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Noah Lukeman As Primeiras . c * Cinco Paginas Guia para evitar que o seu original seja rejeitado Cry ee VV T ITI) SOeeessvevess ee or eae Introdugao a edigdo portuguesa Paulo Ferreira (Booktailors) LIVROS HORIZONTE Um fivro pequeno, mas s6 no tamanho, Li-o de uma ponta 2 outta no dia em que o comprei e, imediatamente, comecei a rescrever as primeiras trés paginas do meu romance... Recomendo viva~ mente este livro avs eseritores que desejam ser ppublicados € tém de lidar com agentes e editores. The Writer's Roost Instrucdes inteligentes, importantes, valiosas & divertidas... Este livo deveria ser jido por todos ‘os escritores novatos ~ ¢ também por aqueles que {8 publicaram mas querem continuar 2 escrever Richard Marek Nao ¢ um livro qualquer... Lukeman prestou um grande servigo @ comunidade de escritores ao acender esta luz a0 fundo do tunel. As Primeiros Cinco Paginas vale 0 seu peso em auro, € deve- ria ser lido por todos os escritores experientes e amadores, InscriptionsMagazine.com Dicas estupendas... Fiquei muito impressionado... Este livro descreve com preciséo tudo o que tenho criticado nos escritores principiantes (ou até pro- issionais).. Um livro essencial. Critters.org Existem centenas de bons livros que explicam como eserever bem. As Primeiras Cinco Paginas de Noah Lukeman € diferente, A abordagem de Lukeman & metédica e pratica; comesa pela apre- sentago € como evitar os erros comuns, debru- gando-se sobre o estilo, 0 didlogo, 0 ponto de vista, as personagens,o tom, focalizacao, o ritmo. Eum excelente recurso que os escritores deveriam ter ra biblioteca, Os capitulos sobre @ construgdo do didlogo séo especialmente interessantes, re- pletos de ideias que nunca vi noutro lado... Fico @ aguardar 0 préximo volume. Downtownwriters.com Quando se lé As Primeiras Cinco Paginas, deseja~ -se que Noah Lukeman continue a ensinar-nos. Néo tenho por hébito clogiar livros sobre a arte da escrita no meu site... mas este ¢ excecional Li As Primeiras Cinco Paginas duas vezes (e vou Jé-lo outra vez). Possua cerca de 100 livros sobre a, matéria...Na minha opinigo, este € dos melhores. Prairieden.com a 200-106 LISBOA. Tol: 213466817 Fae 213541852 Rua das Chagas, 17 eal geru@iiweshorcone pt Lares Herzote Los Rua das Chagas, 17 - .° Dto, Horizonte 1200-106 LISBOA, Tel: 213466917 Fax: 213541852 emai: geral@ivreshorizenta. pt TITULO AS PRIMEIRAS CINCO PAGINAS AUTOR NOAH LUKEMAN COLECCAO Haga NeT ISBN 978-972-24-1745-7 PREGO en Se | As Primeiras Cinco Paginas Noah Lukeman As Primeiras 2 ? ° Cinco Paginas Guia para evitar que o seu original seja rejeitado Livros Horizonte Titulo: ‘As Primeiras Cinco Paginas ‘Titulo original “The Fist Five Pages Autor: Noah Lukeman Traddugao: ‘Susana Boets Revisao: Clara Boléo Capa Estos Horizonte a (© Livros Horizonte, 2012 (© Noah Lukeman, 2000 Imagem: da cape: John Smith/Corbis ISBN 978-972-24-1745.7 Paginagio: Estidios Horizonte Impressio: Guide Abril de 2013, Dep. Legal n*358282/13, v sta edie segue a gralia do Novo Acordo Ortopifico da Lingua Portuguesa Reservados todos os direitos de publicagio total ou parcial para a lingua portuguesa por LIVROS HORIZONTE, LDA. Rua das Chagas, 17-1. Dt? ~ 1200-106 LISBOA. E-mail: geralalivroshorizonte,pt www livroshorizonte-pt Indice Introdugao a edigo portuguesa Agradecimentos .... Introdugio .. Parrel Primeiras Dificuldades 1 Apresentacio .. 2 Adjetivos e Advérbios . 3 Sonoridade 4 Compara¢io 5 Estilo .. Parte II Didlogo 6 Entrelinhas 7 Lugares-comuns 8 Informativo 9 Melodramatico .. 10 Dificil de Compreender 15 19 29 39 48 59 70 81 90 97 107 114 Parte [I Plano Geral 11 Mostrar e Contar 12 Perspetiva e Narragao 13 Caracterizacao das Personagens 14 Anzis . 15 Subtileza . 16 Tom . 17 Focalizacio .. 18 Ambiente ..... 19 Ritmo e Progressao Epilogo ... 