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LUIZ EDSON FACHIN A FUNCAO SOCIAL DA POSSE E A PROPRIEDADE CONTEMPORANEA (oma PeRsEctiva Da UusucAPIAG IMOBILIARIA RORAL) Sergio Antonio Fabris Editor Porto Alegre / 1988 {i por eto stentizo Umeapio 347.2524 (enborie pla oq de tech do Teibel de tgs do RS) ‘Resavas tas o& ls de pba, ttl os paca, = SERGIO ANTONO FABRIS EDITOR Res Mig Couto, 745 (Cte Poaal 4001 — Toone (051223-2681, 90650 Pero Aleze, RS ~ Bea SUMARIO INTRODUCAO Titulo 1 : EXPLICITACAO DO METODO DE ESTUDO EMPREGADO ‘THalo2 ‘A FUNCAO SOCIAL DA POSSE E FUNCAO SOCIAL DA PRO- PRIEDADE Capftulo 1 — Noticia hist6rica dos institutos Capitulo 2 ~ A supremacia dos intrestes socials Titulo 3 (0 FENOMENO POSSESSORIO NA USUCAPIAO Capitulo 1 — Do direitoelfsice &codificagio moderna Capitulo 2 — Savigny e Jhering: a eterna polémica Capitulo 3 ~ Retrospecto da usvespiio ‘Titulo 4 [A USUCAPIAO E SEUS FUNDAMENTOS. Capftulo 1 —Bfeito fundamental da usucapiéo Capitulo 2 ~ A usuespiso como modo de aquisicfo oriei- aftio Capftulo 3 —A posse para a usucapiso Capitulo 4 — A usueapifo no dizeito legislado ‘Titulo 5 ‘QUESTOES DOGMATICAS BASICAS DA USUCAPIAO, Capitulo 1 —Da usucapiso como matéria de defesa Capitulo 2 — Usucapizo e presericso Capitulo 3 — Capacidade para usucapic Capitulo 4 ~Direitos suscetiveis de usueapiso Capitulo 5 — Bens suscetiveis de urucapiso Capitulo 6 ~ Boa (6 para a posse ad usueapionem ° 1B B 0 2 2 25 2 35 39 40 a 46 49 “9 st 33 55 0 or Capitulo 7 — Justo titulo Capitulo 8 —Os prazos na usucapiéo Capitulo 9 ~ A retroatividade Capitulo 10 — A regra do ar, 177 do Céaigo Civil bras leiroe a usucapiio Capitulo 11 — SuspensSo interrupso da prescrigéo Capitulo 12 — A sueesséo na posse para a usueapiio Capitulo 13 — A sentenga decaratéria Capitulo 14 — Prescrigio imemorial easio publicians Capitulo 15 — 0 imposto de teansmissio na usucapio ‘Titulo 6 USUCAPIAO ESPECIAL coNcLUsAO, BIBLIOGRAFIA LEGISLAGAO PERIGDICOS n B ” 16 n p 2 84 7 o o or 102 INTRODUGAO © presente estudo tem dois objetivos bisicos: © primeiro 6 0 de evidenciar a nova moldura contemporinea em que se encartam f posse © a propriedade, decortente do principio da funcio social iimprimido aos institutes jorficos. O segundo € o de analisar essa perspectiva na usucapizo imobiliria rural. Timpis-se no desenrolar do exame ua breve andlise de questoes dogmticas enfrentadas pela doutrina acerca da usuespiio. Tais ques tes receberio tratamento em ttulo especticn. ‘A usucapito especial, diteto recente cujas controvérsias proces~ suas estho comegando a emergir nos Tribunais, também & dedicado titulo A parte. Embora 0 presente trabalho se restrinja ao campo do Direito Civil, 6 forcoso ingressar nas outras éreas do Dircito, como a administrativa, a processual civil ¢ a tributria, sob pena de apresentar o tema de forma demasiadamente incomplets. Servem de suportes aot argumentos, a pesquisa nas doutrinas nacional e lienfgena, bem como o direito positivo brasileiro © 0 comparado, além da necesséria mencio do Projeto que trata de novo Cé4igo Civil tro 1 EXPLICITAGAO SOBRE 0 METODO DE ESTUDO EMPREGADO Um estudo ainda que notoriamente modesto, requer, antes de perqutir seu objeto, a investigacio sobre 0 modo de desenvolver ‘esse procedimento, Como se faz 6 tfo relevante quanto o que se far, af porque antes de resolver o problema & preciso compreendé-to. ‘© escopo de um exaipe sobre 0 conherido