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File:Johann Baptist Zwecker Don Quijote


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Artist
Johann Baptist Zwecker  (1814–1876)   
Object type painting

Description Deutsch: Don Quijote, l. u. signiert und datiert J. B. Zwecker 1854

Date 1854

Medium oil on canvas

Dimensions 71×91 cm

Source/Photographer https://www.auktionshaus-stahl.de/

Permission
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reason:

The author died in 1876, so this work is in the public domain in its country of origin
the author's life plus 100 years or fewer.

This work is in the public domain in the United States because it was published (or


1, 1925.
This file has been identified as being free of known restrictions under copyright law

The official position taken by the Wikimedia Foundation is that "faithful reproductions of two-d
This photographic reproduction is therefore also considered to be in the public domain in the
may be restricted; see Reuse of PD-Art photograp

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Johann Baptist Zwecker  (1814–1876)   

Object type painting

Description Deutsch: Don Quijote, l. u. signiert und datiert J. B. Zwecker 1854

Date 1854

Medium oil on canvas

Dimensions 71×91 cm

Source/Photographer https://www.auktionshaus-stahl.de/

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Knight-Death-and-the-Devil - Albrecht Dürer – Wikipédia, a enciclopédia livre

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As sete maravilhas de Don Quixote

As sete maravilhas de Dom Quixote


Bruno Vieira Amaral


Texto

Passam 400 anos desde que Miguel de Cervantes entregou a alma ao criador. Para
assinalar a data, Bruno Vieira Amaral regressa à obra-prima do maior génio da literatura
de língua espanhola

22 abr 2016, 12:531



 

 

 

 

 185
Índice
1. A dupla D. Quixote e Sancho Pança
2. Dulcineia de Toboso
3. A estrutura
4. A Novela do Curioso Impertinente
5. Os moinhos de vento
6. O discurso das armas e das letras
7. A ilha de Barataria
“D. Quixote é uma obra tão original que quase quatro séculos depois
continua a ser a obra de ficção em prosa mais avançada que existe. E
mesmo assim é subestimada: é ao mesmo tempo o romance mais
legível e, definitivamente, o mais difícil”, escreveu o crítico literário
Harold Bloom sobre a obra de Miguel de Cervantes, que morreu há
400 anos, a 22 de abril de 1616. O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote da
Mancha, cuja primeira parte foi publicada em 1605, abriu tantos
caminhos para a literatura que o mais seguro será dizer que nenhum
grande escritor faltou ao encontro com o seu Dom Quixote.

A primeira edição de “Dom Quixote”

Sátira aos romances de cavalaria ou homenagem definitiva ao género?


Crítica ao idealismo inoperante ou elogio aos que procuram
transformar o mundo ainda quando este lhes responde com pedradas?
Comédia desbragada ou romance total? Dom Quixote, tal como todos
os clássicos que chegaram até nós, é um livro infinito porque infinitas
são as leituras possíveis e porque Cervantes combinou elementos tão
diversos que é impossível reduzi-lo a uma única dimensão, tema ou
estilo. Entre as inúmeras maravilhas que animam o livro e colonizaram
a imaginação dos leitores ao longo de gerações escolhemos sete.
A dupla D. Quixote e Sancho Pança
Num ensaio em que procurava as razões para a relativa obscuridade de
Francisco de Quevedo, escritor espanhol do século XVII, Jorge Luis
Borges dizia que não havia na sua obra o menor estímulo ao
sentimentalismo. Além disso, e mais importante, Quevedo não tinha
sido capaz de encontrar um símbolo que capturasse a imaginação dos
leitores. Melville tinha a baleia; Kafka, os seus “crescentes e sórdidos
labirintos”; Cervantes, o “afortunado vaivém de Sancho e de
Quixote”. São inúmeras as razões para nos maravilharmos
com Dom Quixote e a química entre os dois personagens
principais não será a menor delas. Fraco de entendimento,
Sancho Pança acompanha Dom Quixote na esperança de vir a reinar
uma ilha. Mesmo assim, é dele a voz sensata que procura dissuadir o
cavaleiro andante de se meter em trabalhos.

