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Roprico Parro SA Motta | Organizador DITADURAS MILITARES Brasil, Argentina, Chile e Uruguai Belo Horizonte Editora UFMG | 2015 © 2015, Os autores © 2015, Editora UFMG Este livro ou parte dele nao pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizagio escrita do Editor. Deis Ditaduras militares: Brasil, Argentina, Chile e Uruguai/ Rodrigo Patto S4 Motta, organizador. ~ Belo Horizonte : Editora UFMG, 2015, 338 p. :il. (Humanitas) Textos apresentados no Semindrio Internacional Ditaduras Militares em Enfoque Comparado. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-423-0069-7 1. Ditaduras e ditadores — América do Sul. 2. Governo militar. 3. América do Sul ~ Politica e governo I. Motta, Rodrigo Patto Sa IL Semindrio Internacional Ditaduras Militares em Enfoque Comparado (2012 : Belo Horizonte). IIL, Série. CDD: 321.98 CDU: 32 (8=6) Elaborada pela Biblioteca Professor Antonio Luiz Paixdo - FAFICH/UFMG. Este livro recebeu apoio financeiro da CAPES e do Programa de P6s-Graduagdo em Historia da UFMG. DIRETORA DA COLECAO Heloisa Maria Murgel Starling COORDENAGAO EDITORIAL Michel Gannam ASSISTENCIA EDITORIAL Eliane Sousa DIREITOS AUTORAIS Maria Margareth de Lima e Renato Fernandes COORDENAGAO DE TEXTOS Maria do Carmo Leite Ribeiro PREPARACAO DE TEXTOS Ana Maria de Moraes REVISAO DE PROVAS Talita Corréa ¢ Flaviana Correia PROJETO GRAFICO Cassio Ribeiro, a partir de Gléria Campos - Manga FORMATAGAO Victoria Arenque MONTAGEM DE CAPA Cassio Ribeiro PRODUGAO GRAFICA Warren Marilac EDITORA UFMG Ay, Ant6nio Carlos, 6.627 | CAD II | Bloco IIL Campus Pampulha | 31270-901 | Belo Horizonte-MG | Brasil Tel.: +55 31 3409-4650 | Fax: +55 031 3409-4768 www.editoraufmg.com.br | editora@ufmg,br MARINA FRANCO DO TERRORISMO DE ESTADO A VIOLENCIA ESTATAL Problemas histéricos e historiogrdficos no caso argentino Nos primeiros anos p6s-autoritdrios na Argentina, foi tomando forma um relato que definiu a ultima ditadura mili- tar (1976-1983) como um momento de ruptura na histéria nacional, devido ao exercicio da repressao estatal clandestina realizada pelas Forgas Armadas sobre amplos setores politicos e sobre uma sociedade concebida como vitima alheia em seu conjunto. Por sua vez, essa violéncia militar foi considerada uma consequéncia de outra violéncia, anterior Aquela que havia tentado combater: a das organizag6es insurrecionais de esquerda. Contrastando com isso, a democracia — ainda com seus problemas — emergia como ordem politica desejavel, base- ada na tolerancia e na paz, capaz de refundar, apenas com sua presenga, o laco social destruido, bem como de virar a pagina da violéncia autoritaéria e militar do passado. Esse relato, apresentado aqui de maneira muito simplificada, foi cunhado fundamentalmente em torno das politicas do primeiro governo radical, liderado por Rail Alfonsin, da pesquisa da Comissao Nacional sobre 0 Desaparecimento de Pessoas (CONADEP), da publicagdo de seu informe Nunca Mais, em 1984, e do Julgamento das Juntas Militares em 1985.! Essa narrativa basica, propria dos anos de 1980, foi se modificando parcialmente em alguns aspectos como resultado da ago incansavel dos organismos de direitos humanos e das politicas estatais de meméria e justiga dos dltimos anos, além ter sido resultado do desencantamento com a democracia, das crises econémicas permanentes e da crise social e de legitimi- dade politica de 2001. Nesse sentido, pode-se dizer que, dos anos de 1980 até o presente (2012), os limites do pensavel foram sendo transpostos e foram-se abrindo novas discussées sobre o terrorismo de Estado no espaco ptiblico. Nao obstante, acho que varios dos tracos essenciais do relato original cunhado na transigéo mantiveram sua vigéncia e moldaram as agendas de pesquisa sobre o passado do terrorismo estatal. Em relacio A producio profissional sobre 0 passado recente, diferentemente de outros paises como a Alemanha, na Argentina nao houve realmente — ou houve muitas nuances — um hiato ou “perfodo de laténcia”, durante o qual o passado nao fosse objeto de pesquisa ou reflexao das Ciéncias Sociais. Isso se deve, em boa medida, ao fato de que o processo de transigao para a democracia nao se apoiou em uma politica de siléncio sobre os crimes do passado, tampouco em um olhar complacente sobre 0 ocorrido; pelo contrario, as intengdes refundacionais do novo governo civil se assentaram sobre atos de justiga fundamentais. Nesse sentido, temos que reconhecer que, diferentemente do fascismo ou do nazismo, no caso da Argentina, os organismos de direitos humanos e o Estado argentino — em meio a tens6es e alternancias de diversas poli- ticas — foram os atores principais na constituicao de um relato memorial de ruptura com 0 passado. Por essa razio, a pesquisa profissional nao se encontrou diante da tarefa de romper um siléncio social e politico, e sim diante de um terreno propicio para se pensar e se pesquisar sobre o tema, ainda que dentro de certos marcos e limites.’ Isso fez com que o problema do terrorismo de Estado, entendido em sua faceta fundamental- mente repressiva, estivesse presente no trabalho das Ciéncias Sociais dos anos de 1980 em diante e que se baseasse em algumas pesquisas j4 classicas e essenciais, tais como as de Eduardo L. Duhalde, Prudencio Garcia, Pilar Calveiro e José Luis D’Andrea Mohr além de, sem diivida, no proprio Nunca Mas.