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SEMINARIO DE ILUMINAGAO CENICA — SELUZ ALUZEM CENA - V Encontro Catarinense de Iluminagao Cénica 05 a 09 de agosto de 2013 / UDESC ~ Floriandpolis ~ SC Programa de Extensao L U Z Laboratorio Cénico DESIGN CENICO: UM CAMINHO POSSIVEL PARA A CRIACAO DA LUZ E A FORMACAO DO ILUMINADOR' Nadia Moroz Luciani* RESUMO: Este artigo pretende argumentar a favor do design como método de criago e processo para o ensino da iluminagio cénica através de recentes encontros literérios com alguns pesquisadores que compartilham e endossam este ponto de vista. Palayras Chave: Iuminagao Cénica; Design; Ensino; Comunicagio ¢ Arte. SUMMARY: This article aims to present some charring points of view about the design thinking and method to creation and teaching in theatre lighting design. Key Words: Theatre Lighting Design; Design; Teaching; Communication and Art. entendimento da Iluminagio Cénica como Comunicagio Visual e do Design como metodologia ideal para a criagio € 0 ensino da iluminagéo permearam toda a minha trajetéria profissional de iluminadora e professora de iluminagdo cénica, com mais de 20 anos de exercicio simultneo nas duas fungdes. Desde a formagao académica, ao longo do periodo como assistente ¢ operadora de luz, durante o tempo em que exerci a precoce atividade de professora universitéria e finalmente como criadora de luz cénica, os principios e fundamentos do design sempre me auxiliaram e pareceram ser a maneira mais adequada para entender, exercer e explicar 0 proceso de criagio, montagem € execugo de um projeto de iluminago para alunos da ' Artigo claborado para Participagio no Seluz ~ Seminario de Estudos ema Iluminago Cénica, realizado pelo Programa de Extensio Universitiria Luz Laboratério Cénico junto ao 5° A Luz em Cena — Encontro Catarinense de Iuminagao Cénica, na UDES ? Mestranda do PPGT da UDESC ~ Programa de Pés-Graduagao em Teatro da Universidade Estadual de Santa Catarina, Professora de lluminago Cénica nos Cursos de Artes Cénicas, Teatro e Danga da UNESPAR/FAP ~ Universidade Estadual do Parand / Faculdade de Artes e Coordenadora do projeto de Extensio LABIC ~ Laboratério de lluminago Cénica da FAP. Também é membro da ABRACE Associagaio Brasileira de Pesquisa em Artes Cénicas ¢ da ABrIC/OISTATBr — Associagio Brasileira de Tuminago Cénica, centro brasileiro da OISTAT ~ Organizago Internacional de Cenégrafos, Arquitetos e Téenicos de Teatro. graduago em artes eénicas. A necessidade de fundamentar na teoria esse proceso € elaborar uma metodologia que pudesse ser aplicada ao ensino da iluminagao encontrou embasamento em algumas bibliografias ¢ autores conhecidos em minha propria graduagio em Comunicagio Visual que, juntamente com novos conhecimentos teéricos ¢ priticos, acompanharam e fortaleceram essa hipétese. Um dos pontos de partida dessa teoria foi o conceit de sintaxe da linguagem visual apresentado por Donis A. Dondis*, que corrobora com 0 entendimento da luz como linguagem visual do espeticulo ¢ permite vistumbrar, através da gramatica da comunicagao visual proposta por ela (DONDIS, 2007), um processo de alfabetizagiio visual que considera a visio como um incomparavel instrumento de comunicagao humana (ibidem. p. 6). Fica impossivel prosseguir sem citar o tema, também abordado na mesma obra, da falsa dicotomia entre arte ¢ fungao que acometeu artistas e designers, no inicio do século XX, com questionamentos ¢ davidas incoerentes sobre a inegével fungdo pritica da arte e a possivel fungdo estética do design. Um dos exemplos mais expressivos ¢ citados da fragilidade desta dicotomia sGo os afrescos produzidos por Michelangelo para decorar o teto da Capela Sistina, em Roma, sabidamente encomendados pelo Papa para comunicar, visualmente, o conteiido biblico aos fiéis iletrados. O filésofo Vilém Flusser também aborda esse desastroso momento histérico em que se desvinculou a técnica ¢ a arte, novamente