You are on page 1of 106
O método (auto)biografico ea formacgao 2 edigéo NF ‘ehtnistdei da Sade | Departamento de RacuraeHumanoe da Side (Centr deFormagieeAprflcoamentoProfisona, Lisboa, 50 "hu orginalO Métode (hst)Bogrfice ea Formagio Diets de pullin en Lnguaprtagucta no firs DUFRN = Edtora da Untverssade federal do Rio Grande do Norte Crafts atalzad segundo oAcord Otagéfico dx Lingua ortuguets de 1290, ‘oe enrou en igor o Brat em 2008, a deren ‘atta da publication tenis UPR Centra il Mame SERS enema ae me tre Stine rst tn rs who 4p Clo pera tables a) ‘idee tated etc tr anurreean sou com ‘crating chin, “oe indie ec OUT a cor ema or el Letttnbe Colegao Pesquisa (Auto) Biografica oo Educagao De que modo os percursos de vida contemporineos, caracte- rizados pela pluralidade das experiéncias educativas, sociais e profissionais, singularizam-se nas histérias individuais? A pesquisa (auto)biogréfica analisa as modalidades segundo as quais os individuos e, por extensao, os grupos sociais traba~ tham e incorporam biograficamente os acontecimentos e as experiéncias de aprendizagem ao longo da vida, As fontes (auto)biogréficas, constituidas por histérias de vida, relatos orais, fotos, didrios, autobiogratias, biografias, cartas, memoriais, entrevistas, escritas escolares e videogr- ficas, configuram-se como objeto de investigagao transversal nas Ciéncias Sociais e Humanas. Em Fducacao, a pesquisa (auto) biogréfica amplia e produz conhecimentos sobre a pessoa em formasao, as suas relagBes com territérios e tempos de aprendi- zagem e seus modos de ser, de fazer e de biografar resisténcias pertencimentos. 0 s{mbolo do infinito presente no titulo da colegdo “Pesquisa (auto)biogréfica ~ Educacao”, sugestivamente, tem a intengdo de marcar a abertura entre esses dois espacos ¢ investir na liberdade de percorrer diferentes dominios da atividade humana mediante essa dupla entrada, a do (auto)biogréfico e a do educativo. Concebida numa perspectiva intercultural, a colegéo acolherd textos sob a forma de relatos, ensaios, trabalhos de pesquisa que confirmem as diversidades — geogréfica eteérica ~ de situacées, de abordagens e de pontos de vista, EES | ste catssicos FES lors wscoens Coordepaio| Mata | Evin Icio assgg- Universidade Federal do Ro Grade da Norte. rail, ‘neu clementina de Sours Universidae dotatado ds Bain Bras (Cheatin Delors Momberger- Universidade de Pars 3/Nond Conttha| Ana chrystia Venancl Mlgnt- Universidade do Estado do Ride Jonelro rai entific At atainen- Univerldde de Jess Finlandia. Christoph Welf-Unvesdade ive de Berlin~ Alemania Danielle Desmaree- Universidade do Qutbec Montreal -Canadé Duce Demetio-Unoerlade del Std de Man socal ss Lechner centro de studs em Antropologia Socal do SCTE: Porta tstonPineas- Universidade FrangasRabelae- Prange ‘Ghorgos Tells Universidade de Cec, Rethymo- Crile (Guy de Villers Universidade alc de Laurin a eave -Blgice Henning Sling Olesen -Univeridad de Rosle -Danermart lsnbel Lex Gerir-Univesiade de Seva Espana ‘hur orments- Universidade del stud i ian ccs tia den West - Universidad de Canterbury Inglaterra | Marobieiena wc. Abra -Potifa Unversdade Catdice do Peter Albeit -Universtade Georg Aogtcatingen- Aleman Pierre Domisice- Universidad de Gensbra=Sulgn tori Masi Teachers cols, Clumba University, New York BUA lev Sevek-Univeriade de Saint etersburg Resa sal - Bens ‘poi | ASIHVIE (Asotin Internationa des Histoire de Vien Formation) Siograph Asocaso Bras de Pesquisa (asto)iografien ANNKIVIF (Asolo Norte Nordeste das Histriae de Vida er ormago Classicos das historias de vida ‘Asérie “Cléssicos das hist6rias de vida" retine obras representa- tivas das Ciéncias Humanas e Sociais, escolhidas pela diversidade de pontos de vista na abordagem dos fundamentos teéricos, histéricos, epistemoldgicos e metodolégicos da pesquisa com fontes (auto)biogréficas, 0s livros desta série da Coleco Pesquisa (auto)biogr’- fica « Educagao contemplam o interesse crescente de pes- quisadores, estudantes e profissionais que se voltam para as narrativas de vida enquanto fenémeno discursive antropol6gico e suas potencialidades como método de pesquisa, pratica social de formacio e de intervencdo educativa. Sumario Prefacio ___. _u Maria da Conceigao Passeggi #lizeu Clementino de Souza Preambulo _. Introdugio_. Mathias Finger “Ant6nio Ndvoa Sobre a autonomia do método biografico_. Franco Ferrarotti Da formagao do sujeito... Ao sujeito da formagao Marie-Christine Josso 0 processo de formagdo e alguns dos seus componentes relacionais__ Pierre Dominicé x ‘A autoformagao no decurso da vida: entre a hetero e a ecoformagao ____ Gaston Pineau As implicagdes socioepistemoldgicas do método biogréfico ___ Matthias Finger ‘A narrativa de formagiio e a formasao de formadores Adele Chené A biografia educativa: instrumento de investigacao para a educago de adultos ______ 13 Pierre Dominicé A formacdo tem que passar por aqui: as histérias de vida no Projeto Prosalus _ Anténio Névoa © que a vida lhes ensinou _ Pierre Dominicé au Bibliografia sobre as histérias de vida Prefacio © método (auto)biografico: pesquisa e formagao 0 Método (auto)biogréfico e a Formagio, organizado por Anténio Névoa e Matthias Finger, ésem diividas uma das obras mais citadas em teses, dissertacies, livros, artigos, projetos... de pesquisadores br asileiros que, desde os anos 1990, recorrem a fontes (auto)biogréficas como método de pesquisa e prética sr Lisboa, nos Cadernos de Formacdo, este livro tornou-se uma obra incontornavel para os trabalhos com/sobre a abordagem (auto)biogréfica nas pesquisas elucacionais. O livro volta-se para a formagao do adulto no advento do ser, do tornar-se, Embora se situe no contexto de uma experién- cia de formagio na Area da Satide, ele se dirige aos formadores de adultos, independente da rea em que atuem, e investe na ideia de que estes devem comprvender o adulto como um ser em permanente mudanga, Por essa mesma razio, é que esto aexigir cada vez mais o seu direito & escolarizacao ao longo da vida, Como lembra Anténio Névoa, a partir dos anos 1970, na esteira do Relatério Faure (1972), constituiu-se um consenso de que educaco terd de ser global e permanente. A praticada escrita de si éaqui apresentada como uma nova epistemologia da formagio, ela se adéqua melhor & ideia de que jd ndo se trata de promover a aquisig&o de conhecimentos duradouros, definitivos, mas de ajudar 0 adulto a desenvolver uma reflexividade critica face a saberes em evolucao permanente. Para tanto, busca-se uma teoria da formacio. ‘A edicdo original de 0 Métoco (aute)biogréfico ea Formacio & ‘a0 mesmo tempo muito conhecida entre pesquisadores brasilei- ros e uma raridade. S6a possuem os colegas que a trouxeram de Lisboa. Como 0 livro no foi reeditado, nos tiltimos vinte e dois anos, o modo como circulou, entre nés, traz consigo as marcas dos seus leitores, as quais foram se sobrepondo em suas linhas " e margens, Encontramos paginas com anotacées de diferentes grafias, cfrculos, setas, numeragées..., que exigem um esforco de decodificagao préximo ao de velhos manuscritos. Essa foi uma das dificuldades encontradas para presente edic&o, pois 0s textos no se deixavam facilmente aprender pelo scanner, que teimava em distorcé-los. Se num exemplar era o capitulo de Franco Ferrarotti o mais sofrido, em outros era o de Gaston Pineau, ou um dos textos de Pierre Dominicé, ou o de Marie- Christine Josso... Foi preciso garimpar os mais limpinhos para driblar as marcas do tempo e de seus intimeros leitores, Depois de digitada a primeira versio, foram necessérias vérias leituras, por diferentes leitores, para verificar se todos os textos estavam completos e se correspondiam termo a termo 20 original. Em seguida, passamos & etapa da atualizacao ortogr- fica. Nessa reviséo, a leitura mostrou a necessidade de pequenas adequagGes, recomendadas pela ABNT, para maior clareza do texto, tais como, por exemplo, normalizar as referencias e ajustar no formato de citagao aquelas que ultrapassavam as linhas determinadas pelas normas etc, Tizemos poucas substituigdes: “estddios” do desenvolvimento por “estdgios” do desenvolvimento, por exemplo, ‘“‘deslocagao” por “deslo- camento’... Na totalidade da obra, foram mantidos todos os termos que guardam em si a magia do texto original e que os leitores brasileiros, sem dificuldades, os reconhecero como portugueses. 