‘ Essas obras e, sobretudo,'a profusao de testemunhos ptiblicos e politicas oficiais durante a ultima década instalaram a sensacao de que a repressdo é uma questao muito revisitada e conhecida. Porém, visibilidade e meméria nao equivalem a conhecimento histérico. Pelo contrario, contamos com pouco conhecimento regular e acumulado sobre as caracteristicas da violéncia estatal nesses anos. Como destacou Gabriela Aguila, nao ha linhas de pesquisa consolidadas e nutridas de estudos sistematicos sobre as caracteristicas, contetidos e alcances da aco repressiva nos distintos ambitos.* Poder-se-ia dizer, ainda, que a maior parte da produgao profissional sobre o tema se ssentou NOs Mesmos pressupostos que constitufram os relatos memoriais da transi¢ao. Considerando, entéo, somente a faceta repressiva, quais sao esses pressupostos? O primeiro deles € a ideia da ditadura de 1976 como divi- sao histérica. Ainda que o tema tenha cada vez mais nuances, em termos gerais 0 “24 de margo” - data do golpe de Estado - funciona como uma referéncia automatica de uma experién- cia hist6rica substancialmente distinta e isolavel do conjunto temporal, tanto em relag&o aos anos anteriores, quanto com respeito 4 etapa pés-autoritaria posterior. Mas, ainda que seja assim quanto 4 pratica sistematica do desaparecimento forgado de pessoas, isso nao pode ser entendido sem uma histéria das légicas e processos repressivos anteriores, construidos cumu- lativamente no tempo. Um segundo pressuposto, derivado do anterior, se apoia na oposicao binaria ditadura/democracia como organizadora da perspectiva histérica sobre o passado, de maneira que a 63 associacao entre os regimes de fato repressivos e as Forgas Armadas é um dado tornado natural e que se opde as demo- cracias civis dissociadas de suas dimensoes autoritarias. Por tiltimo, esse mesmo relato centrado na demoniza¢4o do ator militar como Gnico responsavel pela violéncia repressiva do Estado supés uma énfase quase absoluta na principal forma de violéncia estatal e em suas vitimas: a repressao clandestina, o desaparecimento forgado de pessoas e¢ a luta pelos direitos humanos como seu legado histérico. Sem diivida, a centralidade desses pressupostos — aqui muito esquematizados ~ nao obedece a autonomia da producao inte- lectual, muito pelo contrario. Ela é indissociavel de elementos politicos, hist6ricos e memoriais, tais como a abundancia de relatos testemunhais e enfoques memoriais centrados na expe- riéncia das vitimas da violéncia clandestina e de seus familiares, a presenga do tema no espago piiblico e as politicas publicas de memGria e justiga centradas nesses recortes.® NOVAS PERSPECTIVAS Pois bem, nos debates no espago ptblico, em algumas poli- ticas das associagGes de direitos humanos, no espaco judicial e na prépria pesquisa profissional, comecaram a se abrir outras linhas de interpretag4o e indagag4o que indicam a passagem a novas perguntas, e, talvez, a longo prazo, elas deem espaco a outro regime de memoria sobre a violéncia estatal. Dentro da pesquisa profissional, na qual me concentrarei aqui, essas novas perspectivas questionam as linhas motrizes do relato hege- ménico sobre a repressdo exclusivamente centrado na tltima ditadura militar, no ator Forcas Armadas e em seu funciona- mento clandestino. De outra maneira, elas comecam a focar sua atengao em aspectos menos espetaculares, em processos com prazo maior, além de em um olhar mais atento a faceta produtiva da violéncia estatal, sem reduzir 0 terrorismo de Estado a sua faceta destrutiva - tal como se costuma entender 64 a repressao. Dentre essas perspectivas, eu gostaria de destacar algumas linhas que me parecem importantes pela renovacado de seus objetivos e perguntas de indagacai + Novos atores vitimas da violéncia: os estudos que se cen- tram em grupos especificos, e muito particularmente nos trabalhadores industriais e rurais, comecaram a mostrar um continuo de violéncia estatal ascendente no qual se articulam e se sobrepdem a repressao legal e a clandestina, estatal e paraestatal, conivente com as violéncias privadas exercidas por empregadores e patrdes, pelo menos desde 0 comego dos anos de 1970.” Novos atores executores de violéncia: embora essa 4rea seja muito mais incipiente como perspectiva e haja poucas pesquisas sistematicas, emergiu outra linha de indagagao que explora as responsabilidades e participagées efetivas de atores civis no exercicio da violéncia estatal. Isso inclui estudos sobre empresérios industriais que, em acordo com as forcas de seguranga, denunciaram ¢ facilitaram a repressio de seus trabalhadores ~ é 0 caso, por exemplo, das empresas Mercedes Benz, Ford, Ledesma ou Astarsa, pesquisadas por Victoria Basualdo -, até o funcionamento do necrotério ju- dicial de Buenos Aires, onde seus funciondrios encobriram burocratica ¢ legalmente o aparelho repressivo.* Ampliagao de espacgos: 0 trabalho sobre historias locais esté revelando cronologias, légicas e percepcdes sociais da violéncia diferentes do grande relato nacional - escrito, alias, sobre a hist6ria portenha e do estado de Buenos Aires —, que adquiriu carater hegeménico. Essas pesquisas, ao contarem outros processos e experiéncias, vistos, além do mais, com uma lente menor e com mais detalhe, mostram distintas quest6es: 1 - que a repressdo se iniciou varios anos antes de 1976 e que teve um carater sistematico ¢ progressivo, pelo menos a partir do inicio dos anos de 1970. Assim, alguns desses 65 66 trabalhos permitem inscrever a violéncia estatal em praticas gerais e locais de longa e média data, nas quais se confun- dem diversos tipos de violéncia estatal e privada, politica e social. E esse, por exemplo, o caso dos trabalhadores rurais no noroeste argentino, para quem 1976 nao significou uma ruptura conclusiva em sua condicao de vitimas de diversas violéncias sobrepostas.” 