reunidos, no inicio do século pasado, pelas iniciativas nos dominios do design: ‘A cultura modema, burguesa,fez/uma separago brusca entre 0 mundo das fares eo mundo da técnica e das miquinas, de modo que @ cultura se dividiu em dois ramos estranhos entre si: por um lado o rame cieatifico, -quantificavel, “duro”, e por outro o ramo estético, qualificador, “brando”. Essa separagio desastrosa comesou a se tomar insustentivel no final do séeulo XIX. A palavra design entrou nessa brecha como uma espécie de ponte entre esses dois mundos. E isso foi possivel porque essa palavra cexprime a conexio intema entre técnica e arte, E por isso design significa aproximadamente aquele lugar em que arte © técnica (c, -consequentemente, pensamentos valorativo e cientifico) caminham juntas, ‘com pesos equivalentes, tomando possivel uma nova forma de cultura, (ELUSSER, 2007. p. 183-84). E fundamental entender que a fungo ¢ o carater utilitario ou técnico de uma obra nao reduzem, de forma alguma, seu valor artistico ou estético, comprovando © possivel equilibrio entre a abordagem objetiva ¢ subjetiva da criagio. Diferentes estudos histéricos do teatro demonstram claramente 0 momento, na transigdo do ® Donis A. Dondis - designer e professora americana, formada pelo Massachussets College of Art, que Jecionou na Escola de Comunicagio Pablica da Universidade de Boston. Em 1973 publicou o livro 4 Primer of Viswal Literacy, pelo Massachussets Institutre of Thechnology, publicado em seguida pela Editorial Gustavo Gilli com o titulo La Sintaxis de la Imagen, e no Brasil pela Editora Martins Fontes como A Sintaxe da Linguagem Visual, cuja 3* edicio foi langada em 2007. Sua obra 6 considerada referéncia fundamental em qualquer estudo nos campos da comunicagdo ¢ alfabetizagao visual. * Vilém Flusser- fil6sofo, escritor ¢ jomalista tcheco-brasiteiro, autor do livro O mundo codificado.. Judeu, estabeleceu-se no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, fugindo do nazismo, Seu pensamento, na crigem marcado pela influéncia de Heideggcr, fundava-se no existencialismo e na Fenomenologia. Desenvolveu o que foi chamado de filosofia do design, tendo desenvolvide uma profunda teoria da comunicagio, tema recorrente em suas conferéncias pelo mundo. século XIX para 0 século XX, em que os avangos tecnolégicos permitiram que a visualidade do espeticulo adquirisse novas fungdes simbolicas e informativas, aliadas a0 desempenho estético. Isso acabou por comprovar © estado auténtico de obra de arte do espetaculo ¢ de suas linguagens, sem contudo eximi-lo do aspecto sensorial, técnico ou informative, Assim, deu-se inicio ao processo de entendimento ¢ anilise do espetaculo teatral como, para além de objeto estético e manifestacio artistica, meio de informagao e comunicagao. Esse fato leva a conceber a encenagio como uma ago una e indissolivel que constitui, além da obra estética, um resultado que é fruto da técnica, dotado de fungées objetivas e que demanda, tanto no processo de concepgao quanto de recepeio, dominio sobre percepgao, interpretagio e comunicagio. Voltando aos fundamentos do design e da alfabetizacdo visual, para que alguém possa ser considerado verbalmente alfabetizado ¢ preciso que conhega domine 0s componentes basicos da linguagem escrita (letras, palavras, ortografia, gramética e sintaxe), através dos quais possa se expressar ¢ comunicar. Em suma, 0 alfabetismo significa 0 compartilhamento ¢ 0 uso, por um grupo, de determinada linguagem, O alfabetismo visual deve operar da mesma forma: constituir um sistema de criagdo, identificagdo e compreensio de mensagens visuais através de uma linguagem comum e acessivel a todos (DONDIS, op. cit. p. 15). Com este objetivo, 0 contetido do design e da forma é investigado em seu nivel mais simples: a importancia dos elementos individuais (ponto, linha, plano, cor, tom, textura), o poder expressivo das técnicas (contraste, proporcdo, simetria, equilibrio, movimento) ¢ 