0 Método (auto)biogréfico e a Formagio inaugura a Série “Clasicos das hist6rias de vidas” da Colegdo Pesquisa (auto) biogréfica » Educagi, As razbes dessa escolha so de diversas ordens, mas a primeira delas é simbélica. Este livro simboliza para nds elos em diferentes instancias, Entre pesquisadores de diversas nacionalidades: francesa, suica, portuguesa, canadense, brasileira, preocupados com a formagao. Elo entre dois mundos: oda francofonia eo da lusofonia, que continuam a enfrentar 0 ‘mesmo desafior o da formacao do adulto na contemporaneidade, Entre colegas universitérios que partilham o mesmo ideal: formar melhor os responsdveis pela formacao de criancas, Jovens e adultos para tempos melhores, Um elo de interesses. Este livro foi para nés um alicerce comum, quando tate4vamos tm busca de Fundamentos para compreenermos a formacio de professores e orientar novos pesquisadores, por uma via ainda inexplorada, Finalmente, este livro tornou-se um marco, de onde partimos e para onde voltamos a cada novo processo de iniciacao & aventura (auto)biografica. Por essas razées, ele mereceu a maxima atengio e todo o carinho para reedit4-lo no Brasil na abertura desta Série. Com certeza, deve ter escapado alguma coisa aolhos que pelo habito gern sem mais enxergar. Com certeza, oleitor compreenderée saberd buscar o sentido entre as linhas e para além delas, O mais importante é que este livro chegue as suas mAos e lhe dé acesso aconhecimentos que faro novos caminhos em suas reflexées. Desejamos registrar os agradecimentos ao Professor ‘Antnio N6voa por ter providenciado, junto ao Ministério da Satide|Departamento de Recursos Humanos da Satide de Lisboa, a autorizagao para publicacdo do Método (auto)biogréfico e a Formagéo, pela EDUFRN - Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 0 pedido o surpreendeu, Mas compreendeu e aceitou a reedicao do livro na condico de um “classico”, historicamente datado, na sua versio original. Expressamos também os agradecimentos aos autores Anténio Névoa, Matthias Finger (também organizadores), Franco Ferrarotti, Pierre Dominicé, Gaston Pineau, Marie-Christine Josso, Ad&le Chené, pelas aprendizagens sobre a formacao do adulto e 0 uso do método (auto)biogréfico. Seus textos guardamo frescor eo entusiasmo que marcaram, nos anos 1980, o momento de eclosio, como sugere Gaston Pineau, do movimento socioedu- cativo das historia de vida em formacéo, no ambito da formagio permanente. 0 leitor encontrard em cada capitulo deste livro boa semente, plantada em solo fértil, e compreenderd melhor 0s desdobramentos desse movimento no Brasil, essencialmente, nas pesquisas sobre a formacao docente, Expressamos ainda nossos agradecimentos as colegas ppesquisadoras do GEDOMGE/FEUSP (Grupo de Estudos Docéncia, Meméria e Género), na pessoa de Denice Catani, das mos de res 0 quem recebemos a primeira edido deste livro e pelo trabalho Ploneiro que conduziu no Brasil com as historias de vida na formagao de professores. Finalmente, nossos agradecimentos aos bolsistas de IC ¢ pés-graduandos, pesquisadores do GRIFARS/UFRN (Grupo Interdisciplinar de Pesquisa Formagao, Auto.Bio.Grafia ¢ Representagées Sociais), Cristévdo, Simone, Hemiliane, Izabel Regina e Ceciliana, que durante o verao de 2010 e mesmo em condiges adversas se dispuseram a ler e a reler conosco as vversées do texto que foram se multiplicando em nossas mics. Esperamos que os saberes construidos pela leitura deste livro fortalecam as investigagées e préticas educacionais, vol- tadas para a formacao do adulto, neste momento de consoli- dagdo da pesquisa (auto)biogréfica como uma érea em franica expansio no cendrio internacional. 0 Método (auto)biogréfivo e a Formacdo vem, mais uma vez, ao encontro das inquietacses com a formagao ao longo da vida, hoje ainda mais exacerbadas elas mutagSes saciais, que exigem do adulto que se auto(trans) forma, mais do que munca, a capacidade de tomar entre suias ios a propria vida e empreender a conquista da consciéncia histérica de sua formagio, Se esta é uma tarefa da Educagio, o método (auto)bio- gréfico é uma via passivel de produzir conhecimentos que favorecam o aprofundamento teérico sobre a formacéo do hhumano e, enquanto pratica de formacio, conduzir o didlogo de ‘modo mais proveitoso consigo mesmo, com 0 outro e coma Vida. Natal | Trancoso, verdo de 2010 Maria da Conceigaio Passeygi (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) Elizeu Clementino de Souza (Universidade do Estado da Bahia) Preambulo Nenhum servico de formagao permanente pode reduzir a sua atividade aos modelos tradicionais aceitos, consubstanciados, via de regra, na formacao em sala. Precisa sim de constantemente questionar a sua pratica em ordem a conseguir uma maior eficdcia e qualidade. Ter, com efeito, de impor-se um esforco de persistente renovagdo metodolégica se se quiser responder aos desafios de uma formacio para a mudanca, enquanto fomentadora de novas atitudes, produtora da inovaao de préticas, integradora de novos saberes. Essas preocupacdes terdo que estar alicergadas num trabalho de investigacdo capaz de avaliar sistematicamente os processos educativos, de problematizar os modelos utilizados e de ensaiar modalidades formativas que introduzam as inovagdes, pertinentes. Assim, sem abandonar as técnicas tradicionais, antes as aperfeicoando, importa experimentar novas formas cap: zes de levar a um maior empenho de cada um na sua prépria formacao, ao mesmo tempo em que se reforga o envolvimento das instituiges e a aproximagao aos problemas emergentes do exercicio profissional, Nesse quadro, inscrevem-se, entre outras, a formagdo & distancia, a investigacao-agdo, a formagao assistida por com- putador, a alternancia, a formagao autotutorada, a pedagogia de projeto. 0 objetivo de revalorizar a funcio dos textos de apoio, e mais genericamente a informacdo, pela componente formativa que integram, subscreve-se nesse contexto. Avitalidade dos documentos escritos permite, na verdade, uma utilizacdo miltiplae versétil, quando conjugada com outros suportes pedagégicos ou integrada em metodologias dindmicas. 0 Centro de Formagio e Aperfeicoamento Profissional, até o presente, elaborou textos policopiados sobre “Estatistica”, “aprovisionamento”, “Noc6es Fundamentais de Direito Disciplinar” e “Regime Juridico de Pessoal”, e procedeua divul- gacao deles, devendo ser distribuidos, oportunamente, outros da mesma natureza, Abre-se, agora, uma nova fase editorial, em que se iro imprimir 0s textos acima referidos e iniciar a publicagio de textos de indole mais especificamente pedagégica. Os Cadernos de Formagio, de que se publica o primeiro ‘mimero, na linha de duas Brochuras sobre o Projeto de Formacio de Formadores PROSALUS’, pretendem consagrar essa ideia e tem como objetivo apoiar o desenvolvimento da formacao permanente através da divulgacdo de textos, experiéncias e ensaios que se mostrem oportunios, 0 tema escolhido para este primeiro caderno ~ 0 método (auto)biogrifco ea formagio - insere-se na preocupacio do Centro de Formagao e Aperfeicoamento Profissional de disponibilizar informagGes e perspectivas atualizadac sobre educagao de adultos, indo ao cerne do proceso de formacio naquilo que ele tem de mais dinamico e vital. Endo seestranhe que um Centro de Formacéo Permanente, situado num servigo Central de Administracéo Publica, e mais propriamente na drea da Saiide, se interesse pela problematica teérica da formacao do adulto e dela dé conta. Na verdade, a fungdo técnico-normativa, que substancialmente lhe incumbe, ficard estéril, se ndo souber alimenté-1a com os princfpios, numa 1 Formas de Formadores, Gestores de Formacio para Estabelecimento Servigos do Ministério da Sade, "Curso - maio de 1986, 2* Curso = agosto de 1986, edicdes do Departamento de Recursos Humanos do Ministério da Sade. 6 constante vitalizacdo dos seus fundamentos tedricos. Refletir sobre os percursos vitais dos processos de formacao dos adultos constitui um desafio demasiado aliciante e prometedor para ter sido possivel recusé-lo, Embora constituindo um documento de apoio a formacao. de formadores desenvolvido no quadro do Projeto PROSALUS, que tem se beneficiado do apoio do Fundo Social Europeu, este Cadierno assume-se como um instrumento formativo de utilidade para todos quantos se interessam pelos problemas da formacio. © Departamento de Recursos Humanos agradece aos organizadores da presente antologia, Antdnio Névoa e Matthias Finger, envolvendo na mesma expressao de gratidao todos os autores dos diferentes textos, Adéle Chené, Pierre Dominicé, Franco Ferrarotti, Christine Josso, Gaston Pineau e ainda os proprios organizadores, que também assumiram a autoria de textos, Lisboa, margo de 1988 DEPARTAMENTO DE RECURSOS HUMANOS = Introdugao Concebido numa perspectivasst€mica,o plano de formagio procurou evitar uma estratura escolarizada,assegurando lima articulagaodindmice entre as onze