2 - que as estritas logicas do Estado-na¢ao nao sao suficien- tes para explicar 0 crescimento da violéncia estatal. E 0 caso do estado de Mendoza, na zona de Cuyo, na fronteira com o Chile, onde o desenvolvimento da violéncia paraestatal muito antes de 1976 esta intimamente ligado a chegada de exilados da ditadura de Pinochet, a partir de 1973.!° 3 - que as légicas e formas da repressao foram muito diferentes conforme as regides, zonas, forgas implicadas e grupos principais de vitimas. Como indica Gabriela Aguila, se a acdo repressiva foi articulada em um plano sistematico implementado pelo Estado militar em nivel nacional, com um marco juridico e legal desenhado e aplicado a partir do golpe de Estado, a verdade é que as praticas repressivas foram implementadas por individuos e grupos concretos, com forcas de seguranca distintas em cada caso e com moda- lidades, tradigdes anteriores e dispositivos especificos em cada espago local e/ou estadual."! Isso supde que houve, na realidade, “programas localizados” de exterminio, com um processo fragmentado de tomada de decisdes e implemen- tagao da repressao, além de uma multiplicidade de poderes e légicas locais que contribuiram, em seu conjunto, com o objetivo central de aniquilar o “inimigo subversivo”. Essa ideia da descentralizagao operativa é um aspecto essencial, porque permite ver as nuances de outra nogao constitutiva das vis6es sobre o terrorismo de Estado: a imagem de seu carter vertical, uni terror." ‘ado e monolitico como estrutura de + Novos objetos: os trabalhos provenientes da Antropologia —eem menor medida da Histéria — sobre 0 funcionamento das burocracias policiais, penitencidrias e judiciais esto mostrando longas duracées e permanéncias que sao relativa- mente independentes da existéncia de governos democrati- cos ou autoritarios. Como ja se destacou, tradicionalmente, a atencao sobre as vitimas esteve focada nos desaparecidos, seus entornos e as ldgicas clandestinas que os produziram. Entretanto, as novas pesquisas sobre prisioneiros e prisdes mostram fendmenos nao tao dissocidveis do que acontecia nos centros de detengao de desaparecidos, além de fendme- nos de continuidade no tempo. Essas continuidades nao sé se estendem para tras, buscando mostrar funcionamentos carcerarios que comegaram muito antes de 1976 — e que, em todo caso, se intensificam depois do golpe sem mudangas substanciais —, mas também os que sobreviveram no periodo posterior a ditadura.” Conjuntamente podem ser mencionados, de novo, os traba- lhos sobre o sistema judicidrio ou as burocracias vinculadas 4 apropriacao ilegal de criangas.'* Nesse sentido, a contribuicao fundamental, que permite descobrir esses novos objetos para se pensar sobre a violéncia estatal, é uma atencgao dada ao aparelho do Estado, em suas légicas burocraticas e em suas inércias. Mas um aparelho estatal concebido nado como um todo univoco, homogéneo e transcendente, mas sim em seu funcionamento poroso e complexo feito de uma multiplicidade de agéncias, orientagées, atores e praticas. + Novos processos: alguns trabalhos estao mostrando fen6- menos de circulagao de ideias e representagdes que rompem a fronteira entre civis e militares. E 0 caso de Esteban Pon- que coloca em evidéncia a circulagao da teoria da guerra revolucionaria e da Doutrina da Seguranca Nacional (DSN), ou de seus pressupostos ideolégicos de base (a ideia de guerra interna, a obsessao pelo inimigo comunista, a mi- toriero, litarizagao da ordem interna) entre setores militares e civis, 67 68 do fim dos anos de 1950 a 1976. Essas linhas de indagacao permitem um avango no rompimento da ideia de uma base ideol6gica fechada que seria patriménio das Forgas Armadas e que explicaria exclusivamente a conduta dessa corporacao, bem como, portanto, de boa parte do terrorismo de Estado — tal como se estabeleceu no relato da pés-ditadura. Com efeito, a DSN costuma funcionar como pressuposto omni e autoexplicativo dos funcionamentos repressivos, como um conjunto homogéneo de ideias e doutrinas militares que, instalado por influéncias foraneas — norte-americanas e francesas —, apenas por sua presenga jd explicaria a con- duta repressiva de diversos atores estatais, particularmente os castrenses. Entretanto, é necessdrio comegar a mergulhar na circulagdo desses elementos na cultura e na tradig4o po- litica argentinas, do ambito militar ao civil, e ndo somente nas direitas nacionalistas e catélicas, como se fez em geral. + Novas periodizag6es: por ultimo, dialogando com tudo o que se disse anteriormente, outra série de trabalhos esta avangando no sentido de repensar as periodizag6es em tor- no da violéncia estatal extrema, para pensar em processos, com continuidades e descontinuidades, que nao se organi- zam em torno dos recortes institucionais e que atravessam transversalmente regimes democraticos e militares. Assim, por exemplo, o tiltimo ciclo de violéncia repressiva prota- gonizado pela ditadura militar s6 poderia ser entendido como parte de um continuo ascendente de acées estatais legais e clandestinas que teriam comegado por volta do fim de 1973, durante os governos peronistas anteriores ao golpe de Estado (1973-1976). Nessa légica, a repressao estatal nao s6 foi um processo iniciado com governos eleitos de- mocraticamente, como também foi preparada pelos atores civis no poder, que geraram o espaco para o crescimento da autonomia militar e sua agao criminosa (e nao o contra- rio). Dessa forma, trata-se de parar de pensar sobre certas praticas repressivas estatais como “antecedentes” a 1976, devolvendo a elas seu significado hist6rico proprio e sua capacidade de mostrar fendmenos autoritarios articulados, nao episddicos ou isolados, e com peso proprio. E 0 caso dos olhares habituais