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ae Bayona cet aU a7, PERSPECTIVA __-- oO) TEMPORANES rn ROGER M. KEESING ANDREW J. STRATHERN Capitulo | A abordagem antropoldgica Esta viagem pela antropologia nos levara a cantos remotos do mundo ~ desertos africanos € lagoas de corais no Sul do Pacifico ~ e depois nos levara de volta as crises e complexidades dos anos de 1990 e aos desafios do século que desperta. An- tes de embarcar, podemos bem fazer uma pausa para perguntar por que vale a pena percorrer uma rota assim to tortuosa, que nos levard por modos de vida ja desaparecidos ou transformados. ‘A viagem até povos € locais remotos ¢ ex- traordinatios e de volta ao presente é a rota que 08 proprios antropdlogos percorreram. Fazé-la ainda agora tem uma importéncia fundamental para que possamos compreender as atuais com- plexidades e para que possamos encontrar can nnhos & frente para fururos humanos vidveis, pois ‘© material que os antropélogos dominam repre- senta um acimulo de experiéncia humana em Epocas e lugares diferentes: a sabedoria e a insen- satez acumuladas da humanidade, Nesse acimulo de experiencia, em suas varias formas culturais, reside a evidéncia crucial sobre as diferengas e se- melhangas humanas que Ihes subjazem, sobre as naturezas humanas ¢ as possibilidades institucio- nais, Se nosso futuro coletivo nao for iluminado por nossos passados separados, ele sera empobre- cido ¢ duplamente perigoso. Em um determinado momento foi possivel dizer que a antropologia era 0 estudo de povos “primitivos”. (Voltaremos brevemente para essa palavra com suas conotagées infelizes - e adquiri- remos outra melhor.) Mas os antropélogos ja nao trabalham apenas, ou sequer primordialmente, nessas sociedades: eles estudam aldedes campo neses, inclusive os da Europa; estudam cidades, em nosso pais ou no Terceiro Mundo; estudam corporagGes multinacionais e tribunais bem assim ‘como linhagem, Isso faz com que seja muito mais dificil do que era anos atrés, quando 0s estudos clissicos por Margaret Mead, Ruth Benedict Bronislaw Malinowski chamaram a ateng40 po- pular pela primeira vez para a antropologia de so- ciedades remotas, definir 0 que é diferente sobre a antropologia, o que a distingue da sociologia e das outras ciéncias sociais. Além disso, a antro- pologia € internamente diferente, cobrindo um espectro que vai de estudos especializados de bio- logia e evolucio humana até estudos da vida so- cial de povos contemporaneos, rurais e urbanos. E preciso, portanto, um pouco de organizacio, 1 A antropologia como uma area de conhecimento Antropologia significa “ciéncia humana”. Mas obviamente os antropélogos ndo sao os tinicos es- tudiosos interessados em seres humanos; 0 mes- mo pode ser dito de especialistas em Beethoven, Euripides, o Complexo de Edipo, ¢ a Guerra do Vietna. E os antropélogos tampouco estudam sé ee ee eee ee eee ee $1 Avmoroioci cone una ea ce conecrenro 21 ‘Aldea cerimonial de longhouses construidas para um festival de matanga de porcos perto de Lalibu, Papua-Nova Guiné, res humanos; alguns passam o tempo correndo pelas matas africanas em busca de primatas. Os ntropélogos culturais, no entanto, tém o com- mnisso de se ocupar de idiomas e tradic6es que bes sio originalmente estranhas. Subcampos da Antropologia Em um grande departamento de antropologia seria estranho encontrar um bidlogo humano especializando-se nos ossos fosseis dos primeiros humanos; um arquedlogo escavando comunida- des antigas no Oriente Médio; um linguista anali- sando a estrutura das linguas da Africa Ocidental; um folclorista estudando a mitologia dos inuites; um especialista em parentesco e matriménios na Nova Guiné; e um especialista em trabalhadores rurais mexicano-americanos na California. Todos eles provavelmente teriam um doutorado em an- tropologia, 22 A asonoacse avTnoroLocica ‘O que é que esses tipos diferentes de antrop. logos tém em comum? O que é que os diferencia de socidlogos, psicdlogos, linguistas ow historia- dores? Nio é nada simples definir 0 que € a an- tropologia, © que fazem os antropélogos € como € que essas coisas se estabeleceram. O fato de a antropologia incluir especialistas em biologia humana — em evolucio, em compor- tamento de primatas ~ bem assim como especia- listas em varias facetas da sociedade e da cultura, € parcialmente devido a uma reviravolta peculiar na histéria académica. O antropélogo fisico, ou bidlogo humano, durante décadas esteve bastan- te distante de seus colegas interessados no com- portamento humano. No entanto 0 enorme abis- mo entre a antropologia fisica e a Antropologia Cultural foi recentemente atravessado em muitos lugares. Este texto estard principalmente voltado para a Antropologia Cultural. Ao fazer 0 esbogo da drea da Antropologia nos pardgrafos que se seguem, iremos focalizar estudiosos tais como 0 arquedlogo do Oriente Médio, o linguista afri- cano, o folelorista inuite e 0 especialista em pa- rentesco na Nova Guiné em nosso departamento, ficticio. Ao diferencia-los iremos descrever os subcampos da Antropologia Cultural eo terreno ‘comum que os une, Um importante subcampo da Antropologia Cultural é a arqueologia pré-hist6rica ou a pré- -histéria. Ao contrario dos arquedlogos clissicos, em que se baseiam os esteredtipos populates de escavacio de ruinas templos antigos, os pré-his- toriadores estudam principalmente povos com recordes escritos. Suas tentativas de reconstruir modos de vida antigos fazem com que eles passem mais tempo e com maior frequéncia entre antigos montes de lixo do que entre templos. Hoje