123 131 139 154 162 168 173 180 187 195 Introdugéo a edi¢do portuguesa Apesar do pressagio de que o livro digital assassinaria o livro fisico, as noticias da morte deste suporte foram manifestamente exageradas. Nunca se publicou tanto, e com grande frequéncia surgem novos projetos com linhas editoriais, objetivos e publicos-alvo bem definidos (muitas vezes para preencher os espacos em branco deixados pelos circulos maiores, entenda- -se: pelos grandes grupos editoriais). Portugal nao tem sido exce¢ao. Fala-se entre 15 a 20 mil novidades por ano: pese embora 0 facto de a tio propalada crise ter vindo a incutir alguns critérios de corregio, publica-se em 2012 menos do que em anos anteriores. O niimero exato, todavia, est ainda por apurar. Se as editoras tem publicado menos, a criagao literdria, essa, segue em paralelo. A historia da literatura esta, alias, recheada de autores que viveram. na miséria durante toda a vida ou de outros que, depois de atingirem o conforto financeiro anos mais tarde, passaram por maus momentos no seu inicio de carreia. Gabriel Garcia Marquez teve de se desfazer de parte do mobilidrio e de alguns eletrodomésticos de modo a poder ter dinheiro para enviar 0 original de Cem Anos de Solidao por correio. Ao chegar ao posto dos correios, reparou que apenas tinha reunido pecilio suficiente para enviar metade do manuscrito. Assim foi. Infelizmente enviou a segunda parte do romance, mas 0 resto é histéria. Procuraremos aqui tivo deixar algumas dicas e explicar aos futuros autores o enquadramento editorial em que se processa a rece¢ao de originais 10 + NOAH LUKEMAN como sao eles tratados, Daremos igualmente algumas dicas para abordar editoras, além de recomendacdes sobre como deve o original ser entregue, 0 que esperar de um editor, e também 0 que nao esperar. Enquadramento Publicar um primeiro livro nao é tarefa facil, e hd razdes objetivas que ajudam a descodificar o porqué desta dificuldade. Primeiro: a nogao de casa editorial pressupée a existéncia de linha edi- torial, o que implica sacrificio, escolher criteriosamente 0s titulos que esto de acordo com o espirito delineado para a editora. Ou seja, nao s6 nao é vidvel como nao ¢ interessante para um editor publicar tudo 0 que lhe surge a frente, Segundo: a maioria dos titulos publicados em Portugal sao tradugées (aos quais se somam os originais chegados por correio). Em virtude desta larga oferta, os prazos de resposta para aceita¢ao/recusa dos originais demo- rar4 mais do que seria desejavel pelos autores. E bom estar-se preparado para a espera. Terceiro: ao abrigo da crise, nos préximos anos, publicar-se-4 menos. Quarto: os primeiros autores vendem em regra pouco, estando este factor relacionado coma falta daquilo a que se chama «plataforma do autor». Como tal, é dificil convencer os meios de comunicacao social, a rede livreira, osleitores. Quinto: publicar um novo autor implica um elevado investimento material, humano, financeiro, que nem todos os editores tém condigées para oferecer. Contudo, este texto nao é um apelo para que desista. Assume-se como alerta para que saiba o que espera um autor quando decide ver o seu livro publicado por uma editora comercial. Informacao é essencial £ fundamental que os autores saibam em que casas editoriais gostariam de ver 0 seu livro publicado. Assim, o primeiro de todos os passos é que os autores se formem e informem, que retinam o maior volume de informagao possivel sobre as editoras para as quais enviarao os seus livros. Aconselha-se aclaboracio de uma lista de todas as editoras no mercado (sim, pode come- AS CINCO PRIMEIRAS PAGINAS + 11 gar pelas que gosta mais) e depois comece a riscar todas as que nao estiverem ao servigo do projeto literario em causa. HA que estudar os catdlogos e os editores, saber 0 que publicam, como publicam. Nao vale a pena enviar um romance para uma editora especializada em manuais de eletrotecnia; nao