sobre a aco dos grupos parapoliciais da Triple A, a partir de 1973, ou sobre a “Operacao Inde- pendéncia”, realizada pelas Forgas Armadas argentinas no estado de Tucumén, em 1975, com autorizacgao do Poder Executivo peronista. Esses episdios costumam serem vistos justamente como “antecedentes” e “antincios” do que viria e nao como parte de um processo institucional e repressivo com sua propria identidade.'6 Os elementos enumerados até aqui abrem um panorama de novas exploragées ainda incipientes. Em alguns casos, inclu- sive, trata-se de trabalhos breves que nado permitem falar de linhas de pesquisa consolidadas, mas sua existéncia j4 mostra a renovagao de perspectivas dos tiltimos anos. Entretanto, esses mesmos avangos também nos permitem pensar em outras linhas ainda inexploradas para entender a violéncia repressiva da Ultima ditadura em toda a sua comple- xidade. Sem diivida, trata-se de uma enumeraciio daquilo que hoje, a partir do presente da enunciacao, pode ser percebido como vazio; sem diivida, os avangos na pesquisa ampliario essa lista e nos mostrarao novos temas e questdes que ainda nao percebemos como tais. Dentre esses temas em aberto, achamos que falta indagar sobre: - 0 desenvolvimento das burocracias repressivas especificas no médio e longo prazo de maneira transversal as rupturas institucionais, estudando agéncias e aparelhos estatais par- ticulares; - anatureza ea articulagao das politicas autoritarias nacionais com os poderes politicos locais - em particular autoridades municipais civis e policiais locais; 69 © funcionamento repressivo concreto e diferenciado em distintas zonas, bem como a ago das distintas forcas de seguranga; - adimensao e caracteristicas dos delitos econédmicos come- tidos durante os atos repressivos; - os perpetradores fora dos estamentos superiores que ocu- pavam os cargos mdximos. Conhecemos pouco sobre os atores militares, sua enorme diversidade, subjetividades, experiéncias, relagGes pessoais ¢ institucionais, diferencas internas e memérias; - a aco de atores civis em espagos privados e ptiblicos em suas diversas manifestacdes de cumplicidade, colaboragao, deniincia efetiva, negacdo, siléncio, indiferenga moral ou rejeigdo da ago repressiva.!” Por tiltimo, j4 a partir de um ponto de vista conceitual e meto- dologico, é necessdrio: - construir novas fontes orais, em particular, atores civis nao considerados anteriormente (agentes de diferentes burocra- cias do Estado e membros das forgas de seguranga, cujas posigGes e perspectivas frente ao passado mudaram com o tempo); - consultar novas fontes documentais; 0 progressivo “acha- do” e a abertura de arquivos e alguns instrumentos legais preparados pelas politicas estatais'* permitem 0 acesso a conjuntos documentais desconhecidos ou insuspeitos em seus potenciais, tais como arquivos policiais, administrati- vos, militares etc.; - rediscutir os conceitos utilizados: assim como no caso ar- gentino a nogao de genocidio foi muito discutida no Aambito académico e judiciario, outras nogdes como “terrorismo de Estado” continuam sendo usadas por seu valor politico e histérico, sem a reflexao suficiente sobre seus potenciais e limites para definir o fenémeno estudado;!* 70 renovar nossas perspectivas com aproximagées e perguntas que nao coloquem no centro da pesquisa as apreciagGes morais como principal filtro de aproximagao com 0 objeto. De maneira mais geral, a renovacao das perspectivas sobre a ditadura e a repressao em particular requer uma norma- lizagao que, sem perder de vista a dimensao ético-politica, possa historiar e dessacralizar “o horror”.”° O PROBLEMA DA PERIODIZAGAO DA VIOLENCIA ESTATAL A seguir, gostaria de desenvolver com mais detalhes a tiltima questdo mencionada ao se falar da renovagao das perspecti- vas analiticas: as novas periodizagées da violéncia estatal na Argentina. Se focarmos a atencdo em um dos pressupostos da matriz memorial mencionada - 0 problema das temporalida- des da repressao —, tal como foi dito, 0 perfodo de 1976-1983 aparece como uma ruptura e excessivamente recortado do resto do processo histérico. Por um lado, isso nao significa que, como acontece no Chile ou no Uruguai, ou inclusive na Alemanha, a ultima ditadura argentina tenha sido vista como um paréntese histérico. A instabilidade institucional e a suces- sao de golpes militares ao longo da maior parte do século 20 argentino impedem uma visdo desse tipo! Por outro lado, também é verdade que, pela natureza do projeto ditatorial e pela dimensao do dano social produzido, esse periodo signifi- cou uma ruptura com praticas repressivas e modos de gestao autoritaria anteriores. Entretanto, essa ruptura € apenas rela- tiva, uma vez que nao pode ser entendida se nao for inserida na histéria politica anterior. Sendo assim, € necessdrio recuperar a “normalidade” da ditadura para poder pensar nela como parte de um processo de médio prazo de exercicio crescente da violéncia estatal extrema. Essa normalidade implica aceitar 0 cardter excepcional do sistema repressivo ligado ao desapare- cimento de pessoas e 4 apropriacao de bebés, mas, ao mesmo tempo, inscrevé-lo em uma complexa trama histérica na qual seja continuidade e ruptura simultaneamente. Uma das dificuldades é que a andlise da dimensio repressiva continua relativamente presa a uma logica tradicional centrada nos autoritarismos militares e, portanto, nos recortes institu- cionais. A partir de uma perspectiva mais complexa, é neces- sario pensar nos processos histéricos e nos funcionamentos estatais repressivos de médio prazo de maneira historicamente situada e transversal aos atores civis e militares a cargo do poder politico. Isso nao