0 contexto do meio em que ele atua, neste caso, o espago da representagio teatral como conjuntura para as decisdes relativas ao design, ou seja, & concepgao visual do espago ¢, mais especificamente aqui, da iluminagio. Osvaldo Gabrieli* (2007) ilustra muito bem como os elementos do design so expressos na cena e a maneira como sua inter-relagdo atinge o piiblico espectador da obra cénica: (© corpo do ator ou de um bailarino em repouso é como um ponto. Ao ‘executar um primeiro gesto, um feixe de vetores se desdobra, [..] raga linhas imaginérias que religam seu corpo com a sala Retas ¢ curvas aparecem. Efémeras, so apenas riscos imagindrios no espago, nio ttm 0 poder de se preservar, somente ficarso na meméria do espectador e no ritual diario da encenagdo. No intimo do intérprete esté resguardada a imagem espacial de sua interpretagao. Como um arquiteto do efémero, cle vai construindo um mundo de gestos e palavras que esti intimamente ligado sua performance, & solidez do desenho cénico que pretende levantar. [..] Porém, no olhar do intérprete esté a raiz que se arrsiga no piiblico. Um fio imaginario de olho a olho. No olhar do ator reside uma ppoderosa fuz que diz: Minha atengao esté dirigida para este lugar e quero ‘que © piblico focalize", criando vinculos espaciais com objetos ¢ com ‘outros atores. Esses vinculos ou linhas imaginarias so fundamentais para celaborar a geometria da cena. Uma conexio entre olhares [..] pode definir um elo de alianga ou uma conspiragio. [..] A arquitetura cénica se cestabelece por esses vinculos, seja no olhar, seja na diregao de um gesto, * Osvaldo Gabriel - artista plistico multimidia, dirctor de arte, figurinista e cenégrafo, fundador do grupo XPTO, do qual é diretor artistico, Argentino radicado no Brasil, realizou, entre outros, a diregio de arte ¢ eenogeafia do espetéculo Os Series do Teatro Oficina. seja no foco que a fala produz, O desenho permeia todo 0 expago cénico. Est presente na marcagio de cena (0 desenho do movimento que o director grafou para o ator) [...]. Est também presente no movimento da luz, que determina reas de foco, os ambientes de relaxamento e de tensio, a profundidade da cena, sua temperatura. E sinda no cenério ¢ no figurino. Um cenério determina planos horizontais e verticais, diagonais em fuga, perspectivas, dreas de atuapio, ages em tempos paralelos coexistindo (GABRIELL, 2007. p. 190-92). Compor no espaco é, entio, a grande missio do encenador que, para isso, conta com sua equipe de designers (cendgrafo, figurinista, iluminador, entre outros‘), Juntos, eles iro cartografar a escrita da cena ao distribuir visualmente, no espago cénico, cada um dos elementos do espetéculo em um resultado harménico, organizado ¢ significativo, dando ao palco luz, cor, vida ¢ expresso. Conceber 0 teatro como manifestagao artistica e, ao mesmo tempo, forma de expressio ¢ comunicagdo, incorpora ao fazer teatral uma responsabilidade ¢ funcionalidade naturais ao design. Eduardo Tudela’ sugere uma interpretagio mais ampla para o termo design como ocorréncia de natureza estético-visual em “uma manifestagdo artistica que inclui diversificadas contribuigdes, originadas no trabalho do ator, do figurinista, do cendgrafo, do musico, do maquiador, do dramaturgo, do diretor, daquele que se responsabiliza pela luz, entre outros”, chamada teatro (ibidem. p. 21- 2. Tudella (2012) ressalta ainda a relagio entre arte ¢ técnica existente no labor de um possivel design cénico propondo uma “compreensio que inclui mais que a identificagdo de técnica e tecnologia [...] para contribuir efetivamente com os aspectos estéticos das artes cénicas, determinando substancialmente a qualidade artistica do objeto que seri levado ao espectador” (ibidem, p. 23) na figura de um artista-pesquisador que se disponha a conceber, experimentar e planejar, considerando os principios ativos da cena (ibidem, p. 22). Lupton e Jennifer Phillips (2008, p. 