (que, diga-se de passagem, não é absolutamente o obje­
tivo - o motivo impulsionador dos senhores capitalistas, como dizem seus
ideólogos - e sim unicamente o resultado objetivo de suas aspirações a
um lucro máximo) tende a sair do contexto nacional. Aí, entretanto, des­
pontam dificuldades muito mais sérias. Em primeiro lugar, é bem mais fácil
vencer a concorrência no terreno nacional do que em âmbito mundial (os
acordos internacionais estabelecem-se, em geral, com apoio em monopó­
lios nacionais já constituídos); em segundo lugar, a diversidade de estrutura
econômica, e conseqüentemente de custos de produção, toma onerosos os
acordos para os grupos nacionais avançados; em terceiro lugar, a própria
aglutinação com o Estado e suas fronteiras constitui um monopólio sempre
crescente, que assegura lucros suplementares.
Entre os fatores dessa última categoria, examinaremos, de início, a polí­
tica aduaneira.
O caráter dessa política modificou-se inteiramente. Se os antigos direi­
tos aduaneiros tinham um objetivo defensivo, o mesmo não acontece com
os direitos atuais, que têm um objetivo ofensivo. Se antes visavam-se aos
artigos cuja fabricação no país era ainda tão pouco desenvolvida que não
suportava a concorrência no mercado mundial, hoje, ao contrário, “prote­
gem-se" precisamente os ramos industriais mais aptos para sustentar a con­
corrência.
Friedrich List, apóstolo do protecionismo, referiu-se, em seu Das Natio­
nale System der politischen Oekonomie, aos direitos aduaneiros educati­
vos, que considerava como medida transitória.

"Só deveremos aqui", lê-se em seu livro, "tratar da legislação aduaneira co­
mo instrumento de formação da indústria. As medidas de proteção só se justi­
ficam quando representam um recurso destinado a encorajar e proteger a po­
tência manufatureira interna - e isso apenas nas nações (...) chamadas a co­
locar-se em pé de igualdade corn as primeiras nações agrícolas, manufaturei­
ras, comerciais, e nas grandes potências navais e continentais."24

Nada disso subsiste hoje, nem sequer como recordação, apesar do

2" LIST, Friedrich. Gesammelte Schriften. Publicado por Ludwig Haüser. 3 parta, Stuttgart und Tübin­
gen, 1851. "Das Nationale System der politischen Oekonomte". p. 302-303.
68 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE NAClONALlZj-\ÇÃO DO CAPITAL

que asseguram certos eruditos burgueses. O “protecionismo superior" de


nossos dias é apenas a fórmula estatal da política econômica dos cartéis.
Os direitos alfandegãrios modernos são direitos de cartéis, um meio para
que adquiram lucro suplementar. Pois se, no mercado externo, a concor­
rência é eliminada - ou reduzida ao mínimo - os "produtores" podem
elevar os preços em toda a margem deixada pelos direitos aduaneiros. Ora,
esse lucro suplementar dá a possibilidade de escoar as mercadorias, no
mercado externo, a preços inferiores aos preços de custo, a “preços vis".
Assim se estrutura a politica de exportação específica dos cartéis (dum­
ping). Assim se explica o fato, estranho à primeira vista, de os direitos adua­
neiros modernos "protegerem" a indústria de exportação. Engels já havia
percebido claramente a estreita conexão existente entre o desenvolvimento
dos cartéis e o aumento dos direitos alfandegãrios modernos com seu cará­
ter original.

"Cada vez mais os capitalistas adquirem a convicção de que as forças pro­


dutivas modernas, com seu desenvolvimento rápido e gigantesco, escapam,
diariamente e de forma crescente, às leis da troca capitalista, que deveriam di­
rigi-las. Os 2 sintomas seguintes põem isso em evidência: 1) a mania nova e
universal dos direitos protecionistas, que se distingue da antiga idéia protecio­
nista pelo fato de visar, antes de tudo, à proteção dos artigos suscetíveis de ex­
portação; 2) os cartéis e os trustes que se formam em grandes ramos da pro­
dução."z5

Ora, nossa época fez, precisamente nesse sentido, um progresso imen­


so, e a indústria consolidada, em face da indústria pesada, sustenta ardoro­
samente um protecionismo de nível superior. lsso porque, quanto menos
restritos são os direitos alfandegãrios, tanto mais importante é o lucro suple­
mentar, e tanto mais rapidamente podem conquistar-se novos mercados, e
mais considerável é a massa de lucros obtida. O único limite possível é a re­
dução da procura que, a partir daí, já não é compensada pelos preços mais
elevados, mesmo que, nesses limites, a tendência ã alta seja um fato incon­
testável.
Se agora examinarmos a economia mundial, descobriremos que os di­
reitos aduaneiros de cartéis e o dumping dos países economicamente avan­
çados suscitam a resistência dos países atrasados, que passam a elevar suas

5 MARX, Karl. Le Capital. Livro Terceiro. p. 118, nota de Engels. Nada disso, porém, impede que H.
Grunzel deixe de assimilar o sentido dos fenômenos assinalados acima. Ver sua Handelpolitlk. 4.' ed.
"Grundriss der Winschaftspolitik". p. 76. É justo, no entanto, reconhecer que a dllerença existente en­
tre os direitos aduaneiros educativos e cartelistas é, de Brentano a Hilferding, um lugar comum na litera­
tura referente à Economia Politica. Ver, por exemplo. HELLAUER, Joseph. System der Welthandelsleh­
re. 1910. t. l, p. 37; TSCHIERSCHKY. Op. cit., p. 86 et seqs.
A ESTRUTURA INTERNA DAS ECONOMIAS NACIONAIS E POLITICA ALFANDEGARIA 69

tarifas protecionistas.” lnversamente, a elevação das taxas aduaneiras por


parte dos paises atrasados estimula mais ainda o aumento de direitos adua­
neiros de cartéis, que facilitam o dumping. Desnecessário é dizer que essa
ação recíproca manifesta-se igualmente nas relações entre paises adianta­
dos, tanto quanto nas relações entre países atrasados. Esse parafuso sem
fim, que gira continuamente sob o impulso do desenvolvimento dos car­
téis, engendrou a "mania dos direitos protecionistas" de que fala Engels e
que, nos dias atuais, se acha ainda mais agravada.
Em tomo de 1870, em todos os países economicamente mais desen­
volvidos, constata-se uma brusca reviravolta em relação ao livre-câmbio
que, evoluindo rapidamente da "educação" da indústria à defesa dos car­
téis, traz como resultado o alto protecionismo moderno.
Na Alemanha, essa reviravolta definiu-se mediante a tarifa de 1879: a
partir de então, temos um aumento ininterrupto dos direitos alfandegários
(ver, por exemplo, a tarifa de 1902 e as seguintes). Na Austria-Hungria, es­
sa modificação brusca data de 1878; as tarifas ulteriores testemunham a
mesma tendência ã alta (principalmente as de 1882, 1887, 1906 e seguin­
tes). Na França, um primeiro passo preciso no sentido do protecionismo po­
de ser detectado na tarifa geral de 1881, que eleva em 24% os direitos so­
bre os produtos industriais. Deve-se assinalar ainda a tarifa eminentemente
protecionista de 1892 (que eleva a 62:79ad valorem os direitos sobre os ar­
tigos manufaturados, e a 25% os direitos sobre os produtos agrícolas) e sua
"revisão", em 1910. Na Espanha, a tarifa de 1877 já traz consigo direitos
elevados sobre os produtos industriais. Merece menção especial a tarifa de
1906, que contém um aumento geral dos direitos. Nos Estados Unidos,
pais clássico dos trustes e da política aduaneira moderna, os traços caracte­
rísticos do protecionismo são particularmente acentuadas. Provocado pelos
trustes, o aumento dos direitos alfandegãrios data de 1883, e alcança 40%
do valor das mercadorias afetadas; em 1887, atinge 47,11%; em 1890 (bill
Mac Kinley), há novo aumento: 91% sobre os tecidos de lã (e até 150% so­
bre as qualidades finas); 40 a 80% sobre os metais importados etc.” Vêm,
a seguir, o Dingley Bill (1897) e, como manifestação mais nítida da tendên­
cia altista, o Payne-Tan] de 1909. Cidadela do livre-câmbio, a Inglaterra

