You are on page 1of 10
Michel Pécheux 0 DISCURSO ESTRUTURA OU ACONTECIMENTO T li 0: Pontes 2008 Marx a propésito da interpretagao de sua obra; é ainda identificar-se a0 gesto de Marx, no que ele tinha de mais autoprotetor, Vamos parar de proteger Marx e de nos proteger nele, Vamos parar de supor que “as coisas-a-saber” que concernem © real sécic-histérico formam um sistema estrutural, andlogo & coeréncia conceptual-experimental galileana ®. E procuremos medir o que este fantasma sistémico implica, 0 tipo de ligagio face aos “especia- listas” de todas as espécies e instituigdes ¢ aparelhos de Estado que os empregam, nfo para se colocar a si mesmo fora do jogo ou fora do Estado(!), mas para tentar pensar os problemas fora da negacio marxista da interpretacio: isto é, encarando o fato de que a histéria € uma disciplina de interpretagio e nfo uma fisica de tipo novo. Hl, LER, DESCREVER, INTERPRETAR Interrogar-se sobre a existéncia de um real préprio as disciplinas de interpretagdo exige que 0 no-logica- menie-estdvel no seja considerado a priori como um defeito, um simples furo no real. E supor que — entendendo-se o “seal” em varios entidos — possa existir um outro tipo de real diferente dos que acabam de ser evocados, e também um outro tipo de saber, que ndo se reduz & ord asaber” ou a um tecido de tais coisas. Logo: um real constitutivamente estranho & univocidade Iégica, ¢ um saber que no se transmite, néio se aprende, nfo se en- sina, e que, no entanto, das “coisas- -xiste produzindo efeitos. O movimento intelectual que reccber o nome de “estruturalismo” (tal como se desenvolveu particular- Sb “JS-011n0 © Wd oBSejar ens We (SojoUtEsuad > serARIEd ‘so}sa8 snes ap oavsasa/ansour owlod) Is, ap oBseIo -ofeu vuojo & eNO. onbere win “(oduray nas 2 ezourdg Jo) BUEWINY BIOUgPISUOD BP (OANDTOO 2 JeNp! AIPUL) OUSIS -preu ou adjo8 win opuep anbeye wm erg *(ojueorrudrs © 8 oot[OquIS © opumjoxa) Je!O0s 0 wos oDIZo[OIq op Tenp ovsejnonse wsso ogisanb wo avsojoo wo :sosor8yja1 Ao soHwzHBIOU soUISIUEUINY Sop “(svoIPgUFOIq 9 sIeEN -Snpu) seiBojousa} sep ‘seioSepad sep ojoxduio 000]q Ou eyjey BUN age B Ie5aUIOD Bid ‘oIBHSeA Op ‘oJoquyIs op ‘exj9] ep oolyjoadsa oyjeqeny op o8f2 sIMNsoy “[}D0s-01q ayuoweyNSA oWCa eUEUINY WepxO vp seIoUp -Ih@ SB wsNeD WI EDoIOD anb “JeINYINO OBSNJoAaX eUIN ap essauioid e opuefeSuo yemaa[ayut oyesap um roy ams “sNUg-pNoiPXIvAY BIOL} EP OATSIOAGNS OI1O{9 O so wsuad “woBenguy ep somspueoaus sou ‘euzapow von -sjp8uyj e Jenb op ojdnp opuny aso — aquarosuoauy op osmosip op 1921p sanb,, 0 ‘ojdnp opuny umn ap epeutur ~1ajap Bzapunjosd & ‘eynoso ep a L[LF ep RIOUQOUT e Gos ‘auqoosap seynosa op 2 aejey op 1921p sanb, aysa anb srezip sanb (1eje9 9) ee} anb op o8o] ‘aeynas anb op reyradsns & souredautoo anb pnas{ op tmued & Tod, isodummo seqy sassap oxuooue 0 pore Jessnyy “1V ‘(PHdvQ o Ja] ap opUL ou ‘outos osquIaT “eISIA -hisod owtsyeuorsuny op ,seoyysuejo,, sezaiza0 se owoD WISse * oplara,, op apeplonuoine ep semaproM] serougplAo se eapjeqe anb vonpio ovSnyysuoo eu wo vABooquuas -op 2 BULIO] BAPUIO} ‘eatIQoxe}ey oYNUT apuatMEsTyod bb ‘BAOU BOL} aseq RUIN ‘oINssnEg ap @ ‘PRaL ap “IE, ap auou wa anb reyuyjqns soyue osioard 9 sew P18 9t PIUgIO, BAC pun reyuarede tod reqeoe @ euisejuey 189 zoA ens sod 19peo wresopnd seja owos oonod 2 mbep sowiasoa ‘oqueyua ON “year Op winInsa ep vi8pL wJoUgID, WO uinyysuoa 2s 2p ESN