6) alertam para a defasagem existente entre programa (software) ¢ pensamento visual, em cujo caminho técnico a forma se perdeu e o uso desavisado das ferramentas foram distanciando os resultados de concep¢des visuais ¢ propésitos comunicativos. Elas também acreditam no poder agregador dos principios do design para um reencontro com a forma € 0 pensamento visual no processo de criagdo, da mesma forma que se propde aqui em relagdo as linguagens do espeticulo. Neste viés, torna-se adequado considerar ainda © conceito de design thinking, apresentado pela equipe de pesquisadores da MJV, uma consultoria brasileira em tecnologia e inovagdo. Apesar de admitir que o termo design seja fiequentemente associado 4 qualidade ou aparéncia estética de produtos, 0 grupo “ Todos os profissionais responsaveis pelas outras linguagens das quais o encenador Vena a fazer uso como, por exemplo, coredgrafos, preparadores vocais e comporais e até mesmo atores, miisicos dangarinos, que concebem e elaboram, cada um em sua area de dominio, de forma consciente ou através de processos cognitivos, suas atuagdes visuais, sonoras ¢ expressivas em geal (N. A.) Eduardo Tudella ~ cenégrafo,diretore iluminadorteatral, é gracuado em Diregao Teatral pela UFBA ¢ em Cenogratia pela UNIRIO, mestre em Iluminagio Cénica pela New York University ¢ doutor também em Iluminago pela UFBA, além de professor da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. entende que o design como disciplina possui outro enfoque ¢ ressalta a maneira como © designer percebe as coisas e age sobre elas num processo de problematizagao busca de solugdes, muito familiar ao processo criativo aplicado ao teatro. Para isso faz uso do que chamam de pensamento abdutivo, no qual busca-se formular questionamentos através da apreensio ou compreensio dos fenémenos do universo que permeia determinado contexto. (© designer enxerga como um problema tudo aquilo que prejudica ou impede a experiéneia (emocional, cognitiva, estética) ¢ 0 bem-estar na vida das pessoas (em todos os seus aspectos, como trabalho, lazer, relacionamentos, cultura, ete.) Isso faz. com que sua principal tarefa seja identificar problemas e gerar solugdes. Ele entende que os problemas (...] sio de natureza diversa e que € preciso mapear a cultura, 0s contextos, as ‘experiéncias pessoais ¢ processos de vida dos individuos [...J. Ao investir cesforgos nesse mapeamento, o designer consegue[...] ser mais assertive na bbusca por solugées [grificas, visuais e artisticas]. O designer [..] prioriza trabalho colaborativo entre equipes, que trazem olhares diversificados, interpretagées variadas e solugdes inovadoras. Trabalha em um processo ‘multifisico © no linear que permite interagdes e aprendizado constantes LJ experimentando novos caminhos © aberto a novas altemativas, (VIANA, 2012. p. 13). Assim, como o proprio nome sugere, 0 design thinking se refere & maneira de pensar do designer, utilizando a apreensio do entomo e a coleta de informagdes universais na busca de solugdes para problemas criativos. O grupo apresenta ainda as fases do processo de design e alguns dos seus principais métodos. As etapas descritas de imersfo, andlise e sintese, ideago e prototipago podem ser facilmente associadas ao processo criativo realizado na montagem de uma peca teatral, musical ou coreografica, em cada uma de suas linguagens cénicas, com suas fungdes, interagdes € concepgdes técnicas, artisticas e expressivas especificas. Nesse mesmo sentido, Flusser afirma que o designer, através de seu olhar, deduz e maneja eternidades, como um técnico ou um artista (ibidem, p. 192). Esse é seu modo de ver, pensar e agir. Os conceitos de sintaxe da imagem e de design thinking orientam, assim, a relagio entre a iluminagio cénica e o design na medida em que compreendem a mensagem visual contida na linguagem da iluminagdo, as técnicas envolvidas e as fungSes praticas, simbélicas, estéticas ¢ poéticas que