unldades de forma- ‘do, onde se incluem os momentos de avaliagdo, entendidos ‘numa perspectivaformatva. Em liga com estas unidades, plano de formacio ¢atravessado por duas linhas verticals ‘que tém como objetivo: ~ _assegurara continuldade entre os diversos contetidos ¢ facilitar acoeréncia do plano de formasio; + estimularumareflexdo sobre os percursoseastrajetbrias individuals de formas io, + favorecer aarticulagai entre os contetidos da formagio ‘euma prética concreta enquanto gestores da formagao. ‘Apesle nha vertical onsite mama pesqutsabaseadano tlio autabiogrdfco odes hints devia trans da ual eadapartitpante proarard refer sobre o seu prio a rs Eos espagose dos momentos ue paa ele foram formadores solongodasua vida Esta abordagem acompan/iaré o conjunto do plano de for- ‘magio, constituindo uma espécie de coluna vertebral que servird de sustentdculo ao conjunto das agSes desenvolvidas durante as 400 horas de formago, ‘A segunda linha vertical (estAgio) basea-se no modelo de {nvestigaco-acdoe tem covno preocupagdo central assegurar a ligago entre os contetidos te6ricos e uma intervensao conereta no dominio da formaglo, Esse texto, extraido da brochura de apresentacao do PROSALUS 86, nao deixa quaisquer diividas quanto a impor- ‘tdncia concedida as histérias de vida no quadro deste projeto ' de formagao de gestores da formacdo para estabelecimentos e servigos do Ministério da Savide. A Antologia de Textos que agora se publica é a consequéncia légica da importéncia que essa abordagem adquiriu no ambito do PROSALUS e advém da necessidade de dar a conhecer ao piblico portugues interessado pela problemética das cincias da educagio e da formagao de adultos um conjunto de reflexdes em torno da utilizacéo das histdrias de vida (ou do método biogréfico ou das biografias educativas ou...) como instrumento de investigacao-formacao. Alguns desses textos sdo inéditos, tendo sido redigidos expressamente para esta antologia; outros sdo versées revistas ou corrigidas pelos préprios autores de trabalhos publicados recentemente. Eles procuram, por um lado, situar historica- mente 0 método biogréfico e a sua integracao no campo das ciéncias sociais e humanas; e, por outro lado, procuram ilustrar a utilizacao das histérias de vida no dom‘nio da formacao. s debates em torno da utilizagao do método biogréfico no dominio das ciéncias da educagio e da formagao de adul- tos sao relativamente recentes. No entanto, essa perspectiva metodolégica surge no final do século XIX na Alemanha, como alternativa a sociologia positivista, sendo aplicada pela primeira vez de forma sistematica pelos sociélogos americanos dos anos 1920 dos anos 1930 (Escola de Chicago). 0 método biogréfico desencadeou, no decurso da sua evolugao histérica, importantes polémicas epistemolégicas e metodolégicas, que o opuseram a uma prética positivista das ciéncias sociais. Hoje em dia, a uta pelo reconhecimento de um estatuto cientifico ao método biogréfico mantém-se bem viva, nomeadamente no campo da sociologia. O primeiro texto desta Antologia, de autoria de Franco Ferrarotti (Universidade de Roma), intitulado Sobre a aautonomia do método biogrfico, evoca os debates que marcaram a consolidacio da biografia como método auténomo de investi- gaso no interior das ciéncias sociais. Para Franco Ferrarotti, 6 necesséria uma renovacdo metodolégica, tornada inevitavel pela crise generalizada dos instrumentos heuristicos da sociologia, a qual assegure a construgao de métodos de investigagao que possibilitem um novo conhecimento sobre o homem social: 20 'Genebra), escrito para esta Antologia, Sens somos, stodooindividvo€ a respropriagfo singular do tnvversl ovale hstree que redetepodemes cenhecer ‘social a partir da espcifcidade irredutvel de urna praxis individual, £ interessante observar que a introducao do método biogréfico no dominio das ciéncias da educasao no provocou grandes debates tedricos e epistemolégicos; menos impreg- nadas do que as outras ciéncias sociais por uma perspectiva positivista, as cincias da educacao compreenderam de modo algo intuitivo a importéncia do método biografico, que se veio a revelar ndo apenas um instrumento de investigacao mas, também (e sobretudo) um instrumento de formacao. A escolha dos textos que integram esta Antologia foi orientada pela pre- ‘ocupagao de fornecer aos leitores, nomeadamente is pessoas que trabalham na érea da formacdo, um painel diversificado das varias aplicagdes que o método biografico tem suscitado no interior das ciéncias da educagao, durante os tiltimos anos, Desse modo, apés o artigo de Franco Ferrarotti, de carter introdutério, insere-se um conjunto de textos que procuram abarcar os cinco campos de investigacao e de formagao em que a aplicagéo do método biografico se tem revelado mais estimulante e frutuosa, 1 ; 0 método biogréfico permite que seja concedida uma atengao muito particular e um grande respeito pelos processos das pessoas que se formam: nisso reside uma das suas principais qualidades, que o distinguem, alids, da maior parte das outras, metodologias de investigacao em ciéncias sociais. Respeitando a natureza processual da formacdo, o método biogréfico constitui uma abordagem que possibilita ir mais longe na investigacio e nna compreensao dos processos de formagiio e dos subprocessos que o compdem. 0 texto de CHRISTINE JOSSO (Universidade de titulado Da formagdo do ‘a0 sujeito da formacdo procura justamente refletir sobre lemética, por meio da respostaa trés grandes questées: n + Que. formagao do ponto de vista do sujeito? + Comé se forma o sujeito? + Como aprende o sujeito? 2 Valorizando os processos de formagao e assumindo a totalidade da histéria de vida de uma pessoa, o método biogré- fico facilitao desenvolvimento de uma sociologia holistica da formacdo, mais adequada a especificidade de cada individuo, Enguanto instrumento de investigacao-formacio, o método bio- grafico permite considerar um conjunto alargado de elementos formadores, normalmente negligenciados pelas abordagens classicas, e, sobretudo, possibilita que cada individuo compre- enda a forma como se apropriou desses elementos formadores, O método biogrAfico permite que cada pessoa identifique na sua propria historia de vida aquilo que foi realmente formador. 0 texto de PIERRE DOMINICE (Universidade de Genebra), 0 processa de formagio alguns dos seus componentesrelacionas,sintetiza um conjunto de conhecimentos no ambito da sociologia da formacio, construidos por meio da utilizagao do método biografico, Comecando por referenciar o seu préprio percurso de investigador, que o conduziu, da avaliagao pedagégica a aborda- ‘gem biogréfica, o autor poe. tnica nas dimens6es relacionais do processo de formagao exemplificando com trés aspectos: 0 uuniverso das relacées familiares enquanto contexto de formaco; ‘Um processo de autonomizacdo relativamente a familia; A Escola ea vida profissional: outro tempo relacional da hist6ria de vida. Sublinhando aimportinciado context familiar como olugar {que marca todo processo de autonomieacio, e mostrano ‘papel desempenhado por um professor ovum interlocut ae ‘emmomentos-encruzilhada a vida, quisemos inicar que a formagio se modela através de uma socalizaco inseparével das aquisigdesescolares ou dos efeitos da formagdo contin a. 2 3 Aproblemética da autoformacdo constitui um dos eixos de investigacao mais .nteressantes no dominio da sociologia da formacao. Ora, essa problemdtica foi consideravelmente aprofundada mediante a utilizagao do método biogréfico, & medida que foi possivel um melhor conhecimento dos momen- tos e dos fatores constituintes do processo de autoformasao; alids, a pessoa que se implica numa abordagem desse género esta inevitavelmente desencadeando um processo de auto- formacdo. GASTON PINEAU publicou em 1980, com o titulo sugestivo de Vidas das histérias de vida, um livro que marca 0 inicio da utilizagao sistemética do método biogréfico no ambito da Educagio Permanente e da Formacao de Adultos. Defendendo que o impacto social das autobiografias estd intimamente ligado ao seu paradoxo epistemolégico fundamental -a unio do mais pessoal com o mais universal -, GASTON PINEAU considera as, histérias de vida como um método de investigaco-a¢o que procura estimular a autoformacdo, a medida que o esforgo pessoal de explicacio de uma dada trajet6ria de vida obriga a uma grande implicaco e contribui para uma tomada de consci- éncia individual e coletiva. No artigo inserido nesta Antologia, A autoformacao no decurso da vida: entre a hetero e a ecoformacdo, GASTON PINEAU (Universidade de Tours) resume os resultados de uma investigacio que desenvolve h4 alguns anos, baseada no método biogrfico, sobre a autoformagao: Depots doprimeiro periodoyaleocultural da heteroformacio, aque qisimpor-ae como a ol alidade da formaglo, parece des- pontar atualmente a dade neocultural da autoecoformagio, que faz do processo de formagio um processo permanente, Tialético e multiforme. 