Dom Quixote, tal como todos os clássicos que chegaram até nós, é um
livro infinito porque infinitas são as leituras possíveis e porque
Cervantes combinou elementos tão diversos que é impossível reduzi-
lo a uma única dimensão, tema ou estilo.
Índice
1. A dupla D. Quixote e Sancho Pança
2. Dulcineia de Toboso
3. A estrutura
4. A Novela do Curioso Impertinente
5. Os moinhos de vento
6. O discurso das armas e das letras
7. A ilha de Barataria
À medida que a narrativa avança, o fiel escudeiro vai sendo contagiado
pela loucura do amo, primeiro por solidariedade, depois como
reconhecimento de que a crença de D. Quixote nas ficções afecta a
realidade. Na leitura que o romantismo alemão fazia da obra de
Cervantes, D. Quixote era o “espiritualista” e Sancho Pança, “o
materialista”, interpretação reproduzida por Garrett em Viagens na
Minha Terra. Porém, sendo muitas as diferenças, desde logo as físicas
(D. Quixote é seco de carnes e Sancho é anafado), há uma ligação
profunda entre os dois, de amizade e de mútua proteção, a tal ponto
que um só faz sentido com o outro. O jogo de contrários, que dá azo a
muitas situações cómicas, também permite que, a cada momento,
vejamos o mundo tal como é e o mundo tal como D. Quixote o imagina.
Dulcineia de Toboso
Se Borges dizia que na obra de Quevedo não existia nenhum exemplo
de sentimentalismo, Milan Kundera, em A Imortalidade, afirmou que
ninguém penetrou o “homo sentimentalis com mais perspicácia do que
Cervantes”. Na definição do romancista de origem checa, o homo
sentimentalis não é a pessoa que experimenta sentimentos, mas aquela
que “os erigiu em valores.” Ou seja, é o homem que quer experimentar
o sentimento porque lhe associa um valor. O objecto amado é, assim,
um tanto indiferente. Pode ser Aldonça Lorenzo, a jovem camponesa
por quem em tempos Alonso Quijano (o verdadeiro nome de D.
Quixote) esteve apaixonado, ou pode ser Dulcineia de Toboso, produto
da imaginação cavaleiresca do idealista. É por ela que o desgraçado
Cavaleiro da Triste Figura se aventura pelas paisagens da
Mancha a fim de “desfazer agravos”, “reparar injustiças” e
“obrigar os maus a saldar seus tortos”. Quer, à viva força, que os
desconhecidos com que se cruza nas suas andanças “confessem que
não há no mundo inteiro donzela mais formosa que a imperatriz da
Mancha, a sem par Dulcineia de Toboso”.
Miguel de Cervantes: presume-se que terá nascido Alcalá de Henares,
a 29 de setembro de 1547, e morreu em Madrid a 22 de abril de 1616,
com 68 anos

Este é o amor abstracto total, o amor petrarquista absoluto, de índole


platónica (como o próprio Quixote o reconhece no capítulo XXV da
primeira parte), dedicado não à amada inalcançável, mas à amada
inexistente. Ao fascinante tema da prevalência do sentimento sobre o
objecto do amor, dedicou Vergílio Ferreira uma entrada do seu
livro Pensar: “Porque te ris do pobre D. Quixote por amar a Dulcineia,
que não existia? Mas todo o homem só ama a mulher que não existe. E
bom é isso. Porque se ela existisse, o amor deixava de existir. Mesmo
que ele a ame, como supõe. Porque todo o amor só existe nos intervalos
de a pessoa amada existir”.
A estrutura
Nada é tão moderno em Dom Quixote como a estrutura. Sem esse pilar
flexível que sustenta o romance não seriam possíveis os jogos literários
e meta-literários, o cruzamento entre realidade e ficção que prolonga, a
um segundo nível, a discrepância entre o que o protagonista vê e o
mundo real; não teríamos as histórias autónomas, a variedade de
estilos, de tempos e de personagens.

A estrutura do romance, não sendo essencial para aferirmos a valia


literária, condiciona tudo o que o escritor poderá escrever. Se
imaginarmos o romance como uma cela à qual o autor está
confinado, a estrutura é o que determina o grau de liberdade
de que ele irá beneficiar: tem cama? Estantes? Gavetas?
Secretária? Tectos falsos? Alçapões? Dom Quixote tem tudo isto. Mario
Vargas Llosa chama-lhe uma estrutura de caixas chinesas ou de
bonecas russas, em que uma maior esconde outra mais pequena e esta
por sua vez esconde outra ainda mais pequena e assim sucessivamente.
A história de D. Quixote é apresentada como uma tradução de um
manuscrito em árabe de um tal Cid Hamete Benengeli. O “tradutor” (e
narrador principal) comenta, corrige e acrescenta. Na segunda parte do
livro, que foi publicada dez anos após a primeira, D. Quixote e Sancho
tomam conhecimento de que há um livro, com o título de O Engenhoso
Fidalgo Dom Quixote da Mancha, em que são narradas as suas
aventuras. Outras personagens da segunda parte também leram a
primeira e, desta forma, personagens passam para o papel de leitores e
outros são duplamente personagens.