em dia seus estudos se estendem até a emergéncia de estados urbanos no Oriente Préximo, na América Central e em outras regides; mas sua preocupagio écom teorias de processo social, e nao com civil ragbes cléssicas. Cada vex mais suas investigagSes so conectadas, na teoria € no método, com estu- dos antropolégicos de povos viventes. A linguistica antropol6gica focaliza as linguas antes apenas orais) de povos no ocidentais. Ela teste teorias da linguagem baseadas principalmen- te nas linguas europeias e examina as linguas em todos os tipos de ambientes sociais e culturais. Dois dos fundadores da antropologia americana ‘moderna, Franz Boas e Edward Sapir, foram espe- cialistas nas linguas e nas culturas dos indios ame- ricanos; como veremos, a mancira como a lingua a cultura esto relacionadas sempre foi um tema importante na antropologia americana. ‘A Antropologia Cultural € muitas vezes utili- zada para qualificar uma drea mais restrita volta- da para o estudo de costumes humanos ~ isto é, 0 estudo comparativo de culturas € sociedades. No século XIX ¢ no comego do XX, a antropolo- sia estava voltada para a comparagio dos povos descobertos nas fronteiras da expansio europeia, ‘mas tinha em mente objetivos um tanto diferen- tes daqueles que orientam os estudos modernos. Essas comparagées cram utilizadas para recons- truir, especulativamente, as conexdes histéricas entre povos no passado antigo (uma tarefa hoje realizada, com evidéncia sdlida, por linguistas pré-histéricos e hist6ricos) e para reconstruir os estigios da cvolugao das culturas humanas. Desde 1920, no entanto, a antropologia cultural nesse sentido mais restrito vem adotando cada vez mais como seu problema central a busca por genera- lizagdes € teorias sobre 0 comportamento social as culturas humanas. Para essa area central da antropologia cultural o termo Antropologia Social é usado com maior propriedade e mais amplamen- 22 A asonoacse avTnoroLocica ‘O que é que esses tipos diferentes de antrop. logos tém em comum? O que é que os diferencia de socidlogos, psicdlogos, linguistas ow historia- dores? Nio é nada simples definir 0 que € a an- tropologia, © que fazem os antropélogos € como € que essas coisas se estabeleceram. O fato de a antropologia incluir especialistas em biologia humana — em evolucio, em compor- tamento de primatas ~ bem assim como especia- listas em varias facetas da sociedade e da cultura, € parcialmente devido a uma reviravolta peculiar na histéria académica. O antropélogo fisico, ou bidlogo humano, durante décadas esteve bastan- te distante de seus colegas interessados no com- portamento humano. No entanto 0 enorme abis- mo entre a antropologia fisica e a Antropologia Cultural foi recentemente atravessado em muitos lugares. Este texto estard principalmente voltado para a Antropologia Cultural. Ao fazer 0 esbogo da drea da Antropologia nos pardgrafos que se seguem, iremos focalizar estudiosos tais como 0 arquedlogo do Oriente Médio, o linguista afri- cano, o folelorista inuite e 0 especialista em pa- rentesco na Nova Guiné em nosso departamento, ficticio. Ao diferencia-los iremos descrever os subcampos da Antropologia Cultural eo terreno ‘comum que os une, Um importante subcampo da Antropologia Cultural é a arqueologia pré-hist6rica ou a pré- -histéria. Ao contrario dos arquedlogos clissicos, em que se baseiam os esteredtipos populates de escavacio de ruinas templos antigos, os pré-his- toriadores estudam principalmente povos com recordes escritos. Suas tentativas de reconstruir modos de vida antigos fazem com que eles passem mais tempo e com maior frequéncia entre antigos montes de lixo do que entre templos. Hoje em dia seus estudos se estendem até a emergéncia de estados urbanos no Oriente Préximo, na América Central e em outras regides; mas sua preocupagio écom teorias de processo social, e nao com civil ragbes cléssicas. Cada vex mais suas investigagSes so conectadas, na teoria € no método, com estu- dos antropolégicos de povos viventes. A linguistica antropol6gica focaliza as linguas antes apenas orais) de povos no ocidentais. Ela teste teorias da linguagem baseadas principalmen- te nas linguas europeias e examina as linguas em todos os tipos de ambientes sociais e culturais. Dois dos fundadores da antropologia americana ‘moderna, Franz Boas e Edward Sapir, foram espe- cialistas nas linguas e nas culturas dos indios ame- ricanos; como veremos, a mancira como a lingua a cultura esto relacionadas sempre foi um tema importante na antropologia americana. ‘A Antropologia Cultural € muitas vezes utili- zada para qualificar uma drea mais restrita volta- da para o estudo de costumes humanos ~ isto é, 0 estudo comparativo de culturas € sociedades. No século XIX ¢ no comego do XX, a antropolo- sia estava voltada para a comparagio dos povos descobertos nas fronteiras da expansio europeia, ‘mas tinha em mente objetivos um tanto diferen- tes daqueles que orientam os estudos modernos. Essas comparagées cram utilizadas para recons- truir, especulativamente, as conexdes histéricas entre povos no passado antigo (uma tarefa hoje realizada, com evidéncia sdlida, por linguistas pré-histéricos e hist6ricos) e para reconstruir os estigios da cvolugao das culturas humanas. Desde 1920, no entanto, a antropologia cultural nesse sentido mais restrito vem adotando cada vez mais como seu problema central a busca por genera- lizagdes € teorias sobre 0 comportamento social as culturas humanas. Para essa area central da antropologia cultural o termo Antropologia Social é usado com maior propriedade