4 ‘A impossibilidade de separar a investigagao ea formagao éum dos temas centrais do quarto universo de reflexao, no qual a utilizacdo do método biografico em ciéncias da educacdo se tem revelado estimulante. Trata-se, para os autores, de situar 2B a histéria da vida de cada individuo - como, alids, 0 préprio método biogréfico enquanto fendmeno sociolégico - num determinado contexto sociopolitico e cultural. $6 por meio dessa estratégia, é possivel mostrar de que forma os fatores sociais, politicos e culturais marcaram a historia de vida de cada um e clarificar de que modo a confrontagao da pessoa com esses fatores é constitutiva de uma formacao sociopolitica, frequentemente depreciada até aos dias de hoje. contribuicio de MATTHIAS FINGER (Universidade de Genebra) a esta publi- cago, As implicacbes socioepistemolégicas do método biogrdfico, centra-se justamente num esforco de articulagio entre o método biogréfico, os aspectos sociopoliticos e a formacio da pessoa: Na sociedade a epistemologia aque uma conotasdo politica, sas 6 preciso sublinhar agul que a formagdo critica dos adultos, desde que possa realizar-se, redefine simultanca- mente 0 aspecto politico: 0 que poltco nesta concepcio Sio,sobretudo, os problemas de que as pessoas consegulram apropriar-se do uma maneira critica. 5 A formacao de formadores tem sido um dos dominios privilegiados de aplicacao do método biogréfico. 0 motivo parece dbvio: dificilmente poderemos pretender interferir na formagio dos outros, sem antes termos procurado compreen- der o nosso préprio processo de formacao. Nesse dominio, a abordagem biogréfica tem, igualmente uma dupla utilizagii por um lado, ela permite identificar as estratégias seguidas pelos formadores (uma categoria profissional que ainda nao est institucionalizada) na sua propria dindmica de formagio e na aquisigaio de competéncias técnicas especificas a fun¢io que desempenham; por outro lado, ela facilita a definicao dos saberes e das formacdes mais necessérias para 0 exercicio da fungao de formador. Alids,o método biogréfico (ou das hist6rias de vida) tem-se afirmado, de dia para dia, como uma estratégia particularmente pertinente para a formagao de formadores: duas fungées do método biogréfico, ainvestigacao e aformacio, mw surgem, de fato, como dois eixos fundamentais de qualquer projeto de formagao de formadores. 0s trés textos seguintes desta Antologia relatam experién- ; cias de utilizagdo do método biogréfico no Ambito da forma¢ao Ue formadores. Sao textos-com uma forte componente prtica e metodolégica que procuram ilustrar a aplicago concreta dessa abordagem. [Narrativa de formagoe formagio de formadores:tal 6 titulo do artigo que Adale Chené (Universidade de Montreal) teve a gentileza de redigir para esta Antologia, no qual relata uma experiéncia de investiga¢ao-formacao realizada no quadro de um programa universitério de formacao profissional de formadores de adultos ao nivel de mestrado: ‘As potencialidades da narrativa de formagdo para aforma- do do formador parecem-me mais do que confirmadas, Teoricamente, a narrativa leva & compreensio do percurso deformasio, Na pritca, permite iguelmente que encontreo seuprojto de ser ese forme através da das figuras que assume no tempo danarraglo, ee reaproprie do ulgemento de competencia sabre st proprio. Um outro contributo de PIERRE DOMINICE (Universidade de Genebra) centra-se sobre A biografia educativa: instrumento de investigagao para a educagio de adultos. A partir de uma expe- rigncia de formacio realizada no quadro de um semindrio da Universidade de Genebra consagrado ao trabalho biogratico, “Da adolescéncia a vida adulta: historia de vida e formaco", PIERRE DOMINICE equaciona um conjunto de problemas metodolégicos ligados: & biografia educativae & compreensio dos processos de formagao, & integracdo do estudo biogréfico num contexto de formagao continua e a elaboracao de biografias educativas em grupo. O autor termina o seu artigo sublinhandoanecessidade de conjugar duas exigéncias aparentemente contraditérias para assegurar o sucesso da abordagem biogréfica: a implicagaoe 0 distanciamento do investigador. 25 Finalmente, num texto de ANTONIO NOVOA (Universidade de Lisboa), A formagdo tem de passar por aqui - as historias de vida no projeto PROSALUS esboca-se um primeiro balano da utilizagio do método biografico no quadro de PROSALUS i. A partir do conceito de autoformacao participada, o autor desenvolve uma reflexdo essencialmente metodolégica sobre as potencialidades e os limites do método biografico no ambito da formacao de formadores, insistindo em trés ideias: as his- térias de vida constroem-se numa perspectiva retroativa (do presente para o passado) e procuram projetar-se no futuro: a formagao deve ser entendida como uma tomada de consciéncia reflexiva (presente) de toda uma trajetéria de vida percorrida no passado; é fundamental que a abordagem biogréfica nio deslize no sentido de favorecer uma atitude “intimista” (e n.io participada), & medida que tal poderia dificultar a meta teérica a atingir, isto é, a compreensdo a partir da histéria de vida de cada um do processo de formacio dos adultos, © texto final desta Antologia foi escrito por PIERRE DOMINICE (Universidade de Genebra). 0 que a vida Ihes ensinow € obalanco possivel, no estado atual do conhecimento cien'{- fico, da contribuigao do método biogréfico para as ciéncias da educagao, de uma forma geral, e para aformacao de adultos, em particular. Procurando identificar processos especificos no seio do processo global de formacio dos adultos, Pierre Dominicé sustenta a ideia de que existe uma dinfmica de conjunto no interior da qual tém lugar construgées particulares, e prope que a abordagem biogréfica no constitua “mais uma disciplin ‘mas intervenha na encruzilhada de um plano de estudos, tanto para orientar as diversas opges académicas, como para lhes dar um sentido global: “Quem sabe se 14 chegaremos umn di? A biografia educativa seria entdo decerto um instrumento de formacao, depois de ter sido considerada prioritariamente de investigacao! Por tiltimo, insere-se nesta Antologia uma Bibliografia sobre as histérias de vida, da nossa responsabilidade. Trata-se de unia bibliografia bastante sucinta que pretende apenas fornecer «io 6 leitor portugues algumas obras de referencia nesse dominio e facilitar-Ihe o acesso aos autores principais nessa matéria. Ao longo da Antologia, poderd oleitor encontrar outras referéncias bibliogréficas, apresentadas pelos autores dos diversos textos, Esperamos que esta Antologia de textos dé uma visio global sobre a aplicacao do método biogréfico no dominio da formacao de adultos, tanto nas reflexes teéricas que tem suscitado, como nas utilizagdes préticas que tem desencade- ado, Num certo sentido, pensamos que esta publicagao é um retrato das investigagées atuais nesse dominio: as (Imensas) potencialidades do método biogrfico mas também as suas (ainda) grandes fragilidades “atravessam” toda a Antologia. Que ela faculte ao leitor portugues 0 acesso a um conjunto de reflexées ainda pouco conhecidas entre nés, e, sobretudo, que ela crie nas pessoas que trabalham no dominio da formago uma ape- téncia por essa problemética, tais so os nossos dois objetivos, simultaneamente modestos ¢ audaciosos. Na certeza de que, como se escreve na brochura de lancamento do PROSALUS 86, citando Pierre Dominicé ~ a quem manifestamos o nosso piiblico reconhecimento pelo papel primordial que desempenhou na nossa “iniciacdo” a abordagem biogrtica e pelo apoio que nunca nos regateou a esta caminhada coletiva de reflexdo: Mesmo quando uma acio educativa se revelaformadora,si0 na realidade os préprios adultos que se formam. A formagdo pertence, de fato, a quem se forma. £ verdade que todo 0 ‘Multo depende de apoios extriores: le €ajudadoe apolado Por outres, ea sua formagso acompanha o percurso da sua Socializaglo. Mas, em iltime andlise, tudo se decide numa [6glea de apropriagioindividval,cwja explicagdoteérica nem sempre 6 possve Matthias Finger (Universidade de Genebra) Anténio Novoa (Universidade de Lisboa) a Sobre a autonomia do método biografico! Franco Ferrarotti (Universidade de Roma) I Como estava interessado nas consequéncias humanas do desen- volvimento econémico e da modernizacao técnica, dei inicio a tima recolha sistematica de materiais biogréficos no sul da Itélia, nos anos 1950. A minha intenc&o, ou antes, a minha esperanca, era encontrar, por meio dessas pesquisas, uma solucdo positiva para as insuficiéncias das investigagSes sociolégicas feitas com a ajuda de questiondrios estruturados rigidamente. H4 muito tempo tinha a impressao de que essas investigacSes, se bem que rigorosas do ponto de vista metodolégico-formal, consideravam. geralmente resolvidos problemas que nem sequer tinham sido abordados. 