2”Não se deve esquecer que quando falamos de politica etc. dos paises queremos referir-nos à politica
dos governos e das forças sodais bem definidas, sobre as quals tals governos se apóiam. Infelizmente,
ainda é necessário recordar isso, nos dias de hoje, dado que "o ponto de vista nacional estatal que, sob
o ângulo da ciência. é absolutamente inconsistente", é o mesmo de homens do gênero de Plekhanov e
companhia. r
T' ISSAIEV. L'Economte Mondlale. p. 115-116. Seja dlto, de passagem, que as "explicações" do Prof.
Issatev não deixam de ser curiosas. A elevação das tarifas, de 1862 a 1864, explica-se, por exemplo, pe­
las "inclinações proteclonlstas dos homens que admlnlstravam as finanças americanas". Textual! (p.
114-115). Ver igualmente GRUNZEL. Op. clt.
70 A ECONOMIA MUNDIALE O PROCESSO DE NACIONALIMÇÃO DO CAPITAL

atravessa um período de transformação. Tomam-se cada vez mais altas e


imperiosas as vozes que exigem a "reforma aduaneira", a substituição
r
do
free-trade (livre-câmbio) pelo fair-trade (justo câmbio), isto e, pelo sistema
protecionista (ver, por exemplo, a atividade de Chamberlain, a Imperial Fe­
deration League e a United Empire League etc.). O sistema das tarifas pre­
ferenciais entre o monopólio e as colônias realiza, em parte, essas aspira­
ções. O Canadá estabelece, a partir de 1898, com a metrópole, tarifas de na­
ção favorecida; em 1900 e 1906, essas tarifas são revistas e "melhoradas".
Hoje, esse favor representa 10 a 50% em relação às taxas que gravam os
produtos estrangeiros. O exemplo do Canadá é seguido, em 1909, pelas
colônias da África do Sul (de 6,25 a 25%); em 1903 e 1907, a Nova Zelân­
dia adere a essa medida, seguida, em 1907, pela União das Colônias Aus­
Ualianas (5 a 10%). Nas conferências imperiais (isto é, nas conferências de
representantes das colônias do Governo britânico), a nota protecionista faz­
se ouvir cada vez mais nitidamente.

"Somente um pensador de segunda categoria poderia, hoje, manifestar-se


a favor do livre-câmbio e ser, ao mesmo tempo, otimista em relação à sorte
da Inglaterra",

raciocina, com fatuidade burguesa, o conhecido cientista Aschli, traduzindo


desse modo o estado de espírito das classes dominantes inglesas.2°
Sabe-se que a guerra veio pôr os pontos nos ii - e que a taxação
aduaneira tomou-se um fato consumado. Devemos, ainda, mencionar os
direitos aduaneiros extremamente elevados da Rússia.

"A partir de 1877". escreve M. Kurtchinsky, "uma nova tendência aparece


e marca cada vez mais a passagem a uma tarifa aduaneira elevada. que. a se­
guir. devia acentuar-se sempre mais. Essa elevação dos direitos aduaneiros de­
corre. em 1877. da decisão de impor esses direitos com base no padrão-ouro.
o que acarretou. de um golpe. sua majoração de aproximadamente 40%. Os
anos seguintes trouxeram novo aumento das taxas sobre urna séne de merca­
dorias. com um desenvolvimento sempre mais acentuado dos princípios prote­
cionistas. Em 1890. todos esses direitos tiveram majoração de 20"/u. Esse mo­
vimento iria culminar com a tarifa ultraprotecionisla de 1890. em virtude da
qual as taxas aduaneiras sobre uma série de mercadorias foram majoradas de
100 a 300%. e mesmo mais. em comparação com a tanla de 1868. A tarifa
aduaneira atual foi publicada em 1903. e sua entrada em vigor data de 16 de
fevereiro de 1906. Corn ela. muitas taxas são novamente majoradasÍz"

z*ASCHLI, W. J. "La Conference Impériale Britannlque de 1907". ln: Revue Économique lntemationa­
le. 1907. t. IV, p. 477.
2° Acréscimos de Kurtchlnsky à brochura, já citada, do Prof. Eberg, p. 411. Mesmo o Sr. Kunchlnsky
afirma que a majoração dos direitos alfandeganos sobre os artigos manufaturados alemães "foi pouco
vantajosa para a economia nacional russa" (p. 412). Não confunde, pois, "economias" com "emprega­
dores". Aviso aos que, "no final de seus dias, relazem sua educação".
A ESTRUTURA INTERNA DAS ECONOMIAS NACIONAIS E POLÍTICA ALFANDEGÁRlA 71

Está assim fora de qualquer dúvida a existência de uma tendência ge­


ral à defesa das "economias nacionais", por meio de altas barreiras alfande­
gárias. O fato de serem possíveis, em outras circunstâncias, redução dos di­
reitos aduaneiros e concessões recíprocas nos tratados comerciais não con­
tradiz essa tendência. São apenas exceções, paradas temporárias, um armis­
tício numa guerra incessante. Não contrariam a tendência geral, dado que
esta última não constitui um simples fato empírico, um fenômeno acidental
sem significação essencial para as relações modernas. Bem ao contrário, a
estrutura do novo capitalismo põe em destaque precisamente essa forma
de política econômica. Surge com ela, e com ela desaparecerá.
O grande papel econômico que desempenham hoje os direitos alfan­
degários conduz a uma política agressiva do "capitalismo" moderno. As ta­
xas aduaneiras beneficiam os monopólios com urna mais-valia que lhes ser­
ve de prêmio de exportação na luta pelos mercados (dumping). Essa mais­
valia pode crescer de duas maneiras: em primeiro lugar, por meio de um es­
coamento intemo mais intenso, dentro de um mesmo território nacional.
Em segundo lugar, por meio do alargamento deste último. No que se refe­
re ao primeiro instrumento, o problema fundamental está na capacidade
de absorção do mercado interno. É difícilconceber a grande burguesia em­
penhada em aumentar o quinhão da classe operária e em escapar assim
das dificuldades à sua própria custa. Atilada no domínio dos negócios, ela
prefere agir de outro modo, ampliando o território econômico. Quanto me­
nos restrito é esse território, tanto mais elevado é o lucro suplementar, em
igualdade de condições; tanto mais fáceis são o pagamento de prêmios de
exportação e a prática do dumping, e tanto mais importante é o escoamen­
to para o mercado exterior e mais elevada a taxa de lucro. Admitamos que
a parte das mercadorias exportadas seja extremamente grande em relação
ao escoamento interno: é então impossível, mediante preços de monopólio
no mercado interno, compensar as perdas provocadas pelo aviltamento
dos preços no mercado exterior. Assim, o dumpíng perde sua razão de ser.
Em compensação, um “justo" meio-termo entre o escoamento exterior e
escoamento interno permite retirar o máximo de lucro. lsso só é possivel,
entretanto, se o mercado se mantiver dentro de certos limites que, median­
te igual volume de demanda, são determinados pelas dimensões do territó­
rio abrangido pelos limites aduaneiros, e, em conseqüência, pelas fronteiras
nacionaisJSe antigamente, na época do livre-câmbio, era suficiente introdu­
zir as mercadorias nos mercados exteriores - e essa operação econômica
bastava para dar satisfação aos capitalistas do país exportador - hoje os
interesses do capital financeiro exigem, antes de tudo, a expansão do terri­
tório nacional, isto é: ditam uma política de conquista, de pressão direta da
força militar, de anexação imperialista. É evidente, entretanto, que ali onde
o antigo sistema liberal de livre-câmbio pôde, em grande parte, manter-se,
72 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE NACIONALIZAÇÀO DO CAPITAL

em conseqüência de condições históricas particulares. e onde, por outro la­


do, o território nacional é suficientemente vasto, assiste-se. paralelamente à
politica de conquista, ao surgimento de uma tendência a agrupar as partes
dispersas do corpo nacional, a operar a fusão das colônias e da metrópole
e a formar um “imperio" econômico único, envolvido por uma barreira al­
fandegária comum. E o caso do imperialismo inglês. E todas as discussões
sobre a organização de uma união aduaneira dos países da Europa central
têm em vista apenas a criação de um vasto território econômico, capaz de
fomecer-lhesos meios de um monopólio visando à concorrência no merca­
do exterior. E esse, na realidade, o fruto dos interesses e da ideologia do ca­
pital financeiro: infiltrando-se em todos os poros da economia mundial_ ele
cria, ao mesmo tempo, urna tendência violenta ao isolamento dos corpos
nacionais e à formação, como instrumento de consolidação de seu mono­
pólio, de um sistema econômico capaz de bastar a si mesmo. Assim, parale­
lamente à internacionalização da economia e do capital, opera-se um pro­
cesso de aglutinação nacional, de nacionalização do capital - processo pre­
nhe de conseqüências.”
Esse processo de nacionalização do capital _ isto é, a criação de cor­
pos econômicos homogêneos, encerrados nas fronteiras nacionais e refratá­
rios uns aos outros - é igualmente estimulado pelas transformações ocor­
rentes nas três grandes esferas da economia mundial: a esfera dos merca:
dos, a esfera das matérias-primas e a esfera de investimento de capitais. E
a partir daí, seguindo esses três eixos de apreciação, que devemos analisar
as mudanças operadas nas condições de reprodução do capital mundial.