e mais amplamen- $1 Aanrrorotosi cono uma sna pe connccmento 23 ANTROPOLOGIA ANTROPOLOGIA FISICA [ ANTROPOLOGIA SOCIAL x VARIOS RAMOS: pal odbc et ANTROPOLOGIA CULTURAL a ARQUEOLOGIA, LINGUISTICA ANTROPOLOGICA Figura [1 Os subcampos da antropologia te. A Figura 1.1 diagrama esses relacionamentos entre os principais subcampos da antropologia. Por sua vez, como sugere o diagrama, a An- tropologia Social ¢ informalmente dividida em um rniimero de teas teméticas mais especializadas, embora 0 ntimero exato delas e como sio chama- das seja uma questio de debate entre os estudiosos da drea, Elas so parcialmente definidas por areas teméticas: Antropologia Juridica, antropolo; Econémica, Antropologia Politica, E parcialmente Por tipos de foco tedrico: Antropologia Psicoldgi- ca, Antropologia Simbolica, Antropologia Cogni- tiva, Antropologia Ecol6gica. As areas de folclore € etno-histéria (a hist6ria de povos e suas tradi- ses culturais, especialmente nos tiltimos séculos) ultrapassam as fronteiras de outras disciplinas, Um subcampo emergente, a antropologia médica, co- necta aspectos biolégicos de saiide e doenga com sua conceitualizagdo cultural e seu tratamento. A especificidade da Antropologia Como observamos, em uma época os antro- élogos podiam ser distinguidos dos socidlogos dos cientistas politicos porque seu papel especial na divisio académica de trabalho era estudar po- vos “primitivos” ou, como irei me referir a eles nos capitulos que se seguem, povos “tribais”. (O termo primitivo, embora no uso antropolégico vesse a intencio de se referir apenas a tecnologias relativamente simples, tem conotagées pejorati- vas infelizes. Uso o termo tribal em um sentido amplo ¢ relativamente informal para cobrir 0 es- pectro de povos e culturas para os quais o termo “primitivo” eta usado, mas sem implicar que a palavra “tribo” possa ser usada apropriadamente para descrever qualquer um deles. Para mais dis- eussées sobre 0 assunto, cf., por favor, 0 Capitulo 5.) Hoje os antropélogos trabalham com campo- neses e urbanitas, em ambientes ocidentais ¢ em outros locais. Os sociélogos, os cientistas politi- COs € outros cientistas sociais voltaram sua aten- sf cada vez mais para sociedades nio ocidentais No entanto, as abordagens e perspectivas an- tropoldgicas continuam a ser especificas. Os an- tropélogos nao s6 tém um conhecimento especia- lizado da evidéncia acumulada sobre os povos ao redor do mundo ~ em virtude da tradigio de seu trabalho em comunidades de pequena escala, com base em sua participacio intima na vida cotidiana das pessoas ~ mas tém também uma orientacio, um conjunto de estilos e métodos de pesquisa 22 A asonoacse avTnoroLocica ‘O que é que esses tipos diferentes de antrop. logos tém em comum? O que é que os diferencia de socidlogos, psicdlogos, linguistas ow historia- dores? Nio é nada simples definir 0 que € a an- tropologia, © que fazem os antropélogos € como € que essas coisas se estabeleceram. O fato de a antropologia incluir especialistas em biologia humana — em evolucio, em compor- tamento de primatas ~ bem assim como especia- listas em varias facetas da sociedade e da cultura, € parcialmente devido a uma reviravolta peculiar na histéria académica. O antropélogo fisico, ou bidlogo humano, durante décadas esteve bastan- te distante de seus colegas interessados no com- portamento humano. No entanto 0 enorme abis- mo entre a antropologia fisica e a Antropologia Cultural foi recentemente atravessado em muitos lugares. Este texto estard principalmente voltado para a Antropologia Cultural. Ao fazer 0 esbogo da drea da Antropologia nos pardgrafos que se seguem, iremos focalizar estudiosos tais como 0 arquedlogo do Oriente Médio, o linguista afri- cano, o folelorista inuite e 0 especialista em pa- rentesco na Nova Guiné em nosso departamento, ficticio. Ao diferencia-los iremos descrever os subcampos da Antropologia Cultural eo terreno ‘comum que os une, Um importante subcampo da Antropologia Cultural é a arqueologia pré-hist6rica ou a pré- -histéria. Ao contrario dos arquedlogos clissicos, em que se baseiam os esteredtipos populates de escavacio de ruinas templos antigos, os pré-his- toriadores estudam principalmente povos com recordes escritos. Suas tentativas de reconstruir modos de vida antigos fazem com que eles passem mais tempo e com maior frequéncia entre antigos montes de lixo do que entre templos. Hoje em dia seus estudos se estendem até a emergéncia de estados urbanos no Oriente Préximo, na América Central e em outras regides; mas sua preocupagio écom teorias de processo social, e nao com civil ragbes cléssicas. Cada vex mais suas investigagSes so conectadas, na teoria € no método, com estu- dos antropolégicos de povos viventes. A linguistica antropol6gica focaliza as linguas antes apenas orais) de povos no ocidentais. Ela teste teorias da linguagem baseadas principalmen- te nas linguas europeias e examina as linguas em todos os tipos de ambientes sociais e culturais. Dois dos fundadores da antropologia americana ‘moderna, Franz Boas e Edward Sapir, foram espe- cialistas nas linguas e nas culturas dos indios ame- ricanos; como veremos, a mancira como a lingua a cultura esto relacionadas sempre foi um tema importante na antropologia americana. ‘A Antropologia Cultural € muitas vezes utili- zada para qualificar uma drea mais restrita volta- da para o estudo de costumes humanos ~ isto é, 0 estudo comparativo de culturas € sociedades. No século XIX ¢ no comego do XX, a antropolo- sia estava voltada para a comparagio dos povos descobertos nas