instituto da usveapi rho pode ter maiores pretensbes. Porém, & possivel que um mesmo ‘objeto sejn foclizado em virios Angulos. O Angulo de nosso enfoque 0 da fungo social da posse. ara trabalhar nesta linha, nfo & possfvel desconhecer os fatores ‘eterminantes dat instituigdes que compéem a base do Direito. Esse ‘caminho evidencia 0 chamado subsirato ldeoldsico do Direlto, que se mostra pelo fato de que as instituicdesjurfdicas refletem 2 geréncia ‘dominante das forcas socials, muito embora,o Direito tanto condiciona ‘quanto pode ser condicionado. 0 reconhecimento de tais dados para andlise requer a consideraséo do elemento histico, de relevincia irrefutével para o Direito. Por {sso mesmo, afirma Castanheira Neves que “o ditto &essencialmente histrico. E isto porque & ele mesmo historicidade e far histéria le 6 istrico, nfo porque seu tempo & 0 passado, mas porque 0 sou tempo & o futuro a precipitar-se e a moldar o presente 1)". ANTONIO CASTANHEIRA NEVES. Quito de foto ~ Quarto de Dcto uo problema mio juticade (Ennio Sena poo Ai), vl- TTA ce Coma, Lila Alain 1967, 7908, ssa visio hi de ser necestarlamente critica sobre os valores que informam os diversos institutos juricos, congruente como fim Ge exacerbagto do individealismo. Tal tendéncia que se espraia no Imiverso juridieo informa a necessidade da recuperagio histérica de ‘eterminads institutes. ‘Assim, una teorizagéo que trata da funcéo social da posse na perspectiva da usucapiso imobiliéia rural, necessariamente deve ado~ far como método também sua fancio social. Exemplo disso & 0 ‘pensamento protlemdtico desenvolvido por Viehweg, pois pensar por problemas @ partir de nogées-chaves corresponde a diseutirsolugio {que se oriente menos para a I6sica © mais para 2 razodvel pretensio de justiga (2). Tal proceder 6 inteiramente aplicdvel & usucapio,cujo conceito, segundo Vietweg, “define-se © constréi-se através de uma série de conceites prévios, que se selecionam: posse, posse de bos fg, justo titulo para adguirie, duracdo da posse, capacidade de usuca- pido das coisas, iexisténcia de impedimentes por interrupcio ou sus- ppensio", assim por diante (3). E imprescindivel ter presente que o dito nfo se esgota em si mesmo, como um fendmeno dogmético. Sua vineulagso com os valores que 0 informam deve ser dewvendada em proceder compativel com 0 eariter dialética que pode © deve ser imprimido ciéncia Jrfaica (4), Ao tratar da ndo autonomia como propriedade essencial KK, Stoyanoviteh alerta que essa dependéncia deve ser fpreendida no sentido da compreensio idool6gica © nfo no plano clentifco, isto é a norma reproduz as contradigSes da vida material, fe sua anilise serve para dissecS-las A luz de compromisso social © hist6rieo da qual nfo se pode furtar o exame coerente. [Esse inguictante sentiento critica, interligado com o tratamento 4 todos of temas da cigacia jutdica, exté presente nas preocupayées os jutistas contemporineos. f assim em Larenz Luiz Recaséas = THEODOR Meni. Tp inri k eT oF 4 RONSTANTIN STOYANOVITCH, Le poe marcite of te dri, Preses 10 Siches (3); Larenz trata da teoria do Direto ed ‘Alemanha deede Savigny, iniciando pela jurisprudéncia dos conceitos, passando pelo positivismo chegando a0 que denomina de tendéncias metodoldsicas atais af destacando 0 sistema abero © a jutiprudéncia ‘pica. ‘A obra do professor mexicano Luiz Recaséas Siches também evidencia a insufliéncia dos instrumentos 