3° Quando falamos de capital nacional, de economia nacional etc. não temos em mente o elemento na­
cional, no sentido próprio da palavra, e slm, em todas as situações, o elemento territorial nacional da vi­
da económica.
CAPÍTULO V

Mercado Mundial e Modificações das Condições de Escoamento

1. Produção maciça e expansão além das fronteiras nacionais. - 2. Forma­


ção dos preços no intercâmbio entre países de estrutura econômica diferente
e formação do superlucro. - 3. Política colonial das grandes potências e divi­
são do mundo. - 4. Política aduaneira das potências e mercados. - 5. Agra­
vamento da concorrência no mercado mundial e expansão capitalista.

Todo capitalismo nacional revela uma tendência constante a estender­


se, a alargar seu poderio, a sair dos limites das fronteiras nacionais. Isso de­
corre da própria essência da estrutura capitalista da sociedade.

"As condições de exploração do trabalho e de sua tradução em valor (isto


é, em mais-valia) não são as mesmas e diferem não apenas no que se relacio­
na ao tempo e ao lugar, mas também em si mesmas. Umas se acham conti­
das tão-somente pelo vigor produtivo da sociedade; outras, pela importância
relativa dos diferentes ramos da produção e pelo poder de consumo da gran­
de massa. No que concerne a este último, cabe destacar que não depende do
que a sociedade pode produzir e consumir, mas da distribuição da riqueza,
que tende a reduzir a um minimo, variável dentro de limites mais ou menos
estreitos, o consumo da grande massa da população. Ele é limitado, além dis­
so, pela exigência de acumulação, de ampliação do capital e de obtenção de
quantidades sempre maiores de mais-valia. Obedece, assim, a uma lei cujas
origens são as revoluções constantes operadas nos métodos de produção e a
depreciação constante do capital, que é sua conseqüência; a concorrência ge­
ral e, sob a ameaça de ruína e visando à sua própria conservação, a necessida­
de de aperfeiçoar e ampliar continuamente a produção. Desse modo a socie­
dade capitalista deve, incessantemente, ampliar seus mercados.”

' MARX, Karl. Le Capital. t. IV, p. 267. Trad. Julian Borchardt e Hlppolyte Vanderrydt.

73
74 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE NACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

Não se deve, porém, compreender essa lei de produção em massa ­


que é também, ao mesmo tempo, uma lei de reprodução em massa - no
sentido de que a expansão além das fronteiras nacionais constitui uma ne­
cessidade absoluta: essa necessidade cria-se no processo de formação do
lucro, e a taxa de lucro constitui o princípio regulador de toda a circulação,
Sabe-se que a taxa de lucro depende da massa de mercadorias e do lucro
auferido em cada unidade - e que este último é, por sua vez, igual ao pre­
ço de venda menos os gastos de produção. Se designarrnos a massa de
mercadorias por M, o preço da unidade por P, e os custos de produção por
D, o montante do lucro exprimir-se-á segundo a fórmula: M (P - D).
Quanto menos elevados forem os gastos de produção, tanto mais aumenta­
rá o lucro por unidade de mercadoria e tanto mais crescerá, por umescoa­
mento regular ou crescente, o montante do lucro. Ora, os gastos de produ­
ção são tanto menos altos quanto mais considerável é a massa de mercado­
rias lançada no mercado. O melhoramento da técnica, o desenvolvimento
das forças produtivas e, por conseguinte, o crescimento da massa do produ­
to manufaturado - eis o que reduz os gastos de produção. Tomam-se por
isso muito compreensíveis as vendas a baixo preço no exterior. Mesmo
que, na concorrência, não se aufira nenhum lucro e se vendam as mercado­
rias ao preço de custo - o lucro global cresce em conseqüência da redu­
ção dos gastos de produção (não falamos, aqui, das vendas com prejuízo,
realizadas segundo "objetivos" estratégicos - ou seja, visando ã conquista
de um mercado e ao esmagamento do concorrente). Na fórmula geral M
(P - D), o valor dos gastos de produção já não será seu valor correspon­
dente ã massa do produto M, e sim, um valor sensivelmente inferior, que
corresponde à quantidade (M + E), onde E representa o montante da mer­
cadoria exportada. Assim, a circulação do lucro lança as mercadorias para
fora das fronteiras nacionais. O mesmo princípio regulador do capitalismo
- a taxa de lucro - exprime, entretanto, seus efeitos ainda de outra ma­
neira. Queremos aludir aqui ao superlucro obtido no intercâmbio entre paí­
ses de estruturas económicas diferentes.
Esse processo de formação de lucro suplementar torna-se evidente
desde a época do capital comercial.

"Desde o momento em que passa a assegurar a troca de mercadorias de


comunidades pouco desenvolvidas, o capital comercial realiza", diz Marx,
"não apenas na aparência e sim, quase sempre, de maneira efetiva, lucros
exageradas e manchados de fraude. Não se limita a explorar a diferença entre
os custos de produção dos diferentes paises - no que impeIe ã fixação e à
igualação dos valores de mercadorias - mas ainda apropria-se da maior par­
te da mais-valia. Chega a esse resultado servindo-se da condição de interme­
diário entre comunidades que produzem, antes de tudo, valores de uso, para
as quais a venda e o valor desses produtos têm importância secundária, ou es­
MERCADO MUNDIAL E MODIFICAÇÕES DAS CONDIÇÕES DE ESCOAMENTO 75

tabelecendo transações com senhores de escravos, senhores feudais e gover­


nos despóticos, que representam a riqueza para gozo pessoal.”

Os "lucros exagerados" e a "fraude" puderam desempenhar papel


tão considerável porque o próprio processo de troca constituía um proces­
so irregular, um processo necessário de "troca material", numa sociedade
em que a divisão mundial do trabalho constituía uma realidade; e porque,
em maior ou menor medida, esse processo representa um fenômeno aci­
dental. Quanto ao lucro suplementar, é obtido desde que o intercâmbio in­
ternacional se transfomre em elemento regular e transitório de reprodução
do capital mundial. Marx elucidou muito bem a natureza econômica desse
superlucro.

"O comércio internacional", diz ele, "traz um lucro cuja taxa é mais eleva­
da porque oferece mercadorias a países menos avançados do ponto de vista
do processo de fabricação; e porque pode vendê-las acima de seu valor, em­
bora a preços inferiores ao seu. O trabalho dos países avançados apresenta­
se, nesse caso, como um trabalho de peso específico mais alto, e é estimado
como trabalho de qualidade superior, ainda que não seja pago como tal: daí,
necessariamente, uma elevação da taxa de lucro. O que não impede que o
produto seja fornecido ao país para o qual é exportado, a um preço inferior
àquele pelo qual esse país poderia produzi-lo, já que a quantidade de traba­
lho nele introduzida pelo país exportador é muito menor que a que lhe seria
consagrada pelo país menos desenvolvido. Da mesma forma, ao aplicar uma
_novainvenção, um fabricante pode aproveitar-se, enquanto ela não se gene­
ralizar, da produtividade específica mais alta do trabalho que realizou, e aufe­
rir, assim, um lucro suplementarR vendendo suas mercadorias menos caro
que seus concorrentes, embora a um preço que ultrapassa sensivelmente seu
valor. Por outro lado, os capitais investidos nas colônias trazem lucros de taxa
mais elevada, pois, no plano econômico, essa é a regra nos países pouco de­
senvolvidos, nos quais se fazem trabalhar escravos e coolies e se explora o tra­
balho com dureza muito maior. Sob um regime de livre concorrência, nada se
opõe - a menos que certos monopólios façam sentir sua influência- a que
essas taxas mais elevadas contribuam para certa majoração da taxa geral de
lucro."

Marx dá-nos aqui uma explicação teórica do superlucro segundo a teo­


ria do valor do trabalho. O lucro suplementar é apresentado sob a visão de
que, como regra geral, o valor social do produto (por "sociedade" é evi­
dente que se entende o conjunto do capitalismo mundial, compreendido
como um todo único) é superior ao valor individual do produto (por "indi­

ZMARX, Karl. Op. cil., t. lV, p. 364.