fronteiras da expansio europeia, ‘mas tinha em mente objetivos um tanto diferen- tes daqueles que orientam os estudos modernos. Essas comparagées cram utilizadas para recons- truir, especulativamente, as conexdes histéricas entre povos no passado antigo (uma tarefa hoje realizada, com evidéncia sdlida, por linguistas pré-histéricos e hist6ricos) e para reconstruir os estigios da cvolugao das culturas humanas. Desde 1920, no entanto, a antropologia cultural nesse sentido mais restrito vem adotando cada vez mais como seu problema central a busca por genera- lizagdes € teorias sobre 0 comportamento social as culturas humanas. Para essa area central da antropologia cultural o termo Antropologia Social é usado com maior propriedade e mais amplamen- $1 Aanrrorotosi cono uma sna pe connccmento 23 ANTROPOLOGIA ANTROPOLOGIA FISICA [ ANTROPOLOGIA SOCIAL x VARIOS RAMOS: pal odbc et ANTROPOLOGIA CULTURAL a ARQUEOLOGIA, LINGUISTICA ANTROPOLOGICA Figura [1 Os subcampos da antropologia te. A Figura 1.1 diagrama esses relacionamentos entre os principais subcampos da antropologia. Por sua vez, como sugere o diagrama, a An- tropologia Social ¢ informalmente dividida em um rniimero de teas teméticas mais especializadas, embora 0 ntimero exato delas e como sio chama- das seja uma questio de debate entre os estudiosos da drea, Elas so parcialmente definidas por areas teméticas: Antropologia Juridica, antropolo; Econémica, Antropologia Politica, E parcialmente Por tipos de foco tedrico: Antropologia Psicoldgi- ca, Antropologia Simbolica, Antropologia Cogni- tiva, Antropologia Ecol6gica. As areas de folclore € etno-histéria (a hist6ria de povos e suas tradi- ses culturais, especialmente nos tiltimos séculos) ultrapassam as fronteiras de outras disciplinas, Um subcampo emergente, a antropologia médica, co- necta aspectos biolégicos de saiide e doenga com sua conceitualizagdo cultural e seu tratamento. A especificidade da Antropologia Como observamos, em uma época os antro- élogos podiam ser distinguidos dos socidlogos dos cientistas politicos porque seu papel especial na divisio académica de trabalho era estudar po- vos “primitivos” ou, como irei me referir a eles nos capitulos que se seguem, povos “tribais”. (O termo primitivo, embora no uso antropolégico vesse a intencio de se referir apenas a tecnologias relativamente simples, tem conotagées pejorati- vas infelizes. Uso o termo tribal em um sentido amplo ¢ relativamente informal para cobrir 0 es- pectro de povos e culturas para os quais o termo “primitivo” eta usado, mas sem implicar que a palavra “tribo” possa ser usada apropriadamente para descrever qualquer um deles. Para mais dis- eussées sobre 0 assunto, cf., por favor, 0 Capitulo 5.) Hoje os antropélogos trabalham com campo- neses e urbanitas, em ambientes ocidentais ¢ em outros locais. Os sociélogos, os cientistas politi- COs € outros cientistas sociais voltaram sua aten- sf cada vez mais para sociedades nio ocidentais No entanto, as abordagens e perspectivas an- tropoldgicas continuam a ser especificas. Os an- tropélogos nao s6 tém um conhecimento especia- lizado da evidéncia acumulada sobre os povos ao redor do mundo ~ em virtude da tradigio de seu trabalho em comunidades de pequena escala, com base em sua participacio intima na vida cotidiana das pessoas ~ mas tém também uma orientacio, um conjunto de estilos e métodos de pesquisa 24 A wooroacem avTnoROLecica que diferencia a antropologia das outras ciéncias sociais. Essa orientagio antropolégica, profunda- mente humanista, preocupada com significados, com a textura da vida cotidiana nas comunidades € nao com abstracées formais, continua a scr va- liosa e até mesmo urgente em um mundo cada vez mais dominado pela tecnocra Se a tradigao da pesquisa na antropologia tende a restringir sua visio a comunidades lo- cais, a amplitude do treinamento exigido dos antropélogos também thes dé o poder de gene- ralistas, cujo conhecimento abrange as ciéncias sociais e biolégicas. Uma volta a nosso departa- mento hipotético de antropologia i strara esse ponto. Cada um dos antropélogos, no decorrer do treinamento de seu doutarado provavelmente terd estudado antropologia fisica, arqueologia e lingufstica — e passado seus exames nessas maté- rias — embora a maioria deles sejam especialistas em Antropologia Cultural. Embora os antropélo- g0s culturais talvez j4 nao possam lembrar 0 que aprenderam sobre dentes fésseis, a maioria de- les sabe muito sobre biologia humana, evolugao humana e 0 comportamento de nossos parentes primatas. O especialista em linguas afticanas po- deria provavelmente falar de forma inteligente sobre os sistemas matrimoniais na Nova Guiné ¢ compartilharia com colegas que se especializam em estudos chineses ou dos inuftes muitas ideias sobre como estudar antropologicamente lavra- dores na Califérnia. Essa amplitude de treina- ‘mento em biologia humana bem assim como na vida social humana, e em toda uma variedade de culturas passadas ¢ presentes, equipa os antrop6- logos, de uma maneira quase que tinica no mun- do académico, para generalizar sobre a condigao humana. Encontrei pessoas que se consideram especialistas na “natureza humana” em todas as 4reas da vida, e em aml ntes tao diferentes quanto lugarejos nas florestas das Ilhas Salomao em aldeias remotas do Himalaia. Mas se é que existem especialistas profissionais sobre “a natu- reza humana” (ou, talver seja melhor dizermos, sobre as “naturezas humanas”) na variedade to- tal de ambientes culturais, eles sao antropélogos ou estudantes de antropologia. A amplitude de