Nada é tão moderno em "Dom Quixote" como a estrutura. Sem esse


pilar flexível que sustenta o romance não seriam possíveis os jogos
literários e meta-literários, o cruzamento entre realidade e ficção que
prolonga, a um segundo nível, a discrepância entre o que o
protagonista vê e o mundo real
Índice
1. A dupla D. Quixote e Sancho Pança
2. Dulcineia de Toboso
3. A estrutura
4. A Novela do Curioso Impertinente
5. Os moinhos de vento
6. O discurso das armas e das letras
7. A ilha de Barataria
Em Outras Inquirições, Borges, no seu típico estilo especulativo,
avançava com uma hipótese para a inquietação provocada por essa
desestabilização narrativa: “Por que nos inquieta que Dom Quixote seja
leitor do Quixote e Hamlet espectador de Hamlet? Creio ter encontrado
a razão: tais inversões sugerem que se os personagens de uma ficção
podem ser leitores ou espectadores, nós, seus leitores e espectadores,
podemos ser fictícios.” Aos escritores do futuro, Cervantes legou
algo mais importante: a lição de que, com a estrutura certa,
tudo cabe no romance.

A Novela do Curioso Impertinente


Dentro da grande matrioska que é Dom Quixote, A Novela do Curioso
Impertinente talvez seja a boneca com mais vida própria (em 1608, foi
publicada de forma autónoma em França). A história aparece no
capítulo XXXIII, lida por Pero Pérez, o padre da aldeia de Alonso
Quijano. Em Florença, Anselmo e Lotario são conhecidos como “os
dois amigos”. Não há amizade mais forte, bela e viril. Anselmo, o rico,
descende de boas famílias e possui bastas riquezas materiais; não lhe
faltam, pois, os bens de natureza e os bens de fortuna. Como se tanta
bem-aventurança não fosse suficiente para atrair a tragédia, ainda casa
com a bela, pura e recatada Camila. Tudo é perfeito na vida de
Anselmo, menos a sua inquietação. Embora não duvide das qualidades
da mulher, Anselmo está obcecado em pô-la à prova. Afinal, que
valor tem a virtude se não é ameaçada pelas tentações?
Confiado no amigo, Anselmo pede a Lotario que seduza Camila com
jóias, poemas e promessas.
A edição da D. Quixote para “Dom Quixote”, do ano passado

Lotario, prudente e sensato, aconselha-o a pôr de parte um tal plano


que, se tudo correr bem, nenhuma glória lhe poderá acrescentar, e que,
no caso de suceder o contrário do que Anselmo deseja, seria a ruína da
honra de todos. Lotario desfila um cortejo de razões, com boa retórica e
sã misoginia: Camila é comparada a um diamante e a um jardim, um
objecto que deve ser cuidado e resguardado pelo dono. Sabendo da
natureza imperfeita da mulher, da sua tendência ancestral
para incorrer em falta, é dever do homem manter afastadas
da senda da virtude eventuais pedras de tropeço que, pequenas
que sejam, são sempre aumentadas pelo fraco espírito feminino.
Porém, vendo que o amigo está decidido a avançar com o plano,
Lotario acede aos seus desejos. Sem tentar qualquer aproximação,
confirma a honestidade de Camila. Caso arrumado.

Porém, Anselmo desconfia e, por fim, descobre que o amigo o tem


enganado e que não está a cumprir o prometido. Arranja maneira de os
deixar a sós durante vários dias. O silêncio entre Lotario e Camila
mantém-se, mas é nos olhares, mais do que nas palavras, que medra a
cobiça e o inevitável acontece: “Rindiose Camila, Camila se rindió…”
Não é Lotario que conquista, é Camila que se rende, que se entrega
como quem desmaia de amor. É uma das mais belas frases de todo o
livro que não tem escassez de frases belas. A conclusão da novela há-de
ser trágica, mas interessa menos do que o princípio da história, a
curiosidade impertinente de Anselmo, a húbris que desperta a fúria dos
deuses.