3 Grifo nosso.
'1MARX, Karl. Op. cit., t. lV, p. 253-255.
76 A ECONOMIA MUNDIAL E 0 PROCESSO DE NACIONALIZAÇÁO DO CAPITAL

viduo" deve entender-se, evidentemente, a "economia nacional"'). Marx,


inclusive, prevê e explica que certa fixação do lucro majorado pode produ­
zir-se por meio do domínio dos monopólios sobre um ramo determinado,
o que, em nossa época, reveste-se de uma importância particular.
Assim, não é a impossibilidade de desdobrar uma atividade no país, e
sim a busca de uma taxa de lucro mais elevada que constitui a força motriz
do capitalismo. A “pletora capitalista" moderna, inclusive, não significa um
limite absoluto. Uma taxa de lucro mais baixa expulsa mercadorias e capi­
tais para longe de seu "pais de origem". Esse processo efetua-se, simulta­
neamente, nos diferentes elos da economia mundial. Em seu interior, cho­
cam-se, como concorrentes, os capitalistas das diferentes economias nacio­
nais. E quanto menos enfraquecido é o desenvolvimento das forças produti­
vas do capitalismo mundial, quanto menos refreada é a expansão do co­
mércio exterior, tanto mais aguda se apresenta a luta no domínio da con­
corrência. Nesse dominio, sobrevieram, no decorrer desses últimos decê­
nios, mudanças quantitativas tais que elas revestiram qualitativamente nova
definição.
Essas mudanças provêm de dois lados, por assim dizer, opostos. Em
primeiro lugar, agrava-se ao extremo o processo de produção em massa:
em outras palavras, cresce a massa de mercadorias que buscam saida para
o exterior, fenômeno inerente, ern larga medida, ao período mais recente.
Em segundo lugar, os mercados livres, isto é, os que ainda não foram
açambarcados pelas "grandes potências" monopolistas, reduzem-se cada
vez mais. Impelidas pelas necessidades do capital nacional, essas grandes
potências apoderam-se rapidamente dos mercados livres, e, a partir de
1870/80, sucedem-se ininterruptamente as “aquisições territoriais". Basta­
ria enumerar resumidamente os resultados dessa "política colonial", trans­
formada em idéia fixa de todos os Estados capitalistas modernos.
A Inglaterra, dona de um império imenso, conseguiu anexar, a partir
de 1870, urna série de novas regiões: na Ásia, o Beluquistão, a Birmânia, a
ilha de Chipre, Wei-Hai-Wei, Hong Kong; ampliou os Straits Settlements,
estabeleceu seu protetorado sobre o Kuwait (1899), a península do Sinai
etc. Na Oceania, anexou algumas ilhas, principalmente a pane norte de
Boméu, o sudeste da Nova Guiné, grande parte dos arquipélagos Salomão
e Tonga. Na África, onde, como se sabe, foram particularmente ãsperas a
concorrência e as conquistas, a Inglaterra pôs a mão sobre o Egito, o Su­
dão egípcio (incluindo Qganda), a África oriental inglesa, a Somália inglesa,
Zanzibar e Pemba. Na Africa do Sul, apoderou-se das duas Repúblicas dos
Bôeres, da Rodésia e da Colônia do Cabo. Na África ocidental, ampliou
suas antigas colônias e ocupou a NigériaÉ' Tais foram as "vitórias" da lngla­
terra.

“SCHILDER, S. Op. cir., p. 147 et seqs,


MERCADO MUNDIAL E MODIFICAÇÕES DAS CONDIÇÕES DE ESCOAMENTO 77

A França operou com sucesso nada menor. "A partir de 1870", escre­
ve um imperialista francês, "assistimos a uma verdadeira ressurreição colo­
nial. A lll República submete o Anam a seu protetorado, faz a conquista de
Tonquim, anexa o Laos, estende o protetorado francês ã Tunísia e às Co­
mores, ocupa Madagascar, aumenta desmesuradamente suas possessões
do Saara, do Sudão, da Guiné, da Costa do Martim, do Daomé, das costas
da Somália, e funda a nova França, que vai do Oceano Atlântico e do Con­
go ao lago Chade.” No ñm do século XIX, a superficie das colônias france­
sas era 19 vezes superior à da própria França.
O imperialismo alemão intervém mais tardiamente: faz, entretanto, o
que pode para recuperar o tempo perdido. A política colonial da Alemanha
data de 1884. lnicia-se com a conquista do sudoeste africano, do Cama­
rões, do Togo, da África oriental alemã; com a "aquisição" da Nova Guiné
e de uma série de ilhas (Terra do imperador Guilherme, arquipélago Bismarck,
ilhas Carolinas, ilhas Marianas etc.). A seguir é a conquista, em 1897, de Kiao­
Tcheou e a preparação de uma exploração sem freios da Turquia e da Ásia Me­
nor. Toda essa "evolução" realiza-seem ritmo verüginosoÍ
No que tange à política colonial russa, recordaremos ao leitor a con­
quista da Asia Menor, a política manchu e mongol e, nestes últimos tempos,
a política persa da Rússia, encaminhada, como se sabe, com o concurso da
Inglaterra (o herói dessa politica é o coronel Liakhov).3
O mesmo sucede com a politica dos países situados fora da Europa,
entre os quais ocupam o primeiro lugar os Estados Unidos e o Japão.
Em seguida à partilha das regiões não ocupadas e, em grande parte,
dos mercados livres, a concorrência mundial entre os grupos capitalistas
"nacionais" devia fatalmente agravar-se ao extremo. O quadro na página
seguinte dá uma idéia da atual repartição dos territórios e dos habitantes.
As grandes potências adquirem assim, no periodo que vai de 1876 a
1914, cerca de 25 milhões de quilômetros quadrados, 2,5 vezes a superfí­
cie da Europa. O mundo acha-se quase inteiramente dividido entre os “se­
nhores" das grandes potências. Compreende-se, nessas condições, que a
concorrência assuma gravidade excepcional e que os impulsos da expan­
são capitalista, nos paises ainda não ocupados, aumentem na mesma medi­
da em que crescem as possibilidades de guerra entre as grandes potências
capitalistas?

° GAFFAREL, Paul. Histoire de !Expansion Coloniaie de la France Depuis 1870 Jusqu'en 1915.
(Preámbulo). _
7 KÕWlG, B. von. "Le Développement Commercial, Economique et Financier des Colonies Alleman­
des". ln: Revue Écon. Int. 1907. v. 4, p. 130 et seqs.
5Ver POKROVSKY, M. N. La Polltique Exténeure de Ia Rusie à la Fin du XIX' Siécle. Fascículo 35.
° Todos os conflitos internacionais que se produziram desde 1871 podem ser imputados à política colo­
nial. Ver PRlDA, Joaquim Fernandez. Historia de los Conflitos lntemationales del Siglo XIX. Barcelona,
1901. p. 118 et seqs. Se a politica expansionista visa, em primeiro plano, às regiões ainda não ocupa­
das. isso se deve tão-somente a que a burguesia segue a linha do menor esforço.
78 A ECONOMIA MUNDIAL E O PROCESSO DE NACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL

Superfície
Superfície das colônias das TOM¡
metrópoles
Grandes
paramos 1876 1914 1914 1914
km” habit. km2 habit. km2 habit. km2 habtt.

em milhões em milhões em milhões em milhões

¡TIQlaterra 22,5 251,9 33,5 393,5 0,3 45,5 33,8 440


Rússia 17 15,9 17,4 33,2 5,4136,2 22,8 169.4
França 0,9 5 10,6 55,5 0,5 39,6 11,1 95.1
Alemanha - - 2,9 12,3 0,5 64,9 3,4 77.2
EstadosUnidos - - 0,3 9,7 9,4 97 9.7 106,7.
Japão - _ 0,3 19,2 0,4 53 0,7 72,2

Total para as 6 grandes


potências 40,4 273,8 65 523,4 16,5 437,2 81,5 960,6
Colônias pertencentes
aos pequenos Estados
(Bélgica,Holandaetc.) - - 9,9 45,3 - - 9,9 45,3
Três semicolônias (Tur­
quia,Pérsia,China) - _ _ _ _ _ 14_5 361,2

T0131 ~ - - - - - 105,9 1367,1


Outrospaíses - - _ _ _ _. 28 289,9
Total mundial 133,9 l 657'

' Tomamos esse quadro da obra, publicada recentemente, do camarada V. Iline.