visio que a antropologia dé pode nos ajudar a avaliar “a natureza humana” melhor que o filé- sofo da esquina ou da floresta, e a compreender com sabedoria as diferengas e as possibilidades humanas, 2 Modos de compreensao antropolégica: teoria, interpretacao e cignei: Antropologia, ciéncia social e cigncia natural A inclusio da antropologia entre as ciéncias sociais faz com que surjam perguntas sobre o di- reito que antropélogos tém de usar 0 manto sa- grado da “ciéncia”. Aqui € dificil nos livrar de es- teredtipos sobre a ciéncia relacionada com jalecos brancos ¢ laboratérios, ¢ ideias sobre precisio, predi¢ao ¢ 0 “método cientifico” que se relacio- na mais com 0 século XIX do que com a prética cientifica moderna, Os astronomos contempora- neos produzem vastas teorias da evolugao do uni- verso; fisicos trabalham em um territ6rio de par- ticulas subatdmicas; bidlogos modelam pequenos segmentos de sistemas cuja complexidade é to vasta que chega a ser incompreensivel. Cada do- mfnio da ciéncia natural se depara com mistérios prdprios, e opera por adivinhagao e aproximagao tanto quanto por experimentos exatos. Em algumas das ciéncias sociais imaginou-se que 0 conhecimento sistemético que leva A teo- ria pode ser obtido através de “desenhos expe- tais” cuidadosos que testam hipdteses esta- mente em situagdes de laboratério ou por da coleta de dados de levantamentos. Essa gem & adequada para alguns problemas, ‘soa consequéncia geval foi uma distorcio da ‘natureza dos fendmenos sendo estudados que sio ‘complexos, sociais e entrelacados (cf. HARRE & SECORD, 1973). Ao procatar simplificar sinuae bes a fim de isolar e medir uma varidvel de cada vez, 0s pesquisadores muitas vezes, inadvertida- mente, mudaram radicalmente 0 contexto ¢, com isso, a natureza do comportamento sendo estuda- do. Ironicamente, em sua preocupagéo com rigor experimental, inferéncia sistematica, laboratérios, predigio, medidas e assim por diante, essas aborda- gens muitas vezes emularam —e até parodiaram —a cigncia natural do final do século XIX. Como diz LaBarre, o cientista social foi O homem invi el desesperadamente ten- tando nao ser visto vendo outros homens |. Tolamente, cientistas sociais mani- puladores “experimentais” no. tiveram nem a humildade nem a sabedoria para reconhecer que eles estio alimentando dados contaminados pelo homem em suas “mAquinas da verdade” (LaBARRE, 1967: vii), Antropélogos estiveram menos preocupados em ser cientificos que muitos de seus colegas na psicologia, na sociologia e na ciéncia politica, € de um modo geral isso provavelmente foi uma béncao. Na medida em que operavam cruzando abismos de diferencas culturais, 0s antropélogos tiveram de lutar com problemas de comunica- gio. Tendo dificuldade de usar testes, questions: rios, pesquisas de opiniao, experimentos e coisas semelhantes em comunidades humanas em que cram conyidados onde os instrumentos oci- dentais de “objetividade” eram inapropriados, § 2 Movos pe commntensho AVTHOROLOaICA: TeORIAITERETAGAO EcieNCK 25 ‘0s antropdlogos com frequéncia dependiam dos. poderes humanos para aprender, compreender € se comunicar. De qualquer forma, antropélogos muitas ve- zes Vidaram com fendmenos para os quais os mé todos cientificos classicos eram claramente inade- quados. Tentar entender o simbolismo ¢ o signifi- cado de um mito on de um ritual nio é como pre- dizer quem vai ganhar uma eleigio ou testar ex- perimentalmente como um rato aprende ou como um aluno de psicologia pode ser enganado, Néo ‘hd nada para medir, contar ou predizer. A tarefa € muito mais a de tentar interpretar Hamlet, Nao podemos escavar, medir e testar Shakespeare para descobrir se nossa interpretacdo é “verdadeira” a de todos os demais € errénea. Grande parte da Antropologia Cultural, orientada por uma busca por significado foi honestamente interpretativa e, portanto, de muitas maneiras, mais préxima das humanidades do que das ciéncias naturais. A an- tropologia, como a histéria, tem modos em que explora e interpreta fendmenos como tinicos ¢ busca interpreté-los — ¢ modos em que procura generalizar ¢ teorizar a partir de formas que a in- serem diretamente nas ciéncias sociais. As abor- dagens que so postas em execucao sio aquelas apropriadas para a tarefa, seja ela primordialmen- te interpretativa ou primordialmente generalizan- te € te6rica. Mas no caso da antropologia, elas estéo moldadas muito diretamente pela natureza dos enconiros em que antropélogos observam e aprendem, ja que como observadores somos sem- pre parte integral da situacio. ‘Trabalho de campo Para a maioria dos antrop6logos, os proble- mas imediatos da compreensio e das fontes de da- dos vém daquilo que passou a ser conhecido como 26 A rsoroacen anTacrOKecica trabalho de campo: a participaglo intima em uma comunidade ¢ a observagio dos modos de com- portamento e da organizagio da vida social. O processo de registro e interpretagio do modo de vida de outras pessoas é chamado de etmografia. © que o trabalho de campo realmente envol- ve depende em parte do local onde o antropélogo vai estudar. Nas décadas de 1920 e 1930, quando povos pouco conhecidos eram encontrados em quase todas as fronteiras coloniais e o nimero de antropélogos era reduzido, o trabalho de campo normalmente significava ir para uma sociedade isolada armado com cadernos, uma maquina fo- togréfica e quinino e estabelecer residéncia em uma aldeia por um ano ou mais, Normalmente, ‘quando o antropélogo chegava naquele cenario ja havia administradores coloni arrecadando im- sostos e impondo a paz, bem assim