Os moinhos de vento
De todas as imagens de D. Quixote, a mais universal será a do homem
que luta contra os moinhos de vento. É o símbolo das causas perdidas
ou quase impossíveis de concretizar, mas é também uma inspiração
para sonhadores e idealistas, aqueles que se vêem como descendentes
espirituais do cavaleiro manchego. Como acontece com todos os
clássicos, os séculos e os múltiplos exegetas acrescentaram à cena um
significado que parece não estar lá. A aventura acontece no capítulo
VIII, na segunda saída de Dom Quixote com o seu escudeiro, Sancho, à
procura de aventuras. A certa altura, deparam-se com trinta ou
quarenta moinhos de vento. O cavaleiro diz-se com sorte porque vai
poder enfrentar aqueles gigantes. Sancho não percebe:

“ – Que gigantes? – interrogou Sancho.

– Aqueles que além vês de braços desmesurados. Alguns medem quase


duas léguas de comprido…

– Atente bem, Vossa Mercê. O que se descortina além fora não são
gigantes, mas moinhos de vento. E o que parecem braços não são senão
as velas que, sopradas pela aragem, fazem girar as mós.”

Indiferente aos avisos sensatos de Sancho, D. Quixote encomenda-se à


sua senhora Dulcineia de Toboso, investe contra os moinhos de vento e
acaba estatelado no chão, debaixo do seu cavalo, Rocinante. Sucedem-
se outras desventuras com desfechos igualmente penosos: D. Quixote
confunde rebanhos de ovelhas com exércitos inimigos e
acaba alvo das pedradas certeiras dos pastores que lhe
metem duas costelas para dentro e lhe fazem saltar três ou
quatro queixais para fora. Nenhuma das outras ilusões nefastas
que Cervantes inventou para o seu cavaleiro teve a permanência dos
moinhos de vento.

De todas as imagens de D. Quixote, a mais universal será a do homem


que luta contra os moinhos de vento. É o símbolo das causas perdidas
ou quase impossíveis de concretizar, mas é também uma inspiração
para sonhadores e idealistas.
Índice
1. A dupla D. Quixote e Sancho Pança
2. Dulcineia de Toboso
3. A estrutura
4. A Novela do Curioso Impertinente
5. Os moinhos de vento
6. O discurso das armas e das letras
7. A ilha de Barataria
Na imagem do cavaleiro perfilado contra os moinhos, Cervantes
encontrou uma sugestão eterna, inventou um símbolo duradouro,
acrescentou um fio único ao tecido dos mitos universais, como Homero
fez com Aquiles, Dante com a sua laboriosa arquitectura infernal,
Melville com a obsessão de Ahab pelo monstro branco ou Kafka com a
metamorfose de um homem comum em insecto.

O discurso das armas e das letras


Miguel de Cervantes foi escritor e foi soldado. Na batalha de Lepanto,
em 1571, contra os turcos, ficou com a mão esquerda estropiada. Estava
em posição privilegiada para cotejar os méritos dos homens de letras
com os méritos dos homens de armas. Por isso é muito tentador
atribuir ao próprio autor as ideias que D. Quixote explana no
célebre discurso das armas e das letras, no capítulo XXXVIII da
primeira parte. Até porque, nesse momento, o pobre fidalgo
surpreende a audiência com uma inesperada clareza de raciocínio e de
exposição que as aventuras anteriores – em que vê gigantes onde estão
moinhos de vento, confunde rebanhos de ovelhas com adversários e
toma odres de vinho por inimigos encantados – não fariam supor.

Pela primeira vez, o leitor pergunta-se se a loucura de Quixote terá


intervalos de lucidez ou se não serão esses intervalos de lucidez a prova
definitiva da sua peculiar loucura. As suas palavras são as de um
excêntrico, mas não as de um homem que perdeu o juízo. Vai expondo
os seus argumentos com segurança socrática: defende a superioridade
das armas sobre as letras humanas (o Direito) porque estas almejam
estabelecer as leis e preservá-las e aquelas garantem aos homens o
maior bem, que é a paz.
A tradução de Aquilino Ribeiro, numa edição da Bertrand