Ora, essas possibilidades multiplicaram-se ainda em conseqüência das


tarifas aduaneíras. Estas constituem a barreira contra a qual se choca a im­
portação de mercadorias - e só há um meio de eliminar essa barreira: a
violência, o emprego da força. Por vezes, como medida preliminar, recor­
re-se às guerras aduaneiras, isto é, ao aumento das taxas de alfândega: re­
presálias aduaneiras visando a arrancar concessçes. Guerras aduaneiras
desse tipo foram realizadas, especialmente, pela Austria-Hungria, contra a
Romênia (1886/90), a Sérvia (1906/11), o Montenegro (1908/11); pela
Alemanha, contra a Rússia (1893/94), a Espanha (1894/99) e o Canadá
(1903/10); pela França, contra a Itália (1888/92) e a Suíça (1893/95) etc.
Os mercados não ocupados tão logo "repartidos" são incorporados às fron­
teiras alfandegánas. Daí decorre que a concorrência se toma mais áspera e
as diferentes políticas aduaneiras das potências entrechocam-se ainda mais
MERCADO MUNDIAL E MODIFICAÇÕES DAS CONDIÇÕES DE ESCOAMENTO 79

violentamente. Ora, as guerras aduaneiras não passam de sondagens. Em


última instância, o antagonismo decide-se segundo a correlação das "for­
ças reais": ou, em outras palavras, pela força das armas. Assim a corrida
aos mercados impele fatalmente aos conflitos entre grupos nacionais do ca­
pital. O prodigioso desenvolvimento das forças produtivas e o extremo es­
treitamento dos mercados livres, no curso dos últimos tempos; a política
aduaneira das potências, ligada à hegemonia do capital financeiro; e o agra­
vamento das dificuldades, no tocante à realização dos valores mercantis,
criam uma situação onde a última palavra toca à técnica militar.
Aqui se revelam as contradições do desenvolvimento capitalista anali­
sadas por Marx. O crescimento das forças produtivas entra em conflito com
o modo antagônico de repartição e com a desproporção da produção capi­
talista - donde a origem da expansão capitalista. Por outro lado, o traba­
lho coletivo entra em conflito com o sistema privado de organização econô­
mica da produção capitalista, o que se expressa na concorrência entre capi­
talismos nacionais. As condições de equilibrio e de desenvolvimento metó­
dico de todas as peças do mecanismo social estão ausentes - e a vida eco­
nômica guarda, em relação a elas, no curso dos últimos tempos, uma dis­
tância particular. Isso explica o surgimento de crises extremamente violentas.
CAPÍTULO XII

"Necessidade" do imperialismo e do Super-imperialismo

1. Concepção da necessidade histórica. Necessidade histórica e marxismo


prático. "Necessidade" histórica do imperialismo - 2. Questão econômica
do superimperialismo (acordo entre os trustes capitalistas nacionais). Possibili~
dade econômica abstrata de um truste universal. - 3. Prognósticos concre­
tos. Condições econômicas para a formação dos monopólios e sua solidez. ln­
temacionalização e nacionalização dos interesses capitalistas. Importância da
política imperialista para aburguesia. - 4. A vitória sobre o imperialismo e a
condição para a possibilidade dessa vitória.

Tudo compreender é tudo perdoar, diz um ditado francês. Entretanto_


um ditado não exprime obrigatoriamente uma idéia concreta. Nesse caso,
estamos diante de um “juízo" manifestamente equivocado. De fato, corn­
prender uma coisa é estabelecer uma relação de causa e efeito entre ela e
várias outras coisas. Disso não decorre, entretanto, no mínimo que seja,
que se tome necessário justificar a coisa compreendida. Se assim fosse, tu­
do o que, na linguagem dos "moralistas", se chama "mal" ficaria para sem­
pre restrito à razão do homem e não deveria ser compreendido. Na realida­
de, não é assim que as coisas se passam. Só podemos julgar algo, ou seja,
classifica-lo como positivo ou negativo, depois de tê-lo compreendido. Por
conseguinte, mesmo quando não temos absolutamente a intenção de “per­
doar", devemos antes de tudo “compreender". Essa verdade elementar
aplica-se igualmente aos acontecimentos históricos. Compreender um acon­
tecimento histórico é concebe-lo como efeito de uma ou mais causas históri­
cas, é compreende-lo não como um valor "acidental" que nada condicio­
na, mas como um valor que decorre necessariamente de um conjunto de
condições determinadas. O elemento de causalidade é igualmente um ele­
mento de necessidade ("necessidade causal"). O marxismo ensina que o
125
126 O FUTURO DA ECONOMIA MUNDIAL E O lMPERlALlSMO

processo histórico, e, por conseguinte, cada elo da cadeia histórica dos


acontecimentos, é um valor "necessário". Interpretar isso como um fatalis­
mo histórico seria um absurdo, pela simples razão de que os acontecimen­
tos históricos não se realizam ã margem dos homens, mas segundo sua
vontade, pela luta de classes, se nos encontramos numa sociedade de clas­
ses. A vontade das classes é em cada caso determinada por uma situação
concreta; nesse sentido ela não é, de forma alguma, "livre". Não obstante,
constitui, por sua vez, um fator determinante do processo histórico. Se dei­
xarmos de ter em conta os atos dos indivíduos, a luta de classes etc., supri­
remos igualmente todo o processo histórico. O "marxismo" fatalista sem­
pre foi uma caricatura burguesa da doutrina de Marx, caricatura imaginada
precisamente pelos teóricos burgueses como o mais cômodo meio de “ven­
cer o marxismo". Conhece-se o Sofisma, largamente divulgado, segundo o
qual os marxistas que anunciam a chegada inelutãvel do regime pós-capita­
lista fazem pensar num partido que lutasse por provocar um eclipse lunar.
Por outro lado, entretanto, esse "marxismo" que enaltece o presente como
algo absoluto, e que sugere a esse presente um limite que não devggser ul­
tra _assadg, foi sempre o manto com que gostam de se cobrir”'ós panegiris­
'Tas da burguesia, desejosos de encontrar uma fórmula "rigorosamente cien­
tífica" para suas aspirações. "Tudo o que é real é sábio", eis a máxima de
Hegel, mais de uma vez utilizada por eles para tentarem justificar seus fins.
Enquanto, para Marx, a "sabedoria de tudo o que é real" representava uni­
camente uma relação causal entre o presente e o passado - relação cujo
conhecimento constituía o ponto de partida para eliminar na prática o "real"
-, para os panegiristas da burguesia, ao contrário, essa "sabedoria" servia
à justificação e ã perpetuação desse "real".' _
Die Geschichte hat immer Recht ("A história sempre tem razão"). E as­
sim que o "marxista" Heinrich Kunow motiva sua idéia fixa do imperialis­
mo;2 qualquer que seja, a idéia de vencê-lo é simplesmente “ilusória": a sis_­
tematização dessa idéia equivale a "cultivar a ilusão" (lllusionenkultus). E
evidente que não existe interpretação mais banal do marxismo. Marx con­
testou muito bem a Kunow em sua resposta ao enconomista burguês Berk:

"As leis do comércio", escreveu este último, "são leis naturais e, portanto,
leis de Deus".

“Nestes tempos de sórdida pusilanimidade e de crença fetichista nas 'leis do

' A respeito da "escola histórica", Marx observa maliciosamente em um de seus trabalhos que a histó­
ria aponta apenas seu a posteriorl', como o fizera Jeová a Moisés. líssa observação fere, em cheio. os re­
negados atuais do mandsmo.
2 Ver KUNOW, Heinrich. Partei-Zusammenbruch? Ein offenes Won zum inneren Parteistreir. Berlim.
1915.
"NECESSIDADE" DO lMPERlALlSMO E DO SUPERIMPERIALISMO 127

comércio', vemo-nos, novamente, na obrigação de estigmatizar todos os


Berk CUJOtalento apenas os distingue de seus discípulos.”

Ora, se a realidade histórica pode ser diversamente apreciada, o que.


pois, define a "prática", onde se situam os marcos do acessivel? Para res­
ponder, de forma completa, a essas questões. suponhamos duas eventuali­
dades extremas. Admitamos inicialmente que nos encontramos frente a um
proletariado fracamente desenvolvido, num país que apenas se engaja no
caminho da evolução capitalista. As classes sociais estão ainda num estágio
em que constituem tão-somente uma massa inorganizada. O próprio prole­
tariado não se transformou ainda, segundo a expressão de Marx, numa
"classe para si". O desenvolvimento económico é tão fraco que faltam as
condições objetivas para a organização da economia em escala social. Po­
de-se afirmar, de antemão, que as condições necessárias que permitem
vencer as contradições capitalistas não existem. Embora reconhecendo, em
princípio, o caráter condicional do capitalismo, os marxistas sustentam que
- íáí-:quenão é possível desviar a evolução social da via capitalista, e levan­
do-se em consideração precisamente que a evolução seguirá esse caminho
- toma-se obrigatório organizar suas forças a fim de atacar ativamente o
capitalismo no futuro, utilizando no presente o caráter relativamente pro­
gressista deste último, lutando contra as sobrevivências feudais que entra­
vam o progresso social etc. Em conseqüência, as fases decisivas para a defi­
nição dos princípios da "prática" são duas: em primeiro lugar, a “aprecia­
ção das condições objetivas", quer dizer, a análise do grau de desenvolvi­
mento econômico; em segundo lugar, a apreciação da influência na socie­
dade da própria força de progresso social, o que, evidentemente, se relacio­
na com a primeira fase. No estado de coisas imaginado acima, os marxistas
falam da necessidade do capitalismo, inclusive no sentido da relativa impos­
sibilidade de vencê-lo.
Suponhamos agora que nos defrontamos com um organismo capitalis­
ta altamente desenvolvido, possibilitando obter um desenvolvimento metó­
dico da produção social; por outro lado, a correlação de forças de classes é
tal que urna importante parte da população pertence à classe mais progres­
sista. Nesse caso, seria absurdo querer considerar o capitalismo como um
estágio "necessário" da evolução. (Assim falando, não se pretende, eviden­
temente, dizer que o capitalismo numa situação determinada seja o produ­
to da evolução histórica: "necessidade" é, aqui, sinônimo de impossibilida­
de de vencer. l"