0 que me impressionava era o cardter sintético da nar- rativa autobiogréfica, Mas ao mesmo tempo tinha consciéncia do perigo litersrio, ou seja, de ver na biografia especifica um destino absoluto e irredutfvel, e, por isso, procurei relacionar cuidadosamente a biografia individual com as caracteristicas globais da situacao histérica “datada e vivida’. Nesse contexto, as biografias individuais tinham como objetivo a ilustracdo do corte entre o mundo camponés e a sociedade técnica. Esse corte nao era sé um conceito, estava personificado em tipos especificos que os materiais biograficos pormenorizavam (ver, por exemplo, p. 388-391 do meu Trattato di sociolagia. Turim: Utet, 1968). Foi durante a pesquisa no terreno que a ideia de uma “sociologia como participacao” comegou pouco a pouco a 1 Texto publicado em Duvignaud, Jean (Coord). Sociologie de la con- naissance, Paris: Payot, 1979, p. 131-152 2 Sobrea autonomia do métodobigrélca claborar-se enquanto abordagem metodolégica metamecani camente e alternativa (ver FE. La sociologia come partecipazione. ‘Turim: Taylor, 1961),Mas foi apenas em Vite dibaraccat (Liguori, Népoles, 1976) que desenvolvi a minha critica de Oscar Lewis ¢ que finalmente propus o estudo da “biografia do grupo primé- rio" como resumo e “contragao aoristica” de uma determinada situagao histérica. Tornaram-se entdo evidentes, para mim, certos principios teéricos gerais. | — As razGes de um “revival” Hé alguns anos que o debate teérico sobre 0 método biogréfico conhece uma divulgacio surpreendente. Em nossa opiniao, o interesse crescente pelo uso socioldgico da biogra‘ia responde a uma dupla exigéncia: a) A necessidade de uma renovacao metodolégica, provo- cada pela crise generalizada dos instrumentos heuristicos da sociologia: a metodologia classica das ciéncias sociais -0 “Santo Método”, comv diz ironicamente Gouldner - j4 ndo tem boa reputacdo, Cada vez mais numerosas, as “listas de reclamagdes” cerguem-se contra os seus dois axiomas fundamentais: a objetivi- dade ea intencionalidade nomotética. “Em geral, s6 observamos bem quando nos colocamos de fora’, escreveu A. Comte. Mas © esforco feito para integrar a sociologia no campo das cién- cias da natureza conduziu apenas a um método escoldstico. A técnicas cada vez mais sofisticadas ndo corresponde nenhum crescimento real do conhecimento sociol6gico. Lamentamos demasiadas vezes as metodologias ingénuas dos cldssicos, que nao dissolviam o social em fragmentos heterogéneos e con- servavam a plenitude concreta e a unidade sintética do seu objeto. Por trés da énfase metodolégica, vemos esbocar-se, ou triunfar, uma nova identidade e uma certa funcéo ideolégica do socidlogo e da sociologia: o sociélogo torna-se o técnico de um social, cujos fundamentos e estruturas ndo devem por em questio; asociologia apresenta-se como um sistema de técnicas neutras de intervencdo - 0 social engineering. Franco Ferartt Entdo, nos setores mais criticos da sociologia, pée-se em causa o axioma da objetividade, que funda o método. Essa nova interrogacdo sobre a separacdo sujeito-objeto tor- na-se uma investigacao sistemética para outras abordagens. Desenvolvem-se esforcos para reintegrar o observador no fra- ‘mework epistemolégico da sociologia. Nega-se a passividade coisificada que o Método atribui 4 “coisa” social. Essa divida hiperbélica vai mais longe. Declara-se contra a hegemonia da intencionalidade nomotética. A pesquisa das “eis” sociais tropecou com dificuldades crescentes, por vezes com verdadeiras aporias. Nem por isso ela deixa de constituir ppara a maioria dos socidlogos a pedra de toque da cientifici- dade da sociologia, As suas criticas sublinham com vigor a inutilidade heuristica e o formalismo dessas leis. Reivindicam o direito ao concreto. Afirmam a historicidade imanente a todo ato social e a sua especificidade irredutivel, da qual sé uma intencionalidade ideografica pode dar conta, Acritica & objetividade e A nomotetia, que caracterizam a epistemologia sociol6gica, teve como consequéncia a valorizacao crescente de uma metodologia mais ou menos alternativa: 0 método biografico, b) Aexigéncia de uma nova antropologia, que aparece no “capitalismo avancado”” Trata-se, mais uma vez, da necessidade do concreto; as grandes explicacées estruturais, construidas a partir de categorias muito gerais, nao satisfazem os seus desti- natérios. As pessoas querem compreender a sua vida cotidiana, as suas dificuldades e contradigSes, ¢ as tensdes e problemas que lhes impde. Desse modo, exigem uma ciéncia das media- ‘gSes que traduza as estruturas sociais em comportamentos individuais ou microssociais. Como é que as estruturas e as dinamicas sociaisforjam um sonho, um ato falho, uma psicose, um comportamento individual, a relacdo concreta entre dois individuos? A sociologia classica ¢ impotente para compreender e satisfazer essa necessidade de uma hermenéutica social do campo psicolégico individual. Propde correlacdes constantes e a Sobre autonomia do métadobiogafico gerais, em que seriam necessdrias pontes que ligassem a histo- Ticidade absoluta de um ato A generalidade de uma estrutura, Estabelece variagdes concomitantes entre uma taxonomia dos comportamentos individuais e taxonomias sociais,em que seria preciso uma imbricagao ininterrupta de hipdteses genético- condicionais, que fossem de um ato ou de um acontecimento a.uma estrutura, por meio de uma rede de mediacées sociais. Ora, a biografia que se torna instrumento sociolégico parece poder vir a assegurar essa mediagdo do ato destrutura, de uma hist6ria individual & histéria social. A biografia parece implicar aconstrucdo de um sistema de relagdes ea possibilidade de uma teoria nao formal, histérica e concreta, de aco social. Uma teoria que preencheria o “corte epistemoldgico”, que, segundo Althusser, divide inelutavelmente o dominio do psicolégico e 0 dominio do social. Uma teoria que, portanto, corresponde as necessidades mais urgentes de outras ciéncias humanas que procuram p6r-se criticamente em questo: a psicologia, a psiquiatria, a psicanilise. Crise do método, exigéncia de uma hermenéutica social dos atos individuais concretos: 0 método biografico situa-se numa encruzilhada da investigacdo tedrica e metodolégica das ciéncias do homem. I - As metamorfoses do método biografico Antes de esbocarmos as linhas gerais de um método biogréfico critico, devemos interrogar-nos sobre 0 uso que os. socidlogos fizeram das biografias. a) 0 método biogréfico apresenta-se, logo a partida, como uma aposta cientifica. Essa aposta tem dois aspectos “escandalosos”: + 0 método biogréfico pretende atribuir & subjetividade um valor de conhecimento. Uma biografia é subjetiva a varios niveis.Lé arealidade social do ponto de vista de um individuo historicamente determinado. Baseia-se em ele- mentos e materiais na maioria dos casos autobiogréficos Franco Ferartt ¢, portanto, exposto as inimeras deformagdes de um sujeito-objeto que se observa e se reencontra, Situa-se frequentemente no quadro de uma interacio pessoal (entrevista); no caso de uma qualquer narrativa biogr’- fica, essa interacao € bastante mais densa e complexa que as relacdes observador-observado admitidas pelo Método: cooptacao do observador, na verdade do obser- vado, mecanismos de manipulacao reciproces dificilmente controlaveis, auséncia de pontos de referencia objetivos, etcs + ométodo biogréfico situa-se para além de toda a metodo- Jogia quantitativa e experimental, Os elementos quanti- ficéveis de uma biografia so geralmente bastante pouco ‘numerosos e marginais: a biografia provém quase intei- ramente do dominio do qualitativo, De resto, no vemos como é que a Idgica do método experimental poderia aplicar-se & biografia. Como é que'a histéria de uma vida, 0 Erlebnis de um comportamento, pode confirmar ounegar uma dada hipotese geral? Tentoti-se nos Estados Unidos, mas com resultados bem pobres... Subjetivo, qualitativo, alheio a todo o esquema hipétese- verificacao, o método biografico projeta-se A partida fora do quadro epistemolégico estabelecido das ciéncias sociais. A sociologia néo aceitou o desafio que Ihe era lancado por essa diversidade