como arma- Pe zéns comerciais missiondrios. Mas o etndgrafo estabelecia seu domicilio entre as pessoas locais & fazia todo o posstvel para ignorar aquelas influén- cias intrusivas. Desde a Segunda Guerra Mundial, com novas nagdes surgindo nessas fronteiras ¢ a riépida transformagio na vida das pessoas, 0 tra- balho de campo é cada vez mais feito em ambien- tes menos isolados. Uma aldeia na Anatélia ou no) México, uma cidade portudria na Africa, uma ci- dade-mercado haitiana, ou um subiirbio america- no podem ser cendrio para o trabalho de campo. Se o cendrio é uma cidade grande, uma cidade pequena, uma aldeia ou um lugarejo na floresta tropical, a forma da pesquisa antropoldgica é, em muitos aspectos importantes, a mesma. Mais es- sencialmente, ela envolve uma profunda imersio na vida de um povo. Em vez de estudar grandes amostragens de pessoas, 0 antropélogo participa tao plenamente quanto possivel na vida cotidia- na de uma comunidade, bairro ou grupo. Essas pessoas passam a ser um mictocosmo do total. ‘Aprendemos seu idioma e tentamos aprender seu modo de vida. Aprendemos por observacio par ticipativa, vivenciando ¢ vendo 05 novos padrdes de vida. © trabalho de campo bem-sucedido é raramente possivel em um perfodo muito me- nor que um ano, especialmente quando um novo idioma e uma nova cultura precisam set aprendi- dos. Idealmente, 0 pesquisador permanece muito mais tempo, as vezes em varias viagens sucessivas a0 campo. O valor do trabalho de campo mantido durante um periodo longo comega a set perce~ bido claramente (COLSON et al., 1979). A pes- quisa continua e profunda produz insights sobre uma cultura e sobre os processos de continuidade ¢ mudanea praticamente impossiveis de obter de qualquer outra forma, Uma parte central desse processo € a necessidade de permanecer tempo suficiente em uma comunidade para obter um do- minio prético do uso linguistico cotidiano. O etndgrafo traz para a tarefa técnicas de mapeamento e recenseamento habilidades de entrevistar e observar. Mas, de um modo geral, nossa posigio € radicalmente diferente da de cientistas politicos, economistas ou sociGlogos estudando eventos em sua prépria sociedade. Na situacao de trabalho de campo “classica” em que nao podemos aprender um idioma local a priori, € pouco se sabe sobre a sociedade e sua cultura, o lugar ¢ as tarefas do trabalhador de campo sao, de muitas maneiras, parecidas com as de um bebé. Como um bebé, 0 antropélogo nao entende os barulhos, as imagens visuais, os cheitos que con- tém significados precidsos para 0 povo sendo es- tudado. Nosso aprendizado deve ser da mesma magnitude, ¢ nosso envolvimento ter a profundi- dade correspondente. Tempo, envolvimento pro- fundo, muitas suposigées, muita pratica, e muitos §.2. Mooos be commmeeNsio ANTROPOLOGICA:TEORIA INTEMRETAGAO ECeNCK 27 erros nos permitem comecar a fazer sentido das cenas e dos eventos nesse novo mundo cultural. Mas 0 antropélogo nao é um bebé, ¢ isso faz com que a tarefa seja 20 mesmo tempo mais diffeil e mais facil. Ao contrario do bebé, 0 trabalhador de campo tem a competéncia de um adulto (em- bora apenas parcial em uma floresta ou em um deserto) ¢ pode muitas vezes usar um intérprete para descobrir algo sobre o que esta ocorrendo. A dificuldade € que 0 antropélogo, diferentemente do bebé, ja conhece um idioma e um conjunto de padrées para pensar, perceber e agir. Em vez de preencher um arcabougo aberto com 0 modelo de nossa propria gente, como faz o bebé, o antropé- logo precisa organizar o conhecimento em termos de um modelo existente e interpretar novas ex- perigncias em termos de experiéncias familiares, Isso faz com que o aprendizado do trabalhador de campo seja mais lento e mais dificil (considere como é muito mais dificil para um adulto apren- der um idioma novo) e isso inevitavelmente de- turpa sua percepedo. Considere 0 encontro do ponto de vista do outro lado. As vidas de um povo sao interrompi- das por um estranho ¢ estrangeiro, muitas vezes com uma familia, que se muda para a comuni- dade, trazendo todos os tipos de coisas novas e estranhas. Essa pessoa raramente se enquadra a0s tipos de estrangeiros com que esse povo aprendeu a lidar anteriormente ~ missionérios, comercian- tes, funciondrios do governo, politicos ou outros semelhantes. O recém-chegado ¢ insaciavelmente curioso sobre coisas privadas, sagradas e pessoais por razées € motivos que so incompreensiveis. A essa pessoa deve ser atribufdo um papel de al- {gum tipo; esforcos desajeitados para falar, maus modos, ¢ intrusées na vida didria devem ser to- lerados. Toda essa atengio pode ser lisonjeira, mas pode gerar suspeita, hostilidade e citime. Em uma comunidade menos isolada e mais sofisti- cada, “ser estudada” pode ter um ar de condes- cendéncia e pode ofender o orgulho em vez de despert lo. (Veremos como o antropélogo, em geral inadvertidamente, foi associado com forcas coloniais ¢ agora neocoloniais; e como a politica da etnografia tornou-se um foco de debates.) Por parte do antropélogo, problemas éticos se avultam, Devemos tentar proteger a identida- de da comunidade e de suas pessoas escondendo nomes ¢ lugares? Podemos intervir em questées de costume ¢ satide? Podemos trair a confianga de nossos informantes em alguma violagio séria da lei? E com due profundidade podemos realmen- te penetrar em outro modo de vida? Sentado em um lugarejo montanhoso nas Ihas Salomio mas- tigando a folha do betel com meus amigos e brin- cando em seu idioma, sinto uma unicidade com cles, um elo de humanidade comum e experiéncia compartilhada. Mas sera