3 MARX, Karl. Le Capital.


“ Vimos que, para os marxistas, não existe impossibilidade absoluta de vencer. Quando_ porém, existe
impossibilidade relativa de vencer (como, por exemplo, o capitalismo do inicio de seu desenvolvimen­
to), os marxistas não se atribuem, de forma alguma, a missão sagrada de "implanta-lo" ou de “ir à es­
cola do capitalismo". Deixam esse cuidado aos senhores Struve e tutti quanri. Os marxistas tem outra
coisa a fazer.
128 O FUTURO DA ECONOMIA MUNDIAL E O IMPERIALISMO

Se abordarrnos agora a necessidade (impossibilidade de vencer) do im­


perialismo, descobriremos imediatamente que não há razão de falar, nesse
senñdo, de sua necessidade. Bem ao contrário. O imperialismo é a política
do capitalismo financeiro, quer dizer, do capitalismo altamente desenvolvi­
do, o que supõe certa maturidade - no caso, muito importante - da orga­
nização produtiva. Em outras palavras, a politica imperialista, pelo fato mes­
mo de sua existência, atesta que já surgiram as condições objetivas de uma
nova forma sócio-econômica - e que, por conseguinte, toda discussão so­
bre a "necessidade" do imperialismo, como termo da prática, é liberalis­
mo, é semi-imperialismo. A questão da existência ulterior do capitalismo e
do imperalismo toma-se uma simples questão de correlação das forças so­
_ciais em luta, e nada mais.
É verdade que pode existir outro desvio oportunista, oposto, na apa­
rência, ao fatalismo fogosamente explorado na literatura por Karl Kautsky?
Constatando, com muita justeza, que a permanência do imperialismo de­
pende da correlação de forças sociais, Kautsky raciocina mais ou menos des­
ta maneira:

O imperialismo é um método bem definido da política capitalista; esta últi­


ma é possivel sem ações violentas, da mesma forma que o capitalismo pode
ser concebido com uma jornada de trabalho de 8 horas, e não de 10 ou 12.
No contexto do capitalismo, o proletariado opõe à tendência da burguesia ao
aumento da jornada de trabalho a tendência própria, de classe, à sua redu­
ção, da mesma forma como lhe é necessário opor ã tendência à violência bur­
guesa do imperialismo sua tendência pacífica de classe. Dessa fomia, sustenta
Kautsky, a questão pode ser resolvida no quadro do capitalismo.

Por radical que se apresente ã primeira vista, nem por isso essa teoria
deixa de ser essencialmente reformista. Mais tarde, analisaremos, em seus
pormenores, a possibilidade de um "capitalismo pacífico", à maneira de
KautskV "su P erim P erialismo"). No momento, limitar-nos-emos a uma ob­
jeção de ordem geral e formal, ou seja, que, pelo fato de ser o imperialis­
mo uma questão de correlação de forças, não se pode deduzir que ele de­
sapareça no contexto do regime capitalista, como foi o caso da jornada de
15 horas, dos salários anormais etc. Se a questão se resolvesse com tanta
sim licidade assaria a ser ossivel "tra ar a ers ectiva se uinte: sabe-se
p . p p _ _
q ue o ca P italismo P ressu P õe a a ro na ao da mars-valia elos ca P italistas.
Todo novo valor N decompõe-se em duas partes: N = V + m. Quantitati­
vamente considerada, essa repartição depende da correlação de forças so­

5 KAUTSKY, Karl. Nationalstaat, imperiallsticher Steat und Staatenbund; e artigos de Neue Zeir dos
anos 1914/15. Além disso, Kautsky se manlfeslava, muito antes, a favor do ponto de vista que se ex­
põe a seguir. Foi esta, por exemplo, sua atitude na questão do “desarmamentdÍ
"NECESSIDADE" DO lMPERlALlSMO E DO SUPERLMPERIALISMO 129

ciais (o antagonismo de interesses já foi definido por Ricardo). Por meio de


uma crescente resistência da classe operária, é possivel que V aumente em
detrimento de m, e que a totalidade de N se distribua numa proporção
mais favorável aos operários. Dado, porém, que o aumento progressivo da
parte correspondente ao proletariado é determinado pela correlação de for­
ças e que esse aumento não tem nenhum limite previamente fixado, ao re­
duzir a parte dos capitalistas a um simples salário, a classe operária “liqui­
da" o capitalismo, transformando os capitalistas em simples empregados
ou, no pior dos casos, em pensionistas da coletividade. Esse quadro ídilico
é, manisfestamente, uma utopia reformista. Ora, o "superimperialismo" de
Kautsky é igualmente utópico.
Não obstante, Kautsky e seus partidários pretendem que o próprio pro­
cesso de desenvolvimento econômico contribui para o crescimento dos fa­
tores em que o superimperialismo poderia apoiar-se. A interpenetração in­
ternacional do capital tende precisamente a suprimir a concorrência entre
os diferentes grupos capitalistas nacionais. Essa tendência “pacifica" é ain­
da reforçada por uma impulsão de baixo para cima. O imperialismo preda­
dor passa, desse modo, a dar lugar a um tranqüilo superimperialismo.
Examinemos a fundo essa questão. Em linguagem econômica, ela de­
ve ser colocada da seguinte maneira: como pode realizar-se o acordo (a fu­
são) dos trustes capitalistas nacionais? Tal pergunta explica-se porque, na
realidade, o imperialismo é apenas a expressão da concorrência entre trus­
tes nacionais. Desaparecida essa concorrência, desaparece, por sua vez, o
fundamento da politica do imperialismo. Opera-se um processo de conver­
são do capital - parcelado em grupos nacionais - em uma única organiza­
ção mundial, um truste universal, a que o proletariado internacional faz con­
trapeso.
Se se parte de um raciocinio teórico puramente abstrato, esse truste é
inteiramente concebível, dado que, de maneira geral, não há limite absolu­
to para a "cartelização". Pensamos, assim, que Hilferding tem toda a razão
quando afirma, em seu Capital Financeiro:

“Se alguém se pergunta onde se situam os limites da 'cartelização', vê-se na


obrigação de responder que esses limites não existem. O que se observa é, ao
contrário, sua tendência a estender-se continuamente. Os ramos autônomos
(...) caem sempre mais na dependência dos ramos 'cartelizados', que os ane­
xam definitivamente a seu conjunto. Esse processo deveria ter como resultante
a constituição de um cartel universal. Toda a produção capitalista nele passaria
a ser regulada racionalmente por melo de uma instância única que, em todas as
esferas, definiria o volume da produção. (...) Ter-se-ia uma sociedade ordena­
da racionalmente em bases antagônlcas. Esse antagonismo se verificaria no do­
minio da repartição. (...) A tendência à formação desse cartel universal e a ten­
130 O FUTURO DA ECONOMIA MUNDIAL E O lMPERlALlSMO

dência à formação de um banco central culminam num mesmo ponto, e sua


união cria a imensa potência concentrada do capital financeiro"?