significa que a alternancia civico- -militar concebida como trago central da historia argentina do século 20 deva ser deixada de lado como variavel explica- tiva relevante — em absoluto -, e sim que é importante, mas insuficiente para entender o desenvolvimento de certas formas da violéncia estatal. E insuficiente porque a légica repressiva extrema como forma de interpretagao e resolugao dos conflitos foi adquirindo um peso cada vez maior, tendo se ampliado como marco explicativo da agitacao social fora da corporacdo castrense. Inclusive, se aceitassemos a ideia de que essas logicas eliminatérias apresentaram, sobretudo, uma origem militar e tiveram de ser explicadas pela mudanga das doutrinas militares a partir da guerra fria - por exemplo, a ideia de um inimigo externo de origem marxista que gerava uma ameaca de uma gravidade tal que convocava a agdo das Forgas Armadas em favor da defesa nacional dentro do territério e contra sua propria populacao -, esse imagindrio poderia ser rastreado em algumas vozes e momentos dos governos democraticos das décadas de 1950, 1960 e 1970 na Argentina.2? Do mesmo modo, a oposi¢ao democracia/ditadura é insuficiente, porque 0 exercicio militar do poder através de golpes de Estado por vezes permitiu que, nesses periodos, normativas fossem impos- tas e/ou que fossem criados instrumentos e agéncias estatais que haviam sido propostos e sofrido resisténcia antes, durante governos democraticos anteriores, ou que, uma vez impostas, nao se desarticulassem depois e fossem usadas igualmente nos perfodos democraticos e ditatoriais subsequentes. E 0 caso, 72 por exemplo, da Lei de Seguranca (Lei n° 28/840, de 28 de setembro de 1974), implementada durante o governo de Maria Estela Martinez de Perén e plenamente utilizada pela ultima ditadura militar. Dessa maneira, recuperar a “normalidade” e a insergdo historica da ultima ditadura militar permitiria inclui-la como parte de um processo com elementos comuns para 0 periodo que vai, pelo menos, de 1955 a 1983. O desafio é explicar esse periodo em sua tendéncia cumulativa e crescente, colocando em foco sua densidade histérica especifica, e nao como mero caminho de acumulagao repressiva em diregao a seu “climax”: 1976. A partir dessa ética, especificamente com relacao ao problema da violéncia estatal, varios periodos distintos pode- riam ser recortados:% - Ciclo 1955-1983: uma série de elementos comuns parece caracterizar esse periodo quanto 4s praticas e légica esta- tais repressivas. Como rapida e provisdria tentativa esses elementos incluem 0 us0 sistemdtico de medidas de excegéo para responder a conflitos politicos e sociais, a militarizagao da ordem interna, a assimilacdo entre seguranga interior e defesa nacional e a construcdo de inimigos internos a eliminar. A diferenca ou novidade nao esta na presenga de cada um deles - que podem ser encontrados em outros pe- rfodos e momentos da histéria argentina —, mas sim em sua presenca como conjunto articulado que conformou novas maneiras de entender a resolugao de conflitos internos ¢ 0 disciplinamento social nas décadas mencionadas. Se for possivel pensar em um ciclo repressivo especifico que vai de 1955 a 1983, esse periodo se constitui por continuida- des e descontinuidades que impedem qualquer leitura linear. Dentro desse periodo amplo podem ser identificados, por sua vez, alguns ciclos especificos: - Ciclo 1966-1983: h4 aqui uma subunidade complexa que une a ditadura iniciada em 1966, por Juan Carlos Ongania, © governo peronista subsequente, de 1973 a 1976 e, depois, 73 a tiltima ditadura. Nessa diversidade de regimes e condugdes politicas, existe, entretanto, uma légica repressiva em au- mento com caracteristicas bastante similares. Para citar um exemplo, o decreto-lei de Defesa de 1966 (Lei n° 16.970), que imprimiu a légica da seguranga nacional na legislacao, esteve vigente até 1988, nao tendo sido revogado nem sequer durante o governo democratico anterior a ultima ditadura. Essa légica repressiva crescente do periodo implicou o desenvolvimento de agéncias estatais, normas e praticas repressivas especificas que articulavam formas legais e clan- destinas de violéncia estatal. A grande transformacdo interna dentro desse ciclo consistiu no crescente peso que as légicas clandestinas adquiriram sobre as formas repressivas oficiais e visiveis — considerando sempre que umas e outras se articula- ram solidariamente e fizeram parte de um mesmo fendmeno. - Ciclo 1973-1976: pois bem, se o momento 1966-1983 cons- titui uma unidade descontinua de crescente disciplinamento autoritario, dentro dele se desenha outro momento ainda mais especifico, que foram os anos imediatamente anterio- res a ultima ditadura, os governos peronistas entre 1973 e 1976. Esse constitui um momento especifico porque nele os governos foram democraticamente eleitos e, portanto, nao se pode omitir a natureza particular desse processo politico em favor de se pensar em uma suposta identidade autori- tdria para todo o perfodo de 1966-1976. Ou seja, os anos de 1973-1976 sao, na realidade, o dado mais eloquente do processo que tentamos mostrar: foi um governo democré- tico que revogou a legislagao repressiva anterior e, poucos meses depois, comegou a restabelecé-la progressivamente.”