que eles podem sentir ‘© mesmo com rela¢do a minha pessoa? Seré que pposso ser algo mais que uma curiosidade visitante € uma celebridade, um homem branco rico que Jogo voltar4 para seu proprio mundo? No meio de tudo isso, © antropélogo passa pelas rotinas de coletar dados ~ fazendo um re- censeamento, registrando genealogias, aprenden- do sobre o elenco local de personagens e ques- tionando os informantes sobre questdes de cos- tume e crengas. O que entra nos cadernos vem principalmente dessas rotinas, Nos tiltimos anos houve bastante progresso “na minimizagio do efeito deturpador do préprio esquema conceitual do etnégrafo ¢ na anilise de outro modo de vida em termos das categorias e premissas das pessoas sendo estudadas. Mas & medida que aprendemos 28 [A RHORDAGEM ANTROROLOSICA mais sobre aprender, parece cada vez mais prova- vel que muito daquilo que 0 etnografo aprende nunca va para os cadernos; fica naquele territé- rio, por falta de um termo melhor, que podemos chamar de “inconsciente” ~ um conhecimento de cenas pessoas ¢ sons ¢ cheiros que nio podem ser captados pela palavra escrita. que os informantes podem dizer ao etné- grafo sobre seus costumes pode ser uma interpre- tagdo igualmente imprecisa e parcial daquilo que eles vem, fazem, pensam ¢ sentem, As vezes seus relat6rios sao deturpados pela intengao de enga- nar ou por mal-entendidos linguisticos. De qual- quer forma, 0 que as pessoas dizem ao etndgrafo sobre seu modo de vida deve ser reexaminado, substanciado, ¢ complementado com registros de- talhados de eventos e transagdes reais. Um estudo antropoldgico moderno est4 muito longe daquele estilo antigo em que simplesmente diziamos “a descendéncia € patrilinear” ¢ pardvamos por ai. ‘Tabelas estatisticas detalhadas e muitas vezes ma- pas e genealogias permitem aos antropdlogos re- construirem a rede de pessoas e eventos dos quais as generalizagées sao trabalhadas, No pasado, o registro do modo de vida de uma sociedade em pequena escala e relativamen- te autOnoma parecia gerar poucos problemas de amostragem. A comunidade em que o etn6- grafo vivia ~ uma aldeia ou lugarejo — prom ser uma amostra razodvel do modo de vida da sociedade ¢ presumia-se que, dentro daquela so- ciedade, os costumes, as ideias ¢ as crencas eram compartilhadas por todos ou pela maioria das pessoas. Observagées mais detalhadas, uma de- rivagio mais cuidadosa de generalizagées etno- grificas a partir de eventos reais, mais preocu- pacio com padrdes estatisticos € 0 uso de uma variedade maior de informantes deixaram claro que as coisas nunca foram assim tao simples. Pa- des ideias so mais uniformes do que padrdes do comportamento real. Quando investigados com profundidade, os mundos conceituais de individuos diferentes em uma determinada so- ciedade mostram uma ampla variagao. A maio- ria dos antropélogos durante muitos anos deu mais aten¢do a homens adultos do que a mulhe- res adultas ou criangas. (Um avango importante na antropologia moderna veio indiretamente em virtude do movimento feminista: uma revelagio € uma compreensio crescente dos mundos femi- ninos nas sociedades nao ocidentais.) Antropé- logos precisam ser treinados na observagio com- portamental detalhada e no estudo rigoroso do comportamento real e dos estados emocionais das pessoas medida que essas poem em pratica seus costumes. © problema de amostragem tornow-se to mais intenso em sociedades de grande escala € mais complexas, A diversidade cultural, gran- des populagoes, estratificacao social ¢ mudancas répidas fizeram do trabalho de campo em socie- dades modernas de grande escala, sejam elas no Ocidente ou em outras partes do mundo, um ne- gécio complicado em que se torna necesséria uma maior preocupagio com amostragem, estatfsticas ¢ precisio metodolégica. Limitagbes da perspectiva do trabalho de campo A tradigdo de trabalho de campo, e com ela um repert6rio conceitual resultante de uma pro- funda imersio em modos de vida locais, foi a fonte da forga da antropologia. Mas est se tor- nando evidente que ela também foi uma fonte da fraqueza da antropologia. Primeiro, essa tradi¢ao de trabalho de campo cm que estudamos uma al- ar Se te ee ea Se oe §.2 Movos b€ coMPREENsio ANTADFOLOGCA: TEORIAINTERMRETACAO E CENA 29 deia ou um aglomerado de comunidades locais para documentar “uma cultura” produziu um estereétipo muito enganoso de algumas culturas, retratando cada uma delas como uum experimen- to integrado ¢ tinico na possibilidade humana — tuma cultura que teria estado ali durante séculos antes da chegada do antropélogo. Veremos nos capftulos que se seguem que essa visio estereo- tipada, em grande parte criada pelos préprios antropdlogos, exagera a diversidade de cultu- ras ~ exagerando sua integracio como “sistemas totais” coerentes € imutiveis e minimizando a diversidade individual, 0 conflito ¢ a mudanga. Ela exagera sua estabilidade e seu isolamento - quando, na verdade, os povos locais estavam, em uitas 4reas, unidos em vastos sistemas regionais de comércio e intercdmbio e, com frequéncia, unidos em estados e impérios. Essa inocéncia antropolégica da histéria de sistemas regionais, que estava oculta em uma aldeia local, levou a esquemas conceituais que incorporam uma ingenuidade sobre organizacao regional e processos histéricos. Os antropélogos tinham a tendéncia de explicar fendmenos locai: em termos de outros fendmenos locais, para mos- trar com um floreio como tudo se encaixa com perfeicao, e para explicar o global e o geral como particularidades locais. A Antropologia foi uma disciplina boa para ver