tém a desempenhar no ambito do espetaculo teatral. E essencial introduzir ainda, com este mesmo propésito, 0 conceito de cenografia como “grafia da cena”. O termo grafia, citado por Dondis (ibidem, p. 135) como forma de expresso do artista, é defendido na acepgo cénica por diversos autores contemporaneos ao abranger toda a configurago visual da cena, a qual alguns acrescentam os elementos sonoros ¢ a que eu acrescentaria também os demais estimulos aos quais 0 espectador é submetido, dos reais as memérias sensoriais que possa incitar. Ele também desmistifica o aspecto bidimensional da escrita grafica ¢ amplia o entendimento das linguagens cénicas para além da perspectiva literdria, considerando as diversas formas de expresso cénica. A cenografia representa, assim, © conjunto de elementos significantes que compdem a expressio grifica‘ da cena teatral, ou seja, sua expressiio maxima através das linguagens cénicas empregadas. Assim, num ambito mais amplo, a cenografia pode ser compreendida como ambientagio sensorial do espetaculo, ou ainda, como define Luciana Bueno’, uma “resposta narrativa e grifica 4 dramaturgia’ (BUENO, 2007. p. 12), cenografia como a ambiéncia que envolve qualquer performance, encenagio ou espetaculo, seja ele musical, teatro, danga ou outro acontecimento cénico, Savio Aradjo'° aponta a importincia da relagdo dialética entre a produgdo da linguagem teatral e a transformagao sofrida pelo sujeito que a opera ¢ se faz criar por ela, bem como sua concepgio de mundo, surgida das formas linguisticas e attisticas ali desenvolvidas (2005, p. 33). Ele explica que na medida em que faz teatro, 0 sujeito se modifica por esta pritica através, principalmente, de sua diversidade de escolhas e possibilidades estéticas e artisticas, construidas a partir das condigdes tecnologicas, econdmicas € socioculturais de que dispde. Os resultados de ‘um projeto teatral, segundo ele, dependero do sentido que tenha para quem faz mas também da relago estabelecida com quem assiste, ou seja, das intensdes ¢ objetivos previamente elaborados ¢ executados. Desta forma, é coerente afirmar que 0 éxito de cada um de seus elementos ou linguagens, dentre eles a iluminagdo, seguem o mesmo padriio de claboragdo ¢ concepgdo embasadas em seus objetivos ¢ intengdes. Ele considera ainda o papel que a luz desempenha no espeticulo e a “capacidade de alterar ¢ interferir radicalmente no sentido da representagao de uma cena” (idibem, p. 129). O grau de responsabilidade envolvida no processo de criago da luz também é destacado por Tudella ao afirmar (2012, p. 18), citando Jean Rosenthal'', que “a luz afeta tudo 0 que toca. Como vocé vé aquilo que vé, como vocé se sente a respeito do que vé, como vocé ouve aquilo que esté escutando”. Valmir Perez’? (2012) alerta para a importancia da formagao artistica e técnica do iluminador cénico, bem como de seu preparo pratico para o exercicio da * Termo usado aqui em relagao ao conceito de grafar, de escrita através de elementos bi ou tridimensionais que exprimem, através de eddigos formais, seu contetidos expressives. (N. A.) ® Luciana Bueno - cendgrafa,figurinistae diretora de arte em teatro ¢ cinema. Designer Grafico de formagdo e mestre em Artes pela ECA/USP, iniciou sua carreira de cenégrafa em 1989. Realiza ainda ‘rabalhos na drca de educagio coordenando e ministrando cursos, palestras c oficinas sobre cenografia ¢ diregio de arte, "Savio Araijo - ator, diretor, luminador e cenografo teatral, é graduado em Artes Cénicas, mestre & doutor em Educacao pela UFRN e pés-doutor em Arte, Ciéncia e Tecnologia pela University British Columbia em Vancouver no Canadé. Hoje é professor do Curso de Licenciatura em Teatro © Coordenador do CENOTEC - Laboratorio de Estudos Cenogrificos e Tecnologias da Cena no Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. " Jean Rosenthal (1912-1969) -iluminadora americana de origem romene-judaica, foi considerada ‘uma pioneira