eNS Wsse WeALsaprueUN seyST] ~einynajsa suaBepioge sy “sofueue sassop (Bunyjoisie]) ogSiosep end eum ap oyfaacid wis (uaSunqjoisio,, ‘sopnojtios ap sagSmuasaidas ap) sogdviasdsoqut op ovd -npoid @ osuadsns ma unsse weavsojoo ‘oquawyexopesed “9 Jeayeur ogSeouLUL ens eu soAIsosip sreMxe} sof -ueure so JAarosep ep opyzed o weaRutoy seystpeanynunso suaBepsoge se “(aypsz}aIN © wIstanIsodyue erugzayar) ovsejordioyur eun 9 pf oyBy opoy, anb opuraojog ‘oup 9 enb op sopoyur ou soxp-ogu ap eSuas sd 8 _sapuaqua,, op ovSisod wo 1w00]09 as ap Wy v ‘pout oxjno ap 2 eB] OMNO Wa OUP 9 anb o whod ‘WTO! oun ap ove 2 Wisse OP @ “(zeBNy Je} Wa) INbe op 9 onb o anua sagSejar se avordyynun wis ‘aqes 2s owoo ‘ysisuoo seinyla] sessap ordroutid 0 :oiuoWAoW ossop wesBins ‘(jop1dv-9 0 427 “J>) sora], sopueIH sov ofsyur ap 2 ‘sten}xo} soywoumuoW soz sepeorde (°° +949 ‘seo -Zojoanbae ‘seopywoqurs) emma] op seonpad seAoN, eHOIsIY ep @ wo8en8uy] ep oyeutezRDaNUA ou ‘sep wroa ojusutesuad o yenb o augos ‘jvar ap odn aso BW WI IAs] B OPuEsIA wISTANISOd-nuP eANeUD, BUN oltio9 “eIS14 ap oyod assap ‘operapIsuD 109s apod (2st] -guvojsd ep 2 vonyod ep ‘eyosojly ep ‘eSojodoxjue ep ‘sonsyn8uy ep uso) wa ‘99 sou sop wSuBI.{ BU nUsUT Em uma palavra: a revolugdo cultural estruturalista nao deixou de fazer pesar uma suspeita absolutamente explicita sobre o registro do psicolégico (e sobre as psi- cologias do “ego”, da “consciéncia”, do “comporta- mento” ou do “sujeito epistémica”), Esta suspeita ndo 6, pois, engendrada pelo édio & humanidade que fre- giientemente se emprestou ao estruturalismo; ela traduz © reconhecimento de um fato estrutural préprio & ordem humana: 0 da castracao simbélica Mas ao mesmo tempo, esse movimento anti-nar cisico (cujos efeitos politicos e culturais nao estao, vi- sivelmente, esgotados) balangava em uma nova forma de narcisismo teérico. Digamos: em um narcisismo da estrutura. Esse narcisismo tedrico se marca, na inclinagdo es- truturalista, pela reinscrigGo de suas “leituras” no espaco unificado de uma Idgica conceptual. A suspensio da interpretagio (associada aos gestos descritivos da lei- tura das montagens textuais) oscila assim em uma espé- cie de sobre-interpretagao estrutural da montagem como efeito de conjunto: esta sobre-interpretagio faz valer 0 “teérico” como uma espécie de metalingua, organizada ao modo de uma rede de paradigmas. A sobre-interpre- tagéio estruturalista funciona a partir de entio como um dispositivo de traducdo, transpondo “enunciados em- piticos vulgares” em “enunciados estruturais concep- tuais”; esse funcionamento das anélises estruturais (¢ em particular do que poderfamos chamar o materialismo estrutural ou o estruturalismo politico) permanece assim secretamente regido pelo modelo geral da equivaléncia interpretativa, Para esquematizar: 46 Seja o enunciado empirico P1 (por exemplo: “o rosto do socialismo existente esta desfigurado”) Pi nao significa de fato otra coisa que. . -- € 0 mesmo em termos teéricos que dizer que + dito de outro modo. . + quer dizer. . © enunciado teérico P2 (por exemplo “a ideo- logia burguesa domina a teoria marxista”). E antes de tudo esta posigdo de desvio te6rico, seus ares de discurso sem sujeito, simulando os proces. 