Na realidade, entretanto, o reconhecimento dessa possibilidade econô­


_mica abstrata não significa que ela possa realizar-se. E é com razão que Hil­
ferding escreve em outro lugar:

"Um cartel universal, capaz de orientar a totalidade da produção e de supri­


mir assim as crises, seria economicamente possível: pode-se muito bem conce­
_be-lo economicamente. Social e politicamente, no entanto, esse empreendi­
mento é irrealizãvel, visto que o antagonismo de interesses_ que ele compeliria
ao extremo, conduziria forçosamente ã sua derrocada".7

Na verdade, razões de ordem politica e social opor-se-iam à própria


' formação desse 'truste universal. Vamos tentar demonstra-lo.
A condição necessária para a realização de um acordo mais ou menos
sólido seria uma aproximada igualdade de posições no mercado mundial.
Na .ausência dessa igualdade, o grupo que tem em suas mãos a posição
mais' favorável, no mercado internacional, não teria razões para ser partici­
pe do acordo. O melhor, para ele, seria o prosseguimento da luta, sob o ba­
fejo das justas esperanças que acalenta de vencer seu concorrente. E a re­
gra geral que preside à realização dos acordos. Aplicada aos trustes capitalis­
tas nacionais -.- pois é de seu acordo que se trata - ela tem o mesmo va­
lor que nos demais casos. Devem-se, entretanto, ter em conta duas condi­
ções de tipos diferentes.
Em primeiro lugar, a igualdade puramente econômica e, em conse­
qüência, a igualdade aproximada dos custos de produção. Essa igualdade
de custos de produção repousa, em última instância, sobre a igualdade dos
valores concernentes ao trabalho e, em conseqüência, sobre um nível mais
ou menos idêntico de desenvolvimento das forças produtivas. Se a diferen­
ça das estruturas econômicas é significativa e se, por conseguinte, hã desi­
gualdade de custos de produção, o truste capitalista nacional mais desenvol­
vido, dono da técnica mais avançada, não tem vantagem em participar do
acordo. Essa é a razão por que - se se tomarem para exemplo os acordos
estabelecidos entre certos ramos industriais- a indústria superionnente de­
senvolvida da Alemanha prefere, em suas principais subdivisões, trabalhar
isoladamente no mercado mundial. Evidentemente, ao tratar-se de um trus­
te capitalista nacional, leva-se em conta determinada média da totalidade
de seus ramos de produção. Nesse caso, não se devem ter por base os inte­
resses dos grupos capitalistas de tal ou qual ramo produtivo, e sim os inte­

° HlLFERDlNG, R. Op. cit., tradução mssa, p. 353-354.


7 HlLFERDlNG, R. Op. clt., p. 447.
"NECESSIDADF DO lMPERlAUSMO E DO SUPERIMPERMLISMLW 131

resses de um "conjunto industrial", onde. ademais. o tom será dado pelos


grandes capitalistas da grande indústria. cuja importância relativa está em
constante crescimento. Aos gastos de produção propriamente ditos acres­
centam-se ainda os gastos de transporte.
Ao lado dessa igualdade "puramente econômica". a igualdade econó­
mico-política é outra condição necessária ao estabelecimento de acordos
duráveis. Já vimos anteriomiente que a associação do capital com o Estado
se transforma em uma força econômica suplementar. O mais poderoso dos
Estados guarda em suas mãos os tratados comerciais mais vantajosos e es­
tabelece taxas alfandegárias elevadas, em detrimento de seus concorrentes.
Ajuda seu capital financeiro a ter o monopólio dos mercados, das áreas for­
necedoras de matérias-primas, sobretudo das esferas de investimento de ca­
pital. É natural, portanto, que, ao analisar as condições de luta no mercado
mundial, os trustes capitalistas nacionais não tenham em consideração ape­
nas condições puramente econômicas, mas também condições económico­
políticas. Por isso, mesmo admitindo-se a existência de estruturas econômi­
cas mais ou menos idênticas, se houver entre os trustes capitalistas nacio­
nais uma sensível diferença no tocante às forças militares, o mais forte terá
mais interesse em continuar a luta do que em participar de um acordo ou
de uma fusão. Se, desse ponto de vista, examinamos a situação das nações
em conflito, somos forçados a reconhecer que não se devem esperar, num
futuro mais ou menos próximo, acordos diversos ou uma fusão dos trustes
capitalistas nacionais e sua conversão em um único truste mundial. Bastaria
comparar a estrutura económica de países desenvolvidos como França, Ale­
manha, lnglaterra e Estados Unidos à de países como a Rússia (mesmo
sem abordar a categoria dos trustes capitalistas nacionais, estes últimos paí­
ses não deixam de ter certa importância no mercado mundial) para com­
preender quanto estamos longe de uma organização capitalista universal.”
O mesmo pode dizer-se das forças militares. Se (pelo menos até agora) a
guerra em curso revela uma aproximada igualdade entre os adversários,
não se deve esquecer que estamos em presença de uma combinação de
forças, a qual não constitui, de forma alguma, uma grandeza constante.
Convém não nos limitarrnos ao exame dessas considerações sobre a
unidade com base em relações estáticas: é necessário estuda-las principal­
mente sob o seu aspecto dinâmico. Os grupos nacionais u›n da burguesia ela­
boram seus planos com apoio não apenas no que e , mas também no
que, provavelmente, “será". Por isso mesmo, deve-se ter na maior conside­

9 Para evitar qualquer mal-entendido, constatamos que essa afirmação não contradiz, no que quer que
seja, nossa afirmação anterior, segundo a qual o desenvolvimento económico dos paises avançados
criou as "condições objetivas" para a organização social da produção. Sob esse ângulo. os paises adian­
tados acham-se a um nivel quase igual. Não há contradição entre as duas afirmativas, dado que os ter­
mos de comparação não são os mesmos.
132 O FUTURO DA ECGDMIA MUNDlALE O lMPERlALlSMO

ração a menor possibilidade de desenvolvimento desse gênero. que permi­


ta, ao fim de certo tempo, a qualquer dos grupos ultrapassar os demais_
mesmo admitindo-se que, no período corrente, tal grupo demonstre econô­
mica e politicamente a mesma força que seus concorrentes. Essa circunstân­
cia agrava ainda o estado de desequilíbrio existente.”
O processo de internacionalização dos interesses capitalistas. que des­
crevemos na Parte Primeira de nosso livro (participação e financiamento de
empresas estrangeiras. cartéis lntemacionais, trustes etc.) impele, seriamen­
te, à fomiação de um truste capitalista estatal de âmbito internacional. Seja
quai for seu vigor, esse processo é, entretanto, contrariado por uma tendên­
cia mais forte à nacionalização do capital e ao fechamento das fronteiras.
As vantagens que o grupo nacional da burguesia aufere da continuidade
da luta alcançam um valor muito mais alto do que as perdas que dela de­
correm. Não se deve, pois, superestimar a importância dos acordos indus­
triais internacionais hoje existentes. Já constatamos que muitos dentre eles
têm caráter dos mais precários, pois constituem organizações industriais de
tipo relativamente inferior, dotadas de uma centralização relativamente fra­
ca; e que, muitas vezes (como o sindicato dos fabricantes de garrafas), en­
globam ramos da produção muito especiais. Apenas as uniões efetuadas
nos ramos da produção apoiados num monopólio natural (o petróleo) têm
caráter relativamente estável. E verdade que a tendência à intemacionaliza­
ção predominará "no final das contas": isso só se dará, porém, depois de
um longo período de luta cruel entre os trustes capitalistas nacionais.
Seriam, entretanto, os custos dessa luta, isto é, as despesas militares,
tão pesados que a burguesia não tirasse nenhum proveito deles? Fatos _
como, por exemplo, a continuação da militarizaçãoda Inglaterra - não se­
riam talvez apenas uma "tolice" da burguesia, incapaz de compreender
seu interesse? Infelizmente não! A tolice pode ser um traço típico dos paci­
fistas ingênuos, mas não da burguesia. Esta sabe, com perfeição equilibrar
seu ativo e seu passivo. A verdade é que, em face dessas conjeturas, per­
de-se geralmente de vista a multiplicidade das funções das forças militares.
Estas, como o mostramos antes, não atuam apenas em tempo de guerra.
Também agem em tempo de paz, sendo instrumento de uso corrente no
quadro da “concorrência pacífica". Esquece-se, por outro lado, que o far­
do militar, ern conseqüência do jogo dos impostos etc., pesa principalmente
sobre a classe operária e, em parte, sobre os agrupamentos econômicos in­

* A burguesia tem plena consciência disso. Eis, por exemplo, o que escreve o professor alemão Marx
Krahmann (ver sua obra Krieg und Monranlndustrie. 1.' ed. da série Krieg und Volkswirtschaft): "Da
mesma forma que na pequena guerra mundial presente, na grande guerra que virá a seguir, e que porá
em choque a América do None e o Extremo Oriente, será Impossivel que um grupo de Estados agrá­
rios se bata contra urna coalizão de Estados Industriais. l...) A paz universal estaria, portanto, assegu­
rada se os Estados industriais pudessem pór-se de acordo. Acontece que, no momento, essa eventuali­
dade está excluída " (p. 15).
a. -..
“NECESSIDADE" DO IMPERIAIJSMO E DO SUPFBINWERMLISMO 15.4