* Portanto, considerar a particularidade desse recorte poli- tico-institucional permite dimensionar um fator especifico que é o funcionamento das ldgicas repressivas em regimes democraticos; permite entender a especificidade da agitacao politica extraordindria desses anos chave e, sem duvida, 74 permite discutir o peso e a responsabilidade particular do peronismo e dos atores civis nele. E aqui tocamos em um ponto sensivel: uma boa parte da pesquisa e da reflexao pendente deve desentranhar o lugar infi- nitamente complexo do peronismo na construcao da violéncia estatal extrema. Embora como forga politica ele tenha mode- lado formas arbitrérias e autoritérias do exercicio do poder que Ihe sao constitutivas desde seu primeiro periodo de governo, entre 1946 e 1955, elas nao explicam nem esgotam em absoluto a violéncia estatal que o mesmo peronismo desencadeou entre 1973 e 1976. Em outros termos, as continuidades de estilo no explicam os resultados; pelo contrario, nés advogamos, novamente, pelo resgate da especificidade dos elementos que estiveram presentes nos primeiros anos da década de 1970 e o processo particular que eles desencadearam em sua inte- racdo: uma sociedade fortemente mobilizada, organizagdes insurrecionais armadas, forgas de seguranga radicalizadas, um partido de governo incapaz de gerir sua agitaco interna, crise econdmica e conflito distributivo. Assim, novamente, se existe um “continuo repressivo” entre 1955 e 1983, nada conduzia linearmente a 1976. Outro aspecto diferente que o estudo revela desses anos anteriores A ditadura é que, no clima generalizado de violéncia e de crise politica e econémica, foi sendo gerada uma tendén- cia ao apoio explicito 4 agéo repressiva do Estado contra os grupos insurrecionais, entendida como agao legitima das Forgas Armadas para restabelecer a “ordem”. Sem divida, esse clima foi resultado da construgao, acumulada no tempo, de uma série de representagdes em torno do inimigo “subver- sivo” como responsavel pelos conflitos nacionais e das Forcas Armadas como unica possibilidade de superagao da violéncia generalizada. Esse ponto é importante porque nao se refere ao erroneamente chamado “consenso ditatorial” ou ao golpe de Estado, e sim ao consenso especifico sobre a agéo repres- siva do Estado para impor “ordem”. A legitimidade da “luta 75 antissubversiva” por parte de amplos setores politicos e sociais foi anterior ao golpe de Estado, se manteve de pé durante toda a ditadura e, inclusive, ha sinais claros de que a legitimidade dessa aco perdurou também no processo de transi¢do 4 demo- cracia. Provavelmente, s6 0 impacto do informe Nunca Mas sobre o desaparecimento sistematico de pessoas (1984) e do Julgamento das Juntas Militares (1985) conseguiram por em questo a legitimidade da “luta antissubversiva”.?> REFLEXOES FINAIS Para concluir, pensar sobre a violéncia estatal na Argentina é um exercicio complexo, que remete a certos lugares comuns histéricos: por um lado, evoca diretamente a tiltima ditadura militar e a nocao de terrorismo de Estado e, por outro, remete a ideia genérica de que a repressao estatal foi uma constante em nossa hist6ria do século 19 em diante. A questdo é: como pensar na ultima ditadura como parte de determinadas formas de gestao estatal do conflito politico e de manutenc4o da ordem social de médio e longo prazo? Por sua vez, como pensar nas complexidades dessa violéncia estatal sem construir genealogias que terminem nessa ditadura como a maxima manifestagao de uma violéncia linear e ascendente? Como pensar na violéncia estatal sem tornd-la natural, como uma esséncia da politica argentina? Como encontrar especificidades nas generalidades e constantes histéricas nos eventos particulares? Na atualidade, as novas linhas de pesquisa sobre a repressao estatal so o resultado de varias décadas de acumulacao nos estudos sobre a ditadura e, eu me animaria a dizer, de uma certa saturagdo que a super-representagdo das memorias e imagens classicas sobre as vitimas clandestinas produziu — no espaco publico e também dentro do campo profissional. Nao obstante, o fato de que a renovacdo possa acontecer tem a ver com um contexto mais geral de ampliagao do socialmente dizivel em torno do terrorismo de Estado e da percepgao do 76 rompimento progressivo desses relatos candnicos e manique- fstas consagrados nos anos de transigao. Trata-se de renovar o olhar e avancar na compreensio da violéncia estatal em geral, e da ultima ditadura em particular, a partir de novos pressupostos analiticos de base. Recapitulando © que foi dito até aqui, parece-me que esses pressupostos poderiam ser: - superar a dicotomia ditadura/democracia como organiza- dora tinica da experiéncia e do relato hist6ricos; - superar a dicotomia Forcas Armadas/atores politicos civis; - superar a visio do carter isolado ou erratico das praticas repressivas Civis; - superar a visdo da sociedade civil como alheia as légicas e praticas repressivas; - dar uma andlise mais complexa ao sistema repressivo, quase que exclusivamente associado a dimensao clandestina e aos desaparecidos; - superar a ideia do “terrorismo de Estado” como sistema centralizado, uniforme e monolitico de dominagao pelo terror; - superar a perspectiva de curto prazo da ditadura como recorte, ou seja, inscrevé-la em uma histéria de praticas estatais crescentes a partir de meados do século 20 e com certas continuidades até o presente. Sem dhivida, essas questdes nao sao todas uma novidade, mas trata-se de tird-las do plano do enunciado de principios, ou da declamacio ideoldgica, e dota-las de robustez histérica e historiografica. Tudo isso, em seu conjunto, permitiria pensar de maneira fundamentada sobre a ultima ditadura militar, bem como sobre a violéncia estatal extrema, como resultados e produtos da sociedade argentina. Liian ALMEIDA Tradugio 77 AGRADECIMENTOS Agradeco ao Rodrigo Patto $4 Motta e 4 UFMG pelo convite para participar do Seminario Internacional Ditaduras Militares em Enfoque Comparado. Este texto foi preparado para exposigao oral em dito evento, de maneira