devores locais, mas muitas veres inadequada para ver as florestas que estio mais além delas. As diregdes em que as teorias e métodos an- tropolégicos caminharam ~ em meio a argumen- tos calorosos ~ vo a caminho de vistas melhores da floresta, uma reviravolta que traz os antrop6- logos para mais perto de seus colegas na hist6- ria, na geografia, na economia, na sociologia e na cigncia politica. Nos tiltimos capitulos deste livro, quando voltarmos nossa atengio de sociedades ‘em pequena escala para as complexidades macigas do mundo moderno e a emergéncia dos sistemas econdmicos mundiais, veremos tanto uma exten- sio do campo de visio da antropologia qianto uma menor nitidez das linhas que separam a an- tropologia de outras disciplinas. Encontraremos antropdlogos usando métodos de andlise mais parecidos com aqueles do historiador econémico ou do socidlogo urbano do que com os do traba- lhador de campo tradicional, Apesar dessas diregdes de desenvolvimento, a antropologia manteve sua visio humanista. Nos capftulos que se seguem iremos examinar mo- dos de vida em uma perspectiva comparativa, construindo bases de compreensio teérica. Nos capftulos finais nos voltaremos para as transfor- magées do mundo moderno. No decorrer dessa jornada, as preocupagdes subjacentes sero tanto humanistas quanto cientificas ~ com as naturezas € 05 potenciais da humanidade, com as estrutu- ras de sociedades passadas e presentes na medida ‘em que elas iluminam a busca por futuros vidvei Para nossos futuros, para que possamos sobrevi- ver as crises atuais e Aquelas que assomam & nossa frente, teremos de construir criativamente sobre ‘0s pontos fortes do passado e ao mesmo tempo aprender com as hist6rias de opressio e insensa- tex e transcendé-las. SUMARIO © estudo de povos diferentes pelo mundo a fora pode ser uma maneira de nos compreender- mos melhor. Nos Estados Unidos 0 estudo da An- |. Para outras letras sobre questbes de tradur3oe significado enere ‘cultura, ct Keesing, 1989, Para uma discussio sobre aintgracio de ‘estudos locale com anise mals amplas em nivel regional ou naclo- ral cf Eriksen, 1993, 30 A asoanacen aNTROFO.SGICA tropologia € convencionalmente dividido em An- tropologia Cultural, Antropologia Fisica, Arqueo- logia ¢ Antropologia Linguistica. Nos dias atuais ‘08 antropélogos trabalham com todos os tipos de sociedade e seus métodos variam dos mais huma- nistas até os n cientificos. Para os antropélo- gos culturais o trabalho de campo etnogréfico é importante, envolvendo o estudo detalhado de siruacoes locais em seus contextos mais amplos. (O trabalho de campo deve levar em consideracao 0 fato de que sociedades locais nao sio entidades isoladas, mas pertencem a contextos regionais € transnacionais mais amplos. SUGESTOES PARA LEITURAS ADICIONAIS Seco 1 CLIFTON, J. (1968). “Cultural Anthropology: Aspirations and Approaches”. In: CLIFTON, J. (org). Introduction to Cultural Anthropology. Boston: Houghton Mifflin Company. FRANTZ, C. (1972). The Student Anthropolo- sgist’s Handbook. Cambridge, Mass: Schenkman Publishing Company. FRIED, M. (1972). The Study of Anthropology. Nova York: Thomas Y. Crowell Company. HATCH, E. (1973). Theories of Man and Culture. Nova York: Columbia University Press. HONIGMANN, J.J. (1976). The Development of Anthropological Ideas. Homewood, Ill: Dorsey Press. LANGNESS, L.L. (1974). The Study of Culture. Novato, Calif.: Chandler and Sharp. STURTEVANT, W. (1968). “The Fields of An- thropology”. In: FRIED, M.H. (org.). Readings in Anthropology. Vol. 1. 2. ed. Nova York: Thomas Y. Crowell Company. TAX, S. (org.) (1964). Horizons of Anthropology. Chicago: Aldine Publishing Company. Segao 2 BERREMAN, G.D. (1968). “Ethnography: Method and Product”. In: CLIFTON, J. (org Introduction to Cultural Anthropology. Boston: Houghton Mifflii Company. (1962). Behind Many Masks: Ethnogra- phy and Impression Management in a Himalayan Village. Ithaca, NY: Society for Applied Anthro- pology (Monograph, 4]. BOWEN, E.S. (1954). Rettirn to Laughter. Nova York: Harcourt Brace Jovanovich. CASAGRANDE, J.B. (org,) (1960). In the Com- pany of Man. Nova York: Harper & Row. CRANE, J.G. & ANGROSINO, MV. (1974). Field Projects in Anthropology. Morristown, N.J.: General Learning Press. EDGERTON, R.B. & LANGNESS, LL. (1974). ‘Methods and Styles in the Study of Culture. Sio Francisco: Chandler and Sharp. EPSTEIN ALL. (org.) (1967). The Craft of Social Anthropology. Londres: Tavistock. FREILICH, M. (org.) (1970). Marginal Natives: Anthropologists at Work. Nova York: Harper & Row. GOLDE, P (org.) (1970). Women in the Field. Chicago: Aldine Publishing Company. HENTRY, F. & SABERWAL, S. (orgs.) (1969). Stress and Response in Fieldwork. Nova York: Holt, Rinehart and Winston. HUNTER, D.E. & FOLEY, M.B. (1976). Doing Anthropolgoy: A Student Centered Approach to § 2. Mocos o« commmeensio ANTROPOLOCICA: TEOMA NTERMRETACKO EcENeA 31 Cultural Anthropology. Nova York: Harper & Row. JONGMANS, D.G. & GUTKIND, RC. (orgs.) (1967). Anthropologists in the Field. Assen: Van Gorcum. PAUL, B. (1963). “Interview Techniques and Field Relationships”. In: KROEBER, A.L. (org.). Anthropology Today. Chicago: University of Chi- ‘cago Press. SPINDLER, G.D. (org.) (1970). Being an An- thropologist: Fieldwork in Eleven Cultures. Nova York: Holt, Rinehart and Winston. SPRADLEY, J.B (1979). The Ethnographic Inter- view. Nova York: Holt, Rinehart and Winston. WILLIAMS, TR. (1967). Field Methods in the sudy of Culture. Nova York: Holt, Rinehart and ‘Winston.

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