vale a pena querer que uma tese sobre ergonomia seja publicada por uma editora que tem por objeto e esséncia publicar poesia. Mais, o autor deve ver se a forma de estar da editora corres- ponde ao autor que quer ser: se nao pretende dar entrevistas, nem fazer langamentos, nem participar em accdes de marketing, certifique-se se a editora que esta a contactar corresponde a esse perfil. (Se 0 autor nao estiver disponivel para nada disso, deve pensar se quer mesmo ver o seu livro publi- cado numa editora comercial; afinal de contas, a editora estara a fazer um investimento que pretende rentabilizar, pelo que o autor devera estar dispo- nivel para auxiliar 0 editor nesse processo.) Uma editora que nao tenha um catlogo que corresponde ao género e a rea de saber da obra muito provavelmente nao estaré preparada para fazer do livro do autor um sucesso: os recursos humanos no estardo sensibilili- zados para 0 projeto em causa; a editora nao tera competéncias especializa- das ao nivel da comunicagao (por exemplo, para que meios de comunicacao social e jornalistas enviar 0 livro?); nao saber trabalhar os canais de distri- buicao nos quais os seus livros tem de estar presentes (livrarias universit rias?, grandes superficies?, livrarias de rua?); ¢ assim sucessivamente. A escolha de uma editora é fundamental para 0 éxito da obra, e em circunstancia alguma deveré o autor ceder a tentagao de «publicar 0 livro a todo o custo». A menos que acredite que o seu livro é mais um, O que fazer? Facilite a vida ao editor Um livro nao se julga pela capa, mas a verdade é que é pela capa que comegaa ser julgado. Assim, da mesma forma que um livro nao se julga pela tipografia utilizada, é também por ai que pode comegar a ser julgado. Cor- responde a primeira impressao, e s6 temos uma oportunidade para que seja favordvel. Logo, no envio do original, o autor deve escolher uma fonte que oferega legibilidade, com dimensio, entrelinha e espagamento apropriados a uma leitura confortavel por parte do editor. Se o autor pretende que 0 editor leia as 200 ou 300 paginas do seu original, deve facilitar a vida a quem esta do outro lado. Deve evitar fontes muito rebuscadas ou reduzidas, esta- belecidas em conceitos gréficos muito vanguardistas, mas que sé causam ruido. Less is indeed more. Se o autor optar por enviar o texto por e-mail, que nao se esqueca de usar uma fonte de sistema, isto é, que possa ser lida em todos os sistemas informaticos (como Times New Roman, por exemplo). Na capa do manuscrito, deve constar o titulo da obra, o nome autoral, 0s contactos diretos, tudo isto logo nas primeiras paginas desse original. (Nota: seria muito bom que a obra pudesse ser recomendada ao editor por alguém que lhe seja prximo.) O autor deve ainda incluir uma sinopse da obra ea biografia. Esse texto de sinopse, curto por esséncia (cerca de 2000 caracteres), deve ser suficientemente claro para que, apos leitura desse texto, 0 editor consiga perceber o tema, os objetivos e 0 publico-alvo da obra. O autor nao deve adjetivar em demasia, qualificando o seu livro. E para isso que existe o editor. Ao autor, pede-se que substantive: para adjectivar estarao ca os leitores. Um apontamento final: apesar de o livro, caso seja publicado, vir a pas- sar por um processo apurado de revisao de texto, tente evitar erros basicos de lingua portuguesa. O autor dara ma imagem de si - nao temos uma segunda oportunidade para causar uma boa primeira impressao. O que nao fazer? Se é importante saber o que fazer para que o seu texto passe frente da grande pilha de originais de outros autores, nao é menos importante saber tudo 0 que nao deve fazer. Trés topicos essenciais: a) 0 autor nao se deve disponibilizar para cobrir os custos inerentes 4 producao do livro. Um editor que acredite no original que Ihe chegou as mos apostard na obra e no autor, pelo que suporta