epistemoldgicaefez tudo para reconduzir o método biogréfico para interior do quadro tradicional. Ea que preco! Por meio de um duplo desvio epistemolégico e metodolégico, procurou-se utilizar 0 método biogréfico, anulando completa- mente a sua especificidade heuristica, b) Esse empobrecimento epistemolégico da biografia traduziu-se frequentemente na sua redugio a um conjunto de materiais biogréficos justapostos. Uma vez quebrada a sua unicidade sintética, a biografia torna-se um simples “proto- colo em bruto” do conhecimento sociolégico. Protocolo que 3s sobre aautonama do métodobior ico a elaboracio sucessiva do sociélogo traduziré numa série die informagées, frequentemente fragmentarias, sempre parcia's, Essa reduco ndo reconhece a biografia qualquer auto- nomia heuristica real. A biografia no passa do vefculo ¢ suporte concentrado de informagées de base que nao teriam qualquer valor nem qualquer significado em si: ficha sociol- gica personalizada, que oferece uma série de dados titeis se 2 anilise volta a colocé-los no quadro de uma interpretag.io muito mais geral. Segundo a expressio corrente, de uma série de biografias “extraem-se” elementos, problemas, hipéteses ¢ informagGes. Uma segunda fase de investigacao ultrapassar ¢ reintegrard tudo isso num quadro interpretativo mais vasto, que uma metodologia realmente cientifica se encarregard «le verificar. Utilizam-se as biografias “para saber”, insiste-se em no as considerar como um saber organizado, mas critico, que 6 preciso aprender a decifrar. Esse uso da biografia como fonte de informagées é evi- dentemente legitimo e, par vezes, necess4rio (pensamos, por exemplo, na reconstrucao de antigos oicios};nao pode confun- dir-se com a especificidade heuristica do método biografico; pertence, antes, Aatitude factual dos historiadores sociais que recorrem a fontes orais. ©) 0 empobrecimento epistemolégico do método bio- grdfico assumiu ainda uma segunda forma, bastante mois sofisticada: a redugao da biografia a uma simples “fatia de vid" social utilizavel como exemplo, caso ou ilustracao, num quadro interpretativo situado a um nivel mais elevado de abstracao. Ora, a fungao de “casos” oude “exemplos” esconde tola tumia epistemologia, A utilizac4o do concreto como exemplo ‘implica um framework interpretativo formalista. A ruptura Iégica que opée a forma (abstrata) ao contetido (concreto) escrita do que foi pensado por meio dos debates com 6 grupo e com os animadores. ‘Nunca ser demais dizermos que as modalidades de tra- balho propostas pelos animadores ndo sao formadoras em sie que no passam de oportunidades oferecidas aos estudantes, que alguns utilizarao e outros nao. £ por isso que 0 conjunto dos passos dados exige momentos no decurso dos quais os animadores pedem a cada um para explicitar.onde se encontra sha etapa em curso, a fim de poderem situar a sua posicfo na aprendizagem. No termo dessa etapa, os participantes do semindrio deveriam, no melhor dos casos, ter passado da interrogagio da formacao, tal como foi desenvolvida pelos animadores, 20 questionamento da sua prépria formacdo. Repitamos que esse « questionamento é especifico de cada um: alguns abordam pela primeira vez uma reflexdo sobre o seu percurso de vida, 0 seu questionamento é global; outros jé refletiram no seu percurso por sua prépria iniciativa ou por altura de um estudo analitico ¢ formulam questes mais precisas sobre o que foi formador na Sua vida; outros, ainda, continuam ainterrogar-se sobre as ideias ‘que os animadores introduziram e falam da sua dificuldade em imaginar o que pode ser a sua narrativa de vida, centrada /ormacao. Esse momento é importante para os animadores, pois permitir-lhes-4 trabalhar com cada um exatamente no ponto em que este se situa. “A descoberta da singularidade dos percursos de formacao Nesta segunda etapa, cada participante constréi o seu percurso de formacio e escreve a sua narrativa, tempo de narrativa oral, que desencadeia esta etapa, ¢ umn necessdrio A mobilizacao das recordacdes e a sua seld¢ao e ordenacao num continuum, quase sempre cronolégico, Mmedida que a narrativa é uma construcdo que tem lugar num N “s 6a Mati- Christine oso processo de reflexo, convém ordenar o tempo da maturagdo e oda rememoracdo; é por isso que a escrita da narrativa encerra esta etapa e que se pede aos estudantes para nio se precipitarem a escrevé-la, apés 0 termo da apresentagao oral do seu percurso de formacao. ‘A maioria dos participantes preocupa-se tanto com a objetividade do que vai narrar como com a exaustividade da sua narrativa, No decurso dos trés meses necessérios 3 audigo das narrativas, tomam consciéncia de que a rememoracéo éum processo associativo que se refina e se enriquece com as outras narrativas e com as questées suscitadas por cada narrativa, tanto da parte dos animadores como dos participantes. Alguns tomam também conscigncia de que a objetividade da narrativa é uma ilusdo e de que o interesse da construgao do percurso reside precisamente no seu cardter eminentemente subjetivo; sso, visto que se trata de conhecer e compreender os significados que cada um atribui ou atribuiu em cada perfodo da sua existéncia aos acontecimentos e situacdes que viveu. Sao precisamente essas. interpretagSes que alimentam as representaySes que fazem de si mesmos e dos contextos nos quais evoluiram, Dado que a narragao se efetua em grupo, afaculdade de rememoragao e de atribuicao de sentido funciona num duplo movimento de identificagao/distanciamento entre as narrativas. Cada narrativa permite que constatemos em que é que nesta ou naquela semelhanga hd uma diferenca e em que & que no préprio niicleo de tal ou tal diferenca ha uma semelhanca possivel. £, portanto, gracas a esse mecanismo de funcionamento do intelecto, utilizado pelos animadores pelos estudantes, que a narrativa se apura, precisando-se, e que surge a singularidade da narrativa de cada um e do sujeito que a constréi. Nesta etapa, o processo de reflex caracteriza-se pela mobilizagao da meméria, pelo jogo discriminativo do pensa- mento e pela ordenacao por meio da linguagem, da atividade interior do sujeito. Assim, essa subjetividade em acdo efetua 65 1a formacdo do sje. A sujet da ormagzo haos seus préprios movimentos um trabalho de objetivacao, ' ientendido aqui nos dois seguintes sentidos: por um lado, como passagem da atividade mental interior para a sua transmissao pela linguagem; por outro, como passagem de um “vivido", no qual se encontra uma aglutinacdo de emogées, sentimentes, imagens e ideias, a uma ordenago desses componentes, | para que a narrativa seja inteligivel para um terceiro. Esse trabalho de objetivacdo provoca um distanclamento do suleto face asi mesmo na passagem A Linguagem (serd que as minhas palavras exprimem o meu pensamento?) ena inter- rogacdo compreensiva - eminentemente sincrética - da parte dos ouvintes dos significados que essa linguagem veicula (que sentido dow a tal ou a tal expressio?). Nesse ponto, insistamos na atitude nao interpretativa das reacSese das questées levantad.s a propésito da narrativa de um terceiro. Quando formula um {juizo critico sobre uma outra narrativa, o participante regress a ‘si mesmo, 4 medida que sé pode projetar na vida de um outro os. seus préprioscritérios. Ou seja trabalhamos com preocupag io constante de evitar os juizos e as interpretacdes selvagens que nio s6 bloqueariam a confianca indispensavel 20 desenrolr da experiéncia, como impediriam o processo reflexivo, pon:io fim ao processo de elaboracao de sentido. As abordagens ditas de psicologia humanista realcaram muito os efeitos perversos desse tipo de “perspectiva fechada’, por meio de noges como o cendrio de vida, o destino familiar ou a programacao. Assim, a ordenagao do percurso de formagio numa nar- rativa periodizada é um trabalho simultaneamente individual e autopoiético” e obra coletiva. Damos muita importincia aessa articulagao no nosso método de trabalho, pois pensamos que cla éaordenaco, na nossa situacao particular, do que caracteria 9 MATURANA,H, Stratégies cogntives, piginas 418eseguintes. ATLAN, H, Conscience et désirs dans des systémes auto-orgenisateurs, cm Eunité de homme. Centre de Royaumont, Pars: Seull, 1979p. £19, ct seg. MORIN, E. La vie dans la vie. Paris: Seuil, 1984. p. 104-130, 66 Marie-Christine Josso toda a produgdo de conhecimento. Concretamente, permite a introdugao da ideia de que essa produgao é um processo con- sensual ea desmistificacao da ideia correntemente verbalizada de uma objetividade cientifica in abstracto, Depois de termos descrito o que caracteriza 0 processo reflexivo nesta etapa, terminaremos apresentando