no campo da iluminagdo eénica (theatre lighting design) ¢ afirmava que a luz & titi, possui forma e textura. Inspirada pelas pinturas de Rembrandt e Monet, aprimorou os aspecios téenicos € poéticos da iluminacao cénica. Usava forma, cor e movimento para expressar a intencio de um espeticulo, Acreditava que o trabalho mais bem sucedido de um iluminador ¢ o que possa ser menos notado. Fonte: Enciclopédia da Mulher Judia, dispontvel em hiip//jwa.org/encyclopedia/ acessada em 19/8/2013. "= Valmir Perez - graduado cm Artes Plistcas, licenciado em Educagao Artistica em mestre em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas, éresponsivel pelo Laboratorio de Tluminago Cénica do Instituto de Artes da UNICAMP e idealizador do software Lablux. profissio, Ele ainda defende, de forma contundente, a necessidade de se alfubetizar visualmente artistas e espectadores para que a iluminagio cénica atinja sua potencialidade expressiva e informativa. Mesmo que o iluminador consiga entender perfeitamente as nuances cexpressivas em jogo, ainda terd que traduzir essa compreensio. em linguagem visual. [..] A luz como “metéria” viva pulsante toma-se veiculo de expressio, portanto, de linguagem. [... 0 iluminador deve] cconhecer os elementos da sintaxe visual e saber quando ¢ como utilizar cesses elementos na construgio de frases e texts visas (bidem, p. 29-30). Assim, criar luz para cenas, espagos ¢ situagdes expressivas & saber usar os elementos e estratégias do design na busca de uma linguagem visual ¢ conclui-se que nao ha melhor forma de desenvolver essa qualidade de pesquisa e atividade do que tomar-se visualmente alfabetizado através da metodologia do design. Da mesma maneira, cabe ressaltar ainda a importincia, para que a mensagem atinja seus propisitos, de que o publico também o seja, minimamente. Que ele possa “ler” essas mensagens ou informacdes visuais ¢ interpreti-las, racional ou sensorialmente, através do desenvolvimentos de sua percep¢ao e sensibilidade aos impulsos ¢ estimulos visuais, em consonancia com outros existentes na cena. A iluminagio cénica é uma expressio artistica que faz uso de conhecimentos cientificos ¢ tecnolégicos para alcangar sua expressividade e forga. Dessa forma, ja de antemio alia duas dreas de conhecimento, uma artistica e outra técnico-cientifica. Além disso, esta abordagem também permite desmistificar, pelas caracteristicas de criagio, concepgio ¢ execugio, fazendo uso de recursos de linguagem e comunicagao, a criagdo como inspirag&o divina, sopro de luz que se faz de forma intuitiva, sem estudo, pensamento racional, embasamentos teéricos ou estratégia metodolégica para alcangar os objetivos expressivos a que se propde (DONDIS, 2007. p. 136). Etimologicamente, a palavra design significa algo como de- signar (FLUSSER, 2007. p. 181), o que corresponde ao conceito apresentado aqui da iluminaggo como elemento que possui o ‘designio’ de significar, representar e informar. Da mesma forma, a anilise e reflexdo sobre o processo criativo conduz ao questionamento a respeito da criag4o, na qual o estudo ¢ 0 dominio de ferramentas e estratégias do design devem somar-se aos conhecimentos técnicos ¢ inspiragao ¢ intuigao criativa no desenvolvimento de um projeto de iluminagdo cénica capaz de desempenhar, ao mesmo tempo, fungdes priticas, semanticas e estéticas na cena, Considerar a iluminagao cénica como atividade do design pressupde 0 entendimento das fungdes do iluminador como designer, ou seja, como lighting designer. Essa denominagio revela outra grande resisténcia do meio teatral em assumir 0 anglicismo na designagao da fungio, sob alegagdo da busca de charme, glamour ou supervalorizagio profissional (TUDELLA, 2012. p. 11), lembrando que isso aconteceu também com a prépria atividade do design'*. O importante nfo é "S Apesar da grande resisténcia ao uso da palavra estrangeita, sobretudo pelo fato de que & época da dos cursos de Design no Brasil o uso de “estrangeirismos” cra legalmente proibido, © ico design foi aprovado como designagao da profissio na plensria final do V ENDI ~ Encontro Nacional de Desenhistas Industriais - realizado em Curitiba em 1988. De origem latina, a definir como ser chamado este profissional ou sua ago, mas entender o papel que tem a desempenhar no espeticulo, numa configuragio técnica ¢ artistica do fazer teatral. Na atividade —téenico-criativa que comumente —denominamos “desenvolvimento de um projeto de iluminagio cénica” ou stage lighting design (..] 