todo o investimento necessario. Qualquer outro modelo de negécio, como a partilha do investi- mento entre autor e «editor», enquadra-se no perfil das empresas prestado- ras de servicos editoriais e nao no de uma editora (que pressupde tudo 0 que referimos: um editor e uma linha editorial, com critérios rigorosos e objetivos de publicagao); b) 0 autor nao deve apresentar a obra com conceito grafico definido, incluindo capa e modelo de paginacao - no fundo, um ficheiro pronto a imprimir. O papel do autor é 0 da criagao; 0 do editor, o da edigao profis- sional. O autor deve respeitar o seu espaco, e ninguém saird melindrado. A execucio de um livro é um processo complexo, executado por profissionais com competéncias e fungées especificas, além de que a propria editora ja terd a priori uma série de conceitos editoriais definidos. c) o autor nao deve ser impaciente e insistir em demasia. Se o autor pos ‘os seus contactos na pagina de capa do original, como 0 aconselhamos, sera facil para o editor pegar no telefone e contactd-lo. Certamente o tempo de resposta do editor nao seré aquele que esperava (algumas horas), pelo que o melhor é habituar-se 4 ideia de umas boas semanas. No fundo, o autor deve evitar parecer desesperado. Um editor tem tanta vontade de descobrir um bom novo autor como um bom autor tem vontade de querer ser publi- cado pelo melhor editor. Mas ninguém gosta de ter um mosquito a zumbir a noite toda ao ouvido. Paulo Ferreira Lisboa, julho de 2012 Agradecimentos Sem Becky Cabaza, este livro nao existiria. Becky foi a unica editora com visdo suficiente para o comprar, num mercado competitivo, tendo ainda contribuido com sugestées editoriais inestimaveis. Cada éxito que este livro venha a proporcionar, cada escritor que possa ajudar, a ela se deve. Uma vez que nenhum livro surge do nada, gostaria de agradecer a equipa editorial da Fireside por todo o apoio prestado e a Livros Horizonte pela decisao de editar o livro em Portugal. Agradeco ainda o esforco de todos aqueles que estiveram por tras deste trabalho. Agradego & minha familia o seu constante apoio e critica. Nota do autor: Para maior simplicidade, optei por usar apenas o género masculino. Porém, o livro dirige-se, obviamente, quer a homens quer a mulheres. Excelentissimo Senhor, Lemos atentamente ¢ com imenso prazer © seu original. Juramos desde j pelos nossos antepassados que jamais tinhamos lido algo de igual exceléncia. Quiséssemos nés publicar este seu trabalho e nunca mais poderiamos confiar no nosso nome € prometer aos nossos leitores publicar obras de semelhante nivel. Pois pensamos que nao seré possivel que os préximos dez mil anos nos oferegam uma obra como esta. E assim nosso dever recusar 0 seu livro, que brilha como se estivesse no céu, ¢ pedir-lhe mil perdes pela nossa falha, que nao prejudica sendo a nossa propria editora. Os Editores Carta de rejeicao do livro de poemas A, de Louis Zukofsky, de um editor chinés. Introducao A maior parte das pessoas € contra 0s livros que estabelecem principios na escrita. Eu também sou contra. E ridiculo estabelecer regras quando falamos de arte. A maioria dos grandes artistas quebrou todas as regras, ¢ foi precisamente isso que os tornou reconhecidos. Se Beethoven tivesse obedecido as regras estabelecidas em vez de seguir a inspiragao, como teria a? Ea pintura de Van Gogh? Nao hé regras que garantam uma escrita de qualidade, mas hé maneiras de evitar uma mé escrita. O propdsito deste livro é simplesmente esse: aprender a identificar e a evitar uma md escrita. Em diferentes escalas, todos sido a sua mt nés podemos cair nessa armadilha, até os grandes escritores, até as suas melhores obras. Ao analisar os exemplos do que ndo deve fazer, poderd aprender a reconhecer tais falhas na sua propria escrita; pondo em pratica os exercicios e as solug6es propostos, acabara gradualmente por fazer a