De seguida, compara o estudante com o soldado, ambos


pobres diabos que sofrem duras penas, mas é forçado a
concluir que, dos dois, é o soldado o mais valoroso porque o
número do que perecem no campo de batalha supera em muito o
daqueles que, sobrevivendo, obtêm paga idêntica à dos homens de
letras, para os quais não faltam togas e “mangas” (que podemos
traduzir por “luvas” no sentido de suborno). D. Quixote conclui o
raciocínio lamentando que os tempos tenham mudado e que as novas
armas e técnicas de combate retirem margem para a glória do
indivíduo. Cervantes usa D. Quixote para filosofar e criticar a sociedade
do seu tempo porque este goza da impunidade dos loucos. O lamento
pelo fim de uma Idade de Ouro que nunca existiu é apenas um artifício
para Cervantes deplorar o tempo em que lhe calhou viver.

A ilha de Barataria
No capítulo XLV da segunda parte de Dom Quixote, Sancho Pança tem
finalmente a oportunidade de governar a ilha que o seu amo lhe
prometera no início. A ilha de Barataria é outra ficção no interior da
ficção. Neste caso, é uma criação dos misteriosos duques que aparecem
na segunda parte e que, tendo lido a primeira e conhecendo as manias
e comportamentos do amo e do seu escudeiro, se divertem a pregar-
lhes partidas. São eles que lhe oferecem a ilha de Barataria, terra fértil
e generosa, onde o camponês, bem desempenhadas as suas funções,
poderá conquistar uma parcela do céu que, como bom cristão, tanto
deseja.

Cervantes usa D. Quixote para filosofar e criticar a sociedade do seu


tempo porque este goza da impunidade dos loucos. O lamento pelo
fim de uma Idade de Ouro que nunca existiu é apenas um artifício
para Cervantes deplorar o tempo em que lhe calhou viver.
Índice
1. A dupla D. Quixote e Sancho Pança
2. Dulcineia de Toboso
3. A estrutura
4. A Novela do Curioso Impertinente
5. Os moinhos de vento
6. O discurso das armas e das letras
7. A ilha de Barataria
Porém, Sancho aceita o cargo de governador não por querer ser mais
do que é, mas para conhecer o sabor do poder, de governar. Em jeito de
tirocínio, D. Quixote, qual Catão manchego, dá-lhe conselhos sobre os
básicos fundamentos morais para a boa administração da ilha: que não
se envergonhe das origens humildes, que eduque a mulher para que ela
não o arruine, que ao julgar um inimigo se esqueça das injúrias antigas,
que não sobrecarregue com palavras aquele a quem já condenou com
uma pena, que corte as unhas e esteja sempre apresentável, que ande e
fale devagar mas não tanto que revele afectação. Nesta passagem, o
que surpreende uma vez mais é a clareza do pensamento do
cavaleiro andante e a excelência dos conselhos que dá ao seu
criado. A brincadeira dos duques cria uma realidade alternativa à qual
D. Quixote adere empenhadamente. A ilha não existe, o cargo de
governador tampouco, mas é como se existissem, exactamente como
no contrato que se estabelece entre o leitor e a obra literária, entre o
leitor e o romance de Cervantes ou qualquer outra obra de ficção.

O jogo de espelhos, de diferentes planos de realidade que coexistem,


prossegue com Sancho Pança a revelar-se um governador justo e
audaz, um Salomão que aos conselhos do amo junta a sabedoria
popular e a intuição de quem passou a vida a sofrer injustiças. Mais do
que isso, começa a usar palavras que nunca se lhe tinham ouvido e que
a sua natureza rude não deixava adivinhar. O narrador atribui à
influência do cargo a súbita transformação de Sancho de labrego em
sábio governador. O que começa como um divertimento cruel dos
duques acaba com estes expostos ao ridículo. Encerra também uma
mensagem aos poderosos e uma crítica de Cervantes à nobreza
espanhola daquela época: modéstia, bom senso e amor à justiça bastam
para fazer do mais humilde dos homens um soberano capaz.

[A imagem que ilustra este artigo é “Dom Quixote e Sancho Pança”,


pintura do dinamarquês Wilhelm Marstrand (1810-1873). Os excertos
da obra foram retirados da tradução de Aquilino Ribeiro, publicada
pela Bertrand, e da edição do IV centenário do Dom Quixote, editada
pela Real Academia Española]

Bruno Vieira Amaral é crítico literário, tradutor e autor do romance


“As Primeiras Coisas”, vencedor do prémio José Saramago em 2015

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