08 iluminadores seguem alguns passos imprescindiveis, Um deles é a pesquisa no universo dos materiais e processos técnicos do fazer [.] os meios pelos quais suas obras possam se materializar [..] a8 ferramentas ¢ 08 processos para se expressatem no universo fisico. Mas suas criagdes so algo maior [...] que transcende o meio tecnolégico [...] aquele relacionado ao universo sensivel, 0 do universo da estética. (PEREZ, 2012. p. 27-8) Por fim, como tiltima descoberta dessa incursdo tedrica acerca da relagao entre teatro e design, sobretudo no ambito académico, est’ o trabalho desenvolvido pelo professor Stephen Di Benedetto! (2012), que resume e explica de forma clara e precisa de que maneira a atividade do design & trazida para os palcos na atuagio na equipe de criago de um espetdculo. Complementando toda a pesquisa em torno do conceito do design, scus principios, fundamentos ¢ similaridades com o fazer teatral, essa iiltima descoberta bibliografica veio, oportunamente, conjugar esses conceitos num material didatico pratico € objetivo acerca do que pode ser nominado como design teatral ou eénico, desenvolvido com o objetivo de servir de introdugdo a0 design teatral em cursos de graduago. Nesta obra, 0 autor nfio somente apresenta os conceitos ¢ esclarece as tcorias, estratégias ¢ ferramentas do trabalho pritico do design como também traz aos leitores depoimentos e estudos de caso que ilustram a atividade do processo do design no teatro ao apresentar resultados ¢ reflexdes acerca do fazer teatral com casos reais do teatro americano e mundial. Benedetto classifica como atividades do design cénico a cenografia, o figurino, a iluminagao e a sonoplastia'’, destacando que todos fazem uso dos mesmos principios e elementos da composi¢ao. Apesar das divergéncias ¢ discusses a palavra design significa projeto, configuragio, e se distingue das palavras drawing em inglés e dibujo em espanhol, que significam desenho, representagdo de formas por meio de linhas e sombras, diferentes das palavras design ¢ disefio, que definem a atividade projetual ¢ no possuem similar correspondente em lingua portuguesa (FREITAS, 1999. p. 23-4). Segundo Antdnio Picoral (http:/swww.ebah.com.br/contenv/ABAAAAcUBAK/fundamentos-design) o termo design deriva do latim designare e significa qualquer processo criativo que se utiliza das mais variadas téenicas para conceber algum artefato através da elaboragio e concepedo de um projeto, aliando forma (artistica) & fungdo (utilitaria), na solueao de problemas. Existe uma gama de especializagdes e aplicagses do fermo, que é acrescido, nesses casos, do complemento correspondente, como design de moda, design de interiores, design de embalagens, design grifico, design de produto, web design e assim por diaate. © que esta sendo proposto neste trabalho é uma variago semelhante para o campo das artes cénicas, considerando as designagées, intemacionalmente aceitas ¢ conceituadas, de performance design ¢ suas quatro variantes principais: set design, sound design, costume design e lighting design. (http:/svww.wwsd2013,com) (N. A.) "S Stephen Di Benedetto - professor associado de Histéria e Teoria do Teatro na Universidade de Miami, nos EUA, especialista em scenography design ¢ 0s sentidos na performance. £ autor do livro The Provocation of the Senses in Contemporary Theatre (2010). "S Termes traduzidos por mim do livro original, ainda