ponte e chegar a uma conclusao sobre o que deve fazer. Nao ¢ certo que chegue a uma conclusao mas, se o fizer, pelo menos ela serd 6 sua. Porque, em dltima anilise, a tinica pessoa que nos pode ensinar a escrever somos nds pro- prios. As pessoas tém vergonha de admitir que podem rejeitar instantanea- mente uma obra de arte, seja ao fim de cinco paginas de um original de um autor desconhecido ou de um livro de Faulkner. Masa verdade ¢ que o fazem. Quando se trata de um «classico», grande parte das pessoas continua a leitura até ao fim para terem argumentos e nao se atreverem a julgar precipitada- 20 » NOAHLUKEMAN mente uma grande obra. Porém, secretamente, a opinido esta formada ao fim de cinco paginas e, em 99% das vezes, nao iri mudar. Nao é muito dife- rente de alguém que vai a um museu e, num relance, abandona um quadro de Van Gogh; seria desprezado pelos criticos, provavelmente chamar-lhe- -iam ignorante, mas, no fundo, arte é arte, e qualquer pessoa tem o direito de formar uma opiniao, independentemente de ter olhado para 0 quadro durante um minuto ou durante um ano. ‘Na realidade, este livro nao se debruga sobre a questao de saber se deve- mos ou nAo rejeitar instantaneamente qualquer trabalho artistico - deixamos esta preocupacao para os sofistas ~, mas simplesmente sobre a possibilidade de saber se uma obra esta tecnicamente bem conseguida a ponto de merecer uma avaliacao artistica séria. Nao é como entrar num museu e formar uma impressio da pintura de Van Gogh ou de Rembrandt; é como entrar numa amostra de arte de uma escola priméria e avaliar quais os alunos que demons- tram ter mais competéncias técnicas. A avaliagdo artistica é outro enorme ninho de vespas altamente subjetivo. O propésito deste livro é bastante mais simples e modesto. Podiamos pensar num leitor contratado para formar duas pilhas de originais: uma constituida pelos que devem ser lidos para além das primeiras cinco paginas e outra contendo os que nao sero lidos para além desse limite. Atualmente, 99% dos originais que chegam aos edi- tores acabam no lixo, Este livro vai explicar-lhe porqué. Quando ouvem 0 titulo deste livro, muitos agentes literérios e editores puxam-me pelo brago ¢ agradecem-me com sinceridade. A sua frustracao reprimida é bem visivel, simplesmente porque nao conseguem dizer aos escritores tudo o que queriam por falta de tempo. Nos tiltimos anos, come- cei a perceber esta frustraco 4 medida que lia milhares de originais que, para minha surpresa, continham todos exatamente 0 mesmo tipo de erros. Do Texas a California, de Inglaterra 4 Turquia ou ao Japao, os escritores fazem mal exatamente as mesmas coisas. Ao ler mais de dez mil originais nos Ultimos anos, consegui reunir estes erros em varias categorias; por fim, pude estabelecer uma lista de critérios para a rejeigio de obras. Revelar a minha lista de critérios é 0 ponto fulcral de As Primeiras Cinco Paginas. No entanto, apesar do titulo, este livro ndo incide apenas sobre as pri- meiras cinco paginas de um original. Ao invés, parte do principio de que ao AS CINCO PRIMEIRAS PAGINAS + 21 analisar atentamente algumas paginas - em particular, as primeiras - é pos- sivel extrapolar o resto. Presume que quando se encontra um didlogo supér- fluo na primeira pagina, é provavel que o mesmo venha a acontecer nas paginas seguintes. Nao se trata de uma suposicao sem fundamento. Pensemos noutra forma de arte - a misica, por exemplo. Ao fim dos primeiros cinco minutos de uma pega musical, somos capazes de avaliar a competéncia técnica de um intérprete. Um misico profissional diria que consegue fazer essa ava- liagdo em cinco segundos. Este livro iré mostrar a lista de critérios que devera seguir passo a passo para conseguir igualmente desenvolver um olho clinic ¢ fazer uma avaliagao rapida, quer da sua propria escrita quer da escrita dos outros. No final, perceberemos