que sua versio escrita conserva algumas marcas retoricas e de organizagao proprias desse registro. NOTAS 1 Gerardo Aboy Carlés, Las dos fronteras de la democracia argentina. La re~ definicién de las identidades politicas de Alfonsin a Menem, Rosario, Homo Sapiens, 2001; Emilio Crenzel, La historia politica del Nunca Mas, Buenos Aires, Siglo XI, 2008; Marina Franco, Encnentros y desencuentros entre memoria ¢ historiograffa en el caso argentino, em Eugenia Allier e Emilio Crenzel (ed.), Memoria, historia, violencia y politica en América Latina, México, UNAM, no prelo. Daniel Lyovich, Historia reciente de pasados traumaticos. De los fascismos y colaboracionismos europeos a Ia historia de la diltima dictadura argentina, em Marina Franco e Florencia Levin (ed.), Historia reciente, Buenos Aires, Paidés, 2007. Ibidem. Nao obstante, também se deve reconhecer que, quando a pesquisa emergiu como campo académico legitimado, no inicio dos anos de 2000, ela também estava reagindo as politicas de impunidade e negagao do passado da década de 1990. Luis E. Duhalde, El Estado terrorista argentino. Quince aiios después, una mirada critica, Buenos Aires, Eudeba, 1999 [1984]; Prudencio Garcia, El drama de la autonomia militar, Madrid, Alianza, 1995; Pilar Calveiro, Poder y desaparicién, Buenos Aires, Colihue, 2008; e José Luis d’Andrea Mohr, ‘Memoria debida, Buenos Aires, Colihue, 1999. Gabriela Aguila, El ejercicio de la represi6n en la Argentina, em Marina Franco Hernan Ramirez (ed.), Las dictaduras del Cono Sur, no prelo. Para uma sintese dessas politicas e das vicissitudes publicas da meméria entre 1983 e 2010, Daniel Lvovich e Jacquelina Bisquert, La cambiante memoria de la dictadura, Buenos Aires, Biblioteca Nacional/UNGS, 2008. Para algumas referéncias sobre os contextos memoriais e a elaboragio do conhecimento académico sobre o processo repressivo, ver Franco, Encuentros y desencuentros entre memoria ¢ historiografia en el caso argentino. Nesse grupo se destacan Pablo Pozzi e Alejandro Schneider, Los setentistas: izquierda y clase obrera: 1969-1976, Buenos Aires, Eudeba, 2000; Agustin Santella, La confrontacion de Villa Constitucidn (Argentina, 1975), [online], Buenos Aires, Instituto de Investigaciones Gino Germani, FSOC-UBA, 2003. 78 (Jl, n° 2), disponivel em ; Ruth Werner e Facundo Aguirre, Insurgencia obrera en la Argentina, 1969-1976, Buenos Aires, IPS, 2007; Héctor Lobbe, La guerrilla fabril. Clase obrera e iaquierda en la Coordinadora de Zona Norte del Gran Buenos Aires (1975- 1976), Buenos Aires, RyR, 2007; James Brennan e Ménica Gordillo, Cordoba rebelde. El Cordobazo, el clasismo y la movilizacién social, Buenos Aires, de la Campana, 2008; Federico Lorenz, Algo parecido a la felicidad. Una historia de la lucha y represién de la clase trabajadora durante la década del setenta (1973-1978). Tese de Doutorado em Ciéncias Sociais, IDES-UNGS, 2010. Sobre habitantes rurais, ver Ludmila Catela, Pasados en conflictos. De memorias dominantes, subterraneas y denegadas, em Ernesto Bohoslavsky et al, (ed.), Problemas de historia reciente del Cono Sur, Buenos Aires, INSAN/ UNGS, 2010, p. 99-115. Algumas dessas novas perspectivas exigem um esclarecimento metodolégico: © fato de que a repressao ditatorial tenha uma temporalidade maior e mais, complexa que a habitualmente recordada nao significa que “tudo seja igual”, nem que todo Estado, civil ou militar, democratic ou ditatorial, funcione segundo logicas repressivas assimilaveis (para além do ponto em que toda forma estatal implica exercicio da forga repressiva e manutengdo da ordem interna). Embora haja um emaranhado de problemas hist6ricos a se resolver € questdes a discernir, a homogeneizagao em nome de invariaveis historicas ou essencialistas obstrui a reflexdo historica, nao a esclarece. Victoria Basualdo, Complicidad patronal-militar en la dltima dictadura ar- gentina: Los casos de Acindar, Astarsa, Dalmine, Siderca, Ford, Ledesma y Mercedes Benz, Revista Engranajes, Federaci6n de Trabajadores de la Industria y Afines (FETIA), n. 5 (edig&o especial), mar. 2006 (consultado online em , 5/8/2010); sobre o necrotério judicidrio, Maria José Sarrabayrouse Oliveira, Poder judicial y dictadura. El caso de la morgue, Buenos Aires, Editores del Puerto, 2011. Catela, Pasados en conflicts. De memorias dominantes, subterréneas y de- negadas. Laura Rodriguez Agiiero, Mendoza 1972-1976. Un escenario de conflictos y represién. Clase y género en el terreno de la protesta. Tese de Doutorado, Faculdade de Humanidades e Ciéncias da Educacao. Universidade Nacional de La Plata, 2013. Aguila, El ejercicio de la represion en la Argentina. 12 Dentre os estudos locais sobre a repressio, ver Gabriela Aguila, Dictadura, represion y sociedad en Rosario, 1976-1983, Buenos Aires, Prometeo, 2008; Catela, Pasados en conflictos. De memorias dominantes, subterrdneas y de- negadas; Alicia Servetto, 73/76. El gobierno peronista contra las “provincias montoneras”, Buenos Aires, Siglo XXI, 2010; Rodriguez Agiiero, Mendonza 1972-1976; Ana Belén Zapata, Violencia parapolicial en Bahia Blanca, 1974- 1976. Delgados limites entre lo institucional y lo ilegal en la lucha contra la “subversion apatrida”, Revista Anos 90, Porto Alegre, v. 19, n. 35, p. 107-136, jul. 2012 e muitas outras pesquisas em curso sobre distintas localidades. 8 Sobre o sistema carcerdrio, ver os trabalhos de Santiago Garafio e Werner Pertot, Detenidos-aparecidos. Presas y presos politicos de Trelew a la dictadura, 79 RINT Buenos Aires, Biblos, 2007; Santiago Garafio, El tratamiento penitenciario y su dimension productiva de identidades (1974-1983), Revista Iberoamericana, Dossier “La prisién politica en la Argentina, entre la historia y la memoria”, Instituto Iberoamericano de Berlin, n, 40, 20105 e Débora d’Antonio, Trans- formaciones y experiencias carcelarias. Prisién politica y sistema penitenciario en la Argentina entre 1974 y 1983. Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia e Letras, Universidade de Buenos Aires, 2011. Sem igualar um periodo e outro, até o dia de hoje o funcionamento penitenciario é uma das grandes dividas do Estado argentino quanto a vigéncia e ao respeito aos direitos humanos. Sarrabayrouse Oliveira, Poder judicial y dictadura; e Carla Vilalta, Entregas y secuestros: la apropiacién de “menores” por parte del Estado. Tese de Dou- torado em Ciéncias Antropolégicas, Buenos Aires, Universidade de Buenos Aires, 2006. Esteban Pontoriero, De la conmocién interior a la guerra revolucionari. legislacién de defensa, pensamiento militar y caracterizacién de la amena la seguridad interna en la Argentina (1958-1970). Monografia de Graduacao, Universidade de Tres de Febrero, Buenos Aires, 2012. a Marina Franco, Un enemigo para la nacién. Orden interno, subversion y guerra 1973-1976, Buenos Aires, FCE, 2012(a). Dentre outros, também Vic~ toria Itzcovitz, Estilo de gobierno y crisis politica, 1973-1976, Buenos Aires, CEAL, 1983; Inés Izaguirre et al., Lucha de clases, guerra civil y genocidio en la Argentina. 1973-1983. Antecedentes, desarrollo, complicidades, Buenos Aires, Eudeba, 2009; Roberto Pittaluga, El pasado reciente argentino: interrogaciones en torno a dos problematicas, em Ernesto Bohoslavsky et al. (ed.) Problemas de historia reciente del Cono Sur, Buenos Aires, INSAN/UNGS, 2010. Sem diivida, h4 algumas pesquisas concretas sobre esses fendmenos, mas continuam sendo escassas e/ou de carter nao sistematico. Dentre elas podem ser mencionadas algumas das jé citadas, Basualdo, Revista Engranajes, n. S (edigao especial), mar. 2006 (consultado online em , 5/8/2010), sobre cumplicidade patronal e repressao antes de 1976; Oliveira Sarrabayrouse, Poder judicial y dictadura, sobre 0 funcionamento do necro- tério judicidrio durante a ditadura; sobre a apropriaco de menores, a tese de Villalta, Entregas y secuestros. As atuais causas judiciais, muitas das quais envolvendo acusados civis, deveriam ser fontes novas e ricas para se conhecer esses temas, Decreto presidencial 4/2010 (de 5 de janeiro de 2010), que estabelece a des- classificacao de “toda aquela informacio e documentagao vinculada a agio das Forgas Armadas durante 0 periodo compreendido entre os anos de 1976 21563", Em particular, “terrorismo de Estado” apresenta dificuldades para definir a cronologia da repressio, também por sua conotagio de dominacio absoluta € monolitica pelo “terror” que comporta. Isso nao implica sua inutilidade, e sim, a necessidade de um uso reflexivo. Sobre os distintos conceitos ¢ usos, ver, por exemplo, Hugo Vezzetti, Pasado y presente, Buenos Aires, Siglo XXI, 2002; Daniel Feierstein, 6! genocidio como prictica social, Buenos Aires, FCE, 2007; Daniel Rafecas, La reapertura de los procesos judiciales por crimenes contra la humanidad, em Gabriele Andreozzi (ed.), Juicios por crimenes de 80 a lesa humanidad en Argentina, Buenos Pittaluga, El pasado reciente argentino blematicas ires, Cara y Ceca, 2011, p. 155-176; interrogaciones en torno a dos pro- Sobre essa questa fundamental, remetemos o leitor discussao em Ian Ker- shaw, La dictadura nazi. Problemas y perspectivas de interpretacién, Buenos Aires, Siglo XXI, 2004, p. 287-308. Recordemos que entre 1930 e 1983 s6 um governo democratico eleito em cleigdes transparentes terminou seu mandato; foi o caso da primeira presidéncia de J. D. Perén, 1946-1952. Referimo-nos aos governos de Arturo Frondizi (1952-1958); Arturo Illia (1963-1966) e Juan Domingo Perén e Isabel Pern (1973-1976). Nao podemos oferecer aqui as evidéncias empiricas sobre isso; remetemos 0 leitor a Marina Franco, Rompecabezas para armar: la seguridad interior como politica de Estado en la historia argentina reciente (1958-1976), Revista Contempordnea, n, 3, p. 77-96, 2012(b); € Pontoriero, De la conmocién interior a la guerra revolucionaria, Para uma melhor e mais detalhada caracterizagao histérica dos distintos mo- mentos considerados nessa periodizacao, ver Franco, Revista Contempordneas Marina Franco, La seguridad interna como politica de Estado em la Argentina del siglo XX, em Luciano Aronne de Abreu ¢ Rodrigo Patto $4 Motta (ed.), Autoritarismo e cultura politica, Rio de Janeiro, Fundagao Gétulio Vargas! EDIPUCRS, 2013. Fica ainda por refletir o como incluir o ciclo que se abre nos anos de 1930, mas acreditamos que, em 1955, via exclusao do peronismo, logicas e praticas eliminatérias novas sdo desenhadas. Abrir 0 ciclo em 1930 talvez pusesse 0 foco excessivamente sobre a alternancia civico-militar, e no sobre determinadas formas de gestao da violéncia de Estado. Vale a pena esclarecer que o primeiro presidente eleito em 1973, Héctor Cam- pora, revogou quase toda a legislagio repressiva da ditadura anterior, salvo a mencionada lei da Defesa. Entretanto, poucos meses mais tarde, J. D. Perén e depois sua vitiva e sucessora na presidéncia foram restabelecendo quase toda a legislagao revogada e introduzindo outras normas similares. Durante a transigao (1983-1984), para a maioria dos atores civis, o problema nao era a “luta antissubversiva” ou sua legitimidade, mas sim os “abusos” e “excessos” cometidos durante seu desenvolvimento. Essas consideracdes sobre o perfodo de transicao fazem parte de uma pesquisa em curso sobre a qual ainda nao tenho resultados publicados. 81

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