16gicos que se propSem f explicar 0 fendmeno jurfdico, tanto que conclu pela retirada da ligiea formal do eampo do Direito. Como se vé, a cigncia jurfdca contemporines encontra-se em absoluta fase de transicfo, uma vez que est em discus fe sua fragiidade diante dos complexor problemas trazides pela cincia jrfaica, Dat pore s inafastével neceesidade em retirar o véu com ‘que te vest, de certo modo, 0 personagem jurfdico para desnudar © fendmeno juridica a luz dos fatos © da realidade. Nessa linha, fencontra-se 0 pensamento problemético © a dialética como modos {de explicago do direito sob um prisna concreto contempordneo, refle~ tido ery tomas especfticos como o da usuea FT KARL CAREN?. Metoolgin de Cmca dp int, tr. Se Jo Se Sore Sine e Jax Anton Venn, FuntySo Cote Ouentnn, Loo, Ze, 1978, LIS RECASENS SICHES, Sune fibw/ia dela wterpretacin del derecho, MED, n truvo 2 FUNGAO SOCIAL DA POSSE E FUNGAO SOCIAL DA PROPRIEDADE ‘Tem trinsito livre na cigncia jurdica moderne a noglo de que 8 posse & mera exteriorizagdo da propriedade, admitindo-8e excepcio- nalmente a figura do possuidor nfo proprictétio. Enjaular ofenémeno possess6rio dessa forma corresponde a uma visio superada pela reali ‘dade, mas ainds aio reconhecida, Esse confinamento hoje inacetavel ‘ contraditado pela prioridade histrica da posse sobre a propriedade. CCronotogicamente, a propriedade comecou pela posse, geralmente pos- se geradora da propriedade, isto 6, a poste para a wsucapiac. AlGm disso, enquanto vinculada & propriedade, a posse & um fato com algun or jucfdico, mas, como conceito autBinomo, a posse pode ser conce- ida como um dircito. A medida em que a posse qualificada instaura nova situa jurfdica, observa-se que a posse, portanto, no é somente o conteédo 4o direito de propriedade, mas sim, © principalmente, sua causa ¢ sua necessidade, Causa porque é sua forga geradora, Necessidade por- ‘ue exige sua manutencio sob pena de reeir sobre aquele bem forga aguistiva. Como se v8, vislumbra-se um patamar difererciado de tratamento catre © insttuto da poste e a propriedade, tomando relevo 2 questio na usucapiéo, paricularmente aquela incidente em Jm6vel rural onde se evidencia, com maior clareza, a funcio social do fendineno da posse. Capitulo 1 NOTICIA HISTORICA DOS INSTITUTOS © estudo da posse, por conseguinte,estédiretamenterelacionado com a compreensio do fendmeno da propriedade, nas dimensbeshist6- rica e jurfdica, depreendendo-se por af as raz8es sociais que determi~ 13 arama sprenacia do dist de prota, Nasftese da evsso utc do int dn poet marge a comet eo 1 comilgde cvonbns poles dteminaram 3 ofan o dsn= confor OSCARLINO MOELLER, Uscpo ~ mo oan de guiio A rorille «in india conbecinento evga omnet, evin de deo 73 — A jurkipradéocis tans tom entendis asin: “O wsucpio 6, como atanscrigfo (hoje, it), mode de nati Joni, € modo cpnate de ai dominb, tonr‘a‘petsn do atgn dono, cue dno sacmbe em fice apoio" (AC cer Ture do STP, cm 6.48 to Hoke ne 8952, de MG, rebtor Min, ‘OROZIBO NONATO},“s une € mals exgngs a ah do dont (hes ans do Tarme ty STFy tn 20.74, oo RoE. 9086 da PBy Retr Si. Oozmino NONATO) “Usp myer ea oe ‘sap € mmo ona Je so do domain A ano Ae venengn, gue os, va ape, a pone, rapa a tect se ‘ere 12irI0, a interrupgio natural coincidem. Diversa é a interrupsio civil da pres crigf, a qual aproveita somente quem a promove (75). 