80s matematicos, que conferiu as abordagens estruturais ciéncia régia", negando como de hébito sua propria posigiio de interpretacao. esta aparéncia de nova O paradoxo desse infcio dos anos 80, € que o deslizamento do estruturalismo politico francés, seu des- moronamento enquanto “ciéncia régie” (que no entanto continua a produzir efeitos notadamente no espaco la- tino-americano) coincide com um crescimento da recep- Go dos trabalhos de Lacan, Barthes, Derrida e Fou- cault no dominio anglo-saxdo, tanto na Inglaterra quanto na Alemanha, assim como nos EUA. Assim, por um estranho efeito de oscilagao, no ‘momento preciso em que a América descobre o estruturalismo, a intelectua lidade francesa “vira a pagina”, desenvolvendo um tes- -Geyspcreur setBojoqu ap no souistapisod ap oven as onb) waniny no aquasord viSar eougio renbjenb ep operueysip ayuowrayuapnid x99 eouiad a[a 28 pfougisisuos xewo} apod gs ojaload ass ‘opHues op OHpUIpIO Oo wlos ‘oURIPHOD o wos sagSear sens ap spanne ‘seonygsa 9 siesnyno seULZ0} seu ‘soon Hod sopefounua wo ‘sooyosojy sosinosip sou ‘s09189] “Oop! sfenjti we sepeoydurr ‘sealsinosip sapeplfeloyeur se algos iryjeqex; ap sexyoueus ojuoweyo1oUcD vfesuo cedeunxoide vsso (,yeinyno voon,, sojduis wun seuade anb opour oxjno ep ‘9 oysi) eywaueyes eperesuy -(sreamjnnso suoSepioge ap sepuntio) sfemyxay-oarsanosip sofuare op einyfo],, ap seonpid se 0 (UIaysuasHIM ap eigo wp sey apod as anb vystaqysod-yue eanoadsiod BU) ,PLPUIpIO WaSenBuy ep asifpue, ep svonpid sv aqua ‘sojuautpacoid ap > valioay ‘ogseurxorde ewn 2p assa19}U} OWANXS O wEBYUT[GNs no G, ayuaUjENE uduery Bu dAjoAuasap as anb oyfeqen ap opsisod wun 9 syossad 9 aut ogu anb esta ap oywod win ye ountadxa seul) “ope, now oq “saopeu oxuooUD ap sowed so 8 SOpour so opuenyis ‘soosiz sossop sun3[e seyoueTsop vied ovisvoo & ras BLIopod B}S9 OUIOD OBTUNAL BUA “eougiosuos ep seyjosoply 2 sowisfanisod so eed oonspiuey ourojor wn ap o9sit 0 ‘of “epezyiqeyse syuoweo18o] apeprarsino “sip Buin wa oysosut ‘eoiZojoIq-oo1sd ezamyeu ap oyy 2 owl09 OPHUES Op OLIPUIPIO Op oxs!Bax ass9 FaqaouOD a8 9 eoISojoopr ogSeurjou! soreu ap eyuL] e aInZos WO aisqsuoo anb o 9 rayuaplAs arueIseq 9 O}WOUWHACHT OWE aur asa ByOdtIOD anb cosy o ‘a}rouTRaUEyTRUNIS, 8b (os6t ondueauy y ‘neayed aq ‘ojduexa 20d ‘ountpyog “Jo) ophuas op ofpUsps0 ou sepeUuo} ‘seueIpROD s2od ejnoutg sep emnaso vu id as ap “(opeysg op ‘oneLiq] op OULD ep) SONA, sapuEID sop BIND] ep wipe vAEd ‘aspen BIOUGATASIGOS EP SOUISTUBIAL SO WHOD SEyIOA se pjoug8in ep ‘osofous|{s sazaa sep ayied Joye ‘osINdsIp asso sapuaqua op oBdjsod wis svo0[09 as ap ovSedno -ooid v auoweyoydxo syeu zaa epeo ovesede ‘soLpso1y] sopmisa sou ourseur 2 w¥Gopo1s0s we ‘ez IsIy ug ) 28119 ap opopiod wo oyuausjeyoadso ‘sessvus sep OLpIpIO © wonyysuod anb syeyeysaesyur soSedsa sou *,oxieq wo, aquauear essed as anb o vied wareyoa as ¥ sozeYjO so e81zgo ‘ousoyar wa anboy> aisq “(oBSnIoaar ep opeIsy sagdeou ap ‘sos -dyja ap ‘sowzea suet 1 2p OvS9019p ep spaxne) O80! wa ajvowie}iessaoau 820]09 vlougnbas wun ap no oprsuniua w5yosep e t,enb 0 euoduiy oBu, aigos arqe wun ap vj onb sodns aquauessessaoau 9 opt opdnyerdinut osap wpo} anb 492ip “ope} O11N0 40d pajuroosypar cu reunyspwanuD es B sepet apuos welas ovseyaidiouy e 2 ozSaosep e anb voyd pit ‘oquswinteg Wn 9p no ePUgUIANE eu ap ser seajssaons s9se} seMP ap BIEN as oLU and ramp :0Kd p ojwatio! -Hosap ep soe ovSe[ar ura ‘orSeiardioqut 9 a8n| © osinosip ap asi|gue op swonpad ap 9 jedioud wussigord 0 “es1a ap ojuod assaq puside ap seumnbeur, ovs ovu