os materiais ‘com 0s quais se constroem as narrativas e propondo uma clas- sificagao geral e proviséria de “em que é que os componentes das narrativas foram entendidos como formadores”. ‘Tomada na sua globalidade, a narrativa articula peri- odos da existéncia que reiiem varios “fatos” considerados formadores. A articulagao entre e:ses periodos efetua-se em torno de “momentos-chafneira”, designados como tal porque o sujeito escolheu ~sentiu-se obrigado a- uma reorientacéona sua maneira de se comportar, e/ou na sua maneira de pensar © seu meio ambiente, e/ou de pensar em si por meio de novas atividades. Esses momentos de reorientagao articulam-se com situagées de conflito, e/ou com mudancas de estatuto social, e/ou com relacdes humanas particularmente intensas, e/ou com acontecimentos socioculturais (familiares, profissionais, politicos, econémicos). ‘Nesses momentos-charneira, o sujeito confronta-se con- sigomesmo. A descontinuidade que vive impée-lhe transforma- ges mais ou menos profundas e amplas. Surgem-Ihe perdas e ganhos e, nas nossas interagées, interrogamos o que 0 sujeito fez. consigo, ou o que mobilizou a si mesmo para se adaptar & mudanga, evité-la ou repetir-se na mudanga. Na totalidade das narrativas, as perdas e os ganhos de qualquer natureza e amplitude mostram que o sujeito entra em contenda com uma dupla légica: a da individualidade que procura exprimir-se e a da coletivicade que exige em nome de normas e impde em nome de regras do jogo; mas também entre ‘© que o sujeito pensa que se espera dele para ser reconhecido ‘e aquilo que acredita querer ser ou tornar-se para ser autenti- camente ele préprio, Damos muita importncia 4 compreensio o ES a Fomago do sult. Ao sujet da formacso desses momentos-charneira, pois os consideramos momentos privilegiados das narrativas, em que a dinmica do sujeito se explicita, 0 que provoca a abertura de uma via de acesso a0 processo de formacao que seré trabalhado na terceira etapa. Para fazermos a sintese do “em que é que” as situagdes, as relagées, as atividades e os acontecimentos narrados foram formadores, utilizaremos o conceito de integracdo no qual fomos introduzidos por C. GATTEGNO®, conceito que nos parece particularmente operatério para a compreensao dos processos de formacfo: formamo-nos quando integramos na nossa cons- cigncia, e nas nossas atividades, aprendizagens, descobertas e significados efetuados de maneira fortuita ou organizada, em qualquer espaco social, na intimidade com nés préprios ou com a natureza. \ Na sua narrativa, e por ocasidio dos nossos debates, os estudantes falam de competéncias diversas, adquiridas de diferentes maneiras, tanto pessoais - emotivas, afetivas, inte- lectuais - como técnicas - saber desembaracar-se com objetos e procedimentos sociais -, ou relacionais ~ estilo de vida e de conviviabilidade. Falam também de conhecimentos: quer se trate da descoberta de fatos humanos e sociais, cuja existéncia thes era desconhecida, quer se trate da tomada de consciéncia de significados novos e enriquecedores para a conipreensio de si préprios ou do ambiente que os rodeia, Em todos os casos, ‘um “gene”, um “choque”, uma curiosidade, a maturacio de uma questo ou ainda de um exercicio efetuado com perseveranca esto na origem dessas competéncias, descobertase significados. Para terminarmos esta etapa, gostarfamos de assinalar que a nossa experiéncia deste ano foi ainda mais rica, porque a 30 Dutemps, 4 volumes, semindrio dirigdo por C. GATTEGNO, Une école pourdemaln, Lyon, 1979, Des énergies.3 volumes, seminériodirigido Por. GATTEGRO, Une école pour Demain, Lyon, 1982.De Matuition, Seminario dirigido por C. GATTEGNO, Une école pour Demain. Lyon, 1978.Le cerveau,semindri dirigid por C. GATTEGNO, Bulletin de Liaison de Face al'Education. Genebra,n.1-4, 976, MARCAULT,}.Es ‘BROSSE, Dr. Th Léducation pour demain. Paris aican, 1939, 68 Marle-Chlstine Joss0 composigao do grupo era intercultural: tinhamos nao s6 dife- rentes nacionalidades ocidentais (suica, francesa e americana) como também uma chinesa de Macau e um refugiado haitiano, que partilhou conosco a sua alegria pelo fim da ditadura de Duvalier. As confrontagdes culturais originadas por essa com- posi¢do enriqueceram consideravelmente a reflexao de cada um sobre os valores e as visées do mundo que estruturam as nossas individualidades, Dos percursos de formaco aos processos de formacio Adiltima etapa é consagrada & reflexao sobre o percurso de formacdo em termos de dinmicas. Desta vez a narrativa é trabalhada com a preocupagao da explicitacdo dos fios con- dutores que permitem compreender os encadeamentos dos perfodos entre eles. Mais precisamente, trata-se de utilizar a entrada que nos é fornecida pelos ganhos e perdas que se exprimem nos momentos de orientacao, a fim de: + porumlado, se compreender a dinamica do sujeito na sua maneira de fazer escolhas ou de se deixar ir, de reagir aos acontecimentos e de orientar a sua existéncia em cada periodo. Nesse aspecto do proceso de formagao, tentamos igualmente que o sujeito explicite as transformages que operou por meio das aprendizagens e conhecimentos especificos dos contextos (situagdes, acontecimentos, interagées e atividades) de cada perfodo; + poroutro lado, se caracterizarem os temas com os quais o sujeito entrou em confronto nas suas escolhas,orientacdes € reages, O nosso objetivo é compreender os “motivos” = para usarmos uma nogo do dominio das artes e da literatura - por meio dos quais se manifestou ou tomou forma a dinamica do sujeito, Nesta etapa, o processo de reflexio caracteriza-se pelo uso da capacidade de abstracao face a descricdo casufstica, 69 a formagio do sujet. . Aolsyeito da formagio a fim de compreender o que foi estruturante e mobilizador para o sujeito. A singularidade de cada percurso serve para ilustrar, por intermédio de uma configuracdo particular, uma ideia geral que deve dar a cada participante uma compree- sdo suplementar e enriquecer as significacdes anteriormente atribufdas, assumindo-se simultaneamente como um momento do préprio proceso. tema gerador'* que escolhemos trabalhar como referén- cia dos diferentes “motivos” é 0 das relagdes entre o individual e ocoletivo, Esse tema é considerado gerador de um consenso, & ‘medida que pertence ao horizonte de reflexao dos participantes, visto que surgem frequentemente nas suas intervengées para designarem uma dialética que atravessa a sua existéncia. E também considerado gerador no sentido em que uma reflex.io sobre o que abarca dard origem a significados novos. 0s “motives” integrados neste tema geral so 0s seguint-s: 1 autonomizacao/conformizaca 2. responsabilizagdo/dependéncia; | 3 interioridade/exterioridade. 1. Autonomizacao/conformizacao Oequilibrio entre a busca de autonomia e de conformidade pode aparecer em momentos muito diferentes nas narrativi's. Por vezes, desde a infancia, como a estudante chinesa que a mie superprotegia, porque a considerava de satide fragil, e que teimou em recusar a marginalizacdo que essa superprotec.io implicava, efetuando por iniciativa prépria aprendizagens que tomava a peito. Como a estudante americana que se aplica a desenvolver o seu sentido de iniciativa e de criatividade, seguindo ao mesmo tempo escrupulosamente os conselhos de orientacao dos pais. Ou ainda como a estudante sufca que, 11 EstanogloédeP Freire, consultar:FREIRE,P.Pedagogia del oprimido. Montevideu: Tlerra Nueva, 1971, FREIRE, P, Léducation: pratique de Iaiberte, Cerf, 1971, 0 Marie-Christine osso paralelamente & conformizagao cor as expectativas familiares, criao seu universo imagindrio alimentado de sonhos, de leituras e de misica, Essa dialética manifesta-se por vezes no momento das escolhas da escolaridude pés-obrigitoria ou de orientacéo pro- fissional, entre a preocupacao de se responder as expectativas familiares e a de se seguir os préprios desejos. Encontramo-la novamente sob a forma de uma proble- mitica feminista, quando se trata de definir que mulher se quer ou nao ser. Encontramo-la igualmente nos momentos em que as relagdes de poder interferem explicitamente com a vontade do sujeito, a maior parte das vezes na vida profissional. Encontramo-la por fim nos esforsos feitos pessoalmente para se conseguir um distanciamento das ideias recebidas ou adotadas num momento da vida, por raz6es afetivas. ‘uma vez surgida, essa dialética permaneceré uma pre- cocupacio do sujeito, que procurard generalizé-la a todas as dimensdes da sua vida. Quer se jogue num plano material (autonomia financeira ou abandono da casa familiar e até mesmo da regido ou do pais), num plano sociocultural (distanciamento do estilo de vida familiar ou abandono do estatuto social de corigem por meio de uma escolha profissional ou ainda aban- dono da religido da infancia e da adolescéncia), ou no plano psicelégico (controle das emogées, partida em busca de uma nova viséo do mundo ou aprender a pensar pela prépria cabeca), © jogo da autonomizacao desejada face a uma conformizacao esperada pelo meio ambiente é 0 “motivo” mais representativo dos processos de formacao. 