sem tradugio oficial, conforme segue: theatre design - design cénico, set design ~ cenogratia, costume design - figurino, lighting design - iluminaso «© sound design ~ sonoplastia, Também é possivel encontrar, em portugués, a tradugao para cada uma dessas atividades como design de cenaiio, de figurino, de luz e de som. (N. A.) respeito da terminologia, seja qual for a nomenclatura dada em portugués para cada uma dessas atividades, o importante ¢ compreender que todas concentram, no exercicio de criagio, muito mais do que apenas conceber os aspectos visuais sonoros da cena ou somente executar tecnicamente determinadas tarefas, mas que é no conjunto de todas as agdes intelectuais ¢ praticas envolvidas que encontra-se a complexidade do exercicio do design, da atuagao do designer. Depois de apresentar um panorama histérico do design cénico, 0 autor introduz os elementos ¢ principios do vocabutirio do pensamento do design para explicar individualmente cada uma das areas de atuagio e os diferentes procedimentos de trabalho dos designers cénicos. Como resultado do didlogo literdrio com todos esses autores que compartitham da acepcio da iluminagdo cénica como atividade do design e das reflexdes a que pude chegar a partir deles, concluo que exercer o design & fazer escolhas ¢ tomar decisdes, encontrando raz6es ¢ justificativas para cada uma delas. Essas reflexdes permitem entender ainda que essas escolhas e decisdes, feitas com base nos principios ¢ fundamentos do design, sio também inspiradas em todas as outras criagdes que compdem o espeticulo cénico, tendo sempre em vista a satisfagdo estética e a compreensiio do publico, aliando forma e fungio, artes oficios, conjugando formatos e materiais, adequando opgdes conceituais a processos construtivos e preceitos da encenagio. Isso & design cénico. Da concepgio de uma vestimenta ou confecgo de um mobilirio a construgio ¢ movimentago de um personagem no espaco cénico, passando pela concepgao da luz ¢ do som como elementos de linguagem e comunicagzio com piblico, percebe-se que tudo em cena 6 fruto do design. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS: ARAUJO, Savio. A Cena Ensina: uma proposta pedagégica para formagio de professores de teatro. Tese (Doutorado em Educagio) — Centro de Ciéncias Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2005. BENEDETTO, Stephen Di. An Intreduction to Theatre Design. Londres: Routledge, 2012 BUENO, Luciana. Muito Além da Caixa Cénica: a realizagdo cenografica contemporanea na cidade de Sao Paulo. Dissertagao (Mestrado em Artes) - Escola de Comunicagao e Artes, Universidade de Sao Paulo. Sao Paulo, 2007. DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. Tradugdo de Jefferson Luiz Camargo. 4* edigdo. Sao Paulo: Martins Fontes, 2007. (Colegio a). FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design ¢ da comunicagio. Organizado por Rafael Cardoso. Tradugdo de Raquel Abi-Samara, Sio Paulo: Cosae Naify, 2007. FREITAS, Sidney Fernandes de. A Influéneia das Tradigies Acriticas no Processo de Estruturacio do Ensino/Pesquisa em Design. Tese (Doutorado em Engenharia de Produgao) ~ Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1999. GABRIELI, Osvaldo. Um Teatro de Luz ¢ Sombra. in DERDYK, Edith (org). Disegno. Desenho. Designio, 2° edigio. Sio Paulo: Senac, 2007. p. 187 2 194, LUPTON, Ellen; PHILLIPS, Jennifer Cole. Novos Fundamentos do Design. Tradugao Cristian Borges. Sio Paulo: Cosac Naify, 2008, PEREZ, Valmir. Linguagem e Alfabetismo Visual: A pesquisa no campo da estética aplicada a projetos de iluminagao cénica. SP Escola de Teatro: Revista Alberto, n° 3, p. 25 a 33, Sao Paulo, 2012. TUDELLA, Eduardo. Design, Cena e Luz: anotagdes. SP Escola de Teatro: Revista Alberto, n° 3, p. 11 a 24, So Paulo, 2012. VIANA, Mauricio (et al.). Design Thinking: inovagio em negécios. Rio da Janeiro: MIV Press, 2012. 10

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