sonprurput so wax aqosuy as sienb seu seolgisiy sagseyy se 2‘ oBde: pide ® opu 9 sesopeotyuop! sooseryiy v xeBny opuep eHQWJOW! ap sapas Wa sepeLUo) aadwas sew ‘y[neONOY ap opniuss ow satuaysida no soorigysiy sreyapuaosuen owr09 OIASOP WO SIOAISIA stPuef ORs OBU PUIDE sfet soWNeLON sanb anb 1aqes-e-sestoo se, anb oie 0 apuo aq soquvayrusis ap sapaa wo sfeqgos sagSejar se a ‘seLoIuaLs W> Te71URBI0 as-uapod seoworsty, sagSeifly se anb ogSeByy essa yy anb -1od 9 q ‘seyaudsaqur ap apepriqissod & 0; DUN OP RIOUDISIXD “9 OI! “BIOUQIOJSUEN NO oBdEOHL ‘oySel] Jaxey pod ye onb ‘oaysinosyp ofenBuy ov oudgad o1no asa # ajuapuiodsaxion ‘eLio}siy eu 2 sapep a1oos seu o1mno o gy anbiod 9 ropseraudsenar ap seuyjdis p ouisanb & eijuooue as anb oquod aiseu 9 J A partir do que precede, diremos que o gesto que consiste em inscrever tal discurso dado em tal série, a incorporé-lo a um “corpus”, corre sempre o risco de absorver 0 acontecimento desse discurso na estrutura da série na medida em que esta tende a funcionar como transcendental hist6rico, grade de leitura ou meméria antecipadora do discurso em questéio. A nogio de “for- maco discursiva” emprestada a Foucault pela anélise de discurso derivou muitas vezes para a idéia de uma maquina discursiva de assujeitamento dotada de uma estrutura semiética interna e por isso mesmo voltada a repeticdo: no limite, esta concepcao estrutural da discursividade desembocaria em um apagamento do acontecimento, através de sua absorgéo em uma sobre- interpretago aniecipadora. Nao se trata de pretender aqui que todo discurso seria como um aerélito miraculoso, independente das redes de meméria e dos trajetos sociais nos quais ele irrompe, mas de sublinhar que, s6 por sta existéncia, todo discurso marca a possibilidade de uma desestru- turacfio-reestruturagaio dessas redes € trajetos: todo dis- curso 6 0 {indice potencial de uma agitagio nas filia- gGes s6cio-histéricas de identificagio, na medida em que ele constitui 20 mesmo tempo um efeito dessas filiagdes e um trabalho (mais ou menos consciente, de- liberado, construido ou n@o, mas de todo modo atra- vessado pelas determinagdes inconscientes) de desloca- mento no seu espago: nfo hé identificagio plenamente bem sucedida, isto 6, ligagdo s6ciochist6ried que nao seja afetada, de uma mancira ou de outra, por uma “infelicidade” no sentido performative do termo — isto é no caso, por um “erro de pessoa”, isto é, sobre © outro, objeto da identificagao: E mesmo talvez uma das razdes que fazem que exista algo como sociedades ¢ histéria, ¢ néo apenas uma justaposigio caética (cu uma integragio supra-or- ginica perfeita) de animais humanos em interagio... A posi¢ao de trabalho que aqui evoco em referén- cia a anélise de discurso nao supée de forma alguma a possibilidade de algum célculo dos deslocamentos de filiagdo © das condigdes de felicidade ou de infelicidade evenemenciais. Ela supde somente que, através das des- crigdes regulares de montagens discursivas, se possa detectar os momentos de interpretagdes enquanto atos que surgem como tomadas de posicao, reconhecidas como tais, isto é, como efeitos de identificagao assumi- dos e no negados. Face as interpretages sem margens nas quais o intérprete se coloca como um ponto absoluto, sem outro nem real, trata-se af, para mim, de uma questio de ética e politica: uma questo de responsabilidade. 57

You might also like