tennediários expropriados no processo da guerra (e, por conseguinte, no


processo de intensa centralização industrial).
O processo material do desenvolvimento económico opera-se. assim,
mediante urna luta acirrada dos trustes capitalistas nacionais e das demais
organizações econômicas. Uma sucessão de guerras toma-se inevitável. No
processo histórico que, a curto prazo, nos espera. o capitalismo mundial vai
orientar-se, por meio da absorção dos mais fracos, no sentido de um truste
capitalista universal. Urna vez terminada a guerra, novos problemas deve­
rão ser "resolvidos" a fio de espada. De fato, em tal ou qual circunstância.
acordos parciais serão possíveis (é muito provável, por exemplo, a fusão da
Alemanha corn a Áustria). Qualquer acordo ou consolidação_ entretanto,
só fará reproduzir-se ern nova escala a sanguinária luta atual. Se a Europa
central unificar-se e se se concretizarem os planos dos imperialistas ale­
mães, a situação pennanecerá mais ou menos a mesma. Se, no entanto,
uniñcar-se a Europa inteira, nem por isso o “desarmamentd” se imporá.
Ao contrário, o militarismo fará avanços cada vez maiores. Uma luta mons­
truosa contra a América e a Ásia sucederã às lutas anteriores. A luta entre
os trustes gigantes virá substituir a luta presente dos pequenos (pequenosl)
trustes capitalistas nacionais. Desejar pôr fim a essa luta utilizando água ben­
ta ou meios improvisados seria a mesma coisa que atirar contra um elefan­
te com grãos de ervilhas. Pois o imperialismo não é só um sistema intima­
mente ligado ao capitalismo moderno: é seu elemento essencial.
Vimos, na Parte Segunda, em que consiste o caráter específico do capi­
talismo moderno e como se formam os trustes capitalistas de Estado. A es­
sa estrutura econômica está ligada uma política bem definida: a política im­
perialista. E necessário compreender essa política não apenas no sentido
de que o imperialismo é um produto do capitalismo financeiro, mas tam­
bém sob o prisma de que o capitalismo financeiro só pode realizar a políti­
ca imperialista, _que acima definimos. O truste capitalista nacional não pode
ser partidário do livre-câmbio, pois nesse caso perderia boa parte de sua ra­
zão capitalista de ser. Já indicamos que o protecionismo permite, de um la­
do, obter um lucro suplementar e, de outro, fazer a concorrência no merca­
do mundial. Também nesse sentido, o capital financeiro, como expressão
dos monopólios capitalistas, não pode renunciar à monopolização das "es­
feras de influência", à conquista de mercados e de fontes de matérias-pri­
mas e às áreas de investimento de capital. Se um truste capitalista nacional
não toma posse de um território ainda não ocupado, outro porá a mão so­
bre ele. A rivalidade mundial correspondente à época do livre-câmbio e ã au­
sência de qualquer organização da produção dentro do pais toma-se impos­
sível numa época de estrutura de produção inteiramente diversa e de luta
entre trustes capitalistas nacionais. Esses interesses imperialistas são em tal
medida essenciais para os grupos financeiros imperialistas e ligam-se de tal
forma às raizes de sua existência, que os governos não se deteriam ante
134 O FUTURO DA ECONOMIA MUNDIAL E 0 IMPERIALISBlO

enormes despesas militares tão-somente para garantir para si mesmos uma


posição sólida no mercado mundial. No contexto do capitalismo. a idéia do
"desarmamento" toma-se assim particularmente absurda. no que concer­
ne aos trustes capitalistas nacionais que ocupam posições avançadas no
mercado mundial. Eles têm diante de si a possibilidade de dominar o mun­
do, um campo de exploração de amplitude desconhecida a que os imperia­
listas franceses chamam organização da economia mundial. e os imperialis­
tas alemães, Organisierung der Weltwlrtschaft. E é esse ideal "elevado"
que a burguesia trocaria pelo prato de lentilhas das "vantagens" do desar­
mamento! Onde estaria, pois, para um truste capitalista nacional qualquer,
a garantia de que, mesmo após compromissos formais e outras garantias,
um rival astucioso não recomeçaria a luta “interrompida"? Quem quer que
esteja a par da luta dos cartéis, ainda que no quadro de um único país, sa­
be com que freqüência grande quantidade desses acordos se desfazem, co­
mo bolhas de sabão, ao sabor de uma nova situação, ou seja, de uma mu­
dança da conjuntura econômica. Bastaria que um só truste capitalista nacio­
nal poderoso - a América, por exemplo - marchasse contra os demais,
mesmo "agrupados", para que todos os “acordos" voassem em pedaços.
(Teriamos, nesse caso, uma imensa organização, construída sob o modelo
de um sindicato de tipo inferior e cujas partes componentes seriam os trus­
tes capitalistas nacionais. Um acordo entre os trustes capitalistas nacionais
não poderia, por certo, passar de repente ao estágio de um truste centraliza­
do. Um acordo desse tipo, capaz de acarretar intensa luta interna, seria bas­
tante sensivel ã influência das "conjunturas".) Formulamos a hipótese de
uma eventualidade em que uma "unificação" formal se produzisse. Esta
não poderia, porém, concretizar-se, dado que a burguesia, em cada pais, é
menos ingênua do que muitos dos bravos pacifistas que se esforçam por
tornar essa unificação aceitável à burguesia e por “provar-lhe" que n50
compreende seus próprios interesses.
No entanto, haverá quem diga, Kautsky e seus amigos acreditam que
a burguesia renunciará aos métodos imperialistas, pois será forçada a isso
por uma impulsão vinda de baixo. Responderemos que existem, no mo­
mento, duas possibilidades: essa pressão será fraca e tudo ficará como no
passado, ou, então, essa pressão será sobretudo uma "reação", e, nesse ca­
so, teremos o início não de uma nova época de superimperialismo, mas de
uma nova época de evolução social, sem antagonísmos.
Toda a estrutura da economia mundial moderna empurra, assim, a
burguesia no sentido da política imperialista. Da mesma forma que a políti­
ca colonial pressupõe métodos de violência, toda expansão capitalista con­
duz, cedo ou tarde, a um desfecho sangrento.

"Os métodos de violência", escreve Hilferding, "são inseparáveis da essên­


cia da politica colonial, que sem eles perderia seu sentido capitalista. Consti­
"NECESSIDADE" DO lMPERlAlJSMO E DO SUPERIMPERIALISMO 135

tuem o elemento integral da política colonial, assim como a existência de um


proletariado desprovido de qualquer propriedade constitui a condição sine
qua non do capitalismo. Querer uma política colonial e. ao mesmo tempo. fa­
lar em abolir seus métodos de violência é fantasia que não se pode levar mais
a sério do que a ilusão de que é possivel suprimir o proletariado e. ao mesmo
tempo, conservar o capitalismo." 'l'

O mesmo pode dizer-se do imperialismo, que é o elemento integral do


capitalismo financeiro, sem o qual este perderia sua razão capitalista de ser.
A crença de que os trustes, essa encarnação dos monopólios, se tornariam
os agentes de uma política de expansão pacífica faz parte da fantasia pro­
fundamente funesta de um utopista.
Poderia, entretanto, a época "superimperialista" vir a ser uma possibili­
dade realizável por meio do processo de centralização? Ora, os trustes capi­
talistas nacionais devorar-se-ão, sucessivamente, uns aos outros, até o mo­
mento em que uma potência venha a reinar sobre a derrota comum. Por
outro lado, tal possibilidade poderia vir a ser concebida se se desconheces­
se todo o processo social e se fosse possível descartar as forças hostis à polí­
tica imperialista. Na realidade, uma série de guerras sucessivas, de propor­
ções cada vez mais monstmosas, deve forçosamente provocar um desloca­
mento de forças sociais. Dentro de sua definição capitalista, o processo de
centralização choca-se fatalmente com uma tendência sócio-politica que
lhe é antagônica; não pode, assim, alcançar seu término lógico: aborta e fin­
da sob uma forma não-capitalista, nova e depurada. A teoria de Kautsky
não é, pois, no mínimo que seja, realista. Não interpreta o imperialismo co­
mo o satélite inelutável do capitalismo desenvolvido, m_as como um dos
"aspectos sombrios" do desenvolvimento capitalista. A semelhança de
Proudhon, cujas utopias pequeno-burguesas Marx combateu com tanta du­
reza, Kautsky procura suprimir o "sombrio" imperialismo sem tocar na in­
violabilidade dos traços "radiosos" do regime capitalista. Sua concepção le­
va a dissimular as gigantescas contradições que dilaceram a sociedade mo­
derna e é, por isso, uma concepção reformista. O traço mais característico
do reforrnismo teórico reside em que, escrupulosamente, ele constata to­
dos os elementos de adaptação do capitalismo sem, porém, ver suas contra­
dições. Para um marxista conseqüente, ao contrário, o desenvolvimento ca­
pitalista, em seu conjunto, é apenas um processo de reprodução contínuo
e crescente das contradições do capitalismo. A futura economia mundial,
em sua fórmula capitalista, não libertará essa economia dos elementos ima­
nentes que a impedem de adaptar-se: ela os reproduzirá de forma constan­
te e em bases mais amplas. Essas contradições encontrarão sua solução ver­
dadeira em outra estrutura de produção da sociedade, a saber: na organiza­
ção social, metódica, socialista, da economia.

1° HlLFERDlNG, R. Op. clt., p. 481-482 da tradução russa.

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