'A pacifcidade eorresponde a ineisténck da violencia, enguanto ue 2 publicidade da posse, que se antepde & clandestnidade, requer sloais exteriores que a evidenciem, Diz-se ainda que a posse deve ser inequfvoca. A rigor, € quase que um preciosismo, pois que a posse para que se qualifique como tal deve ser sempre inequfvoce. ‘A atuslidade da posse, além dessas observagdes, some-se 0 ato de ‘que a posse pode nio ser contemporinea & alegacio da usucapiio. ‘A inexisténcia dos caracteresessencias da posse para a usuespiso torna a posse viciada. Diz-se que sio vicios absolutos da posse Incsisténcia de anino domint, a descontinuidade, © a violéncia. Sio relatives, vale dizer, somente a quem alega, os vicios da interrupcio civil e da clandestinidade. Com efeito, “pode ocorrer que 2 posse seja clandestina para uns © pablica para outros (76) AA indagagio “a posse violenta nfo condazirs & preserio?™, & possivel responder pela afrmativa, elcado vo fato de que, passado tum ano de esbulho, se 0 esbulhado quiser fazer valer 0 seu direito terf de recorrer 3 gio competente, e por isso da sua inreis Togica- mente se conclui que o esbulhador adquiriu a posse. Em certo sentido, fal conclusio € albergada pelo art. 308 do nosso Cédigo Civil. A aceitacio da tes; porém, contraria, a nosso vero sistema de Cédigo instaurando sob 0 art. 489, pois no caso alo se trataré de posse justa © o vieio da posse, na hip6tese, &determinado na sua aquisicio, © que, per se, obstaria 0 infcio do prazo prescrcional.Porém,aviolén- ia perdura até quando? A partir de que momento, 2 posse pode {HITe, ob che aim LUIZ" DA'CUNHA GONCALVES gor "s ntrmpsin, 9 6 ae pv de tere, no prio yom, nga qe & desea Aide nfo meet, sn seen apt soe ops. A Seon ‘se elem pro tle ov sence hong «inter o € wn dee lntatanes, pore rea Seas (redo ae Dire Ch ol yt Typ 389). Sir Ten dye © Cli Chl ews Us crap cl psa ats 2503. 1 ‘Ciigo ‘Ci epntot icin (wt. 1946) gc se “itemunge saturnente la pes eed perce eau seco om ln or me Je om Je" Na maa sb, ARMANDO ROBERTO HOLANDA LEITE, py Tale “ perder tal carfter? Dispe © art. 492 do Cédigo Civil que salvo prov fem contrfrio, entende-se manter a posse o mesmo caréter com que foi adquirida, As provas em contrério poderio ser, eventuslmente, 1s circunstineiase s fatos posteriores ao esbulho, dando azo forms ‘80 da prescricdo mais alongada no tempo. Discute-se em relagdo & posse a sua naturezajuridia: se & fato Ebert Chamoun, “é a poste um estado de fato, lum poder de fato que alguém exerce sobre uma coisa, ¢ cujo contesido € exclusivamente econémico, porque se relaciona com o aproveita- mento econdmico da coisa, considerada como objeto de satisfacto das necesidades humanas. Mas & um estado de fato apenas no sentido de prescindir de existéncia de um titulo jurfdico: ha um dircito 3 protesio da posse sem que a posse esteja undada em dircito (77)". ‘Assim entende a msior parte da doutrina: 6 um fato com conseqiéncias jraicas. Se se trata de dircito, direito pessoal, a rigor, no &, pois nio ‘ copita de relagéo jurfdica entre sujetos na posse ¢ nem dos demais caracteres peculiares do direto pessoal. Néo est, também, no clenco 4o art. 674 do Cédigo Civil e nio tem do dircito real os atributos e absolutism, seqiela (entendendo-se que a reivindicacio nfo equi vale 8 reintegrasio), do direto de preferéncis, éa publiidade formal e fere © princfpio de nunerus clausus, muito embora 0 compomisso

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