por que razao este livro nao deveria chamar- -se As Primeiras Cinco Paginas, mas sim As Primeiras Cinco Frases. Os editores e os agentes literérios nao leem originais por prazer; o seu objetivo é unicamente tratar do monte de papéis, e estéo desejosos de encon- trar uma boa razdo para recusar um original ~ e, acreditem, irao procurd-la até a tiltima letra. Assim, organizei os capitulos pela ordem de importancia das raz6es que procuro quando analiso um original. Ao contrario de muitos livros sobre escrita, resolvi adotar verdadeiramente a perspetiva do editor ou do agente literdrio. Posteriormente, espero que este livro seja igualmente util aos profis- sionais da edi¢ao, principalmente para aqueles que agora se iniciam nesta atividade. Contrariamente a outras Areas, a atividade editorial nao exige estudos muito avangados; uma boa parte dos principiantes, especialmente hoje em dia, so recém-licenciados ou vém de algum meio de comunicagéo social. Mesmo que os agentes ¢ os editores saibam intrinsecamente avaliar um original - mesmo que tenham uma certa «intui¢do» -, na maior parte dos casos nao sao capazes de enunciar as suas razées, limitando-se a uma vaga afirmacdo: «O original nao captou o meu interesse.» Se querem ter um discurso esclarecido, é fundamental que os editores percebam as raz6es que os levaram a rejeitar um original. Este livro ird ajuda-los nesse sentido. Em consequéncia, cada um dos leitores poderd criar a sua propria ordem de rejeigdo, a sua propria lista de queixas, pelo que este livro nao pretende ter a ultima palavra nesta matéria; porém, aborda, em 19 capitulos, muitos dos aspetos fulcrais da primeira avaliacdo de um original. 22 + NOAH LUKEMAN Os recém-chegados a atividade editorial devem ter presente que, salvo raras excegées, ha originais cujas primeiras cinco paginas sio muito mas, mas em que o resto é brilhante (e vice-versa). Por isso, ndo se devem apegar muito rigidamente a determinados critérios, aplicando, no entanto, aquilo a que chamo «método dos 3 testes». Se as primeiras cinco paginas forem muito mds, leia 0 original uma segunda vez algures no meio, e depois perto do fim, 0 que corresponderia ao terceiro teste. (E bastante improvavel que leia precisamente as trés piores partes.) Este método deve ser usado espe- cialmente quando se avaliam originais pela primeira vez e deve continuar a usa-lo até se sentir completamente confiante no processo de avaliagao. No entanto, o principal publico deste livro é 0 escritor. Juntamente com a lista de critérios, apresenta-se uma analise exaustiva das técnicas e dos processos mentais envolvidos na escrita, que tanto pode ser usada quer por escritores principiantes quer experientes, e tanto como leitura geral como enquanto livro de referéncia e de trabalho. A escrita envolve tantos conhe- cimentos que, mesmo que ja se saiba tudo, existe sempre alguma coisa da qual nos esquecemos e que podemos voltar a usar se alguém no-lo fizer relembrar. Este livro fornece muitos conselhos; alguns poder vir a usar, outros com os quais estara em desacordo. Faz parte da propria natureza da escrita ser subjetiva, tal como todas as artes. No entanto, se no final da leitura deste livro tiver retirado pelo menos uma boa ideia que o ajude a melhorar uma palavra que seja, entao ja tera valido a pena. Nesta atividade, tantas vezes frustrante, relacionada com a escrita — workshops, conferéncias, livros, artigos, semindrios —, este é um bom principio a ter presente. Pensar em si proprio como um «escritor» pode deix4-lo pouco a vontade. E algo muito comum entre os novos autores. Muitas vezes, sabotam as suas intencées, insistem que nao sao escritores, que apenas escrevem o que escre- vem porque tinham uma ideia na cabeca. Hé 0 eterno mito de que sao neces- sdrios muitos anos de experiéncia para se ser

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