2, Responsabilizacao/dependéncia O equilibrio entre a aceitagao de responsabilidades e uma posiséo de dependéncia pode estar presente juntamente com Pa autonombragdo/conformizecho, mas tansbém pode surgir independentemente dele. Pode aparecer muito cedo, na infaincia, ” a formagto do uj. sujet da furmagso como no caso da estudante suiga, que com ele se confrontou por meio de uma escolaridade baseada no método Freinet, ou muito mais tarde, no percurso profissional, por meio de uma promocdo, ou ainda na capacidade de iniciativas no seio da ati- ‘Vidade profissional, ou, enfim, por meio de um empenhamento politico, Afinal de contas, essa aceitacao de responsabilidade exprime uma maneira de a pessoa se posicionar na comunidade de vida e também face & sua prépria existéncia como um ser que assume as suas escolhas, os seus comportamentos eas suas ideias, qualquer que seja o preco social ou afetivo. Interioridade/exterioridade ‘A dialética entre aquilo aque Jung chama o ewe persona” encontra-se por vezes presente muito cedo na existéncia, como no caso da estudante que, desde a escolaridade obrigatoria, estabelece uma distingao entre o seu mundo interior e o que deve fazer para satisfazer 0 seu papel de crianca na familia e na escola, [Aparece também na adolescéncia, no momento em que se toma consciéncia da necessidade de um jogo social para se alcangarem os objetivos préprios. Mas emerge mais frequente- mente quando o sujeito toma consciéncia de que a sua realiza- Gao na atividade profissional é incompleta ¢/ou insatisfat6ria. Trata-se, entao, de encontrar outras atividades por meio das quais 0 sujeito poder realizar aspiragées que nao tiveram 0 seu lugar na profissao. Pode também se tratar da definicdo de um projeto de vida no qual aatividade profissional terd um lugar menor ou um lugar ‘mais justo. 0 encontro do companheiro ou da companheira, 0 nascimento do primeiro filho so frequentemente momentos de desinvestimento relativo da atividade profissional. Oarranque de uma nova formagao - como, por exemplo, a presenga na universidade ~ pode também ser a expresso de 12 JUNG,C. C.Dlalectique du mol et de linconscient. Paris: Gallimard; Idées, 1985. n Marie-Christine oso uma necessidade de reequilfbrio e/ou de se ir além do que 6 agora conhecido e dominado. As mudangas de profissdo tém igualmente a sua raiz na tomada de consciéncia de que o sujeito ainda ndo esgotou 6 seu potencial ou se sente tentado pelo desenvolvimento de novas’ competéncias. Em todos esses casos, os sujeitos exprimem a sua cons- ciéncia de que a sua personalidade “exteriormente” expressa nao & sendo a parte visivel de um iceberg e de que o seu ser ultrapassa essas formas particulares. Para terminarmos esta sintese sobre os “motivos” do « processo de formacio, abordaremos resumidamente" a questo dos seus fundamentos. Ao longo das interacSes sobre as narra- tivas, a propésito dos processos de formagao, chegamos &ideia de que a importncia (positiva ou negativa) dada as nogées de autonomizacdo, conformizacao, dependéncia, responsabiliza- ¢4o, projeto de vida e desenvolvimento das potencialidades préprias estava ligada a valorizacdes que adquiriam sentido e encontravam a sua legitimidade em concepgées de vida ou visdes do mundo. Assim, areflexio sobre o processo de formagio desemboca numa interrogagao direta sobre o processo de conhecimento, por meio da procura de respostas 4 pergunta: “como é que eu tenho as ideias que tenho?” Essa interrogacao sobre a epistemologia do sujeito que se questiona a si préprio introduz na reflexao sobre © processo de formagao um cfrculo de retroacdio que permite compreender o caréter formador da abordagem que propomos aos nossos estudantes. As interpretacées as quais cada um chega por meio desse trabalho so, por seu lado, postas em questo, 15 Oseminviocontémentre 2729s conform ones. Assess icadas aos percursos de formacio e aos processes de formar de cada um ocupam dois tergos do tempo. A passagem do processo de formagio ao processo de conhecimento intervém,logieamente, ‘quando o trabalho sobre os processos de formagio pode acsbar, 0 4ueexplicaa fata de tempo & disposi. £ por isso que virias vezes Sugerimos conceber anossaaboragem em dois anos académlcos. 6 a frmagio do salto. sujet da formagso nao na sua legitimidade, mas na sua génese e consequénciis sobre a trajetéria do sujeito. Para aqueles que chegaram até essa etapa da reflexdo, 0 proceso de conhecimento sobre 0 processo de formacio, iniciado no nosso semindrio, gera umia abertura na sua relag&o com os saberes. Essa abertura implica-os diretamente como sujeitos que utilizam os referenciais que edificaram e dos quais se apropriaram no seu percurso de vica, para construirem significados que nao tém outra legitimidasle sendo a de serem o resultado pensado das suas experiéncias. A sua relacao com o saber universitdrio pode ser questionada por esse meio, contribuindo para uma compreensio mais exata.¢ até inovadora, sobre as razées que os levam a procurarformaciio. © segundo aspecto do processo de formagio que abor- amos no fim do semindrio, sem poder consagrar-lhe tolo © tempo necessario, é o da dinamica do sujeito enquanto ser psicossomitico que, pela multiplicidade das suas aprendizagens, forja em si qualidades e competéncias que sao “atributos” que ru se dew a si proprio no decurso das suas aprendizagens'. Embora tenhamos feito - e continuemos a fazer - nds préprias um trabalho de inventério dessas qualidades e com- peténcias", estamos completamente conscientes de que se trata da parte mais dificil do trabalho de reflexdo sobre a prépria pessoa. Desse modo, néo é para admirar que os nossos estudantes tenham sentido dificuldades em enumeré-las no prazo que lies era concedido. Mas eis algumas pistas que, apesar de tudo, os estudantes nos forneceram: + noque diz respeito as qualidades:a vontade e a perseve- ranga,a concentracdo numa tarefa, a abertura de espirito para deixarmos que nos interroguem, a curiosidade face a0 nosso meio ambiente e ao dos outros, a sociabilidade, atolerdncia. 14 CEinota (@)GATTEGNO,C, La conscience de a conscience. Neuchitel, ‘Suiga: Delachaux; Niesté, 1967. 15 Trabalhonaobservagdo das minhas qualidades e competéncias desde, 1980, quer em supervisio, quer por intermédio da sofrologia. » Marie-Christine Josso + no que diz respeito as competéncias: a autodisciplina, © controle das emogées e dos sentimentos, o humor, a reflexao, a observagio, a capacidade de se definir mais ‘0 que se quer do que o que nao se quer, a organizacoea planificagdo do tempo, a coeréncia entre o que se pensa © a aco, a coeréncia entre as diferentes dimensdes da vida, saber economizar as energias. No futuro, tencionamos arranjar os meios de trabalhar em pormenor essa questo central da dinAmica propria do sujeito, enquanto ser psicossomatico, nao sé porque abordamos af o problema do sujeito enquanto ser psicossomético mas também porque consideramos que é pelo desenvolvimento de um saber sobre as suas qualidades e competéncias que o educando pode tornar-se sujeito da sua formagao. «Ao sujeito da formacao No termo da apresentaco do que entendemos pelo ins- Lrumento “Biografia Educativa” e pela relay av suber que esse. permite elaborar sobre os processos de formacio dos participan- tes, por meio de uma estratégia de investigacdo-formaco, vamos desembocar nao sé numa melhor compreensio da formacao do sujeito como também na perspectiva de recolocar o sujeito no lugar de destaque que Ihe pertence, quando desejar tornar-se um ator que se autonomiza e assume suas responsabilidades nas aprendizagens e no horizonte cue elas lhe abrem. Essa perspectiva converge com a nossa ideia de que a Educasdo dos Adultos pode, por meio de uma pedagogia apro- priada, oferecer aqueles e Aquelas que utilizam as suas estru- turas a abertura para um exercicio mais consciente da sua liberdade na interdependéncia comunitéria, tornando-os mais conscientes do que os constitui enquanto seres psicossomaticos, sociais, politicos e culturais. Assim, a teoria da formagdo, a cuja elaboracdo visamos, comega a desenhar os seus contornos: deverd ser uma teoria da atividade do sujeito, nao s6 em situagdo de aprendizagem mas

You might also like